Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-graduação em História
Entre o direito e a política: a trajetória de advogados e a causa dos direitos
humanos (Rio Grande do Sul/1964-1982)
Dante Guimaraens Guazzelli
Porto Alegre, janeiro de 2018
2
Dante Guimaraens Guazzelli
Entre o direito e a política: a trajetória de advogados e a causa dos direitos
humanos (Rio Grande do Sul/1964-1982)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para a obtenção do título de doutor em
História
Orientadora: Profª. Drª. Carla Simone Rodeghero
Porto Alegre, janeiro de 2018
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4
Dante Guimaraens Guazzelli
Entre o direito e a política: a trajetória de advogados e a causa dos direitos
humanos (Rio Grande do Sul/1964-1982)
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul como requisito
parcial para a obtenção do título de doutor em
História
Orientadora: Profª. Drª. Carla Simone Rodeghero
Banca Examinadora:
________________________________________________________________
Virginia Susana Vecchioli (PPG-Ciência Sociais/UFSM)
________________________________________________________________
Tatyana de Amaral Maia (PPG-História/PUCRS)
________________________________________________________________
Caroline Silveira Bauer (PPG-História/UFRGS)
________________________________________________________________
Luiz Alberto Grijó (PPG-História/UFRGS)
Porto Alegre, janeiro de 2018
5
À Lizabel Barcellos Guazzelli e Honório Campos Peres,
que viveram esta história mas não chegaram a vê-la no papel
Para a Carinho, por estar sempre perto e por tudo
Para o Martim, pequeno deus da guerra que virá
6
Agradecimentos
Inicialmente, gostaria de agradecer a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, em especial ao Programa de Pós-Graduação em História pela oportunidade de
poder realizar a pesquisa, que me proporcionou trocas e aprendizados através dos
professores e colegas, o que foi fundamental para a execução da Tese. Mais do que
nunca devemos lutar para que este espaço de pesquisa e conhecimento público resista
aos ataques que vem passando.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
bolsa à qual fui agraciado entre novembro de 2013 e fevereiro de 2015. Da mesma
forma, a meus colegas e alunos das Escolas Municipais de Ensino Fundamental Heitor
Villa-Lobos e Porto Alegre-EPA (a “Escola da Resistência”) pelo companheirismo,
apoio, discussões e por serem exemplo de lutas contra o ataque a direitos humanos,
como o direito à educação, realizados por governos inescrupulosos que atacam a
educação pública.
Aos colegas de orientação que, no Seminário, leram e discutiram o texto de
qualificação. Em uma área como a História, na qual dispomos de poucos momentos de
debate e trocas, este espaço foi vital para o desenvolvimento de minha pesquisa. Aos
professores Lucia Grinberg e Fabiano Engelmann pela participação na banca de
qualificação e colocações que permitiram fazer crescer minha Tese. Da mesma forma,
agradeço às contribuições dos professores Virginia Vecchioli, Tatyana Maia, Caroline
Bauer e Luiz Alberto Grijó que se dispuseram a participar da banca de defesa.
Aos Arquivos e Acervos que possibilitaram as pesquisas, em especial àqueles
servidores das entidades culturais do Estado do Rio Grande do Sul que, mesmo com
ataques constantes da administração, mantém abertos e vivos os espaços. Neste sentido
fica meu muito obrigado especial a Patrícia Coser, do Arquivo Histórico do Rio Grande
do Sul, e Carlos Roberto da Costa Leite, o Beto, do Museu da Comunicação Hipólito
José da Costa por me auxiliarem nas visitas.
Devo um agradecimento especial à Sulamita Cabral, presidenta do IARGS,
Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira, Secretaria-Adjunta da OAB/RS, e Clara Luz,
funcionária da OAB/RS, sem as quais não poderia acessar acervos fundamentais para
meu trabalho. Sem vocês, esta Tese não seria possível. Agradeço também a gentileza de
Ricardo “Kadão” Chaves que cedeu sua fotografia para o trabalho e a Rafael
Guimaraens, pelo empréstimo dos exemplares do Jornal Informação.
7
Aos amigos e familiares pelo apoio, ajuda e por me possibilitar momentos nos
quais pensei em outras coisas além da tese, em especial aos meus pais, Bicó e Teli, por
tudo. Fica um agradecimento especial ao Chico e Emanuel, que em determinado
momento ajudaram nas pesquisas. Aos senhores Schüsseln e Kaninchenmann pela
inspiração e filosofia.
Agradeço também à família de Eloar – que também é a minha –, que sempre
mostraram interesse pela pesquisa e me auxiliaram sem grandes intervenções nos rumos
do trabalho. Isto permitiu diminuir ao máximo os “curto-circuitos” entre a história e a
memória familiar. Agradeço também à Heloiza Villeroy, Denise Broda, Ana Eni
Machado Millan, Nereu Lima e Honório Campos Peres pela disponibilidade em
conceder as entrevistas.
Devo profunda gratidão a Omar Ferri e Werner Becker que permitiram que eu
estudasse suas trajetórias sem colocar nenhuma restrição ou limite. Muito obrigado pela
oportunidade.
Agradeço muito também à minha orientadora, Carla Simone Rodeghero, que foi
fundamental para minha pesquisa e amadurecimento como historiador. Sou muito grato
por estes dez anos de orientação, aprendizado e parceria. Muito obrigado!
Finalmente, gostaria de agradecer a Caroline Rafaela Heck, minha esposa. Em
diversos momentos foste minha Pedra de Gibraltar e jamais teria conseguido nada sem
tua presença, auxílio, constantes revisões e compreensão neste trabalho – que terminou
depois do que devia... Te amo.
8
Isso é uma reconstrução. Tudo, cada detalhe é uma
reconstrução. É uma reconstrução agora, em minha
cabeça, enquanto estou deitada estendida em minha cama
de solteiro, ensaiando o que deveria ou não deveria ter
dito, o que deveria ou não deveria ter feito, como deveria
ter feito meu jogo. Se algum dia eu sair daqui...
Vamos parar nesse ponto. Pretendo sair daqui. Isto não
pode durar para sempre. Outros pensaram essas coisas,
em tempos difíceis antes deste, e estavam sempre certos,
conseguiram sair de uma maneira ou de outra, e não
durou para sempre. Embora para eles tenha durado todo
o para sempre que tinham.1
O Conto da Aia – Margaret Atwood
1
ATWOOD, Margaret. O Conto da Aia. Rio de Janeiro: Rocco, 2017, p. 163.
9
Prefácio
Isto é uma reconstrução: assim como o relato da aia encontrado em uma fita nos
tempos pós-Gilead de Margaret Atwood, esta tese é uma reconstrução. Uma
reconstrução que se iniciou em meados de 2012, quando resolvi novamente tentar a
seleção de doutorado, e queria entender, através da trajetória de “advogados de presos
políticos”, como os direitos humanos passaram a ser uma causa de grupos de esquerda.
A reconstrução daquele momento tinha a ver com a compreensão de um projeto
de uma esquerda democrática que tinha como utopia os direitos humanos em suas mais
diferentes esferas – direitos individuais, políticos, econômicos, sociais e culturais – que
havia surgido no final da década de 1970 e que, em 2012 estava em seu ápice. Vivia-se
no Brasil um período fértil em medidas que buscavam combater a desigualdade social,
racial, de gênero e de orientação sexual em diversos aspectos, mesmo que de forma
incompleta e não tão efetiva.
Além disso, em 2012 via-se que as marcas da ditadura civil-militar deixadas na
sociedade brasileira estavam, mais do que nunca, à vista. Eram realizadas ações por
parte do Estado brasileiro que visavam resolver algumas questões, o que era o caso da
Comissão de Anistia que, além de reparar financeiramente as vítimas da violência
estatal, reconhecia sua responsabilidade e promovia iniciativas que visavam o direito à
memória e à verdade em relação à ditadura.
Naquele ano, foi iniciado talvez o maior empreendimento governamental: a
Comissão Nacional da Verdade (CNV). Mesmo que sem responsabilizar judicialmente
os culpados e com diversas limitações, a CNV intentava registrar oficialmente todas as
violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura. A partir dela, o tema tomou
dimensões públicas, sendo frequentes as manchetes nos grandes jornais que debatiam
suas “descobertas” – muitas delas já conhecidas por estudiosos, militantes e pelo
público envolvido no tema.
E eu estava inserido neste contexto: havia, no ano anterior, participado do
projeto “Marcas da Memória – História Oral da Anistia no Brasil”, e estava, junto de
outros colegas, escrevendo um livro com financiamento de edital da Comissão da
Anistia que objetivava narrar a ditadura no estado através de textos e imagens da
época.2 Em 2013 eu participaria da curadoria de exposição com imagens da abertura
2
RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não calo,
grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial,
2013.
10
política no estado e, em 2014, faria curadoria assistente da exposição de abertura do
Museu dos Direitos Humanos do Mercosul.3 Este ambiente motivava e inspirava a
reconstrução inicial de minha tese.
Mas no meio do caminho tinha um golpe... e as ações do Estado em direção a
uma utopia dos direitos humanos foram interrompidas. Com estas mudanças minha
reconstrução não fazia mais sentido e passei a questionar o porquê de realizar a tese.
2016 foi um ano de reflexões e do amadurecimento de uma nova visão pessoal sobre
minha pesquisa. Passei a encarar de uma forma diversa o golpe de 1964, por exemplo,
vendo-o como um movimento que não se interrompeu nos primeiros momentos da
ditadura.
Cheguei, assim, a uma nova reconstrução partindo da percepção da Aia de que
“isto não pode durar para sempre”. Nesta perspectiva busco entender como outros “em
tempos difíceis antes deste (…) conseguiram sair de uma maneira ou de outra”,
mostrando que “não durou para sempre”. Passei a ver a trajetória de “meus” advogados
de forma diferente, buscando entender de que maneiras eles resistiram e conseguiram
sair da ditadura.
3
RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante. Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Desculpe
a Confusão: estamos de mudança! – A redemocratização nas ruas entre 1975 e 1988. Porto Alegre, 2013.
(Exposição); SANTOS, Márcio Tavares dos; GUAZZELLI, Dante Guimaraens; MATZEMBACHER, F.;
REOLON, M.. Deus e sua obra no sul da América: a experiência dos direitos humanos através dos
sentidos. Porto Alegre, 2014. (Exposição)
11
Resumo
A pesquisa busca analisar a trajetória dos advogados gaúchos Eloar Guazzelli,
Werner Becker e Omar Ferri durante a ditadura civil-militar brasileira relacionando-as
com a emergência da causa dos direitos humanos. Estes advogados ficaram
reconhecidos pela sua atuação na defesa de presos políticos e por suas atividades como
criminalistas. Devido ao seu trabalho, durante a ditadura eles surgiram no espaço
público denunciando e atacando as violências e o arbítrio cometidos pelo Estado, o que
fez com que eles ganhassem notoriedade na cena política, relacionando sua atuação com
a causa dos direitos humanos. Este reconhecimento levou-os a iniciarem uma carreira
política e candidatarem-se a cargos eletivos, o que aconteceu na eleição de 1982:
Guazzelli e Ferri lançaram candidatura à deputado federal e Becker à vereador em Porto
Alegre. Isto foi auxiliado pela atuação destes advogados dentro de entidades classistas,
como o Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS) e a seccional gaúcha
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), que, ao longo da ditadura, passaram a
criticar publicamente o regime. Desta forma, o trabalho procura mostrar os diferentes
meios nos quais os personagens transitaram com o intuito de reconstruir o processo no
qual conquistaram seu reconhecimento como advogados e militantes de esquerda.
Palavras-chave: trajetória; advogados; direitos humanos; ditadura civil-militar.
12
Abstract
The research seeks to analyze the trajectory of the lawyers Eloar Guazzelli,
Werner Becker and Omar Ferri during the Brazilian civil-military dictatorship, relating
them to the emergence of the cause of human rights. These lawyers were recognized for
their role in the defense of political prisoners and for their activities as criminalists. Due
to their work, during the dictatorship they appeared in the public scene denouncing and
attacking the violence and arbitration committed by the State, which caused them to
gain notoriety in the political scene, relating their action to the cause of human rights.
This recognition led them to start a political career and to stand for elected positions,
which happened in the 1982 election: Guazzelli and Ferri launched candidacy for the
federal deputy and Becker to the councilor in Porto Alegre. This was aided by the work
of these lawyers within class entities, such as the Rio Grande do Sul Lawyers Institute
(IARGS) and the Rio Grande do Sul branch of the Brazilian Bar Association (OAB /
RS), which, throughout the dictatorship, publicly criticize the regime. In this way, the
research tries to show the different means in which the characters have transited with
the intention to reconstruct the process in which they have gained their recognition as
advocates and militants of the left.
Keywords: trajectory; lawyers; human rights; civil-military dictatorship.
13
Lista de imagens
Imagem 1: Jornal do Dia, Porto Alegre, ano XIX, nº 5412, 20 de setembro de
1966, pp. 8-9. Omar Ferri acompanhando cliente que depôs na CPI. Fonte: Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional (http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64871). .... 144
Imagem 2: Zero Hora, Porto Alegre, 21 de agosto de 1969, primeiro caderno, p.
31. Reportagem com Maria Klein, mãe de Julinho. No alto à direita, fotografia do
assaltante no hospital. Fonte: Acervo de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito
José da Costa. ............................................................................................................... 177
Imagem 3: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p.
34. Reportagem de Ademar Vargas de Freitas com uma uma fotografia de Guazzelli no
julgamento de Bassani. No alto à esquerda o logotipo criado pela Zero Hora para
ilustrar o caso. Fonte: Acervo de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da
Costa. ............................................................................................................................ 181
Imagem 4: Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº 1622, 20 de março de
1975, capa. Ao centro fotografia de Conselheiros da OAB/RS aguardando audiência
com o Governador para tratar das prisões. Fonte: Acervo de Imprensa do Museu da
Comunicação Hipólito José da Costa. .......................................................................... 213
Imagem 5: Lilia Celiberti e Omar Ferri denunciam o sequestro. Fotógrafio:
Ricardo Chaves (publicado com a autorização do artista). .......................................... 255
Imagem 6: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 269, 6 de
janeiro de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 9. Na fotografia, Lilia Celiberti recebendo os
conselheiros da OAB/RS Marcus Melzer, José Mariano Beck e o advogado Omar Ferri.
Fonte: Centro de Documentação do Jornal do Brasil. .................................................. 265
Imagem 7: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 275, 10 de
janeiro de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 7. Na fotografia do alto, Werner Becker e
Justino Vasconcelos (à esquerda) acompanham Luiz Cláudio Cunha (ao centro) em
depoimento. Fonte: Centro de Documentação do Jornal do Brasil. ............................. 271
Imagem 8: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987,
1º Caderno, Polícia, pp. 26-27. Na fotografia do alto, está, em primeiro plano, Flávio
ouvindo seus advogados Eloar Guazzelli e Carlos Frederico Barcellos Guazzelli. À
esquerda dos advogados está a filha de Eloar, Julieta, e à direita, a colega de escritório
14
Ana Eni Machado Milan. Fonte: Acervo de Imprensa do Museu da Comunicação
Hipólito José da Costa. ................................................................................................. 307
Imagem 9: Propaganda eleitoral de Eloar Guazzelli na campanha de 1978.
Fonte: Acervo familiar.................................................................................................. 317
Imagem 10: Propaganda eleitoral dos candidatos Eloar Guazzelli e Fernando do
Canto de 1982 [Documento PP 2094]. Fonte: Acervo do Núcleo de Publicidade e
Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa. ................................ 354
Imagem 11: Propaganda eleitoral dos candidatos Omar Ferri, Antenor Ferrari e
Caio Lustosa de 1982 [Documento 1987.38.4.7/ PP 2042]. Fonte: Acervo do Núcleo de
Publicidade e Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa. .......... 357
Imagem 12: Propaganda eleitoral de Werner Becker de 1982. Fonte: Acervo do
Núcleo de Publicidade e Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
...................................................................................................................................... 358
15
Lista de abreviaturas e siglas
ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
ACRIERGS – Associação dos Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul
AGETRA – Associação Gaúcha dos Advogados Especialistas em Direito do
Trabalho
AHRS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AI – Ato Institucional
APOF – Acervo Pessoal Omar Ferri
Arena – Aliança Renovadora Nacional
CEJUR – Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR)
CPM – Código Penal Militar
CPPM – Código de Processo Penal Militar (CPPM)
CCJ – Comissão de Constituição e Justiça
CSN – Comissão de Segurança Nacional
CEV/RS – Comissão Estadual da Verdade do Rio Grande do Sul
CJP/SP – Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo (CJP/SP)
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CC – Comitê Central do PCB
CLAMOR – Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para os países do Cone
Sul
DOPS – Departamento de Ordem Política e Social
ESG – Escola Superior de Guerra (ESG)
FBC – Fundação Brasil Central
IEPES – Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais do MDB
IARGS – Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
IPM – Inquéritos Policiais-Militares
LOJM – Lei de Organização Judiciária Militar (LOJM),
LSN – Lei de Segurança Nacional (LSN - Decreto-Lei 314/67)
MDB – Movimento Democrático Brasileiro
MJDH – Movimento de Justiça e Direitos Humanos
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OAB/RS – Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul
16
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDC – Partido Democrata Cristão
PDS – Partido Democrático Social
PDT – Partido Democrático Trabalhista
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PP – Partido Popular
PRC – Partido Revolucionário Comunista
PT – Partido dos Trabalhadores
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC – Pontifícia Universidade Católica
PVP – Partido por la Victoria del Pueblo
SIJAU – Secretariado Internacional de Juristas por la Amnistia en el Uruguay
SJM – Setor Jovem Metropolitano
STF – Supremo Tribunal Federal
STM – Superior Tribunal Militar
UDN – União Democrática Nacional
17
Sumário
Introdução ....................................................................................................................... 20
Fontes e metodologia ...................................................................................... 30
História oral e relatos biográficos ................................................................... 32
Memória, proximidade e subjetividade .......................................................... 39
Revisão Bibliográfica ..................................................................................... 42
Capitulo I – Os advogados, a ditadura e os direitos humanos: trajetórias entre o direito e
a política ......................................................................................................................... 49
I.1. A justiça durante a ditadura civil-militar .................................................. 51
I.2. Os advogados de presos políticos durante a ditadura civil-militar brasileira
........................................................................................................................ 58
I.3. Eloar Guazzelli, Werner Becker e Omar Ferri e o mundo do direito no Rio
Grande do Sul ................................................................................................ 70
I.4. Os advogados, a OAB e os direitos humanos .......................................... 76
I.5. Os advogados e a política ......................................................................... 89
Capítulo II - Reconstrução e resistência: a atuação dos advogados Eloar Guazzelli,
Omar Ferri e Werner Becker entre os anos 1964 e 1973.............................................. 100
II.1. O Golpe e os golpes de 1964 ................................................................ 100
II.1.1. O golpe anticomunista de Eloar Guazzelli ................................... 101
II.1.2. O golpe antitrabalhista de Omar Ferri .......................................... 103
II.1.3. O golpe antissindicalista de Werner Becker ................................. 107
II.2. O comunista, o brizolista e o ermitão político: os advogados e seus
grupos ........................................................................................................... 110
II.3. Políticos no meio de advogados I: comunistas no IARGS e na OAB/RS
nos primeiros anos de ditadura (1964-1966)................................................ 118
II.4. “...bem como o tratamento dispensado a presos políticos”: a CPI do caso
das mãos amarradas e a denúncia da repressão............................................ 130
II.5. O Capitão do Povo contra os gorilas robôs: Eloar e a repressão judicial
nos primeiros anos ....................................................................................... 145
18
II.6. O grego dos bolsos de ouro e a assassina do disco: as “ações de
repercussão” nos primeiros anos de advocacia de Omar Ferri após o golpe 149
II.7. Políticos no meio dos advogados II: comunistas no IARGS e na OAB/RS
em 1967 e 1968 ............................................................................................ 153
II.8. O cotidiano da defesa de presos políticos ............................................. 157
II.9. Werner Becker e os brigadianos subversivos ....................................... 161
II.10. Políticos no meio dos advogados III: comunistas no IARGS e na
OAB/RS nos “anos de chumbo” (1969 a 1971) ........................................... 163
II.11. Julgamentos do ano: atuação de Eloar Guazzelli no “caso do Julinho” e
no “crime da mala” ...................................................................................... 170
II.12. Políticos no meio dos advogados IV: comunistas no IARGS e na
OAB/RS em 1972 e 1973 ............................................................................ 184
II.13. Os terroristas estão sendo julgados: as ações armadas no banco dos
réus ............................................................................................................... 187
Capítulo III – Consagramento e lutas em tempos de mudança: a atuação dos advogados
entre os anos 1974 e 1977 ............................................................................................ 192
III.1. Advogados no meio da política (I): o IARGS e o conselho seccional da
OAB/RS em 1974 e 1975 ............................................................................ 192
III.2. A prisão de comunistas em 1975 e a atuação da OAB e Eloar Guazzelli
...................................................................................................................... 208
III.3. Velhos e jovens comunistas no meio dos advogados ........................... 221
III.4. Advogados no meio da política (II): as entidades classistas dos
advogados entre 1976 e 1977 ....................................................................... 224
III.5. Desculpa, mas eu sou um cara muito conhecido em Porto Alegre,
entende? – a atuação de Werner Becker em diferentes áreas ...................... 236
Capítulo IV – Advogados nos holofotes: a atuação dos advogados em 1978 e 1979 ... 241
IV.1. Advogados no meio da política (III): as entidades classistas dos
advogados nos anos 1978 e 1979 ................................................................. 241
IV.2. Os advogados e una pareja y dos hijos: o caso do sequestro dos
uruguaios ...................................................................................................... 252
IV.3. Lia Pires, o advogado do status quo .................................................... 290
19
IV.4. “O Grande Júri”: Eloar e o “Caso do Flávio” ...................................... 292
IV.5. O “Advogado dos Direitos Humanos”: a eleição de 1978 .................. 312
Capítulo V – Reconhecimento e um novo tempo: a atuação dos advogados entre 1979 e
1982 .............................................................................................................................. 323
V.1. O Velho Guazzelli vai a Brasília: o mandato de Eloar Guazzelli na
Câmara dos Deputados e a “terrível moléstia” (1979-1982) ....................... 323
V.2. Omar Ferri e os primeiros anos do MJDH ............................................ 336
V.3. Advogados no meio da política (IV): as entidades classistas dos
advogados entre os anos 1980 e 1982 .......................................................... 340
V.4. Três homens e um destino: a eleição de 1982 ....................................... 346
Considerações finais ..................................................................................................... 363
Bibliografia ................................................................................................................... 368
Anexo – composição da diretoria do IARGS e do Conselho Seccional da OAB/RS
(1964-1982) .................................................................................................................. 379
20
Introdução
Porto Alegre, primavera de 1982. Depois de dezesseis anos de forçada
polarização partidária, vivia-se no Rio Grande do Sul uma eleição com diversas siglas
diferentes: PDS, PMDB, PDT e PT disputavam os votos dos gaúchos em uma eleição
que trazia uma singularidade na história eleitoral brasileira – aquele eleitor que votasse,
em um de seus seis votos, em um partido diferente, anularia sua escolha. Esta nova regra
fazia parte de um conjunto de medidas que a ditadura utilizou para enfraquecer a
oposição: além de dividir o antigo MDB com a reformulação partidária (já que se viu
dividido em quatro partidos, enquanto que a Arena mantinha-se una no PDS), impedia a
coligação entre partidos, além da “fidelidade partidária” imposta citada acima. 4
Apesar de ter sido uma manobra do governo, o fim do bipartidarismo foi
saudado por diversos setores do MDB, que viram a oportunidade como uma forma de
melhor acomodar os diferentes matizes presentes da oposição.5 O que se percebeu nas
eleições é que estas medidas do governo deram frutos, uma vez que a oposição dividiuse – tendo seus partidos digladiando-se pelos votos daqueles que queriam o fim do
regime –, enquanto que o PDS reinava solitário como campeão da situação.
Nessa concorrência pelos votos contrários à ditadura, cada partido buscava criar
uma imagem que lhe rendesse vantagens. O pequeno e radical Partido dos
Trabalhadores apresentava-se como um partido de oposição “novo”, que apontava para
uma “nova” esquerda brasileira, trazendo entre seus candidatos representantes do “novo
sindicalismo” – personificado pelo líder sindical e candidato ao governo do Rio Grande
do Sul, Olívio Dutra – e daqueles que haviam lutado na clandestinidade – como era o
caso do candidato ao Senado, Raul Pont. Já o PDT, sob a liderança do ex-exilado
Leonel Brizola, e tendo como candidato ao governo gaúcho Alceu Collares, buscava
vincular-se ao passado anterior ao golpe, evocando o Trabalhismo do antigo PTB e um
4
Em 27 novembro de 1979 foi extinto o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA). A partir deste momento organizaram-se seis: o Partido Democrático
Social (PDS), sucessor da ARENA; o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); o Partido
Popular (PP), que reunia membros da ARENA e do MDB; o Partido dos Trabalhadores (PT); o Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Em 1981 foi lançado pelo
governo o “Pacote de Abril” que proibia as alianças partidárias e vinculava os votos em todos os níveis (o
voto seria considerado nulo se não fosse feito no mesmo partido). O PTB não concorreu no Rio Grande
do Sul na eleição de 1982, pois não havia obtido registro no estado, enquanto que o PP já estava extinto e
seus membros participavam do PMDB.
5
KINZO, Maria D’alva Gil. Oposição e autoritarismo – gênese e trajetória do MDB (1966-1979). São
Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 208.
21
projeto que havia sido derrubado em 1964. Finalmente, o PMDB queria mostrar-se
como legítimo defensor da democracia durante o período das trevas do arbítrio, ou seja,
como o Partido do MDB: por esta razão escolheu os líderes da antiga legenda, Pedro
Simon e Paulo Brossard, como candidatos a governador e senador, respectivamente.
Nas eleições de 1982 houve uma grande preocupação do PMDB em manter a
unidade das oposições para impedir que os objetivos do governo fossem alcançados. Por
esta razão, pode-se considerar, concordando com o cientista político César Figueiredo, o
PMDB “como sendo uma grande frente democrática, viés com ideológico de centroesquerda”.6 No caso gaúcho, havia uma preocupação grande em relação ao PDT, uma
vez que este partido contava com considerável popularidade no estado. De acordo com
Rhuan Trindade que estudou a rivalidade entre PMDB e PDT nas eleições de 1982 no
Rio Grande do Sul,
os dois partidos de oposição mais destacados, além de terem o inimigo
em comum, o PDS, vão colocar-se um em oposição ao outro,
diferenciando-se através da produção de expedientes que ao mesmo
tempo são contrastantes com relação ao outro e constroem a imagem
que o partido quer transmitir de si mesmo.7
Como mencionado acima, neste enfrentamento, o PMDB utilizava-se “da
‘memória’ do MDB e do seu histórico de lutas por direitos políticos e sociais ao longo
da ditadura militar como forma de angariar votos nas eleições de 1982”.8
Assim, poderíamos dizer que três modelos disputavam o voto do eleitor
oposicionista: um que apontava para o futuro (PT), outro para o passado anterior ao
golpe (PDT) e um terceiro para um passado mais próximo (PMDB). E para reforçar esta
imagem de (P)MDB, a agremiação buscou colocar em suas fileiras “verdadeiros
campeões da democracia” – como os candidatos ao Piratini e ao Senado,.9
Partindo desta exigência, três nomes encaixavam-se perfeitamente: Eloar
Guazzelli, Omar Ferri e Werner Becker. Os três tinham trajetórias que apontavam neste
sentido: eram advogados que defenderam os opositores à ditadura na Justiça Militar,
além de terem atuado de forma decisiva em episódios que denunciavam as violências
FIGUEIREDO, César Alessandro Sangrillo. A relação dos PC’s com o MDB-PMDB no cenário da
transição e as eleições de 1982 no RS. Porto Alegre, UFRGS, 2009, p. 88. Dissertação de Mestrado em
Ciência Política.
7
TRINDADE, Rhuan Targino Zaleski. A divisão das oposições e as oposições divididas: a rivalidade
PDT x PMDB na campanha eleitoral de 1982 no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS, 2011, p. 33.
Monografia de conclusão de curso em História.
8
Idem, p. 50.
9
Quanto ao resultado das eleições, a oposição perdeu duas batalhas amargas: o governo do estado e a
vaga no Senado. Já na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa riograndense a oposição
obteve a maioria das cadeiras, divididas entre o PMDB e o PDT. Idem, pp. 52-53.
6
22
cometidas pelo regime. Atendiam, assim, a um requisito importantes para o (P)MDB:
haviam se oposto à ditadura em meios legais, legítimos e “abertos”. Além disso, suas
atuações estavam sendo ressignificadas a partir de uma nova causa que emergia
naqueles anos no Brasil: os direitos humanos.
A visibilidade que estes advogados tiveram neste momento deveu-se,
primeiramente, a um contexto nacional favorável a eles: havia outros advogados com o
mesmo perfil em diferentes regiões do país que também tiveram visibilidade e que se
aventuravam em campanhas eleitorais. Por outro lado, a candidatura dos três advogados
aqui analisados foi resultado de uma longa trajetória pessoal durante a ditadura que
permitiu que eles construíssem uma reputação – “um nome” nas palavras de Werner
Becker – entre os opositores da ditadura, ao mesmo tempo que se constituíam como
advogados reconhecidos nos meios jurídicos.10
Intento nesta tese analisar a trajetória dos três advogados, buscando ver a
construção desta “reputação” e, através disso, notar o fortalecimento da causa dos
direitos humanos por parte das esquerdas brasileiras.11
Eloar Guazzelli iniciou seu trabalho com presos políticos logo após o golpe,
defendendo militares que haviam tentado organizar a resistência.12 É provável que estes
militares procurassem-no porque era vinculado à esquerda – militava no Partido
Comunista Brasileiro (PCB) –, além de ter certo reconhecimento na área do direito
criminal. Sua fama como criminalista cresceu após ele transferir-se de Vacaria para
Porto Alegre, em 1963, devido a defesas que tiveram destaque em casos de crimes
“comuns” muito divulgados na imprensa da época. A partir do momento em que
começou a atuar na Auditoria Militar, Guazzelli acabou especializando-se na área,
sendo um nome apontado para aqueles que estavam respondendo a processos nessa
alçada. 13
10
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guazzelli no dia 25 de setembro de 2012 em Porto
Alegre.
11
Parto da conceituação proposta pelos historiadores Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis Filho, na série de
livro As esquerdas no Brasil, que afirmam que de esquerda seriam todas as forças e lideranças que são
inspiradas pela mudança em busca de igualdade e, no caso brasileiro, são críticas do liberalismo, “visto
como fonte e força de conservação da Ordem Tradicional”. Da mesma forma que os autores, opto pelo
termo esquerdas buscando dar evidência à pluralidade e diversidade das tendências políticas deste campo.
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. “Apresentação”. FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As
esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007, pp. 11-12.
12
Verbete Eloar Guazzelli. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro
pós 1930. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo
13
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011. Dissertação de Mestrado em História.
23
Sua atuação como defensor de presos políticos possivelmente o levou a ser o
responsável pelo relatório solicitado pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do
Sul (IARGS) para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia
Legislativa do Rio Grande do Sul referente ao “caso das mãos amarradas” e ao
tratamento dado aos presos políticos no estado em 1966. Em 11 de março daquele
mesmo ano, o ex-sargento Manoel Raymundo Soares tinha sido preso por agentes da
repressão próximo ao Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre. Soares, que estava em
Porto Alegre para militar contra a ditadura, passou vários meses entre celas e sessões de
tortura, enquanto sua mulher Elizabeth Chalupp Soares buscava, através de habeas
corpus no Superior Tribunal Militar, obter sua liberdade. Após ser retirado da Ilha do
Presídio, o ex-sargento foi levado ao Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS/RS) e, entre 13 e 19 de agosto, sofreu diversas torturas, que culminaram com
sua morte por afogamento no Lago Guaíba. No dia 24 de agosto, o corpo, com as mãos
amarradas às costas, foi encontrado por agricultores próximo à Ilha da Pintada, nos
arredores de Porto Alegre.14
A partir deste momento, o caso ganhou grande repercussão na sociedade gaúcha,
levando à abertura de um inquérito no Tribunal de Justiça pelas mãos do promotor
Cláudio Tovo e de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia
Legislativa – na qual também atuaram, de forma menos intensa que Eloar, Omar Ferri e
Werner Becker.15 Através deste caso, foram feitas denúncias aos tratamentos dados aos
presos políticos, sendo avaliada a situação pela qual os mesmos passavam no DOPS/RS
e na Ilha do Presídio. As investigações do Ministério Público e da CPI levaram, entre
outras medidas, ao fechamento do aparelho repressivo paralelo, conhecido como
Sobre o “caso das mãos amarradas” ver: BAUER, Caroline. Avenida João Pessoa, 2050, 3º andar:
terrorismo de Estado e ação da polícia política do Departamento de Ordem Política e Social do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS, 2006, p. 161-173. Dissertação de Mestrado em História; ROSA,
Susel Oliveira da. Estado de exceção e vida nua: violência policial em Porto Alegre entre os anos de 1960
e 1990. Campinas: UNICAMP, 2007, pp. 79-117. Tese de Doutorado em História; CABRERA, Carlos
Artur Gallo. A política na balança e o caso das mãos amarradas: um estudo de caso sobre Política e
Justiça no Brasil pós-Ditadura Civil-Militar (1964-85). Porto Alegre: UFRGS, 2010. Monografia de
Conclusão de curso em Ciência Política; RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante
Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não Calo, Grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, pp. 55-60. No cinquentenário foi lançado o livroreportagem: GUIMARAENS, Rafael. O sargento, o marechal e o faquir. Porto Alegre: Libretos, 2016.
15
COMISSÃO Parlamentar de Inquérito que investiga as circunstâncias da morte do ex-sargento do
Exército nacional Manoel Raymundo Soares, bem como o tratamento dispensado a presos políticos.
Relatório. Atas da Comissão Parlamentar. Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Dezembro de
1967.
Disponível
em
http://www2.al.rs.gov.br/memorial/Publica%C3%A7%C3%B5eseDocumentosHist%C3%B3ricos/tabid/3
607/Default.aspx
14
24
“Dopinha”, que funcionava em uma casa localizada na Rua Santo Antônio em Porto
Alegre, na qual eram realizadas torturas.16
Ao longo das décadas de 1960 e 1970, Eloar continuou seu trabalho com presos
políticos, sendo procurado por militantes de diversas organizações, como mostrei em
minha dissertação de mestrado17, além de participar de processos criminais que tiveram
ampla repercussão na imprensa. Durante este período ele também atuou em entidades de
classe, como a OAB/RS e o IARGS. Ao mesmo tempo, ele era procurado por órgãos da
imprensa alternativa, como o Jornal Informação e o Coojornal, para pronunciar-se
quando estes periódicos se propunham a relatar denúncias da repressão.18 Essa atuação
pode ter sido determinante para o lançamento da candidatura de Guazzelli para
deputado federal em 1978 através do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Foi
eleito e lançou nova candidatura em 1982, pelo PMDB.
A primeira candidatura de Eloar, no ano de 1978, deu-se em um contexto em
que o MDB passou a ser visto como um instrumento para a oposição à ditadura. Isto
ocorreu a partir da eleição de 1974, que foi considerada como “um plebiscito em que os
eleitores votavam antes contra o governo do que na oposição”.19 Este caráter
plebiscitário se manteve nas eleições seguintes. Após este pleito, a ditadura tentou
barrar o crescimento do MDB através de manobras como a chamada Lei Falcão, que
limitava a participação dos candidatos na televisão e no rádio. Apesar disso, o partido
oposicionista consolidou-se como um veículo da insatisfação da população. Nas
eleições de 1978, por exemplo, cresceu o número de votos na legenda do partido. O
MDB também aumentou sua base, que passou a contar com setores mais radicais.20
Podemos ver neste momento que o MDB se inseria em um novo ethos das esquerdas:
16
BAUER, Caroline. Avenida João Pessoa, 2050, 3º andar: terrorismo de Estado e ação da polícia
política do Departamento de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS, 2006,
p 83. Atualmente há um projeto em andamento com o intuito de transformar a casa em um espaço de
memória.
17
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011. Dissertação de Mestrado em História.
18
Dois exemplos disso são matérias destes jornais que tratam de violências realizadas pela repressão:
“Guazzelli e o Dops”. In: Jornal Informação, Porto Alegre, nº 8, 9 de setembro de 1976, p. 2; TUBINO,
Najar; SCHIMDT, Caco. “Um delegado acima da lei”. In: Coojornal, Porto Alegre, Ano IV, nº 40, abril
de 1979, p. 29.
19
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1986). Bauru: EDUSC, 2005, p.
228.
20
REIS, Eliana Tavares dos. Contestação, engajamento e militantismo: da “luta contra a ditadura” à
diversificação das modalidades de intervenção política no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS,
2007. Tese de doutorado em Ciência Política; FIGUEIREDO, César Alessandro Sangrillo. A relação dos
PC’s com o MDB-PMDB no cenário da transição e as eleições de 1982 no RS. Porto Alegre, UFRGS,
2009, p. 88. Dissertação de Mestrado em Ciência Política.
25
era dado espaço às novas causas que surgiam (como os direitos humanos, a luta pela
anistia, a redemocratização, a luta contra a carestia e o “novo sindicalismo”) e
procuravam-se lançar candidatos que as representassem. Talvez tenha sido por esta
razão que surgiram candidatos que atuaram na defesa de presos políticos.21
Já Werner Becker iniciou sua atuação na defesa de presos políticos, segundo ele
próprio, devido a necessidades profissionais. Ele, que já trabalhara em diversas áreas
profissionais, havia perdido seu emprego como jornalista após o golpe por sua
militância no Sindicato dos Radialistas, e viu no curso interrompido de Direito uma
possibilidade de obter sustento. Enquanto ia à busca do diploma, ele iniciou sua
atividade profissional como “solicitador”, o que permitia que ele atuasse em causas.
Ainda segundo Becker, a defesa de presos políticos, algo que era rejeitado pela
maioria dos advogados, mostrou-se como uma área em que aquele jovem advogado
poderia crescer e obter reconhecimento. Ele, em entrevista concedida a mim, afirmou
que esses casos davam grande notoriedade, já que a imprensa dava maciça cobertura à
Auditoria Militar.22 Ele acabou também sendo reconhecido como especialista nestes
casos, o que levou os jornalistas Luiz Cláudio Cunha e João Baptista Scalco a procurálo quando se viram envolvidos no caso do “sequestro dos uruguaios”.23 Através de sua
notoriedade nestes casos, ele foi procurado pelo PMDB para lançar candidatura a
vereador em Porto Alegre em 1982. 24
Em novembro de 1978, os militantes uruguaios do Partido por la Victoria del
Pueblo (PVP), Lilián Celiberti, seus dois filhos menores e Universindo Díaz foram
sequestrados por agentes repressivos uruguaios e brasileiros em sua residência em Porto
Alegre.25 Esta ação, denominada Operação Zapato Roto, fazia parte da Operação
Condor, uma organização conjunta das ditaduras do Cone Sul durante a década de 1970
para reprimir os opositores além das fronteiras dos países.
21
Além dele, os advogados de presos políticos Modesto da Silveira, Marcelo Cerqueira (no Rio de
Janeiro) e Airton Soares (em São Paulo) também candidataram-se a deputado federal no pleito de 1978.
MARTINS, Paulo Emílio; MUNTEAL, Oswaldo; SÁ, Fernando (orgs). Os advogados e a ditadura de
1964: A defesa dos perseguidos políticos no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes; Rio de Janeiro: Editora
PUC-Rio, 2010.
22
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guazzelli no dia 25 de setembro de 2012 em Porto
Alegre.
23
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor – O seqüestro dos uruguaios: uma reportagem dos tempos
da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, pp. 207-216.
24
“Personagens das Diretas Já contam o que mudou em duas décadas”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 23
de agosto de 2008. Disponível em http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2008/08/personagens-dasdiretas-ja-contam-o-que-mudou-em-duas-decadas-2137077.html
25
FERRI, Omar. Seqüestro no Cone Sul: o caso de Lílian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981; CUNHA. Op. cit.; BAUER. Op. cit., pp. 229-241
26
Os uruguaios ficaram incomunicáveis e passaram por diversas sessões de
torturas nas dependências do DOPS/RS até 17 de novembro. Nesse dia, os jornalistas
Luiz Claudio Cunha e João Baptista Scalco, da sucursal gaúcha da Revista Veja,
receberam uma denúncia anônima sobre o sequestro e foram ao endereço de
Universindo e Lilián. Lá, eles encontraram Lilián e foram interrogados por dois agentes
da repressão. Posteriormente, os sequestrados foram entregues clandestinamente à
repressão uruguaia. A partir deste momento, os jornalistas iniciaram um trabalho
investigativo junto com o advogado Omar Ferri que denunciou as ações. O caso teve
grande repercussão e levou à liberdade da família sequestrada e a um processo de
responsabilização dos envolvidos.
A atuação do advogado Omar Ferri foi fundamental: assim como os jornalistas,
ele fora informado sobre o sequestro. Logo após o rapto, ele passou a atuar em nome
dos uruguaios, tomando papel de protagonista no evento.
Omar Ferri iniciou sua carreira de advogado em meados da década de 1950 em
sua cidade natal, Encantado, no interior do Rio Grande do Sul.26 Lá também iniciou sua
atuação política partidária, sendo eleito vereador pelo PTB em 1958. Em 1962, passou a
ser procurador da Fundação Brasil Central (FBC), vinculando-se ao Governo Jango.27
Por ocasião do Golpe, Omar Ferri foi expurgado de seu cargo na Fundação Brasil
Central e, após um período de clandestinidade, transferiu-se para Porto Alegre, onde
passou a advogar.
28
Durante um breve período após o golpe, Ferri, que era suplente
pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), assumiu a cadeira de deputado estadual
devido a uma onda de cassações entre os membros de seu partido, até ser ele também
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto Alegre,
Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8. Disponível em
http://www.tjrs.jus.br/site/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_
gaucho/revista_justica_e_historia/issn_1676-5834/v4n8/index.html
27
A Fundação Brasil Central (FBC) foi uma entidade criada em 1943, durante o Estado Novo, que tinha
como objetivo a integração das regiões Centro-Oeste e Norte do país. Entre as diversas iniciativas
destaca-se a expedição Serrador-Xingu realizada pelos irmãos sertanistas Orlando, Cláudio e Leonardo
Villas-Bôas. Sobre a FBC ver MACIEL, Dulce Portilho. “Estado e território no Centro-Oeste brasileiro
(1943-1967). Fundação Brasil Central (FBC): a instituição e inserção regional no contexto sócio-cultural
e econômico nacional”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes (orgs). Anais do XXVI Simpósio Nacional da
ANPUH – Associação Nacional de História. São Paulo: ANPUH-SP, 2011. Disponível em
www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1308191538_ARQUIVO_ANPUH.2011Trabalhocompleto.pdf
28
Apesar de ter apoiado o golpe, a Ordem dos Advogados do Brasil, em meados de 1964, decidiu que os
advogados cassados poderiam continuar atuando profissionalmente. MATTOS, Marco Aurélio V. L. de.
Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 1945-1964. São
Paulo: Alameda, 2013, p. 129.
26
27
cassado. Nos anos seguintes, tentou concurso de promotor público, no qual não foi
aprovado, segundo o próprio, por razões políticas.29
Passados estes eventos, Ferri dedicou-se totalmente à advocacia, especializandose em direito criminal e trabalhista, além de atuar na defesa de presos políticos na
Auditoria Militar de Porto Alegre. Por esta razão, foi procurado por defensores dos
direitos humanos para atuar em nome dos uruguaios sequestrados pela ditadura
brasileira. A partir deste momento, Ferri passou a militar diretamente no Movimento de
Justiça e Direitos Humanos (MJDH), criado em 1979. Em 1982, Omar Ferri lançou
candidatura à Câmara Federal pelo PMDB.
No caso do “sequestro dos uruguaios” Omar Ferri e Werner Becker tiveram uma
postura ativa na denúncia das conexões repressivas criadas pelas ditaduras latinoamericanas, em especial a Operação Condor, além de mostrar ao grande público as
violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura civil-militar brasileira.
Esse breve relato sobre os três advogados indica que eles participaram da luta
contra o arbítrio e repressão da ditadura através de sua atividade profissional. Ao
mesmo tempo, ao envolver-se em casos de maior repercussão e fazer denúncias em
meios públicos, como na CPI que foi criada na Assembleia Legislativa para investigar o
sequestro dos uruguaios e na imprensa, estes advogados estavam dando contornos
políticos à sua atividade profissional.
Fazendo tais denúncias, eles extrapolaram o ofício do defensor e contribuíram
para a criação de uma opinião pública contrária ao regime e aos seus métodos. Por
terem auxiliado no fortalecimento dos movimentos de oposição ao regime, Guazzelli,
Becker e Ferri surgiam como bons nomes para candidaturas em um momento no qual a
insatisfação com a ditadura estava crescendo e sendo canalizada nos partidos de
oposição. Escolhi esses três advogados para a presente pesquisa devido ao fato de que
eles ressignificaram sua atuação profissional dando-lhe contornos políticos (através da
denúncia do arbítrio e das violações dos direitos humanos), e, em especial, utilizaram-se
dela em suas campanhas eleitorais durante a abertura democrática.
Da mesma forma, ao analisar a trajetória desses advogados é possível perceber
uma mudança das esquerdas brasileiras ocorrida ao longo da década de 1970: estava em
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto Alegre,
Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 18. Disponível
em
http://www.tjrs.jus.br/site/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_
gaucho/revista_justica_e_historia/issn_1676-5834/v4n8/index.html
29
28
curso, neste período, uma guinada dela em direção à defesa das liberdades
democráticas, em especial os direitos humanos. Através das trajetórias de Guazzelli,
Becker e Ferri podemos perceber o crescimento da legitimidade do tema dos direitos
humanos na sociedade. No final da década de 1970, o Direito deixou de ser visto pelas
esquerdas brasileiras como uma ferramenta para a manutenção da ordem burguesa e
passou a ser encarado como uma arma que poderia ser usada contra o arbítrio. Ao
mesmo tempo, estes setores encamparam os direitos humanos como uma de suas
principais bandeiras de luta. Ao analisar a visibilidade pública que estes advogados
foram adquirindo ao longo da ditadura, poderemos perceber esta transformação.
As trajetórias destes três advogados específicos permitem focar em diferentes
aspectos deste processo, como buscarei mostrar na tese. Devido aos diferentes perfis,
cada um deles vivenciou o golpe de 1964 de forma diversa e ao longo da ditadura, teve
caminhadas distintas derivada, cujas análises possibilitam ver um quadro mais amplo
sobre as relações existentes entre direito, política e oposição no período. Mesmo que
outros advogados gaúchos tenham realizado ações semelhantes – muitas delas citadas
nesta tese – penso que através das trajetórias de Guazzelli, Becker e Ferri é possível um
estudo mais complexo destas relações. A escolha destes três advogados está baseada
tanto nos diferentes matizes ideológicos quanto nos caminhos diversos que eles
trilharam até chegar na eleição de 1982.
Assim, com esta pesquisa proponho abordar a trajetória dos advogados Eloar
Guazzelli, Omar Ferri e Werner Becker durante a ditadura civil-militar, buscando a
repercussão pública de sua atuação profissional e a participação de cada um no espaço
público realizando denúncias, através de jornais ou de organizações profissionais, como
a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS) e o IARGS.
O estudo dessas atuações particulares ajudará a perceber os significados dados pelas
esquerdas ao Direito ao longo da ditadura.
A partir destas considerações iniciais, apresento as questões que norteiam a
pesquisa. Inicialmente buscarei saber como foi a atuação destes advogados durante a
ditadura. Como suas vidas foram transformadas pelo Golpe? Como iniciaram suas
atuações como advogados em casos políticos? Como eles foram adquirindo
notoriedade?
Partindo da cobertura feita pela imprensa sobre a atuação dos advogados
buscarei abordar a visibilidade que estes advogados adquiriram nos casos políticos.
29
Durante os primeiros anos da ditadura, Guazzelli e Ferri participam como defensores de
casos referentes a criminosos “comuns” que tiveram grande difusão na imprensa
gaúcha, o que auxiliou a sedimentar seus nomes como “grandes criminalistas”. Estes
casos encaixam-se no que Boris Fausto denominou de “grandes crimes”, que seriam
definidos como casos “que se destacam pela exuberância sangrenta, por envolver
paixões amorosas, pela importância dos protagonistas, ou por tudo isso junto”. 30 Foram
apontados por Ferri e colegas de escritório de Guazzelli como momentos importantes
para a construção do “nome” dos advogados como criminalistas os processos referentes
aos réus Terezinha de Castro Maxwell, Savas Panayotis Kitrinopopoulos (defendidos
por Omar Ferri), Idalino Bassani e Julio Xavier de Melo, que tramitaram na segunda
metade da década de 1960, e o radialista Flávio Alcaraz Gomes, no final da década de
1970 (defendidos por Eloar Guazzelli). Como era a cobertura dos grandes jornais
gaúchos, como Zero Hora e Correio do Povo, aos crimes políticos? Como retratavam a
atuação dos mesmos advogados?
Ao longo da década de 1970, surgiram no Rio Grande do Sul e no Brasil, jornais
de menor porte que buscavam apresentar-se de uma forma diferente daquela feita pelos
grandes veículos de comunicação, abordando de assuntos que não eram tratados pela
grande imprensa, além de dar novos enfoques a tema presentes no debate da época. Ao
conjunto desses jornais e revistas dá-se o nome de “imprensa alternativa” ou “nanica”.
No Rio Grande do Sul, este grupo teve como principais representantes os jornais Pato
Macho (que circulou de abril a julho de 1971), Informação (que circulou de 1975 a
1977) e Coojornal (que circulou entre 1975 e 1982).31 Como eram retratados os
advogados e seus casos nesses jornais? Em que situações sua atuação era associada à
defesa dos direitos humanos?
Como já foi apontado, estes advogados tomaram parte em grandes
acontecimentos, como o “caso das mãos amarradas” e o “caso do sequestro dos
uruguaios”. Como foi esta participação? Quais os contornos políticos dados por eles a
essas participações? O discurso dos direitos humanos foi articulado nestes eventos? Se
sim, como?
FAUSTO, Boris. O crime do restaurante chinês – carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30.
São Paulo: Companhia das Letra, 2009, p. 39.
31
STRELOW, Aline do Amaral Garcia. “Jornalismo alternativo no Rio Grande do Sul”. In: Revista PJ:Br
Jornalismo
Brasileiro,
São
Paulo,
Edição
05,
2005.
Disponível
em
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/ensaios5_d.htm.
30
30
As organizações de advogados, como a OAB e os Institutos de Advogados,
durante a ditadura passaram da condição de apoiadores do golpe a posições contrárias
ao regime. Qual o papel exercido por estes advogados dentro das entidades
profissionais? No final da década de 1970 surgiram organizações de direitos humanos,
como o Movimento de Justiça e Direitos Humanos, no qual Ferri militou. Como se deu
a participação dele na organização?
Finalmente, abordarei as campanhas eleitorais de Guazzelli, Becker e Ferri.
Como surgiu a possibilidade de cada um deles lançar sua candidatura? Como era
utilizada a atuação deles como advogados dentro destas campanhas? Ao mesmo tempo,
pretendo analisar a utilização do discurso dos direitos humanos por parte dos
candidatos. De que forma os direitos humanos são articulados por eles durante a
campanha eleitoral? Qual seria o público que eles buscavam atingir?
Assim, o objetivo geral de meu trabalho é analisar as trajetórias dos advogados
Eloar Guazzelli, Omar Ferri e Werner Becker buscando ver as mudanças de sentido
que suas atuações tiveram ao longo da ditadura civil-militar, e as condições que
possibilitaram que elas passassem a ser apresentadas e vistas como “defesa dos
direitos humanos”. Para alcançá-lo irei à busca dos seguintes objetivos específicos:
analisar como os órgãos da imprensa porto-alegrense retratavam a atuação dos
advogados, tanto em crimes “políticos” quanto em crimes “comuns”; mostrar a
participação dos advogados em entidades profissionais, como a OAB/RS, e como era
utilizada a defesa de presos políticos; explorar a atuação dos advogados em casos de
denúncia da ditadura civil-militar brasileira, como o “caso das mãos amarradas” e o ”
“sequestro dos uruguaios”; analisar como se deram as campanhas eleitorais de
Guazzelli, Ferri e Becker no final da década de 1970 e no início da década de 1980 e
como estas se relacionavam com a defesa de presos políticos.
Fontes e metodologia
Para responder a estas questões analisarei diversas fontes que me permitem
apreender momentos relevantes da atuação destes advogados durante a ditadura civilmilitar. Uma parte da documentação que me auxilia nessa busca são os periódicos de
circulação estadual e nacional da época, como Zero Hora, Correio do Povo, Folha da
Manhã, Folha da Tarde e Jornal do Brasil que acompanharam julgamentos nos quais
31
Guazzelli, Ferri e Becker foram defensores.32 Neste ensejo, buscarei tanto os “crimes
políticos” – isto é, aqueles que se referiam a opositores da ditadura e que tramitavam na
Justiça Militar – quanto os “crimes comuns”, em especial casos de grande comoção na
sociedade sul-rio-grandense.
A análise destes dois tipos de casos permite-me ver como estes advogados foram
retratados pela imprensa desde o início da ditadura, o que lhes possibilitou a construção
de uma imagem de, por um lado, opositores da ditadura, e, por outro, de criminalistas
reconhecidos. Também examinarei a cobertura jornalística de dois eventos de denúncia
da ditadura, o “caso das mãos amarradas” e o “sequestro dos uruguaios”, nos quais os
advogados tiveram participação – Eloar Guazzelli no primeiro e Omar Ferri e Werner
Becker no segundo.
Outra fonte são os jornais alternativos, em especial em sua cobertura dada aos
dois casos acima mencionados e na forma como os advogados citados foram retratados.
Além disso, através da imprensa também procurarei ver as questões que eram
levantadas durante as campanhas eleitorais e como estes candidatos apresentavam-se.
Para tanto, também serão analisados os materiais de campanha, que podem ser
encontrados no setor de publicidade do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
Ainda sobre os dois supracitados casos, analisarei documentos que se encontram
no Memorial do Legislativo – os documentos referentes às CPIs dos dois casos – e no
Acervo da Luta Contra a Ditadura do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRS)
– em especial o Acervo Pessoal de Omar Ferri (APOF), que conta com diversos
documentos referentes ao “sequestro dos uruguaios”, como reportagens, anotações,
relatórios, fotografias, correspondências e panfletos. Abordarei da mesma forma as atas
dos Conselhos da OAB/RS e do IARGS, focando na forma como os advogados
inseriam-se nesta entidade. Além disso, nas atas pode-se ver também como estas
agremiações posicionaram-se durante a ditadura. As atas são o resultado de escolhas
feitas grupos dirigentes das entidades e, desta forma, representam uma imagem que a
instituição buscava passar. A presença ou não de determinados assuntos mostra, assim,
32
Em determinado momento de minha pesquisa, o principal acervo de imprensa do Rio Grande do Sul,
Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, passou por diversos cortes financeiros e de pessoal que
levaram à diminuição dos horários de visitação, o que também ocorreu com outras instituições culturais
do Governo do Estado como o Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. As pesquisas nestes valiosos
acervos mantêm-se por iniciativas dos funcionários, que conseguem abrir janelas em suas atribuições.
Esta situação dificultou muito minha pesquisa. Busquei contornar este obstáculo com a Hemeroteca
Digital da Biblioteca Nacional, ainda que de forma incompleta, uma vez que este acervo possui poucas
publicações de circulação no Rio Grande do Sul no período abordado.
32
o posicionamento que as organizações tinham em determinado contexto. Finalmente,
utilizarei entrevistas de história oral concedidas pelos advogados e por pessoas
próximas a eles durante este período.33 Buscarei nestas entrevistas a forma como eles
articulam estes acontecimentos e dão sentido à sua trajetória.
Através da análise da participação dos advogados nestes meios, em todas as
fontes, intento observar a partir de que momento o tema dos direitos humanos passou a
ter mais força. Assim, a comparação entre os casos “das mãos amarradas” e do
“sequestro dos uruguaios” pode ser prolífica, já que parto da hipótese de que no
segundo exemplo terá mais força a questão dos direitos humanos. Nas fontes
mencionadas buscarei ver momentos das trajetórias dos advogados, notando as relações
que eles criaram nos contextos em que se inseriram e como elas foram articuladas para
dar visibilidade e notoriedade à defesa de presos políticos, e, em segundo momento, à
defesa dos direitos humanos.
História oral e relatos biográficos
Uma vez que utilizo como fontes entrevistas de história oral e relatos
biográficos, faz-se necessária uma reflexão a respeito da memória. No caso específico
deste trabalho, esta problematização é vital, visto que sou neto de um dos advogados
estudados.
Dois pontos de partida para reflexões de historiadores a respeito da memória
provêm de pensadores de fora do âmbito da história. A primeira é proposta pelo filósofo
Henri Bergson, que vincula as lembranças ao momento da rememoração. Isto é, toda
memória, ainda que indício de um passado, está articulada ao presente da ação de
lembrar.34 Já o psicólogo social Maurice Halbwachs vê a dimensão social da memória:
para ele, esta é um fato social e está vinculada aos grupos.35 Toda memória seria
coletiva. A memória individual é, para Halbwachs, derivada da intersecção dos
diferentes grupos aos quais pertencemos ao longo da vida. Estas contribuições têm
grande impacto na história, em especial na história oral, uma vez que fazem que, por um
33
Em razão de ser neto de Eloar, optei por utilizar outra estratégia para abordar a memória de seus filhos,
solicitando que realizassem um texto construído a partir de um questionário prévio. Os textos me
permitiram uma distância e objetividade que provavelmente a entrevista de história oral com meu pai e
tios não alcançasse.
34
BERGSON, Henri. Matéria e memória. Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
35
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
33
lado, pensemos na memória articulada com o presente da rememoração e, por outro, a
vinculemos aos grupos nos quais foi “gestada”.
Ao trabalhar diretamente com história oral, pesquisadores começaram a propor
novas teorizações a respeito da memória. Este é o caso do sociólogo Michael Pollak que
parte de premissas propostas por Halbwachs, como ver na memória algo social. Há, no
entanto, uma grande diferença entre os dois: enquanto que Halbwachs vê estabilidade na
memória coletiva, Pollak procura analisar os processos pelos quais a memória dos
grupos passa na construção de um discurso unificado que contribui para a identidade.
Os interesses do sociólogo são, assim, os conflitos, as disputas e as coerções que
ocorrem neste processo.36 Existem, para ele, dentro dos grupos, pessoas que são mais
autorizadas a falar sobre a memória coletiva: estes seriam os “guardiões da memória”,
que apresentariam um relato mais articulado, derivado de um trabalho realizado ao
longo dos anos, que permitiu ressaltar determinados elementos que são importantes para
a identidade coletiva, criando uma “memória oficial”.37
Estas reflexões auxiliam-me a pensar nos relatos de meus entrevistados: de
início, pude perceber que os advogados não formam um grupo unificado, e, desta forma,
não “lembram juntos” dos eventos, isto é, aparentemente não fazem parte da mesma
memória coletiva. Por outro lado, suas atuações durante a ditadura tomaram um papel
importante na formação de suas identidades, tanto do ponto de vista profissional quanto
político, o que pude perceber em minhas impressões das entrevistas que realizei com
dois advogados, Omar Ferri e Werner Becker.38
Analisando as entrevistas de Omar Ferri, pude notar que os relatos da atuação
dele na Auditoria Militar sempre acabavam levando ao “caso do sequestro dos
uruguaios”, no qual ele teve participação de destaque. As reiteradas menções ao
sequestro dos uruguaios podem justificar-se pela dimensão que este caso teve, tanto
POLLAK, Michael. “Memória, Esquecimento, Silêncio”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
CPDOC/FGV, vol. 2, n. 3, 1989, p. 4. Disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/43.pdf
37
POLLAK, Michael. “Memória e Identidade Social”. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro,
CPDOC/FGV, vol. 5, n. 10, 1992, pp. 5-7. Disponível em http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/104.pdf .
38
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 25 de setembro de
2012, em Porto Alegre; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia
24 de maio de 2013, em Porto Alegre; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens
Guazzelli em Porto Alegre 3 de junho de 2017; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante
Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto Alegre; FERRI, Omar. Entrevista concedida
a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013, em Porto Alegre; FERRI, Omar.
Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 23 de maio de 2013, em Porto Alegre;
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017; FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017,
em Porto Alegre.
36
34
publicamente quanto em sua trajetória: a partir dele, Ferri ganhou grande notoriedade, o
que o levou a lançar candidatura a deputado federal em 1982. Este evento é central na
formação de sua identidade, pois em sua narrativa este é o momento em que ele, que já
havia se oposto à ditadura em outros momentos, foi protagonista de um caso de
denúncia das atrocidades cometidas pelo regime.
Percebi, também, que há uma disputa de narrativas dentro do caso, em especial
entre o advogado e o jornalista Luiz Claudio Cunha. Ainda reconhecendo sua
importância no desenrolar dos acontecimentos, Ferri faz questão de frisar incorreções do
livro de Cunha e queixou-se do destaque maior dado ao jornalista na imprensa.39 Isto
mostra que o protagonismo no caso ainda é alvo de contestação, mesmo que de forma
sutil.
Por outro lado, em alguns momentos em que narra acontecimentos de embate
contra a ditadura, Omar Ferri passa a narrar no plural: quando questionado sobre a quem
se referia, ele afirma tratar-se do Movimento Justiça e Direitos Humanos (MJDH).40
Neste momento ocorre na fala do advogado a modificação do modo de rememoração,
como apontado por Pollak e Heinich.41 A partir disto, ficou claro a qual grupo Ferri
pertence, e que suas memórias fazem parte de um projeto de rememoração coletivo, do
qual ele constitui um dos guardiões da memória. 42
Outra contribuição a respeito da memória da história oral vem do historiador
Alessandro Portelli. Ele aponta para a multiplicidade das memórias, isto é, a memória
de um grupo “não é um todo sólido”, mas apresenta divisões decorrentes de fatores
39
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, pp. 10-11; FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de
agosto de 2017, em Porto Alegre.
40
Movimento Justiça e Direitos Humanos é uma organização criada em Porto Alegre no final da década
de 1970 por militantes dos Direitos Humanos como Jair Krischke e Omar Ferri e que tem participação
ativa em casos de defesas dos Direitos Humanos.
41
POLLAK, Michael e HEINICH, Natalie. El testimonio. In: POLLAK, Michael. Memoria, olvido,
silencio: la producción social de identidades frente a situaciones limite. La Plata/Buenos Aires: Al
Margen, 2006, p.94.
42
Idem, p. 79. O MJDH vem desenvolvendo diversas iniciativas de memória nos últimos anos. Entre
outros produtos, destaca-se uma exposição (Movimento de Justiça e Direitos Humanos – Onde a
Esperança se Refugiou, instalada na Usina do Gasômetro em Porto Alegre entre os dias 25 de abril e 5 de
maio de 2013) e um projeto de história oral, que resultou no livro Memórias da Resistência e da
Solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as ditaduras do Cone Sul e sua
Conexão Repressiva, no qual está presente o relato de Ferri. PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge
Eduardo Enríquez. Memórias da Resistência e da Solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos
Humanos contra as ditaduras do Cone Sul e sua Conexão Repressiva. Porto Alegre: Ed ASF-Brasil, 2013.
35
sociais, culturais e ideológicos.
43
Portelli aponta ainda que ao recordar, o indivíduo já
interpreta o evento que está narrando.44 Verena Alberti afirma que a história oral deve
preocupar-se com os fatos relatados e suas representações construídas por aqueles que
rememoram.45 A rememoração é, ao mesmo tempo, um relato de uma ação e uma ação;
o historiador deve levar em conta este fato ao proceder sua análise.46
Assim, é importante notar os momentos em que os relatos dos advogados foram
feitos. Dispomos de uma entrevista com Eloar Guazzelli publicada em outubro de 1991.
Podemos notar no tom do advogado uma falta de esperança que pode relacionar-se com
o momento em que o país vivia: começavam a surgir denúncias e escândalos sobre a
administração de Fernando Collor, primeiro presidente eleito diretamente pelo voto
popular em décadas. Nas entrevistas de Omar Ferri, apesar de estarem afastadas
temporalmente por quase uma década – uma delas foi realizada em 2004 por Márcia de
la Torre e Carine Medeiros Trindade para a Revista Justiça & História do Memorial do
Judiciário do Rio Grande do Sul e as outras realizadas por mim entre 2013 e 2017–,
pode-se notar uma proximidade no tom de descrença na política praticada no país,
demonstrando que sua contrariedade com o governo que se iniciava no início dos anos
2000 ainda estava presente na década de 2017. Já no caso de Becker, sua crítica maior
ao momento em que a entrevista foi realizada (entre 2012 e 2017) referia-se às injustiças
sociais ainda presentes no Brasil e à forma como elas ainda estavam presentes no
Judiciário.
Ao mesmo tempo, esta falta de esperança e crença em relação à política nas falas
de Guazzelli e Ferri é um indício de algo importante a respeito destes personagens: os
dois engajaram-se na política partidária e, em algum momento, não obtiveram sucesso.
Depois de eleito em 1978 pelo MDB, Eloar Guazzelli não teve sucesso em sua
reeleição, já pelo PMDB, em 1982. Os filhos de Eloar ainda frisam que acontecimentos
ocorridos no final da década de 1970 e no início da década de 1980 acabaram por
desiludi-lo em relação à política.47 Já Ferri lançou candidatura em 1982 pelo PMDB, no
PORTELLI, Alessandro. “O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de junho de 1944): mito,
política, luto e senso comum”. In FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (orgs.). Usos &
abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996, p. 128.
44
PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos. In: Tempo. Rio de Janeiro: UFF, n. 2, dezembro de
1996, p. 2.
45
ALBERTI, Verena. Ouvir contar: textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2004, pp. 40-1.
46
Idem, pp. 36 e 114.
47
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar
Guazzelli (1974/1984). [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017.
43
36
qual também não foi eleito; posteriormente elegeu-se vereador pelo PSB, em 1985,
reelegendo-se em 1988 pelo PDT, lançando nova candidatura em 1992, porém sem
êxito. Assim como Guazzelli, sua postura também foi marcada por experiências
pessoais na política partidária. Finalmente Becker foi vereador em Porto Alegre entre
1982 e 1988 pelo PMDB.
É interessante notar que a própria forma como os dois narram a “saída da
política” é semelhante: após não obter sucesso na eleição, Eloar relata que achava “que
tinha sido cassado por quem tem este direito: os eleitores. Nunca mais quis saber de
política”48; da mesma forma para Omar “uma eleição não-vitoriosa já é um aviso de que
basta. Não concorro duas vezes à coisa alguma. ”49 Apesar de não apresentar o mesmo
sentimento que seus colegas, em entrevista concedida ao jornal Zero Hora em agosto de
2008, Werner Becker acaba refletindo a respeito de sua relação com a política partidária
de forma semelhante: “Sou apaixonado pela grande mulher que é a política. Mas ela não
quer nada comigo. ” 50
Os três advogados em questão, usando as palavras de Bourdieu, investiram nas
instituições partidárias citadas: isso consistia tanto em serviços prestados e obediência
ao partido quanto em investimentos psicológicos. Com a derrota, é provável que os
partidos não se interessassem mais por eles, o que os levou a uma exclusão do seio
partidário, que pode ser percebida como “uma falência (...) ao mesmo tempo social e
psicológica”.51
No caso de Guazzelli, esta sensação de “bancarrota” foi dupla: como relatou em
entrevista o antigo militante comunista de Porto Alegre, Honório Peres, os advogados
gaúchos vinculados ao PCB haviam organizado um grupo – denominado por ele como
Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR) – através do qual atuavam politicamente em
diferentes meios, como o IARGS, a OAB e o MDB.52 A trajetória pública de Eloar
“Eloar Guazzelli: A defesa como uma razão de vida”. In: Jornal da OAB/RS, Porto Alegre, Outubro de
1991, p. 14.
49
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto Alegre,
Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 9.
50
“Personagens das Diretas Já contam o que mudou em duas décadas”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 23
de agosto de 2008.
51
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 193
52
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre. Esta vinculação entre advocacia e política feita por membros do PCB durante a
ditadura também pode ser vista em DORA, Denise Dourado. Advocacia em tempos sombrios: De como
um grupo de advogados enfrentou o regime militar de 1964. Rio de Janeiro: FGV/Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC, 2011, pp. 57-58. Dissertação de
Mestrado em História, Política e Bens Culturais.
48
37
durante a ditadura foi marcada por este projeto coletivo: sua forte atuação nas entidades
de advogados e no MDB mostram isso. Ainda segundo Peres, em 1982 houve uma
divisão no grupo, representada pela candidatura do também cejurista e amigo próximo
de longa data de Eloar Antônio Pinheiro Machado Neto. A derrota eleitoral levaria a um
sentido de falência e de ressentimento em relação a seu antigo correligionário.53 Isto
também explica o fato de seu relato parecer “menos coletivo” do que o de Ferri:
enquanto que este ainda tem uma relação com o grupo do qual é “guardião da
memória”, Guazzelli viu-se isolado daquele projeto coletivo com o qual havia
contribuído. É digno de nota que em nenhum dos relatos que mencionamos até aqui seja
muito forte a questão da luta pela memória e a verdade referente ao período ditatorial:
talvez isto se deva ao fato de que, apesar deles terem enfrentado a ditadura e sofrido
perseguições, nenhum deles ficou marcado por uma militância pela memória.
Gostaria de esboçar os sentidos que cada um destes advogados deu à sua
atividade em seus relatos. Pela breve entrevista concedida em 1991, pode-se notar que
Eloar via no Direito uma forma de ir contra o poder, de arranhá-lo, uma vez que o via
como fonte de corrupção. Sua trajetória de vida e suas escolhas são apresentadas sob
este prisma. Um exemplo disso é o fato dele mencionar como seus primeiros trabalhos
um caso político e a defesa de pessoas pobres.54 A defesa de presos políticos seria,
assim, o clímax de sua história.
Nas entrevistas e textos memorialísticos realizados para esta entrevista percebi
que diferentes pessoas se relacionam de forma intensa com a imagem de Eloar,
atribuindo à trajetória do advogado significados diversos. Nereu Lima, que estagiou e
atuou em alguns casos com Guazzelli durante a década de 1960 frisa uma dimensão
mais pública dentro da classe, destacando a presidência no IARGS e sinalizando que ele
teria criado uma escola de advocacia criminal seguida no estado. 55 Ana Eni Machado
Milan, que atuou no escritório a partir do final da década de 1960 vincula a trajetória do
advogado a uma advocacia autônoma e à defesa dos direitos humanos, às quais não
53
A narrativa dos filhos de Eloar vai também neste sentido: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos.
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 8; GUAZZELLI,
Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984). [Texto elaborado a
partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, pp. 11-12.
54
“Eloar Guazzelli: A defesa como uma razão de vida”. Op. cit., p. 14
55
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de agosto
de 2013.
38
tinham uma relação direta com uma atividade política partidária.56 Finalmente o filho
Carlos Frederico Guazzelli aponta para uma concepção de que a atuação profissional e a
posterior atividade política e parlamentar estavam “naturalmente” relacionadas.57
As diferentes visões sobre Eloar tem a ver com as biografias de cada
entrevistado. Nereu desde a década de 1970 foi atuante no IARGS e na OAB/RS,
chegando a ser presidente do Conselho Seccional, além de ter participado da fundação
da Associação dos Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul (ACRIERGS) – a
qual tem como presidente de honra Eloar Guazzelli. Ana Eni seguiu com o escritório
após a morte de seu colega em 1994. Já Carlos Frederico em meados da década de 1990
passou a ser defensor público, estando à frente da Defensoria Pública durante o governo
de Olívio Dutra e, posteriormente, membro da Comissão Estadual da Verdade do Rio
Grande do Sul (CEV/RS). Os significados diversos dados por cada um dos advogados
devem-se, assim, a uma intencionalidade de apresentar-se como “herdeiro” da trajetória
de Eloar.
Já Werner Becker na entrevista que me concedeu fez questão de ressaltar as
permanências da ditadura, apontando as semelhanças entre a Justiça Militar naquele
período e a Justiça comum atual. Para ele, aquele tribunal era uma farsa como qualquer
outro, pois ele se define como advogado “como um padre que não acredita em Deus:
não acredita em Deus, mas reza suas missas”.
58
Em relação à sua atuação durante a
ditadura civil-militar, ele compara sua situação à de um homem negro que era
contratado pelo hotel de luxo do Rio de Janeiro Copacabana Palace para posar em seus
ambientes para a imprensa, provando assim que aquele não era um ambiente racista: nas
palavras de Werner Becker, “eu era o negro do Copacabana. Nunca mais entrou negro
(...). Então eu era para provar (...) que os processos eram legítimos”. 59 Sua fala é
marcada por um tom irônico ao rememorar, apresentando momentos anedóticos e
cômicos. De certa forma ele busca sempre vincular-se à alcunha pela qual ficou
56
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017.
57
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017.
58
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 24 de maio de 2013,
em Porto Alegre.
59
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 25 de setembro de
2012, em Porto Alegre.
39
conhecido (da qual aparentemente não gosta), Bruxo, pois ele dá sempre um viés
absurdo, mágico aos eventos que conta.60
Omar Ferri, por sua vez, dá à sua atuação de advogado de presos políticos um
sentido mais coletivo, mostrando que ele havia sido um dos que se opuseram à ditadura.
Ao mesmo tempo, é possível que as entrevistas concedidas já tenham a marca do
projeto memorial empreendido pelo MJDH. Há uma clara distinção na forma como foi
vista a atuação de defesa de presos políticos nestes dois relatos: enquanto que Ferri
reforça a dificuldade desta atuação, apontando para perseguições e ameaças sofridas,
Becker afirma que a atuação lhe trouxe prestígio e diversas recompensas,
menosprezando os possíveis perigos trazidos por esta atividade. Um ponto em comum
nos relatos é o destaque dado ao seu protagonismo durante os eventos narrados.
Memória, proximidade e subjetividade
Para finalizar as reflexões introdutórias de minha tese, gostaria de refletir sobre
minha relação com um dos “objetos” de estudo, Eloar Guazzelli: como já foi dito, sou
neto dele e, especialmente por esta razão tomo parte de uma memória que tem em Eloar
um personagem importante. O “Velho Guazzelli”, como era conhecido, é uma figura
fundamental dentro da identidade de minha família. Ao sair de Vacaria, tornar-se
advogado e, especialmente, “um homem de esquerda”, ele criou um modelo para a
família. A partir dele, seus descendentes viram nele um exemplo, em especial aqueles
membros que optaram pelo Direito ou por serem homens e mulheres “de esquerda”. Sua
trajetória é, assim, reverenciada, o que pode ser percebido em um trabalho recente de
Eloar Guazzelli Filho, meu tio e desenhista: em seu livro Apocalipse Nau, é feita
referência a Eloar “pai”.61 Nesta memória familiar, a atuação dele durante a ditadura
civil-militar é um fator central. Tanto a defesa de presos políticos quanto suas outras
atividades são definidoras da memória e da identidade do grupo familiar.62
60
CUNHA. Op. cit., p. 211.
GUAZZELLI FILHO, Eloar. Apocalipse Nau. São Paulo: Editora Nós, 2015.
62
Deve-se dizer que este fascínio sobre a figura dos advogados de presos políticos não é privilégio dos
familiares. Recentemente foram feitos trabalhos voltados ao grande público que tratam do tema como o
livro Coragem – a advocacia criminal nos Anos de Chumbo, de 2014 organizado pela seccional de São
Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, e o documentário Os advogados contra a ditadura: por uma
questão de justiça o livro, de Silvio Tendler também de 2014. Outro indício deste fenômeno é o fato de
haver na telenovela da Rede Globo Babilônia, uma personagem mencionada como defensora dos direitos
humanos, tendo ela sido “advogada de presos políticos” durante o período da ditadura civil-militar
brasileira.
61
40
Ao deixar clara minha relação busco mostrar em que meio me insiro. Penso que
este é o primeiro passo rumo a um distanciamento crítico, condição necessária para o
trabalho histórico.63 Como afirma o filósofo Paul Ricœur, em A memória, a história, o
esquecimento, o “conhecimento histórico implica a correlação entre subjetividade e
objetividade, na medida em que relaciona, por iniciativa do historiador, o passado dos
homens de outrora e o presente dos homens de hoje”.64 Desse modo, “a implicação
subjetiva constitui, simultaneamente, a condição e o limite do conhecimento histórico”,
sendo que “não há verdade sem amizade”.65 A proximidade e a subjetividade que minha
posição em relação aos objetos não impossibilita o trabalho histórico. Pelo contrário,
como afirma o historiador Enrique Padrós, “a procura de objetividade na história
implica a permanência de um componente subjetivo que é imanente a toda produção do
conhecimento científico”.66 A subjetividade sempre está presente no trabalho do
historiador.
Ao tratar da “volta” da biografia histórica, a historiadora Vayy Pacheco Borges
afirma que recentemente “os historiadores passaram a não mais acreditar em uma
neutralidade na efetivação de qualquer trabalho e, assim, a relação sujeito-objeto, de
uma forma geral, tornou-se fundamental”.67 Passou-se a aceitar a subjetividade existente
no ofício do biógrafo e do historiador. A biografia histórica, nesta nova abordagem, tem
como objetivo, não glorificar ou mitificar, como fazia a de inspiração positivista, mas
sim compreender. A autora afirma que “entender uma pessoa é aceitá-la, é desculpá-la,
é (quase) dela gostar”.68
Por outro lado, reconhecer a subjetividade da história não significa abandonar a
busca pela objetividade. O historiador, ainda segundo Vavy Pacheco Borges,
assim como o psicólogo e o psicanalista, deve procurar garantir sua
objetividade pelo aperfeiçoamento constante de seu domínio das
BORGES, Vavy Pacheco. “O 'eu' e o 'outro' na relação biográfica: algumas reflexões”. In: BREPOHL,
Marion; MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (org.). Figurações do outro. Uberlândia, EDUFU, 2009,
p. 233.
64
RICŒUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 349.
65
Idem, p. 350.
66
PADRÓS, Enrique Serra. “Os desafios na produção do conhecimento histórico sob a perspectiva do
Tempo Presente”. In: Anos 90. Porto Alegre, PPG em História- UFRGS, vol. 11, no. 19/20, jan/dez 2004,
p. 209.
67
Idem, p. 228.
68
BORGES, Vavy Pacheco. “Desafios da memória e da biografia: Gabrielle Brune-Sieler, uma vida
(1874-1940)”. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (org.). Memória e (res)sentimento. Indagações
sobre uma questão sensível. Campinas, Ed. da UNICAMP, 2001, p. 299.
63
41
teorias e das técnicas de sua profissão, em uma longa, contínua e
interminável formação. 69
Em busca da objetividade, o pesquisador, em especial aquele que está “próximo”
de seu objeto, deve estar atento aos procedimentos fundamentais de sua disciplina,
como o aprofundamento teórico, diálogo com a bibliografia e a crítica das fontes.
Somente assim é possível que ele, ao invés de ser um “guardião da memória”, um
memorialista, seja um estudioso da memória.
Além disso, os pesquisadores que estudam as memórias de um passado sensível
e traumático (como é o caso da memória do holocausto e das vítimas das ditaduras
latino-americanas) devem ter em mente as advertências feitas por pensadores como o
filósofo e linguista Tzvetan Todorov e a literata Beatriz Sarlo, que afirmam que há, por
parte da memória, uma desconfiança, que pode chegar a se transformar em veto, em
relação à análise.70 Da mesma forma, há uma tendência de “sacralizar” ou “banalizar” o
passado. Em um caso, o passado fica isolado não se relacionando com o presente,
enquanto que no outro, o presente seria a repetição do passado.71 Frente a estes
movimentos, a historiadora Marieta de Moraes Ferreira afirma que para termos outra
relação com o passado “em vez de uma militância pela memória, seria necessário pensar
em um trabalho sobre a memória”.72
Estas questões permitem-me elaborar uma forma de aproximação e análise de
meu objeto. Além de deixar clara minha relação, faz-se necessária uma problematização
desta memória familiar. Com isto não pretendo fazer de minha tese um exercício de
“auto psicanálise”, mas sim abordar esta memória da mesma forma que faço com as
memórias dos outros advogados abordados. Afinal, há uma tendência da memória à
sacralização, o que ocorre em relação aos advogados de presos políticos. Um exemplo
disso é o fato de que os três advogados em entrevistas de caráter mais “público” do que
aquelas realizadas para minha pesquisa (Jornal da OAB/RS, Memorial do Judiciário e
Zero Hora), procuraram mostrar-se como “o que mais defendeu” presos políticos ou
BORGES, Vavy Pacheco. “O 'eu' e o 'outro' na relação biográfica: algumas reflexões”. In: BREPOHL,
Marion; MARSON, Izabel; NAXARA, Márcia (org.). Figurações do outro. Uberlândia, EDUFU, 2009,
p. 233.
70
TODOROV, Tzvetan. Los abusos de la memoria. Barcelona: Paidós, 2000; SARLO, Beatriz. Tempo
passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
71
FERREIRA, Marieta de Moraes. “Oralidade e memória em projetos testemunhais”. In: LOPES,
Antonio Herculano; VELLOSO, Monica Pimenta e PESAVENTO, Sandra Jatahy (orgs.). História e
linguagens: texto, imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006, p. 199.
72
Idem, p. 200.
69
42
“um dos únicos defensores dos direitos humanos”.73 Uma vez que pretendo fazer uma
pesquisa de história e não um livro memorialístico, trabalhar a memória de Eloar
Guazzelli é algo vital para meus esforços. O estudo das três trajetórias permite-me
aprofundar o assunto através da comparação.
Por outro lado, este esforço de “estranhar o familiar”, de “desnaturalizar noções,
impressões, categorias, classificações que constituíam” a sua visão de mundo é
facilitado pelo que o antropólogo Gilberto Velho chama de “multipertencimento”
presente dentro das sociedades contemporâneas.74 O antropólogo, assim como o
historiador e qualquer outro indivíduo em nossa sociedade, pertence a diferentes grupos
e redes ao longo da vida.
(...) esse multipertencimento que permite ao antropólogo pesquisar sua
própria sociedade e, dentro dela, situações com as quais ele tem algum
tipo de envolvimento e das quais participa. O fato de não ser
englobado por nenhum grupo exclusivo – somado às próprias
características e à formação do antropólogo, que, em princípio, produz
e valoriza uma certa distância – permite o movimento de
estranhamento crítico diante do próximo. 75
O fato de pertencer a diferentes grupos, com diferentes memórias e identidades,
permite-me “estranhar meu familiar”. Da mesma forma, a identidade que acesso ao
pesquisar não é minha identidade de neto, e sim a de historiador, como tal devo
proceder de forma mais rigorosa possível, atendo-me aos limites e posturas requisitadas
pela comunidade historiográfica.
Revisão Bibliográfica
Irei me debruçar agora sobre a produção bibliográfica existente sobre a atuação
de advogados durante a ditadura civil-militar, em especial no que se refere à defesa de
presos políticos.76 Até recentemente este tema não havia sido fruto de análises: ainda
"Personagens das Diretas Já contam o que mudou em duas décadas”. Op. cit.; “Entrevista: Dr. Omar
Ferri”. Op. cit., p. 7. Há indícios disto em “Eloar Guazzelli: A defesa como uma razão de vida”. Op. cit.,
p. 14-5.
74
VELHO. Gilberto. “O desafio da proximidade”. In: KUSCHNIR, Karina; VELHO, Gilberto (orgs.).
Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editora, 2003, pp.
15-18.
75
Idem, p. 18
76
Devido ao espaço, optei por abordar aqui bibliografia a respeito do tema dos advogados de presos
políticos. Minha pesquisa ainda dialoga com algumas obras a sobre a justiça militar durante a ditadura
civil-militar e sobre a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em relação a justiça militar dialogo com
os seguintes trabalhos ALVES, Taiara Souto. Dos quartéis aos tribunais: a atuação das Auditorias
Militares de Porto Alegre e Santa Maria no julgamento de civis em processos políticos referentes às Leis
de Segurança Nacional (1964-1978). Porto Alegre: UFRGS, 2009. Dissertação de Mestrado em História;
SILVA, Angela Moreira Domingues da. Ditadura e Justiça Militar no Brasil: a atuação do Superior
73
43
hoje é um assunto que merece uma maior abordagem. Mesmo assim, temos, atualmente,
uma variedade de estudos sobre o assunto, tanto em trabalhos acadêmicos quanto
naqueles de cunho memorialista.
No ano de 2010 foram lançados no mercado brasileiro duas obras que prestam
uma grande contribuição ao estudo da atuação dos advogados de presos políticos. Um
deles foi o livro do cientista político Anthony W. Pereira, Ditadura e Repressão: o
autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina.77 Nele o autor
compara os regimes ditatoriais instaurados nesses países a partir da década de 1960, no
que se refere à relação entre o Executivo e o Judiciário nestes períodos. Partindo disto,
Pereira aponta para dois modelos mais polarizados, o Brasil, com uma repressão mais
judicializada, e a Argentina, com uma extrajudicial, enquanto que o caso do Chile é
intermediário entre os dois. Para o autor, esta forma de repressão só foi possível no
Brasil porque houve grande cooperação e integração entre as elites judiciária e militar, o
que não ocorreu nos outros países.
Tribunal Militar (1964-1980). Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2011. Tese de Doutorado em História,
Política e Bens Culturais; D’ARAUJO, Maria Celina. Justiça Militar, segurança nacional e tribunais de
exceção. Trabalho apresentado no 30º Encontro Anual da ANPOCS- GT08 – Forças Armadas, Estado e
sociedade. De 24 a 28 de outubro de 2006, Caxambu, MG. Captado em:
http://cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/anpocs2006/103.pdf; LEMOS, Renato. “Poder Judiciário e poder
militar (1964-69)”. In: CASTRO, Celso; IZEECKSOHN, Vitor & KRAAY, Hendrik (org). Nova História
Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV/Editora Bom Texto, 2004; LEMOS, Renato. “Introdução
– o General Juiz Peri Constant Bevilaqua”. In: LEMOS, Renato (org). Justiça Fardada: o General Peri
Bevilaqua no Superior Tribunal Militar (1965-1969). Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004; MACIEL, Wilma
Antunes. O capitão Lamarca e a VPR: Repressão judicial no Brasil. São Paulo: Alameda, 2006;
MATTOS, Marco Aurélio V. L. de. Em nome da segurança nacional: os processos da Justiça Militar
contra a Ação Libertadora Nacional (ALN) 1969-1979. São Paulo: USP, 2002. Dissertação de Mestrado
em História; TORRES, Mateus Gamba. “A Justiça nem ao Diabo se há de negar”: A repressão aos
membros do Partido Comunista Brasileiro na Operação Barriga Verde (1975-1978). Florianópolis,
Universidade Estadual de Santa Catarina, 2009. Dissertação de Mestrado em História; TORRES, Mateus
Gamba. Política, discurso e ditadura: O Supremo Tribunal Federal nos julgamentos dos recursos
ordinários criminais (1964-1970). Porto Alegre: UFRGS, 2014. Tese de doutorado em História;
WANDERLEY, Erika Kubik da Costa. A institucionalização da repressão judicial na Ditadura civilmilitar brasileira. Apresentação de trabalho no 5º Encontro da Associação Brasileira de Ciência política
realizado em Belo Horizonte entre 27 a 29 de julho de 2006. Disponível em
www.sinteseeventos.com.br/abcp/trabalho_ErikaWanderley.pdf. Sobre a OAB: MATTOS, Marco
Aurélio V. L. de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
1945-1964. São Paulo: Alameda, 2013; MOTTA, Marly. “‘Dentro da névoa autoritária acendemos a
fogueira...’ – a OAB na redemocratização brasileira (1974-80)”. In: Revista Culturas Jurídicas, Rio de
Janeiro, v. 3, nº 1, jan/jul 2008, p. 29. Disponível em http://legalcultures.com/en/pdf/vol3num1/motta.pdf;
ROLLEMBERG, Denise. “Memória, Opinião e Cultura Política. A Ordem dos Advogados do Brasil sob
a ditadura (1964-1974)”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; ROLLAND, Denis (orgs). Modernidades
Alternativas.
Rio
de
Janeiro:
Editora
FGV,
2008,
p.
7.
Disponível
em
http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/Memoria_opniao_e_cultura_politica.pdf.
77 PEREIRA, Anthony W.. Ditadura e Repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no
Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
44
Tal integração e cooperação proporcionaram uma justiça mais lenta e mais
pública, o que deu uma margem de manobra e mais espaço para a defesa atuar. Pereira
ressalta o papel dos advogados brasileiros que se utilizaram deste espaço, podendo levar
a justiça para interpretações menos conservadoras das leis de segurança nacional. Ele
aponta para o fato de que os advogados brasileiros através de suas argumentações eram,
em geral, bem-sucedidos, o que não ocorreu nos dois outros países.
Neste mesmo ano foi lançada a obra coletiva organizada por Fernando Sá,
Oswaldo Munteal e Paulo Emílio Martins, Os Advogados e a Ditadura de 1964: A
defesa dos perseguidos políticos no Brasil.78 Nela vemos contadas as trajetórias de 14
advogados e um procurador, além de quatro depoimentos de perseguidos e o um estudo
sobre o arcabouço normativo utilizado. Estas trajetórias foram construídas através de
entrevistas, em alguns casos sendo cruzados os dados com outros vindos de outro tipo
de documentação.
Este livro contribui muito para a compreensão da atuação dos advogados na
Justiça castrense, possibilitando observar como se constituiu um grupo de especialistas
neste campo. Nos depoimentos estão presentes as relações de troca e de ajuda existentes
entre as pessoas engajadas nesta atuação, além das perseguições e obstáculos a ela. Por
outro lado, os depoimentos ficaram restritos a advogados do Rio de Janeiro e São Paulo,
o que não permite ver peculiaridades das realidades regionais.
Em minha dissertação defendida no Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2011, A lei era a espada: a atuação do
advogado Eloar Guazzelli na Justiça Militar (1964-1979), busquei responder algumas
questões sobre a atuação de Guazzelli nos processos políticos.79 Inicialmente, parti de
questões relativas ao perfil dos clientes destes casos. Também procurei responder
questões referentes ao cotidiano do advogado e suas argumentações.
Através de entrevistas com antigos clientes e colegas, notei que existia uma
relação mais próxima entre o advogado e aqueles clientes que estavam presos. Ao
mesmo tempo, descobri que durante sua atuação, Eloar criou ligações com o aparato
repressivo, que eram utilizadas para obter direitos como visitas, ou ganhos baseados em
seus conhecimentos sobre os juízes. No que se refere às argumentações, Eloar lançava
78
MARTINS, Paulo Emílio; MUNTEAL, Oswaldo; SÁ, Fernando (orgs). Os advogados e a ditadura de
1964: A defesa dos perseguidos políticos no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes; Rio de Janeiro: Editora
PUC-Rio, 2010.
79
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011. Dissertação de Mestrado em História.
45
mão tanto de elementos jurídicos – legislação, jurisprudência – quanto de extrajurídicos
– valores, ideias e imagens que ele pensava serem tidas como corretas pelos juízes.
No mesmo ano de 2011, a advogada Denise Dourado Dora defendeu sua
dissertação de mestrado em História, Política e Bens Culturais no Programa de Pósgraduação do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC/FGV), intitulada Advocacia em tempos sombrios: De como um grupo de
advogados enfrentou o regime militar de 1964, na qual ela analisou a atuação dos
advogados de presos políticos do Rio de Janeiro.80 A autora parte de entrevistas e
depoimento dos defensores – além de dados vindos das pesquisas de Pereira e do livro
Os advogados e a ditadura de 1964 – para responder questões referentes ao papel que
eles tiveram durante a ditadura.
Dora vê a defesa dos presos políticos como “advocacia política”, o que consistiu
em uma forma de enfrentamento ao regime escolhida por alguns profissionais. Uma
contribuição feita por Dora ao estudo da temática é a análise das estratégias realizadas
pelos advogados fora dos tribunais. Ela aponta que os defensores aproveitavam espaços
públicos para divulgar seus casos, desta forma denunciando a ditadura ao mesmo tempo
em que traziam proteção a eles mesmos e seus clientes. Com esta estratégia foi possível
aos advogados, também, construir uma reputação de combatentes da ditadura.
Mais recentemente a historiadora Janaína de Almeida Teles iniciou uma
pesquisa a respeito dos advogados de presos políticos de São Paulo. O primeiro
resultado desta pesquisa é o artigo Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados
de perseguidos políticos de São Paulo nos anos 1970, publicado na Revista Brasileira
de Ciências Criminais em maio de 2013.81 Neste artigo ela buscou caracterizar o
protagonismo dos advogados de presos políticos de esquerda e apresentar um panorama
de sua atuação.
Teles apresenta como estes defensores atuavam na Justiça Militar com o intuito
de diminuir os sofrimentos dos presos ao mesmo tempo em que, ao denunciar as
violências cometidas pelo regime, contribuíam para uma cultura dos direitos humanos.
Apesar do caráter breve do estudo, uma vez que é um artigo, podem-se notar no
80
DORA, Denise Dourado. Advocacia em tempos sombrios: De como um grupo de advogados enfrentou
o regime militar de 1964. Rio de Janeiro: FGV/Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC, 2011. Dissertação de Mestrado em História, Política e Bens
Culturais.
81
TELES, Janaína de Almeida. “Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados de perseguidos
políticos de São Paulo nos anos 1970”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 102, maio/2013.
46
trabalho da historiadora diversas contribuições, em especial na análise da rede de
solidariedade criada entre advogados, presos e seus familiares e entidades de direitos
humanos.
No mesmo ano de 2013 foi publicado o livro Advocacia em tempos difíceis:
ditadura militar (1964-1985), organizado por Paula Spieler e Rafael Mafei Rabelo
Queiroz. 82 Este é o produto de um projeto das escolas de Direito da Fundação Getúlio
Vargas do Rio de Janeiro e de São Paulo e reúne entrevistas com trinta e quatro
advogados de presos políticos, tendo como principal objetivo “relatar a experiência de
cada advogado e as estratégias de defesa utilizadas”.83
A obra mostra que os advogados iam além dos procedimentos legais usando de
criatividade e persistência com o intuito de salvar as vidas de seus clientes. Este
trabalho contribui bastante com a temática, uma vez que, diferentemente do trabalho de
Martins, Munteal e Sá, vemos o relato dos advogados na íntegra, o que permite levantar
as mais diversas estratégias empreendidas por ele. Ao mesmo tempo o livro de Spieler e
Queiroz não está limitado aos casos do centro do país, pintando um quadro mais amplo
que o livro Os advogados e a Ditadura de 1964.
Finalmente gostaria de apresentar um trabalho que não trata de advogados
brasileiros: é a tese de doutorado em Antropologia Social de Virginia Vecchioli
defendida no Programa de Pós-graduação do Museu Nacional/Universidade Federal do
Rio de Janeiro, intitulada “A luta pelo direito”: Engajamento militante e
profissionalização dos advogados na causa pelos direitos humanos na Argentina.84
Neste trabalho, Vecchioli busca analisar a formação do segmento da advocacia
relacionada à promoção e defesa dos direitos humanos, tendo um recorte temporal que
vai da década de 1930 até o início de 2000. A antropóloga intenta retratar como estes
advogados foram convertendo-se em especialistas engajados na causa dos direitos
humanos, portadores, assim, de um capital ao mesmo tempo de expertise e de
militância. Através disso ela mostra a “força do direito” na construção da bandeira dos
direitos humanos na Argentina.
82
SPIELER, Paula; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo (coords). Advocacia em tempos difíceis: ditadura
militar
1964-1985.
Curitiba:
Edição
do
Autor,
2013.
Disponível
em
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/13745
83
Idem, p. 31.
84
VECCHIOLI, Virginia. “A luta pelo direito”: Engajamento militante e profissionalização dos
advogados na causa pelos direitos humanos na Argentina. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2006.
Tese de doutorado em Antropologia Social.
47
Apesar das diferenças entre estes contextos – como veremos a seguir, na
ditadura brasileira havia um espaço de atuação para os advogados, o que não ocorria na
argentina –, este trabalho contribui bastante para a compreensão da participação dos
advogados no fortalecimento da causa dos direitos humanos na América Latina do final
da década de 1970. Nos dois casos vemos uma relação feita entre o campo do Direito, e
mais especificamente os advogados, e os direitos humanos. Na Argentina, assim como
no Brasil, teve papel importante neste processo a dimensão pública e política que os
advogados fizeram de sua atividade profissional.
***
A tese será dividida em cinco capítulos. No primeiro farei um debate a respeito
de temas basilares da pesquisa, como o papel dos advogados de presos no Brasil,
trajetória, o campo jurídico e o campo político. A este debate serão trazidos elementos a
respeito das especificidades do caso brasileiro e sul-rio-grandense, já apontados por
outros pesquisadores. Após este capítulo de caráter mais teórico, passarei aos capítulos
que tratam mais diretamente da trajetória dos três advogados durante a ditadura. Optei
por uma divisão cronológica por acreditar que sob este prisma é possível perceber as
relações que estes advogados vão fazendo nos campos em que agem, notando as
transformações ocorridas. Dividi, assim, em dois períodos: de 1964 a 1973 e de 1974 a
1982.
No segundo capítulo abordarei o período inicial, buscando ver, inicialmente, o
impacto do golpe na vida profissional e pessoal de Eloar Guazzelli, Omar Ferri e
Werner Becker, mostrando as modificações que foram ocasionadas por ele. Serão
analisadas, também, as repercussões públicas os casos dos advogados na Justiça Militar,
da mesma forma que os casos “comuns” em que eles atuaram e que tiveram grande
repercussão na imprensa. Outro ponto será a atuação de Guazzelli e dos advogados
comunistas nas entidades de advogados e os contornos políticos dados a ela. Neste
capítulo será abordada também a atuação de Guazzelli e do IARGS no “caso das mãos
amarradas”. Em paralelo, analisarei como as entidades dos advogados gaúchos
repercutiram estes casos e a possibilidade de cerceamento da defesa.
No restante da tese analisarei o segundo período, que vai de 1974 a 1982, o qual,
devido a riqueza de informações, optei por dividir em três capítulos. O terceiro trata dos
anos entre 1974 e 1977, no qual abordarei a atuação das entidades classistas, em
especial a atuação delas em episódios como o debate sobre a vinculação da OAB ao
48
Ministério do Trabalho e a prisão de comunistas em 1975, além de focar na presidência
de Eloar no IARGS (1974-1975).
No quarto capítulo, no qual abordo os anos de 1978 e 1979, analisarei casos
rumorosos nos quais os Omar Ferri, Werner Becker e Eloar Guazzelli participaram: o
caso das mãos amarradas e o processo envolvendo o radialista Flávio Alcaraz Gomes.
Estes casos colocaram os advogados em grande evidência, trazendo diferentes retornos
para eles. Tratarei também da campanha eleitoral de Eloar Guazzelli em 1978 que o
levou à Câmara dos Deputados.
No quinto capítulo, abordarei a atuação dos advogados nos anos de 1980 a 1982.
Neste momento analisarei a experiência parlamentar de Eloar e a atividade de Omar
junto ao MJDH, além de tratar dos debates presentes nas entidades classistas no
período. Finalmente, será analisada a participação dos três advogados durantes o pleito
de 1982.
49
Capitulo I – Os advogados, a ditadura e os direitos humanos: trajetórias
entre o direito e a política
Neste capítulo apontarei elementos que permitem reconstruir os campos nos
quais os advogados fizeram suas trajetórias. Assim, apresentarei algumas questões sobre
a justiça durante a ditadura civil-militar brasileira, o campo jurídico – focando no caso
brasileiro e gaúcho –, o surgimento do tema dos direitos humanos e o campo político,
abordando o caso brasileiro do final da ditadura.
Parto do ponto de vista de que a atuação de Eloar Guazzelli, Werner Becker e
Omar Ferri durante a ditadura, em especial a defesa de presos políticos, constituiu para
parte de um “projeto”. Como o antropólogo Gilberto Velho afirma em seu livro Projeto
e metamorfose: antropologia das sociedades complexas, o projeto é a “conduta
organizada para atingir finalidades específicas”, que se dá dentro de um “campo de
possibilidades como dimensão sociocultural, espaço para a formulação e implementação
de projetos”.85 Ele pode sofrer diversas adaptações e alterações devido à interação com
outros projetos. Desta forma, a trajetória de um indivíduo vai ganhando mais
consistência a partir do “delineamento mais ou menos elaborado de projetos
específicos”, sendo que a viabilidade de suas realizações depende do “jogo e interações
com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e da dinâmica do campo de
possibilidades”. 86
O projeto articula-se com a memória para dar significado à vida, e juntos atuam
na constituição da identidade social: o projeto e a memória ordenam e dão sentido a
uma trajetória de vida, o que atende à necessidade de dar sentido e significado a essa
trajetória.
87
O projeto está sempre relacionado ao seu campo de possibilidades, sendo
dinâmico e permanentemente reelaborado de acordo com as transformações ocorridas.
Esta noção é muito útil para estudar as trajetórias desses advogados. Ao longo da
ditadura, eles foram dando sentido à sua trajetória, relacionando a atividade profissional
com a política. Em especial, ao final da década de 1970, eles articularam sua carreira
profissional, em especial a defesa de presos políticos, com causas marcantes no período,
como os direitos humanos.
85
VELHO, Gilberto. Projeto e metamorfose: antropologia das sociedades complexas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1994, p. 40.
86
Idem, p. 47.
87
Idem, p. 103.
50
Assim, a atuação em casos políticos pode ser vista inicialmente como parte de
um projeto, no qual era atribuído um sentido político no exercício profissional.
88
Este
projeto foi se transformando com o tempo, assumindo outros contornos e outros
significados, como buscarei ver ao longo de minha pesquisa. Ao mesmo tempo, parto
do conceito de trajetória, proposto pelo sociólogo Pierre Bourdieu em A ilusão
biográfica: ele propõe a noção de trajetória “como série de posições sucessivamente
ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele próprio
um devir, estando sujeito a incessantes transformações”.89 Partindo disso, os
acontecimentos são definidos como
colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais
precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da
distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no
campo considerado. O sentido dos movimentos que conduzem de uma
posição a outra (de um posto profissional a outro, de uma editora a
outra, de uma diocese a outra etc.) evidentemente se define na relação
objetiva entre o sentido e o valor, no momento considerado, dessas
posições num espaço orientado.90
Para compreender uma trajetória, então, é necessário reconstruir os estados do
campo no qual ela se desenrolou e, assim, “o conjunto das relações objetivas que
uniram o agente considerado (…) ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo
campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis”.91 Ao invés de mostrar os
acontecimentos de uma vida como reflexos de um sentido maior, buscam-se as relações
que levaram a estes acontecimentos e os espaços em que eles se dão.
Partindo deste conceito, pretendo reconstituir os campos nos quais esses
advogados atuaram e as relações entre eles e outros agentes. Procurarei, assim, mostrar
os meios em que eles se inseriam e como isto influenciou as modificações de sentido
dados à sua atuação profissional. Como afirma Mário Grynszpan ao tratar da trajetória
de Tenório Cavalcanti, a análise de
trajetórias individuais nos permitem avaliar estratégias e ações de
atores em diferentes situações e posições sociais, seus movimentos,
seus recursos, as formas como os utilizam ou procuram maximizá-los,
88
Deve-se ressaltar que esta atribuição de um sentido político a profissão não é privilégio da advocacia,
podendo ser dado a outras profissões.
89
BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes
(org.). Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 189.
90
Idem, p. 190.
91
Idem, ibidem.
51
suas redes de relações, como se estruturam, como as acionam, nelas se
locomovem ou as abandonam.92
O estudo de trajetórias permite-me ver como os advogados foram consolidando
um “nome”, uma “reputação” ao longo da ditadura e, ao mesmo tempo, captando que
elementos eram articulados com este fim. Além disso, possibilita reconstruir as redes
nas quais eles se inseriam.
Outra contribuição do campo biográfico que auxilia a compreensão da trajetória
dos advogados é trazida pelo historiador Giovanni Levi. Ele afirma que a biografia é um
campo privilegiado para se ver a relação entre a liberdade de escolha dos sujeitos e as
normas. Essa liberdade não é absoluta, é “culturalmente e socialmente determinada,
limitada, pacientemente conquistada”. Ela “continua sendo, no entanto, uma liberdade
consciente que os interstícios inerentes aos sistemas gerais de normas deixam aos
atores”.
93
Existe sempre a possibilidade de manipulação, de interpretação, de
negociação dentro de um sistema normativo. As incoerências entre norma e prática
permitem, assim, a liberdade de ação dos sujeitos, o que pode proporcionar a mudança
social.
Estas reflexões auxiliam minha pesquisa, uma vez que busco mostrar as
colocações e deslocamentos que levaram aos significados dados à sua atuação durante a
ditadura civil-militar. Estudando as trajetórias dos três advogados podem-se conhecer as
possibilidades de ação que eles tinham e como estas se modificaram. Ao mesmo tempo,
penso na atuação dos advogados de presos políticos como um exemplo de uma
liberdade limitada, pacientemente conquistada, como será mostrada a seguir. Opto pela
trajetória frente a outros tipos de análises biográficas, como a prosopografia, por
exemplo, por ver nela a possibilidade de analisar todas as redes e relações realizadas ao
longo do período analisado pelos personagens abordados.
I.1. A justiça durante a ditadura civil-militar
Uma diferença da ditadura civil-militar brasileira para as outras ocorridas em
países como a Argentina e o Chile é a busca de legitimidade através de instituições
democráticas. O objetivo do grupo que tomou o poder em 1964 no Brasil era ter uma
fachada democrática, mantendo em funcionamento o legislativo e o judiciário. Estes
GRYNSZPAN, Mário. “Os idiomas da patronagem: um estudo da trajetória de Tenório Cavalcanti”. In:
Revista brasileira de ciências sociais, São Paulo, ANPOCS, n. 14, out., 1990, pp. 74-75.
93
LEVI, Giovanni. “Os usos da biografia”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes (org.).
Usos & abusos da História Oral. Rio de Janeiro, Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 179.
92
52
poderes foram sendo moldados pela ditadura através de expurgos e reestruturações, para
atender aos seus anseios e interesses. De fato, estudos apontam que houve, no caso
brasileiro, mais participação do judiciário na repressão aos opositores políticos do que
na Argentina e no Chile.94 O regime conseguiu, através de seus procedimentos de
legitimação, utilizar-se dessas fachadas legais, podendo reprimir sem afetar sua
“legitimidade” democrática.
Houve a preocupação por parte daqueles que tomavam o poder em 1964 em
utilizar-se do Direito, uma vez que ele, segundo o sociólogo Pierre Bourdieu em O
poder simbólico, “consagra a ordem estabelecida ao consagrar uma visão desta ordem
que é uma visão do Estado, garantida pelo Estado”. O Direito “é, sem dúvida, a forma
por excelência do poder simbólico de nomeação que cria as coisas nomeadas e, em
particular, os grupos”: através dele e de seu potencial de nomeação é possível serem
criadas realidades que se tornam “oficiais” e instituídas. 95
Por esta razão, dias depois do golpe, foi promulgado o Ato Institucional que
criou e instituiu um novo regime, mostrando o poder do Direito: através do poder de
nomeação presente no Ato Institucional o regime era definitivamente criado,
oficializando a nova situação do país. O dispositivo mantinha, assim, mesmo que por
aparência, a ordem legal, uma vez que havia sido criado segundo a lógica do Direito.
Assim, os golpistas, diferentemente de 1961, estariam do lado da “legalidade”. Por mais
que esta “legalidade” fosse distorcida e deturpada pelos novos donos do poder, ela ainda
proporcionava “legitimidade e ordem” para parte da parcela da sociedade civil que
apoiou o golpe.
Para dar “aparência de normalidade e legitimidade”, ao longo do regime foram
conservados dispositivos democráticos, como “a manutenção do Congresso Nacional,
de um partido de oposição moderada e de um Sistema Judiciário, a despeito de seu
perfil ‘de exceção’”. 96 Ao mesmo tempo, foi construída “uma legalidade de exceção e
94
Anthony Pereira afirma que a proporção de processados em crimes políticos nos tribunais para a de
mortos pelo Estado pela mesma razão na ditadura brasileira é de 23/1, enquanto no Chile é de 1,5/1 e na
Argentina é de 1/71. PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e
Argentina”. In: SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.)
Desarquivando a Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild
Editores, 2008, p. 206.
95
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 237
96
TELES, Janaína de Almeida. “Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados de perseguidos
políticos de São Paulo nos anos 1970”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 102, maio/2013, p. 289. Estes dispositivos tinham também como
objetivo dar voz aos diferentes setores da sociedade que apoiavam o golpe e a ditadura.
53
uma grande estrutura administrativa e institucional que possuía relativa eficiência” para
reprimir os opositores. 97 Para isto eram necessários
bons juristas para fundamentar juridicamente seus atos de ditadura,
pois por mais incompatíveis que fossem com o Estado de Direito e a
ordem constitucional vigente; e também por isso procuravam dar
roupagem institucional às normas e órgãos de repressão,
regulamentando e burocratizando a perseguição política.98
Participaram deste processo de “fundamentação legal” diversos nomes
consagrados no campo jurídico, em especial membros do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil. Um dos principais casos foi o então presidente da entidade
Carlos Povina Cavalcanti que foi cedido para Comissão Geral de Investigações que,
segundo Mattos, “referendou a perseguição inquisitorial contra os inimigos do novo
regime conduzida pelos responsáveis pelos Inquéritos Policiais-Militares (IPM)”.99 A
ditadura, desta forma, utilizou-se de expedientes jurídicos para impor o consenso, seja
pela força ou por uma fachada de legitimidade.100
Segundo Maria Helena Moreira Alves em Estado e oposição no Brasil: 19641984, o Ato Institucional (AI) de 9 de abril de 1964 é considerado como marco inicial
da atuação da Justiça Militar neste período, e representou “a necessidade de
institucionalizar um novo aparato que apoiasse a ‘revolução’”.101 Através dele, o
Executivo foi investido “de um poder soberano e incontrastável, rompendo o princípio
da igualdade entre os três poderes”.102
Idem, ibidem. Estas inovações repressivas da ditadura partiam de uma “inércia institucional”,
utilizando, inicialmente, estruturas e legislações já existentes. Um exemplo disso foi presença do DOPS,
órgão criado durante o Estado Novo, na repressão.
98
SPIELER, Paula; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo. "Advocacia e resistência: estratégias jurídicas de
defesa de perseguidos políticos em meio à legislação repressiva da ditadura de 1964". In: SPIELER,
Paula; QUEIROZ, Rafael Mafei Rabelo (coords). Advocacia em tempos difíceis: ditadura militar 19641985.
Curitiba:
Edição
do
Autor,
2013,
p.
35.
Disponível
em
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/13745
99
MATTOS, Marco Aurélio V. L. de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), 1945-1964. São Paulo: Alameda, 2013, p. 126.
100
Outro exemplo de proximidade entre o campo jurídico e a ditadura pode ser percebida no Supremo
Tribunal Federal. Sobre isso ver: TORRES, Mateus Gamba. Política, discurso e ditadura: O Supremo
Tribunal Federal nos julgamentos dos recursos ordinários criminais (1964-1970). Porto Alegre: UFRGS,
2014. Tese de doutorado em História.
101
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru: EDUSC, 2005,
p.65.
102
MATTOS, Marco Aurélio V. L. de. Em nome da segurança nacional: os processos da Justiça Militar
contra a Ação Libertadora Nacional (ALN) 1969-1979. São Paulo: USP, 2002, p. 14 Dissertação de
Mestrado em História.
97
54
Este aparato, que permitiu a Operação Limpeza, dizia respeito a medidas
punitivas que visavam os apoiadores do regime anterior.103 Neste contexto, o Judiciário
tinha uma posição paradoxal: ao mesmo tempo em que houve medidas de controle deste
poder, tais como a suspensão de direitos de alguns de seus membros, ele preservava
certa autonomia.
Neste primeiro momento do regime, “o Judiciário exerceu um papel ativo no
sistema político e interagiu complementar e contraditoriamente com as demais
instituições – tanto as preservadas quanto aquelas criadas pela ditadura –, contribuindo
decisivamente para a determinação da conjuntura política”.104 Tal característica do
Judiciário, segundo o historiador Renato Lemos,
(...) tem a ver com a sua identificação ao problema da legitimidade e
pode ser explicado pela tentativa, feita pelas correntes que exerciam a
direção política, de combinar a formalidade de certas estruturas
democráticas com práticas e inovações institucionais consideradas
necessárias à implantação de um novo modo de dominação, escorado
no fortalecimento do Executivo.105
Inicialmente, os crimes políticos eram da alçada da Justiça comum, tendo como
primeira instância a Justiça comum estadual e, como segunda, o Supremo Tribunal
Federal (STF), enquanto que cabiam à Justiça Militar crimes militares, cometidos por
militares ou que diziam respeito à segurança externa do país, o que era previsto pela
Constituição de 1946.
Pesquisas recentes, porém, mostram que isto não era seguido à risca: devido a
ambiguidades dentro da legislação, havia a possibilidade destes crimes serem da
apreciação da Justiça Militar.
106
Como aponta a historiadora Ângela Moreira
Domingues da Silva em sua tese de doutorado Ditadura e Justiça Militar no Brasil: a
atuação do Superior Tribunal Militar (1964-1980), a justiça castrense passou a atuar em
três frentes, como justiça da corporação – processando crimes militares –, como justiça
103
PEREIRA, Anthony W.. Ditadura e Repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no
Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 117. “Operação Limpeza” é o nome dado a série de
perseguições feitas logo após o Golpe com o intuito de retirar pessoas vinculadas ao governo deposto da
administração pública.
104
LEMOS, Renato. “Poder Judiciário e poder militar (1964-69)”. In: CASTRO, Celso; IZEECKSOHN,
Vitor & KRAAY, Hendrik (org). Nova História Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV/Editora
Bom Texto, 2004, p. 419.
105
Idem, p. 422-3.
106
Isto pode ser verificado nos seguintes trabalhos: ALVES, Taiara Souto. Dos quartéis aos tribunais: a
atuação das Auditorias Militares de Porto Alegre e Santa Maria no julgamento de civis em processos
políticos referentes às Leis de Segurança Nacional (1964-1978). Porto Alegre: UFRGS, 2009. Dissertação
de Mestrado em História; SILVA, Angela Moreira Domingues da. Ditadura e Justiça Militar no Brasil: a
atuação do Superior Tribunal Militar (1964-1980). Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2011. Tese de
Doutorado em História, Política e Bens Culturais.
55
do regime – julgando civis que foram alvo de IPM – e como justiça políticocorporativa.107 Esta última frente refere-se a casos em que os réus são militares que
eram punidos em razão de suas posições políticas.
Estas ambiguidades em relação aos locais de tramitação dos processos, unidas a
outros fatores – como as eleições estaduais de 1965, nas quais os partidos vinculados ao
Golpe obtiveram derrotas em estados como Minas Gerais e Guanabara – levaram a um
novo Ato Institucional, o de número 2 (AI-2). Este almejava fortalecer novamente o
Executivo e pode ser dividido em três tipos de medidas: “aquelas destinadas a controlar
o Congresso Nacional, com o consequente fortalecimento do Executivo; as que visavam
especialmente ao Judiciário e as que deveriam controlar a representação política”.108
Para as finalidades deste trabalho, debruçar-me-ei somente sobre as do segundo tipo.
Para limitar o Judiciário, o AI-2 previa o aumento do número de ministros do
STF e do Superior Tribunal Militar (STM), além de transferir para a Justiça Militar os
crimes políticos, inclusive aqueles que já estivessem em tramitação na justiça
comum.109 Segundo Maria Celina D’Araújo, este “era o começo de um aumento do raio
de ação da Justiça Militar que só fará crescer com as constantes modificações nas leis de
segurança nacional e nas constituições editadas nos anos de 1967 a 1969”.110 Estas
medidas representavam o interesse de setores mais radicais dos militares, a chamada
“linha dura”, que estavam descontentes com a possibilidade de recursos e habeas
corpus que haviam sido concedidos pelo STF.
Posteriormente, o governo lançaria mão de diversos instrumentos legais para
reprimir a oposição, como a Constituição e a Lei de Segurança Nacional (LSN) em
1967 (Decreto-Lei 314/67), o Ato Institucional nº 5 (AI-5) de 1968 – que acabou com a
possibilidade de habeas corpus para crimes contra a Segurança Nacional –, a Emenda
Constitucional e a LSN de 1969 – que eram mais rigorosas que suas antecessoras. É
digno de nota que, nos anos iniciais do regime, foi utilizada a Lei de Segurança
Nacional de 1953, editada na democracia. Ainda foram decretados em 1969 o Código
107
Idem, p. 35.
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1986). Bauru: EDUSC, 2005,
p. 111.
109
Neste momento a Justiça Militar organizava-se da seguinte forma: as primeiras instâncias da Justiça
Militar eram as Auditorias, enquanto que a segunda era o Superior Tribunal Militar e a terceira o
Supremo Tribunal Federal. Dentro da auditoria havia quatro juízes (três militares e um togado), um
promotor e um advogado de ofício.
110
D’ARAUJO, Maria Celina. Justiça Militar, segurança nacional e tribunais de exceção. Trabalho
apresentado no 30º Encontro Anual da ANPOCS- GT08 – Forças Armadas, Estado e sociedade. De 24 a
28
de
outubro
de
2006,
Caxambu,
MG.
Captado
em:
http://cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/anpocs2006/103.pdf . Acesso em: 10 set. 2008.
108
56
Penal Militar (CPM), o Código de Processo Penal Militar (CPPM) e a Lei de
Organização Judiciária Militar (LOJM), que previa os crimes cabíveis, regulava o
andamento do processo e estruturava a Justiça Militar, respectivamente. 111
Deve-se notar que as transformações de estrutura e função pelas quais passou a
Justiça Militar na ditatura estavam relacionadas a um projeto do governo. O projeto
político do grupo que tomou o poder em 1964 tinha no seu centro a ideologia de
Segurança Nacional, que era “um instrumento utilizado pelas classes dominantes,
associadas ao capital estrangeiro, para justificar e legitimar a perpetuação por meios
não-democráticos
de
um
modelo
altamente
explorador
de
desenvolvimento
dependente”. 112 Ele se inseria na chamada Doutrina de Segurança Nacional, elaborada
por um grupo de militares, vindos da Escola Superior de Guerra (ESG).113
É interessante notar que a ideia de Segurança Nacional modifica-se, dependendo
do contexto em que se encontra: no caso tratado, ela se inseria na óptica da Guerra Fria.
114
Porém, enquanto na Europa e nos EUA a Segurança Nacional era uma questão de
tecnologia e de indústria militar, no Brasil ela se referia às Forças Armadas e a seu
aparato repressivo. Como afirma Maria Celina D’Araújo, no Brasil “segurança nacional
era uma questão de cadeias e prisões e não de tecnologia em escala”. 115 Como afirma
Denise Dora, nesta concepção de Segurança Nacional buscava-se, através de diversos
dispositivos, “eliminar o inimigo interno, e uma das formas encontradas para tal foi
desclassificá-los como presos políticos e igualar a criminosos comuns, inclusive
aplicando o mesmo tipo de tratamento violento”.116
No âmbito do aparato repressivo encontrava-se a Justiça Militar, estreitamente
vinculada aos interesses do Estado. Isso merece reflexão, pois uma das funções do
Direito é, como afirma a historiadora Wilma Maciel, “estabelecer limites para o poder
111
ALVES, Taiara Souto. Dos quartéis aos tribunais: a atuação das Auditorias Militares de Porto Alegre
e Santa Maria no julgamento de civis em processos políticos referentes às Leis de Segurança Nacional
(1964-1978). Porto Alegre: UFRGS, 2009, p. 45. Dissertação de Mestrado em História.
112
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e oposição no Brasil (1964-1986). Bauru: EDUSC, 2005,
p. 27.
113
A Escola Superior de Guerra foi criada em 1949, com a ajuda de militares estadunidenses e franceses e
com o objetivo de formar um quadro de pessoal qualificado em questões referentes à segurança nacional.
114
D’ARAUJO, Maria Celina. Justiça Militar, segurança nacional e tribunais de exceção, pp. 6-12.
Trabalho apresentado no 30º Encontro Anual da ANPOCS- GT08 – Forças Armadas, Estado e sociedade.
De
24
a
28
de
outubro
de
2006,
Caxambu,
MG.
Captado
em:
http://cpdoc.fgv.br/projetos/cfa21/arqs/anpocs2006/103.pdf.
115
Idem, p. 18.
116
DORA, Denise Dourado. Advocacia em tempos sombrios: De como um grupo de advogados enfrentou
o regime militar de 1964. Rio de Janeiro: FGV/Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC, 2011, p. 36. Dissertação de Mestrado em História, Política e Bens
Culturais.
57
do Estado, criando distinção entre os três poderes”, fiscalizando a aplicação da lei, o que
implica autonomia frente aos outros poderes.117 Esta autonomia foi profundamente
afetada no caso da Justiça Militar, já que ela estava atrelada aos interesses do Executivo.
Ao mesmo tempo, se comparada às ditaduras ocorridas na Argentina e no Chile,
notamos que a Justiça Militar, no caso brasileiro, apresentava certa flexibilidade.
Acredito, como sugere o cientista político Anthony Pereira, na “existência de um
‘espaço judicial’, ainda que bastante limitado, no interior do regime”, o que significa
dizer que “os julgamentos em processos políticos não eram completamente caprichosos
ou arbitrários”. 118 Segundo Spieler e Queiroz, ao criar uma legislação que permitia estes
espaços, a ditadura sujeitou-se à “análise de seus atos à racionalidade jurídica, produto
de uma cultura própria e razoavelmente hermética que muitas vezes impôs revezes
imprevistos ao governo”.119
Este espaço de atuação, conforme Pereira, era extremamente dificultado por
“uma espécie de consenso civil-militar quanto aos processos e às suas sentenças” que
“colocava obstáculos formidáveis à atuação dos advogados de defesa nos tribunais
brasileiros”.120 Da mesma forma, o livro Brasil: Nunca Mais afirma que a Justiça
Militar brasileira acabou transgredindo a legislação criada pelo Executivo.121 Isto se
devia ao fato de serem aceitos processos mal construídos, com lacunas documentais e,
muitas vezes, baseando-se somente nas confissões obtidas através de violência. Além
disso, a legislação brasileira era ampla e vaga, possibilitando o que Pereira denominou
de “legalismo mágico”, isto é, havia uma profusão de leis que permitia que a qualquer
momento um réu pudesse ser enquadrado em uma lei diferente.122 Os advogados, assim
“tinham que lidar com todo este arsenal da legalidade de exceção na Justiça Militar, que
117
MACIEL, Wilma Antunes. O capitão Lamarca e a VPR: Repressão judicial no Brasil. São Paulo:
Alameda, 2006, pp. 46-7.
118
PEREIRA, Anthony W. “O papel dos advogados de defesa ma Justiça Militar Brasileira, 1964-1979:
redefinindo o crime político”. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org). O golpe de 1964 e o regime
militar. São Carlos: EduFSCar, 2006, p. 125.
119
SPIELER; QUEIROZ. Op. cit., p. 35.
120
PEREIRA, Anthony W. “O papel dos advogados de defesa ma Justiça Militar Brasileira, 1964-1979:
redefinindo o crime político”. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org). O golpe de 1964 e o regime
militar. São Carlos: EduFSCar, 2006, p. 120.
121
ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 176- 84.
122
PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e Argentina”. In:
SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.) Desarquivando a
Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2008, p.
211.
58
sistematicamente desrespeitava a própria legislação e os direitos dos prisioneiros
políticos”123.
Comparada ao lugar ocupado pelo judiciário nas ditaduras dos países
supracitados, a Justiça brasileira foi a mais lenta e a mais pública. Além disso, a
ditadura brasileira utilizou-se de tribunais e leis já existentes, o que fazia com que
mantivesse procedimentos que tinham sua base na democracia.124 Houve a preocupação
dos golpistas em não substituir a ordem legal pré-existente, mesmo que só formalmente.
Isto derivava de uma preocupação com a legitimidade política do regime.125 A Justiça
militar, assim, cumpria um papel central nesta estratégia de legitimação “perante a
opinião pública nacional e internacional”.126
Segundo Anthony Pereira, a ditadura brasileira utilizou-se tanto da repressão
judicial porque podia fazer isso: aqui havia tribunais dispostos e confiáveis, o que não
ocorreu na Argentina ou no Chile. “Quando os regimes recorrem à violência
extrajudicial e a um ataque frontal à legalidade tradicional, isso em geral se deve ao fato
de não terem conseguido manipular a lei e os tribunais em benefício próprio”.127
I.2. Os advogados de presos políticos durante a ditadura civil-militar brasileira
Foi no contexto acima descrito que o advogado, um mediador entre seu cliente e
os julgadores, atuou. Bourdieu afirma que ao ser judicializado um conflito é introduzida
“uma distância neutralizante”, na qual há participação de terceiros que falam em nome
dos conflitantes. 128 Pierre Bourdieu afirma que
O campo judicial é o espaço social organizado no qual e pelo qual se
opera a transmutação de um conflito directo entre partes directamente
interessadas no debate juridicamente regulado entre profissionais que
TELES, Janaína de Almeida. “Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados de perseguidos
políticos de São Paulo nos anos 1970”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 102, maio/2013, p. 290.
124
PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e Argentina”. In:
SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.) Desarquivando a
Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2008, p.
204.
125
WANDERLEY, Erika Kubik da Costa. A institucionalização da repressão judicial na Ditadura civilmilitar brasileira. p. 6. Apresentação de trabalho no 5º Encontro da Associação Brasileira de Ciência
política realizado em Belo Horizonte entre 27 a 29 de julho de 2006. Disponível em
www.sinteseeventos.com.br/abcp/trabalho_ErikaWanderley.pdf
126
TELES, Janaína de Almeida. “Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados de perseguidos
políticos de São Paulo nos anos 1970”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 102, maio/2013, p. 292.
127
PEREIRA, Anthony W.. Ditadura e Repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no
Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 284.
128
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p.227.
123
59
actuam por procuração e que têm de comum o conhecer e o
reconhecer da regra do jogo jurídico, quer dizer as leis escritas e não
escritas do campo – mesmo quando se trata daquelas que é preciso
conhecer para vencer a letra da lei (em Kafka, o advogado é tão
inquietante como o juiz). Na definição que frequentemente tem sido
dada, de Aristóteles a Kojève, do jurista como “terceiro mediador”, o
essencial está na ideia de mediação (e não de arbitragem) e no que ela
implica, quer dizer a perda da relação de apropriação directa e
imediata da sua própria causa: perante o pleiteante ergue-se um poder
transcendente, irredutível à defrontação das visões do mundo privadas,
que não é outra coisa senão a estrutura e o funcionamento do espaço
socialmente instituído desta defrontação. 129
Os advogados, assim, constituem-se em terceiros que fazem a mediação entre o
réu e um Estado neutro e imparcial, representado na figura do juiz. Ao entrar nesta
disputa o indivíduo despossuído da competência jurídica vê-se em um meio no qual é
estranho e inferior. O indivíduo deixa de estar entre iguais, passando a um meio de
“doutos sábios” de uma lei inalcançável a ele, sendo mediado pelo defensor. No caso
específico dos réus em casos políticos, essa estranheza apontada por Bourdieu é
potencializada pelo clima inquisitorial e opressivo criado pela ditadura.
Por esta razão, mais do que um mediador que traduzia as necessidades de seu
cliente para o campo jurídico, o advogado funcionava como um elo entre o preso e o
mundo, ampliando esta característica de mediação a outras esferas, como a afetiva e a
política.130 Os advogados davam conforto e apoio aos familiares dos presos, por
exemplo, dando esperança em um momento delicado.
131
Este apoio fortalecia as
famílias e impulsionava-as à “ação constante, decidida e incansável das pessoas
procurando por seus familiares e apelando para a compaixão das autoridades”.
132
Ao
entrar em contato com os prisioneiros, os defensores ainda rompiam seu isolamento,
dando “suporte aos presos e seus familiares nas suas diversas manifestações, protestos,
129
Idem, p.229.
ALMEIDA, Maria Herminia Tavares de & WEIS, Luiz. “Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da
oposição de classe média ao regime militar”. In: SCHWARZ, Lilia Moritz (org). História da Vida
Privada no Brasil. Vol. 4: Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p. 340.
131
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 89. Dissertação de Mestrado em História.
132
DORA, Denise Dourado. Advocacia em tempos sombrios: De como um grupo de advogados enfrentou
o regime militar de 1964. Rio de Janeiro: FGV/Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC, 2011, p. 76. Dissertação de Mestrado em História, Política e Bens
Culturais.
130
60
greves de fome e denúncias de violações de direitos humanos”, fazendo, muitas vezes, a
divulgação destas denúncias.133
Os advogados de presos políticos “serviram como interlocutores entre as
autoridades do regime e seus opositores (a maioria jovens, às vezes armados), atuando
como uma espécie de ‘oposição leal’ ao regime, quando esse papel estava extremamente
cerceado aos representantes eleitos no Congresso Nacional”.134 Percebe-se o cunho
político que acaba assumindo a atuação do advogado, já que a defesa de presos políticos
era vista como uma forma de opor-se à ditadura. 135
Estes defensores formavam, como afirma Janaína Teles, “um conjunto
ideológico relativamente heterogêneo”, indo desde liberais até comunistas. Logo após o
golpe, criou-se uma rede de troca e ajuda, baseada no “respeito mútuo e troca de
informações entre eles”, porém sem ser constituído um grupo organizado. 136 Para todos
eles a atividade constituiu-se “como uma forma de enfrentamento ao regime militar de
1964-1985”: a defesa de presos políticos converteu-se em uma das formas de resistência
à ditadura, pela qual um grupo pequeno de advogados optou.137
A entrada nesta área de atuação era diversa, dependendo do perfil de cada
advogado. Havia também advogados consagrados, como Heleno Fragoso e Sobral
Pinto, que foram atuar nesta área seguindo a tradição da advocacia liberal. 138 Outros
eram jovens advogados de esquerda que, assim como Werner Becker e Omar Ferri,
viram nesta atividade uma possibilidade de atuação profissional: conforme Janaína
TELES, Janaína de Almeida. “Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados de perseguidos
políticos de São Paulo nos anos 1970”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 102, maio/2013, p. 292.
134
PEREIRA, Anthony W. “O papel dos advogados de defesa ma Justiça Militar Brasileira, 1964-1979:
redefinindo o crime político”. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org). O golpe de 1964 e o regime
militar. São Carlos: EduFSCar, 2006, p 124.
135
ALMEIDA, Maria Herminia Tavares de & WEIS, Luiz. “Carro-zero e pau-de-arara: o cotidiano da
oposição de classe média ao regime militar”. In: SCHWARZ, Lilia Moritz (org). História da Vida
Privada no Brasil. Vol. 4: Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras,
1998, p. 341.
136
TELES, Janaína de Almeida. “Em defesa da liberdade e da justiça: os advogados de perseguidos
políticos de São Paulo nos anos 1970”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Ciências Criminais, vol. 102, maio/2013, p. 292.
137
DORA, Denise Dourado. Advocacia em tempos sombrios: De como um grupo de advogados enfrentou
o regime militar de 1964. Rio de Janeiro: FGV/Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil – CPDOC, 2011, p. 16. Dissertação de Mestrado em História, Política e Bens
Culturais.
138
Idem, p. 57.
133
61
Teles, este é o caso dos advogados paulistas.
139
Muitos dos presos buscavam estes
advogados exatamente por sua vinculação política. 140
Denise Dora afirma que havia um incentivo por parte do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) a que seus militantes advogados se engajassem nesta atividade.
Partindo do depoimento da advogada Flora Strozemberg, Dora aponta que o advogado
Modesto da Silveira chegava a ter seus custos arcados pelo Partido, para desta forma
poder dedicar-se exclusivamente à defesa de presos políticos das mais diferentes
organizações.141 Pode-se dizer que os advogados comunistas viam na atividade
profissional uma forte dimensão política: um exemplo disso foi a criação de um grupo
de advogados do PCB durante a ditadura que buscava atuar politicamente através da
atividade profissional. 142
É provável que o envolvimento destes advogados de diferentes matizes
ideológicas na defesa de presos políticos esteja relacionado com as visões que eles
tinham do sentido público e político da advocacia e do ideal de Estado. Advogados que
vinham de uma tradição liberal, como é o caso de Sobral Pinto, provavelmente
defendiam os presos políticos buscando liberalismo processual.143 Podemos afirmar que
para eles, assim como alguns advogados de causas latino-americanos analisados por
Stephen Meili, o Estado ideal é um Estado liberal, no qual todos têm direito a um
julgamento justo.144 Já aqueles advogados identificados com as esquerdas se encaixam
no segundo tipo apontado por Meili, no qual o Estado ideal, além de garantir um
julgamento justo, envolveria também a justiça social.145
Na Justiça Militar o advogado acabava tendo diversos obstáculos no seu ofício.
Um desses obstáculos era o fato de ter uma doutrina e prática que concediam aos juízes
a possibilidade de julgar não se baseando em provas judiciais, e podendo utilizar-se de
139
TELES. Op. cit., p. 292.
DORA. Op. cit, p. 44.
141
Idem, p. 57.
142
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre.
143
Deve-se lembrar que Sobral Pinto, ao mesmo tempo que era ligado ao conservadorismo católico, havia
se destacado como defensor de presos políticos desde a ditadura do Estado Novo. Sobre isto ver:
DULLES, John W. F. Sobral Pinto – a consciência do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001;
SOBRAL PINTO, Heráclito Fontoura. Por que defendo os comunistas. Belo Horizonte: Editora
Comunicação, 1979.
144
MEILI, Stephen. “Latin American Cause-Lawyering Networks”. In:
SARAT, Austin. &
SCHEINGOLD, Stuart. (eds.) Cause Lawyering in the State in a Global Era. New York: Oxford
University Press. Coll “Oxford socio-Legal Studies”, 2001, p. 322.
145
Idem, p. 323.
140
62
argumentação extrajudicial, tais como as ideias e valores dos réus. 146 Outro óbice para o
trabalho da defesa era o fato do tribunal não se comportar de um modo triádico, com
duas partes – defesa e acusação – e um juiz imparcial e neutro. O que acabava
ocorrendo era que ele se comportava de forma diádica e inquisitorial, com os juízes e os
promotores do mesmo lado. 147
Havia ainda a iminência de ataques por parte da repressão aos defensores.
Muitas ameaças foram feitas aos advogados e às suas famílias, além de sequestros e
prisões que tiveram como alvo figuras de destaque, como o decano dos defensores de
crimes políticos, Heráclito Sobral Pinto, e o grande jurista Heleno Fragoso, entre outros.
148
Muitas vezes os órgãos de segurança buscavam intimidar e implicar politicamente os
advogados “forjando uma identificação partidária com seus clientes”, baseada na
relação de confiança e respeito que havia entre eles.149 Frente a isso, havia a
preocupação de alguns advogados para que “não fossem identificados como advogados
de uma dada organização, dando assim a impressão de serem financiados e vinculados a
ela”.150
Neste contexto, os advogados procediam através de uma argumentação que
visava “tirar lascas do consenso sobre a lei de segurança nacional, conquistando o
reconhecimento de alguns direitos para seus clientes e deslocando os limites das
interpretações legais nos tribunais”, para assim empurrar a “justiça militar para um
maior liberalismo”.151
Ao mesmo tempo, eles não podiam nem proceder com muita agressividade nem
com muita passividade, correndo o risco de alienar os juízes ou criar uma justificativa
para uma pena mais rígida.
152
Por outro lado, segundo Paula Spieler e Rafael Queiróz,
PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e Argentina”. In:
SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.) Desarquivando a
Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2008, p.
215.
147
Idem, p. 216.
148
MARTINS, Paulo Emílio; MUNTEAL, Oswaldo; SÁ, Fernando (orgs). Os advogados e a ditadura de
1964: A defesa dos perseguidos políticos no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes; Rio de Janeiro: Editora
PUC-Rio, 2010, pp.32-3, 51-2, 93-5.
149
TELES. Op. cit., p. 293.
150
GUAZZELLI. Op. cit, p. 89. Dissertação de Mestrado em História. Este fato também pode ser visto
em SPIELER; QUEIROZ. Op. cit., p. 34.
151
PEREIRA, Anthony W. “O papel dos advogados de defesa ma Justiça Militar Brasileira, 1964-1979:
redefinindo o crime político”. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org). O golpe de 1964 e o regime
militar. São Carlos: EduFSCar, 2006, p 120.
152
PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e Argentina”. In:
SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.) Desarquivando a
146
63
muitos depoimentos de advogados de presos políticos apontam que, embora estivesse
comprometida com a ditadura, a Justiça Militar constituiu um “espaço mais digno para
o exercício da advocacia do que a Justiça Comum”.
153
Segundo alguns advogados que
concederam entrevistas para o livro Advocacia em tempos difíceis, lá o advogado era
melhor recebido e respeitado do que na Justiça Comum, quando os crimes políticos
tramitavam por ela. Este fato seria exemplificado pelas vitórias dos defensores na
Justiça castrense, as quais “eram muitas vezes mais fáceis de conseguir na Justiça
Militar do que na Justiça Comum”. 154
Ao mesmo tempo, na corte militar os advogados tinham de proceder com muita
habilidade, construindo um direito alternativo (segundo o advogado Alcyone Barretto)
ou a advocacia-arte (conforme Mario Simas), uma vez que “os advogados e advogadas
tiveram êxito ao utilizar estratégias não previstas em lei para evitar diversas mortes”. 155
A advogada Ana Eni Machado Milan afirma que Eloar Guazzelli definia-se como um
“diletante do direito”, já que uma vez que tirava satisfação daquilo que fazia, “ia além
do que era possível tecnicamente”, lançando mão de diferentes instrumentos, como a
familiaridade com a auditoria, por exemplo.156 Deve-se lembrar que os procedimentos
realizados pelos advogados de presos políticos não são privilégio desta área, sendo
comuns ao trabalho do advogado.
Até a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), em dezembro de 1968, os
advogados utilizavam o habeas corpus, que permitia a libertação dos presos. O habeas
corpus consistia “em instrumento de garantia, não só do direito de ir-e-vir, mas da
própria vida”, evitando interrogatórios sob tortura e conseguindo a liberdade dos presos
políticos. 157 Depois de decretado o AI-5, os advogados tiveram de proceder com grande
criatividade desde os primeiros momentos em que iniciavam os casos.
Durante o período de incomunicabilidade dos presos, os defensores
apresentavam petições simples, com o intuito de localizá-los: estes instrumentos,
denominados informalmente como “habeas corpus de localização”, “obrigavam o juiz
Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2008, p.
216.
153
SPIELER; QUEIROZ. Op. cit., p. 37.
154
Idem, ibidem.
155
Idem, p. 46.
156
GUAZZELLI. Op. cit., p. 95.
157
LEMOS, Renato. “Por inspiração de Dona Tiburtina: o general Peri Bevilaqua no Superior Tribunal
Militar”. In: Locus – Revista de História, Juiz de Fora, Departamento de História/ Núcleo de História
Regional/Arquivo Histórico/EDUFJF, v. 9, nº 1, 2003, p. 119.
64
auditor a consultar o promotor de justiça encarregado do IPM e requisitar informações
às autoridades sobre onde estaria preso determinado dissidente político”.158
Este procedimento foi muito importante, uma vez que ao impetrá-lo havia a
demonstração de que aquele preso tinha advogado constituído e que este estava ciente
que seu cliente estava desaparecido, evitando ou reduzindo, desta forma, a possibilidade
de execução extrajudicial.159 “A localização dificultava o assassinato do preso, pois a
autoridade competente, que já era identificada, teria que dar explicações sobre a morte.
O habeas corpus foi, assim, fundamental em vários casos para salvar vidas”.
160
O
habeas corpus, sob esta camuflagem, tinha como objetivo, também, identificar a
motivação da prisão, se era política ou não, ao mesmo tempo em que pressionava o
Superior Tribunal Militar (STM) a ter uma postura mais enérgica.161
Partindo da ideia contida no AI-1 de que “a revolução” era a fonte do poder,
alguns advogados, libertar seus clientes, “impetravam” o habeas corpus diretamente
com os generais comandantes do Exército.162 O fato deste ato ter sucesso mostra o
surrealismo da situação jurídica vivida na ditadura, uma vez que não caberia ao Exército
avaliar um pedido de habeas corpus.
Este procedimento também permitia a divulgação internacional das prisões,
possibilitando que os advogados as noticiassem para a imprensa internacional.163 Assim,
os advogados conseguiram, além de evitar mortes e desaparecimentos, limitar o tempo
de incomunicabilidade.
Ao analisar as memórias de alguns advogados de presos políticos, nota-se que
eles frisam que as argumentações da defesa em geral não eram políticas, e sim técnicas,
muitas vezes sendo feitas somente “intervenções discretas e sempre no proveito
imediato do cliente”.164 Pereira aponta para dois tipos de defesa nestes casos: a jurídica
– que se baseava em elementos mais técnicos – e a mista – que inseria alguns elementos
158
TELES. Op. cit., p. 296.
Por não serem motivadas por um mandato judicial, as prisões referentes aos crimes políticos eram
realizadas como um sequestro, de forma totalmente fora da legalidade.
160
SPIELER; QUEIROZ. Op. cit., p. 42.
161
Idem, p. 43.
162
Os advogados Omar Ferri, Werner Becker, Mário Simas Passos e Idibal Pivetta alegam utilizado esta
estratégia. FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de
2013, em Porto Alegre; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia
25 de setembro de 2012, em Porto Alegre; CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e
OAB/RS: “Advogados gaúchos na defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, pp. 63 e 75-6; SPIELER;
QUEIROZ. Op. cit., p. 44-5.
163
SPIELER; QUEIROZ. Op. cit., p. 44.
164
BARANDIER, Antonio Carlos. Relatos – um advogado na ditadura. Rio de Janeiro: J. Di Giorgio,
1994, p. 19.
159
65
políticos. Apesar de procurar adequar suas estratégias ao tribunal em questão, na
maioria dos casos optava-se pelo primeiro tipo.
Esta linha de defesa derivava de duas questões: por um lado, uma defesa baseada
na crítica da legitimidade do regime não traria bons resultados para seus clientes, e por
outro, como afirma o advogado Marcello Alencar, havia uma percepção de que “os
militares eram sensíveis à hierarquia das leis”.165 Uma vez que muitas das denúncias
eram mal formuladas, havia um espaço para a crítica da defesa.
Desta forma, muitas vezes os advogados focavam em questões processuais,
como a “frequente violação dos prazos processuais, que tinha por efeito manter o
acusado detido por tempo superior ao estabelecido nos mais duros códigos em vigor”.
166
Dentro desta linha de defesa os advogados ainda pediam a anulação do processo por
“vício de procedimentos”, procurando “mostrar que as prisões haviam sido ilegais (...),
que não haviam sido respeitados princípios do código de processo penal militar, prazos,
etc.”, o que, eventualmente era acolhido pelos auditores.167 Outra argumentação
recorrente era a anulação das confissões, já que eram obtidas através da tortura, sendo
utilizado este espaço para denunciar as violências cometidas pelo regime.168 Em relação
às provas os defensores apontavam para a ausência de evidências concretas que
acusassem os réus. 169
Os advogados também se valiam de estratégias extrajurídicas. Um recurso era
utilizar-se das contradições existentes dentro do sistema, que, por um lado, queria
reprimir em nome da segurança nacional, e, por outro, tinha a preocupação de manter as
aparências de legalidade. Assim, muitas vezes os advogados usavam a favor de seus
clientes os atritos existentes entre a Justiça Militar e o aparato repressivo.170 Outro
procedimento extrajurídico era buscar uma identificação com o juiz togado, que era
civil e concursado, visto que muitas vezes os juízes militares acabavam seguindo a sua
decisão. 171
165
MARTINS; MUNTEAL; SÁ. Op. cit., p. 115.
LEMOS, Renato. “Introdução – o General Juiz Peri Constant Bevilaqua”. In: LEMOS, Renato (org).
Justiça Fardada: o General Peri Bevilaqua no Superior Tribunal Militar (1965-1969). Rio de Janeiro:
Bom Texto, 2004, p. 29.
167
DORA. Op. cit., p. 74.
168
Para um exemplo ver: GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado
Eloar Guazzelli na Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, pp. 104-7. Dissertação de
Mestrado em História.
169
Idem, p. 75.
170
MARTINS; MUNTEAL; SÁ. Op. cit., pp. 78-81.
171
Idem, p. 54.
166
66
Os advogados também faziam uso de argumentos ligados ao imaginário
anticomunista: eles tentavam desvincular o acusado, não de ideias comunistas, “mas
principalmente das representações comuns que povoavam o imaginário anticomunista
no Brasil desde princípios do século XX”. O defensor procurava “retratar o comunismo
e os comunistas conforme o que se esperava ser a imagem que os Juízes faziam dessas
idéias”.172
Assim, a defesa buscava mostrar no cliente características que pensava serem
tidas como corretas pelos juízes, lançando mão de um discurso moralmente conservador
como estratégia de defesa. Os advogados procuravam mostrar seus clientes como bons
filhos e filhas, bons estudantes, ou até como patriotas com uma percepção equivocada
da situação política.173 Além disso, procuravam mostrar o “potencial de reabilitação do
acusado, desde vicissitudes relativas ao seu nível cultural e à sua personalidade, mas,
sobretudo, à sua conduta, tendo em vista que os juízes consideravam relevantes estes
aspectos nas suas decisões”.174 Eles também se utilizavam das imagens que os juízes e
os tribunais tinham de si mesmos e do país. 175
Ao mesmo tempo, os advogados lançaram mão de estratégias fora das cortes,
como publicizar seus casos e sua atividade profissional, o que, além de funcionar como
uma forma de proteção tanto para os defensores quanto para os defendidos, divulgavaos como militantes da resistência democrática.176 Também funcionava como estratégia
disseminar informações sobre a ditadura fora do Brasil, tanto através da comunidade
jurídica internacional quanto através de entidades de exilados.177 Para isto lançavam
mão de uma rede de contatos do qual participavam os familiares dos presos,
organizações de defesa dos direitos humanos, entidades religiosas e a própria Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB). Esta rede, como veremos, foi crescendo ao longo da
década de 1970. 178
TORRES, Mateus Gamba. “A Justiça nem ao Diabo se há de negar”: A repressão aos membros do
Partido Comunista Brasileiro na Operação Barriga Verde (1975-1978). Florianópolis: UDESC, 2009, p.
148. Dissertação de Mestrado em História.
173
Exemplos disso podem ser vistos em DORA. Op. cit, pp. 66-67 e GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A
lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre:
UFRGS, 2011, pp. 99 e 102-3.. Dissertação de Mestrado em História.
174
TELES. Op. cit., p. 299.
175
PEREIRA, Anthony W.. Ditadura e Repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no
Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 219.
176
DORA. Op. cit., p. 59.
177
Idem, pp. 52 e 78
178
Idem, pp. 84-85.
172
67
Partindo destes expedientes, os advogados “foram capazes de alterar os limites
da interpretação jurídica com o passar do tempo, fazendo voltar atrás algumas das
interpretações mais repressivas das leis de segurança nacional”.
179
Não houve na
Argentina e no Chile a jurisprudência que houve no Brasil, na qual os advogados eram,
em geral, bem-sucedidos.
Os advogados conseguiram, segundo a avaliação de Anthony Pereira,
resultados concretos no sentido de ter poupado os presos de um
tratamento que poderia ter sido pior. Além disso, criaram precedentes
que permitiram aos advogados e aos que os apoiavam condenar de
forma precisa e minuciosa a legalidade do regime autoritário. Eles, no
entanto, não contribuíram muito para a revisão do sistema judicial na
transição para a democracia. 180
Por outro lado, a “flexibilidade” por parte da Justiça Militar possibilitou a sua
própria manutenção. Como afirma Pereira,
as próprias características do sistema de justiça militar que o tornavam
flexível e sujeito à mudança de interpretação – oferecendo, assim,
algum alívio aos prisioneiros políticos –, eram benéficas ao regime.
Elas lhe permitiam coletar informações sobre opiniões existentes na
sociedade, facilitavam a cooperação do sistema legal e abriam espaço
para que o regime adaptasse suas leis de forma gradual [...]. Embora
flexíveis e maleáveis nas margens, as instituições da ordem legal
brasileira eram também “rígidas” em relação a suas características
essenciais. 181
Tendo em mente estas características de flexibilidade nas bordas e de rigidez no
“núcleo”, pode-se esclarecer um pouco mais a transição brasileira. Ainda de acordo com
o mesmo pesquisador,
Dos três casos [Chile, Argentina e Brasil, o último] (…) foi o que o
que menos viveu justiça de transição após a transição democrática, em
parte porque a legalidade autoritária – gradualista e conservadora – de
seu regime militar envolveu a participação de boa parte do
establishment jurídico e continuou a ser legitimada sob a
democracia.182
PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e Argentina”. In:
SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.) Desarquivando a
Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2008, p.
217.
180
PEREIRA, Anthony W.. Ditadura e Repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no
Chile e na Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 232.
181
PEREIRA, Anthony W. “O papel dos advogados de defesa ma Justiça Militar Brasileira, 1964-1979:
redefinindo o crime político”. In: MARTINS FILHO, João Roberto (org). O golpe de 1964 e o regime
militar. São Carlos: EduFSCar, 2006, p. 126-7.
182
PEREIRA, Anthony W. “Sistemas judiciais e repressão política na Brasil, Chile e Argentina”. In:
SANTOS, Cecília Macdowell; TELES, Edson; TELES, Janaína de Almeida.(orgs.) Desarquivando a
Ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo: Aderaldo & Rothschild Editores, 2008, p.
219.
179
68
Vemos, assim, a característica paradoxal da Justiça Militar e dos advogados que
nela atuavam, os quais ao mesmo tempo em que buscavam mais flexibilidade e faziam
oposição ao regime, de certa forma, contribuíam para sua manutenção. Devido às
conquistas proporcionadas pelos advogados aos presos políticos, esta atuação passou a
ser vista de forma positiva pelos opositores da ditadura, o que possibilitou grande
reconhecimento dos advogados no final do regime.
A atuação destes advogados marcou suas trajetórias e teve “conseqüências na
vida das pessoas que foram defendidas por eles nos processos judiciais”, o que acabou
“também refletindo na história política e jurídica recente da sociedade brasileira.183
Porém, isto só foi possível devido a uma trajetória que cada defensor realizou entre o
direito e a política, tendo desempenhado papel importante a emergência da causa dos
direitos humanos por parte das esquerdas.
Neste sentido é interessante trazer as reflexões sobre a atuação dos advogados e
magistrados franceses durante o regime de Vichy, analisado por Liora Israël no artigo
“Resistir pelo direito? Advogados e magistrados na Resistência francesa (1940-1944)”.
184
A autora parte de três figuras de resistências relativas ao direito: resistir apesar do
direito, resistir à sombra do direito e resistir em nome do direito. No primeiro caso,
aqueles profissionais do direito que se envolviam com a resistência o faziam fora da
esfera legal, demonstrando uma ruptura com o legalismo.185 Como afirma a autora, estas
“formas iniciais de resistência entre os magistrados e os advogados não se
caracterizavam pela fundamentação no direito ou por práticas profissionais
específicas”.186
Já no segundo caso – resistir à sombra do direito – a atuação se dava dentro das
práticas profissionais dos advogados e magistrados. Segundo a autora, este tipo de
resistência “induzia a um distanciamento complexo em relação à legalidade”, o que
possibilitava atingir objetivos que o regime considerava como ilegais.
187
Esta
modalidade de resistência demonstra
a plasticidade do direito e de seus usos, inclusive em uma perspectiva
de oposição ilegal ao poder instituído, a quem se atribui o papel de
garantir esse mesmo direito. Resistir à sombra do direito, “encoberto”
pelo respeito da forma jurídica e da instituição judicial, constituiu
183
DORA. Op. cit., pp. 17.
ISRÄËL, Liora. “Resistir pelo direito? Advogados e magistrados na Resistência francesa (19401944)”. In: Prisma Jurídico, São Paulo, Uninove, v. 10, n. 1, jan./jun. 2011, pp. 61-92.
185
Idem, p. 68.
186
Idem, p. 70.
187
Idem, p. 72.
184
69
assim uma forma paradoxal de uso da forma jurídica como meio e não
como fim.188
Através de um distanciamento instrumental do direito, os advogados e
magistrados franceses utilizavam das possibilidades e espaços existentes dentro do
aparato legal do regime de Vichy para lhe fazer resistência. Assim, as atividades dos
profissionais poderiam converter-se em atos de resistência.189
Finalmente, a terceira forma de resistência relacionada ao direito – resistir em
nome do direito – “consistiu na construção de uma legitimação jurídica da resistência,
tanto no nível de suas instituições quanto no dos princípios legitimadores da política”.
190
Um fator que levou a esta modalidade de resistência foram disposições e decisões do
governo de Vichy que ia de encontro a valores do ofício do advogado, como o direito de
visita e sigilo da defesa. Isto levou a uma tomada de posição pública de enfrentamento
ao regime por parte de grupos de advogados na defesa de seus direitos. Conforme
aponta Israël, “tratava-se assim de fundar, nos termos do direito e da profissão, a
legitimidade das formas de oposição ao regime”.
191
Outra forma, em geral mais
acadêmica, que a resistência em nome do direito tomou foi a uma justificação jurídica
da Resistência.
Isto demonstra que estas atuações permitiram aos profissionais do direito
“servir-se do mundo do direito de maneira subversiva”, mesmo que o ofício limite a
ação a “uma estrutura de oportunidade localizada nas instituições detentoras do
poder”.192 Para Israël a resistência judicial permite
mostrar que os usos do direito deveriam ser compreendidos no
cruzamento das situações de ação, das posições do atores e de seus
objetivos – inclusive políticos. Essa formalização igualmente revelou
capacidades de subversão interna da instituição judicial que foram por
muito tempo ocultadas tanto na sociologia quanto nas representações
comuns dessa instituição.193
A análise do caso dos advogados e magistrados franceses que fizeram resistência
ao regime de Vichy é relevante a esta pesquisa uma vez que mostra diversos paralelos
com as atuações de advogados durante a ditadura civil-militar brasileira, em especial
com as trajetórias de Guazzelli, Becker e Ferri.
188
Idem, p. 72-3.
Idem, p. 74.
190
Idem, p. 79.
191
Idem, p. 80.
192
Idem, p. 85.
193
Idem, ibidem.
189
70
Logo após a instauração da ditadura civil-militar com o golpe 1964, os
advogados brasileiros que se opunham ao regime foram criando diferentes formas de
resistência e enfrentamento que podem ser encaixadas no modelo proposto por Liora
Israël. Alguns advogados romperam com o legalismo e lançam mão de estratégias que
saem da esfera do direito, resistindo apesar do direito. Um exemplo foi atuação do
advogado gaúcho Carlos Araújo, que, em sua entrevista ao projeto Marcas da Memória,
apresenta diferentes formas deste tipo de resistência, tanto através do trabalho com
sindicatos quanto no engajamento na luta armada.194
Já outros advogados, de uma forma ou de outra, acabaram atuando na defesa de
presos políticos e, desta forma, resistindo à sombra do direito. Frente às violações
cometidas pela ditadura, instituições como a OAB e o MDB levantaram-se e
construíram uma resistência em nome do direito. Por terem optado por uma luta dentro
dos limites institucionais, Ferri, Becker e Guazzelli acabaram inserindo-se nestes dois
últimos modelos de resistência.
I.3. Eloar Guazzelli, Werner Becker e Omar Ferri e o mundo do direito no Rio
Grande do Sul
Os advogados em foco aqui desenvolveram uma trajetória entre o direito e a
política. Nestes meios eles interagiam com outros agentes com os quais concorriam ou
cooperavam. Para minha análise, parto das reflexões feitas por Pierre Bourdieu a
respeito do campo jurídico. Mesmo que, como afirma Fabiano Engelmann, “a
transposição desse instrumental de análise para o caso brasileiro” seja complexa, uma
vez que sua teorização tenha como base o caso francês, alguns conceitos realizados pelo
autor me auxiliam a pensar nas interações de Guazzelli, Ferri e Becker no mundo do
direito.195
O campo jurídico é definido por Bourdieu como “o lugar de concorrência pelo
monopólio do direito de dizer o direito” por aqueles agentes
investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica que
consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de
194
ARAUJO, Carlos Franklin da Paixão. Entrevista concedida a Francisco Carvalho Junior e Dante
Guimaraens Guazzelli para o Projeto Marcas da Memória: História Oral no Brasil em Porto Alegre no dia
11 de abril de 2011.
195
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 18.
71
maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que
consagram a visão legítima, justa [droite], do mundo social.196
Assim, o campo caracteriza-se tanto por uma divisão entre “profissionais” e
“profanos” – ou seja, aqueles que não são investidos por esta competência – quanto por
uma concorrência entre estes “profissionais” pelo monopólio de dizer o Direito. Desta
forma, este campo pode ser “genericamente definido como o universo de interação dos
bacharéis em Direito”, o que “implica num espaço socialmente instituído por ritos,
símbolos, códigos, hierarquias e garantias legais legitimadas pelo Estado”.197
De acordo com Bourdieu, os discursos e práticas exercidos pelos agentes do
Direito são definidos por uma lógica determinada
por um lado, pelas relações de força específicas que lhe conferem a
sua estrutura e que orientam as lutas de concorrência ou, mais
precisamente, os conflitos de competência que nele têm lugar e, por
outro lado, pela lógica interna dos obras jurídicas que delimitam em
cada momento o espaço dos possíveis e, deste modo, o universo das
soluções propriamente jurídicas. 198
O antagonismo entre os participantes do campo que possuem visões e interesses
diferentes a respeito das interpretações “não exclui a complementariedade das funções e
serve, de facto, de base a uma forma subtil de divisão do trabalho de dominação
simbólica na qual os adversários, objetivamente cúmplices, se servem uns aos
outros”.199 O cânone jurídico é de onde emana a autoridade deste meio, o que faz do
campo um meio de interpretação.
Esta interpretação faz com que o trabalho do juiz, mais do que uma execução
fria da lei, crie novos significados para ela, criando algo novo a partir do cânone.200 Esta
invenção que é a decisão do magistrado, ainda segundo Bourdieu, é fruto de uma luta
simbólica entre
profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais,
portanto, capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios ou
recursos jurídicos disponíveis, pela exploração das “regras possíveis”,
e de os utilizar eficazmente, quer dizer, como armas simbólicas, para
fazerem triunfar a sua causa; o efeito jurídico da regra, quer dizer, a
sua significação real, determina-se na relação de força específica entre
os profissionais, podendo-se pensar que essa relação tende a
corresponder (tudo o mais sendo igual do ponto de vista do valor na
196
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 212.
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 17.
198
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 211.
199
Idem, p. 219
200
Idem, p. 222-223.
197
72
equidade pura das causas em questão) à relação de força entre os que
estão sujeitos à jurisdição respectiva.201
Não há, assim, uma decisão solitária de um juiz que vai em busca de uma leitura
fria da lei, e sim um debate entre duas interpretações. Desta forma, pode-se ver que a
flexibilização da legislação repressora vista na ditadura que teve participação ativa dos
advogados é algo que faz parte do conjunto de práticas e normas do campo jurídico.
Poder-se-ia supor que as decisões nos casos políticos mencionadas acima seriam frutos
de um embate desigual entre advogados e representantes do Ministério Público Militar.
Deve-se lembrar que, antes do golpe, a Justiça Militar era um espaço de pouca
visibilidade, o que permite dizer que não era um local procurado por aqueles que
buscavam reconhecimento no campo jurídico, enquanto que entre os advogados
estavam criminalistas de certo reconhecimento.
Uma questão importante para esta pesquisa no que se refere ao campo jurídico é
a concorrência entre os agentes participantes, já que, segundo Bourdieu, a “prática
jurídica define-se na relação entre o campo jurídico, princípio da oferta jurídica que se
gera na concorrência entre os profissionais, e a procura dos profanos que são sempre em
parte determinados pelo efeito da oferta”.
202
Existe, assim, uma disputa entre estes
agentes – no caso aqui analisado, advogados –, pelos clientes e para isto eles se valerão
de diferentes mecanismos e práticas.
Analisando as trajetórias dos indivíduos aqui abordados podemos notar algumas
estratégias para construir uma “reputação” de advogado: a defesa em casos de grande
comoção na sociedade gaúcha que atrairiam as atenções da imprensa para a atuação dos
advogados (como fizeram Guazzelli e Ferri), a militância em entidades da classe (o que
é o caso de Guazzelli) e o acionamento de relações pessoais (o que seria o caso dos
três). Ainda podemos ver a utilização de uma área “nova” e com pouca oferta de
defensores, a defesa de civis na Justiça Militar, como forma de adquirir notoriedade,
tanto no campo jurídico quanto no campo político, o que também ocorria no caso
argentino analisado por Vecchioli.203
A proximidade entre atividade profissional e militância política vista no caso dos
advogados de presos políticos é algo comum na história da advocacia brasileira, fazendo
201
Idem, pp.224-225.
Idem, p.240.
203
VECCHIOLI, Virginia. “A luta pelo direito”: Engajamento militante e profissionalização dos
advogados na causa pelos direitos humanos na Argentina. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2006,
p. 66. Tese de doutorado em Antropologia Social.
202
73
parte do padrão de advocacia encontrada no país.204 Como afirma Mattos, desde o
Império os bacharéis em Direito estavam “eternamente divididos – isto é válido, ao
menos, para a sua elite – entre as lides jurídicas e os negócios do Estado, entre os
escritórios de advocacia e os gabinetes de governo”.205
No caso sul-rio-grandense, o historiador Luiz Alberto Grijó, em sua tese de
doutorado Ensino Jurídico e Política Partidária no Brasil: a Faculdade de Direito de
Porto Alegre (1900-1937), aponta que, a partir da segunda metade do século XIX, a
elite começou “a valorizar os recursos propriamente culturais na luta política e a
educação formal de seus líderes passa a ser muito mais valorizada que antes, mesmo
que certos valores associados ao passado belicoso ainda se mantivessem em voga”,
passando o diploma, em especial em direito, a ser um valor importante a ser
cultivado.206 Neste momento, a oratória converte-se em grande trunfo que permite criar
possibilidades de entrada no mundo político, tendo papel importante neste sentido os
“duelos oratórios”.207
Analisando o campo jurídico brasileiro em seu livro Sociologia do campo
jurídico: juristas e usos do direito, o cientista político Fabiano Engelmann afirma que
no Brasil não ocorre uma separação entre um polo de “práticos” e outro de
“acadêmicos”, como ocorre no caso europeu:
Na dinâmica brasileira, as disputas em torno da definição do direito
legítimo de ser “aplicado” e as problemáticas consideradas
“juridicamente legítimas” são definidas tradicionalmente no espaço do
“mundo prático” da advocacia e das carreiras de Estado. 208
No Brasil, as disputas pelo “dizer o Direito” dão-se no espaço entre magistrados,
promotores e advogados, uma vez que, diferentemente do que ocorre nos Estados
Unidos e na Europa, não há uma autonomização profissional das faculdades de Direito
em relação ao mundo dos “práticos”.
Ao mesmo tempo há, no caso brasileiro, de acordo com Engelmann, “uma forte
associação entre a origem social, o capital de relações sociais detido, a posse de título de
204
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 149.
205
MATTOS, Marco Aurélio V. L. de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), 1945-1964. São Paulo: Alameda, 2013, p. 16.
206
GRIJÓ, Luiz Alberto. Ensino Jurídico e Política Partidária no Brasil: a Faculdade de Direito de Porto
Alegre (1900-1937). Niterói: UFF, 2005, p. 111. Tese de doutorado em História.
207
Idem, p. 216.
208
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 27.
74
bacharel e as chances de ascensão no mundo jurídico”.209 Analisando o caso dos
advogados em foco, percebe-se que tanto Becker quanto Guazzelli vinham de setores
abastados da sociedade gaúcha: o primeiro era sobrinho-neto de Dom João Becker,
arcebispo de Porto Alegre, enquanto que o segundo era vindo de uma família de
proprietários rurais de Vacaria.210 Já Omar Ferri vinha de uma família de descendentes
de italianos de classe média: seu pai tinha sido escrivão em Ilópolis, então distrito de
Encantado, no interior do Rio Grande do Sul.211 Nos três casos, como veremos a seguir,
os advogados articularam redes de relações com o intuito de serem bem-sucedidos na
advocacia gaúcha.
Analisando o campo jurídico gaúcho, Engelmann aponta que havia uma
polarização entre os juristas durante a década de 1990: de um lado havia bacharéis
vinculados a “grandes famílias de juristas e políticos” que detinham “amplo capital
social e posicionam-se nas carreiras jurídicas e na gestão das faculdades de Direito mais
tradicionais”, enquanto que de outro havia um grupo, mais diversificado socialmente,
que propunha uma visão alternativa de direito.
212
O primeiro grupo, o polo
“tradicional”, estaria intrinsecamente relacionado “às reconversões de grupos familiares
que persistem ocupando posições de destaque no campo jurídico e político ao longo de
várias décadas”213, representa um pensamento conservador do direito e vincula-se ao
direito público e às carreiras jurídicas.
Já o segundo grupo propõe uma visão “alternativa” do direito, visto como
instrumento para transformação social, e atua em áreas como a defesa de movimentos
sociais, sindicatos e “direitos humanos”. 214 Este polo parte de uma perspectiva “crítica”
da tradição jurídica – o que levaria a “novos” usos do direito e um engajamento do
209
Idem, p. 28
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor – O seqüestro dos uruguaios: uma reportagem dos tempos
da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 208. Neste sentido, Werner era também sobrinho de Walter
Becker, advogado muito atuante na política classista, havendo sido presidente do IARGS e conselheiro da
OAB/RS. No caso de Eloar, ele era sobrinho de Samuel Guazzelli, líder da UDN em Vacaria, e primo de
Sinval Guazzelli, que foi governador do Rio Grande do Sul eleito indiretamente de 1974 a 1978. Verbete
Sinval Guazzelli. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, pós
1930.
Rio
de
Janeiro:
Fundação
Getulio
Vargas,
2010.
Disponível
em
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx
211
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 2.
Disponível
em
http://www.tjrs.jus.br/site/poder_judiciario/historia/memorial_do_poder_judiciario/memorial_judiciario_
gaucho/revista_justica_e_historia/issn_1676-5834/v4n8/index.html
212
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 12
213
Idem, p. 51
214
Idem, p. 119.
210
75
advogado em causas de movimentos sociais –, que é influenciada pela defesa dos presos
políticos durante a ditadura. 215
Apesar desta nova postura em relação ao Direito relacionar-se com tendências
internacionais do Direito vinculado a causas coletivas, no caso destes juristas “críticos”
há uma concepção de advocacia na qual há o amálgama entre o discurso militante e o
conhecimento técnico, que é influenciada pelo modelo construído pelos advogados de
presos políticos ao longo da ditadura.216 Mesmo não sendo novidade uma estreita
relação entre direito e política – o que é percebido também no caso do polo
“tradicional” – há uma mudança, sendo transformado o espaço judicial em um lugar de
“luta pelo reconhecimento de direitos”.217 A trajetória de militância destes advogados é
combinada à expertise jurídica para ascender ao espaço jurídico; o “militantismo”,
assim, constitui um compensador “da ausência de capital familiar”.218
Os estudos de Engelmann permitem-me pensar na forma como Guazzelli,
Becker e Ferri colocavam-se no campo jurídico gaúcho. Partindo da ideia de dois polos
opostos, a trajetória dos advogados em foco aqui permitiria mapear o continente que
existe entre estas extremidades, uma vez que eles dialogaram com os dois grupos. Por
um lado, em seus percursos, Guazzelli, Becker e Ferri aproximaram-se do grupo
“tradicional”, que era hegemônico. Um exemplo disso é o fato de Eloar ter sido eleito
presidente do IARGS, entidade que, além de ser como “um grande panteão dos
advogados sul-riograndenses”, era local de grande participação dos “juristas
conservadores”.219 Por outro, a defesa de presos políticos inspirou “jovens advogados”
do final da década de 1970 e início de 1980, levando a uma compreensão “crítica” do
Direito. Existe, assim, a relação direta entre esta defesa e a emergência da causa dos
direitos humanos, em especial em juridicializar esta questão.
ENGELMANN, Fabiano. “Internacionalização e ativismo judicial: as causas coletivas”. In: Lua Nova,
São Paulo, CEDEC, número 69, 2006, p. 124. Esta influência fica clara na introdução da dissertação de
mestrado da advogada Denise Dora, que é, segundo Fabiano Engelmann, uma das expoentes deste polo.
Ver DORA. Op. cit., p. 9; ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do
direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 157.
216
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006., p. 150.
217
Idem, p. 150.
218
ENGELMANN, Fabiano. “Internacionalização e ativismo judicial: as causas coletivas”. In: Lua Nova,
São Paulo, CEDEC, número 69, 2006, p. 132; ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico:
juristas e usos do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 151.
219
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 60
215
76
I.4. Os advogados, a OAB e os direitos humanos
Penso que houve, neste período, um processo, realizado por parte dos
“profissionais do direito”, de construção da causa dos direitos humanos como algo da
esfera do Direito. Bourdieu afirma que “nada é menos natural do que a ‘necessidade
jurídica’”, isto é, o sentimento de injustiça que leva alguém a buscar “seus direitos” é
construído por agentes do direito.220
Quer isto dizer que a passagem do agravo despercebido ao agravo
percebido e nomeado, e sobretudo imputado, supõe um trabalho de
construção da realidade social que incumbe, em grande parte, aos
profissionais: a descoberta da injustiça como tal assenta no sentimento
de ter direitos (entitlement) e o poder específico dos profissionais
consiste na capacidade de revelar os direitos e, simultaneamente, as
injustiças ou, pelo contrário, de condenar o sentimento de injustiça
firmado apenas no sentido da equidade e, deste modo, de dissuadir da
defesa judicial dos direitos subjetivos, em resumo, de manipular as
aspirações jurídicas, de as criar em certos casos, de as aumentar ou de
as deduzir em outros casos.221
Mais do que construir uma imagem como “defensores dos direitos humanos”, os
advogados aqui abordados, motivados por interesses políticos e éticos, ajudaram a criar
o conceito de “direitos humanos” como algo a ser exigido do Estado juridicamente.
Pode-se, assim, dizer que os advogados constituíram “os interesses pré-jurídicos dos
agentes em causas judiciais” e transformaram “em capital a competência que garante o
domínio dos meios e recursos jurídicos exigidos pela lógica do campo”.222
Ironicamente, essa judicialização foi facilitada também pelo contexto da ditadura civilmilitar brasileira, que, como vimos, utilizou-se bastante da esfera judicial e do campo
jurídico.
A emergência da “causa dos direitos humanos” está vinculada, ao mesmo tempo,
ao encolhimento do campo estatal para as elites civis contrárias ao regime. Este grupo
de advogados articulado com grupos religiosos e políticos fortaleceu fora do espaço
estatal esta causa coletiva durante a ditadura civil-militar, a qual “prossegue após a
transição sendo redefinida de diversas maneiras. ” 223
Frente ao surgimento da defesa dos direitos humanos como uma causa no Rio
Grande do Sul, Engelmann afirma que, em um primeiro momento, este movimento era
220
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 231.
Idem, p. 232.
222
Idem, p. 233.
223
ENGELMANN, Fabiano; MADEIRA, Lígia Mori. “A causa e as políticas de direitos humanos no
Brasil. In: Caderno CRH, Salvador, v. 28, n. 75, Set./Dez. 2015, p. 625.
221
77
mais “político do que jurídico”. Ele se refere, principalmente, a mobilização em torno
do “caso do sequestro dos uruguaios”.224 Apesar disso, vemos uma dimensão jurídica
neste evento, uma vez que houve um processo de investigação com forte atuação dos
advogados Omar Ferri e Werner Becker, além da participação ativa da seccional gaúcha
da OAB, que organizou uma Comissão para acompanhar o caso. Posteriormente, esta
seria uma das primeiras seções da entidade a criar uma Comissão de Direitos Humanos,
batizada com o nome do patrono dos defensores de presos políticos, Sobral Pinto.225
Os advogados de presos políticos se relacionam com a questão da advocacia de
causas (causelawyering), em especial a causa dos direitos humanos. Para isto parto das
reflexões vindas da ciência política, propostas por Stephen Meili, Yves Dezalay, Bryant
Garth, Fabiano Engelmann e Lígia Madeira.226 Apesar de tratar-se de um movimento
característico dos anos 1990, podemos ver vários traços em comum com o trabalho dos
advogados aqui analisados. A advocacia de causas está relacionada com o militantismo
e, no caso brasileiro, tem como uma de suas origens a defesa de presos políticos.
O desenvolvimento da advocacia de causas, e desta forma o engajamento
político pelo direito, envolve
a análise das estratégias dos movimentos sociais na apropriação do
espaço judicial, o papel dos juristas na tradução e formalização das
“causas políticas” na linguagem das disputas no interior do Judiciário
e a conciliação da atuação profissional com o militantismo político.227
Conforme aponta Meili, a advocacia de causas no Brasil é caracterizada por uma
relação forte com movimentos sociais, utilização do sistema jurídico para diminuir as
desigualdades e violências da sociedade, além do uso das mídias, que consideram mais
efetivas que os tribunais.
224
228
Podemos ver que estas características são compartilhadas
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 154.
225
Idem, p. 155.
226
MEILI, Stephen. "Cause lawyers and social movements: a comparative perspective on democratic
change in Argentina and Brazil". In: SARAT, Austin. et SCHEINGOLD, Stuart. (eds.) Cause Lawyering
Political Commitments and professional Responsabilities. New York: Oxford University Press, coll.
“Oxford Socio-Legal Studies”, 1998, pp. 307-33.; DEZALAY, Y. & GARTH, B. “Las paradojas de um
imperalismo de la virtud cívica: de la internacionalización de los derechos humanos a la
profesionalización del activismo jurídico”. In: SANTAMARIA, A.& VECCHIOLI, V.(org.) Derechos
humanos en América latina: Centro de Estudios Políticos e Internacionales-CEPI/ Ed. Un del Rosário:
Bogotá, 2008; ENGELMANN, Fabiano. “Internacionalização e ativismo judicial: as causas coletivas.
Revista Lua Nova: revista de cultura e política, São Paulo, CEDEC, n. 69, 2006; ENGELMANN,
Fabiano; MADEIRA, Lígia Mori. “A causa e as políticas de direitos humanos no Brasil. In: Caderno
CRH, Salvador, v. 28, n. 75, Set./Dez. 2015, pp. 623-637.
227
ENGELMANN, Fabiano. “Internacionalização e ativismo judicial: as causas coletivas. In: Revista Lua
Nova: revista de cultura e política, São Paulo, CEDEC, n. 69, 2006, p. 126.
228
MEILI, Stephen. "Cause lawyers and social movements: a comparative perspective on democratic
change in Argentina and Brazil". In: SARAT, Austin. et SCHEINGOLD, Stuart. (eds.) Cause Lawyering
78
pelos advogados de presos políticos; um exemplo disso é a utilizada que eles faziam da
impressa para denunciar as violências cometidas pelo regime. Para os advogados de
causas o judiciário é visto mais como uma extensão do poder executivo e militar do que
um defensor dos direitos individuais.229 As motivações para os advogados de causas
são, para Stephen Meili, divididas em duas categorias: o desejo pessoal e moral de
combater injustiças e um sentido público de seus papéis na transição democrática.230
Meili aponta para duas modalidades pelas quais assumem a advocacia de causas
latino-americana: a primeira utiliza formas tradicionais de advocacia (como litígio e
lobby, por exemplo), enquanto que a segunda rejeita estas práticas tradicionais e foca-se
em estratégias não-convencionais centradas nas comunidades e indivíduos com o
objetivo de empoderar os cidadãos.231 Este tipo de advocacia de causas em geral se
denomina como “direito alternativo”, “novo direito”. Dentro desta diferenciação
podemos notar que os advogados de presos políticos acabavam, em geral, utilizando os
métodos mais tradicionais.
O autor também chama a atenção para a importância das redes formadas pelos
advogados de causas latino-americanos. Estas redes funcionam como troca de
informações entre advogados e forma de pressão nos atores governamentais.
232
Para
Meili, o surgimento destas redes se dá quando estão presentes as seguintes condições:
os canais domésticos dos governos são ineficientes; os ativistas acreditam que as redes
auxiliarão na causa; e, finalmente, conferências e outras formas de contato criam arenas
para promover e fortalecer as redes.
233
Isto faz surgir um padrão bumerangue
(boomerang pattern): quando os canais com os atores estatais estão bloqueados, os
movimentos e organizações ignoram o aparato estatal e buscam aliados internacionais
ou transnacionais para fazer pressão.234
Stephen Meili aponta para três tipos diferentes de redes formadas por advogados
de causas latino-americanos. O primeiro tipo são as redes ad hoc ou contatos voltados a
um determinado tipo de crise. Estas redes são o tipo mais informal apontado pelo autor
Political Commitments and professional Responsabilities. New York: Oxford University Press, coll.
“Oxford Socio-Legal Studies”, 1998, pp. 492-493.
229
Idem, p. 496.
230
Idem, p. 501.
231
MEILI, Stephen. “Latin American Cause-Lawyering Networks”. In:
SARAT, Austin. &
SCHEINGOLD, Stuart. (eds.) Cause Lawyering in the State in a Global Era. New York: Oxford
University Press. Coll “Oxford socio-Legal Studies”, 2001, p. 308.
232
Idem, p. 307.
233
Idem, p. 310.
234
Idem, ibidem.
79
e acabam criando ligações muito específicas, não criando elos mais fortes entre os
participantes.235 Por outro lado, alguns advogados de causas que adquirem mais
notoriedade podem estabelecer vínculos mais frequentes e duradouros com outros
advogados e organizações.236 De qualquer forma, estes contatos são mais focados em
casos individuais do que em causas mais amplas.237
O segundo tipo abordado por Meili são as redes informais, que são mais
organizadas que os contatos ad hoc, mas ainda não são formalmente ligadas a redes e
movimentos internacionais.
238
Finalmente existem as redes organizadas formalmente,
que são criadas e compostas por grupos de advogados especializados em um tema ou
causa. 239
Como já apontamos, foi criada entre os advogados de presos políticos brasileiros
uma rede informal que proporcionava troca de informações e auxílios mútuos. Além
disso, muitos advogados participavam de grupos como o CLAMOR (Comitê de Defesa
dos Direitos Humanos para os países do Cone Sul), vinculado à Comissão
Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados de São Paulo.240
Este grupo fazia parte de uma rede latino-americana que buscava o combate às
violações aos direitos humanos na América Latina. A partir de contatos com o grupo
Clamor que Omar Ferri participou do caso do “sequestro dos uruguaios”.241
Uma diferença entre os advogados de causas diz respeito à relação entre caso e
causa. Alguns advogados acabavam ficando mais vinculados aos casos, ou seja, em
questões imediatas vinculadas a indivíduos ou comunidades, enquanto que outros estão
mais ligados a causa, e, desta forma, focam na construção e manutenção das redes.242
Meili aponta que isto acaba gerando conflito entre os advogados de causa, o que estaria
relacionado com o conceito de causa.
Para alguns o caso é a causa: sua atuação em prol da causa se daria na defesa dos
direitos de uma comunidade ou indivíduo dentro de um processo. Nesta situação as
235
Idem, p. 313.
Idem, p. 313-4.
237
Idem, p. 314.
238
Idem, ibidem.
239
Idem, p. 315.
240
FRAGA, Guilherme Barboza. A Solidariedade não tem fronteiras: o Grupo Clamor e a rede de
Direitos Humanos na resistência às Ditaduras do Cone Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2012. Monografia de
conclusão de curso de licenciatura em História.
241
Idem, p. 73.
242
MEILI, Stephen. “Latin American Cause-Lawyering Networks”. In:
SARAT, Austin. &
SCHEINGOLD, Stuart. (eds.) Cause Lawyering in the State in a Global Era. New York: Oxford
University Press. Coll “Oxford socio-Legal Studies”, 2001, p. 321
236
80
redes acionadas em geral são feitas a partir de contatos e o trabalho feito pelo advogado
não é tão diferente de processos não vinculados a causas.243 Penso que a atuação dos
advogados de presos políticos pode se enquadrar nesta categoria. Já para outros
advogados o caso é um meio para promover um ideal mais amplo do que interesses de
grupos individuais; estes advogados geralmente estão vinculados a redes organizadas
formalmente.244 Como frisa Meili, esta categorização não é estanque e muitas vezes os
advogados, ao longo de suas trajetórias, modificam seu modo de atuação.
Outra diferença entre os advogados de causas é a forma como eles encaram as
regras jurídicas (rule of law). Para advogado de causa mais tradicionais as regras
jurídicas (rule of law) são um meio para atingir uma finalidade: o fim da desigualdade.
Desta forma as regras jurídicas (rule of law) não seriam um fim em si mesmo, mas um
instrumento. Já para advogados do “direito alternativo” que utilizam estratégias não
tradicionais, as regras jurídicas (rule of law) são uma forma de reforçar o poder do
Estado e, assim, devem ser evitadas e confrontadas. Para alguns advogados as redes
constituiriam uma forma de empurrar as democracias latino-americanas para além das
regras jurídicas (rule of law). Estas posturas se manifestam ainda nas atitudes dos
advogados em relação ao papel do Judiciário na América Latina.245 Novamente penso
que os advogados de presos políticos se enquadram na categoria mais “tradicional” de
advocacia de causas.
Passarei agora a um breve histórico a respeito dos direitos humanos, em especial
no Brasil. Como afirma o jurista Emílio García Méndez em seu artigo Origem, sentido e
futuro dos direitos humanos: reflexões para uma nova agenda, os direitos humanos,
diferentemente do que apontam alguns autores, não são “naturais” e sim frutos de luta,
e, desta forma, históricos.246 Apesar de podermos ver em momentos anteriores raízes
dos direitos humanos, eles são fruto de uma conjuntura específica do final do século
XVIII, no qual, segundo a historiadora Lynn Hunt, tomam parte tanto questões racionais
quanto emocionais.247 Para ela, os direitos humanos só puderam florescer em um meio
243
Idem, p. 322.
Idem, ibidem.
245
Idem, p. 323.
246
GARCÍA MÉNDEZ, Emílio. “Origem, sentido e futuro dos Direitos Humanos: reflexões para uma
nova agenda”. In: Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, Sur – Rede Universitária
de Direitos Humanos, v. 1, n.1, 2004, pp. 6-19.
247
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, p. 24
244
81
em que ideias de autonomia e de empatia, no qual há tanto o domínio de si quanto o
reconhecimento “de que todos os outros são igualmente senhores de si”.248
Para Hunt, os romances epistolares do século XVIII possibilitaram esta
mudança: “a leitura dos romances criava um senso de igualdade e empatia por meio do
envolvimento
apaixonado
com
a
narrativa”,
no
qual
todos
os
leitores,
independentemente de sua origem social, identificavam-se com o destino dos
personagens, em geral oprimidos pela sociedade.249 Com esta nova concepção de
autonomia e individualidade o corpo passou a ser sagrado e o castigo físico
questionado. A exibição pública dos castigos começou a ser vista como “um ataque à
sociedade” que “brutalizava o indivíduo”. 250
Este contexto possibilitou que fossem feitas a Declaração da Independência
estadunidense, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa,
de 1789, que inauguram de fato os direitos humanos. Porém, como aponta a historiadora
Samantha Quadrat em seu artigo A emergência do tema dos direitos humanos na
América Latina, apesar das declarações francesas e estadunidenses tratarem do tema, até
a primeira metade do século XX as discussões sobre o assunto estavam voltadas mais
para questões como direitos de estrangeiros, e, eventualmente, de minorias étnicas e
religiosas.251
Durante o século XIX, a questão dos direitos humanos, em especial os direitos
civis e políticos, ficou eclipsada pelo surgimento do nacionalismo, do socialismo e do
comunismo. Enquanto que o nacionalismo buscava direitos para os povos, através do
socialismo e do comunismo houve a afirmação de que somente os direitos civis e
políticos não seriam suficientes para acabar com a opressão: era necessária
principalmente a igualdade social e econômica.252 Havia uma desconfiança por parte dos
comunistas em relação à bandeira dos direitos humanos representados na Declaração
francesa. Marx representa esta tendência em seu ensaio de 1843 “Sobre a questão
judaica”: segundo Hunt, neste trabalho Marx apontaria que a “liberdade” afirmada na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão “só dizia respeito ao homem como
248
Idem, p. 28.
Idem, p. 39.
250
Idem, p. 98.
251
QUADRAT, Samantha Viz. “A emergência do tema dos direitos humanos na América Latina”. In:
FICO, Carlos; FERREIRA, Marieta de Moraes; ARAUJO, Maria Paulo; QUADRAT, Samantha Viz et
all (orgs). Ditadura e Democracia: balanço histórico e perspectivas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2008,
p. 364.
252
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, p. 198.
249
82
um ser isolado, não como parte de uma classe ou comunidade”, o que deixaria clara a
dimensão egoísta destes direitos.253
Esta situação modificou-se somente com o final da Segunda Guerra Mundial:
como aponta García Mendez, a conceituação que temos foi definida após o Holocausto,
quando se fez necessário um maior rigor em relação a sua conceituação e defesa. 254
Deste movimento surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da
Organização das Nações Unidas de 1948. Conforme aponta o historiador Solon Viola, a
partir deste momento temos a ideia dos direitos humanos divididos em gerações: a
primeira é relacionada ao conceito de liberdade e refere-se aos direitos civis e políticos;
a segunda à igualdade e aos direitos econômicos e sociais; e a terceira à fraternidade e
aos direitos coletivos, aos direitos dos povos.255
Segundo Lynn Hunt, nas décadas de 1950 e 1960 a questão dos direitos
humanos ficou em segundo plano frente às lutas anticoloniais e de independência.256 Ao
mesmo tempo, segundo García Mendez, durante a Guerra Fria o debate em torno dos
direitos humanos ficou polarizado da seguinte forma: o bloco capitalista defendendo os
direitos civis e políticos e o bloco soviético os sociais e econômicos.257 Como afirma
Quadrat,
Enquanto a União Soviética sustentava que boas condições
econômicas eram fundamentais na discussão dos direitos humanos, os
Estados Unidos defendiam a supremacia dos direitos civis e políticos.
Tal antagonismo acompanhou todas as discussões que visavam o
estabelecimento de pactos e tratados internacionais relativos aos
direitos humanos. Durante a bipolaridade da Guerra Fria, qualquer
denúncia de violações dos direitos humanos era vista com uma única
finalidade: desacreditar a imagem de um dos dois lados – o que
acabava por dificultar a sua apuração.258
253
Idem, p. 200.
GARCÍA MÉNDEZ, Emílio. “Origem, sentido e futuro dos Direitos Humanos: reflexões para uma
nova agenda”. In: Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, Sur – Rede Universitária
de Direitos Humanos, v. 1, n.1, 2004, p. 7.
255
VIOLA, Solon Eduardo Annes. Direitos humanos e democracia no Brasil. São Leopoldo: Editora
UNISINOS, 2008, p. 56. Viola aponta que recentemente os movimentos sociais sinalizaram para uma
quarta geração de direitos humanos, relacionada aos direitos intersubjetivos.
256
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras,
2009, p. 208.
257
GARCÍA MÉNDEZ, Emílio. “Origem, sentido e futuro dos Direitos Humanos: reflexões para uma
nova agenda”. In: Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, Sur – Rede Universitária
de Direitos Humanos, v. 1, n.1, 2004, pp. 10-11.
258
QUADRAT, Samantha Viz. “A emergência do tema dos direitos humanos na América Latina”. In:
FICO, Carlos; FERREIRA, Marieta de Moraes; ARAUJO, Maria Paulo; QUADRAT, Samantha Viz et
all (orgs). Ditadura e Democracia: balanço histórico e perspectivas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2008,
p. 365.
254
83
Este antagonismo levou a um paradoxo por parte do bloco capitalista: sob o
suposto objetivo da defesa da democracia e dos direitos humanos, os Estados Unidos
realizaram intervenções militares e apoiaram golpes, como no caso brasileiro.259
Partindo desta divisão entre os blocos, pode-se pensar como as esquerdas
brasileira, em especial a de viés marxista, encaravam os direitos humanos até meados da
década de 1970: mesmo que houvesse uma crítica em relação às posturas da União
Soviética por diferentes grupos, pode-se perceber que eles partilhavam desta mesma
conceituação. Como afirma o historiador Jacob Gorender em sua clássica análise das
organizações de esquerda durante a ditadura, Combate nas trevas, nos anos 1960 a
esquerda radical “procurava justificativas para a violência incondicionada”.
260
Havia
por parte das esquerdas brasileiras, neste momento, uma valorização da violência
revolucionária, o que vai de encontro a uma defesa dos direitos humanos individuais.261
Conforme apontam Célia Costa e Juliana Gagliardi, “no início dos anos 1970, os
direitos humanos constituíam um campo de atuação quase exclusivo dos movimentos
cristãos”. Segundo as autoras, figuras como o deputado federal do MDB Lysâneas
Maciel eram outsiders ao “padrão da esquerda marxista”, uma vez que militava dentro
da institucionalidade em prol dos direitos humanos.262 Luciano Oliveira sustenta que
“até inícios dos anos 70, o tema dos direitos humanos estava longe de frequentar, para
dizer o mínimo, o temário da cultura política de esquerda”.263 Para ele, a entrada desta
luta no vocabulário das esquerdas deu-se graças ao acontecimento do horror
superlativo: o contato destes grupos com a violência e repressão estatal.
Esse acontecimento – no sentido forte da palavra –, somado a outros
eventos cuja abordagem não vem ao caso aqui fazer, foi, no meu
modo de ver, um dos responsáveis por uma reavaliação feita por essa
geração de alguns postulados da tradição marxista na qual ela se
259
VIOLA, Solon Eduardo Annes. Direitos humanos e democracia no Brasil. São Leopoldo: Editora
UNISINOS, 2008, p. 15. Em uma linha semelhante seguiu o Conselho Federal da OAB que, a partir de
1962, começou a tomar uma postura de enfrentamento ao governo de João Goulart sob a defesa do
“Estado de Direito” supostamente ameaçado pelo então presidente. MATTOS, Marco Aurélio V. L. de.
Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), 1945-1964. São
Paulo: Alameda, 2013, pp. 111-116.
260
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas – a esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada.
São Paulo: Editora Ática, 1987, p. 78.
261
QUADRAT, Samantha Viz. “A emergência do tema dos direitos humanos na América Latina”. In:
FICO, Carlos; FERREIRA, Marieta de Moraes; ARAUJO, Maria Paulo; QUADRAT, Samantha Viz et
all (orgs). Ditadura e Democracia: balanço histórico e perspectivas. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2008,
p. 372.
262
COSTA, Célia; GAGLIARDI, Juliana. “Lysâneas, um autêntico do MDB”. In: Estudos Históricos,
CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, v. 1, nº 37. janeiro-junho de 2006, p. 202
263
OLIVEIRA, Luciano. “Direitos humanos e cultura política de esquerda”. In: Revista Lua Nova, São
Paulo, CEDEC, nº 27, 1992, p. 152.
84
inseria, assim como o ponto de partida para uma nova maneira de
encarar um objeto axiológico anteriormente ignorado quando não
simplesmente desdenhado: o direito. 264
Assim, o discurso democratizador do governo mostrou-se vazio e “os direitos
humanos passaram de proposta reguladora do Estado militar a bandeira de lutas em
favor da emancipação, travadas contra uma ordem ética, econômica e politicamente
injusta”. 265 Ao mesmo tempo, deve ter havido, por parte das esquerdas brasileiras, uma
revisão do conceito da revolução, uma vez que esta, assim como afirma no documento
fundador do golpe, “legitima-se por si mesma”, não estando limitada por uma
legislação. 266
Vemos na segunda metade da década de 1970 uma guinada das esquerdas
brasileiras em relação a movimentos de “resistência e luta democrática”, que se
baseavam em uma
(...)conjuntura de resistência, que incluía uma plataforma de luta pelas
liberdades democráticas e uma política de alianças que ia na direção
de setores mais moderados da oposição, tendo como objetivo ampliar
o movimento da sociedade civil contra a ditadura militar. 267
Decorrente da derrota dos grupos que haviam optado pela luta armada no fim
anos 1960 e início dos 1970, surgiu um novo posicionamento político de esquerda, não
mais relacionado ao enfrentamento e à radicalidade, sendo informado “política e
simbolicamente por um outro ethos: a luta pelos direitos humanos, contra o arbítrio e
contra o autoritarismo”.
268
Assim, o movimento dos direitos humanos está vinculado a
dois fenômenos presentes nas esquerdas brasileiras a partir do final da década de 1970:
a luta pelo fim da ditadura e uma nova concepção por parte das esquerdas.269
Esta nova orientação em relação aos direitos humanos foi percebida também
entre os partidos comunistas da Europa Ocidental, que, a partir de inícios da década de
1970, “substituíram ‘a ditadura do proletariado’ nas suas plataformas oficiais pelo
avanço da democracia e endossaram explicitamente os direitos humanos”, passando a
264
Idem, p. 151.
VIOLA. Op. cit., p. 49.
266
Ato
Institucional,
de
9
de
abril
de
1964.
Disponível
em
http://www.planalto.gov.br//CCIVIL_03/AIT/ait-01-64.htm
267
ARAUJO, Maria Paula Nascimento. “Lutas democráticas contra a ditadura”. In: REIS FILHO, Daniel
Aarão & FERREIRA, Jorge. As esquerdas no Brasil. Vol. 3. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007,
p. 323.
268
Idem, p. 332. Deve-se ressaltar que o PCB já vinha buscando atuar dentro da institucionalidade desde a
década de 1940, e, desta forma, não se enquadra perfeitamente neste padrão apontado.
269
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 153. Pode-se mencionar ainda um terceiro fator, relacionado aos
dois citados: a derrota das tentativas de luta armada realizadas no final dos anos 1960 e 1970.
265
85
defender, além da segunda, a primeira geração de direitos.270 É interessante notar que,
ao adotar a bandeira dos direitos humanos como um todo (tanto os direitos individuais
como os coletivos), as esquerdas acabaram por lutar “no terreno do inimigo”, isto é, em
uma área que era defendida pelo bloco capitalista.
No caso brasileiro, bandeiras como direitos humanos, luta contra o arbítrio e o
autoritarismo foram fundamentais para os movimentos que surgiram neste período.
Juliana Carlos aponta diversos movimentos que representam esta modificação, porém
ressalta que o movimento pela Anistia foi um dos primeiros nesse sentido. Este
movimento, iniciado em 1975, “representou um centro aglutinador de pessoas
insatisfeitas ou atingidas, direta ou indiretamente, pelos atos de exceção do regime
militar”.271
A partir desta luta foram levantadas bandeiras mais amplas e deu-se “grande
visibilidade à temática dos direitos humanos vinculando fortemente a luta pela
conquista da anistia à luta pela democracia e pelo respeito aos direitos dos
brasileiros”.272 Ao lutar pelo fim da ditadura e denunciar a tortura, este movimento
criticava a base do regime e exigia a restauração da democracia, marcando “o
nascimento dos movimentos brasileiros de direitos humanos”.273
Este movimento em direção a uma luta democrática contra a ditadura foi
marcado pela presença de advogados, em especial aqueles que defendiam os
perseguidos pelo regime. Os advogados acabaram convertendo-se em “interlocutores
dos presos políticos com o Estado e a sociedade civil, colaborando para que os presos
saíssem da sua condição de isolamento”, auxiliando os perseguidos e suas famílias tanto
na questão emocional quanto em seus atos e manifestações contra o regime.274
Ao mesmo tempo, estes advogados, devido à sua atuação profissional na Justiça
Militar, emergem durante a ditadura no espaço público denunciando e atacando as
violências e o arbítrio cometidos pelo Estado.275 Como já foi mencionado, era uma
270
HUNT. Op. cit., p. 209.
CARLOS, Juliana de Oliveira. A anistia e a luta pelos direitos humanos no Brasil. In: Cadernos AEL,
Campinas, UNICAMP, Vol. 13, n. 24-25, 2008, p. 182.
272
Idem, ibidem.
273
Idem, p. 186. Sobre o movimento pela anistia ver: RODEGHERO, Carla Simone. “Pela “pacificação
da família brasileira”: uma breve comparação entre as anistias de 1945 e de 1979". In: Revista Brasileira
de História, São Paulo, ANPUH, v. 34, nº 67, jan/jun 2014, pp. 67-88.
274
TELES. Op. cit., p. 292.
275
Um exemplo desta prática de denúncia no estado do Rio Grande do Sul por parte dos advogados é a
participação dos advogados e de suas entidades – como o Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
(IARGS) e a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) – em eventos de grande
repercussão como o “caso das mãos amarradas” e o “caso do sequestro dos uruguaios”.
271
86
prática dos advogados a publicização de seus trabalhos, levando a uma vinculação com
a resistência democrática.276 Isto era possibilitado ainda pela rede de solidariedade
criada pelos advogados em prol dos perseguidos políticos, o que mobilizou a opinião
pública e empurrou os limites da política institucional e refreou o aparato repressivo, “a
despeito da impossibilidade de alterar a política repressiva global da ditadura”. 277
Eles procuravam mostrar-se, desta forma, mais do que defensores de partes
individuais: usavam de seu ofício para lutar em favor da redemocratização. É curioso
notar que este processo realizado tem paralelo com um movimento realizado por
advogados franceses do final do século XVIII quando militavam contra a tortura e o
castigo corporal: lá também eram utilizadas estratégias jurídicas em prol desta
campanha.278 Assim, os advogados, aliados às entidades de direitos humanos, aos presos
e seus familiares, conseguiram estabelecer “uma rede de solidariedade que, pouco a
pouco, conseguiu sensibilizar a sociedade civil e impor desgastes à ditadura”, além de
romper o isolamento criado pela ditadura e denunciar as violências da repressão
brasileira no exterior.279
Neste processo de fortalecimento dos direitos humanos foi de vital importância a
participação de organizações criadas ao longo da década de 1970, como é o caso da
Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo (CJP/SP) e o Movimento de
Justiça e Direitos Humanos (MJDH) de Porto Alegre. 280 Estas entidades conseguiram
congregar diversos militantes realizando uma campanha de apoio aos perseguidos pela
ditadura brasileira e dos países vizinhos, além de denunciar as violências e torturas
cometidas pelos regimes.
Uma marca destas organizações foi a presença de setores progressistas da Igreja
Católica: enquanto que o MJDH não contava com o apoio da estrutura da Igreja, mas
sim com a colaboração de setores mais progressistas, a CJP/SP surgiu de uma iniciativa
do cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que buscou organizar a
Comissão com militantes de diferentes posições políticas e religiosas. 281 Ao mesmo
tempo, nas duas entidades vemos a forte presença de advogados: é o caso de Omar
Ferri, defensor de presos políticos que participou ativamente do MJDH.
276
DORA. Op. cit., pp. 59.
TELES. Op. cit., p. 302.
278
HUNT. Op. cit., p. 106.
279
TELES. Op. cit., p. 296.
280
QUADRAT. Op. cit., p. 380-1; VIOLA. Op. cit., p. 17.
281
VIOLA. Op. cit., p. 112 e 122.
277
87
Além de militar nos emergentes movimentos de direitos humanos, os advogados
de presos políticos foram responsáveis por promover mudanças dentro de suas entidades
profissionais, como a OAB. Como afirma a historiadora Marly Motta em seu estudo
sobre a entidade, desde sua fundação em 1930,
a OAB sempre procurou equilibrar, em permanente tensão, as suas
duas faces: a de corporação profissional dos advogados, voltada para a
defesa de interesses particulares, e a de instituição, comprometida com
as demandas mais gerais da sociedade.282
Como aponta o historiador Marco Aurélio Vannucchi Leme de Mattos em seu
livro a respeito da atuação do Conselho Federal da entidade entre 1945 e 1965, durante
este período houve variações entre momentos em que a entidade tinha um caráter mais
corporativo e outros em que tomavam posturas mais políticas.283 No final do Estado
Novo, nota-se a Ordem com uma postura mais ativa no cenário político nacional,
enquanto que na década de 1950 ela age de forma mais classista, devido a questões mais
práticas relacionadas ao ofício do advogado que estavam em debate naquele momento.
Já no início da década de 1960, a OAB voltou a atuar fortemente no cenário
político, inicialmente durante o episódio da Legalidade, no qual o Conselho Federal
inclinava-se para uma solução de compromisso.284 Posteriormente, a entidade coloca-se
na oposição ao governo de João Goulart, apoiando, em seguida, o golpe.285
A partir da década de 1970, “a Ordem foi uma das principais construtoras da
abertura democrática, mas igualmente foi por ela construída”: ao ter papel ativo na
redemocratização, ela acabou criando uma imagem de defensora da democracia e dos
direitos humanos.286 Porém, como vimos acima, este não foi o posicionamento da
entidade desde o início da ditadura. Denise Rollemberg aponta que a Ordem atuou de
forma homogênea como instituição, passando “do pólo de apoio integral ao golpe (...),
identificando-se com uma cultura política de direita, para uma posição de crítica
explícita e contundente ao regime”. 287
MOTTA, Marly. “‘Dentro da névoa autoritária acendemos a fogueira...’ – a OAB na redemocratização
brasileira (1974-80)”. In: Revista Culturas Jurídicas, Rio de Janeiro, v. 3, nº 1, jan/jul 2008, p. 29.
283
MATTOS, Marco Aurélio V. L. de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), 1945-1964. São Paulo: Alameda, 2013, pp. 228-229. Sobre a postura da
entidade durante estas duas décadas ver os capítulos I e II do livro de Mattos.
284
Idem, p. 110.
285
Idem, pp. 111-132.
286
MOTTA. Op. cit., p. 29.
287
ROLLEMBERG, Denise. “Memória, Opinião e Cultura Política. A Ordem dos Advogados do Brasil
sob a ditadura (1964-1974)”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; ROLLAND, Denis (orgs). Modernidades
Alternativas.
Rio
de
Janeiro:
Editora
FGV,
2008,
p.
7.
Disponível
em
http://www.historia.uff.br/nec/sites/default/files/Memoria_opniao_e_cultura_politica.pdf.
282
88
Os advogados de presos políticos pressionaram a entidade para modificar sua
posição em relação ao golpe e à ditadura, passando de apoio a oposição. Segundo
Mattos, já em 1964 começaram a surgir dentro do Conselho Federal vozes que se
levantavam contra as violações às prerrogativas dos advogados no exercício de sua
profissão, sem afetar, porém, a relação próxima que a entidade tinha com os novos
donos do poder.288
Neste processo de modificação de postura da OAB, teve papel central a
mobilização contra as prisões de advogados de presos políticos, no final da década de
1960, entre eles membros do Conselho Federal, como Sobral Pinto, e de associações
internacionais de juristas, como Heleno Fragoso.289 Estes acontecimentos forçaram a
Ordem a tomar uma postura de oposição ao regime e de defesa das prerrogativas da
classe. Neste momento há também o afastamento de juristas inicialmente envolvidos
com o golpe em relação à ditadura, com é o caso de Afonso Arinos, Adauto Lucio
Cardoso e Aliomar Baleeiro.
A ruptura definitiva com o regime ocorreu a partir da eleição de José Cavalcanti
Neves para a presidência da organização, em 1971.290 Neste momento, a Ordem firmou
posição no campo da luta pela redemocratização, além de clamar pelo restabelecimento
do habeas corpus – que havia sido retirado nos casos contra a segurança nacional
através do AI-5 – e respeito à pessoa humana, entre outros direitos violados pelo
regime. Conforme Spieler e Queiroz, esta mudança de postura foi construída “a partir
do posicionamento de advogados e advogadas que, a cada dia, sentiam-se mais
limitados nas suas possibilidades de atuação profissional”: devido a cerceamentos na
prática da advocacia por parte do governo, a OAB foi chamada a tomar uma postura de
oposição à ditadura e de defesa dos direitos humanos.291
A partir das gestões de Caio Mário (1975-77) e de Raymundo Faoro (1977-79),
a Ordem assumiu posturas mais conciliatórias, buscando um diálogo com o governo,
porém sem deixar de fazer denúncias em relação a violências cometidas pela repressão,
além de encampar uma pauta mais social, defendendo a liberdade sindical. Desta forma,
a OAB passou a participar mais ativamente na defesa dos direitos humanos,
288
MATTOS, Marco Aurélio V. L. de. Os cruzados da ordem jurídica: a atuação da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), 1945-1964. São Paulo: Alameda, 2013, pp. 127-130.
289
DORA. Op. cit., p. 55.
290 ROLLEMBERG. Op. cit., p. 30.
291
SPIELER; QUEIROZ. Op. cit, p. 33.
89
aproximando-se das novas entidades.292 Posteriormente, na gestão de Eduardo Seabra
Fagundes (1979-1981), a Ordem voltaria a ter uma postura mais combativa, o que levou
à ataques, como o atentado à bomba à sua sede que mataria a funcionária Lyda
Monteiro da Silva.293
Pode-se perceber que este fortalecimento do movimento dos direitos humanos
no Brasil deu-se através de diferentes entidades e atores sociais e da articulação entre
eles. Foram criadas diferentes entidades que teceram redes formais e informais: este é o
caso da rede de solidariedade criada pelo Grupo Clamor, analisado pelo historiador
Guilherme Fraga, dentro da qual atuaram diferentes advogados. 294 Deve-se notar que
estas redes muitas vezes partiam de relações que foram criadas entre advogados de
presos políticos.
Muitas das entidades, como a CJP/SP e o MJDH, tinham como um dos objetivos
auxiliar o surgimento de novos grupos e a formação de redes em prol da liberalização e
da redemocratização.295 Além disso, estas entidades influenciaram a criação de
Comissões de direitos humanos nas Assembleias Legislativas e nas seccionais da OAB,
buscando difundir uma cultura democrática e de defesa dos direitos humanos. No caso
do Rio Grande do Sul, o MJDH participou da criação das Comissões tanto no legislativo
estadual quanto na OAB/RS.296 Ao mesmo tempo, através delas, os movimentos de
direitos humanos brasileiros conseguiram contatar outros grupos da América Latina,
sendo possível, por exemplo, contrapor a Operação Condor de forma articulada nos
diferentes países.297
I.5. Os advogados e a política
Durante a década de 1970 houve uma aproximação do MDB como a causa dos
direitos humanos através dos parlamentares que ficaram conhecidos como “autênticos”.
Estes parlamentares tinham origens diversas, mas tinham uma afinidade ideológica e se
destacavam “por se posicionarem contra a inércia parlamentar dominante no
292
VIOLA. Op. cit., p.141.
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5
– Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
173.
294
FRAGA, Guilherme Barboza. A Solidariedade não tem fronteiras: o Grupo Clamor e a rede de
Direitos Humanos na resistência às Ditaduras do Cone Sul. Porto Alegre, UFRGS, 2012. Monografia de
Conclusão de Curso de História.
295
VIOLA. Op. cit., p. 137.
296
Idem, p. 146.
297
QUADRAT. Op. cit., p. 381.
293
90
Congresso”.298 Na legislatura que vai de 1971 a 1974 este grupo foi muito importante
no fortalecimento da luta contra a ditadura. Entre os “autênticos”, que correspondiam
um número entre 13 e 20 deputados, havia uma divisão de trabalho, cada deputado
responsável por um assunto, e o tema dos direitos humanos cabia ao advogado Lysâneas
Maciel.299
Este deputado era muito atuante no tema, denunciando as violações aos direitos
humanos cometidas pela ditadura, e chegou a propor, em seu segundo mandato, uma
CPI sobre os direitos humanos.300 Após pronunciar em defesa dos deputados gaúchos
cassados Amaury Müller e Nadyr Rosetti, Lysâneas foi cassado em 1º de abril de 1976.
301
A atuação de Lysâneas e dos parlamentares “autênticos”, “começou a mudar a face
do Congresso”, transformando “o Parlamento em um campo legítimo de luta pelo
retorno à democracia, preenchendo o vazio programático que dominava o Congresso no
período pós-golpe”.302 Partindo disso, os militantes dos direitos humanos no Brasil
alargaram suas demandas, passando a defender os direitos dos presos comuns e das
camadas baixas da população, eternos alvos da violência estatal. É interessante notar
que este rumo não foi compartilhado nos outros países da América Latina. Como aponta
Quadrat, o caso brasileiro, no qual houve uma generalização do tema para questões
como a violência policial, a questão homossexual e a racial, não é padrão para outros
países nos quais, em alguns momentos, os direitos humanos ficaram restritos às
violações cometidas durante as ditaduras.303
Ao mesmo tempo, a atuação de Guazzelli, Becker e Ferri durante a ditadura deuse em contato com o campo político, que pode ser definido por Bourdieu, como
(...) o lugar em que se geram, na concorrência entre os agentes que
nele se acham envolvidos, produtos políticos, problemas, programas,
análises, comentários, conceitos, acontecimentos, entre os quais os
cidadãos comuns, reduzidos ao estatuto de “consumidores”, devem
escolher, com probabilidades de mal-entendido tanto maiores quanto
mais afastados estão do lugar de produção.304
COSTA, Célia; GAGLIARDI, Juliana. “Lysâneas, um autêntico do MDB”. In: Estudos Históricos,
CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, v. 1, nº 37. janeiro-junho de 2006, p. 205.
299
Idem, p. 209.
300
Idem, p. 206 e 209.
301
Idem, p. 209.
302
Idem,, p. 206.
303
QUADRAT. Op. cit., pp. 382-384.
304
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 164.
298
91
No campo político a ideia de concorrência é importante para entender as
tomadas de posição de um grupo, já que elas são atos que ganham “sentido
relacionalmente, na diferença e pela diferença, do desvio distintivo”.305
Podemos pensar, assim, que a inserção dos advogados no MDB/PMDB deu-se
dentro de um contexto de concorrência pelo voto da oposição: o partido buscava
mostrar-se como um “campeão da democracia” e desta forma buscava nomes que
representassem a luta contra a ditadura. Becker, Guazzelli e Ferri traziam um capital
pessoal de “notoriedade”
306
, isto é, eles tinham um capital de notoriedade como
advogados que se opuseram ao regime, de “defensores dos direitos humanos”. Este
capital, que foi “produto de uma acumulação lenta e contínua” ao longo da ditadura, ao
mesmo tempo era mesmo profissional e político, o que é comprovado nas candidaturas
tanto de Eloar pelo MDB, quanto em 1982, quando os três foram candidatos. Isto
mostra que havia, naquele contexto, entre o direito e a política certa “porosidade” que
permitia que um advogado utilizasse facilmente de sua trajetória profissional para alçar
uma candidatura a cargo político.307
As trajetórias de Becker, Guazzelli e Ferri no final da ditadura que levaram aos
lançamentos de suas candidaturas em 1982 não são casos isolados e têm paralelo com
os militantes abordados pela historiadora Marieta de Moraes Ferreira no artigo “Vozes
da oposição: ditadura e transição política no Brasil”.308 Nele a autora aborda “indivíduos
que tiveram atuação política em espaços institucionalizados”, seja no parlamento,
organizações dos movimentos sociais, entre outros.309 O que une estes personagens é o
fato de que
a partir da concretização do processo de abertura política e do
restabelecimento das regras eleitorais democráticas, eles não
conseguiram garantir seus espaços políticos e foram em sua grande
maioria derrotados nos diferentes pleitos que disputaram. Essa perda
de espaço se tornou mais visível a partir da eleição de 1982, que
contou com a participação de ex-exilados retornados ao país graças à
anistia, e que funcionou como um divisor de águas no quadro políticoeleitoral do Rio de Janeiro e do Brasil.310
305
Idem, p. 172.
Idem, p. 190-191.
307
Devo esta noção à brilhante contribuição do professor Luiz Alberto Grijó durante a defesa da tese.
308
FERREIRA, Marieta de Moraes. Vozes da oposição: ditadura e transição política no Brasil. In:
SEMINÁRIO 40 ANOS DO GOLPE: ditadura militar e resistência no Brasil, Rio de Janeiro, 2004. Anais...
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. p. 183 - 191
309
Idem, p. 183.
310
Idem, p. 183-4.
306
92
Os indivíduos abordados pela autora têm trajetórias variadas e tiveram uma forte
atuação na oposição entre 1970 e 1985 e, em sua maioria, lançaram candidaturas que
foram malsucedidas em 1982.
Segundo Marieta de Moraes Ferreira, estas “vozes da oposição” foram alçadas à
esfera pública devido a um vazio político derivado das cassações e exílio dos líderes das
esquerdas. Eles haviam tido um passado de militância política em organizações de
esquerda, não tiveram envolvimento direito com a luta armada, optaram pela atuação
em espaços legais para lutar pela redemocratização e, mesmo aqueles que já tinham uma
militância partidária anterior, não “tinham uma prática como profissionais de política
partidária legal”.311 Dentro das trajetórias analisadas pela historiadora destaca-se, para
os propósitos desta pesquisa, a figura do advogado de presos políticos Modesto da
Silveira: ele, que foi colega de legislatura de Eloar Guazzelli, também foi derrotado em
1982.
Um aspecto que, segundo Ferreira, afetou as trajetórias analisadas foram as
mudanças ocorridas no final dos anos 70, com o fim do bipartidarismo e a volta dos
exilados. Isto mudou o quadro da oposição, que antes estava no mesmo partido com um
mesmo objetivo (o combate à ditadura), e então ficou distribuída em um “leque amplo
de opções partidárias”.312
Era como se as antigas palavras de ordem se tivessem tornado
anacrônicas. Tratava-se agora de elaborar novos projetos, mais
específicos e voltados para as novas demandas de uma sociedade que
saía da ditadura. E muitos daqueles que contribuíram para que isso
acontecesse não puderam cumprir esse novo papel.313
Assim os depoimentos abordados no texto mostram que, se as mobilizações do
final dos anos 1970 (como a eleição de 1978 e a campanha pela Anistia) são elaborados
pelos personagens como momentos de entusiasmo e esperança, as eleições de 1982
denotam desalento e desapontamento por parte dos depoentes.
314
Segundo Marieta de
Moraes Ferreira, suas explicações para o fracasso em 1982 relacionavam-se
principalmente com manipulações e falta de recursos.315 Isto aproxima-se das
explicações dadas por Omar Ferri para justificar as derrotas eleitorais de ativistas: “para
lutar era conosco o negócio; agora para fazer política, não era tão fácil assim”.316 Apesar
311
Idem, p. 186.
Idem, ibidem.
313
Idem, ibidem.
314
Idem, p. 187-9.
315
Idem, p. 189.
316
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 23 de maio de 2013.
312
93
disso, para os personagens abordados por Ferreira, “o caminho seguido em 1982 ainda é
visto como o mais correto, mesmo que tenha custado o sacrifício pessoal de militantes
que assistiram à vitória de suas bandeiras, mas perderam seu lugar”.317
Para analisar os significados dados pelos militantes analisados, a historiadora
parte da noção de “tesouro perdido” desenvolvida por Hannah Arendt em sua análise
sobre o engajamento dos intelectuais franceses na Resistência durante a Segunda
Guerra. Este “tesouro”, que era a “experiência compartilhada de um engajamento que
permitirá àqueles intelectuais uma vivência de liberdade e iniciativa”, foi perdido logo
após a vitória da Resistência e o fim da união entre diferentes setores; “o
desaparecimento do tesouro é consumado pelo esquecimento que atinge os atores e as
testemunhas daquele momento especial”.318
Situação semelhante ocorreu com estes militantes: ao final da ditadura o projeto
que unia acabou e um novo contexto com diferentes exigências surgiu. Neste momento,
“a experiência do engajamento político que tinham partilhado nos anos anteriores, em
prol da luta pela liberdade, contra o arbítrio, perdeu o seu sentido e todos viram-se
levados a retornar às suas vidas comuns e a seus assuntos pessoais”.319 Neste quadro, o
papel das lideranças na luta pela democracia acabou sendo minimizado ou esquecido,
“como se a derrota eleitoral em 1982 tivesse apagado as luras anteriores”.
320
Conforme
aponta a historiadora,
O capital político acumulado por estes últimos nos anos de ditadura
foi dissolvido ou absorvido por outros. Sua crença em que seu papel
de “guardiães da democracia” seria reconhecido no futuro, e sua
opção pela manutenção de uma frente de esquerda para vencer as
últimas batalhas contra a ditadura, afinal de contas, os impediram de
se preparar para os novos tempos.321
A atuação de Ferri, Becker e Guazzelli em um determinado momento se deu
dentro de um partido: o PMDB. Este partido estava reconstruindo sua imagem e neste
momento estes três advogados pareciam boas opções para candidaturas.
Segundo o historiador Serge Berstein, o partido é “o lugar onde se opera a
mediação política”, ou seja, é onde os problemas e interesses deixam de estar no nível
317
FERREIRA, Marieta de Moraes. Vozes da oposição: ditadura e transição política no Brasil. In:
SEMINÁRIO 40 ANOS DO GOLPE: ditadura militar e resistência no Brasil, Rio de Janeiro, 2004. Anais...
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004, p. 189.
318
Idem, p. 190.
319
Idem, ibidem.
320
Idem, ibidem.
321
Idem, ibidem.
94
do cotidiano e passam para o político.322 Por ser o espaço no qual se articulam as
necessidades ou aspirações, a “mediação política assume o aspecto de uma tradução”.323
Segundo a historiadora Lucia Grinberg, que estudou a ARENA, os partidos não
são uma coisa, a despeito do senso comum e de muitas análises acadêmicas e
jornalísticas apontarem neste sentido.324 A autora parte da perspectiva de Michel Offerlé
de que “os partidos são grupos fundados para intervir no mercado político, suscetíveis
de produzir efeitos diferenciados e de ser objetos de investimentos e usos sociais
diversificados”.
325
Ela aponta, neste sentido, que um aspecto fundamental para as
pesquisas sobre os partidos é “o de verificar como os agentes sociais interessados
servem os partidos e como se servem deles”.326
Ao tratar da questão do nascimento dos partidos, Berstein aponta para duas
origens: a primeira, no qual o partido é uma instituição parlamentar, criado por políticos
com objetivo mais eleitorais. Partidos que tem esta origem acabam tendo uma relação
direta com os grupos parlamentares e os períodos eleitorais.327 Já um segundo tipo
seriam aqueles partidos que tem uma origem externa aos parlamentos, sendo resultado
da articulação de grupos da sociedade.328 De qualquer forma, deve-se frisar a
historicidade dos partidos, que surgem em um determinado momento histórico para
responder determinados problemas da sociedade. Assim parte-se da ideia de que
um partido não nasce fortuitamente, da decisão de seus criadores, e só
tem chance de sobreviver se responder de uma maneira ou de outra a
um problema fundamental colocado para a sociedade contemporânea,
o que faz com que haja adequação entre a imagem que ele transmite
de si mesmo e as aspirações mais profundas de uma parte importante
da população que aceita, como solução para os problemas que ela
percebe, a mediação que ele lhe propõe.329
Depois de nascido, o partido tem vida própria e cria os meios para durar. Ele
pode virar o depositário de uma cultura política que origina uma tradição, que pode ser
transmitida a gerações.330 A cultura política permite ao partido alcançar a inércia do
político, que é a aquisição de uma força considerável que permite sobreviver ao
BERSTEIN, Serge. “Os Partidos”. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, Editora FGV, 1996, p. 60.
323
Idem, p. 61
324
GRINBERG, Lucia. Partido Político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora
Nacional (ARENA), 1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009, p. 24.
325
Idem, p. 24.
326
Idem, p. 25.
327
BERSTEIN. Op. cit.,, pp. 64-5
328
Idem, p. 65.
329
Idem, pp. 67-8.
330
Idem, p. 69.
322
95
desaparecimento das condições que o geraram.331 Para Serge Berstein, além da
mediação política, o partido funciona como fator de integração de uma comunidade
ideológica, proporcionando uma sociabilidade política, e faz a seleção das elites
políticas.332
Ao analisar a questão da política profissional, Grinberg parte das noções
propostas por Bourdieu e Offerlé que, baseados em Weber, destacam a autonomia da
política em relação a outros campos. Desta forma
os políticos são vistos, portanto, não como marionetes, mas como
homens que se dedicam à representação política, entendida como um
objeto de estudo específico, que não pode ser reduzido aos interesses
econômicos.333
Característicos do século XX, os políticos profissionais são um tipo particular de
empreendedores políticos, que atuam e participam do processo de constituição do
campo político.334 Grinberg parte da noção de Offerlé a respeito da consolidação da
democracia que diz que, em primeiro lugar, “a democracia representativa deve ser
entendida como um regime em que a representação se faz através de partidos políticos”,
e, em segundo lugar, a “democracia representativa não é necessariamente uma
consequência lógica da mobilização dos indivíduos, mas o resultado do trabalho de
mobilização feito pelos políticos profissionais”. 335
Sobre o MDB, parto das reflexões feitas por Maria D’Alva Gil Kinzo no livro
Oposição e autoritarismo – gênese e trajetória do MDB (1966/1979). A autora se
propõe a estudar a oposição dentro do arcabouço institucional criado pelo regime. 336 Ao
criar o sistema bipartidário, através do AI-2, a intenção do governo era de criar um
grande partido de apoio ao governo e um pequeno de oposição, mantendo, desta forma,
alguns mecanismos da democracia representativa.337 Este sistema híbrido, que
combinava procedimentos constitucionais a poderes arbitrários do Executivo, foi criado
visando manter uma imagem frente à opinião pública internacional e atender a
interesses vindos dos diferentes grupos civis e militares envolvidos no golpe de 1964.338
331
Idem, ibidem.
Idem, pp. 92-3.
333
GRINBERG. Op. cit., p. 43,
334
Idem, p. 44.
335
Idem, ibidem.
336
KINZO, Maria D’alva Gil. Oposição e autoritarismo – gênese e trajetória do MDB (1966-1979). São
Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988, p. 9.
337
Idem, p. 15.
338
Idem, pp. 17-20.
332
96
Logo após sua criação, o MDB teve diversos obstáculos, começando pelo fato de
que não era nada atraente fazer parte do partido da oposição.339 Devido a sua origem
arbitrária, o MDB teve sua organização e estrutura feita de cima para baixo, sendo
organizado a partir dos parlamentares da oposição, o que criou dificuldades em sua
inserção inicial nas bases regionais e locais.340
Até 1974, o MDB sofria dois preconceitos: entre o eleitorado do interior ele era
visto como um partido subversivo e comunista, enquanto que entre as esquerdas urbanas
era visto com descrédito – com exceção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que
sempre esteve militando no MDB.
341
Conforme resume o historiador Rodrigo Patto Sá
Motta, no contexto inicial, “muitos achavam que apoiar o MDB era prestar um serviço
aos militares”.342 A distinção deve ser feita aos membros do PCB, para os quais o
“MDB se ajustava bem à estratégia estabelecida” para o enfrentamento da ditadura que
sinalizava para a necessidade de construção de “uma frente democrática para tornar
possível a derrota da ditadura, envolvendo todos os setores da oposição”.343
Como afirma Marieta de Moraes Ferreira, o MDB era visto, inicialmente, com
desprezo por parte de setores radicais da oposição. Apesar disso, surgiu dentro do
partido uma ala radical, conhecida como “autêntica”, o que gerava tensões com setores
mais moderados do partido. 344 A partir das eleições de 1974, o MDB passou a ser visto
de forma mais ampla como um meio de expressar a insatisfação com o regime, e, assim,
sua estrutura foi ampliada. 345
A escolha dos candidatos do partido era feita a partir de suas convenções, tanto
estaduais quanto municipais, as quais também escolhiam os membros das diretorias
municipal, estadual e nacional.346 Em alguns estados existiam departamentos e setores
diversos. No caso do Rio Grande do Sul, havia o Instituto de Estudos Políticos,
Econômicos e Sociais (IEPES), que promovia debates sobre os problemas
339
Idem, p. 29.
Idem, p. 37.
341
Idem, p. 40.
342
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. “O MDB e as esquerdas”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As
esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007 , p. 286.
343
Idem, p. 291.
344
FERREIRA, Marieta de Moraes. Vozes da oposição: ditadura e transição política no Brasil. In:
SEMINÁRIO 40 ANOS DO GOLPE: ditadura militar e resistência no Brasil, Rio de Janeiro, 2004. Anais...
Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004. p. 184.
345
KINZO, Maria D’alva Gil. Oposição e autoritarismo – gênese e trajetória do MDB (1966-1979). São
Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1988,p. 41
346
Idem, p. 47.
340
97
socioeconômicos do país, modelo que, posteriormente, foi levado para outros estados.
347
Eliana Tavares dos Reis, em sua dissertação Juventude, Intelectualidade e Política:
Espaços de Atuação e Repertórios de Mobilização no MDB dos Anos 70, vê o IEPES e
os Setores Jovens do MDB do estado (em especial o Metropolitano e o de Santa Maria),
“como veículos de demarcação de identidades (aproximação/exclusão) no interior da
juventude e do partido” os quais acabaram “cristalizando grupos de identificações e de
mobilizações políticas”.348 Como o MDB tinha uma estrutura precária, os núcleos do
partido contavam com bastante autonomia. Isto permitiu que grupos de esquerda
utilizassem da organização do MDB para promover ações políticas.349
Até 1974, a escolha dos candidatos do MDB era mais simples, uma vez que não
havia tanta procura pelo partido. A partir deste momento, quando o MDB passa a se
tornar mais interessante para as esquerdas, a escolha passa a ser mais complexa.350 Um
fator que acabava determinando uma candidatura era a capacidade de um postulante
representar diferentes áreas do estado ou setores específicos da sociedade civil, com o
apoio de associações profissionais, sindicatos ou movimentos de bairros, por
exemplo.351 Isto certamente explica a candidatura de Eloar Guazzelli em 1978 uma vez
que provavelmente ele contava com o apoio de membros de organizações como a OAB
e de militantes do PCB.
Uma vez que o fator que unia os membros do partido era fazer oposição à
ditadura, havia no MDB uma ampla gradação de posições políticas, indo desde
conservadores até membros das esquerdas.352 Este é o exemplo do PCB, que participou
do MDB desde sua fundação e chegou a eleger alguns candidatos, como foi o caso de
Guazzelli.
353
Esta variedade de posicionamentos criava divergências dentro do MDB
em relação a como a entidade deveria desempenhar seu papel.
É consenso entre as análises sobre o MDB o fato de o partido abrigar duas
correntes principais. A maioria dos parlamentares do partido pertenciam a um grupo
mais moderado, enquanto havia um setor minoritário que era mais radical, que foi
347
KINZO. Op. cit., p. 49; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit., p. 295.
REIS, Eliana Tavares dos. Juventude, Intelectualidade e Política: Espaços de Atuação e Repertórios
de Mobilização no MDB dos Anos 70. Porto Alegre: UFRGS, 2001, p. 11 Dissertação de Mestrado em
Ciência Política.
349
KINZO. Op. cit., p. 54.
350
Idem, p. 50.
351
Idem, p. 51.
352
Idem, p. 55-6.
353
Idem, p. 56.
348
98
denominado de diferentes formas: imaturos, autênticos, neo-autênticos, tendência
popular.
354
A presença dos dois grupos era vantajosa para a entidade: a maioria
moderada dava um aspecto confiável ao partido, enquanto que a atuação dos
“autênticos” dava ao MDB credibilidade como partido de oposição.355
Rodrigo Patto Sá Motta frisa que “o grau maior ou menor de radicalismo verbal
contra o regime militar não correspondia necessariamente a uma eventual filiação
esquerdista”.356 De acordo com o autor, alguns dos discursos mais agressivos em
relação à ditadura eram de “democratas radicais” enquanto que os comunistas, “muitas
vezes assumiram atitudes conciliatórias e moderadas, tendo em vista o projeto de
fortalecer a frente democrática contra o regime militar”.357 Motta ainda reforça que a
filiação ao grupo dos “autênticos” não tinha a ver com uma filiação ideológica às
esquerdas, mas a uma “atitude aguerrida e corajosa num contexto de extrema
repressão”.358
A partir do momento em que o MDB passou a ser um canal para manifestação
da oposição à ditadura, o governo começou a rever a questão do bipartidarismo. Esta
manobra buscava acabar com o MDB sem fragmentar a ARENA.359 A ditadura
alcançou seus objetivos uma vez que, enquanto eram ventilados estes planos de
reformulação partidária em 1978 e 1979, diversos setores emedebistas já estavam
articulando novos partidos.360 No caso do Rio Grande do Sul, setores vinculados ao
trabalhismo vinham organizando, desde 1977, um “novo PTB” após a volta de Brizola,
enquanto que o Setor Jovem Metropolitano e a Tendência Socialista do MDB vinham
mobilizando-se junto de grupos trotskistas a fundação de um novo Partido, que seria o
PT.361
Desta forma, em 1979 o MDB encontrava-se dividido entre aqueles que
defendiam a criação de novos partidos e os que propunham a manutenção de uma frente
única.362 Mesmo com os clamores de união, com o fim do bipartidarismo a oposição se
fragmentou. Porém, conforme aponta Kinzo, mesmo que tivesse o objetivo de fracionar
354
Idem, p. 57
Idem, p. 58.
356
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Op. cit, p. 288.
357
Idem, p. 288.
358
Idem, p. 290.
359
KINZO. Op. cit., p. 205.
360
Idem, p. 207.
361
RODEGHERO, Carla Simone; DIENSTMANN, Gabriel; TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral
e irrestrita: a história de uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011, pp. 184-9; REIS,
Eliana Tavares dos. Op. cit., pp. 181-4.
362
KINZO. Op. cit., p. 207.
355
99
a oposição, “não deixava de ser uma medida liberalizante, que permitiria melhor
acomodação das diversas correntes ideológicas”.363
Em dezembro de 1979 era fundado o Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), que, mesmo não mantendo o mesmo nome por uma manobra do
governo, buscava uma identificação com o MDB. Conforme aponta Maria D’Alva
Kinzo, o novo sistema partidário “não coincidiu com a instauração de um novo
regime”364, o que levou o governo a lançar medidas que visavam dividir a oposição e
manter a liberalização sobre controle, o que foi o caso do Pacote de Novembro. Apesar
destas manobras, “o processo de liberalização continuava seu curso a passos lentos, e as
eleições de 1982 refletiam com exatidão esse novo período”: diversos políticos
afastados haviam retornado à vida pública, a oposição obtinha diversas vitórias e o
PMDB conservava sua posição majoritária na oposição.365
Posteriormente o PMDB lideraria a campanha das Diretas Já, em 1984, e
conseguiria eleger de forma indireta o moderado Tancredo Neves, em 1985, com uma
chapa formada pelo antigo arenista José Sarney. Com a morte de Neves antes da posse,
Sarney, o último presidente da ARENA, foi o primeiro presidente civil em mais de 20
anos.366
363
Idem, p. 208.
Idem, p. 210.
365
Idem, p. 213.
366
Idem, p. 216.
364
100
Capítulo II - Reconstrução e resistência: a atuação dos advogados Eloar
Guazzelli, Omar Ferri e Werner Becker entre os anos 1964 e 1973
Este capítulo abordará a trajetória dos advogados Eloar Guazzelli, Omar Ferri e
Werner Becker entre os anos 1964 e 1973. Optei por tratar dos acontecimentos em que
eles se envolveram a partir de uma estrutura cronológica; desta forma, estão
intercalados diferentes eventos que ocorreram simultaneamente.
Inicialmente buscarei refletir sobre a forma como cada um deles viveu e
registrou o golpe de 1964 e sobre os grupos nos quais eles se inseriram durante estes
anos iniciais da ditadura. Serão abordadas, posteriomente, as repercussões de processos
de crimes políticos “comuns” nos quais os três advogados envolveram-se, a atuação
deles em entidades classistas e as dimensões políticas que elas assumiram, bem como o
funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito criada na Assembleia Legislativa
do Rio Grande do Sul, em que investigou o assassinato do ex-sargento Manoel
Raimundo Soares, bem como o tratamento dado aos presos políticos.
Intento, com todos estes eventos, ver a forma como eram apresentadas a imagem
de Guazzelli, Ferri e Becker. A partir da análise destes acontecimentos buscarei mostrar
como começou a ser construída, por parte dos advogados, uma “reputação” como
advogados e militantes de esquerda.
II.1. O Golpe e os golpes de 1964
Os alemães e o cachorro dedicavam-se a
uma operação militar que tinha um nome
divertido e de fácil explicação, uma empresa
humana raramente descrita em detalhe, cujo
nome apenas quando relatado como notícia
ou reportagem, dava a muitos entusiastas de
guerra uma espécie de satisfação pós-coital.
Na imaginação dos fãs do combate, são as
carícias divinamente desanimadas que se
seguem ao orgasmo da vitória. Chama-se de
“operação de limpeza”.
Kurt Vonnegut – Matadouro 5
Parto do pressuposto que o golpe civil-militar de 1964 foi percebido de forma
diferenciada por cada pessoa, dependendo de sua posição política e social, profissão,
além de entre outros fatores. Ao mesmo tempo, considero que o golpe e a ditadura que
ele instaurou afetaram a vida de muitas pessoas, modificando o cotidiano,
101
interrompendo planos e forçando mudanças. Nas vidas de Eloar Guazzelli, Omar Ferri e
Werner Becker é perceptível o impacto que o golpe teve.
O golpe e a ditadura que o seguiu tinham como um dos fatores de mobilização e
legitimação a oposição a um governo que existia no Brasil. Assim, antes de mais nada
era uma reação a um governo que, segundo o discurso dos golpistas, iria instaurar uma
“ditadura sindicalista”, na qual haveria a participação de grupos comunistas. O golpe,
como procurarei demonstrar, teve dimensões anticomunista, antitrabalhista e
antissindicalista, que podem ser representadas na trajetória de cada um dos personagens
aqui retratados.
II.1.1. O golpe anticomunista de Eloar Guazzelli
Dos três personagens aqui abordados, Guazzelli certamente foi o menos afetado
pelo golpe e pela instauração da ditadura civil-militar. Diferentemente de Ferri e
Becker, ele não foi diretamente perseguido pela repressão. Isto fez de Eloar uma
exceção, inclusive dentro dos advogados comunistas: Antônio Pinheiro Machado e Júlio
Teixeira, por exemplo, foram presos nos primeiros momentos do golpe. A justificativa
muitas vezes apontada pela memória familiar é de que ele não havia sido preso devido a
intervenção de lideranças conservadoras de Vacaria, cidade natal de Eloar e na qual ele
havia residido até 1963. De acordo com tal narrativa, o cacique político vacariano teria
impedido a prisão de Eloar e de outros potenciais presos da cidade ao afirmar que “de
meus comunistas cuido eu”. Da mesma forma, deve-se lembrar que seu tio, Samuel
Guazzelli, era uma liderança política da cidade, e seu primo, Sinval Guazzelli, vinha
firmando-se como jovem político da UDN no cenário do estado.
Nesta narrativa, pode-se perceber algumas questões importantes a respeito da
relação entre a repressão e a resistência. Há a necessidade de justificar o fato de Eloar
não ter sido preso: afinal, por que ele teria saído incólume de um sistema repressivo tão
implacável? Outros advogados comunistas haviam sido presos. Por que não Eloar?
Existia a possibilidade de surgirem suspeitas a respeito da retidão político-ideológica
dele, dando a entender que o fato de não ter sido alvo de uma perseguição direta poderia
constituir um estigma, um atestado de culpa frente a seus correligionários. É possível
inferir que Eloar sentia este potencial estigma, esta culpa; isto explicaria seu
engajamento na defesa de presos políticos.
Pode-se traçar um paralelo com a análise de Elisabeth Jelin sobre a questão das
vozes dos sobreviventes do aparato repressivo argentino dentro da memória da
102
resistência.367 Como afirma a autora, mesmo que estas vozes tivessem sido escutadas,
especialmente no âmbito do julgamento de ex-comandantes das juntas militares em
1985,
su posición en la escena pública no había sido muy sencilla o fácil
(...). El hecho de haber sobrevivido al horror generaba en muchos un
halo de sospecha. A menudo, rondaba la pregunta acerca del por
qué.368
De acordo com Jelin, havia suspeita e desconfiança em relação aos
sobreviventes, derivada das razões de seu “privilégio”: teria sido colaboração, delação,
traição? 369
Ao mesmo tempo, a explicação dada traz elementos importantes para analisar o
funcionamento da repressão. Ele não havia sido preso devido a relações pessoais e
familiares vinculadas a uma liderança conservadora. Pode-se pensar que esta narrativa
afetava menos a imagem de Eloar enquanto um resistente: ele não havia sido preso por
ter sido “fraco” frente à repressão, mas sim devido a uma peculiaridade das elites
vacarianas. Seu pertencimento a uma família “tradicional” da cidade o teria ajudando.
Este pertencimento à elite não é privilégio de Guazzelli, mas pode ser visto em outros
casos analisados a seguir.
O impacto do golpe na vida pessoal de Eloar foi sentido mais de forma subjetiva,
através do medo do anticomunismo. Isto pode ser percebido através das narrativas
presentes na memória familiar sobre o golpe de 1964: dentro dela, este período é
lembrado como um momento de temor, de medo de uma vinculação com o comunismo
ou com símbolos relacionados a este. Há uma anedota familiar que narra que logo após
o golpe, Lizabel, a esposa de Eloar, escondeu livros, discos ou imagens que tivessem
alguma relação com a União Soviética, como discos do Coro do Exército Vermelho ou
um retrato do cosmonauta Iuri Gagarin.
Mais do que um simples relato, esta narrativa mostra como este momento foi
assimilado pela memória familiar: o golpe foi um momento de perseguição, de temor,
que está relacionado diretamente à Guerra Fria. Uma vez que o golpe mostrava-se como
anticomunista e antissoviético, havia a preocupação de desvincular-se dos símbolos do
“outro lado da cortina de ferro”. Ter símbolos da cultura soviética era, assim, um
JELIN, Elizabeth. “Víctimas, familiares y ciudadanos/as: las luchas por la legitimidad de la palavra”.
In: Cadernos Pagu, Campinas, n. 29, julho-dezembro de 2007, pp. 37-60.
368
Idem, p. 51.
369
Idem, p. 51. De acordo com a autora, houve uma mudança disto a partir de 2004, com a eleição de
Néstor Krischner, momento em que os sobreviventes passam a ter uma posição mais central dentro desta
narrativa.
367
103
indicativo de “ser comunista”. E “ser comunista” era ser alvo de prisões. Este caso
mostra o clima de “caças as bruxas” que se instaurou imediatamente após o golpe.
Provavelmente o fato de não ter sido atingido por esta “inquisição” levou Guazzelli a
engajar-se logo no início do regime na defesa de perseguidos pela ditadura. Já que ele
não havia sido preso, tinha o dever de envolver-se na defesa daqueles que o foram.
II.1.2. O golpe antitrabalhista de Omar Ferri
Já Omar Ferri, nas entrevistas que concedeu, destaca sua forte atuação política
partidária antes do golpe. Ele havia iniciado sua militância no PTB, seguindo os passos
de seu pai. Havia ingressado na Ala Moça do partido, além de participar da corrente
trabalhista no movimento estudantil da PUC do Rio Grande do Sul.370 De acordo com
suas entrevistas, o jovem Ferri era muito atuante na política de sua cidade natal,
Encantado. Em 1956, ao mesmo tempo em que iniciava sua prática profissional, era
secretário do Prefeito da cidade, mostrando que estas duas atuações andavam lado a
lado.371 Suas falas sobre este período denotam que Omar era uma liderança dentro do
PTB encantadense, sendo reforçado por ele que, quando lançou candidatura a vereador
em 1958, não fazia campanha para si, mas para seus correligionários de cada região
específica do município.372 Ferri reforçou ainda que, apesar disso, foi o vereador mais
votado, sendo eleito com 804 votos de um total de 8780 votantes.373
Sua atuação como jovem político trabalhista é reforçada pela menção à sua
transferência a Brasília para trabalhar na Fundação Brasil Central (FBC), em julho de
1963, durante o governo de João Goulart. Ele havia passado em uma prova para o cargo
e, de acordo com sua entrevista, havia trabalhado na administração da entidade, muito
próximo à presidência da fundação.374 Durante esse período ele afirma ter transitado em
diversos meios políticos, realizando um trabalho “de político da época”, mesmo sendo,
segundo o próprio, de “pequena expressão”.375
370
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 26.
371
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 3.
372
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 26.
373
O
que
é
comprovado
pela
documentação
do
TRE
RS
http://www.trers.gov.br/upload/40/Municipais_Encantado19591.PDF
374
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre.
375
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017.
104
De acordo com o relatado por Ferri ao Memorial do Judiciário do Rio Grande do
Sul, ele foi levado ao cargo de procurador desta fundação para auxiliar seu presidente,
Pedro Tassis Gonçalves:
[Gonçalves], vendo que estava rodeado por adversários – a rigor, por
inimigos – políticos, e falando com alguns políticos importantes do
Rio Grande do Sul, alguns Deputados Federais, lembrou-se de mim.
Ele, então, pediu que um deles fizesse um contato comigo para ver se
eu aceitava sair de Encantado para ir para Brasília. Obviamente,
aceitei ser Procurador.376
Durante o período no qual foi procurador da FBC, Omar Ferri viajou a Cuba,
entre dezembro de 1963 e janeiro de 1964, por ocasião do quinto aniversário da
revolução. Este convite, que o impediu de estar presente no nascimento de seu filho,
surgiu de estudiosos cubanos que haviam sido auxiliados pela Fundação, anos antes.377
Em sua volta ele teria dado “duas entrevistas meio pesadas contra as forças
conservadoras e até contra o próprio Exército Brasileiro, chamado por mim de
reacionário e contrário aos interesses do povo brasileiro”.378 Nestas ocasiões ele teria
afirmado que, diferente do brasileiro, o Exército cubano estava identificado por as
aspirações nacionalistas e sociais do povo.379 O impacto da viagem à ilha caribenha deuse principalmente por Omar ver lá algo que imaginava que poderia acontecer também
no Brasil.
Nesta narrativa, Ferri se apresenta como jovem político trabalhista inserido em
um projeto maior, relacionado ao nacionalismo desenvolvimentista. Fosse em
Encantado ou em Brasília, ele estava envolvido com a causa trabalhista. Além disso, em
seus relatos, o advogado reforça seu protagonismo nesta luta, reforçando seus atos e
posicionamentos.
Na eleição de 1962, Omar Ferri candidatou-se a deputado estadual, na qual ficou
com a 44ª colocação do PTB, com 4954 votos, sem se eleger, portanto.380 É digno de
nota que esta eleição só surge de forma passageira ou indireta em sua narrativa, em
especial quando ele menciona que, em alguns momentos após o golpe, ele, enquanto
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 4.
377
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 17.
378
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p.5 .
379
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017.
380
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO GRANDE DO SUL. Resultado verificado no pleito
de 7 de outubro de 1962. Porto Alegre, 1962, p. 18. Disponível em
http://www.trers.jus.br/upload/42/Resultados_RS_1962.PDF.PDF
376
105
suplente, assumia na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O silêncio a
respeito deste fato talvez se deva a uma sensação de derrota em um momento em que
sua carreira política vinha ascendendo. Neste contexto é possível que sua indicação ao
FBC tenha surgido visando aplacar tal frustração.
Com um histórico de proximidade ao governo Goulart e de visita a Cuba, não
seria de estranhar que ele fosse perseguido logo após o golpe de 1º de abril de 1964.
Omar Ferri relatou que durante os meses anteriores ao golpe, em Brasília sentia-se “uma
anormalidade no ar, na atmosfera política” que inevitavelmente levaria a um golpe.
Durante o golpe ele teria voltado a Porto Alegre em um voo da FAB e presenciado o
comício realizado em frente à prefeitura, que teria ocorrido em 1º de abril, ao lado de
Terezinha Irigaray, esposa do prefeito Sereno Chaise.381 De acordo com ele, neste
momento, em especial a partir da fala de encerramento de Sereno, “se sentiu que o
golpe tinha levado a melhor”. 382
O relato de Ferri sobre o golpe é interessante devido a dois fatores principais:
inicialmente, a percepção que ele, enquanto trabalhista e participante do governo de
João Goulart, tinha da “anormalidade no ar”: pode ser uma visão teleológica do fato,
porém em outras fontes é possível perceber estes ventos carregados na política nacional.
383
Por outro lado, em sua narrativa ele dá a entender que logo após o golpe, havia uma
percepção de “normalidade” por parte dos trabalhistas: ele cita que Chaise teria dito que
as pessoas presentes no comício deveriam “voltar tranquilos para casa” e que a
primeira-dama municipal teria dito que “agora tudo vai se acalmar e o Sereno vai
continuar a administrar”.384 Algo semelhante seria a reação da sogra de Omar, que,
segundo ele teria dito naquele momento “graças a Deus, terminou tudo”, ou seja, teriam
terminado os confrontos.385 Frente a estas duas declarações, Ferri teria rebatido de
forma a afirmar que, de acordo com sua visão, naquele momento é que “tudo” iria
“começar”.
381
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre. Sobre o golpe em Porto Alegre ver: RODEGHERO, Carla S.; GUAZZELLI, Dante G.;
DIENSTMANN, Gabriel. Não calo, grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul.
Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, pp. 31-33.
382
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre.
383
Isto é possível de ser visto nas charges analisadas por Rodrigo Patto Sá Motta. MOTTA, Rodrigo Patto
Sá. Jango e o golpe de 1964 na caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006.
384
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre.
385
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 3.
106
Mesmo assim, quando questionado sobre sua impressão da duração do golpe, ele
afirmou que achava, naquele momento, que “não duraria um ano”. Pelo que se
depreende das movimentações realizadas pelos trabalhistas no exílio, havia uma ideia de
que logo o contexto mudaria e eles voltariam ao poder.386 Esta perspectiva dá uma
dimensão da experiência vivida no golpe, pelo menos naquele dia 2 de abril. Logo esta
visão por parte dos trabalhistas mudaria devido à perseguição.
Omar afirma que naquele ponto ele já percebia que haveria perseguições aos
trabalhistas no governo. Mesmo assim, ele retornou a Brasília nos dias seguintes. De
acordo com a documentação trazida por ele e mencionada em diferentes entrevistas, ele
foi expurgado da FBC no dia 20 do mesmo mês. Apesar de achar que ele tinha “pouca
expressão” para que a repressão se preocupasse com ele, Ferri apontou que passou os
meses seguintes ao golpe clandestino no Rio de Janeiro e em São Paulo.387 Ele acabaria
por voltar ao Rio Grande do Sul devido a questões familiares, fixando-se em Porto
Alegre, onde atuaria como advogado e, eventualmente, como deputado.
Assim, nos seus relatos, o golpe representa a quebra de uma emergente carreira
política. Ele realizara investimentos neste sentido há anos, e já estava colhendo os frutos
deste trabalho. Isto é perceptível na própria forma como Ferri fala, que é marcada por
uma impostação e oratória características de alguém preparado para os palanques.
De acordo com Ferri,
em um determinando momento houve um Golpe Militar e acho que
quem pensava como eu caiu em desgraça política. Eu não me adaptei
nunca ao tipo de política que era necessário que se fizesse ao tempo da
ditadura ou pós-ditadura.388
A ideia de quebra de um projeto de carreira está presente em um diálogo
relatado à Comissão Estadual da Verdade: Ferri relatou que o Cel. Bermudez, Secretário
de Segurança do Rio Grande do Sul, o havia questionado sobre como ele poderia
defender os “subversivos”. A isto Ferri respondeu que “eu sou advogado[,] tenho um
386
RODEGHERO, Carla S.; GUAZZELLI, Dante G.; DIENSTMANN, Gabriel. Não calo, grito:
memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, pp.
49-52.
387
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 6;
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, pp. 17-18.
388
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 26.
107
diploma e tenho que trabalhar na minha profissão pra sobreviver[,] porque eu fui
expurgado pelo seu Governo”.389
Com a ruptura representada com a saída da FBC, ele se transferiu para Porto
Alegre “pelado, com dois filhos, três filhos, empregada, sogra e aluguel. E eu pelado”,
ou seja, sem recursos financeiros.390 Ferri afirmou, em outra entrevista, que o expurgo
ou a cassação “muda completamente a vida, o estilo de vida, a atmosfera familiar”, que
o atingido “sofre o baque de uma mudança radical”.391 Nesta situação, Omar Ferri
iniciou seu trabalho na capital com a ajuda de colegas que o abrigaram em seu
escritório, atuando principalmente no direito trabalhista, no criminal, civil e
administrativo.
Ainda buscando novas fontes de renda após o golpe, Ferri inscreveu-se no
concurso para o Ministério Público. Porém, após refletir sobre impacto que teriam em
sua vida privada as transferências, optou por desistir. Assim, ele entrou em contato com
o secretário do concurso, o promotor Dante Gabriel Guimaraens, e fez a desistência
formal.392 Depois, ao encontrar outros candidatos, descobriu que sua inscrição, assim
como a deles, havia sido impugnada, devido a razões políticas. Ferri recorreu, mas não
obteve sucesso.
II.1.3. O golpe antissindicalista de Werner Becker
Apesar de contar com somente vinte e nove anos, Werner Becker já havia tido
uma carreira profissional variada antes do golpe. Ele iniciou o curso de Direito, mas
abandonou-o, indo trabalhar como secretário do deputado petebista Temperani Pereira,
na Assembleia Legislativa e posteriormente, a partir de 1959, na Câmara dos
Deputados.393
Ele afirma não ter gostado de viver no Rio de Janeiro e ter voltado a Porto
Alegre, atuando no gabinete do prefeito Loureiro da Silva: isto está relacionado,
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 72.
390
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre.
391
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 26.
392
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 18. Como
indica o nome Guimaraens é meu avô materno. A menção a ele é feita principalmente através de minha
avó, Nair, que também é de Encantado e iniciou sua carreira como professora no distrito de Ilópolis, o
qual a família de Ferri residia.
393
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre 3 de junho
de 2017.
389
108
também, com seu primeiro casamento e ao nascimento de seu primeiro filho.394 Becker
estava, assim, vinculado a um setor do trabalhismo crítico de Brizola: Loureiro da Silva,
por exemplo, deixou o PTB devido a dissidências com este líder indo para o Partido
Democrata Cristão (PDC).395 Nos anos seguintes, Werner deixou de trabalhar na
política partidária e passou para a publicidade e, posteriormente, para o rádio e
televisão. 396
No Diário de Notícias de Porto Alegre de 8 de março de 1964 era anunciada
uma reformulação do “Grande Jornal Ipiranga”, noticiário da TV Piratini, Canal 5,
filiada à Rede Tupi.397 Entre as inovações apontadas, surge o nome do redator Werner
Becker. Conforme já mencionado, ele havia iniciado o curso de Direito no final da
década 1950, mas abandonou-o por não ter interesse na área. Neste momento, foi
estudar filosofia, mas, como Becker afirmou, “nos classificados não estavam precisando
de filósofos”, e, por possuir contatos no jornalismo, acabou iniciando esta carreira.398
Assim, Werner Becker iniciava o ano de 1964 como um jovem profissional em
uma nova área de atuação: a televisão. Ao mesmo tempo, ele era vice-presidente do
Sindicato dos Radialistas, em uma chapa em que Lauro Hagemann era o presidente.
Durante seu mandato, em setembro de 1963, Hagemann e Becker teriam organizado a
primeira greve dos radialistas. Após a greve, ele entrou com um processo na justiça
contra seus empregadores por não lhe darem aumento: Werner afirma que este foi um
momento em que viu que poderia gostar de advogar.399
Em 1965, ele passaria a atuar na Rádio Gaúcha; posteriormente, seria afastado
do trabalho por suas posições políticas, mas sem ser demitido, já que possuía mandato
sindical. E foi neste momento de “limbo” profissional que ele iniciou seu trabalho como
solicitador acadêmico, enquanto retomava o curso de Direito.400 Para ele, esta situação
394
Idem.
Idem. Apesar disto, ele afirmou que o prefeito Loureiro apoiou a Campanha da Legalidade .Por esta
razão que Becker teria presenciado a gravação do célebre discurso de Brizola na Rede da Legalidade.
396
Idem.
397
"O Grande Jornal Ipiranga do Canal-5 em Nova Fase". In: Diário de Notícias, Porto Alegre, 8 de
março de 64, Segundo Caderno, p. 5. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/093726_04/27917
398
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 3
399
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre 3 de junho
de 2017.
400
Idem.
395
109
demonstrava o caráter “artesanal”, “semi-legalizado” da repressão nestes primeiros
momentos: ao mesmo tempo que o impediam de trabalhar, não podiam demiti-lo.401
Foi então que Becker foi preso, devido, “como diz o Candido Norberto, ‘por
causa de uma bofetada privada’”.402 Ele teria tido discussões com o responsável pela
perseguição política na imprensa, quando teria pedido para diminuir as demissões, visto
que estas afetavam a vida das pessoas.403 Após a demissão de um colega, o sindicalista,
ao ver o algoz andando na Rua da Praia, no Centro da capital, atingiu-o nas costas.
Como Becker relatou à Comissão Estadual da Verdade,
Eu cheguei pelas costas dele, dei uma porrada e um joelhaço no... na
fenda, entende e pegou bem porque ele se retorceu e gritou covarde,
pelas costas , eu digo vem cá mas torturador tem ética agora, e foi que
bom aí tudo bem, aí eu fui preso.404
A narrativa de Werner Becker traz uma dimensão mais cômica e irônica sobre os
acontecimentos. Este caso, por exemplo, poderia ser relatado de uma forma a mostrá-lo
como um resistente, alguém que se impôs, fisicamente até, ao arbítrio e à repressão. Ele
poderia ter reforçado o caráter coletivo de sua agressão: ele, como representante de uma
categoria, frente às injustiças ia de encontro ao agente da repressão. Apesar de trazer
alguns elementos disto, ele opta por pintar o caso com cores picarescas, tratando como
“uma bofetada privada”, dada pelas costas.
Ao mesmo tempo, Werner Becker ressaltou esta dimensão “privada” da agressão
pois ela foi a motivadora de sua prisão. A agressão, de acordo com ele, deveria ser
resolvida em uma esfera privada e não na pública. Assim, ele foi preso sem motivo,
segundo Becker, junto de seu colega e amigo, Ibsen Pinheiro. Sobre a prisão, ele relatou
dois episódios que refletem o tom da narrativa de Becker. Ele contou não ter sofrido
torturas. Ao ser preso, ameaçou seus algozes:
“Olha, vocês se me baterem, quem toca a mão em mim, eu quando
sair daqui eu vou dar um tiro na cabeça. E se baterem encapuzado, eu
vou dar um tiro em ti! [referindo-se a um torturador]” daí o cara disse
“Mas por que em mim?” Eu disse: “porque eu te sorteei, tá. Agora te
fode, bate que tu vai morrer, quando me tirarem daqui dentro”.405
401
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 6.
402
Idem, p. 6 . A fala do então deputado Cândido Norberto teria sido aparentemente em discurso na
ALERS.
403
Idem, p. 5 ; CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados
gaúchos na defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 65.
404
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 65.
405
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 5.
110
Em outro momento, Becker e Pinheiro ouviram em uma cela próxima um
uruguaio preso por contrabando clamando pela presença de um advogado, que teria
recebido a resposta de Ibsen afirmando que havia dois. 406
Posteriormente eles foram soltos, sob protestos de Werner, já que “não me
explicaram porque eu fui preso, e agora eu vou ser solto[,] eu não sou fechecler o que é
isso? (...) vão achar que eu estou dedurando alguém e tal que história é essa?”.407 De
forma mais explícita do que no caso de Guazzelli, percebe-se no relato o temor da
vinculação à traição. Da mesma forma que a memória familiar do advogado vacariano,
Becker afirma que foi liberado da prisão por ter “muitas relações”, ou seja, a partir de
seus contatos.408
Nestes relatos, Becker busca mostrar o caráter intermediário da repressão no
momento. Por outro lado, vemos duas características muito frequentes na narrativa do
advogado: ao mesmo tempo em que ele ressalta a dimensão cômica, ele se mostra como
alguém de temperamento explosivo. Comparando seu relato com os relativos de Eloar e
Omar, temos que o golpe foi um momento no qual o jovem estava buscando encaixar-se
na vida profissional.
II.2. O comunista, o brizolista e o ermitão político: os advogados e seus grupos
Ao mesmo tempo em que cada um deles viveu o golpe de forma diversa, estes
advogados realizaram suas trajetórias inseridos em grupos, sejam eles de outros
advogados ou não, que buscavam atuar nos meios jurídico e/ou político. Esta inserção
acabou definindo a diferença como cada um deles atuou ao longo do período analisado.
Isto explica, por exemplo, a razão de Eloar ter mais participação no período
analisado neste capítulo, em especial no âmbito jurídico. Além de já estar advogando no
momento do golpe, ele participava de um grupo de comunistas que buscavam atuar nos
meios profissionais com propósitos políticos. Tratava-se da chamada frente intelectual
do PCB existente em Porto Alegre entre 1947 e 1960, analisada pela historiadora Eliane
406
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 5.
407
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, pp. 65-66
408
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 6
111
Garcia.409 Estes “intelectuais” não eram somente escritores e artistas, mas também
profissionais que tinham algum tipo de diploma universitário – como médicos,
engenheiros e advogados.410 O partido objetivava que estes
militantes se dedicassem à atividade política nos meios profissionais,
sociais e comunitários em que circulassem cotidianamente, certamente
aproveitando para fins políticos os conhecimentos, amizades, (sic)e
influências que já dispunham.411
Conforme apontei em outro momento, Eloar fazia parte, assim, “de um projeto
coletivo, no qual a atividade profissional era um espaço utilizado para fins políticos”.412
Segundo o advogado comunista Honório Peres relatou em entrevista à esta
pesquisa, com este intuito, os advogados comunistas organizaram, antes do golpe, um
comitê, que buscava coordenar estas atividades.413 O grupo – que seria chamado de
Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (CEJUR) e chegou a contar com estatutos – foi a
base para a atuação dos advogados comunistas, em especial no Instituto dos Advogados
do Rio Grande do Sul (IARGS) e na seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB/RS).414 Ainda segundo ele, “através do CEJUR, a gente fazia tudo”, sendo
que aquelas atividades, tinham, no final, um cunho político. Para Honório, os
comunistas acabavam sendo políticos atuantes “no meio dos advogados. E conhecidos
como comunistas” por parte dos outros colegas.415 Como exemplo desta atuação da
frente intelectual, pode-se perceber a presença de advogados vinculados ao PCB na
diretoria do IARGS desde meados da década de 1940, muitas vezes próximos de
consagrados juristas católicos analisados por Engelmann.416
409
GARCIA, Eliane Rosa. A ação legal de um partido ilegal: o trabalho de massa das frentes intelectual e
feminina do PCB no Rio Grande do Sul (1947-1960). Porto Alegre, UFRGS, 1999. Dissertação de
Mestrado em História.
410
Idem, p. 108.
411
Idem, p. 109.
412
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 18. Dissertação de Mestrado em História.
413
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre
414
Idem. Inicialmente, na entrevista, Peres não tinha lembrança do nome oficial dado ao grupo, chegando
ao termo CEJUR, o qual não consegui verificar em outras fontes. Desta forma utilizarei CEJUR e
cejuristas para me referir aos advogados do PCB que atuavam em sintonia com o mesmo projeto políticoprofissional.
415
Idem.
416
ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris, 2006, pp. 72- 74. Em 1944 e 45, Júlio Teixeira foi presidente da entidade em uma
diretoria que contava ainda com os comunistas Carlos Aveline (como suplente em 1944) e Paulino de
Vargas Vares (2º orador em 1944 e 2º secretário em 1945); em 1947, sob a presidência de Armando Dias
de Azevedo, Paulino de Vargas Vares foi novamente 2º secretário; em 1949 e 1950 Teixeira foi 1º VicePresidente em uma chapa presidida por Octavio Abreu da Silva Lima; em 1952, quando Itiberê de Moura
foi Presidente, Eloar Guazzelli foi 2º orador, o que ocorreu também nos dois anos seguintes, sob a
112
Por pertencerem a um partido ilegal, os pecebistas precisavam criar outras
estratégias para atuar politicamente. Assim, quando foi dado o golpe, os advogados
comunistas já vinham utilizando espaços do campo jurídico para fins políticos, o que
não ocorria com advogados vinculados ao trabalhismo, por exemplo. Como afirma o
historiador Rodrigo Patto Sá Motta ao analisar a participação do PCB no MDB,
As esquerdas marxistas-leninistas tinham uma larga tradição de
militância clandestina e, com a extinção do pluripartidarismo,
mantiveram suas organizações funcionando sem grandes alterações.
Suas estruturas peculiares permitiram que continuassem a manter
ações coordenadas, enquanto outros grupos encontravam mais
dificuldade para subsistir em meio a repressão.417
Uma forma de atuação política dos advogados comunistas dava-se desde que o
partido havia sido posto na ilegalidade, em 1947, através dos meios jurídicos, o que é
uma diferença para advogados vinculados ao trabalhismo, como Ferri, que tinham a
possibilidade de concorrer a cargos. Assim, os comunistas já estavam adaptados para a
nova realidade construída a partir de 1964.
Esta é uma explicação para a maior presença de Eloar nos documentos
analisados aqui: enquanto que Werner e Omar buscavam, antes de mais nada, organizar
sua vida, o comunista, além de já ser advogado, estava inserido em uma rede que
empregava meios que estavam mais adaptados à nova realidade.
Peres aponta o advogado Júlio Teixeira como líder do grupo: ele “botava a turma
para frente”, isto é, organizava e mobilizava os comunistas.418 Além disso, Teixeira
“tinha um prestígio muito grande entre todos os advogados”, independente de
posicionamento político-ideológico, o que permitia a sua inserção nas entidades
classistas.419 Isto era amplificado pela proximidade entre Júlio Teixeira e Justino
Vasconcelos, que foi presidente do IARGS, na década de 1960, e da OAB/RS na década
presidência de Caio Brandão de Mello; entre 1956 e 1959, Ajadil de Lemos foi presidente, tendo como 2º
Vice-Presidente Júlio Teixeira. Nos anos 1958 e 1959, Antonio Pinheiro Machado Netto foi 2º orador; e,
no biênio 1960/1961, quando a entidade foi liderada por Walter Tschiedel, Teixeira foi 1º Vice-Presidente
e Pinheiro Machado Netto foi orador. Deve-se ressaltar que os comunistas não eram os únicos “políticos
no meio dos advogados” presentes no IARGS: um exemplo é a participação de Armando Temperani
Pereira (PTB) na direção de 1944 e 1945, de Tarso Dutra (PSD) em 1945 e Paulo Brossard de Souza
Pinto (PL) em 1951 e 1956. MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz (org). Instituto dos Advogados do Rio
Grande do Sul - 60 anos de existência. Porto Alegre: IARGS, 1986, pp. 74- 80.
417
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. “O MDB e as esquerdas”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As
esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007, p. 291
418
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre
419
Idem. Esta inserção de Teixeira fica clara no fato dele ter sido presidente do IARGS entre 1944 e
1945.
113
seguinte. Mesmo não pertencendo à ideologia, Vasconcelos era, segundo Peres, “muito
fiel, muito correto com os comunistas, sabe. Tinha um respeito muito grande pelo Júlio
[Teixeira]”. 420
Mostrarei, ao longo deste capítulo, como é perceptível esta relação entre Justino
Vasconcelos e os comunistas, nas atas do IARGS e da OAB/RS. Honório ressaltou que
durante a prisão de advogados comunistas em meados da década de 1970, Justino
manteve o conselho estadual da OAB/RS em sessão permanente, além de interceder em
nome dos detidos frente a autoridades.421 Vasconcelos acabou constituindo um aliado
tático dos advogados comunistas: com isto, os comunistas tinham um espaço de
atuação, ao mesmo tempo em que Justino construía uma imagem de resistente à
ditadura. Podemos ver, assim, que a relação de proximidade entre alguns advogados
atuantes nas entidades classistas com os advogados comunistas é análoga à existente
entre os setores moderados e os “autênticos” do MDB,
A partir da mobilização feita pelo CEJUR, alguns advogados, como Teixeira,
Antônio Pinheiro Machado Neto e Eloar, eram destacados para atuar nas entidades dos
advogados.422 Peres frisou que a atividade de Guazzelli nestes meios tinha estreita
relação com isto: Eloar teria sido, por exemplo, designado pela organização para atuar
na CPI das mãos amarradas.423 Ao ser questionada sobre o período em que Eloar havia
sido presidente do IARGS, a ex-colega de escritório Heloiza Villeroy, afirmou na
entrevista que me concedeu que não gostava muito daquele ambiente elitista, que
considerava muito cheio de “frescuras”, mas entendia que o advogado “se sentia na
obrigação de ir lá, de falar, de dizer alguma coisa diferente”.424
Honório Peres afirmou ainda, em sua entrevista, que não lembrava de haver
oposição por parte de outros advogados à atuação de comunistas nestas entidades, uma
vez que eles eram advogados prestigiados.425 Por outro lado, Heloiza menciona que
quando Eloar foi eleito presidente do IARGS, havia “um casal lá que ficou
indignado”.426 Há indícios que este casal seria Érico Maciel Filho (que havia sido
420
Idem. Justino Vasconcelos foi apontado por Peres e Werner Becker como um advogado
ideologicamente vinculado a um catolicismo conservador.
421
Idem.
422
Idem.
423
Idem.
424
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013.
425
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre.
426
VILLEROY, Heloiza. Op. cit.
114
presidente) e Olga Bragança Maciel, que haviam perdido a eleição para a chapa do
comunista. É provável que esta aversão mostrada se desse por Eloar ser comunista e, ao
mesmo tempo, ser parte de um grupo rival dentro da entidade. Como mostrarei, a
atuação dos advogados comunistas deu-se em interação com outros grupos de
advogados.
Ao mesmo tempo, Eloar atuou junto a colegas de escritório em sua atividade
profissional. No início da ditadura, ele contava com o auxílio de Nereu Lima, que,
assim como seu irmão Jarbas em Vacaria, iniciou no escritório de Guazzelli como office
boy, passando a secretário e, posteriormente, solicitador acadêmico.427 Próximo do final
da década de 1960, a banca de Guazzelli passou a contar com as advogadas Ana Eni
Machado Milan, Heloiza Villeroy e Amanda Soler Machado, além da secretária Denise
Broda.428 Villeroy e Machado posteriormente saíram do escritório e, no início da década
de 1970, o filho de Eloar, Carlos Frederico, passou a atuar lá. Não é possível, assim,
separar a atuação do advogado comunista destas duas redes nas quais ele se inseria.
Como mostrei na seção anterior, Omar Ferri estava inserido, no momento do
golpe, na vida político-partidária, atuando como “um político de pequena expressão”,
nos termos utilizados por ele.429 Assim, nos anos iniciais da ditadura ele participava de
um grupo de brizolistas vinculados à Ala Moça do PTB que se encontrava diariamente
na Rua dos Andradas, no centro de Porto Alegre.430 A atuação deste grupo nos
primeiros anos da ditadura era marcada por esta dimensão política vinculada a
lideranças trabalhistas, na qual não havia interface com os meios jurídicos.
Daí que os acontecimentos narrados por ele nos anos iniciais da ditadura
estejam, que estão relacionados com sua atuação política. Ao narrar seus embates com a
427
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, pp. 1-2.
428
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 87. Dissertação de Mestrado em História;
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013. Curiosamente Eni e Heloiza chegaram ao escritório de Eloar devido a atuações em casos
políticos anteriores no interior do estado.
429
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017.
430
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017; PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enríquez. Memórias da Resistência e da
Solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as ditaduras do Cone Sul e sua
Conexão Repressiva. Porto Alegre: Ed ASF-Brasil, 2013, p. 118.
115
repressão ele afirma ter sido preso duas vezes; em ambas havia uma relação com a
figura de Leonel Brizola.431
Uma delas estava relacionada à sua atividade como “pombo-correio”: militantes
trabalhistas iam ao Uruguai como mensageiros entre líderes trabalhistas no exílio e
políticos no Brasil.432 Ferri reforça que ele foi, muitas vezes, pombo-correio de Brizola,
contando ainda hoje com bilhetes e cartas manuscritas pelo político gaúcho.433 Em uma
destas vezes, ele foi parado na volta ao Brasil, em Santa Vitória do Palmar, e ficou
detido lá por três dias, até que um amigo interviu a seu favor frente a um coronel que
comandava a região.434
O outro caso derivou de um almoço em uma churrascaria deste grupo de
“alucinados brizolistas” contrários à ditadura, em setembro de 1965.435 Em determinado
momento, um dos convivas, Egídio Maroco, pediu ao garçom uma cachaça “a lá
Brizola” – que seria uma cachaça “de culhão roxo” –, o que foi escutado, em mesa
contígua, por um informante do DOPS.436 Ao final do almoço, o grupo foi abordado
pelos agentes deste órgão e foram, com seus carros, para a prisão.437 Na manhã do dia
seguinte, Omar, uma vez que tinha uma audiência importante, “libertou-se” a si mesmo
da detenção. Em liberdade, ele mobilizou políticos oposicionistas, fato que lhe
possibilitou libertar seus companheiros dois dias depois.438
Além destas prisões, houve ainda uma tentativa de prisão, realizada logo após o
golpe. Na entrevista concedida ao Memorial do Judiciário, ele afirma que o motivo foi
ter intermediado o repasse de verbas para a construção de casas populares em Caxias do
Sul ainda durante o governo de João Goulart. Após o golpe, um coronel, na provável
tentativa de encontrar uma transação ilícita, teria procurado o advogado do Banco do
Brasil em Caxias, Renan Falcão de Azevedo, com o objetivo de prender Ferri. Neste
momento, Ferri estava assumindo na Assembleia Legislativa, após uma onda de
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, pp. 6-7.
432
RODEGHERO, Carla S.; GUAZZELLI, Dante G.; DIENSTMANN, Gabriel. Não calo, grito:
memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, pp.
50- 51.
433
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017.
434
Idem.
435
Idem; FERRI, Omar. Seqüestro no Cone Sul – o caso de Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1981, p. 20.
436
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017.
437
Idem.
438
Idem.
431
116
cassações. Quando perguntado quem era Omar Ferri, Azevedo “abriu o jornal e mostrou
que eu estava assumindo na Assembleia Legislativa. O Coronel voltou para Brasília e
nunca mais se interessou por mim. Quer dizer, passei em brancas nuvens”.439
Assim, neste primeiro momento da ditadura civil-militar, Omar Ferri, assim
como outros políticos trabalhistas, buscava reorganizar sua vida profissional e política.
Ele mencionou em entrevista concedida a mim que seu grupo de “alucinados
brizolistas” tinha no horizonte a volta do líder trabalhista e a retomada do poder. Assim,
provavelmente, a inserção no meio jurídico com propósitos políticos ainda não era algo
que motivasse grandes investimentos, já que ele imaginava que logo voltariam a atuar
na política formal. Partindo das três figuras de resistências relativas ao direito propostas
por Liora Israël, Ferri encontrava-se, nos anos iniciais da ditadura, mais vinculado a
uma resistência apesar do direito: sua resistência era mais vinculada à dimensão
política do que jurídica.440 Ao longo do período analisado aqui, a atuação do advogado
vai se transformando em, inicialmente, uma resistência à sombra do direito, através da
defesa de presos políticos, por exemplo, e, finalmente, em uma resistência em nome do
direito – através das denúncias e de sua atuação na OAB, analisada na parte final desta
tese.441
Ao mesmo tempo, como Omar Ferri afirma, ele ainda não possuía uma “solidez
profissional”, como os advogados comunistas tinham.442 Como havia dirigido sua
atenção para a atividade política partidária, ele não era, ainda, visto como um
“advogado de maior representatividade, de maior presença na vida jurídica do
Estado”.443 Ainda de acordo com seu relato, Ferri iria galgar “estágios” até atingir este
patamar, o que seria representado, por exemplo, pelo caso do sequestro dos uruguaios.
444
Em relação a partidos, Werner Becker gosta de afirmar que “passei por vários
partidos e várias mulheres, não achei muita diferença em nenhum” e que ele não tem
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 6.
440
ISRAËL, Liora. “Resistir pelo direito? Advogados e magistrados na Resistência francesa (19401944)”. In: Prisma Jurídico, São Paulo, Uninove, v. 10, n. 1, jan./jun. 2011 p. 70.
441
Idem, p. 72-4.
442
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 18.
443
Idem, ibidem.
444
Idem, ibidem.
439
117
nenhum compromisso com a coerência.445 Baseado na frase atribuída à Groucho Marx –
“não participo de um clube que me aceite” – ele define-se como um “ermitão
político”.446 Desta forma, Becker gosta de salientar sua radical independência política
em relação a partidos, um traço que o distingue, pelo menos neste período, de Eloar e
Omar. Apesar de sua vinculação inicial com políticos como Temperani Pereira (PTB) e
Loureiro da Silva (PDC), não é possível ver uma vinculação maior de Becker com um
grupo político, formal ou informal.
Ao mesmo tempo, ele aponta para sua rede de relações, que lhe possibilitava a
inserção em diversas situações. A defesa de presos políticos surgiu, aliás, através de
relações de amizade: ele iniciou nesta área através de uma indicação feita pelo seu
amigo e advogado Carlos Araújo.447 Por mais que esta atuação lhe trouxesse também
retornos políticos ou de reconhecimento com a oposição, Werner buscava nela
especialmente um espaço profissional.
Outra pessoa próxima a Werner Becker é Ibsen Pinheiro: os dois haviam
trabalhado juntos em diversos momentos, haviam sido demitidos, presos e iniciado
escritório de advocacia juntos.448 Becker aponta para a afinidade com diversas pessoas
da imprensa. Por esta razão ele chegou a colaborar com uma iniciativa deste grupo, o
jornal Pato Macho.449 Sua colaboração tinha um caráter humorístico, ficando voltada a
anedotas e frases cômicas, relacionada com seu anterior trabalho como redator da
Televisão Piratini. Para Werner esta publicação era o “embrião do MDB jovem”, ou
seja, daquele grupo que levaria o partido a posições mais às esquerdas.450 Ele também
fez questão de reforçar sua proximidade pessoal e profissional com Eloar: em diferentes
445
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 18.
446
Idem, p. 17.
447
Idem, p. 8. Carlos Araujo era filho do também advogado comunista Afrânio Araújo, que tinham
escritório no mesmo prédio de Becker. O escritório de Araujo era especializado em direito do trabalho e,
de acordo com Becker, por esta razão, optaram por não assumir a defesa de presos políticos, indicando
clientes para o jovem defensor. Sobre a atuaçâo do escritòrio de Afrânio Araújo durante a ditadura ver:
ARAUJO, Carlos Franklin da Paixão. Entrevista concedida a Francisco Carvalho Junior e Dante
Guimaraens Guazzelli para o Projeto Marcas da Memória: História Oral no Brasil em Porto Alegre no dia
11 de abril de 2011.
448
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 18
449
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre 3 de junho
de 2017.
450
Idem.
118
momentos ele narra situações em que os dois advogados se ajudaram em casos.451
Guazzelli chegou a representar Becker em um processo.452
De qualquer forma, este jovem advogado, assim como Ferri, estava buscando
ingressar nos meios jurídicos e sua atuação não estava inserida em um coletivo, como
acontecia com Eloar.
Estas diferenças entre os perfis e os grupos aos quais pertenciam os três
advogados que são objeto do trabalho vão determinar as diferentes trajetórias que cada
um deles irá tomar no primeiro período analisado. Guazzelli, por já estar advogado e, ao
mesmo tempo, participar de um grupo que já buscava atuar politicamente em entidades
da classe teve uma participação mais ativa neste momento do que Ferri e Becker.
Mesmo assim, é possível perceber os movimentos profissionais feitos por estes últimos.
II.3. Políticos no meio de advogados I: comunistas no IARGS e na OAB/RS nos
primeiros anos de ditadura (1964-1966)
Frente às mudanças que ocorriam logo após o golpe de 1964, as entidades dos
advogados apresentavam posturas ambivalentes. Nos anos iniciais da ditadura tanto o
Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul (IARGS) quanto a seccional riograndense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS) em suas reuniões variavam de
momentos de apoio ao novo regime a outros de críticas, em especial no que se refere ao
tratamento dado a advogados. Devido a menor número de participantes, no registro das
reuniões do IARGS esta dualidade acabou ficando mais aparente do que na OAB/RS.
Ao mesmo tempo, nos primeiros anos da ditadura há indícios de que o Instituto assumiu
posturas críticas mais fortes do que a Ordem, sendo a participação do IARGS no caso
das mãos amarradas o acontecimento que melhor indica esse posicionamento.
De qualquer forma, é clara a proximidade entre as duas instituições, uma vez que
elas possuem características complementares: a OAB/RS é uma entidade corporativa,
que busca garantir e regulamentar o exercício da advocacia, enquanto que o IARGS tem
um caráter cultural. Por ter esta dimensão, nas reuniões do Instituto eram tratados temas
relacionados ao contexto nacional e internacional, o que é ressaltado pelo fato dele ser
filiado ao Internacional Bar Association, órgão consultivo da ONU.
451
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre 16 de julho
de 2017, pp. 17-8.
452
Idem, p. 23.
119
Durante este período foi discutido nas sessões do Instituto o relatório da
comissão Warren (relativo ao assassinato do presidente estadunidense John F.
Kennedy), o apartheid na África do Sul, a situação dos presos políticos de Cuba, entre
outros temas.453 A partir das atas, percebe-se que há um posicionamento conservador e
moderado da entidade frente a estes temas. Esta postura fica ressaltada pelo fato de que
a proposta de criação de um departamento feminino feita por uma das poucas advogadas
presentes não é levada adiante. 454 Conforme já apontado o IARGS é uma agremiação
mais restrita que a Ordem, ficando reservada a uma elite dos advogados.
A relação entre as agremiações se dá, ainda, pelo fato de que o Instituto foi
criado em 1926 com a intenção de auxiliar na constituição da Ordem. Finalmente, há
que se considerar que muitos membros do Conselho Estadual da OAB/RS acabaram
militando também no IARGS e vice-versa: um exemplo é o caso de Justino
Vasconcelos, que foi eleito presidente do IARGS em 1968 e da OAB/RS durante a
década de 1970. Eloar Guazzelli foi ativo membro do Instituto após o golpe, e, a partir
de 1966, passou a fazer parte do Conselho Estadual da Ordem, inicialmente como
membro indicado pelo IARGS e, posteriormente, como conselheiro eleito.455
Conforme apontou Honório Peres, havia uma indicação para os advogados do
PCB atuarem ativamente em seus espaços classistas.456 Com este intuito advogados
como Eloar Guazzelli, Antônio Pinheiro Machado Neto e Julio Teixeira participavam
das entidades citadas. A participação de Teixeira, que é apontado por Peres como líder
do grupo,457 no IARGS é um caso exemplar disso: de acordo com as atas, em
praticamente todas as reuniões em que está presente ele se pronuncia e participa de
alguma atividade. Julio Teixeira já havia sido presidente da organização entre 1944 e
1946. As atividades e manifestações dos comunistas nestes espaços variavam de
algumas com cunho político para outras relacionadas ao funcionamento e organização
dos sodalícios. Imagino que para terem mais força dentro das entidades era importante
que os comunistas participarem ativamente delas.
“Sessão ordinária do dia 6 de maio de 1964”; “Sessão ordinária do dia 13 de maio de 1964”, p. 2; “Ata
da sessão ordinária de 12 de maio de 1965”; “Ata da sessão ordinária do dia 24 de novembro de 1965”.
In: In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
454
“Sessão ordinária do dia 6 de maio de 1964”. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre,
1968.
455
“Reunião de 4 de outubro de 1966”, p. 1; “Apuração das eleições para biênio 1969/1971, dia 16 de
dezembro de 1968”, p. 1. In: OAB/RS, Livro de Atas do Conselho – 10 – 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
456
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre.
457
Idem.
453
120
Tratarei aqui da presença de debates e manifestações das entidades no que se
refere a questões políticas e jurídicas da ditadura. Conforme já mencionei, Guazzelli foi
mais atuante nestas entidades do que Ferri e Becker, e por isso está mais presente nestas
análises. Ao mesmo tempo, a atuação de Eloar nestes espaços deve ser vista como parte
da estratégia de um grupo: os advogados comunistas reunidos no CEJUR. Com este
objetivo analisarei também a participação de outros advogados deste grupo, como
Antônio Pinheiro Machado Neto e Júlio Teixeira. Isto ocorre nos dois anos iniciais da
ditadura, momento em que Guazzelli não é, ainda, atuante no Instituto.
Nas duas sessões seguintes ao golpe civil-militar é possível ver o
posicionamento dúbio do IARGS. Na primeira sessão do Instituto após o 1º de abril, foi
proposta por membros uma manifestação de
aplauso às autoridades federais que anunciam o propósito de acelerar
o retorno do País às norma(i)s tradicionais de procedimento em
matéria penal, e restabelecimento na sua plenitude, de processo
democrático legislativo e a reafirmação das prerrogativas do Poder
Judiciário; propõe também, se aprovada, divulgar pela imprensa e dar
ciência ao sr. Marechal Presidente da República e ao Senhor Ministro
da Justiça.458
Nesta passagem percebe-se a preocupação de saudar o novo regime, ao mesmo
tempo em que se frisa o restabelecimento das instituições democráticas, o que indica
uma postura mais complexa que a de simples apoio. Por um lado, eles utilizavam da
imagem criada pelos golpistas, que afirmavam estarem defendendo a democracia de
uma possível “ditadura sindicalista”. Por outro, pode-se ver nesta saudação que, pelo
menos do ponto de vista retórico, havia um compromisso da entidade com a defesa do
Estado democrático de direito, em especial no que se refere aos advogados. Nas
reuniões seguintes, alguns membros fazem outras menções neste sentido.
Por outro lado, após o golpe também são mencionadas nas atas do Instituto
diversas prisões por motivações políticas de seus membros do Instituto, entre eles dois
ex-presidentes (Júlio Teixeira e Ajadil de Lemos).459 Frente às prisões o Instituto se
portou de forma ambígua, apoiando os advogados presos, mas, ao mesmo tempo,
tirando qualquer carga política que tal apoio pudesse ter. Nos meses seguintes ao golpe,
as prisões de advogados membros da agremiação eram motivo de acalorados debates,
“Sessão ordinária do dia 29 de abril de 1964”. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
459
“Sessão ordinária do dia 6 de maio de 1964”; “Sessão ordinária do dia 13 de maio de 1964”; “Sessão
ordinária do dia 27 de maio de 1964” In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
Ajadil de Lemos foi vice-prefeito da capital, cassado junto com o prefeito, Sereno Chaise.
458
121
que giravam, pelo que se percebe nas atas, em torno da possibilidade de manifestação
do Instituto.
Um exemplo disso foi uma proposta feita em 13 de maio pelo advogado Dirceu
Camargo referente à prisão de dois ex-presidentes. De acordo com a ata,
Após amplo debate a respeito no qual participaram todos os membros
presentes, o dr. Dirceu Camargo, a pedido, retira a sua proposta e
manifesta o seu pezar pela impossibilidade de o Instituto não poder
levar o seu apoio moral a um colega.460
Apesar de não ser mencionada no documento em que consistiria a proposta,
pode-se supor tratar-se de alguma manifestação mais premente que Camargo solicitava
que o sodalício fizesse. A ausência do conteúdo da proposta provavelmente deve-se, por
um lado, à natureza da fonte, que visa a sintetizar os temas abordados na reunião. Por
outro lado, pode-se dever ao temor da entidade do registro comprometê-la politicamente
em um momento em que ocorria uma caça às bruxas.
Na sessão do dia 27 do mesmo mês, Serafim Machado propunha que o IARGS
convocasse a classe para “debater e examinar juridicamente a prisão de dois expresidente do Sodalício por motivos políticos”. 461 Frente a isto, outro membro sugere o
contato com o Chefe de Polícia para uma palestra. De acordo com a ata,
Encerrados os debates ficou decidido que a presidência tome os
contátos [sic] preliminares com as autoridades, a fim de, se necessário,
convocar uma sessão extraordinária.462
De acordo com o livro de atas, esta palestra acabou não ocorrendo. A passagem
mostra que ao mesmo tempo que alguns membros buscavam problematizar a prisão dos
ex-presidentes, a presidência da entidade, neste momento, tentava contemporizar a
situação.
É interessante notar que, no dia 8 de julho, é mencionado que o presidente do
IARGS congratulava-se pela “presença do dr. Julio Teixeira, ex-presidente do Sodalício
e do dr. Antônio Pinheiro Machado Neto, que agradecem e prometem maior
assiduidade”.463 Sabendo que a razão das faltas dos advogados comunistas foi a prisão
política, poderia afirmar-se que o ato de mencioná-los seria uma forma de manifestar
seu apoio a eles.
“Sessão ordinária do dia 13 de maio de 1964”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
461
“Sessão ordinária do dia 27 de maio de 1964”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
462
Idem, ibidem.
463
“Sessão ordinária do dia 8 de julho de 1964”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
460
122
As mesmas prisões foram registradas nas reuniões da OAB/RS, porém as atas
indicam que, inicialmente, não houve a mesma relutância por parte do presidente desta
entidade em demonstrar que havia visitado advogados “presos [e que] tiveram os
direitos cassados, levando-lhes a sua palavra de conforto”.464 Posteriormente, foi feita a
menção de que, na “ocasião da prisão pela terceira vez do colega dr. Julio Teixeira” a
Ordem entrou em contato com o Secretário do Interior do estado e com o Chefe de
Polícia, sendo feita uma convocação para uma sessão extraordinária do Conselho
Estadual para tratar do caso.465 A reunião acabou não ocorrendo pois Teixeira foi solto
antes de sua realização.
É provável que a atuação da Ordem tenha auxiliado na soltura do advogado. A
referência que esta era a terceira prisão dele aponta para uma possível linha
argumentativa do presidente do Conselho Estadual frente às autoridades: qual seria,
afinal, a utilidade desta prisão frente às outras já realizadas?
Em algumas sessões do Conselho Estadual da OAB advogados buscavam deixar
registrado em ata que haviam assumido a defesa de determinado preso político ou
haviam sido chamados ao DOPS.466 Esta foi uma estratégia utilizada por alguns
advogados com o objetivo de defender-se de uma possível prisão ou sequestro durante
seu ofício.
Em 1964, eram debatidos no IARGS os impactos que o novo regime e seu Ato
Institucional (AI-1) traziam ao judiciário e ao ofício do advogado; estes serão temas
recorrentes nos anos seguintes. Assim, na reunião de 27 de maio, foi debatida a questão
do “retorno à normalidade” após a edição do AI-1.467
Ainda tratando do tema, no dia 19 de agosto foi criada uma Comissão para tratar
sobre a independência do judiciário após os afastamentos trazidos pelo Ato e foi
sinalizado que, se o parecer apontar a violação, seria feito um “protesto, em nota
“Ata da sessão extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande
do Sul, realizada no dia 26 de maio de 1964”. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 9 - 1963-1965.
Porto Alegre, 1966.
465
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 1º de setembro de 1964”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 9 - 19631965. Porto Alegre, 1966.
466
Foi o caso do advogado Antonio Pinheiro Machado Netto (em 11 de dezembro), ao defender o capitão
Alfredo Daudt, e do Conselheiro Jerônimo da Silva Ribeiro (em 20 de julho), que havia sido convocado
ao DOPS. “Ata da Sessão Extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio
Grandedo Sul, realizada no dia 11 de dezembro de 1964”, p. 1; “Ata da Sessão Ordinária do Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, realizada no dia 20 de julho de 1965”, p.
1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 9 - 1963-1965. Porto Alegre, 1966.
467
“Sessão ordinária do dia 27 de maio de 1964”, fls. 2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
464
123
pública, manifestando ao mesmo tempo a sua solidariedade ao Tribunal de Justiça do
Estado pela agressão de que foi alvo”.468 Esta Comissão elaborou um parecer que
apontava que o AI-1 não podia ser “interpretado no sentido de suprimir a garantia de
vitaliciedade dos magistrados, e de autorizar, em relação a eles, a demissão ou qualquer
medida indicadas no parágrafo 1º do art. 7º do referido diploma”: o parecer foi aprovado
com somente três votos contrários (um deles de Osvaldo Vergara, presidente da
OAB/RS).469
Apesar desta decisão que demonstra uma postura crítica da entidade frente às
arbitrariedades da ditadura, não é mencionada em ata a nota pública em apoio ao
judiciário. Percebe-se, assim, a dualidade da entidade no início da ditadura: ela
mostrava indícios de crítica sem fincar um posicionamento mais firme.
Nas atas das sessões da OAB sul-rio-grandense, o AI-1 é percebido devido a
seus efeitos na carreira de determinado profissionais. Foi o caso de Floriano Maya
D’Ávila, que após ter seu mandato de deputado federal cassado em maio de 1964 e ser
aposentado no Ministério Público estadual em outubro do mesmo ano, solicitava, em
abril do mês seguinte, o cancelamento de seus impedimentos de advogar.470
Em 1965, nota-se a forte presença do debate a respeito dos impactos da ditadura
no funcionamento do judiciário a partir do desenvolvimento da implementação da
repressão judicial. Neste debate, os advogados comunistas, em especial Antônio
Pinheiro Machado Neto e Julio Teixeira, são muito atuantes. Assim, em 9 de junho
Pinheiro Machado propõe que se desenvolvam conferências buscando que o IARGS
participe “ativamente nos problemas jurídicos e políticos que empolgam a Nação”
principalmente “no momento reformas e modificações no Superior Tribunal Federal”.471
Nos meses seguintes, foram realizadas diversas palestras tratando das mudanças que
estavam sendo ventiladas naquele momento.
Na reunião do IARGS do dia 28 de julho, foi feito um relato pelo consócio
Laury Duval Koch sobre a invasão que sofreu em seu escritório por supostos agentes
federais da Guanabara, que levaram documentos, títulos e processos. Estes homens,
“Sessão ordinária do dia 19 de agosto de 1964”, fls. 1-2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967.
Porto Alegre, 1968.
469
“Sessão ordinária do dia 11 de novembro de 1964”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967.
Porto Alegre, 1968.
470
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 6 de abril de 1965”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 9 - 1963-1965.
Porto Alegre, 1966.
471
“Sessão ordinária do dia 9 de junho de 1965”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
468
124
segundo o advogado, “investiram com afronto e armados o seu escritório levando
alguns documentos sem man dado [sic] judicial”.
472
Após debate foi proposto pelos
membros que
o Instituto, a Associação e a Ordem dos Advogados do Rio Grande do
Sul, tomem providências a respeito, levando protestos veêmentes aos
órgãos competentes e para a opinião pública atrávés das imprensas
faladas e escrita, dizendo que autoridades federais invadem com
violência desrespeitando as garanti-as constitucionais, já que parece
praxe a invasão de escritórios de advogados por parte dêsses agentes
federais.473
Após abordar a omissão da OAB/RS, foi constituída uma Comissão para tratar
do caso – na qual estava presente o advogado comunista Afrânio Araújo – e uma
proposição assinada pelos membros que levem o assunto
ao conhecimento do Sr. Presidente da República, ao Sr. Presidente da
Ordem dos Advogados do - Brasil ao Ministro da Justiça, o seu total
repúdio pelos lamentàveis incidente que vêm ocorrendo em nossa
capital.474
Apesar destas posturas enérgicas, a proposta de Júlio Teixeira de que isto
entrasse na Ordem do Dia da sessão seguinte foi riscada à caneta na ata, o que indica
que não foi aprovado seu registro.
Na sessão de 3 de agosto do Conselho gaúcho da OAB, foram apontadas as
medidas tomadas pela entidade, em parceria com o IARGS, no caso: o presidente havia
entrado em contato com as autoridades responsáveis que informaram as razões dos
atos.475 De acordo com o mencionado em ata, os atos embasavam-se nas leis 4.405 de
setembro e 4.485 de outubro de 1964, relativa a créditos abertos no Ministério da
Justiça e Negócios Interiores e concessão de isenção de impostos e taxas,
respectivamente.476 Aparentemente, a invasão e a apreensão de documentos dizia
respeito à antiga atividade de Koch na área da contabilidade, à qual, de acordo com o
registrado em ata, ele não se dedicava havia sete anos.477 Frente a isto, a Ordem decidia
“Sessão ordinária do dia 28 de julho de 1965”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
473
Idem, ibidem.
474
Idem, ibidem.
475
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 3 de agôsto de 1965”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 9 - 1963-1965.
Porto Alegre, 1966.
476
Idem, p. 2. Sobre esta legislação ver: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4485-19novembro-1964-377619-publicacaooriginal-1-pl.html e http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/19601969/lei-4405-15-setembro-1964-376579-publicacaooriginal-1-pl.html.
477
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 3 de agôsto de 1965”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 9 - 1963-1965.
Porto Alegre, 1966.
472
125
por entrar em contato com o Ministério Público e registrar nota sobre o assunto na
imprensa local, além de destacar um advogado para acompanhar o caso.478
As duas entidades indignaram-se mais em relação a este caso do que às citadas
prisões de seus membros ocorridas no ano anterior. Isto pode derivar do momento em
que cada caso ocorreu, indicando que mais de um ano após o golpe haveria mais
segurança para criticar as arbitrariedades do regime. Ao mesmo tempo, o ataque foi a
um advogado em seu local de trabalho e durante o exercício de sua função, o que fez
com que as organizações se sentissem mais legitimadas para ter esta postura.
Finalmente, penso que o posicionamento político-profissional dos envolvidos acabou
afetando esta postura mais enérgica: enquanto que Teixeira, por exemplo, era
reconhecidamente comunista, Koch trabalhava no direito de empresas e, posteriormente,
foi associado à Escola Superior de Guerra.
Na sessão do dia 20 de outubro, o IARGS discutiu mudanças relacionadas à
composição do STF e à atribuição à Justiça Militar dos crimes contra a segurança
nacional. Assim, uma semana antes da edição do Ato Institucional número 2 (AI-2), que
trata destas questões, a organização estava tratando de temas que iriam modificar seu
ofício. Novamente os cejuristas Júlio Teixeira e Antônio Pinheiro Machado Neto
tomaram a frente e fizeram propostas de comissões que tratassem dos temas. Em relação
ao aumento de número de ministros do STF, a comissão era contrária a esta iniciativa, e
resultou manifestar o Instituto sua solidariedade ao pronunciamento
do Ministro Ribeiro da Costa, Ministro Presidente do STF, tendo em
vista o princípio da independência e harmonia dos poderes, conforme
reza a Constituição, ficando reservado ao próprio Supremo Tribunal
Federal a iniciativa da elevação do número de seus membros.479
Já no tema da competência exclusiva dos crimes políticos à Justiça Militar,
O Instituto em Plenário discordou com a medida que se pretende, não
só por motivos de ordem material, já que o número de Auditorias
Militares espalhadas pelo País não atinge ao número de 20, como
também, em face da norma constitucional contrária a tribunais de
exceção, que representa uma verdadeira conquista nos direitos
fundamentais da humanidade.480
Logo em seguida, foi passada a palavra a Teixeira que, após apresentar fatos de
sua vida pública, afirmou que
a experiência que viveu lhe temx [sic] demonstrado que, nos regimes
de exceção, é muito fácil, uma vez exacerbados os poderes dos
478
Idem, pp. 2-3.
“Sessão ordinária do dia 20 de outubro de 1965”, fl. 1. IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
480
Idem, fls. 2.
479
126
Tribunais Militares, a extensão a qualquer cidadão de acusações
pretensamente consideradas como delitos políticos e que, nessas
condições, justificava seu voto contrário às pretensões do Executivo
Federal por verdadeiramente perigosa e inoportuna em relação às
liberdades individuais.481
Este debate sugere que as iniciativas do governo circulavam na sociedade e que,
frente a elas, o IARGS não se absteve de pronunciar-se. Estas medidas eram vistas pelos
membros da agremiação como nocivas ao judiciário e ao Estado de Direito, como uma
hipertrofia do Executivo, que se impunha ao Judiciário, além de representarem o
desenvolvimento de um Estado de exceção. Aqui podemos notar, ainda, a utilização
política deste espaço por parte dos advogados comunistas.
Um indício de um uso criativo das sessões do IARGS pode ser encontrado na ata
do dia 24 de novembro do mesmo ano, quando Júlio Teixeira trata do Relatório Warren,
concernente ao assassinato de John Fitzgerald Kennedy. O advogado afirmou que este
documento
deixa dúvida em matéria judiciária, eis que o mesmo exclui o delito de
crime político. O ínclito presidente da nação do norte, na opinião do
consócio Julio Teixeira, homem de pensamento livre e defensor dos
direitos civis, foi morto por questões políticas, nada mais.482
Assim, Teixeira frisa o caráter político do caso, apontando que Kennedy foi
morto em um estado racista e conservador, o Texas. Pode-se ver, neste discurso,
proferido menos de um mês após o aumento do raio repressivo da ditadura, uma forma
velada de tratar da situação do Brasil. Kennedy é, assim, representado como um homem
morto pelo conservadorismo.
Em 1966, os registros das atas demonstram que os questionamentos às
arbitrariedades do novo regime estavam presentes nos debates tanto do Conselho da
OAB/RS e quanto do IARGS. Ocorreram casos neste ano que levaram as agremiações a
posicionarem-se em relação à ditadura de forma mais efetiva do que nos anos anteriores.
A culminância disso será a atuação de Eloar Guazzelli como representante do IARGS
na Comissão Parlamentar de Inquérito promovida pela Assembleia Legislativa riograndense a respeito do caso das mãos amarradas e do tratamento dado aos presos
políticos.
Em relação a uma crítica mais ampla à ditadura, nota-se que, ao longo do ano, há
a discussão dos impactos jurídicos e políticos que o Executivo vinha tomando. Frente a
481
Idem, ibidem.
“Sessão ordinária do dia 24 de novembro de 1965”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967.
Porto Alegre, 1968.
482
127
isto eram chamados a se pronunciar notórios juristas do Estado, como Ruy Cirne Lima,
por exemplo.483 Destaca-se, ainda, a reunião do dia 15 de junho, no qual é debatido o
artigo de Pontes de Miranda “Constituição de 46 não existe mais”, colocado na ata
integralmente. Nele, o jurista criticava as alterações impostas pela ditadura e afirmava
que “a democracia nasceu para exprimir a opinião públicax [sic] unificada; hoje,
procura-se esse ídolo problemático e desdemocratiza-se”.484 Buscando inserir o Instituto
neste debate, foram propostas palestras com o jurista e personalidades que vinham se
contrapondo ao regime, como o advogado Sobral Pinto, o ministro do STF Álvaro
Ribeiro da Costa e o ministro do STM Gal. Olímpio Mourão Filho.
Em 15 de fevereiro, por sua vez, foi ressaltado na reunião do Conselho da
OAB/RS que uma das prerrogativas dos advogados era a possibilidade de examinar os
inquéritos policiais e a comunicação com os presos, direito que estava sendo
cerceado.485 Nas reuniões seguintes, as menções aos ataques aos advogados, em especial
àqueles que participavam ativamente da Ordem, ficaram mais frequentes, indício que o
AI-2 havia possibilitado o aumento da repressão.
Na reunião do Conselho da Ordem do dia 3 de maio de 1966 são mencionadas as
primeiras medidas que o sodalício, junto com o Instituto, tomou frente à prisão de
Antônio Pinheiro Machado Neto e Rafael Perez Borges.486 Inicialmente o presidente da
Ordem sul-rio-grandense afirmou que, ao lado de seu vice-presidente e membros do
IARGS, havia tomado “providências junto ao Sr. Secretário do Interior e Justiça, no
sentido de que sejam resguardadas as prerrogativas dos advogados presos
recentemente”, o que foi rebatido pelo conselheiro Jerônimo da Silva Ribeiro
solicitando que a OAB/RS “tomasse uma atitude mais atuante e enérgica”.487 Neste
momento, Eloar Guazzelli afirmou que os
advogados mencionados não estão recebendo o tratamento a que têm
direito, de acordo com as prerrogativas da classe, o que foi
confirmado pelos cons. Pedro Pacheco de Souza e Pedro Dario
“Ata da sessão extraordinária do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 11 de
abril de 1966”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
484
“Ata da sessão extraordinária do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 15 de
junho de 1966”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
485
“Reunião de 15 de fevereiro de 1966”. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho – 10 – 1966-1968.
Porto Alegre, 1969.
486
Enquanto que a prisão de Pinheiro Machado provavelmente devia-se por ele ser do PCB, Rafael Perez
Borges era um advogado vinculado ao PTB, tendo feito parte de diversas administrações do partido,
destacando-se sua atuação como presidente da Caixa Econômica Federal no Rio Grande do Sul entre
1962 e 1964, durante o governo de João Goulart.
487
“Reunião de 3 de maio de 1966”, p. 1. n: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho – 10 – 1966-1968.
Porto Alegre, 1969.
483
128
Bernaola Lairihoy, havendo sido proposto fosse feita uma visita ao
Gal. Justino Alves Bastos, Comandante do IIIº Exército, para ser com
ele discutida a possibilidade de melhor tratamento. Propôs o cons.
Aristides Dutra Boeira que se providenciasse junto às autoridades,
para que os advogados presos fossem alojados de logo em sala
especial de Estado Maior, com tratamento adequado.488
Nota-se que a questão principal debatida aqui não foi a prisão dos advogados de
fato, e sim o fato de esta não estar respeitando o direito que os advogados tinham a uma
cela especial. Assim como anteriormente ocorreu no IARGS, no conselho da Ordem o
debate se deu em torno das prerrogativas da classe. Ao mesmo tempo, vemos, pela
primeira vez, a atuação de Guazzelli: pelo que se depreende do texto, ele havia estado
na presença dos presos, o que indica que ele já poderia estar trabalhando na defesa de
presos políticos e, por isto, pronunciou-se. Por este motivo deve ter sido escolhido pelos
comunistas para fazer a intervenção e não, Júlio Teixeira, por exemplo.
Teixeira aproveitou a situação para comunicar
que os elevadores do edifício onde mantém seu escritório de
advocacia têm sido constantemente guardados pela polícia. Por isso,
pedia providências ao Conselho, no sentido de ver cessada essa
medida constrangedora, não por si, mas por seus colegas com
escritório no mesmo edifício, visto ficarem os clientes esquivos com
aquela medida.489
Nesta passagem, o advogado busca mostrar que o seu ofício e de seus colegas
estavam sendo tolhidos pela polícia, que o perseguia. A perseguição afetava também o
exercício de seus colegas advogados que, diferentemente dele, não eram comunistas e,
logo, não mereciam tal tratamento. Teixeira, ainda, deixava registrado que vinha
sofrendo constrangimentos, registro que poderia ser uma garantia no caso dele ser preso.
As prisões de Pinheiro Machado e Perez Borges também foram tratadas na
reunião do dia 18 de maio do IARGS. Inicialmente é mencionada uma carta do
advogado comunista, agradecendo às manifestações da entidade durante sua prisão e,
em outro momento, Rafael Perez Borges toma a palavra e “agradece as providências
tomadas pelo Sodalício quando de sua prisão por elementos da DOPS. Não sendo
membro efetivo do Instituto, o dr. Rafael Perez Borges, agradeceu o apoio moral
dispensado pela Casa”.490 Em outro momento é proposta uma comissão permanente
para tratar da questão da prisão provisória especial para os advogados.
488
Idem, ibidem.
“Idem, p. 2.
490
“Ata da sessão do dia 18 de maio de 1966”, fls. 1 e 2. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto
Alegre, 1968.
489
129
A respeito das medidas tomadas pelo Instituto neste caso, o presidente Justino
Vasconcelos afirmou que, no dia 29 de abril, quando foi notificado da prisão do
membro Antônio Pinheiro Machado Neto,
em companhia do dr. Eloar Guazelli, foi visitá-lo, bem como ao dr.
Rafael, ambos recolhidos à DOPS. No dia 2 de maio, no Rio, procurou
o Ministro da Justiça, a quem informou sobre o ocorrido solicitando
providências, no sentido de respeitar-se o Estatuto da Ordem dos
Advogados. Disse, ainda, o sr. presidente, que ao retornar do Rio,
visitou o dr. Rafael, já transferido para o Quartel da Polícia Militar e,
pelo vice-presidente Ladislau Ronhelt, foi informado das providências
por êle tomadas visando ao respeito às prerrogativas da classe.491
Há uma grande diferença nas posturas dos presidentes do Instituto em relação às
prisões de advogados nestes primeiros anos de ditadura. Como vimos, em 1964 o
presidente Ivânio da Silva Pacheco, apesar de visitar os membros do Instituto presos,
procurou não enfatizar seu apoio nas atas, enquanto que Vasconcelos, dois anos depois,
fez o contrário, registrando em atas os detalhes de sua atuação nos casos. Isto, em certa
medida, deveu-se aos contextos políticos diferentes e, provavelmente às personalidades
dos homens que estavam à frente da instituição. Em 1964 não se percebe sendo
articulada a demanda por prisão especial dada aos advogados, o que já ocorre em 1966.
Algo semelhante é percebido nas atas das reuniões do Conselho da OAB/RS. Na
reunião de 5 de julho de 1966, Antônio Pinheiro Machado Neto, solicitou providências
em relação à violação dos direitos dos advogados, sendo aprovado por unanimidade um
parecer
no sentido de se oficiar à Secretaria de Segurança que a violação dos
direitos doa [sic] advogados constituía abuso de poder, passível de
sanção penal, havendo o cons. Urbano Ferreira de Souza votado em
conformidade também com o aditivo proposto pelo cons. Paulo do
Couto e Silva, de que se procedesse à ação penal contra o autor do
abuso de autoridade.492
Nota-se aqui que, além de ser contatada a Secretaria de Segurança, é
mencionada a possibilidade de ação contra as autoridades envolvidas, uma postura que
não havia sido ventilada em ocasiões anteriores.
O contato com o secretário foi realizado pelo presidente Dante Sfoggia, que,
com isto organizou
uma reunião de autoridades policiais com membros do Conselho da
Ordem dos Advogados [...] a fim de serem discutidos problemas
491
Idem, p. 2.
“Ata da sessão do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Rio Grande do Sul, realizada
no dia 5 de julho de 1966”, p. 3. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho – 10 – 1966-1968. Porto Alegre,
1969.
492
130
referentes ás (sic) prerrogativas dos advogados, no exercício da
profissão.493
Podemos ver que a crítica feita ao tratamento dado aos advogados teve impacto
no Conselho da Ordem gaúcha, sendo levada às autoridades competentes.
A partir de outubro de 1966, Eloar Guazzelli passou a compor o Conselho
Estadual da OAB/RS. Ele foi indicado pelo Instituto para o quarto de vagas reservadas à
entidade.494 As últimas reuniões do IARGS realizadas no ano de 1966 foram dedicadas
à análise do projeto de nova Constituição colocada adiante pela ditadura.495
II.4. “...bem como o tratamento dispensado a presos políticos”: a CPI do caso das
mãos amarradas e a denúncia da repressão
O momento em que as instituições, em especial o IARGS, tomam publicamente
uma posição mais crítica ao regime foi durante o caso das mãos amarradas, em especial
na Comissão Parlamentar de Inquérito. Conforme já tratado, a morte e o aparecimento
do corpo do ex-sargento do Exército Manoel Raymundo Soares tiveram grande impacto
na sociedade porto-alegrense.
O caso teve grande repercussão na imprensa porto-alegrense: jornais como o
Correio do Povo, Fôlha da Tarde e Zero Hora deram, desde o surgimento do cadáver,
muito espaço em suas edições, em geral em grandes manchetes nas páginas principais.
Analisando as edições que vão de fins de agosto até dezembro de 1966, momento em
que o promotor Paulo Claudio Tovo encaminhou seu relatório à procuradoria-geral e o
caso deixou de ter tanta relevância, são perceptíveis posicionamentos diversos por parte
dos três jornais.
O Correio do Povo deixa o caso restrito à seção policial, e em poucos momentos
são vistas manchetes na capa e contracapa; na Fôlha da Tarde o episódio tem mais
repercussão, muitas vezes povoando a fronte do jornal; é na Zero Hora, porém, que o
caso é mais explorado, estando quase que diariamente presente na capa ou na
contracapa. Percebe-se, assim, uma tendência que será observada em outros casos do
“Ata da sessão do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Rio Grande do Sul, realizada
no dia 2 de agosto de 1966”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho – 10 – 1966-1968. Porto
Alegre, 1969.
494
“Reunião de 4/10/1966”. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho – 10 – 1966-1968. Porto Alegre,
1969.
495
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 16 de dezembro de 1966”;
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 19 de dezembro de 1966”; “Ata
do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 30 de dezembro de 1966”. In: IARGS.
Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
493
131
período: o Correio, voltado a um público mais conservador e tradicional, não dava tanto
espaço a este tipo de matéria quanto seu “irmão”, a Fôlha da Tarde; já a Zero Hora deu
uma cobertura mais “sensacionalista” ao caso, o que estava de acordo com o perfil do
periódico na época.
Esta postura fica clara no editorial do dia 8 de setembro escrito em resposta a
acusações do governo; o jornal afirmava que estava dando “à morte do sargento Manoel
Raymundo Soares, o ‘sensacionalismo’ que o caso merece”, e assim cumprindo papel
de imprensa democrática.496 Esta postura, porém, não ficou restrita ao presente caso,
conforme veremos em coberturas posteriores feitas pelo tabloide,
O caso motivou investigações tanto da polícia e Ministério Público quanto da
Assembleia Legislativa, com grande repercussão na imprensa. A denúncia do bárbaro
crime andava lado-a-lado com a crítica aos métodos utilizados pela repressão, encarnada
principalmente no DOPS.
A crítica ao regime ficou muito clara no próprio tema focado na CPI, que
acrescentava às circunstâncias da morte de Soares “o tratamento dado aos presos
políticos”. A comissão buscava, mais do que tratar do caso do ex-militar, apresentar as
atrocidades cometidas pela repressão, o que é perceptível pela presença de diversos
relatos de ex-presos e presas. Conforme afirmou o deputado emedebista Paulo Brossard
em um de seus diversos pronunciamentos na Assembleia durante o caso, “a violência
contra o ex-sargento é apenas um elo da sucessão de arbitrariedades e violências de uma
polícia que mata, de uma polícia que já a esta altura está no banco dos réus”.497 Por esta
razão houve a participação na CPI dos advogados Eloar Guazzelli, Omar Ferri e Werner
Becker. Apesar de Guazzelli ter sido mais atuante, de forma direta ou indireta, os outros
advogados também se fizeram presentes.
A CPI tinha, desta forma, uma dimensão política mais enfatizada do que na
investigação policial-judicial: a grande presença de parlamentares do MDB e as
tentativas do governo estadual de impedir sua atuação demonstram isto.498 Uma vez que
muitos de seus correligionários haviam passado pelas mãos da repressão é possível que
“O sensacionalismo”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 8 de setembro de 1966, primeiro caderno,
Editorial, p. 2.
497
“CPI quer saber se Brigada deteve homem desaparecido”.In: Zero Hora, 17 de setembro de 1966,
primeiro caderno, p. 10.
498
Deve-se frisar que, apesar de iniciativas do governo estadual, havia a presença de deputados arenistas,
o que possibilitou a existência da Comissão. (“ARENA não abandonará comissão de inquérito”. In: Zero
Hora, Porto Alegre, 24 de setembro de 1966, primeiro caderno, p. 10.)
496
132
estes deputados, em especial os emedebistas, já tivessem uma ideia anteriormente
concebida a respeito do aparato repressivo.
Isto também valeria para o advogado Eloar Guazzelli, indicado pelo Instituto
para acompanhar a visita da Comissão à Ilha das Pedras Brancas (ou “Ilha Presídio” e
“Ilha da Morte Lenta”, como anunciado nas manchetes da época) e ao DOPS. Como um
advogado comunista que já vinha atuando em casos políticos, não seria forçoso afirmar
que ele já conhecia estes ambientes, pessoalmente ou por relatos.
A participação do IARGS na CPI buscava atender a um de seus objetivos, que
seria “corrigir distorções e aperfeiçoar as nossas instituições”.499 A escolha de Guazzelli
como representante explica-se pela proximidade do advogado em relação ao tema. É
possível ver neste ato um posicionamento da agremiação: ao escolher um advogado
comunista, ao invés de um moderado, por exemplo, ela já devia esperar um determinado
posicionamento. Assim, a participação na Comissão seria um momento em que a
entidade iria, mais uma vez, fincar um posicionamento frente à ditadura. Já da
perspectiva dos cejuristas, era muito importante explorar este novo espaço.
Provavelmente o fato de Eloar não carregar o estigma da prisão dava-lhe um atributo
desejável, não se mostrando “parcial”.
Ao mesmo tempo, não encontrei, na documentação vinda da imprensa e em
outras fontes, indícios sobre a atuação da OAB/RS na CPI.500 Guazzelli mencionou que
havia um representante da entidade na visita do dia 2 de setembro à Ilha das Pedras
Brancas e ao DOPS. Este foi, porém, o único rastro deste tripulante anônimo da lancha
do DEPRC. Este fato deve-se a uma orientação da Ordem rio-grandense, que não quis
comprometer-se com a questão em análise. Por outro lado, é possível que, pela
proximidade existente entre as duas organizações, tenha havido uma “divisão de
tarefas”, ficando o Instituto responsável por este assunto.
Uma dúvida que surge ao se observar o relatório elaborado por Eloar é o fato
dele datar de 14 de setembro, quase duas semanas após a realização da visita, no dia
499
GUAZZELLI, Eloar. [Relatório ao IARGS sobre visita à Ilha Presídio e ao DOPS], p. 1. In:
TRIBUNAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. Apelação cível nº 2001.04.01.085202-9/RS [Ação cível de
Elisabeth Challupp Soares contra a União]. Porto Alegre, 2001, p. 1277.
500
Infelizmente a íntegra do processo da CPI não está disponível no Memorial do Legislativo do Rio
Grande do Sul. Nesta instituição é possível analisar alguns documentos (como as atas e o relatório), que
podem
ser
acessados
na
internet
(http://www2.al.rs.gov.br/memorial/PesquisaAcervo/ProcessosHist%C3%B3ricos/tabid/6417/Default.asp
x ) . Existem duas cópias do processo da CPI que estão no Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul
e na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, porém, nos dois casos, a maior parte dos documentos está
inutilizada devido a cópias danificadas. Afortunadamente para minha pesquisa, o relatório de Guazzelli é
uma das poucas laudas que é possível a leitura.
133
dois do mesmo mês. É provável que neste período Guazzelli tenha discutido com outros
membros e o presidente do IARGS, além dos participantes da CPI, a respeito do que
seria conveniente registrar.
Assim, em 2 de setembro Guazzelli, junto de representantes da CPI e da
OAB/RS, uma comissão de delegados de polícia e da imprensa, tomou um barco do
DEPRC rumo à dita ilha. Após uma minuciosa descrição da “bela e caprichosa”
geografia da ilha, o advogado afirma que “o homem valeu-se do capricho da natureza
para tornar mais crua a segregação, mais gritante o isolamento, mais sem horizonte a
reclusão”.501
No relatório apresentado por Guazzelli, a descrição do presídio aponta que as
celas não eram nem insalubres por falta de ar ou de luz, mas sim pela umidade e “pelo
frio penetrante, mesmo às primeiras horas de uma tarde de pleno sol”.502 Apesar de
contar com apenas onze presos naquele momento (nenhum deles por crime político), o
comandante havia informado que o presídio já teria abrigado quase duzentos; é de
questionar como caberiam “no pouco mais de uma dezena de celas”, descritas pelo
advogado.503
Porém, o foco principal da crítica à utilização da Ilha do Presídio está no estado
dos onze detentos. Eles, que foram questionados pelos visitantes a respeito do presídio,
estavam “todos maltrapilhos, a maioria dê-lhes, semi-nus, vestindo apenas cuecas ou
calções rôtos e alguns abrigando os ombros com velhos e sujos sacos de aniagem”.504
De acordo com Guazzelli, os detentos eram “marginais”, isto é, haviam infringido
diversas leis, em geral contra o patrimônio, o que teria levado as autoridades policiais a
mantê-los separados da sociedade naquele local ermo. O que era apontado pelo
advogado era de que estas autoridades
nada puderam informar[...] quanto à existência ou não de processos
regulares encaminhados à Justiça, sendo certo, pelo que me foi dado
verificar que, na quase totalidade daqueles detentos, inexiste qualquer
formação de culpa referente aos delitos que lhes são atribuídos pela
polícia.505
501
GUAZZELLI, Eloar. [Relatório ao IARGS sobre visita à Ilha Presídio e ao DOPS], p. 1. In:
TRIBUNAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. Apelação cível nº 2001.04.01.085202-9/RS [Ação cível de
Elisabeth Challupp Soares contra a União]. Porto Alegre, 2001, p. 1277.
502
Idem, p. 2.
503
Idem, ibidem.
504
Idem, pp. 2-3.
505
Idem, p. 3.
134
Além disso, ele aponta que este isolamento extrajudicial já contava, em alguns
casos, vários meses, infringindo a legislação.506
Ainda de acordo com Eloar, o grau de marginalização dos presos era tamanho
que “todos revelam uma quase incapacidade absoluta de secomunicar [sic], pelo menos
nessa primeira e única – entrevista”.507 Com dificuldades, segundo o advogado, eles
informavam que eram bem tratados, alimentados, tinham cama para dormir (apesar de
Eloar ressaltar não ter indício de colchão, forro ou coberta), dispunham de relativa
liberdade, “podendo circular pela ilha, fora do ‘presídio’. Embora quase nús, não
queixam de falta de roupa de uso pessoal”.508
Eloar apontou no relatório que sua impressão era de que os detentos estavam
reduzidos a condições sub-humanas que os impedem de comunicar-se,
não têm qualquer esperança de serem ouvidos, nada reivindicam da
sociedade da qual se marginalizaram e que os marginaliza sempre
mais.509
O quadro assim pintado pelo advogado mostra um ciclo vicioso, no qual aquele
indivíduo que não se enquadrava na sociedade é por ela excluído, sendo nestas margens
do Guaíba um local onde este paradoxo é levado ao extremo. O representante do
IARGS afirmava que era chocante que nada se fazia “para tentar a recuperação ou obter
uma decisão da Justiça”.510
Nesta descrição há ainda a presença de um jovem, no qual Guazzelli percebe
traços de doença mental, que foi enviado para a ilha pela família, chefiada por um alto
funcionário do Estado.511 Esta menção mostra que a confusão entre o público e o
privado por setores da elite brasileira estava presente durante a ditadura civil-militar.
Além do absurdo de uma família enviar seu filho para um local destes, um servidor
público utilizava-se de um espaço público destinado a outro fim para resolver suas
questões familiares.
Em relação aos objetivos da CPI na visita à prisão insular, Guazzelli apontava
que: naquele momento não havia lá nenhum preso político, mas que alguns já haviam
passado por lá (o que era o caso do ex-sargento); que Manoel Raymundo Soares havia
506
Idem, p. 4.
Idem, p. 3.
508
Idem, ibidem.
509
Idem, ibidem.
510
Idem, p. 4.
511
Idem, pp. 3-4.
507
135
sido encaminhado ao DOPS em 13 de agosto daquele ano; e, finalmente, que o presídio
poderia vir a receber mais presos.512
Já em relação a seus próprios objetivos, Guazzelli afirmava que
o “presídio” da ilha é um excrescência no sistema jurídico penal,
autêntico tumor de superfície, concentrando as mazelas do arbítrio, na
esquivança que lhe é íncita por natureza, à fiscalização dos órgãos
judiciários.513
Esta prisão mostrava, para ele, a “ineficácia das (…) leis que punem os delitos
de responsabilidade e até os comuns praticados à sombra do poder”, já que não cumpria
sua função de ressocialização do indivíduo.514
Como o ex-sargento havia sido entregue ao Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS) antes de sua morte, o grupo decide, após a visita à Ilha das Pedras
Brancas, ir a este local. Lá, os membros da imprensa são barrados, porém, de acordo
com Guazzelli, os jornalistas conseguem entrar no DOPS após a intervenção do
presidente da CPI. Este dado registrado pelo advogado está em discordância com o que
foi publicado pelos jornais da época.515
Após uma descrição do edifício do Palácio da Polícia, no qual estava o DOPS,
Guazzelli concentrou-se em determinadas “celas especiais” do segundo andar. O
advogado afirmou que custava a crer que em uma “construção relativamente moderna”
pudesse abrigar
autênticos calabouços mediavais[sic], que nada mais são as citadas
celas especiais, muito além do calabouço definido pelos léxicos, pois,
não são apenas “lugares sombrios”, senão que de negrura total
eabsoluta (sic).516
É interessante notar que a imagem empregada pelo advogado para qualificar
estes espaços de tortura, “calabouço medieval”, será frequente em outros espaços de
crítica à ditadura. Era utilizada uma percepção existente na sociedade a respeito do
período da Idade Média como um momento de crueldade e arbitrariedade. Um exemplo
são as charges do período, que usavam as imagens de torturadores como carrascos
512
Idem, p. 4.
Idem, ibidem.
514
Idem, ibidem.
515
Zero Hora, Porto Alegre, 3 de setembro de 1966, primeiro caderno, página central; Fôlha da Tarde,
Porto Alegre, 3 de setembro de 1966, p. 8.
516
GUAZZELLI, Eloar. [Relatório ao IARGS sobre visita à Ilha Presídio e ao DOPS], p. 5. In:
TRIBUNAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. Apelação cível nº 2001.04.01.085202-9/RS [Ação cível de
Elisabeth Challupp Soares contra a União]. Porto Alegre, 2001, p. 1281.
513
136
medievais com capuzes.517 Esta representação contrastava com a imagem que a ditadura
queria pintar de si mesma, como um regime moderno e eficiente.
Guazzelli afirma que elas não apresentavam nada de anormal, à primeira vista,
a (…) não ser, seis pequenos orifícios, de mais ou menos, polegada e
meia cada um, localizados no alto da parede lateral de cada cubículo.
Tais furos servem para canalização do ar e uma vez interrompida a
corrente elétrica, (cujo interruptor se encontra do lado de fora, no
corredor) faz-se a escuridão mais completa, como tivemos
oportunidadede [sic] testar. É que os canos condutores de ar, através –
das citadas perfurações, são torcidos na parte externa das paredes de
sorte que, entra o ar, de forma precária é verdade, mas de luz, nem o
menor raio, uma fímbria, o menor ponto ou partícula sequer.518
Estas celas, de acordo com o advogado, estavam completamente vazias, com a
exceção de uma, que tinha um colchão.
De acordo com “um militar que nos foi apresentado como Coronel Rieth,
Superintendente do Departamento” a escuridão total que ficava nas celas era uma
criação sua sob orientação do FBI estadunidense e destinava-se “à ação psicológica
sôbre os detentos” para obter confissões.519 Na opinião do superintendente, o
Departamento teria optado por meios psicológicos para obter confissões, ao invés de
utilizar da violência. 520
No relatório Eloar rebate este dado sobre a forma como agia o DOPS, utilizando
como base as informações de “um colega nosso estêve vinte e oito dias, numa dessas
celas”, provavelmente referindo-se a Pinheiro Machado.521 Além disso, ele ressaltou
que Manoel Raymundo Soares havia sido mantido por cinco meses ali sem que o STM
soubesse deste fato, o que constituía uma infração do direito.522
De acordo com o representante do IARGS, estas celas
517
Para ver exemplos destas charges ver RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante
Guimaraens; DIENSTAMANN, Gabriel. Não calo, grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editoral, 2013; GUAZZELLI, Dante Guimaraens. “A cidade não
cala, ri cidade: representações sobre a cidade em charges produzidas no Rio Grande do Sul durante a
Ditadura Civil-Militar”. In: Revista Latino-Americana de História, São Leopoldo, Vol. 2, nº 7, setembro
de 2013, pp. 362-80. Conforme apontado por Rodeghero, Guazzelli e Dienstmann, “As referências a
períodos antigos e distantes eram um recurso utilizado pelos chargistas para tratar da repressão no
presente de forma velada, o que não impedia que seus leitores – ou uma parcela deles – soubessem que se
tratava de eventos contemporâneos” (RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante Guimaraens;
DIENSTAMANN, Gabriel. Caderno Pedagógico. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, p. 12. Parte
integrante da obra Não Calo Grito: Memória Visual da Ditadura Civil-Militar no Rio Grande do Sul).
518
GUAZZELLI, Eloar. [Relatório ao IARGS sobre visita à Ilha Presídio e ao DOPS], p. 5. In:
TRIBUNAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. Apelação cível nº 2001.04.01.085202-9/RS [Ação cível de
Elisabeth Challupp Soares contra a União]. Porto Alegre, 2001, p. 1281.
519
Idem, ibidem.
520
Idem, ibidem.
521
Idem, ibidem.
522
Idem, ibidem.
137
não constituem instrumentos de ação psicológica ao abrigo de nossa
legislaçãol [sic] de nossa tradição cultural, de nosso patrimônio
jurídico. São, isto sim, aberrantes instrumentos de coação, pela
violência que encerram em si mesmas e que atingem a pessoa humana
na sua integridade física, moral e psíquica.523
Nesta passagem Guazzelli utiliza dois elementos diferentes para criticar a
existência das ditas celas. Por um lado, elas não estariam de acordo com o “caráter
brasileiro”, ferindo suas leis, instituições jurídicas e culturais: as celas seriam uma
aberração inspirada em modelos estrangeiros. Ao mesmo tempo, estes métodos
modernos somente violentariam o indivíduo, sem ter sucesso algum além do ataque à
integridade da pessoa.
Estas práticas buscavam obter confissões que embasassem somente “a acusação
e condenação, apresentando a julgamento não um homem, mas um farrapo, com o
famoso ‘reo cofidente habemus’”.524 Com esta declaração, o advogado une à sua
denúncia uma dimensão corporativa, já que aponta que estes métodos estavam sendo
usados para atrapalhar a defesa dos acusados.
O relatório descrito foi entregue ao presidente do Instituto na sessão do dia 14 de
setembro, quando foi criada uma comissão composta por Ivanio Pacheco, Marcus
Melzer e Francisco Talaia O’Donnel para a análise do documento. Neste mesmo
momento, Guazzelli repassou um ofício para o presidente “dizendo ter recebido uma
carta anônima, para que a presidência fique a par dos acontecimentos futuros”.525
Na sessão da semana seguinte, esta comissão elaborou um parecer, que serviu
como base para um documento enviado ao Procurador Geral do Rio Grande do Sul José
Barros de Vasconcelos, no qual o presidente do IARGS, Justino Vasconcelos, partia das
observações feitas por Eloar e exigia que fossem tomadas algumas medidas.526 Na
introdução do documento, é afirmado que se dirigia ao Procurador Geral,
a quem é eminente membro do vitalício do Conselho Superior (…)
deste Instituto, e encabeça o intimorato Ministério Público, a cuja
vocação humanista se deve, também, o fechamento da velha cadeia da
volta do Gazômetro.527
523
Idem, p. 6.
Idem, ibidem.
525
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 14 de setembro de 1966”, fl.
1. In: IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
526
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 21 de setembro de 1966”. In:
IARGS. Livro de Atas 09 – 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
527
Idem, fl. 1.
524
138
A referência à Casa de Correção destruída em 1962 visava sensibilizar o
procurador e lembrá-lo de que era sua missão tornar o sistema penitenciário do estado
mais humano. Era possível a ele
solucionar o problema ora em exame, a um só tempo legal e jurídico,
social e humano, criado pela ilegalidade de tratamento a presos,
inclusive políticos, e pela presença de cárceres espúrios, na paisagem
[...] liberal do Rio Grande.528
Esboçando um quadro muito próximo daquele desenhado por Guazzelli do
presídio da Ilha das Pedras Brancas, Justino Vasconcelos afirma que aquele presídio era
fora da lei e degradava o corpo e o espírito dos detentos, sendo mais grave ainda o fato
de estarem presos sem justificativa jurídica, o que era um abuso de autoridade.529
Baseando-se também no relato de Eloar sobre as instalações do DOPS, o
presidente do IARGS escreveu que este órgão desprezava a “dignidade da pessoa
humana, ainda quando culpada”, violava a legislação vigente, afrontava “a vocação
cristã e o caráter de nosso povo” e ia contra a “Declaração Universal dos Direitos do
Homem”, ao de encontro à presunção de inocência e submeter os presos a tortura,
tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.530
Esta é uma das principais diferenças dos dois documentos analisados aqui:
apesar de tratar de ataques à “dignidade da pessoa humana”, Guazzelli não chega a
utilizar em seu relatório a expressão “direitos do homem” nem faz menção à Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Isto leva pensar que a denúncia das violências
cometidas pela repressão esteve, para Eloar, em um plano diferente do que para outros
advogados, como Justino.
Esta diferença pode ser explicada pela visão que os comunistas tinham neste
momento sobre os “direitos do homem”/“direitos humanos”. Como vimos
anteriormente, havia uma desconfiança em relação a esta noção por parte da esquerda
marxista, que a via como uma causa mais próxima do “lado ocidental da cortina de
ferro”. Ao mesmo tempo, Justino Vasconcelos vincula os “direitos do homem” a
valores cristãos, o que mostra que estes conceitos se aproximavam mais de grupos
religiosos.
Outra questão apontada pelo presidente do IARGS era relativa à prisão de
diplomados, em especial bacharéis em Direito. Como apontei, este tema vinha sendo
528
Idem, fls. 1-2.
Idem, fls. 2.
530
Idem, fls. 3.
529
139
amplamente debatido na agremiação. Vasconcelos afirmou para o procurador geral que
a presença de diplomados ou ministros de confissão religiosa nas celas descritas
atentaria contra a legislação vigente. Já no caso de advogados, “maior a injúria”, uma
vez que cabia a esta classe a prisão em “sala especial de Estado Maior”.531 Conforme
Justino Vasconcelos, “é evidentemente inadmissível a prisão de advogados em cela da
Divisão de Ordem Política e Social ou na Ilha do Presídio”, o que, como apontei acima,
havia ocorrido naquele ano.532
O documento termina fazendo novo apelo para o procurador geral para intervir
neste caso. Ele afirma que “não é com métodos e processos totalitáriso [sic] que se
constrói o regime democrático”, já que quando
o poder público age com violência arbitrária, o que periclita é tôda a
ordem jurídica, porque envenenando a fonte da própria autoridade. A
tortura hoje, de um só, amanhã será o campo de concentração de
muitos, e o fantasma das atrocidades contra um, testemunha o
irretorquível a história, passará, fatalmente, a rondar todos os lares,
ateando o ódio que não para senão sobre os escombros mortos.533
Assim, Vasconcelos utilizava a imagem democrática que a ditadura buscava
passar para evitar que as violências continuassem a ocorrer.
Há no texto duas questões que já constavam no relatório de Eloar Guazzelli.
Primeiramente, a ideia de que a violência do poder público deve ser evitada, já que
deslegitima a autoridade. E, em segundo, a percepção de que o ataque a integridade
física, moral e psíquica de um indivíduo abria uma possibilidade perigosa, que feria a
toda a sociedade. Há, no entanto, elementos novos, como a menção aos campos de
concentração, cuja história faz parte da construção da noção de direitos humanos.
Vasconcelos conclui da seguinte forma:
Não permita, pois, V. Exa., continuem os atos [...] aqui denunciados a
praticar-se, para irrisão nossa, exatamente sob a égide de leis penais
impregnadas da mais pura concepção democrática e cristão, de
sagrado respeito à dignidade da pessoa humana. Não permita V. Exa.
continue a ignorar-se que as leis penais escritas susrgiram [...] como
reação ao arbítrio do poder político, para [...] tutelar o criminoso
contra os excessos, não menos criminosos, no [...] exercício do direito
de punir.534
531
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
533
Idem, fls. 3-4.
534
Idem, fls. 4.
532
140
Neste trecho percebe-se que é feito um clamor aos valores democráticos e
cristãos, além de ser mencionada a legislação. O presidente valia-se de uma imagem que
tanto o Ministério Público quanto o regime gostariam de manter perante ao público.
A mobilização do IARGS no caso das mãos amarradas teve cobertura da
imprensa. Em 20 de setembro, dia anterior à reunião na qual foi feito o ofício ao
procurador geral, o jornal Zero Hora abordou o relatório de Guazzelli, que, de acordo
com o periódico, condenava “em termos jurídicos, os dois locais”.535 Na reportagem era
mencionada a comissão que iria “sugerir ao Instituto quais as providências cabíveis para
eliminar as aberrações apontadas no documento de Guazzelli”.536 Além disso, foram
transcritos dois trechos do relatório que descreviam as instalações insalubres e cruéis do
presídio da Ilha e das celas do DOPS.
Já no dia 30, foi publicada no mesmo jornal uma pequena reportagem intitulada
“Advogados acham que ilha é ilegal” na qual são apresentadas as decisões do IARGS
feitas até aquele momento.537 É dito que, na última reunião do IARGS, havia sido
lido e aprovado por unanimidade o ofício a ser mandado ao
procurador geral do Estado, salientando que a existência destas prisões
contraria os textos legais e constitucionais vigentes.538
A matéria finaliza informando que na sessão havia ocorrido uma palestra de
Érico Maciel Filho sobre Direitos e Garantias Individuais e o projeto de nova
constituição.
Percebe-se que a atuação de Eloar Guazzelli estava relacionada diretamente com
a orientação de dois grupos: os advogados comunistas do CEJUR e do IARGS. Os dois
buscaram, a partir da CPI, denunciar as atrocidades que vinham sendo cometidas pela
repressão e, para isto, o conhecimento anterior de Eloar dos aparatos repressivos foi
vital, uma vez que já vinha atuando na defesa de presos políticos. É claro que eles
tinham objetivos um tanto distintos: enquanto o Instituto buscava uma defesa das
garantias e direitos de sua classe, é provável que os comunistas intentassem uma crítica
ao regime como um todo. Mesmo assim naquele momento, os comunistas e o IARGS
eram aliados.
“Advogados: Presídio é uma “excrescência””. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de setembro de 1966,
primeiro caderno, página central.
536
Idem, ibidem.
537
“Advogados acham que Ilha é ilegal”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de setembro de 1966, primeiro
caderno, p. 6.
538
Idem, ibidem.
535
141
A participação de Becker e Ferri durante o caso é bem menos expressiva que a
do advogado comunista. No relatório da CPI é mencionada uma carta enviada por
Werner Becker.539 Não consegui descobrir o teor da carta, tanto devido ao estado dos
documentos do processo, quanto pelo fato do advogado não lembrar. Aparentemente
quando escreveu ele ainda não atuava como advogado. Mas esta referência mostra o
impacto que o caso e a CPI tiveram entre os opositores da ditadura: pessoas como
Becker, que tinham sofrido e viam o que a repressão estava fazendo, buscavam
compartilhar suas experiências.
Quando questionei sobre se havia participado das movimentações referentes ao
caso das mãos amarradas, Omar Ferri respondeu que não tinha atuado de forma muito
ativa, e que não lembrava muito do episódio.540 Porém, nos relatos sobre suas defesas
durante a ditadura, ele narra atuação como defensor de dois personagens que estão
relacionados às denúncias ocorridas, durante um momento em que havia uma Comissão
de Inquérito sobre as torturas presidida pelo deputado Airton Barnasque.541
Apesar de algumas imprecisões, a descrição feita por Ferri encaixa-se aos
acontecimentos da CPI instaurada em 1966. É interessante notar que ele os vincula com
um momento de denúncia à repressão e não com o caso das mãos amarradas. Omar
Ferri atribui a eles, portanto, um caráter mais amplo e genérico da luta contra a
ditadura.542 Isto se encaixa na linha condutora de sua memória sobre o período, que é
marcada pelos momentos de enfrentamento às arbitrariedades da ditadura. O relato é
concluído com um diálogo entre o advogado e o Secretário da Segurança Pública do
estado, Cel. Washington Bermudez, no qual ele afirma que a ditadura havia tirado seu
trabalho.543
539
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório dos trabalhos da Comissão
Parlamentar de Inquérito constituída com a finalidade de investigar as causas da morte do ex-sargento
Manorl Raymundo Soares e apurar a forma de tratamento dispensado a presos políticos. Porto Alegre,
1967,
p.
1.
Disponível
em
http://www2.al.rs.gov.br/memorial/LinkClick.aspx?fileticket=4ZxVPvUukgw%3d&tabid=3607
540
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre, em 23 de maio
de 2013, p. 19.
541
Isto está presente no relato feito por ele para a Comissão Estadual da Verdade: CEV/RS. Depoimento Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na defesa da cidadania”. Porto
Alegre, 2014, p. 70-72.
542
É provável que Ferri vinculou este caso a uma data posterior devido ao fato de que em sua ficha no
DOPS publicada em seu livro a defesa de Carboni está presente em uma informação não comprovada de
1971. FERRI, Omar. Seqüestro no Cone sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981, p. 24.
543
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 72.
142
Ferri, em sua narrativa, menciona dois casos de presos políticos que defendeu
durante o mesmo período: o de uma jovem que havia sido presa e estuprada por
integrantes do DOPS e o de Luiz Carlos Carboni, preso na pensão em que residia com
coquetéis molotov, que teriam ocorrido no início da década de 1970. 544 Comparando
com dados vindos de outras fontes, pode-se afirmar que, na verdade, estes casos
ocorreram durante a CPI, provavelmente em setembro de 1966.
Carboni, que ficou conhecido na imprensa como o “Homem Nu” devido às
circunstâncias em que foi preso em início de setembro de 1966, foi relacionado com a
morte do ex-sargento, possibilitando uma linha investigativa que afirmava que ele havia
sido assassinado por seus correligionários.545 Esta linha seria deixada de lado tanto
pelos parlamentares quanto pela investigação promovida pela polícia e Ministério
Público. De acordo com Ferri, ele havia sido contratado pelo pai de Carboni para
localizá-lo e soltá-lo. Ao solicitar uma entrevista com o Cel. Bermudez para isto, o
militar o questiona sobre o fato de ele ter defendido uma jovem “subversiva”. Segundo
Ferri, a denúncia feita por ela teria sido veiculada somente pelo católico Jornal do
Dia.546
Partindo das informações vindas da imprensa e do relatório da CPI, percebe-se
que a repercussão desta denúncia foi maior do que foi registrado pelo advogado. O
jornal Zero Hora, por exemplo, dedicou as páginas centrais de sua edição, nas quais era
transcrito relato feito pela jovem aos parlamentares, sendo dado mais espaço do que no
Jornal do Dia.547 Esta jovem veio a público após ter sido mencionada em outro
depoimento feito aos parlamentares e seu testemunho era repleto de grande carga
dramática.
Ela, que era funcionária federal, afirmou que estava acompanhada “por pessoa
de minha confiança” que a havia orientado a quem se dirigir; a jovem julgava, naquele
momento, que “só as garantias da CPI e da opinião pública poderão talvez salvar minha
FERRI, Omar. Seqüestro no Cone Sul – o caso de Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1981, pp. 24-5. Devido ao teor das revelações, optei por não revelar o nome da cliente de Ferri.
545
GUIMARAENS, Rafael O sargento, o marechal e o faquir. Porto Alegre: Libretos, 2016, pp. 173-6.
546
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 72. A matéria em questão trata-se de “Morte do Sargento –
CPI investiga também no Rio”. In: Jornal do Dia, Porto Alegre, ano XIX, nº 5412, 20 de setembro de
1966,
pp.
8-9.
Disponível
em
http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64870
e
http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64871.
547
“Jacuí: moça violada depõe na CPI”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de setembro de 1966, primeiro
caderno, página central.
544
143
vida”.548 Ela relatou que em agosto de 1964 havia sido presa pelo DOPS e detida
durante setenta dias, nos quais foi torturada, estuprada e ameaçada de morte. Do estupro
vieram doenças venéreas e uma gravidez; os seus reiterados pedidos de interrupção da
gestação foram-lhe negados pelos médicos que a atenderam. A funcionária federal
afirmou que agradecia a recusa feito pelos médicos uma vez que amava seu filho.549
À moça ainda havia sido feita a proposta de ser delatora, a qual foi recusada.
Quando ameaçou denunciar em juízo as violências que havia sofrido, o delegado do
DOPS aconselhou-a “a ‘não prejudicar minha reputação’, revelando coisas que
deveriam ficar esquecidas e que poderiam ser motivo de ‘muitos aborrecimentos’ se
reveladas”.550 Apesar de ter sido ouvida na Auditoria, até o momento do depoimento na
CPI não havia sido julgada. Na ocasião ainda relacionou nomes de torturados e de seus
algozes. 551
Após descrever tentativas de denunciar seu caso, a jovem finalizou o testemunho
afirmando que
Êste depoimento é uma tentativa desesperada. Confio em que a atual
CPI justifique suas finalidades punindo os autôres de tantas
atrocidades e protegendo aqueles que vêm a público denunciá-los.
Temos que, pelo próprio cargo que ocupam, às autoridades policiais
cumpre proteger, e não assassinar os cidadãos.
Finalizo, pedindo a M. D. Comissão Parlamentar de Inquérito
garantias não só de liberdade como de vida.552
Pode-se imaginar o impacto que este depoimento teve na sociedade portoalegrense: havia ali uma moça, mãe de dois filhos pequenos, que narrava de forma
intensa violências cometidas contra ela. Um exemplo disso é o fato de ter sido
mencionado que as provas que eram usadas contra ela (suas “unhas malcuidadas” e
produtos químicos) eram provenientes de limpeza realizada em seu apartamento.553
Menções a tortura, estupro, doenças venéreas e aborto chocavam uma sociedade
548
Idem, ibidem. Conforme pode-se ver na fotografia da reportagem do Jornal do Dia, a pessoa era, de
fato, Omar Ferri. “Morte do Sargento – CPI investiga também no Rio”.”. In: Jornal do Dia, Porto Alegre,
ano
XIX,
nº
5412,
20
de
setembro
de
1966,
p.
8.
Disponível
em
http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64870
549
“Jacuí: moça violada depõe na CPI”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de setembro de 1966, primeiro
caderno, página central.
550
Idem, ibidem.
551
Idem, ibidem.. “Morte do Sargento – CPI investiga também no Rio”. In: Jornal do Dia, Porto Alegre,
ano
XIX,
nº
5412,
20
de
setembro
de
1966,
p.
9.
Disponível
em
http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64871.
552
“Jacuí: moça violada depõe na CPI”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de setembro de 1966, primeiro
caderno, página central.
553
“Morte do Sargento – CPI investiga também no Rio”.. In: Jornal do Dia, Porto Alegre, ano XIX, nº
5412, 20 de setembro de 1966, p. 9. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64871.
144
católica e conservadora que via a mulher como um ser frágil e que deveria ser
protegido. Ao denunciar, buscava-se deixar claro que as atrocidades não respeitavam
valores cristãos.
Imagem 1: Jornal do Dia, Porto Alegre, ano XIX, nº 5412, 20 de setembro de 1966, pp. 8-9.
Omar Ferri acompanhando cliente que depôs na CPI. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional (http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64871).
145
Provavelmente por esta razão, alguns dias depois, o Cel. Berdumez reuniu a
imprensa para apresentar a ficha do DOPS relativa à jovem citada, buscando mostrá-la
como uma terrorista e subversiva.554 Ele afirmava, assim, que ela era militante católica e
comunista, vinculada à Juventude Comunista do PCdoB, que havia fabricado coquetéis
molotov, tinha sido infiltrada na Juventude do PTB, além de já ter sido interna do
Hospital São Pedro devido a impulsos suicidas. Esta tentativa de desacreditar a
testemunha é um indício de que tinha tido impacto na opinião pública a sua denúncia.
Por tal motivo o depoimento da jovem teve um espaço destacado no relatório da
CPI. Após apresenta-lo, o relatório das investigações legislativa informa que contra ela,
assim como contra torturados, não havia sido instaurado processo, “o que evidencia que
eram simplesmente suspeitas. E se fossem responsáveis por algum ato subversivo? ”.555
A CPI, por ampliar seu tema para além do caso do ex-sargento, constituiu,
assim, um espaço privilegiado para os advogados denunciarem as torturas e violências
cometidas pela ditadura civil-militar. Mesmo não tendo sido efetiva em seus objetivos
de responsabilização de autoridades ou interrupção das práticas de tortura, a comissão
foi bem-sucedida ao expor os métodos violentos utilizados pelo aparato repressivo da
ditadura.
Este foi um momento em que a expertise jurídica uniu-se à militância política.
Guazzelli e Ferri usavam de sua posição como advogados para denunciar o regime de
terror e violência instaurado naqueles dois anos. Este seria um embrião da causa dos
direitos humanos enquanto uma luta das esquerdas no campo jurídico.
II.5. O Capitão do Povo contra os gorilas robôs: Eloar e a repressão judicial nos
primeiros anos
Em 11 de abril de 1966, nas primeiras páginas do jornal Zero Hora, era
anunciado que a Justiça Militar, a partir daquele dia, estaria “funcionando a todo
vapor”: em nove processos iriam ser julgados “cinqüenta denunciados por crimes de
“A ficha de Dona______”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 24 de setembro de 1966, primeiro caderno, p.
10; ”Berdumez: Meia Verdade é Parte do Jôgo Comunista Jornal do Dia, Porto Alegre, ano XIX, nº
5415, 24 de setembro de 1966, p. 8. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/098230/64926 .
555
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório dos trabalhos da Comissão
Parlamentar de Inquérito constituída com a finalidade de investigar as causas da morte do ex-sargento
Manorl Raymundo Soares e apurar a forma de tratamento dispensado a presos políticos. Porto Alegre,
1967,
p.
4.
Disponível
em
http://www2.al.rs.gov.br/memorial/LinkClick.aspx?fileticket=4ZxVPvUukgw%3d&tabid=3607
554
146
subversão e contra a economia popular”.556 Entre eles estavam militares, como o excoronel Pedro de Arbues Martins Alvarez, e sindicalistas, como o metalúrgico caxiense
Bruno Segalla e o ex-vereador e o líder tranviário Lúcio Olímpio do Amaral Vieira,
respondendo a acontecimentos ocorridos durante o golpe de 1964.557
Deve-se ressaltar que estes processos eram apresentados nas páginas iniciais dos
periódicos locais, muitas vezes sendo dado destaque nas capas, o que não se manterá
nos anos seguintes: os julgamentos da Justiça Militar passarão a frequentar as seções
dedicadas às Forças Armadas ou as páginas policiais. Isto pode ser explicado pela forma
como cada um destes presos políticos eram apresentados pela imprensa: os julgados por
crimes políticos neste momento inicial da ditadura eram retratados por veículos da
imprensa como “subversivos” vinculados ao governo deposto, ou seja, pessoas que
haviam sido importantes em outra conjuntura, enquanto que no momento seguinte serão
retratados como “terroristas”, como “marginais” destinados a páginas internas dos
periódicos.
Dentre destes processados no período inicial da ditadura, destacava-se o excoronel Pedro Alvarez, devido a sua participação na resistência ao golpe. Ele, que além
de ser militar havia sido vereador na capital, deputado estadual e chefe de relações
públicas da Refinaria Alberto Pasqualini no governo de Goulart, durante a resistência ao
golpe fez um discurso inflamado na rádio no qual atacava os “gorilas”, militares
conspiradores.
Por isto, seu nome e sua imagem estampavam as manchetes e as capas dos
jornais locais e constavam em notas de jornais do centro do país, que acompanharam
seu caso até sua soltura, em dezembro de 1967.558 Nas reportagens em diversos
momentos foi mencionado que Eloar atuava como defensor do ex-coronel, o que não
ocorreu com outros processados que, pelos dados coletados no Acervo Profissional de
“Subversão na justiça hoje”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 11 de abril de 1966, primeiro caderno, p. 3.
Idem, ibidem.
558
“A sombra da subversão”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1966, primeiro caderno, capa;
“Coronéis não julgam Alvarez”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1966, primeiro caderno, p. 9;
“Osvino é testemunha de Alvarez” . In: Zero Hora, Porto Alegre, 13 de abril de 1966, primeiro caderno,
p. 5; “Procurador confirmou condenação de Alvarez”. In: Diário de Notícias, Porto Alegre, Ano XLIII,
nº 239, 15 de dezembro de 1967, p. 3; “Condenação é uma honra para ex-coronel”. In: Jornal do Brasil,
Rio de janeiro, Ano LXXVII, nº 176, 27 de outubro de 1967, 1º caderno, p. 16; “Ex-coronel gaúcho está
fazendo uma greve de fome”. In: Correio de Manhã, Rio de Janeiro, Ano LXVII, nº 22879, 4 de
novembro de 1967, 2º Caderno, p. 10; "Coronel condenado apela ao STM”. In: Correio de Manhã, Rio de
Janeiro, 14 de dezembro de 1967, Ano LXVII, nº 22913, 1º Caderno, p. 5; “STM absolve ex-coronel
condenado no R. G. do Sul por discurso subversivo”. In: In: Jornal do Brasil, Rio de janeiro, Ano
LXXVII, nº 218, 16 de dezembro de 1967, 1º caderno, p. 15; “STM absolve coronel que foi ao comício”.
In: Correio de Manhã, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1967, Ano LXVII, nº 22915, 1º Caderno, p. 8.
556
557
147
Eloar Guazzelli, também foram defendidos por eles, mostrando o destaque dado pela
imprensa a Alvarez. Segundo o ex-militar registrou em seu livro de memórias, o
julgamento atraiu muito público: “lotou a auditoria e ainda havia o povo, na rua,
impedindo a entrada. Não tinha lugar e muita gente ficou aguardando o resultado do
lado de fora. Aquilo durou horas”.559
No processo movido contra Alvarez eram elencadas como testemunhas de
acusação militares e civis que atuavam dentro da estrutura da ditadura. 560 A promotoria
buscava mostrar que o ex-coronel “é vivo e inteligente, temperamental e agressivo,
sempre disposto a pisar a lei”, e seus atos em 1º de abril de 1964 não eram fruto de
“lealdade, fidelidade ou obediência ao governo que fugia e que se desmoronava”.561
Frente a isto, seu advogado, Eloar Guazzelli, buscava desvincular as imagens de
subversivo criadas sobre o ex-coronel pela promotoria e divulgadas na imprensa,
partindo da linha da defesa de que seu cliente havia simplesmente defendido um
governo que estava instituído.562
De acordo com Nereu Lima, ex-estagiário do escritório de Guazzelli, que estava
presente no julgamento, naquele caso “havia cartas marcadas. Apesar de todo o esforço
e de toda a capacidade do doutor Eloar, já se sabia que o resultado” seria de
condenação.563 A repressão deveria, assim, enquadrar Alvarez, o que, segundo o
próprio, trouxe dificuldades: ele deveria ser julgado por alguém de patente mais alta e a
maioria dos oficiais nestas condições não queriam comprometer-se com a condenação,
ALVAREZ, Pedro. O Capitão do Povo – memórias de um militar nacionalista. Porto Alegre: Já
Editores, 2011, p. 133.
560
“A sombra da subversão”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1966, primeiro caderno, capa;
“Coronéis não julgam Alvarez”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1966, primeiro caderno, p. 9;
“Osvino é testemunha de Alvarez” . In: Zero Hora, Porto Alegre, 13 de abril de 1966, primeiro caderno,
p. 5.
561
“Procurador confirmou condenação de Alvarez”. In: Diário de Notícias, Porto Alegre, Ano XLIII, nº
239, 15 de dezembro de 1967, p. 3.
562
Esta linha de defesa, como mostrarei, foi utilizada em outros processos posteriores semelhantes. Em
minha dissertação de mestrado analisei habeas corpus feitos por Guazzelli do mesmo período em
processos em que respondiam outros militares, no qual foi empregada a mesma argumentação.
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na Justiça
Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, pp. 96-100. Dissertação de Mestrado em História.
563
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 3.
559
148
muitas vezes devido a relações pessoais.564 Segundo ele foram escolhidos oficiais de
conduta duvidosa, a maioria tendo participado de roubos de material.565
De acordo com Pedro Alvarez, após a sentença de condenação de 14 meses de
prisão:
não tive dúvidas, dei um passo à frente e disse assim:
– Para mim, é uma honra ter sido condenado por um conselho
composto de ladrões como vocês!
E aí fui aplaudido. Uma de minhas filhas, a Angela, entre lágrimas,
declarou, dirigindo-se aos juízes:
– Este julgamento foi uma farsa! Vocês receberam ordens para
condenar meu pai, que é um homem honrado e idealista. Vocês são
uns patifes, sem personalidade e vontade própria. Foram votos de
robôs!566
Estas manifestações foram tanto registradas por Nereu Lima quanto pela
imprensa, que chegou a estampar em manchetes as palavras do condenado.567 Nos dias
seguintes, quando já se encontrava preso, Alvarez fez greve de fome “para chamar a
atenção da opinião pública para as torturas no Exército”.
568
Na reportagem do Correio
da Manhã sobre o assunto, o objetivo foi mencionado como o de quebrar a
incomunicabilidade a qual se encontrava; nota-se, aqui, a presença de Eloar buscando
este objetivo. 569
Após a sentença, o advogado recorreu ao STM utilizando, novamente, a
argumentação “de que ninguém pode ser punido por ter defendido o governo deposto,
que era legalmente constituído”.570 A corte absolveu Alvarez por sete a cinco.571
ALVAREZ, Pedro. O Capitão do Povo – memórias de um militar nacionalista. Porto Alegre: Já
Editores, 2011, pp. 132-3. Esta demora na escolha dos oficiais julgadores do caso é mencionada na
imprensa: “Coronéis não julgam Alvarez”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1966, primeiro
caderno, p. 9.
565
ALVAREZ, Pedro. O Capitão do Povo – memórias de um militar nacionalista. Porto Alegre: Já
Editores, 2011, p. 133.
566
Idem, ibidem.
567
“Condenação é uma honra para ex-coronel”. In: Jornal do Brasil, Rio de janeiro, Ano LXXVII, nº
176, 27 de outubro de 1967, 1º caderno, p. 16.
568
ALVAREZ, Pedro. O Capitão do Povo – memórias de um militar nacionalista. Porto Alegre: Já
Editores, 2011, p. 149.
569
“Ex-coronel gaúcho está fazendo uma greve de fome”. In: Correio de Manhã, Rio de Janeiro, Ano
LXVII, nº 22879, 4 de novembro de 1967, 2º Caderno, p. 10.
570
“Coronel condenado apela ao STM”. In: Correio de Manhã, Rio de Janeiro, 14 de dezembro de 1967,
Ano LXVII, nº 22913, 1º Caderno, p. 5.
571
“STM absolve ex-coronel condenado no R. G. do Sul por discurso subversivo”. In: In: Jornal do
Brasil, Rio de janeiro, Ano LXXVII, nº 218, 16 de dezembro de 1967, 1º caderno, p. 15; “STM absolve
coronel que foi ao comício”. In: Correio de Manhã, Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1967, Ano LXVII,
nº 22915, 1º Caderno, p. 8
564
149
Apesar de ter defendido outros presos em casos semelhantes neste momento,
penso que o caso de Pedro Alvarez, destaca-se no trabalho de Guazzelli à repercussão.
Assim como no caso da CPI do caso das mãos amarradas, seu nome era associado a um
caso de enfrentamento da ditadura; Eloar vinha, portanto, destacando-o como um
defensor disposto a atuar nestes casos.572
II.6. O grego dos bolsos de ouro e a assassina do disco: as “ações de repercussão”
nos primeiros anos de advocacia de Omar Ferri após o golpe
Um dos primeiros casos que Omar Ferri afirma ter auxiliado na sua carreira em
Porto Alegre foi o referente ao grego Savas Panayotis Kitrinopopoulos. Em 10 de junho
de 1966, Savas foi detido no Aeroporto Salgado Filho vindo de Buenos Aires a caminho
do Rio de Janeiro com 32 barras de ouro, sendo fichado por contrabando. 573 De acordo
com o advogado em entrevista concedida para esta pesquisa, seu nome foi indicado para
o caso por um delegado da Polícia Federal, que havia trabalhado anteriormente em
Encantado e era seu amigo.574 Instituído como advogado, Ferri encaminhou pedido de
habeas-corpus ao juiz da 1ª Vara Criminal no dia 12, apresentando a documentação
necessária e ainda mostrando jurisprudência que afirmava que não era crime entrar com
ouro no país.575 Como não teve sucesso na primeira instância, ele recorreu ao Tribunal
Federal de Recursos, indo à Brasília e contatando diretamente um dos ministros
responsáveis para explicar o caso.576 Na decisão, de acordo com Ferri, ele iniciou
perdendo, mas acabou vencendo por 4 a 3. Este caso trouxe muita visibilidade ao
advogado, já que, pela excentricidade, foi alvo de cobertura de diversos meios da
imprensa.
572
Curiosamente, Alvarez apareceu em diversas fotografias do enterro do ex-sargento, sendo sua presença
um indício da politização do ato fúnebre. GUIMARAENS, Rafael. O sargento, o marechal e o faquir.
Porto Alegre: Libretos, 2016, p. 179.
573
“Contrabandista Pilhado Pela Alfândega com 32 Quilos de Ouro Ocultos no Corpo”. IN: Correio do
Povo, 11 de junho de 1966 , Noticiário, p. 5.
574
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre.
575
““Habeas-corpus” para o grego que trazia ouro”. In: Correio do Povo, 12 de Junho de 1966,
Noticiário, p. 5; FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de
fevereiro de 2013, em Porto Alegre.
576
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre. O Tribunal Federal de Recursos era uma instituição criada pela Constituição de 1946
que foi substituída pela Carta de 1988 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
150
O exemplo principal disso foi a reportagem “O homem dos bolsos de ouro”,
feita por Jayme Copstein após a soltura de Savas.577 A reportagem partiu de uma
entrevista concedida pelo grego no escritório de Omar Ferri e ressalta a excentricidade
do caso. Conforme o título aponta, é feita uma relação entre o caso e o filme 007 contra
Goldfinger, lançado no Brasil em janeiro de 1965, e que ainda estava nas telas de
cinemas da capital. O guarda aduaneiro é retratado pelo jornalista como James Bond
disfarçado e Savas, Goldpocket, o Homem dos bolsos de ouro.578 Além disso, ao narrar
as peripécias do grego no período em que esteve confinado na Penitenciária Estadual,
Copstein chega ao ponto de comparar o contrabandista com uma criança que teria feito
uma travessura.579 Finalmente, quando questiona sobre a razão de Savas ter trazido as
barras de ouros de forma suspeita, a própria reportagem justifica por um medo
relacionado às suas vivências durante a Segunda Guerra como preso em um campo de
trabalho nazista.580 Assim foi criada uma imagem do grego como um simpático Zorba
“contrabandista” com um passado triste e um olhar que reflete “lembranças poéticas das
montanhas de sua terra natal”.581
Conforme se pode perceber, Copstein retratou o caso transformando-o em uma
história digna dos grandes estúdios hollywoodianos da época, em que estão presentes
ouro, intriga internacional e campos de prisioneiros nazistas. Dentro desta trama, Ferri é
descrito como “Sherlock Holmes, sem nariz grande, violino ou cachimbo” que andava
disfarçado de bacharel em direito.582 Ao comparar Omar Ferri com o detetive, busca-se
mostrá-lo como um defensor engenhoso e astuto. Em diferentes momentos da
reportagem, o advogado é mencionado como um bom advogado, que havia se esforçado
em busca da liberdade do cliente.583 Aliás, o jornalista, ao analisar o caso, parte da
argumentação do defensor, de que a entrada no país com ouro não constituiria
contrabando. Se considerarmos que ele era um advogado em busca de espaço
profissional, a reportagem elogiosa em um periódico de prestigio provavelmente o
COPSTEIN, Jayme. “O homem dos bolsos de ouro”.In: Revista do Globo, Ano XXXVIII – Nº 927, 2ª
quinzena de Julho de 1966 , Porto Alegre, pp. 62-64.
578
Idem, p. 62.
579
Idem, p. 63. De acordo com a reportagem, Savas teria sido bem recebido pelos presos pois eles
achavam que ele seria parente do Cel. Dastro Dutra, antigo administrados considerado por eles como
“bondoso”.
580
Idem, p. 64.
581
Idem, ibidem.
582
Idem, ibidem.
583
Idem, p. 63.
577
151
auxiliou muito. Pode-se apontar este curioso caso como um importante “estágio”
galgado por Ferri.
Outro caso apontado por Omar Ferri como importante para a sua construção de
seu “nome” como advogado criminal foi o caso conhecido na época como “o crime do
Disco”, no qual ele atuou junto com o deputado emedebista Pedro Simon e com Luís
Bilibio Ribeiro. Segundo ele, este
Foi um crime muito comentado, estampado nas paginas [sic] dos
jornais todos os dias, principalmente, porque, um ano ou dois anos
antes, uma mulher, Nina Gualdi (sic) matou um Promotor Público,
marido dela, e ela ia prestar solidariedade a essa outra senhora.584
Na análise dos jornais da época em que ocorreu o “crime do disco” não foi
encontrado este apoio dado pela poetisa e atriz Nina Gualdi à Terezinha de Castro
Maxwell, autora do crime. Porém, existem relações entre os casos: nos dois temos um
advogado/deputado do MDB atuando (no caso de Gualdi, Lamaison Pôrto) além de ter
sido um homicídio cometido por uma esposa contra seu marido. Como veremos, a
ampla cobertura do “crime do disco” teve uma dimensão machista muito destacada,
especialmente nas primeiras reportagens e no jornal Zero Hora.
No domingo 13 de agosto de 1967, no pacato bairro do Menino Deus, enquanto
as famílias comemoravam o “Dia do Papai”, Terezinha de Castro Maxwell matou seu
marido, Carlos Felippe Maxwell, com seis tiros, em uma discussão derivada da compra
de um disco com a canção Dominique, sucesso do momento.585 Devido ao motivo
absurdo, o caso chamou a atenção da sociedade. De início, a perseguição à assassina
foragida e os boatos da vizinhança tomaram conta da crônica policial da capital. Na
Zero Hora do dia 14 de agosto, por exemplo, Terezinha é mostrada como uma mulher
histérica enlouquecida enquanto que Carlos aparece como razoável.
A cobertura deste periódico foi marcada por um sensacionalismo maior do que
outros, como Correio do Povo e Fôlha da Tarde, nos quais o caso é mostrado de forma
mais resumida, muitas vezes sendo dado espaço à ré.586 A Zero Hora deu significativo
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 14. O
crime de Nina Gualdi ocorreu em 1964 e seu julgamento foi em dezembro de 1965.
585
“Mulher presenteou marido com 6 tiros”. IN: Zero Hora, Porto Alegre, 14 de agosto de 1967, primeiro
caderno, p. 19.
586
“Assassina do marido prêsa na casa dos pais em Estrêla”. In: Correio do Povo, Porto Alegre, 15 de
Agôsto de 1967, primeiro caderno, Noticiário/ Crônica Policial , p. 5; “Assassina do marido na 2ª DP”In:
Correio do Povo, Porto Alegre, 16 de Agôsto de 1967, primeiro caderno, Noticiário/ Crônica Policial, p.
5; “Decretada a prisão da assassina do marido”. In: Correio do Povo, Porto Alegre, 19 de Agôsto de
1967, primeiro caderno, Noticiário / Crônica Policial; ““Crime do Disco”: julgamento adiado para
dezembro”In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 21 de novembro de 1968, primeiro caderno, p. 40; ““Crime
584
152
espaço ao crime, mostrando, a partir de relatos da vizinhança, a rotina do casal, que é
retratada como infeliz e cheia de discussões. Segundo o periódico, o casamento só se
mantinha por conta do “temperamento tolerante do marido, que era muito estimado
pelos seus amigos”.587
Terezinha é apresentada como desequilibrada mentalmente, sendo mencionado
que ela passou por hospital psiquiátrico. O fato dele também ter sido tratado por este
tipo de moléstia é vinculado à sua mulher. É dito que ela levaria uma “vida alegre” com
“amiguinhos” jovens e estudantes. Percebe-se que, de antemão, este jornal buscou
mostrar a motivação do crime totalmente vinculada à esposa, deixando de lado as
acusações de violências anteriores cometidas pelo marido.
Logo que Terezinha foi presa, surgiram nas matérias as menções aos advogados,
dando indícios da linha que a defesa iria tomar. Conforme relatou Ferri, em entrevista
concedida ao Memorial do Judiciário,
Não tinha defesa – [Terezinha] matou pelas costas –, mas lutamos
para diminuir a pena de todas as formas: violenta emoção, muita briga
entre o casal, aquelas coisas todas. No fim, ela foi condenada a cinco
ou seis anos, não recordo, consegui diminuição da pena. Foi um bom
Júri. 588
Uma das “formas”/argumentos utilizadas foi a de legítima defesa. Partindo do
relato da ré, que, diferentemente das versões iniciais publicadas nos jornais, era
indicado que o assassinato tinha resultado de uma discussão acalorada em que ela
sentiu-se ameaçada com uma faca de pão pelo marido e, assim, vitimou-o para defender
sua vida.589
Posteriormente, partindo de laudos psiquiátricos, a defesa adicionou a tese da
irresponsabilidade da ré no momento do crime.590 Assim, em 17 de dezembro de 1968
Teresinha Maxwell foi condenada a quatro anos e oito meses de prisão no Tribunal do
do Disco” tem júri marcado para hoje”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 17 de dezembro de 1968,
primeiro caderno, p. 48; ““Crime do Disco”: 4 anos de cadeia para criminosa”. In: Fôlha da Tarde, Porto
Alegre, 18 de dezembro de 1968, primeiro caderno, p. 44
587
“Mulher presenteou marido com 6 tiros”. IN: Zero Hora, Porto Alegre, 14 de agosto de 1967, primeiro
caderno, p. 19.
588
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, pp. 14-5.
589
“ASSASSINA DO MARIDO NA 2ª DP”. In: Correio do Povo, Porto Alegre, 16 de Agôsto de 1967,
primeiro caderno, Noticiário/ Crônica Policial, p. 5. Nesta matéria o delegado da 2ª Delegacia de Polícia
reforçava que Terezinha, não havia sido presa em uma prisão destinadas à “meretrizes”. Nota-se que
mesmo considerada uma assassina, ela não deixava de ser uma “mulher correta” que não deveria estar
próxima de “mulheres da vida”.
590
“Loucura armou a mão assassina”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de agosto de 1967, Caderno
Policial, página central; “Terezinha matou o marido e agora enfrenta o Júri”. In: Zero Hora, Porto Alegre,
18 de dezembro de 1968, p. 35.
153
Júri, em uma sessão que durou até a madrugada do dia seguinte.591 Apesar de negarem
as teses de “legítima defesa e defesa putativa”, os jurados aceitaram a argumentação de
“responsabilidade diminuída por perturbação mental”, reduzindo a pena da ré.592
A presença de Ferri neste caso tão rumoroso provavelmente deu grande impulso
à sua carreira na advocacia. Pode-se afirmar que a atuação neste caso trazia outro tipo
de retorno além dos benefícios financeiros imediatos: de acordo com o que pode ser
percebido nas reportagens, a acusada não possuía muitos recursos. Além disso, o
julgamento no Tribunal do Júri trazia um desgaste diverso de julgamentos comuns, se
estendendo muitas horas além do normal.
Ao engajar-se neste caso, Omar divulgava-se como um advogado criminalista,
colocando-se no meio jurídico. A utilização destes “grandes casos” também era feita por
deputados estaduais do MDB, como Simon e Lamaison Porto: aparenta indicar nestes
casos o estabelecimento de relações entre os meios jurídicos e políticos. Os advogadospolíticos colocavam-se na esfera pública como defensores preocupados com os direitos
dos indivíduos. No caso da “assassina do disco”, por exemplo, Simon e Ferri eram
apresentados como os advogados de uma mulher perturbada e humilde, que não tinha
mais ninguém por ela. Imagino que isto, além de divulgar seus nomes, davam
popularidade a suas figuras. Veremos adiante que estas relações serão aprofundadas por
Eloar Guazzelli nos anos seguintes.
II.7. Políticos no meio dos advogados II: comunistas no IARGS e na OAB/RS em
1967 e 1968
Seguindo as posições tomadas em 1966, no ano seguinte, o Instituto levou
adiante algumas medidas que apontavam para uma crítica em relação à ditadura. A
diferença é que, na nova conjuntura em poucos momentos em que as críticas foram
realçadas.
Um exemplo é a repetição de proposta de palestras com personalidades jurídicas
que se contrapunham ao regime.593 Foi realizada, em 12 de julho, uma palestra com o
““Crime do Disco”: 4 anos de cadeia para criminosa”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 18 de
dezembro de 1968, primeiro caderno, p. 44.
592
Idem, ibidem.
593
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 10 de maio de 1967”. In:
IARGS. Livro de Atas 07 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
591
154
Ministro do STF, Evandro Lins e Silva.594 Ele, que havia participado ativamente do
governo deposto, chegado ao STF por indicação de João Goulart, proferiu conferência
sobre, segundo a ata da sessão, “aspectos da advocacia”.595 Este ministro era
reconhecido como um dos mais liberais e combativos em relação à ditadura, postura que
o levou a ser aposentado pelo regime em janeiro de1969.596 Outro indício foi o slogan
escolhido para os cartazes da Semana do Advogado – “Pense no Direito, na Justiça, na
Democracia” – que vinculavam à democracia a atuação dos advogados, que vinham
sofrendo cerceamentos.597 Por outro lado, a entidade recebeu o Ministro da Educação,
Tarso Dutra, para tratar da questão da educação básica do país.598 Isto é mais um
exemplo que mostra a dualidade do posicionamento destas organizações durante este
período.
O Instituto discutiu o novo aparato legal criado pela ditadura, como a Lei de
Segurança Nacional e a Lei de Imprensa, e suas implicações.599 Guazzelli foi destacado
para, junto de René Ávila, elaborar parecer: o desenrolar disto não foi mencionado em
atas subsequentes.600 Este debate também se fez presente no Conselho da OAB/RS no
pedido feito pelo deputado federal emedebista Pedro Horta para que a entidade
pleiteasse a aprovação de um projeto de lei que revogava a nova Lei de Segurança
Nacional.601
Em 1967 percebem-se nas atas do Conselho Estadual da Ordem menções a
prisões de advogados, tanto no Rio Grande do Sul (nos quais apresentavam medidas
tomadas pela entidade) quanto no Paraná (onde foram mencionados votos de
solidariedade).602 Neste sentido, há o caso da prisão do advogado Dalmir Franklin de
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 12 de julho de 1967”. In:
IARGS. Livro de Atas 07 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
595
Idem, ibidem.
596
Verbete Evandro Lins e Silva. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico
Brasileiro, pós 1930. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2010. Disponível em
http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx.
597
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 26 de julho de 1967”. In:
IARGS. Livro de Atas 07 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
598
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 12 de setembro de 1967”. In:
IARGS. Livro de Atas 07 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
599
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 28 de junho de 1967”. In:
IARGS. Livro de Atas 07 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
600
“Ata do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, realizada no dia 26 de julho de 1967”. In:
IARGS. Livro de Atas 07 1964-1967. Porto Alegre, 1968.
601
“ 4/4/67”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
602
“Reunião 2/5/1967”, p. 1; “7/11/1967”, p. 3; “5/12/1967”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do
Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
594
155
Oliveira, sobre a qual Eloar Guazzelli solicitou ao presidente que tomasse medidas para
aliviá-la.603
É apontado nas atas que, em uma reunião junto no Conselho Federal, o
presidente da OAB/RS, Alter Cintra de Oliveira, fez uma lista de proposições
relacionadas à conjuntura nacional, a qual finaliza com um “apêlo ao Presidente da
República, Câmara e Senado em favor da anistia aos crimes políticos”.604 Além disso,
durante este ano houve debates referentes a mudanças no Estatuto da OAB propostas
pelo Congresso, o que era visto pelo Conselho como algo que iria contra as bases da
advocacia.
Não são percebidos nas atas das sessões de 1968 do IARGS ecos da onda de
manifestações de oposição à ditadura civil-militar que ocorriam em diversos espaços em
Porto Alegre e no Brasil como um todo.605 Como demonstrei, nos primeiros anos o
Instituto constituiu um local onde reverberaram as críticas ao regime, chegando ao seu
volume máximo no ano de 1966 e com a participação da entidade na CPI das mãos
amarradas.
Depois deste momento, estas vozes críticas foram diminuindo, o que foi visto
em 1968. Curiosamente este ano foi escolhido pelas Nações Unidas como o “Ano
Internacional dos Direitos Humanos”. Frente a isto, o IARGS fez movimentos buscando
realizar um ciclo de conferências sobre o tema, o qual abriria com uma palestra do
advogado de presos políticos Heráclito Sobral Pinto, o que acabou não ocorrendo.606
Este ano acabou sendo mais marcado por questões internas do sodalício, em especial a
“28/12/1967”, p. 3 In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
“Ata da sessão ordinária do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil – 18/8/67”, p. 3.
In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
605
Sobre o ano de 1968 em Porto Alegre ver: SCHMIDT, Benito Bisso & ANTONIOLLI, Juliano,
“Flávio Koutzii: um olhar sobre as sensibilidades da geração 68 em Porto Alegre”. In: Fênix – Revista de
História e Estudos Culturais, Uberlândia, UFU, vol. 6, Ano VI, nº1, p. 2, janeiro/fevereiro/março de 2009.
Disponível em http://www.revistafenix.pro.br/artigos18.php; RODEGHERO, Carla Simone;
GUAZZELLI, Dante Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não Calo, Grito: memória visual da
ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, pp. 71-75 e 107-10. Já
sobre o caso brasileiro ver: RIDENTI, Marcelo. Breve recapitulação de 1968 no Brasil. In: GARCIA,
Marco Aurélio e VIEIRA, Maria Alice (org.). Rebeldes e contestadores: 1968-Brasil, França e Alemanha.
São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo: 2008, p. 55-60; RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo
brasileiro – artistas da revolução do CPC à era da TV. São Paulo: Editora UNESP, 2014; ABREU, Alzira
Alves de. “Quando Eles Eram Jovens Revolucionários – Os guerrilheiros das décadas de 60/70 no
Brasil”. In: VIANNA, Hermano. Galeras Cariocas – territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1997, pp. 181-205.
606
“Ata da sessão extraordinária do dia 14/3/1968”, fl. 1. OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 1966-1968. Porto Alegre, 1969. Além disto, foi criado pela OAB/RS neste ano um concurso de trabalhos
de estudantes de direito sobre o tema. “4/6/1968, p. 4”. OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 19661968. Porto Alegre, 1969.
603
604
156
construção da Casa do Advogado. Houve também a distribuição de honrarias a expresidentes, entre eles o comunista Júlio Teixeira.607
Já a seccional rio-grandense da OAB acabou repercutindo mais do que o IARGS
a ebulição que ocorria neste ano. Uma das questões presentes era, novamente, menções
às autoridades que vinham atacando advogados no cumprimento de seu dever.608 Apesar
do assunto estar presente nas atas estes eventos, não se percebe um posicionamento
mais enérgico da entidade frente a estas violações. Este é o caso de um processo
apreciado pelo Conselho Estadual, no qual um advogado havia sido agredido e
maltratado por uma autoridade militar. Devido à demora na tramitação, no momento em
que foi apreciado, já não restavam muitas medidas a serem tomadas pela Ordem, o que
Eloar Guazzelli lastimou e fez com que fosse registrado na ata.609
Ao mesmo tempo, estavam presentes questões referentes à repressão existente
naquele ano no Brasil. Foi o caso de confrontos entre estudantes e policiais ocorridos no
país, que foi debatido na reunião do dia 9 de abril. Na ocasião, foi aprovada por maioria
simples (nove votos contra sete) a seguinte manifestação:
O Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande
do Sul, reunindo em sessão ordinária decidiu, manifestas as suas
apreensões em face dos últimos acontecimentos entre estudantes e
forças policiais, pelas suas implicações na ordem jurídica, entendendo
que os problemas da mocidade brasileira não podem ser resolvidos
pela violência, cumprindo assegurar a todos o livre exercício das
garantias constitucionais, como exemplo a ser dado aos moços na luta
pelo aprimoramento da pratica da Democracia.610
Vê-se nesta nota uma postura de questionamento aos métodos utilizados na
resposta às mobilizações dos jovens que se opunham à ditadura. Pouco menos da
metade dos conselheiros presentes se opôs a esta demonstração de crítica.
Algo semelhante ocorreu quando foi trazida ao Conselho uma proposta de
manifestação contrária a uma Portaria da Secretaria da Segurança do Rio Grande do Sul
que obrigava a identificação de passageiros de taxi. Apesar do conselheiro Telmo
Rovira Martins ter intentado fazer com que a OAB/RS se posicionasse contra esta
“Ata da sessão do dia 14 de agosto de 1968”, fl. 1. OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 19661968. Porto Alegre, 1969.
608
“ 9/4/1968”, p. 1; “10/5/1968”, p. 4; “4/6/1968”, pp. 2-3. OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
609
“10/5/1968”, p. 4. OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
610
“9/4/1968”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
607
157
medida que iria “contra a liberdade de locomoção”, o Conselho absteve-se de
pronunciar-se.611
Este Conselho, por outro lado, não se privou de manifestar oposição às tentativas
do governo federal de subordinar a Ordem ao Ministério do Trabalho, o que, para eles,
iria contra as prerrogativas da classe.612 Esta medida, que vinculava diretamente a
entidade dos advogados a administração, não teria sucesso posteriormente.613
Houve, no final deste ano, a eleição do Conselho Estadual para o biênio
1969/1971.614 Nela, Júlio Teixeira e Eloar Guazzelli foram eleitos membros para o
Conselho Estadual; Teixeira foi o quinto mais votado, com 1489 votos, demonstrando
que era reconhecido pelos seus colegas, e Guazzelli ficou na décima sétima posição.615
II.8. O cotidiano da defesa de presos políticos
Uma vez que a partir de 1969 houve um aumento no número de processos de
crimes políticos tramitando na Justiça Militar, acho importante neste ponto do capítulo
fazer uma reflexão a respeito do cotidiano da defesa de presos políticos. Esta área de
atuação surgiu de forma diversa para cada um destes advogados. Como já apontado,
devido ao seu posicionamento político e ao fato de já ser um advogado mais
estabelecido, Guazzelli iniciou esta atividade logo no início da ditadura. Conforme
Omar Ferri, “Naquela época eles [as pessoas perseguidas pela repressão] procuravam
evidentemente advogados de maior representatividade, de maior presença na vida
jurídica do Estado”, o que poderia ser o caso de Eloar, e não de Werner ou Omar.616
Porém, ao longo deste período inicial os dois últimos advogados irão assumir
este tipo de defesas. Omar Ferri afirmou que iniciou esta atuação a partir de pessoas
perseguidas que vinham do interior, em casos variados, o que se deu a partir de seus
contatos anteriores, uma vez que sua atuação na advocacia, até então não se dava na
capital. 617
“11/6/1968”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
“19/3/1968”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
613
“12/11/1968”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto Alegre, 1969.
614
“Ata de apuração final das eleições do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Rio
Grande do Bul: biênio 1969/1971”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 10 - 1966-1968. Porto
Alegre, 1969.
615
Idem, ibidem.
616
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 23 de maio de
2013, p. 18.
617
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no dia 28 de
fevereiro de 2013
611
612
158
Werner Becker credita sua entrada neste tipo de atividade à indicação feita pelo
colega e amigo Carlos Araújo.618 Este, que tinha um escritório no mesmo edifício que
Becker, perguntou-lhe se poderia defender um companheiro preso relativo a um caso da
Petrobrás. De acordo com Becker, em entrevista,
Então ninguém queria pegar este troço, todo mundo tinha medo.
Como advogado fui o primeiro. E eu pensei o seguinte: “Eu estou na
merda mesmo, o que vou fazer. O pior que vão fazer é me prenderem,
e se prenderem me dão comida, então...” [...] Para tu ver. E eu absolvi
o cara.619
Percebe-se na passagem que o advogado mostra sua entrada na defesa de presos
políticos devido a questões contingenciais, como ele não ter muito espaço para atuação
profissional.
Em geral, as pessoas que acionavam os advogados eram os familiares dos presos
políticos, que buscavam nos escritórios informações sobre seus filhos.620 A advogada
Heloiza Villeroy, em entrevista concedida para esta pesquisa, afirmou que estas pessoas,
devido à aflição e ao terror que passavam, chegavam ao escritório “como chegava num
dentista para tratar de um dente... sem anestesia”.621 Assim, procurava-se, no escritório,
trazer algum tipo de conforto a eles nesta situação tão dramática.622 Foi apontado pela
secretária Denise Broda que, no escritório de Eloar, o dia mais movimentado pelas
famílias eram segundas e sextas-feiras, devido às visitas aos presos nos finais de
semana.623
As idas ao DOPS ou a outros locais da repressão eram planejadas e avisadas.
Werner Becker afirmou que deixava “de sobreaviso” seus colegas de escritório quando
ele ia a estes espaços, para o caso de não voltar.624 No escritório de Eloar havia um
procedimento similar: em geral, o advogado e as advogadas iam sozinhos a estes locais,
para ter, assim, alguém fora que pudesse denunciar eventuais prisões.625
618
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no dia 25 de
setembro de 2012, p. 8.
619
Idem, p. 9.
620
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 90. Dissertação de Mestrado em História.
621
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013.
622
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 89. Dissertação de Mestrado em História.
623
Idem, p. 90.
624
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no dia 24 de
maio de 2013.
625
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013.
159
Chama a atenção que algumas advogadas, como Heloiza e Eni, fossem ao
DOPS, devido à possível violência contra mulher. Eni, por exemplo, afirmou que Eloar
havia feito esta observação antes de ela iniciar seu trabalho na equipe. 626 Ela relatou, em
audiência para a CEV/RS, “que eu achava que por ser mulher, por eu seu corajosa, por
eu ser maliciosa, que eu podia ajudar na defesa dos presos políticos”.
627
Villeroy
afirmou que, por estarem atuando nesta área, elas provavelmente eram vistas como
“cangaceiras”, isto é, mulheres que não aceitariam as violências, e, desta forma, não
chegaram a sofrer ameaças.628
Nestes locais, uma forma de constrangimento aos advogados era, segundo as
colegas de escritório de Guazzelli, o “chá-de-banco”, isto é, a espera demorada e
intencional realizada pelos agentes da repressão.629 Nestes momentos buscava-se, ainda,
passar com presos torturados próximos aos advogados, para assim coagir os
defensores.630 Heloiza mencionou que também dava para notar nos telefones do
escritório, ao erguer o fone, o som de gravadores – indicando que as ligações eram
vigiadas – ao que ela respondia “Bom dia!”.631 É interessante que ela rememora este
fato como algo divertido da época, atribuindo certa leveza à forma como eram tratados
acontecimentos como este.
Conforme apontei no capítulo anterior, ao trabalhar na Justiça Militar, os
advogados tinham que proceder com muita destreza e, em alguns momentos, astúcia.
Werner e Omar apontam neste sentido ao narrar o caso de um habeas corpus impetrado
diretamente ao comandante do III Exército.
Omar afirmou que, quando defendia o político trabalhista Romeu Barleze,
decidiu, para proceder a soltura dele, fazer “um habeas corpus com tudo, todo o
formalismo de habeas corpus, ao General Justino Alves Bastos comandante do terceiro
626
MILAN, Ana Eni Machado. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no
dia 23 de agosto de 2011; CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS:
“Advogados gaúchos na defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 87.
627
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 87.
628
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013.
629
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na
Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, p. 94. Dissertação de Mestrado em História.
630
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013.
631
Idem.
160
(sic) Exército”.632 Isto permitiu que, dias depois, fosse libertado o preso, que iria,
clandestinamente para o exílio.633
Becker afirma que se baseou no princípio do Ato Institucional que afirmava que
a “revolução” legitimava-se a si mesma; assim ele decidiu, quando defendia o exministro Almino Afonso, solicitar o habeas à fonte “revolucionária” do Estado, que
aceitou o pedido através de um ofício. Assim, de acordo com ele,
Levo esse ofício lá na DOPS que ele [o comandante] mandou soltar.
Agora tu imagina, eu não paguei custos nem nada: “Proceda-se a
soltura.” Ah, sempre tinha um atrito entre a repressão civil e os
militares, sempre tem, faz parte, tem entre a polícia e o exército.[...]
Eu levei lá e o delegado da DOPS olhou e diz: “Ah, ele não tem
competência.” Eu digo: “olha, eu não sei, eu estou de office boy”[...] E
eu sai da DOPS [...], não sei se lotação, ônibus ou bonde, fui para o
escritório, não tinha carro. E no escritório estava o [preso]Almino
Afonso. O cara pensou melhor.634
Isto mostra, além da astúcia do advogado, a tensão que existia dentro dos
diferentes setores da repressão, em especial entre civis e militares. Werner ressalta, mais
uma vez, o caráter “artesanal” da repressão, ao mesmo tempo que reforça sua esperteza
e habilidade para lidar com estas situações. Está presente uma característica muito
frequente na narrativa de Becker, que é a de apresentar um relato no qual ele obtêm
êxito através de sua astúcia.
Estes casos ainda denunciam o desconhecimento que havia, por parte dos
responsáveis pela repressão, dos ritos legais. Isto, de acordo com Heloiza Villeroy, era
muito comum e dificultava o trabalho dos advogados.635 Ela afirmava que, mesmo
assim, Guazzelli conseguia obter sucesso em diversos casos por ser muito habilidoso e
conhecer os juízes “de dentro para fora”.636
Nereu Lima, em sua entrevistam aponta que uma das argumentações utilizadas
por Eloar era relacionada à desqualificação por vícios de origem, isto é, procedimentos
equivocados realizados na instauração do processo que “contaminavam todos os demais
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 76.
633
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 9 de junho de
2017.
634
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no dia 25 de
setembro de 2012, p. 8.
635
VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 11 de
junho de 2013. Ela afirmou que, questões básicas do processo jurídico, como o fato de a defesa encerrar
as argumentações ou os réus não deverem estar algemados nos julgamentos.
636
Idem.
632
161
atos processuais que dele dependiam”.637 Werner exemplificou esta linha de
argumentação ao narrar que conseguiu a absolvição de Carlos Araújo, Marco Aurélio
Garcia e Flávio Koutzii em um caso devido ao fato de não existir, nos autos, nenhuma
prova, já que ela havia sido juntada, equivocadamente, em outro processo.638
Para Nereu, todo o aparato legal criado para instituir a repressão judicial buscava
“dar uma roupagem, um formalismo que costumava dizer assim, com uma frente de
catedral e fundos de bordel”, isto é, tentar dar uma legitimidade ao mesmo tempo que
enquadrava a oposição.639 Werner aponta para sentido semelhante ao afirmar que os
advogados estavam na corte castrense para mostrar que, uma vez que existiam
processos “legais”, “havia democracia”.640
Ainda segundo este advogado, com intuito de provar que os processos eram
“legais”, dava-se muita repercussão a eles na mídia.641 Ao mesmo tempo, a divulgação
na mídia dos casos e das absolvições dava “proteção social” aos advogados, além de
promover os defensores. Becker ironicamente afirma que deve sua carreira de advogado
à ditadura.642 De outro lado, Nereu aponta que, mesmo com esta característica paradoxal
dos advogados de presos políticos, este era um espaço de luta contra a ditadura.643
II.9. Werner Becker e os brigadianos subversivos
Em agosto de 1969 ia ocorrer, segundo a Fôlha da Tarde, “o maior processo
instaurado no Estado, depois do movimento de 1964”, no qual eram julgados trinta e
sete oficiais da Brigada Militar, defendidos por sete advogados, entre eles, Werner
Becker, que representava o tenente-coronel Emílio João Pedro Neme.644 O processo era
“composto de cinco volumes, com quase 1.500 páginas”, tendo como réus “dez
637
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 16.
638
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no dia 25 de
setembro de 2012, p. 12
639
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 6.
640
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre no dia 25 de
setembro de 2012, p. 9.
641
Idem, ibidem.
642
Idem, ibidem.
643
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 6
644
Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 14 de agôsto de 1969, primeiro caderno, p. 30.
162
coronéis, entre os quais um ex-comandante da Milícia Gaúcha, o cel. Venância Batista;
cinco tenentes-coronéis; cinco majores; onze capitães e seis primeiros tenentes”.645
Este caso teve certa repercussão devido ao número de envolvidos e à natureza do
“crime” acusado. Em relação à cobertura dada pela imprensa, diferentemente de outros
casos analisados aqui, a Fôlha da Tarde acabou dando um espaço maior ao processo do
que a Zero Hora: enquanto que este periódico fez uma abordagem resumida, a Fôlha
descreveu diversos detalhes do caso.646
Os brigadianos eram réus pois, segundo a denúncia, “antes da revolução de 64,
pregavam abertamente a subversão da ordem política e social vigente, a mudança
radical do regime e outras teses marxistas”, além de propor a necessidade da criação de
“grupos de onze”, “inclusive nas unidades da Brigada Militar”.647 De fato, estes oficiais
estavam sendo julgados pois, durante o golpe haviam se colocado à disposição do gal.
Ladário Pereira Teles, comandante do III Exército, fiel à João Goulart, indo contra as
orientações do comandante da Brigada Militar, Otávio Frota.
Devido ao tamanho do processo e ao número de réus arrolados, o julgamento
teve dois dias de duração, havendo suspensão dos trabalhos para as refeições. A
acusação utilizou os argumentos vindos da denúncia, pedindo condenação para cinco
réus, absolvição para doze e, para os vinte restantes, “justiça, sustentando estar em
dúvida se o fato a êles imputado era crime ou não, face às circunstâncias do
momento”.648
A defesa, composta por vários advogados, organizou uma linha argumentação na
qual eles atuavam em cooperação. Assim, foi apontado que, no momento do golpe,
cabia aos réus “atenderem à convocação do Exército”, limitando-se a dar “apoio moral”
às autoridades então instituídas, não sendo seu dever “aderir ao movimento
revolucionário, porque ser revolucionário é um direito e não um dever”.649 Neste
sentido, a reportagem afirmou que Werner Becker afirmou que “os fatos imputados não
estão provados e, provados que fôssem, não são criminosos”: de acordo com ele o STM
já havia decidido neste sentido ao afirmar que “os atos praticados em 31 de março e 1.o
de abril de 64, em defesa do governo do ex-presidente João Goulart, então legalmente
645
Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 15 de agôsto de 1969, primeiro caderno, p. 14;
Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 14 de agôsto de 1969, primeiro caderno, p. 30; Fôlha da Tarde, Porto
Alegre, 15 de agôsto de 1969, primeiro caderno, p. 14; “Subversão: 37 oficiais julgados”. In: Zero Hora,
Porto Alegre, 15 de agosto de 1969, primeiro caderno, p. 21.
647
Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 14 de agôsto de 1969, primeiro caderno, p. 30.
648
Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 15 de agôsto de 1969, primeiro caderno, p. 14
649
Idem, ibidem.
646
163
constituído, não são criminosos”.650 Foi acrescentado, pelo advogado Hilário Peruffo
Neto, que, após “vitoriosa a revolução, todos êles se renderam à nova ordem jurídica
por ela instalada no Brasil, num total e completo respeito”.651
Pode-se ver que aqui ocorreu a coordenação de esforços dos defensores de
presos políticos, mencionada no capítulo anterior. Os argumentos utilizados apontaram
que, na época em que o crime ocorreu, os atos não eram considerados desta forma. Ao
mesmo tempo, o caso provavelmente auxiliou a carreira no Direito de Werner Becker,
uma vez que divulgou seu nome em um jornal de grande circulação. 652 Nos anos
seguintes, como veremos na sequência, ele foi representado como defensor dos
“terroristas” e “subversivos” que frequentavam as manchetes policiais dos jornais riograndenses.
II.10. Políticos no meio dos advogados III: comunistas no IARGS e na OAB/RS nos
“anos de chumbo” (1969 a 1971)
No ano de 1969 percebe-se no Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul
algo semelhante ao visto no ano anterior: a entidade acabou mais voltada a questões
referentes à construção da Casa do Advogado e à organização do II Congresso Estadual
dos Advogados, realizado junho daquele ano, do que a discussões políticas mais gerais.
A menção ao contexto nacional nas atas deste ano deu-se na referência à ascensão do
Gal. Emílio Garastazu Médici à presidência da república.653 Foram feitas congratulações
e homenagens a ele por pronunciamentos e por medidas tomadas, as quais, segundo o
Instituto, resguardariam os direitos individuais, “banindo-se de uma vez por todas, o
emprego de torturas em acusados de crimes comuns ou políticos”.654 Ironicamente, o
governo Médici ficou marcado como “os anos de chumbo” devido ao aumento da
repressão e das torturas.
No período, foi constante a atuação dos comunistas Eloar Guazzelli e Júlio
Teixeira, que em diversos momentos, atuaram como oradores em solenidades
650
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
652
Ironicamente, seu nome, na matéria do dia do julgamento foi escrito de maneira equivocada o que foi
corrigido no dia seguinte.
653
“Ata da sessão do dia 15 de outubro de 1.969; “Ata da sessão do dia 10 de dezembro de 1.969”. In:
IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre, 1973.
654
“Ata da sessão do dia 10 de dezembro de 1.969”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto
Alegre, 1973.
651
164
promovidas pela entidade.655 Ao final deste ano, foram realizadas eleições para o biênio
seguinte: nelas Justino Vasconcelos foi reconduzido ao cargo de presidente e Eloar
elegeu-se orador.656
No início de 1969, Eloar Guazzelli e Júlio Teixeira foram empossados
novamente como membros do Conselho Estadual da OAB/RS e eleitos para duas
comissões importantes: Guazzelli na de Ética e Disciplina e Teixeira na de Defesa e
Assistência.657 Isto mostra que os comunistas continuavam investindo nestes espaços de
atuação.
No caso do Conselho da Ordem sul-rio-grandense encontramos nas atas de 1969
o registro de posturas próximas às tomadas no ano anterior, as quais apontavam para
arbitrariedades da ditadura ao mesmo tempo em que prestava certas homenagens aos
seus próceres.
Nas atas vemos críticas a prisões de advogados, tanto no Rio Grande do Sul
quanto em outros estados, sendo mencionadas medidas tomadas pelo Conselho.658
Destaca-se a menção à prisão do jurista e advogado de presos políticos Heleno Fragoso:
neste caso foi decidido o envio de ofício aos ministros da Justiça e do Exército,
“comunicando a violação ocorrida”.659
Por outro lado, foram prestados tributos a pessoas vinculadas ao regime: foi feito
voto de congratulações a um ex-conselheiro que assumia a Chefia da Casa Civil da
Presidência e homenagem póstuma ao marechal Costa e Silva.660 Pelo que se pode
notar, a Ordem não foi tão efusiva em suas demonstrações quanto o Instituto, mantendo
uma postura mais fria em relação ao novo chefe da nação. Além disso, foram
“Ata da sessão do dia 11 de agôsto de 1.969”; “Ata da sessão do dia 13 de agôsto de 1.969”. In:
IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre, 1973.
656
“Ata da sessão do dia 10 de dezembro de 1.969”. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre,
1973.
657
“Ata da sessão extraordinária do dia 1º/II/69”. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 11 - 19681970. Porto Alegre, 1971.
658
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do
Sul – em 24 de junho de 1969”; “Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do
Brasil – Secção do Rio Grande do Sul – em 26 de agôsto de 1969”. In: OAB/RS. Livro de Atas do
Conselho - 11 - 1968-1970. Porto Alegre, 1971.
659
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do
Sul – em 24 de junho de 1969”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 11 - 1968-1970. Porto
Alegre, 1971.
660 ““Ata da sessão extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio
Grande do Sul – em 28 de outubro de 1969”, p. 1; ““Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul – Em 18 de dezembro de 1969”, p 2. In: OAB/RS.
Livro de Atas do Conselho - 11 - 1968-1970. Porto Alegre, 1971.
655
165
encontrados registros de iniciativas do Conselho Estadual da Ordem que buscavam
permitir aos advogados intervir nas mudanças que estavam ocorrendo no país.661
Em 1970 houve uma retomada, por parte do IARGS, de uma postura crítica à
ditadura. Esta reorientação estava relacionada com um posicionamento mais radical do
Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), que, neste ano, passou a ter na presidência
Miguel Seabra Fagundes. Em seu discurso de posse, “A legalidade democrática”,
Seabra Fagundes denunciava a violência promovida pelo regime naquele momento.662
Antes da posse do IAB, já era sugerido por Júlio Teixeira que o presidente do
IARGS, Justino Vasconcelos, comparecesse à solenidade e visse a possibilidade de ser
lançado um
um manifesto de repúdio à onda de violência que abala o Brasil e, de
modo geral, a América Latina. Nesse documento, [...] dever-se-ia
também apontar para a necessidade de ser acelerado o processo de
redemocratização do País, pois só o Estado de Direito, na sua
plenitude, poderá desarmar [...] os espíritos. A proposição foi
aprovada por unanimidade de votos, ficando o Sr. Presidente
autorizado a assinar’ o manifesto que se fizesse, em nome [do]
Instituto.663
Chama a atenção a diferença deste trecho em relação à postura passiva da
mesma entidade nos anos anteriores: enquanto que naqueles momentos a violência do
regime não estava registrado nas atas, em 1970 ela se fará presente em diversos
momentos.
Considerando que era, em linhas gerais, o mesmo grupo que estava presente
nestes anos na agremiação com o mesmo líder, Justino Vasconcelos, pode-se sugerir
que o que estava mudando era a opinião pública em relação às violências do regime.
Assim, em 1970, foram feitas diversas menções, nas atas do Instituto, aos métodos
violentos utilizados pela ditadura. Exemplos disso são os anexos às atas que continham
matérias da imprensa com discursos de Dom Vicente Scherer e Seabra Fagundes e
Assim em 26 de agosto foi sugerida a participação de advogados “nos trabalhos de reforma
constitucional” e, em 28 de outubro, a coleta das “aspirações e as reivindicações da classe” para serem
“encaminhadas ao novo Presidente da República, Gen. EMÍLIO GARRASTAZÚ MÉDICI”. “Ata da
sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul – em
26 de agôsto de 1969”, p. 1; “Ata da sessão extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do
Brasil – Secção do Rio Grande do Sul – em 28 de outubro de 1969”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do
Conselho - 11 - 1968-1970. Porto Alegre, 1971.
662
Verbete Seabra Fagundes”. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico
Brasileiro
pós
1930.
Rio
de
Janeiro:
FGV,
2010.
Disponível
em
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/miguel-seabra-fagundes
663
“ Ata nº 1/70 – de 8 de abril de 1970”, pp. 4-5. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre,
1973.
661
166
editorial do Jornal do Brasil que denunciavam violências e arbitrariedades cometidas
pelo Estado que haviam sido debatidos nas sessões.664
Houve, também, a denúncia, por parte de Eloar a respeito dos ataques feitos aos
advogados derivados da legislação criada pela ditadura, como a nova Constituição, Lei
de Segurança Nacional e o Código de Processo Penal Militar (que regulava os processos
políticos).665 Para ele, este aparato legal permitia que as autoridades fossem contra a lei
que regia a Ordem dos Advogados.666 Foi debatida em outra sessão a questão do
cumprimento de dispositivo constitucional no caso dos presos políticos.667 Apesar de
não ter mais explicações sobre os assuntos tratados, provavelmente estas duas menções
diziam respeito aos direitos dos presos e advogados atacados pelos dispositivos, como a
questão da comunicabilidade. Em outros momentos, o Instituto propunha a criação de
cursos voltados aos Direitos Humanos ao mesmo tempo em que reforçava a necessidade
deste tema ser mais abordado nos currículos de Direito.668
As menções críticas ao regime nas atas mostram que o IARGS, em 1970, fez um
questionamento maior da ditadura civil-militar e de seus atos. Ao perceber que se
abriam espaços, os comunistas Júlio Teixeira e Eloar Guazzelli aproveitavam-nos para
realizar suas denúncias. Por outro lado, vemos que isto ocorria paralelamente a elogios
aos governantes feitos pela entidade.
Nas atas do Conselho Estadual da OAB/RS em 1970 percebe-se, como nos anos
anteriores, que as denúncias de violações da ditadura conviviam com indícios de sua
proximidade com o poder.
Assim, na sessão de 31 de março daquele ano vemos diversos conselheiros
denunciando arbitrariedades cometidas contra advogados em todo o país.669 Os
comunistas Eloar Guazzelli e Antônio Pinheiro Machado Neto aproveitaram este espaço
para denunciar violações de prerrogativas da classe: enquanto que Guazzelli apontava
que o advogado Darcy Von Hoonholtz não estava em cela especial, Pinheiro Machado,
“Ata nº 3/70 – de 29 de abril de 1970”; “Ata Nº 8 / 70 – de 11 de junho de 1.970”; “Sessão de 2.9.70 –
Ata nº 12”. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre, 1973.
665
“Ata Nº 3/70 – de 29 de abril de 1970”, p. 4. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre, 1973.
666
Idem, ibidem.
667
“Ata Nº 16 / 70 – de novembro de 1.970”, p. 3. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre,
1973.
668
“Ata Nº 3/70 – de 29 de abril de 1970”, p. 3; “Ata da 1ª Conferência de Direito Internacional Público
– sessões ordinárias de 23 de julho de 1.970”, p. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre,
1973.
669
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do
Sul – Em 31 de março de 1970”, p. 1-2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 11 - 1968-1970. Porto
Alegre, 1971.
664
167
através de ofício, informava que seu domicílio havia sido invadido sem amparo legal.670
O presidente Alter Cintra de Oliveira afirmou que iria tratar destes temas logo quando
se reunisse com o ministro da Casa Civil.671
Posteriormente, devido a diversas prisões de advogados, solicitadores e
estagiários inscritos na Ordem em diferentes locais do estado, foi convocada uma sessão
extraordinária no dia 3 de novembro.672 Frente a isto, o presidente Alter Cintra de
Oliveira informou que, ao lado do líder do Instituto Justino Vasconcelos, havia marcado
uma reunião com o comandante do III Exército, Gal. Breno Borges Fortes, na qual
tratariam destes temas.673 A sessão, que também tratou de violências ocorridas contra
advogados de outros estados, não foi encerrada, sendo mantida desta forma até que a
situação dos detidos tivesse uma solução.674
Nas duas situações vemos a dualidade dos posicionamentos da Ordem sul-riograndense neste período: tinham uma relação estreita com o regime, embora o
criticassem. Percebe-se também que os defensores dos presos políticos levavam seus
processos para o Conselho Estadual procurando assim resguardar direitos mínimos a
seus clientes. Este é o caso de Guazzelli ao tratar de Von Hoonholtz, que era seu cliente.
A Ordem permitia vantagens aos advogados, que tiravam proveitos desta posição da
proximidade com o Executivo. A postura paradoxal da entidade, que mantinha boas
relações mas criticava a ditadura, possibilitava um espaço para aqueles que sofriam a
repressão – fossem defensores, como Guazzelli, ou perseguidos, como Pinheiro
Machado – para que eles denunciassem e obtivessem algum retorno.
Em 1970 houve, ainda, outras menções nos registros da Ordem que indicam
mudanças no contexto político do país. Uma delas é uma proposta, aprovada por
unanimidade, de incentivo a criação “dos Conselhos Estaduais na Defesa dos Direitos
da Pessoa Humana”, mostrando comprometimento da entidade com o tema.675 Foi
tratado também o apoio da seccional à candidatura de José Cavalcanti Neves para a
670
Idem, ibidem.
Idem, p. 3.
672
“Ata da sessão extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio
Grande do Sul – realizada em 03 de novembro de 1970”. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 11 1968-1970. Porto Alegre, 1971.
673
Idem, p. 2.
674
Idem, ibidem.
675
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do
Sul – realizada em 4 de agôsto de 1970”, p. 3. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 11 - 1968-1970.
Porto Alegre, 1971.
671
168
presidência do Conselho Federal.676 O apoio a Cavalcanti Neves levou à renúncia de dos
conselheiros federais João Campos Duha, Otto Gil de Andrade e Arthur Pôrto Pires,
segundo a ata, redigida em termos injuriosos.677 Como vimos, será na presidência de
Cavalcanti Neves que a Ordem terá uma reorientação de sua postura, colocando-se em
oposição à ditadura. O ato dos dois conselheiros mostra que este reposicionamento da
entidade não foi totalmente pacífico dentro da classe.
No caso do IARGS, não se percebe em 1971, último ano da presidência de
Justino Vasconcelos, a mesma crítica presente no ano anterior.678 Nas atas, mais
resumidas que nos anos anteriores, os debates presentes no ano anterior sumiram: pouco
foi discutido sobre a situação política nacional ou internacional e sobre questões
jurídicas. O Instituto, aparentemente, preocupou-se sobretudo com a organização do III
Congresso Estadual dos Advogados, que se realizou entre 23 e 26 de junho daquele ano,
com o tema “Deveres e prerrogativas do advogado”.
No início de 1971 tomavam posse os conselheiros estaduais da OAB.679
Novamente Júlio Teixeira e Eloar Guazzelli estavam entre eles e eram destacados para
comissões permanentes: o primeiro para Comissão de Ética e Disciplina e o segundo
para Comissão de Fiscalização.680
Não se constata, nas atas da OAB/RS deste ano, a presença de denúncias ou o
acompanhamento de prisões ou violações de pessoas registradas na Ordem, como
ocorreu no ano anterior. Uma exceção à essa regra foi o processo do comunista Antônio
Pinheiro Machado Neto referente à invasão de sua residência, que, provavelmente,
havia sido oficiada no ano anterior.681 Em relação a isto o Conselho Estadual decidiu
que o processo deveria ser “remetido ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados, a
fim de se dar conhecimento do fato ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
676
Idem, p. 2.
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do
Sul – realizada em 22 de setembro de 1970”, p. 2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 11 - 19681970. Porto Alegre, 1971.
678
IARGS. Livro de Atas 1967-1972. Porto Alegre, 1973.
679
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 3 de fevereiro de 1971”. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973.
Porto Alegre, 1974.
680
Idem, ibidem.
681
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 24 de setembro de 1971”, p. 3; “Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, realizada em 19 de outubro de 1971”, p. 4. In:
OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974
677
169
Humana”.682 Posteriormente, o Conselho Federal enviaria o caso para à Comissão
Internacional de Direitos Humanos.683
Estão presentes nos registros, sim, pedidos do Conselho Federal para
participação de reuniões do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, do
Conselho paraense da OAB clamando pela volta do habeas corpus e manifestações de
apoio do vereador Glênio Peres ao posicionamento da OAB em relação à extinção da
pena de morte.684 Há, ainda, uma comunicação da OAB baiana informando
não terem a menor procedência as notícias veiculadas pela imprensa,
sôbre a recusa dos advogados baianos no patrocínio da defesa de réu
recentemente condenado à pena de morte.685
Provavelmente a passagem refere-se ao processo de Theodomiro Romeiro dos
Santos, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, que havia sido
condenado à pena capital em março de 1971, tendo a pena reformada para prisão
perpétua no mesmo ano pelo STM.686
Estas menções são indício das movimentações que ocorriam naquele momento
em relação a uma oposição aos métodos utilizados pela ditadura, entre eles o aparato
legal. Pode-se ver que, neste ano, o conselho sul-rio-grandense da Ordem acabou
repercutindo posturas críticas ao regime mais do que tomando à frente de iniciativas
nessa direção. Pode-se ver, ao mesmo tempo, indícios da nova orientação que o
Conselho Federal estava tomando ao lutar contra a pena de morte e pelo fortalecimento
de organizações de defesa dos “direitos da pessoa humana”.
Neste ano, como em outros, percebe-se momentos de defesa dos direitos dos
advogados, de maior celeridade da justiça e em prol de mudanças no judiciário.687
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 24 de setembro de 1971”, p. 3. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 19711973. Porto Alegre, 1974.
683
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada aos 12 (doze) dias do mês de julho do ano de mil novecentos e setenta e dois (1972)”, p. 1.
In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
684
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 20 de julho de 1971”, p. 2; “Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, realizada em 30 de novembro de 1971”, p. 2. In:
OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
685
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 20 de abril de 1971”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973.
Porto Alegre, 1974.
686
O caso de Theodomiro é abordado em LEMOS, Renato. “Poder Judiciário e poder militar (1964-69)”.
In: CASTRO, Celso; IZEECKSOHN, Vitor & KRAAY, Hendrik (org). Nova História Militar Brasileira.
Rio de Janeiro: Editora FGV/Editora Bom Texto, 2004.
687
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 20 de julho de 1971”, p. 6; “Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, realizada em 19 de outubro de 1971”, pp. 3-4; “Ata da
682
170
Ressalto, aqui, a possibilidade, sugerida pela comunista Júlio Teixeira, de mulheres
ingressarem na Magistratura, sugerido por ele no momento em que foi tratada da
participação de um conselheiro em um concurso para juízes.688
Esta passagem mostra duas questões importantes a respeito do campo jurídico e
da atuação dos advogados nele. O fato de ser vedada às mulheres esta carreira jurídica,
assim como em outras, mostra o conservadorismo que ainda existia nos meios jurídicos.
Pela presença já percebida de algumas mulheres em espaços como o IARGS, poderia
dizer-se que, neste sentido, a advocacia era uma carreira mais aberta. Analisando a
presença de professoras de Direto nestes ambientes, é possível que a docência nesta área
também o fosse.689 Ao mesmo tempo, o fato de Teixeira posicionar-se favorável a
entrada de mulheres na magistratura mostra que os comunistas poderiam ser um
elemento que impulsionaria o campo no sentido de posturas mais progressistas.
II.11. Julgamentos do ano: atuação de Eloar Guazzelli no “caso do Julinho” e no
“crime da mala”
Como já mencionei, alguns casos do Tribunal do Júri ganharam grande destaque
e popularidade, trazendo salas lotadas nos julgamentos e dando muita visibilidade aos
advogados e promotores que atuavam neles. Exemplos disso foram dois casos em que
Eloar Guazzelli atuou nestes anos: os homicídios cometidos pelo ladrão de bancos Júlio
Xavier de Mello, o “Julinho”, e pelo comerciante Idalino Bassani, conhecido na época
como “o crime da mala”.
A dimensão foi tamanha que os jornais apresentaram reportagens extensas antes
mesmo dos respectivos julgamentos. Nos casos que analisarei agora, o jornal Zero Hora
explorou de forma mais pormenorizada os processos, dando contorno melodramáticos e
publicando matérias com os envolvidos dias após o veredito. Dos outros jornais
analisados, o Correio do Povo tratou dos casos de forma rápida e resumida enquanto
que a Fôlha da Tarde explorou mais os julgamentos. Uma vez que as sessões se
sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, realizada
em 30 de novembro de 1971”, pp. 1-2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto
Alegre, 1974.
688
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada em 30 de novembro de 1971”, pp. 1-2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
689
Este foi o caso das advogadas e professoras de nível superior Olga Bragança Maciel, Betty Borges
Fortes, Ecilda Gomes Haensel e Gilda Russomano. A última, aliás, teve uma carreira brilhante, sumindo a
docência desde meados da década de 1950, e foi a primeira mulher gaúcha a ocupar uma tribuna da ONU,
em 1968, e a única presidenta da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
171
estendiam até horas mais avançadas na madrugada, a Fôlha, por ser vespertino, era o
único que podia debruçar-se melhor nos acontecimentos ocorridos no Tribunal do Júri.
No final de 1968 os jornais porto-alegrenses mostravam a busca que a polícia
fazia ao assaltante Júlio Xavier de Mello, conhecido como Julinho, e seu bando.
690
Julinho, que respondia a trinta e dois processos, era mostrado como um jovem
criminoso que – tal qual Steve McQueen na película popular da época Crown, o
magnífico –, vinha conseguindo livrar-se de forma ardilosa de seus algozes em várias
ocasiões. Assim, ao lado de esforços da polícia, era divulgado que Julinho e sua
namorada eram vistos em sessões dos animados cinemas da Rua dos Andradas, no
centro da capital.691
Ao mesmo tempo, surgiam relatos de pessoas próximas a ele, que mostravam
outras dimensões do assaltante. A capa da Zero Hora de 12 de dezembro de 1968
retratou o drama da “mãe do bandoleiro”, que afirmava que preferia “meu filho morto a
continuar nesta situação”, além de falar que a irmã de Julinho havia tentado suicídio
“por sentir vergonha da situação”.692 Já na edição do dia seguinte, o assaltante e “melhor
amigo de Julinho” Teonísio da Cunha Mello, o Sarará Paulista, afirmava que não
haviam cometido todos os crimes a eles atribuídos, como o tiro que atingiu um
comissário de polícia, e que seu amigo “é evangélico e teme a Deus. Bom no volante,
rápido nas decisões. É por isso que sempre consegue escapar”.693
Na tarde de 12 de janeiro de 1969, após uma espetacular perseguição que iniciou
no bairro Partenon, passou pelo Cemitério Batista e terminou no bairro Menino Deus,
Julinho alvejou o cabo da Brigada Militar Domingos Luís Dalla Costa e foi preso.
694
Além disso, foi encontrada uma seringa “com entorpecentes” na mala que o criminoso
690
A repercussão que Julinho tinha é confirmada pelo promotor do caso anos depois. FREITAS, Ademar
Vargas de. “Promotor defenderá a sociedade. Idalino será absolvido? Talvez”. In: Zero Hora, Porto
Alegre, 15 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24
691
““Julinho” não está hospitalizado, continua roubando”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 7 de
dezembro de 1968, primeiro caderno, p. 20; “ “Gang” de Julinho ameaça matar homem que a apontou”.
In: Zero Hora, Porto Alegre, 19 de dezembro de 1968, primeiro caderno, p. 33; “Roubo e violência”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 31 de dezembro de 1968, Suplemento Especial, p. 11.
692
“O drama da mãe de Julinho”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de dezembro de 1968, primeiro
caderno, capa.
693
“Quem é Julinho, segundo Sarará, seu melhor amigo”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de dezembro
de 1968, primeiro caderno, p. 25.
694
““Julinho” escapa do cemitério para ser prêso no Menino Deus”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 13
de janeiro de 1969, primeiro caderno, p. 38.
172
trazia.695 Uma vez que encerrava uma busca que vinha sendo acompanhada de perto,
este acontecimento teve grande espaço na imprensa local, a qual apresentou uma
descrição detalhada das ações com diversas fotos das pessoas e locais envolvidos.
Da mesma forma, o julgamento teve grande cobertura da imprensa, sendo dado
espaço para as argumentações da acusação, feita pelo promotor José Cândido dos
Santos, e da defesa de Nereu Lima e Eloar Guazzelli. De acordo com os jornais, a
sessão teve audiência lotada, o que não teria mudado nas doze horas e dez minutos de
duração.696 Nereu confirmou esta informação na entrevista que me concedeu, contando
que havia, antes do julgamento, “filas e filas aqui na praça da matriz”, em frente ao
Tribunal do Júri, e que “a segurança era redobrada em razão de ser considerado um dos
maiores ladrões de automóveis do brasil”. 697
A acusação procurou desmontar a tese de legítima defesa e apontou que as
narrativas da infância e juventude de Julinho buscavam “comover os jurados com um
‘romance contado quase que em capítulos’”.698 Por outro lado, o promotor admitia a
“irresponsabilidade parcial do réu de personalidade psicopática” e pedia que os jurados
“não julgassem o réu pela sua fama de bandoleiro, mas, tão sòmente [sic] pelo
assassinato do cabo Dalla Costa”.699
A reportagem da Fôlha da Tarde, que se debruçou mais sobre o julgamento,
acabou dando mais espaço aos defensores. Ao mostrar a presença do jovem
“acadêmico” Nereu Lima, por exemplo, foi feita pelo periódico uma contraposição entre
ele e o réu, os dois pertencentes à mesma geração, vivendo, na mesma cidade, “em
mundos diferentes”.700 É interessante lembrar que se vivia, em 1969, um momento em
que a juventude apresentava uma certa “efervescência’, o que marcou a chamada
“geração de 68”: era um momento em que jovens do mundo todo, incluindo a capital
gaúcha, revoltavam-se contra padrões comportamentais, culturais, políticos e
econômicos pré-estabelecidos. Poderia-se ver nesta comparação que a Fôlha marcava
“Morte na caçada aos foragidos”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 13 de janeiro de 1969, primeiro
caderno, p. 37; ““Julinho” usa entorpecentes”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 13 de janeiro de 1969,
primeiro caderno, p. 39.
696
“Julinho condenado a oito anos de prisão”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 19 de agosto de 1969,
primeiro caderno, p. 29
697
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 14.
698
““Julinho” sorriu ao ser condenado”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 19 de agosto de 1969, primeiro
caderno, p. 36.
699
Idem, ibidem.
700
Idem, ibidem.
695
173
dois padrões para os jovens do período: de um lado, o ajustado Nereu, o estudante de
Direito, de outro o desajustado Júlio.
Esses padrões conflitantes foram reforçados pela argumentação do jovem
defensor que partia da ideia de que Julinho vivia, desde sua infância e juventude, “em
total desajustamento”.701 A Nereu coube, ainda, desqualificar o inquérito, base da
argumentação de José Cândido, “apontando-o como prova dirigida, pois apresentava
omissões flagrantes para melhor caracterizar a culpa de ‘Julinho’”.702
O advogado buscava, dessa forma, criar uma empatia entre o réu e os jurados,
mostrando-o como alguém a quem não haviam sido dadas outras oportunidades. Ao
criticar o inquérito, ele fazia, assim, uma crítica aos métodos utilizados pela polícia para
enquadrar Mello. Já havia neste contexto, como mostrei, denúncias relativas a tais
procedimentos, em especial em relação aos presos políticos. É provável, então, que ao
tratar do tema, Lima buscasse relacioná-las ao caso.
A descrição da exposição de Eloar feita pela Fôlha da Tarde foi detalhada e
elogiosa, afirmando que o próprio promotor definiu a defesa como sendo de “torrencial
veemência”. O jornal afirmava que o advogado
conhecendo os autos de memória, fêz com que todos o ouvissem em
silêncio, inclusive o representante do Ministério Público, que em
reconhecimento da força da palavra do defensor, foi à réplica.703
A argumentação de Guazzelli foi, ainda segundo a publicação, no sentido de
apresentar o réu
como bandido famoso, procurado vivo ou morto, que ao defrontar-se
com o cabo Dalla Costa, viu nêle todos aqueles que o queriam não
simplesmente prender, mas também tortura-lo, como aconteceu em
outras oportunidades.704
Nota-se, neste trecho, que a arguição do advogado buscava vincular a reação do
réu às violências que ele havia sofrido por parte de figuras de autoridade ao longo da
sua vida. Julinho era, assim, uma presa encurralada, que, em sua defesa, partia para o
ataque.
Novamente podemos traçar que havia um paralelo entre este caso e as denúncias
de violências cometidas pela repressão contra os presos políticos. Apesar da reportagem
da Fôlha da Tarde não tratar nestes termos, vemos aqui que Lima e Guazzelli partiam
de conceitos dos direitos humanos para realizar a defesa de Júlio Xavier de Mello.
701
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
703
Idem, ibidem.
704
Idem, ibidem.
702
174
Percebe-se, neste caso, uma estreita relação entre a militância de Eloar Guazzelli
na denúncia das violências cometidas pela ditadura civil-militar com “cunho político” e
sua atuação como defensor de “criminosos comuns”. Assim como havia feito no
relatório realizado no caso das mãos amarradas, o advogado questionava os métodos
utilizados pela polícia, em especial a utilização de torturas. Vemos assim que havia uma
preocupação de denunciar as violências da repressão por parte de Eloar, tanto em
“crimes políticos” quanto em “crimes comuns”. Estabelece-se aqui, desta forma, uma
relação entre as atividades política e jurídica do comunista. Além disso, pode-se ver, em
1969, um esboço do movimento de ampliação do conceito de direitos humanos, que, no
final da década de 1970 e na década de 1980 vai abarcar a luta contra a violência
policial.
De acordo com a Zero Hora, o veredito que condenou Julinho a oito anos de
pena deixou, para a maioria do público presente, “muitas dúvidas”.705 Se levarmos em
conta o fato que a decisão foi de quatro a três a favor da condenação, podemos
considerar que a argumentação dos defensores causou impacto no Júri. O réu ainda
permanecia com popularidade já que, grande parte da audiência do julgamento
“acompanhou ‘Julinho’ até a viatura que o levaria de volta à Penitenciária Estadual.706
Por esta razão que, no dia 20 de agosto de 1969, dois dias após o julgamento, foi
publicada na Zero Hora uma entrevista com Julinho, na qual ele mostrava sua versão.707
Na reportagem, ilustrada com fotografias do condenado bem vestido, de óculos escuros
e sorrindo, ele rebate vários pontos trazidos à tona pela imprensa. Um deles é o fato,
segundo Julinho, de não ter relações com entorpecentes: “Nunca fui viciado. Cuido do
meu corpo, pois o considero um automóvel. ‘Envenenado’ corre mais, mas em breve a
máquina está inutilizada”.708 Segundo ele, foi um comissário que havia colocado a
seringa em seus pertences. Ele também afirmava que em muitos dos processos nos quais
estava incriminado ele não tinha participado, e seu nome só estaria presente neles pois
seus pais não lhe ajudavam e ele não tinha dinheiro para advogado.709
“Julinho condenado a oito anos de prisão”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 19 de agosto de 1969,
primeiro caderno, p. 29.
706
Idem, ibidem.
707
“São as acusãções de um condenado”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de agosto de 1969, primeiro
caderno, p. 29.
708
Idem, ibidem.
709
Idem, ibidem.
705
175
Além disso, Julinho denunciava as torturas que sofreu ao longo de suas
prisões.710 No mesmo sentido foi o testemunho de Maria Klein, mãe de Julinho, em
matéria publicada no dia 21 do mesmo mês. Na entrevista ela detalhava as torturas que
seu filho tinha sofrido nas mãos da Brigada Militar. Maria afirmava que no quartel da
corporação,
o torturaram, quebrando-lhe duas costelas e deslocando sua coluna.
Isto, segundo dona Maria, consta no processo em poder dos
advogados de defesa. Depois de um oficial urinar em seu rosto,
“Julinho” foi obrigado a assinar um depoimento no qual êle declarava
que atirara no cabo Dallacosta antes do militar usar sua arma. A esta
altura, dona Maria começa a chorar e continua: – “Obrigaram-no
ainda a assinar uma declaração no qual êle havia caído no quartel da
Brigada Militar e se ferira, pois entrega-lo na Penitenciária Estadual
daquele jeito não era possível”. Finalmente dona Maria diz “que não
abandonou seu filho, quem o fêz foi seu marido, que, inclusive, disse
que ‘Julinho’ teria feito um pacto com o diabo”.711
Vemos, nas duas matérias realizadas após o veredito, que tanto o relato de
Julinho quanto o de sua mãe estavam marcados pela argumentação da defesa baseada
nas arbitrariedades cometidas pela polícia. Ao mesmo tempo, estas matérias são um
indício que existia, na sociedade da época, uma concepção de que não era correto este
tipo de comportamento por parte de policiais mesmo contra “bandoleiros” como
Julinho.
Nereu afirmou, em entrevista concedida a mim, que este caso foi
“paradigmático” dentro da carreira profissional de Eloar, constituindo um modelo que
seria seguido por outros profissionais.712 Este modelo de Eloar seria, para Nereu, a base
para uma “escola” entre os advogados criminalistas gaúchos, que partia de uma visão
sociológica e humanista e que buscava “lutar para dentro da lei, estabelecer a construção
de uma prova favorável ao réu, ao defendido. Mas dentro, digamos, utilizando, os
chamados meios lícitos, meios éticos”.713
Da mesma forma foi um momento de consagração de sua carreira:
Então ele iniciou [a defesa de Julinho], quer dizer ele já tinha um
nome consagrado. Só que o Eloar tem uma característica, ele tinha
uma característica que é importante que se ressalte. Ele não era
digamos, não era um homem bajulador, nunca foi (...), por ter essa
forma dele muito reservada. Havia outros profissionais que eram
710
Idem, ibidem.
“As graves acusações da mãe de “Julinho””. In: Zero Hora, Porto Alegre, 21 de agosto de 1969,
primeiro caderno, p. 31.
712
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 15.
713
Idem, pp. 5 e 16
711
176
chamados “profissionais de mídia”, não é, eram famosos de mídia.
Mas nem sempre digamos, o produto refletia o conteúdo real. Então
ali o Eloar teve oportunidade, ao natural, de ter a sua consagração
profissional, de ter o seu reconhecimento de seu nome como
criminalista. Foi uma trajetória ali ascendente.714
Por ter esta cobertura dada pela imprensa à sua defesa, houve neste julgamento,
então, um momento de consagração do nome de Guazzelli como um advogado
criminalista.
Como mostrarei a seguir, a repercussão dada ao advogado será aumentada no
caso de Idalino Bassani, no “crime da mala”. Neste caso, foram feitas reportagens com
o advogado, além de mostrá-lo, através de fotografias, em ação.
714
Idem, pp. 14-15.
177
Imagem 2: Zero Hora, Porto Alegre, 21 de agosto de 1969, primeiro caderno, p. 31.
Reportagem com Maria Klein, mãe de Julinho. No alto à direita, fotografia do assaltante no
hospital. Fonte: Acervo de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
178
Se, no caso de Julinho, o que chamou a atenção do público foi a notoriedade dele
como criminoso, no processo de comerciante Idalino Bassani, o destaque deu-se de uma
forma diversa. Este ficou conhecido na época como o “crime da mala”, pois o réu, em
determinado momento, carregou o corpo neste tipo de volume.
Em 2 de março de 1968, Idalino Bassani enforcou o comerciante português
Abílio Simões, de quem estava comprando um bar na avenida Farrapos, em Porto
Alegre, colocou o corpo em uma mala e jogou-o no Rio Jacuí da ponte do Saco da
Alemoa, sendo encontrado dois dias depois próximo à Ilha das Flores.715 Após ter sido
considerado como suspeito, Idalino buscou um padre e confessou tudo.
Inicialmente, o crime foi enquadrado como latrocínio (homicídio com objetivo
de roubo), mas a defesa, feita por Eloar Guazzelli, conseguiu a desqualificação para
homicídio simples, indo o julgamento para Tribunal do Júri.716 O julgamento ocorreu
em 16 de abril de 1971 e teve, novamente, o embate entre os vacarianos José Cândido
dos Santos, na promotoria, e Guazzelli, na defesa. Este julgamento foi muito divulgado
na época, sendo considerado pela imprensa como “o julgamento do ano” de 1971, da
mesma forma que o outro confronto dos conterrâneos, no caso Julinho.717
Novamente nota-se que a Zero Hora dá um espaço muito maior ao caso do que
outros jornais: nos dias anteriores e posteriores ao julgamento foi publicada uma série
de reportagens realizadas por Ademar Vargas de Freitas que contava inclusive com um
logotipo: um desenho estilizado de uma fotografia de Bassani carregando a mala sobre a
ponte na reconstituição e os dizeres negritados “crime da mala/ julgamento do ano”.718
Nestas reportagens foram apresentadas de forma folhetinesca as biografias dos dois
comerciantes, ambos caracterizados como católicos imigrantes (a vítima vinda de
Portugal e o algoz de uma colônia em Nova Bassano) que buscavam a capital gaúcha
para encaminhar suas vidas.719
A forte presença da religiosidade na vida dos envolvidos no crime é algo que se
fez presente em toda a cobertura que o jornal deu ao caso. O assassino é apresentado
“Júri Popular poderá decidir o destino de Bassani”. In: Fôlha da Tarde, Porto Alegre, 10 de março de
1971, primeiro caderno, p. 33.
716
““Está decidido, Idalino enfrentará o júri”. In: Fôlha da Tarde, 18 de março de 1971, Primeiro
Caderno, Polícia, p. 35.
717
FREITAS, Ademar Vargas de. “Promotor defenderá a sociedade. Idalino será absolvido? Talvez”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 15 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24
718
FREITAS, Ademar Vargas de. “Terceiro personagem poderá aparecer hoje entre as testemunhas”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24
719
“Quarta-feira de cinzas: Abílio atende o telefone. Êle morrerá”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de
abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 22; “Idalino levou 18 dias e confessou todo o crime”. In: Zero Hora,
Porto Alegre, 12 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 23.
715
179
como “supercatólico, solteiro” e virgem que gostaria de ter sido padre, o qual era
apontado pelo sacerdote da prisão como um exemplo a ser seguido.720 De acordo com
estas reportagens, a família da vítima seguia os moldes tradicionais e católicos
portugueses, sendo frequentes as menções a visões premonitórias da morte de Abílio. 721
Além disso, foram feitas entrevistas com o promotor e o advogado e relatados
detalhadamente todos os ritos e procedimentos do julgamento.722 Na matéria produzida
com o promotor é mencionado que nem acusação nem defesa revelariam detalhes de
suas estratégias: “como dois bons guerreiros, os dois estão guardando as armas mais
importantes para o dia da luta”.
723
Na matéria, José Cândido dos Santos abstinha-se de
manifestar-se sobre possíveis linhas que empregaria, ao mesmo tempo em que não
descartava o sucesso da argumentação da defesa.
Do outro lado, nota-se que Eloar já apontava vários pontos de sua defesa. 724 Ele
indicava que seguiria a linha de legitima defesa e que tinha laudo do Instituto
Psiquiátrico Forense de que seu cliente estava em surto no momento em que assassinou
Abílio. Guazzelli afirmava, baseado na confissão de Bassani, que havia um terceiro
homem na cena do crime e que esta pessoa, que estaria entre as testemunhas, levaria à
absolvição.725 O advogado ainda criticava a polícia, afirmando que se “Idalino Bassani
não tivesse confessado espontaneamente, o crime, provavelmente ficaria insolúvel.
Como o caso Kliemann.”726
“Quarta-feira de cinzas: Abílio atende o telefone. Êle morrerá”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de
abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 22; “Bassani vai a júri com fé”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de
abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24; “Em 22 minutos, Idalino contou todo seu crime”. In: Zero Hora,
Porto Alegre, 17 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 21.
721
“Quarta-feira de cinzas: Abílio atende o telefone. Êle morrerá”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de
abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 22; FREITAS, Ademar Vargas de. “Viúva não perdoa Bassani: “esse
homem arruinou a minha vida””. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de abril de 1971, Primeiro Caderno,
página central.
722
FREITAS, Ademar Vargas de. “Promotor defenderá a sociedade. Idalino será absolvido? Talvez”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 15 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24; FREITAS, Ademar Vargas de.
“Terceiro personagem poderá aparecer hoje entre as testemunhas”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de
abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24; “Bassani vai a júri com fé”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de
abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24; “Nesta sala, Bassani ouvirá a sentença”. In: Zero Hora, Porto
Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 25.
723
FREITAS, Ademar Vargas de. “Promotor defenderá a sociedade. Idalino será absolvido? Talvez”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 15 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24
724
FREITAS, Ademar Vargas de. “Terceiro personagem poderá aparecer hoje entre as testemunhas”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24
725
“Nesta sala, Bassani ouvirá a sentença”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro
Caderno, p. 25.
726
FREITAS, Ademar Vargas de. “Terceiro personagem poderá aparecer hoje entre as testemunhas”. In:
Zero Hora, Porto Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24.
720
180
Mais do que o representante do Ministério Público, Eloar utilizou-se da matéria
para promover sua defesa, criando na opinião pública dúvidas sobre o caso, o que
auxiliaria seu cliente. Ao mesmo tempo, reforçou a imagem de Idalino como um jovem
católico que não fugiu à responsabilidade e se entregou de forma voluntária. Ao
mencionar o assassinato não resolvido de Margit Kliemann, esposa do deputado
estadual Euclydes Kliemann, ocorrido em área nobre da capital em 1962, Guazzelli, de
forma indireta, ainda levantava suspeitas sobre a capacidade da polícia local.727
A questão do terceiro homem é um exemplo da utilização que Eloar fez da
imprensa, em especial do jornal Zero Hora. Em diversos momentos é ressaltado pela
publicação que tanto a defesa quanto a família de Abílio acreditavam na participação de
um terceiro homem na trama que resolveria alguns mistérios.728 A diferença é que o
advogado anunciava que este terceiro homem estaria presente entre as testemunhas, o
que o jornal, assim como em novelas, utilizava para prender a audiência lançando a
questão: “Quem é? Na sexta-feira [dia do julgamento] se saberá”.729
Nesta passagem, vemos que o tabloide e o advogado auxiliavam-se mutuamente,
criando, ao mesmo tempo, expectativa para o julgamento e dúvidas sobre o nível de
culpa de Idalino. O fato desse homem não ter se apresentado durante o julgamento
levou o repórter Ademar Vargas de Freitas a questionar, dias depois em manchetes
garrafais “Mas aonde estará êsse terceiro personagem?”.730 Na reportagem, ilustrada
com uma fotografia de Eloar de costas atuando no júri, há uma recapitulação do caso,
levantando os mistérios que restavam do mesmo.
727
Este acontecimento foi alvo de um livro-reportagem que renovou os debates sobre o caso. DE
GRANDI, Celito. Caso Kliemann - A história de uma tragédia. Porto Alegre: Literalis, 2010.
728
“Idalino levou 18 dias e confessou todo o crime”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1971,
Primeiro Caderno, p. 23; FREITAS, Ademar Vargas de. “Terceiro personagem poderá aparecer hoje entre
as testemunhas”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 24; “Nesta sala,
bassani ouvirá a sentença”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 16 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 25.
729
“Idalino levou 18 dias e confessou todo o crime”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 12 de abril de 1971,
Primeiro Caderno, p. 23.
730
FREITAS, Ademar Vargas de. “Mas aonde estará êsse terceiro personagem?”. In: Zero Hora, Porto
Alegre, 20 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 34.
181
Imagem 3: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 34.
Reportagem de Ademar Vargas de Freitas com uma uma fotografia de Guazzelli no julgamento de
Bassani. No alto à esquerda o logotipo criado pela Zero Hora para ilustrar o caso. Fonte: Acervo de
Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
182
Assim, em 16 de abril de 1971, a sala do Tribunal do Júri foi inundada por
interessados em assistir ao “julgamento do ano” que ocuparam as 484 cadeiras
vermelhas presentes, em uma sessão que chegou até “altas horas da madrugada”,
segundo o Correio do Povo.731 Enquanto que o conservador Correio do Povo noticiou
os resultados de forma sóbria e resumida, nas matérias da Fôlha da Tarde e da Zero
Hora há uma descrição minuciosa dos detalhes do evento, focando principalmente na
postura de Idalino Bassani e de Angelina Ventura Simões, a viúva, que trazia nos olhos
“um pedido de justiça”, como afirmou a Fôlha.732 As performances dos “guerreiros”
vacarianos também foram retratadas, apontando para as principais linhas argumentativas
empregadas. No caso da defesa, percebe-se que, frente ao que já havia sido publicado
nos dias anteriores, não houve novidades.733
De acordo com o jornal Zero Hora, após o veredito de quatro anos de internação
no Manicômio Judiciário, houve salva de palmas por parte da plateia.734 Isto mostra
que, mais do que um ato da justiça, o julgamento transformou-se em um evento, em
uma novela na qual as pessoas tomavam partido de um dos lados. A empatia era
possibilitada pelo fato de que nenhum dos envolvidos era “marginal”, isto é,
profissional do crime: a vítima e o assassino eram pessoas comuns, humildes, católicos
que buscavam uma vida melhor. Como já mencionei, dias depois do final do júri ainda
eram publicadas matérias, nas quais se fazia uma reflexão sobre o caso ou se mostrava o
drama da família enlutada.735
“Idalino Bassani Condenado a Quatro Anos de Internamento no Manicômio”. In: Correio do Povo,
Porto Alegre, 18 de abril de 1971, primeiro caderno – Noticiário/ Crônica Policial, p. 5; “No tribunal,
extensas filas para assistir a um grande júri”. In: Fôlha da Tarde, 17 de abril de 1971, Primeiro Caderno,
Polícia, p. 30; “Em 22 minutos, idalino contou todo seu crime”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 17 de abril
de 1971, Primeiro Caderno, p. 21.
732
“Idalino Bassani Condenado a Quatro Anos de Internamento no Manicômio”. In: Correio do Povo,
Porto Alegre, 18 de abril de 1971, primeiro caderno – Noticiário/ Crônica Policial, p. 5; “Em 22 minutos,
idalino contou todo seu crime”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 17 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p.
21; “No tribunal, extensas filas para assistir a um grande júri”. In: Fôlha da Tarde, 17 de abril de 1971,
Primeiro Caderno, Polícia, p. 30.
733
“Idalino Bassani Condenado a Quatro Anos de Internamento no Manicômio”. In: Correio do Povo,
Porto Alegre, 18 de abril de 1971, primeiro caderno – Noticiário/ Crônica Policial, p. 5; “Em 22 minutos,
idalino contou todo seu crime”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 17 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p.
21; “No tribunal, extensas filas para assistir a um grande júri”. In: Fôlha da Tarde, 17 de abril de 1971,
Primeiro Caderno, Polícia, p. 30.
734
“Viúva de Abílio só que “justiça de deus” agora”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 19 de abril de 1971,
Primeiro Caderno, p. 36.
735
FREITAS, Ademar Vargas de. “Mas aonde estará êsse terceiro personagem?”. In: Zero Hora, Porto
Alegre, 20 de abril de 1971, Primeiro Caderno, p. 34; FREITAS, Ademar Vargas de. “Viúva não perdoa
Bassani: “esse homem arruinou a minha vida””. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de abril de 1971,
Primeiro Caderno, página central.
731
183
Nesta trama, o advogado e o promotor constituíam dois narradores que
buscavam através de sua verve sensibilizar os jurados e o público, para um dos lados.
Esta dimensão do Tribunal do Júri foi criticada por Omar Ferri em entrevista concedida
ao Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul. Para ele, “O Júri é um processo
enganador. No Júri, o advogado quer ser vitorioso, custe o que custar. Essa é a lei, (sic)
e a justiça que vá às favas”.736
De qualquer forma, assim como no caso anterior, este foi um momento de
reconhecimento e consagração de Eloar. Comparando os dois casos apresentados,
percebe-se que houve crescimento na cobertura dada a eles, tendo o “crime da mala”
ganhado mais destaque do que o processo de Júlio Xavier de Mello. No caso do
julgamento de Idalino, exploraram-se mais as argumentações das partes, dedicando
matérias exclusivas para o promotor e para o advogado. Como mostrei, Guazzelli
aproveitou de forma sagaz este espaço.
Os casos analisados permitiram ao advogado a divulgação de seu nome enquanto
grande criminalista de Porto Alegre, consolidando-o no campo jurídico. Houve uma
evolução na própria postura de Eloar que, no “crime da mala”, mostrava-se mais como
um “profissional midiático”. Ao mesmo tempo, nas arguições dele estão presentes
críticas aos métodos utilizados pela polícia, o que é mais perceptível no caso de Julinho.
É possível ver paralelos nestas atuações e naquelas de defensor de presos
políticos e no seio das entidades de classe: em ambas as situações, se fez presente a
denúncia da violência estatal.737 Como mostrado aqui, Eloar havia denunciado as
violências da repressão política em situações como o caso das mãos amarradas de forma
semelhante a feita no caso de Julinho, o que também ocorria em sua participação no
IARGS e na OAB/RS. Guazzelli, desta forma, consolidava-se como um advogado
criminalista identificado com a luta contra as violências e o arbítrio.
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto
Alegre, Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 15.
737
Um exemplo de denúncia de torturas feitas por Eloar Guazzelli na Justiça Militar pode ser visto em
minha dissertação de mestrado. GUAZZELLI, Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do
advogado Eloar Guazzelli na Justiça Militar (1964-1979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, pp. 106-109.
Dissertação de Mestrado em História.
736
184
II.12. Políticos no meio dos advogados IV: comunistas no IARGS e na OAB/RS em
1972 e 1973
Em 26 de abril de 1972 tomava posse uma nova diretoria do IARGS, saindo da
presidência Justino Vasconcelos e entrando Érico Maciel Filho.738 A nova diretoria, que
era composta por diversos membros que tinham ingressado na entidade em 1971,
representou um grupo diferente daquele que havia estado à sua frente durante os anos
anteriores. Outro ponto a destacar é que os advogados comunistas, que antes eram bem
atuantes na entidade, neste biênio não militaram ali.
Durante estes dois anos, não está presente nas atas nenhuma discussão sobre
situação política do país: de acordo com elas, não houve questionamentos tampouco
apoios mais declarados à ditadura. Posicionamentos da entidade frente a questões do
contexto político e jurídico, que antes eram comuns, nesta gestão são vistos como
contrários aos estatutos do Instituto. Um exemplo é a proposição de solidariedade ao
Ministro do STF Aliomar Baleeiro, que no final de 1972, pronunciou-se contra as
restrições feitas ao judiciário pela ditadura: frente a isto o Presidente manifestou que
esta era “uma matéria anti-estatutária”.739 Isto também ocorreu com demandas que
políticos da ARENA faziam ao sodalício. Outra característica deste biênio foi uma
participação feminina mais expressiva.
Já nas atas do Conselho Estadual da OAB/RS percebe-se, nestes anos, um
posicionamento de crítica da entidade frente às violações cometidas pela ditadura civilmilitar, em especial àquelas relacionadas a advogados. Este foi o caso do advogado de
Carazinho, Felisbino Ribeiro Barlette, preso no DOPS devido a acusações que havia
feito contra o delegado local. Ele foi libertado devido à atuação dos conselheiros Pedro
Lairihoy e Eloar Guazzelli.740 Pelo que pode-se depreender deste e de outros casos
semelhantes, os conselheiros citados acabavam assumindo a defesa dos advogados
“Ata da sessão do dia 26 de abril de 1972”. In: IARGS. Livro de Atas 1972-1974. Porto Alegre, 1975.
“Ata da sessão ordinária do dia 14 de dezembro de 1972”, p, 2. In: IARGS. Livro de Atas 1972-1974.
Porto Alegre, 1975.
740
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 23 de maio de 1972” , p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 19711973. Porto Alegre, 1974. Aparentemente houve, neste caso, também a intervenção do MDB, partido ao
qual Barlette era filiado. “Advogado permaneceu 36 horas no xadrez”, In: Zero Hora, Porto Alegre, 14 de
março de 1972, primeiro caderno, p. 27.
738
739
185
detidos.741 Além disso, foram divulgadas iniciativas do Conselho Federal relacionadas à
temática dos direitos humanos.742
Em sete de fevereiro de 1973, foi empossado novo conselho estadual da Ordem
rio-grandense, no qual Justino Vasconcelos foi eleito presidente e Eloar Guazzelli, vicepresidente, ficando no cargo até dia 28 do mesmo mês, e Júlio Teixeira novamente
estava participando da Comissão de Ética e Disciplina.
743
Na solenidade, Alter Cintra
de Oliveira, que estava deixando a presidência, ressaltou, entre as medidas realizadas
em sua administração, o
problema de transição institucional que estamos vivendo e apontou a
necessidade de se restabelecer o “habeas corpus” em sua forma
tradicional, de assegurar-se a independência do Poder Judiciário e de
pacificar-se a família brasileira por um decreto de anistia ou, pelo
menos, permitindo-se a revisão das punições impostas na fase inicial
da revolução de 1964. DEFESA DA CLASSE. A Ordem nunca se
omitiu de dar assistência moral e profissional a advogados
injustamente presos ou processados, zelando para que seus direitos e
garantias fossem plenamente assegurados e respeitados.744
Nesta passagem, vemos várias questões e debates que estavam presentes nos
anos anteriores, como a luta pelo restabelecimento do habeas corpus em crimes contra a
Segurança Nacional e a defesa e apoio a advogados presos, além de mencionar atitudes
tomadas pela entidade. Além disso, o excerto indica que a mudança de posicionamento
do Conselho Federal da OAB estava influindo na postura do conselho da OAB/RS.
Há, nas atas referentes ao ano de 1973, uma continuidade nesta ativa atuação da
Ordem rio-grandense em relação às violências cometidas pela ditadura. Um exemplo é o
relato feito pelo advogado Rui Goethe da Costa Falcão, defendido por Eloar na Justiça
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 28 de junho de 1972”, pp. 1-2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 19711973. Porto Alegre, 1974. Há, ainda, o processo de Luiz Paulo de Pilla Vares que pedia que fosse isento
de multa por não ter participado da eleição da OAB do ano de 1970, uma vez que ele estava preso por
motivos políticos. A justificativa foi aceita “sem votos discrepantes”. “Ata da sessão ordinária do
Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, realizada no dia 23 de maio
de 1972”, pp. 5-6. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
742
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do
Sul, realizada aos 12 (doze) dias do mês de julho do ano de mil novecentos e setenta e dois (1972)”, pp.
1-2. n: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
743
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, na Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia sete (07) de fevereiro de 1973”; “Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil, na Seção do Rio Grande do Sul, realizada no dia 28 de fevereiro de 1973”. In:
OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
744
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, na Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia sete (07) de fevereiro de 1973”, pp. 3-4. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974. Sobre esta interpretação da Anistia ver: RODEGHERO, Carla
Simone. “Pela “pacificação da família brasileira”: uma breve comparação entre as anistias de 1945 e de
1979". In: Revista Brasileira de História, São Paulo, ANPUH, v. 34, nº 67, jan/jun 2014, pp. 67-88.
741
186
Militar, que agradecia pela “a assistência que lhe está sendo prestada pela ORDEM
DOS ADVOGADOS”.
745
Conforme já apontei, levar o caso ao conselho da OAB/RS
era uma estratégia para garantir a integridade dos presos políticos, como havia feito
Antônio Pinheiro em 11 de dezembro de 1964 quando assumiu a defesa do capitão
Alfredo Daudt.746
Nesta mesma sessão, é tratado ainda o caso “da morte de um jovem detido na
DOPS” – que provavelmente se tratava de Luiz Alberto Pinto Arébalo, agregado do
delegado Pedro Seelig, morto nestas dependências.747 O conselheiro Júlio Teixeira, que
havia sido destacado para realizar um parecer, indicava que o caso deveria ser remetido
ao presidente Cavalcanti Neves e “seu representante junto à Comissão dos Direitos
Humanos”.748
Existem em 1973, como nos anos anteriores, menções ao Conselho de Defesa
dos Direitos da Pessoa Humana.749 Júlio Teixeira propôs, neste sentido, que fossem
criadas comissões de direitos humanos nos conselhos estaduais da Ordem, o que, como
apontei, já havia sido proposto nos anos anteriores.750 Estas comissões só viriam a ser
criadas na década de 1980.
Na última sessão do Conselho da Ordem de 1973, o presidente Justino
Vasconcelos “congratulou-se com a eleição do Conselheiro ELOAR GUAZZELLI, para
a Presidência do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul”.751 A eleição contou
com duas chapas, a de situação, liderada pelo presidente Érico Maciel Filho, e a de
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, na Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 28 de fevereiro de 1973”, fl.2. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 19711973. Porto Alegre, 1974.
746
“Ata da Sessão Extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio
Grandedo Sul, realizada no dia 11 de dezembro de 1964”, p. 1. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho 9 - 1963-1965. Porto Alegre, 1966.
747
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, na Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 28 de fevereiro de 1973”, fl.3. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 19711973. Porto Alegre, 1974. Este caso teve repercussão na sociedade gaúcha, levando, neste mesmo ano, à
criação de uma CPI por parte da Assembleia Legislativa m 1973. Sobre isto ver:
http://acervomemorial.al.rs.gov.br/index.php/comissao-parlamentar-de-inquerito-fim-de-esclarecer-osfatos-relacionados-com-morte-do-menor-luiz-alberto-pinto-arebalo ; RODEGHERO, Carla Simone;
GUAZZELLI, Dante Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não Calo, Grito: memória visual da
ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, p. 94
748
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, na Seção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 28 de fevereiro de 1973”, fl.3. In: OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 19711973. Porto Alegre, 1974
749 “Ata da sessão ordinária do conselho – 14/73 – realizada no dia 9 de outubro de 1973”, fl. 2. In:
OAB/RS. Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
750
“Ata da 16ª sessão ordinária do Conselho, realizada em 27 de novembro de 1973”, fl.2. In: OAB/RS.
Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
751
“Ata da 17ª sessão ordinária do Conselho, realizada em 18 de dezembro de 1973”, fl.4. In: OAB/RS.
Livro de Atas do Conselho - 12 - 1971-1973. Porto Alegre, 1974.
745
187
oposição, liderada por Guazzelli. O pleito foi acirrado e envolveu mais associados do
que os anteriores: enquanto que em outros anos houve menos de cinquenta votantes, em
1973 cento e quarenta membros votaram. 752Além disso, a diferença entre as chapas não
foi muito grande: 74 votos para chapa de Guazzelli contra 66 para a de Maciel Filho.
A existência das duas chapas e de uma eleição concorrida mostram as lutas
internas existentes no campo jurídico e indicam que o IARGS constituía um espaço
onde elas ocorriam. É possível que a postura política mais forte do grupo formado por
Justino Vasconcelos fosse uma forma de diferenciação frente a outros grupos, como
aqueles que estiveram à frente do IARGS em 1972 e 1973. A aliança de Vasconcelos
com os advogados comunistas auxiliava o líder classista nesta distinção, colocando-o
em setores críticos da ditadura.753
Já os comunistas, como demonstrei, aproveitaram estas oportunidades para
politizar estes espaços. A presidência do IARGS era, assim, importante. Podemos
pensar que, para Eloar, esta eleição era o resultado das ações produzidas por ele, nos
diferentes meios jurídicos.
II.13. Os terroristas estão sendo julgados: as ações armadas no banco dos réus
Conforme Werner Becker apontou em entrevista, os casos na Auditoria Militar
davam aos advogados visibilidade, tanto entre setores das esquerdas quanto na
imprensa.754 De fato, mostrei esta repercussão da imprensa nos casos vinculados a
militares e brigadianos “subversivos” julgados por resistência feita contra o golpe. No
final da década de 1960, houve diversas dissidências dentro das esquerdas brasileiras
que, em sua maioria, propunham a revolução armada.
Porém, somente uma parcela deste grupo acabou levando adiante ações armadas,
as quais iniciaram em 1969 e foram duramente reprimidas. No Rio Grande do Sul,
vincula-se o surgimento desta prática à volta do militante Edmur Péricles Camargo, em
maio de 1969.755 Ele já havia vivido no estado na década de 1950, quando era militante
“Ata da sessão ordinária do dia 14 de dezembro de 1973”. In: IARGS. Livro de Atas 1972-1974. Porto
Alegre, 1975.
753
Isto fica claro na menção ao nome de Eloar no discurso de encerramento da gestão de Justino no
IARGS. “Ata da sessão do dia 26 de abril de 1972”. In: IARGS. Livro de Atas 1972-1974. Porto Alegre,
1975.
754
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 25 de
setembro de 2012, p. 9
755
RODEGHERO, Carla S.; GUAZZELLI, Dante G.; DIENSTMANN, Gabriel. Não calo, grito:
memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, p. 84.
752
188
do PCB, e no final dos anos 1960 buscou criar aqui um novo foco de luta, uma vez que
no centro do país as organizações estavam sendo fortemente reprimidas.756 Assim, no
segundo semestre de 1969 e no início de 1970 foram organizadas diversas ações, como
assaltos a banco e a tentativa de sequestro do cônsul estadunidense, Curtiss Carly
Cutter, em abril de 1970. 757
Após este fato, houve, com a vinda de agentes do centro do país, um incremento
da repressão, que inicialmente voltou-se contra os grupos armados, como VPR, VARPalmares, M3G e FLN. Posteriormente, o foco repressor voltou-se contra organizações
que não chegaram a realizar ações armadas, como a AP, a FBT, o PCdoB, o POC, e o
PCB.758
Na cobertura dada na imprensa a ênfase recaiu mais sobre os processos
relacionados às ações armadas do que àqueles de organizações que não realizaram estas
práticas.759 Isto ocorria provavelmente porque estes atos violentos eram vistos como
“terroristas” e, assim, acabariam por justificar, aos olhos de setores conservadores, a
repressão. Desta forma havia um interesse de divulgá-los.
Um exemplo de tal interesse é o processo que será abordado agora: nele temos
diversos réus que eram membros dos grupos VPR, VAR-Palmares e M3G e respondiam
por crimes como assalto a banco e tentativa de sequestro.760 O processo iniciou em
meados de 1970, sendo realizadas diversas audiências, nas quais foram tomados os
depoimentos dos réus e das pessoas envolvidas, o que foi registrado pela imprensa. 761
756
Idem, ibidem.
RUSCHEL, Davi Arenhart. Entre risos e prantos: as memórias acerca da luta armada contra a ditadura
no Rio Grande do Sul. Porto Alegre, UFRGS, 2011. Dissertação de mestrado em História.
758
RODEGHERO, Carla S.; GUAZZELLI, Dante G.; DIENSTMANN, Gabriel. Não calo, grito:
memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, p. 95.
759
Esta constatação foi feita a partir do seguinte procedimento: foram levantadas, a partir de informações
provenientes do Projeto Brasil: Nunca Mais e do Acervo Profissional de Eloar Guazzelli, as datas dos
julgamentos na Auditoria Militar e, posteriormente, foram consultados jornais que circulavam no estado.
O que percebe-se é que os julgamentos dos grupos “não-armados” (como AP, POC e FBT) quase não
obtiveram cobertura da imprensa, ao contrário dos grupos armados, abordados aqui.
760
Nos processos contavam ainda militantes de organizações que não haviam aderido à luta armada, mas
que haviam ajudado, de alguma forma, o antigo companheiro Edmur. “Ouvidos Ontem na Justiça Militar
Mais Oito Integrantes do “M3G””In: Correio do Povo, 24 de julho de 1970, primeiro caderno,, p. 20.
761
“TERRORISTAS DE EDMUR JÁ FALAM À JUSTIÇA MILITAR”. In: Zero Hora, 21 de julho de
1970, primeiro caderno, p. 33; “MAIS SEIS PRESOS DEPÕEM NA AUDITORIA MILITAR”, Zero
Hora, 22 de julho de 1970, primeiro caderno , p. 7; “Na Justiça, mais terroristas confessam tudo”. In:
Fôlha da Tarde, 22 de julho de 1970, primeiro caderno, Polícia, p. 38; “Ouvidos Ontem na Justiça Militar
Mais Oito Integrantes do “M3G””In: Correio do Povo, 24 de julho de 1970, primeiro caderno,, p. 20;
“EDMUR SERÁ QUALIFICADO SÒMENTE EM AGÔSTO”. In: Zero Hora, 24 de julho de 1970,
primeiro caderno , p. 5; “EDMUR VOLTA AO SUL”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 20 de outubro de
1970, primeiro caderno, p. 35.
757
189
Entre os diferentes denunciados, nas matérias sobressaiam-se dois: Edmur –
muitas vezes chamado por seu apelido no centro do país, Gauchão – e Ignez Maria
Serpa, também conhecida pelo codinome de Martinha. Tal ênfase já havia aparecido nas
reportagens do período em que as ações foram realizadas. Enquanto que o negro de
grande porte Edmur encarnava o comunista que vinha ao estado cometer crimes,
Martinha era a moça de classe média branca que havia se “perdido”.762 Por estas razões,
muitas vezes as fotografias dos dois estampavam as capas dos periódicos vinculados ao
termo “terrorista”.
Mesmo que através de eufemismos, nos registros da imprensa dos depoimentos
feitos em juízo foi mencionado que muitos réus afirmavam ter sofrido coação e maus
tratos por parte da polícia.763 Trata-se de um indício de que que os presos utilizavam do
espaço da Justiça Militar para denunciar as violências da repressão como já foi
constatado na pesquisa do Brasil: Nunca Mais. Nestas matérias já surgiam, também, os
nomes dos advogados que estavam à frente das defesas: vemos aqui um momento em
que, entre outros, Eloar, Werner e Omar atuaram conjuntamente no caso.764
Às nove horas de 14 maio de 1973, após três anos de depoimentos e
investigações, iniciava-se o julgamento de dezoito réus vinculados às principais ações
armadas realizadas por organizações de esquerda em Porto Alegre. 765 Analisando os
nomes dos réus percebe-se que alguns deles haviam sido tirados do processo, como
Edmur, pois haviam sido banidos do território nacional em troca de embaixadores e
cônsules sequestrados; outros eram julgados à revelia, pois estavam exilados fora do
país. Isto mostra os caminhos pelos quais as esquerdas acabaram optando frente à
repressão.
Na edição do dia seguinte de Zero Hora, foram dadas duas páginas inteiras ao
julgamento, apresentando muitas fotografias dos “terroristas”, além de descrever as
762
A partir da análise destas reportagens, nota-se que existia uma ideia de que Edmur era o grande
responsável pelas ações, o que fica claro na manchete da Zero Hora do dia 21 de julho de 1970:
“TERRORISTAS DE EDMUR JÁ FALAM À JUSTIÇA MILITAR”. In: Zero Hora, 21 de julho de
1970, primeiro caderno, p. 33
763
“Mais seis presos depõem na auditoria militar”, Zero Hora, 22 de julho de 1970, primeiro caderno , p.
7; “Na Justiça, mais terroristas confessam tudo”. In: Fôlha da Tarde, 22 de julho de 1970, primeiro
caderno, Polícia, p. 38; “Edmur será qualificado sòmente em agôsto”. In: Zero Hora, 24 de julho de 1970,
primeiro caderno , p. 5.
764
Há ainda a presença do advogados Serafim Machado, que havia atuado com Eloar no IARGS, e Caio
Lustosa, que posteriormente atuará junto ao movimento ambientalista e indígena.
765
“Terroristas estão sendo julgados”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 15 de maio de 1973, primeiro
caderno, p. 28 e 29; “Julgamento condena e absolve em Porto Alegre”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano LXXXIII, nº 38, 16 de maio de 1973, 1º Caderno, p. 17.
190
ações e objetivos dos grupos.766 Apesar disso, não há muita exposição das
argumentações da acusação e da defesa: menciona-se que o promotor pedia aos “juízes
que levassem em consideração o fato de que a maioria dos réus já está reintegrada na
sociedade”; sobre a defesa afirmavam que os advogados “pediram absolvição”.767
Esta menção telegráfica à arguição da defesa deixa mais claro o objetivo da
divulgação dos casos: mais do que registrar o que havia ocorrido na 1ª Auditoria ao
longo daquela segunda-feira, 14 de maio, buscava-se mostrar o que ocorria com quem
se opusesse à ditadura. Por outro lado, na sentença foram absolvidos sete réus e
condenados onze, dos quais sete já haviam cumprido as penas.768 É provável que isto
tenha ocorrido devido ao fato de que os “terroristas mais perigosos” do grupo já
estivessem banidos do Brasil. Além disso, deve-se lembrar que estas pessoas já haviam
sido presas, sendo a sentença somente uma “formalidade”.
Mesmo que de forma rápida, a menção aos advogados Eloar Guazzelli, Omar
Ferri e Werner Becker neste processo contribuía para fixá-los dentro das esquerdas
como pessoas identificadas com a resistência contra a ditadura, como defensores de
presos políticos. Ao mesmo tempo, reforçava seu “nome” enquanto advogados atuantes
dentro do campo jurídico porto-alegrense.
Como procurei mostrar ao longo deste capítulo, em diversos momentos estes
advogados fizeram movimentos que atendiam às suas inserções nestes dois campos, o
jurídico e o político. Nos anos iniciais da ditadura civil-militar, cada um deles procurou
adequar-se profissional e politicamente neste novo contexto. Por já estar atuando na
advocacia e pertencer a um grupo que já vinha militando politicamente “no meio de
advogados”, Eloar acabou adaptando-se melhor nestes primeiros anos.
Já para Werner e Omar, este foi um período de dificuldades e da busca de uma
inserção em uma nova realidade. Frente a isto, a defesa de presos políticos constituiu
um novo espaço profissional que possibilitava um engajamento político. Outra forma de
buscar uma maior visibilidade nos meios jurídicos foi a atuação em casos de grande
repercussão na imprensa. O fato de os três terem, de uma forma ou de outra, participado
do movimento de denúncia à ditadura ocorrido durante o caso das mãos amarradas
“Terroristas estão sendo julgados”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 15 de maio de 1973, primeiro
caderno, p. 28 e 29
767
Idem, ibidem.
768
“Julgamento condena e absolve em Porto Alegre”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIII,
nº 38, 16 de maio de 1973, 1º Caderno, p. 17.
766
191
mostra, por um lado, a dimensão que o evento teve, e, de outro, o comprometimento dos
advogados abordados com a resistência.
Notam-se também neste período as diferenças na representação dos perseguidos
políticos por parte da imprensa, inicialmente focando em personalidades vinculadas ao
governo deposto e posteriormente tratando-os de “terroristas”. Veremos, nos próximos
capítulos, que isto irá se modificar no período posterior. Dentro deste contexto de
meados da década de 1970 e início da década de 1980 os advogados estudados passarão
por momentos de reconhecimento e consagração bem como de questionamento, por
parte dos campos político e jurídico.
192
Capítulo III – Consagramento e lutas em tempos de mudança: a atuação dos
advogados entre os anos 1974 e 1977
Entre os anos 1974 e 1977 percebem-se modificações no contexto da ditadura
que irão possibilitar que, nos anos seguintes, os advogados Eloar Guazzelli, Omar Ferri
e Werner Becker tenham seus nomes projetados de forma mais pública. Nestes anos
percebe-se que seus “nomes” estavam consolidados enquanto profissionais que
“lutavam contra a ditadura” e foram vinculados a uma causa emergente nas esquerdas
brasileiras: os direitos humanos.
No período, Guazzelli e os advogados comunistas do CEJUR manterão seus
fortes laços com as entidades classistas, o que fica claro em dois momentos: a
presidência de Eloar no IARGS (1974-1975) e a prisão de militantes do PCB (em março
de 1975). Mostrarei a interação dos cejuristas com advogados de diferentes matizes
políticos e propostas de ação. Serão anos em que os debates políticos estarão presentes
de forma decisiva dentro das organizações. Ao mesmo tempo, surgirão novos militantes
de esquerda que passarão a conviver com os pecebistas dentro dos círculos dos
advogados.
III.1. Advogados no meio da política (I):
o IARGS e o conselho seccional da
OAB/RS em 1974 e 1975
O período iniciado em 1974 marca uma diferença no posicionamento das
entidades classistas em relação à ditadura civil-militar. Se antes já haviam críticas e
denúncias às violências e arbitrariedades do regime, elas eram feitas de forma mais
interna e não eram fortemente publicizadas. A partir deste ano esta postura irá
modificar-se, estando estes advogados no meio da política, isto é, os membros das
organizações foram a público expressar suas contrariedades em relação à ditadura.
Conforme afirmei na seção anterior, em 1974 Eloar Guazzelli foi eleito
presidente do IARGS na eleição mais votada e disputada (entre as analisadas neste
trabalho). A disputa foi marcada por uma chapa de situação, encabeçada pelo advogado
e professor Érico Maciel Filho, e uma de oposição, presidida por Eloar.
A escolha de seu nome para presidência derivava da construção de seu
“prestígio” como advogado criminalista, além de sua atuação nas entidades classistas.
Nos anos anteriores, através de diferentes eventos, Guazzelli foi consolidando seu
193
“nome”. Conforme apontou o advogado comunista Honório Peres em entrevista
concedida a esta pesquisa, Eloar era um nome que ampliava o apoio para além das bases
dos comunistas, especialmente dentro dos meios jurídicos.769
Além disso, diferentemente de Júlio Teixeira e Antonio Pinheiro Machado Neto
– comunistas que também participavam das entidades dos advogados –, Guazzelli não
tinha uma vinculação explícita com o PCB e não foi preso durante a ditadura, não
sendo, assim, um “notório comunista”.
770
Os advogados comunistas buscaram, desta
forma, um militante que não estivesse “queimado” e não fosse facilmente reconhecido
pela repressão, o que é semelhante ao apontado por Rodrigo Patto Sá Motta sobre a
participação do PCB no MDB.771
De acordo com Carlos Frederico Guazzelli, filho de Eloar, em texto elaborado
para esta pesquisa, a composição da chapa era “verdadeira obra de engenharia política”
que expressava “cuidadosa elaboração” por parte de Júlio Teixeira e Justino
Vasconcelos.772
Ainda de acordo com Carlos Guazzelli, buscava-se vencer Érico Maciel Filho
que, além de ser professor de Direito Internacional Público da UFRGS, tinha o apoio de
“expressivos nomes do mundo jurídico estadual, em geral, de extrato políticoideológico conservador”. Assim, a
escolha dos (...) integrantes da chapa seguiu criteriosamente o objetivo
de abarcar amplamente o espectro político-ideológico do universo dos
advogados do estado, exprimindo a variedade de sua origem e atuação
profissional.773
Poderia-se dizer que havia interesse de ganhar este espaço tanto por parte dos
advogados comunistas quanto por parte de Justino Vasconcelos. Conforme aponta
769
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre
770
Júlio Teixeira e Antônio Pinheiro Machado Netto haviam sido deputados eleitos pela sigla na
Constituinte Estadual de 1947.
771
Conforme o autor, o “PCB que aderiu ao MDB estava bastante enfraquecido” pelas divisões ocorridas
ao longo da década de 1960, “e, além disso, não podia entrar em peso no partido, pois os quadros
comunistas mais conhecidos e experientes estavam ‘queimados’ por serem facilmente identificados pelos
órgãos de repressão”. MOTTA, Rodrigo Patto Sá. “O MDB e as esquerdas”. In: FERREIRA, Jorge;
REIS, Daniel Aarão. As esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia (1964-...). Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 292
772
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Nota sobre a composição da Diretoria do IARGS - Gestão
1974/76 [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 1. Um
indício da atuação de Teixeira na elaboração da chapa é o ofício de Carlos Alberto do Amaral que consta
na ata da sessão do dia 24 de maio de 1974 no qual ele afirmava que o comunista havia feito-lhe o convite
para participar da chapa de oposição. “Ata da sessão ordinária do dia 24/05/74”, p. 2. In: IARGS. Livro de
Atas 1974-1976. Porto Alegre, 1976.
773
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Nota sobre a composição da Diretoria do IARGS - Gestão
1974/76 [texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 2
194
Carlos Guazzelli, ao lançar-se esta chapa havia a intenção de reaproximar o IARGS da
OAB/RS, presidida por Vasconcelos naquele momento.774 Pelo que se pode perceber
nas atas, houve um afastamento das entidades entre 1972 e 1973, o que indica que não
havia uma proximidade entre o presidente da seccional sul-rio-grandense da OAB com
Érico Maciel Filho.
Carlos Frederico reforça a forte presença de professores universitários na chapa,
vinculados aos grupos conservadores dos “juristas católicos”, como o 1º VicePresidente, Antonio de Almeida Martins Costa, professor de Direito Civil na UFRGS e
pertencente a uma família tradicional no campo jurídico.775 Também eram vindos da
academia Galeno Vellinho de Lacerda – responsável pelo Instituto de Processo Civil e
também considerado como católico por Carlos –, Paulo Pinto de Carvalho – professor
de Direito Penal e Procurador de Justiça escolhido para 2º secretário – e Antônio
Fabrício Leiria – escolhido para Diretor do Instituto de Direito Penal. 776 Ainda neste
espectro estava o 2º Vice-Presidente, Ruy Brasileiro de Azambuja, caracterizado por
Carlos como “homem católico, de perfil conservador e moderado”. 777
Conforme já apontado em outros biênios, percebe-se também a presença de
advogadas na diretoria do IARGS: Ilsa Joanna Brans (responsável por Promoções
Culturais) e as professoras Ecilda Gomes Haensel (Promoções Sociais) e Betty Borges
Fortes (diretora do Instituto de Direito Internacional Público). Mesmo estando
presentes, nota-se que às mulheres cabiam algumas tarefas que poderiam ser
consideradas como “femininas”, como Promoções Culturais e Sociais, o que demonstra
que, mesmo que elas estivessem presentes, ainda estavam em número menor e em
funções que poderiam ser vistas como “menos importantes”. Carlos Frederico ainda
774
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 1. Um exemplo dos
laços reatados pelas entidades é o convite para a posse de Eloar no IARGS, registrado em ata. “Ata da 1ª
sessão extraordinária do conselho seccional, reali-zada em 9 de abril de 1974”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
775
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Nota sobre a composição da Diretoria do IARGS - Gestão
1974/76 [texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 2; Fabiano
Engelmann analisa o caso da família Martins Costa: ENGELMANN, Fabiano. Sociologia do campo
jurídico: juristas e usos do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006, pp. 59-61.
776
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Nota sobre a composição da Diretoria do IARGS - Gestão
1974/76 [texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 2. Com o
intuito de aprofundar as diferentes áreas do Direito, o IARGS se dividia em diferentes “Institutos”, tendo
a frente um diretor. No biênio 1972-1973 o nome destas divisões foi alterado para “Diretorias”, voltando,
em 1974, a ter a antiga alcunha.
777
Idem, ibidem.
195
ressalta a presença de “jovens advogados de empresa, René Isoldi Ávila (Instituto de
Direito Tributário) e Sérgio da Fontoura Juchem (Instituto de Direito do Trabalho) ”.778
Na diretoria ainda constam dois nomes relacionados com o meio político que
seriam muito atuantes nos anos seguintes nas entidades classistas, em especial durante o
caso do sequestro dos uruguaios. Um deles é Otávio Caruso Brochado da Rocha que
havia sido professor e deputado federal pelo PTB e MDB. Temos também a presença de
Marcus Melzer,
notável liberal-conservador, que fora Deputado Estadual Constituinte
em 1946, eleito pela União Democrática Nacional [UDN](…),
indicado para Diretor do Instituto dos Direitos do Homem.779
Finalmente, ainda segundo Carlos Frederico Guazzelli havia a presença de
advogados comunistas: Clóvis Goulart Ponzi, Promotor de Justiça, escolhido para 1º
Secretário, e Paulino de Vargas Vares, diretor do Instituto de Direito Previdenciário. 780
Deve-se ressaltar que os nomes presentes na diretoria já vinham e continuariam
a atuar nas entidades classistas. A “engenharia política” da composição da chapa era,
assim, formada por advogados e advogadas que já estavam inseridos nestes meios.
O arranjo orquestrado permite ainda perceber os diferentes grupos de advogados
com os quais os comunistas se relacionavam. Algo que chama a atenção é a
proximidade entre os comunistas e o grupo hegemônico dentro do campo jurídico
gaúcho, os “juristas católicos”. Porém, esta parceria não era nova, datando de meados
da década de 1940. Assim, mesmo com ideais radicalmente diferentes, pode-se ver com
certa naturalidade esta aliança.
Isto, porém, não ocorria de forma pacífica. Conforme afirma Cesar Augusto
Barcellos Guazzelli, filho de Eloar, em texto elaborado a partir de questionário para esta
pesquisa, havia questionamentos sobre a chapa por parte de advogados conservadores
vinculados a Érico Maciel Filho que estariam “muito admirados do ‘casamento’ do
Antônio Martins Costa com um comunista”.
781
Em 1943, por exemplo, o pai de
Antônio, José Luiz de Almeida Martins Costa, junto de outros advogados católicos
778
Idem, p. 3.
Idem, ibidem.
780
Idem, ibidem. Consultado por telefone sobre a participação destes advogados no CEJUR, Honório
Peres não confirmou a participação de Paulino Vargas Vares. Infelizmente não possuo mais dados sobre o
posicionamento político de Vares, sabendo somente que, durante a década de 1940, ele foi vinculado à
Esquerda Democrática da UDN. Ele era pai de Luiz Pilla Vares, militante do POC que posteriormente
fundou o PT. BERTASSO, José Otávio. A Globo da Rua da Praia. São Paulo: Editora Globo, p. 51.
781
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 1. Érico Maciel Filho havia dado uma palestra sobre “Garantias e Direitos
Individuais”, durante a mobilização do IARGS no “caso das mãos amarradas”.
779
196
inspirados pelo professor da Faculdade de Direito Armando Câmara, haviam defendido
o padre Leonardo Fritzen no polêmico processo de queixa-crime iniciado pelo escritor
Érico Veríssimo, através dos advogados Júlio Teixeira, Paulino de Vargas Vares, Valdir
Borges e Temperani Pereira.782
Porém, devido à presença constante de comunistas no IARGS, poder-se-ia
afirmar que a oposição existente entre os juristas católicos e os comunistas não fosse,
em 1974, como era trinta anos antes. Este “espanto” estava relacionado, principalmente,
com a disputa eleitoral, uma vez que os eleitores do IARGS, por sua característica
elitista, deviam pender para um posicionamento mais conservador. Assim, ao acusar
Eloar de comunista, buscava-se desacreditá-lo. 783
A eleição foi extremamente disputada, Guazzelli vencendo com uma margem de
pouco mais de 5 por cento dos votos.784 Ao relatar sobre a posse de Eloar na presidência
em 18 de abril de 1974, Cesar Guazzelli aponta que o “clima não foi bom”, derivado da
postura de Érico Maciel Filho e de sua esposa, Olga Bragança Maciel, que, durante o
ato, se demitiram da entidade, o que também foi relatado por Heloiza Villeroy.785
Este fato está registrado na ata da sessão: logo após ter sido empossada a nova
diretoria e entregues os balancetes e prestação de contas, Érico Maciel Filho
fez também a entrega dos pedidos de demissão dele próprio e da Prof.
Olga Bragança Maciel, comunicando que se iria retirar i-
782
O padre, que era professor do Colégio Anchieta havia classificado o livro O Resto é Silêncio como
venenoso para a juventude, acusando-o de ter levado o filho de Getúlio Vargas ao suicídio. A polêmica
causou grande impacto na sociedade porto-alegrense proporcionando que, segundo José Otávio Bertasso,
“pela primeira vez em muitos anos, explicações didáticas de democracia e de direitos humanos” viessem
a público. O caso, como pode-se ver na composição dos advogados envolvidos, acabou dividindo os
meios jurídicos ficando de um lado, renomados juristas católicos, como Martins Costa, Ruy Cirne Lima e
Câmara, e de outro advogados vinculados a setores políticos mais “a esquerda”. BERTASSO, José
Otávio. A Globo da Rua da Praia. São Paulo: Editora Globo, pp. 47-52. Sobre o assunto ver:
TRINDADE, Fernando Casses. A polêmica entre Érico Veríssimo e o Pe. Leonardo Fritzen, S.J.. Revista
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UFRGS. Porto Alegre, IFCH/UFRGS, ano XI/XII,
1983/1984, p. 35-98; MONTEIRO, Lorena Madruga. “O resto não é silêncio: A polêmica de Érico
Veríssimo com Pe. Leonardo Pritzen. SJ e a bipolarização do “campo” intelectual na Porto Alegre dos
anos 1940”. In: Anais do I Seminário Nacional Sociologia & Política – Sociedade e Política em Tempos
de incerteza. Curitiba: UFPR, 2009.
783
Existem indícios de que se teria, durante a disputa, acusado Eloar de ser comunista a autoridades.
784
A chapa de Guazzelli fez aproximadamente 52,86 % (74 votos) enquanto que a de Maciel
aproximadamente 47,14 % (66 votos). Curiosamente Cesar registrou que o “pai ganhou meio fácil!”.
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 1
785
Idem, ibidem; VILLEROY, Heloiza. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto
Alegre em 11 de junho de 2013.
197
mediatamente do Plenário, o que efetivamente fez, acompanhado de
sua Exma. Esposa, a Prof. Olga Bragança Maciel.786
Pelo que se percebe na ata, esta atitude abrupta do casal não foi acompanhada
por outros membros da antiga diretoria.787
Carlos Guazzelli afirmou que, frente a esta quebra na cerimônia, seu pai teria
feito um discurso de improviso abordando sua vinculação e identidade enquanto
advogado.788 De acordo com a ata, Eloar, em seu discurso, teria afirmado que buscaria
continuar as realizações da instituição de forma “coerente com a sua posição de
advogado que é, único título que pretende ostentar,” objetivando “os ideais da classe,
que são, fundamentalmente, os da defesa intransigente do Direito e da Justiça”.789
Esta identificação de Eloar Guazzelli com a advocacia é um tema recorrente em
diversas narrativas sobre ele. Na entrevista concedida ao Jornal da OAB/RS, a
advocacia é apresentada como um sentido dado por Eloar à sua trajetória de vida.790
Para Ana Eni Machado Milan, por exemplo, Eloar Guazzelli era e tinha como objetivo
de vida ser um “advogado autônomo”.791 Em linha semelhante ao tratar do significado
da presidência do IARGS para seu pai, Carlos Frederico afirma que
Sabendo-se o elevado sentido por ele conferido à função do advogado
– ofício quase sacerdotal, na sua visão, impregnada de idealismo –
pode-se aquilatar o valor que atribuiu à sua condução à Presidência do
“Ata da 1ª sessão ordinária e solene do Instituto, em 1974, para relatório e posse da atual diretoria e da
eleita para o biênio 1974-1976, respectivamente, com prestação de contas e transferên-cia de tesouraria e
caixa, em 18 de abril de 1974”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre, 1976.
787
A tensão existente durante a eleição ainda se fez presente na ata da sessão do dia 24 de maio de 1974,
quando foi lido o ofício do secretário Carlos Alberto do Amaral. Durante a campanha, ele havia
encaminhado ao presidente Érico Maciel um ofício no qual a chapa oposicionista apresentava propostas:
este ofício havia sido inserido no relatório da gestão junto de comentários sobre o mesmo por parte do expresidente. “Ata da sessão ordinária do dia 24/05/74”, pp. 2-4. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976.
Porto Alegre, 1976.
788
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 1
789
“Ata da 1ª sessão ordinária e solene do Instituto, em 1974, para relatório e posse da atual diretoria e da
eleita para o biênio 1974-1976, respectivamente, com prestação de contas e transferên-cia de tesouraria e
caixa, em 18 de abril de 1974”, fl. 2. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre, 1976. É digno
de nota que, na relação de sócios do IARGS presente no livro Instituto dos Advogados do Rio Grande do
Sul: 60 anos de existência, de 1986, na biografia abaixo de seu nome consta somente que ele era
advogado criminalista e havia sido presidente da entidade, não sendo feitas menções ao seu mandato de
deputado federal ou ter sido conselheiro da OAB/RS, o que ocorre com outros sócios. Esta “falha” pode
ter sido derivada de um afastamento dele em relação à instituição, porém indica uma intencionalidade de
se apresentar com o único título de advogado. MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz (org). Instituto dos
Advogados do Rio Grande do Sul - 60 anos de existência. Porto Alegre: IARGS, 1986, p. 578.
790
“Eloar Guazzelli: A defesa como uma razão de vida”. In: Jornal da OAB/RS, Porto Alegre, Outubro de
1991, p. 14.
791
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 2.
786
198
órgão cultural da classe, ainda mais nos duros tempos da ditadura
militar.792
A presidência no IARGS ganha, assim, um significado de consagração e
prestígio da trajetória de Eloar no campo profissional, o que não foi privilégio deste
cejurista. Neste biênio há também a homenagem a Júlio Teixeira que recebeu a
comenda de “Advogado Emérito” no final de 1975.793 Ao mesmo tempo, percebe-se
que, nas narrativas dos filhos e de sua colega de escritório, a passagem de Guazzelli à
frente desta entidade acabou sendo lembrada mais pelo fato dele ter estado neste cargo
do que por posições e atitudes que ele tomou ali.794
Aparentemente, a presidência no IARGS teve mais significado como um título
de reconhecimento e consagração, o que é indicado por sua ausência em diversas
sessões.795 Guazzelli não presidiu nenhum dos trabalhos entre a sessão de dezesseis de
outubro de 1974 e a dez de dezembro de 1975, na qual houve a eleição para a nova
diretoria. Neste período o 2º Vice-presidente, Ruy Brasileiro de Azambuja, exerceu a
presidência, com exceção das reuniões dos dias vinte e três de julho e quinze de outubro
de 1975, que ficaram a cargo do 1º Vice-presidente Antônio de Almeida Martins Costa.
Além disso, percebe-se que Guazzelli, enquanto presidente do IARGS, foi mais ativo no
primeiro ano de seu mandato, o que é percebido também em outras documentações.
Além de ecos da disputa pela direção, nas primeiras sessões de 1974, são
frequentes as menções a cumprimentos à nova diretoria. Analisando as gestões
anteriores vê-se que as homenagens de autoridades do judiciário, legislativo, executivo,
além de comandantes militares que eram corriqueiras nos anos anteriores também estão
presentes aqui.796 Chamam a atenção duas menções feitas na sessão do dia cinco de
792
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 1
793
“Ata da sessão ordinária do dia 05.11.75”, fls. 2. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976. Esta homenagem tinha significado especial, uma vez que, como mostrarei, naquele ano Júlio
Teixeira havia sido preso.
794
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017; GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de
questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 1; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos.
Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984) [Texto elaborado a partir de questionário para
esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 1
795
IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre, 1976.
796
“Ata da sessão ordinária do dia 24/05/74”, fl. 1; “Ata da sessão ordinária do dia 05/06/74”, fls. 1-2. In:
IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre, 1976.
199
junho, os cumprimentos do presidente do conselho da OAB/DF, Sigmaringa Seixas, e
do juiz da 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição da Justiça Militar, Dorvalino Tonin.797
Os dois citados estão relacionados com os processos políticos: enquanto que
Tonin era o civil que julgava os casos da Auditoria fixada em Porto Alegre, Sigmaringa
Seixas era um advogado de presos políticos com forte atuação junto ao Superior
Tribunal Militar.
798
A presença deste advogado à frente daquele conselho seccional
mostra que a eleição de Guazzelli no IARGS não foi um caso isolado: era, sim, um
indício de que aquele era um momento em que os defensores de presos políticos
começavam a obter o reconhecimento por parte de seus colegas. Já no caso do juiz,
indica que houve uma relação de respeito por parte dele em relação aos advogados. Em
diversos momentos Becker e Ferri reforçaram uma distinção a Dorvalino Tonin, sobre o
qual afirmavam que estaria “cumprindo ordens”.799
Um ponto muito debatido neste ano de 1974 foi a questão da vinculação da
Ordem dos Advogados do Brasil ao Ministério do Trabalho, o que estava em debate
desde 1968. Através do Decreto nº 74.000 de 1º de maio de 1974, a Ordem, junto de
outras entidades classistas, passou a ser vinculada ao Ministério do Trabalho. 800
Na sessão do dia vinte e quatro de maio, Eloar propôs que o IARGS fizesse coro
ao posicionamento da OAB/RS contrário ao decreto presidencial. De acordo com a ata,
após
debates e manifestações generalizadas do plenário (...), ficou decidido
que o Sodalício se solidarize com o Conselho da OAB pela
manutenção dos atuais Direitos dos advogados, expressos na
Constituição e que se oficiasse nesse sentido ao Sr. Presidente do
Conselho Federal, da OAB, no Rio de Janeiro, bem como ao Sr.
Presidente do Conselho Seccional.801
A menção aos debates e manifestações pode indicar que a oposição à medida
não era um ponto pacífico entre os membros do IARGS, da mesma forma que o
posicionamento final não foi registrado como uma decisão unânime. Ainda que, como
“Ata da sessão ordinária do dia 05/06/74”, fls. 1-2. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976.
798
MARTINS, Paulo Emílio; MUNTEAL, Oswaldo; SÁ, Fernando (orgs). Os advogados e a ditadura de
1964: A defesa dos perseguidos políticos no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes; Rio de Janeiro: Editora
PUC-Rio, 2010, pp. 121-33
799
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 28 de fevereiro de 2013,
em Porto Alegre; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 24 de
maio de 2013, em Porto Alegre.
800
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5
– Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
136.
801
“Ata da sessão ordinária do dia 24/05/74”, fl. 5. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976.
797
200
apontam Marly Motta e André Vianna no volume 5 da História da Ordem dos
Advogados do Brasil, mesmo setores jurídicos vinculados à ditadura estavam
mobilizando-se para barrar esta medida. Estes indícios permitem refletir sobre os
posicionamentos dos integrantes da diretoria do Instituto.802 Poder-se-ia especular que
houvesse, dentro do amplo leque de posicionamentos presentes na diretoria do Instituto,
membros que fossem tão veementemente contrários à subordinação da Ordem ao
Executivo Federal, ou que temessem represálias vindas da ditadura.
O Decreto 74.000 também foi alvo de discussões no conselho seccional da OAB.
Na ata da sessão do dia trinta e um de maio de 1974, por exemplo, foi amplamente
discutido o tema, sendo proposto, pelo conselheiro vitalício Alter Cintra de Oliveira,
que, frente à medida, fosse feita “referência expressa ao fato de ser a ORDEM DOS
ADVOGADOS o único organismo, dos referidos no Decreto 74.000, com representação
obrigatória na Comissão dos Direitos Humanos”, o que foi aprovado por
unanimidade.803 Ao frisar esta característica da Ordem, o conselheiro buscava ressaltar
sua necessária independência, uma vez que era um fiscal dos direitos humanos.
Na mesma reunião, Júlio Teixeira sugeriu a convocação de uma conferência dos
presidentes de subseções da OAB/RS para discutir a matéria, o que foi realizado no dia
treze de junho.804 Foi registrado na ata da reunião um manifesto no qual os presidentes
das subseções do estado repudiavam o decreto e solidarizavam-se com o Conselho da
OAB/RS e seu presidente no combate ao instrumento legal. 805 No documento foi
reforçado que a entidade vinha exercendo
permanente vigilância sobre a preservação das instituições jurídicas e
sobre a defesa dos direitos da pessoa humana, sendo uma das mais
importantes de suas atribuições que lhe foram delegadas pela própria
802
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5
– Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
136. Um exemplo da mobilização entre advogados conservadores é o caso de Miguel Reale que, mesmo
tendo sido ideólogo do Integralismo e colaborado com a ditadura civil-militar, realizou um parecer
contrário ao Decreto anexado o memorial feito pela OAB. “Ata da sessão ordinária do Conselho,
realizada em 28 de agosto de 1974”, fls. 2. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975
1976. Porto Alegre, 1976; MOTTA; DANTAS. Op. cit, p. 138.
803
“Ata da sessão extraordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Rio Grande
do Sul, realizada em 31 de maio de 1974”, fls. 2. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974
1975 1976. Porto Alegre, 1976.
804
Idem, fls. 2; “Ata da reunião de Presidentes de Subsecções da Ordem dos Advogados do Brasil –
Secção do Rio Grande do Sul, realizada em 13 de junho de 1974”. In: OAB/RS. ATAS do Conselho –
[Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
805
“Ata da reunião de Presidentes de Subsecções da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio
Grande do Sul, realizada em 13 de junho de 1974”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 –
1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
201
civilização, ao longo dos Séculos, fazendo dos direitos fundamentais
do ho-mem patrimônio inalienável de toda a humanidade.806
Como em outras manifestações, os presidentes das subseções frisavam a
necessidade de liberdade e autonomia do advogado, o que valia também para a Ordem.
De acordo com o documento, a legislação não dava à OAB as mesmas disposições
legais de outras entidades, o que garantia a ela a independência “para que ela atinja seus
objetivos de órgão de colaboração com os Poderes Executivo, Legislador e Judiciário,
na defesa dos Direitos Fundamentais da pessoa humana e da Constituição”.807 Foi
mencionado, ainda, que o IV Congresso dos Advogados do Rio Grande do Sul, que iria
realizar-se entre vinte e três e vinte e cinco de outubro daquele ano, trataria, entre
outros, do tema da independência da advocacia e da Ordem.808
A declaração dos presidentes das subseções da OAB/RS tinha, assim, como
objetivo, mostrar a importância dos advogados e de sua entidade na defesa e garantia
dos direitos humanos, o que já havia sido frisado pelo conselheiro Alter Cintra. A
sessão teve, além disso, a função de mobilizar a classe através dos representantes das
diversas regiões do estado.
Sobre este assunto o IARGS, liderado por Guazzelli, teve participação ativa nos
meses seguintes. De acordo com os Anais da Assembleia Legislativa, em dezenove de
julho, a entidade, através de Eloar e Ruy Azambuja, convocou uma reunião com o
objetivo de confeccionar um protocolo destinado ao Conselho Federal da OAB e ao
público em geral pedindo a revogação do Decreto.809 A elaboração, que tinha a
participação ainda do presidente da OAB/RS Justino Vasconcelos, foi presidida pela
professora Rosah Russomano e contou com pareceres de diversos professores de
Direito, como Rui Cirne Lima e Paulo Alberto Pasqualini.810 No documento, incluído
integralmente nos Anais da Assembleia por iniciativa do deputado do MDB Carlos
Santos, era apontado o caráter sui generis da Ordem, garantido pela Constituição e
balizado no parecer do Consultor Geral da República Adroaldo Mesquita da Costa,
referente ao decreto semelhante encaminhado em 1967.811
Em tom próximo foram as manifestações de José Mariano de Freitas Beck e
Eloar Guazzelli em sessão solene realizada no dia cinco de agosto na Assembleia
806
Idem, ibidem.
Idem, fls. 4.
808
Idem, fls. 5.
809
ALRS. Anais agosto 1974. Porto Alegre, 1974, p.2.
810
Idem, ibidem.
811
Idem, p.3.
807
202
Legislativa por ocasião da Semana do Advogado.812 Conforme o deputado João Carlos
Gastal registrou na sessão do dia seis de agosto na ocasião, os dois advogados
precisaram com clareza, com proficiência a necessidade da
independência do advogado e da independência da corporação que os
representa. Essa foi a tônica dos pronunciamentos e ambos deram, nos
seus pronunciamentos, a significação da profissão de advogado e o
fizeram com rara felicidade, o que aliás é perfeitamente compreensível
dada a cultura, a inteligência e o brilho desses dois extraordinários
advogados do Rio Grande do Sul.813
Em sua manifestação, o deputado aprofundou-se no exame do discurso proferido
por Mariano Beck realizado por escrito. Provavelmente por ter sido feita de improviso,
não houve maiores menções, nos Anais da Assembleia, ao conteúdo da declaração de
Guazzelli. De acordo com a citação feita por Gastal, Beck afirmou que
Examinai a história de todos os povos e vereis que sempre que
ocorrem sombrias fases de oclusão das liberdades públicas, lá está o
bacharel, o advogado, o jurista, combatendo o cesarismo. Entre a
advocacia e a tirania há uma irredutível incompatibilidade Todos os
regimes que se instalaram ou se instalam sem o beneplácito do povo,
que é fonte de todo o poder legitimo, procuraram sempre através de
métodos subrepícios ou ostensivos, não importa – calar a voz do
advogado e de suas instituições de classe.814
Há, na fala de Mariano Beck, uma vinculação direta da atuação do advogado
com a luta contra o autoritarismo, o que estava relacionada à independência deste
profissional e de suas entidades classistas. Em linha semelhante foi o encerramento do
deputado Gastal, líder da bancada do MDB, que homenageava os advogados de todo o
mundo que lutavam “pela lei, pelo direito, pela liberdade e pela democracia”.815
Estes trechos registrados em ata mostram que Beck e Gastal apontavam de
forma sutil que a vinculação da OAB ao governo federal era uma forma de reprimir e
812
Idem, p. 21. De acordo com o verbete presente no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro da
Fundação Getúlio Vargas, José Mariano de Freitas Beck havia sido secretário em diversos governos do
PTB no Rio Grande do Sul durante as décadas de 1950 e 1960, foi deputado estadual eleito em 1954 e
suplente em 1958. Após a ditadura ele filiou-se no MDB e foi eleito em 1966, sendo cassado pelo AI-5. A
partir das análises dos livros de atas do IARGS e da OAB/RS, percebe-se que, em paralelo a sua carreira
política, ele atuava em meios jurídicos, integrando o IARGS e, no ínicio da década de 1970, o conselho
seccional da OAB/RS. Verbete Mariano Beck. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico
Biográfico Brasileiro
pós 1930. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo; “Ata da sessão extraordinária do Instituto dos Advogados do
Rio Grande do Sul, realizada no dia 18 de abril de 1966”. In: IARGS. Livro de Atas 07 – 1964-1967.
Porto Alegre, 1967; “Ata da sessão do dia 22 de maio de1968”,fls. 4 . In: IARGS. Livro de Atas – 19671972. Porto Alegre, 1972; “Ata da sessão ordinária do dia 16 de novembro de 1972”, fls. 3. In: IARGS.
Livro de Atas – 1972-1974. Porto Alegre, 1974.
813
ALRS. Anais agosto 1974. Porto Alegre, 1974, p. 22. Infelizmente não foi possível encontrar nenhum
registro “direto” da sessão solene somente menções a ela, nas Atas das sessões regulares da Assembleia
Legislativa e da imprensa.
814
Idem, p. 22.
815
Idem, ibidem.
203
restringir a ação dos advogados contra a ditadura. Como apontei, os defensores de
presos políticos e as entidades da classe vinham pronunciando-se publicamente contra a
ditadura. Além disso havia por parte das organizações uma visão de que a advocacia era
um ofício que garantia direitos e liberdades democráticas. Uma vez que os advogados
eram profissionais diferentes de outros, sua entidade classista tinha que ter um estatuto
diverso.
De acordo com o Jornal do Brasil de sete de agosto de 1974, foi no mesmo
sentido a manifestação de Guazzelli.816 A publicação mencionou somente o discurso do
presidente do IARGS, citando trechos nos quais ele reforçava o papel dos advogados e a
necessidade da independência da OAB. De acordo com a nota, Guazzelli teria dito que a
figura do advogado, moldada na luta histórica pela justiça, “se afirma como necessidade
da existência da própria justiça brasileira, para atendermos, cada vez mais, os reclamos,
nunca tão exigidos, da defesa da dignidade da pessoa humana” e, para preservá-la, era “
fundamental a existência da OAB como um órgão que defenda o advogado e contribua
para que os sistemas e as instituições se aperfeiçoem, preservando, sempre, a dignidade
da pessoa humana”.817 Ainda, conforme o periódico, Eloar teria afirmado o seguinte:
- Existe um tipo de mascarado de violação legal, que é a dos que se
colocam, através do poder, acima da lei, exercendo arbítrio e violência
intoleráveis e insuportáveis e, contra isso, o advogado deve lutar, com
a armadura de sua toga e a arma de sua palavra – disse o Sr. Eloar
Guazzelli – acrescentando que “embora o advogado se aproxime da
figura de Dom Quixote, deve lutar e não se acovardar diante das
armas que o cercam e das cadeias que não permitem entrevista seu
cliente.”818
Guazzelli teria finalizado afirmando que
“Não podemos nos atrelar a quem quer que seja, e tenho certeza que
triunfaremos nessa luta com a voz da razão, com os ensinamentos
juridicos e com o respeito que existe, e deve existir, pela cultura
jurídica do Brasil”(...).819
Vemos que nestas passagens o deputado e os advogados vinculam à profissão
conceitos como democracia, liberdade e dignidade humana. Beck e Guazzelli ressaltam
a dimensão de enfrentamento ao autoritarismo que os advogados assumiam. Eles são
unânimes na visão de que o atrelamento da entidade máxima dos advogados ao
Ministério do Trabalho era um cerceamento desta atividade.
“Presidente do IAB gaúcho abre Semana do Advogado e defende autonomia da OAB”. In: Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIV, nº 121, 7 de agosto de 1974, 1º Caderno, p. 20.
817
Idem, ibidem.
818
Idem, ibidem.
819
Idem, ibidem.
816
204
Através das passagens pode-se notar que Eloar, em diversos momentos, foi mais
incisivo em seu discurso, reforçando que naquele momento a advocacia era, mais do
que nunca, uma profissão necessária. De acordo com o Jornal do Brasil, ele também
apontou, em sua fala, para cerceamentos que ocorriam em relação a eles, como a
incomunicabilidade aos réus.
Em entrevista, Nereu Lima fez questão de me recomendar que pesquisasse um
discurso de improviso realizado por Eloar na Assembleia Legislativa quando estava na
presidência do IARGS.820 Mesmo não tendo obtido uma resposta com a confirmação
por parte do advogado, é possível indicar que esta seria a fala em questão.821 Para Lima,
a manifestação do advogado foi “um primor assim, em todos os sentidos: sentido
ideológico, sentido de oratória, algo assim, que marcou aquela fase”.822
Naquele momento, o jovem Nereu Lima era sócio do IARGS há dois meses.
823
Ele, que havia sido estagiário e iniciado sua carreira no escritório de Guazzelli, estava
iniciando uma atuação nas entidades classistas, chegando a ser presidente do conselho
seccional e conselheiro federal da OAB nas décadas de 1980 e 1990.
Além dos pronunciamentos sobre este assunto, a presidência de Guazzelli no
IARGS foi marcada por uma vinculação com a temática do Direito Penal e
Penitenciário, área na qual ele atuava. Um exemplo foi a criação, em vinte e quatro de
abril de 1974, do Instituto de Penalogia e Direito Penitenciário, dedicado a esta área.824
Na mesma área foi a promoção de um curso de extensão de Altos Estudos sobre
Legislação Penal, organizado por Antônio Leiria (diretor do Instituto de Direito Penal e
Processual Penal) em parceria com o professor Luiz Luisi, do curso de Direito da
Faculdade de Cruz Alta, provavelmente realizado durante o ano de 1974. 825 Carlos
Guazzelli destacou este curso como “principal realização” da gestão de Eloar: no curso
820
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 2.
821
Entrei em contato com Nereu Lima após a entrevista para obter a confirmação, mas acabei não tendo
resposta. Por outro lado, minhas pesquisas nas Atas do IARGS e na imprensa me levaram à conclusão de
que este seria o discurso.
822
Idem, ibidem.
823
“Ata da sessão ordinária do dia 05/06/74”, fls. 2-3. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976.
824
“Ata da sessão ordinária do dia 24/04/74”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976.
825
“Ata da sessão ordinária do dia 16/10/74”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976.
205
foram trazidos ao estado, “os principais penalistas do país, além do professor Giuseppe
Bettiol, mestre do humanismo penal italiano, de renome internacional”.826
A temática dos direitos humanos esteve presente nas entidades durante estes
anos de forma indireta e não relacionada à atuação de Eloar Guazzelli. 827 Na sessão do
dia vinte e três de julho de 1975, Ecilda Haensel solicitou que fosse registrada em ata
a sua estranheza por não ver constar na Comissão encarregada de
examinar o projeto de Código Civil, os nomes que havia propos-to em
sessão anterior. O Dr. Amadeu Weinmann aproveitou para manifestar
sua desconformidade como [sic] fato de, ainda em reunião de diretoria
ter sido aprovado a inclusão de Colegas mulheres na referida
Comissão, especialmente na parte de Direito de Família, decisão esta
não cumprida pelo Instituto. Justifica a necessidade da participação de
mulheres na elaboração legislativa e mais, sugere que a mulher a
integrar seja, preferencialmente, desquitada – para representar esta
parcela da mulher brasileira que busca solução a situações de fato
existentes.828
Este trecho mostra os limites que ainda existiam à presença das advogadas nos
meios jurídicos. Como já apontei, o IARGS contava com algumas sócias na diretoria,
porém em colocações que podem ser vistas como subalternas. Mesmo estando presentes
neste ambiente, não houve a preocupação da representatividade feminina em temas
relevantes às mulheres, como foi apontado por Weinmann. E, no momento em que uma
delas sugere nomes para composição da Comissão que trata de temas relacionado às
mulheres, suas propostas são deixadas de lado.
Percebe-se, nestes anos, que as organizações classistas mantêm uma relação com
a política partidária. Assim, de acordo com a ata, em vinte e cinco de julho de 1974, o
vice-presidente da OAB/RS, Pedro Lairihoy, dava conhecimento ao conselho de que iria
826
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 1.
827
Na primeira sessão do conselho da OAB/RS em 1974 foi mencionado um ofício do Conselho Federal
que convidava a presidência da seccional para a V Conferência Nacional de Advogados que se realizaria
entre 11 e 17 de agosto daquele ano com o tema “o advogado e os direitos do homem”. Outro exemplo é a
menção feita na sessão do IARGS do dia 10 de julho de 1974 ao convite feito ao ex-presidente Ivânio
Pacheco para participar da Comissão dos Direitos Humanos do Instituto dos Direitos do Homem. Na
semana seguinte, Ecilda Haensel anunciou na sessão do Instituto iniciativas da Secretaria de Educação e
Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul para a promoção dos direitos humanos: seriam
divulgados na Rede Estadual e em repartições públicas cópias da “Declaração Universal dos Direitos do
Homem, que o Instituto fará publicar”, ainda colocando à disposição da entidade “ a Revista do Ensino,
para que os membros do IARGS contribuíssem com artigos, e, que, possivelmente se faria inaugurar um
monólito, em uma das praças da Capital, contendo a Carta dos Direitos do Homem”. “Ata da 1ª sessão
ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul, realizada em
26 de março de 1974”, fl. 1. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto
Alegre, 1976; “Ata da sessão ordinária do dia 10/07/1974”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976.
Porto Alegre, 1976; “Ata da sessão ordinária do dia 17/07/74”, fls. 2. In: IARGS. Livro de Atas 19741976. Porto Alegre, 1976.
828
“Ata da sessão ordinária do dia 23/07/75”, fls. 2. In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre,
1976.
206
candidatar-se para Deputado Estadual pelo MDB.829 Mesmo não obtendo sucesso na
empreitada, esta candidatura de um membro destacado do sodalício pelo partido de
oposição pode indicar que a OAB começava a ser vista como um meio que ia contra a
ditadura.830 Na mesma época, apoiar o MDB passou a ser visto como estratégia de luta
contra a ditadura, o que não acontecia antes. Na ata da sessão do dia vinte e oito de
agosto de 1974 é mencionada a candidatura de Caio Mário da Silva Pereira para o
Conselho Federal da OAB, além de constar o afastamento de Sobral Pinto do Conselho
Federal.831
Durante estes anos ainda são percebidos indícios de consagração e
reconhecimento dos cejuristas. Um exemplo é a concessão da medalha Osvaldo
Vergara, que era concedida a autoridades e personalidades do meio jurídico, a Júlio
Teixeira por seu “desempenho de cargos no Conselho Seccional”.832 No final de 1974,
tanto Eloar Guazzelli quanto Júlio Teixeira foram eleitos com uma votação expressiva
para o Conselho Seccional.
833
Eloar faria parte da Comissão de Ética e Disciplina,
enquanto que seu conterrâneo e colega de faculdade, Raymundo Faoro, foi indicado
como representante gaúcho para o Conselho Federal.834
Uma questão presente neste biênio foi a mobilização da OAB/RS em relação a
arbitrariedades e violências cometidas contra advogados. Na primeira sessão de 1974,
no dia nove de abril, foi feito, por parte do conselheiro Marcus Melzer, um relatório da
sessão do Conselho realizada no dia dois, ficando Guazzelli responsável pela confecção
de “parecer sobre o assunto” e a Ordem por “contato com as autoridades
competentes”.835 Não foram feitas maiores descrições do conteúdo do assunto, porém,
de acordo com Marly Motta e André Vianna, na ata desta reunião do Conselho Federal
foi registrado que dois advogados da Guanabara haviam sido presos ilegalmente em
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 25 de julho de 1974”, fl. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
830
Pedro Dario Lima Lairihoy fez 3.893 votos, ficando com a 63ª votação do MDB de 72 candidatos.
TRE/RS. [Resultados eleições gerais 1974]. Porto Alegre, 1974. Disponível em www.trers.gov.br/upload/28/_Gerais_Resultados_RS1974.PDF
831
“Ata da sessão ordinária do Conselhol, realizada em 28 de agosto de 1974”, fl. 2. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
832
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 8 de outubro de 1974”, fl. 2. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
833
“Ata dos trabalhos realizados pela junta apuradora, para apuração geral da eleições para o Conselho
Seccional, realizados em 29 (vinte e nove) de novembro de (1974)”. In: OAB/RS. ATAS do Conselho –
[Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
834
“Ata da primeira sessão do Conselho, realizada em 03 de fevereiro de 1975”, fls. 2. OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
835
“Ata da 1ª sessão extraordinária do Conselho Seccional, reali-zada em 9 de abril de 1974”, fls. 1.
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
829
207
seus escritórios, sem mandato judicial ou identificação, além de ser mencionados
“apelos ‘aflitos’ de mães e pessoas que haviam sido presas e cujo paradeiro era
ignorado”.836
Estas prisões, de acordo com os historiadores, tinham como objetivo
“amedrontar os advogados que defendiam presos políticos (...) e ter acesso a
documentos protegidos pelo sigilo legal”.837 O fato de Eloar ter ficado responsável pelo
parecer leva a crer que o relatório de Melzer tratava deste debate. É provável que a falta
de registros posteriores sobre esse tema se deva ao fato de que no mês seguinte, a
Ordem sul-rio-grandense, junto do IARGS, iria engajar-se mais com outro ataque da
ditadura: a vinculação da entidade ao Executivo federal.
Já no dia sete de maio do mesmo ano era solicitado, pelo coronel Hans Ger
Haltenburg, presidente do Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria da 3ª Região
Militar, presença do presidente da OAB/RS
no ato de inquirição do Bacharel CLAUDIO ANTENOR SCHUCH,
indiciado no Inquérito Policial Militar, instaurado por detemrinação
[sic] do General – Comandante do III Exército, atendento ao requerido
pelos sedizentes ofendidos, em razão das suas funções , Major
ATTILA ROHSETZER, Tenentes LUIZ OTÁVIO LOPES CABRAL
e RUY ALBERTO IBAÑEZ, e, of. 76 E/5 RP do Comandante do III
Exército, agradecendo a presença desta Presidência no aludido ato de
inquirição.838
Schuch estava respondendo por ter acusado os três militares no processo
indenizatório em nome de Elizabeth Chalupp Soares, viúva de Manoel Raymundo
Soares, de terem matado o ex-sargento.839 A presença do presidente da OAB/RS dava-se
em razão do advogado estar respondendo por ato cometido durante o exercício da
profissão.
Na ata da sessão do dia vinte e oito de agosto de 1974 constam duas reclamações
por parte de conselheiros: enquanto que Aldo Leão Ferreira dissertava “sobre a tragédia
836
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5
– Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
136.
837
Idem, ibidem.
838
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do
Sul, realizada em 7 de maio de 1974”, fls. 3. OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975
1976. Porto Alegre, 1976
839
“Advogado quer reabrir o caso ‘mãos amarradas’”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, ano
LXXXVIII, nº 232, 26 de novembro de 1978, 1º Caderno, p. 26. Ao longo do processo Claúdio Antenor
Schuch e o Tenente Mário Ranciaro foram defendidos, em momentos diferentes, por Sobral Pinto (que
impetrou um habeas corpus em seus nomes em dezembro de 1974) e por Eloar Guazzelli e seu filho
Carlos Frederico Guazzelli (que assumiram o caso em 1978). Acervo Eloar Guazzelli, Pasta nº 350, caixa
40.
208
em que se transformou o Forum de Porto Alegre”, Pedro Lairihoy comentava “as
arbitrariedades policiais, exigindo que sejam tomadas providências pela OAB/RS”.840
Mesmo que as referências tenham ficado, no laconismo da ata, com um ar tanto
aleatório e estranho, vemos a busca dos conselheiros em manifestar-se contra a
realidade imposta a eles.
III.2. A prisão de comunistas em 1975 e a atuação da OAB e Eloar Guazzelli
Em março de 1975, em decorrência de investigações relacionadas com Rio de
Janeiro e São Paulo, foram feitas, em Porto Alegre, prisões de militantes do PCB. Elas
mostram que “o propalado projeto de abertura do governo não impediu prisões, atentados e
assassinatos políticos” e que este projeto “era, portanto, extremamente relativo, ambíguo e,
mais do que tudo, incerto”.841 Mateus Gamba Torres aponta que esta onda repressiva em
direção aos comunistas devia-se ao fato de que, em meados dos anos 1970, as organizações
de esquerda armada já haviam sido reprimidas, restando ainda “o pacífico Partido
Comunista a ser combatido”.842
Além disso, ainda de acordo com este autor, esee grupo foi considerado pela
ditadura como “um dos setores responsáveis pela derrota governamental nas eleições de
1974”.843 Rodrigo Patto Sá Motta afirma que “o PCB foi o único grupo organizado de
esquerda que se ligou ao MDB desde o início”: havia a avaliação da entidade da
necessidade de “construir uma frente democrática para tornar possível a derrota da ditadura,
envolvendo todos os setores da oposição. Assim, o MDB foi encarado como espaço
privilegiado para o estabelecimento da almejada frente democrática”, havendo a orientação
“Ata da sessão ordinária do conselho, realizada em 28 de agosto de 1974”, fls. 3. OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976
841
ARAUJO, Maria Paula Nascimento. “Lutas democráticas contra a ditadura”. In: REIS FILHO, Daniel
Aarão & FERREIRA, Jorge. As esquerdas no Brasil. Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007,
pp. 324-5.
842
TORRES, Mateus Gamba. “A Justiça nem ao Diabo se há de negar”: A repressão aos membros do
Partido Comunista Brasileiro na Operação Barriga Verde (1975-1978). Florianópolis: UDESC, 2009,p.
15. Dissertação de Mestrado em História.
843
Idem, p. 14 No caso do Rio Grande do Sul, os pecebistas haviam apoiaram as candidaturas de Dulphe
Pinheiro Machado, irmão de Antônio Pinheiro Machado Netto, para deputado federal e de Fernando do
Canto para deputado estadual, que elegeu-se com 24.962, sendo o 14º mais votado da legenda. Já
Pinheiro Machado, com 16.966 votos, não teve sucesso, ficando com a 25ª colocação do MDB. TRE/RS.
[Resultados eleições gerais 1974]. Porto Alegre, 1974. Disponível em www.trers.gov.br/upload/28/_Gerais_Resultados_RS1974.PDF
840
209
da “maior parte de seus militantes para a atividade legal dentro do MDB, partido a que
deveriam filiar-se e ajudar a construir”.844
Segundo Maria Alice Rezende de Carvalho, durante a década de 1960, o Partido
Comunista buscava dar “primazia à luta política pela restauração das liberdades
democráticas, articulando-se uma frente anti-regime mais ampla do que a coalização
nacionalista do período precedente”.845 Esta orientação originava-se de uma visão de que a
ditadura era “caracteristicamente fascista”, o que levava à defesa da “adoção de uma
estratégia antifascista” em diversos documentos da entidade.846
Dentro desta prática encaixava-se, também, o incentivo à atuação em espaços como
a OAB, o que é provável que a onda repressiva buscava atacar, já que um dos alvos no Rio
Grande do Sul foi o advogado Júlio Teixeira. As prisões de Porto Alegre foram
executadas por agentes do DOI-CODI (Departamento de Operações de InformaçãoCentro de Operações de Defesa Interna) do III Exército, localizado em um quartel na
rua Luiz Afonso entre a Avenida João Pessoa e a rua Lima e Silva, no bairro Cidade
Baixa.847
Durante o caso, o conselho estadual da OAB e seu presidente, Justino
Vasconcelos, tiveram forte atuação na divulgação das violações que os comunistas
estavam sofrendo. Assim, de acordo com a ata da sessão do dia 18 de março de 1975,
Vasconcelos fez um relatório sobre as prisões dos advogados Fernando Barcelos de
Almeida e José Gay da Cunha, passando, a seguir, a um depoimento prestado por
Benilda de Vargas Nunes, companheira de Hilário Gonçalves Pinha (que era conhecido
no momento pelo nome falso de Francisco Penha Rodrigues ou Niwton/Milton que, de
acordo com ela, seria seu “apelido”).848
O registro em ata do relato de Benilda, que estava grávida de quatro meses, é
extremamente detalhado. Ela narrou em 10 páginas o que lhe ocorreu no momento da
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. “O MDB e as esquerdas”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As
esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia (1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007, p. 291.
845
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. “Breve história do ‘comunismo democrático’ no Brasil”. In:
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia
(1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 274.
846
Idem, ibidem.
847
MITCHELL, José. Segredos à direita e à esquerda na ditadura militar. Porto Alegre: RBS
publicações, 2007, p. 159; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar
Guazzelli (1974/1984) [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017,
p. 2.
848
“Ata da sessão do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul,
realizada em 18 de março de 1975”, fls. 1 e 4. OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975
1976. Porto Alegre, 1976
844
210
prisão de seu companheiro. Inicialmente, ela conta que alguns homens armados
chegaram a sua casa querendo falar com “Niwton”; que invadiram e renderam seu
cônjuge, que estava no banheiro.849 Estes homens, segundo Nunes, revistaram a casa e
“empurraram o Niwton para cima da cama; depois eu vi um tipo de uma cinta que
davam uma lambada nele”, mostrando que ainda em sua casa Hilário havia sido
violentado.850 Depois disso, mesmo com os pedidos do comunista, os invasores levaram
o casal para outro local, em carros separados.851 Benilda contou aos conselheiros que
para que ela não visse aonde estava indo haviam colocado “umas borrachinhas nos
olhos”, o que lhe deu mal-estar e ânsia de vômito. Posteriormente, trocaram as
borrachinhas por um capuz. 852 Quando tentou deixar o nariz e a boca de fora do capuz
ela foi ameaçada: “Aí eu disse assim: eu vou vomitar. Não tu – guenta [sic] aí só um
pouquinho que nós temos [sic] perto, tu não vai – querer sujar todo o meu carro,
menina!”.853
A partir do momento que chegaram ao destino, Benilda Nunes afirmou que não
viu mais seu companheiro.854 Lá, iniciou-se o interrogatório, buscando, inicialmente
saber sobre a relação dos dois. Neste momento ela afirma que começou “a fazer ansia
[sic]” e foi levada, encapuzada para o banheiro: no caminho ela afirma que ergueu “um
pouquinho assim” do capuz e pode ver “que tinha um sujeito deitado numa caminha
baixa”.855 Em seu relato, Nunes afirmou que conseguiu ver ainda uma outra senhora
com “uma saia bege, de olhos vendados, com um capuz preto, também não sei quem
era; eu até pensei que fosse a esposa do Adair”.856 Nestas passagens vemos que se
registraram as situações que a moça vivenciou quando esteve detida, reforçando o
caráter de denúncia que tinha no depoimento.
De acordo com a ata, no interrogatório buscaram-se informações sobre as
atividades de Francisco/Hilário e do cotidiano do casal, intentando saber os contatos que
o comunista tinha com outros correligionários.857 No relato de Benilda há a menção a
alguns subterfúgios realizados: ela afirma que, em dado instante, “eu me enrolei prá
849
Idem, fl. 1.
Idem, fls. 2.
851
Idem, ibidem.
852
Idem, ibidem.
853
Idem, ibidem.
854
Idem, fls. 3.
855
Idem, ibidem.
856
Idem, ibidem. Adair Moreira de Castilhos era outro militante do PCB preso nesta operação.
857
Idem, ibidem.
850
211
[sic] lá, me enrolei prá [sic] cá”, dando a entender que não quis dar todas as informações
que a repressão buscava.858
Posteriormente, Benilda foi colocada em uma sala em que havia um homem
falando com seu companheiro acusando-o de que ele “não servia nem pra ser
comunista”. Ela teria sido questionada pelos algozes se “Milton” seria comunista, ao
que Nunes respondeu que
isso pra mim é novidade, eu nem sei o que é comunista, não entendo
nada disso, tou por fora de tudo, daí então eles queriam saber de onde
é que vinha o material, pra onde o Milton levava, onde faziam
reunião, tudo isso eu não sei de nada, disse pra eles que eu não sabia.859
Na sequência Benilda foi levada para outra sala
aonda [sic] um sujeito carrasco me disse assim: nega desgraçada tu vai
falar a verdade ou tu não vai?... Eu disse assim: o que eu sei é isso e
mais do que isso eu não posso dizer porque eu não sei, eu so[sic]
inocente de tudo. Disse ele assim: se você não falar a verdade... pra
quanto é que você espera esse filho? – eu disse assim: pra fins de julho
ou agosto. Eles me disseram assim: pois então tu vais parir antes,
porque eu aperto a tua barriga com uma borracha. Daí então além
dessa ameaça ele me fez outra ainda: que eu não lembro nem o que é,
era um negócio assim sobre calor ou quente, foi uma coisa assim que
ele me falou. Daí eu fiquei firme, eu disse pra ele: o Sr. é quem sabe
porque se o Sr. é pai e a sua mulher é mãe, eu acho que ela deve sentir
o que eu tou sentindo agora pelo meu filho. E ele pegou e me deu uma
bofetada assim e outra assim, assim no rosto.860
Neste trecho vemos o que Benilda, que estava grávida de quatro meses, teve de
passar durante o interrogatório. Após a saída do “sujeito carrasco”, ela contou ao
conselho da OAB/RS que passou mal novamente e uma médica veio e que, enquanto
lhe atendia, tentava convencê-la a contar tudo.861 Em resposta, Benilda questionou:
tu me diga uma coisa, o que é comunista que eles falaram. Ela disse
assim: Comunista são bandidos, eu disse assim: mas... eu não sabia
disso, eu me fiz assim bem de ignorante, mas como se eu não
soubesse, né.862
Nunes provavelmente utilizava-se de uma imagem que seus algozes tinham dela:
ela seria uma moça simples, que, sem saber, havia sido seduzida por um comunista. Ela
afirma que “se fez” de ignorante, o que denota sua sagacidade, ao mesmo tempo em que
dá a entender que ela sabia o que era um comunista.
858
Idem, fls. 4.
Idem, fls. 5.
860
Idem, fls. 5-6.
861
Idem, fls. 6.
862
Idem, ibidem.
859
212
Posteriormente, Benilda teve uma nova crise, ao que surgiu outro médico que
deu-lhe água e colocou-a deitada, “mas sempre com os olhos vendados”.863 Depois ela
comeu, recebeu alguns medicamentos e chegou a dormir.864 Passadas algumas horas, ela
pode voltar, acompanhada de uma moça.865 Um pouco depois de chegar em casa,
Benilda recebeu a visita de uma filha de Adair Castilhos, que informou a ela que
também haviam sido presos outros militantes e levou-a para a casa de seus pais.866 Após
o relato, os conselheiros perguntaram para Nunes sobre a sua prisão, em especial o local
em que esteve presa.867
O fato de o Conselho ter ouvido e registrado integralmente em ata o depoimento
mostra que o interesse da entidade não estava somente em relação aos advogados
presos. Benilda e seu companheiro não eram advogados e mesmo assim as
circunstâncias de sua prisão/sequestro foram documentadas, em especial as ameaças e
violências em relação à moça. A presença ativa dos cejuristas na entidade
provavelmente influenciou esta decisão.
Terminado o relato, o tema foi debatido pelo Conselho, sendo decidido, “à
unanimidade de votos, manter-se em sessão permanente até que se esclareça
definitivamente o assunto”, o que permitia que os atos do presidente e dos conselheiros
tivessem mais autoridade e efetividade.868 Também se deliberou por unanimidade a
publicização de uma nota na imprensa local e nacional sobre o assunto, na qual era
reforçada a ilegalidade das prisões, uma vez que realizadas de forma violenta, sem
identificação de seus perpetradores e desrespeitando direitos dos advogados.869
A sessão foi suspensa e reaberta no dia seguinte, 19 de março, às nove horas da
manhã, o que marca uma mudança já que as sessões do conselho eram realizadas
sempre após as 18 horas.870 Neste dia o conselho impetrou via telegrama um habeas
corpus no STM em favor dos advogados presos: na redação era mencionado o temor em
relação à segurança pessoal de Fernando Barcelos de Almeida, José Gay da Cunha e
Honório Peres que haviam sido presos “por grupos não identificados” e levados com
863
Idem, ibidem.
Idem, fls. 7.
865
Idem, fls. 8.
866
Idem, ibidem.
867
Idem, fls. 9.
868
Idem, fls. 10.
869
Idem, ibidem.
870
Idem, fls. 11.
864
213
violência “para destino desconhecido”, uma vez que nem a Secretaria de Segurança do
Rio Grande do Sul nem a Polícia Federal informavam o paradeiro.871
Imagem 4: Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº 1622, 20 de março de 1975, capa. Ao
centro fotografia de Conselheiros da OAB/RS aguardando audiência com o Governador para
tratar das prisões. Fonte: Acervo de Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
871
Idem, ibidem. Neste mesmo dia houve o falecimento do professor Armando Câmara, que, de acordo
com Luiz Alberto Grijó, é apontado como tendo “uma posição central na geração católica”: em sua
homenagem foi aprovado luto de três dias. Ficou registrado em ata que o presidente do Conselho não iria
comparecer ao sepultamento do jurista “eis que estava empenhado na defesa dos colegas presos”, o que é
um indício do esforço feito por Justino Vasconcellos neste caso. GRIJÓ, Luiz Alberto. Ensino jurídico e
política partidária no Brasil: a Faculdade de Direito de Porto Alegre (1900-1937). Niterói: UFF, 2005, p.
278. Tese de Doutorado em História.
214
As mobilizações da OAB foram registradas na imprensa. Um exemplo é a capa
da Folha da Manhã do dia 20 de março de 1975, na qual aparecem manchetes a respeito
do caso, além de uma fotografia de conselheiros da entidade quando da visita ao
governador Sinval Guazzelli para tratar do assunto.872 Na edição é mencionado que o
presidente da OAB/RS, Justino Vasconcelos, os conselheiros Mauro Cunha, Luís
Fernando Borges e conselheiro federal Godoy Bezerra haviam saído otimistas da
reunião de uma hora com o governador, pois, segundo Justino, Sinval Guazzelli estava
tão preocupado quanto eles.873
O periódico ainda mencionou dois habeas corpus impetrados por Justino: um
como advogado em nome dos três advogados antes mencionados, além de João Batista
Aveline, Francisco Penha Rodrigues (Hilário Pinha) e Adair Castilhos – no qual foram
reproduzidas integralmente as razões usadas pelo defensor – e outro enquanto
presidente da OAB/RS em nome de seus sócios.874 Ainda são mencionados dois
telegramas: um de Justino, endereçado ao senador Daniel Krieger, da Arena, que era
conselheiro vitalício da OAB/RS, pedindo a ele que se preservasse o Rio Grande do Sul
“de tais atentados”; e outro de Eugênia Cunha, mulher de José Gay Cunha, para o
ministro da Justiça, Armando Falcão, solicitando o paradeiro do preso e mostrando a
situação de desespero em que estava a família.875 O periódico ainda mostrou as
iniciativas do Sindicato dos Jornalistas e da Associação Riograndense de Imprensa
(ARI), que se mobilizaram em relação às prisões dos jornalistas João Batista Aveline e
Aníbal Bendati.876
Na Folha da Manhã constou, também, a nota oficial do III Exército, na qual
assumia a responsabilidade pelas prisões e informava que eram relacionadas à repressão
ao PCB.877 A mesma matéria fez referência ao debate ocorrido no Senado: na tribuna o
emedebista Paulo Brossard denunciou as prisões, sendo aparteado por Krieger que
872
Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº 1622, 20 de março de 1975, capa. Matéria semelhante,
porém mais sintética, foi publicada no Jornal do Brasil. "III Exército explica que prisões no Sul têm
relação com atividades do PCB”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIV, nº 342, 20/03/1975
1º Caderno, Polícia, p. 22
873
“Guazzelli ouviu representantes da OAB e prometeu tomar medidas adequadas depois de informado”.
In: Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº 1622, 20 de março de 1975, p. 8.
874
“Justino Vasconcellos encaminhou um pedido de habeas corpus em nome de seis pessoas presas”. In:
Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº 1622, 20 de março de 1975, p. 8.
875
Idem, ibidem.
876
“Jornalistas enviam nota ao ministro”. In: Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº 1622, 20 de
março de 1975, p. 8.
877
“Nota do III Exército sobre as prisões em Porto Alegre”. In: Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI,
nº 1622, 20 de março de 1975, p. 8.
215
questionou a inocência dos presos. O arenista afirmou que entre eles havia um que
“participou da Intentona Comunista e da guerra civil [sic] na Espanha em defesa dos
comunistas”, ao que Brossard replicou apontando para a ilegalidade das prisões. 878
No dia 20 de março a sessão da OAB foi reaberta, sendo o primeiro registro em
ata a proposta de telegrafar para o STM informando que “a autoridade coatora das
prisões dos advogados ali referidos é o Comandante do III Exército que, através – de
notícia vinculada na imprensa local, assumiu a res-ponsabilidade das prisões”.879 Em
matéria da Folha da Manhã de 21 de março, Justino afirmava que a nota do III Exército
era tranquilizadora, uma vez que, sob sua responsabilidade, “os presos terão,
evidentemente, resguardada sua incolumidade física e respeitados os direitos
individuais, garantidos pela Constituição e pela Declaração dos Direitos do Homem”.880
O presidente da OAB/RS, além de reivindicar os direitos humanos, buscava,
assim, responsabilizar publicamente o Exército pelo que pudesse acontecer aos presos.
Na reportagem ele ainda fez questão de exigir o tratamento adequado para os
advogados, que, de acordo com a legislação, tinham direito à prisão em sala de Estado
Maior, além de frisar que a incomunicabilidade prevista na Lei de Segurança Nacional
de 1969 havia sido revogada por decreto do mesmo ano.881 Na matéria ainda foi
mencionado que familiares dos presos foram à sede da OAB/RS em busca de
informações que não obtinham de outra forma e que Delly Salazar Peres, esposa de
Honório, foi chamada para depor na Auditoria.882
O periódico ainda narrou o embate travado na Assembleia Legislativa entre os
deputados Lélio Souza, do MDB, e Cel. Pedro Américo Leal, da Arena.883 Na
reportagem foi mencionado que durante o debate, que durou por mais de duas horas, o
emedebista denunciava as ilegalidades das prisões enquanto que o deputado-militar
878
Idem, ibidem.
A proposta foi aprovada por unanimidade. “Ata da sessão do Conselho da Ordem dos Advogados do
Brasil – Secção do Rio Grande do Sul, realizada em 18 de março de 1975.”, fls. 12. OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
880
“A OAB pretende pedir uma audiência ao III Exército”. In: Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano VI, nº
1623, 21 de março de 1975, p. 8.
881
Idem, ibidem.
882
Idem, ibidem. A prisão de Honório Peres, ocorrida em sua casa, acabou envolvendo toda a família. Um
exemplo disso foi a forma como a experiência foi narrada para o Projeto Marcas da Memória – História
Oral da Anistia no Brasil, contada em “duas vozes” por ele e Delly. PERES, Honório Campos; PERES,
Delly. Entrevista realizada por Dante Guimaraens Guazzelli Projeto Marcas da Memória: História Oral no
Brasil em Porto Alegre no dia 4 de maio de 2011.
883
“Na Assembléia, o MDB denunciou e a Arena justificou as prisões”In: Folha da Manhã, Porto Alegre,
Ano VI, nº 1623, 21 de março de 1975, p. 8.
879
216
defendia de forma fervorosa as prisões, criticando o comunismo.884 Em apoio a Souza,
seu correligionário, Waldir Walter, trouxe para o debate a “Declaração Universal dos
Direitos do Homem”, afirmando que
Uma prisão deve ser efetuada ressaltando a dignidade do ser humano,
da pessoa que está enfrentando esta prisão. Nenhuma pessoa, nenhum
cidadão pode ser humilhado a não ser em razão de um regime
autoritário e totalmente fora da lei.885
Nota-se que, enquanto os deputados Lélio Souza e Waldir Walter buscavam
articular conceitos vinculados aos direitos humanos e às normas legais vigentes das
prisões, Pedro Américo Leal repetia o que dizia a nota do III Exército, além de
reproduzir um anticomunismo, chegando a afirmar que os comunistas deveriam ir “para
a Rússia e fique por lá tomando vodka e andando com patins nas estepes geladas”.886
A sessão foi reaberta no dia 1º de abril, quando Justino Vasconcelos
fez um relato do que presenciou quando da visita a um dos advogados
presos, o Doutor HONÓRIO PEREZ, bem como o que lhe haviam
relatado os Doutores JOSÉ GAY DA CUNHA e FERNANDO
BARCELOS DE ALMEIDA atinentes a suas prisões, revelando p
que, ao contrário das declarações do Exmo. Sr. DORVALINO
TONIN, DD. Auditor de Guerra, os presos não estavam recolhidos a
apartamentos, mas sim a cubículos de dimensões reduzidíssimas e
com aparelhos sanitários a nível do assoalho, a exemplo daqueles
existentes em Colégios públi-cos.887
Mesmo já tendo obtido informações sobre os presos, o presidente da OAB/RS
estava firmemente envolvido com a garantia dos direitos dos advogados presos. Neste
dia ocorreram debates mais cotidianos do conselho seccional da OAB/RS, como o
anúncio da nova diretoria do Conselho Federal (com Caio Mário da Silva como
presidente e o jurista e advogado de presos políticos Heleno Fragoso como vicepresidente), e o relatório de um projeto de lei que previa o salário mínimo para os
advogados.888
Diferentemente de seus correligionários, Júlio Teixeira não foi preso de forma
ilegal, apresentando-se na Polícia Federal e, posteriormente, ficando sob a
responsabilidade dela. Conforme aponta Carlos Guazzelli, Teixeira tinha “grande
884
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
886
Idem, ibidem.
887
“Ata da sessão do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul,
realizada em 18 de março de 1975.”, fls. 13. OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976.
Porto Alegre, 1976.
888
Idem, fls. 14 e 15.
885
217
prestígio e exercia considerável influência” nas entidades classistas: a análise das atas
do IARGS e da OAB/RS realizadas aqui o demonstram .889
Para evitar o sequestro deste advogado, Honório Peres afirma que Justino teria
obtido a possibilidade do “Velho Júlio” apresentar-se no Departamento de Polícia
Federal.890 Carlos Frederico narra de forma semelhante, complementando que Eloar,
enquanto presidente do IARGS, teria auxiliado nesta iniciativa.891 Ainda segundo ele,
devido a relações do presidente do IARGS com o militar que estava à frente da Polícia
Federal Gaúcha, Cel. Maxen de Castro, “de quem as citadas lideranças dos advogados
gaúchos obtiveram a garantia da preservação da integridade, física e moral, de seu
colega” e, assim, uma prisão em condições dignas para Teixeira.892
Durante este período, Ana Eni Machado Milan afirmou que, por ter melhores
relações na Polícia Federal, ela prestou assistência a Júlio Teixeira.893 De acordo com a
advogada, seu trabalho foi mais próximo de um apoio emocional; ela contou ainda que,
nas conversas com Teixeira, aprendeu muito sobre Direito Civil.894
Assim, na sessão do dia 9 de abril, foi relatada, por parte de Justino
Vasconcelos, a
apresentação do Conselheiro Doutor JÚLIO TEIXEIRA à Polícia
Federal, fato que ocorreu no dia oito (8) à tarde, assistido por sua
Excelência o Senhor Presidente, Informou, ainda, da visita de hoje,
acompanhado do Excelentíssimo Senhor Doutor MANOEL
AUGUSTO DE GODOY BEZERRA, DD. Represen-tante desta
Seccional no Egrégio Conselho Federal da ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL, ao Conselheiro JÚLIO TEIXEIRA.895
Nota-se neste trecho que houve uma preocupação em registrar o apoio dado a
Teixeira, ao mesmo tempo em que se frisou que tanto o presidente da OAB/RS quanto o
conselheiro federal haviam estado com o advogado comunista no cárcere. Da mesma
forma, declararam-se como defensores de Júlio Teixeira o ex-presidente da OAB/RS
Dante Sfoggia, ex-presidente do IARGS Walter Tschidel, Walter Becker, René Ávila,
889
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 2.
890
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 87.
891
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 2.
892
Idem, ibidem.
893
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 1.
894
Idem, ibidem.
895
“Ata da sessão extraordinária do Conselho realizada no dia 09 de abril de 1975”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
218
Anísio Freitas, Archimedes Almeida, Fernando Dias, além de Eloar, na condição de
presidente do Instituto.896 Vasconcelos chegou a propor a suspensão da prestação de
compromisso da diretoria da OAB/RS na Assembleia devido à prisão de Júlio Teixeira,
o que foi rejeitado pelo Conselho afirmando que “o momento não é de retração,
recolhimento, e sim de exaltação da figura do advogado, sem prejuízo do sentimento
que nutre pela prisão daquele Conselheiro”.897
Nesta sessão ainda foi registrada a solidariedade da subseção de Santiago no
caso das prisões.898 Já na sessão do dia seis de maio foram anotadas manifestações das
subseções de Santa Maria, São Borja e Rosário do Sul e da Seção do Ceará, e no dia 3
de junho, do Piauí, todas em apoio a Teixeira.899 Em três de junho também foi feita uma
homenagem do Conselho ao advogado comunista “em face do transcurso do seu 65º
aniversário natalício, ocorrido em 30 de abril do corrente ano”, o que leva a crer que
neste momento ele já estava em liberdade.900
As declarações acima mostram a dimensão de prestígio que os advogados
comunistas tinham nas entidades dos advogados. Tanto a mobilização da presidência
quanto as manifestações de apoio e solidariedade comprovam o reconhecimento e
importância que eles, em especial Júlio Teixeira, tinham entre os advogados. Honório
Peres, que até então não tinha atuado em entidades classistas, afirmou em depoimento
prestado à CEV/RS que posteriormente foi presidente da Caixa de Assistência dos
Advogados e secretário-geral da OAB/RS para pagar “o que devia para Ordem (…), fiz
com muita vontade (…), porque realmente a ordem nos tirou do pior”.901
896
Idem, ibidem. Guazzelli estava, naquele momento, em licença do Conselho Seccional da OAB/RS.
“Ata da sessão do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção do Rio Grande do Sul,
realizada em 18 de março de 1975.”, fls. 12. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975
1976. Porto Alegre, 1976.
897
“Ata da sessão extraordinária do Conselho realizada no dia 09 de abril de 1975”, fls. 2-3. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
898
“Idem, fls. 2.
899
“Ata da sessão ordinária do Conselho realizada no dia 6 de maio de 1975”, fls. 2; “Ata da sessão
ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Secção do Rio Grande do Sul, realizada no dia
3 de junho de 1975”, fl. 1 In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre,
1976.
900
“Ata da sessão ordinária do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Secção do Rio Grande do
Sul, realizada no dia 3 de junho de 1975”, fls. 3 In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974
1975 1976. Porto Alegre, 1976.
901
CEV/RS. Depoimento - Audiência pública conjunta CEV/RS e OAB/RS: “Advogados gaúchos na
defesa da cidadania”. Porto Alegre, 2014, p. 87. Peres esteve à frente da entidade no início da década de
1980. “Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 14 de abril de 1.981”, fls. 3. In: Conselho
da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
219
A defesa dos advogados comunistas fez com que o Conselho Seccional da OAB
sul-rio-grandense se colocasse publicamente no embate contra a ditadura, denunciando
as arbitrariedades e violências cometidas pela repressão. Por mais que, antes deste
episódio, pudessem ser vistas nas atas algumas manifestações de oposição ao regime,
elas não saíam da sala de reuniões e não tomavam o caráter de uma postura da
instituição.
Aqui, percebe-se uma mudança de orientação da entidade: a OAB/RS ia a
público e em defesa de todos os presos e não somente dos advogados. Além de clamar
pelo respeito de procedimentos legais, ela também articulava suas demandas aos direitos
humanos. Este seria o início de uma atuação que engajaria a Ordem nas lutas pelas
liberdades democráticas.
Posteriormente, alguns dos presos responderiam processo na Justiça Militar, sendo
defendidos por Eloar Guazzelli.902 No processo ressalta-se a figura de Hilário Pinha devido
às violências sofridas em diferentes sessões de tortura, tanto em Porto Alegre quanto em
São Paulo. Por ser importante dirigente do PCB, ele foi transferido clandestinamente para o
centro do país quando foi descoberta sua real identidade, passando por várias violências que
levaram a quatro costelas fraturadas e a redução a 20% de sua capacidade intestinal.903
Neste momento, a companheira de Pinha, Benilda, acionou o advogado, que
conseguiu o retorno do preso a Porto Alegre, onde passou por diversas cirurgias no
Hospital Militar.904 Carlos Guazzelli afirma que “a atuação de Eloar, logrando sua
remoção para Porto Alegre e procedendo à sua defesa, foi decisiva, também, para a
902
Os processos foram analisados por mim em minha dissertação de Mestrado e em artigo: GUAZZELLI,
Dante Guimaraens. A lei era a espada: a atuação do advogado Eloar Guazzelli na Justiça Militar (19641979). Porto Alegre: UFRGS, 2011, pp. 81-7 e 104-10; GUAZZELLI, Dante Guimaraens. “Os mutilados
na Tribuna - as argumentações de Eloar Guazzelli em crimes políticos durante a abertura política (19751979)”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes. Anais do XXVI simpósio nacional da ANPUH - Associação
Nacional
de
História.
São
Paulo:
ANPUH-RS,
2011.
Disponível
em
www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300849085_ARQUIVO_mutiladosnatribuna.pdf
903
MITCHELL, José. Segredos à direita e à esquerda na ditadura militar. Porto Alegre: RBS
publicações, 2007, p. 158; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar
Guazzelli (1974/1984) [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017,
p. 3. De acordo com Mitchell, durante o processo Eloar teria entrado em contato com seu primo, o
governador Synval Guazzelli, para pedir uma sindicância sobre o caso, a qual teria informado que os
ferimentos de Pinha teriam ocorrido pois ele havia se atirado várias vezes no estrado da cama.
MITCHELL, José. “Ex-preso mutilado responsabiliza União por torturas”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano LXXXIX, nº 118, 4 de agosto de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 8.
904
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 3. Devido a seu
estado crítico, Hilário Pinha já havia passado por procedimentos na capital paulista. Carlos Frederico
afirma que, enquanto respondia o processo em liberdade, o comunista foi para a União Soviética, “onde
foi submetido a minuciosa revisão médica – que confirmou o acerto da conduta dos cirurgiões
brasileiros”.
220
recuperação, junto à companheira e o filho pequeno”.905 O papel da jovem é reforçado
por Denise Broda, que narra o processo como “um sofrer” de Benilda que, enquanto Pinha
estava detido, ficou “a ver navios”, sozinha com uma criança pequena, já que nem ela
nem o companheiro tinham parentes na capital.906 Broda lembra que o processo foi
muito difícil, especialmente para a companheira, que “ia muito no escritório”: de acordo
com a secretária ela era muito dedicada a Hilário e “ao acompanhamento do
processo”.907
No processo, Eloar descreve as torturas e toda a via crucis pela qual passou Hilário
Pinha, que havia sido resgatado da morte pelos “abnegados, ilustres e eficientes médicos
militares”. Conforme escrevi em outra oportunidade, Guazzelli buscava “trazer à tona
todas as agruras que a repressão impunha àqueles que divergiam do regime corrente” em
um contexto “marcado por críticas ao regime e a repressão, exemplificado pelos
movimentos derivados das mortes do jornalista Wladimir Herzog e do sindicalista
Manoel Fiel Filho”.908 Este intuito foi possibilitado por uma documentação vinda dos
médicos militares “que o receberam na capital paulista, praticamente moribundo”.909
Como afirmou José Mitchell, Hilário “entrou com ação de responsabilização
contra a União, pelas torturas sofridas”, através do escritório de Eloar Guazzelli,
iniciada por ele, porém levada adiante por seu filho, Carlos Frederico, quando Eloar
assumiu a deputância, em 1979.910 O processo, que recebeu especial cobertura do
jornalista da sucursal gaúcha do Jornal do Brasil, era uma ação declaratória que visava
responsabilizar a União pelas torturas sofridas por Pinha entre 17 e 24 de abril de
1975.911
905
Idem, ibidem.
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
907
Idem.
908
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. “Os mutilados na Tribuna - as argumentações de Eloar Guazzelli
em crimes políticos durante a abertura política (1975-1979)”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes. Anais
do XXVI simpósio nacional da ANPUH - Associação Nacional de História. São Paulo: ANPUH-RS,
2011, pp. 11 e 13.
909
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 3.
910
MITCHELL, José. Segredos à direita e à esquerda na ditadura militar. Porto Alegre: RBS
publicações, 2007, p. 159.
911
MITCHELL, José. “Ex-preso mutilado responsabiliza União por torturas”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano LXXXIX, nº 118, 4 de agosto de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 8. José Mitchell já havia
contado o caso no ano anterior: “Polícia gaúcha apura denúncia de torturas”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano LXXXVII, nº 309, 15 de fevereiro de 1978, 1º Caderno, Nacional, p. 9.
906
221
Em 1981, o juiz da 2ª Vara Federal, Osvaldo Martins Alvarez deu ganho de
causa a Hilário, o que foi confirmado com a decisão definitiva no ano seguinte.912
Assim, conforme Carlos Guazzelli, foi obtido “o reconhecimento da responsabilidade
civil da União Federal pelas lesões corporais graves a ele infligidas durante sua
prisão”.913 José Mitchell afirma que
Hilário Pinha foi o primeiro preso político brasileiro a ganhar, de
forma definitiva, uma ação de responsabilidade contra a União por
torturas sofridas na prisão, antes mesmo da decisão final de caso
semelhante e de maior repercussão, o do assassinato do jornalista
Vladimir Herzog em São Paulo.914
Ao mesmo tempo, o processo possibilitou a denúncia da tortura e dos
torturadores envolvidos. No final de 1982, Hilário, agora representado por Luiz Goulart
Filho, entrou com uma ação indenizatória, obtendo o ganho cinco anos depois, sendo,
naquele momento, um dos poucos a receber esta reparação.915
III.3. Velhos e jovens comunistas no meio dos advogados
Percebe-se a partir de 1974 a presença de um jovem advogado no IARGS, o qual
viria a ser muito presente na vida política nas décadas seguintes: Tarso Fernando Herz
Genro. Ele havia solicitado o ingresso na sessão do dia cinco de junho de 1974, sendo
aceito por unanimidade como sócio no dia dez de julho do mesmo ano.916 A presença de
Genro marca a entrada neste âmbito de um grupo de jovens vinculados às esquerdas
vindos do centro do estado, o chamado “pessoal de Santa Maria”.
O grupo era articulado entorno da liderança de Adelmo Genro Filho, irmão de
Tarso, e tinham origens no grupo Ala Vermelha do PCdoB.917 De acordo com a
“Juiz condena a União por torturas a preso político no DOPS gaúcho há 6 anos”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXXI, nº 238, 2 de dezembro de 1981, 1º Caderno, Nacional, p. 7; “Justiça
condena a União por tortura a preso político”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXXI, nº 347,
25 de março de 1982, 1º Caderno, Nacional, p. 5.
913
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 3.
914
MITCHELL, José. Segredos à direita e à esquerda na ditadura militar. Porto Alegre: RBS
publicações, 2007, p. 159.
915
“O Sul tem nova ação”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXXII, nº 254, 18 de dezembro de
1982, 1º Caderno, Nacional, p. 5; “Hilário Pinha: a vitória final”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
Ano LXXXXVI, nº 358, 5 de abril março de 1987, 1º Caderno, Nacional, p. 20. Na matéria de 1987 é
mencionado que a viúva de Manoel Raymundo Soares, Elisabeth Chalupp Soares, também era uma das
exceções.
916
“Ata da sessão ordinária do dia 05/06/74”, fls. 2; “Ata da sessão ordinária do dia 10/07/1974”, fls. 2.
In: IARGS. Livro de Atas 1974-1976. Porto Alegre, 1976.
917
REIS, Eliana Tavares dos. Juventude, Intelectualidade e Política: Espaços de Atuação e Repertórios
de Mobilização no MDB dos Anos 70. Porto Alegre: UFRGS, 2001, p. 115. Dissertação de Mestrado em
Ciência Política.
912
222
cientista política Eliana Tavares dos Reis, a principal característica reivindicada pelo
grupo
é a preocupação intelectual como dimensão organizadora de uma
percepção política e ideológica que, por sua vez, se sustenta pela
tentativa de associar uma postura indistintamente intelectual, cultural
e filosófica como componentes indispensáveis da ação política.918
Este grupo reuniu-se dentro do Setor Jovem (SJ) do MDB santa-mariense, o que
constituiu um fator homogeneazeador do grupo.919 Outro espaço de atividade do grupo foi o
periódico Seminário de Informação Política, de Ijuí, que, em julho de 1976, transferiria-se
para a capital com o nome Jornal de Informação.920 A publicação buscava ter “uma
perspectiva de ‘combate à ditadura’, ‘defesa do socialismo’ e da ‘democracia’”. 921 Isto é
perceptível nos anúncios do periódico no qual estão presentes escritórios de jovens
advogados, em especial trabalhistas, que, ao longo das décadas de 1980 e 1990, iriam
consolidar-se como grandes escritórios ao mesmo tempo que seriam fortemente atuantes
no PT.922
O “pessoal de Santa Maria” defendia o fortalecimento do MDB como Frente
Ampla, postura que manteriam após a reorganização partidária, relacionando-se com o
IEPES e seu líder, André Forster.923 Apesar disso, na avaliação de Eliana Tavares dos Reis
“o grupo manteve sempre no seu itinerário uma forte identificação interna entre seus
membros e uma coesão nas suas estratégias”, buscando, principalmente, uma diferenciação
com outros grupos já estabelecidos presentes no MDB, como os trabalhistas, os autênticos e
os comunistas.924
Em alguns momentos, nota-se a relação entre os comunistas vinculados ao
CEJUR e este grupo. Em primeiro lugar, eles compartilhavam com os pecebistas a
concepção do MDB enquanto uma Frente Ampla e de sua necessidade para a
redemocratização do país. Um indício desta proximidade é a nota do jornal Informação
intitulada “Guazzelli e o Dops”, no qual se afirma que o advogado conseguiu uma
918
Idem, p. 117.
Idem, p. 118.
920
Idem, pp. 121-4.
921
Idem, p. 126. Posteriormente o grupo fecharia o periódico, passando a atuar como sucursal do
Movimento.
922
Jornal Informação, Porto Alegre, nº 8, 9 de setembro de 1976, p. 8.
923
REIS, Eliana Tavares dos. Juventude, Intelectualidade e Política: Espaços de Atuação e Repertórios
de Mobilização no MDB dos Anos 70. Porto Alegre: UFRGS, 2001, p. 129. Dissertação de Mestrado em
Ciência Política. Eles entrariam no PMDB, formando a Tendência Popular e, clandestinamente, o Partido
Revolucionário Comunista.
924
Idem, pp. 130 e 141.
919
223
absolvição em Bagé desqualificando a confissão obtida no DOPS.925 Eloar teria
afirmado que conhecia o Departamento “porque era advogado de uns subversivos,
segundo a polícia” e que sabia “o que é uma confissão no Dops e isso não serve para
provar nada, pois lá um homem diz o que for preciso para salvar o que resta de sua
vida”.926
Em entrevista, Honório Peres mencionou a aproximação de Tarso Genro em
relação aos advogados cejuristas no momento em que ele se instalou na capital gaúcha.
Peres fala que neste momento Tarso teria sido indicado para fazer parte do grupo dos
comunistas, o que teria sido influenciado por seu pai, Adelmo Simas Genro,
identificado como “comunista”.927 De acordo com Peres, “Eu convidei ele para
participar do CEJUR, mas ele não veio. Ele era independente. Ele queria ser o líder”.928
Na entrevista é perceptível uma postura “ranzinza” em relação à figura de Tarso
Genro, derivada, principalmente, do advogado não ter se vinculado de forma orgânica
ao CEJUR, buscando atuar de forma mais autônoma. Vendo a trajetória do “pessoal de
Santa Maria” faz sentido que eles buscassem uma maior independência em relação a
outros grupos, mas isto foi visto com maus olhos pelos “velhos” comunistas. No caso de
Peres, estas reservas mantiveram-se até o momento da entrevista: apesar de mencionar
que estava fazendo campanha para a reeleição de Tarso para governador, ele o descreve
de forma muito desconfiada e cética.
Mesmo assim, Genro e o “pessoal de Santa Maria” tinham algumas
aproximações com os advogados do PCB. Genro, por exemplo, iria utilizar os meios
jurídicos para consolidar seu “nome” no meio político, tanto como advogado “de
“Guazzelli e o Dops”. In: Jornal Informação, Porto Alegre, nº 8, 9 de setembro de 1976, p. 2.
Idem, ibidem.
927
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre. É digno de nota que o nome de Tarso surgiu de forma espontânea na entrevista,
uma vez que esta foi realizada próxima da eleição de 2014, na qual ele concorria pelo PT contra José Ivo
Sartori (PMDB). O peemedebista também foi citado por Peres, uma vez que havia obtido o apoio do PCB
em sua eleição no final da década de 1970.
928
Idem. Omar Ferri também queixou-se da independência de Genro, quando narrou que havia sugerido
que ele assumisse a presidência de um diretório do PMDB, ao que ele respondeu que sairia do partido
“liderado por um Simon, um burguesão!”. Neste momento Tarso Genro e seu grupo haviam formado o
Partido Revolucionário Comunista (PRC) e estavam indo para o PT. FERRI, Omar. Entrevista concedida
a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em Porto Alegre, p. 31; REIS, Eliana Tavares
dos. Juventude, Intelectualidade e Política: Espaços de Atuação e Repertórios de Mobilização no MDB
dos Anos 70. Porto Alegre: UFRGS, 2001, p. 132 Dissertação de Mestrado em Ciência Política.
OSÓRIO, Pedro Luiz da Silva. Partido Revolucionário Comunista (PRC) : trajetória e contribuições
para o PT. Porto Alegre: UFRGS, 2012. Tese de Doutorado em Ciência Política.
925
926
224
esquerda” quanto nos espaços classistas, como o IARGS.929 Conforme consta na ata da
OAB/RS de dez de março de 1981, ele havia participado da chapa vencida na eleição
realizada no ano anterior, junto de nomes como Índio Vargas, Justino Quintana e Luiz
Goulart Filho, conseguindo entrar no Conselho Seccional no final de 1982, por
indicação do Instituto.930
III.4. Advogados no meio da política (II): as entidades classistas dos advogados
entre 1976 e 1977
Na primeira sessão de 1976 do IARGS, assumiu a presidência Ruy Rodrigo
Brasileiro de Azambuja, que havia sido o 2º Vice-Presidente no biênio anterior e, como
vimos, comandado a maioria das sessões de 1975.931 É digno de nota que, entre as
autoridades da mesa, consta na ata a presença de Justino Vasconcelos, como presidente
da OAB/RS, e o “Doutor Comendador Júlio Teixeira”.932 Estas menções indicam que
neste biênio a relação entre as entidades manteve-se próxima, ao mesmo tempo em que
evidencia o prestígio que Teixeira tinha, que não havia sido maculado pela prisão do
ano anterior.
Mesmo os comunistas não estando tão ativos no biênio 1976-1977, neste
momento entram no IARGS nomes vinculados a eles. Um exemplo é o advogado
Adelmo Simas Genro, que foi aprovado para ser sócio em dezenove de maio de 1976.933
Já em 1977, o advogado e poeta comunista Deburgo de Deus Vieira solicitou para fazer
929
Ao longo da década de 1980 o escritório de Tarso Genro foi consolidando-se como defensores de
sindicatos em ações trabalhistas ao mesmo tempo em que ele continuou participando das entidades
classistas, chegando a ser Vice-Presidente do IARGS no biênio 1986/1987, e membro do Conselho
Seccional da OAB/RS em 1983/1984. MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz (org). Instituto dos
Advogados do Rio Grande do Sul - 60 anos de existência. Porto Alegre: IARGS, 1986, pp. 85 e 95.
930
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 10 de março de 1.981”, fls. 2. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982; IARGS. “Ata do Conselho Superior do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul de
15/10/82”. In: Maço de documentos avulsos.
931
“Ata da sessão solene do dia 28 de abril de 1976, do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul”.
In: IARGS. Livro de Atas 1976-1978. Porto Alegre, 1978.
932
Idem.
933
“Ata da Assembléia Geral Ordinária do dia 19 de maio de 1976”. In: IARGS. Livro de Atas 19761978. Porto Alegre, 1978. Ele, que era pai de Tarso Genro e de Adelmo Genro Filho, havia sido vereador
e vice-prefeito de Santa Maria pelo PTB, é identificado por Honório Peres como relacionado ao CEJUR e
Sergio Weibert como comunista. PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens
Guazzelli em 24 de outubro de 2014 em Porto Alegre. REIS, Eliana Tavares. Juventude, Intelectualidade
e Política: Espaços de Atuação e Repertórios de Mobilização no MDB dos Anos 70. Porto Alegre:
UFRGS, 2001, p. 116.(Dissertação de Mestrado em Ciência Política.
225
parte do Instituto.934 Ainda neste ano entrariam para o sodalício os não-cejuristas Caio
Lustosa e Leônidas Xausa, que teriam forte atuação política nos anos seguintes.935
A proximidade entre a Ordem e o Instituto é perceptível em alguns momentos
desta gestão. Um exemplo é a solicitação da OAB/RS, registrada na ata do IARGS da
Assembleia Geral Ordinária de dezenove de maio de 1976, de que se formasse uma
comissão conjunta para “elaborar estudos sobre o novo Código de Organização
Judiciária”, o que foi aprovado.936 Ainda em 1976, Justino Vasconcelos, então
presidente da OAB/RS, foi indicado para a medalha Oswaldo Vergara.
937
No ano
seguinte, a Semana do Advogado seria organizada através de parceria entre as
entidades.938
Nestes anos percebe-se a presença de alguns debates e ações do Instituto que se
relacionam com os anos anteriores. A temática dos direitos humanos ainda estava
presente, sendo que Marcus Melzer ficou com a presidência do Instituto respectivo.939
Já a sessão do dia trinta de junho de 1976 foi marcada por dois registros dignos de nota:
o debate, trazido por Ecilda Haensel, sobre a possibilidade da criação da Justiça Agrária,
e o evento promovido pelo Instituto sobre o Bicentenário da Independência dos Estados
Unidos, que contaria com as palestras dos senadores Teotônio Vilela, da Arena, e Paulo
Brossard, do MDB.940 Esta promoção foi elogiada pelo “elevado grau” das falas dos
senadores em ata pelo conselheiro da seccional gaúcha da Ordem Jorge Krieger de
Mello, o que mostra a proximidade entre as entidades nestes anos.941
“Ata da reunião do dia quinze de junho de mil novecentos e setenta e sete”. In: IARGS. Livro de Atas
1976-1978. Porto Alegre, 1978. Ele era membro do PCB (havia sido candidato pela legenda em 1947) e,
de acordo com Peres, participava do CEJUR. “VIEIRA, Deburgo de Deus”. In: MARÇAL, João Batista;
MARTINS, Marisângela. Dicionário ilustrado da esquerda gaúcha – Anarquistas, Comunistas,
Socialistas e Trabalhistas. Porto Alegre: Libreto, 2008, p. 140; PERES, Honório Campos. Entrevista
concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de 2014 em Porto Alegre.
935
“Ata da reunião do dia seis de julho de mil novecentos e setenta e sete”, fl. 1; “Ata da reunião do dia
dezesseis de novembro de mil novecentos e setenta e sete”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1976-1978.
Porto Alegre, 1978. Lustosa ficaria identificado com os movimentos ambientalista e de defesa dos povos
indígenas e Xausa, que havia sido expurgado da UFRGS em 1969, teria forte presença na OAB/RS.
936
“Ata da Assembléia Geral Ordinária do dia 19 de maio de 1976”. In: IARGS. Livro de Atas 19761978. Porto Alegre, 1978.
937
“Ata da sessão ordinária do dia 18 de agosto de 1976”. In: IARGS. Livro de Atas 1976-1978. Porto
Alegre, 1978.
938
“Ata da reunião do dia vinte e dois de junho de mil novecentos e setenta e sete”. In: IARGS. Livro de
Atas 1976-1978. Porto Alegre, 1978.
939
“Ata da Assembléia Geral Ordinária do dia 19 de maio de 1976”. In: IARGS. Livro de Atas 19761978. Porto Alegre, 1978.
940
“Sessão ordinária do dia 30 de junho de 1976”. In: IARGS. Livro de Atas 1976-1978. Porto Alegre,
1978.
941
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada no dia 16 de julho de 1976”, fls. 3 In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
934
226
Dando prosseguimento ao curso desenvolvido na gestão anterior, Luiz Luisi
participou de dois eventos relacionados com direito penal: em 1976 ele representou o
IARGS em Curso de Especialização em Ciências Penais na UFRGS e, no ano seguinte,
organizou simpósio sobre reforma penal.942 Foi ainda registrado em ata que Luisi havia
manifestado “da sua insatisfação com a recente Portaria do Ministério da Justiça
impondo censura prévia às publicações vindas do exterior, constituindo autêntico
retrocesso inadmissível”.943
Durante os anos 1976 e 1977 percebe-se uma presença mais ativa dos
comunistas na Ordem do que no Instituto. Na ata da sessão extraordinária do dia
dezesseis de julho de 1976, por exemplo, Júlio Teixeira foi escolhido como presidente
de uma das Comissões de Ética e Disciplina, além de integrar a comissão que escolhia
os ganhadores da Medalha Osvaldo Vergara.944
Entre os homenageados estavam o governador e o vice, Synval Guazzelli e
Amaral de Souza, da Arena, e os emedebistas João Carlos Gastal (presidente da
Assembleia Legislativa) e Paulo Brossard.945 Como apontei, os dois parlamentares
haviam se pronunciado publicamente nos anos anteriores em prol de demandas dos
advogados: Gastal no embate ao Decreto 74.000 e Brossard, além de participar de
eventos organizados pelas entidades dos advogados, na denúncia das prisões dos
comunistas em 1975.
Na eleição do Conselho Seccional, realizada em novembro de 1976, Eloar
Guazzelli foi eleito junto de seus companheiros de gestão no IARGS Ruy Rodrigo
Brasileiro de Azambuja, Antonio Martins Costa Neto, Marcus Melzer e Otávio Caruso
da Rocha, além de Leônidas Xausa, enquanto que o decano dos advogados comunista,
Júlio Teixeira, foi indicado pelo Instituto.946 Justino Vasconcelos foi reconduzido ao
cargo de Presidente, Paulino Vargas Vares foi eleito Vice-Presidente e George Tenório
Noronha como 1º Secretário, Guazzelli ficou destacado para a Comissão de Seleção e
“Ata da sessão ordinária do dia 18 de agosto de 1976”; “Ata da reunião do dia vinte e nove de junho de
mil novecentos e setenta e sete”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1976-1978. Porto Alegre, 1978.
943
“Ata da reunião do dia vinte e nove de junho de mil novecentos e setenta e sete”, fl. 1. In: IARGS.
Livro de Atas 1976-1978. Porto Alegre, 1978.
944
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada no dia 16 de julho de 1976”.In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
945
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada no dia 3 de agosto de 1976”, fls. 4.In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
946
“Ata da sessão extraordinária do Conselho realizada no dia 1º de fevereiro de 1977”.In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
942
227
Prerrogativas e Teixeira na Comissão de Ética e Disciplina.947 Percebe-se ainda a
presença dos jovens Nereu Lima e Tarso Genro, indicados para substitutos. 948
Já o consagrado Raymundo Faoro foi eleito para o Conselho Federal e, na sessão
seguinte, ficou registrado em ata que Vasconcelos “informou os entendimentos a que
procedeu no Rio de Janeiro, por convocação do Conselho Federal, visando à eleição da
candidatura” do escritor para presidente do Conselho Federal.949 Em 1º de abril de 1977,
Faoro disputou com o baiano Josaphat Marinho, que também era conhecido por sua
atuação “fora dos meios jurídicos”: enquanto que o gaúcho era conhecido por sua obra,
Marinho foi senador entre 1963 e 1971, sendo um dos fundadores do MDB. 950
A eleição foi apertada, sendo que Faoro foi eleito em segundo escrutínio por 13
a 11 votos: a escolha teria sido feita pois o Conselho teria optado por uma figura menos
vinculada à política partidária.951 A vitória seria registrada na ata da sessão do dia cinco
de abril, sendo afirmado que Justino Vasconcelos “comunicou que o novo Presidente do
Conselho Federal eleito foi o Doutor RAYMUNDO FAORO, para cuja eleição esta
Seccional envidou os melhores esforços”.952
947
Idem, fls. 2. Na última sessão de 1976, Vasconcelos havia renunciado ao cargo, assumindo em seu
lugar Walter Becker; na ocasião foi feito um voto de louvor por parte do Conselho a Justino. “Ata da
sessão extraordinária do Conselho, realizada no dia 27 de dezembro de 1976”. In: OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
948
“Ata da sessão extraordinária do Conselho realizada no dia 1º de fevereiro de 1977”, fls. 3.In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Ainda como substituto
consta Luiz Lopes Burmeister, advogado trabalhista que havia sido presidente da Associação Gaúcha dos
Advogados Especialistas em Direito do Trabalho (AGETRA), em 1973. Nesta entidade percebe-se a
presença de jovens advogados trabalhistas vinculados às esquerdas, como Genro, que seria presidente em
1978. O escritório de Burmeister e Luiz Carlos Calachi Moraes estão entre os anunciantes do Jornal
Informação, o que mostra sua identificação com o grupo o “pessoal de Santa Maria”.
http://www.agetra.adv.br/historia/; http://www.oabrs.org.br/noticia-8982-lamachia-prestigia-aniversario40-anos-da-agetra; Jornal Informação, Porto Alegre, nº7, 2 de setembro de 1976, p. 9; Jornal
Informação, Porto Alegre, nº8, 9 de setembro de 1976, p. 9; Jornal Informação, Porto Alegre, nº10, 23 de
setembro de 1976, p. 8; Jornal Informação, Porto Alegre, nº14, 21 de outubro de 1976, p. 8; Jornal
Informação, Porto Alegre, nº23, 27 de fevereiro de 1977, p. 12.
949
“Ata da sessão extraordinária do Conselho realizada no dia 1º de fevereiro de 1977”, fls. 3; “Ata da
sessão ordinária do Conselho, realizada em 22 de março de 1977”, fl. 1. In: OAB/RS. ATAS do Conselho
– [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980
950
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5
– Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
159.
951
Idem, p. 160. Motta e Dantas mencionam que Elio Gaspari teria ainda vinculado a escolha por Faoro
ter uma imagem mais amena em relação ao regime, uma vez que ele teria votado favoravelmente ao
arquivamento do caso de Stuart Angel no Conselho de Defesa da Pessoa Humana, o que foi rebatido por
José Cavalcanti Neves afirmando que Faoro não estaria presente na sessão.
952
“Ata da sessão ordinária do Conselho Seccional, realizada no dia 05 de abril de 1977”, fl. 1. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Ainda sobre a
participação dos comunistas, o conselho seccional realizou sessão extraordinária em desagravo ao
advogado comunista Walter Graeff de Carazinho, por ter sido ofendido por um juiz. “Ata da sessão
extraordinária do Conselho, realizada em 4 de outubro de 1977”. In: OAB/RS. ATAS do Conselho –
[Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
228
Percebem-se nas atas de 1976 e 1977 registros de posicionamentos públicos da
OAB/RS em relação à defesa dos advogados. Um exemplo é a menção na ata de sete de
dezembro de 1976 da visita do Presidente Justino Vasconcelos a Curitiba, “quando
efetivou a defesa de um advogado inscrito nesta Seccional, obtendo a cconcessão [sic]
de Habeas-Corpus redigido pelo Dr. AMADEU WEIMMANN”.953 Outra questão
semelhante foi o debate, realizado em diversas sessões de 1977, a respeito da entrada de
advogados nos Cartórios, que vinha sendo impedidos.954
Nas atas destes anos há, ainda, a menção de posturas políticas de oposição à
ditadura, mesmo que de forma sutil. Este é o caso da ata da sessão do dia sete de
dezembro de 1976, na qual consta o requerimento do Conselheiro Walter Tschiedel de
“um voto de pesar pelo passamento do Bacharel e ex-Presidente da República, Dr.
JOÃO BELCHIOR MARQUES GOULART: - aprovado, por unanimidade”, o que
denota um respeito pelo governante deposto e falecido no exílio.955 Já na ata sessão de
seis de dezembro de 1977, ficou registrado que o conselheiro Paulo Pinto de Carvalho
havia
visitado o cidadão brasileiro , Sr. FLAVIO KOUTZII, preso político,
na cidade de La Plata, encontrado em boas condições físicas e
psíquicas. O Conselheiro WALTER TSCHIEDEL relatou que o
Presidente do Conselho Federal em sua última visita a Porto Alegre,
manifestou sua decisão de encontrar fórmula que permita a prestação
de assistência não só aos presos políticos, mas também às suas
famílias.956
Nesta passagem vemos um esboço da campanha pela volta de Flávio Koutzii,
que seria lançada formalmente em março de 1979.957 Junto da mobilização pelo retorno
de Flávia Schilling, que estava no Uruguai, seria uma marca da campanha pela Anistia
no Rio Grande do Sul.958 Nelas o papel dos familiares, em especial das mães dos presos,
foi importante, o que provavelmente fez com que fosse feito o registro de Tschiedel.
“Ata da sessão ordin´ria [sic] do Conselho, realizada no dia 07 de dezembro de 1976.”, fl. 1. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
954
“Ata da sessão ordinária do Conselho Seccional, realizada no dia 05 de abril de 1977”, fls. 2; “Ata da
sessão ordinária do Conselho realizada em 5 de julho de 1977”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS do Conselho –
[Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
955
“Ata da sessão ordin´ria [sic] do Conselho, realizada no dia 07 de dezembro de 1976”, fl. 1. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
956
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 6 de dezembro de 1977”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
957
RODEGHERO, Carla Simone; DIENSTMANN, Gabriel; TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral
e irrestrita: História de uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011, p. 169.
958
RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não
Calo, Grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo
Editorial, 2013, p. 140.
953
229
Nesta passagem, pode-se perceber, assim, o surgimento da figura das famílias dos
presos políticos na cena pública, envolvidos na luta pela Anistia e pelo esclarecimento
dos crimes cometidos pela ditadura.
Ao mesmo tempo, as atas destes anos indicam a presença de debates na
OAB/RS, os quais que apontam para tensões existentes entre as diferentes visões
políticas dos conselheiros. Foi o caso do extenso debate referente à proposta do
conselheiro Walter Tschiedel, registrada na ata de sete de dezembro de 1976, de voto de
louvor ao Ministro do STF João Leitão de Abreu “relativo à proibição de cidadãos
submetidos a processo criminal ficarem impedidos de se candidatarem a postos eletivos
no País e que fosse dada pela OAB/RS, ampla divulgação daquele voto”.959
Assim, Walter Tschiedel propôs louvor ao voto vencido do Ministro do STF, o
que recebeu a aprovação dos conselheiros Leônidas Xausa e Pedro Lairihoy, reforçando
“a injustiça da decisão em virtude de preceito Constitucional de que todos se presumem
inocentes, enquanto não houver condenação transitada em julgado”.960
Já o conselheiro Walter Becker fez proposta contrária, apontando que o artigo nº
145 da Lei nº 4.215/63, que dispunha sobre o Estatuto da OAB, proibia “tais
manifestações”, ressaltando que havia diferença entre a “atuação do integrante do
Conselho, como advogado e como Conselheiro”.961 Como o tido artigo proibia os
órgãos da Ordem de discutirem assuntos de natureza pessoal, política ou religiosa,
percebe-se que Becker apontava que este tema não era uma questão de
constitucionalidade e sim política e, desta forma, fora da alçada do Conselho
“Ata da sessão ordin´ria [sic] do Conselho, realizada no dia 07 de dezembro de 1976”, fls. 1-2. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976. Em setembro daquele
ano, no Tribunal Superior Eleitoral, Leitão de Abreu havia votado contrário à inelegibilidade de
candidatos que tivessem algum processo iniciado baseando-se na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, vencendo naquela instância. Porém, no final daquele ano, foi derrotado no STF quando tentou
derrubar o dispositivo da Emenda Constitucional nº 5 que permitia esta manobra. O gaúcho de Cachoeira
do Sul, João Leitão trabalhou no Governo do Rio Grande do Sul durante os governo de Walter Jobim
(1947-1951) e de Ildo Meneghetti (1963-1967), posteriormente contribuindo com peças jurídicas para a
ditadura civil-militar (como no Ato Institucional nº 2 e 12). Em 1969, assumiu como chefe de Gabinete
Civil da Presidência da República do Governo Médici (1969-1974). Em 1974, assumiu como Ministro no
STF, pronunciando votos contrários aos interesses da ditadura, como no caso do deputado baiano do
MDB Francisco Pinto e o caso mencionado aqui. “Verbete João Leitão de Abreu” In: ABREU, Alzira
Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo.
960
“Ata da sessão ordin´ria [sic] do Conselho, realizada no dia 07 de dezembro de 1976”, fls. 2. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
961
Idem, ibidem.
959
230
Seccional.962 A seguir, Justino Vasconcelos propunha que o voto fosse publicado no
órgão oficial da OAB/RS, “Valorização”.963
O Conselheiro George Tenório Noronha mesmo que “ressaltando o apreço pelo
eminente ministro prolator do voto”, foi contrário às propostas de Vasconcelos e
Tschiedel, frisando, como Becker, as conotações políticas que iam de encontro ao artigo
145.964 Na mesma linha foi Paulo Pinto de Carvalho, afirmando que, “a seu ver, seria,
pelo menos, uma deselegância por parte deste Conselho, uma vez que não se pode
esquecer os votos vencedores e, ainda, que toda questão jurídica envolve questão
política, como já disse o grande RUI BARBOSA, em Haia, em 1907”, ao que foi
retorquido por Lairihoy que
afirmou que era preciso ter coragem relembrando o caso DREYFUS,
sendo retrucado pelo Conselheiro PAULO PINTO DE CARVALHO,
esclarecendo que coragem jamais lhe faltava, porém, esqueciam-se os
votos vencedores e o Acórdão 965
Seguindo a linha de Carvalho, Marcus Melzer declarou que se fosse publicado o
voto, deveria “ser publicado também o Acórdão”.966 Posteriormente, ficou registrado
que o Conselheiro Anísio Freitas julgou “que o assunto é eminentemente político e
portanto não deve ser aprovada a proposição”, Justino Vasconcelos era “inteiramente
favorável à proposição, por tratar-se de um ex-Conselheiro desta Casa”, Archimedes
Antônio da Silva Almeida afirmava que “não podemos nos pronunciar pela aprovação,
fazendo a distinção entre as figuras do Conselheiro e do Advogado” e Xausa e Melzer
reforçavam suas posições.
967
Finalmente foi passada para a votação, coordenada por
Paulino de Vargas Vares na presidência interina, sendo aprovada, por onze votos a sete
“a proposição do Conselheiro WALTER BECKER, contrária ao voto de louvor- e a
publicação requeridos”.968
Optei por mostrar de forma mais pormenorizada este debate pois penso que ele
retrata algumas questões relevantes sobre a seccional gaúcha da OAB neste período.
“Anexo II – Lei nº 4.215 de 27 de abril de 1963 que dispõe sobre o Estatuto de Ordem dos Advogados
do Brasil e regula o exercício da profissão do advogado”. In: MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André
Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5 – Da redemocratização ao Estado Democrático
de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p. 329.
963
“Ata da sessão ordin´ria [sic] do Conselho, realizada no dia 07 de dezembro de 1976”, fls. 2. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976.
964
Idem, ibidem.
965
Idem, ibidem. O “Caso Dreyfus” foi um caso envolvendo um oficial do exército francês judeu acusado
injustamente de ser espião.
966
Idem, ibidem.
967
Idem, ibidem.
968
Idem, fls. 3.
962
231
Inicialmente, chama a atenção o fato de que um “voto de louvor” tenha gerado tanto
debate, enquanto o de pesar a João Goulart, também proposto por Tschiedel na ocasião,
foi anotado sem indício de problematização. Além disso, o registro perpassou três das
seis laudas da ata, o que é impressionante quando se tem em mente que, em média, as
atas da entidade aqui analisadas tinham entre três e quatro páginas.
No debate vemos Tschiedel, Xausa, Lairihoy e, em certa medida, Vasconcelos,
buscando aprofundar uma posição da Ordem sul-rio-grandense contra a ditadura em
uma luta na esfera jurídico-política. Já Becker, Noronha, Carvalho, Freitas e Almeida
questionam o caráter político do voto de louvor, o que, em outros casos semelhantes,
não ocorreu.
É digno de nota, neste sentido, o trecho em que Paulo Pinto de Carvalho e Pedro
Lairihoy confrontam-se sobre a distinção entre o jurídico e o político, ao que Lairihoy
traz o “caso Dreyfus” como exemplo de momento em que foi necessária a coragem para
se opor ao um meio jurídico corrompido pela política. Ao comparar as situações o
conselheiro está fazendo, de forma sutil, uma crítica ao sistema jurídico da ditadura,
mostrando que este também era um momento de desvirtuamento do judiciário.
O que este rastro deixado na ata mostra é que o voto a Leitão de Abreu motivou
uma discussão na qual podemos ver além da conciliação promovida pela “engenharia
política” que unia advogados de setores diversos. Vale lembrar que Paulo Pinto de
Carvalho participou da gestão de Eloar no IARGS e Walter Becker, Anísio Freitas,
Archimedes Almeida, junto com Walter Tschidel, haviam se colocado como advogados
de Júlio Teixeira no ano anterior.
Este foi um momento em que os conselheiros fizeram questão de se posicionar.
Se na prisão dos comunistas em 1975 o Conselho da OAB/RS colocou-se publicamente
em nome das normas legais, aqui vemos que este tipo de posicionamento não era nem
unânime nem pacífico. Comparando os casos nota-se que haviam semelhanças: se no
ano anterior Justino Vasconcelos buscou defender direitos constitucionais, lutando
contra a forma ilegal das prisões, em 1976 os defensores do voto de louvor ao Ministro
baseavam-se na questão da presunção da inocência. Ao mesmo tempo é gritante o
silêncio de comunistas como Teixeira e Guazzelli, que optaram por não se pronunciar
na discussão.
Uma discussão análoga está registrada na ata da sessão do dia sete de junho de
1977 motivada pela “leitura, pelo Conselheiro George Tenório de Noronha, de telex
232
recebido, do Conselho Federal, solicitando pronunciamento desta Seccional referente à
solução do problema relativo à atual situação política do País, através de uma
assembleia constituinte”, ao que foi constituída uma comissão formada por Ruy de
Azambuja, Leônidas Xausa e Walter Tschiedel.969 Esta solicitação do Conselho Federal
estava relacionada à reunião dos presidentes de secções que se realizaria em doze e
catorze daquele mês e dizia respeito a busca de uma postura, por parte do recém-eleito
presidente Raymundo Faoro, em relação à ditadura.
De acordo com Marly Motta e André Dantas, logo após a eleição, o Conselho
Federal encarregou os conselheiros Marcos Heusi (DF) e Sergio Bermudes (ES) de
realizar um parecer sobre o “Pacote de Abril”, imposto pela ditadura que afetava
diversas áreas. O parecer gerou um debate acalorado e foi considerado muito duro pelos
outros conselheiros, sendo arquivado. Ao final da reunião dos presidentes foi feita a
Declaração de São Paulo, na qual se clamava pela restauração do habeas corpus e do
respeito dos direitos humanos e, nos meses seguintes, Faoro passa a negociar com o
Senador Petrônio Portela estas questões. 970
Logo após a menção da leitura do parecer, o conselheiro George Tenório de
Noronha
fez ver a inconveniência da aprovação do pronunciamento, em face da
insinceridade dos protestos e infiltração de elementos suspeitos em
todos os setores, estudantil, religioso, etc…, minoria só interessada em
agitar, radicais que nada constroem, concluindo contrariamente pela
oportunidade do pronunciamento.971
De forma semelhante, Archimedes Almeida
esclareceu a inegável conotação política da medida; que minoria
aproveitam até a visita da Primeira Dama dos Estados Unidos, aqueles
mesmos que bradavam “ americanos, GO HOME” e, finalmente,
enquanto negro não for gente nos EEUU, não nos serve a Democracia
Americana.972
Nota-se que os dois conselheiros acima, após denunciar o caráter político da
medida, traziam um discurso anticomunista. No caso de Noronha percebe-se a menção a
termos como “infiltração”, “radicais” e “agitar” que denotam sua origem militar e seu
“Ata da sessão ordinária do Conselho realizada em 7 de junho de 1977”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
970
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v. 5
– Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
161-3.
971
““Ata da sessão ordinária do Conselho realizada em 7 de junho de 1977”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
972
Idem, ibidem.
969
233
vínculo com a Ideologia de Segurança Nacional , enquanto que a manifestação de
Almeida ficou um tanto confusa.
Após estes pronunciamentos é mencionado na ata que Anísio Freitas, Rovílio
Breda, Walter Tschiedel, Sérgio Juchem e os comunistas Júlio Teixeira e Eloar
Guazzelli colocaram-se favoráveis ao parecer, “em face de julgarem necessária a volta
do Estado de Direito, do respeito aos Direitos Humanos e, ainda, assegurar-se em sua
plenitude o instituto do “ habeas-corpus””.973 Já Luiz Luisi fez questão de pormenorizar
seu voto: inicialmente ele afirmou que a “matéria em discussão não é política no sentido
estrito, mas institucional”, o que permitia, para ele que o conselho se manifestasse,
porém, divergia no mérito da questão.
Ele se posicionava contra a ideia de que “a convocação de uma Assembléia
possa se constituir a panacéia para todos os males nacionais” pois achava que “o que se
faz necessário não é entregar o destino de cada um de nós, e do País, a uma Assembléia
que pode vir a ser constituída por uma maioria reacionária incapaz de refletir os mais
autênticos anseios da coletividade”.974 Assim, para Luisi,
a correta posição é lutar para que se organize constitucionalmente a
nação, tendo como princípio e fim o homem, a inviolabilidade da
pessoa humana. Não um Estado omisso, garantidor dos “Direitos
Humanos” de uma plutocracia de multinacionais. Mas um Estado
atuante voltado para a efetiva relativa de todas as potencialidades da
pessoa humana, assegurando-lhe, em termos concreto, os seus direitos,
desde os mais elementares como a garantia da integridade corporal e
da vida física, da alimentação e do vestuário, isto é, libertando o
homem do medo e da fome, até os hierarquicamente mais
significativos como os direitos à educação, à cultura ou participação
na vida política, etc… Mais importante que a vontade de maiorias
transitórias é a dignidade axiologicamente prioritária do homem
enquanto pessoa, isto é, fim em si mesmo. No entanto, o aplauso é
integral ao pronunciamento do Conselho Federal, quanto reivindica a
plenitude do Habeas-corpus. Realmente, a exclusão do Habeas no
concernente aos delitos contra a segurança nacional é totalmente
injustificada. O Estado dispõe de uma Justiça especial, bem
aparelhada, e sem excesso de serviço com competência para processar
e julgar tais crimes. E a aplicação das normas comuns do processo
penal militar fornece os meios para a correta proteção, neste momento
da vida brasileira, das instâncias de segurança das instituições
políticas e sociais. Por fim entendo que a convocação fazer-se [sic] é a
da inteligência brasileira, isto é dos estudiosos de matéria política e
institucional, bem como dos que têm uma experiência vivida destes
problemas, e sejam realmente sérios e capazes, para que se achem em
973
974
Idem, ibidem.
Idem, ibidem.
234
termos realmente viáveis, e não demagógicos e de compromisso, as
soluções para a nossa problemática constitucional.975
A partir do voto do conselheiro é mencionado, por primeira vez, o principal teor
da proposta feita pela comissão: esta bradava pelo restabelecimento do habeas corpus,
pelo respeito ao Estado de Direito e os direitos humanos e chamava para uma
Assembleia Constituinte. Luisi, ao mesmo tempo, buscou deixar bem clara sua posição,
demonstrando que se opunha à situação política daquele momento, porém achava que
uma constituinte naquele momento não seria adequada.
Nota-se, também, que ele reforça a necessidade dos direitos humanos, visto
como algo que garantiria tanto direito à alimentação, integridade física, saúde,
educação, cultura e participação política, ou seja, em todas suas dimensões. Percebe-se
aqui que direitos humanos não são vistos simplesmente como os de primeira ou segunda
geração, mas uma união deles. Neste sentido é digna de nota a contraposição que ele faz
entre a defesa destes direitos e dos direitos de “uma plutocracia de multinacionais”, o
que dá uma dimensão de denúncia da situação econômica do período. Isto referia-se,
provavelmente, a uma desconfiança em relação a defesa dos direitos humanos que era
levada adiante pelo governo do presidente Jimmy Carter, o que seria, de acordo com
esta visão, uma camuflagem para uma nova intervenção dos interesses econômicos
estadunidenses no Brasil.
Em seguida, houve a manifestação de Marcus Melzer que era contrário à
proposta, já que era “de natureza genuinamente política, matéria sobre a qual o Estatuto,
no art° 145, veda pronunciamento da Ordem”, afirmando que careciam os conselhos da
Ordem “de credencias para falar pela classe sobre matéria estranha à sua competencia
legal, como a de que ora se cogita, e que, de resto, por polêmica e controvertida, não é
pacífica em seu seio”.976 Percebe-se que o conselheiro, diferentemente de Noronha e
Almeida, buscou explicitar sua opinião de forma mais abalizada, sem recorrer a um
discurso mais ideológico. Estas características de Melzer, como apontarei nas páginas
seguintes, o colocarão em trincheiras um tanto inusitadas para um conservador que
havia sido ex-deputado da UDN.
Ao final do debate foram feitas duas votações: a preliminar, para decidir se era
válida ou não a discussão da matéria pela Ordem, foi “aprovada por 12 votos contra 3,
975
976
Idem, fls. 3-4.
Idem, fls. 4.
235
estes dos Conselheiros George Tenório de Noronha, Archimedes A.S. Almeida e
Marcus Melzer” e a segunda
Quanto ao MÉRITO, igualmente foi aprovada a redação da Comissão
por 11 votos contra 4, estes dos Conselheiros George Tenório de
Noronha, Archimedes A. S. Almeida, Marcus Melzer e Luiz Luisi, em
parte, devendo os Senhores Conselheiros oferecer subsídios para
complementá-la e melhorá-la.977
Nota-se, assim, que houve um questionamento por parte de alguns conselheiros
mais conservadores sobre a possibilidade da Ordem se pronunciar sobre o assunto por
considerá-la uma demanda “política”. O Conselho Seccional já vinha se pronunciando
publicamente em temas “políticos”, uma vez que se partia da ideia de que a entidade
deveria defender a princípios democráticos e legais. Aqui, para os três conselheiros, esta
argumentação não cabia. Comparando os dois debates tratados, vemos que Anísio
Freitas, que havia sido contrário ao voto de louvor a Leitão de Abreu em 1976, no ano
seguinte pronunciou-se favorável ao parecer, assim como provavelmente fizeram Walter
Becker e Paulo Pinto de Carvalho.978
Ao mesmo tempo, é digno de nota que a proposta da comissão consta na ata de
forma indireta, através das argumentações dos conselheiros, em especial o voto de
Luisi. Pode-se depreender, portanto, que o parecer de Azambuja, Xausa e Tschiedel
defendia a volta do Estado de Direito, o respeito aos direitos humanos, a restauração do
habeas corpus para todos os crimes e uma Assembleia Constituinte. Vê-se que os
“direitos humanos”, em 1977, já estavam entre as principais demandas por parte da
Ordem. A partir da argumentação de Luisi pode-se deduzir que os direitos humanos – já
não mais denominados como “direitos do homem” ou “da pessoa humana” – eram
vistos além dos direitos civis, como o de julgamento justo e inviolabilidade do corpo,
chegando aos políticos, econômicos e culturais.
A enfática adesão dos comunistas Teixeira e Guazzelli à proposta deveria estar
relacionada com a postura do PCB neste momento. Conforme aponta a historiadora
Anita Leocádia Prestes em Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido
revolucionário (1958-1990), o Comitê Central do partido em dezembro de 1977 lançou
uma Resolução Política que defendia “a necessidade de desenvolver a campanha pela
Constituinte “livre e democraticamente eleita””.979
977
Em maio do ano seguinte, a
Idem, fls. 4-5.
Dos onze que votaram a favor, apenas seis se pronunciaram.
979
PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (19581990). São Paulo: Expressão Popular, 2012, p. 212.
978
236
Comissão Executiva do PCB lançaria uma nota na qual clamava novamente por uma
Assembleia Constituinte, que deveria ser precedida por algumas medidas, como anistia
ampla e irrestrita, fim da legislação de exceção e restabelecimento do habeas corpus,
além da liberdade partidária e sindical.980
III.5. Desculpa, mas eu sou um cara muito conhecido em Porto Alegre, entende? – a
atuação de Werner Becker em diferentes áreas
Uma questão reforçada por Werner Becker em entrevista concedida para esta
pesquisa é o fato de seu “nome” ser “conhecido em vários setores” da sociedade portoalegrense, o que significa que era atuante em outras áreas que não somente a
advocacia.981 Conforme Becker relatou em entrevista,
Porque que eu fazia muita coisa, entende? Assim, e que tinha
repercussão. Desculpa, mas eu sou um cara muito conhecido em Porto
Alegre. Entende? (…) Eu tinha uma vida, assim de noite, intensa. Sei
lá, um pouco até do folclore da cidade, algumas histórias minhas, não
sei...982
Assim, ele vincula a construção de seu reconhecimento não somente a atividade
profissional com os crimes políticos. Um exemplo da construção de seu “nome
conhecido” é a menção a ele na coluna social do Jornal do Brasil, na coluna “Hóspedes
da cidade”, na qual é mencionado que Becker estava no Hotel Ambassador.983 Este
registro mostra que o advogado era alguém conhecido e sua viagem era, de alguma
forma, digna de menção.
Uma área apontada por ele neste sentido foi sua atuação no Grêmio Foot-ball
Porto Alegrense. Ele afirmou, na mencionada entrevista, que “era muito conhecido no
Grêmio”, chegando a atuar como “advogado do Grêmio também”.984 Werner Becker,
por exemplo, defendeu o lateral-esquerdo Everaldo em 1972. O jogador, tricampeão
com a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970, deferiu um soco no árbitro José
Faville Neto durante o jogo contra o Cruzeiro em dezoito de outubro de 1972 pelo
campeonato brasileiro. De acordo com a matéria do Jornal do Brasil de vinte e um de
980
Idem, p. 215. A Anita Prestes autora reforça a contrariedade de Luiz Carlos Prestes em relação a uma
Constituinte em um horizonte próximo, algo semelhante a postura de Luiz Luisi. Idem, pp. 215-6.
981
BECKER. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto
Alegre, p. 11.
982
Idem, p. 12.
983
“Hóspedes da cidade”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIII, nº 52, 30 de maio de 1973,
1º Caderno, p. 13.
984
BECKER. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto
Alegre, p. 11.
237
outubro, Everaldo havia chegado na delegacia “com um sorriso forçado no rosto e
visivelmente constrangido pelo assédio da imprensa” e foi conduzido para a sala do
delegado.985 A ênfase na inadequação do jogador em relação à situação reforça uma
característica frequentemente mencionada sobre ele: a simplicidade e a humildade.986
Ao mesmo tempo, conforme é relatado no Jornal, foi Werner quem falou com a
imprensa, mostrando a imagem de um advogado atuante.987
No mesmo clube, Becker esteve à frente, em 1980, do Departamento de Xadrez,
que promoveu naquele ano duas exibições com enxadristas soviéticos.988 Em vinte e
quatro de agosto, o dissidente Viktor Korchonoi havia inaugurado o departamento
disputando quarenta partidas simultâneas e, em seis de novembro, o campeão mundial
Anatoli Karpov iria jogar em vinte tabuleiros.989 De acordo com a matéria do Jornal do
Brasil de seis de novembro, esta seria a primeira vez que um campeão mundial de
xadrez iria jogar no país.990 Nas reportagens do periódico sobre a vinda de Karpov, o
nome de Werner Becker estava sempre presente.
Nas entrevistas concedidas para esta pesquisa, Werner reforçou em diversos
momentos sua proximidade com figuras de diferentes espectros políticos. Ele afirmou
que defendeu “desde o Carlos Lacerda, até a dona Neuza Brizola. Ou seja, eu acho que
eu sou o único brasileiro que foi no enterro do Lacerda e do Brizola”.991 Aliás, menção à
proximidade com o golpista Carlos Frederico Lacerda, de quem reforça o afastamento
ideológico, é algo que é frequente em seus relatos.
“Everaldo depõe em sigilo”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXII, nº 184, 21 de outubro
de 1972, 1º Caderno, Esporte, p. 24.
986
Um
exemplo
é
a
matéria:
http://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/gremio/noticia/2014/09/familiares-e-amigos-mantembrilho-do-idolo-everaldo-eterna-estrela-gremista.html
987
“Everaldo depõe em sigilo”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXII, nº 184, 21 de outubro
de 1972, 1º Caderno, Esporte, p. 24.
988
“Karpov vem ao Brasil pela 1ª vez”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 198, 23 de
outubro de 1980, 1º Caderno, Esporte, p. 24; “Karpov se exibe em P. Alegre”. In: Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, Ano XC, nº 212, 6 de novembro de 1980, 1º Caderno, Esporte, p. 22; “Karpov faz exibições
no Sul mas vem ao Rio só para passear”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 213, 7 de
novembro de 1980, 1º Caderno, Esporte, p. 23.
989
“Karpov vem ao Brasil pela 1ª vez”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 198, 23 de
outubro de 1980, 1º Caderno, Esporte, p. 24.
990
“Karpov se exibe em P. Alegre”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 212, 6 de novembro
de 1980, 1º Caderno, Esporte, p. 22.
991
BECKER. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 25 de setembro de 2012, em
Porto Alegre, p. 13.
985
238
Becker afirma que ele o conheceu através do dono de um tabelionato que ficava
no mesmo prédio de seu escritório, que o convidou para participar da sucursal da
financeira presidida por Lacerda.992 De acordo com o advogado
Aí ele [Carlos Lacerda] veio aqui uma, duas vezes, a gente se
conheceu. Eu era bem mais moço, claro. E ele tomou-se de amores
para mim, comigo. E sempre que vinha a Porto Alegre ligava e dizia:
“Olha, convida o Werner”. Então eu virei advogado também do Carlos
Lacerda..993
Provavelmente foi por esta proximidade que Werner atuou com o ex-político em
um caso, em 1973, quando defendia o jornalista esportivo Cid Cabral. 994 Ele respondia
processo movido pelo presidente da Federação Gaúcha de Futebol, Odacir Franca, que o
acusava de calúnia por tê-lo chamado, em sua coluna, de “rábula de fim de linha”.995 Na
matéria do Jornal do Brasil foi mencionado que “A sustentação da defesa foi feita pelo
amigo do bacharel e diretor da Novo Rio, Sr. Carlos Lacerda”.996
Luiz Cláudio Cunha conta em seu livro sobre o sequestro dos uruguaios que, no
início da década de 1970, Werner “tinha lugar cativo na mesa mais ilustre da
intelligentsia nativa, que se remontava toda quinta-feira para um papo-cabeça e um
santo almoço no Pagoda, endereço nobre da cozinha chinesa no início da avenida
Protásio Alves”.997 Este era o grupo do periódico Pato Macho, do qual, como mencionei
no capitulo anterior, o advogado fazia parte. Becker relaciona o periódico com setores
do MDB, com o qual ele também tinha relações.
Em 1975, Werner Becker concedeu uma entrevista ao jornal O Fluminense sobre
as atividades da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade
(TFP), afirmando que a organização havia cometido três delitos.998 Segundo o
992
BECKER. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto
Alegre, p. 10. Ele comentou que neste mesmo prédio ficava, ainda, o escritório de Carlos Araújo.
993
Idem, p. 10. De acordo com Werner, isto ocorreu durante o período em que o político esteve envolvido
com a construção da Frente Ampla, entre 1966 e 1967.
994
“Lacerda no Sul defende jornalista. In: In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIII, nº 193, 18
de outubro de 1973, 1º Caderno, Nacional, p. 15.
995
Idem, ibidem.
996
Idem, ibidem.
997
Além do advogado, fazia parte dos convivas “o filósofo e jornalista Ruy Carlos Ostermann, o crítico
de cinema e publicitário Hiron (Goida) Goidanich, o cronista esportivo e mandarim colorado Ibsen
Pinheiro, o jornalista José Onofre e um promissor colunista da provícia chamado Luis Fernando
Veríssimo, que se entrincheirava em um eloqüente silêncio do começo ao fim da ágape”. CUNHA, Luiz
Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura. Porto
Alegre: L&PM, 2009, p. 208.
998
“Advogado gaúcho fala da situação da TFP”. In: O Fluminense, Niterói, Ano XCVIII, nº 2002, 18 e 19
de maio de 1975, 1º caderno, p. 2. Em meados deste ano a organização foi alvo de críticas e denúncias,
em especial no Rio Grande do Sul, o que levou a criação de uma CPI na Assembleia Legislativa. Verbete
Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Familia e Propriedade. In: ABREU, Alzira Alves de et al.
239
advogado, a TFP realizava atividade política fora dos partidos, o que era proibido pela
lei eleitoral, agredia publicamente Estados e chefes de Estado de países com os quais o
Brasil tinha relações diplomáticas, além de pregar a volta da monarquia.999
Prosseguindo na sua argumentação ,
o advogado Werner Becker diz que também “causa surpresa que a
atividade delituosada (sic) TFP não tenha recebido ainda a
investigação e a repressão das autoridades policiais e judiciárias que
zelam pela segurança nacional”. E que “causa mais espanto ainda essa
omissão, quando prestigiosos líderes militares brasileiros têm
advertido nos últimos tempos, contra a subversão, quer de direita, quer
de esquerda, não fazendo nenhuma diferença em sua
periculosidade”.1000
Assim, além de apontar para as ilegalidades do grupo, Becker comparou o
tratamento dados a grupos de esquerda e de direita, mostrando a leniência que eram
tratados os conservadores. Aparentemente, a reportagem teve impacto nas fileiras da
TFP, uma vez que na edição do dia seguinte foram respondidas as acusações por parte
de membros. 1001
Porém, o que é importante para esta pesquisa é o fato de Werner Becker ter sido
procurado pelo periódico para se pronunciar sobre o assunto. Segundo a matéria, ele era
“um dos advogados mais conhecidos em Porto Alegre”, demonstrando que sua
reputação estava, neste momento, consolidada, em especialmente no que se refere aos
crimes políticos.1002
Werner Becker vincula, assim, o seu reconhecimento às suas ações em diferentes
espaços, o que o distingue de Guazzelli e Ferri. A advocacia era uma entre as outras
esferas que faziam ele ser um “cara conhecido”, como a vida boêmia e o Grêmio
Football Porto-Alegrense.
Os anos iniciais da abertura consistituíram um período em que ocorreram
mudanças dentro do contexto político que levariam os advogados de perseguidos
políticos, como Becker, Ferri e Guazzelli, a ganhar grande repercussão pública. No caso
Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo; “ “CPI contra a TFP é aprovada no Sul”. In: O Estado de São
Paulo, São Paulo, 4 de junho de 1975, 1º Caderno, p. 4.
999
“Advogado gaúcho fala da situação da TFP”. In: O Fluminense, Niterói, Ano XCVIII, nº 2002, 18 e 19
de maio de 1975, 1º caderno, p. 2.
1000
Idem, ibidem.
1001
“Câmara e Senado acham que TFP é caso de polícia”. In: “Advogado gaúcho fala da situação da
TFP”. In: O Fluminense, Niterói, Ano XCVIII, nº 2003, 20de maio de 1975, 1º caderno, p. 2
1002
“Advogado gaúcho fala da situação da TFP”. In: O Fluminense, Niterói, Ano XCVIII, nº 2002, 18 e
19 de maio de 1975, 1º caderno, p. 2.
240
de Becker, seu reconhecimento também estava relacionado à sua atividade em outras
áreas, como a vida noturna e o Grêmio Football Porto-Alegrense. As entidades dos
advogados, em especial a OAB/RS, foram espaços onde estas transformações ficaram
mais latentes. Percebe-se, também, que foram estes anos que os direitos humanos
começaram a ganhar mais legitimidade dentro da luta contra a ditadura.
Conforme mostrei, a partir da prisão dos comunistas em março de 1975, a
organização lançou-se publicamente na defesa de perseguidos políticos, independente
de serem sócios ou não. De acordo com a análise dos debates presentes nas atas, esta
mudança de postura não será um ponto pacífico por parte de todos os membros do
Conselho, gerando atritos que ficarão mais evidentes nos anos seguintes. Começaram a
circular nestes meios também jovens militantes de esquerda, como Tarso Genro, que
passarão a disputar com os cejuristas.
241
Capítulo IV – Advogados nos holofotes: a atuação dos advogados em 1978 e
1979
Durante os anos de 1978 e 1979, os advogados aqui abordados estiveram em
maior evidência em casos de grande repercussão na imprensa. Um exemplo é o caso do
sequestro dos uruguaios no qual Omar Ferri teve papel de protagonismo e Werner
Becker também. Nestes anos, a OAB/RS seguiu a postura que vinha tendo nos anos
anteriores, posicionando-se publicamente contra a ditadura civil-militar, o que é
representado por sua atuação no caso do sequestro. Eloar Guazzelli, nestes anos, atuou
em um “grande crime” – o caso de Flávio Alcaraz Gomes – e foi eleito deputado
federal, em 1978, levando ao extremo sua combinação entre atividade profissional e
atuação política.
IV.1. Advogados no meio da política (III): as entidades classistas dos advogados nos
anos 1978 e 1979
Durante os anos 1978 e 1979 o IARGS seguiu liderado por Ruy Rodrigo
Brasileiro de Azambuja, porém agora com Otávio Caruso da Rocha como 1º vicepresidente, Alfredo Emygdio Outeiro como 2º vice-presidente e Amadeu Weinmann
como secretário, ainda contando, entre outros, com Nereu Lima como 1º Vogal.
1003
Na
sessão do dia trinta e um de maio de 1978 anunciou-se que naquele momento iniciava
uma nova fase do Instituto, que iria debruçar-se mais em apresentações com temas
jurídicos de interesse de seus sócios.1004 A partir desta nota percebe-se o Sodalício
voltando-se definitivamente para atividades culturais, como palestras e eventos,
deixando de lado as intervenções públicas, que haviam ocorrido na década de 1960. 1005
As menções feitas nas atas e pautas destes anos a questões políticas são muito rápidas e,
“Ata da reunião de posse da diretoria biênio 1978/1980, dia vinte e seis de abril de mil novecentos e
setenta e oito”, fl. 1. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980. Neste mesmo dia foi
anunciada a II Jornada Ítalo-Brasileira de Direito Agrário que seria uma parceria do Instituto com a
Faculdade de Direito de Cruz Alta e de Santo Ângelo.
1004
“Ata do dia trinta e um de maio de mil novecentos e setenta e oito”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 –
1980. Porto Alegre, 1980.
1005
Na documentação do IARGS entre 1978 e 1982 percebe-se a presença de outros documentos além das
atas. Há, também, pautas (que aparentemente foram feitos anteriormente às sessões) e expedientes
(registros dos principais pontos abordados visando a confecção das atas), ambos datilografados.
Diferentemente dos anos anteriores, as atas entre 1980 e 1982 não foram reunidas em livros
encadernados, sendo entregues pelas funcionárias para minha pesquisa em pastas, o que denominei aqui
como Maço de documentos avulsos. Além destes anos, no Maço ainda constam documentos de 1979.
1003
242
em geral, são solicitações externas que não geraram grandes manifestações ou debates
registrados. 1006
Assim, de acordo com a pauta da sessão de cinco de julho de 1978, o Instituto
dos Advogados do Brasil solicitou a colaboração para anteprojeto de Constituição. O
IAB, que estava sob a presidência de Eduardo Seabra Fagundes, tinha uma postura
“mais combativa” que a Ordem que, neste momento, buscava uma negociação e diálogo
com o governo.1007 Por outro lado, o IARGS organizou em 1979 a Primeira Jornada
Luso-Brasileira de Direito Civil, que contou, entre os palestrantes, com Marcello
Caetano, sucessor do ditador António Salazar no Estado Novo português, o que mostra
o caráter conservador da entidade.1008
Uma questão que gerou grande debate interno nestes anos estava relacionada aos
conselheiros seccionais indicados pelo IARGS. Em dezoito de outubro de 1978 foi
anunciado que Archimedes Almeida, Luiz Fernando Borges da Fonseca, Sergio Roberto
da Fontoura Juchem, George Tenório de Noronha, João Pedro dos Santos e Paulo
Pacheco Prates seriam os representantes do Instituto no Conselho Seccional da Ordem
no biênio 1979-1980.1009
Na ata sessão do dia oito de novembro, foi registrado que Ecilda Haensel, após
falar “de pé” sobre a ecologia na América Latina, pediu
que se considere a mulher como em igualdade com o homem em todos
os misteres intelectuais, salientando a conveniência e oportunidade de
se introduzir nomes de ilustres colegas para comporem o Conselho
Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, como ainda a Diretoria
deste Instituto.1010
Conforme já mencionei, mesmo que houvesse advogadas presentes nas
nominatas das diretorias do Instituto, elas não estavam, em geral, em posições de
comando ou de maior importância. Nesta fala, Haensel deixa claro seu
descontentamento por isto, em especial no que se refere aos conselheiros da Ordem
1006
Um exemplo foi o convite do escritor Josué Guimarães para instalação do Centro Brasil Democrático,
ao que foram enviadas desculpas pelo não comparecimento. “Pauta do dia 05.julho.78”; “Ata da reunião
do dia dois de maio de mil novecentos e setenta e nove”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto
Alegre, 1980.
1007
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.
5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, pp.
171-173.
1008
“Ata da sessão do dia trinta de maio de mil novecentos e setenta e nove”. In: IARGS. Livro de Atas
1978 – 1980. Porto Alegre, 1980. Caetano, após sua deposição na Revolução dos Cravos, em 1974,
buscou abrigo no Brasil, e passou a lecionar em universidade no Rio de Janeiro.
1009
“Expediente da reunião ordinário do dia 18.10.78”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto
Alegre, 1980.
1010
“Ata da sessão de 08 de novembro de 1978”, fls. 1-2. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto
Alegre, 1980.
243
gaúcha indicados pelo Instituto. Pelo que se deduz da manifestação anotada em ata,
houve um movimento por parte de sócias, provavelmente a oradora tratada, para romper
esta barreira de gênero que havia dentro das entidades dos advogados. Esta mobilização,
infelizmente, ficou somente no registro de Ecilda Haensel.
Já na sessão do dia doze de dezembro, foi minutada a renúncia do secretário
Amadeu Weinmann, sobre a qual o presidente Ruy Rodrigo de Azambuja aventou se
teria sido “uma das causas, a eleição” para o conselho seccional da OAB “do Dr.
George Tenório de Noronha”, que ainda não havia
tomado posse, comunicando que recebeu do Doutor Noronha à sua
apresentação, dispondo-se a convocar o Conselho Superior para
conhecimento do fato, e providenciar a respeito. [O presidente
Azambuja] Diz também, que tais casos devam ser discutidos e
resolvidos dentro da casa, nada de transpor a sala de reuniões.1011
Pelo que é possível depreender da passagem, a escolha de Noronha não foi
pacífica e levou a atritos entre os membros da diretoria. Conforme apontei acima,
George Tenório era uma figura conservadora que havia se oposto, em dois momentos, a
posturas mais oposicionistas por parte da OAB/RS. As posições deste conselheiro
tomarão uma dimensão mais pública nos dias seguintes à data desta sessão.
Assim, a escolha dos representantes do IARGS não motivou resistência somente
de Ecilda Haensel. Aliás, após a manifestação do presidente, a advogada tomou a
palavra afirmando que iria levar uma moção ao VIII Congresso dos Advogados
“propondo critérios para a escolha de membros da Ordem dos Advogados do Brasil,
Secção Rio Grande do Sul e da Diretoria deste Instituto, para serem incluídas as
mulheres”.1012
Percebe-se, nestes anos, a presença dos comunistas do CEJUR no IARGS. O
membro mais frequente nas sessões foi Clóvis Goulart Ponzi, em especial em 1978.1013
Neste ano, ainda constam menções a Eloar Guazzelli. Na Pauta do dia cinco de julho
são citados ingressos oferecidos ao Instituto para um coquetel em prol da candidatura de
“Ata da sessão do dia doze de dezembro de mil novecentos e setenta e oito”. In: IARGS. Livro de
Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980.
1012
Idem.
1013
“Ata do dia doze de julho de mil novecentos e setenta e oito”; “Ata do dia treze de setembro de mil
novecentos e setenta e oito”; “Ata do dia vinte de setembro de mil novecentos e setenta e oito”; “Ata do
dia dezoito de outubro de mil novecentos e setenta e oito”; “Ata do dia primeiro de novembro de mil
novecentos e setenta e oito”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980. Além de Ponzi,
ainda frequentavam as sessões do IARGS nestes anos, de forma esporádica, os comunistas Fernando
Barcelos de Almeida e Júlio Teixeira.
1011
244
Eloar.1014 Já na ata do dia doze do mesmo mês é registrado que na Semana do
Advogado daquele ano, ele teria inaugurado seu retrato na Galeria dos ExPresidentes.1015 A partir da menção constante da presença de Tarso Genro, percebe-se
ainda que os velhos comunistas conviviam no Instituto com a presença constante do
jovem advogado e militante.1016
A temática dos direitos humanos apareceu na documentação do IARGS destes
anos de forma mais indireta que nos anos anteriores, como se viu em menções ao livro
As agressões aos direitos humanos e a defesa dos cidadãos, de Carlos Frederico
Barcellos Guazzelli e Marco Túlio de Rose.1017 Em documentos de 1978 e 1979 do
IARGS encontraram-se registros referentes à impressão e lançamento da publicação.1018
Além disso, foi registrado na ata da reunião do dia dez de outubro de 1979 que, entre as
comemorações do 50º aniversário do Instituto, estava prevista uma exposição filatélica
sobre a problemática Internacional dos Direitos Humanos.1019
Em dez de dezembro de 1979 foi eleita a gestão do IARGS para o biênio 19801981, sendo escolhido Otávio Caruso da Rocha como presidente, Antônio José Leiria 1º
vice-presidente, João Pedro dos Santos 2º vice-presidente, Isaac Ianhorn 1º secretário e
Irisi Gonçalves Dias da Costa 2ª secretária.1020 Os cejuristas Fernando Barcelos de
Almeida e Clóvis Ponzi estavam na nominata, como tesoureiro e presidente do Instituto
de Direito Penal, respectivamente. Já Marcus Melzer ficou como presidente do Instituto
dos Direitos Humanos e Tarso Genro do Instituto de Direito Sindical.
Durante os anos 1978 e 1979, o Conselho Seccional da OAB/RS teve intensa
mobilização, tanto em questões internas da categoria quanto na intervenção na esfera
“Pauta do dia 05.julho.78”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980.
“Ata do dia doze de julho de mil novecentos e setenta e oito”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980.
Porto Alegre, 1980.
1016
Idem; “Ata da reunião ordinária do dia 11.outubro.78”; “Ata da sessão do dia 22 de novembro de
1978”; “Ata da sessão do dia quinze de março de mil novecentos e setenta e nove”; “Ata do dia treze de
junho de mil novecentos e setenta e nove”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980.
1017
A obra continha os trabalhos “O exercício e a existência dos Direitos Políticos”, de Marco Túlio de
Rose, e “Os Direitos Humanos, a Ordem Pública e a Segurança Nacional”, de Carlos Frederico Barcellos
Guazzelli, vencedores do 2º Concurso Estadual de Ensaios Jurídicos, realizado em 1974 pelo Instituto,
Livraria do Advogado e Centro Acadêmico André da Rocha, da Faculdade de Direito. ROSE, Marco
Túlio de; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. As agressões aos direitos humanos e a defesa dos
cidadãos. Porto Alegre: Coojornal, 1978, 55 p.
1018
“Expediente da reunião do dia 16.agosto.78”; “Ata do dia vinte e três de agosto de mil novecentos e
setenta e oito”; “Ata do dia treze de setembro de mil novecentos e setenta e oito”; “Ata do dia treze de
junho de mil novecentos e setenta e nove”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980;
“Expediente da reunião do dia 04.abril.1979”. In: IARGS. Maço de documentos avulsos.
1019
“Ata da reunião do dia dez de outubro de mil novecentos e setenta e nove”. In: IARGS. Livro de Atas
1978 – 1980. Porto Alegre, 1980.
1020
“Ata de eleição”. In: IARGS. Livro de Atas 1978 – 1980. Porto Alegre, 1980.
1014
1015
245
pública. No que se refere à luta da categoria em relação à vinculação das entidades
classistas ao Ministério do Trabalho colocada no Decreto 74.000, na ata de catorze de
fevereiro de 1978 é registrado que o presidente do Conselho Federal, Raymundo Faoro,
comunicou ao presidente da OAB/RS Justino Vasconcelos
de que o Senhor Presidente da República aprovara parecer no sentido
de a Ordem não ser vinculada a qualquer outro Órgão Público, tendo ,
assim chegado a bom termo a campanha deflagrada pela O.A.B. RS,
no dia seguinte ao da publicação do malsinado decreto Lei 74.000 de
1974.1021
No mesmo dia foi publicado no Diário Oficial da União o parecer do consultorgeral da República que desvinculava “definitivamente a Ordem de qualquer órgão
governamental, e resolvendo, deste modo, o problema da autonomia da entidade”.1022
Como mostrei, esta mobilização foi realizada logo após a edição do Decreto pela Ordem
e pelo Instituto gaúcho. Esta menção é, assim, o resultado da organização dos
advogados. Ao mesmo tempo, ela reflete uma característica da presidência de Faoro que
era o diálogo e a negociação com a ditadura. O fim deste imbróglio, como indicaram
Marly Motta e André Dantas, seria um efeito da “busca de ‘consenso’” por parte de
Faoro “rumo a uma efetiva abertura democrática”.1023
Na ata da sessão extraordinária de onze de dezembro de 1978 foi feita a consulta
do Conselho Seccional sobre o apoio à candidatura de Eduardo Seabra Fagundes para
presidência do Conselho Federal, o que foi decidido favoravelmente por unanimidade,
sendo a decisão reiterada na sessão do dia vinte e dois de março de 1979.1024 Na ata da
sessão de três de abril foi registrado que Seabra Fagundes havia sido eleito e convidara
Júlio Teixeira para a Comissão Coordenadora da VIII Conferência da OAB”.1025
Como mencionei, Eduardo Seabra Fagundes havia sido presidente do Instituto
dos Advogados do Brasil e, nestes anos, tinha tomado posições mais firmes do que
Faoro em relação à ditadura. Assim, a escolha por Seabra Fagundes reflete uma escolha
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 14 de fevereiro de 1978”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1022
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.
5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
166.
1023
Idem, ibidem.
1024
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 11 de dezembro de 1.978”, fl. 1; “Ata da
sessão extraordinária do Conselho, realizada em 22 de março de 1.979”.In: OAB/RS. ATAS do Conselho
– [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1025
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 3 de abril de 1.979”, fls. 2.In: OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Eduardo Seabra Fagundes venceu o pleito
por 23 votos a 2. MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados
do Brasil, v. 5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro:
OAB, 2006, p. 172.
1021
246
do Conselho Federal da Ordem por uma postura mais combativa em um novo contexto.
Conforme Marly Motta e André Dantas,
Se a posição “mais bem comportada” de Faoro, na expressão de seu
antecessor, correspondeu, em boa medida, às incertezas quanto aos
limites presentes e às perspectivas futuras do processo da distensão em
curso, a combatividade que se esperava da Ordem ao eleger Seabra
Fagundes se relacionava com a expectativa de que, vencidas as
estreitas veredas, o caminho rumo à abertura poderia ser trilhado, não
com menos riscos, mas certamente com mais clareza em relação aos
objetivos a serem alcançados.1026
Enquanto que Faoro representava uma tentativa de consenso e diálogo com o
regime por parte da entidade dos advogados, seu sucessor indicava que ela buscaria,
neste momento, um maior embate.
As menções ao novo presidente do Conselho Federal nas atas citadas acima
mostram que, mais uma vez, o Conselho Seccional sul-rio-grandense da Ordem apoiava
o candidato que vencia as eleições. E mais uma vez o nome apoiado pelos gaúchos era
um candidato que buscava colocar a entidade na oposição à ditadura. A referência feita
ao comunista Teixeira mostra, por um lado, seu prestígio dentro da Ordem nacional, e,
por outro, a preocupação da diretoria da seccional gaúcha em demonstrá-lo.
Nos anos de 1978 e 1979 continua-se a ver a presença da atuação da seccional na
defesa de advogados, como no caso de arbitrariedades e violências contra advogados no
Rio Grande do Sul e em outros estados.1027 Além destes debates, ainda vemos nas
sessões da OAB/RS registros de violências e tortura praticadas no estado. 1028 Na ata da
sessão de três de julho de 1979, por exemplo, houve um pronunciamento de Subseções
sobre anteprojeto de lei sobre a incolumidade física das pessoas presas ou detidas,
mostrando o comprometimento da organização com a luta contra a tortura.1029
1026
Idem, p. 173.
Em 1978 foi o caso dos registros, em 27 de junho, de arbitrariedades de um juiz contra um advogado,
em Lagoa Vermelha, em 5 de setembro, da agressão de um policial a um advogado em Venâncio Aires.
Em 6 de novembro de 1979 foi registrado que o conselheiro Nereu Lima foi à Polícia Federal para
providenciar a liberação de advogado Francisco Mariano Ricoldi, preso por um juiz de Minas Gerais,
além do desagravo ao advogado Hermeto Rocha do Nascimento. “Ata da sessão extraordinária do
Conselho, realizada em 27 de junho de 1978”, fl. 1; “Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 5
de setembro de 1978”, fls. 4; “Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 06 de novembro de
1.979”, fls. 2. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1028
Este foi o caso do relatório, registrado na ata de 6 de março de 1979, enviado pela subsecção de Cruz
Alta “sobre denúncia de torturas e violências praticadas por agentes policiais daquela cidade”. “Ata da
sessão ordinária do Conselho, realizada em 6 de março de 1.979”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS do Conselho
– [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1029
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 03 de julho de 1.979”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1027
247
Também foram tratadas questões referentes aos espaços destinados aos
advogados, como as condições precárias dos parlatórios de Penitenciárias.1030 Em 1979,
houve um conflito envolvendo a sala destinada aos advogados no Tribunal Regional do
Trabalho. Na ata da sessão de dezessete de abril foi registrado que na inauguração do
espaço, na qual estava presente o presidente da OAB/RS e outros conselheiros, um
grupo de advogados, “invocando a qualidade de sócios da AGETRA, desacataram
frontalmente não só o Presidente do Conselho, mas também o TRT 4ª. Região”.1031
Mesmo não sendo explicitada a razão, depreende-se, a partir do relato feito pelos
conselheiros, que teria a ver com a qual instituição caberia a administração da sala.
Ao mesmo tempo, foi registrado na ata que conselheiros mencionaram,
confirmando que já estava “ficando insuportável o atrito entre a OAB-RS e a
AGETRA” e que “as divergências entre os sócios as AGETRA” já vinham “se
acentuando há mais de quatro anos”, o que foi confirmado por Saul Calvette, primeiro
presidente da associação.1032 Na ata desta sessão nota-se o impacto do quiproquó, uma
vez que os debates se estenderam por quatro laudas, gerando duas notas, uma para o
presidente do TRT e outra voltada ao público.1033 Mesmo com os confrontos, foi
registrado que o presidente Justino Vasconcelos manteve “uma atitude digna, elegante e
britânica”.1034
Este evento mostra a tensão que havia entre alguns advogados trabalhistas e a
Ordem, o que, provavelmente, tinha uma relação com as disputas existentes dentro do
campo jurídico. Os advogados reunidos na AGETRA eram, em geral, jovens
politicamente vinculados às esquerdas, que buscavam, a partir da agremiação, intervir
no campo jurídico e, desta forma, concorriam com os consagrados conselheiros da
OAB/RS.
A sala disputada foi inaugurada em sessão extraordinária do Conselho Seccional
no dia catorze de agosto. Na cerimônia, Júlio Teixeira, que falou em nome da OAB/RS,
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 1º de agosto de 1978”, fls. 4. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1031
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 17 de abril de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Para saber mais sobre a
Associação Gaúcha dos Advogados Especialistas em Direito do Trabalho (AGETRA) ver nota 948 na
página 227.
1032
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 17 de abril de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1033
Idem, fls.1-5.
1034
Idem, fls. 2.
1030
248
tratou da necessidade da sala para os advogados trabalhistas, e além de abordar a figura
de Dante Sfoggia, que foi homenageado no nome da sala,1035 o conselheiro
Concluiu, dizendo que “Cabe, agora a nós, advogados que estamos
vivendo dias de intensa luta pelo restabelecimento da plenitude do
Estado de Direito em nosso País, concorrermos com o melhor de
nossos esforços para manter o prestígio da Justiça do Trabalho e para
darmos o exemplo de fraternidade e solidariedade em torno de idéias
grandes e que, pela sua grandeza e importância, deixem de longe as
nossas inevitáveis e sempre nocivas imperfeições pessoais”.1036
Percebe-se que, em sua conclusão, Teixeira vinculou a necessidade de
fraternidade e solidariedade entre os advogados com a luta contra a ditadura, o que é
significativo uma vez que os advogados que se manifestaram contra a Ordem também
estavam na oposição ao regime.
Um recado mais direto aos manifestantes foi dado por João Antônio Pereira
Leite, que falava em nome do TRT. Ele trouxe, em seu discurso, a menção ao advogado
trabalhista Afrânio Araujo, afirmando que ele, assim como Sfoggia, era um exemplo de
tolerância.1037 Esta referência não foi gratuita, uma vez que Araujo era pai do presidente
da AGETRA, Luiz Heron.
Há, nas atas do Conselho Seccional da OAB/RS em 1978 e 1979, diversas
referências aos comunistas. Um exemplo é o voto de congratulações proposto pelo
conselheiro Sérgio Juchem a Eloar Guazzelli “por sua brilhante vitória nas eleições para
Deputado Federal”, ao que foi informado pelo presidente Justino Vasconcelos “que já
remetera ofício de congratulações em nome do Egrégio Conselho Seccional”. 1038 Já na
sessão de seis de março de 1979, consta a solicitação de Hilário Gonçalves Pinha feita
em trinta de janeiro “de um advogado para patrocinar [s]ua causa, contra o poder
Público, em face de torturas sofridas em dependências do DOI-CODI e DOPS”, que
causa estranheza, pois quem levaria adiante o caso era seu advogado na Justiça Militar,
Eloar Guazzelli.1039 Ainda na reunião de seis de março, os comunistas Honório Peres e
Walter Graeff, além de Tarso Genro, estavam entre os conselheiros substitutos, e foi
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 14 de agosto de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1036
Idem, fls. 2.
1037
Idem, fls. 3.
1038
“Ata da sessão extraordinária do conselho, realizada em 21 de novembro de 1.978”, fls. 4. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1039
Idem, fls. 3. Como mostrei, Pinha e sua companheira que estava grávida haviam sido presos em
março de 1975 e, após, ele passou por diversas sessões de torturas. Analisarei o processo de indenização
será analisado posteriormente nesta tese.
1035
249
proposto um voto de louvor a Paulino de Vargas Vares, pela sua atuação como vicepresidente.1040
Em 1979, ainda vemos a consagração de dois advogados vinculados à defesa de
presos políticos por parte do Conselho Seccional da Ordem. Na sessão de vinte e seis de
junho, Sobral Pinto, entre outros nomes, foi indicado para a Medalha Oswaldo Vergara,
além de ser mencionado que ele proferiria uma palestra sobre o Estado de Direito na
sede da OAB/RS no dia nove de julho.1041 Já em vinte e sete de dezembro, Luiz
Armando Dariano foi indicado de forma unânime para receber a comenda Oswaldo
Vergara.1042
Apesar do tratamento de temas políticos ser proibida pelos estatutos, nestes anos,
os mesmos se fizeram presentes no Conselho da OAB/RS. Um exemplo foi a sugestão
de Júlio Teixeira, registrada na ata de catorze de março de 1978 e aprovada por
unanimidade, de que o discurso da seccional gaúcha na VII Conferência Nacional dos
Advogados seja relativo “ao retorno pleno do Estado de Direito”.1043 Ao mesmo tempo,
a OAB/RS procurava manter uma boa relação com as autoridades da ditadura, o que
fica claro na visita feita pelo candidato ao governo do Estado em vinte e sete de julho de
1978, Amaral de Souza, que abordou a questão da transição política.1044
Para debater o projeto de Lei de Segurança Nacional, encaminhado ao
Congresso Nacional no dia dezessete de outubro de 1979, foi realizada uma sessão
extraordinária do Conselho da OAB/RS no dia seguinte.1045 Inicialmente, o presidente
Justino Vasconcelos informou ao Conselho sobre a declaração que faria à imprensa
sobre o projeto do governo, passando a sugestões dos conselheiros, havendo grande
discussão entre eles.1046
O Conselho Seccional da OAB/RS estava envolvido nestes temas, o que é
comprovado pelo fato de ter sido chamada uma sessão extraordinária no dia seguinte ao
1040
Idem, fls. 5.
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 26 de junho de 1.979”, fls. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1042
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 27 de dezembro de 1.979”, fl. 1. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Dariano havia sido
advogado de ofício da Auditoria Militar de Porto Alegre e destacou-se na defesa de presos políticos.
1043
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 14 de março de 1978”, fls. 2. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1044
“Ata da sessão extraordinária do conselho, realizada em 27 de julho de 1978”. fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1045
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 18 de outubro de 1.978”. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1046
Idem, fl. 1.
1041
250
envio do projeto ao Congresso. Vemos, também, as diferentes posições dos conselheiros
em relação ao assunto: enquanto que Marcus Melzer solicitava, naquele momento,
somente a exclusão da urgência, Otávio Caruso da Rocha pedia um repúdio ao projeto.
Júlio Teixeira surgia, neste contexto, como uma figura mediadora na Ordem gaúcha.
Vemos que a maior parte do Conselho não concordava com uma manifestação
pública contrária ao projeto do governo, mostrando que não estavam tão dispostos ao
enfrentamento direto à ditadura neste assunto, mesmo que se opusesse ao projeto de Lei.
De acordo com Marly Motta e André Dantas, o Conselho Federal da Ordem “se
manifestou contra a versão revista da LSN, cujos dispositivos continuavam a ser fonte
de poder arbitrário, como aquele que os presos fossem mantidos incomunicáveis por
oito dias (antes eram 10)”.1047 Havia, assim, uma sintonia do Conselho Seccional com o
Federal.
Um tema que esteve presente nas atas de 1979 foi a questão da Anistia,
motivado pelo envio pela ditadura do projeto de lei em junho. De acordo com a ata, na
primeira sessão após o encaminhamento, Júlio Teixeira propôs um ofício ao Presidente
da Ordem, Seabra Fagundes, que reafirmasse “as posições deste Conselho Seccional,
inclusive já anteriormente manifestadas em sucessivos Congressos, no sentido de apoiar
e aplaudir o pronunciamento público, emitido em nome dos advogados brasileiros”: a
proposta foi aprovada por unanimidade.1048
Provavelmente, o pronunciamento público mencionado devia estar relacionado à
Declaração de Florianópolis, confeccionada na Reunião de Presidentes das Seccionais
realizada entre trinta de maio e dois de junho, “cujo parágrafo inicial deixou clara a
posição da Ordem a favor da “anistia ampla, geral e irrestrita e sem gradualismo”, como
“preliminar indispensável” para recompor o pacto social e pacificar o país”.1049 O
Conselho Federal reuniu-se, em vinte e quatro de julho, para debater a anistia a partir do
parecer do conselheiro José Paulo Sepúlveda Pertence.1050
Ainda de acordo com os autores, o projeto de lei não foi votada no Congresso, “sendo aprovada por
decurso de prazo em dezembro”. MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem
dos Advogados do Brasil, v. 5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio
de Janeiro: OAB, 2006, p. 170.
1048
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 03 de julho de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1049
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.
5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
175.
1050
Idem, p. 177.
1047
251
No documento nota-se uma das principais críticas da OAB ao projeto do
governo: ao mesmo tempo que em não anistia os condenados por crimes tipificados na
Lei de Segurança Nacional, beneficia os agentes do Estado que reprimiram
violentamente, sob a tolerância ou estímulo do regime, segundo o parecer. 1051 Na sessão
em que foi apresentado o parecer ao Conselho Federal, apenas um conselheiro, Godoy
Bezerra foi contrário, afirmando que seria uma “colocação política”, além de denunciar
as manifestações no Conselho como “revanchistas” promovidas por “agentes da
agitação” que “transformariam a OAB em ‘cenáculo de pantomimas’”. 1052 Isto mostra
que, assim como no Conselho gaúcho, havia na cúpula nacional vozes que não
concordavam com as posturas que a Ordem vinha tomando. Na reunião foram
acrescentadas três resoluções aditivas, entre as quais destaca-se a primeira, que buscava
estender a anistia aos ex-dirigentes sindicais que sofreram restrições devido a medidas
interventoras.1053 Ao confrontar o parecer do Conselho Federal da OAB com o projeto
aprovado notamos que somente este ponto foi acrescentado na redação da lei, o qual,
posteriormente, sofreu veto presidencial. 1054
Na primeira sessão do Conselho da Ordem sul-rio-grandense após a aprovação
da Lei de Anistia, foi mencionada a mobilização ao retorno dos vereadores da Câmara
de Porto Alegre cassados em 1977, Marcos Klassmann e Glênio Peres. Assim, foi
registrado o telegrama do vereador do MDB Cleon Guatimozim sobre a volta dos
cassados para a Casa legislativa após a Lei de Anistia.1055 De acordo com a ata, durante
a sessão foi sugerido pelo conselheiro Flávio Ramos que a Ordem “se pronunciasse a
respeito da reintegração dos Vereadores anistiados pela nova Lei, ao que o Presidente
1051
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Parecer para o Processo
C.P. nº 2164/79 – Projeto de Lei de Anistia. Rio de Janeiro, 1979.
1052
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.
5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
177.
1053
CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Parecer para o Processo
C.P. nº 2164/79 – Projeto de Lei de Anistia. Rio de Janeiro, 1979, p. 12.
1054
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/vep267-L6683-79.pdf. Este
parecer voltou ao debate público no ano de 2010, durante a argumentação do ministro relator da Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, no qual a OAB buscava saber se crimes praticados por
militares e policiais — como a tortura e desaparecimento — durante a ditadura estão cobertos pela lei de
anistia. Em seu voto, o ministro Eros Grau afirmou que a percepção de que a Lei de Anistia de 1979
beneficiava os agentes do Estado estava presente no parecer da entidade, o que colocava a “OAB de hoje
contra a OAB de ontem”. (http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf153.pdf) Através
da análise do documento podemos notar que, como afirma o então presidente da OAB Cezar Britto, "o
parecer atacava a Lei de Anistia porque ela excluía aqueles acusados de subversão e dava a entender que
os
torturadores
estavam
beneficiados”.
(http://www.conjur.com.br/2008-nov16/leia_parecer_oab_1979_favor_anistia_ampla)
1055
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 4 de setembro de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
252
informou ser somente possível dar o apreço da OAB-RS aos mandatos populares”.1056 A
fala anotada de Justino Vasconcelos mostra os limites que ainda havia para as posições
da Ordem.
Ainda sobre a legislação, na ata da sessão de seis de novembro de 1979, foi
registrado que o conselheiro Nereu Lima propôs uma moção de protesto ao novo
Código de Menores (Lei 6.667 de 10 de outubro de 1979) que permitia a detenção de
menores por até 5 dias.
1057
A moção foi aprovada por unanimidade, ficando o
conselheiro também autorizado “a levar a mesma moção, para ser submetida ao
Congresso Nacional de Direito do Menor, ora em andamento nesta Capital”.1058
De acordo com a ata da reunião de quatro de dezembro de 1979, Júlio Teixeira
sugeriu que fosse convocado o IX Congresso dos Advogados do estado para discutir o
anteprojeto da Constituição.1059 Na ata da sessão seguinte, de vinte e sete do mesmo
mês, vemos que a proposta vingou, uma vez que ficou registrado que em dezembro do
ano seguinte seria realizado o IX Congresso dos Advogados do Rio Grande do Sul. Este
evento, intitulado Congresso Pontes de Miranda, teria como objetivo “elaborar e discutir
anteprojeto de constituição, como colaboração da Classe, à próxima Assembléia
Nacional constituinte”.1060 É provável que esta iniciativa tenha tido relação com a
conferência das seccionais, realizada em outubro de 1979 em Belém, que, entre outros
temas, tratava da convocação de uma Assembleia Constituinte, o que mostra mais uma
vez a sincronização dos debates do Conselho da OAB/RS com a direção nacional.1061
IV.2. Os advogados e una pareja y dos hijos: o caso do sequestro dos uruguaios
Durante estes anos o Conselho Seccional da Ordem esteve também envolvido
em um caso que marcou a abertura no Rio Grande do Sul: o sequestro dos uruguaios
Universindo Diaz e Lilián Celiberti e seus filhos Camilo e Francesca. Universindo e
Lilián eram militantes do Partido Por la Victória del Pueblo (PVP), que haviam entrado
1056
Idem, fls. 4.
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 06 de novembro de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1058
Idem, ibidem.
1059
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 04 de dezembro de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1060
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 27 de dezembro de 1.979”, fl. 1. In:
OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1061
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.
5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
177.
1057
253
clandestinamente no Brasil com o intuito de denunciar as violações aos direitos
humanos ocorridas na ditadura uruguaia.1062 Em 12 de novembro de 1978 eles foram
sequestrados por uma operação que envolvia as repressões uruguaia e brasileira que
buscavam prender militantes da organização que atuavam no Brasil, e que
posteriormente seriam levados ilegalmente para o Uruguai.
Através de um ardil, Lilián conseguiu fazer com que seus algozes a levassem
novamente para o apartamento onde morava na rua Botafogo, na capital gaúcha. Em
Porto Alegre, Celiberti entrou em contato com seus correligionários e, de forma cifrada,
conseguiu avisar sua situação e organizar uma armadilha para a repressão. Assim, na
tarde de 17 de novembro, embora os agentes repressivos dos países vizinhos esperassem
outro membro do PVP, deram de cara com os jornalistas Luiz Cláudio Cunha e João
Batista Scalco, da sucursal da Editora Abril em Porto Alegre, que haviam sido avisados
do caso por militantes que viviam em São Paulo. A astúcia de Lilián permitiu a
denúncia do caso.
Além de Cunha, correligionários de Lilián e Universindo entraram em contato
com Jan Rocha, jornalista inglesa da BBC radicada em São Paulo e integrante do grupo
CLAMOR.1063 Ao saber do caso, ela pensou em Omar Ferri, que havia conhecido pouco
antes, por ocasião de um caso político no qual o advogado atuara em São Paulo.1064 Por
uma das coincidências presentes no caso, Jan era casada com Plauto Rocha, que havia
estado escondido com Ferri logo após o golpe na capital paulista.
1062
1065
Nota-se que a
Uma vez que o caso foi abordado em diversas obras, optei por focar aqui a atuação dos advogados
Omar Ferri e Werner Becker, além do Conselho da OAB/RS. Para um aprofundamento sobre o caso ver
os livros de Omar Ferri e Luiz Cláudio Cunha, protagonistas do acontecimento: FERRI, Omar. Seqüestro
no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981; CUNHA, Luiz Cláudio.
Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre:
L&PM, 2009. Para uma análise histórica do caso ver a dissertação de Ramiro dos Reis: REIS, Ramiro
José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não muito alegre. Porto
Alegre: UFRGS, 2012. Dissertação de Mestrado em História. Partindo da dissertação, Reis produziu uma
história em quadrinhos e um livro paradidático: REIS, Ramiro José dos; COSTA, Rafael. Tchau Yano:
Operação Condor em Porto Alegre. Porto Alegre: Editora Deriva, 2015 (disponível em
http://pt.calameo.com/books/00219014836f4e549cb33); REIS, Ramiro José dos. Operação Condor nas
ruas de um porto não muito alegre. Porto Alegre: EST Edições, 2016.
1063
Em diversas entrevistas Ferri reforça que uma inverdade presente em seu livro foi a referência à
ligação, atribuída a outro membro do CLAMOR, Luiz Eduardo Greenhalgh. Na época, ele não divulgou
que a ligação havia sido feita por Jan para não atrapalhar sua carreira como jornalista. FERRI, Omar.
Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em Porto Alegre, p. 21;
“Entrevista: Dr. Omar Ferri”. In: Justiça & História – Revista do Memorial do Judiciário, Porto Alegre,
Memorial do Judiciário/Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2004, Vol. 4, nº 8, p. 19.
1064
“Depoimento 12 – Jan Rocha”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 191.
1065
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p .18.
254
entrada de Omar no caso tem a ver com sua carreira política anterior ao golpe, em
especial sua relação com o mencionado companheiro de “desgraça política”. A trajetória
de Ferri vai marcar sua participação no caso, sendo articulada tanto por seus apoiadores
quanto por seus críticos.
IV.2.1. Omar Ferri entra em cena
Ferri comenta que, quando recebeu a ligação de Rocha naquela sexta-feira de
primavera, estava preparando-se para o julgamento de um cliente, Delaro Severino.1066
Depois do expediente, ele decidiu passar no apartamento do Menino Deus onde
Universindo e Lilián moravam e, não encontrando ninguém lá, deixou um bilhete
informando de sua visita; ele voltaria no dia seguinte, encontrando a mesma
situação.1067 Como Ferri chegara lá depois de Cunha e Scalco, a armadilha dos agentes
repressivos já tinha sido desmontada.1068
Na segunda-feira, 20 de novembro, após o julgamento de Severino, o advogado
foi abordado pelos jornalistas José Mitchell, da sucursal do Jornal do Brasil, e Ernani
Quaresma, de O Globo, que haviam pego o bilhete no apartamento e buscavam mais
informações sobre o ocorrido.1069 Nos dias seguintes, o caso foi denunciado na
imprensa, ao mesmo tempo em que o advogado buscava informações sobre o ocorrido
em diferentes esferas.1070 Uma vez que os órgãos de segurança apontados responderam
a isto com silêncio, parecia uma confissão de culpa; Ferri afirma que pensou naquele
momento que havia “acertado na mosca”.1071
No dia 22 chegou à capital gaúcha Lilia Celiberti, mãe de Lilián, que se dirigiu
ao jornal Zero Hora, sendo recebida pelo jornalista Milton Galdino, que chamou Ferri
para auxiliá-la.1072 Foi organizada uma entrevista coletiva e, assim, nos jornais do dia 23
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 35.
1067
Idem, p. 36.
1068
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 138. Dissertação de Mestrado em História.
1069
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 38; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto
não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 139. Dissertação de Mestrado em História.
1070
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 41; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto
não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 139. Dissertação de Mestrado em História.
1071
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
1072
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 10; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de
um porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 120. Dissertação de Mestrado em História
1066
255
de novembro viam-se estampadas fotografias de doña Lilia, ao lado de Ferri, clamando
pelos seus netos, até então não mencionados pelas notícias sobre o caso. 1073 Isto teve
grande repercussão na sociedade gaúcha: de acordo com Omar Ferri, em seu livro, as
“palavras” da madre y abuela “ecoavam por todo o Rio Grande”.1074
Imagem 5: Lilia Celiberti e Omar Ferri denunciam o sequestro. Fotógrafio: Ricardo
Chaves (publicado com a autorização do artista).
Nos dias seguintes, Lilia Celiberti e Omar Ferri realizaram um périplo em Porto
Alegre buscando informações sobre seus netos e sua filha, até que duas ligações vieram
a indicar que a primeira batalha, a libertação de Camilo e Francesca, tinha vingado. 1075
Inicialmente, um telefonema anônimo, de alguém que devia favores a Ferri, anunciou
1073
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 120. Dissertação de Mestrado em História
1074
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 46.
1075
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 121. Dissertação de Mestrado em História.
256
que as crianças já estariam a salvo com o avô.1076 No dia 25 eles receberiam a ligação de
Homero Celiberti, pai de Lilián, confirmando que seus netos estavam com ele.1077
Conforme Omar Feri relatou para o livro Memórias da resistência e da
solidariedade, após ouvir a notícia de seu marido, Lilia Celiberti
sorriu, e, ao mesmo tempo em que sorria ela também chorava. Então
foi um momento de comoção. (…) Uma coisa... Um profundo grito
saído das entranhas de um coração amargurado, de uma avó
desesperada, ecoou de tal forma, com força tamanha e de tão
irresistível, que desmantelou a estrutura do sequestro, e as Forças
Conjuntas, muito valentes até então, tiveram que se recolher à sua
covardia e à sua insignificância e entregar as crianças para os
legítimos avós.1078
A primeira vitória desta mobilização devia-se, principalmente, às ações
realizadas tanto por Lilián quanto por sua mãe. Conforme aponta Ramiro dos Reis, “se a
tática de Celiberti teve sucesso ao tornar público o sequestro, foi a pressão exercida por
dona Lilia, juntamente com Omar Ferri, a OAB-RS e o MJDH, que evitou que o fato
deixasse de repercutir na mídia”.1079 Procurarei mostrar, nas páginas a seguir, como
Ferri, em conexão com a OAB/RS e o Movimento de Justiça e Direitos Humanos
(MJDH), contribuiu para que a denúncia deste caso tivesse sucesso.
No final de novembro de 1978, o caso já obtinha ampla repercussão na
sociedade brasileira. De acordo com Ramiro dos Reis, naquele momento a participação
do advogado já era parabenizada, tanto pelo CLAMOR quanto pelo Secretariado
Internacional de Juristas por la Amnistia en el Uruguay (SIJAU).1080
Posteriormente, o SIJAU enviaria para Porto Alegre o jurista Jean-Louis Weill
para comparar o caso com outros semelhantes e sensibilizar as autoridades e instituições
sobre o respeito aos direitos humanos.1081 Omar Ferri acompanhou a visita de Weill na
capital gaúcha, estando presente em sua reunião com o governador Synval Guazzelli.
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 46. Esta seria a segunda ligação anônima de Faustina Severino para a casa do advogado: na
primeira ela teria alertado para o perigo que as crianças corriam.
1077
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 121.
1078
Idem, ibidem.
1079
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 121. Dissertação de Mestrado em História.
1080
Idem, pp. 139-40.
1081
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 63.
1076
257
Antes de sair do país, o jurista francês denunciou o caso e acusou o DOPS e o delegado
Pedro Seelig como responsável.1082
Em decorrência do impacto da denúncia do caso, no final de novembro também
houve a primeira intimação para Ferri depor na Polícia Federal. 1083 De acordo com o
advogado, nesta instituição seria travada uma verdadeira guerra, sendo questionados
pelos inquisidores sobre sua atuação política, em especial sua relação com Leonel
Brizola. Em seu livro, o advogado conta a intimidação que passou e mostra que
“poderia vir a tornar-se réu quem na verdade ocupava a função de acusador”, gerando
uma sensação de opressão que era compartilhada por Luiz Cláudio Cunha.1084
Ao longo do caso, Ferri seria alvo de diversas pressões, através de telefonemas e
cartas anônimas, além de ser seguido.1085 As ameaças chegaram até a casa de Omar, o
que, de acordo com seu livro, levou a uma reunião familiar na qual sua esposa Maria
Helena pediu para rever a participação do advogado no caso.1086 Ferri, na ocasião,
demonstrou à família que “não tinha intenção de afrontar ninguém, muito menos o
DOPS ou a Polícia Federal, mas que considerava como meu dever a luta pela verdade.
Mais do que um dever, um direito. O direito que cada um de nós tem de servir à causa
da Justiça”.1087 A fala fez com que seus entes queridos o apoiassem nesta luta.
IV.2.2. A OAB/RS entra em cena
De acordo com Omar, no final de novembro, o presidente em exercício do
Conselho Seccional da OAB/RS, Paulino de Vargas Vares, colocou a entidade em
solidariedade ao advogado.1088 Em diferentes entrevistas, Ferri contou que ele teve
cautela logo após a aproximação da Ordem: ao mesmo tempo que via no grupo dirigente
1082
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 140. Dissertação de Mestrado em História.
1083
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 49-50.
1084
Idem, p. 56.
1085
Idem, p. 152; “Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo
Enriquez. Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos
contra as ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 126-7.
O advogado ainda relatou para Ramiro dos Reis um assalto ocorrido na Praça XV, no centro da capital,
no qual o objetivo seria deixá-lo nu, com a intenção de desmoralizá-lo. Ele acusou o DOPS da ação o que
não foi desmentido. REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de
um porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, pp. 140-1. Dissertação de Mestrado em
História. Um rastro da perseguição sofrida por Ferri é um bilhete, que consta no Acervo Particular Omar
Ferri do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Acervo da Luta Contra a Ditadura – Acervo Particular
Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1.
1086
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 83-4.
1087
Idem, p. 84.
1088
Idem, p. 57.
258
uma postura conservadora e não crítica à ditadura, seu grupo havia perdido na disputa
da eleição anterior para o Conselho Seccional.1089
Ele afirmou também que, antes de responder à proposta de apoio da Ordem,
Ferri reuniu-se com os líderes da chapa vencida, Alceu Loureiro Ortiz e Luiz Heron
Araújo, para debater a questão.1090 Isto permite entender melhor a posição de Omar
Ferri na política interna das entidades dos advogados: ele pertencia ao grupo de Luiz
Heron que, em abril de 1979, se manifestara contra a diretoria da OAB/RS no TRT. A
partir do relato pode-se apresentar dois grupos rivais dentro da OAB: um hegemônico,
liderado por Justino Vasconcelos, e outro reunido em torno de Alceu Loureiro Ortiz e
Luiz Heron Araújo, que viria a ser presidente da AGETRA no mesmo ano.1091
Com o aval de seus correligionários, Ferri foi convidado para ir à reunião do
Conselho Seccional do Conselho
...a convite do Paulino de Vargas Vares, fui recebido pelo Justino
Vasconcelos: “Bah, vamos tornar a ser amigos”, eu disse brincando
para ele. [e Vasconcelos respondeu:] “Mas nós nunca fomos
inimigos!” e ele sorria, eu também, rimos. Aí a OAB, daquele
momento em diante começou a lutar junto com o movimento,
conosco, junto com jornalistas, em completa consonância com a
Assembleia Legislativa. Também reuniões da OAB saiam
praticamente, eram reuniões diárias; a OAB criou uma comissão que
visitaria a família no Uruguai; uma outra comissão pra dar um parecer
aqui sobre o Sequestro. Então a OAB teve na linha de frente nessa luta
em favor das liberdades individuais, principalmente com o objetivo de
esclarecer o Sequestro.1092
Em entrevista concedida para esta pesquisa, Omar Ferri reforça que o apoio da
OAB/RS foi essencial, assim como o dos jornalistas e da Assembleia Legislativa:
“ninguém, desse triunvirato lutador, sozinho podia fazer nada”; eles “formaram uma
frente única contra os sequestradores, contra o crime, contra o sequestro, contra a
violação da nossa soberania, contra a ofensa dos nossos direitos”. 1093
De acordo com Ferri, Paulino de Vargas Vares entrou em contato com o
presidente da OAB, Raymundo Faoro, informando-o sobre seus objetivos em relação ao
1089
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 24.
1090
Idem, ibidem; FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto
de 2017, em Porto Alegre.
1091
Além destes nomes, Ferri afirma que de seu grupo faria parte também Luiz Carlos Madeira, que seria
o presidente da OAB/RS no biênio 1985-1986.
1092
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 25. A aproximação de Omar Ferri com a Ordem foi tanta que ele ficou como Conselheiro
substituto, assumindo em diferentes períodos em 1979 e 1980.
1093
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
259
caso, e obtendo seu aval.
1094
Assim, na sessão de cinco de dezembro de 1978, Paulino
de Vargas Vares, na condição de presidente interino e com o apoio do presidente do
Conselho Federal Raymundo Faoro, propôs que o Conselho Seccional atuasse ao lado
de Omar Ferri no caso do sequestro dos uruguaios. 1095 Após manifestações de apoio de
diversos conselheiros, a proposta foi aprovada, “tendo os Conselheiros GEORGE
TENÓRIO DE NORONHA e GUILHERME FLORES DA CUNHA se abstido de
votar, enquanto não se souber detalhes a respeito do assunto”.1096
Já na ata da sessão extraordinária do dia 19 de dezembro de 1978, consta, além
de telegrama com manifestações de apoio em relação à iniciativa da entidade, a
mensagem do presidente da Ordem.1097 Na mensagem, Faoro delegava ao presidente da
OAB/RS, Justino Vasconcelos, a constituição da Comissão que iria para o Uruguai, que
deveria realizar-se após o Natal, e afirmando que não prosperariam “maliciosas
informações” que visavam dividir e abalar a confiança da classe em seus legítimos
dirigentes eleitos.1098
Assim foram organizadas duas Comissões: a primeira – formada por Otávio
Caruso da Rocha, Marcus Melzer, José Mariano Beck, além de Ferri – iria viajar para o
Uruguai em busca de informações sobre o caso enquanto que a segunda – liderada por
Marcus Melzer e composta por Rovílio Breda, Nereu Lima e Paulo Pinto de Carvalho –
ficaria responsável pela investigação do caso.1099 De acordo com Omar Ferri, no final de
dezembro, a segunda Comissão enviava um relatório para Faoro indicando que os
uruguaios haviam sido “coercitivamente” transladados para o país vizinho, além de
apontar a presença de Orandir Portassi Lucas, o Didi Pedalada, na ação.1100
Percebe-se que a variedade de vozes presentes no Conselho Seccional que
procurei mostrar, até aquele momento estava, aparentemente, em uníssono coral
Devido a sua presteza Omar, em seu livro, define Vares como alguém “dotado de raro sendo de
objetividade e despido do academicismo bacharelesco, vício que em muitos casos obscurece o raciocínio
lógico dos advogados”. FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1981, p. 57.
1095
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 5 de dezembro de 1.978”, fls. 4. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1096
Idem, fls. 5.
1097
Este é o caso da manifestação da Câmara de Vereadores de Santa Maria que enviava seu apoio. “Ata
da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 19 de dezembro de 1.978”, fl. 1. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1098
Idem, fls. 1-2.
1099
Idem, fls. 2. Na semana seguinte seria aprovado, em sessão extraordinária, o primeiro documento da
comissão presidida por Melzer. “Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 27 de dezembro
de 1.978”, fls. 1. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1100
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 57.
1094
260
validando o apoio à luta de Omar Ferri. Conforme apontou o advogado em entrevista
concedida para esta pesquisa, a única opinião dissonante só iria elevar seu volume às
vésperas da viagem da comissão para o Uruguai, no início de janeiro de 1979.1101
Em três de janeiro de 1979, o 1º Secretário George Tenório de Noronha, na
qualidade de Presidente da OAB/RS, foi à imprensa criticar as iniciativas da entidade
em relação ao caso, em especial a Comissão que viajou para o Uruguai. 1102 Noronha,
que também era coronel do Exército reformado, questionava os trabalhos da Comissão
já que “seu trabalho foi parcial e em sua maioria é composta de esquerdistas”,
afirmando ainda que “80 por cento dos advogados da OAB” eram desta ideologia.1103
Ele qualificava todo o caso como “fofoca” e afirmava que seriam
“suspeitos” os advogados Mariano Beck e Otávio Caruso, “já que são
cassados” e que o advogado Omar Ferri é interessado no caso, pois
defende a cidadã uruguaia. “De todos os quatro [que compunham a
Comissão que foi ao Uruguai] – concluiu – somente Marcus Melzer
merece confiança, pois é um homem de centro e muito
equilibrado”.1104
No mesmo dia, Paulino de Vargas Vares, vice-presidente que estava de férias,
além de manifestar à imprensa sua posição, reassumiu a presidência e convocou uma
reunião extraordinária para o dia quatro de janeiro para deliberar sobre o imbróglio
ocasionado pela fala de Noronha que, apesar de convocado, não compareceu. 1105 Na ata
da sessão consta o telegrama enviado por Vargas para a Comissão no Uruguai,
informando que havia retomado a presidência “reprovando publicamente” o
pronunciamento de Noronha, o que também havia sido feito por Faoro.1106
A seguir foi destacada uma Comissão, formada por Leônidas Xausa, Walter
Becker e Archimedes Almeida, para confeccionar uma nota pública que manifestava a
opinião do Conselho sobre o assunto.1107 A nota desautorizava e repudiava o
pronunciamento de Noronha, visto como de caráter pessoal “em completo divórcio com
as decisões unânimes adotadas pelo Conselho”, além de o considerar
1101
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
1102
“Presidente interino da OAB/RS é contra Comissão e apóia decisão do governo”. In: Folha da
Manhã, Porto Alegre, Ano X, nº 2786, 4 de janeiro de 1979, p. 25.
1103
Idem, ibidem.
1104
Idem, ibidem.
1105
“Presidente lamenta”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 269, 4 de janeiro de
1979, 1º Caderno, Nacional, p. 9; “Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 4 de janeiro de
1.979”. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1106
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 4 de janeiro de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1107
Idem, fls. 2. In: OAB/RS.
261
insólito (…)já que, tendo se omitido de participar das deliberações
sobre a matéria, manifesta-se, agora, de modo isolado, intempestivo e
impróprio, confundido a opinião pública e tentando comprometer a
missão nobremente desempenhada, no Uruguai, pelos advogados
gaúchos, que representam oficialmente toda a ORDEM DOS
ADVOGADOS DO BRASIL, por delegação do Presidente do
Conselho Federal.1108
A abstenção de Noronha pode ser um silêncio deste tipo de fonte, derivado de
uma intencionalidade por parte da entidade, que teria excluído a discussão buscando
mostrar uma união. Por outro lado, em entrevista Omar confirma que Noronha não
havia se oposto em sessões.1109
A manifestação do Conselho seguia afirmando que as declarações do militar
reformado/conselheiro caracterizavam “grave lesão a elementares deveres de ética e
lealdade, pessoais e funcionais, que o incompatibilizam profundamente com o Conselho
Seccional da Ordem, com o Conselho Federal e a própria Classe dos Advogados”.1110
Era feito também moção de censura a ela, “contando que sentimentos de honra possam
conduzi-lo à única solução digna para o episódio” – provavelmente a renúncia, uma vez
“que perdeu a confiança do Conselho”.1111
O Conselho reforçava “sua ampla e irrestrita solidariedade” nas duas Comissões
do caso “cujos Membros continuam no desempenho de um encargo que se constitui em
imposição da consciência cívica e jurídica da Nação”.1112 Finalmente, rechaçava a ideia
de que os advogados seriam em maioria
aderentes a esta ou àquela ideologia. A Ordem não tem como objetivo
– e isso é corolário de suas tradições de respeito à pessoa humana –
vigiar ou impor formas de pensamento ao cidadão, que é livre para
adotar seus próprios princípios e ideais políticos (…).1113
Vale reforçar que a manifestação acima foi escrita por dois conselheiros, Walter
Becker e Archimedes Almeida, que, como mostrei, haviam sido aliados de George
Noronha em debates acalorados envolvendo posturas oposicionistas da OAB/RS. O fato
de eles, junto de Xausa, terem feito a nota mostra que havia uma percepção por parte
dos conselheiros de que o coronel reformado “teria ido longe demais”.
1108
Idem, ibidem.
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
1110
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 4 de janeiro de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1111
Idem, ibidem.
1112
Idem, ibidem.
1113
Idem, fls. 2-3.
1109
262
Após a reunião, o Conselho foi a público anunciar sua posição em relação ao
pronunciamento de George Tenório de Noronha. Mesmo que criticando a postura
assumida pelo conselheiro, Justino Vasconcelos frisava que a renúncia era questão de
“foro íntimo”, ainda que, conforme aponta a matéria do Jornal do Brasil, o presidente
Faoro tenha afirmado que esperava que o conselheiro tivesse “a dignidade de se afastar”
da entidade.1114
Nesta linha foi a entrevista dada pelo conselheiro Eloar Guazzelli, então
deputado federal eleito, publicada na Folha da Manhã no dia 6 de janeiro.1115 Ele
afirmava que havia conhecido George Noronha quando era militar e fazia parte do
Conselho da Auditoria Militar de Porto Alegre. Guazzelli afirmou que, quando o
reencontrou no Conselho da OAB/RS ficou surpreso, uma vez que não tinha passado
pelo período obrigatório de dois anos após sair do Exército.1116 Eloar reforçou que ele
havia entrado no Conselho Seccional “pela porta dos fundos” que seria pela indicação
do IARGS, o que “leva a crer que Noronha tenha entrado de uma maneira misteriosa e
alheia aos estatutos da classe”.1117
Na verdade, o coronel reformado havia sido eleito para os biênios 1975-1976 e
1977-1978, sendo indicado pelo Instituto para o biênio seguinte, que não havia tomado
posse.1118 A escolha deste bacharel para uma das vagas do Conselho foi motivo de
tensões e conflitos dentro do Instituto, gerando aparentemente, conforme apontei acima,
uma renúncia da diretoria. Comparando a fala de Guazzelli com as atas do IARGS,
pode-se constatar que a trajetória de Noronha dentro das entidades classistas não foi tão
“misteriosa”, sendo fruto de imposição por parte da repressão.
O deputado eleito seguia afirmando que “o bacharel em questão não possui
representatividade alguma junto a classe de advogados gaúchos”, além de possuir o
“malveso de rotular as pessoas e revelou, com sua manifestação, um visível propósito
“OAB/RS repudia declarações”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 270, 5 de
janeiro de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 8.
1115
“Para Eloar Guazzelli fala de Noronha foi ato de usurpação”. Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano X,
nº 2788, 6 de janeiro de 1979, p. 15.
1116
Idem, ibidem.
1117
Idem, ibidem.
1118
“Ata da primeira sessão do Conselho, realizada em 03 de fevereiro de 1975”, fls. 2. OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 13 – 1974 1975 1976. Porto Alegre, 1976; “Ata da sessão extraordinária do
Conselho realizada no dia 1º de fevereiro de 1977”.In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977
1978 1979. Porto Alegre, 1980. É curioso que Guazzelli qualifica as vagas do IARGS como “porta dos
fundos” uma vez que ele havia entrado no Conselho Seccional desta forma indicado para no biênio 19671968. Esta tática também foi utilizada pelos comunistas Antônio Pinheiro Machado Netto e Júlio
Teixeira. MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz (org). Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul 60 anos de existência. Porto Alegre: IARGS, 1986, pp. 92-3.
1114
263
de desprestigiar o Conselho da Ordem”.1119 Eloar afirmava que George Noronha não
“tinha condições alguma de julgar Mariano Beck ou Caruso da Rocha” que,
diferentemente do coronel reformado, tinham “currículos e serviços incomuns ao
Estado, como advogados e políticos”.1120
Para Guazzelli, Noronha buscava iniciar um movimento que levaria a uma
intervenção da ditadura na OAB, além de dizer que a presença deste “na instituição se
justifica e se explica, apenas, como mais uma das conseqüências do estado de exceção
vigente no país, desde 1964”. Ele finalizou afirmando que
O arbítrio a que fomos submetidos criou uma espécie de casta, de
homens intocáveis e acima da lei. Noronha nos aparece como sendo
um dos escudos destes super-homens e que está dentro da Ordem para
defender iniquidades. Eu até esperava que esta pessoa saísse general.
Como isto não aconteceu, ele se daria muito bem como executivo de
alguma multinacional. Sei, apenas que o que não pode fazer, é se
investir de representante da classe e defender idéias contrários [sic] a
lei. Acredito, aliás que isto se enquadra num caso de usurpação.1121
Há na entrevista de Eloar Guazzelli diversas questões relevantes para pensar a
atuação da Ordem e de sua relação com a ditadura. Um dos pontos é a indicação de que
Noronha seria alguém infiltrado pelo regime na entidade – contando, assim, com a
benevolência de alguns membros das agremiações classistas em liberalizar certas
exigências para sua presença. Seguindo a lógica, talvez paranoica, de Guazzelli, o
coronel reformado buscou, através de suas ações como presidente em exercício, dar um
“golpe de Estado” na entidade, que, como procurei mostrar, vinha tomando posições
mais críticas em relação à ditadura.
Eloar Guazzelli aproveitou a situação, ainda, para expor sua visão sobre a
ditadura, mostrando que havia uma proteção à repressão e aos seus agentes, além de
vinculá-la aos interesses do capitalismo internacional.1122 Ao afirmar que Noronha
poderia tanto estar à frente de uma grande empresa quanto nos altos cargos do Exército,
ele sugere a existência de uma promiscuidade entre o grande capital e os donos do poder
na ditadura. É possível, assim, que o deputado tenha utilizado do espaço promovido
“Para Eloar Guazzelli fala de Noronha foi ato de usurpação”. Folha da Manhã, Porto Alegre, Ano X,
nº 2788, 6 de janeiro de 1979, p. 15.
1120
Idem, ibidem.
1121
Idem, ibidem.
1122
George Noronha ainda iria responder as acusações dos presidentes dos Conselhos da Ordem,
reafirmando suas opiniões, além de dizer que Faoro teria sido “ingrato” uma vez que sua eleição no
Conselho teria sido garantida pela campanha realizada pelo coronel reformado. “Coronel diz estar
estarrecido”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 271, 6 de janeiro de 1979, 1º
Caderno, Nacional, p. 7.
1119
264
pelo debate para se manifestar politicamente, acenando com uma postura que buscaria
levar para a Câmara.
Já Omar Ferri, em seu livro, afirma que as atitudes do coronel reformado “eram
dirigidas por alguém que estava diretamente interessado em nos desmoralizar em
Montevidéu. Constituíam apenas a parte de uma trama em que ele atuava como
marionete”.1123 Há, por parte destes advogados, duas visões diferentes, mas não
excludentes, sobre a fala de Noronha: enquanto que Eloar a relaciona com a presença da
repressão na sociedade brasileira, Omar vincula ao caso específico do sequestro.
Pode-se afirmar que a diferença nas falas está relacionada à imagem pública que
cada um tinha construído até aquele momento, Guazzelli ficando mais vinculado à
defesa de presos políticos em geral e Ferri dos uruguaios. Nas duas perspectivas,
George Tenório de Noronha era visto como uma peça – “escudo” ou “títere” – de algo
maior.
Apesar do constrangimento provocado pelas declarações de George Noronha, a
Comissão da OAB/RS foi para o Uruguai, acompanhada dos jornalistas José Mitchell
do Jornal do Brasil, Pedro Maciel e Olívio Lamas da Veja, José Antonio Zulian de O
Globo, Henrique Lago da Folha de São Paulo e Ênio Staub da Folha da Manhã.1124
Raymundo Faoro intercedeu junto ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil para
que pedisse à diplomacia uruguaia que auxiliassem a delegação.1125 A intervenção do
presidente da Ordem acabou não sendo frutífera e a missão brasileira não foi recebida
por nenhuma autoridade, além de não poder entrar em contato com Lilián e
Universindo.1126 Mesmo assim, eles “colheram importantes relatos do menino Camilo,
os quais, apesar de não terem serventia jurídica, foram fundamentais para o
esclarecimento do caso”.1127
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 76.
1124
Idem, ibidem.
1125
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 146. Dissertação de Mestrado em História.
1126
Idem, ibidem; FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1981, p. 78-9.
1127
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 146. Dissertação de Mestrado em História.
1123
265
Imagem 6: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 269, 6 de janeiro de 1979,
1º Caderno, Nacional, p. 9. Na fotografia, Lilia Celiberti recebendo os conselheiros da OAB/RS
Marcus Melzer, José Mariano Beck e o advogado Omar Ferri. Fonte: Centro de Documentação do
Jornal do Brasil.
No Uruguai, a Comissão e os jornalistas sofreram constrangimentos, sendo
espionados, além de sofrerem ameaças às suas integridades feitas por telefone a
Faoro.1128 Ferri reforçou, em seu livro, que as pressões se deviam, também, à
composição:
O Dr. Melzer era o Presidente da Comissão e, como tal, assumia
posições de magistrado. O Otávio Caruso, hábil pensador, com
pendores para o jogo da diplomacia. O Mariano, com sua objetividade
Idem, p. 147; FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1981, pp. 78-80.
1128
266
e coragem, formava comigo a linha de frente. Éramos, portanto, peças
importunas no jogo, que precisavam ser anuladas.1129
É interessante notar que todos os componentes deste, parafraseando Omar,
“quarteto lutador” haviam sido, em algum momento, políticos com atuação partidária:
enquanto que Melzer fora deputado da UDN, Caruso da Rocha, Mariano Beck e Ferri,
tinham atuaram no PTB. Omar Ferri afirmou que considerava, inicialmente, Marcus
Melzer “sumamente conservador para estar do nosso lado naquela época”.1130 A
estranheza em relação à presença do ex-udenista Melzer foi compartilhada por setores
conservadores, como visto na fala de Noronha.1131
Como procurei mostrar aqui, nos debates realizados em sete de dezembro de
1976 e sete de junho de 1977, o conselheiro havia se oposto a um posicionamento mais
crítico da OAB/RS em relação à ditadura, no qual era aliado de Noronha. Em outros
momentos, como em sua participação no caso do sequestro, Marcus Melzer fez parte de
barricadas de resistência à ditadura, constituindo, como afirmou Cunha, “um campeão
dos direitos humanos na ditadura”.1132
Ferri, neste sentido, reforçou no livro Memórias da resistência e da
solidariedade, que o conselheiro Melzer,
personagem que nós não podíamos ter a mínima confiança num
cidadão (…) se revelou um cidadão decente, corajoso, que eu passei a
admirá-lo, de um caráter irreversível, porque para ele, acima de tudo,
estava o direito da nossa luta, a conquista da justiça, da liberdade e da
democracia. E ele lutou firme, inclusive contra ex-companheiros da
UDN, demonstrando a dignidade de um personagem quando luta. Eu
fiquei encantado por este cidadão. Marcus Melzer.1133
Em entrevistas concedidas para esta pesquisa, Ferri fez declarações
semelhantes, da mesma forma que Carlos Frederico Guazzelli em conversas
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 83.
1130
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 123.
1131
Luiz Cláudio Cunha conta em seu livro que o diretor do DOPS teria questionado Marcus Melzer
afimando: “Ora, logo o senhor, um homem da sua reputação, defendendo essa gente que não passa de
subversiva, que é capaz até de matar!... O senhor me desculpe, Dr. Melzer!”, ao que foi respondido pelo
conselheiro que “quando o senhor tiver a minha idade, com certeza só terá compromissos com a
verdade!”. CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos
tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 216.
1132
Idem, ibidem.
1133
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 123.
1129
267
informais.1134 Estas referências mostram que, ao longo da ditadura, surgiu um consenso
sobre as arbitrariedades do regime que extrapolou o campo político das esquerdas,
especialmente nos meios jurídicos. Marcus Melzer, mesmo afinado politicamente com
os setores que tomaram o poder em 1964, foi notando as violações da legalidade e dos
direitos cometidas pelo Estado brasileiro e procurou combatê-las. Sem personagens
como Melzer e Sobral Pinto a resistência nos meios jurídicos não teria sido tão bemsucedida.
No momento em que pôs seus pés no solo brasileiro, Omar Ferri foi intimado
para depor novamente na Polícia Federal, ainda no início de janeiro. 1135 O advogado
compareceu acompanhado pelo presidente da Ordem gaúcha, Justino Vasconcelos, e foi
inquirido pelo delegado Edgar Fuques.1136 Mais uma vez o passado de Ferri, em
especial sua relação com Brizola, foi trazido à tona pelos interrogadores.1137 Neste caso
também foram questionadas as declarações feitas pelo advogado contrárias às ações da
polícia, ao que Vasconcelos retrucou que ele não precisaria responder.1138 Em seu livro,
Ferri afirma que Luiz Cláudio Cunha e João Batista Scalco também haviam passado por
constrangimentos semelhantes.1139
Em diversos momentos do livro o autor afirma que, enquanto os jornalistas
tinham suas palavras desacreditadas pelas autoridades, as informações trazidas por ele
eram consideradas “duvidosas, pois eu nada mais era do que um perigoso subversivo,
defensor de terroristas e opositor do sistema. Ou – conforme a versão do Delegado
Marco Aurélio – estava em busca da fácil notoriedade”.1140 Durante a CPI, instaurada
no final de março de 1979, por exemplo, o deputado da Arena, Cícero Viana, afirmava
que o caso todo seria uma
montagem, preparada e ordenada à guisa de revanchismo político pelo
advogado Omar Ferri, conhecido militante de esquerda, defensor
permanente de envolvidos em terrorismo, atos de subversão, e sempre
pronto para desfechar ataques contra organismos de segurança,
1134
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Nota sobre a composição da Diretoria do
IARGS - Gestão 1974/76 [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre,
2017.
1135
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 82.
1136
Idem, p. 110.
1137
Idem, ibidem.
1138
Idem, p. 111.
1139
Idem, ibidem..
1140
Idem, p. 108.
268
especialmente contra homens como o delegado Pedro Seelig, um dos
baluartes no combate ao terrorismo e à subversão.1141
Outro deputado da situação que participou da CPI, Jarbas Lima, afirmava que o
testemunho de Omar seria “suspeitíssimo”, pelas mesmas razões.1142 Além das ameaças
e perseguições, o que se nota é que havia, por parte das autoridades, uma intensa e
vigorosa campanha para desabonar as falas e ações daqueles envolvidos na apuração
dos fatos, o que também ocorreu no incidente de Tenório de Noronha, que era
confrontado pela mobilização da imprensa, da OAB e, posteriormente, da CPI da
Assembleia Legislativa.1143
Com o intuito de ouvir os relatos da viagem ao Uruguai foi chamada a sessão
extraordinária do Conselho da OAB/RS no dia dez de janeiro de 1979. Na ata constam,
inicialmente, diversos telegramas e ofícios de personalidades e entidades recriminando a
postura de George Tenório Noronha e oferecendo apoio, mostrando que a atitude da
Ordem tinha respaldo em outros setores.1144 Há o registro de um ofício de Sobral Pinto
sugerindo que o Conselho Seccional solicitasse a abertura de inquérito junto ao
presidente General Geisel, evidenciando uma tática deste defensor: o contato direto com
autoridades.1145
Na correspondência ainda consta a solidariedade da OAB de São Paulo “pela
posição assumida no caso da FLÁVIA SCHILLING, brasileira que se encontra presa no
Uruguai”, o que indica que a Missão àquele país também deve ter tratado deste tema.1146
Na sessão de seis de março, consta novo ofício desta seccional, solidarizando-se pela
postura tomada pela OAB/RS no caso de Flávia e do sequestro.1147 Juntada aos
documentos da Comissão consta uma carta do advogado de Flávia, Décio Freitas,
1141
Idem, p. 142.
Idem, p. 157.
1143
A presença destes trechos no livro procurava, também, mostrar de que lado estava o autor, o que era o
objetivo da “apresentação” feita pelo DOPS no início do livro, o que será analisado posteriormente nesta
tese.
1144
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 10 de janeiro de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Além das menções feitas na ata,
na documentação específica da Comissão Especial constam, por exemplo, telegramas de Júlio Teixeira e
do Instituto dos Advogados do Brasil e carta do advogado J.T. Barbosa. OAB/RS. Processo n° 7423/78 –
Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil – correspondência
geral, de solidariedade à OAB-RS. Porto Alegre, 1979. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27].
1145
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 10 de janeiro de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1146
Idem, ibidem.
1147
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 6 de março de 1.979”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1142
269
datada de seis de fevereiro de 1979, oferecendo apoio à OAB na questão do sequestro, o
que também acena neste sentido.1148
Em relação ao objetivo principal da reunião de dez de janeiro, foram relatadas
pelo presidente da Comissão, Marcus Melzer, as conclusões da missão. Ele procedeu a
leitura do relatório e concluiu afirmando que: Lilián e os menores haviam ficado
“detidos em dependências da Secretaria de Estado dos Negócios da Segurança Pública
do Estado do Rio Grande do Sul”; a identificação de Camilo envolveu Pedro Seelig “na
remoção coativa”; os uruguaios deixaram o Brasil através de “atos coercitivos, ao
arrepio da lei, praticados por agentes da autoridade pública, em abuso de poder”; a ação
havia sido feita com o objetivo de que as crianças ficassem como reféns, o que, de
acordo com o relatório, mesmo que fosse um “ procedimento inadmissível em país onde
vige o Estado de Direito”, era comum no Uruguai; além da apuração da
responsabilidade, o governo brasileiro deveria “exigir do Uruguai a restituição ao Brasil
das vítimas da violência, como é das normas do Direito das Gentes, do respeito à
Soberania Nacional e do acatamento à hierarquia das autoridades brasileiras”; e,
finalmente,
A recusa das autoridades uruguaias em receber a Comissão da OABRS, harmonizando-se com outros indícios colhidos em Montevidéu,
levam a ponderar que depoimentos prestados pelos presos, antes da
sua restituição ao Brasil, com os menores, carecem de
credibilidade.1149
Após a leitura, foi proposto pelo conselheiro Leônidas Xausa que o Conselho o
adotasse, o que foi unanimemente aprovado.1150 Melzer afirmou ainda que, partindo dos
dados colhidos no país vizinho, havia reunido com o Secretário da Segurança, Cel.
Rubem Moura Jardim, para tratar do caso, em especial a identificação de Seelig.1151
IV.2.3. Werner Becker e os jornalistas
No início de janeiro de 1979 também houve os primeiros depoimentos oficiais
de Luiz Cláudio Cunha e João Batista Scalco para a Polícia Federal. Neste contexto
OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de
uruguaios, no Brasil – correspondência geral, de solidariedade à OAB-RS. Porto Alegre, 1979.
[Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27]
1149
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 10 de janeiro de 1.979”, fl. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. O relatório também encontra-se
na caixa referente à Comissão: OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para
tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil. Porto Alegre, 1978. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas
27].
1150
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 10 de janeiro de 1.979”, fl. 3. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1151
Idem, ibidem.
1148
270
surgiu publicamente, junto dos jornalistas, seu advogado, Werner Becker. De acordo
com Cunha, no momento em que denunciaram o sequestro, foi recomendado aos
jornalistas que buscassem o auxílio de um advogado, o que foi patrocinado pelo
Sindicato dos jornalistas.1152
A esposa de Luiz Cláudio, Maria Jandyra, conhecia Werner e sua atuação na
Justiça Militar e o indicou para ele.1153 Atuando em nome do Sindicato dos Jornalistas,
Becker representou outros jornalistas no caso, além de Scalco e Cunha.1154 A entrada do
advogado no caso deveu-se, principalmente, ao fato de ele já possuir “um nome” como
defensor de presos políticos, ou seja, já reconhecido nesta expertise.1155
Werner inicialmente intercedeu em favor de Luiz Cláudio nos primeiros dias do
ano, quando a polícia o dava por “desaparecido” e garantiu, ao governador Guazzelli,
sua presença em depoimento à Polícia Federal.1156 Assim, em nove de janeiro, o
advogado, além de Justino Vasconcelos, acompanhava o jornalista quando esteve diante
Orandir “Didi Pedalada” Lucas pela primeira vez após sua visita ao apartamento da rua
Botafogo.1157
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos
da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 211.
1153
Idem, ibidem; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de
julho de 2017, em Porto Alegre, pp. 21-2. O advogado, em sua entrevista, contou que a partir do caso sua
relação com o casal ficou muito próxima, chegando a ser padrinho de uma das filhas de Luiz Cláudio e
Maria Jandyra.
1154
“CPI vai convocar Coronel que advogado acusa pelo seqüestro”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
Ano LXXXIX, nº 53275, 31 de maio de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 16; OAB/RS. Processo n°
7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil. Porto Alegre,
1978 [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27].
1155
Isto é reforçado pela apresentação que Luiz Cláudio Cunha faz do advogado em seu livro. Lá, além de
mostrar as diferentes esferas da sociedade porto-alegrense em que o advogado atuou, narra uma anedota
de uma defesa de presos políticos, bem ao estilo de Werner. CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o
seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 20811.
1156
Idem, p. 212; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de
julho de 2017, em Porto Alegre, p. 22.
1157
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos
da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 212; Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº
275, 10 de janeiro de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 7.
1152
271
Imagem 7: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 275, 10 de janeiro de 1979,
1º Caderno, Nacional, p. 7. Na fotografia do alto, Werner Becker e Justino Vasconcelos (à
esquerda) acompanham Luiz Cláudio Cunha (ao centro) em depoimento. Fonte: Centro de
Documentação do Jornal do Brasil.
272
Nos dias seguintes, Becker denunciaria a quebra do sigilo da sindicância por
parte do deputado arenista Cícero Viana, que teria tido acesso à mesma em um
momento em que isto era vedado.1158 Frente à ativa participação de Werner, o advogado
dos policiais, Oswaldo de Lia Pires, teria questionado o fato dos jornalistas, que eram
testemunhas, terem advogado, fazendo assim insinuações sobre a culpabilidade
deles.1159 A resposta de Becker, de acordo com entrevista concedida a esta tese, foi a
afirmar que “quando a Polícia é a ré a testemunha tem que ter advogado”.1160
No final de janeiro de 1979, o advogado dos jornalistas solicitou a retirada dos
documentos de seus clientes, buscando “resguardar a idoneidade dos jornalistas e
testemunhas”, afirmando que “caso não fossem extraídos os documentos, as
testemunhas passariam a figurar como réus”.1161 Para Ferri, isto deixava claro que a
sindicância tinha
a nítida intenção de transformar os denunciantes em denunciados. A
continuar dessa forma, em breve o Luís Cláudio, o Scalco, eu e até o
próprio Werner Becker poderíamos posar como réus. Sim, porque,
numa espécie de processo kafkiano, os processados pela sua condução
inacreditavelmente inverteram sua finalidade, numa manobra que
acabaria caindo no absurdo.1162
De acordo com o livro Seqüestro no cone sul, a linha argumentiva do
representante das testemunhas seguia afirmando que a sindicância, que deveria “apurar
atividades ilícitas de funcionários”, objetivava levantar “a vida pregressa dos jornalistas
e advogados” e que os “documentos e depoimentos em nada contribuem na busca da
verdade sobre os policiais do DOPS que estão envolvidos”.1163
Em fevereiro de 1979, Werner surgiria novamente ao lado de Luiz Cláudio
Cunha em fotografias que mostravam o jornalista depondo na Polícia Federal.1164 Neste
momento, partindo de conversas e contatos com o delegado da Polícia Federal Egar
1158
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 278, 13 de janeiro de 1979, 1º Caderno,
Nacional, p. 8; Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 281, 16 de janeiro de 1979, 1º
Caderno, Nacional, p. 8.
1159
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos
da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 212; BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante
Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto Alegre, p. 22.
1160
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017,
em Porto Alegre, p. 22. Esta resposta também está em CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o
seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 212.
1161
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 100.
1162
Idem, ibidem.
1163
Idem, ibidem.
1164
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 302, 6 de fevereiro de 1979, 1º Caderno,
Nacional, p. 7.
273
Fuques, Becker afirmava à imprensa “ter chegado à convicção de que ‘as ligações da
polícia do Estado com a polícia uruguaia são extremamente íntimas’”.1165
Estas passagens mostram que Werner “e suas bruxarias” acrescentaram uma
nova dimensão jurídica que Ferri e os conselheiros talvez não pudessem dar. Além de
dar guarida aos jornalistas, ele atuou ao lado deles na investigação. Um exemplo é o
requerimento de março de 1979, no qual o advogado, em nome dos jornalistas,
solicitava ao governador em exercício, deputado Carlos Giacomazzi, uma lista com os
nomes dos funcionários do DOPS.1166 Este pedido levaria a um confronto entre o
governador e os agentes de segurança, uma vez que o delegado do DOPS enviou a lista
sem a cópia das identidades funcionais e, assim, sem maiores utilidades para a
investigação. Mesmo sem as fotografias, a lista levaria Ferri e os jornalistas à Faustina
Severino.1167
IV.2.4. Últimas manifestações da OAB/RS no caso
A interlocução com o governo foi o intuito da sessão extraordinária do dia
dezoito de janeiro, na qual esteve presente o governador Sinval Guazzelli para discutir o
caso do sequestro e foi decidido pela divulgação de uma nota do Conselho.1168 A
manifestação afirmava que, mesmo tendo pelo governador admiração e apreço, o
Conselho lamentava “não poder aplaudir, como era do nosso desejo, as últimas
declarações e medidas adotadas pelas autoridades estaduais, relativas ao chamado caso
do seqüestro de cidadãos estrangeiros”.1169 A nota seguia afirmando que, pelas
denúncias veiculadas e o apelo do advogado – “que se viu impedido de exercer a
profissão” – a Ordem havia atuado no assunto, e, “de imediato, se apercebeu da
existência de pressões dificilmente identificáveis, a entorpecer a marcha das apurações,
insistindo na minimização da ocorrência que, na realidade, está comovendo o País”. 1170
1165
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 297, 1º de fevereiro de 1979, 1º Caderno,
Nacional, p. 8. No mesmo mês há a menção, no Jornal do Brasil, de que o advogado iria entrar com uma
ação penal por constrangimento ilegal em nome dos jornalistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
LXXXVIII, nº 306, 10 de fevereiro de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 7.
1166
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 324, 2 de março de 1979, 1º Caderno, Nacional,
p. 7; FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 100.
1167
Idem, p. 123-4; CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma
reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 265-6.
1168
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 18 de janeiro de 1.979”. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1169
Idem, fl. 1.
1170
Idem, ibidem.
274
A Ordem afirmava que para combater isto era necessária uma Comissão de Alto
Nível, composta pela entidade, Ministério Público e Associação Riograndense de
Imprensa (ARI), uma vez que a opinião pública era de que a Secretaria de Segurança
Pública não era imparcial para tratar do tema. A nota finalizava afirmando que “só esse
trabalho investigatório feito por órgão acima de qualquer suspeita – mesmo decorrente
de coleguismo – poderá desagravar a honra do nosso Governo. E a sua honra é a nossa
honra. É a honra do Rio Grande”. 1171
Mesmo que dialogando com o governador, a Ordem, na nota, exigia uma postura
enérgica em relação ao caso. A manifestação mostra que ela refletia os temores de
setores da sociedade que temiam pela impunidade aos perpetradores do crime.
Há registros de que nas sessões seguintes, no Conselho houve repercussões das
ações levadas adiante pela Ordem. A sessão extraordinária de vinte e três de janeiro, por
exemplo, foi presidida pelo presidente Raymundo Faoro, que agradeceu o trabalho do
Conselho e da Comissão enviada a Montevidéu.1172 É datada de janeiro de 1979, ainda,
uma carta de diversos jornalistas que consta nos documentos da Comissão Especial da
OAB/RS sobre o sequestro.1173 Já na reunião de 1º de fevereiro, é mencionada carta
datada de trinta e um de janeiro da AGETRA assinada pelo presidente Luiz Heron
Araújo, que dava à Ordem completa e irrestrita solidariedade no caso, mostrando que
este foi um momento de trégua entre setores rivais da classe que, nos meses seguintes,
envolveriam-se no incidente relativo à sala dos advogados no TRT.1174 Na carta há a
crítica a George Tenório Noronha e Manoel Gastal, presidente regional da Arena que
havia apoiado publicamente o militar reformado.1175
1171
Idem, fl. 2. O pedido da Ordem pela Comissão de Alto Nível também foi registrado por Omar Ferri:
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981,
p. 88.
1172
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 23 de janeiro de 1.979”. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1173
Constam entre eles, o Presidente da ARI, Ciro Castilho Machado (representando o Sindicato dos
Jornalistas), João Batista Aveline, Ibsen Pinheiro, Pedro Flores (presidente da Associação dos Reporteres
fotográficos e cinematográficos do Rio Grande do Sul), Lauro Hagemann, Cid Pinheiro Cabral, Divino
Fonseca, Elmar Bones, Glênio Peres. OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS,
para tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil – correspondência geral, de solidariedade à OAB-RS.
Porto Alegre, 1979.[Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27.]
1174
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 23 de janeiro de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980; OAB/RS. Processo n° 7423/78 –
Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil – correspondência
geral, de solidariedade à OAB-RS. Porto Alegre, 1979.[Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27.]
1175
OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de
uruguaios, no Brasil – correspondência geral, de solidariedade à OAB-RS. Porto Alegre, 1979.[Memorial
OAB/RS – Caixa Diversas 27.] Heráclito de Sobral Pinto também criticou-o publicamente, afirmando que
Gastal “estava enganado ‘ao supor que a finalidade da Ordem é só cuidar da seleção, disciplina e defesa
275
De acordo com o livro de Ferri, a AGETRA auxiliaria a ele e a Mariano Beck na
busca que levaria a mais um personagem da trupe que rendeu os jornalistas no
apartamento da rua Botafogo, Janito Jorge dos Santos Kepler.1176 Ainda de acordo com
a obra, este agente seria instalado “no escuso cenário do sequestro” posteriormente
pelas “denúncias feitas por Luís Carlos Cunha e Werner Becker à Polícia Federal”.1177
Na mesma ata de 23 de janeiro de 1979 há a manifestação do presidente do
IARGS, Ruy Rodrigo Brasileiro de Azambuja, informando que, em relação à indicação
de George Tenório Noronha ao Conselho Seccional, que o mesmo “declinou da
investidura, conforme carta de 12/12/78”.1178 Estes registros mostram que as
manifestações do coronel reformado foram repudiadas por diversos setores da categoria.
Ainda na sessão do dia 1º de fevereiro foram unificadas as duas Comissões relativas ao
sequestro – uma que investigava no Uruguai e outra em Porto Alegre –, foi proposta
uma representação ao Ministério Público, além de distribuição de nota sobre a posição
da OAB/RS.1179
No dia vinte e dois do mesmo mês foi chamada uma sessão extraordinária para
analisar a sugestão de Raymundo Faoro para oficiar a Assembleia Legislativa “sobre a
conveniência de, logo no início de seus trabalhos, instaurar-se uma Comissão
Parlamentar de Inquérito, relativa ao caso chamado do ‘seqüestro dos uruguaios’”.
1180
Após debater a questão, o Conselho optou por não fazer a iniciativa, o que mostra que
havia, por parte da Ordem, certa cautela em suas ações.
Em 13 de março, após a decisão de arquivamento da sindicância pelo Conselho
Superior de Polícia referente ao envolvimento de agentes brasileiros no caso, o
Conselho, a partir dos dados trazidos pelo presidente da Comissão da OAB/RS Marcus
Melzer, decidiu pela confecção de uma nota manifestando sua posição.
1181
Nela a
da classe’”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 306, 10 de fevereiro de 1979, 1º
Caderno, Nacional, p. 7.
1176
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 86.
1177
Idem, ibidem.
1178
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 23 de janeiro de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1179
Idem, fl. 3; OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro
de uruguaios, no Brasil – fusão das duas comissões. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27].
1180
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 22 de fevereiro de 1.979”. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1181
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 13 de março de 1.979”. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980. Além da nota, ouve um pronunciamento
do presidente Justino Vasconcelos datado do mesmo dia, no qual ele critica a postura do Conselho
276
Ordem afirmava que, ao realizar esforços por parte de sua Comissão criada para tratar
do caso, “coletou provas claramente indicativas da existência de crime, cuja gravidade
impunha, à Polícia do Rio Grande, medidas enérgicas e imediatas, na apuração das
circunstâncias em que se consumou” e que os óbices que surgiam à investigação dos
fatos fizeram que a entidade sugerisse ao governador que “organizasse Comissão de
Alto Nível, mesmo ainda porque alegada a participação, no seqüestro, de pessoas
integrantes do próprio organismo policial gaúcho”.1182 Para a entidade, o arquivamento
da sindicância provava o acerto do pedido da OAB/RS: o ato do Conselho Superior de
Polícia, segundo a nota, “além de injurídica, representou profundo e injusto agravo à
própria instituição policial”.1183 A manifestação concluía que,
felizmente, em boa hora, o Poder Legislativo, que instituiu Comissão
Parlamentar de Inquérito, composta de representantes de ambos os
Partidos, para investigar os fatos delituosos, em toda a sua amplitude,
paralelamente ao procedimento judicial em andamento, e o Chefe do
Poder Executivo que, no uso de sua competência, determinou a
abertura do inquérito. A OAB-RS – a quem só interessa colaborar para
que seja feita justiça e se restaure o império da lei – lamenta a
resolução do Conselho Superior de Polícia e louva as da Egrégia
Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e do Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado.1184
A declaração do Conselho representou, assim, uma continuidade no
posicionamento que o sodalício vinha tomando no caso. Nesta sessão ainda foi
aprovada, por unanimidade, a proposta de Melzer de que a OAB/RS colaborasse com a
CPI.1185
Na ata da Assembleia Geral da OAB/RS de vinte e sete de março de 1979, ficou
registrado que Omar Ferri havia feito um relato sobre o caso até então e a participação
da entidade nele.1186 Nesta ocasião ainda foram feitos votos de louvor e homenagens a
Raymundo Faoro, Justino Vasconcelos e Marcus Melzer, além de “desagravo a
Superior de Polícia. OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do
sequestro de uruguaios, no Brasil – fusão das duas comissões. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27].
1182
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 13 de março de 1.979”, fls. 2. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1183
Idem, ibidem.
1184
Idem, fls. 2-3.
1185
Idem, fls. 3.
1186
“Ata da Assembléia Geral, realizada em 27 de março de 1.979”, fls. 1-2. In: OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
277
desconsiderações pelo mencionado Conselheiro sofridas”, que teria sido insultado em
um incidente ocorrido no momento de instalação da CPI.1187
A partir desta sessão, a presença do caso nos registros das sessões do Conselho
da OAB/RS passou a ser mais eventual.1188 Com a instauração da CPI, em fins de
março, deve ter havido a conclusão, por parte da Ordem sul-rio-grandense, de que ela
deveria deixar as investigações a cargo do legislativo, que teria mais autoridade para tal.
IV.2.5. A fundação do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH)
Em março de 1979 foi criado o MJDH por um “grupo de abnegados” liderados
por Jair Krischke, Celso Gaiger e Pe. Albano Thrink.1189 Esta entidade, ainda de acordo
com Ferri em seu livro,
veio a preencher uma lacuna, pois a Ordem dos Advogados tinha suas
atribuições restritas, em virtude de seus objetivos específicos, e a
Comissão de Justiça e Paz do Rio Grande do Sul se mostrava
inoperante e habitualmente arredia no exame de problemas que
envolvessem contestadores de regimes militares.1190
Augustino Veit, em depoimento prestado ao livro Memórias da resistência e da
solidariedade, afirmou que o MJDH surgiu a partir da mobilização de setores católicos
para a formação da Comissão de Justiça e Paz (CJP) no Estado.1191 De acordo com ele,
durante um Seminário de fundação da CJP, o cardeal da Arquidiocese de Porto Alegre,
Dom Vicente Scherer, negou a participação de integrantes vistos por ele como
“comunistas”, o que fez os militantes formarem uma entidade fora da Igreja Católica, o
MJDH.1192
1187
Idem, fls. 2. O caso foi motivo de manifestação em apoio a Marcus Melzer por parte do Conselho.
OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de uruguaios,
no Brasil – fusão das duas comissões. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27].
1188
Na ata da sessão de 3 de abril, existem duas menções ao caso, vindas de fora da entidade: um ofício
da “Igreja Luterana, solidarizando-se com a OAB-RS pelo trabalho que vem desempenhando no caso”, e
o registro de declarações de advogado a jornal de Lagoa Vermelha sobre sequestro, que, de acordo com a
ata, não merecia ser contradita. Em 8 de maio há o registro em ata das congratulações da Assembleia
Legislativa do Paraná à seccional sul-rio-grandense da Ordem por sua atuação no caso na “defesa da
liberdade dos Direitos do Homem e da Soberania Nacional”. “Ata da sessão ordinária do Conselho,
realizada em 3 de abril de 1.979”, fls. 2 e 3. In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978
1979. Porto Alegre, 1980. “Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 08 de maio de 1.979”, fl. 1.
In: OAB/RS. ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1189
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 173.
1190
Idem, ibidem.
1191
“Depoimento 8 – Augustino Veit”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 135.
1192
Idem, ibidem.
278
Ferri, em diversas entrevistas, afirma que foi convidado para a assembleia de
fundação da organização que se realizou na loja de Jair Krischke, momento em que
conheceu este que seria seu companheiro de lutas futuras.1193 Questionado sobre a
relação com outras entidades, Ferri afirmou que o MJDH acabou fazendo parte de uma
rede, na qual podem-se colocar a OAB/RS e o CLAMOR, e que o advogado, por
transitar nestes meios, acabava servindo de elo entre eles.1194
Na ata da sessão de oito de maio do Conselho da OAB/RS consta um ofício de
Gaiger datado de três de abril, no qual comunicava “voto de total apoio e de aplausos,
do MOVIMENTO DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS, à OAB-RS, pela atitude
tomada no caso do seqüestro dos uruguaios”.1195 Confrontando as datas, pode-se ver que
este voto deve ter sido proposto em uma das primeiras reuniões da entidade, mostrando
a intenção de diálogo do Movimento com a Ordem.
Uma das principais participações do MJDH no caso do sequestro foi relativo ao
depoimento do ex-soldado uruguaio Hugo Walter Garcia Rivas. Ele, que havia
participado do sequestro, desertou em dezembro de 1979 e, em abril de 1980, estava
disposto a depor através de pagamentos, o que foi obtido pelo jornal Zero Hora.1196
Ferri afirma, em seu livro, que sua participação inicial no evento foi para checar as
informações.1197
Garcia Rivas também buscava, através de seu testemunho, asilo político para ele
e sua família, o que o MJDH conseguiu obter na Noruega através da Cruz Vermelha. 1198
O depoimento – que foi realizado em maio do mesmo ano na sede do MJDH com a
presença de Ferri, Luiz Goulart Filho, Carlos Alberto Kolecza, Paulo Maciel, Nora
Helena Tatsch, Jacques Alfosin e Jair Krischke – permitiu o levantamento de diversas
informações sobre a operação que levou ao sequestro na rua Botafogo, o que foi
“Depoimento 7 – Omar Ferri” In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 135; FERRI,
Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em Porto Alegre.
1194
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
1195
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 08 de maio de 1.979”, fl. 1. In: OAB/RS. ATAS
do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1196
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 185.
1197
Idem, p. 187.
1198
Por ter pertencido a órgãos repressivos, não foi possível obter proteção junto ao Alto Comissariado
das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro
dos uruguaios nas ruas de um porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, pp. 155-6.
Dissertação de Mestrado em História.
1193
279
fundamental “para a posterior condenação dos envolvidos no lado brasileiro e para o
esclarecimento do sequestro do lado oriental”.1199
Ferri aponta em seu livro que neste período Garcia Rivas falou também a
diversas entidades, como a OAB e o SIJAU.1200 As informações, porém, só foram
publicizadas no momento em que o ex-soldado deixou o país.1201 Havia a preocupação
de proteger esta fonte, “pois se tratava do primeiro (e único, até o momento) relato de
um protagonista direto do comando repressivo binacional”.1202
IV.2.6. A CPI e o Ato de solidariedade aos uruguaios “e tantos quantos
tenham sido violados em seus direitos individuais”
Ainda no final de março de 1979, Omar Ferri junto de Luiz Cláudio Cunha, do
fotógrafo Ricardo Chaves, além de outros jornalistas, reconheceram a escrivã do DOPS
Faustina Severino como a mulher “oscura de pelo redondo” que Camilo Celiberti
afirmava ter cuidado dele e de sua irmã quando estavam detidos no local.1203 Depois de
seguir a pista nos meses anteriores, eles chegaram ao nome através de uma das
coincidências do caso: ela era irmã de Delaro Severino, que havia sido cliente de Omar
nos meses anteriores. Por esta razão, a escrivã havia dado telefonemas anônimos que
auxiliaram na investigação no início do caso.
Após seu reconhecimento por Camilo, ela foi chamada a depôr na CPI,
falecendo dias depois em circunstâncias misteriosas. Em seu velório, estavam presentes
autoridades civis e militares de primeiro escalão, o que causou surpresa tanto da
imprensa quanto da diplomacia uruguaia, sendo visto como uma admissão de culpa.1204
A imagem de Faustina é de que ela seria “o calcanhar de Aquiles”, para Ferri, ou o “elo
1199
Idem, p. 156.
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 188.
1201
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 156. Dissertação de Mestrado em História.
1202
Idem, ibidem.
1203
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 123-7; CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma
reportagem dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, pp. 265-8; REIS, Ramiro José dos.
Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não muito alegre. Porto Alegre:
UFRGS, 2012, p. 142. Dissertação de Mestrado em História. É digno de nota, ainda, o relato
cinematogrático do livro de Luiz Cláudio Cunha de como os fotógrafos Ricardo “Kadão” Chaves e Olívio
Lamas conseguir obter uma fotografia da esquiva Faustina. CUNHA. Op. cit., pp. 268-70.
1204
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 126; CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem
dos tempos da ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, pp. 278-80; REIS, Ramiro José dos. Operação
condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012,
p. 143. Dissertação de Mestrado em História.
1200
280
mais fraco”, para Jair Krischke, e a conclusão majoritária é de que por esta razão ela
acabou sendo morta pela repressão.1205
A CPI foi marcada por “fogo cerrado”, segundo as palavras de Ferri, devido à
atuação de deputados arenistas Jarbas Lima (relator da CPI) e Cícero Viana, exdelegado de polícia classificado pelo advogado como “dedo-duro confesso”.1206 Estes
parlamentares buscaram desconstruir as versões que apontavam para o sequestro, além
de buscar desacreditar os testemunhos de Ferri e dos jornalistas.
O papel de Jarbas Lima em certa medida contrastava com de seu irmão, Nereu,
que havia atuado em uma das Comissões da OAB/RS sobre o caso. Quando questionado
sobre a diferença entre os irmãos Lima durante o caso do sequestro, Ferri afirmou que o
parlamentar tinha tido uma “atuação deprimente” e não tinha nenhuma crítica ao
trabalho do conselheiro.1207 Os irmãos, que haviam iniciado no Direito como estagiários
do escritório de Eloar Guazzelli estavam em pólos opostos: Nereu auxiliando os
trabalhos investigativos da Ordem e Jarbas buscando dar guarida aos agentes da
repressão na CPI.1208
Frente a uma ação destes deputados, a Ordem acabou pronunciando-se na sessão
extraordinária de vinte e sete de abril de 1979.1209 De acordo com o documento, Marcus
Melzer havia trazido o assunto e, após debates, foi confeccionada uma manifestação que
afirmava que a entidade foi chamada a atuar no caso do sequestro dos uruguaios
pelos reclamos de um advogado tolhido de prestar os seus serviços
profissionais e pela revelação de indícios de prátiva (sic) delituosa de
agentes da autoridade pública articulados com agentes estrangeiros,
em ofensa à ordem jurídica, à soberania nacional e à própria
Declaração Universal dos Direitos do Homem.1210
Assim, ela considerou que “no momento em que a matéria mereceu trato regular
e legal, a Ordem considerou atingido o seu principal objetivo”, afastando-se do caso,
não deixando “de colaborar, quando solicitada, quer pela Assembléia Legislativa, quer
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 126; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um
porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 143. Dissertação de Mestrado em História.
1206
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 129 e 139.
1207
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
1208
Jarbas havia atuado junto do advogado em Vacaria,“herdando” esta banca quando Eloar transferiu-se
para Porto Alegre; já Nereu, como mostrei no capítulo anterior, tinha trabalhado com Guazzelli durante a
década de 1960. LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 8 de agosto de
2013, em Porto Alegre, p. 1.
1209
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 27 de abril de 1.979”, fls. 2-4. In: OAB/RS.
ATAS do Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1210
Idem, fls. 2.
1205
281
pelo Poder Judiciário, quer pelo Ministério Público, como também pelas autoridades
administrativas”.1211
Neste sentido a entidade manifestava que havia indícios de que “não fossem a
ação desenvolvida pela Ordem e a ampla divulgação da imprensa, esta, num trabalho
meritório e elogiável, o assunto teria caído em silêncio tumular” e que, com o desenrolar
das investigações, começaram “a surgir afrontas tendentes a esmaecer a seriedade dos
esforços daqueles que cumpriram o seu dever legal e moral no esclarecimento dos fatos
e apuração das responsabilidas, acionando os órgãos com-petentes”.1212 A nota seguia
levantando falas e ações de diferentes personalidades e entidades que apontavam no
sentido da necessidade de se chegar ao âmago dos fatos. A manifestação finalizava
renovando as conclusões da Comissão que viajou ao Uruguai, de que
enquanto perdurar a atual situação de constrangimento, não merecem
qualquer credibilidade as declarações das vítimas e seus famíliares
perante autoridades uruguaias. A Ordem pautou e pauta o seu
comportamento na estrita observância das normas legais que a regem,
fiel aos princípios que a estruturam e infensa a quaisquer tentativas
que pretendam comprometer a isenção de sua conduta”. 1213
A nota da OAB/RS deve referir-se a provas trazidas à CPI pelo deputado
arenista Cícero Viana, em especial um depoimento de Lilia Celiberti, no qual a mãe da
sequestrada desmentia as denúncias levadas adiante até ali pelo “triunvirato lutador”,
além de afirmar que havia sido constrangida pela ação dos jornalistas.1214 Além de
questionar as acusações do deputado, a entidade, através da declaração novamente
colocava-se no debate público sobre o tema.
Posteriormente, seria solicitado pelos deputados do MDB presentes na Comissão
a identificação por parte do deputado da pessoa que colheu as declarações da mãe de
Lilián. Como Cícero Viana negou-se a dar o nome, Werner Becker orientou os
jornalistas Pedro Maciel e Olívio Lamas a não comparecerem à CPI. De acordo com a
carta enviada pelo advogado ao presidente da CPI, deputado Nivaldo Soares, os
jornalistas ficariam em posição “assimétrica” dentro da CPI, uma vez que não se sabia
1211
Idem, ibidem.
Idem, fls. 3.
1213
Idem, fls. 3-4.
1214
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 139-41.
1212
282
quem teria obtido o depoimento: a presença deles daria-se no momento em que se
soubesse seu nome.1215
Na carta ainda era questiondada a “legitimidade da presença de membro” da
Comissão que não trazia a público esta informação.1216 De acordo com matéria
veiculada no Jornal do Brasil, Werner Becker teria falado com os outros membros da
CPI que “enquanto o Deputado Cícero Viana nega-se a colaborar com a CPI, da qual é
membro, ‘os jornalistas ficam sob ameaça, agora, de serem conduzidos à Assembléia
sob vara, quem sabe até num camburão. Isto é lamentável’”.
1217
Através desta tática, o
advogado buscava pressionar a CPI para resolver o problema gerado pelo suposto
documento de Viana e ao mesmo tempo, atacava seus métodos.
Em dezessete de setembro de 1979 foi entregue por Jarbas Lima o relatório da
CPI, no qual ele apontava para a inexistência de delito, desqualificando a documentação
trazida pelos jornalistas, Ferri e pela OAB, lançando suspeitas sobre eles e sobre Lilián
e Universindo.1218 No livro Seqüestro no cone sul, o advogado afirma que o documento
foi feito encomendado a Manoel da Braga Gastal, presidente regional da Arena, e
carecia “dos pré-requisitos de independência e de imparcialidade”.1219
Em resposta, Omar enviou uma carta ao presidente do Conselho Federal da
Ordem, Eduardo Seabra Fagundes, no dia 20 de setembro. Ele afirmava que
A invencível dificuldade nacional da busca da verdade se fez notar em
caráter mais concreto nesse caso do sequestro.
Esse circunstanciamento prova a falta de responsabilidade daqueles
que têm obrigação de apurar a verdade e esclarecer os fatos.
Devemos chamar a atenção dos homens de bem deste país para que se
inicie quanto antes um movimento em busca da verdade nacional.1220
1215
BECKER, Werner. [Carta ao dep. Nivaldo Soares, de 30 de maio de 1979], fls. 2. In: OAB/RS.
Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil.
Porto Alegre, 1978. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas 27].
1216
Idem, ibidem. Entre os documentos da Comissão da OAB consta ainda uma carta de Becker a Marcus
Melzer, explicando suas razões. BECKER, Werner. [Carta ao pres. da Comissão Especial Marcus Melzer
de 31 de maio de 1979], fls. 2. In: OAB/RS. Processo n° 7423/78 – Comissão Especial da OAB/RS, para
tratar do sequestro de uruguaios, no Brasil. Porto Alegre, 1978. [Memorial OAB/RS – Caixa Diversas
27].
1217
“CPI vai convocar Coronel que advogado acusa pelo seqüestro”In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
Ano LXXXIX, nº 53275, 31 de maio de 1979, 1º Caderno, Nacional, p. 16.
1218
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 153-56; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um
porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 153. Dissertação de Mestrado em História.
1219
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 158.
1220
Idem, p. 160.
283
Percebe-se a menção recorrente à questão da verdade, vinculada às violências
perpetradas pela ditadura, ao mesmo tempo em que mostrava que a “busca” e a
“apuração” era dificultada pelos agentes da repressão.
Posteriormente, Ferri afirmava que, na opinião do relatório “as provas deliraram
como deliraram por ocasião da CPI da morte do menor Carlos Pinto Arébalo”, agregado
de Pedro Seelig, que havia sido morto no DOPS em 1973.1221 Ao vincular as duas CPIs,
o advogado buscava chamar a atenção para a impunidade em relação a este tipo de
crime.
Ainda na carta de Ferri era mencionado que
tanto o inquérito como a CPI trataram mais de investigar os
antecedentes das testemunhas oculares do crime e do advogado das
vítimas.
Nossos depoimentos foram verdadeiros interrogatórios, buscando o
nosso descrédito e acusando o MDB de promover politicagem. (...)
Longo e vazio é o relatório. (...)
Não aliciei testemunhas. Isso seria indignidade.
Quero ter sempre minha tez erguida. Não envergonharei minha
mulher, nem meus filhos.
Esse relatório é uma sucessão de falsidades.
Não lutei em favor da subversão. Continuo lutando em favor da
verdade tão sorrateiramente escamoteada pelo relatório. Luto pelo
direito. Luto pela justiça.
Chamar-me, no relatório, de suspeitíssimo é inconcebível maldade e
sórdida estupidez.
O relatório além de moleque, é leviano e muito pior, capacho de uma
odiosa e repressiva situação política.1222
Além de questionar o relatório, Ferri buscou na carta denunciar as intenções dos
parlamentares da Arena durante os trabalhos da Comissão. Ele também respondia às
acusações de Jarbas Lima sobre sua atuação no caso, afirmando que não havia
influenciado os testemunhos de Lilia e Camilo e defendendo sua imagem, que era
pintada como a de um “suspeitíssimo subversivo”.
1221
Idem, ibidem. O caso do sequestro lançou uma onda de denúncias sobre o delegado, tendo o
Coojornal realizado matéria na qual entrevistou, entre outros, Eloar Guazzelli, que afirmava que Seelig
““Depois que ele obtinha as informações, fazia camaradagens para os presos: levava televisão,
proporcionava jogos. Tornava-se amigo e até protetor de alguns presos, define o advogado de presos
políticos e hoje deputador federal Eloar Guazzelli.” TUBINO, Najar; SCHIMDT, Caco. “Um delegado
acima da lei”. In: Coojornal, Porto Alegre, Ano IV, nº 40, abril de 1979, p. 29.
1222
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 161.
284
Devido a estas características, o relatório de Lima foi rejeitado em 1º de outubro,
e foi pedido novo documento ao deputado Ivo Mainardi (MDB).1223 O novo relatório,
mais sucinto, afirmou que Pedro Seelig, Orandir “Didi Pedalada” Lucas e Janito Kepler
haviam participado dos delitos. 1224 O documento ainda qualificava de “velha e surrada
técnica policial de governos ditatoriais” a tentativa de transformar as testemunhas em
réus, o que ocorreu em diversos momentos no caso.1225
Em doze de novembro de 1979, quando o sequestro completou um ano, foi
organizado pelo MJDH um ato público no plenário da Assembleia Legislativa em
solidariedade aos uruguaios “e tantos quantos tenham sido violados em seus direitos
individuais”.1226 Este evento contou com a participação de diversas personalidades
vinculadas ao caso e à luta pelos direitos humanos em geral, em especial os pais de
Lilián Celiberti, os jornalistas, conselheiros da OAB/RS e deputados envolvidos na
CPI.1227
Inicialmente, foi realizado um painel que contou com as falas de Luiz Cláudio
Cunha, do conselheiro da OAB/RS José Mariano Beck, dos deputados Carlos
Giacomazzi e Nivaldo Soares, de Jair Krischke, do rev. Jaime Wright e do jurista JeanLouis Weill.1228 Em seguida, passou-se para um culto ecumênico no qual foram
colocadas lado-a-lado passagens da Bíblia e a Declaração dos Direitos Humanos.1229
1223
Idem, p. 162; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um
porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 154. Dissertação de Mestrado em História.
1224
O relatório ainda afirmava que João Antonio Silveira de Castro, Oswaldo Biaggi de Lima e Patrocinio
Lugo Acosta tinha realizado falso testemunho. O primeiro foi o advogado que havia negado sua relação
com Janito Kepler e os últimos afirmado que os uruguaios tinham utilizado um ônibus em Bagé a
caminho do Uruguai. FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1981, p. 162; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas
ruas de um porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, pp. 154-5. Dissertação de Mestrado em
História.
1225
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não muito
alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 155. Dissertação de Mestrado em História.
1226
“Expediente para reunião do dia 07 novembro.1979”. In: IARGS. Maço de documentos avulsos.
Além do Instituto, consta o convite, feito por Mariano Beck, aos membros do Conselho da OAB/RS. “Ata
da sessão ordinária do Conselho, realizada em 06 de no-vembro de 1.979”, fls. 3. In: OAB/RS. ATAS do
Conselho – [Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1227
Entre os nomes citados por Ferri vale a menção de Jean-Louis Weill, reverendo Jaime Wright, Celso
Gaiger, os conselheiros da OAB/RS José Mariano Beck, Marcus Melzer e Rovílio Breda (da OAB), os
deputados Carlos Giacomazzi, Ivo Mainardi, Romildo Bolzan e Nivaldo Soares, Luiz Cláudio Cunha,
João Batista Scalco, e os vereadores Marcos Klassmann, Antonio Cândido e Glênio Peres. FERRI, Omar.
Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981, p. 179.
1228
Idem, p. 179-80.
1229
Idem, p. 180. Em entrevista o advogado afirmou que quem havia idealizado esta passagem foi o ver.
Jaime Wright. FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de
2017, em Porto Alegre
285
No ato denunciava-se que “nem todos os homens nascem livres e nem iguais em
dignidade e direitos” e que “a extrema pobreza generalizada é o triste e doloroso fruto
desta discriminação e adquire na vida real rostos muito concretos”.1230 Os torturados,
mortos e desaparecidos da América Latina também foram lembrados, afimando-se que
por conta das ditaduras ela “tornou-se um dilúvio de sofrimento por causa das prisões,
detenções, exilamentos (sic) e desaparecimentos”.1231 Em seu livro Ferri afirma que
todos os presentes
rezavam de mãos dadas, mãos luteranas, mãos presbiterianas, mãos
católicas, cristãs, judias, episcopais e até mãos marxistas – todas
porém iguais na forma, irmãs na expressão, maduras na crença de um
mundo melhor, de compreensão de amor, de igualdade – sem tortura,
sem injustiça, sem sevícia, sem humilhação.
Por isso todas suplicavam pelo fim da barbárie, dos sequestros, dos
assassinatos (...).1232
Nesta passagem percebe-se que havia, por parte dos participantes, uma visão
ampla de direitos humanos no qual a defesa da integridade física e direitos civis
andavam juntas à justiça social e econômica. Este trecho mostra que, além dos direitos
humanos terem adquirido uma relevância enquanto causa, eles eram percebidos também
como a luta por uma sociedade igualitária e como um elo entre diferentes crenças
religiosas e posições políticas.
IV.2.7. Seqüestro no Cone sul: a “visão pessoal” de Omar Ferri e sua
repercussão
No final de outubro de 1981, próximo dos três anos do sequestro dos uruguaios,
Omar Ferri publicou seu livro Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo.
Inicialmente, o livro foi lançado na sede da OAB/RS em vinte e oito de outubro, sendo
feita uma sessão de autógrafos no final da primeira semana da Feira do Livro de Porto
Alegre, em seis de novembro às 19 horas.1233 Entre os presentes ao lançamento do livro
constavam os pais de Lilián Celiberti, Lilia e Homero.1234
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 181-2.
1231
Idem, p. 182.
1232
Idem, p. 184.
1233
“Livro relata o sequestro de uruguaios”. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 29 de outubro de 1981, 1º
Caderno, Nacional, p. 6; Folha da Tarde, 29 de outubro de 1981. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/
Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/ AHRS.
1234
REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios nas ruas de um porto não
muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 145 (Dissertação de Mestrado em História).
1230
286
Antes de sair, já veiculavam na imprensa as denúncias que o autor colocaria em
sua obra, o que motivou ameaças de processos por parte de agentes da repressão
citados.1235 Em resposta, o deputado Cícero Viana, que havia sido alvo de críticas do
advogado, afirmava que estaria escrevendo obra negando a versão de sequestro
intitulada “Omar Ferri e os Terroristas do Cone Sul”, o qual, aparentemente, nunca
existiu além da nota no Jornal do Brasil.1236
Já o livro de Ferri, publicado com uma tiragem de três mil exemplares, teve boa
recepção do público. De acordo com o jornal Zero Hora, antes mesmo da sessão do dia
seis, o autor já era visto na Feira do Livro fazendo dedicatórias para leitores.1237 De
acordo com recortes de jornal presentes no Acervo Particular Omar Ferri, Seqüestro no
cone sul constava em segundo lugar na categoria não-ficção em duas listas de mais
vendidos da Feira, figurando ao lado de outras obras memorialísticas e de análise sobre
a ditadura.1238
Conforme apontam matérias analisadas, naquele momento havia grande
preferência “pelos livros políticos e polêmicos”, o que fazia com que articulistas
afirmassem que um livro como o de Omar Ferri, que era “atual”, entrava “em detalhes à
base de farta documentação” e fazia “novas denúncias envolvendo policiais gaúchos”,
tinha tudo para “estourar na Feira”.1239 Mais próximo do final de ano, o livro seria
lançado também em São Paulo, sendo alvo de comentários da imprensa do centro do
“Advogado conta em seu livro como foi o sequestro de Lilian Celiberti no Sul”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano XCI, Edição 200, 25 de outubro de 1981, 1º Caderno, Nacional, p. 8; Folha de São
Paulo, 29 de outubro de 1981, 1º Caderno, Nacional, p. 6.
1236
“Livro nega sequestro de uruguaia”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XCI, Edição 206, 31 de
outubro de 1981, 1º Caderno, p. 4; REIS, Ramiro José dos. Operação condor e o sequestro dos uruguaios
nas ruas de um porto não muito alegre. Porto Alegre: UFRGS, 2012, p. 152 (Dissertação de Mestrado em
História).
1237
“Foi o primeiro grande dia de vendas na praça”: In: Zero Hora, 4 de novembro de 1981. Acervo
Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/ AHRS.
1238
Idem; Folha da Tarde, 9 de novembro de 1981. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 Acervo da Luta Contra a Ditadura/ AHRS. As obras eram Brasil Pós-Milagre, de Celso Furtado, 1964 –
A conquista do Estado, de René Dreifuss e Guerra é Guerra Dizia o Torturador, de Índio Vargas, que
figuravam ao lado de Henfil na China, de Henfil e Anedotário da Rua da Praia, de Renato Maciel Sá
Junior.
1239
“Foi o primeiro grande dia de vendas na praça”: In: Zero Hora, 4 de novembro de 1981. Acervo
Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/ AHRS; Folha da Tarde, 9 de
novembro de 1981. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/
AHRS. Em resenha do jornal Estado de São Paulo, é mencionado que a série “Depoimentos” da Editora
Mercado Aberto iniciada pelo livro de Ferri abordaria “temas atuais e polêmicos”. “Livros” In: Estado de
São Paulo, 24/12/81. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/
AHRS.
1235
287
país que, além de abordar o tema do livro, tratavam das polêmicas promovidas por
agentes da repressão citados.1240
De acordo com a Folha de São Paulo, a obra era uma “síntese da massa de
informações diariamente divulgada pelos meios de comunicação, dando-lhe um
ordenamento lógico e conferindo à narrativa um desdobramento natural das várias fases
do episódio”.1241 Em carta convidando Eduardo Seabra Fagundes para escrever o
prefácio, Omar Ferri define assim seu livro:
Quanto a exposição da matéria, considerei que ela deveria ser
apresentada exatamente como aconteceu e como foram, após,
surgindo fatos e personagens, para, só ao final, contar a história pura.
A visão é minha. É pessoal. Acho que a narrativa é um pouco
apaixonada e isto se deve porque eu sou assim, mas é honestíssima.1242
Este trecho define bem a estrutura geral do livro: ele é escrito do ponto de vista
de Ferri, sendo narrados os eventos e informações obtidas com o desenrolar da trama.
Desta forma somente ao final do livro é apresentado ao leitor o que ocorreu a
Universindo, Lilián, Camilo e Francesca.
Ao mesmo tempo, o livro não é fruto simplesmente do testemunho do advogado:
ele baseia-se em farta documentação que dava conta dos mais de dois anos de
envolvimento no caso, que, em diversas passagens, eram citadas literalmente. Conforme
Ferri informou a Seabra Fagundes,
considerei que não deveria esconder fatos ou ser condescendente com
um ou outro figurão. Coloquei a verdade em primeiro lugar.
A não ser, um ou outro “verniz literário”, que ilustrou a narrativa,
dentro de uma lógica absoluta, tudo pode ser devidamente
comprovado por 9 pastas de recortes de jornais e 5 pastas de
documentos e demais bibliografia de livros e publicações.1243
Esta preocupação com a documentação derivava do contexto do lançamento do
livro. Mesmo que já houvesse uma abertura para discussão e atuação política, em 1981
vivia-se em plena ditadura e aqueles que eram mencionados como torturadores pela
“Sequestro de uruguaios no livro do advogado”. In: Folha de São Paulo, 15 de dezembro de 1981.
Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/ AHRS; “Livros” In:
Estado de São Paulo, 24/12/81. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a
Ditadura/ AHRS.
1241
“Livro relata o sequestro de uruguaios”. In: Folha de São Paulo, São Paulo, 29 de outubro de 1981, 1º
Caderno, Nacional, p. 6.
1242
FERRI, Omar. [Carta] 13 de maio de 1981 [para] FAGUNDES, Eduardo Seabra, fl. 1.
Agradecimento por pelo prefácio escrito. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta
Contra a Ditadura/ AHRS.
1243
Idem, ibidem. Esta documentação posteriormente foi doada para o Acervo da Luta Contra a Ditadura,
constituindo a maioria dos documentos do Acervo Particular Omar Ferri, que ainda conta com os
originais do livro e de recortes com a repercussão.
1240
288
obra ainda atuavam profissionalmente. Ferri podia ser alvo de processos e ataques: para
combatê-los devia proteger-se com suas fontes.
A forte base na documentação também tinha a ver com o objetivo que Omar
Ferri tinha ao escrever a obra. Quando questionado sobre isto, no livro Memórias da
resistência e da solidariedade, ele afirmou que
Eu quis registrar esse fato, porque eu achei muito importante, porque,
depois da Operação Condor, foi o único processo em que houve uma
manifestação do Poder Judiciário condenando os envolvidos nesse
fato do sequestro. Quer dizer, eles mentiram tanto, a Polícia Federal se
serviu para fazer crimes de falsidade ideológica (…). Tudo mentira da
Polícia Federal! E eu disse isto aí [no livro], que é mentira. Outra
coisa, vocês já se deram conta que, na Comissão Parlamentar de
Inquérito da Assembleia Legislativa, o relator disse que não houve
crime, se não há crime não têm culpados, e pediu o arquivamento. Foi
preciso que o MDB, ou PMDB na época, não aprovasse o relatório e
indicasse um Deputado Estadual, que por sinal era Promotor Público e
se chamava Ivo Mainardi, para fazer o relatório final em nome da
Assembleia Legislativa. Foi um Promotor Público, e que concluiu na
existência dos crimes de sequestro, não é? Então esta é a razão do
livro. O livro eu... Eu retratei no livro o que aconteceu naquela
época.1244
Esta passagem mostra que Seqüestro no cone sul tinha uma dimensão jurídica:
uma vez que a responsabilização dos fatos não alcançou a repercussão que ele e outros
envolvidos pensavam que deveria ter, Ferri, colocando todos os fatos e documentos,
lançava para a esfera pública o julgamento. Por esta razão em vários momentos do livro
sua argumentação assemelha-se a de advogado que, em um julgamento, buscava
restituir a verdade e a justiça. E para isto era vital esta documentação.
No livro, também, Ferri procurava mostrar quem ele era e de que lado ele lutava.
Um exemplo disso é a seção inicial do livro “O Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS) ‘confidencialmente’ apresenta o autor”.1245 Neste trecho há os dados
presentes em sua ficha do DOPS, à qual ele teve acesso durante o caso, contrapostos a
“comentários irônicos” do autor.1246 Nesta e em outras passagens do livro, Ferri procura
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 134.
1245
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 13-32.
1246
“Livro relata o sequestro de uruguaios”. In: Folha de São Paulo, 29 de outubro de 1981, 1º Caderno,
Nacional, p. 6.
1244
289
apresentar-se como um ferrenho e bravo opositor da ditadura, inclusive sendo visto pela
repressão uruguaia “com muito respeito e certo temor”.1247
Assim, a obra tinha, ainda, uma dimensão política: a partir dela, Omar Ferri
afirmava-se num contexto de abertura, como alguém que resistiu e lutou contra a
ditadura. É possível que a publicação objetivasse, também, reconstruir sua carreira
política interrompida pelo golpe, constituindo um investimento para a concretização de
uma candidatura no ano seguinte.
O livro, ao mesmo tempo, gerou questionamento por parte de setores das
esquerdas durante a campanha eleitoral de 1982. Conforme recorte do Coojornal
presente no APOF, o periódico estampava uma fotografia do advogado na convenção do
PMDB abraçando Sinval Guazzelli, com os dizeres “e dizer que Ferri em seu livro
‘Seqüestro no Cone Sul’ chamou o ex-governador de covarde e omisso”.1248 Omar
afirmou, em entrevista, que aquela foto foi o registro de um momento específico em que
os dois estavam próximos em um palanque, no qual estavam todos os candidatos do
partido.1249
Percebe-se, porém, em Seqüestro no cone sul, que Synval é inicialmente
definido como “um verdadeiro magistrado” que “cumpria o protocolo com a nobreza
que lhe era peculiar”.1250 Em diversos momentos, Ferri não questiona as intenções de
Guazzelli em denunciar e punir os envolvidos com o caso: o ex-governador estaria
“inflamado e disposto a denunciar a trama”, sendo, posteriormente, tolhido em suas
intenções por setores militares.1251 Assim, a imagem que o advogado pinta é a de “um
Governador que, embora honesto, não tinha pulso nem firmeza para decidir sobre
problemas que diziam respeito à Polícia”, o que não ocorre com seu sucessor Amaral de
Souza.1252 Omar chega a afirmar que “dependendo da conotação que se empresta à
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 194. Além destas passagens esta imagem é clara também em um discurso de Pedro Simon
transcrito no livro. Idem, p. 216.
1248
“As Imagens que revelam detalhes de uma campanha”. In: Coojornal, Porto Alegre, setembro de
1982. Acervo Particular Omar Ferri/Série 2/ Caixa 1 - Acervo da Luta Contra a Ditadura/ AHRS
1249
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de agosto de 2017, em
Porto Alegre.
1250
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 64.
1251
Idem, p. 65. O principal evento apontado por Ferri para a mudança de orientação do governador foi
uma visita de 20 minutos do Comandante do III Exército “feita em mangas de camisa” no dia 27 de
dezembro de 1978. Idem, p. 73.
1252
Idem, p. 88. Semelhante imagem pode ser vista nas páginas 73, 90, 93 e 104.
1247
290
palavra amigo, eu inclusive me considerava amigo do Governador, desde os tempos de
Assembléia Legislativa, amizade que até hoje prezo”.1253
Uma vez que em 1981, Guazzelli estava no Partido Popular (PP) e, assim, não
indicava que iria dividir palanque com Ferri, estes excertos levam a pensar que o
advogado via no governador um adversário leal, diferentemente de Jarbas Lima, Cícero
Viana e Amaral de Souza. A menção ao convívio dos dois como parlamentares antes do
golpe sugere que Sinval estivesse vinculado, para Omar, a uma outra forma de fazer
política, na qual o debate e as visões de mundo divergentes não impossibilitavam a
camaradagem e a lealdade. Isto explica o fato dele ter, em entrevista concedida para esta
pesquisa, criticado a forma como Luiz Cláudio Cunha representou Sinval Guazzelli, em
especial a afirmação do jornalista de que o político teria sido responsável pela chamada
Lei Falcão.1254
IV.3. Lia Pires, o advogado do status quo
Na ata da sessão do dia 1º de julho de 1980 do Conselho da seccional gaúcha da
Ordem, o conselheiro Mário Chaves, referiu-se a debate na televisão ocorrido no dia
anterior entre o conselheiro substituto Omar Ferri e Oswaldo de Lia Pires, tratando do
sequestro dos uruguaios.1255 Chaves afirmava que Lia Pires havia feito
manifestações evidentemente inadequadas (…) de que a “OAB
desserviu a Justiça” ao colher o depoimento do uruguaio Hugo Walter
Rivas, dia 12 de maio último, em São Paulo, imputação feita por igual,
ao Presidente do Conselho Federal e aos Presidentes das Secções de
São Paulo e do Rio Grande do Sul.1256
Como vimos, este advogado representou os policiais durante o caso, sendo o
antagonista jurídico de Ferri, Becker e dos conselheiros da OAB/RS. Durante a CPI,
1253
Idem, p. 64.
Ferri afirma que fez esta minfestação publicamente. FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante
Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em Porto Alegre, pp. 10-11. A passagem em questão é:
CUNHA, Luiz Cláudio. Operação Condor: o seqüestro dos uruguaios – uma reportagem dos tempos da
ditadura. Porto Alegre: L&PM, 2009, p. 121-6.
1255
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 1º de julho de 1.980”, fls. 2. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. [Atas de]1980. Porto Alegre, 1981. Ferri,
naquele momento, era conselheiro substituto de Leônidas Xausa, assumindo o cargo entre 17 de abril e 4
de junho de 1979 e a partir de 22 de fevereiro de 1980. “Ata da sessão extraordinária do Conselho,
realizada em 17 de abril de 1.979”, fl. 1; Relatório de 22/2/1980. In: OAB/RS. ATAS do Conselho –
[Livro] 14 – 1977 1978 1979. Porto Alegre, 1980.
1256
Sobre o assunto o Conselho apontaria para voto de solidariedade, proposto por Archimedes Almeida,
aos Presidentes do Conselho Federal e das Seccionais citadas, além de aguardar a visita do Presidente da
Ordem para outras medidas cabíveis. “Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 1º de julho de
1.980”, fls. 2-3. In: Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. [Atas
de]1980. Porto Alegre, 1981.
1254
291
conforme o livro Seqüestro no cone sul, “o advogado Lia Pires abria seu arsenal
jurídico, fornecendo munição aos representantes da ARENA”; por estes serviços
prestados, ele receberia, em vinte e cinco de julho de 1979, a Ordem do Mérito
Militar.1257
Oswaldo de Lia Pires era um dos principais criminalistas do estado e
provavelmente o mais popular. Tanto Omar quanto Werner, quando questionados sobre
este advogado, afirmaram que ele era brilhante, mesmo fazendo ressalvas sobre seu tipo
de atuação.1258 Ferri disse que sempre teve “uma dúvida de interpretação jurídico-moral
com relação ao tipo de advogado que é o Lia Pires”: ele mencionou que este defensor
utilizava todo um instrumental e obtinha “vitórias fantásticas”, porém, em alguns casos,
seu sucesso levava a “lesões imerecidas” à outra parte.
1259
Já Werner Becker afirmou
que ele era o “advogado da direita, (…) da polícia”.1260
Assim, percebe-se que Oswaldo de Lia Pires acabava colocando-se em um
espectro oposto ao dos personagens estudados nesta tese. Diferentemente de
conservadores como Marcus Melzer e Sobral Pinto, por exemplo, que, em sua batalha
por uma legalidade acabaram lutando ao lado de militantes da esquerda, este advogado
tomou a defesa da repressão, o que, certamente, deu-lhe publicidade como criminalista.
Este caso acabou dando grande visibilidade aos advogados envolvidos, mesmo que de
forma diferenciada: enquanto que Ferri, Becker e conselheiros como Justino
Vasconcelos, Mariano Beck e Marcus Melzer ganhavam reconhecimento como
advogados comprometidos com os direitos humanos, Lia Pires consolidava sua imagem
como criminalista identificado com setores dominantes.
Werner afirmou que Eloar Guazzelli teria “mais cultura jurídica” enquanto que
Oswaldo de Lia Pires “tinha mais imagem. Porque como era advogado da polícia, das
classes dominantes e tudo e tal, ele ganhava muito mais manchetes”, o que lhe daria
mais visibilidade no Tribunal do Júri.1261 Comparando os advogados, Becker afirmou:
No júri os dois ficavam de dois metros. O Lia no júri era fabuloso, era
fabuloso. Os dois. (…)
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, pp. 129 e 196.
1258
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017,
em Porto Alegre, p. 23; FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de
agosto de 2017, em Porto Alegre.
1259
Idem. Omar pensa que este foi no caso Daudt, mesmo inocentado, o cliente de Lia Pires, Antônio
Dexheimer, teria recebido uma “condenação moral”.
1260
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017,
em Porto Alegre, p. 23.
1261
Idem, ibidem.
1257
292
Eu até acho que para júri o Lia era melhor que ele. Para júri. Mas para
o resto da advocacia criminal, eu sou mais o teu avô. Eu não to
querendo equilibrar nem nada. É que o Lia era fabuloso no júri. Além
do que, tinha a áurea da cobertura de imprensa. Tinha a áurea.1262
Deve-se frisar que a comparação entre estes advogados foi feita por Becker de
forma espontânea, não sendo proposta por minha pergunta. É possível que ele tenha
feito este paralelo por estar concedendo uma entrevista para o neto de Eloar.
Porém, pode ser um indício de algo apontado por Nereu Lima quando afirmou
que havia, na advocacia criminal porto-alegrense das décadas de 1960 e 1970, “duas
escolas” que seguiam “posturas profissionais, estrategias de trabalho e defesa”
diferentes: “uma liderada pelo Eloar Guazzelli e a outra não interessa nominar”.1263 A
colega de escritório de Guazzelli, Ana Eni Machado Milan, apoiou a ideia de que
existiam duas linhas de advogados criminalistas no estado, estando Eloar de um lado e
Oswaldo de Lia Pires, um advogado mais vinculado a setores conservadores, de
outro.1264
Haveria, assim, dois padrões de advocacia criminalista, que, além de posturas e
procedimentos profissionais, diziam respeito a uma dimensão política. Teria uma
rivalidade entre estes dois advogados, o que corresponderia a diferentes visões jurídicas
e ideológicas.1265 Mas, além disso, Oswaldo de Lia Pires representava o inverso dos
advogados aqui trabalhados: enquanto que eles buscassem com o direito combater as
desigualdades, Lia Pires contribuía para a manutenção do status quo.
IV.4. “O Grande Júri”: Eloar e o “Caso do Flávio”
Um evento que marcou fortemente a trajetória de Eloar Guazzelli foi sua atuação
– no ano de 1979 – como defensor do radialista Flávio Alcaraz Gomes, que respondia a
processo pelo homicídio da estudante de sociologia Maria José Alberton Silva e
tentativa de homicídio ao médico Paulo Eduardo Peixoto de Freitas. Conforme apontou
Idem, ibidem. Werner Becker utiliza a imagem de que os dois advogados “ficavam com dois metros”
pois ambos, mesmo sendo de pouca estatura, “cresciam” no tribunal.
1263
LIMA, Nereu. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em dia 8 de
agosto de 2013, p. 4. Como já mencionei no capítulo anterior, esta escola, de acordo com Lima, seguiria
uma linha sociológica e humanista, usando “os chamados meios lícitos, meios éticos”. Idem, p. 16.
1264
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 2
1265
Werner Becker confirma a rivalidade mas afirma que os advogados não deixavam-na transparecer,
trocando cortesias quando se encontravam. BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens
Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto Alegre, p. 23.
1262
293
seu filho Carlos Frederico Guazzelli, “este rumoroso processo foi um dos mais difíceis
da longa carreira de criminalista de Eloar e, certamente, aquele que lhe causou mais
desgosto e frustração”.1266 Percebe-se, assim, que este processo impactou muito Eloar,
sendo um momento de tensão entre seus objetivos profissionais e sua imagem pública
enquanto advogado vinculado a setores das esquerdas.
O crime aconteceu nos primeiros minutos do domingo onze de abril de 1976:
Flávio Alcaraz Gomes e sua esposa Maria Clara chegavam a sua residência na Avenida
Sinke, no Morro Santa Teresa em Porto Alegre, e encontraram defronte à casa, uma
Brasília estacionada na contra-mão, com dois ocupantes, o médico e a estudante.1267
Flávio e Maria Clara ficaram assustados por aquela presença, e a esposa pediu para que
se retirassem, o que iniciou uma discussão entre ela e o médico Freitas. Neste momento,
Flávio buscou em sua casa sua espingarda calibre 12 ameaçando ligar para a polícia.
1268
Em determinado momento foi efetuado um disparo que acertou Maria José, que
estava no banco do passageiro, ao que Freitas teria gritado “Flávio, mataste uma
moça!”e arrancado em direção ao Hospital de Pronto Socorro.1269
Enquanto que Freitas levava a vítima para o Hospital de Pronto Socorro, Gomes
foi tentar descobrir o que havia acontecido com a menina no Correio do Povo, jornal em
que trabalhava; em seguida, ele se apresentou à polícia às cinco horas do domingo com
a arma do crime. Cesar Augusto Guazzelli, filho de Eloar, contou que, no mesmo dia,
Flávio esteve com o advogado.1270 Por uma coincidência, Cesar convivia há anos com o
médico Paulo Freitas, já que, desde o colégio, haviam seguido a mesma trajetória,
mesmo o último sendo dois anos mais velho.1271 Por esta razão, Cesar Guazzelli acabou
1266
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 4.
1267
“Grande júri será hoje”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 28 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5986, 1º
Caderno, Polícia, p. 30.
1268
“Jornalista acusado de matar estudante vai a julgamento em P. Alegre”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano LXXXIX, Edição 143, 29 de agosto julho de 1979, 1º Caderno, p. 14.
1269
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 2; “Radialista gaúcho recebe 12 anos por morte de moça”. In: Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, Ano LXXXIX, Edição 144, 30 de agosto julho de 1979, 1º Caderno, p. 19.
1270
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 2. De acordo com Cesar e Ana Eni, o caso chegou até Guazzelli através de Antônio
Pinheiro Machado Netto, que era próximo de Flávio. GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre
conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito
da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos 1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 1
1271
Eles haviam estudado no Colégio de Aplicação da UFRGS, feito o Curso de Medicina na
Universidade e estavam fazendo residência em Neurologia e Neurocirurgia com a orientação de Mário
Ferreira Coutinho. GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para
esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 2.
294
ouvindo as versões que, com exceção das interpretações, “mais ou menos”
coincidiam.1272
Uma questão interessante apontada pelo filho de Guazzelli foi que o advogado,
aparentemente, não gostava do radialista, pois ele teria, em seus programas da Rádio
Guaíba, pegando “muito no pé de alguns clientes do pai, acusados de homicídio”, como
os casos de Matias Nagelstein e do “Crime da Passarela”.1273 Cesar afirma que nestes
casos “Flávio foi um algoz muito pertinaz. O pai nunca gostou da imprensa em geral e
tinha muita raiva destes rompantes em busca de ‘justiça’” que havia nestes
momentos.1274 Ironicamente, Flávio Alcaraz Gomes, como apresentarei, seria alvo deste
mesmo tipo de situação.
De acordo com seu filho Carlos Frederico,
Eloar detestava a cobertura da imprensa nos processos do que
chamava “crimes de jornal”; a postura invariavelmente sensacionalista
e conservadora dos veículos de imprensa, amplificando a versão
policial e acusatória dos fatos e espicaçando o sentimento punitivista
de seu público, não apenas o irritavam muito, como, sabia ele muito
bem, ajudavam a distorcer os julgamentos, formando opiniões
condenatórias que, frequentemente, se cristalizariam nas decisões
futuras de juízes, júris e tribunais (…). 1275
Esta visão de seu filho é retrospectiva e, desta forma, provavelmente marcada
pela experiência do “Caso do Flávio”. Porém há indícios de que, de fato, houvesse este
sentimento por parte de Eloar, já que ele já vinha atuando neste tipo de casos desde a
década de 1960. Apesar de obter notoriedade e divulgar sua atividade profissional, ele
notava que, além de enfrentar a promotoria, ele tinha que combater imagens sobre os
envolvidos que vinham sendo construídas, de forma ativa ou passiva, pelo público em
geral.
Um exemplo é a queixa, publicada no jornal Zero Hora dias antes do
julgamento, “da enorme divulgação dada ao crime, em razão da importância das pessoas
implicadas direta ou indiretamente”, afirmando que “se fosse um João e uma Maria
qualquer, esse caso nunca teria chegado a Júri Popular, podendo ser resolvido por um
1272
Idem, ibidem.
Idem, ibidem. Estes dois casos ocorreram durante a década de 1970: no primeiro Nagelstein, que era
vereador em Bagé, matou um adversário político; já o segundo um estudante matou um amigo no Parque
Moinhos de Vento, em Porto Alegre, em uma discussão. Mesmo tendo repercussões na imprensa, optei
por não abordá-los nesta Tese por uma questão de espaço.
1274
Idem, ibidem.
1275
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 5.
1273
295
júri singular”.1276 O advogado afirmava, na entrevista, que em um caso seu recente
semelhante no qual havia representado uma pessoa mais humilde não teria ido à Juri
Popular. Ele finalizava afirmando que
Muitas vezes (…) a sociedade faz um julgamento antecipado de um
acusado, com base quase sempre na imagem das pessoas envolvidas.
Entretanto, esse julgamento também, seguidamente muda, conforme
os rumos que o julgamento começa a tomar. 1277
Percebe-se neste trecho que Eloar buscaria no julgamento trazer elementos que
pudessem mudar o “veredito” popular em relação ao caso. Ao pronunciar-se, ele
intentava, também, sensibilizar o público para uma visão diversa do caso.
Nos mais de três anos que separaram o fato e o julgamento, em vinte e oito de
agosto de 1979, o tema era frequente nas manchetes dos jornais do estado e do centro do
país, que estampavam manifestações da sociedade portoalegrense em relação ao caso.
De acordo com o Jornal do Brasil, logo após o crime, os colegas de Maria José,
revoltados, “publicaram vários ‘a pedido’ nos jornais de Porto Alegre, reclamando
justiça, enquanto muros no bairro Auxiliadora eram pixados com dizeres ‘Flávio
Alcaraz Gomes, Assassino’”.1278 Além disso, teriam sido encomendadas por colegas
missas mensais para a jovem até o julgamento.1279
Carlos Frederico afirma que “as dificuldades com que a defesa se defrontou,
desde o início, foram imensas e crescentes, o que foi aos poucos se refletindo no ânimo
de Eloar, ao longo dos vários anos em que o processo tramitou”.1280 Uma questão era a
“gravidade do fato”, “morte de uma jovem universitária, de aproximadamente 25 anos”
“O júri do ano: uma batalha judicial no Palácio da Justiça”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano XVI, nº
5984, 26 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 44. A vítima, Maria José Alberton Silva, era de uma
família influente na cidade, sendo seu irmão, Roberto Geraldo Coelho Silva, promotor público
aposentado e professor de Direito da PUCRS. “Familiares de Maria José rompem o silêncio na véspera do
julgamento”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 28 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 31;
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 5.
1277
“O júri do ano: uma batalha judicial no Palácio da Justiça”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano XVI, nº
5984, 26 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 44.
1278
“Defesa do radialista que matou a universitária arrola dois senadores e ministro”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXVI, Edição 128, 14 de agosto de 1976, 1º Caderno, p. 20. O grafite é uma
paródia do nome de seu programa de rádio nomeado “Flávio Alcaraz Gomes, Repórter”. Outra alcunha
que acabou popular foi a de chama-lo de Flávio “Alcatraz” Gomes, trocadilho com a famigerada prisão
californiana. Carlos Frederico menciona que “dois dias depois do fato, muros e paredes das áreas centrais
apareceram pichadas contra Flávio”. GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as
atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984). [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 4 (grifo no original).
1279
“Radialista será julgado por morte”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIX, Edição 142,
28 de agosto julho de 1979, 1º Caderno, p. 16.
1280
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 4.
1276
296
em um crime violento causado por uma circunstância absurda.1281 O fato de ela ser irmã
de um promotor reconhecido deu, segundo o filho do advogado, “especial empenho da
instituição em sua acusação e condenação” contribuindo “para que a instituição fizesse
da condenação de Flávio uma questão de honra”.1282 Ele ainda aponta que “neste tipo de
ação penal, envolvendo figuras públicas” membros do Ministério Público revelavam
“grande interesse e afã em acusa-las, em vista da notoriedade e prestígio, pessoal e
institucional, acarretados em função da repercussão midiática dos casos”.1283
Havia, também, uma “antipatia do réu”, um jornalista e radialista do maior
grupo de comunicações do estado da época (Grupo Caldas Junior) “e que expressava,
em seus programas e reportagens a opinião conservadora prevalente, inclusive na defesa
da ditadura”.1284 Assim, ainda de acordo com o filho de Eloar, tanto aqueles que se
opunham quanto seus apoiadores, voltaram-se contra o jornalista, o que levou os
empregadores a afastarem-no da apresentação de programas.1285 Segundo Carlos
Frederico, esta dimensão ideológica influenciou a cobertura jornalística
não apenas pela pré-disposição condenatória da chamada “opinião
pública” (leia-se: a opinião publicada), seja pela antipatia despertada
pelo réu junto aos seus colegas, tanto os jovens repórteres
esquerdistas, quanto os colunistas reacionários, pelas razões acima
expostas (…).1286
A cobertura foi amplificada ainda pela disputa dentro do campo jornalístico do
estado, uma vez que Flávio Alcaraz era uma figura de destaque do grupo jornalísitico
hegemônico do estado (Caldas Júnior).1287 Assim, seu concorrente, o jornal Zero Hora,
fez uma cobertura minuciosa e detalhada do caso e criando um logotipo especial e
descrevendo, por exemplo, cada uma das catorze horas e meia de julgamento.1288
1281
Idem, ibidem. (grifo no original).
Idem, p. 5 (grifo no original).
1283
Ele ainda afirma que esta “postura (…) só tem-se acentuado, como demonstrado pelo comportamento
de promotores e procuradores nas ‘operações’ que, desgraçadamente, ocupam o cenário político de nosso
país, nos últimos anos”. Idem, ibidem.
1284
Idem, p. 4 (grifo no original).
1285
Idem, pp. 4-5.
1286
Idem, p. 6.
1287
Idem, ibidem.
1288
Diferentemente de seus concorrentes que faziam breves notas, Zero Hora dedicou diversas páginas
das edições dos dias anteriores ao julgamento para apresentar o caso, explicar os ritos, entrevistar
analistas. Enquanto a Folha da Manhã dedicou página inteira e a Folha da Tarde duas laudas, Zero Hora
esmiuçou o evento em seis páginas. Como apontou Carlos Frederico Guazzelli, “por ironia, alguns anos
depois, quando Flávio iniciou o cumprimento da pena que lhe foi imposta, foi imediatamente contratado
pelo grupo RBS”. GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar
Guazzelli (1974/1984). [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017,
p. 6 (grifo no original).
1282
297
Mesmo tendo em mente que este periódico fosse um “jornal de crime”, conforme
mostrei anteriormente, a dimensão dada era influenciado por esta questão.
O impacto do caso foi tamanho que jornais do centro do país, como o Jornal do
Brasil, dedicou considerável espaço ao processo, além do néofito Jornal da República.
Esta publicação, que tinha Raymundo Faoro como diretor-presidente e Mino Carta
como redator-chefe, tinha a pretensão de ser um contraponto à esquerda aos grandes
jornais e analisou o julgamento em seus primeiros números. Nas matérias do jovem
períódico do centro do país sobre o caso pode-se perceber a predisposição destes setores
à condenação de Alcatraz Gomes, em especial na coluna de Sérgio Becker sobre o
veredito. Um indício disto seja do fato do jornalista, diferentemente dos outros meios de
comunicação analisados aqui, deixou de mencionar o partido pelo qual Eloar, advogado
de Flávio, havia sido eleito, omitindo, assim, a vinculação do advogado à oposição.1289
Além destes empecilhos, ao assumir o caso, Eloar Guazzelli teve de confrontar
pessoas próximas e “admiradores seus, que não escondiam a contrariedade em vê-lo
defender homem tão detestável”: “foram tempos duros, em que se ressentia, inclusive,
não sem alguma razão, do apoio da família e de amigos”.1290 No momento em que ele
assumiu o caso, ele já tinha construído uma reputação entre setores oposicionistas, a
qual, de acordo com alguns, não estava em consonância com a defesa de Alcaraz
Gomes.
De acordo com os filhos do advogado, esta era a opinião da esposa de Eloar,
Lizabel: Carlos afirma que ela “nunca gostou de Flávio e não era partidária de sua
decisão em assumir sua defesa”.1291 Conforme Cesar,
A mãe tinha muita raiva do Flávio, achava ele um boçal, arrogante e
prepotente. Ela nunca suportou gente como ele, e as coisas com o pai
foram muito estremecidas sobre isto. Numa conversa (…) a mãe disse
que não se importava que o pai fosse o advogado, mas nunca
suportaria o Flávio nem achava que ele tivesse motivos para cometer o
crime, querendo ou não dar o tiro. Sair para a rua armado sem ser
provocado era uma amostra da estupidez do sujeito.1292
1289
Durante a cobertura da atuação de Guazzelli e Faoro nas prisões dos sindicalistas presos feita por este
jornalista em parceria com Nunzio Briguglio, por exemplo, é mencionada a filiação partidária do
parlamentar. BECKER, Sérgio; BRIGUGLIO, Nunzio. “A greve só cessa no interior”. In: Jornal da
República, ano I, nº 16, 13 de setembro de 1979, 1º Caderno, Trabalhadores, p. 6
1290
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 6.
1291
Idem, ibidem. (grifo no original).
1292
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 3.
298
Com todas estas adversidades, Eloar abraçou o caso, “com o mesmo ânimo com
o qual se dedicava às defesas criminais a ele confiadas”, conforme Carlos Frederico
afirma.1293 Este “ânimo” era motivado, ainda de acordo com seu filho, por “postura
‘contracorrente’ do advogado, que tanto lhe agradava e servia de estímulo”.1294
Depreende-se que Eloar via no caso mais uma situação para colocar-se à prova, como
advogado, defendendo alguém, como teria manifestado no julgamento, “que eu,
particularmente, muitas vezes não concordava”.
1295
Poderia-se até dizer que, mesmo
aparentemente “detestando” a postura da imprensa nos “crimes de jornal”, Guazzelli via
nela um incentivo à sua ação como advogado.
Durante os anos em que o processo correu, o caso acabou consumindo muito do
cotidiano do escritório. Em relação ao comprometimento de Eloar no caso, Denise
Broda, secretária do escritório, afirmou que este “foi um processo que ele se dedicou
assim, Meu Deus do Céu!”. Conforme ela narrou em entrevista:
Deu muito trabalho. (…) [O caso] ocupou muito o escritório. Eles iam
muito lá. Ia com ele sempre muito o [jornalista] Cândido [Norberto], o
Cândido era amigo do Flávio. (…) Eles ficavam muito tempo lá no
escritório. Meu Deus! As reuniões com o cliente Flávio não se
comparavam com as reuniões com outros clientes.1296
Ela afirmou que enquanto que as sessões com outros clientes demandavam por
volta de trinta minutos, Alcaraz Gomes geralmente ocupava uma tarde.1297 Denise
vincula esta discrepância à dimensão do caso e, especialmente, às perícias que foram
levantadas para o caso, buscando fundamentar a alegação da defesa de que o disparo
havia sido acidental, questões que ocuparam “muitas horas” do cotidiano do
escritório.1298
Quando questionada sobre a presença do radialista no escritório, Broda afirmou
que ele era, “no geral, de um bom convívio, para escritório. (…). Falava direito,
educadamente” com ela:
O Flávio era boa-praça. Quando ele ia lá, conversava. Ele conversava
muito comigo em função dele ter conhecido meu pai, em função de
rádio. (…) Então a gente brincava muito, conversa outras coisas que
1293
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 6.
1294
Idem, ibidem..
1295
“Flávio condenado a 12 anos por homicídio e tentativa de morte”. In: Folha da Tarde, Porto Alegre,
Ano XLIV, nº 105, 29 de agosto de 1979, p. 46. No momento do julgamento Eloar já era deputado federal
pelo MDB o que justifica o fato de mencionar sua contrariedade com as posições de Flávio.
1296
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1297
Idem.
1298
Idem.
299
não do processo. (…) Com o Cândido [Norberto] também. [Flávio
Alcaraz Gomes ] era um cara atencioso, educado – claro, prepotente,
uma figura. Mas era um cara, um cliente bom de atender, de receber,
de ficar, às vezes, um bom tempo na sala de espera. (…) Era uma sala
pequena, tu tem que ficar conversando, tem que atender, tem que dar
cafezinho, oferecer água (…) e ele era uma pessoa agradável de
atender. Mas tu sabia que ele era o Flávio, aquela figura. 1299
No relato de Denise fica claro que, apesar da cordialidade e educação, havia uma
diferenciação em relação ao tratamento de Flávio, do que se depreende que tinha uma
tensão em relação a este cliente. Esta dimensão é reforçada pela colega de escritório,
Ana Eni Machado Milan, que contou que o jornalista criava atritos, afirmando que
estava promovendo Eloar, o que, segundo ela, não seria correto, uma vez que o
escritório já era muito conhecido na capital.1300
O processo é lembrado por Broda como muito arrastado, muito longo, “como
todo processo dessa natureza”.1301 Em diversas matérias constam que o processo foi
adiado em diversos momentos sob pedido da defesa: isto era visto pela imprensa, em
geral, como uma estratégia para, conforme sugeriu o Jornal da República, buscar um
“esquecimento” o que, de acordo com o periódico, “não adiantou”.1302 Frente aos
atrasos, amigos da vítima novamente compraram espaços em jornais nos quais
questionavam a demora.1303 De acordo com Zero Hora, em vinte e um de agosto de
1979, o advogado e deputado federal Guazzelli, “aproveitando que hoje será votado o
Projeto de Anistia pelo Congresso Nacional, solicitou o adiamento do júri”.1304
Como apontou sarcasticamente a matéria publicada no jornal Zero Hora no dia
do julgamento,
agora só mesmo uma desculpa muito forte como um problema de
ordem médica por parte do advogado de defesa ou de seu constituinte,
poderá determinar novo adiamento, uma vez que os recursos legais
que poderiam ser usados já foram esgotados. 1305
1299
Idem.
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 1
1301
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1302
“Lotação total para o júri do radialista”. In: Jornal da República, São Paulo, Ano I, nº 2, 28 de agosto
julho de 1979, 1º Caderno, p. 10.
1303
Idem, ibidem.
1304
“Julgamento de Flávio foi adiado novamente”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano XVI, nº 5979, 21 de
agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 37.
1305
“Grande Júri será hoje”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 28 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5986, 1º
Caderno, Polícia, p. 30.
1300
300
Assim, pareceres anexados e compromissos no Parlamento eram vistos como
chicana pela cobertura da imprensa, sendo que em somente uma matéria analisada foi
mencionado que a acusação também havia solicitado transferência do julgamento.1306
Partindo das matérias dos jornais, pode-se ver que, inicialmente, havia a busca
por levantar depoimentos de personalidades demonstrando as qualidades de Alcaraz
Gomes. Foram arrolados, por exemplo, os depoimentos dos senadores Paulo Brossard
(MDB) e João Calmon (Arena) e do ministro do Tribunal Federal de Recursos.1307
Werner Becker contou em entrevista que ele teve substalecimento de Guazzelli para
substituí-lo nesta audiência.1308
Foram ouvidas, também, figuras conhecidas na sociedade portoalegrense, como
o já citado jornalista e advogado Cândido Norberto, que depôs em vinte e cinco de
agosto de 1976. Antes de seu depoimento, ele “denunciou ter sido através de cartas e
bilhetes, pressionado a não depor em favor do réu”, que foram entregues ao tribunal.1309
Além disto, a matéria afirma que o testemundo foi presenciado por “cerca de 70 pessoas
– a maioria colegas e amigas da vítima” e “transcorreu em ambiente de tensão”.1310
A pressão durante o caso não era somente sentida pelo réu, suas testemunhas e o
advogado. A família de Eloar passava por diversos questionamentos. Conforme Cesar
Augusto, “o danado era no dia a dia ter que confrontar conhecidos ou não que estavam
indignados com o fato. Telefonemas anônimos” com ameaças. Ele afirma que “foram
dias xaropes, dando explicações sobre o papel da advocacia de defesa etc.”.
1311
A
tensão esteve muito potencializada durante o julgamento.
Além de buscar levantar as qualidades de Alcaraz Gomes, a defesa apresentou-o
como
alguém
que
cometeu
o
crime
“por
sentir-se
ameaçado”
naquelas
“Não existem mais lugares para assistir grande júri”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano XVI, nº 5985,
27 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 29.
1307
“Defesa do radialista que matou a universitária arrola dois senadores e ministro”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXVI, Edição 128, 14 de agosto de 1976, 1º Caderno, p. 20; “Defesa de radialista
que matou universitária recorre a Senadores e Ministro”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
LXXXVI, Edição 140, 26 de agosto de 1976, 1º Caderno, p. 15.
1308
BECKER. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017, em Porto
Alegre, p. 18.
1309
“Defesa de radialista que matou universitária recorre a Senadores e Ministro”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXVI, Edição 140, 26 de agosto de 1976, 1º Caderno, p. 15.
1310
“Defesa de radialista que matou universitária recorre a Senadores e Ministro”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXVI, Edição 140, 26 de agosto de 1976, 1º Caderno, p. 15.
1311
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 3.
1306
301
circunstâncias.1312 Conforme Flávio teria afirmado ao Júri, ele havia comprado a arma
logo após o sequestro do jovem Alexandre Möeller, ao ser informado que havia planos
para sequestrarem seus filhos: por esta razão ele teria ameaçado o jovem casal de forma
despropositada.1313 A argumentação do advogado intentava retratar Flávio como “um
homem enfurecido pelo próprio medo de atentados contra si e seus familiares”.1314
A caracterização do defensor teve certo êxito, uma vez que este trecho é a
descrição que o jornal fez do radialista. Ia nesta linha o reforço ao papel exercido no
trágico fato pela discussão pelo jovem médico na trama; o jornal afirmava, neste sentido
que era “pelo menos estranhável a posição da acusação não arrolando o acompanhante
da vítima como testemunha no júri popular do dia 28”.1315 Percebe-se nestes trechos que
o advogado obtinha algum sucesso em suas ações em relação à “opinião publicada”.
Conforme mencionou Denise Broda, mesmo que a estratégia fosse algo “entre
eles, os advogados”, a secretária percebia que a questão da perícia tinha um papel de
destaque na defesa do caso.1316 A edição de vinte e seis de agosto de 1979 do jornal
Zero Hora apontava que a defesa do “deputado federal, hábil criminalista” iria
debruçar-se neste aspecto, partindo de um laudo de Antônio Carlos Vilanova, da Escola
de Polícia de Brasília (EPB), que apontava para a acidentalidade do disparo.1317
Conforme a matéria,
a condução da defesa no julgamento do crime será traçada por um
exame conjugado de toda a prova dita material. Segundo Guazelli
(sic), este comportamento foi o mesmo seguido pelo professor
Antonio Carlos Vilanova para concluir pela “provável acidentalidade
do disparo”. Os estudos do criminalista do Distrito Federal que
resultaram no parecer favorável à defesa, basearam-se, segundo
Guazelli, numa orientação doutrinária chamada de “Criminalística
“Tribunal gaúcho decide que assassino de universitária enfrentará o júri popular”. In: Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, Edição 111, 28 de julho de 1978, 1º Caderno, p. 30.
1313
“Ao ser interrogado pelo juiz, réu responsabilizou o médico”. In: Folha da Tarde, Porto Alegre, Ano
XLIV, nº 105, 29 de agosto de 1979, p. 47. Alexandre Möeller era um adolescente filho de um dono de
revendedora de automóveis que foi sequestrado em 1974. O caso, que teve grande repercussão na
imprensa, e, curiosamente contou com a atuação de três personagens mencionados nesta tese: o delegado
Pedro Seelig, que descobriu o paradeiro dos sequestradores, Eloar Guazzelli e Omar Ferri, que
defenderam os réus no processo subsequente. Em seu livro, Ferri menciona o caso em dois momentos
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1981,
pp. 28-9 e 107.
1314
“O júri do ano: uma batalha judicial no Palácio da Justiça”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano XVI, nº
5984, 26 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 44.
1315
Idem, ibidem.
1316
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1317
“Defesa tem um laudo provando que o disparo teria sido acidental”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano
XVI, nº 5984, 26 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 44. Na edição havia uma reportagem de
quatro páginas – mais do que soma da cobertura da Folha da Manhã e da Folha da Tarde – o que mostra
amplitude dado pelo periódico ao caso.
1312
302
Dinâmica”, cujos ensinamentos estão alicerçados num estudo
conjugado das provas consideradas materiais.1318
Durante o julgamento a defesa e acusação debateram-se muito neste quesito,
colocando as teses dos peritos gaúchos do Instituto Médico Legal (IML) e do Instituto
de Criminalística (IC) contra a do especialista do centro do país. Havia, assim, um
embate em teorias e visões forenses.
Era, também, a “disputa de talentos pelos observadores” entre Guazzelli e
Amadeu Weinmann, advogado contratado pela família da vítima para auxiliar a
promotoria.1319 Eles já haviam estado nos mesmos lugares (Eloar na defesa e Amadeu
na acusação) no “Crime da Passarela”, o qual, conforme lembrou Guazzelli ao jornal
Zero Hora, havia obtido a desclassificação da acusação.1320 O “Caso do Flávio” era a
arena de confrontos de advogados e peritos, que tinha como cenário a disputa por
grupos jornalísticos.
Neste contexto, esperava-se que o momento ápice do processo, o julgamento,
tivesse causado grande impacto na sociedade porto-alegrense, o que de fato ocorreu.
Relembrando o processo, Denise Broda disse que “no julgamento então, pelo amor de
deus, foi aquele auê! Foi um auê em Porto Alegre, o julgamento do Flávio”.1321 O
Jornal da República apontou em linha semelhante afirmando que “como nos grandes
espetáculos, os convites credenciais já estavam esgotados” um dia antes de sua
realização.1322
Para dar conta, foi organizado entre a segurança do Palácio da Justiça e a
Brigada Militar um esquema onde havia três filas para preencher os 281 lugares
disponíveis: uma destinada à imprensa, uma para advogados e estudantes de Direito e,
finalmente, uma para os “populares” que desejavam ver o julgamento, de acordo com a
Folha da Tarde do dia do julgamento, vinte e oito de agosto.1323 Mesmo assim, entre
500 e 2 mil pessoas, de acordo com o jornal, compareceram ao Palácio da Justiça para
1318
Idem, ibidem.
“O júri do ano: uma batalha judicial no Palácio da Justiça”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano XVI, nº
5984, 26 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 44; “Grande júri será hoje”. In: Zero Hora, Porto
Alegre, 28 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5986, 1º Caderno, Polícia, p. 30.
1320
“Defesa tem um laudo provando que o disparo teria sido acidental”. In: Zero Hora, Porto Alegre, Ano
XVI, nº 5984, 26 de agosto de 1979, 1º Caderno, Polícia, p. 44.
1321
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1322
“Lotação total para o júri do radialista”. In: Jornal da República, São Paulo, Ano I, nº 2, 28 de agosto
julho de 1979, 1º Caderno, p. 10.
1323
“Flávio Gomes será julgado hoje”. In: Folha da Tarde, Porto Alegre, Ano XLIV, nº 104, 28 de agosto
de 1979, p. 42.
1319
303
tentar assistir ao Júri, o que ocasionou confusões que fizeram com que o rito, que
iniciaria as 14 começasse somente duas horas depois.1324
De acordo com o jornal Zero Hora,
A Praça da Matriz, ontem, viveu um de seus dias tumultuados. Palco
de muitas manifestações públicas, de origem político-social, o grande
largo que liga os três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário do
Estado – a partir das 12h começou a ficar cheio de gente. Na maioria
jovens. Para os menos avisado até poderia parecer que alguém estava
procurando organizar uma manifestação, como já aconteceu, até há
pouco tempo, quando muitas pessoas terminaram invadindo a Catedral
Metropolitana, que também fica no mesmo largo. Ontem, porém, a
intenção era invadir o Palácio da Justiça, onde, às 14h, deveria ser
iniciado o julgamento de Flávio Alcaraz Gomes.1325
Nota-se que o jornal comparava a mobilização com o julgamento com as
manifestações de oposição promovidas por estudantes e trabalhadores que, a partir de
1977, faziam-se presentes nas ruas do centro da capital, atingindo um ápice em agosto e
setembro de 1979.1326 Assim como nas mobilizações políticas, os moradores e
trabalhadores dos prédios iam às janelas e sacadas para ver a movimentação.1327
Baseado nas emoções que a imagem de Flávio gerava é inclusive provável que muitos
militantes de esquerda que fossem às ruas pelas liberdades democráticas e Anistia
tenham ido ver o campeão da ditadura ser julgado.
De acordo com a cobertura da Zero Hora, o evento tomou de fato proporções
sensacionais, sendo registradas as presenças de figuras como a poetisa Nina Gualdi e a
“conhecida Terezinha Morango”.1328 Ainda de acordo com o periódico algumas pessoas
Enquanto o Jornal do Brasil afirmava que era 500, a Zero Hora calculava em 2 mil. “Jornalista
acusado de matar estudante vai a julgamento em P. Alegre”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
LXXXIX, Edição 143, 29 de agosto julho de 1979, 1º Caderno, p. 14; “O Grande Júri começou: houve até
tumulto no Palácio da Justiça” In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º
Caderno, Polícia, pp. 26-27.
1325
“O Grande Júri começou: houve até tumulto no Palácio da Justiça” In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de
agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 26. A menção ao episódio envolvendo a
Catedral Metropolitana refere-se à vigília pela Anistia realizada naquele local em agosto de 1979.
RODEGHERO, Carla Simone; DIENSTMANN, Gabriel; TRINDADE, Tatiana. Anistia ampla, geral e
irrestrita: História de uma luta inconclusa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2011, pp. 241-4.
1326
Gabriel Dienstmann afirma que, entre a metade de agosto e meados de setembro de 1979, as
manifestações de rua eram quase diárias, motivadas pelas mobilização pela Anistia e as mais de trinta
greve que ocorriam simultaneamente na capital. DIENSTMANN, Gabriel. A luta pela democracia em
foco: fotojornalismo e movimentos sociais no Rio Grande do Sul (1977-1979). Porto Alegre: UFRGS,
2016, p. 204. Dissertação de Mestrado em História. Sobre isto ver também: RODEGHERO, Carla
Simone; GUAZZELLI, Dante Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não Calo, Grito: memória visual
da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2013, pp. 159-214.
1327
“O Grande Júri começou: houve até tumulto no Palácio da Justiça” In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de
agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 26.
1328
Nina Gualdi, provavelmente devido às opiniões do radialista sobre seu caso de homicídio ocorrido na
década anterior, manifestava que era inimiga de Flávio e que gostaria de vê-lo punido pela sociedade. Já
Terezinha Morango era um personagem peculiar porto-alegrense, sendo identificada como torcedora
1324
304
tentaram enganar agentes de segurança dizendo-se advogados ou familiares da vítima
ou entrar pela entrada lateral.1329 O jornal apontava que, enquanto que estudantes de
Direito, advogados e duas primas de Maria José não conseguiram entrar, algumas
mulheres tinham livre acesso à sala onde ocorria o Júri.1330 Esta situação fez um
estudante de quarto ano de Direito na PUCRS entrevistado pela Zero Hora afirmar que
as pessoas queriam “apenas assistir à condenação do réu, como se o Tribunal de Justiça
fosse um circo uma arena romana”.1331 De acordo com a Folha da Tarde, houve quem
esperarasse até a madrugada para entrar.1332
Estes trechos mostram a comoção que havia na cidade em relação ao caso.
Todos queriam ver o julgamento, em especial à condenação do radialista, e disputavam
um lugar para ver o paladino dos conservadores pagar pelo que havia feito.
De acordo com as descrições do Júri, este ambiente de turba alvoroçada foi
levado para o Palácio de Justiça, apesar das ameaças do juiz Luiz Carlos Castelo Branco
dos Santos de interromper o rito se houvessem perturbações:
Em todos os locais, inclusive no plenário da Vara do Júri a maior parte
das pessoas manifestava-se pela condenação do réu chegando,
inclusive, a desrespeitar as recomendações do Juiz, promovendo
manifestações quando o advogado da defesa fazia qualquer referência
que destacasse os valores morais e sociais do acusado.1333
De acordo com outro registro de Zero Hora, quando Eloar afirmou que Flávio
era “um velho, um excelente pai de família” provocou risos no público.1334 Em outro
momento, após o promotor Amaro Borges Moreira não ter tido êxito em auxiliar o
advogado no manuseio da espigarda teria se dito “Dá pro Flávio que ele sabe”, o que
símbolo do Internacional. “O Grande Júri começou: houve até tumulto no Palácio da Justiça” In: Zero
Hora, Porto Alegre, 29 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 26; “Promotor foi
quem atraiu maior parte da atenção popular”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto de 1979, Ano
XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 32.
1329
“Mais de suas mil pessoas queriam entrar mas só existiam 281 lugares”. In: Zero Hora, Porto Alegre,
29 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 29.
1330
“Familiares da vítima foram impedidos de assistir ao júri”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto
de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 29; “Promotor foi quem atraiu maior parte da atenção
popular”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p.
32.
1331
“Familiares da vítima foram impedidos de assistir ao júri”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto
de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 29.
1332
“Flávio condenado a 12 anos por homicídio e tentativa de morte”. In: Folha da Tarde, Porto Alegre,
Ano XLIV, nº 105, 29 de agosto de 1979, p. 46.
1333
“Promotor foi quem atraiu maior parte da atenção popular”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto
de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 32.
1334
“Preocupação da defesa: tentar provar que o disparo foi acidental”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de
agosto de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 33.
305
provocou também gargalhadas da audiência.1335 Além disso, fotografias da jovem
vítima foram passadas no plenário por familiares, aumentando a sede por vendeta da
plateia.1336 Estes trechos mostram que, de fato, os presentes já traziam para o Palácio da
Justiça um veredito.
Uma das linhas seguidas pela defesa, que iniciou por volta da uma hora e
quarenta e cinco minutos já do dia vinte e nove, foi trabalhar com a imagem do réu
como um profissional com diversos serviços prestados para a sociedade gaúcha,
ressaltando seu trabalho com correspondente de guerra.1337 Ao mesmo tempo, Eloar
buscou mostrar o réu como alguém assustadiço, afirmando que inclusive o médico
Paulo Freitas temia por assaltos naquelas redondezas.1338 O advogado reforçava que por
suas opiniões polêmicas, Flávio estava em “permanente sobressalto de ser atacado”.1339
Ele também buscou desmentir o depoimento do jovem namorado, apontando para
contradições de sua versão.1340
Porém, a principal estratégia de Guazzelli foi desfazer a tese da acusação através
do confronto da perícia, o que acabou concentrando as atenções do julgamento. Ele
baseava-se, para isto, no laudo de Antônio Carlos Vilanova, que apontava para
acidentalidade, além de atacar os dados trazidos pela polícia.1341 Conforme o jornal Zero
Hora, o defensor teria afirmado:
Não estamos querendo criticar ou agir com safadeza para com os
peritos daqui, pois se quiséssemos poderíamos citar que, enquanto que
nos laudos consta que os cabelos da vítima eram loiros, no auto de
necropsia consta que eram pretos. O que desejamos é agir com
justiça.1342
1335
Enquanto que o Jornal da República registrou que a frase teria sido proferida por um assistente da
acusação, Zero Hora afirmava que o promotor havia dito. BECKER, Sérgio. “O radialista gaúcho é
condenado a 12 anos”. In: Jornal da República, São Paulo, Ano I, nº 4, 30 de agosto julho de 1979,1º
Caderno, p. 11; “Preocupação da defesa: tentar provar que o disparo foi acidental”. In: Zero Hora, Porto
Alegre, 30 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 33.
1336
“Promotor foi quem atraiu maior parte da atenção popular”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto
de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 32.
1337
“Preocupação da defesa: tentar provar que o disparo foi acidental”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de
agosto de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 33.
1338
Idem, ibidem.
1339
“Flávio condenado a 12 anos por homicídio e tentativa de morte”. In: Folha da Tarde, Porto Alegre,
Ano XLIV, nº 105, 29 de agosto de 1979, p. 46.
1340
“Preocupação da defesa: tentar provar que o disparo foi acidental”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de
agosto de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 33.
1341
“Iniciado com atraso, júri termina hoje”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto de 1979, Ano
XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 28
1342
“Preocupação da defesa: tentar provar que o disparo foi acidental”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de
agosto de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 33.
306
Esta passagem exemplifica a argumentação seguida em relação aos peritos e
seus laudos. O trecho é especialmente interessante para demonstrar o tipo de retórica
usada por Eloar, uma vez que no momento que ele afirma que não quer apontar erros
nos trabalhos dos especialistas dos Institutos gaúchos, ele de fato o faz.
Posteriormente, ao inquirir os peritos do IML e do IC, o advogado “mostrou
porque é considerado um grande profissional” uma vez que “tentou confundir os cinco
peritos e quase conseguiu”, já que obteve respostas que lançaram dúvidas sobre os
pareceres.
1343
Conforme registrou o jornal Zero Hora, “Eloar Guazzelli tentou
confundir os peritos e quase conseguiu, pois muitos leigos que assistiam ao júri
chegaram a ficar impressionados com a falta de conhecimento de alguns dos técnicos”
ao questionar, de acordo com o periódico, pontos cujo conhecimento lhes fugia.1344
Mesmo assim, como apontou Sérgio Becker de Jornal da República, de “nada
valeu” a estratégia da defesa para qualificar o crime como acidental: o réu foi
condenado a oito anos de prisão pelo homicídio de Maria José Alberton Silva e mais
quatro pela tentativa de homicídio ao médico Paulo Eduardo Peixoto de Freitas,
somando, assim, doze anos de reclusão.1345 De acordo com o periódico, “Houve quem
gritasse ‘boa’ entre os 500 assistentes do júri. E algumas senhoras, ligadas à família da
jovem Maria José, tiveram que ser retiradas, chorando, pouco depois da sentença”.1346
Já o jornal Zero Hora registrou que no momento da leitura da sentença o “pequeno
grupo, amigos e familiares do réu, viu-se oprimido pelos gritos de satisfação e aplausos
da maioria dos presentes”, enquanto que o Jornal do Brasil afirmou que neste momento
grande parte do público gritavam “assassino, assassino”. 1347
“Legistas do IML e peritos do IC tiram dúvidas”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto de 1979,
Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 35.
1344
“Iniciado com atraso, júri termina hoje”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto de 1979, Ano
XVI, nº 5987, 1º Caderno, Polícia, p. 28. As colocações de Guazzelli poderiam ser influenciadas pela
teoria seguida por Antonio Carlos Vilanova, que propunha uma visão em que os dados vindos das
diferentes áreas eram analisados como um todo e não em suas especificidades.
1345
BECKER, Sérgio. “O radialista gaúcho é condenado a 12 anos”. In: Jornal da República, São Paulo,
Ano I, nº 4, 30 de agosto julho de 1979,1º Caderno, p. 11.
1346
Idem, ibidem.
1347
Promotor foi quem atraiu maior parte da atenção popular”. In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto
de 1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 32; “Radialista gaúcho recebe 12 anos por morte de
moça”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIX, Edição 144, 30 de agosto julho de 1979, 1º
Caderno, p. 19.
1343
307
Imagem 8: Zero Hora, Porto Alegre, 29 de agosto de 1979, Ano XVI, nº 5987, 1º Caderno,
Polícia, pp. 26-27. Na fotografia do alto, está, em primeiro plano, Flávio ouvindo seus advogados
Eloar Guazzelli e Carlos Frederico Barcellos Guazzelli. À esquerda dos advogados está a filha de
Eloar, Julieta, e à direita, a colega de escritório Ana Eni Machado Milan. Fonte: Acervo de
Imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
308
O “Grande Júri”, como ficou conhecido pelos jornais, acabou assumindo uma
dimensão catártica para a sociedade porto-alegrense. Partindo das passagens descritas,
nota-se que havia no caso elementos que o aproximavam dos charivari, fenômeno
presente na Europa da Idade Média até o século XIX, no qual membros da comunidade,
em geral jovens, promoviam arruaças contra pessoas de comportamento considerado
condenável.1348 George Minois afirma que “esses procedimentos primitivos,
humilhantes ridicularizam cruelmente uma pessoa que se encontra, assim, no
ostracismo” e que os alvos do charivari levavam “com elas os vícios e os pecados da
comunidade, facilmente eliminados”.
1349
Assim, diferentes setores da sociedade viam
na condenação de Flávio Alcaraz Gomes diferentes características que desejavam ser
extirpadas: enquanto que uma parcela mais conservadora o via como o assassino de uma
jovem bela e bem nascida, grupos da oposição o representavam como a violência e a
hipocrisia das classes dominantes. Este contexto não era fértil para uma tese como a do
disparo acidental.1350
Cesar Augusto Guazzelli conta que sua então esposa, sua irmã e uma prima
foram ao Júri, enquanto que ele ficou na casa da família, respondendo “da forma mais
‘educada’ possível” a telefonemas anônimos.1351 Segundo ele,
Até as meninas ao final do júri foram chamadas de “assassinas”!
Depois foi como uma catarse, passou tudo. Com o próprio Freitas tive
uma conversa bem franca, ele falou que achou justa a pena, não tinha
raiva do pai. Por sinal, ao longo deste tempo todo ele nunca me tratou
mal.1352
Neste trecho há a percepção, por parte do filho de Eloar, que a execração pública
ao réu atingiu não somente o advogado, mas também aqueles que lhe eram próximos, o
que, aparentemente, não era realizado pelo médico namorado da vítima. Por outro lado,
no relato de Cesar existe a ideia de que este clima cessou após o julgamento. O
processo, no entanto, teria impactos mais profundos da vida de Eloar.
1348
MINOIS, George. História do Riso e do Escárnio. São Paulo: Editora UNESP, 2003, pp. 169-70.
Idem, pp. 171 e 173.
1350
Carlos Frederico aponta que, “apesar de tudo, a defesa obtivera algum êxito, ao retirar da acusação a
imputação de homicídio qualificado”. GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as
atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984). [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 6.
1351
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 3.
1352
Idem, ibidem.
1349
309
Imediatamente após a sentença, o advogado entrou com recurso pedindo a
anulação do Júri e solicitando a submissão a novo julgamento.1353 Carlos Frederico
aponta que, “embora não tenha alcançado o resultado principal desejado”, a defesa
“conseguiu a redução da pena pelo homicídio tentado, de quatro para dois anos”. 1354 Os
advogados, posteriormente, iam colocar novo recurso no STF, pedido nova diminuição
de pena, “Flávio, no entanto, provavelmente movido pela angústia de iniciar logo o
cumprimento da pena, preferiu desistir do recurso, apresentando-se para cumpri-la”,
indo para o Presídio Central de Porto Alegre, em “cela individual, na parte
administrativa
do
estabelecimento,
onde
passou
a
trabalhar,
inclusive”.1355
Posteriormente o escritório recebeu “uma carta lacônica” de Alcaraz Gomes
“comunicando-lhe que dispensava seus serviços”.1356
Denise Broda, Ana Eni Machado Milan e Carlos Frederico Guazzelli, que
conviviam com o advogado no escritório, deram respostas diversas quando
questionados sobre o impacto que o processo teve em Eloar Guazzelli. A secretária
afirmou que, mesmo o processo tendo sido arrastado e longo e, por isso, ter sido
desgastante, não percebeu “que ele tivesse ficado chateado, triste, desgastado, nada,
não”.1357 Já os advogados tiveram outra visão, afirmando que este caso abalou o
advogado. Para Ana Eni, a repercussão foi oposta do esperado por Flávio: o invés de
trazer boa visibilidade para o advogado e seu escritório, houve muito desgaste, derivado
das posturas do cliente, contrárias à orientação do advogado.1358 Conforme apontou
Carlos Frederico, que na época era colega de escritório de seu pai, “à medida que o
processo tramitava e seu desfecho negativo se anunciava, Eloar foi sendo tomado por
um misto de amargura, angústia e impotência”.1359
O advogado, quando questionado pela reportagem do Jornal da OAB/RS sobre
grandes frustrações em sua profissão, afirmou que
“Pena foi de 12 anos mas a defesa já apresentou recurso”In: Zero Hora, Porto Alegre, 30 de agosto de
1979, Ano XVI, nº 5988, 1º Caderno, Polícia, p. 30-1.
1354
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 6.
1355
Idem, p. 7 (grifo no original).
1356
Idem, ibidem.
1357
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1358
Ela afirmou que no “Crime da Passarela”, houve situação semelhante. GUAZZELLI, Dante
Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada em 8 de setembro de
2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos 1974 e 1982. Porto
Alegre, 2017, p. 1
1359
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 6.
1353
310
A derrota que mais marcou minha vida foi por ocasião do caso
envolvendo o radialista Flávio Alcaraz Gomes. Levei a defesa a um
ponto de me estressar. Tive uma poliomielite e fiquei afastado do
escritório por um ano. Hoje há um entendimento técnico-jurídico de
que ele não poderia receber a pena que lhe foi imposta. Isto tudo
aconteceu em função da antipatia que ele gozava em alguns meios.
Aquela situação me desgostou profundamente.1360
Nota-se que mais de dez anos após o processo, o caso ainda assombrava Eloar.
Na passagem ele faz questão de apontar que, devido a seu envolvimento, chegou a ter
problemas de saúde. A derrota é, ao mesmo tempo, vinculada à “antipatia” de “alguns
meios”. Conforme Carlos Frederico, o caso todo trouxe
profundo desgosto em Eloar, dado seu grande envolvimento
emocional com a defesa de réu que, ao final, demonstrou-se indigno
de sua dedicação. De qualquer sorte, sendo ele como era, advogado
por ofício e devoção, não agiria de modo diferente.1361
No relato percebe-se que o filho também reforça que o desgaste do advogado
tinha a ver com um comprometimento que não teve resultados efetivos. Se,
inicialmente, a ideia de estar nadando “contra a corrente” era encarada como um desafio
por Eloar, ao final o defensor via-se extenuado e, principalmente, com a sensação de
que o esforço havia sido desperdiçado por alguém “indigno”.
Estes trechos contêm alguns elementos importantes em relação à memória
familiar de Eloar. Inicialmente, como se pode ver nas narrativas dos filhos, devido a sua
dimensão, o caso envolveu a família de uma forma singular.1362 O caso também ficou
marcado na memória familiar: eu, por exemplo, cresci ouvindo meu pai falar sobre o
processo, as linhas da defesa – em especial a questão da acidentalidade do disparo – e
sobre o cliente, toda vez que escutava Alcaraz Gomes no rádio (o que ocorria muito).
Isto mostra que o processo foi um evento determinante para a identidade dos
descendentes do advogado. Ele representa uma perspectiva dada à atuação profissional
de Eloar: a do direito de defesa como parte dos direitos humanos. Os relatos dos filhos
do advogado vão neste sentido: como já citei, Cesar afirmou que durante o caso ele
acabava tendo que dar “explicações sobre o papel da advocacia de defesa” e Carlos
“Eloar Guazzelli: A defesa como uma razão de vida”. In: Jornal da OAB/RS, Porto Alegre, Outubro
de 1991, p. 14.
1361
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 6.
1362
Um exemplo são as fotografias do júri, na qual aparecem, além de Eloar e seu filho (que atuava na
assistência), sua filha Julieta ao fundo. Isto fez com que minhas pesquisas nos jornais se assemelhasse ao
ato de abrir um álbum de família.
1360
311
disse que mesmo o cliente sendo “indigno” seu pai teria feito a defesa já que era
“advogado por ofício e devoção, não agiria de modo diferente”. 1363
O “Caso do Flávio” também mostra os limites do projeto de Eloar Guazzelli, que
buscava articular a advocacia com a militância política. Aqui, sua atuação como
advogado criminalista entrou em conflito com sua imagem enquanto militante da
esquerda.
Possivelmente surgia-lhe o questionamento de como poderia um defensor de
presos políticos – alguém que lutava contra a ditadura em prol dos direitos humanos –,
atuar na causa de um radialista que matou com uma espigarda de cano curto uma jovem
que estava com seu namorado em frente à casa de réu. Mesmo que Eloar e sua família
tenham encontrado uma justificativa que se encaixasse em um conceito de direitos
humanos, uma parte considerável dos militantes de esquerda provavelmente não
entendiam esta razão. Isto mostra, também, que a percepção sobre os direitos humanos
ainda estava sendo construída e em disputa.
Enquanto que o caso era um desafio para o advogado criminalista, para Eloar
enquanto “homem de esquerda” representava um potencial estigma. Este processo criou,
assim, uma tensão para Guazzelli: ele era um notório criminalista – que rivalizava com
Lia Pires em grandes casos – ou um deputado que buscava lutar pelas liberdades
democráticas? Sua “frustração”, “desgosto”, “amargura” provavelmente derivava de
uma percepção pública que confrontava estas duas dimensões.
Chamo a atenção, neste sentido, para o fato de que entre todos os casos em que o
advogado não obteve sucesso, este foi o que mais lhe marcou. Nos “crimes de jornal”
analisados anteriormente, “Crime da Mala” e o “Caso do Julinho”, nos quais ele
também não obteve a absolvição, de alguma forma Guazzelli teve algum tipo de ganho
profissional, enquanto que no analisado aqui, não. Além disso, percebe-se que, ao longo
de sua carreira profissional, foi neste processo que foram registradas ameaças e
constrangimentos por parte da memória familiar.
1363
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 3; GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar
Guazzelli (1974/1984). [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017,
p. 6. Sobre o assunto, Carlos afirmou que “cabe lembrar, a propósito, a jocosa resposta que dava quando
lhe manifestavam a estranheza, ou mesmo a contrariedade por assumir causas antipáticas como esta: dizia
então que só não defendia o diabo por dois motivos – primeiro, porque este não o tinha procurado; e
segundo, porque “deus nosso senhor não havia reaberto o caso”. Idem, ibidem.
312
IV.5. O “Advogado dos Direitos Humanos”: a eleição de 1978
Em 1978, Eloar Guazzelli lançou candidatura a deputado federal pelo MDB.
Questionada sobre isto, a colega de escritório Ana Eni Machado Milan afirmou que
naquele momento ele já havia construído um “nome” devido às suas qualidades, sendo
reconhecido por advogados do centro do país como Técio Lins e Silva, Modesto da
Silveira e Rosa Cardoso.1364 Mesmo assim, afirmou que recebeu este fato com
“surpresa”, uma vez que não via em Eloar aspirações a cargos parlamentares: para ela,
Guazzelli era e tinha como objetivo de vida ser um “advogado autônomo”, o que não se
encaixaria com uma carreira política.1365
Já a secretária Denise Broda afirmou em entrevista que não lembrava como
havia surgido a possibilidade de Guazzelli concorrer no pleito: “Um dia ele era
candidato”.1366 Quando questionada, a secretária afirmou que não tinha recordações de
personalidades do MDB presentes no cotidiano do escritório, mas sim pessoas como
Júlio Teixeira e Honório Peres.1367 Assim percebe-se que a candidatura de Eloar estava
inserida na estratégia do PCB de utilizar os espaços legais, em especial o MDB, para
militar politicamente. Ele teria sido escolhido, pois seu nome alcançaria um apoio mais
espraiado indo além das bases comunistas, conforme já mencionado por Honório
Peres.1368
Há, assim, uma visão corrente de que a candidatura de Eloar foi, mais do que
vontade pessoal, uma decisão do PCB, que via nele uma possibilidade de eleição. Cesar
Augusto afirma que ele e seu irmão Carlos Frederico foram “chamados pelo Pinheirinho
[Antônio Pinheiro Machado Neto] para uma conversa no escritório dele”, na qual
expunha que a “eleição do pai seria bem possível pelo prestígio profissional, pela
importância na Ordem dos Advogados, pela defesa de perseguidos políticos de todos os
matizes etc.”, o que possibilitaria aumentar a votação além da obtida por Dulphe
1364
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 2.
1365
Idem, ibidem.
1366
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1367
Idem.
1368
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre.
313
Pinheiro Machado no pleito anterior.1369 Carlos Frederico afirma que Eloar havia
recusado convite a lançar candidatura em 1974, mas que
A intensa pressão emocional decorrente da defesa de Flávio [Alcaraz
Gomes] fez com que Eloar, em 1978, aceitasse a candidatura a
deputado federal pelo MDB (…). A perspectiva do exercício do
mandato oferecia uma espécie de alívio à angústia crescente que
sentia, em face do anunciado desenlace desfavorável da causa.1370
Mesmo que buscasse no pleito uma “fuga” em relação ao caso de Alcaraz
Gomes que estava em andamento, Cesar Augusto afirma que, durante a campanha, “a
questão do Flávio não ajudou em nada!”, mostrando que a antipatia de setores
oposicionistas em relação ao radialista acabou respingando na empreitada eleitoral de
Eloar.1371
Carlos Frederico afirma que a eleição apresentava-se como “uma consequência
natural dos esforços expendidos, ao longo de quase quatro décadas, como advogado e
cidadão, na defesa dos direitos humanos e das prerrogativas da cidadania”.1372
Há, assim, um conflito de imagens sobre a concretização da candidatura entre
Eni (“surpresa”) e Carlos (“consequência natural”), o que é derivado dos sentidos dados
à trajetória profissional de Eloar. A advogada a vinculava a um projeto de “advocacia
autônoma”, logo dentro dos espaços jurídicos, o que não tinha necessariamente a ver
com a política partidária. Já o filho a colocava como parte de uma luta que, naquele
momento, transferia-se de um meio jurídico para outro político. Nos dois casos, estas
perspectivas estão relacionadas com uma “herança” diferente requisitada por cada um
deles: Eni, a questão da advocacia, e Carlos, uma visão política da profissão.1373
Cesar Augusto narrou que, após a conversa com Antônio Pinheiro Machado
Neto, os irmãos saíram “convencidos e até com certo entusiasmo, mas o compromisso
era dobrar Dona Lizabel, o que não era exatamente uma coisa fácil. Mas deu para
1369
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 3.
1370
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 8 (grifos no original).
1371
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 5.
1372
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 8.
1373
Isto está diretamente vinculado às trajetórias dos dois advogados após a morte de Eloar, em 1994:
Enquanto que Ana Eni seguiu com o escritório, Carlos Frederico passou a atuar exclusivamente como
defensor público, sendo Defensor Público Geral no governo de Olívio Dutra (1999-2002) e membro da
Comissão Estadual da Verdade, entre 2012 e 2014 Curiosamente, Denise Broda trabalhou em ambas as
frentes, inicialmente no escritório e, posteriormente, como secretária do gabinete de Carlos na Defensoria
Geral.
314
convencê-la”.1374 Esta passagem mostra que a campanha envolveu a família e as pessoas
próximas: assim ele narrou contatos familiares em busca de apoio, envolvendo tanto a
família de Eloar, em Vacaria, quanto à de sua esposa, em Santiago, o que esbarrava em
questões ideológicas.1375
No que se refere à família, a questão da relação com seu primo, o então
governador Sinval Guazzelli, é algo frequente dentro das narrativas sobre a campanha.
O filho de Eloar afirmou que Sinval “obviamente não se meteu ou deu palpites”. 1376 Na
imprensa há registros que buscam frisar esta desvinculação entre os primos. Em nota do
jornal Tribuna da Imprensa de 16 de novembro de 1978, é narrado que “Arena
percebendo que” Eloar estaria
muito forte, arranjou uma maneira maquiavélica de tentar queimá-lo.
Espalhou pelo Estado esta recomendação do governador:
- “Sinval acha que se deve votar nele”. Não pegou.1377
No mesmo dia foi publicada no Jornal do Brasil uma matéria acompanhando o
governador no dia na eleição.1378 Nela, Sinval defendeu o fim dos partidos, afirmando a
“viabilidade futura da criação do Partido Comunista no Brasil, desde que adote o
eurocomunismo “que defende o pluripartidarismo e o jogo democrático”, além clamar
pela extinção da Lei Falcão.1379 Além de mencionar o PCB, os jornalistas questionaram
o político “sobre possível voto ao seu primo-irmão, Eloar Guazzelli, candidato a
deputado federal pela Oposição”, ao que ele respondeu que “é ‘um primo a quem muito
estimo, sendo meu compadre e padrinho da minha filha mais moça. Mas ele é do MDB
e eu da Arena’”.1380
Estes trechos mostram que havia a preocupação de ambos os lados para se
desvincular os parentes políticos. Tanto o arenista quanto o emedebista evitavam que
suas imagens fossem coladas uma a outra, procurando expor as diferenças ideológicas
dos dois. Ainda assim, é possível que, mesmo no MDB, o sobrenome tenha ajudado em
1374
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 4.
1375
Idem, ibidem. Um exemplo apontado pelo filho de Eloar foi em relação ao apoio do MDB de Vacaria,
que mesmo tendo uma parceria com um candidato a deputado estadual (que era marido de uma prima),
“os votos de Vacaria e arredores – Esmeralda, Ipê, Bom Jesus etc. – não eram favas contadas” pois
ficariam divididos, por um acordo com o diretório de Lagoa Vermelha, com Eloy Lenzi.
1376
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 4.
1377
“Plantão”. In: Tribuna da imprensa, Rio de Janeiro, Ano XXVIII, nº 8907, 16 de novembro de 1978,
1º Caderno, p. 3.
1378
“Guazzelli crê em pluralismo que poderá incluir até o PC”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
LXXXVIII, nº 222, 16 de novembro de 1978, 1º Caderno, Política e Governo, p. 16.
1379
Idem, ibidem.
1380
Idem, ibidem.
315
seu sucesso. Poderia haver, por parte do eleitorado, uma inclinação a votar em um
candidato que imaginassem que tivesse uma proximidade com o poder. É provável que
sua escolha como candidato também passasse por esta possibilidade.1381
Há indícios de que a campanha foi articulada principalmente pelos membros do
PCB: Cesar aponta Eloar como “dobradinha” na campanha Fernando do Canto, para
deputado estadual, e Lauro Hagemann, para vereador em Porto Alegre, que eram
identificados com a organização.1382 Ele também afirma que havia sido feita uma
intervenção para uma parceria com o candidato a deputado estadual André Forster.1383
Ele era o principal coordenador do Instituto de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais
do MDB (IEPES), que “foi, sem dúvida, o canal de maior visibilidade de engajamento da
“esquerda gaúcha” na década de 70”.1384 De acordo com a cientista política Eliana Tavares
dos Reis, este candidato contava
na sua campanha com o engajamento de uma série de lideranças
jovens que reconhecem na sua proposta a melhor tradução das
aspirações oposicionistas e nas suas posições uma interpretação
adequada para a passagem à democracia e desta ao socialismo.1385
Além dos IEPES, a autora aponta o Setor Jovem Metropolitano (SJM) e o Setor
Jovem de Santa Maria como outros grupos de “lideranças jovens” dentro do MDB. Ela
ainda afirma que estes grupos reivindicavam uma singularidade dentro do partido de
oposição, “logo buscando o caráter de ‘novidade’ em relação às interpretações de quadros
partidários já estabelecidos na arena política (trabalhistas, autênticos, comunistas, etc.)”,
avaliando de forma crítica as posturas e ações dos “velhos” militantes. 1386
Em relação à parceria entre Guazzelli e Forster, Cesar Augusto narra:
Mas não sei porque cargas d’água impingiram no pai uma dobradinha
com o André Forster, que tinha muita inserção na esquerda. Ele não
teve a menor consideração com o velho: num dos primeiros encontros
políticos mais importantes, o Forster apareceu com o Clóvis Grivot,
que também era candidato a federal...1387
1381
Curiosamente, em 25 de maio de 1979 o Jornal do Brasil publicou uma reportagem com jovens da
família de Sinval Guazzelli e Tarso Dutra que havia optado por militar no MDB. “MDB gaúcho atrai
preferência de descendentes de arenistas”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIX, nº 49, 25
de maio de 1979, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1382
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 4.
1383
Idem, ibidem.
1384
REIS, Eliana Tavares dos. Juventude, Intelectualidade e Política: Espaços de Atuação e Repertórios
de Mobilização no MDB dos Anos 70. Porto Alegre: UFRGS, 2001, p. 64. Dissertação de Mestrado em
Ciência Política.
1385
Idem, p. 85.
1386
Idem, p. 141.
1387
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 4.
316
Esta passagem mostra que a aproximação de Eloar com a jovem liderança não
era orgânica, e sim um arranjo, que, aparentemente, não teve muito futuro. Carlos
Frederico ainda afirma que seu pai costumava dizer que
“...a candidatura é boa, já o candidato não sei...”. Abstraído o tom de
blague, esta era uma boa síntese do significado político de sua
candidatura: Eloar preenchia um vazio, à esquerda, na nomenclatura
apresentada ao eleitorado gaúcho pelo MDB, como um nome
inegavelmente identificado com as posições do humanismo socialista
e democrático.1388
Comparando os trechos com as interpretações de Reis, nota-se que havia, nos
setores de esquerda emedebista, uma disputa pelo mesmo eleitorado. Um exemplo são
os “a pedido” dos dois candidatos inseridos no Coojornal¸ publicação voltada a um
público posicionado “à esquerda”.1389 Os comunistas e a “juventude” do MDB
buscavam preencher este “vazio à esquerda” de “humanismo socialista e democrático”,
o que criava entre eles tensões, o que está presente na fala de Cesar Augusto.
Conforme Cesar Augusto, “A campanha centrou na questão dos presos políticos,
e o lema era ‘O Advogado dos Direitos Humanos’”.1390 Assim, a Tribuna da Imprensa
apresentava Eloar como “famoso advogado de 308 presos e perseguidos políticos” que
“recebeu o apoio de alguns dos setores mais avançados do Estado: Universidade,
jornalistas, dirigentes sindicais, cassados”.1391
Ana Eni Machado Milan afirmou que a campanha de 1978 foi uma “campanha
fácil”, e que escritório se manteve em funcionamento mesmo com a integração dos
advogados com a campanha eleitoral.1392 Denise Broda narrou que o escritório seguiu
em funcionamento neste momento e afirma que, ao final do expediente, quem estava lá
ia para o comitê, que também era localizado no centro da capital, realizando “tudo que
se faz numa campanha, indo para rua mesmo... era uma farra! Aquela campanha foi
1388
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 8.
1389
Coojornal, Porto Alegre, Ano III, nº 33, setembro de 1978, p. 16.
1390
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 5.
1391
“Plantão”. In: Tribuna da imprensa, Rio de Janeiro, Ano XXVIII, nº 8907, 16 de novembro de 1978,
1º Caderno, p. 3.
1392
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. Anotações sobre conversa com Ana Eni Machado Milan, realizada
em 8 de setembro de 2017 em Porto Alegre, a respeito da trajetória de Eloar Guazzelli entre os anos
1974 e 1982. Porto Alegre, 2017, p. 2.
317
maravilhosa de se fazer. Muito boa, muito boa mesmo”.1393 Ela lembra de ser um
período de muito trabalho e diversão passado ao lado de amigos.1394
Imagem 9: Propaganda eleitoral de Eloar Guazzelli na campanha de 1978. Fonte: Acervo
familiar.
Ao saírem os resultados da eleição do dia 15 de novembro já se ia indicando que
Eloar Guazzelli seria eleito, o que se confirmou nos dias seguintes. 1395 Conforme
relatou Cesar Augusto,
o pai teve votos em todos os municípios do Rio Grande do Sul e fez
39.901 votos! Saiu na frente do Eloy Lenzi – dividindo quase ao meio
os votos de Vacaria –, do Aldo Fagundes e do Carlos Santos, todos
eles deputados e reeleitos! Atraiu votos de todas as tendências da
1393
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1394
Idem.
1395
“Votação de Simon é maior que a de Brossard” In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII,
nº 226, 20 de novembro de 1978, 1º Caderno, p. 6; TRE-RS. Resultados das eleições gerais de 1978.
Porto Alegre, 1978. Disponível em www.tre-rs.gov.br/upload/27/_Gerais_Resultados_RS1978.PDF
318
esquerda, de muitos advogados e também pela novidade de alguém
fora da política.1396
Carlos Frederico credita a “surpreendente” votação de alguém que “não era um
‘político profissional’, com base regional ou social definida” a duas fontes:
“aproximadamente metade dos votos” de simpatizantes e militantes do PCB e outra
parte
votos trazidos por sua personalidade política própria: em primeiro
lugar os advogados, dados seu prestígio profissional e sua liderança
classista; e ainda estudantes, intelectuais, ativistas sociais, entre os
quais desfrutava de grande reputação como o “advogado dos direitos
humanos” – slogan usado na campanha.1397
Para analisar estas questões pode-se, com objetivos ilustrativos, comparar a
conquista de Eloar com o desempenho no pleito anterior de candidatos com perfis
semelhantes: em 1974, Dulphe Pinheiro Machado, com o apoio do PCB, obteve 16.966
votos para deputado federal e o conselheiro da OAB/RS Pedro Lairihoy 3.893
concorrendo para deputado estadual, ambos pelo MDB.1398
A grande diferença entre estas votações indica que, além de angariar votos
simpáticos aos comunistas e ao posicionamento das entidades dos advogados, Guazzelli
conseguiu avançar em outros setores que se identificavam com sua trajetória. A
referência ao lema “advogados dos direitos humanos” por parte dos filhos dele mostra
que naquele momento a causa vinha ganhando legitimidade e vinculava-se a uma luta
legal contra a ditadura, a defesa de presos políticos.
A vitória de Eloar não foi um caso isolado: conforme aponta Daniel Aarão Reis
Filho, em 1978
O PCB comemorava, uma vez que apoiara as campanhas vitoriosas de
vários deputados federais: Roberto Freire, em Pernambuco; Alberto
Goldman, em São Paulo; Modesto da Silveira e Marcelo Cerqueira, no
Rio de Janeiro; Jackson Barreto em Sergipe; e Eloar Guazelli, no Rio
Grande do Sul.1399
1396
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 5. Segundo os dados do TRE-RS, a quantidade de votos obtidos por Eloar no pleito
foi exatamente a mencionada por seu filho, o que rendeu ao advogado a 15ª das 18 cadeiras conquistadas
pelo MDB gaúcho. TRE-RS. Resultados das eleições gerais de 1978. Porto Alegre, 1978, p. 23.
Disponível em www.tre-rs.gov.br/upload/27/_Gerais_Resultados_RS1978.PDF
1397
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 8.
1398
TRE/RS. [Resultados eleições gerais 1974]. Porto Alegre, 1974. Disponível em www.trers.gov.br/upload/28/_Gerais_Resultados_RS1974.PDF
1399
REIS, Daniel Aarão. Luís Carlos Prestes: um revolucionário entre dois mundos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2014, p. 397.
319
Além da proximidade com o “Partidão”, Guazzelli ainda compartilhava com os
cariocas citados o fato de ter atuado na defesa de presos políticos. Esta questão também
influenciou a reeleição de Airton Soares em São Paulo, o que mostra que esta atuação
tinha grande repercussão entre os opositores da ditadura.1400
Após a eleição, diversos órgãos da imprensa fizeram um balanço sobre os
resultados: uma das principais características apontadas era o aumento da bancada dos
chamados autênticos, à qual, de acordo com diversas publicações, Guazzelli veio a
constituir.1401 Eloar e os também advogados de presos políticos Modesto da Silveira,
Marcelo Cerqueira e o reeleito Airton Soares, entre outros, se enquadravam na
classificação por terem explorado “temas populares” nas campanhas.1402 O advogado e
Waldir Walter eram “os novos parlamentares comprometidos com a luta popular” da
bancada gaúcha, que se somariam a Alceu Collares, Getúlio Dias, Lidovino Fanton,
Odacir Klein, Eloy Lenzi – considerados autênticos pois haviam sido eleitos em 1970 –,
Rosa Flores, João Gilberto e Jorge Uequed – neoautênticos, já que eleitos por primeira
vez em 1974.1403
Uma questão frequente nos perfis do novo parlamentar é, além da menção ao seu
parentesco com o ex-governador, o fato de ter se destacado “defendendo presos
políticos”, sendo “eleito pelos setores mais radicais da Oposição”.1404 Em matéria
publicada em jornais do grupo Diários Associados no dia 9 de dezembro, Eloar
Guazzelli e outros nomes da nova bancada autêntica são apontados como pessoas “que
fizeram notícia devido a seu trabalho em prol do respeito aos direitos humanos”.1405
Estas menções apontam em direção semelhante daquela indicada pelos filhos do
1400
MARTINS, Paulo Emílio; MUNTEAL, Oswaldo; SÁ, Fernando (orgs). Os advogados e a ditadura de
1964: A defesa dos perseguidos políticos no Brasil. Petrópolis: Editora Vozes; Rio de Janeiro: Editora
PUC-Rio, 2010, p. 106
1401
“‘Autênticos’ ampliam a bancada”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 226, 20
de novembro de 1978, 1º Caderno, Eleições, p. 9; “RS: Fogaça, 4 mil cabos eleitorais!” In: Movimento,
Rio de Janeiro, edição 177, 20 a 26 de novembro de 1978, p. 6; “O crescimento dos autênticos”. In:
Movimento, Rio de Janeiro, edição 178, 27 de novembro a 3 de dezembro de 1978, p. 2; “Chico Pinto, um
destaque”. In: Diário de Natal (RN), 9 de dezembro de 1978, 1º Caderno, Política, p. 7; “Partidos mudam
bases para se adaptar para novo Congresso”. In: Diário do Paraná, Curitiba, 9 de dezembro, 1º Caderno,
Nacional, p. 4.
1402
“‘Autênticos’ ampliam a bancada”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 226, 20
de novembro de 1978, 1º Caderno, Eleições, p. 9.
1403
“RS: Fogaça, 4 mil cabos eleitorais!” In: Movimento, Rio de Janeiro, edição 177, 20 a 26 de
novembro de 1978, p. 6.
1404
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 232, 26 de novembro de 1978, Caderno Especial
“O retrato do novo Congresso”, Eleições, p. 3.
1405
“Chico Pinto, um destaque”. In: Diário de Natal (RN), 9 de dezembro de 1978, 1º Caderno, Política,
p. 7; “Partidos mudam bases para se adaptar para novo Congresso”. In: Diário do Paraná, Curitiba, 9 de
dezembro, 1º Caderno, Nacional, p. 4.
320
advogado, mostrando que a defesa de presos políticos e sua vinculação aos direitos
humanos teve papel relevante no seu sucesso eleitoral.
Na mesma linha segue a matéria com Eloar feito pelo jornalista Rafael
Guimaraens publicada no jornal Movimento do final de dezembro de 1978, que fazia
parte de série intitulada “Novo MDB”, no qual eram tratados “os mais significativos e
autênticos candidatos, eleitos pelo povo para representa-lo em Brasília”. 1406 No perfil,
nota-se a intenção de apresentar o “estreante” que venceu “vários ex-secretários
estaduais que não se sentiram nada constrangidos em usar e abusar da máquina
administrativa do governo” para setores oposicionistas de fora do estado.1407 A nota
iniciava a breve biografia afirmando que
Eloar, primo do governador do Estado, iniciou-se em atividades
políticas no movimento estudantil, aluno de direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Chegou a ocupar cargos de direção no
Centro Acadêmico André da Rocha, na época disputado pela esquerda
com a qual Eloar se identificava, e também pelos jovens do Partido
Libertador (PL), liderado por Paulo Brossard.
Participou das campanhas pela queda da ditadura de Vargas e fim do
Estado Novo, pela Anistia e pela Constituinte de 45/46.1408
No trecho, além da menção a seu parente famoso, percebe-se que se vincula
Eloar à “esquerda” e campanhas do final do Estado Novo, sem evidenciar sua filiação, o
que mostra que, se havia a busca de identificá-lo como “homem de esquerda”, a menção
ao PCB ainda era algo muito perigoso para ser divulgado.
Um exemplo disso é a reportagem de O Cruzeiro publicada em 26 de dezembro,
que denunciava a infiltração do PCB em diversos setores, em especial no MDB, onde os
autênticos estariam “a reboque de contestação e da radicalização dos propósitos do
comunismo internacional na escalada do poder”.1409 A matéria identificava diversos
parlamentares do grupo, entre eles Eloar, que teriam sido eleitos pelos comunistas.
Esta comparação mostra a complexidade do contexto político daquele momento:
enquanto características como “defensores de presos políticos”, “esquerda” e “direitos
humanos” eram distinções positivas, “comunista” consistia ainda um estigma do qual se
fugia. Erving Goffman afirma que o estigma é uma característica vista como indesejável
pelo grupo que poderia fazer com que seu portador deixasse de ser considerado uma
GUIMARAENS, Rafael. “Qualquer quebra da unidade será suicídio”. In: Movimento, Rio de Janeiro,
edição 181, 18 a 24 de dezembro de 1978, p. 9.
1407
Idem, ibidem.
1408
Idem, ibidem.
1409
BANDEIRA FILHO¸ F. “Esquerdas recebem instruções: Infiltração no Exército e na Imprensa”. In: O
Cruzeiro, Rio de Janeiro, nº 2453, 26 de dezembro de 1978, p. 23.
1406
321
“criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída”.1410 Ser
“comunista” seria um estigma desacreditável, utilizando a tipologia proposta por este
autor, uma vez que era passível de “encobrimento”. A matéria de O Cruzeiro buscava,
assim, desmascará-los.
Na matéria de Guimaraens foi mencionado que, durante a ditadura, Eloar havia
defendido presos políticos, acreditando “que já defendeu mais de 300 presos políticos,
conseguindo 90% de absolvições ou penas reduzidas”.1411 Em relação às suas posturas
que teria no Parlamento, “repete o pensamento do senador gaúcho eleito, Pedro Simon:
O MDB não deve se atrelar ao governo”, posicionando “claramente contra a ditadura,
sem deixar de dialogar. Só que o diálogo deve partir de um fortalecimento do Senado e
da Câmara dos Deputados, legitimando sua independência do governo e reduzindo a
hipertrofia do poder executivo”.1412
Eloar ainda reforçava “que qualquer proposta de redemocratização deve ser
precedida da luta pela anistia, sem a qual não é possível falar em constituinte e
liberdades democráticas plenas”, e mesmo que o governo “dê restrita”, o deputado
afirmava que continuaria “lutando pela anistia que a maioria da população quer: ampla,
geral e irrestrita”.1413 Além de afirmar que os senadores “biônicos” eram um
“excremento do sistema”, Guazzelli frisava que “Toda e qualquer quebra da unidade [da
oposição] será um suicídio”.1414
O perfil, além de mostrar quem era o novo deputado, procurava apontar para o
que ele buscaria trabalhar em seu mandato: o combate contra o governo e a luta pela
redemocratização. Ao mesmo tempo, Guazzelli destacava a questão da unidade da
oposição como fundamental para o sucesso. No debate sobre a extinção dos partidos,
Eloar, diferentemente de seu primo arenista, posicionava-se ao lado do grupo que via a
manutenção da oposição unida como requisito básico para a redemocratização. Este
posicionamento será algo recorrente em suas ações no Congresso.
Os anos de 1978 e 1979 foram de intensa atividade e visibilidade dos advogados
aqui estudados. Omar Ferri e Werner Becker foram lançados à esfera pública por suas
1410
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro,
LTC Editora, 1988, p. 12.
1411
GUIMARAENS, Rafael. “Qualquer quebra da unidade será suicídio”. In: Movimento, Rio de Janeiro,
edição 181, 18 a 24 de dezembro de 1978, p. 9.
1412
Idem, ibidem.
1413
Idem, ibidem.
1414
Idem, ibidem.
322
participações no caso de denúncias que teve, provavelmente, mais repercussão no
estado: o sequestro dos uruguaios. Como procurei mostrar, a atuação dos advogados
unia a militância contra o regime ao ofício profissional, o que trouxe para eles
reconhecimento entre setores da oposição. Este evento marcou profundamente suas
trajetórias, em especial a de Ferri, que muitas vezes organiza suas narrativas sobre a
ditadura ao redor dele.
A mobilização a partir do sequestro também foi um ponto de clímax para os
posicionamentos da OAB/RS contrários à ditadura. Como procurei mostrar, estas
posturas têm a ver com a atuação de conselheiros como Justino Vasconcelos, José
Mariano Beck, Marcus Melzer, além dos cejuristas, e muitas vezes causavam atritos
dentro do Conselho Seccional, o que pode ser visto no incidente relacionado com
George Tenório Noronha. Nestes anos vemos, também, a presença de opositores ao
grupo hegemônico no Conselho da OAB/RS, liderados por Afrânio Araújo e
concentrados na AGETRA. Enquanto que em alguns momentos havia a cooperação –
como no caso do sequestro dos uruguaios – em outros fica clara a disputa existente entre
as facções – como no imbróglio envolvendo a sala do TRT.
Já Eloar viveu, entre 1978 e 1979, dois momentos que evidenciam o sucesso e os
limites de seu projeto de amálgama entre atividade profissional e militância política.
Houve a consagração de sua trajetória com sua vitória no pleito de 1978, alcançando
uma cadeira como deputado federal. Por outro lado, entre 1976 e 1979, seu
envolvimento no Caso de Flávio Alcaraz Gomes lançava suspeitas sobre sua imagem de
resistente da ditadura ao defender um defensor da ditadura que matou uma jovem por
uma razão estúpida.
Estes eventos possibilitarão que, nos anos seguintes, os advogados sigam
reconhecidos dentro das esquerdas gaúchas, o que possibilitará o lançamento de suas
candidaturas em 1982.
323
Capítulo V – Reconhecimento e um novo tempo: a atuação dos advogados
entre 1979 e 1982
Após o envolvimento nos eventos ocorridos em 1978 e 1979, a repercussão
pública dada a Eloar Guazzelli, Werner Becker e Omar Ferri foi sendo potencializada, o
que levou às suas candidaturas na eleição de 1982. Percebe-se que o contexto político
dos anos iniciais da década de 1980 estava em transformação com o qual os advogados
interagiam.
Analisarei neste capítulo derradeiro como isto ocorreu através da atuação de
Eloar na Câmara dos Deputados, as primeiras ações de Omar no MJDH, além dos
debates ocorridos dentro das entidades dos advogados. Finalmente, será abordada a
eleição de 1982, vendo as escolhas do PMDB, o lançamento das candidaturas, as
campanhas e os resultados finais.
V.1. O Velho Guazzelli vai a Brasília: o mandato de Eloar Guazzelli na Câmara dos
Deputados e a “terrível moléstia” (1979-1982)
Cesar Augusto afirmou que “O mandato de deputado começou antes de ele ser
diplomado”, uma vez que para eram necessárias “providências antes da mudança” para
Brasília. 1415 Estas questões foram facilitadas por um contato inicial com o reeleito Rosa
Flores, que
Ficaria entre os mais ligados ao pai, todos do assim chamado “grupo
autêntico”, cujo líder maior era o Pedro Simon. O pai já conhecia o
[Alceu] Collares, o Carlos Santos e outros mais antigos. Os mais
próximos seriam Jorge Uequed e Odacir Klein, mas ele ficou
“popular” na bancada.1416
Ele ainda apontou que a transferência afetou a vida familiar: enquanto que
alguns membros foram para a capital, outros ficaram em Porto Alegre, o que foi o caso
de Carlos e Cesar.1417
O filho de Eloar afirma que mesmo que tivessem levado pessoas próximas e
reativado contato com antigos amigos e familiares que estavam na região central do
1415
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 5.
1416
Idem, ibidem. Carlos Frederico reforça também a inserção de seu pai entre os “autênticos”.
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 10.
1417
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 5.
324
país, seus pais não chegaram a se adaptar bem ao local: “A mãe não gostava do
apartamento e o pai não gostava de Brasília. Engraçado é que ele quase nunca viajava,
talvez por isto tenha desatendido o eleitorado”.1418 Carlos Frederico sinaliza no mesmo
sentido ao afirmar que Eloar “costumava ficar semanas, quando não, dois, três meses
seguidos em Brasília, sem vir a Porto Alegre, onde também tinha um escritório de
representação”, o que se justificava, para o filho, pois seu pai “não mantinha com tais
setores os vínculos típicos da representação parlamentar a que se chama ‘profissional’ –
por sua dependência, às vezes até mesmo exclusiva para com seus representados”.1419
O fato de Eloar ter se transferido para a capital de uma forma mais definitiva,
com a esposa e familiares, e assim não “cultivando” suas bases de forma frequente
durante o mandato é algo muito significativo na memória familiar. Esta atitude
mostraria, como reforça Carlos, o fato de ele não ser um político “profissional” e não ter
a dimensão que, com suas atitudes, seu eleitorado ficaria “desatendido”, como aponta
Cesar. Nas narrativas dos filhos, da colega de escritório e da secretária estão presentes
elementos que apontam para uma “inadequação” do advogado em relação à vida
parlamentar.
Em discursos na tribuna da Câmara, “nota-se uma preocupação grande de Eloar
para ressaltar o fato de que ele não era um ‘político profissional’”, sendo afirmado que
ele não havia tido atuação político-partidária anterior e que era “político por necessidade
imperativa da minha contingência humana”.1420 Como afirmei em outro espaço, em
pronunciamentos
Guazzelli justifica sua atuação parlamentar naquele momento,
comparando-a à do advogado, afirmando que o parlamento era um
recurso ao qual o cidadão recorre, o qual “é um recurso semelhante
àquele que o cidadão usa, confiando a um advogado o mandato
[judicial], para que defenda seus interesses”.1421
Apesar de ser um ponto em comum entre as falas do advogado e de seus filhos,
penso que aqui o sentido dado ao “não-profissionalismo” do político Eloar tem mais a
ver com ele apresentar-se como uma novidade dentro do cenário político do que com
1418
Idem, p. 6.
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 9.
1420
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. “Estado e oposição na experiência parlamentar de Eloar Guazzelli
(1979-1982)”. In: LEAL, Elisabete C.; POSSAMAI, Zita R. IX Encontro Estadual de História – Vestígio
do passado: a história e suas fontes: anais. Porto Alegre: ANPUH/RS, 2008, p. 4. Disponível em
http://eeh2008.anpuhrs.org.br/resources/content/anais/1212362388_ARQUIVO_EstadoeOposicaoEloar.pdf
1421
Idem, ibidem.
1419
325
desajuste com as práticas de parlamentares. Ao relacionar sua atuação profissional, o
deputado buscava mostrar-se como um defensor que havia sido colocado lá para lutar
pelos direitos contra a ditadura.
Carlos Frederico qualifica o mandato de seu pai como “discreto, mas eficiente”,
com uma atuação voltada a Comissões, como a de Segurança Nacional (CSN) e de
Constituição e Justiça (CCJ), atuando em “projetos a áreas direitos humanos e da defesa
da cidadania” através de “pareceres emitidos em projetos de lei que ameaçavam os
direitos e garantias, individuais e coletivos”, além de propor alterações “de supressão de
tipos penais e de diminuição de penas”.1422 Neste sentido vai a manifestação de Eloar
enquanto membro da CCJ, registrada no Jornal do Brasil de 19 de abril de 1979, que
avaliava como “‘viável’ como ponto de partida para futuras reformas constitucionais” a
proposta de Djalma Marinho de retomar a Constituição de 1967.1423
Cesar Augusto afirma que o primeiro ano de seu pai na Câmara teria passado
“meio em adaptação e sem muita inserção nas manobras legislativas”.1424 Eloar teria
Um certo enfaro porque não conseguia tempo para falar no “grande
expediente”, cuja inscrição era complicada e tinha muitas estranhezas.
No gabinete ficava ouvindo o plenário e vibrava muito com quem era
desaforado com o governo militar.1425
A falta de espaço e a burocratização que havia no Parlamento é também
apontado por Denise Broda como algo que desmobilizou e desiludiu Eloar.1426
Narrando este momento, Cesar lembra que, quando foi visitar por primeira vez
seu pai, em junho de 1979, foi levado para conhecer uma “atração que o pai descobrira
em Brasília: a embaixada da União Soviética! (…) Enfim, vira e mexe e está o Partidão
no meio”.1427 Com esta anedota o filho reforça, mais uma vez, a proximidade de Eloar
com o PCB, o que era algo um tanto delicado naquele momento.
Porém, os pronunciamentos de Eloar Guazzelli em 1979 acabaram girando em
torno do tema da reforma partidária e de seu impacto na oposição. Ele, assim como
1422
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 9.
1423
“Deputado pede ao Governo para retomar Carta de 67”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
LXXXIX, nº 11, 19 de abril de 1979, 1º Caderno, Política e Governo, p. 3. Guazzelli afirmava que,
naquele momento, a ideia de Assembleia Constituinte era “utópica”.
1424
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 6.
1425
Idem, ibidem.
1426
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1427
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 6.
326
deputados do MDB, defendia que o principal objetivo da reforma partidária era, como
aponta Maria Helena Moreira Alves, instigar a divisão a oposição, enquanto que o
partido do governo se mantinha unido.1428 O parlamentar, em seus discursos na Câmara,
chamava a atenção da “necessidade de que as decisões do país fossem tomadas por
representantes legítimos, e não por uma fração, o que era representado pelos militares”
ao mesmo tempo em que reforçava, assim como havia feito na entrevista para o
Movimento, a necessidade de unidade dentro da oposição.1429
Em jornais de dois de junho de 1979, por exemplo, repercutiram a crítica de
Guazzelli à medida do governo: ele afirmava que com a reforma partidária o “povo
brasileiro é colocado hoje diante de mais uma encruzilhada, sem poder decidir o seu
futuro”, “que o Governo não tem autoridade para determinar a extinção dos partidos
sem consulta do povo” e que para superar os obstáculos que a ditadura colocava
deveriam ser realizados esforços pelo Congresso e pelo povo.1430 Da mesma forma,
Rosa Flores frisava que o pluripartidarismo só auxiliaria na permanência da ditadura.1431
As declarações foram respostas a manifestações de lideranças da Arena de que a
extinção dos partidos era apoiada por diversos parlamentares.
Além de ser um confronto com a proposta do governo, as falas dos emedebistas
expressavam um temor de setores do partido em relação à iminente fragmentação do
mesmo. Neste mesmo contexto estava sendo debatida a Anistia e a volta de lideranças
políticas do exílio, algumas das quais já vinham empreendendo ações para a construção
de novos partidos. Um espectro rondava a oposição – o espectro de Leonel Brizola e do
seu futuro partido.
Assim, em 14 de agosto o Jornal do Brasil relatava tensões entre dois grupos
dentro da bancada gaúcha do MDB na Câmara: um que buscava articular a criação do
“PTB de Brizola” e outro que estabelecia “uma estratégia de ação político-partidária
1428
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru: EDUSC, 2005,
p. 322-3.
1429
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. “Estado e oposição na experiência parlamentar de Eloar Guazzelli
(1979-1982)”. In: LEAL, Elisabete C.; POSSAMAI, Zita R. IX Encontro Estadual de História – Vestígio
do passado: a história e suas fontes: anais. Porto Alegre: ANPUH/RS, 2008, p. 9.
1430
“Crítica à reforma”. In: Diário de Natal, Natal (RN), 2 de junho de 1979, 1º Caderno, p. 9.
Semelhante declaração também foi mencionada em: “O fim dos partidos”. In: Jornal do Commercio, Rio
de Janeiro, 2 de junho de 1979, 1º Caderno, p. 9; “Richa contesta Sarney: MDB não quer desaparecer”.
In: Diário do Paraná, Curitiba, 2 de junho de 1979, 1º Caderno, Política, p. 3.
1431
“Richa contesta Sarney: MDB não quer desaparecer”. In: Diário do Paraná, Curitiba, 2 de junho de
1979, 1º Caderno, Política, p. 3.
327
antibrizolista”.1432 Além de ressaltar que o futuro da agremiação trabalhista dependia do
apoio de Pedro Simon, a matéria registrava que na noite anterior os deputados Alceu
Collares, Jorge Uequed, Rosa Flores, Odacir Klein, João Gilberto, Eloar Guazzelli, Eloy
Lenzi, Waldir Walter, Julio Costamilan e Cardoso Fregapani – mais da metade dos 18
representantes – “estiveram discutindo a esperada presença do Sr. Leonel Brizola”.1433
Mesmo poupando-o até seu retorno ao país, este grupo estava irritado com críticas que o
líder trabalhista havia feito ao MDB e propunha “continuar a luta pela manutenção do
MDB”, e, se houvesse a extinção, faria esforços para a construção de um novo Partido
de Oposição que reunisse os “autênticos”.1434
A divisão da bancada manteve-se após a votação da Lei de Anistia, em 29 de
agosto. O jornal Movimento de início de setembro afirmava que “na pátria do
trabalhismo, a situação ainda está longe de ser resolvida”, estando o MDB sul-riograndense dividido em três grupos. Um “já fechado com o PTB”, que contava com a
participação dos deputados Getúlio Dias, Magnus Guimarães, Harry Sauer e Aluizio
Paraguassu; um grupo que aguardava o posicionamento de Pedro Simon; e “resistindo
ao PTB e dispostos e engajarem-se na proposta partidária que seja elaborada pelos
autênticos” estavam os deputados João Gilberto, Odacir Klein, Waldir Walter, Jorge
Uequed, Rosa Flores, Eloar Guazzelli.1435
Nos dias seguintes, o embate entre os partidários e os contrários a Brizola e sua
nova organização seguiu, fazendo com que cada ato político fosse visto como uma
vitória ou derrota. Armando Rollemberg, no Jornal da República, afirmava que havia a
análise, por parte dos antipetebistas de que o trabalhista havia perdido “o primeiro
round” da luta, considerando que sua chegada ao Brasil havia sido um “fiasco” pela
pouca presença de deputados em seu palanque.1436 Este seria um sinal do pouco apoio
ao projeto do PTB, o que faziam “os defensores da manutenção da frente emedebista –
com exclusão dos adesistas – se sentiram vitoriosos”.1437
Na matéria era descrito o encontro no “cafezinho da Câmara”, no qual os
deputados autênticos Fernando Lyra e Euclides Scalco conversavam com Eloar sobre a
“MDB gaúcho articula ação antipetebista”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIX, nº
128, 14 de agosto de 1979, 1º Caderno, Política e Governo, p. 3.
1433
Idem, ibidem.
1434
Idem, ibidem.
1435
MANZOLILLO, Vera; QUEIROZ, Antônio Carlos. “Quem está com Brizola”. In: Movimento, Rio de
Janeiro, edição 218, 3 a 9 de setembro de 1979, p. 6.
1436
ROLLEMBERG, Armando. “Brizola perdeu o primeiro round”. In: Jornal da República, ano I, nº 14,
11 de setembro de 1979, 1º Caderno, Política, p. 2.
1437
Idem, ibidem.
1432
328
chegada de outro exilado, Miguel Arraes, que seria mais concorrida que a de Brizola.1438
Cesar Augusto contou que seu pai e família “prestigiaram a volta do Arraes, já num
claro posicionamento anti-brizolista, que estava rompido com o Simon”.1439 Estas
passagens mostram como todos os passos dos políticos naquele momento tinham
significado e dimensão neste embate.
A menção a Eloar tem a ver com discurso proferido por ele na Tribuna no qual
saudava o retorno de Brizola e dos exilados, desejando que eles contribuíssem para a
independência do país e “para sua libertação da fome, do atraso, da miséria e da
doença”.1440 Ele frisava que aqueles que haviam ficado no Brasil e militado no MDB
não curvaram as cabeças, mas tiveram muitas cabeças ceifadas, não só
no sentido alegórico do termo, como ceifadas através do trucidamento,
da tortura e do assassínio pelos famosos traumatismos cranianos
inexplicáveis, dentro das sepulturas com nomes trocados.1441
A fala o parlamentar destacava o papel relevante que o MDB havia assumido na
resistência à ditadura, destacando as ameaças e perigos que seus componentes sofreram.
O discurso também articulou estes temas com a repressão aos bancários grevistas, o que
será analisado posteriormente.
No trecho há ainda à referência a descoberta de ossadas de mortos pela repressão
política, no Cemitério de Perus, em São Paulo, nos meses anteriores. A iniciativa do
Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo (CBA-SP) levou à identificação dos restos
mortais do desaparecido político Luiz Eurico Tejera Lisboa. Esta menção do deputado
mostra a presença de uma dimensão que não foi contemplada pela Anistia de agosto de
1979, que é a luta do esclarecimento sobre os mortos e desaparecidos na ditadura.
Carlos Frederico afirma que seu pai, que havia se aproximado de Ulysses
Guimarães, abateu-se consideravelmente com as derrotas sofridas no jogo político,
como a Lei de Anistia e a reorganização partidária. Enquanto que o primeiro caso é
visto pelo seu filho como “imposição” do governo militar que contava com os votos de
senadores biônicos, no segundo Eloar teria visto o “desfazimento de parte expressiva da
frente de esquerda dentro do MDB, que Eloar julgava condição necessária para a derrota
1438
Idem, ibidem.
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 6. Nos últimos anos de sua vida, minha avó me contou sobre esta viagem, na qual
teria conhecido, no aeroporto, o sindicalista Luiz Inácio “Lula” da Silva. Com o intuito de registrar o
momento histórico, Lizabel tirou sua primeira e única fotografia, que mostrou um Arraes desfocado e fora
de quadro.
1440
“Exilados recebem votos de boas vindas: Câmara”. In: Diário de Natal, Natal (RN), 12 de setembro
de 1979, 1º Caderno, p. 14.
1441
Idem, ibidem.
1439
329
da ditadura e o restabelecimento da democracia”.1442 É interessante notar que a
preocupação com a unidade que Carlos aponta já estava presente na entrevista
concedida ao jornal Movimento antes de assumir o cargo no Parlamento.
A disputa entre os favoráveis e os contrários à extinção dos partidos teria, no
final de outubro, um capítulo um tanto curioso. Naqueles dias os gabinetes de deputados
emedebistas foram alvo de cartas apócrifas que denunciavam “manobras comunistas” de
“doze deputados do MDB que teriam recebido ‘o apoio do Partido Comunista
Brasileiro’ e por isso, no Congresso, aplicariam a ‘estratégia do partido que os elegeu’”,
que, naquele momento, era a luta contra a extinção dos partidos.1443 Os deputados, que
teriam a “pretensão de entregar nossa nação ao moribundo Leonid Brejnev” eram
Freitas Diniz, Iranildo Pereira, Cristina Tavares, Roberto Freire, Jackson Barreto,
Marcelo Cordeiro, Edgard Amorim, Eloar Guazzelli, João Gilberto Alberto Goldman e
Marcelo Cerqueira.1444
As cartas causaram grande alvoroço no Congresso e foram identificadas com
parlamentares vinculados à luta pela formação de novos partidos, em especial o “PTB
de Brizola”.1445 Tanto partidários como contrários da reforma partidária criticavam-nas
publicamente, vistas como “arma típica da repressão. É mais uma tentativa contra a
unidade oposicionista” pelo suposto comunista João Gilberto.1446
Mesmo sem poder saber se as missivas realmente eram obra de militantes próPTB, seu conteúdo indica que “comunista” era um estigma, uma marca extremamente
negativa, tanto que o vice-líder do MDB no Congresso, senador Gilvan Rocha,
reforçava aos repórteres do Jornal do Brasil que seriam “minoria insignificante, se
existirem” na oposição.1447 Esta declaração mostra que, ainda que desarmada pela
exposição, as anônimas epístolas iam a um ponto nevrálgico: a presença do PCB no seio
de um partido legal. Os comunistas eram ainda um fator que poderia desacreditar toda e
qualquer ação.
Outro debate presente no primeiro ano de Eloar Guazzelli na Câmara dizia
respeito a sua atuação junto da mobilização de bancários grevistas presos. Como
1442
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 10.
1443
“O MDB e o ‘moribundo’”. In: Jornal da República, ano I, nº 56, 30 de outubro de 1979, 1º Caderno,
Política, p. 5.
1444
Idem, ibidem.
1445
“Carta apócrifa denuncia comunismo no MDB”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIX,
nº 205, 30 de outubro de 1979, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2.
1446
Idem, ibidem.
1447
Idem, ibidem.
330
mencionei, no pronunciamento feito após a Lei de Anistia, o deputado citou as prisões
que, de acordo com legislação baixada pela ditadura em 1978, eram enquadradas na Lei
de Segurança Nacional.1448
Na tribuna, Eloar destacava os trabalhadores que, além de não terem sido
contemplados pela Lei de Anistia, sofriam pelos “dispositivos fascistas da Consolidação
as Leis do Trabalho”, que destituía de seus sindicatos lideranças eleitas, como Olívio
Dutra.1449 Para o deputado, a “Anistia que deveria ser ampla e irrestrita, mas que foi
restrita e que não é ampla”, mostrava-se
incapaz de conciliar a Nação, porque ela apenas disfarça o sistema,
que premanece (sic) o mesmo, montado para a defesa de um
capitalismo desumano e brutal, um capitalismo concentrador de
rendas, um capitalismo que vem sendo disfarçado com algumas
nuances de concessões liberais, como essa ameaça de revisão
semestral dos salários.1450
Guazzelli parte, assim, da temática da Anistia para tratar da questão da
perseguição aos trabalhadores, em especial aos bancários de Porto Alegre, a qual,
conforme expliquei em outro estudo, “foi um ponto extremamente importante para este
deputado, tendo lhe dedicado um discurso – além de diversas menções realizadas em
outros”.1451 Neles, “a tribuna parlamentar (…) se equipara a um tribunal e Guazzelli
demonstra sua experiência em casos políticos”, argumentando pelas lideranças presas,
Olívio Oliveira Dutra, Luís Felipe Costa Nogueira, Ana Lúcia Valença de Santacruz
Oliveira e Namir José de Oliveira Bueno.1452
De fato, o parlamentar, junto de seu antigo contemporâneo de Faculdade de
Direito, Raymundo Faoro, assumiu a defesa das lideranças presas, conforme registrou o
Jornal da República.1453 Como escreveram os jornalistas Sergio Becker e Nunzio
Briguglio, Tarso Genro havia informado que no dia catorze de setembro ingressaria no
STM “de pedido de habeascorpus (…), assinado pelo jurista Raymundo Faoro e pelo
advogado (e deputado federal pelo MDB gaúcho) Eloar Guazzelli, em favor de
1448
MOREIRA ALVES, Maria Helena. Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984. Bauru: EDUSC, 2005,
p. 304.
1449
“Anistia”. In: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Eloar Guazzelli- uma experiência parlamentar.
Brasília: Centro de Documentação e Informação/ Coordenação de Publicações, 1981, p. 25.
1450
Idem, pp. 25 e 28.
1451
GUAZZELLI, Dante Guimaraens. “Estado e oposição na experiência parlamentar de Eloar Guazzelli
(1979-1982)”. In: LEAL, Elisabete C.; POSSAMAI, Zita R. IX Encontro Estadual de História – Vestígio
do passado: a história e suas fontes: anais. Porto Alegre: ANPUH/RS, 2008, p. 7.
1452
Idem, ibidem.
1453
BECKER, Sérgio; BRIGUGLIO, Nunzio. “A greve só cessa no interior”. In: Jornal da República,
ano I, nº 16, 13 de setembro de 1979, 1º Caderno, Trabalhadores, p. 6; “Faoro e Guazzelli defenderão
Dutra”. In: Jornal da República, ano I, nº 17, 14 de setembro de 1979, 1º Caderno, Trabalhadores, p. 6.
331
Dutra”.1454 De acordo com o mesmo periódico no dia seguinte, Raymundo Faoro
defenderia o líder bancário “em conjunto com outro especialista de fama nacional, o
criminalista Eloar Guazzelli, deputado federal pelo MDB gaúcho” e seguiria uma linha
de defesa em “dois planos: o puramente criminal, e portanto defensivo, e o político em
que a defesa terá possibilidades de passar à acusação da legislação que permitiu a
punição ao líder bancário”.1455
Percebe-se que a atuação parlamentar de Guazzelli era marcada por uma
dimensão jurídica, o que diz respeito tanto a seus pareceres com viés mais técnico
quanto ao envolvimento em causas da luta contra a ditadura. Estar na Câmara não
impedia que ele se envolvesse em casos como o de Olívio Dutra: pelo contrário, Eloar
estar na Câmara dava mais destaque à resistência.
O ano de 1980 inicia com os novos partidos criados após a extinção do
bipartidarismo. De acordo com suas mobilizações e com os pronunciamentos realizados
desde sua eleição, Eloar Guazzelli vincula-se ao pretendido sucessor da frente
oposicionista, o PMDB.1456 No início do ano percebe-se, também, críticas suas às
manobras do governo.1457
Porém, evento mais marcante deste primeiro semestre de 1980 na vida de Eloar
foi o que ele chamou de “terrível moléstia”.1458 De acordo com Cesar Augusto, após o
Carnaval de 1980, quando estava de férias com a família, Eloar “começou a sentir
primeiramente problemas de visão, depois fala, daí comprometendo todos os
movimentos”, o que foi diagnosticado como “uma polirradiculoneurite – conhecida
como Síndrome de Guillain-Barré – uma afecção viral que compromete todos os nervos
periféricos sem interferir nas funções cerebrais, e reversível ao cabo de três meses mais
ou menos”.1459 Mesmo que tratável, a doença teve grande impacto na vida de Eloar: na
BECKER, Sérgio; BRIGUGLIO, Nunzio. “A greve só cessa no interior”. In: Jornal da República,
ano I, nº 16, 13 de setembro de 1979, 1º Caderno, Trabalhadores, p. 6 (grifo no original).
1455
“Faoro e Guazzelli defenderão Dutra”. In: Jornal da República, ano I, nº 17, 14 de setembro de 1979,
1º Caderno, Trabalhadores, p. 6.
1456
“Governo procura manter sua maioria na Câmara”. In:Diário do Paraná, Curitiba, 3 de janeiro de
1980, 1º Caderno, Política, p. 3; “A bancada do PMDB”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
LXXXIX, nº 313 , 17 de fevereiro de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 3.
1457
Foi o caso de sua entrevista na qual apresentava ressalvas sobre a indicação do novo Ministro da
Justiça, Ibrahim Abi-Ackel “Oposicionista teme mumificação de Ministro”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano LXXXIX, nº 279, 14 de janeiro de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1458
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 6
1459
Idem, ibidem.
1454
332
entrevista para o Jornal da OAB/RS ele a vincula à pressão sofrida durante o ano
anterior, em especial ao Caso de Flávio Alcaraz Gomes.1460
Cesar afirma que, inicialmente, seu pai não acreditava no diagnóstico, crendo
tratar-se de um tumor e chegou a consultar secretamente outro médico, que acabou por
confirmar o parecer inicial.1461 O filho afirma que no final Eloar “conformou-se com o
tratamento, mas foi um tormento para enfermeiros, médicos e, sobretudo, para a mãe e
para mim”.1462 O filho do deputado fez este comentário uma vez que ele era, naquele
momento, neurocirurgião e, desta forma, assumiu uma postura mais técnica, tanto na
época como em sua narrativa. Em seu relato a doença é vista de forma mais científica,
ao mesmo tempo em que se depreende que ele havia assumido certas obrigações com a
saúde do pai.
Denise Broda afirmou que ele era um homem “absolutamente vaidoso”,
preocupado com sua apresentação e que a moléstia “derrubou ele”.1463 Ela ressalta que o
advogado era muito preocupado com sua imagem, até por uma questão profissional, já
que era procurado para representar as pessoas: como a doença afetava os músculos da
face, ele se questionava como poderia advogar se parecia “um monstro”.1464 Cesar
reforça que a doença foi um marco que abalou muito Eloar, que declarava estar
“inválido por conta de uma doença. As presenças em Brasília mais raras, e sem política
miúda de corpo-a-corpo com eleitorado. Fatal para 1982!”.1465 Carlos Frederico afirma
que a Sindrome de Guillain-Barré acentuou os “desgostos e desapontamentos” de seu
pai, o que contribuiu para “a amargura que marcou seus últimos anos”.1466 O deputado e
advogado via a “terrível moléstia” como algo que impossibilitava suas atividades
profissionais e políticas.
Em março, mesmo estando em recuperação, Eloar Guazzelli quis voltar a
Brasília para votar na emenda Lobão, que propunha eleições diretas para governador em
“Eloar Guazzelli: A defesa como uma razão de vida”. In: Jornal da OAB/RS, Porto Alegre, Outubro
de 1991, p. 14.
1461
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, pp. 6-7.
1462
Idem, p. 7.
1463
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1464
Idem, ibidem.
1465
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 7.
1466
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 13.
1460
333
1982, indo para o Plenário da Câmara acompanhado de médico.1467 Cesar Augusto
conta que ele era o acompanhante de seu pai, e que se envolveu em todo o procedimento
para a viagem e explicações necessárias sobre a doença para correligionários que, como
Simon e Brossard, queriam saber sobre o estado de saúde.1468 O filho narrou ainda que a
votação foi atravancada por manobras de deputados arenistas com Nelson Marchezan e
Hugo Mardini.1469
Ainda que sob o baque da “terrível moléstia”, percebe-se a presença de Eloar na
Câmara nos anos seguintes, principalmente combatendo a legislação autoritária e
denunciando injustiças, conforme apontou seu filho, Carlos Frederico. 1470 Um exemplo
é seu pronunciamento, registrado pela imprensa em vinte e oito de junho de 1980, no
qual denunciava homicídios e violências cometidas contra pequenos fazendeiros e
posseiros por um fazendeiro no interior de Mato Grosso.1471
Em agosto de 1980, Eloar Guazzelli estaria envolvido em duas discussões
relacionadas com projetos de lei da ditadura, a Lei de Estrangeiros e a que propunha a
prorrogação dos mandatos de prefeitos. Em sua atuação contra a Lei de estrangeiros,
encomendou parecer do IARGS que apontava para sua inconstitucionalidade.1472
Guazzelli fazia coro às críticas de Marcelo Cerqueira que afirmava que a xenofóbica lei
proposta, baseada na Doutrina de Segurança Nacional, era “um novo acordo de
príncipes para proteger os seus ducados dos males da democracia e da liberdade”.1473 O
MDB prometia que, mesmo que fosse aprovada, iria questionar a constitucionalidade no
STF.1474
Em março de 1981, Eloar frisava que, mesmo tendo sido aprovada nos moldes
pelo governo, havia possibilidade da Lei de estrangeiros passar por alterações, o que
“Informe JB”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXIX, nº 345, 22 de março de 1980, 1º
Caderno, Política e Governo, p. 6.
1468
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 7.
1469
Idem, ibidem.
1470
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 9.
1471
“Questão de terras em MT”. In: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 28 de junho de 1980, 1º
Caderno, p. 10; “Guazelli denuncia mortes”. In: Diário de Pernambuco, Recife, 28 de junho de 1980,
Caderno A, p. 2.
1472
“PMDB mostrou em vão toda a ilegalidade”. In: Tribuna da imprensa, Rio de Janeiro, Ano XXX, nº
9437, 6 de agosto de 1980, 1º Caderno, p. 9.
1473
“Lei do estrangeiro deve ser aprovado por decurso de prazo”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
Ano XC, nº 119, 8 de agosto de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1474
Idem, ibidem.
1467
334
dependeria da habilidade da oposição.1475 Ele afirmava que este poderia ser um caminho
para modificar a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Menores “ambas definidas por
aquele parlamentar, como ‘instrumentos violentos do arbítrio’”.1476 Ainda na matéria da
Tribuna da Imprensa, Jorge Uequed concordava com o proposto por Eloar, frisando que
só não se dialogaria com “propostas imorais” que fariam o “jogo do regime”, como as
questões da prorrogação de mandato, voto distrital e voto vinculado.1477
Como mencionado por Uequed, uma manobra “imoral” levada adiante pelo
governo para controlar a abertura foram as propostas de prorrogação de mandatos,
realizadas mais de uma vez nestes anos. Em agosto de 1980, o líder do regime na
Câmara, Nelson Marchezan, pressionava buscando passar a prorrogação de mandatos de
prefeitos, ameaçando para a intervenção se isto não ocorresse.1478
Em sinal de protesto, o PMDB de Porto Alegre lançou uma nominata de précandidatos a prefeito, vice-prefeito e vereadores em 15 de agosto, na qual constavam
“seus dois atuais representantes na Câmara, suplentes, sindicalistas, estudantes,
economistas, professores, jornalistas e líderes comunitários”:
Para denunciar a população o que consideram uma distorção no
sistema político, os pemedebistas lançaram também pré-candidatos a
prefeito e vice-prefeito da Capital, entre os quais os Deputados Ibsen
Pinheiro, José Fogaça, Jairo Brum e Eloar Guazzelli e o advogado
Omar Ferri. Em ato na sede regional provisória do Partido, na
Assembléia Legislativa, os pré-candidatos lançaram um manifesto
afirmando: “Tira a mão da urna, Figueiredo. O povo quer votar.”.1479
O diretório municipal do partido, para mostrar a contrariedade em relação às
medidas do regime, escolheu nomes relacionados à resistência. A escolha de Guazzelli e
Ferri mostra que, em 1980, eles tinham reconhecimento por entre setores oposicionistas
da capital.1480
Nestes anos Eloar ainda atuaria dentro da política interna do PMDB, propondo,
junto com Marcelo Cerqueira e Marcondes Gadelha, em setembro de 1980, que o
“Gaúchos acham que tudo depende de habilidade”. In: Tribuna da imprensa, Rio de Janeiro, Ano
XXXI, nº 9628, 23 de março de 1981, 1º Caderno, p. 3.
1476
Idem, ibidem.
1477
Idem, ibidem.
1478
“Congresso decide dia 4 se haverá eleições municipais”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
XC, nº 130, 16 de agosto de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1479
Idem, ibidem.
1480
Em janeiro de 1982, frente a uma proposta de prorrogação dos mandatos dos deputados, Eloar e
outros parlamentares do PMDB ameaçavam renunciar se ela tivesse sucesso. “Deputados ameaçam
renunciar”. In: Diário de Pernambuco, Recife, ano 157, n° 7, 8 de janeiro de 1982, 1º Caderno, p. 1.
1475
335
partido atuasse no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. 1481 Em
dezembro de 1981 ele passaria a fazer parte da Executiva Nacional do PMDB.1482
Em dezembro de 1980 foi mencionada no Jornal do Brasil a presença de Eloar
Guazzelli, entre políticos do PMDB, PP, PT e PDT, na festa de aniversário do jornal do
PCB Voz da Unidade.1483 Esta menção mostra que havia ocorrido transformações desde
outubro de 1979 – data do evento das cartas apócrifas – que apontam que publicamente
o PCB estava deixando de ser o pária da política nacional. Em linha semelhante ia a
matéria do Jornal do Brasil de três meses depois, em dezesseis de fevereiro de 1981, na
qual era afirmando que dezesseis deputados federais, entre eles Guazzelli, eram
vinculados ao PCB, o que tornava a “bancada comunista” maior do que a do PDT e do
PT.1484 Em outra reportagem na mesma edição, afirmava-se que os pecebistas gaúchos
apoiavam Simon, mesmo com sua oposição, pois viam nele uma “oposição
consequente”.1485
Ainda em 1981, Eloar seria escolhido para fazer parte de Comissão, junto de
Rosa Flores e Marcelo Cerqueira, que faria uma análise técnica sobre o caso do
Riocentro, no qual, no dia 1º de maio de 1981, houve uma tentativa frustrada de
atentado contra um ato da oposição.1486 O parecer, tornado público em junho de 1981,
geraria grande confusão, pois afirmava que o caso já havia sido investigado pela
imprensa e apontava para uma não apuração do caso, para não criar tensões para as
eleições do ano seguinte.
1487
A situação foi potencializada por declarações de
Cerqueira, que teria sido o autor de fato do documento, no mesmo sentido.1488
Conforme o Jornal do Brasil de doze de junho, Ulysses Guimarães buscou evitar
conflitos entre a “esquerda ortodoxa” – provavelmente vinculada ao PCB e representada
por Guazzelli, Cerqueira, Alberto Goldman e Marcelo Cordeiro – que não queria fazer
“Secretário do PMDB anuncia a organização de 2 mil 300 diretórios do Partido”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano XC, nº 165, 29 de setembro de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 3.
1482
“Executiva será toda reeleita”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XCI, nº 242, 6 de dezembro
de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1483
“DOPS paulista quer proibir festa de aniversário do jornal ‘Voz da Unidade’”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano XC, nº 247, 11 de dezembro de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2.
1484
“PCB tem mais deputados que PDT e PT”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 312, 16
de fevereiro de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2.
1485
“Simon terá apoio no Sul mesmo sem querer”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 312,
16 de fevereiro de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2.
1486
“PMDB debate episódio do Riocentro”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XCI, nº 58, 5 de
junho de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1487
“Riocentro: PMDB já faz críticas”. In: Alto Madeira, Porto Velho (RO),11 de junho de 1981, 1º
Caderno, p. 9.
1488
QUEIRÓZ, Antônio Carlos. “O PMDB quase naufraga na calmaria da conciliação com o terror”. In:
Movimento, Rio de Janeiro, edição 311, 15 a 21 de junho de 1981, p. 4.
1481
336
“de Riocentro dique intransponível” para a eleição seguinte, e a Tendência Popular do
PMDB e o PT, que queriam o apuramento do caso.1489 Nos dias seguintes foi chamada
uma reunião da cúpula do partido na qual a entidade mostrava-se contrária ao
posicionamento de Cerqueira.1490
V.2. Omar Ferri e os primeiros anos do MJDH
Durante o caso do sequestro dos uruguaios, Omar Ferri participou da fundação
do MJDH, que nos primeiros anos da década de 1980, engajou-se em diversas lutas.
Como mencionei na introdução, sua relação com a entidade era tão orgânica que em
diversos momentos o advogado narra os acontecimentos no plural, ele fazendo parte de
um grupo maior.1491 Ele reforça em suas entrevistas que o MJDH atuava em uma rede
com várias entidades, das quais o advogado funcionava como ligação.
Devido ao envolvimento com o caso de Universindo, Lilián e seus filhos, notase que houve repercussão da atuação de Omar Ferri e do MJDH em causas relacionadas
com as ditaduras dos países vizinhos. Este foi o caso da denúncia, publicada no Jornal
do Brasil de 29 de abril de 1980, do desaparecimento de um brasileiro e sua esposa em
Corrientes, na Argentina.1492
Porém, o caso mais notório foi a atuação da entidade no caso do biofísico
uruguaio Claudio Benech, que, “por ser comunista, estava preso” em Montevidéu.1493 A
partir de contatos realizados entre militantes uruguaios e brasileiros, foi organizado um
esquema de fuga. Benech teve a possibilidade de passar o Ano Novo de 1981 com sua
família e aproveitou-se da oportunidade para fugir clandestinamente com sua mulher e
filhos para a fronteira brasileira, no Chuí.1494 De acordo com o relato de Ferri, do lado
“Ulysses tenta evitar conflito no PMDB”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XCI, nº 65, 12 de
junho de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2.
1490
“Ulysses esclarecerá confusão partidária”. In: Tribuna da imprensa, Rio de Janeiro, Ano XXXI, nº
9691, 16 de junho de 1981, 1º Caderno, p. 10; QUEIRÓZ, Antônio Carlos. “O PMDB quase naufraga na
calmaria da conciliação com o terror”. In: Movimento, Rio de Janeiro, edição 311, 15 a 21 de junho de
1981, p. 4.
1491
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 21.
1492
“Brasileiros somem na Argentina”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXX, nº 21, 29 de
abril de 1980, p. 6.
1493
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 128.
1494
Idem, ibidem.
1489
337
brasileiro, foi organizada uma comitiva envolvendo vários militantes para ir ao encontro
do perseguido e de sua família,
com a desculpa de que, no outro dia, nós queríamos fazer uma
verificação em relação à maré vermelha, que existiam lutadores pela
natureza, cientistas, junto conosco, para examinar o que era essa tal de
maré vermelha, e alardeamos lá no restaurante que tem do lado da
Policia Federal, que era um grupo que foi tratar do problema da maré
vermelha lá.1495
Na passagem percebe-se a relação que havia entre os diferentes movimentos que
surgiam neste momento, como a luta contra as ditaduras e o movimento ambientalista.
Assim, nas primeiras horas de 1981, o grupo aguardava ansioso pela chegada do
carro dos uruguaios. Após as seis horas da manhã, quando os militantes já imaginavam
que o plano havia falhado, ainda segundo Ferri,
De repente, nós olhamos e vinha um carro devagarinho, passando pela
fronteira, lá devagarinho, muito devagarinho. Quando ele atravessou a
fronteira e nos viu, abriu a porta assim, e era o Benech, que disse: - En
fin, la libertad! -. Assim. Foi um episódio fantástico! Nós deixamos
nossas famílias aqui, não comemoramos o fim de ano nem nada, e
fomos receber a família de um refugiado, coisa típica de filme assim,
daqueles filmes meio misteriosos, de perseguição, lá sei eu! Essas
coisas que acontecem nos cinemas aí. Mas eu fiquei tão comovido que
vocês não podem imaginar...1496
Nos dias seguintes, houve a articulação do MJDH que possibilitou asilo político
à família Benech por parte do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados
(ACNUR).1497 De acordo com Omar Ferri, ações como esta de solidariedade e
resistência levaram jornalistas a proclamar Porto Alegre “a capital mundial dos direitos
humanos”.1498
Tratando de outro campo de luta, o advogado contou em entrevista para esta
pesquisa que, naquele momento, “Se havia uma luta que nós nos largávamos de corpo e
alma era a luta dos sem-terra”, o que foi o caso da intervenção realizada pelo MJDH em
Encruzilhada Natalino, em Ronda Alta.1499 Lá, diversas famílias de sem-terra montaram
acampamento, em dezembro de 1980, chegando a abrigar 600 famílias e
1495
Idem, p. 129.
Idem, ibidem. Ao narrar o caso em seu livro, Ferri também relaciona este momento com “cenas de
fugitivos nazistas”. FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1981, p. 178.
1497
“Comissariado da ONU dá proteção a uruguaio que se refugiou no RG do Sul”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXX, nº 271, 6 de janeiro de 1981, p. 6.
1498
FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1981, p. 175.
1499
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 29 de
setembro de 2017.
1496
338
“transformando-se em um símbolo de resistência à ditadura”.1500 Lá foi realizada, em
meados de 1981, uma operação para reprimir os acampados chefiada pelo coronel
Sebastião Rodrigues de Moura, conhecido como Curió, que cercou o acampamento
proibindo a entrada e saída, criando, nas palavras de Ferri, “espécie de campo de
concentração”.1501
Ferri afirma que, frente à situação, inicialmente não se sabia “como fazer para
levar a solidariedade para eles”, chegando, posteriormente, a hipótese de “impetrarmos
um habeas corpus pedindo o salvo conduto para visitar os acampados”.1502 O juiz
aceitou as argumentações de Celso Gaiger e Omar Ferri baseadas no direito de ir e vir e
de que Encruzilha Natalino não podia ser transformada “em acampamento militar ou
campo de concentração”, permitindo a visita ao acampamento do MJDH, da Comissão
Pastoral da Terra e da Pastoral Universitária.1503
Ferri afirmou que o habeas corpus havia sido impetrado em nome de “pastores,
padres, líderes, enfim, pessoas representativas da sociedade porto-alegrense e
adjacências, de Seminários aqui, de São Leopoldo, etc”, e que, com a decisão, “o juiz,
eu nunca me esqueço do nome dele - Ervandil Fagundes -, ele penetrou com a espada da
justiça no coração podre da ditadura militar”.1504 Assim, foi feita uma comitiva com
militantes de diferentes organizações que, em dois ônibus, foram para Encruzilhada
Natalino.1505
Chegando lá, eles encontraram o coronel Curió – “o Imperador da Encruzilhada
Natalino! O chefe-mor! O ditador! O homem dono do campo de concentração!”, nas
palavras de Ferri – que demagogicamente disse que respeitaria a ordem do judiciário:
“Tratou-nos na palma da mão, a fleuma do cretino inglês. A fleuma inglesa. Então,
1500
RODEGHERO, Carla Simone; GUAZZELLI, Dante Guimaraens; DIENSTMANN, Gabriel. Não
Calo, Grito: memória visual da ditadura civil-militar no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tomo
Editorial, 2013, p. 184.
1501
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 29 de
setembro de 2017. Curió, que foi lembrado por Ferri com a patente de major, ficou conhecido por sua
atuação na repressão na região do Araguaia e em Serra Pelada.
1502
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 130.
1503
“Juiz dá habeas para grupo visitar colonos em área controlada pelo CSN e SNI”. In: Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, Ano LXXXXI, nº 136, 22 de agosto de 1981, 1º Caderno, p. 8.
1504
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 130.
1505
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 29 de
setembro de 2017; “Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo
Enriquez. Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos
contra as ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 130.
339
passamos um dia todo com eles lá, e depois retornamos a Porto Alegre, tudo bem, sem
problema nenhum”.
1506
Dois militantes, Augustino Veit e Miguel Palaoro, ficaram no
acampamento, e de madrugada, foram presos pelo major, porém soltos após a
mobilização dos sem-terra que, do lado de fora da barraca do oficial, com foices e
machados, bradavam o hino nacional.1507
Nos dias seguintes, foi formada nova missão, e Ferri impetrou novo habeas
corpus, porém sem sucesso.1508 O advogado afirma que, naquele momento, “o juiz foi
cerceado no seu direito de decidir de tal forma e com tamanhas pressões, que nós não
conseguimos a liminar do salvo conduto e não conseguimos mais nenhum tipo de
habeas corpus dali em diante”.1509 Mesmo assim, ele considerou que com o salvo
conduto e o habeas corpus, “nós fomos os primeiros a derrotar o major Curió, o Palácio
do Planalto, a ditadura militar e o dispositivo terrorista deste país”.1510
Omar Ferri ainda frisa a atuação dos advogados do MJDH no combate à
violência policial. Assim, no Jornal do Brasil de 13 de novembro de 1982 contava a
denúncia, feita por ele e Luiz Goulart Filho, da tortura de sete moradores de zonas
pobres na Base Aérea de Canoas.1511 Ferri afirma que cotidianamente eles atuavam em
casos em que havia torturas por parte de policiais e outros tipos de perseguições,
impetrando mandados de seguranças e habeas corpus, fazendo com que houvesse
momentos em que “gastava dois terços da minha atividade jurídica diária defendendo
esses casos”.1512 Ele mencionou ainda a defesa de membros do grupo teatral Oi Nóis
Aqui Traveiz e de Olívio Dutra, que “quando prendiam, levavam pra Polícia Federal, a
gente ia em dois ou três lá”.1513
1506
Idem, ibidem.
“Depoimento 8 – Augustino Veit”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 139.
1508
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 29 de
setembro de 2017.
1509
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 130.
1510
Idem, pp. 130-1. Este é o mesmo tom da matéria de Rafael Guimaraens sobre o assunto:
GUIMARAENS, Rafael. "A primeira derrota do coronel Curió". In: Coojornal, Porto Alegre, nº 69,
setembro de 1981, p. 8.
1511
“Advogados denunciam que sete civis são presos e sofrem torturas no Sul”. In: Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, Ano LXXXXII, nº 219, 13 de novembro de 1982, 1º Caderno, Nacional, p. 19.
1512
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, pp. 20-1.
1513
Idem, p. 20.
1507
340
Há uma forte dimensão coletiva na narrativa de Omar Ferri sobre este período,
conforme apontei. Quando questionado sobre quem eram as pessoas que atuavam em
parceria, ele mencionou o advogado Luiz Goulart Filho e Jair Krischke, com outros
defensores com quem ele tinha relações cujos nomes não foram mencionados.1514 O
militante do MJDH Augustino Veit, no depoimento prestado ao livro Memórias da
resistência e da solidariedade, apresenta os nomes dos componentes do MJDH como
Rejane Brasil Filippi e, especialmente Luiz Goulart Filho:
O Luiz Goulart é um professor meu, tanto no escritório dele como na
faculdade Unisinos, ele deu aula na Unisinos, professor de Direito
Penal, mas eu o ajudei muito, auxiliei muito em muitos habeas corpus,
muitos mandados de segurança, eu ia ao escritório dele, até sábados
pela manhã, nós ficávamos lá, eu o auxiliando para tirar gente da
cadeia, aqueles que nós amparávamos, fazer ações em favor de
pessoas que ocupavam terras e eram reintegradas em ações
judiciais...1515
Percebe-se, assim como Ferri, que havia este caráter coletivo na atuação dos
membros do MJDH.
Há, nas entrevistas concedidas para esta pesquisa, uma especificidade, que é a
referência ao advogado Luiz Goulart Filho, advogado que participou ativamente do
MJDH durante a década de 1980 e que foi seu colega de escritório.1516 Mesmo que em
outras entrevistas mencione, Ferri reforça este nome devido a minha presença:
“Luizinho”, como era conhecido, era grande amigo de meu pai, chegando a ser padrinho
de meu irmão.1517 Goulart funciona como um elo automático entre nós, sendo suas
menções uma forma de aproximação utilizada inicialmente pelo entrevistado.
V.3. Advogados no meio da política (IV): as entidades classistas dos advogados entre
os anos 1980 e 1982
Entre os anos 1980 e 1981, percebe-se no IARGS, que tinha Otávio Caruso da
Rocha na presidência, uma continuidade em relação à gestão anterior, debruçando-se
mais para questões culturais. Mesmo assim, é possível notar a presença de questões
1514
Idem, ibidem.
“Depoimento 8 – Augustino Veit”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 140. Rejane
Brasil Filippi foi a primeira presidente da Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto da OAB/RS.
1516
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 29 de
setembro de 2017.
1517
Luiz Goulart Filho morreu de forma trágica no início de 2003, ao resgatar um de seus filhos do mar.
https://www.sul21.com.br/jornal/luiz-goulart-filho-presente/
1515
341
políticas, como a leitura, feita em onze de junho de 1980 por Fernando Barcellos de
Almeida, da Carta de Manaus, construída durante a VIII Conferência Nacional dos
Advogados – na qual a OAB defendia os direitos dos trabalhadores e de livre expressão
–, e o debate sobre a constituinte, realizado em vinte e um de maio de 1981.1518
Há ainda o pedido de Eloar Guazzelli, de dezesseis de julho de 1980, de parecer
da entidade sobre a Lei dos estrangeiros, que seria elaborado por Justino Vasconcelos,
Ruy Rodrigo Azambuja e Júlio Teixeira, o qual seria levado pelo parlamentar para a
Câmara Federal.1519 Durante estes anos percebe-se a presença no IARGS de cejuristas,
como Fernando Barcellos de Almeida e Júlio Teixeira, além do jovem comunista Tarso
Genro, que seria indicado para o Conselho da OAB/RS pelo Instituto no final de
1982.1520 No ano de 1982, quando se iniciou a gestão presidida por Luiz Carlos
Madeira, o Instituto voltou-se mais a debates relativos ao mundo jurídico.
Como nos anos anteriores, o Conselho da OAB/RS ressoou mais questões
políticas e sociais do que o Instituto. Um exemplo são as denúncias de desrespeito e
violência policial, além da elaboração de manifesto em prol dos direitos dos
advogados.1521 A OAB/RS ainda se posicionou em relação a violências cometidas por
membros da polícia em manifestação ocorrida na Assembleia Legislativa em 1º de abril,
criticando em ofício a forma como o governo do Estado havia lidado com o caso.1522
Em vinte e sete de agosto, uma bomba foi enviada para a sede da OAB no Rio
de Janeiro, matando a funcionária Lyda Monteiro da Silva. No mesmo dia, o Conselho
da seccional gaúcha reuniu-se e elaborou telegrama para o Presidente da República,
manifestando seu repúdio e protesto e clamando por providências.1523 Além de decretar
luto de oito dias, realizar missa em homenagem e telegrama à família, a OAB/RS
confeccionou nota na qual afirmava que seu Conselho Federal havia sido “alvo da sanha
criminosa dos que, cobertos pela clandestinidade, pretendem barrar o ascenso nacional
IARGS. “Ata do dia onze de junho de mil novecentos e oitenta”, fls. 2; “Ata da sessão do dia vinte de
maio de mil novecentos e oitenta e um” In: Maço de documentos avulsos.
1519
IARGS. “Ata do dia dezesseis de julho de mil novecentos e oitenta”. In: Maço de documentos
avulsos.
1520
IARGS. “Ata do Conselho Superior do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul de 15/10/82”.
In: Maço de documentos avulsos.
1521
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 19 de março de 1.980”; “Ata da sessão
extraordinária do Conselho, realizada em 09 de maio de 1.980”; “Ata da sessão ordinária do Conselho,
realizada em 02 de setembro de 1.980”. In: Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio
Grande do Sul. [Atas de]1980. Porto Alegre, 1981.
1522
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 07 de abril de 1.980”, fls. 1-2. In: Conselho
da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. [Atas de]1980. Porto Alegre, 1981.
1523
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 27 de agosto de 1.980”, fl. 1. In: Conselho
da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. [Atas de]1980. Porto Alegre, 1981.
1518
342
em busca do estabelecimento do Estado de Direito e da plenitude democrática”; frente a
isto propunha “campanha patriótica” para barrar “a ação dos inimigos da
democracia”.1524
Em sessões seguintes a entidade receberia diversas manifestações de apoio e
solidariedade, vindo de diferentes setores da sociedade.1525 De acordo com Marly Motta
e André Dantas, “o atentado contra a OAB pode ser considerado um ponto de nãoretorno no processo de abertura (…). Apesar das minas explosivas que tornavam a
caminhada mais arriscada, a estrada para a democracia estava aberta”.1526 O ato
terrorista acabou por consolidar o consenso em relação á necessidade de
redemocratização do país.
Em dois de fevereiro de 1981, assumiu um novo conselho da OAB/RS, sendo
escolhido como presidente José Mariano de Freitas Beck.1527 Como mostrei, este
conselheiro havia se destacado nos anos anteriores como um dos partidários de um
posicionamento mais ativo da Ordem em relação à luta contra a ditadura.
Provavelmente por esta característica, foi alvo, naquele verão, de lançamento de bomba
em sua casa de veraneio, no balneário de Atlântida.1528
Seguindo a postura de seu presidente, neste ano a Ordem sul-rio-grandense
posicionou-se firmemente contra arbitrariedades e violências cometidas pelo Estado.
Assim, na ata de sessão de dez de março, consta que o Conselheiro Leônidas Xausa,
relatou fatos de “espancamento de presos em Uruguaiana”.1529 Já em sete de abril, foi
registrada a fala do Conselheiro Walter Tschiedel sobre “denúncias de pessoas feridas e
sem atendimento médico” na Ilha do Presídio, na qual conselheiros foram impedidos de
1524
Idem, fls. 2.
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 02 de setembro de 1.980”. In: Conselho da Ordem
dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. [Atas de]1980. Porto Alegre, 1981.
1526
MOTTA, Marly Silva da; DANTAS, André Vianna. História da Ordem dos Advogados do Brasil, v.
5 – Da redemocratização ao Estado Democrático de Direito (1946-1988). Rio de Janeiro: OAB, 2006, p.
185.
1527
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 3 de fevereiro de 1.981”, fls. 2. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1528
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 26 de fevereiro de 1.981”, fls. 2. In:
Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981.
Porto Alegre, 1982.
1529
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 10 de março de 1.981”, fls. 2. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1525
343
entrar.1530 Foi realizada uma comissão que visitaria a Ilha.1531 Omar Ferri relata situação
semelhante, na qual ele, Jair Krischke e José Fogaça haviam sido impedidos de
desembarcar no presídio por funcionários armados de fuzis.1532
O atentado no Riocentro em trinta de abril 1981 foi debatido na sessão de cinco
de maio, na qual o Conselho elaborou nota refirmando “a convicção de que o atentado
partiu de grupos radicais, inconformados com a (…) luta pelos Direitos Humanos e pela
restauração das franquias democráticas” e temendo que a impunidade levaria a mais
atos terroristas, impedindo restabelecimento da “plenitude democrática”. 1533 Na mesma
reunião houve a participação de representantes dos colonos de Ronda Alta que
solicitavam o auxílio de advogados “para atendê-los nas suas reinvindicações e contra
as ameaças feitas contra eles se não atenderem as determinações das autoridades”.1534
Devido à proximidade que havia entre as entidades naquele momento, é provável que a
Ordem tenha encaminhado este pedido a Omar Ferri e o MJDH, que atuavam no caso.
Na sessão do dia sete de julho, o Conselho emitiu nova nota pública afirmando
que os atos terroristas de direita eram “produto de pensamento obscurantista” de
“inimigos da implantação de um autêntico Estado de Direito”. 1535
Como as
investigações tinham “lacunas e ilogismos” que geravam “perplexidade de ordem
técnica”, a entidade clamava pela responsabilização, já que “a impunidade dos grupos
geradores da violencia continuará a estimular o terrorismo”.1536 No mesmo encontro
foram criadas a Comissão de Direitos Humanos Sobral Pinto e a Comissão de
Problemas da Terra.1537
O Conselho da OAB/RS, em 1º de setembro de 1981, apoiou o conselheiro
Leônidas Xausa em sua crítica ao artigo do conselheiro Manoel Gastal intitulado
“Encruzilhada Natalino – QG da agitação”, no qual acusava de subversiva a
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 7 de abril de 1.981”, fls. 2. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1531
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 14 de abril de 1.981”, fl. 1. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1532
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 5.
1533
“Ata da sessão do Conselho, realizada em 5 de maio de 1.981”, fls. 1-2. In: Conselho da Ordem dos
Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre, 1982.
1534
Idem, fls. 3.
1535
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 7 de julho de 1.981”, fls. 2-3. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1536
Idem, ibidem.
1537
Idem, fls. 4.
1530
344
mobilização dos sem-terra.1538 Na sessão seguinte, em vinte e dois de setembro, o
conselheiro Jayme Paz da Silva propôs nota, que foi aprovada por unanimidade, na qual
a OAB/RS defendia, além da liberdade de imprensa, o retorno ao Estado de Direito e o
direito dos trabalhadores, a reforma agrária como forma de combater as desigualdades
sociais, econômicas e o êxodo rural.1539 Consta ainda que, na ocasião, Gastal renunciou
à sua cadeira no Conselho, assumindo Ilsa Brans em seu lugar.1540 Na ata da sessão de
três de novembro há a referência a ofício do MJDH “manifestando o desagravo à
Secção Gaúcha da OAB, pelas calúnias e injúrias gratuitamente assacadas contra esta
Seccional, nos termos da carta de renuncia (sic) do Conselheiro Manoel Braga Gastal,
publicada pela imprensa”, o que evidencia a proximidade entre as entidades naquele
momento.1541
Na primeira reunião do Conselho da OAB/RS de 1982 houve um debate
acalorado, motivado por uma intervenção do conselheiro Nereu Lima para uma
manifestação da entidade sobre a repressão ocorrida na Polônia.1542 Foi tão fértil a
discussão que levou à confecção de um anexo de dezesseis laudas, nas quais os
Conselheiros expuseram suas posições sobre a política brasileira e externa.1543
São dignas de nota as afirmações de que o Brasil viveria uma ditadura militar –
por parte de Lima –, de que as torturas haviam sido introduzidas no país pelos Estados
Unidos e de que talvez na Polônia não se tivesse “a severidade do que está sendo
praticado aqui” – feita por Walter Tschiedel – e as intervenções de que não cabia fazer
posicionamentos sobre a Polônia – de Júlio Teixeira – e de que o debate, por ser de
natureza política, iria contra o estatuto da OAB – mencionado por Archimedes
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 1º de setembro de 1981”, fls. 2-3. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1539
“Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 22 de setembro de 1981”, fls. 2-5. In:
Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981.
Porto Alegre, 1982.
1540
Idem, fl. 1.
1541
“Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 3 de novembro de 1981”, fls. 2. In: Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 2 - [Atas de]1981. Porto Alegre,
1982.
1542
“Ata nº 01/82 – Cons. - Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 09 de fevereiro de 1.982”,
fls. 8-9. Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 3 - [Atas
de]1982. Porto Alegre, 1983.
1543
“Separata da Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 09 de fevereiro de 1982, contendo os
debates de conselheiros, em torno do pronunciamento pessoal do conselheiro Nereu Lima”. Conselho da
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 3 - [Atas de]1982. Porto Alegre,
1983.
1538
345
Almeida.1544 Finalmente, o debate foi encerrado com Ajadil de Lemos, que falou que a
Ordem poderia pronunciar-se em matérias políticas, desde que para o aprimoramento
das instituições, e que, por tratar-se de questão de fora das fronteiras brasileiras, estava
fora da alçada daquele espaço, o que levou à conclusão de que não cabia
pronunciamento oficial.1545
Este debate é um indício de algumas questões presentes naquele contexto
político. Nota-se pelas falas de Lima e Tschiedel que já havia um consenso sobre a
natureza do regime vivido no país e de suas relações com os Estados Unidos.
Diferentemente de outros momentos, eles já se sentiam seguros o bastante para que suas
opiniões ficassem registradas em ata, o que mostra que a abertura estava em pleno
funcionamento, permitindo certa liberdade nestes espaços.
Há, também, a questão da possibilidade da Ordem pronunciar-se politicamente,
temática muito presente nas discussões da entidade e que aqui foi plenamente
respondida. Finalmente, percebe-se o posicionamento de dois veteranos conselheiros –
Júlio Teixeira e Archimedes Almeida – que se opõem ao debate. Conhecendo a
trajetória dos dois dentro destes espaços, pode-se afirmar que cada um deles tinha
objetivos diversos: enquanto que o conservador Archimedes repete uma postura de
contrariedade a este tipo de debate, o comunista Júlio provavelmente fez isto motivado
pelas críticas ao mundo socialista implícitas na proposição de Nereu.
Consta na ata da sessão do dia dois de março uma proposição de Júlio Teixeira,
aprovada unanimemente, de que a OAB/RS se manifestasse ao Presidente General
Figueiredo e o Ministro da Casa Civil sua contrariedade ao Pacote Eleitoral do governo
e sua postura de “lobo para cordeiro” para com o povo, clamando pela Assembleia
Nacional Constituinte.1546 Teixeira também propôs, na reunião de vinte e sete de abril,
que fosse levado para o IX Conferência Nacional dos Advogados propostas de
revogação do sistema social relacionadas a problemas do mercado de trabalho e da Lei
de Segurança Nacional em função da campanha eleitoral.1547
1544
Idem, fls. 4-7.
Idem, fls. 8-15.
1546
“Ata nº 02/82 – Cons. - Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 02 de março de 1982”, fls.
2-3. In: Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 3 - [Atas
de]1982. Porto Alegre, 1983.
1547
“Ata nº 04/82 – Cons.- Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 27 de abril de 1982”,
fls. 3. In: Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 3 - [Atas
de]1982. Porto Alegre, 1983. Posteriormente, a Ordem promoveria debate com os candidatos a
governador. “Ata nº 12/82 – Cons.- Ata da sessão ordinária do Conselho, realizada em 05 de outubro de
1545
346
Na última sessão de 1982, Júlio Teixeira registrou em ata as prisões sofridas por
membros do PCB em reunião na sede do jornal Voz da Unidade em São Paulo, à qual
não tinha frequentado por razões de saúde.
1548
Teixeira solidarizava-se com “seus
companheiros presos” e registrava
o seu protesto ante a violência policial com base em dispositivo da lei
de segurança que é inconstitucional e violador dos princípios
consagrados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres
Fundamentais do Homem e na Declaração Universal dos Direitos
Humanos.1549
Na sessão, outros conselheiros defenderam o direito de reunião e pluralidade
partidária, afirmando que o regime democrático chocava-se com a Doutrina de
Segurança Nacional, e que a prisão era promovida pelo “mesmo segmento” que fez os
atentados contra a OAB e o Riocentro.1550 Finalmente, Ajadil de Lemos fez elogios a
Júlio Teixeira, que era paradigma, pois nunca havia mudado de postura profissional
nem política, além de questionar as prisões.1551
Esta passagem é ilustrativa para mostrar como o contexto de 1982 era diverso
dos anos anteriores no que se refere aos comunistas. Mesmo que a presença de Júlio
Teixeira fosse constante nas entidades dos advogados, sua orientação política
permanecia oculta, uma vez que era um fator desabonador de suas ações. Um exemplo
foi a acusação de George Noronha da presença de “esquerdistas” no Conselho da
OAB/RS em janeiro de 1979, o que lançaria descrédito nas ações da organização. O
trecho acima é um rastro de que em 1982 o ambiente era outro: Teixeira podia
manifestar suas convicções políticas e registrar sua solidariedade a “seus companheiros”
de luta. Este é mais um indício de que o estigma dos comunistas cada vez mais caia por
terra.
V.4. Três homens e um destino: a eleição de 1982
Assim, Eloar Guazzelli, Omar Ferri e Werner Becker chegaram ao ano de 1982
com reconhecimento entre diferentes setores, o que os levou a lançaram candidaturas
1982”, fls. 2. In: Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 3 [Atas de]1982. Porto Alegre, 1983.
1548
“Ata nº 16/82 – Cons.- Ata da sessão extraordinária do Conselho, realizada em 15 de dezenbro de
1982”, fls. 3. In: Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio Grande do Sul. Pasta 3 [Atas de]1982. Porto Alegre, 1983.
1549
Idem, fls. 4.
1550
Idem, ibidem.
1551
Idem, fls. 4-5.
347
pelo PMDB. Inicialmente surgiu a questão do porquê a escolha deste partido, frente à
variedade de alternativas na oposição: com a reorganização partidária, surgiram, além
do PMDB, o PDT e o PT, passando para as razões que os levaram a lançar candidatura
em 1982.
V.4.1. O PMDB e as candidaturas
Em relação a Guazzelli, a escolha é mais óbvia: conforme mostrei, deste 1978
ele vinha posicionando-se favorável à manutenção da unidade da oposição em uma
frente oposicionista, o que ficou concretizado no “Partido do MDB”. Ele seguia, assim,
a postura dos pecebistas gaúchos, que, de acordo com o Jornal do Brasil de dezesseis
de fevereiro de 1981, viam no PMDB “a única oposição conseqüente e com respaldo
das massas”, e desta forma apoiaria seu candidato, Pedro Simon, mesmo com sua
contrariedade.1552
Naquele momento, o PCB passava por diversas lutas internas, derivadas de
conflitos existentes entre grupos ligados a Luiz Carlos Prestes e a Giocondo Dias, que
havia assumido a liderança da organização ao longo da década de 1970. Alzira Alves de
Abreu afirma que “A luta ideológica foi-se aprofundando dentro do CC [Comitê
Central], com duas posições nítidas, uma mais próxima do eurocomunismo e outra
chamada de “ortodoxa”, que se identificava com as posições da União Soviética”.1553
Conforme apontou Maria Alice Rezende de Carvalho,
para os comunistas, o encerramento dos anos 1970 conhecerá uma
contradição: se, de um lado, assistia-se à ascensão da influência do
PCB na política brasileira, a partir da sua atuação nas diversas frentes
em que se travava a luta pela derrota política do regime militar, de
outro lado, o retorno da direção do partido e a prescrição de uma
“frente de esquerda” por Prestes abririam um novo ciclo de lutas
internas (…). 1554
Anita Leocádia Prestes aponta que, no exílio, o cavaleiro da esperança vinha
entrando em conflito com o Comitê Central (CC), o que chegou ao ápice com a volta
das lideranças, após a Lei de Anistia.1555 Em março de 1980 Prestes, além de propor a
saída revolucionária para o país, criticaria publicamente o CC no documento chamado
“Simon terá apoio no Sul mesmo sem querer”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 312,
16 de fevereiro de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2.
1553
Verbete PCB. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós
1930. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo
1554
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. “Breve história do ‘comunismo democrático’ no Brasil”. In:
FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. As esquerdas no Brasil volume 3 – Revolução e democracia
(1964-...). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 277.
1555
PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes: o combate por um partido revolucionário (19581990). São Paulo: Editora Expressão Popular, 2012, p. 189-225.
1552
348
“Carta aos comunistas”, o que fez com que fosse destituído do cargo de secretário-geral
do Partido, tendo Giocondo Dias assumido o posto.1556
Assim, a década de 1980 iniciava com duas principais posições dentro da cúpula
comunista: de um lado, Prestes clamava por um posicionamento mais revolucionário e
propunha uma frente de esquerda; de outro, Giocondo Dias e o CC defendiam que o
“valor a ser preservado é a democracia”, o que seria realizado a partir de uma frente
ampla ou democrática.1557 Mesmo com esta cisão, a matéria do Jornal do Brasil aponta
que tanto prestistas quanto giocondistas sul-rio-grandenses estavam militando no
PMDB.1558
As jornadas que levaram Omar Ferri e Werner Becker ao PMDB não foram tão
diretas quanto a de Guazzelli, ocorrendo alguns desvios e sinalizações com outros
partidos. Ferri, por exemplo narrou em diversos momentos que, durante o caso do
sequestro dos uruguaios, tinha ido com José Mariano Beck em “uma reunião em Esteio,
num seminário para refundar o PTB do Getúlio, do Jango e do Brizola”, porém, nos
anos seguintes acabou engajando-se no PMDB.1559
Quando questionado das razões de não ter entrado inicialmente no PDT,
inicialmente responde que “nem eu sei bem explicar”, porém depois afirmou que
acabou ressentido com Leonel Brizola por ele não ter lhe auxiliado em casos
relacionados com exilados uruguaios.1560 Além disso, ele afirma que discordou da pouca
politização do retorno do líder trabalhista e de alianças que ele estaria fazendo, o que
acabou criando um “valo” entre Omar e o PDT.1561 Omar ainda afirma que entrou no
PMDB, pois era da opinião de que “se a gente vai se [...] fracionar nós vamos perder a
1556
Idem, p. 237-45; Verbete PCB. In: ABREU, Alzira Alves de et al. Dicionário Histórico Biográfico
Brasileiro pós 1930. Rio de Janeiro: FGV, 2010. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo
1557
CARONE, Edgar. O P.C.B. (1964-1982) – Volume 3. São Paulo: DIFEL, 1982, p. 10.
1558
“Simon terá apoio no Sul mesmo sem querer”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 312,
16 de fevereiro de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2
1559
“Depoimento 7 – Omar Ferri”. In: PADRÓS, Enrique Serra; VIVAR, Jorge Eduardo Enriquez.
Memórias da resistência e da solidariedade: O Movimento de Justiça e Direitos Humanos contra as
ditaduras do Cone Sul e sua conexão repressiva. Porto Alegre: Ed. ASF-Brasil, 2013, p. 127. Ele também
narra em FERRI, Omar. Seqüestro no cone sul – o caso Lilian e Universindo. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1981, p. 83 e FERRI, Omar Ferri. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23
de maio de 2013, em Porto Alegre, p. 3.
1560
FERRI, Omar Ferri. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de setembro de
2017, em Porto Alegre.
1561
Idem. Posteriormente ele entraria no PSB, no qual se elegeria vereador de Porto Alegre em 1988 e,
durante o mandato, entraria no PDT.
349
força e nós temos uma missão: o restabelecimento da democracia. Eu era deste grupo”,
mostrando que ele tinha uma preocupação semelhante à de Eloar e dos comunistas.1562
Há indícios da atuação do advogado no PMDB na imprensa em agosto de 1980,
quando ele foi mencionado na lista de pré-candidatos a prefeito e vice-prefeito em Porto
Alegre, o que mostra que ele estava ligado à organização poucos meses após sua
fundação em janeiro daquele ano.1563 Posteriormente, em doze julho de 1982, o
advogado foi destacado para defender o deputado estadual pemedebista Gabriel
Mallmann em processo que ele respondia por críticas ao presidente general
Figueiredo.1564
Já Werner Becker, antes da eleição de 1982, havia flertado com o outro partido
de oposição, o PT. Ele afirma que participou da fundação do partido no estado, no qual
ficou apenas três meses, devido ao que ele chamou de “sectarismo de militância”.1565
Becker afirma que sua “advocacia de subversivos” provavelmente aproximou-o dos
fundadores da nova organização, porém a ação do partido levou rapidamente a seu
“desligamento orgânico”.1566 Ao mesmo tempo, o advogado afirma que tinha
“problemas” com Brizola anteriores ao golpe, o que o incompatibilizava com o PDT.1567
Para Werner o PMDB encaixava-se mais com sua concepção de “não ter
compromisso com a coerência”: o partido seria “como uma geléia, como diz o Brizola,
não dava para falar de uma disciplina interna do partido”.1568 Ele afirmou que neste
partido “me senti bem. Porque ali eu nunca poderia dizer alguma heresia. No PMDB é
impossível dizer uma heresia”.1569 A escolha também teria ocorrido “mais ou menos por
osmose”, uma vez que Ibsen Pinheiro, por exemplo, era seu colega de escritório.1570
Anteriormente, Becker mantivera proximidade com setores do MDB tendo, por
1562
Idem.
“Congresso decide dia 4 se haverá eleições municipais”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano
XC, nº 130, 16 de agosto de 1980, 1º Caderno, Política e Governo, p. 4.
1564
“Deputado é enquadrado na LSN”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXXII, nº 85, 2 de
julho de 1982, 1º Caderno, Política, p. 2.
1565
BECKER, com Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de
2017, em Porto Alegre, p. 10.
1566
Idem, pp. 13-4. Deve-se frisar que o termo “subversivo” não é utilizado pelo advogado com uma
conotação negativa; muito antes pelo contrário ter sido defensor de “subversivos” é motivo de orgulho
para ele.
1567
Idem, p. 13.
1568
Idem, p. 11.
1569
Idem, p. 14.
1570
Idem, ibidem.
1563
350
exemplo, citado sua conversa com o reempossado vereador Marcos Klassmann em
matéria do Jornal do Brasil de trinta de agosto de 1979.1571
Houve, assim, uma variedade de razões para a escolha do PMDB por parte dos
advogados. Mesmo que Guazzelli e Ferri tenham optado pelo partido pela questão da
manutenção da unidade, nota-se que ressentimentos, recentes ou antigos, e relações
pessoais foram relevantes na decisão. Algumas destas questões também surgiram no
momento da escolha por lançar a candidatura em 1982.
De acordo com matéria do Jornal do Brasil de dezesseis de fevereiro de 1981, o
PCB gaúcho, ainda não tinha “um programa de atuação no plano eleitoral para o
Legislativo” e “Nem mesmo o Deputado federal Eloar Guazzelli (PMDB) eleito em
1978 apesar de sua relutância em aceitar a candidatura imposta pelo Comitê Central,
terá indicação para novo mandato na Câmara Federal”.1572
Assim, inicialmente, a candidatura de Eloar não era algo natural para o PCB e
nem para o próprio parlamentar. Denise Broda afirmou que, devido às más experiências
em Brasília, ele não tinha muito interesse concorrer novamente.1573 Carlos Frederico
afirma que seu pai em diversos momentos manifestou à família o “desejo de encerrar a
atividade parlamentar e retornar a Porto Alegre e à advocacia”, derivado do desgaste,
físico e emocional, que havia sofrido no mandato.1574
De acordo com os filhos de Eloar, o lançamento da candidatura de 1982 teve
duas questões principais. Em um primeiro nível, conforme aponta Carlos, houve a
“pressão de companheiros e a insistência do próprio Pedro Simon, presidente do MDB
gaúcho, a que se reapresentasse ao eleitorado”.1575 Porém, a principal motivação para o
advogado foi, de acordo com dois filhos, Carlos e Cesar, o ressentimento e a rivalidade
com seu “mais antigo e melhor amigo”, Antônio Pinheiro Machado Neto.1576
Conforme narrou Carlos Frederico, Guazzelli e Pinheiro Machado Neto eram
amigos desde os tempos de Faculdade de Direito, na década de 1940 e, mesmo que, em
determinado momento, morassem em diferentes cidades, tinham fortes relações, tanto
1571
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano LXXXVIII, nº 144, 30 de agosto de 1979, 1º Caderno, Política
e Governo, p. 4.
1572
“Simon terá apoio no Sul mesmo sem querer”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XC, nº 312,
16 de fevereiro de 1981, 1º Caderno, Política e Governo, p. 2
1573
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1574
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 12.
1575
Idem, ibidem (grifo no original).
1576
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 8.
351
pessoais quanto políticas – uma vez que militavam no PCB.1577 A proximidade entre
eles pode ser vista nesta tese, uma vez que eles atuavam em conjunto nas entidades
classistas.
Carlos Frederico ressalta que “Pinheirinho” era muito envolvido com a ação
política que “se confundia com a própria vida”: com vinte e um anos, em 1946, ele foi
eleito deputado estadual constituinte pelo PCB, sendo cassado e, de acordo com o filho
de Eloar, perdendo seus direitos políticos.1578 Mesmo assim, continuou atuando
politicamente, tanto no partido quanto nas entidades classistas e, até, na política
esportiva, dentro do Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre.1579 Além disso, ele havia
coordenado as campanhas de seu irmão, Dulphe, em 1974 e de Eloar, em 1978, sendo
um dos grandes mobilizadores da campanha.
Durante o mandato de deputado, as relações entre os amigos “mantiveram-se
normalmente (…), porém começaram a se deteriorar à medida em que se aproximava
seu final”, uma vez que, de acordo com Carlos Guazzelli, “a anistia proposta pelo
governo militar, embora limitada, abrangia situações como a de Pinheiro que, em
decorrência, veio a recuperar seus direitos políticos”.1580 Ainda de acordo com o filho
de Eloar, esta possibilidade, somada de indícios de que Guazzelli não tinha interesse em
apresentar-se à reeleição, fez com que Pinheiro Machado empreendesse ações para o
lançamento de sua própria candidatura.1581
Cesar Augusto afirma que, no início de 1982, “num encontro com o Pinheirinho
em Porto Alegre, este manifestou abertamente o desejo de concorrer, e foi um tanto
arrogante: “Agora é a minha vez”, teria dito”.1582 Provavelmente este ato tenha trazido à
tona uma disputa latente que existia entre os dois advogados: conforme apontou
Honório Peres em entrevista, Pinheiro Machado “sempre concorreu” com Guazzelli.1583
Ambos os filhos afirmam que esta atitude, vista como afrontosa por Eloar,
atingiu sua vaidade, levando-o a alçar a candidatura, o que fez com que “vencer o ex-
1577
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 10. O filho de Eloar
ainda cita do nome de Renan Falcão de Azevedo como a terça parte do “trio inseparável”.
1578
Idem, p. 11.
1579
Idem, ibidem.
1580
Idem, ibidem.
1581
Idem, ibidem.
1582
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 8.
1583
PERES, Honório Campos. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em 24 de outubro de
2014 em Porto Alegre.
352
amigo” se convertesse em “um objetivo secundário, mesmo que inconsciente”, como
aponta Carlos.1584 Cesar Augusto afirma que o que afetou seu pai foi a sensação de
ter sido “boi de piranha”, aberto o caminho, e na hora dos “louros” – a
esperada abertura democrática ensejava todo tipo de expectativa –
vinha justamente aquele que tinha insistido na entrada do pai na
política afastá-lo da raia. Daí não deu certo, e o Pinheirinho insistiu
em lançar-se candidato, e consequente ruptura.1585
A cisão entre os amigos representou também os conflitos intestinos do PCB:
Pinheiro Machado alinhou-se aos prestistas “por identidade ideológica, ou porque a
direção local não o apoiava” enquanto que Guazzelli representava a linha giocondista.
Juarez Porto em matéria para o Jornal do Brasil, registrou que “mesmo ante a
ameaça de comprometimento de suas aspirações políticas por insuficiência de votos” os
pecebistas gaúchos iriam dividir-se.1586 Além dos ex-amigos, Fernando do Canto (para
deputado estadual) e Lauro Hagemann (para vereador em Porto Alegre) – partidários do
secretário-geral – concorreriam com Davi Oliveira (presidente nacional do setor jovem
PMDB e candidato a deputado estadual) e Jorge Garcia (ex-presidente do DCE-PUCRS
e candidato a vereador) – seguidores da linha do cavaleiro da esperança.1587
Enquanto que Fernando do Canto afirmava que venceria quem identificasse mais
as aspirações populares, Lauro Hagemann afirmava que a separação não somava e
tornava “tudo mais difícil; pelo jeito, só o tempo acabará com elas, talvez só a morte de
Prestes reúna os comunistas”.1588 A matéria, em tom premonitório, finalizava afirmando
que “A diversidade de candidatos de esquerda – além do PMDB também o PT e o PDT
terão (sic) em suas nominatas representantes de outras tendências marxistas – provoca
temores entre os candidatos”. 1589
Já Omar Ferri afirma que “queria ser candidato mesmo. Eu queria ser candidato
e apresentei o meu nome, o partido aprovou e fui candidato a Deputado Federal”,
mesmo que tenha sido advertido por Pedro Simon de que estaria apostando alto,
1584
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984)
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]. Porto Alegre, 2017, p. 12. A rixa foi
amplificada pelo fato de Pinheiro Machado ter influenciado Flávio Alcaraz Gomes a deixar de ser cliente
de Guazzelli e transferindo-o para José Antonio Pinheiro Machado, seu filho.
1585
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 8.
1586
PORTO, Juarez. “PCB terá candidatos de duas tendências no Sul”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, Ano XCII, nº 25, 16 de março de 1982, 1º Caderno, Política e Governo, p. 3.
1587
Idem, ibidem. Não sei se por fidelidade, mas minha avó iria vota em Hagemann em todas as eleições
em que ele concorreu.
1588
Idem, ibidem.
1589
Idem, ibidem.
353
aconselhando a concorrer para deputado estadual ou vereador. 1590 Ferri afirma que “eu
tinha aquele negócio: eu fui massacrado em Brasília, me expurgaram, me cassaram, me
tocaram para o Rio Grande do Sul com uma mão na frente e a outra atrás. Eu queria
voltar para lá, e isso foi erro meu. Foi erro meu, foi egoísmo meu”.1591 Com o pleito,
Ferri buscava voltar a um espaço que ele estava conquistando em 1964 e foi usurpado
pela ditadura. A candidatura tinha, assim, um significado restaurativo.
Werner Becker, por sua vez, afirma que lançou candidatura, pois devido à
questão do voto vinculado, o partido necessitava de nomes que mobilizassem o
eleitorado: “Eu já tinha um certo nome e tal e os votos, e aí eles me convidaram a ser
candidato a vereador. E eu tinha muitas ligações com a imprensa”. 1592 Ele teria
concorrido “para angariar votos para legenda. A pedido do Ibsen e por sugestão do
Simon”.1593
A decisão por concorrer no pleito teve, assim, mais influência de questões
pessoais do que opção pelo PMDB. Enquanto que Becker foi incentivado por pessoas
próximas influentes, Ferri e Guazzelli foram levados à eleição por desafetos e
ressentimentos.
V.4.2. Campanha e resultados da eleição de 1982
A experiência da campanha de 1982 foi registrada de forma diferente para cada
um dos advogados. Em comum nos relatos há o sentimento de inadequação com uma
forma de fazer política com a qual eles não se identificavam.
Como já citei, Denise Broda afirma que seu chefe falava que estava naquela
eleição “porque tinha que estar”, por um compromisso com o partido: ele tinha “vontade
nenhuma na segunda eleição (…). Tanto que deu no que deu. Para sorte dele”.1594 É
nítida a diferença com que Broda narra as duas campanhas: enquanto que a primeira foi
“uma farra”, a última foi “um compromisso” realizado com “vontade nenhuma”.1595
Cesar Augusto, por outro lado, afirma que seu pai tinha confiança “de sobra na
reeleição, no que foi também muito incentivado pelos que o rodeavam”, entusiasmo
1590
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 30.
1591
Idem, ibidem.
1592
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 25 de setembro de
2012, em Porto Alegre, p. 14.
1593
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017,
em Porto Alegre, p. 8.
1594
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1595
Idem.
354
que, segundo ele, “não tinha razões fortes” devido à manobra de divisão realizada pela
ditadura e no próprio “Partidão”.1596
Imagem 10: Propaganda eleitoral dos candidatos Eloar Guazzelli e Fernando do Canto de
1982 [Documento PP 2094]. Fonte: Acervo do Núcleo de Publicidade e Propaganda do Museu da
Comunicação Hipólito José da Costa.
Na documentação de propaganda eleitoral de 1982, presente no Acervo do
Núcleo de Publicidade e Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa,
1596
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 8.
355
foram encontrados três panfletos de Eloar Guazzelli. Em um havia somente uma
fotografia sua com seu nome, o nome do candidato a governador (Pedro Simon) e os
dizeres “PMDB – vote para mudar”. Em um segundo, sua fotografia estava conjugada
com as de Lauro Hagemann e Fernando do Canto e no verso constava um modelo da
cédula com os candidatos junto de Simon e Brossard (candidato ao Senado Federal).1597
No último, Guazzelli aparece ao lado de Canto, com os dizeres:
“VOTO ÚTIL E DEMOCRÁTICO É NO PMDB, único partido forte
nacionalmente em condições de derrotar o partido do governo.
Por um governo coalizão democrática.
Pela autonomia sindical.
Pela aplicação do estatuto da terra e pela reforma agrária.
Pelo ensino público e gratuito, pela legalidade da UNE e UEE.
Pela revogação da lei se Segurança Nacional e lei dos Estrangeiros.
Contra a dominação econômica das Multinacionais.
CONSTITUINTE LIVRE E SOBRERANA.1598
Nestes documentos percebe-se a relação entre os três candidatos, o que
comprova o que outras fontes já apontavam.
No trecho citado, os candidatos, de forma sintética, expõem suas propostas
buscando uma identificação com eleitores vinculados às esquerdas. Os temas
mencionados (movimento sindical, estudantil, luta pela terra, contra a legislação
autoritária e pela constituinte) eram questões em voga naquele momento evidenciando
que eles concorriam com o PT e o PDT por um eleitorado que, em outras eleições, havia
eleito Guazzelli
Ao mesmo tempo, eles buscavam diferenciar-se destes partidos ao mencionar a
questão do voto útil e democrático e do governo de coalização. Assim, Canto e
Guazzelli queriam mostrar-se como políticos que enfrentariam a ditadura e que, por
pertencer a uma “oposição consequente”, poderiam obter melhores resultados para a
redemocratização.
Omar Ferri na entrevista concedida para essa entrevista reforçou que, mesmo
que tivesse grande interesse, sua campanha acabou sendo afetada por ter sido feita com
1597
Documento 1987.38.4.85 [Propaganda política]. Núcleo de Publicidade e Propaganda/ Museu da
Comunicação Hipólito José da Costa.
1598
Documento PP 2094 [Propaganda política]. Núcleo de Publicidade e Propaganda/ Museu da
Comunicação Hipólito José da Costa.
356
poucos recursos financeiros.1599 Por isso não ganhou tanta visibilidade como tiveram
outros candidatos que investiram mais fortemente em propaganda ou contavam com o
apoio de um grupo organizado, como Guazzelli e os giocondistas do PCB.1600 Denotase nas falas de Ferri uma percepção de que na eleição de 1982 estavam presentes “novas
regras” do jogo político, fazendo com que, para ser bem-sucedido, fossem necessários
grandes investimentos econômicos.
Quando questionado, Omar apontou para sua principal parceria neste pleito
Antenor Ferrari, que concorria à reeleição para a Assembleia Legislativa.1601 Nos
documentos encontrados no Núcleo de Publicidade e Propaganda do Museu da
Comunicação Hipólito José da Costa constam três propagandas de Ferri, uma delas
sozinho. Nas outras está presente também o candidato a deputado estadual. Em uma
delas é somente mostrado um modelo de cédula com os nomes e números dos
candidatos do PMDB, com os dizeres “VOTO ÚTIL”, e eles faziam parceria com o
jovem líder comunitário da capital, Sebastião Melo.1602
Finalmente, há um documento em que eles fazem “dobradinha” com Caio
Lustosa, que concorria para vereador em Porto Alegre.1603 Enquanto que o deputado
estadual havia ficado reconhecido por sua atuação no caso do sequestro dos uruguaios,
Lustosa era um advogado conhecido por sua atuação nos emergentes movimentos
ambientalista e pelos direitos indígenas. Além disso, ele atuou em casos políticos, como
o processo dos “terroristas” analisados no capítulo anterior.
Na propaganda, que tinha no verso um modelo da cédula com os nomes e
números dos candidatos e de Simon e Brossard, constavam as fotos dos três postulantes
à eleição proporcional com os dizeres “CONTRA O PODER DA POLUIÇÃO E A
POLUIÇÃO NO PODER”.1604 Há a clara referência às lutas nas quais os candidatos
engajaram-se: Ferri e Ferrari, que confrontaram a “poluição” das estruturas da ditadura
no caso de Universindo, Lilián e seus filhos, e Lustosa, identificado com o
1599
FERRI, Omar Ferri. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de setembro de
2017, em Porto Alegre.
1600
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 27.
1601
FERRI, Omar Ferri. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 29 de setembro de
2017, em Porto Alegre.
1602
Documento 1987.38.4.181/ PP 1964 [Propaganda política]. Núcleo de Publicidade e Propaganda/
Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
1603
Documento 1987.38.4.7/ PP 2042 [Propaganda política]. Núcleo de Publicidade e Propaganda/ Museu
da Comunicação Hipólito José da Costa.
1604
Idem, ibidem.
357
ambientalismo.
Omar
não
tinha
lembrança
desta
parceria,
afirmando
que,
posteriormente, ele teria se afastado de Caio Lustosa por questões políticas.
Imagem 11: Propaganda eleitoral dos candidatos Omar Ferri, Antenor Ferrari e Caio
Lustosa de 1982 [Documento 1987.38.4.7/ PP 2042]. Fonte: Acervo do Núcleo de Publicidade e
Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
É muito provável que o caso do sequestro tenha tomado importante papel na
campanha do advogado. Seu bem-sucedido livro Seqüestro no Cone sul, que mostrava a
sua atuação na luta contra a ditadura, havia saído um ano antes. Como mencionei, o
358
livro também gerou questionamentos, uma vez que estava junto de Sinval Guazzelli na
campanha.
Werner Becker afirma que “eu não fiz campanha”, sendo auxiliado por amigos
na imprensa, como Luis Fernando Veríssimo e Sergio Jockymann, que escreveram em
seu apoio.1605 Ele reforça sua indiferença em relação ao pleito em diversos momentos:
ele narrou que, nas últimas semanas, havia viajado para a Argentina. 1606 Em outro
momento, disse que, em um comício feito para ele no qual não foi, um amigo, mesmo
irritado com a atitude do advogado, fez o discurso em seu lugar “afirmando que ele era
o Werner Becker”.1607 Sobre a campanha, o advogado afirma que
Quer dizer, eu fui carregado. Minha campanha eleitoral é... Não é, eu
achava uma hipocrisia e não me sentia bem. Eu sou muito cético para
fazer um discurso político e empolgar as massas. Tenho muita pena
das massas para dar esse ópio de empolgação para elas. Foi isso. Mas
estou te dizendo, esse período de toda a minha vida se dava por
acidentes.1608
Nota-se no trecho que a questão do acaso, algo recorrente nos relatos de Werner,
o levou à campanha, na qual foi auxiliado por seus contatos pessoais.
Imagem 12: Propaganda eleitoral de Werner Becker de 1982. Fonte: Acervo do Núcleo de
Publicidade e Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa
1605
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 25 de setembro de
2012, em Porto Alegre, p. 14.
1606
Idem, p. 15.
1607
BECKER, Werner. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 16 de julho de 2017,
em Porto Alegre, p. 26.
1608
Idem, ibidem.
359
Questionando sobre parcerias ele lembrou-se de duas: a primeira, que chamou de
“chapa chucrutes” era formada por ele, Ruy Carlos Ostermann (deputado estadual) e
Siegfried Heuser (deputado federal), e em outra ele estava ao lado de Rospide Neto
(estadual) e seu amigo Ibsen Pinheiro (federal).1609 Mas ele afirma que “não havia
fidelidade nas chapas”, mencionando que também fez campanha com José Fogaça, que
concorria para a Câmara.1610 Vemos sua parceria especialmente com pessoas que lhe
eram próximas, como Ostermann e Ibsen.
Durante a apuração de votos da eleição de quinze de novembro de 1982, José
Mitchell em matéria publicada no Jornal do Brasil indicava que, com raras exceções
como Carlos Araújo, as esquerdas gaúchas não teriam grande sucesso.1611 Em relação ao
PCB, o jornalista afirmava que tanto os giocondistas quanto os prestistas corriam o
risco de “não terem representantes na Câmara Federal ou Assembléia Legislativa”,
excetuando Lauro Hagemann, que provavelmente seria eleito: “Nem Antônio Pinheiro
Machado Neto (linha prestista) nem Eloar Guazzelli (candidato à reeleição), ambos do
PMDB e considerados mais fortes, não conseguiram, ainda, percentuais que garantam
sua eleição”.1612
As previsões do jornalista se concretizaram, uma vez que Eloar Guazzelli não se
elegeu ficando com a 25ª posição do PMDB para a Câmara Federal com 14.141 votos,
quatro colocações à frente de Antônio Pinheiro Machado Neto, com 9.548, assim como
Fernando do Canto e Davi Oliveira, obtiveram, com 6.678 e 6.599 votos
respectivamente, a 51ª e 52ª colocação do partido para a Assembleia Legislativa.1613
Lauro Hagemann de fato elegeu-se vereador com a 5ª melhor votação do PMDB com
5.512 votos.1614
De acordo com Carlos Frederico, “o resultado previsível se cumpriu”, ficando
como consolo para Eloar ter feito mais votos do que de seu “desafiante, agora desafeto.
E este foi o outro resultado negativo do episódio: o afastamento de amigos de quase
1609
Idem, p. 25. Infelizmente na única propaganda de Werner presente no Núcleo de Publicidade e
Propaganda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa ele está sozinho.
1610
Idem, ibidem.
1611
MITCHELL, José. “Paixão, o ex-guerrilheiro eleito”. In: Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Ano XCII,
nº 225, 19 de novembro de 1982, 1º Caderno, Eleições, p. 6.
1612
Idem, ibidem.
1613
TRE-RS. Resultados das eleições gerais de 1982. Porto Alegre, 1982, pp. 15 e 27. Disponível em
www.tre-rs.gov.br/upload/7/_Gerais_Resultados_RS1982.pdf
1614
Já o prestista Jorge Garcia não obteve sucesso, obtendo 976 votos. TRE-RS. Resultados das eleições
municipais de Porto Alegre de 1982. Porto Alegre, 1982, pp. 7-8. Disponível em www.trers.gov.br/upload/18/Municipais_Porto_Alegre1982.PDF
360
toda a vida”.1615 À derrota e ao fim da amizade “somaram-se, assim, ao desencanto com
a atividade parlamentar, fazendo com que Eloar retornasse a Porto Alegre mais
desgostoso”.1616 Cesar Augusto afirma, neste sentido, que
A eleição de 1982 foi, a meu juízo, um dos maiores desgostos do pai;
além da derrota eleitoral e consequente perda do mandato, somado a
uma enorme desilusão com a sucessão governamental no Rio Grande
do Sul, ele rompeu relações como seu mais antigo e melhor amigo, o
Pinheirinho, se decepcionou com outros tantos ao longo da campanha,
e culminou tudo com um câncer.1617
Assim, enquanto que a eleição de 1978 é lembrada como positiva e algo que
permitia que Eloar se afastasse de fontes de tensão – em especial o caso Alcaraz Gomes
– 1982 representa todas as frustrações – políticas, profissionais e pessoais – que ele
vinha acumulando naqueles anos. A descoberta de um carcinoma pulmonar naquele
momento foi algo que acabou aumentando a sensação de derrota em Eloar. Denise,
como citei, afirmou que o advogado entrou desmobilizado na campanha, o que levou a
um resultado esperado – “para a sorte dele”, pois estaria muito decepcionado pela
experiência em Brasília.1618 Há, assim, uma inevitabilidade presente nos relatos das
pessoas próximas a Guazzelli.
Os dois filhos de Eloar apontam como principal característica da derrota o fato
de que seu eleitorado – para Carlos Frederico formado por “militantes e simpatizantes
do Partido Comunista, estudantes, ativistas sociais, lutadores pelos direitos humanos e
advogados” – estaria pulverizado em diferentes candidatos e partidos.1619 Curiosamente,
se somarmos as votações de Guazzelli, Pinheiro Machado e Omar Ferri (16.349)
chegaríamos a um número (40.038) muito próximo da votação de Eloar em 1978
(39.901).
Com esta votação, Ferri ficou com a 23ª posição dentro dos nomes do PMDB.
Conforme já citado, sua análise do pleito é marcada por uma visão negativa das práticas
necessárias para se obter sucesso. Comentando sobre o fracasso na reeleição de Eloar,
1615
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 12.
1616
Idem, ibidem.
1617
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa]
Porto Alegre, 2017, p. 8.
1618
BRODA, Denise. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, em Porto Alegre, no dia 30 de
agosto de 2017.
1619
GUAZZELLI, Carlos Frederico Barcellos. Notas sobre as atividades de Eloar Guazzelli (1974/1984).
[Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre, 2017, p. 13; GUAZZELLI,
Cesar Augusto Barcellos. [Texto elaborado a partir de questionário para esta pesquisa] Porto Alegre,
2017, p. 8. Eles também apontam para singularidades da votação da região de Vacaria, na qual os
apoiadores de 1978 estavam em outro partido (PDT) e Eloar concorria com seu primo Sinval pelos votos
do PMDB.
361
Omar afirma que diversos “nomes de pessoas que foram íntegras, que exerceram seu
mandato com, com… Tendo em vista o bem-estar social, o bem público” não se
reelegeram “porque o cara tinha que ser meio caborteiro, meio sem-vergonha. Essa é a
verdade”.1620
Ele analisa que sua decisão em concorrer em 1982 como “erro meu, foi egoísmo
meu. Eu não tinha condições, não tinha dinheiro para ser candidato a Deputado Federal.
Nem tinha nenhuma organização que me apoiasse. Eu só podia levar pauleira”.1621 Há
aqui também a ideia de inevitabilidade do fracasso mas, diferentemente das pessoas
próximas a Eloar que o vinculavam à sua atitude e ao novo contexto político, Omar o
relaciona com sua falta de estrutura financeira e social.
O advogado afirma ainda que a repercussão no caso do sequestro, por exemplo,
não era traduzida em votos: “O que que traduzia em votos? Eu ter dinheiro, eu instalar
comitês, eu dar dinheiro para Diretórios do PMDB no Interior”.1622 Ferri afirma que,
mesmo tendo contatos com candidatos a vereador em diferentes cidades do estado, seu
apoio não vingou, pois ele não podia, como outros, ajudá-los financeiramente.1623
Werner Becker foi o único dos três advogados-candidatos que teve sucesso na
empreitada eleitoral: com 3.756 votos ficou com a 11ª e última cadeira do PMDB na
Câmara de Vereadores de Porto Alegre, na qual atuaria ao lado do pecebista Lauro
Hagemann e do advogado Caio Lustosa.1624 Como citado acima, ele creditou seu
sucesso ao auxílio dos amigos, o que fez com que sua entrada no legislativo municipal
soasse, em sua narrativa, como um tanto acidental, sendo auxiliada por candidatos a
deputado estadual e federal.
O que se nota nesta eleição é que, se em 1978 havia pouca presença de
candidatos que representassem posições políticas “à esquerda” e propusessem uma
postura combativa à ditadura, em 1982 este quadro foi ampliado, tanto pelo retorno de
exilados e anistiados políticos quanto pelo surgimento de novos nomes, como Omar
Ferri e Werner Becker. Se no pleito anterior Eloar Guazzelli preenchia “um vazio à
esquerda” dentro dos candidatos para a Câmara Federal, quatro anos depois ele
1620
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli no dia 23 de maio de 2013, em
Porto Alegre, p. 27.
1621
Idem, p. 30.
1622
Idem, p. 31.
1623
Idem, ibidem.
1624
Lustosa ficou com a sexta melhor votação do partido, obtendo 4.609 votos. TRE-RS. Resultados das
eleições municipais de Porto Alegre de 1982. Porto Alegre, 1982, p. 7. Disponível em www.trers.gov.br/upload/18/Municipais_Porto_Alegre1982.PDF
362
disputava este espaço com outros nomes, como o próprio Omar Ferri, Antônio Pinheiro
Machado Neto, José Fogaça e Ibsen Pinheiro. Além disso, havia a concorrência com os
candidatos pedetistas e petistas.
A eleição de 1982 apresenta, assim, duas questões relevantes para este estudo:
por um lado, mostra que a imagem dos advogados que haviam se contraposto à ditadura
tinha relevância significativa para possibilitar uma candidatura; por outro, ela não
garantia, como em 1978, o sucesso para cargos como deputado federal. Parafraseando
Omar Ferri, naquele momento não bastava “lutar”, era necessário “fazer política”, o que
“não era tão fácil assim” para eles.1625 Pode-se relacionar esta sensação por parte dos
derrotados no pleito com a noção de “tesouro perdido” de Hannah Arendt apropriada
por Marieta de Moraes Ferreira, mostrando que esta inadequação tinha a ver também
como um novo contexto político no qual as lutas de resistência à ditadura tinha perdido
a relevância.
Percebe-se nos anos iniciais da década de 1980 o prosseguimento aos
investimentos dos advogados na inter-relação entre atuação profissional e militância
política, como pode ser visto nas ações de Omar Ferri no MJDH e de Eloar Guazzelli na
Câmara dos Deputados. Um fenômeno importante diz respeito às transformações em
relação aos comunistas, que durante muito tempo atuavam “nas trevas”: no início da
década de 1980 saíram ao sol declarando sua identidade política.
Algo semelhante ocorreu com aqueles que sofreram perseguições ao longo da
ditadura por vinculações ao governo deposto em 1964. Como mostra a “apresentação”
feita pelo DOPS no livro de Ferri, estas marcas passaram a ser medalhas que
evidenciavam suas lutas contra a ditadura. Este meio permitiu que os três advogados
tivessem repercussão pública suficiente para lançarem as candidaturas em 1982. As
derrotas de Ferri e Guazzelli mostram, ao mesmo tempo, que as transformações também
as dificultaram.
1625
Idem, p. 27.
363
Considerações finais
Busquei através da pesquisa, demonstrar como a análise das trajetórias de Eloar
Guazzelli, Omar Ferri e Werner Becker durante a ditadura civil-militar permite perceber
as mudanças ocorridas dentro das esquerdas brasileiras. Da mesma forma, o trabalho me
leva a tecer determinadas considerações.
O primeiro balanço, ao final desta tese, se refere às potencialidades das fontes
utilizadas na tese. Um conjunto documental explorado, provavelmente por primeira vez,
foi o das atas do IARGS e da OAB/RS. Por meio delas foi possível mapear os debates
presentes nas entidades e reconhecer as modificações ocorridas ao longo da ditadura. As
atas apresentam peculiaridades, uma vez que são registros sintéticos de debates e
discussões ocorridas nas sessões das entidades. Assim, é provável que determinadas
propostas e debates fossem vistos como indignos de anotação por diversas questões,
apontando para silêncios da fonte. Por outro lado, o fato de existir o registro mostra que
determinado tema tinha relevância para os membros da organização, o que é um rastro
do contexto histórico do período.
Conforme apontei, no início da ditadura, o Instituto acabou destacando-se com
uma postura mais crítica em relação à repressão, levando à sua participação na CPI do
caso das mãos amarradas, enquanto que a OAB/RS não se posicionava de forma tão
firme. Posteriormente, no final da década de 1970, a situação se inverteu, passando o
IARGS a debruçar-se em questões internas e debates mais acadêmicos enquanto que a
Ordem gaúcha tomou atitudes mais enérgicas e públicas, em especial após a prisão de
membros do PCB em 1975 e em sua participação no caso do sequestro dos uruguaios. A
presidência de Eloar Guazzelli do IARGS seguiu esta tendência, o que fez com que a
entidade se posicionasse mais intensamente apenas na mobilização contra a vinculação
da OAB ao Ministério do Trabalho.
Estes movimentos ocorridos nas organizações, conforme procurei demonstrar,
estão relacionados com a atuação de advogados comunistas, como Júlio Teixeira,
Antonio Pinheiro Machado Neto e Eloar Guazzelli, e sua aliança com advogados de
outros matizes ideológicos, como Justino Vasconcelos, que foi presidente do IARGS
entre 1966 e 1971, e do Conselho da OAB/RS entre 1973 e 1975 e 1978 e 1981. A
articulação entre eles foi percebida nos documentos analisados e possibilitou posturas
364
mais aguerridas das organizações. Devido à forte atuação de Eloar e dos comunistas nas
organizações, acabei dando mais espaço, em minha narrativa, para estes advogados.
Além das atas das entidades classistas, trabalhei com fontes da imprensa
buscando como elas retrataram as atuações de Eloar Guazzelli, Werner Becker e Omar
Ferri. Nos primeiros anos da ditadura, a atuação dos advogados, em especial nos
“crimes políticos”, foi alvo de registros mais “telegráficos”, diferentemente dos “crimes
de jornal” – casos rumorosos ou curiosos como o “crime da mala” e o caso de Savas
Panayotis Kitrinopopoulos – que acabavam dando espaço maior à defesa na imprensa.
No final da década de 1970 e início da de 1980, o quadro se modificou, com a
imprensa garantindo mais visibilidade para as argumentações e estratégias dos
defensores. Enquanto que em muitos casos apresentados no segundo capítulo – como os
processos envolvendo o ex-coronel Pedro Alvarez, os membros da Brigada Militar e os
militantes envolvidos em ações armadas – existem raras menções nos periódicos ao
trabalho dos advogados, nos capítulos finais as matérias jornalísticas dão amplo espaço
para os defensores.
Isto mostra que, ao longo do período analisado, os “crimes políticos” e os
advogados que atuavam neles passaram a ser vistos de maneira diferente pela imprensa.
A advocacia de perseguidos políticos passou por uma ressignificação, sendo
identificada com valores como os direitos humanos e a luta pelas liberdades
democráticas. A candidatura e eleição de Eloar Guazzelli em 1978 é um indício desta
transformação que permitiu a um advogado que nunca havia sido candidato a nenhum
cargo eletivo chegar à Camara dos Deputados.
Além das fontes mencionadas, utilizei entrevistas de história oral, depoimentos e
outras narrativas memorialísticas relacionadas com as trajetórias de Eloar Guazzelli,
Omar Ferri e Werner Becker. A atuação profissional e política durante a ditadura civilmilitar é um ponto central em suas narrativas, indicando que esse foi um período
definidor de suas memórias e identidades. Deve-se ressaltar que eles dão significados
diversos às suas trajetórias: Ferri focando em um sentido mais heroico enquanto que
Becker mais cômico. No caso de Guazzelli, pude notar que os diferentes entrevistados
deram ênfases diversas à imagem do advogado. Penso que isto se deu pois cada um
deles se concentra em um determinado aspecto que está relacionado com a trajetória
pessoal dos depoentes.
365
A partir do diálogo destas fontes busquei compreender como estes advogados
interviram nos campos jurídico e político. Logo após o golpe de 1964, não havia, para
Eloar e Werner, a possibilidade de atuar no campo eleitoral. Omar Ferri, por sua vez,
chegou a assumir o mandato de deputado estadual pelo PTB em alguns momentos após
a onda de cassação entre os trabalhistas. Mesmo assim, para ele e para outros
“alucinados brizolistas” a principal estratégia estava vinculada à volta de Brizola e a
uma provável derrubada da ditadura. Assim, naquele contexto, a advocacia foi uma área
em que os três puderam atuar fora de eventuais perseguições vindas da ditadura, e a
defesa de presos políticos deu a eles um espaço profissional que possibilitava uma
dimensão política. Ao longo da ditadura, Guazzelli, Becker e Ferri foram reforçando
este aspecto de sua profissão.
Em alguns momentos houve tensões entre a busca de reconhecimento na área do
direito e sua reputação na resistência à ditadura. O Caso de Flávio Alcaraz Gomes foi
exemplar disso: enquanto que buscava colocar-se à prova como criminalista, o então
deputado federal Eloar Guazzelli foi alvo de críticas por parte de seu eleitorado que não
compreendia como ele defendia um cliente visto como “reacionário assassino”.
Ao longo da ditadura, o projeto de inter-relação entre profissão e atividade
política foi modificando-se e ganhando novos significados. Quando questionado sobre
as causas que motivavam sua militância durante entrevista realizada para esta tese,
Omar Ferri afirmou que, antes do golpe, “a nossa luta naquela época” era em prol das
reformas, libertação econômica do Brasil e contra a invasão de interesses
estadunidenses na América Latina, o que “era um reflexo da pregação de Brizola e da
atmosfera política existente naquela época”.1626 Assim, ele estava inserido dentro das
lutas e demandas do trabalhismo naquele contexto. De forma semelhante pensava o
PCB de Eloar Guazzelli, que estava engajado no governo de João Goulart.
Já no final da década de 1970 sua luta passou a ser contra a “ditadura militar,
pela prevalência dos direitos humanos, pela evocação das liberdades, da democracia,
nova constituição”, que modificariam o Brasil “fantasticamente”.1627 Esta fala denota
uma mudança de perspectiva na qual os direitos humanos, “as liberdades” e a
democracia formal passaram a ocupar um espaço que antes era preenchido basicamente
por demandas econômicas. Ainda que a luta contra a desigualdade econômica
1626
FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli em Porto Alegre em 29 de
setembro de 2017.
1627
Idem.
366
permanecesse entre as bandeiras das esquerdas, ela andava lado a lado com a defesa da
democracia formal e dos direitos humanos.
Conforme apontei, ao longo do período analisado, foram ocorrendo
modificações no contexto, as quais levaram as esquerdas a abraçarem a causa dos
direitos humanos, o que passou por uma revisão sobre o direito, em especial sobre o
direito criminal. Um indício de “desconforto” de setores da esquerda foi o fato de que,
durante a mobilização do IARGS no caso das mãos amarradas, o termo “direitos do
homem” não ter sido utilizado por Eloar Guazzelli em seu relatório e sim pelo católico
Justino Vasconcelos. Conforme procurei mostrar no Capítulo II, até 1973 mesmo que os
termos direitos “do homem”/ “da pessoa humana”/ “humanos” surgissem dentro das
atas da OAB/RS e do IARGS, eles não eram utilizados pelos comunistas presentes.
Apesar de aparentemente não se utilizarem das expressões “direitos do
homem”/“direitos humanos”, ao longo da década de 1960 estes advogados passaram a
questionar a violência cometida pela ditadura, através da denúncia do “tratamento
dispensado a presos políticos”, como ocorreu no caso das mãos amarradas. É provável
que as denúncias estivessem vinculadas mais a uma luta pela derrubada da ditadura do
que a busca pela promoção dos direitos humanos.
Mesmo assim, posteriormente este questionamento foi levado ao tratamento
dado aos “presos comuns” – como mostra a estratégia utilizada por Guazzelli no caso do
assaltante de bancos Julinho – em um movimento que culminou em ações como a do
MJDH no início da década de 1980 em defesa de agricultores sem-terra e de moradores
de áreas pobres da zona metropolitana de Porto Alegre. São rastros desta caminhada
realizada pelas esquerdas brasileiras que passaram a adotar a questão dos direitos
humanos em sua totalidade.
A partir das fontes analisadas, pode-se perceber assim que, no início da ditadura,
a ideia de “direitos do homem”/ “da pessoa humana” estava vinculada aos direitos
individuais, em especial a questão das prisões e tortura, e era acessada por setores
conservadores que vinham questionando os métodos da ditadura. Mesmo que
advogados como Eloar Guazzelli, fizessem coro a estas denúncias – talvez as
extrapolando para os criminosos “comuns” –, eles não o faziam utilizando estes termos.
Já no final da década de 1970 estas ações passaram a ser vistas pelas esquerdas
como defesa dos “direitos humanos”. Mesmo que a questão do combate às violências e
arbitrariedades da ditadura ainda estivesse no cerne da conceituação de direitos
367
humanos – o que se pode depreender do fato de um defensor de perseguidos políticos
utilizar como slogan eleitoral de “advogado dos direitos humanos” – pode-se perceber
que ela estava lado-a-lado do combate às injustiças sociais e econômicas, conforme a
descrição de Ferri sobre o Ato de um ano do sequestro dos uruguaios. Neste momento
as esquerdas de diferentes matizes estavam aliadas na mesma causa com grupos mais
conservadores.
O fato de Werner Becker, Eloar Guazzelli e Omar Ferri terem lançado
candidatura em 1982 mostra a relevância política de suas atividades profissionais. Penso
que elas passaram por um processo de ressignificação que as vinculou aos direitos
humanos. É possível que, inicialmente, a atuação profissional dos advogados em casos
políticos tenha sido vista como uma forma de resistência à ditadura; em meados da
década de 1970 ela passou a ser encarada como “defesa dos direitos humanos”. Isso
ocorreu concomitantemente a uma transformação nas esquerdas brasileiras que
abdicaram da violência revolucionária e passaram a valorizar a democracia formal e os
direitos humanos. Nesse quadro advogados como Ferri, Becker e Guazzelli passaram a
ser vistos de uma nova forma.
Esta tese permite compreender de forma mais detalhada as mudanças que
levaram à formação do novo ethos da esquerda, vinculado à luta contra o autoritarismo
e pelos direitos humanos. Ela contribui, desta forma, para compreender melhor a
história dos direitos humanos no Brasil.
Ao mesmo tempo, minha pesquisa apresenta as diferentes formas de crítica e
resistência à ditadura civil-militar por parte de profissionais do direito, como a defesa de
presos políticos e a atuação de entidades classistas. Isto permite compreender os
diversos sentidos políticos dados à advocacia e ao direito. A tese ainda contribui na
busca por recompor os campos jurídico e político nos quais os advogados atuaram,
relacionando as atuações profissionais com conotação política com aquelas tidas como
“comuns”.
Finalmente, minha pesquisa busca mostrar as possibilidades de trabalhos de
história que abordam temas próximos ao pesquisador. Procurei mostrar que um
historiador pode analisar a trajetória de um familiar, por exemplo, devendo, sempre,
seguir os procedimentos básicos da disciplina. Foi fundamental para isto a compreensão
das dinâmicas existentes entre a história e a memória, e, principalmente, um trabalho
sobre a memória familiar.
368
Bibliografia
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Acervo Pessoal de Rafael Guimaraens
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DELFOS – Espaço de Documentação e Memória Cultural/PUCRS
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional
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Memorial do Judiciário/RS
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FERRI, Omar. Entrevista concedida a Dante Guimaraens Guazzelli, no dia 28 de
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de junho de 2017.
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dia 8 de agosto de 2013.
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Guazzelli Projeto Marcas da Memória: História Oral no Brasil em Porto Alegre no
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Anexo – composição da diretoria do IARGS e do Conselho Seccional da
OAB/RS (1964-1982)
Composição do IARGS (1964-1982) 1628
Anos
Diretoria
Outros
membros
atuantes
1964-1965
Pres.: Ivânio da Silva Pacheco; 1º Vice-pres: Serafim Machado; Júlio
Galeno Vellinho de Lacerda; 2º Vice-pres.: Teixeira;
Honório
Severo;
1º
Secretário:
Antônio
Pedro Pinheiro Machado Neto;
Lairihoy; 2º Secr.: Paulo Kreitchmann; Laury Duval Koch
Tesoureiro:
Arnaldo
Borsatto;
Orador:
Justino Vasconcelos; bibliotecária: Betty
Borges Fortes.
1966-1967
Pres.: Justino Vasconcelos; 1º Vice-pres.: Eloar Guazzelli; Antônio
Ladislau Rohnely; 2º Vice-pres.: Pedro Pinheiro Machado Neto;
Lairihoy; 1º Secr.: Rubens Sant’Anna; 2º Rafael
Perez
Borges;
Secr.: Dirceu Camargo; Tesoureiro: René Júlio Teixeira.
Ávila; Orador: Alceu Ortiz; Dir. de Bibl.:
Romeu Ritter dos Reis
1968-1969
Pres.: Justino Vasconcelos; 1º Vice-pres.: Júlio Teixeira.
Pedro Lairihoy; 2º Vice-pres: Rubens
Sant’Anna; 1º Secr.: Oswaldo Bassis; 2º
Secr.: Dirceu Camargo; Tesoureiro: René
Ávila; Orador: Eloar Guazzelli; Dir. de
Bibl.: Mario Bernardo Sesta.
1970-1971
Pres.: Justino Vasconcelos; 1º Vice-pres.: Júlio Teixeira.
Pedro Lairihoy; 2º Vice-pres: Francisco
Talaia O’Donnell; 1º Secr.: André José
Simon;
2º
Secr.:
Paulo
Kreitchmann;
Tesoureiro: Oswaldo Bassis; Orador: Eloar
1628
Optei por apresentar somente os principais cargos da diretoria do IARGS. Também apresento os
consócios atuantes e relevantes para esta pesquisa.
380
Guazzelli; Dir. de Bibl.: Apio Claudio
Beltrão
1972-1973
Pres.: Érico Maciel Filho; 1º Vice-pres.: Olga Bragança Maciel.
Maurício Steinbruck; 2º Vice-pres.: Gilda
Maciel Russomano; 1º Secr.: Mauro Cunha;
2º secr.: Gladys da Rocha; Tesoureiro:
Sylvio Remo Sirângelo; Orador: Aldo
Ferreira; Dir. de bibl.: Isabella Ferlini.
1974-1975
Pres.:
Eloar
Guazzelli;
1º
Vice-pres.: Júlio
Teixeira;
Nereu
Antônio de Almeida Martins Costa; 2º Vice- Lima; Ecilda Haensel;
pres.: Ruy Rodrigo de Azambuja; 1º Secr.: Amadeu
Weinmann;
Clóvis Ponzi; 2º secr.: Paulo Pinto de Tarso Genro; Luiz Luisi.
Carvalho; Tesoureiro: José Baptista Neto;
Orador: Hugo Ramirez; Dir. de bibl.: Lúcio
Ivo do Couto.
1976-1977
Pres.: Ruy Rodrigo de Azambuja; 1º Vice- Júlio Teixeira; Adelmo
pres.: Mauro Cunha; 2º Vice-pres.: Roberto Simas Genro; Deburgo
Bier da Silva; 1º Secr.: Carlos Alberto de de Deus Vieira; Caio
Oliveira; 2º secr.: Carlos Alberto do Amaral; Lustosa;
Tesoureiro:
Juracy
Machado;
Orador: Xausa; Marcus Melzer;
Amadeu Weinmann; Dir. de bibl.: Aldo Ecilda
Ferreira.
1978-1979
Leônidas
Haensel;
Luiz
Luisi.
Pres.: Ruy Rodrigo de Azambuja; 1º Vice- Nereu Lima; Archimedes
pres.: Otávio Caruso da Rocha; 2º Vice- Almeida; Luiz Fernando
pres.: Alfredo Emigdio Outeiro de Mello; 1º Borges
da
Fonseca;
Secr.: Amadeu Weinmann; 2º secr.: Aldo Sergio Juchem; George
Ferreira; Tesoureiro: Isa Brans; Orador: Tenório Noronha; Ecilda
João Pedro dos Santos; Dir. de bibl.: Violeta Haensel; Clóvis Goulart
de Campos.
1980-1981
Ponzi; Tarso Genro.
Pres.: Otávio Caruso da Rocha; 1º Vice- Clóvis
Goulart
Ponzi;
pres.: Antônio José Leiria; 2º Vice-pres.: Marcus Melzer; Tarso
João Pedro dos Santos; 1º Secr.: Isaac Genro;
Ainhorn; 2º secr.: Iris da Costa; Tesoureiro: Vasconcelos;
Justino
Júlio
381
Fernando Barcellos de Almeida; Dir. de Teixeira; Ruy Rodrigo de
bibl.: Violeta de Campos.
1982-1983
Azambuja.
Pres.: Luiz Carlos Madeira; 1º Vice-pres.:
Ruy Rodrigo de Azambuja; 2º Vice-pres.:
Jaime Paz da Silva; 1º Secr.: Orlando Vanin;
2º secr.: Cyl Paranhos de Lima; Tesoureiro:
Fernando Barcellos de Almeida; Orador:
Otavio Caruso da Rocha Dir. de bibl.: Iris da
Costa.
Composição do Conselho Seccional da OAB/RS (1964-1982)1629
Anos
Presidência
Destaque entre os conselheiros
Advogados
mencionados
1964
1965-1966
Oswaldo
1º secr.: Urbano Ferreira de Souza; Floriano
Vergara
2º secr.: Jorge Muccillo; Afrânio Ávila.
(desde 1955)
Araújo; Júlio Teixeira.
Dante Sfoggia
Jayme Machado de Oliveira (vice- Antônio
Maya
pres.); Urbano Ferreira de Souza Pinheiro
(1º secr.); João Carlos Silveiro (2º Machado Neto;
secr.); Oswaldo Bassis (tesoureiro); Eloar Guazzelli.
João Pompílio de Almeida; Marcus
Melzer; Walter Becker; Aristides
Boeira; Nery Luz; João Glashester;
Paulo do Couto e Silva; Pedro
Lairihoy;
Jerônimo
da
Silva
Ribeiro; Clóvis do Couto e Silva;
Paulo Kreitchmann; Pedro Pacheco
de Souza; Paulo Barbosa Lessa;
Lelio Candiota de Campos .
1629
Devido a lacunas nas fontes, em determinados anos não foi possível obter todos os nomes dos
conselheiros eleitos.
382
1967-1968
Alter Cintra de Edgar Vargas Serra (vice-pres.);
Oliveira
Silvio Remo Sirângelo (1º secr.);
Mauro Cunha (2º secr.); Paulo
Kreitchman
Ferreira
de
(tesou.);
Urbano
Souza;
Justino
Vasconcelos; Jayme Machado de
Oliveira; Emílio Rothfuchs Neto;
Telmo Rovira Martins; Wilson
Shumacher;; Dirceu Camargo; João
Leitão de Abreu; Lélio Candiota de
Campos; Érico Maciel Filho; Nery
Luz; Francisco Talaia O’Donnel;
Pedro Pacheco de Souza; Eloar
Guazzelli;
Marcus
Melzer;
Oswaldo Bassis; Pedro Lairihoy;
René Ávila; Walter Becker.
1969-1970
Alter Cintra de Marcus Melzer; Pedro Lairihoy; Antônio
Oliveira
Francisco Talaia O’Donnell (vice- Pinheiro
pres.); Osvaldo Bassis (1º secr.); Machado Neto;
Emílio Rothfuchs Neto (2º secr.); Darcy
René
Ávila
(tesou.);
Camilo Hoonholtz.
Martins Costa; Ajadil de Lemos;
Walter Becker; Marcus Melzer;
Justino Vasconcelos; Edgar Vargas
Serra; Sylvio Remo Sirângelo;
Mauro Cunha; Paulo Kreitchmann;
Urbano Ferreira de Souza; Arnaldo
Borsatto; Rubens Sant’anna; Pedro
Lairihoy;
Walter
Tschiedel;
Ladislau Rohnelt; Érico Maciel;
Eloar Guazzelli; Júlio Teixeira.
1971-1972
Alter Cintra de Ladislau
Oliveira
Ronheldt
(vice-pres.); Antônio
Telmo Rovira Martins (1º secr.); Pinheiro
Von
383
Luiz Fernando Borges da Fonseca Machado Neto;
(2º
secr.);
Guilherme
Schutz Felisbino
(tesou.); Carlos de Souza Moraes; Barlette.
Marcus Melzer; Osvaldo de Lia
Pires; Rubens Sant’Anna; Luiz
Behs; Francisco Talaia O’Donnel;
Fernando Camargo Dias; Justino
Vasconcelos; Plínio Paulo Bing;
Paulo
Kreitchmann;
Osvaldo
Bassis; Emílio Rothfuchs; Saul
Rolla; Sylvio Remo Sirângelo;
Pedro Lairihoy; Osvaldo Vergara;
Dante Sfoggia; Eloar Guazzelli;
José
Mariano
Beck;
Malcus
Melzer; Júlio Teixeira.
1973-1974
Justino
Eloar Guazzelli (Vice-pres.); Pedro Rui Goethe da
Vasconcelos
Lairihoy (1º secr.); Luiz Behs (2º Costa
Falcão;
secr.); Roque Volkweiss (tesou.); Claudio Antenor
Paulo Serra; Ladislau Rohnelt; Schuch.
Alfredo Mello; Fernando Camargo
Dias;
Plínio
Bing;
Rubens
Sant’Anna;
Marcus
Melzer;
Osvaldo
Bassis;
Paulo
Kreitchmann;
Júnior;
Jayme
Guilherme
Walter
Deolindo
Paz
Flores
Becker;
Lima
da
da
Luiz
Silva;
Cunha;
Fernando
Borges da Fonseca; Guilherme
Schutz Filho; Mauro Cunha; Aldo
Leão Ferreira; Rubens Sant’Anna;
Paulo
Serra;;
Júlio
Teixeira;
Marcus Melzer; Aldo Ferreira.
1975-1976
Justino
Guilherme
Schutz
(vice-pres.);
384
Vasconcelos
George Tenório Noronha (1º secr.);
Jayme Paz da Silva (2º secr.);
Mauro
Cunha
Fernando
Anísio
(tesou.);
Borges
da
Freitas;
Luiz
Fonseca;
Paulo
Serra;
Guilherme Flores da Cunha; Luiz
Behs;
Caruso
Pedro
Lairihoy;
Otávio
da
Rocha;
Paulo
Kreitchmann;
Eloar
Antonio
Martins
Rodrigo
de
Mariano
Beck;
Archimedes
Melzer;
Guazzelli;
Costa;
Ruy
Azambuja;
José
Tito
Monteiro;
Almeida;
René
Marcus
Ávila;
Sergio
Juchem; Walter Becker; Plínio
Bing.
1977-1978
Justino
Paulo de Vargas Vares (vice-pres.);
Vasconcelos
George Tenório Noronha (1º secr.);
Jayme Paz da Silva (2º secr.);
Anísio
Rodrigo
Freitas
de
(tesou.);
Azambuja;
Ruy
Eloar
Guazzelli; Guilherme Flores da
Cunha;
Walter
Archimedes
Martins
Tschiedel;
Almeida;
Costa
Neto;
Antônio
Leônidas
Xausa; Paulo Kreitchmann; Marcus
Melzer; Otávio Caruso da Rocha;
João Pedro dos Santos; Pedro
Lairihoy; César Dias Neto; Sérgio
Juchem;
Rovílio
Breda;
Luiz
Fernado Borges da Fonseca; Sylo
Soares; Luiz Luisi; Júlio Teixeira;
Paulo Pinto de Carvalho; Walter
385
Becker;
1978-1981
Justino
Paulino de Vargas Vares (vice- Nereu
Lima
Vasconcelos
pres.); George Tenório Noronha (1º (cons.
subst.);
secretário); Eloar Guazzelli; Julio Tarso
Genro
Teixeira;
Ruy
Rodrigo
de (cons.
subst..);
Azambuja; Antonio Martins Costa Walter
Neto;
Marcus
Melzer;
Graeff
Otávio (cons.
subst..);
Caruso da Rocha; Leônidas Xausa; Honório
Walter Tschiedel; Paulo Pinto de (cons.
Carvalho;
Walter
Archimedes
Almeida;
Freitas;
Rovílio
Becker; Luiz
Breda;
Sérgio Ferri
(cons.
Beck; Luiz Fernando Borges da
Soares;
Fernando
Borges
da
Luiz
Fonseca;
Sergio Juchem; João Pedo dos
Santos.
1981-1982
José
de
Beck
1984)
Mariano Archimedes Almeida (vice-pres.);
Freitas Nereu Lima (1º secr.); Jayme Paz
(até da Silva (2º secr.);
Mercedes
Rodrigues (tesou.); Pedro Lairihoy;
Paulo
Melzer;
Kreitchmann;
Bruno
Marcus
Hartz;
Paulo
Kreitchmann; Dyogenes Pinto; Any
Danckwardt; Rejane Brasil Filippi;
Walter
Becker;
Nelson
Jobim;
Otávio Caruso da Rocha; Nelcy
Pedroso; Lucio Ivo do Couto;
Walter
Baethgen;
Leônidas
Caminha; Walter Diehl; Appio
Claudio
de
Lima
Armando
Omar
Flores da Cunha; José Mariano
Sylo
subst..);
Anísio Dariano;
Juchem; Luiz Luisi; Guilherme subst.).
Fonseca;
Peres
Antunes;
386
Balthazar Gama Barbosa; José Luiz
Martins Costa; Ruy Rodrigo de
Azambuja; Justino Vasconcelos;
Leônidas Xausa; Walter Tschiedel;
Manoel Gastal; Ilsa Brans; Júlio
Teixeira; Ajadil de Lemos.