Este é o segundo livro produzido pela pesquisa Governança Metropolitana no Brasil, desenvolvida
no âmbito da Rede Ipea, por meio de uma articulação institucional que envolve, entre outras
instituições, alguns dos mais importantes institutos de pesquisa do país, a saber, IDESP
(RM de Belém), IMESC (RM da Grande São Luís), Ipece (RM de Fortaleza), FUNDAJ (RM
do Recife), Sedur-BA (RM de Salvador), IJSN (RM da Grande Vitória), Fundação João
Pinheiro/Agência RMBH (RM de Belo Horizonte), Fundação CEPERJ (RM do Rio
de Janeiro), Emplasa (RM de São Paulo), FEE (RM de Porto Alegre), Ipardes (RM de Curitiba),
Secretaria das Cidades-MT (RM do Vale do Rio Cuiabá), Sicam-GO (RM de Goiânia) e CODEPLAN
(Ride-DF).
Esta publicação traz uma reflexão inédita sobre a gestão e a governança de algumas
das mais importantes funções públicas de interesse comum (FPICs) que se fazem presentes e
estruturam o espaço metropolitano: uso do solo, saneamento básico e transporte público/
mobilidade urbana.
Na primeira parte, o capítulo 1 sistematiza e apresenta os resultados gerais da pesquisa
por meio de uma avaliação que alerta para o fato de que os instrumentos de planejamento, as
ferramentas e recursos de gestão e o controle social nessas FPICs são deficientes, instáveis e que
os casos bem-sucedidos não são a regra, mas a exceção.
A segunda, terceira e quarta parte do livro são dedicadas à análise mais aprofundada
de cada uma dessas três FPICs. Assim, na segunda parte, que trata do uso do solo, são
apresentados sete capítulos, sendo seis de análises de RMs participantes da pesquisa e um de
avaliação geral desta função pública.
A mesma lógica – de capítulos trazendo análises específicas, seguidos de um capítulo
de avaliação – se encontra na terceira parte, que trata da FPIC transporte público/mobilidade
urbana, com seus cinco capítulos; a quarta parte do livro, por sua vez, analisa a FPIC saneamento
básico, reunindo também cinco capítulos.
Finalmente, o livro se encerra com um capítulo que procura identificar e problematizar
alguns elementos que estruturam a gestão das FPICs nas RMs, em diálogo com o recente
debate em torno das decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da titularidade da gestão
destas funções e com as propostas de regulamentação da gestão metropolitana, atualmente
em discussão no Senado Federal.
Governo Federal
Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República
Ministro Marcelo Côrtes Neri
Fundação pública vinculada à Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República,
o Ipea fornece suporte técnico e institucional às
ações governamentais – possibilitando a formulação
de inúmeras políticas públicas e programas de
desenvolvimento brasileiro – e disponibiliza,
para a sociedade, pesquisas e estudos realizados
por seus técnicos.
Presidente
Sergei Suarez Dillon Soares
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Luiz Cezar Loureiro de Azeredo
Diretor de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia
Daniel Ricardo de Castro Cerqueira
Diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas
Cláudio Hamilton Matos dos Santos
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Rogério Boueri Miranda
Diretora de Estudos e Políticas Setoriais
de Inovação, Regulação e Infraestrutura
Fernanda De Negri
Diretor de Estudos e Políticas Sociais, Substituto
Carlos Henrique Leite Corseuil
Diretor de Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais
Renato Coelho Baumann das Neves
Chefe de Gabinete
Bernardo Abreu de Medeiros
Assessor-chefe de Imprensa e Comunicação
João Cláudio Garcia Rodrigues Lima
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
Brasília, 2014
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2014
Funções públicas de interesse comum nas metrópoles brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo / organizadores:
Marco Aurélio Costa, Bárbara Oliveira Marguti. – Brasília :
IPEA, 2014.
519 p. : il., gráfs., mapas color. – (Série Rede Ipea. Projeto
Governança Metropolitana no Brasil ; v. 2)
Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-7811-227-1
1. Regiões Metropolitanas. 2. Gestão Urbana. 3. Função
Pública. 4. Governabilidade. 5. Uso da Terra. 6. Transporte
Público. 7. Saneamento Básico. 8. Brasil. I. Costa, Marco
Aurélio. II. Marguti, Bárbara Oliveira. III. Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada.
CDD 307.7640981
As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, não
exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte.
Reproduções para fins comerciais são proibidas.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 9
PREFÁCIO ........................................................................................................... 11
PARTE I
ANÁLISE DA GESTÃO E DA GOVERNANÇA METROPOLITANAS DAS
FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM SELECIONADAS............................... 13
CAPÍTULO 1
ANÁLISE DA GESTÃO E DA GOVERNANÇA METROPOLITANAS DAS
FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM SELECIONADAS............................... 15
Bárbara Oliveira Marguti
Marco Aurélio Costa
PARTE II
A GESTÃO E GOVERNANÇA METROPOLITANAS DO USO DO SOLO ....................... 47
CAPÍTULO 2
A GOVERNANÇA DO USO DO SOLO ENQUANTO FUNÇÃO PÚBLICA DE
INTERESSE COMUM NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO ...................... 49
Diana Meirelles da Motta
Zoraide Amarante Itapura de Miranda
Maria Ligia Wertheimer
Márcia Rodrigues
Luiza Helena Araujo
Grasiella Drumond Vilas Novas
CAPÍTULO 3
A GESTÃO DO TERRITÓRIO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE ... 85
Maria Valeska Duarte Drummond
Luana Rodrigues Godinho Silveira
CAPÍTULO 4
TRANSFORMAÇÕES URBANAS E GESTÃO DO USO DO SOLO NA
REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA ............................................................. 111
Liria Yuri Nagamine
Thais Kornin
Cláudio Jesus de Oliveira Esteves
CAPÍTULO 5
REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE: O DESAFIO DA GESTÃO
COMPARTILHADA E A INTEGRAÇÃO TERRITORIAL .............................................. 137
Cátia Wanderley Lubambo
Suely Jucá Maciel
Marieta Baltar
CAPÍTULO 6
GOVERNANÇA METROPOLITANA E USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NA REGIÃO
METROPOLITANA DO VALE DO RIO CUIABÁ: CONFLITOS E DESAFIOS NA
GESTÃO INTEGRADA DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM ............. 159
Rita de Cássia Oliveira Chiletto
Diogo Marcelo Delben Ferreira de Lima
Flavyane Rosa Borges
CAPÍTULO 7
SANEAMENTO AMBIENTAL NA GRANDE SÃO LUÍS: O QUE OS OLHOS NÃO
VEEM, A POPULAÇÃO SENTE ............................................................................. 185
Mayara Silva Oliveira
Andressa Brito Vieira
Mônica Teixeira Carvalho
CAPÍTULO 8
USO DO SOLO NAS REGIÕES METROPOLITANAS BRASILEIRAS: A GOVERNANÇA
FRÁGIL E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO FRAGMENTADO ......................................... 209
Marco Aurélio Costa
PARTE III
A GESTÃO E GOVERNANÇA METROPOLITANAS DO TRANSPORTE PÚBLICO
E MOBILIDADE URBANA .................................................................................... 231
CAPÍTULO 9
A INTEGRAÇÃO DA REDE DE TRANSPORTE COLETIVO DA REGIÃO
METROPOLITANA DE GOIÂNIA........................................................................... 233
Débora Ferreira da Cunha
Elcileni de Melo Borges
Lucelena Melo
CAPÍTULO 10
GOVERNANÇA METROPOLITANA E TRANSPORTES NA
REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE .................................................... 257
Carlos Renato Savoldi
Cristina Maria dos Reis Martins
Esteban Santana Carrion
Patricia Fernanda de Sousa Cruz
Pedro Xavier de Araujo
CAPÍTULO 11
A POLÍTICA DE TRANSPORTE PÚBLICO E A ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO
URBANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM ............................................ 291
Andréa de Cássia Lopes Pinheiro
Juliano Pamplona Ximenes Ponte
Roberta Menezes Rodrigues
CAPÍTULO 12
TRANSPORTE PÚBLICO E (I)MOBILIDADE URBANA NA REGIÃO
METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA ............................................................. 323
Adauto Beato Venerano
Rossana Mattos
Larissa S. Oliveira
CAPÍTULO 13
A GOVERNANÇA METROPOLITANA DA MOBILIDADE: UMA ANÁLISE A
PARTIR DOS RELATOS ESTADUAIS....................................................................... 337
Vicente Correia Lima Neto
Rômulo Dante Orrico Filho
PARTE IV
A GESTÃO E GOVERNANÇA METROPOLITANAS DO SANEAMENTO BÁSICO ........ 373
CAPÍTULO 14
GOVERNANÇA METROPOLITANA NA REGIÃO METROPOLITANA DO
RIO DE JANEIRO: ANÁLISE DA FPIC SANEAMENTO SOCIOAMBIENTAL ................ 375
Marcos Antonio Santos
Ione Salomão Rahy
Marcos Thimoteo Dominguez
Juliana Nazaré Luquez Viana
Lorena de Freitas Pereira
Luiz Felipe Felix Thomaz da Silva
Renata Lopes dos Santos
CAPÍTULO 15
SANEAMENTO AMBIENTAL E TRANSPORTE NA RIDE/DF: OS DESAFIOS DA
GESTÃO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM E O
PLANEJAMENTO INTEGRADO............................................................................. 403
Cárita da Silva Sampaio
Francisca de Santana Paz
Giuliana de Abreu Corrêa
CAPÍTULO 16
GOVERNANÇA DO SANEAMENTO AMBIENTAL NA REGIÃO METROPOLITANA
DE FORTALEZA: NOVOS INSTRUMENTOS E ANTIGAS DIFICULDADES ................... 439
Régis Façanha Dantas
Ricardo Brito Soares
CAPÍTULO 17
GOVERNANÇA DO SANEAMENTO BÁSICO NA REGIÃO METROPOLITANA
DE SALVADOR: UM OLHAR SOBRE OS RESÍDUOS SÓLIDOS ................................. 457
Maria das Graças Torreão Ferreira
Márcia Sampaio Baggi
Rafael Camaratta Santos
CAPÍTULO 18
SANEAMENTO BÁSICO METROPOLITANO: NOVAS POLÍTICAS, VELHAS PRÁTICAS ........ 487
Cleandro Krause
Léo Heller
PARTE V
APONTAMENTOS SOBRE AS FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM .......... 507
CAPÍTULO 19
ENTRE O MUNICÍPIO E A CIDADE: SUPERANDO 1938 E ASSUMINDO A TITULARIDADE
SOBRE O AMANHÃ .............................................................................................. 509
Marco Aurélio Costa
APRESENTAÇÃO
O Ipea tem investido em diferentes estudos e pesquisas que procuram ampliar
as bases de dados, o conhecimento e a reflexão sobre o que acontece nos espaços
socioeconômicos mais dinâmicos do Brasil, nossas regiões metropolitanas.
Valendo-se da importante contribuição das instituições que participam da
pesquisa Governança Metropolitana no Brasil, desenvolvida pela Rede Ipea, sob
a coordenação nacional do instituto, apresentamos à sociedade brasileira, nesta
publicação, importantes contribuições acerca da gestão e da governança de algumas
das mais importantes (e estruturantes) funções públicas de interesse comum: uso
do solo, transporte público/mobilidade urbana e saneamento básico.
Os espaços metropolitanos são aqueles que concentram a maior parte dos
recursos de infraestrutura urbana do país. Por concentrar parte considerável do
esforço de investimento nacional, público e privado, é fundamental que as redes
de infraestrutura, encontradas no espaço metropolitano, cumpram seus objetivos
e colaborem adequadamente para o desenvolvimento social e econômico do país.
É importante que a infraestrutura seja adequada, que sua gestão, a qual envolve
decisões locacionais, a definição do escopo dos sistemas de provisão de serviços
e de suas escalas de operação, bem como as políticas tarifárias (seja no caso dos
serviços de água e esgoto, seja no caso do transporte público) contribuam para que
a sociedade tenha serviços de qualidade, favorecendo o desenvolvimento nacional.
É, portanto, nesse espírito de contribuir com estudos relevantes para o
país, que o Ipea traz a público esta publicação, visando cumprir sua missão de
aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro, por
meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria ao Estado
nas suas decisões estratégicas.
Sergei Suarez Dillon Soares
Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
PREFÁCIO
No início da década, quando da estruturação da Plataforma Ipea de Pesquisa em Rede
(Rede Ipea), um diagnóstico que dava conta do divórcio entre o processo socioespacial de formação de espaços metropolitanos e a metropolização institucional foi o
elemento inicialmente motivador da pesquisa Governança Metropolitana no Brasil.
Em 2012, a pesquisa se iniciou e já em 2013 uma primeira publicação foi
lançada, comemorativa dos quarenta anos de regiões metropolitanas no país, trazendo
um balanço não muito auspicioso das soluções institucionais para a promoção da
gestão e da governança metropolitanas.
Naquele primeiro livro, o diagnóstico apontava para a fragilização da gestão
metropolitana no Brasil, no momento em que o processo de metropolização se
consolidava, seja do ponto de vista da formação socioespacial, seja por meio da
metropolização institucional pós-Constituição Federal de 1988.
O balanço crítico que emergiu daquela primeira sistematização dos resultados
da pesquisa, que abordara os arranjos institucionais para a gestão metropolitana,
demandava um aprofundamento por parte da pesquisa: era necessário investigar
como se dá a gestão e como é, afinal, a governança das funções públicas de interesse
comum (FPICs), notadamente daquelas funções estruturantes e centrais para a
dinâmica metropolitana.
E é isso que este segundo livro traz para os pesquisadores, gestores públicos
e para a população em geral: um balanço e uma reflexão inédita sobre a gestão e
a governança de três das principais FPICs metropolitanas, a saber, uso do solo,
transporte público/mobilidade urbana e saneamento básico.
Na primeira parte, o capítulo 1 sistematiza e apresenta os resultados gerais
da pesquisa, em uma avaliação que alerta para o fato de que os instrumentos de
planejamento, as ferramentas e recursos de gestão e o controle social nessas FPICs
são deficientes, instáveis e que os casos bem-sucedidos não são a regra, mas a exceção.
No primeiro capítulo, a análise se detém sobre as informações coletadas por meio
de formulários/planilhas preenchidos pelas equipes estaduais e revisados a partir
das informações constantes nos relatórios técnicos produzidos por quatorze equipes
estaduais, e produz uma análise quantitativa para cada uma das FPICs analisadas.
A segunda, terceira e quarta parte do livro são dedicadas à análise mais aprofundada de cada uma dessas três FPICs. Assim, na segunda parte, que trata do uso do
solo, são apresentados sete capítulos, sendo seis de análises de regiões metropolitanas
(RMs) participantes da pesquisa e um de avaliação geral desta função pública.
12
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Essa mesma lógica, de capítulos trazendo análises específicas, seguidos de um
capítulo de avaliação, se encontra na terceira parte, que trata da FPIC transporte
público/mobilidade urbana, com seus cinco capítulos; a quarta parte do livro analisa
a FPIC saneamento básico, reunindo também cinco capítulos.
Na terceira parte, sobre transporte público/mobilidade urbana, importantes
contribuições das RMs de Goiânia, Porto Alegre, Belém e da Grande Vitória,
seguidas de uma análise geral da FPIC no Brasil, são oferecidas aos leitores.
Experiências positivas e exemplos que podem inspirar gestores metropolitanos
podem ser encontrados aqui, ainda que a existência de bons casos não obscureça
a crítica à gestão desta FPIC.
Na quarta parte, são apresentados os capítulos relativos à FPIC saneamento
básico, com contribuições que vêm da RM do Rio de Janeiro, da Ride/DF, da RM
de Fortaleza e da RM de Salvador, além do capítulo analítico que fecha esta parte
do livro. Aqui, os relatos são menos homogêneos e abordam algumas questões
específicas, como, de um lado, o caso singular da Ride-DF, e de outro, a questão
específica dos resíduos sólidos, trazida pela RM de Salvador.
Finalmente, o livro se encerra com um capítulo que procura identificar e
problematizar alguns elementos que estruturam a gestão das FPICs nas RMs, em
diálogo com o recente debate em torno das decisões do Supremo Tribunal Federal
acerca da titularidade da gestão das FPICs e com as propostas de regulamentação
da gestão metropolitana, atualmente em discussão no Senado Federal.
Esperamos que o aprofundamento das análises aqui empreendido contribua
para o debate público e político, na esperança de, no curto prazo, já podermos
contar com uma legislação federal que oriente os atores sociais e os agentes políticos
e econômicos na construção das institucionalidades e arranjos necessários para a
gestão e a governança metropolitanas no Brasil.
Bárbara Oliveira Marguti
Marco Aurélio Costa
Organizadores
PARTE I
ANÁLISE DA GESTÃO E DA GOVERNANÇA
METROPOLITANAS DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE
INTERESSE COMUM SELECIONADAS
CAPÍTULO 1
ANÁLISE DA GESTÃO E DA GOVERNANÇA METROPOLITANAS DAS
FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM SELECIONADAS
Bárbara Oliveira Marguti1
Marco Aurélio Costa2
1 INTRODUÇÃO
Em publicação lançada em 2013, resultante do componente inicial do projeto
Governança Metropolitana no Brasil, no âmbito da Plataforma Ipea de Pesquisa em
Rede (Rede Ipea), evidenciou-se a fragmentação, a fragilidade e a baixa densidade
de articulação da gestão e da governança metropolitanas no Brasil, notadamente nas
principais regiões metropolitanas (RMs) do país,3 a maior parte delas originárias do
período pré-constitucional, no qual cabia ao governo federal a criação legal desses
recortes regionais.
Dando continuidade e aprofundando a avaliação da gestão e da governança
metropolitanas no país, esta segunda publicação do projeto se debruça sobre três
funções públicas de interesse comum (FPICs) específicas, escolhidas pelas equipes
participantes da rede como objeto do segundo componente da pesquisa, visando
oferecer uma visão do que se passa no âmbito de cada gestão e, ao mesmo tempo,
permitindo uma visão comparativa entre as diferentes FPICs selecionadas.
Este capítulo oferece uma visão panorâmica do planejamento, da gestão e
da governança das FPICs selecionadas pelo projeto Governança Metropolitana no
Brasil – a saber: uso do solo, saneamento básico e transporte público/mobilidade
urbana –, a partir das informações prestadas pelas equipes da rede de pesquisa por
meio de planilhas de avaliação, oferecendo uma visão que abrange os principais
instrumentos, recursos e mecanismos para o planejamento, a gestão e a governança
dessas FPICs.
1. Assistente de Pesquisa III do projeto Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
2. Técnico de Planejamento e Pesquisa na Assessoria de Planejamento e Articulação Institucional (Aspla) da Presidência
do Ipea. Coordenador da Rede Ipea e do projeto Governança Metropolitana no Brasil.
3. O projeto abrange as regiões metropolitanas (RMs) associadas aos doze espaços metropolitanos reconhecidos pelo
estudo Região de influência de cidades, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008), além de três RMs
correspondentes a espaços metropolitanos emergentes: Grande Vitória (ES), Vale do Rio Cuiabá (MT) e Grande São Luís (MA).
Infelizmente, não foi possível contar com as contribuições da RM de Manaus neste estudo.
16
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
É apresentado o estado da arte do planejamento, da gestão e da governança das
FPICs selecionadas, inclusive em termos comparativos, a partir da análise cruzada
das informações constantes nas planilhas preenchidas pelas equipes da rede de
pesquisa, sob uma perspectiva essencialmente quantitativa – para favorecer a própria
comparação dos casos estudados, ainda que as equipes tenham complementado as
planilhas com diversas informações que muito enriqueceram as análises constantes
nos demais capítulos analíticos que fazem parte do livro.
Considerando a estrutura das planilhas utilizadas na pesquisa – material básico
que subsidiou a elaboração deste capítulo –, e ressalvadas especificidades atinentes
a cada uma delas, foram avaliadas a estrutura institucional e normativa para a
governança metropolitana e a existência e implementação de instrumentos e arranjos
de planejamento e gestão; a estimativa e destinação de recursos orçamentários para
a realização de investimentos nas FPICs selecionadas; e os mecanismos e espaços
de controle social. Assim, para todas as FPICs foram obtidas informações sobre
planos metropolitanos e municipais setoriais, tais como planos diretores, Plano de
Gestão de Resíduos Sólidos e outros. Do ponto de vista da gestão, foi levantada
a existência de consórcios intermunicipais, que envolvessem parte ou a totalidade
de municípios metropolitanos.
No caso do transporte público/mobilidade urbana, além dos aspectos mencionados acima, foram também consideradas a existência de pesquisa origem-destino, a
integração modal e tarifária no sistema e, nos casos em que não existiam, a previsão
de integração. Especificamente para a função pública uso do solo, foi levantada a
existência de órgãos de controle, responsáveis por conceder anuência prévia e diretrizes
metropolitanas, e as presenças de órgão colegiado deliberativo e de promotoria do
Ministério Público para as questões exclusivamente metropolitanas.
Outra etapa da pesquisa envolveu o levantamento de informações sobre os
empreendimentos de grande porte em andamento nas RMs, para os quais foram
identificados os principais atores sociais e agentes políticos e econômicos na produção
do espaço metropolitano, bem com as principais fontes de recursos e volume de
investimentos para infraestrutura urbana e produtiva. Este último aspecto será
detalhado e analisado mais adiante neste capítulo, enquanto as planilhas completas,
com o conjunto de informações fornecidas pelas equipes regionais, estão disponíveis
para consulta no site do projeto.4 A última seção deste capítulo apresenta um
gráfico-síntese, com o resultado final da comparação da gestão e governança das
FPICs entre as RMs.
4. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/redeipea/index.php?option=com_content&view=article&id=97:governancametropolitana&catid=89:projetos-de-pesquisa&Itemid=206>.
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
17
2 NOTAS METODOLÓGICAS: CONSTRUINDO UM QUADRO COMPARATIVO
DA GESTÃO E DA GOVERNANÇA DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE
COMUM SELECIONADAS NAS REGIÕES METROPOLITANAS DA PESQUISA
A avaliação do grau de institucionalização e efetivação da governança e gestão
metropolitanas das FPICs selecionadas nas catorze RMs em estudo deu-se por meio
da análise comparativa sobre (1) a existência e implementação de planos metropolitanos e planos setoriais municipais; (2) estruturação e número de municípios
envolvidos em Consórcios Públicos Intermunicipais; (3) existência e previsão no
sistema de transporte de integração, modal e tarifária, e de pesquisa origem-destino
atualizada; (4) existência de órgão metropolitano para concessão de anuência prévia;
(5) previsão e execução de recursos destinados à infraestrutura e ao planejamento
e gestão; e (6) mecanismos e espaços de controle social.
Todas as informações da pesquisa Governança Metropolitana no Brasil foram
obtidas através de levantamentos executados pelas instituições que fazem parte
da Plataforma Ipea de Pesquisa em Rede, sob a coordenação nacional do Ipea,
e materializados em catorze Relatórios de pesquisa: análise comparativa da gestão
das FPICs. Para cada um dos aspectos analisados, foram atribuídas pontuações
que permitiram dimensionar a importância da existência de órgãos, instrumentos, recursos e espaços e, ao mesmo tempo, criar um parâmetro para confrontar
quantitativamente os elementos existentes, ou não existentes, em cada uma das
RMs. As pontuações atribuídas a cada um dos elementos para avaliação da gestão
e governança metropolitanas nas RMs estão detalhadas no quadro 1, a seguir.
Em linhas gerais, maiores pontuações foram atribuídas quando da existência
de planos metropolitanos e municipais, recursos previstos nos planos e destinados
pelo orçamento do estado, estruturação de consórcios públicos, existência de
órgãos deliberativos e integração no sistema de transporte, com pontuação adicional
pela implementação dos planos e pelo número de reuniões realizadas pelo órgão
deliberativo para o uso do solo.
Destaca-se que a análise da existência de planos setoriais para a FPIC transporte
público/mobilidade urbana levou em consideração o fato de o município sede possuir,
ou não, plano setorial. Nesses casos, maior pontuação foi atribuída às RMs cujas
sedes possuem plano, o resultado desta pontuação será apresentado ao longo deste
capítulo, tratando de forma comparativa cada um dos elementos para avaliação da
governança metropolitana.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
18
QUADRO 1
Análise comparativa dos elementos para a Governança Metropolitana das Funções
Públicas de Interesse Comum (FPICs) selecionadas
Aspectos analisados
FPIC – transporte público/mobilidade urbana
Pontuação
Possui plano exclusivamente metropolitano atualizado (cinco
anos) ou outro plano trata desta FPIC para a região metropolitana?
(4)
(2)
(0)
Sim, possui plano exclusivo
Não, mas outro plano trata da
FPIC no plano da RM
Não
Está implementando o plano metropolitano ou o plano que
contém diretrizes para a RM?
(2)
(1)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Quantos municípios possuem planos setoriais de transporte
público/mobilidade urbana? A sede possui plano setorial?
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
≥50% + a sede
<50% + a sede
Apenas o município sede (núcleo)
<50% - a sede
Nenhum
Existe Consórcio Público na RM para a gestão desta FPIC
(transporte público)?
(3)
(2)
(1)
(0)
Sim, e envolve(m) a maioria dos
municípios
Sim, e envolve(m) alguns
municípios
Não, mas há ao menos um sendo
estruturado
Não
Possui ou está elaborando pesquisa origem-destino atualizada
(cinco anos)?
(3)
(2)
(0)
Sim
Não, mas está em elaboração
Não
Possui integração modal? (cartões e passes que permitem que o
usuário utilize os vários modais)
(3)
(1,5)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Possui integração tarifária na RM? (tarifa única para transporte
entre municípios, com sistema de transbordo etc.)
(3)
(1,5)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Há previsão de integração modal no sistema de transporte
público?
(1)
(0)
Sim ou já possui integração
Não/NSA/SI
Há previsão de integração tarifária no sistema de transporte
público?
(1)
(0)
Sim ou já possui integração
Não/NSA/SI
Recursos
O plano estimou e/ou o Orçamento do Estado destinou recursos
para a infraestrutura de transporte público (sistema viário, metrô
etc.)?
(3)
(1,5)
(0)
Sim
Sim e não
Não/NSA/SI
Controle social
Há mecanismos de controle social operando/ativos no sistema?
(3)
(0)
Sim
Não
Instrumentos de
planejamento
Gestão e
integração
modal e
tarifária
Aspectos analisados
FPIC – saneamento básico
Instrumentos de
planejamento
Possui plano exclusivamente metropolitano de água e esgoto
atualizado (cinco anos) ou outro plano trata da questão da água
e do esgoto na RM?
Pontuação
(3)
(2)
(0)
Sim, possui plano exclusivo
Não, mas outro plano trata da
FPIC no plano da RM
Não
(Continua)
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
19
(Continuação)
Aspectos analisados
FPIC – saneamento básico
Pontuação
Está implementando o plano metropolitano de água e esgoto ou
o plano que contém diretrizes para a RM?
(2)
(1)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Possui plano exclusivamente metropolitano de resíduos sólidos
atualizado (cinco anos) ou outro plano trata de resíduos sólidos
na RM?
(3)
(2)
(0)
Sim, possui plano exclusivo
Não, mas outro plano trata da
FPIC no plano da RM
Não
Está implementando o plano metropolitano de resíduos sólidos
ou o plano que contém diretrizes para a RM?
(2)
(1)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Possui plano exclusivamente metropolitano de macrodrenagem
atualizado (cinco anos) ou outro plano trata de macrodrenagem
na RM?
(2)
(1)
(0)
Sim, possui plano exclusivo
Não, mas outro plano trata da
FPIC no plano da RM
Não
Está implementando o plano metropolitano de macrodrenagem
ou o plano que contém diretrizes para a RM?
(2)
(1)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Quantos municípios possuem planos de resíduos sólidos?
(3)
(2)
(1)
(0)
≥ 90%
50% ≤ x < 90%
<50%
Nenhum
Quantos municípios possuem planos de macrodrenagem?
(3)
(2)
(1)
(0)
≥ 90%
50% ≤ x < 90%
<50%
Nenhum
Gestão
Existe Consórcio Público na RM para a gestão desta FPIC (saneamento e/ou gestão de recursos hídricos)?
(4)
(2,5)
(1)
(0)
Sim, e envolve(m) a maioria dos
municípios
Sim, e envolve(m) alguns
municípios
Não, mas há ao menos um sendo
estruturado
Não
Recursos
Os planos estimaram e/ou o Orçamento do Estado destinou
recursos para a infraestrutura de saneamento?
(3)
(1)
(0)
Sim
Sim e não
Não/NSA/SI
Controle social
Há mecanismos de controle social operando/ativos no sistema
(saneamento)?
(3)
(0)
Sim
Não
Instrumentos de
planejamento
Aspectos analisados
FPIC – uso do solo
Instrumentos de
planejamento
Pontuação
Possui ou está elaborando plano metropolitano ou Plano de
Desenvolvimento Integrado atualizado (cinco anos)?
(4)
(2)
(0)
Sim
Em elaboração ou parcial
Não
Está implementando o plano metropolitano?
(2)
(1)
(0)
Sim
Parcialmente
Não/NSA
Quantos municípios possuem planos diretores atualizados (dez
anos de aprovação)?
(3)
(2)
(1)
(0)
≥ 90%
50% ≤ x < 90%
<50%
Nenhum
Quantos municípios possuem leis de parcelamento uso e ocupação do solo atualizadas (elaboradas a partir de planos diretores
vigentes e atualizados)?
(3)
(2)
(1)
(0)
≥ 90%
50% ≤ x < 90%
<50%
Nenhum
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
20
(Continuação)
Aspectos analisados
FPIC – uso do solo
Há um órgão responsável pela concessão de diretrizes metropolitanas e anuência prévia?
(3)
(1,5)
(0)
Sim
Apenas para as diretrizes
Não/NSA
As anuências prévias têm sido observadas para efeitos do
registro nos cartórios de registro de imóveis?
(2)
(1)
(0)
Sim, em todos municípios
Parcialmente
Não/NSA
O plano estimou e/ou o orçamento do estado destinou recursos
para gestão e planejamento integrado da RM?
(3)
(1)
(0)
Sim
Sim e não
Não/NSA/SI
No que diz respeito ao uso do solo e ao planejamento integrado,
há órgão colegiado deliberativo instalado?
(4)
(0)
Sim
Não
Quantas vezes este órgão se reuniu em 2013? (entre janeiro e
dezembro)
(4)
(3)
(2)
(1)
(0)
6 ou mais
4a5
3a2
1
0/NSA/SI
Existe, na RM, Promotoria do Ministério Público que trate
exclusivamente das questões metropolitanas?
(2)
(0)
Sim
Não
Gestão
Recursos
Controle social
Pontuação
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Obs.: NSA = não se aplica; SI = sem informação.
Para a análise das informações sobre os grandes empreendimentos em curso
ou previstos nas RMs, diante do vasto leque de informações levantadas pelas
equipes regionais, foram selecionados e agrupados o volume de investimentos
previstos ou executados para cada FPIC, além de outros dois conjuntos de investimentos: investimentos produtivos e outros investimentos em infraestrutura urbana
e social. Este aspecto não foi levado em consideração na pontuação para a análise
comparativa da gestão das FPICs nas RMs, mas gráficos comparativos permitem
a análise do montante de recursos destinados à viabilização de obras e ações nos
municípios metropolitanos.
3 OS INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO E GESTÃO
Entre os vários aspectos levantados para a avaliação da gestão e governança metropolitana, inicia-se a análise pela verificação da existência de instrumentos de planejamento e gestão metropolitana, levando em consideração a existência e vigência de
planos metropolitanos atualizados há, pelo menos, cinco anos. Na ausência de planos
exclusivamente metropolitanos, foram considerados outros planos que contenham
diretrizes para as FPICs em questão. Na sequência, foram levantados os planos setoriais
existentes nos municípios que compõem a região metropolitana. Neste espaço, são
também abordados os aspectos específicos das FPICs transporte público/mobilidade
urbana (previsão e existência de integração modal e tarifária no sistema e pesquisa
origem-destino) e uso do solo (existência e efetividade de órgão responsável pela
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
21
concessão de diretrizes metropolitanas e anuência prévia e a presença de promotoria
do Ministério Público, exclusiva para questões metropolitanas).
3.1 Planos metropolitanos
Algumas experiências expostas nos Relatórios de pesquisa: análise comparativa da
gestão das FPICs relatam uma significativa produção de planos metropolitanos no
período militar, momento em que se consolidam diversos órgãos de planejamento
metropolitano, alguns atuantes até os dias atuais. Em linhas gerais, trata-se de planos
em que prevalece a racionalidade técnica do planejamento urbano/metropolitano.
Fazem parte dessa safra, entre outros, o Plano de Desenvolvimento da Grande
Belém (PDGB), de 1974, e o Plano de Estruturação Metropolitana (PEM), de
1980, os quais, como será tratado em detalhes no capítulo 11, foram elaborados
com base em
modelos de expansão urbana, a partir de projeções matemáticas e inspirados em
diagramas teóricos de crescimento urbano da sociologia urbana da Escola de Chicago,
principalmente no modelo de setores urbanos de Homer Hoyt e de círculos
concêntricos de Ernest Burguess.
Outros exemplos são o Plano de Desenvolvimento Metropolitano (PDM),
elaborado para a RM de Porto Alegre, em 1973, e o Plano Metropolitano de
Desenvolvimento Integrado (PMDI–I), que trazia diretrizes para o desenvolvimento
urbano, saneamento básico, circulação e transportes para a RM de São Paulo.
Este último foi revisto em 1982 (PMDI–II), incorporando questões sobre o
meio ambiente da região e sobre o sistema de funcionamento setorial do estado.
No caso de São Paulo, um novo plano metropolitano foi desenvolvido pela Empresa
Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), contemplando o período
de 1994 a 2010, assim como teve início, em 2011, a elaboração de dois outros
planos: o Plano de Ação da Macrometrópole (PAM) e o Plano Metropolitano de
Desenvolvimento Habitacional (PMDH).
Contudo, a constante atualização e implementação de planos metropolitanos,
como verificado na RM de São Paulo, não é uma prática observada em todas as
RMs que tiveram seus planos elaborados no período militar, como é o caso das
mencionadas RM de Belém e RM do Pará. A RM de Fortaleza chegou a elaborar
seu Plano Estratégico (Planefor), com a finalidade de promover a integração metropolitana e o fortalecimento da gestão pública na região. No entanto, o plano
não logrou seus objetivos, sobretudo por dificuldades orçamentárias, resultando na
ausência de um instrumento de planejamento para a RM de Fortaleza. Em muitos
casos, assim como não há um órgão de planejamento metropolitano, não existem
planos atuais de ordenamento territorial em escala metropolitana.
O gráfico 1, elaborado a partir das informações levantadas pelos parceiros
da Rede Ipea, aponta que apenas cinco RMs possuem plano exclusivamente
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
22
metropolitano para a FPIC transporte público/mobilidade urbana. Como exemplo
é possível citar o Plano Diretor Setorial de Transporte Coletivo (PDSTC), elaborado
para a RM de Goiânia, com base em amplos estudos de demanda, oferta e infraestrutura para o transporte coletivo da RM e tendo como instrumento executivo
o Programa Metropolitano de Transporte Coletivo (PMTC). Outras cinco RMs
possuem planos que dão diretrizes para esta FPIC, porém não são específicos para
o conjunto de municípios que compõe a região metropolitana, sendo, na maioria
dos casos, de abrangência estadual.
Para a FPIC de saneamento básico, verifica-se um maior número de RMs
com planos para abastecimento de água e esgotamento sanitário, totalizando nove
planos, sejam eles exclusivamente metropolitanos ou não. Esse número é menor
para o caso dos resíduos sólidos e ainda menor para a macrodrenagem, presentes
em apenas três RMs. Para esta FPIC, os planos que não são exclusivamente metropolitanos são de abrangência estadual ou, em grande parte dos casos, contemplam
recortes territoriais correspondentes a bacias hidrográficas que abarcam parte ou a
totalidade dos municípios metropolitanos, acrescidos de municípios do entorno.
GRÁFICO 1
Existência de plano exclusivamente metropolitano, atualizado nos últimos cinco anos,
para as FPICs transporte público/mobilidade urbana e saneamento básico
10
8
6
4
2
0
Transporte e mobilidade
Água e esgoto
Possui plano exclusivo
Resíduos sólidos
Outro plano trata da FPIC
Macrodrenagem
Não possui plano
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
No que diz respeito à existência de planos metropolitanos, ou planos de
desenvolvimento integrado, para a FPIC uso do solo, apenas as RMs de São
Paulo e Belo Horizonte possuem esse plano elaborado e atualizado (cinco anos),
destacando-se o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI), elaborado para a RM de Belo Horizonte, o qual, além de fornecer diretrizes para a
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
23
elaboração de um macrozoneamento metropolitano, traz políticas estruturantes,5
propondo fomentar soluções integradas para articulação e estruturação do território metropolitano. Outras cinco RMs estão em processo de elaboração do plano
metropolitano, enquanto sete não o possuem e não estão elaborando.
A despeito da existência de planos metropolitanos, ou outro(s) plano(s) que
dê(deem) diretrizes para as FPICs, muitos deles não estão sendo implementados.
O gráfico 2 mostra que dos 36 planos metropolitanos existentes apenas quinze
deles, ou seja, menos da metade, estão sendo integralmente executados. Dez planos
estão sendo parcialmente implementados, enquanto outros dez, apesar de existirem,
não estão em implementação.
GRÁFICO 2
Número de planos metropolitanos existentes em implementação, total ou parcial,
para as FPICs selecionadas
12
10
8
6
4
2
0
Transporte
Água e esgoto
Sim
Resíduos sólidos
Parcialmente
Não
Macrodrenagem
Uso do solo
SI
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Obs.: SI = sem informação.
3.2 Planos municipais
Se, por um lado, a existência de planos metropolitanos para as funções públicas
selecionadas são exceção e não a regra, por outro, a mesma constatação é válida
para os planos municipais.
5. Da extensa lista de políticas e respectivos programas apresentados pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI) da RM de Belo Horizonte, destacam-se a Política Metropolitana Integrada de Centralidades em Rede, que objetiva
promover uma rede de centralidades em contraposição à concentração urbana no núcleo central, e a Política Metropolitana
Integrada de Regulação do Uso e da Ocupação do Solo, a qual propõe, entre outras ações, a compatibilização dos
zoneamentos municipais com a rede de centralidades.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
24
No caso desses planos, a análise da existência de planos setoriais para a função
pública transporte público/mobilidade urbana levou em consideração o fato de o
município sede possuir, ou não, plano setorial. Maior pontuação foi atribuída às
RMs cujas sedes possuem plano para esta FPIC, visto que os sistemas de transporte
nessas localidades são, invariavelmente, os mais sobrecarregados de toda a RM,
dado o poder de atração, inerente às sedes que em geral concentram a maior parte
da oferta de equipamentos, serviços e oportunidades de estudo e emprego.
Assim, verifica-se que em treze RMs o município-sede possui plano municipal
para o setor de transporte público/mobilidade urbana. Em seis delas, nenhum outro
município possui plano além da sede, enquanto em outras seis menos da metade
dos municípios, incluindo a sede, possuem plano setorial. A RM de Salvador é a
única em que nem ao menos a sede possui plano para esta FPIC.
Para as demais funções públicas, o gráfico 3 apresenta o número de RMs em
relação à proporção de municípios metropolitanos que possuem os planos setoriais
de saneamento básico (resíduos sólidos e macrodrenagem), planos diretores e leis de
uso, ocupação e parcelamento do solo. Um dos casos mais extremos observados é a
ausência de planos que deem diretrizes para a macrodrenagem urbana, já que em nove
RMs nenhum município apresenta o instrumento, e nas demais menos da metade dos
municípios o possuem. Chama atenção ainda a baixa proporção de municípios metropolitanos com leis de uso e ocupação e parcelamento do solo atualizadas – elaboradas
a partir de planos diretores vigentes e atualizados – e de planos de resíduos sólidos.
GRÁFICO 3
Proporção de municípios metropolitanos que possuem planos setoriais de saneamento
básico, planos diretores e leis de uso e ocupação e parcelamento do solo
10
Número de RMs
8
6
4
2
0
Mais de 90% dos
municípios
De 50% a 90%
dos municípios
Menos de 50%
dos municípios
Macrodrenagem
Plano Diretor
Resíduos sólidos
Leis de parcelamento e uso do solo
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Nenhum
município
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
25
No outro extremo, está a existência de planos diretores, uma vez que mais de
90% dos municípios em nove RMs possuem o instrumento, atualizado e vigente.
Esta alta proporção reflete o efeito do esforço de elaboração dos planos diretores
(participativos), compulsórios para os municípios com mais de 20 mil habitantes,
para aqueles de interesse turístico ou inseridos em regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, para o qual muito contribuiu a campanha nacional empreendida
pelo Ministério das Cidades (MCidades).
A análise dos Relatórios de pesquisa: análise comparativa da gestão das FPICs
demonstra que, apesar de a maioria dos municípios das RMs apresentarem planos diretores aprovados, estes raramente trazem diretrizes que apontem soluções
integradas para as questões do uso e ocupação do solo.
3.3 Consórcios públicos
Considerando os territórios em estudo e tomando o exemplo da observada falta
de integração dos planos diretores com a questão metropolitana, evidencia-se a
dificuldade ou o baixo registro de cooperação entre os municípios. Para Garson
(2009), um dos obstáculos à cooperação está nas dificuldades de coordenação
intragovernamental: no Brasil, os governos federal e estaduais deveriam induzir
mais fortemente a cooperação através de incentivos. Para a autora, uma maior probabilidade de cooperação existe quanto menores forem os custos de “transação da
ação coletiva”. Além disso, territórios com maior homogeneidade econômica, por
exemplo, estariam mais propensos à cooperação enquanto “diferenças de porte e de
densidade populacionais implicam prioridades diferentes, para atender preferências
diversas”, dificultando a cooperação (Garson, 2009, p. 439).
Ao discorrer sobre a desconcentração autônoma conferida aos municípios
pela Constituição Federal de 1988, Abrucio, Sano e Sydow (2010) sugerem que o
comportamento cooperativo está sujeito à competição partidária entre governantes
de uma mesma região e aos casos em que a competição é mais interessante que a
cooperação. No caso das RMs,
Nem municípios nem estados queriam pagar os custos da barganha federativa envolvida
na maior integração metropolitana. Os governos municipais porque temiam perder
autonomia e uma parte deles, ademais, preferia repassar suas responsabilidades ou
custos para a(s) cidade(s) vizinha(s). Os governos estaduais, por sua vez, sabiam que
as RMs são aquelas em que a política é mais competitiva, de modo que é bem mais
difícil construir cooperação e obter dividendos eleitorais nestes lugares (Abrucio,
Sano e Sydow, 2010, p. 39).
Esse procedimento é bastante característico da década de 1990, quando há
o predomínio do “federalismo compartimentalizado”, onde cada nível de governo
desempenha individualmente suas funções sem um olhar propositivo para os
26
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
problemas em comum, acrescido do fato de que o processo de descentralização
ocorreu sem o desenvolvimento de instituições de estímulo à cooperação e de
espaços de negociação e resolução de conflitos (Garson, 2009).
Numa perspectiva mais positiva, Abrucio, Sano e Sydow (2010) apontam a
perda de força desta tendência, abrindo passagem para formas mais cooperativas
entre os Entes Federativos. Isso se dá a partir do reconhecimento da necessidade de
maior coordenação federativa, ocorrida durante os governos FHC e Lula, e da criação
de novas institucionalidades territoriais, como os consórcios públicos regulamentados, em 2005, pela Lei dos Consórcios Públicos (Lei Federal no 11.107/2005),
permitindo a articulação administrativa e política entre todos os Entes Federados
e viabilizando a união de recursos para o enfrentamento de problemas comuns.
Os consórcios estabelecidos antes da publicação da lei tiveram seu potencial
de atuação intensificado, uma vez (1) que passam a ser pessoas jurídicas de direito
público, (2) que a lei reduz a fragilidade institucional das entidades e (3) que a lei
confere maior segurança às relações consorciativas, já que os entes consorciados
são compelidos a cumprir com suas obrigações contratuais (Dias, 2010). Para
Losada (2010), a Lei dos Consórcios Públicos configura-se como um importante
instrumento de reforma do Estado, com potencial para repactuar a Federação em
suas diversas escalas, contribuindo com a geração de políticas públicas.
A partir dos relatos trazidos pelos parceiros da Rede Ipea, nos Relatórios de
pesquisa: análise comparativa da gestão das FPICs, foram extraídas experiências, nem
sempre consolidadas, de consorciamento ocorridas nas RMs. Em Fortaleza tem
destaque a iniciativa de formação do Consórcio Rio Maranguapinho, no âmbito da
FPIC saneamento básico, prevendo ações de responsabilidade entre as prefeituras
de Fortaleza, Maracanaú e Maranguape para a execução das obras do Projeto Rio
Maranguapinho (controle de inundações e áreas de risco, desassoreamento, urbanização, saneamento e habitação social para remanejamento de famílias em área
de risco). Apesar de ser considerada uma das principais iniciativas de articulação
intermunicipal na RM de Fortaleza, o Consórcio Rio Maranguapinho não chegou
a ser efetivado pelos prefeitos. Para Dantas e Costa (2013):
Embora este [consórcio] seja um importante instrumento de ação regional, ele pode e
deve ser complementado com outros instrumentos de controle e cobrança em instância
maior, que garantam ou induzam uma ação coordenada dos municípios. Planos
e diretrizes setoriais metropolitanos, por exemplo, reforçariam o planejamento e a
cobrança de serviços públicos comuns aos municípios. O acordo, e posteriormente
a dissolução, do Consórcio do Rio Maranguapinho mostra que o protagonismo
político é sempre uma restrição muito forte ao planejamento regional.
Para a FPIC transporte público/mobilidade urbana, tem destaque a experiência
do Grande Recife Consórcio de Transporte. Formalizado em 2008 e inserido na
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
27
estrutura organizacional da Agência de Regulação de Pernambuco (Arpe), atualmente o Consórcio executa as seguintes funções: “(1) planejar e gerir o Sistema
de Transporte Público da RM do Recife assegurando a qualidade e a universalidade
dos serviços, (2) contatar os serviços de transportes, através de licitação pública, (3)
regulamentar e fiscalizar os contratos de concessão” (Lubambo e Costa, 2013, s.p.).
Na RM de Salvador existem dois consórcios públicos: Consórcio Intermunicipal Costa dos Coqueiros (CICC) e Consórcio Intermunicipal do Recôncavo
Baiano (CIRB). O CICC envolve parte dos municípios da RM de Salvador e
teve iniciativas no sentido de engendrar a gestão compartilhada, como é o caso da
elaboração de um plano de saneamento básico que, apesar dos esforços, não teve
êxito. Segundo Torreão e Costa (2013), a não eficiência do consórcio se deu pela
“falta de vontade e de preparo político para resolução dos problemas, além do
enfraquecimento da instituição ante as modificações na gestão em consequência
das eleições municipais e à falta de corpo técnico qualificado”.
O CIRB tem como proposta a geração de emprego e renda através da
promoção do desenvolvimento dos municípios que o compõem e a partir da
criação de câmaras técnicas para as temáticas da agricultura, meio ambiente, saúde,
educação, ação social, infraestrutura, turismo e desenvolvimento econômico.
No entanto, de acordo com Torreão e Costa (2013), o funcionamento de ambos
os consórcios tem sido incipiente, “não avançando em articulações consistentes
para o equacionamento dos problemas comuns”.
Na RM de Porto Alegre, além do Consórcio Pró-Sinos, que abarca grande
parte dos municípios da RM e trata especificamente da questão do saneamento,
outros dois consórcios se destacam por tratar de diversos temas simultaneamente.
Esse é o caso do Consórcio Público Intermunicipal Granpal (CP-Granpal), que
atua regionalmente como gestor, articulador, planejador ou executor de ações
nas áreas de saúde, educação, segurança pública, meio ambiente, infraestrutura,
saneamento básico, sistema viário, mobilidade urbana, emprego, assistência social
e cidadania. Da mesma forma, o Consórcio Intermunicipal do Vale do Rio Caí
(CIS/CAÍ) tem características multifuncionais. Tendo sido criado com foco nas
ações para a saúde, a atuação do consórcio se ampliou, em 2008, para inúmeros
temas, como agricultura, assistência social, ciência e tecnologia, cultura, defesa e
conservação do patrimônio histórico, desenvolvimento econômico-social, desenvolvimento urbano, educação, habitação, meio ambiente, planejamento e gestão
administrativa, segurança alimentar e nutricional, segurança pública, saneamento,
turismo e transportes.
28
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Em 2011, a Emplasa identificou e mapeou onze consórcios atuantes na RM
de São Paulo.6 Dos 39 municípios que fazem parte desta RM, 29 estão envolvidos
em ao menos um consórcio intermunicipal, algumas vezes formados por municípios externos à RM. Destas iniciativas, destaca-se a importante experiência de
consórcio multissetorial, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, composto
por sete municípios da RM de São Paulo7 que, por sua homogeneidade econômica
e político-administrativa, conformam a região do Grande ABC. O Consórcio tem
sua origem no início da década de 1990, a partir da criação do Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings, por iniciativa dos prefeitos
das sete cidades e com a definição de temas que iam desde a gestão ambiental, o
gerenciamento e destino de resíduos sólidos até o desenvolvimento econômico
local (Klink e Lépore, 2006). Na sequência, a articulação da sociedade civil, associações de empresas, sindicatos, movimentos ambientais e outros, deram origem
ao Fórum da Cidadania do Grande ABC, atuante desde 1991 e formalizado em
1995, que tem como principal questão o desenvolvimento econômico e urbano
de corte regional.
A união do fórum, do consórcio intermunicipal e do governo do estado deu
origem, em 1997, à Câmara da Região do Grande ABC, estruturada em quatro
grupos temáticos (desenvolvimento econômico e emprego, planejamento urbano e
de meio ambiente, desenvolvimento social e aspectos administrativos e tributários),
posteriormente ampliados, de onde passaram a sair propostas e acordos regionais.
Em novembro de 1997 foram assinados os nove primeiros acordos regionais.
A partir daí destaca-se a criação, em 1998, na área temática do desenvolvimento
econômico regional, da Agência Regional de Desenvolvimento Econômico, “uma
organização não governamental com o objetivo de elaborar e implementar ações
voltadas para a revitalização da economia regional” (Klink, 2001, p. 182).
Em 2000 foi elaborado o 1o Plano Regional Estratégico (1o PRE 2001-2010)
e, em 2010, este foi atualizado e ampliado (2o PRE 2011-2020). Como desdobramento da definição da agenda de prioridades do 2o PRE, ocorreu a apresentação da
Agenda Metropolitana do Consórcio e do Governo Estadual, englobando ações nas
áreas de defesa civil, mobilidade, segurança, desenvolvimento econômico (cadeia
de fornecedores de petróleo e gás) e relevante investimento para o Programa de
Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM).
6. Os consórcios existentes na RM de São Paulo são: Consórcio Intermunicipal da Região Sudoeste da Grande São Paulo
(CONISUD), Consórcio Intermunicipal do Aterro Sanitário de Várzea Paulista, Consórcio Intermunicipal do Aterro Sanitário de Biritiba Mirim, Consórcio Intermunicipal de Saúde do Vale do Ribeira (Consaúde), Consórcio Intermunicipal das
Bacias do Alto Tamanduateí e Billings – Grande ABC, Consórcio Intermunicipal dos Municípios que Integram a Bacia do
Rio Juqueri, Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (Codivar), Agência de Desenvolvimento
Econômico do Grande ABC, Fórum da Cidadania do Grande ABC, Câmara do Grande ABC e Associação dos Municípios
do Alto Tietê e Região (AMAT).
7. A região do Grande ABC localiza-se na porção sudeste da metrópole paulista e é formada pelos municípios de Santo
André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
29
Além das iniciativas anteriormente citadas, o estudo dos arranjos colaborativos nas
RMs nos apresenta inúmeras outras iniciativas em diversos setores, a saber: transporte
coletivo, gestão de resíduos sólidos, uso do solo em áreas de mananciais e no campo do
desenvolvimento econômico local e regional, envolvendo diversos segmentos.
Das FPICs selecionadas, o maior número de consórcios intermunicipais tem
foco na área da gestão dos resíduos sólidos, envolvendo, muitas vezes, questões
ambientais e de uso do solo. As RMs de Goiânia, Curitiba, Porto Alegre, Rio de
Janeiro e a Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno
(Ride/DF) possuem consórcios intermunicipais para a gestão desta função pública,
enquanto as RMs de Belo Horizonte, Fortaleza, São Paulo e Recife têm em seus
planos metropolitanos, vigentes ou em elaboração, a previsão de implantação de
consórcios para a gestão dos resíduos sólidos. Essa constatação vai de encontro
com a hipótese lançada por Costa e Tsukumo (2013) no capítulo conclusivo do
volume 1 desta série, no qual os autores dizem haver funções públicas mais favoráveis ao arranjo cooperativo, no qual os autores dizem haver funções públicas
mais favoráveis ao arranjo cooperativo.
Para a função pública transporte público/mobilidade urbana são verificados
consórcios intermunicipais nas RMs de Goiânia, Recife e São Paulo; duas outras
RMs têm ao menos um consórcio sendo estruturado, enquanto as demais (oito)
não possuem nenhum consórcio para essa FPIC (gráfico 4). O cenário se inverte
para a FPIC saneamento básico, para a qual nove RMs possuem consórcios e quatro
não possuem; a RM da Grande Vitória tem ao menos um consórcio intermunicipal
sendo estruturado.
GRÁFICO 4
Existência de consórcios intermunicipais nas RMs, para as FPICs transporte público/
mobilidade urbana e saneamento básico
10
8
6
4
2
0
Transporte público/mobilidade urbana
Sim
Ao menos um sendo estruturado
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Saneamento básico
Não
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
30
3.4 Aspectos específicos da gestão das FPICs
3.4.1 Integração modal e tarifária na FPIC transporte público/mobilidade urbana
Para a FPIC transporte público/mobilidade urbana, foi investigada a existência de
integração modal, com a presença de cartões e passes que permitam que o usuário
utilize os vários modais, e integração tarifária que, por sua vez, implica em uma tarifa
única para o transporte entre municípios. O resultado, apresentado no gráfico 5,
mostra que apenas quatro RMs possuem integração modal (RMs de Porto Alegre,
Recife, Rio de Janeiro e São Paulo) e cinco possuem integração tarifária (RMs de
Curitiba, Goiânia, Grande Vitória, Grande São Luís e São Paulo). Quando verificada
a ausência de integração, perguntou-se a respeito da previsão para executá-la; sendo
assim, cinco RMs (de Belém, Fortaleza, Salvador, Goiânia e Vale do Rio Cuiabá)
possuem previsão de implementação da integração modal. Para a integração tarifária,
apenas a RM de Belo Horizonte e a Ride/DF não possuem previsão.
GRÁFICO 5
Número de regiões metropolitanas que possuem integração modal e tarifária no
sistema de transporte
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Integração modal
Integração tarifária
Sim
Não
Previsão de
integração modal
Previsão de
integração tarifária
Parcialmente
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Importante ferramenta para o planejamento do sistema de transporte, a
pesquisa origem-destino permite identificar a natureza e o padrão dos deslocamentos
que ocorrem nas RMs, tornando-se, portanto, subsídio para órgãos e empresas do
governo projetarem suas ações. Segundo o levantamento feito para este estudo,
quatro RMs (de Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) e a Ride/DF
possuem este instrumento elaborado e atualizado. Outras três RMs (de Belém,
Curitiba e Grande São Luís) estão elaborando suas pesquisas origem-destino.
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
31
3.4.2 Anuência prévia e promotoria do Ministério Público
Especificamente para a função pública uso do solo, foram levantadas a existência de
órgãos de controle, responsáveis por conceder diretrizes metropolitanas e anuência
prévia, e a presença de promotoria do Ministério Público, para as questões
exclusivamente metropolitanas.
Na esfera federal, a Lei no 6.766/1979 dá as diretrizes para o parcelamento
do solo urbano, definindo limites mínimos para lotes e requisitos de infraestrutura
básica, como iluminação pública, escoamento de águas pluviais, abastecimento de
água, esgotamento sanitário e vias de circulação. O Artigo 13 da referida lei federal
determina que a aprovação de projetos de loteamentos ou desmembramentos em
municípios integrantes de regiões metropolitanas fica sujeita ao exame e à anuência
prévia pela autoridade metropolitana.
Na maior parte das RMs em estudo, observa-se a inexistência de órgãos
de gestão e controle metropolitano para a FPIC uso do solo. Das catorze RMs
analisadas, apenas cinco possuem órgão responsável pela concessão de diretrizes
metropolitanas e anuência prévia (RMs de Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, São Paulo e Recife), outras duas (RMs de Curitiba e Salvador) possuem
órgãos que executam parcialmente estas funções. Na ausência deste órgão, os
projetos e pedidos de empreendimentos e parcelamentos são analisados e aprovados
apenas nas instâncias municipais.
Os órgãos responsáveis pelo acompanhamento e concessão de anuência prévia
possuem características e históricos de atuação distintos e, em boa medida, a
história da governança e da gestão metropolitanas no Brasil é um mosaico formado
por suas trajetórias. Não casualmente, as experiências mais significativas nessa área
vêm das regiões metropolitanas da década de 1970, ainda que, do ponto de vista
institucional, não tenha havido uma solução de continuidade em todos os casos
observados, como se pode ver adiante.
A Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan),
na RM de Porto Alegre, tem uma atuação que busca garantir que os projetos de
loteamentos, desmembramentos e condomínios aprovados estejam de acordo com
a legislação que rege o uso do solo em território metropolitano, sendo a anuência
prévia uma exigência para o registro cartorial do imóvel.
A Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte,
por seu turno, busca garantir o controle do uso do solo metropolitano da capital
mineira, através da emissão de diretrizes para o parcelamento, além de conceder
anuência prévia para projetos de loteamento e desmembramento do solo para fins
urbanos, visando o ordenamento territorial metropolitano.
32
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Na RM do Rio de Janeiro, as atribuições de concessão de anuência prévia e
diretrizes metropolitanas ficavam a cargo da extinta Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana (Fundrem), até 1989. Após passagem por outras
secretarias, essa função foi atribuída à Secretaria de Estado de Obras (Seobras).8
No estado de São Paulo, o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos
Habitacionais (GRAPROHAB), colegiado de secretarias de estado e concessionárias
de serviços públicos, atua desde 1991 como “sistema unificado de licenciamento
territorial em áreas urbanas e de expansão urbana e de núcleos habitacionais no
Estado de São Paulo” (Rumel, 2013, p. 101).
Já no estado de Pernambuco, as diretrizes para o uso e ocupação do solo nos
municípios da RM do Recife são determinadas pela Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe/Fidem).
Na RM de Curitiba, a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
(COMEC) é a instituição responsável pelo planejamento e gestão do desenvolvimento integrado dos municípios metropolitanos e pela coordenação das funções
públicas. Com mais detalhes, o capítulo 4 deste livro (Transformações urbanas e
gestão do uso do solo na Região Metropolitana de Curitiba) diagnostica o enfraquecimento da COMEC e a ocorrência, na fase atual, de uma atuação pouco efetiva
no planejamento territorial.
A Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder),
na RM de Salvador, detinha, entre 1974 e 1999, a competência para o exame e
concessão de anuência prévia para os projetos na região metropolitana. A partir daí,
de acordo com Torreão e Costa (2013), a Conder sofreu reestruturações, “dentre as
quais a perda da competência de atuação sobre a esfera metropolitana, bem como da
função de planejamento, tornando-se um órgão de caráter executor, com abrangência
em todo o território estadual” (Torreão e Costa, 2013, s.p.). Após 2008, deixam de
ser realizadas as concessões de anuência prévia pela Conder, ou por qualquer outro
órgão. Atualmente a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
(Sedur) é o órgão responsável pela questão metropolitana e suas diretrizes.
Quando questionadas se as anuências prévias têm sido observadas para efeito
de registro nos cartórios de registros de imóveis, apenas as RMs de Recife e São
Paulo responderam positivamente, ressaltando que isso se aplica à totalidade dos
municípios destas duas RMs. Outras quatro RMs, como é o caso da RM de Porto
Alegre, executam parcialmente esse processo, enquanto as nove restantes responderam que não há registro dessa vinculação. Por fim, apenas duas RMs (de São Paulo
8. Informação concedida por Paulo Cesar Costa, Superintendente de Urbanismo Regional da Secretaria de Estado de
Obras do Rio de Janeiro (Seobras-RJ).
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
33
e do Vale do Rio Cuiabá) possuem promotoria do Ministério Público que trate
exclusivamente da questão metropolitana.
4 RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS E EMPREENDIMENTOS METROPOLITANOS
Dos planos existentes para a FPIC transporte público/mobilidade urbana, quatro
deles (RMs de São Paulo, Goiânia, Belém e Grande Vitória) preveem recursos para
a infraestrutura de transporte público e contam com recursos do orçamento do
estado, destinados para o ano de 2014. Outras quatro RMs (de Curitiba, Porto
Alegre, Recife e Salvador) relatam apenas a existência de recursos destinados pelo
orçamento do estado (gráfico 6).
Para a infraestrutura de saneamento básico, os planos das RMs de São Paulo,
Curitiba, Recife e Grande Vitória possuem previsão de recursos. Para as três últimas
RMs há também recursos destinados do orçamento do estado, assim como para
as RMs de Belém, Belo Horizonte e Porto Alegre. Para a gestão e planejamento
integrado da região metropolitana (FPIC uso do solo), apenas a RM de São Paulo
possui recursos previstos pelo plano e destinados do orçamento do estado. Esta
última fonte de recursos também está presente nas RMs Belo Horizonte, Vitória,
Porto Alegre e Salvador. Para as demais RMs a pergunta não se aplica, pela ausência
de planos, ou não dispõem da informação (gráfico 6).
GRÁFICO 6
Existência de recursos previstos nos planos metropolitano e/ou destinados pelo
orçamento do estado
14
12
10
8
6
4
2
0
Plano
Orçamento
Plano
Transporte público/
mobilidade urbana
Orçamento
Saneamento básico
Sim
Não
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Obs.: SI = sem informação; NSA = não se aplica.
SI/NSA
Plano
Orçamento
Uso do solo
34
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O levantamento de informações sobre os grandes empreendimentos em curso
ou previstos nas RMs, referentes às FPICs, resultou em uma importante fonte de
informações sobre o volume de investimentos realizados/previstos para obras e
ações, os agentes responsáveis e envolvidos (agentes públicos, privados, sociedade
civil), a participação social na definição do empreendimento, a existência de órgão
de monitoramento e controle, os impactos do empreendimento na gestão da FPIC
e os interesses públicos e privados envolvidos.9
A análise desse material se restringiu ao montante investido em cada RM,
nos últimos cinco anos (2008-2013), para viabilizar obras e ações para cada FPIC.
Complementarmente, algumas equipes informaram valores de relevantes empreendimentos que, quando não se enquadravam na categoria das FPICs, foram agrupados
em dois outros grupos, a saber: investimentos produtivos e outros investimentos em
infraestrutura urbana e social. A seguir são apresentados os gráficos 7 e 8, nos quais
é possível comparar o volume de investimento em empreendimentos de grande
porte nas RMs. Os dados para as RMs do Rio de Janeiro e de São Paulo foram
separados (gráfico 8), uma vez que a maior parte dos aportes ultrapassam, e muito,
o limite máximo efetuado nas demais RMs.
O gráfico 7 aponta maiores investimentos em grandes empreendimentos na
área de transporte público/mobilidade urbana nas RMs de Salvador, Curitiba e
na Ride/DF, com aportes de R$ 8,31 bilhões, R$ 4,92 bilhões e R$ 3,71 bilhões,
respectivamente. No caso da RM de Salvador, R$ 5,52 bilhões são destinados
ao Sistema Integrado de Transporte Metropolitano (SITM), cujo projeto prevê
a implantação e operação do Sistema Metroviário de Salvador e Lauro de Freitas
(conclusão e ampliação da Linha 1; implantação da Linha 2; implantação de estações e terminais de integração), além de dois corredores de alimentação. Outros
R$ 2 bilhões destinam-se à requalificação do conjunto de rodovias estaduais que
integram o sistema BA-093, com objetivo de integrar os principais polos industriais
do estado. As demais RMs apresentam aportes inferiores a R$ 2 bilhões, chegando
a apenas R$ 38 milhões na RM de Porto Alegre.
Para a FPIC de saneamento básico, o maior aporte é verificado na RM do
Recife, onde R$ 4,5 bilhões são destinados à ampliação da cobertura do serviço de
saneamento, envolvendo todos os municípios da RM do Recife mais o município
de Goiana. Nas demais RMs, os investimentos variam de R$ 1,05 bilhão (RM de
Fortaleza) a R$ 225 milhões (RM de Curitiba).
9. Todas essas informações podem ser consultadas em documento disponível no seguinte endereço: <http://www.ipea.
gov.br/redeipea/index.php?option=com_content&view=article&id=97:governanca-metropolitana&catid=89:projetos-depesquisa&Itemid=206>.
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
35
GRÁFICO 7
Montante de recursos investidos (previstos ou executados) em empreendimentos de
grande porte nas RMs de Curitiba, Belo Horizonte, Goiânia, Recife, Belém, Fortaleza,
Porto Alegre e na Ride/DF (2008-2013)
(Em R$ milhões)
9.000
8.000
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
FPIC transporte/mobilidade
FPIC saneamento básico
RM de
Porto Alegre
RM da
Grande São Luís
RM de
Fortaleza
RM de
Belém
RM de Belo
Horizonte
RM de
Recife
RM de
Goiânia
RM do Vale
do Rio Cuiabá
Ride/DF
RM de
Curitiba
RM de
Salvador
0
FPIC uso do solo
Fonte: Planilhas Grandes Empreendimentos, preenchidas pelas equipes estaduais, com fontes diversas (2013); Pesquisa Governança
Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Para a FPIC uso do solo têm destaque os investimentos feitos pela RM de
Belém (R$ 2,69 bilhões), que envolvem as obras de urbanização de assentamentos
precários e construção de novas unidades habitacionais no âmbito do Programa
Minha Casa Minha Vida. Na sequência, os maiores investimentos são observados
nas RMs de Belo Horizonte e Recife, que destinam aos grandes empreendimentos
R$ 1,72 bilhão e R$ 1,38 bilhão, respectivamente.
Na RM de Belo Horizonte as ações para essa FPIC envolvem a urbanização
de assentamentos precários e, em grande proporção, a remoção e reassentamento
de famílias em áreas de risco e de desadensamento, promovendo a requalificação
viária, implantação de parques e a construção de equipamentos públicos.
Nas demais RMs os investimentos variam de R$ 916 milhões (RM de Salvador)
a R$ 42 milhões (RM de Curitiba).
No caso das RMs do Rio de Janeiro e de São Paulo (gráfico 8), as somas dos
valores investidos são bilionárias para as três FPICs selecionadas. As informações
fornecidas para a RM do Rio de Janeiro não trazem valores de investimentos
ligados à FPIC uso do solo, embora grandes empreendimentos nas categorias
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
36
de investimentos produtivos e infraestrutura de esporte e lazer (grandes eventos)
tenham consideráveis efeitos sobre o ordenamento territorial.
GRÁFICO 8
Montante de recursos investidos (previstos ou executados) em empreendimentos de
grande porte nas RMs de São Paulo e do Rio de Janeiro
(Em R$ milhões)
80.000
60.000
40.000
20.000
0
RM de São Paulo
FPIC transporte/mobilidade
RM do Rio de Janeiro
FPIC saneamento básico
FPIC uso do solo
Fonte: Planilhas Grandes Empreendimentos, preenchidas pelas equipes estaduais, com fontes diversas (2013); Pesquisa Governança
Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Na RM do Rio Janeiro, a área que menos recebe recursos é a do saneamento básico (R$ 2,33 bilhões), onde parte do investimento diz respeito à ampliação
do sistema de tratamento de esgoto Alegria, situado no Bairro do Caju, que irá
melhorar os sistemas de tratamento do esgoto destinado à Baía de Guanabara,
através do tratamento de cerca de 5 mil litros de esgoto por segundo, beneficiando
aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. Enquanto isso, para a FPIC transporte
público/mobilidade urbana, são investidos R$ 49,03 bilhões em importantes estruturas de transporte, como a Linha 4 do Metrô (extensão da Linha 1 de Ipanema até
o Jardim Oceânico, na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro),
o Arco Metropolitano (conexão entre as rodovias BR-101/Norte e BR-101/Sul)
e o bus rapid transit (BRT), sistema de transporte público rodoviário que circula
em faixas segregadas.
Na RM de São Paulo, por sua vez, os maiores investimentos estão na área
de transporte (PAC, PPA Transporte e Logística e transporte metropolitano),
totalizando R$ 86,91 bilhões. Para o saneamento são destinados R$ 60,79 bilhões, enquanto o uso do solo (PAC Uso do Solo) fica com a menor parcela de
investimentos, R$ 9,51 bilhões.
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
37
Os quadros 2 e 3 trazem os valores de investimentos informados por algumas
RMs, não todas, e que foram enquadrados em dois grupos: investimentos produtivos
e outros investimentos em infraestrutura urbana e social.
No quadro 2, investimentos de R$ 2,72 bilhões realizados pela RM de Porto
Alegre dizem respeito à geração e transmissão de energia elétrica e à produção
de petróleo e gás nos municípios de Canoas, Porto Alegre e Viamão. Na RM de
Salvador, R$ 15,41 bilhões foram investidos em projetos da Refinaria Landulpho
Alves (Petrobras) e na implantação de empresas nos ramos químico/petroquímico
(gás natural, fertilizantes e acrílicos, resinas, produtos de higiene, cosméticos);
metalomecânico (equipamentos eólicos); de geração de energia (elétrica, biomassa)
e construção de usinas termelétricas; automotivo e comércio e serviços (centro de
distribuição e shopping center).
QUADRO 2
Volume informado de investimentos em empreendimentos produtivos, por RM
(Em R$ milhões)
RM do Pará
2.729,65
RM de Salvador
15.419,00
RM do Rio de Janeiro
25.900,00
RM da Grande São Luís
73.262,53
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Na RM do Rio de Janeiro, os R$ 25,9 bilhões em investimentos produtivos
são destinados ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ),
produtor de petróleo e de produtos petroquímicos de primeira e segunda gerações,
e ao Porto Centro Atlântico do Complexo Industrial da Companhia Siderúrgica
do Atlântico (CSA), formado por uma usina siderúrgica integrada, uma usina
termoelétrica e um porto com dois terminais, com capacidade de produção de 10
milhões de toneladas de placas de aço por ano.
Os mais volumosos investimentos foram informados pela RM da Grande
São Luís (R$ 73,26 bilhões) e envolvem empreendimentos como a construção
de armazéns e correia transportadora de navios no Porto de Itaqui; a construção
da termelétrica Itaqui (carvão mineral); a implantação do Sítio de Lançamento
da Binacional (Brasil/Ucrânia) Alcântara Cyclone Space (ACS) e a construção da
Torre Móvel de Integração (TMI) do centro de lançamento – equipamento que
permite o lançamento do veículo lançador de satélites; a implantação da Refinaria
Premium I (petróleo e gás – Petrobras); a implantação de indústrias metalúrgicas
e fábricas de cimento e moagem; a construção do Pier IV (Ponta da Madeira), do
Terminal Ferroviário da Ponta da Madeira (Retroporto) e a duplicação da Estrada
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
38
de Ferro Carajás; além da construção e ampliação de shoppings centers, centros
empresariais e complexos hoteleiros.
O quadro 3 apresenta investimentos de grande porte que não se dão no âmbito exato das três FPICs aqui discutidas, como é o caso da reforma de aeroportos
ocorridas na RM do Pará (novo terminal de cargas) e na RM de Goiânia (novo
terminal de passageiros, pátio de aeronaves, estacionamento de veículos e taxis) e de
grandes infraestruturas de esporte implementadas em decorrência dos eventos Copa
do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016), como é o caso da reforma e ampliação do
estádio e complexo esportivo de Curitiba (RM de Curitiba); da reconstrução da
Arena Fonte Nova (RM de Salvador); da estruturação da Arena Multiuso – Programas Pantanal 2014 e Copa Verde na RM do Vale do Rio Cuiabá; da reforma
do Estádio de Futebol Plácido Castelo Branco na RM de Fortaleza e das obras de
modificação do Estádio Jornalista Mário Filho (Maracanã), do Parque Olímpico
e da Cidade do Rock, na RM do Rio de Janeiro, esses últimos com investimentos
equivalentes a R$ 1,19 bilhão, R$ 1,65 bilhão e R$ 37 milhões, respectivamente.
QUADRO 3
Volume informado de investimentos em outros empreendimentos de infraestrutura
urbana e social, por RM
(Em R$ milhões)
RM do Pará
137,15
RM de Curitiba
234,00
RM de Belo Horizonte
461,00
RM de Salvador
717,60
RM de Goiânia
795,00
RM do Vale do Rio Cuiabá
865,71
RM de Fortaleza
1.044,84
RM do Rio de Janeiro
2.880,00
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
5 CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO E NA GOVERNANÇA
METROPOLITANAS
A existência de mecanismos de controle social foi averiguada para as FPICs saneamento básico e transporte público/mobilidade urbana. Em ambos os casos,
nem um terço das regiões metropolitanas contam com mecanismos ativos no
sistema, como mostra o gráfico 9. Para o uso do solo, foi levada em consideração a existência e a frequência de reuniões do órgão colegiado deliberativo para
questões do planejamento integrado. Sua presença pressupõe a efetivação de um
espaço de partilha do poder decisório e de garantia do controle social, por meio
da paridade de sua composição entre poder público, representantes da sociedade
civil e entidades de classe.
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
39
GRÁFICO 9
Existência de mecanismos e espaços de controle social nas FPICs
14
12
10
8
6
4
2
0
Controle social FPIC transporte
público/mobilidade urbana
Controle social FPIC
saneamento básico
Sim
Órgão colegiado deliberativo
FPIC uso do solo
Não
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
Elaboração dos autores.
Neste caso, oito RMs não possuem órgão colegiado deliberativo, e naquelas
que possuem o número de reuniões realizadas não foi maior que quatro no ano de
2013; dois deles não se reuniram nenhuma vez. A tabela 1 apresenta quais RMs
possuem estes órgãos e a frequência com que se reuniram em 2013.
TABELA 1
Número de reuniões dos órgãos colegiados deliberativos existentes (2013)
RMs
Número de reuniões em 2013
RM de Curitiba
0
RM de Goiânia
0
RM do Vale do Rio Cuiabá
1
RM de Belo Horizonte
3
RM de Porto Alegre
4
RM de São Paulo
4
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea.
O que se pode extrair dos relatos sobre os espaços e mecanismos de controle
social nas RMs é que estes, na maior parte das vezes, se restringem aos conselhos
estaduais e municipais e às consultas e audiências públicas específicas para elaboração
de planos setoriais. No campo do saneamento básico, é ampliada a participação
social através dos comitês de bacias hidrográficas. Na prática, a ausência de canais
amplos e efetivos impede a participação dos segmentos não governamentais nas
discussões e tomadas de decisões concernentes à gestão dos territórios metropolitanos.
Ademais, no que diz respeito à existência de órgão deliberativo para as questões
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
40
relativas ao uso do solo, observa-se que nem sempre a institucionalização da região
metropolitana vem acompanhada de órgãos e mecanismos para a sua gestão.
6 ANÁLISE COMPARATIVA DA GESTÃO DA FPICS: PONTUAÇÃO E RANKING
DAS REGIÕES METROPOLITANAS
Tomando como referência os elementos analisados até aqui, com exceção dos investimentos em infraestrutura, apresenta-se o gráfico-síntese comparativo das pontuações
obtidas por cada uma das RMs em estudo. Para dimensionar o desempenho de cada
RM neste ranking, introduziu-se uma RM hipotética que contaria com todos os
instrumentos, mecanismos e instituições relacionados no quadro 1. Esta RM hipotética
atingiria a pontuação máxima em todos os aspectos analisados sobre o planejamento,
a gestão e a governança das três FPICs, ou seja, a pontuação total para uma RM que
apresentasse o “cenário ideal” seria de 90 pontos, sendo 30 para cada FPIC.
A partir desse referencial hipotético, a análise do gráfico 10 mostra que nenhuma
RM atinge esse “cenário ideal”, estando a RM de São Paulo mais próxima dessa realidade, com pontuação total igual a 74,5. As RMs que apresentam pior desempenho
neste ranking comparativo são a de Fortaleza e a da Grande São Luís, com pontuações
totais iguais a 12 e 11, respectivamente. Os melhores desempenhos estão no setor
de transporte público/mobilidade urbana, para o qual a pontuação é mais alta, em
relação às demais FPICs, em oito RMs. Para esta função pública, a RM que mais
se aproxima do “cenário ideal” é, novamente, a RM de São Paulo, com 29 pontos.
GRÁFICO 10
Análise comparativa do planejamento, gestão e governança das FPICs nas RMs em estudo
90
80
70
60
50
40
30
20
10
Subtotal FPIC transporte e mobilidade urbana
Subtotal FPIC uso do solo
Subtotal FPIC saneamento básico
Total FPICs
Fonte: Pesquisa Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea
Elaboração dos autores.
RM da Grande
São Luís
RM de
Fortaleza
Ride/DF
RM do Vale
do Rio Cuiabá
RM de
Salvador
RM de
Belém
RM do Rio
de Janeiro
RM de
Curitiba
RM de
Goiânia
RM do
Recife
RM da
Grande Vitória
RM de Belo
Horizonte
RM de
Porto Alegre
RM de
São Paulo
RM
hipotética
0
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
41
Por outro lado, as menores pontuações se concentram na FPIC saneamento
básico, sendo a RM da Grande São Luís, indubitavelmente, o maior exemplo da
ausência de dispositivos para gerir essa FPIC. Para essa função pública a RM do
Pará apresenta a maior pontuação (20), uma vez que conta com plano que dá
diretrizes para os setores de água e esgoto, macrodrenagem e resíduos sólidos,
além de ter alta proporção de municípios com planos setoriais e envolvidos em
consórcios públicos.
A pontuação atinge máxima discrepância na RM de Goiânia, que claramente
apresenta maior volume e eficiência de mecanismos para o planejamento e gestão
da FPIC transporte público/mobilidade urbana do que para as demais. Em outras
proporções, essa discrepância também é observada nas RMs de Belém e da Grande
São Luís. A RM de Porto Alegre e, em menor proporção, as RMs de Curitiba e
de São Paulo são as que apresentam maior equilíbrio na pontuação entre as três
FPICs, demostrando que, nessas três metrópoles, tanto os esforços para construir
uma estrutura de governança quanto as deficiências em implementar ações e
instrumentos são equivalentes para as três funções públicas analisadas.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória da governança das metrópoles brasileiras passa, ao longo desses pouco
mais de quarenta anos, por alguns percalços, refletindo diferentes momentos do
processo de desenvolvimento brasileiro, do papel do Estado na promoção desse
desenvolvimento e de como isso se reflete nas relações federativas.
Ao longo do tempo, observa-se o esvaziamento ou a extinção das autarquias
estaduais criadas na década de 1970, de onde partiram os primeiros Planos
Metropolitanos, mencionados na terceira seção deste capítulo.
A Constituição Federal de 1988, importante divisor de águas nesse processo,
ao mesmo tempo em que valorizou o poder local e promoveu a descentralização
política, conferindo aos municípios a gestão do seu território, enfraqueceu o
planejamento regional e a governança metropolitana, trazendo indefinições,
pendências e insegurança institucional para o campo da gestão metropolitana.
A nova atribuição conferida aos estados acabou por afastar o governo federal
dos temas da gestão das metrópoles brasileiras, apesar do protagonismo que
permanece quando se observa a fonte dos recursos envolvidos na dotação de infraestrutura urbana nesses espaços estratégicos. Assim, compreende-se a atual situação
de desarticulação e enfraquecimento do planejamento, da gestão e da governança
metropolitanos atribuídos, sobremaneira, às falhas de articulação entre as esferas
de governo (Balbim et al., 2011).
42
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Como visto no primeiro volume desta série, a gestão metropolitana no Brasil
compõe um quadro geral de fragilidades. Os arranjos institucionais existentes não
são capazes de propiciar uma gestão metropolitana eficiente e efetiva em face dos
desafios e entraves políticos e institucionais existentes em nosso arranjo federativo
vis-à-vis o papel dos Entes Federativos de vários níveis na conformação da governança
metropolitana, bem como o papel de agentes econômicos e atores sociais e políticos.
Neste segundo volume, com a análise centrada na gestão de FPICs específicas,
esse quadro de fragilidades, tensões e desarranjos, ao mesmo tempo, afirma-se, mas
também se complexifica.
A análise quantitativa comparativa mostra, decerto, que os instrumentos de
planejamento, que as ferramentas e recursos de gestão e que o controle social nessas
FPICs são deficientes e instáveis, e que os casos bem-sucedidos são exceção, ainda
que mais frequentes nas RMs consolidadas.
São poucos os planos e órgãos metropolitanos responsáveis pela gestão e
controle das FPICs. Quando existem, são raros os planos que preveem recursos
para infraestrutura, gestão e planejamento integrado das funções públicas.
Mais frequentes são as ocorrências de recursos destinados pelo orçamento
estadual. Os planos municipais setoriais, apesar de mais presentes, raramente
trazem diretrizes que apontem soluções integradas para as FPICs entre todos
os municípios metropolitanos.
São também modestos os mecanismos de participação social, quase sempre
vinculados às temáticas locais e não metropolitanas e restritos aos conselhos estaduais
e municipais, às consultas e audiências públicas específicas para elaboração de planos
setoriais e, no campo do saneamento básico, aos comitês de bacias hidrográficas.
Ou seja, numa leitura geral, o quadro apresenta mais insucessos e deficiências
do que bons exemplos ou experiências inovadoras e portadoras de futuro. O que
não chega a ser uma surpresa.
Mas a análise das funções selecionadas apresenta também algumas diferenças
em seus desempenhos. A função pública do transporte público/mobilidade urbana,
em que pesem os problemas e deficiências que serão explorados mais adiante neste
livro, mostrou um desempenho relativo maior que as demais funções. A pontuação
média dessa FPIC foi bem superior àquela observada para as demais, e muitas
RMs apresentaram experiências inovadoras e diferentes articulações orientadas
para superar os desafios da gestão integrada.
Nessa FPIC, as RMs de São Paulo e de Goiânia se destacam como casos
bem-sucedidos, onde os avanços, ao menos numa perspectiva comparativa, são
importantes. Ainda nesta FPIC, as RMs de Recife, Porto Alegre, Belém e Vitória
também trazem contribuições importantes, algumas relatadas neste livro, mostrando
Análise da Gestão e da Governança Metropolitanas das
Funções Públicas de Interesse Comum Selecionadas
43
um maior sucesso, sobretudo no campo da operação dos sistemas de transporte,
incluindo arranjos que permitiram, como no caso de Goiânia, a implementação
de sistemas integrados com bilhete único.
No caso do saneamento básico, uma avaliação comparativa mais precisa
deve considerar as diferenças entre o abastecimento de água, a questão do esgoto
sanitário, a coleta, a disposição final e o tratamento de resíduos sólidos e a macrodrenagem urbana – o que será feito na análise específica dessa função, oferecida
pelos capítulos que compõem a parte IV deste livro.
Ainda assim, especialmente se considerarmos o sistema de água e esgoto e
os avanços relativos aos resíduos sólidos, também encontraremos, ainda que de
forma localizada, experiências bem-sucedidas e a busca por soluções compartilhadas
para os desafios encontrados. Exemplos são encontrados nas RMs de Porto Alegre
(macrodrenagem), de São Paulo (resíduos sólidos e macrodrenagem, ainda que
localizada na capital paulista), da Grande Vitória e de Curitiba (a articulação entre
o zoneamento e a proteção dos mananciais de abastecimento da região), ainda que,
como visto, por caminhos diferentes.
Em relação à FPIC uso do solo, algumas experiências inovadoras, sobretudo
no campo da construção de marcos legais, puderam ser observadas, mesmo que
em menor profusão. É o caso, sobretudo, da RM de São Paulo e da RM de Belo
Horizonte. Na RM de Belo Horizonte, em especial, a elaboração do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) e a elaboração, ora em curso, de um
macrozoneamento metropolitano, instrumentos ancorados numa legislação que
procura consolidar a atuação do governo estadual, têm inspirado outras RMs que
buscam lidar com a gestão e a governança de uma FPIC singular, onde não há
serviços a serem compartilhados (salvo o da concessão das anuências prévias), mas
onde sobram conflitos a serem geridos e, talvez, solucionados.
Nesse sentido, a busca por novos desenhos institucionais e novos caminhos
de cooperação encontra-se na base das experiências bem-sucedidas encontradas.
E, certamente, especial destaque deve ser dado à questão dos consórcios intermunicipais.
Os consórcios setoriais intermunicipais consolidam-se como importantes
ferramentas para a solução dos problemas comuns aos municípios metropolitanos.
Vimos que são inúmeras as experiências nas RMs, envolvendo temáticas diversas,
com o predomínio dos consórcios para a gestão dos resíduos sólidos. Por um lado,
os consórcios são poderosas ferramentas de articulação entre os municípios, e aqui
destacamos os consórcios gaúchos (CP-Granpal e CIS/CAÍ) e paulista (Consórcio
Intermunicipal do Grande ABC), que envolvem número expressivo de municípios, e
tratam simultaneamente de diversos temas. Por outro lado, eles representam a explícita
fragilidade de articulação entre as esferas de governo para uma gestão metropolitana
mais abrangente, já que surgem preenchendo o vácuo deixado por estas.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
44
São raras nas metrópoles brasileiras as ações coordenadas entre municípios
e estados para o planejamento metropolitano. Por essa razão, são tão expressivas
as iniciativas consorciativas, que partem da pró-atividade de cada município para
resolução de questões regionais, mas – e aí estão outras fragilidades –, estas não
envolvem a totalidade dos municípios que compõem a RM, não abarcam, apenas
em raros casos, mais do que uma FPIC (o que aponta para a tese de setorialização da
gestão metropolitana) e, frequentemente, esbarram em obstáculos político-partidários.
As experiências de consorciamento apontam para a melhoria da política
pública em questão, como é o caso do Grande Recife Consórcio de Transporte
e outros mencionados. Da mesma forma, a entrada de uma esfera superior de
governo no processo de gestão cooperativa entre municípios pode contribuir para
a atenuação dos custos de transação da governança metropolitana, como aponta
Machado (2010) ao tratar das experiências da RM de Belo Horizonte e do Consórcio Intermunicipal de Grande ABC.
O que este capítulo introdutório procura mostrar é que, apesar de uma necessária perspectiva crítica, os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de
se olhar de forma mais acurada para a gestão e para a governança metropolitanas,
compreendendo-as em suas especificidades e singularidades, tal qual tentado por
meio da análise das FPICs selecionadas, na busca de se compreender as nuances
envolvidas, de identificar padrões, tendências e também alguns pontos fora da
curva, de modo a tentar contribuir para esse campo fértil de desafios, mas também
de possibilidades.
Há muito o que avançar, isso é certo. A estruturação da gestão metropolitana
passa pela possibilidade de ampliação e fortalecimento do consorciamento e da
cooperação interfederativa. Passa pela busca da constituição de uma coordenação
metropolitana articulada entre os Entes Federativos, bem como pela busca de
recursos e financiamento para os investimentos que se fazem necessários, vis-à-vis
o deficit acumulado nesses espaços e que compromete a vida da população que vive
nas metrópoles brasileiras. Enfim, passa por um esforço de inserção da questão
metropolitana na agenda política do país.
REFERÊNCIAS
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do associativismo territorial brasileiro: tendência, desafios e impactos sobre
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PARTE II
A GESTÃO E GOVERNANÇA METROPOLITANAS DO
USO DO SOLO
CAPÍTULO 2
A GOVERNANÇA DO USO DO SOLO ENQUANTO FUNÇÃO PÚBLICA DE
INTERESSE COMUM NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO1
Diana Meirelles da Motta2
Zoraide Amarante Itapura de Miranda3
Maria Ligia Wertheimer4
Márcia Rodrigues5
Luiza Helena Araujo6
Grasiella Drumond Vilas Novas7
1 APRESENTAÇÃO
Este capítulo reúne a pesquisa apresentada no Relatório de pesquisa: análise comparativa da gestão das FPICs na RM de São Paulo (Motta e Costa, 2013, no prelo),
do projeto de pesquisa Governança Metropolitana no Brasil.
A pesquisa tem por objetivo a análise das funções públicas de interesse comum
(FPICs) da Região Metropolitana de São Paulo (RM de São Paulo), considerando
o uso do solo, o saneamento ambiental e o transporte metropolitano.
O capítulo destaca a FPIC uso do solo e está dividido, além desta apresentação, em três seções: seção 2 – Dinâmica metropolitana e evolução da
mancha urbana na RM de São Paulo; seção 3 – Gestão do uso do solo na RM
de São Paulo; e seção 4 – Governança metropolitana e as funções públicas de
interesse comum.
1. Texto elaborado pela equipe da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa), no âmbito do projeto
Governança Metropolitana no Brasil.
2. Arquiteta e urbanista. Diretora de gestão de projetos da Emplasa. Coordenadora estadual do projeto Governança
Metropolitana no Brasil da Rede Ipea, em São Paulo.
3. Doutora em economia urbana e regional. Assessora e técnica da Diretoria de Gestão de Projetos da Emplasa.
4. Arquiteta, urbanista e gerente da Unidade de Desenvolvimento Urbano da Emplasa.
5. Engenheira civil. Gerente da Unidade de Infraestrutura e Meio Ambiente da Emplasa.
6. Economista e coordenadora de transporte e mobilidade urbana da Emplasa.
7. Arquiteta e urbanista. Pesquisadora do Ipea e da Emplasa.
50
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
2 DINÂMICA METROPOLITANA E EVOLUÇÃO DA MANCHA URBANA NA RM
DE SÃO PAULO
2.1 Caracterização socioeconômica
Com 19.683.975 habitantes (2010), 8.047 km² de extensão territorial e 39
municípios, a RM de São Paulo é a mais complexa e diversificada da macrometrópole
paulista (MMP), do estado de São Paulo e do país, em termos sociais, econômicos
e demográficos, exercendo forte centralidade sobre um vasto território.
A RM de São Paulo possui situação demográfica distinta de todas as demais
regiões metropolitanas paulistas (Emplasa e FUNDAP, 2014). A taxa de crescimento
demográfico é a mais baixa em relação a todas as RMs do estado, refletindo em
grande medida o comportamento do município de São Paulo, com 11 milhões de
habitantes. A região apresentou redução da taxa de crescimento populacional no
período 2000-2010 em relação ao período anterior, com crescimento de 0,97% ao
ano. Apesar disso, o incremento demográfico apresentou volume relevante – 1,8
milhão de pessoas, em 2000-2010, contra 2,4 milhões de pessoas, em 1991-2000,
aumentando a população total em 10,3%, no período 2000-2010. Esta redução
está associada à diminuição dos processos migratórios, que representaram apenas
9,7% do incremento demográfico, entre 1991 e 2000, e foram negativos entre
2000 e 2010. A redução da migração não significa perda de importância da RM
de São Paulo no cenário migratório e demográfico paulista e nacional, somente que
este componente já não atua tão decisivamente no crescimento regional e de seus
municípios como no passado.
Ressalta-se que os processos de desconcentração e desmetropolização estão
longe de se concretizar no estado de São Paulo. As projeções demográficas informam
que estes fenômenos ocorrem em pequena escala, uma vez que o peso relativo da
população na RM de São Paulo decrescerá apenas 3,5 pontos percentuais até 2030.
Atualmente, o grau de urbanização atingido pela RM de São Paulo é de 98%.
A RM de São Paulo se destaca por ser a região metropolitana paulista que
mais recebeu migrantes e a que mais gerou emigração nos dois períodos abordados.
Considerando as trocas entre as RMs da MMP (intraMMP), os principais volumes
envolvem sempre a RM de São Paulo, mostrando o seu protagonismo no processo
migratório do estado de São Paulo. O município de São Paulo direciona a tendência
na RM de São Paulo da imigração interestadual, uma vez que 66,8% da imigração
no município, no período 2005-2010, vem de outros estados. O segundo grupo
com mais imigração de origem interestadual é o de municípios com mais de 500 mil
habitantes, tendo 34,7% dessa modalidade entre os imigrantes no período 2005-2010.
É importante notar que, com exceção feita ao município de São Paulo, a
migração intrametropolitana responde pela maior parte da imigração registrada
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
51
nos municípios da RM de São Paulo. Além dos fluxos de imigração do município
de São Paulo com os outros municípios da RM de São Paulo, chamam atenção
os fluxos entre os municípios do ABC Paulista e os fluxos entre os municípios de
Carapicuíba, Osasco, Embu das Artes e Barueri. Na RM de São Paulo, a migração
com origem intrametropolitana é possivelmente menos motivada por razões
econômicas ou pela busca de trabalho que nas outras RMs.
O mapa 1 ilustra como o expressivo dinamismo populacional e econômico
influi na dinâmica da mobilidade populacional, que tem na RM de São Paulo sua
maior expressão. Entre 2000 e 2010, cresceu 73%, aumentando de 1,1 milhão
para 1,9 milhão de pessoas. A pendularidade apresenta importante relação com o
processo de redistribuição espacial da população, o qual não depende apenas da
migração, mas também do crescimento vegetativo, mais intenso nos municípios
periféricos. A grande defasagem existente entre os lugares onde são oferecidas
oportunidades econômicas e serviços e aqueles onde vivem as pessoas faz da região
um ambiente propício para a intensa mobilidade da população. Mais de 85% das
pessoas que realizam movimentos pendulares da RM de São Paulo apresentam
como destino um município da própria região, o que mostra a grande interação
entre eles. Destes, a maior parte se dirige para São Paulo e outros municípios de
grande porte, como São Bernardo, Santo André e Osasco.
MAPA 1
Principais fluxos migratórios intrametropolitanos – RM de São Paulo (1995-2000;
2005-2010)
1A – 1995-2000
1B – 2005-2010
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2001; 2011).
Obs.: 1. tabulações especiais elaboradas pelo Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo/
UNICAMP).
2. imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores.
52
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
para publicação (nota do Editorial)
Quando se observa a origem das pessoas que realizam os movimentos
pendulares da RM de São Paulo, segundo os municípios de destino, 79% daqueles
que se dirigem para a sede têm origem nos municípios grandes e médios e 9%,
em outras Unidades da Federação (UFs). Para os municípios grandes e médios, a
origem RM de São Paulo é importante, representando 94% e 96%, respectivamente.
Para todos os destinos, os municípios médios aparecem como a principal
origem, tendo como destino principal a sede (com 49% dos pendulares que esta
recebe) e os municípios pequenos, perfazendo 55% do total de pendulares que
estes municípios recebem.
Em relação ao perfil da população que realiza movimentos pendulares na RM
de São Paulo, a maior parte é homem, está na faixa dos 25 aos 39 anos e possui maior
nível de escolaridade que a média da população em idade ativa (PIA) – enquanto
praticamente metade da PIA regional apresenta o ensino fundamental, bem como
a maior parte dos pendulares dos municípios grandes apresenta graduação e dos
médios e pequenos, o ensino médio.
A RM de São Paulo é o maior polo de riqueza nacional. Trata-se da principal região que compõe a MMP. O produto interno bruto (PIB) da região,
em 2010, foi de R$ 701,85 bilhões, o equivalente a 56% do estado e 20% do
Brasil, sendo responsável pelo recolhimento de um quarto dos impostos no país
(Seade, [s.d.]). Abriga a principal metrópole nacional, São Paulo – cidade global,
principal centro de decisões políticas do estado, centro de serviços diversificado
e especializado, com destaque para as áreas de telecomunicação, cultura, educação, saúde, transporte, gastronomia e turismo de negócios. Abriga sedes de
empresas transnacionais, complexo industrial – São Paulo, ABC, Guarulhos
e Osasco – e o mais importante centro financeiro da América Latina, a Bolsa
de Valores de São Paulo (Bovespa).
A RM de São Paulo é também a região metropolitana mais complexa e
diversificada do país em termos econômicos (Emplasa, 2014), contando com um
elevado grau de concentração e articulação entre os diversos ramos industriais, e
sua estrutura produtiva apresenta crescente integração técnica e funcional com as
demais regiões da MMP (Abdal, 2010; Egler, 2011).
Na indústria, a RM de São Paulo mantém o predomínio na geração do valor
agregado da MMP, com 58% do total, seguida pela RM de Campinas, que responde
por 12% do total, e pelo Vale do Paraíba, com 10%. Estas três regiões respondem
pela geração de mais de três quartos do valor adicionado industrial da MMP. Apesar
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
53
de deter a maior fatia do valor adicionado da indústria da macrometrópole paulista,
a RM de São Paulo tem o menor coeficiente de industrialização (24% de seu
valor adicionado é gerado na indústria), enquanto o Vale do Paraíba exibe a maior
participação da indústria em sua estrutura produtiva (46%). Por seu turno, nos
serviços o predomínio da RM de São Paulo é imenso em relação às demais regiões
da MMP, com quase três quartos do total (73%), seguida da RM de Campinas (8%).
É expressiva a participação dos empregos de segmentos industriais de alta
e média-alta intensidade tecnológica8 da MMP no total do estado (81% e 82%)
e do país (38% e 40%), conforme dados do gráfico1. Integrado a esta dinâmica
industrial, se desenvolve um crescente conjunto de serviços voltados ao apoio à
produção, visando fornecer as condições necessárias para melhorar sua operação.
Ao longo das últimas duas décadas, a produção de serviços novos e mais complexos
passou a se instalar fora das empresas industriais. Estes serviços mais avançados são
chamados de serviços intensivos em conhecimento de natureza empresarial,9 campo em
que a RM de São Paulo se sobressai por seu tamanho econômico e populacional,
com mais de 74% das ocupações em tecnologia da informação e comunicação
(TIC) do estado e 28% do país.
GRÁFICO 1
Evolução do pessoal ocupado – RM de São Paulo (2000, 2005, 2007 e 2010)
130
120
110
100
90
80
2000
2005
2007
2010
BCND
100
90
97
99
BCCD
100
110
117
122
BCI
100
103
113
119
Ind. transf.
100
101
110
114
Fonte: IBGE (2012).
Elaboração: Emplasa.
Obs.: tabulação especial de 2013.
8. Esses são os mais avançados, do ponto de vista da organização de suas cadeias produtivas, e que possuem o maior
grau de conhecimento tecnológico.
9. Knowledge-intensity business services (KIBS) ou serviços intensivos em conhecimento (SICs).
54
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
A RM de São Paulo concentra diversos ativos e instrumentos de política
necessários à expansão da manufatura de maior intensidade tecnológica, entre eles:
os chamados fatores locacionais, usualmente denominados ativos intangíveis; e
aqueles derivados da economia do conhecimento, que inclui presença de instituições
de pesquisa e universidades, oferta de serviços tecnológicos, disponibilidade de
mão de obra qualificada e alta densidade de pesquisa e desenvolvimento (P&D),
presentes no setor privado. A convergência do elevado dinamismo econômico com
a existência de políticas de ciência, tecnologia e informação (CT&I) culminou no
estabelecimento de um tecido institucional que ditou a liderança de São Paulo
nesta área em relação ao país.
Além da excelência das universidades estaduais e do ensino técnico presentes
na RM de São Paulo e na MMP, verifica-se que dos trinta institutos de pesquisa
científica e tecnológica existentes no estado de São Paulo, dezessete estão localizados
na cidade de São Paulo. Ainda no que se refere à qualificação da mão de obra, há
programas do governo do estado destinados a ampliar a oferta de ensino técnico e
superior por meio das escolas técnicas e das faculdades de tecnologia.
Há também modernas estruturas institucionais de âmbito científico e tecnológico, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),
o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), o Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e a Universidade de São Paulo (USP).
Anualmente, a FAPESP aplica 1% do total do Imposto sobre Operações Relativas à
Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) arrecadado em pesquisa e tecnologia,
o que significou R$ 894 milhões em 2012, ou 1,5% do PIB do estado.
A RM de São Paulo exibe participação expressiva no valor adicionado estadual:
90% da indústria editorial está concentrada na região; a indústria de confecção de
vestuário e a indústria de máquinas e equipamentos de informática respondem por
73% e 72%, respectivamente. O valor adicionado da indústria de máquinas para
escritório e equipamentos para informática e de produtos alimentares diminuiu
na RM de São Paulo e cresceu no estado de São Paulo (Seade, [s.d.]).
A alteração mais significativa na estrutura industrial da RM de São Paulo no
período 2000-2010 se deve ao aumento da produção de bens de capital e consumo
durável (BCCD), que passa a representar 38% de sua produção industrial e 53%
na produção da MMP. Ao mesmo tempo, a presença da categoria de bens de
consumo não duráveis (BCND) reduz-se de 24% para 14%, enquanto a produção
de bens intermediários (BCI) permanece como a mais importante da região, em
torno de 46%. Embora conte com uma estrutura industrial muito diversificada,
apenas seis divisões da indústria de transformação são responsáveis por cerca de
70% do valor da transformação industrial (VTI) da região.
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
55
A indústria química (que inclui a fabricação de produtos farmacêuticos e representa
cerca de 20% do VTI no período) e a indústria de veículos automotores (que saltou de
11%, em 2000, para 23%, em 2010) seguem como as principais divisões da estrutura
industrial da RM de São Paulo. Em ambas, o grau de concentração é de mais de 60%
da produção da MMP – no caso da farmacêutica, chega a 75%.
O complexo automobilístico da RM de São Paulo, localizado no ABC,10
concentra plantas industriais com alta intensidade tecnológica, com previsões de
inúmeros investimentos, como ampliação de estruturas físicas, aquisição de equipamentos, modernização de plantas, novos produtos, novos processos de engenharia,
bem como ampliação da capacidade produtiva e também do sistema de logística.
Estas informações sinalizam desdobramentos futuros positivos e confirmam a
importância deste parque automotivo na região.
O deslocamento de pessoas internamente à RM de São Paulo assumiu grandes
proporções entre 2000 e 2010. Embora o município de São Paulo continue como
destino principal, novos polos de emprego se desenvolveram, atraindo trabalhadores
de vários municípios. A mobilidade se impôs como prioridade tanto para as pessoas
como para a circulação das mercadorias produzidas e/ou consumidas na RM de São
Paulo e distribuídas para dentro e fora do país. Esta tendência deve ter continuidade,
visto que existem previsões de investimentos industriais, com ampliação
de estruturas físicas, aquisição de equipamentos, modernização de plantas, bem
como ampliação da capacidade produtiva e do sistema de informação e pesquisa.
Estas intenções sinalizam desdobramentos futuros positivos e confirmam a importância
deste parque industrial.
A maior parte dos novos investimentos deslocou-se da RM de São Paulo
para outras regiões, principalmente para a RM de Campinas. Nos setores de
máquinas e equipamentos e de metalurgia de ferrosos, o valor adicionado
cresceu na região e, mais intensamente, no estado. Sofreram esvaziamento,
tanto na RM de São Paulo quanto no estado de São Paulo, os ramos de
máquinas, aparelhos e materiais elétricos, material eletrônico e equipamentos de
telecomunicações, eletrodomésticos, combustíveis, papel e celulose, produtos
farmacêuticos e têxtil. No ramo de material de transportes, ocorreu o mais
expressivo crescimento na década, um aumento real de R$ 8,4 bilhões no valor
adicionado estadual, cerca de 65% (R$ 5,5 bilhões) tiveram origem na RM
de São Paulo. Esta performance, alicerçada no tradicional conjunto de montadoras e indústrias de autopeças instaladas sobretudo no ABC e na capital, foi
responsável por uma queda menos acentuada da participação industrial da RM
de São Paulo no total do estado. O ramo de equipamentos médicos, óticos,
10. Composto por Ford, Volkswagen, Mercedez-Benz, Scania e Toyota.
56
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
de automação e precisão envolve indústrias de maior conteúdo tecnológico,
pesa relativamente pouco no total e cresceu no estado majoritariamente fora
da RM de São Paulo.
O peso relativo do município de São Paulo na atração de novos investimentos é muito grande, conforme demonstrado na Pesquisa de Investimentos
Anunciados no Estado de São Paulo (PIESP) de 2013, elaborada pela Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), em que representa 32%
do total da RM de São Paulo (Seade, 2013).11 Seus principais investimentos
neste período estão relacionados a comércio, serviços e atividades imobiliárias.
No Grande ABC, além da manutenção dos investimentos no setor industrial
diversificado, ganharam destaque os investimentos nas atividades imobiliárias e
no setor logístico, reforçando o processo de reorganização dos setores industrial
e logístico na RM de São Paulo. Em Guarulhos, destacaram-se os investimentos
nas atividades imobiliárias e logísticas.
A implantação do Rodoanel, bem como a complementação da capacidade
dos grandes sistemas de circulação rodoviária no entorno da metrópole, tem
contribuído para a formação de novos distritos de negócios junto aos eixos
rodoviários e a seus principais entroncamentos, notadamente relacionados ao setor
logístico. Este setor representa uma oportunidade para uma nova localização
de atividades e de conformação de novos polos de negócio, concernentes ao
desenvolvimento da logística na RM de São Paulo e na MMP. O provimento de
infraestrutura e o desenvolvimento de serviços relacionados à logística devem
estimular a implantação de plataformas logísticas, ligadas ao processamento final
de produtos, estocagem e transbordo, além de serviços financeiros, aduaneiros,
fiscais e administrativos.
A operação dos trechos oeste e sul do Rodoanel está associada à ocupação
de glebas situadas junto às rodovias troncais, localizadas nas proximidades dos
trevos de interligação àquele, próximas aos principais eixos de movimentação
de cargas, no corredor de transporte formado pelos sistemas Anhanguera/
Bandeirantes, Rodoanel e Anchieta/Imigrantes. A figura 1 mostra os
empreendimentos logísticos privados, marcados por pontos amarelos; os locais
prioritários definidos pelo planejamento estadual e os locais prioritários do
Plano Diretor de Desempenho de Transportes (PDDT) e do Plano Integrado
de Transportes Urbanos (Pitu), em pontos azuis; e os principais corredores de
exportação, representados por linhas, sendo as vermelhas os corredores ferroviários
e as brancas, os corredores rodoviários.
11. Não estão somados os anúncios de investimento em que as empresas indicam “diversos municípios”. A Região
Metropolitana de São Paulo (RM de São Paulo) responde por 52,2% do total dos anúncios do estado.
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
57
FIGURA 1
Empreendimentos logísticos, principais corredores de exportações e locais prioritários
– MMP (2010)
Fonte: Google Earth.
2.2 Evolução da mancha urbana
A expansão da mancha urbana da RM de São Paulo ocorreu devido ao crescimento de
seu núcleo principal – a cidade de São Paulo – e ao seu posterior espraiamento pelos
eixos de maior acessibilidade regional, incorporando os territórios vizinhos.
A estrutura primária do núcleo era apoiada especialmente nos acessos fluviais
por meio dos rios Tietê e Tamanduateí. Depois disso, passou a se apoiar na
rede ferroviária, que se constituiu no principal eixo indutor da evolução urbana
desse período. São Paulo foi o ponto de origem desta estrutura ferroviária, que se
iniciou a partir da década de 1860, composta por cinco principais companhias:
São Paulo Railway Company (Santos-Jundiaí), Companhia Paulista, Estrada de
Ferro Sorocabana, Companhia Mogiana e Estrada de Ferro Central do Brasil.
As ferrovias marcaram profundamente o território da RM de São Paulo e deram o
necessário apoio e suporte aos primeiros movimentos de expansão urbana, voltada
ao apoio às atividades industriais decorrentes do surgimento de vilas operárias e
pequenos núcleos de atividades diversificadas de alcance local, especialmente nos
arredores das estações.
Essa dinâmica de crescimento provocou a incorporação sucessiva de novas
áreas ao tecido urbano, propiciando o surgimento de uma faixa continuamente
urbanizada, que envolvia parcelas de São Paulo, Osasco, São Caetano do Sul e Santo
André. A partir de 1930, começa a se desenhar o primeiro setor significativo de
expansão da mancha urbana, no sentido leste-oeste. A partir da década de 1950, a
RM de São Paulo passa a contar com uma nova estruturação da expansão urbana,
58
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
mediante a indução promovida pelos melhoramentos das rodovias existentes e a
construção de outras, mais modernas, que dividem com as ferrovias o papel de
eixos polarizadores da urbanização e da implantação industrial. Em função disso,
a mancha prossegue seu deslocamento para leste, seguindo as direções da rodovia
Presidente Dutra e da Estrada de Ferro Central do Brasil; para sudeste, acompanhando a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí; e para o sul, ao longo da rodovia
Anchieta. Vale observar que as rodovias Dutra e Anchieta facilitaram a ligação aos
municípios de São Bernardo do Campo e Guarulhos, então incluídos no processo
de expansão industrial. Nas direções oeste e sudoeste, a ocupação inicial ocorreu de
forma dispersa e desordenada, tendo como seus principais vetores, respectivamente,
a Estrada de Ferro Sorocabana e a rodovia Régis Bittencourt.
Essas estruturas viárias permitiram a intensificação da mobilidade da população,
por meio do transporte público e individual motorizado. Novas avenidas e
estradas são construídas e novos espaços são ocupados para fins urbanos.
A expansão consolida-se e espalha-se sem planejamento adequado. Houve uma tentativa
de ordenamento, ainda na década de 1930, por meio do Plano de Avenidas,
projetado pelo engenheiro Francisco Prestes Maia, o qual assumia uma estrutura
radiocêntrica já existente e um sistema de avenidas diametrais e perimetrais.
Tal plano serviu de base para a estruturação das áreas mais centrais de São Paulo
até a década de 1960.
Na década de 1970, o processo de desenvolvimento metropolitano intensificou-se
na direção oeste, devido à oferta de terras para o assentamento residencial das classes
média-alta e alta, com a implantação de loteamentos, situados, inicialmente, nos eixos
das rodovias Raposo Tavares, Régis Bittencourt e, posteriormente, Castelo Branco.
Na porção norte, esta situação ocorreu na Serra da Cantareira.
A urbanização encontrou barreiras físicas para o processo formal de expansão –
ao norte, a Serra da Cantareira; ao sul, as represas Billings e Guarapiranga; e a
sudeste, o relevo de Mares de Morros do rebordo da Serra do Mar.
A Serra da Cantareira e o entorno das represas foram objeto de intenso processo de ocupação irregular, a despeito de áreas protegidas por legislação ambiental.
Esta situação ocorreu especialmente pela falta de alternativas habitacionais para a
população de menor renda, associada às oportunidades de emprego no setor sul
(Ipea, USP e UNICAMP, 2001, p. 64). O eixo leste-oeste se organizou como um
vetor de expansão preferencial, abrindo-se “corredores” que atravessam as áreas de
topografia mais acidentadas.
A grande maioria dos loteamentos clandestinos surgidos após 1972 na RM
de São Paulo está em áreas de proteção de mananciais (APMs). Somente entre
1988 e 1994, foram implantados no município de São Paulo 19,64 milhões
de metros quadrados e 100 mil lotes (Ipea, USP e UNICAMP, 2001, p. 94).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
59
A necessidade de preservação de mananciais de água e outros recursos naturais
em áreas densamente urbanizadas tem levado à delimitação de enormes áreas,
onde a ocupação e o uso do solo são alvo de grandes restrições. Esta situação
ocorreu devido, entre outros fatores, ao fato de que, para o uso residencial, estas
restrições de ocupação atingem principalmente os assentamentos populares, por
suas características de densidade. No entanto, em alguns casos, a impossibilidade
de aproveitamento das áreas protegidas as tornam propícias à ocupação pela
população mais pobre; processo viabilizado também pela falta de fiscalização,
como tem revelado diversas pesquisas realizadas sobre o uso do solo em âmbito
metropolitano no Brasil.
A dinâmica da expansão urbana na RM de São Paulo baseou-se, principalmente
após a metade do século XX, em um padrão que apresentava uma área central e um
centro expandido adensado, identificado como o município de São Paulo – núcleo
da RM de São Paulo, com infraestrutura urbana adequada, onde se concentrava, e
ainda se concentra, a maior parte das ofertas de trabalho, o comércio e os serviços
especializados. Além deste centro expandido, uma imensa área de urbanização
periférica, especialmente envolvendo os municípios de Diadema, São Bernardo do
Campo e Guarulhos, com infraestrutura e equipamentos urbanos e comunitários
insuficientes e pouca oferta de empregos, onde a exclusão social se reflete em um
padrão de exclusão territorial representado pela ocupação territorial com padrões
habitacionais precários.
A conformação topográfica da RM de São Paulo demonstra situações mais
favoráveis à ocupação no sentido leste-oeste, onde ocorreu seu maior espraiamento,
que ultrapassa a extensão de 90 quilômetros entre Amador Bueno, em Itapevi, e
César de Souza, em Mogi das Cruzes. No sentido norte-sul, a conurbação ultrapassa
a distância de 70 quilômetros.
As áreas centrais, também favoráveis à ocupação, são aquelas onde a conformação
topográfica, embora apresente ondulações e morros, se caracteriza por grandes áreas
consideradas adequadas ao assentamento urbano. Estas áreas, de relevo mais suave,
se encontram principalmente nas planícies aluviais dos rios Tietê, Tamanduateí,
Pinheiros e Aricanduva, entre outros cursos d’água menores.
Para monitorar o crescimento urbano da RM de São Paulo, a Empresa Paulista
de Planejamento Metropolitano (Emplasa) elabora o mapeamento da expansão
da área urbanizada periodicamente. O mapa 2 ilustra a expansão urbana em doze
períodos: 1881, 1914, 1929, 1949, 1962, 1974, 1980, 1985, 1992, 1997, 2002
e 2010. Até 1949, as informações foram coletadas de mapas antigos, os quais não
abrangiam a totalidade da região. A partir de 1962, as informações foram extraídas
de fotos aéreas ou de imagens de satélites, recobrindo toda a área da região.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
60
MAPA 2
Evolução da mancha urbana
Fonte: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano – Emplasa (2010).
3 GESTÃO DO USO DO SOLO NA RM DE SÃO PAULO
A Lei Complementar no 14/1973 criou a Região Metropolitana de São Paulo12
e estabeleceu o uso do solo metropolitano, entre os serviços comuns de interesse
metropolitano, abrindo ao estado a possibilidade de disciplinamento de uso e
ocupação do solo, um dos pontos centrais do planejamento urbano. Desde então,
é grande a heterogeneidade de instrumentos de gestão do uso do solo (leis de zoneamento, códigos de obras e edificações, planos diretores e leis regulamentadoras de
usos). A despeito da sua existência, há necessidade de avanços destes instrumentos,
visando à eficácia das políticas públicas de desenvolvimento urbano – especialmente,
as relativas a habitação, saneamento e transporte.
O “uso do solo metropolitano” é uma expressão criada pela Lei Complementar
Federal no 14, de 8 de junho de 1973, para designar um “serviço comum de interesse metropolitano”, cujas soluções extrapolam a competência de cada município
(Emplasa, 2012b).
12. Os temas institucional e histórico foram tratados detalhadamente no relatório técnico de pesquisa Arranjos
institucionais de gestão metropolitana na RM de São Paulo, que deu origem ao capítulo Governança metropolitana
na Região Metropolitana de São Paulo (Motta e Miranda, 2013).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
61
O planejamento metropolitano na RM de São Paulo teve início em 1970,
com a elaboração do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI).
As primeiras diretrizes metropolitanas relativas ao uso e à ocupação do solo na
RM de São Paulo foram aprovadas em 1976, pelo Conselho de Desenvolvimento
da Região Metropolitana da Grande São Paulo (CODEGRAN), com base no
PMDI. Este plano embasou o Estudo de implementos legais de ordenamento do uso
e ocupação do solo, que deu origem à Lei Estadual de Proteção aos Mananciais
(LPM) no 898/1975 e à Lei de Zoneamento Industrial (LZI) n o 1.817/1978.
Em 1985, a Emplasa elaborou o estudo Políticas e diretrizes para o ordenamento do
uso e ocupação do solo na RM de São Paulo, parte integrante do Plano Metropolitano
de Desenvolvimento (PMD).
O Plano Metropolitano da Grande São Paulo 1994-2010 foi elaborado
pela Emplasa como instrumento estratégico. Em 2004, esta elaborou a Agenda
Metropolitana de Ações Estratégicas para a RM de São Paulo, a qual seria um guia
orientador das ações públicas e privadas necessárias para o equacionamento dos
problemas e para o desenvolvimento das potencialidades da região, identificando
parcerias, definindo prioridades e origem dos recursos para a sua execução.
Em 2011, iniciou-se a nova fase do processo de governança metropolitana
paulista, com a reorganização do Sistema Estadual de Desenvolvimento Metropolitano e uma expressiva articulação político-institucional entre a Emplasa e os
municípios da RM, por meio da sua atuação como Agência de Desenvolvimento
da RM de São Paulo. Nesta fase, inicia-se a elaboração de importantes projetos no
âmbito da Emplasa, tais como o Plano de Ação da MMP, o Plano Metropolitano
de Desenvolvimento Habitacional (PMDH) e o Sistema Integrado de Informações de Desenvolvimento Urbano e Habitação, sendo estes dois últimos objeto de
contratação pela Secretaria Estadual de Habitação.
Quanto às estruturas de governança da FPIC uso do solo metropolitano, a RM de
São Paulo possui o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano (CDM-RM
de São Paulo), a Câmara de Desenvolvimento Metropolitano, como colegiado de
Estado, e os conselhos consultivos para cada sub-região, com participação social, para
subsidiar a definição dos temas comuns à região. O conselho de desenvolvimento
e os conselhos consultivos poderão constituir câmaras temáticas, para as FPICs, e
câmaras temáticas especiais, voltadas a um programa, um projeto ou uma atividade
específica. Além destas organizações, existem os consórcios intermunicipais,
que ocupam um espaço importante de gestão regional de problemas comuns.
Trata-se de uma iniciativa que vem sendo adotada por diversos municípios
para lidar com problemas comuns, amparadas na Lei Federal no 11.107/2005,
regulamentada pelo Decreto Federal no 6.017/2007. No âmbito do trabalho
realizado pela Emplasa quando da reorganização da RM de São Paulo, em 2011,
foram identificados e mapeados onze consórcios atuantes neste território.
62
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Também foi elaborado pela Emplasa, em 2013, uma proposta de criação
de um fundo de compensação socioambiental para os municípios integrantes da
macrometrópole com menor dinamismo econômico e mais vulneráveis do ponto
de vista ambiental. Este projeto também constitui um instrumento de gestão
e articulação da política metropolitana, visando conciliar preservação ambiental e
desenvolvimento metropolitano nos municípios que integram as APMs na RM de
São Paulo. O projeto está em fase de análise das fontes de financiamento.
3.1 Gestão do uso do solo e precariedade habitacional
A insuficiência e a inadequação dos instrumentos de planejamento e gestão do
uso do solo resultam, muitas vezes, na favelização e na ocupação de novas áreas
nas periferias metropolitanas. Assim, no âmbito dos instrumentos de gestão do
uso do solo urbano, observa-se ainda na legislação vigente restrições de natureza
institucional, técnica e burocrática, que vêm se constituindo em obstáculos a
uma gestão eficaz do uso do solo metropolitano. Tais restrições têm contribuído
também para o aumento dos preços dos terrenos e para a elevação dos custos dos
investimentos públicos e privados.
Sistemas de planejamento de gestão do uso do solo devem ser dinâmicos e
capazes de assimilar processos sociais e econômicos urbanos, permitindo o atendimento
das demandas habitacionais e de desenvolvimento urbano, visando evitar graves
disfunções nas cidades. Tais disfunções se manifestam negativamente na cidadania,
nos aspectos econômicos, socioambientais e físico-territoriais, tornando ineficazes
os instrumentos de gestão do uso do solo como orientadores do desenvolvimento
urbano e penalizando a população pobre que vive em assentamentos insatisfatórios,
à margem das normas, nas favelas, nos loteamentos clandestinos e nas moradias
precárias de aluguel.
Nesse contexto, propor políticas públicas no âmbito do planejamento urbano
e da gestão do uso do solo, avaliar o papel do planejamento e da gestão do uso
do solo no equacionamento dos problemas urbanos, propor a adoção de novos
parâmetros para as práticas de planejamento e gestão do uso do solo e desenvolver
estratégias urbanas com vistas ao atendimento e à solução das áreas urbanas
informais são atividades necessárias para o avanço da política de desenvolvimento
urbano em âmbito metropolitano. Portanto, o aperfeiçoamento de instrumentos
de planejamento e a definição de estratégias para a formulação e a execução de
política de uso do solo inclusiva são necessários à superação desses problemas.
A ineficácia e a inadequação dos instrumentos de planejamento e gestão
urbana podem contribuir para o estabelecimento de padrões irregulares e informais
de ocupação e urbanização, em especial dos segmentos mais pobres da população.
Em alguns casos, ao propiciarem a supervalorização de imóveis em algumas áreas,
podem incentivar – por omissão ou inadequação – um grande contingente da
população pobre a ter apenas acesso a formas irregulares de ocupação e habitação.
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
63
O acesso à habitação é, nesses termos, afetado pelo ambiente regulador,
institucional e normativo. A habitação resultante desse processo é, em geral, não
autorizada e de baixos custo e padrão de qualidade. Situa-se em áreas restritivas à
ocupação, geralmente não atendidas por serviços e infraestrutura urbana.
Nesse entendimento, destaca-se a expressiva população em situação de informalidade – em favelas e loteamentos clandestinos – e em desconformidade com a regulação
urbana vigente na RM de São Paulo, em especial nas áreas de proteção aos mananciais.
A legislação de proteção aos mananciais disciplina e estabelece parâmetros de
controle de uso e ocupação do solo, com o objetivo de garantir o abastecimento e a
qualidade da água, além de conter a poluição na fonte e de ampliar a oferta de água.
A necessidade de preservar os mananciais de água tem exigido a delimitação
de grandes áreas onde a ocupação e o uso do solo são alvo de restrições que atingem
principalmente os assentamentos populares. Em alguns casos, a impossibilidade
de aproveitamento rentável desvaloriza as áreas protegidas e as tornam propícias
à ocupação pela população mais pobre, processo também viabilizado pela falta de
políticas habitacionais dirigidas e de fiscalização (Ipea, 2001, p. 94).
O mapa 3 e a tabela 1 apresentam a identificação dos municípios da RM de
São Paulo, cujo território é parcial ou integralmente inserido em área de manancial.
MAPA 3
Área de proteção aos mananciais – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2014).
Obs.: a área verde representa o limite da área de proteção aos mananciais (APM).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
64
TABELA 1
Classificação das áreas dos municípios – Lei de Proteção aos Mananciais (LPM)
Municípios
Franco da Rocha¹
Área total (km2)
Área em APM (%)
Área em APM (km2)
133,33
5,02
Poá¹
17,48
5,72
1,00
Caieiras¹
96,85
19,52
18,90
Mauá¹
61,95
20,02
12,40
Diadema¹
30,76
23,41
7,20
Guarulhos¹
317,85
29,07
92,40
São Paulo¹
1.523,20
36,14
550,50
324,71
39,70
128,60
Cotia¹
Ferraz de Vasconcelos¹
Mogi das Cruzes¹
6,70
29,57
41,59
12,30
713,30
48,86
348,50
Arujá²
96,27
50,59
48,70
São Bernardo do Campo²
408,92
52,06
212,90
Santo André²
174,39
54,93
95,80
70,35
57,85
40,70
205,28
64,55
132,50
Embu das Artes²
Suzano²
Mairiporã²
321,02
80,56
258,60
Santa Isabel²
363,26
81,71
296,80
Biritiba-Mirim²
318,22
89,25
284,00
Salesópolis²
423,55
98,48
417,10
Embu-Guaçu³
154,98
100,00
154,98
Itapecerica da Serra³
150,74
100,00
150,74
Juquitiba³
522,27
100,00
522,27
Ribeirão Pires³
99,65
100,00
99,65
Rio Grande da Serra³
36,24
100,00
36,24
186,97
100,00
186,97
São Lourenço da Serra³
Fonte: Emplasa (2014).
Notas: 1Até 50% do território em APM.
2
De 50% a 99% em APM.
3
100% em APM.
Nesse contexto, são necessárias a implementação de políticas de provisão de
moradias, ações socioambientais, urbanização de favelas e provisão de infraestrutura
em áreas já ocupadas – por exemplo, nas APMs da RM de São Paulo. Também devem
ser implementadas ações nas áreas de risco e deve ser adotada fiscalização adequada
nas áreas de proteção ambiental objeto de plano de manejo.
As políticas públicas voltadas aos assentamentos precários – incluídos os
loteamentos clandestinos e as favelas – constituem um grande desafio da política
metropolitana, sendo prioridade do PMDH – em fase de elaboração pela Emplasa
e objeto de contrato com a Secretaria da Habitação. O plano prevê ações dirigidas
aos assentamentos precários em suas diferentes tipologias, recomendando áreas e
eixos estratégicos para a atuação da política metropolitana de habitação.
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
65
As estimativas das necessidades habitacionais no âmbito do Plano Estadual de
Habitação – com base na Pesquisa de Condições de Vida (PCV) 2006, da Fundação
Seade – mostram que a RM de São Paulo reúne cerca da metade dos domicílios do
estado de São Paulo (47,8%). A região concentra 52,7% do total do deficit habitacional do estado e 53,9% do total de domicílios inadequados (tabelas 2 e 3).
TABELA 2
Distribuição dos domicílios segundo as necessidades habitacionais: números
absolutos – São Paulo e regiões metropolitanas (2011)
Total
Necessidades habitacionais
Total de domicílios
13.546.131
Regiões metropolitanas
São Paulo
Baixada Santista
Campinas
6.477.788
554.553
918.058
Vale do Paraíba e Litoral Norte
690.691
Deficit
1.159.435
610.613
61.644
79.048
32.471
Inadequado
3.190.543
1.719.431
159.177
131.375
113.706
Fonte: São Paulo (2011).
TABELA 3
Distribuição dos domicílios segundo as necessidades habitacionais – São Paulo e
regiões metropolitanas (2011)
(Em %)
Necessidades habitacionais
Total
Total de domicílios
Deficit
Inadequado
Regiões metropolitanas
São Paulo
Baixada Santista
Campinas
Vale do Paraíba e Litoral Norte
100
47,8
4,1
6,8
5,1
100
52,7
5,3
6,8
2,8
100
53,9
5,0
4,1
3,6
Fonte: São Paulo (2011).
Para a elaboração do Plano de Ação da Macrometrópole Metropolitano e do
PMDH, o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) realizou, em 2013, um estudo
sobre os assentamentos precários na RM de São Paulo. O trabalho foi desenvolvido a
partir dos dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010, do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). Os setores censitários não especiais em condições
similares àqueles classificados pelo instituto como subnormais foram denominados
setores precários. A soma dos setores subnormais do IBGE com os setores precários
identificados no trabalho do CEM resultou no chamado assentamento precário.
Esses estudos indicam que, na RM de São Paulo, o número de pessoas
residentes em assentamentos precários passou de 2.616.178, em 2000 para
2.821.820, em 2010, um aumento de 205.642, equivalente a 7,8%.
Os maiores números em termos absolutos estão nas cidades de São Paulo, com
468.023 domicílios em assentamentos precários; Guarulhos, com 62.678; São
Bernardo do Campo, com 45.846; e Santo André, com 29.990. Os maiores
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
66
números em termos relativos estão nas cidades de Diadema, com 22,3% de
seus domicílios em assentamentos precários; São Bernardo do Campo, com
19,5%; Embu das Artes, com 19,1%; e Mauá, com 18,9% (tabela 4 e gráfico 2).
Como pode ser observado no mapa 4, que ilustra a localização dos setores
urbanos censitários subnormais e precários, a precariedade habitacional ocorre de
forma mais concentrada próxima aos limites municipais.
TABELA 4
Número de pessoas residentes em domicílios particulares permanentes, por tipo de
setor censitário e região
Tipo de setor censitário
Região
Setores
subnormais
(A)
Setores
precários (B)
Assentamentos
precários
(A + B)
Total de setores
censitários
Assentamentos precários/
total de setores
(%)
RM de São Paulo
2.169.502
652.318
2.821.820
19.456.367
14,5
RM da Baixada Santista
297.091
41.753
338.844
1.653.543
20,5
RM de Campinas
160.825
234.273
395.098
2.735.378
14,4
18.522
123.947
142.469
2.131.448
6,7
RM do Vale do Paraíba e
Litoral Norte
AU de Jundiaí
22.949
79.917
102.866
664.361
15,5
MMP – total
2.668.889
1.132.208
3.801.097
26.641.097
14,3
Fonte: Centro de Estudos da Metrópole – CEM (2013).
GRÁFICO 2
Distribuição dos domicílios em setores subnormais e precários – municípios da RM
de São Paulo (2010)
(Em milhares)
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
Arujá
Barueri
Biritiba-Mirim
Caieiras
Cajamar
Carapicuíba
Cotia
Diadema
Embu
Embu-Guaçu
Ferraz de Vasconcelos
Francisco Morato
Franco da Rocha
Guararema
Guarulhos
Itapecerica da Serra
Itapevi
Itaquaquecetuba
Jandira
Juquitiba
Mairiporã
Mauá
Moji das Cruzes
Osasco
Pirapora do Bom Jesus
Poá
Ribeirão Pires
Rio Grande da Serra
Salesópolis
Santa Isabel
Santana de Parnaíba
Santo André
São Bernardo do Campo
São Caetano do Sul
São Lourenço da Serra
São Paulo
Suzano
Taboão da Serra
Vargem Grande Paulista
0
Domicílios em setores subnormais (a)
Fonte: CEM (2013).
Elaboração: Emplasa.
Domicílios em setores precários (b)
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
67
MAPA 4
Setores censitários agrupados conforme a precariedade habitacional – RM de
São Paulo (2010)
Fonte: CEM (2013).
Estudo realizado pela Emplasa, visando à elaboração de ações específicas
de política habitacional em APMs, identificou os assentamentos precários nas
sub-bacias de Guaió, Juquitiba e Jaguari (mapa 5). Este estudo visa apoiar ações
prioritárias no âmbito da Política Estadual de Habitação.
TABELA 5
Número de domicílios e moradores em domicílios particulares permanentes em
aglomerados subnormais/assentamentos precários nas APMs
Sub-bacias/municípios¹
Guaió
Ferraz de Vasconcelos
Número de domicílios particulares permanentes
Moradores em domicílios particulares permanentes
2.024
7.358
611
2.195
Mauá
1.413
5.163
Jaguari
1.816
6.658
Arujá
1.373
5.060
Santa Isabel
443
1.598
Juquitiba
424
1.522
4.264
15.538
Total
Fonte: IBGE (2011).
Elaboração: Emplasa.
Nota: ¹ Municípios que possuem parte ou total de seu território na APM.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
68
MAPA 5
Necessidades habitacionais em áreas de proteção aos mananciais – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2014).
3.2 Monitoramento do uso do solo
Para subsidiar as atividades de monitoramento do uso do solo metropolitano, em
2002, a Emplasa iniciou a estruturação do banco de dados corporativo, denominado
SIGEmplasa, com a validação de uma base cartográfica com precisão de representação
na escala de 1:25.000, a qual viabilizou a introdução de uma nova forma de mapear
o uso e a ocupação do solo urbano. Neste sistema, o mapeamento de uso e ocupação
do solo urbano identifica a predominância do uso, na quadra, nas áreas urbanizadas e
registra, nos usos isolados, o limite da área ocupada. Com isso, foi possível introduzir
um elevado nível de detalhes e quantificar os diferentes tipos de uso. O sistema foi
desenvolvido para favorecer associações de dados espaciais, econômicos e sociais,
proporcionando múltiplas análises e várias escalas de abordagem que certamente
contribuem para o planejamento e a gestão mais qualificada do território.
O mapeamento para a RM de São Paulo foi realizado com detalhe na escala
1:10.000, a partir de imagens do satélite Ikonos, para o período 2002-2003, e de
ortofotos, para o ano de 2007, complementado com intenso trabalho de campo.
Este mapeamento vem sendo atualizado a partir das ortofotos do Projeto Mapeia São Paulo,
do governo do estado de São Paulo (2010-2011), sediado na Emplasa (Emplasa, 2010).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
69
O monitoramento do uso do solo tem como foco principal o uso urbano
existente, as áreas comprometidas com a urbanização, que incluem as áreas com
arruamentos e loteamentos em início de ocupação ou desocupados, e as áreas destinadas
a atividades econômicas isoladas, com presença de indústrias, comércio e serviços.
As áreas definidas como em ocupação, vertical, misto (uso residencial horizontal e vertical)
e sem ocupação identificam as possíveis áreas de expansão urbana. O uso comércio
e serviço, com identificação de shopping centers, hipermercados e atacadistas, centro
de distribuição, depósitos e transportadoras, e o uso industrial, com identificação
do tipo de indústria e de equipamentos de infraestrutura, indicam as áreas de maior
dinamismo da atividade econômica na RM de São Paulo.
O crescimento e a alteração de uso são quantificados no banco de dados e
permitem demonstrar as tendências de transformação de cada município e da
própria região metropolitana. O resultado deste trabalho, apresentado no mapa 6,
é um retrato qualificado da ocupação na RM de São Paulo – porém com mais
intensidade nos eixos das rodovias Raposo Tavares (SP-270) e Presidente Castello
Branco (SP-280), a oeste, e da Presidente Dutra (BR-116) e Ayrton Senna da
Silva (SP-070), a leste.
Cabe ressaltar a elevada concentração dos usos industrial, comercial e serviço
nas áreas lindeiras aos eixos das principais rodovias. Destaca-se especialmente a
localização do uso comercial e serviço nas proximidades do trevo de conexão da
rodovia Castello Branco com o trecho oeste do Rodoanel, particularmente em
Barueri e no trecho inicial da rodovia Anhanguera, em São Paulo. Estas concentrações
são exemplos expressivos da modificação do uso do solo urbano, decorrentes
da implantação de via do porte do Rodoanel, que tem a importante função de
interligar as dez principais rodovias da RM de São Paulo.
Outros eixos importantes de concentração desses usos são as marginais
do rio Tietê e Pinheiros e a avenida do Estado, nos municípios de São Paulo, e
sua sequência no município de Santo André, além da ferrovia, especialmente
nos municípios de Suzano e Mogi das Cruzes. O mapa 6 mostra ainda que,
em relação ao crescimento urbano, a parte leste da RM de São Paulo é a que
oferece as melhores condições de expansão, porque, além de possuir mais áreas
disponíveis, não está sujeita às fortes restrições ambientais que as partes norte
e sul apresentam, a despeito de ainda ser carente de infraestrutura urbana e
apresentar forte presença de uso precário.
A análise por sub-região mostra alguns aspectos interessantes do território.
Na cidade de São Paulo, é possível identificar os seguintes aspectos: exiguidade
de áreas livres disponíveis para a expansão da cidade, o que aumenta a pressão
por ocupação em áreas precárias; fragilidade das áreas destinadas à preservação
ambiental (proteção aos mananciais) localizadas ao norte e ao sul do município,
70
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
que continuam sendo ocupadas de forma desordenada e com adensamento indesejado; expansão dos usos assentamento precário e favela na periferia da cidade,
especialmente ao sul, nas proximidades das represas Billings e Guarapiranga, e ao
norte, no limite da reserva da serra da Cantareira. Na área de confluência dos rios
Tietê e Tamanduateí, é possível identificar edificações, quadras de esporte, piscinas,
campos de futebol etc. cadastrados no banco de dados, o que permite quantificar
estes usos e produzir mapas temáticos.
A sub-região sudeste apresenta seu território dividido em dois compartimentos
bem diferenciados: uma área de urbanização total e uma área destinada à proteção
ambiental que abrange mais de 50% de seu espaço territorial. Os sistemas rodoviário
e ferroviário para transporte de passageiros e de carga que a servem, além de
a aproximarem do Porto de Santos, colocam-na como uma das mais privilegiadas
do estado com relação à infraestrutura logística, fator que favoreceu, desde a
década de 1950, o seu forte desenvolvimento econômico. Na área urbanizada,
há o predomínio do uso residencial horizontal, que sofre um acentuado processo
de verticalização, especialmente nos municípios de Santo André e São Bernardo
do Campo. Nota-se a expressiva presença de favelas e assentamentos precários
em Diadema, nas proximidades da Rodovia dos Imigrantes; em São Bernardo do
Campo, entre a via Anchieta e o limite de Santo André; e em Mauá, nos arredores
da refinaria de Capuava.
Observa-se também a forte concentração dos usos industrial e comércio e
serviço, particularmente nas áreas limítrofes dos eixos da via Anchieta (indústria
automobilística) e da Avenida dos Estados (indústrias químicas e petroquímicas,
pela proximidade da refinaria); históricos vetores de localização das indústrias ao
longo do processo de implantação desse importante parque industrial da RM de
São Paulo. No outro compartimento, localizam-se a represa Billings e um dos
principais fragmentos de Mata Atlântica do estado. A necessidade de preservação
coloca esta sub-região sob severas restrições da legislação ambiental, que passa a
exercer papel fundamental na gestão municipal, uma vez que os fatores de desenvolvimento estão intimamente ligados ao uso e à ocupação do solo.
A sub-região oeste tem seu espaço territorial organizado inicialmente pela
ferrovia (núcleos centrais de Osasco, Carapicuíba, Jandira, Barueri e Itapevi) e, nas
décadas mais recentes, pelas rodovias Presidente Castello Branco e Raposo Tavares,
que induziram novas áreas de ocupação. A dispersão do uso residencial nos tipos
horizontal, condomínio fechado horizontal, condomínio fechado em ocupação,
loteamento de chácara e loteamento de chácara em ocupação é a característica
marcante da expansão urbana nesta sub-região, particularmente nos municípios
de Cotia e Vargem Grande Paulista. Os usos industrial e comércio e serviço estão
concentrados nos municípios de Osasco, nos eixos das rodovias Anhanguera, no
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
71
limite com São Paulo e no trecho inicial da Castello Branco; Barueri, nos eixos das
rodovias dos Romeiros e Castello Branco; e Cotia, no eixo da Raposo Tavares.
A atividade industrial de extração mineral também é expressiva e está localizada
em Santana de Parnaíba e Pirapora de Bom Jesus.
A sub-região nordeste tem na rodovia Presidente Dutra um importante
eixo organizador desta porção do território metropolitano, com a instalação de
plantas industriais em terrenos às suas margens ao longo da década de 1960.
Mais recentemente, embora a marcante atividade industrial, há intenso crescimento da classe comercial e serviço, devido à presença de grandes depósitos e
empresas de logística. Na área urbanizada, aparece intensamente o uso misto
(residencial, comercial e serviço), em Guarulhos, onde também se encontra a maior
concentração dos usos assentamento precário e de favela, ao norte do Aeroporto
Internacional André Franco Montoro. Outra característica desta sub-região é a
expansão dos usos loteamento de chácara e loteamento de chácara em ocupação,
especialmente em Arujá e Santa Isabel. Nota-se também uma intensa atividade
industrial de extração mineral, particularmente concentrada em Guarulhos e Santa Isabel.
No mapa 6, uma representação espacial deste processo.
MAPA 6
Uso do solo – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2013).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
72
Ainda no âmbito do processo de monitoramento do uso do solo metropolitano,
desde sua criação, a Emplasa participa da gestão do processo de parcelamento do
solo na RM de São Paulo. Em 1991, foi criado o Grupo de Análise e Aprovação de
Projetos Habitacionais (GRAPROHAB),13 para analisar projetos de parcelamento do
solo e de núcleos habitacionais, dando ritmo e transparência ao processo. A atuação
da Emplasa no GRAPROHAB ocorre desde sua concepção e seu funcionamento,
com foco nas regiões metropolitanas do estado de São Paulo e na análise dos aspectos
de localização, acessibilidade, conformidade com os mapeamentos e caracterização
dos empreendimentos, de acordo com a Lei Federal no 6.766/1979 e suas alterações
pela Lei Federal no 9.785/1999. Também realiza o mapeamento georreferenciado
dos empreendimentos de parcelamento do solo para fins habitacionais, utilizados
para subsidiar as análises territoriais sobre a ocupação do solo e a expansão urbana.
Nos últimos cinco anos, foram analisados pela Emplasa, na RM de São Paulo,
1.069 empreendimentos habitacionais novos e complementações, incluindo loteamentos e condomínios. Entre 2009 e 2013, foram encaminhados para análise do
GRAPROHAB, na RM de São Paulo, 34.505 lotes, totalizando uma área de 2.225
ha, e 60.565 unidades habitacionais, referentes a uma área de 670,8 ha (tabela 6).
Entre as RMs do estado de São Paulo, a maior área de condomínios mapeados ao
longo dos cinco anos situa-se na RM de São Paulo, representando 48% do total.
Em 2012, Osasco, São Paulo e Mogi das Cruzes foram, nesta ordem, os municípios
de maior número de unidades habitacionais aprovados; em 2013, São Paulo,
Itaquaquecetuba e Santana de Parnaíba.
TABELA 6
Empreendimentos habitacionais protocolados no GRAPROHAB – RM de São Paulo
(2009-2013)
Região Metropolitana de São Paulo
Loteamento
Ano
Área (ha)
Lotes
Condomínios
Lotes – habitação de
interesse social (HIS)
Área (ha)
Unidades habitacionais
Unidades habitacionais – HIS
2009
546,8
10.640
702
124,7
10.334
-
2010
279,6
4.405
3.506
101,1
10.503
4.466
2011
565,5
9.053
-
139,6
19.731
2.273
2012
513,4
7.556
91
156,8
10.568
3.006
2013
319,7
2.851
20
148,6
9.429
2.849
2.225,1
34.505
4.319
670,8
60.565
12.594
Total
Fonte: Emplasa (2012b).
13. Esse colegiado, criado pelo Decreto Estadual no 33.499/1991, reformulado pelo Decreto Estadual no 52.053/2007,
foi constituído por representantes da Secretaria de Estado da Habitação (SH), da Companhia Ambiental do Estado de
São Paulo (CETESB), da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), da Empresa Paulista
de Planejamento Metropolitano (Emplasa) e do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
73
MAPA 7
Empreendimentos habitacionais – GRAPROHAB (2009-2013)
Fonte: Emplasa (2013).
A tabela 6 indica o aumento das áreas loteadas na RM de São Paulo
entre 2010 e 2011 (50,5%), acompanhando o aumento do número de lotes,
que passou de 4.405 para 9.053 nesse período. Entretanto, em 2013, ocorreu
uma queda tanto na área loteada quanto no número de lotes, que contabilizou
2.851 lotes, o menor valor da série. Cotia, Guarulhos e Santana de Parnaíba
foram os municípios que apresentaram os maiores percentuais de área loteada
em 2011; em 2013, destacaram-se Mogi das Cruzes, Itaquaquecetuba e Santa
Isabel. Nos empreendimentos analisados pelo GRAPROHAB, 12,5% dos
loteamentos e 20,8% das unidades habitacionais foram voltados para habitação
de interesse social (HIS).
O mapa 7 apresenta a espacialização dos empreendimentos na RM de São
Paulo. Nesta RM, os empreendimentos também tendem a se localizar na área
externa da mancha urbana. As principais direções de espraiamento da região se
dão no eixo das rodovias Presidente Dutra, Raposo Tavares e Castelo Branco,
concentrando desta maneira os empreendimentos nas bordas leste e, com mais
intensidade, oeste da região. Observa-se também um agrupamento de empreendimentos na parte nordeste de Mogi das Cruzes. Os empreendimentos das partes
sul e norte da região, por sua vez, estão mais dispersos.
74
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Além da atuação do GRAPROHAB, a RM de São Paulo conta ainda com
uma estrutura institucional de aplicação da legislação de proteção aos mananciais
(Leis Estaduais no 1.172/1969, no 898/1975 e no 866/1997), sediada na Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB). De forma geral, a aplicação
da referida legislação inclui diretrizes e normas para a proteção e a recuperação
dos mananciais de interesse regional; mecanismos para compatibilizar as ações
voltadas à preservação dos mananciais de abastecimento público e à proteção do
meio ambiente; delimitação das áreas de proteção relativa aos mananciais, cursos
e reservatórios de água; e aplicação de normas de restrição de uso do solo em tais
áreas. Esta proteção deve estar aliada ao desenvolvimento socioeconômico, por meio
da implementação da gestão integrada, que envolve, além de setores e instâncias
governamentais, agentes da sociedade civil e setor produtivo. Existem mecanismos
de compensação financeira para os municípios atingidos pelas restrições. A Emplasa
está concluindo o estudo Critérios para a Distribuição dos Recursos do Fundo de
Desenvolvimento da RM de São Paulo, o qual visa à proposição de novos mecanismos de compensação socioambiental, para além do Fundo Metropolitano de
Financiamento da RM de São Paulo (Fumefi).
Destaca-se a importância da análise da interação das atividades urbanas na
interface do planejamento metropolitano de uso do solo com as outras FPICs.
Em relação aos transportes metropolitanos, e no âmbito do PMDH, a Emplasa
incorporou os produtos do SIGPLAM à análise do desenvolvimento urbano
regional. O SIGPLAM é uma ferramenta do governo do estado sediada na Emplasa,
de apoio à articulação institucional, que viabiliza o compartilhamento eletrônico de
informações sobre obras de expansão dos serviços públicos e de análises
referentes à inserção territorial destas obras, de modo a promover o planejamento
intersetorial e sua vinculação ao território metropolitano. O SIGPLAM também
viabiliza o acesso, via web, a informações georreferenciadas, geoespaciais, socioeconômicas, ambientais, de redes de infraestruturas e equipamentos urbanos,
para a realização de análises sobre a inserção territorial das obras de expansão de
serviços públicos e ferramentas eletrônicas para a produção de mapas temáticos
e consultas geográficas.Com o auxílio desta ferramenta, foram lançadas na base
do SIGPLAM as informações sobre as redes públicas de transportes de caráter
metropolitano e definido um buffer de 2 quilômetros de cada lado dos eixos dessas
redes, visando subsidiar estudos para localização de áreas destinadas à habitação
de interesse social (mapa 8).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
75
MAPA 8
Rede estrutural de transportes urbanos – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2012b).
3.3 Recursos hídricos e unidades de conservação
A principal bacia hidrográfica da RM de São Paulo está inserida na Unidade
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI) Alto Tietê. No âmbito
do Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei Federal
no 9.433/1997 e Lei Estadual no 7.663/1991), foi criado o Comitê da Bacia
Hidrográfica do Alto Tietê, que elabora o Plano de Bacia como instrumento de
planejamento e controle da qualidade dos recursos hídricos, enquanto sistema
de gestão descentralizado.
O mais recente plano de recursos hídricos com a RM de São Paulo é o Plano
Diretor de Aproveitamento de Recursos Hídricos da MMP – PDARH/MMP,
elaborado pela Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape)
para o DAEE e publicado em 2013. Este documento configura um avanço
importante nas análises de viabilidade econômica dos arranjos hídricos estudados
e nas diretrizes gerais para ações de gestão de demanda e medidas não estruturais,
a respeito de um dos mais importantes recursos para a atividade humana, a água.
Este plano, enquanto ferramenta de planejamento metropolitano, é inédito e seus
componentes foram incorporados ao planejamento da macrometrópole, uma vez
que, por sua natureza, exigem uma integração tanto territorial, entre as diferentes
76
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
bacias hidrográficas, quanto setorial, entre as diferentes áreas de governo – Emplasa,
recursos hídricos, meio ambiente etc.
A RM de São Paulo abriga um expressivo conjunto de unidades de conservação que demandam ações permanentes de planejamento e gestão do uso e da
ocupação de seu solo e de seu entorno. A seguir, lista-se cada uma delas, por grau de
proteção, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, e apresenta-se
a distribuição espacial (figura 2).14
1) Área de proteção ambiental – unidade de uso sustentável:
a) Cajamar: 13.400 ha
b) Haras São Bernardo: 35,30 ha
c) Mata do Iguatemi: 3 ha
d) Parque e Fazenda do Carmo: 867,60 ha
e) Serra do Mar (parcial): 489.000 ha
f ) Sistema Cantareira: 249.200 ha
g) Várzea do rio Tietê: 7.400 ha
2) Estação ecológica – unidade de proteção integral
a) Itapeti: 89,47 ha
3) Reserva biológica – unidade de proteção integral:
a) Alto da Serra de Paranapiacaba: 336 ha
4) Parque estadual – unidade de proteção integral
a) Alberto Loefgren: 174 ha
b) Cantareira: 7.900 ha
c) Fontes do Ipiranga: 543 ha
d) Jaraguá: 492,68 ha
e) Juquery: 1.927,70 ha
f ) Serra do Mar: 315.390 ha
14. As unidades de proteção integral devem, obrigatoriamente, ser áreas públicas e ter por objetivo básico preservar
a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. As unidades de uso sustentável
destinam-se a compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais.
Elas podem permanecer sob o domínio particular, desde que obedecidas as regras para a proteção ambiental da
área (Brasil, 2000).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
77
FIGURA 2
Unidades de conservação – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2010).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
3.4 Uso do solo dos municípios metropolitanos
Os municípios que compõem a RM de São Paulo possuem planos diretores e leis de
uso e ocupação do solo aprovados, sendo boa parte em período recente; portanto,
contemplam a participação social em sua concepção e aprovação. No âmbito dos
processos de monitoramento do uso do solo metropolitano e de elaboração do
PMDH, em 2014, a Emplasa georreferenciou as informações sobre macrozonas e
zonas da legislação municipal e de mananciais e agrupou-os em quatro macrozonas:
urbana, rural, interesse ambiental e proteção integral, destacando as zonas especiais de
interesse social e as áreas de proteção de mananciais da legislação estadual (mapa 9).
No âmbito do monitoramento do uso do solo, a Emplasa georreferencia as
informações dos investimentos estruturadores do território metropolitano presentes
nos planos plurianuais (PPAs) e orçamentos estaduais, incluindo também os grandes
investimentos federais, que subsidiam a análise das tendências de transformação da
ocupação decorrentes destes investimentos, previstos e em curso, cotejando com
as restrições de ocupação vindas da regulação urbanística e ambiental (mapa 10).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
78
MAPA 9
Macrozoneamento dos municípios metropolitanos – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2014).
MAPA 10
Investimentos estruturadores – RM de São Paulo
Fonte: Emplasa (2014).
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
79
3.5 A governança metropolitana e as FPICs
A governança metropolitana, enquanto sistema que abrange a formulação, a gestão e o
financiamento de políticas, planos, projetos e ações destinados ao desenvolvimento de
um território metropolitano, envolve não apenas a ação do setor público, mas também a
participação do setor privado e da sociedade (Emplasa, 2013a).15 Governança inclui
a análise da formulação, da implementação e da gestão de políticas e projetos
prioritários para o desenvolvimento territorial, os ordenamentos, as ferramentas
e os instrumentos adequados para sua gestão – mecanismos e instrumentos de
financiamento das políticas e projetos; a discussão de possibilidades e limites
de maior participação do setor privado; e o desenvolvimento dos processos de
discussão pública e de validação política de propostas e projetos.
As RMs são lócus de dinamismo econômico e de concentração de população
e atividades econômicas, reunindo funções com alto grau de complexidade e diversidade, geradoras de riqueza, emprego e produtividade.16 São também territórios
em que o intenso processo de urbanização, a diversidade econômica prevalente e
a heterogeneidade dos níveis de desenvolvimento urbano ou regional interpõem
grandes desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas, os quais se expressam,
por exemplo, na crescente pressão pela provisão de serviços básicos e equipamentos
sociais ou por novas e melhores infraestruturas urbanas.
A complexidade da metropolização do território impõe a governança dos
problemas urbanos mediante solução articulada e integrada de diferentes setores
dos serviços urbanos e de infraestrutura, além de – pelo fato de as políticas metropolitanas terem caráter transversal – exigirem a integração das políticas públicas
setoriais. Uso do solo, saneamento e transportes metropolitanos ultrapassam
fronteiras municipais, devendo ser enfrentados por meio de cooperação entre os
diferentes Entes da Federação que atuam neste território – estado, municípios e
União –, com a participação da sociedade.
A cooperação entre os agentes do desenvolvimento, em âmbito metropolitano,
enfrenta dificuldades de ordem político-institucional relacionadas à autonomia dos
governos locais, ou à repartição formal de atribuições entre os Entes da Federação,
no que respeita à solução de problemas que se estruturam como de interesse
comum, ou ainda à dificuldade de implementação de mecanismos e instrumentos
que ensejem a participação do setor privado ou da sociedade.
15. A macrometrópole paulista abrange as cinco regiões metropolitanas paulistas (São Paulo, Campinas, Baixada
Santista, Sorocaba, Vale do Paraíba e Litoral Norte); duas aglomerações urbanas (Jundiaí e Piracicaba); e a microrregião
de Bragantina, em um território de 50 mil km² (6% do estado de São Paulo), com 30,5 milhões de habitantes (74%
do estado e 15% do país) e que produz 83% do produto interno bruto (PIB) do estado de São Paulo e 28% do país.
16. As chamadas economias de aglomeração são oportunidades que se abrem para cidades e regiões e que contribuem
para a interconexão das metrópoles com outras aglomerações urbanas, não apenas no próprio país, mas também
no âmbito internacional, formando uma rede internacional de interdependências funcionais entre cidades e regiões
metropolitanas (Soja, 2000).
80
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Além das dificuldades político-institucionais, existem as relacionadas ao
financiamento de projetos metropolitanos, que não contam com fontes de recursos
específicos. A partir da Constituição de 1988, houve um fortalecimento relativo
da posição financeira dos municípios na repartição de tributos; em contrapartida,
ocorreu também um aumento de suas competências em função do processo de
descentralização das políticas públicas. Em face desta realidade, sua capacidade
de investimento é, em geral, baixa (Emplasa, 2012a).
De modo geral, a capacidade institucional dos municípios e das instituições
estaduais tem se mostrado insuficiente para implementar e gerir a infraestrutura e os
serviços em âmbito metropolitano. Por seu turno, o financiamento dos investimentos
em projetos metropolitanos exige arranjos institucionais com maior capacidade
de coordenação que aquela de que dispõem as estruturas de Estado criadas nos
últimos anos. Dessa forma, as regiões metropolitanas têm enfrentado dificuldades
para formular e implementar políticas e projetos eficientes para promover o
desenvolvimento regional sustentável, incluindo-se o financiamento de projetos.
A reduzida capacidade de investimento dos municípios, a necessidade dos
estados de cumprirem a disciplina fiscal e o volume de recursos exigidos para
projetos de infraestrutura – como os de saneamento, transporte, logística, drenagem e habitação, entre outros –, aliados ao fato de que investimentos desta
natureza ultrapassam mandatos governamentais, são fatores que demandam
soluções inovadoras e eficientes, visando ao envolvimento do setor privado no
financiamento do desenvolvimento metropolitano.
A escala da RM de São Paulo exige, especialmente no âmbito do planejamento e da gestão do uso do solo, ações articuladas aos desafios de ordem social,
econômica e institucional metropolitanos. O desafio social inclui, especialmente, a
pobreza. O desafio econômico reside em aumentar a competitividade das cidades,
melhorando a infraestrutura e o transporte. O desafio institucional é a adequação
de políticas e instrumentos de planejamento e gestão urbana às necessidades
urbanas e da população.
Assim, os principais desafios metropolitanos a serem enfrentados são articular
o desenvolvimento territorial e a urbanização inclusiva para as ações a seguir.
1) Melhorar as condições de vida da população pobre, promovendo o combate
à pobreza, com foco nas áreas urbanas informais (favelas, loteamentos clandestinos e outras formas); proporcionar melhorias habitacionais e provisão
de habitação; promover urbanização progressiva e dotá-la de infraestrutura,
equipamentos e serviços públicos comunitários.
2) Promover ações e programas urbanos integrados – habitação, saneamento,
transporte urbano, meio ambiente, saúde, educação, cultura, e segurança
pública –, com vistas a proporcionar o desenvolvimento sustentável da
RM de São Paulo.
A Governança do Uso do Solo Enquanto Função Pública de Interesse Comum
na Região Metropolitana de São Paulo
81
Também devem ser considerados os desafios de ordem financeira e institucional,
mobilizando recursos compatíveis com a escala dos investimentos necessários,
com a adoção de mecanismos e instrumentos de planejamento e gestão garantidores
da eficiência da atuação metropolitana.
Portanto, para o melhor desempenho do planejamento do uso do solo
metropolitano, são necessárias as seguintes ações.
1) Aperfeiçoar e fortalecer o planejamento e a gestão urbana – por meio
do fortalecimento municipal, visando a uma nova governança urbana
inclusiva –, com base em uma abordagem holística de desenvolvimento
urbano, para superar deficiências legais, técnicas e burocráticas; aperfeiçoar
a regulação urbana, para refletir a realidade e as condições socioeconômicas
da população; melhorar os sistemas de informação municipal; aumentar
a agilidade na gestão urbana; e promover programas de capacitação das
prefeituras e da gestão municipal.
2) Instituir política fundiária para promover a titulação e a regularização
de terras urbanas e rurais.
3) Aumentar a capacidade de investimento dos municípios metropolitanos
e a participação do setor privado no desenvolvimento urbano – com
consórcios, parcerias e outros instrumentos.
Todos esses desafios integram o Plano de Ação da MMP (PAM 2013-2040).
Enquanto instrumento de planejamento de médio e longo prazo, constitui uma
referência básica para a formulação e a implementação de políticas públicas e ações
metropolitanas do governo do estado de São Paulo no território da MMP, possibilitando o desenvolvimento das principais potencialidades deste território e apontando
diretrizes, metas e ações para a superação dos principais gargalos ao desenvolvimento
regional, de maneira a atingir o futuro desejado em 2040, com metas intermediárias
para 2020.
O PAM destaca, ainda, a necessidade de articulação dos três níveis de governo,
contemplando os seguintes princípios.
1) Consenso social – envolve a adoção de mecanismos que garantam a
participação na formulação e na formação de consensos sobre propostas
de ação definidas.
2) Articulação política – envolve a instituição de processos de consulta e
de validação política permanente de metas e propostas do PAM e da
Carteira de Projetos da MMP.
3) Envolvimento de agentes do desenvolvimento regional, já organizados
institucionalmente e formalizados por meio de consulta e participação
dos conselhos regionais de desenvolvimento.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
82
Dessarte, o enfrentamento dos desafios exige não somente uma ação colaborativa nas três esferas de governo, mas também uma política metropolitana capaz
de coordenar o planejamento, a execução e o financiamento das funções públicas de
interesse comum.
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CAPÍTULO 3
A GESTÃO DO TERRITÓRIO NA RMBH1
Maria Valeska Duarte Drummond2
Luana Rodrigues Godinho Silveira3
1 INTRODUÇÃO: USO DO SOLO COMO FUNÇÃO PÚBLICA DE INTERESSE
COMUM NA RMBH
O uso do solo metropolitano é uma função pública de interesse comum preconizada pela Lei Complementar no 89/2006, que dispõe sobre a Região Metropolitana
(RM) de Belo Horizonte, e a atuação dos seus órgãos de gestão deve abranger ações
que assegurem a utilização do espaço metropolitano sem conflitos e sem prejuízo à
proteção do meio ambiente. À luz da legislação mineira, função pública de interesse
comum é a atividade ou o serviço cuja realização por parte de um município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto nos outros municípios integrantes da região
metropolitana. À luz da doutrina, funções públicas de interesse comum são políticas
públicas ou ações que, em contextos de regiões metropolitanas e outras modalidades
regionais, devem ser conduzidas de forma compartilhada entre estado e municípios.4
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da RM de Belo
Horizonte assenta-se no pressuposto de que o controle do uso e da ocupação do solo
é a “materialização das relações socioeconômicas diante de condicionantes ambientais,
legais e das características da infraestrutura instalada” (Cedeplar, 2011). A sua regulação
é vista como instrumento de intervenção em todas as outras funções públicas de
interesse comum com repercussões diretas no território: políticas metropolitanas
de mobilidade, saneamento básico, aproveitamento dos recursos hídricos, preservação
ambiental, habitação, rede de saúde e desenvolvimento socioeconômico.
O controle do uso do solo metropolitano é atribuição da Agência de
Desenvolvimento da RM de Belo Horizonte (Agência RMBH), por meio da
emissão de diretrizes e da concessão de anuência prévia aos parcelamentos.
Ela possui também a prerrogativa de exercer o poder de polícia estadual para
1. O texto foi baseado na pesquisa Governança metropolitana no Brasil, coordenada pelo Ipea, que contou com a
participação dos pesquisadores Terêncio Octávio Avelino da Rocha, Luiza Lobato Andrade e Akino Takeda.
2. Mestre em estruturas ambientais urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).
3. Mestranda em ambiente construído e patrimônio sustentável pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de
Minas Gerais (EAUFMG).
4. Ver Alves (1998): “as funções públicas de interesse comum são da competência conjunta (comum) dos Municípios
metropolitanos e do Estado que os integra. Por isso é que são chamadas ‘funções públicas de interesse comum’”.
86
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
o controle da expansão urbana na RM de Belo Horizonte: o poder de polícia
preventivo no caso da anuência prévia e o poder de polícia corretivo no caso
da fiscalização. Para além destas atividades de rotina, a Agência RMBH tem
buscado atuar em atividades de planejamento territorial. No final de 2013, a
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi contratada, com recursos do
fundo de desenvolvimento metropolitano, para elaborar o macrozoneamento da
região, cuja implementação terá retaguarda jurídica de um projeto de lei (PL)
em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Este texto traça um cenário do uso do solo na RM de Belo Horizonte a partir
de empreendimentos imobiliários mais recentes, e discorre sobre o processo de
emissão de diretrizes, concessão de anuência prévia à aprovação dos projetos de
parcelamento do solo e fiscalização dos loteamentos. Ao final, este estudo informa
sobre o processo em curso, de elaboração do macrozoneamento e do trâmite do PL
no 3.078/2012, que dispõe sobre a gestão unificada da função pública de interesse
comum do uso do solo metropolitano no estado de Minas Gerais.
2 CARATERIZAÇÃO DA RMBH A PARTIR DO CENÁRIO MAIS RECENTE
A RM de Belo Horizonte é composta por 34 municípios. A constituição estadual de
1999 criou a figura do colar metropolitano, que é um grupo contíguo de municípios
afetados pelo processo de metropolização. O entorno da região, incluindo o colar, é marcado por significativa desigualdade de renda e desarticulação entre seus principais polos.
Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, a população dos 34 municípios
da região naquele ano era de 4.883.970 pessoas, o que representa um crescimento
geométrico anual médio de 1,15% em relação a 2000. Na década anterior (1991-2000),
o crescimento geométrico anual da população havia sido de 2,39%, o que sinaliza um
processo de desaceleração do crescimento, acompanhando a tendência do país.
Segundo diagnóstico do PDDI, a estrutura espacial da região é polarizada
por um único centro, o núcleo de Belo Horizonte. Existem outros centros sub-regionais com uma oferta menos diversificada de serviços. No geral, os centros
sub-regionais ou novas centralidades se conformam em função de fatores locacionais
e disponibilidade de infraestrutura.
A centralidade regional mais dinâmica é formada pelo bairro Eldorado e pela
Cidade Industrial, em Contagem. Há uma concentração expressiva de atividades
produtivas, presença de comércio e serviços e diversas alternativas de acessibilidade.
Esta centralidade polariza outros municípios do vetor oeste: Igarapé, Juatuba,
Mário Campos, Mateus Leme, São Joaquim de Bicas e Sarzedo.
Uma nova centralidade vem se conformando também no vetor norte, em razão
da instalação da cidade administrativa e de investimentos que vêm sendo realizados.
Ela envolve o centro tradicional de Venda Nova (Belo Horizonte) conurbado com
A Gestão do Território na RMBH
87
Justinópolis (Ribeirão das Neves), e a região da Pampulha (Belo Horizonte) e centro
do São Benedito (Santa Luzia), com índices significativos de exclusão social (Instituto
Horizontes, 2009). A ocupação do distrito de Justinópolis ocorreu sob influência do
processo de periferização de Belo Horizonte, graças ao crescimento de Venda Nova.
Na direção noroeste, a sede de Sete Lagoas, no colar metropolitano, tem
aumentado sua influência sobre os municípios daquela região, como Baldim,
Capim Branco, Matozinhos e Pedro Leopoldo.
Ao sul, as regiões do Belvedere, em Belo Horizonte, e Vale do Sereno, Jardim
Canadá e Alphaville; em Nova Lima, sinalizam a formação de uma nova polarização
terciária ao longo da Alameda da Serra – Seis Pistas e da BR-040, que tendem a
se consolidar com os investimentos viários previstos para a região.
Ainda de acordo com o PDDI, no restante do território metropolitano, centros locais permanecem restritos às suas funções de sedes municipais, exercendo
pouca atratividade, como é o caso das sedes de Baldim, Capim Branco, Itaguara,
Itatiaiuçu, Jaboticatubas, Raposos, Rio Manso, Taquaraçu de Minas e Nova União.
Segundo o estudo Movimento pendular e políticas públicas: algumas possibilidades
inspiradas numa tipologia dos municípios brasileiros, realizado pelo Instituto Paranaense
de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), em parceria com o Ipea, os vetores
norte e oeste da RM de Belo Horizonte são áreas de evasão de população para fins de
trabalho.5 Santa Luzia e Ribeirão das Neves (vetor norte), Ibirité e Contagem (vetor
oeste) são os municípios de onde saem diariamente o maior fluxo de pessoas com o
objetivo de trabalhar ou estudar em outras cidades. Observando-se as características
municipais e os movimentos pendulares, é possível afirmar que Ibirité, Ribeirão das
Neves e Santa Luzia caracterizam-se como cidades-dormitórios: há pouca oferta de
serviços educacionais e de emprego e o fluxo de saída é cerca de dez vezes superior ao
de entrada. Apesar de Contagem contar com mais saídas que entradas, a razão entre os
fluxos é pequena (1,6 vezes mais saídas que entradas) e o munícipio possui, em números
absolutos, o maior fluxo de entrada da RM de Belo Horizonte depois da capital: quase
84 mil pessoas se deslocam para Contagem diariamente para estudar ou trabalhar. Betim
(vetor oeste) é o município com maior fluxo bidirecional da RM de Belo Horizonte,
seguido por Nova Lima (vetor sul) e Sete Lagoas, no colar metropolitano.
O estudo sobre o uso do solo realizado pelo Observatório de Políticas Metropolitanas
para a pesquisa Governança Metropolitana no Brasil, coordenada pelo Ipea, adotou uma
subdivisão da RM de Belo Horizonte em cinco vetores ou eixos no entorno da capital,
5. O estudo de 2013 assenta-se em uma tipologia de análise dos fluxos populacionais dentro dos territórios, com fulcro
nos dados do Censo 2010 relativos ao movimento pendular casa-trabalho. Os municípios foram classificados em três
tipos: i) evasores, municípios “com predomínio das saídas, em vários casos podendo-se falar de típicos municípios dormitórios, dada a provável ausência local de oportunidades de trabalho;” ii) receptores, municípios “com predomínio
das entradas, expressando a concentração das oportunidades de trabalho e/ou a oferta de serviços educacionais”; e
iii) bidirecionais, municípios nos quais as trocas se aproximam da equivalência (Moura, Delgado e Costa, 2013).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
88
Belo Horizonte (figura 1). Não há uma subdivisão oficial para a região e a definição de
vetores varia em função do contexto e do foco do estudo.6
No vetor norte,7 é possível observar uma ocupação horizontalizada em parcelamentos com infraestrutura precária. Nas áreas mais próximas à Belo Horizonte
e à cidade administrativa e melhor servidas de infraestrutura, há uma tendência à
verticalização. A implantação da cidade administrativa teve como corolário uma
grande valorização do seu entorno. Mais recentemente, observa-se o adensamento
de assentamentos precários voltados para a população de baixa renda, especialmente
nas áreas de melhor acesso viário, como a BR-424 em direção a Pedro Leopoldo.
FIGURA 1
Municípios da RM de Belo Horizonte por vetores
Fonte: Observatório de Políticas Metropolitanas da Agência RMBH (2013).
6. Tem-se conhecimento de diversos estudos sobre a RM de Belo Horizonte utilizando critérios distintos de subdivisão
da região, a exemplo dos trabalhos do Instituto Horizontes, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RM de
Belo Horizonte e os estudos recentes do Observatório das Metrópoles.
7. Baldim, Capim Branco, Confins, Jaboticatubas, Lagoa Santa, Matozinhos, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa
Luzia, São José da Lapa, Vespasiano.
A Gestão do Território na RMBH
89
A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais
(Sede) tem investido em estratégias calcadas no pressuposto de que o Aeroporto
Internacional Tancredo Neves (AITN) impulsionará a economia do estado nas
próximas décadas. Há projeções do governo estadual estimando que o volume
de passageiros até 2040 seja quatro vezes maior que o de novembro de 2013, por
exemplo. A Sede contratou estudos para transformar este equipamento na primeira
aerotrópole da América do Sul, confiante que o aeroporto funcionará como um
indutor de desenvolvimento e atrairá diversos investimentos para o seu entorno.8
O governo do estado aposta no potencial do empreendimento para multiplicar o
produto interno bruto (PIB) não apenas da RM de Belo Horizonte, mas também
de todo o estado:
Com a “aerotrópole”, a meta do governo mineiro é, até 2030, dobrar o produto
interno bruto (PIB) do Estado, com novas tecnologias e serviços avançados. Entre os
setores de alto valor agregado que integrarão esse novo patamar da economia mineira
se destacariam as indústrias de microeletrônica, biomedicina e farmacêutica, além
de componentes e acessórios aeroespaciais e instrumentos médicos e suprimentos
hospitalares. Inclusive, a atração deste tipo de indústria é inerente das “aerotrópoles”
(Bianchetti, 2013).
O município de Confins, onde se situa o AITN, possui o maior PIB per
capita da RM de Belo Horizonte, ainda que a sua renda média nominal mensal
por domicílio não seja significativa. Este município apresentou um vertiginoso
crescimento do PIB, cerca de 2.000% na última década, impulsionado pelos investimentos públicos e privados realizados nos últimos anos na esteira do aeroporto
internacional.
Os estudos de Mendonça e Costa (2011, p. 175) indicam que até os anos de
1990 o capital incorporador buscava oportunidades de investimento na capital e
nos anos 2000 houve uma expansão do mercado imobiliário concorrencial para a
área norte, assim como para o oeste e sul da região metropolitana.
Na última década, os parcelamentos para condomínios residenciais fechados
se intensificaram em praticamente todas as direções da RM de Belo Horizonte,
com maior concentração nos vetores norte e sul, particularmente, em Lagoa Santa e
mais recentemente na Serra do Cipó. Em entrevista ao Jornal Hoje em Dia, publicada em 14 de julho de 2013, o presidente do Conselho Regional de Corretores
de Imóveis de Minas Gerais afirma que “a euforia de BH acabou e a bola da vez
é principalmente o vetor norte, por causa da cidade administrativa, da Linha
8. O conceito de aerotrópole foi cunhado pelo norte-americano John Kasarda, professor de estratégia e empreendedorismo e diretor do Instituto Kenan das Empresas Privadas, na Universidade de Carolina do Norte, que no momento está
prestando consultoria para a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Sede). Aerotrópole
é basicamente uma cidade aeroportuária de grande importância econômica, estruturada para atuar como um complexo
de transporte multimodal, com a função de promover conectividade com custos competitivos.
90
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
Verde, e das melhorias previstas para o aeroporto de Confins” (Preço..., 2013).
Geralmente o incentivo municipal aos condomínios está associado à expectativa
de elevação da arrecadação de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e à
atração de população com maior estatura econômica. Magalhães ressalta também
o estímulo pela via da permissividade das legislações urbanísticas dos municípios
(Magalhães et al., 2011).
O município de Jaboticatubas vem sendo contemplado com um leque de
projetos imobiliários de luxo. O grupo português Design Resorts está implantando
o condomínio Reserva Real, considerado o maior empreendimento imobiliário
do vetor norte até o momento. Instalado em uma área de mais de 10 milhões
de m2, antes ocupada por quatro fazendas, o Reserva Real contará com infraestrutura
de comércio, serviços, lazer, cultura e quatro condomínios: Hípica, Golfe, Fly-in
e Tênis, além do Uptown, um centro de compras do empreendimento.
Em 2010, o município de Jaboticatubas contava com uma população de
17.134 habitantes, segundo dados do Censo Demográfico. Os responsáveis pelo
empreendimento Reserva Real estimaram uma projeção de acréscimo populacional
de 1.001 pessoas nos primeiros dez anos, quando estariam ocupados 31% dos lotes
da primeira etapa, equivalente aos quatro condomínios. Contudo, se considerados
os lotes de todo o Masterplan, que ainda inclui cinco biovilas, a previsão de acréscimo de população seria de 7.541 pessoas em dez anos e 24.424 em trinta anos.
Próximo ao condomínio Reserva Real, o mesmo grupo está lançando o
empreendimento Cidade da Cultura, com 700 mil m2, reunindo negócios, lazer,
turismo e até mesmo moradia. Haverá uma praça com antiquários, restaurantes,
bares, museus, boates, arena multiuso para shows e edificações cujas fachadas reproduzem as de imóveis tombados pelo Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN).
No momento, o município de Jaboticatubas possui indicadores econômicos,
como PIB e renda, pouco expressivos, mas a perspectiva é de alteração do perfil
socioeconômico da população após a implantação deste rol de empreendimentos.
Refletindo o rápido crescimento do vetor norte, apenas o grupo mineiro
Vitória da União empreendeu, nos últimos anos, doze condomínios em Lagoa
Santa e ainda está comercializando outros sete no conjunto dos municípios.
Em Lagoa Santa, estão à venda lotes nos condomínios Montreal Tênis Residence,
Victória Golf Residence, Champagne Tênis Residence, e Residencial Vale dos
Sonhos. Em Pedro Leopoldo, estão à venda lotes no Vitória Tennis Prime Residence
e em Jaboticatubas no Canto da Siriema Resort Residence, que contará com
quadras de tênis, campo de futebol, pista de skate, bicicross e espaço gourmet.
Em Matozinhos, há o condomínio Represa Ville.
A Gestão do Território na RMBH
91
Na divisa dos municípios de Pedro Leopoldo e Confins, há planos de se
construir o Fashion City Brasil (FCTY) ou Cidade de Moda, a 4 km do aeroporto
de Confins, com previsão de inauguração em março de 2015. Trata-se de um mall
com mais de quinhentas marcas, hotel, área de eventos e um condomínio com
2,3 milhões de m2, empreendimento do grupo mineiro Precon. Foi firmada uma
parceria com a paulista Alphaville Urbanismo para a urbanização do condomínio.
O início das obras está previsto para o primeiro semestre de 2015.
Em entrevista ao jornal Diário do Comércio, em 26 de outubro de 2013, o
Fundador do Grupo Precon relatou que adquiriu, na década de 1980, o terreno
com área de 11 milhões de m2. Na época, vigia uma lei que, segundo o entrevistado,
beneficiava com isenção de impostos aquele que mantivesse plantios de árvores.
Com vistas a usufruir desta vantagem, ele manteve no local uma plantação de
eucaliptos e um pomar de manga. O engenheiro discorreu sobre as suas expectativas
de valorização imobiliária, “ministrando uma aula” sobre a retenção especulativa
do solo e a produção de mais-valia fundiária:
Eu já comprei o terreno imaginando que aquela região, por ser muito perto de Belo
Horizonte, poderia crescer, lembra. “Eu pensava em um grande projeto imobiliário,
que está se consolidando agora”, completa. Já funciona na área a faculdade da
Fundação Pedro Leopoldo. Agora, estão começando as terraplanagens para a construção do Fashion City Brasil (FCTY), que será o maior centro de distribuição da
moda nacional em um shopping de atacado de 514 lojas integrado a um hotel e um
centro de eventos (Duarte, 2013).
Há uma previsão de que o fluxo de pessoas na região seja triplicado, a despeito do fato de se situar em área cárstica, cujo solo é bastante frágil, cercada por
grutas e próxima a atrativos relevantes da arqueologia e paleontologia mundiais,
como o Parque Estadual do Sumidouro e a Gruta Lapa Vermelha, onde foi encontrado o crânio de Luzia, fóssil humano mais antigo das américas, com 11,5
mil anos. Os responsáveis pelo empreendimento afirmam que estão tomando
medidas para evitar contaminações e impactos que afetem o equilíbrio hídrico
e geológico da região, assim como a flora e a fauna.
No vetor oeste,9 predomina, nos municípios de Contagem e Betim, uma
ocupação de classes de renda média, residindo em pequenos conjuntos de prédios,
inseridos em áreas urbanizadas ou de urbanização recente. Estes municípios se
caracterizam pela presença de unidades habitacionais para populações de menor
renda em locais desocupados e próximos a Belo Horizonte, incentivadas pelo
programa federal Minha Casa Minha Vida (MCMV). Contagem e Betim foram
os municípios da RM de Belo Horizonte onde mais se construíram unidades do
9. Betim, Contagem, Esmeraldas, Florestal, Ibirité, Igarapé, Juatuba, Mário Campos, Mateus Leme, São Joaquim de
Bicas, Sarzedo.
92
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
programa, depois da capital. Há também conjuntos de baixa verticalização, com
unidades de área média de 45m2 cada, em municípios como Igarapé, Ribeirão das
Neves e Sarzedo.
Nos demais municípios desse vetor, há um estoque significativo de lotes
desprovidos de infraestrutura ou com infraestrutura precária, além de chácaras e
sítios de lazer voltados para camadas de renda média da própria região.
O bairro Eldorado e a Cidade Industrial, em Contagem, conformam, como foi
dito, o centro sub-regional de maior porte e dinamismo da RM de Belo Horizonte.
O seu acesso se dá por meio dos eixos viários da BR-381/Avenida Amazonas, da
Via Urbana Leste-Oeste (via expressa), e da Linha 1 do metrô.
Betim possui o segundo maior PIB do estado e uma população de quase
400 mil habitantes. Até recentemente, sua economia era ancorada na Fiat e no
seu parque de fornecedores, hoje em dia, os serviços no município estão se diversificando. A inauguração de dois shopping centers de grande porte é emblemática
das mudanças recentes. O Metropolitan Garden, às margens da BR-381, com 250
lojas, foi inaugurado em julho de 2013. Trata-se de um shopping com terminal
rodoviário e hipermercado. O seu projeto foi executado por um consórcio entre
a Partage Empreendimentos, com sede em São Paulo, a MK Empreendimentos e
a Tenco Shopping Centers, ambas com sede em Belo Horizonte. O Metropolitan
Garden conta com 100 mil m2 de área construída. O terminal rodoviário, realizado
em parceria com a prefeitura, foi uma obra escolhida por meio do orçamento
participativo municipal de 2010 e concluída em junho de 2012. No entanto, a
rodoviária ainda não está operando.
O segundo shopping, Monte Carmo, localiza-se próximo ao centro do município, no bairro Angola. O mall, com 41 mil m2 de área bruta locável, contará
com 205 lojas, praça de alimentação e sete salas multiplex de cinema. O empreendimento está sendo realizado por uma joint venture composta pela Hemisfério
Sul Investimentos (HSI) e Saphyr Shopping Centers. A HSI é uma gestora de
fundos de private equity, com sede em São Paulo, que atua no mercado imobiliário
desenvolvendo ativos nos segmentos de shopping centers, galpões logísticos e
industriais, edifícios comerciais e loteamentos residenciais, entre outros.10 A Saphyr
Shopping Centers, com sede no Rio de Janeiro, é uma empresa especializada em
shopping centers que atua desde o planejamento e vendas até a sua administração.
O Grupo Vale Verde lançou, em Betim, o Ecovillas Vale Verde, composto
por 368 lotes. Trata-se de um condomínio residencial com um parque linear, hotel e centro de convenções, e está com 67% das obras executadas – em dezembro
de 2013. O empreendimento está localizado próximo à Ambev, em Vianópolis.
10. Os private equity são um tipo de fundo que compra participações em grandes empresas.
A Gestão do Território na RMBH
93
O grupo mineiro Vale Verde atua na indústria de bebidas – cerveja Kaiser e água
de coco Kero Kero –, tendo diversificado seus investimentos no segmento do
agronegócio, com o plantio de eucalipto, coco e pecuária. O foco atual tem sido
o ramo imobiliário nos segmentos hoteleiro, loteamentos de luxo, complexos
corporativos e shopping centers.
O condomínio residencial Valle da Serra também é destinado ao púbico de
alta renda e situa-se no mesmo bairro, Vianópolis, a 11 km do centro de Betim e
a 45 km do centro de Belo Horizonte. O empreendimento foi desenvolvido pela
MIP Edificações, com sede em Belo Horizonte, em parceria com a Pingo Imóveis
de Betim. O projeto tem aproximadamente 983 mil m2, quatrocentos lotes a
partir de 1 mil m2, 11.309,70 m2 de área de lazer e 514.754, 57 m2 de área verde
preservada. Foram executadas cerca de 82% das obras de terraplanagem, 93% das
obras de drenagem e 55% da pavimentação – em janeiro de 2014.
No vetor sul,11 Nova Lima sofreu o impacto do transbordamento da ocupação
de grande densidade da zona sul de Belo Horizonte. Os condomínios fechados se
expandiram em várias frentes de ocupação do município, assim como em parte
de Brumadinho e, em menor escala, nos demais municípios deste eixo. Vários
empreendimentos têm sido autorizados em áreas desprovidas de sistema de
esgotamento sanitário.
Os condomínios no vetor sul não são uma tipologia recente de ocupação.
Grande parte deles foi implantada na década de 1970 e ainda são replicados nos
dias atuais. Este vetor conta hoje com mais de quarenta condomínios.12 Muitas
destas áreas não são servidas por infraestrutura. Com o esgotamento da exploração
de ouro e minério de ferro em muitas áreas, as mineradoras passaram a buscar novas
alternativas econômicas no mercado imobiliário, transformando suas terras em
grandes empreendimentos – a exemplo das Quintas do Sol, Vale do Sol, Vale dos
Cristais, Village Terrasse. Na década de 1980, foram criados cinco condomínios e
nos anos 1990 dois outros, incluindo o Alphaville Lagoa dos Ingleses.
O condomínio Alphaville, projetado em 1995 pelo escritório carioca Coutinho,
Diegues e Cordeiro Arquitetos, em parceria com o norte-americano SWA Group,
apostava inicialmente no predomínio das moradias de final de semana. Inaugurado
em maio de 2000, o condomínio tem setecentas casas, com cerca de 2.500 moradores.
O Alphaville rompeu com o padrão exclusivamente residencial até então vigente
e implantou em seu perímetro atividades de comércio, estudo, serviços e lazer.
11. Brumadinho, Nova Lima, Raposos, Rio Acima.
12. Em que pese o Retiro das Pedras e Morro do Chapéu terem sido implantados nas décadas de 1950 e 1960, a
construção mais intensa de condomínios ocorreu a partir da década de 1970. O condomínio Residencial Vale do Sol foi
criado na década de 1950, mas durante muitos anos permaneceu parcialmente habitado.
94
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transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
Além dos parques e jardins, conta com o Minas Náutico Clube, o Mercure Hotel,
a Fundação Dom Cabral, dois colégios e um shopping center.
O administrador da regional municipal noroeste gerencia o maior contingente de condomínios de luxo de Nova Lima. Sob sua tutela estão registrados 24
bairros/condomínios. Em entrevista concedida à revista Matéria Prima, em 2013,
o administrador afirmou que cerca de 60% a 70% da arrecadação de Nova Lima
vêm da regional noroeste do município. O bairro Jardim Canadá abriga mais de
3 mil empresas, a exemplo de onze fábricas de cerveja artesanal. Na região da
Vila da Serra, estão concentradas faculdades, hospitais e a sede brasileira da Fiat.
Segundo o administrador da regional noroeste de Nova Lima, “se somarmos tudo,
os bairros geram mais receitas que a própria sede” (Doyle Jr., 2013).
O crescimento imobiliário em Nova Lima tem tido um incremento expressivo
na última década. Nos últimos seis anos, foram construídos 75% dos 186 prédios
erguidos nos bairros Vila da Serra e Vale do Sereno, na divisa com Belo Horizonte.
Todavia, a falta de infraestrutura urbana tem, em certa medida, comprometido
a qualidade de vida dos moradores. Bairros verticalizados de alta renda e bairros
populares situados na região têm problemas análogos, como a falta de saneamento
básico, o acúmulo de lixo e entulho e o trânsito caótico.
Os grandes loteamentos fechados com diversidade de usos e edifícios verticais
constituem um novo modelo de ocupação, a exemplo do Vale dos Cristais, de
iniciativa da Odebrecht Empreendimentos Imobiliários em parceira com a Anglo
Gold Ashanti, proprietária das terras.13 Costa (2003) registra a alteração no perfil
dos parcelamentos em Nova Lima, partindo de uma primeira geração de moradores que fugia do cotidiano urbano e buscava loteamentos de pequeno porte no
interior de matas e vales da região, em uma cultura de moradia bastante próxima
à natureza. As taxas de ocupação destes lotes eram baixas. Em um período mais
recente, houve uma mudança na paisagem construída, com edificações em vários
andares, ocupando grande parte dos lotes e suprimindo a vegetação original (Costa,
2003). Os principais condomínios de Brumadinho estão localizados no eixo da
BR-040, distantes da sede – Retiro das Pedras, Retiro do Chalé, aprovado em 1980
13. A Odebrecht Empreendimentos Imobiliários é uma empresa do conglomerado brasileiro Odebrecht, que atua em
várias partes do mundo, nas áreas de engenharia, construção, produtos petroquímicos e químicos. As explorações da
AngloGold Ashanti em Minas Gerais remontam à Saint John Del Rey Mining Company, companhia inglesa que detinha
e explorava as minas de ouro nos municípios de Nova Lima e Raposos. Na década de 1950, a empresa norte-americana The Hanna Mining Company adquiriu o controle da St. John Del Rey Mining Company e dividiu as propriedades,
incorporando-as a duas empresas: Mineração Morro Velho S/A (ouro) e Mineração Novalimense S/A (ferro). A Mineração
Morro Velho surgiu da associação da Hanna com empresários brasileiros, tendo herdado da antiga St. John Del Rey
Mining as operações de ouro e todos os ativos ligados a esta operação. Em 1975, ocorre a associação com a Anglo
American Corporation, então a maior empresa de mineração de ouro do mundo. A origem do grupo Anglo American
está ligada à exploração de minas na África do Sul, mas desde 1999 sua sede foi transferida para Londres, após a fusão
da Minorco (sediada em Luxemburgo) com a Anglo American Corporation of South Africa. Em 1999, a sul-africana
AngloGold passa a controlar a Mineração Morro Velho e, em 2004, ocorre a fusão entre a Anglo Gold e a Ashanti Gold
Fields, com sede em Gana, que passa a se chamar AngloGold Ashanti.
A Gestão do Território na RMBH
95
na antiga Fazenda Bragas, e Aldeia da Cachoeira das Pedras, também criado na
década de 1980, na região de Casa Branca, com a aquisição das fazendas Maceno
e Cachoeira, então pertencentes ao Bradesco – e têm relações mais intensas com a
região industrial de Contagem e Betim. O interior do município ainda apresenta
atividade rural.
Nova Lima e Brumadinho apresentaram, na década de 1990, dois fenômenos
importantes: alto crescimento populacional e grande adensamento dos condomínios
residenciais. Estes municípios tendem a repelir empreendimentos voltados para a
população de baixa renda.
No município de Rio Acima, destacam-se os condomínios Canto das Águas,
com início na década de 1980 e conclusão na década de 1990, situado em uma área
de proteção ambiental (APA); o Vale da Mata e o condomínio Chácaras Cachoeiras
do Tangará iniciados na década de 2000.
Segundo o Instituto Horizontes, não há registro no vetor sul de ocorrência significativa de loteamentos clandestinos, como ocorreu na ocupação de
Ribeirão das Neves, no vetor norte. Os pesquisadores do instituto atribuem
o fato à vigilância das mineradoras, proprietárias de boa parte das áreas, e à
ação de ambientalistas, que se anteciparam aos planejadores urbanos e conseguiram criar dezessete reservas e áreas de preservação ambiental (Instituto
Horizontes, 2009).
No vetor sudoeste,14 os centros locais exercem pouca atratividade sobre o
território. Este vetor é composto por municípios que possuem baixo nível de
integração à dinâmica de metropolização da RM de Belo Horizonte, segundo
estudo realizado em 2012 pelo Observatório das Metrópoles, intitulado Níveis de
integração dos municípios brasileiros em RMs, Rides e AUs à dinâmica da metropolização.
A metodologia baseou-se, em linhas gerais, no levantamento de informações
referentes à concentração, à distribuição e ao crescimento populacional; produção
e distribuição da riqueza; ocupação do território; mobilidade populacional e grau
de urbanização. O estudo define quatro categorias de níveis de integração: muito
alto, alto, médio e baixo.15
Segundo dados do PDDI, no período de 2000 a 2009, não houve qualquer
projeto de parcelamento analisado em Itaguara, o que coaduna com as pequenas
taxas de crescimento, indicativas da sua baixa inserção no processo de ocupação
da metrópole. Observa-se uma tendência recente ao parcelamento de fazendas em
áreas rurais, à revelia do Poder Executivo.
14. Itaguara, Itatiauçu e Rio Manso.
15. Itaguara e Itatiauçu possuem baixo nível de integração à dinâmica de metropolização e Rio Manso possui um
nível muito baixo.
96
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
A dinâmica imobiliária no vetor sudoeste tem crescido, apesar de não ser
expressiva se cotejada com os outros eixos. Com o crescimento da atividade ligada
à mineração de minério de ferro e à siderurgia, a procura por terrenos regularizados
para atender os trabalhadores deste setor tem aumentado. As principais empresas
instaladas no vetor são a AMM Metalúrgica Ltda, Arcelor Mital, Usiminas, Ferro
Resources do Brasil S/A e Minerita Minérios Itaúna Ltda. A expansão dos novos
empreendimentos imobiliários está concentrada nos municípios de Itaguara
e Itatiaiuçu.
Grande parte de Rio Manso situa-se em áreas de reserva da Companhia de
Saneamento do Estado de Minas Gerais (Copasa), tendo função de preservação
ambiental. Todavia, não há tratamento de esgoto no município. A atividade predominante é a agricultura. As casas de campo e os condomínios são as ocupações
preponderantes. Rio Manso teve o primeiro loteamento regularizado por meio da
assinatura do compromisso de anuência corretiva (CAC) da RM de Belo Horizonte.16
No vetor leste,17 Sabará é um município fortemente integrado à dinâmica
metropolitana, Caeté tem um perfil de média integração e Nova União e Taquaraçu
de Minas possuem uma integração muito baixa.
Sabará encontra-se conurbada com Belo Horizonte, com urbanização precária
e tendência a pequena verticalização, abrigando grande parcela da população de
baixa renda com vínculos com a capital. Há uma grande quantidade de loteamentos
irregulares. A região de General Carneiro, a oeste do município, historicamente se
configura como uma periferia precária.
Caeté tem um perfil de ocupação horizontal, tanto na sede quanto nos seus
quatro distritos: Antônio dos Santos, Morro Vermelho, Penedia e Roças Novas.
Nova União e Taquaraçu de Minas também apresentam ocupação horizontal e
com baixa densidade demográfica.
Belo Horizonte é uma metrópole com forte segregação socioespacial. A recente
dinamização do setor da construção civil intensificou o processo de verticalização
que vinha ocorrendo em áreas mais dinâmicas, como a região centro-sul, e alguns
bairros mais distantes onde a ocupação horizontal ainda é predominante.
Em alguns bairros da área central e zona sul, com destaque para o Belvedere,
Funcionários, Lourdes e Santo Agostinho, verifica-se um processo de substituição
do parque imobiliário antigo (Mendonça e Costa, 2011). Tem ocorrido, também,
16. O CAC é um instrumento extrajudicial empregado para fins de regularização de parcelamento com pendências
legais, por meio de medida corretiva. O documento é firmado entre o infrator e o estado, e regulamentado pelo Decreto
estadual no 44.647/2007. O CAC possui analogia com o termo de ajustamento de conduta (TAC), previsto na Lei de
Ação Civil Pública (Lei no 7.347/1985), para fins de acordo entre autoridades públicas e infratores de direitos difusos
ou coletivos, com vistas a corrigir e/ou indenizar danos ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, a um bem urbanístico,
ao consumidor, à ordem econômica e popular.
17. Caeté, Nova União, Sabará e Taquaraçu de Minas.
A Gestão do Território na RMBH
97
a ocupação de áreas ainda vazias nos limites do município, incentivada, sobretudo,
pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e por conjuntos habitacionais
de prédios de iniciativa de incorporadoras.
Nos últimos anos, a valorização imobiliária tem atingido Belo Horizonte
de forma mais intensa, contribuindo para um processo de elitização da moradia.
A oferta de imóveis para venda e aluguéis caiu nos últimos dez anos, e os preços
médios de venda subiram, refletindo um aumento de vendas (Magalhães et al.,
2011). Corroborando as pesquisas de Mendonça e Costa (2011), Araújo (2011)
observou um número significativo de projetos de conjuntos residenciais de grande
porte orientados para alta e média renda, concentrados em frentes de renovação do
mercado imobiliário na zona central – nos bairros de Lourdes e Funcionários –,
e em frentes de expansão e adensamento na zona sul e região oeste – nos bairros
Belvedere, Santa Lúcia e Buritis; e zona norte na região da Pampulha – bairros
Castelo e Aeroporto. Estes condomínios fechados verticais caracterizam-se por altas
densidades e provisão de áreas de lazer de uso comum. A produção de conjuntos
habitacionais para faixas de renda média também vem crescendo, com tipologias
de menor porte em áreas parceladas e urbanizadas.
Araújo (2011) registra também versões mais populares dos condomínios
residenciais, ofertadas a parcelas da população de renda média baixa e em áreas
mais periféricas, porém dotadas de rede de comércio e serviços, como é o caso dos
centros tradicionais do Barreiro e Venda Nova. Os empreendimentos residenciais
de interesse social localizam-se em áreas periféricas, com edifícios de pequeno
porte. O PDDI destaca que, apesar da tendência de escassez de áreas para expansão
urbana na capital, há um elevado grau de vacância de lotes e imóveis de tipologias
diversas, inclusive em áreas bem servidas de infraestrutura.
3 ESTRUTURA INSTITUCIONAL E NORMATIVA DO PARCELAMENTO DO SOLO
O ordenamento territorial é uma competência municipal outorgada pela Constituição
Federal, sendo o plano diretor o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (Brasil, 1988, Artigo 30, inciso VIII c/c Artigo 182, § 1o).
Recentemente vem se firmando o entendimento de que em regiões metropolitanas
esta prerrogativa encontra limites, nos casos em que o uso do solo for alçado à condição de função pública de interesse comum.
O parcelamento do solo urbano, uma das vertentes do ordenamento territorial,
é regulado pela Lei Federal no 6.766/1979, que define o lote como unidade mínima
do território e estipula duas categorias de subdivisão das glebas: o loteamento,
em situações nas quais se verifica a abertura ou modificação do sistema viário; e o
desmembramento, situação em que o sistema viário existente não sofre alteração.
98
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
A Lei Federal no 6.766/1979 prevê circunstâncias nas quais os estados devem
disciplinar a aprovação do parcelamento do solo pelos municípios, entre as quais
a sua inserção em regiões metropolitanas. Neste caso, cabem à autoridade metropolitana o exame e a anuência prévia à aprovação dos parcelamentos do solo pelos
municípios. Como corolário, têm-se que o planejamento e o controle da expansão
urbana nas regiões metropolitanas não são prerrogativa exclusiva dos municípios,
mas compartilhada com o estado.
Uma iniciativa embrionária de planejamento regional na Grande Belo
Horizonte ocorreu em 1969, com o Plano Preliminar de Desenvolvimento
Integrado para Belo Horizonte e municípios próximos, no governo de Israel
Pinheiro (1966-1971). Em 1971, foi firmado um convênio entre o estado e
os municípios que posteriormente vieram a integrar a RM de Belo Horizonte,
para a elaboração do Plano Metropolitano de Belo Horizonte (Plambel), pela
Fundação João Pinheiro. Em 1973, a Lei Complementar no 14 instituiu, entre
outras, a RM de Belo Horizonte e, em 1974, no estado, foi criada a autarquia
Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Plambel).18
O Decreto Estadual no 20.791/1980 regulamentava a anuência prévia no
estado, atribuindo à Plambel esta competência nos municípios da RM de Belo
Horizonte e em alguns outros no entorno da região. Os planos elaborados pela
Plambel subsidiavam as diretrizes metropolitanas e as análises dos processos de
loteamento na RM de Belo Horizonte.
Com a extinção do Plambel, em 1996, essa competência foi transferida para
a Secretaria de Estado e Planejamento e Coordenação Geral (Seplan). Em 2003,
a prerrogativa da anuência prévia foi delegada à recém-criada Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru). Em 2007, o decreto
que disciplinava a anuência prévia foi alterado. Até aquele momento, a legislação
estendia a sua obrigatoriedade a outros municípios limítrofes à RM de Belo
Horizonte, tendo eliminado esta exigência no novo texto. Foram definidos, ainda,
parâmetros como lote mínimo mais restritivo que o da lei federal, declividade
máxima de lotes, porcentagem de áreas públicas e declividade máxima para as áreas
institucionais, entre outros. A legislação municipal é observada em todo o processo
de análise, mas seus parâmetros só prevalecem se forem mais restritivos que os do
decreto estadual, salvo os parâmetros relativos ao sistema viário, tamanho máximo
de quadra e testada mínima para áreas institucionais, que devem ser definidos em
legislação municipal.
18. A sigla Plambel foi atribuída ao Grupo Executivo do Plano Metropolitano de Belo Horizonte (Fundação João Pinheiro,
1972) que posteriormente se tornou Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – em 30/4/1974,
autarquia –, Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – em 22/4/1975 – e
novamente Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – em 28/8/1985, autarquia.
A Gestão do Território na RMBH
99
Em 2009, foi criada a Agência RMBH, vinculada à Sedru, com a prerrogativa
de “exercer poder de polícia administrativa, notadamente no tocante à regulação
urbana metropolitana”.
Em que pese a Lei Complementar no 107/2009 delegar à Agência RMBH
o poder de polícia administrativa no que se refere à regulação urbana, a atividade
de anuência prévia permaneceu sob responsabilidade da Sedru até 2011, quando
foi transferida para a agência. O texto legal não restringe sua seara de atuação aos
municípios da RM de Belo Horizonte, podendo se estender ao colar metropolitano
nos casos previstos. Contudo, a análise da anuência prévia pela Agência RMBH
tem ficado circunscrita aos municípios da região. A anuência no colar tem sido
realizada pela Sedru, que exerce esta atividade nas situações em que ela é legalmente
prevista para municípios não integrantes de regiões metropolitanas.
Apesar das frequentes alterações na estrutura administrativa estadual, o fluxo
básico para anuência prévia e aprovação de parcelamento do solo na RM de Belo
Horizonte é essencialmente o mesmo desde 2007, haja vista que o Decreto Estadual
no 44.646/2007 sofreu poucas alterações. Nos casos de desmembramentos – assim
como os casos de desdobro –, o processo se inicia na prefeitura, que após julgar
a sua conveniência, o encaminha para o órgão responsável pela gestão metropolitana, no caso a Agência RMBH. Considerado apto pela agência, o projeto de
desmembramento recebe o selo de anuência prévia e é devolvido à prefeitura para
a aprovação e o registro no cartório de imóveis.
O processo de loteamentos também se inicia na prefeitura, com a solicitação de diretrizes municipais, que são encaminhadas para Agência RMBH
e subsidiam as diretrizes metropolitanas. Após a expedição das diretrizes, em
conformidade com o planejamento municipal e metropolitano, o empreendedor do loteamento elabora o projeto urbanístico e outros complementares,
submetendo-os à análise do município. Se apto para a aprovação, o município
encaminha o processo para a análise da Agência RMBH. Não havendo restrições
de ordem metropolitana, a agência expede a anuência prévia e o devolve para
aprovação municipal definitiva e registro.
O projeto de parcelamento do solo cuja anuência prévia for indeferida
poderá ser reapresentado à agência para novo exame, com as devidas adequações
às exigências de planejamento metropolitano.
Algumas alterações pontuais foram inseridas no processo de análise. Em 2007,
foi criada a comissão mista, composta por representantes de diversos órgãos estaduais
e dos municípios envolvidos com o processo, responsáveis por infraestrutura, meio
ambiente, desenvolvimento econômico, sistema viário. A comissão se reunia para
avaliar a emissão das diretrizes metropolitanas e a concessão das anuências prévias.
Um de seus objetivos era aferir se o parcelamento proposto conflitava com algum
100
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
projeto de governo, com alguma área de interesse ambiental em fase de estudo, ou
outras situações análogas. A comissão mista foi substituída, no final de 2011, pela
comissão de gestão territorial (CGT). Basicamente, houve algumas alterações na
composição e no fluxo do processo. Hoje em dia são submetidas à CGT apenas
os processos na etapa das diretrizes metropolitanas.
São poucos os municípios da RM de Belo Horizonte que possuem equipe
técnica qualificada para emitir diretrizes e analisar os processos. Na maior parte
dos casos, a diretriz municipal se limita a reproduzir o texto legal, deixando ao
alvedrio da instituição metropolitana a indicação do sistema viário principal e da
localização preferencial para a implantação das áreas públicas – áreas institucionais
e espaços livres de uso público.
A aprovação do PDDI não contribuiu para o processo de refinamento das
diretrizes de parcelamento, haja vista que seu rol de propostas situa-se em uma
escala mais ampla. Na falta de referências, as diretrizes metropolitanas e a análise
do parcelamento do solo ainda privilegiam a escala local, em detrimento de um
planejamento regional. Acredita-se que esta situação será contornada com a aprovação do macrozoneamento metropolitano e a implementação de outros programas
previstos no PDDI.
Em que pese a precariedade de referências metropolitanas para subsidiar a
expansão urbana por meio do parcelamento, a Agência RMBH tem obtido sucesso
nas concertações em que a realização do empreendimento imobiliário gera impacto
em outro município. É o caso, por exemplo, de parcelamentos com acesso por
outros municípios.
O licenciamento ambiental é um procedimento apartado da anuência prévia.
A análise dos impactos ambientais de empreendimentos de parcelamento do solo
não está subordinada à Agência RMBH, e sim à Secretaria e Estado de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e ao Conselho Estadual de
Política Ambiental (Copam). A articulação se dá por meio de uma compatibilização de fluxos. Resumidamente, as etapas de licenciamento são três: a primeira
é a licença prévia (LP), quando a viabilidade do empreendimento é analisada; a
segunda é licença de instalação (LI), quando as condições para implantação do
empreendimento são avaliadas; e a terceira é a licença de operação (LO), quando
o funcionamento do empreendimento é autorizado. A LP só é expedida após a
emissão das diretrizes metropolitanas. Em contrapartida, a anuência prévia só é
expedida após a emissão da LI. Apesar de aparentemente simples, este fluxo enseja
alguns problemas. Existem critérios relacionados ao porte e ao potencial poluidor
do empreendimento balizando a exigência ou não do licenciamento ambiental.
No caso dos parcelamentos do solo, salvo algumas exceções, os empreendimentos que
possuem área inferior a 25 ha são dispensados de licenciamento e os que possuem
A Gestão do Território na RMBH
101
área entre 25 ha e 50 ha recebem uma licença simplificada, que é a autorização
ambiental de funcionamento (AAF). Nestes casos, a anuência prévia antecede a
dispensa ou a emissão de AAF, não sendo possível a solicitação de compensações
por impactos ambientais.
Há ainda certa dificuldade em se distinguir as competências do município
e do estado quando o empreendimento se submete ao licenciamento ambiental
e à anuência prévia. Por exemplo, em casos de dispensa ou AAF, o licenciamento
ambiental pode se dar em âmbito municipal. Nestas situações, a autorização de
supressão de vegetação e a autorização de intervenção em áreas de proteção permanente (APPs) são competência do município, mas a outorga de uso das águas e a
autorização de supressão de vegetação de mata atlântica são competência do Estado.
Na RM de Belo Horizonte, cerca de um quarto dos loteamentos encaminhados para anuência prévia estão sujeitos a licenciamento ambiental. Grande
parte dos terrenos é desmembrada junto ao Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra), na condição de imóvel rural, utilizando a estratégia
de restringir a área ao limite que enseja a dispensa do processo de licenciamento.
3.1 A discricionariedade no processo de anuência prévia
A anuência prévia é considerada um procedimento vinculado, ou seja, não pode ser
negada se o empreendedor cumprir todos os requisitos legais. Contudo, o excesso
de normas, as especificidades de diversos terrenos e a rotatividade de técnicos responsáveis pela análise tornam o processo eivado de certo grau de discricionariedade.
A norma geral que trata da anuência prévia é o Decreto Estadual no 44646/2007
como foi dito anteriormente. Mas as legislações federal, estadual e municipal também devem ser observadas, o que confere relativa complexidade ao processo e dá
margem a interpretações diferenciadas. Há também situações que não possuem
previsão legal, mas que ocorrem na prática, a exemplo das áreas remanescentes.19
Em geral, os empreendedores desconsideram estas áreas nos cálculos da área a ser
parcelada, o que resulta em redução da porcentagem a ser transferida para o poder
público. O respaldo a esta estratégia acaba sendo uma decisão discricionária.
Há situações particulares nas quais o analista verifica a necessidade de
flexibilizar os paramentos com vistas a assegurar a qualidade do parcelamento.
A título de exemplo, o limite estipulado para o cumprimento de uma quadra pode
ser ampliado em função da declividade ou de uma barreira natural.
A frequente rotatividade dos técnicos responsáveis pela análise também se
configura como um problema, principalmente quando se atenta para o princípio da
isonomia. Casos análogos podem ser decididos de maneiras diferentes por distintos
19. As áreas remanescentes são áreas residuais do terreno parcelado, que continuam com a matrícula da gleba de origem.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
102
analistas, trazendo alterações nem sempre positivas na hermenêutica. A Diretoria de
Regulação Metropolitana da Agência RMBH está realizando estudos para aprimorar
o decreto vigente, a partir das experiências acumuladas ao longo da sua aplicação.
3.2 A fiscalização dos parcelamentos
A fiscalização dos empreendimentos de parcelamento do solo adquiriu vulto na RM
de Belo Horizonte em 2009, quando foram estabelecidas as sanções administrativas
pela Agência RMBH. Com esta retaguarda legal, a agência pode aplicar multas,
embargar obras, e suspender a venda de lotes, entre outras medidas. A legislação
prevê um instrumento chamado CAC, assinado pelo estado e pelo empreendedor,
com vistas a pactuar a adequação do parcelamento irregular, evitando um processo
judicial. O empreendedor que assina o CAC se beneficia da redução de multas.
Apesar dos procedimentos de fiscalização de parcelamento do solo terem se iniciado
em 2009, somente em 2012 começaram a surtir efeito, a partir de um convênio de
cooperação técnica entre a Agência RMBH e o Ministério Público (MP), que resultou na
assinatura do primeiro CAC naquele mesmo ano. Na esteira deste convênio, a Agência
RMBH fornece dados técnicos sobre as fiscalizações ao MP, que faz as intimações e, se
for o caso, propõe ação civil pública. O responsável pelo parcelamento irregular pode
optar pela assinatura do CAC ou do termo de ajustamento de conduta (TAC), com a
interveniência da Agência RMBH. De 2012 até o momento, foram assinados trinta
TACs ou CACs e um empreendimento foi regularizado (tabela 1).
TABELA 1
Número de TACs e CACs assinados e de processos regularizados (2013)
Vetores
TACs ou CACs assinados
Processos regularizados
Norte
20
0
Leste
1
0
Oeste
2
0
Sudoeste
1
0
Sul
6
1
Belo Horizonte
Total
0
0
30
1
Fonte: Observatório de Políticas Metropolitanas a partir de dados fornecidos pela Diretoria de Regulação Metropolitana da
Agência RMBH (2014).
A maior concentração de CACs e TACs assinados encontra-se no vetor norte,
provavelmente em função do acordo de resultados estabelecido pelo estado, que previa
maior incidência de fiscalização dos empreendimentos de parcelamento neste vetor.20
20. “O acordo de resultados é um instrumento de pactuação de resultados que estabelece, por meio de indicadores e
metas, quais os compromissos devem ser entregues pelos órgãos e entidades do Poder Executivo estadual, em linha
com os objetivos expressos na agenda de governo”. Disponível em: <http://www.planejamento.mg.gov.br/estrategiade-governo/acordo-de-resultados>. Acesso em: 27 jan. 2014.
A Gestão do Território na RMBH
103
O único empreendimento regularizado por força desses instrumentos situa-se
no vetor sul, onde houve o segundo maior contingente de CACs e TACs, seguido
pelo vetor oeste. Os vetores leste e sudoeste possuem apenas um empreendimento
cada com regularização pactuada por CAC ou TAC.
A atividade de fiscalização é complementar à atividade de anuência prévia,
assegurando a correta implementação do projeto e das demais obrigações relativas
à infraestrutura, de responsabilidade do empreendedor.
3.3 A expansão metropolitana de parcelamentos do solo
A atividade de parcelamento do solo, sobretudo em uma época de intensa valorização
dos imóveis na RM de Belo Horizonte e da facilidade de crédito para reforma e
construção em imóveis regulares, tem sido altamente rentável e bastante demandada.
Os vetores com maior incidência de parcelamento na RM de Belo Horizonte
foram o norte e o oeste, mantendo a tendência dos últimos anos (tabela 2).
TABELA 2
Número de processos de anuência prévia de parcelamentos do solo na RM de Belo
Horizonte (2011-2013)
Vetores
Diretrizes
Oeste
Sudoeste
Sul
Belo Horizonte
Total
146
5
83
23
21
4
282
54
1
27
5
10
0
97
Não passível
ou dispensado
48
1
18
8
3
1
79
Pendentes
44
3
38
10
8
3
106
Solicitações
50
4
42
17
12
24
149
Emitidas
47
1
28
14
8
12
110
3
3
14
3
4
12
39
Solicitações
61
3
23
7
7
0
101
Anuídos
32
1
15
4
5
0
57
4
1
1
0
0
0
6
25
1
7
3
2
0
38
Pendentes ou
não passíveis
Loteamentos
Leste
Anuídos
Solicitações
Desmembramentos
Norte
Não passível
ou dispensado
Pendentes
Fonte: Observatório de Políticas Metropolitanas a partir de dados fornecidos pela Diretoria de Regulação Metropolitana da
Agência RMBH (2014).
Obs.: os valores da tabela são aproximados, haja vista a incidência de pequenos erros na tabela original da Diretoria de
Regulação Metropolitana da Agência RMBH.
O vetor com maior contingente de loteamentos anuídos na RM de Belo
Horizonte, nos últimos três anos, foi o vetor norte, que tem atraído os empreendedores imobiliários devido aos investimentos na região. Cerca de 48% das solicitações
104
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
de parcelamento do solo na RM de Belo Horizonte, no período de 2011 a 2013,
são originárias deste eixo incluindo as solicitações de diretrizes, desmembramentos
e loteamentos. Foram anuídos aproximadamente 1.953.258,80 m² de desmembramentos e 19.650.415,41 m² de loteamentos neste período.
O segundo vetor com maior demanda de parcelamentos foi o oeste, reunindo
cerca de 28% do total de solicitações de anuência prévia, 29% das demandas por
desmembramentos, 28% das diretrizes metropolitanas e 23% dos processos de
loteamentos. Em termos de área, foram anuídos aproximadamente 863.799,97
m² de desmembramentos e 3.667.622,51 m² de loteamentos.
A demanda por parcelamento nos vetores leste, sudoeste e sul foi menos
expressiva. A baixa porcentagem de solicitação de anuência prévia do município
de Belo Horizonte se explica em função de um convênio de cooperação técnica
entre o estado e o município, que vigeu até março de 2012. Após essa data, o município teve de se adequar ao fluxo de processos de anuência prévia, tendo tido o
benefício de dispensar deste procedimento os loteamentos que obtiveram diretrizes
municipais até a data em que o convênio expirou.
Os desmembramentos anuídos no vetor leste totalizaram uma área de cerca
de 4.380,00 m²; no vetor sudoeste, cerca de 25.638,60 m²; e no vetor sul, cerca
de 84.350,54 m². Os loteamentos anuídos totalizaram 181.250,00 m² no vetor
leste, 261.247,10 m² no vetor sudoeste e 1.395.119,33 m² no vetor sul.
Vale destacar a baixa porcentagem de anuências expedidas em relação ao
número de processos demandados. Apenas cerca de 34% das solicitações de desmembramento obtiveram anuência, lembrando que a legislação prevê critérios
para a sua dispensa. Apenas 56% dos loteamentos foram anuídos. Este índice está
relacionado com a alta incidência de pendências nos processos. Apesar de se tratar
de uma análise vinculada, em que o cumprimento dos critérios legais assegura a
aprovação, o desconhecimento da norma, dos padrões e as variações de interpretação contribuem para imprimir lentidão ao processo.
4 O PLANEJAMENTO TERRITORIAL NA AGÊNCIA RMBH
Do ponto de vista da escala local, dos 34 municípios que compõem a RM de
Belo Horizonte, 33 possuem planos diretores aprovados. A exceção fica por conta
de Matozinhos, que possui uma lei de uso e ocupação do solo datada de agosto
de 2000, cumprindo o papel de plano diretor. O município de Ibirité possui um
plano, porém datado de 1999. A maioria deles contempla propostas de políticas
que possuem algum viés de integração metropolitana, exceto Nova União, Rio
Manso, Taquaraçu de Minas e Vespasiano. No período de intensa realização de
planos diretores, a Associação dos Municípios da RMBH (Granbel) realizou
A Gestão do Território na RMBH
105
reuniões e distribuiu informativos nos quais incentivava os municípios a absorverem
preocupações supralocais em seus planos diretores municipais (Machado, 2009).
Na escala metropolitana, a principal ação de planejamento do território se
deu com a elaboração do PDDI da RM de Belo Horizonte, que estabeleceu diretrizes, políticas, programas e projetos voltados para a função pública de interesse
comum do uso do solo. Hoje em dia a Agência RMBH vem dando andamento a
alguns dos programas propostos no PDDI, na medida da sua disponibilidade de
equipe e orçamento.
O plano metropolitano assinalou a necessidade de elaboração de um macrozoneamento, mas não chegou a avançar neste estudo, tendo em vista o curto prazo
em que foi realizado. O macrozoneamento, com vistas a promover a reestruturação
territorial metropolitana com foco na redução das desigualdades socioespaciais,
iniciou-se em dezembro de 2013, por meio de um contrato celebrado entre a
Agência RMBH e o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de
Minas Gerais (Cedeplar), mesma instituição que coordenou o PDDI. Sua proposta
se alicerça nas zonas de interesse metropolitano, figura jurídica criada a partir do
PL no 3.078/2012 e entendida como territórios em que o interesse metropolitano
se sobrepõe ao interesse local.
O PL no 3.078/2012, em tramitação, é uma iniciativa do governo do estado,
e dispõe sobre a gestão unificada do uso do solo metropolitano, quando este se
reveste do atributo de função pública de interesse comum. Gestão unificada, no
caso deste marco regulatório, é a gestão exercida conjuntamente pelo Estado e pelos
municípios, do ponto de vista de planejamento estratégico, operacional e execução.
O PL traz para a esfera metropolitana um rol de instrumentos de planejamento e
gestão antes aplicados na esfera urbana municipal.
O protagonismo dos órgãos do arranjo metropolitano é reforçado: assembleia
metropolitana, conselho deliberativo de desenvolvimento metropolitano, a secretaria responsável pela gestão metropolitana e a Agência RMBH, delegando-lhes
a competência para gerir, junto com os municípios, a função pública de interesse
comum de uso do solo.21
Os recursos auferidos com a aplicação dos instrumentos previstos na lei serão
aportados no fundo de desenvolvimento metropolitano, sendo que a sua destinação
21. O atual arranjo de gestão metropolitana tem fulcro em uma emenda à Constituição estadual, datada de 2004. Ele se
assenta em dois órgãos colegiados, o Conselho Deliberativo da RM de Belo Horizonte e a Assembleia Metropolitana; e
um órgão técnico, a Agência de Desenvolvimento da RM de Belo Horizonte (Agência RMBH), uma autarquia vinculada a
uma secretaria de estado. A agência foi criada em 2009, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional
e Política Urbana (Sedru). De 2011 a 2013, foi transferida para a recém-criada Secretaria Extraordinária de Gestão
Metropolitana (Segem), extinta em dezembro. A partir de janeiro de 2014, a Agência RMBH retomou seu vínculo com
a Sedru, que passou a se chamar Secretaria de Estado de Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Política
Urbana e Gestão Metropolitana.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento socioambiental e uso do solo
106
será definida pelo conselho deliberativo de desenvolvimento metropolitano e pela
assembleia metropolitana, observado o disposto no PDDI. Um exemplo de recurso
a ser alocado no fundo é aquele proveniente da flexibilização de parâmetros urbanísticos nas zonas de interesse metropolitano, em troca de contrapartida financeira.
O macrozoneamento e o PL no 3.078 são face dupla da mesma política pública
de organização do território, preconizada no PDDI e cuja estratégia metodológica
pretende replicar o seu processo participativo. A mobilização do PDDI envolveu
mais de 3 mil participações, distribuídas entre 610 organismos ou entidades,
incluindo poder público municipal, estadual e sociedade civil organizada. Até janeiro
de 2014, foram realizadas visitas as 34 prefeituras dos municípios da região, com
o objetivo de assegurar a participação dos diversos atores municipais no processo
de elaboração do macrozoneamento. Nestas visitas, estiveram presentes 560
participantes, incluindo dezenove prefeitos, seis vice-prefeitos e 83 vereadores.
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CAPÍTULO 4
TRANSFORMAÇÕES URBANAS E GESTÃO DO USO DO SOLO NA
REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA
Liria Yuri Nagamine1
Thais Kornin2
Cláudio Jesus de Oliveira Esteves3
1 INTRODUÇÃO
A gestão do uso e da ocupação do solo na Região Metropolitana (RM) de Curitiba
carece de maior proximidade com a realidade imposta pelos desafios metropolitanos
em constante e rápida transformação. O cenário da falta de integração de interesses
políticos, da desestruturação do órgão metropolitano e das dificuldades para um
efetivo controle social são as principais razões que estabelecem essa distância com
os problemas locais de essência metropolitana, tendo como resultado a falta de
priorização de necessidades prementes no que se refere ao uso e à ocupação do solo.
Baseado nessa premissa, este capítulo procura resgatar, em sua primeira seção, uma
reflexão acerca da dinâmica territorial atual da RM de Curitiba, marcada por um processo
de metropolização que vem se diferenciando em relação às décadas anteriores, na medida
em que se observa a intensificação da segregação espacial metropolitana. Ao mesmo tempo,
constata-se que persistem os problemas básicos de habitação e infraestrutura conforme
verifica-se a partir de uma perspectiva histórica da RM de Curitiba nas últimas décadas.
Com o intuito de identificar os problemas enfrentados para a gestão dos
principais desafios da contemporaneidade assim delineados, aborda-se na seção
subsequente uma análise das ações efetuadas pelo órgão metropolitano, de seus
principais instrumentos e estruturas de organização existentes para o desenvolvimento de atividades de planejamento e controle do uso e da ocupação do solo.
Na última seção, destacam-se os principais aspectos que comprometem o
desenvolvimento de um processo de gestão compartilhada do uso do solo como
função pública de interesse comum. Procura-se apontar caminhos, tendo em vista
o cenário de desestruturação institucional e fragmentação política que se apresenta
em virtude da falta de um real interesse político quando o assunto diz respeito a
restringir ou compartilhar potencialidades e oportunidades, promovidas pelo uso
e pela ocupação do solo, especialmente com as vantagens especulativas geradas
pelo interesse do capital, globalizado e internacionalizado.
1. Arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
2. Psicóloga e técnica do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).
3. Geógrafo e técnico do Ipardes.
112
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
2 DINÂMICA DE OCUPAÇÃO TERRITORIAL NA RM DE CURITIBA: DELINEANDO
OS PRINCIPAIS DESAFIOS
A RM de Curitiba é atualmente constituída por 29 municípios, quatorze dos
quais conformam a chamada Área de Concentração da População – ACP (mapa
1). O conceito de ACP faz-se importante para as análises efetuadas, pois a sua
delimitação na RM de Curitiba apresenta-se pelo conjunto de municípios
com maior nível de integração ao polo, para o qual utiliza-se, neste capítulo,
também a denominação de aglomeração urbana. Destaca-se que as ACPs foram
determinadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seu
estudo sobre Região de Influência de Cidades (REGIC) de 2007 no qual foram
definidas como “grandes manchas urbanas de ocupação contínua, caracterizadas pelo tamanho e densidade da população, pelo grau de urbanização e pela
coesão interna da área, dada pelos deslocamentos da população para o trabalho
ou estudo” (IBGE, 2008, p. 11).
A evolução da ocupação urbana observada nas décadas de 1950 a 1980, na
RM de Curitiba, constituiu-se em um processo de caminho sem volta rumo à
metropolização, marcado pela crescente periferização da metrópole (Ultramari
e Moura, 1994). À luz do cenário atual de sua dinâmica socioespacial, pode-se
hoje afirmar que a configuração da aglomeração urbana da RM de Curitiba
não somente se estendeu e alcançou os limites físicos de suas condicionantes
ambientais, como se tornou mais intensa na medida da complexidade e extensão
de sua rede de relações. Além disso, exibe um modelo de segregação social cuja
base explicativa não se limita ao padrão centro-periferia ou à lógica simplista
da produção da cidade industrial (Rufino e Pereira, 2011, p. 70).
Pondera-se que os acontecimentos da última década na RM de Curitiba
estão relacionados ao agravamento de problemas cada vez mais comuns às áreas
metropolitanas. Lencioni (2011, p. 52-53), ao analisar São Paulo, Santiago e
Buenos Aires, identifica que as mudanças observadas nestas metrópoles “expressam uma metamorfose social e espacial e constituem um produto contemporâneo
da metropolização do espaço”. Afirma ainda que tais mudanças “trouxeram
limites ao uso que, há séculos, atribui-se à palavra metrópole, colocando-se à
frente da transição urbana que levou, no passado, à crescente urbanização da
população e ao intenso desenvolvimento de cidades”.
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
113
MAPA 1
Configuração atual da RM de Curitiba
Fonte: COMEC (2013a) e IBGE (2008).
Elaborado por: Liria Yuri Nagamine.
Embora a RM de Curitiba seja caracterizada como uma metrópole de
hierarquia em um patamar inferior ao das RMs analisadas pela autora em seu
livro,4 ela apresenta algumas das características do processo de metropolização
contemporâneo. Com o intuito de uma leitura ampliada da atual configuração
4. Para mais informações, ver Lencioni (2011).
114
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
do espaço na RM de Curitiba, sem que isto represente a intenção de comprovar
os oito aspectos apresentados por Lencioni (2011), destacam-se a seguir três
destas evidências.
1) Na RM de Curitiba, observa-se em seu processo de metropolização uma
dinâmica de diminuição relativa do crescimento demográfico da cidade
central, acompanhada de expansão demográfica e de desenvolvimento
do ambiente construído de outros municípios da região (a exemplo de
Almirante Tamandaré, Colombo, Pinhais, São José dos Pinhais e Araucária, com elevado nível de integração com o polo).
2) A RM de Curitiba conforma na atualidade uma escala territorial de
metropolização do espaço em franco crescimento, apresentando limites
dinâmicos e difusos, onde se constata maior intensidade dos movimentos
pendulares entre algumas cidades da região, conformando expressiva estrutura regional em rede, cujas características “não dizem respeito apenas
à transição do rural para o urbano, embora o processo possa contê-la;
porque seu núcleo é a urbanização” (Lencioni, 2011, p. 52).
3) As transformações territoriais de uso e ocupação do solo verificadas nesta
grande área metropolizada, portanto, embora repitam a mesma lógica
das dinâmicas oriundas do desenvolvimento capitalista, expressam uma
“nítida e intensa fragmentação territorial e transparente segregação social,
até então nunca vistas, ao lado de espaços com características bastante
homogêneas” (Lencioni, 2011, p. 52).
Considera-se que como válvula propulsora deste cenário está a trajetória do
vigoroso crescimento econômico da última década, com expansão dos empregos
formais, distribuição da renda e incorporação de amplos segmentos da população
historicamente marginalizados ao mercado de bens modernos. Ao mesmo tempo, a grande mobilidade de capitais internacionais vinculada ao caráter liberal
das políticas de planejamento e gestão urbana resultou em uma intensificação
da produção imobiliária, processo que passa a aparecer como um dos fatores
determinantes na reestruturação destes espaços (Rufino e Pereira, 2011, p. 68).
Apesar disso, embora semelhanças de processos possam ser identificadas nas
diferentes metrópoles, elas ocorrem com molduras distintas. Sendo assim, a atual
configuração espacial do uso e da ocupação do solo na RM de Curitiba só pode ser
entendida pela evolução temporal demográfica e de expansão do seu território, às
quais devem ser consideradas também as condicionantes físicas e legais incidentes
em cada época (mapa 2).
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
115
Destaca-se, dessa forma, que à criação da RM de Curitiba pela Lei
Complementar n o 14/1973 e ao fenômeno do grande aumento populacional
que experimentou, tem sequência um processo contínuo de crescimento da
malha urbana da cidade-polo, extrapolando seus limites territoriais. Curitiba
crescia a altas taxas desde 1950, praticamente dobrando sua população a
cada década. Chega em 1970 com aproximadamente 600 mil habitantes e
uma ocupação urbana que se estendia em todas as direções, ultrapassando
a barreira da rodovia BR-116 em direção a São José dos Pinhais. Foi neste
período que, antecipando-se ao planejamento municipal ou metropolitano e
propiciada pela legislação que não oferecia restrições, a produção imobiliária
de loteamentos e parcelamentos ocorreu de forma desordenada e em número
sem precedentes na história do país. Não sendo diferente em Curitiba, este
processo definiu o desenho e a ocupação dos vazios periféricos a ela, mais
baratos e com infraestrutura escassa, alcançando e ultrapassando as suas
franjas junto aos municípios do seu entorno direto, especialmente no arco
norte-leste da região abrangendo os municípios de Almirante Tamandaré,
Colombo, Piraquara e São José dos Pinhais (mapa 2).
Em termos de população, o grande crescimento observado, na cidade
de Curitiba, na década de 1950, com uma taxa de 7,18 ao ano (a.a.), foi
superado, na década de 1960, pelos municípios de Colombo e Piraquara,
com 8,25% a.a. e 6,17% a.a., respectivamente (Curitiba manteve uma taxa
de 5,36% a.a. nesse período). Verifica-se que estas taxas são ainda maiores na
década de 1970, chegando a 12,56% a.a., em Colombo, e 12,76% a.a., em
Piraquara, junto aos quais somam-se os municípios de Almirante Tamandaré
(8,37% a.a.), Araucária (7,35% a.a.) e São José dos Pinhais (7,55% a.a.).
Considerando-se que em Curitiba a taxa manteve-se ainda no patamar de
5,34% a.a. na década de 1970, não foi por outro motivo, senão pela crescente
metropolização e periferização, que a RM de Curitiba consolidou-se como
uma das maiores aglomerações urbanas em expansão no país.
Destaca-se neste contexto que o crescimento populacional vertiginoso
do município de Araucária possuiu outro grande fator de potencialização da
ocupação de suas áreas periféricas: a implantação da Refinaria Getúlio Vargas
em 1972 e o estabelecimento do Centro Industrial de Araucária (Ciar) em
1973. Esta área industrial foi implementada ao mesmo tempo e conectada
territorialmente à Cidade Industrial de Curitiba (CIC), situada na porção
sudeste da capital.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
116
MAPA 2
Evolução da ocupação urbana – RM de Curitiba
Fonte: COMEC (2006).
Elaborado por: Liria Yuri Nagamine.
A partir do processo de ocupação do território descrito anteriormente, avalia-se
que o estabelecimento, em 1974, da RM de Curitiba, assim como a implantação
do Eixo de transporte Norte-Sul na cidade-polo, nesse mesmo ano, não é obra do
acaso. A canaleta exclusiva de ônibus expresso interligando linearmente, em cerca
de 20 km, os seus bairros de norte a sul, atende, sob esta ótica, a uma demanda que
ultrapassava os contornos de Curitiba. Esta implementação é seguida pela entrada em
operação, em 1976, do Eixo Boqueirão e, em 1980, do Eixo Leste-Oeste, completando os principais corredores estruturantes da cidade de Curitiba com a RM. Baseado
no sistema trinário, os corredores estruturantes possuem uma canaleta exclusiva de
ônibus ladeada por duas vias de tráfego lento, paralelas às quais existem ainda duas
avenidas de tráfego rápido (mapa 3).
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
117
Complementarmente, o órgão metropolitano, Coordenação da Região
Metropolitana de Curitiba (COMEC) construiu, entre 1978 e 1980, a Avenida
das Torres (importante eixo de ligação entre Curitiba e São José dos Pinhais
ao leste), a Avenida das Araucárias (ligação com o município de Araucária
percorrendo o seu Centro Industrial ao sudoeste) e a via de ligação Campo
Largo-Araucária (ao sul) (mapa 3).
Estavam, dessa forma, delineadas as principais estruturas urbanas que
possibilitaram, por intermédio da mobilidade e acessibilidade, a continuidade e intensificação, na década de 1980, do processo de periferização da RM
de Curitiba. Ao mesmo tempo em que se via aumentar a dependência das
cidades pelo comércio e serviços públicos e privados de maior qualidade e
especialização da capital, também ficou evidenciado – pelo movimento laboral
pendular diário das pessoas residentes nestas periferias ao polo – o surgimento
de cidades-dormitórios, especialmente nas franjas da RM de Curitiba, nos
municípios de Colombo, Piraquara (a área conurbada a Curitiba do município
de Piraquara desmembrou-se deste em 1992 a partir da criação do município
de Pinhais), Araucária, Almirante Tamandaré, Campina Grande do Sul e São
José dos Pinhais (mapa 2).
No caso de Colombo, Piraquara, Almirante Tamandaré e Campina Grande
do Sul, estas áreas consolidaram-se com população superior às suas respectivas
sedes, com graves problemas devido às precárias condições de saneamento e infraestrutura, potencializados pela baixa capacidade financeira e de gestão urbana
das prefeituras às quais pertenciam.
A esse cenário de extremo descontrole sobre o uso e a ocupação do solo,
sobrepõe-se o momento de profunda crise econômica do país, na década de
1980. Assim, no mesmo compasso em que Curitiba era alçada ao título de capital ecológica, sustentava e promovia o marketing para o reconhecimento de seu
planejamento urbano construído sob o tripé do uso do solo, transporte e sistema
viário, na aglomeração urbana de Curitiba: i) aprofundava-se o distanciamento
social das camadas mais empobrecidas da população com a qualidade de vida;
ii) intensificava-se o surgimento das ocupações irregulares e dos assentamentos
informais, transformando a paisagem conhecida pela sua organização e pela preservação e conservação de suas áreas verdes.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
118
MAPA 3
Síntese das principais configurações espaciais da RM de Curitiba na atualidade
Fonte: Silva (2012) e Nagamine (2001).
Elaborado por: Liria Yuri Nagamine.
Além do desafio de vencer o reconhecido conservadorismo da capital mais
europeia do Brasil, essa população passa a enfrentar uma árdua luta para a garantia de moradia digna. A regularização fundiária e a produção habitacional
para a baixa renda estavam longe de asseverar os canais políticos e financeiros
ou as regras adequadas para o suprimento das necessidades sociais. Nas cidades
do entorno de Curitiba, as ocupações irregulares despontaram com maior vigor
a partir da década de 1990, podendo ser explicadas pela ocorrência do processo
de ocupação de lotes vazios dos loteamentos aprovados nas décadas de 1950,
1960 e 1970. Estes loteamentos mantinham-se desocupados pela força do poder público que, amparado pela Lei Federal no 6.766, de 19 de dezembro 1979
(Lei de Parcelamento do Solo), proibia ocupação dos lotes situados em áreas
frágeis, alagáveis e sem infraestrutura.
Se, por um lado, a citada lei disciplinou o parcelamento adequado do solo nas
grandes cidades, criou as circunstâncias perfeitas para a ocupação irregular de áreas
com grande fragilidade ambiental, uma vez que a aglomeração urbana encontra-se
assentada justamente nas cabeceiras do rio Iguaçu e de seus afluentes, caracterizadas
por extensas planícies úmidas de campos turfosos e de drenagem natural de suas águas.
A década de 1990 é assim marcada pelo surgimento das maiores áreas com ocupações
irregulares na RM de Curitiba, onde se destacam o Guarituba, em Piraquara, a Vila
Zumbi e Liberdade, em Colombo, e Jardim Alegria em São José dos Pinhais.
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
119
Paralelamente ao advento das lutas sociais por moradia e qualidade de vida,
outro movimento toma forma e força ao longo da década de 1980, atingindo o
seu ápice com a realização da Eco 92 no Rio de Janeiro. Na RM de Curitiba, as
repercussões das discussões sobre preservação, proteção e conservação em busca de
um desenvolvimento sustentável, na dimensão do uso e ocupação do solo, podem
ser representadas por duas frentes técnicas de discussão nas instituições governamentais. A primeira caracterizada pelo debate em torno da proteção e gestão de
mananciais de abastecimento público e do controle e gestão da ocupação do solo,
considerando principalmente a manutenção da qualidade hídrica e a preservação
das áreas de inundação e de drenagem natural dos leitos dos rios. A segunda, menos
citada em artigos e publicações, a da poluição atmosférica e de efluentes gerados
pelas muitas indústrias que se instalaram nas décadas de 1970 e 1980, frutos do
modelo então vigente de desenvolvimento industrial das cidades.
Como corolário da primeira frente de discussão, é aprovada a Lei Estadual
no 12.248/1998, concebida pela COMEC. Elaborada para ser um sistema integrado
de gestão e proteção,5 surgiu a partir do debate da necessidade de prover as áreas
de mananciais de abastecimento público, as quais atingem todos os municípios de
entorno do polo, com instrumentos e diretrizes que fizessem frente aos problemas de
uso e ocupação do solo. Conforme destacado anteriormente, estes problemas foram
provenientes das proibições demasiado restritivas impostas e aplicadas a partir da Lei
Federal no 6.766/1979. A partir desta lei, a COMEC buscou atuar de forma a instrumentalizar as principais áreas de mananciais, que conviviam com o problema da
grande pressão por ocupação, intensificada pela condição de ilegalidade da população
que ali se instalava em ritmo crescente.
Os zoneamentos propostos permitiram, dessa forma, a permanência de ocupações
já consolidadas, desde que localizadas fora de áreas frágeis e de preservação permanente,
consoante à diretriz de manutenção de baixas densidades sobre área de mananciais.
Foi um mecanismo que propiciou aos técnicos atuantes um ferramental de decisão
necessário aos problemas que se avolumavam de ocupação indiscriminada destas áreas.
Considerando as prioridades técnicas e também políticas da época, os zoneamentos
foram formulados e aprovados na seguinte ordem (todos em 1999): unidade territorial de planejamento (UTP) do Guarituba, UTP de Pinhais, UTP do Itaqui, UTP
de Campo Magro e UTP de Quatro Barras; em 2000, a área de proteção ambiental
(APA) do Iraí; em 2001, a APA do Passaúna; e, em 2002, a APA do Piraquara (mapa 3).
Ao mesmo tempo em que a flexibilização do uso do solo viabilizaria a regularização fundiária dos assentamentos informais e uma ocupação orientada das cidades, a
legislação também propiciou direta ou indiretamente a reprodução, na RM de Curitiba,
de outra forma de ocupação, considerada, de um ponto de vista racional e tecnocrático,
compatível com a área de proteção dos mananciais pela sua baixa densidade populacional: os condomínios residenciais horizontais fechados (figura 1).
5. Sistema Integrado de Gestão e Proteção dos Mananciais (SIGPROM).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
120
FIGURA 1
Condomínios residenciais fechados nas décadas de 1970, 1980, 1990 e ano de 2000
Fonte: Nagamine (2001).
Essa forma de ocupação considerada excludente, desigual e fragmentadora do
espaço urbano já predominava, desde a década de 1990, em áreas valorizadas de vazios
urbanos no entorno próximo aos serviços e ao comércio especializado da capital, especialmente em sua porção do arco norte-oeste (bairros de Vista Alegre, Cascatinha, São
João, Santa Felicidade, São Braz, Campo Comprido, Campina do Siqueira, Seminário,
Bom Retiro, São Lourenço e Barreirinha) e ao sudeste (bairro do Uberaba). Fazia parte
da nova dinâmica de apropriação do espaço urbano que, associada ao estabelecimento
de novos shopping centers e ao aumento em massa da frota de veículos, representaria um
modelo da materialização do medo generalizado nas cidades e do abandono do centro
(Wacquant, 2001).
Da mesma forma, na RM de Curitiba, a mobilidade e acessibilidade cada vez
mais facilitadas para as faixas de renda média e alta da população, pelo binômio
carro versus infraestrutura viária, fizeram com que a implantação dos condomínios
residenciais horizontais fechados se estendesse para além dos contornos da periferia
metropolitana, sobretudo em áreas de alto valor paisagístico e ambiental: especificamente nas áreas da UTP de Pinhais, UTP de Quatro Barras e APA do Iraí (mapa 3).
Caracteriza-se como um divisor de águas o estabelecimento, em 2003, do Alphaville
Graciosa, no município de Pinhais, sobre UTP homônima. O Alphaville Graciosa é
representativo de um modelo de empreendimento associado a propostas mercadológicas
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
121
excludentes, segundo Lopes e Mendonça (2010, p. 243), fundamentado na ideia de
que a preservação do meio ambiente só pode ser alçada pela “privatização da natureza”
para as classes economicamente mais favorecidas da sociedade. Para além do debate da
desigualdade social gerado por esta tipologia de “enclave fortificado” (Caldeira, 2000),
ou ainda do intrincado alinhamento político de interesses manifestados por empresas
desse porte para a consecução de suas obras, com influência inclusive na mudança de
parâmetros de legislação, cabe destacar a lógica capitalista envolvida neste tipo de empreendimento, a partir da qual seus agentes “são levados a incorporar modelos globais
de urbanização e a criar externalidades positivas, no sentido de direcionar esforços
para tornar os espaços atrativos dessa metrópole, se não todos, pelo menos aqueles de
interesse do grande capital” (Ritter, 2010, p. 276).
Essa mesma lógica pode ser observada ao se analisar o processo de implementação
das indústrias automotivas na RM de Curitiba, no mesmo período. Além de modificar
legislações de ordenamento territorial, o governo do Estado ofereceu “vantagens competitivas” para atrair novos investimentos do capital industrial, sobretudo das empresas
transnacionais – principalmente indústrias automobilísticas que serviriam como indústrias motrizes para alavancar o crescimento econômico regional (Lopes e Mendonça,
2010, p. 240). Assim, a implantação da Renault e Audi, em São José dos Pinhais, e da
Chrysller, em Campo Largo, vem acompanhada de mudanças estruturais na RM de
Curitiba. Destacam-se entre estas a implantação da obra do Contorno Leste em 2002 e
do Contorno Norte em 2003, e a formação, no caminho de sua acessibilidade intrametropolitana e interestadual, de novas espacialidades produtivas de pequenas indústrias
de apoio aos complexos automotivos (mapa 3). De acordo com Baliski (2011, p. 170):
A metropolização acentuada a partir dos anos de 1990 permitiu que determinadas
condições, antes existentes em Curitiba e em algumas porções limítrofes a esta cidade,
se expandissem e abrangessem mais lugares do aglomerado. Isso pôde ser constatado
principalmente pela extensão dos deslocamentos da atividade produtiva, os quais se
ampliaram no período 1996-2008, em comparação às décadas anteriores. Apesar
de serem basicamente os mesmos municípios de destino das indústrias relocadas da
metrópole, verificou-se que as instalações ocorreram em locais mais distantes dos
limites municipais com Curitiba. Tal situação permite evidenciar o processo de expansão urbana em curso no aglomerado, tendo como um dos precursores, a indústria.
Os contornos Leste e Norte vêm a complementar a formação do anel de contorno
viário da RM de Curitiba, que se distingue atualmente como a principal estrutura de
ligação intermunicipal metropolitana com característica centrífuga, ao contrário das
demais infraestruturas rodoviárias, que são centrípetas em relação à capital. Exerce
esta função principalmente na porção oriental, onde o contorno leste, na categoria
de rodovia federal (BR-116), fortaleceu a ligação direta entre São José dos Pinhais,
Piraquara e Quatro Barras, ao mesmo tempo em que conferiu potencialidade regional
e logística a estes municípios, por se localizarem em vias de ligação direta com polos
urbanos de grande importância, como São Paulo, Joinville, Florianópolis e Porto
Alegre, além do Porto de Paranaguá, sem a necessidade de passar pela capital (mapa 3).
122
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Ao sul e a oeste, por sua vez, o anel viário perpassa a malha urbanizada de
Curitiba, destacando-se na porção meridional o desenvolvimento da mancha
conurbada à Araucária, como consequência da implementação do complexo industrial CIC/Ciar em 1973. Ao norte, o anel viário consolida a ligação de extensas
manchas contíguas de urbanização, formadas a partir da década de 1970, entre os
municípios de Almirante Tamandaré e Colombo, conforme já relatado (mapa 3).
De acordo com Firkowski (2009), a década de 1990 representou, dessa
forma, um período de grandes transformações socioespaciais na RM de Curitiba,
resultado da conjugação da produção de uma imagem positiva da cidade-polo e
seguida da implantação de importantes indústrias do ramo automobilístico na
aglomeração urbana. Ressalta-se que apesar da evidente construção da imagem
de Curitiba, ocorrida durante as décadas de 1970 e 1980, também com o intuito
de atrair atividades diferenciadas e especializadas e tornando-a mais competitiva,
isto “só se materializou enquanto transformações concretas quando a cidade se
fez interessante aos grandes capitais internacionais, desencadeados primeiramente
pela chegada das montadoras de veículos, ao que se seguiram importantes redes
de comércio e serviços, entre outros” (Firkowski, 2009, p. 32).
É possível afirmar que nessa lógica da produção do espaço metropolitano
que se estabeleceram, portanto, os grandes empreendimentos não somente representados pelas indústrias automobilísticas como pelos condomínios residenciais
horizontais. Além disso, na atualidade, agregam-se os grandes conjuntos de edifícios
residenciais, configurados, sobretudo, pelo capital internacional de natureza privada,
ditando regras urbanísticas, alterando a conformação da cidade planejada e ainda
com efeitos devastadores sobre as empresas locais. Conforme Firkowski (2009, p. 42),
“inúmeras atividades antes controladas por capitais locais ou regionais passam para o
âmbito de grandes empresas de atuação nacional ou global, seja através da aquisição,
da implantação ou mesmo da composição entre ambas as possibilidades”.
No interior da aglomeração urbana, destaca-se, portanto, o expressivo crescimento da produção imobiliária sentido em importantes vetores de crescimento
existentes na cidade de Curitiba. Entre eles, o corredor trinário para o oeste, nas
áreas de grandes glebas dos bairros Mossunguê e Campo Comprido, em que se
verifica um vertiginoso crescimento em altura (mapa 3). Além disso, de forma difusa
no território, outras glebas remanescentes foram ocupadas com a implantação de
empreendimentos de grande porte.
Em 2012, a pesquisa Perfil Imobiliário 2012, realizada pela Brain Bureau
de Inteligência Corporativa, sob encomenda da Associação dos Dirigentes de
Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná (Ademi-PR), mostrou a
consolidação da tendência de verticalização em Curitiba pelo número de alvarás
emitidos para a construção de edifícios com quatro pavimentos ou mais, quatro
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
123
vezes maior que o volume de prédios de até três pavimentos. Este fenômeno da
cidade que cresce para o alto ocorre em razão da disponibilidade cada vez menor
de grandes terrenos e áreas para grandes condomínios horizontais, em função da
necessidade de preservação ambiental (Nascimento, 2012).
Outro importante vetor de crescimento é a chamada linha verde, via que antes
tinha a função de rodovia federal (BR-116), e que foi incorporada ao município
quando esta foi transferida para o contorno leste. As mudanças incorporadas no
zoneamento municipal de Curitiba em 2000 e os projetos e investimentos em obras
nesta via, foram fatores suficientes para transformá-la em um dos vetores atuais
de indução da produção imobiliária. Atravessa de norte a sul a malha urbana de
Curitiba e detém importante função metropolitana, apesar de que a sua estratégia
de utilização segue o modelo da falta de diálogo ou de um planejamento integrado
entre os municípios afetados em detrimento da cidade-polo.
Não só sobre a linha verde, mas também sobre as vias a ela conectadas, como a
Wenceslau Braz ou a Avenida Brasília-Francisco Derosso, podem ser observados os
efeitos multiplicadores gerados pela indústria da construção, especialmente por meio
do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV (mapa 3). O modelo praticado
pelo município-polo, no entanto, repete o padrão de exclusão da população de mais
baixa renda das áreas com melhor infraestrutura – dentro da visão unificada do uso
do solo, sistema viário e transporte –, tanto mais acentuado ao se considerar que a
dinâmica pendular diária urbana observada extrapola os seus limites municipais.
Ou seja, estas áreas mais bem estruturadas possuem valor venal superior à possibilidade de aquisição pelas famílias de mais baixa renda residentes dentro do próprio
município ou fora dele, que, além disso, são coincidentemente as mesmas famílias
com maior dependência do transporte público para o seu deslocamento diário, hoje
realizado de forma ainda precária e cada vez levando mais tempo.
Dados fornecidos pelo Ministério das Cidades (MCidades) e pela Secretaria
Nacional de Habitação (SNH), em relação ao PMCMV, e pela entre o ano de seu
lançamento em 2009 e julho de 2013, demonstram que os empreendimentos contratados em razão do seu número e valor foram proporcionalmente muito maiores
em Curitiba, onde 103 contratos foram assinados neste período. A intensidade de
construção foi maior nos três primeiros anos, quando a capital contou com 70,78%,
em 2009, 67,19%, em 2010, e 68,04%, em 2011, do total de valores disponibilizados
para a RM de Curitiba (tabela 1). Em 2012, esta porcentagem caiu para 34,45%,
e, até julho de 2013, não havia sido contratado nenhum outro empreendimento na
capital pelo PMCMV. Assim, Curitiba perde participação em relação principalmente
a São José dos Pinhais, que constitui o segundo município com maior número de
empreendimentos durante esses anos (31 empreendimentos), passando de 12,82%
do valor contratado total na RM de Curitiba, em 2009, para 27,42% em 2012, e
65,27%, no primeiro semestre de 2013.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
124
TABELA 1
Empreendimentos MCMV contratados – RM de Curitiba (2009-julho de 2013)
Município
Número de empreendimentos
Valor contratado (R$)
Porcentagem em
relação ao ano
Unidades contratadas
2009
Araucária
1
14.537.120,00
4,70
160
Colombo
3
13.810.000,00
4,47
301
Curitiba
23
218.905.259,87
70,78
4.376
Fazenda Rio Grande
1
22.365.767,99
7,23
501
São José dos Pinhais
4
39.644.077,01
12,82
852
32
309.262.224,87
100,00
6.190
160
Total
2010
Almirante Tamandaré
2
8.581.314,18
2,27
Campina Grande do Sul
5
5.504.000,00
1,46
88
Campo Largo
2
21.606.000,00
5,72
264
Colombo
2
3.808.764,54
1,01
48
Curitiba
30
253.942.265,99
67,19
4.328
Tijucas do Sul
1
3.080.783,70
0,82
47
Pinhais
3
16.605.880,98
4,39
312
São José dos Pinhais
5
64.827.052,24
17,15
1.098
50
377.956.061,63
100,00
6.345
Araucária
5
17.692.000,00
6,11
277
Campo Largo
2
8.220.000,00
2,84
114
Colombo
3
5.600.000,00
1,93
112
Cerro Azul
1
5.148.000,00
1,78
99
35
196.935.360,26
68,04
3.601
Total
2011
Curitiba
Lapa
2
13.946.600,00
4,82
274
São José dos Pinhais
5
41.919.743,92
14,48
824
53
289.461.704,18
100,00
5.301
Total
2012
Almirante Tamandaré
2
21.475.680,00
3,33
415
11
122.364.999,00
18,96
1.384
Campina Grande do Sul
1
1.615.226,00
0,25
14
Cerro Azul
1
950.000,00
0,15
19
Colombo
4
27.852.779,99
4,31
234
Curitiba
Araucária
15
222.378.401,62
34,45
2.363
Fazenda Rio Grande
2
32.581.709,02
5,05
608
Pinhais
2
39.260.000,00
6,08
350
São José dos Pinhais
12
177.025.159,00
27,42
1.963
Total
50
645.503.954,63
100,00
7.350
Araucária
2
22.666.000,00
12,27
209
Colombo
1
8.640.000,00
4,68
72
Piraquara
1
21.824.000,00
11,81
341
2013
Pinhais
4
11.050.000,00
5,98
85
São José dos Pinhais
5
120.612.490,00
65,27
1.006
13
184.792.490,00
100,00
198
1.806.976.435,31
Julho/2013
Total
Fonte: Ministério das Cidades/SNH, julho de 2013.
Elaborado por: Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).
1.713
26.899
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
125
Os demais municípios do entorno metropolitano, embora com menor intensidade,
também sofreram os reflexos dessa nova reestruturação urbana, sob os efeitos da globalização do capital e dos investimentos governamentais, sobretudo, das somas distribuídas
pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Destacam-se os municípios de
Araucária com dezenove empreendimentos contratados, Colombo com treze e Pinhais
com nove empreendimentos. Ainda, incluídos na chamada ACP, embora com poucos
empreendimentos contratados, podem ser mencionados os municípios de Campina
Grande do Sul (seis), Almirante Tamandaré (quatro), Campo Largo (quatro), Fazenda
Rio Grande (três) e Piraquara (um). Outros três municípios localizados em um segundo
anel metropolitano também tiveram empreendimentos aprovados pelo PMCMV – Cerro
Azul (dois), Lapa (dois) e Tijucas do Sul (um) (gráfico 1).
GRÁFICO 1
Número de empreendimentos contratados pelo PMCMV – RM de Curitiba (janeiro
2009 (julho-2013)
1
Tijucas do Sul
São José dos Pinhais
Piraquara
Pinhais
Lapa
Fazenda Rio Grande
Curitiba
Colombo
Cerro Azul
Campo Largo
Campina Grande do Sul
Araucária
Almirante Tamandaré
31
1
9
2
3
103
13
2
4
6
19
4
0
20
40
60
80
100
120
Fonte: Ministério das Cidades/SNH, julho de 2013.
Elaborado por: Ipardes.
Verifica-se assim que o maior número de empreendimentos do PMCMV, fora
de Curitiba, demonstrou preferência pela localização sobre São José dos Pinhais,
Pinhais, Colombo e Araucária, conforme visto, municípios constituídos por extensas
áreas contínuas e contíguas ao polo. Nos demais, conclui-se que a lógica de restrição à
ocupação e ao adensamento a partir dos zoneamentos elaborados como instrumento
do sistema de gestão e proteção dos mananciais, não foi interrompida. O modelo
preponderante nestes municípios, como Quatro Barras, Campina Grande do Sul
ou Campo Largo, é ainda de continuidade preferencial de uso por condomínios
residenciais horizontais, como forma de obter ocupação mais rarefeita em termos
de densidade populacional e como consequência de melhor controle para a proteção
dos mananciais de abastecimento público.
126
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Embora os dados obtidos não revelem se nos municípios fora de Curitiba há
um número maior de empreendimentos contratados pelo PMCMV para famílias
com faixa de renda abaixo de três salários mínimos, é um fato concreto, seja em
áreas centrais ou periféricas, que a grande aglomeração metropolitana mostra-se cada
vez mais fragmentada e segregada. Ao fenômeno da supervalorização dos eixos de
adensamento de Curitiba, segue-se o aumento da procura por opções de residências
de qualidade também nos municípios do entorno, possibilitado pela fácil acessibilidade aos centros de consumo do município-polo. Em Curitiba, os serviços prestados
para consumo desta população mais privilegiada são cada vez mais especializados e
globalizados, sendo evidente a subordinação do espaço ao capital imobiliário.
Ao mesmo tempo, o que se vê na grande aglomeração urbana é o aumento
da informalidade da habitação, nas porções de mais difícil acesso aos serviços de
transporte para o seu deslocamento para o trabalho ou estudo. Dados levantados
por Silva (2012) para onze municípios6 localizados na ACP revelam que o número de domicílios em espaços informais de moradia (mapa 2) cresceu de 54.662
domicílios na década de 1990 para 98.444 na década de 2000, com participação
expressiva dos municípios de Curitiba (59.064), seguida por Piraquara (11.966),
Almirante Tamandaré (6.238) e São José dos Pinhais (5.442). Destaca-se também
que, de acordo com Silva (2012), o conjunto de domicílios em espaços informais
de moradia representam 10,24% dos domicílios particulares destes municípios.
3 CARACTERÍSTICAS DA GESTÃO DO USO DO SOLO NA RM DE CURITIBA
O histórico de ocupação e apropriação do território da RM de Curitiba revela que
a dinâmica socioespacial incidente sobre o espaço metropolitano de Curitiba é
representada, notadamente na última década, por transformações rápidas, profundas e diferenciadas da metropolização do espaço, ao mesmo tempo em que
problemas básicos de habitação ou infraestrutura persistem como os principais
desafios. Concomitantemente, observa-se um tácito enfraquecimento do órgão
metropolitano responsável pelo planejamento e controle do uso e da ocupação
do solo, a COMEC, aprofundando cada vez mais a distância para a sua atuação
efetiva em ações prioritárias de planejamento territorial.
Uma avaliação dos contratos firmados pelo órgão metropolitano nos últimos
anos confirma a sua baixa atuação no que se refere ao planejamento do uso e da
ocupação do solo na RM de Curitiba (COMEC, 2013b). Analisados os contratos
entre 2007 e 2013, sinalizam que o principal rumo tomado pela entidade no que se
refere à sua frente de atuação deu-se pela aplicação da maior parte de seus recursos
em empreendimentos de obras viárias e de transporte urbano. Embora o sistema
6. Curitiba, Pinhais, Piraquara, Almirante Tamandaré, Campo Largo, Araucária, Fazenda Rio Grande, São José dos Pinhais,
Quatro Barras e Campina Grande do Sul.
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
127
viário e de transporte constituam importante eixos de diretriz metropolitana, a
implementação de obras nesta área necessita do acompanhamento e, na mesma
medida, do planejamento de adequado ordenamento territorial, haja vista as pressões
e mudanças que resultam destas ações e que atuam diretamente sobre a dinâmica
do uso e da ocupação do solo na grande aglomeração urbana metropolitana. Além
disso, é necessária avaliação constante e integrada entre os municípios, relativa aos
principais problemas de acessibilidade e mobilidade metropolitana, sob o risco de
os recursos financeiros empreendidos ficarem à margem das suas reais necessidades.
Ciente de seus propósitos, a COMEC, ainda sob os efeitos da legislação
que a criou há quase quarenta anos (Lei Estadual no 6.517/1974) e daquela que
a transformou em entidade autárquica em 1994 (Lei Estadual no 11.027/1994),
cujos regulamentos foram aprovados pelo Decreto Estadual no 698/1995, esforçase por enfrentar os cada vez mais complexos problemas que rebatem sobre o uso
e ocupação do solo da RM de Curitiba, apoiando-se em um conjunto de instrumentos formulados em dois segmentos: o primeiro, já contextualizado historicamente,
compõe diretrizes para o uso e a ocupação do solo em área de mananciais, calcado
em um modelo baseado no Sistema Integrado de Gestão e Proteção dos Mananciais (SIGPROM), do qual faz parte o Conselho Gestor dos Mananciais (CGM);
e o segundo, com diretrizes para o sistema viário regional, cuja implementação
demandou a instituição da Câmara Técnica do Sistema Viário.
Tais estruturas revelam deficiências, dadas principalmente pela parcialidade
no tratamento dos problemas, na medida em que não se encontram orientadas por
um planejamento contínuo, função primordial de um órgão metropolitano, que
envolva uma visão mais ampla e abrangente e na qual os elementos gerados pelas
dimensões social e econômica situem-se em igual campo de análise das dimensões
físico-territorial e ambiental.
Sob essa perspectiva, o SIGPROM, instituído pela Lei Estadual no 12.248/1998,
demonstra sua primeira deficiência por não ter sido implementado, após quinze
anos, com todas as ferramentas necessárias para o seu funcionamento efetivo, destacando-se o sistema de informações e o sistema de monitoramento e fiscalização.
A segunda deficiência é manifestada quando da verificação de que, para o CGM,
são encaminhadas discussões que necessitam de uma visão mais ampla do uso do
solo, de âmbito social e econômico, como é o caso de alguns planos diretores ou de
habitação, e que, no entanto, acabam sendo avaliados para aprovação considerando,
sobretudo, a ótica ambiental de proteção e gestão dos mananciais. Mesmo quando se
identificam pareceres do órgão focalizados em outros temas e mediante a indicação
da existência de um planejamento metropolitano, ainda assim a análise é parcial,
porquanto realizada tendo em vista as diretrizes emanadas pelo plano metropolitano
de 2006, cujas propostas não chegaram a ser detalhadas para importantes questões
como a habitação de interesse social ou a mobilidade urbana.
128
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O documento intitulado Plano de Desenvolvimento Integrado, que contém diretrizes
para o ordenamento territorial na RM de Curitiba, foi elaborado pela COMEC e disponibilizado em 2006. O processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado
(PDI) foi iniciado pela instância estadual em 2000, sendo que em 2002 uma consultoria
contratada em conjunto com a equipe da COMEC desenvolveu discussões participativas
com os municípios da RM de Curitiba, obtendo como resultado um extenso diagnóstico.
Não obstante, no momento em que as propostas estavam sendo elaboradas, este processo
foi relegado a um segundo plano, tendo em vista a transição governamental marcada
pela saída do governador Jaime Lerner (1995-2002) e entrada do governador Roberto
Requião (2003-2010), com orientações políticas historicamente opostas.
Convém ressaltar, que a COMEC manteve-se em destaque durante o primeiro
governo mencionado em virtude da estratégia de uma gestão voltada para a consolidação de uma metrópole competitiva, permitindo facilidades ao investimento
de capitais nacionais e internacionais no cenário metropolitano, o que resultou
em sementes para um território que se transformou a partir de uma nova rede de
relações e necessidades de produtos e serviços. É o caso dos condomínios residenciais,
tipologia que passa a despontar em cidades do entorno metropolitano por um padrão
cujo marketing respalda-se na sustentabilidade ambiental alcançada pela baixa
densidade, adequados, portanto, para área de mananciais. Outro exemplo da nova
conformação espacial dada pela produção global do espaço, é a geração em cadeia
de um grande número de empresas do ramo automobilístico atraídas pela oferta
de logística e espaços próximos das indústrias de automóveis que se instalaram,
no final da década de 1990, na RM de Curitiba. Ressalte-se que ambos os casos
envolviam a criação de novas diretrizes de uso e ocupação do solo.
O momento foi propício para agregar uma discussão que efervescia na RM
de Curitiba, em torno da definição das áreas de mananciais de abastecimento e
da necessidade de flexibilização de parâmetros frente ao grande número de ocupações irregulares que só intensificava, conforme anteriormente relatado, sob a
perspectiva histórica. Neste contexto, o interesse técnico e o político se aliaram na
construção do SIGPROM. No entanto, a adoção deste instrumento de planejamento metropolitano não veio acompanhado da priorização das ações necessárias
à reestruturação da organização institucional da COMEC, que conforme sólidas
evidências já sinalizavam, se encontrava em processo de desmonte administrativo,
tendo em vista o número reduzido de funcionários efetivos.
Essa ameaça só se tornou mais visível quando, oito anos depois, o governo seguinte não investiu em reestruturar o órgão, passando as atividades da COMEC a se
estabelecer no campo do desenvolvimento de estudos e operacionalização para obras
viárias, redundando em uma considerável queda nas atividades relativas ao planejamento
metropolitano. Com o objetivo de enfrentar a precariedade da organização institucio-
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
129
nal vigente, entre 2003 e 2006,7 uma equipe formada por técnicos remanescentes na
COMEC – entre efetivos e aqueles que ali se mantiveram durante longos anos com
cargos comissionados necessários para complementar um corpo técnico mínimo –
conjugou esforços, em conjunto com o Instituto de Desenvolvimento Econômico e
Social (Ipardes) e a empresa pública Serviço Geológico do Paraná (Mineropar) para a
elaboração de um documento propositivo, o Plano de Desenvolvimento Integrado da
Região Metropolitana de Curitiba 2006 (PDI/2006), cujo conteúdo expõe, de forma
bastante pragmática, o posicionamento da instituição quanto ao principal desafio a
ser enfrentado: a necessidade de um novo arranjo institucional, condição sine qua non
para a continuidade do planejamento e das ações metropolitanas.
A proposta de ordenamento físico-territorial, por sua vez, estabeleceu-se sobre
a área em que a equipe técnica que elaborava este documento – constituída por
arquitetos e engenheiros dos setores de planejamento do uso do solo e sistema
viário – possuía maior domínio. Havia portanto a clara preocupação de consolidar as diretrizes territoriais que foram formuladas ao longo da última década em
continuidade ao PDI de 1978. É desta forma que o PDI/2006 (COMEC, 2006),
além de indicar as ações necessárias para o cenário escolhido de expansão urbana
metropolitana, visando ao adequado ordenamento territorial e considerando as condicionantes físicas e ambientais existentes:
•
consolidou o SIGPROM;
•
respaldou a proposta existente de delimitação da área de interesse do Karst;
•
indicou a necessidade de otimizar as áreas disponíveis nas malhas urbanas
dos municípios para a consolidação de políticas e programas habitacionais
no âmbito do Estatuto da Cidade;
•
indicou a necessidade de respaldar os estudos de desfragmentação florestal, especialmente em unidades de conservação (UCs), e instituir um
instrumento legal de proteção das várzeas do rio Iguaçu;
•
além de propor nova hierarquia de sistema viário metropolitano, consideradas as questões de acessibilidade logística regional.
Os esforços para a elaboração do PDI foram as últimas ações efetivas de
planejamento territorial metropolitano que se tem notícia, sendo que tanto as atas
do CGMHcomo os contratos efetivados pela Coordenação de Planejamento da
COMEC entre 2007 e 2013 revelam que as atividades neste setor tem se voltado
7. Ressalta-se que, nesse período, houve um avanço no desenvolvimento de propostas de estratégias para a estruturação
de uma Política Estadual de Desenvolvimento Urbano e Regional – PDU (Paraná, 2003; Ipardes, 2006), com o intuito
de melhor equilibrar as relações em rede das cidades que exercem funções de maior centralidade no Paraná – neste
contexto, procedendo-se a uma revisão do papel da RM de Curitiba. A continuidade destas ações poderia vir a contribuir
para a construção de uma política efetiva nesta escala intermediária, com resultados positivos que poderiam servir de
pressão para uma reorganização institucional para a COMEC.
130
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
à consolidação de diretrizes do plano integrado, destacando-se: a proposta de
delimitação da Área de Interesse Especial Regional do Iguaçu (Aieri), em 2008,
e como continuidade desta ação, em 2012, a contratação de cinco estudos: Estudos de Concepção do Parque Ambiental Itaqui, Piraquara, Palmital e do Parque
Metropolitano do Iguaçu, bem como o Estudo de Concepção do Plano Diretor
da Aieri (COMEC, 2013a).
Constata-se, entretanto, que o volume de atuação da COMEC, no que se
refere ao uso e à ocupação do solo, concentrou-se, nesse último período, no campo
do controle territorial, consoante à baixa prioridade política que foi dada quanto à
importância do planejamento urbano metropolitano. A Coordenação de Controle
Territorial da COMEC e o CGM possuem, desta forma, papel relevante no que se
refere à continuidade das atividades da instituição, devendo-se observar que compõem
duas estruturas organizacionais com atribuições legalmente instituídas.
A primeira estrutura, a Coordenação de Controle Territorial, é a responsável
pela emissão de pareceres sobre o parcelamento do solo urbano, em concordância
com o estabelecido pelo parágrafo único do Artigo 13 da Lei Federal no 6.766/1979,
que atribuiu à autoridade metropolitana o exame e a anuência prévia à aprovação
dos projetos de loteamentos ou desmembramentos localizados em área de município integrante de região metropolitana. A COMEC, mesmo antes da aprovação
desta que é chamada de Lei Lehmann, atuava em respostas a consultas realizadas
pelos municípios da RM de Curitiba, sendo que a partir de 19 de dezembro de
1979 passou a realizá-lo, com o respaldo da lei. A partir desta atribuição, cumpriu
importante função no que se refere à ocupação ordenada do solo metropolitano,
contendo o histórico de aprovação desenfreada de loteamentos, ocorrido nas
décadas anteriores. Hoje, o exame e a anuência prévia encontram-se baseados
especialmente em arcabouço legal constituído pelos diversos zoneamentos de
uso e ocupação do solo (APAs e UTP anteriormente elencadas), instrumentos do
SIGPROM da RM de Curitiba.
Entre os processos que tramitaram na COMEC, na última década, duas tipologias se destacam em relação a períodos anteriores: a primeira refere-se a um número
considerável de solicitações para regularização fundiária, inclusive de usucapião, na
primeira metade desse período; e a segunda à demanda por aprovação de processos
de condomínios residenciais, sendo que nos últimos cinco anos esta tipologia abrangeu
mais de 80% das análises realizadas. Entre 2007 e junho de 2013, foram analisados um
total de 4.967 processos, contabilizando uma média de 382 processos por semestre.
Além do exame e da anuência prévia à aprovação dos projetos de loteamentos
ou desmembramentos na RM de Curitiba, a Coordenação de Controle Territorial
participa também: i) em respostas a processos de licenciamento ambiental de
empreendimentos cuja análise é solicitada pelo órgão ambiental; ii) das câmaras
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
131
técnicas formadas para discutir os casos de exceção nas áreas de proteção ambiental
(APAs) do Iraí, Piraquara, Passaúna e Verde; iii) em processos de denúncias do
Ministério Público de áreas de conflito urbano e; iv) além de discussões de processos ambientais e urbanos junto ao Grupo Interinstitucional de Trabalho (GIT).
Quanto ao GIT, sua equipe foi formada em março de 2012, pelo Decreto
Estadual no 3.992/2012, com
a atribuição de atuar nos procedimentos administrativos referentes ao parcelamento
do solo, condomínios e indústrias, projetos de regularização fundiária e loteamentos
de interesse social e privados, além de quaisquer outras atividades que possam afetar
significativamente as áreas de interesse especial de proteção aos mananciais da Região
Metropolitana de Curitiba (Paraná, 2012).
Essa equipe do GIT é constituída por técnicos da COMEC, do Instituto
Ambiental do Paraná e Instituto das Águas do Paraná, possui como objetivo precípuo dar agilidade a processos que antes eram analisados sequencialmente e de
forma isolada pelas três instituições, o que agora é feito em reuniões, de acordo
com a necessidade. Já foram realizadas até o momento 25 reuniões, resultando na
análise de 88 processos.
A segunda estrutura, o CGM, foi instalado em 26 de fevereiro de 1999,
como parte da instrumentalização do SIGPROM. Com base na sistematização
de temas discutidos, avaliados e aprovados, efetuada segundo o conteúdo de 55
atas de reuniões realizadas, até início de dezembro de 2013, verificou-se que a
partir de 2003 houve uma redução do desenvolvimento e da aprovação de propostas que tem como base o planejamento urbano, passando a maior parte das
pautas à discussão de questões relativas à permissão de uso industrial e de serviços
de regularização fundiária e à análise de planos diretores, desenvolvidos pelos
municípios localizados em áreas de mananciais. Em relação aos planos diretores,
explicita-se que embora sejam considerados instrumentos de planejamento e
gestão, as análises realizadas pelo CGM restringiram-se ao controle quanto ao
cumprimento das diretrizes metropolitanas em área de mananciais, em sua maioria, emanadas pelos zoneamentos instituídos no primeiro período após a criação
do SIGPROM. Verifica-se também, ao longo desse período, a discussão e/ou
aprovação de alterações nos zoneamentos estaduais das UTPs do Itaqui, Pinhais,
Guarituba e Campo Magro. Mais uma vez, pode-se constatar que tais alterações
não se conformam como ações de planejamento, mas de controle territorial para
aprovação ou não de parâmetros específicos. Em sua maioria, tais alterações provêm
de discussões municipais locais, como no caso dos planos diretores, e não de uma
exploração ou estudo de abrangência metropolitana e interinstitucional.
Sobre as atividades remanescentes antes expostas, verifica-se que apesar de
se considerar que a sobrevida do órgão metropolitano ocorreu em parte pelas
132
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
atribuições que lhe foram legalmente instituídas, mesmo estas demonstram fragilidade quando o planejamento urbano não dá conta de acompanhar o dinamismo
das mudanças territoriais. Cita-se como exemplo desta necessidade a proposta
aprovada em 2012 no CGM para a definição de parâmetros para parcelamentos
e condomínios na área de mananciais, cuja iniciativa foi da Coordenação de
Controle Territorial, mediante dificuldades enfrentadas com o intuito de frear
o adensamento territorial em áreas inapropriadas na RM de Curitiba, diante da
pressão exercida pelas incorporadoras imobiliárias face às facilidades de investimento deste último período.
Finalmente, no que se refere à caracterização da gestão do espaço metropolitano,
não somente a responsabilidade da COMEC deve ser destacada. Concorre também
para a discussão deste tema o papel central do município polo na consecução de
uma efetiva gestão integrada. Entre os inúmeros aspectos desta histórica falta de
integração, apresenta-se o exemplo recente dos grandes projetos em andamento na
RM de Curitiba para a Copa 2014, financiados pelo governo federal, com maior
proporção de recursos. Subdivididos em obras de Curitiba e obras do governo do
Estado, constituem modelos representativos do retrato da fragmentação político-espacial existente na RM de Curitiba (COMEC, 2014). Salienta-se assim que
vultuosos recursos estão sendo gastos em obras de arte, como é o caso da polêmica
Ponte Estaiada, proveniente do montante destinado às obras do corredor Aeroporto-Rodoferroviária urbana, sem que tenha sido avaliada a sua compatibilidade com
a escala de intervenção em uma rede de mobilidade metropolitana com ganhos
efetivos para a sociedade.
4 O DESAFIO DA GESTÃO INTEGRADA: COMPARTILHAR OPORTUNIDADES
GERADAS PELO USO E PELA OCUPAÇÃO DO SOLO
À guisa de conclusão, verifica-se que o histórico de desestruturação institucional
e de fragmentação política afetou diretamente o uso e a ocupação do solo na RM
de Curitiba, na medida em que revelou um cenário de subordinação de interesses
ao capital, globalizado e internacionalizado, em grande medida por processos
que passaram a ser permitidos ou ainda estimulados por normas instituídas pelo
próprio estado ou município. Tal subordinação é demonstrada, por um lado,
pelos municípios que de forma isolada e parcial exercem sua autonomia concedida
pela Constituição Federal, no que se refere à gestão de uso do solo de seu território, e
pelo Estado, em decisões tomadas sem a articulação técnica e política dentro de uma
percepção mais ampla, necessária para atuação nesta escala intermediária.
Com efeito, são escassos os casos que podem ser identificados como de interesse
político de gestão integrada metropolitana da RM de Curitiba quando o assunto diz
respeito a restringir ou compartilhar potencialidades e oportunidades geradas pelo uso e
pela ocupação do solo. Neste sentido, cabe ressaltar que não há registro de experiências
Transformações Urbanas e Gestão do Uso do Solo na Região Metropolitana de Curitiba
133
de políticas ou discussões de interesse comum entre dois municípios, originadas a
partir da elaboração de planos diretores na RM de Curitiba, os quais se limitam a
incluir em diagnósticos os reflexos de sua inserção em um contexto metropolitano.
De forma geral, as manifestações de interesse de integração entre os municípios
ocorrem com pressões exercidas pela sociedade e sentidas em outras políticas, como a
falta de transporte público, baixa acessibilidade, falta de local para a destinação final
dos resíduos sólidos, aumento das ocupações irregulares ou fatalidades ambientais.
No entanto, o que merece ser esclarecido é que os problemas relacionados a temas desta
ordem não podem ser vistos isoladamente, mas devem obrigatoriamente ser analisados
à luz da produção do espaço urbano na escala metropolitana, sob o risco de não serem
solucionados, em uma perspectiva de longo prazo. Assim, proposições de parâmetros
de uso e ocupação do solo na escala municipal devem considerar diretrizes metropolitanas que resolvam os problemas afetos ao histórico de deficit de qualidade de vida da
população periferizada e marginalizada da grande aglomeração urbana, ressaltando-se
a prioridade em soluções cabíveis à cidade-polo no tratamento destas questões.
O interesse por soluções faz-se diminuto no âmbito da construção política da
dimensão metropolitana e tampouco é resolvido a partir da visão dos verdadeiros
interessados, qual seja, a população envolvida, uma vez que a análise do controle
social exercido para questões relativas ao uso e à ocupação do solo revelou-se
inexistente no âmbito metropolitano. Esta lacuna também se justifica porque a
organização da sociedade civil ainda se encontra em processo de percepção de sua
inserção metropolitana e porque, mesmo percebendo-se metropolitana, não encontrará,
nesta instância, os canais adequados para sua efetiva participação.
Verifica-se a necessidade de iniciativas institucionais que possam suprir a enorme lacuna de discussão existente entre os cidadãos metropolitanos, os municípios e
o Estado, com estruturas compartilhadas de poder de decisão que possam de fato
representar a expressão da conciliação necessária para a solução dos problemas.
Uma discussão baseada em uma maior proximidade com a realidade imposta pelos
novos desafios de essência metropolitana em constante e rápida transformação.
Por fim, destaca-se que o uso do solo como função pública de interesse comum
é uma discussão enraizada na busca por maior integração dos municípios metropolitanos para soluções com responsabilidades comuns. Isto implica a urgência
de implementação, por parte da esfera estadual, de um processo de governança
territorial para o desenvolvimento regional que contribua para reverter o quadro
da concentração econômica dos investimentos e seus efeitos.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
134
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CAPÍTULO 5
REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE: O DESAFIO DA GESTÃO
COMPARTILHADA E A INTEGRAÇÃO TERRITORIAL
Cátia Wanderley Lubambo1
Suely Jucá Maciel2
Marieta Baltar3
1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste capítulo é apresentar os principais resultados da investigação
sobre o cenário em que se articulam os agentes econômicos e políticos e outros
atores sociais para a conformação do espaço metropolitano do Recife e para as possibilidades da gestão pactuada das funções públicas de interesse comum (FPICs).
A análise empreendida resulta em um detalhamento da gestão do uso do solo
e o seu rebatimento territorial, principalmente na temática da mobilidade e da
articulação metropolitana. A concentração de investimentos em torno do Grande
Recife sugere a retomada do debate metropolitano e da proposta de construção
de uma agenda comum e integrada. Como constatado na pesquisa, há uma multiplicidade de novos arranjos setorizados e de abrangência intermunicipal, sem a
necessária articulação metropolitana. De todo modo, as análises que partem de
setores específicos constituem um primeiro passo e podem somar subsídios para
propostas de articulações mais consequentes para a gestão da cidade metropolitana.
Há um consenso sobre a relevância da temática metropolitana nos debates
acerca da gestão das funções públicas de interesse comum nos governos municipais. Contudo, a reduzida relevância analítica dos fatores político-institucionais,
observada nos estudos sobre a ordenação territorial de municípios metropolitanos,
causa preocupação. Significa dizer que a questão da integração entre municípios
tem sido tratada, preponderantemente, a partir de critérios técnicos e, sobretudo,
econômicos, onde a variável cultura política é simplesmente anunciada como uma
dimensão explicativa dos fracassos, e não investigada com o devido aprofundamento
1. Mestre em desenvolvimento urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1986. Doutora em sociologia pela UFPE em 1999. Pesquisadora titular da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Responsável do estado de
Pernambuco pelo Projeto Governança Metropolitana no Brasil no Ipea.
2. Mestre em gestão pública pela UFPE em 2006. Pesquisadora do Projeto Governança Metropolitana no Brasil – Região
Metropolitana do Recife no Ipea.
3. Especialista em estatística social pela Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) em 2014. Analista de dados sociais,
analista colaboradora.
138
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
analítico. Interessante é notar, por exemplo, que o papel político e institucional dos
municípios que compõem a metrópole não tem sido considerado adequadamente
quando se precisa fazer a gestão das funções públicas de interesse comum entre
outras políticas municipais.
No âmbito deste texto, a concepção de território é compreendida como
um processo que envolve práticas e decisões, além da implementação de ações
públicas, independentemente de fronteiras político-administrativas predefinidas
pela estrutura federativa. Contudo, ainda que se compreenda, de um lado, a
gestão pública como um mecanismo de alocação ótima de recursos e, de outro,
como um fórum privilegiado de articulação de atores políticos, a metrópole não
costuma ser vista como uma unidade que exibe uma capacidade institucional
própria a depender da composição política circunstancial. Este dado de variância não consegue ser captado ou previsto nos arranjos institucionais que são
propostos como modelo para as metrópoles. O dilema formado entre a funcionalidade exigida para o conjunto (onde o principal exemplo são as FPICs) e as
institucionalidades e arranjos políticos construídos localmente parece não ter
ainda a ressonância necessária.
Focalizar o debate sobre a peculiar distribuição de ônus e bônus entre os municípios metropolitanos, que acontece em escala completamente diferente de outros
municípios não metropolitanos, seria um bom elemento de partida. Certamente,
uma centelha a mais na polarização entre aqueles que apostam no fortalecimento
dos governos locais como um processo positivo para a democracia e a eficiência
alocativa do setor público e aqueles que entendem que os municípios são a própria
manifestação do clientelismo e da ineficiência, onde o aumento da autonomia local
só favorece a ingovernabilidade e impede ações públicas mais coletivas.
Observa-se indiscutivelmente a ausência de coordenação e gestão das funções
públicas de interesse comum na RM do Recife, a despeito da presença do
Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife (CONDERM),
secretariado pela Agência Condepe/Fidem, órgão articulador intergovernamental
do planejamento do estado. O CONDERM procurou desempenhar este papel
com apoio das câmaras técnicas setoriais, mecanismos criados para participação
da sociedade civil e para ampliação da rede de entidades no sistema gestor
metropolitano. Os representantes das câmaras avaliavam e opinavam sobre
planos e projetos de desenvolvimento urbano e ordenação territorial e encaminhavam
os projetos de resolução para serem deliberados pelo CONDERM. As câmaras
técnicas eram as instâncias do sistema gestor com flexibilidade para convocar os
atores a participarem das discussões sobre as funções públicas de interesse comum,
considerando-as de forma integrada.
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
139
Esse arranjo foi viabilizado por força do alto grau de especialização e
reconhecimento que a agência conseguiu alcançar ao longo dos anos. Além da
certeza de que alguns problemas comuns não poderiam ser tratados isoladamente
por um único município da região, nem exclusivamente por uma única setorial
estatal, fato que fortaleceu o sistema gestor metropolitano entre 1994 e 1998.
Em 2010 o modelo já apresentava sinais de esgotamento. Existe, portanto,
um vazio de gestão integrada na Região Metropolitana (RM) do Recife. Além
deste fato, destacam-se as seguintes questões que caracterizam a ausência desta
gestão integrada:
•
a reduzida capacitação técnica para a visão integrada – técnicos mais bem
preparados podem entender melhor qual o papel de cada temática da
infraestrutura urbana dentro do ciclo das políticas públicas de âmbito
metropolitano;
•
a diferença entre os interesses e ideologias que podem levar à inviabilização
do processo de planejamento metropolitano e da gestão compartilhada;
•
a falta de articulação entre as instituições responsáveis pelas atividades
relativas às FPICs, superpondo esforços e atribuições; e
•
a falta de um padrão de planejamento que inclua a ação de monitorar e
avaliar uma política pública.
Ora, após mais de duas décadas de vivência de participação, o caso em
pauta deixa claro que o debate sobre a temática não pode prescindir de análises
que focalizem os casos metropolitanos sob o único aspecto capaz de revelar o
impacto desse processo: o desempenho da gestão para assumir desenhos de gestão
compartilhada. Inexistem estudos sistemáticos sobre experiências metropolitanas
participativas, registrando-se, fundamentalmente, trabalhos que preferem abordar
estudos de caso.4
A discussão sobre os constrangimentos e vicissitudes da gestão compartilhada
na metrópole sofre, assim, os efeitos da ausência de estudos que tomem por base
um número significativo destes casos. A iniciativa da Rede Ipea na direção do
estudo da governança metropolitana, a partir de quinze estudos de caso, constitui
uma oportunidade seminal nesta direção.
4. Frey (1995) compara as experiências municipais de Curitiba e de Santos; Souza (1997) examina o caso de Salvador;
Couto e Abrucio (1995) analisam a gestão de São Paulo; Baiocchi (2001) focaliza o ativismo e a participação política
na experiência de Porto Alegre; ou Fernandes (2005), que estuda a gestão de capitais na década de 1990, comparando
os casos Recife e Salvador.
140
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
2 NOVA CONFIGURAÇÃO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE:
TRANSFORMAÇÕES URBANAS E A MOBILIDADE NO TERRITÓRIO
Falar das tendências da dinâmica urbana é falar de fatores relacionados, nas
primeiras análises, à dinamização econômica do sul da RM do Recife, decorrente
da consolidação do Complexo Industrial Portuário de Suape (CIPS), com empreendimentos de grande porte, a exemplo da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) e
do Estaleiro Atlântico Sul, entre tantos outros, que vêm colocando os municípios
sob sua área de influência, em posição de crescente atratividade do ponto de vista
da expansão urbana, com demandas constantes por habitações e todos os serviços
que permeiam a habitabilidade. Deste modo, a RM do Recife apresenta uma nova
e importante configuração. Fato ressaltado no “Seminário Desafios Metropolitanos:
como enfrentá-los?”, em que foram tratadas as temáticas da mobilidade, conectividade
e acessibilidade.5
No debate foi considerado que a atratividade exercida pelos empreendimentos já implantados e em fase de implantação no sul, no oeste e no norte
metropolitano fará uma pressão latente no solo urbano infraestruturado, ocasionando transformações nas redes de mobilidade e na morfologia urbana. Tal
dinâmica econômica acarreta o surgimento de novos vetores de crescimento,
com impacto sobre as condições de uso e ocupação do solo no território metropolitano. Assim, no seminário foram apresentados os empreendimentos
(públicos e privados) que constituem a atual dinâmica do crescimento urbano
metropolitano, projetos e empreendimentos que, de forma direta ou indireta,
incidem sobre a RM do Recife, quais sejam, no setor oeste metropolitano,
induzidos pela Cidade da Copa/Arena Pernambuco, novos investimentos
produtivos na parte norte da RM do Recife e Goiana, e no sul metropolitano.
A proposta apresentada pelo governo de Pernambuco para implantação do Arco
Metropolitano abre a possibilidade de fluir mais a movimentação de carga na
RM do Recife. O Arco ligará Suape ao polo automobilístico de Goiana, com
traçado percorrendo Cabo, Moreno, São Lourenço, Paudalho, Abreu e Lima
e Igarassu.
5. O seminário “Desafios metropolitanos: como enfrentá-los?” foi realizado nos dias 2 e 3 de outubro de 2013, em
Recife, tendo sido organizado e coordenado pela Agência Condepe/Fidem.
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
141
FIGURA 1
Região Metropolitana do Recife – novo contexto metropolitano
Fonte: Chaves (2013).
Obs.: imagem cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
disponibilizados pelos autores para publicação (nota do Editorial).
O processo de expansão da mancha urbana da RM do Recife está sendo
conduzido por três grandes movimentos que se completam: a expansão do núcleo
central, a irradiação pelos eixos de ligação entre o litoral e o oeste (BR-232, BR-408 e Cidade da Copa com a Arena Pernambuco); a expansão para o litoral sul
(complexo portuário de Suape), a ocupação industrial do litoral norte (Goiana/
Polo Farmacoquímico e Fiat) e pelo polo alimentício em formação em Gloria de
Goitá e Vitória de Santo Antão. Este dinamismo está motivando a construção
de novos bairros/cidades nos municípios metropolitanos e em Goiana (Mata Norte),
formando, assim, uma nova coroa urbana no entorno do núcleo expandido central.
2.1 Indicadores de crescimento da população urbana
A Região Metropolitana (RM) do Recife tem população de 3,69 milhões de pessoas
(IBGE, 2013), que vivem nos quatorze municípios que a compõem: Araçoiaba,
Igarassu, Itapissuma, Ilha de Itamaracá, Abreu e Lima, Paulista, Olinda, Camaragibe,
Recife, Jaboatão dos Guararapes, São Lourenço da Mata, Moreno, Cabo de Santo
Agostinho e Ipojuca. A taxa de crescimento da população residente no período de
2000-2010 foi de 1,01% ao ano (a.a.), enquanto Pernambuco teve taxa de 1,06%.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
142
A figura 2 apresenta a taxa anual de crescimento da população residente no período
de 2000-2010. A taxa média de crescimento da população na RM do Recife é
de 1,05%. A maior taxa está em Ipojuca (dinâmica Suape), que cresceu acima de
3,15%, seguidos de Igarassu e Itamaracá. As menores taxas são apresentadas em
Olinda e Recife, correspondendo a três quartos do valor da RM do Recife.
FIGURA 2
Taxa de crescimento1 da população urbana, por município (2000-2010)
(Em %)
Fonte: IBGE (2013).
Nota: 1 Refere-se à taxa geométrica de crescimento (% ao ano).
Obs.: imagem cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos originais
disponibilizados pelos autores para publicação (nota do Editorial).
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
143
2.2 Transformações socioeconômicas e o rebatimento no território metropolitano
De acordo com informações da Agência Condepe/Fidem (IBGE, 2011), o produto
interno bruto (PIB) do estado obteve crescimento de 5,7% no primeiro semestre de
2011, enquanto que o Brasil registrou 3,6%, na comparação com o mesmo semestre
do ano anterior. A expansão da economia pernambucana foi influenciada, sobretudo,
pelo desempenho do setor industrial, em especial a atividade da construção civil,
seguido da indústria de transformação. Neste cenário, a capital Recife começa a perder
peso na RM do Recife, tanto em relação ao PIB (queda de 6,9 pontos percentuais
da participação metropolitana de 2000 a 2009) quanto em relação a sua população.
Deste modo, os demais municípios começam a ter um novo papel neste arranjo
metropolitano. Dentro da economia metropolitana (RM do Recife), o município
de Recife tem a maior contribuição, seguido dos municípios de Ipojuca e Jaboatão
dos Guararapes, como mostra o gráfico 1, Recife (48,9%) e Ipojuca (14,8%), onde
estão se concentrando os grandes investimentos de Suape (dados de 2010).
GRÁFICO 1
Produto interno bruto dos dez maiores municípios de Pernambuco (2010)
(Em R$ milhões)
35
30
30,032
25
20
15
3,149
3,108
3,004
2,130
1,253
1,147
Igarassu
4,476
5
Vitória de Santo
Antão
8,360
Paulista
9,095
10
Caruaru
Olinda
Petrolina
Cabo de Santo
Agostinho
Jaboatão dos
Guararapes
Ipojuca
Recife
0
Fonte: IBGE (2011).
Elaboração dos autores.
O Atlas Brasil 2013, trabalho realizado em uma parceria entre Ipea, PNUD
e Fundação João Pinheiro (FJP), apresenta o Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal, o IDHM (2010). A partir destes dados, o gráfico 2 compara
o desempenho dos municípios da RM do Recife, no que se refere ao índice de
desenvolvimento humano. Dos quatorze municípios da RM do Recife, quatro estão
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
144
na faixa considerada de alto desenvolvimento humano, nove apresentam médio
desenvolvimento e apenas um está no segmento de baixo desenvolvimento humano.
GRÁFICO 2
Alto desenvolvimento
humano
Médio desenvolvimento
humano
0,592
Araçoiaba
0,619
Ipojuca
0,652 0,633
Itapissuma
0,653
Moreno
0,653
São Lourenço
da Mata
0,665
Igarassu
0,679
Abreu e Lima
0,686
Cabo de Santo
Agostinho
0,692
Camaragibe
0,717
Jaboatão dos
Guararapes
0,732
Paulista
0,735
Olinda
Recife
0,772
Ilha de Itamaracá
IDHM dos municípios da Região Metropolitana do Recife (2010)
0,900
0,800
0,700
0,600
0,500
0,400
0,300
0,200
0,100
0,000
Baixo desenvolvimento
humano
Fonte: PNUD – Atlas do Desenvolvimento Humano Municipal (2013). Disponível em: <www.pnud.org.br>.
Elaboração dos autores.
2.3 A atual configuração urbana
A Região Metropolitana do Recife é atualmente palco das mencionadas transformações territoriais. Neste contexto, novas urbanizações são protagonistas do atual
processo de reestruturação metropolitana, atuando de forma acelerada e dispersa,
sem o respaldo de um plano de ordenamento territorial6 e o atendimento às demandas por infraestruturas e por serviços públicos. Efetivamente, a RM do Recife se
amplia como um “aglomerado urbano”, onde se aglutinam segmentos importantes
do poder econômico, uma grande população de trabalhadores, residentes e não
residentes, todos consumidores e portadores de mercadorias, em circuitos e fluxos
desmedidos de mobilidade urbana. Constitui, efetivamente, um polo territorial
em expansão em escala local, regional e nacional. A dinâmica da RM do Recife
tem se refletido, sobretudo, no processo de integração dos municípios periféricos à
mancha urbana de forma intensa (do nível médio para o alto e para o muito alto)
e acelerada (em um espaço de tempo menor que uma década). Assiste-se hoje,
conforme já mencionado, à integração espontânea de municípios como Goiana e
Vitória de Santo Antão, já atuantes na dinâmica da microrregião, embora ainda
não se constituam como municípios metropolitanos pela legislação estadual.
6. O mais recente plano metropolitano é o Plano Metrópole Estratégica (2002), que não teve o seu modelo de gestão
implantado – neste seria reforçado o papel da Agência Condepe/Fidem e do CONDERM.
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
145
No quadro 1 apresenta-se um conjunto dos empreendimentos geradores de impactos, em implantação e implantados, nos municípios metropolitanos e as novas
propostas para o sistema viário metropolitano e os sistemas de transporte projetados
(VLT/Metrô e BRT – Linha Norte/Sul e Linha Leste/Oeste). A dinâmica territorial
atual exige planejamento, política e gestão articulada e integrada entre governos
federal, estadual e municipal. São prementes, pois, as políticas de desenvolvimento
que ultrapassam os limites municipais e que integrem regionalmente o planejamento, a provisão de serviços públicos e a dotação dos equipamentos urbanos e
da infraestrutura urbanística.
QUADRO 1
Empreendimentos de impacto no território metropolitano e propostas de mobilidade
RM do Recife
Território norte:1 Itapissuma,
Igarassu, Itamaracá, Araçoiaba,
Abreu e Lima e Paulista.
Território oeste: Camaragibe,
São Lourenço e Moreno.
Núcleo central: Recife,
Olinda e Jaboatão dos
Guararapes.
Território sul: Cabo de Santo
Agostinho e Ipojuca.
Principais empreendimentos em implantação/
implantado
Proposta estruturadora para a mobilidade
metropolitana
Polo vidreiro
Polo fármaco
Parceria público-privada (PPP) do
saneamento
Polo automotivo
Arco Metropolitano
Empreendimentos habitacionais
Eixo Norte-Sul do BRT
(Programa Minha Casa Minha Vida)
Terminais de integração (SEI)
Arena Pernambuco
PPP do saneamento
Cidade da Copa
Arco Metropolitano
Polo de indústrias alimentícias em Vitória
Ramal Cidade da Copa
Empreendimentos habitacionais
Eixo Leste-Oeste do BRT
(Programa Minha Casa Minha Vida)
Terminais de integração (SEI)
Porto Digital
PPP do saneamento
Centro de comércio, serviços e equipamentos
educacionais e culturais, com abrangência e
influência regional.
Via Mangue
Zona de concentração de tráfego de cargas
Terminal
Shopping centers
VLT – linha Diesel/metrô
Empreendimentos habitacionais
Eixo Leste-Oeste do BRT
(Programa Minha Casa Minha Vida)
Eixo Norte-Sul do BRT
Complexo portuário de Suape
PPP do saneamento
Cone sul – polo de logística
Arco Metropolitano
Projeto Rios da Gente
Complexo viário do Paiva (Cabo)
Empreendimentos habitacionais
Via expressa - Expresso Way
(Programa Minha Casa Minha Vida)
VLT – linha Diesel/metrô (Cabo, Jaboatão,
Curado/Recife)
Fonte: Ipea e Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ).
Elaboração dos autores.
Nota: 1 O município de Goiana, no litoral norte metropolitano, é candidato a fazer parte da RM do Recife.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
146
Importante é realçar que os impactos de empreendimentos desse porte reverberam
rapidamente (ainda no processo de implantação) na ocupação do solo das áreas abrangidas direta e indiretamente. A pressão sobre a infraestrutura viária e de mobilidade,
sobre o saneamento e sobre a regularização e o controle de riscos ambientais, passa a
ser ampliada e crescente. As soluções não previstas na esfera metropolitana acabam
sendo “arranjadas” localmente pelas gestões municipais e pelas ações dos setores privados, que têm mais urgência e menos regulamentações a cumprir.
3 ANÁLISE DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM USO DO SOLO E
MOBILIDADE: ATORES PÚBLICOS E PRIVADOS
A gestão das FPICs da Região Metropolitana do Recife selecionadas para este
estudo tem sido conduzida de modo minimamente compartilhado pelo poder
público estadual e municipal. Destacam-se, no quadro 2, as FPICs selecionadas,
as atividades envolvidas e as respectivas agências de competência.
QUADRO 2
Funções públicas de interesse comum selecionadas e gestor público
FPIC
Atividade
Gestor estadual
Gestor municipal
Uso do solo
Parcelamento
Agência Condepe/Fidem
Prefeitura municipal
Gestão ambiental
Agência Estadual de Meio Ambiente – CPRH
Prefeitura municipal
Habitação (PAC)
Secretaria das Cidades – CEHAB
Prefeitura municipal
Esgoto
Secretaria de Recursos Hídricos e
Energéticos – Compesa1
Prefeitura municipal
Água
Secretaria de Recursos Hídricos e
Energéticos – Compesa
Resíduos sólidos
Secretaria das Cidades/SECID
Prefeitura municipal
Sistema estrutural Integrado
EMTU/SEI
Secretaria das Cidades
Prefeitura municipal –
Consórcio Grande Recife
sistema complementar
Metrô/trens
CBTU – Superintendência de Trens
Urbanos2
Controle urbano
Saneamento
Transporte
Prefeitura municipal
Fonte: Ipea/FUNDAJ.
Elaboração dos autores.
Nota: 1 PPP do Saneamento – gestão Compesa.
2
Sociedade de economia mista, subsidiária da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), Empresa de Transporte de Passageiros,
CBTU – Companhia Brasileira de Trens Urbanos, integrada ao METROREC.
Para fins da análise das FPICs, é imprescindível considerar ações públicas das
quais se esperam originar efeitos de grande escala. De partida, inclui-se o governo
federal, que implanta o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), visando
estimular o crescimento da economia brasileira através do investimento em obras
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
147
de infraestrutura. O PAC tem como objetivo promover empreendimentos na área
de habitação, saneamento, transporte, energia e recursos hídricos, entre outros,
em várias áreas urbanas do país. O PAC é uma fonte importante de financiamento
na infraestrutura urbana do país. Porém, necessita ainda de uma visão sistêmica,
baseada em um planejamento integrado metropolitano com articulações e pactos
nos níveis federal, regional, estadual e municipal, incluindo a hierarquização e
priorizando a aprovação dos projetos e liberação dos recursos.
A partir de dados do governo federal,7 foi realizada a seleção dos investimentos
localizados em municípios pertencentes às quinze RMs brasileiras. Esta base de
dados constitui a primeira fonte de informações do tipo: latitude/longitude, tipo
de empreendimento e valor de investimento, entre outros, sobre a carteira do
PAC nos municípios das RMs. A RM do Recife, com população de 3.690.547
(2010), recebeu 415 empreendimentos do PAC. No gráfico 3, observa-se que os
municípios menores, com menor população, tiveram menor número de obras do
PAC. O município do Recife recebeu 124 obras, o maior número, e o município
de Itamaracá, somente quatro empreendimentos.
Entre os 414 empreendimentos da RM do Recife organizados por atividades,
destacam-se: uso do solo, que representa 47,8% do total, com 198 obras – neste
item estão agregadas as obras de urbanização de assentamentos precários, de
prevenção de áreas de risco, de quadras esportivas e de praça de esportes e de
cultura; a saúde, com 25,1%, é representada por cem unidades básicas de saúde;
o menor quantitativo de empreendimentos está designado para a mobilidade;
o item energia tem 3,4%, porém contém os maiores investimentos dirigidos às
atividades do porto de Suape. O município que recebeu mais recursos foi Ipojuca,
porém estes recursos foram destinados ao porto de Suape (energia/petróleo/gás).
O menor investimento foi para o município de São Lourenço da Mata, porém
os recursos destinados à Arena Pernambuco não estão contabilizados na lista
apresentada do PAC.
7. Para mais informações, ver: <http://dados.gov.br/dataset/obras-do-pac-programa-de-aceleracao-do-crescimento>.
Sexto balanço, de dezembro de 2012, correspondendo ao período 2011-2014.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
148
GRÁFICO 3
Participação percentual dos municípios da RM do Recife no total da população e dos
empreendimentos do PAC na RM do Recife
(Em %)
45
40
35
30
25
20
15
10
5
População
Ilha de Itamaracá
Araçoiaba
Itapissuma
Moreno
São Lourenço
da Mata
Igarassu
Camaragibe
Abreu e Lima
Ipojuca
Cabo de Santo
Agostinho
Paulista
Olinda
Jaboatão dos
Guararapes
Recife
0
Empreendimentos
Fonte: Ipea/FUNDAJ. Disponível em: <http://dados.gov.br/dataset/obras-do-pac-programa-de-aceleracao-do-crescimento>.
Elaboração dos autores.
Além desses recursos, estão surgindo outras formas de financiamento e execução das infraestruturas urbanas, tais como as parcerias público-privadas (PPPs).
As PPPs estão sendo contratadas na gestão urbana para complementar a ação
pública de promoção e oferta da infraestrutura urbana nos municípios brasileiros.
A primeira parceria implantada em Pernambuco foi para a construção do complexo
viário do Paiva, uma nova via para o litoral sul. O quadro 3 apresenta as candidaturas de PPPs para atendimento às FPICs na RM do Recife. Constata-se o poder
de interferência dos agentes privados, com possibilidades técnicas e financeiras para
concorrer aos grandes empreendimentos de escala metropolitana, articulando-se
diretamente com o poder federal, estadual e com os municípios. A PPP da ponte
do Paiva, da via expressa Suape/Porto de Galinhas, da Arena Pernambuco e do
Saneamento estão em operação.
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
149
QUADRO 3
PPP em Pernambuco relativa às FPICs1
FPIC
Projetos
Objetivo
Situação
Recursos
Mobilidade
Complexo Viário
do Paiva
Construção e operação da ponte
e via de acesso à Reserva do
Paiva, um novo acesso ao litoral
sul. Permitir a construção de um
bairro planejado de alto padrão.
Em operação pela concessionária
da Odebrecht com o Grupo
Cornélio Brennand.
R$ 73 milhões
Via expressa
Concessão de um novo sistema
de acesso e vias internas em
Suape, integrado a uma nova
rodovia de 43 quilômetros rumo
a Porto de Galinhas.
Em obras pela concessionária
da Odebrecht com a Invepar.
R$ 450 milhões
Transporte/
mobilidade
Arco Viário
Construção e operação de uma
via expressa de 77 quilômetros,
novo contorno da Região
Metropolitana do Recife.
Consórcio da Odebrecht
Transport, Invepar e Queiroz
Galvão, que elaboram os
projetos e articulam recursos
para participar da licitação.
R$ 763 milhões
Transporte/
mobilidade
Sistema Monotrilho
do Grande Recife
(RM do Recife)
Construção de um novo tipo de
transporte público sobre trilhos.
Estudos entregues ao governo
pela Odebrecht Transport.
Não revelado
Transporte/
mobilidade
Rota do Capibaribe
e Ramal da Copa
2014
Ligação do norte, do centro do
Recife e do Oeste metropolitano
através de um prolongamento
da atual avenida Beira Rio,
começando no Bairro da Torre.
Em estudos pela Odebrecht
Transport
R$ 490 milhões
Uso do solo
Arena Pernambuco
para Copa 2014
Construção e operação da Arena
Pernambuco para potencializar
uma nova centralidade na RM
do Recife (bairro planejado).
Saneamento
PPP do saneamento
Elevação de 30% para 90% em
doze anos da coleta de esgoto
na área urbana2 da Região Metropolitana do Recife + Goiana.
Uso do solo
Transporte/
mobilidade
R$ 523 milhões
Realizada a licitação. Ganhadores: Foz do Brasil e Lidermac.
Contrato ainda não assinado.
R$ 4,5 bilhões
Fonte: Ipea/FUNDAJ.
Elaboração dos autores.
Nota: 1 Fonte: JC, Caderno Economia, página 6, em 3 de fevereiro de 2013.
2
Na PPP do saneamento é considerada área urbana aquela que tem implantada a canalização de distribuição de água.
3.1 Gestão do uso do solo na RM do Recife
Questiona-se como tem sido implementada a governança metropolitana ante
todos os impactos advindos com tais empreendimentos e quais são os novos desafios políticos e institucionais colocados pelos problemas esperados para a futura
governança. No caso da RM do Recife, a Agência Condepe/Fidem oficialmente
desempenharia o papel de coordenação da gestão metropolitana, contudo, a atuação
atual se restringe explicitamente à análise dos projetos, com vistas a regular o uso e o
parcelamento do solo urbano. Os proponentes (privados ou públicos) submetem-se
150
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
a um processo de aprovação composto de três fases, como mencionado. Vale ressaltar
que, nos últimos cinco anos, uma série de projetos esteve em processo de aprovação
nesta agência, mas sem que fosse diagnosticado algum indeferimento significativo.
Esta constatação é reveladora de uma prática mais próxima da negociação prévia
estabelecida entre os grandes empreendedores e construtores de elaborarem projetos sob a consulta de urbanistas e planejadores urbanos, muitos deles inseridos
na própria burocracia pública local e, por isto mesmo, tais projetos já seguem
ajustados aos requisitos desta agência.
A gestão do solo urbano é, por sua natureza, intrinsecamente impulsionada
pela demanda gerada pelo crescimento econômico e atuação do setor empresarial,
mediante a implantação de empreendimentos de grande porte no entorno metropolitano. Tal fato acarreta grande pressão para a infraestrutura de saneamento,
de recursos ambientais e para a mobilidade de pessoas e mercadorias. As novas
configurações urbanas requerem novas visões e instrumentos. Por um lado, estas
se manifestam na ampla gama de tipos e formas: difusas, isoladas, globalizadas e
fragmentadas. Por outro lado, o território vai sendo construído como um novo
objeto de estudo, ação e gestão.8 No caso da RM do Recife, os atuais processos de
ocupação físicos/espaciais enfatizam a fragmentação da malha urbana e integração,
pelos eixos viários metropolitanos, entre as novas urbanizações e as existentes
(núcleos urbanos consolidados). O entorno do núcleo central metropolitano surge
como um território de intenso dinamismo e alta complexidade, vivenciando
conflitos, em decorrência da multiplicidade dos atores e interesses envolvidos,
sem a devida coordenação de ações integradas, complementares e compartilhadas.
Da mesma forma que a compreensão do conceito de governança parece útil
para analisar propostas de gestão compartilhada, também se revela bastante adequada
para integrar o debate sobre as PPPs. Hoje se admite (e até mesmo se estimula) o
aumento da participação dos demais setores sociais nos negócios públicos – um
forte indício de que o conceito ainda tende a se difundir. Sem prejuízo de outras
propostas mais criativas e inovadoras, é a partir da transferência ou do compartilhamento de atividades e responsabilidades tradicionalmente ligadas ao setor público
para o setor privado ou semiprivado que se vislumbram perspectivas de minimizar
o impasse descrito anteriormente. E aí está outro forte argumento para a ascensão
das PPPs. Diante de diagnósticos onde prevalecem as frequentes pressões políticas
por decisões individualizadas; a baixa valorização política da atividade de regulação;
e a desarticulação entre as ações de controle urbano e outras ações de gestão para
ocupação do solo nos municípios, a RM do Recife tem buscado alternativas de
PPPs, ainda que de forma incipiente e sem o embasamento de um planejamento
metropolitano estruturado.
8. Caracciolo et al. (2013) sobre as experiências apresentadas no Seminário de Investigação em Urbanismo – Universidade
Politécnica da Catalunha, em 13 e 14 de junho de 2013.
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
151
3.2 Análise da governança para FPIC transporte na RM do Recife
A análise da governança da FPIC transporte demonstra que os maiores entraves
ao processo parecem residir nos aspectos políticos e de gestão e na ausência de
entendimento entre os atores envolvidos – analisando o caso específico da mobilidade urbana no Brasil, onde a sociedade está começando a se preocupar com a
repercussão negativa da situação da mobilidade nas áreas urbanas de várias cidades,
fato que possivelmente está começando a criar um ambiente favorável ao enfrentamento destes problemas.
O gráfico 4 mostra o quantitativo de pessoas residentes na Região Metropolitana do Recife que saem do município onde residem para trabalhar ou estudar em
outro município, retornando para casa diariamente. Observa-se, em uma análise
comparada, a importância de Jaboatão, Olinda, Paulista e Recife nos deslocamentos
metropolitanos, fato que evidencia a temática mobilidade como dimensão estratégica nas políticas públicas metropolitanas.
GRÁFICO 4
Pessoas residentes na RM do Recife que trabalham ou estudam em outros municípios
e retornam para casa diariamente (2010)
100.000
92.541
90.000
70.000
56.546
64.240
Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2010. Microdados da amostra.
3.821
São Lourenço
da Mata
Paulista
Olinda
Pessoas que trabalham em outro município e retornam para casa diariamente
Pessoas que frequentam escola em outro município
14.655
16.514
19.823
6.224
1.634
Moreno
Jaboatão dos
Guararapes
2.572
755
Itapissuma
844
1.044
Itamaracá
1.005
1.132
Ipojuca
9.751
2.425
Igarassu
5.811
Camaragibe
15.080
1.783
373
4.133
Cabo de Santo
Agostinho
Abreu e Lima
0
Araçoiaba
10.000
16.228
20.000
4.884
30.000
26.672
40.000
33.605
50.000
15.357
41.459
60.000
Recife
80.000
152
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Na opinião de um especialista:9
Hoje o arranjo metropolitano está muito fragilizado por não existir uma instância
de coordenação da ação no território. A Agência Condepe/Fidem desempenhou esse
papel no passado. A questão dos projetos urbanísticos de grande escala, demandas dos
empreendedores imobiliários, estão provocando na população local uma reação com
protestos que começaram com a questão da mobilidade e as aprovações de projetos
urbanos em grandes áreas fechadas com impacto na mobilidade e no acesso aos espaços públicos. Para agravar, considera-se que a questão da mobilidade está na cabeça
dos governantes e/ou das grandes empreiteiras, porém sem a definida articulação e
pactuação com os diferentes setores e os municípios metropolitanos.
O debate da prioridade da mobilidade ganhou força nos últimos anos, mas
efetivamente a questão não está sendo conduzida com a eficiência e a coordenação
necessária. O protagonismo das empreiteiras é demasiado, pois existe este vazio
institucional. Como exemplos indicam-se as diversas alterações e indefinições sobre
o traçado do Arco Metropolitano, sobre como se dará a sua composição financeira
e sobre quem fará a gestão da via. Do mesmo modo, identifica-se a falta de coordenação na definição do conjunto de interseções que estão em estudo no entorno
do Terminal de Integração de Cajueiro, no município de Jaboatão dos Guararapes,
com a chegada do BRT (bus rapid transit), da implantação do VLT (trem para cabo)
e a interseção da Via Metropolitana Sul com a Estrada da Batalha. A problemática
é de conhecimento dos técnicos das diversas instâncias envolvidas, porém não há
convergência política e técnica e muito menos liderança para coordenar as ações.
Identificam-se alguns entraves para a gestão pactuada na FPIC transporte/
mobilidade na Região Metropolitana do Recife, de três naturezas, conforme a seguir.
1) Política: evidenciam-se interesses privados e públicos conflitantes; vaidades
dos gestores e falta de coordenação e de pactuação sobre as responsabilidades: quem faz o que, onde, de que forma e com que complementaridade.
Existe um sombreamento de gestão quando se refere às principais vias
de articulação metropolitana e aos sistemas de transporte metropolitano:
Grande Recife, METROREC e o novo sistema do BRT, com obras na
calha da BR-101, delegadas à Secretaria Estadual das Cidades.
2) Técnica: ampliar e incentivar a formação específica para a temática mobilidade e rede de transporte, com o conhecimento e desenvolvimento de
novas tecnologias nas universidades e na capacitação de gestores públicos.
O BRT implantado em Curitiba é exemplo de tecnologia de êxito, utilizado também em outras cidades, como Bogotá, que implantou o sistema.
9. Conforme entrevista concedida em 9 de agosto de 2013 pelo professor Maurício Andrade, da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), no âmbito do Projeto Governança Metropolitana no Brasil/RM do Recife no Ipea.
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
153
3) Financeira: atualmente quem financia o sistema é o próprio usuário,
pois as meias passagens (estudantes/idosos/especiais) são bancadas pelo
sistema; os estudantes pagam 50% do valor da passagem e os idosos e
especiais não pagam. Não existe subsídio público. Hoje esta questão está
na pauta com a possibilidade de redução de impostos e outros formatos.
Pactos metropolitanos poderiam estabelecer a exigência de alguns recursos e instrumentos para tornar universal serviços tais como o transporte
público multimodal integrado com tarifa única. O exemplo de Goiânia
mostra que isso é possível.
4 A GOVERNANÇA DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE NA BERLINDA:
MAIS INTEGRAÇÃO É IMPRESCINDÍVEL NA GESTÃO DAS FPICs
A gestão compartilhada de algumas funções públicas, em especial a de uso do solo,
associadas à mobilidade (transporte) e ao saneamento socioambiental emerge no
debate como justificativa à institucionalização das regiões metropolitanas. Contudo,
a reduzida discussão sobre alternativas no sistema jurídico brasileiro, em especial
a dos consórcios públicos, tem fragilizado tal argumento. Ocorre que, às vezes, as
propostas têm envolvido articulação entre empresários e municipalidades, abrindo
espaço para um debate ainda inconcluso sobre as competências e sobre o poder
nas tomadas de decisão. Resta, assim, que se tem assistido, mais frequentemente, a
um processo de constituição de “metrópoles corporativas”, a serviço das empresas
hegemônicas, mais preocupadas com a eliminação das deseconomias urbanas e
menos com a produção de serviços sociais e de bem-estar coletivo de modo compartilhado. Significa dizer que se evidencia uma metropolização contemporânea,
momento mais avançado da urbanização, com a marca da dinâmica da economia
global, como já havia anunciado Santos (1990). Verificar, contudo, até que ponto
tais alternativas têm se constituído em soluções efetivas, no sentido de garantir a
integração das FPICs, é uma análise ainda a ser realizada.
A escala dessa preocupação se amplia quando se ostentam dados10 de que mais
de 155 milhões de brasileiros vivem nas periferias urbanas. Trata-se de uma quantia
expressiva de consumidores, à frente de países como a Suíça e a Holanda, para os
quais o mercado rapidamente encontra soluções de atendimento. Simultaneamente,
trata-se da mesma quantidade de pessoas que demandam serviços públicos, e para
tanto, diferentemente do mercado, o poder municipal e estadual não apresenta
capacidade administrativa para atendê-las.
As referências ao crescimento da renda e do poder de compra dessas pessoas,
em sua maioria das classes C, D e E, podem seguir em uma escalada de exemplos,
mas estão longe de ocupar níveis satisfatórios de habitabilidade: são áreas urbanas
10. Para mais detalhes, ver: Instituto Data Popular, publicado em reportagem da Veja, 29 jan. de 2014, p. 62-79 (Allegretti, 2014).
154
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
onde não há saneamento, nem coleta de lixo, nem drenagem, nem controle de
risco na ocupação do solo. “Vive-se na periferia o paradoxo de ter um celular de
última geração e ser obrigado a carregar uma lata d’água na cabeça” (Allegretti,
2014 p. 66). Significa dizer que há um problema crítico de competência prioritária
do poder público (ao menos no modelo da administração vigente no país), que
espera soluções institucionais mais consequentes.
Nessa perspectiva, com relação ao desenho institucional, parece que a adoção
de um único modelo de gestão metropolitana “ideal” não seja garantia de condições
favoráveis à governança metropolitana. Se critérios e parâmetros são estabelecidos, tais como aqueles sobre os quais se manifestou o Supremo Tribunal Federal
(obrigatoriedade do órgão de gestão metropolitana e equilíbrio entre os Entes
Federativos, sem a predominância de nenhum deles), o desenho institucional de
cada RM pode, sim, respeitar as autonomias estaduais. Mas continuar levando em
consideração informações recentes de pesquisa de campo realizada nas periferias
parece estratégia sensata que pode auxiliar na busca de soluções.
Diferentemente da necessidade de algum tempo atrás de mudar de moradia,
ou mesmo de circular diariamente para trabalhar no centro das regiões metropolitanas, o desejo de permanecer nos locais de origem afasta a obsessão de ir morar,
trabalhar ou se divertir onde os integrantes das classes A e B o fazem. Os fatores de
mobilidade social das classes emergentes incluem o orgulho de viver no subúrbio,
e a identidade cultural dita um alerta: a desconcentração dos serviços urbanos e
do atendimento público merece ser vista como um paradigma diferenciado nos
modelos de gestão e de uso do solo propostos pelos analistas e gestores.
Se a gestão do solo urbano tem sido impulsionada pela atuação do setor empresarial, gerada para atender novos padrões de moradia demandados pelas classes
A e B, o crescimento econômico das classes C, D e E parece ser um novo condutor
à implantação de empreendimentos de grande porte, sobretudo comerciais e de
serviços, mas também de produção habitacional no entorno metropolitano. Cabe
ao poder público antecipar-se, em uma gestão integrada e compartilhada, instituindo condicionalidades a este setor construtivo, de forma a minimizara grande
pressão sobre a infraestrutura de saneamento, de controle a riscos ambientais e
de mobilidade.
Dois institutos jurídicos merecem atenção especial na perspectiva de buscar
soluções de gestão compartilhada: as PPPs e os consórcios municipais. Ambos
constituem movimentos de cooperação intersetorial que sinalizam um movimento
positivo de renovação e diversificação das práticas tradicionais de atuação do poder
público, alternativo às soluções extremas do Estado onipresente/provedor. Neste
debate, contudo, algumas questões precisam ser orientadoras: i) se a proposta tem
como principal objetivo a implantação de projetos ou a realização de atividades
Região Metropolitana do Recife: o desafio da gestão compartilhada e a integração territorial
155
de interesse público; ii) se a proposta envolve recursos e se a responsabilidade pelo
financiamento, investimento e execução é proporcionalmente compartilhada pelos
atores; iii) se a proposta pressupõe riscos e benefícios, advindos da utilização ou
exploração do objeto da parceria; iv) se a proposta é construída de forma compartilhada e pressupõe equidade de poder decisório; e v) se a proposta demanda a
criação de uma entidade específica, com autonomia financeira e gestão profissional
compartilhada, bem como aporte de garantias, de ambos os setores.
Considerando as características do federalismo brasileiro, reconhecer-se
metropolitano significa identificar-se como parte de um espaço dinâmico singular,
que demanda a adoção de escalas e parâmetros distintos. Não deveriam, assim, os
municípios integrantes das RMs serem obrigados a atender alguns parâmetros e
oferecer serviços compatíveis com a sua escala?
Tal reconhecimento, em particular, tem induzido a uma maior capacidade
da União em disponibilizar recursos para os investimentos em infraestrutura social e urbana nessas regiões. Significa dizer que estados e municípios buscam na
constituição das RMs uma forma de se qualificarem como elegíveis para receber
investimentos federais. Contudo, a solução dos problemas que são metropolitanos
acaba restrita aos trâmites de cada município isoladamente. O Estatuto da Metrópole poderia estabelecer a exigência de alguns recursos e instrumentos para tornar
universal serviços tais como o transporte público multimodal integrado com tarifa
única para o cidadão metropolitano (hoje, ainda uma abstração).
Sem perder o sentido da integração, poderia também estabelecer padrões
regulatórios diferenciados aos setores de empreendimentos privados, para áreas
distintas, tendo em vista a tendência de opção por pequenos negócios que geram
renda e atendem os elementos identitários próprios dos segmentos da população que mora nas periferias dos grandes centros. De um modo geral, as áreas
assim ocupadas estão abrigadas administrativamente por municípios também
periféricos nas RMs, e, por isso mesmo, parecem merecedores de uma leitura
distinta para que se possa construir proposta consensual de gestão metropolitana
compartilhada e integrada.
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CAPÍTULO 6
GOVERNANÇA METROPOLITANA E USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
NA REGIÃO METROPOLITANA DO VALE DO RIO CUIABÁ:
CONFLITOS E DESAFIOS NA GESTÃO INTEGRADA DAS
FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM
Rita de Cássia Oliveira Chiletto1
Diogo Marcelo Delben Ferreira de Lima2
Flavyane Rosa Borges3
1 INTRODUÇÃO
A questão metropolitana, à luz da emergente rede urbana brasileira, constitui
fenômeno espacial marcado pela estrutura física dos lugares – das grandes cidades, especialmente – e pela velocidade dos fluxos sociais, econômicos e culturais.
O resultado deste processo é a polarização geográfica, as espacialidades metropolitanas atraem para si, e para os municípios de sua área de influência, recursos
humanos e financeiros. Dessa forma, o desenvolvimento das regiões metropolitanas
(RMs) se relaciona com a inserção destas na divisão ao papel que desempenham
na economia-mundo. Por este motivo, o presente trabalho aborda a caracterização
da dinâmica socioespacial e os aspectos demográficos e econômicos do território
metropolitano mato-grossense, da Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá
(RM do Vale do Rio Cuiabá), criada em 2009.
A questão não se restringe à nova geografia regional, mas contempla elementos importantes da política urbana, como o ordenamento territorial e a
gestão das funções públicas de interesse comum (FPICs). As regiões metropolitanas não se submetem exclusivamente aos ditames do mercado e do capital
internacional, em verdade, elas confirmam a pertinência do pacto federativo e
do planejamento estratégico.
A governança metropolitana, entendida como o conjunto de institucionalidades, tomadas de decisões e gerenciamento democrático e integrado dos serviços
públicos e privados essenciais, torna-se fator contundente de desenvolvimento
1. Pesquisadora no projeto Governança Metropolitana no Brasil, coordenado pelo Ipea, em parceria com a Fundação
de Apoio e Desenvolvimento (Uniselva) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
2. Pesquisador no projeto Governança Metropolitana no Brasil.
3. Pesquisadora no projeto Governança Metropolitana no Brasil.
160
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
regional, devidamente articulado ao desenvolvimento urbano das municipalidades.
Assim sendo, o estudo trata da produção do espaço metropolitano mato-grossense,
com o objetivo de analisar a gestão da FPIC uso do solo e a governança metropolitana na RM do Vale do Rio Cuiabá. O intuito não é só fornecer os subsídios para
o entendimento das dinâmicas em curso no estado, mas permitir uma construção
ampla do tema em escala nacional, considerando as distintas realidades e a necessidade de adequada execução das políticas de interesse comum.
2 CARACTERIZAÇÃO DAS DINÂMICAS METROPOLITANAS NO VALE
DO RIO CUIABÁ
A presença de metais preciosos (ouro) e a posição geográfica privilegiada da capital
de Mato Grosso no território nacional, que fez conservar sua influência política,
são fatores históricos de seu crescimento populacional e desenvolvimento urbano.
Ainda que suscetível ao desempenho de atividades produtivas (extrativas, pecuária,
indústria canavieira),4 Cuiabá teve sua emancipação político-administrativa e foi
reconhecida como centro do poder provincial no primeiro quartel do século XIX.5
Nesse período, a estrutura agrária e o modo de exploração da riqueza da terra não
sofreram mudanças significativas, permanecendo inalterados o acervo fundiário e
as relações sociais de produção pré-capitalistas.
A navegabilidade pelos rios brasileiros favoreceu a integração de Cuiabá aos
grandes centros, esta conexão territorial trouxe impulsos econômicos e sociais. 6
Até os anos 1910 e 1920 do século XX, foi intenso o trânsito fluvial na bacia
do Prata;7 o rio Paraguai constituiu-se a principal via de acesso aos mercados
nacional (Rio de Janeiro) e internacional (Europa e países cisplatinos). As regiões
portuárias, Corumbá, Cáceres e Cuiabá, com destaque para a primeira, que era
porto alfandegário, escoavam a produção interna (couro, borracha, erva-mate,
poaia) e alavancavam os intercâmbios comerciais. Com a mudança de fixos, das
bases técnicas e operacionais dos fluxos, especificamente a substituição da matriz
de transporte, do fluvial para o ferroviário, e mais tarde, para o rodoviário, novos
arranjos espaciais são formados.
A (des)articulação da rede de poder no território nacional, deflagrada com
a primeira Constituição republicana de 1891 e com a moderna ideia de nação,
ambas implementadas pelo movimento militar-populista, permitiu a polarização
4. Ver Borges (2001).
5. Elevada à condição de cidade em 1818 e declarada capital da província de Mato Grosso em 1835. Com a promulgação
da Constituição de 1891, as províncias passaram a ser denominadas de estados.
6. Ver Povoas (1983).
7. A navegação pela bacia do Prata foi interrompida, temporariamente, por ocasião da Guerra do Paraguai (1886-1870),
quando encerrada, foi retomado o comércio com Buenos Aires e Montevidéu (Povoas, 1983).
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
161
e a hegemonia do centro-sul do país, 8 cujo resultado não foi outro senão a
macrocefalia urbana. Mas, antes disso, a concentração demográfica, decorrente
do fluxo de migrantes de outras regiões, a relativa diversificação das atividades
produtivas e a prestação de serviços públicos, além da presença e atuação de
firmas privadas em Cuiabá, tornaram vetores do processo de desenvolvimento
territorial e regional (Rivera, 2011). Por conseguinte, a espacialidade urbana
mato-grossense assumiu outras frentes e contornos, não mais restritos aos
interesses eclesiásticos ou político-administrativos, mas vinculados ao modelo
urbanístico das regiões centrais.
Desse modo, em Cuiabá, a expansão do núcleo urbano assumiu outra direção,
projetava-se em razão da localização das igrejas, do Porto Geral (área portuária),
da sede do poder instituído e da Santa Casa de Misericórdia. Todavia, os prédios
públicos e as habitações nas ruas paralelas ao córrego da Prainha contribuíram no
patrimônio arquitetônico e no desenho urbano. Além disso, os espaços públicos
e a ligação leste-oeste do perímetro praticamente definiram o traçado viário da
capital (Cuiabá, 2012). Este espaço, em razão da Guerra do Paraguai (1864-1870)
e da implantação de bases militares e núcleos populacionais, foi conurbado à área
localizada na margem direita do rio Cuiabá, atual município de Várzea Grande.9
Devido à atividade de extração mineral no século XVIII, nas relações estabelecidas pelas monções, que buscavam os metais preciosos partindo da capital,
surgiram municípios como Santo Antonio de Leverger (Leverger). Outras atividades
econômicas se sucederam no território, a produção açucareira, a pesca e o turismo,
mas em todas elas foram mantidas a proximidade do relacionamento com Cuiabá.
Nossa Senhora do Livramento (Livramento) também surgiu a partir da exploração
do ouro, desenvolveu-se na rota de Cuiabá para a antiga capital do estado, Vila Bela
da Santíssima Trindade, em local de descanso para as tropas em marcha no território
mato-grossense. Percebe-se a antiguidade e intensidade do relacionamento desses
municípios, o que serviu de base para as análises que determinaram a criação da
região metropolitana de modo a coordenar políticas de interesse comum.
Após longo período de estagnação econômica, decorrente da crise da
cana-de-açúcar e da borracha e do isolamento da capital em razão das péssimas
condições de transporte fluvial, os espaços e as funções públicas, na área central
de Cuiabá, alteraram formas e conteúdos. É de se recordar que a ligação terrestre
com Mato Grosso jamais foi concluída com sucesso pela via ferroviária (Estrada
de Ferro Noroeste do Brasil)10 e, apenas em 1915, houve melhorias das condições
8. Ver Egler e Becker (2010).
9. Desmembrado do município de Cuiabá em 1948.
10. A linha ferroviária chegou até a parte sul, do atual estado de Mato Grosso do Sul, em Corumbá. Para mais detalhes,
ver Siqueira (1990).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
162
de tráfego entre Cuiabá e São Paulo, embora a malha rodoviária estadual tenha
sido estruturada dos anos 1980 em diante.11 Fato é que a geopolítica nacional
levou a cabo a expansão da fronteira de recursos, ou melhor, a ocupação da
Amazônia e do Centro-oeste, com a construção de Brasília e de rodovias federais (Belém-Brasília, Cuiabá-Santarém). A figura 1 mostra as vias terrestres e as
principais economias intrarregionais, aliás, a combinação destas variáveis reforça
a questão do desenvolvimento estadual.
FIGURA 1
Rede urbana estadual, principais polos regionais e produção, PIB por regiões de
planejamento (2011)
(Em R$ mil)
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011).
Elaboração: Jonas Ferreira dos Santos e Flavyane Rosa Borges.
A política desenvolvimentista nacional teve êxito na exploração do território
e de seus recursos naturais, e a migração sulista favoreceu a colonização, tanto
pública quanto privada, e a difusão de colônias agrícolas a partir dos anos 1960.
A integração nacional se materializa na nova composição do capital em torno da
produção primária – agricultura, pecuária, indústria madeireira, metais e, mais
recentemente, da agroindustrialização. Os projetos e as intervenções governamen11. Povoas (1983) expõe que o governo Médice foi responsável pela implementação e pavimentação de estradas nos
anos 1950 e 1960.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
163
tais foram de suma importância para a reordenação do território e a inserção das
economias internas deprimidas ao circuito capitalista nacional e mundial.
Consoante Becker (2001), essas iniciativas determinaram a produção política do espaço, implementando a ocupação regional e utilizando as cidades como
base logística das ações, com papel significativo no processo, consolidando o que
Lefebvre (1978) denominou de “a produção do espaço” pelo Estado. Então, esta
geometria territorial corresponde ao modelo de ocupação baseado na visão externa
e nas relações com a metrópole e o mercado internacional.
Vilarinho Neto (2009) explica que, a partir do processo de industrialização
brasileiro, as cidades se tornaram lócus para a acumulação do capital, imprescindíveis à manutenção do sistema capitalista, contudo, cada centro urbano passou
por transformações específicas, de acordo com sua posição geográfica e suas
funções no sistema nacional (Santos, 2002). Em verdade, a desconcentração das
atividades produtivas no território, ou seja, a implantação da agricultura moderna
e dos complexos agroindustriais no interior, nas regiões Centro-Oeste e Norte,
incrementou a rede urbana brasileira, produzindo espaços dinâmicos e luminosos,
à luz da globalização econômica e da urbanização (Ipea, 2002). A tabela 1 traz mais
detalhes sobre o crescimento demográfico em Mato Grosso.
TABELA 1
Evolução da população do estado de Mato Grosso
Ano
1960
População total
População urbana
População rural
População da RM do Vale
do Rio Cuiabá
População do entorno
889.539
343.569
545.970
68.694
-
1970
1.597.090
684.189
912.901
119.363
-
1980
1.138.691
654.952
483.739
286.658
-
1991
2.027.231
1.485.110
542.121
564.771
-
1996
2.235.832
1.695.548
540.284
626.756
-
2000
2.504.353
1.982.417
521.936
726.220
109.566
2010
3.033.991
2.484.838
541.153
834.057
110.395
Fonte: Mato Grosso (2005; 2011; 2012).
Nota: 1 Até 1996, a população mencionada diz respeito à aglomeração urbana Cuiabá e Várzea Grande. Após esse ano (2000
e 2010), o dado refere-se à RM do Vale do Rio Cuiabá.
A região do Vale do Rio Cuiabá recebeu movimentos migratórios de diversas
partes do país, logo, a metropolização decorreu da interiorização da urbanização.
Para Abutakka (2012), a expansão da fronteira agrícola, em distintas frentes, proporcionou um conjunto variado de formas de apropriação do espaço agrário, sendo
determinante no processo de ocupação e povoamento do estado, este conduzido pelo
poder público, mas levado a cabo pela apropriação privada das terras e dos recursos. Predominam numericamente na configuração da RM do Vale do Rio Cuiabá,
164
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
aqueles migrantes oriundos primeiramente da região Sul, seguidos daqueles da região
Sudeste do país (IBGE, 2011). Fato é que as cidades da Amazônia apresentaram
ritmo de crescimento superior ao restante do país, evidenciando demandas por
serviços aos quais o poder público não conseguiu atender, e passaram a conviver
com problemas urbanos e ambientais em diferentes escalas.
Em detalhes, reportando Souza (2007), a ocupação dos espaços amazônicos
tem momentos distintos, a título de informação, entre as décadas de 1960 e 1980
os migrantes tinham destino certo, buscavam os novos municípios, as áreas a
serem colonizadas e as grandes fazendas. Já na década de 1990, desativadas certas
frentes de trabalho na agricultura e decomposta parte das regiões de oportunidades
no estado, uma massa pobre, sem ocupação e desprovida de moradia, ocupara os
bairros periféricos da aglomeração urbana Cuiabá/Várzea Grande. Entre crises no
setor agropecuário e conflitos de modelos produtivos – moderna e empresarial
versus tradicional e familiar –, o crescimento econômico, nas últimas décadas, perceptível pelo aumento do produto interno bruto (PIB), não passou por tendências
recessivas. Porém, isto não implica dizer que foram criados postos de trabalho em
quantidade suficiente, nem que a massa de trabalhadores encontrou, nas cidades,
as condições de vida urbana necessárias.
Em outros termos, a rede urbana do país, historicamente concentradora
e excludente, no que se refere à repartição dos benefícios econômicos, sociais e
culturais, decorrentes da geração de riquezas, se organiza para atender aos interesses do mercado internacional, mas também para satisfazer a demanda crescente
da população urbana, fazendo crescer a oferta de bens e de serviços nos grandes
centros. Na visão de Becker (2001), houve equívoco nesse processo intensivo de
ocupação, os espaços eram vistos como isotrópicos e homogêneos, desconsiderando as profundas diferenças sociais e ecológicas, o que determinou ocupações que
destruíram gêneros de vida e saberes tradicionais.
Aliás, as particularidades regionais proporcionaram as condições diferenciadas
para a reprodução do capital. Conforme Souza-Higa, Romancini e Nunes (2011),
o marco da ocupação e do desenvolvimento de Mato Grosso foi a divisão territorial, em 1977, que, apoiada em políticas fiscais e na expansão da infraestrutura,
promoveu a interiorização da população e o crescimento das estruturas produtivas
regionais na porção norte da antiga Unidade da Federação (UF).
Portanto, o avanço do setor primário serviu para fomentar a estrutura
urbano-regional, logo, as relações campo-cidade, ainda mais complexas e interdependentes, imprimem o ritmo da modernização territorial inter e intra-urbana
mato-grossense, que é um fenômeno do século XX. As fisionomias e as paisagens
urbanas corroboram para a constituição de espaços sociais modernos e progressistas,
Bomfim (2010) atribui esse cenário ao papel que Cuiabá desempenha como um
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
165
espaço de recepção de fluxos migratórios e de capitais. A recente e incompleta
reconfiguração da cidade (e dos seus lugares) está associada à sua função no contexto e na conjuntura nacional.
A saber, a caracterização do traçado viário e da feição urbanística, demonstrada com riqueza de detalhes por Romancini (2005), comprova o desenvolvimento
urbano em Cuiabá. A disposição das ruas, avenidas e estradas, a construção de
edifícios altos, a importância dos ambientes públicos (áreas verdes, praças, teatros,
igrejas) e os grandes empreendimentos privados sinalizam a ruptura com os padrões então vigentes.12 Até o início dos anos 1970, o perímetro urbano da capital
não tinha sofrido alterações significativas; apenas nas décadas seguintes, e para
suportar a explosão demográfica e a pressão da população residente e migrante, o
poder público delimitou áreas urbanas e de expansão, e investiu em intervenções
na malha viária (vias urbanas estratégicas) e na criação de núcleos habitacionais,
expandindo territorialmente a cidade em todas as direções (Cuiabá, 2007).
Enquanto isso, parafraseando Monteiro (1987), a transformação do aspecto
urbano de Várzea Grande, nos anos 1970 e 1980, foi possível em face da disponibilização de lotes urbanos, antigas terras devolutas municipais, e do aumento no
número de loteamentos, conjuntos habitacionais, ruas e bairros novos. A cidade,
marcada pelas contradições sociais provenientes da industrialização local e pela
descontinuidade de infraestrutura básica, isto é, de equipamentos públicos, progride
lentamente no enfrentamento dos problemas afetos ao uso e à segregação do solo
urbano. Vivenciam os municípios de Nossa Senhora do Livramento e Santo Antonio
do Leverger situação igualmente difícil, aqueles ainda não conseguiram efetivar uma
política de urbanização justa, nem se fazer incluir no processo de metropolização.
A constituição da RM do Vale do Rio Cuiabá, em 2009, abrangendo os
quatro municípios (Cuiabá, Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento e Santo
Antônio de Leverger), decorreu da percepção do relacionamento histórico dos
demais municípios com Cuiabá e da dependência destes em relação à prestação
de serviços pela capital. Este fato estabelece dinâmicas urbanas particulares nos
municípios centrais e no entorno, determina a necessidade de definir as funções
públicas de interesse comum e de buscar efetivá-las por meio de políticas adequadas, consolidando um pacto metropolitano que atenda às reais necessidades de
população em constante deslocamento.
As políticas públicas refletem o conjunto dos interesses locais e nacionais
em suas relações com o mundo, a partir de valores consolidados historicamente e
condicionantes geoeconômicos e geopolíticos. No Brasil, percebe-se a ênfase dada
à busca do desenvolvimento econômico associado à importância da manutenção
12. É indiscutível que essa transição urbanística tenha ocorrido à custa do patrimônio arquitetônico histórico e cultural,
especialmente na capital.
166
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
da diversidade cultural. Acrescentam-se a estes fatores os imperativos da conservação ambiental e do respeito aos direitos humanos e à democracia. Para Becker
(2001), a questão territorial é de interesse nacional, no entanto, a concretização
das perspectivas espaciais (ambiental, social, econômica, política e cultural) fica
prejudicada pela desarticulação das políticas públicas.
A democratização do espaço urbano é a medida que se impõe para o
enfrentamento de novos e velhos problemas das cidades, uma vez que o crescimento econômico não repartiu satisfatoriamente as possibilidades de trabalho,
renda e vida digna para a população. O legado de segregação socioespacial
só pode ser extinto com a gestão integrada e inclusiva do espaço urbano.
Os conflitos pelo uso do solo, a carência de infraestrutura básica e a dificultosa
mobilidade devem ser administrados e as funções públicas de interesse comum
efetivadas, inclusive na RM do Vale do Rio Cuiabá, cuja constituição recente
permite a identificação das dificuldades, mas não aponta nem garante ainda
as soluções necessárias.
3 TERRITÓRIO METROPOLITANO MATO-GROSSENSE: ASPECTOS DEMOGRÁFICOS
E ECONÔMICOS
O debate sobre metropolização é plural, são diversas correntes teórico-metodológicas,
bem como as perspectivas acadêmicas, científicas e políticas. Nesse diapasão, é
procedente a preocupação em diferenciar a realidade social metropolitana do
processo de institucionalização da metrópole. Então, existem duas faces da mesma
moeda: a metrópole propriamente dita e vivenciada, elemento estruturador da
rede urbana, que define a distribuição de fixos e estimula a circulação dos fluxos
(pessoas, mercadorias, investimentos, informações), e a sua ficção jurídica – a região
metropolitana – legalmente criada, gerida pelos governantes, assimilada (ou não)
pela população (Moura, 2013).
Com efeito, o espaço híbrido, difuso e complexo, dotado de elevada heterogeneidade de ações e objetos – a metrópole – pode ser caracterizado pelo modo
e sistema de produção de riquezas (PIB exposto na figura 1) e forma de inserção
no mercado; pelo fator demográfico (tabelas 1 e 2 e figura 2); pelos indicadores
sociais de desenvolvimento humano (tabela 3); pelas oportunidades de trabalho,
renda e vida digna no território, isto é, prestação e acesso aos serviços públicos e
privados essenciais.
Em síntese, a metrópole é o reflexo da socioeconomia regional, contudo, é
também resultado de aglomerações, e não somente territoriais. Por conseguinte,
dois fatores denunciam o ambiente metropolitano, são eles: a população e a renda,
porque, em termos numéricos, são expressivos e, espacialmente, indicam rugosidades
e tensões no território. A tabela 2 explora essa problemática espacial.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
167
TABELA 2
Indicadores demográficos, de urbanização e de renda, relativos à RM do Vale do Rio
Cuiabá e ao entorno metropolitano
Unidade de referência
(regiões e municípios)
RM do Vale do Rio Cuiabá
Taxa de crescimento da população
Urbanização
(%)
PIB
(per capita)
1991-2000
2000-2010
2000
2010
2005
2,32
1,55
96,0
96,1
8.208
Cuiabá
2,05
1.47
98,6
98,1
12.499
Nossa Senhora do Livramento
1,66
-0,50
32,1
36,5
4.723
Santo Antônio de Leverger
0,03
2,01
35,7
38,8
7.860
Várzea Grande
3,21
1,79
98,1
98,5
7.752
Entorno metropolitano
0,16
0,08
62,8
65,4
6.754
Acorizal
1,02
-0,59
47,7
53,1
8.408
Barão do Melgaço
-2,73
-0.13
47,3
45,1
5.801
Chapada dos Guimarães
2,26
1,38
56,1
61,9
6.477
Jangada
3,52
0,85
38,4
38,3
5.761
Nobres
-0,14
0,01
79,8
83,0
8.443
Nova Brasilândia
-5,48
-2,55
69,8
79,8
6.065
Planalto da Serra
-
-0,61
58,0
75,3
8.201
Poconé
0,34
0,36
72,6
72,6
4.961
Rosário Oeste
-0,74
-0,65
58,0
60,3
6.669
Fonte: IBGE (2011) e Mato Grosso (2005).
FIGURA 2
Variação da distribuição populacional na aglomeração urbana de Cuiabá e Várzea Grande
Fonte: Ipea e FJP (2013).
Elaboração: Flavyane Rosa Borges.
168
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
A RM do Vale do Rio Cuiabá tem uma área total de 21.871,70 km2, o que
corresponde a 2,4% do território estadual, e população de 833.766 habitantes, 27%
da população de Mato Grosso. Os dois maiores municípios da RM do Vale do Rio
Cuiabá, Cuiabá e Várzea Grande, se originaram umbilicalmente conectados pelo
rio Cuiabá e vivenciaram, ao longo das décadas, distintos processos de urbanização,
sempre sofrendo e exercendo influência mútua. Ademais, os municípios conurbados
apresentam urbanização significativa (98%), e as maiores populações, contrastando
com os demais municípios, de características nitidamente rurais – Santo Antonio do
Leverger e Nossa Senhora do Livramento, que diferem daqueles por possuírem escassa
população, destacando que na última década apenas Livramento perdeu população.
É indiscutível a polarização exercida por Cuiabá na RM do Vale do Rio Cuiabá
e no entorno. As relações entre os municípios da RM do Vale do Rio Cuiabá com
a capital ocorrem em distintos níveis de integração, identificando-se mais estreitos
vínculos com Leverger e Várzea Grande, ao passo que Livramento definiu fluxos
mais consistentes com Várzea Grande. Quando da criação da RM do Vale do Rio
Cuiabá, foi instituído ainda o entorno metropolitano, com área de 53.665 km2,
5,9% do território de Mato Grosso, contendo nove municípios, que provam estreitos e históricos vínculos relacionados à prestação de serviços e à disponibilidade
de equipamentos urbanos em Cuiabá, além de sua origem propriamente. Nesta
região, há municípios espacialmente grandes, como Poconé e Barão de Melgaço,
constituindo mais que o dobro da área da RM do Vale do Rio Cuiabá, ao mesmo
tempo em que sua população é de 110.397 habitantes, apenas 3,6% da população
estadual. Desse modo, sua densidade demográfica é baixa, 2,06 hab./km2, inferior
à média do estado, que é de 3,36 hab./km2, e distante da densidade da RM do Vale
do Rio Cuiabá, que é de 38 hab./km2.
Análises da distribuição da população na RM do Vale do Rio Cuiabá e no
entorno, a partir dos dados do IBGE (2011), apontam que, se nas décadas de 1990
a 2000, os municípios da aglomeração evidenciaram os maiores índices de crescimento populacional, 20,5% em Cuiabá e 32,10% em Várzea Grande no período,
inverte-se esta lógica no período 2000-2010, quando decrescem para 14,70% em
Cuiabá e 17,9% em Várzea Grande. Leverger inverte esta lógica e apresenta significativo índice de crescimento, saindo de 3% no primeiro intervalo de tempo para
20,10% no segundo. Fato que se pode justificar pela proximidade e conurbação com
Cuiabá e a infraestrutura mais qualificada disponível, se comparado a Livramento,
que perde população, oscilando de 16,60% a -5% nos intervalos de tempo citados.
Em Cuiabá e Várzea Grande, a densidade demográfica é da ordem de
157,66 hab./km2 e 240,98 hab./km2 respectivamente, enquanto na RM do
Vale do Rio Cuiabá é de 38,10 hab./km2, devido aos resultados encontrados
em Leverger e Livramento, respectivamente 1,51 hab./km2 e 2,29 hab./km2.
Mato Grosso apresenta valores pouco superiores, da ordem de 3,36 hab./km2.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
169
Em relação à população de Mato Grosso, a RM do Vale do Rio Cuiabá apresentou em 1990, 2000 e 2010, respectivamente, 29,44%, 29,00% e 27,47%
da população total, confirmando perda de população para demais regiões do
estado, particularmente para municípios mais novos e voltados às atividades
econômicas da agricultura moderna. Um exame comparativo entre RM do Vale
do Rio Cuiabá e entorno elucida que este grupo de municípios se assemelha
bastante aos menores municípios da RM do Vale do Rio Cuiabá (Leverger e
Livramento), com rarefeita população e baixa densidade demográfica. Entre
eles, Jangada e Barão de Melgaço possuem populações predominantemente
rurais, enquanto os demais são majoritariamente urbanos.
Pois bem, a análise demográfica pode tratar ou considerar o elemento humano
como: trabalhador ou população economicamente ativa; consumidor; e habitante. Para
este estudo, é especialmente cara à cidadania metropolitana, a população e o seu bem-estar no território a partir do acesso das funções públicas de interesse comum. O cenário
atual mostra que 27% da população do estado de Mato Grosso, que é de 3.035.122
habitantes, é metropolitana (IBGE, 2011). No entanto, a concentração demográfica está
restrita aos municípios de Cuiabá e Várzea Grande, que possuem altas densidades, como
ilustrado. Os indicadores sinalizam que o restante da população estadual vive em mais
de 130 municípios, cidades pequenas em maior número, mas também cidades médias
ou polos regionais, como Rondonópolis, Sinop, Cáceres, Tangará da Serra e Sorriso.
Nota-se que Cuiabá, centro político e administrativo do estado, e região
prestadora de serviços terciários modernos, historicamente atrai fluxos populacionais. Várzea Grande possui bom desempenho nos setores industrial e terciário,
sua situação espacial – conurbada à capital – é decisiva no que se refere ao seu
desenvolvimento socioeconômico. O mesmo não ocorre com os municípios
metropolitanos menores – Nossa Senhora do Livramento e Santo Antonio do
Leverger – nem com municípios do entorno, a metropolização reúne os efeitos
positivos da urbanização na área contígua.
Na macrozona urbana da capital, todas as regiões (norte, sul, leste e oeste) têm
uma população superior a 100 mil habitantes, sem nenhuma expressiva diferença
numérica entre elas (Cuiabá, 2007). No entanto, a região sul, por ter a maior área
urbana (12.863,20 ha), possui baixa densidade populacional (9,14 hab./ha). Já as
regiões norte, sul e leste, possuem área menor e maior densidade populacional,13
certamente resultado da influência direta não só do centro histórico e comercial
da capital, mas das centralidades urbanas, como o Centro Político Administrativo
e a avenida Historiador Rubens de Mendonça (avenida do CPA); o parque Mãe
Bonifácia e a avenida Miguel Sutil.
13. A região norte tem 3.070 ha, 104.536 habitantes, 34,05 hab./ha. A região oeste tem 4.707 ha, 112.197 habitantes
e 23,84 hab./ha. A região leste tem 4.553 ha, 140.178 habitantes e 30,78 hab./ha (Cuiabá, 2007).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
170
Em Várzea Grande, o excedente populacional encontra-se nas áreas próximas
ao centro e aos bairros tradicionais, como Ipase, Ponte Nova, Manga, Cristo Rei,
devido à estrutura viária, às principais vias de acesso e deslocamento da população –
avenida da FEB, Filinto Muller e Couto Magalhães. O saldo populacional na RM
do Vale do Rio Cuiabá e a sua distribuição no território indicam a apropriação e
a disputa pelo uso do solo metropolitano, senão veja-se.
Tanto em Cuiabá quanto em Várzea Grande observa-se a expansão da periferia,
porém o surgimento dessas novas terras urbanizadas nem sempre é resultado do
movimento de evasão da população de renda baixa, que geralmente é forçada a se
retirar de áreas centrais devido à especulação imobiliária. Por exemplo, a ocupação
do extremo leste, na capital, nos bairros Jardim Imperial, Jardim Universitário,
Recanto dos Pássaros, Santa Cruz e Morada dos Nobres e também na área de
expansão urbana, refletem a dinâmica do capital imobiliário e a reestruturação
urbana. Nestas regiões, foram realizados loteamentos e construídos condomínios
horizontais e verticais de médio e alto padrão. Em Várzea Grande, a região do
aeroporto, constitui centralidade de comércio e de serviços hoteleiros, mas também área residencial de padrão mais elevado. A figura 3 comprova as áreas mais
valorizadas na metrópole mato-grossense.
FIGURA 3
Renda na aglomeração urbana de Cuiabá e Várzea Grande
Fonte: Ipea e FJP (2013).
Elaboração: Flavyane Rosa Borges.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
171
A apropriação de áreas periféricas também ocorre no município de Várzea
Grande, ora esse processo associa-se às ocupações irregulares, ora à pressão do
mercado imobiliário e, via de regra, em ambos os casos, sem o devido amparo legal,
isto é, inexistentes ou ineficazes os instrumentos para regulação do uso do solo
urbano municipal, permanecendo inerte o poder público ou tomando providências
retardatárias de consequências paliativas. Por sua vez, a duplicação da rodovia Mario
Andreazza e da ponte sobre o rio Cuiabá, o conhecido Corredor Mário Andreazza,
e as melhorias viárias na região do Pari, em Várzea Grande, constituem intervenções
importantes para a promoção de novas frentes de ocupação do solo urbano, de
modo especial para a população mais carente. Em verdade, estas intervenções, e
mais a duplicação da estrada da Guarita, servem à interligação viária e à locomoção
humana entre o aeroporto, a Arena do Pantanal e a rede hoteleira, ou seja, são
investimentos público-privados para a Copa do Mundo de 2014.
4 PRODUÇÃO DO ESPAÇO METROPOLITANO MATO-GROSSENSE
Os índices econômicos apontam a concentração da produção e oferta de bens e
serviços, e os indicadores demográficos confirmam a pressão urbana nas cidades de
Cuiabá e Várzea Grande. Trata-se de um espaço urbano dinâmico, com infraestrutura e localização privilegiada na rede urbana brasileira (IBGE, 2008). Os dados já
expostos informaram as taxas de crescimento demográfico e os níveis de urbanização,
mostrando as contradições existentes entre as principais cidades e os núcleos urbanos
de menor importância nessa região político-administrativa.
A aglomeração Cuiabá/Várzea Grande é o principal centro urbano de apoio
a toda rede estadual, já que proporciona serviços terciários especializados e equipamentos públicos de boa qualidade, muito embora a produção seletiva do espaço se
ocupe não só em difundir feições paisagísticas modernas, mas distintos rendimentos
e benefícios para setores do circuito superior e inferior da economia local, conforme posição de Rivera (2011). O desenvolvimento urbano e socioeconômico da
capital contrasta com taxas e índices dos demais municípios (tabela 3), ao mesmo
tempo, implica desigualdades espaciais relacionadas ao acesso e ao usufruto do
meio ambiente urbano por parte da população da RM e de seu entorno.
TABELA 3
Indicadores de desenvolvimento humano municipal (2010)
Unidade
de referência
RM do Vale do Rio Cuiabá
Índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) brasileiro
IDHM
Renda
Longevidade
Educação
Cuiabá
0,785
0,800
0,834
0,726
Nossa Senhora do Livramento
0,638
0,600
0,820
0,529
Santo Antonio do Leverger
0,656
0,651
0,806
0,539
Várzea Grande
0,734
0,711
0,842
0,661
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
172
(Continuação)
Unidade
de referência
Entorno metropolitano
Índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) brasileiro
IDHM
Renda
Longevidade
Educação
Acorizal
0,628
0,594
0,816
0,510
Barão do Melgaço
0,600
0,598
0,820
0,440
Chapada dos Guimarães
0,688
0,677
0,833
0,578
Jangada
0,630
0,567
0,805
0,549
Nobres
0,699
0,675
0,827
0,611
Nova Brasilândia
0,651
0,673
0,845
0,485
Planalto da Serra
0,656
0,615
0,813
0,565
Poconé
0,652
0,643
0,806
0,534
Rosário Oeste
0,650
0,653
0,807
0,520
Fonte: Ipea e FJP (2013).
Em Cuiabá, as centralidades urbanas sugerem padrões espaciais de agrupamento demográfico, econômico e político, e superam a organização urbana
monocêntrica a partir de novas relações de fixos e fluxos no território. A reestruturação intra-urbana na capital, especialmente após os anos 1970, foi fomentada
pelo poder público e impulsionada pela iniciativa privada, conspirando a favor
da constituição de três importantes eixos de desenvolvimento territorial, ou seja,
centralidades urbanas, conforme ilustra Romancini (2009).
1) Goiabeiras: prolongamento da Avenida Getúlio Vargas, favorecido pela
implantação, nos anos 1980, do shopping Goiabeiras, e em processo de
valorização imobiliária em face da presença do parque Mãe Bonifácia,
instalado no ano 2000.
2) Avenida Fernando Correa: importante via de acesso à área central da
cidade, também é uma área distinta pela localização da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), do shopping Três Américas (1996) e
de condomínios verticais.
3) Avenida Historiador Rubens de Mendonça: estrategicamente pensada
para descentralizar funções públicas e administrativas, fazendo da região
norte uma centralidade – o Centro Político Administrativo, especial
diante das possibilidades de exploração do solo urbano decorrentes da
presença do shopping Pantanal, da subcentralidade da região da Morada
da Serra e dos espaços urbanos disponíveis.
A expansão do perímetro urbano veio acompanhada da ampliação horizontal
da cidade de Cuiabá. A partir de então, foi desencadeado o processo de crescimento vertical que imprimiu novas características à cidade e facultou a especulação
imobiliária na construção de moradias e comercialização de imóveis, na visão de
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
173
Vilarinho Neto (2009). A análise de Souza (2002) fortalece estas constatações acerca
do interesse especulativo na verticalização das cidades, nas quais o solo urbano se
torna rentável mercadoria, acessível a poucos.
Após os anos 1990, se implementam novas formas de produção do espaço urbano na capital, os condomínios horizontais e os loteamentos fechados.
Este modelo de ocupação, classificado por Caldeira (2000) como verdadeiro enclave
fortificado, especializado em grandes áreas privadas e muradas, foi disseminado
nas cidades brasileiras em razão da escalada da violência urbana, impactando não
apenas na estruturação do espaço urbano como nas relações sociais ali estabelecidas.
O novo estilo de moradia induziu transformações no modo de vida citadino,
inibindo o convívio entre as classes socais e ampliando a segregação socioespacial.
A figura 4 mostra, por amostragem, a distribuição dos empreendimentos habitacionais em Cuiabá e reforça a problemática espacial.
FIGURA 4
Dispersão dos empreendimentos habitacionais na cidade de Cuiabá
Fonte: Prefeitura de Cuiabá.
Elaboração: Márcio Aparecido de Campos, Adelmo Barros e Flavyane Rosa Borges.
As regiões oeste e leste reúnem a maior oferta de imóveis na capital.
Os novos empreendimentos nestas áreas confirmam um processo de valorização
de determinados bairros e de espaços próximos à centralidade ou de equipamentos
174
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
urbanos (escolas, universidades, hospitais) ou das principais vias de acesso ao Centro
(avenidas Fernando Côrrea da Costa e Miguel Sutil). A região sul tem a terceira
maior oferta de imóveis, sobretudo nos bairros que estão na faixa de ampliação
da infraestrutura urbana e de obras de mobilidade. Enquanto isso, a região norte
tem menor oferta, ao mesmo tempo, possui um padrão ocupacional consolidado,
marcado pela influência do Centro Político Administrativo.
Observando as disputas em torno do solo urbano, a municipalidade em
questão oferta uma série de instrumentos legais, a exemplo da Lei de Uso,
Ocupação e Urbanização do Solo, do zoneamento ambiental e da figura da
hierarquia viária e das vias verdes, e regras urbanísticas, na tentativa de reduzir
os impactos negativos provenientes da explosão imobiliária e da implantação
indiscriminada de condomínios e loteamentos. Destarte, o fim do monopólio
da capital, no que se refere ao poder de decisão político-administrativa de
se implantar ou não empreendimentos na área metropolitana, deve forçar a
definição de outros marcos regulatórios para a apropriação do solo na RM do
Vale do Rio Cuiabá.
A respeito dos conflitos no uso do solo metropolitano, a fixação do perímetro urbano do município de Várzea Grande já é um litígio judicial, uma
vez que as leis urbanísticas municipais estão sendo questionadas sob o prisma
jurídico e constitucional. Além disso, a ordenação territorial e a incorporação
da terra urbana pelos agentes produtores do espaço não estão respeitando os
critérios políticos e técnicos afetos à capacidade da municipalidade de atender
essas demandas criadas na periferia. Resultado disso é a precária concretização
do planejamento urbano e a superveniência de efeitos negativos da urbanização,
como sobrecarga e deficiência dos equipamentos urbanos em distintas áreas,
dificuldades no acesso aos serviços públicos e tensões nas periferias. A figura 5
expõe as assimetrias espaciais.
Em Várzea Grande, interessante observar que a oferta de imóveis, sobretudo de apartamentos de padrão mais elevado concentra-se nos bairros Jardim
Aeroporto, Ipase, Nova Várzea Grande, Ponte Nova e Alameda, em lugares com
melhores condições urbanísticas, de interesse da iniciativa privada. Áreas privilegiadas da cidade incrementam a disputa pela terra urbanizada, ressaltando a
relevância da cidade formal. A legislação municipal poupa seus esforços quando
o assunto é a permanência da população em aglomerados subnormais ou em
áreas urbanas degradadas e insalubres, a demanda por habitação digna é um dos
aspectos da exclusão social decorrente do uso e da apropriação indiscriminada
do solo urbano.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
175
FIGURA 5
Dispersão dos empreendimentos habitacionais em Várzea Grande
Fonte: Prefeitura de Várzea Grande.
Elaboração: Márcio Aparecido de Campos, Deivison Arruda Ferreira e Flavyane Rosa Borges.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
176
Segundo Rossetto e Silva (2013), com base nas pesquisas do Ipea e da Fundação
João Pinheiro, o estado de Mato Grosso, em 2006, registrou 835 mil domicílios e
deficit habitacional de 127 mil residências; pode ser considerado também o levantamento do IBGE, que aponta 1.093.774 domicílios no estado e deficit habitacional
de 153.484 moradias (Rossetto e Silva, 2013). Ambos cenários dão conta que a
realização do sonho da casa própria ainda está distante de parcela da sociedade mato-grossense, ainda mais se for considerado rigorosamente o número de habitações
precárias, que aumenta a demanda da população carente. O deficit habitacional é
reflexo da vulnerabilidade socioambiental e da desassistência comunitária, os dados
sobre este problema (tabela 4), demonstram o quadro mais crítico da moradia na RM.
TABELA 4
Aglomerados subnormais na RM do Vale do Rio Cuiabá, por município
Unidade de referência
Aglomerados existentes
Domicílios permanentes
Domicílios subnormais
RM do Vale do Rio Cuiabá
14
240.640
16.472
Cuiabá
10
165.888
14.789
-
Nossa Senhora do Livramento
-
-
Santo Antonio do Leverger
-
-
-
74.752
1.683
Várzea Grande
04
Fonte: Mato Grosso (2005).
Segundo informações obtidas do Sindicato das Empresas de Compra, Venda,
Locação e Administração de Imóveis Residenciais, Comerciais e Condomínios de
Cuiabá e Várzea Grande – SECOVI, o mercado imobiliário já teve um período de
maior crescimento, ainda assim está assegurado para os próximos anos, até 2017,
uma grande oferta de imóveis em condomínios verticais (13.713 apartamentos),
sendo: 2.152 apartamentos em 49 torres em Várzea Grande; 11.561 apartamentos em 192 torres em Cuiabá. Registra-se que estas unidades habitacionais estão
acessíveis para as classes C e B, especialmente para a primeira.
A respeito do drama social presente na segregação do espaço metropolitano, a
situação de Várzea Grande, Nossa Senhora do Livramento e Santo Antonio do Leverger
assemelha-se no que se refere à falta de planejamento (efetivo) e de políticas públicas
voltadas ao desenvolvimento urbano. O entendimento do espaço urbano/metropolitano deve ser buscado a partir da integração das funções públicas de interesse comum.
5 AVALIAÇÃO DA GOVERNANÇA METROPOLITANA COM ÊNFASE NO USO DO
SOLO NA RM DO VALE DO RIO CUIABÁ
É inegável o alto relevo da questão metropolitana e da busca integrada de soluções que atendam aos desejos da população reunida nas aglomerações urbanas.
Entretanto, deve-se atentar para a importância de promover o disciplinamento
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
177
da vida urbana e das atividades imobiliárias, com a oferta adequada de serviços
e equipamentos, com vistas à promoção do crescimento ordenado e coordenado
segundo as políticas públicas de caráter nacional. A ação do poder público precisa
desafiar a livre apropriação do solo urbano e a ocorrência de áreas privilegiadas,
destinar investimentos que não favoreçam a segregação socioespacial em curso
na cidade de Cuiabá, tendo em vista a dispersão pontual dos empreendimentos
conforme a região da cidade.
A multiplicação de grandes empreendimentos induziu esse município a
produzir legislação adequada ao estabelecimento de regras urbanísticas para tratar de condomínios horizontais e loteamentos fechados. A ação proposta pelo
Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (IPDU) ao Conselho
Municipal de Desenvolvimento Urbano, culminou na Lei Complementar
no 56/1999 (Cuiabá,1999), Lei de Condomínios Horizontais, que tentou disciplinar
a matéria sem ferir a lei federal de parcelamento do solo urbano (Lei no 6.766 de
1979) (Brasil, 1979).
Sem dúvida, essa legislação foi inovadora ao estabelecer regras e conceitos
urbanísticos específicos para os condomínios horizontais, mas não impediu que
novos empreendimentos pressionassem a ampliação incessante do perímetro urbano,
sem que os vazios urbanos existentes fossem ocupados, imprimindo característica
singular ao processo de uso e ocupação do solo. A criação de novos bairros – e
o adensamento das áreas carentes de infraestrutura – determinou o aumento do
custo-cidade com o crescimento da demanda por serviços e equipamentos públicos – de saúde, educação, transporte, saneamento, entre outros –, inviabilizando o
gerenciamento urbano, conduzido com orçamentos limitados e técnicos incapazes
de atuar diante dessa intensa dinâmica urbana.
Várzea Grande passa por processos e transformações urbanísticas relevantes.
A descontinuidade da infraestrutura, a dificuldade na prestação de serviços públicos e
a instabilidade política, que conduziram o município à crise urbana, serão enfrentados
com investimentos públicos e privados nas áreas de transporte (viário e aéreo), saúde,
educação e serviços. Assim sendo, os principais projetos em implementação na cidade
prometem dinamizar a economia local e metropolitana, são eles: implementação
do veículo leve sobre trilhos (VLT); reforma e ampliação do aeroporto Marechal
Rondon; funcionamento do Hospital Metropolitano; obras de saneamento básico
e esgotamento sanitário; novo campus da Universidade Federal de Mato Grosso, e
projeto de outro campus para Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT);
e até a construção do lendário shopping center de Várzea Grande. Obviamente que
as medidas modernizantes não se restringem aquele município, fato é que, além dos
conjuntos habitacionais (Minha Casa Minha Vida, especialmente), um conjunto
de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal,
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
178
pretende desenvolver o território metropolitano e ampliar as atividades econômicas
terciárias. A partir de levantamentos feitos junto à base de dados do governo federal,14
a RM do Vale do Rio Cuiabá deve receber 77 empreendimentos, dos 4.467 previstos
para todas as regiões metropolitanas no país, sendo 52 deles em Cuiabá, dezoito em
Várzea Grande e sete em Nossa Senhora do Livramento. Na capital, as intervenções
estão voltadas à infraestrutura social e urbana, destacam-se essas funções públicas
de alcance metropolitano: mobilidade; pavimentação, urbanização, patrimônio e
ordem urbanística; saúde e educação (tabela 5).
TABELA 5
Número de empreendimentos por tipo, previstos no PAC
Tipo de empreendimentos do PAC
Total de empreendimentos
Unidade Básica de Saúde (UBS)
25
Creches e pré-escolas
21
Urbanização de assentamentos precários
12
Quadras esportivas nas escolas
5
Águas em áreas urbanas
4
Unidade de Pronto Atendimento (UPA)
3
Aeroporto
2
Transmissão de energia elétrica
1
Praça dos Esportes e da Cultura
1
Rodovias
1
Fonte: Governo federal – PAC (2012).
15
Pois bem, as urbanidades e ruralidades presentes na RM do Vale do Rio Cuiabá
não podem prescindir de políticas públicas diferenciadas, as contendas intermunicipais devem ser diluídas a partir de modelos de gestão e medidas adaptadas às
realidades locais. Nessa ótica, a hegemonia de Cuiabá não é um sério problema a
ser diametralmente enfrentado, mas um aspecto do fenômeno da metropolização
entre tantos outros, a ser administrado na esfera da articulação metropolitana.
Não se pode analisar a governança metropolitana propriamente dita e referente ao uso do solo na RM do Vale do Rio Cuiabá posto que este gerenciamento
inexiste. A Agência de Desenvolvimento Metropolitano (Agem) foi criada há pouco
mais de um ano e não tratou ou aprovou sequer um projeto de interesse comum
dos municípios da RM do Vale do Rio Cuiabá. A situação fica mais grave quando
se constata que a Agem já consumiu mais de R$ 1,4 milhão dos cofres públicos,
apenas em custeio da estrutura e folha de pagamentos.
14. Dados obtidos do sistema de informações do governo federal sobre empreendimentos do Programa de Aceleração
do Crescimento – PAC 2. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/estado/mt>. Acesso em: jan. 2014.
15. Dados obtidos do sistema de informações do governo federal sobre empreendimentos do PAC 2. Disponível em:
<http://www.pac.gov.br/estado/mt>. Acesso em: jan. 2014.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
179
Em verdade, a única iniciativa de articulação intermunicipal para gestão do
espaço remete ao aglomerado urbano Cuiabá/Várzea Grande no que se reporta à
atuação da Câmara Setorial de Habitação e Urbanismo, vigente até 2009. Nem a
constituição do Comitê de Assuntos Metropolitanos (CAM), em 2012, nem a criação
jurídica da estrutura básica de gestão metropolitana, em 2013, são suficientes para
indicar um quadro político de administração dos interesses metropolitanos.
No entanto, estudo de Chiletto (2009) comprova que o único modelo de
gestão integrado já implementado, referente ao aglomerado urbano, foi bastante
frágil e por diversos fatores: pelo incipiente relacionamento desenvolvido pelos
atores sociais, pela inexistência de controle social eficiente e pela débil atuação
dos técnicos municipais e estaduais. Assim, a instância de gestão compartilhada
entre o estado e os municípios não se concretizou, de modo especial a governança
do uso do solo. Mas esta experiência serviu para orientar a necessidade da elaboração do planejamento metropolitano, o que veio a se constituir o Plano Diretor
Participativo Integrado (PDPI).
Persistem as expectativas acerca do modelo de gestão integrada a ser concretizado, cumprindo destacar o alerta de Grostein (2002), o que fará a diferença no futuro será a forma de se apropriar da estrutura existente (institucional,
política, técnica ou jurídica) na busca de fortalecer relações horizontais – entre
municípios – ou verticais – entre estado e municípios – para a busca de políticas
adequadas. Não basta instituir estruturas ou legislações em modelos avançados,
mas, a partir destas, estabelecer as mais acertadas ferramentas de intervenção de
forma democrática e participativa, para se garantir a legitimidade das ações que
favorecerão o êxito ou não do projeto comum.
Como o poder público é o responsável pelas intervenções que orientam o
ordenamento territorial na área metropolitana, o seu desempenho se imbui de
maior responsabilidade, pois objetiva estabelecer os parâmetros necessários para
reduzir as heterogeneidades constantes e formatar o modelo de crescimento urbano
adotado para a metrópole. Aspecto importante que resta indefinido é como se dará
o gerenciamento metropolitano das FPICs uso do solo: por meio da autorização
de parcelamentos, desmembramentos e condomínios ou por meio de termos de
aceitação, anuência ou outros?
Além disso, é imperativo estabelecer, por meio do Plano Diretor Participativo
Integrado, as metas e as estratégias que deverão balizar os planejamentos municipais. A rigor, esses objetivos só podem ser alcançados se essa agenda positiva
da administração metropolitana formatar uma carteira de projetos, organizada
a partir dos orçamentos e recursos disponíveis para concretização dos projetos
e empreendimentos. O PDPI deve ser autoexecutável, sob pena de ineficácia da
política estadual metropolitana.
180
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A RM do Vale do Rio Cuiabá integra a rede metropolitana do país, ou melhor, a
economia regional do Vale do Rio Cuiabá, baseada no setor terciário moderno,
oferece produtos e serviços para a população do estado, especialmente. Em que
pese à descontinuidade do território metropolitano, restam configuradas a área de
influência da RM do Vale do Rio Cuiabá e as relações intermunicipais. O adensamento demográfico na área conurbada e a concentração social da renda em dadas
porções do espaço urbano não só indicam centralidades, mas também conflitos
no uso do solo e segregação socioespacial, não acompanhados nem trabalhados
por instância de gestão metropolitana.
Cuiabá e Várzea Grande compõem o espaço dinâmico metropolitano. A capital se destaca pelo histórico processo de desenvolvimento urbano, de certa forma,
regulado pelas normativas urbanísticas municipais e administrado por secretaria
especializada e órgãos de planejamento. Enquanto Várzea Grande, sem tradição
no gerenciamento do espaço e ainda mais carente de infraestrutura urbana, tem
recebido, por ocasião da Copa do Mundo – assim como Cuiabá – grandes investimentos e obras que devem modernizar o território e fortalecer as funções sociais
da cidade. A aglomeração Cuiabá/Várzea Grande continua sendo a expressão mais
clara do território metropolitano, se bem que o aglomerado, enquanto institucionalidade, não contou com instâncias efetivas de gestão.
Os demais municípios da RM do Vale do Rio Cuiabá, Santo Antonio
do Leverger e Nossa Senhora do Livramento, estão à margem da metropolização, ou seja, ainda não foram integrados de forma satisfatória na nova fase de
planejamento e gestão das FPICs. Os investimentos, previstos pelos governos
federal e estadual, e os grandes empreendimentos serão construídos na área
central da metrópole, não tendo seus benefícios repartidos espacialmente. Isto
se deve à fragilidade da política estadual no que se refere à implementação das
leis metropolitanas e ao efetivo funcionamento da estrutura básica de gestão,
recentemente criada.
A falta de sensibilidade política impede a realização do projeto metropolitano,
assim não podem ser observadas mudanças positivas relacionadas à governança,
como a horizontalização dos poderes; a gestão integrada do território; a ampliação
da oferta e a melhoria nos serviços e equipamentos urbanos; a participação popular
e o controle social. Por conseguinte, os velhos problemas permanecem: abuso do
poder econômico na apropriação do espaço urbano; abordagem fragmentária dos
problemas comuns; adoção de soluções paliativas; exclusão e tensões sociais nas
áreas periféricas.
Governança Metropolitana e Uso e Ocupação do Solo na Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá: conflitos e desafios na gestão integrada das funções públicas
de interesse comum
181
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CAPÍTULO 7
SANEAMENTO AMBIENTAL NA GRANDE SÃO LUÍS:
O QUE OS OLHOS NÃO VEEM, A POPULAÇÃO SENTE
Mayara Silva Oliveira1
Andressa Brito Vieira2
Mônica Teixeira Carvalho3
1 INTRODUÇÃO
Entre os principais sistemas da infraestrutura urbana, está o de saneamento básico,
que tem como alvo de suas ações a preservação do meio físico e da saúde pública,
essenciais à vida humana. Então, teoricamente, o saneamento básico – de acordo
com a Lei Federal (LF) no 11.445/2007, constituído pelo conjunto de serviços,
infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, de
esgotamento sanitário, de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e de drenagem
e manejo das águas pluviais urbanas – deveria ser prioridade das administrações de
âmbitos municipal, estadual e federal, assim como da sociedade civil, pois propicia
melhorias na qualidade de vida da população.
Este trabalho tem como objetivo contribuir para o debate acerca da função
pública de interesse comum (FPIC) e do saneamento básico na Região Metropolitana
(RM) da Grande São Luís, ao caracterizar a cobertura dos serviços e as lacunas existentes na governança desta FPIC. A pesquisa que subsidiou este capítulo utilizou-se
de visitas a órgãos relacionados ao saneamento na RM, tais como a Companhia
de Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema), os serviços autônomos de água
e esgotos (SAAEs) e as prefeituras municipais, além de análise de leis e relatório
técnicos referentes ao saneamento.
A apresentação deste capítulo está estruturada em quatro seções, além desta
introdução e das considerações finais. Na seção 2, discorre-se sobre a caracterização
do saneamento ambiental na RM da Grande São Luís e sua interface com a
dinâmica socioeconômica, realizada por meio do estudo dos principais sistemas
que compõem o saneamento básico.
1. Pesquisadora do Projeto Governança Metropolitana no Brasil, no Ipea.
2. Pesquisadora do Projeto Governança Metropolitana no Brasil, no Ipea.
3. Pesquisadora do Projeto Governança Metropolitana no Brasil, no Ipea.
186
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
A seção 3 tem como foco os atores e os instrumentos legais relacionados
ao saneamento ambiental na RM da Grande São Luís; destaca, principalmente,
as obrigações legais decorrentes das leis federais de saneamento e resíduos sólidos e
os aspectos legais deste serviço no âmbito metropolitano. Já na seção 4, realiza-se
análise dos problemas ambientais decorrentes da desestruturação dos sistemas
de saneamento básico, considerando-se os impactos da questão habitacional
e os principais problemas ambientais na RM.
A última seção trata de fatores e repercussões da implantação dos grandes
empreendimentos na área do saneamento ambiental – principalmente no esgotamento
sanitário e no abastecimento de água na RM da Grande São Luís –, correlacionando-se
com a necessidade da população e a demanda por mais infraestrutura em
saneamento ambiental, uma vez que é perceptível que existe acesso diferenciado
aos serviços na área do saneamento básico e há uma dívida social com boa parte
da população, que consistem em desafio a ser superado, como atestam os dados
do Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2008 (Rodrigues, 2011).
2 RETROSPECTIVA E CENÁRIO ATUAL DO SANEAMENTO NA RM DA GRANDE
SÃO LUÍS
Os serviços de saneamento no Brasil foram tratados de diferentes maneiras ao longo
do tempo e de acordo com o território, que podem ser expressos por meio de níveis
como, “(...) individual e coletivo, com a influência preponderante de aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais” (Rubinger, 2008, p. 7). Assim, em períodos
distintos, observam-se ações desintegradas, executadas seja por particulares, seja por
regiões isoladamente, não se observando planejamento integrado. As ações coletivas
que existiram associaram-se aos interesses das elites, sendo pontuais e insuficientes,
existindo apenas em áreas de interesse econômico (op.cit.).
Houve mudanças institucionais ao longo dos anos; contudo, há destaque
ao período do Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa), nos anos
1960, que – segundo a Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe) –
foi marcado por:
a) proliferação de mecanismos de estabelecimento de preços permeados pela unilateralidade; b) dependência de política de subsídios cruzados; c) centralização da
política de saneamento com preponderância das determinações federais e estaduais;
d) aumento na prestação dos serviços, principalmente distribuição de água; e) pouca ou
nenhuma ingerência dos municípios na operação ou nos modelos tarifários utilizados;
e f ) pouca participação do setor privado (Fipe, 2014, p. 270).
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
187
Apesar do importante crescimento na área do saneamento promovido pelo
Planasa, a situação do saneamento no Brasil ainda possui muitos deficits,
(...) pois parcelas significativas da sua população não têm acesso aos benefícios
do saneamento ambiental. Essa situação é visível tanto quando se comparam as
regiões do país ou quando se comparam áreas da maioria das grandes cidades,
e está na base dos grandes diferenciais inter e intraregionais, intraurbanos e
urbano-rural observado nas condições de vida e de saúde. Não por acaso, políticas
de saneamento vêm sendo identificadas como prioridades que poderiam reduzir
esses imensos diferenciais, constituindo-se em um importante fator de equidade
(Brasil, 2004, p. 20).
De acordo com o Atlas de Saneamento 2011 (Guerra, 2011), a integração
entre os serviços de saneamento acontece em poucos estados – como São Paulo
e Minas Gerais –, e existe cobertura relevante em todos estes, sendo que em um
“número expressivo de unidades da Federação, seus municípios não contam com
o sistema de saneamento de forma integrada” (Rodrigues, 2011).
O retrato do saneamento descrito na citação anterior é confirmado por
intermédio de dados sobre rede de abastecimento de água, rede de esgotamento
sanitário, tratamento de esgoto e perdas de água no Brasil, no Nordeste e no
Maranhão, bem como por meio dos dados da principal prestadora de serviços de
saneamento ambiental, a Caema (tabela 1). Com relação ao estado do Maranhão e
esta companhia, estes possuem todos os indicadores considerados abaixo da média
do Brasil e da média do Nordeste.
TABELA 1
Comparação dos indicadores de atendimento – Brasil, Nordeste, Maranhão e Caema (2011)
(Em %)
Abastecimento de água
Brasil
Nordeste
Maranhão
Caema
82,4
71,2
50,4
44,9
Esgotamento sanitário
48,1
21,5
10,5
10,9
Tratamento de esgoto
37,5
30,1
7,8
8,2
Perdas de água
38,8
51,4
55,4
59,0
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2011) apud Fipe (2014).
Apesar do destacado desenvolvimento econômico da RM da Grande São Luís
no cenário estadual, os indicadores de saneamento desta RM refletem os mesmos
níveis do estado – confirmado por meio de dados sobre rede de abastecimento
de água, rede coletora de esgoto e manejo de resíduos sólidos, como demonstra
a tabela 2 –, e revelam, em análise mais criteriosa, que há desequilíbrio com a
realidade econômica da RM, principalmente do município-polo.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
188
TABELA 2
Redes de água e esgoto e coleta de lixo – RM da Grande São Luís
Municípios
RM da Grande São Luís
Alcântara
Paço do Lumiar
Raposa
São José de Ribamar
São Luís
Total de
domicílios
Rede de água
Com rede
de água
Rede de esgoto
Coleta de lixo
%
Com rede
de esgoto
%
Com coleta
de lixo
Percentual
359.114
265.149
73,83
141.498
39,40
308.180
85,82
6.074
3.495
57,54
57
0,94
1.350
22,23
27.114
174.46
64,34
8.004
29,52
16.682
61,53
6.552
5.143
78,50
83
1,27
3.318
50,64
42.562
27.706
65,10
4.136
9,72
34.494
81,04
276.812
211.359
76,35
129.218
46,68
252.336
91,16
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).
2.1 Abastecimento de água potável
Os quatro municípios da Ilha do Maranhão possuem “(...) de forma individualizada
os seus sistemas de abastecimento de água” (São Luís, 2011, p. 62). No município de
São Luís, na sede do município de São José de Ribamar,4 no Conjunto Habitacional do
Maiobão – pertencente ao município de Paço do Lumiar – e nas áreas de conurbação
entre São Luís, São José de Ribamar e Paço do Lumiar, os sistemas de abastecimento
de água existentes têm como concessionária a Caema, empresa estatal vinculada à
Secretaria de Estado da Saúde (SES). Já nas sedes municipais de Raposa e Paço do
Lumiar, os sistemas de abastecimento de água estão sob a responsabilidade do poder
público municipal, por meio do SAAE.
O abastecimento de água em São Luís é realizado pela contribuição de água
superficial e subterrânea, sendo composto pelo Sistema Italuís (superficial), pelo
Sistema Produtor Sacavém (superficial e subterrânea com poços monitorizados),
Sistema Produtor Paciência I e II e Cidade Operária (subterrânea com poços monitorizados) e sistemas de poços isolados (não monitorizados). Todos genuinamente
da Ilha do Maranhão, exceto o Italuís (figura 1), cuja captação de água do Rio
Itapecuru – a 56 quilômetros da capital – se localiza no município de Santa Rita
e recebe tratamento para adequar-se ao consumo humano, sendo responsável por
60% do abastecimento de água da cidade.
4. O restante do município de São José de Ribamar utiliza poços individuais para o abastecimento de água.
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
189
FIGURA 1
Representação do trajeto da adutora de água tratada do Sistema Italuís
Fonte: São Luís (2011).
Além dos sistemas mencionados anteriormente, cabe destacar o sistema
produtor do Maiobão – responsável por parte do abastecimento público neste
bairro –, por ser área de elevado adensamento populacional e estar na região de
conurbação. Assim como o sistema São Raimundo, composto por bateria de poços
tubulares, responsável pelo abastecimento de umas das áreas mais povoadas do
município de São Luís.
Utilizam-se mananciais subterrâneos nos municípios de forma descontrolada,
por intermédio de poços isolados que alimentam diretamente a rede de distribuição
em todas as zonas de abastecimento do município. Estes poços também são
responsáveis pelo atendimento dos povoados da área rural e das indústrias instaladas
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
190
no distrito industrial de São Luís (São Luís, 2011). Esta água não é tratada, sendo
distribuída à população sem atentar para o padrão de potabilidade estabelecido
pela Portaria no 2.914/20115 do Ministério da Saúde (MS).
Em relação ao abastecimento de água no município de Alcântara, este é realizado por meio da contribuição de água superficial do rio Peptal, administrado pelo
Sistema de Alcântara, unidade de negócio da Caema no município de Pinheiro,
localizado na Baixada Maranhense.
A tabela 3 apresenta a extensão das redes dos principais sistemas produtores
de abastecimento de água por unidade de negócio da Caema, com abrangência
dos bairros do seu entorno, no município de São Luís, e conurbação com os
municípios de São José de Ribamar e Paço do Lumiar, assim como o sistema de
Alcântara, que descrevem a cobertura e a distribuição da rede de água na RM da
Grande São Luís no que concerne à rede de distribuição – subadutora e adutora –,
o que explicita a cobertura de rede de água no território desta RM, em 2012.
TABELA 3
Extensão das redes subadutora e adutora: água
(Em m)
Unidade de negócio
Total
Rede
Subadutora
Adutora
Cohab
581.311
11.513
21.619
614.443
Vinhais
544.788
29.575
1.740
576.103
Cidade Operária
285.494
4.885
3.060
293.439
Centro
450.978
12.439
29.716
493.133
Anjo da Guarda
141.903
4.982
6.505
153.390
-
-
65.912
65.912
12.831
-
9180
22.011
2.004.474
63.394
141.383
2.218.431
Italuís
Pinheiro
RM da Grande São Luís
Fonte: Caema, 2012.
2.2 Esgotamento sanitário
O sistema de esgotamento sanitário (SES) na RM da Grande São Luís (figura 2)
foi objeto de diversos planejamentos, não tendo, contudo, resultado em implantações satisfatórias e integradas. No município de São Luís, “o atendimento vem
ocorrendo mais em função da pressão do crescimento urbano em aglomerados
e áreas de maior concentração do que de diretrizes gerais de um planejamento
global” (São Luís, 2011, p. 110). Isto também ocorre nos outros municípios da
Ilha do Maranhão.
5. Que dispõe sobre os procedimentos de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão
de potabilidade. Esta nova portaria é a quinta versão da norma brasileira de qualidade da água para consumo, desde 1977.
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
191
FIGURA 2
Contextualização do SES
Fonte: Unidade Gestora de Projetos (UGP) da Caema, 2013.
Obs.: material gráfico de divulgação adquirido à UGP/Caema.
O município de Alcântara não dispõe de rede coletora de esgoto sanitário.
Segundo a prefeitura municipal – tanto na sede como nos maiores centros rurais –,
o descarte de dejetos e águas servidas é realizado em unidades sanitárias domiciliares,
compostas de banheiros, bacias sanitárias, fossas sépticas e sumidouros. Das 204
comunidades rurais, 65% destas utilizam este sistema, 25% usam as chamadas
fossas negras e os 10% restantes não possuem padrão específico.
A tabela 4 apresenta a extensão das redes das bacias de esgotamento sanitário
por Unidade de Negócio da Caema, no município de São Luís e áreas conurbadas
com os municípios de São José de Ribamar e Paço do Lumiar, que descrevem
a baixa cobertura da rede de esgoto na RM da Grande São Luís, no que concerne à
extensão da coleta e emissão de esgoto, evidenciando-se a caracterização da rede
de esgoto no território desta RM em 2012.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
192
TABELA 4
Extensão da coletora/emissário: esgoto
(Em m)
Unidade de negócio
Cohab
Rede coletora
Emissário grav.
Emissário rec.
Total
235.579
4.939
13.005
253.523
235.66
8.002
38.471
282.142
Cidade Operária
139.320
2.305
8.002
149.627
Centro
235.621
750
1.491
237.862
8.682
-
-
8.682
854.871
15.996
60.969
931.836
Vinhais
Anjo da guarda
RM da Grande São Luís
Fonte: Caema, 2012.
Assim como ocorre com o abastecimento de água nos municípios de Paço do
Lumiar e Raposa, o esgotamento sanitário também era para ser gerido pelo SAAE
existente nestes municípios; contudo, estas autarquias municipais independentes não
realizam o serviço abordado. A solução encontrada pelo município de Raposa para o
esgotamento sanitário na maioria dos domicílios é a individual – isto é, o uso de fossas e
sumidouros nos limites de suas propriedades, segundo a Prefeitura Municipal de Raposa.
2.3 Limpeza urbana, drenagem e manejo de resíduos sólidos e águas pluviais
Em São Luís, todo o resíduo sólido coletado, exceto parte dos entulhos da construção
civil e resíduos contaminados advindos de unidades de saúde, é transportado até o Aterro
Municipal da Ribeira. Já os resíduos gerados nos serviços de saúde são coletados pela
empresa contratada SERQUIP Tratamento de Resíduos Ltda. De acordo com o Plano
Municipal Integrado de Saneamento Básico (PMISB) de São Luís (2011) – baseado no
relatório Diagnóstico preliminar para campanha de comunicação integrada para a limpeza
urbana e ambiental em São Luís – MA –, são enviados diariamente ao Aterro da Ribeira
cerca de 1,4 mil toneladas de resíduos, como pode ser evidenciado na gráfico 1, que
apresenta variação temporal da quantidade de resíduos entre 2003 e 2009.
GRÁFICO 1
Quantidade de resíduos enviados ao Aterro da Ribeira diariamente (2003-2009)
1.600
1.460
1.495
1.421
1.400
1.380
1.375
2006
2007
2008
2009
1.400
1.234
1.200
Ton./dia
1.000
800
600
400
0
2003
2004
Fonte: São Luís (2011, p. 88).
2005
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
193
Na RM da Grande São Luís, os municípios apresentam situação preocupante
quanto à destinação final dos resíduos sólidos, sendo identificadas duas áreas de
lixões em São José de Ribamar e Paço do Lumiar. No caso do município de Raposa,
nos primeiros anos após a emancipação do município de Paço do Lumiar em 1994,
o poder público municipal usava terrenos próximos ao ecossistema de mangues para
a deposição de lixo doméstico, como destaque, podemos citar o Lixão da Vila Nova,
que atualmente foi invadido e ocupado por moradores de baixa renda e que neste
local construíram suas sub-habitações (Raposa, 2013, p. 11).
A partir de 2005, um consórcio foi realizado com a prefeitura de São Luís
e o município de Raposa passou a usar o Aterro da Ribeira, até meados de 2009.
Subsequentemente, Raposa (Raposa, 2013, p. 11) passou a utilizar “uma área de
dentro do município de Paço do Lumiar, para a deposição do lixo doméstico na
forma de aterro controlado e que até a presente data encontra-se em uso”.
Quanto à coleta de lixo doméstico em Raposa (Raposa, 2013), esta é realizada
pelos profissionais contratados com o apoio de quatro caçambas basculantes que
percorrem apenas algumas áreas da cidade; assim, este serviço se revela insuficiente
para atendimento da população raposense, fato também verificado em Alcântara.
Em relação à destinação final dos resíduos sólidos em São José de Ribamar, o
Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos (IMESC) relata que
explicita-se que a destinação final dos resíduos ocorre em uma área chamada Canavieira, a 4,5 km de distancia da sede, com uma produção semanal de 450 toneladas.
Próximo ao lixão (600m) existe a comunidade Mutirão, local onde a população
se encontra mais vulnerável e ocorre sérios riscos de perder a saúde, devido à proximidade com o local do forte odor e da presença de grande quantidade de roedores
e insetos, dentre outras problemáticas (IMESC, 2011, p. 37-38).
Atenta-se que a insuficiência de dados mais detalhados sobre a macrodrenagem
urbana e a coleta de resíduos sólidos em São Luís pelos órgãos competentes prejudicou o aprofundamento sobre tal temática. Assim, esclarece-se que existem graves
problemas na gestão dos serviços de limpeza e drenagem urbana, “tal precariedade
afeta diretamente a saúde pública da população e impacta o meio ambiente local,
tornando-se, portanto, o grande problema a ser enfrentado pelo poder público”
(São Luís, 2011, p. 75).
Além disso, segundo o PMISB de São Luís, no relatório síntese:
No município de São Luís, as informações inerentes às estruturas de drenagem
existentes são pulverizadas, não existindo um cadastro atualizado de localização e
condição operacional de bocas de lobo, galerias e canais, o que dificulta sobremaneira
a elaboração de um diagnóstico da situação do serviço. Um diagnóstico específico de
drenagem, com a integração das informações deve ser contemplado por um Plano
Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais (São Luís, 2011, p. 91).
194
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
3 ATORES E ASPECTOS LEGAIS DO SANEAMENTO NA RM DA GRANDE SÃO LUÍS
Historicamente, os serviços de abastecimento de água em São Luís foram prestados
por empresas privadas. Inicialmente por empresários membros da Associação
Comercial do Maranhão; posteriormente pela Companhia Anil, a partir de 1850,
e pelas empresas Companhia das Águas São Luíz e Ulen & Company, em 1874
e 1922, respectivamente.
Em 1947, pela primeira vez o governo do Maranhão – por meio do Decreto-Lei
no 1.491 – criou uma autarquia estadual para execução dos Serviços de Águas, Esgotos,
Luz e Tração (SAELTPA), com sucessivas mudanças nas competências e nas autarquias.
Em 1958, o governo promoveu nova reestruturação dos serviços criando o
Departamento de Águas e Esgotos Sanitários (Daes), desvinculando os serviços de
água e esgotos da SAELTPA. Este departamento foi incorporado pela Companhia de
Saneamento de São Luís (Sanel), por meio da Lei no 2.078, em 7 de julho de 1968.
Em 1966, por meio do Decreto no 2.653 foi criada a Companhia de Águas
e Esgotos do Maranhão (Caema), empresa de economia mista de direito privado
voltada, inicialmente, para ocupar o vazio de ações de saneamento no interior do
estado, sendo a Sanel incorporada à Caema em 1972. Já em 2010, a companhia
passa a chamar-se Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão.
Atualmente, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário são
prestados em 143 municípios no estado do Maranhão pela Caema, por meio de
concessão. Até mesmo prestando serviços para todos estes municípios, esta empresa
“não é autossustentável financeiramente, dependendo de repasses do governo do
estado para completar o custeio e realizar investimentos” (Maranhão, 2012,
p. 53), além de ter acesso a recursos de programas nacionais.
Para a prestação desses serviços no município de São Luís, conforme estabelecido na cláusula 1a do Termo de Ratificação Contratual, assinado em 1996,
em que o município de São Luís concede ao estado os serviços de água e esgoto,
como expresso a seguir.
A CAEMA tem concessão para planejar, de comum acordo com o CONCEDENTE,
e executar, operar e explorar, em caráter de exclusividade, os serviços públicos de
abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, bem como realizar as obras
de saneamento a eles necessários (São Luís, Termo de Retificação Contratual, 1996).
O Serviço Autônomo de Águas (SAA) de Paço do Lumiar – instituído pela Lei
no 62/1971 – passou a intitular-se de Serviço Autônomo de Águas e Esgotos (SAAE) de
Paço do Lumiar, pela Lei no 507/2003; trata-se de entidade autárquica municipal que
tem como finalidade a administração dos serviços operacionais de captação, distribuição
e manutenção de sistema de água e esgotamento sanitário no âmbito do território deste
município. Já o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Raposa foi criado pela Lei
no 2/1997 e possui atribuições em comuns com o SAAE de Paço de Lumiar.
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
195
A Prefeitura Municipal de São Luís – por meio da Secretaria Municipal de Obras e
Serviços Públicos de São Luís (SEMOSP) – é responsável pelos serviços de abastecimento
de água e esgotamento sanitário em parte do seu território, não cobertos pela rede da
Caema, além da totalidade dos serviços de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas.
Segundo o PMISB de São Luís, no relatório síntese:
Com relação aos serviços de abastecimento de água, a Prefeitura é responsável pela
operação de parte da margem esquerda do rio Bacanga (bairros Sá Viana, Vila Embratel
e Campus UFMA) e da Cidade Operária. No tocante aos serviços de esgotamento
sanitário, a Prefeitura é responsável pela margem esquerda do rio Bacanga e parte da
margem direita (bairros Pindorama e Coroadinho) (São Luís, 2011, p. 50).
Já os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e de drenagem
e manejo de águas pluviais são de responsabilidade direta da Prefeitura Municipal
de São Luís. Especificamente aos serviços de limpeza urbana, a SEMOSP vem,
nos últimos anos, terceirizando continuamente todos os serviços, tendo como
responsabilidade apenas a fiscalização destes. Isto também ocorre em São José de
Ribamar e Paço do Lumiar, com a contratação empresa responsável para a realização
da coleta de lixo, estando a Secretária Municipal de Obras, Habitação e Serviços
Públicos de São José de Ribamar (SEMOSP) e a Secretaria de Infraestrutura de Paço
do Lumiar (Sinfra), respectivamente, responsáveis pela fiscalização deste serviço.
Existe uma evolução do marco legal do saneamento básico nacional (figura 3),
que demonstra que – durante mais de vinte anos – houve falta de investimento
na área do saneamento. Este cenário apresenta pontual mudança com as leis de
saneamento básico e de resíduos sólidos.
FIGURA 3
Infraestrutura
Evolução do marco legal do saneamento básico
Lei do Saneamento
(LF no 11.445/2007)
Lei de Concessões
(LF no 8.987/1995)
Lei de Consórcios
Públicos
(LF no 11.107/2005)
Saneamento
1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Lei no 2.291/1986:
Extingue o BNH
Fim do Planasa
Decreto Federal
no 7.217/2010
LF no 12.305/2010
Decreto Federal
no 7.404/2010
Criação da política pública fragmentada após 21 anos...
Lei do Saneamento traz grandes avanços, mas
não aborda a estrutura de financiamento do setor; e
decretos e PLANSAB são tardios
Fonte: Fipe (2014, p. 29).
Obs.: BNH = Banco Nacional da Habitação.
PLANSAB = Plano Nacional de Saneamento Básico.
196
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Ao longo dos últimos anos, o saneamento – principalmente depois da recente Lei
n 11.445, de 5 de janeiro de 2007, intitulada de Lei Nacional de Saneamento Básico
(LNSB) – “vem passando por mudanças em seu marco legal e institucional que motivam uma série de discussões acerca das alternativas de provisão de serviços e viabilidade
de atingir as metas de universalização” (Nadalin, Lima Neto e Krause, 2013, p. 225).
o
A propósito, a referida lei foi marco regulatório dessa política pública que
estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico, apresentando no
Artigo 2o seus princípios fundamentais – a exemplo da universalização do acesso,
da integralidade e do abastecimento de água, do esgotamento sanitário, da limpeza
urbana e do manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde
pública e à proteção do meio ambiente, entre outros.
Assim como o Estatuto das Cidades, a LNSB determinou a obrigatoriedade
dos municípios de realizarem seus planos de saneamento básico no que concerne às
diretrizes estabelecidas. A elaboração e a revisão destes planos – segundo o Decreto
no 7.217/2010, Artigo 26, § 2o – estabelecem que o exercício financeiro de 2014
será condição para o acesso a recursos orçamentários da União ou a recursos de
financiamentos geridos ou administrados por órgão ou entidade da administração
pública federal, quando destinados a serviços de saneamento básico.
Outra política importante para os municípios da RM diz respeito à Política
Nacional de Resíduos Sólidos, LF no 12.305, de 2 de agosto de 2010, que
preconiza que:
A Política Nacional de Resíduos Sólidos reúne o conjunto de princípios, objetivos,
instrumentos, diretrizes, metas e ações adotados pelo Governo Federal, isoladamente
ou em regime de cooperação com Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado
dos resíduos sólidos (Brasil, 2010, Artigo 4o).
Entre os instrumentos da Política Nacional de Resíduos Sólidos, tem-se a
exigência da elaboração dos planos de resíduos sólidos pelos estados e municípios,
devendo os envolvidos obedecer ao que dispõem as diretrizes e as metas desta política. É importante destacar que essa lei determina que os estados, além dos seus
próprios planos, poderão elaborar planos específicos direcionados às RMs.
De acordo com a LF no 12.305/2010 (Brasil, 2010, § 2o, Artigo 17), a elaboração
e a implementação pelos estados de planos de RMs, “dar-se-ão obrigatoriamente
com a participação dos municípios envolvidos e não excluem nem substituem
qualquer das prerrogativas a cargo dos municípios previstas por esta lei”.
Atualmente, em razão do prazo estipulado pela LF no 11.445/2007 para a
elaboração do Plano de Saneamento Municipal, todos os municípios da RM da
Grande São Luís estão em processo de elaboração dos seus planos, em razão das
penalidades impostas.
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
197
Dos municípios da RM da Grande São Luís, observou-se que São Luís está
em processo de finalização dos procedimentos para a aprovação do Plano Municipal
Integrado de Saneamento Básico de São Luís, já havendo contratado o serviço
de um consórcio para viabilização do estudo e elaboração de proposta do plano.
Recentemente, foram realizadas pela prefeitura audiências públicas para discutir
o conteúdo do PMISB.
São José de Ribamar é outro município que, segundo informação da prefeitura,
já contratou os serviços da empresa que realizará o estudo para viabilização do plano
de saneamento. No momento, as informações recebidas limitam-se ao serviço
contratado. Além disso, o município de Paço do Lumiar realizou o diagnóstico
sobre a situação de saneamento básico em conjunto com São José de Ribamar, o
que originou o relatório e a proposta do Plano de Saneamento Ambiental para
Paço do Lumiar, já discutida em audiência pública.
Quanto à aplicabilidade desses planos na RM da Grande São Luís, observa-se
que não existem planos de saneamento metropolitano e de saneamento do estado
e dos municípios que integram a região e, tampouco, plano de resíduos sólidos.
Entre estes instrumentos legais ausentes, é importante frisar a Lei Estadual
no 8.149/2004, que estabeleceu a Política Estadual de Recursos Hídricos (Santos
e Leal, 2013), devido à sua correlação com a política de saneamento (esgoto e
abastecimento de água).
Outra política que integra o saneamento básico é a de resíduos sólidos. Sobre
seu manejo, foi a partir da LF no 11.445/2007 que houve sua definição; porém,
a Política Nacional de Resíduos Sólidos teve seu marco regulatório promulgado
com a LF no 12.305/2010 e elencou em seu Artigo 1o seus principais objetivos:
institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, dispondo sobre seus princípios,
objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à gestão integrada
e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades
dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis (Brasil,
2010, Artigo 1o).
Entre os instrumentos previstos na LF no 12.305/2010 (Brasil, 2010), chama
atenção o tratamento dado pelo legislador quanto à questão da gestão integrada
e ao gerenciamento de resíduos sólidos, percebendo-se com isto que “a política
setorial de resíduos sólidos confere tratamento mais sistemático às RMs” (Fix
e Pereira, 2013, p. 272) que, por exemplo, a LNSB. Em meio aos destaques
conferidos pelo legislador às RMs, os autores citados anteriormente destacam
o “tratamento específico ao manejo dos resíduos sólidos nestas regiões, além de
prever instrumentos para a concretização de diretrizes estabelecidas para esta escala
territorial” (op. cit., p. 272).
198
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O texto da referida lei ordenou – de forma mais objetiva – como será determinada a relação do estado com as RMs e as aglomerações urbanas, a partir das
diretrizes para planejamento, manejo e tratamento dos resíduos sólidos nestas regiões.
Além do plano estadual de resíduos sólidos, os Estados poderão elaborar planos
microrregionais de resíduos sólidos, bem como planos específicos direcionados às
regiões metropolitanas ou às aglomerações urbanas (Brasil, 2010, Artigo 17, § 1o).
Analisando-se a estrutura institucional e normativa a partir da lei que dispõe
sobre a RM da Grande São Luís (Lei Complementar Estadual – LCE no 69/2003)
(Maranhão, 2003), verifica-se a inexistência de gestão metropolitana relacionada
ao saneamento básico, sendo que a governança desta FPIC na RM da Grande São
Luís acontece de forma isolada, por meio da Caema; em especial, a exploração
dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotos sanitários, as secretarias
municipais referentes a obras e serviços da RM da Grande São Luís e os SAAEs
de Raposa e Paço do Lumiar.
O atual cenário evidencia que a ausência de gestão compartilhada das funções
públicas de interesse comum – entre estas, o saneamento – recai na falta do
adequado atendimento destas funções, uma vez que os problemas relacionados a
esta FPIC, como já demonstrado no texto, perpassam por todos os municípios que
integram a RM da Grande São Luís – ou seja, extrapolam o interesse municipal
e perpetuam velhas e novas problemáticas pela falta de normativos adequados e
gestão compartilhada.
Apesar da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) (Brasil, 2012) – em
seu Artigo 30, inciso V – tratar da competência do município para a prestação
dos serviços de interesse local, Galvão Junior et al. (2009) apresentam a seguinte
consideração acerca do tema:
a divergência sobre os serviços que se enquadrariam no interesse local torna razoavelmente complexa a definição da competência dos diversos níveis de poder com relação
aos sistemas de saneamento. Essa competência é difusa na Constituição Federal de
1988 e nas leis que regulam o assunto. As leis estaduais que dispõem sobre a matéria
vêm sendo questionadas por ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal
Federal (Galvão Junior et al., 2009, p. 208).
Com relação ao papel dos entes federados sobre a titularidade dos serviços
de saneamento, recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) no 1.842/1998, “referente à transferência
da titularidade dos serviços de saneamento para o estado do Rio de Janeiro, no
âmbito da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e da Microrregião dos Lagos”
(Nadalin, Lima Neto e Krause, 2013, p. 257). Estes autores, diante do julgado do
STF, realizaram a seguinte ponderação:
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
199
Foi decidido que a titularidade será compartilhada entre municípios e estado, e
que nenhum dos participantes poderá impor sua vontade aos demais. Assim, seria
preservada a autonomia municipal, mantendo o papel do estado principalmente
como instituidor de entes regionais que atuem como poder concedente, planejem,
regulem e fiscalizem as funções publicas de interesse comum (Nadalin, Lima Neto
e Krause, 2013, p. 257).
De acordo com o Acórdão proferido pelo STF acerca da ADIn no 1.842/1998,
“a função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse
local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3o,
da Constituição Federal’’ (Brasil, 2013, p. 2).
Diante dessas considerações acerca da ausência de gestão compartilhada das
funções públicas de interesse comum na RM da Grande São Luís, é importante
destacar – com base na LCE no 69/2003 (Maranhão, 2003) – que não há carteira
de projetos e investimentos vinculados ao Plano de Desenvolvimento Integrado da
Grande São Luís, com alguma definição de responsabilidade sobre o Plano Regional
de Água, Esgoto, Resíduos Sólidos e Drenagem. Além disso, não existindo fundo
metropolitano – e tampouco dispositivo na LCE no 69/2003 (Maranhão, 2003)
que esclareça sobre a fonte de recursos para os investimentos –, a governança desta
FPIC tem como principal fonte de recursos aqueles oriundos do governo federal
por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de contrapartidas
estadual e municipal, quando assim houver.
4 OS IMPACTOS AMBIENTAIS E A DESESTRUTURAÇÃO DA GESTÃO DO
SANEAMENTO BÁSICO NA RM DA GRANDE SÃO LUÍS
Na Ilha do Maranhão, vivenciam-se situações que não conciliam a oferta dos
serviços de infraestrutura de saneamento e o atendimento à demanda da população,
com consequências diretas e indiretas sobre a qualidade de vida do cidadão
metropolitano. Segundo Silva et al.:
Tal situação se agravou, sobretudo, a partir da década de 1950, em razão do fenômeno da migração de grandes contingentes populacionais do campo para a cidade,
o qual não foi acompanhado de políticas públicas voltadas ao ordenamento eficaz
da ocupação do solo e da expansão urbana, bem como da ampliação concomitante
da oferta de serviços públicos de infraestrutura, particularmente no que se refere ao
esgotamento sanitário. De modo que, além do atendimento insuficiente à população,
tem-se ainda a ausência de um sistema de tratamento de esgoto e a baixa abrangência
e eficácia do gerenciamento dos serviços (Silva et al., 2013, p. 4-5).
Esse retrospecto histórico acarreta consequências ambientais que se somam
aos reflexos de base econômica e propiciam dificuldades ao desenvolvimento de
atividades turísticas, “visto que monitoramentos realizados pela Secretaria de Estado
200
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
de Meio-Ambiente (sic) e Recursos Naturais têm constatado níveis preocupantes de
poluição nas praias de São Luís, além dos rios Anil e Bacanga e Lagoa da Jansen”
(Silva et al., 2013, p. 5). A deficiência nas atividades turísticas e a poluição das
praias são intensificadas devido à insuficiente cobertura de rede e tratamento de
esgotamento sanitário, o que agrava as condições de vida da população, principalmente
relacionadas às doenças de veiculação hídrica.
É importante ressaltar que os principais problemas de interesse intermunicipal
dizem respeito à poluição das bacias hidrográficas, sendo o lançamento de
esgotos e lixo a principal causa da depreciação da qualidade das águas a jusante de
São Luís. Na Ilha do Maranhão, as bacias são formadas principalmente pelos rios
Anil, Bacanga, Calhau, Pimenta, Tibiri, Paciência, Santo Antônio (Cururuca),
Estiva, Coqueiro, Cachorros, entre outros. Estes deságuam em várias direções
da ilha, em áreas de dunas e praias – a exceção dos rios Anil (com 13,8 km de
extensão) e Bacanga (com 9,5 km), que drenam áreas de manguezais e formam
um grande estuário.
Nesse contexto, as bacias hidrográficas deveriam ser amplamente trabalhadas
como unidades de gestão, com fiscalização e monitoramento de suas condições
ambientais para atender a interesses específicos da Política Estadual de Recursos
Hídricos, como:
assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; a utilização racional e integrada
dos recursos hídricos; a prevenção e defesa contra eventos hidrológicos críticos; a
utilização racional das águas superficiais e subterrâneas; o aproveitamento múltiplo
dos recursos hídricos; e a conservação e a proteção permanente de áreas dotadas de
características fisiográficas indutoras de recarga natural de aquíferos para a manutenção
da dinâmica das águas superficiais (Maranhão, 2004, Artigo 3o).
Na RM da Grande São Luís, outro problema ambiental de grande visibilidade
se relaciona à destinação final dos resíduos sólidos do município de São Luís, sendo
o único com área de destinação final identificada como Aterro “Controlado” da
Ribeira ou Aterro Municipal da Ribeira. A destinação final dos resíduos de São
Luís – até o início dos anos 1990 – ocorria no Lixão do Jaracati, e – a partir de
1993 – esta ação começou a ser realizada no Aterro da Ribeira, localizado a 15
quilômetros de distancia da sede municipal e a 1,27 quilômetros das residências.
O Aterro da Ribeira teve sua licença caçada em 1996, pois não estava adequado
às normas da Norma Brasileira (NBR) no 8.419/1984, que trata dos projetos
sanitários. Ressalte-se que, em 2001, foi realizado laudo técnico que desaprovou a
utilização da área para a atividade de destinação final de resíduos, que – segundo
o IMESC – alegava que:
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
201
Havia exposição de risco à saúde da população próxima (o projeto cinturão verde
da prefeitura de São Luís encontra-se na área do aterro); Contaminação do riacho
do Sabino (afluente do rio Tibiri que recebe o chorume); e Perigo em relação aos
pousos e decolagens dos aviões, pela proximidade com o aeroporto Marechal Cunha
Machado, uma vez que o lixão atraía grande quantidade de aves, principalmente
Coragyps atratua (urubu) (IMESC, 2011, p. 37).
Segundo a SEMOSP, em média, são destinadas ao Aterro da Ribeira 1.400
toneladas de lixo por dia. Convém destacar que cerca de 36% do lixo domiciliar-comercial de São Luís são potencialmente recicláveis e 34% são resíduos da
construção civil, sendo estes direcionados para usina de reciclagem no Parque
Vitoria (IMESC, 2011).
Toda essa problemática foi agravada nos últimos anos pelo grande volume
de empreendimentos em implantação, como a construção de shopping centers e
condomínios de alto padrão, e dos empreendimentos da política habitacional do
governo federal.
Nesse universo, observa-se o paradoxo existente na implantação dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida, que – enquanto “política social” –
tem atendido ao seu propósito de reduzir o deficit habitacional no Brasil. Contudo,
tem-se observado que a busca por esta redução tem se pautado na simplória questão
numérica – ou seja, a resolução do problema delimita-se a termos quantitativos –,
permanecendo tanto os administradores públicos quanto as empresas privadas
ignorando os aspectos qualitativos da inter-relação entre a habitação, as redes de
infraestrutura e os serviços urbanos coletivos; correlação esta necessária para que
a política urbana seja contemplada na sua totalidade.
A problemática confirma-se a partir da escolha dos locais que serão construídos
esses empreendimentos, em que “geralmente desmata-se uma grande área verde,
como é o caso das margens do rio Paciência, nas proximidades da estrada de São
José de Ribamar, onde se percebe o assoreamento do curso d’água, em decorrência
do grande número de apartamentos construídos na suas margens” (Vieira, Oliveira
e Carvalho, 2013, p. 274). Como afirma Burnett (2012, p. 45), “logo esta questão
se mostrou fatal para a qualidade dos novos conjuntos residenciais e o meio
ambiente do entorno”.
5 FATORES E REPERCURSSÕES DA IMPLANTAÇÃO DOS GRANDES
EMPREENDIMENTOS NA ÁREA DO SANEAMENTO AMBIENTAL
A respeito dos projetos de investimentos e recursos de financiamento específicos da
FPIC saneamento ambiental, foram identificados dois empreendimentos públicos
de grande porte – a partir de 100 milhões – implantados ou em implantação nos
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
202
últimos cinco anos (período 2008-2013) na RM da Grande São Luís, os quais
somam a quantia de R$ 232.504.451 (quadro 1).
QUADRO 1
Grandes empreendimentos do saneamento na RM da Grande São Luís (2011-2013)
Ano de início
da implantação
Empreendimento
Descrição
Ampliação do SES dos
sistemas Anil, Vinhais e
São Francisco, em São
Luís - MA
Construção de estação
de tratamento de esgoto
(ETE), estações elevatórias
de esgoto (EEEs), tubulações de transporte e coleta
de esgoto, de ligações
prediais de esgoto e de
kits sanitários nas bacias
do Vinhais, Anil e São
Francisco (município de
São Luís)
2012
Adequação do sistema
de abastecimento de
água e recuperação e
relocação da adutora
Italuís – 1a etapa
(trecho que passa pelo
Campo de Perizes), em
São Luís - MA
Relocação e substituição
da tubulação da adutora
de água tratada do
Sistema Italuís, no trecho
do Campo de Perizes
2012
Localização do
município
Valor do investimento (R$)
Principal fonte
de recursos
São Luís
125.616.858,07
Governo
federal/
Ministério
das Cidades
(MCidades),
por meio do
PAC 1
São Luís
106.887.593,62
Governo
federal/
MCidades, por
meio do PAC 1
Fonte: PAC, 2012; Secretaria de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (SEDINC), 2013.
Esses são financiados pelo PAC, por meio do Ministério das Cidades.
No geral, estes empreendimentos visam à redução do deficit no esgotamento
sanitário e no abastecimento de água.
A ampliação do SES dos sistemas Anil, Vinhais e São Francisco, em São Luís
– MA, caracteriza-se como empreendimento de grande porte na área do esgotamento sanitário que contempla a construção da estação de tratamento de esgoto,
das estações elevatórias de esgoto, das tubulações de transporte e coleta de esgoto,
de ligações prediais de esgoto e de kits sanitários nas bacias do Vinhais, Anil e São
Francisco, localizados no município de São Luís.
Já o outro empreendimento de grande porte do saneamento se relaciona ao
abastecimento de água na Ilha do Maranhão, por intermédio da relocação e da
substituição da tubulação da adutora de água tratada do Sistema Italuís no trecho
do Campo de Perizes, situado na área do continente de acesso à Ilha do Maranhão.
Os principais recursos do PAC, especificamente na RM da Grande São Luís,
são originários dos recursos da União. Portanto, o agente público responsável pelos
maiores empreendimentos públicos implantados ou em implantação nos últimos
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
203
dois anos é o MCidades. E o principal agente público local responsável por estes
empreendimentos é a Secretaria de Estado da Saúde, por meio da Caema, tendo
como setor responsável a Unidade Gestora de Projetos (UGP).
Segundo a Caema, como benefícios com a implantação das obras do PAC
espera-se: expansão da cobertura de serviços de esgotamento sanitário, coleta
e tratamento – dos atuais 10% para 90% (figura 4); despoluição ambiental e
melhoria das condições de banho das praias; redução de doenças de origem hídrica,
o que diminuiria a mortalidade infantil; elevação dos níveis de qualidade de vida
e salubridade de maior parte da população da cidade; melhoria das condições de
urbanização pela implantação de serviços urbanos adicionais, como drenagem e
pavimentação; e desagravo das penalidades impostas à Caema em decorrência de
poluição das praias.
FIGURA 4
Evolução das obras do PAC e suas metas – São Luís
Fonte: UGP/Caema.
204
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Os empreendimentos do PAC na RM da Grande São Luís somam vultosos
investimentos e colaboram para cumprir o objetivo nacional do programa na
área do saneamento, que é o de promover “(...) acesso de 7 milhões de domicílios
aos serviços de abastecimento de água; 7,3 milhões de domicílios aos serviços de
esgotamento sanitário; e 8,9 milhões de domicílios à coleta adequada de resíduos
sólidos” (Lima e Marques, 2012, p. 35). Estas metas são importantes para melhorar
a situação do saneamento ambiental na RM; entretanto, observa-se que ainda são
insuficientes para sanar as deficiências nesta localidade.
O fato é que esses empreendimentos em esgotamento sanitário se localizam
no município de São Luís e atendem apenas indiretamente aos demais municípios
da RM, melhorando a qualidade da utilização das bacias hidrográficas; ressalte-se
que este atendimento se limita às localidades sob responsabilidade da Caema,
permanecendo as áreas abrangidas pelos SAAEs descobertas de infraestrutura.
A situação é delicada no município de Alcântara, que praticamente não possui rede
coletora de esgoto e para o qual não está destinado nenhum empreendimento em
saneamento nas primeiras fases do PAC.
A ausência de qualquer empreendimento ou investimento na área de coleta
de resíduos sólidos – como a fomentação de cooperativas de coleta seletiva – e,
ainda, a possibilidade destes empreendimentos não acompanharem a atual
demanda provocada pelas obras comerciais e residenciais evidenciam porque ainda
são insuficientes.
A realidade – ainda precária nos serviços de saneamento na RM da Grande
São Luís – é compartilhada por várias cidades brasileiras, principalmente nas regiões
norte e nordeste do país, as quais acompanham situação mundial, comprovada
pela descrição a seguir:
40% da população mundial continuam [sic] sem saneamento básico. Segundo dados
da ONU, aproximadamente 1,5 milhão de crianças morrem ao ano no mundo em
conseqüência da carência de água potável, saneamento ambiental adequado e
condições higiênicas saudáveis. Estima-se que cerca de 42 mil pessoas morram
semanalmente devido a doenças relacionadas com a qualidade ruim da água que
consomem e por falta de saneamento ambiental adequado. Dados do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF) apontam que na América Latina e Caribe
a segunda causa de mortalidade infantil, depois das doenças respiratórias, é a diarreia,
causada por infecções transmitidas das mãos sujas para a boca. E, embora a situação
tenha melhorado na região nas últimas décadas, atualmente, mais de 100 milhões
de pessoas, na região, não têm saneamento básico. Pesquisas da ONU revelam ainda
que, em 2004, apenas 59% da população mundial tinham acesso a qualquer local
com saneamento adequado (Bezerra, 2008).
Observando-se o quadro descrito, pode-se analisar que embora exista
percepção da intrínseca relação entre política sanitária e de saúde, a ação de gestores
Saneamento Ambiental na Grande São Luís: o que os olhos não veem, a população sente
205
e do restante da sociedade caminha em sentido oposto, pois parece não dar conta
desta relação, o que agravou e muito o quadro do saneamento ambiental ao
longo dos anos. O Brasil tentando reverter esta situação indica meta de 20 anos
para universalizar os serviços de saneamento básico. Entretanto, Édison Carlos
(presidente do Instituto Trata Brasil) – preocupado com os dados do Ranking do
Saneamento – pontua que para o cumprimento desta meta “teríamos de investir
em média 15 a 16 bilhões/ano, mas ainda não passamos dos 9 bilhões de reais por
ano” (Carlos, 2013).
Então, a urgência na otimização dos investimentos em saneamento deve-se ao
fato de ser uma das principais formas de reverter a situação vigente, uma vez que
“segundo o Ministério da Saúde para cada R$ 1,00 investido no setor de saneamento,
economiza-se R$ 4,00 na área de medicina curativa” (IMESC, 2012, p. 70).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na análise dos serviços da FPIC saneamento ambiental, foi possível realizar
caracterização da cobertura dos serviços de água, esgoto e resíduos sólidos nos
municípios da RM da Grande São Luís, que tratam de forma não integrada sua
governança. Foram detectadas, também, lacunas existentes na prestação destes
serviços que intensificam os problemas ambientais e de saúde decorrentes do
crescimento urbano nesta RM.
Pode-se perceber que a inexistência e a precariedade dos serviços de saneamento
ambiental é indicativo de ordenamento territorial descontrolado e de condições
habitacionais inadequadas, o que resulta em danos ambientais e prejuízos à saúde
pública. Outro aspecto importante abordado foi quanto aos planos, aos projetos
e às obras para os respectivos serviços de saneamento, que – quando existem – são
pouco abrangentes.
A implantação de sistemas de esgotamentos na RM da Grande São Luís –
principalmente no município-polo – tem ocorrido para solucionar problemas
imediatos e localizados, não contemplando a perspectiva global de cidade. Assim, o
SES sanitário desta RM é exemplo típico de que ações isoladas, no sentido amplo,
nem sempre acarretam os benefícios esperados, pois interferem na gestão de outros
aspectos urbanos da cidade – a exemplo do turismo regional, que enfrenta graves
problemas com a balneabilidade das praias.
O desencontro entre o planejamento, a organização e a participação de todos
os entes federados e a sociedade na área de saneamento ambiental tem se revelado
prejudicial para a dinâmica de crescimento vivenciado nos últimos anos, pois este
crescimento é pautado em resolução de problemas quantitativos, restando em
segundo plano a inter-relação entre questões quantitativas e qualitativas essenciais
para o ordenamento territorial da RM da Grande São Luís.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
206
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CAPÍTULO 8
USO DO SOLO NAS REGIÕES METROPOLITANAS BRASILEIRAS:
A GOVERNANÇA FRÁGIL E A PRODUÇÃO DO ESPAÇO
FRAGMENTADO
Marco Aurélio Costa1
1 INTRODUÇÃO
O uso do solo, que envolve as diversas formas de parcelamento do solo e os parâmetros de uso e ocupação do solo urbano, consiste na função pública de interesse
comum (FPIC) articulante/articuladora das demais funções e que, na prática,
operacionaliza o desenvolvimento integrado metropolitano à medida que trata da
gestão deste espaço, permitindo a produção de configurações territoriais que são
resultantes das disputas entre projetos socioeconômicos, produtivos, conservacionistas e político-culturais diferentes.
Ainda que um conjunto de condicionantes ambientais e de características
geofísicas seja referência para projetos alternativos para o uso e a ocupação do solo,
a regulação sobre os diferentes usos e a distribuição da infraestrutura no espaço
urbano é que irão favorecer, orientar ou permitir que determinadas configurações
socioespaciais se constituam e se consolidem, conformando o espaço metropolitano
em sua estrutura, forma e relações dinâmicas.
A FPIC uso do solo não é uma infraestrutura, mas é influenciada e influencia
a disposição de infraestrutura no território. A FPIC uso do solo também não é um
serviço, mas os serviços se localizam e sofrem pressões das relações e interações que
se dão no território metropolitano. A FPIC uso do solo tem o potencial de articular
tudo que diz respeito à ocupação do espaço metropolitano, favorecendo este ou
aquele projeto de cidade, entendendo este termo para além de sua concepção legal,
herdada ainda da primeira metade do século XX.2
O uso do solo pode ser considerado a FPIC das FPICs, uma vez que abriga
as disputas pelos usos da cidade, pela apropriação do espaço urbano-metropolitano e pelos projetos alternativos que se traduzem e podem ser lidos por meio
1. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. Coordenador da Rede Ipea e do projeto “Governança Metropolitana
no Brasil”.
2. Conforme Decreto-lei no 311, de 2 de março de 1938.
210
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
dos processos e conflitos socioespaciais presentes neste espaço: o planejamento
estratégico e o projeto da cidade-empresa; a produção do espaço urbano e os
processos de gentrificação e segregação socioespacial; a luta pelo direito à cidade
e pela cidade de direitos; os conflitos socioambientais em torno das áreas de
preservação permanente (APPs), entre tantos outros que se fazem presentes nas
regiões metropolitanas brasileiras.
Portanto, no entendimento deste trabalho, analisar a FPIC uso do solo
é analisar parte fundamental, estruturante da produção da própria cidade
metropolitana. Neste sentido, caracterizar e analisar os instrumentos de gestão
e os arranjos de governança do uso do solo urbano-metropolitano permitem
revelar quais projetos (mesmo que não se coloquem como tal – e raramente
o fazem) estão saindo vitoriosos das disputas em curso; como os atores sociais
e políticos e os agentes econômicos se articulam na e para a governança metropolitana; e quais destes atores/agentes possuem maior protagonismo e/ou
força, conquistam mais espaço na ágora metropolitana, fazendo com que seus
interesses se sobreponham aos demais e que seus projetos, ao final, tenham
maior êxito.
Além desta introdução, o capítulo está organizado em três seções. Na seção
seguinte, introduzindo a discussão sobre a gestão da FPIC uso do solo, é feita uma
breve discussão sobre a competência de sua gestão. Na seção 3, faz-se a sistematização do conteúdo quantitativo da pesquisa, com os resultados da tabulação das
respostas dadas pelas equipes estaduais em planilhas que foram por elas preenchidas. Nesta terceira seção, portanto, pode ser encontrada uma análise descritiva dos
resultados da componente quantitativa da pesquisa. E, na seção final, apresenta-se
uma análise da gestão da FPIC uso do solo, na qual se atesta a existência de um
vazio institucional no plano metropolitano e uma fragmentação do planejamento
no plano de igualmente frágeis sistemas municipais de planejamento e gestão do
uso do solo, que favorecem, sobretudo, os interesses corporativos e particulares e a
presença preponderante dos atores representantes destes interesses na governança
metropolitana desta FPIC.
2 A COMPETÊNCIA SOBRE A GESTÃO DO USO DO SOLO
Antes de empreender a análise das experiências trazidas para o projeto pelas equipes
estaduais, por meio dos relatórios de pesquisa e dos capítulos aqui reunidos, propõe-se
recuperar aqui uma discussão que nem sempre se fez presente nos relatórios de
pesquisa: a questão da titularidade.
Na base dessa discussão, faz-se necessário observar o que diz a Constituição
Federal de 1988 (CF/1988) e como as questões relacionadas à gestão das FPICs estão
regulamentadas (ou não) a partir do texto constitucional e da legislação complementar.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
211
A organização do Estado brasileiro encontra-se fundamentada no reconhecimento do município como ente federado, no contexto do pacto federativo trazido
pela CF/1988. Este federalismo tripartite veio acompanhado e associado ao princípio
da valorização da participação social na vida pública e, sobretudo, como expressão
espacial e político-administrativa desta ampliação da participação, da descentralização de políticas sociais e da valorização da esfera municipal (supostamente mais
próxima do cidadão) na gestão governamental.3
Contudo, se o arranjo federativo ensejado pela CF/1988 valorizou a esfera
municipal, implicou, também, a produção de uma extensa superposição de atribuições entre os entes federados e promoveu a desvalorização dos estados-membros
da federação, sobretudo no que diz respeito ao planejamento regional, que se
encontra mencionado na CF/1988, mas não se encontra devidamente situado em
termos de uma hierarquia legal ou de um sistema coordenado entre as esferas de
governo (Castro, 2005).
Há, de fato, o reconhecimento corrente de que a coordenação entre os três
níveis governamentais, especialmente das competências comuns previstas no Artigo
23 da Constituição, tem se mostrado complexa.
A crise do federalismo brasileiro deve ser encarada com um olhar atento a esse sistema
de repartição de competências e ao seu funcionamento (ou não funcionamento),
pois dele decorrem as principais deficiências nas relações intergovernamentais, que
têm comprometido, de uma forma geral, a eficácia das políticas públicas no Brasil
(Souza, 2006, p. 68).
Em relação ao planejamento e à gestão territorial, a CF/1988, de fato, fortaleceu os municípios e valorizou a esfera e o poder locais, concorrendo para a
descentralização da política e do planejamento e da gestão do território. Contudo,
inclusive por conta das complexas relações federativas ensejadas pelo federalismo
brasileiro, produziu uma fragmentação do planejamento territorial, em suas diferentes expressões e recortes.
A extensão territorial do Brasil e, sobretudo, as profundas desigualdades socioespaciais existentes em seu território; sua rede urbana formada, predominantemente,
por pequenos municípios, com reduzida capacidade técnico-administrativa e com
diminutos recursos humanos, gerenciais e financeiros; a diversidade sociocultural
do país e a existência de diferentes perfis de cultura política e participação cidadã/
civismo são algumas das variáveis que interferem de forma decisiva na equação da
descentralização no Brasil, seja das políticas sociais, em geral, seja no que diz respeito
às práticas de planejamento e gestão territorial (Costa, 2008, p. 157-158).
3. A despeito dessa afirmação, vale ressaltar que há uma crítica a essa descentralização, que, para alguns, teria enfatizado a transferência de recursos, sem a transferência clara de responsabilidades, o que só viria a ocorrer ao longo dos
anos 1990 (Arretche, 2000).
212
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Somam-se a essas dificuldades todas as questões decorrentes das disputas
político-partidárias locais/regionais que desafiam a efetividade do planejamento
territorial quando se encontram envolvidas diferentes esferas de governo, submetendo-o à lógica político-eleitoral (Rocha, 2006).
No âmbito metropolitano, há conflitos e disputas latentes no nível horizontal, entre os diferentes prefeitos de municípios metropolitanos, e no nível
vertical, sobretudo entre o prefeito do município núcleo da região metropolitana
e o governador do estado. Sem embargo, “o planejamento regional e, em especial,
o planejamento metropolitano, foi impactado pela Constituição Federal, em que
pese o processo de estadualização das implementações das regiões metropolitanas
e da constituição de aglomerações urbanas e microrregiões” (Costa, 2008, p. 158).
A CF/1988, em seu Artigo 25, parágrafo 3o, delega aos estados a instituição
de regiões metropolitanas, de aglomerações urbanas e microrregiões para integrar a
organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum. Já
o Artigo 30, por meio do inciso VIII, estabelece que cabe ao município “promover,
no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (Brasil, 1988).
No capítulo relativo à política urbana, o Artigo 182 da CF/1988 estabelece,
ainda, a obrigatoriedade da elaboração de planos diretores nas cidades com mais
de 20 mil habitantes. Posteriormente, o Artigo 41 do Estatuto da Cidade (Lei
Federal no 10.257, de 10 de julho de 2001) ampliou esta obrigatoriedade para
outras cidades, inclusive aquelas inseridas em regiões metropolitanas.4
Portanto, o texto constitucional e a legislação posterior trazem uma diretriz
clara de valorização da descentralização, mas também distribuem competências
entre os entes federados, de modo que se faz necessária uma eficiente coordenação
intergovernamental entre eles, de forma a tornar possível o planejamento e a gestão
integrados e compartilhados do território, em especial, do território metropolitano.
Diversas interpretações sobre a titularidade da competência sobre a gestão do
uso e da ocupação do solo vêm sendo feitas a partir do Estatuto da Cidade (EC).
Há autores que criticam a interferência da União no que seria uma matéria jurídica
local, e que interpretam o EC (Brasil, 2001) como uma faceta da (re)centralização
4. Vale fazer aqui a observação de que o termo cidades, que aparece na CF 1988 e no Estatuto da Cidade, vem sendo
interpretado como sinônimo de município, já que o próprio plano diretor deve abranger a totalidade do território municipal,
conforme instruções posteriores emanadas pelo Conselho Nacional das Cidades. É curioso que este termo, do ponto de
vista legal, tenha sua referência legal na legislação federal de 1938: de acordo com o Artigo 3o do Decreto-lei no 311,
de 2 de março de 1938, “a sede do município tem a categoria de cidade e lhe dá o nome”. Portanto, o que a norma
original reconhece como cidade não é exatamente correspondente ao entendimento corrente que se tem de cidade, e
também não guarda proximidade com as cidades referidas pela CF 1988 ou pelo Estatuto da Cidade.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
213
político-administrativa promovida pelo governo federal, uma espécie de sintoma
da dubiedade da descentralização à brasileira (Castro, 2005).5
Ainda que fundamentadas em uma interpretação possível da norma, tais
críticas parecem ignorar a competência da União em legislar, de forma concorrente
com os estados e com o Distrito Federal, sobre urbanismo (ver inciso I, Artigo
24) e, sobretudo no caso metropolitano, ignoram o fato de que uma nova territorialidade emerge a partir das instituições das regiões metropolitanas, com suas
funções públicas compartilhadas, exigindo formas alternativas e complementares
de articulação governamental para promoção do planejamento e da gestão destes
territórios e das infraestruturas e serviços que se dão nele.
A despeito da estadualização do poder de instituir regiões metropolitanas, o
fato é que não há um claro entendimento, no contexto do atual arranjo federativo,
sobre a titularidade das FPICs. No que diz respeito ao uso do solo, há a tendência, inspirada no binômio participação democrática-descentralização presente na
CF/1988, de considerar que o município é o titular da gestão do uso e da ocupação do solo e que qualquer regulação vinda dos estados seria uma ingerência, um
desrespeito à autonomia municipal.
O recente acórdão do Supremo Tribunal Federal, de setembro de 2013,
relativo à Ação de Inconstitucionalidade no 1.842/RJ, que questionava legislação
estadual fluminense sobre a titularidade do saneamento básico, traz um pouco de
luz e um tanto de indefinições para esta discussão.
De um lado, há o reconhecimento de que nas regiões metropolitanas, a
necessidade do planejamento e da gestão compartilhada das FPICs retira, em alguma medida, a titularidade sobre estas FPICs do município. Ser um município
metropolitano (o que inclusive não é uma alternativa, mas a decorrência de uma
configuração territorial) implica ser um município que não possui mais a titularidade exclusiva sobre as FPICs, aquelas funções/serviços consideradas legalmente
como compartilhadas.
Por outro lado, não é o estado que assume a titularidade sobre essas FPICs.
Neste sentido, uma atuação reguladora unilateral dos governos estaduais também
não encontra sustentação legal.
Há uma institucionalidade a ser construída, uma titularidade que permita
o compartilhamento, sem o predomínio de nenhum dos entes federados, do planejamento e da gestão das FPICs. E este é o quadro legal-institucional no qual,
desde 1988, se dão o planejamento e a gestão das FPICs nas regiões metropolitanas
do país. É com referência a este quadro jurídico que as experiências aqui reunidas
5. Para uma resposta a essas críticas, ver Sundfeld (2006).
214
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
foram avaliadas. Este é o quadro que favorece a governança frágil e a produção do
espaço fragmentado.
3 AVALIAÇÃO DA GESTÃO DA FPIC USO DO SOLO NAS REGIÕES
METROPOLITANAS BRASILEIRAS
Por ora, deixar-se-á a discussão da titularidade nesse ponto, sem explorar outras
possibilidades e interpretações da, por vezes, confusa legislação federal sobre o
tema, sobretudo no que diz respeito ao uso do solo e ao planejamento territorial.
Esta seção se concentrará em apresentar os principais resultados da pesquisa
realizada em quatorze das principais regiões metropolitanas do país, no âmbito da
pesquisa “Governança Metropolitana no Brasil”.
A pesquisa produziu quatorze relatórios estaduais sobre a gestão e a governança
de algumas FPICs, e contou ainda com a produção dos artigos publicados neste
livro e em uma outra publicação.
Como parte do trabalho, as equipes estaduais responderam também a um
formulário, em forma de planilha, no qual foram abordados aspectos relativos ao
planejamento, à gestão e à governança das FPICs selecionadas.
No que diz respeito ao uso do solo, as perguntas foram organizadas em três
blocos, a saber: i) os instrumentos de planejamento e gestão, incluindo aí perguntas
específicas sobre a concessão de anuência prévia para o parcelamento do solo urbano metropolitano; ii) a disponibilidade de recursos orçamentários para a gestão
e o planejamento integrado metropolitano; e iii) o controle social e a participação
social na gestão da FPIC.
Nesta seção, apresentam-se os resultados quantitativos da pesquisa, obtidos a
partir da tabulação e atribuição de pontos para as respostas presentes nas planilhas,
conforme metodologia apresentada no capítulo inicial deste livro.
3.1 Instrumentos de planejamento e gestão do uso do solo metropolitano
No que diz respeito aos instrumentos de planejamento e gestão, metade das RMs
informou que não possui e não está elaborando plano metropolitano ou plano de
desenvolvimento integrado. Outras cinco RMs informaram que o plano estava em
processo de elaboração (a maior parte delas ainda em fase embrionária), e apenas
as RMs de Belo Horizonte e São Paulo declararam possuir este instrumento de
planejamento metropolitano.
Das duas RMs que possuem planos vigentes, o Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado (PDDI) da RM de Belo Horizonte encontra-se em processo de implementação, enquanto o plano da RM de São Paulo apresenta implementação parcial.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
215
Em uma análise combinada dessas duas respostas, considerando os critérios e
pesos de avaliação quantitativa dos formulários da pesquisa, conforme apresentados
no capítulo 1, tem-se que as quatorze principais RMs do país, de forma agregada,
alcançam menos que um terço da pontuação referente aos planos metropolitanos.
Os destaques ficam por conta da RM de Belo Horizonte, que atinge pontuação
máxima por possuir um plano metropolitano aprovado e em implementação, e da RM de
São Paulo, que possui um plano parcialmente implementado. Metade das RMs
não pontua neste critério.
A situação mostra-se melhor quando se avalia a presença dos instrumentos
de planejamento urbano nos municípios metropolitanos. No caso dos planos
diretores, algo próximo de 85% dos pontos são obtidos pelas RMs pesquisadas,
sendo que apenas a RM de Fortaleza apresenta um desempenho mais fraco, apresentando menos da metade de seus municípios com planos diretores elaborados
ou atualizados em um prazo inferior a dez anos.
Nas demais RMs, refletindo o esforço empreendido pelos governos locais,
estaduais e pela campanha do Ministério das Cidades de elaboração dos Planos
Diretores Participativos, observa-se um quadro mais positivo, sendo que em nove
das quatorze RMs, mais de 90% dos municípios metropolitanos possuíam planos
diretores atualizados.
Ainda sobre a existência de um bom número de planos diretores atualizados
nos municípios pesquisados, deve-se destacar que poucos planos levam em conta
a inserção metropolitana de seus municípios. Na RM de Fortaleza, o relatório
menciona apenas dois municípios que teriam diretrizes metropolitanas, ao passo
que o relatório da RM de Goiânia salienta que não há recortes metropolitanos nos
planos diretores de seus municípios, predominando um foco localista de intervenções e grandes empreendimentos, mesmo quando o público-alvo é metropolitano.
O quadro relativamente positivo propiciado pela maior ocorrência de planos
diretores, apesar da falta de uma abordagem metropolitana, deteriora-se quando
se lida com o indicador da existência de leis de parcelamento, uso e ocupação do
solo também atualizadas a partir dos planos diretores elaborados/revisados.
Nesse caso, a pontuação atingida nessa questão ficou na metade da pontuação ideal, ainda que apenas a RM de Belém tenha declarado não haver nenhum
município metropolitano com legislação urbanística atualizada. No caso de Belém,
o relatório produzido pela equipe estadual destaca dois elementos que tornam esta
lacuna regulatória mais grave: de um lado, a RM de Belém é aquela que apresenta
a maior ocorrência de assentamentos subnormais no Brasil, 54% dos domicílios
da região se encontram em setores classificados como subnormais; de outro lado,
a região, e, em especial, o município de Belém, tem sido palco de uma intensa
216
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
dinâmica de produção imobiliária, sobretudo para o atendimento das famílias que
se encontram nas faixas 2 e 3 do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV),
que vem sendo capitaneado por empresas de outros estados que têm investido em
empreendimentos de maior porte.
A legislação urbanística torna aplicável as diretrizes de política urbana presentes no plano diretor, quando este não traz instrumentos que operacionalizem a
política urbana. Se apenas alguns municípios metropolitanos declaram possuir leis
urbanísticas atualizadas (no caso da RM de Belém, nenhum), a gestão do parcelamento, do uso e da ocupação do solo urbano mostra-se deficiente e potencialmente
inadequada em face da dinâmica de ocupação do solo urbano, sobretudo em um
contexto marcado por intensa expansão da ocupação e da mancha urbana em um
processo alimentado por políticas de estímulo à produção habitacional com vistas
à redução do deficit existente e ao crescimento econômico.
A expansão da mancha urbana tem como um de seus mecanismos a transformação de glebas, especialmente, mas não exclusivamente, aquelas rurais, em
estoque de terra urbanizável, por meio do loteamento do solo urbano. Nas regiões
metropolitanas, desde o final dos anos 1970, prevê-se o exame e a concessão de
anuência prévia à aprovação dos projetos de parcelamentos (loteamento ou desmembramento) por parte da autoridade metropolitana.6
Ainda que o entendimento do que seja a autoridade metropolitana varie
entre as Unidades da Federação (havendo casos de vazio institucional), a pesquisa
procurou identificar, ainda no que diz respeito aos instrumentos de planejamento
e gestão do solo urbano, a ocorrência do exame e da concessão de anuência prévia
à aprovação dos projetos de parcelamento submetidos às prefeituras municipais.
Em metade das RMs, a saber, na Região Integrada de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal (Ride/DF) e nas RMs de Belém, Fortaleza, Goiânia,
Grande São Luís, Grande Vitória e Vale do Rio Cuiabá, não há órgão responsável
pela emissão de diretrizes e concessão de anuências prévias para os projetos de
parcelamento do solo urbano.
Considerando as RMs originais dos anos 1970, apenas Belém e Fortaleza
apresentam o que este trabalho chama de vazio institucional, enquanto as demais
RMs criadas por legislação federal possuem, em alguma medida, a indicação de
uma autoridade metropolitana.
Por outro lado, todas as RMs criadas no período pós-CF/1988 apresentam
o vazio institucional, não havendo a definição do órgão responsável pela análise
e concessão das anuências (bem como emissão das diretrizes metropolitanas,
6. Ver Lei Federal no 8.666, de 19/12/1979, com redação alterada pela Lei Federal no 9.785, de 29/1/1999.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
217
fundamentais para orientar a elaboração dos projetos de parcelamento por parte
dos empreendedores).
Nas sete RMs em que há um órgão responsável por essas emissões, apenas
nas RMs de Recife e São Paulo os documentos de anuência condicionam o registro
dos imóveis nos cartórios de todos os municípios metropolitanos. Em outras três
RMs, as anuências são observadas apenas parcialmente, como é o caso da RM de
Porto Alegre, onde elas não são observadas no município núcleo da RM, ainda
que onze municípios possuam convênios firmados com a Fundação Estadual de
Planejamento Metropolitano e Regional (METROPLAN), visando facilitar a
emissão das anuências prévias.
Nas RMs do Rio de Janeiro e de Salvador, as anuências prévias não são concedidas e/ou observadas, ficando a aprovação dos projetos de parcelamento do solo
urbano circunscritos à análise dos municípios metropolitanos.
Em uma análise da performance das RMs analisadas em relação a esses dois
quesitos, a pontuação atingida não chega a 35% da ideal, mostrando a baixa efetividade do instrumento da anuência prévia dos parcelamentos de solo urbano no
território metropolitano.
No geral, analisando todos os quesitos avaliados neste bloco, pode-se observar
que a pontuação do conjunto das RMs não chega à metade da pontuação ideal.
O gráfico 1, a seguir, mostra a performance nos quesitos analisados e a coluna final
traz a performance média deste bloco, abaixo da linha dos 50% e ligeiramente
superior à linha dos 40%.
GRÁFICO 1
Performance satisfatória para o bloco de instrumentos de planejamento e gestão da
FPIC uso do solo
(Em %)
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Planos metropolitanos
Planos diretores e LUB
Fonte: Governança metropolitana no Brasil 2014.
Anuência prévia
Instrumentos de
planejamento
e gestão
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
218
Olhando para a performance nas quatorze RMs avaliadas, o gráfico 2 apresenta
o resultado obtido, neste bloco. Destaca-se a elevada performance da RM de Belo
Horizonte, seguida pela RM de São Paulo e, em um nível mais baixo, a RM do
Rio de Janeiro (acima de 60%) e a RM de Porto Alegre (ligeiramente abaixo da
linha dos 60%). Na outra extremidade, encontram-se as RMs de Fortaleza, Belém
e da Grande São Luís, abaixo da linha de 20%.
GRÁFICO 2
Performance das RMs no bloco de instrumentos de planejamento e gestão da FPIC
uso do solo
Ride/DF
RM de Belém
RM de Belo Horizonte
RM de Curitiba
RM de Fortaleza
RM de Goiania
RM da Grande São Luís
RM da Grande Vitória
RM de Porto Alegre
RM do Recife
RM do Rio de Janeiro
RM de Salvador
RM de São Paulo
RM do Vale do Rio Cuiabá
0
20
40
60
80
100
Fonte: Governança metropolitana no Brasil 2014.
De um modo geral, portanto, à exceção das RMs de Belo Horizonte e São
Paulo, a avaliação relativa aos instrumentos de planejamento e gestão da FPIC uso
do solo é muito ruim, atenuada apenas pela existência mais disseminada de planos
diretores atualizados e, em alguns casos, pela existência de legislação urbanística
nos municípios metropolitanos.
Retirando-se da análise o planejamento municipal e centrando-se a análise
nos instrumentos disponíveis na escala metropolitana, a avaliação ratifica o melhor
desempenho encontrado nas RMs de Belo Horizonte e São Paulo, seguidas, em
um nível abaixo, pelas RMs de Porto Alegre, Recife e Rio de Janeiro.
Curiosamente, as RMs de Belo Horizonte e São Paulo são as únicas que apresentam um desempenho relativamente melhor quando se analisam exclusivamente
os instrumentos de planejamento na escala metropolitana, algo que se dá de forma
inversa no caso das demais RMs.
No que tange às RMs de pior performance, a Ride/DF e as RMs de Belém,
Fortaleza e Grande São Luís apresentam um desempenho nulo, com vazio institucional associado à ausência de instrumentos de planejamento e gestão do uso do
solo no nível metropolitano. Estas, em alguma medida, são o retrato da crítica de
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
219
Gouvêa (2005) acerca das RMs, quando o autor diz que o que estas regiões têm
em comum é o fato de existirem legalmente, mas não funcionarem na prática.
Trata-se de um quadro grave. RMs importantes, marcadas por um vigoroso
processo de crescimento e expansão urbano-metropolitano, têm seu planejamento
e gestão limitados tão somente ao planejamento municipal, quando existente.
A gestão metropolitana mostra-se frágil, e esta fragilidade parece (e pode) favorecer
a produção fragmentada do espaço urbano-metropolitano.
3.2 Recursos orçamentários para a gestão do uso do solo urbano metropolitano
No que diz respeito à destinação de recursos para a gestão do uso do solo e para o
planejamento integrado, apenas cinco RMs (São Paulo, Belo Horizonte, Grande
Vitória, Porto Alegre e Salvador) previram recursos para a gestão desta FPIC,
sendo que apenas a RM de São Paulo destinou recursos orçamentários para o
planejamento metropolitano integrado.
Nas demais RMs, por conta do vazio institucional e pela ausência de instrumentos
de planejamento, não há a dotação de recursos orçamentários para o planejamento e
a gestão do uso do solo metropolitano ou para o planejamento integrado.
Em todas as RMs, contudo, com ou sem recursos para o planejamento metropolitano, o que se observou, nos últimos anos, foi a presença de vultosos investimentos
em infraestrutura e em provisão habitacional, gerando profundas transformações
no espaço metropolitano: novos eixos indutores do desenvolvimento urbano, revitalização e/ou requalificação de áreas centrais, novas diretrizes de expansão urbana
e novos loteamentos, a maior parte deles distante do centro metropolitano.
Na base dessas transformações, a maior parte dos volumes investidos advém do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC), em suas diversas expressões, e do PMCMV.7
Esses recursos destinam-se, sobretudo, aos municípios núcleos das regiões
metropolitanas, ou seja, às capitais estaduais, e a alguns poucos municípios
que possuem uma localização estratégica para a configuração de novos eixos de
crescimento urbano.
O grande protagonista do desenvolvimento metropolitano, portanto, é a
União, por meio dos programas federais, com seus investimentos em infraestrutura,
em mobilidade urbana e na política habitacional.
Nesse sentido, vale a pena observar o que vários relatórios das equipes estaduais
afirmam, notadamente em relação à política habitacional: há uma tensão entre o
7. Cabe o registro de que, a partir de 2011, o PMCMV, em sua segunda fase, passa a integrar o PAC, constituindo-se
em um de seus eixos.
220
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
PMCMV e sua lógica de operação assentada na parceria com o capital imobiliário
e as diretrizes do planejamento urbano dos municípios metropolitanos.
Em função disso, a despeito do “limbo jurídico” e dos instrumentos de gestão
“inativos”, o relatório de Fortaleza, por exemplo, atesta para o papel do governo
estadual na gestão do solo urbano, onde o estado acaba “tornando-se passivo das
resoluções federais e parceiro/apoiador das municipais” (Dantas e Costa, 2013).
Por outro lado, se boa parte dos recursos que promovem o desenvolvimento
urbano-metropolitano são federais, não se pode desprezar o papel do capital imobiliário neste processo.
Sem embargo, a partir do desenho, sobretudo, da política habitacional, com o
deslocamento do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) para
o PMCMV, os agentes do mercado assumiram o papel de protagonistas, junto com
o governo federal, na produção imobiliária e, por conseguinte, nas transformações
do espaço urbano-metropolitano.
Antes, contudo, de focar no papel dos agentes privados, dos incorporadores,
promotores e construtores, este trabalho avançará na análise para o terceiro bloco,
aquele relativo ao controle social e à participação no planejamento e na gestão do
uso do solo metropolitano.
3.3 Controle social e participação no planejamento e na gestão do uso do
solo metropolitano
O terceiro bloco temático da avaliação sobre a gestão e a governança da FPIC uso
do solo nas RMs trata do controle social e da participação. São três questões que
tratam da existência de órgão deliberativo que trate de assuntos ligados ao uso do
solo e ao planejamento integrado, que aferem o número de reuniões que estes órgãos realizaram entre janeiro e dezembro de 2013 e, por fim, verificam a existência
de uma promotoria do Ministério Público dedicada aos temas metropolitanos.
Os resultados desse bloco temático só não são piores que o que se apresenta
no bloco anterior. Apenas seis RMs pontuam neste bloco. Em oito RMs, não há
nenhum mecanismo de controle social e de participação na gestão do uso e da
ocupação do solo metropolitano.
Considerando a performance das quatorze RMs, a pontuação não chega a
30% da pontuação ideal. Entre as RMs em que os resultados são mais positivos,
o destaque fica para a RM de São Paulo, seguida pelas RMs de Porto Alegre e do
Vale do Rio Cuiabá e, um pouco mais atrás, pela RM de Belo Horizonte, esta com
60% da pontuação máxima.
A RM de Belo Horizonte apresenta uma particularidade. Havia, até recentemente, uma promotoria do Ministério Público exclusiva para tratar de assuntos
metropolitanos, mas o escopo da promotoria foi ampliado e passou a abarcar a
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
221
habitação e o urbanismo de forma ampliada para todo o estado de Minas Gerais, o
que fez com que a RM perdesse alguns pontos, conforme os critérios desta avaliação.
Vale ressaltar também, no caso da RM de Belo Horizonte, como um aspecto
positivo e que conta a favor da avaliação social na gestão da FPIC uso do solo
desta RM, o recente processo de elaboração do macrozoneamento metropolitano,
elaborado por professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e
que vem contando com a realização de diversas oficinas e seminários de discussão
da proposta. Este tipo de iniciativa não foi encontrado em nenhuma outra RM
avaliada e acaba sendo uma referência para as demais, como foi o próprio Plano
Diretor de Desenvolvimento Integrado, elaborado no início dos anos 2010.
Contudo, iniciativas como essa da RM de Belo Horizonte são pontuais, localizadas, e mesmo estas iniciativas mereceriam uma avaliação qualitativa detalhada
para que pudessem ser consideradas efetivamente positivas.
No geral, à exceção de algumas poucas RMs, o quadro do controle social e
da participação na gestão do uso do solo metropolitano aponta para uma baixa
participação social nesta gestão. Como salienta o relatório da RM de Goiânia, não
há controle social e participação nem mesmo no Consórcio Intermunicipal do
Rio Meia Ponte, o que sugere que isto ocorra mesmo no caso das novas institucionalidades, tal qual referidas no livro 40 anos de regiões metropolitanas no Brasil
(Costa e Tsukumo, 2013).
Pergunta-se quais são as implicações dessa baixa participação social e da inexistência de instrumentos e mecanismos para a gestão do uso do solo metropolitano. Do ponto de vista da governança do uso do solo metropolitano, questiona-se
quem são, efetivamente, os players. Afinal, quem produz o espaço metropolitano?
Ensaios de respostas e hipóteses para essas e outras questões centrais sobre a
governança do uso do solo metropolitano refletem a avaliação apresentada neste
item e encontram-se também nas entrelinhas (e, em alguns casos, formuladas de
forma mais explícita) nos relatórios elaborados pelas equipes estaduais.
Para trazer mais insumos para esta discussão, o item seguinte faz o balanço
geral dessa avaliação, de natureza mais quantitativa, e oferece, ainda, algumas
contribuições presentes nos relatórios, além de informações complementares, que
não foram abarcadas por esta avaliação, de natureza mais quantitativa.
4 DA GESTÃO À GOVERNANÇA: UM BALANÇO DA FPIC USO DO SOLO
METROPOLITANO
O gráfico 3 traz a avaliação consolidada dos três blocos que compuseram o componente quantitativo da pesquisa, e traz também a avaliação final da gestão da FPIC
uso do solo nas principais RMs brasileiras. As colunas trazem os valores observados
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
222
e o hiato, demonstrando a porcentagem de não cumprimento dos parâmetros de
avaliação propostos pela avaliação.
GRÁFICO 3
Avaliação da gestão da FPIC uso do solo
100
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Instrumentos
Recursos
Hiato
Participação
FPIC uso do solo
Observado
Fonte: Governança metropolitana no Brasil 2014.
Observando o gráfico, é evidente que em todos os critérios considerados, o
hiato supera o desempenho observado, sustentando o diagnóstico da baixa eficiência da gestão do uso do solo nas regiões metropolitanas mais importantes do país.
A situação é especialmente crítica quando se observa a existência de recursos
orçamentários destinados à gestão do uso do solo e ao planejamento integrado,
mas não é menos negativa quando se observa o bloco da participação social.
Nesta perspectiva comparativa, a avaliação dos instrumentos de planejamento
e gestão é consideravelmente melhor, mas há que se lembrar que a parte mais “positiva” desse bloco foi aquela que informa sobre os instrumentos de planejamento
municipal, leia-se, os planos diretores.8
Ou seja, o quadro aponta para um inegável vazio institucional e para a
fragmentação da gestão do uso do solo para a esfera municipal, sob a proteção do
estatuto da autonomia municipal.
Nesse quadro, se a baixa participação social é somada aos problemas de
coordenação horizontal e vertical aludidos anteriormente neste capítulo, com
todos os desafios trazidos pelo federalismo brasileiro, tem-se que a governança do
8. Vale salientar aqui que, não obstante os recursos federais disponibilizados para intervenções físicas, pouco (ou nada)
deste montante é investido no desenvolvimento/fortalecimento institucional do poder público local, responsável pela
execução dos projetos.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
223
uso e da ocupação do solo metropolitano encontra-se centrada em poucos atores,
provavelmente, nos agentes econômicos que promovem a produção do espaço
metropolitano.
Na prática, a gestão encontra-se fragmentada em governos municipais que
possuem baixa capacidade técnica e de recursos para lidar de forma adequada com
os desafios e com as pressões dos agentes imobiliários.
Nesse contexto, de vazio institucional no plano metropolitano e de fragmentação do planejamento no plano dos igualmente frágeis sistemas municipais de
planejamento e gestão do uso do solo, o espaço para a prevalência de interesses
econômicos ou particulares sobre interesses mais gerais, coletivos, é considerável.
Em um contexto recessivo e de baixo dinamismo urbanístico, esse quadro
não é tão preocupante quanto em um contexto de retomada das atividades econômicas e de intenso dinamismo urbano, tal qual se observa a partir de meados
dos anos 2000.
Em diversas das RMs pesquisadas, o volume de recursos investidos em
empreendimentos produtivos, de infraestrutura e de produção imobiliária é expressivo. Seja na RM do Rio de Janeiro, com os investimentos do COMPERJ e
do Arco Metropolitano, seja na RM do Recife, com Suape e a Cidade da Copa,
seja na RM da Grande São Luís, com os investimentos no porto e com a intensa
ocupação urbana no eixo da avenida dos Holandeses (até chegar aos condomínios
privados, como o Alphaville), a última década tem sido, nas RMs brasileiras, uma
década de elevados investimentos em empreendimentos produtivos, os quais têm
sido acompanhados pelos investimentos federais em infraestrutura e habitação,
por meio do PAC (e do PMCMV).
Ao encontrar sistemas de planejamento metropolitano desmontados, frágeis
ou inexistentes, tais empreendimentos, especialmente aqueles associados à produção
habitacional, não encontraram resistência, e têm podido se localizar nos locais e
regiões mais convenientes, na perspectiva dos empreendedores privados.
De um lado, concentram-se nas cidades núcleos das regiões metropolitanas,
avançando sobre as áreas rurais e mais distantes desses municípios, e aproveitando,
raramente, os vazios existentes em áreas já urbanizadas.
De outro lado, a despeito da concentração do deficit habitacional na faixa
de renda inferior a três salários mínimos (a faixa 1), os empreendimentos têm
privilegiado as faixas 2 e 3, especialmente nas cidades-núcleo, e, até 2012/2013,
vinha sendo apontado uma espécie de desencontro entre a localização das zonas
de especial interesse social (Zeis) e dos empreendimentos do PMCMV. Este diagnóstico pode ser encontrado nos relatórios das RM de Fortaleza, da Ride/DF e da
RM de Goiânia, por exemplo.
224
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Na Ride/DF, onde o vazio institucional tem uma conformação peculiar, em
função das características da própria Ride, que é muito mais uma regionalização
para fins de planejamento do desenvolvimento regional que uma regionalização
orientada para o contexto metropolitano, esta situação foi sublinhada pela equipe
local. Segundo o relatório, a Ride/DF tem convivido com elevadas taxas de crescimento demográfico e de expansão urbana, sobretudo nos municípios goianos que
fazem parte do chamado entorno do Distrito Federal. Este crescimento se sustenta
em diversas lógicas e dinâmicas urbanas, sem que haja a coordenação de planos e
instrumentos de regulação do uso e da ocupação do solo. Neste contexto, a mancha
urbana da Ride/DF vai se expandindo em torno do Distrito Federal, com a persistência
de diferentes níveis de irregularidade e conformando uma expansão urbana ainda
carente de infraestrutura.
Como já dito anteriormente, o descolamento entre o ideário da reforma urbana,
em tese refletida no EC e no SNHIS, e a lógica do PAC e do PMCMV é um dos
elementos críticos aludidos nos relatórios estaduais. Além desta análise, os relatórios
das RMs de Fortaleza, Goiânia, Cuiabá, Recife e Rio de Janeiro, para citar alguns,
reforçam o papel dos grandes empreendimentos no espaço metropolitano e entendem que Estado e empreendedores são os grandes atores da produção do espaço.
A expansão do mercado, o avanço imobiliário, guia boa parte do crescimento
urbano, estabelece a forma de ocupação do espaço urbano, define novas espacialidades e centralidades no espaço metropolitano, produzindo aumento no preço
da terra, valorização dos ativos imobiliários e a ocupação de porções da RM, sem
estender a disponibilidade de infraestrutura social e urbana, dificultando o funcionamento das cidades.
Esse quadro parece se agravar à medida que o respeito à autonomia municipal,
potencialmente comprometida pelo acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF),
aparece como elemento que pode multiplicar os problemas de coordenação dos
instrumentos de planejamento. Este alerta é feito no relatório da RM de São Paulo,
que chama a atenção para o risco de se deixar o controle do adensamento por meio
de coeficientes de aproveitamento em poder dos municípios, dadas as distorções
existentes entre eles, sem que isto reflita um olhar integrado metropolitano.
De fato, diversos aspectos que demandariam alguma forma de coordenação
entre os sistemas de planejamento municipais foram apontadas nos relatórios,
com destaque para os conflitos entre as legislações de municípios limítrofes, para
os conflitos entre usos do solo vis-à-vis as restrições ou condicionantes ligados à
proteção do meio ambiente (muitas vezes envolvendo um planejamento em escala
territorial mais ampla) e a questão da concentração de infraestruturas nas áreas
centrais dos núcleos metropolitanos, ao mesmo tempo que ocorrem ali vazios
urbanos que poderiam ser aproveitados para promoção da reforma urbana.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
225
A articulação entre diferentes escalas (e escopos) de planejamento e a coordenação entre um sistema metropolitano e os sistemas municipais de planejamento
são um grande desafio para a gestão e a governança metropolitanas. Um desafio
cuja solução ainda está para ser construída.
Ao listar os instrumentos de política urbana a serem utilizados, o Artigo 4o
do EC apresenta os diversos níveis de planejamento existentes, sugerindo uma
hierarquia de abrangência territorial que passa: i) pelo planejamento nacional,
regional e estadual de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e
social; ii) pelo planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e
microrregiões; e chega ao iii) planejamento municipal.
A pressuposta hierarquia contida no EC não se operacionalizou, talvez por
conta da crença predominante nos aspectos potencialmente transformadores dos
instrumentos propostos no EC, expressando o ideário da reforma urbana.
O EC expressa uma diretriz de valorização do planejamento e foi avaliado,
sobretudo em seus primeiros anos de vida, como um instrumento da reforma urbana, visando ao cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana.
Autores como Cardoso (2003), De Grazia (2003) e Ribeiro (2003), ao fazerem uma
primeira avaliação do EC, de seus princípios e de suas promessas, percebiam-no
como uma conquista dos movimentos populares e dos setores empenhados em
viabilizar a reforma urbana: “a Lei Federal no 10.257/01 expressa o debate urbano
acumulado nos últimos 20 anos, bem como boa parte dos princípios estabelecidos
pelo Movimento da Reforma Urbana” (De Grazia, 2003, p. 60).
Passados treze anos do EC, as avaliações mostram-se menos positivas, seja no
que diz respeito ao plano diretor, seja no que diz respeito à aplicação dos instrumentos de política urbana previstos no EC e que deveriam ser operacionalizados
pelos planos diretores e pelas legislações urbanísticas.9
A essa altura, parece evidente que a gestão do uso do solo metropolitano não
pode mais ficar fragmentada na esfera municipal. Sendo o uso do solo uma FPIC
clássica, a sua gestão deve ser de responsabilidade de municípios, estados e, no
entendimento deste trabalho, da própria União, um dos principais financiadores
e promotores das transformações urbano-metropolitanas.
Ao olhar para o que se passa nas quatorze RMs avaliadas pela pesquisa, o
quadro não se mostra nada promissor. O gráfico 4 faz o balanço geral do desempenho das RMs participantes da pesquisa.
9. A respeito dessa discussão, ver Lima Neto, Krause e Balbim (2014).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
226
GRÁFICO 4
Avaliação da gestão da FPIC uso do solo por RM avaliada
Ride/DF
RM de Belo Horizonte
RM de Fortaleza
RM da Grande São Luís
RM de Porto Alegre
RM do Rio de Janeiro
RM de São Paulo
Total
0
20
40
Avaliação
60
80
100
Hiato
Fonte: Governança metropolitana no Brasil 2014.
De modo agregado, como no gráfico 3, o conjunto das RMs apresenta um
desempenho fraco, chegando a 35% da pontuação máxima. Na avaliação individual
de cada RM, apenas as RMs de São Paulo e de Belo Horizonte, seguidas pela RM
de Porto Alegre, apresentam um desempenho mais consistente (igual ou superior
a 60%). Ao passo que a RM de Fortaleza, uma das mais antigas do país, não chega
a 10% da pontuação geral.
No caso da RM de Belo Horizonte, cabe ainda a menção a duas iniciativas em
curso, ambas diretamente associadas ao uso do solo. Uma diz respeito ao Projeto
de Lei (PL) no 3.078/2012, que dispõe sobre a gestão unificada da função pública
do uso e da ocupação do solo metropolitano. Outra diz respeito à elaboração, a
partir do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) da RM de Belo
Horizonte, da proposta de macrozoneamento.
Segundo o PL no 3.078/2012, em seu Artigo 3o,
a gestão unificada da função pública de interesse comum de uso do solo tem como
objetivo principal o desenvolvimento econômico e social sustentável da região metropolitana, a partilha equilibrada dos seus benefícios e a minimização dos efeitos
adversos da metropolização, a definição de políticas compensatórias dos efeitos de
sua polarização e o estabelecimento de planejamento de médio e longo prazo de seu
crescimento (Brasil, 2012).
O PL aponta os seguintes princípios da regulação do solo metropolitano:
I – a gestão unificada do solo nas zonas de interesse metropolitano;
II – a autonomia municipal no planejamento e na gestão do solo em áreas não definidas como zonas de interesse metropolitano;
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
227
III – o exercício da cidadania metropolitana nos espaços institucionalizados de
participação;
IV – a responsabilidade territorial dos empreendedores imobiliários, públicos e
privados;
V – a recuperação da valorização fundiária decorrente de normas, atos, permissões,
ações e intervenções do Poder Público; e
VI – a justa distribuição, entre os municípios da região metropolitana, de encargos
e benefícios decorrentes da gestão unificada da função pública de interesse comum
de uso do solo (Brasil, 2012).
Por meio da identificação das zonas de interesse metropolitano, o sistema
de planejamento metropolitano estabeleceria condicionantes a serem observadas
pelos sistemas municipais.
A legislação encontra-se em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado
de Minas Gerais, estando pronta para ordem do dia, em plenário.
O segundo elemento que demanda uma menção especial na avaliação do
caso da RM de Belo Horizonte diz respeito ao macrozoneamento. A partir do
PDDI, a mesma equipe responsável pela elaboração do plano está encarregada
de conduzir os trabalhos para elaborar a proposta de macrozoneamento da RM
de Belo Horizonte.
Nesse processo, vêm sendo realizadas oficinas e seminários, como já foi
dito anteriormente, contando com a participação de diversos segmentos sociais.
O macrozoneamento tem buscado identificar as zonas de interesse metropolitano, em um claro, mas não necessariamente explícito, diálogo com o PL
no 3.087/2012.
A construção da proposta do macrozoneamento está em curso e será importante saber quais arranjos de governança emergirão da proposta e como o macrozoneamento irá lidar com os conflitos de uso do solo, com a questão ambiental
(vis-à-vis os interesses minerários que estão presentes, sobretudo, no vetor Sul da
RM) e com os interesses em disputa na produção do espaço metropolitano de
Belo Horizonte.
Na outra extremidade dessa avaliação da gestão do uso do solo metropolitano
estão os casos das RMs de Fortaleza e de Belém. Nestes casos, o fato de serem regiões
metropolitanas criadas na década de 1970 agrava a situação. Em Fortaleza, onde o
diagnóstico do vazio institucional encontra-se explicitado no relatório de pesquisa,
fica claro que o vazio, associado à fragilidade do planejamento urbano na esfera
municipal, abre espaço para um modelo de governança integralmente entregue
à iniciativa privada, que, segundo sua lógica de operação, distribui e localiza os
empreendimentos, sobretudo os imobiliários, segundo seus interesses, produzindo
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
228
um espaço metropolitano condizente com estes interesses e com esta lógica, com
pouca ou nenhuma regulação por parte do poder público.
No caso da RM de Belém, como já explicitado, preocupa a situação na
RM que mais possui assentamentos subnormais no Brasil, onde a morfologia
metropolitana deve ser entendida a partir de perspectivas que contemplem a
situação das ilhas e de suas populações, dependentes da infraestrutura social do
núcleo metropolitano.
Passados mais de 25 anos da CF/1988 e mais de treze anos do EC, a despeito
dos avanços sociais que o Brasil tem tido a oportunidade de testemunhar, o fato
é que a gestão do uso do solo metropolitano é uma realidade para poucas RMs
do país. Provavelmente, se a análise deste trabalho cobrisse as 65 RMs e Rides
existentes no Brasil ao final de 2013, os números seriam ainda piores.
Um modelo baseado em arranjos de planejamento frágeis, em dificuldades
para a coordenação entre sistemas de planejamento e para propiciar uma governança
menos democrática e com prevalência de interesses econômicos parece emergir
desse quadro. Será este um modelo portador de futuro para as cidades brasileiras?
Que cidades/metrópoles podem advir desta governança?
De uma forma ou de outra, as assim chamadas Jornadas de Junho de 2013
parecem deixar claro que as cidades brasileiras têm problemas. Em alguma medida,
o comportamento do eleitorado brasileiro parece refletir esta avaliação, ainda que
poucas pessoas no país conheçam e compreendam as implicações do vazio institucional aqui diagnosticado.
Nesse contexto, parece especialmente preocupante a postura do governo federal
ante os efeitos de suas ações, de suas políticas e de seus programas. Se as políticas
e programas não são neutros, e eles não o são, há uma responsabilidade que deve
ser assumida pelo governo federal no que diz respeito a favorecer a conformação de
sistemas de planejamento metropolitano. Ainda que o governo federal não deseje
participar diretamente da gestão metropolitana, certamente ele é figurinha carimbada
quando se observa a governança, da qual ele participa, direta ou indiretamente.
REFERÊNCIAS
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descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: FAPESP, 2000.
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Brasília: Senado Federal, 1988.
Uso do Solo nas Regiões Metropolitanas Brasileiras:
a governança frágil e a produção do espaço fragmentado
229
______. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.
______. Projeto de Lei no 3.078, de 11 de abril de 2012. Dispõe sobre a gestão
unificada da função pública de interesse comum de uso do solo metropolitano
no Estado de Minas Gerais e dá outras providências. Belo Horizonte: Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, 2012.
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no Brasil. 2008. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
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à luz dos planos diretores: uma análise a partir de um “circuito completo” de
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RIBEIRO, L. C. Q. O Estatuto da Cidade e a questão urbana brasileira. In: RIBEIRO,
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construção da democracia participativa. Belo Horizonte: Mandamentos, 2006.
cap. 2, p. 45-60.
230
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
SOUZA, T. R. O papel do município no federalismo brasileiro. In: MAGALHÃES,
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Federal 10.257/2001. 2. ed. São Paulo: SBDP; Malheiros, 2006. p. 44-60.
PARTE III
A GESTÃO E GOVERNANÇA METROPOLITANAS DO
TRANSPORTE PÚBLICO E MOBILIDADE URBANA
CAPÍTULO 9
A INTEGRAÇÃO DA REDE DE TRANSPORTE COLETIVO DA
REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA
Débora Ferreira da Cunha1
Elcileni de Melo Borges2
Lucelena Melo3
1 INTRODUÇÃO
Desde a década de 1970, mais especialmente com a implantação do Corredor
Anhanguera em 1976, Goiânia e região estabeleceram uma estrutura de rede dos
serviços de transporte coletivo fundamentada no conceito de integração, lançando
as bases de uma rede de transporte coletivo unificada em Goiânia, de abrangência
metropolitana, com destaque para a integração espacial da rede de linhas conectadas
em uma estrutura de transporte representada pela linha eixo do corredor.
Partindo desse atributo de integração da rede, concebida para o modo ônibus
e que permanece ainda hoje com integração deste único modal, o presente capítulo
visa debater sobre a rede de transporte coletivo da Região Metropolitana (RM)
de Goiânia, a partir de sua formação, estrutura física, institucional e operacional,
considerando também elementos que se relacionam aos padrões de mobilidade
da RM de Goiânia.
Assim, o capítulo foi dividido em seis seções que incluem esta introdução e
as considerações finais. A seção 2 faz uma síntese da história e da caracterização da
rede de transporte coletivo da RM de Goiânia. A seção seguinte descreve e analisa os
padrões de deslocamento da RM, com base no Plano Setorial Diretor de Transporte
Coletivo Urbano da Grande Goiânia (PSDTC-Grande Goiânia, 2007) e na Pesquisa de
Origem e Destino realizada em 2000. Apresenta-se então, na seção 4, a movimentação
pendular da RM de Goiânia, a partir dos dados do Censo 2010. Por fim, antecedem
as considerações finais, na seção 5, a descrição das ações e dos projetos propostos e
realizados que impactam na mobilidade urbana da RM de Goiânia.
1. Pesquisadora do projeto Governança metropolitana no Brasil da Rede Ipea e professora na Faculdade de Ciências
Econômicas da Universidade Federal de Goiás (FCS/UFG).
2. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles (Núcleo Goiânia), colaboradora do projeto Governança metropolitana
no Brasil.
3. Gerente na Secretaria Estadual de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Goiânia (SEDRM de Goiânia) e
coordenadora estadual, em Goiás, da pesquisa Governança metropolitana no Brasil.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
234
2 HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO DA REDE DE TRANSPORTE COLETIVO DA
RM DE GOIÂNIA
A implantação do Corredor Anhanguera em 1976 é o marco inicial da história do
transporte coletivo na Região Metropolitana de Goiânia, quando a cidade de Goiânia
tinha pouco mais de 550 mil habitantes, e ainda iniciava um processo de aglomeração urbana com outros municípios. Os corredores de ônibus consistem em vias
construídas ou vias arteriais adaptadas para uso exclusivo ou preferencial dos ônibus,
com o objetivo de aumentar sua velocidade e sua produtividade (Vasconcelos, 2005).
O Corredor Anhanguera introduziu no sistema de transporte coletivo da RM
de Goiânia o conceito de integração, estabelecendo um novo arranjo operacional
para as linhas por meio de um sistema tronco-alimentado, e estruturando a rede
integrada de transporte coletivo urbano de Goiânia e região (figura 1).
FIGURA 1
Rede básica de corredores estruturais de transporte e terminais de integração da rede
metropolitana de transporte coletivo da RM de Goiânia
Fonte: CMTC (2012).
Elaboração: SEDRM de Goiânia – 2013.
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
235
A rede integrada de transporte coletivo da RM de Goiânia foi concebida para
o modo ônibus, permanecendo até o presente momento com a integração deste
único modal, ainda que, segundo a abordagem do sistema de mobilidade urbana,
uma rede integrada pressuponha a interação entre diferentes modos, possibilitando
alternativas outras aos usuários.
Do ponto de vista da gestão do transporte, o Corredor Anhanguera trouxe
modificações importantes nas relações vigentes. Na ocasião, a administração
municipal de Goiânia delegou ao estado a incumbência de planejar e fiscalizar a
prestação dos serviços de transportes municipais por um prazo de trinta anos –
portanto, com vencimento em 2006. É oportuno destacar que, por este ato, foram
lançadas as bases da unidade sistêmica, que marca positivamente o ordenamento
institucional do transporte coletivo metropolitano de Goiânia que perdura até
os dias de hoje. O quadro 1 apresenta uma síntese de mais de quarenta anos de
história do transporte coletivo da rede metropolitana.
QUADRO 1
Síntese da história do transporte coletivo da rede metropolitana
Período
Marca do período
1970 a 1985
• Estabelecimento da estrutura da rede e dos serviços, fundamentada no conceito da integração e ancorada no
Eixo Anhanguera.
• Centralização da gestão pelo estado.
• Plano Diretor de Transporte Urbano – PDTU (1984).
• Expansão do sistema integrado (Goiânia, Aparecida de Goiânia e Trindade).
1986 a 1999
• Estagnação da rede e dos serviços.
• Crescimento acentuado da população e instabilidade econômica do país.
• Acomodação por parte das operadoras e ausência do poder público.
• Implantação do sistema de arrecadação automatizada com o uso de bilhetes e cartões – sistema inteligente
de tarifação de passagens (SIT-PASS).
• Reformulação do Corredor Anhanguera.
• Serviço alternativo de transporte coletivo na RM de Goiânia.
2000 a 2002
• Instabilidade das relações contratuais.
• Paralisia de investimentos.
• Planos e projetos de reformulação realizados, mas não executados.
• Realização da pesquisa Origem e Destino (2000).
2003 a 2004
• Início da reestruturação da rede de transporte coletivo.
• Implantação de novos terminais.
• Aumento da oferta de ligações integradas.
• Desequilíbrio do sistema.
• Reordenamento da atuação das empresas operadoras e do serviço alternativo.
2004 a 2005
• Ajuste da operação do serviço local.
• Redução da tarifa do Eixo Anhanguera.
• Unificação tarifária.
• Renovação da frota.
• Retomada de ações em corredores de transporte.
2005 a 2008
• Vencimento dos contratos de concessão do SIT-RMTC1 (2006).
• Atualização do Plano Diretor Setorial de Transportes Coletivos da Grande Goiânia.
• Realização da licitação para concessão dos serviços do SIT-RMTC.
• Assinatura dos novos contratos de concessão.
• Renovação da frota.
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
236
(Continuação)
Período
Marca do período
2009 a 2013
• Implantação do Consórcio RMTC (centrais de controle operacional; serviço de informação ao usuário; administração, operação, manutenção, conservação, limpeza e segurança patrimonial dos terminais de integração do
SIT-RMTC).
• Reforma dos terminais de integração.
• Reestruração e requalificação de corredores de transportes.
• Proposta de implantação de veículos leves sobre trilhos (VLTs) no Corredor Anhanguera.
• Projeto de implantação do Corredor Goiás Norte/Sul – BRT.2
Fonte: atualizado de Cunha (2012).
Notas: 1 RMTC= Rede Metropolitana de Transportes Coletivos.
2
BRT= transporte rápido por ônibus – do original em inglês, bus rapid transit.
O serviço de transporte coletivo da RM de Goiânia abrange Goiânia e
dezessete municípios do seu entorno que mantêm relações econômicas entre si,
especialmente com o município de Goiânia, organizado em uma rede de serviços
denominada Rede Metropolitana de Transportes Coletivos – RMTC.4 Apenas
dois municípios da RM de Goiânia, Caturaí e Inhumas, não compõem a RMTC,
conforme pode ser observado na mapa 1.
MAPA 1
Distribuição dos fluxos do transporte metropolitano da RMTC (2012)
Fonte: CMTC (2012).
Elaboração: SEDRM de Goiânia – 2013.
4. Lei Complementar no 34/2001, do Governo do Estado de Goiás.
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
237
A concepção e conceituação do sistema tiveram por finalidade atender necessidades específicas, especialmente para ampliar a mobilidade dos usuários pela
rede, com pagamento de uma mesma tarifa, disponibilizando pelo menos três
modalidades de integração – física, espacial e tarifária – das diferentes linhas que
compõem a rede de transporte pelo modo ônibus.
A regulamentação e o gerenciamento dos serviços de transporte estão fundamentados na lógica de unidade sistêmica, mediante duas instâncias5 que asseguram
a participação do estado de Goiás e de municípios da RM de Goiânia: a Câmara
Deliberativa de Transportes Coletivos (CDTC), órgão deliberativo das questões
do transporte coletivo, e a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos
(CMTC), órgão responsável pela gestão executiva e plurimunicipal da RMTC.
A figura 2 apresenta o desenho esquemático do modelo institucional da rede.
FIGURA 2
Modelo institucional da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos
CDTC
CMTC
Consórcio RMTC
Concessionárias
Pública
Privadas
SETRANSP
Fonte: adaptado de Cunha (2012).
Elaboração dos autores.
Aos contratos de concessão em vigor que foram celebrados em 25 de março
de 2008, vinculam-se as seguintes concessionárias privadas: Rápido Araguaia Ltda.,
HP Transportes Coletivos Ltda., Viação Reunidas Ltda., Cootego – Cooperativa
de Transportes do Estado de Goiás, e a estatal Metrobus Transporte Coletivo
S.A. – responsáveis pela produção e execução dos serviços ofertados pela RMTC.
O Consórcio da Rede Metropolitana de Transportes Coletivos representa
a atuação conjunta e consorciada das concessionárias privadas na operação da
Central de Controle Operacional (CCO), na prestação do Serviço de Informação
Metropolitano (SIM), e nas atividades de gestão, operação e manutenção dos
terminais de integração da RMTC.
5. Lei Complementar no 27/1999, do Governo do Estado de Goiás.
238
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de
Goiânia (SETRANSP) é a entidade sindical representativa das concessionárias, e
agente responsável pela arrecadação tarifária da RMTC via bilhetagem eletrônica
integrada, por meio do sistema inteligente de tarifação de passagens (SIT-PASS).
A concessão dos serviços de transporte coletivo da RM de Goiânia foi renovada em 2008, por um prazo de vinte anos (prorrogável), com parte das mesmas
concessionárias que operavam os serviços anteriormente (Cunha, 2012). Segundo
Vasconcelos (2005), a relação estreita entre o poder público e operador privado
tem produzido efeitos adversos nos sistemas de transporte coletivo, destacando-se
a criação de monopólios regionais/locais, em que as mesmas empresas dominam
o mercado há décadas, resultando na acomodação dos operadores privados em
relação às tendências do mercado e às necessidades dos usuários.
A RMTC é a unidade sistêmica regional, composta por todas as linhas e
serviços de transportes coletivos, que promove a interligação de dezessete municípios com o município de Goiânia. Portanto, atende a dezoito municípios, com
um serviço de transporte coletivo unificado, abrangendo uma área de 6.576 km2
e uma população de mais de dois milhões de habitantes (IBGE, 2010). Segundo a
CMTC, no SIT-RMTC são transportados em média 18,1 milhões de usuários por
mês e 709.610 usuários por dia, considerando dados de 2012. Ao longo do ano, a
demanda apresenta um comportamento estável nos meses típicos, com reduções
apenas nas férias, quando se registra uma redução da ordem de 11%.
A rede é formada por 277 linhas com um modelo de ampla integração entre
elas. Quase 90% das linhas estão integradas, mediante uma rede de vinte terminais
de integração (onze terminais em Goiânia, seis em Aparecida de Goiânia, um em
Senador Canedo, um em Trindade, e um em Goianira) (figura 1), e de equipamentos de menor porte denominados estações ou pontos de conexão, formando
o chamado sistema integrado de transporte – SIT-RMTC (CMTC, 2012).
Os terminais de transporte público consistem em edificações especiais para a
operação dos ônibus e transbordo dos passageiros, possibilitando a integração entre
diversas linhas rumo a seus destinos finais. Esta troca não é desejada pelas pessoas,
que em geral preferem linhas diretas ligando sua origem ao seu destino. Porém,
a integração entre os terminais torna-se necessária para a otimização do sistema
de transportes da cidade e para a viabilização de ligações que não comportariam
uma linha direta.
Os terminais de integração da rede, dispostos na figura 1, operam na forma de área fechada: os usuários podem livremente desembarcar de um ônibus e
embarcar em outro, sem acréscimo ou pagamento de outra tarifa. Desde 2005 o
SIT-RMTC opera com tarifa única para todas as linhas do sistema. As estações de
conexão são locais abertos no sistema viário, nas quais dispõe-se de integração entre
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
239
determinadas linhas definidas, sem acréscimo tarifário, mediante o uso de bilhete
e cartões do sistema de bilhetagem automática SIT-PASS, desde que observado o
limite de tempo de 90 minutos, contados a partir da primeira validação.
A utilização do sistema viário pelo transporte coletivo apresenta um carregamento máximo de 200 ônibus/hora na Praça Cívica, localizada no centro de Goiânia
e de onde convergem praticamente todas as linhas radiais. Existem muitos outros
locais e vias em Goiânia e Aparecida de Goiânia que proporcionam carregamentos expressivos, mas a maioria não possui tratamento específico para o transporte
coletivo: apresentam uma intensificação de uso do solo, notadamente comercial,
e também se constituem no acesso viário principal usado pelo tráfego geral, com
perspectivas de uma intensificação de uso no futuro (PSDTC-Grande Goiânia,
2007). A figura 1 mostra as principais vias e eixos de transporte do SIT-RMTC,
bem como as ligações entre os municípios da rede.
A disputa pelo espaço viário entre as diferentes categorias de transporte e
o adensamento descontrolado em áreas de influência dos principais corredores
são fatores que usualmente reduzem o nível de serviço em vias urbanas e afetam
o desempenho de sistemas de transportes públicos de passageiros. No Brasil, este
quadro se repete nos principais centros urbanos, por falta de uma política mais
adequada de ocupação e de uso do solo (Nunes, 2001).
Para tratar dos diversos problemas do trânsito e do transporte nas cidades, são
necessárias técnicas de intervenção sobre circulação. Vasconcelos (2005) destaca três
formas de intervenção para tratar de problemas urbanos: o planejamento urbano, o
planejamento de transportes, e o planejamento da circulação, que são interligados.
O modelo operacional do sistema é válido para a maior parte da rede, do tipo
tronco alimentado. Existe um conjunto de linhas que fazem ligação dos bairros
com os locais de integração, denominadas linhas alimentadoras; e outro conjunto
de linhas troncais (eixos), que realizam a distribuição das viagens nas áreas mais
centrais, corredores e nos polos de atração (figura 1). Além das linhas alimentadoras e troncais, a rede possui ainda linhas classificadas como diretas, expressas
e metropolitanas. A maioria dos municípios da RM de Goiânia é atendida pelas
linhas metropolitanas, que são integradas em terminais e atendem municípios
não conurbados, como pode ser visto na mapa 1, a qual apresenta também seus
respectivos fluxos e demanda de passageiros.
A extensão média das linhas na RMTC é de 21,4 km, considerado o percurso
completo de ida e volta, com uma variação de 2,6 km a 108 km. O tempo médio
de percurso completo das linhas da RMTC nas horas de pico é de 76 minutos
para as linhas estruturais (diretas, eixo e expressas). As linhas alimentadoras, que
servem às áreas conurbadas, têm um tempo médio de 32 minutos, e as que servem aos municípios mais distantes (metropolitanas), de 86 minutos (mapa 1).
240
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Estas, apesar de mais extensas, apresentam uma velocidade maior, por circular em
rodovias (CMTC, 2012).
O sistema oferta aproximadamente 393 mil viagens mensais, tomando-se
como referência o mês médio do ano. As linhas alimentadoras e metropolitanas
respondem por 50% da oferta, e a outra metade é ofertada por linhas estruturais,
predominantemente linhas de eixo, com 40% do total. A distribuição das linhas
da RMTC em relação aos intervalos na hora de pico da manhã varia numa faixa
de intervalo de menos que cinco minutos a mais que trinta minutos, com uma distribuição equilibrada entre cinco faixas de intervalos. A frota operacional atual é
de 1.448 veículos, distribuídos segundo região e tipo de linha (CMTC, 2012).
Apesar do elevado grau de cobertura e de integração da rede metropolitana de
transporte coletivo, que possui uma boa estrutura institucional, física e operacional, o sistema apresenta carências e necessidades que interferem na qualidade dos
serviços prestados, tais como descumprimento das planilhas de horários (atrasos),
superlotação de ônibus e terminais, congestionamentos e acidentes, entre outros.
Assim, os serviços ofertados pelo SIT-RMTC não são classificados como de boa
qualidade pelos usuários do sistema, pois não atendem suas necessidades, motivo
pelo qual frequentemente ocorrem reclamações e manifestações por melhorias no
transporte coletivo.
O recente episódio de manifestações que teve lugar em todo o Brasil (junho
e julho de 2013), desencadeado pelo Movimento Passe-Livre sobre o aumento das
tarifas do transporte público, repercutiu também na RM de Goiânia, onde foram
realizadas manifestações contra o aumento da tarifa de R$ 2,70 para R$ 3,00,
obtendo-se resposta por parte do poder público de manutenção do valor da tarifa em
R$ 2,70. Em seguida, o governo estadual propôs o passe livre estudantil para toda a
RMTC, para ser sustentado pelo estado de Goiás, pela Prefeitura de Goiânia e pelas
prefeituras dos demais municípios da RMTC. A proposta enfrentou resistência dos
demais municípios da rede de transporte metropolitano. Em 26 de junho de 2013,
o governo do estado publicou o Decreto nº 7.911, que instituiu o Programa Passe
Livre (PLE), destinado a viabilizar aos estudantes nele cadastrados a gratuidade no
sistema do transporte coletivo urbano de passageiros da RM de Goiânia.
Os problemas de operação e da qualidade dos serviços prestados pelo
SIT-RMTC são reflexos da gestão e controle operacional por parte do poder
público, que deve acompanhar e fiscalizar as concessionárias operadoras, exigindo o cumprimento das cláusulas contratuais, e monitorando os aspectos
relacionados ao planejamento e aos investimentos realizados no sistema, os
quais refletem diretamente na qualidade dos serviços. Por isso, faz-se importante
considerar os padrões de deslocamentos e a movimentação da população na
RM de Goiânia, pois são questões que se relacionam com a integração da rede.
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
241
3 PADRÕES DE DESLOCAMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA
As pessoas organizam seus deslocamentos a partir de suas necessidades para realizar
atividades sociais, culturais, políticas e econômicas consideradas necessárias na sociedade. Adicionalmente, a circulação das pessoas está ligada aos fatores individuais
de mobilidade e acessibilidade. Os fatores que mais interferem nas decisões para
deslocamentos são os pessoais (idade, renda, escolaridade, gênero), os familiares
(estágio do ciclo de vida, posse de automóvel) e os externos (oferta de transporte
público e seu custo, custo do uso do automóvel, localização dos destinos, e horários).
O estudo de demanda é parte fundamental do planejamento de transporte.
De fato, conhecer as características dos deslocamentos da população, em particular
aquelas que dizem respeito ao modo coletivo, constitui a etapa primordial para
a reflexão e posterior proposição de soluções compatíveis com as necessidades de
transporte da população e com cidades sustentáveis.
Segundo López-Reyes e Kawamoto (2001), a distribuição espacial da demanda
por transporte é tradicionalmente representada pela matriz origem-destino (OD),
que sintetiza o deslocamento espacial de passageiros e de cargas e corresponde a
um dos elementos fundamentais para o planejamento de transportes.
Para Magalhães (2001), estudos de previsão de demanda em transportes
urbanos são bastante complexos, devido às incertezas futuras, mas são essenciais
para uma avaliação consistente da viabilidade de mudanças estruturais na rede
de transportes. Portanto, torna-se fundamental que o exercício de previsão seja
respaldado por uma análise profunda sobre a evolução em curso da distribuição
espacial da população, a qual pode afetar a distribuição da demanda por transportes
em áreas urbanas.
O Plano Setorial Diretor de Transporte Coletivo Urbano da Grande Goiânia
(PSDTC-Grande Goiânia, 2007) apresentou informações gerais sobre mobilidade
na RM de Goiânia, mediante dados da Pesquisa de Origem e Destino 2000 e sua
atualização, por meio de métodos matemáticos e pesquisas complementares, para
2006, realizadas no âmbito do plano.
No ano 2000 a Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinfra) realizou uma
pesquisa de origem e destino domiciliar que abrangeu 11.044 domicílios, bem
como postos de controle nas aproximações rodoviárias da RM de Goiânia e no
terminal rodoviário da capital, com vistas à obtenção de dados sobre os deslocamentos da população.6
6. A pesquisa foi realizada pela empresa Tecnologia e Consultoria Brasileira Ltda. (TC/BR), e os dados foram disponibilizados na forma bruta, ou seja, como pesquisado e na forma aferida e ajustada para o ano 2000 para o modo coletivo
na hora de pico matutina.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
242
Os dados obtidos identificaram um total de 2,2 milhões de viagens diárias
na RM de Goiânia, das quais aproximadamente 700 mil equivaliam a viagens
por modos coletivos. Na área geográfica abrangida pelos municípios de Goiânia,
Aparecida de Goiânia, Senador Canedo e Trindade, obteve-se o número de
690.500 viagens (98,6%).
A divisão modal indicava, para o total da RM de Goiânia, a predominância do
modo individual motorizado, com 36,4%, seguido do modo coletivo público, com
29,8%. Os modos não motorizados respondiam por 31,2% das viagens (gráfico 1).
Estas informações indicam uma elevada participação do modo motorizado individual,
particularmente influenciado, no conjunto de viagens realizadas, pelos resultados
do município de Goiânia. Considerando o universo de viagens motorizadas, 54%
eram feitas por automóveis e motos.
GRÁFICO 1
Divisão modal na RM de Goiânia em 2000
(Em %)
6
26
36
2
30
Motorizado individual
Motorizado fretado
Não motorizado bicicleta
Motorizado coletivo público
Não motorizado a pé
Fonte: extraído do PSDTC-Grande Goiânia, 2007.
À exceção de Goiânia, todos os demais municípios são altamente dependentes dos modos coletivos. Os modos não motorizados também apresentam
elevada participação. Especificamente em relação ao modo bicicleta (gráfico 2),
destaca-se que os municípios Trindade e Goianira mostravam em 2000 mais de
15% de suas viagens realizadas por este modo. Isto tanto pode indicar a carência
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
243
do atendimento da rede de transporte de base local, que atende as viagens mais
curtas e não articuladas no contexto da rede metropolitana, como uma questão
de renda, ou ainda uma opção de fato por esta forma de deslocamento. De qualquer modo, é um indicativo da necessidade das políticas públicas municipais
considerarem um tratamento mais abrangente para este modal.7
GRÁFICO 2
Participação de cada modo de transporte por município, conforme pesquisa Origem
Destino (O/D) 2000
(Em %)
Goiânia
Aparecida
de Goiânia
Goianira
15,2
40,5
Senador Canedo
Trindade
0
10
A pé
20
Bicicleta
30
40
50
Individial motorizado
1,00
40,2
60
2,20
25,2
24
18,7
29,9
4,10
30,6
9,6
17,5
13,4
27,9
5,80
33,7
22
7,3
31,2
1,50
27,9
42,8
3,9
23,9
70
80
Coletivo público
90
100
Fretado
Fonte: extraído do PSDTC-Grande Goiânia, 2007.
Comparada com outras localidades, verifica-se que a mobilidade da população
da RM de Goiânia é menor que a das regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de
Janeiro (gráfico 3). Entre as regiões analisadas, a RM de Goiânia detém a menor
participação do modo coletivo, conforme mostra o gráfico 3. De fato, é evidente
a presença do modo individual motorizado no município de Goiânia que, por ser
expressivamente maior que os demais, condiciona os resultados de toda a RM de
Goiânia. Cabe destaque à elevada concentração de motocicletas, que respondem
por 5,7% das viagens diárias em Goiânia.
7. Cabe registrar que o município de Aparecida de Goiânia tem implantado algumas ciclovias, e que o município de
Goiânia propõe, no plano diretor em discussão na Câmara Municipal, a criação de uma rede cicloviária.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
244
GRÁFICO 3
Comparação da divisão modal em várias regiões metropolitanas do país
(Em %)
RM de Recife
71
29
RM do Rio de Janeiro
70
30
Aglomerado Cuiabá/VG
62
RM de Porto Alegre
38
60
RM de Vitória
40
59
RM de São Paulo
41
49
RM de Goiânia
51
46
0
10
20
54
30
40
Coletivo
50
60
70
80
90
100
Individual
Fonte: extraído do PSDTC-Grande Goiânia, 2007.
Os dados de origem e destino da pesquisa de 2000 foram objeto de tratamento
matemático, visando à atualização dos dados relativos ao transporte coletivo para
o ano base de 2006. O método empregado utiliza técnicas conhecidas de planejamento de transporte para correlacionar estatisticamente as viagens produzidas ou
atraídas por cada região, com variáveis que permitam explicar o comportamento
da população. Tal método é conhecido como modelo de geração de viagens.
As projeções realizadas para o ano de 2006 mostram um quadro de perda de
participação das viagens realizadas pelo modo coletivo em relação aos dados do ano 2000,
evidenciando a permanência da tendência que já vinha sendo observada naquela ocasião.
Ainda que os dados tenham mostrado um pequeno crescimento na demanda
de transporte coletivo (6,3%), há de se considerar o crescimento populacional no
mesmo período, que registra uma evolução de 1.695.070 para 2.002.123 habitantes, isto é, um crescimento de 18,1%. Assim, a mobilidade por modo coletivo
passou de 0,44 viagem/habitante/dia para 0,40 viagem/habitante/dia, ou seja, uma
redução de praticamente 10%.
Assumindo como hipótese que a mobilidade total motorizada tenha se mantido
a mesma desde o ano 2000, ou que a quantidade de viagens realizadas por veículos
motorizados (motocicletas, automóveis ou ônibus) por habitante não tenha variado
significativamente, deduz-se que a participação das viagens pelo modo coletivo no
total das viagens motorizadas nos últimos cinco anos passou de 46% para 41%.
No sentido inverso, a participação das viagens dos modos individuais passou de
54% para 59% (gráfico 4).
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
245
GRÁFICO 4
Evolução da divisão modal das viagens motorizadas na Grande Goiânia
(Em %)
2006
2000
1984
41
59
46
54
53
47
Modo coletivo
Modo individual
Fonte: extraído do PSDTC-Grande Goiânia, 2007.
A situação diagnosticada no plano para a participação do modo coletivo no
conjunto das viagens motorizadas da RM de Goiânia é preocupante por várias razões.
De imediato, representa uma circulação cada vez maior de veículos automotivos,
resultando em uma maior solicitação do sistema viário, queda do nível de serviço
das vias, maiores atrasos em semáforos, congestionamentos, e maior emissão de
poluentes – além de maior risco de acidentes, especialmente em razão da grande
quantidade de motocicletas em circulação.
O maior número de veículos individuais em circulação e da correspondente
ocupação do sistema viário reduz o espaço para a circulação dos ônibus e ocasiona
maiores atritos de tráfego, causando queda na velocidade comercial dos ônibus.
Mesmo quando restrito, há trechos mais saturados, o aumento do tempo de viagem
e a aleatoriedade da ocorrência de congestionamentos levam a irregularidades na
operação, com reflexos no cumprimento dos horários.
Contudo, a redução da participação do modo coletivo no conjunto das viagens da RM de Goiânia significa uma perda de mercado efetivo para este modo,
isto é, proporcionalmente à população, há um menor número de viagens sendo
realizadas pelo modo coletivo. Os dados atualizados para 2006 mostraram que são
feitas 112 mil viagens pelo transporte coletivo na hora de pico da manhã. As viagens
originárias em Goiânia representam 62% deste total. O município, entretanto,
atrai 86% do total das viagens da Grande Goiânia em razão de sua característica
de núcleo econômico e social da região.
Aparecida de Goiânia contribui com 26,7% das viagens originadas na RMTC
na hora de pico matutina, e atrai 12%. Os municípios de Trindade e Senador Canedo
representam 5,4% e 3,8%, respectivamente, do total das origens das viagens, com
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
246
uma pequena atração, da ordem de 1,0%. Goianira apresenta uma participação
de 0,7%, e todos os demais municípios juntos respondem por 1,4% (gráfico 5).
GRÁFICO 5
Produção e atração de viagens por município na hora pico da manhã
(Em %)
86
Atração
Produção
12
63
Goiânia
27
Aparecida de Goiânia
Trindade
5
Senador Canedo
4
Goianira
Fonte: extraído do PSDTC-Grande Goiânia, 2007.
A análise da matriz de origem-destino permite um diagnóstico das viagens
internas aos municípios, comparada com as que se dão entre eles. Goiânia, naturalmente, possui expressiva predominância de viagens internas, que representam
96% das viagens originadas no município (gráfico 6). Os demais municípios
contam com uma expressiva troca de viagens entre si. De fato, à exceção de
Goiânia, apresentam até 26% de suas viagens internas e 75% das intermunicipais,
notadamente para Goiânia, que atrai 98% do total de viagens externas.
GRÁFICO 6
Distribuição das viagens por transporte coletivo, por município de origem, conforme
a sua distribuição interna e para outros municípios
(Em%)
Aparecida de Goiânia
26,52
73,48
Goiânia
96,09
Goianira 6,63
3,91
93,37
Senador Canedo
9,73
90,27
Trindade
9,78
90,22
RM de Goiânia
71,55
Interna
Fonte: extraído do PSDTC-Grande Goiânia, 2007.
28,45
Para outro município
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
247
4 MOVIMENTAÇÃO PENDULAR DA REGIÃO METROPOLITANA DE GOIÂNIA
A discussão e reflexão sobre a integração do transporte coletivo requerem que sejam
considerados os padrões de deslocamento e movimentação da RM de Goiânia.
A seção anterior apresentou o padrão de deslocamentos da RM, com base nos
dados disponíveis: a pesquisa O/D 2000 e o PSDTC-Grande Goiânia 2007. Esta
seção se incumbe de examinar a movimentação pendular da RM de Goiânia, a
partir de dados mais recentes do Censo 2010.
O maior número de deslocamentos na RM de Goiânia tem sua origem nos
municípios do entorno com destino à Goiânia, nos quais grande parte da população
vive, em regiões periféricas, distantes dos locais de estudo, trabalho, saúde e lazer e,
por isso, se deslocam para Goiânia em busca de serviços de educação, de saúde, e à
procura de emprego formal.
Especificamente quanto ao movimento pendular em busca de oportunidades de
emprego na RM de Goiânia, um elevado contingente de trabalhadores gravita em torno
de Goiânia, onde se encontra a maior parte das atividades industriais e estabelecimentos
comerciais, seguida por Aparecida de Goiânia, Senador Canedo, Goianira e Trindade,
locais que concentram a maior disponibilidade de emprego e atividades de geração de
renda. A tabela 1 mostra a movimentação pendular da RM de Goiânia.
TABELA 1
RM de Goiânia: estimativa da população e movimentação pendular acima de 15% do
total de habitantes dos municípios (2010)
Município
Estimativa da
população
total
Estuda em
município
diferente
Trabalha em
município
diferente
Estuda e
trabalha em
município
diferente
Total da
população
pendular
População
pendular
(%)
Senador
Canedo
84.443
3.118
20.836
1.147
25.101
29,7
Goianira
34.060
1.108
7.527
365
9.000
26,4
455.657
20.163
88.718
6.824
115.705
25,4
Abadia de
Goiás
6.876
238
1.284
81
1.603
23,3
Bonfinópolis
7.536
224
1.385
64
1.673
22,2
Santo Antônio
de Goiás
4.703
115
768
34
917
19,5
104.488
3.057
16.227
780
20.064
19,2
3.232
217
361
42
620
19,2
Aparecida de
Goiânia
Trindade
Brazabrantes
Caldazinha
Total
3.325
116
417
18
551
16,6
704.320
28.356
137.523
9.355
175.234
24,9
Fonte: microdados do Censo Demográfico (IBGE, 2010).
Elaboração: adaptado de IMB/SEGPLAN (2012).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
248
Um elevado número de pessoas que se desloca diariamente para Goiânia se
origina de quatro municípios limítrofes à capital: Aparecida de Goiânia, Trindade,
Senador Canedo e Hidrolândia. Em Senador Canedo, praticamente 30% da
população que trabalha ou estuda o fazem em outra localidade – normalmente
em Goiânia.
Em Aparecida de Goiânia, dos 455.657 mil habitantes, 115.705 se deslocam
para Goiânia, totalizando 25,4% da população local. Por sua vez, no município de
Trindade, mais de 20 mil pessoas realizam deslocamento idêntico rumo à capital,
por motivos de estudo e trabalho, o que representa 19% da população. A cidade
de Hidrolândia, município que concentra alguns empreendimentos industriais,
possui uma movimentação pendular da população na faixa de 13% em relação ao
total de habitantes.
Goiânia, maior polo urbano do estado, é a localidade que recebe a segunda
maior quantidade de pessoas de outros municípios, com semelhante fenômeno de
pendularidade: recebe um terço do movimento pendular em Goiás (35%), o que
corresponde a 191 mil pessoas, como mostra a tabela 2.
TABELA 2
Goiás: localidades que recebem os maiores índices de pessoas (2010)
Número de pessoas
Participação
(%)
Brasília
198.906
36,6
Goiânia
191.163
35,1
Aparecida de Goiânia
15.597
2,9
Anápolis
10.477
1,9
416.144
76,5
Município
Total
Fonte: microdados do Censo Demográfico IBGE 2010.
Elaboração: adaptado SEGPLAN/IMB – 2012.
No caso das aglomerações urbanas, os deslocamentos ficam condicionados à
distribuição e hierarquia de funções entre os municípios integrantes, devendo-se
considerar tanto a questão do mercado de trabalho quanto da infraestrutura
oferecida, como são os casos dos estabelecimentos educacionais e dos serviços de
saúde, entre outros.
Por sua vez, a mobilidade pendular também está presente entre municípios
não aglomerados, quando expressa a localização de atividades atrativas em função
exclusivamente de uma grande indústria ou de um grande estabelecimento de
comércio ou de serviços, cooperativa, empresa agropecuária, ou escola e universidade. A localização das indústrias em regiões que concentram população e oferta
de serviços acaba atraindo pessoas de outros municípios, como ficou perceptível
em relação à Goiânia.
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
249
5 E O QUE TEM SIDO FEITO PARA MOBILIDADE DA REGIÃO METROPOLITANA
DE GOIÂNIA?
A reversão das tendências de uma mobilidade cada vez menor pelo modo coletivo
e dos efeitos adversos decorrentes para as cidades da RM de Goiânia, especialmente aquelas conurbadas, passa, necessariamente, pela adoção de uma política
metropolitana de transporte coletivo para os principais problemas e necessidades do
SIT-RMTC. Entre os problemas destacam-se carências das instalações dos terminais
e estações de integração, de corredores estruturados para a operação do transporte
coletivo, e de infraestrutura básica em pontos de parada.
Embora o PDSTC conte com o Programa Metropolitano de Transporte
Coletivo (PMTC), com objetivos para superação das carências e necessidades
do SIT-RMTC, além de preparação das condições indispensáveis para sustentabilidade da mobilidade no cenário futuro, cabe à administração pública,
em especial, conduzir o processo que permita oferecer continuamente condições adequadas de mobilidade à população das cidades da RM de Goiânia.
No PMTC foram dimensionados e fixados investimentos a serem realizados a curto
e médio prazos, abrangendo aportes de recursos tanto do poder público quanto
das concessionárias.
Algumas das ações programadas já foram e estão sendo realizadas no âmbito
dos atuais contratos de concessão, desde 2008, tais como: recuperação e reformulação dos terminais de integração; adequação da rede de transporte e ampliação da
integração com o uso dos meios eletrônicos de cobrança de passagens; renovação
da frota; acréscimo de veículos em operação; instalação de abrigos; priorização do
transporte coletivo no sistema viário; criação do Consórcio RMTC; e implantação
da central de controle operacional e do sistema de informação ao usuário.
A metrópole goianiense tem 256,8 km2 de área urbana e 1,3 milhão de
habitantes. O crescimento da cidade e a preservação da qualidade de vida da população exigem altos e constantes investimentos, especialmente em infraestrutura.
A previsão orçamentária da Prefeitura de Goiânia para o ano de 2013 era de cerca
de 3,5 bilhões para investimentos em melhorias em diversas áreas. A malha viária
da cidade terá R$ 42,4 milhões de investimentos, visando, sobretudo, a: abertura
de novas vias, prolongamento, recuperação, construção de corredores, e viadutos.
Segundo a prefeitura municipal, os projetos de custo mais elevado, tais
como os corredores de transporte, terão aporte do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) Mobilidade Urbana, e seguem as diretrizes estabelecidas no
Plano Diretor de Goiânia (2007), em conformidade com o PSDTC-Grande
Goiânia (2007) – como a abertura de corredores de transporte, visando priorizar
o transporte público e facilitar a mobilidade urbana. Alguns corredores preferenciais já foram implantados, tais como os Corredores T-7, T-9, T-63 e o Corredor
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
250
Universitário (figura 3). O Corredor Universitário passou por requalificação
urbana seguindo os princípios de mobilidade e acessibilidade: além de reservar
tratamento preferencial na via para o transporte coletivo, adicionou pistas para
ciclistas e pedestres, com adequada sinalização para que as pessoas e os veículos
possam se deslocar com segurança, conforto e eficiência.
FIGURA 3
Corredor Preferencial Universitário
Fonte: Fonte: Prefeitura de Goiânia. Disponível em :<http://www.goiania.go.gov.br/>. Acesso em: jul. 2013.
Outro corredor importante é o Corredor Goiás (BRT Norte Sul). A Prefeitura de
Goiânia está finalizando o projeto do transporte rápido por ônibus (BRT) (figura 4),
que cruzará a cidade de norte a sul, estendendo-se até o município de Aparecida de
Goiânia. O corredor terá 22,7 km de extensão, contará com sete terminais de integração, 32 estações de embarque e desembarque, com estimativas para transportar
cerca de 12 mil passageiros hora-pico. O trecho será exclusivo, com canaleta central
destinada à operação do transporte coletivo, o qual utilizará ônibus articulados que
vão circular com velocidade entre 25 e 30 km/h – hoje a média na extensão proposta
é de 14 km/h. O investimento previsto é R$ 280 milhões, divididos entre recursos
do PAC 2 da Mobilidade Urbana e da Prefeitura de Goiânia.
A principal opção para a solução do problema do transporte público na RM
de Goiânia apresentada por parte do governo do estado é a intervenção urbana de
expansão do sistema, sobretudo no corredor leste-oeste (Eixo Anhanguera), com
a implantação do VLT, envolvendo investimento estimado de R$ 1,3 bilhão, por
meio de Parceria Público Privada – instituições financeiras, Orçamento Geral do
Estado, e PAC Mobilidade – Grandes Cidades – e que propõe, além da construção
de trilhos na superfície, uma ousada iniciativa de requalificação urbana. O projeto é
justificado sob a premissa de proporcionar inúmeros ganhos aos usuários: aumento
da capacidade de transporte (o dobro do número de passageiros) a uma velocidade
duas vezes superior ao transporte atual, o que resultará na redução, pela metade,
do tempo do trajeto.
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
251
FIGURA 4
Projeto Corredor Goiás – BRT Norte-Sul
Fonte: Prefeitura de Goiânia. Disponível em: <http://www.goiania.go.gov.br/>. Acesso em: jul. 2013.
Não obstante, o projeto do VLT vem sendo recebido pela sociedade com certa
apreensão, devido, entre outros fatores, aos impactos tanto ambientais quanto no
trânsito da obra, e à questão tarifária, uma vez que o custo operacional do VLT é
maior que do transporte convencional, embora o poder público prometa continuar
bancando um subsídio correspondente à diferença no valor da tarifa sobre a do
sistema convencional.
De modo geral, questiona-se se a construção do VLT Eixo Anhanguera e os
altos investimentos necessários são a melhor solução para o problema do transporte
público da Região Metropolitana de Goiânia.
FIGURA 5
Proposta VLT Eixo Anhanguera
Fonte: SDRM de Goiânia. Disponível em: <http://www.metropolitana.go.gov.br/>. Acesso em: jul. 2013.
O problema da mobilidade urbana da RM de Goiânia é crescente: são necessárias políticas públicas para o transporte público, além de amplos investimentos para
dotar a rede de transporte coletivo de uma capacidade operacional e uma qualidade
de serviço capazes de atender os objetivos pretendidos no PMTC, especialmente
o de garantir as condições de mobilidade da população.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
252
De certa forma, as metas estabelecidas para o SIT-RMTC refletem a dinâmica socioeconômica metropolitana, mas o atraso para a implementação das ações
planejadas não acompanha as necessidades e as demandas existentes no devido
tempo. Além disso, inexiste um diálogo do plano de transporte com as demandas
de grandes empreendimentos: geralmente, tais empreendimentos são executados
sem re-planejar a mobilidade urbana, causando graves consequências para o sistema
de transporte público, para a mobilidade da região e, consequentemente, para os
demais modais de transporte.
Atualmente, com o boom imobiliário na RM de Goiânia, a cada dia novos
empreendimentos são lançados, cada qual produzindo novas cidades em meio a
uma infraestrutura existente que será fatalmente saturada, causando, em relação à
mobilidade urbana, novas carências, novas necessidades, e novos problemas, resultantes
também dos elevados índices de crescimento de veículos individuais circulando
nas cidades – especialmente carros e motos.
As estatísticas da frota de veículos apresentadas pelo Departamento Nacional
de Trânsito (Denatran) revelam um quadro preocupante para mobilidade urbana
das cidades brasileiras. De 2000 para 2012 observa-se o predomínio da participação
de veículos tipo automóveis e motocicletas, indicando que mais de 80% da frota
estão distribuídos na forma de transporte privado. Enquanto isso, a participação de
veículos tipo ônibus e micro-ônibus, utilizados para o transporte público coletivo
ou exclusivo (fretado), representava 1,2% em 2000, caindo para 0,86% em 2012
(Denatran, 2000; 2012). A situação não é diferente para a RM de Goiânia. O
gráfico 7 mostra a participação da frota de alguns tipos de veículos para o Brasil,
Goiás e RM de Goiânia, nos anos de 2000 e 2012.
GRÁFICO 7
Participação de alguns de tipos de veículos
(Em %)
70,0
90,0
80,0
70,0
76,7
60,0
68,0
59,2
54,6
50,0
50,0
60,0
50,0
40,0
40,0
30,0
22,2
30,0
17,5
20,0
23,9
22,6
20,0
11,9
10,0
10,0
1,3
1,1
1,2
0,0
0,86
0,8
0,0
Automóveis
Motocicletas
Brasil
Goiás
Fonte: Denatran (dez. 2000 e 2012).
Elaboração dos autores.
Ônibus/micro-ônibus
Automóveis
Brasil
Motocicletas
Goiás
Ônibus/micro-ônibus
RM de Goiânia
A Integração da Rede de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Goiânia
253
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a implantação do Corredor Anhanguera, no final da década de 1970,
lançaram-se as bases de uma rede de transporte coletivo unificada em Goiânia,
de abrangência metropolitana, com destaque para a integração espacial da rede de
linhas do modo ônibus, conectadas em uma estrutura de transporte representada
pela linha eixo do corredor.
O arranjo institucional do sistema de transportes coletivos metropolitano de
Goiânia foi instituído a partir da lógica de unidade sistêmica, legitimada pela Câmara
Deliberativa de Transportes Coletivos (CDTC), que exerce a governança metropolitana do transporte, congregando, para atuação, atores e agentes (públicos e privados)
para gestão integrada dos serviços de transporte coletivo, com apoio de um órgão
metropolitano: a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC).
O serviço de transporte coletivo da Região Metropolitana de Goiânia, que
abrange Goiânia e dezessete municípios do seu entorno com os quais mantêm
relação econômica, está organizado em uma rede de serviços instituída por lei,
denominada Rede Metropolitana de Transportes Coletivos (RMTC).
A RMTC possui uma boa cobertura na prestação de serviços de transportes
coletivos à população metropolitana, assim como um bom arranjo institucional,
que conta com um instrumento de planejamento – Plano Diretor Setorial de
Transporte Coletivo da Grande Goiânia (PDSTC/2007) –, e também com uma
estratégia inovadora de gestão via Consórcio RMTC, envolvendo o setor público
e privado, subordinado à CMTC. Ainda assim, o sistema apresenta carências e
necessidades que interferem na qualidade dos serviços prestados, tais como descumprimento das planilhas de horários (atrasos), superlotação de ônibus e terminais,
congestionamentos e acidentes, entre outros.
Como na maioria das capitais brasileiras, a questão da mobilidade em Goiânia é
um fator preocupante, e o transporte público da RM de Goiânia é deficitário, tendo
experimentado graves crises nos últimos anos. Os estudos sobre sua mobilidade
urbana, realizados no PDSTC (2007) com base na Pesquisa de Origem Destino
(O/D 2000) e projeções, demonstraram a predominância do modo individual
motorizado na divisão modal da RM de Goiânia, particularmente influenciado
pelos resultados do município de Goiânia, no conjunto das viagens realizadas.
A partir das pesquisas realizadas para atualização e projeções, o cenário apresentado
é de redução da participação do modo coletivo no total das viagens motorizadas e,
no sentido inverso, aumento da participação das viagens dos modos individuais.
A mobilidade urbana na RM de Goiânia na última década, com seus 2,173
milhões de habitantes e uma frota que ultrapassa 1 milhão de veículos registrados
somente na capital, vem mostrando sérios gargalos e causando muito transtorno
à população, vindo assim a despertar a atenção de vários segmentos da sociedade.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
254
A maior parte dos deslocamentos na RM de Goiânia se origina de quatro municípios
limítrofes à capital: Aparecida de Goiânia, Trindade, Senador Canedo e Hidrolândia.
O transporte entre estes municípios e Goiânia se dá sobretudo em função da busca
dos cidadãos por serviços de educação, de saúde, e de emprego formal.
Algumas das ações planejadas para o SIT-RMTC já foram e estão sendo
realizadas no âmbito dos atuais contratos de concessão desde 2008. Vale registrar a
implantação de alguns corredores de transporte preferenciais (Corredor Universitário,
T-7, T-9 e T-63), destacados no Plano Diretor e no PDSTC-RM de Goiânia, assim
como a construção, reformulação e reformas de terminais executadas com apoio
da Prefeitura de Goiânia e das concessionárias dos serviços de transporte coletivo.
Chamam atenção também duas propostas e projetos para o sistema: o VLT no
Corredor Anhanguera e o BRT Norte Sul.
Contudo, há muito que se fazer ainda, pois o problema da mobilidade urbana
da RM de Goiânia é crescente. São necessárias políticas públicas para o transporte
público, além de amplos investimentos para dotar a rede de transporte coletivo
de uma capacidade operacional e uma qualidade de serviços capazes de atender
os objetivos pretendidos no PMTC, especialmente o de garantir as condições de
mobilidade da população.
Em termos de integração dos municípios da RM de Goiânia, vale um esforço
de análise. Percebe-se participação muito diferenciada dos municípios nos destinos
das políticas para benefício da população metropolitana, tendo em vista que os municípios mais conurbados ao núcleo da metrópole participam mais ativamente das
políticas. Este é o caso da CDTC, onde têm assento apenas os prefeitos de Aparecida
de Goiânia e Senador Canedo, além do prefeito de Goiânia (Arrais, 2012), o que
permitiria levantar a questão se Caldazinha ou mesmo Brazabrantes participariam
da RM de Goiânia tanto quanto Aparecida de Goiânia e Senador Canedo.
O processo de integração via fluxos de mercadorias, serviços e pessoas nesses
municípios, bem como o espraiamento da mancha urbana, acontece em escala reduzida. Trata-se, pois, de compreender que o avanço ou homogeneização do tecido
urbano (áreas edificáveis, lotes, glebas etc.) a partir do polo é a expressão formal
do processo de metropolização. Este movimento tem como principal articulador
o mercado imobiliário, que age de maneira integrada, influenciando os governos
municipais no parcelamento do solo urbano.
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o processo de metropolização. Revista do departamento de geografia, São Paulo,
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a constituir o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano de Goiânia e dá outras
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______. Lei Complementar n o 34, de 8 de outubro de 2001. Modifica a
Lei Complementar n o 27, de 30 de dezembro de 1999, alterada pela Lei
Complementar no 30, de 9 de junho de 2000, nas partes que especifica e dá
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crescimento de Goiânia reside hoje no enfrentamento de questões relacionadas
à consolidação de uma metrópole. Revista afirmativa, Goiânia, n. 7, jan. 2013.
CAPÍTULO 10
GOVERNANÇA METROPOLITANA E TRANSPORTES NA RM
DE PORTO ALEGRE
Carlos Renato Savoldi1
Cristina Maria dos Reis Martins2
Esteban Santana Carrion3
Patricia Fernanda de Sousa Cruz4
Pedro Xavier de Araujo5
1 APRESENTAÇÃO
A Região Metropolitana de Porto Alegre (RM de Porto Alegre), com uma população
em torno de 4 milhões de habitantes, em uma área de 10.345,45 km² e produto
interno bruto (PIB) de 112,08 bilhões em 2010, desde sua institucionalização, em
1973, sofreu significativas alterações. Entre 1973 e 2013, o número dos municípios
aumentou de quatorze para 34,6 com acréscimo de 134%, e um aumento de 177%
em sua extensão territorial. Na última década (2000-2010), a população observou
um moderado crescimento, alcançando 6,6% no período, enquanto o crescimento
do PIB representou 187%, na mesma década.
Nesse contexto, a mobilidade urbana se mostra como uma das questões com
maior impacto sobre o desenvolvimento da RM de Porto Alegre. A organização dos
transportes na área metropolitana, assim como a gestão metropolitana como um
todo, envolve a articulação das diferentes esferas de governo, municipais, estadual/
metropolitano e federal em uma perspectiva de governança entre os diferentes
atores políticos, econômicos e sociais.
Com intuito de colocar a RM de Porto Alegre dentro das mesmas tendências de desenvolvimento e organização de várias outras regiões metropolitanas
existentes no Brasil, foi criado, em dezembro de 2011, o Conselho Deliberativo
Metropolitano (CDM),7 para resolver e discutir todos os problemas que dizem
1. Arquiteto e urbanista da Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (METROPLAN).
2. Economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
3. Economista da METROPLAN.
4. Arquiteta e urbanista da METROPLAN.
5. Arquiteto e urbanista da METROPLAN.
6. Os municípios de Igrejinha e São Sebastião do Caí, com leis de inclusão em 2011 e 2012, somente farão parte da Região
Metropolitana de Porto Alegre (RM de Porto Alegre) em termos operacionais na próxima legislatura estadual, em 2015.
7. Lei Complementar no 13.854, de 26 de dezembro de 2011e Decreto no 48.946, de 26 de março de 2012.
258
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
respeito a esta região, que concentra aproximadamente 40% da população do estado do Rio Grande do Sul. Com isso, criou-se a Diretoria Executiva, junto com o
Gabinete de Governança Metropolitana (GGM), para que as medidas e definições
do CDM fossem implantadas nos municípios que compõem a RM de Porto Alegre.
Em 2012, o GGM passou a atuar junto a Fundação Estadual de Planejamento
Metropolitano e Regional (METROPLAN), contando com a expertise dos técnicos
daquela instituição, para atuar solucionando e planejando as ações a serem
implantadas dentro da RM de Porto Alegre.
A implantação das medidas a serem tomadas para o pleno desenvolvimento da RM de Porto Alegre ficou a cargo dessas novas estruturas, que têm como
principais finalidades reduzir desigualdades sociais e territoriais, construir e divulgar a identidade metropolitana e agir como facilitadores entre os vários órgãos da
administração pública, promovendo o desenvolvimento sustentável de todas as
cidades integrantes da RM de Porto Alegre.
Várias medidas já foram tomadas, dentro de uma planificação preestabelecida, na tratativa de atuar na concertação de problemas estruturais existentes e já
identificados, como o transporte público metropolitano, entre tantos outros. Neste
aspecto, atualmente, uma série de medidas estão em implantação para que sejam
minimizados estes problemas, mediante a integração do sistema de transportes
urbano e metropolitano, bem como a criação e implantação de um sistema de bilhetagem única, integrando todos os modais existentes e atuantes na RM de Porto
Alegre, tendo como principal foco facilitar ao usuário a mobilidade e a circulação
entre todos os municípios desta área.
Esses sistemas, atualmente em fase de planejamento e execução, objetivam,
dentro dos estudos elaborados, solucionar de forma ágil e pontual as dificuldades
existentes no sistema de transportes, dando mais agilidade aos deslocamentos, bem
como tornando o sistema de transportes mais racional nos municípios integrantes
da RM de Porto Alegre.
Outro grande impasse que perdura por bastante tempo é a definição e aplicação
de um plano estratégico de desenvolvimento da RM de Porto Alegre. O termo de
referência para a contratação deste plano já foi elaborado pelo GGM, dando oportunidade, desta forma, de nortear e basear a formatação de edital para contratação
futura de uma empresa especializada. Para tanto, está sendo implantado também
na RM de Porto Alegre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano (FDM),
para o qual foram necessárias várias discussões com os municípios metropolitanos.
A governança metropolitana, com isso, pretende definir um plano de ações e
investimentos que deverá servir para o desenvolvimento integrado da RM de Porto
Alegre, propiciando maior equidade e responsabilidade integrada no atendimento
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
259
das funções públicas de interesse comum (FPICs) desta significativa região do Rio
Grande do Sul.
Nesse sentido, este capítulo apresenta um panorama geral sobre a governança nos transportes na RM de Porto Alegre, com destaque para a atuação e o
papel da METROPLAN no sistema de transporte metropolitano. A seção 2 traz
a caracterização dos transportes nos diferentes modais, com a configuração das
redes urbanas e metropolitanas de transporte na RM de Porto Alegre. A seção 3
apresenta a estrutura institucional e normativa sobre os transportes, considerando
as principais disposições legais desde a institucionalização da RM de Porto Alegre
e o arranjo de gestão existente, assim como os instrumentos de planejamento e
gestão nos transportes e as fontes de financiamento para a mobilidade urbana
na RM de Porto Alegre. A seção 4 traz as características do sistema de transporte
público coletivo desta região no que tange à articulação institucional, considerando as esferas de governo – municipal, estadual/metropolitana e federal – e
as perspectivas de integração entre estas, com destaque para o sistema integrado
de bilhetagem.
A seção 5 apresenta uma síntese das principais obras de impacto sobre a mobilidade urbana na RM de Porto Alegre, em que se destacam: o Plano de Aceleração
do Crescimento (PAC) 2 – Mobilidade Grandes Cidades; a rodovia ERS-010,
um projeto a ser realizado em parceria público-privada; assim como outras ações
relevantes: a rodovia BR-448, a duplicação da rodovia ERS-118 e as obras viárias
no município de Porto Alegre, que se caracteriza como central dentro na rede de
transportes metropolitana. E, por fim, foram realizadas algumas considerações
quanto ao exposto.
2 DINÂMICA SOCIOECONÔMICA E TRANSPORTE NA RM DE PORTO ALEGRE
Em relação ao sistema viário metropolitano, entre as rodovias federais que atravessam a RM de Porto Alegre encontram-se a BR-116, que tem início no extremo
sul do estado, no município de Jaguarão, fronteira com o Uruguai, e corta a área
metropolitana no sentido sul-norte; a BR-290, que tem início no oeste do estado,
no município de Uruguaiana, fronteira com a Argentina, e corta a RM de Porto
Alegre no sentido oeste-leste e termina no encontro com a BR-101, com acesso ao
estado de Santa Catarina; e a BR-386, no sentido centro-oeste, liga o município
de Canoas ao de Iraí, no extremo noroeste do estado, divisa com Santa Catarina.
Entre as principais rodovias estaduais que atravessam a RM de Porto Alegre, são
encontradas a ERS-030, ERS-040, ERS-115, ERS-122, ERS-124 e ERS-239.
Destacam-se também na área de maior fluxo da RM de Porto Alegre, no eixo
sul-norte, a BR-448, no entroncamento com as BRs 116 e 386 e ERS-118, nos
municípios de Canoas e Sapucaia do Sul.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
260
O transporte público de passageiros nessa área conta com serviços por meio
de ônibus municipais e metropolitanos, trem metropolitano e, mais recentemente,
transporte hidroviário. No entanto, as redes de transporte dos diferentes modais não
foram concebidas de forma integrada, tanto funcional quanto institucionalmente,
e os modais são geridos pelas três esferas de governo: municipal, nos serviços por
ônibus e lotação; estadual/metropolitana, nos serviços de ônibus metropolitano;
e federal, no serviço de trem metropolitano.
Conforme os dados dos estudos do Planejamento Integrado de Transporte
e Mobilidade Urbana (PITMUrb),8 em 2009, considerando o transporte por
ônibus metropolitano, por ônibus e lotação do município de Porto Alegre e trem
metropolitano, na RM de Porto Alegre eram realizadas 35,4 mil viagens/dia, com
o transporte em torno de 1,6 milhões de passageiros. Os serviços de transporte
na RM de Porto Alegre ofereciam uma frota de 1,5 mil ônibus metropolitanos,
distribuídos em 445 linhas e uma linha de trem metropolitano com quatro carros.
Em Porto Alegre eram 1.590 ônibus distribuídos em 318 linhas, e 29 linhas de
serviços de lotação com 403 veículos.
O modal com maior frequência na RM de Porto Alegre era o ônibus, que
representava 85,15% da demanda total de passageiros, e 89,4% da oferta total dos
serviços. O fluxo de passageiros/dia por transporte de ônibus somava 1,320 milhões
de pessoas. Somente o transporte por ônibus metropolitano correspondia a 23,8%
da demanda total de passageiros da RM de Porto Alegre, enquanto o transporte
por trem metropolitano registrava 10,3% (tabela 1).
TABELA 1
Configuração das redes urbanas e metropolitanas de transporte na RM de Porto
Alegre (2009)
Oferta
Redes de transporte
RM de Porto Alegre
Demanda
Número de linhas
Número de carros
Viagens/dia
%
Passageiros/dia útil
%
Total
793
3.497
35.434
100,0
1.552.000
100,0
Total de ônibus
763
3.090
31.668
89,4
1.320.000
85,1
Ônibus metropolitano
445
1.500
8.168
23,1
370.000
23,8
Ônibus em Porto Alegre
318
1.590
23.500
66,3
950.000
61,2
30
407
3.766
10,6
232.000
14,9
Total outros
Trem
Lotação em Porto Alegre
1
4
236
0,7
160.000
10,3
29
403
3.530
10,0
72.000
4,6
Fonte: Planejamento Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana – PITMUrb (2009).
8. Com relação aos dados referentes à área de abrangência do plano (treze municípios metropolitanos), ver item 3.3
do quadro 6 deste capítulo.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
261
No município de Porto Alegre, que se caracteriza como central na rede de
transportes metropolitana, com os maiores fluxos, o transporte por ônibus, em
2009, correspondia a 86,9% da oferta de viagens/dia e 93% da demanda de passageiros/dia. Os serviços de lotação correspondiam a 12,1% do total da oferta de
serviços, e apenas 7% da demanda total de passageiros (tabela 2).
TABELA 2
Configuração das redes de transporte no município de Porto Alegre (2009)
Redes de transporte na
RM de Porto Alegre
Oferta
Demanda
Número de linhas
Número de carros
%
Passageiros/dia útil
%
Total
347
1.993
Viagens/dia
27.030
100,0
1.022.000
100,0
Ônibus em Porto Alegre
318
1.590
23.500
86,9
950.000
93,0
Lotação em Porto Alegre
29
403
3.530
12,1
72.000
7,0
Fonte: PITMUrb (2009).
Conforme dados do PITMUrb, em 2003 o transporte coletivo por ônibus
detinha 43,4% das viagens de transporte, sendo o principal transporte coletivo
utilizado. No entanto, somados os condutores e passageiros, 52,1% das pessoas
utilizavam o transporte individual como locomoção. O trem e os serviços de
lotação detinham a menor parcela do transporte, 2% e 1,8% respectivamente
(tabela 3).
TABELA 3
Perfil de viagens diárias na RM de Porto Alegre (2003)
Modo
Viagens diárias
Viagens diárias (%)
Total
4.406.316
100,0
2.296.744
52,1
Condutores
1.516.327
34,4
Passageiros
780.418
17,7
2.109.572
47,9
Transporte individual
Transporte coletivo
Trem
86.279
2,0
1.913.477
43,4
Lotação
77.282
1,8
Integrados
32.534
0,7
Ônibus
Fonte: PITMUrb, base de dados consolidada (2003).
De acordo com estudo divulgado pelo Ipea em 2013, que tratou do tempo
de deslocamento casa-trabalho no Brasil, a RM de Porto Alegre contava, em 2010,
com uma taxa de motorização de 31,2 automóveis/100 pessoas, e o tempo médio
de deslocamento casa-trabalho era de 27,7 minutos.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
262
3 PLANEJAMENTO E GESTÃO DO TRANSPORTE NA RM DE PORTO ALEGRE
3.1 Principais disposições legais
No âmbito metropolitano, entre as disposições legais que buscaram normatizar
o transporte coletivo, destacam-se a criação, em 1998, do Sistema Estadual de
Transporte Metropolitano Coletivo de Passageiros (SETM) e do Conselho
Estadual de Transporte Metropolitano Coletivo de Passageiros (CETM); e, em
1999, a atribuição à METROPLAN de finalidades privativas sobre o SETM,
mediante as quais o órgão passou a responder pelo planejamento, coordenação,
fiscalização e gestão do sistema nos modais rodoviário, ferroviário e hidroviário.
Em função disso, em 2000, foi criada junto a METROPLAN a Diretoria de
Transporte Metropolitano (DTM).
O projeto de concepção da linha de trem metropolitano teve início nos anos
1970 e a implantação ocorreu a partir dos anos 1980, com a doação de uma área
do Estado à Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (TRENSURB) em 1981.
O sistema foi instalado em 1985, com a integração entre quatro municípios metropolitanos, localizados no eixo viário sul-norte da RM de Porto Alegre – Porto
Alegre, Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul –, e teve sua primeira expansão da linha
em 1997, até o município de São Leopoldo, e a segunda expansão em 2012, até
Novo Hamburgo.
O processo de articulação institucional para a instalação do transporte hidroviário na RM de Porto Alegre teve início em 1994 e se estendeu até 2010, quando
foi implantada a hidrovia Porto Alegre-Guaíba, mediante a concessão dos serviços
de transporte hidroviário de passageiros à empresa CatSul. Em 2012, foi instituído
o terminal de passageiros da hidrovia, denominado Estação Hidroviária Esther de
Souza Worm (quadro 1).
QUADRO 1
Estrutura institucional e normativa metropolitana no transporte coletivo, trem metropolitano e hidroviário na RM de Porto Alegre (1981, 1998, 1999, 2000 e 2012)
Estrutura institucional e normativa metropolitana
Transporte coletivo
1998: Sistema Estadual de Transporte Metropolitano Coletivo de Passageiros (SETM) e Conselho Estadual de Transporte Metropolitano
Coletivo de Passageiros (CETM).
1999: estatuto da METROPLAN, finalidades privativas sobre o SETM – planejar, coordenar, fiscalizar e gerir o sistema.
2000: alteração do estatuto METROPLAN – criação da Diretoria de Transportes (DTM).
Trem metropolitano
1981: transferência de título de subscrição de ações (áreas) do estado à TRENSURB.
Transporte hidroviário
2012: terminal de passageiros da hidrovia Guaíba/Porto Alegre, Estação Hidroviária Esther de Souza Worm.
Fonte: Rio Grande do Sul (1981; 1998a; 1998b; 1999; 2000; 2012c).
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
263
Para o transporte coletivo rodoviário, destacam-se algumas disposições legais
em relação à integração e melhoria dos transportes no âmbito metropolitano: a
regulamentação do ingresso de linhas de ônibus intermunicipais em Porto Alegre,
mediante corredores exclusivos para ônibus; a renovação da frota dos veículos de
transporte coletivo metropolitano nas linhas das áreas norte e nordeste da RM de
Porto Alegre; e disposições sobre os veículos, que criaram a obrigatoriedade da
adaptação à acessibilidade de pessoas com necessidades especiais. Em 1986, foi
instituído o vale-transporte na região e, entre 1993 a 2008, várias leis estaduais
garantiram descontos para idosos e pessoas com baixa renda e a gratuidade do
transporte coletivo metropolitano para os policiais militares e para as pessoas carentes e com deficiências. Em 2013, foi instituída a gratuidade para os estudantes
comprovadamente carentes,9 Com a finalidade de propor adequações no processo
e metodologia de cálculo tarifário dos serviços rodoviários, no âmbito do SETM,
foi criado, em 2012, um grupo de trabalho (quadro 2).
QUADRO 2
Estrutura institucional e normativa no transporte rodoviário na RM de Porto Alegre
Disposições gerais
1996: Protocolo de Intenções para o desenvolvimento dos transportes coletivos de Porto Alegre e RM de Porto Alegre.
1997: Projeto de Renovação do Transporte Coletivo por Ônibus nos Corredores Norte e Nordeste da RM de Porto Alegre.
Veículos
2002: permissão/concessão para a colocação de anúncios em veículos de transporte coletivo intermunicipais.
2004: grupo de trabalho para a proposição de alternativas de acesso aos meios de transporte coletivo de pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida.
2005: adaptação dos veículos do SETM para facilitar o acesso dos deficientes, das pessoas obesas, das gestantes e dos idosos.
Passagens
1985-1986: instituição do vale-transporte na RM de Porto Alegre.
1993: gratuidade para os policiais militares.
1997-1999: descontos para idosos e pessoas com baixa renda.
2001/2003/2008: descontos para pessoas com deficiência física, mental e sensorial comprovadamente carentes.
2012: grupo de trabalho para propor ajuste no processo e metodologia de cálculo tarifário dos serviços rodoviários no âmbito do
SETM.
2013: “passe livre estudantil”, gratuidade do transporte coletivo metropolitano para estudantes comprovadamente carentes.
Fonte: Brasil (1985); Rio Grande do Sul (1986; 1993; 1996; 1997a; 1997c; 1999; 2000; 2001; 2003; 2004; 2005; 2008; 2010;
2012a; 2012b; 2013).
3.2 Arranjo de gestão nos transportes metropolitanos na RM de Porto Alegre
O SETM tem por finalidade executar a política de transporte coletivo metropolitano
de passageiros, que foi definido como o “serviço essencial – explorado diretamente
ou por delegação – executado entre dois ou mais municípios, no âmbito das regiões
metropolitanas do estado” (Rio Grande do Sul, 1998a; 1998b). As competências
9. Para usufruir o benefício da gratuidade, os estudantes devem estar comprovadamente matriculados e frequentando
instituições de ensino regular, bem como possuir renda familiar de até 1,5 salário mínimo.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
264
do SETM são reguladas conforme as resoluções da Agência Estadual de Regulação
dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS).10
O SETM é composto pela Secretaria do Planejamento; pela METROPLAN;
pelo CETM; e pelas empresas, entidades e demais órgãos executores das funções
ou serviços intermunicipais de transporte coletivo de passageiros.
O CETM, órgão deliberativo do SETM, possui atribuições legais no âmbito
do sistema – referentes a propor, deliberar, examinar, apreciar sobre diversos aspectos
etc. – e é composto por nove membros (quadro 3).
QUADRO 3
Conselho Estadual de Transporte Metropolitano Coletivo de Passageiros (CETM)
Composição
Composição
Diretor superintendente da METROPLAN.
Cinco representantes do Poder Executivo.
Um representante da entidade sindical que congrega as empresas de transportes coletivos metropolitanos.
Um representante da entidade sindical que representa os trabalhadores dos transportes coletivos no estado.
Um representante indicado pelas entidades comunitárias das regiões metropolitanas.
Atribuições
Políticas e diretrizes aplicáveis ao sistema, em especial, sobre a estrutura tarifária.
Planos, programas e projetos para a alocação de recursos financeiros e formas de sua operacionalização.
Estudos e cálculos elaborados para a fixação de tarifas do sistema.
Compatibilização das diretrizes, resoluções e normas gerais relativas ao transporte coletivo de passageiros, como aquelas emanadas dos órgãos deliberativos das regiões metropolitanas.
Normas que regem o sistema, inclusive aquelas necessárias à complementação ou interpretação de seus regulamentos.
Propostas para a criação, alteração e extinção de serviços ou linhas.
Apreciação e julgamento, em última instância, sobre os recursos administrativos interpostos em razão de infração às normas, ou
de aplicação de penalidades previstas para o transporte metropolitano coletivo de passageiros.
Medidas sobre os requisitos de qualificação e exigências que devem constar nos editais de licitação pública e nos contratos
relativos à exploração dos serviços de transporte metropolitano coletivo de passageiros.
Medidas acauteladoras que assegurem o adequado desempenho dos serviços concedidos ou permitidos, tais como: intervenções,
cassações de permissões e retomada dos serviços, entre outros.
Medidas e providências a respeito de multas e de outras penalidades a serem impostas pelo sistema.
Questões referentes ao transporte metropolitano coletivo de passageiros, submetidas ao conselho para exame e deliberação.
Fonte: Rio Grande do Sul (1998a; 1998b).
Em relação ao controle social dos transportes metropolitanos, no CETM
há espaço para participantes das categorias do setor que representam as empresas
transportadoras e os trabalhadores rodoviários, bem como para participantes da
sociedade civil organizada. Como representante dos transportadores, se encontra
a Federação das Empresas de Transportes Rodoviários do Estado do Rio Grande
do Sul (FETERGS), que atua em todo o estado; e como representante dos trabalhadores, o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários da Região Metropolitana
10. A Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS) foi criada em
1997, por meio da Lei Estadual no 10.931, com a finalidade de regular a prestação de serviços públicos delegados no
Rio Grande do Sul, incluindo os transportes.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
265
(Sindimetropolitano), com atuação voltada especificamente para a RM de Porto
Alegre. A sociedade civil organizada tem como representante a Federação Riograndense
de Associações Comunitárias e Moradores de Bairros (FRACAB), cuja atuação
abrange todo o estado e que tem como principal objetivo a defesa das comunidades
locais. Outras entidades de classe ligadas à categoria dos transportadores também
se destacam no âmbito estadual e metropolitano (quadro 4).
QUADRO 4
Controle social transporte na RM de Porto Alegre (2013)
Participação
Instituição
Representação
Participantes no CETM
FETERGS
Sindimetropolitano
FRACAB
Empresas de transporte coletivo Rodoviários e trabalhadores rodoviários
Sociedade civil organizada
Outras entidades relevantes no âmbito estadual e
metropolitano
Sindimetrô-RS
ATM
ATP
RTI
Trabalhadores metroviários
Empresas de transporte coletivo rodoviário
Empresas de transporte coletivo rodoviário
Empresas de transporte coletivo rodoviário
Elaboração dos autores.
A FETERGS, criada em 1952, congrega as empresas de transporte coletivo
rodoviário intermunicipal de passageiros de ônibus e micro-ônibus do Rio Grande
do Sul. Ao longo dos anos, a federação participou de várias ações de repercussão no
âmbito nacional, entre elas a criação do vale-transporte, nos anos 1980, e o Código
Nacional de Transportes Urbanos. A federação é vinculada a Confederação Nacional
dos Transportes, no Rio Grande do Sul, e atua em colaboração com o Departamento
de Estradas e Rodagens (Daer), METROPLAN e AGERGS para garantir os pleitos
classistas da categoria dos transportadores rodoviários. A FETERGS encontra-se
articulada as associações de classes como a Associação de Transporte de Passageiros
de Porto Alegre (ATP), a Associação Riograndense de Transporte Intermunicipal
(RTI), a Associação de Transporte Metropolitano (ATM) e a Associação Gaúcha
de Pequenas e Médias Empresas (AGPM).
O Sindimetropolitano é a instituição sindical representante dos trabalhadores
rodoviários, a qual estão associados cerca de oitocentos trabalhadores, entre
motoristas e cobradores de ônibus, nos serviços de transporte intermunicipais da
RM de Porto Alegre.
A FRACAB, fundada em 1959 a partir de movimentos sociais, é uma associação civil sem fins lucrativos, composta por associações representativas de moradores, cooperativas habitacionais populares e comunitárias e uniões municipais de
associações de moradores. A FRACAB atua nas áreas de saúde, educação, transporte
e moradia, em que presta assistência e assessoria às entidades filiadas; promove
estudos e debates sobre problemas locais e estaduais; incentiva a criação de novas
associações de moradores; e defende e desenvolve a realização de políticas públicas
266
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
de saúde, meio ambiente e saneamento básico. A federação possui representantes
em diferentes espaços de articulação, entre conselhos e fóruns relacionados, nas
áreas de energia elétrica, transporte, assistência social, saúde, segurança, habitação
e defesa dos consumidores.11
O Sindicato dos Trabalhadores em empresa de Transporte Metroviários e
Conexas do Rio Grande do Sul (Sindimetrô-RS) representa os trabalhadores do
sistema metroviário, com uma diretoria composta por 22 membros e por um
conselho diretivo, ambos eleitos em assembleia-geral.
A ATM foi criada em 1993 com a finalidade de congregar as empresas responsáveis pelo transporte coletivo de passageiros na RM de Porto Alegre, sejam
concessionárias, sejam permissionárias. A associação também apoia as entidades
sindicais da categoria e representa os interesses do segmento nas negociações com
os órgãos públicos. Nove empresas de ônibus que realizam o transporte metropolitano de passageiros estão associadas à ATM.
Ressalta-se que em 2013 o governo do estado instituiu a gratuidade das passagens para os estudantes carentes em linhas metropolitanas e linhas das aglomerações
urbanas do Rio Grande do Sul (passe livre estudantil), em função da mobilização
da população. Esta mobilização ocorreu de forma direta, sem a utilização dos canais
institucionalizados, e entre as principais demandas reivindicadas encontravam-se
as questões ligadas ao transporte, especialmente ao custo das tarifas.
3.3 Instrumentos de planejamento e gestão dos transportes: planos e
projetos integrados
O planejamento e a gestão do transporte no âmbito metropolitano na RM de
Porto Alegre podem ser caracterizados em dois períodos, entre 1973 a 1976 e a
partir de 2003.
No período 1973-1976, a estrutura técnico-institucional para o planejamento
do sistema de transportes metropolitano da RM de Porto Alegre começou a ser
montada, mediante o convênio do Grupo Executivo da Região Metropolitana
(GERM) com uma agência de cooperação alemã, contando também com a participação técnica do Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes
(GEIPOT),12 que teve como principal resultado o Plano Diretor Metropolitano
11. Conselho de Consumidores da AES Sul; Conselho de Consumidores da Companhia Estadual de Energia Elétrica
(CEEE); Conselho de Consumidores da Distribuidora Rio Grande Energia (RGE); Conselho de Tráfego do Departamento de
Estradas e Rodagens (Daer); Conselho Estadual de Transporte Metropolitano Coletivo de Passageiros (CETM); Conselho
Estadual da Assistência Social; Conselho Estadual de Saúde; Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional; Fórum de
Defesa do Consumidor; Comitê Estadual do Trânsito Seguro; Secretariado Latino-americano de Vivendas Populares; e
Coordenação Nacional dos Mutuários.
12. O Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT) foi criado em âmbito federal em 1965, com
o objetivo de realizar um diagnóstico sobre o sistema viário nacional e qualificar o quadro técnico especializado para
o planejamento dos transportes.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
267
(PDM), em 1973. Este plano, no contexto da institucionalização da RM de Porto
Alegre, dispôs sobre as grandes diretrizes para o desenvolvimento do espaço metropolitano e, dentro deste, do sistema de transporte coletivo.
O Plano Diretor Metropolitano de Transportes (PLAMET) para a RM de
Porto Alegre, concluído em 1976 e cujo ponto de partida foi o PDM, consistiu
em um estudo que definiu diversos projetos específicos na área de transporte para
a região metropolitana e teve por objetivo programar um sistema global de transporte, abrangendo os primeiros quatorze municípios metropolitanos.
O PLAMET definiu assim, de um lado, um conjunto de obras viárias que
deram origem ao Estudo do Transporte Coletivo (Transcol) da RM de Porto
Alegre e ao estudo dos Corredores Metropolitanos (COMET) e, de outro, serviu
de complemento aos estudos do TRENSURB. Foi nesta fase do planejamento
metropolitano que surgiram também as primeiras propostas de traçado da Rodovia
do Parque (BR-448), da Rodovia do Progresso (ERS-010) e da ERS-118.
O Transcol, em Porto Alegre, constitui-se na base dos estudos dos corredores
urbanos, denominado Projeto de Operação Integrada (POI), que, contando com
recursos do Programa EBTU-BIRD (Empresa Brasileira de Transportes Urbanos-Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento), permitiu a implantação dos primeiros corredores exclusivos para ônibus em Porto Alegre, no final
da década de 1970 e começo da década de 1980.13
O COMET, realizado em 1981, foi um dos estudos mais significativos sobre
o sistema de transporte por ônibus na RM de Porto Alegre. Este estudo tratou
dos corredores metropolitanos como um prolongamento, ou uma extensão, dos
corredores urbanos de Porto Alegre e reforçou a estrutura urbano-metropolitana
concêntrica, por meio das radiais da capital constituídas em corredores urbanos e
de seus prolongamentos, conformando os corredores metropolitanos. Utilizou-se
no COMET esta forma de grandes radiais como instrumento de planejamento e
como indutor “natural” da ocupação urbana e regional, o que se constituiu em um
fator de agravamento do trânsito da capital, ao serem utilizados os mesmos eixos
viários historicamente carregados, confirmando, por seu turno, a necessidade do
reforço da implementação das transversais urbanas e metropolitanas.
O Projeto do Trem Metropolitano, TRENSURB, contou com uma significativa participação da METROPLAN nas diferentes fases do projeto. Após definidos
o percurso e as quinze estações da primeira etapa do trem (Porto Alegre-Sapucaia
do Sul), coube a METROPLAN, particularmente, tanto o estudo do entorno de
13. Corredor da avenida Cristóvão Colombo, em 1977; corredores das avenidas Farrapos e Assis Brasil, em 1980; e
avenidas João Pessoa e Bento Gonçalves, em 1982. No corredor da Bento Gonçalves, o Projeto de Operação Integrada
(POI) definiu um sistema tronco-alimentador, que alguns anos depois (1987) teve de ser desativado por falta de adesão
dos usuários. Igualmente, o POI deu origem à implantação dos terminais de ônibus das avenidas Cairú, Azenha, Alameda
e, finalmente, ao terminal da avenida Antonio de Carvalho.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
268
cada estação – prevendo os impactos urbanísticos e socioeconômicos e a integração
física intermodal, principalmente com o sistema de transporte metropolitano por
ônibus – quanto das futuras áreas de estacionamento, para automóveis particulares, em cada estação, a fim de facilitar e incentivar a integração dos usuários deste
modo privativo com o sistema TRENSURB. Ao longo do tempo, a METROPLAN
trabalhou integrada amiúde com as comissões técnicas da TRENSURB, assim
como na definição das diretrizes e políticas do sistema TRENSURB, por meio do
seu Conselho Diretor.
Nos anos 1990, com a Constituição de 1988 – que não trouxe resguardo
legal para as questões metropolitanas e fortaleceu o municipalismo – e a partir da
extinção da EBTU,14 o planejamento e a gestão de transporte na RM de Porto Alegre
sofreram uma fragmentação, passando a ser realizados por esfera de governo, em
função de necessidades específicas de cada rede e sistema, com o desenvolvimento
de diferentes estudos e projetos pelas três esferas de governo (quadro 5).
QUADRO 5
Estudos e projetos desenvolvidos pela esfera municipal (2000), estadual metropolitana
(1996) e federal (1997/2001)
Esfera/ano
Estudo e/ou projeto
Municipal
(2000)
Plano Diretor Setorial de Transporte Coletivo do Município de Porto Alegre, contratado pela Secretaria
Municipal dos Transportes (SMT)/Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
Estadual/metropolitana
(1996)
Projeto de Renovação Operacional do Transporte Coletivo por Ônibus dos Corredores Norte e
Nordeste da RM de Porto Alegre (Projeto Linha Rápida), para a integração (física, operacional e
tarifária) dos serviços dos municípios do eixo nordeste e norte da RM de Porto Alegre desenvolvido
pela METROPLAN.
Federal
(1997 e 2001)
Estudo de Viabilidade da linha 2, para expansão do TRENSURB, com a implantação de uma nova
ligação metroviária para atender a região nordeste de Porto Alegre.
Elaboração dos autores.
Em 2003, teve início o PITMUrb no âmbito da RM de Porto Alegre, cujas
ações se encontram em curso. Este planejamento teve como premissa a necessidade
de integração entre os órgãos gestores dos sistemas de transporte urbanos, de Porto
Alegre e metropolitano, e a necessidade de compatibilização dos estudos e projetos
desenvolvidos pelas três esferas de governo.
A execução do processo de integração ocorreu por meio do convênio de
cooperação técnica e apoio recíproco entre a TRENSURB, a METROPLAN e a
Empresa Pública de Transporte Coletivo de Porto Alegre (EPTC), com o desenvolvimento de estudos, projetos, planos e programas que conjugassem e integrassem as
14. A Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU) foi criada em 1975 com o objetivo de efetivar a Política Nacional
dos Transportes Urbanos. A empresa promoveu e coordenou a elaboração dos planos diretores de transportes metropolitanos e municipais (urbanos), por meio de recursos internacionais, captados principalmente do Banco Interamericano
de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e do Banco Mundial. A EBTU foi extinta em outubro de 1991, após uma
significativa participação no desenvolvimento do sistema de transportes da RM de Porto Alegre.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
269
modalidades de transporte público existentes na RM de Porto Alegre. Estes estudos
envolveram, em especial, o desenvolvimento de um sistema tarifário integrado, a
partir do qual se possibilitou a implantação da bilhetagem eletrônica no transporte
coletivo de passageiros na região metropolitana. Tal processo de integração foi
desenvolvido em três etapas, como mostra o quadro 6.
QUADRO 6
Etapas da integração do transporte público coletivo na RM de Porto Alegre
Ano
Atividades
2003
Estudo de planejamento estratégico de integração do transporte público coletivo da RM de Porto Alegre.
2009
Plano Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana (PITMUrb), envolvendo treze municípios metropolitanos, que
correspondem a 45% da área da RM de Porto Alegre e concentram 85,2% da população da região metropolitana.
2010 (atual)
Projetos básico e executivo de engenharia, urbanização, arquitetura e EIA-Rima para implantação do sistema
integrado e implantação das soluções e execução de obras.
Fonte: PITMUrb (2009).
Destaca-se que, com a criação do CDM (2011) e GGM (2012), encontrase em discussão a elaboração do plano estratégico de desenvolvimento da RM
de Porto Alegre, cujo desenvolvimento será mediante a contratação de empresa
especializada. Este plano deverá, de forma integrada com as demais FPICs, contemplar as questões relacionadas ao transporte. Para tanto, está sendo implantado
também na RM de Porto Alegre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano,
que será firmado após várias discussões, para sua perfeita compreensão e assimilação pelos municípios, oportunizando desta forma a atuação efetiva de todos
no desenvolvimento da região.
3.4 Recursos para o financiamento da mobilidade urbana
No âmbito metropolitano, os recursos financeiros utilizados para custear o planejamento, o gerenciamento, o desenvolvimento, a fiscalização, a expansão e as
melhorias relacionadas ao SETM, de acordo com a lei, são oriundos de dotações
consignadas no orçamento anual do estado, por meio das secretarias de Estado e
da METROPLAN (tabela 4), bem como de outras fontes decorrentes das articulações do próprio sistema.15
15. Entre as demais fontes de receita encontram-se as multas impostas às empresas operadoras; a receita decorrente
de pagamento efetuado por concessionários ou permissionários dos serviços públicos de transporte metropolitano
coletivo de passageiros; os aluguéis de bens patrimoniais; a venda de materiais inservíveis ou da alienação de
bens patrimoniais alocados para o sistema; as rendas decorrentes da prestação de serviços a entidades públicas e
privadas; as operações de crédito; os auxílios e subvenções de órgãos e entidades públicas ou privadas, nacionais
ou internacionais; os recursos provenientes de convênios ou acordos firmados; os fundos ou programas especiais;
as receitas decorrentes da operação ou exploração de serviços do Sistema Estadual de Transporte Metropolitano
Coletivo de Passageiros (SETM), como locações de lojas, módulos dos terminais, pátios de estacionamento e outros;
as doações e legados, entre outras.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
270
TABELA 4
Ações de mobilidade urbana previstas no orçamento estadual do Rio Grande do Sul
Plano plurianual
Ações de mobilidade urbana previstas no orçamento estadual
Dotação (R$)
2008-2011
Qualificação do SETM
3.782.397
2008-2011
Institucionalização do processo de planejamento e gestão territorial e mobilidade urbana
2.640.000
2012-2015
Promoção do desenvolvimento da mobilidade urbana da RM de Porto Alegre e aglomerações
urbanas do Rio Grande do Sul
10.779.636
Fonte: Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã do Estado do Rio Grande do Sul (SEPLAG); Rio Grande do
Sul ([s.d.]a; [s.d.]b).
Os investimentos de grande porte para a expansão da infraestrutura urbana
contam com recursos provenientes de outras fontes, que incluem, sobretudo, a
esfera federal (tabela 5).
TABELA 5
Empreendimentos de grande porte na infraestrutura urbana da RM de Porto Alegre
Início da implantação
Investimentos
(R$ milhões)
2009¹
1.100,0
Duplicação da rodovia ERS-118
2006
157,3
Governo do estado
PAC 2 Mobilidade Urbana
2012
314,7
Governo federal
Rodovia BR-448
2009
1.081,1
Governo federal
Aeroporto – terminal de cargas
2012
137,2
Governo federal
Aeromóvel
2012
37,8
Governo federal
Sistema viário e BRTs
2013
865,5
Governo federal
Empreendimentos
Principal fonte de recursos
RM de Porto Alegre
Rodovia ERS-010
Parceria público-privada
Porto Alegre
Elaboração dos autores.
Nota: ¹ Atualização do estudo realizado pela empresa Odebrecht.
4 EFETIVIDADE DO ARRANJO DE GESTÃO E DA GOVERNANÇA METROPOLITANA
NO TRANSPORTE NA RM DE PORTO ALEGRE
Segundo estudo realizado pela METROPLAN, em conjunto com a TRENSURB
e a Secretaria Municipal de Transportes de Porto Alegre (SMT/EPTC), intitulado
Processo de Integração do Transporte Público da Região Metropolitana de Porto
Alegre, o sistema de transporte público coletivo da RM de Porto Alegre apresentava
uma problemática institucional em que as três esferas de gestão – federal, estadual/
metropolitana e municipal – acabavam tratando separadamente os assuntos que
seriam de âmbito comum.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
271
Nesse sentido, pode-se considerar que, mesmo com as iniciativas das décadas
de 1970 e 1980 – em que se destacam o empenho da EBTU, a criação do Núcleo
Metropolitano de Transportes Urbanos da RM de Porto Alegre, em 1979,16 ou até
mesmo a criação, em 1998, do SETM, com a delegação à METROPLAN da gestão
do sistema de transporte metropolitano –, não houve efetivamente a integração
dos transportes nesta área.
A gestão de transporte por ônibus está a cargo das esferas municipal e estadual,
com a maior parte da operação realizada de forma privada. Apenas Porto Alegre
possui um plano diretor de transportes, e no âmbito metropolitano não há um
plano diretor atualizado que englobe a totalidade da RM de Porto Alegre (quadro 7).
QUADRO 7
Características do sistema de transporte público coletivo da RM de Porto Alegre (2013)
Modal
Ônibus em
Porto Alegre
Ônibus nos
demais municípios
Ônibus
metropolitano
Trem
metropolitano
MetrôPOA
Transporte
hidroviário
Esfera de governo
Municipal
Municipal
Estadual /
metropolitana
União federal
Federal
/municipal
Estadual
Órgãos de planejamento e gestão
SMT/EPTC
SMTs, SMOVs e
departamentos¹
METROPLAN
TRENSURB
Indefinido
SPH³
Operação
Privada e
pública
Privada
Privada
Pública
Privada
Privada
Tarifa
Única
Única
Seções
tarifárias
quilométricas
Única e
integrações
Única
Única
Subsidiado
Indefinido
Subsídio
Plano diretor
PDSTC – 2000²
-
-
-
PITMUrb (treze
municípios
metropolitanos)
-
-
-
Fonte: Kasper, Peixoto e Feitoza Filho ([s.d.]).
Notas: ¹ SMTs: secretarias municipais de transporte; SMOVs: secretarias municipais de obras e viação.
² PDSTC-2000: Plano Diretor Setorial de Transporte Coletivo de Porto Alegre – Modal ônibus urbano.
³ Superintendência de Portos e Hidrovias.
No PITMUrb, está prevista a instalação de um sistema integrado de transporte
(SIT) e de uma rede estrutural multimodal integrada para a RM de Porto Alegre,
que, a partir da integração institucional das três esferas de governo, deverá atender
as necessidades funcionais da RM de Porto Alegre, envolvendo os treze municípios
contemplados no plano (figura A.1, anexo 1).
Outra ação em andamento com base na integração institucional e operacional, como exposto anteriormente, é a do bilhete único urbano metropolitano,
que visa à integração da bilhetagem entre as diferentes linhas nos modais ônibus
16. Extinto em 1982, por falta de poder legal.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
272
e trem metropolitano, com o controle público do sistema. A gestão financeira
integrada tem por objetivo promover subsídios para o sistema e usuários, e
não somente para o operador; a desvinculação entre a arrecadação e o repasse;
tarifas sociais que não penalizem o operador; remuneração diferenciada para os
diferentes serviços, mediante contratos específicos; a “gestão do transporte por
bacias” (regiões), com equilíbrio dentro destas; e a sustentabilidade da gestão
pública dos transportes.
Como alternativa de um novo modelo de gestão, com efetiva integração
institucional, no processo de integração também foi proposta a criação de um
consórcio metropolitano de transporte urbano. Entre as principais finalidades
deste consórcio público estariam o planejamento, o gerenciamento e o controle
dos serviços de transporte; a busca de recursos externos ao sistema; e a contribuição para a universalização do acesso ao transporte público. Entretanto,
a criação do consórcio teria como prerrogativa a possibilidade de autonomia
gerencial, com a flexibilização da ação do poder público enquanto órgão gestor
do sistema.
Com o projeto do MetrôPOA (metrô leve), a proposição seria o aumento
da participação no transporte coletivo na RM de Porto Alegre, que passaria de
47,3%, em 2003, para 52,2% em 2033. Enquanto o transporte individual, por
seu turno, teria sua participação reduzida em torno de 5% ao longo desses trinta
anos (tabela 6).
TABELA 6
Perspectivas de implantação do metrô leve (2003-2033)
Situação
Modos de transporte
Cenário do metrô leve
2003
2023
2033
Viagens
%
Viagens
%
Viagens
%
Total
468.734
100
522.737
100
564.695
100
Transporte coletivo
221.894
47,3
271.306
51,9
294.576
52,2
Transporte individual
246.840
52,7
251.431
48,1
270.119
47,8
Fonte: METROPLAN (2009)
Obs.: base de dados consolidada em 2003.
Destaca-se que mesmo com vários estudos e projetos de investimento que
visam à integração dos transportes na RM de Porto Alegre, pode-se considerar que
ainda não existe um plano regional para o desenvolvimento do sistema de transporte metropolitano que equacione as questões referentes à integração operacional,
institucional e de financiamento do sistema como um todo.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
273
5 GOVERNANÇA DO TRANSPORTE METROPOLITANO E A EXPANSÃO DA
INFRAESTRUTURA URBANA
Em 2013, entre os principais projetos de investimento na RM de Porto Alegre se
destacam aqueles relacionados à complementação da malha viária – que incluem
a rodovia federal BR-448 e as rodovias estaduais ERS-010 e ERS-118 – e às ações
previstas no PAC 2 Mobilidade Grandes Cidades, assim como as obras no município de Porto Alegre que foram impulsionadas pela realização da Copa do Mundo
2014, em que se destacam a ampliação do aeroporto, o aeromóvel e as obras no
sistema viário para implantação dos bus rapid transit (BRTs). O MetrôPOA, outro
empreendimento de destaque, está previsto no PAC.
5.1 Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2) Mobilidade
Grandes Cidades
Entre os grandes empreendimentos na área de transporte encontram-se as obras
do PAC 2 da Mobilidade Grandes Cidades da RM de Porto Alegre. O projeto é
composto por dez intervenções em nove municípios da região e visa qualificar o
serviço de transporte coletivo e oferecer mobilidade por meio da implantação de
corredores e faixas exclusivas para ônibus; de ciclovias; da qualificação dos passeios
públicos, com soluções de acessibilidade; e da implantação de sistemas tecnológicos
de monitoramento e fiscalização. Em conjunto, as intervenções somam quase 60
quilômetros de extensão por sentido (figura A.2, anexo 1).
O investimento total do programa será da ordem de R$ 315 milhões, dos quais
R$ 299 milhões são provenientes de financiamento do governo federal e R$ 15
milhões são a contrapartida do estado do Rio Grande do Sul. As obras deverão
beneficiar diretamente em torno de 600 mil usuários por dia. Os municípios com
os maiores montantes investidos são Gravataí e São Leopoldo (tabela 7).
TABELA 7
Intervenções do PAC 2 Mobilidade na RM de Porto Alegre (2013)
Cidades
Extensão total (Km)
Investimento (R$)
%
População (2010)
2.883.085
Total
59,90
314.736.842,12
100,0
Esteio
4,98
8.455.881,64
2,7
80.755
Sapucaia do Sul
4,30
21.588.409,20
6,9
130.957
São Leopoldo
4,72
53.923.354,04
17,1
214.087
Novo Hamburgo
4,46
29.064.057,76
9,2
238.940
Porto Alegre
8,00
28.714.798,27
9,1
1.409.351
Cachoerinha
4,72
31.113.465,87
9,9
118.278
Gravataí
11,20
67.735.398,67
21,5
255.660
Alvorada
5,12
37.967.999,74
12,1
195.673
Viamão
12,40
36.173.476,93
11,5
239.384
Fonte: METROPLAN (2013).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
274
A METROPLAN está coordenando o projeto em conjunto com a Secretaria
de Planejamento e Gestão e Participação Cidadã (SEPLAG) e com as prefeituras
dos nove municípios envolvidos. Em 2013, concluíram-se os anteprojetos de engenharia, que possibilitarão a realização de licitação pelo regime diferenciado de
contratação (RDC). A previsão é que a licitação ocorra no primeiro semestre de
2014 e que as obras possam iniciar até o final deste ano.
5.1.1 PAC 50/Pacto da Mobilidade
De forma complementar ao projeto do PAC 2, a partir das manifestações da
população ocorridas no país em meados de 2013, que tiveram como foco a qualificação dos serviços de transporte público, foi criado pelo governo federal o Pacto
da Mobilidade (ou PAC 50), mediante um investimento de mais de R$ 50 bilhões
em obras de mobilidade urbana. A METROPLAN, por meio do Escritório do
PAC, prestou significativo apoio técnico à SEPLAG na elaboração das propostas
de intervenção para o Rio Grande do Sul.
Ao longo de quatro meses, foram elaborados estudos e análises técnicas com
vistas a identificar as principais demandas de mobilidade urbana do estado, com
foco principalmente na RM de Porto Alegre. Após longas tratativas, que envolveram as esferas municipal, estadual e federal, foram definidas as obras que serão
contempladas neste novo programa, que ainda será regulamentado pelo Ministério
das Cidades, mas que deve manter características semelhantes ao do PAC 2.
Foram contempladas no estado, além do novo arranjo econômico proposto para
o MetrôPOA, duas obras e dois projetos (quadro 8).
QUADRO 8
Obras previstas para a RM de Porto Alegre no PAC 50
Obra
Municípios
Descrição
Duplicação da Estrada do
Conde
Eldorado do Sul e Guaíba
Implantação de faixa exclusiva de transporte público, ciclovias
e melhorias nos passeios, com uma extensão de aproximadamente 12 quilômetros.
Duplicação e implantação de
faixa exclusiva
Porto Alegre (avenida
Protásio Alves)
Viamão
Alvorada (avenida
Frederico Dihl)
Trata-se de três projetos integrados que dão continuidade e
se conectam com outras três intervenções já contempladas no
PAC 2 Mobilidade Grandes Cidades e no PAC da Copa, qualificando de forma integral o sistema de mobilidade da RM de
Porto Alegre, atendendo principalmente estes três municípios.
Extensão total de aproximadamente 18 quilômetros.
Projeto da perimetral
metropolitana
Viamão, Alvorada, Gravataí
e Cachoeirinha
A avenida, prevista no PITMUrb permitirá a ligação transversal
de 4 municípios da RM de Porto Alegre com uma extensão
total de 18 km.
Projeto de duplicação
Porto Alegre (avenida Castelo
Branco)
Implantação de Faixa Exclusiva para o Transporte Público, com
extensão de 6 km.
Fonte: METROPLAN (2013).
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
275
Os mapas (figuras A.4 e A.5, anexo 1) situam as intervenções mencionadas do
PAC 2 e PAC 50, contextualizando-as com as demais infraestruturas de prioridade
ao transporte público existentes ou em projeto na RM de Porto Alegre.
5.2 Rodovia ERS-010
A ERS-010 constitui a proposta de rodovia correspondente ao segmento leste do anel
rodoviário metropolitano, com direção norte-sul, prevista desde o trevo da BR-290
com a avenida Assis Brasil, em Porto Alegre, até a RS-239, em Campo Bom/Sapiranga.
Corresponde, portanto, ao mesmo traçado da rodovia proposta nas diretrizes do
PLAMET, em 1976, pelo GEIPOT e pela METROPLAN, além de uma constante
da rede viária proposta para médio prazo em 1985. As intervenções propostas originalmente ocorrem nos municípios de Porto Alegre, Canoas, Cachoeirinha, Gravataí,
Sapucaia do Sul, São Leopoldo, Novo Hamburgo, Campo Bom e Sapiranga.
A ERS-010 consiste na consolidação de uma diretriz viária metropolitana
formulada há mais de trinta anos. Essa diretriz foi reiterada em estudos posteriores
relativos ao planejamento viário da RM de Porto Alegre, elaborados tanto pela
METROPLAN quanto pelo DAER. Entre estes estudos, destaca-se o projeto
denominado Programa de Complementação da Malha Viária Metropolitana que
foi elaborado pela METROPLAN em 2000. Tal projeto definiu algumas diretrizes
viárias para a RM de Porto Alegre, com base em estudos anteriormente desenvolvidos, em conjunto com os municípios da região e com o DAER. Em 2002, foi
instituído um grupo de trabalho17 – composto por representantes da Secretaria
dos Transportes, do DAER, da Secretaria de Administração e dos Recursos
Humanos, da Secretaria de Coordenação e Planejamento, da Secretaria Estadual
de Meio Ambiente e da METROPLAN – para estudar alternativas à BR-116, que
já apresentava sinais de saturação.
Dentro desse sistema, que previu rodovias paralelas a leste e a oeste da
BR-116, ambas fora das áreas urbanas existentes, a ERS-010 foi pensada originalmente como uma via expressa, com acesso restrito, ligando Porto Alegre à RS-239.
O objetivo pautava-se em atrair parte do tráfego não destinado às áreas centrais
entre Canoas e Novo Hamburgo. Todos os estudos sobre a rede viária metropolitana
desenvolvidos desde os anos 1970 reconheceram a necessidade de propostas viárias
alternativas à BR-116, dada a previsão de saturação dessa via.
5.2.1 Traçado da rodovia ERS-010
Fez-se necessário rever questões técnicas de adaptação do traçado original da
ERS-010 à atual configuração urbana dos municípios que a integram, uma vez
que se trata de uma diretriz viária metropolitana formulada há mais de trinta anos.
17. Por meio do Decreto Estadual no 41.329, de 15 de janeiro de 2002.
276
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O estudo elaborado pela METROPLAN em 2013 consistiu na síntese das demandas relativas aos ajustes do traçado da ERS-010 nos referidos municípios.
Tal estudo resultou da deliberação da Diretoria Executiva do CDM, a qual definiu como responsabilidade da METROPLAN a prestação de assessoria técnica
aos municípios no atendimento daquelas demandas. Em face da necessidade de
atualizar o projeto de implantação da ERS-010 de acordo com as condições territoriais de hoje, a METROPLAN procurou obter maior prazo para rediscutir o
traçado da rodovia. Nesse sentido, o estudo para ajustes do traçado da rodovia foi
desenvolvido com a colaboração das administrações municipais da RM de Porto
Alegre e com o suporte técnico da METROPLAN.18
A agenda de reuniões contemplou os municípios de Porto Alegre, por meio
da colaboração da EPTC, Canoas, Cachoeirinha, Sapucaia do Sul, São Leopoldo,
Novo Hamburgo, Campo Bom e Sapiranga. Em cada reunião, foram discutidas
alternativas que mais bem se adaptariam às demandas atuais, bem como às diretrizes
previstas nos planos diretores. As alterações propostas se aplicam aos municípios de
Cachoeirinha, Novo Hamburgo, Campo Bom e Sapiranga (figura A.5, anexo 1).
Para além das necessidades de fluxo viário, o traçado da ERS-010 contempla
novas áreas para ocupação. Isto porque, considerando o atual contexto, observa-se
que a respectiva rodovia não pode ser tratada tão somente como uma via expressa
para escoamento de tráfego, mas principalmente como um espaço de integração
metropolitana e gerador de oportunidades para o desenvolvimento. No que se
refere à ocupação do território, o traçado proposto para a ERS-010 deverá induzir e orientar o crescimento dos municípios nesta direção, criando um eixo de
desenvolvimento regional. Reconhece-se, portanto, a inter-relação entre o uso das
vias e os usos do solo, tendo em vista o papel indutor de ocupação do território
provocado pelos novos eixos de acessibilidade.
5.2.2 Modelagem de concessão: parceria público-privada (PPP)
A execução da obra da ERS-010 deverá ser viabilizada por meio de uma parceria
público-privada (PPP),19 na modalidade patrocinada ou administrativa. Tal modalidade objetiva, complementarmente às receitas de pedágio, a contraprestação
pública, de forma a manter-se um nível tarifário adequado à capacidade de pagamento pelo usuário da futura rodovia. Esta condição torna-se ainda mais aplicável
por se tratar de um projeto do tipo green field. Tal tipologia corresponde a um eixo
rodoviário completamente novo, cuja implantação é feita em local onde não há
qualquer infraestrutura existente (Odebrecht, 2009).
18. Em 2009, foi contratado pelo governo do estado um estudo de traçado para a rodovia, realizado pela empresa
Odebrecht.
19. A execução da ERS-010, como uma parceria público-privada (PPP), foi discutida junto à esfera municipal, dentro da
Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (GRANPAL).
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
277
Para a viabilização do projeto, será analisada uma alternativa de modulação
em fase de implantação para a estrutura viária proposta, de forma a minimizar os
efeitos dos investimentos iniciais do projeto. Para tornar possível tal implementação, propôs-se a divisão da rodovia em três trechos (figura A.6, anexo 1). Os dois
primeiros trechos, correspondentes ao trajeto entre Porto Alegre e São Leopoldo,
serão de responsabilidade dos investidores privados, enquanto a execução do terceiro
trecho, entre Novo Hamburgo e Sapiranga, ficará a cargo do governo do estado.
5.3 Rodovia BR-448 e rodovia ERS-118
Outro grande empreendimento em destaque trata da implantação da rodovia
BR-448, no trecho de entroncamento da BR-116 (RS) e BR-290 (RS), também
conhecido como Rodovia do Parque, cuja nova pista foi inaugurada em dezembro de 2013. Com investimentos totais em torno de R$ 1 bilhão, a obra foi
completamente financiada com recursos públicos federais, via PAC. Com 22,3
quilômetros de extensão, atravessando os municípios de Sapucaia do Sul, Esteio,
Canoas e Porto Alegre, ligando a RM de Porto Alegre à BR-290, espera-se que a
rodovia absorva entre 30% a 40% do tráfego da BR-116, recebendo em torno de
35 mil veículos por dia.
Em obras desde julho de 2006, a duplicação da ERS-118 contempla 22
quilômetros entre os municípios metropolitanos de Sapucaia do Sul e Gravataí, e
também a pavimentação de 18,9 quilômetros no entorno e interior do município
de Viamão, com previsão de conclusão para o primeiro semestre de 2014 e total
de investimento em cerca de R$ 157,3 milhões.20
5.4 Grandes empreendimentos no município de Porto Alegre
No município de Porto Alegre, em decorrência da Copa do Mundo 2014, estão sendo realizadas diversas obras viárias, com previsão para conclusão entre
2013-2014. Entre estas obras encontram-se a duplicação de várias avenidas e
a adequação dos corredores de ônibus em função da implantação dos BRTs.
Em março de 2013, estas obras somaram R$ 865 milhões, em que estavam
incluídos R$ 79 milhões para ações de desapropriação de residências que se
encontravam sobre o traçado das vias.
Com investimento total de R$ 37,8 milhões, foi inaugurado em agosto de
2013 o aeromóvel, um veículo articulado sobre trilhos que liga o aeroporto Salgado
Filho à estação do TRENSURB, que contará com dois veículos e capacidade para
trezentos e 150 passageiros.
20. Após audiências públicas com a Secretaria de Habitação e Saneamento, em torno de seiscentas famílias atingidas
pela obra estão sendo reassentadas via aluguel social do governo estadual ou pelo Programa Minha Casa Minha Vida,
do governo federal.
278
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Com recursos federais, via PAC, foram realizadas, a partir de 2012, obras de
ampliação do aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre, com um novo terminal
de cargas já concluído, onde foram investidos R$ 137,2 milhões.21
Também estão previstas algumas ações em relação aos transportes hidroviários em Porto Alegre. Entre estas ações se destacam: a implantação do Código
Internacional para Proteção de Navios e Instalações Portuárias (ISPS Code) e sua
adequação à legislação portuária internacional; investimentos de cerca de
R$ 1 milhão na recuperação de guindastes para operação portuária, assim como a
reintegração de posse de áreas ocupadas irregularmente, onde posteriormente há
previsão de implantação de empresas da indústria naval; um terminal de passageiros;
e o arrendamento e implantação do Cais Mauá.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a criação da RM de Porto Alegre, buscou-se um planejamento integrado
dos transportes, que em certa medida, dada a atuação do órgão metropolitano, se
manteve em alguns aspectos ao longo dos anos.
Na década de 1970, houve um planejamento integrado para a RM de Porto
Alegre, com a elaboração do PLAMET e de estudos como o TRENSURB, o Transcol
e o COMET. Nos anos 1990, dadas as mudanças no contexto institucional, em
que não ocorreu o resguardo legal para as questões metropolitanas e com o fortalecimento do municipalismo, o planejamento e a gestão de transportes na RM de
Porto Alegre sofreram uma fragmentação, passando a ser realizados pelas esferas
de governo individualmente, em função de necessidades específicas de cada rede
e sistema. Neste contexto, a gestão dos transportes vem sendo realizada pelas três
esferas de governo – federal, estadual/metropolitana e municipal, que acabam
concebendo redes de transporte de forma separada, tanto em termos funcionais
como institucionais.
Mesmo com as várias iniciativas para a integração – como a EBTU e a criação
e operação do Núcleo Metropolitano de Transportes Urbanos da RM de Porto
Alegre, nas décadas de 1970 e 1980, assim como a criação recente da AGERGS
e do SETM e a atribuição à METROPLAN da gestão do sistema de transporte
metropolitano –, ainda não ocorreu a integração efetiva dos transportes nos três
níveis de governo.
Foram realizados vários estudos para a integração dos transportes na região
metropolitana, inclusive com projetos a serem implantados. Entretanto, o modelo
de gestão dos transportes na RM de Porto Alegre ainda se mostra insuficiente,
21. No âmbito estadual, proposta da construção de um novo aeroporto internacional na RM de Porto Alegre com
capacidade para 40 milhões de passageiros/ano.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
279
existindo a necessidade de soluções integradas do ponto de vista institucional,
funcional e de financiamento do sistema.
Observa-se que após a retomada da integração do transporte metropolitano
via PITMUrb em 2003, alguns projetos que estão em estudo possuem como base
o primeiro Plano Metropolitano de 1973-1976, como é o caso da ERS-010, que já
estava prevista naquela época como via leste. No entanto, alguns projetos previstos
no planejamento dos anos 1970, com as devidas adaptações, foram e estão sendo
implantados ao longo dos anos, entre os quais estão o TRENSURB, os corredores
de ônibus e as vias transversais, o que demonstra a relevância de um planejamento
metropolitano integrado de longo prazo.
O planejamento e a gestão do sistema de transporte metropolitano vêm
sendo mantidos com recursos provenientes do orçamento do estado e de algumas
receitas geridas dentro do próprio sistema, assim como pela busca de outras fontes
de financiamento. Os recursos para os empreendimentos de grande porte são em
geral oriundos da esfera federal.
Em relação ao controle social, observa-se que a participação está centrada
em atores privados e setoriais relacionados com a defesa dos trabalhadores do
sistema de transporte e representantes dos interesses das empresas privadas de
transporte. Há também uma entidade atuante no âmbito estadual (FRACAB) que
busca defender os interesses comunitários locais, em especial os relacionados às
demandas de habitação e saneamento e não propriamente voltadas para a questão
da mobilidade urbana.
Quanto à participação das entidades representativas dos trabalhadores do
setor (Sindimetrô e Sindimetropolitano) e da população (FRACAB), constata-se a
necessidade de uma avaliação temporal sobre a eficácia da atuação destes atores, a
fim de verificar se atualmente ainda constituem a melhor forma de representação,
tanto dos trabalhadores como dos usuários do sistema de transporte metropolitano, ou se há necessidade de criação de novas formas de representação, com
mecanismos mais abrangentes. A falta de avanços, por parte destes agentes, no
conhecimento da problemática dos transportes metropolitanos e do instrumental
técnico-analítico pode definir uma participação um tanto quanto protocolar e
burocrática destes representantes.
Por seu lado, mediante a atuação do CDM e GGM, criados em 2011, que
se apresentam como meio de articulação de uma governança metropolitana, várias
medidas vêm sendo tomadas em relação ao transporte público metropolitano, para
que sejam minimizados os problemas estruturais já identificados, cujo principal
foco é facilitar ao usuário a mobilidade e a circulação entre todos os municípios
da RM de Porto Alegre.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
280
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Lei no 11.664, de 28 de agosto de 2001, que dispõe sobre a gratuidade nas linhas
comuns do transporte intermunicipal de passageiros, até o limite de duas passagens
por coletivo, a deficientes físicos, mentais e sensoriais, comprovadamente carentes.
Porto Alegre: Palácio Piratini, 2003. Disponível em: <http://goo.gl/J5GQ1>.
282
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pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Porto Alegre:
Palácio Piratini, 2004. Disponível em: <http://goo.gl/cAK3vW>.
_______. Lei Estadual no 12.227, de 5 de janeiro de 2005. Dispõe sobre a adaptação dos veículos do Sistema Estadual de Transporte Metropolitano de Porto Alegre
– RMPA com dispositivos de acesso às pessoas portadoras de deficiência física,
obesos, gestantes e idosos. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2002. Disponível
em: <http://goo.gl/JJ68M8>.
_______. Lei Estadual no 13.042, de 30 de setembro de 2008. Dispõe sobre a
gratuidade nas linhas comuns do transporte coletivo intermunicipal de passageiros para pessoas com deficiências físicas, mentais e sensoriais, comprovadamente
carentes. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2008. Disponível em: <http://goo.
gl/m2TN2E>.
_______. Decreto Estadual no 47.441, de 10 de setembro de 2010. Altera o regulamento do sistema estadual de transporte metropolitano coletivo de passageiros,
no âmbito das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, aprovado pelo
Decreto no 39.185, de 28 de dezembro de 1998. Porto Alegre: Palácio Piratini,
2010. Disponível em: <http://goo.gl/it8EMJ>.
______. Plano Plurianual Participativo 2008-2011. Porto Alegre: [s.d.]a.
Disponível em: <http://goo.gl/b4Ruxr>.
______. Plano Plurianual Participativo 2012-2015. Porto Alegre: [s.d.]b.
Disponível em: <http://goo.gl/LxVIhb>.
______. Decreto no 48.946, de 26 de março de 2012. Regulamenta a Lei Complementar no 13.854, de 26 de dezembro de 2011, que cria o Conselho Deliberativo
da Região Metropolitana de Porto Alegre – CDM e o Gabinete de Governança
da Região Metropolitana de Porto Alegre – GGM. Porto Alegre: Palácio Piratini,
2012a. Disponível em: <http://goo.gl/UxhhC9>.
______. Decreto Estadual no 49.101, de 14 de maio de 2012. Institui grupo de
trabalho com a finalidade de propor ajustes no processo e na metodologia de cálculo
do custo tarifário dos serviços rodoviários. Porto Alegre: Palácio Piratini, 2012b.
Disponível em: <http://goo.gl/ssK457>.
_______. Lei Estadual no 14.002, de 4 de junho de 2012. Denomina Estação
Hidroviária Esther de Souza Worm o terminal de passageiros da Hidrovia Guaíba/
Porto Alegre. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2012c. Disponível em: <http://
goo.gl/xE0gS7>.
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
283
_______. Lei Estadual no 14.307, de 25 de setembro de 2013. Dispõe sobre a
instituição do Programa Passe Livre Estudantil e cria o Fundo Estadual do Passe
Livre Estudantil. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2013. Disponível em:
<http://goo.gl/WC3hGs>.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Brasília: Congresso
Nacional, 1988. Disponível em: <http://goo.gl/Nv6XWr>.
Rio Grande do Sul. Lei Estadual no 11.729, 9 de janeiro de 2002. Dispõe sobre a
colocação de anúncios de propaganda em veículos de transporte coletivo intermunicipais, permissão ou concessão do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Assembleia Legislativa, 2002. Disponível em: <http://goo.gl/MZz6F7>.
_______. Lei Estadual no 13.854, de 26 de dezembro de 2011. Cria o Conselho
Deliberativo da Região Metropolitana – CDM e o gabinete de governança da região
metropolitana de Porto Alegre, altera a Lei no 11.469, de 27 de abril de 2000, e
dá outras providências. Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2011. Disponível
em:<http://goo.gl/82KQ68>.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
284
ANEXO A
FIGURA A.1
Plano Integrado de Mobilidade Urbana (PITMUrb) da RM de Porto Aalegre e Sistema
Integrado de Transporte (SIT) – Rede Estrutural Multimodal Integrada
Fonte: METROPLAN (2009).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
285
FIGURA A.2
Índice geral de intervenções do PAC 2 Mobilidade na RM de Porto Alegre
Fonte: METROPLAN (2013).
Obs.: 1. as propostas se dividem conceitualmente em dois grupos. Nos eixos leste e nordeste, as propostas têm por objetivo
favorecer a troncalização do modal sobre pneus por meio da implantação de faixas exclusivas nas avenidas troncais, em
continuidade com a infraestrutura existente ou o projeto no município de Porto Alegre – viabilizando as intervenções
previstas no Planejamento Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana (PITMUrb). Nele se inserem Porto Alegre,
Cachoeirinha, Gravataí, Alvorada e Viamão. Enquanto nos municípios localizados no eixo norte a estratégia é potencializar o modal de alta capacidade existente – Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (TRENSURB) –, por meio da
qualificação das vias que favoreçam as integrações, por ônibus e bicicletas, com o trem metropolitano. Formam parte
deste grupo os municípios de Esteio, Sapucaia do Sul, São Leopoldo e Novo Hamburgo.
2. imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
286
FIGURA A.3
Mapa de contextualização das intervenções do PAC 2 Mobilidade e PAC 50
Fonte: METROPLAN (2013).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
287
FIGURA A.4
Mapa de contextualização das intervenções do PAC 2 – eixo norte
Fonte: METROPLAN (2013).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
288
FIGURA A.5
Traçado original (em azul) e alterações propostas (em vermelho) para a ERS-010
Fonte: METROPLAN (2013).
Obs.: 1. pode-se visualizar a planta com o traçado proposto originalmente para a ERS-010 (em azul) e as alterações pactuadas
entre o governo do estado e os municípios (em vermelho).
2. imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Governança Metropolitana e Transportes na RM de Porto Alegre
289
FIGURA A.6
Trechos para implantação da ERS-010
Fonte: Odebrecht (2009).
REFERÊNCIAS
METROPLAN – FUNDAÇÃO DE PLANEJAMENTO METROPOLITANO
E REGIONAL. Plano Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana. Relatório-síntese. Porto Alegre: METROPLAN, nov. 2009.
______. Prospecção de fontes de recursos para planejamento, desenvolvimento
e gestão metropolitana. Porto Alegre: METROPLAN, jul. 2013.
ODEBRECHT. Documento-síntese da análise de viabilidade da ERS-010.
Porto Alegre: Odebrecht, set. 2009.
CAPÍTULO 11
A POLÍTICA DE TRANSPORTE PÚBLICO E A ESTRUTURAÇÃO DO
ESPAÇO URBANO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM
Andréa de Cássia Lopes Pinheiro1
Juliano Pamplona Ximenes Ponte2
Roberta Menezes Rodrigues3
1 INTRODUÇÃO
O capítulo aborda o problema da gestão, ou da governança metropolitana, na
Região Metropolitana de Belém (RM de Belém) relacionada à política de transporte
público e mobilidade, entendidos como serviços comuns, ou funções públicas de
interesse comum (FPICs),4 uma vez que o problema da mobilidade urbana compõe
um dos aspectos próprios das políticas urbanas que representam fatores críticos
para as prefeituras municipais, governos estaduais (constitucionalmente responsáveis por atribuições de cunho metropolitano, até o momento) e mesmo para o
governo federal, dado o atual quadro de concentração de recursos e mecanismos
de seleção para contemplar projetos e obras. Neste contexto, o planejamento e a
alocação de recursos relacionados à estruturação de sistemas de transporte público
e ações voltadas para a melhora da mobilidade na escala metropolitana são fatores
de importância para que se discuta o tema da governança metropolitana no Brasil.
Esse tema será abordado, nesse texto, a partir de políticas anteriores e projetos em
execução, ou em fase de revisão, nos municípios e na área de influência direta da RM
de Belém.5 Metodologicamente, interessa tanto considerar os aspectos históricos do seu
1. Arquiteta e urbanista. Diretora do Núcleo de Estudos Urbanos do Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e
Ambiental do Estado do Pará (NEURB-IDESP-PA). Coordenadora local da pesquisa.
2. Arquiteto e urbanista. Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Instituto de Tecnologia da Universidade
Federal do Pará (FAU-ITEC-UFPA).
3. Arquiteta e urbanista. Professora da FAU-ITEC-UFPA.
4. A Lei Complementar no 014, de 8 de junho de 2014 (Brasil, 1973, Artigo 5o), citava a figura dos “serviços comuns
aos Municípios que integram a região”, neste trabalho denominados funções públicas de interesse comum (FPICs),
identificadas com as políticas urbanas tradicionais (habitação, saneamento, transportes etc.) e atividades correlatas.
Havia também a ideia do Conselho Deliberativo, de abrangência metropolitana (Brasil, 1973), instância decisória de grande
relevância política naquele desenho previsto à época. Não é necessário demorar-se no assunto para reconhecer que,
em um período autoritário e com um modelo de gestão baseado na centralização decisória e no não reconhecimento
das especificidades regionais brasileiras, havia já ali um problema estrutural de governo.
5. A Região Metropolitana de Belém (RM de Belém) é, atualmente, composta por sete municípios (Belém, Ananindeua,
Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará, Santa Isabel do Pará e Castanhal), embora tenha tido o formato de apenas
dois municípios em sua definição inicial (Belém e Ananindeua), com ampliação para cinco municípios nos anos 1990 (Belém,
Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Bárbara do Pará) e a posterior incorporação de dois outros municípios entre o
final dos anos 2000 e os anos 2010 (Santa Isabel do Pará, Castanhal). A RM de Belém cobre uma extensão territorial
de 3.565,8 km², com população, segundo o universo do Censo Demográfico 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), de 2,275 milhões de habitantes, em uma densidade demográfica bruta de cerca de 640 habitantes/km².
292
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
planejamento metropolitano quanto avaliar as formas atuais de planejamento, de regulação pública ou mesmo de associação entre as instâncias de Estado e de governo junto
aos capitais privados regionais e locais na produção do espaço urbano e metropolitano.
Considera-se que as necessidades da administração, da gestão ou da governança
metropolitana decorrem tanto das próprias contradições do sistema econômico,
criador de desigualdades e concentrador de benefícios, quanto de uma herança
antidemocrática de tratamento das questões públicas no Brasil. Vasconcellos (1995)
aponta que as metodologias tradicionais e consagradas no meio técnico, quanto ao
planejamento de transportes, têm resultado em soluções frequentemente ineficazes
diante das realidades peculiares de países em desenvolvimento. De modo objetivo,
o autor coloca que o caráter conservador dos projetos de transporte público urbano no Brasil, e em países em desenvolvimento em geral, tende a concentrar os
benefícios da urbanização e da acessibilidade espacial na cidade.
Adicionalmente, investimentos públicos, tipicamente identificados com obras
como a manutenção ou ampliação de sistema viário, são apropriados de modo praticamente privado, uma vez que são consumidos de maneira mais intensa por usuários
de automóveis individuais, em geral detentores de maior renda (Vasconcellos, 1995).
Fatores como este constroem o sentido da recorrência dos problemas de transporte
público em cidades de médio e grande porte no Brasil; tratado como ativo econômico e
investimento privado, o setor de transportes tem sua dimensão de direito social relegada
a um plano inferior. A prioridade de investimento, quase que invariavelmente, recai
sobre soluções que beneficiam o transporte individual, concentrando infraestrutura em
áreas já anteriormente nobres das cidades, e acentuando a desigualdade entre centro
e periferia (Vasconcellos, 1995).
Espacialmente a distribuição desigual das atividades econômicas, entendida
como previsível e estrutural no sistema econômico capitalista (Smith, 1990), decorre
e está relacionada a um processo de diferenciação destas atividades. Nesse sentido,
a implantação de infraestruturas urbanas e regionais e de empreendimentos econômicos, atrelada ao uso do solo e à base de circulação de pessoas e mercadorias,
reflete e condiciona processos de reprodução de desigualdades de imobilização de
capital e concentração de atividades.
Sob tal perspectiva, a abordagem do problema da governança metropolitana
parece depender, de modo decisivo, dos mecanismos institucionais (legais, inclusive)
vigentes e de sua credibilidade e transparência diante do cidadão. Alternativamente,
contudo, os mecanismos são também portadores de sentido; e as práticas que
representam concepções de mundo e modelos conceituais de exercício da política,
e de elaboração e condução das políticas de Estado. Cabe, portanto, reconhecer
que a ideia de governança possui limites em sua capacidade. Não sendo propriamente um conceito, posto que não seja propriamente capaz de analisar, mapear
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
293
ou explicar fenômenos, a governança merece ter seus fundamentos questionados
enquanto ferramenta de análise e como parâmetro de avaliação das políticas urbanas
no âmbito metropolitano.
Como o estudo abrangente de Costa e Tsukumo (2013) demonstra, no Brasil
há um descompasso e, ainda, antagonismos entre a metropolização institucional e
os sistemas concretos, efetivamente existentes, de gestão/governo/administração
públicos disponíveis para o tema. Assim, apesar de os defensores do conceito propugnarem ser possível atingir níveis desejáveis de benefícios a partir do monitoramento de indicadores de governança (Kaufmann; World Bank Group, 2013), os
autores pensam ser importante questionar a própria ideia como elemento central
de avaliação da gestão, ou governo, ou administração pública metropolitanos.
2 ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO METROPOLITANO: OS PLANOS METROPOLITANOS E
A POLÍTICA DE TRANSPORTE PÚBLICO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM
A Região Metropolitana de Belém é um aglomerado urbano instituído, como
unidade territorial para fins de planejamento, na década de 1970, durante a
ditadura militar de 1964-1985 e na vigência de uma prática estatal racionalista,
autoritária, centralizada e homogeneizante no planejamento (territorial, econômico)
como meio de atingir níveis desejados de “desenvolvimento”. Estes parênteses são
relevantes neste tema; a RM de Belém é uma articulação territorial definida de
modo relativamente arbitrário, a partir de uma conurbação ainda incipiente e,
sobretudo, pelo interstício entre a desarticulação de formas econômicas seculares
e tradicionais diante do projeto de integração regional do regime autoritário da
ditadura de 1964 no Brasil. O tema da integração espacial, portanto, era tratado
como relevante desde então, porém em termos que se coadunassem com o papel
da região amazônica como fornecedora de matérias-primas, recursos ambientais
(como o potencial hidrelétrico de sua rede hidrográfica) e receptora de mão de
obra (Ponte, 2003). A assimetria no tratamento da região no campo das políticas
urbanas, nesse sentido, registra décadas de desigualdades na obtenção de recursos
e na realização de projetos.
A RM de Belém não possui, até a atual década, um sistema integrado de
transporte público urbano ou intermunicipal. A prevalência de interesses econômicos do setor empresarial na condução e no planejamento do serviço, e da própria
política, de transporte na região pode ser identificada como o principal fator de
bloqueio da integração (tarifária, espacial, econômica ou técnica). A mudança,
no Brasil, da titularidade dos prestadores de serviço de transporte público para as
empresas criou um mercado rentável, em paralelo à formação de uma lógica de
restrição dos deslocamentos associada à progressiva segregação do local de moradia.
294
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Ainda em 1868, quando o município de Belém era, segundo o modelo
político vigente, governado por uma intendência, uma empresa privada obteve
o direito de explorar o serviço de transporte coletivo em regime de monopólio
por trinta anos, tendo iniciado o serviço por meio de veículos de tração animal
(Pará, 2006). Segundo o estudo do governo do estado do Pará (Pará, 2006)
sobre a estruturação territorial e as possibilidades de ordenamento territorial
da RM de Belém nos anos 2000, na virada do século XIX para o século XX
o sistema de bondes em funcionamento no município de Belém abrangia
79 quilômetros de extensão total da cobertura das linhas, contando com 167
carros, entre veículos com tração animal, em sua maioria, e algumas locomotivas
a vapor – informações compartilhadas pelo estudo de Antonio Rocha Penteado
(1968) sobre a cidade. A incorporação da energia elétrica no sistema de bondes
urbanos e iluminação pública aconteceu apenas em 1905, com a atuação de
companhia privada de capital estrangeiro, fato comum no país e na América
Latina naquele momento de expansão dos interesses econômicos europeus e
norte-americanos no campo da infraestrutura e dos serviços urbanos. Em 1909,
o sistema em funcionamento em Belém contava com quinze linhas em operação
e cem carros, atendendo 2,5 mil passageiros/dia (para uma população na faixa
de 100 mil habitantes, o que atesta a capacidade reduzida do sistema) dentro
de corredores viários do centro da cidade de Belém e vias específicas em direção
aos limites da sua área urbana (Pará, 2006).
A deficiência de cobertura do serviço de bondes na periferia da cidade de
Belém conviveu, ainda nos anos 1910, com a operação do serviço dos autocarros,
caminhões motorizados com carrocerias em madeira para transporte de massas, alternativa que representou uma concorrência efetiva ao sistema de bondes.
Os custos do bonde, associados a insumos e peças para manutenção indexados a
moedas estrangeiras, se elevavam ao longo do século, e a ausência de regulação ou
mesmo de instituição de um sistema de transporte público planejado e integrado
em Belém, à época, ocasionou a sobreposição do bonde e do tráfego de soluções
de autocarros, além dos ônibus, trinta anos depois (Pará, 2006), quando operavam
duzentas empresas de ônibus na cidade. A ausência de soluções para a periferia das
áreas urbanas ensejava, desde então, soluções informais de deslocamento, o que
é, sem dúvida, um dado relevante para o planejamento, sobretudo da modelagem
econômica desta política no país. A falta de regulação e a operação dos serviços
de forma praticamente amadora (não raro havia empresas de ônibus operando
linhas com uma “frota” de dois veículos), associadas à absoluta irracionalidade
técnica (porém extrema “racionalidade comercial”) dos trajetos do ônibus, com
grandes contingentes de sobreposição de linhas (fato ainda hoje existente em todas
as áreas economicamente dinâmicas da RM de Belém) e ao alto custo da tarifa,
representavam o cerne da problemática de então (Penteado, 1968; Pará, 2006).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
295
Curiosamente, mesmo durante a ditadura de 1964, já no ano de 1968, o
Departamento de Trânsito do Estado do Pará (DETRAN-PA) teria coletado dados
e iniciado um processo de planejamento e reorganização dos itinerários das linhas
de ônibus de Belém; à época, a competência para a regulação desta atividade era
deste órgão estadual (Pará, 2006). O DETRAN-PA, de qualquer modo, foi incapaz
de planejar e executar qualquer proposta de reorganização e divisão de mercado
entre as demandas por transporte na cidade; as empresas mantiveram praticamente
intactos seus interesses e decisões de “planejamento empresarial”, de maneira que
apenas ligeiras alterações nos trajetos do transporte público foram concretizadas
(Pará, 2006). O mito, que suscita saudades inconfessas entre técnicos de longa
data dos setores de planejamento no Brasil,6 de que na época da ditadura de 1964
as suas decisões eram efetivas, se revela como tal; o privatismo de então continuou,
o que era previsível. O estudo do governo do estado do Pará sobre a estruturação
e as possibilidades de ordenamento territorial da RM de Belém nos anos 2000
(Pará, 2006) relata a existência de oito planos setoriais não executados desde a
década de 1960.
O período ditatorial e sua burocracia contavam com a colaboração de um
corpo técnico cuja característica era o uso e a centralidade das técnicas de previsão,
quantificação e racionalização dos processos como ferramenta de planejamento.
Este planejamento, supostamente racional à época, ensejava a elaboração de grandes
planos, documentos de natureza técnica, em geral coordenados por consultorias
externas à administração pública, contendo diagnósticos extensos e recomendações
de intervenção, em geral ambiciosas e de alto custo financeiro para implantação.
Deve-se pensar a elaboração dos planos metropolitanos para entender a
maneira pela qual prefeituras municipais, governos estaduais e mesmo o governo
federal pensaram a questão urbana/metropolitana no Brasil a partir da ditadura de
1964-1985. A crítica de Flávio Villaça (1998) aos chamados superplanos se dirige à
suposta racionalidade técnica (portanto, em tese, neutra, não política e racional) do
planejamento urbano neles contido. A racionalidade técnica destes planos também
continha um modelo de cidade e de sociedade subjacente, com frequentes divisões
de classes e grupos sociais no espaço urbano, fragmentado por diferentes níveis de
oportunidade e acesso a seus benefícios, em uma lógica que o Estado cuidava de
reproduzir por meio do planejamento (Ribeiro e Cardoso, 1996).
6. Em entrevistas a órgãos estaduais e municipais do estado do Pará envolvidos na gestão de políticas urbanas da RM
de Belém, compilou-se uma série de depoimentos elogiosos ao “sistema de planejamento” vigente à época do regime
ditatorial; a permanência de técnicos desta opinião, em funções dirigentes destas políticas, cerca de cinco décadas
depois, é um fator relevante para o entendimento da sua trajetória na região e da continuidade de seus problemas e
contradições. Um expressivo contingente de quadros técnicos de nítido perfil autoritário, tecnocrático, antidemocrático,
elitista e arrogante se instalou nestes setores (planejamento de transportes, regulação do trânsito, logística, estradas
etc.) no estado, e seus efeitos se fazem sentir.
296
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
No caso da RM de Belém, dois superplanos têm relevância histórica, mais que
conteúdo técnico propriamente: o Plano de Desenvolvimento da Grande Belém (PDGB),
de 1975, e o Plano de Estruturação Metropolitana (PEM), de 1980. O PDGB era
baseado em modelos de expansão urbana elaborados a partir de projeções matemáticas e inspirados em diagramas teóricos de crescimento urbano da sociologia
urbana da Escola de Chicago, principalmente no modelo de setores urbanos de
Homer Hoyt e de círculos concêntricos de Ernest Burguess. O PDGB, elaborado
pela Empresa de Desenvolvimento e Sistemas e seguindo as instruções metodológicas do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), concebia a
região metropolitana como um sistema técnico, que tinha por objetivo alavancar
a economia local. Pretendia compreender os fluxos que permeavam o espaço urbano
da RM de Belém para avaliar de qual forma a sua dinâmica de organização afetava
o desenvolvimento da região (Lima, 2000, p. 107).
O PDGB teve como foco principal avaliar e propor alternativas para a
orientação do processo de desenvolvimento e ocupação da área de expansão da
RBM, neste momento formada apenas pelos municípios de Belém e Ananindeua, definindo como áreas estratégicas os principais eixos rodoviários – rodovias
Augusto Montenegro e BR-316, sendo a primeira uma conexão da área central do
município de Belém com o Distrito de Icoaraci e a segunda, uma via de acesso à
Belém, sugerindo um modelo de “concentração desconcentrada”.
Corrêa (1989) explica ainda que o modelo estrutural do PDGB propõe atividades econômicas descentralizadas, zonas periféricas dotadas de alta renda média
per capita e densidade periférica relativamente elevada, típica de uma ocupação
horizontal, porém ordenada. Para o autor, tal estrutura não passa de uma transposição do modelo suburbano de organização espacial norte-americano, totalmente
fora do contexto do processo de produção do espaço urbano belenense e incapaz
de funcionar como elemento diretor da organização intraurbana da RM de Belém.
Para determinar a estratégia de ação, foram feitos estudos sobre diferentes possibilidades de expansão da cidade, tentando minimizar o adensamento do centro
urbano (figura 1). A descentralização ofereceria subsídios para o desenvolvimento de
áreas não ocupadas ou subaproveitadas. Pretendia orientar também a implantação
da infraestrutura de forma racional e contínua.
Apesar da minúcia técnica verificada no plano, as proposições feitas, ainda que
baseadas em dados socioeconômicos e físicos da população, mostraram-se sempre
generalistas e superficiais, deixando as questões sociais implícitas, haja vista que
o plano era essencialmente técnico e desenvolvimentista, e não eram analisadas
com o objetivo de compreender como afetariam o desenvolvimento local. Segundo
Corrêa (1989, p. 244), “os objetivos e diretrizes de organização e expansão urbana são excessivamente genéricos e vagos para realmente direcionarem o processo
urbano. Assim sendo tiveram pouca influência na formulação das alternativas de
estrutura urbana”.
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
297
FIGURA 1
Alternativas de expansão urbana do PDGB
Fonte: Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem), Banco Nacional da Habitação
(BNH) e Desenvolvimento e Sistemas – DS (1975).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
298
FIGURA 2
Macrozoneamento proposto pelo PEM com centros terciários da RM de Belém (1980)
Fonte: Geotécnica Consultores, Codem e Secretaria Estadual de Planejamento do Estado do Pará – SEPLAN (1980).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
299
O PEM, em um modelo policêntrico (neste sentido também tributário
do funcionalismo da Escola de Chicago) para a RM, era centralmente baseado
na caracterização destes diferentes núcleos e na possibilidade de polinucleação
econômica da RM de Belém (Lima, Cardoso e Holanda, 2005). O principal
objetivo do plano era orientar a estruturação urbana e a ordenação espacial, com o
propósito de estimular a geração de empregos e a produção habitacional. Para
isso, simulava e avaliava as condições para viabilizar a implantação da estruturação e a posterior adequação territorial em função das simulações realizadas e
comprovadamente viáveis pelo método adotado, baseado no Modelo Belém de
Uso do Solo (Mobel). Vale ressaltar que as simulações computacionais pioneiras
e a crença na capacidade diretora do Estado como agente determinante para a
moldagem do crescimento urbano eram aspectos típicos daquele período histórico e de um processo de ocupação da mentalidade dos técnicos diante dos
órgãos públicos envolvidos no planejamento econômico e territorial.
A distribuição espacial desenvolvida no plano utiliza-se de elementos
estruturais básicos como emprego, população e estrutura viária. Partindo desta
premissa, cada núcleo seria estabelecido como um aglutinador de atividades
terciárias, seguindo o traçado viário, que seria o responsável pela orientação da
ocupação populacional. A partir desta abordagem é fundamentada a organização
espacial da RM de Belém, com base na qual seriam detalhados os seus próprios
planos diretores das áreas urbanas (Corrêa, 1989).
Os anos entre 1991 e 2001 representaram na RM de Belém um período
de elaboração e revisão de planos diretores de transporte urbano (PDTUs).
O PDTU de 1991 inaugurou uma metodologia de trabalho aplicada ao diagnóstico e às propostas para um futuro sistema integrado na RM de Belém, e
também inaugurou uma colaboração estreita entre a Agência de Cooperação
Internacional do Japão (Jica, órgão de relações internacionais do governo japonês,
atuante na divulgação de tecnologias, consultorias e empréstimos a outras nações
e organizações internacionais) e o governo do estado do Pará. Técnicos da Jica
foram treinados em número razoável, em regime de colaboração com técnicos
especialistas em transportes públicos da Jica e do Ministério dos Transportes, em
programas apoiados pelo funcionamento da então existente Empresa Brasileira
de Planejamento de Transporte (GEIPOT), grupo de trabalho incumbido de
pensar um planejamento integrado e nacional para o setor no Brasil, iniciado
na ditadura militar de 1964, especificamente em 1965 (Goularti Filho, 2013).
Formados dentro de uma concepção específica de engenharia de transportes, os técnicos do governo do estado do Pará foram introduzidos à tecnologia
do bus rapid transit (BRT) em um período histórico de disseminação desta
solução para cidades de grande porte, em diversos países, incluindo o Brasil.
300
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Dentro das atribuições do GEIPOT, o PDTU era um dos produtos de maior
centralidade a ser produzido pelos setores técnicos de transporte no Brasil,
juntamente com os planos operacionais de transporte (POTs), articulados
ao Plano Nacional de Transportes (PNT), desde a década de 1970 (Goularti
Filho, 2013).7
Na década de 1990, contudo, as atividades de planejamento estatal
e de expansão de infraestruturas urbanas e regionais apresentaram nítido
decaimento no Brasil, tanto em termos do número de estudos, projetos e
obras quanto de programas federais (Goularti Filho, 2013). A cooperação
internacional, então, representava um momento de captação da expertise
estrangeira, ao mesmo tempo que resultaria em operação financeira, de empréstimo de recursos do Estado japonês, em ienes. O conhecimento técnico
e gerencial da Jica em projetos de transporte público era difundido, também,
por meio de relações institucionais desta natureza, em que a consultoria era
adquirida juntamente com o montante total do empréstimo, destinado à
futura execução das obras civis.
O PDTU de 1991 era contemporâneo da elaboração do Diagnóstico do
Plano Diretor do Município de Belém, que se tornaria lei municipal apenas
em 1993. O momento era de influência evidente do ideário da reforma
urbana da Constituição de 1988, recém-aprovada. A concepção do plano já
delineava aspectos que seriam desenvolvidos posteriormente: a metodologia
de caracterização de demanda em manchas e corredores (screen lines; cordon
lines); a diferenciação da demanda por modal e macrozonas de tráfego; a
elaboração de projeções demográficas para fins de dimensionamento da
expansão da demanda; o estudo sobre as opções tecnológicas de adoção
do ônibus em um sistema integrado como solução para os deslocamentos
cotidianos na cidade.
O PDTU de 2001 foi finalizado como um plano de maior abrangência
técnica, territorial e com maior detalhamento de soluções urbanísticas. Vinte
macrozonas de tráfego foram definidas neste plano como unidades territoriais
de diagnóstico do volume de tráfego a ser operado no sistema planejado, bem
como sob a ótica da caracterização da demanda, por motivos do deslocamento
e por volume de tráfego (figura 3), quantificado a partir de metodologia do
veículo-equivalente, que cria um índice único para mensuração do volume
de tráfego a partir de diferentes modais, simultaneamente.
7. A Lei Complementar no 14/1973, que criou formalmente as nove RMs pioneiras no Brasil, ensejou a formulação do
Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU), a partir da Empresa Brasileira de Planejamento de Transporte (GEIPOT),
como medida institucional para o atendimento das chamadas funções públicas de interesse comum (uso e ocupação
do solo, saneamento e transportes), conforme estudo de Alcides Goularti Filho (2013).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
301
FIGURA 3
As vinte macrozonas de tráfego delimitadas no PDTU de 2001 na RM de Belém
Fonte: Companhia de Habitação do Estado do Pará – COHAB-PA (2001).
Obs.: inclui os municípios de Belém, Ananindeua e Marituba, para planejar o sistema de transportes; e identificou-se o volume
de viagens no modal ônibus entre estas macrozonas.
Efetivamente, em meados dos anos 2000, o sistema de transporte da
RM de Belém possuía apenas o modal ônibus como autorizado pelos órgãos
competentes; incorporava 147 linhas regulares (figura 4), com uma frota
de 1,8 mil veículos, realizando 12,8 mil viagens por dia e transportando
1.450.000 passageiros diariamente (Pará, 2006). Segundo a estimativa
populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para
o ano de 2006, este contingente representava 69% da população da RM de
Belém neste ano (IBGE, 2006). Aparentemente, a expansão significativa
da população transportada (2,5% no início do século XX em relação a
quase 70% cem anos depois) representaria uma tendência de resolução
iminente do problema; o diagnóstico do setor de transportes feito pelo
governo do estado, contudo, aponta a recorrência dos problemas já citados
anteriormente ao longo do século XX (Pará, 2006). Especificamente, a
baixa cobertura e a deficiência proporcional dos sistemas de transporte
público nas periferias da RM de Belém atestam os pontos mais críticos
da continuidade destas questões.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
302
FIGURA 4
Número de linhas de ônibus, mapeadas por trecho viário da RM de Belém: Belém-Ananindeua
Fonte: Pará (2006, p. 152).
O investimento necessário para a execução do projeto, do ponto de vista do governo do estado do Pará, foi estimado em US$ 80,17 milhões (2001), incluindo a execução
de terminais urbanos de integração e corredores segregados de ônibus. O horizonte de
execução total do plano foi definido para o ano de 2020, limite para a projeção demográfica. O chamado sistema tronco-alimentador sintetiza a concepção do plano, com 62 quilômetros de corredores viários ou de ônibus exclusivos e integração operacional e tarifária
(COHAB-PA, 2001). Dentro do escopo do PDTU de 2001, contudo, foram previstas
adaptações e expansões da malha viária da RM de Belém, com a requalificação de 193 quilômetros de vias, em investimento adicional de US$ 162,8 milhões (COHAB-PA, 2001).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
303
A totalidade de investimento estimado atinge US$ 242,8 milhões (COHAB-PA,
2001). As projeções do plano apuram 224 mil viagens no sistema, em 2000, e 446
mil viagens em 2020 (COHAB-PA, 2001), um aumento de 99,1%, aproximadamente
5% ao ano (a.a.).
Uma atualização do Estudo de Viabilidade Econômica do PDTU de 2001 deu
origem, em administração municipal posterior, ao projeto Via Metrópole. O projeto
estabelecia a priorização de intervenções viárias e construção de terminais urbanos de
ônibus considerados estratégicos no PDTU de 2001. Parte destas intervenções viárias foi
executada, desde o final da década de 1990 até meados dos anos 2000, produzindo novas
articulações espaciais no território da RM de Belém (figura 5), porém sem correspondência
com a implantação de um sistema integrado de ônibus e sem integração operacional.
FIGURA 5
Hierarquia viária proposta no PDTU de 2001
Fonte: COHAB-PA (2001).
304
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
A atual fase é de revisão e atualização dos pressupostos do PDTU de 2001,
por meio da elaboração de um novo estudo de viabilidade econômica; o vigente
projeto Ação Metrópole, conduzido por agência governamental estadual, o Núcleo
de Gerenciamento do Transporte Metropolitano (NGTM), o qual será tratado
a seguir, trabalha sobre atualizações feitas a partir de 2009, sobre os estudos
do PDTU de 2001, e procede à implantação do projeto com base na inclusão do
sistema no conjunto de obras do Programa de Aceleração do Crescimento, fase 2
(PAC 2) do governo federal.
3 ESTRUTURA INSTITUCIONAL E NORMATIVA DA POLÍTICA DE TRANSPORTE
PÚBLICO NA RM DE BELÉM
A estrutura normativa disponível poderia, alternativamente, ser analisada de modo
invertido, haja vista que o caráter da regulamentação do sistema de transporte
público urbano na RM de Belém é justamente a falta de regulamentação vigente.
A principal tônica da normatividade vigente no sistema de transportes públicos
(que é feito unicamente pelo modal ônibus em toda a RM) da RM de Belém é
o caráter precário, provisório e juridicamente irregular das concessões de linhas
de ônibus operadas pelas empresas locais. O sistema, aliás, não possui integração,
como dito, e não possui, subsequentemente, planejamento com coesão interna, em
termos técnicos, na racionalização dos trajetos das linhas, tempo e concatenação/
integração de viagens ou quanto ao dimensionamento e atendimento da demanda.
A Secretaria de Estado de Transportes (SETRAN), atualmente vinculada
às políticas de infraestrutura urbana e regional do governo do estado do Pará,8
foi criada pela Lei Estadual no 5.509, de 20 de dezembro de 1988 (SETRANPA,
[s.d.]). Entre as competências da secretaria estão a coordenação da política de
transportes do estado do Pará; a promoção de estudos e pesquisas da política
de transportes; e a articulação das políticas de transportes com as políticas municipais e nacionais (SETRAN-PA, [s.d.]). Porém, em termos especificamente
metropolitanos, a atualização do estudo de viabilidade econômica, que, em 2009,
resultou na elaboração do relatório Ação metrópole (Pará, 2009), é o documento
técnico que representa o acúmulo de diagnósticos técnicos e arranjos institucionais
para a identificação da problemática dos transportes públicos urbanos na RM de
Belém. Nesse sentido, foi implantado, em 2011, o Núcleo de Gerenciamento
do Transporte Metropolitano (NGTM), criado pela Lei Estadual no 7.573, de
1o de dezembro de 2011 (Pará, 2011).
8. A atual gestão do governo do estado do Pará realizou uma reforma administrativa, criando secretarias caracterizadas
como especiais, agregando políticas setoriais por afinidade, dividindo-as entre proteção e desenvolvimento social;
desenvolvimento econômico e incentivo à produção e infraestrutura e logística.
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
305
A atribuição central do NGTM é o gerenciamento e o planejamento do
sistema integrado de transporte público por ônibus na RM de Belém, atualmente
mantendo a denominação de Projeto Ação Metrópole. Trata-se de projeto de BRT,
sistema de ônibus com integração operacional e tarifária, por ora cobrindo três dos
sete municípios da RM de Belém, segundo planejamento divulgado pelo núcleo
(Pará, 2009). Segundo a Lei Estadual no 7.573/2011, cabe ao NGTM, que tem
autonomia financeira, a articulação com os demais agentes de natureza técnica
relacionados com a política metropolitana de transportes, bem como a contratação
e a gerência de recursos e os demais procedimentos decisórios de implantação e
operação do futuro sistema (Pará, 2011).
As prefeituras municipais diretamente relacionadas com a RM de Belém apresentam, em seus planos diretores municipais, as diretrizes para a política de transportes públicos urbanos, embora em níveis variados de resolução técnica e clareza
propositiva. Em etapa anterior desta pesquisa, ao tratar da estrutura institucional
de gestão metropolitana por FPIC, o assunto foi abordado. Em síntese, o Plano
Diretor do Município de Belém (Belém, 2008) cita a implantação de um sistema
integrado de transportes públicos, estabelece um plano de hierarquia de sistema
viário, diretrizes de expansão urbana e prioridades de expansão da capacidade de
escoamento de tráfego em corredores viários específicos. Na política de transportes do município, são citadas diretrizes de integração dos sistemas municipais de
transportes públicos na escala metropolitana (Belém, 2008).
O Plano Diretor do Município de Ananindeua (Ananindeua, 2006) cita a
necessidade de integração viária de dois de seus corredores troncais com o sistema
viário e a malha rodoviária metropolitana; cita, ainda, uma diretriz de integração
das políticas de intervenção na malha viária com as intervenções vigentes na RM.
O Plano Diretor do Município de Marituba (Marituba, 2007) previa duas diretrizes
para o setor, com a implantação de um terminal urbano de integração de ônibus e a
integração viária com os municípios de Belém e Ananindeua, em consonância com
suas respectivas políticas metropolitanas de transporte público. O Plano Diretor do
Município de Benevides (Benevides, 2006) prevê apenas diretrizes gerais, referentes
à garantia do direito à circulação, além de citar a necessidade de integração com
os municípios vizinhos da RM de Belém, por meio da implantação futura de um
sistema “unimodal” de transporte público.
O Plano Diretor do Município de Santa Isabel do Pará (Santa Isabel do
Pará, 2006), com forte ênfase na política ambiental municipal, aponta a necessidade de estabelecer um planejamento futuro para a integração de um sistema
municipal de transporte público urbano com os sistemas já existentes na RM de
Belém, além de recomendar o aumento de investimentos em transporte público,
em modais motorizados e não motorizados. O Plano Diretor do Município de
306
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Santa Bárbara do Pará contém citações pouco específicas sobre o tema da mobilidade
e da política municipal de transportes, mas cita a necessidade de elaboração futura
de um plano municipal de transportes e mobilidade, bem como discorre sobre
a necessidade de previsão de políticas integradas de transporte, saúde, educação,
desenvolvimento econômico e cultura para o município, articuladas à dinâmica
metropolitana, considerando o tema da mobilidade e dos transportes uma das
“funções da vida coletiva” (Santa Bárbara do Pará, 2006).
O Plano Diretor do Município de Castanhal (Castanhal, 2006) cita elementos conceituais que deveriam orientar a atuação técnica do setor de planejamento urbano local em torno de corredores de acesso espacial e centralidades
econômicas urbanas, bem como de “redes de integração urbano-regionais”
(Castanhal, 2006). É citada a diretriz de incentivo a modais de baixo impacto
ambiental, em áreas lindeiras e áreas de proteção ambiental; implantação de um
sistema municipal integrado de transporte; priorização de transporte público,
de pedestres e cicloviário; integração de sistemas de transporte e integração
tarifária; elaboração do Plano Diretor de Transporte e Trânsito do município; e
coexistência de transporte de cargas e passageiros, com minimização do impacto
do transbordo de cargas no interior da cidade.
Alterações recentes foram feitas nas secretarias municipais incumbidas das
políticas de transporte e trânsito nos municípios de Belém e Ananindeua, a propósito
da posse dos prefeitos municipais em 2013. Tais alterações,9 contudo, representam
um impacto local sobretudo, apesar das recorrentes diretrizes legais de integração
metropolitana dos itinerários e das decisões técnicas e econômicas dos respectivos
sistemas municipais de transporte público.
4 O PROJETO AÇÃO METRÓPOLE PARA A RM DE BELÉM
Desde 1991, o governo do estado do Pará mantém frequente relação com a Jica,
órgão de relações internacionais do Japão responsável pela capacitação de diversos
técnicos do setor de planejamento do governo do estado e da Prefeitura Municipal
de Belém e, adicionalmente, pela penetração de concepções específicas de planejamento de sistemas de transporte e do modelo tecnológico do BRT na administração
pública local e regional. A inserção e a opção, também política, pelo BRT na RM
de Belém data de dois planos técnicos: as duas versões do PDTU (1991 e 2001).
9. A Lei Municipal no 9.031, de 18 de setembro de 2013 (Belém, 2013), que cria a Autarquia Municipal de Mobilidade
Urbana, em substituição à antiga Companhia de Transportes do Município de Belém, e transforma a instituição, por
fim, na Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SEMOB); e a Lei Municipal no 2.624, de 21 de agosto de 2013
(Ananindeua, 2013), que cria uma corregedoria na já existente Secretaria Municipal de Transporte e Trânsito da
Prefeitura Municipal de Ananindeua (SEMUTRAN-PMA), alterando a Lei Municipal no 2.384, de 9 de junho de 2009,
que formalizou a estrutura da atual SEMUTRAN-PMA (Ananindeua, 2009).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
307
O diagnóstico e a versão de 2001 do PDTU orientaram as atualizações de estudos
de viabilidade econômica e estudos de demanda por sistemas de transporte, de modo
a, após uma lenta implantação e inflexões nas diretrizes de governo, pela rotatividade
dos governantes eleitos e suas prioridades, resultar no atual projeto, denominado
Ação Metrópole. As versões do PDTU de 1991 e 2001, resultantes na atualização do
EV-2003, seu estudo de viabilidade feito em 2003, geraram o documento técnico de
planejamento da etapa atual do projeto, o Estudo preparatório para o projeto de sistema
de transporte de ônibus da Região Metropolitana de Belém (Pará, 2009).
A opção do NGTM pela tecnologia do BRT tem razões bastante específicas. Uma primeira razão é a instalação prévia de empresas privadas de ônibus já
atuantes na RM de Belém, operando linhas concedidas em outros tempos pelo
governo do estado e, após a Constituição de 1988, pelos municípios, embora até
hoje com forte grau de precariedade jurídica nestas concessões, como os estudos de Simaia das Mercês (2007) já demonstraram. Em segundo lugar, a opção
desenvolvimentista da ditadura militar de 1964 pelo rodoviarismo acentuou a
“inércia” deste aspecto, reforçando os investimentos previamente realizados em
sistema viário como justificativa para o deslocamento por veículos automotores.
Em terceiro lugar, o próprio setor local de planejamento passou a se especializar
na tecnologia do ônibus como solução, desenvolvendo estudos e medidas de
tráfego ou de adequação viária para contemplar as necessidades da expansão
urbana da RM de Belém. Em quarto lugar, o custo, tornado relativamente mais
baixo localmente pelas razões já históricas expostas, sustenta a avaliação da viabilidade da implantação de sistemas integrados de ônibus urbanos como medida
adequada de circulação metropolitana em Belém. É possível apontar, portanto,
como uma quinta razão, a própria existência da Jica como agente consultora do
projeto e como difusora da tecnologia, fornecendo treinamento ao corpo técnico
local, promovendo intercâmbio institucional e prestando serviços ao governo
do estado do Pará desde então, com a atual fase de contratação da consultoria
e acompanhamento técnico do desenvolvimento e detalhamento dos projetos
executivos e da obra civil de implantação da chamada segunda etapa do Projeto
Ação Metrópole (Pará, 2012).
A primeira fase foi executada pela gestão anterior do governo do estado, com
um sistema de faixas elevadas e pétalas viárias na avenida Júlio César, área institucional de Belém a caminho de seu aeroporto, de órgãos públicos e de terrenos
das Forças Armadas. Foram também requalificadas as rodovias Arthur Bernardes,
área industrial com numerosos assentamentos precários em Belém, e Pedro Álvares
Cabral, entorno da zona portuária, que se estende até a citada avenida Júlio César
(Pará, 2012). A execução desta primeira etapa revela a continuidade do projeto,
pois foi assumida pelo governo do estado em gestão anterior, politicamente antagônica ao atual governo, inclusive com a participação de alguns de seus técnicos
da formulação original, desde a década de 1990. Em março de 2012, foi iniciada
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
308
a segunda etapa do projeto (figuras 6 e 7), que inclui o prolongamento da avenida
João Paulo II, em Belém, com a implantação de passeio e ciclovias, além de uma
pétala viária na rodovia Mário Covas, no município de Ananindeua.
FIGURA 6
Esquema cartográfico dos corredores de ônibus do BRT da RM de Belém, intitulado
Ação Metrópole
Fonte: Pará (2012).
Obs.: em vermelho, o corredor da Rodovia BR-316; em amarelo, da Rodovia Augusto Montenegro; em Azul, o corredor Norte
(Avenida Independência, rumo a Ananindeua, e Rodovia Arthur Bernardes); em verde, o corredor Sul, da Avenida Perimetral,
em direção à Cidade Universitária da UFPA.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
309
FIGURA 7
Diagrama da segunda etapa do Projeto Ação Metrópole
Fonte: Pará (2012).
Obs.: o diagrama ilustra a chamada “forma Y”, uma bifurcação viária criada para garantir alternativas de circulação de ônibus
e demais veículos, além de entrada e saída da RM de Belém.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
A chamada terceira etapa seria referente à implantação do sistema integrado de
ônibus articulados e convencionais do tipo BRT, com uso de estações de transbordo e
pátios com garagens para estacionamento destes veículos, em terminais urbanos (Pará,
2012). A implantação do projeto, segundo o planejamento do governo do estado, deve
permitir que o sistema opere com a circulação de 24 mil passageiros por hora-pico
(no início da manhã, em torno das oito horas, e no final da tarde, em torno das dezoito horas). O tipo de BRT projetado pelo Ação Metrópole utiliza ônibus articulados,
310
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
com linhas troncais em faixas segregadas, permitindo ultrapassagem, com veículos de
capacidade para duzentos passageiros (Pará, 2012). A gestão do sistema prevê integração
completa, com aquisição de bilhete com transbordo incluído, sem pagamento adicional de tarifa. Diversos estudos da área confirmam o aprofundamento da desigualdade
socioeconômica no caso de deslocamentos urbanos por transporte público de grandes
distâncias em sistemas tarifários de tarifa única – principalmente pela limitação de extensão das linhas, individualmente, o que obriga o usuário a fazer duas ou mais viagens
pagando tarifa única por trecho, além da proporção maior decorrente da relação entre
valor da passagem e baixa renda.
A gestão do sistema, segundo o projeto, deve ser assumida pela figura de
um consórcio público. Este consórcio deve ser composto por representantes do
governo do estado do Pará, das prefeituras dos municípios da RM de Belém e
do segmento empresarial ligado ao setor (Pará, 2012). A licitação das linhas de
ônibus, com definição técnica e econômica das rotas, evitando a sobrecarga dos
atuais e redundantes circuitos bairro-centro, representaria um esforço de racionalização do sistema de transportes desta RM. Este aspecto, contudo, expressa um
evidente conflito com o atual sistema de concessões precárias dadas aos empresários
do setor, em que o poder público é, com frequência, coadjuvante na definição das
rotas do sistema e atua de modo residual na sua regulação econômica.
Nesse sentido, nota-se um papel restrito ao consórcio público para o controle
social do sistema de transportes da RM de Belém, projeto ainda em implantação.
Nas condições atuais, entretanto, não há quaisquer formas de participação ou
controle social, uma vez que os conselhos do setor são compostos, essencialmente, pelo poder público, pelo setor empresarial e pelo sindicato de trabalhadores
do setor. A representação de usuários, por exemplo, sempre foi uma deficiência,
e a demora de duas décadas na racionalização do sistema é um fator importante
para a identificação das resistências na mudança do funcionamento da lógica da
circulação do transporte coletivo na região, atualmente deficiente no atendimento
da demanda e pela coexistência com soluções informais e irregulares de outros
modais, como mototáxi e vans de passageiros.
Os custos totais estimados em uma complexa operação de financiamento
internacional, envolvendo o governo do estado do Pará, o governo federal brasileiro
e a Jica, perfazem, em valores de 2013, o montante de R$ 1,2 bilhão entre custos
diretos e indiretos. A agência japonesa estabeleceu custos relativos à sua consultoria
e assessoria na implantação do projeto, bem como definiu com o contratante taxas
de juros e remuneração dos valores, de modo a preservar a rentabilidade do projeto
para o contratado. Segundo a Resolução no 26 do Senado Federal, publicada no
Diário Oficial da União no 139, de 19 de julho de 2012, o estado do Pará figura
como devedor na operação, com a Jica como credora e a República Federativa do
Brasil como parte garantidora (tabelas 1, 2 e 3).
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
311
TABELA 1
Valores projetados para o financiamento atual do Projeto Ação Metrópole na RM de
Belém (2009)
Fonte de financiamento
Jica (Japão)
Brasil (Pará e União)
Total
¥ (milhões)
R$ (milhões)
Total (¥ em milhões)
2.017
491
22.479
0
689
28.677
2.017
1.180
51.156
Fonte: Pará (2012).
TABELA 2
Valores de investimento previsto no Brasil, do PAC e conversão do valor máximo de
empréstimo feito à Jica1
Investimento previsto
Brasil (PAC)
Brasil (crédito Jica)
Valor (¥ de 2013)
Valor (R$ de 2012)
-
498
16.411
386,48
Fonte: Brasil (2012); Pará (2012).
Nota: 1 Segundo a Resolução no 26/2012, publicada no Diário Oficial da União (DOU) no 139, de 19 de julho de 2012.
TABELA 3
Conversão de valores, de ienes de 2009 para reais de 2013, usando a cotação do
Banco Central de 12/8/2013
Fonte de financiamento
Jica (Japão)
Brasil (Pará; União)
Total
Total convertido em 2013 (R$ milhões)
529,38
675,34
1.204,72
Fonte: Pará (2012).
Elaboração dos autores.
Os efeitos esperados com a implementação do projeto são referentes à redução
de congestionamentos, redução do tempo de deslocamento e fluidez de tráfego,
com efeitos econômicos positivos decorrentes, na avaliação do plano (Pará, 2012).
A localização das intervenções, contudo, reforça centralidades econômicas da região e consolida nós viários e corredores de tráfego como opções de deslocamento.
Em comparação com o cenário previsto para o ano de 2025, o projeto acarretaria
redução do tempo de deslocamento em 15% (Pará, 2009) no principal eixo viário
de articulação da RM de Belém. Estes efeitos, ressaltados em termos de sua eficiência
econômica decorrente, seriam advindos do planejamento do sistema de transporte
por ônibus em troncos e corredores de deslocamento viário. Em corredor viário
da área de expansão do município de Belém, em fronteira com o município de
Ananindeua, o tempo de deslocamento previsto deve ser reduzido em 5% no mesmo
horizonte temporal. São esperadas reduções nas extensões dos congestionamentos
nos principais corredores de tráfego metropolitano. A implantação de corredores
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
312
integrados de ônibus e de terminais de integração (figura 7) mostra a relação
com as centralidades econômicas metropolitanas, em comparação, por exemplo,
com o volume da demanda por transporte público (figura 8).
FIGURA 8
Macrozonas de tráfego da RM de Belém
Fonte: Pará (2009).
Obs.: segundo o planejamento vigente do projeto Ação Metrópole: necessidade de ampliação do sistema antes da implantação total.
A avaliação de benefícios econômicos do projeto é considerada em torno
de duas variáveis: o custo de operação do veículo e o custo do tempo de viagem
(Pará, 2009). O texto do plano cita um possível “estímulo ao desenvolvimento
urbano” (Pará, 2009, p. 11) e uma elevação da segurança do tráfego. É considerada
a redução da emissão de gases poluentes como um impacto positivo em termos
ambientais. A avaliação econômica do projeto é concentrada na rentabilidade e na
viabilidade do projeto do sistema de transporte público metropolitano por ônibus
como empreendimento, do ponto de vista empresarial (Pará, 2009). Deste modo,
as receitas esperadas com a integração de linhas e a implantação de um sistema
troncal são inseridas em um modelo econômico de previsão, para estabelecer
condições de viabilidade do sistema.
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
313
O projeto é concebido como parceria público privada (PPP), por isso o custo
de aquisição para renovação da frota de ônibus seria de responsabilidade do empresariado vencedor das licitações para operação e exploração de roteiros e linhas,
porém com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES). O investimento em infraestrutura e na estrutura institucional
de gestão é inteiramente previsto com recursos públicos (Pará, 2009), na simulação considerada como mais provável. Do ponto de vista do governo, é previsto o
aumento de impostos arrecadados, o que, no horizonte de implantação do plano,
cobriria 50% do valor investido pelo setor público.
Porém, a implantação do sistema passa pela articulação e pactuação entre
o governo do estado e as prefeituras dos municípios envolvidos. Como dito anteriormente, a capacidade de planejamento, de alocação de recursos e gestão no
âmbito municipal tem se mostrado limitada, o que nos últimos anos implicou
atrasos e mudanças em parte dos projetos previstos. Em especial, a prefeitura de
Belém desempenha papel-chave, uma vez que a maior parte do sistema deverá
ser implantado e operar dentro deste município (corredor Augusto Montenegro,
corredor Almirante Barroso e parte do corredor BR-316), e por se tratar de um
município com maior capacidade de alavancagem de recursos e de execução,
comparativamente aos demais.
Efetivamente, foram realizadas importantes obras preliminares pelo governo do
estado em Belém na primeira fase do projeto, como dito anteriormente, e a prefeitura
iniciou a construção das faixas exclusivas e segregadas no corredor Almirante Barroso
no final da gestão 2009-2012 de forma açodada, apresentando sérios problemas
quanto ao financiamento, às soluções técnicas adotadas, à qualidade da execução
da obra e à compatibilidade com o projeto na escala metropolitana já elaborado
pelo governo do estado, acarretando grande desgaste das ações e do projeto diante
da opinião pública, em virtude dos problemas causados à população. A atual gestão
municipal de Belém, desde 2013, retomou o projeto a partir de novos parâmetros
e iniciou um processo de revisão do projeto, captação de recursos e de ampliação
das ações previstas.
Em fevereiro de 2013, foi realizada uma audiência pública, organizada pela
prefeitura de Belém, da qual participaram, além desta, representantes do governo
do estado, da Câmara Municipal de Belém (CMB), do Ministério Público Estadual
(MPE) e de outros órgãos, bem como da população em geral, para discutir a viabilidade e os encaminhamentos dos projetos do sistema de transporte público (BRT)
no município. Além de existir um comitê gestor do projeto, recentemente, em julho
de 2013, foi composta uma equipe técnica com técnicos da prefeitura de Belém e
do NGTM para trabalhar na implantação do sistema que se inicia pelo município,
onde a prefeitura da capital assumiu a responsabilidade sobre as obras viárias dos
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
314
trechos dentro do município. A recente revisão do projeto incluiu a proposta de
ampliação da malha cicloviária em Belém e a interligação com o modal hidroviário,
por meio da previsão de terminais rodofluviais e criação de linhas de transporte fluvial ao longo da orla interligados ao sistema BRT, e de acesso às ilhas que formam
o município (figura 9).
FIGURA 9
Sistema BRT a ser executado pela Prefeitura Municipal de Belém
Fonte: Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de Belém – SEMOB (2013).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: TENDÊNCIAS DA EXPANSÃO METROPOLITANA
NA RM DE BELÉM
Apesar do reconhecimento declarado da desigualdade de acesso aos transportes
públicos (no caso da RM de Belém, uma solução restrita ao modal ônibus), nota-se
a permanência de questões estruturais e entraves à disponibilidade generalizada e
democrática no acesso aos serviços para a população metropolitana. A recorrência, já
secular, destes problemas aponta para sinais de questões efetivamente fundamentais,
básicas e estruturantes, e no funcionamento do setor de transportes enquanto direito,
porém associado a setores empresariais de atuação sem maiores consequências
ou subordinação a um papel regulador a ser, supostamente, exercido pelo Estado.
Efetivamente, o Projeto Ação Metrópole demonstra grande potencial de
articulação espacial e econômica por meio do sistema de ônibus metropolitano.
O projeto, de custo alto e negociação longa com os agentes consultores externos e
também credores de empréstimo, interfere estruturalmente na distribuição econômica e no rateio do mercado do transporte coletivo urbano na RM, com modelos
formalizados de gestão e racionalização técnica da operação dos sistemas. Sob outro
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
315
ponto de vista, não há, concretamente, articulação entre as dinâmicas de uso do
solo e os impactos da implantação do sistema de transporte coletivo por ônibus
no projeto. A valorização imobiliária decorrente do incremento de acessibilidade
espacial e a alteração da hierarquia de lugares, justamente devido às novas possibilidades de deslocamento, não estão acompanhadas de alterações em planos diretores
municipais ou em projetos urbanísticos específicos das administrações municipais.
A articulação na escala metropolitana, praticamente, tem sido feita pelo próprio
núcleo estadual que gerencia o Projeto Ação Metrópole. Neste sentido, a RM de
Belém deve apresentar alterações funcionais a partir da implantação do sistema
de ônibus do tipo BRT, mas os efeitos de desigualdade no acesso à infraestrutura
podem ser reproduzidos (e ampliados) devido à ausência de mecanismos públicos
de regulação do urbano.
A expansão territorial da mancha urbana é feita na RM de Belém em três
formas gerais: a dos enclaves dos novos conjuntos de condomínios de torres residenciais; a dos novos empreendimentos isolados da parcela urbana com acessibilidade
por ônibus, ou ainda por meio das novas, coexistentes com as antigas, formas de
assentamentos precários metropolitanos, ora criados na conversão de terra rural em
urbana, porém sem infraestrutura básica ou equipamentos urbanos. Nesse sentido,
a própria expansão da mancha urbana, precária ou deficiente em diferentes níveis,
tende a criar uma elevação de custos para o poder público na medida em que as
redes e os serviços passam a pressupor extensão territorial maior. A ausência e a
deficiência de administração, gestão ou governança metropolitana se fazem sentir
não apenas na genérica denominação da fragmentação, dotada de abstração, mas
também em evidências de maior concretude, relegando a uma temporalidade ainda
mais distante o direito à cidade, à implantação de condições de equidade no acesso
à infraestrutura, aos serviços urbanos, aos direitos sociais nas grandes cidades etc.
Tal processo de fragmentação tende a ser ampliado a partir da demanda criada
pela intensa produção imobiliária, atualmente concentrada nos principais vetores
de acesso da RM de Belém, a rodovia Augusto Montenegro e a BR-316, e mesmo
pelos investimentos realizados por programas de grande impacto, pelo volume
de recursos envolvidos, como o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e
o PAC, nas modalidades saneamento integrado e urbanização de assentamentos
precários (figura 10). Estes não têm sido avaliados pelo poder público quanto ao
impacto produzido ou ao que tendem a produzir, como valorização fundiária,
produção de expansão urbana dispersa, desarticulação das redes de infraestrutura
urbana, maior custo de implantação e manutenção dos serviços urbanos etc.
Em que pese o caráter ainda preliminar das análises (Cardoso e Rodrigues,
2013; Lima et al., 2013), no caso do PMCMV, a localização de empreendimentos
na RM de Belém já aponta para um aprofundamento e para o surgimento de
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
316
formas mais variadas de segregação socioespacial na região. A formação de uma
sequência de núcleos residenciais acessíveis apenas pelo automóvel, combinada
com a implantação recente de equipamentos comerciais, aponta para uma modalidade de reconfiguração do espaço urbano, ao mesmo tempo em que outros
empreendimentos ocupam terras mais isoladas, em vias transversais aos corredores
de tráfego da RM de Belém, sem articulação com o transporte coletivo. Em terceiro
lugar, a formação de novos assentamentos precários, intensificados em municípios
como Marituba e Benevides, exibe uma contraface do processo de urbanização
dos empreendimentos imobiliários, em que a ausência de infraestrutura, de equipamentos urbanos e de políticas sociais garante a expressiva predominância dos
domicílios precários na RM de Belém.
FIGURA 10
Aglomerados subnormais e localização dos projetos do PAC UAP e SI
e empreendimentos do PMCMV1 (2012)
Fonte: Caixa Econômica Federal – CEF (2012).
Elaboração: Wallace Avelar, LABCAM e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Nota: 1 Para famílias da faixa 1 (até R$ 1,6 mil) na RM de Belém.
É possível observar a concentração de investimentos públicos (PAC, BRT,
MCMV) e privados nos municípios de Belém, Ananindeua e Marituba (incorporação
imobiliária; grandes equipamentos urbanos, como shopping centers etc.), capazes de
produzir importante impacto no uso do solo, tais como: ampliação da mancha urbanizada e da rede de infraestrutura urbana; adensamento dos principais eixos viários
A Política de Transporte Público e a Estruturação do Espaço Urbano
na Região Metropolitana de Belém
317
em Belém e de conexão metropolitana; comprometimento de áreas ambientalmente
frágeis na ausência de zoneamentos mais específicos e de fiscalização, incluindo, por
exemplo, a destinação de áreas para o tratamento de aterros sanitários e de resíduos
sólidos etc.
Todavia, ainda são questões que tendem a ser tratadas de forma fragmentada
pelos municípios, uma vez que não há uma institucionalidade que promova o planejamento, a avaliação e o debate de forma articulada e focada sobre a perspectiva
de controle do uso do solo na escala metropolitana, cabendo ressalva a algumas iniciativas relacionadas à implantação do sistema de transporte público metropolitano.
As prefeituras municipais, na prática, não atuam de modo decisivo no aspecto
da regulação ou da restrição ao uso e à ocupação do solo na RM de Belém; muitas
administrações locais carecem de mecanismos, inclusive legais, capazes de garantir,
ao menos no plano formal, instrumentos legítimos de ordenamento territorial.
O perfil dos protocolos destas prefeituras envolve, eventualmente, a influência
dos agentes econômicos, bem como as pressões para a aprovação de projetos, frequentemente com a justificativa dos benefícios da expansão da cidade ou de suas
eventuais oportunidades econômicas.
Em síntese, dinâmicas de mercado já conhecidas têm apresentado, com frequência, maior proeminência na estruturação da RM de Belém, e os órgãos e instâncias
do estado e dos municípios não têm apresentado sinais de planejamento integrado
ou de ingerência sobre tais processos. Obviamente, as dinâmicas da construção civil,
por exemplo, em grande parte, se referem ao setor privado, mas as obras públicas
representam, inevitavelmente, precondições e um substrato material, institucional e
econômico sobre o qual o próprio desenvolvimento urbano ocorre (Harvey, 1990;
Castells, 2000). Nesse sentido, a identificação de falta de ingerência e capacidade de
regulação e restrição do poder público representa um problema, sobretudo diante
de um contexto de significativa desigualdade social como o da RM de Belém.
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p. 406-432.
CAPÍTULO 12
TRANSPORTE PÚBLICO E (I)MOBILIDADE URBANA NA REGIÃO
METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA
Adauto Beato Venerano1
Rossana Mattos2
Larissa S. Oliveira3
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo analisa a trajetória do transporte público e da mobilidade urbana
na Região Metropolitana da Grande Vitória (RM da Grande Vitória), tendo por
pano de fundo o fato de que, historicamente, o Espírito Santo se caracterizou
pela falta de planejamento.
O estudo também busca identificar o desenvolvimento socioeconômico
da região, a partir da década de 1980, com o processo de industrialização
estadual concentrado prioritariamente na RM da Grande Vitória, que resultou em um inchaço populacional, e seus impactos no transporte público e
na mobilidade urbana.
Nesse sentido, foram desenvolvidas duas seções centrais, além desta
introdução e das considerações finais. Na seção 2 são traçados o histórico
e as mudanças no transporte público na RM da Grande Vitória aliados ao
processo de desenvolvimento econômico e expansão urbana. Também é
apresentada e analisada a adoção de políticas públicas voltadas ao gerenciamento do transporte coletivo na RM da Grande Vitória e os principais
instrumentos de gestão institucionalizados.
Na seção 3 é analisada a mobilidade urbana na região, com base na
pesquisa origem-destino (OD). Por fim, são apresentados os desafios e as
potencialidades da governança metropolitana, relativos ao transporte público
e à mobilidade urbana.
1. Técnico do Instituto Jones dos Santos Neves (ISJN), coordenador do projeto Governança metropolitana no Brasil.
E-mail: <adauto@ijsn.es.gov.br>.
2. Professora-adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); professora do Centro Universitário do Espírito
Santo (UNESC); coordenadora do Núcleo de Estudos Socioespaciais da Violência (NESV/UNESC); pesquisadora do Ipea.
E-mail: <rossanamattos@terra.com.br>.
3. Pesquisadora do Ipea. E-mail: <admlari@gmail.com>.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
324
2 HISTÓRICO DO TRANSPORTE PÚBLICO NA REGIÃO METROPOLITANA DA
GRANDE VITÓRIA
No Espírito Santo, a partir da década de 1960, tem início o desenvolvimento do
transporte urbano na RM da Grande Vitória, resultado da implantação dos primeiros
projetos voltados à industrialização na região, da crise na cafeicultura estadual e
do consequente movimento de migração. Nesse período, a região não possuía
infraestrutura que comportasse a nova demanda populacional, principalmente na
área de transporte coletivo.
Na década de 1970, o transporte urbano da Grande Vitória concentrava-se suas
principais linhas de ônibus na área central de Vitória, devido a antiga configuração
de cidade concêntrica. Nesta década, o sistema de transporte já não era adequado
ao desenvolvimento da cidade, com poucas vias de acesso, lento, ineficiente, sem
segurança e com alto custo (Fontes, 2012, p. 57).
Nesse período, o transporte coletivo na RM da Grande Vitória caracterizava-se por:
•
falta de integração entre as linhas de ônibus;
•
engarrafamentos;
•
superlotação nos pontos de ônibus e nos ônibus; e
•
falta de infraestrutura viária, entre outros problemas.
Considerando que as regiões metropolitanas, além da complexidade na sua
gestão, possuem enormes desafios, e que a circulação urbana é uma variável decisiva
neste processo, pois cresce a necessidade de deslocamentos de pessoas e de cargas,
a circulação é crucial, uma vez que:
em cada cidade se materializa um sistema espacial complexo, compreendendo uma
montagem interdependente de áreas funcionais (privadas e públicas). Estas (...) podem
ser denominadas tanto como espaço de produção (no qual o processo de acumulação ocorre) ou de reprodução (no qual a recuperação da força de trabalho ocorre).
Ambos os espaços são mediados por um terceiro espaço, dedicado às necessidades
da circulação (Vasconcellos, 2001, p. 33).
Porém, somente na década de 1980 tem início a adoção de políticas públicas
voltadas ao gerenciamento do transporte coletivo na RM da Grande Vitória, com
a criação do Plano Diretor de Transporte Urbano da RM da Grande Vitória,
elaborado em meados da década de 1980. O Projeto Transcol, desenvolvido
pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), foi incorporado ao Programa de
Aglomerados Urbanos (AGLURB) em 1984.
Transporte Público e (I)Mobilidade Urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória
325
Visando a viabilização do Projeto Transcol, é criada a Companhia de
Transportes Urbanos da Grande Vitória (CETURB-GV), que tinha a finalidade
de organizar institucionalmente o sistema, gerenciar os serviços existentes e implantar
o Projeto Transcol. Em agosto de 1986, a gestão do sistema Transcol é transferida do
Departamento de Trânsito do Espírito Santo (DETRAN-ES) para a CETURB-GV.
Entre as principais realizações da CETURB-GV, ao longo de sua existência,
segundo Uliana (2000), destacam-se:
•
reestruturação de todo o sistema de transporte da Grande Vitória, que
era considerado um dos piores do Brasil, implantando um sistema
integrado moderno (Transcol), que hoje é considerado referência no
país, ao lado de Curitiba;
•
renovação de mais de 1.100 ônibus, cuja idade média anterior era de
mais de doze anos, para uma média atual de 4,5 anos;
•
introdução de novas tecnologias de transporte, como o ônibus Padron,
o articulado e os movidos a gás natural, proporcionando mais segurança
e conforto aos usuários;
•
captação de mais de R$ 200 milhões em investimentos para o Estado junto
ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
investidos em pavimentação de 150 quilômetros de vias, novos abrigos,
terminais de integração, frota de ônibus etc.; e
•
gerenciamento, há catorze anos, de um sistema que transporta cerca de
12 milhões de passageiros por mês, com técnicas modernas de câmara
de compensação, avaliação de desempenho e controle informatizado
dos serviços.
Entretanto, mesmo com as mudanças ocorridas, os problemas não só
persistiram como se agravaram. O sistema já não suporta a demanda. A frota
atual, de quase 1.500 ônibus, faz mais de 11.500 viagens por dia. São quase
17 milhões de pessoas circulando pelos dez terminais do Transcol na Grande
Vitória. Nos horários de pico, pela manhã ou no final do dia, as filas dão
voltas dentro dos terminais, além da superlotação nos ônibus, o que pode ser
visualizado na figura 1.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
326
FIGURA 1
Fila nos terminais da RM da Grande Vitória
Fonte: <http://goo.gl/LP7ELP>. Acesso em: 10 nov. 2013.
3 MOBILIDADE URBANA NA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA
Os problemas relacionados à mobilidade urbana na RM da Grande Vitória
ficam mais evidentes quando analisa-se a pesquisa origem-destino, realizada
entre 1998-2007. Nesta pesquisa, não foram contemplados os municípios de
Guarapari e Fundão, pois em 1998 estes municípios não faziam parte da RM da
Grande Vitória, o que remete a discussão sobre a necessidade de inclusão destes
municípios à RM da Grande Vitória.
Uma vez que a pesquisa foi realizada no período 1998-2007, é necessária a
caracterização da população da RM da Grande Vitória, no ano de 2007. Também
é fundamental observar que a população destes municípios já sofreu alteração, de
acordo com a tabela 2, em que os cinco municípios integrantes da pesquisa OD
apresentam, em 2010, uma população de 1.563.129, ou seja, um crescimento
de 3,41% em três anos, com variações significativas em alguns deles. Estes dados
ressaltam a importância de realização de uma nova pesquisa OD, pois sua
realização, tecnicamente, deve ter uma periodicidade de cinco anos, o que indica
uma defasagem de sete anos.
Transporte Público e (I)Mobilidade Urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória
327
De acordo com a tabela 1, na participação percentual da população da RM
da Grande Vitória, em 2007, Vila Velha ocupava o 1o lugar, seguido por Serra,
Cariacica, Vitória e Viana, respectivamente. Em 2010 (tabela 2), as posições se
mantêm, só havendo variação no número da população.
TABELA 1
População da RM da Grande Vitória1 (2007)
Área de estudo
População (2007)
Participação (%)
Cariacica
356.536
23,60
Serra
385.370
25,40
Viana
57.539
3,80
Vila Velha
398.068
26,40
Vitória
314.042
20,70
1.511.555
100,00
RM da Grande Vitória
Fonte: IBGE (2007).
Nota: 1 Inclusive a população estimada nos domicílios fechados.
Obs.: população estimada.
TABELA 2
Evolução da população rural e urbana do estado do Espírito Santo (1940-2010)
Anos
População total
População rural
(%)
População urbana
(%)
1940
750.107
593.099
79,07
157.008
20,93
1950
861.562
666.627
77,37
194.935
22,63
1960
1.169.553
799.478
68,36
370.075
31,64
1970
1.599.333
877.417
54,86
721.916
45,14
1980
2.023.340
729.962
36,08
1.293.378
63,92
1991
2.600.618
676.030
25,99
1.924.588
74,01
2000
3.097.232
634.183
20,48
2.463.049
79,52
2010
3.512.672
583.679
16,61
2.928.993
83,39
Fonte: IBGE (2010).
A análise da tabela 3 mostra um crescimento de 35,81% no total de
viagens realizadas por dia na RM da Grande Vitória, no período 1998-2007.
As posições dos municípios, em relação às maiores porcentagens de participação por
viagens diárias, são: Vila Velha, Vitória, Serra, Cariacica e Viana, respectivamente.
A segunda posição ocupada por Vitória, com 26,1% e com um crescimento
de 26,66% no período 1998-2007, evidencia o problema da mobilidade na capital,
principalmente se este dado for associado ao fato de o município estar em quarto
lugar em número de habitantes da RM, com 314.042 habitantes (tabela 3), e ser
o município com menor extensão territorial da RM da Grande Vitória, com uma
área de 105 km² e taxa de urbanização de 100% (tabela 4).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
328
Entretanto, aqui é importante destacar a porcentagem de crescimento das
viagens diárias nos municípios. O município de Viana se destaca pois, apesar
de ocupar o último lugar em termos de participação de viagens diárias, ocupa
o 3o lugar no ranking do crescimento, ultrapassando Vitória e Cariacica.
TABELA 3
Evolução da distribuição de viagens segundo o município de origem – RM da Grande
Vitória (1998 e 2007)
1998
Área de estudo
Viagens realizadas
por dia
2007
Viagens realizadas
por dia
Participação (%)
Participação (%)
Crescimento
1998-2007 (%)
Vitória
656.749
28,0
831.895
26,1
26,66
Cariacica
532.715
22,7
628.917
19,8
18,05
Serra
508.146
21,70
721.274
22,70
41,94
Viana
77.933
3,30
108.950
3,40
39,80
567.326
24,20
890.786
28,00
57,01
2.342.869
100,00
3.181.821
100,00
35,81
Vila Velha
RM da Grande
Vitória
Fonte: COMDEVIT (2007).
TABELA 4
Grau de urbanização da RM da Grande Vitória e municípios (2000 e 2010)
Grau de urbanização
RM da Grande Vitória e municípios
2000 (R$)
2010 (R$)
RM da Grande Vitória
98,2
98,3
Cariacica
96,5
96,8
Fundão
83,0
84,5
Guarapari
93,4
95,5
Serra
99,5
99,3
Viana
92,8
91,7
Vila Velha
99,6
99,5
100,0
100,0
Vitória
Fonte: IBGE (2010).
A análise da tabela 5 permite identificar não só o tipo de viagens, se internas ou externas, como sinaliza para a importância política, econômica e social
dos municípios que compõem a RM da Grande Vitória. Vitória possui a maior
porcentagem de viagens internas – 86,20% – e a segunda menor porcentagem
de viagens externas – 13,80%. Estes dados reforçam a importância do município
como polo de economia, política, cultura e lazer da região. Inversamente, Viana
Transporte Público e (I)Mobilidade Urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória
329
possui a maior porcentagem de viagens externas – 42,30% – e a menor de viagens
internas – 57,70% –, o que demonstra a fragilidade do município em relação aos
aspectos da economia, política, cultura e lazer.
TABELA 5
Distribuição por tipo de viagens por município – RM da Grande Vitória (2007)
Área de estudo
Viagens externas
(intermunicipais)
Viagens internas
(intermunicipais)
Participação
viagens externas
(%)
Participação
viagens internas
(%)
831.895
13,80
86,20
Vitória
114.675
Cariacica
201.545
427.372
628.917
32,00
68,00
96.345
575.700
721.274
13,40
79,80
Serra
717.220
Total geral
46.060
62.890
108.950
42,30
57,70
Vila Velha
221.636
669.150
890.786
24,90
75,10
RM da Grande
Vitória
680.260
2.452.332
3.181.821
21,40
77,10
Viana
Fonte: COMDEVIT (2007).
Por fim, as tabelas 6 e 7 reforçam as questões discutidas anteriormente, além
de salientarem a desigualdade econômica na RM da Grande Vitória, fato este
reforçado pela figura 1, que “mostra que, na quase totalidade do município de
Viana, prevalece uma proporção onde o percentual da população sem rendimentos é
superior a 33%, situação similar à dos municípios de Cariacica, Guarapari e Serra”
(Mattos, 2011, p. 132). Por sua vez,
Dentre os municípios da RM da Grande Vitória, Vitória apresenta as menores proporções de população sem rendimentos da região. A análise da figura 2 nos permite
visualizar o processo de segregação na ilha, onde a parte leste representa a “ilha de
riqueza”, e a porção oeste, o “lugar de toda pobreza”.4
TABELA 6
Distribuição de viagens diárias por modos específicos de transporte por município –
RM da Grande Vitória (2007)
Modo coletivo
(%)
Modo
individual
(%)
Vitória
276.022
33,20
354.571
42,60
201.301
24,20
Cariacica
253.119
40,20
96.012
15,30
279.786
44,50
Serra
304.843
42,30
99.539
13,80
316.892
43,90
Viana
34.278
31,50
24.587
22,60
50.085
46,00
Área de estudo
Modo não
motorizado
(%)
(Continua)
4. “Lugar de toda pobreza”, de Amylton de Almeida, documentário de grande impacto, com repercussão nacional, narra
a vida de uma comunidade de catadores de lixo, no lado oeste da ilha de Vitória no bairro São Pedro, e mostra como
a população retira do lixo sua sobrevivência.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
330
(Continuação)
Área de estudo
Vila Velha
RM da Grande Vitória
Modo coletivo
(%)
Modo
individual
(%)
Modo não
motorizado
229.915
25,80
317.459
35,60
343.411
38,60
1.098.178
34,50
892.169
28,00
1.191.475
37,40
(%)
Fonte: COMDEVIT (2007).
TABELA 7
Evolução da mobilidade por município da RM da Grande Vitória e por modo (1998 e 2007)
Motorizado
Não
motorizado
Total
Cariacica
0,93
0,77
Serra
0,91
0,79
Viana
0,79
0,79
Área de estudo
Motorizado
Não
motorizado
Total
1,7
0,96
0,77
1,73
1,7
1,01
0,8
1,81
1,58
0,97
0,82
1,79
Vila Velha
1,19
0,61
1,8
1,34
0,84
2,18
Vitória
1,86
0,58
2,44
1,98
0,63
2,61
1,22
0,66
1,88
1,28
0,77
2,05
RM da Grande Vitória
Fonte: COMDEVIT (2007).
FIGURA 2
Proporção da população sem rendimento no município de Viana (2000)
Fonte: IBGE (2000).
Elaboração: Eliana Monteiro Rodrigues.
Transporte Público e (I)Mobilidade Urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória
331
FIGURA 3
Proporção da população sem rendimento no município de Vitória (2000)
Fonte: IBGE (2000).
Elaboração: Eliana Monteiro Rodrigues.
A leitura e análise dos dados relativos à distribuição de viagens diárias
por modos específicos de transporte por município e a evolução da mobilidade por município da RM da Grande Vitória e por modo, apresentados
na tabela 8, permitem reforçar a desigualdade entre os municípios da RM
da Grande Vitória.
TABELA 8
Imobilidade por município – RM da Grande Vitória (2007)
Fez viagem
Não fez viagem
Total geral
Imobilidade (%)
Cariacica
247.094
115.978
363.072
31,90
Serra
257.798
140.580
398.378
35,30
Viana
41.492
19.433
60.925
31,90
310.733
97.894
408.627
24,00
Área de estudo
Vila Velha
233.872
84.570
318.442
26,60
1.090.989
458.455
1.549.445
29,60
Vitória
RM da Grande Vitória
Fonte: COMDEVIT (2007).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
332
Com relação à integração tarifária, em 1984 foi desenvolvido pelo Instituto
Jones dos Santos Neves o Projeto Transcol. Nesse mesmo ano, foi criada a Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória, pela Lei Estadual no 3.693/1984,
como uma empresa pública, vinculada à Secretaria de Estado dos Transportes e
Obras Públicas.
Em 1989, com a construção do primeiro terminal urbano de integração de passageiros em Carapina, município de Serra, e com a aquisição,
pelo governo estadual, do primeiro lote dos ônibus tipo Padron, de maior
capacidade e conforto, iniciou-se a efetiva implantação do sistema Transcol,
com uma nova estrutura física, operacional e tarifária, adotando o modelo de
operação tronco-alimentada, em substituição ao modelo radial concêntrico.
Foi implantada a tarifa única integrada, em substituição a valores por linha.
Além disso, em junho de 2012, o governo do Espírito Santo lançou o Plano
de Mobilidade Urbana para a RM da Grande Vitória, destacando-se o BRT,
apresentado na figura 4.
FIGURA 4
Transporte Coletivo Futuro – BRT
Fonte: Secretaria de Estado dos Transportes e Obras Públicas do Espírito Santo.
Transporte Público e (I)Mobilidade Urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória
333
FIGURA 5
Composição do BRT
Fonte: Secretaria de Estado dos Transportes e Obras Públicas do Espírito Santo.
Contudo, diversas têm sido as críticas ao programa governamental. Entre
elas, destaca-se a crítica ao BRT:
Devemos pensar que as grandes cidades já reprimem de alguma forma a entrada de
veículos nos seus grandes centros, e como circularia os BRT ou VTS pelas estreitas
ruas de nossa capital, verdadeiros gargalos oriundos de sua configuração arquitetônica.
Chega de demolições de nosso patrimônio histórico.
Podemos afirmar que o BRT é justamente o sistema que menos se adapta à nossa
realidade no caso de Vitória. As condições espaciais da RM da Grande Vitória, a
topografia, a geologia, as características urbano-viárias e os fatores socioeconômicos,
estes que influenciam na questão da centralidade da capital, na preferência pelo
transporte individual e na rejeição ao transporte público (Faria, 2012).
Nesse sentido, Rolnik (2012) alerta para o fato de que a ausência de um plano
municipal de transportes, debatido de forma transparente e aberta com os cidadãos,
permite que as decisões sejam tomadas ad hoc – em que prioridades são mudadas e
projetos são modificados ao sabor das circunstâncias, e raramente das necessidades
e demandas mais urgentes. Infelizmente, não há política de transporte público sem
planejamento de longo prazo, atravessando conjunturas e eleições. As políticas de
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
334
transporte público precisam ser pensadas de forma integrada, articulando diferentes
modais e conectada com as demais decisões do plano diretor da cidade, como as
relacionadas ao uso e ocupação do solo e à habitação, por exemplo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tradicionalmente, ao longo de quase toda a sua história, o Espírito Santo se
caracterizou pela falta de planejamento. Este fato contribuiu para que as políticas
públicas, implementadas ao longo da nossa história não refletissem as necessidades
estaduais, principalmente da RM da Grande Vitória.
Isso se reveste de maior importância, a partir da década de 1980, com o
processo de industrialização estadual, concentrado prioritariamente na RM da
Grande Vitória, que resultou em um inchaço populacional.
Com isso, o Espírito Santo e a RM da Grande Vitória, sem condições de
absorver todo esse contingente populacional, veem surgir problemas em todos os
setores, principalmente na área de transporte público e mobilidade urbana, que
não consegue atender a demanda cada vez mais crescente, principalmente em áreas
de ocupações irregulares, em que as maiores vítimas são os cidadãos em situação
de vulnerabilidade econômica, social e ambiental.
A partir do final da década de 1990 e início do século XXI, esse cenário
começa a ser revertido, surgem planos e projetos nas áreas de uso e ocupação do
solo, saneamento básico e transporte, conforme apresentado anteriormente.
Entretanto, é preciso destacar que ainda há muito a ser feito, principalmente
em relação a:
•
integração quanto às escalas de planejamento entre os diversos segmentos,
tanto públicos quanto privados, em relação às políticas a serem planejadas
e implementadas na RM da Grande Vitória;
•
maior participação da comunidade civil; e
•
maior conscientização e capacitação dos agentes envolvidos no planejamento e nos processos decisórios.
Sem dúvida, houve avanços. Porém, agora é hora de partir para a implementação dos programas e projetos, de forma a tentar minimizar problemas históricos,
principalmente em relação à população marginalizada, no processo de metropolização da RM da Grande Vitória.
Transporte Público e (I)Mobilidade Urbana na Região Metropolitana da Grande Vitória
335
REFERÊNCIAS
COMDEVIT – CONSELHO METROPOLITANO DE DESENVOLVIMENTO
DA GRANDE VITÓRIA. Como anda a nossa gente hoje: pesquisa domiciliar
de origem e destino da Região Metropolitana da Grande Vitória 2007. Espírito
Santo: COMDEVIT, 2007.
ESPÍRITO SANTO. Secretaria dos Transportes e Obras Públicas. Programa de
Mobilidade Metropolitana. Espírito Santo: Secretaria dos Transportes e Obras
Públicas, 2012. Disponível em: <http://goo.gl/wEJoSV>. Acesso em: ago. 2013.
FARIA, Willis. O que é melhor para a cidade de vitória: BRT x VLT x metrô
x monotrilho (uma briga de cachorro grande). Vitória, 2012. Disponível em:
<http://goo.gl/9D3msm>. Acesso: 23 set. 2013.
FONTES, Ana Paula Corrêa Vitorino. Logística, mobilidade urbana e qualidade de vida: uma abordagem do município de Vitória – ES. 2012. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Vila Velha, Vila Velha, 2012.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTÁTISTICA.
Microdados da Amostra. 2000.
______. Contagem da população. 2007.
______. Leis complementares estaduais, Espírito Santo, 2010.
MATTOS, R. F. S. Expansão urbana, segregação e violência: um estudo sobre
a Região Metropolitana da Grande Vitória. Vitória: Edufes, 2011.
ROLNIK, Raquel. Plano de transporte? Para quê?, 2012. Disponível em:
<http://goo.gl/dsyqGt>. Acesso em: 18 ago. 2013.
ULIANA, H. A. As transformações radicais no transporte coletivo da RMGV
(1970-2000). 2000. Disponível em: <www.ceturb.es.gov.br/download/transfor.
zip>. Acesso em: 31 ago. 2013.
VASCONCELLOS, E. A. Transporte urbano, espaço e equidade: análise das
políticas públicas. São Paulo: Annablume, 2001.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ESPÍRITO SANTO. Espírito Santo 2025: plano de desenvolvimento. Vitória:
Secretaria de Estado de Economia e Planejamento, 2006. Disponível em: <http://
goo.gl/zCOlbt>.
NOÉ, C. J. B. Uso do solo e circulação urbana da RMGV. Revista do COMDEVIT,
Vitória, ano 1, 1. ed., dez. 2008.
CAPÍTULO 13
A GOVERNANÇA METROPOLITANA DA MOBILIDADE:
UMA ANÁLISE A PARTIR DOS RELATOS ESTADUAIS
Vicente Correia Lima Neto1
Rômulo Dante Orrico Filho2
1 INTRODUÇÃO
O tema da mobilidade urbana estrutura-se pelo reconhecimento das funções públicas de interesse comum (FPICs), e pela atribuição constitucional aos estados
de constituírem regiões metropolitanas (RMs) para este fim. A expressão função
pública, no caso do transporte, relaciona-se ao caráter essencial que o transporte
público possui, sendo considerado como um serviço público explícito a partir da
Constituição Federal de 1988 (CF/88).
A característica do serviço público é tratada desde a Constituição Federal de
1934 de forma explícita, sendo continuamente detalhada nas constituições posteriores (Pedroso e Lima Neto, 2013). A Constituição Federal de 1937 atribuiu
ao município a competência da organização dos serviços públicos, bem como a
possibilidade de realização de parcerias entre os municípios para instalação, operação
e administração destes serviços, por meio da constituição de uma pessoa jurídica
exclusiva com esta finalidade. O termo conveniamento entre os entes relacionados à gestão e operação de um serviço público surgiu na Constituição Federal de
1967, bem como a atribuição da União de instituir as regiões metropolitanas para
a realização dos serviços públicos de interesse comum, mantida a independência
dos municípios quanto à organização dos serviços públicos.
Na CF/88, o transporte público coletivo é explicitado, sendo atribuição dos
municípios a organização e prestação do serviço de transporte coletivo urbano, seja
diretamente, seja sob o regime de concessão ou permissão, por meio de licitação.
Especificamente no que tange à constituição das RMs para a consecução das FPICs,
a União passa esta atribuição aos estados, que passam ao papel de protagonistas
no contexto dos serviços públicos metropolitanos.
1. Técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea.
2. Professor-adjunto do Programa de Pós-Graduação em Transporte do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação
e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de janeiro (COPPE/UFRJ). Pesquisador da Rede de Estudos
de Engenharia e Socioeconômico em Transportes (RESET).
338
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Nesse sentido, dois fatos surgem entre a CF/88 e a Lei no 12.598/2012, que
instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), os quais auxiliam no
diagnóstico do setor e especificamente nas RMs: a Lei no 8.987/1995 e a Lei dos
Consórcios Públicos. Segundo o primeiro fato, as prefeituras deveriam adequar os
seus contratos de concessão/permissão do serviço de transporte público por meio de
licitação até o fim de 2010. A Lei dos Consórcios, por seu turno, regulamentou o
processo de parceria entre os três Entes da Federação para consecução de objetivos
de interesse comum. Assim, um ponto relevante a ser observado nestes espaços
metropolitanos não é somente se houve ou não consorciamento entre os entes
federados, mas, primeiramente, a realização de licitação pública para regularização
do sistema de transporte público no âmbito da metrópole e dos municípios que
a integram, que atenda a quesitos, como política tarifária, qualidade do serviço e
direitos e deveres dos usuários.
A Lei da PNMU reitera as atribuições definidas na CF/88 para os municípios
no que tange à operação direta, ou indireta, dos serviços de transporte público.
Porém, incorpora às atribuições municipais o planejamento da política de mobilidade urbana, assim como a regulamentação dos serviços de transporte. Quanto
aos demais entes federados, observa-se um papel de indutor por parte da União
quanto aos investimentos em infraestrutura de mobilidade, especificamente em
áreas conurbadas, aglomerações urbanas e regiões metropolitanas. Os estados
da Federação devem garantir e promover a interação dos serviços nas áreas que
ultrapassem os limites municipais no território estadual. Esta promoção, segundo
o mesmo instituto legal, deve ocorrer por meio do convênio ou consórcios, como
mencionado anteriormente.
Outro aspecto que merece atenção refere-se à obrigatoriedade por parte dos
municípios de desenvolverem os planos de mobilidade urbana. Desde o Estatuto
da Cidade, os municípios com mais de 500 mil habitantes são obrigados a desenvolverem este instrumento de planejamento, articulado com os planos diretores,
tratando da mobilidade urbana no âmbito municipal. Em 2012, com a aprovação da PNMU, a obrigatoriedade de desenvolvimento dos planos de mobilidade
passou para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, que devem estar
integrados ou inseridos nos respectivos planos diretores municipais.
A lei especifica ainda o conteúdo mínimo do plano, que deve abordar desde
aspectos relativos ao serviço de transporte público coletivo, infraestrutura do sistema de mobilidade, polos geradores, mecanismos de financiamento do serviço e da
infraestrutura necessária ao sistema de mobilidade, além da sistemática de avaliação
e revisão do plano. Em diagnóstico realizado por Lima Neto e Galindo (2013),
considerando uma avaliação quantitativa, segundo o critério de obrigatoriedade
datado de 2001, apenas treze dos 36 municípios que legalmente necessitavam
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
339
desenvolver seus planos os fizeram. Contrapondo com o universo de cidades pela
PNMU, o número passa a 1.650, com prazo estipulado de três anos para desenvolvimento, sob pena de não obtenção de recursos federais.
O contexto metropolitano passa ao largo deste importante instrumento de
planejamento da mobilidade. Não existe a previsão legal de desenvolvimento de
planos metropolitanos de mobilidade – ou seja, mesmo que haja um plano integrado
metropolitano, como é o caso das RMs do Rio de Janeiro e de São Paulo, as cidades
que as integram estariam em desacordo com a legislação federal até o momento
que desenvolvam os instrumentos municipais. Uma crítica se faz necessária: se
existe, no normativo federal, o incentivo à integração da operação do sistema de
transporte motivado pela sobreposição de atividades nos territórios municipais,
caberia também o incentivo ao planejamento conjunto e integrado realizado por
meio do planejamento conjunto da mobilidade urbana.
Isso posto, este capítulo desenvolverá uma análise crítica dos relatos estaduais com ênfase na aderência da realidade municipal metropolitana com a Lei das
Concessões (Lei no 8.987/1995), a Lei dos Consórcios Públicos (Lei no 11.107,
de 6 de abril de 2005), a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei no 12.587,
de 3 de janeiro de 2012) e com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Esta análise busca responder às perguntas básicas a seguir.
1) O sistema em operação no contexto metropolitano, considerando individualmente cada cidade, está em conformidade com a legislação federal
que regulamenta a concessão do serviço público?
2) As metrópoles estão se valendo do instrumento do consórcio para gestão
do transporte público metropolitano?
3) Existe uma movimentação de adequação das metrópoles à PNMU com
relação ao desenvolvimento dos planos de mobilidade urbana? Tais
planos, quando desenvolvidos, estão sendo tratados de forma integrada
na metrópole?
4) Qual o papel dos investimentos (federais, estaduais e municipais) em
cada território metropolitano no que diz respeito às relações entre o
município núcleo e os demais da RM? Os investimentos promovem a
desconcentração de atividades ou fortalecem uma dinâmica existente?
As seções que seguem procuram responder as perguntas anteriormente postas. A seção 2 trata sobre a legalidade ou adequação do serviço metropolitano de
transporte público. A seção 3 procura entender a execução do instrumento básico
da política de mobilidade no âmbito municipal em territórios metropolitanos –
compreendendo a não exigência legal de tal instrumento na escala da metrópole.
A seção 4 analisa os investimentos de ordem federal, estadual e municipal relatados
340
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
nos documentos, procurando identificar a dinâmica da concentração e desconcentração do investimento em relação à dinâmica existente em cada território. Por fim,
na seção 5, realiza-se uma análise da gestão da FPIC mobilidade nesses espaços,
tendo como foco as perguntas inicialmente postas.
2 CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE NO ÂMBITO
METROPOLITANO: ADEQUABILIDADE OU ILEGALIDADE DO SERVIÇO?
Como definido na Lei no 8.987, todos os serviços públicos concedidos devem se
adequar ao processo definido nos instrumentos desta norma, tendo o prazo máximo
se encerrado em 2010. Como o transporte urbano coletivo é um serviço público
de atribuição municipal, caso não seja operado diretamente pelo município, este
deve realizar sua concessão ou permissão, de acordo com os preceitos legais.
É condição sine qua non para as municipalidades, portanto, apresentarem
sistemas regulares, licitados segundo esta lei, considerando aspectos como política
tarifária, direito dos usuários. O enquadramento da questão corresponde à primeira
pergunta posta na introdução. Uma ressalva se faz aos municípios que apresentem
resposta positiva à segunda pergunta – que se utilizam do consórcio público para
sua prestação. O consorciamento de entes federados distintos ou semelhantes não
exime este novo instituto criado do processo de concessão – apenas cria uma nova
figura que representa os partícipes em um contexto metropolitano, de aglomeração
ou conurbação urbana.
Esta seção estrutura-se a partir da análise das institucionalidades existentes,
destacando a posição do estado e dos municípios que integram a respectiva região
metropolitana, na regularidade do serviço de transporte público.
2.1 Elementos normativos, responsabilidades e aspectos regulatórios dos
sistemas de transporte das RMs brasileiras
2.1.1 Região Metropolitana da Grande São Luís
O transporte e o sistema viário são definidos como serviços comuns para os municípios que integram a Região Metropolitana da Grande São Luís (RM da Grande
São Luís), por meio da Lei Complementar Estadual no 69/2003, sendo assim de
interesse metropolitano, conforme relatam Ribeiro e Costa (2013).
O sistema em operação na RM de São Luís é composto por um serviço regular
realizado por ônibus e um complementar realizado por micro-ônibus e vans, cuja
responsabilidade legal é da Secretaria Estadual de Infraestrutura (Sinfra); contudo, cabe ressaltar que, por meio de um convênio (válido de 2007 a 2012) entre o
governo do estado e o município de São Luís, houve a transferência da operação
à Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (SMTT).
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
341
Há um sistema integrado, denominado Sistema Integrado de Transportes
(SIT), sob a alçada da SMTT. Parte do serviço semiurbano, sob a responsabilidade da Sinfra, é integrado ao SIT, permitindo a integração e a ampliação
da mobilidade dos usuários do sistema na RM. O sistema complementar é
realizado por meio de autorizações da Sinfra, contudo, este não se encontra
integrado ao SIT.
A despeito da institucionalidade existente, é citada por Ribeiro e Costa (2013)
a necessidade da criação de um marco regulatório do transporte rodoviário e aquaviário intermunicipal, atualizando e criando a base para a regulação do serviço.
Além do quadro citado, a SMTT indica a necessidade de uma nova modelagem
da rede de transporte público, a ser desenvolvida após a pesquisa origem-destino,
que possibilitará uma nova licitação do sistema.
2.1.2 Região Metropolitana da Grande Vitória
A Região Metropolitana da Grande Vitória (RM da Grande Vitória) possui um
sistema de gestão composto pelo Conselho Metropolitano, por câmaras temáticas
especiais, e por um comitê gestor, além do Fundo Metropolitano de Desenvolvimento (Venerano e Costa, 2013). Especificadamente em relação aos transportes,
foi criada ainda, na década de 1980, uma empresa pública para o gerenciamento do
transporte público na RM, a Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória
(CETUB/GV), responsável pela implantação do sistema integrado denominado
TRAANSCOL, que, segundo Venerano e Costa (2013), necessita de investimentos
para melhorar a prestação do serviço. Contudo, apesar da necessidade de recursos
para adequação da operação atual à demanda existente, o sistema apresenta-se em
regularidade com a Lei no 8.987/1995, tendo passado por um processo de licitação
do serviço, sendo a CETUB/GV responsável pela fiscalização dos contratos realizados com operadores privados. Ainda, não há a formalização de um consórcio,
restando ao estado o papel, com anuência ou não dos municípios integrantes da
RM, de gerir o transporte intramunicipal.
2.1.3 Região Metropolitana de Belém
A gestão do transporte na Região Metropolitana de Belém (RM de Belém) é
atribuição indireta da Secretaria de Estado de Transportes (Setran), já que faz
parte do rol de responsabilidades a coordenação e articulação das políticas de
transporte estadual e municipais (Pinheiro e Costa, 2013). Em 2009, foi criado
o Núcleo de Gerenciamento do Transporte Metropolitano (NGTM), originado
por meio de lei estadual, sendo de sua responsabilidade o gerenciamento e o
planejamento do sistema integrado de transporte público na RM de Belém, com
atuação em três municípios metropolitanos.
342
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O sistema atualmente em operação na RM, conforme afirmam Pinheiro e
Costa (2013), necessita passar por um processo licitatório, ainda estando em desconformidade com a lei federal. Os autores apontam algumas justificativas para este
fim, como a manutenção do status quo do sistema em termos de metodologia de
remuneração, características do serviço e composição dos operadores do sistema.
O relatório de Pinheiro e Costa (2013) sustenta, ainda, que esta manutenção
constitui um dos principais entraves à integração do sistema metropolitano.
A despeito da situação atual, o NGTM prevê a criação de uma nova instância
de gestão dos serviços na RM de Belém, composta por membros das secretarias do
governo do estado e das prefeituras, além de representantes das câmaras de vereadores e demais representantes setoriais e da sociedade civil. Prevê, ainda, a figura
do consórcio público, de modo a se permitir a operação do sistema no âmbito
metropolitano. Nesse ponto, como apontado por Pinheiro e Costa (2013), reside
um conflito institucional, jurídico e operacional, em razão da precariedade dos
serviços de transporte municipais e da intencionalidade de promover a concessão
do sistema troncal.
2.1.4 Região Metropolitana de Belo Horizonte
Segundo Drummond e Costa (2013), não existe na Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RM de Belo Horizonte) uma estrutura de integração tarifária entre o
serviço metropolitano e o serviço municipal prestado por ônibus, e isto constitui
uma gestão fragmentada do serviço de transporte público, apesar do respaldo legal
existente, em razão de a Lei Complementar Estadual no 89/2006 instituir o transporte intermunicipal como função pública de interesse comum no âmbito desta
RM. Desde 1979, a Companhia de Transportes Urbanos da RMBH (Metrobel)
é responsável pelo sistema metropolitano, sendo substituída pela Transmetro,
vinculada à Secretaria de Estado de Transportes, tendo a figura do órgão gestor
desaparecido em 1994.
Ainda segundo relato de Drummond e Costa (2013), a Superintendência de
Transportes Metropolitanos (STM) foi criada em 2007, vinculada à Secretaria de
Transporte e Obras Públicas (SETOP) do governo do estado, tendo como atribuição
a concessão do serviço transporte público de caráter metropolitano.
A regulação da concessão do serviço metroviário na RM de Belo Horizonte é
de responsabilidade do Ministério dos Transportes (MTrans), sendo atribuição da
Agência nacional de Transportes Terrestres (ANTT) o processo de concessão e regulação do serviço. Nesse caso cabe à Companhia Brasileira de Transportes Urbanos
(CBTU) o planejamento e a operação do serviço. Existe ainda a Companhia de Trem
Metropolitano de Belo Horizonte S.A. (Metrominas), criada em 1997, com o objetivo
de gerir e planejar o sistema de passageiros sobre trilhos da RM de Belo Horizonte.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
343
Apesar de bem definida a estrutura administrativa e institucional relativa à
gestão do transporte público, observam-se conflitos e possíveis sobreposições com a
Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Agência
RMBH), vinculada à Secretaria Extraordinária de Gestão Metropolitana. A Agência
RMBH foi criada com o objetivo de dar apoio à execução de funções públicas
de interesse comum, tendo sido o transporte considerado como tal, conforme a
Lei Complementar Estadual no 89/2006. A competência da gestão é difusa, em
razão da quantidade de órgãos, sendo necessária uma maior aproximação com a
entidade responsável pela FPIC.
O sistema é polarizado em razão da relevância de Belo Horizonte, passando
à BHTrans uma maior responsabilidade no sistema. Em 2007, o sistema metropolitano foi licitado, tendo dividido esta RM em sete sub-bacias, com contratos
de serviços válidos até 2038.
Nos casos específicos de cada município, destaque para Belo Horizonte,
cujo sistema passou por um processo licitatório em 2008, válido por vinte anos,
dividindo o território municipal em quatro sub-bacias, cada uma destinada a um
consórcio distinto (Drummond e Costa, 2013). Vale apontar a inexistência de
integração tarifária entre os serviços municipais e o metropolitano, à exceção da
integração existente entre o sistema metroviário e o serviço de transporte público
por ônibus, sob a responsabilidade da STM.
2.1.5 Região metropolitana de Curitiba
Na Região metropolitana de Curitiba (RM de Curitiba), existe uma Rede Integrada
de Transportes (RIT), que engloba treze municípios, gerenciada pela Urbanização
de Curitiba S/A (URBS), empresa de economia mista, que além do transporte
metropolitano, é responsável pelo transporte público de Curitiba (Kornin e Costa,
2013). A RIT foi criada ainda na década de 1970, tendo sido ampliada para a RM
de Curitiba na década de 1990. A concepção de integração é válida apenas para
aqueles municípios que a compõem – os demais atuam de forma descoordenada
à RIT, com operação de linhas troncais destinadas a Curitiba. A integração destes
municípios à RIT tornou-se possível a partir de 1992, quando o estado transferiu
a gestão do transporte público da RM do Departamento Estadual de Estradas de
Rodagem do Paraná (DER-PR) para a Coordenação da Região Metropolitana de
Curitiba (COMEC), que por sua vez realizou, em 1996, convênio com a URBS,
passando a administração operacional do sistema e a integração física e tarifária.
O convênio estabelecia as atribuições de cada agente, cabendo à COMEC o
controle e a liberação da execução de concessões e permissões, o repasse de recursos à
URBS para execução de obras de infraestrutura e a aprovação dos reajustes tarifários.
Cabe à URBS a contratação das empresas operadoras do serviço, o planejamento
344
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
operacional e das características do serviço, a fiscalização do serviço, o cálculo
da tarifa etc. Ainda segundo relato de Kornin e Costa (2013), a última licitação
realizada pela URBS foi em 2010, quando três empresas venceram a licitação para
operação do serviço em Curitiba. Hoje, nesta RM, doze empresas prestam o serviço.
Em 2012, no que diz respeito ao planejamento e gerenciamento do serviço de
transporte, foi realizado novo convênio entre o governo do estado e o município
de Curitiba, cujo objeto é a transferência do planejamento e do gerenciamento dos
serviços de transporte da RM de Curitiba à COMEC, sendo esta auxiliada pela
URBS. Além da COMEC e da URBS, são relevantes no contexto metropolitano da
mobilidade o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) –
responsável pelo macroplanejamento, por estudos e pesquisas relacionados à mobilidade e sistema viário –, as secretarias municipais de transporte e obras públicas,
além da Câmara Técnica (de caráter consultivo) do Sistema Viário Metropolitano,
a qual tem por objetivo integrar as diretrizes de transporte e uso do solo.
Uma crítica realizada por Fanini3 (2009 apud Kornin e Costa, 2013) no
contexto do serviço de transporte público é a centralização do gerenciamento na
URBS, compartilhado com a COMEC, após 2012, vinculado à Prefeitura de
Curitiba, sem participação dos municípios integrantes da RM.
Um aspecto abordado em Kornin e Costa (2013) que merece destaque é
o sistema de financiamento do transporte público na RIT. Existe uma diferença
entre a tarifa técnica – valor pago por passageiro às empresas – e o valor pago pelo
usuário do sistema, em decorrência da integração metropolitana. Este diferencial é
subsidiado pelo estado, em razão de o custo excedente do sistema decorrer de uma
política pública metropolitana. No caso explicitado, a tarifa técnica do transporte
de Curitiba é R$ 2,60, o usuário paga R$ 2,70 e as empresas que atuam no RIT
recebem R$ 3,00.
2.1.6 Região Metropolitana de Fortaleza
Na Região Metropolitana de Fortaleza (RM de Fortaleza), o transporte é considerado como uma FPIC, a partir da Lei Complementar Estadual no 18/1999,
de acordo com Dantas e Costa (2013). O governo estadual atuou no sentido de
desenvolvimento de um sistema integrado metropolitano que, em termos de planejamento, foi pautado no modo ferroviário. Como apontado pelos autores, existe
uma sobreposição e indefinição dos papéis relativos ao planejamento do sistema: há
o sistema integrado do município de Fortaleza (SIT-FOR), sob a responsabilidade
da Empresa de Transportes Urbanos de Fortaleza (Etufor), ligada à Secretaria de
Infraestrutura municipal, além do ferroviário, sob atribuição do estado.
3. Fanini, Valter. Institucionalização dos transportes da RM de Curitiba: históricos e novas perspectivas. RM de Curitiba
em Debate, Curitiba, Senge, n.1, p.3-6, nov. 2009.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
345
Ainda segundo Dantas e Costa (2013), no plano metropolitano, o sistema
de transportes está sob a responsabilidade do Departamento Estadual de Trânsito
(Detran), vinculado à Secretaria de Estado de Infraestrutura. A Companhia
Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor) é a entidade responsável pelo
serviço de trem urbano desta RM.
Em termos institucionais, ainda há a Agência Reguladora do Estado do Ceará
(Arce), responsável pela regulação do transporte rodoviário intermunicipal de passageiros; a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que atua no controle dos
gastos da Metrofor; a Secretaria Especial da Copa 2014 (Secopa), responsável pela
articulação e pelo gerenciamento dos itens que constam da matriz de responsabilidades;
e a Secretaria das Cidades, que, em razão do Departamento de Mobilidade Urbana
e Acessibilidade, acompanha e coordena os projetos inerentes ao tema. Assim, tal
qual se observa nas demais RMs investigadas, também na RM de Fortaleza a gestão
apresenta-se fragmentada, em razão dos diversos atores que atuam no setor.
2.1.7 Região Metropolitana de Goiânia
A Região Metropolitana de Goiânia (RM de Goiânia) possui a gestão do transporte público estruturada pela forte posição do governo do estado, que desde a
década de 1980 atua na gestão do transporte público em Goiânia, cidade núcleo
da metrópole, a partir de um processo de delegação do serviço entre o município
e o estado (Melo e Costa, 2013).
No mais, existe no âmbito desta RM uma Câmara Deliberativa de Transportes Coletivos (CDTC) e a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos
(CMTC), que atuam na gestão e operação da Rede Metropolitana de Transportes
Coletivos (RMTC). Há ainda, como apontam Melo e Costa (2013), no âmbito
institucional, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento da RM de Goiânia,
responsável, por exemplo, pela coordenação dos investimentos em infraestrutura
de mobilidade no território da metrópole.
Em relação à base institucional, existe, desde 1998, o sistema de bilhetagem
eletrônica, o que facilita a integração do sistema, além de uma tarifa única. Compõem a rede de transporte coletivo dezoito municípios metropolitanos, ficando
de fora apenas os municípios de Caturaí e Inhumas. O sistema foi licitado em
2008, tendo recebido subsídios do Plano Diretor Setorial de Transporte Coletivo
da Grande Goiânia, desenvolvido para este fim.
2.1.8 Região Metropolitana de Porto Alegre
A diversidade de modos no serviço público de transporte na Região Metropolitana
de Porto Alegre (RM de Porto Alegre) é grande e abrange os serviços de ônibus
municipais e metropolitanos, trem metropolitano e um sistema hidroviário (Martins
e Costa, 2013). Ainda em 1973, com a institucionalização da região metropolitana,
346
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
foi criada uma instância para regulação do transporte metropolitano – o Conselho
Metropolitano de Municípios –, composto pelos catorze municípios integrantes
e representantes dos governos estadual e federal, e o Grupo Executivo da RM
(GERM). À época, a gestão do transporte era responsabilidade do DER, vinculado à Secretaria de Infraestrutura, tendo ainda como ator no processo a Empresa
Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU).
Ainda segundo o relatório técnico (Martins e Costa, 2013), em 1997 foi criada
a Agência de Regulação dos Serviços Públicos do Rio Grande do Sul (AGERGS),
abrangendo os serviços públicos concedidos no estado. Em 1998, foi instituído o
Sistema Estadual de Transporte Metropolitano Coletivo de Passageiros (SETM) e
o Conselho Estadual. O grande marco, contudo, foi em 1999, quando a Fundação
Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) assumiu as atribuições de planejamento, coordenação e fiscalização do sistema de transporte público
nos seus diferentes modos.
O modo hidroviário passou por processo licitatório, em 2010. Assim, compõem
o SETM, além da Metroplan e do Conselho Estadual de Transporte Metropolitano
de Passageiros (CETM), empresas, entidades e demais órgãos executores das funções
ou dos serviços intermunicipais de transporte coletivo de passageiros.
Outro aspecto que merece destaque em relação ao contexto metropolitano foi
a assinatura de um Protocolo de Integração Institucional, o qual gerou o Convênio
de Cooperação Técnica e Apoio Recíproco entre TRENSURB, Metroplan, e
Empresa Pública de Transporte Coletivo de Porto Alegre (EPTC). Tal fato contribui
para o reconhecimento da questão federativa inerente ao serviço de transporte
público em territórios metropolitanos, que demanda esforços de coordenação
entre os seus integrantes.
2.1.9 Região Metropolitana de Salvador
A entidade responsável pela regulação do serviço público de transporte na Região
Metropolitana de Salvador (RM de Salvador) é a Agência Estadual de Regulação
de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba),
vinculada à Superintendência de Transportes (SUPET), conforme Torreão e Costa
(2013). A mobilidade, como política estadual, é vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur), considerando o recorte de atribuição da rede urbana
existente no estado da Bahia.
A RM de Salvador apresenta um sistema não integrado e multimodal,
incorporando ferry boats e lanchas ao sistema de ônibus. O atendimento à
RM de Salvador é realizado por meio do sistema de transporte intermunicipal,
que atua em dez municípios, polarizado no município núcleo da metrópole.
Complementarmente, foi desenvolvida uma parceria entre o estado e a Prefeitura
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
347
de Salvador, com adesão da prefeitura de Lauro de Freitas, o Sistema Integrado
de Transporte Metropolitano. No âmbito do município, é relatada a previsão da
licitação do serviço de transporte de coletivo de passageiros em Salvador, constituindo-se de três fases: as duas primeiras voltam-se ao atendimento da demanda
interna ao município, enquanto a terceira consiste na integração à Rede Integrada
e Multimodal de Transportes Salvador (Torreão e Costa, 2013).
Não existem informações sobre as municipalidades específicas no que diz
respeito à regularidade do serviço municipal de transporte público. Aponta-se,
contudo, uma assimetria da condição da gestão do transporte público: municípios
de maior porte (Salvador, Camaçari e Lauro de Freitas) apresentam estrutura e
capacidade administrativa para gestão do serviço, enquanto os municípios menores,
à exceção do município de Vera Cruz, não contam com tal infraestrutura (Torreão e
Costa, 2013). O instrumento do consórcio público também não é usado nesta RM.
2.1.10 Região Metropolitana de São Paulo
De acordo com Motta e Costa (2013), entre as principais motivações para a criação
da RM de São Paulo estão os deslocamentos e os fluxos metropolitanos. Como se
observa pelo relato dos autores, é notável o papel do Estado na institucionalização de
empresas e organismos para dar conta do serviço de transporte público, inicialmente
pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), ainda em 1966, e com a
criação do Sistema de Planejamento e Administração Metropolitano (SPAM), em
1974. Em 1976 foi criado o Sistema Metropolitano de Transportes Urbanos, que
autorizou a criação da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo
(EMTU). Na década de 1990 foi criada a Secretaria de Transportes Metropolitanos
(STM), responsável pela política de transportes na RM de São Paulo, estando a
ela vinculadas a EMTU e o Metrô. Ainda nesse período, vinculada à STM, foi
criada a Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos (CPTM). Também
vinculado à STM está o Fundo Metropolitano de Financiamento.
Dada a estrutura administrativa da gestão do transporte, não existe um sistema coordenado entre as municipalidades integrantes da RM de São Paulo e da
STM. O que se observa são sistemas estanques, sem integração com os sistemas
municipais, embora os sistemas vinculados à STM estejam integrados entre si.
O arranjo focado na estrutura administrativa estadual permite a integração, o
planejamento, a compensação financeira e os investimentos necessários ao sistema
metropolitano na RM de São Paulo. Não se observa no relato de Motta e Costa
(2013) o uso de outras alternativas de arranjos, como os consórcios públicos ou
convênio entre diferentes entes, tampouco a situação das concessões dos serviços
metropolitanos e municipais.
348
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
2.1.11 Região Metropolitana do Recife
Conforme relato de Lubambo e Costa (2013), observa-se o quão a estrutura institucional na RM do Recife é complexa quando se consideram a totalidade de sistemas e
os modos envolvidos na mobilidade metropolitana. A gestão é compartilhada entre as
secretarias municipais e a Secretaria Estadual das Cidades. A inserção do transporte
no contexto metropolitano data de 1979, com a criação da Empresa Metropolitana
de Transportes Urbanos (EMTU); posteriormente, foi criado o Sistema de Transporte Público de Passageiros da RM do Recife (STPP-RM do Recife), gerenciado
pela EMTU. Com este sistema, o território foi divido em bacias, em que empresas,
permissionárias, atuaram. Em 1985, decidiu-se pela implantação da Câmara de
Compensação Tarifária, que deu suporte operacional à implantação do Sistema Estrutural Integrado, cuja implantação foi iniciada ainda em 1994. Em 1999, por meio
de conveniamento entre os municípios e o estado, a EMTU incorporou a gestão do
trânsito, além de iniciar a implantação do sistema automático de bilhetagem eletrônica.
Além da EMTU, vinculada ao governo estadual, existe a CBTU, responsável
pela operação e gestão do sistema ferroviário, também integrado ao sistema geral
gerido pela EMTU.
Vale destacar que a RM do Recife é a única que apresenta consórcio estabelecido conforme a Lei no 11.107/2005 – o Grande Recife (CGR), estando vinculado à Agência de Regulação de Pernambuco. O consórcio tem como atribuições
o planejamento e gerenciamento do Sistema de Transporte Público desta RM, a
contratação dos serviços por meio de licitação e a regulamentação e fiscalização dos
contratos de concessão. Atualmente, o consórcio encontra-se em plena operação,
dirimindo possíveis entraves a partir de seu conselho gestor – com participação
dos municípios integrantes.
Lubambo e Costa (2013) apontam diversos entraves a uma gestão pactuada
da FPIC na RM do Recife, de ordem política, técnica e/ou financeira. Pode-se
destacar no âmbito político a disputa entre grupos partidários distintos, além das
relações entre os níveis de governo; no âmbito técnico, destaque para a falta de
capacitação na temática; e por fim, o financiamento que pode ser compreendido
em duas linhas: a operação (custeada pela tarifa) e o investimento (com recursos
públicos). Apesar desse quadro, a RM do Recife apresenta uma institucionalidade bem definida, quando comparada com outras RMs, e constitui-se um case de
implementação de consórcio público no âmbito dos transportes.
2.1.12 Região Metropolitana do Rio de Janeiro
O serviço de transporte na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RM do Rio de
Janeiro) é atribuição da Secretaria de Estado de Transportes (Setrans), assim como
a implantação de um plano diretor integrado para a RM. Vinculada à secretaria,
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
349
pode-se destacar, do corpo institucional, a Agência Metropolitana de Transportes
Urbanos (AMTU), a Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de
Transportes Aquaviários, Ferroviários e Metroviários e de Rodovias do Estado do
Rio de Janeiro (AGETRANSP) e a Companhia de Transportes sobre Trilhos do
Estado do Rio de Janeiro (Rio Trilhos) (Santos e Costa, 2013).
O sistema em operação é multimodal e está sob a responsabilidade do
Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de janeiro (Detro-RJ),
vinculado à Setrans, com um sistema rodoviário de alta capacidade, com uso da
tecnologia bus rapid transit (BRT) – dos quatro corredores apenas um encontra-se
em operação – e de faixas exclusivas – bus rapid service (BRS).
Já os terminais estão sob a responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Rodoviário e Terminais do Estado do Rio de Janeiro (Coderte), que opera
ou concede, onerosamente, os terminais. O transporte ferroviário está sob a responsabilidade da Supervia, concessionaria do serviço desde 1998, e da Companhia
Estadual de Engenharia, Transporte e Logística (Central), criada em 2001, que
herdou os serviços de bondes da extinta Flumitrens.
O transporte metroviário fica a cargo da RioTrilhos, responsável pela expansão
do sistema metroviário, bem como pelo monitoramento dos serviços concedidos.
A MetroRio é a empresa concessionária do transporte metropolitano desde 1998,
responsável pela administração e operação das linhas 1 e 2 do sistema metroviário,
além da implantação da linha 3.
Não existe, como destacado por Santos e Costa (2013), governança metropolitana no âmbito do transporte. A heterogeneidade de atores e a fragmentação
das funções no corpo institucional do estado dificultam a tomada de decisões,
bem como a desejosa integração entre esta função e as demais de interesse comum.
Vale ressaltar que na RM do Rio de Janeiro inexiste consórcio, restando pouca
informação relativa à concessão do serviço de transporte público – se passou por
processo licitatório recente ou não.
2.1.13 Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá
Segundo Chiletto e Costa (2013), a Secretaria de Estado das Cidades (SECID) do
estado de Mato Grosso é a entidade responsável pela gestão da FIPIC, em razão de
sua competência de atuar nas áreas de planejamento e administração dos interesses
metropolitanos. Contudo, ressalta-se sua baixa efetividade na atuação, em virtude
de restrições orçamentárias. O estado também possui uma Agência Estadual de
Regulação dos Serviços Públicos (AGER), que atua na normatização e fiscalização
dos contratos celebrados dos serviços de natureza pública, além do planejamento
do serviço intermunicipal de passageiros. Complementarmente, foi constituída
350
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
a Secretária Extraordinária para a Copa do Mundo Fifa 2014, responsável pelos
projetos destinados ao suporte para o evento.
Foi realizada a licitação do serviço de transporte público intermunicipal do
Aglomerado Urbano de Cuiabá e Várzea Grande, ainda em 2006, subsidiado por um
Plano Integrado elaborado em 2005, coordenado pela extinta Secretaria Executiva
do Aglomerado Urbano e efetivado pela AGER (Chiletto e Costa, 2013). Ressalta-se que o processo, coordenado pelo estado, é específico do serviço intermunicipal,
restando em aberto no relato de Chiletto e Costa (2013) a organização dos sistemas
municipais. Não há consórcio público instituído para a gestão metropolitana do
sistema de transporte, apesar do esforço estadual de coordenação desta FPIC.
2.1.14 Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal
No caso da Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal (Ride/DF),
Sampaio e Costa (2013) apontam um recorte de análise distinto do espaço legal
da Ride, caracterizando os onze municípios com maior nível de integração com
o Distrito Federal, em razão da relação de trabalho, emprego e serviços existentes
entre aqueles e este. No contexto do serviço de transporte, observam-se, em razão
do arranjo espacial, três entes federados envolvidos – a União, o Distrito Federal e
os estados de Minas Gerais e Goiás –, além dos municípios integrantes da Ride/DF.
De modo geral, “A FPIC transporte é uma questão tratada isoladamente pelo Distrito
Federal, ignorada pelo governo de Goiás e sofrida nos municípios metropolitanos”
(Sampaio e Costa, 2013).
No contexto da Ride/DF, a União, por meio do Ministério dos Transportes
e da ANTT, é responsável pela concessão e fiscalização do serviço de transporte
interestadual semiurbano de passageiros, tendo papel fundamental na mobilidade
metropolitana. Os planos de outorga, contudo, desconsideram os serviços municipais, muito em razão da falta de um arranjo institucional metropolitano cooperado
entre os entes que integram a região metropolitana. Vale destacar a relevância do
serviço no âmbito metropolitano, que transporta 89 milhões de passageiros por
ano – aproximadamente 150 passageiros por dia – em 551 linhas.
Nesse quadro de falta de integração compromete-se a racionalidade da rede
de transporte público, penalizando, com isto, os usuários com um serviço de baixa
qualidade, já que muitos se utilizam do serviço municipal, além do semiurbano
interestadual, para sua viagem.
A ANTT elaborou um plano de outorgas para a Ride/DF, tendo sido este
apresentado em audiência pública no fim de 2012. O plano define a outorga do
serviço em onze municípios goianos do entorno, consistindo em quatro lotes e
233 quotas de cessão de exploração do serviço por meio de contrato de permissão.
No caso do Distrito Federal, a Lei Distrital no 4.011/2007 instituiu o Sistema
Integrado de Transporte do Distrito Federal (SIT-DF), abrindo a possibilidade de
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
351
haver integração com demais municípios, desde que não onerem o serviço básico
do Distrito Federal.
Cabe destacar que Sampaio e Costa (2013) não realizaram uma análise do
serviço municipal de cada localidade da Ride além do Distrito Federal e do plano de
outorgas elaborado pela ANTT. No que diz respeito ao serviço básico de transporte
público no Distrito Federal, foi realizada, em 2012, licitação do serviço, tendo
sido o território dividido em cinco bacias, com operadores contratados a partir de
2013. Em termos de legalidade, apenas o Distrito Federal e o serviço interurbano
encontram-se instituídos. Para as demais localidades, uma análise mais detalhada
se faz necessária. Contudo, é correto afirmar que é necessária uma solução para a
gestão metropolitana do serviço de transporte público – conveniamento ou a própria constituição de um consórcio público, com a participação dos entes federados
envolvidos, são soluções possíveis. Nesse contexto, um problema legal decorre da
temporalidade dos contratos vigentes dos sistemas recentemente licitados. Possíveis
processos de encampação de contratos podem gerar dificuldades operacionais e
legais, minando a iniciativa de uma gestão compartilhada.
Outro aspecto que merece destaque, como apontado no relatório (Sampaio e
Costa, 2013), diz respeito à posição do Distrito Federal em relação à assunção da
gestão do entorno sem contrapartida financeira, de modo a não onerar o sistema
básico interno ao Distrito Federal. O Conselho Administrativo da Ride (Coaride),
vinculado à Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco),
também se abstém de atuar na gestão integrada desta função pública, apesar de sua
atribuição. Há, portanto, uma espécie de vazio institucional na gestão do transporte
no que seria o espaço metropolitano de Brasília. Nesse sentido, Sampaio e Costa
(2013) acreditam que uma atuação mais ativa da Coaride poderia ser a solução
capaz de equalizar as barreiras institucionais e promover uma gestão compartilhada
do serviço de transporte público na Ride/DF.
2.2 Notas sobre a aplicação e a adequação aos aspectos normativos
Conforme explicitado no começo desta seção, dois marcos regulatórios devem ser
considerados na análise sobre a adequabilidade ou legalidade do serviço de transporte público. Primeiro a Lei Federal no 8.987/2005, que trata dos termos legais
para a concessão do serviço público e, segundo, a Lei Federal no 11.107/2005, que
trata da regulamentação da figura dos consórcios públicos para fins da prestação
de serviço público de interesse comum, sendo este um importante instrumento
de gestão e concessão.
As condições de sucesso estão relacionadas à presença ou não de uma entidade estadual técnica e politicamente capaz de estruturar o arranjo do transporte
metropolitano. Do panorama geral, podem-se identificar três situações.
352
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
1) Condição 1: a instituição estadual é protagonista no processo de planejamento metropolitano de mobilidade e também na concessão dos serviços, seja por meio de agências reguladoras, seja por meio de secretarias
específicas para a metrópole ou para o transporte, realizando a concessão
do serviço público, por vezes com integração com os serviços municipais.
2) Condição 2: existe instituição estadual ou metropolitana responsável, porém a organização administrativa não levou à concessão formal do serviço.
3) Condição 3: inexistência de instituição estadual ou metropolitana e a
consequente não concessão formal do serviço.
Na primeira condição, se apresenta um contexto da articulação dos municípios das respectivas regiões metropolitanas para a universalização do acesso e a
integração do serviço de transporte público na metrópole. São exemplos os casos
das regiões metropolitanas da Grande Vitória, do Vale do Rio Cuiabá, do Recife,
de Curitiba, de Belo Horizonte, de Goiânia e de São Paulo. Cabe apontar que
arranjos menos complexos de sistemas de transporte facilitam a implementação de
sistemas integrados metropolitanos com os sistemas municipais – casos das RMs da
Grande Vitória, do Recife, de Curitiba, de Goiânia, de São Luís e de Porto Alegre.
Em São Luís, diferentemente das demais, em que a entidade metropolitana de
transportes responsável pelo planejamento e operação realizou a concessão, delegou
o serviço metropolitano ao município, que passou a operar este serviço em caráter
provisório. Este processo de delegação do estado para o município núcleo acaba
por se constituir em uma alternativa para operação do transporte metropolitano.
Contudo, cabe frisar os ônus que a gestão metropolitana acarreta ao município
delegatário, que passa a arcar com os custos e a responsabilidade do planejamento.
Vale destacar ainda o caso da RM do Recife, que organizou o sistema em torno
de um único consórcio público.
Na medida em que existe uma maior diversidade de atores e modos envolvidos,
é necessário maior esforço para coadunação dos interesses e do equilíbrio político e
financeiro do sistema. Em relação à questão financeira, por vezes ela demanda subsídios
internos ao sistema, de forma a universalizar o atendimento no território metropolitano.
A existência do subsídio é natural, considerando a natureza do serviço público e das
desigualdades socioespaciais nos espaços metropolitanos. Contudo, cabe apontar
que em outros serviços públicos, como o de abastecimento de água, por exemplo, o
subsídio, quando existente, é cruzado – os usuários de maior renda e que apresentam
um maior consumo contrabalançam aqueles de menor renda –, o que não se aplica
ao transporte púbico, em que a maioria dos usuários é do estrato de renda mais baixo.
Na segunda condição, o resultado da presença de instituição com atribuição para
gestão metropolitana do transporte não resulta em efetiva concessão do serviço metro-
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
353
politano. Este fato ocorre muito em razão da assimetria da capacidade administrativa
e financeira municipal e estadual e da falta de incentivos ou ações à adesão/integração
dos serviços locais concedidos, de modo a se construir um sistema metropolitano.
Nessa situação estão os sistemas de transporte público nas RMs de Fortaleza, do Rio de
Janeiro, de Belém e de Salvador. Um importante aspecto a se destacar é que em parte
destas RMs existe, além da instituição, um instrumento político para o planejamento
metropolitano (planos de mobilidade), como será discutido na seção 3.
Por fim, há o caso do Distrito Federal. A não existência de uma entidade que
abarque o transporte coletivo no âmbito da Ride/DF traz à tona um problema
federativo entre a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal. A ANTT
atua publicando os editais de licitação, julgando as licitações e celebrando os
respectivos contratos de permissões para o transporte interestadual de caráter
urbano. Ainda não existe integração entre os sistemas locais – concedidos ou
não pelos municípios e o Distrito Federal – e o organizado pela ANTT, gerando
custos e pouca racionalidade ao sistema metropolitano. A diversidade de atores
no caso da Ride/DF consiste em um importante empecilho para a resolução da
questão da gestão e concessão dos serviços públicos.
3 AS METRÓPOLES E A POLÍTICA NACIONAL DE MOBILIDADE URBANA:
A CONSTITUIÇÃO DOS PLANOS DE MOBILIDADE
Cabe inicialmente observar que desde 2001 tornou-se obrigatório para os municípios
com mais de 500 mil habitantes e, mais recentemente, para os de mais de 20 mil,
disporem de planos de mobilidade, em conformidade com a Política Nacional de
Mobilidade Urbana. Contudo, considerando uma crítica à PNMU realizada por
Lima Neto e Galindo (2013), é necessária uma revisão dos preceitos legais nos
territórios metropolitanos, levando-se em conta a legalidade e a institucionalidade
do desenvolvimento dos planos de mobilidade específicos para as RMs. Em muitos
territórios, a existência de um plano metropolitano além de desejável é necessária,
de forma a organizar o sistema de mobilidade metropolitana, as relações entre
fluxos e atividades instaladas, a institucionalidade da gestão e regulação do serviço
público e a distribuição dos investimentos na infraestrutura no território.
3.1 Os instrumentos de planejamento e a PNMU nas regiões
metropolitanas brasileiras
3.1.1 Região Metropolitana da Grande São Luís
Conforme relatam Ribeiro e Costa (2013), a RM da Grande São Luís dispõe de
um instrumento de planejamento instituído pela Lei Complementar Estadual no
69/2003, o Conselho de Administração e Desenvolvimento da RM da Grande
São Luís, responsável pela elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado.
354
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
No entanto, nem o conselho e nem o plano dele decorrente foram desenvolvidos/
implementados, não existindo um diagnóstico integrado da mobilidade e do uso
e ocupação do solo.
Ribeiro e Costa (2013) apontam ainda para a inexistência de planos municipais de mobilidade, portanto, em desacordo com o Estatuto da Cidade e com a
PNMU. Apesar disto, a temática é tratada setorialmente nos planos diretores dos
municípios integrantes, sendo que apenas os planos dos municípios de São Luís,
Raposa e São José do Ribamar mencionam a questão metropolitana dos transportes.
São Luís elaborou um plano de mobilidade e acessibilidade da região central, porém
este não foi ainda encaminhado para aprovação da câmara municipal.
3.1.2 Região Metropolitana da Grande Vitória
Como destacado por Venerano e Costa (2013), o governo do estado do Espírito
Santo coordena as ações para o desenvolvimento de um plano de mobilidade metropolitano, o qual se estrutura em três eixos: sistema viário, transporte coletivo
e multimodalidade.
Venerano e Costa (2013) apontam, no caso do processo de elaboração do
plano, a falta de participação e diálogo com a sociedade. Por exemplo, a falta de
participação social gerou contestações em relação à tecnologia e ao sistema de alta
capacidade escolhido como prioritário de implantação (um sistema BRT), em
razão do impacto no ambiente urbano central.
3.1.3 Região Metropolitana de Belém
Pinheiro e Costa (2013) relatam a existência de um Plano Diretor de Transporte Público
Urbano (PDTU), desenvolvido em 2001, estruturado em cenários, visando reduzir a
desigualdade de acesso ao transporte público. O plano é municipal e específico para
Belém, porém, em certa medida, considera o recorte metropolitano, conforme explicita as
delimitações das zonas de tráfego, presentes no relatório (Pinheiro e Costa, 2013), e dos
investimentos daí decorrentes. Nos planos diretores específicos, a política de mobilidade
é citada, incorporando diretrizes para implantação de sistema de transporte integrado
e um plano de hierarquia viária (caso do Plano Diretor de Belém), a necessidade de
integração dos corredores municipais ao sistema troncal metropolitano (Plano Diretor
de Ananindeua), ou ainda a necessidade de elaboração dos planos diretores específicos
de mobilidade (Plano Diretor de Castanhal e Plano Diretor de Santa Bárbara do Pará).
3.1.4 Região Metropolitana de Belo Horizonte
O planejamento metropolitano do sistema de mobilidade na RM de Belo Horizonte
é responsabilidade da STM. Contudo, apesar de presente na discussão do Comitê
de Mobilidade da Agência RMBH, não existe instrumento que articule as políticas
municipais no âmbito da metrópole (Drummond e Costa, 2013).
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
355
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH (PDDI) estabeleceu diretrizes para a mobilidade, constituindo a Política Metropolitana Integrada
de Centralidades em Rede e a Política Integrada de Mobilidade Metropolitana.
Estas duas políticas balizam a elaboração do Plano de Mobilidade, sob a responsabilidade do Escritório da Mobilidade. No que diz respeito aos planos municipais
de mobilidade urbana, o quadro apresenta divergências: parte do relatório de
Drummond e Costa (2013) menciona Lagoa Santa, Belo Horizonte e Contagem
como municípios que desenvolveram os planos de mobilidade. Mas, além destas,
outras sete cidades estão em processo de desenvolvimento dos respectivos planos:
Betim, Sabará, Vespasiano, Mateus Leme, Juatuba, Itatiaiuçu e Confins. Assim,
na RM de Belo Horizonte faltam onze munícipios, com população acima de 20
mil habitantes, elaborarem tal instrumento de planejamento.
3.1.5 Região Metropolitana de Curitiba
Apesar de não existir um plano metropolitano de transporte, Kornin e Costa (2013)
apontam que constava no Plano Diretor de Curitiba, de 2004, uma preocupação
com o serviço metropolitano, já que havia uma diretriz que dizia respeito à melhoria
e ampliação do transporte público e à consolidação da integração metropolitana.
Ainda neste instrumento havia diretrizes específicas para o setor, como: i) articulação dos modos coletivos em uma rede única metropolitana, com integração
física e operacional; e ii) promoção institucional da operação, do planejamento e
do gerenciamento, atuando nos três níveis de poderes da Federação – município,
estado e União.
No contexto da obrigatoriedade do desenvolvimento dos planos de mobilidade municipais, apenas os municípios de Curitiba e Fazenda Rio Grande
desenvolveram seus planos.
Os instrumentos estaduais de planejamento que têm relação com o tema
mobilidade são o Plano Plurianual (PPA), as leis orçamentárias e as diretrizes de
gestão para o sistema viário metropolitano.4 Este último tem como principal objetivo a compreensão de um sistema viário integrado e integrador de territórios,
que deve ter sua gestão integrada pelos agentes responsáveis por sua implantação,
uso e conservação.
3.1.6 Região Metropolitana de Fortaleza
Segundo relatório de Dantas e Costa (2013), o primeiro plano diretor de transportes data de 1983, e, como detalhado no relato, mencionava a integração entre o
desenvolvimento urbano e os transportes como forma de minimizar deslocamentos,
4. Disponível em: <http://goo.gl/Ngd2mr>. Acesso em: 22 set. 2014.
356
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
consistindo na distribuição racional de polos de desenvolvimento e emprego e de
habitação nos corredores de transportes.
Em 2002, a Metrofor contratou o desenvolvimento do Estudo de Integração dos Sistemas de Transportes Públicos de Passageiros da RM de Fortaleza. Tal
estudo atualizou a matriz origem-destino e propôs a implementação das obras do
metrô. Diversos outros estudos foram desenvolvidos para avaliar a viabilidade de
tecnologias para o sistema de transporte, como o veículo leve sobre trilhos (VLT).
Apesar das iniciativas da Metrofor, não existe um plano diretor de mobilidade para
esta RM e para os municípios que a integram.
3.1.7 Região Metropolitana de Goiânia
No caso da RM de Goiânia, existe, desde de 2004, um Plano Diretor Setorial de
Transporte Coletivo (PDSTC), válido para a Grande Goiânia, desenvolvido para balizar a licitação da concessão dos serviços no âmbito da RMTC (Melo e Costa, 2013).
Dos vinte municípios que compõem esta RM, apenas três informaram que
possuem planos municipais de transporte (Goiânia, Aparecida de Goiânia e
Trindade), e Senador Canedo informou que está em elaboração (IBGE, 2013).
3.1.8 Região Metropolitana de Porto Alegre
Segundo Martins e Costa (2013), entre os anos de 1973 e 1976 foi desenvolvido
o Plano Diretor de Transporte Metropolitano (PLANMET). As bases do sistema
metropolitano foram previstas neste instrumento de planejamento: trem suburbano
da RM de Porto Alegre (TRENSURB), o corredor metropolitano (COMET) e o
estudo do Transporte Coletivo da RM de Porto Alegre (TRANSCOL). A partir de
2003, teve início o Plano Integrado de Transporte e Mobilidade Urbana (PITMUrb),
que baliza as ações em curso nesta RM.
A questão federativa permeia a operação do serviço na RM, tendo resultado,
entre os anos de 1996 e 2001, em diversos instrumentos de planejamento que
não se articulam, como relatam Martins e Costa (2013). A Metroplan desenvolveu o Projeto de Renovação Operacional do Transporte Coletivo por Ônibus dos
Corredores Norte e Nordeste da RM de Porto Alegre; a TRENSURB elaborou
o Estudo de Viabilidade da Linha 2; e, em 2000, foi contratado o Plano Diretor
Setorial de Transporte Coletivo municipal de Porto Alegre.
3.1.9 Região Metropolitana de Salvador
Nenhum município da RM de Salvador elaborou os planos de mobilidade urbana,
conforme relato de Torreão e Costa (2013). No contexto metropolitano, apesar da
existência de uma pesquisa origem-destino com recorte metropolitano, não há um
plano de mobilidade. Vale destacar que historicamente a dinâmica do transporte
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
357
metropolitano já foi tratada, com o Plano Diretor de Transportes Urbanos de
Salvador, o Plano Operacional de Transporte Intermunicipal da RM de Salvador
(1983-1987), o Estudo de Transporte Metropolitano (1979-1983) e o Estudo de
Uso do Solo e Transportes para a RM de Salvador (1975-1979), segundo Torreão
e Costa (2013). Merece preocupação a desvinculação dos investimentos propostos
em infraestrutura de um planejamento prévio, que qualificaria não somente a
necessidade de tais investimentos, como também a aderência com outras políticas
territoriais e com participação da sociedade.
3.1.10 Região Metropolitana de São Paulo
Em termos de instrumento de planejamento, a RM de São Paulo é a única no Brasil
que realiza sistematicamente pesquisas origem-destino desde 1967. O primeiro
plano, como aponta Motta e Costa (2013), é de 1978, tendo sido desenvolvido
outros: em 1986 o Plano Diretor de Desenvolvimento dos Transportes (PDDT)
do estado de São Paulo já estabelecia como prioridade a integração por meio
de corredores, mas ainda sem estar focado exclusivamente na mobilidade e no
transporte público. Assim como o PDDT de 1986, o PDDT – Vivo 2000-2020
aponta a construção de uma política de transportes voltada ao desenvolvimento
econômico, ainda sem estar focada na dinâmica de deslocamentos metropolitanos. Em 1997 é desenvolvido o Plano Integrado de Transportes Urbanos
(Pitu), tendo como referência o cenário de 2020, balizando o planejamento
para esta RM. Os dados do Pitu foram atualizados com o Censo Demográfico
2000, ajustando o plano para o cenário de 2025. De modo geral, o Pitu 2020 e
2025 estabelecia uma série de investimentos em infraestrutura, de acordo com o
modo do sistema – se sobre trilhos ou pneus, e ainda em infraestrutura viária e
gestão do trânsito, bem como um quadro de fontes de recursos, repartidos entre
os agentes envolvidos (governos federal, estadual e municipal, setor privado ou
concessões urbanísticas).
Não há no relato de Motta e Costa (2013) referência à obrigatoriedade de
desenvolvimento por parte dos municípios de planos municipais de mobilidade,
e em que medida estes incorporam a dinâmica metropolitana ou os instrumentos
de planejamento e política existentes.
3.1.11 Região Metropolitana do Recife
Foi desenvolvido, em 2008, o Plano Diretor de Transportes Urbanos da
Região Metropolitana do Recife (PDTU) (Lubambo e Costa, 2013), o qual
considera as demandas e as interações entre os municípios metropolitanos,
compreendendo Recife como polo de atração das viagens realizadas no âmbito
metropolitano. Não são mencionadas, no relatório, a presença e a execução
dos planos de mobilidade.
358
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
3.1.12 Região Metropolitana do Rio de Janeiro
A RM do Rio de Janeiro conta, desde 2003, com um instrumento de ordenamento
do transporte público, assim como outras RMs analisadas (Santos e Costa, 2013):
o Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(PDTU). Além deste plano, destaque para o Programa Estadual de Transportes
e, futuramente, o Plano Estadual de Logística de Cargas e o Plano Diretor de
Transportes não Motorizados, de 2011. Este último plano, voltado aos modos não
motorizados, tem abrangência metropolitana e reconhece as diferenças socioeconômicas no âmbito metropolitano. Outro aspecto que merece atenção em relação
aos instrumentos de planejamento é que eles reconhecem a dinâmica econômica
atual, polarizada no município núcleo da RM.
Em relação aos planos municipais, apenas o Rio de Janeiro indicou presença
do plano de mobilidade, enquanto os demais não.
3.1.13 Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá
No caso da RM do Vale do Rio Cuiabá, Chiletto e Costa (2013) apontam que o
plano de mobilidade foi desenvolvido considerando o recorte metropolitano. Vale
ressaltar que a região já possuía um Plano Integrado de Transporte Coletivo, de 2005,
subsidiando a licitação do sistema intermunicipal, ocorrida em 2006. O Plano de
Mobilidade e Transporte para a Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá foi
então desenvolvido, em 2010, pela Secopa, e contemplava a implantação de um
sistema BRT. Contudo, fato ocorrido ao longo do processo de desenvolvimento
dos projetos põe em questionamento a figura do plano como coordenação das
ações públicas: o modo originalmente sugerido (BRT) em razão dos estudos foi
substituído por um sistema sobre trilhos – o VLT.
3.1.14 Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal
Sampaio e Costa (2013) apontam que, em 2010, foi desenvolvido o Plano Diretor
de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal e Entorno (PDTM-DF). O recorte
espacial do PDTM-DF considera parcialmente a Ride/DF, incorporando à análise
apenas oito municípios do estado de Goiás: Águas Lindas de Goiás, Santo Antônio
do Descoberto, Novo Gama, Valparaíso de Goiás, Cidade Ocidental, Planaltina
de Goiás, Luziânia e Formosa. Vale ressaltar que o instrumento de planejamento
incorpora o entorno em sua análise e aponta o risco de o Distrito Federal assumir
a gestão, atualmente a cargo da ANTT, do serviço semiurbano, ou seja, os serviços
interestaduais de caráter urbano em extensão inferior a 75 km.
O plano apontou diversas ações, como a implantação de um anel viário, a
adequação do ramal ferroviário Brasília-Luziânia para passageiros e a implantação
de uma rede única de transporte coletivo, com integração operacional e tarifária
no Distrito Federal e entorno.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
359
Além do instrumento específico, foi desenvolvido o Programa de Desenvolvimento
Integrado da Região do Entorno – demanda feita pela Casa Civil da Presidência da
República –, coordenado pela Secretaria de Governo do Distrito Federal, com participação de outras secretarias de governo do Distrito Federal e do estado de Goiás.
O programa apontava ações em áreas diversas, porém, em razão da falta de consenso,
não se efetivou. Não foi especificada pelos autores a existência de planos de mobilidade
de cada localidade integrante da Ride/DF.
3.2 Sobre o processo de implementação da PNMU: um balanço a partir
das experiências
Das quatorze regiões metropolitanas analisadas neste estudo, a observância às
diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana ainda é pequena no que diz
respeito à execução dos planos municipais. A presença ou não de planos metropolitanos foi verificada em conjunto com a presença, nos municípios, dos respectivos
planos de mobilidade, observando-se três arranjos:
•
regiões metropolitanas com planos metropolitanos de mobilidade elaborados pelas respectivas secretarias estaduais;
•
regiões metropolitanas que apresentaram iniciativas de elaboração de
planos metropolitanos; e
•
regiões metropolitanas sem planos metropolitanos, porém com planos
municipais de mobilidade.
Fizeram-se presentes, no primeiro arranjo, as RMs do Vale do Rio Cuiabá,
de Belém, de Belo Horizonte, de Goiânia, do Rio de Janeiro, do Recife e de São
Paulo. Muitos planos são anteriores ou contemporâneos ao Estatuto da Cidade,
que data de 2001, como o da RM de São Paulo (fim da década de 1990), o da
RM de Belém (2001), o Plano Diretor de Transportes do Rio de Janeiro (2003),
o Plano Diretor Setorial para a RM de Goiânia (2004). O plano de Recife é mais
recente (2008). Belo Horizonte não tem um plano diretor específico de mobilidade,
porém o tema é tratado de forma integrada dentro do PDDI.
Quanto à integração com outros instrumentos, a RM do Rio de Janeiro articulou o plano diretor de mobilidade com outros planos – o Plano de Transporte
e o Plano Diretor de Transporte Não Motorizado, sendo este último bastante relevante no contexto das características de deslocamento de uma RM, com elevada
participação de modos não motorizados nas áreas de menor renda.
No caso da RM de São Paulo, parte dos projetos definidos no Pitu 2025
pautaram a elaboração dos PPAs estaduais subsequentes, existindo, portanto, um
reflexo territorial direto em termos de investimentos em infraestrutura em distintos
modos com o instrumento de planejamento desenvolvido pela STM.
360
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Por fim, cabe apontar que a PNMU define dez anos como prazo máximo para
revisão e atualização dos planos de mobilidade; assim, mesmo tratando-se de arranjos
metropolitanos, as entidades responsáveis devem proceder à revisão dos instrumentos,
de forma a atualizar a dinâmica urbana, econômica e social dos territórios.
No segundo arranjo, algumas regiões não desenvolveram planos de mobilidade de
caráter metropolitano, mas apresentaram motivações para sua elaboração. Adotou-se
como indicativo motivacional a presença de pesquisas necessárias ao planejamento
dos transportes, como pesquisas origem-destino. Assim encontram-se as RMs de
Salvador, da Grande Vitória, de Fortaleza e de Porto Alegre. No caso de Fortaleza e
Porto Alegre, foram desenvolvidos planos de mobilidade em 1983 e entre os anos
1973 e 1976, respectivamente. Considera-se que estes instrumentos de planejamento,
mesmo que antigos, atuam como indutores históricos para a continuidade.
Como não existe obrigatoriedade para o desenvolvimento dos planos metropolitanos, algumas RMs não realizaram ou deram início à sua elaboração (terceiro
arranjo). No entanto, alguns municípios integrantes desenvolveram seus planos
municipais, muito em razão da obrigatoriedade dada pelo Estatuto da Cidade para
cidades com população superior a 500 mil habitantes. Nesses casos, os planos dos
municípios núcleos das metrópoles acabaram por adotar algum recorte metropolitano, como é caso das cidades de São Luís e Belém. Em Curitiba, por sua vez, o
plano de mobilidade não incorpora a dinâmica metropolitana.
Um caso peculiar é o do Distrito Federal, em que o Plano Diretor de Transporte
e Mobilidade incorpora o entorno, ainda que com uma abrangência espacial distinta
da Ride/DF. Foi desenvolvida inclusive pesquisa origem-destino para os municípios
limítrofes pertencentes ao estado de Goiás, com um quadro de investimentos em
infraestrutura necessários ao horizonte do plano. Contudo, o plano aponta o risco
caso a entidade responsável pelo planejamento da operação do transporte público
do Distrito Federal assuma para si a regulação e o planejamento dos demais municípios integrantes do entorno imediato do Distrito Federal.
4 OS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA E A CONSTRUÇÃO DE UM
SISTEMA METROPOLITANO DE MOBILIDADE
No período recente da história brasileira, houve um incremento no montante de recursos destinados a investimentos em infraestrutura de transporte público. Parte deste
montante está associado diretamente aos grandes eventos e à necessidade de dar suporte
às cidades que iriam recebê-los – como foi o caso da Copa do Mundo Fifa 2014.
Em meados de 2009, um marco dessa história é a criação, pelo governo federal,
do Programa de Aceleração do Crescimento, destinado a fomentar a infraestrutura
setorial em diversas cidades brasileiras. No que diz respeito à mobilidade, são destaque três subprogramas: PAC Copa, PAC Grandes Cidades e PAC Médias Cidades.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
361
O recorte metropolitano se dá em razão da exigência de que parte das cidades
contempladas com financiamento e recursos sejam núcleo ou façam parte de algum
arranjo metropolitano.
Segundo os relatos estaduais, observa-se uma relação direta entre o investimento previsto em mobilidade e a vinculação com as linhas de financiamento
do PAC Mobilidade. Contudo, tal investimento é espacialmente concentrado
no núcleo da metrópole. Nesta seção, procura-se discutir a relação entre núcleo e
periferia, em termos dos investimentos em infraestrutura, contrapondo, quando
possível, aos arranjos institucionais vigentes.
4.1 Os investimentos previstos e os sistemas de mobilidade das RMs brasileiras
4.1.1 Região Metropolitana da Grande São Luís
A inexistência de um plano metropolitano dificulta o dimensionamento dos
investimentos necessários à infraestrutura de mobilidade na RM da Grande São
Luís, conforme apontado por Ribeiro e Costa (2013). Contudo, assim como outras RMs, a existência de uma linha de financiamento federal acaba por alavancar
demandas e projetos de transporte.
Um conjunto de empreendimentos totaliza cerca de R$ 1,136 bilhão, em sua
maior parte obras voltadas à infraestrutura viária. São citados ainda por Ribeiro e
Costa (2013) dois projetos de corredores de transporte público em São Luís: um
proposto pelo governo estadual, financiado com recursos do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e outro financiado com recursos
do PAC.
Além disso, dois projetos adicionais são propostos pela prefeitura de São
Luís: um VLT e uma faixa exclusiva para ônibus integrante do SIT. Observa-se,
pela listagem dos projetos, uma concentração dos investimentos no município
núcleo da metrópole.
4.1.2 Região Metropolitana da Grande Vitória
Não existe no relatório estadual referência aos investimentos em mobilidade na
RM da Grande Vitória (Venerano e Costa, 2013). Contudo, existe uma linha de
financiamento em infraestrutura, à qual esta RM está apta a se enquadrar, junto
ao Ministério das Cidades (MCidades).
4.1.3 Região Metropolitana de Belém
Em decorrência do Plano de Mobilidade Urbana (2001), estava previsto um
conjunto de investimentos, da ordem de US$ 80 milhões, para construção de um
sistema tronco-alimentado na RM de Belém, além de um total US$ 162 milhões
362
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
para infraestrutura viária, constituindo assim um conjunto viário dividido entre
vias estruturais, arteriais e coletoras, e via estrutural específica para o transporte
público coletivo, conforme relato de Pinheiro e Costa (2013).
Atualmente, em conformidade com o projeto Ação Metrópole, prevê-se um
investimento da ordem de R$ 1,18 bilhão, entre recursos do PAC, do governo do
estado do Pará e financiamento com recursos da Agência Japonesa de Cooperação
Internacional (Jica), voltado para a implantação de um BRT, integrando os municípios de Belém e Ananindeua, fortalecendo a polarização existente na RM de
Belém (Pinheiro e Costa, 2013).
4.1.4 Região Metropolitana de Belo Horizonte
A RM de Belo Horizonte, no que diz respeito aos investimentos, segue a definição
do PDDI, conforme Drummond e Costa (2013). As diretrizes relativas à Política
de Centralidades em Redes e à Política Integrada Mobilidade Metropolitana foram
estruturadas em programas e projetos. Os programas abarcam aspectos relativos a
infraestrutura viária e ferroviária, integração do transporte coletivo, incentivo ao
transporte público coletivo etc.
Dos projetos decorrentes desses programas, estão sendo desenvolvidos, pelo
governo do estado, uma Parceria Público Privada (PPP) para a revitalização e
ampliação da malha ferroviária na RM de Belo Horizonte (Drummond e Costa,
2013), outra PPP para a construção das linhas 2 e 3 do metrô de Belo Horizonte e
a construção e adequação dos terminais metropolitanos de ônibus, além de estudos
para a construção do contorno metropolitano rodoviário.
Assim como em outras RMs, a linha de financiamento do governo federal
é a principal fonte de recursos para investimentos em mobilidade, totalizando
recursos da ordem de R$ 1,4 bilhão para doze empreendimentos. Deste total,
R$ 746 milhões são destinados às obras de implantação do sistema BRT, na cidade
de Belo Horizonte; o restante do recurso está distribuído entre obras de pavimentação, duplicação e expansão viária, além de melhorias no aeroporto de Confins.
O governo do estado possui dotação orçamentária de R$ 725 milhões, dos
quais R$ 187 milhões são destinados à implantação dos terminais de ônibus
metropolitanos. Além destas fontes de recursos, o município de Belo Horizonte
executou R$ 900 milhões no programa Corta Caminho, destinado a mudar a
configuração urbana da cidade, reduzindo conflitos viários.
4.1.5 Região metropolitana de Curitiba
Os investimentos em infraestrutura de mobilidade nos municípios metropolitanos
são de responsabilidade do governo do estado, por meio do Programa de Integração
do Transporte, como apontam Kornin e Costa (2013).
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
363
Assim como em outras RMs, a Copa do Mundo 2014 tem efeito catalisador
de investimentos, totalizando onze intervenções, a um custo de R$ 574 milhões.
A responsabilidade das obras está dividida entre a prefeitura (seis) e o governo estadual
(cinco). Os recursos utilizados têm fontes distintas: recursos próprios municipais e
do estado, empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da
Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), além de dotação orçamentária federal.
4.1.6 Região Metropolitana de Fortaleza
Os investimentos em mobilidade na RM de Fortaleza estão concentrados no
município núcleo, tendo sido pautados pelo Programa de Transporte Urbano de
Fortaleza (2008), conforme relatam Dantas e Costa (2013). Tal programa foi construído desde 1999, com o Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (PTUF)
e o Programa BID/FOR (2003). Assim como em outros casos, o PAC e o evento
da Copa do Mundo atuaram como indutores dos projetos na RM de Fortaleza,
totalizando R$ 603 milhões, compartilhados entre o estado (sistema sobre trilhos)
e a prefeitura (demais obras). Deste total, apenas R$ 151 milhões são destinados à
construção de sistema viário; o restante do recurso é para o financiamento de três
BRTs (R$ 109 milhões), duas estações de metrô na linha sul (R$ 38,2 milhões) e
a instalação de um sistema VLT (R$ 275,4).
Além do PAC Copa, há ainda a obra da duplicação do contorno de Fortaleza,
na BR-020, com valor de R$ 167 milhões. De modo geral, as intervenções estão
concentradas no município de Fortaleza, fomentando a concentração dos fluxos
para o núcleo desta RM.
Outro ponto que merece atenção é a desconexão entre o planejamento e a
execução em termos de mobilidade, já que não existem, no âmbito metropolitano
e municipal, instrumentos de planejamento que estabeleçam prioridades no que
tange às obras públicas.
4.1.7 Região Metropolitana de Goiânia
O Plano Setorial Diretor de Transporte Coletivo Urbano da Grande Goiânia
(PSDTC) estabeleceu um Programa Metropolitano de Transporte Coletivo (PMTC),
que contém uma série de investimentos necessários para manutenção do padrão
de mobilidade na RM no curto e médio prazos, tanto pelo poder público quanto
pelas concessionárias do serviço de transporte público (Melo e Costa, 2013).
Nesse sentido, o território metropolitano é percebido de forma sistêmica,
com a integração entre a dinâmica urbana e os fluxos dela decorrentes e a necessidade de infraestrutura de mobilidade. Entre as obrigações das concessionárias do
serviço, podem-se destacar investimentos no Sistema de Controle Operacional e
de Informação aos Usuários, administração e operação dos terminais, cabendo ao
364
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
poder público investir em infraestrutura, como obras de implantação de corredores
e construção de estações de conexão.
É prevista ainda a implantação de um sistema VLT no atual corredor de ônibus
da avenida Anhanguera (Melo e Costa, 2013), apesar deste não estar especificado
no PDSTC. A modalidade de concessão patrocinada para implantação deste novo
sistema na RM é indicada pelos autores como alternativa para o financiamento
da infraestrutura.
Os recursos necessários previstos para consecução dos projetos totalizam
R$ 1,876 bilhão, cujas fontes de origem são distribuídas entre o governo federal (PAC)
e o orçamento do estado e dos municípios. Os projetos objetos de financiamento
são em sua maioria destinados à infraestrutura viária, totalizando aproximadamente
R$ 300 milhões. O BRT Norte-Sul (R$ 280 milhões) e o VLT no Eixo Anhanguera
(R$ 1,3 bilhão) completam o rol de projetos.
4.1.8 Região Metropolitana de Porto Alegre
Os projetos em andamento na RM de Porto Alegre são voltados para implementação
de corredores de transporte – Projeto Linha Rápida (corredores metropolitanos) –,
intervenções viárias, sistema integrado de bilhetagem, além do sistema hidroviário
de passageiros (Martins e Costa, 2013).
Diversas intervenções em infraestrutura estão contempladas no PAC 2 Mobilidade Urbana, com recursos totalizando R$ 349 milhões em nove municípios
metropolitanos, um aspecto relevante no sentido de descentralização do investimento
no contexto metropolitano – apenas 9,12% do recurso total é destinado a Porto
Alegre. Há, ainda, R$ 824 milhões destinados à implantação da rodovia BR-448.
Registre-se, ainda, que a Copa do Mundo catalisou investimentos no município de
Porto Alegre que totalizam R$ 865 milhões para implantação de um sistema de BRT.
Em termos do orçamento do estado, no PPA 2008-2011 foram previstos
investimentos da ordem de R$ 3,8 milhões para qualificação do SETM, além de
R$ 2,64 milhões destinados a ações de institucionalização do processo de planejamento e gestão territorial. Já no PPA 2012-2014, estão previstos cerca de R$
10,8 milhões para a ação Promoção do Desenvolvimento da Mobilidade Urbana
na RM de Porto Alegre e Aglomerações Urbanas.
4.1.9 Região Metropolitana de Salvador
A programação dos investimentos na RM de Salvador estrutura-se a partir do Sistema Integrado Metropolitano, elaborado para captação de recursos junto à União
para execução de infraestrutura de transportes, totalizando R$ 7 bilhões, além de
R$ 6 bilhões destinados ao projeto Sistema Viário Oeste (Torreão e Costa, 2013).
Destaca-se, em 2014, o início das operações de uma das linhas do metrô de Salvador.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
365
4.1.10 Região Metropolitana de São Paulo
O histórico de planejamento da RM de São Paulo no setor de transporte estrutura
o programa de investimentos da metrópole, os planos diretores de transporte e os
investimentos necessários, não somente em relação ao transporte público, como
em todo o sistema viário da metrópole. No período recente, como apontam Motta
e Costa (2013) a partir da análise do Plano Plurianual, os investimentos na RM
de São Paulo priorizam os sistemas de alta capacidade, com recursos previstos
para o metrô, trem e corredores de ônibus, estando o planejamento dos sistemas
sobre trilhos integrados às soluções de uso e ocupação do solo. Diferentemente das
demais RMs, o Programa de Aceleração do Crescimento não consiste em principal
indutor dos projetos de investimentos em infraestrutura no território metropolitano, apesar de representar cerca de R$ 5,1 bilhões de investimentos, sendo R$ 4,7
bilhões destinados à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero)
voltados às melhorias da infraestrutura aeroportuária. Parte dos projetos financiados
consta dos instrumentos de planejamento da STM. Além do PPA e PAC, Motta e
Costa (2013) apontam o Programa de Investimentos do governo do estado de São
Paulo como fonte de informações sobre ações em transporte e mobilidade. Parte
dos investimentos, de acordo com o Programa de Investimentos, são viabilizados
por meio de concessões, comuns e patrocinadas, reduzindo a necessidade de aporte
público na provisão de infraestrutura. Do total apresentado por Motta e Costa
(2013), R$ 522 milhões serão realizados por meio de concessão administrativa,
aproximadamente R$ 34 bilhões via concessão patrocinada e R$ 1,658 bilhão
por meio de concessão comum. Além deste total, o Programa de Investimentos
apresenta uma demanda aproximada de R$ 50 bilhões, sem especificar a origem
ou modelo de negócio para viabilizar os investimentos.
4.1.11 Região Metropolitana do Recife
Uma série de investimentos realizados por meio do instrumento concessão, patrocinada ou não, está sendo previsto na RM do Recife, segundo Lubambo e Costa
(2013): a PPP Ponte do Paiva, a Via Expressa (orçada em R$ 450 milhões) e o
Arco Viário (R$ 1,2 bilhão). Ainda, cabe destacar o papel da Copa do Mundo
2014 como indutor dos investimentos, tendo sido criada uma secretaria estadual
para este fim. Entre os projetos presentes na matriz de responsabilidade, destaque
para as seguintes obras de mobilidade, que totalizam R$ 909,6 milhões: o Ramal
Cidade da Copa (R$ 131 milhões), o Corredor Norte-Sul (R$ 154 milhões), o
Corredor Leste-Oeste (R$ 145,3 milhões), o Terminal Integrado de Passageiros
Cosme e Damião (R$ 18,1 milhões), a Via Mangue (R$ 433,2 milhões), a Nova
Torre de Controle do Aeroporto Internacional dos Guararapes/Gilberto Freyre e o
Terminal Marítimo de Passageiros do Porto do Recife (R$ 28 milhões). Observa-se
que a maior parte dos recursos é destinada a obras viárias, enquanto a infraestrutura
de corredores de ônibus consome cerca de 30% do total.
366
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
4.1.12 Região Metropolitana do Rio de Janeiro
O Programa Estadual de Transportes, desenvolvido em 1999, estabeleceu uma
série de ações e investimentos necessários à promoção de um sistema integrado de
transportes urbanos. De acordo com relatório técnico desta RM (Santos e Costa,
2013), na primeira fase, foram investidos aproximadamente US$ 414,8 milhões
de recursos por meio de recursos próprios do estado (US$ 104,8 milhões), do
concessionário privado (US$ 80 milhões) e financiamento via Banco Internacional
para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) (US$ 230 milhões). Na segunda,
são previstos recursos da ordem de US$ 220 milhões, sendo US$ 211 milhões do
BIRD e o restante como contrapartida do estado. Por fim, na terceira fase, conta-se
com um recurso do empréstimo da ordem de US$ 600 milhões.
Além dessa previsão orçamentária, há uma despesa realizada na FPIC transportes de R$ 2,542 bilhões, entre 2007 e 2012. Dois fundos são utilizados para
viabilizar a política pública de transportes nesta RM: o Fundo Estadual de Transportes, voltado para viabilizar subsídios à operacionalização do bilhete único, e
o Fundo para Operação e Melhoria dos Transportes Coletivos Metropolitanos,
voltado para modernização do sistema. Assim como outras RMs, a maior parcela
dos investimentos da RM do Rio de Janeiro está concentrada no município núcleo
(Santos e Costa, 2013), o que reforça e condiciona a interdependência dos demais
municípios com a cidade do Rio de Janeiro.
4.1.13 Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá
Os investimentos na RM do Vale do Rio Cuiabá partiram com a escolha da cidade
de Cuiabá como uma das sedes dos jogos da Copa do Mundo 2014 (Chiletto e
Costa, 2013). O projeto consiste em três pontos chaves: modernização do sistema,
implantação de um sistema de VLT e qualificação da gestão do serviço.
Foi instituído, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do estado, o programa Copa Verde, que engloba as principais ações de mobilidade e acessibilidade na
RM do Vale do Rio Cuiabá. Grande parte do recurso é destinada à implantação do
VLT, orçado em R$ 1,47 bilhão, sendo R$ 110 milhões de contrapartida financeira
e o restante financiamento do estado com a Caixa Econômica Federal (CEF) e com
o BNDES. Outras obras são listadas como de apoio à FPIC, totalizando cerca de
R$ 232 milhões (Chiletto e Costa, 2013); contudo, faz-se necessário apontar que
todas são voltadas à infraestrutura viária – duplicação, pavimentação, viadutos
e trincheiras. Investimentos de apoio à gestão do sistema, bem como outros de
suporte à mobilidade de pedestres e ciclistas, não foram apresentados.
Embora estivesse prevista a operação do VLT quando da realização dos jogos
da Copa do Mundo 2014, as obras não foram concluídas a tempo, comprometendo
a execução física e frustrando a expectativa da população local.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
367
4.1.14 Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal
Com relação aos investimentos, cabe ressaltar a importância do PAC. Assim como
em outras metrópoles, grande parte do investimento está concentrada na cidade
núcleo. Dos R$ 3,7 bilhões citados como investimento por Sampaio e Costa (2013),
cerca de 77% são destinados à ampliação do Aeroporto Internacional Juscelino
Kubitscheck, em Brasília; 21% do total é destinado à implantação do sistema de
transporte de passageiros Gama/Santa Maria/Plano Piloto – Eixo Sul; o restante
dos recursos destina-se às obras viárias em Brasília, Águas Lindas de Goiás e Unaí.
Sampaio e Costa (2013) apontaram ainda que o governo do Distrito Federal
tem alocado recursos na renovação da frota utilizada no transporte público.
Contudo, em razão da composição tarifária do sistema, os gastos com a aquisição
de veículos são um item da planilha de cálculo da tarifa e remuneração dos operadores, o que faz com que este investimento seja pago pelos usuários do sistema.
4.2 Breve balanço sobre os recursos para investimentos nas RMs
No que se refere aos investimentos, em todas as situações, faz-se notar a presença
do governo federal no fomento dos investimentos em infraestrutura de transporte
por meio do PAC – no caso de Porto Alegre, o recurso previsto no PPA é de aproximadamente R$ 16 milhões, enquanto o PAC prevê recursos de R$ 824 milhões.
Grande parte dos recursos é voltada para implantação de corredores de
transporte de média e alta capacidade e suas infraestruturas de apoio, como obras
viárias, sendo baixa a presença de obras de suporte a modos não motorizados.
Outro importante aspecto é a concentração de obras e investimentos.
A referência à metrópole é pequena, estando os investimentos concentrados em
seus municípios núcleo. Em parte, tal concentração é reflexo não somente da
relevância política e econômica que o município núcleo exerce em seus contextos,
como também da lógica corrente de transportes, que se estrutura a partir das
linhas de origem e destino e na relação entre capacidade e fluidez. Nesse sentido,
as obras estão situadas nos principais eixos, têm como foco a melhoria do nível de
serviço do sistema, porém ainda com baixa relação com outros instrumentos de
planejamento urbano ou princípios norteadores de um bom desenho.
A exceção ao caso do parágrafo anterior é a RM de São Paulo, onde os
investimentos estão vinculados à rede de transporte e/ou ao sistema viário sob a
responsabilidade do governo estadual, em específico para financiamento de faixas exclusivas e BRTs. Esta relação entre o agente de planejamento e o território
permite uma melhor distribuição espacial dos recursos, já que os benefícios de
tais investimentos abrangem uma maior extensão territorial, caso das melhorias
metroviárias ou ferroviárias.
368
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Cabe destacar a presença de outros agentes financeiros, que não o governo
brasileiro, no apoio aos investimentos em infraestrutura. Na RM de Belém, por
exemplo, a Jica apoiou projetos voltados para a implantação de um BRT. Em Curitiba,
por sua vez, a AFD e o BID complementam o aporte feito pelo governo federal.
Outras formas de financiamento foram citadas como alternativas ao provimento de infraestrutura, como o caso das parcerias público-privadas, estando
presente nas RMs do Recife, de Belo Horizonte e de Goiânia, especificamente
para construção de uma ponte, para a expansão do metrô e a implantação de um
sistema VLT, respectivamente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como destacado no capítulo, a situação da mobilidade urbana nas regiões metropolitanas brasileiras apresenta um quadro diverso, característico da pluralidade dos
territórios e das capacidades administrativas estaduais e municipais. No contexto da
mobilidade, aponta-se inicialmente um entendimento de restrição ao conceito da
mobilidade – em todas as regiões metropolitanas analisadas o termo restringe-se ao
deslocamento realizado por transporte público e, quando muito, incorpora o sistema
viário como elemento no processo de gestão e planejamento. Aspectos relativos ao
deslocamento não motorizado (pedestres e ciclistas), à eficiência de gestão e da rede
de transporte coletivo, às diretrizes de uso e ocupação do solo, ao controle da ocupação segundo geração de viagens, aos instrumentos de gerenciamento da demanda
e à compensação das externalidades do transporte individual não são tratados por
parte das entidades responsáveis pela gestão da mobilidade no recorte metropolitano.
No que diz respeito à governança metropolitana, ainda são poucas as experiências no uso do consórcio público como instrumento de gestão do sistema
metropolitano – apenas a RM do Recife organizou o sistema utilizando-se da
lei no 11.107/2005. Cabe ressaltar que o processo de construção contou com a
participação inicial dos maiores municípios e do estado, ocorrendo a adesão dos
demais municípios ao longo do tempo.
Foram observados arranjos diversos na gestão do serviço de transporte, sendo
os mais organizados relacionados a uma estrutura estadual bem definida, com um
estado mais ativo, tanto em termos políticos quanto de planejamento da função
pública, como são os casos Belo Horizonte, São Paulo e Goiânia. A RM de Goiânia
é interessante de analisar, pois utiliza a lei de criação da região metropolitana para
instituir a entidade responsável pela gestão do transporte e, compulsoriamente,
incorpora à rede todos os municípios que integram a RM.
À exceção de Recife, todos os demais municípios em que existe integração do
sistema metropolitano com o municipal o fazem por meio de convênios. Quando
não existe integração, ou seja, o sistema metropolitano é único, sem integração,
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
369
as entidades responsáveis seguem a Lei no 8.987/1995 para conceder os serviços
de transporte público, como a RM de Fortaleza, ou no caso dos serviços sobre
trilhos, as companhias estaduais ou federais o fazem.
Quanto aos instrumentos de política metropolitana, a presença ou não de
planos metropolitanos é em grande parte decorrente da maturidade dos institutos
responsáveis em termos de gestão de transporte. A existência de parte dos planos
metropolitanos é anterior ou contemporânea ao Estatuto da Cidade, ainda não
sendo possível afirmar o impacto da Política Nacional de Mobilidade Urbana na
constituição, na medida em que não é prevista, nos termos da lei, a obrigatoriedade
de elaboração para este recorte. Assim, das quatorze regiões metropolitanas, seis
apresentaram planos metropolitanos, enquanto quatro indicaram algum processo
de elaboração. Das três regiões que não apresentaram planos metropolitanos, o
município núcleo possui plano de mobilidade com algum recorte ou reconhecimento da metrópole como objeto de política de transporte, seja para sua inclusão
ou não, caso da Ride/DF.
O instrumento de planejamento possibilitaria uma melhor coordenação dos
investimentos junto a uma política de mobilidade metropolitana, estruturando a
demanda por recursos com a infraestrutura necessária para uma gestão ótima do
serviço de transporte metropolitano. No entanto, o que se observa é ainda uma
pequena integração entre o que se financia e o que se planeja. A RM de São Paulo
é uma exceção, pois pauta os projetos objetos de financiamento segundo os planos
e programas desenvolvidos – cabendo aqui uma análise da adequação destes
instrumentos metropolitanos com os planos municipais. Assim, duas perguntas são
necessárias: quando da inexistência de planos, qual território está se construindo
com recurso público? Quando da existência, como se dá a interferência do planejamento metropolitano, pelo estado, com o território municipal?
Ainda sobre o território, grande parte dos recursos é destinada aos núcleos da
metrópole para financiamento de sistemas de alta capacidade. Este fato pode ser
compreendido como resultado de uma lógica política e financeira metropolitana
a partir do peso dos munícipios núcleos da metrópole, ou da própria estrutura de
planejamento do sistema de transporte, que prioriza aspectos como fluidez e redução
do tempo de deslocamento. Estes fatores priorizam projetos em pontos de conflito
e saturação, pouco se antecipando a alterações da estrutura econômica e urbana das
cidades. Assim, uma articulação com os instrumentos de uso e ocupação do solo
e de planejamento econômico se faz necessária, de forma a alterar este paradigma
de planejamento de transporte no que se refere à integração entre políticas.
A articulação com os planos diretores e com os instrumentos urbanísticos ali
presentes, como a outorga onerosa e a operação urbana, permitem não somente
a integração entre o projeto urbano e a rede de transporte, mas a possibilidade de
370
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
recuperação de parte das externalidades geradas pelo investimento em infraestrutura
de transporte. A delimitação de áreas de expansão urbana nos planos estruturaria
a expansão programada do sistema de transporte público, assistindo a rede com
demanda e provendo de urbanidade áreas que não a possuem. Apesar da necessidade
desta integração, um empecilho existe na relação entre o estado e os municípios
em regiões metropolitanas no que tange à FPIC uso do solo. É clara a atribuição
estadual no provimento do serviço de transporte metropolitano, podendo realizar a
articulação necessária e fomentar convênios e consórcios para esta FPIC, enquanto
na intervenção na dinâmica urbana e no uso dos instrumentos previstos no estatuto
ainda não existe solução.
Cabe ressaltar o papel do governo federal de fomentar, nos estados e municípios, investimentos em infraestrutura de transporte público em razão do Programa
de Aceleração do Crescimento. Praticamente todas as RMs informaram projetos
de infraestrutura de transporte e viária que estão recebendo apoio do PAC em
suas diversas linhas de atuação – PAC 1, PAC 2, PAC Copa etc. O PAC também
é cronologicamente relevante em uma análise histórica do setor, dada a ausência
de recursos para investimento em infraestrutura nas décadas passadas – em todas
as RMs analisadas parte da União a desconcentração de recursos para um maior
número de regiões. Até o PAC, poucas eram as iniciativas, sendo que todas as
menções contavam com recursos externos de agências financeiras internacionais,
como a Jica, o BID etc.
As experiências apontam evidências de possíveis soluções. Os casos de maior
organização e sistematização da gestão do transporte metropolitano decorrem de
um estado mais presente no planejamento do transporte metropolitano, estruturando instrumentos de planejamento e coordenando o processo de coesão dos
municípios. Esta atuação do estado é válida para as três seções de análise deste
estudo: i) regularidade do serviço quanto aos instrumentos legais existentes; ii)
presença de instrumento de política de mobilidade metropolitano; e, iii) monta
de investimentos em infraestrutura de transporte.
Por fim, a FPIC ainda é tratada sob a ótica do transporte público, não sendo
esse fato exclusivo das regiões metropolitanas. Os próprios munícipios se encontram em uma situação de mudança de paradigma no que diz respeito ao conceito
de mobilidade. Esta mudança passa pela inclusão de outros modos de transporte
além de alternativas para gestão dos sistemas de mobilidade como um todo, incorporando elementos regulatórios nos contratos de concessão que contabilizem
a produtividade, a eficiência e o nível de serviço aos usuários, além da elaboração
participativa dos planos de mobilidade de caráter municipal e metropolitano,
seguindo o que determina a Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Governança Metropolitana da Mobilidade: uma análise a partir dos relatos estaduais
371
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pesquisa: análise comparativa da gestão das FPICs na RM da Grande Vitória.
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PARTE IV
A GESTÃO E GOVERNANÇA METROPOLITANAS DO
SANEAMENTO BÁSICO
CAPÍTULO 14
GOVERNANÇA METROPOLITANA NA REGIÃO METROPOLITANA
DO RIO DE JANEIRO: ANÁLISE DA FPIC SANEAMENTO
SOCIOAMBIENTAL
Marcos Antonio Santos1
Ione Salomão Rahy2
Marcos Thimoteo Dominguez3
Juliana Nazaré Luquez Viana4
Lorena de Freitas Pereira5
Luiz Felipe Felix Thomaz da Silva6
Renata Lopes dos Santos7
1 APRESENTAÇÃO
Este capítulo tem como objetivo apresentar um breve panorama das condições do
saneamento na Região Metropolitana (RM) do Rio de Janeiro, analisando não só
os principais serviços, mas o planejamento e a gestão, além de buscar avaliar seu
comprometimento com a melhoria do meio ambiente e das condições sociais dos
moradores, bem como sua governança.
A título de contextualização, a seção 2 apresenta as principais características
da RM do Rio de Janeiro, tratando o adensamento populacional ocorrido na região devido à consolidação de atividades econômicas importantes e à consequente
ocupação das áreas periféricas. É também avaliada a mudança na abordagem do
saneamento, por meio da qual as intervenções passaram a contemplar as questões
ambientais e sociais.
A seção 3 descreve como são ofertados os serviços de saneamento na RM
do Rio de Janeiro, como abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos
1. Coordenador Estadual do projeto Governança Metropolitana no Brasil, da Rede Ipea, no Rio de Janeiro, na Fundação
Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ).
2. Analista especializada da CEPERJ.
3. Assessor de Planejamento da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG RJ).
4. Pesquisadora do projeto Governança Metropolitana no Brasil, da Rede Ipea, no Rio de Janeiro.
5. Prestadora de Serviço da CEPERJ.
6. Pesquisador do projeto Governança Metropolitana no Brasil, da Rede Ipea, no Rio de Janeiro.
7. Apoio técnico do projeto Governança Metropolitana no Brasil, pesquisadora da Financiadora de Estudos e Projetos
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FINEP/CNPQ).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
376
sólidos urbanos, além de identificar a pressão antrópica exercida nos sistemas
naturais e o reflexo da intensa urbanização nas redes fluviais.
Os órgãos responsáveis pelo planejamento e pela gestão do saneamento
serão abordados na sequência, bem como uma breve apresentação dos principais
programas e projetos. A seção 5 contempla os recursos e investimentos empregados
nos programas relativos à função pública de interesse comum (FPIC) neste
estudo pesquisada.
Por fim, a seção 6 discute a governança metropolitana na RM do Rio de
Janeiro na FPIC saneamento socioambiental, apontando suas limitações e seus
desafios frente às pressões sociais e ambientais.
2 A EXPANSÃO DA MALHA URBANA DA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO
DE JANEIRO E O SANEAMENTO SOCIOAMBIENTAL
Constituída por dezenove municípios, a RM do Rio de Janeiro concentra o maior
contingente populacional do estado, com 11.835.708 habitantes, correspondendo
a 74% do total. A cidade do Rio de Janeiro – capital do estado e núcleo da RM
do Rio de Janeiro – contribui com mais da metade (53%) da população da região.
FIGURA 1
Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Fonte: Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (CEPERJ).
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
377
Essa concentração populacional se explica, historicamente, pela importância
política, administrativa e econômica que a cidade do Rio de Janeiro assumiu
na estruturação do estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Os processos espaciais
de urbanização e industrialização observados no território que atualmente compreende
a RM do Rio de Janeiro se intensificaram a partir do início do século XX e representaram uma significativa transformação econômica, passando de uma ocupação
predominantemente rural – demonstrando a ênfase na economia agrária – para o
cenário urbano-industrial.
A partir de 1940, com a consolidação da industrialização no município do
Rio de Janeiro e em alguns municípios vizinhos (Duque de Caxias e Nova Iguaçu)
ou situados do outro lado da baía de Guanabara (Niterói e São Gonçalo), a
expansão da malha urbana metropolitana foi acompanhada pela intensificação dos
movimentos migratórios que acarretaram o adensamento dos subúrbios cariocas e
das demais cidades industriais da Baixada da Guanabara.
É notório o adensamento populacional nos municípios de Belford Roxo,
Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João de Meriti. Em trinta anos, a população
de Duque de Caxias cresceu acima de 1.500% em relação à população residente
no ano de 1940.
Na orla oriental da baía de Guanabara, o destaque é para os municípios de
Niterói e São Gonçalo. O primeiro, por ter sido capital do estado do Rio de Janeiro
nos períodos 1834-1893 (província, no período imperial) e 1903-1975. Já São Gonçalo,
município limítrofe a Niterói, esteve sob a influência direta das duas capitais
(Rio de Janeiro e Niterói), que demandavam terrenos para sua industrialização
e loteamentos para a construção de habitação para sua população operária.
Os processos de ocupação e expansão da malha urbana da metrópole,
concorrendo para um crescimento urbano desordenado e um processo acelerado
de degradação ambiental, configuram uma estrutura marcada pela desigualdade
socioespacial que dificulta a gestão do território metropolitano. O núcleo, embora
concentre a maior quantidade de equipamentos e serviços, tem sua área suburbana
formada por muitos bairros com baixos níveis de desenvolvimento humano e
pouca oferta de serviços básicos. A periferia, altamente populosa e fornecedora de
expressiva mão de obra para a capital, concentra altos níveis de pobreza e apresenta
baixa qualidade dos serviços públicos, bem como dificuldades de acesso.
Vale ressaltar que o padrão de ocupação nos municípios metropolitanos tende
cada vez mais à verticalização, o que evidencia o adensamento de localidades fora
da metrópole. Entretanto, algumas carências de equipamentos urbanos básicos à
manutenção do espaço metropolitano intensificam, na esfera local, problemas tão
graves quanto os da escala regional.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
378
Dessa forma, o adensamento populacional, assim como a dinamização
econômica por que passa a RM do Rio de Janeiro, sinaliza para a decorrente
necessidade de evolução e ampliação dos sistemas de saneamento, visando
não só atender à demanda crescente, mas preservar a qualidade do ambiente
envolvido. É uma nova concepção do saneamento, pois, até pouco tempo, o
conceito e a prática do saneamento básico, não só na RM do Rio de Janeiro
como em grande parte do país, restringiam-se a obras públicas de engenharia
voltadas especialmente para abastecimento de água, esgotamento sanitário e
limpeza urbana, serviços aos quais expressiva parcela da população ainda não
tem acesso.
O saneamento básico tradicional é desvinculado dos princípios de justiça
social e de preservação da qualidade ambiental. Hoje,
o saneamento é entendido como um direito fundamental do indivíduo e da
coletividade, além de serviço público essencial e, portanto, dever do Estado.
O saneamento básico atua entre a garantia do mínimo existencial social (moradia
adequada, saúde e melhoria de todos os aspectos de higiene), e a proteção ambiental.
A população, sem acesso às condições existenciais básicas, assinala um conjunto de
desigualdades sociais, econômicas e ambientais. Deste modo, questiona-se a justiça
socioambiental e a efetividade das garantias aos direitos sociais básicos. Porquanto,
quando se discursa em mínimo existencial, permeia a justiça social e ambiental, no
sentido de garantir uma redistribuição igualitária de bens sociais básicos e ambientais
(Carvalho e Adolfo, 2012).
É inegável que
as medidas voltadas ao saneamento ambiental possuem impacto não somente na
qualidade de vida, como também se refletem na saúde e na produtividade da população.
No que concerne ao território, modelam as possibilidades relacionadas tanto à
moradia quanto às atividades econômicas (Instituto Trata Brasil, 2011).
Dessa forma, surgem, com a intensificação do processo de ocupação do
espaço, que se torna mais complexo, novos debates na agenda pública, principalmente aqueles ligados ao ambiente como direito básico, aos movimentos sociais e
aos processos de produção de desigualdades entre os territórios da RM do Rio de
Janeiro. A partir dessas dinâmicas, torna-se clara a necessidade de reposicionar o
saneamento básico no contexto mais amplo das relações socioambientais e políticas
da RM do Rio de Janeiro.
3 SERVIÇOS DE SANEAMENTO NA REGIÃO METROPOLITANA
DO RIO DE JANEIRO
Entre os serviços ligados ao saneamento básico, serão abordados neste capítulo:
abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, coleta e tratamento de
resíduos sólidos, manejo de águas pluviais e prevenção de enchentes e inundações.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
379
3.1 Abastecimento de água
O abastecimento de água na RM do Rio de Janeiro baseia-se nos macrossistemas,
uma vez que as bacias hidrográficas desta região são de pequeno porte, sendo
constituídas por rios de pequena vazão. Os sistemas adotados são o macrossistema
Guandu – que abastece o Rio de Janeiro e a maior parte dos municípios da Baixada
Fluminense – e o macrossistema Imunana-Laranjal, alimentado pelos rios Macacu
e Guapiaçu – abastecendo Niterói, São Gonçalo e Itaboraí.
O abastecimento de água na RM do Rio de Janeiro atende 88% de sua
população, por meio de uma rede de 18.518,90 km de extensão – que representa
aproximadamente 62% do total do estado (CEPERJ, 2012). Em termos absolutos,
os municípios com a maior quantidade de pessoas atendidas são: Rio de Janeiro,
São Gonçalo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. De acordo com a empresa Águas
de Niterói, responsável pelo abastecimento de água neste município, 100% da
população é atendida por este serviço. Seguem-se os municípios de Nilópolis, Rio
de Janeiro e Nova Iguaçu, com mais de 90% cada. No extremo oposto, encontra-se
o município de Guapimirim, com apenas 44% da população atendida.
TABELA 1
Economias e ligações ativas de água, economias residenciais ativas de água,
população total atendida e extensão da rede de água, segundo os municípios da
RM do Rio de Janeiro (2010)
Quantidade
de economias
residenciais
ativas de água
Quantidade de
ligações ativas
de água
3.702.976
3.273.449
1.888.731
10.471.162
Rio de
Janeiro
2.121.065
1.883.058
882.124
5.762.159
9.852.00
6.320.446
91
Belford
Roxo
97.935
91.867
81.771
360.660
527
469.332
77
223.669
191.055
149.961
727.600
1.240.00
855.048
85
6.275
5.949
5.962
22.590
200
51.483
44
Itaboraí
61.179
56.913
43.594
178.140
355
218.008
82
Itaguaí
33.016
29.347
22.137
94.207
515
109.091
86
Japeri
20.705
19.550
17.819
64.126
143
95.492
67
Magé
59.689
56.415
33.710
181.095
255
227.322
80
Maricá
26.622
24.883
21.947
73.905
85
127.461
58
Região
metropolitana
Duque de
Caxias
Guapimirim
População total
atendida com abastecimento de água
(habitante)
Extensão
da rede de
água
(km)
Quantidade
de economias
ativas de água
Municípios
População
total do
município1
18.518.90 11.835.708
População
atendida
(%)
88
Mesquita
50.522
43.880
40.324
139.100
393
168.376
83
Nilópolis
61.275
49.776
35.069
154.806
234
157.425
98
100
Niterói
184.688
169.919
83.811
487.562
1.265.90
487.562
Nova Iguaçu
261.674
229.138
164.093
733.242
707
796.257
92
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
380
(Continuação)
Municípios
Quantidade
de economias
ativas de água
Paracambi
12.518
Quantidade
de economias
residenciais
ativas de água
11.264
Quantidade de
ligações ativas
de água
População total
atendida com abastecimento de água
(habitante)
9.613
34.469
Extensão
da rede de
água
(km)
87
População
total do
município1
População
atendida
(%)
47.124
73
Queimados
38.622
33.746
28.281
110.012
336
137.962
80
São Gonçalo
263.286
236.313
176.847
850.865
1.509.00
999.728
85
São João de
Meriti
155.064
116.519
74.420
421.231
527
458.673
92
Seropédica
18.041
17.215
12.892
54.402
275
78.186
70
7.131
6.642
4.356
20.991
13
30.732
68
Tanguá
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Brasil, 2010a).
Nota: 1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010).
Aos 12% da população não contemplada pelo serviço de abastecimento de
água, acrescente-se a demanda que decorre das atividades de implantação e futura
entrada em operação dos novos empreendimentos na RM do Rio de Janeiro –
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), Arco Metropolitano e
Porto Centro Atlântico do Complexo Industrial da Companhia Siderúrgica do
Atlântico (CSA), entre outros.
FIGURA 2
Abastecimento de água na RM do Rio de Janeiro – população atendida (2010)
(Em %)
Fonte: IBGE (2010).
Elaboração dos autores.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
381
3.2 Esgotamento sanitário
A rede de esgoto da RM do Rio de Janeiro atende 87,56% da população. Entre os
municípios atendidos, o que possui a maior cobertura é o Rio de Janeiro (98,47% da
população atendida), seguido por Niterói, Seropédica, São João de Meriti, Nilópolis
e Mesquita (97,36%, 93,75%, 93,03%, 91,17% e 91,23%, respectivamente).
Os municípios onde o atendimento não cobre metade da população são: Maricá
(18,15%), Itaboraí (27,01%), Tanguá (30,59%) e Magé (40,12%) (IBGE, 2010).
Quanto às estações de tratamento de esgoto (ETEs), a RM conta com 47,
sendo 39 secundárias – etapa seguinte ao tratamento primário, consistindo em um
processo biológico em que os poluentes são consumidos por micro-organismos –,
três primárias – processo físico ou físico-químico em que o poluente é separado
por sedimentação ou floculação – e três emissários submarinos – estruturas que
lançam ao mar o esgoto sanitário ou industrial. As ETEs estão concentradas
especialmente no município do Rio de Janeiro (Treze estações – uma estação de
tratamento com emissário submarino, doze estações secundárias – e um emissário
submarino). Nos municípios de São João de Meriti e Queimados, nenhuma
ETE atende a população residente. Já nos municípios de São Gonçalo e Japeri as
relações entre a população existente e a população beneficiada são as menores da
região, enquanto os municípios do Rio de Janeiro e Niterói possuem os maiores
níveis de atendimento. Atendo-se a análise à Baixada Fluminense, o somatório da
população atendida nestes municípios não alcança aquele referente aos municípios
de Niterói e do Rio de Janeiro, sinalizando que a distribuição do atendimento não
ocorre de maneira equilibrada na RM do Rio de Janeiro (Inea, 2012; IBGE, 2010).
De acordo com o estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação
Getulio Vargas (FGV/Ibre) e do Instituto Trata Brasil (2011), os dados provenientes do Censo Demográfico 2010 mostram que 84% do esgoto não coletado
se destinam à baía de Guanabara e que 31% do esgoto residencial produzido por
esta RM são lançados no ambiente.
Considerando os dados apresentados pelo IBGE (2010), a rede de esgoto
não atende a 12,44% da população que reside na RM do Rio de Janeiro, sendo
mais críticos os casos dos municípios de Maricá (81,85% da população não são
atendidos), Magé (72,99% sem atendimento) e Tanguá (69,41%). Estes dois
últimos situam-se na área de influência direta do COMPERJ.
Visando minimizar este deficit, o Pacto pelo Saneamento, programa do
governo estadual (a ser visto mais adiante), visa atender 80% do estado até os Jogos
Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Nesta porcentagem está incluída a ampliação
da cobertura na RM do Rio de Janeiro. Neste programa, devem-se destacar a
ampliação do sistema Alegria, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara
(PDBG) e a implantação de novas unidades de tratamento de esgoto.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
382
FIGURA 3
Deficit da rede de esgoto na RM do Rio de Janeiro (2010)
(Em %)
Fonte: IBGE (2010).
Elaboração dos autores.
Com os recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vem
sendo realizada na RM do Rio de Janeiro a implantação de novos sistemas de
esgotamento sanitário (SES) – em Belford Roxo, Duque de Caxias, Rio de Janeiro
e São Gonçalo, além de adequação, ampliação, melhoria e reforço de diversos SES
e sistemas de abastecimento de água (SAA).
3.3 Resíduos sólidos urbanos
De acordo com a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado
do Rio de Janeiro (Agenersa), no que se refere à coleta de resíduos sólidos urbanos, a
RM do Rio de Janeiro conta com dois blocos de acordos regionais e dois consórcios.
O consórcio Centro Sul I é firmado entre os municípios de Queimados, Japeri e
Paracambi – além de Engenheiro Paulo de Frontin e Mendes, que não pertencem
à RM do Rio de Janeiro. Já o consórcio público de Gestão de Resíduos da Baixada
Fluminense abrange Belford Roxo, Duque de Caxias, Mesquita, Nilópolis,
Nova Iguaçu e São João de Meriti. Os consórcios têm o objetivo de “executar,
em regime de gestão associada, na forma do Art. 241 da Constituição Federal,
os serviços de manejo de resíduos sólidos, observado o disposto no Contrato
de Consórcio Público correspondente” (Rio de janeiro, 2012a).
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
383
De acordo com a base de dados para o Imposto sobre Operações Relativas
à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual
e Intermunicipal e de Comunicação Ecológico (ICMS Ecológico) – ano-base
2012, para o ano fiscal 2013 – e com o Anuário Estatístico do Estado do Rio
de Janeiro, da Fundação CEPERJ (CEPERJ, 2012),8 seis municípios enviam
100% de seus resíduos sólidos para lixões, totalizando 1.771,12 t/dia, e quatro
enviam até metade da produção. Paracambi envia 83% de sua produção
para aterro sanitário controlado com tratamento de percolado, e São João de
Meriti e Queimados, 100% para aterros sanitários controlados com captação
e queima de gases (533,41 t/dia). Itaboraí, Mesquita, Nilópolis e Nova Iguaçu
enviam sua produção para aterros sanitários, totalizando 1.339,93 t/dia.
Dos municípios que possuem aterros sanitários, Nova Iguaçu tem até 30% de
utilização por terceiros, Itaboraí entre 30% e 60% e Seropédica, mais de 80%.
A participação de outros municípios confere à sede bônus no cálculo do ICMS
Ecológico. Entretanto, após o ano-base destes dados, devido ao projeto Lixão
Zero – que objetiva acabar com todos os lixões do estado até 2014 –, os lixões de
Guapimirim, São Gonçalo (Itaoca) e Duque de Caxias (Gramacho) encerraram
suas atividades e o Lixão de Belford Roxo (de Babi) foi transformado em aterro
sanitário (Rio de Janeiro, 2012b).
A coleta seletiva, por sua vez, ainda é uma atividade incipiente na RM do
Rio de Janeiro, estimando-se que apenas seis municípios encaminhem os lixos
domiciliares para a reciclagem – com destaque, embora mínimo, para Itaguaí,
com 1,19% do total mensal estimado. Contam com coleta seletiva porta a porta:
Itaguaí, Mesquita, Nilópolis, Paracambi, Rio de Janeiro e São João de Meriti.
Mesmo assim, o atendimento é mínimo. A capital é o município com o maior
porcentagem de domicílios atendidos (43%).
3.4 Manejo de águas pluviais e prevenção de enchentes e inundações
À medida que a ocupação do espaço se intensifica, o ambiente natural se altera
e, em geral, se degrada, tendo em vista que o fenômeno ocorre sem considerar as
relações entre os elementos constitutivos dos ecossistemas, o que é possível quando
há planejamento e controle.
Foi – desde o século XVI – e assim continua a ser a ocupação da área que
hoje constitui a RM do Rio de Janeiro. Ou seja, sem planejamento e ao sabor de
motivações circunstanciais e conjunturais. O território metropolitano é caracterizado
por planícies de baixa altitude entremeadas por colinas e maciços costeiros,
outrora cobertos por exuberante floresta tropical. Este espaço é drenado por bacias
8. Tabela: Produção diária estimada de resíduos sólidos, segundo as regiões de governo e municípios, estado do Rio de
Janeiro – 2011. Dados coletados da Secretaria de estado do Ambiente (SEA), do Instituto Estadual do Ambiente (Inea)
e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
384
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
hidrográficas de pequeno porte e baixo gradiente, ou seja, seus rios percorrem as
planícies quase horizontalmente em relação ao nível do mar, o que resulta em baixa
velocidade, dificultando o transporte dos sedimentos, ocasionando o assoreamento
de seus leitos e a consequente diminuição da profundidade e da capacidade de
contenção da água nas suas calhas. Este fenômeno se acentua com a retirada da
vegetação, que favorece a erosão do solo e a deposição dos sedimentos nos canais
fluviais. Como agravante, o perfil horizontal expõe esses rios, com seus baixos cursos
ao nível do mar, a uma grande influência das marés altas, principalmente quando
coincidem com grandes chuvas. Suas águas, com dificuldade de se lançarem ao
mar, extravasam pelas margens, causando enchentes.
Na primeira metade do século XX, tentando minimizar as enchentes e
buscando reduzir as áreas inundáveis ou paludosas, desenvolveu-se um grande
projeto (do governo federal) de saneamento da Baixada Fluminense – na época
não tão intensamente ocupada como hoje –, com obras de drenagem, dragagem de
leitos fluviais, retificação de rios e construção de comportas e diques. O objetivo
declarado se relacionava ao combate ao impaludismo, endêmico na região. Hoje,
as intervenções praticadas em decorrência desse projeto são bastante criticadas,
em virtude dos efeitos negativos causados no meio ambiente, o que não cabe aqui
detalhar, pois foge ao objetivo deste estudo.
De qualquer forma, as obras executadas concorreram para incrementar a
ocupação da Baixada Fluminense. Passados mais de cinquenta anos, com o crescimento
urbano sem planejamento, com a construção de moradias nos diques implantados
e a degeneração das comportas, bem como a falta de manutenção (permanente e
necessária) dos leitos fluviais, as enchentes frequentam rotineiramente o noticiário
nos tempos chuvosos. Embora, no início da década de 1990, com o projeto
Reconstrução Rio, e, no final daquela década e início dos anos 2000, tenham sido
desenvolvidos projetos de urbanização e minimização de enchentes e inundações,
abrangendo diversos municípios da Baixada Fluminense – Baixada Viva e Nova
Baixada –, muito há ainda a fazer para melhorar as condições socioambientais
da região. Há que se destacar o projeto de macrodrenagem, denominado Projeto
Iguaçu, a ser tratado mais adiante.
Para “informar as autoridades e a população quanto à possibilidade de chuvas
intensas e de inundações graduais (cheias) que possam causar perdas materiais
e humanas”,9 o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) criou o sistema de Alerta
de Cheias, constituído por
estações telemétricas, que enviam dados automaticamente via celular, a cada 15
minutos, com medição da quantidade de chuva e de nível d’água dos rios. (...)
Quando há previsão de chuvas fortes ou possibilidade de transbordamento dos
9. Inea. Disponível em: <http://inea.infoper.net/>. Acesso em: 7 nov. 2013.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
385
rios para a região monitorada, o Inea envia alertas via mensagens SMS e e-mails
para agentes da Defesa Civil.10
QUADRO 1
Estações integrantes do Sistema de Alerta de Cheias da Região Metropolitana do Rio
de Janeiro (2013)
Município
Estação
Tipo
Latitude
Longitude
Rio monitorado
Duque de Caxias
Ponte de Ferro Capivari
Hidrológica
22°40’04,24”S
43°20’16,84”W
Rio Capivari
Duque de Caxias
Santa Cruz da Serra
Hidrológica
22°38’29,91”S
43°17’14,00”W
Rio Saracuruna
Duque de Caxias
Xerém - Mantiquira
Pluviométrica
22°32’58,21”S
43°18’04,94”W
–
Magé
Ponte de Ferro Piabetá
Hidrológica
22°37’27,37”S
43°09’17,17”W
Rio Inhomirim
Magé
Raiz da Serra
Pluviométrica
22°34’48,59”S
43°11’17,71”W
–
Mesquita
Clube XV
Hidrológica
22°48’31,46”S
43°26’12,05”W
Rio Sarapuí
Niterói
Niterói/BPRV
Pluviométrica
22°52’45,1”S
43°04’39,0”W
–
Niterói
Niterói / Engenhoca
Hidrológica
22°52’15,4”S
43°05’57,4”W
Rio Engenhoca
Nova Iguaçu
Catavento
Hidrológica
22°39’0,130”S
43°25’06,43”W
Rio Iguaçu
Nova Iguaçu
GBM Nova Iguaçu
Hidrológica
22°44’55,98”S
43°27’25,54”W
Rio da Bota
Paracambi
Paracambi
Hidrológica
22°36’35,30”S
43°42’39,40”W
Rio dos Macacos
Rio de Janeiro
Guadalupe
Hidrológica
22°50’55,04”S
43°22’13,09”W
Rio Acari
Rio de Janeiro
São Cristóvão
Hidrológica
22°54’38,00’’S
43°13’27,00’’W
Rio Maracanã
São Gonçalo
Colubandê
Hidrológica
22°52’06,84”
42°58’57,77”
Rio Colubandê
São João de Meriti
CET Meriti
Hidrológica
22°48’22,72”S
43°22’16,72”W
Rio Pavuna
Tanguá
Ponte Tanguá
Hidrológica
22°43’38,00’’ S
42°43’33,00’’W
Rio Caceribu
Fonte: banco de dados do Sistema de Alerta de Cheias do Inea. Disponível em: <http://goo.gl/lzFhyV>.
Obs.: transmissão Global System for Mobile Communicatios – GSM / General Packet Radio Service - GPRS.
É também do Inea o Programa Limpa Rio, criado para desassorear e limpar
os leitos e margens de rios no estado do Rio de Janeiro, de modo a prevenir e
enfrentar, inclusive emergencialmente, o problema das enchentes. Os serviços
para a consecução deste objetivo deverão ser executados conforme a demanda das
prefeituras municipais.
10. Inea. Disponível em: < http://inea.infoper.net/>. Acesso em: 7 nov. 2013.
386
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Como desdobramento, está em andamento o Programa Limpa Rio Baixada,
dada a “necessidade de conservação e manutenção dos serviços executados pelo
Projeto Iguaçu, nas bacias dos rios Botas, Sarapuí e Iguaçu” (Inea, 2012).
O programa abrange os municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Nilópolis,
Nova Iguaçu, Mesquita e São João de Meriti. Compreende serviços de “desassoreamento
dos valões, canais e pequenos rios, retirada da vegetação macrófitas, lixo flutuante e
depositado nas marges” (Inea, 2012).
As solicitações dos serviços podem partir da coordenação do Projeto Iguaçu
(prioridade), das prefeituras municipais, de lideranças comunitárias ou da sociedade
civil organizada.
Quanto às inundações nas áreas urbanas da RM do Rio de Janeiro, estas se acentuam com o adensamento demográfico nas cidades, associado ao desflorestamento,
à erosão de encostas e ao assoreamento de cursos de água, ao mesmo tempo atrelado
ao incremento de construções em concreto e impermeabilização dos logradouros
públicos, o que concorre para a impermeabilização do solo. Consequentemente,
as galerias de águas pluviais – dimensionadas sem uma visão de futuro, entupidas
por sedimentos transportados pelas águas das chuvas (além do lixo que a população
joga nas ruas) e sem limpeza e manutenção, além da influência das marés – ficam
cada vez mais comprometidas no desempenho de sua função.
4 O PLANEJAMENTO E A GESTÃO DO SANEAMENTO NA RM DO RIO DE JANEIRO
Não resta dúvida de que o planejamento e a gestão do saneamento não devem se
condicionar aos limites territoriais municipais, carecendo de pensamento e ações
integradas – uma vez que a prestação dos serviços de saneamento em uma cidade
pode afetar as demais ou delas depender. Reforça esta posição o pronunciamento
do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando
ser preciso haver consenso entre os municípios e o estado, nas tomadas de decisão
em assuntos de interesse comum, atentando-se para a proporcionalidade quanto
ao peso político, econômico, social e orçamentário. Assim se expressou:
Não me parece haver nenhum problema em delegar a execução das funções públicas
de interesse comum a uma autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional,
desde que a lei complementar instituidora da entidade regional lhe confira personalidade jurídica própria, bem como o poder concedente quanto ao serviço de
interesse comum (Brasil, 2013).
4.1 O saneamento na RM do Rio de Janeiro é uma prevalência do poder público
Não resta dúvida de que as ações necessárias para prover a população de saneamento
básico que lhe propicie condições dignas de sobrevivência requerem vultosos recursos,
reconhecendo-se ser imprescindível – porém, não necessariamente absoluta – a
participação do poder público.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
387
A estrutura hierárquica das entidades (e serviços) relacionadas ao saneamento
socioambiental perpassa diversas esferas. No nível federal, existe a Agência Nacional
de Águas (ANA), cuja principal missão é coordenar a gestão dos recursos hídricos
e do acesso à água, tendo em vista seu uso sustentável. Seu papel nas questões
referentes ao saneamento tange à fiscalização dos mananciais de abastecimento e
da poluição dos corpos hídricos (Brasil, [s.d.]a).
A prestação de serviços de saneamento não compete, no entanto, à esfera
federal. Ela está reservada aos estados e municípios. No estado do Rio de Janeiro, a
secretaria responsável pela proteção e conservação ambiental e pelo gerenciamento
dos recursos hídricos é a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), que também
responde pelo Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento
Urbano (Fecam), que financia projetos de foro ambiental. Entre os diversos órgãos
que participam de sua estrutura, destacam-se, no que tange ao saneamento:
1) Superintendência de Políticas de Saneamento (SUPS): voltada ao saneamento socioambiental, é a coordenadora de um dos mais importantes
programas governamentais do estado, que é o Pacto pelo Saneamento.
Outras incumbências relevantes são o apoio na elaboração dos planos
municipais de saneamento básico11 e o formato do Plano Estadual de
Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PEGIRS), desenvolvido em
parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA).
2) Coordenação de Resíduos Sólidos (CRS): visa implementar os projetos
e programas da secretaria referentes ao tratamento e à destinação destes
resíduos. Suas medidas mais relevantes são os centros de tratamento de
resíduos, com o programa Lixão Zero.
3) Instituto Estadual do Ambiente: criado em 2007 com vistas à promoção do
desenvolvimento sustentável do estado, tem como desafio a integração da
política ambiental frente às demandas sociais. Instalado no início de 2009,
unificou três importantes órgãos ambientais, a saber: a Fundação Estadual de
Engenharia do Meio Ambiente (Feema), a Superintendência Estadual de Rios e
Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF) (Rio de janeiro, [s.d.]c).
Já a entidade responsável pela operação e manutenção da captação, pelo tratamento, adução e distribuição das redes de água, bem como pela coleta, transporte e
destino final dos esgotos produzidos nos municípios atendidos pela empresa – cuja
cobertura abrange quase toda a RM do Rio de Janeiro –, é a Companhia Estadual
de Águas e Esgotos (Cedae). A empresa foi fundada em 1975, a partir da fusão da
Empresa de Águas do estado da Guanabara (CEDAG), da Empresa de Saneamento
11. Com recursos do Fundo de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) e do Fundo Estadual de
Recursos Hídricos (FUNDRHI).
388
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
da Guanabara (ESAG) e da Companhia de Saneamento do estado do Rio de Janeiro
(SANERJ). Está inserida na estrutura da Secretaria de Estado de Obras (Seobras).
No âmbito das bacias hidrográficas, devem ser lembrados os comitês de bacia,
assim definidos pela Agência Nacional de Águas:
Os comitês de bacia são instâncias deliberativas criadas pelo poder executivo para a
gestão das águas de uma bacia hidrográfica. Sua principal atribuição é garantir o uso
planejado e múltiplo das águas por intermédio da implementação do Plano de Recursos
Hídricos da Bacia. Cabe ao comitê a aprovação final deste plano, o que permitirá
aos poderes públicos competentes definir critérios para a regulação dos usos das águas na
bacia. Os comitês de bacia hidrográfica são, assim, a base do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos. Neles são debatidas as questões relacionadas
à gestão das águas, garantida a participação do poder público, dos usuários das águas
e das organizações da sociedade civil (Brasil, [s.d.]c, grifo nosso).
Dessa forma, fica explícito o papel dos comitês no processo de planejamento
do uso das águas e sua importância diante da responsabilidade na aprovação final do
Plano de Recursos Hídricos da Bacia. De acordo com o Inea, devem apresentar
projetos interessantes para a aplicação dos recursos do Fundo Estadual de Recursos
Hídricos (FUNDRHI). As regiões hidrográficas – e respectivos comitês – que
pertencem ao recorte deste estudo são as Regiões Hidrográficas II (Guandu),
V (baía de Guanabara) e VI (Lagos São João).
4.2 Planos e programas para o saneamento na RM do Rio de Janeiro
Na RM do Rio de Janeiro, diversas iniciativas foram desenvolvidas a fim de atender
às carências de saneamento. Na tentativa de recuperação da qualidade das águas
das baías de Guanabara e de Sepetiba, os planos e programas que valem ser mencionados são o PDBG, o Pacto pelo Saneamento e o Plano de Desenvolvimento
Sustentável da baía de Sepetiba. No que tange aos resíduos sólidos, o PEGIRS deve
ser contemplado, e, quanto à macrodrenagem, destaca-se o Projeto de Controle de
Inundações e Recuperação Ambiental das Bacias dos Rios Iguaçu, Botas e Sarapuí.
O PDBG teve como foco a melhoria das condições sanitárias da RM e a
consequente despoluição da baía de Guanabara e adjacências, contando com o
financiamento do Banco Mundial e do Japan Bank for International Cooperation
(JIBIC) (Britto, 2004). Tal programa foi oficialmente concluído em 2006, mas,
de acordo com a SEA (Rio de Janeiro, [s.d.]d), desde seu início, em 1994, até o
citado ano, poucos avanços foram registrados.
A sua proposta não contemplava a implantação de todo o tratamento de esgoto
necessário para a total despoluição da baía. Assim, a partir de 2007, mudanças
foram realizadas a fim de melhor cumprir o objetivo divulgado. Ainda de acordo
com a secretaria, no período 2007-2012, resultados significativos passaram a
ser observáveis, valendo destacar que neste novo momento as obras deixaram de ser
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
389
realizadas simultaneamente, diminuindo a quantidade de obras sem finalização.
Com as mencionadas alterações, passou de 2 mil litros para 6 mil litros por segundo
a quantidade de esgoto com tratamento secundário, com proposta de aumento para
16 mil litros até 2016. Seu principal executor é a Cedae, e, em linhas gerais, suas
intervenções abrangem os sistemas de esgotamento de Alegria, Pavuna, Sarapuí,
Penha, Ilha do Governador, Paquetá, Niterói e São Gonçalo. Existe ainda a proposta de construção, na Marina da Glória, de uma galeria de cintura, a se realizar
com investimentos da Cedae e do Grupo EBX (holding brasileira controlada por
Eike Batista).
A fim de dar continuidade ao processo de despoluição da baía, vem sendo
desenvolvido o Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de
Guanabara (PSAM). Este programa é a principal ação do Plano Guanabara Limpa.
Na RM do Rio de Janeiro, o programa contempla os municípios de Belford Roxo,
Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói,
São Gonçalo, São João de Meriti, Tanguá e, parcialmente, o município do Rio de
Janeiro. Do total dos investimentos, 80% serão aplicados em projetos e obras
de instalação de sistemas para receber e tratar o esgoto.
Nessa perspectiva, foi instituído pelo governo do estado, por meio do Decreto
no 42.930, de abril de 2011, o Pacto pelo Saneamento da SEA. O objetivo desta
iniciativa – que tem alcance estadual – é levar o saneamento básico a toda população,
reduzindo seus impactos negativos na saúde, economia e meio ambiente. Composto
pelos programas Lixão Zero, Rio+Limpo e Guanabara Limpa, resulta da parceria
entre a SEA, a Cedae, a Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária (SEAPEC),
a Seobras e a Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Com o foco na despoluição
da baía de Guanabara, o programa Guanabara Limpa se divide no PSAM, visando
à recuperação da baía e à ampliação dos serviços de saneamento; no Programa Sena
Limpa, que objetiva despoluir seis praias cariocas; e na ampliação do sistema Alegria,
com o aumento da capacidade da Estação de Tratamento de Esgoto da Alegria, pela
construção de novos troncos coletores (Rio de janeiro, [s.d.]e).
Para os municípios ao redor da baía de Guanabara, dentro da base do PSAM,
estão sendo elaborados os planos municipais de saneamento básico (PMSBs), que
abrangem as questões concernentes a esgotamento sanitário, drenagem e abastecimento de água. Assim como no PEGIRS, tais planos encontram-se em consonância
com a Lei da Política Nacional de Saneamento Básico. Os municípios metropolitanos
que devem desenvolver o plano são: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim,
Itaboraí, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, São Gonçalo, São
João de Meriti, Tanguá e Rio de Janeiro (parcialmente). Vinculados ao PAC, em
sua segunda fase (PAC 2), estão os municípios de Belford Roxo, Itaguaí, Maricá
e São Gonçalo, no estágio de ação preparatória, e Mesquita e São João de Meriti,
no estágio de licitação do projeto (Brasil, [s.d.]b).
390
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
O PEGIRS tem como metas: redução da geração de resíduos, de emissões
e do consumo de energia, reciclagem dos resíduos, coleta seletiva, logística
reversa, encerramento dos lixões e gestão associada (consórcios púbicos), entre
outras. O plano também aborda a criação de planos municipais de gestão
de resíduos sólidos. É baseado nas Leis no 11.107/2005 (Lei de Consórcios
Públicos), no 11. 445/2007 (Lei da Política Nacional de Saneamento Básico) e
no 12.305/2010 (Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos). Trabalha com
a noção de regionalização, pois acredita que:
O conceito de gestão associada dos serviços de saneamento surge da percepção de que
soluções adotadas isoladamente por municípios não são, na maioria dos casos, capazes
de garantir essa sustentabilidade, seja nos aspectos ambientais, operacionais, econômicos
ou sociais (Rio de Janeiro, 2011, grifo nosso).
Para minimizar os impactos da ocupação na região da baía de Sepetiba,
existe o Plano de Desenvolvimento Sustentável da Baía de Sepetiba. O objetivo
é a proposição de ações voltadas ao desenvolvimento sustentável, contando com
programa de investimentos em ações estruturais e não estruturais. O plano visa
aproveitar os planos e programas já elaborados para a região, com a finalidade de
potencializar as ações já programadas e integrá-las àquelas a serem desenvolvidas.12
No que se refere à macrodrenagem, uma importante iniciativa é o Projeto de
Controle de Inundações e Recuperação Ambiental das Bacias dos Rios Iguaçu, Botas
e Sarapuí – Projeto Iguaçu. Tendo o Inea como executor, este projeto contempla os
municípios de Nova Iguaçu, Belford Roxo, Mesquita, São João de Meriti, Nilópolis,
Duque de Caxias e Rio de Janeiro (Bairro de Bangu). O projeto, que teve início
em 2007, objetiva melhorar a qualidade ambiental, despoluindo as bacias de rios
que cortam tais municípios. Pretende-se, ao mesmo tempo, minimizar a ocorrência
de enchentes, que são frequentes em dias de fortes chuvas, decorrentes do acúmulo de
lixo e outros resíduos. Neste processo, se faz necessário que haja o reassentamento
de diversas famílias para desocupação de margens e áreas de risco.13 O investimento do
projeto parte do PAC e do governo do estado do Rio de Janeiro.14
Cabe, por fim, mencionar o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERHI-RJ),
que teve início em 5 de setembro de 2011, pela Fundação COPPETEC e pelo Inea.
O objetivo deste instrumento é a sustentabilidade na gestão das águas do estado
do Rio de Janeiro – portanto, abrangendo, também, a região metropolitana –, servindo
de base para a implementação de políticas públicas.
12. Rio de Janeiro, Secretaria do Ambiente, Instituto Estadual do Ambiente – Inea, BID, 2011.
13. As famílias desalojadas são indenizadas. Elas podem optar entre as residências construídas para o remanejamento
pelo projeto, pela indenização pelo imóvel demolido ou pelo aluguel social.
14. Disponível em: <http://www.projetoiguacu.com.br/index.php/projeto-iguacu/quem-somos> e <http://www.projetoiguacu.
com.br/index.php/projeto-iguacu/fases-do-projeto>. Acesso em: 23/9/2014.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
391
As ações inerentes a esses planos encontram-se nos Planos Plurianuais (PPAs),
elaborados pelo governo do estado. Realizado um levantamento nos PPAs dos
períodos 2004-2007, 2008-2011 e 2012-2015 (Brasil, 2003; 2007a; 2011a),
identificaram-se os programas e as ações metropolitanos ou aqueles designados para
o estado, mas com impacto metropolitano. Destacaram-se, tanto nos programas
quanto nas ações, as participações das secretarias do Ambiente e de Obras.
Importante participação a ser ressaltada é a da Cedae, empresa vinculada à Seobras.
GRÁFICO 1
Participação das secretarias nas ações relacionadas à FPIC saneamento socioambiental nos PPAs
(Em %)
1A – PPA 2004-2007
5
38
57
Sede
Semadur
Cedae
1B – PPA 2008-2011
16
47
32
5
Cedae
SEA
SEH
Seobras
392
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
1C – PPA 2012-2015
13
25
63
Cedae
SEA
Seobras
Fonte: Brasil (2003; 2007a; 2011a).
Elaboração dos autores.
5 INVESTIMENTOS E RECURSOS PARA FINANCIAR O SANEAMENTO NA RM
DO RIO DE JANEIRO
Entre os projetos e as ações voltados para o saneamento na RM do Rio de Janeiro,
destacam-se os que fazem parte do Plano Guanabara Limpa, que compõe o Pacto
pelo Saneamento e tem como meta o saneamento de 80% do estado até os Jogos
Olímpicos e Paralímpicos de 2016. Isto se deve ao fato de ser parte dos compromissos
assumidos com o Comitê Olímpico Internacional (COI). Conta com doze ações.
1) Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara.
2) Ampliação dos sistemas de tratamento de esgoto – a principal medida é a
ampliação do sistema Alegria, com investimento previsto de R$ 1 bilhão.
3) Programa Lixão Zero.
4) Programa de Revitalização do Canal do Fundão – recurso de R$ 320
milhões, da Petrobras.
5) Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Refinaria de Duque de
Caxias (REDUC) – que contará com investimento de R$ 1 bilhão, da
Petrobras, para ações ambientais e melhorias da área operacional.
6) Programa de Implantação de Unidades de Tratamento de Rio (UTRs) –
previsão de cinco unidades na foz dos maiores poluidores das águas da
baía – quatro rios e um canal.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
393
7) Projeto Iguaçu – com investimento de R$ 182 milhões, do governo
federal, e R$ 265 milhões, do Fecam na primeira fase.
8) Projeto Sena Limpa.
9) Reflorestamento do entorno da baía de Guanabara.
10) Programa de Despoluição da Baía de Guanabara.
11) Ecobarreiras.
12) Recuperação do Canal de São Lourenço – investimento de R$ 18 milhões,
sendo R$ 3,5 milhões disponíveis pelo Ministério da Pesca e Agricultura
(MPA) e R$ 4 milhões do Fecam (Rio de Janeiro, [s.d.]a).
O já abordado Programa de Saneamento dos Municípios do Entorno da
Baía de Guanabara conta com investimentos, de acordo com o governo do estado
do Rio de Janeiro, provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) – US$ 452 bilhões – e da contrapartida do governo – R$ 330 milhões do Fecam.
De acordo com o Portal Baía de Guanabara (2012), o governo do Rio de Janeiro
recorreu também ao FUNDRHI.
Devem ser também considerados os projetos vinculados ao PAC, que, de
acordo com o site15 oficial, reforçou os investimentos em saneamento, com investimento federal que já é superior a R$ 90 bilhões. De acordo com o Instituto Trata
Brasil (2012), os R$ 40 bilhões destinados ao saneamento no estado incluíram
recursos do Orçamento Geral da União (OGU) e financiamentos com recursos
do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT). Segundo a SEA, foram destinados nesta fase cerca de R$ 230
milhões para o Projeto Iguaçu – que somados à participação do governo do estado,
contabilizou R$ 300 milhões.
Em março de 2010, foi lançada a segunda fase PAC (2010-2014), sendo as
ações da primeira fase revisadas e complementadas. Nesta etapa, o saneamento foi
contemplado nos eixos Comunidade Cidadã, Minha Casa Minha Vida, e Água e Luz
para Todos. O investimento anunciado pelo governo federal foi de R$ 45 bilhões.
As obras destinadas ao abastecimento de água e ao esgotamento sanitário – recursos
do OGU e financiamentos do FGTS e do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) – terão, até o final do período, investimento de R$
7 bilhões, para água, e R$ 9,8 bilhões, para esgotamento sanitário (Instituto Trata
Brasil, 2012). Para o Projeto Iguaçu, R$ 352 milhões foram aprovados nesta nova
etapa. As obras do PAC 2 estão listadas no quadro 2.
15. Brasil. Programa de Aceleração do Crescimento. Disponível em: <http://www.pac.gov.br/noticia/5a7e2fc8>.
Acesso em: 23 set. 2014.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
394
QUADRO 2
Obras do PAC 2
Obras
Localização
Município
Drenagem urbana na Baixada Fluminense.
Conjuntos habitacionais Roldão Gonçalves,
Barro Vermelho e Trio de Ouro
Nova Iguaçu, Belford Roxo, Mesquita,
São João de Meriti
Saneamento integrado e urbanização no
Rio de Janeiro
Complexo de Manguinhos - setores
AeB
Rio de Janeiro
Adequação do sistema de esgotamento
sanitário
Recuperação da estação de tratamento
de esgoto de Joinville
Belford Roxo
Adequação do sistema de esgotamento
sanitário
Recuperação da estação de tratamento
de esgoto de São Gonçalo
São Gonçalo
Ampliação do sistema de esgotamento
sanitário Alegria
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Ampliação do sistema de esgotamento
sanitário
Ilha de Paquetá
Rio de Janeiro, São Gonçalo
Ampliação do sistema de esgotamento
sanitário do Sarapuí – tronco-coletor,
interceptores e troncos coletores
Baixada Fluminense
Belford Roxo
Ampliação do sistema de esgotamento
sanitário e reflorestamento de matas
ciliares
–
Niterói e Guapimirim
Esgotamento sanitário
–
Itaboraí
Implantação do sistema de esgotamento
sanitário
Bacia de Santa Cruz
Rio de Janeiro
Implantação do sistema de esgotamento
sanitário
Bacias dos rios Mutondo e Coelho –
bairros Nova Cidade, Trindade e Luiz
Caçador
São Gonçalo
Implantação do sistema de esgotamento
sanitário
Bairro de São Leopoldo
Belford Roxo
Galpão de triagem para catadores
(Resíduos sólidos)
–
Mesquita
Galpão de triagem para catadores
(Resíduos sólidos)
–
Nilópolis
Resíduos sólidos
–
Tanguá
Fonte: Brasil ([s.d.]b).
Obs.: No site <http://goo.gl/FRlz8h> é possível visualizar o órgão responsável, o executor, a unidade federativa, o(s) município(s)
atendido(s), o investimento previsto, o estágio e a data de referência.
De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan),
os investimentos previstos para a infraestrutura urbana, no período 2012-2014,
totalizam R$ 51 bilhões, sendo destinados ao saneamento básico R$ 4,3 bilhões.
Cabem algumas considerações sobre os dois fundos estaduais anteriormente
citados: o Fecam e o FUNDRHI. Por seu turno, também é importante observar
na Lei Orçamentária Anual (LOA) a aplicação de recursos do tesouro estadual em
programas e ações voltados para o saneamento.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
395
5.1 Fundo de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano
O Fecam foi criado em 10 de novembro de 1986. Seus recursos giram em torno de
R$ 300 milhões ao ano e são provenientes dos royalties do petróleo (5%) concedidos
ao Rio de Janeiro e de multas administrativas e condenações judiciais. Este montante
destina-se ao financiamento de projetos ambientais, como reflorestamento,
implantação de tecnologias menos poluentes e saneamento (Rio de janeiro, [s.d.]b).
Os recursos destinados ao saneamento, em 2012, giraram em torno de três
programas, com sete projetos.16
5.2 Fundo Estadual de Recursos Hídricos
O FUNDRHI, por sua vez, é fruto de um acordo celebrado, em 11 de dezembro
de 2009, entre o Inea e a Cedae, e destina-se à gestão dos recursos hídricos. O Inea
recebe os recursos repassados pela Cedae – oriundos da cobrança dos usuários e de
acordos entre os órgãos –, que se estima serem da ordem de R$ 20 milhões/ano.
Esta importância é destinada ao FUNDRHI com o intuito de proteger e recuperar
as bacias hidrográficas do estado – metas estabelecidas pelos comitês de bacias.
Quanto à utilização dos recursos, a Lei no 5.234, de 5 de maio de 2008, altera em
seu Artigo 4o os incisos II, III e IV do Artigo 11 da Lei no 4.247/2003 – que dispõe
sobre a cobrança pela utilização dos hídricos do estado do Rio de Janeiro – dando
as seguintes orientações:
II – do montante arrecadado pela cobrança sobre o uso dos recursos hídricos de
domínio estadual, serão aplicados 90% (noventa por cento) na bacia hidrográfica
arrecadadora, bem como os outros 10% (dez por cento) no órgão gestor de recursos
hídricos do estado do Rio de Janeiro.
III – dos valores arrecadados com as demais receitas do FUNDRHI, será aplicado,
na bacia hidrográfica de captação dos recursos, um mínimo de 50% (cinquenta por
cento) em despesas com investimentos e custeio, e o restante aplicado em quaisquer
outras bacias hidrográficas do estado e no órgão gestor de recursos hídricos, mediante
proposta enviada pelo órgão gestor e aprovação pelo Conselho Estadual de Recursos
Hídricos (CERHI).
IV – em virtude da transposição das águas do rio Paraíba do Sul para a bacia do rio
Guandu, serão aplicados, obrigatoriamente, na bacia hidrográfica do rio Paraíba do
Sul, 15% (quinze por cento) dos recursos oriundos da cobrança pelo uso de água
bruta na bacia hidrográfica do rio Guandu, até que novos valores sejam aprovados
pelo Comitê para Integração da Bacia do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP) e Comitê
Guandu, e referendado pelo CERHI (Rio de Janeiro, 2008).
16. Projeto Iguaçu, Abastecimento de Água – estes dois também com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) –, Saneamento Ambiental da Baía de Sepetiba, Rio mais Limpo, Lixão Zero, Saneamento Ambiental dos Municípios
do Entorno da Baía de Guanabara e Saneamento nas Bacias da Baía de Guanabara.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
396
Determina também que 70% do montante devem ser aplicados na coleta
e no tratamento de efluentes urbanos, até que 80% do esgoto sejam coletados e
tratados na região hidrográfica. Junto com a celebração do acordo (FUNDRHI),
foram assinados convênios de repasse para projetos de saneamento nos municípios
de Paracambi, Japeri, Seropédica e Queimados.
5.3 Lei Orçamentária Anual
Os recursos do tesouro destinados aos programas e às ações, no período 2007-2012,
bem como os valores relativos à sua execução podem ser observados na tabela 2.
TABELA 2
Valores orçados e liquidados, relativos à FPIC saneamento socioambiental na Lei
Orçamentária Anual (2007-2012)
(Em R$)
Estado1
RM do Rio de Janeiro2
Ano
Orçado
Liquidado
2007
570.601.793,00
n.d.
2008
798.397.678,00
375.245.969,63
502.118.273,00
122.959.733,05
2009
1.031.869.646,00
550.825.709,63
1.031.467.646,00
453.975.951,19
2010
559.517.752,00
842.179.644,91
358.742.439,00
175.247.339,65
2011
730.517.577,00
190.379.765,04
484.141.925,00
123.698.762,77
2012
1.161.473.957,00
380.213.432,09
1.065.780.957,00
374.925.736,73
Total
4.852.378.403,00
2.338.844.521,30
3.930.233.480,00
1.250.807.523,39
3
Orçado
487.982.240,00
Liquidado3
n.d.
Fonte: Brasil (2007b; 2008a; 2008b; 2010b; 2011b; 2012).
Notas: 1 Não desagrega por regiões de governo. Assim, pode também incluir a RM do Rio de Janeiro.
2
Valores específicos para a RM do Rio de Janeiro.
3
Quando o valor liquidado apresentado é superior ao orçado, significa que inclui outras fontes de financiamento.
Obs.: n.d. = não disponível. Os valores referentes ao estado englobam os que estão indicados como específicos para a RM
do Rio de Janeiro.
6 POLÍTICA DE SANEAMENTO E GOVERNANÇA NA RM DO RIO DE JANEIRO
Pelo exposto, observando-se a atuação praticamente exclusiva do poder público nas
ações relacionadas ao saneamento, pode-se afirmar que não existe governança em
escala metropolitana na função pública saneamento socioambiental – não diferindo
de outras FPICs, como o uso e ocupação do solo e transporte.
O saneamento básico apresenta grande complexidade entre seus elementos
legais, ambientais e de planejamento. No que concerne à RM do Rio de Janeiro,
o saneamento socioambiental sempre foi alvo de inúmeros investimentos e
de programas governamentais. Com a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da
Guanabara, e com a criação da Cedae em 1975, o governo estadual aplicou uma
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
397
enorme quantidade de recursos financeiros e técnicos nos municípios metropolitanos, não sendo a falta de financiamento o principal problema do setor – pelo
menos em comparação com outras áreas.
O estudo clássico de Eduardo Marques (2000) – sobre a ação das instituições
públicas no campo do saneamento básico e dos processos políticos que decidiram
o rumo do setor para a RM do Rio de Janeiro – demonstra que o grande desafio
do saneamento vai muito além da necessidade de investimentos. As grandes intervenções na ampliação dos serviços de abastecimento de água, na pavimentação de
ruas e na construção de estações de tratamento de esgoto permitiram a ocupação
de uma vasta área geográfica pertencente à periferia da cidade do Rio de Janeiro e
de cidades marginais (Rio de Janeiro [s.d.]a; Marques, 1996).
No entanto, as estratégias na execução dessas políticas respeitavam os arranjos
de interesse entre a recém-criada estatal (Cedae) e os grupos dirigentes locais,
privilegiando regiões e localidades em detrimento de outras. Um bom exemplo
desta ocorrência é a ampliação, nos anos 1990, da estação de tratamento de água
(ETA) Imunana-Laranjal, que, mesmo sediada no município de São Gonçalo,
destinou-se em grande parte a abastecer a cidade de Niterói, deixando de lado os
inúmeros e cada vez mais adensados loteamentos urbanos do lado leste da baía de
Guanabara – exemplo, Jardim Catarina e Complexo do Salgueiro, no município
de São Gonçalo.
Outro ponto importante é o fato de grande parte das políticas e programas
de governo sofrerem com constantes paralisações, fazendo de suas intervenções
ações pontuais e fracionadas, o que leva à fragmentação espacial na prestação de
serviços de água e esgoto.
Para piorar, há o embate teórico e técnico em torno da definição do paradigma ambiental hegemônico do setor – objeto de considerações na introdução
deste estudo –, tendo em vista que, durante décadas, prevaleceu no campo do
saneamento a visão da engenharia ambiental, o que levou, positivamente, à
ampliação do acesso por parte da população metropolitana aos serviços de água,
coleta e tratamento de lixo e esgoto.
Reafirmando o que já se expôs, o governo estadual é o principal gestor do
saneamento básico – não só na RM do Rio de Janeiro, mas em todo o estado –
em especial por meio da SEA e da Seobras, ressaltando-se também os principais
fundos destinadores de verbas para os projetos e ações de saneamento – Fecam
e FUNDRHI. A Cedae, uma empresa estadual, também se mostra como uma
entidade de fundamental importância, atendendo a maior parte dos municípios da RM do Rio de Janeiro, com os serviços de abastecimento de água e
tratamento de esgoto.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
398
Essa atuação quase exclusiva do poder público estadual é, por sua vez, compreensível, dada a necessidade de vultosos recursos exigidos pelos serviços de
saneamento. No entanto, não deve ser excludente, podendo-se contar com maior
participação da iniciativa privada e de organizações da sociedade civil, mesmo que
não propriamente na execução de serviços, mas, por exemplo, no diagnóstico,
planejamento e acompanhamento das medidas que serão adotadas.
Talvez, os esforços dos comitês de bacias, em articulação com outros atores
e fóruns, possam permitir maiores ganhos em termos de impacto das políticas
ambientais. Os comitês de bacias podem ter papel-chave nos principais programas
do estado. Surgem como uma possibilidade de instância de governança e controle
social capaz de agregar em um mesmo ambiente os aspectos da dinâmica regional
com os muitos elementos que estruturam e são estruturados por políticas públicas
e projetos de grande alcance espacial.
Os comitês de bacias contam com a participação dos representantes da
sociedade civil em suas respectivas plenárias. Considerando as bacias que abrangem
municípios da RM do Rio de Janeiro, a representação é de:
•
nove entre os trinta membros, no comitê da Bacia Hidrográfica
do Guandu;
•
quinze entre os 45 membros da Bacia Hidrográfica da Baía de
Guanabara, sendo dois da sub-região de Maricá-Guarapina, um da
sub-região Itaipu-Piratininga, três da sub-região do trecho leste,
cinco da sub-região do trecho oeste, dois da sub-região da lagoa
Rodrigo de Freitas e dois da sub-região de Jacarepaguá; e
•
dezoito entre os 54 membros da Bacia Hidrográfica Lagos São João, com
representantes de associações, organizações não governamentais (ONGs),
conselhos regionais e universidades.
Outra ferramenta de participação popular nas tomadas de decisão são os planos
diretores participativos. Trata-se de instrumentos de planejamento desenvolvidos em
parceria com a sociedade civil organizada, que apresentam as diretrizes municipais
a serem seguidas. Na RM do Rio de Janeiro, alguns planos diretores – como os dos
municípios de Itaguaí, Japeri, Mesquita, Nova Iguaçu, Paracambi, São Gonçalo,
Seropédica e Tanguá – são assim elaborados.17
Ainda no nível municipal, vale destacar os planos municipais de saneamento
básico (vinculados ao PAC) e o Plano Municipal de Resíduos Sólidos. A sociedade
civil também participa da formulação dos planos municipais de saneamento básico,
por meio de oficinas, junto com técnicos do estado. Este processo deve passar pela
17. Não foi possível o acesso aos planos diretores de alguns municípios da RM do Rio de Janeiro.
Governança Metropolitana na Região Metropolitana do Rio De Janeiro: análise
da FPIC Saneamento Socioambiental
399
avaliação do saneamento nos municípios e pela capacitação dos participantes,
seguindo a proposta do PSAM. Quanto aos resíduos sólidos, os consórcios e arranjos
para a destinação destes resíduos também apontam uma articulação entre municípios, embora não integrem a RM do Rio de Janeiro nem respeitem seus limites.
Pensar a governança metropolitana passa por pensar a política urbana estadual
para a RM do Rio de Janeiro. A ausência de uma articulação dos principais projetos
estruturantes nesta RM com uma política de uso e ocupação do solo pelo viés do
urbanismo e do ambiente fez com que a população dos municípios periféricos
(entre 70% a 90%) da RM do Rio de Janeiro passasse a viver em áreas informais
ou de risco (Ribeiro, 1999; Maricato, 2011). Com isto, entram em cena elementos
ambientais e de saúde pública no cerne da questão urbana, pois são justamente
as áreas vulneráveis, geralmente onde incide legislação ambiental, que servem de
abrigo aos que não conseguem ingressar nas cidades formais.
As tragédias ambientais (enchentes, inundações, epidemias etc.), cada vez
mais presentes na realidade e no cotidiano da RM do Rio de Janeiro, devem ser
alvo não apenas das políticas da área ambiental e do saneamento básico, mas das
demais FPICs, pois as causas dessas tragédias estão diretamente ligadas à falta de
controle sobre o uso e a ocupação adequada do solo.
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CAPÍTULO 15
SANEAMENTO AMBIENTAL E TRANSPORTE NA RIDE/DF:
OS DESAFIOS DA GESTÃO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE
INTERESSE COMUM E O PLANEJAMENTO INTEGRADO
Cárita da Silva Sampaio1
Francisca de Santana Paz2
Giuliana de Abreu Corrêa3
1 APRESENTAÇÃO
O estudo aqui sintetizado fez parte de uma pesquisa em rede que permitiu o
comparativo da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e
Entorno (Ride/DF) com outras regiões metropolitanas (RMs) do Brasil, cujo objetivo foi avaliar o grau de governança destas regiões de planejamento por meio da
análise da gestão das funções públicas de interesse comum (FPICs) a elas delegadas.
As principais fontes de investigação foram os dados censitários, do período 2000-2010,
os Planos Plurianuais (PPAs) de 2008 a 2011 e de 2012 a 2013, bem como informações de órgãos setoriais da administração pública estadual e distrital.
Inicialmente o estudo apresenta aspectos gerais da caracterização da dinâmica
metropolitana do território, tendo como componente de análise os aspectos populacionais, econômicos e fluxos socioeconômicos e culturais. Em seguida, fez-se
uma análise de duas FPICs selecionadas pelo estudo na Ride/DF, estratégicas para
o planejamento integrado da região: saneamento ambiental e transporte. Para as
respectivas funções, procurou-se fazer um histórico e uma caracterização da gestão,
identificando a estrutura institucional e normativa, os instrumentos de planejamento
e gestão, os projetos de investimentos e controle social.
No decorrer de cada uma das duas FPICs também foi realizada uma análise
da efetividade do arranjo de gestão e da governança, da dinâmica socioeconômica
e suas interfaces com outras FPICs. Buscou-se identificar os atores sociais e os
agentes políticos e econômicos envolvidos na governança destas funções no âmbito
da Ride/DF, discutindo como estes se articulam e interagem.
1. Geógrafa da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN).
2. Técnica de Planejamento da CODEPLAN.
3. Técnica de Planejamento da CODEPLAN.
404
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Após análise das características dos arranjos de gestão de saneamento
ambiental e transporte na Ride/DF, o estudo apresenta uma avaliação da governança
metropolitana, traduzindo a integração da gestão das FPICs como um desafio para
a efetividade do funcionamento da Ride/DF.
2 CARACTERIZAÇÃO DA DINÂMICA METROPOLITANA NA RIDE/DF
Com o crescente processo de metropolização observado no Brasil nos últimos
cinquenta anos, observa-se atualmente que um terço da população brasileira vive
em espaços metropolitanos, se se considerar apenas as doze metrópoles reconhecidas pelo estudo de Regiões de Influência das Cidades (REGICs) (IBGE, 2008), a
saber: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador,
Recife, Fortaleza, Belém, Manaus, Goiânia e Brasília. Se se considerar o conjunto
de RMs instituídas, a população metropolitana corresponde quase à metade da
população do país (Balbim et al., 2011).
Nesse cenário, Brasília se apresenta como um centro polarizador, conforme a
REGIC 2007, classificado como metrópole nacional. Tal classificação aborda o tamanho
e a densidade populacional, o grau de urbanização e a coesão interna da área, dada
pelos deslocamentos da população, em função de serviços, trabalho, estudo, entre
outros, caracterizando as chamadas áreas de concentração populacional (ACPs).
A expansão da Área Metropolitana de Brasília (AMB) ocorreu de forma polinucleada
e esparsa no território do Distrito Federal, perpassando seus limites político-administrativos
e abrangendo um espaço de influência direta em municípios do estado de Goiás, formando
um aglomerado urbano, conurbado ou em processo de conurbação. A criação da Ride/DF, em
1998, foi resultado da necessidade de criação de uma área de planejamento para a expansão
da área metropolitana que então se formava.
Apesar disso, os 22 municípios que compreendem o recorte espacial da Ride/
DF, instituída pela Lei Complementar no 94/1998, para fins de planejamento e
gestão territorial, apresentam uma distinta relação de dependência com o seu núcleo polarizador, que é o Distrito Federal. Vários estudos apontam estas variações
no nível de integração dos municípios da Ride com o Distrito Federal. Como
exemplo, cita-se o estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal
(Codeplan) e da Secretaria de Estado de Planejamento e Orçamento do Distrito
Federal (Distrito Federal, 2003) que revelou, por meio de uma pesquisa domiciliar, a interação dos municípios do entorno com o Distrito Federal e a pressão
exercida por esta população, no que se refere ao mercado de trabalho, ao estudo,
aos equipamentos públicos e às relações comerciais, agregando os 22 municípios
da Ride/DF em três regiões, conforme o seu grau de dependência em relação ao
Distrito Federal, a saber:
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
405
•
Região I – alta polarização: Águas Lindas de Goiás, Cidade Ocidental,
Luziânia, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso
de Goiás;
•
Região II – média polarização: Abadiânia, Alexânia, Cocalzinho de Goiás,
Cristalina, Formosa e Planaltina de Goiás; e
•
Região III – baixa polarização: Água Fria de Goiás, Buritis, Cabeceira
Grande, Cabeceiras, Mimoso de Goiás, Padre Bernardo, Pirenópolis,
Unaí e Vila Boa.
A seguir são apresentados aspectos gerais da caracterização da dinâmica
metropolitana do território da Ride/DF, tendo como componente de análise os
aspectos populacionais, econômicos e fluxos socioeconômicos e culturais.
2.1 Aspectos populacionais
A Ride/DF abrange 22 municípios de dois estados da Federação e o Distrito Federal,
sendo dezenove de Goiás e três de Minas Gerais, com uma área de 56.433,79 km².
Os municípios da Ride/DF que apresentam a maior dimensão territorial são: Unaí
com 8.447,11 km², Cristalina com 6.162,09 km² e Formosa com 5.811,79 km².
O Distrito Federal aparece em quarto lugar com 5.780,00 km², o que corresponde
a 10,2% do território da Ride/DF. Os municípios mineiros ocupam 26% e os
municípios goianos representam 63,7% do território.
De acordo com o Censo Demográfico 2010, a Ride/DF possui 3,7 milhões
habitantes, o que representa 2% da população brasileira e 26,5% da população
do Centro-Oeste. Deste contingente populacional, o Distrito Federal participa
com 69%, correspondendo a cerca de 2,5 milhões de habitantes. Os demais municípios da Ride/DF representam 31% da sua população, somando um total de
1.154.021 habitantes. Nota-se que o Distrito Federal tem elevada participação
neste contingente populacional, por se tratar do núcleo metropolitano (tabela 1).
No período 2000-2010, houve um incremento populacional da ordem de
765.697 habitantes, na Ride/DF: o Distrito Federal participou com 519.014
habitantes, mantendo a maior participação. Ao analisar os dados censitários,
entre 2000 e 2010, percebe-se que praticamente não houve mudanças na
composição da participação da população entre o Distrito Federal e os demais
municípios da Ride/DF. No Censo de 2000, o peso do Distrito Federal era
de 69,3% da população da Ride/DF e os demais municípios tiveram uma
participação de 30,7% dos habitantes, resultado quase inalterado, entre 2000
e 2010, em porcentagem (tabela 1).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
406
TABELA 1
População total, urbana e rural das unidades territoriais (2000-2010)
Brasil, grande região, Unidade da
Federação (UF), Ride e município
Total
Urbana
Rural
2000
2010
2000
2010
2000
2010
Brasil
169.872.856
190.755.799
137.925.238
160.934.649
31.947.618
29.821.150
Centro-Oeste
11.638.658
14.058.094
10.089.868
12.482.567
1.548.790
1.575.527
Minas Gerais
17.905.134
19.597.330
14.658.502
16.714.976
3.246.631
2.882.354
5.004.197
6.003.788
4.393.292
5.421.002
610.905
582.786
Goiás
Distrito Federal
2.051.146
2.570.160
1.961.499
2.481.272
89.647
88.888
Ride/DF e entorno
2.958.484
3.724.181
2.759.354
3.504.433
199.130
219.748
20.396
22.737
13.868
16.100
6.528
6.637
Buritis
Cabeceira Grande
5.920
6.453
4.579
5.297
1.341
1.156
Unaí
70.033
77.565
55.549
62.329
14.484
15.236
Abadiânia
11.452
15.757
7.206
10.778
4.246
4.979
4.469
5.090
1.748
2.137
2.721
2.953
Água Fria de Goiás
Águas Lindas de Goiás
105.746
159.378
105.583
159.138
163
240
Alexânia
20.335
23.814
15.200
19.676
5.135
4.138
Cidade Ocidental
40.377
55.915
34.465
43.654
5.912
12.261
Cocalzinho de Goiás
14.626
17.407
6.000
6.444
8.626
10.963
9.679
10.361
5.597
6.416
4.082
3.945
34.116
46.580
27.569
38.421
6.547
8.159
Corumbá de Goiás
Cristalina
Formosa
78.651
100.085
69.285
92.023
9.366
8.062
Luziânia
141.082
174.531
130.165
162.807
10.917
11.724
Mimoso de Goiás
Novo Gama
2.801
2.685
1.186
1.242
1.615
1.443
74.380
95.018
73.026
93.971
1.354
1.047
Padre Bernardo
21.514
27.671
13.272
10.786
8.242
16.885
Pirenópolis
21.245
23.006
12.475
15.563
8.770
7.443
Planaltina
73.718
81.649
70.127
77.582
3.591
4.067
6.440
Santo Antônio do Descoberto
51.897
63.248
48.398
56.808
3.499
Valparaíso de Goiás
94.856
132.982
94.856
132.982
-
-
3.287
4.735
2.702
3.502
585
1.233
Vila Boa
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000; 2010).
Os municípios mais populosos da Ride/DF pertencem ao grupo com maior
grau de dependência do Distrito Federal, com exceção de Unaí, e se apresentam
nesta ordem: Luziânia, Águas Lindas de Goiás, Valparaíso de Goiás, Formosa,
Novo Gama, Planaltina, Unaí, Santo Antônio do Descoberto, Cidade Ocidental,
Cristalina, Padre Bernardo e Alexânia. Na chamada periferia metropolitana, que
compõe a AMB, assim caracterizada pela Codeplan (2013), os dados de fluxos
indicam que Cocalzinho de Goiás possui grande interação com o Distrito Federal,
mesmo tendo uma população menos expressiva, e, por isso, integra a AMB (figura 1).
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
407
FIGURA 1
Território da Ride/DF e da Área Metropolitana de Brasília
Fonte: IBGE (2010).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Os municípios da Ride/DF que aumentaram em mais de 20 mil habitantes
residentes em área urbana, além do Distrito Federal, no período 2000-2010, são:
Águas Lindas de Goiás, com 53.555 habitantes; Valparaíso de Goiás, com 38.126,
Luziânia, com 32.642; e Novo Gama, com 20.945, situados nos grupos com mais
alto grau de polarização. Apenas o município de Padre Bernardo, pertencente a
este grupo, apresentou decréscimo de 2.486 habitantes vivendo em área urbana,
apesar de ter obtido aumento populacional na ordem de 6.157 habitantes. Isto se
justifica pelo crescimento de localidades ainda classificadas como rurais, mas com
características urbanas no território do município.
Os dados censitários revelam que a Ride/DF possui elevada taxa de urbanização, mais de 90% da sua população reside em área urbana. A taxa de urbanização
registrada em 2010 foi de 94,10% e do Distrito Federal, 96,54%, ambas acima das
taxas de urbanização do estado de Goiás, 90,29%, do Centro-Oeste, 88,79% e do
Brasil, 84,37%. De acordo com os dados censitários, além do Distrito Federal, os
municípios da Ride/DF que apresentam taxas de urbanização acima da média nacional são: Valparaíso de Goiás, com 100% de urbanização; Águas Lindas, 99,85%;
Novo Gama, 98,18%; Planaltina, 95,02%; Luziânia, 93,28%; Formosa, 91,94%;
408
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Santo Antônio do Descoberto, 89,82; Alexânia, 82,62%; Cristalina, 82,48%; e
Cabeceira Grande, 82,09%. Com exceção deste último, todos pertencem aos
grupos com maior grau de polarização.
No período 2000-2010, a Ride/DF registrou uma taxa de crescimento anual
da sua população de 2,33%, bastante próxima à taxa do Distrito Federal, 2,28% ao
ano (a.a). Nesse período, tanto a Ride/DF quanto o Distrito Federal apresentaram
taxas mais elevadas que as do estado de Goiás, 1,84%, do Centro-Oeste, 1,91%,
e do Brasil, 1,17%. O grupo de municípios com taxas superiores ou próximas à
da Ride/DF e do Distrito Federal são: Águas Lindas de Goiás, 4,19%; Vila Boa,
3,72%; Valparaíso de Goiás, 3,44%; Cidade Ocidental, 3,31%; Abadiânia, 3,24%;
Cristalina, 3,16%; Padre Bernardo, 2,55%; Novo Gama, 2,48%; Formosa, 2,44%; e
Luziânia, 2,15%. Estes municípios pertencem predominantemente aos grupos de
maior dependência do núcleo metropolitano. Dos municípios que apresentaram
as menores taxas, abaixo da média nacional, destaca-se o município de Mimoso
de Goiás, que mostra uma taxa de crescimento negativa de 0,42% a.a.
Ao comparar os dados de crescimento anual com os da população urbana,
no mesmo período, a taxa da Ride/DF era ainda maior, 2,42%, bem como a do
Distrito Federal, 2,38%. E o grupo de municípios que apresentaram as taxas mais
elevadas foi praticamente o mesmo: Águas Lindas de Goiás, 4,19%; Abadiânia,
4,11%; Valparaíso de Goiás, 3,44%; Cristalina, 3,37%; Formosa, 2,88%; Vila
Boa, 2,63%; Alexânia, 2,61%; Novo Gama, 2,55%; Cidade Ocidental, 2,39%;
e Luziânia, 2,26%, com destaque para o município de Padre Bernardo, que apresentou uma taxa de crescimento da população urbana negativa de 2,05% a.a., no
período 2000-2010, apesar de ter crescido 2,55%, no geral.
De acordo com o Censo Demográfico 2010, a Ride/DF possui uma densidade
demográfica de 67,10 hab./km², enquanto a do Distrito Federal corresponde a mais
de seis vezes o seu adensamento populacional, 444,07 hab./km². Dos municípios da
Ride/DF que apresentam maior densidade demográfica, destacam-se Valparaíso de
Goiás, com densidade de 2197,14 hab./km²; seguido de Águas Lindas de Goiás,
com 846,03 hab./km²; e Novo Gama, com 489,41 hab./km². O segundo grupo que
apresenta maior densidade é formado pelos municípios de Cidade Ocidental, com
143,40 hab./km²; Santo Antônio do Descoberto, com 67,00 hab./km²; Luziânia,
com 44,06 hab./km²; e Planaltina com 32,17 hab./km².
Os municípios de Alexânia, com 28,09 hab./km²; Formosa, 17,22 hab./km²; e
Abadiânia, 15,08 hab./km² apresentam densidade bem menor que a da Ride/DF,
mas acima ou próximo da média nacional, que é de 22,43 hab./km², e do estado
de Goiás, 17,65 hab./km². Observa-se, portanto, que os municípios que possuem
maior densidade demográfica são, notadamente, os que apresentam maior interação
com o Distrito Federal, núcleo polarizador.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
409
2.2 Aspectos econômicos
A distribuição do produto interno bruto (PIB) da Ride/DF oferece algumas leituras
importantes de serem destacadas. Os dados revelaram que, no período analisado,
é possível identificar uma fortíssima polarização econômica exercida pelo núcleo
metropolitano, com ínfima participação dos demais municípios.
Em 2010, o PIB da Ride/DF em valores agregados totalizou cerca de R$ 160
bilhões. Na participação, o Distrito Federal concentra 93,57%, correspondente a cerca
de R$ 149 bilhões, o que caracteriza um fosso entre o núcleo metropolitano e sua
periferia. É importante ressaltar que a distribuição no território do Distrito Federal
apresenta grandes desigualdades socioeconômicas. Se comparada a 2000, a relação
na participação do PIB entre o Distrito Federal e os demais municípios da Ride/
DF era ainda maior, o Distrito Federal participava com 94,70% do total (gráfico 1).
GRÁFICO 1
Participação no PIB da Ride/DF (2000 e 2010)
(Em %)
94,70
93,57
5,30
6,43
2010
2000
Brasília
Demais municípios
Brasília
Demais municípios
Fonte: IBGE (2010).
Ao analisar o ritmo de crescimento anual do PIB, no período 2000-2010,
observa-se que o PIB da Ride/DF variou a uma taxa de 12,56% e a do Distrito
Federal variou em 12,42% a.a., menor que a taxa de Goiás, 14,03%, mas bem
próxima a do Brasil, 12,32%. Os municípios da Ride/DF que aparecem com
melhor desempenho são Vila Boa, 23,30%; Água Fria de Goiás, 22,23%; Alexânia, 20,65%; e Cristalina, 17,82%. Entre os municípios da Ride/DF, o Distrito
Federal é um dos que aparece com menor desempenho. Com exceção de Cidade
Ocidental, todos os municípios apresentam resultados acima da média nacional.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
410
O PIB per capita da região, apesar de ser um dos maiores do país,
R$ 43.020,00, apresenta enormes distorções na sua distribuição, notadamente,
entre o Distrito Federal e os demais municípios da Ride/DF. A Ride/DF saiu de
um PIB per capita da ordem de R$ 16.589,00, em 2000, para R$ 43.020,00, em
2010. Os dados revelam que o Distrito Federal registrou, em 2000, um PIB per
capita de R$ 22.658,00, passando para R$ 58.326,00, em 2010, aproximadamente
três vezes o valor do PIB per capita do Brasil, R$ 19.764,00.
Os demais municípios da Ride/DF que apresentam maiores PIBs per
capita são: Água Fria de Goiás, R$ 25.704,00; Cristalina, R$ 24.068,00; Unaí,
R$ 18.036,00; Cabeceiras, R$ 17.918,00; Cabeceira Grande, R$ 17.634,00; Buritis,
R$ 16.642,00; Vila Boa, R$ 15.426,00; e Alexânia, R$ 13.766,00. Observa-se
que os municípios que apresentam menores PIB per capita fazem parte da periferia
metropolitana de Brasília. Ao comparar os dados da Ride/DF, nota-se que houve
crescimento em todos os municípios, no período analisado.
Ao analisar a participação dos setores econômicos no PIB da região, em 2010,
destaca-se o setor de serviços, com 81,06% da participação no valor total do PIB,
somando cerca de R$ 160 bilhões. O Distrito Federal apresenta participação ainda
maior neste setor, com 82,84% (gráfico 2).
GRÁFICO 2
Participação dos setores econômicos no valor adicionado total do PIB da Ride/DF (2010)
(Em %)
82,84
81,06
10,86
11,12
1,47
6,61
Ride
5,82
0,22
Distrito Federal
Serviços
Imposto
Serviços
Imposto
Agropecuário
Industrial
Agropecuário
Industrial
Fonte: IBGE (2010).
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
411
Com relação ao rendimento, os dados censitários revelaram as características dos domicílios particulares permanente4 da Ride/DF, segundo o valor do
rendimento nominal médio mensal per capita, em 2010. É possível observar que
a dinâmica da renda na região apresenta uma grande concentração no Distrito
Federal correspondente a R$ 2.097,83, bem maior que a Ride/DF, que apresenta
valor médio mensal de R$ 1.664,94 e ambos apresentam rendimento bem acima
da média nacional (tabela 2).
TABELA 2
Valor do rendimento nominal médio mensal per capita dos domicílios particulares
permanentes (2010)
Brasil, grande região, UF, Ride
e município
Brasil
Rendimento nominal médio
mensal per capita (R$)
949,99
Brasil, grande região, UF, Ride
e município
Rendimento nominal médio
mensal per capita (R$)
Cidade Ocidental
691,28
Cocalzinho de Goiás
503,58
881,53
Corumbá de Goiás
584,78
913,94
Cristalina
779,48
Centro-Oeste
1.116,77
Minas Gerais
Goiás
Distrito Federal
2.097,83
Formosa
825,21
Ride/DF
1.664,94
Luziânia
670,35
Buritis
630,41
Mimoso de Goiás
520,07
Cabeceira Grande
500,39
Novo Gama
560,94
Unaí
810,79
Padre Bernardo
Abadiânia
584,92
Pirenópolis
634,09
695,3
Planaltina
524,48
Água Fria de Goiás
602,6
Águas Lindas de Goiás
497,26
Santo Antônio do Descoberto
503,73
Alexânia
566,94
Valparaíso de Goiás
848,83
Cabeceiras
478,35
Vila Boa
495,65
Fonte: IBGE (2010).
Os demais municípios da Ride/DF apresentam rendimento nominal médio
mensal per capita, nos domicílios particulares permanentes, abaixo do rendimento
do estado de Goiás, que é de R$ 913,94, e do Brasil, representado por um valor
médio mensal de R$ 949,99.
2.3 Fluxos socioeconômicos e culturais
Dada a dificuldade de se identificar os fluxos socioeconômicos e culturais dos
municípios da Ride/DF, em função da carência de informações atuais que caracterizem estes fluxos, optou-se por utilizar indicadores de mobilidade pendular
4. É o domicílio que foi construído a fim de servir exclusivamente para habitação e, na data de referência, tinha a
finalidade de servir de moradia a uma ou mais pessoas.
412
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
com base na tipologia desenvolvida pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social (Ipardes) (Delgado e Moura, 2010). Esta tipologia classificou
os municípios brasileiros em função dos movimentos pendulares da população,
considerando o tamanho e a direção predominante dos fluxos (saída ou entrada)
para trabalho e/ou estudo.
A tipologia adotada permitiu caracterizar os municípios por meio dessas
duas variáveis, revelando o grau de importância e a função desempenhada, no
que concerne à dinâmica desse tipo de mobilidade. A regularidade deste tipo de
deslocamento permitiu identificar os municípios que são receptores dos maiores
fluxos, em função destas atividades, aqueles que se caracterizam como evasores,
assumindo a condição de “cidade dormitório”, ou aqueles que desempenham
ambas as funções.
Segundo a tipologia, de acordo com a direção dos fluxos, os municípios
foram classificados em três tipos: receptor, aqueles com predomínio de entradas;
evasor, com predomínio de saídas; e aqueles que apresentam fluxos equivalentes
de entradas e saídas, bidirecional.
Para dimensioná-los, a tipologia adotou, arbitrariamente, o valor mínimo de
1.000 pessoas em cada município, considerando-se a soma das saídas e entradas,
com base no Censo Demográfico 2010. A partir do corte estabelecido, os municípios foram classificados em três categorias: i) grande, para os municípios com
maiores fluxos (50% do total); ii) médio, aplica-se aos municípios seguintes, com
maiores fluxos, até se atingir 75% do total; e iii) pequeno, refere-se ao grupo de
municípios com menores fluxos, atingindo 100% no acumulado.5
Desse modo, a classificação apresenta duas dimensões de análise: uma de
tamanho e outra de direção dos fluxos, a partir dos cortes e critérios estabelecidos,
possibilitando identificar os tipos de fluxos pendulares predominantes, diferenciá-los quanto à sua grandeza e caracterizar quais os municípios concentram maiores
fluxos rotineiramente (figura 2).
Utilizando a tipologia adotada, dos 22 municípios da Ride/DF, apenas oito
apresentam características de fluxos classificadas como médio evasores e o Distrito
Federal, único, como grande receptor. Fica clara a direção dos fluxos no interior
da Ride/DF, bem como a intensidade da participação de cada município da
periferia metropolitana.
5. Para mais detalhamento, ver Delgado e Moura (2010).
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
413
FIGURA 2
Movimentos pendulares nos municípios da Ride/DF
Fonte: Delgado e Moura (2010).
Nessa perspectiva, os indicadores de mobilidade pendular foram elementos
norteadores para a análise da caracterização da dinâmica metropolitana no interior
da Ride/DF. A dissociação entre local de trabalho/estudo e moradia evidencia
aqueles que concentram maior oportunidade e os que desempenham a função de
cidade-dormitório, estabelecendo uma hierarquia de funções.
Quatorze são as FPICs sob a responsabilidade do Conselho Gestor da Ride/
DF e Entorno (Coaride) (Sampaio et al., 2013). Embora haja esta pluralidade de
414
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
ações previstas, será apresentado a seguir um recorte analítico que envolve duas
FPICs selecionadas por este capítulo – saneamento ambiental e transporte. Esta
análise teve enfoque na governança no nível metropolitano, a partir do arranjo
institucional e dos instrumentos de planejamento e gestão relacionados a cada FPIC.
Em seguida, foi feita uma avaliação de como se dá a governança metropolitana a
partir da análise da gestão das FPICs, sua efetividade e entraves.
3 SANEAMENTO AMBIENTAL NA RIDE/DF
O saneamento ambiental é composto pelas áreas de água, esgotamento, macrodrenagem e resíduos sólidos, estando as competências para seu planejamento e execução
compartilhados entre os diversos entes que compõem a Ride/DF. As competências
para definir ações nesta área estão dispersas em vários órgãos federais e entre várias
secretarias estaduais, uma vez que se trata de matéria transversal, englobando áreas
de meio ambiente, política urbana e saúde.
Segundo o Parecer Coaride no 04/2012, de 7 de agosto de 2012, houve, ainda
em 2000, uma série de levantamentos e indicações de ações a serem executadas
na Ride/DF, levadas ao Coaride como uma resultante de discussões entre diversos
órgãos federais, estaduais, municipais e distritais, referentes ao saneamento básico
e aos recursos hídricos. Entretanto, o histórico referente a estas iniciativas inexiste
na atual Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), impossibilitando assim uma análise desta evolução do Coaride.
Atualmente, após a recriação da Sudeco, foram instituídos grupos temáticos, entre eles, um específico para tratar de saneamento básico e resíduos sólidos,
durante a XVII Reunião Ordinária do Conselho, estes grupos são constituídos
por conselheiros titulares e/ou suplentes e ainda representantes de ministérios
e organismos da administração pública federal, estadual, do Distrito Federal e
municípios da Ride/DF e entidades privadas. Este grupo foi criado para discutir e
propor encaminhamentos ao Coaride. Em 2012, ocorreram duas reuniões, mas,
atualmente, o grupo de trabalho encontra-se paralisado e sem previsão de novas
reuniões ou encaminhamentos por parte da Sudeco.
Não obstante a relutância por parte do Coaride em assumir o protagonismo
na gestão das funções públicas, o governo federal estabeleceu diversas políticas
setoriais referentes ao saneamento. Sendo a Ride um instrumento interfederativo,
ela é considerada em vários ministérios como região de planejamento e de dotação
orçamentária, principalmente nos relativos às questões eminentemente urbanas,
como o saneamento ambiental.
No Ministério das Cidades (MCidades), a Secretaria Nacional de Saneamento
Ambiental (SNSA) tem como objetivo institucional promover um significativo
avanço, no menor prazo possível, rumo à universalização do abastecimento de água
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
415
potável, esgotamento sanitário (coleta, tratamento e destinação final), gestão de
resíduos sólidos urbanos (coleta, tratamento e disposição final), além do adequado
manejo de águas pluviais urbanas, com o consequente controle de enchentes.
A SNSA adota dois eixos estratégicos de atuação: um voltado ao planejamento,
à formulação e à implementação da política setorial, respeitando o pacto federativo;
outro relacionado à identificação de novas fontes de financiamento que assegurem
a contínua elevação dos investimentos no setor.
Com relação ao abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de
resíduos sólidos urbanos, a SNSA é responsável pelo atendimento a municípios com
população superior a 50 mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas,
regiões integradas de desenvolvimento ou participantes de consórcios públicos afins.
Na questão de águas pluviais urbanas, verifica-se a competência compartilhada
entre MCidades e Ministério da Integração Nacional (MI), além de intervenções
da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Na questão dos resíduos sólidos, a atuação do MCidades se dá em conjunto
com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Secretaria de Recursos Hídricos
e Ambiente Urbano (SRHU), a quem compete propor políticas, planos e normas e
definir estratégias nos temas relacionados com a gestão integrada de resíduos sólidos
urbanos, inclusive subsidiando a formulação de políticas e normas e a definição de
estratégias para a implementação de programas e projetos nas áreas relacionadas à
gestão integrada de resíduos sólidos urbanos; e o saneamento e a revitalização de
bacias hidrográficas em áreas urbanas.
No Distrito Federal, a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos
(SEMARH), em acordo com o Decreto no 32.716, de 1o de janeiro de 2011,
possui a competência para definir políticas, planejar, organizar, dirigir e controlar
a execução de ações nas áreas de resíduos sólidos e recursos hídricos. Na execução
da Política Ambiental do Distrito Federal, o sistema SEMARH conta com os órgãos vinculados: Agência Reguladora de Água e Saneamento do Distrito Federal
(Adasa) e o Serviço de Limpeza Urbana (SLU).
São da competência da Adasa a regulação e a fiscalização sobre os diversos
usos da água, energia (gás canalizado) e saneamento básico – conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável,
esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem
e manejo de águas pluviais urbanas. O SLU tem a responsabilidade de regular e
fiscalizar a gestão pública e ambiental dos resíduos sólidos urbanos, por meio do
sistema de gerenciamento integrado, com foco na inclusão social. A Adasa está
regulando o serviço de limpeza urbana por meio de convênio com o SLU.
Na fiscalização geral, a Adasa firmará contrato de gestão e desempenho com o
SLU, inclusive sobre as condições gerais e outros aspectos essenciais do serviço,
416
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
em conformidade, no que couber, com o Artigo 11, §1o da Lei no 4.285/2008 e
o Artigo 23 da Lei Federal no 8.987/1995.
Na questão de macrodrenagem urbana, a competência é da Secretaria de
Obras do Distrito Federal, que a executa por meio da Companhia Urbanizadora
da Nova Capital do Brasil (NOVACAP) e está sob a fiscalização da Adasa, que
confere a outorga para os lançamentos nos corpos hídricos. Ambos também trabalham em conjunto na avaliação do Plano Diretor de Drenagem Urbana (PDDU).
Está vinculada ainda à Secretaria de Obras do Distrito Federal a empresa
Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB), executora
dos serviços de água e esgotamento no Distrito Federal.
Em Goiás, segundo a Lei no 17.257, de 25 de janeiro de 2011, cabe à Secretaria
de Estado das Cidades a formulação da política estadual de habitação e formulação
da política estadual e sua execução, direta ou indiretamente, de trânsito, saneamento
básico e ambiental, desenvolvimento urbano e transporte coletivo urbano, bem
como acompanhamento, controle e fiscalização da qualidade no que se refere à sua
execução, quando indireta, ressalvadas as competências da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento da Região Metropolitana de Goiânia.
Está jurisdicionada a essa secretaria, a empresa Saneamento de Goiás S.A.
(Saneago), que tem por objetivo social explorar serviços de saneamento básico no
estado de Goiás, mediante concessões, permissões ou autorizações; realizar pesquisa, lavra e comercialização de bens minerais, correlacionados com saneamento
básico; fomentar e proteger o meio ambiente nos limites da legislação própria,
mediante convênio e/ou colaboração com outros órgãos, e prestar serviços técnicos
especializados de saneamento básico. Na área da Ride/DF, atua a Companhia Ambienta
Águas Brasileiras (CAAB), subsidiária da Saneago, que teve sua criação autorizada
pela Lei no 15.249, de 15 de julho de 2005, com o objetivo de implantar e ampliar os sistemas e a exploração dos serviços de abastecimento de água potável, de
coleta e tratamento de esgotos sanitários, de resíduos sólidos e atuação em outras
atividades afins.
3.1 Instrumentos de planejamento e gestão do saneamento ambiental na
Ride/DF
Após a recriação da Sudeco, em 2012, foram instituídos grupos temáticos, entre
eles, um específico para tratar de saneamento básico e resíduos sólidos, constituídos
por conselheiros titulares e/ou suplentes e ainda representantes de ministérios
e organismos da administração pública federal, estadual, do Distrito Federal,
municípios da Ride/DF e entidades privadas. Este grupo visa discutir e propor
encaminhamentos ao Coaride. As duas primeiras reuniões foram meramente de
disseminação de informações, sendo que atualmente as atividades estão paralisadas.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
417
Entretanto, não houve finalização dos GTs, de maneira que ainda é possível a
retomada das discussões, cabendo à Sudeco reestabelecer este espaço de diálogo.
Não obstante, a inexistência real de um conselho ou entidade que agregue
a FPIC saneamento em um único fórum de discussão, e que seja responsável por
sua execução, há iniciativas para o saneamento ambiental na Ride/DF.
Mais recentemente, o MCidades lançou o edital MCidades/SNSA no 01/2012:
Diagnóstico do saneamento básico das regiões integradas de desenvolvimento (Rides) do
Brasil (Ride/Distrito Federal e entorno, Ride Grande Teresina, e Ride Polo Petrolina/PE
e Juazeiro/BA). O edital prevê que, além dos estudos diagnósticos, seja elaborado
no prazo de dois anos um plano regional de saneamento integrado, que permitiria
à União a elaboração do plano regional articulado aos estados e municípios, que
ainda poderiam elaborar seus próprios planejamentos. O plano regional, segundo
o MCidades, iria muito além do estabelecimento de diretrizes gerais e adentraria
ações específicas a implementar para cada Ride. A vencedora foi a equipe técnica
da Universidade de Brasília (UnB) e o processo ainda está nas fases iniciais de
elaboração do diagnóstico.
Destacam-se também algumas iniciativas de cooperação entre Distrito
Federal e Goiás por meio das suas executoras, respectivamente, CAESB e Saneago,
principalmente no intuito de melhorar o abastecimento de água e o sistema de
esgoto e a gestão de resíduos sólidos e de drenagem urbana.
3.1.1 Consórcio Águas Lindas: abastecimento de água e sistema de esgoto
O município de Águas Lindas de Goiás, localizado à montante e próximo ao
reservatório da barragem do Descoberto, segundo a CAESB, é responsável pelo
abastecimento de aproximadamente 70% da população do Distrito Federal.
No entanto, a inexistência de saneamento básico em Águas Lindas afeta a qualidade
das águas pelo risco potencial de contaminação.
Diante disso, a CAESB firmou, em 7 de abril de 2003, contrato de constituição de consórcio com a Saneago para a exploração econômica dos sistemas de
abastecimento de água e esgotamento sanitário em Águas Lindas. Legitimando tal
situação, por meio da Lei no 387, de 17 de junho de 2003, a Câmara Municipal
de Águas Lindas de Goiás autorizou o município a firmar contrato de concessão
com a Saneago e a CAESB, com duração de 31 anos.
Ainda segundo a CAESB, em seu Relatório Anual da Administração de 2011 e
de 2012, a Saneago e o governo de estado de Goiás tiveram dificuldades no aporte
de recursos financeiros para a implantação desta infraestrutura de saneamento básico.
O governo do Distrito Federal (GDF), na qualidade de acionista majoritário da
CAESB, decidiu viabilizar os recursos necessários para implantação definitiva
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
418
dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Para tanto, com
a utilização das linhas de crédito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS), por meio do Programa Pró-Saneamento, foram firmadas em junho de
2004 (iniciativas que antecedem o período de análise) duas operações de crédito,
destinadas à execução dos seguintes empreendimentos:
•
obras dos sistemas de água: adequação e melhorias do sistema produtor
de poços, dos setores 1 e 6, e construção de dois centros de reservação
na cidade de Águas Lindas de Goiás; e
•
obras do sistema de esgotos: implantação das redes coletoras de esgotos,
emissário, estações elevatórias, linhas de recalque e sistema de tratamento
de esgotos.
O sistema de abastecimento de água era feito de maneira bastante deficiente,
por meio de poços profundos explorados por terceiros, sujeitos às contaminações
devido à ausência de sistema de coleta e tratamento de esgotos sanitários.
O Consórcio Águas Lindas passou a operar quinze sistemas independentes
que funcionavam precariamente. Não havia tratamento da água nem padronização
construtiva. O atual sistema de abastecimento de água tem como manancial 210
poços profundos com tratamento por meio de 120 cloradores. A distribuição é
feita por 690 mil metros de redes e 42.132 ligações devidamente hidrometradas.
A receita operacional decorrente da prestação dos serviços no município em questão
será compartilhada entre as duas empresas, remunerando assim o investimento.
3.1.2 Consórcio Sistema Produtor Corumbá IV
Segundo o Atlas Brasil – abastecimento urbano de água, da Agência Nacional de
Águas (ANA), há necessidade de obras na região da AMB, uma vez que o grande
crescimento populacional tem gerado forte pressão sobre os recursos hídricos e os
equipamentos que fornecem este serviço. Dessa forma, há necessidade de realizar
intervenções que possam atender a demanda futura das expansões urbanas.
Uma das soluções apontadas, inclusive pelo Atlas, é a construção do Sistema
Corumbá IV, cuja solução requer esforços comuns do governo de Goiás, por meio
da Secretaria de Cidades, do Distrito Federal e da União para a sua implantação.
Constitui um sistema integrado que será operado em conjunto entre a CAESB e
a Saneago e atenderá municípios de Goiás, Luziânia, Valparaíso de Goiás, Cidade
Ocidental e Novo Gama, assim como as regiões administrativas (RAs) do Gama e
Santa Maria, reforçando a área de atuação do Sistema Descoberto do Distrito Federal.
Muito embora o projeto para o Sistema Corumbá tenha sido muito discutido
entre os governos estaduais, inclusive com questionamentos sobre a qualidade
da água para consumo humano, a iniciativa se tornou um projeto com apoio do
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
419
MCidades, que está liberando os recursos para a sua construção, conjuntamente
com a Caixa Econômica Federal (CEF).
O empreendimento totaliza cerca de R$ 400 milhões, financiados pelo
Programa de Aceleração do Crescimento 1 (PAC) com recursos da CEF, do
Orçamento Geral da União (OGU) e contrapartidas dos governos estaduais.
Inclui a construção de uma adutora de 28 km de extensão, que vai captar água
da represa de Corumbá IV, em Luziânia, e levar para Valparaíso, e de uma estação
elevatória de água bruta.
O trecho de 15 km está sendo financiado pelo GDF e é de responsabilidade
da CAESB, ao custo total de R$ 42,8 milhões, com previsão de conclusão da obra
ao final de 2013. A CAESB também vai coordenar a construção de uma nova
estação de tratamento de água em Valparaíso, cujo processo licitatório está concluído e aguardando a assinatura do contrato. Os outros 13 km que completam a
adutora, a captação e a estação elevatória de água bruta serão executados por meio
da Saneago e estão orçados em R$ 56 milhões que serão pagos pelo PAC 1, com
a contrapartida do governo de Goiás. Este trecho se encontra em obras.
A Saneago também é responsável pela construção de 39 km de linhas de
transmissão elétrica que vão alimentar a captação e a elevatória, além de uma
subestação elétrica na captação e equipamentos. Assim, o investimento total por
parte da Saneago é de R$ 117 milhões. A obra está sendo feita em etapas, a primeira
vai elevar a capacidade de produção de água tratada para 1.400 litros por segundo,
um aumento de 30% da oferta.
Segundo a Saneago, depois de pronto, o sistema poderá atingir uma produção
de até 5.600 litros por segundo. Com a produção de água gerada por Corumbá,
também será possível regularizar a entrega de água encanada em antigas invasões
da região do Ponte de Terra, Meirelles, Sucupira, Pôr do Sol, Sol Nascente,
Arniqueira, Vicente Pires e outras localidades que estão em processo de regularização.
A CAESB estima que este sistema atenderá uma população total de cerca de 944
mil habitantes.
3.1.3 Consórcio Público de Manejo dos Resíduos Sólidos e das Águas Pluviais da
Região Integrada do Distrito Federal e Goiás (CORSAP DF/GO)
A origem do CORSAP DF/GO decorreu de uma iniciativa do governo federal,
por meio do MMA, que coordena, no PPA federal, as ações relativas à Política
Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS). Participaram da articulação, além do MMA,
os governos do Distrito Federal e de Goiás e as prefeituras dos municípios goianos.
A implantação do consórcio da Ride/DF segue a proposta de construção
de aterros sanitários com gestão integrada. Entre as obrigações, estão previstas a
420
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
constituição de um órgão regulador, a implantação do plano de resíduos sólidos,
o estabelecimento da coleta seletiva e do pagamento por serviços ambientais.
O objetivo da constituição do consórcio é promover uma gestão técnica dos resíduos,
permitindo assim a obtenção de economia de escala, reduzindo custos operacionais,
elevando a qualidade dos serviços, e minimizar os impactos ambientais do manejo
de resíduos sólidos e de águas pluviais.
O consórcio será pessoa jurídica de direito público, com natureza de autarquia do tipo associação pública, formado por estado de Goiás, Distrito Federal e
dezenove municípios goianos que compõem a Ride/DF, mais o município goiano
de Vila Propício.6 Segundo informações da Adasa, o consórcio contava com a
aprovação de seu protocolo de intenções efetuada por quinze de seus membros,
estando autorizado a realizar a 1a Assembleia Geral, para efetivar a fundação do
consórcio, aprovar seu estatuto e dar posse ao presidente e à diretoria.
A assembleia geral instituiu o consórcio no dia 11 de julho de 2013, cuja
pauta foi a aprovação do regimento interno e a eleição do presidente e da diretoria, conforme o publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), de 27
de agosto de 2013. A característica do consórcio, devido ao seu próprio objeto,
é regional, não ficando restrita aos municípios da área metropolitana. Para obter
ganhos de escala, o consórcio deve considerar o volume de resíduos produzidos, a
logística de deslocamento e processamento destes resíduos, as opções tecnológicas,
os entes reguladores e as modalidades de prestação. Assim, quando da fundação do
consórcio, deverá ser iniciada a elaboração do plano regional de gestão de resíduos
sólidos e o de drenagem e de manejo de águas pluviais.
A regulação e a fiscalização da prestação dos serviços públicos de manejo de
resíduos sólidos urbanos e de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas se
adequarão às diretrizes do planejamento regional integrado, podendo ser efetuadas
pela Adasa, quando prestados ao Distrito Federal; pela Agência Goiana de Regulação (AGR), quando prestados aos municípios do estado de Goiás; e por meio de
convênio de cooperação entre Adasa e AGR, com interveniência do consórcio, no
caso de regulação e fiscalização unificada na área de abrangência da gestão associada.
Com relação aos municípios mineiros, estes são atendidos por um projeto da
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD),
da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana (Sedru)
e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), por meio de um
chamamento público de 2011, de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI),
o qual representa um estágio preliminar de um projeto de gestão compartilhada dos
6. O município de Vila Propício não compõe a Ride/DF. Ocorre que a Ride/DF foi criada em 1997 e o município se desmembrou
de Pirenópolis em 1995. Não obstante, o estado de Goiás inclui em sua região de planejamento denominada Entorno do
Distrito Federal o município de Vila Propício, criando daí a divergência sobre a ausência de Vila Propício na Ride/DF.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
421
resíduos sólidos urbanos entre municípios, estado e iniciativa privada. Até o
momento de edição deste capítulo não havia informações a respeito da implementação deste projeto.
3.2 Governança metropolitana relativa ao saneamento ambiental na Ride/DF
No âmbito da Ride/DF, sob a égide do Coaride, não há arranjo que responda pela
gestão conjunta do saneamento, estando esta dinâmica de funcionamento voltada
para a cooperação entre o estado de Goiás e o Distrito Federal. Dessa forma, a
governança sob o saneamento ambiental está ligada sobremaneira aos meios de
transparência utilizados pelas concessionárias dos serviços, com baixo controle
social nas decisões de planejamento, localização e implementação das obras.
Os investimentos realizados na Ride/DF também não são frutos de ação ou
coordenação do conselho, estando sob a responsabilidade e o planejamento de
cada setorial específico, e sendo realizados a medida que os projetos estaduais e
municipais são aprovados e encontram ressonância no governo federal e estadual.
Desse modo, considerando as ações fora da égide do conselho, há um movimento por parte do MCidades em realizar um plano regional de saneamento
integrado, ainda em fase bastante inicial, e sem grandes garantias de sua implementação, uma vez que há necessidade da integração e articulação entre os vários
atores no território.
Há realização de ações conjuntas esparsas, principalmente entre os governos de
Goiás e do Distrito Federal. Estas ações decorrem de problemas em grau bastante
elevado, enfrentados pela população, como é o caso do Sistema de Corumbá, para
abastecimento das regiões de Luziânia, Valparaíso de Goiás, Cidade Ocidental e
Novo Gama, que sofrem com constantes falta de água e se encontram bastante
interligados ao Distrito Federal, e também do sistema de saneamento implantado
em Águas Lindas, cuja falta de saneamento básico causava contaminação da
barragem do Descoberto, principal produtora de água do Distrito Federal.
A ausência de um arcabouço legal que possa abrigar um fórum com legitimidade para realizar um planejamento conjunto das ações de saneamento, que
reparta as competências e consequentemente as responsabilidades neste espaço
metropolitano de fato, cria dificuldades para a expansão dos serviços, ficando a
população condicionada às flexões políticas para o atendimento de suas necessidades.
4 TRANSPORTE NA RIDE/DF
O território formado pelo Distrito Federal e sua periferia metropolitana caracteriza-se por intensas relações de deslocamento, devido à grande concentração de
postos de trabalho, capital humano, renda, qualidade de vida e oportunidades
422
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
em Brasília, processo histórico descrito na caracterização geral inicial deste capítulo
com relação à região Centro-Oeste e à própria Ride/DF. O elevado adensamento
populacional na região, correlacionado com a forte dependência socioeconômica
com o Distrito Federal, tem como consequência o aumento da necessidade de
mobilidade intraurbana da população, o que, no caso da figura da Ride/DF, aparece
como mobilidade interestadual.
Observa-se, desde o início da ocupação da capital do Brasil, o propósito de
estimular a utilização do veículo motorizado individual. A utilização massiva do
automóvel e a expansão da rede viária permitiram a fixação de áreas residenciais
distantes dos locais de trabalho, induzindo cada vez mais o padrão de ocupação
disperso com efeitos desastrosos para a mobilidade urbana.
Esse padrão de ocupação dominado pelos eixos de circulação viária é marcado
por áreas residenciais de baixa densidade separadas por longas distâncias.
Funcionalmente estas áreas residenciais mantêm um forte vínculo com a área central
ou Plano Piloto de Brasília, uma vez que ali se concentra a maioria dos empregos
formais e equipamentos coletivos de escala regional (hospitais, escolas, universidades,
centros de negócios e de compras, lazer, serviços especializados, entre outros).
Essa ocupação polinucleada de configuração espacial rarefeita se estrutura nas
grandes rodovias que conectam o núcleo de Brasília às principais capitais brasileiras.
Ao longo destes grandes eixos estruturantes, novos assentamentos se reproduzem,
às margens do quadrilátero do Distrito Federal. O crescimento do entorno do
Distrito Federal suplanta, em intensidade, o crescimento das áreas centrais do
aglomerado urbano. Em apenas seis anos (2000-2006), o entorno obteve uma
expansão de 28,90% (Seduma, 2007).
As FPICs, idealizadas em ambientes metropolitanos para atenderem necessidades de serviços comuns aos municípios integrantes da região, passam a ser
ainda mais fundamentais em ambientes interestaduais com características urbanas, o caso das Rides. A FPIC transporte aparece neste contexto como uma das
principais ferramentas da gestão metropolitana no que diz respeito ao fluxo de
pessoas e mercadorias no território. Desde a implantação e regulação do sistema
de transporte até a infraestrutura viária e diversificação da malha modal de transportes, esta FPIC tem o papel de configurar fisicamente a malha de circulação no
ambiente metropolitano.
Como o território metropolitano no Distrito Federal, núcleo da Ride/DF,
envolve duas unidades estaduais da Federação, a modalidade de transporte público
existente é composta de linhas interestaduais de curta distância denominadas semiurbanas, conceito e modalidade que será explorado no texto logo a seguir.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
423
Em 2010, a Secretaria de Estado de Transportes do Distrito Federal (STDF)
publicou o Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do Distrito Federal
e Entorno (PDTU) (Distrito Federal, 2010). Este instrumento de planejamento
incluiu a Ride/DF em seu nome e escopo, mas não na totalidade territorial da
região de planejamento, assim como os estudos da Codeplan.
O PDTU admite a existência de um aglomerado urbano com proporção e
dinâmica metropolitana que possui forte relação de interdependência, formado
pelo Distrito Federal e por oito municípios do estado de Goiás, quais sejam: Águas
Lindas de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Novo Gama, Valparaíso de Goiás,
Cidade Ocidental, Planaltina de Goiás, Luziânia e Formosa. Isto revela que, para a
FPIC transporte, o instrumento de planejamento mais abrangente atualmente no
GDF não reconhece a Ride/DF e entorno na sua configuração espacial original.
São essas as condições históricas e estruturantes da questão da mobilidade
urbana na Ride/DF. A FPIC transporte é uma questão tratada isoladamente pelo
Distrito Federal, ignorada pelo governo de Goiás e sofrida nos municípios
metropolitanos. A única esfera de gestão com a atribuição legal de administrar
este tipo de transporte, o semiurbano, é a União. Por meio da Agência Nacional
de Transportes Terrestres (ANTT), a União tem se preocupado com o transporte
semiurbano na Ride/DF e sugerido algumas articulações com o GDF.
No Brasil, o serviço de transporte público de passageiros é classificado
principalmente em função dos níveis geográficos de atuação. Estes níveis referem-se
a deslocamentos de curta, média ou longa distância e à sua competência, conforme
as normas da divisão político-administrativa do território nacional.
Entre os tipos de transporte público de passageiros existentes, destaca-se
para o núcleo metropolitano da Ride/DF o transporte rodoviário interestadual
semiurbano.7 A ANTT é o órgão competente pela outorga e fiscalização das
permissões e autorizações para a operação destes serviços no Brasil, por meio de
sociedades empresariais legalmente constituídas para tal fim. Segundo a Resolução
no 16/2002 da ANTT, o transporte semiurbano deve percorrer extensão igual ou
inferior a 75 km, possuir característica de transporte urbano e transpor os limites
de estado, do Distrito Federal ou de território.
O Decreto no 2.521/19988 regulamenta o transporte rodoviário interestadual
semiurbano de passageiros. Embora este serviço seja regulamentado no Brasil, esta
norma não apresenta uma abordagem específica para o transporte semiurbano, o
que pode comprometer sua política regulatória e o planejamento, notadamente
7. Neste estudo o termo transporte semiurbano foi utilizado para corresponder a transporte rodoviário interestadual
semiurbano de passageiros.
8. Decreto no 2.521, 20 de março de 1998. Dispõe sobre exploração mediante permissão e autorização de serviços de
transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros e dá outras providências (Brasil, 1998).
424
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
em ambientes metropolitanos compostos por mais de um estado da Federação,
como é o caso das Rides.
Muito embora o Artigo 22 da Lei Federal no 10.233/2001, dispondo sobre a
esfera de atuação da ANTT, discipline que a agência a harmonizará com a de órgãos
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios encarregados do gerenciamento
das operações de transporte intermunicipal e urbano e de seus sistemas viários, um
planejamento integrado e/ou instrumentos de gestão para o compartilhamento de
responsabilidades entre a União, os estados e os municípios ainda não ocorreu no
núcleo metropolitano da Ride/DF, apesar da extrema necessidade deste processo.
A caracterização deste problema em função da demanda pelo transporte semiurbano
na AMB ou núcleo metropolitano da Ride/DF é o que se vê a seguir.
No âmbito do GDF, alguns instrumentos de planejamento preconizam a
problemática regional e/ou metropolitana, revelando uma preocupação antiga do
Distrito Federal com a questão do transporte público neste território. A Lei Orgânica
do Distrito Federal (LODF), de 9 de junho de 1993, em diversos dispositivos,
ressaltou a importância da adoção de ações integradas do Distrito Federal com a
região conurbada do entorno. No título 2 – Da Organização do Distrito Federal,
capítulo 1 – Das disposições gerais, consta o comando para que, na execução de
seu programa de desenvolvimento econômico-social, o Distrito Federal busque a
integração com a região do entorno do Distrito Federal.
Outro exemplo contundente da necessidade de uma política de ações integradas na região é o Artigo 164 da LODF, que dispõe sobre a constituição das ações
de integração com a região do entorno do Distrito Federal, asseverando se tratar
do conjunto de políticas para o desenvolvimento das áreas do entorno, com vistas
à integração e harmonia com o Distrito Federal, em regime de corresponsabilidade
com as Unidades da Federação às quais pertencem, com a preservação da autonomia
administrativa e financeira das unidades envolvidas.
A Lei no 4.011/2007 instituiu o Sistema Integrado de Transporte do Distrito
Federal (SIT/DF), constituído dos segmentos integrantes do serviço básico do
sistema, modos metroviário e rodoviário. No norte da integração operacional e
tarifária do SIT, a lei em comento estabeleceu a possibilidade de incorporação ao
sistema integrado outros serviços prestados no âmbito do Distrito Federal, inclusive
os geridos por órgãos de outras esferas da administração pública, particularmente
os que atendam a região do entorno de Brasília, desde que não acarrete ônus ao
serviço básico.
Por sua vez, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) do Distrito
Federal, contemplado pela Lei Complementar Distrital no 803, de 25 de abril de
2009, elencou, entre as diretrizes setoriais para o transporte do Distrito Federal, a
promoção da implementação da integração multimodal dos serviços de transporte
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
425
coletivo e a instituição de processo de planejamento de transporte integrado ao
planejamento do desenvolvimento urbano e rural.
O plano dedicou o capítulo X para disciplinar a integração do Distrito
Federal com os municípios limítrofes, tal ação é dependente do desenvolvimento
de planos, programas e projetos conjuntos (Distrito Federal, 2010).9 Elencou como
instrumento de política urbana o PDTU. Determinou, por fim, que este plano
seja aprovado por lei ordinária, de iniciativa do governador do Distrito Federal,
em um prazo máximo de dois anos após a publicação do PDOT, o PDTU/DF,
em 2010, comentado anteriormente.
Os entraves institucionais para a gestão de um sistema de transporte integrado
nessa região são imensos, e pode ser visto pelo arranjo político-institucional do
diagrama 1 apresentado no PDTU/DF. O plano faz apenas esta apresentação e
não avança em propostas de articulação ou sugestão de arranjos institucionais ou
outros instrumentos para a melhoria do grande diagnóstico por ele apresentado.
DIAGRAMA 1
Instâncias políticas da gestão do transporte na Ride/DF
Instância federal de governo
• Sistema Nacional
de Trânsito
Transportes e sistema
rodoviário federal
Sistema Nacional de
Meio Ambiente
• Desenvolvimento urbano
• Transporte e mobilidade
urbana
Ministério dos Transportes
Ministério das Cidades
DNIT
ANTT
Ministério do Meio Ambiente
Transporte Programas
Denatran
mobilidade urbanos
Ibama
ICMBio
Governo do Distrito Federal
Secretaria de Transporte do DF
DFTRANS
TCB
Metrô
Secretaria de segurança pública DF
DER
Detran
Seduma – DF
Suplan
Ibram
Ride – Municípios do entorno imediato considerados para efeito do PDTU
Cidade
Ocidental
Águas
Lindas de
Goiás
Formosa
Luziânia
Novo
Gama
Planaltina
Santo
Antônio do
Descoberto
Valparaíso
de Goiás
Fonte: PDTU/DF (2010).
9. “Art. 57. O desenvolvimento integrado com os municípios limítrofes dependerá do desenvolvimento de planos, programas e projetos conjuntos, firmados entre o governo do Distrito Federal e as prefeituras, a partir de consórcios públicos.
§ 1o Os consórcios atuarão na prestação de serviços, compra de bens, produtos e equipamentos, instalação de infraestrutura e serviços para promover o saneamento ambiental para os municípios consorciados, agilizando o funcionamento
das parcerias entre as cidades.
§ 2o Será prioritária a ação sobre as cidades de Águas Lindas de Goiás, Santo Antônio do Descoberto, Novo Gama,
Valparaíso de Goiás, Cidade Ocidental e Planaltina de Goiás e sobre a bacia do ribeirão Alagado, contribuinte do
reservatório de Corumbá IV”.
426
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Pelo contrário, o PDTU/DF apontou que existia a intenção da ANTT em
transferir a responsabilidade da gestão dos sistemas de transporte do entorno para
o Distrito Federal, mas que esta ideia acarretaria “verdadeiro risco” para a agência
no Distrito Federal responsável pela fiscalização e implementação do sistema de
transporte urbano, a DFTrans. O risco se justificaria pela ausência de transferência
de qualificação do sistema de transporte semiurbano hoje operado pela agência,
bem como dos recursos financeiros necessários à gestão.
Não obstante, o diagnóstico do PDTU/DF apontou para a necessidade de
gestão integrada quando se trata da política de transporte no conjunto das políticas
urbanas e regionais do Distrito Federal, assumindo inclusive as necessidades em
outros serviços, como saúde, habitação e saneamento. A razão para a não viabilidade
das propostas que apontam para a gestão integrada é a falta de atenção sistemática
do tema, alterando na transição das diversas gestões políticas dos governos do
Distrito Federal e de Goiás.
4.1 Instrumentos de planejamento e gestão do transporte na Ride/DF
No Distrito Federal, a DFTrans foi o órgão responsável pela elaboração do PDTU/
DF, publicado em 2010. Este instrumento de planejamento e gestão, voltado para
o sistema de transporte apenas do Distrito Federal, faz alguns apontamentos da
problemática da metropolização com os municípios de Goiás ali denominados
entorno de Brasília, que serão logo a seguir destacados.
O outro instrumento de planejamento e gestão no âmbito da Ride/DF
relacionado ao transporte urbano, caracteristicamente metropolitano, está dentro
da política de gestão do transporte coletivo regular interestadual de curta distância (linhas semiurbanas), que é gerida pelo projeto da Rede Nacional de Transporte Rodoviário Interestadual e Internacional de Passageiros (PROPASS Brasil).
Este projeto tem a União como gestora por meio da ANTT. A seguir, serão
discutidos os pontos relevantes do instrumento denominado plano de outorgas
das linhas semiurbanas na AMB pela ANTT.
O PDTU/DF dividiu sua análise em dois sistemas viários: um regional e
outro urbano, este último limitado apenas ao quadrilátero do Distrito Federal.
O sistema viário regional apresenta a demanda de construção de um anel viário
para atender a região da AMB, bem como conectar as principais rodovias federais
que cortam o Distrito Federal.
Essa escala regional também foi discutida em outro fórum, além do PDTU/
DF. Em 2011, houve um pleito encaminhado pela Casa Civil da Presidência da
República para elaboração de um Programa de Desenvolvimento do Entorno do
Distrito Federal, conhecido como PAC do Entorno, dada a problemática desta
região e da sua peculiaridade institucional. A Codeplan participou das discussões e
remonta este histórico.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
427
À época, foi constituído um GT, coordenado pela Secretaria de Governo do
Distrito Federal, envolvendo algumas secretarias do GDF (Transporte, Segurança,
Saúde, Desenvolvimento Econômico, Entorno do Distrito Federal, entre outras)
e as secretarias afins do governo do estado de Goiás, coordenadas pela Secretaria
do Planejamento e Gestão do Estado de Goiás (SEPLAG/GO).
Ocorreram algumas reuniões em que foram discutidas e apresentadas ações
estratégicas para solucionar os problemas que afetam a população da região,
como: saúde, segurança, transporte e infraestrutura, levando em conta as
barreiras institucionais.
O objetivo dessas reuniões seria elaborar um plano de ações integradas,
envolvendo os governos do Distrito Federal, de Goiás e o governo federal, com
obras estruturantes para promover o desenvolvimento econômico da região, por
meio de ações como a implantação do anel rodoviário, a cidade aeroportuária e a
adequação do ramal ferroviário Brasília-Luziânia para passageiros.
O governo de Goiás apresentou a proposta de um programa de desenvolvimento integrado da região do entorno do Distrito Federal, por meio de um programa
de investimentos. A proposta considerava o arranjo institucional, induzindo
o fortalecimento da Ride/DF por meio de várias ações nas áreas de segurança,
infraestrutura econômica, projeto de desenvolvimento social: cidadania, saúde,
educação e trabalho.
Ocorre que não houve consenso durante as discussões em ambos os fóruns.
Dessa forma, as propostas foram encaminhadas para o governo federal para os
devidos ajustes e aprovação. Por falta de uma melhor integração no planejamento e
na consolidação das ações, esse programa não se efetivou de forma articulada entre
os entes envolvidos, como também não gerou relatórios públicos das discussões
estabelecidas que pudessem aqui ser referenciados.
Evidencia-se, portanto, que apesar da iniciativa de construção de uma
proposta de ações integradas, isto efetivamente não ocorreu por não haver consenso
e, acima de tudo, por falta de um planejamento participativo de desenvolvimento
integrado, envolvendo, os entes federativos e os diversos atores da região no seu
processo de construção.
Como efeito das tentativas e discussões de um planejamento integrado relatadas,
em 2012, foi celebrado o Acordo de Cooperação Técnica (ACT)10 entre os governos
do Distrito Federal e de Goiás, o Departamento Nacional de Infraestrutura e
Transportes (DNIT), a ANTT e a Sudeco para a construção do trem de passageiros
e cargas Brasília-Luziânia, relacionado à FPIC transporte.
10. Extrato de Acordo de Cooperação publicado no DOU de 21 de dezembro de 2011.
428
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Esse assunto atualmente é conduzido no âmbito da Sudeco enquanto instância
gestora da Ride/DF, sem maior participação dos governos estadual e distrital.
O próprio Acordo de Cooperação Técnica indicou em sua assinatura que a Sudeco estaria responsável por criar um comitê técnico para viabilizar os estudos e o
planejamento para a construção do referido trem de passageiros e cargas, que não
foi criado. Uma consultoria especializada para promover estudos de viabilidade
foi encomendada pela ANTT, conforme publicação no DOU de 17 de setembro
de 2012. Até a presente data, os resultados deste estudo contratado ainda não
haviam sido divulgados.
Para o eixo sudoeste (Brasília-Anápolis-Goiânia), a Sudeco, a ANTT, o
DNIT e a VALEC Engenharia Construções e Ferrovias firmaram um protocolo
de intenções11 com interesse conjunto na elaboração dos Estudos de Viabilidade
Técnica, Econômica e Socioambiental (EVTEA), necessários à outorga de exploração do serviço público de transporte ferroviário regular de passageiros e de carga
naquele trecho.
Com relação aos investimentos, a ausência de um plano metropolitano para
a Ride/DF dificulta a captação de recursos que estejam voltados para solucionar os
problemas de mobilidade urbana presentes na região, uma vez que não há integração
de esforços estaduais com medidas mais efetivas – como consórcios ou convênios –
interligando seus respectivos sistemas de transporte urbanos. A União, por sua vez,
tem feito seu papel em relação às grandes obras de infraestrutura principalmente
nas regiões metropolitanas.
Com base em informações de investimentos do PAC 2, é possível identificar
uma concentração de investimentos no sistema rodoviário, ferroviário (metrô) e
aeroportuário no Distrito Federal. Estes investimentos não retratam a necessidade
existente na região quanto ao processo de deslocamento de um grande número de
pessoas dos municípios goianos componentes da AMB.
Além dos investimentos da União na melhoria do transporte no sistema
do Distrito Federal, o próprio GDF tem alocado vultosos recursos na renovação
da frota de ônibus e maior controle e fiscalização do funcionamento do sistema.
No entanto, estas ações estão desassociadas de uma perspectiva metropolitana
integrada com os municípios do núcleo da Ride/DF.
4.2 Transporte coletivo regular interestadual de curta distância
Embora sem uma definição legal, o transporte coletivo urbano pode ter uma definição operacional que o delimita como transporte público não individual, realizado em
áreas urbanas, com características de deslocamento diário de cidadãos (Borges, 2006).
11. Publicado no DOU de 3 de julho de 2012.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
429
Adicionalmente, fatores como admissão de passageiros em pé e a não emissão
de bilhete de passagem individual também contribuem para a caracterização do
transporte coletivo urbano.
Ocorre que a atribuição de execução do serviço de transporte público é
delegada ao âmbito municipal. Quando este deslocamento acontece na passagem
de fronteiras interestaduais, guardadas as características de transporte urbano, ele
passa a ser denominado semiurbano.
Tecnicamente, o serviço de transporte semiurbano é aquele que, embora
prestado em áreas urbanas contíguas, com características operacionais típicas de
transporte urbano, transpõe os limites de perímetros urbanos, em áreas metropolitanas e aglomerações urbanas. O Decreto no 2.521/1998, que trata da exploração dos
serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, ainda
limita a extensão das linhas em 75 km, nos casos em que o serviço de transporte
semiurbano transponha os limites dos estados, do Distrito Federal e dos territórios.
Para o cenário do transporte público coletivo no âmbito da Ride/DF ou de
sua área metropolitana, apresenta-se nesta região um fenômeno quase único na
realidade brasileira que é o transporte rodoviário interestadual de características
urbanas ou semiurbanas em volume excepcional. Estes roteiros ligam as pessoas
de suas casas nos municípios de Goiás ao Distrito Federal. O órgão responsável
por outorgar a permissão e autorização destas linhas interestaduais, delegação
federal, é a ANTT.
Segundo a ANTT, o transporte coletivo interestadual semiurbano entre o
Distrito Federal e o entorno é o mais movimentado do país. Pesquisa encomendada pela agência no período 2009-2010, para a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP), constatou que são
transportados anualmente aproximadamente 89 milhões de passageiros em 551
linhas na região.
O serviço semiurbano não possui nenhum tipo de integração ou ligação com
a rede de transportes do Distrito Federal, apesar de utilizar praticamente o mesmo
sistema viário e os mesmos equipamentos urbanos. Isto ocasiona superposição de
linhas e atendimentos. Nos municípios do entorno, as linhas partem das respectivas
rodoviárias e, ao entrarem no Distrito Federal, seu principal destino é o Plano Piloto.
No âmbito do GDF, com a iniciativa do PDTU/DF, a escala metropolitana ali
abordada permitiu identificar o transporte semiurbano sem incorporá-lo ao processo
de gestão que, dentro do limite do quadrilátero, está restrito ao GDF. Apesar de
o plano entender o sistema, não aponta ações para integração do transporte interestadual ao transporte urbano no Distrito Federal.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
430
O trabalho realizado pela Fipe/USP com a ANTT em 2010 e 2011, baseado
em pesquisa de campo em âmbito nacional, visou estimar a demanda e a oferta dos
atuais serviços de transporte coletivo regular rodoviário interestadual de passageiros
com extensão igual ou inferior a 75 km, o transporte semiurbano. O objetivo da
pesquisa foi criar subsídios para a formulação da modelagem funcional, operacional
e financeira de planos de outorgas do transporte semiurbano, inclusive na região
do Distrito Federal e entorno.
A região do Distrito Federal, caracterizada pelo estudo REGIC do IBGE
(2008) como metrópole nacional e pelos estudos da Codeplan, desde 2003,
como AMB (Codeplan, 2013), é a região do Brasil que tem a maior quantidade
de linhas interestaduais de curta distância (quadro 1), conectando onze municípios goianos a 29 regiões administrativas do Distrito Federal. Na referida
pesquisa Fipe/USP, realizada em escala nacional, a Ride/DF foi classificada
no grupo como “conjuntos densos de ligações interestaduais em região com
características metropolitanas”.
QUADRO 1
Dados do transporte semiurbano na Área Metropolitana de Brasília
Ligações (origens/destinos)
191
Municípios goianos
11
Regiões administrativas do Distrito Federal
29
Linhas
551
Viagens semanais
30 mil
Milhões de passageiros/ano
Aproximadamente 90 milhões
Passageiros/dia útil
300 mil
Fonte: ANTT (2010).
A pesquisa aponta que o transporte na região caracteriza-se por ser pendular
com picos acentuados de demanda no início e fim dos dias úteis. Os motivos do
deslocamento são preferencialmente trabalho e estudo.
Os desdobramentos dos resultados da pesquisa Fipe/USP-ANTT resultaram
na elaboração de um plano de outorgas que visou uma estratégia de licitação das
linhas de transporte semiurbano. Em linhas gerais, este plano irá regularizar,
reestruturar, reordenar e racionalizar o sistema de transporte coletivo interestadual
semiurbano entre o Distrito Federal e o entorno. Estas discussões começaram em
2008 com a criação do PROPASS Brasil no âmbito da ANTT. A partir do plano
de outorgas, a ANTT irá licitar todas as linhas semiurbanas da região.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
431
4.2.1 Plano de outorgas do transporte coletivo regular interestadual de curta distância
na Ride/DF
Em 2012, o plano de outorgas do transporte coletivo regular interestadual de curta
distância para a região da Ride/DF foi aprovado pelo Tribunal de Contas da União
(TCU) e pela audiência pública de dezembro de 2012. A ANTT apresentou a
estratégia para as licitações das linhas semiurbanas na região do Distrito Federal
e municípios de Goiás.
A abrangência do plano alcançou onze municípios goianos e segmentou
este território em quatro lotes e 33 quotas para cessão de exploração de serviços
de transporte semiurbano a serem licitados. O modelo funcional para definição
dos lotes e quotas considerou as ligações entre RAs do Distrito Federal e os municípios goianos envolvidos, as manchas urbanas e as tarifas pagas pelos usuários
do serviço e o agrupamento das RAs do Distrito Federal, conforme concentração
das demandas. Assim, alguns municípios foram divididos em mais de um lote
ou quota, bem como houve municípios que não tiveram toda a sua abrangência
territorial atendida por linhas semiurbanas.
Cada lote teve um projeto básico definido que considerou seus parâmetros
econômico-financeiros, inclusive tarifas máximas em cada ligação, descrição detalhada das quotas de exploração e descrição detalhada da linha. Se por um lado esta
estratégia de gestão do processo de outorgas de linhas semiurbanas por parte da
ANTT pode levar o poder público a alcançar as reais necessidades da população,
por outro, não revela um olhar de integração com o sistema de transporte público
do Distrito Federal, que empreende outros tipos de estratégias e esforços. Mais
uma vez a gestão do transporte na AMB, núcleo da Ride/DF, não é feita por meio
de um planejamento integrado entre instituições e entes federados.
Na audiência, realizada em Brasília, foi feita uma apresentação para o público
pela ANTT com relação ao embasamento legal, ao edital de licitação e ao contrato
de permissão da prestação de serviços semiurbanos na região. Foi explicado todo
o processo de licitação que ocorrerá para a distribuição da outorga de prestação
da FPIC transporte semiurbano.
Os resultados da audiência pública foram divulgados no início do mês
de julho de 2013, por meio de relatório disponível no endereço eletrônico do
PROPASS. Pela primeira vez na concessão deste tipo de serviço público na
região foi realizado processo igual de possibilidade de participação social.
Com público e contribuições diversificadas e todos os interessados na prestação do serviço, a validação do plano de outorgas das linhas semiurbanas na
região do Distrito Federal e entorno demonstrou ser um instrumento eficaz
de participação social de diversos setoriais.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
432
4.3 Governança metropolitana relativa à gestão do transporte na Ride/DF
Se há concentração de pessoas e de riqueza no núcleo da AMB – que é o
Distrito Federal – e um forte adensamento populacional na sua periferia
metropolitana, polarizado por aquele núcleo, há de se esperar que estas
pessoas procurem oferta de empregos no Distrito Federal. Um sistema de
transporte urbano com características metropolitanas neste ambiente seria
o mais viável a ser implantado. No entanto, diante das argumentações
elencadas ao longo deste capítulo, o arranjo institucional da Ride/DF não
promove uma articulação que induza o planejamento integrado entre os
entes federados que compõem a região.
A variável fluxo de pessoas, demonstrada tanto pelo estudo prévio
da Fipe/USP para o plano de outorgas da ANTT quanto pelo estudo de
movimentos pendulares do Ipardes, é uma das características fortes da
configuração espacial da AMB. Na comparação destes dois estudos com
o PDTU/DF (quadro 2), identificam-se oito municípios goianos a eles
comuns com intensas relações de fluxo de pessoas e utilização de transporte coletivo que justificariam um sistema de transporte metropolitano
e integrado com o núcleo da Ride/DF, o Distrito Federal.
QUADRO 2
Municípios da Ride/DF considerados nos respectivos estudos
PDTU/DF
Plano de outorgas (ANTT)
Movimentos pendulares (Ipardes)
Águas Lindas de Goiás
Águas Lindas de Goiás
Águas Lindas de Goiás
Cidade Ocidental
Cidade Ocidental
Cidade Ocidental
Cocalzinho de Goiás
Cristalina
Total
Formosa
Formosa
Formosa
Luziânia
Luziânia
Luziânia
Novo Gama
Novo Gama
Novo Gama
Planaltina de Goiás
Planaltina de Goiás
Planaltina de Goiás
Santo Antônio do Descoberto
Santo Antônio do Descoberto
Santo Antônio do Descoberto
Valparaíso de Goiás
Valparaíso de Goiás
Valparaíso de Goiás
8
10
8
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
433
Os deslocamentos nas cidades e, mais enfaticamente, nas regiões metropolitanas,
são a forma de a população se apropriar dos espaços públicos e dos acumulados de
riquezas, os centros comerciais onde estão seus empregos, as áreas de lazer e todos
os equipamentos públicos. No entanto, de maneira geral o que se vê nos grandes
centros são sistemas de transportes sucateados e caros.
No caso da Ride/DF não é diferente. O sistema de transporte semiurbano
mostra o quanto o poder de grandes empresários do setor articulados com a fraca
gestão pública podem prejudicar a sociedade. Como revelado, poucas empresas
prestam o serviço de ligação entre Goiás e Distrito Federal diariamente e sustentam
uma frota de veículos sucateada e insuficiente para a demanda de passageiros. Por
sua vez, a dinâmica da região demonstra cada vez mais a necessidade de melhoria
do sistema e, principalmente, de melhor articulação dos entes federados envolvidos
para promover um planejamento integrado.
No arranjo da Ride/DF, vê-se uma das três UFs abastada de recursos federais, tanto no que diz respeito ao fundo constitucional quanto aos investimentos
do PAC, e as outras duas compondo a região integrada com municípios com
baixo grau de desenvolvimento e investimento. No sistema de transporte, o
grande volume de investimento do PAC está dentro do Distrito Federal para
melhoria do sistema viário de transporte de passageiros das RAs do cone sudoeste (Gama e Santa Maria).
O outro grande investimento – a reforma do aeroporto – revela a preocupação
da União com Brasília como uma centralidade e eixo de fluxos que beneficiarão
os grandes eventos em que o Brasil é sede a partir de 2013. Sua relação com o
desenvolvimento da região e, notadamente, com a mobilidade urbana, não é razoavelmente clara, em princípio.
Os atores municipais estão completamente nulos no processo de discussão
do sistema de transporte semiurbano. Na audiência pública realizada pela ANTT,
em Brasília, acerca do plano de outorgas, não apareceu nenhum representante dos
governos municipais envolvidos. Os atores com maior papel naquela manifestação
foram os empresários e os trabalhadores do sistema rodoviário interestadual de
curta distância.
Vista como positiva a iniciativa da ANTT, tanto na elaboração de um plano
de outorgas técnico e adequado à realidade territorial local quanto na chamada
da audiência pública, foi possível identificar estes atores (figura 3) no sistema de
transporte semiurbano na Ride/DF. Por este arranjo, é possível entender que, a
ausência de atuação do órgão gestor da Ride/DF, associada à desarticulação entre
os entes federados Goiás e Distrito Federal, demonstra o grande desafio de gestão
integrada desta FPIC na região.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
434
FIGURA 3
Atuais atores e agentes políticos e econômicos na governança do transporte
metropolitano na Ride/DF
GDF
(PDTU)
ANTT e
União
(PAC)
Sociedade
organizada
Transporte Semiurbano
na Ride/DF
Elaboração dos autores
No caso da AMB, o núcleo da Ride/DF, o arranjo institucional cria condições
que contribuem para a ausência do poder público na intervenção de melhoria do
sistema de transporte urbano. Os municípios goianos aqui demonstrados como
médio evasores, com relação aos movimentos pendulares, possuem linhas de ônibus
do tipo semiurbanos interestaduais regulados pela ANTT.
Essa agência reguladora, por sua vez, passou, durante muito tempo, a delegação
de regulação dessas linhas para o Distrito Federal. O Distrito Federal não produziu
um planejamento que vislumbrasse a integração do sistema de transporte urbano
interno com o destas linhas semiurbanas. Em consequência, a ANTT retomou
o processo de regulação destas linhas para si, produziu um plano de outorgas e o
está colocando em prática – primeiro produzindo as audiências públicas, depois
as licitações dos lotes de linhas por região – mas sem integração com o PDTU do
Distrito Federal.
O que se pode enxergar disso é que: i) existe gestão de transporte público no
Distrito Federal, limitado ao quadrilátero, com esforços do GDF e da União, por
meio do PAC, com a ampliação do sistema viário; ii) existe gestão de transporte
público interestadual semiurbano por parte da ANTT que atende oito municípios
da AMB; e iii) o resultado de duas gestões desarticuladas é a ausência de gestão
metropolitana, causada, principalmente, pela não atuação do conselho gestor da
Ride/DF.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
435
Esse cenário revela um quadro desfavorável à possibilidade de boa governança metropolitana da FPIC transporte na Ride/DF. Os impactos da ausência
de planejamento e gestão integrada desta FPIC nos municípios polarizados pelo
Distrito Federal na AMB aparecem na baixa qualidade do transporte público na
região, que é realizado unicamente pela modalidade de linhas de ônibus coletivos.
Os 300 mil passageiros usuários das linhas semiurbanas nos onze municípios da
AMB constantemente relatam a má qualidade do serviço, tanto no estado físico
dos veículos quanto no sistema em geral – tarifa, horários etc.
Por sua vez, o sistema de transporte urbano no Distrito Federal, que passa
por uma reformulação em função das recomendações do PDTU, no tocante à
concessão das linhas, e grandes obras do PAC, além de ficar sobrecarregado com a
demanda da circulação das linhas semiurbanas dos municípios goianos, não prevê
a integração com elas.
Mais que nunca, a atuação do conselho gestor da Ride/DF para propor, planejar,
articular, fiscalizar e implementar uma política de mobilidade urbana na AMB, o
núcleo metropolitano da Ride/DF, poderia ser a solução capaz de ultrapassar as
barreiras inconstitucionais de gestão em território com entes federados diferentes.
5 O DESAFIO DA GOVERNANÇA METROPOLITANA: A INTEGRAÇÃO DA GESTÃO
DAS FPICS NA RIDE/DF
O estudo aqui apresentado permitiu observar a fragilidade dos níveis de integração relacionada às FPICs, ao saneamento ambiental e ao transporte, no âmbito
da Ride/DF. Há um caráter bastante dúbio dentro do próprio instrumento Ride/
DF, não posto às claras pela Constituição. A Ride/DF pode servir tanto ao propósito de desenvolvimento regional, quanto ao propósito de suprir a ferramenta
de delimitação para áreas metropolitanas compostas por mais de uma UF. Assim,
quem define o caráter da Ride/DF e regulamenta seu escopo de ação é o seu
decreto regulamentador.
No caso do Distrito Federal, o instrumento espelha a realidade territorial da
Ride/DF: abriga tanto elementos de dinâmica metropolitana, quanto de desenvolvimento regional. Entretanto, se for analisada a dinâmica do Coaride, o caráter
metropolitano não se encontra presente na formulação de suas políticas, estando
este conselho alheio ao debate e a necessidade primária de integração de políticas
e ações das FPICs no âmbito metropolitano.
Assim, a institucionalidade do Coaride não abriga em seu bojo instrumentos
adequados à gestão do saneamento ambiental e do transporte com caráter metropolitano. Ressalta-se que a própria Sudeco e o MI são voltados para a política de
desenvolvimento regional e não para a gestão metropolitana.
436
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
As FPICs, idealizadas em ambientes metropolitanos para atenderem necessidades de serviços comuns aos municípios integrantes de região interestadual com
características urbanas, como é o caso da Ride/DF, estão ainda distantes do objetivo
pretendido. O que se observa são ações desagregadas de um planejamento, inclusive
inexistente até o momento, que pense o espaço metropolitano em seu conjunto.
Os instrumentos de planejamento e gestão referentes as duas FPICs revelam
os níveis de participação, seja do governo federal, seja estadual, seja distrital, seja
municipal, e o baixo grau de integração existente entre eles. Em síntese, é possível
perceber que não há indicativos quanto a uma política metropolitana, com exceção de quando, em alguns instrumentos, trata-se de modo geral a integração de
municípios, o caso do PDOT/DF 2009, por exemplo – faz referência a consórcios
públicos entre municípios limítrofes do entorno do Distrito Federal. No entanto,
não há o tratamento de uma política metropolitana e sua integração não é vista
de forma clara e objetiva.
No saneamento ambiental, não há sob a égide do Coaride um arranjo que
responda pela gestão conjunta, sendo que a dinâmica da gestão dos serviços se dá
pela cooperação entre o estado de Goiás e o Distrito Federal. Há um movimento
por parte do MCidades em realizar um plano regional de saneamento integrado,
ainda em fase bastante inicial, e sem grandes garantias de implementação, uma vez
que há necessidade da integração e articulação entre os vários atores no território.
No transporte, o problema reside na falta de um planejamento e gestão
integrados e de uma melhor articulação dos entes federados envolvidos, deixando
o poder na mão de grandes empresários do setor, articulados com a gestão pública
para prestação destes serviços.
Se a integração dos serviços prestados no âmbito de cada FPIC é incipiente,
em se tratando da integração delas entre si, a dificuldade é ainda maior evidenciando
a necessidade de conformação da gestão, no âmbito do Coaride, responsável pela
gestão administrativa destes serviços.
O resultado da expansão das áreas urbanas dentro do próprio Distrito Federal,
com as recentes RAs e a expansão das áreas urbanas adjacentes ao quadrilátero sem
políticas públicas integradas, refletem-se em problemas estruturantes que comprometem o bem-estar econômico e social do território. A deficiência na oferta dos
serviços públicos bem localizados e articulados, a ausência de oferta de postos de
trabalho, de moradia precária para a população de baixa renda, muitas vezes
desprovidas da posse do terreno, além da forte atuação do mercado informal de terras,
problemas de mobilidade urbana e infraestrutura, ocasionado pelo crescimento
acelerado que se associa a periferização de áreas urbanas, retratam um sistema de
governança desarticulado, em face de um problema conjunto.
Saneamento Ambiental e Transporte na Ride/DF: os desafios da gestão das funções
públicas de interesse comum e o planejamento integrado
437
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante as ações pulverizadas no território com baixíssimo grau de planejamento conjunto e gestão articulada, o espaço metropolitano em análise não
possui um arranjo que responda efetivamente às estratégias e aos objetivos relativos
a estas funções, desafiando o poder público a empoderar-se de mecanismos de
gestão capazes de realizar uma gestão metropolitana compartilhada, superando os
conflitos federativos verticais e horizontais, que revelem a capacidade de traduzir
os anseios da população.
As inferências expostas, frutos da análise deste conteúdo, aqui não se esgotam
e apontam para uma reflexão mais profunda de um modelo de governança que
responda às lacunas desta investigação. É de cunho mais provocativo salientar qual
o sentido de institucionalizar os espaços territoriais metropolitanos se não para
potencializá-los de mecanismos de gestão capazes de responder a estas provocações.
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jan./jun. 2011.
BORGES, R. C. N. Definição de transporte coletivo urbano. Brasília: Câmara
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DELGADO, P.; MOURA, R. Tipologia dos deslocamentos pendulares para
trabalho e/ou estudo. Curitiba: Ipardes, 2010. Preliminar.
438
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Planejamento do Distrito Federal. Brasília
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SAMPAIO, C. S. et al. Arranjos institucionais de gestão metropolitana: o caso da
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SEDUMA – SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO E MEIO
AMBIENTE. Documentos técnicos do Plano Diretor de Ordenamento Territorial
(PDOT): revisão 2007. Brasília: Seduma, 2007.
CAPÍTULO 16
GOVERNANÇA DO SANEAMENTO AMBIENTAL NA REGIÃO
METROPOLITANA DE FORTALEZA: NOVOS INSTRUMENTOS E
ANTIGAS DIFICULDADES
Régis Façanha Dantas1
Ricardo Brito Soares2
1 INTRODUÇÃO
Este estudo procura diagnosticar a situação de governança da função pública de
interesse comum (FPIC) de saneamento ambiental para a Região Metropolitana
(RM) de Fortaleza. Realiza-se levantamento situacional dos principais instrumentos
de controle e intervenção nos componentes envolvidos nesta função (tratamento e
abastecimento de água, coleta e destinação adequada do lixo e drenagem urbana),
tendo-se como foco de atuação a RM de Fortaleza. Este diagnóstico de função no
espaço regional é oportuno enquanto o governo federal define todas as diretrizes
do Plano Nacional de Saneamento Básico3 (2007), ao mesmo tempo que tramita
no Congresso Nacional lei de regulamentação do espaço metropolitano no Brasil,
conhecida como Estatuto da Metrópole.
Para o caso específico da Região Metropolitana de Fortaleza, várias intervenções importantes (políticas públicas) na área de saneamento foram realizadas
mais recentemente, sem que houvesse participação do conselho deliberativo da
região, que se encontra inativo desde 2005. Em contrapartida, o estado vem dando
grande ênfase no papel dos consórcios intermunicipais (CIs), como principal instrumento de controle das FPICs. Para a função de saneamento, vários consórcios
foram estabelecidos, em programas que envolvem ações de macrodrenagem em
rios que cortam mais de um município da RM de Fortaleza e, principalmente,
para administração e uso dos aterros sanitários por parte dos municípios. Embora
este seja importante instrumento de ação regional, sua eficácia ainda está para ser
avaliada nos próximos anos, e a experiência do caso mais antigo (Consórcio do
Rio Maranguapinho) na RM de Fortaleza revela que antigos problemas – como
1. Diretor de Estudos Econômicos do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece/CE) e professor da
Universidade Estácio de Sá.
2. Diretor de Estudos Econômicos do Ipece/CE e professor da Universidade Estácio de Sá.
3. Lei Federal (LF) no 11.445/2007.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
440
ações municipais isoladas e protagonismos políticos – ainda podem comprometer
a oferta adequada de serviços públicos, com atuação e efeitos regionais.
Para melhor contextualização da avaliação do sistema de governança metropolitano de saneamento, este capítulo ainda apresenta simplificada caracterização da
estrutura de serviços e da cobertura dos principais aspectos do saneamento (seção 2),
seguida da descrição deste sistema de governança (seção 3) e dos principais projetos
na área (seção 4).
2 BREVE HISTÓRICO E CARACTERIZAÇÃO DA FPIC DE SANEAMENTO NA RM
DE FORTALEZA
Seja pela dependência dos recursos naturais comuns ou pelas externalidades
causadas (doenças, por exemplo) pela falta de condições adequadas de saneamento, o planejamento dos serviços públicos para este fim deve ser orientado
ao nível regional. Embora os municípios sejam os responsáveis diretos por
estes, ações isoladas podem ser insuficientes, sobrepostas ou conflitantes
intermunicipalmente.
MAPA 1
Bacia Hidrográfica Metropolitana (BHM)
Fonte: Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH-CE).
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
441
As dificuldades da governança metropolitana para esta FPIC começam
pelo desencontro entre as dimensões espaciais administrativas e operacionais,
dado que a Bacia Hidrográfica Metropolitana (BHM) – representada no
mapa 1 – engloba 41 municípios, enquanto a RM de Fortaleza é composta
por apenas quinze. A BHM possui área de 15.085 km 2 e é composta pela
soma de quatorze bacias independentes (bacias metropolitanas), das quais
apenas as bacias dos rios Pirangi, Choró, Pacoti, São Gonçalo e os sistemas
Ceará/Maranguape e Cocó/Coaçu são hidrologicamente mais representativas
(COGERH, 2010).
O primeiro sistema de abastecimento de água da região no município de
Fortaleza foi inaugurado em 29 de setembro de 1866, e o primeiro sistema
de esgoto da capital começou a funcionar em 1927, e cobria apenas uma pequena parte do centro da cidade (Cagece, 2012). Desde 1971, estes sistemas
são operacionalizados pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece),
empresa de economia mista sob o controle acionário do estado e vinculada à
sua Secretaria das Cidades.
O atual sistema de abastecimento é composto principalmente pelos açudes
Pacoti, Riachão, Gavião e Pacajus, que são interligados por canais, túneis e
estações de bombeamento. Por ter boa parte do território sujeito a estiagens, o
governo procura ampliar a capacidade do sistema, conectando bacias hidrográficas.
Neste ponto, destaca-se a construção, em 1993, de canal com extensão de 110
quilômetros (Canal do Trabalhador) para transportar água do rio Jaguaribe para
o açude Pacajus (figura 1).
Dos municípios da RM de Fortaleza, a Cagece não possui contrato de concessão apenas com o município de Pindoretama. Nos outros quinze municípios,
o sistema de abastecimento de água possui estrutura (tabela 1) que gera boa
cobertura populacional. No entanto, o sistema apresenta perdas de eficiência tanto
no faturamento como na distribuição de água. Segundo a avaliação da Agência
Nacional de Águas, estas perdas para o município de Caucaia são, respectivamente,
de 69,2% e 74,3%, enquanto para o município de Fortaleza são de 16,% e 27,3%.
O diagnóstico desta agência, com base nas informações de 2010, é de necessidade
de ampliação do sistema.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
442
FIGURA 1
Sistema de abastecimento de Fortaleza
Fonte: Aguiar e Cordeiro (2002).
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
443
TABELA 1
Sistema de abastecimento de água – RM de Fortaleza (2010-2011)
Abastecimento de água
Municípios
Ligações reais
2010
Extensão da rede de
distribuição (m)
Ligações ativas
2011
2010
2011
2010
Volume produzido (m3)
2011
2010
2011
RM de Fortaleza
Aquiraz
4.009
4.818
3.592
4.369
77.955
77.955
830.352
781.582
Cascavel
10.145
10.710
9.457
10.014
113.167
115.220
1.741.979
1.720.418
Caucaia
32.841
34.510
29.419
30.972
186.447
319.669
1.053.795
952.940
2.441
2.516
2.259
2.301
28.287
28.287
213.379
192.042
Chorozinho
Eusébio
7.070
8.154
6.121
7.222
123.074
123.074
1.555.933
1.755.516
Fortaleza
714.721
738.105
664.097
686.883
4.622.877
4.644.484
228.121.860
235.218.594
Guaiúba
4.240
4.415
3.928
4.117
38.142
38.142
857.431
895.629
Horizonte
12.357
13.693
11.319
12.475
133.934
144.422
1.229.121
3.907.018
Itaitinga
11.976
13.373
10.946
12.201
164.042
164.150
3.098.954
959.990
Maracanaú
9.925
10.381
9.045
9.507
97.625
105.714
-
-
Maranguape
22.485
23.679
21.213
22.283
232.990
233.541
4.528.750
4.748.301
Pacajus
12.245
13.409
11.139
12.240
114.161
116.524
1.108.082
1.306.480
7.526
7.845
6.867
7.256
150.054
110.486
1.366.391
1.413.159
-
-
-
-
-
-
-
-
7.043
7.637
6.361
6.923
65.617
73.992
1.289.697
1.395.312
Pacatuba
Pindoretama
São Gonçalo do
Amarante
Fonte: Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece, 2013).
Segundo as informações do Censo Demográfico 2010, do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), 87,42% dos domicílios da RM de Fortaleza
possuem abastecimento de água ligado à rede geral. Entre os municípios, este
percentual varia de 19,69%, em Aquiraz, para 96,97%, em Maracanaú (tabela 2),
o que evidencia a heterogenia alimentada pela falta de planejamento integrado.
TABELA 2
Cobertura de abastecimento de água nos municípios – RM de Fortaleza (2010)
Domicílios particulares permanentes
Municípios
Abastecimento de água
Total
Rede geral
Poço ou nascente
Outra forma
Percentual ligado
à rede geral (%)
Ceará
2.365.276
1.826.543
221.161
317.565
77,22
RM de Fortaleza
1.027.772
898.514
87.376
41.878
87,42
Aquiraz
19.671
3.874
11.457
4.340
19,69
Cascavel
18.793
8.539
6.382
3.872
45,44
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
444
(Continuação)
Domicílios particulares permanentes
Abastecimento de água
Municípios
Total
Caucaia
Rede geral
89.175
72.801
Poço ou nascente
Outra forma
Percentual ligado
à rede geral (%)
8.952
7.422
81,64
51,55
5.459
2.814
423
2.222
Eusébio
12.711
7.382
3.719
1.610
58,08
Fortaleza
710.066
662.541
38.638
8.884
93,31
Chorozinho
Guaiúba
6.398
5.404
170
824
84,46
Horizonte
15.676
10.229
4.503
944
65,25
9.297
8.452
495
350
90,91
Maracanaú
57.890
56.135
821
934
96,97
Maranguape
28.984
24.027
969
3.988
82,90
Pacajus
17.587
10.407
3.670
3.510
59,17
Pacatuba
18.713
17.884
408
420
95,57
5.341
1.989
2.677
675
37,24
12.011
6.036
4.092
1.883
50,25
Itaitinga
Pindoretama
São Gonçalo do
Amarante
Fonte: Censo Demográfico 2010.
Elaboração dos autores.
Com relação ao serviço de esgotamento sanitário (tabela 3), a cobertura é
bem mais modesta, com 49,9% dos domicílios com ligações à rede geral de coleta.
Este número para a região é fortemente influenciado por Fortaleza, que apresenta
cobertura de 59,5%. Em sete municípios, este percentual não chega a 10%; nos
municípios de Pindoretama, Pacajus e Chorozinho, o índice é menor que 1%.
TABELA 3
Cobertura de esgotamento sanitário dos municípios – RM de Fortaleza (2010)
Domicílios particulares permanentes
Esgotamento sanitário
Municípios
Total
Rede geral
Fossa séptica
Outra forma
Não tinham
Percentual
ligado à rede
geral (%)
Ceará
2.365.276
774.873
251.193
1.167.911
171.277
32,76
RM de Fortaleza
1.027.772
512.906
155.088
349.145
10.626
49,90
Aquiraz
19.671
1.913
5.321
11.908
529
9,72
Cascavel
18.793
607
2.122
15.100
964
3,23
Caucaia
89.175
35.087
15.874
36.157
2.057
39,35
5.459
25
239
4.983
212
0,46
12.711
1.709
2.402
8.449
151
13,45
Chorozinho
Eusébio
(Continua)
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
445
(Continuação)
Domicílios particulares permanentes
Esgotamento sanitário
Municípios
Fortaleza
Total
710.066
Rede geral
Fossa séptica
Outra forma
422.933
107.251
177.164
Não tinham
Percentual
ligado à rede
geral (%)
2.711
59,56
13,30
Guaiúba
6.398
851
378
4.728
441
Horizonte
15.676
933
1.261
13.365
117
5,95
Itaitinga
9.297
299
240
8.578
180
3,22
Maracanaú
57.890
29.527
10.694
17.295
374
51,01
Maranguape
28.984
5.143
4.230
18.245
1.366
17,74
Pacajus
17.587
131
1.114
16.103
239
0,74
Pacatuba
18.713
11.597
2.917
4.112
87
61,97
Pindoretama
5.341
13
53
5.091
184
0,24
São Gonçalo
do Amarante
12.011
2.138
992
7.867
1.014
17,80
Fonte: Censo Demográfico 2010.
Elaboração dos autores.
A cobertura para a coleta de lixo apresenta índices próximos dos ideais.
A RM de Fortaleza como um todo possui 94,2% dos domicílios com coleta de
lixo realizado por serviço municipal (próprio ou caçamba). O menor índice entre
os municípios é o de Cascavel, com 66,1% (tabela 4).
TABELA 4
Cobertura da coleta de lixo nos municípios – RM de Fortaleza (2010)
Domicílios particulares permanentes
Tipo de coleta
Municípios
Total
Coleta por serviço
de limpeza
Coleta em caçamba
de serviço de
limpeza
Outro destino
Percentual ligado
à coleta por serviço
de limpeza (%)
Ceará
2.365.276
1.442.079
339.914
583.277
75,34
RM de Fortaleza
1.027.772
883.093
85.829
58.847
94,27
Aquiraz
19.671
8.821
5.979
4.871
75,24
Cascavel
18.793
11.076
1.358
6.359
66,16
Caucaia
89.175
65.176
8.376
15.623
82,48
5.459
1.206
2.159
2.094
61,64
Chorozinho
Eusébio
12.711
11.257
698
756
94,05
Fortaleza
710.066
663.681
37.479
8.903
98,75
Guaiúba
6.398
2.491
1.952
1.955
69,44
Horizonte
15.676
10.611
3.661
1.404
91,04
Itaitinga
9.297
6.810
1.943
544
94,15
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
446
(Continuação)
Domicílios particulares permanentes
Tipo de coleta
Municípios
Total
Coleta por serviço
de limpeza
Coleta em caçamba
de serviço de
limpeza
Outro destino
Percentual ligado
à coleta por serviço
de limpeza (%)
Maracanaú
57.890
53.023
2.522
2.345
95,95
Maranguape
28.984
17.342
7.028
4.614
84,08
Pacajus
17.587
9.680
4.781
3.126
82,23
Pacatuba
18.713
11.268
6.315
1.130
93,96
5.341
2.951
764
1.626
69,56
12.011
7.700
814
3.497
70,.89
Pindoretama
São Gonçalo do
Amarante
Fonte: Censo Demográfico 2010.
Elaboração dos autores.
Por sua vez, o manejo do lixo coletado ainda é muito precário. São poucos
os municípios no Ceará que possuem formas adequadas de tratamento para os
diferentes tipos de resíduos sólidos. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico
do IBGE de 2008 (IBGE, 2010) revelou que nenhum município, por exemplo,
possui tratamento adequado para pilhas e baterias (tabela 5).
TABELA 5
Municípios com processamento de resíduos sólidos – Ceará (2008)
Municípios do Ceará
Existência e tipo de processamento dos resíduos
Resíduos de construção e demolição
Número de municípios
31
Resíduos sólidos industriais perigosos e/ou não inertes
1
Pilhas e baterias
-
Fonte: IBGE (2010).
Elaboração dos autores.
Portanto, as condições de saneamento para os municípios da RM de Fortaleza
apresentam quadro geral de necessidades de melhoras, com padrões de cobertura
heterogêneos entre os municípios e com ausência de serviços importantes – como o
tratamento do lixo e até mesmo de rede de esgoto – para diversas localidades situadas
nos municípios da RM. A reversão eficaz e eficiente deste quadro é influenciada
pela forma como as políticas públicas para o setor reconhecem os deficit locais
e suas repercussões regionais. Neste aspecto, é fundamental que exista estrutura
institucional de governança metropolitana que possa concatenar as ações para o
setor no nível regional.
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
447
3 ESTRUTURA INSTITUCIONAL E NORMATIVA DE GOVERNANÇA DO
SANEAMENTO NA RM DE FORTALEZA
O planejamento das políticas setoriais no nível metropolitano seria de responsabilidade do Conselho Deliberativo da Região Metropolitana de Fortaleza,
criado em 1999, mas que teve suas poucas atividades encerradas em 2005.
No atual organograma estrutural de secretarias e conselhos estaduais, o tratamento das questões urbano-metropolitanas permaneceu restrito a uma pequena
célula de estudo, na Coordenadoria de Desenvolvimento Urbano e Territorial
da Secretaria das Cidades do Estado do Ceará. Portanto, a estrutura de governança da função de saneamento é desvinculada da estrutura de governança da
RM de Fortaleza.
A Coordenadoria de Saneamento Ambiental (Cosam), ligada à Secretaria
das Cidades, é responsável pela elaboração e pela aplicação das políticas estaduais
e metropolitanas de saneamento. A Cosam estabelece a comunicação entre o
planejamento estadual desta função e o órgão executor dos serviços relacionados
(no caso, a Cagece). Cabe também a esta unidade a implantação de aterros sanitários regionalizados na forma de consórcios, que se configuram como importantes
instrumentos de controle regional, bem como a elaboração do Plano Estadual de
Macrodrenagem Urbana.
Destaque-se ainda como ação da Secretaria das Cidades a ajuda institucional aos
municípios na elaboração de seu Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB)4
por meio de convênios. Em 2011, por exemplo, foi estabelecido convênio com a
Associação dos Prefeitos do Ceará (Aprece) para assessorar os municípios de até
20 mil habitantes na elaboração de seus planos.
Em nível de secretaria estadual, destacam-se ainda no conjunto institucional da FPIC de saneamento ambiental a Secretaria de Recursos Hídricos
(SRH) – responsável pela política de oferta e monitoramento da estrutura
hídrica do estado – e o Conselho de Políticas e Gestão do Meio Ambiente
(CONPAM) – que é encarregado da elaboração do Plano Estadual de Resíduos
Sólidos (PERS), por meio da Coordenadoria do Desenvolvimento Sustentável
(Codes). Como órgão vinculado à CONPAM, a Superintendência Estadual
do Meio Ambiente (Semace) é a entidade executora da Política Ambiental do
Estado do Ceará.
4. Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) – estabelecido pela LF no 11.445/2007 – é instrumento de planejamento que estabelece diretrizes para a prestação de serviços públicos de saneamento e deve atender aos princípios
básicos dos serviços de saneamento; entre estes, a universalização. Após a elaboração do plano, os municípios devem
encaminhá-lo para a Câmara de Vereadores por meio do projeto-lei para a aprovação. Os municípios têm até 2013 para
elaborar seus planos de saneamento, sob o risco de não terem repasses federais para esta função.
448
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
A regulação dos serviços de saneamento é realizada pela Agência Reguladora
de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (Arce), criada por intermédio
da Lei no 12.786/1997, que também regula os serviços de energia elétrica, gás e
transporte rodoviário intermunicipal. Outra função importante deste órgão é a
realização de mediação nos possíveis conflitos de interesse entre as prestadoras de
serviços e os usuários.
O plano de ação desses órgãos não é exclusivo para a RM de Fortaleza, nem
mesmo são estes partícipes de planejamento neste nível, executado por entidade
específica voltada para a governança metropolitana. Como destacado anteriormente,
esta entidade não mais existe no caso do Ceará.
3.1 Instrumentos de planejamento e gestão
Atualmente, o espaço reservado para discussões sobre a FPIC de saneamento é
o Comitê de Saneamento Ambiental e Saúde, ligado ao Conselho das Cidades
(ConCidades). Este fórum tem como articulador o coordenador da Cosam
e conta com representatividade pública e privada. No entanto, nem todas as
entidades citadas anteriormente compõem este comitê, que apresenta pouca
atividade.5 Entre as discussões realizadas, ressalta-se a intenção de formulação
do Plano Estadual de Saneamento Básico. Este, portanto, ainda precisa ganhar
forma para servir de instrumento de intervenção regional na questão de saneamento.6 A elaboração do Plano Metropolitano de Saneamento estaria então em
nível menor de prioridade.
Em fase mais adiantada, e já com propostas preliminares definidas e executadas de intervenção, está o PERS. Este plano é condição para que os estados
possam ter acesso aos recursos da União ou serem beneficiados por incentivos e/
ou financiamentos de entidades federais de crédito. Estudos sobre a destinação
final dos resíduos sólidos em aterros sanitários adequados foram realizados desde
a década de 1980. Levantaram-se as potencialidades regionais, mas somente nos
últimos anos é que se puderam estabelecer formas de gestão deste serviço, por
meio do instrumento de CIs.
Importante voltar a destacar que o PERS permaneceu sob responsabilidade
do CONPAM, enquanto a Secretaria das Cidades elaborou e acompanhou os CIs
para uso e gerenciamento dos aterros sanitários. Portanto, na questão da destinação
adequada do lixo, houve descolamento institucional entre a elaboração do plano,
a aplicação e o acompanhamento de suas diretrizes.
5. Apenas uma reunião foi salva em ata e disponibilizada até a realização desse relatório.
6. Isso também ocorre com relação ao Plano Estadual de Macrodrenagem Urbana.
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
449
O plano de atuação prevê a construção de trinta aterros sanitários,
distribuídos por todo o Ceará, que devem funcionar por meio de CIs (mapa 2),
constituídos ou por iniciativa do estado, ou dos próprios municípios beneficiados. É possível notar que seis municípios da Região Metropolitana de
Fortaleza (Fortaleza, Caucaia, Maracanaú, Maranguape, Eusébio e Aquiraz)
não estabeleceram consórcios por possuírem termos de cessão de uso definidos
historicamente. Até o momento deste trabalho, São Gonçalo do Amarante
ainda não tinha definido sua participação, mas todos os outros municípios
estão inseridos em três acordos regionais, com destaque para Cascavel, que
será sede de um aterro. Destaque-se que dois dos três consórcios que envolvem
os municípios da RM de Fortaleza também envolvem municípios (vizinhos)
de fora desta RM. O critério utilizado para a formação dos consórcios foi
técnico/logístico, o que resultou em configuração microrregional diferente
da institucionalizada, dificultando ainda mais o estabelecimento de políticas
regionais direcionadas.
Em geral, o modelo gerencial proposto para os consórcios apresenta as seguintes diretrizes:
1) As coletas municipais serão efetuadas por cada prefeitura até a instalação
mais próxima.
2) As competências em matéria de coleta seletiva de resíduos (vidro,
papel, papelão, plásticos etc.) poderão ser transferidas ao consórcio
de municípios.
3) Os aterros sanitários e as estações de transferência de resíduos deverão
ser administrados pelos consórcios de municípios e supervisionados
pelo estado.
4) Os resíduos de particulares (industriais, serviços etc.) serão administrados
diretamente pelo produtor, ou por meio de gestores autorizados, e podem
ser aceitos em alguma das instalações mediante o pagamento.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
450
MAPA 2
Cobertura municipal dos consórcios de aterros sanitários
Fonte: Secretaria das Cidades do Estado do Ceará.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Embora o instrumento de consórcio seja importante para a gerência
de serviços com efeitos regionais, a efetividade deste depende dos termos
estabelecidos e – principalmente – do comprometimento dos municípios.
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
451
O protagonismo dos prefeitos e a percepção de benefícios sem contrapartida por
parte da população podem levar à sua inoperância. Neste ponto, destaca-se o
Consórcio do Rio Maranguapinho, que previa ações de responsabilidade para
os municípios beneficiados (Fortaleza, Maranguape e Maracanaú) pelo conjunto
de obras do programa, mas que não chegou a ser efetivado pelos prefeitos. Este
programa se configura como um dos mais importantes da RM de Fortaleza.
4 PROGRAMAS DE INVESTIMENTO E RECURSOS PARA O FINANCIAMENTO
DO SANEAMENTO
Entre os principais programas voltados para o melhoramento das condições de
saneamento na RM da Fortaleza, destacam-se três, que ganharam estruturas de
governança próprias no âmbito do governo do estado: o Programa do Rio
Maranguapinho, o Programa do Rio Cocó e o Programa Dendê.
FIGURA 2
Programas especiais: Maranguapinho, Cocó e Dendê
Fonte: Secretaria das Cidades do Estado do Ceará.
452
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Esses projetos ganharam coordenadoria especial na Secretaria das Cidades,
com células específicas de acompanhamento dos diversos serviços envolvidos em
cada projeto.
O Programa do Rio Maranguapinho foi elaborado no âmbito da própria Secretaria e concatenou diferentes planos e programas governamentais oriundos de órgãos
distintos, porém focados no mesmo problema: “a gravidade da situação ambiental do
Rio Maranguapinho e o drama das populações afetadas pelas constantes inundações
e alagamentos” (Ceará, 2007). Trata-se de conjunto de intervenções ao longo do
rio que inclui: obras para o controle de inundações e diminuição de áreas de risco;
obras de desassoreamento (dragagem do rio); obras de urbanização e saneamento; e
obras de habitação popular para remanejamento de famílias que vivem em áreas de
risco ao longo do rio. Os municípios da RM de Fortaleza envolvidos no projeto são
Fortaleza, Caucaia, Maracanaú e Maranguape, e os recursos para a realização dos
serviços advêm do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) I e II (componente
de infraestrutura social), com montante total de R$ 824 milhões.
O Programa do Rio Cocó também procura melhorias urbanísticas e habitacionais para a população de baixa renda que mora às margens do rio. Os gastos
previstos nas benfeitorias contabilizam R$ 275,5 milhões, sendo que R$ 17,9
milhões serão destinados apenas para o processo de dragagem do rio. Uma característica importante deste projeto é o deslocamento das famílias das áreas de risco
para conjunto habitacional (Residencial Paupina) não tão próximo às margens do
rio. Este fato requer estrutura administrativa que tenha boa comunicação com a
população envolvida. Neste caso, ressalta-se que, para cada projeto especial, existem
gerentes designados para a realização e o monitoramento das obras em si, como
também para a interlocução com as comunidades afetadas pelas obras do projeto.
Finalmente, o Programa Dendê prevê a recuperação da faixa de proteção do
mangue do rio Cocó, com obras de urbanização, melhoramentos das unidades
habitacionais e reassentamento de famílias. Nos serviços de água e esgoto, 2.765
famílias devem ser beneficiadas. A maior parte dos recursos é do Pró-Moradia, do
governo federal (R$ 73,3 milhões); o restante tem origem no Tesouro (R$ 33,8
milhões) e em contrapartida do governo do estado (R$ 3,8 milhões).
Embora cada projeto possua estrutura administrativa vinculada a uma mesma secretaria, estes são independentes e estabelecem o que se pode denominar
de governança baseada em programas. Neste caso, não existe interlocução dos
empreendimentos a partir de plano integrado preestabelecido de ação regional, e
o aparato de gestão molda-se às provisões orçamentárias. A contrapartida, nestes
casos, é que possa haver aproximação maior do estado com a população beneficiada
e, consequentemente, melhor controle social. Este efeito positivo, no entanto, não
pode ocorrer à revelia do planejamento macrorregional.
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
453
4.1. Controle social dos projetos
Dos três programas citados, apenas o Maranguapinho se encontra com obras realizadas, servindo como laboratório para avaliação do conjunto institucional formado
do estado. Atividades como cadastramento e acompanhamento de famílias, bem
como indenizações e reassentamentos são importantes testes para a capacidade de
efetivação dos projetos.
Na questão do controle social, destaca-se que o estado criou ainda o Grupo
de Trabalho Interinstitucional e Intersetorial (GTII) para o projeto, com o objetivo
de discutir as ações com a população afetada, de maneira a legitimar socialmente
a intervenção. Uma constatação importante deste instrumento de controle social
é a grande frequência de reuniões realizadas,7 o que contrasta com os poucos encontros realizados pelos comitês técnicos ligados ao ConCidades. Neste sentido,
parece que os fóruns de discussão com participação popular são mais efetivos
quando há a perfeita conjunção entre os formuladores da política pública e seus
beneficiários diretos.
O monitoramento do projeto também evidenciou gargalos que poderiam ter
sido menores em uma estrutura institucional com entidades voltadas exclusivamente para as questões regionais/metropolitanas. A fiscalização das obras realizadas
ao longo do rio, por exemplo, depende da disponibilidade conjunta de todos os
municípios em voltar recursos para este fim. Se o arranjo local da gestão depender
apenas da boa vontade dos prefeitos, é bem provável que este não tenha efetividade.
Neste caso, a intervenção institucionalizada de instância maior poderia contribuir,
ao inibir ações puramente políticas. Ademais, para políticas estruturais maiores de
saneamento – como a expansão e o direcionamento do sistema de abastecimento –,
o planejamento regional produz maior eficácia global.
5 CONCLUSÃO
A cobertura do saneamento na RM de Fortaleza precisa ser ampliada nos próximos
anos, principalmente quanto ao esgotamento sanitário e à destinação dos resíduos
sólidos. O caminho para a provisão universal passa tanto pelos estudos de caso
dos municípios individualmente como pelo planejamento regional de atuação,
para que haja melhor equilíbrio no acesso aos serviços. Até 2017, estão previstos
investimentos por parte da Cagece da ordem de R$ 1,6 bilhão, incluindo-se a
construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) Oeste, a adutora de água
de Messejana e ampliações da rede de esgoto de Fortaleza e Maranguape. A meta
para Fortaleza, por exemplo, é que a cobertura de esgotamento aumente para
81% neste período. Para este fim – como também para a melhora da eficiência
7. Mais de vinte encontros do grupo já ocorreram desde sua criação, em 2011.
454
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
do uso da água –, a Cagece objetiva parcerias internacionais, como a cooperação
com empresa de saneamento de Israel. Este plano de expansão, no entanto, não
possui orientação ou subordinação metropolitana, o que conduz a uma estratégia
parcial de desenvolvimento, que é apenas exemplo da fragilidade do sistema de
governança metropolitano.
Em resumo, podem-se elencar algumas características importantes no diagnóstico da situação de governança metropolitana do setor de saneamento ambiental
na RM de Fortaleza. Primeiro, a governança metropolitana como sinônimo de
planejamento regional deu lugar a uma governança baseada em projetos, em que
os esforços e os recursos do estado são distribuídos para a efetivação destes. As
políticas públicas de grande relevância ganharam estruturas de governança próprias
e definiram um padrão de administração e intervenção local e/ou específico. Este
foi o caso dos programas do Rio Maranguapinho, do Rio Cocó e Dendê. Todos
estes programas possuem suas estruturas de governança operacionalizadas de forma
independente e que – por se tratarem de obras e serviços a serem entregues – devem
ser finalizadas futuramente. Passou-se de uma lógica de governança com estrutura
fixa e centralizadora para uma flexível e com prazo determinado. A mudança no
desenho não seria problema em si se os projetos fossem parte de portfólio de um
planejador central, e não investimentos independentes, sem preocupações com
externalidades setoriais ou espaciais.
Outra característica geral de governança verificada foi o atendimento e a
acomodação do estado às resoluções municipalistas, determinadas em lei pelo governo federal. Como a organização e o planejamento da função de saneamento são
de responsabilidade dos municípios – sendo inclusive condicionantes específicos
para a transferência de fundos da União –, o estado não gerou esforços “extras”
para criar planos metropolitanos ou até mesmo estaduais, como ocorreu em outros
estados (Galvão Júnior et al., 2009). A falta de proatividade pode ser exemplificada
com a ausência dos planos estaduais de saneamento e macrodrenagem. Embora
as demandas específicas para estados e municípios seja a formulação dos planos
em seus respectivos níveis, a criação de planos intrarregionais ou metropolitanos
também está prevista nas diretrizes nacionais. Se as prioridades devem ser dadas ao
atendimento do necessário (planos estadual e municipal), não se deve, contudo,
desconsiderar o planejamento regional e sua instrumentalização.
Destaque-se, por sua vez, que o estado passou a prover estrutura de apoio
técnico aos municípios, para que estes pudessem adaptar-se às novas resoluções federais. A criação do Instituto de Desenvolvimento Institucional das
Cidades do Ceará (Ideci) e os convênios com instituições representativas dos
municípios exemplificam este papel de coadjuvante do estado no tratamento
da FPIC de saneamento.
Governança do Saneamento Ambiental na Região Metropolitana de Fortaleza:
novos instrumentos e antigas dificuldades
455
Por último, percebe-se a valorização de novos instrumentos de gestão,
como consórcios e parcerias público-privadas para a resolução dos problemas
intermunicipais. Os CIs, por exemplo, são incentivados em várias áreas – como
na utilização de aterros sanitários e hospitais públicos regionais. Embora este
seja importante instrumento de ação regional, ele pode e deve ser complementado
com outros instrumentos de controle e cobrança em instância maior, que garanta
ou induza ação coordenada dos municípios. Planos e diretrizes setoriais metropolitanas, por exemplo, reforçariam o planejamento e a cobrança de serviços públicos
comuns aos municípios. O acordo e, posteriormente, a dissolução do Consórcio
do Rio Maranguapinho8 revelam que o protagonismo político é sempre restrição
muito forte ao planejamento regional.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, R. B.; CORDEIRO, W. Monitoramento/gestão de água subterrânea
em microáreas estratégicas da Região Metropolitana de Fortaleza – RMF. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ÁGUAS SUBTERRÂNEAS, 12. São Paulo:
Abas, 2002.
CAGECE – COMPANHIA DE ÁGUA E ESGOTO DO CEARÁ. História. Cagece,
Fortaleza, 2012. Disponível em: <http://goo.gl/DQNM9N>. Acesso em: dez. 2013.
CEARÁ. Secretaria das Cidades do Ceará. Programa de Melhorias Urbana e
Ambiental do Rio Maranguapinho – PROMURB. Fortaleza: GEC, 2007.
COGERH – COMPANHIA DE GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS.
Plano de Gerenciamento das Águas das Bacias Metropolitanas. Fortaleza:
COGERH, 2000.
______. Revisão do Plano de Gerenciamento das Águas das Bacias Metropolitanas e elaboração dos planos de gerenciamento das águas das bacias do
litoral, Acaraú, e Coreaú, no estado do Ceará – relatório de fase 1. Fortaleza:
COGERH, 2010.
GALVÃO JUNIOR, A. C. et al. Marcos regulatórios estaduais em saneamento
básico no Brasil. Revista de administração pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1,
p. 207-227, jan./fev. 2009.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Pesquisa nacional de saneamento básico: 2008. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
IPECE – INSTITUTO DE PESQUISA E ESTRATÉGIA ECONÔMICA DO
CEARÁ. Anuário estatístico do Ceará: 2012. Fortaleza: Ipece, 2013.
8. Embora o instrumento de Consórcio do Rio Maranguapinho tenha sido criado com ajuda de consultores internacionais,
este não foi assinado por todos os prefeitos, sob alegação de desproporcionalidade de direitos e deveres.
CAPÍTULO 17
GOVERNANÇA DO SANEAMENTO BÁSICO NA REGIÃO METROPOLITANA
DE SALVADOR: UM OLHAR SOBRE OS RESÍDUOS SÓLIDOS
Maria das Graças Torreão Ferreira1
Márcia Sampaio Baggi2
Rafael Camaratta Santos3
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo integra o projeto Governança Metropolitana no Brasil no que se
refere à governança das funções públicas de interesse comum (FPIC) e seu foco é
a governança da FPIC de saneamento básico na Região Metropolitana de Salvador
(RM de Salvador), na perspectiva metropolitana, como resultado de uma reflexão
quanto ao nível de organização institucional e ao compartilhamento da gestão,
com ênfase na gestão dos resíduos sólidos.
As regiões metropolitanas (RMs) expressam, em um nível mais elevado, a
complexidade do processo de urbanização, caracterizando-se pela intensificação
das funções públicas que extrapolam os limites municipais e que, por sua natureza,
requerem tratamento compartilhado entre municípios e estado, tendo em vista
que a dinâmica urbana municipal, assim como a operacionalização destes serviços,
não se restringe aos limites territoriais de um município.
As FPICs entre municípios de aglomerações urbanas e regiões metropolitanas
ampliam-se de acordo com a complexidade da concentração urbana, compreendendo
outros campos além daqueles contemplados pela Lei Complementar Federal
no 14/1973, que criou as primeiras RMs do Brasil, a exemplo da saúde, da educação,
da segurança, entre outras. Contudo, nesta pesquisa foram considerados apenas
o transporte, o uso e ocupação do solo e o saneamento, foco central deste texto,
considerando a sua relevância na integração e expansão das regiões urbanas.
1. Arquiteta. Urbanista. Diretora de Planejamento Territorial da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedur).
Coordenadora estadual do projeto Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea na Bahia.
2. Urbanista. Engenheira ambiental. Assistente de Pesquisa II no projeto Governança Metropolitana no Brasil da Rede
Ipea na Bahia.
3. Sociólogo. Assistente de Pesquisa I no projeto Governança Metropolitana no Brasil da Rede Ipea na Bahia.
458
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Este capítulo apresenta inicialmente uma breve abordagem do ambiente
metropolitano que demanda uma prestação compartilhada dos serviços de saneamento.
As seções seguintes tratam especificamente da FPIC de saneamento básico: o item
2 traça considerações sobre as condições atuais do serviço, compreendendo as
quatro vertentes do saneamento básico definidos na Política Nacional; o item 3
analisa de forma mais específica a governança do serviço de resíduos sólidos, que
apresenta peculiaridades referentes aos arranjos institucionais e distintas naturezas
de articulações entre atores públicos, privados e sociedade na sua gestão. Por fim,
tece-se considerações gerais sobre a governança e a gestão desta FPIC, com ênfase
no campo dos resíduos sólidos.
De um modo geral, observa-se que, apesar da necessidade de compartilhamento
destas FPICs, na prática, pouco se avançou quanto à efetiva cooperação entre os
Entes Federados e à participação social.
2 PANORAMA DO SANEAMENTO BÁSICO NA RM DE SALVADOR
2.1 O ambiente metropolitano
O porte e a complexidade da RM de Salvador, além das grandes desigualdades
socioeconômicas e institucionais presentes no território metropolitano, implicam
maior grau de dificuldade para o atendimento adequado dos serviços de saneamento, especialmente se tratados individualmente pelos municípios. Nesse sentido,
uma breve análise do panorama socioeconômico da região permite dimensionar a
intensidade da problemática do saneamento na região.
2.1.1 Referências socioeconômicas
A RM de Salvador, composta por treze municípios, configura-se como o território
mais dinâmico do estado, estando entre as principais RMs do Nordeste e do país,
em razão da concentração de pessoas e de riqueza, da diversidade e complexidade
de bens, serviços, equipamentos, comércio, oportunidades de emprego e lazer,
entre outras. Em termos populacionais, ocupa a sétima posição entre as RMs,
enquanto Salvador ocupa a terceira posição entre as capitais do país. Apesar disso,
assim como as demais RMs, apresenta grandes contradições, com elevados índices
de pobreza e muitos problemas de infraestrutura urbana, que têm rebatimento nas
condições de saneamento básico existentes.
A RM de Salvador possui 4.375,123 km² e 3.573.973 habitantes,4 concentrando 25,5% da população do estado da Bahia. Tem uma densidade demográfica
4. Dados populacionais e socioeconômicos (IBGE, 2010).
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
459
de 817 habitantes/km², trinta vezes maior que a média estadual, de 25 habitantes/km2,
sendo sua população predominantemente urbana em todos os municípios da RM,
apresenta uma taxa média de urbanização de 98,1%. Contudo, quase 75% da
população da RM está concentrada em Salvador, seguida de Camaçari, que reúne
cerca de 10%, apesar de ser o município que possui o segundo maior produto
interno bruto (PIB) da região (Fernandes, 2010).
Sob a perspectiva da expansão e sua repercussão na demanda por saneamento,
observa-se que na última década houve crescimento demográfico em todos
os municípios da RM de Salvador, alcançando uma taxa média de crescimento
anual de 1,7%, apesar de se registrar uma queda com referência à década anterior
de 2,15%, puxada pelas taxas de Salvador (0,91%), Itaparica (0,89%) e Candeias
(0,79%). Por seu lado, observa-se a tendência de maior crescimento dos municípios
de Camaçari (3,99%), Dias d’Ávila (3,75%), Madre de Deus (3,61%) e Lauro
de Freitas (3,58%), situados ao norte da RM de Salvador, onde estão localizados
os grandes empreendimentos industriais e de serviços. Os municípios de Simões
Filho, Vera Cruz e São Francisco do Conde mantiveram-se na faixa de 2%.
A RM de Salvador também concentra grande parte (41,50%) do PIB estadual e
representa um dos seis mais importantes mercados regionais do Brasil, apresentando,
nas últimas décadas, taxas de crescimento do PIB superiores às verificadas nas duas
principais metrópoles do país – São Paulo e Rio de Janeiro. Os principais vetores do
dinamismo desta RM são os serviços, a indústria automobilística e a petroquímica.
No litoral norte do estado, a atividade turística vem se tornando cada vez mais
expressiva, e constitui grande vetor da dinâmica urbana da RM de Salvador.
Os desequilíbrios intrarregionais ficam mais evidentes ante a análise da
participação dos municípios no PIB regional. Enquanto Salvador, Camaçari e São
Francisco do Conde participam com quase 80% do PIB regional, concentrando
a base industrial da RM de Salvador e do setor de serviços, especialmente em
Salvador, os municípios de Itaparica, Vera Cruz, Madre de Deus, Mata de São
João, São Sebastião do Passé, Pojuca e Dias d’Ávila, conjuntamente, participam
com apenas 6%.
Outro aspecto revelador é dado pelo PIB per capita dos municípios: São
Sebastião do Passé, Itaparica, Vera Cruz e Mata de São João estão em patamares
inferiores ao da Bahia (R$ 11.340) e do Nordeste (R$ 10.379); Salvador e Madre de
Deus situam-se em nível superior a estes, porém inferior ao do Brasil (R$ 19.016);
enquanto os demais – Camaçari, Candeias, Simões Filho, Lauro de Freitas, Dias
d’Ávila, Pojuca e São Francisco do Conde – apresentam valores superiores ao do
Brasil (tabela 1).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
460
TABELA 1
População PIB, PIB per capita – municípios da RM de Salvador
Municípios
População
PIB nominal (R$ 1.000)
PIB per capita (R$ 1)
Salvador
2.675.656
36.744.670
13.732,96
242.970
13.379.554
55.066,69
33.183
9.848.259
296.786,28
Camaçari
São Francisco do Conde
Candeias
83.158
4.204.817
50.564,19
Simões Filho
118.047
3.690.063
31.259,27
Lauro de Freitas
163.449
3.156.015
19.308,87
Dias d’Ávila
66.440
2.172.583
32.699,92
Pojuca
33.066
1.009.945
30.543,31
São Sebastião do Passé
42.153
402.517
9.548,95
Mata de São João
40.183
351.972
8.759,23
Madre de Deus
17.376
282.744
16.272,10
Vera Cruz
37.567
247.515
6.588,63
Itaparica
20.725
115.037
5.550,64
3.573.973
75.605.691
21.154,52
Total
Fonte: IBGE (2010).
Os municípios de Itaparica e Vera Cruz, que compõem a Ilha de Itaparica,
têm uma contribuição limitada à economia regional, considerando seu relativo
papel na dinâmica metropolitana, preponderantemente de recreação e lazer, com
estreita margem para o turismo e a expansão de outras atividades produtivas.
Contribui para esta situação a dificuldade de deslocamento e de integração com
o restante da RM de Salvador.
Esse quadro de desigualdades no interior da RM de Salvador se confirma
com os indicadores sociais que compõem o Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM). Apenas Salvador e Lauro de Freitas alcançam índices superiores
a 0,75, o que também não significa excelência. Contudo, observa-se uma sensível
evolução com relação às décadas anteriores, cujo patamar superior alcançava 0,65,
e atualmente todos os municípios alcançam este índice (tabela 2).
TABELA 2
Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – RM de Salvador (1991-2010)
Municípios da RM de Salvador
1991
2000
2010
Camaçari
0,422
0,551
0,694
Candeias
0,408
0,548
0,691
Dias d’Ávila
0,416
0,540
0,676
Itaparica
0,407
0,522
0,670
Lauro de Freitas
0,474
0,616
0,754
Madre de Deus
0,467
0,565
0,708
Mata de São João
0,378
0,506
0,668
Pojuca
0,445
0,524
0,666
(Continua)
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
461
(Continuação)
Municípios da RM de Salvador
1991
2000
2010
Salvador
0,563
0,654
0,759
São Francisco do Conde
0,355
0,518
0,674
São Sebastião do Passé
0,401
0,508
0,657
Simões Filho
0,430
0,545
0,675
Vera Cruz
0,412
0,521
0,645
Fonte: Banco de dados Atlas Brasil 2013.
Do ponto de vista da renda das pessoas, também se verifica melhoria desse
indicador na RM de Salvador entre 2002 e 2011, visto que ocorreu uma redução
de 16% no número de pessoas de baixa renda, que passou de 1,7 milhão para
1,4 milhão, o que repercute no aumento do consumo e na produção de resíduos
sólidos, assim como na demanda dos serviços de saneamento em geral.
2.1.2 Fatores impulsionadores da demanda por saneamento
Somam-se às tendências do crescimento demográfico e da renda das pessoas,
que ampliam a demanda por saneamento na RM de Salvador, a perspectiva de
implantação de grandes empreendimentos e de investimentos potencialmente
impulsionadores da dinâmica metropolitana. Entre estes, destacam-se o sistema
metroviário, cujo projeto promove a acessibilidade entre os municípios de
Salvador e Lauro de Freitas; o projeto de desenvolvimento regional Sistema
Viário Oeste, que contempla a articulação da RM de Salvador e de Salvador
com o Recôncavo e o Baixo Sul, incluindo a construção de uma ponte entre
Salvador e a Ilha de Itaparica; e a Via Expressa Baía de Todos os Santos,
recentemente inaugurada, que objetiva facilitar o acesso e escoamento do
Porto de Salvador.
Desse modo, os municípios de Itaparica e Vera Cruz, que, na última década,
apresentaram baixo crescimento populacional, tendem, sob o impacto
dos investimentos previstos e em curso no Recôncavo Baiano, a um maior
crescimento populacional. Outro fator de expansão urbana que tem sido relevante, especialmente nos últimos anos, são os empreendimentos e programas
habitacionais, que proporcionam transformações e aumento significativo nas
demandas por saneamento básico na RM de Salvador. Por um lado, os condomínios urbanísticos isolados, de renda mais alta, têm se constituído em novas
frentes de urbanização, estendendo o tecido urbano, com geração de vazios
e aproximação entre as malhas urbanas dos municípios. Por outro lado, os
empreendimentos decorrentes dos programas federais para a habitação de interesse social e habitação popular, em regra localizados nas periferias das cidades
em função do valor da terra, geralmente apresentam, além das dificuldades de
acesso a serviços, problemas de saneamento.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
462
O programa federal Minha Casa Minha Vida (MCMV) proporcionou
a construção de 38.369 unidades habitacionais na RM de Salvador (Sedur,
2013), sendo a maior parte destas em Salvador (33%), seguida de Camaçari
(18%) e Lauro de Freitas (17%), com menor ocorrência à medida que se
afasta da capital, não sendo contemplados os municípios de Madre de Deus,
Vera Cruz e Itaparica. Na figura 1, pode ser observada a tendência de espraiamento da ocupação do território metropolitano, que exige adequação
do planejamento, onera e complexifica a gestão dos serviços urbanos com
características de FPIC.
FIGURA 1
Espacialização dos empreendimentos do MCMV na RM de Salvador
Fonte: Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur, 2013).
Os empreendimentos de grande porte constituem-se como importantes
elementos da dinâmica urbana e geram impacto sobre todas as FPICs. Na RM de
Salvador, envolvem cerca de R$ 25 bilhões e localizam-se principalmente nos municípios de Salvador, Camaçari e Candeias. Reportam-se, principalmente, ao setor
industrial, que demanda soluções específicas dos serviços de saneamento básico.
Outro aspecto relevante no planejamento e gestão das FPICs na RM de
Salvador é a sazonalidade da população urbana, decorrente das características
culturais da região e da grande vocação turística e de veraneio da maior parte dos
municípios, com importantes efeitos na flutuação da demanda por serviços urbanos,
especialmente de saneamento básico.
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
463
A RM de Salvador tem significativa importância cultural, na Bahia e no Brasil,
sendo as manifestações que aí se processam relevantes como fatores de atração
populacional, fortalecimento e expansão da economia regional. No verão, período
do veraneio e quando se concentram as festividades, a população se multiplica,
atingindo, em algumas localidades, três vezes ou mais o tamanho da população
residente. Esta situação afeta sobremaneira o planejamento e a gestão dos serviços
urbanos de saneamento, em especial de o abastecimento de água e resíduos sólidos.
Entre as manifestações destacam-se as festas populares e aquelas associadas
à religiosidade, a exemplo do Carnaval; a lavagem do Bonfim, os festejos de São
João; e a Romaria de Nossa Senhora das Candeias; além das diversas “lavagens”,
festas de rua e eventos musicais tradicionais que ocorrem no verão em Salvador.
Estes eventos de grande diversidade cultural atraem pessoas do Brasil e do exterior,
movimentando grande parte dos municípios da região e atraindo grandes fluxos
populacionais internos e externos à RM de Salvador. São Francisco do Conde é
um exemplo significativo, que sofre no período da festa junina um crescimento
do número de aluguéis temporários e um intenso fluxo de pessoas que circulam
diariamente, provenientes das cidades próximas, muito superior a sua capacidade
de gestão dos serviços.
Esses eventos, especialmente o Carnaval e o São João, provocam situações
peculiares que exigem um planejamento articulado e reforçam a necessidade de
ações especificas de saneamento básico. No âmbito dos resíduos sólidos destacam-se:
a geração intensiva de resíduos do tipo latinhas, garrafas pet, copos descartáveis,
que requerem atenção especial para a eficiência na coleta e no tratamento; a
necessidade de gestão do sistema de catadores de material reciclável, oferecendo
condições dignas de trabalho; promoção de campanhas de educação ambiental etc.
Do mesmo modo, o veraneio na ilha e nos demais locais, que eleva expressivamente
a quantidade de resíduos gerados pela população flutuante, provoca a saturação da
estrutura da gestão municipal para o planejamento e implementação de políticas
capazes de enfrentar as demandas sazonais.
Todas essas ocorrências proporcionam transformações, quantitativas e qualitativas, da demanda por serviços urbanos e geram impactos consideráveis no
planejamento e na gestão dos diversos setores da vida urbana. Tais situações
demandam o apoio do Estado, que ocorre mediante pactuações circunstanciais
com cada município, não havendo uma estratégia de gestão associada.
2.2 As características do saneamento básico
2.2.1 Marcos regulatórios
O marco regulatório da gestão do saneamento básico na RM de Salvador tem
como referencial a legislação federal e estadual que estrutura a Política Nacional
de Saneamento Básico (PNSB).
464
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
A Emenda Constitucional no 19/1998 (Artigo 241) introduz na legislação
brasileira o disciplinamento da gestão associada de serviços públicos, por meio de
consórcios públicos e convênios de cooperação entre os Entes Federados, autorizando a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais
à continuidade dos serviços transferidos.
A Lei Federal no 11.107/2005 dispõe sobre consórcio público e gestão
associada, conferindo o arcabouço institucional necessário para amparar a
prestação compartilhada de serviços públicos, principalmente no tocante ao
saneamento básico, e para os municípios integrantes de regiões metropolitanas
em diversos segmentos.
A PNSB é instituída pela Lei Federal no 11.445/2007 e regulamentada pelo
Decreto no 7.217/2010, que definem como componentes do saneamento básico a
drenagem urbana, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e os resíduos
sólidos. Estabelecem o planejamento, a regulação, a fiscalização, a prestação dos
serviços e o controle social em todos os processos como elementos da gestão do
saneamento. Definem ainda a possibilidade de execução destes serviços por meio de
gestão associada voluntária de Entes Federados, mediante convênio de cooperação
ou consórcio público.
Além das referidas leis, os serviços de resíduos sólidos possuem marcos jurídicos
específicos, como a Lei Federal no 12.305/2010, que institui a Política Nacional
de Resíduos Sólidos (PNRS) e altera a Lei no 9.605/1998.
Recentemente, adicionou-se a esse arcabouço legal o acórdão relativo à
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 1.842/2012, deliberando a gestão
compartilhada dos serviços de saneamento básico entre os municípios integrantes
de RMs e estados, por meio de entidade que reúna integrantes de prefeituras e do
governo estadual, para tratar dos serviços de saneamento e dos demais que possuam
natureza de FPIC, como o transporte.
Outro marco importante é a Lei estadual no 11.172/2008, que institui
a Política e o Sistema Estadual de Saneamento Básico (PESB), e o Decreto
no 12.021/2010, que a regulamenta. Esta lei disciplina o convênio de cooperação entre
Entes Federados, estabelecendo a “prestação de serviços públicos de saneamento
básico, através de Contratos de Programa, celebrados pelos municípios com a
Embasa na vigência de gestão associada, autorizada por convênio de cooperação entre
entes federados ou por contrato de consórcio público” (Bahia, 2008a, Artigo 9o).
O Sistema Estadual de Saneamento Básico é composto por três instâncias,
resumidamente apresentadas a seguir.
1) Órgão superior: Conselho Estadual das Cidades (Concidades), com
funções deliberativa, consultiva e fiscalizadora da Política Estadual de
Saneamento Básico.
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
465
2) Órgão coordenador: Sedur, com competência para formular, coordenar e
implementar a Política Estadual de Saneamento Básico – abastecimento de
água, esgotamento sanitário e manejo de águas pluviais – e supervisionar
projetos, obras e ações de implantação destes serviços no âmbito estadual.
3) Órgãos executores: responsáveis pela execução da Política Estadual de
Saneamento Básico, desempenhada pela Empresa Baiana de Águas
e Saneamento (Embasa) quanto aos serviços de abastecimento de
água, esgotamento sanitário e macrodrenagem, e pela Companhia
de Desenvolvimento Regional do Estado (Conder) na área de
resíduos sólidos.
A estrutura de planejamento do saneamento básico no estado da Bahia tem
como abrangência todo o território estadual; contudo, para a gestão metropolitana
existe uma abordagem regionalizada por meio da Diretoria de Operação e Expansão
da RM de Salvador, da Embasa.
A estrutura organizacional do saneamento básico na RM de Salvador apresenta
características diferenciadas conforme o tipo do serviço. Os serviços de abastecimento
de água e esgotamento sanitário na RM de Salvador são prestados mediante
concessão pela Embasa, criada por meio da Lei estadual no 2.929/1971. Esta empresa
incorporou, no ano de 1975, os serviços da Companhia Metropolitana de Águas e
Esgotos (Comae), e atualmente encontra-se vinculada à Sedur.
No campo dos resíduos sólidos, compete, no âmbito do estado: à Sedur o
planejamento, mediante a formulação da política estadual; à Conder os projetos e
a execução das obras; e aos municípios a responsabilidade pela operação. A Conder
atua na elaboração de projetos, implantação de equipamentos e de infraestrutura,
no apoio e monitoramento da operação dos serviços de coleta e tratamento de
destinação final, além de projetos de inclusão social para catadores de material
reciclável, envolvendo capacitação, ações socioeducativas, apoio logístico e
formação de cooperativas.
No entanto, diferentemente do que ocorre com os serviços de esgotamento
sanitário e abastecimento de água, não existe para os serviços de coleta um tratamento e destinação final de resíduos sólidos, um prestador único para todos os
municípios, mas diferentes arranjos institucionais, desde a operação individual
pelo município, ou por empresas privadas, que utilizam aterros compartilhados.
A Lei no 12.602/2012 cria a Agência Reguladora de Saneamento Básico do
Estado da Bahia (Agersa), autarquia sob regime especial vinculada à Sedur, que
substitui a Comissão de Regulação dos Serviços Públicos de Saneamento Básico
do Estado da Bahia (CORESAB), criada em 2009, tendo como objetivo exercer
a regulação e a fiscalização dos serviços públicos de saneamento básico. Estabelece
ainda a possibilidade de celebração de convênios de cooperação que visam à gestão
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
466
associada destes serviços, bem como a delegação à Agersa de competências municipais de regulação e fiscalização destes serviços.
2.2.2 Planejamento e gestão
O serviço de abastecimento de água da RM de Salvador é realizado majoritariamente
por sistemas integrados, havendo também sistemas isolados que atendem a quatro
municípios (quadro 1). O principal sistema integrado da RM de Salvador tem
como manancial a barragem Pedra do Cavalo, no rio Paraguaçu, que é responsável
por 70% da vazão tratada. O Sistema Integrado Salvador/Lauro de Freitas possui
dois grandes centros de produção de água tratada: Estação Principal de Tratamento
de Água (ETA Principal), com 10 m³/s, e Parque Bolandeira, composto por duas
estações de tratamento com capacidade de 5,0 m³/s.
QUADRO 1
Sistema de abastecimento de água da RM de Salvador
Sistema
Integrado Salvador-Lauro de
Freitas
Principais mananciais
Pedra do Cavalo/Joanes
II-ETA Principal
Barragens Pedra do Cavalo,
Santa Helena e Joanes II
Parque Bolandeira
Barragens Joanes I, Ipitanga
I e II
ETA Suburbana
Ipitanga II
ETA do Cobre
Barragem do Cobre
Sedes urbanas atendidas
Candeias, Lauro de Freitas,
Madre de Deus, Salvador, São
Francisco do Conde E Simões
Filho.
Salvador
Integrado Itaparica-Vera Cruz
Rio Tapera (Barragem Tapera)
Itaparica e Vera Cruz
Isolados
Poços
Camaçari, Dias d’Ávila, Mata
de São João e São Sebastião
do Passé
Fonte: Agência Nacional de Águas (ANA, 2010).
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA, 2010), os mananciais que abastecem a RM de Salvador possuem disponibilidade hídrica para o atendimento das
demandas futuras. Entretanto, para ampliar a capacidade dos sistemas de produção
de água, são necessários alguns investimentos, correspondentes a R$ 217 milhões,
envolvendo onze dos treze municípios da RM de Salvador, para ampliação da
adutora de água tratada da ETA Principal para o centro de reservação de Cabula
e para Candeias; o Sistema Santa Helena/Joanes II; implantar um novo sistema
para São Francisco do Conde; e ampliar os sistemas de poços de Camaçari, Dias
d’Ávila, Mata de São João e São Sebastião do Passé (figura 2).
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
467
FIGURA 2
Sistema de abastecimento de água dos municípios da RM de Salvador
Fonte: ANA (2010).
Nas duas últimas décadas, houve uma ampliação significativa da população
que vive em domicílios com atendimento por rede de água, de modo que dez dos
treze municípios da RM de Salvador apresentam taxas próximas ou superiores
a 90% de cobertura do serviço (tabela 3). Esta condição piora à medida que o
município se distancia da cidade de Salvador – nesta condição estão os municípios
de São Sebastião do Passé e Dias d’Ávila, com as piores situações. Este último
requer cuidado especial, tendo em vista o seu papel na produção de água mineral
e a sua localização próximo ao polo petroquímico, cujos resíduos exigem rigoroso
acompanhamento para evitar comprometimento do manancial hídrico.
A evolução da oferta de água encanada segundo a população atendida e a
evolução do indicador de pessoas em domicílio com abastecimento e esgotamento
sanitário inadequados nos três últimos censos (figuras 3 e 4) demonstram um
crescimento da oferta de água encanada em todo o território e uma redução da
inadequação também generalizada.
A condição do esgotamento sanitário na RM de Salvador ainda é bastante
precária, haja vista que apenas Salvador e Madre de Deus, este com um reduzido
número de domicílios, apresentam índice de atendimento por rede de esgoto em
torno de 80%, enquanto a maior parte dos municípios se situam entre 20% e
30% (quadro 4). Isto revela uma situação de baixo padrão de qualidade urbana,
destacando-se o caso de Camaçari, com apenas 21,3% de atendimento por rede
de esgoto, apesar de ser a segunda cidade em concentração populacional e sede do
principal polo industrial da região e do estado.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
468
Os serviços relativos aos resíduos sólidos compreendem basicamente a coleta, o
transporte, a destinação final e o tratamento dos resíduos sólidos. Na RM de Salvador,
merece destaque a parcela da população em domicílios servidos por coleta de lixo,
superior a 80% em todos os municípios (figura 5), salientando-se a condição dos
municípios de Itaparica e Vera Cruz, que, além de apresentarem os piores indicadores,
convivem com problemas operacionais quanto à coleta e destinação final.
A partir do exposto, constata-se que, no âmbito do saneamento básico, os municípios da RM de Salvador apresentam melhores indicadores relativos ao abastecimento de
água, atingindo, no conjunto, uma cobertura média em torno de 90%. O esgotamento
sanitário possui os piores indicadores, com média de atendimento por rede próximo a
37%. É interessante observar que os serviços de abastecimento de água e esgotamento
sanitário, apesar de apresentarem resultados tão díspares, têm a mesma estrutura de
gestão, unificada em um mesmo prestador de serviço, a Embasa. No campo dos resíduos
sólidos, os dados relativos aos domicílios atendidos por coleta de lixo são satisfatórios,
com uma média de 92,5%, sendo a menor cobertura registrada em Itaparica, na faixa
de 77%. No entanto, apresentam sérias dificuldades quanto à destinação final e ao
tratamento dos resíduos sólidos, que têm relação direta com a capacidade gerencial dos
municípios e de gestão associada. No conjunto da RM de Salvador, foram verificadas
soluções diferenciadas para esta função. Não foram identificadas informações sistematizadas disponíveis sobre a drenagem e o manejo de águas pluviais.
TABELA 3
Indicadores de atendimento de rede de água e esgoto (2011) e população em domicílio
com coleta de lixo (2010) – municípios da RM de Salvador
(Em %)
Índice de atendimento com
rede de esgoto
Índice de atendimento com
rede de água
População em domicílios com
coleta de lixo
Camaçari
21,3
94,4
96,30
Candeias
23,2
90,5
90,90
Dias d’Ávila
33,2
69,2
91,64
Itaparica
43,0
97,1
77,25
Lauro de Freitas
30,3
95,9
99,02
Madre de Deus
84,1
100,0
99,41
Mata de São João
19,3
87,3
92,11
Municípios da RM de Salvador
Salvador
79,2
92,5
96,55
São Francisco do Conde
29,0
100,0
97,03
São Sebastião do Passé
Simões Filho
Pojuca
Vera Cruz
-¹
68,8
93,69
21,0
72,4
86,50
-¹
89,2
99,37
19,8
100,0
82,72
Fonte: Banco de dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS); Atlas Brasil 2013.
Elaboração dos autores.
Nota: ¹ Dados não disponíveis, municípios incluídos na RM de Salvador após 2011, não atendidos pela Embasa.
Obs.: o SNIS calcula os índices de atendimento com os serviços de água e esgotos adotando a população atendida, informada
pelos prestadores de serviços, e a população residente, estimada pelo IBGE (população total).
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
469
FIGURA 3
População em domicílio com água encanada – município da RM de Salvador (1991,
2000 e 2010)
Fonte: Atlas Brasil 2013.
Elaboração dos autores.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
470
FIGURA 4
População em domicílio com abastecimento de água e esgotamento sanitário
inadequados – município da RM de Salvador (1991, 2000, 2010)
Fonte: Atlas Brasil 2013.
Elaboração dos autores.
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
471
FIGURA 5
População em domicílio com coleta de lixo – município da RM de Salvador (1991,
2000, 2010)
Fonte: Atlas Brasil 2013.
Elaboração dos autores.
472
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Em 2007, a PNSB introduz entre seus princípios fundamentais a disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas
pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público
e privado. Compreende, como serviços de drenagem e manejo das águas pluviais
urbanas, o conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de
drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o
amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais
drenadas nas áreas urbanas. A PESB corrobora e acrescenta ações de combate e
controle a vetores e reservatórios de doenças e atividades relevantes para a promoção
da saúde e da qualidade de vida.
Historicamente, este serviço ficava sob a responsabilidade direta dos municípios, que o executava, na medida da necessidade, como atividade de manutenção, mas não havia um plano completo e integrado aos demais componentes do
saneamento básico que orientasse e estabelecesse as diretrizes e prioridades, nem
cadastro da rede implantada. Por esta razão, ou por ser considerada uma atividade
pouco atrativa financeiramente, nem o governo do estado, nem concessionárias de
serviço demonstraram interesse neste serviço.
Somente após a PESB e os grandes desastres ambientais urbanos envolvendo
enchentes e desmoronamentos entrou na pauta do planejamento do estado, porém
sem a prioridade dada aos demais elementos do saneamento básico, continuando
sem um plano para a RM de Salvador. A Sedur é o órgão competente para a formulação e o monitoramento dos planos e projetos de drenagem e manejo das águas
pluviais urbanas no âmbito da política estadual de saneamento básico.
3 UM FOCO ESPECIAL SOBRE A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS NA RM
DE SALVADOR
Esta seção tem foco específico na FPIC de resíduos sólidos na RM de Salvador,
considerando o papel fundamental da gestão adequada dos resíduos sólidos na
prevenção de graves problemas ambientais, sob a perspectiva do desenvolvimento
urbano sustentável. Aborda a dimensão do problema na RM de Salvador, os recentes
avanços institucionais e as peculiaridades relativas às formas de gestão engendradas
e as possibilidades de construção de uma governança metropolitana.
3.1 Características da limpeza urbana e do manejo de resíduos sólidos
Esta análise refere-se à coleta e à destinação final dos resíduos sólidos urbanos
na RM de Salvador, compreendendo o gerenciamento de resíduos sólidos como
o conjunto de ações exercidas direta ou indiretamente, envolvendo a coleta, o
transporte, a destinação final e o tratamento adequados, em conformidade com
cada tipo de resíduo (domiciliar, hospitalar, industrial, de construção civil etc.).
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
473
Na RM de Salvador, em 2010, a estimativa da produção total diária de resíduos sólidos foi de 3.419,3 toneladas/dia, sendo a contribuição dos municípios
bastante desequilibrada, constituindo um dos fatores a ser solucionado. Salvador é
o principal gerador de resíduos sólidos, responsável por 76% da produção total de
resíduos da RM de Salvador; seguido de Camaçari, com 6%; Lauro de Freitas, com
4,6%; e Simões Filho, na faixa de 3%. Estes quatro municípios, os mais populosos,
respondem por 90% da produção dos resíduos da RM de Salvador, enquanto os
outros seis não atingem sequer 1%. O baixo percentual de geração de resíduos nos
demais municípios demonstra que a gestão associada é necessária para constituir
um escopo mínimo, que garanta a sustentabilidade financeira do serviço. Ao lado
disso, outro entrave a superar são os problemas de acessibilidade intermunicipal.
Os municípios de Itaparica e Vera Cruz são exemplos desta situação, pois, com uma
baixa produção de resíduos e com um certo grau de isolamento por sua situação
geográfica na Ilha de Itaparica, têm dificuldades de manutenção de seus sistemas.
Segundo o Estudo de regionalização (Sedur, 2012), a previsão é que a RM de
Salvador, no prazo de vinte anos, tenha uma população de 4.631.873 habitantes e
uma geração de resíduos sólidos correspondente a 5.061.799 toneladas/dia (tabela 4).
TABELA 4
Produção de resíduos sólidos urbanos estimada para a Região de Desenvolvimento
Sustentável (RDS) Metropolitana de Salvador
Municípios
População
2010
Produção para
2010 (kg/dia)
População
projetada para
2015
Produção para
2015 (Kg/dia)
População
projetada 2033
Projeção da
produção para
2033 (kg/dia)
Camaçari
231.973
231.973
256.114
262.581
365.783
410.244
Candeias
75.994
60.795
79.867
65.506
95.521
85.705
Dias d’Ávila
62.473
49.978
68.972
56.570
98.501
88.379
Itaparica
20.725
14.507
21.780
15.630
26.041
20.444
Lauro de
Freitas
163.449
163.449
180.459
185.015
257.730
289.057
Madre de Deus
16.854
10.112
18.605
11.444
26.560
20.851
Mata de São
João
29.825
20.877
32.926
23.630
47.015
36.910
Pojuca
28.378
19.864
31.329
22.484
44.734
35.120
Salvador
2.674.923
2.674.923
2.811.368
2.882.258
3.362.801
3.771.556
São Francisco
do Conde
27.391
19.173
30.238
21.701
43.174
33.895
São Sebastião
do Passé
33.112
23.178
34.799
24.974
41.614
32.670
Simões Filho
105.811
105.811
116.821
119.770
166.839
187.118
35.244
24.670
38.908
27.923
55.560
49.850
3.506.152
3.419.310
3.722.186
3.719.486
4.631.873
5.061.799
Vera Cruz
Total
Fonte: Sedur (2012).
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
474
No que se refere à coleta de resíduos sólidos, observa-se uma evolução significativa
nas duas últimas décadas, quando a maioria dos municípios apresentava menos de 50%
de domicílios atendidos por coleta de lixo. Em 2010, apenas três municípios não superam
os 90% de atendimento, situando-se em torno de 80%. Os municípios de Itaparica
e Vera Cruz exemplificam bem a gravidade do setor, pois, além de situarem-se entre
os piores indicadores de coleta, apresentam problemas operacionais quanto à coleta, à
destinação final e ao tratamento dos resíduos domiciliares (tabela 5).
TABELA 5
População que vive em domicílio com coleta de lixo
(Em %)
Municípios da RM de Salvador
1991
2000
2010
Salvador
77,33
93,13
96,55
Camaçari
84,63
88,31
96,30
Lauro de Freitas
58,78
91,59
99,02
Simões Filho
40,14
74,98
86,50
Vera Cruz
47,34
79,84
82,72
Itaparica
34,54
75,17
77,25
Madre de Deus
75,75
97,15
99,41
Mata de São João
29,88
70,95
92,11
Pojuca
81,40
91,73
99,37
São Francisco do Conde
41,68
67,76
97,03
São Sebastião do Passé
62,09
82,72
93,69
Candeias
45,36
69,32
90,90
Dias d’Ávila
41,18
89,31
91,64
Fonte: Atlas Brasil 2013.
Nos anos de 1995 e 1997, o governo do estado, por meio da Conder, implantou
aterros sanitários convencionais para atender à RM de Salvador com vida útil de
vinte anos, e estes seriam compartilhados entre os municípios, para os quais migraria
sua gestão. No entanto, assim como em Vera Cruz e Itaparica, na maioria desses
municípios o aterro sanitário implantado foi transformado em lixão, em virtude
da destinação final dos resíduos domiciliares serem operados de forma inadequada.
Em São Francisco do Conde, apesar de atualmente a situação estar equacionada, com a contratação dos serviços e a destinação final dos resíduos para
o aterro privado da Hera Ambiental, existe um passivo a ser sanado, o antigo
aterro – Ponta do Ferrolho, situado em seu território e que atendia também ao
município de Candeias. Pojuca utiliza o aterro sanitário do município de Catu,
também implantado pelo governo do estado e que igualmente se transformou em
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
475
lixão devido à operação inadequada. Em decorrência de problemas operacionais,
estes equipamentos, apesar de terem sido implantados como aterros sanitários,
com todos os componentes necessários, como manta, impermeabilização, células,
lagoas de estabilização, atualmente não passam de lixões. O insucesso de parte dos
arranjos estabelecidos outrora deve-se a fatores de natureza política e de capacidade
técnica e financeira limitada dos municípios (Sedur, 2013).
Atualmente, os municípios da RM de Salvador apresentam diferentes soluções
de gestão dos resíduos sólidos, que vão desde a operação pelos próprios municípios
até a terceirização do serviço às empresas que buscam soluções conjuntas com mais
de um município, de modo a garantir a sustentabilidade do empreendimento
(quadro 2). O agrupamento de município, de um modo geral, não resulta da
articulação intermunicipal, mas sobretudo da estratégia do agente responsável pelo
equipamento e pela operação do serviço. Para a iniciativa privada, trata-se de uma
atividade econômica que precisa gerar rentabilidade; para os agentes públicos,
precisa garantir, no mínimo, a sustentabilidade do serviço. Nestas formatações, o
aterro sanitário pode ser de propriedade privada, licenciado pelo município sitiante
e operado pelo privado, como o de São Francisco do Conde, ou de propriedade
pública, operado pelo poder público municipal ou estadual, diretamente ou
mediante concessão de cada um dos municípios, permitindo arranjos diversos.
O observado é que o compartilhamento limita-se exclusivamente ao uso do aterro.
Além das empresas que atuam na destinação final, é relevante a atuação
de empresas terceirizadas que executam o serviço de limpeza urbana e coleta de
resíduos domiciliares.
QUADRO 2
Disposição final dos resíduos sólidos na RM de Salvador – municípios atendidos por
aterro
Município
Local da disposição final
Implantação (agente/ano)
Natureza do aterro
Salvador
Lauro de Freitas
Aterro Sanitário Metropolitano Centro
Conder/1997
Público
Aterro Sanitário de Camaçari
Conder/1995
Público de direito privado
Aterro Sanitário de Catu (lixão)
Conder/2000
Público
Aterro Sanitário – São Francisco do Conde
(particular da empresa Hera Ambiental)
Hera Ambiental/2009
Privado
Aterro Sanitário de Vera Cruz (lixão)
Conder/1997
Público
Simões Filho
Camaçari
Dias d’Ávila
Mata de São João
Pojuca
Catu¹
Madre de Deus
São Francisco do Conde
Candeias
São Sebastião do Passé
Vera Cruz
Itaparica
Fonte: Sedur (2013).
Nota: ¹Não integra a RM de Salvador.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
476
Os principais agentes que atuam neste setor na RM de Salvador são: a Hera
Ambiental, empresa que possui um aterro privado em São Francisco do Conde e
presta serviço mediante contrato aos cinco municípios: Madre de Deus, Conde,
Candeias, São Sebastião do Passé e ao próprio São Francisco do Conde; a Limpeza
Pública de Camaçari (LIMPEC), empresa pública de direito privado de Camaçari
responsável pelos resíduos em seu município e que presta serviço, também mediante
contrato, a Dias d’Ávila e Mata de São João, atendendo eventualmente a outros
municípios da RM de Salvador; e a empresa Bahia Transferência e Tratamento
de Resíduos (BATTRE), do mesmo grupo da Hera Ambiental, administradora
do Aterro Metropolitano Centro de Salvador por meio de concessão e que presta
serviço à Salvador, Lauro de Freitas e Simões Filho.
FIGURA 6
Espacialização dos agentes públicos e privados atuantes na destinação final dos
resíduos sólidos da RM de Salvador¹
Elaboração dos autores.
Nota: ¹ Elaborado a partir de informações obtidas por meio de entrevistas realizadas com as administrações municipais.
Grupos privados que atuam na RM de Salvador já demonstram interesse
em ampliar sua abrangência aos municípios da Ilha de Itaparica, que atualmente
operam seu aterro de modo inadequado (lixão), para a implantação de uma
estação de transferência. A solução para a destinação final de resíduos sólidos nas
ilhas, além da grave situação atual, torna-se mais relevante ante a perspectiva de
transformações na dinâmica urbana local em face da construção do Sistema Viário
Oeste-Ponte Salvador/Itaparica.
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
477
Apesar de não serem objeto de análise deste estudo, identificou-se que os resíduos de origem hospitalar são, na maioria dos municípios, tratados pela empresa
privada SERQUIP. No entanto, há municípios que descartam de forma irregular
também seus resíduos hospitalares. Em Pojuca, os resíduos desta natureza têm
como destinação final o “lixão” do município, em célula específica.
3.2 Aspectos institucionais do planejamento, da gestão e do controle social
Diante do panorama apresentado, fica evidente a necessidade de elaboração dos
planos de resíduos sólidos nas diversas escalas territoriais. A Política Nacional
de Resíduos Sólidos define o plano de resíduos sólidos como condicionante para
que estados e municípios tenham acesso aos recursos federais, tendo estabelecido
como prazo inicial para sua elaboração o ano de 2012. Ademais, atribui aos estados
a responsabilidade pela elaboração deste plano para as regiões metropolitanas,
assim com o papel de promover a integração da organização, do planejamento e
da execução das FPICs relacionadas à gestão dos resíduos sólidos.
Contudo, no âmbito municipal e estadual há um baixo desempenho
na elaboração do plano de resíduos sólidos. Entre as treze administrações
municipais, nenhuma tem plano de resíduos sólidos concluído e aprovado.
O município de Salvador encontra-se em fase final de elaboração do seu plano,
enquanto a maior parte dos municípios da RM de Salvador encontra-se ainda
nas fases preliminares.
A Sedur desenvolveu, em 2012, o Estudo de regionalização de gestão integrada de resíduos sólidos do estado da Bahia, visando à adoção de arranjos territoriais, em áreas de
planejamento estratégico do estado e a definição das melhores soluções integradas e
consorciadas para planejamento e intervenções, voltados para os sistemas de limpeza
urbana e manejo de resíduos sólidos. A regionalização utilizada neste estudo foi a
de região de desenvolvimento sustentável (RDS), “que considerou em sua definição
aspectos ambientais, sociais, institucionais, políticos, econômicos e culturais” (Sedur,
2012). Entre as 26 RDS propostas, inclui-se a RM de Salvador, a qual foi subdividida
preliminarmente em cinco arranjos territoriais, para os quais foram indicadas soluções
compartilhadas de curto prazo (2015) e longo prazo (2033), conforme sintetiza o
quadro 8 (Sedur, 2012).
QUADRO 3
Proposta de arranjos institucionais compartilhados da RDS da RM de Salvador
Arranjos
Municípios abrangidos
regionalizados
1
Salvador, Simões Filho
e Lauro de Freitas
Solução proposta
1) Intervenções para curto prazo (2015): 195
Envolve a construção de unidades de triagem, postos de entrega voluntária simples; área de
transbordo e triagem (ATT) de resíduos de construção civil (RCC; e aterros de RCC distribuídos nos
três municípios – maior parte em Salvador).
2) Intervenções para longo prazo (2033): 23
Novas unidades de triagem; posto de entrega voluntária (PEV); aterro de RCC inertes; e
encerramento de um aterro sanitário comum e criação de um novo para atender o arranjo.
(Continua)
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
478
(Continuação)
1) Intervenções de curto prazo (2015): 8
Abrange remediação de lixão; ampliação de aterro sanitário comum em Vera Cruz; e
implantação de unidades de triagem, PEV central de RCC e aterros de RCC inertes.
2) Intervenções para longo prazo (2033): 2
Encerramento de um aterro sanitário comum e criação de um novo para atender o arranjo.
2
Vera Cruz e Itaparica
3
1) Intervenções de curto prazo (2015): 12
São Sebastião do Passé,
Inclui remediações de lixão, unidades de triagem; PEV central e aterro de RCC; e criação de
Mata de São João e Pojuca
aterro sanitário comum, inicialmente em São Sebastião do Passé, para os três municípios.
4
Camaçari e Dias d’Ávila
1) Intervenções de curto prazo (2015): 21
Envolve a construção de estação de transbordo, PEV simples de RCC e volumosos; aterros de RCC
2) Intervenções para longo prazo (2033): 5
Envolve unidades de triagem; a construção de PEVs e o encerramento de aterro sanitário
comum; e a criação de um novo para atender o arranjo.
5
1) Intervenções de curto prazo (2015): 12
São Francisco do Conde,
Inclui o encerramento do Aterro Sanitário da Ponta do Ferrolho (lixão); a construção de
Madre de Deus e Candeias
unidades de triagem; PEVs simples e central de RCC; ATT de RCC; e aterro de RCC inerte.
Fonte: Sedur (2012).
A regionalização e o compartilhamento propostos deverão ser considerados
no plano de resíduos sólidos, observando-se as especificidades regionais para possibilitar sua implementação de forma mais adequada e mais eficiente.
A elevada concentração de pessoas e de atividades em áreas metropolitanas
implica grande produção de resíduos, sendo fundamental a gestão compartilhada
com base em uma governança metropolitana estruturada, envolvendo os diversos
atores interessados. Nesse sentido, a PNRS estabelece entre seus instrumentos o
incentivo à adoção de consórcios, ou de outras formas de cooperação, entre os
Entes Federados, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à redução
dos custos envolvidos.
Para balizar a gestão dos resíduos sólidos existe, no país e no âmbito estadual, importantes marcos regulatórios do saneamento básico, além da legislação
específica deste tema.
A Política Nacional de Saneamento Básico afirma a titularidade do município para a gestão dos serviços de saneamento, definindo como mecanismo para o
tratamento compartilhado destes serviços a gestão associada (Brasil, 2007, Artigo
2o, inciso II), ou seja, uma associação voluntária de Entes Federados por meio de
convênio de cooperação ou consórcio público. Não obstante, admite a prestação
regionalizada, quando um único prestador atende dois ou mais titulares, definindo
neste caso regras específicas. Este formato possibilita a existência de compartilhamento por meio do exercício da função de regulação e fiscalização, que pode
ser desempenhada mediante consórcio público de direito público formado pelos
titulares dos serviços.
Na RM de Salvador, inexiste gestão associada dos resíduos sólidos, sendo o
arranjo mais recorrente a prestação do serviço, de forma direta ou indireta, por
meio de contrato com empresas privadas ou públicas. A exemplo da LIMPEC,
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
479
que atende diretamente o seu município e indiretamente outros municípios próximos. Nos casos em que há o compartilhamento, este ocorre no uso do aterro,
mediante pagamento por contrato, e não no âmbito da gestão.
Apesar da atribuição conferida ao estado pela PNRS para as regiões metropolitanas, não há uma gestão metropolitana dos resíduos sólidos na RM de Salvador.
Faltam mecanismos que promovam a articulação e integração da gestão entre os
municípios. A elaboração do plano de resíduos sólidos para a RM de Salvador
poderá se constituir como um fator importante para o planejamento e a gestão
sob a perspectiva metropolitana. A gestão associada dos resíduos sólidos é uma
das metas previstas no termo de referência para a elaboração deste plano. Entre os
requisitos consta a modelagem para a formação do consórcio intermunicipal, de
acordo com a definição do estudo de RDS, considerando as iniciativas e experiências dos consórcios públicos intermunicipais formados ou em formação no estado
e em outras Unidades da Federação.
A efetivação das atribuições da Agersa, relativas à regulação, ao controle e
à fiscalização, é um importante meio de corroborar com a gestão associada dos
resíduos sólidos. A lei que a instituiu estabelece que, mediante a celebração de
convênio de cooperação entre o estado e os municípios, poderá ser delegada a esta
agência o poder de regulação, controle e fiscalização dos serviços públicos, visando
à gestão associada de serviços públicos de saneamento básico, cujas funções já as
desempenha para os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
O controle social está previsto nos marcos legais que regulamentam o
saneamento básico e o serviço de resíduos sólidos, seja no planejamento, seja
na fiscalização do serviço. A PNSB e a PNRS incluem entre os princípios fundamentais que devem permear a prestação dos serviços públicos de saneamento
o controle social, definindo-o como o conjunto de mecanismos e procedimentos
que garantam à sociedade informações, representações técnicas e participação no
processo de formulação de políticas, planejamento e de avaliação relacionados aos
serviços de saneamento básico (Brasil, 2007; 2010c).
A PNSB especifica ainda a possibilidade de participação de órgãos colegiados estaduais e municipais, de caráter consultivo, no controle social, devendo ser
assegurada a representação dos titulares dos serviços, dos órgãos governamentais
correlatos, dos prestadores de serviço, dos usuários do serviço e de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e órgãos colegiados existentes, com as devidas
adaptações das leis que os criaram.
No âmbito municipal, a maior parte das prefeituras da RM de Salvador não
possui estrutura formal específica para esta função, existindo em alguns casos
conselhos de meio ambiente e ouvidorias, por meio das quais podem ser feitas
comunicações e reclamações. No estado da Bahia, a instância de controle social
480
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
para atuar nas políticas de resíduos sólidos são as estabelecidas para as políticas
públicas de saneamento básico, ou seja, o Concidades, mediante sua Câmara Técnica de Saneamento Básico, cuja finalidade é formular, controlar e acompanhar a
implementação da política estadual.
4 GOVERNANÇA E GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO
4.1 Considerações gerais
A partir de informações secundárias e de entrevistas qualificadas, que revelaram
as visões específicas dos diversos atores, foi possível uma compreensão da região
metropolitana do ponto de vista da gestão das FPICs, abordando o planejamento,
a estrutura institucional, a gestão democrática e a articulação intermunicipal
e intersetorial.
A visão da governança das FPICs sob a perspectiva metropolitana, segundo os
gestores e técnicos dos treze municípios integrantes da RM de Salvador, constituiu-se
em importante instrumento de balizamento da efetividade do aparato institucional
existente para uma governança metropolitana.
Existe uma significativa desigualdade entre os municípios da RM de Salvador,
mantida mesmo quando se exclui Salvador, que possui uma realidade singular perante os demais. Esta desigualdade se observa em relação à capacidade financeira
e de gestão dos municípios, bem distinta e que se reflete no nível de organização
para a gestão das FPICs, sendo agravada pela falta de um planejamento integrado
da RM de Salvador.
Constataram-se, no âmbito municipal, limitações relativas à estrutura administrativa e aos instrumentos de política urbana, o que, associado à descontinuidade
política nas gestões municipais, contribui para a ausência de planejamento e de
informações sistematizadas para a gestão das FPICs.
A desestruturação administrativa e institucional para a questão metropolitana
no estado reflete-se na incipiência do planejamento territorial na escala metropolitana. O planejamento e a gestão das FPICs na RM de Salvador estão sob a
responsabilidade de órgãos de abrangência estadual.
Existe planejamento nas áreas operacionais e setoriais que não dialogam
entre si. No campo do abastecimento de água e esgotamento sanitário, a Embasa
elabora seus planos operacionais e de expansão. Para os resíduos sólidos, o governo
do estado elaborou um estudo de regionalização da gestão integrada para as 26
RDS do estado – entre as quais está a RM de Salvador –, por meio do qual propôs a conformação de cinco arranjos de gestão. Contudo, na destinação final dos
resíduos sólidos, o que prevalece na prática são os compartilhamentos construídos
principalmente sob a lógica das articulações econômicas. A relação tem se dado
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
481
entre as empresas e cada município. Das subáreas do saneamento abordadas, a
macrodrenagem é a que apresenta maior fragilidade.
Em síntese, no âmbito do governo do estado, o planejamento e a gestão
metropolitana das FPICs são realizados setorialmente, adotando-se como região
de referência diferentes territórios, segundo as peculiaridades temáticas: RM de
Salvador, Território de Identidade Metropolitano de Salvador, RDS, além de outros
recortes que contemplam parcialmente a RM de Salvador.
Existe uma gama relevante de empreendimentos e investimentos no território
da RM de Salvador, sejam de iniciativa privada, sejam do poder público, implantados
segundo uma lógica setorial específica. Predominam os investimentos públicos com
recursos da União nas áreas de saneamento, infraestrutura, habitação, entre outras,
em sua maioria sob a responsabilidade do estado, que, de modo geral, apresenta
maior capacidade financeira e de gestão. Apesar do volume expressivo de empreendimentos implantados e em implantação, não existe uma base de planejamento
integrado que articule as diversas intervenções, proporcionando sinergia entre as
ações e evitando deseconomias urbanas. Cada empreendimento considera, individualmente, as oportunidades locacionais oferecidas, mas os impactos sobre as outras
dimensões da dinâmica metropolitana nem sempre são levados em consideração.
Este processo tem intensificado os conflitos, ampliando demandas e aumentando
a complexidade e dificuldade das soluções.
Por seu lado, esses empreendimentos desdobram-se em geração de emprego e
renda, fomento à economia local, aumento de arrecadação de impostos, assim como
em melhoria dos padrões de habitabilidade e da qualidade de vida da população.
Atualmente, foram iniciados, encontrando-se em estágios diferenciados, os
processos para a elaboração dos planos metropolitanos específicos para as quatro
subáreas do saneamento básico.
Sob o aspecto do arranjo institucional e da articulação intergovernamental
para a gestão, não há uma governança estruturada e perfeitamente alinhada.
A prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário na RM
de Salvador é realizada por concessão dos municípios à Embasa, mas conta com
frágil organização administrativa municipal, que inviabiliza o monitoramento
dos serviços, geralmente vinculado às secretarias de serviços públicos ou de
infraestrutura. São comuns as situações de desalinhamento entre os municípios
e a concessionária dos serviços – Embasa –, devido à ausência ou insuficiência
de comunicação ou articulação, especialmente para a expansão da rede e para as
manobras operacionais, ocasionando problemas como a interrupção do tráfego.
O município de Lauro de Freitas, para equacionar estas dificuldades, vem avançando
na regulação da concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento
sanitário em seu território.
482
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
As articulações intergovernamentais, apesar de previstas nos planos diretores
municipais de Salvador e Camaçari, na prática não são realizadas. O Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador dispõe sobre um Fórum dos
Municípios da Região Metropolitana de Salvador, visando à criação de instrumentos
para a integração e cooperação nas políticas urbanas.
As iniciativas de gestão associada devem-se às experiências de consórcios
públicos e, na área dos resíduos sólidos, o compartilhamento limita-se à utilização
do equipamento para destinação final. Na RM de Salvador existem dois consórcios públicos: Costa dos Coqueiros e Recôncavo, mas o funcionamento tem sido
incipiente, não avançando em articulações consistentes para o equacionamento
dos problemas comuns.
Os principais atores na área do saneamento básico são, do setor público: os
municípios, a Embasa, a Agersa, a Sedur, o Conder e outros órgãos ambientais,
de planejamento e de obras do estado; do setor privado: empresas prestadoras de
serviço, a Hera Ambiental, a BATTRE e a Ecolurb; da sociedade civil organizada:
o Concidades e as associações de catadores e entidades profissionais, o Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia (Crea) e o Sindicato dos Engenheiros (Senge).
São poucos os avanços relativos à participação e ao controle social nos municípios que possuem conselhos da cidade empossados e efetivos com atuação no
saneamento, sendo a questão tratada de modo mais recorrente pelos conselhos de
meio ambiente em sua interface com o saneamento.
No âmbito estadual, o controle social – dimensão basilar da governança – para
a FPIC do saneamento compete ao Concidades (BA), por meio da Câmara Técnica
de Saneamento Básico, que está vinculada à Sedur (Bahia, 2008b). No entanto,
sua abrangência é o território estadual, não se constituindo como uma instituição
de natureza metropolitana no sentido estrito que contemple a participação dos
Entes Federados envolvidos e da sociedade civil organizada para tratar das questões
relativas à RM de Salvador.
Detendo-se à análise da FPIC dos resíduos sólidos na RM de Salvador,
justificam-se algumas ressalvas. Não se identifica uma efetiva governança de caráter
metropolitano para esta função, sendo a prestação deste serviço realizada de forma
fragmentada, não havendo articulação entre os municípios que configure uma gestão
associada. O que se pode constatar é o compartilhamento de aterros sanitários.
Historicamente, o governo do estado possuiu um papel relevante na área dos
resíduos sólidos, tendo implantado importantes aterros sanitários na RM de Salvador,
além de promover a organização e o compartilhamento destes aterros sanitários.
Atualmente, existem diferentes arranjos para a operacionalização da destinação final dos resíduos sólidos. São, em algumas situações, operados pelos próprios
municípios, por grupos privados ou por empresa pública de direito privado que
atuam nesta área para atender a demanda dos municípios da RM de Salvador.
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
483
Há um frágil planejamento nessa área, e na escala municipal são tímidas as
ações de educação ambiental e coleta seletiva, encontradas apenas nos municípios
de Lauro de Freitas, Camaçari, São Francisco do Conde e Salvador.
Rumo ao estabelecimento de um planejamento e gestão metropolitana,
pode-se destacar a iniciativa de planejamento para a RM de Salvador nesta área
por meio da elaboração do Plano Metropolitano de Resíduos Sólidos, ora em
licitação. O termo de referência para o Plano Metropolitano de Resíduos Sólidos
(Sedur, 2013) propõe a prestação do serviço, mediante a formação de consórcios
intermunicipais, visando à gestão associada. A efetivação das atribuições previstas
para a Agersa – que, mediante delegação dos titulares, pode vir a se constituir
como uma alternativa para o estabelecimento de um ente regulador único dos
resíduos sólidos nos municípios da RM de Salvador – pode também corroborar
com a gestão sob a perspectiva metropolitana.
Entretanto, para uma efetiva governança metropolitana dos resíduos sólidos, vários desafios se impõem, a exemplo da superação dos entraves de natureza
política, financeira e técnica, requerendo articulações e canais de comunicação
interfederativos para lograr o tratamento desse serviço enquanto uma função
pública de interesse comum.
REFERÊNCIAS
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nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro
de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987,
de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e
dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2007. Disponível em:
<http://goo.gl/dLGeyp>.
484
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
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______. Decreto no 7.217, de 21 de junho de 2010. Regulamenta a Lei no 11.445,
de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento
básico, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2010a.
Disponível em: <http://goo.gl/MjJnS6>.
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Sólidos, cria o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos
e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa,
e dá outras providências. Brasília: Congresso Nacional, 2010b. Disponível em:
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______. Lei Federal no 12.305, de 2 de agosto de 2010. Institui a Política
Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998;
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DA BAHIA. Estudo de regionalização da gestão integrada de resíduos sólidos
no Estado da Bahia. Salvador: Sedur, 2012. (Relatório 1, tomo 1.2, v. 26).
______. Termo de referência para elaboração da proposta de planos: Plano
Intermunicipal de Resíduos Sólidos da Região de Desenvolvimento Sustentável do
Litoral Sul do Estado da Bahia (PGIRS/LS); Plano de Resíduos Sólidos da Região
Metropolitana de Salvador no Estado da Bahia (PGIRS/RMS) e o Plano Estadual
de Resíduos Sólidos do Estado da Bahia (PERS/BA). Salvador: Sedur, 2013.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
AGERSA – AGÊNCIA REGULADORA DE SANEAMENTO BÁSICO. Resolução
no 001/2013. Atualizada conforme alterações da Resolução Agersa 006/2013, de 18
de outubro de 2013. Aprova o Regimento da Agência Reguladora de Saneamento
Básico do Estado da Bahia – Agersa. Salvador: Assembleia Legislativa, 2013.
Disponível em: <http://goo.gl/7dBnxp>.
Governança do Saneamento Básico na Região Metropolitana
de Salvador: um olhar sobre os resíduos sólidos
485
BAHIA. Lei Estadual no 10.704, de 12 de novembro de 2007. Cria o Conselho
Estadual das Cidades da Bahia – ConCidades/BA e dá outras providências. Salvador:
Assembleia Legislativa, 2007.
______. Lei Estadual no 12.602, de 29 de novembro de 2012. Dispõe sobre a
criação da Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia – Agersa,
autarquia sob regime especial, e dá outras providências. Salvador: Assembleia
Legislativa, 2012. Disponível em: <http://goo.gl/aa0SYt>.
______. Lei Estadual no 12.932, de 7 de janeiro de 2014. Institui a Política
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Legislativa, 2014.
BRASIL. Ministério das Cidades. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento.
Diagnóstico dos serviços de água e esgotos: 2011. Brasília: MCidades, 2013.
Disponível em: <http://goo.gl/vTrJt0>.
______. Ministério do Meio Ambiente. Plano Nacional de Resíduos Sólidos.
Brasília: MMA, ago. 2012.
FUNASA – FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE; ASSEMAE – ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DOS SERVIÇOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO.
Manual de implantação de consórcios públicos de saneamento. Brasília: Funasa,
2008. Disponível em: <http://goo.gl/C0AmTA>.
CAPÍTULO 18
SANEAMENTO BÁSICO METROPOLITANO: NOVAS POLÍTICAS,
VELHAS PRÁTICAS
Cleandro Krause1
Léo Heller2
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo pretende apresentar uma análise qualitativa da gestão e da governança
da função pública de interesse comum (FPIC) saneamento básico, complementando
a análise de perfil mais quantitativo apresentada no capítulo 1 deste livro. Para
tanto, parte-se de uma sistematização das informações relativas à FPIC saneamento
básico presentes nos Relatórios de pesquisa: análise comparativa da gestão das FPICs,
elaborados pelas equipes participantes do projeto Governança Metropolitana no
Brasil, dos capítulos sobre saneamento básico reunidos neste livro, bem como de
outras fontes bibliográficas de referência acerca deste tema.
Nessa abordagem, privilegiou-se o entendimento de saneamento básico
como o conjunto dos componentes definidos pela Lei Nacional de Saneamento
Básico (LDNSB), a Lei Federal no 11.445/2007 – abastecimento de água potável,
esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem
e manejo das águas pluviais urbanas. Ainda que este recorte tenha sido também
adotado pela pesquisa, conforme orientação metodológica fornecida aos coordenadores estaduais, nem sempre as informações disponíveis sobre as regiões
metropolitanas (RMs) mostram-se compatíveis com este recorte. Muitas vezes,
o saneamento básico foi abordado de forma integrada com a visão de recursos
hídricos. Contudo, para fins desta análise, procurou-se ajustar as informações à
definição legal contida na LDNSB.3
Os relatórios e capítulos com as informações coletadas e disponibilizadas pelas
equipes que compõem a rede da pesquisa constituem, portanto, a matéria-prima
e o material de referência deste capítulo, ainda que não haja aqui a preocupação
1. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea.
2. Professor titular do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
3. Examinando a legislação que trata da instituição de regiões metropolitanas (RMs) pelos estados, Balbim et al. (2012)
encontraram que o saneamento básico é, junto com o uso do solo, o transporte público e o sistema viário, uma das
funções públicas de interesse comum (FPICs) definidas por todas as normas legais consultadas, ainda que apenas quinze
estados explicitem seu entendimento sobre o que são estas funções.
488
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
de citá-los de modo literal ou exaustivo. É importante salientar que os relatórios
apresentam formas e abordagens bastante diversas, a despeito do roteiro comum.
Há, certamente, alguma subjetividade e/ou algum viés institucional envolvidos
na sua elaboração. Assim, há tópicos tratados em mais detalhes neste ou naquele
relatório, enquanto outros apresentam menor riqueza de informações. Mesmo
assim, optou-se por considerar os relatórios como “produtos acabados”, isto porque
se entende que tanto a falta de informações em alguns tópicos como um relativo
excesso de detalhamento em outros pode, por si só, revelar atitudes das equipes
responsáveis pelos relatórios em relação à FPIC em exame, em face dos problemas
encontrados ou das próprias características institucionais/gerenciais do saneamento
básico na respectiva RM.
De modo complementar aos relatórios, as equipes de pesquisa da rede
apresentaram também informações sob a forma de comentários às respostas
fornecidas a um questionário a elas enviado pela coordenação da rede em março
de 2014, no qual lhes foi solicitado, objetivamente, que informassem sobre a
existência ou não de elementos que integram a política e a gestão do saneamento (planos, consórcios, informações sobre investimentos e instrumentos
de controle social).
A leitura dos relatórios, dos capítulos e dos comentários das equipes da rede foi
complementada por informações de outras fontes bibliográficas e incluiu também
a própria experiência dos autores.
Este capítulo está organizado em seis seções. Na próxima seção, são apresentadas algumas considerações relativas à titularidade dos serviços e à responsabilidade pela gestão do saneamento básico encontradas nas regiões metropolitanas.
Na terceira seção, estão as menções à formalização ou não da política de saneamento básico e do modo como ela se mostra enunciada em cada RM. A quarta
seção reúne os instrumentos de gestão, incluindo o planejamento, da política de
saneamento presente nas RMs, utilizando-se uma classificação compatível com as
respostas fornecidas ao questionário citado. A quinta seção trata da cooperação
para o saneamento básico, com ênfase nos consórcios públicos, antecedendo a
seção das considerações finais.
2 TITULARIDADE E ESTRUTURA DE GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO
Quem possui a titularidade dos serviços de saneamento básico nas RMs? Esta pergunta relativamente simples permanecia sem qualquer resposta até a publicação,
em setembro de 2013, do acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) relativo
ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no 1.842/RJ, que
discutia a legislação editada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,
tendo como objeto ampliado a discussão acerca da titularidade das FPICs nas
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
489
RMs.4 É importante recordar que, ao tempo da ADIN, em 1998, o setor público
vivia situações de contingenciamento de crédito, que limitavam investimentos
em saneamento básico. Conforme Britto (2004), a possibilidade de os governos
estaduais acessarem recursos do BNDES, por exemplo, exigiria o compromisso
de privatização do prestador do serviço (companhia estadual), sendo que a ideia
de “modernização” estava vinculada fortemente à preparação das companhias
estaduais para a venda ao setor privado. Por sua vez, a titularidade municipal (de
serviços de interesse local) era considerada um empecilho à política de privatização;
se a titularidade fosse dos estados, menos agentes iriam se opor ao processo de
privatização (Britto, 2004).
Ainda que sem entrar na discussão relativa aos efeitos do julgamento da ADIN
e de seu respectivo acórdão, à qual se voltará posteriormente, é importante destacar
que até por conta das dúvidas e disputas que perpassavam (e ainda perpassam)
a discussão da titularidade dos serviços nas RMs, a natureza dessa titularidade é
muito pouco clara para os gestores públicos, trazendo dificuldades e impasses para
um processo de tomada de decisão com segurança jurídica. Tal dificuldade tem
levado a variados arranjos institucionais e a variadas compreensões destes arranjos.
Ademais, ainda permanecem questionamentos sobre o teor da decisão do STF,
sobretudo quanto à sua aplicabilidade, o que poderá resultar em um período futuro
ainda com muita incerteza sobre essa matéria, redundando em certa paralisia sobre
a adoção de arranjos mais integradores.
Assim, e em primeiro lugar, é notável que nenhum depoimento coletado nas
quatorze RMs pesquisadas mostre qualquer posicionamento acerca da titularidade
do saneamento básico, ausência que sugere haver alguma forma de “naturalização”
desta questão por parte dos gestores públicos.5 Em outros casos, apenas estão citados
dispositivos da LDNSB em que aparece a figura do titular do serviço.
Por sua vez, diferentes soluções jurídico-institucionais para a gestão dos serviços
de saneamento básico são encontradas na pesquisa, em que diferentes menções a órgãos
federais e estaduais são a tônica. Entre os órgãos federais mencionados, destacam-se
a Agência Nacional de Águas (ANA) e a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental
(SNSA) do Ministério das Cidades (MCidades), sendo que alguns reconhecem
explicitamente na SNSA a competência para atender municípios metropolitanos.
4. Britto (2004, p. 9) registra que “um dos fatores alegado para o questionamento da titularidade municipal foi a existência
de sistemas de produção e distribuição de água compartilhados entre diferentes municípios (...) Como os municípios
não são autônomos na produção de água e as redes de distribuição são interligadas, os governos estaduais, apoiados
pela consultoria do PMSS [Programa de Modernização do Setor Saneamento] passaram a afirmar que os municípios não
seriam únicos titulares dos serviços, não podendo realizar concessões. Esta titularidade passaria à instância administrativa
superior à instância municipal. Como no Brasil não existe uma instância administrava no nível da aglomeração urbana,
a titularidade passaria ao governo estadual; a este caberia conduzir as concessões”.
5. Há apenas uma menção a serviços de saneamento de titularidade estadual ou municipal, mas não há qualquer
indicação da incidência de cada um entre os municípios da RM.
490
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Obviamente, revelam-se aqui os equívocos de interpretação por parte dos gestores
que, espera-se, estariam mais bem capacitados para o entendimento da gestão, uma
vez que a titularidade federal jamais foi cogitada em nenhuma interpretação legal
e, na mesma direção, não há qualquer competência federal para atendimento aos
municípios, quando muito a financiar suas intervenções.
Como seria de esperar, muito mais frequentes são as menções aos órgãos
estaduais, feitas em todos os relatórios, uma vez que, em alguma medida, sua
atuação está presente nas RMs.6 Os “recortes” escolhidos variam bastante. Contudo,
cabe destacar os casos em que ao prestador de serviços (companhia estadual) são
atribuídas, novamente de forma equivocada, responsabilidades que iriam além da
prestação do serviço, stricto sensu: gestão do saneamento (água e esgoto), gestão e
regulação, governança da FPIC na RM etc. O prestador do serviço chega, ainda, a
ser chamado de “agente central”, provavelmente reconhecendo uma situação de fato.
Também cabe apontar duas situações em que sequer está presente a prestação
integrada dos serviços: a primeira refere-se à Região Integrada de Desenvolvimento
do Distrito Federal (Ride do Distrito Federal), que agrupa municípios de Goiás e
de Minas Gerais, além do Distrito Federal; neste caso, cada Unidade da Federação
(UF) tem competências próprias para o saneamento básico, que se estendem
exclusivamente aos municípios em seus territórios. A segunda refere-se à RM do
Vale do Rio Cuiabá: no estado do Mato Grosso, não há órgão estadual que integre
os sistemas de abastecimento.
Por sua vez, a RM de Fortaleza apresenta um modelo que parece aproximar-se do que se esperaria da gestão estadual: lá, a Coordenadoria de Saneamento
Ambiental (Cosam), vinculada à Secretaria das Cidades, estabelece a comunicação
entre o planejamento estadual dessa função e o prestador dos serviços relacionados
(Companhia de Água e Esgoto do Ceará – Cagece). O mesmo pode ser dito da
RM de Salvador, em que um sistema estadual de saneamento básico conta com
três instâncias, com competências definidas: o chamado órgão superior é o Conselho
Estadual das Cidades, com funções deliberativa, consultiva e fiscalizadora; o órgão
coordenador é a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Sedur),
com competência para formular, coordenar e implementar a Política Estadual
de Saneamento Básico, bem como monitorar e avaliar a execução de suas ações;
e os órgãos executores são os órgãos ou entidades do Poder Executivo estadual
responsáveis pela execução das ações relativas à Política Estadual de Saneamento
Básico. Cabe ainda destacar que, nestas mesmas duas RMs, órgãos estaduais vêm
prestando assistência técnica a municípios: a Cosam apoiou a elaboração de planos
municipais de saneamento básico, por meio de convênios; e a Sedur e a Companhia
6. A exceção é a RM do Vale do Rio Cuiabá, conforme é apresentado adiante.
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
491
de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder) prestaram apoio técnico
a municípios (e consórcios, no caso da Sedur) na elaboração de políticas e gestão
de resíduos sólidos.
Desse modo, ao se observar a estrutura de gestão dos serviços de saneamento
básico, encontram-se situações variadas. Como regra, prevalece a presença das
companhias estaduais, prestando serviços de abastecimento de água e esgotamento
sanitário, mas sem qualquer gestão mais ampla desta prestação por parte do governo estadual, diferentemente, sobretudo, de Fortaleza e Salvador. Outras exceções
a esta regra são as RMs de Porto Alegre e do Vale do Rio Cuiabá: na primeira, a
capital estadual e alguns dos demais municípios mais populosos da região contam
com serviços autônomos de abastecimento de água e esgotamento sanitário; na
segunda, sequer há concessão para companhia estadual.
No que diz respeito ao componente resíduos sólidos, há arranjos metropolitanos para a gestão integrada da disposição final, conforme detalhado na seção 5,
ao passo que, pela própria natureza local do componente, não há nenhum esforço
de integração identificado para o manejo de águas pluviais.
Pode-se afirmar que há um vazio legal e formal no que toca à clara definição
da titularidade da FPIC nos municípios metropolitanos, devendo-se ter em conta
que, para não haver a prevalência de nenhum dos Entes Federados, arranjos adequados ainda deverão ser construídos/modelados, conforme o prazo estabelecido
pelo próprio STF, a saber, 24 meses da publicação do acórdão.
3 A POLÍTICA DE SANEAMENTO BÁSICO NAS REGIÕES METROPOLITANAS:
COMO ESTÁ ENUNCIADA?
Nesta seção, estão apresentadas menções a políticas metropolitanas de saneamento,
ou, alternativamente, políticas estaduais que tenham algum recorte metropolitano.
Também se buscaram identificar referências à existência de sistemas integrados de
saneamento básico, ainda que estes tenham sua gestão dissociada de uma política
formalmente estabelecida.
Antes disso, e de modo geral, os relatórios das RMs reconhecem a existência
de uma política nacional de saneamento básico em sua formulação recente, citando
a LDNSB. Outro marco legal citado é a Lei Federal no 12.305/2010, que institui
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Menos citada é a chamada Lei
dos Consórcios Públicos, Lei Federal no 11.107/2005, que trata também de outras formas de cooperação, entre elas, a gestão associada, forma relevante para o
saneamento metropolitano.
Aqui, optou-se por uma classificação “decrescente”, reunindo as RMs nas
categorias a seguir.
492
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
1) Aquela que tem uma política metropolitana explicitada: a RM de Belo
Horizonte dispõe de uma política metropolitana integrada de saneamento básico, proposta recentemente no âmbito do Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado (PDDI), remetendo a diversos programas,
contudo ainda no nível apenas de formulação. No mesmo estágio, Minas
Gerais criou uma política estadual de saneamento, em 1994, por meio
de lei ainda em vigor, que jamais foi regulamentada ou implementada.
2) RM em UF que tem uma política estadual, com alguma forma de
recorte metropolitano – é o caso da RM de Porto Alegre. Ainda que tal
recorte seja apenas delineado, optou-se por colocá-la em uma categoria
à parte por haver, na Política Estadual de Saneamento Básico, um encaminhamento para a titularidade compartilhada, conforme o Artigo 3o da
Lei estadual no 12.037/2003: “O Estado, em conjunto com os municípios,
deve promover a organização, o planejamento e a execução das funções
públicas de saneamento de interesse comum, na Região Metropolitana
e aglomerações urbanas rurais, onde a ação supralocal se fizer necessária,
respeitada a autonomia municipal” (Rio Grande do Sul, 2003).
3) As RMs localizadas em UFs que têm uma política estadual, mas que
não têm alguma forma de recorte metropolitano explicitado – as de
São Paulo, Salvador, Belém e da Grande Vitória.
4) As RMs sem política estadual ou metropolitana alguma – caso das demais,
ou seja, a maioria dos casos, correspondendo a oito RMs: Rio de Janeiro,
Curitiba, Recife, Fortaleza, São Luís, Goiânia, Vale do Rio Cuiabá e Ride
do Distrito Federal).
No caso de algumas das RMs do último grupo, pode-se questionar se a
ausência da política poderia ser suprida por algum instrumento alternativo capaz
de organizar o setor. No caso da RM do Rio de Janeiro, por exemplo, remete-se
diretamente a um conjunto de programas de governo, de abrangência metropolitana. Para a RM de Fortaleza, o Conselho (Estadual) das Cidades conta com uma
câmara técnica específica. Em ambos os casos, parecem requisitos insuficientes,
uma vez que são instrumentos incapazes de situar o saneamento metropolitano no
contexto mais amplo de uma política estadual e, mais importante, de promover
uma articulação entre os Entes Federados envolvidos nos diversos aspectos do
saneamento metropolitano.
Por sua vez, a Ride do Distrito Federal, por ser um instrumento interfederativo
gerido pelo governo federal, é considerada em vários ministérios como região de
planejamento e de dotação orçamentária, “principalmente nos relativos às questões
eminentemente urbanas, como o saneamento ambiental”, conforme destaca o
respectivo relatório (Sampaio e Costa, no prelo). Com efeito, a Ride do Distrito
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
493
Federal, assim como as demais Rides, deverá ter seu plano regional de saneamento
elaborado por um consórcio de universidades, liderado pela Universidade de Brasília
(UnB), contratado pelo MCidades.
Considerando a classificação antes proposta, nota-se, portanto, que na maioria
dos casos não se encontra explicitada nas RMs investigadas uma política enunciada
de saneamento básico na escala metropolitana. E, mesmo nos casos em que se observou a existência de uma política metropolitana, exclusivamente ou no âmbito
de uma política estadual, sua regulamentação, implementação e operacionalização
ainda não foi efetivada.
4 INSTRUMENTOS DE GESTÃO DO SANEAMENTO BÁSICO
Nesta seção, busca-se desenvolver uma análise das RMs, conforme a existência de
instrumentos de gestão do saneamento básico, compreendendo planos gerais ou
para cada um dos componentes (abastecimento de água e esgotamento sanitário,
resíduos sólidos e macrodrenagem) e planos de investimentos, bem como menções
à regulação e fiscalização dos serviços e a mecanismos de controle social.
4.1 Planos de saneamento básico e planos diretores
Relativamente ao planejamento metropolitano do abastecimento de água e do
esgotamento sanitário, a situação mais frequente é a da existência dos denominados
planos diretores, que são sobretudo peças técnicas que se prestam a orientar a seleção
de alternativas para intervenções específicas e localizadas que ampliem a oferta destes
serviços. Alguns deles foram desenvolvidos para cumprir exigências de agentes financiadores federais ou internacionais. Sua responsabilidade recai, geralmente, sobre o
prestador do serviço. Portanto, diferenciam-se dos planos previstos na LDNSB, os
quais devem ser editados pelos titulares e são muito mais abrangentes.7
Mesmo a RM de Belo Horizonte, que tem uma política metropolitana de
saneamento básico explicitada, ainda que não regulamentada, deixa claro que cabe
ao PDDI dar apenas diretrizes gerais para o saneamento, e remete as diretrizes
específicas do abastecimento de água ao prestador do serviço, mediante plano
diretor. Os demais planos, aproximando-se mais que prevê a LDNSB, têm âmbito
estadual. Contudo, são pouco numerosos e denotam processos de elaboração ou
atualização ainda em andamento. Por fim, em boa parte das RMs, não há qualquer
evidência da existência de planos que tratem conjuntamente do abastecimento de
água e do esgotamento sanitário.
7. O conteúdo mínimo dos planos de saneamento, conforme a Lei no 11.445/2007, deve incluir o diagnóstico da situação
e de seus impactos sobre as condições de vida; os objetivos e as metas de curto, médio e longo prazo para a universalização dos serviços; os programas, projetos e ações; as ações para emergências e contingências; e os mecanismos e
procedimentos para avaliação das ações programadas (Brasil, 2007).
494
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
No que toca aos resíduos sólidos, a situação é distinta: os planos são mais
numerosos, o que não ocorre casualmente, uma vez que os planos são condição
para que estados e municípios (e regiões metropolitanas, por meio de planos
específicos) tenham acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados
a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de resíduos sólidos, conforme
preveem os Artigos 16 e 18 da Lei federal no 12.305/2010.
Outro motivo para isso pode ser a relativamente maior “facilidade” de conjugação de esforços de diversos entes para o manejo, sobretudo a destinação final
dos resíduos sólidos, em comparação com os demais componentes do saneamento
básico, destacando-se que a destinação final adequada dos resíduos sólidos costuma
exigir soluções regionais.
Entre as RMs que já contam com plano exclusivo, encontram-se a de Belo
Horizonte e a de Recife. A Ride do Distrito Federal deverá ter seu plano exclusivo
elaborado no âmbito do Consórcio Público de Manejo dos Resíduos Sólidos e das
Águas Pluviais da Região Integrada do Distrito Federal e Goiás (CORSAP-DF/
GO), e também o planejamento do manejo dos resíduos no contexto do Plano
Regional de Saneamento Básico da Ride do Distrito Federal, em elaboração.
Os resíduos sólidos também são tratados em “outros planos”, com uma
diversidade de formatos, compreendendo tanto um plano estadual de saneamento
(RM de Curitiba) como um plano de resíduos sólidos para os municípios de uma
bacia hidrográfica que abrange parcialmente a área metropolitana (RM de Porto
Alegre). E também se verifica que há esforços, em andamento, de elaboração
de planos de resíduos sólidos, sejam estaduais, sejam regionais, sejam ambos,
concomitantemente.
Por fim, a menção a planos de macrodrenagem é escassa, o que está possivelmente associado ao baixo reconhecimento da drenagem urbana como “serviço”
no Brasil, e também à dificuldade (e mesmo à inconveniência técnica, por vezes)
de integração metropolitana. A propósito, apenas duas das RMs cujos relatórios
informaram a existência de um plano de macrodrenagem (São Paulo e Porto Alegre)
também têm cidades que contam com planos municipais para este componente.
A RM de Belo Horizonte, por sua vez, não tem plano de macrodrenagem, mas
alguns municípios, incluindo a capital estadual, contam com planos de manejo
de águas pluviais.
Os planos de macrodrenagem das RMs de São Paulo e Porto Alegre, a exemplo
do que também acontece com o abastecimento de água e o esgotamento sanitário,
têm características predominantes de planos diretores. Em São Paulo, está o histórico
mais longo de enfrentamento das enchentes urbanas por meio de instrumentos e
planejamento: as diretrizes metropolitanas datam de 1981 e, atualmente, está em
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
495
andamento a elaboração do Terceiro Plano Diretor de Macrodrenagem da bacia
do Alto Tietê (PDMAT 3).
Em Porto Alegre, apesar de não ter sido denominado “plano”, o Inventário
de Drenagem Urbana na RM de Porto Alegre, de 1999, previu soluções para os
problemas identificados em todos os municípios que compunham a região metropolitana à época de sua elaboração.
4.2 Planos de investimento
Uma avaliação da situação da elaboração de planos de saneamento básico
(ou planos diretores) e sua (des)associação com os investimentos no setor, na
RM de Belém, está apresentada por Pinheiro, Ponte e Rodrigues (no prelo) em
um estudo de caso incluído no projeto Governança Metropolitana no Brasil:
Os instrumentos de planejamento, requisitos para obtenção de recursos na estrutura
institucional federal vigente, como os planos setoriais de saneamento (água, esgoto,
drenagem, resíduos sólidos), ainda estão em elaboração no nível estadual e não vêm
sendo priorizados como formas de acesso a recursos ou como instrumentos de dimensionamento dos custos e das opções políticas e tecnológicas do setor de saneamento
(Pinheiro, Ponte e Rodrigues, no prelo).
Efetivamente, ao se examinarem os relatórios das RMs, constata-se que, com
raras exceções, as informações sobre investimento em infraestrutura de saneamento
fornecidas não conseguem estabelecer vínculos entre o planejamento físico das ações
e o seu planejamento financeiro e a sua respectiva execução. Por vezes, apenas há
diretrizes para investimentos, sem precisar valores – e estes, quando especificados,
não mostram claramente a fonte dos recursos. Em outros casos, não existe uma
carteira de projetos ou investimentos que esteja vinculada a algum plano. A RM
de Belém também informa claramente que o “Plano [Estadual de Saneamento
Básico], até o momento, não conta com financiamento próprio garantido para
suas ações, nem para o cumprimento das metas de universalização de serviços de
água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos dentro do horizonte estabelecido pela
Lei Federal no 11.445/2007” (Pinheiro e Costa, 2013, no prelo).
A informação mais frequente é, assim, a transcrição de listas de obras realizadas com recursos da União, sendo que menções ao Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) encontram-se na maioria dos relatos. Em alguns, há menção
a recursos orçamentários dos prestadores de serviço de abastecimento de água e
esgotamento sanitário (companhias estaduais), que podem estar indicados nos
planos plurianuais (PPAs), mas não em planos de saneamento básico.
Por fim, uma limitação observada relativamente aos PPAs é que não destacam
a RM em relação ao restante do estado; assim, no dizer de um dos relatórios, o PPA
não seria uma boa fonte para pesquisar programas e recursos governamentais com foco
496
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
na RM “porque este recorte territorial raramente surge de forma explícita”, podendo,
ainda, dar a impressão de que praticamente não teriam sido destinados recursos ao
saneamento, “o que não é verdadeiro” (Drummond e Costa, 2013, no prelo).
4.3 Regulação e fiscalização
A regulação e a fiscalização dos serviços são atribuições que fazem parte da definição
de políticas de saneamento pelos Entes Federados. Mesmo que não haja propriamente a definição de uma “política” local, a designação de uma entidade que se
responsabilize pela regulação e fiscalização é uma das condições de validade dos
contratos que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento,
conforme o Artigo 11 da LDNSB (Brasil, 2007). Nas áreas onde haja prestação
regionalizada dos serviços a cargo de companhias estaduais, pode-se elaborar a
hipótese de que o papel do Estado também se faça mais presente na regulação e
fiscalização. Nadalin, Lima Neto e Krause (2013, p. 247) verificaram que a forma
mais frequente de regulação e fiscalização dos serviços de abastecimento de água
entre municípios metropolitanos se dá por meio de entidades reguladoras estaduais;
esta forma também é usual para os serviços de esgotamento sanitário.
Com efeito, a maioria das UFs onde se localizam as RMs pesquisadas conta
com agências reguladoras estaduais, voltadas para os serviços públicos delegados.
Em Minas Gerais, Distrito Federal, Espírito Santo e Bahia, há agências reguladoras
especificamente para serviços de saneamento.
Entre essas, cabe comentar o caso da Agência Reguladora de Serviços de
Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais
(Arsae-MG): a agência exerce as funções de regulação e fiscalização em todos os
municípios atendidos pelo prestador estadual (Companhia de Saneamento de Minas
Gerais – Copasa) e pode, mediante convênio, exercer estas funções nos demais
municípios que se interessarem. No entanto, conforme o relatório da RM de Belo
Horizonte informa, não é o caso dos três municípios metropolitanos atendidos por
serviços autônomos. Ou seja, a agência não chega a ter abrangência metropolitana
plena, neste caso, limitando um olhar metropolitano para as questões de saneamento. Por hipótese, problemas como a persistente escassez de água por que passa
a RM de São Paulo, em 2014, poderiam ter uma gestão mais equitativa e justa,
pactuando as formas como as restrições de consumo deveriam ser distribuídas na
região, caso uma regulação metropolitana atuasse em articulação com o comitê de
bacia e espaços de participação e controle social.
4.4 Mecanismos de controle social
A necessidade de controle social dos serviços de saneamento envolve dois pressupostos básicos: o interesse público, dada a sua essencialidade para a população, e
a característica de monopólio natural, atividade em que a existência de mais de
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
497
um prestador se mostra antieconômica (Britto, 2004), inviabilizando, portanto, a
concorrência. Contudo, na maioria das RMs pesquisadas, encontram-se evidências de não haver mecanismos de controle social ativos ou operando nos sistemas
de saneamento.
Há avaliações que podem caracterizar melhor tais carências, bem como os
motivos para tanto. Uma afirmativa bastante lúcida, que pode se aplicar a vários
casos, é
O setor não tem tradição de inovações democráticas, inserção de movimentos sociais
ou grupos da sociedade civil politizando e democratizando os critérios de investimento ou diretrizes de projeto. Lideranças políticas intermediam estas relações,
constituindo ainda formas incipientes e incompletas de participação (Pinheiro e
Costa, 2013, no prelo).
Com efeito, em apenas duas RMs, há informações de que existiriam mecanismos
de controle social operando: na Bahia, há a atuação do Conselho Estadual das
Cidades, já citado, “órgão superior” do sistema estadual de saneamento básico;8 e
em São Paulo, o Conselho Estadual de Saneamento (CONESAN) e o Conselho
Estadual de Recursos Hídricos (CRH) têm composição tripartite, com representações
paritárias do governo do estado, dos municípios e da sociedade civil. Apesar disso,
trata-se de espaços participativos com abrangência estadual, que não consideram
as especificidades metropolitanas.
Por sua vez, é comum o tratamento do saneamento básico por outros conselhos,
ainda que de forma marginal. O fato é que (a falta de) saneamento é tema politicamente sensível, motivo para estranhar que apenas uma RM tenha mencionado
a existência de “pressões pontuais de organismos em defesa dos cidadãos diante
da explosão de necessidades” (Melo e Costa, 2013, no prelo).9 Pode-se mesmo
delinear uma hipótese de que a ausência de espaços institucionalizados de controle
social decorra da dificuldade de lidar com demandas pontuais e agudas diante
da precariedade dos serviços e também do maior conforto dos gestores em não
submeterem suas decisões ao crivo de tais fóruns (Heller, Rezende e Heller, 2007).
5 COOPERAÇÃO PARA O SANEAMENTO BÁSICO: CONSÓRCIOS PÚBLICOS E
PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
Nesta seção, interessa apresentar os casos em que foi identificada a presença de
consórcio público na RM para a gestão dos serviços de saneamento básico, e mesmo de recursos hídricos, envolvendo tanto a maioria como alguns municípios,
8. No estado de Minas Gerais, o Conselho Estadual de Saneamento Básico teria o mesmo status, mas ainda não foi
criado, não obstante ter sido previsto em lei de 1984.
9. Certamente a escassez de recursos hídricos para o abastecimento de água na RM de Goiânia motivou a elaboração
de um estudo de caso, incluído no projeto Governança Metropolitana no Brasil (Borges, Cunha e Melo, no prelo), que
traz uma exposição adicional das limitações do controle social das FPICs saneamento básico e uso do solo.
498
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
bem como aqueles em que se evidencia ao menos um processo de estruturação de
um consórcio público. Complementarmente, buscaram-se informações sobre a
abrangência dos consórcios, assim como indícios que permitam apontar para sua
efetividade e, também, para a avaliação de sua adequação como instrumento que
possa, talvez, responder aos desafios do acórdão do STF.
1) Entre todas as RMs, o relato do consórcio atuante há mais tempo vem da
RM de Curitiba, parte da qual (21 municípios) é coberta pelo Consórcio
Intermunicipal para a Gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos (Conresol),
formado em 2001.
2) Na RM de Porto Alegre, está o segundo consórcio mais antigo: trata-se do
Pró-Sinos, criado em 2007, e voltado a todos os componentes do saneamento básico; integra os municípios da bacia do rio de mesmo nome, incluindo
vinte municípios metropolitanos. Denota-se que tal modelo pretenda ser
replicado, uma vez que os “consórcios intermunicipais por bacias hidrográficas no estado” (Martins e Costa, 2013, no prelo)10 constam entre os
componentes do Sistema Estadual de Saneamento do Rio Grande do Sul.
3) Na RM de Belo Horizonte, está o Consórcio Médio Paraopebano de
Resíduos Sólidos Urbanos (COMPARESOLURB), integrado por nove
municípios, com foco na gestão de resíduos sólidos. Além dele, outro
consórcio integra os municípios de Baldim e Jaboticatubas com outros
municípios que não pertencem à RM de Belo Horizonte.
4) A RM do Rio de Janeiro conta com dois blocos de acordos regionais
e dois consórcios: o Consórcio Centro Sul I e o Consórcio Público de
Gestão de Resíduos da Baixada Fluminense, que não incluem todos os
municípios metropolitanos, nem a capital estadual.
5) O Ceará é o quinto estado na lista dos que contam com consórcios
atuantes, desta vez fazendo referência exclusiva ao funcionamento de
aterros sanitários, conforme previstos pelo Plano Estadual de Resíduos
Sólidos. Verificam-se dificuldades para integração dos municípios mais
importantes da RM de Fortaleza, por terem “termos de cessão de uso
definidos historicamente” (Dantas e Costa, no prelo). Em compensação,
os demais municípios da RM, com exceção de um, estão inseridos em
acordos regionais, inclusive aquele que será sede de um aterro.
6) Os “consórcios” estabelecidos entre os prestadores de serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário de Goiás e do Distrito Federal
são, na verdade, sociedades empresariais.
10. Citando a Lei Estadual no 12.037/2003.
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
499
7) Por fim, em estudo de caso incluído no projeto Governança Metropolitana
no Brasil, Ferreira, Baggi e Santos (no prelo) avaliam que os arranjos estabelecidos para a gestão dos resíduos sólidos na RM de Salvador, “apesar
de aparentemente constituírem um compartilhamento intermunicipal”,
são na verdade operações comerciais que as empresas prestadoras dos
serviços estabelecem com alguns municípios para utilização de um aterro
comum, “não configurando gestão associada intermunicipal” portanto.
Os outros poucos casos relatados tratam de esforços em andamento (aprovação
de protocolos de intenções) para a constituição de consórcios, destacando-se o já
citado CORSAP-DF/GO.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, há ainda uma proposta de
parceria público-privada (PPP) para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, a qual
está baseada em arranjos territoriais ótimos (ATOs) do Sistema Estadual de Meio
Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema). O estudo de caso desenvolvido sobre
esta PPP, incluído no projeto Governança Metropolitana no Brasil (Drummond
e Seixas, no prelo), informa que “a proposta assenta-se na transferência dos serviços de transbordo, tratamento e disposição final, dos municípios para o Estado,
que por sua vez licitaria os serviços de uma empresa privada na modalidade de
concessão administrativa”, cabendo a tal empresa “a responsabilidade pela construção e operação de estações de transbordo (...) e centrais de tratamento” dos
resíduos sólidos. Ainda, “a licitação é do tipo melhor técnica e menor valor pago
por tonelada”,11 sendo que o “critério de melhor técnica será aferido por meio do
Coeficiente Ambiental (CA)”, o qual é “um fator que sinaliza a disposição do ente
privado em reduzir o percentual de resíduos aterrados ao longo do período de
concessão”, provendo outras soluções, “tidas como mais adequadas do ponto de
vista ambiental”. Tal solução está alinhada à PNRS, que confere à reciclagem, por
exemplo, “posição hierarquicamente superior a outras estratégias de tratamento e
disposição final de resíduos” (Brasil, 2007). Como contrapartida, os municípios
deverão assumir compromisso de implantar coleta seletiva e apoiar organizações
de catadores. “Além disso, a cada tonelada de resíduos que as organizações de catadores comercializarem, os municípios receberão, em forma de crédito, 50% da
‘economia’ realizada pelo estado”. Quanto ao modelo de governança, conta com
um comitê consultivo e outro deliberativo; o primeiro tem um representante da
sociedade civil, indicado pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais
Recicláveis (MNCR).
11. A licitação foi realizada e o resultado, homologado em março de 2014, sendo que a “proposta teve deságio
de R$ 0,05 por tonelada de lixo [o que representa entre 0,06% e 0,07% do valor de referência por tonelada] e
aumentou de 20% para 21% o volume que obrigatoriamente não será aterrado e terá tratamento alternativo”
(Drummond e Seixas, no prelo).
500
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Como visto, os consórcios apresentados não abrangem a totalidade dos
municípios das RMs. Nesse sentido, cabe apontar a avaliação feita por Moura e
Gorsdorf (2009, p. 147):
A dificuldade em relação aos consórcios refere-se ao fato de que eles podem ser formados por conjuntos de municípios que, na busca de defender seus interesses, o fazem
em detrimento de outros da mesma aglomeração [restringindo-se] a subespaços ou
a escalas da aglomeração, segmentados em recortes temáticos, territoriais e interesses
políticos, pouco representativos das organizações e das demandas efetivamente regionais e coletivas. Mesmo assim, têm um papel importante na construção de soluções
pactuadas para problemas setoriais, porém são enfraquecidas se não orientadas por
estratégias regionais de desenvolvimento que articulem a ação dos organismos institucionais e os recursos necessários à implementação das suas decisões. Ou seja, sem
uma estrutura que articule os vários consórcios e faça com que eles dialoguem entre
si, apenas serão acentuadas as desigualdades internas às regiões, e mais uma vez não
será possível a gestão integrada.
Em relação a estruturas articuladoras de consórcios públicos de saneamento,
Montenegro (2009, p. 161) sugere a identificação de “arranjos territoriais ótimos”
em um “sistema estadual de consórcios regionais interfederativos de saneamento
básico”, em que “idealmente, cada região deve ser autossuficiente do ponto de
vista tarifário, com subsídios cruzados intermunicipais apenas no âmbito de seu
território”, podendo o sistema dispor de um fundo estadual quando “não for
possível atender esta condição”. Evidentemente, a adoção de tais arranjos requer
a consideração dos determinantes políticos, e não apenas geográficos ou administrativos, que possam favorecer um ambiente de cooperação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O relato das diferentes formas que assumem os elementos de gestão do saneamento
básico nas RMs investigadas sugere um panorama de baixo nível de integração
gerencial e administrativa, a despeito de frequentes situações de integração física dos
sistemas. Não se observam também quaisquer esforços minimamente consistentes
na direção da construção de modelos de gestão metropolitana dos serviços, que
poderia ser um importante meio para a concertação entre os interesses diversos
dos municípios metropolitanos e de suas populações, no atendimento por serviços adequados.
Nessa análise, é importante, no entanto, diferenciar a natureza dos quatro
componentes do saneamento básico, pois se caracterizam de forma particular no
que diz respeito à integração.
O abastecimento de água nas RMs frequentemente se apresenta muito integrado em seu sistema de produção, ou seja, encontram-se sistemas produtores
que integram suas águas em grandes sistemas adutores, responsáveis pelo abastecimento de um número significativo de municípios. Invariavelmente, estes sistemas
Saneamento Básico Metropolitano: novas políticas, velhas práticas
501
são gerenciados pelos prestadores de serviço, pela companhia estadual na maioria
dos casos, que decidem autonomamente a repartição da água entre os diferentes
municípios. Tal função pode ser livre de conflitos quando há produção suficiente
para atender as demandas, mas pode ser extremamente enviesada nas situações
de escassez, pois o prestador, com base em discutíveis critérios técnicos, decide a
forma como a escassez é “partilhada” entre os usuários. É ilustrativo o caso da RM
de São Paulo, onde a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
(SABESP) é responsável pela produção de água e a fornece tanto a municípios que
detêm a delegação dos serviços quanto àqueles que não a detêm, para estes últimos,
fornecendo a água “no atacado”. Parece pouco adequado não haver uma instância
metropolitana com atribuição de mediar interesses nesta situação.
Em relação ao esgotamento sanitário, o nível de integração física pode ser
menor que para o abastecimento de água. Para este componente, prevalece fortemente a lógica da bacia hidrográfica, sendo que a configuração espacial destas é um
fator importante para determinar a forma como os municípios se integram. Neste
caso, a integração ocorre no “transporte intermunicipal” dos efluentes e sobretudo
nas “pontas” dos sistemas, em emissários e instalações de tratamento que abrangem
mais de um município. A integração da gestão visualizada para o esgotamento
sanitário teria um caráter principalmente operacional. Contudo, considerando
que a prestação dos serviços de esgotamento sanitário e de abastecimento de água
tem sido de responsabilidade da mesma prestadora, é inevitável a integração da
gestão, no que diz respeito à cobrança de tarifas, investimentos, planejamento,
regulação, fiscalização e controle social. Por esta razão, o estabelecimento de PPPs
exclusivamente para o esgotamento sanitário – RM de Recife, zona oeste do Rio
de Janeiro – pode conduzir a tensões na gestão.
Quanto à possível integração da destinação final dos resíduos sólidos, considerando
que a conformação das bacias hidrográficas e a distribuição dos mananciais superficiais
ou subterrâneos não se configuram como fatores determinantes, esta se torna orientada
pela conveniência da logística de transporte dos resíduos, pela disponibilidade de áreas
adequadas e pela concertação entre municípios com maior proximidade. O que se vem
observando, da análise desenvolvida, é uma certa propensão para a destinação compartilhada de resíduos em escalas diversas, se não em âmbito exatamente metropolitano,
ao menos intermunicipal. Tal tendência tem se voltado para arranjos de PPP ou de
contratação de empresas privadas por meio de licitação. Trata-se de um encaminhamento ainda pouco amadurecido pelos atores sociais e que pode levar a importantes
contestações, a exemplo da experiência do Distrito Federal. Por seu turno, enquanto a
literatura sobre a privatização dos serviços de água e esgotos vem revelando as limitações
deste processo (Hall e Lobina, 2004; Lobina, 2005), principalmente devido a seu
caráter de monopólio natural, existe menor acúmulo sobre a avaliação de experiências
de privatização da destinação final de resíduos.
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
502
Em relação à drenagem e ao manejo de águas pluviais, a demanda por
integração é muito pouco frequente, dado o caráter local, estritamente municipal,
das soluções e dos mais apropriados modelos de gestão, obviamente exceto para
municípios conurbados e que compartilham das mesmas bacias hidrográficas.
Dese modo, ao se analisarem a situação e os possíveis encaminhamentos
para a gestão e as políticas públicas do saneamento metropolitano, é importante
considerar que não se avaliam situações homogêneas. Assim, é necessário ter em
conta as particularidades de ordem histórica, geográfica, política e econômica que
caracterizam a formação e a dinâmica dos aglomerados metropolitanos, como
também a própria diversidade pela qual se apresentam os diferentes componentes
do saneamento básico.
Ao se pensar como esses arranjos poderão se mostrar no futuro, é necessário não
deixar de procurar visualizar a forma como assumirá a implementação do acórdão
proferido pelo ministro Luiz Fux, em 6 de março de 2013, quanto à ADIN no 1.842
do Rio de Janeiro, de 1998 (nada menos que quinze anos de paralisia sobre a definição da titularidade do saneamento nas regiões metropolitanas e microrregiões),
sobre a transferência da titularidade dos serviços públicos de interesse metropolitano da RM do Rio de Janeiro e da Microrregião dos Lagos para a esfera estadual.
De um lado, o acórdão afirma que “(é) necessário evitar que o poder decisório e
o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação
do autogoverno e da autoadministração dos municípios” e estabelece a formação
de colegiado composto pelos municípios e pelo estado Federado, sendo que “(a)
participação dos entes nesse colegiado não precisa ser paritária, desde que apta a
prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente” (Brasil,
2013). De outro, o acórdão parece mais confundir que esclarecer, permanecendo
em aberto a definição legal de quem deterá efetivamente a titularidade dos serviços, sendo pouco plausível considerar que seria do colegiado previsto. Como três
partidos políticos interpuseram embargos declaratórios, questionando diversos
aspectos formais e de mérito do acórdão, pode haver ainda mais protelação sobre
a definição legal e ainda mais obstáculos sobre as possibilidades de uma integração positiva da gestão dos serviços de saneamento metropolitanos. Obviamente,
a dinâmica política do país pode apontar outros rumos para a questão, que não
necessariamente solucionarão conflitos e ensejarão cooperação.
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PARTE V
APONTAMENTOS SOBRE AS FUNÇÕES PÚBLICAS
DE INTERESSE COMUM
CAPÍTULO 19
ENTRE O MUNICÍPIO E A CIDADE: SUPERANDO 1938
E ASSUMINDO A TITULARIDADE SOBRE O AMANHÃ
Marco Aurélio Costa1
Em 2001, uma pesquisa em rede coordenada pelo Ipea analisou os instrumentos
de planejamento e gestão em nove aglomerações urbanas do país.2 Com foco nos
instrumentos urbanísticos à disposição dos municípios brasileiros, a pesquisa identificava “a falta de políticas, planos, programas e instrumentos para tratar de modo
integrado problemas como o meio ambiente (em particular, recursos hídricos),
urbanização, industrialização e habitação” (Ipea, 2001, p. 153), apontando para a
maior gravidade destes problemas nos estados mais urbanizados.
No que dizia respeito à questão metropolitana, a pesquisa identificou o que
seria uma ambivalência nos dois processos presentes na Constituição Federal de 1988
(CF/1988): de um lado, a delegação aos estados da competência de instituir as regiões
metropolitanas trazia uma perspectiva de maior flexibilidade para este instrumento de
planejamento (a saber, a regionalização), o qual responderia melhor às especificidades
locais e regionais; mas, de outro lado, a elevação dos municípios à categoria de ente
federado criava a necessidade de uma coordenação de sintonia fina, uma vez que os
municípios a serem coordenados constituem entidades politicamente autônomas.
Já naquele momento, apontava-se para o diagnóstico do “esvaziamento dos
órgãos destinados a uma ação coordenada dos municípios metropolitanos, porque
esta coordenação assumiu conotação exclusivamente política” (Ipea, 2001, p. 153).
Passados treze anos da publicação dos resultados da pesquisa, lançada no
mesmo ano do Estatuto da Cidade (EC), ao se analisar a gestão e a governança
metropolitanas, por meio das Funções Públicas de Interesse Comum (FPICs),
constata-se que pouco mudou em relação aos principais apontamentos críticos
trazidos por aquela pesquisa, ainda que muita coisa tenha ocorrido neste período,
tanto do ponto de vista normativo, quanto do que se poderia chamar de experimentações na gestão das FPICs.
1. Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, Coordenador da Rede Ipea e do projeto Governança Metropolitana no Brasil.
2. A publicação Gestão do uso do solo e disfunções do crescimento urbano: instrumentos de planejamento e gestão
urbana em aglomerações urbanas: uma análise comparativa (Ipea, 2001) traz, em seu volume 1, os resultados consolidados da pesquisa, coordenada pela pesquisadora Diana Meirelles da Motta, que também coordenou a pesquisa
Governança Metropolitana no Brasil, na Região Metropolitana de São Paulo, pela Empresa Paulista de Planejamento
Metropolitano S.A. (Emplasa).
510
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Do lado das permanências, o que mais chama a atenção é a dimensão institucional da gestão metropolitana, que informa sobre os órgãos de coordenação e
gestão: treze anos após a CF/1988, a pesquisa de 2001 identificava um processo de
esvaziamento destes órgãos e a consequente falta de políticas, planos, programas e
instrumentos para a gestão integrada; passados outros treze anos, a pesquisa atual
identifica o resultado daquele processo: o “vazio institucional”, observado (denunciado)
em várias das regiões metropolitanas (RMs) e refletido no baixo desempenho da
maioria delas na avaliação apresentada no capítulo inicial deste livro.
Em boa medida, portanto, o processo que estava em curso produziu seus efeitos
esperados. Se uma caracterização geral da gestão e da governança metropolitanas
for feita, na maior parte do tempo e na maior parte das RMs, será retratado um
quadro de vazios institucionais associados a ausências ou ineficiências de políticas,
planos, programas e instrumentos.
Mas essas foram, de modo geral, as conclusões às quais já se havia chegado
na publicação relativa ao primeiro componente do projeto Governança Metropolitana no Brasil (Costa e Tsukumo, 2013). Questiona-se o que a investigação
aprofundada das FPICs selecionadas informa. Há algo novo que esse olhar mais
detido em aspectos específicos e setoriais revela?
A análise das FPICs selecionadas permitiu melhor qualificar o quadro trazido
pelo componente da análise institucional e dos arranjos de gestão nas diferentes RMs,
apontando para as “permanências” anteriormente citadas, mas também para um processo de graduais transformações trazidas pelo desenvolvimento da normatização e/
ou do planejamento e/ou da gestão em alguns setores específicos que alimentam e são
retroativamente alimentados por experimentações em normas, planos, programas e na
gestão em algumas funções específicas, ainda que de forma pontual e não homogênea.
No campo normativo, o próprio EC, Lei Federal no 10.257, de 10 de julho de
2001; a Lei dos Consórcios Públicos, Lei Federal no 11.107, de 6 de abril de 2005;
a Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico (LDNSB), Lei Federal
no 11.445, de 5 de janeiro de 2007; a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(LPNRS), Lei Federal no 12.305, de 2 de agosto de 2010; e a Lei da Política
Nacional de Mobilidade Urbana (LPNMU), Lei Federal no 12.587, de 3 de janeiro
de 2012, conformam um novo marco jurídico de referência que estrutura políticas
(setoriais) e propõe instrumentos voltados para a gestão urbana.
Esse conjunto de leis traz inegáveis avanços e segurança institucional (notadamente no caso do Estatuto da Cidade e da Lei dos Consórcios Públicos) para a
aplicação de instrumentos jurídicos e de planejamento e gestão que podem contribuir para a gestão urbana/municipal e intermunicipal e para o desenvolvimento
de políticas setoriais, especialmente no caso do saneamento básico e do transporte
público/mobilidade urbana.
Entre O Município e a Cidade: superando 1938 e assumindo a titularidade sobre o amanhã
511
Ainda que nem todos os municípios tenham ainda cumprido as determinações
legais constantes nessas normas, a existência delas favorece as experimentações e a
busca de soluções para a gestão urbana/municipal e, em alguns casos, para a gestão
intermunicipal e metropolitana.
Consórcios públicos que tratam, por exemplo, da gestão de resíduos sólidos,
sistemas de transporte público com integração modal e tarifária e a elaboração de
planos integrados de desenvolvimento metropolitano são exemplos de avanços e
de experiências relativamente bem-sucedidas, ainda que pontuais e localizadas.
Portanto, ao colocar a lupa e analisar com maior acuidade o que se passa em
algumas FPICs selecionadas, encontram-se aqui e ali exemplos “portadores de futuro”,
resultantes de processos localizados espacial e temporalmente que produziram os
avanços observados (alguns deles retratados neste livro e outros apresentados em
mais detalhes no livro que traz os relatos e estudos de caso selecionados).
De forma análoga às conclusões presentes no capítulo que faz a síntese analítica da FPIC saneamento básico, ao analisar o conjunto das FPICs selecionadas,
pode-se dizer que, em boa medida, as análises tiveram que lidar com situações que
não são homogêneas. Na análise das FPICs também “é necessário ter em conta as
particularidades de ordem histórica, geográfica, política e econômica que caracterizam a formação e a dinâmica dos aglomerados metropolitanos” (Krause e Heller,
2014), além das especificidades de cada uma destas funções.
Uso do solo, transporte público/mobilidade urbana e saneamento básico – que
em si já reúne diversos e diferentes serviços e sistemas – constituem FPICs específicas, com particularidades e condicionantes que demandam análises específicas.
É certo que as hipóteses iniciais sobre essas diversidades e especificidades foram
em boa medida confirmadas. Algumas FPICs e, mais que isso, alguns serviços e
componentes dentro de uma mesma FPIC, mostraram-se mais afeitos à cooperação horizontal e vertical dos entes envolvidos, a exemplo dos inúmeros casos de
consórcios públicos voltados para a gestão dos resíduos sólidos. Outras já trazem
desafios de integração e coordenação maiores, envolvendo conflitos mais densos e
complexos, cuja superação depende de mecanismos de coordenação e cooperação
ainda não construídos e carentes de uma maior segurança jurídica.
Insegurança jurídica, incerteza institucional, vazio normativo. A despeito dos
avanços observados na legislação federal em várias áreas e das experiências bem-sucedidas que foram identificadas (de forma ainda pontual e localizada), a avaliação
que se faz aqui é que o desafio atual é superar estes problemas jurídico-normativos.
Uma leitura atenta sobre o conjunto de leis citado anteriormente mostra que a abordagem privilegia os entes existentes no arranjo federativo brasileiro, o que não poderia
ser diferente, deixando na zona cinzenta ou no esquecimento os entes metropolitanos.
512
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
No EC, apenas três artigos fazem alguma menção às RMs: os artigos 4o, 41
e 45. A referência mais importante se encontra no Artigo 4o, segundo o qual, em
seu inciso II, os planos metropolitanos são reconhecidos como instrumentos da
política urbana. Apesar deste reconhecimento, nada mais é dito sobre a forma
como os planos metropolitanos – o que são, o que contêm, como serão elaborados,
qual seu escopo, limites e objetivos – irão dialogar com os demais instrumentos
da política urbana, uma questão que, como já foi visto neste livro, não é trivial.
Nos demais artigos do EC onde há menções a aspectos metropolitanos,
apenas se reforça, no Artigo 41, a obrigatoriedade de elaboração de planos diretores (municipais) nos municípios inseridos em RMs (o reforço entre parênteses
é obviamente indevido, mas serve para mostrar a redução da norma ao campo
local) e, no Artigo 45, estabelece-se que a gestão democrática, no que diz respeito
aos organismos de gestão metropolitana, “incluirão obrigatória e significativa
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos
da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno
exercício da cidadania” (Brasil, 2001), apesar de também não se dizer o que significa
esta significativa participação.
O vocábulo “cidade”, na denominação do EC, se aproxima do entendimento
estritamente jurídico do termo e menos da noção da cidade como espaço que, sobretudo no contexto metropolitano, não conhece fronteiras político-administrativas.3
Se no EC as menções à questão metropolitana são pontuais e imprecisas, na Lei
dos Consórcios Públicos e na Lei de Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico
a temática não aparece. Não há menções à questão metropolitana em nenhuma
destas leis. Na Lei dos Consórcios Públicos, a inexistência do ente metropolitano
pode ser utilizada como justificativa. A norma, neste caso, favorece o consorciamento
entre municípios metropolitanos, ainda que isto não esteja explicitado. No caso
da LDNSB, o enfoque setorial, em larga medida necessário, não faz referência ao
ambiente metropolitano, que abriga metade da população brasileira e cujas RMs
elencam, majoritariamente, o saneamento básico como uma FPIC.
Apesar de a LDNSB não fazer referência às RMs, a Lei da Política Nacional
de Resíduos Sólidos faz menções à questão metropolitana em três artigos: 11, 14
e 17. O Artigo 11, em seu inciso I, incumbe aos estados “promover a integração
da organização, do planejamento e da execução das funções públicas de interesse
comum relacionadas à gestão dos resíduos sólidos nas regiões metropolitanas”
(Brasil, 2007). No período pós-CF/1988, trata-se da primeira menção explícita
3. O Decreto-Lei no 311, de 2 de março de 1938, define cidade como a categoria da sede do município (Brasil, 1938),
o que implica que a criação de cidades decorre do processo de criação de municípios. O próprio decreto faz referência
à existência de várias cidades onde há conurbação de municípios. Este entendimento legal do vocábulo é restritivo e
diverge de outros associados à experiência urbana, tal como se vê na obra de Lefebvre (2005).
Entre O Município e a Cidade: superando 1938 e assumindo a titularidade sobre o amanhã
513
ao cumprimento de organização, planejamento e execução de uma FPIC metropolitana. Ainda que o restante da lei não detalhe como fazer isto, é inegável que a
norma reconhece, com a terminologia adequada, um problema concreto.
No Artigo 14, a LPNRS reconhece os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas como planos aos quais deve ser “assegurada ampla publicidade ao conteúdo
(...), bem como controle social em sua formulação, implementação e operacionalização”
(Brasil, 2010), e em seu Artigo 17, inciso IX, a lei estabelece que o plano estadual deve
conter “diretrizes para o planejamento e demais atividades de gestão de resíduos sólidos de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões” (Brasil, 2010),
reforçando a possibilidade de as RMs elaborarem seus planos de resíduos sólidos.
Assim, ainda que não haja muitas pistas sobre a forma como esses instrumentos, na escala metropolitana, serão construídos e implementados, a LPNRS traz
avanços e estimula o desenvolvimento de abordagens metropolitanas.
Ainda que com menos vigor, a valorização da escala metropolitana também
se faz presente na Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, na qual dois
artigos fazem menção à questão metropolitana, a saber, os artigos 8o e 16.
O Artigo 8o, que trata da política tarifária do sistema de mobilidade urbana,
afirma, em seu inciso III, que “ser instrumento da política de ocupação equilibrada
da cidade de acordo com o plano diretor municipal, regional e metropolitano”
(Brasil, 2012) constitui uma das diretrizes da política. O Artigo, portanto, conta
com a possibilidade de haver um plano metropolitano que aborda a temática da
ocupação equilibrada da cidade (entendida aqui, certamente, no seu sentido mais
amplo e o mais distante possível da acepção legal de “cidade”) e considera que a
política tarifária deve levar em conta as diretrizes deste plano. Trata-se de uma
“lembrança” feliz, mas de baixa aplicabilidade. Faz-se uma menção a um instrumento não regulamentado e não exigido, cujo conteúdo não se encontra legalmente
previsto em nenhuma outra norma.
Já o Artigo 16 é mais direto e corresponsabiliza a União pelos investimentos
em infraestrutura de mobilidade nas aglomerações urbanas e nas RMs. Segundo a
norma, em seu inciso IV, é atribuição da União “fomentar a implantação de projetos de transporte público coletivo de grande e média capacidade nas aglomerações
urbanas e nas regiões metropolitanas” (Brasil, 2012).
A União, que desde a CF/1988 mostrava-se “ausente” da arena metropolitana, ao
menos do ponto de vista legal, recebe a atribuição de fomentar projetos de transporte
público nestes espaços. Trata-se de um importante sinalizador das responsabilidades
federativas no espaço metropolitano e nas conurbações e aglomerações urbanas do
país, envolvendo até, como consta no parágrafo 1o do Artigo 16, as cidades definidas
como cidades gêmeas localizadas em regiões de fronteira com outros países.
514
Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Há que se fazer aqui uma ressalva: a atribuição que a União recebe se torna
genérica e imprecisa se se considera o processo de metropolização institucional
brasileiro. O fato de a criação de regiões metropolitanas ter sido estadualizada,
associado à ausência de uma categorização dessas diferentes RMs (uma tipologia,
tal qual a trazida pelas Regiões de Influência das Cidades – REGIC do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE, qualificaria melhor a questão), que
já passam de sessenta em todo o país, enfraquece esta atribuição de fomento
conferida à União.
De todo modo, essa atribuição faz jus ao papel protagonista que a União tem
no espaço metropolitano, tal como visto no capítulo 8 deste livro.
Deste pequeno balanço em torno das normas aqui qualificadas como inovações
transformadoras da gestão urbana no Brasil, nota-se, portanto, que estas normas
remetem e dialogam, quase exclusivamente, com a esfera municipal. Trata-se,
salvo exceções pontuais e ainda assim de pouca efetividade, do reforço do papel
do município e do não reconhecimento das especificidades, urgências e desafios
do espaço metropolitano.
Como já foi dito anteriormente, isso pode ser uma mera decorrência do fato de
não existir ente metropolitano. Se não existe ente metropolitano, efetivamente, fica
difícil fazer menções qualificadas, precisas, operacionais a aspectos metropolitanos
em todas estas normas, em uma discussão que desemboca na não regulamentação do Artigo 25 da CF/1988, que efetivou a estadualização da competência da
instituição das RMs no país para se integrar a organização, o planejamento e a
execução de FPICs.
O Artigo 25 da CF/1988, ao atribuir a competência de instituir RMs (além de
aglomerados urbanos e microrregiões) aos estados federados, reconhece a existência
de FPICs e justifica a instituição das RMs na necessidade de organizar, planejar e
executar/operacionalizar os vários serviços e sistemas urbanos. Contudo, a legislação
não diz o que são as FPICs (sequer obriga os estados a nomearem as FPICs que
justificam o fato metropolitano) e nada informa sobre o sistema de gestão integrado
metropolitano ou sobre a gestão das FPICs de cada RM.
A necessidade de regulamentação desse Artigo é uma das lacunas do quadro
normativo e do arranjo federativo do Brasil, lacuna que permanece aberta após
mais de 25 anos da promulgação da chamada Constituição Cidadã.
Há dois aspectos centrais e imbricados cujo equacionamento repousa na
regulamentação do Artigo 25.
De um lado, é necessário ir além da mera instituição de regiões metropolitanas, conquanto instrumento de gestão territorial, para se definir claramente o que
tais regiões representam no ordenamento jurídico brasileiro – a regionalização,
Entre O Município e a Cidade: superando 1938 e assumindo a titularidade sobre o amanhã
515
especialmente a regionalização metropolitana, como instrumento de planejamento
e gestão territorial deve ser melhor definida e algum tipo de categorização deve
ser estabelecida, para que não se confunda o uso deste instrumento pela esfera
estadual e o uso deste instrumento no âmbito, por exemplo, da Política Nacional
de Ordenamento Territorial.
Em uma pergunta, esse primeiro aspecto tem a ver com a questão: o que são
e quais as funções de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões
no ordenamento territorial do país?
De outro lado, tem-se a questão da definição do que são FPICs e de como se
dá a gestão delas. Ou melhor, cabe estabelecer claramente como se dá a coordenação
e a cooperação dos entes federativos (sobretudo municípios e estados) na gestão
das diversas FPICs que amalgamam uma região metropolitana.
Como já se apontou em outro lugar:
A despeito da estadualização do poder de instituir regiões metropolitanas, o fato é
que não há um claro entendimento, no contexto do atual arranjo federativo, sobre
a titularidade das FPICs. No que diz respeito ao uso do solo, há a tendência, inspirada no binômio participação democrática-descentralização presente na CF/1988,
de considerar que o município é o titular da gestão do uso e da ocupação do solo
e que qualquer regulação vinda dos estados seria uma ingerência, um desrespeito à
autonomia municipal (Costa, 2014).
Neste sentido, ganha centralidade a discussão em torno do Acórdão do
Supremo Tribunal Federal (STF), publicado em setembro de 2013, relativo ao
julgamento da Ação de Inconstitucionalidade no 1.842/RJ, movida ainda em 1998,
que questionava a constitucionalidade da legislação do estado do Rio de Janeiro
sobre a titularidade do saneamento básico.4
O Acórdão, de um lado, firma o entendimento de que a instituição de regiões
metropolitanas é fato que se impõe ao município, a partir da existência de um
interesse comum em um determinado território que reúne mais de um município.
Neste sentido, não cabe ao município arguir ou se posicionar quanto a sua inserção
em uma região metropolitana. Cabe ao estado fazer esta instituição, e isto não fere
a autonomia municipal.
De outro lado, contudo, o Acórdão estabelece que a criação das regiões
metropolitanas não significa uma automática transferência de competências municipais para os estados.
4. O STF publicou, no dia 16 de setembro de 2013, o Acórdão referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
no 1.842-RJ, na qual se discute a Lei Complementar Estadual no 87, de 16 de dezembro de 1997, e a Lei Ordinária
n o 2.869, de 18 de dezembro de 1997, editadas pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
O Acórdão procura responder também às ADIns nos 1843, 1826 e 1906, todas relativas à titularidade do saneamento básico.
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Funções Públicas de Interesse Comum nas Metrópoles Brasileiras:
transportes, saneamento básico e uso do solo
Em resumo, uma região metropolitana consiste num agrupamento relevante
de municípios, com a finalidade de executar funções públicas que, pela sua natureza,
exigem a cooperação entre eles. Tal agrupamento, por imposição constitucional,
somente pode ser criado por lei complementar estadual, o que, entretanto, não
significa que caibam ao Estado as competências executivas de concretização dos
chamados interesses metropolitanos (Castro e Bertoccelli, 2013).
Ao mesmo tempo em que reconhece a realidade e especificidade metropolitana e a necessidade de planejamento e gestão compartilhados das FPICs, sem
ferir a autonomia municipal, o Acórdão não entende que os estados assumem a
competência sobre elas.
Considerando que a titularidade sobre as funções metropolitanas passa a ser
compartilhada e que o poder decisório não pode se concentrar nesse ou naquele
ente federado, alguns dos votos proferidos pelos ministros do STF fazem menção
ao que seria uma nova institucionalidade, uma nova entidade público-territorial-administrativa a quem caberia a competência do planejamento e gestão das FPICs.
Este é precisamente o ponto mais controverso do Acórdão do STF. Entende-se que restou impreciso o posicionamento da Corte Suprema sobre a questão
metropolitana, havendo dúvidas quanto à interpretação do Acórdão e sobre o
que vem a ser a instituição não municipal e não estadual que deverá assumir o
planejamento e a gestão das FPICs no espaço metropolitano. Ou seja, o legislador
estadual ficou sem elementos suficientes para definir a natureza e o escopo desta
nova institucionalidade.
O Acórdão, portanto, deixou um rastro de insegurança institucional, e há
autores (Castro e Bertoccelli, 2013) que questionam se sua aplicabilidade se refere
a todas as RMs do país ou se se refere apenas à RM do Rio de Janeiro, e ainda se
sua aplicação se dá em todas as FPICs ou apenas no saneamento básico.
Passaram-se quinze anos desde que o Partido Democrático Trabalhista
(PDT) deu início à ação original que só em 2013 veio a ser respondida pelo
STF. Considerando as dúvidas remanescentes, e, sobretudo, o prazo de 24 meses
concedido para a RM do Rio de Janeiro (ou terá sido para todas as RMs?) solucionar a questão da titularidade do saneamento básico (ou de todas as FPICs?),
seguindo as deliberações do Acórdão, é provável que o Supremo venha a se
manifestar, dirimindo as dúvidas e questionamentos que já foram feitos pelo
próprio PDT e por outros partidos políticos. Portanto, espera-se que o STF, no
curto prazo, traga novas e mais claras luzes sobre a questão metropolitana no país.
Ao observar as especificidades das FPICs aqui retratadas, emerge uma outra
questão que merece consideração. Nas legislações complementares estaduais pesquisadas, é comum que o legislador elenque um conjunto de FPICs, consideradas,
Entre O Município e a Cidade: superando 1938 e assumindo a titularidade sobre o amanhã
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a partir de então, como compartilhadas, metropolitanas. No entanto, ao observar
os casos analisados na pesquisa, seja no que diz respeito ao saneamento básico, seja
no que diz respeito ao transporte público, emerge a percepção de que nem todos
os municípios compartilham, obrigatoriamente, das mesmas funções públicas.
Isso é um entendimento não usual que não foi encontrado em nenhuma legislação estadual. Contudo, é uma questão relevante, sobretudo por conta de suas
implicações para a discussão da titularidade, a partir do próprio Acórdão do STF.
Se, por exemplo, a legislação estadual entende que a coleta, o tratamento e
a disposição dos resíduos sólidos urbanos é uma FPIC para todos os municípios
que compõem determinada RM, a titularidade destes serviços não é mais exclusivamente municipal e deverá ser solucionada na escala metropolitana, talvez pela
entidade regionalizada encarregada do planejamento e da gestão metropolitanos.
Esse aspecto singular, mas de alta relevância, deve ser observado quando da
regulamentação do Artigo 25 da CF/1988, evitando-se que os municípios percam,
desnecessariamente, autonomia sobre serviços e funções que podem ser, ainda que
o município faça parte de uma RM, de interesse estritamente local.
Considerar as especificidades de cada FPIC, em cada RM, em termos históricos, sociais, econômicos e políticos deve ser uma diretriz do processo de regulamentação do Artigo 25 da CF/1988, o que pode ser favorecido pela aguardada
manifestação do STF sobre as questões polêmicas do Acórdão de 2013.
Finalmente, encerrando estes apontamentos sobre a discussão das FPICs e
da gestão metropolitana, cumpre ressaltar aqui a questão da participação social na
gestão metropolitana. A participação da sociedade civil atualiza um dos princípios
mais caros do ordenamento constitucional brasileiro.
A recente experiência brasileira da gestão metropolitana, contudo, mostra que,
neste campo, os desafios presentes não são poucos. Em todas as FPICs pesquisadas, a participação e o controle social sobre a gestão das FPICs é muito limitado,
quando existente. Desde a mobilização dos atores sociais, há enormes dificuldades
para atrair a participação dos cidadãos para a questão metropolitana, o que acaba
não sendo nada favorecido pelo quadro jurídico-institucional vigente, marcado
por incertezas e imprecisões.
Em serviços que já possuem uma forte e estruturada institucionalidade e onde
o “negócio” supera em muito a dimensão político-decisória da gestão metropolitana,
como é o caso do abastecimento de água e dos serviços de esgotamento sanitário,
os espaços de participação são limitados e é mais provável que haja participação
de acionistas que de usuários nas arenas de tomada de decisão, sobretudo porque
se trata de um negócio.
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transportes, saneamento básico e uso do solo
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No caso da FPIC uso do solo, onde não há propriamente serviços compartilhados, a participação é fundamental para a sociedade contribuir com o processo que
decidirá os rumos da produção do espaço metropolitano. Neste sentido, preocupa
o diagnóstico de baixa participação e de uma governança marcada pela presença
preponderante de atores políticos e agentes econômicos.
Uma governança frágil e marcada pela presença de poucos segmentos sociais,
sobretudo de segmentos que possuem interesses predominantemente privados, transforma a gestão metropolitana em refém destes interesses e acaba contribuindo para
a construção de uma cidade menos inclusiva, marcada pela segregação socioespacial
e pela produção de um espaço urbano voltado prioritariamente para a produção
de lucros e ganhos imobiliários, em uma direção oposta ao que preconiza o EC.
Ainda que o EC tenha tido seu conteúdo “metropolitano” esvaziado, seus
princípios devem ser atualizados e concretizados na cidade metropolitana, produzindo cidades mais justas, eficientes e sustentáveis, para todos os seus cidadãos
de hoje e do amanhã.
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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
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