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Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Maria Aparecida Lucca Caovilla (Orgs.) A extensão e a pesquisa um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade A EXTENSÃO E A PESQUISA um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade Perspectivas Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Maria Aparecida Lucca Caovilla (Orgs.) A EXTENSÃO E A PESQUISA um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade Chapecó, 2018 Reitoria Reitor: Claudio Alcides Jacoski Pró-Reitora de Graduação e Vice-Reitora: Silvana Muraro Wildner Pró-Reitor de Pesquisa, Extensão, Inovação e Pós-Graduação: Leonel Piovezana Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Márcio da Paixão Rodrigues Pró-Reitor de Administração: José Alexandre de Toni Diretor de Pesquisa e Pós-Graduação Stricto Sensu: Claudio Machado Maia Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. E96 A extensão e a pesquisa [recurso eletrônico] : um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade / Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues, Maria Aparecida Lucca Caovilla (Orgs.). -- Chapecó, SC : Argos, 2018. 281 p.: PDF [e-Book]. -- (Perspectivas, n. 15) Contém Bibliografia ISBN 978-85-7897-302-5 1. Pesquisa científica. 2. Ensino superior. 3. Extensão Universitária. I. Título. CDD: Ed. 23 -- 001.4072 Catalogação elaborada por Roseli A. Teixeira CRB 14/631 Biblioteca Central da Unochapecó Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapecó Servidão Anjo da Guarda, 295-D – Bairro Efapi – Chapecó (SC) – 89809-900 – Caixa Postal 1141 (49) 3321 8218 – argos@unochapeco.edu.br – www.unochapeco.edu.br/argos Coordenadora: Rosane Natalina Meneghetti Silveira Conselho Editorial Titulares: Clodoaldo Antônio de Sá (presidente), Cristian Bau Dal Magro (vice-presidente), Leonel Piovezana, Rosane Natalina Meneghetti Silveira, Cesar da Silva Camargo, Hilario Junior dos Santos, Ivo Dickmann, Claudio Machado Maia, André Luiz Onghero, Gustavo Lopes Colpani, Cleunice Zanella Suplentes: Rosana Maria Badalotti, Josiane Maria Muneron de Mello, Maria Assunta Busato, Rodrigo Oliveira de Oliveira, Reginaldo Pereira, Idir Canzi SUMÁRIO | clique no título para acessar o artigo | Apresentação Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Maria Aparecida Lucca Caovilla Introdução Bernadete Maria Dalmolin EIXO I Direitos da cidadania Laboratório de Línguas da Unochapecó: a contribuição da extensão universitária para a formação da cidadania Rosane Natalina Meneghetti Silveira Luana Blasi da Silva Maria Tereza Galeazzi Zanella Pedagogia na Rua: a luta e o enfrentamento pelo direito do brincar nos espaços comunitários Aline Fátima Lazarotto Larissa Henrique Pesquisa, salvaguarda e comunicação do patrimônio cultural: três décadas de atuação do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina André Luiz Onghero Mirian Carbonera Ademir Miguel Salini Aline Bertoncello SUMÁRIO | clique no título para acessar o artigo | Projeto de extensão comunitária jurídica: transformação social com atitude! Maria Aparecida Lucca Caovilla Carmelice Faitão Balbinot Thalia Noeli Nicaretta Texturas – aprendizagens com a leitura na educação básica Márcia de Souza Felipe Flores Kupske Júnia Laíse Scheunemann Engel Natalia Matiazzo EIXO II Movimentos sociais e participação Assentamento Dom José Gomes e as relações comunitárias Andreza Leticia Tessaro Kaliandra Dara Marta Teresinha Rita Boufleuer Maria Carolina da Silveira Moesch Desafios para o desenvolvimento da economia solidária no território oeste catarinense Graciela Alves de Borba Novakowski Carlos Eduardo Arns Andreia Casagrande Begnini SUMÁRIO | clique no título para acessar o artigo | GTA – Grupo de Trabalho em Agroecologia: um desafio epistêmico, político e prático Carlos Eduardo Arns Luis Henrique Rangrab Oscar José Rover Vagner Lopes da Silva Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Unochapecó – 13 anos de história Carlos Eduardo Arns Graciela Alves de Borba Novakowski Scheila Girelli Ana Maria Pereira Puton Mulheres e cidadania: desafios políticos e emancipação da condição feminina Hellen Barella Murilo Cavagnoli Cristiane Tonezer Teresinha Rita Boufleuer Papel – Programa de Apoio a Processos Participativos de Desenvolvimento Local e Regional: uma trajetória de integração ensino-pesquisa-extensão na Unochapecó Carlos Eduardo Arns Colmar Domingues Oscar José Rover SUMÁRIO | clique no título para acessar o artigo | EIXO III Educação e saúde Educação em saúde com crianças e adolescentes: um relato de extensão Karen C. K. Andrigue Alcimara Benedett Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Curso de graduação em Fisioterapia e a extensão Mark Andrey Mazaro Michele Cristina Minozzo dos Anjos Paula Zeni Programa Sorriso para a Vida – projeto de saúde bucal Georgia Verardi Anchieta Integração da extensão com atividades de pesquisa e ensino em comunidade: uma ação de arborização Clarete Trzcinski Félix Yan Boschetti Gabriela Borges da Silva Queila Ramos Giacomini Ana Cristina Confortin Adriano Dias de Oliveira Sobre os autores Créditos Apresentação A universidade é, por excelência, uma instituição social reconhecida como um lugar e tempo designado e privilegiado para a construção, a reconstrução e a socialização do conhecimento. O processo educativo que nela ocorre diz respeito à formação de profissionais e pessoas. Marcada pela tríade ensino, pesquisa e extensão (Brasil, 1988; Brasil, 1996)1, a vida em sociedade reverbera em seu interior, numa dinâmica socialmente referenciada, pois, articulada às demandas emergentes de cada época. Inserida em contextos socioeconômicos complexos, a dinâmica da instituição universitária tanto condiciona quanto é condicionada por estes. O processo que nela se engendra está voltado à formação de um determinado tipo de profissional e de um determinado tipo de pessoa. Como fenômeno complexo e histórico, retrata e reproduz a realidade, assim como projeta uma determinada sociedade na qual vai apostar, por intermédio do seu pensar e agir acadêmico. Ou seja, ao assumir estas ou aquelas intencionalidades políticas e pedagógicas, os sujeitos da prática definem a forma e os caminhos a serem trilhados, com mais ou menos potencial à transformação e à emancipação humana. A universidade assume papel preponderante em relação ao desenvolvimento e à transformação da vida; portanto, é preciso romper com a manutenção do status quo e buscar ressignificar os saberes diante de uma nova sociedade emergente, que deve reconhecer em cada pessoa um sujeito de direitos e de compromissos, um cidadão que participa da vida da comunidade, abrindo possibilidades para a reflexão política e filosófica sobre os acontecimentos e conhecimentos por ela veiculados. Esse 1 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p. Brasil. Ministério de Educação e Cultura. Lei n. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 desafio torna-se ainda maior no cenário brasileiro, em que vivenciamos inúmeras ações marcadas pela negação, homogeneização, silenciamento, marginalização e violências. O fazer na universidade do século XXI necessita ser renovado, reinventado; supõe, portanto, construir pontes, articular desejos e necessidades, propor iniciativas e projetos. Exige construir redes com outros, tecer fios, uma vez que é preciso mais do que discurso, que dogmatismo, que teorias. A “[...] atividade educativa deve criar as possibilidades de novas formas de compreensão da realidade e de renovadas formas de interação com as pessoas e o mundo [...]”, destaca Dias Sobrinho (2000, p. 50)2. É no bojo desse processo que a extensão universitária vem se configurando como um importante mecanismo para a consolidação dos fins de uma universidade comprometida com seu entorno, que no caso da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), diz respeito ao seu fazer cotidiano, articulando saberes produzidos e sistematizados no âmbito da universidade às necessidades da comunidade, ratificando sua missão e visão institucional de produzir e difundir conhecimento, comprometendo docentes e estudantes universitários e a comunidade, reafirmando o compromisso com o desenvolvimento regional e a sua responsabilidade social. Criada há mais de quarenta anos, a Unochapecó surge do movimento de diferentes setores da comunidade, motivado pela ausência do Estado na oferta do ensino superior na região. Em seus ordenamentos legais, a extensão universitária é concebida como “[...] um princípio educativo e uma estratégia de aprendizagem que deve perpassar os diferentes componentes curriculares e suas interfaces [...]”, objetivando, dessa forma, “[...] fomentar e aperfeiçoar o diálogo entre o saber acadêmico e o saber popular, entre a teoria e a prática, entre a comunidade e a universidade.” 2 Dias Sobrinho, José. Avaliação da educação superior. Petrópolis: Vozes, 2000. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 (Unochapecó, 2015)3. Circunscrita aos compromissos éticos, filosóficos, políticos e pedagógicos dos cursos, deve permitir que os estudantes consigam se aproximar, agir, dialogar e (re)conhecer a realidade de seu futuro campo de trabalho. Diante da natureza e diversidade do trabalho acadêmico, a extensão também tem assumido diferentes finalidades no plano institucional, pedagógico e político desde seu surgimento no início do século passado na Universidade de São Paulo (USP), passando pelo seu reconhecimento como atividade-fim, até sua validação como preceito legal para a existência do ente universidade. Assegurada constitucionalmente, é cortejada por alguns e desconsiderada por outros, oscilando entre seu caráter assistencialista, sua capacidade de mediar o processo entre sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido e seu potencial articulador das práticas e das transformações sociais. Nessa perspectiva, esta obra reflete as diferentes experiências e atitudes integracionistas, protagonizadas por docentes, técnicos e estudantes extensionistas e pesquisadores em diferentes comunidades. Os trabalhos relatam o esforço de um coletivo de pessoas que apostam na extensão e sua relação, não como a imposição de um determinado conhecimento, mas como uma forma de compreender o mundo e de construir alternativas aos problemas reais. Retratam, portanto, a vida como ela é, buscando compreender melhor a sua própria realidade, ou seja, a vida sendo vivida. Assim, os textos que integram esta coletânea reforçam e fortalecem os laços articuladores da extensão, com a pesquisa e o ensino, demonstrando as formas, o propósito e a razão de ser e existir de cada projeto. Além disso, proporciona aos estudantes o sentido do pertencimento, pois são sujeitos e protagonistas de sua formação, bem como seus principais socializadores. 3 Unochapecó. Conselho Universitário da Unochapecó. Resolução N. 053/CONSUN/2015. Dispõe sobre a Alteração da Política de Extensão Universitária da Unochapecó. Chapecó: Unochapecó, 2015. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A obra foi dividida em três eixos, quais sejam: Direitos da cidadania; Movimentos sociais e participação; e Educação e Saúde, reunindo 14 capítulos, produzidos pelos próprios professores, estudantes e técnicos, que ressoam em múltiplas palavras, vozes e atitudes, que certamente contribuem para uma consciência mais cidadã, justa e humana, na construção de um caminho de mão dupla entre a universidade e a comunidade. Fica o nosso convite à leitura! Prof.a Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Prof.a Maria Aparecida Lucca Caovilla Organizadoras A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Introdução A sistematização de experiências de extensão da Unochapecó ressalta o papel das Instituições Comunitárias de Educação Superior (ICES) no fortalecimento e no resgate daquilo que constitui a gênese desses espaços educacionais: formar pessoas e produzir conhecimento, de forma comprometida com as necessidades sociais, alavancando o desenvolvimento global e sustentável, em especial, das regiões onde se inserem. Em um contexto muito diferente daquele que as originou (demarcado por vazios educacionais), as ICES estão mergulhadas em um cenário cada vez mais competitivo e dominado pela economia global de mercado, o que impõe a estas enormes desafios, dentre eles, “competir” com instituições mercantis de baixo custo sem abdicar da qualidade acadêmica, da produção do conhecimento e do compromisso social. Fazer frente a essas questões requer compreender a universidade na interlocução com o conjunto dos sistemas (educativos, econômico, social, cultural e ambiental), percebendo a comunidade como expressão da sua cultura e como fator fundamental para a busca de elementos significativos, traduzindo-os pedagogicamente em uma proposta de universidade e sociedade. Mergulhados nesse universo, acreditamos que a Universidade Comunitária se faz pela capacidade de apreender, de responder, de inovar pelo viés da inclusão e da cidadania, de confrontar com lugares pouco confortáveis de um mundo em transformação – transformações essas que guardam sutilezas, por vezes difíceis de serem acompanhadas ou decodificadas, sobretudo se não forem mediadas por olhares atentos e múltiplos, capazes de compreender as entranhas da vida e a complexidade dos coletivos. Para isso, precisamos suplantar currículos burocráticos, elaborados para cumprir requisitos legais, e torná-los documentos “vivos”, em torno dos quais a vida acadêmica possa acontecer e fazer sentido. É mergulhado nesse contexto que emergem as “experiências extensionistas” da Unochapecó, que nos instigam a processos formativos A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 implicados e conectados ao território (que reúne o dentro e o fora das instituições, os sujeitos e seus coletivos, suas histórias, culturas e cotidianos, suas resistências e formas sociais, afetivas, geográficas). Experiências que, mesmo imersas no “mundo de informação” que captura o tempo e provoca tantos automatismos, são capazes de bifurcações produtoras de singularidades, heterogeneidades e pluralidades. A sistematização desses “mundos vividos” oferecem pistas em direção a uma formação implicada, transversalizada, com novos processos de ensino-aprendizagem, num momento em que as instituições de educação superior do País discutem a inserção curricular da extensão (Plano Nacional de Educação 2014-2024). O momento atual nos instiga a pensar nos desafios que temos, a começar por nós mesmos, trabalhadores da educação: desafios de repensar nossos saberes, nossos jeitos de aprender e de ensinar, ensejando movimentos em prol de um modo de escapar aos parâmetros consensuais, de mobilizar desejos, de produzir bens e conhecimento e fazê-los circular. Essa é cada vez mais a fonte primordial de riqueza, em que podemos ser “aprendentes” e “ensinantes”. A sabedoria é darmos passagem... No Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Instituições Comunitárias de Educação Superior do Brasil (Forext), esses movimentos vêm produzindo sinergias potencializadoras, encorajando-nos a fazer frente a um tempo e espaço-mundo hegemônicos que nos desafiam, cotidianamente, a buscar a superação de concepções fragmentadas e distanciadas das realidades. Apostamos que as ações extensionistas das ICES produzam saberes sensíveis e conectados a um conjunto de possibilidades decorrentes dos processos societais, criando, coproduzindo e difundindo conhecimentos e desenvolvimento. Desejamos a ampliação do diálogo, das trocas e a consolidação de redes de cooperação, fortalecendo espaços capazes de construir possibilidades em torno da integralidade, da cidadania, da vida dos nossos povos. Agradeço às/aos colegas da Unochapecó por partilharem conosco um pouco das trajetórias percorridas em seus territórios, possibilitando a maior circulação desses escritos pelas instituições de educação superior A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 brasileiras, na esperança de irmos construindo currículos mais porosos e mais adequados às necessidades do nosso tempo. Bernadete Maria Dalmolin Coordenadora da Câmara Sul do ForExt – Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Instituições Comunitárias de Educação Superior do Brasil. Reitora da Universidade de Passo Fundo A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 EIXO I Direitos da cidadania Laboratório de Línguas da Unochapecó: a contribuição da extensão universitária para a formação da cidadania Rosane Natalina Meneghetti Silveira Luana Blasi da Silva Maria Tereza Galeazzi Zanella Introdução O Laboratório de Línguas (Lablin) é um projeto de extensão do curso de Letras da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), que desenvolve ações de ensino, pesquisa e extensão e prestação de serviços. Aprovado em 2005, o laboratório foi pensado a partir da construção do projeto pedagógico do curso de Letras e oferece atividades relacionadas a línguas estrangeiras e à Língua Portuguesa. Essas atividades incluem cursos de idiomas em diversas línguas (português para estrangeiros, inglês, espanhol, francês, alemão e italiano), tradução e versão de textos e aplicação de provas de proficiência, além de atividades desenvolvidas em escolas públicas de educação básica. Todos esses serviços podem ser acessados pela comunidade interna e externa. Em relação aos objetivos do Lablin, desde a sua criação, seu principal foco de atuação é promover o acesso ao conhecimento de línguas. Outro propósito importante que fomentou o surgimento do Lablin e concretiza todas as ações e serviços prestados pelo laboratório é a presença e atuação dos bolsistas e estagiários oriundos, na sua grande maioria, do curso de Letras. Esses acadêmicos, além A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 de contribuírem enormemente com o desenvolvimento das atividades, preparam-se para atuar nesses espaços e ainda fortalecem e qualificam sua própria formação acadêmica. Esses acadêmicos são coordenados e supervisionados por professores do curso de Letras, o que os integra às experiências dos professores. A estrutura física e de recursos humanos, bem como espaços de atuação do Lablin, tiveram diversas adequações ao longo desses mais de dez anos de atuação, sempre com o intuito de atender e adequar-se às demandas emergentes e contemporâneas. Atualmente o Lablin caracteriza-se por dois segmentos, os quais, de certa forma, são bastante distintos, pois as ações, os espaços e o público-alvo são diferentes. Um desses segmentos é o trabalho com a comunidade acadêmica interna e externa; portanto, acontece nas dependências da Unochapecó e caracteriza-se basicamente pela prestação de serviços (traduções, oferta de cursos de idiomas, aplicação de provas de proficiência) e busca ser autossustentável. Quanto ao outro segmento, ele ocorre na comunidade externa, por meio de ações (intervenções didático-pedagógicas, oficinas, produtos culturais, ensino de Língua Inglesa, ensino de Língua Portuguesa) no ambiente escolar da rede pública de ensino. Para assegurar a execução do trabalho proposto, o Lablin dispõe de apoio financeiro da própria universidade para a compra de materiais e outras demandas necessárias para o desenvolvimento e viabilização das atividades. Assim, o Lablin consolida um espaço que articula e desenvolve, de forma indissociável, atividades de ensino, pesquisa e extensão e considera os princípios descritos na Política de Extensão da Unochapecó (2015), alinhados à Política Nacional de Extensão Universitária (2012). Por isso, as ações primam pelo compromisso com o desenvolvimento regional sustentável, pela troca de saberes, pela produção do conhecimento científico e cultural, pela busca e definição coletiva de prioridades identificadas pela vivência na coA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 munidade e pela formação acadêmica continuada dos acadêmicos oriundos de cursos de graduação. O histórico do laboratório assegura que há uma demanda latente para esse modelo de projeto, uma vez que proporciona a todos os participantes o aprendizado da língua materna (português) e/ou línguas e culturas estrangeiras, o que é parte da formação cidadã, do acesso ao saber e da construção do conhecimento. O trabalho desenvolvido pelo Lablin é reconhecido e divulgado por meio de publicações nacionais e internacionais e comunicações em seminários; foi tema de trabalhos de conclusão de cursos e deu origem a cursos de pós-graduação lato sensu em tradução em língua estrangeira e ensino de Língua Inglesa. Ensino-aprendizagem: formação acadêmica e acesso ao saber Descrever o Lablin e sua trajetória percorrida nesses mais de dez anos é uma atividade que requer cuidado e reflexão, uma vez que esse projeto consolida-se como referência local, regional e nacional enquanto espaço promotor de ações caracterizadas como prestação de serviço e contribui para a formação continuada e acesso ao saber. Essa afirmação é possível, pois se baseia em informações e números – o Lablin recebe semanalmente candidatos de diversas partes do Brasil, principalmente para a realização de provas de proficiência (compreensão escrita), e isso só é possível pela flexibilidade e prestatividade propiciadas. O laboratório fortalece-se também pelas ações extensionistas desenvolvidas semanalmente nas escolas de educação básica do sistema regular e público de ensino, as quais são recebidas com respeito e valorizadas por todos os envolvidos no ambiente escolar. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Importante mencionar que as atividades de extensão desse projeto estão articuladas com o projeto pedagógico do curso de Letras, o que cria um impacto na formação dos acadêmicos de Letras, por meio da inserção destes nas atividades de extensão, e no desenvolvimento dos acadêmicos, pois reconhece o estudante como protagonista de sua formação técnica. Dessa forma, entende-se também que o Lablin promove e justifica-se pela geração de subsídios técnicos e científicos para o desenvolvimento de políticas de incentivo ao domínio de línguas estrangeiras na região de Chapecó (considerando a formação continuada dos acadêmicos, o desenvolvimento de trabalhos científicos (TCCs), criação e oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, a participação e promoção de eventos técnico-científicos, entre outros). Compreende-se, ainda, que o domínio de uma língua estrangeira é um requisito para a apreensão de determinado conhecimento ou oportunidade profissional, como acessar programas do Governo Federal que buscam promover capacitação, consolidação, expansão e internacionalização, principalmente, da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional –, uma vez que esses programas exigem proficiência em línguas estrangeiras, predominantemente a Língua Inglesa. O Lablin consolidou-se, ainda, por meio de suas ações voltadas à formação do ser humano, isto é, o processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira não promove apenas o aprendizado de um código linguístico, esse processo amplia a comunicação e a construção da representação da realidade e contribui para a formação do aprendiz como um todo. Quando aprendemos uma língua estrangeira, compreendemos que as palavras comportam significados culturais; assim, aprender uma língua estrangeira significa atribuir sentido à realidade a parA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tir do conhecimento, da compreensão de cada indivíduo, e é nesse sentido que o aprendizado de uma língua tem uma função educativa, que vai além dos aspectos linguísticos, pois contribuiu para a formação da cidadania e da sua própria compreensão cultural. Sabe-se que o domínio de uma língua estrangeira é um requisito para o sucesso profissional e para o acesso ao saber, considerando que 80% das instruções e dos materiais eletrônicos que circulam em todo o mundo estão escritos em inglês, que 90% das empresas no Brasil preferem candidatos com o domínio do idioma e, ainda, que 80% das entrevistas são realizadas em inglês, segundo apontou a pesquisa realizada pela Catho (2011). De acordo com o Jornal do Brasil (2015), o inglês é usado, atualmente, como nenhum outro idioma foi usado antes, pois somos parte desse mundo da informação na sociedade global. Percebe-se que o inglês transforma a vida de diversas pessoas, justamente por permitir melhores oportunidades de acesso ao saber e ascensão profissional. O domínio do inglês significa crescimento e desenvolvimento pessoal e profissional, pois promove melhores condições de acompanhar as rápidas mudanças nesse novo e tecnológico século, conforme reconhece a matéria do Jornal do Brasil, ao trazer que [...] independentemente da área de atuação, os profissionais precisam estar em constante busca pela ampliação de seus conhecimentos para, assim, serem profissionais globalizados. Hoje em dia, a fluência em outro idioma é tão importante quanto à formação acadêmica. (Jornal do Brasil, 2015). Assim, o aprendizado de uma língua envolve diversos fatores, entre eles, a identificação das necessidades do aprendiz. Portanto, toda proposta de ensino deve valorizar o conhecimento prévio dos participantes e, assim, conduzir a prática pedagógica de modo a suA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 prir essas necessidades e desenvolver a competência comunicativa dos estudantes, tendo por base estudos teóricos que afirmam que o ensino a partir da realidade do aprendiz pode ser o caminho mais bem sucedido em termos de interesse, motivação, criação de sentido para uma aprendizagem eficaz. Levando em conta o papel social do professor de línguas como educador e fomentador social e cultural (Richards; Renandya, 2010), a necessidade de uma formação qualificada e a carência do mercado no tocante a profissionais capacitados, é necessário que o estudante de línguas transforme-se e continuamente reflita sobre sua formação docente, desde o momento na sala de aula, bem como por ocasião da sua formação em outros espaços como projetos de extensão. Esse movimento de formação e reflexão requer conhecimento sobre os processos socioculturais, educacionais, psicolinguísticos e cognitivos envolvidos na aprendizagem/aquisição de uma língua estrangeira, o que pode ser identificado na proposta de trabalho desenvolvida pelo Lablin. Nessa perspectiva, a comunicação é necessária para a apropriação de conhecimentos historicamente construídos. Sendo assim, quanto mais conhecimento, mais possibilidades de interação e de ampliação do saber acerca de outros universos culturais e de contribuição para a transformação social. E a linguagem é por excelência o sistema que permite organizar e desenvolver pensamentos, é a capacidade humana de comunicar-se e tornar a vida mais sociável. Consequentemente, é por meio das línguas que os povos se aproximam e conhecimentos são transformados. E é tendo esse entendimento como fio condutor que se pretende, a partir desse momento, contribuir, por meio de uma reflexão teórica, sobre alguns pressupostos acerca do ensino-aprendizagem de línguas e suas implicações na formação de cidadãos, uma vez que os dois segmentos A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 que constituem o Lablin, com suas características e ações específicas, estão imbricados no processo de construção do conhecimento. Um dos aspectos inerentes ao processo de ensino-aprendizagem é a interação. Assim, antes de qualquer outra afirmação, reconhece-se que a língua de um país é pertencente a ele, é dissociada da sua cultura e os nativos têm o dever natural de sabê-la para que haja comunicação, e isso consequentemente se consolida por meio da interação/socialização. Sendo assim, o estudante é visto como um ser social e seu processo de ensino-aprendizagem é individual e depende de sua interação com o meio social em que está inserido. A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) baseava-se nos estudos de Vygotsky, os quais propõem que o processo de aprendizagem de uma língua deve-se ao conceito de mediação que associa o desenvolvimento mental de uma criança à linguagem, e isto ocorre em um processo sócio-histórico. Fundamentada em Vygotsky, a Proposta Curricular de Santa Catarina afirma que “[...] é fazendo sentido que a linguagem opera sobre o sujeito, fornecendo-lhe uma imagem da história de sua cidade.” (Santa Catarina, 1998, p. 48). Assim, é na interação entre sujeito e sociedade que o aluno associará o aprendizado de uma língua e da sua cultura. Ainda em relação à interação do sujeito, conforme proposto por Vygotsky (Rego, 2000), o grande inspirador e teórico dessa perspectiva mundialmente difundida como teoria sociointeracionista e/ou sociocultural, tem-se o entendimento de que a aprendizagem na sala de aula deve ser mediada pelo professor, e ocorre através da interação dos sujeitos e desses com o texto, atualmente mediados pelos recursos tecnológicos. Isto é, “[...] na interação presencial ou através da tecnologia e da mídia, revelando-se fundamentais em interações transnacionais de natureza sociocultural, política e econômica em tempos de globalização.” (Santa Catarina, 2014, p. 106). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A interação no ensino de línguas aparece, então, como um dos elementos principais para que a interlocução ocorra como esperado. Considerando que as ações do Lablin também se caracterizam como oportunidades para a formação continuada dos estudantes enquanto bolsistas e estagiários desse projeto extensionista, e também podem, de certa forma, assegurar a permanência desses acadêmicos no curso de Letras por despertar interesse por esses espaços de atuação prática diferenciados, acredita-se que essa vivência coloca em prática o conhecimento teórico adquirido durante a graduação. Enquanto base teórica para o ensino e o aprendizado de línguas, primeiramente, e conforme mencionado anteriormente, tem-se a compreensão de que a linguagem se dá unicamente pelo ato de interação entre os sujeitos e somente por ele, sendo assim, dinâmico e ininterrupto. O contato entre os interlocutores que dinamicamente interatuam dá-se pela linguagem, que é o principal sistema simbólico de todos os grupos humanos. Dessa maneira, o homem só passa a ser cultural (sócio-histórico) com a formação de suas vivências, que, por sua vez, acontecem do externo para o interno, assim sendo: do social (interpsíquico) para o individual (intrapsíquico) (Rego, 2000). Nessa perspectiva, o estranhamento que a língua estrangeira causará no indivíduo ainda propiciará uma interlocução extremamente rica para o desenvolvimento do sujeito, que passará a questionar sua própria língua e cultura face ao diferente que se lhe apresenta. Para que se chegue à interlocução e à obtenção dos resultados faz-se necessário que sejam discutidas as formas pelas quais a língua materna e/ou estrangeira entra em sala de aula, sua relação com o método do professor de línguas e o objetivo que se tem em mente ao aplicar o método. De acordo com Shumin (2010), aprender uma língua requer muito mais que conhecimento gramatical e saber regras. Deve-se A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 compreender como a linguagem é utilizada pelos seus falantes nativos, quais são os contextos e estruturas. “Falar uma língua é especialmente difícil para aprendizes de uma língua estrangeira porque a comunicação oral eficaz requer a habilidade de usar a língua apropriadamente em interações sociais.” (Shumin, 2010, p. 204, tradução nossa). As atividades desenvolvidas pelo Lablin buscam desenvolver a competência comunicativa dos participantes, isto é, o aprendizado de línguas de forma a preparar o estudante para suas diferentes necessidades comunicativas, e isso engloba, na maioria das vezes, a compreensão oral e escrita (listening e reading) e a produção oral e escrita (speaking e writing). Portanto, quando se fala aqui de leitura (reading), por exemplo, fala-se de atribuir sentido ao texto lido; e quando se fala de compreensão escrita, refere-se a uma habilidade que deve ser ensinada em estágios progressivos e praticada regularmente com bons materiais. “[...] ler significa ler e compreender.” (Ur, 1997, p. 138, tradução nossa). Ou, ainda, “[...] o texto por si só não carrega significado. O leitor traz informação, conhecimento, emoção, experiência e cultura à palavra impressa.” (Brown, 2000, p. 299, tradução nossa). Essa interação produz informação e conhecimento. A leitura, por muito tempo, foi compreendida como uma atividade passiva. Hoje, no entanto, a leitura é reconhecida como um ato de interação entre o leitor e o texto, uma vez que é por meio desse diálogo que a informação contida no texto passa a ter existência. Sendo assim, o leitor é responsável por atribuir sentido ao texto, o qual, de certa forma, foge ao controle do próprio escritor, em outras palavras, muitas vezes, o sentido de partes do texto pode ser alterado pelo próprio leitor, e isso decorre por vários fatores, principalmente pelas suas experiências prévias de leituras e conhecimento de mundo. Quando lemos, precisamos entender o significado do texto, e não somente o significado de cada palavra. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Nessa perspectiva, é importante considerar que, na maioria das vezes, as práticas de leitura ocorrem por meio do uso de diferentes estratégias de leitura (Nunan, 1999) utilizadas pelo leitor ao longo do processo de compreensão e atribuição de significado ao texto. Isto é, o leitor utiliza-se de processos mentais e operações para aprender e então comunicar. Necessário lembrar que algumas dessas estratégias são usadas de forma inconsciente e algumas podem variar de leitor para leitor. Sob essa concepção, “[...] ao escolher as melhores estratégias para diferentes textos e propósitos, é possível ao leitor de segunda língua aumentar sua velocidade de leitura e sua compreensão textual significativamente.” (Nunan, 1999, p. 265, tradução nossa). Figura 1 – Momento de atividades de leitura Fonte: arquivo pessoal das autoras. Entende-se que a leitura é essencial, pois promove a compreensão de mundo e da realidade, sendo assim, a compreensão textual normalmente é o contexto para desencadear as ações do Lablin, não em detrimento às demais práticas – produção oral e A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 escrita e compreensão oral –, mas por entender que as atividades de compreensão escrita promovem discussões, interpretação, aquisição de vocabulário, sensibilização, e geram interesse pela busca autônoma do conhecimento, contribuindo, assim, para a formação crítica dos estudantes. Outro elemento presente em quase todas as aulas de língua estrangeira é a tradução, seja ela oral por parte do professor ou do estudante, seja ela escrita, muitas vezes solicitada como tarefa ao estudante pelo professor. Esteve muito presente no início da história do ensino de línguas na década de 1940, isto é, foi reconhecida como um dos primeiros métodos de ensino por muitos estudos teóricos, depois, por muito tempo, foi banida da sala de aula e, atualmente, de acordo com alguns teóricos, é reconhecida como a quinta habilidade linguística (as outras seriam a compreensão e produção escrita e a produção oral e escrita). Nesse sentido, Laranjeira (1993) discute ainda a necessidade de se reproduzir, na língua de chegada, a “gramática da significância” do texto original – isto é, a homogeneidade de conteúdo e forma que caracterizam o trabalho do artista da palavra – o autor/o tradutor. A proposta de trabalho do Lablin em relação à tradução é reconhecê-la enquanto possibilidade de ensino-aprendizagem desde que consideradas as especificidades e objetivos de cada grupo de estudantes. O projeto reconhece a importância da tradução e, por isso, desenvolve-a sempre que possível e em favor do aprendizado eficaz. Seria possível discorrer aqui sobre a história, origem e característica dos métodos e abordagens de ensino tentando defini-los considerando, no entanto, não como um método “correto”, e sim possibilidades mais assertivas dependendo de cada situação de aprendizagem. Entendemos que o mais importante aqui é reconhecer que as ações de extensão do Lablin vão promover a formação A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 continuada aos estudantes de Letras, pois sabe-se que os métodos de ensino contribuem para a definição de determinada “atitude pedagógica” e a opção por determinado método ou abordagem para a execução das atividades do Lablin estarão sempre pautados nas especificidades dos estudantes (interesses e necessidades). Desse modo, sabendo-se que não há um “método soberano” e que a escolha por uma metodologia está fortemente vinculada às explicações e à compreensão do processo de aquisição da linguagem, utilizam-se conceitos como mediação, interação, zona de desenvolvimento proximal, isto é, a distância entre aquilo que o aprendiz é capaz de fazer de forma autônoma e aquilo que realiza em colaboração com os demais indivíduos do seu grupo social (Lima, 2009) são eixos que constituirão o trabalho com os aprendizes, tanto na Unochapecó quanto na escola de educação básica. É válido mencionar aqui que, do ponto de vista da perspectiva sócio-histórica, as preocupações e inovações metodológicas refletem o reconhecimento das mudanças em relação ao que se entende por ser proficiente em Língua Inglesa, isto é, em determinado momento, a fluência oral era necessária, e, por isso, normalmente fosse atribuída à competência comunicativa ao ato de falar uma língua estrangeira (Richards; Rodgers, 2001). No entanto, no contexto atual, tem-se, exceto algumas especificidades, a necessidade de uma formação e apropriação mais ampla do domínio de Língua Inglesa – fala, escrita, leitura e escuta –, as quais são habilidades linguísticas a serem desenvolvidas por meio de práticas de linguagem. Retomando que, no tocante às habilidades desenvolvidas, são propostas atividades de compreensão e produção escrita e compreensão e produção oral, ou seja, o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas (ler, falar, ouvir e escrever) que abarcam a A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 capacitação do estudante para que esse possa de fato adquirir competência comunicativa em Língua Inglesa. De modo geral, deve-se considerar o contexto histórico-social em que o aluno está inserido para que seja possível efetuar um trabalho mais significativo. Considerando que o próprio cotidiano da vida é repleto de modificações físicas e emocionais, as quais devem ser acolhidas de forma humanizada. Desse modo, as práticas pedagógico-didáticas devem ser pensadas para que o estudante possa de fato utilizar o conhecimento transformado em sala em um contexto real, isto é, para que haja aprendizagem é necessário que o ensino seja significativo para aquele que aprende. Por isso, o trabalho desenvolvido pelo Lablin sofre reflexão cotidiana – é um redirecionamento pedagógico para assegurar a formação de seres humanos, com suas necessidades específicas e que não sofrem somente alterações impostas pelo meio, mas que se permitem, também, inseridas nesse meio, contribuir para que haja mudanças significativas na comunidade e na própria vida. A Proposta Curricular de Santa Catarina (1998) afirma que algumas habilidades devem ser trabalhadas com mais afinco que outras considerando o tempo limitado tanto para instrução em sala quanto para a consolidação fora da sala. Sob esta perspectiva, a proposta do Lablin é contribuir com um ensino-aprendizado que contemple, no caso do espaço escolar, as habilidades menos enfatizadas, promovendo práticas de linguagem capazes de transformar esse conhecimento, aliado, claro, à contextualização. Em relação às demais ações de ensino-aprendizagem do Lablin, consideram-se sempre as necessidades dos estudantes. Nas aulas de língua estrangeira, promovidas pelo Lablin na Unochapecó e/ou na EEB, a oralidade funciona como meio de interação entre os alunos, eles devem fazer o uso daquilo que aprenA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 deram e testarem seus conhecimentos. Assim como na Língua Portuguesa, não se pode separar a fala da escrita, visto que uma habilidade leva ao uso da outra. De acordo com os PCNs de Língua Estrangeira (1998), a oralidade é um ponto importante na aula, em que os alunos conseguirão executar o que aprenderam. Considera-se, também, que se forem dados assuntos associados à realidade do aluno, essa produção de oralidade fluirá melhor, pois terá um subsídio concreto para assimilar o conhecimento. Em relação à produção oral, o processamento de fala fornece importantes percepções no aprendizado de uma língua estrangeira. Então, em uma situação real de fala na sala de aula, para melhor auxiliar na compreensão, o tempo que os alunos demoram a formular as frases ou mesmo pensar em outra língua deve ser respeitado. Desse modo, a audição dos aprendizes é facilitada e faz com que se sintam confortáveis em compartilhar o que entendem. Isso demonstra o quão importante é a prática da oralidade – speaking – em sala, para que o aluno se familiarize com os sons diferentes da outra língua. Sob a perspectiva do sociointeracionismo, deve-se partir sempre da realidade do aluno para que se sinta bem à vontade e assim ocorra o cumprimento do objetivo do professor, que é o aprendizado. Assim, professor tem de se acostumar a sair de cena, precisa deixar de ser o centro da aula para desempenhar o papel de mediador, facilitador, guia, de modo que o estudante possa atuar como o centro da aula e assim tornar-se um sujeito ativo de seu próprio aprendizado (Brasil, 1998, p. 60). Considerações finais Diante da discussão apresentada tanto no que se refere à consolidação do Lablin nesse percurso de mais de dez anos, quanto às A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 questões teóricas que norteiam o ensino-aprendizagem de línguas e a formação acadêmica continuada, pode-se considerar que o ensino, a valorização e o reconhecimento da apropriação de uma língua perpassam várias questões políticas, culturais e sociais que interferem e podem modificar o ambiente escolar incluindo o próprio estudante. Ou seja, há diversos elementos que demarcam o contexto de ensino-aprendizagem, e sabe-se que diversas práticas merecem apoio e reconhecimento. No entanto, algumas carecem de melhorias e, muitas vezes, há ausência de interesses dos mais diversos atores envolvidos – quando não há qualidade no ensino proposto –, porém, há falta de comprometimento dos estudantes e de interesses daqueles que poderiam mudar a qualidade da educação por meio da criação de políticas de investimentos na formação docente e qualidade do ensino. Em relação aos propósitos do Lablin, pode-se destacar que o trabalho realizado tem sido uma intervenção de suma importância na formação dos acadêmicos de Letras e na formação integral dos estudantes das escolas públicas de ensino regular e dos demais estudantes e público interno e externo que buscam o Lablin para sua qualificação ou formação continuada. Essa relevância é reconhecida uma vez que as ações do Lablin fomentam o aprendizado de línguas o qual permite o acesso à ciência, ao mundo dos negócios, forma cidadãos críticos e reflexivos e nos permite viajar e conhecer outras culturas por meio do conhecimento linguístico. Assim, acredita-se que a extensão torna possível, sim, o desenvolvimento de uma prática indissociável entre o tripé da universidade – ensino, pesquisa e extensão. Percebe-se que o processo de ensino-aprendizagem possibilita o desenvolvimento de ações de cidadania junto às escolas públicas, levando, assim, aos estudantes a possibilidade de conhecer a cultura do outro por meio de atividades A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 práticas, permitindo a esses estudantes um melhor desempenho escolar e um aprendizado mais qualificado com o apoio da universidade. Quando esse processo desenvolve-se por meio de ações de prestação de serviço dentro da própria universidade, confirmam-se diferentes possibilidades que uma língua pode ter na contribuição para a formação humana. A partir desse caminho percorrido – mais de uma década de promoção do ensino-aprendizado de línguas nos mais diversos formatos –, o Lablin constrói diariamente a sua história extensionista pautada na responsabilidade e inovação, procurando construir seu modo único de ver, de entender e de praticar a indissociabilidade entre os três eixos que nos constituem enquanto universidade. Por meio de suas ações, o Lablin procura manter-se o mais próximo da sociedade investigando e auxiliando no atendimento das necessidades da comunidade na qual está inserido. Assim, os acadêmicos, por sua vez, também constituem-se em sujeitos sociais e capazes de dialogar como diferentes espaços sociais. Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: linguagens, códigos e suas tecnologias: Língua Inglesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. BROWN, Douglas H. Teaching by Principles: an interactive approach to language pedagogy. California: Longman, 2000. CATHO. Nova pesquisa da Catho Online destaca importância do Inglês nos processos seletivos. 2011. Disponível em: <http:// www3.catho.com.br/institucional/2011/09/nova-pesquisa-da-catho-online-destaca-importancia-do-ingles-nos-processos-seletivos/>. Acesso em: 22 ago. 2016. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 JORNAL DO BRASIL. Inglês – A importância de se falar outro idioma. 2015. Disponível em: <http://www.cengage.com.br/a-importancia-de-falar-ingles>. Acesso em: 27 ago. 2016. LARANJEIRA, Mário. Poética da tradução: do significado à significância. São Paulo: Edusp, 1993. LIMA, Diógenes Cândido de. Ensino e aprendizagem de língua inglesa: conversas com especialistas. São Paulo: Parábola, 2009. NUNAN, David. Second language teaching & learning. Boston: Heinle & Heinle Publishers, 1999. POLÍTICA NACIONAL DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. Manaus, 2012. Disponível em: <http://proex.ufsc.br/files/2016/04/Política-Nacional-de-Extensão-Universitária-e-book.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2016. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 2000. RICHARDS, Jack C.; RENANDYA, Willy A. Methodology in language teaching: an anthology of current practice. 13. ed. New York: Cambridge University Press, 2010. ______; RODGERS, Theodore S. Approaches and methods in language teaching. 2. ed. New York: Cambridge University Press, 2001. SANTA CATARINA. Secretaria de Estado da Educação e do Desporto. Proposta curricular de Santa Catarina: educação infantil ensino fundamental e ensino médio – disciplinas curriculares. Florianópolis: Cogen, 1998. ______. Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular de Santa Catarina: formação integral na educação básica. Florianópolis: Secretaria de Estado da Educação, 2014. SHUMIN, Kang. Factor to consider: developing adult EFL students’ speaking abilities. In: RICHARDS, Jack C.; RENANDYA, Willy A. Methodology in language teaching: an anthology of current practice. 13. ed. New York: Cambridge University Press, 2010. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 UNOCHAPECÓ – Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Conselho Universitário da Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Resolução N. 053/CONSUN/2015. Aprova a alteração da Política de Extensão da Unochapecó. Chapecó: Unochapecó, 2015. UR, Penny. A course in language teaching: practice and theory. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Pedagogia na Rua: a luta e o enfrentamento pelo direito do brincar nos espaços comunitários Aline Fátima Lazarotto Larissa Henrique Introdução “Mesmo em Raissa, cidade triste, corre um fio invisível que liga um ser vivo a outro por um instante e a seguir se desfaz, e depois torna a estender-se entre pontos em movimento desenhando novas rápidas figuras de modo que a cada segundo a cidade infeliz contém uma cidade feliz que nem sequer sabe que existe.” (Ítalo Calvino, 1999). Tendo como parâmetro o Artigo 207 da Constituição Federal, que garante que “é princípio da universidade a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, a busca pela garantia deste torna-se tarefa de todos que constituem a universidade. É nesse contexto que os projetos de extensão se configuram enquanto ações efetivas vinculadas ao processo de formação e de geração de conhecimento. Esse processo é mediado pela relação dialógica entre os diferentes sujeitos que fazem parte desse processo. Assim, compreende-se o dialógico a partir de Freire (1983, p. 28): Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria à existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens sejam transformados em ‘seres para outro’ por homens que são falsos ‘seres para si’. Reiteramos que o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos. Na tentativa de construir relações dialógicas entre os diferentes sujeitos, a universidade torna-se um espaço social, que deve responder a seu meio, e não alguém que apenas serve, deslocado da sociedade. Nessa direção, destacam-se as contribuições de Sampaio (2005, p. 98): Assim, pensar em uma universidade socialmente referenciada em um projeto de sociedade é pensá-la como agente de transformação humana e social, que supera a pseudoneutralidade do conhecimento, e a situa em sua natureza política, dentro do contexto geral da sociedade em que estamos inseridos. Ao pensar neste projeto, o conceito de indissociabilidade se destaca enquanto espaço privilegiado que dá sentido aos fazeres pedagógicos. Nessa direção: A extensão é uma espécie de ‘tempero ético’ que pode dar sabor de vida ao ensino e à pesquisa visando a se ter uma universidade socialmente referenciada nos princípios da justiça, da igualdade e dignidade. Faço a alusão ao ‘tempero’ porque ele remete à sensação do ‘sabor’, uma palavra que, na língua grega, tem a mesma origem da palavra ‘saber’. (Sampaio, 2005, p. 104). No desafio de promover a indissociabilidade, este artigo busca refletir sobre o projeto de extensão Pedagogia na Rua, que desde A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 2006 vem realizando experiências extensionistas junto à comunidade na tentativa de dar sentido às ações realizadas pelo curso de Pedagogia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). As discussões em torno da valorização do brincar e a ressignificação de brinquedos e brincadeiras foram as motivações que levaram os docentes desse curso a pensar em propostas de articulação entre ensino, pesquisa e extensão, com o objetivo de realizar uma prática educativa que visa a emancipação dos sujeitos e acredita na formação como espaço privilegiado para transformações concretas da realidade. Assim, como o fio condutor da cidade de Raissa, como destaca Calvino, o curso de Pedagogia acredita que em meio à conjuntura atual podem existir novos pontos desenhando novas possibilidades e alegrias, além disso, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão presente na política desta universidade pode ser o caminho para mudanças profundas na comunidade. Ao longo de dez anos de atuação, o projeto de extensão Pedagogia na Rua vem tecendo novos fios, com a comunidade local, e, principalmente, possibilitando aos futuros pedagogos espaços de formação que ultrapassam a sala de aula. Atualmente, o projeto Pedagogia na Rua tem como objetivo: promover experiências do brincar em diferentes espaços da comunidade, ressignificando a cultura lúdica da brincadeira e significando jogos, brinquedos e brincadeiras clássicas. Dessa forma, promove a valorização da cultura local e regional de comunidades em situação de vulnerabilidade, comunidades que nem sempre têm acesso a espaços de cultura e lazer, devido às condições econômicas e sociais em que se encontram. Além disso, procura desenvolver ações envolvendo crianças na garantia de seus direitos, principalmente, o direito de “ser criança”. Esse projeto constitui-se numa ação itinerante de intervenção A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 educativa, pois possibilita aos diferentes sujeitos apropriar-se de novos saberes, experiências, habilidades e, dessa forma, socializar. Através das brincadeiras, jogos e produção de brinquedos, crianças e adultos ressignificam suas vivências, aprendizados. Entende-se aqui a brincadeira como processo de inserção e compreensão de mundo, descobertas e de autorrealização, junto a outras atividades que venham a realizar no dia a dia. Na brincadeira, crianças e adultos criam, produzem conhecimento, experiências e novas formas de perceber o que os cercam. É de fundamental importância desenvolver ações para garantia dos direitos, além de possibilitar um projeto que atenda as necessidades de cada comunidade a partir de atividades pedagógicas envolvendo o lúdico e a brincadeira. O projeto Pedagogia na Rua é vinculado ao programa de extensão “Experiências do Brincar”, que tem como objetivo ressignificar brincadeiras nos diversos espaços e contextos, num processo de mobilização cultural para a formação humana, emancipatória e cidadã dos sujeitos. Por meio de atividades lúdicas permeadas por brincares, o programa dialoga com a comunidade, na tentativa de interligar, através do brincar, os diferentes saberes dos indivíduos para permitir a experiência humana de socialização. Metodologia O projeto Pedagogia na Rua pretende divulgar a cultura lúdica do brincar em locais previamente agendados, sendo eles escolas, praças e centros comunitários, além de caracterizar uma atividade itinerante que pode ser realizada em espaços diferentes. Para realizar a divulgação do projeto e o agendamento das atividades, são realizadas visitas nos espaços, a fim de organizar com a comunidade a realização das ações propostas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 As atividades são primeiramente planejadas entre coordenador do projeto e bolsistas, tendo sempre enquanto fio condutor a experiência do brincar enquanto uma atividade humana. Assim, organizam-se espaços, brinquedos e brincadeiras de acordo com os sujeitos envolvidos. São organizados nos atendimentos, conforme a especificidade, ateliês de produção de brinquedos, espaços com jogos clássicos, contação de histórias, brincadeiras ao ar livre, como pipas, bolas, bolitas, entre outros. Também são organizados espaços com brincadeiras dirigidas, atendendo não somente as crianças, mas todos os sujeitos que estiverem participando. Os brinquedos e demais materiais utilizados no projeto são adquiridos conforme as pesquisas e o andamento das atividades, levando em consideração sempre a necessidade e especificidade dos envolvidos. Os brinquedos produzidos nos ateliês de produção ficam com os sujeitos. Durante as atividades propostas, são organizadas rodas de conversa para realização da avaliação contínua das propostas estabelecidas neste projeto. O Pedagogia na Rua atendeu, no primeiro semestre do ano de 2016, os seguintes espaços: Abrigo Municipal, Centro Comunitário dos Idosos, instituições de educação infantil e de ensino fundamental municipal e estadual, praças comunitárias, Seminário de Educação Ambiental para a Infância da Unochapecó, atividades com movimentos sociais, instituições de educação na comunidade Indígena da região, entre outros. As atividades são mediadas pela bolsista do projeto. Aproximações teóricas O brincar constitui-se como produto da sociedade dotado de traços culturais específicos, um elemento revelador de cultura, inserido em um sistema social. Desse modo, o brincar está preA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 sente nas sociedades bem antes de tornar-se um objeto científico e ideológico. Com os avanços das sociedades em âmbitos culturais, o brincar foi ganhando novas formas e significados. Presente na vida tanto de seres humanos quanto de animais, o “jogo” ganha uma conotação na existência humana muito além do fenômeno fisiológico. Os humanos não brincam apenas por reflexo, mas como forma de socialização, ou seja, o brincar é um elemento da vida humana que se constitui como base da própria civilização. As alterações sociais que caracterizam a nova sociedade moderna no início do século XIX, e que serão o ponto de partida para as novas realidades contemporâneas, modificarão profundamente a forma de ver a brincadeira e seu elemento fundamental que é o brinquedo. Walter Benjamin (2002) destaca que a emancipação do brinquedo vai distanciar decididamente o brinquedo das relações entre crianças e adultos, tornando-se até estranho para esses. O autor afirma que: Por outro lado, ninguém é mais sóbrio em relação aos materiais do que crianças: um simples pedacinho de madeira, uma pinha ou uma pedrinha reúnem na solidez, no monolitismo de sua matéria, uma exuberância das mais diferentes figuras. E ao imaginar para crianças bonecas de bétula ou de palha, um berço de vidro ou navios de estanho, os adultos estão na verdade interpretando a seu modo a sensibilidade infantil. Madeira, ossos, tecidos, argila, representam nesse microcosmo os materiais mais importantes, e todos eles já eram utilizados em tempos patriarcais, quando o brinquedo era ainda a peça do processo de produção que ligava pais e filhos. (Benjamin, 2002, p. 92). Pode-se considerar que as brincadeiras e brinquedos são, hoje, elementos primordiais na vida dos seres humanos. Não soA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 mente para a criança, a brincadeira alimenta o prazer e a felicidade humana, isso porque brincar garante para o sujeito certo distanciamento do real. O brinquedo é marcado por seu valor simbólico e desempenha uma função na brincadeira. De acordo com Gilles Brougère (2000, p. 14): O brinquedo é assim, um fornecedor de representações manipuláveis, de imagens com volume: está aí, sem dúvida, a grande originalidade e especificidade do brinquedo que é trazer a terceira dimensão para o mundo da representação. As brincadeiras são mediadas não só por um simples momento de “lazer”, mas refletem uma imagem social da sociedade. Ao brincar, a criança se apropria de elementos culturais presentes no meio no qual está inserida. A criança não se encontra fielmente diante do mundo real, mas de uma imagem cultural; ao manipular os brinquedos, ela manipula significações culturais originadas numa determinada sociedade (Brougère, 2000, p. 43). Nessa direção, é possível considerar que a brincadeira é: “[...] uma mutação do sentido, da realidade: as coisas aí tornam-se outras... é um espaço à margem da vida comum, que obedece a regras criadas pelas circunstâncias daquilo que aparentam.” (Brougère, 2000, p. 101). Trazer as brincadeiras para os diferentes espaços da comunidade e ressignificá-la, não só para o público infantil, e sim para diferentes sujeitos, torna-se um desafio em tempos de esvaziamento de experiências significativas. Vive-se hoje em um tempo sempre acelerado, desse modo, as relações sociais estão cada vez mais marcadas pelo distanciamento dos sujeitos. Portanto, trazer a experiência do brincar para junto das pessoas é repensar nossa condição humana e transformar espaços esquecidos em possibilidades de socialização. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O projeto de extensão Pedagogia na Rua busca em suas ações redescobrir no brincar uma forma viva de socialização, tão importante para a humanidade. Tem, também, como fio condutor a busca por experiências significativas na vida dos sujeitos, que possa de alguma forma repensar a realidade que, muitas vezes, se apresenta como embrutecedora nas relações sociais. Amparando-se no conceito de experiência de Benjamin, busca-se uma experiência concreta, enquanto uma forma de apropriação social e individual, permitindo uma relação dialética entre sujeito e mundo, num movimento de transformação simultâneo. Bondía (2002, p. 2), ao definir experiência, destaca que: A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Reconhecendo que o contexto atual se resume, muitas vezes, em realidades que pouco valorizam espaços de interação e socialização, o autor evidencia a “pobreza de experiência” como identidade cultural dos indivíduos. Pensar nesse fato é pensar nas possibilidades de enfrentamento que, principalmente, a educação precisa fazer para constituir práticas sociais mais humanas que possibilitem aos sujeitos uma vida repleta de experiências, não uma experiência reduzida a acontecimentos ou experimentos, mas algo que realmente transforme a subjetividade dos sujeitos. Bondía (2002) define que, muitas vezes por falta de tempo, nesta vida sempre frenética, com trabalho demasiado e, principalmente, o excesso de informação, o sujeito acaba por consumir experimentos, e não o experimentar no sentido profundo da expeA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 riência. Como destaca o autor, a experiência deve ser aquilo que me passa, algo irredutível, que fica e transforma. Nessa corrente de pensamento, é importante destacar um dos princípios da experiência, que é a transformação e pensar na relação desta com a educação. Se compreendemos a educação enquanto prática social que tem como objetivo mudar as condições concretas de vida como instrumento de emancipação humana, podemos fazer dos espaços de formação um lugar efetivo para legitimar transformações sociais. Ao propor as atividades brincantes enquanto possibilidade de interação social, socialização, ter-se-á uma experiência relacionada à formação, uma formação que busca dar lugar à sensibilidade atravessada pela alteridade. Trazer isso para as práticas extensionistas torna-se um desafio frente às realidades, muitas vezes, desumanas, burocráticas e que não valorizam as brincadeiras como elemento da cultura humana e lugar possível para experiências. Esse é o enfrentamento que a educação tem em tempos de enfraquecimento das forças coletivas, onde tudo se vende e tudo se compra, de lutar contra qualquer forma de dominação e opressão, principalmente, naquilo que nos desumaniza, para que a tarefa da educação seja a transformação social e emancipatória. O desafio posto à educação, em tempos tão repletos de barbáries, traz inúmeras reflexões, reconhecemos que as atividades realizadas pelo projeto de extensão Pedagogia na Rua precisam ampliar para que realmente as transformações ocorram; cada ação planejada é repleta de desafios, porém, reconhecemos o quanto é difícil pensar e fazer uma educação emancipatória e humana. Nesse percurso, muitas questões surgem, com as contribuições de Kramer (2000, p. 5): A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Como pensar a formação neste final de século, numa direção em que se repense o passado, a mixórdia e os despojos da cultura? Como defender e atuar numa perspectiva de formação cultural crítica, sem perder de vista que a cultura se construiu e fortaleceu como monumento de barbárie? Como manter a utopia e a esperança de tecer solidariedade, generosidade e justiça social, contra a discriminação do outro, pelo reconhecimento das diferenças de todos os tipos, a não ser escovando a história a contrapelo, ou seja, na direção contrária à dominação, à cultura legitimada como correta, contra a opressão? A liberdade do diálogo está se perdendo ou se perdeu? Como recuperá-la ou refundá-la? É fato que o caminho já vem sendo trilhado e que se faz emergente acreditar no fio de alegria possível para que as transformações sociais ocorram. Ao promover o diálogo permanente entre a formação do pedagogo e a comunidade a qual ele está inserido, almeja-se intervir para que os profissionais da educação estejam próximos dos sujeitos quando desenvolverem suas práticas educativas. Como destaca Paulo Freire (2004, [s.p.]), reconheçam a educação como “experiência especificamente humana e uma forma de intervenção no mundo”. Por uma cultura do brincar Com base nas atividades extensionistas que o projeto Pedagogia na Rua vem realizando, pode-se reconhecer a importância que esse tem para a comunidade em geral, que se aproxima da cultura lúdica. Além disso, é evidente a contribuição do programa na formação de futuros educadores, que, posteriormente, estarão desenvolvendo suas práticas pedagógicas com os diferenA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tes espaços da comunidade. Isso porque, ao desenvolver as ações, o estudante/bolsista se aproxima do contexto e de realidades diferentes num diálogo contínuo entre teoria e prática. Esse movimento, durante a graduação e a participação nos projetos de extensão, possibilita “[...] ao acadêmico a experiência do contato entre o aprendizado na Universidade e a aplicabilidade de sua profissão na sociedade, conhecendo a prática de sua profissão.” (Manchur et al., 2013, p. 338). As atividades desenvolvidas pelo projeto ocorrem durante todos os meses e buscam, principalmente, atender sujeitos que estão em situação de vulnerabilidade, ou que não possuem outra forma de aproximação com a cultura lúdica. Dessa forma, percebe-se que o projeto vem contribuindo de forma efetiva, possibilitando a interação e o diálogo entre os sujeitos em si e os sujeitos com a cultura. Além disso, contribui ao ressignificar o brincar na sociedade atual por meio de brincadeiras, produção de brinquedos e produções artísticas, buscando sempre promover a interação e o diálogo entre os sujeitos envolvidos. Considera-se que o projeto é itinerante, o atendimento ocorre em diferentes espaços na comunidade, sempre com um planejamento junto das instituições. No primeiro semestre de 2016 o Pedagogia na Rua atendeu o Centro Comunitário dos Idosos, com o projeto “Experiências Ludo Pedagógicas”, que tem como objetivo promover experiências ludopedagógicas com idosos na tentativa de ressignificar a autonomia desses sujeitos através da promoção de sua autoestima e integração social. É uma atividade socioeducativa na qual se organizam espaços lúdicos mediados por diversas atividades pedagógicas e culturais. As atividades realizadas pelo projeto envolvem ateliês de produção artesanal, vivências de socialização da memória por meio de contaA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ção de histórias (relatos orais), brincadeiras dirigidas envolvendo expressão corporal, relaxamento e socialização do coletivo, jogos clássicos, passeios de ressocialização, oficinas de autoestima, qualidade de vida e leituras dinâmicas (conforme figura a seguir): Figura 1 – Atividades ludopedagógicas com idosos Fonte: Pedagogia na Rua. O público atendido é a pessoa idosa, com idade igual ou superior a sessenta anos, em situação de vulnerabilidade social. Um dos objetivos dessas intervenções extensionistas é qualificar as relações sociais, garantindo sua integridade humana, buscando mobilizar a sociedade para construção de “outro olhar” para o envelhecimento. Além desse grupo de sujeitos, as brincadeiras também são propostas para o Abrigo Municipal, atendendo crianças de seis meses a 12 anos. Desde 2015, o projeto adentra junto a outros projetos de extensão da Universidade, com o objetivo de qualificar momenA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tos de interação sempre mediados por contação de histórias, brincadeiras e produção de brinquedos. As escolas municipais e estaduais também são espaços de socialização de brincadeiras e produção de brinquedos clássicos. Durante o ano, por meio do projeto, bolsistas e voluntários participam dos encontros das famílias nas instituições de ensino, atividades culturais e promovem, com a escola, momentos de interatividade ressignificando a brincadeira com crianças e professores. Um dos projetos que merecem destaque é o “Brincando no recreio”, que desde 2014 vem sendo realizado pelo projeto de extensão nas escolas de ensino fundamental do município de Chapecó. Essa atividade é organizada com a coordenação e gestão da instituição, que possibilita um tempo maior de recreio para as diferentes brincadeiras que são realizadas por bolsistas do projeto. Pode-se avaliar de forma positiva as atividades realizadas junto às crianças, primeiramente, pela satisfação e entusiasmo que esses demonstram nos encontros na “hora do recreio”. Falas como “Por que vocês não ficam aqui mais tempo?”, “Viva, hoje tem brincadeira!” e “Mas a gente brincou só um pouquinho, queria brincar mais” nos mostram como os momentos de brincadeira são importantes para as crianças dentro e fora da instituição escolar, sendo esta uma característica da criança e da infância. A alegria representada ao brincar de peteca, amarelinha ou produzindo um brinquedo caracteriza o quanto o brincar é necessário e que a escola pode ressignificar as relações entre os pares, por meio de diferentes brincares. Além disso, vale destacar que a participação efetiva das crianças nos diversos momentos das brincadeiras tradicionais deixa clara a importância deste projeto e sua relevância enquanto necessidade humana, pois, enquanto a criança brinca, ela interage com sua cultura. Por meio de seus dizeres, reconhecemos que o tempo A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 do brincar na escola é reduzido, e as crianças dizem que acontece apenas: “No recreio” e “Na aula de educação física”. Nessa direção, o objetivo do projeto é possibilitar um maior tempo ao brincar, reconhecendo-o enquanto direito da criança. As intervenções nas escolas vêm possibilitando reflexões para os próprios acadêmicos/bolsistas futuros professores, para repensar o espaço da escola enquanto espaço privilegiado da infância. São organizadas também atividades nas praças do munícipio e na própria universidade, como é o caso do Seminário de Educação Ambiental para a Infância, que é realizado bimestralmente e que busca, por intermédio de atividades lúdicas, aproximar as questões socioambientais das crianças, buscando a sensibilização dessas para estas questões. Durante o ano, nos diferentes espaços de atendimento, o projeto atende até dois mil sujeitos, sendo crianças, adolescentes, adultos ou idosos. Levando sempre a ideia de aproximação entre a formação acadêmica e os espaços da comunidade, as atividades extensionistas têm possibilitado, ao curso de Pedagogia e demais cursos que compartilham e participam das atividades, ressignificar as reflexões teóricas presentes na formação, construindo metodologias significativas para reinventar as práticas educativas. Tem-se sempre como fio condutor experiências que proporcionam a inter-relação entre a teoria e a prática. Nesse movimento, acredita-se que: “É preciso que [...], desde o começo do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se forma e reforma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.” (Freire, 2004, p. 31). Através de atividades lúdicas permeadas por brincares, o programa dialoga com a comunidade na tentativa de interligar, através do brincar, os diferentes saberes dos indivíduos para permitir a exA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 periência humana de socialização. Em síntese, as ações contribuem significativamente para o desenvolvimento social e regional, pois levam aos espaços atividades que proporcionam para crianças e adultos momentos lúdicos de participação e, principalmente, ressignificação de brinquedos e brincadeiras. Além disso, percebeu-se que, ao significar os brincares, esses refletem sobre sua cultura. Em cada momento que refletimos sobre as atividades propostas, percebemos o envolvimento dos sujeitos, suas alegrias, suas trocas, redescobertas e, principalmente, suas possibilidades de experiência, ao perceber a brincadeira como uma atividade humana, criadora e transformadora. Acreditar na beleza dos sorrisos dos sujeitos ao jogar uma peteca ou produzir uma boneca e reinventar suas relações faz com que, nós educadores, acreditemos na educação como uma forma de intervenção no mundo. Pautando-se nas palavras de Freire (2004), “nos faz acreditar na esperança que nos anima acima de tudo”. Algumas considerações Compreende-se que o projeto Pedagogia na Rua possui um espaço muito importante na inserção do direito do brincar nos espaços comunitários, com base em todas as atividades que vem desenvolvendo com crianças, adultos e idosos, buscando sempre valorizar a cultura lúdica e aproximar os sujeitos da própria cultura. Além disso, considera-se que essas atividades são de fundamental importância para o desenvolvimento e aprendizagem desses indivíduos, que, na maioria das vezes, encontram-se em situação de vulnerabilidade, contribuindo, assim, para a formação humana dessas pessoas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A extensão universitária, dessa forma, possibilita uma aproximação entre comunidade e universidade, promovendo a articulação entre teoria e prática e a troca de conhecimentos e experiências entre ambos. Além disso, oferece a habilitação e a preparação para que, posteriormente, esses futuros educadores sintam-se preparados para desenvolver suas práticas educativas de forma lúdica e considerando a importância da valorização dos elementos do brincar que fazem parte da cultura humana e são imprescindíveis no processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. A cada pensar, o projeto considera que é preciso ressignificar as práticas, para que as experiências realizadas possam realmente intervir nos processos formativos e alcançar os objetivos da extensão universitária com a sociedade. A extensão universitária deve assumir um papel significativo na formação dos diferentes sujeitos, possibilitando mudanças qualitativas nos cenários atuais no que se refere às práticas emancipatórias que realiza. Comprometer-se com a sociedade perpassa não somente transformar, mas legitimar a identidade dos diferentes sujeitos, validando um compromisso de articulação entre universidade e comunidade. Referências BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. 4. ed. São Paulo: Summus, 2002. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, n. 19, jan./fev./mar./ abr. 2002. BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2000. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Tradução de Rosisca Darcy de Oliveira. Prefácio de Jacques Chonchol. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ______. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Anca/MST, 2004. KRAMER, Sonia. Linguagem, cultura e alteridade: para ser possível a educação depois de Auschwitz, é preciso educar contra a barbárie. Rio de Janeiro, 2000. MANCHUR, Josiane et al. A contribuição de projetos de extensão na formação profissional de graduandos de licenciatura. Revista Conexão UEPG, Ponta Grossa, v. 9, n. 2, jul./dez. 2013. SAMPAIO, Jorge Hamilton. Extensão universitária como um dos sentidos necessários para a articulação da indissociabilidade na construção do currículo. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro; NEVES, Marisa Lomônaco de Paula. Currículo e avaliação na educação superior. Araraquara: Junqueira & Marin, 2005. p. 97-120. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Pesquisa, salvaguarda e comunicação do patrimônio cultural: três décadas de atuação do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina1 André Luiz Onghero Mirian Carbonera Ademir Miguel Salini Aline Bertoncello Introdução O oeste de Santa Catarina é uma região que apresenta uma marcada diversidade cultural, e se identifica através de seus traços culturais e sua história. A transformação das técnicas, dos costumes e dos modos de viver, que atualmente atinge uma intensidade nunca antes verificada, já era percebida, mesmo que em outra proporção, há trinta anos e motivou um grupo de professores universitários a projetar e desenvolver ações voltadas para reconhecer o patrimônio cultural da região, salvaguardar as memórias e os acervos históricos e pré-históricos. Neste texto, abordaremos a trajetória do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM/Unochapecó) e sua atuação em prol da preservação do patrimônio cultural, por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, com marcante caráter comunitário. 1 A todos os profissionais, estudantes, parceiros, agências de fomento, entidades públicas e privadas que contribuíram ao longo dessas três décadas de caminhada do CEOM. O contexto Com a fixação dos colonizadores europeus e seus descendentes nos sertões do oeste catarinense, ocorreram profundas transformações no modo de vida e na organização social de indígenas e caboclos. Os povos nativos já viviam na região há milênios, como atestam as pesquisas arqueológicas (Carbonera; Schmitz, 2011); estes habitavam tanto as terras frias dos planaltos, como também as margens do rio Uruguai desde aproximadamente dez mil anos, até a chegada do homem branco, principalmente a partir do século XIX (D’Angelis, 1995). Os caboclos que aqui viviam eram uma população rarefeita, que se dedicava à agricultura de pequena escala e a atividades extrativistas (Renk, 1997). Um novo processo colonizatório teve início nas primeiras décadas do século XX. Para Werlang (2002, p. 11), colonizar significa povoar áreas desocupadas e iniciar o processo de desenvolvimento de uma região. Segundo o autor, foi com esse objetivo que muitas famílias deixaram o estado do Rio Grande do Sul e vieram morar no oeste catarinense, a partir de 19172. Os colonos vinham em busca de novas terras, passaram a explorar e ocupar as áreas de floresta, ignorando as posses estabelecidas de índios e caboclos (Renk, 1997, 2005). Ainda segundo a autora, a consequência foi a expropriação das populações indígenas e caboclas que, mesmo habitando essas terras há muito tempo, não eram reconhecidos como donos legítimos, por não possuírem escrituras; assim foram se dispersando e desestruturando seu modo de vida tradicional. 2 Momento importante que marca o final da Guerra do Contestado em 1916; já no ano seguinte tem-se a criação de quatro municípios: Chapecó, Cruzeiro (atual Joaçaba), Porto União e Mafra. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Não é nosso objetivo neste trabalho fazer um grande apanhado da história regional, mas pensar como esse processo desencadeou transformações e ressaltou diferenças históricas e culturais entre os grupos humanos que ocupavam a região antes das novas levas migratórias ocorridas em princípios do século XX. Assim, como veremos neste trabalho, a valorização da diversidade cultural e seu legado tornaram-se objeto de preocupação de um grupo de professores do interior do estado de Santa Catarina, nos idos da década de 1980 do século passado. O conceito de patrimônio cultural está relacionado com as identidades sociais; ainda nos séculos XVIII e XIX estava associado à nação, e aquilo que representaria a nacionalidade, monumentos, edifícios, formas de expressão, objetos novos e antigos (Pelegrini; Funari, 2008). Com o tempo, o conceito de patrimônio cultural foi se tornando mais amplo e passou a defender a diversidade. Segundo Rodrigues ([s.d.]), o termo representa o passado e as vivências dos povos, conjuntos de bens de natureza material e imaterial de interesse coletivo, relevantes o suficiente para serem preservados. A trajetória do Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina O Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina (CEOM) iniciou suas atividades em 1986 e foi criado em 16 de julho de 1987, pela portaria n. 15/CES/FUNDESTE, sendo um dos primeiros programas de pesquisa e extensão da Fundação Universitária do Desenvolvimento do Oeste (Fundeste). Atualmente, o CEOM é vinculado à Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) e está subordinado à Diretoria de Extensão. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O interesse da Fundeste pelo patrimônio cultural da sua região de abrangência teve início na década de 1980 e foi materializado com a criação do Centro de Organização da Memória Sociocultural do Oeste de Santa Catarina. Na época, a região vivia certa inquietação devido à perda das referências culturais, fenômeno associado ao acelerado processo de urbanização. Nesse sentido, Nora (1993) assinala que a curiosidade pelos lugares de memória está ligada ao momento particular de nossa história; desperta a consciência de ruptura com o passado. Um exemplo de rupturas traumáticas, segundo o autor, foi o apogeu da industrialização que representou uma mutilação para os camponeses. Assim, a universidade, preocupada com as problemáticas da sua região de inserção, assumiu, através do CEOM, o compromisso de gerir o processo de valorização e preservação das histórias locais, como referências para a construção de identidades. O Centro foi criado tendo como um dos objetivos principais “[...] coordenar um amplo, permanente e sólido programa de resgate e sistematização da memória sócio cultural do Oeste Catarinense [...]” (CEOM, 1986) e, ainda, recolher e expor material de duas grandes fases da história da região: a Proto-História e a História. Idealizado por professores da área de humanidades cientes da importância de analisar criticamente e compreender melhor os processos constitutivos do oeste de Santa Catarina, o CEOM foi concebido como um programa de ampla participação da comunidade externa, desenvolvendo atividades de forma interdisciplinar com as Ciências Humanas, especialmente História, Antropologia, Geografia, Sociologia e Arqueologia. As primeiras atividades, realizadas entre 1986 e 1989, contaram com apoio financeiro do CNPq (1986/1987), Funarte (1988), Fundeste e prefeituras municipais. Nesse período, as principais ações de preservação do patrimônio cultural foram: constituição A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 de 15 comissões municipais de Coordenação da Memória Local, engajando professores, autodidatas, autoridades municipais e outros interessados no processo. O resultado foi significativo, no sentido de despertar o interesse em relação à preservação, visto que desse processo foram criados museus, casas de cultura ou centros de memória. Também foram realizadas, junto aos municípios, oficinas de orientação e capacitação para coleta, preservação, conservação e organização técnica dos objetos e documentos escritos, fotográficos e museológicos. Destaca-se a realização do I Simpósio de História do Oeste Catarinense, promovido juntamente ao curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, realizado entre 25 e 27 de novembro de 1987, e a Oficina de Museologia, promovida de 14 a 21 de dezembro de 1988. Também dessa época, datam as primeiras publicações: a revista Cadernos do CEOM e Caderno do CEOM – Série Documento. Além disso, foram reunidas em torno de quatrocentas fotografias antigas e constituído o acervo de história oral, composto por depoimentos gravados em fitas cassete e suas respectivas transcrições. Durante o ano de 1990, o CEOM teve suas atividades interrompidas, devido a uma reestruturação institucional, e o trabalho foi retomado novamente em 1992. Durante o período, os municípios continuaram o desafio do “resgate” histórico-cultural, demonstrando a persistência do trabalho iniciado anteriormente. A partir de 1992, o CEOM foi articulado ao curso de História, em atividade desde 1990. Em seguida, foi vinculado ao Departamento de Ciências Humanas e Sociais, criado em 1993. Nessa época, a Fundeste se tornou parte da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), formando o campus de Chapecó. Os novos vínculos proporcionaram maior participação dos professores do Departamento e do curso de História e, com isso, ampliou-se a preocupação em torno da valorização das expressões culturais da região. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Ganham destaque, nesse período, a criação da disciplina “Estudo e Preservação dos Bens Culturais” no curso de História, e um curso de especialização Lato Sensu em “História e Museologia”, em 1995. Essas ações visavam articular os trabalhos do CEOM com o Departamento de Ciências Humanas e Sociais, além de ampliar a atuação na área do patrimônio cultural. Em tal período foi desenvolvido o slide “Terra é Vida”, que em 1999 transformou-se num curta-metragem de 13 minutos, abordando os aspectos culturais das diferentes etnias que compõem a região oeste de Santa Catarina. Desenvolveu-se também o “Projeto Memória” em parceria com a Fundação Cultural Plínio Arlindo de Nês e a RBS TV, através do qual foram veiculadas vinhetas sobre história regional. Somado a essas atividades, deu-se prosseguimento ao trabalho junto às Casas de Cultura, aos Centros de Memória e Museus da região, principalmente através da viabilização de cursos nas áreas de atuação. Também houve continuidade na publicação da revista Cadernos do CEOM e da Série Documento. As ações conjuntas consolidaram o CEOM como um centro de referência em pesquisas acadêmicas e em preservação da memória sociocultural da região. Entre 1998 e 2002, iniciou-se um processo de planejamento estratégico que implicou novos direcionamentos, no qual foram apontadas as potencialidades e deficiências do CEOM. Ainda em 1998 ocorreu a transferência do Centro de Memória, que até então funcionava no campus, para o centro da cidade de Chapecó, na rua Porto Alegre, em prédio alocado pela universidade, onde funcionava também o Escritório Sócio-Jurídico (outro programa de extensão da universidade). Nesse período, o CEOM continuou vinculado ao Departamento de Ciências Humanas e Sociais, como um Programa de Pesquisa e Extensão, de caráter interdisciplinar, com a finalidade de “Promover, incentivar e apoiar a preservação e difusão da A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 memória e do patrimônio sociocultural da região Oeste de Santa Catarina.” Em tal viés, a linha de acervo e pesquisa do CEOM foi definida como “estudos regionais”, tendo como principais áreas temáticas: colonização, movimentos sociais, patrimônio cultural e socioambiental, subjetividades e etnicidades, política, trabalho, migração, educação, campo e cidade e memória. A partir desse período, passou a reunir novos acervos em diferentes suportes e gêneros documentais: textual, oral, iconográfico, audiovisual, cartográfico, arqueológico. Além da salvaguarda, o Centro não perdeu de vista seu compromisso com a comunicação científica e cultural, por meio de publicações e eventos. Deve-se ressaltar também para aquele período a constituição do Centro de Documentação e Pesquisa a partir de 1998; a criação do Programa Patrimônio-Escola-Comunidade (PEC), em 1999; a reestruturação da revista Cadernos do CEOM, que a partir do ano 2000, volume n. 12, tornou-se semestral e temática, com amplo recebimento de artigos e não mais apenas regionais. Já em 2001, surgiu a necessidade de viabilizar um núcleo de arqueologia3 e um programa de educação patrimonial. No ano seguinte, ocorreu o desligamento do campus Chapecó da Unoesc, com a criação da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), e assim, em 2003, o CEOM foi vinculado à Vice-Reitoria de Ensino, Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação. A demanda para salvaguardar acervos, bem como a ampliação das ações educativas, trouxeram a necessidade de um espaço físico mais amplo, e um aumento do quadro funcional. Para atender à demanda do espaço físico foram aprovados recursos junto 3 Sobre o tema, conferir Carbonera, Onghero e Argenta (2013). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ao Iphan e à Fundação Vitae. Os recursos advindos contribuíram para a reforma de parte do segundo andar do terminal rodoviário, uma área de 1.112m2, cedido pela Prefeitura Municipal de Chapecó à universidade. Assim, em 2004 o CEOM foi transferido, e com espaço mais amplo foi possível ampliar e melhorar as atividades, com salas específicas para laboratórios, reservas técnicas, sala multiuso, espaços expositivos e escritórios. O aumento do quadro funcional foi fruto de um longo processo de negociação com a gestão da universidade, além das vagas de coordenador e técnico de pesquisa que já existiam, foram criados os cargos de técnico em educação patrimonial, técnico em arqueologia e documentalista, um pouco mais tarde também de dois auxiliares administrativos. A divulgação científica ganhou novas linhas editoriais, a coleção Histórias Locais e a História e Patrimônio, e houve continuidade das linhas já existentes, a Série Documento e a revista Cadernos do CEOM, que atualmente é publicada somente on-line; no entanto, todos os números já foram disponibilizados no formato digital. Na década de 2000, o Centro foi projetado para o cenário nacional, e a revista Cadernos do CEOM teve papel fundamental, além da aprovação de seus projetos em editais nacionais e da participação da equipe com apresentações de pesquisas em eventos científicos. Na segunda década do século XXI, o CEOM mantém como fundamentais características a divulgação científica e a preocupação com a história e a pré-história regional, mantendo a seguinte estrutura: 1) Centro de Documentação e Pesquisa (Cedoc); 2) Programa Patrimônio-História-Comunidade; 3) Núcleo de Estudos Etnológicos e Arqueológicos (NEEA); 4) Núcleo de Difusão Cultural e Educação Patrimonial; 5) Divulgação Científica e Cultural; 6) Biblioteca Setorial; 7) Setor administrativo. Institucionalmente, enA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 contra-se vinculado à Diretoria de Extensão4, entretanto, de forma ampla, também pode ser caracterizado como um espaço museológico, de acordo com a Lei n. 11.904, que afirma: Art. 1º Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. (Brasil, 2009). Podem-se encontrar muitas outras definições de museu5, segundo o Conselho Internacional dos Museus (ICOM): O museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite. (ICOM, 2015). Parcerias e convênios com instituições públicas e privadas nacionais e estrangeiras acompanham a trajetória do CEOM, para ati4 Atualmente a Unochapecó não conta mais com o curso de História, que formou sua última turma em 2014. No entanto, o CEOM, que havia sido criado antes mesmo do curso de História, segue suas atividades; dado o caráter interdisciplinar é um espaço de pesquisa para os demais cursos de graduação e pós-graduação e para a comunidade externa à universidade. 5 A origem da palavra museu remonta à antiguidade grega, quando o termo mouseion, ou “casa das musas”, era uma mistura de templo de instituição de pesquisas voltada, sobretudo, para o saber contemplativo e filosófico. Vinculados, desde suas origens, às classes dominantes, o museu enquanto instituição surgiu no século III a.C., em Alexandria (Tamanini, 2000, p. 109). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 vidades de pesquisa ou extensão. A história do CEOM se confunde com a história do ensino superior na região, em constante processo de mudança e transformações, novas necessidades e possibilidades vêm ganhando espaço. Ao mesmo tempo, a quantidade de bens salvaguardados trouxe novamente a necessidade de ampliação espacial. Assim, a construção de espaço próprio e a sustentabilidade tem se colocado como grandes desafios ao CEOM quando completa seus trinta anos de existência. Um lugar de memória: com e para a comunidade Para Pierre Nora, [...] os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais. (Nora, 1993, p. 13). O autor afirma que vivemos um período de aceleração da história, que produz, cada vez mais rapidamente, um passado morto e a percepção geral de algo desaparecido: “Se o que defendem não estivesse ameaçado, não se teria a necessidade de construí-los. Se vivêssemos verdadeiramente as lembranças que envolvem, eles seriam inúteis.” (Nora, 1993, p. 13). Criado em decorrência da percepção dessa aceleração, transformação, eminente perda de memórias e desaparecimento de conhecimentos e práticas, o CEOM manteve-se voltado para a população da região oeste de Santa Catarina. Sensível às demandas apresentadas pela sociedade por diferentes interlocutores, como estudantes, professores, representantes da sociedade civil organiA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 zada, profissionais da área cultural, gestores públicos e instituições, o CEOM atua intensamente na democratização dos saberes; através de constante diálogo com a sociedade, tem participado de forma ativa na comunicação dos conhecimentos reunidos ou produzidos pelo Centro e instituições parceiras. Os saberes científicos presentes tanto nos resultados das pesquisas produzidas quanto nos procedimentos adotados nas ações de preservação desenvolvidos pelo CEOM são difundidos para toda a comunidade, por meio de palestras, atividades educativas, exposições de longa duração e itinerantes, publicações, entre outros. No entanto, existe uma relação muito estreita com o público escolar dos diferentes níveis de ensino, que são o público-alvo prioritário de uma série de projetos desenvolvidos pelo Centro. O CEOM também presta serviços à comunidade regional, especialmente em atividades de preservação e valorização do patrimônio cultural, e podem ter como ponto de partida a realização de pesquisas, produção de publicações, palestras, debates, eventos culturais, assessorias ou consultorias. A valorização considera o papel dos sujeitos históricos da região como protagonistas, reconhecendo o patrimônio de sua região e percebendo sua importância para o fortalecimento da identidade. Esse termo remete a identificações historicamente construídas que dão sentido a um grupo; implica um sentimento de pertença a um determinado grupo étnico, cultural, religioso, em contraposição às diferenças percebidas nos outros (Rodrigues, [s.d.]). Entre as demandas frequentes da comunidade, encontra-se a produção de obras relacionadas à história local, além de assessorias para criação, revitalização de espaços de memória e gestão de acervos históricos e arqueológicos. No final da década de 1990, tais demandas levaram à constituição de um programa específico A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 junto ao CEOM, chamado Patrimônio-Escola-Comunidade (PEC). A execução dos projetos envolvia professores do curso de História da universidade, estagiários e equipes formadas por professores de História dos municípios-alvo da pesquisa. Com essa dinâmica foram realizados trabalhos em Quilombo, Águas de Chapecó, Nova Itaberaba, São Carlos, Distrito de Colônia Bacia (Chapecó) e Palmitos, dos quais resultaram quatro publicações (Dmitruk; Jagusenski, 2001; Schuh, 2011; Wollf; Schuh, 2000a; Wollf; Schuh, 2000b). Contudo, alguns projetos não obtiveram o resultado esperado e motivaram a reformulação da sistemática de trabalho. Assim, a partir de 2002, as atividades passaram a ser concentradas basicamente na atuação dos técnicos e estagiários do CEOM. Foram desenvolvidos novos projetos nos municípios de Cordilheira Alta, Caxambu do Sul, Nova Erechim, Formosa do Sul e Lindóia do Sul, estes resultaram em três livros publicados (Onghero, 2012, 2014; Silva; Oliveira; Schuh, 2003). Também forneceram base para o desenvolvimento de outros projetos culturais nos municípios citados, como a revitalização de memória, produção de materiais audiovisuais e exposições. Além disso, foram realizados dois projetos de maior abrangência. O primeiro chamado “Fios entre memórias”, em que foram pesquisados municípios que seriam atingidos pela Linha de Transmissão 230 kV Campos Novos/SC – Santa Marta/RS (Schuh, 2005). E o segundo também foi uma pesquisa de abrangência regional com o tema “Inventário da Cultura Imaterial dos Luso-brasileiros do Oeste de Santa Catarina” (CEOM, 2006)6. Entre 2008 e 2011, também colaboramos em programas compensatórios para os municípios atingidos pela UHE Foz do Chapecó, 6 Este projeto contou também com a participação de professores da Unochapecó e foi financiado pelas Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), via mecenato. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 nos seguintes subprogramas: Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Paisagístico da UHE Foz do Chapecó (Subprograma 21.2), coordenado pela Scientia Consultoria Científica; e Monitoramento das Interferências sobre a População Indígena (Subprograma 22.2), este coordenado pelo Instituto Goio-En. Tais projetos têm gerado acervos fotográficos, audiovisuais e documentais que são entregues às instituições contratantes, mas também cópias que ficam disponíveis no CEOM. As pesquisas têm abordado temas como colonização, trabalho, religiosidade, sociabilidade, meio ambiente, política, economia e cultura. Para tanto, a principal metodologia utilizada pelo Centro tem sido a história oral, que pressupõe a realização de entrevistas temáticas com depoentes escolhidos de acordo com critérios estabelecidos pelos pesquisadores. A história oral ganhou a simpatia dos historiadores nas últimas décadas, porque permite dar voz às populações que “não teriam história”, aqueles que os historiadores outrora chamavam de excluídos da história; a memória como fonte daria a estes sujeitos “o direito à memória” de adquirir visibilidade (Santiago Júnior, 2015). Diante da preocupação com as transformações sociais e naturais causadas por obras de impacto ambiental, alguns projetos incluem o registro fotográfico e audiovisual do patrimônio histórico, cultural e ambiental do município, como o projeto PEC Caxambu do Sul, desenvolvido durante 2007 e 2008. Caxambu do Sul é um município que teve 5,51% de seu território alagado em decorrência da instalação da usina hidrelétrica (UHE) Foz do Chapecó. Alguns projetos têm incluído o levantamento e mapeamento de objetos com potencial museológico, a fim de subsidiar futuras ações voltadas à criação de espaços de memória ou museus, nesse sentido foram realizadas ações em Cordilheira Alta e Itá. Entre os inúmeros projetos desenvolvidos ao longo das três décadas de atuação, citamos dois que foram desenvolvidos em parA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ceria e proporcionaram a criação de dois importantes núcleos de preservação e valorização da história e memória do cooperativismo. O Centro de Memória da Fundação Aury Luiz Bodanese (desenvolvido entre 2008 e 2011), mantido pela Aurora Alimentos; e em seguida tiveram início as atividades para criação do Centro de Memória da CooperAlfa/Sicoob MaxiCrédito e de seus Associados, este desenvolvido entre 2010 a 2013 (Salini; Lubenow; Forneck, 2012). Ambas as instituições detêm acervos significativos e representativos das relações de produção, trabalho e economia na região, em especial de trabalho agrícola e produção agroindustrial. Depois dos espaços criados, são dadas as condições de continuidade com capacitação dos funcionários de cada Centro, que prosseguem as atividades de conservação, organização e disponibilização dos acervos. Por fim, nos últimos anos vem ganhando cada vez mais espaço a prestação de serviço para empresas de arqueologia que realizam projetos de licenciamento ambiental e necessitam de endosso institucional do CEOM. Esses convênios entre o Centro e as empresas possibilitam, dentre outros aspectos, centralizar os acervos arqueológicos do oeste catarinense num único espaço, e também os subsídios pagos pelas empresas para a salvaguarda desses bens permitem melhorar e ampliar as atividades de preservação, pesquisa e difusão realizadas pelo CEOM no tocante ao patrimônio arqueológico regional. Ensino, pesquisa e extensão em prol do patrimônio cultural O CEOM foi concebido como um centro de organização de fontes para pesquisas sobre as mais diversas áreas de conhecimento científico. A História, a Antropologia, a Cultura, a Economia e outras A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ciências humanas e sociais encontram no Centro preciosos informes para argumentar, ilustrar, motivar e exemplificar todo o conjunto de seus conteúdos de conhecimentos (Centro de Memória Sociocultural do Oeste de Santa Catarina, Proposta de Projeto, dezembro 1982). De caráter educacional e participativo, integrando o ensino, a pesquisa e a extensão, o Centro procurou, desde o princípio, corrigir a lacuna do ensino meramente acadêmico. Na década de 1980, para dar caráter institucional a tais atividades, a Fundeste criou o Centro de Organização da Memória Sociocultural do Oeste de Santa Catarina (CEOM) e o Setor de Educação Permanente (SEP), ambos concebidos e implantados como unidades operacionais para obtenção de objetivos específicos de toda a instituição. Com base nos princípios idealizados ainda no momento de criação, o Centro procura, dentro de sua linha de atuação, manter-se articulado com as políticas institucionais de extensão e pesquisa, como também com os princípios da universidade de produzir, difundir e contribuir no desenvolvimento regional e na formação cidadã. Enquanto espaço museológico, o CEOM procura estar alinhado às políticas públicas, locais, estaduais e nacionais. Além da salvaguarda e preservação dos acervos, são realizadas diferentes atividades educativas que promovem a reflexão sobre as relações temporais, ao problematizar o presente e as representações construídas sobre o passado: Mostrando relações historicamente fundamentadas entre objetos atuais e de outros tempos, o museu ganha substância educativa, pois há relações entre o que passou, o que está passando e o que pode passar. Se aprendemos a ler palavras, é preciso exercitar o ato de ler objetos, de observar a história que há na materialidade das coisas. (Ramos, 2004, p. 21). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Se a citação do autor faz referência aos objetos em um museu, ao refletir sobre os acervos do CEOM, faz-se necessário considerar a grande variedade de materiais que contêm informações sobre o passado, mas que necessitam da problematização, da análise apurada, da leitura atenta, da crítica. As ações educativas são realizadas principalmente por meio de exposições, visitas mediadas, aulas temáticas e materiais didáticos. O CEOM conta desde 2015 com uma exposição de longa duração intitulada “Como Era Antes? O Patrimônio Arqueológico Pré-Colonial do Oeste Catarinense7”, que tem como objetivo sensibilizar a comunidade e socializar o conhecimento produzido sobre o patrimônio arqueológico da região oeste de Santa Catarina; as atividades acontecem praticamente todos os dias, e o público varia desde estudantes escolares até universitários. No primeiro ano de atividades, foram atendidas aproximadamente cinco mil pessoas. O Centro conta com outras nove exposições itinerantes que abordam temáticas regionais, que além de serem exibidas no CEOM são disponibilizadas para empréstimo a museus, secretarias da cultura e escolas do oeste catarinense. Também são promovidas amostras de outras instituições, mas que abordam assuntos relacionados à história e ao patrimônio cultural. O intercâmbio com outras instituições culturais e museológicas permite estimular a preservação e a valorização da história e do patrimônio cultural regional; potencializar a divulgação das instituições museais e suas ações; estimular o turismo cultural; fortalecer as instituições; otimizar custos e democratizar o acesso da comunidade ao conhecimento resultante de pesquisas sobre os bens culturais regionais. A metodologia dessa ação implica a troca de exposições, do material de divulgação e didático, de conhecimentos dos profissionais de cada instituição. 7 Contemplada pelo Edital Prêmio Modernização de Museus – IBRAM/MinC, Edição 2013. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Quanto ao trabalho educativo, são realizadas também aulas temáticas, elaboradas a partir de temas geradores que foram diagnosticados ao longo do período de atuação do CEOM como relevantes para o cenário histórico e cultural regional, como pré-história, história regional, colonização, patrimônio cultural, memória e identidade local, etnias e questão indígena, bens culturais e ambientais, movimentos sociais, política cultural, dentre outros. As aulas são ministradas no auditório do CEOM, atendendo grupos de aproximadamente trinta estudantes, sempre com a presença do professor que, nesse contexto, se constitui um multiplicador dos conhecimentos, com outros grupos no ambiente escolar. Quanto à produção do conhecimento, o Centro passou a buscar novos parceiros a fim de ampliar e consolidar o desenvolvimento de pesquisas científicas, especialmente com relação ao patrimônio arqueológico. Assim, destacamos o convênio binacional com o Instituto Nacional de Antropologia e Pensamento Latino-Americano, do Ministério da Cultura da Nação Argentina, através do qual se desenvolve o projeto de longa duração “Arqueologia da Floresta Atlântica Meridional Sul Americana (ABAMS)”8, que busca pesquisar as ocupações pré-coloniais do oeste catarinense e da Província de Misiones, na Argentina. As ações foram oficializadas em 2013 e têm previsão de durar pelo menos dez anos. Nesse mesmo ano, tiveram início as atividades de outro projeto, denominado “Primeiros povoamentos do Alto Rio Uruguai (SC/RS)”, que é uma parceria do CEOM com o Museu de História Natural de Paris, conta com recursos financeiros do Ministère des Affaires Etrangères (França) 8 Esse projeto, em linhas gerais, visa ampliar o conhecimento sobre o processo de povoamento pré-colonial da região de “Mata Atlântica”, que inclui grandes unidades da paisagem, tanto áreas de floresta subtropical (especialmente rios Uruguai e Paraná) quanto regiões de planalto com presença de mata de araucária. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 e tem como objetivo principal estudar as ocupações do Holoceno antigo, especialmente em termos de tecnologia lítica. A respeito do patrimônio arqueológico, cumpre ressaltar que todas as atividades são desenvolvidas levando em consideração a legislação federal, que dispõe sobre o patrimônio arqueológico. Entre os objetivos das pesquisas, além de salvaguardar acervos e produzir conhecimento científico, o Centro realiza de forma sistemática a comunicação do conhecimento produzido para a comunidade local, como já mencionado neste texto. Através das atividades contínuas e de projetos temporários, o CEOM dialoga com diversos campos profissionais e apresenta-se como um espaço de formação para os acadêmicos de diversos cursos oferecidos pela Unochapecó, como Pedagogia, Arquitetura, Licenciatura Intercultural Indígena, História, Artes Visuais, Jornalismo, Biologia. Uma forma de participação dos acadêmicos ocorre por meio de bolsas de extensão, permitindo que o bolsista desenvolva atividades extensionistas acompanhado por profissionais do Centro. Tendo em vista o espaço privilegiado para a formação profissional que o CEOM representa, são recebidos anualmente estudantes de graduação e de pós-graduação para realização de estágios obrigatórios não remunerados e remunerados. As vagas não se restringem apenas aos acadêmicos da Unochapecó, mas abrangem também as instituições de ensino conveniadas com a universidade. Também existe a possibilidade de ser bolsista de extensão e pesquisa. Os alunos são orientados em atividades relacionadas ao campo de atuação profissional, resultando em uma formação mais sólida e que tem contribuído para a sua inserção no mercado de trabalho, bem como para dar continuidade em estudos de pós-graduação lato e stricto sensu. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Os vários acervos salvaguardados pelo CEOM fornecem subsídio para o desenvolvimento de pesquisas em diversas áreas, o que pode ser percebido nos inúmeros trabalhos produzidos por estudantes de graduação e pós-graduação. Os acervos apresentam muitas potencialidades de diálogo interdisciplinar, ainda pouco explorados e que estão à disposição dos estudantes e professores de todos os cursos. Considerações finais Santiago Júnior (2015) salienta que a partir da década de 1990 a historiografia se apropriou do patrimônio por meio da noção dos lugares da memória. Segundo ele, o patrimônio tem sido incorporado à esfera pública e às humanidades como forma social de afirmação pública de comunidades variadas. Dentro desta perspectiva é que o CEOM procura orientar suas ações do trabalho com os diferentes tipos de patrimônio e da problematização do passado, refletindo sobre o sentido de desenvolvimento historicamente adotado, contrapondo-o com suas consequências em se tratando de sociedade, cultura e meio ambiente, buscando ao mesmo tempo propostas de desenvolvimento sustentável para a região. A análise retrospectiva das ações realizadas pelo CEOM no oeste catarinense ao longo das últimas décadas permite constatar um avanço significativo nas ações de pesquisa, salvaguarda e difusão dos bens culturais, especialmente a partir de quatro pontos centrais: a) A qualificação da gestão de acervos e a ampliação do acesso aos documentos salvaguardados, a partir da adoção de diferentes estratégias de extroversão; b) O aumento das pesquisas tanto históricas quanto pré-históricas, a partir da qualificação da A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 equipe e da sistematização das ações; c) A ampliação da área de abrangência e dos números de público alcançados pelo CEOM, mediante a oferta de ações educativas no espaço-sede do CEOM e nos espaços externos; e d) Manutenção das linhas, especialmente da revista Cadernos do CEOM que se aproxima da casa dos cinquenta números publicados. Percebe-se, assim, que o CEOM é um importante agente para a consolidação da Unochapecó como uma universidade comunitária, principalmente na produção e difusão dos conhecimentos relacionados a sua área de atuação. Ao longo de seus trinta anos, o Centro configurou-se numa das principais instituições de salvaguarda, pesquisa e difusão do patrimônio histórico e arqueológico no estado de Santa Catarina, contribuindo para formação de profissionais, publicando mais de sessenta obras bibliográficas, produzindo e exibindo mais de cinquenta exposições, e salvaguardando, até o momento, quatrocentos metros lineares de acervo histórico e aproximadamente cem mil peças arqueológicas que remontam a dez mil anos de história. Referências BRASIL. Presidência da República. Lei n. 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 2009. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11904.htm>. 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A construção da história no município de Quilombo. Chapecó: Grifos, 2000b. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Projeto de Extensão Comunitária Jurídica: transformação social com atitude! Maria Aparecida Lucca Caovilla Carmelice Faitão Balbinot Thalia Noeli Nicaretta Introdução O Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (PECJur), ao longo de sua existência (desde outubro de 2003), atende a uma população que historicamente não teve acesso aos seus direitos da cidadania. Atuando nas áreas de Direitos Humanos, Justiça e Educação, o PECJur tem o objetivo de orientar os cidadãos sobre seus direitos e deveres, para o exercício da cidadania, promovendo a interação entre professores, estudantes e comunidades, por meio de um serviço de cunho social e voluntário, preparando os estudantes para a atuação profissional independente, como agentes transformadores da sociedade, ao mesmo tempo que complementa a formação profissional. As atividades se desenvolvem em escolas de ensino fundamental e médio, associações de bairros, grupos de idosos, entidades e instituições públicas e privadas da sociedade civil, parceiros e outros programas e projetos da Unochapecó. Relação ensino, pesquisa e extensão O PECJur tem como objetivo geral informar e orientar a população sobre direitos e deveres, como uma forma de exercício da cidadania, visando uma formação profissional integral e autônoma dos estudantes do curso de Direito da Unochapecó. Na formação qualificada para o exercício da cidadania, os estudantes voluntários participam diretamente de todo o processo, desde a decisão sobre qual tema trabalhar, na elaboração do material de divulgação (como folders e cartilhas), assim como na divulgação/informação dos direitos e deveres, nos encontros realizados com a comunidade. A metodologia adotada pelo projeto garante o incremento no processo de transformação acadêmica e tem como impacto maior a transformação social, por meio do envolvimento tanto da comunidade acadêmica quanto da comunidade externa. Foi nessa metodologia e nesse movimento interno, a partir da percepção da realidade em que a comunidade acadêmica está inserida, pelas diversas discussões e oficinas do projeto, que surgiram novas demandas a serem desenvolvidas pela equipe de trabalho. As atividades desenvolvidas pelo PECJur orientam-se pelos pressupostos teóricos da educação popular, com a finalidade de desenvolver a informação para o exercício de direitos e deveres. Nessa perspectiva, as atividades são construídas conjuntamente entre os docentes e estudantes voluntários, comprometidos com o projeto, tendo como horizonte a busca da transformação social e a conquista da cidadania. Faz parte da metodologia a aproximação/investigação da realidade social para proposição de ações que direcionem e potencializem os objetivos do projeto. As ações do PECJur estão articuladas com o Projeto Pedagógico do Curso de Direito, que tem como objetivo geral a formação humanista e cidadã de seus estudantes. Além disso, também estão vinculadas às disciplinas específicas na matriz curricular do curso, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tais como Direitos Humanos, Direito Constitucional e Seminários que tratam sobre Cidadania e Justiça. Fundamentação teórica A extensão universitária está descrita na Unochapecó com a finalidade de organizar ações comunitárias, com prioridade na área social, objetivando elaborar e difundir conhecimentos e outros produtos acadêmicos. O objetivo de formação voltada para a defesa dos direitos humanos, da cidadania e da democracia pressupõe o respeito aos princípios fundamentais da vida pública e da dignidade do ser humano. A formação em seu sentido amplo e pleno requer o compromisso dos atores envolvidos no processo educacional, voltados para o exercício da cidadania e conduta ética. Acrescenta-se que esse papel político também é atribuição das instituições de educação superior, uma vez que estas devem estar fortemente sintonizadas com as necessidades históricas das comunidades de sua inserção. Com base nesse ponto de vista, o Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (PECJur) constitui-se em dimensão privilegiada “de” e “para” a formação cidadã, ética e emancipatória. A trajetória do projeto PECJur, reservadas as suas peculiaridades e especificidades, sempre pautou suas ações em consonância com a missão da Unochapecó. O PECJur está alicerçado nos seguintes pressupostos teóricos: a) Formação cidadã: a universidade, independentemente de sua natureza jurídica, é o espaço socioinstitucional voltado ao exercício do pensamento de maneira que sua finalidade ética se define na liberdade da reflexão. Como instituição social, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 requer-se que a universidade cultive uma posição crítica em relação à realidade social, configurando seu compromisso ético-político com a formação dos sujeitos, com a sociedade, com os interesses coletivos, com os processos democráticos e de cidadania, ou seja, com a construção da esfera pública. Portanto, seus processos devem assegurar uma formação construída e mediada pela reflexão teórica, social, política e filosófica. Cabe destacar que democracia e cidadania são conquistas, e esta última se constitui, particularmente, pela criação de espaços sociais que explicitam e atribuem visibilidades às lutas da sociedade. Nesse sentido, a extensão universitária comprometida com a formação cidadã tem como horizonte práticas sociais que priorizem o fortalecimento desses espaços de reflexão-ação. b) Vulnerabilidade social: os grupos sociais vulneráveis são facilmente definidos por sua imediata associação com a pobreza, ou seja, definidos como conjunto ou subconjunto da população situada na linha da pobreza. A complexidade do fenômeno, no entanto, tem exigido avanço nas análises abarcando-o para além da carência material, em vista da necessidade de capturá-lo na multidimensionalidade de sua manifestação. No movimento de buscar elementos que descrevam a vulnerabilidade social, constata-se que os grupos sociais vulneráveis não são portadores, mas se tornam vulneráveis pela ação de outros agentes sociais. A análise, de imediato, remete ao fato de não se tratar de um conjunto de indivíduos passivos, mas são resultado de um amplo processo de discriminação social. O PECJur como instrumento auxiliar dessa transição da condição de não cidadania de grande parte de sua população abrangida, visa dotar os sujeitos sociais de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 recursos, notadamente de informação, que minimizem sua exposição aos riscos, à vulnerabilidade social e contribua no acesso aos direitos sociais. c) Direitos humanos e justiça: direitos humanos são considerados como [...] o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana. (Morais, 2003, p. 39). Atualmente, há grande convergência para a união de esforços na reconstrução dos direitos humanos, como parâmetro ético a orientar as Constituições dos países. No que se refere à categoria Justiça, tem-se que historicamente é definida em várias concepções, influenciada por um juízo de valor inerente à conduta humana, e nesta seara, questões culturais e religiosas contribuíram e contribuem para uma definição mais clara e específica. Nesse processo de compreensão do que é justiça, é importante o estudo de casos e problemas reais, os quais permitem uma melhor percepção e desenvolvimento de habilidades e competências necessários para a concretização do conceito de Justiça. A experiência da extensão nessa área permite uma construção coletiva do conceito de Justiça, e, portanto, diferente de um ensino ou de uma prática de estágio convencional, que isola tal conceituação no universo do curso, diante de pré-conceitos definidos por uma norma positivada fria e distante. Havendo estreita ligação com a natureza humana, o entendimento do significado de justiça possui influência e interferências em todos os setores da sociedade, sejam eles políticos, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 econômicos e sociais. Por essa razão, ante a necessária multidisciplinaridade, tais conhecimentos e ensinamentos aplicam-se e influenciam nas áreas de formação do Estado e da sociedade e, portanto, desenvolverão um conceito, se não padrão, mas de fácil percepção e compreensão a todos os setores de Justiça, pois, dessa forma, acredita-se que a vida em sociedade torna-se mais equilibrada. d) Cidadania, democracia e acesso à justiça: a informação para o exercício da cidadania e o conhecimento dos direitos para o efetivo exercício destes constitui-se na possibilidade de acesso à justiça, considerado o mais básico dos direitos humanos. O acesso à justiça não é apenas um direito social crescentemente reconhecido e assegurado, mas que deve ser efetivo para alcançar a ordem jurídica justa para toda a população. Numa sociedade que se pretende justa e equilibrada, as pessoas devem exercer plenamente seus direitos e deveres, atuando como sujeitos de direito. Do contrário, só haverá exclusão, desinformação sobre direitos e deveres, desequilíbrio e injustiça social. A pessoa economicamente carente não pode viver à margem da justiça, acumulando incontáveis danos à sua dignidade. Se a economia de mercado está auxiliando para criar mais pobreza e exclusão social, cabe ao Estado a execução de tarefas indispensáveis como a educação/orientação/informação, para garantir a efetividade dos direitos individuais e coletivos, assegurados pela Constituição Federal. Os valores de democracia enunciados pela Constituição brasileira irradiam sobre a estruturação do Estado, atinge a ordem jurídica e deve produzir reflexos nos anseios da população, ou seja, os valores democráticos devem absorver a von- A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tade popular e ajustar-se ao interesse da coletividade, à condição precípua de cidadão. e) Emancipação humana: contemporaneamente o uso do termo emancipação tem experimentado um sensível aumento, e seu emprego vem sustentado argumentos e discursos de diversas tendências e orientações teóricas. Na tentativa de buscar seu sentido e contexto, é possível perceber uma longa caminhada. Os fundamentos da emancipação humana residem na possibilidade de os seres humanos obterem o controle da história de maneira consciente e planejada e, fundamentalmente, a materialização da emancipação humana ocorrerá se os homens concretos estiverem dispostos a fazê-lo. Público-alvo O público-alvo do PECJur é representativa da parcela de brasileiros que sofrem as desigualdades sociais, a qual não se limita a descapitalização econômica, mas, sobretudo, descapitalizada em termos de informação, de noções e acesso aos direitos da cidadania, ou seja, trata-se de uma população em situação de vulnerabilidade social. A atuação permite identificar a necessidade que a população tem de conhecer seus direitos e deveres e poder acessá-los, muitas vezes os mais básicos dos direitos do ser humano, como os direitos que envolvem a saúde, as questões previdenciárias, as de gênero (mulher, criança, adolescente, idoso), o direito do acesso à justiça, particularidades dos conflitos familiares, as quais apresentam interface com inúmeras outras problemáticas, o que tem exigido dos A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 professores e acadêmicos novas e contínuas interlocuções teóricas, tendo em vista a qualificação dos atendimentos. O atendimento destina-se à comunidade em geral, seja ela na forma de sujeito individual, coletivo, organizacional, escolar ou social, no contexto da demanda interna (Unochapecó) ou externa (comunitária). O público-alvo específico são estudantes da rede pública municipal e estadual (crianças, adolescentes e adultos da Educação de Jovens e Adultos), com atuação direta nas escolas, associações de bairros e comunidades do município de Chapecó (SC), bem como grupos de idosos do município de Chapecó (SC). Atuação na comunidade externa (em nível local e regional) junto aos órgãos de proteção dos idosos, criança e adolescente (associações, entidades não governamentais, grupos ligados ao público-alvo), escolas de ensino fundamental e médio e outros ambientes em que seja possível o desenvolvimento das atividades. Destaca-se que desenvolvem e conduzem essas atividades professores e estudantes que integram o Projeto de Extensão Comunitária (PECJur). Metodologia e avaliação Na proposta metodológica, utiliza-se de: Estudos dirigidos, essa ferramenta de trabalho é fundamental para a capacitação de professores, estudantes e técnicos que estejam envolvidos diretamente no projeto de extensão. O desenvolvimento responsável desse projeto requer grande dedicação de professores e estudantes na compilação dos direitos e deveres constantes do material de divulgação do PECJur. Considerando a interdisciplinaridade do tema, muito há para ser pesquisado, e o estudo deve ser direcionado a responder as perguntas mais recorrentes nesse enorme universo em que o projeto se insere. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Capacitações e palestras: para a capacitação dos docentes, discentes e técnicos envolvidos no presente projeto, haverá o envolvimento e participação de muitos cursos da instituição, dentre os quais podemos citar os cursos de: Direito, Educação, Psicologia, Serviço Social. Elaboração de cartilha e material vinculados ao tema. Ações internas e externas: capacitação de professores, técnicos e estudantes que vão atuar diretamente no projeto, realização de palestras e oficinas com profissionais da área da psicologia, pedagogia, serviço social e direito. Atuação na comunidade interna e a divulgação do projeto em todos os cursos da instituição. Atuação junto aos demais projetos de extensão da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). A proposta avaliativa das ações desenvolvidas pelo PECJur está vinculada ao atendimento de pessoas e/ou famílias, especialmente crianças, adolescentes e idosos, que se encontram em situação de vulnerabilidade social e demandam a informação sobre direitos e deveres para o exercício da cidadania. A avaliação é realizada de forma gradativa com todos os envolvidos na dinâmica das atividades desenvolvidas. Visando ser coerente com a concepção filosófica apresentada, o desenvolvimento permanente de pesquisa avaliativa visa produzir conhecimentos sobre o processo de formação profissional e de atendimento/resolução das problemáticas apresentadas pelos envolvidos no projeto, possibilitando rever e desenvolver novas práticas, considerando a dinâmica da sociedade. Para realização de um processo permanente de avaliação, para além da possibilidade da coleta de informações quantitativas, a qual pode ser obtida via sistema de controle dos atendimentos realizados, se pretende lançar mão de pesquisa qualitativa de tipo históriA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 co-estrutural dialética. Esse tipo de pesquisa parte da descrição que intenta captar, não só da aparência do fenômeno, como também da sua essência. Busca as causas da existência dele, procurando explicar sua origem, suas relações, suas mudanças, e se esforça por intuir as consequências que terão para a vida humana (Triviños, 1987, p. 129). A avaliação do processo de intervenção junto à comunidade por meio das ações de ensino e extensão possibilita retorno no que se refere a transformações que possam ter ocorrido, tanto a partir da visão dos beneficiários da ação, quanto dos estudantes que se constituíram como sujeitos do processo e que de uma forma ou outra, essa ação refletiu na sua formação profissional. A devolutiva possibilita reorganizar a dinâmica de ensino, bem como a própria gestão do Programa, na perspectiva de superação dos desafios e manutenção dos processos que se colocam afirmativos. Produtos e observações Estudos dirigidos, essa ferramenta de trabalho é fundamental para a capacitação de professores, estudantes e técnicos que estejam envolvidos diretamente no projeto de extensão. Capacitações e palestras: para a capacitação dos docentes, discentes e técnicos envolvidos no presente projeto, haverá o envolvimento e a participação de muitos cursos da instituição. Elaboração de cartilha e material vinculados ao tema. Destaca-se que PECJur já elaborou as seguintes cartilhas: • • • • Criança e Adolescente em Conflito com a Lei: qual o caminho? Violência se Combate com Direitos Cartilha do Idoso Educação Previdenciária. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Nas atividades desenvolvidas, a divulgação é feita por meio das Cartilhas. Elaboração de folders para divulgação do Projeto e das temáticas trabalhadas. Elaboração de artigos pelos bolsistas de extensão vinculados às temáticas do PECJur. Criação de vídeos feitos pelos estudantes, professores e bolsistas. Publicação de artigos e pesquisas científicas realizadas pelos pelos estudantes, professores e bolsistas. Considerações finais O Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (PECJur) objetiva atender os requisitos da Política de Extensão da Unochapecó, quanto à organização das atividades extensionistas, as quais se organizam especialmente em torno de programas e projetos permanentes, possibilitando dessa forma uma ação efetiva junto à comunidade local/regional. O PECJur vincula-se com a comunidade da sua área de abrangência, pois atende uma população que historicamente não teve acesso e/ou acessou de forma muito precária os seus direitos para o exercício da cidadania. Quanto à construção de conhecimento e formação profissional, o PECJur está em consonância com os compromissos da Unochapecó, possibilitando a construção de um conhecimento referenciado nos problemas da comunidade regional, contribuindo na formação de profissionais comprometidos com a cidadania, entendida esta como processo individual e coletivo de superação das deA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 sigualdades e acesso à justiça, para o qual o conhecimento e acesso a direitos é condição fundamental. Dessa forma, toda a ação do PECJur está voltada à defesa dos direitos humanos, da cidadania e da democracia, que pressupõe respeito aos princípios fundamentais da vida pública e da dignidade do ser humano. Compreende-se que a formação, em seu sentido amplo e pleno, requer o compromisso dos atores envolvidos no processo educacional, voltados para o exercício da cidadania e conduta ética. Referências DALLARI, Dalmo de Abreu. Um breve história dos direitos humanos. In: CARVALHO, José Sérgio (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 2004. MORAIS, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução de Eloá Jacobina. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. ______. Método 5: A humanidade da humanidade: a identidade e humanidade. Porto Alegre: Sulina, 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 2001. SOARES, Maria Victoria Benevides. Cidadania e direitos humanos. In: CARVALHO, José Sérgio (Org.). Educação, cidadania e direitos humanos. Petrópolis: Vozes, 2004. TRIVIÑOS, Augusto. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Texturas – aprendizagens com a leitura na educação básica Márcia de Souza Felipe Flores Kupske Júnia Laíse Scheunemann Engel Natalia Matiazzo Introdução Evidencia-se na atualidade, por parte dos profissionais da educação e da comunidade não escolar, certa inclinação para se discutir alternativas que superem o índice de não leitores no País. O cenário propõe ainda que a leitura seja um campo de atuação para a ampliação dos processos e condições de inclusão social da população. Se por um lado o momento sugere perspectivas para o trabalho com práticas de leitura que fortaleçam o desejo coletivo em prol da formação de leitores, por outro, coloca aos professores, aos cursos de formação de professores, principalmente da área de Letras, o desafio e a responsabilidade de apresentar propostas viáveis que considerem o protagonismo do leitor. A necessidade de trabalharmos com a leitura em espaços formais e informais de educação é tema em pauta nas esferas públicas e privadas, uma vez que impactos dessa atividade estão diretamente relacionados à questão do desenvolvimento social e cognitivo. Devemos compreender a leitura como um direito, fundamentado no marco legal da Lei n. 10.753, de 30 de outubro de 2003, a qual institui a Política Nacional do Livro e aponta como uma das diretrizes a promoção e o incentivo ao hábito da leitura. Desde a publicação da Lei, na esfera pública, são inúmeros os editais de estímulo a projetos na área e leis de incentivo. Esses indícios sobre a necessidade de ampliação das estratégias voltadas à formação de leitores são reiterados, melhor compreendidos e se tornam fundamentais, ao analisarmos os resultados obtidos nas avaliações da educação básica propostas pelo Ministério da Educação (MEC), dados das pesquisas Retratos da Leitura no Brasil, realizadas desde 2001 pelo Instituto Pró-Livro (IPL), e relatórios do Instituto Paulo Montenegro com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) no mundo do trabalho. Com o olhar nesses índices, desenvolvemos o projeto Bolsa Amarela: cidadania e formação de leitores, vinculado ao curso de Letras, Área de Ciências Humanas e Jurídicas e à Diretoria de Extensão da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). As ações ancoram-se na proposta do Projeto Político Pedagógico do curso e buscam a orientação da prática educativa voltada à formação de professores capazes de intensificar os saberes de línguas e literaturas no cotidiano da sala de aula, de modo a tornar próxima a produção do conhecimento perpassada pelo ensino, pesquisa e extensão. As intervenções do projeto tiveram início em março de 2009 e, até julho de 2012, aconteceram na Escola Municipal Santa Terezinha, em Xaxim (SC). Durante esses quatro anos, as atividades tiveram como base a literatura infantil, uma vez que o público envolvido era o de crianças dos anos iniciais. As experiências desse período foram socializadas em eventos, estão registradas em artigos e podem ser consultadas em materiais impressos e on-line (Souza; Capitanio; Souza, 2012). A partir de então, o projeto foi reestruturado e, na atualidade, efetiva-se na Escola Estadual de Educação Básica Tancredo de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Almeida Neves, Chapecó (SC), atendendo de modo permanente as turmas do ensino médio. O trabalho com a leitura nesse nível escolar é fundamental para o bom desempenho do estudante nas avaliações nacionais, uma vez que a nota do Enem também é usada na obtenção de bolsas de estudos em faculdades particulares pelo Programa Universidade Para Todos (ProUni) e para o financiamento estudantil federal (Fies). Além disso, serve para certificação do ensino médio e para participação no programa Ciência Sem Fronteiras, de bolsas no exterior. A atenção para o Enem na área das Linguagens leva em consideração o ranking das escolas públicas estaduais. Nas avaliações de 2014, divulgadas em 2015, a melhor nota em âmbito nacional nessa área foi para uma escola de São Paulo, com média de 631,8, e esse estado também obteve o melhor resultado com as instituições particulares, 661,1. Em Santa Catarina, a melhor nota foi para uma escola estadual da capital, com 568,4. A cidade de Chapecó aparece em terceiro lugar com o desempenho da Escola de Educação Básica Bom Pastor, 535,04. Em relação às demais escolas estaduais do município, a escola Tancredo de Almeida Neves ficou em sexto lugar com 513,11. Esse índice é muito próximo do mínimo, uma vez que com 450 pontos em cada uma das áreas de conhecimento e quinhentos pontos na redação, interessados com no mínimo 18 anos receberão diploma de conclusão do ensino médio, sem haver a necessidade de frequência às aulas. Neste capítulo, então, discutiremos as ações do projeto em suas perspectivas teóricas e metodológicas, suas implicações na prática da sala de aula da escola pública, sua relação com o currículo do curso de Letras e, consequente, com a formação acadêmica. Não perdemos de vista sua dimensão na pesquisa, sobretudo no que concerne ao projeto em andamento, Educação Superior e ForA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 mação Leitora/Escritora: Índices do oeste de Santa Catarina, aprovado em 2015, por meio de edital de financiamento, com recursos do artigo 171, do Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina (Uniedu). Pensar a formação do leitor O que mencionamos até agora em relação às estatísticas está correlacionado à lógica sobre a qual se constituiu a história do leitor e da leitura no Brasil. Lajolo e Zilberman (1996) discutem como os fatos históricos mudaram e propiciaram a disseminação desse indivíduo tão escasso e minoritário. A obra A Formação da Leitura no Brasil será referência para este trabalho, uma vez que abre um panorama histórico e conceitual entre leitura e leitor e nos mostra de que maneira ambos devem se relacionar. O leitor como conhecemos é resultado do surgimento da prensa móvel de Gutemberg, no século XV. Esse mecanismo técnico levou à ampliação do mercado e do livro, o poder de consumo das massas, a urgência da noção de lazer e o recente papel que a leitura desempenharia dentro do novo préstimo da família e da privacidade do lar. Se é certo que leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais a escrita se consolidou enquanto código, como se sabe a propósito dos gregos, só existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a leitura, enquanto prática coletiva, em sociedades de recorte burguês, onde se verifica no todo ou em parte uma economia capitalista. Esta se concretiza em empresas industriais, comerciais, e financeiras, na vitalidade do mercado consumidor e na valorização da família, do trabalho e da educação. (Lajolo; Zilberman, 1996, p. 16). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A leitura sempre esteve viva em todas as sociedades, a começar pela oralidade. Uma pessoa era encarregada de contar histórias para outras, que se acomodavam para ouvir. Esses contos populares recebiam sempre modificações com o passar do tempo, uma vez que a forma oral não possui um registro fixo como o da imprensa. Sem dúvida, o processo de transmissão afeta as histórias de maneiras diferentes, em culturas diferentes. Alguns conjuntos de tradições folclóricas podem resistir à ‘contaminação’, embora absorvendo novo material de maneira mais efetiva que outros. Mas as tradições orais parecem ser tenazes e altamente duráveis quase em toda parte, entre os povos sem escrita. Também não se desmantelam com sua primeira exposição à palavra impressa. (Darnton, 1986, p. 35). No Brasil, a adesão da leitura popular foi realmente visível no Segundo Reinado com o Romantismo. Os autores dispendiam tratamentos pessoais para aquele que lesse a obra, havia a retomada dos acontecimentos dos últimos capítulos, explicação da participação de novos personagens, simulação de reações à obra etc. Num gesto em tudo semelhante, superestima o saber prévio do leitor, o que também acaba por conferir-lhe alguma superioridade. [...] Porém ao mesmo tempo em que lisonjeia seu leitor, reconhecendo-lhe os pré-requisitos necessários para a leitura, ao anunciar estratégias narrativas voltadas para sua preservação, parece encolher um pouco a competência anteriormente creditada a ele, atribuindo-lhe agora fôlego curto, ao qual facilmente cansa a repetição das informações. (Lajolo; Zilberman, 1996, p. 20). O momento da circulação do setor já era uma realidade em meio aos mecanismos formuladores para o mercado da literatura: A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 impressão, livrarias e bibliotecas presentes na sede do Rio do Janeiro. Essa forma cuidadosa, compreensiva e paternalista de tratar o leitor se dava devido à iniciação do público ainda inexperiente nessa atividade, e sem dúvida, às táticas mercadológicas. Para Lajolo e Zilberman (1996), havia também a construção do leitor nas obras, no caminho de idealizá-lo; representá-lo como espectador e participante sabido da trama que se desenrolava. Machado de Assis foi um pouco além e, em seu conto Questão de Vaidade, narrador e leitor compartilham do mesmo espaço e de intimidade na descrição da cena. Essa relação se desenvolveu bem e surtiu efeito no que se pretendia por parte dos artistas românticos. Um fato curioso é o de que o aumento do leitorado não foi tanto em razão da compra do livro, e sim ainda do folhetim de jornal em que eram publicadas cada capítulo das ficções. Isso aguçava a curiosidade pelo enredo e pela compra da edição seguinte. A Literatura Brasileira é farta de escritores que se preocuparam com o aspecto da recepção e, em suas produções, motivaram a constituição de sentidos e de diálogos entre leitor e narrador, prioritariamente nas narrativas do fim do século XIX para o XX, e do momento presente. Desde o surgimento do romance até a atualidade, o narrador passa a falar mais na direção do leitor, busca encurtar o espaço entre eles para criar uma relação comum entre os fatos narrados. Essas estratégias, consequentemente, reconstituem a relação entre o escritor e mercado editorial. Ao mesmo tempo que se configura a estética contemporânea da literatura para a venda, vem com ela um reafirmado coleguismo entre a dupla narrador e leitor nessas engrenagens do mercado editorial, este último aprendendo cada vez mais com o primeiro, afinal, só há mais produções caso continue havendo identificação atrativa para consumi-las. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Dentre as discussões que envolvem a preocupação com a formação de leitores no Brasil, destacam-se os últimos dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, a qual apontou, em 2016, que 44% da população brasileira, com mais de cinco anos de idade, não é leitora ou, ainda, se observarmos os resultados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), em 2015, apresentou que o total de 27% da população brasileira no mercado de trabalho deve ser considerada analfabeta funcional. Ser alfabetizado não significa somente reconhecer e juntar letras, mas ser capaz de inferir, decodificar, compreender palavras, as pausas corretas na pontuação, processar significados, e, por fim, o sentido final do enunciado para análise. A cena literária na sala de aula Por que ler é importante? Ou por outra, porque ler é fundamental? Há inúmeras justificativas para essas perguntas e respostas, mas, neste caso, essencialmente fala-se da leitura a partir de um curso de licenciatura em Letras e das questões que implicam à formação de professores. Nem sempre o currículo universitário consegue suprir, em alguns casos está longe de suprir, o que se entende necessário para essa atividade profissional docente. Os projetos sociais de extensão universitária têm sido aliados nessa trajetória. Por um lado, são considerados espaços decisivos para o aperfeiçoamento profissional e, por outro, fazem o movimento imprescindível à universidade, a relação com a comunidade. No caso do Bolsa Amarela, essa relação se faz com a inserção dos acadêmicos na escola, na vivência e percepção desse espaço. O diálogo com alunos e professores propicia alternativas viáveis de trabalho com a leitura, para além do currículo escolar. A opção pela A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 literatura traz essa perspectiva, por meio da qual se enfatizam conteúdos nem sempre discutidos no cotidiano das aulas, como os conteúdos do Enem e as obras literárias solicitadas nos vestibulares. A obstinação que move o planejamento das atividades é a de modificar uma rançosa ideia, comum no cotidiano da sala de aula: “eu não gosto de ler”. Infelizmente, essa noção perpassa todos os níveis de educação e não se apresenta apenas na linguagem dos alunos. Possenti (1994, p. 28), por exemplo, identificou essa trágica situação e a discutiu em um texto chamado Pragas da Leitura. Nele, o autor apresenta dois sentidos para esse título: num a leitura é objeto e noutro é agente das pragas. A leitura tem sido atacada por algumas pragas, entre elas a enfadonha opinião acima mencionada e que pode ser reiterada quando a sala de aula e o espaço escolar não são compreendidos como locais propícios para ela: professores não adotam a leitura em suas aulas, pois sentem receio de serem nominados de preguiçosos. Isso mostra que a leitura, equivocadamente, não é entendida como trabalho. Na escola, praga mesmo não é professor que não manda ler, é professor que não lê. Quem não lê [...] não tem por que aconselhar ou criar oportunidades para que outros leiam. A experiência de leitor é intransferível. Se alguém lê e consegue com isso que outro se impressione e tente também, esta já será uma outra experiência. (Possenti, 1994, p. 33). Mencionar que se atua na formação de leitores pode ser considerado “politicamente correto”. No entanto, para Azevedo (2004, p. 38): Infelizmente, não poucas crianças têm contato com adultos – pais, professores e outros – que recomendam a leitura, [...] mas, na verdade, não A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 são leitores [...]. Apesar de bem intencionadas, essas pessoas [...] costumam descrever a literatura de forma bastante idealizada. Falam em algo ‘mágico’, num prazer ‘indescritível’, referem-se a ‘viagens’ e coisas assim. Raramente, porém, talvez por não terem experiência, lembram-se de comentar, por exemplo, que a leitura, como muitas coisas boas da vida, exige esforço e que o chamado prazer da leitura é uma construção que pressupõe treino, capacitação e acumulação. O contato com adultos pseudoleitores e com idealizações infelizes a respeito da literatura e da leitura, de qualquer forma, tenho certeza, não tem contribuído para a formação de novos leitores. É a desconstrução desse ideário que fortalece o Bolsa Amarela. Temos como princípio reflexões sobre leitura e escrita em diferentes situações: formação de leitores, formação continuada do professor, dinamização da leitura e da escrita, interação com novas tecnologias de apoio à formação de leitores, articulação com políticas públicas de incentivo à leitura e atividades que estimulam o protagonismo acadêmico no cotidiano escolar. O leitor protagonista – experiências com a literatura no ensino médio Encontramos na Literatura de Tradição Oral um ponto de partida para iniciarmos um diálogo que fosse ao encontro das experiências e dos interesses dos alunos. Foram trabalhados conceitos e saberes e elaborada uma estratégia para o envolvimento dos alunos na produção e coleta de narrativas na comunidade do bairro Efapi. Com essa temática, foi possível observar conteúdos nem sempre previstos no tradicional currículo escolar. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Primeiramente, discutimos com os grupos: qual a importância que o hábito de ler tem em nossas vidas? Com o intuito de conhecer os adolescentes, indagamos sobre seus hábitos de leitura, o que leem, com que periodicidade e se eles têm gosto pela leitura. Com esse breve diagnóstico iniciamos as demais atividades. Os alunos foram interpelados sobre o que significava para eles a literatura oral e o que conheciam sobre esse tipo de narrativa. Com o intuito de despertar a atenção dos discentes, em um primeiro momento, foi proposto o tema “Lendas Urbanas”. Solicitamos que lembrassem algumas dessas histórias, as quais eles conhecem somente por registros orais e que são repassadas para outras pessoas da mesma forma. Muitas histórias foram lembradas, as contadas e ouvidas na escola, entre amigos e, principalmente, de pessoas da família, avós, tios, pais etc. Os mitos e histórias fantásticas compostas nesse subgênero são conhecidos por meio da tradição oral. Em seguida, foi feita a contação da lenda “A verdadeira história da Loira do Banheiro”, conhecida no meio escolar. Como estímulo à produção e ao trabalho coletivo, as turmas foram organizadas para que criassem uma lenda oral. Alguém começava a história e, sucessivamente, os outros davam continuidade, fazendo com que a história tivesse sentido. Para contribuir com a história, cada participante retirava de uma caixa uma palavra. Então, naquele momento, o “contador” deveria inserir a palavra na história. Os estudantes que finalizavam os textos precisavam criar um final condizente com a trama desenvolvida ao longo da contação. Em um segundo momento, foi realizada uma produção escrita individual. Os alunos deveriam criar uma lenda urbana, baseando-se nas histórias que já conheciam. Para auxiliá-los, foram colocados objetos diversos dentro de uma bolsa amarela, e a lenda deveria ser composta pelo nome dos objetos retirados de dentro da bolsa. A intenção dessas A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 atividades era instigar o protagonismo e proporcionar aos alunos momentos em que eles próprios produzissem histórias orais e percebessem que eram capazes dessa produção. Assim, foi possível inseri-los, efetivamente, no universo da literatura oral. Houve a compreensão de que a literatura oral pode estar em diferentes lugares e surgir de diferentes pessoas. Como faz parte de uma tradição, é também passada de geração para geração. Nesse contexto, não se pôde deixar de mencionar e conhecer Luís da Câmara Cascudo, um dos mais respeitáveis pesquisadores do folclore e da etnografia do nosso país. Eu gostaria de saber qual o traço mais marcante da cultura popular brasileira. Gostaria de saber, pelo seguinte, porque uma cultura popular é milenária e contemporânea. É de todas as épocas e do momento. A nossa vem das fontes mais antigas e variadas. Das indígenas, de onde vieram os nossos indígenas, quais as fontes étnicas culturais deles; quantas raças a África exportou nos navios negreiros para o Brasil. Cada grupo étnico era uma cultura, uma memória, uma projeção na nascente cultura brasileira, que era a miscigenação. Portugal é um tabuleiro de raças. Ali estavam todos os romanos, os celtas, os árabes e tudo isso veio para o Brasil, e naturalmente, logicamente, desse atrito a forma foi a mais inesperada, e a força de concentração mantém os elementos perenes, mas o tempo vai diferenciando, aculturando todas essas coisas. (Cascudo, 1978). Foi necessário contextualizar o que era tradição oral e como era difundida. E o que de fato os alunos sabiam a respeito de lendas urbanas, o que era esse subgênero literário? A partir das explicações, eles fizeram anotações no próprio caderno de Língua Portuguesa, foram instigados a pesquisar sobre o assunto e aprofundar os conhecimentos. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Como o objetivo era trabalhar a Literatura de Tradição Oral, foi preciso apresentar aos grupos conceitos e também teoria sobre esse gênero. Foram feitas apresentações em slides, salientando que sua definição é de um testemunho transmitido oralmente de uma geração a outra e que suas principais características são o verbalismo e sua maneira de transmissão, diferindo-se das fontes escritas. Para essa conceituação e planejamento das atividades, a leitura da obra O Grande Massacre dos Gatos, de Robert Darnton, foi fundamental. Devido à complexidade do tema, foi explicado ainda que não há uma definição para tradição oral que dê conta de todos os seus aspectos. Um documento escrito é um objeto: um manuscrito. Mas um documento oral pode ser definido de diversas maneiras, pois um indivíduo pode interromper seu testemunho, corrigir-se, recomeçar etc. Toda literatura oral tem sua própria divisão em gêneros literários. O historiador não só tentará apreender o significado desses gêneros para a cultura que está estudando, mas, também, colherá ao menos uma amostra representativa de cada um, pois em todos eles pode-se esperar encontrar informações históricas, além do que, as tradições que o interessam particularmente são mais fáceis de compreender quando analisadas no contexto geral (Vansina, 2008). Durante as atividades, destacamos que a literatura oral é a antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Histórias têm sido compartilhadas em todas as culturas e localidades como um meio de entretenimento, educação e preservação da cultura. A literatura oral é frequentemente considerada como um aspecto crucial da humanidade. Os seres humanos têm uma habilidade natural para usar comunicação verbal para ensinar, explicar e entreter, o que explica o porquê da literatura oral ser tão preponderante na vida cotidiana, uma vez que ela depende da experiência pessoal e da imaginação. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O maior obstáculo é a impossibilidade de escutar as narrativas, como eram feitas pelos contadores de histórias. Por mais exatas que sejam, as versões escritas dos contos não podem transmitir os efeitos que devem ter dado vida às histórias no século XVIII: as pausas dramáticas, as miradas maliciosas, o uso dos gestos para criar cenas – uma Branca de Neve com uma roda de fiar, uma Cinderela catando os piolhos de uma irmã postiça – e o emprego de sons para pontuar as ações – uma batida à porta (muitas vezes obtida com pancadas na testa de um ouvinte) ou uma cacetada, ou um peido. Todos esses dispositivos configuravam o significado dos contos e todos eles escapam ao historiador. (Darnton, 1986, p. 32-33). Também foi descrito aos grupos que a história contada e recontada no transcorrer de diversas gerações sofre modificações ao longo do tempo e que muitas destas histórias são contadas e adaptadas para os contos populares. Os personagens, na maioria das vezes, são mitológicos ou descritos dentro da simplicidade do homem da sociedade na qual a narrativa é contada. Há também a ocorrência de fatos fantásticos e miraculosos. Para que os alunos compreendessem de forma mais eficaz as transformações que as histórias orais sofrem ao serem recontadas, propusemos uma atividade simples e prática, o “telefone sem fio”. Uma breve frase era contada a um aluno, fazendo alusão a uma história, e esse por sua vez contava para o colega, que contava para outro e assim sucessivamente. Ao final, o último ouvinte contava para o grupo o que havia ouvido. Geralmente, o tema central da frase era mantido, mas muitas modificações eram feitas e a frase final nunca era igual ao do início. Foi possível fazer a relação com as histórias orais e as modificações que elas sofrem ao serem recontadas por diferentes pessoas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O surgimento da escrita e a oficialização da história auxiliou o homem a registrar os fatos antes passados oralmente. Nesse sentido, destacamos o escritor francês Charles Perrault, importante pesquisador de tradições orais que as transformava em livros. Os alunos também conheceram dois expressivos coletadores de histórias orais de todos os tempos: os irmãos Grimm. Muitos não tinham ouvido falar em Jacob e Wilhelm Grimm, conhecidos em todo o mundo pela grande quantidade de contos populares que recolheram na Alemanha, desde o início do século XIX, os quais escreviam as histórias que ouviam de parentes, amigos e camponeses. Durante séculos, as histórias conhecidas por diferentes povos eram transmitidas apenas oralmente. Eram contadas pelos mais velhos aos mais novos, percorrendo gerações. Na Idade Média, muitas delas ganharam versões escritas, feitas principalmente pelos padres que moravam nos monastérios. O registro desses contos em texto escrito tornava mais fácil a preservação dessas histórias. Sabendo disso, os irmãos Grimm passaram a pesquisar relatos em documentos antigos e recolher contos entre a população da Alemanha para preservar as histórias tradicionais do seu povo. Reiteramos que os irmãos Grimm são os escritores/coletadores de histórias infantis famosas, como Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, Branca de Neve, Cinderela, Rapunzel, entre outras. Contudo, enfatizamos que a maioria dessas histórias não trazia a perspectiva do mundo infantil, mas eram contadas como histórias de terror para adultos. Os irmãos Grimm foram responsáveis pela adaptação dessas histórias para o público infantil. Apesar de ocasionais toques de fantasia, portanto, os contos permanecem enraizados no mundo real. Quase sempre acontecem dentro de dois contextos básicos, que correspondem ao cenário dual A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 da vida dos camponeses nos tempos do Antigo Regime: por um lado, a casa e a aldeia; por outro, a estrada aberta. A oposição entre a aldeia e a estrada percorre os contos, exatamente como se fazia sentir nas vidas dos camponeses, em toda parte, na França do século XVIII. (Darnton, 1986, p. 54). Na sequência, trabalhamos com os grupos uma conhecida história escrita pelos Irmãos Grimm, porém não a versão coletada por eles, mas a versão de Charles Perrault. A história era Chapeuzinho Vermelho, que na versão de Perrault não tem um final feliz, pois tanto a vovó quanto a menina são devoradas pelo lobo. Essa e outras versões eram contadas em épocas passadas com o intuito de assustar e inibir adultos e crianças quanto a comportamentos e hábitos. Na versão adaptada de Chapeuzinho Vermelho pelos irmãos Grimm, a vovó e a menina são salvas e ficam bem. Os estudantes tiveram também a oportunidade de fazer adaptações de outras histórias dos irmãos Grimm. Em um dos momentos, organizados em trios, os alunos construíram as suas adaptações, escolheram um conto e o adaptaram de forma criativa. Essa atividade teve como princípio instigar protagonismo. Além disso, os alunos receberam orientação com relação à coleta de histórias que eles fariam. Organizados em trios, cada grupo ficou responsável por encontrar uma pessoa que tivesse uma história, daquelas que são passadas de geração a geração, para que eles pudessem coletar. Nesse primeiro momento, deveriam gravar ou escrever a história sem efetuar alterações, respeitando a originalidade e trazer esse material para o encontro seguinte. As histórias foram coletadas como atividade extraclasse para que os alunos pudessem visitar e interagir com familiares, vizinhos ou conhecidos. Além da história, eles deveriam organizar uma pequena biografia do narrador/contador. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 No encontro seguinte, os grupos trouxeram as histórias que foram organizadas para que tivessem coesão e coerência, além de torná-las textos escritos, e não mais apenas orais. A atividade foi realizada em dois momentos para que o trabalho fosse benfeito e organizado. Esse momento finalizou o trabalho acerca da Literatura de Tradição Oral com as turmas de primeiro ano do ensino médio, as quais puderem obter conhecimento teórico quanto ao assunto e colocar em prática o que foi estudado e discutido durante os encontros. Teoria e prática foram assumidas igualitariamente. Além das atividades sobre Tradição Oral com as turmas de primeiro ano do Ensino Médio, foram realizadas atividades com o gênero textual “crônica”. Foi elaborada uma produção escrita baseada na crônica “Eu sei mas não devia” da escritora Marina Colasanti, a fim de questionar os alunos sobre questões do seu cotidiano que não lhes agradam, mas que juntos eles podem buscar as devidas soluções. Com as turmas de segundo ano do ensino médio, foi trabalhada a poesia “Amor é fogo que arde sem se ver”, de Luís de Camões. Alguns alunos foram responsáveis por pesquisar vida e obra do autor e compartilhar com a turma. Foi feita a relação da poesia com a música “Monte Castelo” da banda Legião Urbana, a qual usa trechos da poesia para a composição da música, mostrando, assim, que a literatura vai além de textos e está em constante intertextualidade. Em decorrência do vestibular e do Enem com as turmas do terceiro ano, são trabalhados escritores relevantes para a literatura brasileira, tais como Carlos Drummond de Andrade, os poemas: “E agora José? Poema de sete faces” e “No meio do Caminho”; Vinicius de Moraes, “Soneto da fidelidade”; de Cecília Meirelles, “Tu Tens um Medo” e “Despedida”; de Clarice Lispector a obra “A Hora da Estrela”. Pesquisamos sobre a vida e obra de cada um dos autores, contexto A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 histórico no momento da produção, desenvolvemos análises, discussões, bem como foram resolvidas questões de vestibulares e Enem. Considerações finais A manifestação de qualquer expressão intelectual por meio da palavra deve ser compreendida no âmbito da literatura, a qual não se restringe apenas ao texto escrito, apesar dele ser a forma mais comum de reconhecê-la, tendo em vista a relação entre literatura e letras. No entanto, a palavra pronunciada, falada, é uma forma de expressão independente da escrita, e isso designa o fenômeno literário, mais amplo e complexo, anterior ao alfabeto. Se isso não fosse considerado, estaríamos negando a literatura dos iletrados, daqueles sem instruções literárias. Mesmo desconhecendo as disciplinas de ler e escrever, os povos primitivos e alguns grupos de pessoas na atualidade produziram e produzem cânticos, lendas, mitos, histórias; demonstram suas experiências e regras de conduta com provérbios, adivinhações, dramatizações, o que nos faz pensar na existência de um patrimônio que, desde a antiguidade, vem se difundindo de memória em memória e sobrevivendo por meio da Literatura de Tradição Oral. Com essas experiências, o grupo de alunos do ensino médio da Escola Estadual de Educação Básica Tancredo Neves de Chapecó (SC) percebeu a literatura sob duas particularidades, a escrita e a oral. Entenderam que a cultura popular é milenar e ainda assim contemporânea. Valorizaram as histórias contadas pelos mais velhos e na comunidade. Conheceram pesquisadores, folcloristas, dedicados ao estudo da Literatura de Tradição Oral de diferentes povos e culturas, a qual sobrevive no folclore brasileiro para, a par- A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tir daí, compreenderem a importância de conhecermos as obras literárias em sua totalidade e de nos tornarmos leitores. Referências AZEVEDO, Ricardo. Formação de leitores e razões para a Literatura. In: SOUZA, Renata Junqueira de (Org.). Caminhos para a formação do leitor. São Paulo: DCL, 2004. BRASIL. Lei n. 10.753, de 30 de outubro de 2003. Institui a Política Nacional do Livro. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/2003/L10.753.htm>. Acesso em: 10 out. 2016. CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. 18. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. ______. Depoimento. 1978. Disponível em: <http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/index2.htm>. Acesso em: fev. 2013. DARNTON, Robert. O Grande Massacre dos Gatos: e outros episódios da história cultural francesa. Tradução de Sonia Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1986. FOLHA DE S.PAULO. Confira nota de cada escola no Enem 2014 e veja lista das melhores e piores. Folha de S.Paulo, São Paulo, 5 ago. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ educacao/2015/08/1664727-confira-a-nota-de-cada-escola-no-enem-2014-e-veja-lista-das-melhores-e-piores.shtml>. Acesso em: 1 set. 2016. INSTITUTO PAULO MONTENEGRO. Indicador de Analfabetismo Funcional – Inaf. Alfabetismo no Mundo do Trabalho. 2015. Disponível em: <http://www.ipm.org.br/inaf>. Acesso em: 18 out. 2018. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A Formação da Leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 POSSENTI, Sírio. Pragas da leitura. Leitura, escola e sociedade. São Paulo: FDE, 1994. p. 27-30. SOUZA, Márcia de; CAPITANIO, Alana; SOUZA, Ana Cristina Pereira de. Projeto Bolsa Amarela: a literatura com um caminho para a ampliação da cidadania. Porto Alegre: Publicação da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS, 2012. Disponível em: <https://issuu.com/ extensaoufrgs/docs/revistaextensao_04?viewMode=doublePage&e=3950560/2879415>. Acesso em: 15 set. 2016. VANSINA, Jan. A Tradição Oral e sua Metodologia. 2008. Disponível em: <http://afrologia.blogspot.com.br/2008/03/tradio-oral-e-sua-metodologia.html>. Acesso em: 12 fev. 2013. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 EIXO II Movimentos sociais e participação Assentamento Dom José Gomes e as relações comunitárias Andreza Leticia Tessaro Kaliandra Dara Marta Teresinha Rita Boufleuer Maria Carolina da Silveira Moesch Introdução A trajetória do Programa de Apoio a Processos Participativos de Desenvolvimento Local (Papel) esteve envolvida na coordenação de processos integrados à sustentabilidade e articulação com movimentos sociais. Buscando a superação das desigualdades sociais, promovia a inclusão social e contribuindo com o desenvolvimento sustentável. Desde o segundo semestre de 2014, atuou na comunidade do Assentamento Dom José Gomes, localizado no município de Chapecó, oeste de Santa Catarina. O Papel passou a atuar nesse espaço após a demanda de algumas lideranças e relatos de que “o espírito comunitário estava se perdendo”, causando o afastamento dos moradores de seus objetivos coletivos. A partir dessa demanda, iniciaram-se as atividades de pesquisa-intervenção com o propósito não apenas de coletar informações, mas de contribuir para o desenvolvimento local através da promoção de trabalhos com o objetivo de desenvolver autoanálise e autogestão, visando a construção de projetos coletivos de fortalecimento do grupo e dos vínculos comunitários. Em dezembro de 2015 foi aprovado projeto de extensão da Universidade Comunitária da ReA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 gião de Chapecó (Unochapecó), via Fundação de Apoio à Pesquisa e à Extensão (Fapex), para viabilizar recursos e continuidade das ações que já vinham sendo realizadas no assentamento. Com vigência até dezembro de 2017, esse projeto foi denominado “Fortalecendo a Integração Comunitária no Assentamento Dom José Gomes”. Seu objetivo era construir, junto com os moradores do assentamento, iniciativas de organização na comunidade, contribuindo com a promoção do espírito comunitário como condição para o desenvolvimento sustentável e a agregação de novas práticas coletivas. Essa aproximação com a universidade permitiu a realização de diversas atividades com variados cursos, integrando ensino, pesquisa e extensão. Metodologia O projeto se delineou como uma pesquisa-intervenção, tendo em vista: O processo de formulação da pesquisa-intervenção aprofunda a ruptura com os enfoques tradicionais de pesquisa e amplia as bases teórico-metodológicas das pesquisas participativas, enquanto proposta de atuação transformadora da realidade sócio-política, já que propõe uma intervenção de ordem micropolítica na experiência social. (Rocha; Aguiar, 2003, p. 67). Dessa maneira, a pesquisa-intervenção ajuda-nos a pensar ações de transformação no assentamento, e este preza inicialmente por se fazer uma mobilização e sensibilização dos atores envolvidos, e posteriormente envolver e organizar os processos participativos de gestão social gestados pela própria comunidade, na relação com os organizadores da intervenção. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Para tanto, partiu-se da elaboração de diagnósticos participativos para a elaboração de propostas estratégicas e eixos aglutinadores de desenvolvimento e, então, finalmente alcança-se a efetivação dos projetos e ações. Como método específico para o levantamento de informações no assentamento, utilizou-se observações participantes e entrevistas, de modo que este modelo vem ao encontro da lógica proposta por Baremblitt (2002), que diz respeito ao processo de estar junto à comunidade para identificar a demanda, as verdadeiras necessidades do grupo. No decorrer da pesquisa, buscou-se investigar o máximo possível quais eram os modos de organização e gestão utilizados na comunidade do assentamento. Foram levantados, junto aos moradores e lideranças, as principais necessidades, visando planejar intervenções específicas. Esse processo coletivo, partindo de uma dialética de autogestão e autoanálise, em que o profissional e a comunidade trabalham juntos, possibilita encontrar e analisar as demandas, para a atuação, também coletiva, sobre suas reais necessidades. A intenção foi de abarcar, por meio do referencial teórico da Análise Institucional (Baremblitt, 2002), a construção de estratégias que visem ao fortalecimento dos laços sociais e de cidadania. Por meio de um planejamento participativo, possibilitando o diálogo entre os sujeitos, promovendo um espaço de escuta e compreensão, fortalecendo os laços sociais, autonomia e promoção de saúde mental, pautadas sempre na ética profissional. A intervenção se faz com o intuito de que a comunidade reflita e analise tais questões que atravessam significativamente o seu cotidiano, pois somente o coletivo tem a autonomia de decisão e efetivação de qualquer plano. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Assentamento Dom José Gomes: movimento de resistência Frente a essa breve trajetória, busca-se neste estudo descrever a inserção do Papel no Assentamento Dom José Gomes, as ações até então realizadas, as conquistas e os entraves desse processo, assim como as perspectivas futuras dessa parceria. Localizado no município de Chapecó, oeste de Santa Catarina, onde residem quarenta famílias, cultivando e tendo como meio de subsistência a agricultura familiar e o trabalho no meio urbano. A área total desse assentamento é de 372,3508 hectares. Para conseguirem chegar a essa extensão, foi um longo período de lutas, desde 23 de abril de 2002, quando mais de duzentas famílias ocuparam a Fazenda Seringa, permanecendo em condição de acampamento por sete anos, até que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) toma a posse da área, destinando-a para Reforma Agrária (Sigra, 2015). Desde então, o programa Papel passou a atuar nesse espaço, após a demanda de algumas lideranças e relatos de que o espírito comunitário estava se perdendo e causando o afastamento dos moradores de seus objetivos coletivos. De acordo com o Plano de Desenvolvimento do Assentamento (2009), o ideal de organização dos assentamentos, proposto pelo MST, é o sistema cooperativo, no qual a terra, os meios de produção e outras riquezas sejam do coletivo organizado através do cooperativismo. No entanto, são poucos os assentamentos que conseguem organizar-se de forma cooperativa, ficando a maioria deles como organizações semicoletivas ou individuais. Entende-se que o espírito coletivo de luta deva permanecer na base da organização dos assentamentos para promover o desenvolvimento econômico e social das famílias como uma forma de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 prevenir o total individualismo, reforçado pelos modelos econômicos vigentes na sociedade. No caso desse assentamento, algumas lideranças têm demonstrado preocupação com a diminuição desse senso comunitário e o surgimento de conflitos, fragilizando a organização social e desfocando dos objetivos iniciais do assentamento. A exemplo do que vem ocorrendo nos núcleos do assentamento, pois, a princípio, reuniam-se numa frequência de uma vez por mês e tinham o propósito de ter um trabalho semicoletivo da atividade agropecuária, apoiados pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Através da fala de um líder do assentamento, este aponta que está no momento dos grupos voltarem aos seus encontros e da coordenação, pois a articulação nesses espaços diminuiu, e o espírito de trabalho se voltou à individualidade, aos lotes e ao trabalho externo. O programa Papel, através do projeto “Fortalecendo a Integração Comunitária”, realizou diagnóstico e coletou informações de demandas até o presente momento para contribuir no fortalecimento da comunidade e promover o desenvolvimento econômico e social das famílias, de forma a conscientizar sobre a conquista de benefícios e objetivos que só podem ser alcançados por intermédio da coletividade. O programa Papel, através do projeto “Fortalecendo a Integração Comunitária”, iniciou suas atividades realizando diagnóstico situacional, em pareceria com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) e com o curso de Psicologia, este último através da realização de uma prática acompanhada em Psicologia Social Comunitária no primeiro semestre de 2015. Ações estas com vistas a contribuir com o fortalecimento da comunidade, já intervindo através da metodologia da pesquisa intervenção na reflexão acerca da coletividade, da retomada das memórias comunitárias A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 sobre a conquista de benefícios e objetivos que só podem ser alcançados por intermédio da coletividade. Como o objetivo do projeto é construir junto com os moradores do Assentamento Dom José Gomes iniciativas de organização na comunidade, contribuindo com a promoção do espírito comunitário como condição para o desenvolvimento sustentável e a agregação de novas práticas coletivas, compreende-se que este aproxima a universidade e integra ensino, pesquisa e extensão, seguindo a metodologia do programa Papel, que preza inicialmente por se fazer uma mobilização e sensibilização dos atores envolvidos, e em decorrência envolver e organizar os processos participativos de gestão social. Só então, inicia-se a elaboração de diagnósticos participativos para então partir para a elaboração de propostas estratégicas e eixos aglutinadores de desenvolvimento e, finalmente, alcança-se a efetivação dos projetos e ações (Unochapecó, 2016). Colaborando com essa perspectiva tanto da extensão universitária, como das diretrizes do Papel, o diagnóstico que foi e que é realizado no Assentamento Dom José Gomes pelo projeto “Fortalecendo a Integração Comunitária” parte da premissa da constante observação dos processos e participação nas ações coletivas, haja vista ser um processo coletivo e dinâmico, o qual exige o (re)conhecimento da história e memória do assentamento, da análise da situação atual, tendo como horizonte que esta análise é dinâmica, e, portanto, um processo contínuo de investigação-intervenção. Reconhecer como se deu o processo de assentamento das famílias foi primordial para a aproximação com o campo e elaboração do projeto, bem como sua continuidade e, portanto, passaremos agora a contextualizá-lo. Tendo em vista que o “Movimento dos Sem Terra (MST) é um movimento de trabalhadores do campo que lutam para conquistar A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 a posse da terra, à qual nunca tiveram acesso, ou de onde foram expropriados [...]” (Poli, 1999, p. 32), cabe destacar seu contexto histórico marcado profundamente por experiências capitalistas e que, junto a diversos outros movimentos sociais do campo, buscaram se organizar e fortalecer suas bandeiras contra o sistema hegemônico que induzia a exclusão social. Desse modo, “[...] na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, os movimentos sociais reestruturaram a camada popular, fortaleceram a base e construíram uma comunidade alternativa.” (Pereira et al., 2014, p. 629). A comunidade abrange “[...] todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral [...] e continuado no tempo.” (Sawaia, 1999, p. 13). Nessa perspectiva, percebem-se alguns pontos nodais que fazem com que aquelas famílias que lá residem não consigam se desenvolver de forma significativa, nem mesmo estabelecer laços de comunhão. Através das observações no campo identificou-se como uma problemática a ser trabalhada o modo como circula o diálogo entre as famílias, onde se percebeu que o coletivo em si não decide, quem delibera são alguns poucos, na maioria das vezes os responsáveis pelos setores, ou mesmo os representantes do assentamento. Conforme narrativas de alguns moradores, a deliberação dos rumos a serem tomados pela comunidade acaba ocorrendo de forma arbitrária, rompendo com a ideia de comunidade e democracia. A organização social do assentamento, que deveria estar mais para a eclosão de um dissenso, para a ascensão da política, acaba por ser restringida, ficando limitada a uma ordem policial consensual, o que afeta diretamente na relação comunitária, gerando imobilidade e enfraquecendo os projetos coletivos. Quando falamos aqui em política, não nos referimos aos modos de gestão, mas ao processo de produção A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 de novos sentidos sobre o comum. Política, na perspectiva de Rancière (1996), é produção de dissensos, de desentendimentos sobre o instituído e de produção de atores sociais que se desidentifiquem com suas posições anteriores, reconhecendo novas possibilidades coletivas e questionando os determinantes anteriores. O que precisa ser considerado é que os problemas não se restringem apenas na não circulação do diálogo, mas também em questões de ordem interna de caráter relacional, e que surgem desde a distribuição dos lotes, feita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), até fatores demográficos que envolvem o distanciamento de famílias que comumente interagiam no período de acampamento, sofrem um distanciamento após a constituição do assentamento. Outro fator são as influências externas devido à proximidade com o centro urbano do município de Chapecó. Os moradores são envolvidos com oportunidades de trabalho e atrativos urbanos, considerando que o modo de viver em sociedades capitalistas modifica o olhar sobre o que é viver em comunidade coletiva. De certo modo, os assentados não podem ser culpabilizados pelas mudanças ocorridas no contexto comunitário. O que chama a atenção é o contexto hegemônico atual, que influencia não apenas a comunidade do assentamento de Chapecó, mas também outros tipos de comunidade. Na medida em que as questões da economia capitalista ganham força e espaço no cotidiano das famílias assentadas, os moradores passam a dar mais atenção à propriedade privada e produção de riqueza, deixando em segundo plano os objetivos coletivos, ocasionando o enfraquecimento dos espaços e vivências coletivas, bem como de suas lideranças. Portanto, pode-se perceber que existem movimentos de criação, mas mesmo com esses movimentos, a resistência dos moradoA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 res ainda é muito grande, pois os conflitos internos do assentamento têm gerado o afastamento das pessoas dos grupos e reuniões que são feitas pelo projeto para a promoção do espírito comunitário. E este é o cenário atual que o projeto encontra para o desenvolvimento de suas atividades, onde há a necessidade de uma inserção que compreenda este cenário como potencializador de novas experiências, com cuidado e sutiliza na abordagem, com o intuito de não entrave para a efetivação do projeto. Nesse sentido, “[...] a criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas, mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo...” (Vygostki, 1990, p. 15 apud Zanella et al., 2012, p. 250). Percebe-se que existe uma resistência sobre os moradores, mesmo com movimentos de criar o novo, no qual se propõe que “ReXistências que reinventam a vida de cada um e, ao mesmo tempo, contribuem para a reinvenção da vida de todos.” (Zanella et al., 2012, p. 252). Considerações finais Conclui-se que essas ações realizadas contribuíram para o envolvimento da população em atividades de grupos com foco a fortalecer a comunidade na busca de soluções de problemas e na melhora das suas condições de vida. De modo que a elaboração de produtos acadêmicos, como este e-book, possibilitou a comunicação e divulgação dos resultados em diversos espaços, contribuindo com a expansão da produção do conhecimento voltado para a realidade dos contextos regionais. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Apesar de algumas limitações, em especial de acesso às famílias em função de suas atividades de trabalho, as ações desenvolvidas pelo Papel e pelo projeto “Fortalecendo a Integração Comunitária” estão concatenadas com a perspectiva das diretrizes gerais da Política de Desenvolvimento de Extensão, de modo a possibilitar o acesso e a troca dos conhecimentos disponíveis na universidade ao conjunto mais amplo de segmentos sociais e culturais. Nesse processo, é viabilizada à comunidade acadêmica e regional o contato com as inovações científicas e tecnológicas, sociais, econômicas, culturais e ambientais, socializando os resultados das investigações produzidas. Esse projeto possibilitou o envolvimento de variados cursos e áreas do conhecimento contemplando atividades de extensão nos projetos pedagógicos dos cursos e incrementando a participação dos acadêmicos nas atividades de extensão. Não resta dúvida sobre o valioso espaço que a Unochapecó conquistou e tem sido reconhecida pelos moradores como verdadeiro apoio através dos diversos programas (Papel, ITCP, entre outros). E a riqueza pedagógica desse espaço favorece a inserção dos estudantes e pesquisadores numa realidade que busca construir modos de vida baseado no senso comunitário. E ainda, compreende-se que este trabalho está apenas iniciando um processo, onde outras áreas de conhecimento são convidadas a contribuir para o fortalecimento dos vínculos comunitários e o desenvolvimento sustentável do Assentamento Dom José Gomes. Referências BAREMBLITT, Gregorio F. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2002. 235 p. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 PLANO de desenvolvimento do Assentamento Dom José Gomes Chapecó-Santa Catarina. Convênio INCRA/COOPTRASC nº 627.837. Cooperativa dos trabalhadores da Reforma agrária de Santa Catarina. Chapecó, 2009. PEREIRA, Eliane et al. Epistemologias da terra e práticas educativas: estratégias do MST para uma luta emancipatória frente ao modelo de globalização hegemônico. Colóquio Internacional de Educação e Seminário de Estratégias e Ações Multidisciplinares, v. 2, n. 1, p. 621-634, 2014. POLI, Odilon. Leituras em movimentos sociais. Chapecó: Grifos, 1999. RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. Tradução de Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 1996. ROCHA, Marisa Lopes de; AGUIAR, Katia Faria de. Pesquisa-intervenção e a produção de novas análises. Rio de Janeiro: Psicologia Ciência e Profissão, 2003. p. 64-73. SAWAIA, Bader Burihan. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 1999. SIGRA. Retrato do Assentamento Dom José – Chapecó (SC). Apresentação em slides. Sistema Integrado de Gestão Rural da ATER/ATES. Organização de Teresinha M. R. da Silva, ATP SIGRA, Lote I. 2015. (No prelo). ZANELLA, Andréa Vieira et al. Sobre ReXistências. Psicologia Política, São Paulo, v. 12, p. 247-262, 2012. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Desafios para o desenvolvimento da economia solidária no território oeste catarinense Graciela Alves de Borba Novakowski Carlos Eduardo Arns Andreia Casagrande Begnini Introdução As transformações que vêm ocorrendo nas últimas décadas nas esferas social e econômica suscitaram impactos na realidade e vida da população. O crescimento das taxas de desemprego, o êxodo rural, a organização da produção e comercialização e a configuração do sistema capitalista fortalecem as desigualdades e excluem uma parcela da população. Em virtude dessa realidade, desde os anos de 1990, grupos de trabalhadores, organizações formais e informais buscam alternativas no trabalho cooperado e associativo, formando um movimento que aos poucos começou a ser conhecido como Economia Solidária. A Economia Solidária é uma forma de participação social e desenvolvimento das potencialidades locais, uma vez que alia práticas econômicas e solidárias, pautadas pelo trabalho associativo e autogestionário, com propriedade coletiva e respeito às diversidades e ao meio ambiente. Possui como princípio a solidariedade e valorização do ser humano, da natureza, considerando o coletivo como essencial. Considerando que a Economia Solidária se apresenta como uma alternativa para o fortalecimento do desenvolvimento, o presente artigo é resultado de estudo desenvolvido para o projeto “Fortalecimento da Economia Solidária no Território Oeste de Santa Catarina”, do CNPq, e executado pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), que tem por objetivo apresentar o quantitativo, bem como as características dos Empreendimentos de Economia Solidária (EES) existentes no território oeste catarinense. Em 2003, com a implantação da Senaes, uma das primeiras demandas identificadas foi a busca e organização de informações sobre os empreendimentos de Economia Solidária, existentes no País. Para tanto, foi constituído em 2004 o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), que realizou o primeiro mapeamento da Economia Solidária no período de 2005 a 2006, cujos dados foram publicados em 2007. No período de 2009 a 2011 foi realizada nova pesquisa para a ampliação de dados e publicada em 2013. De acordo com o SIES, os EES podem ser definidos como organizações coletivas (cooperativas, associações, grupos, clubes de troca, redes, empresas autogestionárias), que dispõem ou não de registro legal e fundamentam-se nos princípios da cooperação, autogestão, solidariedade e ação econômica (Brasil, 2009). Em todo Brasil até o ano 2007 foram identificados 21.859 EES. De 2007 até 2013 foram identificados mais 11.663 novos EES, totalizando 33.518 EES, aspecto relevante para a análise da atuação dos EES no País. O envolvimento e a participação de diferentes atores nos empreendimentos tende a possibilitar um fortalecimento das potencialidades locais, ou seja, o desenvolvimento endógeno ocorre também por meio de ações da Economia Solidária. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O artigo está estruturado em cinco partes, sendo a primeira a presente introdução, a segunda trata sobre a Economia Solidária no território oeste catarinense, a terceira sobre a metodologia, a quarta apresentação dos resultados e discussões e a quinta as considerações finais. Economia solidária no território oeste catarinense Ao longo do século XVIII, após a revolução industrial, novas alternativas e práticas econômicas começam a ser pensadas em diversos países, uma vez que o modelo capitalista apresentava fragilidades com relação ao modo de trabalho. A geração de desemprego ocorrida diante da mecanização levou ao aumento da informalidade em um contexto no qual os trabalhadores chegam a abrir mão de seus direitos para garantir a sobrevivência. Para superar os obstáculos que surgiram com o capitalismo industrial, os trabalhadores começaram a se organizar na ideia de cooperativismo, criando sindicatos, associações. Movimento esse que impulsionou os trabalhadores a assumirem as empresas, e na forma de autogestão superar as dificuldades para garantir a geração de renda (Benini et al., 2012). No Brasil, as iniciativas relacionadas ao cooperativismo iniciaram no século XX. Ao longo da década de 1990 surge o movimento de Economia Solidária no Brasil, resultado do movimento social e sindical em resposta ao desemprego estrutural (Favarin, 2010). No ano de 1996, Paul Singer utiliza de modo pioneiro a expressão Economia Solidária, e essa prática foi sendo articulada com diversos atores: organizações sindicais, ONGs, acadêmicos e universidades, religiosos, gestores públicos, entre outros. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Para Singer (2002), a Economia Solidária no Brasil ressurge na década de 1980 com os movimentos sociais e trabalhadores atingidos pela crise do desemprego que iniciou em 1981 e se agravou em 1990 com a abertura do mercado interno para as importações. Nessa visão de um modelo que se opõe ao capitalismo, a Economia Solidária é considerada como uma nova forma de geração de trabalho, distribuição de renda e organizações geridas pelos trabalhadores. Em um movimento de luta contra a exclusão e a desigualdade, representantes dos movimentos: dos Trabalhadores, das Centrais Sindicais, dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária, Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, Igreja Católica, entre outros, saíram em defesa da Economia Solidária, organizando em janeiro de 2011 na cidade de Porto Alegre o I Fórum Social Mundial (I FSM), constituindo ali o Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária (GT – Brasileiro). A Economia Solidária passou a fazer parte da agenda do governo federal brasileiro e a ser incluída nas ações de políticas públicas, a partir de 2003, sendo entendida como uma alternativa para a geração de trabalho e renda. E para atender a esse grupo e constituir, enquanto lei, as iniciativas locais, o governo implantou a Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), e esta, vinculada ao Ministério do Trabalho, implantou o programa Economia Solidária em Desenvolvimento (Singer, 2002). Com a criação da Senaes, uma necessidade que surgiu foi de obter informações sobre os empreendimentos existentes no País. Para tanto, foi iniciado um trabalho e criado o banco de dados nacional chamado de Sistema Nacional de Informações de Economia Solidária (SIES). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 De 2007 a 2010, a Economia Solidária ganhou espaço em diversos editais e chamadas públicas, que possibilitaram por meio de projetos o desenvolvimento de ações com os empreendimentos, bem como a instituição de políticas públicas para consolidar agenda política das três esferas de governo (Senaes, 2012). No ano de 2013 foi finalizado o segundo mapeamento da Economia Solidária no Brasil, disponibilizado no ano de 2014, apresentando aspectos relevantes para a análise da atuação dos empreendimentos de Economia Solidária no País (Senaes, 2012). O envolvimento e a participação de diferentes atores nos EES tende a possibilitar um fortalecimento das potencialidades locais, ou seja, o desenvolvimento endógeno ocorre por meio de ações da Economia Solidária. No Brasil, o debate sobre a abordagem territorial e fortalecimento das potencialidades locais vem avançando nos últimos oito anos, considerando o território como unidade básica para a gestão das políticas públicas. Sendo assim entendido o território como um conceito que vai além do espaço físico, envolvendo o social, o cultural, o ambiental e o econômico (Senaes, 2012). A Secretaria do Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SDT/MDA) planejou como forma de aproximação dos municípios a divisão desses em territórios geográficos, para que com uma área menor fosse possível a aproximação dos demais aspectos que envolvem o desenvolvimento. Como estratégia para o alcance das metas, a SDT/MDA promove a articulação entre políticas públicas que atuam nas diferentes organizações e segmentos sociais que envolvem os territórios, dentre essas a Senaes, que atua no fortalecimento dos EES que surgem nos diferentes municípios e expressam as potencialidades e diversas identidades existentes no território. No ano de 2003 foi criaA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 da a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, e a Senaes passou a integrar suas ações no Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat), estabelecendo uma comunicação entre a Economia Solidária e a agricultura familiar (Senaes, 2012). O trabalho com os territórios rurais continuou, e em 2010 foi desenvolvido o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), com o objetivo de promover o desenvolvimento com igualdade, inclusão, seguindo as diretrizes das políticas públicas do Governo Federal (SDT, 2010). A Economia Solidária é incluída na pauta dos territórios rurais pela proximidade nos princípios, público-alvo comum e alinhamento nas políticas públicas. A área de estudo é o território oeste catarinense, sendo esse um recorte no estado de Santa Catarina. Santa Catarina, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui um território de 95.703,487 km², que representa 1,12% do território nacional, com uma população de 6.248.436 de habitantes em 2010, dos quais 5.247.913 (83,99%) se encontram na área urbana e 1.000.523 (16,01%) na área rural. O estado se diferencia de outras Unidades da Federação pela grande diversidade de ecossistemas, processos de ocupação territorial, composição étnico-cultural e de sistemas produtivos. Santa Catarina possui 295 municípios, organizados em 21 associações municipais e 36 secretarias de Desenvolvimento Regional. De acordo com os dados do IBGE, Santa Catarina possui uma população estimada de 6.634.254, em uma área de 95.736,165 km² e 295 municípios. Se comparado a outros estados brasileiros, pode-se dizer que Santa Catarina se encontra em uma situação privilegiada por obter 1,12% de todo território nacional e possuir um processo de industrialização distribuído por todas as suas regiões, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 além de um dos maiores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil (IPEA, 2013). O território oeste catarinense por decisão do Colegiado de Desenvolvimento Territorial (Codeter) é composto por 27 municípios situados entre os territórios do meio oeste contestado e do extremo oeste compondo a região da Grande Fronteira do Mercosul, que integram a mesorregião oeste de Santa Catarina, conforme divisão regional do IBGE. O TOC pode ser considerado rural, pois todos os 27 municípios possuem população rural, e a identidade dos empreendimentos de Economia Solidária está fortemente ligada à agricultura familiar. Esse território apresenta também nos últimos anos o êxodo rural como um elemento preocupante, mas que parece ser possível de recuperar se as ações de valorização da região puderem ser planejadas e o desenvolvimento endógeno incentivado. Nesse sentido, é possível identificar que a história do início da colonização do território oeste catarinense não valorizou o capital social existente, o que gerou a perda de uma riqueza cultural e a falta de sentimento de pertencimento. Além do processo de colonização não ter sido realizado de forma justa e igualitária, anos mais tarde a forte presença da agroindústria tirou a autonomia dos agricultores em suas próprias terras. A busca pela resistência a esse sistema que defende os interesses privados é impulsionada pelos movimentos sociais, dentre esses a Economia Solidária, que buscam alternativas ao modelo de modernização. A identidade do território catarinense ligada à valorização dos saberes locais e ao desenvolvimento endógeno ainda é um processo em construção que vem sendo apoiado via políticas públicas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Metodologia O presente estudo tem como base o objeto empírico, utilizaram-se os dados do Mapeamento da Economia Solidária no Brasil, disponível no banco de dados do Sistema Nacional de Informações. A abordagem é qualitativa, uma vez que não se fez uso de técnicas quantitativas para análise dos dados. Quanto aos fins, pode ser classificado como exploratório, de acordo com Triviños (2009), permite ao pesquisador intensificar sua experiência em torno da problemática. E também pode ser classificado como descritivo, pois descreve características de determinado fenômeno ou população, estabelecendo relação entre as variáveis (Gil, 2002). Quanto aos meios, a pesquisa pode ser classificada em bibliográfica e documental, considerando a literatura existente sobre o tema e os documentos formalizados e que estão à disposição para serem utilizados. Resultados e discussões O território oeste catarinense possui uma população rural muito expressiva em todos os municípios, o que pode classificá-lo como rural. Conforme a tabela 1, 17 dos 27 municípios possuem menos de cinco mil habitantes, ou mesmo 25 do total dos municípios possuem menos de 15 mil habitantes. Apenas um município possui a população acima de cem mil habitantes, sendo considerado polo da região. Do ano 2000 para 2010 ocorreu uma redução na população em 17 municípios. A maior parte dos municípios que tiveram aumento da população destaca-se por possuir uma área urbana que A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 nos últimos anos tem recebido novas empresas, o que tem gerado maior oferta de empregos. Com relação ao comparativo entre rural e urbano, de acordo com o Censo de 2010, na área de estudo, 16 municípios possuem a população rural superior à população urbana. Tabela 1 – Evolução populacional e população rural e urbana Município População População Urbana 2000 2010 Águas de Chapecó 5.782 Campo Erê Chapecó Águas Frias Caxambu do Sul Cordilheira Alta Coronel Freitas Formosa do Sul Guatambu Rural 6.109 3.236 981 1.443 10.353 9.370 6.252 3.118 146.967 183.561 10.535 10.213 4.702 4.675 2.525 5.263 3.093 2.725 2.424 4.406 3.767 2.601 2.873 2.150 2.256 1.468 2.319 1.084 1.517 168.159 15.402 6.067 2.202 2.096 1.749 4.146 2.926 Jardinópolis 1.994 1.766 449 799 967 Nova Itaberaba 3.543 4.256 4.275 1.064 3.101 4.267 3.211 2.750 1.829 16.335 13.618 Planalto Alegre 12.356 921 1.593 Quilombo 10.736 10.284 1.066 5.749 2.706 Santa Terezinha do Progresso 3.416 2.896 1.255 Irati Nova Erechim Novo Horizonte Pinhalzinho Saltinho 2.452 4.196 2.679 3.961 1.530 539 1.647 2.737 2.717 4.502 2.357 A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 650 Santiago do Sul 1.696 1.465 São Bernardino 3.140 2.677 719 1.960 9.364 10.284 6.899 3.385 Serra Alta 8.324 9.016 São Carlos São Lourenço do Oeste Saudades 19.647 21.797 16.885 3.285 1.835 Sul Brasil 3.330 3.116 2.766 União do Oeste 3.391 2.910 Fonte: elaboração própria, com base em IBGE (2010). 5.123 1.011 1.107 815 4.912 3.893 1.450 1.755 1.803 No primeiro mapeamento do SIES foram cadastrados 19.708 EES em todo País, dos quais 16,7% (3292 EES) localizavam-se no Sul do Brasil (PR, SC, RS), e, destes, 23,27% (766 EES) encontravam-se em Santa Catarina. Por sua vez, o território oeste catarinense (TOC) conta com 11,75% dos EES de SC, no período do levantamento. De acordo com a tabela 2, no mapeamento finalizado em 2007, o território possuía cem EES; e no mapeamento finalizado em 2013 foram localizados noventa EES. Com relação à área de atuação dos EES, os dados do SIES (2013) mostram um comportamento de organização semelhante no Brasil, na região Sul, em Santa Catarina e no território oeste catarinense, o espaço rural. Nessa categoria de análise percebe-se uma mudança de comportamento entre os dados dos dois levantamentos (SIES, 2007 e SIES, 2013) para os EES do estado e do território. Enquanto em 2007 havia uma distribuição mais equilibrada entre os EES, onde 36%, 30% e 34% do estado e 34%, 31% e 35% dos EES do TOC atuavam na área rural, urbana e rural-urbano, respectivamente. No entanto, em 2013, 56%, 25%, 19% e 50%, 24%, 26% dos EES atuavam no rural, urbano e rural-urbanos no estado de SC e território A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 oeste catarinense, respectivamente. Ou seja, no segundo levantamento amplia a participação dos EES de atuação na área rural em detrimento dos EES de atuação no espaço urbano e rural-urbano em ambos os casos (SC e território oeste catarinense). Esse fortalecimento dos EES com atuação rural pode estar relacionado à força da participação agropecuária e da agricultura familiar em sua diversidade e versatilidade na geração de trabalho e renda. Com relação à forma de organização, a análise dos dados do SIES 2013 mostra que SC e o TOC apresentam comportamento semelhante, estando boa parte dos EES organizados em forma de associações, seguidos por cooperativas e grupo informal. Conforme tabela 2 no mapeamento de 2013, apenas 1% estava organizado como sociedade mercantil. A análise dos dados do SIES de 2013 com relação à forma de organização dos EES mostra que SC e o território oeste catarinense apresentam comportamento diferente da média do País. Enquanto no País 30,54%, 59,99%, 8,88%, 0,64% dos EES são grupos informais, associações, cooperativas e sociedades mercantis, respectivamente, em Santa Catarina os dados mostram que 31%, 43%, 25%, 1% e, por sua vez, no território oeste catarinense 17%, 43%, 39%, 1% dos EES são grupos informais, associações, cooperativas e sociedades mercantis, respectivamente. Essa diferenciação pode ser explicada pela significativa ampliação dos EES rurais em Santa Catarina, entre os dois levantamentos, pois em 2007, o estado e o território oeste catarinense possuíam 17%, 50%, 30%, 3% e 14%, 49%, 34%, 3% de grupos informais, associações, cooperativas e sociedades mercantis, respectivamente. Autores, dentre os quais se destacam Arns (2010), Poli (2006), Bach (2000), Massi (1999) e Prim (1996), já demonstraram A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 a histórica tradição da região oeste catarinense na cooperação agrícola e solidária. A cooperação rural é fortemente estruturada pelos movimentos sociais (MST, MMC, MPA, MAB), bem como pelo movimento sindical dos trabalhadores da agricultura familiar. Também tem contribuído nesse sentido um conjunto de políticas públicas, que estimulam a organização dos camponeses em cooperativas para acessarem o mercado institucional. Na mesma direção da análise dos dados sobre os motivos que levaram à cooperação solidária, os dados mostram que questões ligadas ao aumento ou complemento da renda familiar, bem como a alternativa ao desemprego foram a motivação principal para o início dos EES, tanto no estado quanto no TOC. Tabela 2 – Características dos EES no TOC e em SC Características dos EES Território Estado de Santa Catarina Ano oeste catarinense Quantidade 2007 de EES 2013 100 690 2.228 91.853 1.306 46.183 Número de sócios homens Número de sócias mulheres 2013 90 766 Rural: 36% 2007 Rural: 34% Urbana: 31% Rural e Urbana: 35% Urbana: 30% Rural e Urbana: 34% 2013 Rural: 50% Urbana: 24% Rural e Urbana: 26% Rural: 56% Urbana: 25% Rural e Urbana: 19% Área de atuação A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 2007 Forma de organização 2013 Grupo Informal: 14% Associação: 49% Grupo Informal: 17% Associação: 50% Cooperativa: 34% Sociedade Mercantil: 3% Cooperativa: 30% Grupo Informal: 17% Sociedade Mercantil: 3% Associação: 43% Cooperativa: 39% Sociedade Mercantil: 1% Associação: 43% Cooperativa: 25% Sociedade Mercantil: 1% Uma alternativa ao desemprego: 17% Obter maiores ganhos em um empreendimento associativo: 33% Uma fonte complementar de renda para os associados: 23% Desenvolver uma atividade na qual todos Motivação para iniciar 2007 são donos: 1% Condição exigida para ter acesso a financiamentos e outros apoios: 4% Motivação social, filantrópica e religiosa: 4% Desenvolvimento comunitário de capacidades e potencialidades: 4% Alternativa organizativa e de qualificação: 9% Outros: 8% (não citam motivos) Grupo Informal: 31% Uma alternativa ao desemprego: 10% Obter maiores ganhos em um empreendimento associativo: 27% Uma fonte complementar de renda para os associados: 14% Desenvolver uma atividade na qual todos são donos: 10% Condição exigida para ter acesso a financiamentos e outros apoios: 4% Motivação social, filantrópica e religiosa: 5% Desenvolvimento comunitário de capacidades e potencialidades: 6% Alternativa organizativa e de qualificação: 19% Outros: 5% (não citam motivos) A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Uma alternativa ao desemprego: 8% Obter maiores ganhos Uma alternativa ao desemprego: 17% Obter maiores ganhos em um empreendimento associativo: 33% Uma fonte complementar de renda para os associados: 23% Desenvolver uma atividade na qual todos são donos: 1% Motivação para iniciar 2013 em um empreendimento associativo: 17% Uma fonte complementar de renda para os associados: 21% Desenvolver uma atividade na qual todos são donos: 16% Condição exigida para ter acesso a financiamentos e outros apoios: 3% 4% Condição exigida para ter Motivação social, acesso a financiamentos e filantrópica e religiosa: 4% outros apoios: 4% Desenvolvimento Motivação social, comunitário de filantrópica e religiosa: 4% capacidades e Desenvolvimento potencialidades: 10% comunitário de Alternativa organizativa e capacidades e de qualificação: 8% potencialidades: 1% Outros: 13% Alternativa organizativa e (organização econômica de qualificação: 9% de beneficiários de Outros: (não citam motivos): 8% políticas públicas, fortalecimento de grupo étnico, produção ou comercialização de produtos orgânicos ou ecológicos) A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Venda direta ao consumidor final: 63% Venda a revendedores e atacadistas: 26% Venda a órgão Venda direta ao consumidor final: 76% Venda a revendedores e 2007 atacadistas: 20% Venda a órgão governamental: 4% Venda para empresas privadas de produção: 0% governamental: 5% Venda para empresas privadas de produção (essa alternativa não constava no questionário 2007) Venda ou troca com outros EES: 1% Outros: 5% (Venda em Venda ou troca com outros feiras livres; autoconsumo EES: 8% e doação a carentes; Consumo familiar; venda a atravessadores; unidade Para quem é feita a comercialização de fabricação de produtos de laticínios; através da Cooarpa; doação a carentes; autoconsumo). Venda direta ao consumidor final: 43% Venda a revendedores e 2013 Venda direta ao consumidor final: 59% atacadistas: 25% Venda a revendedores e Venda a órgão atacadistas: 22% governamental: 12% Venda a órgão Venda para empresas governamental: 13% privadas de produção: 9% Venda para empresas Venda ou troca com privadas de produção: 8% outros EES: 2% Venda ou troca com outros Outros: 4% (motivos não EES: 5% citados) Fonte: elaboração própria, com base em SIES (2007, 2013). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A tabela 2 também traz dados relacionados à comercialização indicando para quem é feita. A forma de organização também incide na comercialização; no primeiro mapeamento, 70% da comercialização era realizada de forma direta ao consumidor final e 18% a revendedores e atacadistas. A venda direta ao consumidor permanece no segundo mapeamento como responsável por boa parte da comercialização (50%), sendo possível identificar 15% da comercialização sendo realizados para órgãos governamentais, dados esses que não representavam expressão no primeiro mapeamento. No estado, bem como no TOC, a maior parte das vendas é direta ao consumidor final, seguida por venda aos revendedores e atacadistas. Um dado relevante é com relação à comercialização para órgãos governamentais que, no primeiro mapeamento, era uma porcentagem baixa, no segundo mapeamento apresenta uma porcentagem significativa. Isso reforça que ao fazer parte da agenda de Governo, a Economia Solidária começou a fazer parte de editais e ser conhecida. Quanto à questão de gênero, o mapeamento de 2013 apresenta o território oeste com a maior parte dos sócios sendo homens, apresentando média de 2.228, enquanto as mulheres possuem média de 1.306 sócias. Em relação ao estado, esse mesmo mapeamento apresenta um total médio de 91.853 homens e um total médio de 46.183 mulheres. No País também o predomínio de associados é de homens (56,4%) em relação às mulheres (43,6%). Em relação às atividades econômicas, segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), a seção com predominância no território oeste catarinense no mapeamento de 2007 é a de 31% de EES com atividades ligadas à agricultura e à pecuária. 24% a indústria da transformação, 22% ao comércio, 10% atividades financeiras, seguros e outros serviços relacionados, 9% outras atividades, entre elas o ramo de salão de beleza, construção civil e A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 associações de preservação ambientais, sendo 4% atividades ligadas à reciclagem e limpeza urbana. De acordo com Buzzatti (2007), a produção e comercialização conforme ocorre no Brasil, em sua maioria está relacionada a produtos oriundos das atividades agropecuárias, extrativistas, pesca, alimentos, bebidas e diversos produtos artesanais. Com relação à categoria social dos sócios e sócias do EES, o questionário de 2013 apresentava como alternativa dez opções: agricultores familiares; artesãos; técnicos profissionais de nível superior; artistas; assentados da reforma agrária; catadores de material reciclável; garimpeiros e mineiros; trabalhadores autônomos/por conta própria; desempregados/desocupados. Os EES existentes no TOC são, em sua maioria, 64% de agricultores familiares, seguido por 11% de artesões e 11% que se identificaram como trabalhadores autônomos. No estado, 72% são agricultores familiares, 13% artesões e 7% trabalhadores autônomos. Essa realidade presente nos municípios do TOC não difere dos dados nacionais. Uma constatação interessante que emerge desses resultados é a de que a grande maioria dos integrantes entrevistados tem seu trabalho diretamente associado aos recursos naturais, como os agricultores familiares, assentados da reforma agrária, pescadores e marisqueiros. (Senaes, 2012, p. 4). Considerações finais Cabe salientar que algumas diferenciações identificadas podem ser explicadas pela significativa ampliação dos EES rurais em Santa Catarina, especialmente no TOC, entre os levantamentos de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 2007 e 2013, que por sua vez repercute na ampliação da participação das cooperativas solidárias. Vários autores, dentre os quais destacam Arns (2010) e Poli (2006), já demonstraram a histórica tradição da região oeste catarinense na cooperação agrícola, especialmente cooperação solidária, concebida e praticada de modo geral pelos diversos movimentos sociais atuantes no TOC. Isso, de certa forma, explica o baixo índice de grupos informais e a maior participação e percentual de associações e cooperativas. A cooperação rural é fortemente estruturada pelos movimentos sociais (MST, MMC, MPA, MAB), bem como pelo movimento sindical dos trabalhadores da agricultura familiar. Também tem contribuído nesse sentido um conjunto de políticas públicas, que estimulam a organização dos camponeses em cooperativas para acessarem o mercado formal institucional. A forma de organização também incide na comercialização, realizada de forma direta ao consumidor final e a revendedores e atacadistas, sendo possível identificar o aumento da comercialização para órgão governamental. Quanto à questão de gênero, o mapeamento apresenta o território oeste e o estado com a maior parte dos sócios sendo homens. Com relação à categoria social dos sócios e sócias do EES, o questionário de 2013 apresentava como alternativa nove opções: agricultores familiares; artesãos; técnicos profissionais de nível superior; artistas; assentados da reforma agrária; catadores de material reciclável; garimpeiros/mineiros; trabalhadores autônomos/por conta própria; e desempregados/desocupados. Os EES existentes no território oeste e no estado são, em sua maioria, de agricultores familiares, seguido por de artesãos, que se identificaram como trabalhadores autônomos. Essa realidade presente nos municípios do território oeste não difere dos dados nacionais. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Dentre as principais atividades econômicas realizadas pelos empreendimentos no território oeste catarinense, a maior porcentagem tem como atividade a produção e/ou produção e comercialização. Outros dedicam-se somente à comercialização ou organização da comercialização. Dentre os principais desafios dos EES existentes no TOC é possível citar: a manutenção econômica, a busca por formas de viabilização econômica, estruturação para logística, trabalho em redes, bem como a geração de uma renda adequada aos sócios. Outro desafio é a interação e a articulação dos EES do TOC com a própria economia solidária no TOC, e o País se estruturando junto aos demais movimentos sociais. Referências ARNS, Carlos Eduardo. A Cooperação na Agricultura Familiar no Território Alto Uruguai Catarinense (SC) Brasil. 2010. 278 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2010. BENINI, Édi A. et al. (Org.). Gestão pública e sociedade: fundamentos e políticas públicas de Economia Solidária. São Paulo: Outras Expressões, 2012. BRASIL. Secretaria Nacional de Economia Solidária. 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Organizado pela Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão e Participação Acionária – ANTEAG. São Paulo: Todos os Bichos, 2009. ______. Avanços e Desafios para as Políticas Públicas de Economia Solidária no Governo Federal 2003/2010. Brasília, 2012. SIES – Sistema de Informações em Economia Solidária. Base de Dados Nacional e Território Cidadania. 2007. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Perseu Abramo, 2002. TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 2009. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 GTA – Grupo de Trabalho em Agroecologia: um desafio epistêmico, político e prático Carlos Eduardo Arns Luis Henrique Rangrab Oscar José Rover Vagner Lopes da Silva Introdução O presente trabalho traz um breve relato da trajetória de aproximadamente 15 anos (1998 a 2012) de atuação do Grupo de Trabalho em Agroecologia (GTA), enquanto projeto/programa de extensão universitária, elaborado em conjunto por ex-coordenadores, a partir dos relatórios anuais enviados a Diretoria de Extensão (DEX) e materiais, documentos e registros de posse dos autores, bem como de registros de memória destes. O Grupo de Trabalho em Agroecologia (GTA) foi constituído em 1998, em resposta à necessidade dos acadêmicos e professores do curso de Agronomia da Unochapecó para praticarem a agroecologia a partir de demandas de organizações e grupos sociais no oeste do estado catarinense. O GTA se transformou em programa permanente de extensão em 12 de fevereiro de 2004 e encerrou suas atividades em dezembro de 2012 (Unochapecó, 2004). O programa desenvolveu suas atividades de acordo com a política de extensão universitária da Unochapecó, no eixo temático meio ambiente e tecnologia apropriada, tendo como área temática principal o meio ambiente e secundária a tecnologia. Enquanto linha programática esteve categorizado na linha de desenvolvimento rural e questão agrária, desenvolvendo também projetos nas linhas de saúde, educação ambiental e segurança alimentar. Isso demonstra uma de suas principais características, que é o trato das questões de forma complexa, e por isso sua transversalidade a diversas áreas. Enquanto princípios, o GTA se orientou pelo respeito e valorização do “protagonismo” dos sujeitos sociais com os quais interage; promoção da “autonomia” na determinação de seu destino político e a garantia da “participação” no desenvolvimento dos trabalhos. Suas diretrizes de trabalho estiveram orientadas pela “educação popular”, que buscava a construção do desenvolvimento rural sustentável e solidário, a promoção do processo de transição agroecológica na produção de alimentos e gestão dos recursos naturais e a busca permanente da integração ensino-pesquisa-extensão. Por isso, o GTA sempre esteve fortemente integrado com as ações do Grupo de Pesquisa em Agroecologia e Agricultura Familiar (GPAAF), da Unochapecó. O objetivo geral do programa visava contribuir com o fortalecimento e ampliação da agroecologia na universidade e na sociedade regional, a partir do apoio e implementação de ações práticas, tendo como objetivos específicos: oportunizar e/ou capacitar acadêmicos em processos e práticas agroecológicas, para além da dimensão exclusivamente produtiva, mas também em novas relações sociais; apoiar e contribuir na capacitação de lideranças e agricultores locais na implementação de trabalhos agroecológicos; desenvolver ações para expandir as práticas agroecológicas e viabilizar a implementação de empreendimentos de geração de renda na perspectiva solidária e sustentável; promover um maior envolvimento A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 da universidade com o conjunto das organizações regionais que atuam com a agricultura familiar, agroecologia e desenvolvimento rural sustentável; contribuir para o desenvolvimento de novas tecnologias a partir dos princípios da agroecologia (Unochapecó, 2004). Enquanto lócus de gestão político-administrativa, o Grupo de Trabalho em Agroecologia (GTA) esteve inicialmente localizado no Departamento de Ciências Agrárias, que posteriormente integrou o Centro de Ciências Agroambientais e, mais recentemente, na Área das Ciências Exatas e Ambientais. Nesse último período, a relação de articulação, decisão e vínculo administrativo foram ficando cada vez mais atreladas/vinculadas à Diretoria de Extensão (DEX), embora sua origem estivesse formada fundamentalmente por um grupo de professores e acadêmicos do curso de Agronomia, mesmo que sempre estivesse aberto a todos os cursos da Unochapecó, por sua característica temática e de atuação interdisciplinar. Em sua trajetória, em diferentes momentos e ações houve participação de professores e acadêmicos de outros cursos, especialmente dos cursos de Biologia, Nutrição, Direito e Economia. O GTA tinha como público e parceiros prioritários as prefeituras municipais, os sindicatos da Agricultura Familiar, as cooperativas e associações de pequenos agricultores e o Núcleo de Agroecologia da Rede Ecovida da região oeste catarinense. Contudo, no desenvolvimento dos seus trabalhos articulou ações com uma diversidade de entidades e segmentos sociais como: grupo de idosos, indígenas, escoteiros, polícia ambiental, Embrapa, entre outros1. 1 Para mais informações, ver Arns (2004). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Elementos de contexto do desenvolvimento da agroecologia no Brasil O mundo, aqui entendido também como o mundo do trabalho, vive em permanente transformação, mas se encontra especialmente em um período de transformações mais profundas e determinantes da vida e agora não mais só humana, mas de toda a vida do planeta. Isso vem sendo apresentado por diversas personalidades (estudiosos, especialistas e militantes), a exemplo do teólogo Leonardo Boff, do físico Fritjof Capra, do linguista e filósofo Noam Chomsky, do sociólogo Emanuel Castells, do antropólogo David Harvey e tantos outros, mesmo que em perspectivas diferentes e pressupostos diversos. O mundo rural não é diferente e não está indiferente às mudanças em curso. A partir de meados dos anos 1990, de modo mais intenso e determinado, vários estudos mais estruturantes se debruçaram para promover esse desvelamento e contribuir para a construção de sua compreensão mais profunda, a exemplo do projeto Rurbano, da USP, coordenado pelos pesquisadores Clayton Campanhola e José Graziano da Silva; do projeto integrante do Pronex Desenvolvimento, Agricultura, Sociedade e História Social, do CPDA/UFRRJ, desenvolvido em parceria com o Laboratório de Estudos do Tempo Presente (Tempo/UFRJ). Desses e de outros estudos mais amplos em sintonia com estudos de outras partes do mundo surgem novos conceitos e noções em construção, para ajudar na compreensão de diversos fenômenos como o próprio conceito e processo de desenvolvimento rural, multifuncionalidade, pluriatividade, neo-rural, recampesinização, mas dentre os quais cabe destacar a agroecologia. No Brasil, a partir do estudo desenvolvido pela FAO em parceria com o Incra e publicado em 1994, como “Diretrizes de polítiA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ca agrária e desenvolvimento sustentável” (FAO/Incra, 1994), duas novas questões se colocam no debate do rural: uma é o Desenvolvimento Rural propriamente dito, como contraponto ao Desenvolvimento Agrícola subsidiário ao desenvolvimento urbano industrial, compreensão tradicional e predominante até então. Outra questão é a agricultura familiar como estratégia para outro modelo de desenvolvimento (sustentável), que se contrapõe ao modelo da modernização capitalista promovido pela denominada Revolução Verde (Abramovay, 1992; Guanziroli; Cardin, 2000; Veiga, 2000). A “modernização dolorosa” (Graziano da Silva, 1982), ou “modernização conservadora” (Brum, 1985), tornaram o Brasil o maior consumidor de agrotóxicos do mundo (Carneiro et al., 2015); porém, no ano de 2013, estava entre os cinco primeiros produtores de carnes (bovina, ave e suína), mas não configurava entre os cinco maiores produtores de cereais (FAO, [s.d.]). Para além do campo acadêmico, na sociedade brasileira a partir da resistência e enfrentamento ao longo do período (1964-1985) de ditadura midiática-civil-militar (Fernandes; Chagas, 2014) foram se forjando fortes movimentos sociais que, além da discussão e proposição, construíram ricas, diversas e complexas experiências nos mais diversos campos da vida social (saúde, educação, agricultura, dentre outros) na perspectiva de um novo modelo de desenvolvimento para o País (Arns; Zuniga; Rover, 2004). Com o fim da ditadura em 1985, inicia-se o processo de redemocratização, com o País mergulhado em uma enorme crise econômica (chamada década perdida). Em 1988 foi aprovada a nova Constituição Federal, que dentre seus vários avanços produzidos pela sociedade civil organizada, pode-se destacar a orientação pela descentralização política e administrativa do Estado. Esse processo fortaleceu e viabilizou o movimento de municipalização (aproximaA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ção ao sujeito de direitos) de um conjunto de direitos e serviços ao cidadão. Nesse sentido, pode-se destacar a saúde, através da implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), a educação com divisão de atribuições entre os três níveis do Estado (União nível superior; Estados nível médio e Município formação inicial). Mais tarde, a assistência social se organizou em um sistema nacional, Sistema Único da Assistência Social. O mesmo ocorreu com a agricultura, mas de modo diferenciado, sem o suporte institucional de um sistema de integração das ações nos diferentes níveis federativos, sem diretrizes claras, sem a destinação de recursos humanos, físicos e financeiros, sem capacitação e apoio para gestores e sociedade civil organizada. Esse processo ficou a cargo de cada estado e município, para tomar a decisão, definir a forma, estabelecer o grau de atendimento e participação social, se constituindo em um processo de “prefeiturização” e não de descentralização (Gregolin, 2000). Por sua vez, a sociedade civil do campo se organizou na luta de resistência e na construção de sua pauta de reinvindicação e participação, que tem início em 1975 com a criação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em um Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia (Comissão Pastoral da Terra, 2016). Nos anos seguintes, surgiu um conjunto de movimentos sociais com sua organização e projetos próprios, vinculados à temática do meio rural, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na questão da terra, Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) na questão de gênero e direitos das mulheres camponesas e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) na questão ambiental e energética. No período de abertura democrática brasileira, uma visão e propostas de agricultura alternativas começaram a ser protagonizadas pelas federações de agrônomos e de estudantes de agronomia do A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Brasil, assim como por ONGs, o que culminou com a construção atual do termo agroecologia (Bianchini; Medaets, 2013). Com esses movimentos, as críticas ao modelo tecnológico de produção e de desenvolvimento rural aumentaram, e a agroecologia tornou-se uma bandeira de luta dos movimentos sociais agrários, que reivindicavam condições adequadas para o trabalho, com terra e investimento em pesquisas tecnológicas apropriadas à realidade da agricultura familiar e camponesa. É nesse contexto que a agroecologia se colocou como outro modo de produção, de vida e de relacionamento com o meio, articulando-se ao debate do desenvolvimento rural e da agricultura familiar e camponesa, visando abarcar uma ampla diversidade de sujeitos sociais do espaço rural (Caporal; Azevedo, 2011) e, consequentemente, as várias agroecologias que fazem parte da característica biocultural do espaço agrário brasileiro (Toledo; Barrera-Bassols, 2014). Essa característica tem sua essência na agricultura familiar e camponesa, e influencia o principal ato cultural do ser humano, o de comer (Mintz, 2001), tanto na produção como na elaboração das comidas. Assim, a agricultura familiar e camponesa e suas organizações denotam um espaço agrário complexo (Ploeg, 2013), por praticar sua essência biocultural (Toledo; Barrera-Bassols, 2014). É nesse contexto que se produz o debate do desenvolvimento rural sustentável e das tecnologias adaptadas à agricultura alternativa e agroecológica, que culmina na aprovação da Lei da Agricultura Familiar, na criação do Pronaf e na nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), no Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), além de outras regulamentações que vão constituindo um ambiente institucional mais favorável a mudanças do modelo de desenvolvimento rural A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 (Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica, 2013; Simoni, 2013). Nesse sentido, o oeste catarinense – área de abrangência da Universidade Comunitária da Região de Chapecó – constitui-se em um grande laboratório de experiências em construção, que necessitam ser compreendidas e apoiadas. Elementos de contexto do desenvolvimento do programa GTA A constituição do GTA está relacionada a um amplo e complexo conjunto de fatores, mas aqui serão destacados, de forma sucinta, apenas alguns que podem ser considerados de maior relevância e abrangência. A região oeste catarinense, a partir da densa organização social existente (MST, MMC, MAB, Movimento Sindical Rural e ONGs), protagonizou um conjunto de experiências no campo do desenvolvimento local/rural, realizando processos de Planejamento Estratégico Participativo (PEP) de desenvolvimento local; nas finanças, organizando uma rede de cooperativas de crédito de interação solidária; na agregação de valor, com a organização de redes cooperativas e associações de pequenas agroindústrias familiares; na produção sustentável, onde se constituiu vários núcleos da Rede Ecovida, com feiras e circuitos de comercialização da produção agroecológica e orgânica. A Unochapecó (antiga Unoesc – campus Chapecó) iniciava um processo de reconfiguração institucional, saindo da Fundação Unoesc, reativando a Fundeste e constituindo a Unochapecó (2002), no qual buscou reestabelecer o seu posicionamento no contexto regional. Com intuito de atender as demandas regionais A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 propõe, em 2003, a constituição de um instituto de desenvolvimento (Instituto Regional para o Desenvolvimento Sustentável – Inredes), readaptando as estruturas do Colégio Agrotécnico 25 de Julho (Prédio administrativo/escolar, Granja de produção e Estação de Piscicultura), localizado no município de São Carlos, que em 2009 passou a ser denominado de Instituto Goio-En2. Nessa reconfiguração, o prédio seguiu mantendo a finalidade administrativa e de formação; a Estação de Piscicultura organizou suas atividades em três projetos: “Preservação dos peixes migratórios da bacia do Rio Uruguai”, “Preservação de espécies florestais nativas” e “Educação ambiental”; a granja de produção agropecuária, por apresentar características típicas de unidades familiares da região oeste catarinense, foi reestruturada e passou a ser denominado Laboratório Agroecológico, organizado em subsistemas de produção integrados entre si, conformando um sistema de produção tipicamente familiar, na perspectiva da reconversão agroecológica. No curso de Agronomia, constituiu-se um grupo de professores oriundos e engajados nas lutas sociais como a luta da terra, agroecologia, do desenvolvimento local, dentre outras, que buscaram internalizar suas experiências e interagir com os movimentos sociais, através do compartilhamento dos conhecimentos científico e empírico. O curso de Agronomia da Unochapecó, em seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC), propõe a formação de um profissional para desenvolvimento rural sustentável, respeitando e valorizando as dinâmicas regionais em suas dimensões econômica, social, ambiental e cultural. Portanto, um profissional com capacidade de atuar 2 Mantido pela Fundeste, que tem como ações prioritárias a realização de estudos, pesquisas e prestação de serviços na região do oeste catarinense. Disponível em: <http:// www.institutogoioen.org.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 como agente de desenvolvimento, dentro e fora da unidade de produção, na construção de conhecimentos e na troca de saberes, ou seja, muito além da formação tecnicista e difusora de conhecimento exógeno – pronto e acabado – ainda predominante na formação profissional do País. Nesse sentido, o GTA como grupo/projeto de extensão colaborou no debate sobre o projeto político pedagógico (PPP) do curso de Agronomia da Unochapecó e sua relação com os atores sociais da região na qual está inserida a universidade. Esse tipo de ação tem importância, pois traz ao debate qual tipo de modelo produtivo queremos: um modelo petro-dependente ou um modelo que visa à agricultura sustentável. Se a escolha é pela opção que visa o desenvolvimento sustentável, essa vai demandar a formação de um novo profissional de ciências agrárias, com uma abordagem holística e sistêmica, além de uma forte base ética (Sarandón, 2008), e, para isso, o grupo/projeto de extensão tem papel fundamental (Fagundes; Romanini Netto, 2016). Para a formação desse tipo de profissional, o GTA sempre defendeu que o enfoque deveria ser agroecológico, por este propiciar o diálogo de saberes entre os conhecimentos local e científico, proporcionando um conhecimento híbrido, que auxiliaria na organização e gestão de territórios, além de assegurar sua autonomia (Toledo; Barrera-Bassols, 2014). Principais ações desenvolvidas na trajetória do GTA No desenvolvimento dos seus projetos, o GTA integrava suas atividades com as ações do Grupo de Pesquisa GPAAF, consolidando o processo de indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. No A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 entanto, cabe observar que ainda era frágil a inserção do processo de formação acadêmica junto às ações de extensão e pesquisa. O GTA esteve fundamentado em metodologias que fomentam o local e o rural, embora algumas ações refletissem no urbano, por entender a grande conexão existente entre campo-cidade, sendo essa conexão algo necessário à existência desses ambientes. Nesse sentido, sempre promoveu a participação e protagonismo dos atores locais e, por essa razão, trabalhava com metodologias já conhecidas na abordagem agrária de investigação e extensão rural, como a “campesino a campesino” (Santana; Duarte; Fontes, 2011) e o “diálogo de saberes” (Sousa; Garavello, 2015). Essas metodologias sempre colaboraram para um debate entre o agrícola e o agrário, e a divulgação de práticas agroecológicas, que colaboram com o desenvolvimento regional e a sustentabilidade sócio-cultural-econômica (Moreira, 2002). Além disso, a base de seu debate foi o enfoque agroecológico, sendo este necessário para a agronomia ao trabalhar com comunidades e atores agrários, por incorporar as dimensões agrárias, que passam pelo econômico, social e ecológico, ao cultural, político e ético (Caporal; Costabeber, 2002), sendo esses os pilares estruturais do desenvolvimento histórico do oeste catarinense. Porém, discutir ideias e enfoques diferentes dos praticados e concebidos pela opinião pública e fomentados por governos não foi uma tarefa muito fácil. Em nenhum momento o GTA deixou de praticar o diálogo e firmar suas posições em busca da autonomia dos agricultores, pois estes buscavam um modo de produção diferente ao agroexportador, perseguiam uma forma de produzir comida em que a saúde do consumidor e do produtor fosse preservada. Nesse sentido, o GTA utilizou muitas estratégias, trabalhando na organização dos produtores, comercialização, desenvolvimento A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 de tecnologias, unidades de referência técnica, educação ambiental, certificação e eventos, que favorecessem o desenvolvimento da agroecologia. O apoio às feiras ocorreu como forma de uma abordagem sistemática de estudo e de troca de experiências; a promoção desses espaços pode ser considerada como um contraponto ao modelo agroexportador que visa a especialização da agricultura (Araújo; Maia, 2012). Não significa dizer que todos os agricultores que participavam das feiras eram de base ecológica, mas que estavam buscando a autonomia produtiva, e essa atitude interessava ao GTA. Além disso, a aproximação entre consumidores e produtores fomenta relações de confiança que promove uma produção ética (Araújo; Maia, 2012; Caporal; Costabeber, 2002). O apoio a feiras em construção no município de Chapecó e a relação com agricultores, realizado pelo GTA, culminou com a inserção destes na Unochapecó, realizando a comercialização direta, inicialmente nos corredores dos blocos. Posteriormente, foi construído um espaço, pelos próprios feirantes, como parte do projeto paisagístico institucional e de acordo com suas normas, carinhosamente chamado de “Feirinha”, dedicado a comercializar produtos produzidos pelas famílias agricultoras agroecológicas e empreendimentos de economia solidária da região. Participavam da feira agricultores, grupos de cooperação, escolas agrotécnicas, assim como o próprio Inredes, que em seus processos produtivos se encontravam em transição ou em produção agroecológica. No início, a comercialização era com toda gama de produtos da agricultura familiar, realizada duas vezes por semana. Porém, com o aumento do número de estudantes, grande parte originários de famílias agricultoras e com forte identidade rural, percebeu-se espaço para outros tipos de produtos na universidade. Com isso, houve incremento na A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 demanda de produtos, principalmente panificados, que induziu os agricultores a iniciarem a comercialização de pães, pastéis, bolachas, bolos, entre outros produtos, com sua identidade cultural e atendendo à demanda dos consumidores3. A presença da feira ampliou a possibilidade de que outros cursos pudessem agregar-se ao projeto coordenado pelo GTA, tornando assim a experiência mais rica em sua multidisciplinaridade, inclusive com atividades culturais (música, teatro, exposições etc.). Além da comercialização direta em feira, outros projetos também foram desenvolvidos, tais como: “Feira de trocas”, “Moeda social” e “Entrega direta de Cestas” – com desenvolvimento de software, “Boas práticas de produção e comercialização”, “Rotulagem”, entre outros. O GTA atuou fortemente no apoio à organização dos agricultores agroecológicos para a ampliação e fortalecimento da Rede Ecovida, através de projetos de extensão e pesquisa, que buscavam dar suporte ao processo de construção da Certificação Participativa4. Nesse sentido, desenvolveu, junto à Associação dos Produtores Feirantes de Chapecó (Aprofec) e Núcleo da Rede Ecovida de Chapecó, uma proposta metodológica de troca de experiência e certificação participativa, que consistia em um encontro por mês, sempre aos domingos, envolvendo os membros do núcleo, agricultores interessados no processo de reconversão agroecológica e consumidores das feiras do município. O encontro era precedido do estudo de uma unidade de produção familiar agroecológica do núcleo, realizado por acadêmicos da agronomia que, utilizando a abordagem sistêmica, elaboravam em conjunto com a família um mapa da propriedade 3 Para mais informações, ver Rangrab (2003). 4 É o processo em que a certificação ocorre baseado na confiança, sem hierarquias e é potencialmente econômico, pois um agricultor fiscaliza ao outro (Santos, 2012). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 identificando e descrevendo cada parcela e seu histórico, um fluxograma do conjunto dos subsistemas e suas inter-relações, as técnicas e práticas agroecológicas adotadas e perspectivas (planos). No dia do encontro, as atividades iniciavam com a acolhida e apresentação dos participantes, a apresentação do estudo, seguido de uma travessia (caminhada) na propriedade, e no retorno era servido um almoço comunitário. Após o almoço era realizado uma reflexão conjunta sobre os avanços, limites e sugestões dos participantes. Foram realizados 12 encontros entre abril de 2004 e junho de 20055. Concomitantemente ao processo de comercialização, o GTA apoiou e promoveu a constituição de hortas comunitárias na perspectiva agroecológica. Esses projetos foram desenvolvidos junto a escolas, comunidades carentes e, inclusive, junto ao Hospital Regional em Chapecó. No processo associativo de gestão da feira e dos grupos de cooperação, o GTA atuava em parceria com o programa permanente de extensão Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Na compreensão do grupo, o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis era um instrumento fundamental de sua atuação no fortalecimento da agroecologia, para o qual implementou estratégias de desenvolver unidades de referência técnica, em duas direções: no Inredes, através do Laboratório agroecológico, e outra diretamente em sistemas de produção da agricultura familiar dos municípios do oeste. O Laboratório Agroecológico foi concebido pela gestão do Instituto, juntamente com o GTA e GPAAF, para produzir e demonstrar tecnologias de produção de base agroecológica adequados aos agroecossistemas da agricultura familiar e suas organizações, bem 5 Para mais informações, ver Arns, Kilian e Munarini (2006). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 como instituições de ensino da região. Na produção pecuária eram desenvolvidos os projetos de “Produção de leite à base de pasto”, “Produção de frangos de corte e galinhas de postura em sistemas agroecológicos”, “Apicultura” e “Produção de suínos”. Na produção vegetal foram implantados os projetos de “Produção de milho crioulo”, “Produção de morango orgânico” e “Produção de Hortifrutigranjeiros”. Além dos subsistemas pecuários e de cultivo, foi desenvolvido o subsistema de transformação, no qual eram produzidos doces, panificados (pão, bolacha, cuca, entre outros) e conservas (pepinos, cenoura, beterraba, entre outros), que eram comercializados em São Carlos e também participavam da Feirinha, na Unochapecó6. Na perspectiva de implementação de unidades de referência técnica foram realizados projetos com produtores de municípios e organizações, com o objetivo de constituir uma rede de unidades de referência como apoio à assistência técnica local e articulados com o Laboratório Agroecológico. Nesse sentido, foram desenvolvidas unidades de produção de leite e aves nos municípios de Quilombo, Planalto Alegre e São Carlos7. O Laboratório Agroecológico, juntamente com os projetos da estação de piscicultura, realizava atividades práticas e de conscientização junto à comunidade regional, especificamente através de dias de campo, visitas e ciclo de conscientização ambiental, onde recebia várias instituições para comporem um circuito a ser percorrido por visitantes previamente agendados em evento específico8. Outra estratégia utilizada pelo GTA foi a promoção de eventos com temáticas agroecológicas. Nesse caso, houve a participação na 6 Para mais informações, ver Arns (2004) e Rangrab, Arns e Abreu (2006). 7 Para mais informações, ver Rangrab, Tambosi e Hans (2008). 8 Para mais informações, ver Rangrab (2004). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 organização de seminários, encontros e congressos tanto no nível local como no nível regional. Nesse sentido, podem-se citar os Encontros Estaduais de Agroecologia e o I Encontro Pan-Americano sobre manejo agroecológico de pastagens. Esses espaços foram organizados com o intuito de promover a discussão e divulgar técnicas apropriadas à realidade da agricultura familiar. No caso dos Encontros Estaduais de Agroecologia, o último em que o GTA participou da organização foi em 2012, o qual ocorreu no município de Pinhalzinho e participaram 2,5 mil pessoas. Entre o público participante estavam agricultores familiares, estudantes, professores e pesquisadores de várias regiões do Brasil. Já no I Encontro Pan-Americano sobre manejo agroecológico de pastagens houve a participação de mais de setecentas pessoas, entre as quais estavam agricultores familiares, estudantes, professores e pesquisadores de diversas regiões do Brasil, além de outros países como: Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Estados Unidos, Panamá, Paraguai e Venezuela. Com isso, o GTA implementou projetos sempre na ótica da agricultura familiar e camponesa e suas organizações, por considerar esta complexa e detentora de muitas agroecologias, da mesma maneira que é a principal produtora de comida para a população. Considerações finais O GTA foi um programa permanente de extensão universitária que enfrentou, desde o início, o desafio da afirmação de um contraponto/alternativa em três campos: um técnico, a produção sem usos de insumos convencionais; um epistêmico, apresentar agroecologia como uma base científica na academia; e um político, busca de espaço em um ambiente fortemente hegemonizado pelo agroA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 negócio vinculado a corporações internacionais, com interesse nas áreas de sementes, adubos químicos e agrotóxicos. Mesmo assim se constituiu em um espaço privilegiado de atuação de diversos professores e acadêmicos, através de bolsas de extensão e de pesquisa, sendo também espaço para o desenvolvimento de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), dissertações de mestrado, produção e publicação de mais de dez artigos, participação em eventos internacionais, nacionais, estaduais, regionais e municipais sobre agroecologia9. Na relação com os produtores, produziu parceria efetivas com organizações e famílias de agricultores de Chapecó e região, através da Associação dos Produtores Feirantes de Chapecó (Aprofec), Núcleos da Rede Ecovida, Cooperativa de Produtores de Leite de Quilombo (Cooplequil), dentre outros. As propostas discutidas e realizadas pelo GTA sempre foram construídas com o foco nos pilares da educação superior da indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão, e com o objetivo de fomentar a autonomia das comunidades e famílias assessoradas. Dessa maneira, o programa colaborou para o cumprimento dos deveres de uma universidade comunitária comprometida com o desenvolvimento mais justo e sustentável de sua região. Contraditoriamente, no entanto, enquanto na região oeste catarinense o movimento e a organização da agroecologia cresceram e se fortaleceram significativamente, na Fundeste e suas mantidas (Unochapecó e Instituto Goio-En) o caminho foi inverso, com gradativamente perda de força, capacidade de trabalho e importância para ações voltadas à agroecologia. 9 Nas Referências são apresentadas algumas das principais bibliografias, resultado de trabalhos vinculados ao GTA. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Na região oeste catarinense são identificados atualmente três núcleos de produtores organizados e atuantes, com novos núcleos em discussão e processo de constituição. Em Chapecó e seu entorno próximo já são mais de dez propriedades agroecológicas e dezenas de produtos agroecológicos e orgânicos certificados, mesmo diante de um ambiente institucional, político e cultural, ainda amplamente desfavorável. Mesmo assim, é de fundamental importância que se reconheça o avanço no Brasil, especialmente a partir de 2003, na regulamentação da produção agroecológica e orgânica, na certificação, da priorização da agricultura familiar e conversão agroecológica na Politica Nacional de Ater (PNAter), da instituição e fortalecimento das políticas de Soberania, Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), todas conquistas do processo de redemocratização, e do esforço e participação das organizações da sociedade civil organizada. Por outro lado, na Fundeste houve uma mudança organizacional do Inredes para a configuração atual do Instituto Goio-En, mudando também o enfoque, abordagens e prioridades, a agroecologia perdeu força e consequentemente o GTA. Na Unochapecó, a mudança pode ser atribuída a fatores como a saída de um significativo conjunto de professores (concursos federais) que participaram do processo de construção e defesa do PPC do curso de Agronomia. Mudanças organizacionais (de Departamento, para Centro e atualmente Área) também contribuíram na redefinição de prioridades. Contribuíram ainda, de forma decisiva, as sucessivas mudanças curriculares da Agronomia, na busca de ajuste econômicos às diretrizes institucionais e do ensino superior do Ministério da Educação (MEC). Esse processo tornou-se mais sensível e difícil, pois se trata de uma instituição comunitária que até pouco tempo não encontrava amparo legal no MEC, sendo tratada como uma insA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tituição de ensino privada. Esse contexto levou à finalização do GTA e eliminação do espaço da Feirinha, em 2013. No entanto, ficam registradas algumas das contribuições desse programa e proposição para o avanço nas discussões sobre a agroecologia e extensão universitária, para o qual o presente trabalho se propôs a trazer alguns elementos que, com certeza, precisam e serão mais bem aprofundados e esclarecidos, contraditados, como é do caráter das universidades. Referências ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Hucitec, 1992. 275 p. (Estudos Rurais, 12). ALÉSSIO, Bianca Cristina. Desenvolvimento e sustentabilidade no Oeste Catarinense: contradições, consensos e alternativas. 2012. 144 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) – Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Chapecó, 2012. ARAÚJO, Joaquim Pinheiro de; MAIA, Zildenice Matias Guedes. Agroecologia, soberania alimentar e comercialização solidária na Feira Agroecológica de Mossoró-RN: o enlace da sustentabilidade. Raízes, v. 32, n. 2, p. 166-175, 2012. ARNS, Carlos Eduardo. 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A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Unochapecó – 13 anos de história Carlos Eduardo Arns Graciela Alves de Borba Novakowski Scheila Girelli Ana Maria Pereira Puton Breve relato da origem da ITCP-Unochapecó Este trabalho está construído no estilo ensaio ou relato de experiência, pois tem o objetivo de apresentar elementos da trajetória da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (ITCP-Unochapecó) a partir de dados e ações realizadas registrados nos relatórios anuais apresentados à Diretoria de Extensão e dos relatórios anuais e semestrais apresentados às entidades parceiras e financiadoras desse programa permanente de extensão. Mas também é resultado da observação participante e da compreensão construída pelos autores, como sujeitos da ação, fruto das reflexões conjuntas com todos os envolvidos no desenvolvimento do trabalho da ITCP-Unochapecó, da vida cotidiana nesses 13 anos de atuação (2003 a 2015), que fez e faz história em uma universidade comunitária no oeste catarinense. A ITCP-Unochapecó surgiu das discussões de um grupo de professores e estudantes que constituíam o Núcleo da Rede Unitrabalho (Fundação Interuniversitária de Estudo e Pesquisa sobre o Trabalho) já existente desde agosto de 1999, atuando inicialmente junto à Pró-Reitoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação no campus da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc)1, cidade de Chapecó. As discussões do grupo fomentaram a realização de pesquisas cujos resultados passaram a apontar algumas soluções ou possíveis alternativas mediante as mudanças ocorridas nos últimos anos no “mundo do trabalho”, já observadas à época, projetando ações que modificassem a situação de exclusão e vulnerabilidade de significativa parcela da população da região oeste, impactada pela implementação das políticas neoliberais hegemônicas. Considerando esses aspectos, o Núcleo Local da Unitrabalho procurou fortalecer cada vez mais os laços com parceiros sociais – prefeitura, associações, sindicatos etc. – e envolver o maior número de funcionários, professores e acadêmicos da universidade. Nesse ínterim, seu trabalho foi se configurando como grande fomentador de trabalhos de caráter interdisciplinar, do qual passaram a participar diversas áreas: Psicologia, Serviço Social, História, Administração, Economia, Educação, Agronomia, Direito, entre outras. Cabe salientar que, desde sua criação, o Núcleo da Unitrabalho acompanhou vários grupos ou empreendimentos. De acordo com o levantamento de dados e informações das práticas de incubação, cerca de 25 empreendimentos faziam parte das atividades de incubação, envolvendo diretamente cerca de seiscentas pessoas nesse processo. Os grupos se localizavam prioritariamente na ci1 As atividades de ensino iniciaram em 1972, e até 2001 o campus de Chapecó fazia parte dos polos da Unoesc, que era a sua mantenedora, juntamente com a Fundeste, que na época era comantenedora. Diante da aspiração de constituição de uma universidade em Chapecó, no segundo semestre de 2000, começaram os encaminhamentos para sua reativação; em março de 2001, a Fundeste foi reativada operacionalmente e, em 27 de agosto de 2002, assumiu integralmente as atividades do campus Chapecó, que se transformou na Unochapecó (Unochapecó, [s.d.]). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 dade de Chapecó, dedicando-se especialmente ao ramo dos materiais recicláveis, confecção, artesanato, construção civil, prestação de serviço e produtos agroecológicos. As atividades de apoio eram coordenadas pelo programa Ecoss2, pelo curso de Agronomia e pelo programa Comunidade do Futuro3. O custeio das ações do Núcleo Unitrabalho dava-se por meio da aprovação de projetos de pesquisa através do fundo de miniprojetos da Unitrabalho, Pibic/CNPq4, FAPE5 e Funcitec6, e pela parceria com a Unochapecó, que assumia o pagamento das horas disponibilizadas pelos professores, além de disponibilizar a infraestrutura necessária para o funcionamento do núcleo. Alguns grupos assessorados conseguiram apoio do Fundo de Miniprojetos Alternativos7. Um dos resultados desse processo foi a criação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Um dos motivos de sua criação esteve ligado ao próprio objetivo da Rede Unitrabalho: 2 Programa de Extensão Universitária do Curso de Serviço Social, cuja proposta central voltava-se ao trabalho na perspectiva da educação e organização popular. Tinha como parceira, desde 1999, a Política de Ação Comunitária (PAC) da região do CAIC, na região do bairro São Pedro (considerado um dos mais pobres de Chapecó). As atividades da PAC eram operacionalizadas através de quatro grupos de trabalho: geração de renda; organização popular; meio ambiente; violência e segurança. 3 O programa Comunidade do Futuro foi instituído pela Prefeitura Municipal de Chapecó em 1998. Seu objetivo era criar um ambiente de diálogo e articulação permanente dos atores sociais, visando promover o desenvolvimento econômico, social, ambiental, político, institucional, tecnológico e cultural para a melhoria da qualidade de vida da população. Era coordenado por um comitê interinstitucional formado por 19 entidades parceiras, envolvendo poder público local, universidade, ONGs e entidades sindicais. 4 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 5 Fundo de Apoio à Pesquisa Unochapecó. 6 Fundação de Ciências e Tecnologia do Estado de Santa Catarina. 7 Iniciativa do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), beneficia pequenos projetos para compra de equipamentos de uso frequente nas atividades desenvolvidas pelos empreendimentos. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 contribuir para o resgate da dívida social e política que as universidades brasileiras têm para com os(as) trabalhadores(as), socializando os conhecimentos produzidos para além dos espaços acadêmicos. Além disso, a iniciativa visava desenvolver ações concretas de apoio aos grupos sociais “excluídos” ou “em risco de exclusão” (expressões usadas na época). Portanto, além do exposto, podem-se apontar alguns elementos de contexto que contribuíram na constituição da ITCP como um programa de extensão universitária: • a crise econômica dos anos de 1990: o Brasil enfrentava nos anos 90 do século passado o impacto das políticas neoliberais, como medidas de superação da crise econômica, que davam suporte ao processo de globalização do capital, especialmente através da financeirização da economia e a reestruturação produtiva, denominada “terceirização”, que conduz a uma profunda precarização das condições de trabalho e desemprego em massa; • os Comitês de Entidades no Combate à Fome e pela Vida – COEPs: nesse contexto dos anos de 1990, surgiram ações de geração de trabalho e renda, fruto da mobilização social nacional produzida pelos COEPs idealizados pelo Betinho (Herbert de Sousa)8, que reuniam órgãos públicos, empresas privadas, organizações sociais – dentre essas, as universidades; 8 Herbert de Sousa foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiros. Dentre outros projetos que criou, fundou e dedicou-se ao projeto Ação e Cidadania Contra a Fome, desde 1993, programa de luta pela vida e contra a miséria, combatendo a fome e o desemprego através da democratização da terra. Herbert era hemofílico e acometido do vírus HIV; faleceu em 1997, aos 61 anos. Apesar da doença, nunca deixou da luta incansável rumo aos direitos humanos (Pandolfi; Gazir; Corrêa, 2012). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 • os Núcleos da Unitrabalho nas universidades: tratou-se da constituição de uma rede de núcleos nas universidades do País discutindo as mudanças no mundo do trabalho e propondo ações práticas para a solução dos empregados (terceirização), a exemplo das cooperativas populares; • as lutas sociais no oeste catarinense: a forte organização da sociedade construída pelos movimentos sociais na região, em diferentes demandas sociais – como as lutas pela terra (MST), pelos direitos das mulheres camponesas (MMC), pela questão ambiental e energética (MAB), pela descapitalização dos pequenos agricultores (MPA) –, esta forte organização foi fundamental para a construção de uma Constituição Federal que produziu processos de descentralização e participação nos espaços rurais e urbanos, sempre trabalhando a cooperação como elemento estratégico nas ações; • iniciativas do governo popular em Chapecó: houve a articulação de programas de extensão da Unochapecó com programas e projetos do governo popular (1987-2004), bem como o desenvolvimento de programas em conjunto, a exemplo do programa Comunidade do Futuro: o desenvolvimento de Chapecó nas mãos dos chapecoenses, uma parceria da Prefeitura com a Unochapecó, que foi premiada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) como uma boa prática na geração de trabalho e renda, e a constituição do Programa de Geração de Trabalho e Renda na Secretaria da Assistência Social, que buscou alternativas de renda para a população mais pobre e desassistida do município; • o movimento de economia solidária: a partir das discussões do Fórum Social Mundial de 2003, em Porto A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Alegre (“outro mundo é possível e outra economia já existe”), articulou-se o movimento de economia solidária do Brasil, composto por inúmeras experiências de cooperação de diferentes matizes, que constituem o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e garantiram, junto ao Governo Lula, a organização da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes);9 • a tradição/vocação extensionista da Unochapecó: a Unochapecó, desde sua origem, sempre manteve uma forte relação com a comunidade regional através de programas e projetos de extensão, a exemplo do Programa de Extensão Comunitária em Serviço Social – ECOSS, EPPEPL (Serviço Social), Programa de Apoio a Projetos de Desenvolvimento Local (Papel), Grupo de Trabalho em Agroecologia (GTA), bem como a constituição do Núcleo da Unitrabalho, dentre outras iniciativas, contribuindo decisivamente para a implantação e frutificação da ITCP. A discussão da missão, objetivos, organização e funcionamento da ITCP-Unochapecó pautaram-se em materiais e exemplos de incubadoras de outras universidades, como USP, UFRJ, PUCPEL, dentre outras. Essas discussões foram sistematizadas num projeto encaminhado à Pró-Reitoria de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação, posteriormente aprovado pelo Conselho Universitário (Consun). O projeto também serviu de base para a construção do regi- 9 Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) foi criada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego com a publicação da Lei n° 10.683, de 28 de maio de 2003 e instituída pelo Decreto n° 4.764, de 24 de junho de 2003. Em consonância com a missão do Ministério do Trabalho e Emprego, tem o objetivo viabilizar e coordenar atividades de apoio à Economia Solidária em todo o território nacional, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário (Munarin, 2007). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 mento interno, sob trâmites que culminaram com a instalação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Unochapecó no início de 2003. Organização e funcionamento da ITCP-Unochapecó A ITCP-Unochapecó constituiu-se como um programa permanente de extensão universitária, enquadrado na política de extensão da instituição na área “Trabalho”, linha “Emprego e Renda”, que tem por finalidade promover a inserção na economia formal de grupos sociais excluídos ou em situação de risco, a partir de sua organização para o trabalho, na perspectiva da autogestão. Procura garantir a autonomia e independência tanto do sujeito/indivíduo como do empreendimento/coletivo. Sua missão é apoiar iniciativas de economia solidária, cooperativas, associações de produtores e outras formas de organização econômica autogestionárias, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico do oeste catarinense. Visa, também, auxiliar na formulação e execução de políticas públicas, destinadas ao fomento dessas experiências, articulando sua ação com a de outros atores sociais comprometidos com a elevação da qualidade de vida e com a ampliação da cidadania (Unochapecó, 2003a). O seu projeto de constituição está firmado sobre os princípios da economia solidária: a cooperação, a autogestão, a educação popular e o cooperativismo e/ou associativismo popular – alicerces de suas ações. De uma maneira geral, as experiências, a discussão teórica e ideológica e os estudos realizados sobre a economia solidária buscam contrapor-se ao modo capitalista de produção e repensar as relações entre conceitos como “trabalho”, “modo de produção”, “merA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 cado”, “capital”, “emprego”/“desemprego”, “distribuição de renda”, “exclusão social” etc. Nessa perspectiva, justificam-se as origens da economia solidária como uma construção dos movimentos sociais e dos trabalhadores engajados nessas lutas. O processo metodológico de trabalho apropriado e desenvolvido pela ITCP constitui-se em um de seus diferenciais na atuação extensionista da Unochapecó. É organizado a partir de quatro grandes fases: pré-incubação, incubação, encerramento e pós-incubação – praticamente comuns a toda a rede das mais de cem incubadoras universitárias do País. A fase da pré-incubação refere-se a todas as atividades necessárias à identificação das demandas até a seleção das iniciativas a serem incubadas. Essa fase abrangente envolve dois momentos distintos ou subfases: no primeiro momento, são contempladas questões de caráter mais técnico-operacional, elencadas as demandas do grupo interessado, construída a aproximação entre as partes, proporcionada através das problematizações sobre a natureza ou o tipo de empreendimento (associação, grupo de produção, cooperativa) existente ou pretendido e as dificuldades encontradas pelo grupo. Compreendida a natureza e definido o tipo de empreendimento desejado pelo grupo, inicia-se o momento seguinte, mais sociopolítico, que consiste na realização participativa do estudo prévio da realidade, balizando tanto a equipe quanto o grupo interessado a fazer uma análise mais próxima das reais condições da ideia inicial do grupo, para seguir na constituição de um empreendimento na perspectiva da economia solidária e no estabelecimento dos acordos e compromissos entre as partes. A seleção dos empreendimentos a serem incubados pela ITCP parte da análise dos diagnósticos apresentados ou levantados, os quais são, então, confrontados com os critérios adotados e com as A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 condições efetivas de atendimento da ITCP. Os critérios de seleção contemplam [...] viabilidade técnica e econômica do empreendimento, interação social do grupo, clareza da área geográfica de atuação, viabilidade territorial de incubação, ‘extensão científica’, impacto acadêmico, interesse social, técnico, científico, inovação, clareza do público a ser atendido, real interesse do público em trabalhar na perspectiva da economia solidária. (Unochapecó, 2003a, p. 8-9). Embora esse ordenamento seja de fundamental importância para avalizar a passagem para a segunda grande fase, a fase da incubação, o processo não é rígido nem estático, isto é, essa metodologia é sensível à heterogeneidade do estágio dos grupos, podendo (re)construir os critérios a partir das potencialidades e limitações identificadas durante os trabalhos. Assim, o trabalho a ser desenvolvido na fase inicial de acompanhamento do empreendimento pode contemplar tudo o que foi descrito, ou somente alguma parte. Essa fase da incubação geralmente tem uma duração prevista de um a três anos, tempo necessário para avaliar/analisar a viabilidade econômica e social do empreendimento, o qual pode variar de acordo com as especificidades de cada grupo. As ações envolvidas nesta fase incluem elaboração do projeto do empreendimento, desenvolvimento do plano de ação adotado pela equipe e, até, assessoria ao empreendimento em seu processo de gestão (planejamento, organização, tomada de decisão e controle) – presta-se assessoria/ acompanhamento a questões mais específicas, como as contábeis, administrativas e jurídicas, nas relações interpessoais, nos processos de aprendizagem, no envolvimento com o movimento de economia solidária, demandados pelos empreendimentos e propostas A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 pela incubadora. Pode-se afirmar que as atividades de formação ou o processo de capacitação propriamente dito perpassam todas as fases da incubação. É nesta fase que o processo produtivo é abordado com mais profundidade, buscando contemplar a visão estratégica de negócio, os parâmetros de produção e produtividade, as necessidades tecnológicas dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). É o período das modificações, da acomodação dos conhecimentos e das possíveis retomadas, de encarar a realidade e as dificuldades que começam a surgir à medida que a proposta vai tomando vida e se consolidando como empreendimento. Isso geralmente produz uma concentração maior de ações, tanto por parte da equipe técnica como dos integrantes que começam a dar visibilidade ao empreendimento. A terceira grande fase do processo é denominada de pós-incubação. Envolve os empreendimentos que passaram pelas fases anteriores ou incubadas já identificadas em estágio mais avançado, não mais demandando um processo intensivo e periódico de assessoramento e apoio. Nesta fase, a ITCP pode disponibilizar atividades de formação, com focos específicos de capacitação, de caráter eventual, de acordo com as emergências surgidas e demandadas pelos próprios empreendimentos – uma assessoria específica e de curto prazo, realizada por especialistas dos quadros da incubadora, mobilizados na universidade ou em programas de extensão parceiros, mas muitas vezes contratados a partir de recursos dos projetos de apoio. A partir deste estágio, a ITCP pode prestar assessoria em atividades mais pontuais e esporádicas, em demandas comuns e ações conjuntas ou coletivas de apoio, contemplando momentos de análise de problemas, planejamento e avaliação dos resultados. Também se busca a avaliação da efetividade da incubação, verifiA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 cando o alcance de sua missão e objetivos, na perspectiva do cumprimento da função social da universidade. A equipe técnica da ITCP-Unochapecó, neste período, sempre foi constituída por professores, técnicos de extensão e acadêmicos (bolsistas ou estagiários), organizados em equipes flexíveis de trabalho junto a grupos de EES, por tipo de atividade ou tipo de trabalho a ser desenvolvido. Para sua qualificação no desenvolvimento das atividades de pesquisa e extensão no trabalho da incubadora, organizam-se em Grupos de Estudo e Pesquisa em Economia Solidária (Gepes), em que são discutidas e desenvolvidas as bases teóricas e metodológicas da ação e da investigação sistematizadas e socializadas nas produções acadêmicas. Anualmente, são planejadas as atividades formativas e investigativas em processos de reflexão e elaboração participativas de forma grupal. Estruturalmente, a ITCP conta com uma sede, com espaço para atividades dos acadêmicos e técnicos de extensão; uma secretaria; um almoxarifado e depósito, constituído de cinco salas – além de espaço para reuniões de uso comum com outros programas e projeto de extensão. Possui os equipamentos básicos para o trabalho de extensão. Todas as ações da incubadora são refletidas e planejadas participativa e conjuntamente em diferentes níveis interdependentes e complementares, mas também concomitantes. O nível mais estratégico é realizado em dois momentos, seguidos de avaliação e de planejamento, geralmente de 16 horas, duas vezes ao ano (início e meio), envolvendo toda a equipe. Outro nível é o da realização de atividades de planejamento e avaliação por projetos financiados, que são mais frequentes e geralmente previstos na metodologia de execução. Mas toda a equipe da ITCP geralmente realiza quinzenalmente uma reunião para socialização da organização das atividades A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 por equipe flexível e conjunto de EESs, de forma intercalada com as atividades dos Gepes. Ainda, há as reuniões semanais da equipe de coordenação (técnicos de extensão, coordenadores de projetos e coordenador geral) para a organização das atividades semanais e eventuais; e, finalmente, as reuniões das equipes para planejamento das atividades semanais/diárias. A captação de recursos como estratégia na extensão universitária As ações da ITCP sempre contaram com custeios de projetos e chamadas transversais e editais específicos para ações de economia solidária em diversas fontes financiadoras. No início, as ações foram custeadas com recursos da Funcitec, mas já no ano de 2004 a ITCP realizou convênio com a Prefeitura Municipal de Chapecó para incubação e assessoria de empreendimentos de economia solidária vinculados ao Programa Municipal de Geração de Trabalho e Renda. Esse trabalho ficou entre os vinte melhores do Brasil, segundo avaliação da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, na premiação do Programa Gestão Pública e Cidadania, como experiência inovadora. Enviado em 2003, o projeto foi aprovado; sua execução teve início com o Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares/Financiadora de Estudos e Projetos (Proninc/Finep), no valor de R$ 120.000,00. Em 2006, novamente a incubadora firmou parceria com o projeto da Petrobras Fome Zero, sendo o único aprovado em Santa Catarina, no valor de R$ 80.000,00. Esses projetos possibilitaram a estruturação física e pessoal para a ITCP-Unochapecó. No ano de 2007, a incubadora aprovou, em parceria com a Finep, dois projetos: um para execução de 2008 a 2010, objetivando a A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 inserção da ITCP na região, no valor de R$ 287.000,00; outro, no valor de R$ 100.000,00, para implementação de uma nova incubadora na região, na cidade de Xanxerê, junto à Unoesc. No ano de 2010, a ITCP aprovou novo projeto para execução em 2011 e 2012, com apoio da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), para o fortalecimento das ações da incubadora, no valor de R$ 298.000,00. No final de 2011, aprovou outro projeto, com recursos na ordem de R$ 940.000,00, para execução até 2013, também com apoio da Senaes/MTE; os objetivos eram fomentar a formação da rede de catadores de material reciclável e fortalecer os empreendimentos econômicos solidários atuantes com resíduos sólidos, constituídos, principalmente, por catadores de materiais recicláveis em situação de extrema pobreza. Em 2013, aprovou novo projeto via CNPq/Proninc, na modalidade linha A (de fortalecimento às incubadoras), para execução até este ano de 2016, cujo objetivo é fortalecer o processo de incubação universitária através da integração de ensino, pesquisa e extensão para a produção de tecnologias sociais, promovendo o desenvolvimento territorial sustentável. O orçamento é de R$ 249.900,00, para custeio de atividades com empreendimentos, grupos oriundos do Assentamento Dom José Gomes, de Chapecó (SC), fortalecimento à Cesol e aproximação com as ações dos Territórios Rurais do oeste catarinense. Em 2015, também aprovou, junto ao Programa de Extensão Universitária MEC/SESu (Proext), o projeto de fortalecimento do programa permanente de extensão ITCP e apoio aos empreendimentos de economia solidária na região do oeste de Santa Catarina, no valor de R$ 298.531,52 – este projeto a ser executado em 36 meses. Todos esses recursos possibilitaram à ITCP-Unochapecó aprimorar seu trabalho, ampliar e qualificar suas ações, também envolA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ver mais a comunidade acadêmica no trabalho com os empreendimentos econômicos solidários. A prática transformadora de 13 anos de extensão educadora da ITCP-Unochapecó Esses 13 anos de atuação da ITCP-Unochapecó (2003 a 2015) foram aqui brevemente apresentados com alguns dados compilados a partir dos relatórios anuais submetidos à Diretoria de Extensão da universidade, bem como dos relatórios de prestação de contas dos projetos aprovados junto a diversas entidades financiadoras. Soma-se, aqui, o conhecimento construído pela observação e atuação da equipe e pelos autores, que têm longa trajetória de atuação junto à incubadora. Em parceria com o projeto Fome Zero, em 2004, a ITCP contribuiu para a profissionalização e qualificação do artesanato e dos trabalhos manuais em Chapecó, desenvolvidos na perspectiva de geração de trabalho e renda. Contemplou-se a participação de aproximadamente cem mulheres, distribuídas em núcleos localizados no espaço geográfico do município. No que tange à cadeia da reciclagem, os trabalhos iniciaram ainda em 2005, por meio de uma pesquisa sobre a Cadeia Produtiva de Material Reciclável do município de Chapecó, realizada em parceria com um grupo de pesquisa. Desde então, mesmo com ações intermitentes, a ITCP foi construindo um know-how nessa cadeia produtiva e na atuação junto aos catadores, constituindo-se em uma das principais referências na região, no estado e no País. Em 2010, com o auxílio da incubadora, constituiu-se o Fórum de Resíduos Sólidos de Chapecó (FRSC), espaço agregador para a articulação das A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 entidades e ações de fortalecimento da cadeia produtiva e apoio à resolução de entraves. As ações se ampliaram e intensificaram com a aprovação de projeto específico em 2011, junto à Senaes/MTE, para estudo da cadeia produtiva e apoio à construção da Rede Regional Oeste de Catadores de Material Reciclável. Em 2004, a ITCP também atuou com uma das equipes de avaliação do Plano Nacional de Qualidade (PNQ), trabalho realizado através do projeto chamado Implementação do Sistema de Planejamento, Monitoramento e Avaliação das ações de qualificação social e profissional do Plano Nacional de Qualificação (PNQ/2004). Em parceria com outras entidades de Santa Catarina, a ITCP-Unochapecó realizou o mapeamento dos empreendimentos de economia solidária no oeste e no extremo oeste do estado (nos anos de 2005/2006 e 2009/2010), cadastrando e visitando in loco empreendimentos distribuídos em 106 municípios. Os dados desses mapeamentos podem ser encontrados na página da Senaes/MTE, bem como em artigos elaborados por técnicos e acadêmicos da Unochapecó e divulgados em vários eventos nacionais e internacionais. A incubadora assessorou, apoiou e acompanhou, nos seus primeiros anos de atuação, 12 assentamentos da reforma agrária, em parceria com a Cooperativa Central de Reforma Agrária (CCA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Santa Catarina, através de convênio firmado em agosto de 2006. O trabalho voltou-se ao desenvolvimento dos Planos de Desenvolvimento dos Assentamentos (PDAs). Esses PDAs envolveram 430 famílias na discussão, totalizando um número de atingidos diretos de, aproximadamente, 1.290 pessoas, além daquelas que vivem nos assentamentos das respectivas regiões. O PDA é um diagnóstico da realidade do assentamento, a partir de levantamento de informações e reconhecimento da situação. Após esse diagnóstico, é efetuaA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 do um plano de ação para o desenvolvimento sustentável do assentamento, através do estabelecimento de propostas, ações e tomada de decisões. Essas discussões são realizadas de forma participativa, considerando quatro dimensões: territorial/geográfica, econômico-produtiva, social/cultural e política/organizativa. Nesse caso, os planos foram realizados sob a coordenação da Equipe de Pesquisa e Desenvolvimento formada por técnicos da Cooperativa dos Trabalhadores na Reforma Agrária em Santa Catarina (Cooptrasc), em parceria com o Incra. Outra importante contribuição prestada ao movimento de economia solidária foi a interlocução realizada entre os diferentes atores regionais para a constituição, em 2004, da Central de Empreendimentos Solidários (Cesol). Trata-se de uma organização sem fins lucrativos, constituída sob os princípios da economia solidária, do associativismo e do cooperativismo popular, que visa contribuir no processo de organização social, assessorar empreendimentos solidários, representar política e economicamente os empreendimentos filiados, promover o desenvolvimento sustentável através do comércio justo de produtos e serviços, desenvolver planos e redes de negócios, viabilizar projetos, intercâmbio e/ou parcerias com entidades públicas e privadas, praticar a responsabilidade social em todos os seus níveis e fortalecer os princípios e plataformas da economia solidária. Outro campo de atuação e contribuição da ITCP-Unochapecó foi a criação, em dezembro de 2005, do Fórum Regional de Economia Solidária do Oeste Catarinense (FRES-Oeste), que tem como finalidades o debate, o fomento e a articulação da economia solidária na região oeste de Santa Catarina e a representação dos empreendimentos de economia solidária perante as esferas públicas nos âmbitos municipais, estadual e nacional. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Uma das grandes ações da ITCP-Unochapecó na região oeste foi a mobilização e articulação para a realização, no primeiro semestre de 2006, da Feira de Trocas Solidárias com Moeda Social, da Feira Estadual de Economia Solidária; posteriormente, em conjunto com o FRES, realizou diversas feiras regionais, microrregionais e municipais, principalmente localizadas em bairros da cidade, onde mobilizam a população local, a interação entre empreendimentos e entidades parceiras, possibilitando a divulgação, comercialização, troca de experiências e saberes, unificando o público em torno dos objetivos do movimento da economia solidária. Na estratégia de fortalecimento do movimento de economia solidária no campo universitário, a ITCP-Unochapecó sempre esteve integrada à Rede Unitrabalho e também à Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Rede ITCPs), tendo assumido a coordenação nacional por uma gestão de três anos, até 2013. Também sempre atuou nos espaços de luta e fortalecimento do movimento de economia solidária, fazendo parte dos seus fóruns, desde o Fórum Municipal de Chapecó e do Fórum Regional Oeste (FRES-Oeste). Do Fórum Catarinense, sempre fez parte como representante das Entidades de Apoio e Fomento (EAF) da região oeste; no Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), foi representante da Rede de ITCPs durante quatro anos, até 2013. Também atuou como representante no Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES), até 2014. Sempre esteve à frente do Fórum de Resíduos Sólidos de Chapecó (FRSC), na composição ou coordenação desde a sua constituição, em 2010, até o presente. Com relação à incubação de EES, como seu foco de ação, no período considerado aqui analisado (2003 a 2015), todo o trabalho realizado foi registrado nos relatórios anuais de prestação de contas apresentados para a Coordenação de Extensão da Unochapecó, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 bem como às entidades financiadoras. Nesses relatórios, encontram-se descritos os gastos, as ações realizadas e o público beneficiado – a média anual de pessoas atendidas alcançou o número de 850 pessoas. O trabalho de incubação vem se desenvolvendo ao longo desse período; foi estabelecido a partir das demandas dos empreendimentos em suas diferentes fases, sem uma observância mais rígida do processo previsto na metodologia de incubação, ou seja, de pré-incubação, incubação, encerramento e pós-incubação. Nesse período, houve oscilações significativas dos recursos disponíveis, da equipe técnica disponível e, consequentemente, do número de ações desenvolvidas, embora tenha ocorrido menos oscilação no número de empreendimentos assessorados. Os dados apontam que, nesse período de 13 anos de existência da incubadora (2003 a 2015), foram incubados 85 EESs, dos quais 28 eram rurais, representando 32,94%, e 57 eram urbanos, representando 67,06%, com uma média de aproximadamente seis novos EES por ano, enquanto a média anual de EESs incubados ficou em 16, registrando-se um tempo de incubação de aproximadamente 2,8 anos por empreendimento, em média. Os anos com menor número de EESs incubados foram 2003 e 2011, com nove e 11 EESs respectivamente, enquanto os anos com maior número de EES incubados foram 2005 e 2007, com 27 EESs cada. Os dados do SIES registram que mais de 60% dos EESs da região oeste de Santa Catarina estão localizados no meio rural, enquanto que, dos incubados pela ITCP-Unochapecó, apenas 32% são rurais. Isso pode ser compreendido pelo fato de que, no meio rural desta região, já existe uma longa tradição de organização da cooperação através dos movimentos sociais e várias organizações de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 apoio, enquanto no espaço urbano, os EES permaneciam desamparados/desassistidos até o surgimento da incubadora. Quanto às áreas de atuação dos empreendimentos, verifica-se uma grande variação: desde a prestação de serviços – qualificação profissional de portadores de necessidades especiais, construção civil; à produção/comercialização – agropecuária, confecção, artesanato, reciclagem, entre outros. Considerações finais Nesse período de 13 anos de sua atuação, percebe-se que a ITCP-Unochapecó desempenhou importante papel na construção e no fortalecimento da economia solidária na universidade, no município de Chapecó, na região oeste catarinense, no estado de Santa Catarina, assim como no País, constituindo-se em referência no conjunto da Rede de ITCPs e no movimento de economia solidária. Em sua trajetória, a ITCP-Unochapecó apresenta uma evolução semelhante à da economia solidária no Brasil, por sua intensa e profunda inserção nesse processo de construção social e histórica de alternativas para as mazelas do desenvolvimento capitalista brasileiro. Assim como o movimento da economia solidária, a ITCP iniciou sua atuação no período entre 2003 e 2006, numa perspectiva de geração de trabalho e renda, tendo a organização cooperativa como unidade de atuação; mas, no período seguinte, de 2007 a 2009, avançou para o processo de construção e implementação de políticas sociais junto a grupos sociais vulnerabilizados, tendo como sujeito da ação não apenas a organização, mas os grupos sociais em suas especificidades, necessidades e interesses. No período seguinte, de 2010 a 2012, já se colocou de forma mais ampliada, pois a própria economia solidária se colocou como uma estratégia de desenvolvimento, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 compreendendo as organizações e os grupos sociais como sujeitos de sua própria história. Nesse período mais recente, de 2013 a 2015, incorporaram-se à estratégia de desenvolvimento, para além das dimensões social e econômica (do buen vivir), a dimensão territorial nos projetos e ações e, com elas, o conjunto das demais dimensões do processo de desenvolvimento sustentável – as dimensões ambiental, da soberania e segurança alimentar e nutricional, da multiculturalidade, das tecnologias limpas e de produção da vida. Para tanto, nesse processo de ampliação da compreensão e da prática, nela também vai se forjando e se agrega necessariamente uma nova concepção de extensão: educadora e libertadora, e não mera difusora, com a clara articulação do ensino e pesquisa no fazer da extensão. Nesse fazer da extensão, a ITCP sempre buscou a atuação multidisciplinar e interinstitucional, articulando parcerias e diferentes áreas do conhecimento potencializado pela prática dos princípios da economia solidária. Assim, sempre envolveu vários cursos das grandes áreas do ensino da universidade, como a Agronomia, a Biologia, a Engenharia de Alimentos, da Área das Ciências Exatas e Ambientais; a Economia, a Administração, a Contabilidade e a Comunicação, da Área das Ciências Sociais e Aplicadas; os cursos de Nutrição e Psicologia, da Área das Ciências da Saúde; o Serviço Social, a Pedagogia e o Direito, da Área das Ciências Humanas e Jurídicas. Diante do ora exposto, pode-se compreender que a ITCP-Unochapecó, como programa permanente de extensão, praticou o princípio universitário da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão e realizou diretrizes da extensão universitária ao estabelecer uma relação de compromisso com autonomia em sua atuação na sociedade regional. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Referências MUNARIM, Aquiles. Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES: Superação do Capitalismo? 2007. Disponível em: <http:// docplayer.com.br/7556387-Secretaria-nacional-de-economia-solidaria-senaes-superacao-do-capitalismo.html>. Acesso em: 24 set. 2016. PANDOLFI, Dulce; GAZIR, Augusto; CORRÊA, Lucas (Org.). O Brasil de Betinho. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2012. SINGER, Paul. Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2000. ______. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. UNOCHAPECÓ – Universidade Comunitária Regional de Chapecó. Fundeste. [s.d.]. Disponível em: <https://www.unochapeco.edu. br/info/a-fundeste>. Acesso em: 23 set. 2016. ______. Projeto – Incubadora Tecnológica de Cooperativa Populares – ITCP. Chapecó, 2003a. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2003b. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2004. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2005. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2006. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2007. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2008. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2009. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2010. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2011. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2012. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2013. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2014. ______. Relatório anual de extensão – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP. Chapecó, 2015. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Mulheres e cidadania: desafios políticos e emancipação da condição feminina Hellen Barella Murilo Cavagnoli Cristiane Tonezer Teresinha Rita Boufleuer Introdução O projeto de extensão Mulheres e Cidadania surgiu a partir de uma ação da Diretoria de Extensão (DEX) da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) denominada UnoVerCidade, que propunha atividades nos bairros do seu entorno. Essa ação vinha ao encontro da missão da Unochapecó, que é profundamente identificada com o desenvolvimento regional e atenta às necessidades da população e das organizações situadas em sua região de abrangência. No ano de 2015, o Programa de Apoio a Processos Participativos de Desenvolvimento Local (Papel) sintonizou com essa proposta e elaborou diagnóstico com a comunidade do bairro Efapi, Chapecó, a fim de levantar as principais demandas da população, surgindo questionamentos como: por que apenas homens participam de associações e decisões que dizem respeito à comunidade? Buscando respostas a esses questionamentos, a continuidade do diagnóstico atentou para as necessidades e desejos das mulheres, já com boa organização com clube de mães e grupos nos quais o foco central é o serviço à comunidade. Em conjunto, percebeu-se certa desvalorização desses grupos, dirigidos apenas à produção de artesanato e outras atividades entendidas como do universo feminino. O grupo em questão conta ainda com o apoio de uma professora disponibilizada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). Segundo as integrantes, a não participação da mulher na gestão das questões comunitárias se dá pelo fato de que estas necessitam ficar em casa cuidando dos filhos e das tarefas domésticas, definidas como lavar, passar, cozinhar, entre outras. No final de 2015, após o diagnóstico, foi elaborado e aprovado projeto de extensão para atender a demanda identificada. O projeto conta com uma bolsista, estudante do curso de Enfermagem, envolvendo ainda cinco professores dos cursos de Psicologia e Agronomia e do mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais. Assim iniciam as ações do projeto Mulheres e Cidadania: desafio para sua participação comunitária, com ações no grupo já existente no Loteamento Colatto, pertencente ao bairro Efapi, que conta com cinquenta mulheres ativamente participantes. Mulheres e cidadania A condição experienciada pelo sexo feminino, no Brasil, é inquestionavelmente cerceada por uma série de problemáticas que denunciam os poucos avanços referentes à participação social e a garantia de equidade a esta parcela da população. Alguns dados nos permitem visualizar questões estreitamente relacionadas aos lugares de gênero constituídos historicamente no País, que relegam a mulher ao lugar de sujeito desapropriado de qualquer potência emancipatória. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O Brasil, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) expostos por Alvez e Canevaghi (2009), apresenta alguns dos piores índices de participação de mulheres em instâncias decisórias e deliberativas. O número verificado expõe um contingente de menos de 9% de mulheres nos cargos legislativos e executivos. Dentre as mulheres que conseguem alcançar a condição de participante ativa nos cenários de deliberação política, mesmo que informais, verificamos ainda o acúmulo de funções que acarreta em dupla jornada, como constatado na pesquisa de Moura (2015). A pesquisadora percebe, junto a um grupo de parlamentares do sexo feminino, a responsabilização destas por todas as tarefas domésticas consideradas do âmbito privado, como o cuidado e a educação dos filhos, o acompanhamento das atividades escolares, a manutenção do lar e a alimentação da família. Tais tarefas são assumidas pela maioria delas de modo naturalizado, sem que se questionem as desigualdades que o acúmulo de funções pode promover. Jacques Donzelot, em A polícia das famílias (1986), já constatava, ainda no século XIX, a construção social do lugar de guardiã do lar e de cuidadora atribuído ao gênero feminino, num complexo entrecruzamento de práticas médicas emergentes e do plano patriarcal e religioso instituído. Ao compreender o instituído como conjunto de valores que implicam na manutenção de lógicas (manifestas ou não em forma de lei) que regulam a produção e a reprodução da vida (Baremblitt, 1996), faz-se evidente a maneira como, historicamente, vem se produzindo modos de subjetivação que assujeitam o sexo feminino. Sabe-se que atualmente uma série de movimentos sociais lutam para que as mulheres passem a ser vistas como cidadãs, pessoas com direitos e deveres e não mais como sombras dos homens. Nesse caminho, as mulheres conquistaram um grande espaço no A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 mercado de trabalho, nas decisões frente à família e na comunidade, porém precisam sempre estar em busca de uma melhor qualidade de vida, lutando e contribuindo para as decisões na comunidade, nos conselhos e entre tantos outros espaços. A mulher atual passou a conduzir suas ações e se tornou multifuncional, bem resolvida, tendo em primeiro lugar sua liberdade e uma melhor condição de vida, sem deixar de lado sua feminilidade. Mais que isso, assegurou seu direito à cidadania, legitimando seu papel enquanto agente transformador. Sua participação nas últimas seis décadas tem sido um dos fatos mais marcantes ocorridos na sociedade brasileira: Entre os brasileiros que trabalham, as mulheres são quase a metade, e são responsáveis pelo sustento de aproximadamente 33% das famílias no Brasil. (Santos; Sacramento, 2011, p. 8). Foi por esse motivo que o projeto de extensão Mulheres e Cidadania buscou escutar essas mulheres, a fim de pensar ações e opções para que se sintam à vontade em participar de associações, conselhos e decisões tomadas na comunidade na busca por bem-estar e autoestima. Metodologia O projeto se delineia como uma pesquisa-intervenção. Esta se caracteriza, segundo Rocha (2003, 2006), como uma concepção de pesquisa que visa superar as dicotomias clássicas entre pesquisador/pesquisado e objetividade/subjetividade. Na pesquisa-intervenção, o conhecimento é compreendido como indissociável de uma construção dialógica participativa e colaborativa, na qual os A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 delineamentos iniciais do trabalho são constantemente negociados a partir dos significados coletivos que os participantes atribuem à proposta. Nesse sentido, o conhecimento é gestado a partir de processos grupais, nos quais são problematizadas junto aos participantes, demandas do grupo e se desenham ações com vistas a transformar a realidade em função das necessidades encontradas. Para tanto, as atividades vão sendo construídas coletivamente, a fim de atingir os objetivos propostos. Para trabalhar com as mulheres, um conjunto de atividade vem acontecendo, como: rodas de conversas em torno das questões comunitárias, de gênero, da própria organização do grupo de mulheres e da participação social. A expressão por meio da linguagem oral dos sentimentos, ideias e valores permitem a aproximação e conhecimento sobre suas realidades. Além de dinâmicas que fortalecem o vínculo entre elas, são organizadas palestras e oficinas lúdicas que são planejadas conforme as demandas e visitas domiciliares que possibilitam conhecer um pouco das famílias, motivando e explicando a participação na comunidade. No dia 20 de abril de 2016, iniciou-se a participação efetiva no grupo das mulheres Laços da União, do bairro Colatto, Chapecó, que acontece semanalmente nas quartas-feiras à tarde, por volta das 13h30, e conta com a participação de cinquenta mulheres, de 27 a setenta anos de idade. Destaca-se na organização o recurso de formação de grupo numa rede social através dos aparelhos celulares e que serve de elemento de comunicação, interação e animação diária, podendo ser fortalecida como um fator de proteção por possibilitar rápida comunicação e organização para o enfrentamento de alguma situação de vulnerabilidade. As primeiras intervenções foram dedicadas a conhecer as participantes, sua rotina, e suas expectativas em relação à participação A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 da Universidade no grupo. A escuta das demandas foi base para a preparação das atividades coletivas. Ações já realizadas, como oficina de maquiagem e seção de fotos, permitiram mostrar a força e poder da mulher com sua personalidade, beleza e forma de agir. A escuta diagnóstica contínua durante as atividades proporciona a discussão e o planejamento das atividades seguintes, e estão previstas ainda: construção do livro de receitas que, além de receitas, fale sobre a importância da mulher na sociedade, palestra sobre gênero e sexualidade, divulgação das atividades junto ao restante da comunidade, inserção em outros espaços de deliberação como os conselhos locais. O projeto poderá desenvolver ações ainda não pensadas até aqui que vão possibilitar a continuidade das atividades. Resultado e discussões Em relação aos resultados das atividades já realizadas, estas podem ser divididas em três etapas. A primeira, que teve como objetivo escutar as mulheres, confirmou o que já se tinha em mente, ou seja, a figura feminina limita-se à casa e à família. As questões que nortearam as discussões deste primeiro encontro foram as seguintes: O que é felicidade para você? Quais ações você gostaria que fossem oferecidas em sua comunidade? Essas questões foram lançadas no grupo, porém todas as mulheres responderam individualmente. Os resultados surpreenderam no sentido de que felicidade para a maioria das mulheres é “ver um filho feliz”, “acordar cedo”, “poder conviver em família”, “trabalhar”. Por sua vez, em relação ao segundo questionamento, a maior parte delas responderam que gostariam de ter na comunidade mais cursos de artesanato, corte e costura, culinária, anseios que pouco se expandiram para além A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 disso. Como continuidade dessa primeira etapa, buscou-se em um segundo momento elencar temas a partir das sugestões das mulheres a fim de pensar ações mais concretas. As atividades dividiram-se em: alimentação, artesanato, teatro, fotografia, música e horta. As ações elencadas para cada atividade foram as seguintes: para culinária, houve consenso entre as mulheres de que estas gostariam de curso de culinária, alimentação saudável, reaproveitamento de alimentos. Para o artesanato, foram muitas as demandas, dentre elas pintura, lembranças de papel, flores de EVA, entre outros. Para a música e o teatro, as mulheres sugeriram aprender um pouco mais de como se expressar e através disso transmitir o que pensam. A segunda etapa teve como objetivo concretizar uma ação solicitada pelo grupo e, para isso, utilizou-se a autoimagem buscando, através da fotografia, valorizar a beleza natural de cada mulher. As fotografias foram expostas em uma janta organizada pelas próprias mulheres na comunidade e teve como principal objetivo mostrar a força da mulher para além da casa e da família. A terceira etapa teve como particularidade ocorrer para além do território da comunidade. As mulheres visitaram o Viveiro Florestal na Unochapecó, onde participaram de uma oficina sobre ervas medicinais. Apesar de parecer simples, a oficina ofereceu como diferencial um vídeo e uma palestra sobre o papel da mulher na preservação das tradições e do patrimônio biológico da região. As discussões e o debate proporcionado evidenciou a contribuição do grupo nessas questões. Na mesma atividade, tiveram a oportunidade de compartilhar experiências no trabalho na agricultura e em suas casas, discutindo ainda a tomada de decisão com sua família e o que move elas a fazerem coisas diferentes. No decorrer dessa atividade, perceberam-se sentimentos de valorização que se materializavam através das falas. Algumas traziam a realidade de que seus A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 filhos e netos estudavam no lugar em que agora elas estavam, mas que nunca tinham tido a oportunidade de “pisar” na Universidade, apesar do dinheiro do pagamento das mensalidades serem provenientes dos “seus bolsos”. Novas atividades já estão sendo pensadas: atividade sobre culinária com a construção do livro de receitas que abordará assuntos importantes que dizem respeito à participação da mulher na comunidade e às relações de gênero. O projeto de extensão, baseado nos princípios de uma democracia participativa e atenta aos modos de subjetivação referentes à questão de gênero, busca, junto ao grupo de mulheres, o desenvolvimento de atividades que desnaturalizem polaridades identitárias. Assim, o grupo, enquanto projeto coletivo, busca a expressão de um logos próprio, de modos de reconhecer a própria história, de compreender as demandas que atravessam o cotidiano das mulheres participantes e de promover ações coletivas que afirmem o direito de participação e suas efetivas possibilidades, no território da comunidade. Considerações finais A cada encontro observam-se mudanças na forma de agir e pensar das mulheres inseridas no projeto. Passada a resistência inicial, vão percebendo o quanto são importantes também para a comunidade e não apenas para a família. Termos como “união”, “companheirismo”, “coletividade” estão sendo cada vez mais utilizados por elas nos grupos de conversa, o que possibilita perceber que juntas elas desempenham um papel importante e são capazes de atingir objetivos antes inimagináveis. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Se nesse primeiro momento busca-se, de forma cautelosa, discutir, através de suas práticas cotidianas a valorização da mulher frente a sua comunidade, espera-se também, em um futuro próximo, expandir essas atividades para além da culinária, dos chás medicinais, do artesanato, adentrando em questões mais “delicadas”, como a violência contra a mulher (machismo) e a sexualidade, aguardando o tempo de amadurecimento e a manutenção de vínculos mais concisos. Por todos esses motivos, embora o papel da mulher na sociedade venha se tornando cada vez maior e melhor, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados. É preciso melhorar o acesso das mulheres a postos de trabalho e cargos elegíveis, promover melhores salários, efetivar o direito da mulher sobre o seu próprio corpo e sobre a sua liberdade individual. Percebe-se que o debate coletivo e o desenvolvimento de ações voltadas à participação das mulheres no território local e no contexto familiar podem atuar como fonte de potencialização de diálogo e fortalecimento do grupo, promovendo, futuramente, a inserção dessas mulheres em instâncias decisórias e participativas de nível municipal. Referências ALVES, José Eustáquio Diniz; CAVENAGHI, Suzana Marta. Mulheres sem espaço no poder. [S.l.]: IPEA, 2009. BUTLER, Judith. Bodies That Matter: On the discursive limits of “sex”. New York: Routledge, 1993. BAREMBLITT, Gregorio F. Compêndio de análise institucional e outras correntes: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1996. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013. COSTA, Claudia de Lima. 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Iniciou suas atividades na universidade a partir do início de 1999, com base nas experiências contemporâneas de desenvolvimento sustentável local, nacional e internacional, articulado por conjunto de professores dos cursos de Agronomia e Serviço Social, majoritariamente. O programa se organizou para atender a demanda regional e contribuir na consecução dos projetos político-pedagógicos desses cursos, visando uma interação mais efetiva deles com as políticas públicas. No diálogo entre os autores para a construção deste texto, Colmar Domingues assim relata: Lembro que o nome surgiu de algo que parecia uma anedota com certa ironia: falei para o Oscar que todo mundo falava que o programa deveria ser algo que nunca iria sair do papel. Fazer planos para ficar na gaveta, para ficar no papel. O Oscar riu e disse que o nome devia ser, então, Papel... [risos]. O Papel sempre esteve cadastrado na Unochapecó como um programa/projeto permanente de extensão, dentro da área temática de Trabalho e Desenvolvimento e da linha de extensão Desenvolvimento Regional. Entretanto, sempre dialogou com as linhas de Desenvolvimento Rural e Questões Agrárias, Desenvolvimento Urbano e Gestão Pública. Em sua trajetória, envolveu os cursos de Agronomia, Biologia, Direito, Serviço Social, Economia e Psicologia. No entanto, as áreas e cursos variaram de acordo com o projeto/ação em implementação, o edital e a fonte de recursos envolvidos. As ações do Papel sempre partiram das prioridades locais/regionais definidas com a participação ativa dos atores locais, conforme preconizado nos princípios norteadores da Política Nacional de Extensão Universitária do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (Forproex, 2012), em seu inciso primeiro. Essa forma de extensão visa não impor um saber pronto e acabado, mas construir a interação da prática de ensino, pesquisa e extensão com os outros saberes, todos como sujeitos igualmente protagonistas das ações. Também, as ações do Papel sempre demandaram o envolvimento dos movimentos sociais, visando à superação das desigualdades e à promoção da inclusão social das populações cujos problemas se tornam objeto da pesquisa e ensino da comunidade acadêmica envolvida. Assim, tais ações são encaradas como trabaA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 lho social que visa à promoção de melhorias em realidades sociais de exclusão e desigualdade (Forproex, 2012). A articulação com as diretrizes da Política de Extensão no fazer extensionista do Papel sempre atendeu às diretrizes da extensão universitária brasileira: “[...] interação dialógica, interdisciplinaridade e interprofissionalidade, indissociabilidade do ensino-pesquisa-extensão, impacto na formação do estudante [...]” (Forproex, 2012, p. 16), buscando transformações estruturais nas realidades sociais locais. Ao definir o desenvolvimento local como seu foco de atuação, o programa traz a imediata implicação entre interdisciplinaridade e interprofissionalidade, amplamente consensuada na literatura sobre o tema. Ao orientar-se por processos participativos, o Papel se pauta pela diretriz da interação dialógica em sua intervenção, garantindo autonomia e protagonismo aos sujeitos implicados no processo. Por sua vez, acadêmicos, técnicos ou docentes envolvidos com os problemas sociais de realidades concretas, que lá estejam de livre e espontânea vontade e comprometidos com os sujeitos de sua ação, são profundamente impactados em sua formação técnica e cidadã. Isso se dá pelo necessário uso e pela construção permanente de práticas e técnicas que garantem a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, indispensável para a transformação visando justiça social, finalidade da extensão universitária. O programa adotou como princípios a abordagem territorial, estratégia de desenvolvimento sustentável e promoção da qualidade de vida; a abordagem sistêmica e interdisciplinar, concepção técnico-científica nas ações de planejamento dos processos de desenvolvimento local; e a educação popular, estratégia pedagógica para promoção do protagonismo e autogestão local. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Quanto a diretrizes de atuação, destacam-se a participação e o envolvimento dos atores/sujeitos locais em todas as etapas dos processos de gestão, para promoção da autogestão e protagonismo; a articulação e a integração das políticas públicas em seus diversos níveis (municipal, estadual e federal; setorial e territorial), para fortalecer a eficiência, efetividade e eficácia dos processos; e a sustentabilidade das ações para a promoção da segurança e soberania alimentar, e preservação dos recursos naturais. No projeto do programa aprovado nas instâncias da universidade, o Papel apresentou como seu objetivo geral [...] apoiar processos participativos de desenvolvimento local/regional que gerem o protagonismo dos atores e melhorem a qualidade de vida da população envolvida, possibilitando à universidade concretizar sua função social, compreendida enquanto produção e difusão de conhecimento voltado às demandas da sociedade, prioritariamente grupos sociais excluídos, fortalecendo o caráter comunitário da Unochapecó. (Unochapecó, 2004a). Para alcançar esse seu objetivo geral, o programa estabeleceu como objetivos específicos viabilizar a produção e socialização do conhecimento de projetos de pesquisa que subsidiem a intervenção na realidade, possibilitando a interação universidade/comunidade, através das diversas áreas do conhecimento; capacitar as organizações da sociedade civil, poder público e agentes sociais, para o desenvolvimento local/regional; realizar estudos e diagnósticos de territórios rurais e locais, setores econômicos e sociais e/ou cadeias produtivas; acompanhar processos de desenvolvimento rural e local em andamento na região oeste de Santa Catarina; assessorar a elaboração de planos estratégicos e operacionais no âmbito de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 comunidade, município e região, em entidades locais e órgãos públicos; assessorar comunidades, organizações, entidades e instituições na superação de necessidades identificadas participativamente, em diferentes setores da vida social; estruturar projetos setoriais e territoriais em parceria com os atores sociais locais e regionais; possibilitar espaços de aprendizado significativo aos acadêmicos dos diferentes cursos da Unochapecó (Unochapecó, 2004a). A metodologia dos trabalhos do Papel pressupõe negociações quanto a que tipos de apoio serão oferecidos a cada território e/ou ator social envolvido. As etapas metodológicas das ações de extensão para a gestão do desenvolvimento local são as seguintes: ações preparatórias com identificação de atores sociais parceiros e potenciais interessados; sensibilização e mobilização da comunidade local para envolvimento em um processo de gestão social; capacitação dos atores sociais envolvidos; elaboração de um diagnóstico participativo local; elaboração de um plano de desenvolvimento local; estruturação de programas e projetos com seus grupos de trabalho, derivados das prioridades estabelecidas pelo plano; monitoramento e avaliação participativa da dinâmica de gestão social estabelecida. Cada projeto, convênio ou ação desenvolvida pelo Papel usava essa estrutura básica e adequada/ajustada/construída e acordada previamente com os proponentes. Podem, ainda, surgir propostas de trabalho que não se enquadram nessa estrutura básica, sendo necessárias construções específicas, desde que respeitados os princípios e diretrizes do programa (Unochapecó, 2016a). Ao longo do seu percurso, o Papel foi aperfeiçoando sua proposta metodológica de acordo com a demanda e os desafios encontrados. O mesmo ocorreu com sua proposta avaliativa, que, componente estruturante da concepção do programa e instrumento fundamental, se constituiu na consolidação e redimensionamento A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 político e pedagógico das ações. É um processo contínuo e permanente que abarca o conjunto das atividades, desde sua concepção à implantação e resultados (impactos quantitativos e qualitativos), possibilitando a leitura e releitura da realidade. O Papel tem como suporte os instrumentais metodológicos referenciais da metodologia do Planejamento Estratégico Participativo (PEP), do Diagnóstico Rápido Participativo (DRP), da Metodologia de Animação de Processos de Desenvolvimento Local da Rede de Organizações Não Governamentais (ONGs) de Santa Catarina, da Metodologia de Gestão Participativa (Gespar) e do Sistema de Informação Gerencial do Programa de Desenvolvimento Local do Oeste de Santa Catarina, desenvolvido na parceria da Rede ONGs/ SC com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) (Unochapecó, 2016a). O Papel atua a partir da multidimensionalidade sociocultural, educacional, socioeconômica, socioambiental e político-institucional, construindo participativamente seu modo de intervenção em realidades locais, gerando protagonismo e aproximação orgânica entre os atores sociais locais e a universidade. Nesse sentido, o programa é um instrumento (tecnologia social) de articulação e interação para o desenvolvimento e a gestão do conhecimento, que contribui e se complementa com outras atividades, a exemplo das disciplinas de Estudo de Realidade Rural e Estágio de Vivência do Curso de Agronomia, e com outros projetos ou programas de extensão, como a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) e o Grupo de Trabalho em Agroecologia. Para a constituição de cada equipe de trabalho demandada pelo programa em seus projetos e ações, eram seguidos os trâmites da Unochapecó para atribuição de horas aos professores envolvidos, bolsas de estudo aos acadêmicos necessários e, sempre que A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 possível, a contratação de outros profissionais a partir de horas técnicas previstas nos projetos. Cada novo processo implementado pelo programa se constituiu em momento privilegiado de aprendizagem social, tanto interno (equipe) quanto externo (com parceiros e público-alvo das ações), permitindo aos atores uma apropriação reflexiva da ação empreendida. As atividades sempre buscaram envolver o nível estratégico (missão, valores, princípios, diretrizes, objetivos), assim como o tático/operacional (metas, ações, atividades), identificando e analisando os resultados almejados e efetivamente alcançados. Para isso, sempre se fez uso de indicadores avaliativos e processos participativos de acompanhamento e monitoramento das ações. O público-alvo do programa envolveu os órgãos colegiados de políticas públicas (estaduais, regionais, territoriais); os Conselhos Municipais (de Desenvolvimento Rural ou Agricultura, Meio Ambiente, Educação, Saúde e outros); as equipes técnicas das secretarias municipais (Agricultura, Educação, Saúde, Assistência Social, Infraestrutura e outras); as entidades e lideranças locais (sindicatos, cooperativas, associações, igrejas/cáritas, Sebrae, Senac, dentre outras); os segmentos e/ou categorias específicas (jovens, idosos, mulheres, micro e pequenos empreendedores, dentre outros); os grupos sociais específicos (caboclos, indígenas, pescadores); e outros públicos específicos dos acordos, contratos e/ou convênios firmados com os proponentes de outros programas e projetos internos (Unochapecó) ou externos. O público sempre variou conforme o tipo de ação e os acordos firmados. As ações de capacitação variaram quanto a serem grupos dirigentes e técnicos (dez a quarenta pessoas) e segmentos sociais diversos, geralmente com atividades com mais de cem pessoas – em alguns casos, atingindo número até maior. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Nesses quase vinte anos de atuação do Papel, constituíram-se como parceiros o Ministério da Educação (MEC); Ministério da Integração Nacional (MIN); Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), atual Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA); Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq); Fundação Nacional do Índio (Funai); Fundação Nacional de Saúde (Funasa); Conselho Indigenista Missionário (CIMI); Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri); Associação de municípios, especialmente a Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (Amosc) e a Amoc; prefeituras municipais de Planalto Alegre, Caxambu do Sul, Quilombo, Irati, Guatambu, Santiago do Sul e Formosa do Sul; Movimentos Sociais (MST, MPA, MMC e MAB); ONGs, como a Associação de Pequenos Agricultores do Oeste de Santa Catariana (Apaco) e a Rede Ascooper (Cooperativa de Produtores de Leite do Oeste de Santa Catarina); Instituto de Estudos e Apoio em Desenvolvimento Territorial (Ceades). Contexto de constituição do Papel Nos anos de 1980, o Brasil se encontrava mergulhado em uma prolongada crise econômica, a chamada “década perdida”. Porém, foi nessa crise que se constituiu uma forte organização social que diferenciou o Brasil de outras nações no mesmo período. No meio urbano, estruturou-se um forte movimento operário, trabalho desenvolvido inicialmente por igrejas com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), culminando com a constituição da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. No meio rural, igualmente, foi forte a atuação das igrejas Católica e Luterana, esta especialmenA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 te; surgiu o movimento sindical de oposição filiado à CUT (1983), depois se constituiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 1985. Nesse período, surgiram muitas lutas e mobilizações a partir de demandas de diferentes segmentos do campo, em vários estados da federação, que mais tarde se assumiram como movimentos sociais de âmbito nacional, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB, 1991), o Movimento dos Pequenos Agricultores (1996) e o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC, 2003) – este, constituído como Articulação Nacional das Mulheres Agricultoras desde 1995 (Baron, 2012; Arns, 2010; Cadoná, 2004). Essa organização social se articulou aos partidos de oposição à ditadura ao fim desta, em 1985. Com isso, o País promulgou a Constituição Federal de 1988, que incorporou um significativo conjunto de avanços. Dentre estes, merece destaque, para o caso do Papel, o processo de descentralização das políticas, em sua decisão, execução e gestão, assim como a ampliação da participação da sociedade na gestão pública, o que passou a exigir novas posturas e competências dos poderes públicos e das organizações da sociedade civil. Para tanto, a capacitação dos setores sociais, especialmente os mais desfavorecidos, se constituiu como um componente estratégico. Nos anos de 1990, apesar de se intensificarem políticas neoliberais sob a égide da globalização econômica mundial, o Brasil passou a ser palco de inúmeras experiências sociais, em diferentes abrangências (municipal, regional, estadual e nacional), que buscavam desenvolver ou implementar políticas públicas, bem como aperfeiçoar os mecanismos de participação social, especialmente em conselhos de políticas públicas da Saúde (Sistema Único de Saúde – SUS) e da educação (para a construção dos sistemas municipais e estaduais de educação, através das conferências e conselhos A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 setoriais). Mais tarde, esse processo se estendeu também para os serviços de assistência social, com a criação do Serviço Único da Assistência Social (SUAS), dentre outras políticas que se seguiram (De Toni, 2000). É nesse contexto que o planejamento participativo, como ferramenta e como prática, passou a fazer parte do cotidiano dos gestores públicos dos diferentes níveis de governo, mas também das organizações sociais. Esse processo demanda novas institucionalidades, com capacidade de promover a gestão de conflitos, a definição de estratégias prioritárias, a realização de controles, transparência e participação na gestão de políticas públicas (Buarque, 1999). Também nesse período ampliou-se um aprendizado social importante: muitos atores sociais perceberam a necessidade de superar a visão e as práticas fragmentárias e setorializadas, para buscar uma compreensão e ações integradas em torno de suas experiências. Nesse contexto, proliferaram-se experiências de desenvolvimento local e gestão participativa. Nas dinâmicas de trabalho do Papel, o desenvolvimento local é compreendido como [...] um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da qualidade de vida da população. Representa uma singular transformação nas bases econômicas e na organização social em nível local, resultante da mobilização das energias da sociedade, explorando as suas capacidades e potencialidades específicas. (Buarque, 1999, p. 8). O envolvimento dos atores sociais, econômicos e políticos na construção de alternativas de desenvolvimento local pode ser um importante diferencial comparativamente a formas centralizadas e A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 diretivas de governo. Ele ativa formas de capital social e estimula pessoas e organizações a encontrar elementos de reciprocidade em suas ações (Putnam, 1996). Esse tipo de capital é caracterizado por diferentes formas de organização, institucionalidades, dinâmicas de cooperação, dentre outras configurações que possam, utilizando adequadamente recursos econômicos e ambientais, promover o desenvolvimento local. A participação se apresenta como elemento central para a produção e reprodução desse capital social, gerando autonomia e protagonismo dos atores sociais envolvidos (Arns; Rover; Zuniga, 2004). Saliente-se, aqui, que as dinâmicas de desenvolvimento local propostas e discutidas no ambiente do Papel não são vistas como espaço exclusivo de construção dos processos de desenvolvimento. Há dinâmicas supralocais e regionais que se processam e para as quais há a necessidade de se construir intervenções qualificadas. Assim, o desenvolvimento local/regional é visto como parte integrante de processos mais amplos, que transcendem esses territórios e assumem contribuição nos seus rumos (Buarque, 1999; Rover, 2006, 2007, 2011). Nos processos de desenvolvimento local, é marca importante a participação dos sujeitos, com conhecimento e apropriados de seus saberes, que gerem o protagonismo dos atores e melhorem a qualidade de vida da população envolvida, possibilitando à universidade concretizar sua função social e explorar esse rico espaço pedagógico. Na universidade, existem pessoas e grupos com qualificação técnica, científica e filosófica, elemento essencial para o avanço de qualquer processo de desenvolvimento que tenha o conhecimento como uma de suas bases centrais. Gerar desenvolvimento social não é possível sem a expansão da base de conhecimentos das A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 pessoas, grupos e atores sociais, sem ampliação do já mencionado capital social local e regional. Com forte ação participativa, atividades de extensão ligadas ao Papel vêm sendo desenvolvidas, orientadas pelo signo da gestão social nos processos de desenvolvimento. Assim, várias demandas de atuação para a universidade foram sinalizadas em fóruns participativos estruturados na região oeste de Santa Catarina, evidenciando que apoios e assessorias dessa instituição poderiam dar grande contribuição aos processos de desenvolvimento local e regional. Orientado a responder às necessidades de uma sociedade para a promoção de seu desenvolvimento, o tripé ensino-pesquisa-extensão pode ter formulado sua atuação a partir daquilo que os agentes sociais regionais trazem como demanda. Assim, um programa como esse pode alimentar a universidade com várias demandas de pesquisa e extensão, visando melhor responder às expectativas da sociedade regional, para que suas produções científicas e técnicas não estejam descontextualizadas das questões centrais da sociedade em que a própria universidade está inserida. O programa auxilia, nesse contexto, a abrir perspectivas de atuação de professores e estudantes que queiram dar à atuação acadêmica uma vinculação com as necessidades e demandas de sua sociedade abrangente. Nesse sentido, a atuação do Papel se deu na capacitação dos atores sociais da região para a construção de um desenvolvimento endógeno e alternativo, capaz de incluir em vez de excluir, de preservar em vez de destruir, de promover saúde em vez de fazer adoecer, de distribuir em vez de concentrar. Essa concepção e ação derivam da compreensão de que, para haver desenvolvimento, não basta o crescimento econômico: é preciso que haja avanços também nas dimensões cultural, social, política e ambiental. Isso exige uma visão holística, uma prática multidisciplinar e ações interinstitucionais/intersetoriais. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A trajetória, principais projetos e ações desenvolvidas pelo Papel A trajetória do programa permanente de extensão Papel passou por diferentes momentos ou fases, que podem ser brevemente categorizadas como segue. • Primeira fase: criação e inserção do Papel nas dinâmicas de desenvolvimento local – período que se estende desde a sua constituição, em 1999, até aproximadamente final de 2002. Nesse período, o programa se direcionava fundamentalmente para ações de desenvolvimento local apoiadas pelo Programa Nacional Comunidade Solidária, do governo federal. O foco principal desse período de atuação foi o suporte à elaboração e gestão de Planos Municipais de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (PMDLIS). Os municípios com mais baixos indicadores de desenvolvimento humano do oeste foram selecionados; foram elaborados PMDLIS em sete municípios, com subsequente suporte à gestão de sua implementação. • Segunda fase: das ações locais ao desenvolvimento regional – esse período se estendeu de 2003 a 2009 e, nele, os esforços foram direcionados para o fortalecimento do Instituto de Desenvolvimento Regional (Inredes)1 como 1 O Instituto Regional para o Desenvolvimento Sustentável (Inredes) foi constituído pela Unochapecó (antes conhecida como Unoesc campus Chapecó) como uma iniciativa em seu processo de reconfiguração institucional – saída da Fundação Unoesc, reativação da Fundeste e constituição da Unochapecó em 2003 –, no qual buscou restabelecer o seu posicionamento no contexto regional. Com a finalidade de atender as demandas regionais, o Inredes passou a readaptar as estruturas do Colégio Agrotécnico 25 de julho (prédio administrativo/escolar, granja de produção e estação de piscicultura), localizado no município de São Carlos, que em 2009 passou a ser denominado Instituto Goio-En. Para mais detalhes, ver Rangrab, Arns e Abreu (2006). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 espaço de discussão das grandes obras, especialmente as hidroelétricas, e do modelo tecnológico de produção agropecuário, seus impactos ambientais e sociais. Para tanto, no Inredes, foram criados os projetos “Preservação dos peixes migratórios da bacia do rio Uruguai”, “Preservação das espécies florestais nativas” e “Educação Ambiental”, além do Laboratório de Agroecologia2. Cabe salientar que esse processo de discussão também acontecia no Grupo de Pesquisa em Agroecologia e Agricultura Familiar (GPAAF), a atuação do Papel se realizava com a sua participação, na construção dos estudos e investigações envolvidas, realizando-se várias publicações e participações em eventos. Essas discussões acompanhavam o movimento iniciado pela Amosc em seu Fórum de Desenvolvimento Regional Integrado (FRDI), iluminadas pelas experiências da Terceira Itália, a partir da segunda metade dos anos de 1990. Mas também se articulavam fortemente às discussões promovidas pela, então, recente criação da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), a partir de 2003. 2 O laboratório agroecológico constituía uma das unidades do Inredes, concebido juntamente pelo instituto com o programa de extensão Grupo de Trabalho em Agroecologia (GTA) e o Grupo de Pesquisa em Agroecologia e Agricultura Familiar (GPAAF). Localizava-se na antiga granja da Escola Agrotécnica 25 de julho, no município de São Carlos (SC). Sua finalidade era produzir e demonstrar tecnologias de produção de base agroecológica adequados aos agroecossistemas da agricultura familiar e suas organizações, bem como a instituições de ensino da região. Na produção pecuária, eram desenvolvidos os projetos de produção de leite à base de pasto, produção de frangos de corte e galinhas de postura em sistemas agroecológico, apicultura e produção de suínos. Na produção vegetal, foram implantados os projetos produção de milho crioulo, produção de morango orgânico e produção de hortifrutigranjeiros. Para mais informações, ver Arns (2004). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Nessa fase, o Papel participou da coordenação regional do Levantamento Agropecuário Catarinense (LAC) nas regiões oeste e extremo oeste de Santa Catarina, promovido pelo governo do estado e conduzido pelo então Instituto CEPA (Comissão Estadual de Planejamento Agropecuário). Esse trabalho constitui-se em um censo da produção agropecuária de Santa Catarina e encontra-se publicado na página da Epagri-CEPA. O Papel representou a Unochapecó na Comissão Regional formada também por Epagri e Cidasc; sua principal atribuição foi na mobilização e organização da capacitação das equipes técnicas e no acompanhamento da execução das suas atividades. Outro esforço foi direcionado externamente: em apoio ao processo de construção da Política Nacional de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Professores e técnicos contribuíram de forma decisiva nessa construção, promovendo a Unochapecó como parceira estratégica da SDT/MDA, a partir do acúmulo teórico-metodológico da equipe do Papel à época, na construção metodológica dos Estudos Propositivos de Dinamização Econômica dos Territórios Rurais (EP) para 96 territórios rurais; do Plano Safra Territorial (PST), para 120 territórios; e da metodologia dos Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS). Nesse processo, o Papel desenvolveu, juntamente com a Incubatec, um software de apoio às Bases de Serviço em Comercialização, denominado de Sistema de Informações de Comercialização para a Agricultura Familiar e Economia Solidária (Sicafes), numa parceria entre o SDT/MDA e o Senaes/MTE. Esse esforço reuniu atores rurais e urbanos ligados a dois importantes setores organizativos: os agricultores familiares do estado e suas organizações, e as organizações e empreendimentos que atuam com economia solidária. O Papel teve importante atuação na elaboração do Sicafes, cujo A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 objetivo final foi organizar um Sistema Estadual de Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Secafes). • Terceira fase: a crise do Papel – esse período se estendeu de 2010 a 2013, quando o programa ficou sem recursos e sem um coordenador. O curso de Agronomia, que era o maior promotor das dinâmicas organizativas do Papel, perdeu significativas referências de seu quadro de professores e passou por uma reforma curricular com a finalidade principal de redução de custos. Nesse período, a extensão da Unochapecó também passou por um processo de reestruturação, com a “nucleação da extensão” – todos os programas foram transformados em projetos. Apesar das dificuldades e controvérsias desse processo, foram constituídos nove núcleos de extensão – um núcleo agregava vários programas e projetos permanentes existentes –, dentre eles, o Núcleo Trabalho e Desenvolvimento (NTD). O NTD foi composto pelos projetos permanentes Chapecó 2030, Educação Econômica, Cesta Básica, Hortas Agroecológicas, Habitação e Qualidade de Vida (HQV) e pelos programas Grupo de Trabalho em Agroecologia (GTA), Programa de Apoio a Processos Participativos de Desenvolvimento Local (Papel) e Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP). Nesse período, o NTD oportunizou avanços significativos na integração de ações, com atuações conjuntas e complementação de ações em um mesmo município dos programas ITCP, GTA e Papel, bem como do projeto HQV3. Esses programas e ações se encontravam assentados e arti- 3 O HQV tinha como propósito trabalhar com as técnicas tradicionais de construção, capacitar profissionalmente os envolvidos no projeto (acadêmicos, técnicos, agricultores A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 culados especialmente por professores e acadêmicos de disciplinas dos cursos de Agronomia, Biologia, Nutrição, Arquitetura, Psicologia, Serviço Social, Pedagogia e Economia. Nesse período, o programa permanente Hortas Comunitárias, o Grupo de Trabalho em Agroecologia e o projeto Habitação e Qualidade de Vida deixaram de existir, no processo de reestruturação interna da extensão na Unochapecó. O período também coincidiu com a crise da política territorial do governo federal e da SDT, na transição de governo. • Quarta fase: integração do ensino e pesquisa à extensão no desenvolvimento local – abrange o período que se estende de meados de 2013 até o presente (finais de 2016), em que o Papel retoma suas atividades como programa permanente de extensão universitária. Esse processo é desencadeado pelo acesso a uma bolsa do Art. 171, disponibilizando uma bolsista 20h, e 2h de professor orientador. Isso possibilitou o desenvolvimento de um projeto de trabalho, na perspectiva do desenvolvimento comunitário, junto ao Assentamento Dom José Gomes, inaugurando uma nova fase, com desdobramento para várias iniciativas. O problema apresentado pelas lideranças do assentamento era a crescente dificuldade encontrada no processo de participação e engajamento das famílias nas ações da vida comunitária e de interesse comum. Isso lhes parecia um contrassenso: à medida que e moradores) através da educação popular e promover o desenvolvimento local por meio de uma visão holística e sustentável. Para mais informações sobre o HQV, consultar Scherer e Kech (2016); Scherer, Fujita e Rigon (2012); Rigon, Fujita e Scherer (2014); Scherer, Anschau e Fujita (2011). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 melhoraram as condições econômicas e materiais, foram perdendo o interesse pelo comunitário, diferentemente do período de acampamento e dos primeiros anos de assentados. Portanto, a demanda apresentada pelo assentamento ao Papel era de apoio no desenvolvimento de ações de resgate do espírito e fortalecimento dos vínculos comunitários. Para isso, o Papel desenvolveu um longo processo de aproximação com as famílias para a realização de um diagnóstico em busca das causas do problema4. Dentre as iniciativas desencadeadas nessa fase, cabe descrever, mesmo que de forma breve, o movimento de integração do Papel junto ao curso de Agronomia da Unochapecó. Trata-se de um esforço para integração do ensino com a pesquisa e a extensão. Disciplinas existentes há mais tempo tiveram um esforço maior de integração entre si, com as práticas de extensão do Papel como articuladoras. As principais disciplinas que se integraram foram Estudo da Realidade Rural (RR), Planejamento Rural (PR), Estágio de Vivência Ativa I e II (EVA), Administração e Economia Rural I e II (ADM), Sistemas Agrários (SA), Comunicação e Extensão Rural (CExR). O projeto pedagógico do curso (PPC), constituído de dez semestres letivos (cinco anos), sempre esteve alicerçado no compromisso da formação de um perfil profissional voltado para o desenvolvimento rural sustentável, no qual a agricultura familiar se constitui elemento estratégico e central. Para tanto, ao longo do tempo, foi constituindo um conjunto de disciplinas – integrantes de pesquisa e extensão universitária no ensino – que possibilitam ao conjunto da comunidade acadêmica vivenciar e construir uma compreensão acerca da realidade do meio rural, da agricultura fa4 O resultado desse diagnóstico pode ser verificado no artigo “Assentamento Dom José Gomes e as relações comunitárias”, de Tessaro e colaboradores (2016), integrante desta obra. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 miliar e suas organizações, dos sistemas de produção existentes, das práticas e tecnologias adotadas nos diversos sistemas produtivos, aliando teoria e prática no processo de ensino-aprendizagem. Portanto, o curso de Agronomia já possuía uma caminhada de articulação do tripé universitário e o fazia em forte associação a dois programas de extensão a ele ligados: o GTA e o Papel. No âmbito do ensino, o esforço produzido de integração da pesquisa e extensão passou pela constituição de disciplinas que pudessem incorporar em sua estrutura uma proposta teórico-metodológica integradora do ensino-pesquisa-extensão. Assim, inicialmente, foi constituída uma disciplina denominada Estágio de Vivência Ativa (EVA), trabalhada em dois semestres consecutivos, em que o educando permanece por um período morando com uma família de agricultores. O EVA I sempre é realizado no segundo semestre letivo, para se aproximar ao início do ano agrícola, com uma duração de duas semanas de convivência; de modo geral, os acadêmicos se encontram no 4º período do curso, elaborando um relatório de sua experiência, com os registros da história da família, da trajetória da unidade de produção (sistema de produção = propriedade), a partir do preenchimento de um guia de enquete. O EVA II sempre ocorre no primeiro semestre letivo subsequente (5º período do curso), buscando aproximar-se do fechamento do ano agrícola, e a vivência tem a duração de uma semana. Nesse momento do estágio, os acadêmicos realizam a coleta de informações sobre as diversas atividades produtivas da unidade de produção, a fim de elaborar seu diagnóstico técnico e econômico. Concomitantemente, esses mesmos acadêmicos cursam a disciplina de Administração e Economia Rural (ADM I), na qual analisam e interpretam os dados coletados em campo, elaborando o relatório do EVA II (diagnóstico técnico e econômico das unidades proA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 dutivas), durante o semestre. No semestre seguinte (6º período), os acadêmicos cursam a disciplina de Planejamento Rural, em que cada acadêmico, de posse dos estudos anteriormente realizados, elabora um projeto de melhoria para a unidade de produção da família vivenciada. Colaboram, ainda, para esse processo as disciplinas de Comunicação e Extensão Rural e Sistemas Agrários, que dão suporte aos acadêmicos de modo que disponham dos elementos básicos necessários à realização apropriada das etapas de campo. Mais recentemente, em 2006, foi introduzida uma nova disciplina, denominada Estudo da Realidade Rural (ERR), buscando ampliar e complementar as proposições e objetivos anteriores. A disciplina ERR, cursada no 7º período, consiste na realização do diagnóstico do meio rural de um município, tendo por objetivo possibilitar aos acadêmicos a construção de uma visão mais ampla da realidade rural, ou seja, ir além dos sistemas de produção (propriedade), das atividades agropecuárias (milho, suínos etc.) ou, simplesmente, das tecnologias, aspectos em que, ainda hoje, se concentram as atenções dos profissionais das ciências agrárias. Busca-se, portanto, construir uma visão do rural e não apenas do agrícola, de sistemas locais de produção e não de propriedades rurais apenas. A partir do diagnóstico, os acadêmicos formam grupos de trabalho para elaborar propostas de programas de desenvolvimento rural, voltando a dialogar com as disciplinas de Sistemas Agrários, Extensão Rural, Planejamento Agrícola, bem como com todas as disciplinas das ciências agronômicas (Grandes Culturas, Silvicultura e Paisagismo, Suinocultura, Avicultura, Gado de Leite, Nutrição Animal, Solos, dentre tantas outras). Portanto, através de atividades de ensino curricular, produzem-se diagnósticos do meio rural dos municípios, propõem-se A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 programas de desenvolvimento rural (ERR)5, elaboram-se relatórios (diagnósticos) de propriedades rurais (EVA I e EVA II) e projetos de melhoria das propriedades rurais (Planejamento Rural) – perfazendo quatro produtos apresentados a cada município, num período de quatro semestres de trabalho, ou seja, o curso permanece em parceria com um município por 24 meses (dois anos). No entanto, cabe ressaltar que a finalidade precípua é o ensino, buscando desenvolver espírito e habilidade investigativa, analítica (pesquisa) e propositiva, para o que o processo tem apresentado bons resultados. Entretanto, isso não vinha dando conta de integrar adequadamente as atividades do ensino ao conjunto das ações da pesquisa e da extensão universitárias. O ensino, a pesquisa e a extensão no desenvolvimento das disciplinas seguem limitados pela fragmentação no tempo e espaço (disciplina-semestre), limitando igualmente o atendimento das demandas sociais locais. É nessa fragilidade que o Papel atua: na construção de continuidades e construção de espaços e momentos de integração das disciplinas, complementando, aprofundando e qualificando elementos de interesse prioritário dos atores locais, promovendo discussões em reuniões, seminários, cursos. É também nessa perspectiva que os núcleos de pesquisa podem trazer uma grande contribuição, à medida que se integrem, identificando ou acolhendo as demandas de novos estudos, de forma mais articulada com o ensino e a extensão. Portanto, é a partir desse processo amplo, denso e complexo, porém inacabado, produzido para o ensino no curso de Agronomia, que se busca inserir e dar sentido à pesquisa, através dos grupos e linhas de pesquisa definidos para os Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC), complementando e/ou aprofundando estudos sobre 5 Para mais informações, ver Padilha, Ogliari e Arns (2016). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 a realidade vivenciada pelos acadêmicos, pela observação ou pela demanda de atores locais. Esses esforços são articulados pela ação de extensão do Papel. Esse período também tem sido marcado pelas discussões sobre a revitalização da extensão no meio universitário – ou a “curricularização da extensão”, como vem sendo denominada popularmente, e pela Unochapecó –, influenciando editais internos (Fapex/Unochapecó-2015) e de algumas fontes externas (ProExt/MEC-2014)6. Outro processo que contribuiu de forma decisiva para a revitalização do Papel foi o projeto UnoVerCidade7, coordenado pela Diretoria de Extensão, em relação ao qual o Papel atuou como parceiro. Dessa iniciativa, surgiu um conjunto de demandas das comunidades da região da Efapi, que a equipe do Papel (até então voluntária de professores e acadêmicos) transformou em projetos 6 “O Programa de Extensão Universitária (ProExt) tem o objetivo de apoiar as instituições públicas de ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas. Criado em 2003, o ProExt abrange a extensão universitária com ênfase na inclusão social.” Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/index>. Acesso em: 3 set. 2016. Também internamente vários editais mais recentes (Fapex-2015, por exemplo) têm trazido em seus termos de referência critérios de valorização de propostas com integração ensino-pesquisa-extensão. 7 O projeto de intervenção UnoVerCidade foi criado pela Diretoria de Extensão (DEX) da Unochapecó com o objetivo de fortalecer o vínculo entre a universidade e as comunidades a partir da construção coletiva de tempos e espaços voltados à formação cidadã, à qualificação do viver individual e coletivo e ao desenvolvimento regional sustentável. Criado em 2014, o projeto definiu como território de atuação a região da grande Efapi, que conta com mais de quarenta mil habitantes (onde a universidade está localizada) e iniciou as atividades de pactuação dos objetivos e estratégias com os atores locais (lideranças das comunidades). Em 2015, o projeto iniciou as atividades de campo realizando a capacitação de lideranças e o levantamento das demandas das comunidades. Essas demandas foram apresentadas aos programas, projetos e grupos de pesquisa da instituição, que propuseram projetos de intervenção junto ao Fundo de Apoio a Projetos de Extensão (recursos próprios), bem como puderam fazê-lo em relação a outras fontes de financiamento. Para isso, o UnoVerCidade articulou alguns programas (Papel, ITCP e outros), várias disciplinas de cursos de graduação (Arquitetura, Agronomia, Biologia, Jornalismo, Educação Física, Enfermagem, dentre outros), bem como o Grupo de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Políticas Sociais, em processos e projetos que integrassem ensino-pesquisa-extensão. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 submetidos ao edital do Fundo de Apoio a Projetos de Extensão (Fapex) – três foram aprovados. Atualmente, o Papel está organizado para o desenvolvimento de cinco frentes de atuação que denominamos “projetos”, alguns já viabilizados, com apoio financeiro do Art. 171 da Constituição de Santa Catarina8 e Fapex, outros ainda não. 1. Projeto Desenvolvimento Rural: consiste em apoio e articulação das ações junto às disciplinas do curso de Agronomia. A atuação do Papel, nesse processo, ocorre a partir da mobilização de acadêmicos, voluntários e interessados no aprofundamento da análise dos dados levantados, na qualificação dos produtos das disciplinas envolvidas, bem como na socialização das informações, através de publicações de artigos científicos e eventos nos município parceiros (cursos, seminários, palestras, dias de campo etc.). 2. Projeto Autoabastecimento na Agricultura Familiar no Oeste Catarinense: consiste na articulação interinstitucional de longo prazo entre o Papel, o curso de Agronomia – através das disciplinas ERR e EVA –, a Epagri (unidade 8 O Art. 171 e o Art. 170 da Constituição Estadual e a Lei do Fundo Social fundamentam o Uniedu, um programa do Estado de Santa Catarina, executado pela Secretaria da Educação, que agrega todos os programas de atendimento aos estudantes da educação superior. Anualmente, o Estado de Santa Catarina firma convênio com a Unochapecó para concessão de bolsas de estudo com recurso do Programa de Bolsas do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdes). As bolsas do Uniedu favorecem a inclusão de jovens no ensino superior com dificuldades de realizar os seus estudos, e que atendem aos requisitos estabelecidos na regulamentação dos programas, com bolsas de estudo e de pesquisa e extensão, integrais e parciais, para estudantes matriculados em cursos de graduação e pós-graduação presenciais, nas instituições de ensino superior habilitadas pelo MEC ou pelo Conselho Estadual de Educação e cadastradas na Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina para participarem do Programa Uniedu. Disponível em: <http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/uniedu/>. Acesso em: 3 set. 2016. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 de Pesquisa e Extensão) e o Grupo de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Políticas Sociais9. Esse projeto tem por objetivo atuar na investigação, reflexão e formação sobre o tema junto aos técnicos, acadêmicos e organizações sociais. Iniciou ainda no final de 2014, e já realizou diversas reuniões, além de duas oficinas sobre o tema autoabastecimento e segurança alimentar e nutricional com um conjunto de extensionistas da Epagri, professores e acadêmicos dos cursos de Agronomia e Nutrição. Encontra-se em fase de elaboração conjunta de um projeto de pesquisa interinstitucional para captação de recursos, a fim de impulsionar essa linha de trabalho que conta com a coordenação do Papel. 3. Projeto Assentamento Dom José Gomes: este trabalho iniciou com o apoio do Art. 171. Conforme apresentado anteriormente, visa apoiar o desenvolvimento e revitalizar os vínculos comunitários no referido projeto de assentamento rural. O resultado desse diagnóstico pode ser verificado no artigo “Assentamento Dom José Gomes e as relações comunitárias”, de Tessaro e colaboradores (2016), integrante desta obra. 9 O Grupo de Pesquisa Trabalho, Sociedade e Políticas Sociais está constituído por equipe multidisciplinar de diferentes áreas de conhecimento, dele participando professores e estudantes de graduação, pós-graduação lato sensu e stricto sensu. O grupo possui como objetivo geral analisar as transformações/reconfigurações ocorridas no mundo do trabalho na contemporaneidade, suas repercussões na vida em sociedade e em relação às políticas públicas sociais. A equipe de docentes e discentes tem desenvolvido pesquisas de diferentes naturezas – iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso, monografias de especialização, dissertações de mestrado e teses de doutoramento; dentro das seguintes linhas de pesquisa: Estado, Sociedade e Mundo do Trabalho; Trabalho, Desenvolvimento Regional e Agricultura Familiar; Trabalho e Saúde; Trabalho, Educação e Economia Solidária; Trabalho, Gênero e Subjetividades. Parte dos integrantes do grupo atua também em programas e atividades de extensão da Unochapecó, tais como: Pró-Saúde/PETI/ Saúde, ITCP e projeto de mediação familiar (Unochapecó, 2016b). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 4. Projeto arborização no loteamento Alice I: tem o objetivo de aproximar a universidade do seu entorno e gerar protagonismo social através de processos de integração entre ensino, pesquisa e extensão, na concepção, estudo e implementação do processo de arborização do loteamento. 5. Projeto Mulheres e Cidadania: Desafios para sua Participação Comunitária: tem o objetivo de promover o debate sobre a participação comunitária das mulheres da associação de moradores do bairro Colato de Chapecó (SC), visualizando a criação de grupos de reflexão-ação a impulsionar o exercício de sua cidadania. Esse projeto pretende ser o início de um trabalho que, em longo prazo, impulsione o fortalecimento do capital social, através da reflexão-ação sobre a participação das mulheres nas comunidades da região da Efapi, no referido município. Mais detalhes podem ser encontrados no artigo “Mulheres e cidadania: desafios políticos e emancipação da condição feminina”, de Barella e colaboradores (2016), integrante desta obra. Portanto, essa fase caracteriza-se pela ampliação da articulação de forma mais efetiva do ensino – através dos PPCs, de diferentes cursos e algumas de suas disciplinas, especialmente os cursos de Psicologia, Arquitetura, Biologia, Jornalismo, Agronomia, Nutrição dentre outros – com a extensão praticada no Papel e outros programas de extensão parceiros. Mas também é marcada pelo avanço na articulação com grupos de pesquisa e programas de pós-graduação da própria universidade. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Considerações finais A partir do exposto, o programa permanente de extensão Papel revela dois aspectos importantes na compreensão da extensão universitária, especialmente quando se trata de uma instituição de ensino superior de caráter comunitário. O primeiro refere-se à sua relação com a comunidade do entorno da universidade. A trajetória do Papel revela que sua caminhada ocorre em permanente consonância com a dinâmica dos processos da sua região de abrangência, bem como com processos mais amplos, especialmente de âmbito nacional, ampliando as compreensões, incorporando novos conceitos, estratégias e metodologias no fazer desenvolvimento (rural-local-regional-territorial). Como é próprio da academia, contribui com o conhecimento científico, com o processo pedagógico da reflexão, mas, especialmente, o Papel revela uma profunda imbricação e participação concreta na construção das experiências, ao mesmo tempo que constrói a sua própria experiência. Sua participação não se restringiu a simples presença em eventos e debates, estendeu-se à formação dos sujeitos do processo, a atividades cotidianas em que as contradições e dificuldades são permanentes e exigem o comprometimento com as mudanças priorizadas pelos atores sociais locais. Também, o programa atuou entre a grande diversidade de sujeitos da região, cooperando e desenvolvendo parcerias com vistas a potencializar as oportunidades. O segundo aspecto refere-se às suas relações internas na universidade, isto é, no ensino em seus diversos cursos e suas disciplinas, nos grupos de pesquisa e na organização da extensão através dos programas, projetos permanentes e ações de extensão. Aqui se evidencia sua compreensão e prática quanto a atuar em conjunto com outros programas e projetos institucionais, inclusive para além A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 da extensão, a exemplo do GTA, ITCP, HQV, Inredes, GPAAF, Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Regionais e Políticas Sociais (PPGDRPS), dentre outros; também a interdisciplinaridade promovida pela sua visão sistêmica no desenvolvimento das ações. Nesse sentido, o Papel contribuiu na perspectiva de constituição e consolidação de um novo jeito de fazer universidade no Brasil, inserida nos processos de desenvolvimento regional e aproximando a comunidade do conhecimento e dos saberes que se processam na universidade. No entanto, internamente, evidencia-se a fragilidade da extensão no tripé do fazer da universidade. A trajetória revela que a universidade também sofre do mesmo mal que os projetos de desenvolvimento do País, com uma visão que se restringe ao curto prazo. Mesmo diante das dificuldades e limitações aqui apontadas, e outras que precisariam ser incorporadas ao processo de reflexão, o Papel promoveu significativos avanços na experimentação do processo de integração ensino-pesquisa-extensão no fazer da extensão universitária. O Papel construiu espaços de interação universidade-sociedade, entre diferentes disciplinas (interdisciplinaridade), entre diferentes sujeitos do processo de transformação social (comunidade organizada, gestores públicos, professores e acadêmicos), amparado teórica e metodologicamente no esforço da integração ensino-pesquisa-extensão. Dessa trajetória de quase vinte anos de extensão, o Papel apresenta significativos resultados mensuráveis em TCCs, artigos, participações em eventos; mas são ainda mais importantes os resultados não mensuráveis ou de difícil mensuração, resultados “intangíveis” – para usar um conceito de Edgar Morin – para os quais se faz necessário esforço especial em tempo, recursos, materiais e métodos. Portanto, por sua trajetória e suas características, o Papel apresenta um grande potencial de contribuição na articulação, inA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tegração e complementação de ações de projetos e programas em processos de desenvolvimento local, diminuindo os riscos da fragmentação, pulverização e dispersão das ações. Externamente, o Papel encontra um cenário repleto de oportunidades para auxiliar o desenvolvimento de know-how, diante da conhecida carência dos municípios da região (quanto a processos de desenvolvimento rural, programas para a sucessão na agricultura familiar, agregação de valor, soberania e segurança alimentar, dentre outros), das múltiplas escalas territoriais (Mesorregião da Fronteira do Mercosul, Territórios Rurais, Secretaria de Desenvolvimento Regional, atualmente Agência de Desenvolvimento Regional, dentre outras) em construção na região oeste catarinense. “Queria tempo, tempo para dizer muitas coisas neste artigo. O ‘destinar-se’ no tempo, ao longo destes anos, deste programa, talvez seja muito maior do que estamos conseguindo dizer neste texto.” (Colmar Domingues, setembro de 2016). Referências ARNS, Carlos Eduardo. A cooperação na agricultura familiar no território Alto Uruguai Catarinense (SC) Brasil. 2010. 270 f. 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A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 EIXO III Educação e saúde Educação em saúde com crianças e adolescentes: um relato de extensão Karen C. K. Andrigue Alcimara Benedett Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Introdução A Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) se caracteriza como uma instituição comunitária, pública não estatal e tem sua identidade institucional construída a partir de sua identificação com as demandas da população e o desenvolvimento regional. Nesse cenário institucional, seus cursos de bacharelado em Enfermagem e Medicina, comprometidos como as necessidades em saúde do território ao qual estão adscritos, desenvolvem suas atividades de ensino-aprendizagem. Para isso, consideram a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, pois entendem a extensão universitária como um processo educativo, cultural e científico, que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável, possibilitando uma relação transformadora entre universidade e sociedade. Essa relação enriquece o processo pedagógico socializando o saber formal com a participação da comunidade na vida acadêmica. Os resultados desse processo atingem não só os alunos, mas também profissionais dos serviços e comunidade, além de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 realimentar o ensino e ser fundamental para a pesquisa científica (Carneiro, 2011). Reconhecendo-se a importância de cunho social da extensão universitária, bem como de sua utilização enquanto ferramenta de ensino-aprendizagem, no ano de 2011, os cursos de Enfermagem, com o projeto Enfermagem Educando para a Saúde, e de Medicina, com o projeto Doenças Transmissíveis, inseriram-se ao programa permanente de extensão universitária Atenção e cuidado à criança e adolescente “Sorriso para a Vida”, o qual coloca a criança e o adolescente em seu espaço social e em situação de hospitalização, tratamento oncológico, vulnerabilidade e risco social e seu núcleo familiar no centro da cena, implicado com ações de promoção à saúde. A inserção dos cursos de Enfermagem e Medicina nesse programa de extensão, o qual tem enfoque na infância e adolescência, embasou-se na literatura nacional, a qual relata que esses períodos têm enfrentado uma série de vulnerabilidades associadas a problemas relacionados ao alcoolismo, conflitos entre casais, divórcios, que por vezes têm exposto a criança a situações de agressões e de violência. Além disso, têm-se os riscos relacionados ao lugar de moradia, à precariedade da oferta de instituições e serviços públicos, à inexistência de espaços destinados ao lazer e às relações de vizinhança com a proximidade da localização dos pontos de venda controlados pelo tráfico de drogas. Também têm destaque os riscos do trabalho infantil e o da exploração da prostituição de crianças (Fonseca et al., 2013; Souza et al., 2015; Gomes et al., 2015). O curso de Enfermagem, por meio do projeto Enfermagem Educando para a Saúde, iniciou suas atividades no ano de 2011, envolvendo discentes e docentes. Na busca por promover ações de educação em saúde a fim de diminuir estas vulnerabilidades, delinearam-se seus objetivos. O projeto Enfermagem Educando para a A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Saúde tem entre seus objetivos empoderar as crianças e os adolescentes ao autocuidado e à autonomia na construção do seu estado de saúde, qualidade de vida no espaço social onde estão inseridos, despertando o interesse na promoção e na prevenção, evitando possíveis agravamentos e reduzindo a necessidade de intervenções para a reabilitação. No mesmo ano, iniciaram as atividades do projeto Doenças Transmissíveis, em que objetiva promover ações de prevenção de doenças transmissíveis com crianças e adolescentes hospitalizados. Isso por meio da interação com estas e seus acompanhantes, qualificando o tempo e o espaço de sua internação, bem como contribuir com o processo de formação dos acadêmicos envolvidos. A operacionalização dos projetos se vincula às matrizes curriculares dos cursos por meio de ações inseridas em suas práticas de ensino. As matrizes destes cursos se embasam na integração dos conteúdos por intermédio de módulos ou núcleos, nos quais os componentes curriculares se unem em grandes temáticas dentro de cada fase. Na Enfermagem, a inserção ocorre em atividades nos núcleos de cuidado de enfermagem à mulher e ao recém-nascido e cuidado de enfermagem à criança e ao adolescente, enquanto na Medicina as ações ocorrem nos módulos de saúde da criança e do adolescente. A proposta dos projetos delimitou-se em consonância às matrizes curriculares, pois se compreende que o exercício de formação teórico-prático, embasado na curricularização da extensão, possui papel importante no que diz respeito às contribuições que pode trazer frente à sociedade. A partir do momento em que há esse contato entre o aprendiz e a sociedade beneficiada por ele, acontecem, por parte dos dois lados, benefícios. Aquele que está na condição do aprender acaba aprendendo muito mais quando há esse contaA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 to, pois se torna muito mais gratificante praticar a teoria recebida dentro da sala de aula (Rodrigues et al., 2013). Metodologia Este relato de extensão trata da experiência vivenciada pelos acadêmicos e docentes dos cursos de Enfermagem e de Medicina como integrantes do programa permanente de extensão universitária Atenção e cuidado à criança e adolescente “Sorriso para a Vida”, o qual surge da necessidade de aproximar o processo de formação acadêmica com o futuro campo de atuação profissional do estudante, tendo as demandas da realidade como ponto de partida para a construção do conhecimento e o despertar da consciência e compromisso social (Unochapecó, 2015). Esse programa objetiva a (re)significação do tempo, dos espaços e dos sujeitos do processo saúde-doença, em vulnerabilidade e risco social, numa perspectiva interdisciplinar e interprofissional. Suas ações são permeadas pela metodologia dialética, favorecendo o protagonismo e a autonomia, tendo os princípios da pesquisa-ação como referência para o planejamento, a implementação, o registro e a avaliação. Os impactos resultam na produção social de uma infância e adolescência mais qualificada, possibilitando uma formação acadêmica mais coaduna com as necessidades da vida concreta, a partir da identificação de problemas da comunidade e possíveis soluções e o despertar da consciência e compromisso social (Unochapecó, 2015). Dessa forma, relatam-se algumas das ações desenvolvidas nos últimos cinco anos pelos dois cursos por meio dos projetos Educando para a Saúde e Doenças Transmissíveis. A construção dos projeA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tos ocorreu conforme a proposta descrita pelo programa e com a utilização da metodologia dialética. A preocupação em aproximar-se de um modelo de educação em saúde de construção coletiva, sob a perspectiva do cuidado, da educação e da formação em saúde, embasou-se na possibilidade de utilizar-se do intercâmbio de saberes com a população, fortalecendo a autonomia, a participação social e o cuidado em saúde com base nos conhecimentos populares (Rotolo et al., 2015). Continuamente, as ações são avaliadas por meio de rodas de conversa com estudantes e público atingido. Também são oferecidos aos cuidadores instrumentos de avaliação acerca da satisfação das ações extensionistas oferecidas. Resultados e discussões Ao longo dos anos, diversas ações foram desenvolvidas com intuito de promoção à saúde com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade com base na realidade epidemiológica atual. As atividades mudaram do enfoque centrado em doenças infecciosas, parasitárias e de desnutrição para um perfil de adoecimento relacionado a novas situações de morbidades, como exposição à violência, uso de drogas por seus pais, aumento da obesidade e sedentarismo, assim como a permanência de constantes iniquidades em saúde (Silva et al., 2013). Nesse sentido, para realizar ações que rompam com o modelo educacional biomédico, buscam-se sempre ações que possibilitem a problematização respeitando o conhecimento individual. Isso porque a hegemonia da racionalidade biomédica descreve a saúde e a doença, traçando causalidades lineares que fragmentam a razão A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 da emoção, a mente do corpo, o individual do coletivo, o biológico do social. Dicotomiza e separa em partes, esquarteja o humano e os processos da vida, sem haver preocupação ou compromisso de “reconstituí-las” para tentar compreendê-las (Rotolo et al., 2015). Dessa forma, os projetos são, permanentemente, operacionalizados através de várias metodologias e cenários e, nesse período, algumas experiências em particular obtiveram resultados de maior destaque e as quais são constantemente executadas. A exemplo disso, desde a implantação do projeto Doenças Transmissíveis são mantidos bolsistas em um hospital infantil, os quais realizam, prioritariamente, atividades de educação em saúde, focados na orientação quanto ao controle de infecções em âmbito hospitalar e à prevenção de doenças de maior incidência na comunidade ou de interesse de controle epidemiológico. Quanto ao controle de infecções hospitalares, o enfoque nestas emerge enquanto eixo prioritário do projeto, pois se sabe que estas são um dos agravos de preocupação sanitária desde que foram criados os primeiros hospitais. São agravos de causa infecciosa adquiridos pelo paciente após sua admissão no hospital. Na hospitalização infantil, a educação em saúde é uma estratégia importante para trabalhar a temática infecção hospitalar com os acompanhantes, uma vez que o conhecimento construído poderá auxiliar na prevenção. Sendo assim, fazer com que as famílias compreendam as orientações transmitidas e as coloquem em prática pode significar a redução dos índices de infecção hospitalar, o que trará benefícios tanto para os pacientes quanto para o hospital (Bretas et al., 2013). Diante ao exposto, as crianças e familiares são orientados acerca de medidas voltadas à segurança do paciente, dentre elas, lavagem das mãos, acondicionamento de alimentos e higiene corporal, bem como a utilização de espaços coletivos de forma segura. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Para isso, os acompanhantes recebem orientações escritas, as quais são discutidas entre esses e a criança, onde esses tópicos são abordados. Respeita-se que muitos participantes têm diferentes níveis de escolaridade, dessa forma, busca-se que o material informativo seja de fácil compreensão. Nas visitas subsequentes do bolsista à unidade de internação da criança, o tema é retomado e buscam-se sanar dúvidas que possam ter surgido. Quanto ao controle de infecções, estudos nacionais têm apontado que as orientações transmitidas para os acompanhantes, na maioria das vezes, são realizadas pela equipe de enfermagem que, por sua vez, tem papel preponderante no controle e prevenção da infecção hospitalar, pois é o grupo mais numeroso e que dispensa maior tempo com o doente internado. No entanto, o cotidiano da atividade de prevenção tem demonstrado que tais ações educativas, por si só, não garantem que as orientações sejam colocadas em prática pelos acompanhantes, nem de que elas, quando executadas, sejam colocadas em prática adequadamente (Bretas et al., 2013; Pires et al., 2015). Portanto, a inserção dos estudantes de Medicina nessa prática visa colaborar com a equipe de trabalho do referido hospital, especialmente com a enfermagem, a qual é incumbida a maior parte dessas ações. Anualmente, a avaliação institucional vem apontando a importância dessa ação e solicitando sua continuidade. Ainda, os instrumentos de avaliações preenchidos pelos pais apontam a importância da ação extensionista. Compõem, ainda, nas atividades desenvolvidas pelo projeto, as orientações acerca das doenças de maior ocorrência regional, as quais são elencadas mensalmente, considerando incidência, sazonalidade e demanda direcionada pelo público. A abordagem quanto a estas contempla, além das crianças e acompanhantes, a equipe de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 trabalho. A aproximação ocorre de forma individual na brinquedoteca institucional, nos leitos de internação e nos postos de trabalho. Para ambas as ações de educação em saúde na prevenção de doença são utilizadas estratégias diversas, como a utilização de vídeos, histórias, músicas, pinturas, teatro, fantoches etc. São apresentados teatros que problematizam acerca da importância do cuidado com a higiene e do estabelecimento de um ambiente saudável, seja em casa, seja na escola ou no hospital, reforçando a necessidade da lavagem das mãos na profilaxia da infeção hospitalar e das doenças transmissíveis, utilizando-se de fantoches e exposição dialogada. A prática, na avaliação dos estudantes, colabora na construção de seu currículo e fortalece o processo de ensino-aprendizagem beneficiando sua aproximação à prática profissional. Contudo, considera-se que, mesmo a educação em saúde sendo atividade inerente ao cenário curricular, esta somente alcança a efetividade quando os conteúdos abordados sofrem a internalização dos sujeitos, transformando-se em moduladores das práticas individuais (Pereira; Santos, 2011). No desenvolvimento do ser humano, seja ele social, emocional e pessoal, as fases da infância e adolescência influenciam e repercutem no comportamento ao longo da vida, como também, caracteriza-se como a de maior vulnerabilidade. Tal vulnerabilidade vai além do âmbito de saúde do organismo em si, mas atinge dimensões em toda a sociedade, visando isso é que a atenção deve ser mantida, e se possível redobrada, em foco nessa fase da vida. Como a criança é um ser vulnerável e com responsabilidades já predefinidas para o futuro, é válido interromper o ciclo de marginalização, e evitar a quebra do ciclo vital desse indivíduo, proporcionando o desenvolvimento em todas as esferas em que ela se insere, de modo saudável e sem pular etapas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Frente a isso, levando em conta a bagagem de conhecimento adquirida nos anos já cursados na graduação e a posição social que ocupamos, é válida uma intervenção, já que é negligência ser passível a essa realidade apática e egoísta em relação aos problemas que são do interesse coletivo. O projeto Enfermagem Educando para a Saúde atua em cenários diversificados e desenvolve ações com enfoque na promoção da saúde e na ressignificação da infância. O objetivo é discutir a saúde a partir da realidade local incorporando o conhecimento das crianças e adolescentes. Dessa maneira, uma de suas ações de grande relevância ocorre em uma entidade de assistência social filantrópica não governamental, a qual atende anualmente a cem crianças e adolescentes. No espaço, inicialmente, se constrói com as crianças o conceito de saúde e doença a partir de atividades lúdicas. Debate sobre os conceitos de saúde, promoção de saúde, qualidade de vida e educação em saúde, relacionando-os com os aspectos sociais e físicos da infância, como higiene pessoal, higiene bucal, alimentação e atividades recreativas. O referido projeto emerge da necessidade da promoção da saúde desde a infância, pois é nessa fase em que o desenvolvimento e o crescimento têm lugar de destaque, facilitando a compreensão e entendimento de questões ligadas ao conceito de saúde e do processo saúde-doença. As avaliações indicaram que as ações desenvolvidas permitiram a articulação do ensino e da extensão com a assistência. Ademais, trabalhar em prol da promoção da saúde, por meio da dialogicidade em grupos, permite a reflexão e conscientização, além disso, os sujeitos tornam-se copartícipes da construção do conhecimento coletivo (Wild et al., 2014). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Considerações finais Ao longo dos anos, com a implementação dos projetos, tem-se observado significativa adesão às atividades propostas, bem como as avaliações de uma forma geral demonstram-se muito positivas e apontam potencialidades dos programas. Os participantes sempre demonstraram interesse nas informações abordadas, interagindo e apresentando suas dúvidas. Uma das grandes potencialidades dos projetos é a capacidade de disseminar conhecimento de forma dialética, aproximando o estudante dos cenários de prática profissional. Nessa interação, pode-se oportunizar a vivência da realidade na prática, possibilitando a transformação pela reflexão crítica e construtiva. Pesquisar, aprender sobre temas relacionados e estender o conhecimento adquirido à comunidade é a tríade que sustenta a formação universitária. Referências BRETAS, Tereza Cristina Silva et al. O conhecimento do familiar/ acompanhante pediátrico acerca da infecção hospitalar. Ciência & Saúde, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 78-84, 2013. CARNEIRO, Jair Almeida et al. Unimontes solidária: interação comunitária e prática médica com a extensão. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 35, n. 2, p. 283-288, 2011. FONSECA, Franciele Fagundes et al. As vulnerabilidades na infância e adolescência e as políticas públicas brasileiras de intervenção. Revista Paulista de Pediatria, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 258-264, 2013. GOMES, Angela Maria et al. Refletindo sobre as práticas de educação em saúde com crianças e adolescentes no espaço escolar: um A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 relato de extensão. Revista Conexão UEPG, Ponta Grossa, v. 11, n. 3, p. 332-341, 2015. PEREIRA, Valquiria Babbergi; SANTOS, Lúcio Mauro Rocker dos. Níveis de aprendizagem de estudantes do ensino fundamental com o uso de estratégia lúdica durante atividade de educação em saúde. Revista de Ensino, Educação e Ciências Humanas, Londrina, v. 12, n. 1, p. 53-56, jun. 2011. PIRES, Ananda Ughini Bertoldo et al. Pós-operatório de transplante renal: orientações para pacientes e familiares. Porto Alegre: Hospital de Clínicas de Porte Alegre, 2015. RODRIGUES, Andréia Lilian Lima et al. Contribuições da extensão universitária na sociedade. Cadernos de Graduação – Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, v. 1, n. 16, p. 141-148, mar. 2013. ROTOLO, Luana Maria et al. O cuidado em saúde e a extensão universitária referenciados na educação popular: uma história de convivência com a realidade do campo. Revista de APS, v. 18, n. 4, p. 539-543, out./dez. 2015. SILVA, Daniel Ignacio da et al. Vulnerabilidade da criança diante de situações adversas ao seu desenvolvimento: proposta de matriz analítica. 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A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Curso de graduação em Fisioterapia e a extensão Mark Andrey Mazaro Michele Cristina Minozzo dos Anjos Paula Zeni A extensão apresenta-se como uma possibilidade histórica e real de concretização da função social da universidade, via fortalecimento do ensino e da pesquisa, por meio de vínculos e compromissos sociais. Com o objetivo de fomentar e aperfeiçoar o diálogo entre o saber acadêmico e o saber popular, entre a teoria e prática, entre a comunidade e a universidade, é concebida como princípio educativo e estratégia de aprendizagem que devem perpassar os diferentes componentes curriculares e suas interfaces. O princípio educativo desejável deve ser permeado por uma metodologia que contemple o processo de construção do conhecimento de forma mediada, tanto na sala de aula, quando as atividades de ensino, de forma indissociável, articulam-se às ações de extensão e pesquisa, quanto nos efetivos momentos de inserção na comunidade regional, seja para conhecer, seja para intervir na comunidade, ampliando o enfoque interprofissional e interdisciplinar, promovendo o pensamento crítico e reflexivo e um fazer comprometido com a construção da cidadania (Frantz; Silva, 2002). As características atribuídas à extensão somente adquirem sentido quando possibilitam que o processo de desenvolvimento humano e material seja marcado pela inclusão de pessoas e instituições nos benefícios resultantes do processo formativo que imA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 plementa e busca. Essa responsabilidade diz respeito à formação e à transformação dos sujeitos, espaços e processos que tangenciam a universidade (Oliveira; Garcia, 2009). O curso de Fisioterapia da Unochapecó desenvolve diversas ações que integram o ensino à extensão através dos diversos componentes curriculares ao longo do curso, tais como as seguintes abordagens: avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, construção de diagnóstico funcional e interpretação de exames complementares nas áreas de atuação neurológica, pediátrica, geriátrica, oncológica, cardiopulmonar, ortopédica e hospitalar, vinculadas ao programa Sorriso para a Vida, em concordância com os princípios institucionais e com o projeto pedagógico do curso de Fisioterapia da Unochapecó. Essas atividades representam um olhar para a realidade que pretende abastecer de significado o ensino, consolidando o movimento teoria e prática e proporcionando ao acadêmico a vivência prática da fisioterapia na direção da formação profissional crítica afirmada pelo projeto institucional. Ao se apresentar como um espaço de articulação entre extensão, ensino e pesquisa, e especialmente em torno de uma temática que diz respeito à atenção à saúde, essas ações dialogam com a missão e a visão institucional da Unochapecó, que declaram o compromisso com a produção e a difusão do conhecimento para um desenvolvimento regional sustentável e uma formação cidadã, consolidando-a, assim, como uma universidade comunitária de referência, reconhecida pela produção de conhecimento, pela qualidade acadêmica e pela atuação na sociedade (Santos, 2010). A população atendida pelas referidas ações é composta de escolares da rede pública municipal e estadual, crianças e adolescentes hospitalizados (Hospital Regional do Oeste – HRO – e Hospital da Criança) e em situação de risco e vulnerabilidade social (Serviço A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 de Acolhimento Municipal, Fundação Aury Bodanese, Programa Viver, Centro Associativo de Atividades Psicofísicas Patrick – CAPP). Os componentes curriculares que integram o ensino às atividades de extensão incluem, no seu programa de aprendizagem, metodologias para o desenvolvimento e ponderamento dessas ações, que são realizadas pelo acompanhamento da entrega das avaliações solicitadas correspondendo ao percentual descrito na disciplina. Os projetos de extensão desenvolvidos pelo curso de Fisioterapia, vinculados ao programa Sorriso para a Vida, são Intervenção Motora, Reabilitação Virtual, Escola Postural, Fisioterapia na Promoção da Saúde e Atenção Fisioterapêutica às Crianças e Adolescentes em Situação de Vulnerabilidade. O projeto Intervenção Motora tem como objetivo colaborar para a promoção, prevenção e recuperação da saúde do bebê de risco nos primeiros anos de vida, detectando e intervindo precocemente nas alterações do desenvolvimento global da criança, por meio de ações educativas e terapêuticas, realizadas pelos estudantes e orientadas pelos professores, visando minimizar atrasos que possam vir a surgir no processo evolutivo a fim de prevenir incapacidades. Para tanto, realiza a avaliação das crianças de risco junto às instituições colaboradoras do projeto – Serviço de Acolhimento Municipal, Hospital da Criança e Programa Viver. Nos indivíduos em que são detectadas alterações no processo de desenvolvimento habitual, o atendimento fisioterapêutico apropriado é conduzido, bem como o acompanhamento por diferentes áreas da saúde e da educação (Psicologia, Pedagogia, Nutrição, Medicina e Odontologia). Também fazem parte do projeto ações educativas preventivas destinadas aos pais, que são orientados sobre a evolução do recém-nascido, incentivando o vínculo familiar e a necessidade de um ambiente promissor, facilitador do desenvolvimento da criança. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A Reabilitação Virtual (RV) utiliza jogos de esportes, realizados por meio do instrumento Nintendo Wii®, que estimulam de maneira prazerosa a participação das pessoas com deficiência, com o intuito de melhorar equilíbrio, consciência corporal, propriocepção e amplitude de movimento. A RV utiliza o videogame para criar uma interface interativa que a partir de uma imagem possibilita ao usuário realizar um feedback visual através do dispositivo de vídeo (Balista, 2013). A população do projeto constitui-se de pacientes com idade entre quatro e 32 anos, que frequentam o CAPP de Chapecó (SC) e a Clínica Escola de Fisioterapia Sabrina Fiorentin Sfreddo (CEFSFS). O atendimento é semanal. As atividades de equilíbrio e coordenação motora são elaboradas pelos estudantes e professores e têm duração de trinta minutos por paciente. As intervenções desenvolvidas nas instituições parceiras mostraram resultados significativos para a melhora das atividades de vida diária relacionadas à independência e funcionalidade, devido ao desenvolvimento do equilíbrio e das funções motoras decorrente do treinamento com o console Nintendo Wii®. A Escola Postural tem a finalidade de avaliar as características posturais das crianças em idade escolar participantes do Programa Viver e da Fundação Aury Luiz Bodanese, através de avaliação postural, teste de encurtamento muscular e medidas antropométricas (peso, altura). A partir das informações levantadas, é possível intervir, por meio de ações da metodologia da Escola Postural, na educação do autocuidado com a coluna vertebral e postura, contribuindo para o desenvolvimento saudável dessas crianças e adolescentes, para que sejam descartados ou reduzidos os riscos de prejuízos funcionais nesses indivíduos. A metodologia prevê que as condutas sejam definidas em conjunto com os participantes do projeto, estudantes e professores. Além de avaliação postural e orienA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 tações educativas em saúde, especialmente relacionadas à postura, também são realizados, de modo sistematizado, exercícios voltados ao alongamento e fortalecimento muscular, à correção postural e à postura adequada para a realização das atividades diárias. O projeto Fisioterapia na Promoção da Saúde realiza atividades de promoção de saúde e prevenção de doenças com crianças, visando promover o adequado desenvolvimento neuropsicomotor ao longo da vida. Busca desenvolver bons hábitos de vida, alertar para a importância da prática de exercícios posturais e alongamentos, estimular a adoção de posturas adequadas nas atividades rotineiras, como deslocamento de peso, agachamentos, rotações de coluna, entre outros. Tem como objetivos: orientar e sensibilizar crianças e adolescentes quanto ao cuidado em saúde e bons hábitos de vida, boa postura e importância dos alongamentos; promover a prática de atividades psicomotoras; capacitar crianças e adolescentes para serem multiplicadores de informações sobre o corpo humano saudável; proporcionar aos estudantes do curso de Fisioterapia a experiência da atuação interdisciplinar. As atividades, realizadas por acadêmicos de Fisioterapia, bolsistas e voluntários, orientados por um professor coordenador, acontecem semanalmente, em turnos alternados (matutino e vespertino), na Fundação Aury Bodanese, no Programa Viver, no CAPP e no Serviço de Acolhimento Municipal. Nos atendimentos são empregadas técnicas fisioterapêuticas de alongamento, melhora da postura, desenvolvimento neuropsicomotor, realizadas a partir de materiais como bolas, rolos, bambolês, brinquedos para estimulação, jogos psicomotores. A Atenção Fisioterapêutica às Crianças e Adolescentes em Situação de Vulnerabilidade acontece no HRO e no Hospital da Criança e tem por objetivo estimular no estudante de fisioterapia o A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da capacidade de solucionar problemas, promovendo ações educativas e lúdicas, visando à ressignificação do processo de hospitalização da criança e do adolescente. Essas ações são realizadas com pacientes em internação e em tratamento oncológico, e incluem atenção às famílias. Para o estudante de Fisioterapia, a experiência tem se mostrado eficaz no desenvolvimento da habilidade de planejamento e intervenção com enfoque interdisciplinar e multiprofissional, tornando-o capaz de produzir, divulgar e socializar o conhecimento, bem como o compromisso com o desenvolvimento regional sustentável, proporcionando, dessa maneira, a indissociabilidade entre o ensino e a prática. São realizadas atividades lúdicas-educativas, com objetivos diferenciados e direcionados à necessidade e ao quadro clínico de cada criança e adolescente, sob orientação docente. A família do paciente também recebe cuidados, uma vez que se encontra igualmente fragilizada. Os programas de intervenção contam com a utilização de jogos e atividades orais, no intuito de estimular memória, propriocepção e cognição, trabalhando ainda movimentos corporais e motricidade fina, orientações aos cuidadores e ao público atendido em relação à conscientização postural, respiração, cuidados com a saúde, entre outros temas, visando à promoção da saúde, prevenção de futuras enfermidades e a recuperação da saúde do paciente acometido. Referências BALISTA, Vania Gabriella. PhysioJoy: sistema de realidade virtual para avaliação e reabilitação de déficit motor. In: SBGAMES, 12., 2013, São Paulo. Anais... São Paulo: SBC, 2013. p. 16-20. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 FRANTZ, Walter; SILVA, Enio W. da. As funções sociais da universidade: o papel da extensão e a questão das comunitárias. Ijuí: Editora da Unijuí, 2002. OLIVEIRA, Therezinha Maria Novais de; GARCIA, Berenice Rocha Zabbot. A extensão e o seu papel na formação acadêmica. Revista Univali, Itajaí, v. 14, n. 1, p. 111-117, jun. 2009. SANTOS, Marcos Pereira dos. Contributos da extensão universitária brasileira à formação acadêmica docente e discente no século XXI: um debate necessário. Conexão UEPG, Secal, v. 6, n. 1, 2010. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Programa Sorriso para a Vida – projeto de saúde bucal Georgia Verardi Anchieta Introdução O programa de extensão de atenção e cuidado à criança e ao adolescente “Sorriso para a Vida” promove ações de promoção à saúde e iniciou suas atividades no Hospital Regional do Oeste (HRO), localizado em Chapecó (SC), em 2001. Surgiu de atividade de aprendizagem realizada em componente curricular do curso de Educação Física da Unochapecó, passando a compor o rol de propostas permanentes de extensão da instituição. Objetiva a (re) significação do tempo, dos espaços e dos sujeitos do processo saúde-doença, em vulnerabilidade e risco social, numa perspectiva interdisciplinar e interprofissional. Sob responsabilidade da Área de Ciências da Saúde, as ações são implementadas por docentes e discentes dos cursos de Educação Física, Fisioterapia, Odontologia, Nutrição e Medicina, em parceria com os profissionais dos cenários da prática, por intermédio das seguintes ações: Educação Permanente, Fórum Didático-Pedagógico, Brincando no Hospital, Oficina de Práticas Corporais, Escola Postural, Reabilitação Virtual, Cinoterapia, Intervenção Motora Precoce, Alimentação Saudável, Prevenção de Doenças Transmissíveis e Saúde Bucal, que ocorrem com regularidade semanal. A proposta deste texto é fazer um recorte das ações do programa Sorriso para a Vida, destacando as atividades desenvolvidas pelo projeto Saúde Bucal. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 A higiene bucal é fruto de hábitos que devem ser introduzidos e estimulados o mais precocemente possível (Gonçalves; Silva, 1992). O sucesso na prevenção das doenças periodontal e cárie dependem que o paciente esteja suficientemente preparado, consciente e motivado para a prática de higiene bucal, utilizando de forma efetiva e eficiente os recursos destinados a esse fim (Gil; Moraes, 1992; Gonçalves; Silva, 1992; Moimaz et al., 1994). Os pais ou responsáveis também devem ser orientados e esclarecidos, para incentivarem as crianças a manter uma higiene bucal satisfatória (Saba-Chujfi et al., 1992). De acordo com estudos realizados no Brasil, as crianças mantêm um número elevado de extrações dentárias prematuras, não preservando o espaço perdido e, consequentemente, contribuindo para o desenvolvimento de más oclusões dentárias, e a manutenção de altos índices de cárie também persiste. Diante desses problemas, há necessidade de realizar o controle da cárie dentária e outros agravos. A forma mais eficaz é a promoção de saúde e da incorporação de hábitos saudáveis, pois, quando motivadas, as crianças tendem a tornar o comportamento resistente a mudanças, e isso se dá por meio da escovação dentária e do uso do fio dental, eliminando assim a placa bacteriana (agente causador da cárie dentária e diversos agravos). Essas condições devem ser implantadas, trabalhadas e controladas, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia em saúde de uma forma geral e não apenas bucal (Carvalho et al., 2013). Diante do exposto, tornam-se imprescindíveis a criação e o incentivo de programas educativos que ampliem a promoção de saúde, uma vez que atividades como essas são capazes de motivar as crianças, em fase pré-escolar, para mudança de hábitos, estimulando-as para o cuidado com a sua saúde bucal. É importante enfatizar que esse processo educativo ocorre de forma lenta; por isso, A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 deve ser contínuo para que alterações precoces de maus hábitos e comportamentos sejam capazes de transformar essa realidade (Migliato et al., 2008). Segundo a Carta de Ottawa (1986), a promoção da saúde caracteriza-se como um “[...] processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo.” Outros fatores a serem considerados são a falta de informação quanto às práticas de higiene bucal e a necessidade de programas de educação e promoção de saúde para crianças, adolescentes e seus responsáveis, no sentido de não negligenciar os autocuidados. Nesse sentido, o projeto Saúde Bucal tem como objetivo a promoção, a prevenção e a educação em saúde bucal de crianças e adolescentes, nos diversos cenários em que atua, visando à melhoria das condições de saúde bucal em geral, tornando-os aptos para manter sua saúde sorrindo novamente, tanto nas relações interpessoais quanto para a vida. Objetivos específicos do projeto Saúde Bucal: • reconhecimento das comunidades e problematização da realidade; • planejamento das atividades; • interlocução com os demais projetos do programa; • interlocução com os componentes curriculares implicados; • instrumentalização da equipe; • demonstrações das técnicas com material didático de apoio; • escovação com macro modelo para explicar como deve ser feita a correta higienização; • utilização de bonecos, jogos e desenhos relacionados à odontologia; A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 • elaboração e distribuição de encartes informativos; • teatro tematizado sobre saúde bucal; • realização de palestras para crianças, adolescentes e seu núcleo familiar; • elaboração de material didático com as crianças. Metodologia O projeto de extensão aqui relatado, desde o seu início, tem sido mantido de maneira ininterrupta, contando sempre com bolsistas de extensão e vários alunos voluntários, todos do curso de Odontologia da Unochapecó, sob supervisão da professora coordenadora. As atividades são realizadas semanalmente durante todo o ano. A população-alvo do referido projeto é composta por crianças e adolescentes de zero a 16 anos de idade que se encontram hospitalizadas no Hospital Regional do Oeste e no Hospital da Criança, participam do Programa Viver ou são residentes no Abrigo Municipal. Metodologia das ações realizadas nos hospitais Em ambos os hospitais há a brinquedoteca, local onde os bolsistas e voluntários dos diversos cursos que compõem o programa Sorriso para a Vida desenvolvem atividades lúdicas com as crianças. Além disso, realizam-se visitas nos quartos dos pacientes internados, momento em que é executada a educação em saúde bucal de uma maneira lúdica, ensinando a correta escovação e o uso do fio dental. Escova, creme dental e fio dental são doados para crianças e adolescentes internados que não os possuem. O momento também é oportuno para a avaliação da cavidade bucal, verificando a A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 necessidade de tratamento odontológico. Caso seja indicado algum procedimento odontológico, os pais ou responsáveis são orientados sobre a possibilidade de realizar esse tratamento na Clínica Odontológica da Unochapecó. Metodologia da avaliação de saúde bucal realizada no programa Viver A ação teve como finalidade avaliar a condição geral de saúde bucal, identificando a necessidade de tratamento odontológico, de 44 crianças com idades entre um e dez anos, que participam do programa Viver. Foram realizadas avaliações de saúde bucal, com o auxílio de palitos específicos para essa finalidade, por meio de fichas de avaliação, que serviram para classificar as crianças e estabelecer a prioridade de atendimento. Cada avaliação resultou em um valor final, indicando a urgência do tratamento. As crianças que necessitavam de assistência foram encaminhadas para a Clínica Odontológica da Unochapecó. Metodologia das ações realizadas no programa Viver e Abrigo Municipal Nesses espaços são desenvolvidas atividades diversificadas, adaptadas à idade dos participantes (palestras, jogos, teatro, leitura de livros de histórias, desenhos), de conteúdo informativo sobre práticas de higiene bucal, prevenção das doenças periodontal e cárie, com a finalidade de reforçar as orientações passadas, conscientizando as crianças e adolescentes participantes sobre a importância de uma higiene bucal adequada e motivando-os a incluir na A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 sua rotina diária a escovação e o uso do fio dental. O quadro abaixo descreve as atividades realizadas e a metodologia empregada. Atividade Metodologia Atividade “conhecendo a nossa boca” Uma história foi contada para as crianças através de imagens e desenhos em relação à boca. Após isso, as crianças deveriam formar duplas e “examinar” a boca um do outro, de modo a reconhecê-la. Na sequência, elas desenharam a boca conforme sua compreensão. Após a atividade foi realizada uma colagem de figuras com as partes da boca, em formato de desenho, acompanhadas de explicações sobre cada componente e sua importância. Atividade “como é o bicho da cárie” As crianças desenharam o “bicho da cárie” como imaginavam. Após isso, imagens lúdicas de dentes cariados e não cariados foram demonstradas. O mecanismo de desenvolvimento da cárie foi apresentado, seguido de explicação sobre a importância de combatê-la. Brincadeira passa dente É da mesma forma que a brincadeira do passa anel, porém com o dente no lugar do anel. As crianças passam o dente de um para o outro e uma criança fica no meio e tenta adivinhar com quem está o dente. O dente utilizado estará representando um dente saudável em boca, fixando os conhecimentos das atividades anteriores em relação à boca e à cárie. Atividades com balões Dentro de cada balão havia frases em relação à saúde bucal. Os balões foram amarrados nos pés das crianças e elas deviam proteger seu balão e tentar estourar os dos colegas. Conforme o balão estourava, a criança devia pegar a frase e sentar-se. Ao final da brincadeira as frases foram unidas, cada um leu sua frase e as explicações foram feitas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Passa escova As crianças formaram uma roda e foi colocado um som musical educativo sobre odontologia, elas iam passando a escova uma para outra. Quando a música parava, aquele que estava segurando a escova teria que realizar uma atividade proposta pelas outras crianças, podendo ser perguntas relativas ao conteúdo aprendido no dia anterior às brincadeiras e em todas as outras visitas. Amarelinha odontológica É semelhante à amarelinha convencional, porém cada “casa” do jogo é composta por “amigos” ou “inimigos” da saúde bucal, como por exemplo, escova, creme dental, frutas, doces etc. O vencedor foi o primeiro a chegar ao final sem passar pelos itens prejudiciais aos dentes. Colagem educativa As crianças deviam formar palavras em relação à saúde bucal conforme iam sendo solicitadas pelas professoras. Essas palavras eram formadas através do recorte de letras em revistas e colagem em papel ofício. Além da formulação de palavras em relação à saúde bucal, dificuldades com o português foram encontradas e corrigidas. Parceiros As crianças recebiam imagens que sugeriam ações (exemplo: criança escovando os dentes). Eram distribuídas várias ações e as crianças deveriam encontrar seus pares e se sentar. Outras atividades foram sendo realizadas conforme a necessidade (exemplos: confecção de desenhos, colagens educativas, vídeos, minipalestras sobre higiene bucal, pinturas etc.). Fonte: elaboração da autora. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Desenvolvimento O fato de a universidade produzir e repassar conhecimentos, indo ao encontro das necessidades da comunidade, tem relevante alcance social, como é observado neste projeto de extensão. A extensão realizada atendeu e continua a atender uma parcela da população que é desassistida devido à vulnerabilidade social ou que se encontra debilitada devido ao estado de saúde geral. Ainda, por meio das atividades desenvolvidas possibilitou-se a melhoria das condições de saúde bucal e geral dessa população. Durante todo esse processo observou-se que na maioria dos casos de pacientes internados nos dois hospitais, os cuidados com a saúde bucal eram deixados em segundo plano pelos responsáveis, muitas vezes por conta da preocupação com a saúde geral. Entretanto, a saúde geral e a saúde bucal constituem dois elos de uma mesma corrente. Sabe-se que a hospitalização está associada à piora das condições de saúde bucal, principalmente nos pacientes em intubação orotraqueal (Terezakis et al., 2011), levando a crer que indivíduos hospitalizados necessitam de intervenção odontológica de caráter curativo e preventivo (Maestrelli et al., 2010). Em relação à metodologia de avaliação e encaminhamento para tratamento odontológico, verifica-se a potencialidade dessa ação na obtenção de um padrão da real situação de saúde bucal das crianças através das avaliações realizadas e demonstração da necessidade de atendimento odontológico. Essa realidade foi constatada e tratada com atenção na prática clínica após os encaminhamentos. A fragilidade das atividades encontra-se na falta de apoio por parte de alguns pais na manutenção da saúde bucal dessas crianças após o atendimento clínico. Alguns pais não autorizaram a ida de seus filhos até a Clínica Odontológica da Unochapecó ou não assinaram A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 o termo de consentimento para que os procedimentos odontológicos pudessem ser realizados de forma ética. Observa-se, assim, a urgência de uma conscientização coletiva com pais/responsáveis da necessidade do tratamento e manutenção da saúde bucal, principalmente na fase de desenvolvimento das crianças. Dentre os fatores associados à prevalência de maus-tratos na população infantil, está a falta de cuidados dos pais ou responsáveis legais com a saúde do menor que está sob sua tutela. Essa negligência pode ser observada com relação à saúde bucal das crianças (Massoni et al., 2014), como nos casos em que não houve retorno do termo de consentimento assinado para a execução do tratamento odontológico. As consequências provenientes da realização de programas preventivos são observáveis não apenas clinicamente, através da redução dos índices de cárie, mas também pela modificação da consciência popular, quanto aos cuidados com os dentes, hábitos de higiene bucal e dieta alimentar. É consenso que programas preventivos proporcionam, comparativamente às ações curativas, menores custos de implantação e operacionalização, ofertando, em função da baixa complexidade dos procedimentos, uma cobertura maior da população (Oliveira et al., 2011). Segundo Garcia e colaboradores (2004), a educação em saúde representa uma estratégia fundamental no processo de formação de comportamentos que promovam e mantenham a saúde. A mudança de hábitos é um processo extremamente difícil para qualquer indivíduo, por isso, o paciente deve estar muito motivado e ciente de que deve abandonar hábitos nocivos à saúde, pois essa é uma condição essencial para ter sucesso no processo. Procura-se estabelecer novas rotinas nos hábitos já adquiridos e, dessa forma, facilita-se um pouco o processo. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Considerações finais A importância deste projeto de extensão para a formação acadêmica e pessoal deve-se ao fato de este permitir a aplicação prática dos conhecimentos teóricos sobre prevenção das doenças bucais obtidos em sala de aula, proporcionando a interação entre profissionais da odontologia, crianças e adolescentes. Possibilitou, ainda, a atuação de alunos de graduação em Odontologia junto a uma população com necessidades odontológicas especiais e considerada de alto risco para o desenvolvimento de diversas patologias, contribuindo para uma melhor formação acadêmica. Finalmente, permitiu aos acadêmicos o reconhecimento de uma realidade social do nosso país, no panorama da saúde. Os resultados obtidos mostraram a importância e a necessidade da continuidade deste programa junto a essa população, tão carente de cuidados, sob pena de perda dos benefícios alcançados. Referências CARTA DE OTTAWA. Conferência internacional sobre Promoção de Saúde. 1986. Disponível em: <http://www.opas.org.br/carta-de-ottawa/>. Acesso em: 20 set. 2016. CARVALHO, Theresa Hortênsia Leandro et al. Estratégias de promoção de saúde para crianças em idade pré-escolar do município de Patos-PB. Revista de Odontologia da Unesp, São Paulo, v. 42, n. 6, p. 426-431, nov./dez. 2013. GARCIA, Patrícia Petromilli N. S. et al. Conhecimento de saúde bucal em escolares: efeito de um método de auto-instrução. Revista de Odontologia da Unesp, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 41-46, 2004. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 GIL, Ivana Aparecida; MORAES, Antonio Bento Alves de. Treinamento de escovação dentária em crianças: uma análise de relatos de pesquisa. RGO, Porto Alegre, v. 40, n. 6, p. 401-404, nov./dez. 1992. GONÇALVES, R. G.; SILVA, Rogério Henrique Hildebrand da. Experiência de um programa educativo preventivo: instituído na Fundação Catarinense de Bem-Estar do Menor (FUCABEM). RGO, Porto Alegre, v. 40, n. 2, p. 97-100, mar./abr. 1992. MAESTRELLI, Bruno et al. Adult patients’ profile regarding their oral health conditions and behavior. IJD – International Journal of Dentistry, v. 9, n. 3, p. 107-113, 2010. MASSONI, Andreza Cristina de Lima Targino et al. 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Journal of Clinical Periodontology, v. 38, p. 628-636, 2011. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Integração da extensão com atividades de pesquisa e ensino em comunidade: uma ação de arborização Clarete Trzcinski1 Félix Yan Boschetti2 Gabriela Borges da Silva3 Queila Ramos Giacomini4 Ana Cristina Confortin5 Adriano Dias de Oliveira6 Introdução A Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) é uma instituição identificada com o desenvolvimento regional e muito atenta às necessidades da população e das organizações situadas em sua região de abrangência. O desenvolvimento do processo de integração da pesquisa e extensão ao ensino faz parte da história da constituição da Unochapecó. Partindo dessa com1 Doutora em Engenharia de Produção (UFRGS), docente do Programa de Mestrado Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais (Unochapecó). 2 Graduando em Arquitetura e Urbanismo (Unochapecó). 3 Mestranda em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais (Unochapecó), docente do curso de Arquitetura e Urbanismo (Unochapecó). 4 Mestranda em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais (Unochapecó), docente do curso de Arquitetura e Urbanismo (Unochapecó). 5 Mestre em Engenharia de Produção, área de gestão ambiental (UFSC), docente do curso de Ciências Biológicas (Unochapecó). 6 Doutor em Botânica (UFRGS), docente do curso de Ciências Biológicas (Unochapecó). A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 preensão, a Diretoria de Extensão (DEX) desenvolveu/promoveu uma ação denominada “UnoVerCidade” junto à comunidade do seu entorno, a “região da Efapi”, visando ao levantamento de demandas para possível intervenção, a partir da elaboração de projetos planejados por grupos de extensão da Universidade em articulação com o ensino e a pesquisa. As atividades do “UnoVerCidade” contaram com o envolvimento de equipes de vários programas de extensão, dentre eles o Programa de Apoio a Processos Participativos de Desenvolvimento Local e Regional Sustentável (Papel), que se envolveu e se responsabilizou pela demanda da arborização urbana, apresentada pelo loteamento Alice I, localizado no bairro Efapi, que possui uma população de 26.543 habitantes (Chapecó, 2016). Estabelecido em 2010, não tem informações sobre suas características em sites oficiais, sendo os dados aqui apresentados de levantamento feito com os líderes da comunidade, que informam da necessidade de empoderamento desta, pois “vontade eles têm, mas não sabem o que fazer, como buscar no órgão municipal”7. Hoje a liderança mais atuante está ligada à Associação de moradores, que estima uma população do loteamento de aproximadamente quinhentas famílias. Os equipamentos públicos comunitários existentes e utilizados pela comunidade são aqueles pertencentes ao bairro Efapi, como: Centro Integrado de Saúde da Família; Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Efapi, escolas municipais, Cidade do Idoso. O empoderamento aqui entendido é aquele que se refere ao processo de mobilizações e práticas que objetivam promover e impulsionar grupos e comunidades na melhoria de suas condições de vida, aumentando sua autonomia (Gohn, 2004). 7 Informação apresentada pelo líder comunitário, na fase preparatória desde estudo. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 O empoderamento possui três níveis: pessoal, grupal e estrutural, níveis que garantem consistência ao processo. Se, por um lado, esse processo concretiza-se no cotidiano dos indivíduos, no tempo e espaço nos quais estes reconhecem e experienciam necessidades e potencialidades que os despertam e viabilizam o crescimento de habilidades individuais e coletivas, por outro lado, ele se concretiza no contexto social, espaço e tempo de desenvolvimento de estratégias de apoio mútuo e de auto-organização, “[...] que reforçam a consciência política através de ações sociais e viabilizam a participação coletiva nas decisões sociais e políticas.” (Stark, 1996 apud Kleba, 2009, p. 738). Dessa forma, estão intimamente ligados, interferindo e exercendo pressões mútuas. Para Gohn (2004), o empoderamento pessoal e/ou individual tem como indicadores a autoestima, a autoconfiança e a autoafirmação, tendo como foco a melhoria nas condições de vida. Empoderar a comunidade do Alice I, através de ações de educação ambiental, é uma ação que fortalece o exercício da cidadania, que pode ser resumido pela compreensão e prática, pelas pessoas, dos seus direitos e deveres na convivência na cidade e na comunidade. Na perspectiva da arborização urbana, o respeito e o cuidado com as áreas verdes e com as árvores plantadas em espaços públicos e privados constituem direito e dever e expressam o saber viver na cidade. A arborização exerce papel de vital importância para a qualidade de vida nos centros urbanos. Por suas múltiplas funções, a árvore urbana atua diretamente sobre o microclima, a qualidade do ar, o nível de ruídos, a paisagem, além de constituir refúgio indispensável à fauna remanescente nas cidades. (SBAU, 2015, [s.p.]). É fato conhecido o papel exercido pela vegetação na redução do calor gerado no ambiente urbano, proporcionando um microclima com condições de conforto térmico mais favoráveis. Os efeitos na A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 absorção da radiação solar, através de folhas e ramos, são perceptíveis pela população por meio do sombreamento propiciado pela copa das árvores, pela ventilação e pela redução da luminosidade (Gonçalves; Camargo; Soares, 2012). Dessa forma, possibilitam maior proximidade e convivência do homem com a natureza no espaço construído promovendo a sensibilização para a importância do papel das árvores nas cidades, sobretudo na promoção da saúde e do bem-estar humano. Nesse sentido, a falta de arborização pode estar ligada com o fenômeno da urbanização que é crescente no município de Chapecó (SC). Nas últimas décadas, a cidade apresenta grande crescimento da população, mudanças na ocupação do espaço e seu uso, transformando drasticamente tanto o ambiente natural como o ambiente construído. Esse novo ambiente construído vem sofrendo significativa alteração microclimática, com prejuízo para a qualidade de vida da população. A comunidade do loteamento Alice I percebe e relata a situação de falta de arborização urbana, o que originou este projeto de extensão aprovado pelo Fapex em 2016. A metodologia apresentada tem como foco a interdisciplinaridade entre componentes curriculares dos cursos de Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Biológicas, Jornalismo, o mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais e o Viveiro Florestal da Unochapecó, bem como a liderança comunitária do loteamento, pois se entende que a formação profissional remete à interligação entre as áreas do saber, entre diferentes disciplinas, conseguida através do processo da interdisciplinaridade. Esta é definida por Jantsch e Bianchetti (1995) como um princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão dos seus limites, da diversidade e da criatividade. Nos apontamentos de Paviani (2008), é a condição básica para a formação profissional fleA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 xível e adequada ao exercício de novas profissões, principalmente na atualidade. De acordo com o autor, uma área do conhecimento tende a se construir a partir de certa autonomia teórica; entretanto, o bom desempenho de um profissional vai além de qualidades pessoais, de conhecimentos de matemática, economia, direito, psicologia, sociologia. Por isso, a formação profissional pressupõe ação interdisciplinar, em um primeiro momento na aquisição de conhecimentos para a sua formação científica e intelectual, e em um segundo momento a aplicação de conhecimentos na solução de problemas reais. Operacionalmente, a proposta de ação definida compreende reuniões na comunidade; oficinas de educação ambiental; levantamento e mapeamento das condições existentes e do interesse da comunidade; anteprojeto de arborização urbana e blog composto por mídia social e vídeo. Nessas ações, participaram, até o presente momento, em torno de duzentos acadêmicos, um bolsista, dois técnicos e sete docentes, incluindo a abrangência direta e indireta de aproximadamente quinhentos moradores. O projeto de arborização do Alice I tem por objetivo promover o fortalecimento da comunidade e o empoderamento das lideranças locais através de ações que integrem ensino, pesquisa e extensão, aproximando a Universidade ao seu entorno. Atividades desenvolvidas Levantamentos/mapeamentos O ponto de partida foi a realização de saídas a campo para a coleta de dados e levantamento da área. Essas visitas in loco abrangeram entrevistas aos moradores e levantamento físico e territorial A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 das moradias e espaços públicos, a fim de se obter um retorno da comunidade sobre carências relativas ao ambiente e qualidade de vida dos moradores. Estudantes de arquitetura e urbanismo visitaram a área, e, nessa etapa, verificou-se que a comunidade tem grande interesse pelo projeto de arborização urbana, pois os passeios públicos do loteamento possuem pouca vegetação, além de não cumprirem com normas de acessibilidade, tornando esses espaços pouco atrativos aos moradores. O principal objetivo da etapa elaborada pelo curso de Arquitetura e Urbanismo foi entender como cada dado levantado contribuiu para a compreensão das características do local, buscando a elaboração de um projeto de arborização urbana no loteamento. Os moradores foram questionados sobre a falta de atividades de lazer na comunidade, se têm interesse em um projeto de arborização para as ruas do bairro, entre outras perguntas que se destinam ao levantamento físico-territorial e do público-alvo do loteamento Alice I. Foi realizado um levantamento da infraestrutura urbana no loteamento, incluindo levantamento fotográfico, análise da topografia, legislação urbana, sistema viário, transporte público, entre outros. Os alunos se dividiram em pequenos grupos para fazer um levantamento o mais detalhado possível sobre as características socioespaciais do local, bem como o público-alvo da pesquisa, tendo como resultado um levantamento das condicionantes, potencialidades e deficiências da área de estudo. Através do levantamento foi criado um mapa com a locação da vegetação existente e identificadas as espécies arbóreas. Foram levantados os dados dos passeios públicos das 11 quadras que fazem parte do loteamento, locando as árvores em um mapa base disponibilizado pela Prefeitura do município. Para a identificação das espécies, a equipe contou com o apoio dos acadêmicos do curso de A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Ciências Biológicas e do Viveiro Florestal da Unochapecó. Depois do levantamento e da identificação das espécies, os acadêmicos, com auxílio e orientação dos professores, elaboraram propostas para os passeios públicos, além de uma das turmas ter feito uma proposta de anteprojeto de praça em área verde. O levantamento florístico e a identificação das espécies arbóreas presentes nos passeios públicos do loteamento foram feitos pelos acadêmicos do curso de Ciências Biológicas, a partir do mapa disponibilizado pelos acadêmicos de Arquitetura e Urbanismo, e registrou 252 plantas de cerca de 55 espécies, sendo 19 destas não identificadas, geralmente por ausência de material biológico como folhas ou estruturas reprodutivas. Das espécies registradas, 26 (47%) podem ser consideradas nativas no Brasil e, dessas, 19 nativas no oeste de Santa Catarina (35%). Em termos de número de plantas, a presença de espécies exóticas é ainda maior, sendo apenas 59 delas (23%) nativas no Brasil e 45 (18%) no oeste catarinense. O número de plantas de diferentes origens geográficas na arborização estabelece sua relação com os transeuntes e a identificação, ou não, destes e do espaço urbano com a flora regional. Essa predominância de espécies exóticas e uma baixa diversidade se evidenciam com os números da espécie Cinnamomum verum (canela-doce, família Lauraceae), com 76 indivíduos, e de Ligustrum lucidum (ligustro ou sempre-verde, família Oleaceae), com 21 indivíduos, ambas de origem asiática e somando sozinhas 38% das plantas identificadas no levantamento. Essas informações repetem alguns padrões esperados em arborização urbana, como: a predominância de espécies exóticas; o maior número absoluto de plantas exóticas (quase quatro vezes mais que as nativas), ao território brasileiro e especialmente à região; a baixa diversidade geral expressa na alta concentração de inA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 divíduos em algumas espécies, especialmente as exóticas. No caso do loteamento Alice I foi menos evidente que o esperado a predominância de exóticas e a baixa diversidade, provavelmente devido à iniciativa particular de parte dos moradores, provenientes de áreas rurais, e seus conhecimentos e desejo de ter espécies da flora regional, especialmente com frutos comestíveis, como a pitanga (Eugenia uniflora, família Myrtaceae) e a cereja-do-mato (Eugenia involucrata, família Myrtaceae). Figura 1 – Visão Panorâmica através da rua Palmitos com visão do loteamento Alice I, localizado no bairro Efapi, no município de Chapecó (SC) Fonte: elaborada pelos autores. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Figura 2 – Acadêmicos do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unochapecó, conhecendo e situando a área de intervenção do loteamento Alice I para a realização do mapeamento Fonte: elaborada pelos autores. Oficinas socioeducativas As oficinas de Educação Ambiental buscam ações participativas, para o fortalecimento e o fomento da responsabilidade socioambiental individual e coletiva, baseadas na valorização local e no conceito de sustentabilidade. Foram desenvolvidas duas oficinas: Oficina 1 – “A importância de áreas verdes em espaços urbanos” – realizada no dia 01/06/2016, das 19h20 às 22h, no Museu de Ciências Naturais da Unochapecó. Contou com um público de aproximadamente vinte lideranças da comunidade do loteamento Alice I. A abordagem da oficina foi teórico-prática, sobre a importância de espécies arbóreas nativas e os impactos causados pelas espécies arbóreas exóticas. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 No primeiro momento, os participantes foram divididos em dois grupos que se alternaram na Trilha dos Sentidos e em visita ao Museu de Ciências Naturais da Unochapecó. A trilha dos sentidos teve como objetivo a sensibilização e aproximação ser humano-natureza. Essa atividade é realizada de olhos vendados e pés descalços, o que permite ao participante perceber o ambiente de forma diferente, estimulando o uso dos sentidos, exceto a visão. No Museu de Ciências Naturais, o grupo conheceu os animais taxidermizados, as coleções biológicas e os animais vivos do acervo. Na sequência, foram encaminhados para o laboratório de Zoonoses da Universidade, onde foi realizada a discussão sobre a trilha, momento de reflexão em que cada participante expressou os sentimentos aflorados a partir da vivência desta. Após a reflexão sobre a trilha, foi realizada uma apresentação sobre os seguintes temas: distinção de espécies exóticas e nativas; incentivo ao plantio de espécies nativas (frutíferas para atração de animais); e a importância das árvores e da presença de áreas verdes no espaço urbano. A apresentação foi de aproximadamente quarenta e cinco minutos, sendo que durante a mesma foram disponibilizados exemplares de plantas, com diferentes estruturas, incluindo folha, fruto e semente. Após a oficina, foi aplicado um questionário, com o objetivo de verificar a percepção que os moradores possuem acerca da vegetação urbana. Os resultados mostram que: 73% deles conhecem as espécies florestais nativas da nossa região; 93% sabem o que é uma espécie nativa; 80% responderam que possuem alguma espécie nativa cultivada em suas residências; 46% responderam que possuem dificuldade no manejo dessas espécies; e 46% optam pelo plantio de espécie nativa, em virtude da sombra que oferecem. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Oficina 2 – “Identificação de espécies arbóreas e métodos de plantio”, realizada no dia 18/06/2016, das 9h às 12h, no loteamento Alice I, na casa do senhor João. A oficina teve por objetivo sensibilizar os moradores do loteamento sobre a importância da arborização urbana, identificando e diferenciando as árvores nativas e exóticas, destacando a importância das espécies florestais nativas, bem como dos métodos de plantio e poda, dando ênfase na importância das características físicas das árvores. Na sequência, os participantes foram convidados a identificar nas vias públicas do loteamento as árvores exóticas e nativas do local. A última atividade dessa oficina envolveu a discussão referente às árvores nativas e seu potencial para a urbanização. A partir de slides foram apresentadas imagens das espécies florestais nativas com algumas informações básicas (tamanho, flores, frutos, modo de manejo, importância ecológica, importância para a fauna nativa) de cada espécie. Além dos slides, foram apresentadas as mudas das espécies trabalhadas para visualização e posterior distribuição aos participantes da oficina para o plantio nas vias públicas do loteamento, sendo registradas através de materiais e métodos midiáticos todas as atividades realizadas pelos acadêmicos do curso de Jornalismo da Unochapecó. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Figura 3 – Moradores do loteamento Alice I fazendo a visitação no Museu de Ciências Naturais da Unochapecó junto com os estudantes de Ciências Biológicas Fonte: elaborada pelos autores. Figura 4 – Saída a Campo pelo loteamento Alice I, com a participação do líder da comunidade, moradores, alunos de Ciências Biológicas, bolsista e coordenadora do projeto realizando o plantio de espécies arbóreas Fonte: elaborada pelos autores. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Considerações finais Esta proposta tem viabilizado a articulação entre ensino, pesquisa e extensão, valorizando a troca de experiências e a confluência de saberes entre alunos, professores e comunidade, de forma que todos os envolvidos sejam sujeitos ativos nesse processo de ensino-aprendizagem. A interdisciplinaridade refere-se aos cursos de Agronomia, Arquitetura e Urbanismo, Ciências Biológicas, Jornalismo, mestrado em Políticas sociais e Dinâmicas Regionais e o Viveiro Florestal da Unochapecó. No que se refere às atividades com os componentes curriculares, houve a plena participação de acadêmicos e professores. Houve a preocupação de atender as expectativas, necessidades dos moradores, e foram empregadas algumas técnicas buscando estabelecer um movimento inicial de acolhimento a todos e promover ativamente o conhecimento mútuo. Entretanto, temos ainda um grande desafio que é a baixa participação da comunidade nas oficinas socioeducativas. Cabe ressaltar esse importante desafio a ser superado nas próximas etapas, que é a dificuldade de realizar uma proposta educativa fora do espaço universitário. Referências CHAPECÓ. Bairros do Município. Disponível em: <https://www. chapeco.sc.gov.br/>. Acesso em: 13 set. 2016. GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 20-31, maio/ago. 2004. GONÇALVES, Andréia; CAMARGO, Larissa Siqueira; SOARES, Paulo Fernando. Influência da vegetação no conforto térmico urbano: A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 estudo de caso na cidade de Maringá – Paraná. In: SIMPÓSIO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA URBANA, 3., 2012, Maringá. Anais... Maringá, 2012. JANTSCH, Ari Paulo; BIANCHETTI, Lucídio (Org.). Interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995. KLEBA, Maria Elisabeth. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733743, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sausoc/ v18n4/16.pdf>. Acesso em: 30 out. 2015. PAVIANI, Jayme. Interdisciplinaridade: conceitos e distinções. 2. ed. Caxias do Sul: Educs, 2008. SBAU – Sociedade Brasileira de Arborização Urbana. Encontro Paulista de arborização Urbana. 2015. Disponível em: <http:// www.sbau.org.br/img-sbau/EPAU1.pdf>. Acesso em: 30 out. 2015. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Sobre os autores Organizadores Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues Mestre em Educação (Ensino e Formação de Professores) pelo Centro Universitário Católico do Sudoeste do Paraná (Unics), graduada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Docente nos cursos de Educação Física (licenciatura e bacharelado) da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Coordenadora do programa de atenção e cuidado à criança e ao adolescente Sorriso para a Vida: E-mail: <schwinn@unochapeco.edu.br>. Maria Aparecida Lucca Caovilla Doutora em Direito, Política e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Programa de Mestrado em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Integrante do Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (PECJur). Coordenadora do grupo de pesquisa Direitos Humanos e Cidadania. E-mail: <caovilla@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Colaboradores Ademir Miguel Salini Mestrando em História na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Documentalista do CEOM/Unochapecó. E-mail: <adesalini@unochapeco.edu.br>. Adriano Dias de Oliveira Doutor em Botânica (UFRGS), docente do curso de Ciências Biológicas da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <adriano.oliveira@unochapeco.edu.br>. Alcimara Benedett Doutora em Ciências pelo Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Docente da Área de Ciências da Saúde desde 2002. Responsável técnica do curso de Enfermagem da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Coordenadora dos projetos de extensão “Enfermagem Educando para Saúde” e “Doenças Transmissíveis”, ligados ao programa Sorriso para a Vida. Membro atuante no Comitê de Mortalidade Materna Infantil de Chapecó (SC). E-mail: <alcimara.benedett@gmail.com>. Aline Bertoncello Pós-graduanda em Arqueologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Educadora patrimonial do CEOM/ Unochapecó. E-mail: <alinebert@unochapeco.edu.br>. Aline Fátima Lazarotto Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do curso de Pedagogia da UniA extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 versidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Coordenadora do projeto de extensão Pedagogia na Rua. E-mail: <alinel@unochapeco.edu.br>. Ana Cristina Confortin Mestre em Engenharia de Produção, área de gestão ambiental (UFSC), docente do curso de Ciências Biológicas (Unochapecó). E-mail: <anac@unochapeco.edu.br>. Ana Maria Pereira Puton Especialista em Gestão de Pessoas e graduada em Pedagogia pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Técnica de extensão da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) – Unochapecó. E-mail: <anampp@unochapeco.edu.br>. Andreia Casagrande Begnini Mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais, bolsista ITCP/ Unochapecó. Docente da Faculdade de Tecnologia Senac Chapecó. E-mail: <andreiabegnini@gmail.com.br>. André Luiz Onghero Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Historiador do CEOM/Unochapecó. E-mail: <andreo@unochapeco.edu.br>. Andreza Leticia Tessaro Psicóloga graduada pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) e especializanda em Terapias Cognitivo-Comportamentais pela mesma universidade. E-mail: <andresatessaro@gmail.com>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Carlos Eduardo Arns Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Professor no curso de Agronomia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) de 1994 a 2016. Professor membro do grupo fundador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) em 2003 e coordenador da ITCP no período de 1997 a julho de 2016. Membro do grupo de pesquisa Trabalho, Sociedade e Políticas Sociais. Membro do Instituto de Estudos e Assessoria ao Desenvolvimento (Ceades). Membro do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial (Nedet) no território oeste catarinense (CNPq/UFFS). E-mail: <tche@unochapeco.edu.br>. Carmelice Faitão Balbinot Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Unochapecó. Integrante do Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (PECJur). E-mail: <carmeliceb@hotmail.com>. Clarete Trzcinski Doutora em Engenharia de Produção (UFRGS), docente do Programa de Mestrado em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <clarete@unochapeco.edu.br>. Colmar Rodrigues Domingues Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) (1989) e Especialização em Literatura Contemporânea Brasileira Moderna pela UCPel (1999). E-mail: <colmar@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Cristiane Tonezer Doutora em Desenvolvimento Rural como bolsista Capes pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS); doutorado sanduíche como bolsista CNPq na Universidade do Algarve (Portugal); Mestre em Desenvolvimento Rural como bolsista CNPq pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS) e bacharel em Desenvolvimento Rural e Gestão Agroindustrial pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). Atuou como gestora executiva do Arranjo Produtivo Local (APL) das agroindústrias familiares do Vale do Taquari. É professora titular da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Atua principalmente nos temas referentes às políticas públicas para o desenvolvimento rural, segurança alimentar x complexos agroindustriais e velhices rurais. E-mail: <tonezer@unochapeco.edu.br>. Felipe Flores Kupske Doutor em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Docente do curso de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro do grupo de pesquisa Estudos Linguísticos e Literários, da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <kupske@unochapeco.edu.br>. Félix Yan Boschetti Arquiteto e Urbanista pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <felixyan@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Gabriela Borges da Silva Mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais (Unochapecó), docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <gabi@unochapeco.edu.br>. Graciela Alves de Borba Novakowski Mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Assistente social e técnica de extensão da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da Unochapecó. E-mail: <gracielan@unochapeco.edu.br>. Hellen Carolina Barella Possui graduação em Enfermagem pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) (2017). Participou como bolsista do projeto de extensão “Mulheres e cidadania: desafios para sua participação comunitária”, veiculado ao programa Papel (2016). Atuou como voluntária no programa permanente de extensão universitária “Atenção e cuidado à criança e adolescente Sorriso para a Vida”. Foi membro da Diretoria de Ensino da Liga Acadêmica de Saúde da Família (LASF) na Unochapecó. Enfermeira no Hospital Nossa Senhora da Saúde. E-mail: <karolhb@unochapeco.edu.br>. Júnia Laíse Scheunemann Engel Acadêmica de Letras. Atuou no projeto de extensão “Bolsa amarela: cidadania e formação de leitores”. E-mail: <juniaengel@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Kaliandra Dara Marta Acadêmica de Psicologia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Estagiária do POP Unochapecó. Ex-bolsista de extensão pela Unochapecó. E-mail: <kaliandra.marta@unochapeco.edu.br>. Karen Cristina Kades Andrigue Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Professora do curso de Enfermagem da Unochapecó desde 2013. Coordenadora do curso de Enfermagem. Membro do grupo de pesquisa Formação e Trabalho. Coordenadora do projeto de extensão Gestão Documental no HRO. E-mail: <karenandrigue@unochapeco.edu.br>. Larissa Henrique Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) e bolsista de extensão do projeto Pedagogia na Rua. E-mail: <larissahenrique@unochapeco.edu.br>. Luana Blasi da Silva Acadêmica de Letras da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <luanablasi@unochapeco.edu.br>. Luis Henrique Rangrab Possui graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1993) e mestrado em Zootecnia pela UFRGS (1997). Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em nutrição de ruminantes. E-mail: <rangrab@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Márcia de Souza Mestre em Literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); cursa doutorado na mesma instituição. Docente do curso de Letras na Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Coordenadora do projeto de extensão Bolsa Amarela: cidadania e formação de leitores. Membro do grupo de pesquisa Estudos Linguísticos e Literários, da Unochapecó. E-mail: <marcias@unochapeco.edu.br>. Maria Carolina da Silveira Moesch Mestre pelo Programa de Mestrado Profissional em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Cursando especialização em Avaliação Psicológica pelo Instituto de Pós-Graduação (IPOG). Possui pós-graduação (especialista) em Psicologia: Práticas Sociais e Desafios Contemporâneos, pela Unochapecó (2009). Graduada em Psicologia pela mesma instituição (2004). Coordenadora do curso de Psicologia da Unochapecó. É docente da Unochapecó. Tem experiência profissional em Psicologia nas emergências, desastres e catástrofes; Política Pública da Assistência Social; ética e legislação em Psicologia; Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais. Temas: Psicologia Social Comunitária, Ética e Legislação em Psicologia, Psicologia e Políticas Públicas. Psicologia nas Emergências, Desastres e Catástrofes. E-mail: <mariasilve@unochapeco.edu.br>. Maria Tereza Galeazzi Zanella Acadêmica de Letras da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <mariazanella@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Mark Andrey Mazaro Especialista em Fisioterapia na Oncologia pelo Hospital Erasto Gaertner de Curitiba (PR); especialista em Saúde Pública pela Universidade do Contestado (UnC), Concórdia (SC); especialista em Magistério Superior pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Atualmente é professor titular nos cursos de Fisioterapia e Educação Física da Unochapecó. E-mail: <mark@unochapeco.edu.br>. Michele Cristina Minozzo dos Anjos Mestre em Biociências e Reabilitação pelo Centro Universitário Metodista – IPA. Especialista em Ortopedia e Traumatologia pela Associação Catarinense de Ensino com formação no Conceito Neuroevolutivo Bobath (Abradimene). Atualmente é professora titular dos cursos de Fisioterapia e Medicina da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <micheleminozzo@unochapeco.edu.br>. Mirian Carbonera Doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) e coordenadora do CEOM/Unochapecó. E-mail: <mirianc@unochapeco.edu.br>. Murilo Cavagnoli Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente é professor na Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), onde atua no ensino, pesquisa e extensão. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 temas: psicologia social, estética, política e processos de criação, produção de subjetividade, música, arte e intervenção psicológica no contexto das políticas públicas de assistência social e saúde. E-mail: <murilocavagnoli@unochapeco.edu.br>. Natalia Matiazzo Acadêmica de Letras. Bolsista do projeto de pesquisa Educação Superior e Formação Leitora/Escritora: Índices do Oeste de Santa Catarina. E-mail: <natalia.m@unochapeco.edu.br>. Oscar José Rover Possui graduação em Agronomia (1992), mestrado em Sociologia Política (1999) e doutorado em Desenvolvimento Rural (2007). Subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e líder do grupo de pesquisa em Agroecologia e Circuitos de Comercialização de Alimentos. Atua principalmente com os seguintes temas: comercialização de alimentos, desenvolvimento rural, agricultura familiar e agroecologia. E-mail: <oscar.rover@gmail.com>. Paula Zeni Fisioterapeuta. Especialista em Reabilitação Cardiopulmonar pelo Centro Universitário de Maringá (UniCesumar); mestre em Saúde pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali); doutora em Fisiologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é professora na área de Ciências da Saúde da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <paulazeni@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Queila Ramos Giacomini Mestre em Políticas Sociais e Dinâmicas Regionais (Unochapecó), docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: <queila_arqui@hotmail.com>. Rosane Natalina Meneghetti Silveira Possui graduação em Letras – Português/Inglês e respectivas literaturas pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) (1996); especialização em Literatura Brasileira, pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) (1998); e mestrado em Literatura, área de concentração Teoria Literária, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (2005). É professora titular da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Concepções Teórico-Metodológicas do Ensino de Línguas e Literaturas, atuando principalmente no ensino-aprendizagem de língua inglesa e tradução. E-mail: <rosanems@unochapeco.edu.br>. Scheila Girelli Graduada em Psicologia pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó); mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do curso de Psicologia da Unochapecó. E-mail: <sheilapsi@unochapeco.edu.br>. Teresinha Rita Boufleuer Graduada em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (1992); especialista em Saúde Coletiva e Magistério Superior pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) (2006); mestre em Ciências da Saúde pela Unochapecó, com A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 dissertação na área de saúde e ambiente, estudando essa relação em atingidos por implantação de usinas hidrelétricas sob a perspectiva ecossistêmica de saúde e análise de vulnerabilidades em saúde. Membro do grupo de pesquisa Ambiente e Saúde da Unochapecó. Trabalhou com Recursos Humanos e Psicologia Organizacional e do Trabalho. Como docente na Unochapecó, atua com componentes curriculares de Psicologia na Área da Saúde e Trabalho. E-mail: <terebou@unochapeco.edu.br>. Thalia Nicaretta Acadêmica de graduação em Direito. Foi bolsista do artigo 171, da Constituição do Estado de Santa Catarina, e integrante do Projeto de Extensão Comunitária Jurídica (PECJur). E-mail: <thalia.nicaretta@unocapeco.edu.br>. Vagner Lopes da Silva Graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (2006); mestrado em Ciências do Solo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2009). Atualmente candidato ao título de doutor pelo Programa de Doutorado em Agroecologia da Universidad de Antioquia. Tem experiência na área de Agronomia e Geociências, com ênfase em produção ecológica e desenvolvimento agrário. E-mail: <vagnerlopes@unochapeco.edu.br>. A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade – ISBN 978-85-7897-302-5 Argos Editora da Unochapecó www.unochapeco.edu.br/argos www.facebook.com/EditoraArgos Título: A extensão e a pesquisa: um caminho de mão dupla entre comunidade e universidade Organizadoras: Lilian Beatriz Schwinn Rodrigues e Maria Aparecida Lucca Caovilla Colaboradores: Ademir Miguel Salini, Adriano Dias de Oliveira, Alcimara Benedett, Aline Bertoncello, Aline Fátima Lazarotto, Ana Cristina Confortin, Ana Maria Pereira Puton, Andreia Casagrande Begnini, André Luiz Onghero, Andreza Leticia Tessaro, Carlos Eduardo Arns, Carmelice Faitão Balbinot, Clarete Trzcinski, Colmar Rodrigues Domingues, Cristiane Tonezer, Felipe Flores Kupske, Félix Yan Boschetti, Gabriela Borges da Silva, Graciela Alves de Borba Novakowski, Hellen Carolina Barella, Júnia Laíse Scheunemann Engel, Kaliandra Dara Marta, Karen Cristina Kades Andrigue, Larissa Henrique, Luana Blasi da Silva, Luis Henrique Rangrab, Márcia de Souza, Maria Carolina da Silveira Moesch, Maria Tereza Galeazzi Zanella, Mark Andrey Mazaro, Michele Cristina Minozzo dos Anjos, Mirian Carbonera, Murilo Cavagnoli, Natalia Matiazzo, Oscar José Rover, Paula Zeni, Queila Ramos Giacomini, Rosane Natalina Meneghetti Silveira, Scheila Girelli, Teresinha Rita Boufleuer, Thalia Nicaretta, Vagner Lopes da Silva Coleção: Perspectivas, n. 15 Coordenadora: Rosane Natalina Meneghetti Silveira Assistente editorial: Caroline Kirschner Assistente comercial: Luana Paula Biazus Editor de textos: Carlos Pace Dori Divulgação: Julia Aparecida Fortuna Distribuição e vendas: Luana Paula Biazus e Jiane Zorzi Projeto gráfico: Caroline Kirschner Capa: Caroline Kirschner Diagramação: Caroline Kirschner Preparação dos originais: Emanuelle Pilger Mittmann Revisão: Emanuelle Pilger Mittmann e Carlos Pace Dori Formato: PDF Publicação: 2018