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VIVIANE BASCHIROTTO NARRATIVAS FICCIONAIS NA ARTE CONTEMPORÂNEA: ALESSANDRA SANGUINETTI, MIRANDA JULY, ILYA KABAKOV Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de Doutora em Artes Visuais. Orientadora Profª Dra. Rosângela Miranda Cherem FLORIANÓPOLIS – SC 2019 VIVIANE BASCHIROTTO NARRATIVAS FICCIONAIS NA ARTE CONTEMPORÂNEA: ALESSANDRA SANGUINETTI, MIRANDA JULY, ILYA KABAKOV Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do CEART/ UDESC, para obtenção do título de Doutora em Artes Visuais, na linha de pesquisa de Teoria e História das Artes Visuais. Banca examinadora: Orientor: ____________________________________________________________ Profª Dra. Rosângela Miranda Cherem (CEART/UDESC) Membro: ____________________________________________________________ Profª Dra. Sandra Makowiecky (CEART/UDESC) Membro: ____________________________________________________________ Profª Dra. Maria Raquel da Silva Stolf (CEART/UDESC) Membro: ____________________________________________________________ Profª Dra. Luana Maribele Wedekin (UNESP) Membro: ____________________________________________________________ Profª Dra. Bernadette Panek (EMBAP/UNESPAR) Florianópolis, 05 de julho de 2019 AGRADECIMENTOS Foram muitas as pessoas que passaram por minha vida nesses anos de pós-graduação, principalmente durante este doutorado e que foram fundamentais e importantes para que a tese tomasse forma. Seja pelas orientações, correções, apoio financeiro ou terapêutico, ou ainda pela amizade, amor e gentileza tornando os dias mais leves e alegres. Tenho muito a agradecer por mais esta etapa de minha formação, tendo a certeza de que uma pesquisadora nunca termina sua pesquisa, pois a arte é, além de um trabalho, uma paixão. Correndo o risco de esquecer alguns nomes, faço um esforço memorativo de agradecimento. Agradeço à professora Rosângela Miranda Cherem por aceitar mais esse desafio de orientação, por sua atenção e zelo. Por compartilhar sua paixão pela arte, generosidade e por sempre acreditar que seus alunos podem mais, elevando o conhecimento, extraindo não menos do que o melhor de cada aluno. Minha eterna gratidão. Aos professores do PPGAV – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais pelo conhecimento compartilhado, especialmente as ricas aulas da Profª Dra. Sandra Makowiecky, cuja bibliografia foi fundamental para esta pesquisa e também ao Profº Dr. Antônio Carlos Vargas Sant’Anna que foi esclarecedor no seminário de pesquisa. À professora Raquel Stolf por suas aulas instigantes e também por sua escuta atenta ao texto e contribuições tão profundas para o amadurecimento desta tese. À professora Bernadette Panek pelas perguntas provocantes, olhar generoso e importante contribuição na banca. À professora Luana Wedekin por suas aulas edificantes. À professora Ana Luiza Andrade pela parceria tanto nas aulas quanto na banca de qualificação. Particularmente, agradeço aos membros da banca, que aceitaram ao convite, professores que tenho em alta estima por sua atuação profissional. À UDESC por oferecer este programa de pós-graduação e pela bolsa PROMOP que possibilitou a dedicação integral à pesquisa. Ao PPGLIT – Programa de Pós-Graduação em Literatura da UFSC e seus professores pelo oferecimento de disciplinas tão cativantes. Aos artistas nesta tese retratados, pelas trabalhos que produziram, gerando reflexões para a arte e que são tão caros a mim. À coordenação do PPGAV, secretários da coordenação e Secretaria Acadêmica pelo atendimento. À minha professora de graduação e pós-graduação Nadja de Carvalho Lamas por compartilhar seu conhecimento, ser uma inspiração e incentivo no estudo da História da Arte. Aos meus colegas de pós-graduação de mestrado e doutorado pelas críticas e sugestões. Em especial Maryella Sobrinho pela parceria nos trabalhos e companheirismo na caminhada do doutorado e também aos colegas Kethlen Kohl, Marli Henicka, Fábio Salum, Carla Abraão, Lúcia Bahia, Milla Bioni, Francine Goudel, Rafael Schultz Myczkowski, Ana Sabiá, Anna Moraes, Sebastião Gaudêncio, Rafaela Martins e Luciana Knabben pelo percurso construído na pós-graduação. Às minhas amigas Vanessa Costa da Rosa, Solange Lyle, Larissa Miiller e Jaqueline Gonçalves, que desde a graduação são fontes inesgotáveis de sorrisos e piadas. À minha amiga Francine Ribeiro por todas as alegrias compartilhadas. Aos meus professores de yoga Aline, Larissa, Ana e Fernando pelas práticas e vivências que me permitiram chegar até aqui. À minha terapeuta Cristina Maria pela ajuda no meu crescimento pessoal e por me auxiliar na minha própria narrativa. À minha avó Lúcia, in memoriam, por ser parte de minha história, por ser uma inspiração, mesmo que ausente. Aos meus felinos Dugu, Dibs, Menina e Lobinho pela companhia terapêutica e pelo amor correspondido. Agradeço ainda à minha família. Aos meus pais, Leduina e Augustinho, aos meus irmãos, Jucieli e Fabrício, aos meus cunhados Naira e Edson, aos meus sogros Elenir e Olenir pelo apoio, compreensão e acolhimento. Em especial, às mulheres de minha vida, minha mãe Leda que, desde criança, incentivou a leitura dentro de casa e com a qual eu adorava brincar de ditado de palavras, sempre me dizendo que o conhecimento é a única coisa que ninguém poderia tirar de mim. Bem como à minha irmã Jucieli que sempre incentivou meus estudos no mundo da arte e também por ter sido sempre um caminho a ser seguido, me trazendo livros da biblioteca da escola desde a adolescência para lermos juntas, marcando minha infância e adolescência com diferentes tipos de leitura. E por fim, mas não menos importante, agradeço ao meu esposo Alexandre pelo incentivo em tantas fases diferentes do estudo, revisão do texto, por todas as visitas juntos aos museus, por sua sensibilidade com a arte, pelo amparo nas incertezas, escuta atenta, compreensão, companheirismo e carinho de sempre. “O caminho verdadeiro segue por sobre uma corda, que não está esticada no alto, mas se estende quase rente ao chão. Parece mais determinada a fazer tropeçar do que a facilitar o trânsito.” Franz Kafka, 28 Desaforismos RESUMO A presente pesquisa parte do princípio de que as narrativas ficcionais podem ser entendidas como imagens que não pertencem a si mesmas, são como refrações que remetem sempre a outras imagens e existem em um jogo de reflexos. O primeiro capítulo aborda a série de fotografias de Alessandra Sanguinetti, As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, e as possibilidades do testemunho de uma vida. O segundo capítulo considera o trabalho de Miranda July, O escolhido foi você, e como são apresentadas e ficcionadas as biografias. O terceiro capítulo reflete sobre a obra de Ilya Kabakov, Ten Characters, pelo viés do narrador e do habitar. O quarto capítulo relaciona as diferentes narrativas apresentadas e as fronteiras arte e vida. Percorrendo obras de distintas linguagens, a tese aborda diferentes maneiras que a narrativa pode se apresentar na arte contemporânea, discutindo temáticas que permeiam ficção e verdade, perjúrio, (auto)biografia e testemunho. A pesquisa entende que o que persiste nas obras desses artistas é um gesto de sobrevivência e permanência daquele que narra e daquilo que é narrado. Palavras-chave: Arte contemporânea. Narrativas ficcionais. Alessandra Sanguinetti. Miranda July, Ilya Kabakov. ABSTRACT The present research assumes that the fictional narratives can be understood as images that do not belong to themselves, but are like refractions that always refer to other images and exist in a reflex game. The first chapter deals with the series of photographs by Alessandra Sanguinetti The adventures of Guille and Belinda and the enigmatic meaning of their dreams and the possibilities of a life testimony. The second chapter considers the work of Miranda July, It chooses you, and how biographies are presented and fictionalized. The third chapter reflects on the work of Ilya Kabakov, Ten Characters, by the bias of the narrator and of the dwelling. The fourth chapter relates the different narratives presented and the frontiers of art and life. Through works of different languages, the thesis approaches different ways that the narrative can present itself in contemporary art, discussing themes that permeate fiction and truth, perjury, auto(biography), and testimony. The research understands that what persists in the works of these artists is a gesture of survival and permanence of the narrator and of what is narrated. Keywords: Contemporary art. Fictional narratives. Alessandra Sanguinetti. Miranda July. Ilya Kabakov. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 01 – Not everyone will be taken into the future. Ilya e Emilia Kabakov ................. 27 FIGURA 02 – Encantando o porco. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti .............................................. 32 FIGURA 03 –On the sixth day. Alessandra Sanguinetti ......................................................... 34 FIGURA 04 – Madona. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ........................................................................................ 36 FIGURA 05 – Assalto. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ........................................................................................ 40 FIGURA 06 – O funeral de Archiboldo. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti .............................................. 41 FIGURA 07 – Duas desgraças. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti................................................................. 44 FIGURA 08 – As Ofélias. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ................................................................................... 47 FIGURA 09 – Ofélia. John Millais .......................................................................................... 49 FIGURA 10 – Sem título. Gregory Crewdson ......................................................................... 53 FIGURA 11 – The way home. Tom Hunter ............................................................................. 55 FIGURA 12 – Sem título. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ................................................................................... 57 FIGURA 13 – O colar. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ........................................................................................ 58 FIGURA 14 – Christiane e Anabelle. Liane Chammas............................................................ 60 FIGURA 15 – Sem título. Lady Clementina Hawarden ........................................................... 62 FIGURA 16 – O casal. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ........................................................................................ 63 FIGURA 17 – This is Me, This is You. Honi Horn ................................................................. 64 FIGURA 18 – Sem título. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ................................................................................... 68 FIGURA 19 – Imaculada concepção. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti................................................................. 68 FIGURA 20 – Michael. O escolhido foi você. Miranda July .................................................. 75 FIGURA 21 – Eleven heavy things. Miranda July .................................................................. 76 FIGURA 22 – Base mágica. Scultura vivente. Piero Manzoni ................................................ 78 FIGURA 23 – Pauline e Raymond. O escolhido foi você. Miranda July ............................... 80 FIGURA 24 – Pam. O escolhido foi você. Miranda July ........................................................ 82 FIGURA 25 – Loja temporária para O escolhido foi você, diversos objetos. Miranda July .. 84 FIGURA 26 – Loja temporária para O escolhido foi você, tinta a óleo. Miranda July .......... 84 FIGURA 27 – Interfaith Charity Shop. Miranda July ............................................................. 86 FIGURA 28 – Tambor de fenda sudanês. Tambor da África Central ..................................... 89 FIGURA 29 – Andrew. O escolhido foi você. Miranda July .................................................. 92 FIGURA 30 – Primila. O escolhido foi você. Miranda July ................................................... 95 FIGURA 31 – Matilda. O escolhido foi você. Miranda July ................................................ 101 FIGURA 32 – Domingo. O escolhido foi você. Miranda July .............................................. 101 FIGURA 33 – Mulher com lenço amarelo. Constantin Guys ............................................... 104 FIGURA 34 – Paris, primavera. Bob Wolfenson .................................................................. 104 FIGURA 35 – Dina. O escolhido foi você. Miranda July ..................................................... 108 FIGURA 36 – Joe. O escolhido foi você. Miranda July ....................................................... 109 FIGURA 37 – Joe. O escolhido foi você. Miranda July ....................................................... 109 FIGURA 38 – Cena do filme O futuro. Miranda July ........................................................... 111 FIGURA 39 – How can one change oneself? Ilya e Emilia Kabakov .................................. 119 FIGURA 40 – Esboço para exposição. Ilya Kabakov ........................................................... 121 FIGURA 41 – The man who flew into space from his apartment. Ten Characters. Ilya Kabakov ................................................................................................................................. 124 FIGURA 42 – The man who flew into space from his apartment. Ten Characters. Ilya Kabakov .................................................................................................................................. 124 FIGURA 43 – The untalent artist. Ten Characters. Ilya Kabakov ........................................ 129 FIGURA 44 – The man who collects the opinions of others. Ten Characters. Ilya Kabakov ................................................................................................................................................ 131 FIGURA 45 – The short man. Ten Characters. Ilya Kabakov .............................................. 133 FIGURA 46 – Merzbau. Kurt Schwitters .............................................................................. 135 FIGURA 47 – The Toilet. Ilya e Emilia Kabakov ................................................................ 138 FIGURA 48 – The Toilet. Ilya e Emilia Kabakov ................................................................. 138 FIGURA 49 – The man who flew into his Picture. Ten Characters. Ilya Kabakov .............. 141 FIGURA 50 – Ten Characters. Ilya Kabakov ....................................................................... 143 FIGURA 51 – The man who never threw anything away. Room 1. Ten Characters. Ilya Kabakov ................................................................................................................................. 147 FIGURA 52 – The man who never threw anything away. Room 2. Ten Characters. Ilya Kabakov ................................................................................................................................. 147 FIGURA 53 – Labyrinth (My mother’s album). Ilya e Emilia Kabakov .............................. 149 FIGURA 54 – Os álbums de Ten Characters. Ilya Kabakov ................................................. 152 FIGURA 55 – Sitting in a closed Primakov. Ten Characters album. Ilya Kabakov ............. 154 FIGURA 56 – The flying Komarov. Ten Characters album. Ilya Kabakov ......................... 154 FIGURA 57 – The collector. Ten Characters. Ilya Kabakov ................................................ 157 FIGURA 58 – The rope (The abandoned room). Ten Characters. Ilya Kabakov ................. 161 FIGURA 59 – A sonhadora. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ...................................................................................... 167 FIGURA 60 – O brinde. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti .............................................................................................. 169 FIGURA 61 – Disclaimer. Valeska Soares ............................................................................ 173 FIGURA 62 – A nuvem negra. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ................................................................................. 175 FIGURA 63 – Ron. O escolhido foi você. Miranda July ....................................................... 175 FIGURA 64 – The composer who combined music with things and images. Ten Characters. Ilya Kabakov........................................................................................................................... 176 FIGURA 65 – I’m the president baby. Miranda July ............................................................. 182 FIGURA 66 – Sweet Expectations. Alessandra Sanguinetti .................................................. 182 FIGURA 67 – An Alternative Art History. Ilya e Emilia Kabakov ....................................... 184 FIGURA 68 – Sem título. Victor Regnault ............................................................................ 186 FIGURA 69 – Buenos Aires. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti ...................................................................................... 186 FIGURA 70 – Beverly. O escolhido foi você. Miranda July ................................................. 189 FIGURA 71 – The man who saves Nikolai Viktorovich. Ten Characters. Ilya Kabakov ..... 192 FIGURA 72 – O espectador fotógrafo Zénon Piéters. Patrícia Franca-Huchet ..................... 193 FIGURA 73 – Time flies. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Alessandra Sanguinetti .............................................................................................. 195 FIGURA A1 – Alessandra Sanguinetti .................................................................................. 211 FIGURA B1 – Miranda July .................................................................................................. 219 FIGURA C1 – Ilya e Emilia Kabakov ................................................................................... 225 FIGURA D1 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 246 FIGURA D2 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 246 FIGURA D3 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 247 FIGURA D4 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 247 FIGURA D5 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 248 FIGURA D6 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 248 FIGURA D7 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 249 FIGURA D8 – Folheto de exposição Not everyone will be taken into the future ................. 249 FIGURA D9 – Interfaith Charity Shop .................................................................................. 250 FIGURA D10 – Objetos comprados na Interfaith Charity Shop ........................................... 251 FIGURA D11 – Com a artista Miranda July .......................................................................... 251 SUMÁRIO 1 O JOGO DAS REFRAÇÕES ................................................................................................ 19 2 ALESSANDRA SANGUINETTI: TESTEMUNHO, RETRATO E FABULAÇÕES EM AS AVENTURAS DE GUILLE E BELINDA E O ENIGMÁTICO SIGNIFICADO DE SEUS SONHOS ................................................................................................................................... 29 2.1 Prólogo de uma narrativa.................................................................................................... 31 2.2 Entre realidade e ficção: testemunho .................................................................................. 35 2.3 As narrativas de Ofélia ....................................................................................................... 45 2.4 Retratos da infância e juventude ......................................................................................... 57 3 MIRANDA JULY: ESCONTROS (AUTO)BIOGRÁFICOS EM O ESCOLHIDO FOI VOCÊ ....................................................................................................................................... 71 3.1 Os dispositivos que conectam biografias ........................................................................... 79 3.2 As biografias que se desvelam ........................................................................................... 91 3.3 A flanêur que bate à porta .................................................................................................. 99 3.4 O escolhido foi você e o filme O futuro............................................................................ 107 4 ILYA KABAKOV: NARRAR E HABITAR NA INSTALAÇÃO TEN CHARACTERS .. 115 4.1 O narrador de Ten Characters .......................................................................................... 120 4.2 Habitar (,) a possibilidade de uma narrativa ..................................................................... 130 4.3 Biografias, autobiografias e suas assinaturas ................................................................... 145 5 IMAGENS DE REFRAÇÃO E A PERSISTÊNCIA DO GESTO NARRATIVO ............. 163 5.1 A narrativa sugerida.......................................................................................................... 168 5.2 Os vestígios e as sobrevivências nas narrativas ............................................................... 173 5.3 Arte e vida: Dynamis ........................................................................................................ 188 6 NARRATIVAS QUE SOBREVIVEM ............................................................................... 197 7 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 201 8 APÊNDICES ....................................................................................................................... 211 Apêndice A. Cronologia Alessandra Sanguinetti ................................................................... 211 Apêndice B. Cronologia Miranda July ................................................................................... 219 Apêndice C. Cronologia Ilya e Emilia Kabakov .................................................................... 225 Apêndice D. Viagem de estudos............................................................................................. 245 19 O JOGO DAS REFRAÇÕES “Que outras histórias a arte pode contar além da história da própria arte?” (PEDROSA, 2016, p. 8) Em As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos de Alessandra Sanguinetti (EUA, 1968-), O escolhido foi você de Miranda July (EUA, 1974-) e Ten Characters de Ilya Kabakov (Ucrânia, 1933-), a narrativa permeia os trabalhos que se apresentam em diferentes linguagens. Alessandra Sanguinetti, em sua série fotográfica, conta a história das primas Guille e Belinda, acompanha um período da infância à juventude e produz um trabalho que se encontra no testemunho. Miranda July apresenta em seu livro, em imagens e filmes, biografias de desconhecidos, que perpassam sua própria história de vida. Ilya Kabakov, por sua vez, mostra em suas instalações as inúmeras personalidades de habitantes da antiga União Soviética, criando personagens que apresentam desejos e ações ao espectador. Os três artistas revelam nos trabalhos as narrativas de pessoas que existem cada uma em sua verdade. Todas são apresentadas por um terceiro, o artista, que se aproxima da trajetória, da história de vida dessas pessoas ou adentra sua própria narrativa, para então apresentar uma biografia que se resolve na ficção e no perjúrio. A narrativa é elemento essencial nos trabalhos de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov abordados nesta tese. Não se encontra fora do trabalho plástico/artístico, mas é camada exposta em cada uma delas. Somos levados a conhecer as histórias, narrativas apresentadas cada uma com suas características. O cotidiano de Guille e Belinda vai sendo retratado, permeado pela imaginação e ludicidade da infância, narrando brincadeiras e fantasias em Alessandra Sanguinetti. Miranda July narra a sua dificuldade em escrever o roteiro de um filme, e vamos acompanhando suas visitas a desconhecidos, permeadas por seu olhar, sua própria história. Em Ilya Kabakov, conhecemos dez personagens, que vivem em um mesmo apartamento, mas cada um com sua história e personalidade distinta. Essas histórias interferem diretamente na compreensão, fruição das obras, não são apenas pontos iniciais de construção, mas sim a própria obra. A narrativa acontece nas obras, faz parte delas. Para além de suas composições formais e plásticas, o significante encontra lugar nas histórias que estão contando. Há um desejo de permanência do impermanente que é a vida. 20 Questão cara aos trabalhos apresentados na tese é também a apresentação de uma narrativa que conte sobre pessoas e personagens comuns, não sendo uma ode a heróis e santos, mas exaltando o comum, o banal, o que tem pouco valor, tratando da glória do anônimo, na elevação daquilo que é ordinário. No prefácio de Vidas Imaginárias Marcel Schwob (18671905) reflete sobre o papel do biógrafo e da importância do biografado: Infelizmente, os biógrafos em geral julgaram ser historiadores. E nos privaram assim de retratos admiráveis. Presumiram que só a vida dos grandes homens nos poderia interessar. A arte é alheia a tais considerações. Aos olhos do pintor, o retrato, por Cranach, de um homem desconhecido, tem tanto valor quanto o retrato de Erasmo. (SCHWOB, 2011, p. 55) Schwob reflete ainda sobre a relação entre detalhes individuais e ideias universais, afirmando que cada personagem tem um traço único que o distingue do restante da humanidade. Ele afirma que não há no mundo folha alguma que seja igual a outra como também não há um homem igual ao outro, o que cada um possui de diferente são suas esquisitices. Cada um à sua maneira, Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov apresentam personagens e pessoas com suas esquisitices, como bem afirma Schwob (2011). Como talvez a de um dos personagens de Ilya Kabakov que se ejeta de seu apartamento para o espaço, sendo esta uma operação impossível, ou mesmo uma das pessoas que Miranda July vai visitar e que cria girinos para vender. São particularidades, esquisitices que diferenciam cada ser humano, suas imparidades. Entendidas como narrativas, as obras tratadas nesta tese são consideradas também como ficcionais, reconhecendo-se como produções que contam histórias com uma leitura particular de seus autores/artistas. Tendo como ponto de partida diferentes realidades, seja a vivência de Guille e Belinda, das diversas pessoas que Miranda July encontra durante seu projeto ou mesmo uma situação histórica como a existência da União Soviética, cada artista parte de uma realidade exterior aos indivíduos que o circunda e os afeta, que acaba por operar como ponto de partida. Mesmo as pessoas reais apresentadas por Alessandra Sanguinetti e Miranda July passam a ser personagens de si mesmos, pois tomam pose e encenam, de certa maneira, suas próprias vidas. Em menor medida isso também ocorre com Ilya Kabakov, mas desta vez a encenação não é a de um indivíduo específico como os apresentados por Miranda July ou Guille e Belinda, mas a de um conjunto de pessoas e situações vividas ou conhecidas pelo próprio artista, levadas de forma intensa, perjurada por Ilya Kabakov. Não existe um compromisso documental da realidade da vida na URSS por parte de Ilya Kabakov, tampouco por parte de Alessandra 21 Sanguinetti e Miranda July. O compromisso se dá com a criação. Poderíamos pensar que há uma intenção de verdade nas obras, cada qual em sua intensidade, que pretendem corresponder com as pessoas que são apresentadas. Mas, por exemplo, em Ilya Kabakov, essa acentuada aparência de realidade, revela sua intenção ficcional. Estudar e pesquisar as narrativas que se apresentam na arte contemporânea no doutorado é fruto de um interesse que emerge a partir da dissertação de mestrado intitulada Tatiana Blass: palavras e formas, ruínas e metamorfoses onde, em diferentes momentos da escrita, as relações entre História da Arte e linguagem se apresentavam. A partir das relações que esta artista produzia por meio de obras literárias como na encenação nas artes visuais da peça Fim de Partida de Samuel Beckett ou mesmo nas pinturas da exposição Teatro da despedida, onde cada pintura era acompanhada de um pequeno texto. A dissertação teve como objetivo estudar os gestos artísticos de Tatiana Blass e a tese quer avançar nas questões que permeiam a narrativa na arte contemporânea. As relações entre artes visuais e literatura existentes em parte da dissertação, se fazem presente também nesta tese que aprofunda esses encontros. Nesta pesquisa, perscrutamos nas obras dos três artistas, ações em que nos são narradas e apresentadas algumas vidas, biografias onde encontramos na história do outro um pouco de cada artista. Em Alessandra Sanguinetti há um retorno à infância no campo, em Miranda July acompanhamos suas impressões, angústias e memórias em cada visita e em Ilya Kabakov um pouco da vida de seu país de origem. Contando a história de outros, os artistas revelam um pouco de si mesmos. Todavia as obras não são tratadas como registros documentais, nem consideradas na relação de causa e consequência da vida de cada artista, embora não se possa desvincular as implicações do gesto biográfico nessas obras. A questão que se destaca e permite relacionar esses três artistas se refere ao fenômeno da refração como um jogo de reflexos onde as imagens apresentadas são sempre outras, provocadas por um desvio. Em As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, O escolhido foi você e Ten Characters, a relação entre arte e vida não seria de causa e efeito, mas a subjetividade de um artista pode ser entendida e percebida nas narrativas ficcionais como uma refração em sua obra, numa obstinação de sobrevivência e permanência de si mesmo e do/no outro. O artista narra, biografa e testemunha em um campo de forças que atua entre o interno e o externo, onde sua assinatura, sua presença se apresenta mesmo na ausência, onde reside o que é mais íntimo naquilo que é mais exterior. 22 A refração como um fenômeno da física, é descrito no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p. 2413) como “mudança da direção de uma onda que se propaga em um determinado meio ao passar obliquamente para outro meio no qual a velocidade de propagação é alterada” e que “a refração ocorre em diferentes tipos de onda, embora seja mais comumente associada à luz.” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 2413). Na refração ocorre o desvio da luz, como quando mergulhamos parte de uma faca na água e enxergamos a parte submersa de forma diferente, não mais um objeto retilíneo, mas com uma certa curvatura. A faca continua sendo a mesma, mas a maneira como a vemos foi alterada. Há um desvio naquilo que vemos, assim como no jogo de narrativas de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov, onde os personagens e histórias que são contadas não representam a biografia dos artistas, uma vez que o desvio (a refração) acontece, mas também não as encobrem totalmente. Destacam-se também as perguntas feitas ao longo de cada capítulo. No primeiro, como é possível testemunhar uma vida? No segundo, como a narrativa biográfica pode se apresentar na arte contemporânea? No terceiro, que tipo de narrador pode ser o artista e o que viabiliza a narrativa? No diário do tempo apresentado por Alessandra Sanguinetti no primeiro capítulo, o testemunho envolve o perjúrio daquele que testemunha. Nos encontros com os desconhecidos do segundo capítulo, Miranda July utiliza as coleções e objetos para fazer a montagem de biografias. E, em Ilya Kabakov no terceiro capítulo, o narrador se apresenta no espaço da morada, do habitar como possibilidade de narrativa, com um narrador que existe pela transmissão de experiências. Ao final, arriscam-se algumas pequenas luzes onde o narrar pode ser entendido como uma forma de sobrevivência e permanência daquele que narra e daquilo que é narrado. A problemática do artista comparece na História da Arte de muitos modos através do problema do retrato, do corpo, nos rastros individuais e anônimos da autorrepresentação, na imparidade da biografia, dentre outros. Artistas e historiadores há muito se ocupam da construção de subjetividades na arte, diferentes formulações de narrativas, sejam elas verdadeiras ou fictícias, que exploram e investigam múltiplos aspectos do fazer artístico. Na contemporaneidade, a questão não é mais somente do rosto ou do corpo, mas de uma impressão da biografia na obra, de algo tão grandioso quanto ela, que não existe par. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, O escolhido foi você e Ten Characters são o ponto de partida da pesquisa e fonte primária de trabalho, 23 escolhidas a partir de levantamento imagético e bibliográfico, adotadas como um caminho a ser percorrido, que discute dentro da temática as narrativas, o testemunho e a (auto)biografia. As obras escolhidas para esta tese são pensadas frente a outros trabalhos dos próprios artistas, a obras de artistas de distintos períodos da história, a obras literárias e a teóricos que possam embasar e enriquecer o pensamento sobre a temática. Nesta pesquisa, os artistas que foram ponto de partida para elaborar a tese são de nacionalidade estrangeira, mas em todos os capítulos o texto busca relacionar suas obras com artistas ou teóricos brasileiros. O referencial teórico, bem como as relações entre obras de arte e literárias são frutos da pesquisa produzida ao longo da tese, não fazem parte, necessariamente, das pesquisas individuais de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov. Todavia, o mesmo permite ampliar o horizonte conceitual e crítico acerca das obras. Importante ressaltar que mesmo sendo possível relacionar, justapor e inferir questões entre as obras dos artistas, cada um deles parte de uma realidade e temporalidade distinta. O contexto de país, localidade, biografia e idade tem pontos de partida diferentes para elaborar suas obras, embora tratem sobre a condição humana e as particularidades biográficas de cada indivíduo. Na tese, cada artista e série de obras ganha o seu próprio capítulo, onde serão abordadas questões mais aprofundadas em que podemos nos demorar. Entendendo a relação arte e vida não como causa e efeito, os capítulos disponibilizam informações sobre os artistas que foram consideradas necessárias para o entendimento dos trabalhos, e a tese apresenta, nos apêndices, uma cronologia de cada um com dados adicionais. No último capítulo, um esforço de aproximações entre os três artistas e sobre as questões que suscitam, pensando a narrativa que chega como soslaio. O primeiro capítulo aborda a série de fotografias de Alessandra Sanguinetti, As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, e se empenha em responder como testemunhar uma vida. À luz do pensamento de Jacques Derrida, permeia questões sobre a realidade, a ficção e o testemunho, bem como a mistura do factual com o ficcional. As fotografias estão distantes de serem um documento sobre a infância e juventude de Guille e Belinda, se aproximam muito mais de uma criação que tem residência na imaginação, invenção e perjúrio. O capítulo ainda traz questões relativas às referências, interlocuções e reminiscências das imagens e em como Ofélia pode ser vista como uma ninfa a 24 partir de Aby Warburg. Por fim, um esforço memorativo sobre os retratos da infância e juventude. Alessandra Sanguinetti tem seu trabalho estudado principalmente pelo viés da linguagem fotográfica, e sua série mais conhecida é a abordada nesta tese. A série fotográfica de Alessandra Sanguinetti constitui interesse de pesquisa a mais de uma década e pode ser vista na 29ª Bienal Internacional de São Paulo em 2010. As cores vivas, as poses ora naturais, ora inventadas e um componente de estranhamento confirmaram a obstinação e a escolha pelas obras na tese, partindo de relações com a temática pretendida, que foi sendo delineada a partir do pensamento sobre a própria História da Arte. O segundo capítulo trata sobre O escolhido foi você de Miranda July e como apresentar e/ou ficcionar biografias. A obra é abordada primeiramente como uma montagem de biografias a partir de Aby Warburg referenciado por Georges Didi-Huberman. Questões sobre o dispositivo de Giorgio Agamben são ponto de partida para refletir sobre a histórias dos objetos. O capítulo aborda ainda as entrevistas e visitas que a artista faz a desconhecidos, que abrem a porta de suas casas para mostrar o que estão vendendo pelo jornal de classificados PennySaver, considerando a artista como uma flâneur por meio de Charles Baudelaire, mas também revelando pequenas frações de histórias, pensando a biografia por meio de Sergio Vilas Boas. Miranda July apresenta O escolhido foi você como uma não-ficção, mas até que ponto não nos conduz em seus relatos como se fosse um roteiro de filme, o roteiro do filme que ela precisava escrever? A artista tem seu trabalho associado com mais frequência ao cinema nos artigos e trabalhos monográficos nos quais é citada, mas também é considerada frente aos limites da arte como prática social pela pesquisadora Nassim Balestrini no artigo Life writing in the internet age: Miranda July and the limits of Art as social practice1. Miranda July foi um nome sugerido pela orientação da Profª Dra. Rosângela Cherem ainda no início do doutorado, a partir da temática que estava sendo delineada para esta tese. O contato direto com sua obra se deu por meio de visita a um projeto artístico na cidade de Londres em 2017 abordado no capítulo, o que possibilitou maior entendimento sobre seus trabalhos. 1 Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/24722043?seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 06 junho 2019. 25 O terceiro capítulo se dá a partir da instalação Ten Characters de Ilya Kabakov, que tenta responder como é possível narrar ficções biográficas e que tipo de narrador é o artista. A obra é pensada em relação à figura do narrador com reflexões feitas por Walter Benjamin e a questão do habitar como um rastro do interior e como possibilidade de construção de narrativas na problemática do espaço a partir do pensando de Michel Foucault. O testemunho, a discursividade, biografias, autobiografias e suas assinaturas são questões que permeiam o capítulo por meio de Jacques Derrida. O capítulo ainda aborda a presença da tradição literária na obra de Ilya Kabakov. Dos três artistas, Ilya Kabakov é o que conta com uma bibliografia mais extensa. Frequentemente seus trabalhos são abordados no contexto da arte conceitual russa, bem como a questões que permeiam a utopia. Trabalhando em parceria com Emilia Kabakov, suas obras encontraram espaço na arte, sendo expostas em grandes museus e galerias no mundo. Assim como Miranda July, o nome de Ilya Kabakov surgiu ainda no início do doutorado por meio de conversa com a professora da UFRGS Profª Dra. Daniela Kern em visita à UDESC. Conhecer o trabalho do artista em exposição na Tate Modern em 2017 ampliou a perspectiva e entendimento sobre suas obras que criam um mundo de artistas e personagens ricos em detalhes. O quarto capítulo se debruça sobre como se relacionam as diferentes narrativas ficcionais apresentadas nesta tese, quais são seus pontos de convergência e o que podemos apreender considerando as suas obras. A narrativa que pode ser sugerida por meio do título das obras, considerando a questão do detalhe em Aby Warburg e Georges Didi-Huberman. Ainda sob o aspecto deste autor, um esforço memorativo sobre as sobrevivências narrativas no gesto artístico de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov. Por fim, as fronteiras arte e vida são exploradas por meio de Jacques Derrida. Importante ressaltar que a organização dos temas e capítulos por blocos de pensamentos foi uma escolha metodológica no percurso narrativo da pesquisa, de tal forma que os temas não se tornassem repetitivos nos artistas, mas que a tese pudesse abordar sempre um aspecto diferente sobre a narrativa na arte contemporânea. O testemunhar de uma vida, embora tenha sido pensado com enfoque no trabalho de Alessandra Sanguinetti, também poderia figurar e está contemplado em menor medida na abordagem dos trabalhos dos outros artistas. Miranda July não deixa de testemunhar vidas ao produzir suas (auto)biografias, bem como Ilya Kabakov narra o testemunho de uma experiência em suas obras. Assim também acontece com o enfoque 26 dado ao capítulo sobre Miranda July e suas (auto)biografias, que poderiam aparecer nas obras de Alessandra Sanguinetti, em seu testemunho biográfico da vida de Guille e Belinda, e em Ilya Kabakov, na narração das biografias de seus personagens. Por fim, assim também ocorre com as questões do narrar e habitar em Ilya Kabakov, que poderiam ser motivação para pensar na narrativa que Alessandra Sanguinetti constrói das duas primas e de como o ambiente da morada faz parte de suas fabulações, bem como em Miranda July na maneira como ao narrar suas visitas, que adentram a intimidade das residências, se transforma na narrativa final em seu filme O futuro. A opção da pesquisa foi por adentrar em cada artista por aquilo que se considerou ser um eixo central das obras, pelos argumentos que mais cintilam em cada um, onde as questões do testemunho, (auto)biografia, narrativa e habitar são complementares umas às outras. Se possuem diferenças em relação ao formato de apresentação e linguagem artística, as narrativas de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov guardam entre si a semelhança de um gesto que se esforça na permanência. As narrativas desses personagens comuns e ordinários escapam à efemeridade e transitoriedade por meio de suas obras, que reservam espaço aos refugos, restos, vestígios, rastros de existência na linha do tempo da História da Arte. A obra Not everyone will be taken into the future (figura 1) de Ilya e Emilia Kabakov ocupa uma grande sala escura onde um suposto vagão de trem está deixando para trás alguns quadros jogados entre a plataforma de embarque e os trilhos. Apoiados na parede e caídos, alguns estão rasgados, se soltando da moldura, com plásticos e fitas espalhados em volta, como se tivessem sido desembalados ali mesmo. O vagão, por sua vez, tem uma luz difusa acesa internamente e um letreiro em vermelho, que iluminam a sala com a frase que dá nome ao trabalho e que, apesar do nome ser uma frase afirmativa (Nem todos serão levados para o futuro, tradução nossa), é uma obra que suscita alguns questionamentos a respeito da História e da crítica de Arte. Com este trem da História da Arte, os questionamentos de como ser um artista com um futuro promissor são lançados para o espectador e esta pergunta se junta a outras sobre o papel da crítica de arte, sobre quem entrará para os anais da História da Arte, quais os artistas que serão lembrados e estudados e o que acontece com essas obras deixadas para trás. Seria aquele o único trem? 27 Figura 1. Ilya e Emilia Kabakov. Not everyone will be taken into the future. 2001, diversos materiais, dimensão variável. MAK – Austrian Museum of Applied, empréstimo permanente de Geyer & Geyer Collection, Viena. Fonte: www.theguardian.com A obra impõe muitas perguntas e, mesmo assim, nos coloca a afirmativa com o seu título, de que nem todos serão levados para o futuro. A História da Arte seria como esse trem, de base sólida como o ferro, mas que trabalha com a transitoriedade. Para escapar dessa condição, as obras inscrevem biografias e ficções para contar fatos, histórias de pessoas que existem e que são invenções, fazendo com que o espectador se encontre em um território movediço entre o perjúrio e a verdade. Not everyone will be taken into the future relembra o próprio compromisso de uma tese em História da Arte na construção de sua própria narrativa. Defender uma tese é um processo que envolve uma perspectiva sobre determinada questão. Sergio Vilas Boas (1965-) em seu livro Biografismo, afirma que uma pergunta importante a tentar ser respondida é “por que escolho quem escolho?” (VILAS BOAS, 2014, p. 34). Refletindo sobre a escolha do biógrafo em relação a seu biografado, o autor afirma que “pesquisar é também um ato autobiográfico” e que “a escolha do personagem envolve razões concretas, insights, associações livres, oportunidades, sincronicidades, sutilezas. Nada disso pode estar dissociado do self do pesquisador biógrafo.” (VILAS BOAS, 2014, p. 34, grifo do autor). Podemos estender esse entendimento ao pesquisador acadêmico, em sua busca por respostas a questões impostas por ele mesmo e pelas circunstâncias da História da Arte. 28 Escrever uma tese envolve perspectivas e escolhas que não podem ser dissociadas da personagem que a escreve. Como um autor de ficção que escolhe seus personagens e direciona seus caminhos, o pesquisador seleciona obras, artistas, períodos históricos e autores que farão a composição do texto fazer sentido. Cabe ao leitor ser persuadido desse “delírio convincente” (CHEREM, 2014) ao qual o pesquisador se propôs a escrever. Umberto Eco (1932-2016) em seu livro Como se faz uma tese aborda o que seria a relevância, a “descoberta” de uma tese no campo humanista, ele afirma: Quando se fala em ‘descoberta’, em especial no campo humanista, não cogitamos de invenções revolucionárias [...]: podem ser descobertas mais modestas, considerando-se resultado ‘científico’ até mesmo uma maneira nova de ler e entender um texto clássico, a identificação de um manuscrito que lança nova luz sobre a biografia de um autor, uma reorganização e releitura de estudos precedentes que conduzem à maturação e sistematização das ideias que se encontravam dispersas em outros textos. (ECO, 2012, p. 2) A empreitada de uma pesquisa é algo pessoal, assim como foi a escolha dos autores e obras que são relacionados com as obras de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov. Passa por diversos crivos distintos ao longo do processo, mas o que prevalece é a relação entre verdade e ficção de quem escreve. Como bem lembrou Umberto Eco, a relevância de uma pesquisa pode estar em lançar uma nova luz, uma maneira distinta de enxergar alguma coisa. É isto o que a tese se propõe, um caminho para pensar a arte contemporânea com um caráter narrativo como refração, que dá a ver o testemunho, a biografia, a verdade e a ficção em distintas obras de arte, as relações que permeiam a História da Arte e a linguagem. São alucinações conduzidas, a criação de aporias. Não tendo a intenção de dar a última palavra, mas a penúltima. 29 30 31 ALESSANDRA SANGUINETTI: TESTEMUNHO, RETRATO E FABULAÇÕES EM AS AVENTURAS DE GUILLE E BELINDA E O ENIGMÁTICO SIGNIFICADO DE SEUS SONHOS 2. 1 Prólogo de uma narrativa Alessandra Sanguinetti (Nova York, 1968-) morou em Buenos Aires, Argentina, de 1970 até meados de 2003 e hoje vive nos Estados Unidos. É uma fotógrafa da Agência Magnum desde 2007 e possui obras em diversos acervos públicos e particulares como no Museu de Arte Moderna de Nova York e no Museu de Arte Moderna de Buenos Aires. Participou de diversas exposições em diferentes países e, dentre elas, pode-se destacar a 29ª Bienal Internacional de São Paulo em 2010, onde apresentou As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Na série fotográfica, a artista mostra as duas primas que vivem em uma fazenda na área rural de Buenos Aires. Encontrou as duas por acaso, tinha ido fotografar animais em uma fazenda da região para seu outro projeto On the sixth day (No sexto dia, tradução nossa). Alessandra Sanguinetti também trabalhou para revistas como The New York Times Magazine, LIFE, Newsweek e New York Magazine e criou outras séries de fotografias como Sweet Expectations, Palestine e Le Gendarme sur la Colline. Sobre como iniciou com a fotografia, em entrevista de 2008 a Sabine Mirlesse, a artista afirma que estudava Antropologia na Universidade de Buenos Aires, e que não pensava em ser fotógrafa, não na Argentina onde [...] os fotógrafos eram em sua maioria boêmios com barbas, você sabe [risos], então não foi algo que eu pensei que seria uma carreira. Então eu estudei por dois anos, mas eu realmente não prestaria atenção, eu fotografava estudantes e usava a câmera como uma desculpa para falar com pessoas que eu era tímida demais para conversar, e fotografá-las durante os intervalos. (SANGUINETTI, 2008, tradução nossa) 2 Depois acabou fazendo oficinas e cursos de fotografia, entrando em contato com livros sobre o assunto, conheceu pessoas que levavam a fotografia como trabalho, inclusive seu futuro 2 […] photographers were mostly bohemians with beards, you know [laughs], so it wasn’t something that I thought would be a career. So I studied for two years but I wouldn’t really pay attention, I would photograph students, and use the camera as an excuse to talk to people I was too shy to talk to, and photograph them during the breaks. 32 marido Martín Weber (Chile, 1968-), e enxergou uma possibilidade. Ingressou no ICP – International Center of Photography em Nova York e seguiu carreira na fotografia. Em As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, a artista mostra o idílico cotidiano das primas Guillermina e Belinda. Construindo um diário imagético no tempo, a artista testemunha as duas primas em um universo onírico que permeia a fantasia e a realidade. Na figura 2, Belinda aparece vestida como se fosse tocar na banda da escola, mas, em vez do instrumento, ela segura um pedaço de madeira e encanta o porco, como diz o título da fotografia. Na imagem, se avista uma parte da fazenda com o cercado para o gado ao fundo, sendo dividida ao meio pela terra e pelo céu. A cena de encantamento dispõe de figurino e instrumento, e os dois personagens, Belinda e a metade de um porco, se encontram entre o movimento e a passividade. Construindo uma narrativa de vida das duas primas, a série de fotografias se situa no limiar entre realidade e ficção. Figura 2. Alessandra Sanguinetti. Encantando o porco. 1999. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com A convivência com os animais da fazenda é retratada em muitas fotografias pela artista. Eles, os animais, aparecem primeiro na série de fotografias On the sith day como protagonistas, 33 e em As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, são coadjuvantes das duas primas, embora em diversas fotografias a relação delas com os animais sejam também retratados, como em Encantando o porco. Alessandra Sanguinetti fez a transição entre as duas séries de fotografias de forma natural e espontânea, quase como uma questão de enquadramento. A série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos é, entre outras coisas, um retorno à infância na fazenda. Quando criança, Alessandra Sanguinetti passava as férias de verão na fazenda da família nos Pampas da Argentina, onde existem grandes áreas de planícies. A artista conta na introdução sobre a série de fotografias que seus pais venderam a fazenda em 1981 e que levou alguns anos até que ela retomasse o contato com o campo. Quando o fez, foi para visitar uma pequena fazenda de seu pai no interior de Buenos Aires. Um dia, seu pai e ela saíram para procurar alguém que consertasse a bomba de seu moinho e no caminho encontraram uma matilha de cães que rodearam a caminhonete onde estavam. Logo apareceu Juana, a dona dos cães, mandando que ficassem quietos. Ela conta então: “Eu passei os anos seguintes visitando Juana constantemente, fotografando seus animais e ouvindo seus contos de tempos atrás, suas reflexões sobre a vida e a Bíblia.” 3 (SANGUINETTI, 2009, tradução nossa). Passou a conhecer os nomes dos animais, suas histórias, e por lá produziu a série On the sixth day, onde a temática é a vida rural, mostrando diversos animais presentes em uma fazenda e a relação de seus donos com o abatimento desses animais. Assim como vai tratar na série com Guille e Belinda sobre muitos ritos de vida, morte, casamentos, nascimentos, Alessandra Sanguinetti traz o tema da morte por meio dos animais na série On the sixth day, onde posiciona sua câmera na altura deles, não os olhando de cima para baixo, mas na mesma linha do horizonte. São diversas fotografias que mostram animais mortos, sejam eles mortos para subsistência da família ou de forma inesperada. Na série também se encontram fotografias que se preocupam em mostrar um pouco do universo desses animais, os lugares onde vivem, seus comportamentos. A figura 3 mostra a parte da cabeça de um bovino que talvez esteja sendo encaminhada para o abate. A fotografia dividida ao meio, metade céu, metade curral e animal, faz lembrar as divisões clássicas da pintura, onde boa parte era reservada para o céu, para aquilo que era divido. Talvez o divino nesta imagem possa se remeter 3 I spent the next few years visiting Juana constantly, photographing her animals and listening to her tales of days long gone, her musings on life and on the Bible. 34 justamente à morte do animal, que parece estar prestes a acontecer. O bovino, com os olhos arregalados, fita o observador e, o seu enquadramento, onde podemos ver apenas uma parte do topo da cabeça e das narinas, faz com que o animal pareça estar sufocado, apesar de estar ao ar livre. A morte parece chegar, e o animal talvez também possa antever. Figura 3. Alessandra Sanguinetti. Série On the sixth day. 1996-2004. Fotografia. Fonte: alessandrasanguinetti.com Jacques Derrida (1930-2004) em seu livro O animal que logo sou tece muitas reflexões a respeito dos animais, da forma como o animal está nu, mas não tem a consciência de estar, de como o ser humano tem o poder da fala e de nominar as coisas e os animais. Também reflete sobre a proximidade com o animal: “Estar depois, estar junto, estar perto de, eis, aparentemente, diferentes modalidades do estar, em verdade do estar-com.” (DERRIDA, 2002 p. 27). Derrida se pergunta em qual sentido ele deveria estar próximo a um animal. Poderia ele estar próximo como estar perto, com ou depois dele, ou mesmo “estar-atrás-dele no sentido da caça, do adestramento, do domar [...]” (DERRIDA, 2002, p. 28). De qualquer maneira, Derrida afirma que em todas as ocasiões o animal vem antes dele, portanto o animal está sempre na frente, podendo depois estar ao redor, estar trás. “E a partir desse estar-aí-diante-de-mim, ele pode se deixar olhar, sem dúvida, mas também, a filosofia talvez o esqueça, ela seria mesmo esse esquecimento calculado, ele pode, ele, olhar-me. Ele tem seu ponto de vista sobre mim.” 35 (DERRIDA, 2002, p. 28). Alessandra Sanguinetti nos coloca diante do animal, possibilitando que ele tenha seu ponto de vista sobre nós. O bovino que a artista retrata possui esse olhar sobre o espectador, esse olhar que vem de frente. Todas essas questões, ainda afirma Derrida, dão a ver o que quer dizer viver, falar ou morrer. É retratando os animais que a artista faz então um retorno ao conhecido, à infância na fazenda, aos costumes da região, às suas experiências. Alessandra Sanguinetti conta ainda que na fazenda de Juana havia sempre muitos visitantes, as mais regulares eram de suas filhas Pachi e Chicha, que moravam por perto com suas famílias. Elas traziam com regularidade suas filhas mais novas. Beli e Guille estavam sempre correndo, escalando, perseguindo galinhas e coelhos. Às vezes eu tirava foto delas apenas para que elas me deixassem em paz e parassem de assustar os animais, mas na maioria das vezes, eu as fotografava fora do enquadramento. Eu era indiferente a elas até o verão de 1999, quando me dei conta de que estava passando todos os dias com elas. Elas tinham nove e dez anos, e um dia, ao invés de pedir para elas que se afastassem para o lado, deixei que ficassem. 4 (SANGUINETTI, 2009, tradução nossa) A série de fotografias de Guille e Belinda teve início em 1999. Sobre o projeto, Alessandra Sanguinetti afirma que pensou em um diário no tempo: “Propus a elas que falassem sobre o que lhes dava medo, o que queriam ser, e começaram a improvisar com roupas, objetos, tecidos, brinquedos.” (SANGUINETTI, 2003, tradução nossa)5. Permeando então este universo de desejos, fantasias e sonhos, vemos a infância e juventude das duas primas sendo testemunhadas pela artista. 2.2 Entre realidade e ficção: testemunho Alessandra Sanguinetti retrata Guille e Belinda em um cotidiano que fica entre o real e o inventado. As fotografias possuem uma teatralidade que em alguns momentos parece uma improvisação e, em outros, parece haver uma preocupação maior com a montagem para a fotografia ser feita. As duas primas atuam suas próprias vidas, seu cotidiano, mas também suas 4 Beli and Guille were always running, climbing, chasing chickens and rabbits. Sometimes I'd take their picture just so they'd leave me alone and stop scaring the animals away, but mostly I would shoot them out of the frame. I was indifferent to them until the summer of 1999, when I found myself spending almost every day with them. They were nine and ten years old then, and one day, instead of asking them to move aside, I let them stay. 5 Les propuse que hablaran de lo que les daba miedo, de lo que querían ser, y empezaron a improvisar con ropas, objetos, telas, juguetes. 36 fantasias. Alessandra Sanguinetti afirma: “compartilhar histórias e deixar um registro de vidas vividas está no coração disso tudo” (SANGUINETTI, 2013). Ela ainda afirma que ao longo dos anos foi mostrando livros de arte religiosa e arte em geral, e que algumas inspirações surgiram desses livros. Provavelmente foi o que aconteceu com a fotografia Madonna (figura 4) que mostra Guille como a Madonna, a figura religiosa da mãe de Cristo, segurando-o no colo. Mas em vez de um bebê, Guille segura em seus braços uma boneca de plástico sem roupas. Um tecido antigo ou uma coberta surrada faz o papel de saia longa, tampando seus pés. Na cabeça um tecido ou toalha enrolada serve como coroa, indicando sua aura e religiosidade. Figura 4. Alessandra Sanguinetti. Madonna, 2001. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com De olhos fechados, Guille compõe a cena com Belinda a seu lado vestida como anjo. Ela está ajoelhada, com as mãos em oração e olhando para o alto, com a cabeça adornada com uma coroa e peruca de plástico dourada e asas brancas nas costas. Na iconografia tradicional religiosa, a descrição de uma Madonna segurando o filho acompanhada por um anjo poderia se encaixar muito bem, não fossem os materiais como plásticos e tecidos surrados usados pelas meninas. Mas há outro detalhe que foge à iconografia clássica religiosa. O ambiente onde estão, uma espécie de garagem ou galpão, é usado para guardar todo tipo de coisas como fogão, tijolos, 37 latas, coisas que parecem não ser usadas com frequência. O chão é batido, cheio de folhas secas e a parede ao fundo é manchada, diferente dos ambientes limpos ou luxuosos de algumas pinturas religiosas. Passando quase despercebido, devido à teatralidade da iluminação que foca nas duas primas, um porco se aproxima delas pela direita, e dele vemos apenas uma parte, como também na imagem anterior em Encantando o porco. O animal se mescla com a cor do fundo e quase desaparece. Ele parece estar ali para lembrar que essa imagem foi feita em uma fazenda, no interior e, o fato de ele estar se aproximando das meninas, não causa nenhum espanto e nenhuma reação é esboçada, pois faz parte de seu cotidiano. Ele ainda faz lembrar que no momento do nascimento de Cristo animais se faziam presentes, embora nos presépios não seja comum a figura do porco. O imaginário infantil de brincadeiras persiste e dá a ver a este tempo de sonhos, fantasias e medos, que se mesclam com a vida cotidiana. Alessandra Sanguinetti nos coloca em seu lugar quando retrata as duas primas, nos sentimos mais próximos de suas fabulações pelo olhar da fotógrafa, que figura como testemunha desta infância, assim como nos tornamos testemunhas do abatimento dos animais na fazenda de Juana na série On the sixth day. Jacques Derrida em seu livro Demorar Maurice Blanchot reflete sobre o testemunho de uma experiência ligada à guerra que Maurice Blanchot (1907-2003) conta no texto O instante da minha morte. Derrida pensa sobre esse testemunho que Blanchot confere, quando conta em terceira pessoa sobre um jovem que é obrigado a sair de casa junto com todos os outros integrantes da família por um tenente nazista. A certa altura, o tenente ordena que os familiares entrem novamente em casa, permanecendo apenas o jovem do lado de fora. Depois de muita tensão, “Mas eis que um deles se aproximou e disse com voz firme: <<Nós, não alemães, russos>>, e numa espécie de riso: <<exército Vlassov>>, e fez-lhe sinal para desaparecer.” (BLANCHOT, 2003, p. 15). O jovem liberado pelo exército foge e fica por horas escondido. O texto de Blanchot termina com a seguinte reflexão: “Como se a morte fora dele não pudesse doravante senão abater contra a morte nele. <<estou vivo. Não, estás morto.>>” (BLANCHOT, 2003, p. 21). Em seu texto o autor afirma que, de certa maneira, acabou envelhecendo, acabou morrendo um pouco também com essa experiência e ao longo do texto não fica claro se essa é uma história que foi vivida por Blanchot ou da qual ele foi testemunha. É sobre isso que discorre Derrida em seu livro. 38 Em relação ao que seria o testemunho, Derrida afirma que ele fica entre o ficcional, mas também fala a verdade: “o testemunho está em parte ligado à possibilidade ao menos de ficção, do perjúrio e da mentira. Se eliminada tal possibilidade, nenhum testemunho será mais possível, e não teria mais, em todo caso, seu sentido de testemunho.” (DERRIDA, 2015, p..36). O testemunho passaria então pela ficção, não deixando de ser verdade. Alessandra Sanguinetti, quando registra a passagem do tempo, as brincadeiras e o cotidiano de Guille e Belinda, se coloca como testemunha dessa história e coloca o observador nessa condição também. Acompanhamos as suas fabulações, mas também seu crescimento, suas verdades e fantasias por meio desse testemunho da artista, que se dá na ordem da criação, apresentando esse recorte sobre o universo lúdico das duas primas. Derrida também afirma que testemunhar tem a ver com tornar público aquele testemunho, sendo a declaração de alguma coisa. E o testemunho está sempre no passado: “Quando me proponho a dizer a verdade, proponho-me a repetir uma coisa, um instante depois, dois instantes depois, por muito tempo e para a eternidade, de uma determinada maneira. Ora essa repetição conduz o instante para fora dele mesmo.” (DERRIDA, 2015, p. 42-43) O testemunho é sempre de algo que já passou, de algo já visto, já sentido, já vivido, e Alessandra Sanguinetti traz isso quando nos mostra o passar dos anos. E o passado só pode ser visitado pela imaginação, e não podemos afirmar com segurança de que todas as nossas memórias são verdadeiras, pois elas são permeadas pela ficção que fazemos de uma situação, de um lugar. Agregamos as histórias que nos contam sobre nossa infância com aquilo que nos lembramos e assim vamos construindo nosso testemunho sobre nós mesmos. Alessandra Sanguinetti testemunha as transformações de adolescência das duas primas, de seu imaginário infantil à existência adulta e esse registro permeia a realidade e a ficção. Não é apenas um documento sobre a vida das duas primas, é também criação. Não é uma mentira, mas também não é totalmente verdade, é uma utopia, uma crisálida, o sonho de uma vida possível. As fotografias que Alessandra Sanguinetti faz se tornam o testemunho da vida de Guille e Belinda, como se fossem um modo de sua permanência no mundo, daquilo que vale a pena guardar, se demorar. Sobre a palavra “demorar”, que aparece em grande quantidade no texto de Blanchot, Derrida busca sua etimologia, processo caro ao autor em diversos livros: 39 Palavra de fonte latina e que, através do provençal, do espanhol [demorar] ou do italiano [demorari], reconduz ao latim demorari, de e morari, que significa esperar e atrasar. Existe sempre uma ideia de espera, de contratempo, de atraso, de prazo (delonga) ou de sursis no demorar, como na moratória. (DERRIDA, 2015, p. 18) Derrida ainda afirma que estar en demeure seria estar sempre em atraso, mas também tem sua ligação com a morte, pela última morada, residência. Alessandra Sanguinetti demora em Guille e Belinda, demora também em sua morada, na morada de Juana. E o fato de a artista demorar é o que faz com que o seu registro seja possível, que seu testemunho seja em efeito de sua demorrência, do tempo de espera, de delonga com as duas primas. Fotografar as meninas em poucos dias não teria o mesmo efeito, pois os sonhos veem e vão, as fantasias se modificam e o retrato movente do crescimento, de uma época de grandes transformações como a da adolescência se torna possível pelo demorar de uma série de fotografias, pelo passar dos anos, pela demorrência. Há uma marca narrativa nas fotografias de Alessandra Sanguinetti, pois elas estão sempre contando uma história, seja na série em sua totalidade ou individualmente, em cada fotografia, como em Madonna. A artista cria narrativas visuais, se demora em suas fotografias e retrata ritos comuns como a maternidade, o casamento e a morte. Na figura 5, Belinda aponta um revólver para Guille, encenando um assalto a mão armada. Como espectadores da cena, não temos certeza se esse revólver é de verdade ou de brinquedo, todavia com um gesto de oração, Guille suplica por sua vida. As duas de pé estão paralisadas pela fotografia, congeladas na cena no momento de tensão. Nos perguntamos ainda por qual razão escolherem encenar a violência, uma súplica pela vida. Seria mais uma brincadeira infantil de polícia e ladrão? Há um regime de ficção que o registro fotográfico possibilita e a construção de histórias e situações se faz constante na série que acompanha as duas meninas. Em parte, as histórias contadas são ficções, mas apresentam uma realidade infantil que permeia a fantasia. As fotografias que Alessandra Sanguinetti apresenta se encontram nessa linha tênue entre o que é real e o que é inventado, entre a realidade do campo e a projeção onírica de sonhos, está no testemunho que pressupõe a possibilidade de perjúrio. Laila Melchior Pimentel Francisco, em sua dissertação de mestrado intitulada Documental imaginário: ensaio, fabulação e performance na fotografia de Alessandra Sanguinetti, reflete sobre o factual e o ficcional por meio da fotografia entendida como 40 documental imaginária. O termo, segundo a autora, estaria sendo utilizado cada vez mais para pensar trabalhos fotográficos que conteriam um duplo traço da imagem ligada à imaginação. Figura 5. Alessandra Sanguinetti. Assalto, 2001. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com A foto se inscreve no contexto de uma duração estendida, de um ensaio mais amplo sobre Guille e Belinda, sobre suas múltiplas aventuras sobre as experimentações que flutuam em seus horizontes, não sobre a essência de suas identidades. O caráter documental do conjunto de fotografias relaciona-se ao fato de que modelos, fotógrafa e espectador, cada um a seu modo, estão empenhados na fabricação desses documentos e a partir da longa abordagem que Sanguinetti dá a ver, todos participam da construção de sentidos e dos significados das imagens. (FRANCISCO, 2014, p..54). Nesta tese, a opção foi por pensar o trabalho de Alessandra Sanguinetti pela via do testemunho, refletindo sobre as fabulações e o perjúrio que se encontram no trabalho, que ultrapassam o entendimento de documento, apesar de ser pensado como imaginário pela autora. Na figura 6, em O funeral de Archibaldo, Guille e Belinda encenam um rito de funeral que poderia ser de um dos animais da fazenda ou mesmo de algum brinquedo. As duas primas estão vestidas de preto ao redor do que seria um caixão, coberto por um tecido branco, com uma cruz feita com pedaços de galhos de árvore e um ramo de flores que parece de plástico. Guille chora e leva um lenço de tecido ao rosto. Belinda segura um livro nas mãos, uma Bíblia, e parece dizer algumas palavras. 41 Figura 6. Alessandra Sanguinetti. O funeral de Archibaldo. 1999. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Alessandra Sanguinetti perjura um funeral. Perjúrio é uma palavra comumente usada no campo jurídico, onde tem o seguinte significado: Derivado do latim perjurium (juramento falso), é tido vulgarmente como a quebra do juramento ou a falsa afirmativa. No sentido técnico do Direito, no entanto, tem sido aplicado para designar o falso testemunho, em que se afirma em prejuízo de outrem, ou da justiça, ser verdadeiro um fato, que se sabe não ser. Do falso testemunho decorre a quebra de um juramento, porquanto jurou ou se comprometeu a dizer a verdade, a que foge, maldosamente. (SILVA, 2010, p. 1030, grifo do autor) A artista testemunha esse funeral permeado pelo perjúrio, assim como as outras fotografias da série. Nele há uma encenação da tristeza que atinge as pessoas que velam um ente querido. A artista jura em falso quando mostra as duas primas em todo tipo de narrativa, apresenta ao observador aquilo que pode pertencer à verdade, à vida e ao cotidiano de duas adolescentes, mas comete perjúrio quando encena seus sonhos, gerando uma instabilidade entre aquilo que é real e o que é imaginado. 42 Como abordado anteriormente, Derrida (2015) afirma que no testemunho há sempre a possibilidade de perjúrio mas, que no campo do direito, um juiz nunca irá desobrigar uma testemunha de sua responsabilidade. Não há testemunho que não implique estruturalmente em si mesmo a possibilidade de ficção, de simulacro, de dissimulação, de mentira e de perjúrio – quer dizer também de literatura, da inocente ou da perversa literatura, que joga inocentemente para perverter todas as suas distinções. Se essa possibilidade que parece interditada estivesse efetivamente excluída, se o testemunho se tornasse prova, informação, certeza ou arquivo, perderia sua função de testemunho. Para manter-se testemunho, deve deixarse assombrar. (DERRIDA, 2015, p. 38-39) Essa mistura entre o factual e o ficcional se faz presente no livro Memórias Biográficas de Pintores Extraordinários de William Beckford (1760-1844). O livro, publicado no ano de 1780, discutia de forma irônica o nascimento da pintura a óleo, se havia sido entre os italianos ou entre os artistas do norte europeu. Foi um grande sucesso de vendas, pois contava a história de pintores de forma íntima. As pessoas compravam o livro no intuito de desvendar de quais pintores Beckford estava falando, achando que poderia estar usando pseudônimos para não os identificar de imediato. Curioso é que seus personagens ora são verdadeiros, ora são inventados. Paulo Mugayar Kühl em prefácio do livro de edição recente, afirma que Beckford não tinha a intenção de identificar quais eram seus personagens fictícios ou não. Claro, quando brinca com nomes como Sucrewasser (água com açúcar), Blunderbussiana (referente à estúpido), ou ainda, Zigzaggi, Grossocavalo etc., o jogo de palavras torna-se evidente; mas, ao mesmo tempo, usa nome de artistas famosos como, por exemplo, Giulio Romano, ou transforma o nome de Memmling em Hemmeline, reinventando os fatos de sua vida. (KÜHL, 2001, p. 11) Beckford mistura artistas que, de fato, existiram e eram reconhecidos em sua época com os artistas fictícios dos quais conta as biografias. Pela vida desses artistas inventados passaram artistas reais que, ou figuram como seus mestres, ou são referências artísticas citadas pelos artistas. O autor ainda adiciona um caráter de seriedade quando conta detalhes sobre o nascimento de um artista, ou quando descreve as suas pinturas, mas dá pistas de suas ficções quando narra os pensamentos que o artista teve em determinados momentos, como se esses artistas tivessem revelados seus desejos, medos e dúvidas ao autor. Os nomes, como Kühl (2001) destacou, denotam a personalidade e/ou característica do artista ou, por vezes, demonstram sua importância dentro da história. Sucrewasser, ou água com açúcar, foi um pintor prudente e sábio e este teve aulas com o pintor Insignificanti, que o queria 43 como aluno: “não demonstrou grande desejo de submeter-se à orientação de Insignificanti; mas como esse pintor havia adquirido uma esplêndida reputação e era considerado extremamente rico, seus pais obrigaram-no a aceitar a oferta, e Sucrewasser nunca havia desobedecido eles.” (BECKFORD, 2001, p. 72). Watersouchy era o nome de um artista muito conhecido em Amsterdã, e a escolha de seu nome por Beckford revela a história relacionada ao personagem. Waterzootje é o diminutivo de Waterzooe que é o nome de um prato típico flamengo, parecido com uma sopa. Beckford escolhe este nome e conta a história de Watersouchy como membro de uma família admiradora da culinária, e como pintor que inseria sempre muitos alimentos em suas obras. Essa mistura do verdadeiro com o inventado rende boas páginas irônicas para Beckford que, muitas vezes, desconstrói a figura do artista. O autor não se preocupa em delimitar os dois mundos, assim como Alessandra Sanguinetti parece não querer fazer distinção entre o fato e a criação, pois ambos se entrelaçam em suas fotografias. Não se pode falar de vida sem morte e o quão de irreal existe em pensar sobre a morte? Sobre as paixões e agruras humanas é que Beckford se deteve com mais afinco, é também sobre isso que Alessandra Sanguinetti se debruça por anos a fio quando começa a fotografar Guille e Belinda. A vida em seu curso, acompanhando o crescimento das duas meninas, seus desejos, expectativas para o futuro, sua relação com o lugar onde vivem. Fotografias que não são distantes, que entrelaçam a relação da fotógrafa com as fotografadas, mostrando, mesmo que sutilmente, uma relação de cumplicidade entre as duas primas e a fotógrafa. Se o testemunho permite a verdade, mas também o perjúrio e a mentira, tanto Beckford em seu livro, quanto Alessandra Sanguinetti em suas fotografias, conseguem fazer jus a ele. Ambos os testemunhos, apesar das linguagens distintas, utilizam o que é real para fabular, para ir além e construir outra coisa, se demoram em outra instância, na instância da arte. O escritor trata de um fato histórico do surgimento da pintura a óleo, cria ficções em torno da história da pintura, testemunha por meio de seus personagens esse acontecimento. A fotógrafa, por sua vez, trata de duas personagens reais que criam fabulações de suas próprias vidas. Ambos, artista e escritor, possuem um contexto e perjuram vidas. 44 Figura 7. Alessandra Sanguinetti. Duas desgraças, 2001. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com O objeto do olhar é fictício e Alessandra Sanguinetti faz fotografias tanto espontâneas quanto montadas, mas o que teria de ficções verídicas e narrativas falsas nessas imagens? Na figura 7, vemos a fotografia Duas Desgraças, onde mais uma vez a morte vem tomar o espaço nas fotografias da série. Desta vez são as duas primas que estão caídas, com sujeira em suas roupas. Ensaiam aquela que deveria ser uma morte sem arranjo, deflagrada pela violência, sem tempo de ordenar movimentos. Alessandra Sanguinetti mostra as duas meninas fora do padrão estético vigente de beleza, mostra o horror da aproximação do abatimento de um animal, mostra as duas primas ensaiando a morte violenta. O testemunho aqui presente é o de duas vidas comuns, encenadas como tragédia, redenção, vida e morte. A série fotográfica apresenta o testemunho de duas figuras ordinárias, que estariam ensaiando a extraordinariedade da morte como seres especiais. Derrida (2015) afirma que é preciso acreditar na testemunha, pois ela é única, é ela quem estava presente no instante, como assim o somos quando testemunhamos esse suposto assassinato em Duas Desgraças e assim como acreditamos no testemunho de Alessandra Sanguinetti em relação a Guille e Belinda. O 45 autor ainda afirma que um testemunho não necessariamente necessita ser escrito, mas sim deve estar inscrito: Se tomarmos o exemplo de testemunho religioso, de revelação ou de atestação sacral, a dissociação entre falar e escrever pode tornar-se muito aguda. Supostamente, Maomé não sabia escrever, o que não o impedia de falar e de testemunhar através de sua fala. O que é indispensável para uma testemunha que não saiba escrever, no sentido trivial e corrente da palavra, é que ela seja capaz de inscrever, de traçar, de repetir, de reter, de fazer esses atos de síntese que são os da escrita. (DERRIDA, 2015, p. 49) Nesse sentido, mesmo Alessandra Sanguinetti não escrevendo com palavras, podemos notar uma construção narrativa em sua série fotográfica, seja analisando as fotografias individualmente, como em Assalto, em que, pelo instante da fotografia, captamos uma história sendo contada, quanto analisando a série como um todo, onde a infância e adolescência são contadas de forma narrativa, desde os anos mais inocentes de brincadeiras, até mesmo a fase mais adulta quando Guille e Belinda engravidam. São encontradas narrativas inscritas e traçadas em cada fotografia de Alessandra Sanguinetti. E, de forma única, a artista testemunha a vida das duas meninas nesse instante determinado, indivisível. Muitas foram as pessoas que passaram por suas vidas, mas a artista faz do seu testemunho uma singularidade. “Mesmo se formos muitos a participar de um acontecimento, a assistir uma cena, a testemunha não pode testemunhar fora deste lugar que ela afirma ser um lugar único e um aqui-agora, isto é, um instante agudo que suporta justamente esta exemplaridade.” (DERRIDA, 2015, p. 50). A fotógrafa nos apresenta o seu ponto de vista, o seu olhar particular sobre essa narrativa biográfica. É isso que Derrida afirma transformar o instante em instância que, ao mesmo tempo em que é singular, é também universal. “O singular deve ser universalizável, eis a condição testemunhal” (DERRIDA, 2015, p. 50). 2.3 As narrativas de Ofélia É isso que aconselho a todo pintor: que se torne íntimo dos poetas, dos retóricos e de outros iguais conhecedores das letras. Elas proporcionarão novas invenções ou ao menos ajudarão na composição de uma bela história, por meio da qual os pintores conquistarão na pintura muito louvor e fama. (ALBERTI, apud WARBURG, 2015, p..55)6 6 Este mesmo trecho na edição ALBERTI, Leon Battista. Da Pintura. 2 ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1999, p.139, é traduzido por Antônio da Silveira Mendonça como: “A companhia de poetas e oradores traria aos pintores muita satisfação. Eles têm muitos recursos em comum com os pintores; dotados de vasto conhecimento sobre muitas coisas, serão de grande ajuda para uma bela composição da história, cujo maior mérito consiste na invenção que, como veremos, costuma ser de tal força que, mesmo sem a pintura, agrada por si mesma.” 46 Na figura 8, a fotografia de Alessandra Sanguinetti apresenta As Ofélias. Na imagem, vemos Guille e Belinda com os corpos boiando em um riacho, cuja margem se encontra logo acima. De olhos fechados, as primas encenam a morte de Ofélia, personagem de William Shakespeare (1564-1616). Sabendo que para dormir é preciso primeiro fingir dormir, quem sabe na morte também seja necessário um pouco de perjúrio. Com ramos de flores nas mãos, as duas conservam a serenidade. Belinda de vestido branco e azul parece afundar mais, pouco de seu corpo se encontra na superfície e, de braços abertos, parece tentar conservar seu equilíbrio para encenar a personagem trágica. Os braços abertos poderiam ser também um indicativo de entrega ao destino da personagem Ofélia. Guille, por sua vez, veste seu maiô vermelho por baixo de um tecido floral que cobre seu corpo e está preso em sua cintura. Ela parece emergir da água com seu tronco, nada espantaria se estivesse apoiada em um banco de areia do próprio riacho, que não parece profundo, visto que hastes emergem do fundo da água. Guille parece um pouco mais desconfortável na encenação da morte e da loucura de Ofélia. Na água escura, formam-se espumas pela movimentação que os corpos produzem na pequena correnteza da água. Ofélia é uma personagem coadjuvante da peça Hamlet de William Shakespeare, mas sua importância na literatura e na arte está além desse papel secundário. Muito representada e estudada, Ofélia se tornou um ícone. Shakespeare começa a peça com o espectro de Hamlet pai sendo visto por soldados reais. O príncipe Hamlet é avisado do ocorrido e se junta na próxima noite para fazer sentinela. O espectro aparece para o jovem e revela que é o espírito de seu pai e que não morreu picado por uma cobra como fora deixado crer, mas que foi envenenado por seu irmão para que assim pudesse tomar o seu trono. Com esta revelação, Hamlet se vê ainda mais incomodado com o fato de que em menos de dois meses da morte de seu pai, sua mãe, a rainha, casou-se com seu tio. Ele então perde o interesse por seus afazeres habituais e se torna uma pessoa agitada, construindo uma loucura que, em muitos momentos, parece inventada. Tomado por todos como louco, agora nega o amor que dizia sentir por Ofélia. Hamlet a cortejava, escrevia cartas e jurava seu amor, mas depois de saber do assassinato de seu pai, julga que as mulheres são maliciosas. Não entende como sua mãe, que acreditava ser fiel a seu pai, pôde se casar tão cedo com seu tio, e culpa as mulheres pelos pecados cometidos. Em diálogo com Ofélia, nega seu amor por ela e a aconselha que se torne casta e vá para um convento: Hamlet: Se te casares, te darei esta praga como dote: que mesmo que sejas casta como gelo e pura como neve, não escaparás à calúnia. Vai para um convento, adeus. Mas se 47 tens que casar, casa com um imbecil; pois os homens sensatos sabem bem em que espécie de monstros vocês os transformam. (SHAKESPEARE, 2015, p. 113) Figura 8. Alessandra Sanguinetti. As Ofélias. 2002. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com A fúria e a angústia de Hamlet continuam a atribular os dias na corte e, em discussão com a mãe, ele percebe uma pessoa escondida atrás da cortina e desfere sua espada achando que seria seu tio. O jovem príncipe acaba por matar Polônio, pai de Ofélia, o que deflagra na peça a loucura da jovem. Em estado que merece piedade, como notado por um dos personagens, Ofélia agora segue seus dias cantando. Ela canta sobre a morte, sobre túmulos, sobre amores não correspondidos. Depois de pouco tempo, vem a notícia de seu afogamento: Rainha: Por sobre uma nascente há um salgueiro inclinado, que espelha as folhas gris no líquido cristal. Ali fez fantásticas guirlandas, de urtigas, margaridas, ranúnculos e orquídeas púrpuras, a que os ímpios zagais dão um nome vulgar, e as castas virgens chamam dedos-de-defunto. Quando subiu nos galhos pensos para atar as suas guirlandas, ciumento, um ramo cedeu, e então tomaram ela e seus troféus floridos no plangente riacho. Suas roupas se abriram, e, como uma sereia, boiou por instantes. E aí entoou refrãos de antigas cantorias como alguém insensível à própria agonia, ou como um ente nato e de todo integrado à água que escorria. Porém, não demorou e suas vestes, pesando da água que bebiam, arrastaram a infeliz de suas doces cantigas para os lodos da morte. (SHAKESPEARE, 2015, p. 168-169) 48 Hamlet se depara com o túmulo de Ofélia sendo aberto pelo coveiro e faz reflexões sobre a vida, sobre o que resta do corpo quando se morre. Quando descobre que é Ofélia quem será enterrada ali lamenta sua morte e afirma que a amava. Tarde demais para a jovem, que pela loucura inventada de Hamlet, negando seu amor a ela e a morte de seu pai, acaba por morrer afogada em um rio. Na fotografia de Alessandra Sanguinetti, vemos Guille e Belinda encenando seu afogamento, talvez o momento onde seu corpo boiou como uma sereia. Envoltas por flores como Ofélia, as duas primas fazem perdurar a história da personagem de Shakespeare. Ofélia retorna em muitos momentos na literatura e nas artes visuais, como no livro de Beckford (2001), no qual conta sobre os pintores extraordinários. Na história do pintor Og de Basã, retratado como um pintor passional, ligado às paixões, sua amada comete suicídio ao se jogar em um rio, quando percebe que ele a havia abandonado. Vivendo juntos por algum tempo, Og renuncia a sua vida a dois: “Mas finalmente Og lembrou que não havia nascido para passar todos os seus dias em Tívoli e, enquanto sua amada ninfa dormia a seu lado, levantou-se e, sem mesmo arriscar a dirigir seu olhar para trás, escapou como um criminoso em direção a Roma” (BECKFORD, 2001, p. 48). Percebendo sua ausência, sua amada de nome desconhecido tem um fim trágico muito semelhante daquele descrito para Ofélia: “Ela deu um sobressalto; um frio tremor tomou conta de sua compleição; teria caído não fosse um velho pinheiro a sustentála. Abriu uma vez mais os olhos e, dirigindo um último olhar às cenas de sua felicidade prévia, mergulhou de cabeça na corredeira e não foi mais vista.” (BECKFORD, 2001, p. 48). A diferença da história de Shakespeare para a de Beckford é que o pintor, depois de certo tempo, se arrepende de seu abandono e retorna para reparar o seu erro. Sabendo da morte da amada, acaba por seu culpar por isso para o resto da vida. Og ainda tem um sonho com a amada onde ela dá a orientação ao pintor: “Deixa aquela cidade fatal; procura as ilhas do sul e poderás expiar teu crime!” (BECKFORD, 2001, p. 55). Og ainda vive por muitos anos e, atormentado por suas palavras em sonho, procura as ilhas do sul para se jogar de um penhasco e morrer. No final das histórias de Shakespeare e de Beckford todos acabam morrendo, a diferença de um autor para outro é que Hamlet acaba morrendo executando a vingança da morte de seu pai e Og de Basã morre por culpa da morte da amada, expiando seu crime. Todavia as motivações sejam distintas nos dois personagens, a Ofélia de Shakespeare acaba por aparecer em Beckford, nessa personagem sem nome que, a princípio sustentada por um pinheiro, como o salgueiro de Ofélia, acaba por se jogar nas águas e tirar a própria vida. 49 Por mais icônica que seja a tragédia de Hamlet, As Ofélias de Alessandra Sanguinetti pode ter surgido de uma referência não necessariamente da peça de Shakespeare. As duas meninas podem ter visto a imagem que John Millais (figura 9) produziu em alusão à personagem. Ainda boiando no rio, mas quase afundando, a Ofélia de Millais tem ainda os olhos úmidos e a boca entreabertos no sopro de vida que lhe resta. Envolto pela vegetação, o rio, assim como o escolhido por Alessandra Sanguinetti, Guille e Belinda, não é profundo. Assim como na fotografia, na pintura também saltam hastes da água, denunciando seu fundo raso, mas que é suficiente para submergir uma pessoa. A Ofélia de Millais segura flores com sua mão, assim como na fotografia e os braços abertos de Belinda podem ser mais uma alusão a posição corporal da Ofélia do pintor. Figura 9. John Millais. Ofélia. 1851–1852, óleo sobre tela, 76,2 cm × 111,8 cm. Fonte: Tate Gallery, Londres. Terry Riggs, em texto para Tate Gallery, onde a pintura de Millais faz parte do acervo, lembra que Shakespeare era um tema popular para os artistas vitorianos, embora Millais fosse um romântico e em Shakespeare o que predomina é a imagem do apaixonado que se desgoverna. Em Ofélia, Millais pintou primeiro a natureza e em seguida adicionou a figura da moça à pintura. O artista era minucioso para pintar a paisagem natural e se dedicava com afinco, vemos, em detalhes, a vegetação, as pequenas flores que adicionam coloração em meio ao verde, o passarinho avermelhado que passa quase despercebido no canto superior esquerdo e também o reflexo na água no canto inferior esquerdo. 50 Em carta para Millais, o Marquês de Lorne, T.K. em 1884, exalta as qualidades pictóricas do artista onde afirma que sua pintura possui um caráter transcendental. “Millais desde o princípio procurou a poesia da natureza. Começou a estudá-la em sua infinita variedade de detalhes e, ele o fez, devido à delicadeza incomparável de sua mão, de uma forma minuciosa e verdadeira que nunca foi igualada”7 (T.K., 1899, p. 120, tradução nossa). Segundo Terry Riggs, a modelo que posou para Millais era Elizabeth Siddal8 (1829-1869), que constumava posar para outros artistas. Ela posou para o artista durante quatro meses dentro de uma banheira que era aquecida por lamparinas acesas posicionadas em baixo. Certa vez, as lamparinas saíram de baixo e a modelo passou muito frio, ficando doente. Millais foi obrigado a pagar seu tratamento médico. Riggs9 ainda lembra da simbologia das flores e plantas que Millais pinta, onde o salgueiro, a urtiga e a margarida podem ser associadas ao amor, a dor, inocência e abandono, e as violetas, próximas ao seu pescoço, com fidelidade, castidade ou mesmo morte, como podem ser vistas as papoulas. Ainda em seu processo de criação para a pintura, Millais escreve para Thomas Combe em 1852: "Hoje comprei um esplêndito vestido antigo de senhora - todo floral em bordados de prata - e vou pintá-lo para Ofélia. Você pode imaginar o quanto isso é bom quando eu lhe disser que ele me custou, velho e sujo como está, quatro libras"10 (MILLAIS, 1899, p. 162, tradução nossa). Desse processo minucioso do artista, surgiu sua Ofélia e, desde então, muitos são os artistas que fazem alusão a sua obra, não apenas nas artes visuais, mas também em outras linguagens. A fotografia As Ofélias de Alessandra Sanguinetti, porém, ultrapassa o mero citacionismo, pois possui uma singularidade. A artista e as meninas podem ter se baseado na obra de Millais e/ou em Shakespeare, mas trazem algo de novo, resignificam a história de Ofélia. Agora não mais uma garota envolta na tragédia, mas duas meninas simples do interior que encenam, imaginam, revivem histórias. Tadeu Chiarelli (1956-), em seu texto 7 Millais from the first sought out the poetry of Nature. He began to study it in its infinite variety of detail, and he rendered it, owing to the matchless delicacy of his hand, in a way which for minuteness and truth has never been equaled. 8 Além de ser uma das modelos preferidas dos artistas pré-rafaelitas, Elizabeth Sidall também era artista plástica e poetiza. 9 The plants, most of which have symbolic significance, were depicted with painstaking botanical detail. The roses near Ophelia's cheek and dress, and the field rose on the bank, may allude to her brother Laertes calling her 'rose of May'. The willow, nettle and daisy are associated with forsaken love, pain, and innocence. Pansies refer to love in vain. Violets, which Ophelia wears in a chain around her neck, stand for faithfulness, chastity or death of the young, any of which meanings could apply here. The poppy signifies death. Forget-me-nots float in the water. (RIGGS, 1998) 10 Today I have purchased a really splendid lady's ancient dress - all flowered over in silver embroidery - and I am going to paint it for "Ophelia". You may imagine it is something rather good when I tell you it cost me, old and dirty as it is, four pounds. 51 Considerações sobre o uso de imagens de segunda geração na arte contemporânea, reflete sobre como procedem os artistas que se nutrem da História da Arte para compor seus trabalhos: Essa produção, portanto, não se adaptaria ao cunho evolucionista que caracterizou o período moderno, baseado na busca do novo e do original. Ao contrário, percebe-se nela a necessidade de manter um olhar retrospectivo, produzindo obras cujo valor não está na novidade absoluta das formas – que caracterizou principalmente as vanguardas históricas – mas sim na elaboração de outros sistemas visuais significativos, criados a partir da conjugação de imagens e procedimentos linguísticos preexistentes (e muitas vezes conflitantes), todos eles recolhidos naquele universo de imagens já referido. (CHIARELLI, 2001, p. 257) Os artistas não estariam, portanto, preocupados com uma redescoberta de algo original, mas sim em recuperar imagens ou situações ligadas à História da Arte. Chiarelli ainda lembra que os artistas, depois de Segunda Guerra Mundial, vivenciaram uma expansão das tecnologias e meios de comunicação, onde receberam, sem resistência, informações cada vez mais fragmentadas. O procedimento de colagem estaria cada vez mais presente na arte e vemos isso também no trabalho de Alessandra Sanguinetti, quando ela agrupa, na série de fotografias, algumas referências da História da Arte e agrega isso à vida no campo, ao cotidiano das meninas, à infância e a seu próprio testemunho. Como ninfas nas águas, Guille e Belinda se encontram na sobrevivência da loucura e da morte de Ofélia. Giorgio Agambem, em seu livro Ninfas, lembra que “a ninfa é um composto indiscernível de originalidade e repetição, forma e matéria.” (AGAMBEN, 2012, p. 29). Ela seria feita à imagem e semelhança dos homens, mas teria outro grau de criação, separado deles e dos animais. A ninfa poderia ser um vestígio, neste caso, da loucura e da morte de Ofélia. Um rastro daquilo que a personagem viveu e que, pelas imagens na arte, permanece na história como um fantasma que sempre retorna. Aby Warburg (1866-1929), em seu texto O nascimento de Vênus e A primavera de Sandro Botticelli, discorre sobre as interlocuções e inspirações do pintor Sandro Botticelli (1445-1510) com poemas homéricos, mas também como sua pintura se relaciona diretamente com os poemas de Angelo Poliziano (1454-1494), dramaturgo e poeta florentino. Warburg faz toda uma reflexão sobre o movimento, sobre um esforço que os artistas tinham para capturar os movimentos de trajes e cabelos e que era, segundo ele, “uma corrente dominante nos círculos artísticos do norte da Itália desde o primeiro terço do século XV, que encontraria no Da pintura de Alberti sua expressão mais destacada.” (WARBURG, 2015, p. 33). Warburg se refere ao 52 texto escrito pelo arquiteto florentino Leon Battista Alberti (1404-1472). Ele afirma ainda que Botticelli recorre à antiguidade em diferentes questões em suas obras, uma delas seria o movimento. Lembra também que o poeta Poliziano não escreveu seus versos sem referências, mostrando como base de seu trabalho outros autores como Ovídio e Claudiano. Nesse sentido, não seria prudente pensar que a As Ofélias de Alessandra Sanguinetti surgiria sem referências. Warburg lembra ainda que, nas regras de pintura de Alberti, havia uma mistura de fantasia e reflexão: De um lado, ele se mostra contente em ver cabelos e trajes em movimento intenso – e aí dá vasão à sua fantasia, que injeta vida orgânica nos acessórios inanimados; nesses momentos, ele vê serpentes que se entrelaçam, labaredas atiçadas, ou os ramos de uma árvore. De outro lado, Alberti é enfático em exigir do pintor que disponha, ao reproduzir tais motivos, de um senso para a comparação atinado o bastante para não se deixar levar por um excesso contrário à natureza – de modo a apenas imprimir movimento aos acessórios ali, onde o vento realmente poderia provoca-lo. (WARBURG, 2015, p. 34) Ao contrário da Vênus retratada por Botticelli e como descrita no poema por Poliziano, As Ofélias de Alessandra Sanguinetti e a Ofélia de Millais não se encontram em grande movimento como Alberti gostaria em Da Pintura. Tanto na pintura quanto na fotografia o vento não pode ser percebido como um provocador de movimentos. Todavia, essas Ofélias se encontram após uma grande movimentação. Depois de um grande deslocamento que fez a Ofélia cair da árvore, num ramo ciumento que cedeu, morre afogada e nesse movimento de falecimento, em algum momento, há uma imobilidade, embora o rio continue correndo. Há a paralização que acontece quando a morte é iminente. É possível vislumbrar Ofélia como uma ninfa, pois carrega consigo flores de diferentes tipos, como a Vênus descrita por Poliziano, que carrega mil flores em sua pequena guirlanda, de cabelos longos e soltos. Nas Ofélias de Alessandra Sanguinetti e de John Millais, o movimento se dá pela pequena correnteza dos rios e não pelo vento, e assim talvez ambos os artistas, mesmo que inconscientemente, tenham seguido o conselho de Alberti e não se deixaram levar pelos excessos contrários à natureza. O fluxo existente se dá pelo que poderia ser, pelas águas correntes dos rios. Na linguagem fotográfica, não foi apenas Alessandra Sanguinetti quem se ateve ao tema clássico de Ofélia como uma referência para compor uma obra. O fotógrafo americano Gregory Crewdson (1962-) possui fotografias de pequenas localidades de forma dramática e cinematográfica. Suas fotografias, por vezes, parecem ter saído de frames de filmes. Muitas vezes, Crewdson fotografa o interior de casas, como na figura 10. A casa poderia ser uma residência comum do interior dos Estados Unidos, com todos os seus objetos de uso cotidiano à mostra, não fosse pela sala estar alagada por talvez meio metro. O alagamento raso é suficiente 53 para submergir um corpo, como na Ofélia de Millais e de Sanguinetti e, no meio da sala, há uma mulher boiando por entre os móveis. Alyssa Loh e Alma Vescovi escrevem sobre Crewdson para o site The American reader e afirmam que: Suas imagens são ricas em detalhes, e não há nada no quadro - nem uma mancha, nem uma abajur - que ele não seleciona cuidadosamente. E, no entanto, essa abundância de detalhes é equilibrada com uma impressionante falta de informação - as configurações são comuns (uma cozinha suburbana, uma sala de estar, um canto escuro da rua)” 11 (LOH;VESCOVI, s.d., tradução nossa) Crewdson afirma, em entrevista, que não gosta que haja um certo tipo de narrativa consciente em seus trabalhos, mas em sua fotografia há uma iconografia que remete à imagem de Ofélia. Uma mulher de vestido boiando no centro da imagem e de olhos e boca entreabertos, pode remeter a Ofélia de Millais e, por consequência, a outras Ofélias, como a de Alessandra Sanguinetti. Figura 10. Gregory Crewdson. Sem título. Série Twilight. 2001. 48 × 60 polegadas. Fonte: www.gagosian.com 11 His images are rich in detail, and there is not a thing in the frame—not a stain, not a lampshade—that he does not carefully select. And yet, this abundance of detail is balanced with a striking lack of information—the settings are ordinary (a suburban kitchen, a living room, a dark street corner). 54 Embora queira negar uma narrativa consciente por parte de seus atores, Crewdson afirma que procura sempre por algo estranho e, ao mesmo tempo, familiar. A imagem da mulher flutuando em uma sala de estar era uma ideia que persistia por anos para o fotógrafo e afirma que “em “Twilight” as narrativas são mais literais, e o evento é muito mais espetacular.”12 (CREWDSON, s.d., tradução nossa). A cenografia presente em Crewdson é diferente da narrativa que Alessandra Sanguinetti constrói. Na imagem do fotógrafo, a cena é muito mais construída, inclusive a insidência de luz, que é baixa e faz lembrar as pinturas solitárias e melancólicas de Edward Hopper (1882-1967), pricipalmente quando a luz incide sobre o sofá e o corta ao meio. Em Alessandra Sanguinetti, a construção da narrativa fica por conta da série como um todo e por sua referência mais explícita à obra de Shakespeare e/ou de Millais. As duas primas também possuem uma relação com a fotógrafa muito distinta da que a modelo de Crewdson pode ter com ele. Alessandra Sanguinetti acompanha o cotidiano e as fantasias de Guille e Belinda por muitos anos e Crewdson contrata atores para seus trabalhos. A encenação acontece nas duas fotografias, mas de maneira distinta. Outro fotógrafo, em que se pode encontrar uma referência à personagem Ofélia, é Tom Hunter (1965-) em sua obra The way home (O caminho de casa, tradução nossa) (figura 11). O fotógrafo inglês possui uma série intitulada Life and Death in Hackney (Vida e morte em Hackney, tradução nossa), onde retrata pessoas em uma cidade periférica de Londres. A maioria dos retratos mostra as pessoas em meio a pequenas partes de natureza com construções em seus arredores, como em The way home, onde a maior parte da fotografia mostra a natureza cercando o corpo da moça boiando no riacho, mas ao fundo se vê casas, postes, fragmentos de cidade. Segundo as informações sobre a série no site do artista, as fotografias revelam uma paisagem da era pós-industrial e a cidade de Hackney se mostra propícia para um retrato de Ofélia, pois possui muitos rios, riachos e canais de água cortando a área urbana. De acordo com a descrição da obra, a ideia de Tom Hunter era tomar, como referência, artistas como John Millais: Life and Death in Hackney faz referência aos temas e à estética dos pintores históricos, neste caso os pré-rafaelitas. A pesquisa para este projeto envolveu olhar em como o mundo natural é percebido na sociedade urbana contemporânea, particularmente em torno de Hackney e seus arredors, e as imagens foram criadas então com um filtro de arranjos composicionais, paleta de cor brilhante e poses de figuras encontradas nos trabalhos de John Everett Millais e seus contemporâneos. (UAL Research Online, s.d., tradução nossa)13 In “Twilight” the narratives are more literal, and the event is much more spectacular. Life and Death in Hackney references back to the themes and aesthetics of historical painters, in this case the Pre-Raphaelites. The research for this project involved looking into how the natural world is perceived in contemporary urban society, particularly around Hackney and its surroundings, and images were then created 12 13 55 Em Tom Hunter, além de identificar uma iconografia de Ofélia como em Crewdson, as referências são explicitadas em sua intenção ao declarar abertamente que Millais e outros artistas de sua época foram um dos pontos de partida na composição da série fotográfica. The way home também tem, como referência, uma história trágica publicada em um jornal local, de uma garota caindo em um canal da cidade tarde da noite depois de uma festa. Suas referências se mesclam entre essas histórias, esses testemunhos cotidianos e a História da Arte. Diferentemente de As Ofélias de Alessandra Sanguinetti, The way home de Tom Hunter mostra um ambiente urbano, apesar da vegetação espessa, mas muito distinta da paisagem de fazenda, de interior, presente na fotografia de Sanguinetti. Ambas as obras tomam como referência a obra de Millais, mas cada uma com uma particularidade. Sanguinetti constrói uma narrativa afetiva que permeia as fabulações infantis, o cotidiano de brincadeiras, enquanto Hunter trata de uma reconstrução de uma história, a notícia sobre uma garota caída em um dos canais dessa cidade dos arredores de Londres. Figura 11. Tom Hunter. The way home. 2000. Fonte: http://www.tomhunter.org Depois de Millais, o tema de Ofélia se tornou cada vez mais popular e, na contemporaneidade, a temática se faz presente e sobrevive em diferentes artistas. Georges Didithrough a filter of the compositional arrangements, bright colour palette and figure poses found in works by John Everett Millais and his contemporaries. 56 Huberman (1953–), em A imagem sobrevivente, tece inúmeras questões sobre a sobrevivência das imagens na História da Arte. Apoiado em Warburg, ele afirma que: “Função memorativa das imagens”? Essa é justamente a questão a que, desde o começo, correspondeu o conceito warburguiano de sobrevivência. É a maneira pela qual as imagens sobrevêm e retornam, num mesmo movimento, que constitui o movimento – o tempo dialético – do sintoma. (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 390). A imagem que sobrevive, neste caso a imagem de Ofélia, poderia ser vista como um fantasma, uma aparição que retorna dentro das obras de arte. Podemos pensar nessas aparições de Ofélia dentro da História da Arte não como evolutivas, onde as mais recentes como a de Sanguinetti ou Hunter seriam melhores do que a de Millais por exemplo, mas como um retorno desse personagem como um sintoma, uma sobrevivência. Seria possível montar uma prancha, ao modelo do Atlas Mnemosyne de Warburg, para mostrar as diferentes aparições de Ofélia na História da Arte pois, sem dúvida, seriam muitas. A temática da loucura, da morte, do possível suicídio da personagem, continua sendo universal, decorridos os séculos da escrita de Hamlet por Shakespeare. Portanto, as imagens funcionam como os vestígios da memória dessa tragédia de Ofélia. Didi-Huberman afirma que as imagens também sofrem de reminiscências: “mal esboçado – e por menos que seja intensificado ou deslocado, e portanto, inquietante – , o gesto faz subir uma memória inconsciente ‘das profundezas do tempo’” (DIDI-HUBERMAN, p. 2013a, p..277, grifo do autor). Então as imagens possuiriam uma memória também, mesmo que vaga, seria essa sobrevida que Ofélia ganha mesmo na contemporaneidade, passados tantos anos da peça ser lançada. As Ofélias, sejam as de Sanguinetti, Crewdson, Hunter ou Millais, são dotadas do seu instante melancólico e derradeiro, o instante da morte, dos segundos de transição, onde se estava viva, agora se encontra morta. O inconsciente se desloca no destempo, a tragédia de Ofélia é vivida e revivida na História da Arte, seja na pintura, na fotografia ou outros meios. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos faz um esforço para testemunhar o sonho, há essa linhagem de artistas que fizeram esse esforço de tradução do sonho, da possibilidade da morte. Millais dá a ver a Ofélia que existia apenas nas palavras de Shakespeare, possibilita que a Ofélia seja essa ninfa que sempre retorna. Alessandra Sanguinetti faz a junção entre a narrativa escrita e a visual, quando utiliza a história de Ofélia como pano de fundo para pensar a imagem. “Dizer 57 que o presente traz a marca de múltiplos passados é falar, antes de mais nada, da indestrutibilidade de uma marca do tempo – ou dos tempos – nas próprias formas de nossa vida atual.” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 47). 2.4 Retratos da infância e juventude O rio raso que abriga As Ofélias é o mesmo onde, em outras fotografias, as duas primas tomam banho e se divertem, tal como pode ser visto na figura 12. Nessa imagem reconhecemos o banco de areia que aparece no alto da fotografia que Alessandra Sanguinetti fez para retratar suas duas Ofélias. Mas, diferente da tragédia de Shakespeare, vemos Guille e Belinda saindo do rio depois de tomarem um banho e, pela expressão leve das duas, parece ter sido bem divertido. Apenas de roupas íntimas, aqui as duas não encenam nada além do próprio cotidiano. Não há o drama carregado de loucura e morte, mas a simplicidade do dia a dia, a infância se mostrando. Figura 12. Alessandra Sanguinetti. Sem título. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com 58 Para além de recriar personagens e encenar obras de arte, Alessandra Sanguinetti captura, com sua lente, o cotidiano e a vida íntima de Guille e Belinda. Mostra a fase da infância, adolescência e as transformações que foram ocorrendo não somente em seus corpos, mas em suas vidas como um todo. A infância mostrada é a do cotidiano desse lugar afastado dos centros urbanos do país, das brincadeiras e encenações, com as interações familiares e com os animais da fazenda. Na figura 13, vemos, em O colar, um retrato íntimo dessa infância. Nessa fotografia, Guille e Belinda estão em um quarto, sentadas em cima de uma cama e estão adornadas de colares, pulseiras e brincos que devem pertencer às mulheres mais velhas da casa e ambas parecem ter passado batom vermelho nos lábios. Elas brincam como muitas meninas da sua idade, ao procurar por objetos de enfeites e maquiagem da mãe, da irmã mais velha, das figuras femininas de referência. Guille observa com atenção um dos colares que Belinda usa e ela, por sua vez, olha fixamente para a câmera. Os olhos de Belinda são, com recorrência, muito expressivos. Ela, em diversas fotografias, olha direto para a lente fotográfica de forma séria, mas não sisuda, e seus olhos preenchem a fotografia de intimidade. Figura 13. Alessandra Sanguinetti. O colar, 1999. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Por meio dessas fotografias, Alessandra Sanguinetti faz um retrato da infância de uma época, de um lugar, de duas meninas, uma narração óptica desse espaço de tempo. No ano de 59 2016, o MASP (Museu de Arte de São Paulo) realizou a exposição Histórias da Infância, abordando diferentes temas relacionados à infância em obras de seu acervo. Foram selecionadas obras do museu que retratavam diferentes infâncias, como as meninas de Pierre-Auguste Renoir em Rosa e Azul (1881) e a fotografia da série Brasília Teimosa (2005) de Bárbara Wagner, mostrando as fricções entre as obras, que se dão não apenas pela distância temporal, mas também pela posição social diferenciada das crianças retratadas. A exposição contou ainda com obras que figuram as brincadeiras, o universo lúdico infantil, a maternidade e, com uma coleção de desenhos infantis. No catálogo da exposição, há também textos que abordam essas temáticas, sobre a representação da infância desde o renascimento, os retratos da infância no Brasil colonial, os meninos de rua e as convenções visuais da infância. Adriano Pedrosa, um dos curadores da exposição, afirma que nela houve sim uma questão política envolvida: Com um tema aparentemente tão doce quanto a infância, a exposição desenvolve uma operação de cunho político por meio de recontextualizações e justaposições de obras e artistas canônicos, questionando o assentamento de narrativas mais estabelecidas da história da arte e promovendo novas visibilidades de sujeitos e personagens. (PEDROSA, 2016, p. 14) Adriano Pedrosa esclarece que a exposição possui um cunho político ao colocar, lado a lado, as fricções que surgem das representações de uma infância europeia e abastada, em contraposição a uma infância brasileira da periferia, por exemplo, no caso citado de Renoir e Bárbara Wagner. Ele completa: “[...] há um entendimento de que as histórias que podemos contar não são apenas aquelas das classes dominantes ou da cultura europeia e suas convenções visuais” (PEDROSA, 2016, p. 14). Esse deslocamento de protagonismo da classe dominante permeia a História da Arte recente e é o que Alessandra Sanguinetti faz ao retratar o cotidiano de Guille e Belinda, transforma algo corriqueiro e comum em obra de arte, traz o sublime para aquilo que é ordinário. As Aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos mostra uma infância em uma fazenda do interior, na América do Sul, na Argentina, em lugares onde a rotina é diferente do de uma grande cidade. Uma das obras em exposição no MASP era Christiane e Anabelle (figura 14) da artista brasileira Liane Chammas (1946-). A pintura mostra duas moças também em um quarto como em O Colar de Alessandra Sanguinetti e, desta vez, ao invés de sentarem na cama, uma das meninas está sentada em uma cadeira enquanto outra se posiciona em pé, atrás, segurando os cabelos da moça da frente. Claramente ambas estão se arrumando, estão de vestido, meias até o joelho, com anéis, brincos e laços no cabelo. A moça de verde segura um espelho para se 60 olhar, enquanto a moça de laranja termina o penteado. Aqui se procuram as semelhanças e diferenças entre Guille e Belinda e Christiane e Anabelle. As duas moças retratadas por Liane Chammas parecem estar se arrumando muito bem para um compromisso, enquanto as meninas retratadas por Alessandra Sanguinetti parecem se adornar não para sair, mas para um momento lúdico. Christiane e Anabelle estão de prontidão, de olhos fixos no observador e, o próximo movimento das duas depois de terminado o penteado, parece ser o de saída. Terminando a tarefa de se arrumarem, logo vão sair do quarto. Guille e Belinda, por sua vez, se encontram relaxadas sobre a cama, como se não tivessem nenhum horário marcado, usando os adereços e o batom como passatempo de uma tarde. Na foto de Alessandra Sanguinetti, as duas primas ainda estão na infância lúdica enquanto na pintura de Liane Chammas as duas moças estão entrando na juventude, nesse período de transição da infância para a vida adulta. Figura 14. Liane Chammas. Christiane e Anabelle, 1976, acrílica sobre tela, 159,8 x 120 cm. Fonte: Acervo MASP www.http://masp.art.br Outra curadora da exposição, Lilia Moritz Schwarcz, escreve sobre a dimensão temporal da infância, que ela passaria em nossa impressão, mais rápido do que outras fases, mas que afinal, não se esquece, na qual há uma idealização das memórias: E talvez “infância” seja o momento que passe mais rápido na experiência, mas se converta no mais longo, quando no registro da lembrança. É também um tempo que 61 passa veloz na conta dos meses e anos, mas que não se esquece no registro escorregadio da memória. Ela é sobretudo ambígua pois feita de seleção; da tentativa de guardar um tempo sem memória, envolto por uma projeção e esquecimento. Momento idealizado, de um passado incontornável, ela faz parte do próprio ato de recordar. (SCHWARCZ, 2016, p. 20). Alessandra Sanguinetti, por meio de sua série fotográfica, consegue guardar parte dessas memórias de Guille e Belinda, mas a autora ainda lembra que pintamos e escrevemos sobre a infância como adultos, ou seja, há sempre o olhar de fora, o olhar estrangeiro, como é o olhar de Alessandra Sanguinetti sobre as duas primas, apesar de sua relação ser de uma maior proximidade com elas. Uma fotógrafa que também retratou o cotidiano de duas meninas foi Lady Clementina Hawarden (1822-1865), que é apontada pela escritora, galerista e artista inglesa Laura Noble (2007), no texto The reality of a pretend world ~ On the dreams and adventures of Guille e Belinda, como uma das referências de Alessandra Sanguinetti, assim como outras pioneiras da fotografia Vitoriana. Lady Clementina Hawarden utilizava membros de sua família como modelos de suas fotografias, tendo uma relação pessoal com os fotografados. A fotógrafa teve dez filhos no total, mas apenas oito chegaram a vida adulta. Fotografava com maior frequência suas filhas Isabella Grace, Clementina e Florence Elizabeth. Os ambientes eram sempre a residência da família, em sua maior parte no interior de edificações, mas próximo das janelas, o que conferia uma luz natural na composição da fotografia. Constantemente as irmãs estavam posando para a mãe em diferentes cenas, algumas traziam elas dramatizando uma situação, outras mostrando diferentes tipos de roupas, algumas de gala, outras mais boêmias, sem espartilhos ou sustentação. Lady Clementina Hawarden é lembrada, com regularidade, como uma pioneira na fotografia de moda. Em texto institucional sobre o estilo de sua fotografia, o Victoria and Albert Museum de Londres, que detém a maior parte de seu acervo, relata como foi para a fotógrafa a escolha de retratar suas filhas: Depois de suas primeiras fotografias de paisagens estereoscópicas tiradas na Irlanda, Hawarden se concentrou em suas filhas. Seu trabalho registra a vida e os interesses de uma família de classe média alta vitoriana. Fotógrafos do sexo masculino naquela época muitas vezes partiam para explorar lugares distantes. Como mulher, Hawarden teve que trabalhar perto de casa, mas ao criar essas imagens enigmáticas de suas filhas, ela apostou em novos perímetros para a fotografia artística. (Victoria and Albert Museum, tradução nossa)14 14 After her early stereoscopic landscape photographs taken in Ireland, Hawarden focused on her daughters. Her work records the life and interests of an upper-class mid-Victorian family. Male photographers at that time often set off to explore faraway places. As a woman Hawarden had to work close to home, but by creating these enigmatic images of her daughters, she staked out new perimeters for art photography. 62 As filhas de Lady Clementina Hawarden compunham cenas do cotidiano e também inventadas, se vestiam de freira, brincavam com a imaginação, como na fotografia que pode ser vista na figura 15. Na imagem, sua filha Clementina está à esquerda vestida de homem e Isabella está à direita com um elegante vestido da época. A fotografia mostra as duas na incidência de luz regular de suas fotografias, com o sol adentrando o cômodo por grandes janelas, fazendo um jogo de luz de claro-escuro. Clementina vestida de homem está de costas para o observador, apoia uma das mãos na parede, que se esvai na imagem e posiciona sua cabeça de perfil, voltando seu olhar para Isabella, mas mantendo uma certa distância, como se portasse como um cavalheiro investindo na atenção da dama. Isabella, por sua vez, está recostada na parede, nobremente vestida, com as mãos postas sobre o vestido e de olhos fechados, parece escutar pacientemente o que o cavalheiro tem a lhe dizer. Figura 15. Lady Clementina Hawarden. Sem título. Fotografia, 1863-1864. 23,8 x 26,2 cm. Fonte: Acervo Victoria and Albert Museum http://collections.vam.ac.uk Poderíamos pensar que, a princípio, as escolhas de encenação da fotógrafa vitoriana estavam mais ligadas à sua restrição na atuação como fotógrafa mulher do que em retratar um universo de fantasia como acontece com Alessandra Sanguinetti, embora a questão se faça presente em ambas as artistas. A infância e juventude retratada por Lady Clementina Hawarden pode ser muito distinta da que Alessandra Sanguinetti retrata pela questão temporal, pois mais de cem anos se passaram entre as fotografias da inglesa e da americana, também pela posição 63 social das retratadas, suas vestimentas e costumes apresentados, mas o universo onírico é o mesmo em ambas as épocas. Alessandra Sanguinetti também possui uma fotografia onde retrata Guille e Belinda vestidas de homem e mulher em O casal (figura 16). Nessa fotografia é Belinda quem assume o personagem masculino, vestindo calças pretas, com um chapéu nas costas pendurado por uma corda no pescoço e um falso bigode. Sem camisa, ela apresenta sua nudez para a câmera, que denuncia sua infância mostrando seus seios retos. Guille, por sua vez, é a mulher na pequena narrativa contada pela fotografia. Ela está apenas de roupas íntimas, de calcinha e sutiã brancos e, escondendo o rosto, é acolhida nos braços de Belinda, que mais uma vez encara as lentes da câmera de forma séria. Figura 16. Alessandra Sanguinetti. O casal, 1999. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Da nobreza apresentada por Lady Clementina Hawarden, passamos para a simplicidade da fotografia de Alessandra Sanguinetti. Ambas retratam moças e meninas que lhe são caras, pelo parentesco ou amizade, e existe uma relação de proximidade com suas modelos. Ambas retratam o universo onírico da infância e início da juventude e nos posicionam em seus lugares, como observadores dessa intimidade compartilhada entre fotógrafas e fotografadas. 64 Outra artista que nos coloca nesse posicionamento e nos possibilita acompanhar as transformações do crescimento de uma jovem é a americana Roni Horn (1955-). Na série de fotografias This is Me, This is You (figura 17), a artista apresenta 48 pares de imagens da sobrinha Georgia Loy, que fotografou durante dois anos. Tiradas com poucos segundos de diferença, as fotografias de Roni Horn evocam as sutilezas das expressões do rosto e as transformações da menina. Quando em exposição, a artista apresenta a série de fotografias, sem ordem cronológica, com os pares distanciados em diferentes posicionamentos da parede, fazendo com que o espectador se pergunte se já não havia passado pela mesma imagem a pouco tempo. Também publicou um livro de mesmo nome da série em 2002, onde pares de imagens se encontram em oposição, do iníco para o fim e do fim para o início, considerando a sequência de páginas do livro. Figura 17. Roni Horn. This is Me, This is You. 1999-2000. Fotografia. Fonte: http://www.contemporaryartdaily.com A mutabilidade da identidade é questão presente tanto nas fotografias de Roni Horn quanto de Alessandra Sanguinetti e Lady Clementina Hawarden. As artistas trabalham com a temporalidade, exibindo momentos únicos que não retornam, retratando a transição da infância e juventude, o crescimento das filhas, da sobrinha ou das vizinhas de fazenda, embora apresentem costumes, vestimentas e épocas distintas. Mas de forma distinta de Alessandra Sanguinetti, as fotografias de Roni Horn não apresentam narrativas ou ficções, mas tratam da instantaneidade da fotografia, retratando momentos fugases de Georgia, um balbucio, uma careta, uma mudança de expressão. Giorgio Agamben em seu texto O dia do juízo do livro 65 Profanações faz uma reflexão acerca da fotografia: “a fotografia é para mim, de algum modo, o lugar do Juízo Universal; ela representa o mundo assim como aparece no último dia [...]” (AGAMBEN, 2007, p. 27). Não que o que lhe agrada fosse as fotografias de tragédia, mas uma fotografia que possui uma singularidade de seu tempo, como acontece tanto com Alessandra Sanguinetti quanto com Lady Clementina Hawarden e Roni Horn. Agamben ainda lembra que a fotografia exige algo de nós quando ela impõe que o fotografado seja lembrado: Mesmo que a pessoa fotografada fosse hoje completamente esquecida, mesmo que seu nome fosse apagado para sempre da memória dos homens, mesmo assim, apesar disso – ou melhor, precisamente por isso – aquela pessoa, aquele rosto exigem o seu nome, exigem que não sejam esquecidos. (AGAMBEN, 2007, p. 29) A fotografia então exigiria uma lembrança, impõe sua vontade de memória sobre o observador. Como se não devêssemos esquecer de Clementina e Isabella, Georgia e Guille e Belinda. O autor ainda afirma que a fotografia exige uma redenção: “A imagem fotográfica é sempre mais que uma imagem: é o lugar de um descarte, de um fragmento sublime entre o sensível e o inteligível, entre a cópia e a realidade, entre a lembrança e a esperança” (AGAMBEN, 2007, p. 29). As fotografias de Lady Clementina Hawarden, Roni Horn e Alessandra Sanguinetti poderiam ser entendidas assim, como esse olhar sobre o fragmento de um universo lúdico e onírico da infância e juventude, uma narrativa visual, um lugar para lembrar o cotidiano de um momento, de uma época, para retratar uma realidade, mas não sem contar com o sensível, com os rastros do sensível, com aquilo que supera a cópia e o descarte, com o sublime. Os retratos da infância, que hoje são comuns não somente na arte, mas nas casas de qualquer família que conserva um álbum de fotos com os registros dos primeiros anos de vida de seus membros, não conhecia espaço na arte e na sociedade há séculos como lembra o historiador francês Philippe Ariès (1914-1984). Em seu texto A descoberta da infância, republicado no catálogo da exposição Histórias da Infância do MASP, Ariès lembra que, até por volta do século 12, não havia lugar para a infância na arte, onde as crianças eram frequentemente representadas como homens de estaturas menores, miniaturas de adultos. O historiador ainda lembra que tudo indica que “[...] a representação realista da criança, ou a idealização da infância, de sua graça, de sua redondeza de formas tenham sido próprias da arte grega” (ARIÈS, 2016, p. 65). Mas que a infância acabou desaparecendo da iconografia junto com outros temas que foram esquecidos. Ariès lembra ainda que a infância era considerada um 66 período de transição que logo seria ultrapassado e por isso não merecia tal evidência, mas que, por volta do século 13, surgiram alguns tipos mais próximos do que temos hoje no período moderno. O autor faz considerações sobre a figura do anjo, o menino Jesus, o tipo da criança nua que apareceu no período gótico e sobre a infância como tema sagrado. A infância religiosa, além do menino Jesus, se ocupou da infância da Virgem e depois de muitos outros santos, formando uma nova iconografia religiosa. Ariès recorda que, da iconografia religiosa, surgiu a leiga nos séculos 15 e 16, onde crianças se misturavam com adultos nas pinturas. Surgiram também os retratos: “O gosto novo pelo retrato indicava que as crianças começavam a sair do anonimato em que sua pouca possibilidade de sobreviver as mantinha” (ARIÈS, 2016, p. 69). O autor lembra que as crianças eram pouco retratadas na época pela alta taxa de mortalidade e que, nesse período, não se pensava, como hoje, que a criança contém também uma alma, sendo o seu retrato algo desnecessário. Mas ele completa que esse sentimento foi se modificando e, muitas obras a partir do século 18, continham retratos das famílias com seus filhos vivos e a representação dos que haviam morrido. Outro tipo de representação da criança, pelo qual Ariès chama atenção, é o putto, a criancinha nua, quando o anjo passa a ser não mais um adolescente, esse gosto pela nudez clássica permanece até nos dias de hoje, por exemplo, quando o fotógrafo repete uma pose da criança nua em seu estúdio fotográfico. A infância então foi percebida como um momento único, de transição, mas onde a criança carrega todos os traços do adulto que um dia será, tendo uma enorme importância e não sendo mais negligenciada pela arte ou pelos retratos de família. A criança tem sua vida acompanhada por fotografias desde que nasce no mundo imagético em que vivemos. Alessandra Sanguinetti, Lady Clementina Hawarden e Roni Horn se debruçam sobre a temática, mergulham no universo infantil, não dos putto, do bebê, mas da infância de brincadeiras e da adolescência de fantasias. Alessandra Sanguinetti, na primeira parte de sua série, acompanha a infância de Guille e Belinda e, em sua segunda parte, intitulada The life that came, apresenta uma série de fotografias onde as duas primas estão mais crescidas, agora fazendo a transição da adolescência para a juventude. São fotografias que mostram ainda algumas de suas brincadeiras, mas que avança principalmente sobre as transformações. Belinda é retratada em uma das fotos com seu namorado Pablo, em outras fotografias vemos o seu convite de casamento, sua gravidez aos 16 anos e depois o filho Lucas fazendo parte de seu cotidiano. É um período relativamente curto, contado em poucos anos, em que a vida passa da 67 infância para a juventude. Guille por sua vez, também engravida e tem seu filho. A inocência da infância das duas primas dá lugar à inocência de seus filhos nas fotografias. Na figura 18, podemos observar as duas primas como jovens adultas. As duas de pé, Guille recostada na mesa olha para a câmera enquanto fuma um cigarro. Belinda tem os olhos fixos em Guille, segura um prato que está secando, enquanto seu filho pede atenção no andador. As duas estão na área de serviço, não ocupam mais o espaço do rio, da brincadeira, ocupam o lugar da casa destinado às tarefas domésticas, simbolicamente mostrando como a vida se transformou nos últimos anos. Bem diferente da figura 19, Imaculada concepção, uma fotografia de anos anteriores, onde as duas encenam uma gravidez. De vestido e saia, as duas sorriem alegres e encenam a gravidez com balões de festa por baixo da roupa. Guille segura um dos balões, denunciando a barriga falsa. Com os rostos sujos de lama, as duas se divertem com as barrigas, Guille está prestes a passar a mão na barriga falsa de Belinda, quem sabe para tentar estourar o balão. Da atmosfera de descontração de anos trás nos campos da fazenda, agora a realidade se encontra na área de serviço, a infância dá lugar a uma juventude com mais responsabilidades. A infância é um tempo onde os sonhos, as fantasias e os medos se misturam com o cotidiano. Em uma das fotos, Belinda ainda grávida, se posiciona de pé e de perfil e segura uma faca na mão, denotando que iria seguir em frente com alguma tarefa a ser realizada na fazenda. Fotografar uma criança crescendo faz parte do mundo moderno, há nas prateleiras de livrarias e supermercados álbuns específicos para se comprar para guardar os registros da infância. Mas, quando Alessandra Sanguinetti foca tão intensivamente em Guille e Belinda, nos vemos diante de nossa própria infância, permeadas de fantasias, medos, descobrimentos e expectativas de futuro. Para além de registrar a infância de Guille e Belinda, a fotógrafa faz também uma narrativa autobiográfica olhando para o outro. De certa maneira, ela conta sua própria infância na fazenda e suas brincadeiras. Ainda na introdução sobre a série, a artista conta que ficava em torno dos currais, galpões, falando com cavalos e vacas e atrás de seu pai que fazia a ronda. Então, ao fotografar a infância das meninas, Alessandra Sanguinetti faz também um retorno às suas memórias. Retomando Derrida, todo testemunho é autobiográfico: “Por essência um testemunho é sempre autobiográfico: ele diz, na primeira pessoa, o segredo, partilhável e impartilhável, do que me aconteceu, a mim, só a mim, o segredo absoluto do que estive em posição de viver, ver, entender, tocar, sentir e ressentir.” (DERRIDA, 2015, p. 52). 68 Figura 18. Alessandra Sanguinetti. Sem título. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, Livro 2: The life that came. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Figura 19. Alessandra Sanguinetti. Imaculada concepção, 1999. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com 69 Alessandra Sanguinetti faz do testemunho da vida de Guille e Belinda a própria lembrança de uma infância e permite que todos possam também testemunhar as transformações, as brincadeiras e o cotidiano da fazenda de Juana. No livro Photographs Not Taken: A Collection of Photographers' Essays, Alessandra Sanguinetti conta diversas situações que gostaria de ter fotografado, mas acabou não realizando por diferentes motivos. Seriam fotos de sua filha Catalina, sua família, um grupo de crianças na rua e mesmo algumas situações na fazenda, como quando um mosquino pousou no joelho de Juana, ou mesmo o casamento de Belinda. Nem por isso Alessandra Sanguinetti deixou de testemunhar, pois à medida que ela escreve sobre essas situações, imaginamos nós mesmos essas fotografias. O testemunho, como bem lembra Derrida (2015), é também da ordem da instância. Há uma escolha pela fotografia, por narrar por meio dela, em vez de escrever um livro contando as aventuras das duas primas, a narração de sua infância e juventude se encontra fotografada. Por meio das imagens é possível acompanhar o passar dos anos, as fantasias, sonhos, realizações. Com as palavras contidas nos seus títulos, acompanhamos o livro de uma vida. Alessandra Sanguinetti narra um universo onírico da infância, traz para suas fotografias o cotidiano de Guille e Belinda e se diverte produzindo as encenações de obras de arte, de ritos de funeral, casamento, morte, nascimento. Ao mesmo tempo, a realidade bate à porta e o crescimento e as transformações das duas primas são retratados e acompanhado. Como bem lembra Derrida (2015), testemunhar é tornar algo público, declarar, que é o que a artista faz com esse cotidiano de Guille e Belinda. No testemunho há espaço para a verdade e para o perjúrio. 70 71 72 73 MIRANDA JULY: ENCONTROS (AUTO) BIOGRÁFICOS EM O ESCOLHIDO FOI VOCÊ Em O escolhido foi você (2011)15, a artista norte americana Miranda July (1974-) apresenta narrativas biográficas de forma fragmentária, com traços e indícios de pessoas anônimas que encontra por meio de um jornal de classificados. Os encontros são mediados sempre por objetos que estão sendo vendidos, pelos quais a artista escolhe para quem ligar. Os anúncios escolhidos são comumente de objetos com pouco valor comercial, muitas vezes de segunda mão. Por meio deles, a artista acessa as histórias de vida que são contadas no livro O escolhido foi você. Convidar um desconhecido para dentro de sua casa pode ser um ato revelador de sua identidade. Ali, o visitante vai poder observar as cores que predominam nas paredes e decoração, os móveis de destaque, a organização, os títulos de livros e filmes em destaque nas estantes, se ali mora uma ou mais pessoas, etc. Os anônimos que permitem a entrada de Miranda July em suas casas, acabam por revelar sempre um pouco de suas histórias de vida, e os objetos anunciados são os catalisadores desse encontro, que revelam motivações, desejos e biografias. Miranda July é uma artista que trabalha como cineasta, escritora, artista plástica, atriz e roteirista. Ela roteirizou, dirigiu e atuou, por exemplo, no filme Me and you and everyone we know (no Brasil: Eu, você e todos nós) onde interpreta o papel principal de uma artista multimídia que trabalha como motorista de idosos e se apaixona por um vendedor de sapatos. Outro trabalho da artista é Somebody, um aplicativo de celular desenvolvido para entregar mensagens a pessoas estranhas. O usuário instala o aplicativo e vê por sua localização se está próximo de alguém que tenha uma mensagem pendente para ser entregue. Caso esteja próximo, o usuário aceita e entrega a mensagem para a pessoa. Promovendo encontros entre estranhos no mundo todo, o usuário pode mandar mensagens para conhecidos que estão longe e que, com o aplicativo, serão entregues por outra pessoa. A artista também produziu um curta-metragem de mesmo nome onde conta possíveis situações de entrega de mensagem, uma delas para uma planta. 15 Publicado no Brasil em português em 2013, título da publicação original na língua inglesa: It chooses you. 74 Miranda July começou a escrever O escolhido foi você em 2009 quando estava tentando terminar o roteiro do seu segundo filme e as ideias estavam escapando. A artista afirma no livro que estava com o roteiro quase pronto, mas que ficava procrastinando com diversas coisas. Uma delas era lendo um folheto de classificados que chegava toda terça-feira chamado PennySaver. Em seu livro, ela conta como seu projeto começou, suas primeiras motivações e sobre como se relacionava com o folheto de classificados: Vinha escondido entre cupons e outras correspondências inúteis. Eu o lia enquanto almoçava e depois, porque não tinha pressa de voltar a não escrever, acabava lendo-o inteiro, até os anúncios de imóveis no final. Examinava com cuidado cada item – não como compradora, mas como uma curiosa cidadã de Los Angeles. Cada entrada era como um pequeno artigo de jornal. Os anúncios faiscavam: alguém na cidade está vendendo uma jaqueta. A jaqueta é de couro. Ela também é grande e preta. A pessoa acha que vale dez dólares. Mas a pessoa não está muito certa quanto ao preço e pode considerar outros, mais baixos. Eu quis saber mais a respeito do que pensava essa pessoa da jaqueta de couro, como ela passava seus dias, com o que sonhava, o que receava – mas nenhuma dessas informações constava lá. O que constava era o telefone dela. (JULY, 2013, p. 12) Ela ainda conta que há uma regra implícita nos classificados, que você só pode ligar para aquele número apenas para tratar do anúncio. Mas acabou quebrando essa regra e ligou para o número do anúncio da jaqueta. Um homem com voz sussurrante atendeu e disse que a jaqueta ainda estava à venda. Ela fez uma pausa e perguntou se, quando ela fosse ver a jaqueta, também poderia entrevistá-lo sobre a vida dele e o homem concordou. Miranda July acrescentou que pagaria cinquenta dólares pela entrevista. E foi assim teve início O escolhido foi você. No livro ela começa contando como foi a experiência na casa de Michael (figura 20), o dono da jaqueta de couro. Por precaução não foi sozinha, levou a fotógrafa Brigitte Sire16 que havia feito fotos de seu casamento pouco tempo antes e um assistente. “A porta se abriu e lá estava Michael, um homem de sessenta e muitos anos, troncudo, ombros largos, nariz de batata, uma blusa fúcsia, peitos, batom cor-de-rosa.” (JULY, 2013, p. 16). Logo que atendeu a artista, Michael afirmou estar passando por um processo de mudança de sexo. A artista viu a jaqueta, fruto do anúncio nos classificados e perguntou se poderia fazer algumas perguntas. De repente, ela afirmou, as perguntas que havia elaborado não faziam mais o menor sentido, então ela começou perguntando sobre a mudança de sexo, de como ele se revelou, como era sua vida 16 Brigitte Sire é uma fotógrafa comercial que atua nos Estados Unidos, seus clientes são geralmente revistas como The Guardian UK Magazine, Elle Magazine, Marie Claire Magazine, Vanity Fair, Vogue UK Magazine, Women’s Health Magazine, etc. Seus trabalhos podem conferidos e contratados pelo site http://brigittesire.com 75 antes de se assumir, do que gostava de fazer. Miranda July perguntou: “Há alguma coisa que você queira e que ache que nunca vai ter? Michael: Não. Não na minha idade” (JULY, 2013, p. 25). A artista fez mais algumas perguntas e então se despediu de Michael. Depois desta primeira experiência, Miranda July decidiu se encontrar com mais pessoas por meio do PennySaver que aceitassem recebê-la. Figura 20. Miranda July. O escolhido foi você. Michael. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p.17 A artista toma para si um fragmento da biografia de Michael e a refuncionaliza, escreve e revela a todos essa pequena fração da vida de seu entrevistado. Em seu encontro com o outro, as perguntas que havia elaborado perdem o sentido, pois diante do outro se reage de maneira inesperada, a depender dos estímulos e frestas que são abertas. Em seu livro, a artista conta muitas histórias. Elas são captadas e apresentadas pelo seu olhar, com sua visão de interesse, sua perspectiva e são fruto do encontro com estranhos, de uma pequena fração de histórias e memórias que oferecem a artista. Os encontros são persistência e recorrência em sua produção artística, presentes também no trabalho Eleven Heavy Things (Onze coisas pesadas, tradução nossa), que fez parte da 53ª Bienal de Veneza em 2009. Se trata de uma série com onze esculturas dispostas no Giardino 76 delle Vergini, um conjunto com pedestais e totens, onde o espectador se posiciona em conjunto com o trabalho e completa a obra, seja subindo nos pedestais ou inserindo partes do corpo nos buracos. Em alguns há frases como “Este não é o primeiro buraco em que meu dedo esteve; nem será o último”17 (tradução nossa), onde um buraco permite inserir o dedo. Outra escultura da série onde se pode colocar a cabeça está escrito: “Como eu pareço quando estou mentindo”18 (tradução nossa). Figura 21. Miranda July. Eleven heavy things. 2009. Diversos materiais e dimensões. Fonte: http://www.designboom.com/art/miranda-july-eleven-heavy-things-at-moca Na figura 21 pode ser observado um dos pedestais com a seguinte inscrição: “Nós não nos conhecemos. Estamos apenas nos abraçando para a foto. Quando terminarmos, vou embora rapidamente. Está quase acabando.” (tradução nossa). Quando uma pessoa sobe nos pedestais da artista, de certa forma, completa a obra em si, se coloca em cima do pedestal como uma escultura, uma obra de arte que toma seu lugar. Fazendo isso, estão cruzando suas histórias e começam a fazer parte uma da outra em um pequeno momento de suas biografias. Uma pessoa estranha pode passar a fazer parte de seu álbum de fotografias e memórias pois, as obras que 17 18 This is not the first hole my finger has been in; nor will it be the last. What I look like when I’m lying. 77 Miranda July produz, foram feitas para que as pessoas interagissem e fotografassem. São inscrições que dizem algo que está dado e a pessoa se posiciona na obra de tal forma que agrega para si aquela epígrafe. Em seu site a artista escreve: Embora o trabalho comece como escultura, acaba se tornando uma performance que só se completa quando essas fotos de turistas são publicadas em blogs pessoais e enviadas por emails – neste ponto o público muda, e o assunto claramente se torna os participantes, revelando-se através do trabalho. (JULY, 2015, tradução nossa) 19 Seu trabalho, portanto, não se encerra na participação das pessoas com seus objetos esculturas, mas sim quando as fotos das pessoas interagindo são compartilhadas na internet e tomam um caminho em rede. Suas obras são montagens de suas esculturas objetos com as esculturas humanas, são uma combinação de duas partes. Todavia é importante lembrar que o italiano Piero Manzoni (1933-1963) em 1961 criou a sua Base Mágica – Scultura Vivente (figura 22), onde uma pessoa também poderia subir em seu pedestal e assim ser parte da obra de arte. Manzoni vinha de uma sequência de produção de obras que o tornaram muito conhecido, principalmente por sua polêmica obra Merda d’artista, onde enlatou e vendeu como obra de arte seu próprio produto fecal. O artista produziu muitas obras em que incitavam o debate sobre o consumismo como quando também imprimiu sua digital em ovos cozidos e permitiu que os espectadores consumissem a exposição em pouco mais de uma hora. Em Base Mágica – Scultura Vivente, em vez de se apropriar de objetos para construir uma obra de arte contemporânea, acaba por se apropriar do próprio espectador, que se torna obra a partir de sua assinatura. Diferente do bloco de Miranda July, o de Manzoni é de madeira, possui uma etiqueta com o nome do artista e da obra e uma marcação em feltro em formato de pés para que a pessoa se posicione. Manzoni determina o que o espectador deve fazer, como deve se posicionar e o etiqueta como obra, enquanto Miranda July deixa o espectador livre, embora também direcione o público que irá subir em seu bloco em alguns momentos, mas por meio das frases que escreve. Embora distintos, o trabalho de Miranda July lembra muito o de Manzoni, a julgar pelo que Paulo Venancio Filho, curador de uma exposição sobre Manzoni no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo) no ano de 2015 escreve: “[...] a todos e a qualquer um é oferecida a Though the work begins as sculpture, it becomes a performance that is only complete when these tourist photos are uploaded onto personal blogs and sent in emails — at which point the audience changes, and the subject clearly becomes the participants, revealing themselves through the work. 19 78 experiência de ser obra; de ser olhado como obra e de olhar os outros como espectadores, de carregar a si mesmo como obra, como algo casual, provocador e também único [...].” (FILHO, 2015 p. 49). Essa frase poderia ser usada também para pensar, de certo modo, o trabalho de Miranda July. Figura 22. Piero Manzoni. Base Mágica – Scultura Vivente. 1961, madeira, metal e feltro. 79,5 x 79,5 x 60 cm. Fundação Piero Manzoni, Milão. Fonte: Catálogo Piero Manzoni, MAM SP, 2015. No gesto artístico de Miranda July encontramos um procedimento de montagem em Eleven heavy things, mas também em sua produção como um todo, como acontece no em O escolhido foi você. Essa relação entre obra, espectador e compartilhamento nos trabalhos da artista podem ser entendidas como uma montagem de ações. Neste sentido, pode-se lembrar de Aby Warburg e seu método de fazer História da Arte com seu Atlas Mnemosyne, no qual há uma montagem de imagens não apenas como um resumo em imagens, mas como um pensamento através delas. Como Georges Didi-Huberman afirmou em A sobrevivência da imagem, o Atlas tem um valor de projeto aberto, talvez como Eleven heavy things de Miranda July, onde o uso de seus objetos esculturas fica aberto para o espectador, bem como o compartilhamento de imagens. Didi-Huberman (2013a, p. 389) afirma que no Atlas “o pensamento é uma questão de plasticidade, de mobilidade, de metamorfose”, sendo assim, a obra de arte também pode assumir esse caráter plástico, movente, onde não se encerra no objeto, nem mesmo na interação do espectador com ele, mas flui por entre o mundo virtual de imagens. 79 Assim, Mnemosyne traz todos os traços da linguagem privada e da busca autobiográfica. É uma espécie de autorretrato estilhaçado em mil pedaços, com esses alguns milhares de imagens afixados nas 63 telas negras em que o pensamento de Warburg – a história mesma desse pensamento – se reconhece nas circulações, nos relacionamentos das imagens entre si. (Didi-Huberman, 2013a, p. 390) Se o próprio pensamento de Warburg no Atlas é uma busca autobiográfica que se encontra nas relações, na circulação de imagens, assim também pode ser pensada a obra de Miranda July, que se concretiza nas relações das pequenas histórias contadas pela artista com o espectador, e se coloca junto a elas, tomando para si uma ação ou um desejo contido nas frases. E essas apropriações não se encerram no ato de relação com os objetos esculturas, mas se expandem e circulam, elas sobrevivem em rede, compartilhadas. Em Eleven heavy things existem diferentes diálogos e distintas frentes de pensamentos e ações. A interação do espectador com a obra é refuncionalizada no compartilhamento das imagens. Esse momento único ganha uma sobrevida, alcança mais uma dimensão, retorna mais uma vez. 3.1 Os dispositivos que conectam biografias Os encontros narrados por Miranda July em O escolhido foi você são mediados pelos anúncios de objetos. Mesmo que mudos, os objetos podem se tornar falantes ao revelar sonhos, desejos, motivações e as histórias de vida de seus anunciantes, mas também atravessar a biografia de quem cruza seu caminho. Pauline e Raymond anunciaram nos classificados uma mala grande por vinte dólares. Miranda July percebeu que Pauline morava no bairro de um exnamorado seu: Enquanto eu fazia aquele caminho tão familiar, pensei e se fosse a mesma rua, a mesma casa, e se fosse ele mesmo que estivesse vendendo a mala, e se a mala fosse minha, alguma coisa que eu tivesse esquecido, e se eu a comprasse e dentro encontrasse eu mesma criança, ou meu pai criança, ou um filho meu criança, o filho que eu ainda não tinha encontrado tempo para ter? (JULY, 2013, p. 45) Essa experiência foi, para a artista, uma montagem de tempos, onde ela se lembrou do caminho que havia feito tantas vezes e nesse trajeto tão familiar, imagens de fantasmas do passado e do futuro começaram a povoar sua mente, suas perspectivas do que poderia encontrar naquela casa. Quem Miranda July encontrou foi Pauline, uma senhora de setenta anos que na mesma hora começou a mostrar fotografias e contar histórias de um grupo de cantores amadores da qual fez parte. Ela ainda conta que fez uma operação na orelha em razão de um caroço que 80 tinha células cancerígenas. “E por causa disso perdi um pouco a audição e as coisas ficaram confusas. Não sei qual é o som da minha própria voz.” (JULY, 2013, p. 46). Miranda July então pergunta sobre a mala que ela está vendendo e o porquê do anúncio. Pauline explica que precisou vender muitas coisas para ter mais espaço em casa quando seus dois netos foram morar com ela. Figura 23. Miranda July. O escolhido foi você. Pauline e Raymond. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 55 Um deles era Raymond, que tinha entre trinta e quarenta anos e usava um aparelho de surdez. Raymond conta que entrega manequins para viver, a empresa onde trabalha aluga, vende, conserta e os fabrica. Pauline conta que Raymond conheceu algumas pessoas famosas como Cameron Diaz20 e Mark Jenkins21 e Raymond mostra um manequim como Elizabeth Hendrickson22, com quem tem uma foto exposta em seu quarto (figura 23). Raymond deu vida a um manequim, um boneco, o transformou à semelhança de uma pessoa real e apresenta esse objeto inanimado como um humanoide. Walter Benjamin (18921940) em um de seus capítulos do livro das Passagens escreve sobre A boneca, o autômato e, logo no primeiro parágrafo, cita Karl Gröber para lembrar que as bonecas manequins tinham uma grande importância na Paris do século XVII e XVIII, pois eram dadas às meninas como brinquedos depois que haviam cumprido sua função na moda. Qual fascínio esses manequins exerciam sobre essas meninas? Seria o mesmo fascínio que Raymond tem sobre seu manequim com o rosto de uma atriz famosa? Benjamin (2006, p. 734) escreve: “A criança não quer saber Atriz e ex-modelo americana nascida em 1972. Artista americano nascido em 1970. 22 Atriz americana nascida em 1979. 20 21 81 de brinquedos fantasmas, mas a maléfica magia desta passagem escorregadia ainda assume, nos dias de hoje, a forma de grandes bonecas animadas.” Quando a criança usa o objeto para uma brincadeira, ele se torna animado, ganha anima, alma pelo tempo que está sendo usado. Tanto a criança quando brinca quanto Raymond acabam por dar uma sobrevida fantasmática para esses manequins. Benjamin (2006, p. 573) em outro capítulo, refletindo sobre figuras feitas em cera escreve “Morada de sonho” logo após uma anotação sobre o livro A velha loja de curiosidades de Charles Dickens23. Seriam os brinquedos morada de sonhos? O momento da brincadeira talvez poderia ser visto como um momento onírico, quando bonecas manequins ganham vida no mundo real e assim trazem parte do mundo dos sonhos, um momento de fantasia na realidade. Outra história que Miranda July conta em O escolhido foi você é a de Pam, que anunciou no PennySaver álbuns de fotografias por dez dólares cada um (figura 24). Pam conta que comprou os álbuns de um amigo que estava vendendo há dez anos. Todos tinham fotos de um casal branco e rico, desde a juventude até a velhice. Pam contou para Miranda July que as fotos de viagens do casal pelo mundo todo a inspiram, pois ela não tem dinheiro para tirar férias: “E digo: Bem, posso ficar olhando estas fotos; é melhor do que nenhum tipo de férias.” (JULY, 2013, p. 106). Pam conta ainda que não conhecia o casal, mas que gosta de olhar as fotos porque eles parecem felizes um com o outro. Ela ainda relata que, por muitos anos, ela e o marido tiveram restaurantes e que, em um deles, havia uma cliente de noventa e cinco anos que comia todos os dias no mesmo horário. Pam conta que esta senhora fazia um tipo de trabalho como o de Miranda July, que ela ia na casa das pessoas, tirava fotos e conversava. Depois dos sessenta anos ela começou a tirar fotos de si mesma todos os dias e guardava em álbuns. No fim da vida, quando faleceu, tinha três quartos cheios de álbuns e o seu genro jogou todos no lixo. Pam conta que achou isso muito triste e por isso comprou os álbuns do casal feliz, ela não quer que eles acabem na lixeira como os da senhora que frequentava seu restaurante. Sobre essa história Miranda July comenta: Com sessenta e cinco anos, uma idade tão avançada, com quase mais nada de feminino, uma mulher decidira se fotografar todos os dias. No mesmo instante isso se tornou uma das minhas obras de arte favoritas, ainda mais porque ela não era Sophie Calle24 nem Tracy Emin25. [...] E, embora seja óbvio que eu gostaria de ter salvado de algum modo os álbuns, a performance terminaria com a morte dela e com a coleção sendo jogada no lixo. (JULY, 2013, p. 112-113) Charles John Huffam Dickens (1812-1870), romancista inglês. Artista francesa nascida em 1953. 25 Artista inglesa nascida em 1963. 23 24 82 Figura 24. Miranda July. O escolhido foi você. Pam. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 108. Para Miranda July, a performance artística desta senhora tem um grande valor simbólico e artístico, muito maior se essa senhora tivesse a pretensão de vender esta ideia como arte, pois seu ato é genuíno. Fazer álbuns de fotografias é uma forma de colecionar memórias. Benjamin (2006, p. 245) em seu capítulo sobre o Colecionador escreve: “Talvez o motivo mais recôndito do colecionador possa ser circunscrito da seguinte forma: ele empreende a luta contra a dispersão. O grande colecionador é tocado bem na origem pela confusão, pela dispersão em que se encontram as coisas no mundo.” O colecionador organiza os objetos de uma maneira que faça sentido para ele. Para Benjamin, o objeto colecionado não tem mais utilidade, como os álbuns que Pam guarda ou mesmo os álbuns que aquela senhora fez ao longo dos anos, mas esses objetos, essas fotografias reunidas em álbuns se completam, e se completar é uma forma de superar seu caráter irracional de existência. Os álbuns como coleções de fotografias entram em um sistema histórico novo, criado para isso: uma coleção. Assim como Pam e a senhora idosa colecionaram seus álbuns, Miranda July em O escolhido foi você coleciona histórias e momentos com diferentes pessoas. A artista não coleciona nenhum objeto palpável, mas episódios íntimos de cada pessoa que entrevistou. Por meio de anúncios de classificados baratos a artista encontra pessoas que aceitam dividir um pouco de sua vida, de seus gostos, suas biografias e com essas histórias constrói uma constelação de diálogos. A artista nos apresenta o seu recorte, a sua coleção, organizada à sua maneira, junto a suas percepções sobre as visitas que fez. 83 Miranda July começa por acaso esse caminho de entrevistas, tentando encontrar ajuda para si mesma para terminar um roteiro de filme e acaba encontrando um outro trabalho dentro daquilo que se propôs a fazer. Colecionar é uma forma de tornar sagrado alguma coisa, pois o objeto é precioso para quem coleciona. Miranda July refuncionaliza essas histórias, traz a sua percepção sobre elas e compartilha sua experiência no livro. E, de certa maneira, as biografias que a artista conta e monta irrompem em sua própria história, fazendo com que as biografias se misturem numa imagem dialética. Em O escolhido foi você, Miranda July utiliza um jornal de classificados gratuito e liga para pessoas que estão oferecendo a venda de produtos com pouco valor comercial. A artista não procura por pessoas que estejam anunciando imóveis ou carros, itens tão comuns aos jornais classificados, mas entra em contato com os vendedores de malas, jaquetas usadas, lenços, ursinhos carinhosos, etc. Uma boa parte desses produtos são usados, de segunda mão. Para o lançamento de O escolhido foi você em Nova York, Estados Unidos, uma ação que é pouco conhecida, pois não está descrita em seu site e também com informações difusas nas notícias sobre o lançamento, foi a criação de uma loja temporária na Partners & Spade 26, um espaço destinado ao varejo que hoje se ocupa de criação de marcas e marketing. A loja temporária funcionou por três semanas entre novembro e dezembro de 2011, segundo Jill Singer da revista Sight Unseen, com uma premissa parecida com o objetivo de O escolhido foi você, mas em vez do PennySaver de Los Angeles, se ocupou dos classificados de Nova York: July vasculhou os classificados de Nova York, comprando os descartes de outras pessoas – como uma coleção de tintas a óleo roubadas ou um par de cascos de cervos taxidermizados – e entrevistando os vendedores para discernir o significado original daqueles objetos antes apreciados.27 (SINGER, 2011). 26 http://partnersandspade.com July scoured the New York classifieds, buying up other people’s discards — like a collection of stolen oil paints or a pair of taxidermied deer hooves — and interviewing the sellers to discern the original meaning of those oncecherished objects. 27 84 Figura 25. Miranda July. Loja temporária para o lançamento de O escolhido foi você, diversos objetos. Partners & Spade, Soho, Nova York, 2011. Fonte: https://www.tiffanyjen.com/miranda-july Figura 26. Miranda July. Loja temporária para o lançamento de O escolhido foi você. Tinta a óleo. Partners & Spade, Soho, Nova York, 2011. Fonte: https://www.tiffanyjen.com/miranda-july Além dos itens coletados em Nova York, os cartões de Joe, apresentados em O escolhido foi você também estavam disponíveis para venda. Cada objeto era embalado com o selo de O Escolhido foi você e vinha acompanhado de um trecho de uma entrevista que havia sido feita com o dono do objeto. O valor de venda dos objetos em sua loja era o mesmo pelo qual havia sido adquirido por Miranda July. Na figura 25 se vê ao centro um par de tamancos de madeira, souvenir da Holanda feito a mão, a venda por 10 dólares. A entrevista que acompanha o objeto conta sobre as viagens do antigo dono ou dona, e de seu desejo de uma próxima viagem ao 85 Butão. Outro item sendo vendido (figura 26), era uma coleção de 43 tintas a óleo roubadas pelo funcionário(a) de uma loja de arte, sendo vendidas por 4 dólares cada. Na entrevista que acompanhava cada uma das tintas, contava que não tinha a intenção de ser artista, que a tinta a óleo era difícil de usar e que estava obcecado(a) “[...] em ter uma de cada cor, e criar meu próprio display como o que eles tinham na loja, mas eu saí do emprego antes que pudesse chegar a esse ponto.”28 (SINGER, 2011). Em um de seus trabalhos mais recentes, de uma maneira que talvez tenha ressignificado e trazido novamente à tona essa questão dos objetos de segunda mão, Miranda July empenhou o projeto Interfaith Charity Shop at Selfridges (Loja de Caridade Inter-religiosa na Selfridges, tradução nossa) na cidade de Londres em 2017. A artista foi apoiada pela Artangel, organização que tem em seu lema Extraordinary art / Unexpected places a identificação de seu objetivo de levar a arte a lugares pouco usuais, fora do circuito galeria-museu. O projeto consistia em uma loja produzida em parceria com quatro organizações que possuem lojas de caridade na cidade de Londres, são elas: Norwood Jewish Charity Shop, London Buddhist Centre Charity Shop, Spitalfields Crypt Trust Charity Shop e Islamic Relief Charity Shop. O dinheiro arrecadado com as vendas da Charity Shop era dividido entre as quatro lojas que deram o suporte para que o projeto artístico pudesse ocorrer. Na loja de caridade (figura 27) criada por Miranda July havia roupas, calçados, lenços, luvas, fantasias, objetos em geral como pratos, quadros, livros, brinquedos, pelúcias, bijuterias, etc. Em entrevista a Jeremy Deller (2017), em Londres, a poucos dias do fechamento da loja, a artista afirmou que fez uma lista de coisas que deveriam ter e outras que gostaria de ter, mas afirma que a loja era um projeto vivente, que perdia o controle sobre ela. Os produtos eram repostos constantemente pela artista e funcionárias das lojas de caridade parceiras do projeto. A loja estava situada em uma das extremidades do terceiro andar da Selfridges. Miranda July (DELLER, 2017) lembra que muitas pessoas vão até a Selfridges com pouco dinheiro, apenas como turistas e compram coisas pequenas e saem da loja com as sacolas amarelas características da loja, tornando o estabelecimento um local de fetiche. A Selfridges se encontra na Oxford Street, endereço famoso por conter muitas opções de compras, e é conhecida por ser uma megaloja de marcas famosas, de maior valor agregado, com setores diversos, restaurantes, cafeterias e até salão de beleza dentro de seis andares que ocupam um quarteirão inteiro. […] with having one of every color, and creating my own display like the one they had in the shop, but I quit the job before I could get to that point. 28 86 Figura 27. Miranda July. Interfaith Charity Shop at Selfridges. 2017. Fonte: acervo pessoal. Quando foi convidada para fazer um projeto de arte com a Artangel, a artista afirma (DELLER, 2017) que se deparou com a dificuldade de produzir algo fora de seu país e que acabou encontrando o caminho de seu processo de criação pensando em sua própria experiência na cidade de Londres. Se lembrou de como gostava de visitar lojas de caridade, como estas são raras no contexto norte americano e como, em Londres, há uma quantidade diversificada de motivações dessas lojas. Miranda July (DELLER, 2017) ainda lembra que fazer compras é algo íntimo, pois as pessoas tiram suas roupas, conversam sobre seus corpos, como estão aparentando e que há muitos aspectos emocionais envolvidos. Assim como na experiência em O escolhido foi você, na loja de caridade há um desejo de não descartar os objetos pura e simplesmente. Há um desejo de que aquele objeto seja interessante para outra pessoa, mesmo que não o seja mais para seu dono inicial. Há uma vontade de permanência, de sobrevida. Os objetos vendidos, tanto os apresentados em O escolhido foi você, no livro e loja temporária, quanto os vendidos na Charity Shop, funcionam como dispositivos que conectam histórias e pessoas. Embora em projetos distintos, existe esta mesma noção operatória e Miranda July escapa à lógica capitalista, apresentando e dando enfoque a objetos de segunda mão, que migram de uma casa para outra, construindo um rastro de histórias. 87 Tanto o movimento que Miranda July faz em O escolhido foi você por meio do jornal PennySaver, o modo como lança o trabalho, quanto as vendas por meio da Charity Shop podem ser pensados como dispositivos, que acionam algum sentido. Giorgio Agamben em seu livro O que é o contemporâneo? e outros ensaios discute o conceito de dispositivo, e segue uma linha cronológica vindo desde o conceito de oposição entre “religião natural” e “religião positiva” de Hegel, que Hyppolite debate e, mais tarde, Michel Foucault (1926-1984) pensa a “positivé” que se liga ao dispositivo que Agamben discute. A discussão está em torno daquilo que é natural ao ser humano e àquilo que é imposto ao indivíduo exteriormente. Agamben afirma que Foucault investiga “os modos concretos em que as positividades (ou os dispositivos) agem nas relações, nos mecanismos e nos ‘jogos’ de poder.” (AGAMBEN, 2009, p. 33). Trata-se de pensar os poderes que funcionam numa rede de dispositivos, historicamente determinados e não universais, determinados dispositivos funcionam em determinadas sociedades. Mais adiante, o autor traz o termo grego oikonomia, que “significa em grego a administração do oikos, da casa, e, mais geralmente, gestão, management” (AGAMBEN, 2009, p. 35). O termo foi usado também na história da teologia cristã para definir a Trindade na religião, que constitui o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Os “dispositivos” de que fala Foucault estão de algum modo conectados com esta herança teológica, podem ser de alguma maneira reconduzidos à fratura que divide e, ao mesmo tempo, articula em Deus ser e práxis, a natureza ou essência e a operação por meio da qual ele administra e governa o mundo das criaturas. (AGAMBEN, 2009, p..38) Pode-se pensar então que o dispositivo de um artista concentra e organiza o ser e a práxis, a fatura e o pensamento e também que o artista se rege pela oikonomia, um conjunto de saberes e fazeres. Oikonomia seria esse “conjunto de práxis, de saberes, de medidas, de instituições cujo objetivo é gerir, governar, controlar e orientar, num sentido que se supõe útil, os gestos e os pensamentos dos homens.” (AGAMBEN, 2009, p. 39). Podemos pensar que Miranda July se rege por esse conjunto de saberes e fazeres quando produz as ações de O escolhido foi você e coloca em prática a Charity Shop, produzindo esses dispositivos que conectam objetos e histórias. O dispositivo produz subjetividades, produz sujeitos. A potência da obra de arte está relacionada com o que ela, enquanto dispositivo, pode despertar. “Chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, 88 determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes.” (AGAMBEN, 2009, p. 40). Miranda July, portanto, faz seus projetos funcionarem como dispositivos, capturando, orientando, possibilitando gestos e condutas, interceptando objetos e pessoas. Para Agamben, o mundo capitalista vive um excesso de subjetividades e Miranda July apresenta, em O escolhido foi você e na Charity Shop, pessoas, histórias, organizações e objetos que rompem com essa lógica de consumo. De certa forma, quando acontece a revenda dos produtos, há uma profanação, que seria um contradispositivo que, para Agamben (2009, p. 45), seria “restituir ao livre uso dos homens”. O contradispositivo restitui ao uso comum aquilo que havia sido separado e dividido como divino, é a parte dos deuses devolvida aos homens. A compra de algo usado ou com pouco valor apresentado nos projetos de Miranda July podem ser entendidos dessa maneira, como uma forma de profanação desse consumo. A arte é uma profanação que se coloca como dispositivo para acionar outras coisas, como em O escolhido foi você ou na Charity Shop, que funcionam como dispositivos para se pensar sobre a biografia, a coleção, o consumo. São dispositivos de vidas alheias, apresentando os objetos em um determinado ponto de sua história. Pam, com os álbuns de fotografias, guarda as memórias de pessoas que nunca conheceu, deste casal sempre sorridente nas fotos, mas quer se desfazer deles para ganhar mais espaço em sua casa, embora não deseje que acabem no lixo como os da senhora que almoçava em seu restaurante. Guardar memórias de outrem faz lembrar os museus históricos, que armazenam objetos que um dia foram significativos para alguém, mas que agora seu valor não está mais relacionado a íntima afetividade de seu dono, mas sim ao seu valor histórico para uma população em geral. É um caminho biográfico que o objeto faz do pessoal para o público. Os objetos podem contar muitas histórias, é isso que Neil MacGregor afirma com seu livro A história do mundo em 100 objetos, uma publicação que conta com objetos e obras de arte do British Museum, em Londres, e que perpassam a história da humanidade. MacGregor (2013) afirma que os objetos podem agir como testemunhos silenciosos da humanidade e que também seriam moventes, adquirindo diferentes significados ao longo da história. Os objetos podem ter muitas vidas, como o objeto de número 94 que o autor apresenta, um Tambor de fenda sudanês (figura 28), que foi criado na África Central e “deve ter integrado a orquestra da corte de um poderoso chefe. Seu formato é o de um búfalo de chifre curto [...]” 89 (MACGREGOR, 2013, p. 673-676). O autor ainda conta que o tambor deve ter ido parar em Cartum por conta do tráfico de escravos, tendo sido confiscado por caçadores de escravos ou mesmo usado como pagamento ou presente e que “assim que chegou à cidade, começou um novo capítulo de sua vida ao ser reformado para tomar seu lugar nessa sociedade islâmica” (MACGREGOR, 2013, p. 67). Foi neste período que foram feitos os flancos retangulares nas suas laterais. O autor ainda narra uma série de disputas políticas da região africana, resultando em uma investida da Grã-Bretanha comandada por Horatio Herbert Kitchener em 1898, onde morreriam mais de onze mil homens do lado sudanês. MacGregor (2013) lembra que o tambor foi encontrado pelas tropas de Kitchener perto de Cartum, foi talhado mais uma vez, agora com o emblema da coroa britânica, e dado de presente à rainha Vitória. Figura 28. Tambor de fenda sudanês. Tambor da África Central. 1850-1900. 270 cm de comprimento, c.80cm altura. Fonte: MACGREGOR, 2013, p. 674-75. O tambor sudanês é um bom exemplo de como um objeto pode ter muitas vidas, pertencer à muitas histórias, testemunhar muitos acontecimentos. Sua extensa biografia não se resume à sua origem, nem ao local de seu destino final, mas sim perpassa distintos momentos da história da humanidade, seja revelando disputas e conflitos ou mesmo pensando no uso do objeto, que de tambor passou a ser um troféu de guerra. As roupas e objetos usados, que Miranda July utiliza em seu projeto, ou mesmo os diversos objetos que as pessoas estão comercializando em O escolhido foi você, podem estar longe de terem a mesma grandeza e riqueza histórica como o tambor sudanês, mas, cada um à sua maneira, também possuem uma trajetória e contam um pouco de cada pessoa que as detém. Miranda July com seus objetos, interroga o empilhamento impiedoso de objetos nos museus, na maneira como as coisas são depositadas nele. O artefato museológico, em um primeiro momento, não foi pensado para estar nos museus, antes disso ele foi uma ânfora, um objeto de 90 guerra, um ícone religioso... o que Miranda July faz é justamente é interpelar essas questões, pensando o objeto expositivo e a contemporaneidade. Os ursinhos carinhosos que Matilda vende, troca e coleciona, falam de uma cultura e uso, diferentes dos lenços que Primila vende. Os objetos podem, portanto, carregar biografias e histórias diferentes em si mesmos. O escolhido foi você rememora a biografia das coisas, como restos de experiências humanas. A despeito dos objetos, no seu livro Achei que meu pai fosse Deus, Paul Auster (1947) utiliza o rádio como um dispositivo para receber e transmitir biografias. Assim como o PennySaver e a Charity Shop, o rádio é a maneira encontrada pelo autor para fazer as interseções de biografias. Entre os anos de 1999 e 2000, Paul Auster dedicou-se ao National Story Project, um projeto que recebia histórias de pessoas de qualquer lugar dos Estados Unidos. Auster disse aos ouvintes que receberia histórias verdadeiras que parecessem ficção para serem contadas no rádio. Recebeu mais de 4 mil histórias, leu muitas delas nas transmissões e compilou uma parte significativa em livro. Sobre o projeto, o autor afirma: “Se eu tivesse de definir estas histórias, eu as chamaria de despachos, relatos da linha de frente da experiência pessoal. Elas tratam dos mundos privados dos indivíduos americanos [...].” (AUSTER, 2005, p. 21). No livro, as histórias possuem temáticas variadas, e as pessoas gostam muito de relatar eventos e situações que consideram extraordinárias, de sobrevivências e grandes coincidências. Encontros e reencontros de pessoas são recorrência no livro, que muitas vezes soam como obra de algo místico, uma força maior. Mas também há espaço para histórias mais ordinárias, como a que leva o título do livro, onde Robert Winnie conta que achou que seu pai tinha o poder de matar uma pessoa apenas por desejar sua morte. Mas no livro também há espaço para a história que objetos podem evocar, como em Por que sou contra as peles, onde Freddie Levin conta como seu tio tinha duas esposas e famílias, e dava muitos presentes para ambas para que o arranjo familiar de bigamia pudesse continuar. Freddie conta que as duas esposas queriam muito ter um casaco de pele, mas que seu tio possuía dinheiro apenas para comprar um, e que ambas dividiam o casaco. Quando seu tio sofreu um infarto e faleceu, o casaco de pele sumiu, e a família ficou dividida, todos se acusando de roubo do casaco, sem seu paradeiro ser encontrado. Freddie conta que anos depois descobriu o casaco que tanto gerou discórdia no porão de sua casa e que sua mãe o havia pegado. Ela o fez jurar que nunca contaria nada. 91 Os objetos podem, portanto, serem portadores de histórias, sejam elas de interesse da humanidade como o tambor sudanês do British Museum ou de interesse puramente privado, como o casado de pele de Achei que meu pai fosse Deus ou mesmo os objetos que Miranda July apresenta em seus projetos. Podemos pensar que o testemunho não seria exclusividade dos serem viventes, mas que os objetos também são capazes de tal habilidade, mesmo em sua mudez, desvelada por historiadores ou curiosos como Miranda July. E que os objetos olham para nós e nos moldam, nos deformam, entramos em contato com dezenas de objetos todos os dias, e eles fazem parte de nossa biografia. A relação entre os seres viventes e seus objetos, entendidos aqui como dispositivos, resultam em sujeitos, quando Agamben afirma: [...] temos assim duas grandes classes, os seres viventes (ou as substâncias) e os dispositivos. E, entre os dois, como terceiro, os sujeitos. Chamamos sujeitos o que resulta da relação e, por assim dizer, do corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos. (AGAMBEN, 2009, p. 41) Os encontros biográficos de O escolhido foi você são apenas possíveis por meio dos objetos que os atravessam. O objeto, enquanto dispositivo, permite o encontro com o desconhecido, fazendo com que a artista se lance em um caminho iluminado por seus anúncios. E, a princípio desprovidos da fala, se mostram locutores de narrativas biográficas que se atravessam. Rosângela Miranda Cherem, a respeito do conceito de dispositivo, afirma que “pensar os dispositivos seria, então, um modo de interrogar as subjetividades produzidas além da sujeição, restituindo outras potencialidades anuladas, anestesiadas, esquecidas e reencontrando a dimensão transgressiva da subjetivação.” (CHEREM, 2016, p. 14). Assim como seriam os dispositivos entendidos como os objetos que conectam biografias. 3.2 As biografias que se desvelam Mais uma das histórias de O escolhido foi você é a de Andrew, de dezessete anos, que fez um anúncio para vender girinos de rã-touro por US$2,20 cada um. Na casa de Andrew havia três tanques no quintal, como este que pode ser observado na figura 29. Durante a conversa, Miranda July vai extraindo as informações sobre ele e nos apresenta o adolescente. Andrew construiu os tanques sozinho, sem grandes estudos. Ele acabou de se formar na escola e relata 92 que um de seus momentos mais felizes foi a festa de formatura que ganhou dos pais. Descobrimos ainda que Andrew é aluno especial, possui dificuldade na aprendizagem, vai para uma faculdade em breve e tem o desejo de se formar em engenharia. Miranda July então questiona sobre o futuro. Figura 29. Miranda July. O escolhido foi você. Andrew. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 108. Andrew faz uma pausa para se imaginar além do futuro próximo de quando for entrar para a faculdade, como a pausa que fazemos para organizar uma lembrança para ser contada, é necessário pensar em uma resposta satisfatória para si e para quem pergunta. Miranda July compara Andrew a seus girinos, que estão em transformação, assim como o menino que logo será adulto. “Por um instante, senti o tempo como ele sentia – interminável. Na verdade, não importava que seus sonhos de vida selvagem estivessem na direção oposta do hangar para onde ele estava indo, porque havia tempo para várias vidas.” (JULY, 2013, p. 76-78). Miranda July então faz o jogo não de imaginar o futuro, mas ao lembrar o passado, revelar um pedaço de sua própria biografia. Ela conta que com quatorze anos começou a se corresponder com Franco C. Jones que estava na prisão. Encontrou o seu endereço em uma sessão de classificados chamada Correspondentes na prisão e passou a trocar cartas com ele por três anos. “Escrevíamos sobre notas escolares, motins penitenciários (Franko gravou os sons de um), meus amigos (Johanna, Jenni), os amigos dele (Lefty, Caolho), e tudo o mais em nossa vida, exceto sexo, que no início eu disse estar fora dos nossos limites.” (JULY, 2013, p. 79). Miranda July conta que para que as pessoas entendessem essa estranha relação de amizade 93 de um detento com uma adolescente, ela produziu o seu primeiro trabalho, a peça teatral The Lifers que apresentou para a família e poucas pessoas em um clube punk. Ao escrever sobre esses fragmentos de biografias de pessoas que encontra, Miranda July cria uma narrativa com traços e indícios, memórias de forma fragmentária, com lembranças do passado que vão e voltam. Resolve a questão biográfica por meio da escrita, mas não deixa as imagens de lado, quando faz questão que detalhes e pessoas sejam fotografados. Percebemos que, para Miranda July, o passado se apresenta de forma inusitada a partir de seus encontros com os desconhecidos, seja rememorando um caminho que fazia em um bairro, onde morava um antigo namorado, quando foi ao encontro de Pauline e seu anúncio de uma mala grande, ou quando Andrew e seu futuro pela frente a lembrou de sua própria adolescência. E o que escrevemos sobre nós mesmos e sobre os outros contém também fantasia pois é sempre a partir de um ponto de vista, o nosso. Como se em toda biografia deveria vir a advertência “baseado em fatos reais”, nos avisando que toda obra, por mais verdadeira que seja, não deixa de possuir ficções. O ato de Miranda July, ao se lançar nessa busca por esses anônimos dos classificados, pode ser pensado como uma experiência sem desígnio, algo que Jacques Derrida aborda em seu livro Pensar em não ver. A experiência seria algo como uma viagem sem desígnio, sem design, sem meta, como foi para Miranda July ligar para esses anúncios sem saber quais aceitariam sua visita. “E como a maioria das pessoas para quem telefonava me rejeitava, aquelas com quem eu me encontrava não eram aleatórias – nós nos escolhíamos mutuamente.” (JULY, 2013, p..61). A experiência seria essa travessia, esse experimentar rumo a... Derrida (2012) fala ainda sobre como o pensamento, a interpretação de algo, ocorre na experiência. Que a experiência do acontecimento é imprevisível e sempre corremos o risco de neutralizar a experiência do acontecimento pelos nossos olhos, por aquilo que antecipa. “Experiência do acontecimento é uma experiência passiva, rumo à qual, e eu diria contra a qual, acontece o que não se vê vir, e que é saída totalmente imprevisível, não pode ser predito” (DERRIDA, 2012, p. 70). O outro me surpreende quando eu não o vejo ainda, completa o autor, como acontece na experiência de Miranda July com os anunciantes. No momento em que vê um anúncio e liga para alguém, ela ainda está cega para o que vai vir, não consegue antecipar por completo o que pode acontecer ou como é a pessoa que vai encontrar. Possui apenas pistas, um nome, um endereço, um objeto 94 a ser vendido e seu preço, mas os sonhos de uma vida, como Andrew relata, não cabem no pequeno espaço dos classificados. “A experiência é o que nos relaciona à apresentação do presente: algo se apresenta, temos a experiência disso” (DERRIDA, 2012, p. 79). Uma pessoa se apresenta, então Miranda July nos conta a experiência desse encontro. A artista constrói O escolhido foi você a partir dessas experiências com o desconhecido, como uma constelação de biografias fragmentadas. Sergio Vilas Boas, no livro Biografias & Biógrafos, faz uma série de levantamentos que envolvem o processo biográfico, desde questões mais técnicas, como as formas de escrita de uma biografia, até mesmo questões éticas na hora de biografar. Já na introdução do livro, Vilas Boas (2002, p. 11) afirma: “Ponto pacífico que biografia é o biografado segundo o biógrafo. Em outras palavras, um trabalho autoral.” Como podemos perceber, em Miranda July, um trabalho autoral que se baseia em diferentes pessoas. A biografia seria uma narrativa de eventos, como Miranda July narra sua própria vida, a partir de outras biografias pois, no livro, expõe sua dificuldade em conceber o roteiro para um novo filme e acaba sempre colocando um pensamento, uma lembrança, uma impressão pessoal sobre os encontros que ocorrem. Seria uma maneira de lembrar, de criar, de ficcionar o cotidiano. A vida se encontra dentro dessa narração. Em determinado momento, Vilas Boas (2002, p. 33) relembra que “até meados do século XVIII, praticamente não existiam biografias que se ocupassem de um único indivíduo”. O autor lembra a coletânea de pintores, escultores e arquitetos que Giorgio Vasari (1511-1574) reúne em Vida dos artistas, publicado pela primeira vez em 1550, bem como outros títulos que tinham essa característica múltipla de biografias. Vilas Boas recorda ainda que essas biografias de grupos de vidas como a de Vasari estavam de acordo com a hierarquia e funções sociais da época, retratando principalmente os nobres, os santos, reis, pintores e poetas. Eram raros os indivíduos comuns que eram lembrados. Ao contrário do que acontece em O escolhido foi você, onde pessoas comuns, grande parte morando em regiões afastadas do centro urbano da Califórnia, região de anúncios do PennySaver, aparecem no livro de Miranda July. São pessoas como Andrew, que vendem produtos de baixo custo, objetos usados como uma mala grande ou uma jaqueta de couro, tentando fazer uma renda extra ou mesmo se preocupando que álbuns de fotografias antigos não sejam jogados no lixo. É o ordinário em destaque. Muito diferente do que acontecia na 95 época de Vasari, onde rememora Vilas Boas (2002, p. 34): “A finalidade da biografia antigamente era clara: edificar a imagem de alguém pela glória de Deus e com o aval dos santos.”. O autor ainda lembra adiante que é o biógrafo quem deve acreditar na extraordinariedade do biografado. Dentro da História da Arte, encontramos diversos exemplos de ambos os lados, seja de reis e santos sendo retratados com esplendor, com auge na Idade Média, seja de modelos controversos sendo usados para retratá-los, como fez Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610), ou o ordinário que se transforma em sublime quando Gustave Courbet (18191977) pinta os quebradores de pedras, Tarcila do Amaral (1886-1973) transforma operários em obra de arte, ou ainda como observado, no capítulo anterior, quando Alessandra Sanguinetti retrata duas meninas anônimas do interior. Miranda July conta as histórias de Andrew, Pam, Michael e tantos outros e, desses encontros, surge O escolhido foi você. No livro, Miranda July ainda conta a história de Primila, que anunciou trajes da índia por US$ 5 cada. Primila (figura 30) era uma indiana de meia idade e tinha uma casa grande. Quando chegou no endereço, July lembrou que achava que pessoas ricas não anunciavam no PennySaver. Figura 30. Miranda July. O escolhido foi você. Primila. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 43. 96 O objetivo de Primila, ao vender as roupas, era ajudar uma aldeia na Índia, onde morava a avó de seu marido. Ela já havia feito um bazar em casa, há um tempo, com o propósito de contribuir para que, na aldeia, pudessem construir um sistema de bombeamento de água e, agora trouxe novos trajes da índia na intenção de vendê-los e ajudar na expansão de seus campos. Contou também histórias pessoais de doenças e superações na família. Depois de uma apresentação inicial sobre sua visita a Primila, Miranda July afirma: E, mesmo sabendo que eu não era repórter nem alguém de prestígio, começou a me contar coisas sobre si mesma, como Michael tinha feito, como se a entrevista realmente valesse alguma coisa. Ocorreu-me que a história de cada pessoa interessa demais a ela própria, então quanto mais eu ouvia, mais ela queria falar. (JULY, 2013,p. 37) Ao final da visita, Miranda July escreve sobre a dificuldade de não reduzir essa pequena parte biográfica, que lhe é compartilhada, em algo que seja apenas a sua visão sobre ela: “Seria preciso uma vigilância constante para não substituir as pessoas pela minha própria versão ficcional delas.” (JULY, 2013, p. 42). Miranda July, apesar de dar suas impressões sobre as pessoas que visita, deixa sempre um espaço aberto para que o leitor possa adentrar nas histórias com sua própria percepção, afinal de contas, nas linhas de O escolhido foi você não existe apenas uma biografia sendo contada. O livro é uma montagem de diversas frações biográficas de pessoas que a artista visita, mas que são unidas pelo fragmento biográfico que a artista revela de si mesma. O momento em que a autora se encontra a procura de inspiração para o roteiro de seu próximo filme, um momento que mistura a preocupação e o desejo de ser mãe em breve, os pensamentos sobre como conhece pouco da própria cidade e revela também uma combinação de procrastinação e obstinação. No caso de o próprio biógrafo ser o biografado, Vilas Boas (2002, p. 59) afirma: “A autobiografia, ao contrário da biografia e da história, argumenta-se pela expressão da consciência. Mas o ato de narrar e de recordar é uma arma contra a solidão e a dor, memória formada de saberes, um saber transmitido e compartilhado.” Como acontece com Miranda July, quando insere no livro trechos em que narra acontecimentos pessoais em meio aos outros personagens. Vilas Boas (2002, p. 60) completa: “As fronteiras entre imaginação e memória são difíceis de determinar, e as autobiografias e os livros de memórias funcionam como espelhos, autoconhecimento, autocriação e até autodefesa [...]”. 97 Assim como Alessandra Sanguinetti apresenta a série de fotografias, podemos pensar em O escolhido foi você como um testemunho, que envolve a criação e faz parte desse processo. Ambas as artistas apresentam histórias de outras pessoas, testemunham essas vidas, mas também criam a partir desse testemunho, uma série fotográfica ou um livro de relatos. São apresentadas diferentes formas de se contar uma biografia, não mais com início, meio e fim, mas como um recorte, um fragmento dessas vidas. Em As aventuras de Guille e Blinda e o enigmático significado de seus sonhos a narrativa pode ser considerada em terceira pessoa, ou seja, por meio de seu testemunho temos a possibilidade de conhecer o universo das duas primas, é o tipo de narrador que não participa da história que está sendo contada, mas que tem uma visão ampla dos fatos. Todavia, em O escolhido foi você, a narração acontece em primeira pessoa, pois temos Miranda July envolvida na história que nos conta, apresentando os fragmentos biográficos de outras pessoas misturados aos seus. O narrador em primeira pessoa exprime a sua visão dos fatos, pois tudo o que ocorre é filtrado por sua percepção. Isto acontece em O escolhido foi você, onde Miranda July filtra o que ocorre nos encontros, não sendo um narrador confiável, perpassando mais uma vez um testemunho pelo perjúrio. No livro Nos mínimos detalhes, de Alain de Botton (1969-), o narrador conversa com o leitor e expõe suas dúvidas sobre o processo biográfico. A história começa com o narrador em uma livraria, esbarrando em um livro e o deixando cair no chão. Quando pega o livro nas mãos, percebe que a capa se rasgou e, de maneira a disfarçar a sua avaria, finge um interesse no livro. Identifica então se tratar de uma biografia e inicia uma reflexão sobre esse gênero literário. “O voyeurismo das biografias tinha como pretexto a fama de seus sujeitos, quando, no fundo, o que existia poderia ter sido um desejo de bisbilhotar e ver alguém em pleno ato de administrar o negócio da vida.” (BOTTON, 2000, p. 18). Depois de um pensamento inicial sobre o assunto, onde percebe que não é matematicamente possível que todas as pessoas no mundo possuam os seus 15 minutos de fama, ou seja, que tenham suas biografias contadas, o livro segue com o narrador tentando contar a história de Isabel Jane Rogers, por meio de seus encontros, entrevistas e relação pessoal que acaba se tornando cada vez mais íntima. Alain de Botton expõe as dúvidas de seu narrador, se deveria ou não começar a biografia de Isabel pelos primeiros anos de vida, de uma forma cronológica. “Eu desejava que minha biografia fosse exaustiva, e, entretanto, de repente me ocorreu que isso exigiria não só o passado, mas o modo especial pelo qual o passado coexistia com o presente, e emergia dele.” (BOTTON, 2000, p. 28). Escreve sobre a curiosidade que se tem do próprio biógrafo, de como 98 ele pode ter descoberto aquelas informações, que talvez seria a maneira com que Miranda July nos apresenta, deixando-nos saber como conseguiu aquelas informações, que ligou para a pessoa, combinou um horário, pegou o carro e chegou até seus entrevistados. Para biografar é necessário ter curiosidade sobre a vida do outro, uma afeição. Miranda July queria conhecer aquelas pessoas por trás dos anúncios do PennySaver. Em Nos mínimos detalhes, Alain de Botton escreve sobre um impulso para conhecer o outro que seria necessário à uma biografia: Para responder àqueles que são de opinião que a nobreza da biografia e os domínios mais inferiores da afeição humana nunca deveriam se misturar, pode-se sugerir uma conexão entre a afeição e o impulso biográfico, isto é, um impulso para conhecer o outro plenamente. (BOTTON, 2000, p. 49, grifo do autor) O livro segue com cada capítulo abordando uma maneira, uma entrada para se fazer uma biografia a partir da personagem Isabel e a relação do biógrafo com ela. A vida de Isabel é contada ao leitor pela via de sua árvore genealógica, pelos gostos culinários, por memórias que o narrador pedia que viessem à tona, pela vida íntima com seus antigos namorados e, até mesmo, pela percepção geográfica do mundo de Isabel ou por meio psicológico, tentando decifrar sua personalidade pela sua letra ou até leituras de mão. O narrador se esforça de diferentes maneiras para traçar esse perfil de Isabel e nos apresentar sua vida nos mínimos detalhes. Todavia, Alain de Botton afirma: “A curiosidade a respeito dos outros é uma escolha válida, quando se deseja evitar a introspecção – pode-se substituir a luta interior pela batalha contra os herdeiros por citações e permissão para as cartas.” (BOTTON, 2000, p. 107). Quer dizer, a curiosidade pelo outro distrai o biógrafo sobre si mesmo e talvez tenha sido justamente isso que ajudou Miranda July a terminar o roteiro de seu filme. Quando ela deixou de lado a própria introspecção para se abrir para outras histórias como a de Primila, isso fez com que ela refletisse como deveria contar essa história para os seus leitores de maneira a não substituí-la pela sua própria versão sobre Primila. Alain de Botton ainda reflete sobre a importância de cada pessoa para a humanidade: Podemos dizer que a humanidade se divide em três categorias biológicas, enumeradas em ordem decrescente de importância: [i] Ser extraordinário, e ainda assim fazer coisas comuns [sentar-se em cadeiras, procriar] [ii] Ser comum, e no entanto fazer coisas extraordinárias [assassinato, ganhar na loteria] [iii] Ser comum, e fazer coisas comuns [ comer batatas fritas, comprar selos] (BOTTON,2000, p. 210-211) 99 Essa classificação explicaria, por exemplo, o interesse em publicar uma matéria, dita jornalística, de uma pessoa famosa estacionando seu carro na orla da praia ou fazendo compras no shopping, seria o ser dotado de extraordinariedade, um cantor/cantora, um ator/atriz, um/uma esportista, alguém muito famoso em geral e que, por estar fazendo coisas tão simples, despertaria a curiosidade do outro. Também explicaria por que os programas de TV estão também investindo em pessoas comuns, mas que fizeram algo extraordinário como perder 50 quilos em um ano, ou uma pessoa de baixa renda que com muito esforço chegou no topo da carreira. E, por último, o ser comum, que faz coisas comuns, como alguns dos personagens apresentados por Miranda July, que colecionam recortes de revistas, comercializam girinos e lenços indianos. Há ainda aqueles que, como Michael, fazem ou fizeram coisas extraordinárias, como uma mudança de sexo, ou como Ron, que assassinou uma pessoa. De alguma maneira, em geral, todos são comuns, possuem sua rotina diária, sentam-se em cadeiras, vão ao banco, jantam. A escolha de biografar o comum e jogar luz àquilo que é ordinário faz parte do que Sergio Vilas Boas afirma, de que quem deve acreditar na extraordinariedade do biografado é o biógrafo. 3.3 A flâneur que bate à porta Ao encontrar com um desconhecido caminhando na rua, podemos nos perguntar para onde está indo, que vida possui, seria melhor que a nossa? E se aquela fosse a minha vida? Num instante nos colocamos na perspectiva de olhar do outro e enxergamos múltiplas possibilidades, sua rota, as motivações que o levam adiante, os compromissos para os quais poderia estar atrasado. O outro, um desconhecido, pode mover as mais diversas curiosidades, pensamentos e elucubrações a respeito de sua vida. Em O escolhido foi você, Miranda July se depara com as pessoas em tempos distintos de sua vida como com Andrew em um de seus melhores momentos, acabou de se formar e vai entrar na faculdade. “Miranda: Então nós pegamos você numa espécie de momento emocionante de sua vida. Andrew: Ah, é um momento muito bom mesmo.” (JULY, 2013, p. 76). Ron, que anunciou estojos de pintura com 67 peças por 65 dólares está em outro período, saiu recentemente da prisão e usa uma tornozeleira eletrônica. Miranda July encontrou Michael em seu momento de transição de mudança de sexo, e Primila quando angariava fundos. A artista 100 joga um holofote nessas visitas e dá toda atenção para esse pequeno fragmento de vida que estava sendo apresentada a ela. Foi em um desses encontros, promovidos por meio do PennySaver, que Miranda July se encontrou com Matilda, anunciante de Ursinhos Carinhosos (figura 31) por 2 ou 4 dólares cada. Nessa altura do livro, Miranda July expõe a dúvida de continuar com as entrevistas ou terminar o roteiro de seu filme: “Podia desistir das entrevistas e terminar o roteiro ou podia continuar me encontrando com estranhos, acreditando que eles acabariam me levando ao que eu precisava aprender para terminar o roteiro” (JULY, 2013, p. 142). E foi o que a artista fez ao procurar seu próximo anúncio. Matilda era uma cubana de meia idade que morava com o marido, o filho e o irmão, e colecionava, comprava e revendia, em feiras, os Ursinhos Carinhosos. Morando com ela, seu irmão Domingo também possuía uma coleção peculiar que Miranda July avistou quando Matilda foi lhe mostrar a casa (figura 32). Havia uma colagem na parede de diversas fotos recortadas de crianças e bebês e, no chão, muitos envelopes pardos etiquetados como “Fotos de cadeias, garotas, bebês, fotos de carros de polícia, fotos de interiores de carros de delegados, belas garotas, fotos de bebês e também fotos de uma prisão” (JULY, 2013, p. 148). Domingo contou que gostava de ir em um restaurante próximo de casa onde fez amigos e que depois seguia sempre para a biblioteca: Na biblioteca, fico no computador e tento achar umas informações, umas fotos. Mas infelizmente essas fotos de computadores normais são só em preto e branco. Se a gente quer em cores, como eu às vezes quero, tem que pagar um pouco mais. Mas em geral quando a minha amiga, a bibliotecária, faz as fotos para mim, ela faz no computador dela, então ela me dá as fotos coloridas. Essa costuma ser a minha rotina diária. Ah, às vezes eu também gosto de ir ao fórum assistir aos casos, você sabe, casos criminais e audiências preliminares, que são parecidas com julgamentos. Observo o caso desde os primeiros trâmites dos procedimentos até a sentença. (JULY, 2013, p. 152) Miranda July descobre que Domingo fantasia que é um oficial, as vezes um delegado e coleciona essas imagens a alguns anos. Vive esses personagens que inventou para si mesmo. Afirma que necessita das imagens para que fique mais real em sua mente. Domingo faz tratamento psiquiátrico e disse que seu terapeuta o informou que não teria problemas em ter fantasias se ele não saísse por aí dizendo que é o que na verdade não é. As imagens que coleciona seriam uma forma de afirmar coisas para si mesmo sobre essa vida imaginária, os objetos que teria, os crimes que investigaria. E essas imagens não são estáticas, Domingo 101 afirma: “Você sabe, faço isso há anos, e sempre troco as fotos, quando sinto necessidade de mudar, de ser alguém diferente” (JULY, 2013, p. 158). Domingo, além de manter uma coleção de imagens para si, ficcionava a realidade, vivia um pouco sua fantasia quando visitava a biblioteca para colher material ou quando assistia audiências nos tribunais. De certa maneira, vivia essa vida de oficial/policial/investigador, não da maneira tradicional, mas em seus sonhos, seus delírios cotidianos que mantinham acesa a vontade de levar essa rotina adiante. Figura 31. Miranda July. O escolhido foi você. Matilda. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 143 e p. 144. Figura 32. Miranda July. O escolhido foi você. Domingo. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 149 e p. 151. Em O escolhido foi você, Miranda July sai de seu bairro nobre na cidade de Los Angeles e se depara com realidades distintas, regiões periféricas que mal conhece. Em seu trajeto, acaba por ter o olhar do estrangeiro, daquele que é de fora, o olhar de espanto, de descoberta, não 102 apenas de uma região, mas das pessoas que vivem nela e de quantas histórias cabem em uma cidade. A artista se depara com o outro para perceber como se sente em relação a essas distintas realidades. E, no meio de sua busca, para saber como as pessoas estão se virando na vida, se depara sempre com o inesperado, como uma flâneur contemporânea. Charles Baudelaire (19811867), em seu texto O pintor da vida moderna, se debruça sobre diferentes temas da modernidade, a partir das obras do pintor Constantin Guys que, em seu texto, é tratado como Sr. C. G. ou Sr. G.. Baudelaire repara nos croquis de viagens que o Sr. G fazia para publicar em um jornal inglês. Ele atenta para o improviso em que eram feitos, no local, retratando o que o pintor estava vendo. O autor chama atenção para o leitor anotar a sentença a fim de compreender a produção do Sr. G: “a curiosidade pode ser considerada como o ponto de partida de seu gênio” (BAUDELAIRE, 2010, p. 24). Constantin Guys era tão curioso pelo outro quanto Miranda July, e aí reside sua genialidade, como afirma Baudelaire. Não é incomum escutar atores afirmando que gostam de observar as pessoas para compor seus personagens, como faz Miranda July com seus entrevistados e como o Sr. G se comporta ao produzir suas obras em traços fugidios, tentando captar um momento, um movimento, uma multidão. A multidão é seu domínio, como ar é o do pássaro, como a água, o do peixe. Sua paixão e sua profissão consistem em esposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador apaixonado, constitui um grande prazer fixar domicílio no número, no inconstante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa e, no entanto, sentir-se em casa em toda parte; ver o mundo, estar no centro do mundo e continuar escondido do mundo, esses são alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a língua não pode definir senão canhestramente. O observador é um príncipe que usufrui, em toda parte, de sua condição de incógnito. (BAUDELAIRE, 2010, p. 30) Constantin Guys é descrito por Baudelaire de forma apurada como um flâneur, aquele que ama a multidão, que adora observar, se encontrar no mundo e se sentir em casa, talvez como Miranda July se sente ao visitar os seus estranhos. Como uma flâneur em Los Angeles, percorrendo ruas nunca visitadas por ela e, mesmo assim, sempre encontrando algo de familiar ali. Mas, diferentemente do flâneur de Baudelaire, que é incógnito observador, Miranda July se faz revelar a todas as pessoas que observa. Seus personagens colecionam objetos e ela coleciona personagens, histórias de pessoas, fragmentos de suas biografias, como o instante que Constantin Guys capta em suas obras, aquele momento fugaz em que homens cavalgando se cumprimentam ou mesmo uma mulher de lenço amarelo passa pela rua. 103 Em Mulher com um lenço amarelo (figura 33), o artista evoca a modernidade por meio de seus traços rápidos, de suas manchas de tinta que sugerem movimento, mas também pela mulher que está caminhando. Ela segue em alguma direção, sem parar para posar para o artista e produz vento com seu próprio movimento. Essa mulher mostra não somente a moda e os costumes de uma época, mas carrega consigo um ícone de modernidade. Baudelaire afirma que é necessário se esforçar para extrair a beleza de uma época, e que a modernidade pode conter uma beleza misteriosa. “A modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável.” (BAUDELAIRE, 2010, p. 35). A modernidade seria essa mulher em deslocamento, fazendo seu trajeto sem interrupções. E, dessa maneira, entendemos a relevância de quando Baudelaire afirma que o Sr. G desenha de memória e não segundo um modelo, pois sua mulher de lenço amarelo não poderia ser retratada de forma estática. Seria como se Miranda July tivesse tudo organizado e todas as entrevistas selecionadas antes de começar o seu projeto, não dando espaço para o movimento, para o que surpreende, para aquilo que não se vê vir, o que não se antecipa. Tanto Constantin Guys quanto Miranda July se lançam no desconhecido, na multidão das ruas ou na multidão de anúncios. E então, de todo esse acúmulo, há algo de singular que fica gravado em suas memórias, há algo que escapa, fazendo com que ambos produzam suas obras. “Ele só poderia ser encontrado por acaso” (JULY, 2013, p. 162) afirma Miranda July sobre Domingo. Ao tomar a multidão como o seu espaço, o flâneur encontra diversos personagens como os que Miranda July e Constantin Guy nos apresentam. Bob Wolfenson (1954-), fotógrafo paulistano, parece ser adepto da flânerie também, pois nos traz uma série de fotografias de esquinas de grandes cidades. Transita entre a fotografia publicitária e artística, e na figura 34, vemos Paris, primavera 2014 da série Nósoutros exposta na Galeria Millan, em São Paulo, no mês de fevereiro de 2017. Bob Wolfenson percorreu algumas cidades, como Paris, Nova York, Miami, Macau e Marrakesh, e fotografou suas esquinas. Ele sobrepõe as pessoas de várias de suas fotografias, fazendo composições com pequenas multidões que aguardam para atravessar a rua. São pessoas de diferentes idades e posturas. Há quem se distraia com o celular como a moça de jaqueta azul no lado esquerdo ou que pareça mais atenta como a moça loira ao seu lado. Há uma mulher ao centro empurrando um carrinho de bebê, dois homens parados conversando. No canto direito, um homem de bicicleta aguarda e olha para trás atentamente e uma mulher de casaco vermelho tem o olhar evasivo ao longe. São diferentes histórias e personagens que se cruzam em uma esquina, e o artista conta que seguiu o princípio de que as fotografias seriam sempre feitas em cruzamentos ou faixas de segurança e “as pessoas estavam 104 de fato naqueles lugares, mesmo que não tenham sido fotografadas no mesmo momento em que as que aparecem a seu lado na cópia final.” (WOLFENSON, 2017). Ele afirma isso pois, em algumas fotografias, foram feitas inserções de pessoas na multidão, fazendo dela também uma montagem. Figura 33. Constantin Guys. Mulher com lenço amarelo. 1860-1864. Pena e aguada cinza, aquarela. 21,3 x 14,3 cm, Acervo Museu do Louvre. Fonte: BAUDELAIRE, 2010, p. 37. Figura 34. Bob Wolfenson. Paris, Primavera 2014. Fotografia, 2014, Impressão em jato de tinta sobre Hahnemühle Baryta 315 gramas, 70 x 219,5 cm. Fonte: www.galeriamillan.com.br 105 Bob Wolfenson conta que a ideia da série de fotografias surgiu, em 2012, em um passeio pelos arredores da cidade de Nova York: [...] observei com interesse uma massa de desconhecidos entre si que aguardavam para atravessar a rua depois de um dia de lazer intenso sob o sol escaldante do verão novaiorquino. A postura compartilhada de meros pedestres esperando o sinal abrir os tornava semelhantes, ao mesmo tempo que figurinos e tatuagens, anatomia, cor da pele e atitude (euforia ou introspecção) os distinguia. (WOLFENSON, 2017) Assim como Constantin Guy, podemos afirmar que Bob Wolfenson esposou a multidão, fez dela o seu lugar, observou de forma apaixonada essa multidão, fixou domicílio no movimento, no fugidio, na passagem, no transitório. Ao flanar pelas ruas de grandes cidades, o fotógrafo consegue capturar pequenas particularidades de seus personagens, suas posturas, suas roupas, suas companhias. O fotógrafo faz como em O homem na multidão de Edgar Allan Poe, onde o personagem, sentado em um café em Londres, contemplava a multidão que passava apressadamente pela porta do local no final da tarde. O autor conta que, no começo, as observações eram mais generalistas, sobre os passantes em blocos, mas que depois começou a destacar os pormenores de cada um. “Os que passavam tinham, em sua maioria, um ar atarefado e confiante e pareciam pensar apenas em abrir caminho através da aglomeração” (POE, 2010, p. 92). Estavam sempre apressados. Poe vai discorrendo sobre os diferentes tipos que encontrava, dos refinados batedores de carteira aos vendedores de rua judeus, todo tipo de pessoa que habita as ruas, seja por alguns instantes ou por algumas horas. Uma diversidade de pessoas, tanto as que Bob Wolfenson encontrou em suas travessias, quanto as que Miranda July encontrou por meio de suas visitas. Poe vai descrevendo suas observações acerca da multidão e, parece ter passado horas nessa cena de curiosidade até encontrar um homem velho com sessenta e cinco ou setenta anos de idade que entrou em seu campo de visão e chamou sua atenção pelo semblante e peculiar expressão. O narrador segue, noite adentro, este homem que parece sempre buscar grupos de pessoas, mas não pertence a nenhum deles, acaba sempre se colocando em deslocamento pela cidade novamente. Depois de vagar a noite toda, de um grupo a outro, o dia amanheceu, se encaminhou e, anoitecendo novamente, o narrador que o estava perseguindo se sentiu muito cansado, abandonando sua obstinação por aquele homem. “[...] parando de segui-lo, fiquei absorvido na minha meditação. ‘Este velho’, disse eu, afinal, ‘é o tipo e o gênio do crime profundo. Ele se nega a ficar sozinho. Ele é o homem da multidão.” (POE, 2010, p. 102). 106 Se Constantin Guy desenhou a passante, a mulher com lenço amarelo que não interrompe seu trajeto para posar para o artista, Bob Wolfenson fotografou o deslocamento da multidão nesse mesmo movimento. E Miranda July é como o homem na multidão, se encontra sempre em deslocamento, de um grupo a outro, de uma visita a outra, não pertencendo a nenhum desses lugares, mas se mantendo sempre em deslocamento. O pintor da vida moderna, Constantin Guy, denota seu movimento pelos traços rápidos com os quais produz suas obras, e o fotógrafo contemporâneo nos mostra um fragmento desse deslocamento, que é suspenso brevemente por uma rua a ser atravessada, mas sabemos que, no próximo instante, um passo será dado e assim o movimento será reestabelecido. Essas pessoas na multidão não se deixam apreender, estão sempre em deslocamento. Se deixam revelar apenas em fragmentos. Não pertencem àquele grupo parado na calçada, à espera para atravessar a rua assim como o homem da multidão de Poe. Bob Wolfenson faz o movimento de montagem assim como Miranda July. Ambos apresentam uma coleção de personagens distintos, que se sobrepõem uns anos outros e formam um conjunto de histórias. Wolfenson, por meio da fotografia, e Miranda July, por meio da escrita, revelam personagens e suas personalidades, fragmentos de suas vidas, um instante capturado, seja pelas lentes de uma máquina fotográfica ou por uma entrevista. Flanar pelas cidades faz com que essas montagens sejam possíveis, pois a flânerie é movida pela curiosidade, feita de deslocamentos e passagens por aquilo que é fugidio, por aquilo que escapa. E, vale ressaltar ainda que, se para Baudelaire, a mulher era um ser incompreensível porque talvez não tivesse nada a dizer, Miranda July faz um movimento, parecido com o de Alessandra Sanguinetti, ao escrever sobre as fotografias que nunca foram tiradas. Miranda July conta que, quando tentava se estabelecer como cineasta, percebeu que existiam poucos filmes feitos por mulheres e quis entender como aquilo poderia fazer falta. Entrevistei garotas adolescentes, mães ocupadas e mulheres mais velhas pelas ruas de Portland, parando-as e perguntando: “Se você fosse fazer um filme, sobre o que ele seria?”. Compilei respostas e fotos num pôster chamado “O relatório dos filmes inexistentes”. Algumas respostas foram interessantes, a maioria não. Mas será que eu sentia a ausência? Agora que eu tinha pedido ajuda a elas, será que aqueles filmes não feitos estariam me modificando, como fantasmas? Os resultados do relatório foram inconclusivos. (JULY, 2013, p. 161). Esses filmes inexistentes podem ser pensados como os desejos nunca realizados e que permanecem vivos apenas em nossa imaginação, como nos sonhos de Domingo, nos quais se 107 vê como um oficial. São fantasmas da própria existência. Miranda July ainda afirma: “Tentar ver as coisas que são invisíveis mas próximas sempre me atraiu.” (JULY, 2013, p. 159). E esse fluxo surgiu na modernidade, selecionar momentos, situações, pessoas próximas que antes pareciam invisíveis e potencializar sua existência. 3.4 O escolhido foi você e o filme O futuro Em O escolhido foi você, Miranda July conta sobre o processo de escrita do roteiro do filme O futuro, de como acabou encontrando, no jornal de classificados PennySaver, uma maneira de procrastinar, encontrar outra coisa para fazer além do roteiro. Miranda July parece resolver suas biografias, em um primeiro momento, pela escrita com a junção de fotografias. Muitas histórias são apresentadas, como dos personagens anteriormente descritos. Os últimos são de Dina com Lynette e Joe, onde percebemos a combinação de O escolhido foi você com o filme O futuro, na qual a imagem se torna algo tão importante quando a escrita. Dina estava anunciando um secador de cabelo por cinco dólares, era uma mulher cheia de tatuagens, enfeites e piercings que vivia em um loteamento recém-inaugurado. Dina, assim como outros personagens colecionadores que Miranda July encontrou, possuía um álbum de recortes de revistas com mulheres negras (figura 35). “A adolescente Dina tinha colocado fotos de revistas de mulheres negras – eram suas irmãs fictícias. Parecia que todos com quem eu me encontrava tinham uma família imaginária de papel.” (JULY, 2013, p. 168). Colecionar objetos, inventar uma rotina ou personagens, parece fazer parte do imaginário de muitas pessoas com as quais Miranda July teve contato. Depois de conversar um pouco com Dina sobre suas tatuagens, sobre sua vida de modo geral, Miranda July conheceu sua filha Lynette, que cantou a música The Climb da cantora pop americana Miley Cyrus e logo depois dessa cena, Miranda July teve uma revelação de como deveria fazer seu filme. Ela percebeu que seu personagem Jason deveria visitar pessoas por meio do PennySaver, assim como ela própria acabara de fazer. Mais tarde, combinou com Dina para fazer algumas filmagens em sua casa e pediu que ela reencenasse sua visita anterior. O que aconteceu surpreendeu Miranda July, quando chegou com as câmeras, pois Dina parou de falar como falava normalmente, tentando ser o mais correta possível e Lynette, em vez de cantar a música de Miley Cyrus, desta vez cantou um rap de sua autoria. Percebendo que a situação não seria como a imaginada, Miranda July desistiu de ter mãe e filha no filme. 108 Figura 35. Miranda July. O escolhido foi você. Dina. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 169. E, como num clássico roteiro fílmico, onde antes do ápice final, temos um conflito a ser resolvido, no caso de O escolhido foi você, a tentativa frustrada de colocar Dina e Lynette em seu filme. A última visita, por meio do PennySaver, se encaminhava, quando Miranda July foi ao encontro de Joe, um homem de 81 anos que estava vendendo cinquenta cartões natalinos artesanais por 1 dólar cada. Ao visitar Joe, percebemos que a jornada da artista finalmente fez sentido para ela, como num ponto culminante da trama literária/fílmica. Ela conta que Joe (figura 36) tinha as paredes cobertas de fotografias com a história de sua vida com a esposa Carolyn e seus animais de estimação, muitos cachorros e gatos que já haviam falecido. O que chamou a atenção de Miranda July foram os cartões (figura 37) que Joe fazia para a esposa há décadas. Estavam pendurados na parede e continham versos obscenos e recortes de revistas. Ele conta para a artista: “Foi, eu faço cartões para minha mulher. Veja, o que faço é cortá-los em papéis como este, depois recorto fotos de revistas e jornais. Então escrevo poemas aqui, faço limeriques. Mas não sei se você vai querer ler alguns; eles são bem sujos.” (JULY, 2013, p. 184). Miranda July pede que ele leia algum para ela. Joe então escolhe um que acha bom e lê: Era uma vez uma belezura de cidade Seus peitos eram grandes de verdade O namorado se encantou com aquele lindo manjar Naquelas tetas quis logo se fartar E a mama esquerda atacou com voracidade. (Joe para JULY, 2013, p. 184) Retomando a ideia que havia tido com Dina, Miranda July pediu que Joe encenasse sua visita, agora diante das câmeras. A artista saiu da casa de Joe com muito material gravado, Joe 109 havia sido espontâneo, improvisava em suas falas. Terminando o roteiro do filme, Miranda July concluiu que seu personagem Jason não iria conhecer mais ninguém pelo PennySaver, além de Joe. Ao longo das filmagens, Joe foi diagnosticado com câncer em estado avançado, mesmo assim ele decidiu continuar as gravações. Figura 36. Miranda July. O escolhido foi você. Joe. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 183. Figura 37. Miranda July. O escolhido foi você. Joe. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 185. Quanto à dúvida sobre ter ou não Joe no filme, uma das coisas que Miranda July descreve, que mais a incomodavam em substituí-lo por um ator, é que as falas que ela escrevia para o personagem Joe, na verdade, eram apenas um indicativo, sendo que ele seguia em suas 110 improvisações e a artista gostava de como Joe procedia em seus diálogos de forma autêntica. Jacques Derrida em seu livro Pensar em não ver aborda, entre outras questões, o fonocentrismo, que segundo ele seria “uma estrutura universal que não depende desta ou daquela cultura – grega ou europeia –, uma estrutura universal que afirma ou legitima a hegemonia da voz, do sonoro, portanto, sobre o visível, relativamente a qualquer outra significação não sonora.” (DERRIDA, 2012, p. 76). Existiria então um privilégio da fala sobre a escrita e que este seria universal porque todas as culturas são dotadas da voz. Ainda reflete que o fonocentrismo é essencial para pensar o logos (do grego λόγος, palavra – escrita ou falada) como narrativa, discurso, razão e racionalidade. Derrida declara que há uma hegemonia do logos na cultura grega, e que esta teria uma escrita fonética, que permite escrever pela transcrição do significado, privilegiando a fala. Essa seria a forma que predomina no Ocidente que possui filiação grega “ou evangélica, uma vez que, no Evangelho de João, no início havia o logos” (DERRIDA, 2012, p. 77). Na versão bíblica: “No início era o verbo, e o verbo estava com Deus, e Deus era o verbo” (João 1, vers. 1.). Partindo de Derrida e da cultura evangélica-grega-romana, da qual somos herdeiros, se o início era o verbo, o logos, ele aparece como um marco, como a palavra então que dá início a existência. Dessa maneira, podemos talvez entender como a forma como Joe interpretava seu roteiro, sua direção de forma livre, era tão importante. A sua fala prevalecia sobre a escrita. Miranda July havia escrito três cenas para Joe, com algumas frases que ele deveria repetir, mas ela afirma: “A maioria das falas que eu havia escrito não tinha importância, eram apenas palavras vazias colocadas para Joe improvisar.” (JULY, 2013, p. 206). Havia, nesse sentido, uma preferência à fala. No filme O futuro (figura 38) os personagens Sophie, interpretado por Miranda July e Jason, interpretado por Hamish Linklater, repensam o futuro a partir do momento que decidem adotar um gato juntos. No abrigo de animais eles são alertados que o gato que pretendem adotar precisa ficar no abrigo de animais por 30 dias antes de ir para casa, pois tem problemas renais graves, mas que se eles cuidarem de forma correta do animal, ele poderá viver por até cinco anos. Sophie e Jason começam a repensar a vida a partir da informação de que Paw Paw, o gato, pode na verdade, viver mais cinco anos. Ambos largam seus empregos na tentativa de fazer algo substancial com a vida nesses trinta dias antes de Paw Paw chegar, como em uma 111 metáfora do que fariam se tivessem apenas mais trinta dias de vida. Jason acaba se voluntariando para vender árvores de porta em porta a fim de tornar a cidade de Los Angeles mais verde. Sophie tem vontade de fazer um vídeo de dança por dia, mas acaba não fazendo. O gato Paw Paw, sua doença e expectativa de vida são os fatores que desencadeiam esse repensar o futuro dos personagens. O questionamento sobre o futuro também aparece em diversos momentos de O escolhido foi você, como quando ela pergunta para Andrew sobre o que ele imagina para o seu futuro, um futuro a longo prazo. E no filme, ao se deparar com a vulnerabilidade do gato Paw Paw, os personagens compartilham uma sensibilidade sobre a finitude da vida, que faz com que reflitam sobre suas possibilidades e impossibilidades. Figura 38. Cena do filme O futuro. Fonte: http://thefuturethefuture.com Em um dado momento, Sophie liga para um número que está atrás de um desenho, feito por uma menina, que Jason havia comprado no abrigo de animais. Sophie liga para o número e começa a conversar com Marshall, o pai da menina, se envolvendo amorosamente com ele. Enquanto isso, Jason bate à porta de algumas pessoas tentando vender árvores. Algumas o atendem, outras não. Uma das pessoas pede que ele jogue fora algumas correspondências antigas e, entre elas, estava uma edição dos classificados PennySaver que ele acaba levando para casa. Jason conhece Joe ao ligar para o anúncio do PennySaver que estava vendendo um 112 secador de cabelo por três dólares, uma referência que Miranda July fez à história de Dina. Jason acaba voltando outras vezes para conversar com Joe sobre a vida, sobre relacionamentos. Em um dado momento, com tom mais fantástico do filme, Jason paralisa no tempo por vários dias em uma noite, tece diálogos com a lua que possui a voz de Joe. Ao se passarem vários dias, Jason e Sophie vão ao abrigo de animais e procuram por Paw Paw, mas este já havia sido sacrificado. O filme termina com o casal tentando voltar à rotina e com a voz de Joe ao fundo dizendo que o começo do relacionamento deles tinha acabado. Em O escolhido foi você, sobressai o testemunho de Miranda July ao contar um fragmento de sua biografia, no momento em que precisava terminar o roteiro do filme. Ela transfere a fala para a escrita, transforma os diálogos que teve com as pessoas que visitou em palavras. Para Derrida (2012), a escrita está do lado da morte, torna visível o que não é, como podemos observar nessa relação do livro com o filme O futuro. No filme, não haveria espaço para retratar todas as visitas de Miranda July como ela mesma aponta no livro, o filme se tornaria extenso demais. Colocando apenas Joe, ela simplifica o roteiro e condensa todas as suas visitas em uma. No livro, Miranda July dá a ver aquilo que não estava visível, o seu processo criativo, o seu processo de produção, de onde seus personagens saíram. De certa maneira, o livro complementa o filme, mas ele não é um pré-requisito para ele, é uma forma de adendo. No processo movente de criação do filme O futuro e no livro O escolhido foi você, Miranda July apresenta, ao espectador, as suas dúvidas sobre o roteiro, sobre como começou a visitar pessoas pelo PennySaver e que isto foi parar no roteiro de seu filme. Ela também mostra a decisão de não mostrar Dina e sua filha Lynette, contrariando seu primeiro impulso e nos apresenta o seu processo de criação, as suas descobertas e desejos com relação ao filme, mas também, ao mesmo tempo, com o livro. O futuro, uma das questões tanto de O escolhido foi você, como do filme, é apresentado por meio dos desejos, dos medos e angústias de seus personagens, sejam eles reais ou fictícios. No filme, o futuro se mostra como o passado, com um retorno para a rotina dos personagens. Abordar uma vida por um viés é uma maneira de apresentá-la que exclui tantas outras maneiras, como mesmo apontou Alain de Botton em sua ficção ou mesmo Sergio Vilas Boas quando 113 teoriza sobre o assunto. Miranda July nos apresenta as pessoas por meio de uma janela que se abre através de um jornal de classificados. Ela conhece as pessoas por intermédio dos objetos que elas estão vendendo e o porquê de os estarem vendendo. Alguns apenas querem mais espaço para outras coisas em sua casa, outros querem fazer uma renda extra e alguns ainda não querem que alguns objetos terminem no lixo pois para eles fazem sentido, embora não tenham grande valor comercial. O escolhido foi você se apresenta quase como um roteiro fílmico, a parte do próprio roteiro de O futuro, apresentando personagens e histórias de maneira episódica, unidas por uma temática em comum e que podem ou não se cruzar ao final. Miranda July se comporta como uma flâneur em sua própria cidade para redescobrir seus personagens e encontra neles a parte que faltava para terminar seu roteiro. No filme, ela condensa todos eles em Joe, como até mesmo uma maneira de lhes renderem uma homenagem e, no livro, temos a oportunidade de conhecer todos eles por meio de seu olhar, de sua perspectiva sobre cada um. Miranda July promove encontros com desconhecidos, essa é uma recorrência em seus trabalhos, seja ele um roteiro de filme, um aplicativo de celular, uma base escultórica, uma loja ou mesmo em O escolhido foi você. Promover esses encontros faz com que esses fragmentos biográficos sejam possíveis de serem contados. Mas Miranda July não simplesmente narra a visita de cada um, ela coloca um pouco de sua própria história, sempre um fragmento autobiográfico, como reflete Alain de Botton sobre o olhar em direção ao outro e a compreensão de si mesmo: “Eu podia compreender o que movia uma outra pessoa, porque encontraria a mesma coisa, se procurasse embaixo do meu travesseiro. Eu podia compreender um fragmento de sua experiência, encontrando a mesma experiência dentro de mim mesmo.” (BOTTON, 2000, p. 162-163). 114 115 116 117 ILYA KABAKOV: NARRAR E HABITAR NA INSTALAÇÃO TEN CHARACTERS “A vida na Rússia é uma experiência de privação e meu trabalho é sobre a alma humana presa em circunstâncias desagradáveis [...]. É claro, cada alma do mundo está em estado de tragédia, e é por isso que meu trabalho é compreendido em toda parte.”29 (KABAKOV, 1995, tradução nossa) Ilya Kabakov (1933-) é um artista de origem ucraniana na época em que a Ucrânia fazia parte da União Soviética30. Nasceu na cidade de Dnepropetrovsk, viveu por 30 anos em Moscou e com 54 anos de idade imigrou para os Estados Unidos, onde reside atualmente. Ainda na União Soviética, estudou na VA Surikov Art Academy, em Moscou, e trabalhou por muitos anos como ilustrador de livros infantis, sendo artista oficial do governo soviético. Ao mesmo tempo, também fazia parte de um grupo de artistas fora do sistema oficial da arte soviética chamado de Moscow Conceptualism31, um movimento que aconteceu por volta das décadas de 1960 e 1970 e que possuía um retorno ao realismo. A partir de 1989, Ilya Kabakov passou a assinar todas as suas obras em colaboração com sua futura esposa, também ucraniana, Emilia Kabakov (1945-), que era sua prima distante. Seu nome de batismo era Emilia Lekach, deixou a União Soviética em 1973 como pianista profissional, antes de emigrar, estudou literatura e música na Universidade de Moscou. Morou em alguns países até se estabelecer também nos Estados Unidos, onde trabalhou como curadora e consultora de arte. Nesta tese, trataremos apenas a autoria de Ilya Kabakov para a instalação Ten Characters, pois ela data de 1988 e, no convite da exposição, bem como em seu catálogo, há apenas seu nome, todavia, em outras obras posteriores serão atribuídos autoria a Ilya e Emilia Kabakov, em razão do trabalho colaborativo do casal. 29 Life in Russia is an experience of deprivation and my work is about the human soul trapped in unpleasant circumstances […]. Of course, every soul in the world is in a state of tragedy, and that's why my work is understood everywhere. 30 A União Soviética foi um estado socialista que reuniu várias repúblicas soviéticas entre os anos 1922 e 1991. Era liderada pelo Partido Comunista e sua capital foi Moscou. Sob o governo de Josef Stalin entre 1927 e 1953 imperou o estilo do realismo socialista, e outras formas de expressão foram duramente repreendidas. A partir da década de 1960 a censura começa a diminuir e experimentações vão sendo feitas como a do grupo não oficial de arte que Ilya Kabakov fazia parte. 31 Termo cunhado pelo crítico Boris Groys. 118 Ilya e Emilia Kabakov possuem uma extensa participação em exposições coletivas e individuais ao redor do mundo, que somadas, muitas vezes, ultrapassam uma dezena em um único ano32. A retrospectiva mais recente foi apresentada entre 2017 e 2019, na Inglaterra e na Rússia, com o título Not everyone will be taken into the future. No Brasil, o destaque está na participação da Bienal do Mercosul, em 2005, e na 23ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1996, que contava com a seleção de seis artistas da Europa Oriental. Seus trabalhos são pinturas, desenhos, objetos, esculturas e instalações, transitando constantemente entre as linguagens artísticas. A criação de personagens por Ilya Kabakov está presente em seu trabalho não somente nas instalações, como em Ten Characters, mas em pinturas, como em Nikolai Petrovich de 1980, onde conta a história do personagem que leva o nome da obra, misturando escrita e imagem. Dentre a numerosa quantidade de obras de Ilya e Emilia Kabakov, destacam-se as que tem, em comum, a temática dos anjos, como a instalação How to meet an Angel, de 2002, um grande bloco de madeira com uma escada em cima, que leva até a um anjo que desce do teto ou How can one change oneself? (figura 39), de 1998, um quadro que possui asas de anjos para uma pessoa vestir e as instruções de como usá-las para se transformar. Em artigo sobre a exposição Not everyone will be taken into the future, de 2017, que contemplava as obras, foi ponderado: Tanto em How to meet an Angel quanto em How can one change oneself? manuais são apresentados para que se possa encontrar um anjo ou mesmo tornar-se alguém melhor, tendo o anjo como ponto de referência e partida. O céu e os anjos, nas obras de Ilya e Emilia Kabakov, são como presentificação da possibilidade de escapar de uma vida de miséria, tragédia, burocracias e regras. Existe uma maneira de escapar, seja se catapultando de seu apartamento para o espaço, subindo uma escada que leva até o céu e lá encontrando o seu anjo, ou mesmo tomando a energia de um anjo, deixando que suas asas ajam sob si mesmo e o torne uma pessoa melhor. Existe nas obras essa menção de liberdade, a possibilidade de algo melhor acontecer, de que o céu seria esse lugar de suspensão, de epifania. (BASCHIROTTO, 2018, p. 208) Com uma abordagem de integração de culturas e ideias, o trabalho The Ship of Tolerance, de 2005, é um barco que já foi apresentado na costa de mais de uma dezena de cidades e que possuiu sua vela formada por desenhos de crianças sobre a temática da tolerância, produzidos sempre na cidade onde o barco será lançado. Outra instalação, que reflete o caráter monumental das obras de Ilya e Emilia Kabakov, é The Palace of Projects, de 1998, uma grande instalação onde um pavilhão de dois andares em formato de caracol abriga toda sorte de objetos, 32 No Apêndice C desta tese estão listadas algumas exposições das quais participaram. 119 desenhos, vitrines, mesas, etc., que expõem projetos realizados e idealizados pelos artistas como o próprio trabalho How can one change oneself? Figura 39. Ilya e Emilia Kabakov. How can one change oneself? 1998. Penas, couro e tinta sobre papel. 109 x 142 cm. Coleção privada. Cortesia de Galerie Thaddaeus Ropac, Londres, Paris, Salzburg. Fonte: www.tate.org.uk Ilya Kabakov ultrapassa sua história pessoal para criar dezenas de personagens ao longo da carreira. No cerne desse traço, que permanece em sua poética, está a instalação Ten Characters. A obra, uma das primeiras apresentadas pelo artista no ocidente, deixa uma marca em suas persistências e recorrências, sendo parte de um trabalho que tem, como ponto de partida, a sua vivência e que desenvolvia, há mais de uma década, na antiga União Soviética. Ilya Kabakov comunica realidades e ironias da vida, mas sem o compromisso com a documentação dessa realidade. Criando personagens, que muitas vezes são artistas como ele, extrapola e inventa a partir de sua experiência pessoal, sem deixar de criar e ficcionar existências diversas. Seus personagens estão, muitas vezes, em busca de seu espaço/lugar no mundo, demarcando suas territorialidades. Apresenta pessoas isoladas, cada qual vivendo seus dramas interiores, e faz um convite para adentrar a intimidade das pessoas por meio de seus quartos. 120 4. 1 O narrador de Ten Characters Ten Characters é uma instalação que consiste em um ambiente onde se encontram dez quartos (figura 40) e, em cada um deles, há a história e os vestígios de um personagem distinto. Apresentada em 1988 pela primeira vez na Galeria Ronald Feldman Fine Arts em Nova York33, é como se um andar de um prédio comunitário, no contexto da União Soviética, fosse colocado à disposição do visitante. Os quartos também já foram apresentados em exposições do artista de forma individual. Ten Characters é também o nome de um álbum que o artista produziu entre os anos 1971 e 1976, contava a história de dez artistas que viviam a margem da sociedade, a ser abordado neste capítulo. Na instalação Ten Characters, ao lado de cada porta dos quartos, há sempre um texto contando a história do personagem que habitou aquele ambiente. Ilya Kabakov narra dez histórias, a saber: • The man who flew into his Picture (O homem que voou para dentro de seu quadro, tradução nossa); • The man who collects the opinions of others (O homem que colecionava a opinião dos outros, tradução nossa); • The man who flew into space from his apartment (O homem que se ejetou de seu apartamento para o espaço, tradução nossa); • The untalented artist (O artista sem talento, tradução nossa), • The short man (O homem baixo, tradução nossa); • The composer who combined music with things and image (O compositor que combinava música com coisas e imagens, tradução nossa); • The collector (O colecionador, tradução nossa); • The person who describes his life throught characters (A pessoa que descrevia sua vida através de personagens, tradução nossa); 33 Ten Characters foi apresentada completa também em Londres no Institute of Contemporary Art e em Zurique no Kunsthalle Zürich em 1989. Também foi apresentada com alguns quartos e personagens a menos em Washington no Hirshhorn Museum em 1990 e em Toronto em The Power Plant em 1992. Ten Characters não foi preservada como instalação neste formato. Algumas instalações/cômodos foram posteriormente apresentadas separadamente em diversas exposições de Ilya e Emilia Kabakov como The man who flew into space from his apartment e The man who never threw anything away que fizeram parte da exposição Not everyone will be taken into the future que ocorreu na Tate Modern em Londres entre os anos de 2017 e 2018. 121 • The man who saves Nikolai Viktorovich (O homem que salvou Nikolai Viktorovich, tradução nossa); • The man who never threw anything away (O homem que não jogava nada fora, tradução nossa). Figura 40. Ilya Kabakov. Esboço para exposição. Plano de chão e perspectiva com seção para a exposição em Nova York, 1988, não datado, fotocópia, 43,2 x 28 cm. Fonte: https://fineartbiblio.com/artworks/ilya-kabakov/724/ten-characters Há ainda alguns cômodos adicionais que apresentam: • The rope (Abandoned Room) (A corda (quarto abandonado), tradução nossa); • Empty room (Quarto vazio, tradução nossa), um quarto identificado como não ocupado há muito tempo; • Kitchen I. “Gallery” (Cozinha I. “Galeria”, tradução nossa) uma cozinha onde todos os inquilinos poderiam usar, mas uma pessoa, um artista havia deixado algumas pinturas; • Kitchen II. Voices (Cozinha II. Vozes, tradução nossa) onde consta um relato de que se podia ouvir as vozes das pessoas cozinhando; 122 • Children’s corner (Canto das crianças, tradução nossa), que ficava no final do corredor, longe dos adultos. As narrativas apresentadas em Ten Characters perpassam a intimidade e memória desses moradores de um apartamento comunitário, existências ordinárias, de pessoas comuns, onde todos vivem muito próximos fisicamente uns dos outros mas, ao mesmo tempo, isolados cada um em seus mundos particulares. Os personagens que Ilya Kabakov apresenta são uma coleção de identidades, onde ficcionando esse habitar, se encontram fantasias, desejos, sonhos e realizações desses dez personagens. Todos os personagens de Ten Characters vivem em um apartamento comunitário no contexto da União Soviética. The man who flew into space from his apartment (figura 41) apresenta a história de um homem que supostamente se catapultou de seu apartamento para o espaço. Em seu quarto, encontramos um buraco no teto, sua catapulta, e uma espécie de maquete do bairro onde vivem, com o prédio do apartamento comunitário. Em seu projeto, calculou que chegaria a 40 metros acima da Terra, atingindo o espaço e alcançando uma outra dimensão. Em seu quarto, há muitos pôsteres sobre a temática do espaço, no contexto da corrida espacial, que se deu entre Rússia e Estados Unidos no fim do século passado. Do lado de dentro, o ambiente é bem iluminado e, embora não se possa adentrar no quarto, é possível observar o cômodo por uma fresta de madeira, como pode ser visto na figura 42. Do lado de fora, o ambiente tem iluminação difusa, sendo possível ver casacos pendurados, deixados ali, talvez pelo morador ou também pela polícia que foi acionada para a resolução do caso. Ainda é possível ler, colado ao lado da parede, o relato de alguns vizinhos, no qual Nikolaev afirma que o homem que se ejetou era quieto, não falava com os vizinhos e não usava a cozinha, que ficava em frente ao seu quarto. No texto é detalhado o seu planejamento, onde o homem que se ejetou queria sair da Terra para ir ao lugar onde pertencia. O relato do vizinho Startseva, sobre o homem que se ejetou, é mais curto e afirma que escutou uma grande explosão enquanto dormia e sentiu um cheiro de queimado. Já Golosov afirma que um carro da polícia chegou e começaram a procurar por ele por todos os blocos. Talvez estivesse mentindo, ele afirma, ou tivesse falhado, mas não encontraram ninguém. Foram colocadas as madeiras na porta e ninguém mais pôde entrar no quarto, mesmo assim os 123 curiosos continuaram chegando, segundo seu relato. O quarto conta uma história. Identificamos uma sequência de ações do homem que se ejetou por meio de seus projetos e, nas paredes, conhecemos aquilo que tomava seus desejos e pensamentos. Os relatos dos vizinhos na parede ao lado completam a narrativa visual com a textual. Borys Groys escreveu o livro Ilya Kabakov: The man who flew into space from his apartment, no qual analisa demoradamente somente este fragmento de Ten Characters. Groys (2006, p. 4) afirma que o experimento parece ter sido um sucesso, já que não vemos o corpo do homem no cômodo e que as viagens espaciais eram uma forma de sonho coletivo para atingir um êxtase. O voo para o cosmos seria essa chance individual e coletiva de uma experiência de elevação. Depois que o cosmonauta estivesse orbitando a Terra, ele sabia que encarnava o sonho coletivo. Groys (2006) lembra que o personagem imaginou o Universo permeado por enormes folhas de energia, as quais ele chamava de pétalas. Acreditava que essas pétalas teriam um exato momento de intersecção com o plano de movimento das galáxias, estrelas e planetas, e que ele poderia pular para a órbita da Terra, por meio de uma pétala, se soubesse o momento exato. Calculou esse momento e fez esse projeto para se transferir para essa pétala. O autor sugere que esse espaço para onde o homem se lançou não era um espaço vazio, mas sim um cosmos que, na origem grega da palavra, sugere um lugar além da Terra, não espiritual, mas material. Groys (2006) ainda lembra que, na Rússia do final do século XIX ao começo do século XX, houve um interesse explícito no cosmos como tópico de filosofia e arte, com uma noção de cosmos onde os corpos poderiam ser imortais, encontrando uma nova casa. Talvez seja essa busca que o personagem que se ejeta faz, essa busca de um novo lugar, uma nova casa para habitar, onde se sentisse confortável, como o próprio texto de Ilya Kabakov afirma. 124 Figura 41. Ilya Kabakov. Ten Characters. The man who flew into space from his apartment. 1988. Instalação. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 60. Figura 42. Ilya Kabakov. Ten Characters. The man who flew into space from his apartment. 1988, instalação. Montagem para a exposição Not everyone will be taken into the future, Tate Modern, Londres, 2017. Fonte: arquivo pessoal. 125 Permeando essas histórias ordinárias, de pessoas comuns, que não estão contadas nos grandes livros de história ou literatura, Ilya Kabakov se aproxima do papel do narrador nas reflexões de Walter Benjamin, em seu texto O narrador, escrito em 1936. O autor afirma que, ao contrário do romance, onde a memória se faz perpétua consagrando um herói ou um combate, a narrativa se apresenta em breves memórias com fatos dispersos, como o são as narrativas de Ilya Kabakov. Para refletir sobre a narrativa, Benjamin elege o escritor russo Nikolai Leskov (1831-1895) que, segundo o autor, escreveu uma série de narrativas lendárias “[...] cujo personagem central é o justo, raramente um asceta, em geral um homem simples e ativo, que se transforma em santo com a maior naturalidade. [...] Seu ideal é o homem que sabe se orientar no mundo, mas sem se perder demasiadamente nele.” (BENJAMIN, 2014, p. 216). Leskov possui uma narrativa fluida, parecida com a palavra falada, como no texto A Fraude, escrito em 1883, onde o narrador, um bogatir (herói), narra o período em que serviu como militar, em tropas em deslocamento pela Rússia e Ucrânia. Conta sobre os desejos pelas kukonas (mulheres) que teve ao longo das viagens. Conta também sobre a tropa trapaceada e como se vingou, sendo obrigado a deixar o regimento. Ele, já velho, encontra alguns jovens no trem e começa sua história. Esse conto pode remeter também ao narrador oral ao qual Walter Benjamin se refere em seu texto Experiência e Pobreza, onde se pergunta quem é a figura do velho sábio e se a idade avançada traz consigo a garantia de uma experiência rica. Em seu texto, Benjamin começa contando uma pequena história: um velho no momento de sua morte diz a seus filhos que existe um tesouro enterrado em seus vinhedos. Depois de muito procurarem pelo tesouro, os filhos se dão conta de que o tesouro do qual o pai lhes falava era o próprio vinhedo e que “a felicidade não está no ouro, mas no trabalho” (BENJAMIN, 1994, p. 114). Benjamin continua seu texto afirmando que a experiência era dada como algo que se transmitia aos jovens. Quem hoje passa experiências de vida adiante? Quem é a figura do velho sábio? Há um desaparecimento dos provérbios e máximas que ajudavam o jovem a refletir sobre si e a humanidade. Benjamin (1994) afirma que hoje a humanidade vive uma pobreza de experiência. Como se a vida nos tempos atuais eliminasse toda experiência do homem. O texto de Leskov nos faz lembrar sobre essa figura do velho, que aparece como narrador de uma história e a transmite aos jovens. “Falava alto, de modo persuasivo e desenvolto, e assim ninguém nem pensava em fazer objeções ou contradizê-lo [...]” (LESKOV, 2012, p. 104). Se, assim como afirma Benjamin, existe uma pobreza na experiência da narração oral, talvez agora a transmissão de experiência ocorra pelas imagens, pelas obras de arte, como se 126 pode observar em The man who flew into space from his apartment, que de forma teatral, utiliza um recurso narrativo, conta uma história. Mas talvez não fosse o caso da morte da narração oral ser substituída pela narrativa das imagens mas sim, em casos como nas obras de Ilya Kabakov, em conjunto e relacionadas, se apresentarem como recursos. Retomando o texto O narrador, também a narrativa, segundo Benjamin, não seria produto apenas de uma experiência pessoal: “O narrador retira o que ele conta da experiência: de sua própria experiência ou da relatada por outros. E incorpora, por sua vez, as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes.” (BENJAMIN, 2014, p. 217). Pode-se refletir então sobre a instalação de Ilya Kabakov se passar num apartamento comunitário da União Soviética e, em algumas histórias, trazer a experiência pessoal, mas também a coletiva a respeito dos acontecimentos históricos. The man who flew into space from his apartment traz uma perspectiva individual de algo coletivo, como foi a corrida espacial no contexto da Guerra Fria. Benjamin aborda a diferença entre o romance e a narrativa e, em determinado momento do texto, afirma que o romance se encerra em um sentido para a vida, convidando o leitor a refletir, enquanto a narrativa faz com que o leitor tenha curiosidade sobre o que veio depois. “Com efeito, não há nenhuma narrativa em que a pergunta – o que aconteceu depois? – não se justifique.” (BENJAMIN, 2014, p. 230). Como nas histórias que Ilya Kabakov conta em Ten Characters, ficamos sem saber se o homem que se ejetou conseguiu realmente chegar no espaço, se ele não foi encontrado porque se juntou a uma pétala que o levou a orbitar sobre a Terra. Seu desaparecimento continua sendo um mistério. Mais um dos personagens da instalação Ten Characters é The person who describes his life throught characters, extraído de um texto que acompanha a exposição, não ficando claro se havia um quarto para esse personagem ou se ele apenas faz parte da instalação de forma textual, sendo que no catálogo não existe nenhuma imagem que apresente esse retrato. Embora o texto seja narrado em terceira pessoa, parece estar mais próximo do artista. Nele é contado que essa pessoa que descrevia sua vida, através de personagens, se via no espelho como um só, mas que, em sua mente, eram muitos. Pensou em deixar que cada um deles contasse sua própria história, mas logo escutou o barulho de muitas vozes. "Com esta decisão, de repente sentiu uma cacofonia, que o agitou ininterruptamente desde o momento em que ele resolveu descrever sua 127 vida, cresceu quieto"34 (KABAKOV,1989, p. 34, tradução nossa). Depois de algum tempo, tudo voltou ao normal e cada voz esperava sua vez para falar. Ele começou a trabalhar e acabou produzindo dez álbuns com o título 10 Characters. Cada álbum era feito com folhas de papel, sempre nas mesmas dimensões, onde possuiam desenhos, documentos e textos de diferentes coisas feitos por cada autor. Os álbuns vinham em caixas que poderiam ser manuseadas pelo espectador, assim como o álbum Ten Characters de Ilya Kabakov, que originou a instalação de mesmo nome, a qual nos debruçamos nesta tese. The person who describes his life throught characters parece descrever o próprio trabalho de Ilya Kabakov, em um processo recursivo de Ten Characters, que começa com um álbum, depois é uma instalação e, dentro da instalação, há esse texto descrevendo a produção de um álbum de mesmo nome, embora o álbum de The person who describes his life throught characters seja sobre nomes e histórias distintas das quais a instalação Ten Characters se trata. Um processo que pode, muitas vezes, confundir o espectador. The person who describes his life throught characters parece ser o recurso encontrado pelo artista para descrever seu trabalho, suas vozes, as invenções de tantos personagens e artistas distintos. Cada um dos dez personagens da instalação Ten Characters pode demonstrar uma personalidade, uma característica do artista. Benjamin (2014) já nos lembrava que narrar é também intercambiar experiências, de si e do outro, e que a experiência que passa de boca em boca é uma fonte a que recorrem os narradores. Assim como são os relatos dos vizinhos sobre o homem que se ejetou, ou mesmo essa terceira pessoa que conta sobre outra que se descrevia através de personagens. Benjamin (2014) categoriza dois tipos de narrador: um é aquele que viaja, está em deslocamento, traz histórias de longe para contar, tipificado pelo autor como o marinheiro comerciante. O outro é o que fixa residência, com suas histórias e tradições, seria o camponês sedentário. Ambos têm suas histórias para contar. Em Ilya Kabakov, as histórias se desenvolvem em local fixo, com o narrador tipificado por Benjamin como o camponês sedentário, pois não se precisa ir longe para narrar os fatos, eles estão muito próximos, no quarto ao lado. Benjamin (2014) ainda escreve sobre a informação e a explicação. Seria a informação uma forma de ameaça à narrativa, pois é carregada de explicação. 34 With this decision he suddenly felt the cacophony, which had agitated him uninterruptedly since the time he resolved to describe his life, grow quiet. 128 A cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão para tal é que todos os fatos já nos chegam impregnados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece é favorável à narrativa, e quase tudo beneficia a informação. Metade da arte narrativa está em, ao comunicar uma história, evitar explicações. (BENJAMIN, 2014, p. 219) Nesse sentido, é necessário ser livre para interpretar a narrativa, que hoje se encontra coberta de informação. Ilya Kabakov deixa suas narrativas com muitas perguntas. Quais eram esses dez álbuns dos quais essa pessoa descreve? Por que ela precisa escrever sobre o outro para falar de si mesma? Para onde foi o homem que se ejetou? Quais eram suas maiores motivações? Qual o caráter psicológico desses personagens? E o que eles possuem em comum com o próprio artista? Essas e outras perguntas são suscitadas pela narrativa, deixando o espectador livre para interpretar a obra. Essa seria a diferença entre a narrativa e informação. Enquanto a informação apenas tem valor enquanto é nova, a narrativa não se esgota, assim como a obra de arte. Outro quarto de Ten Characters é The untalented artist (figura 43), que conta a história de um artista que fazia avisos pintados por encomenda. Ele se encontra próximo dos 50 anos, teve uma educação artística simples e se graduou em outro curso, o que fez com que não encontrasse tempo para ser um “verdadeiro artista”. Em seu trabalho com os avisos pintados repudia as repetições patéticas e faz inserções de elementos de sua imaginação. Mas antes, precisa pedir a autorização de seu chefe para saber se o anúncio está apto para ser colocado em uma árvore por dois dias. Kabakov (1989) ainda nos dá a informação, em pequenas sugestões, de que o artista sem talento foi uma criança rejeitada por seus pais, tios, e parentes em geral e que, mesmo assim, a alegria e o sol rompem e existem no seu trabalho, apesar de que os pais não lhe dedicaram “todo seu talento”. No cômodo destinado a esse personagem estão três grandes telas, cada uma dividida em duas partes. Ao lado direito está o texto onde se encontram as informações descritas acima. Ilya Kabakov empresta seus trabalhos a esse artista supostamente sem talento, e cria assim mais um de seus personagens. Em entrevista à Yusuke Nakahara, publicada primeiramente em 199935, Ilya Kabakov afirma que quando foi trabalhar no Ocidente, no final da década de 1980, todos estavam tentando mostrar sua identidade, e que os artistas pareciam achar isso muito importante. O artista afirma que se encontrava nesse circuito usando uma variabilidade de At the Nogoya Tokyu Hotel, 6 March 1999. Primeira publicação: Ilya Kabakov. Life and Creativity of Charles Rosenthal (1898-1933). Contemporary Art Center, Art Tower Mito, Mito 1999, vol. 2, p. 65-71. 35 129 diferentes estilos e que isso não era uma falta de identidade. Cada um de seus personagens trabalha com um estilo, possui uma biografia, características. De onde esse método vem é bem claro: não vem das tradições da arte; ele vem das tradições da literatura. Como um método no mundo da literatura, autores do passado criaram personagens em romances para colocar o que eles queriam dizer nas suas bocas. Mas no mundo da arte é extremamente raro.36 (KABAKOV, 2005a, p. 136, tradução nossa) Figura 43. Ilya Kabakov. Ten Characters.The untalented artist. 1988. Instalação. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 64 Kabakov (2005a, p. 138) ainda afirma que o espaço da galeria e do museu é um espaço de ficção, um lugar para jogar dramas chamados “exposições” e que suas instalações possuem muitos elementos teatrais, contando sempre uma história. A narrativa em seus trabalhos implica em uma percepção mais aproximada da literatura do que propriamente das artes visuais, na qual estão inseridas suas obras. Pseudônimos, alter egos, heterônimos, são dispositivos utilizados com maior naturalidade na literatura do que nas artes visuais. O que para Ilya Kabakov parece não ser um problema, pois o artista criou uma infinidade de artistas e personagens ao longo de sua carreira, Ten Characters é apenas o começo. Robert Storr (1949-), em seu texto Blinded by the Light, afirma que “As instalações de Kabakov são cheias de fantasmas. Às vezes, eles são conhecidos simplesmente como ‘o homem que ...’ seguido de uma descrição do que o homem Where this method comes from is quite clear: it doesn’t come from the traditions of art; it comes from the traditions of literature. As a method in the world of literature, author from way back have conjured up characters in novels in order to put what they want to say in their mouths. But in the world of art it’s extremely rare. 36 130 em questão fez37.” (STORR, 2005, p. 142). Em suas instalações e histórias mergulhamos nesse universo fictício de narrativas de pessoas ordinárias. Entramos em sua intimidade, conhecemos as particularidades desses fantasmas, dessas biografias inventadas. Nascida como um ícone (ou objeto sagrado), a pintura amadureceu em estágios de afresco (narrativa panorâmica emoldurada pela arquitetura) e depois para a píntura Renascentista (uma janela portátil no mundo) apenas para render suas reivindicações sobre a percepção da realidade por causa de maior acesso à imaginação. [...] Despojada de suas funções miméticas, a pintura abdicou assim à instalação, que nas mãos capazes de Kabakov assumiu a tarefa de descrição e narração de histórias. 38 (STORR, 2005, p..144) 4.2 Habitar (,) a possibilidade de uma narrativa Cada morador ocupa seu quarto de forma singular, portanto, as maneiras de habitar são diversas. Em The man who collects the opinions of others, que pode ser visto na figura 44, o personagem apresentado por Ilya Kabakov coleciona a opinião dos vizinhos para fatos estranhos. O narrador dessa história é um vizinho que foi convidado a conhecer seu quarto e conta para o espectador o que pôde observar. Ele afirma que o homem que coleciona a opinião dos outros fica em seu quarto, com a porta levemente aberta, aguardando para coletar as opiniões sobre objetos incomuns que ele escolhe para deixar no corredor. O narrador conta que o homem distinguiu três ondas de movimentos de opinião: a primeira seria o respingo e a explosão, quando alguém encontra algo inesperado e fala, por impulso, a primeira coisa que vem à cabeça; a segunda é a opinião premeditada, quando se avalia as interpretações sobre o fenômeno, o apogeu da opinião; e a terceira seria a intercepção das opiniões, o encontro de outras opiniões e, por consequência, o seu fim. Ilya Kabakov’s installations are full of ghosts. Sometimes they are known simply as “the man who…” followed by a description of what the particular man in question did. 38 Born as an icon (or sacred object), painting matured by stages into fresco (panoramic narrative framed by architecture) and then into the Renaissance picture (a portable window on the world) only to surrender its claims on perceived reality for the sake of greater access to the imagination. […] Divested of its mimetic functions, painting thereby abdicated to installation, which in Kabakov’s capable hands has assumed the task of description and story telling. 37 131 Figura 44. Ilya Kabakov. Ten Characters. The man who collects the opinions of others. 1988. Instalação. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 66. O vizinho conta então que o homem o convidou para entrar em seu quarto, mas que lá não havia nada, como se estivesse esperando por algo. Havia apenas as opiniões coletadas, expostas nas paredes de sua casa com o objeto no centro. Terminando seu trabalho, olhou para o vizinho esperando que ele dissesse algo, algum comentário sobre o que acabara de ver. “Toda a teoria, como começou a me parecer, era extremamente atrativa do ponto de vista estético. [...] Comecei acaloradamente a tentar persuadi-lo a publicar sua descoberta e talvez a mostrar sua exposição em algum lugar [...].39” (KABAKOV, 1989, p. 11, tradução nossa). O vizinho disse que possivelmente era uma importante descoberta científica e provocava alguma conexão entre as esferas intelectual e visual. De repente ele percebeu que não havia sido interrompido e que o homem não havia dito nenhuma palavra para interrompêlo. "Fiquei calado e olhei em volta ... Ele estava parado perto da mesa, e com o caderno na mão, estava escrevendo cuidadosamente e concentrado tudo o que eu havia dito no calor do momento40" (KABAKOV, 1989, p. 11, tradução nossa). The entire theory, as it began to seem to me, was also extremely attractive from an aesthetic point of view. […] I began heatedly to try and persuade him to publish his discovery and maybe to show his exposition somewhere […]. 40 I shut up and looked around.... He was standing near the table, and with notebook in hand, he was carefully and concentratedly writing down all that I had said in the heat of the moment. 39 132 Walter Benjamin, em seu livro das Passagens41, que o ocupou entre 1927 até sua morte em 1940, em Exposé de 1935, no texto Paris, a capital do século XIX onde tenta fazer, de certa maneira, uma pequena introdução ao livro, tece reflexões sobre o colecionador, pensando nesse personagem como aquele que habita o interior: O intérieur é o refúgio da arte. O colecionador é o verdadeiro habitante do intérieur. Ele se incumbe de transfigurar as coisas. Sobre ele recai a tarefa de Sísifo de despir as coisas de seu caráter de mercadoria, uma vez que as possui. No entanto, ele lhes confere apenas um mundo longínquo ou passado – porém, ao mesmo tempo melhor, no qual os homens, na verdade, estão tão pouco providos daquilo de que necessitam como no mundo cotidiano –, mas também um mundo em que as coisas estão liberadas da obrigação de serem úteis. O intérieur não apenas é o universo, mas também o invólucro do homem privado. Habitar significa deixar rastros. (BENJAMIN, 2006, p..46) The man who collects the opinions of others mostra, então, uma maneira de habitar esse interior, colecionando a opinião de outras pessoas, seus vizinhos, os habitantes desse mesmo apartamento comunitário, jogando objetos inusitados no corredor, nesse espaço de circulação em comum, de habitação de todos. Ele transfigura as coisas, como lembra Benjamin (2006), coloca, no papel, as palavras, as expõe em conjunto com o objeto que originou essas opiniões, coleciona os rastros desse habitar. Ilya Kabakov, em Ten Characters, apresenta também The short man, um personagem que montou, em seu quarto, uma exposição em formato de labirinto, mas que seria apenas apreciada se as pessoas de agachassem (figura 45). Seria uma nova maneira de habitar esse espaço, uma forma de o homem baixo ter uma reparação por sua baixa estatura, pois queria que pessoas altas tivessem que se abaixar. Composto de ilustrações e textos, para ele era como uma cidade, que no formato de sanfona, poderia ser guardado sem grandes problemas. Os textos continham frases que ouviu na cozinha, depois de tantos anos sendo encarregado de limpá-la no apartamento comunitário e as imagens também eram relacionadas à cozinha e a área comum. Convidou então um pequeno grupo de pessoas do seu trabalho para ir até sua casa, entre eles, Nikolai Ivanovich que era especialmente alto. Para sua decepção, ninguém deu muita atenção ao seu labirinto, ninguém se abaixou. As pessoas foram indo embora, e uma colega sua disse que tinha um pouco de interesse, mas 41 O título original em alemão Das Passagen-Werk (A obra das Passagens) foi uma escolha do editor alemão, quando o conjunto de textos de Walter Benjamin foi publicado. Considerado um trabalho inacabado do autor, Willi Bole, um dos organizadores do livro, afirma que o título Passagens se deu por conta de um primeiro texto escrito por Benjamin sobre esse tema. 133 que tinha um problema nas pernas, por isso não iria se abaixar, mas pediu permissão para falar sobre o labirinto para seu vizinho, que segundo ela, era interessado em literatura. Depois de alguns dias, o homem baixo recebeu um telefonema pedindo para dar uma olhada em seu trabalho. No dia marcado, o seu novo convidado caiu de joelhos e examinou cada detalhe de seu trabalho, disse que poderia estar em um museu. Todavia existia um pequeno “mas”, sendo o convidado tão baixo quanto ele, no momento que avistou o visitante no local combinado, considerou o fato vexatório. Figura 45. Ilya Kabakov. The short man.Ten Characters.1981-88. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 55. Em seu ambiente íntimo, no interior de seu quarto, o homem baixo convidou pessoas para adentrarem e verem seu trabalho, mas nenhuma das visitas foi como ele havia planejado. “Para o homem privado, o espaço em que vive se opõe pela primeira vez ao local de trabalho. O primeiro constitui-se com o intérieur. O escritório é seu complemento. O homem privado, que no escritório presta contas à realidade, exige que o intérieur o sustente em suas ilusões.” (BENJAMIN, 2006, p. 45). Para Benjamin, o intérieur é o seu universo, seu invólucro, pode ser pensado como seu casulo, seu local de proteção, onde suas ilusões podem ser realizadas, onde seus desejos ganham morada. A casa, o interior da habitação pensada como um casulo, com conotação de proteção, pode ser pensada em relação à intimidade, à identidade do habitante desse espaço que o envolve. O espaço privado onde o personagem encontra conforto e acolhimento, onde se sente livre para criar um mundo próprio, realizando fantasias e desejos. O espaço dessa casa, casulo, espaço de 134 habitação que está fora de si mesmo, mas é tão íntimo ao mesmo tempo, e revela um pouco de si. No texto O Intérieur, o Rastro, ainda em seu livro das Passagens, Walter Benjamin afirma que: A dificuldade de refletir sobre o habitar: por um lado, deve-se reconhecer nele o elemento mais antigo – talvez eterno –, o reflexo da estada do homem no ventre materno; por outro, independentemente deste motivo da história primeva, é preciso compreender o habitar, em sua forma mais extrema, como um modo de existência do século XIX. A forma primeva de todo habitar é a existência não numa casa, mas num casulo. Esse traz a impressão de seu morador. A moradia transforma-se, no caso mais extremo, em casulo. O século XIX, como nenhum outro, tinha uma fixação pela moradia. Entendia a moradia como o estojo do homem, e o encaixava tão profundamente nela com todos os seus acessórios [...] (BENJAMIN, 2006, p. 255) Benjamin (2006) escreve sobre a decoração do interior, sobre como proliferaram os bibelôs depois da criação da indústria. Reflete sobre o consumo de decoração, sobre como ela é necessária a este casulo, sobre como os quadros diminuíram de tamanho e como a biblioteca ficaria cada vez mais difícil de ganhar um espaço dentro do interior. Possui um ar pessimista quando fala que a altura dos apartamentos e seus espaços foram retalhados pelo capitalismo, da cruzada contra os jardins, e afirma que cada vez mais seremos obrigados a habitar o exterior. Os quartos de Ten Characters vão na contramão desse consumismo do qual Benjamin é um pessimista, pois em cada quarto habitam artistas e suas obras que, na maioria das vezes, são feitas de objetos de pouco valor, ou mesmo descartáveis como em The man who collects the opinions of others e The short man, assim como também o são nos trabalhos de Miranda July, vistos no capítulo anterior. Para além da contemporaneidade, o problema da moradia também foi pensado na modernidade com o artista alemão Kurt Schwitters (1937-1980), em sua obra Merzbau (figura 46), produzida primeiramente em Hannover. O artista começou seu projeto, em 1920, com a criação de colunas Merz, onde pedestais com bustos no topo eram forrados com todo tipo de objetos e papéis colados. Por volta de três anos depois, essas colunas foram se estendendo pelo espaço de sua casa, e a Merzbau começou a ser produzida. A princípio era utilizado apenas um cômodo da casa mas, ao longo dos anos, foi se estendendo por todos eles. Por conta da Segunda Guerra Mundial, Kurt Schwitters precisou se mudar algumas vezes, construindo partes da Merzbau na maioria dos locais onde morava. Karin Orchard, que trabalha no Sprengel Museum Hannover, na divisão Arquivo Kurt Schwitters, em seu texto As plantas espaciais de Kurt Schwitters, afirma: 135 Por seu modo de vida involuntariamente nômade, como imigrante e refugiado, Schwitters naturalmente nunca mais encontrou tranquilidade e tempo para deixar amadurecer e crescer em cada lugar sua respectiva Merzbau, para modifica-lo e ampliálo repetidas vezes, como foi possível durante os 13 anos de desenvolvimento do Merzbau em Hannover. (ORCHARD, 2007, p. 171). Figura 46. Kurt Schwitters. Merzbau. 1933, Kurt Schwitters Archiv im Sprengel Museum Hannover, Fotografia: Wilhelm Redemann. Fonte: http://www.sprengel-museum.de Diversos tipos e objetos eram agregados à Merzbau, muitos deles considerados detritos e lixos. Orchand ainda lembra que “Na residência da família Schwitters viviam numerosos animais – junto com os ratos brancos criavam-se também porquinhos da Índia. Estes habitavam, muito compreensivelmente, a Merzbau, [...] e também eram responsáveis, com sua roedura, pelo colapso da iluminação.” (ORCHARD, 2007, p. 173). A autora escreve que o artista levava poucas pessoas para adentrar sua casa/obra, confiava a alguns amigos apenas, pois pensava ser de difícil compreensão para estranhos. Lembra ainda que os amigos eram convidados a deixar suas impressões e sentimentos em um livro de visitas, em cima de uma mesa, no centro do espaço. Assim, de certa maneira, Schwitters também colecionava a opinião dos outros e, habitando sua Merzbau, transfigurou sua casa, seu interior em um casulo, onde arte e cotidiano coincidiam na existência. 136 Kurt Schwitters possui então uma semelhança com os personagens que Ilya Kabakov apresenta em Ten Characters, pois o local de sua residência é parte fundamental no formato e concepção de sua obra. Embora Ilya Kabakov não tenha tido contato com os artistas ocidentais por décadas, até o final de 1980, quando consegue permissão para deixar a União Soviética, há semelhanças entre os artistas, pois os personagens de Ilya Kabakov se sentem em um ambiente de proteção dentro de seus quartos, onde, em sua intimidade, podem criar situações e trabalhos de forma solitária e permitir a visita apenas de convidados, como fazia Kurt Schwitters com sua Merzbau. O espaço privado torna-se não apenas um ateliê, mas faz parte da própria obra. A diferença entre os trabalhos fica por conta das ficções e verdades contidas em cada uma delas. Enquanto Kurt Schwitters é real e foi um dos artistas modernos mais celebrados pela História da Arte do século XX, os personagens de Ilya Kabakov são fictícios e concebidos como possíveis alter egos do artista em suas múltiplas biografias. Retomando o pensamento de Jacques Derrida em Demorar Maurice Blanchot, onde a palavra “demorar” está ligada a uma ideia de espera e contratempo, “demorar” pode ser entendido também como permanecer em uma morada, ou mesmo possuir mais uma extensão à habitação, como a última morada, onde mora o morto. A casa, onde se passa toda a história que Blanchot conta, é lembrada por ele como o Castelo, como assim a chamavam. Derrida aponta para a importante narrativa da casa: “Como se a morada – sua demorrência – fosse o verdadeiro personagem central, e ao mesmo tempo a cena, o lugar e o ter-lugar da narrativa. Tudo o que acontece, no instante, acontece por causa e nas proximidades do Castelo [...].” (DERRIDA, 2015, p. 18). Para Derrida, em razão de a casa ser conhecida como o Castelo, há uma crítica social implícita, remetendo ao texto de Franz Kafka (1883-1924), sendo o nome da casa, a possibilidade de a narrativa acontecer. Foi por ser conhecida como uma morada burguesa respeitada que o personagem de Blanchot vai dever a sua vida. O nome ‘o Castelo’, o fato de ser uma morada burguesa enobrecida e respeitada pela Europa inteira, até mesmo pela Europa pós-revolucionária, desempenhará um papel determinante nessa história, isto é, em uma morte sem morte que foi talvez ‘o erro da injustiça’. (DERRIDA, 2015, p. 66). Ainda sobre a questão da moradia, o autor afirma que a violência dos soldados se reside no fato de expulsar e mandar os moradores para fora da morada. O tenente nazista ordena: 137 “Todos para rua42” (BLANCHOT, 2003, p. 9). A casa seria então o espaço que possibilita a narrativa, e que determina as ações dos soldados, visto que é identificada como uma casa de Senhor, que merece ser preservada, tudo é queimado, menos o Castelo. É uma moradia que também promove a narrativa em Ten Characters, onde os quartos são justificativas para um trabalho individual e solitário de cada personagem retratado, e também na Merzbau de Kurt Schwitters, onde o espaço interior é fundamental para a construção de sua obra. A partir do momento em que os quartos de Ten Characters são expostos, somos convidados a testemunhar um segredo. O espectador adentra ao espaço expositivo e tem ali a possibilidade de se demorar também na moradia desses personagens, que agora se encontram todos ausentes, permanecendo apenas os seus rastros e vestígios. Fazemos parte desse segredo. Foi possível testemunhar essa morada. Ten Characters foi uma das primeiras instalações de Ilya Kabakov, que depois cunhou o termo Total Installations para obras de arte onde o espectador poderia adentrar e, porque não, se demorar na obra, como foi a Merzbau de Kurt Schwitters. O espaço da morada possibilita a apresentação de uma narrativa, de uma biografia, pois entramos no casulo, no intérieur, na intimidade de uma obra, seja ela de um artista real ou de um artista personagem. A morada aqui se posiciona como refúgio, como espaço para a construção de subjetividades e criação. Ilya Kabakov, em seu texto What is a communal apartment? (O que é um apartamento comunitário?, tradução nossa), do catálogo da exposição de 1989, afirma que depois da revolução, no início do século XX, havia um problema de habitação nas grandes cidades da União Soviética. Não havia casas suficientes e os novos e antigos moradores se mudaram para as casas dos burgueses e protegidos do governo anterior por ordem especial do novo governo proletário. Ilya Kabakov afirma que os apartamentos foram divididos entre diversas famílias, cada uma com direito a um cômodo privado e áreas comuns como a cozinha e o corredor. Esse habitar foi brutalmente modificado e as famílias passaram a conviver em pequenos espaços de dez a doze metros quadrados. Ilya Kabakov trabalha o problema da habitação, da época, em Ten Characters, e também em outras de suas obras, como em The Toilet (O banheiro, tradução nossa) (figura 47 e 48), parceria com Emilia Kabakov, de 1992, apresentada na Documenta 9 em Kassel, Alemanha, com curadoria de Jan Hoet. 42 Na tradução do livro Demorar Maurice Blanchot por Flavia Trocoli e Carla Rodrigues a expressão se configura como “Todos para fora”. 138 Figura 47. Ilya e Emilia Kabakov. The Toilet, 1992, Instalação, vista externa. Documenta 9, Kassel, Alemanha. Fonte: http://www.ilya-emilia-kabakov.com Figura 48. Ilya e Emilia Kabakov. The Toilet, 1992, Instalação, vista interna. Documenta 9, Kassel, Alemanha. Fonte: http://www.ilya-emilia-kabakov.com Ilya Kabakov, em texto de 2009 sobre o trabalho, afirma que esta é uma metáfora sobre como os cidadãos soviéticos vivem em lugares que mais parecem banheiros mas, sobretudo, uma metáfora universal de como a “[...] vida em geral é uma merda, mas vivemos nela e nada pode ser mudado.”43 (KABAKOV, 2009, apud BINGHAM, 2017a, p. 192, tradução nossa). 43 […] life in general is shit, but we live in it and nothing can be changed. 139 Ainda comenta que uma visão reducionista e colonial da obra pode levar a olhar para o trabalho apenas como um retrato da vida na Rússia: Tudo o que as pessoas falavam era sobre os detalhes etnográficos da vida na Rússia, que precisavam ser precisos porque um artista russo havia feito a instalação. Este é o tradicional efeito colonial em ação, que nós, ocidentais, somos pessoas complexas e sutis, mas os selvagens de Rússia a Cuba só podem retratar suas vidas, contar histórias como Sinbad, o Marinheiro, sobre onde vivem. 44 (KABAKOV, 2009, apud BINGHAM, 2017a, p. 192, tradução nossa). The Toilet apresenta uma estrutura de concreto com entradas separadas em feminino e masculino, dando uma indicação de que poderia ser um banheiro público. Todavia, quando se entra na construção, os móveis e objetos dão a entender que há pessoas morando nesse local de dois cômodos, com louças em cima da mesa e roupas penduradas, indicando que o morador voltará logo para sua residência. É verdade que Ilya Kabakov parte de sua experiência de vida na terra natal, mas ultrapassa o mero retrato de uma sociedade e cria obras que possuem múltiplos significados, tratando de questões universais como, por exemplo, o local onde se habita, a casa, o casulo de cada uma das pessoas do mundo. O artista traz a sua bagagem, o seu referencial, mas está longe de colocar, como obra de arte, um retrato fiel da vida na Rússia. O problema da moradia não foi e nem é exclusividade dos russos, tendo se acentuado em várias partes do mundo no século XX com as migrações de população do campo para as cidades. Svetlana Boym, em seu texto Ilya Kabakov: The Soviet Toilet and the Palace of Utopias, publicado em 1999, escreve que The Toilet é uma obra “[...] sobre habitar o espaço mais inabitável – neste caso, o banheiro”45 (BOYM, 1999, tradução nossa) e que os habitantes desse espaço parecem ter sido pegos de surpresa, possuindo uma sensação de presença capturada. A autora ainda escreve sobre a narrativa contida nesses espaços e instalações criados pelos artistas: Kabakov escreve que suas instalações totais têm mais a ver com a narrativa e as artes temporais do que com as plásticas e espaciais, como a escultura e a pintura. Kabakov insiste que suas instalações não são baseadas em um modelo de uma imagem, mas no 44 All people talked about were the ethnographic details of Russian life, which had to be accurate because a Russian artist had made the installation. This is the traditional colonial effect at work, that we westerners are complex and subtle people, but the savages from Russia to Cuba can only depict their lives, tell stories like Sinbad the Sailor about where they live. 45 […] about inhabiting the most uninhabitable space - in this case, the toilet. 140 mundo como uma imagem. Em outras palavras, o visitante "entra" na instalação e habita uma imagem que lhe oferece um universo completo. A "quarta dimensão" é fornecida pelos textos. As artes temporais permitem muitas potencialidades narrativas. (BOYM, 1999, tradução nossa)46 Ao refletir sobre como as instalações totais podem ser entendidas, talvez muito mais próximas da narrativa do que da pintura e da escultura, é possível pensar que são trabalhos que produzem discursividade e, nesse sentido, podemos entender The Toilet, Ten Characters como um site-especific. Miwon Kwon, em seu livro One place after another: Site-specific art and locational identity, faz uma genealogia do termo, utilizado para denominar obras de arte que são produzidas para um lugar específico. Na introdução do livro, a autora deixa claro que pretende tratar de site-specific não apenas como um gênero, mas como uma ideia-problema. Dentre as diversas questões que o livro trata, como o lugar da obra de arte, a arte como espaço público e as questões de autoria, o primeiro capítulo propõe três paradigmas não lineares para se pensar o site-specific: o fenomenológico e experiencial, o social/institucional e o discursivo. O paradigma fenomenológico e experiencial estaria ligado não somente a uma relação baseada na presença física da obra de arte em um local, mas no reconhecimento da impermanência, da experiência fugaz e irrepetível. O paradigma social/institucional estaria ligado a temáticas aproximadas com a realidade social, com o uso de espaços fora da galeria e do museu. E, por último, o paradigma discursivo submete a si os dois paradigmas anteriores, pois pressupõe o site-specific como um campo de conhecimento, troca intelectual e debate cultural, que expande a fixação de local. A autora pensa a instalação, o site-specific como essa aparição, que gera discursos em torno do que foi apresentado, reverberando no espectador, mas também nas outras obras do artista. Kwon aborda a instalação e esse local específico não apenas como um lugar fixo, mas pensando em sua impermanência, na experiência, nos discursos que promove e possibilita e, nesses termos, The Toilet e os quartos, que são apresentados em Ten Characters, podem ser entendidos como site-especific. Kwon (2002, p. 24, tradução nossa) afirma: “[...] a garantia de uma relação específica entre uma obra de arte e seu lugar não se baseia em uma permanência 46 Kabakov writes that his total installations have more to do with narrative and the temporal arts than with plastic and spatial ones, like sculpture and painting. Kabakov insists that his installations are not based on a model of a picture, but on the world as a picture. In other words, the visitor "walks into" the installation and inhabits a picture which offers him a complete universe. The "fourth dimension" is provided by the texts. The temporal arts allow for many narrative potentialities. 141 física dessa relação [...] mas sim no reconhecimento de sua impermanência não fixada, a ser vivenciada como uma situação irrepetível e passageira.”47 Em Ten Characters, outro dos quartos apresenta The man who flew into his Picture (figura 49), um cômodo onde uma grande tela branca ocupa uma parede, com uma cadeira a sua frente, e uma série de papéis com instruções e esquemas sobre a história que está contando. Em terceira pessoa, um texto explica que esse homem, que voou para dentro de sua pintura, se desenhou em um quadro branco como uma figura pequena e cinza, quase imperceptível. Ele senta para observar o quadro quando começa a aparecer uma névoa branca que vai se dispersando e dando lugar a uma luz. Nesse momento, ele se funde com a figura pequena e a figura vai se movendo em direção a luz até que não é mais vista. E, embora ele esteja vivendo aquilo, sua consciência ainda diz que ele está sentado na sala apenas observando o quadro mas, depois de algum tempo, percebe que a realidade o está deixando. Pensa em uma solução de como agir para que o chão não desapareça completamente e então sente a necessidade da presença de uma terceira pessoa. Há uma explicação, colocada perto do quadro branco, para que essa terceira pessoa fique sempre em silêncio, deixando que os outros falem e que o som ocupe a sala. Figura 49. Ilya Kabakov. Ten Characters.The man who flew into his picture. 1988. Instalação. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 57 47 [...] the guarantee of a specific relationship between an art work and its site is not based on a physical permanence of that relationship […] but rather on the recognition of its unfixed impermanence, to be experienced as an unrepeatable and fleeting situation. 142 Boym (1999) relembra que, para Ilya Kabakov, suas instalações possuem mais proximidade com a narrativa do que com a escultura ou pintura. The man who flew into his Picture evoca essa narrativa e a deixa aparente. O texto, como quarta dimensão, conta a história para o observador, que acaba se tornando essa terceira pessoa, da qual esse personagem necessita para validar sua experiência de imersão em sua pintura, ao mesmo tempo que garante que o chão e a realidade não desapareçam nesse espaço ilusório. Sua narrativa e seu quarto com seus objetos contam sua história e produzem discursividade. Michel Foucault, em seu texto Outros Espaços, de 1984, reflete sobre questões como a utopia, heterotopia e seus espaços. Afirma que a época atual se volta para o espaço, um mundo de justaposição, como uma rede. Começa abordando a hierarquia do espaço medieval, onde o sagrado e o profano eram bem definidos, e cita Galileu Galilei (1564-1642) e sua descoberta de que a Terra girava em torno do Sol para pensar que, a partir de então, o espaço se tornou algo infinito e infinitamente aberto, gerando uma problemática de localização e posicionamento. Afirma que, na contemporaneidade, ainda não se extinguiram as oposições dos espaços, como o público e o privado, o espaço da família e o espaço social. Em Ten Characters há essa delimitação também, onde temos, nos espaços privados, os quartos, seus posicionamentos de repouso, com os objetos e narrativas, conforme a personalidade daquele habitante, onde somos convidados a conhecer sua narrativa pessoal. No apartamento comunitário ainda havia o espaço comum da cozinha, que pode ser identificado como um lugar de parada provisória. Já no espaço do corredor (figura 50), há um ambiente impessoal, transitório, como são os lugares de passagens, não possui a sacralização e identidade dos quartos. Foucault escreve sobre o posicionamento: De uma maneira ainda mais concreta, o problema do lugar ou do posicionamento se propõe para os homens em termos de demografia; e esse último problema do posicionamento humano não é simplesmente questão de saber se haverá lugar suficiente para o homem no mundo – problema que é, afinal de contas, muito importante –, é também o problema de saber que relações de vizinhança, que tipo de estocagem, de circulação, de localização, de classificação dos elementos humanos devem ser mantidos de preferência em tal ou tal situação para chegar a tal ou tal fim. Estamos em uma época em que o espaço se oferece a nós sob a forma de relações de posicionamento. (FOUCAULT, 2001, p. 413) 143 Figura 50. Ilya Kabakov. Ten Characters. 1988. Instalação. Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington, D.C. Photograph by D. James Dee/Ilya and Emilia Kabakov Archive. Fonte: http://www.ilya-emilia-kabakov.com Quando Ilya Kabakov produz Ten Characters e nos apresenta essa demografia da União Soviética, não trata apenas a questão se há lugar ou não para todos, o que produz está longe de ser uma mostra fiel àquela realidade. Ele parte dessa questão, realça também as relações humanas, a circulação, a habitação e, talvez, uma heterotopia, conceito que Foucault vai adentrar em seu texto. O autor discute o que seriam os espaços de utopia e heterotopias. “As utopias são os posicionamentos sem lugar real. São posicionamentos que mantêm com o espaço real da sociedade uma relação geral de analogia direta ou inversa.” (FOUCAULT, 2001, p. 414-115). As utopias seriam, portanto, espaços irreais, sem lugar real. Vale notar que, para Ilya Kabakov, a utopia da União Soviética pode ser entendida como uma ideia falida, como esses cômodos apertados, onde famílias se espremem, sendo banheiros usados como habitações. Foucault afirma que as heterotopias seriam utopias realizáveis, “espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis.” (FOUCAULT, 2001, 115). Foucault ainda fala sobre a função das heterotopias, que poderiam ser duas, de ilusão e compensação. Uma estaria ligada a um traço ilusório das heterotopias: “elas tem o papel de criar um espaço de ilusão que denuncia como mais ilusório ainda qualquer espaço real, todos os posicionamentos no interior dos quais a vida humana é compartimentalizada” (FOUCAULT, 2001, p. 420). A outra função, pelo contrário, criaria um outro espaço, “um outro 144 espaço real, tão perfeito, tão meticuloso, tão bem-arrumado quanto o nosso é desorganizado, maldisposto e confuso” (FOUCAULT, 2001, p. 421). Podemos pensar que as obras que Ilya Kabakov produz estão na esfera da função do espaço de ilusão, muito longe de querer passar a limpo esse espaço de habitação, pois criam devaneios, são espaços da esfera dos sonhos. Se a heterotopia cria esse espaço de ilusão, a arte também. Podem-se criar personagens, pessoas que nunca existiram com traços de realidade, baseado em fatos que existiram, como o problema demográfico da União Soviética. Podemos pensar a arte como uma heterotopia, como uma utopia que se realiza, existe, mas que, ao mesmo tempo, possui a imaginação e os sonhos. Sonhar e criar personalidades é uma heterotopia realizável pela arte. A arte seria esse lugar fora de lugar, mas localizável. Assim como o são os quartos apresentados em Ten Characters. Foucault ainda reflete sobre a heterotopia que pode se justapor, como no teatro, onde o mesmo espaço do palco se ajusta para apresentar vários lugares ou mesmo o cinema, onde, em uma tela, cabem muitos espaços em terceira dimensão. Podemos acrescentar a este exemplo as salas dos museus e galerias, nas quais, à medida que os meses passam, recebem novas exposições que vão habitar o espaço expositivo, como Ten Characters. Foucault menciona os museus e bibliotecas em seu texto como heterotopias, onde o tempo nunca cessa de se acumular, algo que pertence à cultura da modernidade. Em seu Catalogue Raisonné, Ilya Kabakov escreve sobre Ten Characters, apontando a possibilidade de que cada quarto pudesse ser interpretado como um quarto de museu: Mas talvez ele não more mais aqui, mas provavelemte morasse aqui? Cada cômodo realmente contém muitos objetos que pertencem ao seu habitante, mas eles são organizados de tal forma que são mais como lembretes dessas pessoas e sua existência. As coisas têm uma qualidade memorativa para eles, como se estivéssemos em algum museu-casa, onde nos seriam mostrados o quarto, a sala de jantar, o escritório de um famoso poeta, compositor, etc. Esses objetos estão dispostos na sala de exposição como eram durante a vida de seus moradores, mas tudo relacionado à sua existência diária foi removido e o chão foi lavado. (KABAKOV, 2003, p. 136, tradução nossa)48 But perhaps he doesn’t live here anymore, but rather used to live here? Each room really does contain a multitude of objects that belong to its inhabitant, but they are arranged in such a way that they are more like reminders of these people and their existence. The things have a memorial quality to them, as though we were in some homemuseum, where we would be shown the bedroom, the dining room, the office of a famous poet, composer, etc. These objects are arranged in the exhibited room as they were during the life of the residents, but everything relating to their daily existence has been removed and the floor has been washed. 48 145 Ilya Kabakov afirma que essas qualidades de memorial e museológica são reforçadas pelos textos explicativos que estão nas paredes, como se fizessem parte de um museu. É a quarta dimensão novamente, acrescentando outros significados ao trabalho plástico. Mas, ao contrário dos museus-casa ou de grandes memoriais, os quartos de Ilya Kabakov rememoram a vida de personagens comuns, evidenciam biografias ordinárias, assim como também o são os trabalhos que Alessandra Sanguinetti e Miranda July apresentam. De maneiras distintas, um dos pontos de convergência é sempre a vida do homem comum. Em Ten Characters, o espaço da habitação, portanto, gera e possibilita a narrativa. Esse espaço que habita os personagens de Ilya Kabakov pode ser entendido como um lugar de heterotopia, produzindo ilusões e justaposições de biografias. Pode ser pensando em sua discursividade, na aproximação que o trabalho possui com a narrativa, em algumas vezes, mais do que com a pintura e a escultura. Seja qual for a leitura que se faça desse espaço, o que resta são as histórias, os fragmentos de existências, as biografias que ali estão sendo contadas. Habitar possibilita uma narrativa, e como lembra Benjamin (2006), o homem privado se constitui em seu intérieur. O espaço do quarto, como esse espaço de posicionamento mais íntimo, dá a ver o que de mais profundo existe na alma desses personagens. Sejam eles os devaneios de estar entrando em sua pintura e não saber mais distinguir o sonho da realidade. Seja colecionando a opinião de outros e guardando para si palavras corriqueiras, que atingem um status sagrado quando rearranjadas e organizadas em seu quarto. Ou ainda o desejo de que uma pessoa alta visite o apartamento e seja obrigada a se abaixar para apreciar um labirinto de papéis e papelão. Esse espaço do interior, expõe os anseios, os desejos e os devaneios de seus habitantes, e nos lembra de que cada pessoa possui suas particularidades, sua imparidade biográfica. 4.3 Biografias, autobiografias e suas assinaturas Outro personagem de Ten Characters que apresenta suas particularidades em um cômodo é The man who never threw anything away (figura 51). Seu quarto é composto principalmente de varais onde objetos, fragmentos, lixos são pendurados junto a uma descrição. Anexo ainda há outro cômodo (figura 52), com armários, painéis e mesas organizando sua coleção. Sob cada sucata havia um número, que poderia ser encontrado em um livro contendo anotações. 146 O texto que apresenta o personagem e sua história está escrito em terceira pessoa, como se fosse um vizinho contando o que aconteceu com este homem que não jogava nada fora. O narrador conta que o inquilino já não se encontrava mais ali, ninguém tinha a chave para abrir a porta, e foi necessário quebrá-la para acessar o cômodo. Quando entraram, se espantaram, pois encontraram muito lixo, mas que não estava jogado de qualquer maneira como o do quintal, e sim organizado cuidadosamente. Um segundo texto, desta vez em primeira pessoa, pondera a certa altura: “considerando ser impossível separar o importante do não importante – isso seria insanidade?49” (KABAKOV, 1989, p. 43, tradução nossa). Ainda reflete sobre um princípio de seleção onde um é melhor que o outro e se pergunta porque o senso comum é mais forte que suas memórias. “Eu sinto que é precisamente o lixo, aquela mesma sujeira onde papéis importantes e sucatas simples, são misturados e não triados, que compreende a genuína e única estrutura real da minha vida [...]50” (KABAKOV, 1989, p. 44, tradução nossa). Mais um colecionador é apresentado em Ten Characters, desta vez, um colecionador de lixo, que não entende essa coleção ligada com a questão ecológica, nem mesmo por objeto de descarte, mas sim como parte de suas memórias. A criação de personagens e suas personalidades é uma persistência nas obras de Ilya Kabakov. São artistas sem talentos, homens que se ejetam, que têm baixa estatura, que colecionam desde opiniões até lixo. Ponto comum e de convergência entre todos é a assinatura que carregam. Retomando o pensamento de Jacques Derrida, em Pensar em não ver, o filósofo ainda reflete sobre a questão da assinatura de um artista, não apenas como um nome escrito em um papel, mas como uma presença. Essa presença caberia ao corpo do artista, imprimindo seu gesto, mas também na relação do corpo do espectador, quando se entrega à experiência. Derrida ainda afirma que assinar uma obra pode ser um ato discursivo, embora não pertença mais à linguagem. Ele funciona no sistema linguístico como um de seus elementos, mas como um corpo estranho. [...] Em um obra pictórica, por exemplo, ou uma obra escultural ou musical, a assinatura não pode estar ao mesmo tempo dentro e fora da obra. [...] Em uma escultura a assinatura é estranha à obra, como o é na pintura. (DERRIDA, 2012, p. 33) […] considering it impossible to separate the important from the unimportant – wouldn’t that be insanity? I feel that it is precisely the garbage, that very dirt where important papers and simple scraps are mixed and unsorted, that comprises the genuine and only real fabric of my life […]. 49 50 147 Figura 51. Ilya Kabakov. Ten Characters. The man who never threw anything away. 1988. Instalação. Fonte: http://www.ilya-emilia-kabakov.com Figura 52. Ilya Kabakov. Ten Characters. The man who never threw anything away. 1988. Instalação. Fonte: http://www.ilya-emilia-kabakov.com Derrida afirma que a assinatura é um elemento de discursividade ou textualidade na obra. Em Ten Characters a assinatura não se encontra em cada um dos quartos/instalações, mas sim na exposição como um todo, pois ela seria também estranha à instalação. A despeito do significado de assinar um nome, a assinatura acontece, segundo Derrida (2012), quando não se 148 limita ao seu conteúdo semântico. “É preciso fazer mais do que escrever o seu nome para assinar. Em um formulário de imigração escrevemos o nome e depois assinamos. Portanto, a assinatura é algo diferente do que simplesmente escrever o seu próprio nome.” (DERRIDA, 2012, p. 34). A assinatura existe quando a obra diz além de si mesma: Assim, haverá assinatura cada vez que um acontecimento ocorrer, cada vez que houver produção de uma obra cuja ocorrência não seja limitada ao que é semanticamente analisável. Isto é a sua significância: uma obra que é mais do que ela significa, que está ali, que resta ali. (DERRIDA, 2012, p. 34, grifo do autor) Podemos entender a biografia do artista então, não tendo uma confirmação na obra, onde a obra existiria apenas para confirmar sua biografia, mas como uma assinatura, que marca uma presença, mas que não define e nem limita a obra, que resta ali, está ali, mas não é limitada a ela. Portanto, a assinatura não deve ser confundida nem com o nome do autor, com o patronímico do autor, nem com o tipo de obra, pois não é nada além do acontecimento da obra em si, na medida em que ela atesta de uma certa maneira [...] o fato de que alguém fez isso, e é isso que resta. (DERRIDA, 2012, p. 35) Com a passagem do tempo, o que resta é a obra e a sua assinatura, ou biografia, que permanecerá inscrita nela, pois faz parte de sua imparidade. Mesmo quando as histórias contadas são do artista sem talento ou do homem que não jogava nada fora, a assinatura continua sendo de Ilya Kabakov. O artista, com seus alter egos, cria personagens fictícios que dão a ver a sua própria assinatura. Talvez uma de suas obras mais biográficas seja Labyrinth (My Mother’s Album) (Labirinto (Álbum de minha mãe), tradução nossa) (figura 53). Originalmente criada em 1990, em parceria com Emilia Kabakov, foi apresentada em exposição recente na Tate Modern em Londres51. Percorrendo a exposição, havia uma porta de tamanho comum para uma casa. Não raro, visitantes passavam direto por esta porta, que era a entrada para a obra. Como o próprio título revela, a obra é em formato de labirinto, com aproximadamente 50 metros de extensão, que contém setenta e seis quadros na parede que contam uma autobiografia da mãe de Ilya Kabakov, Bertha Urievna Solodukhina. As paredes do corredor são pintadas de vermelho escuro até a metade, o chão é escuro e o ambiente tem uma iluminação fraca, apenas o suficiente 51 Everyone will be taken into the future, Ilya e Emilia Kabakov, Tate Modern, Londres, Inglaterra, 18 de outubro de 2017 a 28 de janeiro de 2018. Organizada pela Tate Modern em parceria com State Hermitage Museum, St Petersburg e State Tretyakov Gallery, Moscow, onde também foi exibida entre 2018 e 2019. 149 para ler a biografia da mãe do artista. Além dos textos, cada quadro possui fotografias que retratam a cidade de Moscou, e principalmente a cidade ucraniana Berdyansk, na costa do Mar Negro, tiradas pelo tio de Ilya Kabakov, Yuri Grigorevich Blekher, que era fotógrafo. A mãe de Ilya Kabakov foi morar nessa cidade depois de sua aposentadoria em 1959. As fotografias contrastam com o texto, que conta histórias de pobreza, fome e exploração. Figura 53. Ilya e Emilia Kabakov. Labyrinth, My Mother’s Album. Instalação. Tate Modern, London, 2000, dimensões variadas. Fonte: www.tate.org.uk Andando pelo labirinto da obra, acompanhamos a biografia da personagem. Segundo Kate Fowle (2017), em seu texto On Labytinth (My Mother’s Album), Solodukhina começa sua história contando sobre seus pais, que eram órfãos e se casaram quando tiveram idade legal. Conta sobre dois irmãos que morreram logo depois do nascimento e de como sua mãe devotava atenção à ela. Seus pais faleceram quando ainda era jovem. Solodukhina ficou responsável então por seus outros quatro irmãos mais novos e, vivendo em condições precárias, teve um colapso nervoso que a levou a viver por um tempo em um sanatório. Nesse local, conheceu o seu marido, logo engravidou, mas sofreu um aborto. Quatro anos mais tarde engravidou novamente, levou a gravidez adiante, onde, no quadro de número 29, é relatado o nascimento saudável de Ilya Kabakov, mas que gritava frequentemente de fome. Seu marido, que trazia 150 pouca renda para casa, é descrito como um homem irritado e que, depois de algum tempo, abandona a família. À medida que os quadros avançam no labirinto, lemos mais sobre a autobiografia da mãe de Ilya Kabakov. Fowle (2017) lembra que Solodukhina ainda conta que, para manter os estudos do filho, se mudaram para cidades maiores, chegando a morar em Moscou. Como ela não tinha permissão para morar legalmente na cidade, se mudou com frequência para não ser encontrada por policiais, dormindo em um porão úmido ou mesmo em um banheiro em desuso, o que nos faz relacionar essa parte de sua história com The Toilet. A instalação Labyrinth (My Mother’s Album) foi apresentada pela primeira vez em Nova York, em 1990, um ano depois do falecimento da mãe do artista e este é um dos poucos trabalhos relacionados à sua história pessoal pois, em sua grande maioria, os personagens que Ilya e Emilia Kabakov apresentam são ficcionais. Com poucas inserções de texto de Ilya Kabakov, Solodukhina conta sua história de vida, com alegrias e sofrimentos quando está com 80 anos de idade. A biografia seria essa narrativa de eventos, uma maneira de lembrar, de criar, de ficcionalizar o cotidiano. Em Labyrinth (My Mother’s Album), abre-se o espaço para que Solodukhina conte sua história, uma narrativa de pobrezas, incertezas, de cantos escuros, mas também de esperança pelo futuro de seu filho. Por meio dela, conhecemos uma versão da história do artista, mas que também não pode ser levada como pura verdade, pois como bem lembra Derrida (2015), no testemunho cabem o perjúrio e a mentira. Quem conta a biografia é a mãe de Ilya Kabakov. As fotografias, por sua vez, pertencem ao tio do artista e, por último, Ilya e Emilia Kabakov produzem e assinam a obra. Em seu livro Otobiografías, resultado de uma conferência proferida em 1976, Jacques Derrida começa refletindo sobre a questão da assinatura, desta vez a partir da Declaração de Independência dos Estados Unidos. Começa se perguntando: “Quem assina, e com qual nome supostamente próprio, o ato declarativo que funda uma instituição?52” (DERRIDA, 2009, p. 13, tradução nossa). Logo adiante, Derrida (2009) afirma que é preciso que um signatário tenha se comprometido a assinar e colocar em ação a declaração de independência, e que a assinatura 52 ¿Quién firma, y con qué nombre supuestamente propio, el acto declarativo que funda una intitución? 151 engaja um vínculo com um ato de linguagem e escritura. No caso da declaração, Derrida (2009) afirma que quem a escreve, no caso Thomas Jefferson (1743-1826), apenas redige, assim como uma carta que alguém dita o conteúdo. Poderíamos nos perguntar se no caso de Labyrinth (My Mother’s Album) também não aconteceu isso, se Ilya e Emilia Kabakov também fizeram o papel de ditar o conteúdo, ou mesmo sugeri-lo, o que não seria improvável. No caso da declaração de independência, Derrida (2009) afirma que a assinatura inventa o signatário, e que o “bom povo” que assina a declaração apenas existe quando a assina. Assim como um artista, que apenas existe quando assina suas obras, assim ele passa a existir. Solodukhina não existe enquanto artista, pois não é ela quem assina Labyrinth (My Mother’s Album), assim como o artista sem talento ou outros personagens de Ten Characters. O signatário é, ao mesmo tempo, produtor e garantia de sua própria assinatura, seja no caso da declaração de independência, seja produzindo uma obra de arte. O artista é o signatário, aquele que assina, mas que só existe porque assina, sendo sua própria garantia de existência. O corredor de Labyrinth (My Mother’s Album) desembocava na referida exposição em outra sala, onde havia os álbuns Ten Characters (Dez personagens, tradução nossa), os primeiros dez personagens criados por Ilya Kabakov, se diferindo daqueles referentes à instalação de mesmo nome que é ponto central neste capítulo. Os álbuns foram expostos, cada um em cima de uma carteira, com uma cadeira disponível para se sentar e folhear todas as páginas que estavam plastificadas e organizadas como um fichário, a apresentação lembrava a disposição de uma sala de aula (figura 54). Os álbuns de Ten Characters53 foram produzidos entre 1970-74 e contêm escritos, desenhos, biografias e informações sobre dez personagens fictícios criados por Ilya Kabakov, que também vivem em um contexto do regime totalitarista da União Soviética. 53 Os álbuns apresentados são: Looking out of the window Arkipov (Olhando para fora da janela Arkipov, tradução nossa), Anna Petrovna has a dream (Anna Petrovna tem um sonho, tradução nossa), Sitting in a closed Primakov (Sentado em um armário Primakov, tradução nossa), The Agonizing Surikov (O agonizante Surikov, tradução nossa), The decorator Malagin (O decorador Malagin, tradução nossa), The flying Komarov (O voador Komarov, tradução nossa), The generous Barmin (O generoso Barmin, tradução nossa), The joker Gorokhov (O piadista Gorokhov, tradução nossa), The mathematical Gorsky (O matemático Gorsky, tradução nossa), The released Gavrilov (O liberado Gavrilov, tradução nossa). 152 Figura 54. Ilya Kabakov. Os álbums de Ten Characters apresentados na exposição Not everyone will be taken into the future na Tate Modern 2017-2018. Fonte: https://www.instagram.com/p/BcQYx7En9fN/?igshid=1get9n5e2qqja Assim como na instalação Ten Characters, cada álbum mostra um fragmento da vida de um personagem fictício, a maioria vive isolado e com pouca esperança. Sitting in a closed Primakov conta a história de um menino que faz, de um armário da sua casa, um espaço de imaginação, pensando em como poderia voar pela cidade e desaparecer no céu. As imagens contidas nesse álbum revelam o mundo por sua perspectiva, ou seja, mostram o quarto de sua mãe visto por uma fresta do armário como na figura 55, e também a sua casa, ou mesmo a vista da rua de sua janela. The flying Komarov mostra o protagonista e os habitantes de uma cidade que possuem o hábito de voar, contando como é o cotidiano dessa cidade de transeuntes voadores, que vão e voltam do trabalho todos os dias, eventualmente pegando “carona” com pássaros ou asas de aviões e voltando para suas casas ao entardecer, como pode ser observado na página 15 do álbum (figura 56), onde também se lê em anexo: "AO ENTARDECER", todos já estão recolhidos ao escurecer. Nos últimos raios de luz, no entanto, você pode ver aqueles que ainda retornam de viagens distantes, 153 transportando mercadorias de terras distantes, objetos cujo propósito muitas vezes não entendem completamente.54 (KABAKOV, 2017, p. 95, tradução nossa) O álbum termina com a informação de que alguns se tornam simplesmente transparentes, onde logo será possível ver nada além de pássaros voando. Boris Groys (1947-), em seu texto Re-inventing Authorship, afirma que Ilya Kabakov faz uma mistura de medo e esperança em Ten Characters e, sobre os álbuns, comenta: Cada um desses álbuns é um livro de folhas soltas que retratam em imagens e palavras a biografia ficcional de um artista que vive nas visões ou nas obras de seus "heróis-artistas" particulares. Todas as imagens têm inscrições comentando sob a perspectiva dos vários amigos e parentes de cada artista. A imagem final em cada álbum é uma folha de papel em branco que anuncia a morte do herói.55 (GROYS, 2017, p. 36, tradução nossa) Assim também é o final do álbum de The flying Komarov, onde os personagens vão se tornando transparentes até não serem mais vistos no céu. Nos álbuns de Ten Characters, é como se cada um dos personagens fictícios criasse um fichário com desenhos e escritos sobre sua vida, são biografias ficcionais, assim como os personagens da instalação Ten Characters. A diferença entre álbum e instalação se dá primordialmente por meio da linguagem escolhida, tendo os personagens da instalação os desejos materializados no espaço de um cômodo. Boris Groys, em seu texto Ilya Kabakov: The Artist as Storyteller, afirma que o tamanho dos álbuns é calculado para gerar tédio na alma do espectador e fala sobre o tédio, no trabalho de Ilya Kabakov, não necessariamente como algo ruim. “O tédio é o encontro de uma pessoa consigo mesma, com a realidade de sua própria existência no mundo.56” (GROYS,2010, p. 94, tradução nossa). A leitura de muitas imagens, detalhes e textos pode gerar mesmo o tédio no seu espectador mas, como afirma Benjamin (2014, p. 221), em O narrador, “Se o sono é o ponto mais alto da distensão física, o tédio é o ponto mais alto da distensão psíquica. O tédio é o pássaro onírico que choca os ovos da experiência”. ‘IN THE EVENING’ everybody is already down on the darkening ground. In the last rays of light, however, you can see those who are still returning from faraway journeys, carrying wares from faraway lands, objects the purpose they often fully do not understand. 55 Each of these albums is a book of loose sheets depicting in images and words the ficcional biography of an artist living on the visions or works of their particular ‘artist-heroes’. All the images bear scriptions commenting from the perspective of the various friends and relatives of each artist. The final image in every album is a sheet of white paper announcing the death of the hero. 56 Boredom is a person’s meeting with himself, with the reality of his own existence in the world. 54 154 Figura 55. Ilya Kabakov. Ten Characters. 1972. Sitting in a closed Primakov, página 16, 51,5 x 35 cm cada página. Tinta e lápis de cor sobre papel. Fonte: www.ilya-emilia-kabakov.com Figura 56. Ilya Kabakov. Ten Characters. 1970/1994. The flying Komarov, página 15, 51,5 x 35 cm cada página. Tinta e lápis de cor sobre papel. Coleção privada. Fonte: http://www.ilya-emiliakabakov.com. Todos esses personagens apresentados podem ser pensados como alter egos de Ilya Kabakov, visto que o artista estava habituado, nesse período, a não ser apenas um artista, mas dois. Ilya Kabakov, conforme citado no início deste capítulo, como artista oficial, a partir da década de 1950 na antiga União Soviética, fazia ilustrações de livros infantis dentro do padrão aceito marcado pelo Realismo Socialista, com isso conseguia viver de arte e manter um ateliê de trabalho. Como artista não oficial, era membro de um grupo fora do sistema de arte soviética, 155 conhecido como Moscow Conceptualims, um movimento entre 1960 e 1970, com retorno ao realismo. Os artistas do grupo possuíam interlocução seletiva, eram poucas as pessoas que podiam ver seus trabalhos além deles mesmos. Assim, como artista não oficial, não teria garantia nenhuma de que seu trabalho seria levado para o futuro e que dele restaria alguma coisa nos anais da História da Arte. Depois dos álbuns de Ten Characters, surgiram dezenas de outros personagens nas obras de Ilya e Emilia Kabakov. Muitos deles são outros artistas, que podem ser descritos nas obras e histórias como sem talento ou mesmo desesperados. Na instalação Ten Characters, nenhum deles se repete com os do álbum de mesmo nome criado anos antes. Labyrinth (My Mother’s Album) e Ten Characters, tanto o álbum quanto a instalação, apresentam biografias. As diferenças e as semelhanças entre as obras estão nos processos de ficções e verdades apresentados por elas. Enquanto Labyrinth (My Mother’s Album) é uma autobiografia da mãe de Ilya Kabakov, apresentada e assinada como instalação pelos artistas, Ten Characters é um conjunto de biografias ficcionadas. Sobre a criação dos personagens dos artistas, Fowle (2017, p. 43, tradução nossa) afirma: “O artista os descreveu como "experimentos em biografia", inventados ou extrapolados da experiência pessoal para comunicar as ironias e realidades complicadas da sociedade soviética.57” Ficção e verdade se encontram quando não podemos nos certificar dos limites entre uma e outra. A certeza reside no fato de que se são, de alguma maneira, perjúrio ou realidade, seus trabalhos são, antes de mais nada, obras de arte. Ilya Kabakov apresenta uma série de personagens distintos em cada cômodo de Ten Characters, assim como fez Miranda July quando adentrou em cada uma das casas que visitou. Diferentemente de O escolhido foi você, as biografias, que Ilya Kabakov apresenta, são personagens fictícios, embora talvez cada um denote um desejo ou percepção do próprio autor. Os personagens apresentados em Ten Characters possuem, cada um, uma particularidade narrativa que se apresenta por meio dos textos de Ilya Kabakov, alguns como se fossem relatos de um vizinho, testemunhos. E assim como as pessoas que Miranda July apresenta, muitos dos personagens de Ilya Kabakov fazem algum tipo de coleção, seja de objetos, figuras ou até opiniões. Colecionar, parece então não apenas fazer parte do imaginário pessoal, mas da construção de si mesmo, de sua personalidade, seus desejos. 57 The artist has described them as ‘experiments in biography’, invented or extrapolated from personal experience to communicate the convoluted ironies and realities os Soviet society. 156 Ten Characters tem o próprio personagem colecionador. The collector (figura 57) apresenta um quarto com pranchas de imagens fixadas na parede, e uma mesa e cadeira ao canto iluminadas por uma luminária. O texto (KABAKOV, 1989), que conta sobre esse personagem, novamente aponta para uma pessoa solitária, que tem pouco contato com os vizinhos do apartamento comunitário. O colecionador era um designer aposentado, que combinava harmoniosamente os mais diversos objetos e coisas, gostava de montar painéis, unindo figuras diversas, sem aparente relação entre elas: armas, gatos, danças folclóricas, chapéus, vistas da cidade, etc. O relato do vizinho assinala: “Ele aparentemente viu algo mais significativo, sério e importante por trás dos apelos miseráveis e convites de Ano Novo58” (KABAKOV, 1989, p. 31, tradução nossa). O texto conclui que seria a ordem, uma vontade de ordenação do caos, que estaria acima de todas as relações e conexões feitas pelo colecionador. Como se a organizaçao que ele estabelece com as imagens tão distintas fosse uma utopia de harmonia no apartamento comunitário. Ten Charcaters apresenta diferentes tipos de colecionador, seja de opiniões, de lixo, de fotografias e cartões. O que se apresenta com a instalação, e com as demais obras de Ilya Kabakov, é que o artista é um grande colecionador também, mas de personagens. São criadas diferentes biografias e especificidades a esses homens, artistas, pessoas que ganham características e gostos. Retomando o pensamento de Svetlana Boym, ela aponta que o artista é um contador de histórias: Assim, no auge da era da informação, o artista tenta ser um contador de histórias no sentido benjaminiano. Ele compartilha o calor da experiência, apenas sua comunidade é dispersa e exilada. Então ele compartilha suas histórias não apenas com seus próprios amigos e compatriotas, mas com todos aqueles estranhos nostálgicos por habitats humanos perdidos e o ritmo lento do tempo. 59 (BOYM, 1999) 58 He apparently saw something more significant, serious and important behind the miserly appeals and New Year’s invitations. 59 Thus at the height of the information age, the artist tries to be a storyteller in the Benjaminian sense. He shares the warmth of experience, only his community is dispersed and exiled. So he shares his stories not with his own friends and compatriots, but with all those strangers nostalgic for lost human habitats and the slow pace of time. 157 Figura 57. Ilya Kabakov. Ten Characters. The collector. 1988. Instalação. Fonte: http://www.ilya-emiliakabakov.com Ilya Kabakov empresta histórias e vida a personagens que não passam de pessoas comuns, vivendo suas existências de forma anônima, até mesmo sem grande contato com os próprios vizinhos. São presenças pouco relevantes, que a sociedade não percebe, até que tenha sumido e aberto um buraco em seu teto. Boris Groys, em seu texto Ilya Kabakov: The theater of authorship, afirma que existe uma expropriação das obras do artista, onde ele atribui a outros personagens suas próprias obras. Ao falar sobre a arte de Ilya Kabakov, deve-se perguntar primeiro se existe realmente um artista chamado Ilya Kabakov. Para as instalações de Ilya Kabakov quase sempre se relacionam com a história de outros artistas - mostrando seus trabalhos, contando suas biografias, comentando sobre seus métodos artísticos, suas aspirações e seus desapontamentos.60 (GROYS, 2010, p. 105, tradução nossa) Groys (2010) ainda afirma que muitas vezes o espectador é levado a acreditar que está vendo uma documentação e não um trabalho artístico, e que o artista faz um jogo entre a identificação e a não identificação com esses personagens. E completa, sobre a recorrência de suas obras: “Cada instalação de Kabakov conta uma história - quase sempre a mesma história In speaking about Ilya Kabakov’s art, one should first of all ask whether there is actually an artist called Ilya Kabakov. For Ilya Kabakov’s installations almost always relate to the history of other artists – showing their works, telling their biographies, commenting on their artistic methods, their aspirations and their disappointments. 60 158 sobre uma alma isolada vivendo em um ambiente desconfortável e ameaçador”61 (GORYS, 2010, p. 112, tradução nossa). O autor ainda lembra que Ten Characters é escura e sombria. Assim também é Labyrinth (My Mother’s Album) com luzes fracas, com o corredor iluminado apenas para que se possa ler e ver os quadros de perto. Groys (2010, p.112, tradução nossa) aponta que isso “[...] enfatiza o prazer de tais incursões voyeurísticas na escuridão da intimidade oculta”62 e que “desde a morte de Deus como um observador confidencial e onisciente, a esfera comunitária é o único observador remanescente interessado nos aspectos íntimos de nossas vidas”63 (GROYS, 2010, p. 116, tradução nossa). A curiosidade é elemento presente nos personagens de Ten Characters, e também aguçada em seus espectadores, como em The man who collects the opinions of others que observa o outro, a opinião alheia em seus diversos estágios, faz dessa curiosidade uma produção. Como já visto antes, Benjamin (2014) lembra que a narrativa faz com que o leitor tenha curiosidade sobre ela. Os relatos que acompanham cada quarto, em Ten Characters, também dão a ver essa curiosidade que os vizinhos têm entre si, sobre o que o outro faz em seu espaço privado, e revelando as descobertas que são feitas sobre a vida de cada um. Os relatos, em sua grande maioria, são o ponto de vista do outro, do vizinho, e não do autor/artista, do habitante do quarto. São o ponto de vista do narrador, neste caso, Ilya Kabakov. A criação de personagens, biografias e autobiografias é, portanto, uma das recorrências e persistências de seu gesto artístico. E, por mais que existam múltiplos personagens em suas obras, a assinatura é sempre a mesma, pois a assinatura dá a ver o seu gesto. Ilya Kabakov assina a biografia desses personagens, narra gostos e fatos que aconteceram com eles e nos apresenta um fragmento da história dessas vidas, materializada em seus quartos em Ten Characters. Robert Storr, em seu texto The beautiful future is empty, afirma que os personagens de Ilya Kabakov, como alter egos, fazem com que a tradição literária se estenda para as artes visuais: Cada um desses alter egos personifica um aspecto da situação de Kabakov, assim como os cidadãos soviéticos em geral, e juntos estendem a tradição literária de alegorias e Every instalattion by Kabakov tells a story – almost always the same story about an isolated soul living in an uncomfortable, menacing environment. 62 […] emphasizes the pleasure os such voyeuristic incursions into the darkness of hidden intimacy. 63 Since the death of God as a confidential and omniscient observer, the communal sphere is the only remaining observer interested in the intimate aspects of our lives. 61 159 parábolas estabelecidas por Ivan Krylov, Nikolai Gogol, Leo Tolstoi e Daniil Kharms às artes visuais64 (STORR, 2017, p. 21, tradução nossa) Essa posição de aproximação com a tradição literária também é defendida por Juliet Bingham, que afirma: “[..] As obras de Ilya comentavam a posição do ‘homenzinho’ na sociedade soviética, referenciando os personagens literários derrotados que aparecem nas obras de autores soviéticos como Nikolai Gogol, Fiódor Dostoiévski e Anton Chekhov65” (BINGHAM, 2017b, p. 13, tradução nossa). Denise Regina de Sales, coordenadora do curso EAD da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Leitura, análise e método: Anton Tchekhov e Liev Tolstói, afirma, sobre os contos do escritor Anton Tchekhov66 (1860-1904), que ele costumava cortar o início e o final dos seus contos, suprimindo suas histórias: “Tchekhov escreve de forma suscinta, está sempre preocupado em cortar coisas do texto” (SALES, 2018). Em seu conto Angústia, Anton Tchekhov narra a história do cocheiro Iona Potápov, que tenta dividir a dor da perda do filho com os passageiros que encontra ao longo de um dia muito frio, com muita neve. O conto narra a angústia desse homem que, no meio da multidão, se vê sem um interlocutor interessado em sua história e muitas vezes transportando pessoas que o tratam de forma ríspida. Ao final do dia, ao recolher e dar de comer a sua égua, o personagem encontra nela seu ouvido interessado. Mas o conto termina e, ao leitor, não é revelada a história de como o filho de Iona Potápov morreu. Em Angústia, portanto, é lançada luz sobre um único dia na vida do cocheiro, acompanhamos a angústia desse dia, a vontade do desabafo, mas não ficamos sabendo como aconteceu a morte do filho, que ele tenta contar a tantas pessoas. Olívia Barros de Freitas comenta sobre a supressão nos contos do autor: Tchekhov não esgota os detalhes no seu texto, essa mania de excluir e tirar trechos do texto, faz com que ele seja um escritor sintético, apresente-se em detalhes, mas não muitos. [...] Tchekhov faz um recorte da realidade, muitas vezes do cotidiano, ou seja, ele faz esse recorte de um momento peculiar da realidade. Por fazer esse recorte, a narrativa de Tchekhov se inicia muitas vezes para o leitor de forma brusca e também termina de forma abrupta. [...] Em Tchekhov o narrador indica o caminho ao leitor. (FREITAS, 2018) Each of these alter egos personifies an aspect of Kabakov’s predicament, as well as that of Soviet citizens generally, and together they extend the literary tradition of allegories and parables established by Ivan Krylov, Nikolai Gogol, Leo Tolstoy and Daniil Kharms into the visual arts. 65 [..] Ilya’s works commented on the position of the ‘little man’ in Soviet society, referencing the defeated literary characters who appear in the works of Soviet authors such as Nikolai Gogol, Fyodor Dostoevsky and Anton Chekhov. 66 Também escrito Anton Chekhov, como na citação anterior. 64 160 Assim também acontece em Ten Characters, onde o narrador indica o caminho ao espectador, mas não esgota sua história. Ilya Kabakov narra, em terceira pessoa, a maioria de suas obras, dá a ver o que o personagem sente e pensa, conhece detalhes íntimos, mas não participa das ações. Em Ten Characters não sabemos como era a vida antes ou o que aconteceu com cada personagem, o que temos é uma espécie de congelamento do tempo, a amostra de uma fração biográfica. Assim como o são também os trabalhos apresentados por Alessandra Sanguinetti e Miranda July, discutidos nesta tese, que apresentam fragmentos de biografias, pois ao contar uma história, um ponto de vista é sempre utilizado por aquele que conta, pelo narrador. Em Ilya Kabakov não nos são sugeridos o começo e o final, assim como no conto de Tchekhov. Temos o meio, um quarto onde aparentemente um homem planejou se ejetar para o espaço e constatamos o seu desaparecimento. Há também as coleções que deixam rastros de opiniões, de lixo e de imagens diversas, ficamos sabendo da motivação de cada personagem para colecionar, mas não sabemos se pretendem algo além disso, ou onde estão esses moradores. Um dos cômodos apresentado em Ten Characters, em sua primeira versão, é The rope (The Abandoned Room) (figura 58) que, assim como os cômodos Kitchen I, Kitchen II, Empty room e Children’s corner, não possui um personagem/morador. Consistia em um cômodo pequeno, abandonado, onde ninguém vivia e os moradores do apartamento comunitário faziam conjecturas e interpretações sobre seu conteúdo. Há um pouco de terra depositada no canto com uma corda fina em cima e alguns fragmentos. O texto fixado na parede conta as suposições que foram feitas sobre seu conteúdo: “Alguns achavam que era uma carta estranha e nodosa; outro supunha que era um fragmento de algo, mas do que era difícil adivinhar. Mas a maioria de nós chegou à conclusão de que era um fragmento de algum tipo de história de vida67” (KABAKOV, 1989, p. 48, tradução nossa). A corda continha pequenos pedaços de papel e de lixo, notas que, segundo o texto, Aleksandr Afanasyevich começou a decifrar. O texto ainda continua com as explicações para o quarto e seu conteúdo, por meio das suposições de Nikolai Petrovich: O primeiro veio a isto: uma alma, uma alma humana, não começa hoje e essencialmente não desaparece amanhã. Mas esta alma tem apenas um pequeno pedaço de tempo para viver nesta terra e experimentar e sofrer muitas coisas antes que ela desapareça desta vida e passe para outra.68 (KABAKOV, 1989, p. 48, tradução nossa) 67 Some thought it was a strange, knotted letter; other supposed it was a fragment of something, but of what it was difficult to guess. But the majority of us came to the conclusion that it was a fragment of some kind of life history. 68 The first came to this: a soul, a human soul, does not begin today and essentially does not vanish tomorrow. But this soul has only a small scrap of time to live on this earth and to experience and suffer many things before it disappears from this life and passes on to another. 161 Figura 58. Ilya Kabakov. Ten Characters. The rope (The abandoned room). 1981-88. Instalação. Fonte: http://www.ilya-emilia-kabakov.com Para este morador do apartamento comunitário, o quarto, que continha a corda com os pequenos pedaços de papel e de lixo, retrata uma energia que percorre a espinha dorsal humana. O quarto abandonado seria a própria apresentação desse fragmento de alma, que se apresenta com esta corda, e não começa e nem termina nela. Em cada pedaço de papel há uma data e uma lembrança, e o começo e o final da corda não estão preenchidos. Assim o são também as outras histórias contadas por Ilya Kabakov em Ten Characters, os fragmentos da história de vida de almas humanas, que não começaram e nem terminaram nesta apresentação, mas que ali habitaram, se demoraram e deixaram rastros. Há, nas obras assinadas por Ilya Kabakov, um impulso biográfico e autobiográfico, pois Ten Characters parte da condição de vida na União Soviética. Todavia as questões não se encerram em uma apresentação fiel àquela realidade, podem ser um ponto de partida, mas não são o ponto final, são construções de fantasias, fixam residência na imaginação do artista. A condição humana, de habitação, de relações pessoais, de construção de projetos e a desconstrução deles fazem parte deste imaginário. Assim como as vidas que Ilya Kabakov conta, encontramos apenas fragmentos de sua própria biografia, ficcionadas em seus 162 personagens, são os rastros de sua existência. Se, nos quartos, encontramos apenas os projetos, realizações e trabalhos dos diversos personagens que os habitam, assim também encontramos esse fragmento de realização de Ilya Kabakbov chamado Ten Characters, onde sua assinatura, como bem lembra Derrida (2012), pode ser elemento de textualidade e discursividade. O artista afirma em entrevista a Margarita e Victor Tupitsyn: “Desenhando esses personagens soviéticos, estou ciente de que não posso suportá-los e, ao mesmo tempo, sou como eles…”69 (KABAKOV, 2005b, p. 210, tradução nossa). 69 Drawing these Soviet characters, I am aware that I cannot stand them, and at the same time, I am just like them… 163 164 165 IMAGENS DE REFRAÇÃO E A PERSISTÊNCIA DO GESTO NARRATIVO Por meio das obras As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, O escolhido foi você e Ten Characters, esta tese se debruça principalmente sobre questões que permeiam testemunho, (auto)biografia, narrativa, ficção, verdade e perjúrio, mas também pontos, que as atravessam, como encenação, sonho, memória, coleção, acumulação, morada, intimidade e vidas ordinárias. Walter Benjamin, em seu texto Espelhos do livro das Passagens, afirma que “quando dois espelhos se refletem, Satanás prega sua peça preferida, abrindo aqui à sua maneira [...] a perspectiva do infinito.” (BEJNAMIN, 2006, p. 580). Podemos considerar que este último capítulo pode ser uma possibilidade de abertura de cada vez mais conexões e imagens que refletem umas às outras. Ainda sobre os espelhos, Benjamin, que escrevia sobre a presença desse material nas passagens parisienses no início do século XX, afirma que existe uma ambiguidade em sua presença: “sua riqueza de espelhos que aumenta os espaços de maneira fabulosa e dificulta a orientação. Ora, este mundo de espelhos pode ter múltiplos significados e até mesmo uma infinidade deles – permanecendo sempre ambíguo.” (BENJAMIN, 2006, p..583). Assim também é este jogo de espelhos na tese, embora este capítulo aumente a riqueza daquilo que é discutido, não encerra a discussão, permanecendo os múltiplos significados que as narrativas podem conter dentro da História da Arte. Mas o jogo de espelhos também pode ser material para se pensar a matriz narrativa presente nas obras de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov. Como em um jogo de reflexos, as narrativas apresentadas pelos artistas, dão a ver, cada um à sua medida, fragmentos de suas autobiografias. Conta a mitologia grega, que Narciso, filho de Liríope e Cefiso, entra em estado de debilidade e ruína ao se apaixonar por seu próprio reflexo em um lago. Mas isto apenas acontece, pois a personagem Eco, apaixonada por Narciso e não correspondida, se fecha em sua solidão, transformando-se em pedra, capaz apenas de repetir os últimos sons que ouvisse. Ao escutar Eco repetindo suas últimas palavras, Narciso procura por quem havia dito aquelas palavras e, olhando-se no reflexo nas águas, apaixona-se por si mesmo, iniciando sua destruição. Podemos pensar em Eco como um alter ego de Narciso, este outro que nos completa, que está fora de nós, mas ao mesmo tempo dentro. Eco evoca uma noção de duplo e de sombra, que se encontram para se resolverem. 166 Nesse sentido, Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov, reverberando Eco dentro de si, se desafiam a olhar para si mesmos, assim como fez Narciso, e encontrar em um de fora, aquilo que está dentro de si. No entanto, ao contrário de Narciso, esta ação não os leva à ruína, mas à criação e apresentação de personagens, histórias e narrativas. Abrindo as possibilidades ao infinito, os artistas se comprometem com a criação, a ficção e o perjúrio. Em seu pequeno texto O ser especial do livro Profanações, Giorgio Agamben (2007) lembra que os filósofos medievais foram fascinados pelo espelho, sobre se seria capaz de colher as formas, e afirma que “o ser da imagem é uma geração contínua [...], ela é criada a cada instante de novo” (AGAMBEN, 2007, p. 52). Ou seja, a imagem refletida no espelho é gerada novamente toda vez que algo novo se apresenta. O espelho seria o lugar onde cada um descobre que possui uma imagem, está separada de si, mas que não a pertence, seria o lugar do ser especial: “O ser especial é absolutamente insubstancial. Ele não tem lugar próprio, mas acontece a um sujeito, e está nele como um habitus ou modo de ser, assim como a imagem está no espelho” (AGAMBEN, 2007, p. 52, grifo do autor). A imagem refletida é sempre outra, pois não se prende ao espelho. O espelho é o lugar em que descobrimos que temos uma imagem e, ao mesmo tempo, que ela pode ser separada de nós, que a nossa “espécie” ou imago não nos pertence. Entre a percepção da imagem e o reconhecer-se nela há um intervalo que os poetas medievais denominavam amor. O espelho de Narciso é, nesse sentido, a fonte de amor, a experiência inaudita e feroz de que a imagem é e não é a nossa imagem. (AGAMBEN, 2007, p. 53, grifo do autor). Narciso, olhando-se no espelho, acaba por se confundir, apaixonando-se por si mesmo, nesse jogo de espelhos que o reflete. Contudo, nas águas, o reflexo é difuso, se configurando como uma refração. Aquilo que reflete é, e ao mesmo tempo, não é a sua imagem. Quando Miranda July produz O escolhido foi você, ao mesmo tempo em que relata as suas dificuldades em terminar o roteiro de um filme, apresenta pessoas e seus fragmentos de biografias. Ao contar a história do outro, aspectos sobre sua própria vida são relatados. Num jogo de refração, aspectos sobre sua biografia são preenchidos pelas histórias de outras pessoas. Ao criar os personagens de Ten Characters, Ilya Kabakov expressa, de certa forma, a sua própria história, a história de conhecidos, a vida que conhecia na União Soviética. Mas, ao fazê-lo, narra histórias que beiram o absurdo e o fantástico, numa refração da realidade, onde ao mesmo tempo em que apresenta essa existência, não se compromete com sua legitimação. 167 A vida na URSS era e não era assim, a vida de Ilya Kabakov foi como a vida desses personagens, ao mesmo tempo que não, num jogo de indecibilidade em uma refração. Quando Alessandra Sanguinetti faz um retorno ao país, onde viveu sua infância e juventude, e faz os registros de Guille e Belinda, não está retratando ali a sua própria vida, mas uma versão refratada dessa vida no interior. Sabemos de sua experiência de vida no campo de Buenos Aires, mas a artista não nos deixa acessar a sua própria história, apresentando a história por meio do outro. Em A sonhadora (figura 59), a artista retrata Belinda deitada de lado no chão em meio à vegetação. O título do trabalho faz com que, ao mirarmos a fotografia, desejamos saber o que sonha a jovem menina do interior que nos olha fixamente, como Eco enamorando Narciso e, ao pensar em seus sonhos, o convite foi feito para que, no outro, eu me reconheça. Seus sonhos podem ser diversos dos nossos, mas não deixamos de sonhar também. Belinda revela e não revela os seus sonhos, este é e não é o nosso espelho, pois podemos entendê-lo como anamorfo, que não mostra nossa forma tal e qual, mas uma deformação dessa forma. Encontramos sempre o que sobra, o resto, o enigma de seus sonhos. Figura 59. Alessandra Sanguinetti. A sonhadora. 2002. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com 168 5.1 A narrativa sugerida As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, O escolhido foi você e Ten Characters se situam entre o visível e o indizível. Cada artista contando as histórias, narrativas e biografias a sua maneira, com a sua assinatura. Por meio de Alessandra Sanguinetti testemunhamos o crescimento de Guille e Belinda, com Miranda July conhecemos a histórias das pessoas e seus objetos e com Ilya Kabakov somos apresentados a diferentes personalidades e particularidades. Existe uma presença da narrativa em cada uma das obras, como foram apresentadas em cada capítulo. Um indicativo dessas narrativas que estão sendo contadas é apresentado nos títulos de cada obra. As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, por meio de seu título, dá a ver a intenção da artista de exibir a vida das duas primas como uma aventura, mostrando seus sonhos. Cada título das fotografias também cumpre esse papel, nos narrando cada um desses sonhos. Encantando o porco, Imaculada concepção, O funeral de Archibaldo, As Ofélias, Duas desgraças, A nuvem negra, A sonhadora, etc. Em O brinde (figura 60), as duas meninas seguram copos e brindam altivamente, enquanto um animal de costas se inclina em direção às suas mãos. Na parede, as fotografias de dois adultos, podendo ser seus pais ou ainda seus avós e, mais à direita, a fotografia de um bebê. A quê Guille e Belinda brindam, não sabemos, mas por seu título podemos inferir que brindam a mais uma aventura ou à possibilidade de seus sonhos. O título das obras lança luz a um determinado aspecto. Ele poderia dar enfoque a outras questões na mesma foto, poderia nem existir também, deixando a obra ainda mais aberta, mas, neste caso, temos um direcionamento por parte da artista que, com o título das obras, produz discursividade. Miranda July elege, com cuidado, suas visitas e seus entrevistados em O escolhido foi você. Selecionando os produtos a serem vendidos no jornal de classificados, como objetos banais e ordinários, procura contar as histórias por traz deles. Para isso, utiliza o classificado PennySaver, traduzido como salvador de moedas, de centavos, uma economia de moedas. As relações de consumo estão ali relacionadas, como abordado no capítulo Miranda July: Encontros (Auto) Biográficos em O Escolhido Foi Você. A artista escolhe, elege, prefere a jaqueta de couro, os lenços indianos, os girinos, os álbuns de fotografias, o secador de cabelos, os cartões de natal, etc. São esses objetos, no meio de uma lista de vendas, que vão fazer com 169 que Miranda July chegue até as pessoas, conte suas vidas e apresente os rastros de suas moradias. Figura 60. Alessandra Sanguinetti. O brinde, 2000. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Ten Characters, por sua vez, anuncia, em seu título, os dez personagens que compõem a instalação. Em cada quarto, encontramos os vestígios da morada de cada um deles e, por meio de seus títulos, ficamos sabendo de sua principal ação ou característica. As narrativas de Ilya Kabakov são completadas com os textos que acompanham cada quarto, mas, se apenas existissem seus títulos, eles já seriam produtores de narrativas, pois descrevem ações como a do homem que se ejetou de seu apartamento para o espaço ou do homem que voou para dentro de sua pintura. Os títulos são descritivos e direcionam o olhar do espectador para aquilo que ele encontra em cada quarto. O título pode ser um indicativo, pode produzir discursividade, e é uma maneira de detalhar a narrativa que está sendo contada. O outro, o desconhecido, que é uma incógnita e desperta curiosidade, tem, no título, um esforço de desvelamento por parte do artista, onde ao mesmo tempo que direciona a narrativa, faz sua abertura de possibilidades. Se Satanás prega uma peça no jogo de espelhos ao infinito, “Deus está no detalhe”, como na máxima lembrada por Aby Warburg. Retomando o pensamento de Didi-Huberman, em seu livro A imagem 170 sobrevivente, o autor relembra a frase anotada por Warburg, em outubro de 1925, para um seminário em Hamburgo: ‘O bom Deus reside no detalhe [...]’. Gombrich, que encontrou a frase escrita em francês em alguns manuscritos, atribuiu-a a Gustave Flaubert. Sua referência direta seria, antes, de acordo com Dieter Wuttke, um dito filosófico de Usener, segundo o qual ‘é nos menores pontos que residem as maiores forças’. (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 410). O autor chega nessa questão do detalhe ao perguntar do que seriam feitas as montagens, pois afirma que “as imagens portadoras de sobrevivências são montagens de significações e temporalidades heterogêneas.” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 407, grifo do autor). Ao escrever sobre o legado de Warburg, sobre a História da Arte como a história de fantasmas e sobrevivências, afirma que as montagens são feitas de detalhes, pequenos pontos a serem percebidos, “detalhes, principalmente: cortes, recortes, reenquadramentos espremidos no vasto campo das imagens [...]” (DIDI-HUBERMAN, 2013a, p. 410). Ainda sobre o detalhe, o autor se demora por mais tempo sobre o assunto em seu texto Questão de detalhe, questão de trecho, resultado de uma conferência proferida em 1985, e convida o leitor para ver as obras de arte em detalhe. Começa seu texto afirmando que “a quantidade de coisas que não distinguimos na pintura é desconcertante” (DIDI-HUBERMAN, 2013b, p. 297). O autor considera que ver em detalhe pressupõe uma operação de aproximação, depois de divisão e posteriormente de soma novamente, juntando as peças, mas cada uma em separado para formar o todo. Os títulos das obras podem ser vistos assim. Em um primeiro momento, podem ser uma aproximação que se faz da obra, depois separamos obra e título para entendê-los e, por fim, uma soma do conjunto novamente para perceber o todo. Essa seria a operação que o olhar faz para ver em detalhes. Mas o detalhe pode ser muito mais do que uma operação do olhar, uma forma de enxergar a obra de arte, pode ser um pedaço que cintila e deixa revelar, um faixo que joga uma luz para entender o todo. Cada título que as obras carregam pode revelar a narrativa contida e expressa nas obras. Procuramos pelos detalhes nas obras dos artistas para que, a partir deles, como o são os títulos, seja possível alcançar o todo, que esses pequenos detalhes nos revelem os gestos artísticos, suas assinaturas e também nos deem as possibilidades narrativas. Lembra DidiHuberman (2013b, p. 299) que: “uma chave se tornará a chave para esgotar o sentido de tudo que é pintado em torno dela.” Como esse estilhaço que permite ver o todo, os títulos podem ser 171 um traço, um vestígio das narrativas que as obras contam, desses desconhecidos que passam a ser detalhados. No texto, Didi-Huberman (2013b) reflete sobre o detalhe tendo como aporte principalmente a pintura. Quando afirma que a questão do detalhe é sobre o posicionamento do sujeito, utiliza o artista Ticiano (c. 1490-1576) para pensar o prodígio que é “para um quadro, não mostrar a mesma coisa de longe e de perto” (DIDI-HUBERMAN, 2013b, p. 301, grifo do autor), onde afirma que, de longe, as obras de Ticiano imitavam carnes e tecidos e na visão, de perto, se via suas imperfeições. “Em suma, o detalhe coloca antes de tudo a questão: de onde olhar? E aqui não se trata de percepção, mas do pórtico (ou lugar) do sujeito: ali de onde se pensa a pintura.” (DIDI-HUBERMAN, 2013b, p. 302, grifo do autor). O autor ainda afirma que Jacques Lacan (1901-1981), ao tratar do detalhe, diz que este é uma alienação. “[...] é uma escolha lógica, uma alternativa na qual somos forçados a perder alguma coisa, de qualquer maneira” (DIDI-HUBERMAN, 2013b, p. 303, grifo do autor). Em nosso posicionamento, no qual o sujeito se coloca, ali sempre se perde algo. O detalhe seria então uma escolha, assim como o são as leituras feitas das obras tendo como, ponto de partida, seus títulos, que contêm detalhes das narrativas presentes nas obras. Os títulos dão a ver indícios e rastros das narrativas, que também são dos indivíduos e histórias ali presentes. Se o detalhe pode ser um ponto revelador para se contar uma narrativa, também é passível para a escrita de uma biografia, assim considerou Jean Genet (1910-1986) em seu livro Rembrandt. O autor possuía muitos manuscritos sobre o artista, mas, em 1964, destruiu boa parte do conteúdo, ficando dois fragmentos, um que já havia sido publicado em 1958, O segredo de Rembrandt, e o outro publicado em 1967, sob o título O que restou de um Rembrandt cortado em pequenos quadrados bem regulares, e jogados na privada. Os dois textos são um recorte pessoal sobre Rembrandt, onde o autor revela aspectos da biografia do artista, mas não se detém a elas, abordando suas próprias impressões diante das obras que observou atentamente. No primeiro texto, Genet (2002) afirma que apesar dos autorretratos do artista darem a ver a evolução de sua pintura e do homem Rembrandt, “em seus derradeiros autorretratos, já não se lerá nenhuma indicação psicológica” (GENET,2002, p. 29). Em seu segundo texto, o autor nos conta sobre sua revelação ao andar de trem, onde, pela troca de olhar com um desconhecido, tem para si a revelação de que cada homem seria 172 todos os outros homens. “Seu olhar não era o de outro: era o meu que eu reencontrava num espelho, inadvertidamente e na solidão e esquecimento de mim” (GENET, 2002, p. 43). Esse passageiro desconhecido poderia ser como as próprias obras de Rembrandt, que Genet afirma serem incógnitas e que não se deixam revelar. Não sabemos quem são. O encontro com um personagem de Rembrandt é o encontro com o desconhecido, como o foi com Genet e o homem no vagão de trem. O olhar tem uma força nas obras de Rembrandt, e pelo olhar também Genet e o desconhecido se cruzam e passam a saber da existência um do outro. Genet (2002) afirma que Rembrandt ignorava a feiura, a pobreza, via o homem além de sua casca, conta fragmentos de sua biografia de forma poética. Faz recortes de detalhes para ilustrar seus pensamentos. O detalhe revela, como lembra Didi-Huberman (2013b) e, se pensarmos no posicionamento do sujeito, como alguém que precisa escolher de onde olhar e que há sempre algo a perder, por uma questão de enquadramento, podemos pensar o livro de Genet fazendo a operação do olhar de aproximação, dividindo pequenos fragmentos para conseguir enxergar o todo em Rembrandt. E se o título revela, se pode constituir como um detalhe, é nele que Genet descreve sua ação fragmentária da biografia de Rembrand, avisando o leitor que não irá encontrar algo cronológico, inteiro, com começo, meio e final, mas sim os restos biográficos, os vestígios de seus cortes que não foram descartados. A questão do detalhe, em seu livro, também não se constitui apenas em sua ação de corte do texto, mas no recorte das obras, dos detalhes das obras que analisa, que pelo olhar tem o seu detalhe revelador. Assim também se constituem As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, O escolhido foi você e Ten Characters, como fragmentos biográficos dessas vidas ficcionadas. São os detalhes, os enquadramentos de cada artista que lançam luz a essas vidas e histórias que estão sendo contadas. São detalhes narrativos que não possuem começo e final definidos, mas que estão ali, existem em determinado ponto, como partes divinas, possibilitando um esforço de desvelamento. Os títulos se constituem de estilhaços dessas narrativas, revelam, apresentam, dissimulam, disfarçam e não encerram as obras, auxiliam a detalhar esses desconhecidos, essas outras vidas que não são mais do que refrações de suas próprias existências, pois como lembra Genet, “[...] cada homem era eu mesmo, mas isolado temporariamente na sua casca particular” (GENET, 2002, p. 52). 173 5.2 Os vestígios e as sobrevivências nas narrativas A artista Valeska Soares (Belo Horizonte, 1957-) alerta, na obra Disclaimer (figura 61): “Esse romance é uma ficção, exceto pelas partes que não são.”. A figura mostra uma das dezenas de páginas de livro que a artista arranca, emoldura e expõe e que tratam de avisos, ou “aviso legal” como traduzimos o título Disclaimer. Em outra das páginas deste conjunto de obra, apresentado no ano de 2019 na Pinacoteca de São Paulo, está escrito: “Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram, são designados pelos seus nomes verdadeiros. (Nota do Autor).” Em Disclaimer são expostos jogos entre realidade e ficção que se apresentam logo nas primeiras páginas de alguns livros. Nos faz lembrar que não existe definição rígida entre uma e outra. A curadora da exposição, Júlia Rebouças, escreve sobre o trabalho: Figura 61. Valeska Soares. Disclaimer. 2009. Páginas de livros em molduras antigas, 158 x 290 cm. Fonte: www.valeskasoares.net 174 [...] ele trata da fronteira indistinta entre ficção e realidade, ou o que eu imagino e crio e o que nós vivemos. Ele nos alerta, antes de qualquer coisa, que é preciso questionar as estruturas impostas e duvidar das formas estabelecidas. Mais além, a obra se abre para o entendimento de que tudo é invenção e nada é mentira. Tudo isso está no mundo, tudo isso está em mim. (REBOUÇAS, 2018, p. 82-83). Nessa fronteira indistinta, há sempre algo a perder, há vestígios de verdade, ficção e perjúrio. Em A nuvem negra (figura 62), Guille e Belinda se abraçam de costas para o observador, mirando, no horizonte, a nuvem que chega trazendo chuva. De costas e com roupas de banho, as duas se fecham em seu abraço, como que anunciando até onde podemos chegar em sua intimidade, pois ali foi estabelecido um limite. A linha que não atravessamos, em As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, é a do mundo privado que cabe dentro desse gesto íntimo, que a fotografia não alcança. Em uma das visitas de Miranda July, Ron estava vendendo um estojo de pintura (figura 63), e descobrimos, ao longo do relato, que usava uma tornozeleira eletrônica de prisão domiciliar. No encontro, ele conta sobre seu período na prisão, sobre seu temperamento manso e afirma que há algumas situações onde uma pessoa recebe a tornozeleira: se você pertence a uma gangue, se é traficante de drogas, se cometeu crime sexual ou se é uma ameaça à comunidade por ter mais de uma vítima. Ron, ao longo da conversa, dá a entender que sua situação se configura como assassinato, mas o crime fica em suspenso, onde não temos a certeza de seus atos e, muito menos, quem foram suas vítimas. O que é apresentado são resíduos e remissões de sua vida em O escolhido foi você. 175 Figura 62. Alessandra Sanguinetti. A nuvem negra, 2000. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Figura 63. Miranda July. O escolhido foi você. Ron. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 119. 176 Em The composer who combined music whith things and images (figura 64) de Ilya Kabakov, acompanhamos uma série de queixas de vizinhos sobre a bagunça que esse compositor fazia no corredor do apartamento comunitário, organizando concertos com objetos diversos. Em sua declaração, ele afirma que as queixas são de quem não se interessava a ler suas explicações, e que faz os eventos duas vezes por mês para que as pessoas possam ter acesso à cultura e se conheçam. Em dezoito anos vivendo no apartamento, vivendo sozinho, afirma que eles não conversam entre si, e ele não recebe afeto ou atenção por um longo tempo. Sua declaração denota a solidão em que vive nesse espaço que, ao mesmo tempo que é comunitário, não oferece integração humana, fazendo com que ele se disponha a organizar concertos com tal finalidade, mas sendo rechaçado por alguns vizinhos. Sua solidão está ali apresentada, mas não somos capazes de saber como era exatamente a vida nesses apartamentos comunitários de Ten Characters. Podemos imaginar, elucubrar, mas não sabemos nem o antes, nem o depois desse acontecimento relatado. O compositor conseguiu o afeto e atenção que queria? Figura 64. Ilya Kabakov. Ten Characters. The composer who combined music with things and images. 1981-88. Instalação. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 67. O que temos dessas narrativas são vestígios das histórias de pessoas que não conhecemos e que nos são apresentadas, e uma impossibilidade de saber aquilo que o outro 177 vive e sente com exatidão. O que fica exposto é a curiosidade, o voyeurismo dos artistas e do espectador, em adentrar nessas histórias de vida que vão sendo narradas. Aquilo da esfera do privado vai sendo desvelado aos poucos, e nos sentimos íntimos, até certo ponto, de Guille, Belinda, Ron e do compositor, embora o alcance dessa intimidade seja limitado. Alessandra Sanguinetti e Miranda July, quando fotografam e/ou entrevistam, não podem ter a certeza da verdade, apenas alcançam uma refração do indivíduo, assim como os personagens de Ilya Kabakov que existem apenas por graça do ato do artista. Um contraponto de Ilya Kabakov é a da ausência do personagem, pois sua existência é presumida. Conhecemos a sua história, a exposição é repleta dessas vidas contadas, mas os personagens em si, nunca estão presentes, podendo ser completados pelo próprio espectador. Ao contrário do que acontece em Alessandra Sanguinetti e Miranda July, em que conhecemos as faces das vidas apresentadas. A obra, por mais que tome como ponto de partida a realidade, é sempre um vestígio das experiências e vivências. Se encontra em um estado intermediário, em que é, ao passo que também não é. Algumas imagens e palavras podem nos colocar na consciência dos personagens, na qual participamos de sua intimidade, como quando Ron conta seus desejos para o futuro ou mesmo quando o compositor se diz carente de afeto, e isso faz parte dos vestígios narrativos que se encontram dentro das ficções que nos são apresentadas pelos artistas. Tudo que é dito e produzido em uma narrativa tem como meio uma voz, a voz do narrador. Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov se tornam narradores dessas histórias na qual a primeira é uma narradora observadora, testemunhal, como abordamos no primeiro capítulo, observando e narrando a vida das duas primas. Miranda July, no que lhe concerne, narra vidas de outras pessoas, misturadas a sua própria vida, com sua percepção e história. E Ilya Kabakov, por sua vez, narra de forma onisciente, como se estivesse em todo lugar e soubesse de todas as informações sobre os personagens, como os desejos do compositor e as preocupações dos vizinhos. Existe uma intenção de contar sobre essas vidas, e esses personagens nos são apresentados com uma vontade de transparência. A visão que temos das realidades apresentadas, no entanto, são limitadas e fragmentárias. Aquilo que é real está disfarçado, e aquilo que está disfarçado pode ser real, como lembra a obra de Valeska Soares. A apresentação 178 fragmentária também pode ser entendida como uma escolha feita pelos artistas, que selecionam momentos, desejos e situações que nos são mostradas. São vestígios pensados e elaborados dos quais temos acesso. Aspecto comum também nas obras é a solidão com que se apresentam. Ron e tantos outros personagens, de Miranda July, vivem sozinhos em suas casas e quartos, habitam um mundo rodeado de objetos ou animais, colecionam, acumulam ao mesmo tempo em que denotam um certo isolamento. The composer who combined music whith things and images afirma conhecer pouco de seus vizinhos, assim como outros personagens apresentados por Ilya Kabakov, que se encontram em meio à solidão, embora habitem em espaços tão próximos. Mesmo Guille e Belinda, que estão em dupla, denotam esse aspecto. Em A nuvem negra o abraço que as une forma um corpo só, isolado na vastidão da natureza, suscetível à sua força, à tempestade que se aproxima. O narrado pode ser entendido como o acontecido acontecendo, pois a obra de arte nunca deixa de suscitar, de existir e de se relacionar. Como declara Rosângela Miranda Cherem (2009, p..140) quando afirma: Dito de outro modo, a relação tempo-imagem pressupõe uma constante articulação com a memória, uma vez que toda obra carrega consigo um pretérito e também uma projeção em direção à posteridade, sendo que nela está contida uma fagulha explosiva que permanece naquilo que um dia foi, fazendo com que o passado não cesse de se reconfigurar como abertura. O tempo é uma unidade circular. Está sempre passando. É uma unidade de autometamorfose. As histórias de vida de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov nunca deixam de se configurar. Sobrevivem nas histórias e narrativas alheias, na biografia do outro. Voltam ressignificados, de outra maneira, mas sobrevivem. Diante da imagem estamos sempre diante do tempo, do vão de uma porta aberta, como afirma Didi-Huberman (2015) em seu livro Diante do tempo. “Diante de uma imagem – por mais recente e contemporânea que seja –, ao mesmo tempo o passado nunca cessa de se reconfigurar, visto que essa imagem só se torna pensável numa construção da memória [...].” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 16). O autor ainda lembra que mais duradouro que nós mesmos são as obras de arte que sobreviverão a nós. Pensamos as obras de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov pela via da narrativa e os diversos caminhos que a atravessam, mas suas obras permanecerão 179 além de nós mesmos, e não terminarão de se configurar. A imagem “[...] provavelmente nos sobreviverá, somos diante dela o elemento de passagem, e ela é, diante de nós, o elemento do futuro, o elemento da duração [durée]. A imagem tem frequentemente mais memória e mais futuro que o ser [étant] que a olha.” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 16, grifo do autor). O autor evoca Giorgio Vasari e Plínio, o Velho (23-79)70, e reflete sobre o surgimento da História da Arte e também da imagem. Afirma que, ao contrário da História da Arte de Vasari, que tem o ponto de chegada em Michelangelo, Plínio pensa que “[...] o início da história da arte implica a morte de uma origem da qual ele reivindica, entretanto, a legitimidade, a lei, no que se refere a toda noção ‘digna’ da imagem e da semelhança.” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 77-78, grifo do autor). O que restaria da pintura seria seu vestígio, “a sobrevivência espectral de um desaparecimento” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 78). As noções de arte de ambos os pensadores eram distintas. Embora tenha conhecido e utilizado questões da História Natural de Plínio, Vasari tem, no conceito de arte, um regime fechado, que apresenta em seu livro Vidas dos artistas, onde “faz da imitação da natureza (imitazione della natura) um privilégio das artes liberais praticadas fora da lei comum por alguns acadêmicos [...]” (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 74, grifo do autor). A História da Arte seria um saber autônomo e específico dos objetos figurativos. Plínio, por sua vez, possui uma concepção global de arte que [...] supõe uma similitude natural (similitudo naturae) legitimada antropologicamente pela lei comum. Isso significa que a pintura, como todas as outras ‘artes’ (agricultura, medicina ou arte militar), só tem sentido ao estabelecer uma relação de dignidade com o mundo jurídico e social, bem como com o mundo das matérias e das formas naturais. (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 74, grifo do autor). Didi-Huberman escreve sobre o termo imaginum pictura que aparece nos textos de Plínio, pensando a questão como uma semelhança que já está morta. Afirma que as traduções de imaginum pictura se dão como “pintura de retratos”, mas que essa tradução não dá conta do pensamento do autor. Didi-Huberman se pergunta se Plínio não estaria falando de outra coisa e continua seu texto afirmando que: 70 Caio Plínio Segundo, conhecido como Plínio, o Velho. Historiador, filósofo, naturalista e oficial romano. Escreveu História Natural, um tipo de enciclopédia que abordava o conhecimento do homem na antiguidade clássica. 180 O legado vasariano nos leva a pensar que o estatuto de todo objeto figurativo deve se expressar em termos de história de estilos, de bom ou de mau gosto disegno – ou seja, de julgamento de gosto [...]. O texto de Plínio, ao contrário, nos obriga, nesse início do livro XXXV, a pensar o estatuto do objeto figurativo de acordo com uma categoria chamada imago (traduzamos modestamente por ‘imagem’), categoria a qual, compreende-se logo, não se refere à ‘pintura’ no sentido comum (quero dizer, a pintura de quadros), tampouco aos gêneros artísticos no sentido usual, mas a um tipo de gênero jurídico [...]. (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 79-80, grifo do autor). A imagem, a imago, seria, antes de qualquer história do retrato, uma matriz de semelhança. O autor afirma que a imaginum pictura seria então o encontro de uma matéria e de um rito, onde na noção romana de imago supõe um processo de impressão do rosto, uma duplicação, sendo uma imagem matriz. Na questão da imagem, nas obras de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov, nos perguntamos... Qual seria a matriz? Os próprios artistas ou as pessoas e personagens que apresentam? Segundo o autor, no entanto, a imagemmatriz seria algo físico, uma impressão, um carimbo. A imago não é, portanto, uma imitação no sentido clássico do termo; ela não é factícia e não requer nenhuma idea, nenhum talento, nenhuma magia artística. ao contrário, ela é uma imagem-matriz produzida por aderência, por contato direto da matéria (o gesso) com a matéria (o rosto). (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 81, grifo do autor). Embora seja entendida como essa impressão por aderência, podemos pensar na imagemmatriz também como um vestígio, um rastro que permanece nas obras dos artistas, que deixa dúbio qual seria a imagem-matriz presente nas obras, pensando que uma vida não é a imitação de outra, mas que possui suas semelhanças. Narrar vidas se encontra dentro da dicotomia fato e ficção, real e imaginário, que são dimensões mutáveis, intercambiáveis. Existe ambiguidade e ambivalência no apagamento dessas fronteiras. A certeza que, a princípio, podemos ter sobre fatos, como Ron e sua tornozeleira, pode ser uma miragem, não sabemos ao certo porque ele a usa, temos apenas uma sugestão. O cotidiano de Guille e Belinda, dos personagens e pessoas que Miranda July e Ilya Kabakov apresentam se tornam ficção e dão a ver os seus desejos, sonhos, medos e, até mesmo, o tédio de suas vidas ordinárias. Vivemos, mesmo que de forma imaginária, suas vidas por alguns instantes. Nos colocamos no lugar das pessoas e personagens que nos são narrados, nos defrontamos com eles e com vidas que não são as nossas, mas somos convidados a tê-las por alguns momentos. Diante do outro, me encontro. Me torno semelhante por aderência. Posso ver no outro um estranho e ao mesmo tempo eu mesmo. 181 Alessandra Sanguinetti, Miranda July, Ilya Kabakov e nós, os espectadores, vivemos vidas alheias, contemplamos realidades que nos são diferentes, ao passo que possuem semelhanças. Somos reportados a viver a vida do outro, e ali nos distanciamos, ao mesmo tempo, em que nos aproximamos de nós mesmos, aceitando a verdade de cada pessoa e personagem que nos é transmitida. A percepção que temos do outro, no entanto, é sempre incompleta, pois a narrativa é sempre uma refração. Narrativa, biografia, autobiografia, ficção, testemunho, perjúrio, coleção... Há temas e questões que insistem em retornar nas obras de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov, não cessam de se reconfigurar. Como sobrevivência, esse gesto narrativo persiste nas obras dos artistas. Miranda July, em 2018, apresentou, no Victoria and Albert Museum em Londres, a obra I’m the president baby (Eu sou o presidente baby, tradução nossa) (figura 65). O trabalho foi concebido novamente por meio de um encontro da artista com um desconhecido em 2015, neste caso, Oumarou Idrissa, um imigrante de Níger, do continente africano, que dirigia um carro do aplicativo Uber e buscou Miranda July em sua casa. No trajeto, Oumarou contou sua história de imigração para a artista, que envolve a ida para os Estados Unidos com visto de estudante na intenção de frequentar uma universidade. Sem dinheiro para pagar um curso, ele seria deportado, precisou se esconder, ficando por muito tempo sem local para morar, e tinha noites mal dormidas por causa do medo de ser pego pela imigração. Mesmo hoje cidadão americano, não dorme mais do que duas horas seguidas por noite. Essas e outras informações estão dispostas na exposição que conta com quatro cortinas que se abrem e fecham a partir do que Oumarou está fazendo. A artista pediu que Oumarou compartilhasse sua insônia no projeto. Para isso, um programa de análise de sono foi instalado em sua cama e seu celular envia informações sobre quais aplicativos estão em utilização no momento, pois costumam ser acessados durante as horas de insônia. Quando a cortina azul está completamente fechada, Oumarou está dormindo, quando a cortina marrom se abre, ele está utilizando o aplicativo de mensagens Whatsapp, principal ferramenta de comunicação com a família que ficou no Níger. Quando as cortinas rosas estão abertas, Oumarou está disponível para trabalho no Uber e, por fim, quando as cortinas verdes se abrem, ele está online no aplicativo Instagram, onde posta fotos e vídeos. Dentre as postagens, uma feita de cima de um prédio, em Los Angeles, logo após as eleições presidenciais dos Estados Unidos: “I’m the president baby”. 182 Figura 65. Miranda July. I’m the president baby. 2018. Victoria and Albert Museum, Londres. Fonte: www.mirandajuly.com Figura 66. Alessandra Sanguinetti. Série Sweet Expectations. Cidade do México, 1993. Fonte: https://www.magnumphotos.com/arts-culture/alessandra-sanguinetti-sweet-expectations Miranda July apresenta a vida de Oumarou, assim como faz com as pessoas e personagens de O escolhido foi você. Conhecemos suas particularidades, um fragmento de biografia e autobiografia, entendemos como foi o seu encontro com aquele desconhecido e o que dele a artista quer mostrar. Os dispositivos eletrônicos são utilizados para dar a ver uma 183 narrativa. Com I’m the president baby acompanhamos a rotina de Oumarou, novamente o ordinário se transformando em arte, nessas cortinas que se abrem para o nada, para a parede. Percebemos assim, como sobrevivem essas mesmas questões na obra da artista, esse gesto narrativo, novamente o espetáculo de uma vida, de um cotidiano. Como persistência no gesto artístico de Alessandra Sanguinetti, também temos o retrato da infância na série de fotografias Sweet Expectations (Doces expectativas, tradução nossa). Nessa série, a artista fotografa crianças de diferentes cidades, como Buenos Aires, Nova York, Havana, Cidade do México, etc. As fotografias em preto e branco mostram crianças sempre com uma certa melancolia, muitas vezes vestidas como adultos, como o menino da figura 66, que posa de terno e gravata, em frente a uma parede robusta, como um adulto em miniatura. Anterior a série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, as fotografias de Sweet Expectations contam com crianças que a artista encontrava pelas ruas de cidades que visitava, algumas suas conhecidas, outras não. Diferente da série que retrata Guille e Belinda, aqui a artista não faz um acompanhamento de vida, embora entre por vezes na intimidade de fantasias e sonhos. Fotografar a infância poderia ser entendida como uma maneira de elaborar o passado e refletir sobre o futuro, em temporalidades que se cruzam no testemunho do presente. Em Ilya Kabakov, a persistência da narrativa pode ser pensada por meio de outros personagens que o artista cria. Dentre tantos, criou uma linha do tempo alternativa da História da Arte, em parceria com Emilia Kabakov, onde elaboram os personagens artistas Rosenthal, Kabakov e Spivak, cada um numa cadeia sucessória da História da Arte. An Alternative History of Art71 (Uma História da Arte Alternativa, tradução nossa) (figura 67) se configura como uma exposição, do tipo retrospectiva, composta pelos três artistas personagens, ordenada de forma cronológica, ao todo com quatorze salas. Ilya e Emilia Kabakov criam o artista Charles Rosenthal (1898-1933) como pioneiro do século XX, onde concebem sua biografia em que há um pai fotógrafo e uma morte por atropelamento de um carro na costa de Montmartre, dentre tantos outros detalhes. Ilya Kabakov escreve textos reflexivos sobre as obras de Rosenthal e os problemas da arte dos quais tratava. Na mesma exposição, os artistas colocam o próprio Ilya Kabakov (1933-?) como um artista inventado, como aluno de Rosenthal, e o artista escreve que criou Rosenthal como seu mestre pois, em seus anos de estudante de arte, não encontrou alguém 71 A instalação foi apresentada em diferentes museus a partir do ano 2000, mas as obras não foram preservadas em conjunto, estando em acervo dos próprios artistas, de coleções privadas e de instituições públicas. 184 que poderia ser chamado por esse nome. Por fim, Igor Spivak (1970-?) aparece como artista contemporâneo e herdeiro da História da Arte de Rosenthal e Kabakov. Figura 67. Ilya e Emilia Kabakov. An Alternative Art History. Charles Rosenthal: The Door I. 1917 (1998), madeira, óleo sobre tela. 200 x 80 x 12 cm. Fonte: KABAKOV, Ilya; KABAKOV, Emilia, 2005, p. 45. Ilya e Emilia Kabakov tratam a problemática da influência na arte, a relação entre mestres e seus alunos, questões da imagem, realismo e incompletude da arte, discutem, de forma muito aprofundada, o que certamente renderia muitos textos sobre o trabalho. A instalação An Alternative Art History se apresenta aqui como uma maneira de pensar a persistência da narrativa no trabalho do artista, em como a narrativa pode acompanhar o visual e o textual. No documentário Flies and Angels, o artista comenta: Voltando à minha pequena história dos personagens, para mim isso significa que eu mesmo sou um personagem que desenha algo. E esse personagem pode criar novos personagens. Eles podem ser artistas antigos ou novos. Eu posso produzir artistas modernos, grandes quantidades deles.72 (KABAKOV, 2009, tradução nossa). 72 Returning to my little story of the characters, to me this means I myself am a character who draws something. And this character may himself create new characters. They may be old or new artists. I can produce modern artists, great quantities of them. 185 A criação de personagens e suas biografias, a partir daquilo que existe, do que é real como a sua própria existência enquanto artista dá a ver a recorrência do seu gesto narrativo. A sobrevivência do gesto narrativo nos artistas dá a ver esse tempo que não cessa de se reconfigurar. E essas aparições e persistências, ao mesmo tempo que narram a vida de personagens e pessoas, ofuscam tantas outras informações. Didi-Huberman, em seu livro Fasmas, ensayos sobre la aparición 1, dedica um de seus capítulos, escrito originalmente em 1987, à superstição, que seria algo suspendido e sem assento. Afirma que a poeira mostra a existência de um vínculo da luz com a suspensão e essa mesma poeira convida a imaginar uma previsão, algo que não se vê de verdade, como pontos de futuro. Ao fazer a leitura de uma fotografia sem título de Victor Regnault (figura 68), Didi-Huberman chama atenção para a luz que irradia na imagem ao lado direito. Afirma que essa luz é um ato de poeira, “É algo como um espectro: é um demônio de dessemelhança. É um dom de dissimulação.” (DIDIHUBERMAN, 2015, p. 62, tradução nossa).73 O autor segue o texto afirmando que Regnault borrou, alterou uma parte da imagem, escurecendo seu negativo, que virou uma luz falsa, paradoxal, um depósito de poeira que iluminou a imagem. Didi-Huberman (2015) chega à conclusão que o fotógrafo saturou a imagem sacrificando alguém, uma terceira pessoa espectral, que poderia ser uma criança, visto que, em toda série de Regnault, existe sempre uma criança presente. Didi-Huberman (2015) considera o fotógrafo como um dos primeiros a não fazer fotografia posada, de uma criança dormindo em sua intimidade. Vemos seus filhos crescendo de uma foto para outra, mas quanto mais a criança cresce, mais se move, de tal maneira que o autor lembra que a fotografia é um jogo de imobilidade. Didi-Huberman (2015) arremata afirmando que a figura se borra a si mesma. 73 Es algo como un espectro: es un demonio de la desemejanza. Es un don de disimulación. 186 Figura 68. Victor Regnault. Sem título. Cerca de 1850. Fonte: DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 61. Figura 69. Alessandra Sanguinetti. Buenos Aires. 2009. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com Podemos pensar nas fotografias de Alessandra Sanguinetti relacionadas com essas fotografias de Regnault, nas quais acompanhamos o crescimento e a vida de seus filhos, como 187 também abordado, no primeiro capítulo, frente a Lady Clementina Hawarden e outros artistas. Didi-Huberman (2015) chama de fragmentos visuais da intimidade, onde a possibilidade dessas fotografias não posadas estão justamente na esfera de privacidade. Na fotografia Buenos Aires (figura 69) de Alessandra Sanguinetti não vemos aquilo que causou a branquidão na rua, qual veículo, quem estava ali, apenas temos a certeza de que algo se moveu, e disso resultou a alvura no meio da estrada. Assim como em Regnault, nesta fotografia, as crianças ou personagens recorrentes da série não aparecem e a poeira se apresenta como ponto de luz, embora aqui sem uma aparente intervenção no negativo. Para além de evocar as fotografias de Alessandra Sanguinetti, podemos pensar no que nos indica o autor sobre a luz na imagem. Mesmo ofuscado pela luz, algo de si sobrevive na imagem. A luz que permanece, o espectro, aquilo que se vê ofuscado pela luz, o difuso. Aquilo que se vê e não se vê, aquilo que aparece, a luz, é também algo que esconde. A luz que ilumina também cega. Dessa maneira podemos ver além do que está dado. Assim também o são as narrativas apresentadas por Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov. São realidades na fantasia, a ficção no real, são pontos de luz que cegam, iluminam vidas, ao mesmo tempo que escondem as suas por de trás dessa poeira luminosa. As obras se colocam nessa indecibilidade, a luz como ponto de dissimulação, que engana, a refração. Sobre dissimulação e dessemelhança, Didi-Huberman (2015) também dedica um capítulo, escrito originalmente em 1989, para pensar o paradoxo do fasma. Fasmas, que dão nome ao livro, são insetos da família dos fasmídeos, que se identificam com caules ou hastes vegetais, onde vivem, como por exemplo, o bicho-pau. O autor escreve sobre o paradoxo do fasma: “Apenas aparece o que antes foi capaz de se ocultar.”74 (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 17, tradução nossa). Afirma que, em um viveiro, há uma fronteira invisível do vidro, da vitrine. E que, em um viveiro decorado de minerais e vegetais, o jogo reside em localizar e distinguir o animal, que pode estar imóvel, em buscar as formas que estão vivas. Então, o que é um fasma? Um inseto, sem dúvida. De onde vem o nome? De phasma, sem dúvida, que significa ao mesmo tempo a aparição, o sinal dos deuses, o fenômeno prodigioso, até mesmo monstruoso; o simulacro também; finalmente, o presságio. Do que se alimenta? Desse bosque, sem dúvida, da qual ele mesmo tomou a forma e logo a matéria. 75 (DIDI-HUBERMAN, 2015, p. 20-21, grifo do autor, tradução nossa). 74 Solo aparece lo que antes fue capaz de ocultarse. Entonces, ¿qué es un fasma? Un insecto, sin duda. ¿ De dónde le viene el nombre? De phasma, sin duda, que significa a la vez la aparición, el signo de los dioses, el fenómeno prodigioso, monstruoso incluso; el simulacro, 75 188 Fasma seria o que come onde vive, uma perfeição imitativa que rompe com a hierarquia de imitação, não é modelo nem cópia, é a cópia que devora o modelo, deixando o modelo de existir. Somente a cópia goza o privilégio da existência segundo Didi-Huberman (2015), assim podemos pensar que somente a obra de arte goza o privilégio da existência, somente a simulação da vida, a narrativa ficcional. As narrativas apresentadas por Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov podem ser pensadas como fasmas, sendo perfeições imitativas de algumas vidas, e a obra de arte, como fasma, devora o modelo, deixando a realidade de existir na apresentação dessas narrativas, o que existe é sempre uma aparição, um presságio, um sinal prodigioso, nessa fronteira da vitrine. As narrativas dos artistas se alimentam do lugar onde vivem, se alimentam de si mesmas, de onde tomam forma e matéria. Ilya Kabakov em Ten Characters mostra seus quartos como vitrines, embora não tenham vidro, onde não temos a distinção entre o real e o fictício. A apresentação de vidas fictícias de habitantes dos quartos goza da existência, enquanto a realidade da vida, na União Soviética como modelo, deixa de existir. As histórias narradas por Ilya Kabakov devoram a realidade onde vivem e se tornam outra coisa, um fasma como um demônio de dessemelhança, como afirmou Didi-Huberman (2015), que não tem pé nem cabeça, rechaça qualquer forma, não tem forma definida, um animal dessemelhante que nunca saberemos. O fasma está para além do mimetismo, se transforma em outra coisa, assim como na apresentação do homem que se ejetou para o espaço onde não temos a apresentação de uma realidade tal e qual, mas uma narrativa ficcional. As narrativas de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov se alimentam do lugar onde vivem, se alimentam das histórias do outro. Se alimentam do modelo, devorando-os e apresentam narrativas construídas onde a cópia sobreviveu. 5.3 Arte e vida: Dynamis Em O escolhido foi você, Miranda July escreve sobre sua visita a Beverly (figura 70), que vendia filhotes de gatos-de-bengala em um bairro afastado da cidade. Beverly criava também pássaros e carneiros, e tinha mais alguns animais que habitavam sua propriedade. A tambíén; finalmente, el presagio. ¿De qué se alimenta? De ese bosque, sin duda, del cual él mismo tomó la forma y pronto la materia. 189 artista conta que nesse espaço havia uma plenitude da vida, onde havia muitos nascimentos e que tudo se transformava, menos ela mesma. Ao voltar para casa, por uma infeliz coincidência, Miranda July viu o gato que rodeava sua vizinhança há algum tempo, com aspecto de perdido, mais velho, sendo atropelado. Com um sentimento de negligência, decidiu incorporar o gato em seu roteiro de filme, surgindo então o personagem de Paw-Paw para o filme O futuro, como abordado no capítulo sobre a artista. A visita que havia acontecido mais cedo, fez com que a morte do gato próximo a sua casa tomasse um significado no roteiro de filme que escrevia. A vida e a morte muito próximas, quase vizinhas, separadas por questões de horas, onde antes, na visita a Beverly, o ar cheirava a vida, a nascimento e, no retorno a sua casa, acaba se deparando com a morte. No filme O futuro, o gato Paw-Paw é quem dispara o sentimento de finitude nos personagens. Vida e ficção se misturam nesses sentimentos gerados pela visita a Beverly e a morte do gato da vizinhança, numa fronteira que não pode ser bem delimitada, ao que Miranda July escreve: “Vezes seguidas me foi respeitosamente sugerido cortar o monólogo de Paw-Paw. Mas eu não poderia matá-lo duas vezes [...]” (JULY, 2013, p. 102). Figura 70. Miranda July. O escolhido foi você. Visita a Beverly. Foto: Brigitte Sire. Fonte: JULY, 2013, p. 94 Retomando o pensamento de Jacques Derrida, em seu livro Otobiografías, o autor recorre a Friedrich Nietzsche (1844-1900), principalmente a seu livro Ecce Homo: de como a gente se torna o que a gente é, para pensar as questões das instituições pedagógicas, a vida e a morte, o contrato da língua, a assinatura, o biológico e o biográfico. Em 1888, quando Nietzsche completa 44 anos, escreve o livro autobiográfico Ecce Homo, onde afirma que o dia do 190 aniversário, ao meio dia, seria o zênite da vida, o momento em que olha para trás e para frente. Derrida (2009) afirma que Nietzsche coloca em jogo o seu nome e a sua biografia, e assume riscos escrevendo o livro. Seu corpo e seu nome estão em primeiro plano, em Ecce Homo, e Derrida afirma que o filósofo “se obriga a dizer quem é, uma atitude contrária ao seu habitus natural que o impele a esconder-se sob máscaras.”76 (DERRIDA, 2009, p. 39, tradução nossa, grifo do autor). Afirma isso pois, em Ecce Homo, Nietzsche se diz imcompreendido, sentindo a necessidade de escrever sobre si e sobre seus escritos: “Quem acreditou ter entendido alguma coisa de mim, tomou posse de algo que veio de mim, segundo a sua imagem [...]. Quem não entendeu nada de mim, negou inclusive o fato de considerar minha importância...” (NIETZSCHE, 2017, p. 71). Derrida afirma que esta não é uma simples apresentação de identidade, mas que é também dissimulação e ainda reflete sobre a dynamis, uma espécie de fronteira que existe entre a vida e a obra, o sistema e o sujeito do sistema. Esse limite - eu chamo de dynamis por causa de sua força, seu poder, sua potência virtual e também móvel - não é ativo nem passivo, nem exterior nem interior. E, em particular, não é uma linha tênue, uma linha invisível ou indivisível entre o recinto dos filósofos, de um lado, e, de outro, a <vida> de um autor já identificável sob um nome. 77 (DERRIDA, 2009, p. 31-32, tradução nossa, grifo do autor) Entre a via e a obra existiria a dynamis, uma espécie de fronteira, que podemos entender também como a soleira de uma porta, não estando nem fora, nem dentro, mas num campo de aproximações e contágio. Algo que não é divisível claramente. Miranda July conta ao leitor as motivações (ou desmotivações) que a levaram a ligar para desconhecidos e, em cada indivíduo apresentado, um fragmento de sua biografia vai sendo contado em conjunto com suas impressões. Por exemplo, ao visitar Beverly, conta sobre a fobia de pássaros de seu pai, ao passo que segue na direção da casa de Pauline, percebe que já conhece o bairro, e ali se pergunta se a mala anunciada nos classificados poderia ser dela mesma, esquecida na casa de um antigo namorado. Na fronteira dos relatos de Miranda July, não sabemos distinguir o que é ficção, realidade e perjúrio e, principalmente, se o livro é sobre sua autobiografia ou a biografia de outros, ficando nessa fronteira indiscernível. “Se obliga a decir quién es, actitud contraria a su habitus natural que lo impulsa a disimularse bajo las máscaras.” Esa linde – yo la llamo dynamis a causa de su fuerza, de su poder, de su potencia virtual y también móvil – no es ni activa ni passiva, ni afuera ni adentro. Y, em especial, no es una línea delgada, um trazo invisible o indivisible entre el recinto de los filosofemas, por um lado, y por outro, la <vida> de um autor ya identificable bajo un nombre. 76 77 191 Derrida (2009) afirma que o que chamamos vida não tem na morte seu objeto oponente. Costumamos separar a vida da morte, mas podemos pensar que, quando um escritor escreve, ou quando um artista produz uma obra, há uma parte que morre dentro de si para que a obra exista. Também podemos refletir que, para que exista a narrativa de uma vida, é necessário que a vida tenha passado, que tenha chegado ao fim, assim como o foi para Miranda July inserir o personagem do gato Paw-Paw, a partir de uma experiência de vida e morte que havia passado diante de si naquele dia. Assim também podemos pensar o trabalho de Alessandra Sanguinetti, que retoma o cenário da fazenda como a de sua infância, esse tempo que é passado e, simultaneamente, presente em sua memória e na vivência que tem enquanto fotografa Guille e Belinda para sua série. Como narrar algo, a não ser a posteriori? Ilya Kabakov, por sua vez, usa sua experiência de vida na União Soviética para criar personagens e ambientes que poderiam ser passíveis de existência, ao mesmo tempo que permeia a narrativa ficcional. Em The man who saves Nikolai Viktorovich (figura 71) há um jogo disposto em um dos cômodos de Ten Characters. Ao entrar no quarto, uma série de textos, explicando seu funcionamento, afirma que as linhas são suscetíveis de movimento por um painel de controle, onde Nikolai Viktorovich está prestes a se afogar em alto mar e que, movimentando-as, você pode salvá-lo, deixando o personagem e um bote salva vidas na altura dos olhos. O relato que acompanha o cômodo é de um vizinho que afirma que o morador desse quarto era desconhecido. Mas, ao perceberem que o inquilino não aparecia a duas semanas, fizeram uma notificação formal e a organização cedeu o cômodo para outra pessoa morar, que o relato afirma se parecer com um piloto. Este, por sua vez, ficou fora por dois dias, e o inquilino antigo retornou e voltou a viver ali. Uma coabitação é relatada e se estende por alguns dias, sem que nenhum dos dois inquilinos perceba a presença do outro. A narrativa se encerra com o vizinho afirmando que, interessado na história, entrou no quarto por um minuto e que nada havia ali, entendendo assim por que o primeiro inquilino não desconfiou que outra pessoa estava morando concomitantemente em seu apartamento por aquele período. 192 Figura 71. Ilya Kabakov. Ten Characters. The man who saves Nikolai Viktorovich. 1981-88. Instalação. Fonte: KABAKOV, 1989, p. 63. Uma situação ficcional acompanha The man who saves Nikolai Viktorovich com o vizinho adentrando esse espaço onde existe apenas o jogo, e ali achando que não existia nada. Mas também há uma fração que pensa a questão da falta de moradia, algo tão importante que, se um inquilino não aparece por duas semanas, seu espaço é cedido a outro, questão cara ao habitar, discutido no capítulo anterior. O que poderia ser vida e o que poderia ser obra nesse cômodo de Ten Characters? Novamente uma linha indiscernível. Nessa fronteira, nessa dynamis, onde a vida e a obra se encontram na soleira, não há fora nem dentro, há o espaço do entre, do meio. Ilya Kabakov escreve: Quando eu submerjo no meu mundo de infância, vejo-o habitado por um número dos mais estranhos e cômicos indivíduos, vizinhos do nosso grande apartamento comunitário. Cada um deles, pareceu-me então, tinha uma idéia incomum, uma paixão que absorvia inteiramente só a ele.78 (KABAKOV, 1989, p. 1, tradução nossa). Se a dynamis, essa fronteira arte e vida é móvel, podemos vê-la também no trabalho da artista brasileira Patricia Franca-Huchet (1958-), que criou um livro de artista e fotografias que fazem parte de O Espectador fotógrafo Zénon Piéters (figura 72). A artista criou um heterônimo, Zénon Piéters, fotógrafo e livreiro belga, e no livro se encontram fotografias produzidas por ele, de fragmentos de obras de arte conhecidas e uma entrevista da artista com seu heterônimo. 78 When I submerge into my childhood world, I see it inhabited by a number of the most strange and comic individuals, neighbours of our large, communal apartment, each one of them, it seemed to me then, had an unusual idea, one all-absorbing passion belonging to him alone. 193 Figura 72. Patricia Franca-Huchet. O espectador fotógrafo Zénon Piéters. Fonte: FRANCA-HUCHET, 2011 A subjetividade de um artista é, por vezes, explorada na historiografia da arte como um determinante para sua construção enquanto tal. Os mestres com os quais teve contato, as escolas de arte que frequentou, os locais onde viveu, as referências que lhe são caras. A biografia pode ser um dos pontos de partida para pensar a subjetividade de um artista. Mas, e quando essa biografia não passa de invenção? Patrícia Franca transforma essa subjetividade em ficção, cria um heterônimo que tem local de nascimento, gostos, preferências, referências artísticas e assim cria a subjetividade de Zénon Piéters, esse livreiro e fotógrafo melancólico que se apresenta nas fotografias e textos que se encontram em seu livro de artista. Patricia Franca-Huchet se encontra entre o real, o fictício e o imaginário na criação de seu heterônimo, apresenta um livro de artista e fotografias, mas credita sua autoria a outro nome. Mostra um trabalho autoral, seja de Patricia ou Zénon, que é uma reapresentação, um enquadramento de grandes obras da pintura. Algumas das obras fotografadas por Zénon Piéters podem ser identificadas, selecionam a assinatura do pintor, outras a sua placa de identificação, seja na moldura, seja na lateral. Patricia Franca-Huchet faz com que a criação, de personalidades e de seu heterônimo, seja um instrumento para se pensar a identidade, a subjetividade de um artista. Ela nos mostra que, em cada biografia, existem múltiplos “eus”, que experiências autobiográficas podem ser ficcionalizadas e que a subjetividade pode ser uma construção. Em entrevista a Patricia Franca-Huchet, Zénon Piéters afirma: O mundo é muito heterogêneo e complexo, inventar uma nova dramaturgia para poder dar formas ao que sentimos e experimentamos, pode ser um passo para toda essa complexidade que se oferece. Parto da ideia de que existe muita teatralidade entre nossas trocas com o real (não podemos ser o tempo todo transparentes, precisamos nos 194 proteger de muitas coisas, dos outros e de nós mesmos também). Por um lado, uma imediatez do mundo sobre nós, e do outro, a fabricação, a maneira de imaginar nossa vida no mundo, de fabricar quem somos, o que queremos, nossas ficções. As fotografias de arte têm a ver com esse lugar. Pois o real nunca se apresenta como tal, ele aparece como um facho de ficções e possibilidades de ação, percepção e temporalidade. (FRANCA-HUCHET, 2011, p. 48) A questão vida e obra é apresentada na arte contemporânea por esses artistas como ficção e perjúrio nas narrativas que nos são apresentadas. Diferente de Nietzsche, que escreve Ecce Homo na tentativa de explicar a si mesmo e suas obras, Ten Characters, As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos, O escolhido foi você e também O espectador fotógrafo Zénon Piéters não possuem o objetivo de explicarem ou retratarem como verdade tal e qual as vidas que apresentam, mas sim, como qualquer outra obra de arte, abrir as possibilidades, fazer o jogo de espelhos. No campo da arte, onde ficção, verdade e perjúrio andam entrelaçadas, é possível fabricar o que somos, o que queremos, nossa vida e biografia. Mesmo Nietzsche, em Ecce Homo, ficciona sua origem polonesa, quando afirma “eu sou um nobre polonês pur sang” (NIETZSCHE, 2017, p. 29, grifo do autor), e diz ter nascido no mesmo dia que um rei, sendo o dia do seu aniversário sempre muito festivo, ao que o tradutor do livro, Marcelo Backes, logo adverte serem afirmações fantasiosas. Personagens como os que Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov criaram não são fonte de consulta formal, não há um compromisso com o documental, não tratam de biografias de forma linear, mas constroem suas narrativas no terreno da ficção, se comprometem com a criação de mundos e situações. A narrativa fragmentária é apresentada sem o antes e o depois, vemos o meio de uma história, sonhamos junto com as imagens, desejamos o futuro com os personagens e construímos situações diversas, mas a narrativa se encontra nessa supressão de início e de final definidos, mutiladas. E, em conjunto com esse gesto da narrativa ficcional posto pelos artistas, encontramos uma intenção de sobrevivência, de colecionar histórias e vidas, apresentá-las como arte, transformar a menor das existências em algo grandioso. Na refração das narrativas, encontramos o desejo de permanência. Se a dynamis, a fronteira entre arte e vida é móvel, não está fora nem dentro, possui uma potência virtual, então também a encontramos nas obras de arte que ficcionam personagens e escutam suas biografias. A palavra otobiografia, que dá nome ao livro de Derrida, tem seu prefixo de origem grega, onde oto significa orelha/ouvido. Podemos pensar então na otobiografia como uma escuta da biografia, esse gesto de escuta de uma vida, mas não dela 195 propriamente dita. Derrida (2009) cita o exergo, um detalhe das moedas que ficam em suas bordas e ajudam a compreender seu propósito, um espaço reservado para gravar datas e/ou inscrições. O exergo situa o lugar do qual a vida se reafirmará: “Esse lugar não está nem na obra - é um exergo - nem na vida do autor.”79 (DERRIDA, 2009, p. 45, tradução nossa). Podemos pensar então que a vida na obra não é nada mais que um exergo, uma inscrição. Figura 73. Alessandra Sanguinetti. Time flies. 2005. Série As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos. Fonte: http://alessandrasanguinetti.com O arco narrativo desta tese chega ao seu percurso final. Em Time flies (O tempo voa, tradução nossa) (figura 73), Guille e Belinda se mostram enterradas na terra. Podemos pensar na vida que segue, mas que sempre retorna e sobrevive, em morte e renascimento, na apresentação fragmentária de uma vida. Não existe a narrativa definitiva sobre um personagem, pois a vida é irreproduzível em suas dimensões. Uma vida, seja ela qualquer vida, transcende seus registros. As vidas expressas podem ser entendidas como quebra-cabeças, onde peças vão sendo colocadas, mas, eventualmente, algumas ficam faltando, estando perdidas. Não há pessoa real por trás das narrativas, no sentido de que nessas narrações existe um sistema de discurso. As vidas narradas são singulares e existe uma forma expressiva, diferentes linguagens ao tratálas, cada artista escolhe a sua. A questão vida e obra não é de causa e feito, mas um exergo, 79 Ese lugar no está ni en la obra – es un exergo – ni en la vida del autor. 196 nessa fronteira que, de certa maneira, é indefinida. O que é olhar para uma criança a não ser ressignificar a própria infância? O que é olhar para a juventude se não se pensar numa ideia de futuro? Nos tempos que não cessam de se reconfigurar, a vida chega, o tempo voa e as memórias não são mais do que encenações da realidade, refrações de uma vida, narrativa ficcional por excelência. 197 NARRATIVAS QUE SOBREVIVEM “Mas quem fala aqui? Quem ousa clamar ‘estou vivo’? Quem ousa replicar ‘Não, você está morto’? Até aqui, tínhamos assinalado que o ‘eu’ fala de um outro, um terceiro: ‘eu’ fala dele. ‘Eu’ falo de um jovem homem que fui e que ainda sou. A isso chamamos narrativa.” (DERRIDA, 2015, p. 106) Muitos são os artistas dispostos a contar e mostrar, em suas obras, a sua própria história e/ou rotina, como acontece desde o período do Renascimento com a valorização da figura do artista, e se intensifica na arte contemporânea, onde a apresentação da subjetividade do self do artista acontece com frequência. O que Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov possuem, em comum, é principalmente, converterem essa história que poderia ser a sua na história de outras pessoas. Apresentam a glória do anônimo, a ficção das pessoas e situações que existiram de forma perjurada, onde, na fronteira arte e vida, na dynamis, não enxergamos nada além de uma refração de suas próprias biografias. Temos os artistas testemunhando, biografando, narrando as vidas alheias, de tal forma que no desejo de contar a vida do outro, de sua permanência no mundo transfigurada em arte, acaba por se constituir como uma parte da vida sendo narrada. Sobrevivem e persistem as narrativas daquele que narra e daquilo que se narra. Miranda July é uma silhueta dentro das refrações narrativas que apresenta. Ilya Kabakov inventa personalidades e existências que ficcionam a sua própria substância de experiência vivida. Alessandra Sanguinetti testemunha duas vidas, num esforço em mostrar uma realidade onírica. Contempladas nas obras, as imagens não estão aprisionadas nos pressupostos eucrônicos, lógica dos fatos racionais e plausível, apresentação dos fatos como conceito de verdade, mas cria personagens, ficciona a partir do real, de pessoas que existem e são nominadas, como Guille e Belinda e as diversas pessoas que Miranda July apresenta. Ou mesmo cria, a partir de uma situação que existiu, uma colagem entre a ficção e a realidade como em Ilya Kabakov. Sentados em um banco ou de uma janela, vemos as pessoas passarem na rua. Para onde estão indo? Quais os compromissos do dia? Que tipo de vida têm? Quem são estas pessoas? E se eu fosse uma dessas pessoas caminhando lá fora? Talvez esses questionamentos possam ter permeado a criação de algumas obras. O outro, que está fora de mim, fascina. Dele tenho muito. Esse outro que anda na calçada a passos largos me habita. A tese trata de refrações, de apresentações fragmentárias, de indefinições de fronteiras. Depois de adentrar as obras de 198 Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov, percebemos que aquilo que chamamos de pessoa comum e/ou ordinária tem na sua existência a possibilidade de êxtase, de experimentações e extraordinariedades. Ao estabelecer o recorte de obras e artistas nesta pesquisa, percebemos diferentes maneiras e formatos, onde a narrativa ficcional encontra morada na arte contemporânea a partir de artistas de idades, referências e países distintos. Reconhecemos que, junto a essas histórias de vidas alheias que são apresentadas, há um fenômeno de refração, em um esforço e desejo de permanência. A narrativa se apresenta nas obras por meio de sua visualidade, mas não apenas nela. Em Alessandra Sanguinetti há um maior esforço de resolver a narrativa com as imagens. Isso demanda uma continuidade de seu projeto testemunhal com Guille e Belinda que envolve anos de criação. Nem por isso, o aspecto narrativo se perde da linguagem, pois seus títulos contam histórias, momentos, seduzem e apontam ações, e algumas de suas fotografias possuem referências a outros textos e histórias. Miranda July, por sua vez, inicia sua produção na linguagem escrita, em conjunto com fotografias, e resolve essa narrativa de forma combinada no cinema, seja roteirizando, atuando ou dirigindo seu filme. Ilya Kabakov também faz a junção da narrativa escrita e visual, em um trânsito entre as linguagens, quando produz imagens no tridimensional com suas instalações e utiliza relatos para completar as histórias que cada uma pode contar. A pobreza de experiência da narração oral, da qual falava Benjamin (1994), não teria sido substituída, por completo, pela narrativa das imagens, mas sim agregado valores, questões e subjetividades. Não existe uma vontade de resolver a narrativa apenas pelas imagens por parte de Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov, existe o desejo de fazer um trânsito entre as linguagens, não uma substituição, mas uma transformação, agregação, ligadura, encontro. O narrador oral não deixa de existir por completo, ele encontra outras formas de sobreviver junto às imagens. As obras apresentadas nesta tese ultrapassam os limites de vida-obra, cópia-modelo, forma-conteúdo, exterior-interior, verdade-ficção. Repetir, narrar, colecionar, contar histórias são maneiras de vencer a morte, deixar uma parte de si no mundo, mesmo que pelo outro, num jogo entre memória e esquecimento. Como declarou Didi-Huberman (2015), as obras de arte são mais duradouras do que a existência humana, elas sobrevivem a nós. O encerramento de um texto poderia ser encarado como ponto final de uma temática? Certamente não, pois a obra de arte, que não cessa de se reconfigurar, sobrevive a seu tempo, como as histórias contadas 199 por Alessandra Sanguinetti, Miranda July e Ilya Kabakov. E essas foram as histórias que estive disposta a contar para que sobrevivam dentro da História da Arte. 200 201 BIBLIOGRAFIA AGAMBEN, Giorgio. Ninfas. São Paulo: Hedra, 2012. ______. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. ______. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. ARIÈS, Philippe. A descoberta da infância. In: PEDROSA, Adriano; OLIVA, Fernando; SCHWARCZ, Lilia (org.). Histórias da Infância. São Paulo: MASP, 2016. AUSTER, Paul (org.). Achei que meu pai fosse Deus. São Paulo, Companhia das Letras, 2005. BASCHIROTTO, Viviane. Ilya e Emilia Kabakov na exposição Not everyone will be taken into the future. Revista Digital do LAV – Laboratório de Artes Visuais. Santa Maria, vol. 11, n. 1, p. 192 - 210– jan./abr, 2018. BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. 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Destacadas, em negrito, participações em exposições no Brasil. APÊNDICE A – Cronologia ALESSANDRA SANGUINETTI Figura A1. Alessandra Sanguinetti pelas lentes da fotógrafa Sabine Mirlesse. Fonte: https://whitehotmagazine.com/articles/2008-interview-with-alessandra-sanguinetti/1669 1968 Nasce em Nova York, Estados Unidos 1970 Mudança com a família para Buenos Aires, Argentina 212 1993 Exposição coletiva “Buenos Aires Art Biennial”, Buenos Aires, Argentina 1994 Exposição individual “Sweet Expectattions”, Fundación Andy Goldstein, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “Dichosos sena los ojos”, Galeria Rozarte, Rosario, Argentina Exposição coletiva “On Shaky Ground”, 494 Gallery, Nova York, Estados Unidos Primeiro lugar, Buenos Aires Art Biennial 1995 Exposição individual “Sweet Expectattions”, Museo Historico de Fotografia, Quilmes, Argentina Exposição coletiva “Encuentros”, Fundacion Banco Patricios, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “Erotizarte”, Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires, Argentina 1996 Exposição coletiva “Bienal de Arte de Curitiba”, Curitiba, Brasil Exposição coletiva “Homage to Frida Kahlo, Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires, Argentina 1997 Exposição individual Centro Cultural Ricardo Rojar, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “The new generation”, Museum of Fine Arts, Buenos Aires, Argentina Prêmio Ernst Hass Work Grant for Documentary Photography Concessão Fundo National para as Artes, Argentina 1998 Exposição individual “Sweet Expectattions”, Fotogaleria del Teatro San Martín, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “Underexposed”, Estocolmo, Suécia Exposição coletiva “Joop Swart Show”, Rotterdam, Holanda Joop Swart Master Class, Rotterdam, Holanda 213 1999 Inicia a produção de “As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos” 2000 Exposição coletiva “Palais de Glace”, National Hall of the Arts, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “New Collection”, Museum of Modern Art, Buenos Aires, Argentina Bolsa Guggenheim Foundation Prêmio National Hall of the Arts, Argentina 2001 Exposição individual “On the Sixth Day”, Ruth Benzacar Gallery, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva no Centro Cultural Recoleta, Premio Banco Nacion, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva Premio Banco Ciudad, National Museum of Fine Arts, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva Premios Klemm, Galeria Fundacion Klemm, Buenos Aires, Argentina Prêmio Hasselblad Foundation Prêmio National Fund for the Arts Grant, Argentina 2002 Residência Artist in Residence, Lightwork, Syracuse University, Syracuse, NY 2003 Mudança para Nova York, Estados Unidos Exposição individual “The adventures of Guille and Belinda”, Robert B. Menschel Gallery, Lightwork, Syracuse University, Nova York, Estados Unidos Exposição individual “The adventures of Guille and Beli”, Museum of Modern Art, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “Art Basel”, Daniel Azoulay Gallery, Miami, Estados Unidos Exposição coletiva “Enchanted Evening”, Yancey Richardson Gallery, Nova York, Estados Unidos 214 2004 Exposição individual “The adventures of Guille and Belinda and the Enigmate Meaning of their Dreams”, Yossi Milo Gallery, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “We are the world”, Chelsea Art Museum, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “Wild Flowers”, Ariel Meyerowitz Gallery, Nova York, Estados Unidos Prêmio Ignacio Pirovano Prize to the young artist of the year, Argentine Critics Association 2005 Exposição coletiva “Beyond the Walls”, Baniel Azoulay Gallery, Miami, Estados Unidos Exposição coletiva “On the Sixth Day”, Recontres Internationale de la Photographie, Arles, França Exposição coletiva “The (S) Files”, Museo del Barrio Biennial, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “5ª Bienal do Mercosul”, Porto Alegre, Brasil Exposição coletiva “Play”, The Center for Photography, Woodstock, Estados Unidos 2006 Exposição individual “On the Sixth Day”, Yossi Milo Gallery, Nova York, Estados Unidos Exposição individual “The adventures of Guille and Belinda”, Hotel Design, Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “Ecotopia: The Second ICP Triennial of Photography and Video”, International Center of Photography, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “Pintura Subyacente”, Spanish Cultural Center of Buenos Aires, Argentina Exposição coletiva “Rencontrs Internationales de la Photographie”, Arles, França Prêmio Discovery, Rencontres d'Arles, França 2007 Exposição individual “On the Sixth Day”, The Italian Academy for Advanced Studies in America at Columbia University, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “Recent Acquisitions”, Museum of Modern Art, Nova York Exposição coletiva “C’est pas du jeu!” Centre Photographie d’Ile-de-France, PountaultCombault, França Exposição coletiva “International Discoveries”, Fotofest Inter-biennial, Houston, Estados Unidos Exposição coletiva “El cuerpo Redisenado”, Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires, Argentina 215 Exposição coletiva “Between Memory and History: From the Epic to the Everyday”, Museum of Contemporary Canadian Art, Toronto, Canadá Bolsa MacDowell, New Hampshire, Estados Unidos 2008 Exposição individual “The life that came”, Yossi Milo Gallery, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “The adventures of Guille and Belinda”, Contact Festival, Toronto, Canadá Prêmio Bolsa John Gutmann Photography 2009 Exposição individual “The adventures of Guille and Belinda”, Kulturhuset, Estocolmo, Suécia Exposição coletiva “Demain/Heir”, Magnum Galley Saint Germain, Paris, França Exposição coletiva “Ophelia – Desire, melancholy and the death wish”, Museum of Modern Art, Arnhem, Holanda Bolsa Robert Gardner Bolsa National Geographic Magazine 2010 Exposição coletiva “Há sempre um copo de mar para um homem navegar - 29ª Bienal Internacional de São Paulo” onde apresenta “As aventuras de Guille e Belinda e o enigmático significado de seus sonhos” Exposição individual “On the Sixth Day”, The Art Institute of Boston at University Hall, Cambridge, MA Exposição coletiva “Narrativas Inciertas, Museum of Modern Art, Buenos Aires, Argentina Bolsa Alicia Patterson 2011 Exposição individual “Alessandra Sanguinetti”, Magnum Gallery, Paris, França Exposição individual “The adventures of Guille and Belinda”, Flux Laboratory, Genebra, Suíça Exposição individual “The adventures of Guille and Belinda”, Le Bal, Paris, França Exposição coletiva “Cinq Etranges Albums de Famille”, Le Bal, Paris, França Exposição coletiva “The More Things Change”, SFMoMa, San Francisco, Estados Unidos Exposição coletiva “Elles changent L’Inde”, Le Petir Palais, Paris, França Exposição coletiva “Best Books of the Decade”, 2011 PhotoIreland Festival, Dublin, Irlanda 216 Exposição coletiva “Between Two Worlds: A Window onto Contemporary Photography from Latin America, Edel Assanti, Londres, Inglaterra Exposição coletiva “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, Recife, Brasil Exposição coletiva “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, Palácio das Artes, Belo Horizonte, Brasil 2012 Exposição coletiva “On the Sicth Day”, Orange, Saint-Hyacinthe, Canadá Exposição coletiva “Words: Photography from the New Yorker”, Ullens Center of Contemporary Art, Beijing, China Exposição coletiva “A Short History of Photography: From the ICP Collection Honoring Willis E. Hartshorn” International Center of Protography, Nova York, Estados Unidos 2013 Exposição coletiva “Postcards from America”, Milwaukee Art Museum, Milwaukee, Estados Unidos Exposição coletiva “Insight Out”, Heidelberger Kunstverein, Heidelberger, Alemanha Exposição coletiva “Beasts”, Magnum Gallery, Paris, França 2014 Exposição coletiva “Postcards from America”, Wisconsin, Estados Unidos 2015 Exposição coletiva “Sguardo Di Donna (Through Women’s Eyes)”, Casa dei Ter Oci, Veneza, Itália Exposição coletiva “Beastly/Tierisch”, Fotomuseum Winterthur, Suíça Prêmio Buenos Aires Photo Festival 2016 Exposição coletiva “Sguardo Di Donna (Through Women’s Eyes)”, Palazzo Reale, Piazza Duomo, Milão, Itália 217 2017 Exposição individual “Le Gendarme sur la Colline”, Aperture Foundation, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “Framing Community, Magnum Photos, 1947-Present”, Hunter College Art Galleries, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva “Magnum Manifesto”, International Center of Photography, Nova York, Estados Unidos Exposição coletiva”Contradiction and Continuity: Photographs from Argentina, 1865-2015”, J.P. Getty Museum, Los Angeles, Estados Unidos 2018 Exposição coletiva “This Land”, Pier 24 Photografy, San Francisco, Estados Unidos ACERVO E COLEÇÕES Fonds national d’art contemporain, France Fundación Espigas, Buenos Aires, Argentina Herbert F. Johnson Museum of Art, Ithaca, NY International Center of Photography, NY Joy of Giving Something, Inc. Lightwork, Syracuse, NY Museum of Fine Arts, Boston, MA Museum of Fine Arts, Houston, TX Museum of Modern Art, NY Museum of Modern Art, Buenos Aires Progressive Art Collection, Mayfield Village, OH Salón Nacional de las Artes, Buenos Aires, Argentina San Francisco Museum of Modern Art, San Francisco, CA INFORMAÇÕES ADICIONAIS Membro Magnum Photos Representada pelas Galerias Yossi Milo Gallery, Nova York, Estados Unidos e Ruth Benzacar Gallery, Buenos Aires, Argentina. Observação: O site www.alessandrasanguinetti.com, da artista, não está mais acessível. 218 219 APÊNDICE B – Cronologia MIRANDA JULY Figura B1. Miranda July. Foto de Brigitte Sire. Fonte: http://brigittesire.com 1974 Nasce Miranda Jennifer Grossinger em Vermont, Estados Unidos 1995 Abandonou os estudos na Uiversity of California, Santa Cruz no segundo ano 1995-1998 Miranda July se dedica a performances que envolviam músicas, algumas gravadas em CDs como The Binet-Simon Test (Kill Rock Stars, 1998) e Ten Million Hours A Mile (Kill Rock Stars, 1997) 1996 Curta-metragem “Atlanta” 220 1997 Curta-metragem “The amateurist” 1998-2000 Performance “Love Diamond”, commissionada por Portland Institute of Contemporary Art, apresentada no local e em The New York Video Festival, The Kitchen, Nova York e Yo-yo a Go-go, Olympia, Estados Unidos 1995-2017 Projeto “Joanie 4 Jackie”, mulheres eram convidadas a enviar seus filmes ao projeto, recebendo em troca compilados de outros filmes feitos por mulheres 1999 Curta-metragem “Nest of tens” Atuação no filme “Jesus’ Son” 2001 Curta-metragem “Getting Stronger everyday” Co-roteirista do filme “The Center of the World” 2000-2002 Apresentação de “The Swan Tool” (mistura de vídeo, performance, música ao vivo), comissionada por Portland Institute for Contemporary Art, Rotterdamse Schouwburg, e International Film Festival Rotterdam. Apresentada no The Institute of Contemporary Art, Londres, Inglaterra, The Walker Art Center, Minneapolis, e Diverse Works, Houston, Estados Unidos 2002 Exibição online de “How Will I Know Her?” no Festival Internacional de Curtas-Metragens em Oberhausen, Alemanha 2002-2003 Performance “How I Learned To Draw”, apresentada no The Whitney Museum, Nova York, The Warhol Museum, Pittsburgh e Portland Institute for Contemporary Art, Estados Unidos 221 2002-2009 Projeto e site “Learning to love you more” em colaboração com Harrell Fletcher http://www.learningtoloveyoumore.com/index.php 2003 Curta-metragem “Haysha Royko” 2005 Filme “Me and you and everyone we know”, direção, roteiro, atuação Curta-metragem “Are you the favorite person of enyone?” 2006 Prêmio Camera d’Or No Festivel de Cannes e Jury Prize em Sundance por “You, Me, and Everyone We Know” 2006-2007 Performance “Things we don’t understand and definitely are not going to talk about”, The Steve Allen Theater, Los Angeles, Project Theater Artaud/San Francisco Cinematheque, and The Kitchen, Nova York, Estados Unidos 2007 Publicação do site de histórias “No one belongs here more then you” http://noonebelongsheremorethanyou.com Prêmio Frank O’Connor por “No One Belongs Here More Than You” 2008 Exposição coletiva “Yokohama Triennial” com The Hallway, Tokyo, Japão 2009 Exposição coletiva “53ª Exposição Internacional de Arte na Bienal de Veneza” com Eleven Heavy Things, Veneza, Itália Casou-se com o diretor de cinema Mike Mills 222 2010 Exposição “Eleven Heavy Things”, Center Lawn of Union Square Park, Nova York, Estados Unidos 2011 Filme “The Future”, direção, roteiro, atuação Publicação do livro “It chooses you”, no Brasil: O escolhido foi você Exposição “Eleven Heavy Things”, Pacific Design Center, Los Angeles, Estados Unidos Exposição coletiva “Looking at Music 3.0” com “Joanie 4 Jackie”, Museum of Modern Art, Nova York, Estados Unidos 2013 “We think alone”, projeto de envio de emails 2014 Lançamento do aplicativo “Somebody” Curta-metragem “Somebody” 2015 Publicação do livro “The firt bad man”, no Brasil: O primeiro homem mau Exposição coletiva “Stories We Tell Ourselves” com “Eleven Heavy Things”, Aspen Art Museum, Aspen, Suíça 2016 Se tornou membro da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences 2017 Exposição individual “Interfaith Charity Shop at Selfridges”, Comissionada por Artangel, Selfridges, Londres, Inglaterra 2018 Exposição Individual “I’m the presidente, baby”, Victoria and Albert Museum, Londres, Inglaterra Atuação no filme “Madeline's Madeline” 223 ACERVO E COLEÇÕES Getty Research Institute, Estados Unidos Museu de Arte Contemporânea de Hara, Tóquio, Japão. San Francisco Museum of Modern Art, Estados Unidos INFORMAÇÕES ADICIONAIS Tem colabrado com contos e textos para The Paris Review, Harper’s e The New Yorker 224 225 APÊNDICE C – Cronologia80 ILYA KABAKOV81 Figura C1. Ilya e Emilia Kabakov. Fonte: https://ilya-emilia-kabakov.com 1933 Nasce Ilya Kabakov em Dnepropetrovsk, USSR 1945 – 1951 Estuda na Art School, Moscou, Rússia 1951 – 1957 Frequenta Surikov V.I. State Art Institute, Moscou, Rússia, graduando-se em design gráfico e ilustração de livros 1956 Ilya Kabakov inicia suas atividades como artista não oficial de Moscou, fazendo trabalhos clandestinos 80 Este apêndice, devido a extensão de sua obra, é apenas uma seleção dos principais fatos e exposições que o artista participou. 81 Esta primeira parte da cronologia de Ilya Kabakov diz respeito a seu trabalho solo, antes de passar a assinar suas obras com Emilia Kabakov a partir de 1989. 226 1957 Ilya Kabakov se casa com sua primeira esposa, Irina Rubanova 1965 Exposição Contemporary Alternatives/2, L’Aquila, Castello Spagnolo 1966 Exposição “Sixteen Moscow Artists”, Sopot-Poznan, Polônia 1967 Exposição “Young Moscow Artists”, The Renzo Botti Art Group, Cremona Exposição “Fifteen Young Moscow Painters”, Segno Gallery, Roma, Itália 1968 Exposição com E. Bulatov no “Blue Bird Cade”, Moscou, Rússia Seu casamento com Irina Rubanova chega ao fim 1969 Exposição “The New Moscow School”, Pananti Gallery, Florença, Itália Exposição “Moscow’s New School”, Behr Gallery, Stuttgart, Alemanha Exposição “Moscow’s New School”, Interior Gallery, Frankfurt-am-Main, Alemanha 1970 Ilya Kabakov inicia a produção do seu álbum de personagens Ten Characters, completado em 1974 Exposição “Today’s Russian Avant-garde in Moscow”, Gmurzynska Gallery, Cologne, Alemanha Exposição “New Tendencies in Moscow”, Fine Arts Museum, Lugano, Suíça Exposição “Six Soviet Artists”, R. Zieggler Gallery, Zurich, Suíça 1973 Exposição “Russian Avant-garde: Moscow-73”, Dina Vierny Gallery, Paris, França Ilya Kabakov se casa com Victoria Valentina Mochalova 227 1974 Exposição “Progressive Tendencies in Moscow (1957-1970)”, Bochum Museum, Alemanha 1975 Exposição “Russian Nonconformist Artists” (Glezer Collection), Artist’s Union, Braunscheweig, Artist’s Union, Freiberg, Artist’s Union Charlotteberg, W. Berlin, Alemanha Exposição “Seven from Moscow” (Glezer Collection), Christian Bradstatter Gallery, Viena, Suíça 1976 Exposição “Russian Museum in Exile”, Montgeron, França Exposição “Russian Nonconformist Artists” (Glezer Collection), Artist’s Union, Konstanz, “Die Fahre” State Gallery, Saulgau, Alemanha Exposição “Contemporary Russian Painting”, Palace of Congress, Paris, França 1977 Exposição “New Art from the Soviet Union”, The Arts Club of Washington, Estados Unidos e The Herbert F. Johnson Museum of Artt, Cornell University, Ithaca, Nova York, Estados Unidos Exposição “New Soviet Art”, An Unofficial Perspective, Bienal de Veneza, Itália Exposição “Art and Matter”, Luxembourg Orangerie, Paris, França Exposição “Unofficial Russian Painting”, Institute of Contemporary Arts, Londres, Inglaterra 1978 Exposição “New Unofficial Soviet Art”, Bellinzona, Suíça Exposição “Russian Nonconformist Painting”, Saarland Museum, Saarbrucken, Alemanha Exposição “New Soviet Art”, Palace Reale, Turin, Itália 1979 Exposição “Twenty Years of Independent Art from the Soviet Union”, Bochum Museum, Alemanha Exposição “Light, Form, Space”, 28 Malaja Gruzinskaja, Moscou, Rússia 228 1981 Exposição “New Trends in Unofficial Russian Art 1970-1980”, Villedieu Cultural Centre, França Exposição “Twenty Fice Years of Soviet Unofficial Art 1956-1981”, C.A.S.E. Museum of Soviet Unofficial Art, Jersey City, New Jersey, Estados Unidos 1982 Exposição “Contemporary Russian Painting 1971-1981”, Gorky Galleries, Paris, França Exposição “Photography and Painting”, Centre of Technical Aesthetics, Moscou, Rússia Exposição “One-evening Exihibition at the Soviet Artist’s Union”, Artist’s Club, Kuznetskjj Most, Mocou, Rússia 1983 Exposição “Graphics Exjibition”, 28 Malaja Gruzinskaja, Moscou, Rússia 1984 Exposição “Photography and Art”, State Museum of Tartu, Estonia 1985 Exposição individual em Dina Vierny Gallery, Paris, França Exposição no Museum Bochum, Alemanha Exposição individual “Am Rande (Along the Margins)”, Kuntshalle, Bern, Suíça 1986 Exposições individuais em Museé Cantini, Marseille, França, Centre National des Art Plastiques, Paris, França, Castle Gotzental, Dietikon, Suíça Exposição em Kunstverein Dusseldorf, Wesr Germany, Alemanha Exposição em Die Wahlverwandtschaften, steirischer herbst ’86, Alemanha 1987 Ilya Kabakov deixa a União Soviética pela primeira vez para sua exposição em Viena Exposição “Before Supper”, Grazer Kunstverein, Áustria Exposição individual no Museum of Modern Art com Ivan Tschuikov, Basel, Suíça Exposição “The 60s-70s”, Hermitage Society, Moscou, Rússia 229 Exposição na Galerie de France, Paris, França 1988 Nos Estados Unidos, Ilya Kabakov conhece Emilia Kanevsky Exposição “10 Characters”, Ronald Feldman Fine Arts, Nova York, Estados Unidos e Frankfurt am Main, Alemanha Exposição em Portikus, Frankfurt-am-Main, Alemanha 1989 Exposição na Galerie de France, Paris, França Exposição “Magiciens de la Terre” no Centre Pompidou, Paris, França com a obra “The man who flew into space from his apartment” Exposição individual ‘Two Albums’, Universität des Saarlandes, Saarbrücken, Alemanha Exposição individual ‘Ilya Kabakov. The Untalented Artist and Other Characters’. Catalog., Institute of Contemporary Art, Londres, Inglaterra Exposição individual ‘10 Albums: 10 Characters’. Catalog., Riverside Studios, Londres, Inglaterra Seu trabalho passa a ser assinado com Emilia Kabakov EMILIA KABAKOV 1945 Nasce Emilia Lekach em Dnepropetrovsk, USSR 1952 – 1959 Estuda na Music School, Moscou, com especial talento ao piano 1962 – 1966 Estuda na Music College, Irkutsk, Dnepropetrovsk, USSR 1966 Emilia Lekach se casa com seu primeiro marido, Gary Kanevsky 230 1969 – 1972 Frequenta a universidade em Moscou, área de estudo em Linguagem Espanhola e Literatura 1973 Imigra para Israel 1975 – 1978 Vive e trabalha nos Estados Unidos nas cidades de Miami e Nova York, começa a trabalhar como negociante de antiguidades especializada em jóias Fabergé e prata russa, mais tarde atua como curadora e consultora de arte 1983 O casamento com Gary Kanevsky chega ao fim ILYA E EMILIA KABAKOV82 1990 Exposição 8th Biennale of Sydney 1990 – The Readymade Boomerang, Biennale of Sydney, Sydney, Austrália Exposição individual ‘Directions. Ilya Kabakov. Ten Characters.’. Catalog., Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Washington/DC, Estados Unidos Exposição individual ‘The Rope of Life and Other Installations’. Catalog., Fred Hoffman Gallery, Santa Monica/CA, Estados Unidos 1991 Exposição Dislocations, MoMA – Museum of Modern Art, New York City, Estados Unidos 1992 Ilya e Emilia Kabakov se casam 82 Trabalhos selecionados. Uma lista completa das exposições e trabalhos dos artistas a partir de 1989 pode ser conferida no site https://ilya-emilia-kabakov.com e também no site das galerias que os representam listadas ao final deste item. A lista completa não foi incluída nesta tese por se tratar de dezenas de páginas. Foram selecionadas exposições e prêmios considerados mais relevantes em termos de obras apresentadas relacionadas a esta tese, instituições e bienais e também exposições na América do Sul pela proximidade. 231 Exposição Ex Ussr – Hedendaagse Kunstenaars Uit Het Gos :, Groninger Museum, Groningen documenta 9, Documenta, Kassel, Alemanha Exposição individual ‘52 Entretiens Dans la Cuisine Communautaire’ (52 Dialogues on the Communal Kitchen), with Yuri Kuper. Book., Ateliers Municipaux d’Artistes, Marseille, França Exposição individual ‘Ilya Kabakov/ John Scott’, installation: Ten Characters. Catalog., The Power Plant, Toronto, Canadá Exposição individual ‘Ilya Kabakov’, installations: Communal Kitchen, Labyrinth (My Mother’s Album)., Sezon Museum of Modern Art, Nagano, Japão 1993 Exposição Biennale di Venezia – 45th International Art Exhibition, La Biennale di Venezia, Veneza, Itália Exposição 2ª Biennale de Lyon – et tousilschangent le monde, biennaled’artcontemporain de Lyon, Lyon, França Exposição individual ‘Incident at the Museum or Water Music’, music by Vladimir Tarasov. Catalog., Museum of Contemporary Art, Chicago/IL, Estados Unidos Exposição individual ‘Concert for a Fly’, music by Vladimir Tarasov. Permanent installation., Château d’Oiron, França Prêmios: Honorary Diploma, Biennale di Venezia, Venice, Itália, Joseph Beuys-Preis, Joseph Beuys Foundation, Basel, Suíça, Max Beckmann-Preis der Stadt Frankfurt am Main, Frankfurt am Main, Alemanha 1994 Exposição individual ‘In der Wohnung von Viktor Nikolajewich’ (In the Apartment of Victor Nicolaevich)., Jablonka Galerie, Cologne, Alemanha Exposição individual ‘Le bateau de ma vie. L’album de ma mère. La rivière souterraine dorée’ (The Boat of My Life. My Mother’s Album. The Golden Underground River). Catalog., Le Magasin, Centre National d’Art Contemporain, Grenoble, França Exposição individual ‘Die Verzweiflung des Künstlers oder die Verschwörung der Untalentierten’ (Artist’s Despair or Conspiracy of the Untalented). Catalog., Galerie Barbara Weiss, Berlin, Alemanha 232 1995 Exposição International İstanbul Biennial, International Istanbul Biennial, Istanbul Prêmio l’Ordre des Arts et des Lettres, Ministère de la Culture et de la Francophonie, Paris, França Exposição individual ‘No Water’. Permanent installation., MAK Depot of Contemporary Art, Gefechtsturm Arenbergpark, Vienna, Áustria Exposição individual ‘The School Library’. Permanent installation., Stedelijk Museum, Amsterdam, Holanda Exposição individual ‘Le Collectionneur’ (The Collector). Catalog., Galerie Thaddaeus Ropac, Paris, França Exposição individual ‘Søppelmannen. The Garbage Man’, installation: The Man Who Never Threw Anything Away (The Garbage Man). Permanent installation. Book., Museet for Samtidskunst, Oslo, Noruega Exposição individual ‘The Communal Kitchen’. Permanent installation in 1993., Fondation Dina Vierny, Musée Maillol, Paris, França 1996 Exposição 23° Bienal de São Paulo, Bienal de Sao Paulo, São Paulo Exposição individual ‘Stimmen hinter der Tür’ (Voices Behind the Door). Book., Galerie für Zeitgenössische Kunst Leipzig, Kutscherhaus der Herfurthschen Villa, Lipsia, Alemanha Exposição individual ‘Koridor Dvoch Banalít’ (Corridor of Two Banalities), com Joseph Kosuth. Catalog, Považská Galéria Umenia v Žiline, Zilina, Slovênia Exposição individual ‘Healing with Paintings’. Permanent installation., Kunsthalle Hamburg, Hamburg, Alemanha Exposição individual ‘Ilya Kabakov. Storyteller. Installationer og ikke-realiserede projekter’ (Installations and Unrealized Projects), Nordjyllands Kunstmuseum, Aalborg e Køge Bugt, Kulturhus, Portalen i Greve, Dinamarca 1997 Exposição Whitney Biennial 1997, Whitney Museum of American Art, New York City, NY Exposição 47th International Art Exhibition Venice Biennale / Biennale di Venezia, La Biennale di Venezia, Venice Exposição Reopening: Installations and Projects, MoMA PS1, New York City, NY 233 Exposição individual ‘Monument to a Lost Glove’, (Organisation: Public Art Found)., Traffic Triangle at 23th Street and Broadway, New York, NY, Estados Unidos Exposição individual ‘The Life of Flies’., Barbara Gladstone Gallery, New York/NY, Estados Unidos Prêmio AICA Best Show Award (Best Installation in a Gallery, Museum or Specific Site for “The Life of Flies” At Gladstone Gallery), International Art Critic Association, New York, Estados Unidos 1998 Exposição individual ‘The Palace of Projects’ (‘El Palacio de los Proyectos’), with Emilia Kabakov (Organisation: Artangel). Catalog., Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Palacio de Cristal del Retiro, Madrid, Espanha e The Roundhouse, Londres, Inglaterra Exposição individual ‘My Grandfather’s Shed’, Galerie Thaddaeus Ropac, Paris, França e Mönchehaus-Museum für Moderne Kunst, Goslar, Alemanha Exposição individual ‘16 Installaties’ (16 Installations). Catalog., Museum van Hedendaagse Kunst Antwerpen, Antwerp, Bélgica Exposição individual ‘The Collector’, Galerie Thaddaeus Ropac, Salzburg, Áustria 1999 Exposição individual ‘Der Rote Waggon. The Red Wagon’. Permanent installation. Catalog., Museum Wiesbaden, Wiesbaden, Alemanha Exposição individual ‘Life and Creativity of Charles Rosenthal’. Catalog., Contemporary Art Center, Art Tower Mito, Mito, Japão Exposição individual ‘Ilya and Emilia Kabakov. Monumento Alla Civiltà Perduta’ (Monument to a Lost Civilization). Book., Cantieri Culturali Alla Zisa, Palermo, Itália 2000 Exposição Between Cinema and a Hard Place, Tate Modern, Londres, Inglaterra Exposição Around 1984 – A Look at Art in the Eighties, MoMA PS1, New York City, Estados Unidos Exposição 12th Biennale of Sydney 2000, Biennale of Sydney, Sydney, Austrália Exposição Baldessari – Kabakov – Kosuth – Pistoletto – Quartet, Kunsthalle Basel, Alemanha Exposição individual ‘The Collector’. Permanent installation., Lenbachhaus, Munich, Alemanha 234 Exposição individual ‘Ilya Kabakov Stellt Vor: Leben und Werk von Charles Rosenthal 18981933.’ (Ilya Kabakov Presents: The Life and Creativity of Charles Rosenthal 1898-1933), installation: The Life and Creativity of Charles Rosenthal. Catalog., Das Städel, Frankfurt am Main, Alemanha Exposição individual ‘Ilya Kabakov. 50 Installationen’ (50 Installations)., Museum Wiesbaden, Wiesbaden, Alemanha e Kunstmuseum Bern, Berne, Suíça Exposição individual ‘Ilya Kabakov 1969-1998’, installations: 10 Characters; Three Green Paintings; He Went Crazy, Undressed Run Away Naked; The Red Corner; Incident in the Corridor near the Kitchen; The Three Nights; I’ll Return by April 12th; The Concert for a Fly; The Artist’s Despair or the Conspiracy of the Untalented; Monument to the Lost Glove; Reverse. Catalog., Center for Curatorial Studies Museum, Bard College, Annandale-onHudson/NY, Estados Unidos 2001 Exposição individual ‘Ilya Kabakov: 10 Characters, Albums’, installation: Monument to a Lost Glove, Catalog., The RISD Museum, Providence/RI, Estados Unidos ‘Premio Querini, Furla per l’Arte’., Fondazione Querini Stampalia, Venice, Itália 2002 Exposição individual ‘Unaufgehängtes Bild’ (Unhung Painting). Permanent installation., Museum Ludwig, Cologne, Alemanha Exposição individual ‘Not Everyone will be taken into the Future. Materialien Zur Installation’ (Materials for the Installation), with Emilia Kabakov., Galerie Thaddaeus Ropac, Paris, França; Galerie im Traklhaus, Salzburg, Áustria; MAK Depot of Contemporary Art, Gefechtsturm Arenbergpark, Vienna, Áustria Prêmio Oskar Kokoschka Preis, Bundesministerium für Bildung, Wissenschaft und Kultur, Vienna, Áustria 2003 Exposição 50th International Art Exhibition Venice Biennale / Biennale di Venezia, La Biennale di Venezia, Where Is Our Place? by Ilya and Emilia Kabakov, Itália Exposição The Labyrinthine Effect, ACCA – Australian Centre for Contemporary Art, Melbourne, Austrália 235 Exposição II Bienal de Valencia – La Ciudad Ideal, Fundación de la C.V. Bienal de las artes, Valencia, Espanha Exposição Private and Public Narratives: Selected works from the IMMA Collection, Irish Museum of Modern Art – IMMA, Dublin, Irlanda 2004 Exposição The 2nd Auckland Triennial – PUBLIC/PRIVATE: Tumatanui/Tumataiti, Auckland Art Gallery – Toi o Tāmaki, Auckland, Nova Zelândia Exposição Artists’ Favourites – act I, Institute of Contemporary Arts, Londres, Inglaterra Exposição Vídas Imaginárias – Emilia e Ilya Kabakov, Patrick Corillon, Jan Fabre e Susanne, Centro de Arte Moderna – CAM – Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal Exposição individual 1900-2000 by Ilya and Emilia Kabakov, Zacheta National Gallery of Art, Warsaw, Poland, Warszawa – Moskwa / Mockva – Bapwava, Travel to The State Tretyakov Gallery, Moscow, Rússia Exposição individual The Empty Museum by Ilya and Emilia Kabakov., Tallin Art Wall, Tallin, Estônia Exposição individual Where is Our Place? by Ilya and Emilia Kabakov. MAXXI Museum of Contemporary Art e Museo Nazionale Delle Art del XXI Secolo, Roma, Itália; Mori Art Museum, Tokyo, Japão Exposição individual The Teacher and the Student, Charles Rosenthal and Ilya Kabakov., Cleveland Museum of Contemporary Art, Cleveland – Ohio, Estados Unidos Exposição individual Incident in the Museum and Other Installations, Catalog., The State Hermitage Museum, St. Petersburg – Russia, Organized by Guggenheim Foundation Museum, New York, Estados Unidos Exposição individual 10 Albums by Ilya and Emilia Kabakov., Tretjakov State Gallery, Moscow, Rússia 2005 Exposição 1 Moscow Biennale of Contemporary Art, Moscow Biennale of contemporary art, Moscou, Rússia Exposição OpenSystems – Rethinking Art c.1970, Tate Modern, Londres, Inglaterra Exposição Christian Boltanski, Ilya Kabakov – In Progress III für Harald Szeemann, Kewenig Galerie, Cologne, Alemanha 236 Exposição Take Two – Worlds and Views – Contemporary Art from the Collection, MoMA – Museum of Modern Art, New York City, Estados Unidos Exposição Russia!, Solomon R. Guggenheim Museum, New York City, Estados Unidos Exposição Angels of History – Moscow Conceptualism and its influence, MuHKA Museum voor Hedendaagse Kunst Antwerpen, Bélgica Exposição Bienal do Mercosul, Bienal do Mercosul, Porto Alegre, Brasil Exposição individual The Utopia City by Ilya and Emilia Kabakov., Albion Gallery, Londres, Inglaterra, Travelling from Kunsthaus Bielefeld and Kunsthaus Zug, Zug – Alemanha Exposição individual 200 years since H.C. Andersen birthday, Install. Morning, Evening, Night by Ilya and Emilia Kabakov, Catalog., Nicolaj Art Center, Copenhagen, Dinamarca Exposição individual Where is Our Place? by Ilya and Emilia Kabakov, Install.Catalog., Musee Les Abattoirs, Toulouse; França 2006 Exposição individual “The Red Vagon”, permanent installation for “The Kabakovs Wing”, The Wiesbaden Museum, Wiesbaden, Alemanha Exposição individual The Theatrical projects by Ilya and Emilia Kabakov, Versicherungskammer Bayern; Munich, Alemanha Exposição individual “Evening, Morning, Night” install, catalog, Reykjavik Art Museum, Islândia Exposição individual”The Album of My Mother”, permanent installation, Schaulager, Basel, Suíça Exposição individual “10 Albums by Ilya and Emilia Kabakov”, Atlas SztukiGallery, LodzPolônia 2007 Exposição Overture. (Installations on view: The Rest Before the Road), Galleria Continua, Le Moulin, França Exposição Mixed Signals, Ronald Feldman Fine Arts Inc, New York City, Estados Unidos Exposição Concept: Photography – Dialogues & Attitudes, Ludwig Museum – Museum of Contemporary Art – Budapest, Hungria Exposição 52nd International Art Exhibition Venice Biennale / Biennale di Venezia, La Biennale di Venezia, Veneza, Itália 237 Exposição individual “Ilya Kabakov Orbis Pictus. Children’s Book Illustrator As A Social Character” (travelling), The Museum Of Modern Art, Hayama, Japão Exposição individual “20 Ways To Get An Apple, Listening To The Music Of Mozart”, Paintings “Under The Snow”, Ljubljana, Slovenia 2008 Exposição Singapore Biennale 2008, Singapore Biennale, Singapura Exposição individual “Ilya & Emilia Kabakov: Orbis Pictus”, traveling to: Hiroshima City Museum of Contemporary Art. Hiroshima, Japão Honrarias: The Order of Friendship, The President of Russian Federation, Rússia, Honorary Academics of Moscow Art Academy, Moscow, Rússia 2009 Exposição Medals of Dishonour, British Museum, Londres, Inglaterra Exposição El Tiempo del Arte, Fundación PROA, Buenos Aires, Argentina Exposição individual “Labyrinth. My Mother’s Album”, Beraldo Museum Of Modern Art, Lisboa, Portugal e Musee d’Art Moderne et Contemporain de Strasbourg, Strasbourg, França Exposição individual “Monument To The City Of Bordeaux”,“The House Of Characters” /permanent/, Bordeaux, França Exposição individual “How To Meet An Angel” /permanent sculpture, public commission/, Jellinek. Mentrum, Amsterdam. Holanda 2010 Exposição Kierkegaard Walk, Galeria Marília Razuk, São Paulo, Brasil Exposição Contrepoint, l’Artcontemporainrusse – De l’icône à l’Avant-Garde en passant par le musée, Musée du Louvre, Paris, França Exposição Field of Action. The Moscow Conceptualist School in Context 1970s-1980s, Cultural Foundation Ekaterina, Moscou, Rússia Exposição individual “Angeologia”, The Model Arts And Niland Gallery, Sligo, Irlanda Exposição individual “The Man Who Flew Into Space From His Apartment”, Nasjonal Museet for Kunst, Oslo, Noruega Exposição individual The Printer’s Mistake, The State Hermitage Museum. St. Petersburg, Rússia Prêmio Cartier Prize from Art Masters, St. Moritz, Suíça 238 2011 Exposição Absolute Installation, The Museum of Contemporary Art Oslo, Oslo, Noruega Exposição Architecture Dessins Utopies, National Museum of Contemporary Art (MNAC), Bucharest, Romênia Exposição Museo de las Narrativas paralelas. En el Marco de La Internacional, Museu d´Art Contemporani de Barcelona – MACBA, Barcelona, Espanha Exposição individual “The Man Who Flew Into Space From His Apartment”, travel to Bergen Kunstmuseum. Noruega Exposição individual “The Man Who Never Throw Anything Away”, Bergen Kunstmuseum, Noruega 2012 Exposição Breaking The Ice: Moscow Art, 1960-80s, The Saatchi Gallery, Londres, Inglaterra Exposição Still-life. Metamorphoses. Dialogue Between Classic And Contemporary Art, The State Tretyakov Gallery, Moscou, Rússia Exposição 11th Havana Biennial, Centro de Arte Contemporáneo Wifredo Lam, Havana, Cuba Exposição Lissitzky – Kabakov, Utopie En Werkelijkheid, Stedelijk Van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda Exposição individual “The Monument To the Lost Civilization”, Moscow Museum of Modern Art, Moscow, Rússia 2013 Exposição Dreams For Those Who Are Awake, Moscow museum of modern art – MMOMA, Moscou, Rússia Exposição The Desire for Freedom – Arte in Europa dal 1945, Palazzo Reale, Milão, Itália Exposição Glasstress 2013 / 55th Venice Biennale of Art, Collateral Event, Berengo Centre for Contemporary Art & Glas, Veneza, Itália Exposição The Collection As A Character, MuHKA Museum Voor Hedendaagse Kunst Antwerpen, Bélgica Exposição Modernités Plurielles 1905-1970, Centre Pompidou – Musée National d´Art Moderne, Paris, França Exposição individual “El Lissitzky, Ilya and Emilia Kabakov: Utopia and Reality?”, Multimedia Art Museum / Moscow House of Photography, Moscow, Rússia 239 Exposição individual “The Ship of Tolerance”, cooperation with The City of Moscow and “Garage”, concert by young international musicians from Moscow, Havana, New York, Geneva/ At The House of Music, Gorky Park, Moscow, Rússia Exposição individual “El Lissitski, Ilya & Emilia Kabakov”, The State Hermitage Museum, St. Petersburg, Rússia Honraria: Medals for Life for Achievements in Art, Moscow Art Academy, Rússia 2014 Exposição Sigmund Freud and the Play on the Burden of Representation, 21er Haus, Vienna, Áustria Exposição El Lissitzky – Ilya und Emilia Kabakov: Utopie und Realität, Kunsthaus Graz, Áustria Exposição The Blinding Light Of History: Russian Paintings And Drawings From The Collection Of Wayne F. Yakes, Md, University of New Mexico, Albuquerque, Estados Unidos Exposição Magiciens de la Terre, Retoursurune exposition légendaire, Centre Pompidou – Musée National d´Art Moderne, Paris, França Exposição Post Pop: East Meets West, The Saatchi Gallery, Londres, Inglaterra Exposição individual “The Strange City”, Monumenta, Grand Palais, Paris, França Exposição individual “El Lissitzky-Ilya & Emilia Kabakov. Utopia and Reality”, Kunsthaus, Graz, Áustria Honrarias: Commandeur De L’Ordre Des Arts Et Des Lettres, Ministery de la Culture, França e Gold Medal For achievements in Art, The National Art Club, New York, Estados Unidos 2015 Exposição The Family Tree of Russian Contemporary Art. Garage Museum of Contemporary Art Moscow, Rússia Exposição Poor Art – Rich Legacy. Arte Povera and parallel practices 1968–2015, The Museum of Contemporary Art Oslo, Oslo, Noruega Exposição individual The Dream City, Power Station of Art, China. Exposição individual Sculpture “The Arch of Life”, Echigo Tsumari art Triennale 2015, Niigata, Japão Prêmio Award For Excellence in Arts, Appraisers Association of America, Inc. NY, Estados Unidos 240 2016 Exposição Kollektsia: Contemporary Art in the USSR and Russia, Centre Pompidou, Paris, França Exposição “Thinking Pictures”: Moscow Conceptual Art in the Dodge Collection. Jane Voorhees Zimmerli Art Museum, Rutgers University, New Brunswick, New Jersey, Estados Unidos Exposição Art on Stage, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Brasil Exposição Nonconformism As A Starting Point: Works Of 1960’s-2000’s From Collection Of Moscow Museum Of Modern Art. Moscow Museum of Modern Art, Petrovka Street, Moscow, Russia Exposição individual Art & Language and Ilya Kabakov: The Non-Objective World, Sprovieri Gallery, Londres, Inglaterra Exposição individual Ilya and Emilia Kabakov: The Kabakovs and the Avant-Gardes. Museo d’Arte, Lugano, Suíça 2017 Exposição Weight of History, Contemporary Art from Russia, 100 after the October Revolution, Galerie für Gegenwartskunst E-Werk, Freiburg, Alemanha Exposição Socle du Monde Biennale 2017, an experimental exhibition To challenge the earth, the mon, the sun & the stars. The Toilet on The River”, at Aarhus Cultural Capital, HEART Herning Museum of Modern Art, Dinamarca Exposição individual “Ilya & Emilia Kabakov: Concert for a Fly (Chamber Music),” Galerie Thaddaeus Ropac, Londres, Inglaterra Exposição individual The Ship of Tolerance, Roma, Itália Exposição individual Permanent installation/sculpture, Kistefos Foundation/Park –“The Ball”, Oslo, Noruega 2018 Exposição Avatars. The artist and his double / Les Abattoirs / Musée d’Art Moderne et Contemporain à Toulouse, Toulouse, França Exposição individual Ilya & Emilia Kabakov: Not Everybody Will be Taken Into The Future. Em: Tate Modern, Londres, Inglaterra; The Tretjakov Museum, Moscow, Rússia; The Hermitage State Museum, St Petersburg, Rússia 241 Exposição individual The Ship of Tolerance. Art, Action, Change and The Totally Thames Festival, Londres, Inglaterra Exposição individual Ilya and Emilia Kabakov: The Utopian Projects, The Hirshhorn Museum, Washington DC, Estados Unidos Exposição individual Ilya and Emilia Kabakov, Retrospective. The Contemporary, Dallas, Estados Unidos 2019 Exposição individual Ilya & Emilia Kabakov, Cosmic Projects, The Dorsky Museum, Paltz, Estados Unidos Exposição individual Ilya & Emilia Kabakov, Retrospective, The Contemporary, Dallas, Estados Unidos ACERVOS E COLEÇÕES Grazer Kunstverein, Graz, Áustria Museum für Angewandte Kunst, Vienna, Áustria Museum Moderner Kunst Stiftung Ludwig Wien, Vienna, Áustria Neue Galerie im Landesmuseum Joanneum, Graz, Áustria Stedelijk Museum voor Actuele Kunst, Ghent, Bélgica Lhoist Group Collection, Bélgica Museum voor Hedendaagse Kunst Antwerpen, Antwerp, Bélgica Kiasma, Helsinki, Finlândia Stedelijk Museum CS, Amsterdam, Holanda Centre Georges Pompidou, Paris, França Colección Institut Valencia d’Art Modern, Valencia, Espanha Collection Fundación La Caixa, Barcelona, Espanha Collection of the City of Sevilla, Espanha Museum of Modern and Contemporary Art, Palma de Mallorca, Espanha Ellipse Foundation – Contemporary Art Collection, Lisboa, Portugal Hamburger Kunsthalle, Hamburg, Alemanha Ludwig Museum, Cologne, Alemanha Collection Deutsche Bibliothek, Frankfurt, Alemanha Collection of Sprengel Museum, Hannover, Alemanha Ludwig Forum für Internationale Kunst, Aachen, Alemanha 242 Sammlung Desdner Bank, Frankfurt, Alemanha Kunsthalle Bremen, Alemanha Museum Wiesbaden, Alemanha Zeche Zollverein, Essen, Alemanha National Museum of Contemporary Art, Athens, Grécia Centro per l’Arte Contemporanea Luigi Pecci, Prato, Itália Museo d'Arte Moderna e Contemporanea di Trento e Rovereto, Trento, Itália Museo nazionale delle arti del XXI secolo, Roma, Itália Kistefos Museum, Jevnaker, Noruega Sarajewo Art Museum, Bosnia and Herzegovina Art4.ru, Moscow, Rússia National Centre for Contemporary Arts, Moscow, Rússia State Tretyakov Gallery, Moscow, Rússia ART4.RU Contemporary Art Museum, Moscow, Rússia Museum of Avant-Garde Mastery, Moscow, Rússia The State Hermitage Museum, St. Petersburg, Rússia Jerusalem Museum, Israel Moderna Galerija Ljubljana, Ljubljana, Eslovênia Kunstmuseum Basel, Basel, Suíça Collezione Giancarlo e Danna Olgiati, Lugano, Suíça Collection of the United Nations, Genebra, Suíça Schaulager Basel, Suíça Tate Modern, London, Inglaterra Musee d’Art Contemporain, Musee D’art Contemporain De Montreal, Quebec, Canadá Art Institute of Chicago, Chicago, IL, Estados Unidos Chinata Foundation, Marfa, TX, Estados Unidos David Winton Bell Gallery at Brown University, Providence, RI, Estados Unidos Harvard University Art Museums, Cambridge, MA, Estados Unidos Jane Voorhees Zimmerli Art Museum at Rutgers University, Brunswick, NJ, Estados Unidos Museum of Modern Art, New York City, NY, Estados Unidos National Gallery of Art, Washington D.C. , Estados Unidos Solomon R. Guggenheim Museum, New York, Estados Unidos 243 INFORMAÇÕES ADICIONAIS As obras de Ilya e Emilia Kabakov estão catalogadas, organizadas com informações sobre exposições e conceitos de obras em edições de seus Catalogue Raisonné impressos e também online em seu site: https://ilya-emilia-kabakov.com/literature São quatro edições de pinturas, a última em progresso e mais três de instalações. Galerias que representam Ilya e Emilia Kabakov: Galleria Continua (Itália, China, França e Cuba), Galerie Thaddeus Ropac (França, Áustria e Inglaterra), The Pace Gallery (Estados Unidos, Inglaterra, China, Coréia do Sul, Suíça), Lia Rumma (Itália), Sprovieri Gallery (Inglaterra). 244 245 APÊNDICE D – Viagem de estudos: Londres Durante o doutorado, foram feitas algumas viagens de estudos e visita a exposições, principalmente no Brasil. Deste conjunto, destaca-se a viagem a Londres, Inglaterra, em outubro de 2017, onde houve a oportunidade de visitar diversos museus e galerias de arte como National Gallery, National Portrait Gallery, Tate Modern, Tate Britain, The Wallace Collection, Royal Academy of Arts, bem como outros museus, palácios e espaços não-oficiais que abrigam coleções de arte. Algumas obras, tratadas na tese, puderam ser vistas pessoalmente, o que gerou o enriquecimento das reflexões ao longo do texto. Em destaque, duas das exposições que foram visitadas: D. 1 Visita a exposição de Ilya e Emilia Kabakov na Tate Modern, Londres Not everyone will be taken into the future A exposição contava com trabalhos diversos dos artistas, desde os primeiros de Ilya Kabakov até seus projetos em colaboração com Emilia Kabakov. Contava com diferentes linguagens, entre pinturas, instalações e maquetes de obras realizadas. Como resultado da visita à exposição de Ilya e Emilia Kabakov, foi publicado o artigo citado nesta tese, Ilya e Emilia Kabakov na exposição Not everyone will be taken into the future, na Revista Digital do LAV – Laboratório de Artes Visuais da UFSM em abril de 2018, vol. 11, n. 1, p. 192-210, ISSN: 19837348. Abaixo, seguem fotos do folheto da exposição, com pequeno memorial sobre cada uma das salas da exposição. 246 Figura D1. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. Figura D2. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. 247 Figura D3. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. Figura D4. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. 248 Figura D5. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. Figura D6. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. 249 Figura D7. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. Figura D8. Folheto de exposição: Ilya and Emilia Kabakov: Not everyone will be taken into the future. Fonte: folheto digitalizado. 250 D. 2 Visita ao projeto Interfaith Charity Shop at Selfridges de Miranda July, Londres A artista Miranda July montou uma loja de caridade com o apoio da Artangel, uma organização que tem, como lema, levar a arte a lugares inesperados (Extraordinary art / Unexpected places), dentro da loja de departamentos Selfridges, no endereço da Oxford Street, centro de Londres. Foram feitas duas visitas à loja, com quatro dias de intervalo. A última visita foi no encerramento do projeto com a presença da artista. Figura D 9. Interfaith Charity Shop. Fonte: arquivo pessoal. 251 Figura D10. Objetos comprados na Interfaith Charity Shop: A biografia de Helen Mirren, um lenço e um cofre em formato de elefante. Fonte: arquivo pessoal. Figura D11. Com a artista Miranda July. Interfaith Charity Shop. Fonte: arquivo pessoal.