In tr o d u ç ã o a o
DESENHO URBANO
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V ic e n te d e i R io
Projeto cultural
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B R A S 5 1 N T E R 5 .4 .
INDUSTRIA
E COMERCIO
P a rte
I
Origens e definição
do desenho urbano
Capitulo 1
Os anos 60: contexto para mudanças disciplinares
Capitulo 2
Planejamento urbano x arquitetura:
desenho urbano?
Capitulo 3
Por uma definição de desenho urbano
P a r te
11
O processo e as metodologias
Capitulo 4
Processo de planejamento e desenho urbano
Capitulo 5
Uma proposta metodológica
• Morfologia urbana
• Análise visual
• Percepção do meio ambiente
• Comportamento ambiental
Capitulo 6
Implementando o desenho urbano
Capitulo 7
Agora. um caminho aberto
Anexo 1
Urbanização. estruturação e crescimento de favela.
Desenho urbano na favela da Maré. Rio de Janeiro
Anexo 2
Desenho urbano e revitalização no bairro de
Felis Point. Baltimore. EUA
Anexo 3
Os projetos de estruturação urbana
no processo de planejamento:
experiências recentes no Rio de Janeiro
Bibliografia
Bibliografia comentada
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Vicente dei Rio
B R A S 5 1 N T E R 5 .4 .
INDÚSTRIA
E COMERCIO
Dedico este trabalho à memória de meu pai, Edgard
Forte presença da sua austJncia
Carl Ruskin e Sérgio Lordello
Amigos
e urbanistas
que também se foram cedo demais
"Na esperança de que nossa potencialidade criativa transforme
a vida urbana e seu espaço em fontes de prazer e liberdade"
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Projeto cultural
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COMERCIO
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IN T R O D U Ç Ã O A O D E S E N H O U R B A N O
NO PRO CESSO DE PLANEJAM ENTO
©COPYRIGTH EDITORA PINI LTOA.
Todos os direitos de reprodução ou tradução reservados pela Editora Pini Ltda.
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Dei Rio, Vicente, 1955Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento / Vicente dei Rio. - São Paulo: Pini,
1990.
Bibliografia.
ISBN 85-7266-031-3
CDD-711
-711.4
1.
2.
3.
4.
Cidade: Urbanismo 711.4
Desenho Urbano: Urbanismo 711
Planejamento urbano 711.4
Urbanismo 711
Edição de texto: Mariza Passos
Produção gráfica: Carlos Mazetti
Paste-up: Carlos Gomes
Capa: Concepção - Vicente dei Rio; ilustração Secretaria editorial: Márcia Melkan
Jorge Baptista
E d ito ra P in i L td a .
R u a A n h a ia . 9 6 4 - C E P O 1 1 3 0 -9 0 0
F o n e : 0 1 1 3 3 5 2 -6 4 0 0 -
S ã o P a u lo
F a x 0 1 1 3 2 2 4 -0 3 1 4
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SP
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8 " tira g e m : 1 .0 0 0 e x e m p la re s , m a i/2 0 0 4
A p re s e n ta ç ã o
"Introdução ao Desenho Urbano" é um livro altamente
significativo. Vicente dei Rio é um dos teóricos urbanos de
ponta no Brasil e sua pesquisa em desenho urbano começou
a cobrir o abismo entre o planejamento urbano e o projeto
de arquitetura.
décadas e, na Europa, há uns 2 0 anos. Vicente dei Rio
enfatiza que o desenho urbano não é só uma
temática visual, preocupada com a forma tridimensional
da Cidade, mas que eXistem outros fatores significativos,
que incluem também a compreensão dos aspectos
relacionados ao desenvolvimento imobiliário.
Talvez seja por ironia que uma das maiores conquistas do
Século XX no campo urbano, a construção de Brasília, tenha
ocorrido em um momento em que o desenho urbano como
uma profissão ainda não era reconhecido em nenhum país.
O projeto da capital deveria ter servido como início de um
processo de desenvolvimento do conhecimento no campo
do desenho urbano no Brasil, o que infelizmente não se
verificou em sua plenitude. Dentre as
diversas razões, várias inclusive abordadas neste trabalho,
creio que as mais fortes tenham sido as limitações impostas
por um país em desenvolvimento, de rápida urbanização e
esparsos recursos. A "outra face" de Brasília, as favelas,
apontariam no final dos anos 60 e nos 70 como a maior
temática para o desenho urbano. Nesta questão, Vicente deI
Rio desenvolveu pesquisa pioneira, em seu trabalho de
Mestrado em Oxford alguns anos atrás, com um enfoque
morfológico de desenho urbano para melhorias nas favelas
e~~~~oo~OO~~M~~~~OO~
de Janeiro. A partir daí, seu trabalho na Universidade Federal
do Rio de Janeiro tem sido reconhecido internacionalmente.
Este livro reconhece a cnse na Arquitetura Moderna e o
criticlsmo geral que o planejamento urbano tem atraído não
apenas da mídia como do público em geral. Enfatizar a
importância da participação comunitária no processo de
planejamento nunca será demais e o autor mostra as diferenças
entre as abordagens acadêmica e pragmática nesta questão.
O enfoque acadêmico no desenho urbano começou nos EUA,
com as admiráveis pesquisas de Kevin Lynch há mais de três
* - Co-autor
A questão principal abordada neste trabalho é a dificuldade
de concordância sobre uma definição precisa do real
signifl:cado do desenho urbano. Muitos autores nos EUA,
Europa e América Latina propõem definições que, às vezes,
se opõem mas o autor atesta-a com um quadro mais
compreensível e global. São discutidos o processo e várias
metodologias, como as diretrizes de desenho urbano,
avaliações de performance, zoneamentos de incentivos,
entre outros. Entretanto, o aspecto mais importante deste
trabalho consiste nas metodologias que embasarão as
propostas, e aqui o autor sugere sua própria abordagem
metodológica cobrindo a análise Visual, percepção ambiental,
estudos compo,rtamentals, além das interpretações
morfológicas. E apenas através de tão profundas
investigações que estratégias racionais de ocupação territorial
podem ser propostas de uma maneira lógica; aqui
incluindo-se as estruturas espaciais, os sistemas de
movimento, as atividades suporte e até a controvertida
legislação de incentivos.
As imensas dificuldades enfrentadas pelas grandes áreas
metropolitanas brasileiras, resultantes de seu crescimento
explosivo na última metade do Século XX só podem ser
resolvidas a partir de uma atitude para com o planejamento
urbano diversa da prevalente até hoje. Para tanto, Vicente
dei Rio começou a nos proporcionar chaves importantes e
é por ISto que este livro deve ser particularmente visto como
uma obra de referência definitiva.
de "Concepts
of Urban Design"
- Ex-Diretor da Faculdade de Arquitetura,
(Academy Editions, Londres, 1984).
Universidade
de Sheffield, Inglaterra.
- Professor e Diretor do Centro para Desenho Urbano, Universidade de Cincinnati, EUA.
A p re s e n ta ç ã o
Importa afirmar aqui que a agradável e compensatória leitura
deste livro nos remete à conclusão de que este extraordinário
trabalho intelectual consagra seu autor, Vicente dei Rio, como
um dos mais destacados pensadores na área do Desenho
Urbano, no Brasil. Constitui a mais gratificante revisitação
dos mestres que empolgaram as três últimas décadas em
busca de um melhor entendimento da cidade como o lugar
das coisas da vida humana. Nada melhor do que fruir o
caminho proposto, através do diálogo dos mestres, na catarse
que leva à fundamentação das Idéias de Vicente dei Rio,
relativamente à definição desse campo disciplinar, sua
metodologia e sua implementação. Por pura homenagem
a todas essas cabeças, bússolas inexoráveis de todas as
crises, citamos muitas delas. Nos anos 60: Kevin Lynch,
Jane Jacobs, Gordon Cullen, Bernard Rodowsky, Paul
Davidoff, Fraçoise Choay, Christopher Alexander, Robert
Venturi, Aldo Rossi, Herbert Gans, Edmund Bacon e Amos
Rapoport. Nos anos 70: Robert Goodman, John Turner,
Manuel Castel/s, Charles Jencks, Christian Norberg Schulz,
E. F Schumacher, Peter Blake, Rob Krier, Leon Krier e Colin
Rowe. E, nos anos 80: Kenneth Frampton, Jonathan Barnett,
Donald Appleyard, Allan Jacobs e David Gosling. Além destes,
não poderíamos deixar de mencionar os demais autores
brasileiros citados por Vicente dei Rio ao configurar um quadro
completo de trabalho, através de suas teorias, práticas e
contribuições ao campo das disciplinas do Desenho Urbano.
Vicente dei Rio procura o seu próprio lugar neste contexto.
E quando afirma que " o Desenho Urbano é o campo
disciplinar que trata a dimensão físico-ambiental da cidade,
enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas
de atividades que interagem com a população, através de
suas vivências, percepções e ações cotidianas", nos damos
conta de que tal definição pressupõe uma longa experiência
teórica e prática, e uma obsessiva vontade e competência
na pesquisa, como este livro, um livro aberto, aberto ao
debate.
Seu tema central é a sl!peração do "gap" entre Planejamento
Urbano e Arquitetura, onde se deve situar o Desenho Urbano,
porém, sem sucumbir à distorção de se procurar, com isso,
onde termina o primeiro e onde começa o segundo. O que
importa é que " o Desenho Urbano deve ser encarado como
uma atividade de Planejamento, cujos objetivos se reportam
à qualidade físico-ambiental das cidades". Por isso, Vicente
dei Rio trata de bem localizar o campo de atuação acadêmica
e profissional do Desenho Urbano e seu consequente papel
no processo de controle do desenvolvimento.
Daí a importância do livro, que trata das Metodologlas
Possíveis, convocando a esfera acadêmica a bem organizar
suas disciplinas e cursos, onde a qualidade físico-espaClal
das cidades reivindica a qualidade do ensino e a excelência
universitána. É que o corpo teórico do Desenho Urbano
necessita constantemente de alimentar-se, através de um
centro de produção de conhecimento, caminho seguro para
o prestígio de qualquer atividade profissional.
Por outro lado, as políticas, os planos, projetos e programas
que caracterizam sua implementação são examinados aqUi;
à luz das estruturas institucionais, e daquilo que já se
conseguiu implantar no Brasil, ao nível da legislação e da
prática profissional. É oportuno, pois, ressaltar que a nova
Constituição Brasileira (7988) dedica, pela primeira vez, dois
capítulos às políticas urbana e de meio ambiente. Trata-se
de uma nova etapa para o Desenho Urbano no Brasil E o
desafio maiór vincula-se aos conceitos básicos que informam
nossa Constituição, como cidadania, participação da
comunidade, sentido social da propriedade e tantos outros.
Finalmente, se Charles Jencks e Robert Goodman tiveram
razão ao denunciar - o primeiro, a morte da Arquitetura
Moderna, simbolizada na implosão do conjunto residencial
Pruitt Igoe, em Saint Louis, 7972, obra do arquiteto Minoru
Yamasakl;' e o segundo, o cansaço do planejamento urbano,
através de seu livro "After the Planners, What?" (7977)é tempo de concluir-se que vivemos um período de busca
de novos caminhos. Este livro constitui um deles, como
contnbuição definitiva ao Desenho Urbano no Brasil.
P r e fá c io
Plantar uma árvore, fazer um filho e escrever um livro. Descobri que o mais difícil dos ideais do Homem é, sem querer
minimizar a importância da procriaçâo, parir um livro ... e isto
também implica e m publicá-Io, uma tarefa quase tão árdua
nos dias de hoje, e ficar torcendo para que alcance o público
leitor. Mas, sem dúvida, o processo de um escritor que se
pretende técnico é longo e doloroso; dói conseguir definir
toda a temática a ser abordada, dói ter de se Impor limites
a todo o momento, dói saber que o resultado fica muito
aquém das potencialidades e, sem pretensões, da perfeição.
Neste trabalho trato do Desenho Urbano, suas origens e
definições, teonas e metodologlas básicas, papel e possibilidades no processo de planejamento das cidades. Acima
de tudo é um texto com objetivos acadêmicos, . voltado para
os profissionais de arquitetura e urbanismo, principalmente
os estudantes, tão carentes de livros-texto para pesqUisa.
Acredito que esta temática s e faz necessána, por dois motivos principaiS, no momento que o pais atravessa.
Primeiro, porque em nosso pais já se tornou uma regra (que
como toda regra possui algumas poucas exceções) a condição de caos ambiental e m que vivem as nossas cidades.
Como se o subproduto do progresso, tão positivistamente
transformado e m moto nacionalista, implicasse necessanamente em um despreparo e desprezo quase total das estruturas urbanas para o cotidiano.
Minha cidade, que nos "bons" tempos foi a cantada cidade
maravilhosa, há muito deixou de sê-Io e tão bem representa
esta situação, repetida e m maior ou menor escala por todo
o país. Se a construção do Maracanã (o "maior estádio do
mundo") não contemplou preVisão de estacionamentos, s e
casas são substituídas por espigões Ignorando-se os Impactos nas estruturas, se o desenvolvimento
põe em nsco as
atrações turísticas e até os nossos próprios valores culturais,
s e nosso cotidiano é incomodado pela poluição visual ou
por calçadas e áreas públicas tratadas como terra-de-mnguém, se a nova iluminação da pr3la e o novo gradeamento
dos postos de salvamento em Copacabana estão mais para
penitenciána, ou se o simples andar é agora uma tortura
a evitar, há "algo no ar além dos aviões de carreira". Evidentemente, em pnmeira instânCia estão os motivos estruturais,
gerados a partir de uma complexa situação política e econômica, mas os reflexos físico-ambientais que nós, cidadãos,
sentimos em nosso dla-a-dia, representados pelos conflitos
simples acima, demonstram que também eXiste muito despreparo e incompetência do poder público e de nossa própria
profissãO.
Em segundo lugar, porque vivemos um período de rede finições na vida do país, prinCipalmente no campo da política
e da partiCipação cidadã, que já têm se rebatido nos planos
e papéis acadêmicos e profissionaiS. Uma destas implicações
é que o Desenho Urbano vem sendo tratado como uma nova
moda anglo-saxã, como já o foi a expressão Planejamento
Urbano. Se, por um lado, ISto pode ser positivo no sentido
da popularizaçâo de seus conteúdos, potenciais e objetivos,
por outro pode ter consequênclas negativas, pOIS muitos s e
utilizam da expressão para mascarar práticas de "arquitetura
grande" ou como substituto do atualmente impopular Planejamento Urbano. EXiste, também, o problema gerado pelas
conotações que "desenho" possui popularmente, tão mais
limitadas que o Inglês "deslgn ", de onde se originou a expressão. Nesta problemática cabe destacar a penetração e a im-
portância alcançadas pelos resultados do I e li seminários
de Desenho Urbano, realizados em 7 9 8 4 e 7 9 8 6 pela Universidade de Brasília.
Respondendo a estes dois apelos, neste trabalho tento demonstrar minha certeza do Desenho Urbano como um campo disciplinar que se expressa como especialização profissional, assumindo entre nós, arquitetos, um lugar especial.
É um campo típico para nossa atuação pois trata a qualidade
da dimensão físico-ambiental das cidades, talvez o objetivo
maior de nossa profissão.
Apesar disto, não acho que deva ser campo exclusivo dos
arquitetos pois nele utilizam-se dimensões de análise e de
atuação antes especificas de outras disciplinas, como as Ciências Sociais (Teorias da Percepção e do Comportamento,
por exemplo) ou a Geografia (estudos de Modologia Urbana,
por exemplo), entre outras. O Desenho Urbano deve incluir
profissionais de outras áreas; a complexidade do fato urbano
eVidentemente faz com que sua análise e administração seAliás, como já obserjam necessanamente multidlsclplinar
vava Kevin L YNCH há anos, nós, arquitetos, sabemos muito
pouco da vivêncla dos ambientes que nós próprios projetamos, principalmente os de escala urbana.
Entendemos a prática do Desenho Urbano como processo
gerenclador e conformador do ambiente urbano, como veremos, e ficamos longe de indicar modelos "certos" e paradigmas, algo sempre buscado pelas expectativas de nossa cultura arquitetõnica. Ao contrário, o que são mostrados são caminhos para se gerar o processo, caminhos de análise e caminhos de prática.
Portanto, o escopo que defini/TIos para este trabalho, tratando
possibilidades e metodologlas ao Desenho Urbano, acabou
gerando pretensões bastante amplas. Inúmeras fontes foram
consultadas e o leitor poderá faCilmente fazer uso das referências bibliográficas para maior desenvolvimento de seus estudos e projetos. Evidentemente, não se pretendeu esgotar
o tema (que, aliás por definição, é aberto a constantes reavaliações) mas abnr possibilidades e definir campos de pesqUisa.
O livro está organizado em duas partes pnncipals. Na Primeira Parte, a ilustração de abertura mostra o magnífico manejamento urbanístico da Praça de São Pedro, por BERNINI, em
meados do século 77, representando o Início de uma conscientização da importância da qualidade físico-espaclal nas
cidades. Nesta parte são tratadas as origens e definições
possíveis do Desenho Urbano, sempre entendido em um
contexto histórico e como integrante do processo de Planejamento Urbano. Veremos como e porquê surgiu o campo
disciplinar a partir de todo um contexto crítico propício nos
anos 60, quals as suas características básicas para tentar
formar um corpo conceitual coerente em torno a uma definição de Desenho Urbano que responda ao contexto brasileiro.
A ilustração de abertura da Segunda Parte do livro, o conjunto
de King Circus e Roval Crescent em Bath, projetos de John
WOOD pai e filho em meados do século 78, constitui-se
das primeiras atividades imobiliánas como as conhecemos
e representa a importância do designer lograr unir dimensões
às vezes conflitantes na produção da cidade. Nesta parte
discutimos o papel do Desenho Urbano no processo de Planejamento e propomos um enfoque metodológico possível de
investigação/atuação em nosso contexto. Este enfoque parte
de quatro categonas complementares às que o próprio Planejamento Urbano nos legou; são discutidos os conceitos e
metodologias básicos das categorias de "modologia urbana ",
"análise visual", "percepção ambiental" e "comportamento
ambiental".
A Morfologia
Urbana é uma categoria com origens na geografi8 e desenvolvimento com base pnnclpal na Itáli8 e França.
Mostramos como os trabalhos de sITTE, A YMONINO, ROsSI, DE ARCE, PANERAI, CAsTEX e dos irmãos KRIER, para
citar apenas alguns, foram Instrumentais para o desenvolvimento de seus conceitos e metodologlas de analisar a forma
urbana como lógica evolutiva das forças SOCiaiS. Veremos
como esta categoria nos mostra diversas temáticas extremamente válidas para o estudo da cidade como um conjunto
coerente de elementos, CUja existênCia, papel estrutural e
Inter-relações são razões importantes na qualidade das formas urbanas.
O trabalho de Gordon CULLEN serve de base prinCipal para
a categona de Análise Visual e sua identificação de qualidades VisuaiS da paisagem urbana, profundamente enraizadas
na experiênCia topo lógica do observador em movimento. São
destacadas qualidades como complexidade e diversidade de
"inputs" perceptivos nos percursos em trabalhos de gente
como RAPOPORT e LOZANO Comentados também os estudos de "gestalt" urbana, representados por TRlEB e KOHLsDORF, assim como as possibilidades de aplicação da sem/ótica a níveis arquitetõnico e urbano por autores como BARTHEs, JENCKs e VENTUR/.
A Percepção Urbana, oriunda da psicologia, trata da nossa
experiência urbana como atividade perceptiva e do processo
de cognição como um momento vital para a compreensão
e retenção das imagens estruturadoras desta experiência.
Sendo um dos campos de estudo mais profícuos para o Desenho 'Urbano, comentamos
o trabalho pioneiro de Kevin
L YNCH, fundamentado em PIAGET e GIBSON. assim como
de outros pesquisadores importantes como APPLEYARD,
BAIU Y, GOODEY, CANTER e LEE. Aqui também falamos
sobre a análise mais fenomenológica do espaço desenvolvida
por gente como NORBERG-SCHUL TZ e TUAN.
A quarta e última categona indicada, a chamada Comportatambém origina-se na psicologiB, mas
mento Ambiental,
no chamado "behaviorismo",
ou comportamental/smo.
Neste caso, parte-se do princípio que o meio ambiente construído
influenCia as nossas atitudes, ações e decisões, sendo seu
estudo, portanto, extremamente importante para a promoção
de níveis adequados de satisfação da população em seu cotidiano. Importantes trabalhos são comentados, como os dos
pioneiros SKINNER, SOMMER e HAU, e os de seus seguidores como LANG, APPLEYARD, ZEISEL, GEHL e PFEIFFER.
Em seguida, são discutidas algumas temáticas de Desenho
Urbano para sua implementação se tonal no processo de Planejamento, e para sua adoção como defil71doras de critérios
de qualidade urbana a se perseguir nos planos e programas.
de implemenPara tanto, discutimos alguns instrumentos
tação ainda pouco conhecidos em nosso país, mas com grande potencial, como o "zoneamento de incentivos ': os "pacotes de desenho", e o "solo cnado". Finalmente, traçamos
breves comentános sobre os caminhos mais eVidentes para
o cuidado com a qualidade físico-ambiental urbana e futuras
investigações e desenvolvimento do campo.
Em anexo, os três estudos de caso apresentados, em que
tive participação direta, nos aUXiliam na avaliBção das discussões conceituals e metodológicas anteriores e de sua aplicabilidade. Primeiro, comentqmos um caso de intervenção na
Favela da Maré, Rio, discutindo conceitos é a elaboração
de uma proposta para a urbanização do assentamento e construção de novas áreas habitacionals conjugadas, alternativa
à do BNH. O segundo estudo trata de proposta adotada e
em implantação para a revitalização de área nbeirinha em
bairro histórico de Baltimore, EUA. Finalmente, discutimos
os chamados Projetos de Estruturação Urbana da prefeitura
do Rio de Janeiro, sua assumida atuação em Desenho Urbano, a nível de suas características, possibilidades e limitações.
Além de uma completa bibliografia, fazemos breves comentários específicos sobre alguns títulos que indico como básicos para o aprofundamento dos conhecimentos neste campo
disciplinar. Sempre que possível, indicamos edições brasileiras e aquelas de fácil acesso ao leitor.
As discussões teóricas. conceitos e métodos discutidos no
livro são permeados por exemplos concretos e ilustrados
da melhor maneira possível. Embora sejam feitas referências
à produção brasileira, principalmente a teórica, ao longo do
texto, permiti-me não incluir no escopo deste trabalho uma
avaliação completa das experiências c!assificáveis no campo
do Desenho Urbano no Brasil. Este não era nosso objetivo
e para esta tarefa pretendo estar instrumentalizando o leitor.
Numa época em que estamos cada vez mais conscientes
dos baixos níveiS de qualidade de vida das grandes Cidades
e, com certeza, da baixa qualidade físico-ambiental que invade
nosso cotidiBno, o Desenho Urbano sem dúvida possui importante papel a cumprir. Espero que esta publicação colabore
no sentido de melhor definir como podemos responder a
este desafio.
Este trabalho se originou de uma tese, elaborada em 7989,
para inscrição 'em concurso de professor titular em planejamento urbano na FAU/UFRJ. Por se tratar de cadeira em
curso de Arquitetura, acreditei que seria propício uma monografia sobre o Desenho Urbano e acabei me entusiasmando
com o texto resultante; incentivado pelos colegas, decidi
reestruturá-Io, preparando-o para ser acessível ao seu principaj público potenciBl.
Para o leitor normal, os agradecimentos sempre correm o
nsco de ser uma listagem enfadonha e inútil. Para o escntor,
é quando fazemos um mínimo de justiça aos tantos que
nos incentivam e ajudam, na vida, na profissão e na escrita.
A meu pai, a quem dedico este trabalho, e minha mãe tenho
a agradecer o amor e o constante incentivo às minhas atividades. A Monica e Adnana, minhas irmãs, ao amor Escorpião
da Valéna, a Evelin, Alessandra, Marcio, Glauco, David, Mlhai
Paschoal e meus amigos mais chegados, obrigado pelo carinho e paciência com que aguentaram meu emburrado processo de criação. Aos meus alunos Jonathan (obrigado pelas
fotos), Marcelo, Christina, Marco, Tarcisio, GUilherme, N/lene,
Francl; Claudia, Lu, que representam
tantos outros, força
maior por trás da academia.
.
o
incentivo e a opinião de vários colegas me foram inestimáveis. Agradeço principalmente a Luiz Cartos Toledo, amigo
do peito e urbanista, um dos meus iniciadores,' quisera ter
consegUido corresponder completamente ao seu interesse
por minhas idéias aprimorando este livro. Agradecimentos
também são devidos ao apoio sempre presente de meu orientador Prof Dr. Lauro Birkholz (FAUlUSP) e aos comentários
dos amigos Milton Feferman (FAUIUFRJ), Humberto Yamaki
(DAUlUEU Ana Lucia Nadalutti e Vera Tângari. Agradeço
ao Departamento de Planejamento de Arquitetura e à FAUI
UFRJ, pelo apoio às minhas pesquisas.
Finalmente, agradeço aos arquitetos e professores David
Gosllng e Miguel Pereira, por suas gentis palavras de apresentaçâo, ao colega Jorge Baptista Azevedo por emprestar o
seu dom de ilustrador, e ao empenho do pessoal da PINI,
principalmente ao Mário. Cabe um agradecimento todo especial à BRA SSIN TER, nas pessoas de seu presIdente José
Roberto Torres e do assessor de diretona Ary Frederico Torres
Neto, pelo apoio cultural a esta publicação.
ín d ic e
Capftulo
Capftulo
Capftulo
1 2 3 -
Os anos 60: contexto para mudanças disciplinares
Planejamento urbano x arquitetura: desenho urbano?
Por uma definição de desenho urbano
Capftulo
Capftulo
4 5 -
Processo de planejamento e desenho urbano
Uma proposta metodológica
•
•
•
•
Capftulo
Capftulo
Anexo
6 7 1 -
Anexo 2 Anexo 3 -
Morfologia urbana
Análise visual
Percepção do meio ambiente
Comportamento ambiental
Implementando
o desenho
Agora, um caminho aberto
86
92
96
urbano
Urbanização, estruturação e crescimento de favela:
Desenho urbano na favela da Maré, Rio de Janeiro
Desenho urbano e revitalização no bairro de Fells Point,
Baltimore, E U A
Os projetos de estruturação urbana no processo
de planejamento:
experiências recentes no Rio de Janeiro
Bibliografia
Bibliografia comentada
Créditos das ilustrações
57
67
70
107
117
123
145
157
171
183
195
P a rte I
Origens e definição
do desenho urbano
C a p ít u lo 1
O s a n o s 6 0 : c o n t e x t o p a r a m u d a n ç a s d is c ip lin a r e s
A década de 60 via surgir as primeiras críticas e protestos
generalizados sobre a qualidade do ambiente urbano que
vinha sendo produzido, tanto pelo poder público quanto pela
iniciativa privada. Criticava-se tanto o impacto dos empreendimentos sobre o meio ambiente e a vida das comunidades,
quanto a própria qualidade dos espaços urbanos e da arquitetura. Essas críticas surgiram, principalmente, da população
afetada, além de pesquisadores e acadêmicos de ponta e
da imprensa em geral.
Vamos destacar as cinco questões básicas na origem dos
debates e que, no nosso entender, passariam a caracterizar
a produção de conhecimento dos anos 60 e 70, como um
repensar das formas de como o próprio desenvolvimento
vinha ocorrendo até então, num primeiro momento, nos países do chamado Primeiro Mundo. Claro está que este "repensar humanístico" deu-se, podemos dizer, em paralelo e independente ao desenvolvimento normal de campos de conhecicomo a própria informática. Isto
mento ditos "científicos",
levaria a novas ideologias, novas posturas e valores, fortalecendo, inclusive, as Ciências Sociais com enfoques mais humanísticos, e outras disciplinas com enfoques mais "pé no
chão", como a microeconomia e a educação básica. Até mesmo novas disciplinas e campos de conhecimento viriam a
ser abertos, facilitando o aparecimento de novas profissões.
Foi a partir destas atitudes críticas, dos novos valores surgidos
e da necessidade de novas categorias de análise e de novos
instrumentos para o controle do desenvolvimento
urbano,
que o Desenho Urbano se consolidaria enquanto campo de
conhecimento e, para muitos, profissão específica.
A seguir, sem a pretensão de esgotar o assunto, destacaremos os fatos e trabalhos mais significativos e influentes
para a consolidação do Desenho Urbano e seu desenvolvimento acadêmico nos diversos centros de pesquisa e cursos de pós-graduação. Organizamos esta discussão em torno
das cinco questões básicas na origem dos debates sobre
a qualidade do meio ambiente.
Foi nos anos 60 que, pela primeira vez, intensas e violentas
ondas de protesto enfrentavam as intervenções urbanísticas
e os programas de renovação urbana das grandes cidades
(fig. 1). Essas políticas públicas haviam sido iniciadas, ou
tomado corpo, a partir da 1I Grande Guerra Mundial e visavam
a reposição completa de grandes áreas do tecido urbano
consolidado, principalmente aquelas dos antigos centros que,
se não haviam sido bombardeados, eram considerados "deteriorados" ou em decadência.
Em muitos casos, aqueles de áreas grandemente afetadas
pela guerra, como nas cidades de Coventry (Inglaterra). Rotterdam (Holanda) e Berlin (Alemanha). para citar apenas os
casos mais famosos, esta atitude se justificava face à escala
da destruição. Os novos planos e projetos seriam sempre
desenvolvidos segundo os novos paradigmas e preceitos dos
Congressos de Arquitetura Moderna e da Carta de Atenas.
É muito demonstrativa
a observação do famoso urbanista
britânico Sir Percy JOHNSON-MARSHALL,
responsável por
inúmeros esforços de reconstrução e um dos mais famosos
urbanistas na Grã-Bretanha, quanto à área de entorno da
histórica Catedral Saint Paul, em Londres. A área havia sofrido
intenso bombardeio e, segundo o urbanista, " .. apesar da
devastação, se mantiveram de pé um número suficiente de
edificações como que para criar problemas na hora de reorga1986:
nizar a estrutura urbana" (JOHNSON-MARSHALL
124) Para ele, talvez fosse melhor se as bombas tivessem
conseguido acabar com tudo para possibilitar o livre exercício
do urbanismo modernista (fig. 2).
Nos países do Primeiro Mundo, principalmente
nos EUA,
este tipo de ideologia e de modo de atuação se aplicaria
às políticas públicas para com as áreas centrais, tanto habitacionais quanto comerciais, que se encontrassem em situação
de esvaziamento populacional e econõmico. Esvaziamento
este que, na maioria das vezes, não era causado pelas características físico-ambientais das áreas mas, de um lado, pelas
próprias políticas regionais vigentes e de outro, pelos novos
modos de vida e paradigmas buscados pela classe média,
insuflados pela sociedade de consumo. Seriam as novas condições "dignas" de moradia ofertadas pelo subúrbio, as cidades-novas onde tudo era "corretamente planejado para nosso
conforto", as migrações das grandes empresas para maior
eficácia de sua atuação e de sua imagem, a nova forma
de comprar dos" shopping-eenters", entre outros fatores (fig.
3). Como consequência, as áreas centrais se deterioraram
física, econômica e socialmente; os grupos mais abastados
se instalariam em suas novas casas de subúrbiO, o comércio
e as atividades culturais perseguiram seu mercado, mudando
para os subúrbios, os imóveis das áreas centrais passariam
a apresentar alto índice de deterioro e abandono, os grupos
menos favorecidos herdariam estas condições e os cortiços
e guetos se formariam.
Grandes intervenções do Poder Público, ou por ele apoiadas,
buscariam adequar estas áreas centrais às novas funções
pr conizadas pelos planos diretores e políticas de renovação,
Figura 2 - As linhas modernistas de projeto modelo de renovação
nos esforços do pós-guerra; centro multiuso Barbican, Londres,
Chamberlain-Powell
& Bon, 1954
Figura 3 - O shopping-center
regional e novos padrões de
ocupação nos subúrbios norte-americanos;
incompatibilidade
morfológica com o urbano tradicional em Stonestown, San
Francisco
de forma a viabilizar os mercados imobiliário e financeiro.
Impunham-se CBDs ("Central Business Districts", distritos
centrais de negócios). imponentes e grandiosos sistemas
viários, espia nadas monumentais, grandes conjuntos habitacionais em periferias mas com condições mais "dignas",
shopping-centers etc. (figs. 4 e 5). As cidades eram então
vistas como simples problemas de funcionamento, maximização de investimentos e viabilização da reprodução e acumulação do capital.
Importantes aspectos seriam ignorados nestes processos,
tais como os valores da população e os intensos e lonÇ)os
patrimônio histórico, da integração e inter-relaçã<J entre as
funções e atividades humanas, a importância das redes sociais estabelecidas, dos valores afetivos e de tantos outros
fatores vitais para o cidadão.
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1
Figura 4 - Conjuntos residenclals para programas de renovação'
urbana e o paradigma corbusiano; Stuvvesant Town e Peter
Cooper Village, Nova lorque, 1943
Nos EUA. por exemplo, nos anos 50 aprovou-se legislação
passando a permitir que os governos locais adquirissem compulsoriamente, ou por outros meios convincentes, os imóveis
considerados em condições de abandono, revendendo-os no
estado ou após reurbanizações e melhorias no entorno, a
empreendedores
que se dispusessem a construir algo de
acordo com o que o Poder Público achasse "desejável" para
a cidade. Seus objetivos sempre implicariam em prioridade
para a dinamização da economia formal. o incremento dos
impostos, e os lucros financeiros imediatistas Estas políticas
seriam conhecidas como do "bulldozer" (trator) ou "urban
removal" (remoção urbana). ou até "negro removal" (remoção de negros), por seu viés preconceituoso e elitista (CASTELLS 1971, GOODMAN 1971)
Por todo mundo iriam implementar-se políticas e programas
do tipo "arrasa quarteirão",
inclusive no Brasil. O Rio foi
palco de diversos deles, inaugurados por Pereira Passos na
virada do século, para serem retomados depois, na época
do milagre. Ainda hoje sentem-se os efeitos de intervenções
modernistas traumatizantes, como as da esplanada de Santo
Antônio (Av. Chile e adjacências). do Catumbi, do Estácio
e da Cidade Nova, além das violentas remoções de favelas
(figs. 6 e 7) Alguns destes casos estão bem cobertos por
literatura existente no Brasil (PERLMAN 1976, VALLADARES
1978, SANtOS 1981). Hoje ainda ronda o fantasma desta
ideologia, que se utiliza do discurso de ser o "remédio para
as doenças patológicas dos centros decadentes", como no
caso recente de São Paulo e o prefeito Jânio Quadros.
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•
10
Figura 5 . Os projetos de renovação e suas vias expressas como
barreiras e o abandono do potencial de lazer da margem do
rio, hoje uma prioridade;
Cincinati, EUA
investimentos sociais e econômicos das comunidades e do
indivíduo no seu ambiente habitacional. As características
simplistas e, não raro, desumanas dos ambientes então gerados desconsideravam
a complexidade da vida urbana, de
Fazendo frente a esta situação e às violentas remoções de
grupos de baixa-renda e minorias étnicas, surgiram ondas
de protesto que, não raro, acabavam em "lutas urbanas"
(riots) de violentas proporções e base racial. São conhecidos
os casos das cidades americanas de Baltimore, Newark e
Detroit, em meados dos anos 60 (GOODMAN 1971, s c o n
1971) Os estudos acadêmicos, a opinião pública, as campanhas da imprensa e o apoio dos próprios técnicos mais conscientes terminaram por obter apoio político suficiente para
alterações nos programas de renovação irrestrita e nas intervenções urbanísticas de cunho meramente funcionalista.
Poderíamos, sem dúvida, destacar como pioneiro nesta conscientização o livro da jornalista americana Jane JACOBS
(1961) em que critica profundamente as ideologias dos planejadores de então, seu distanciamento
do mundo real e o
produto de seus trabalhos. Ela destacava fatores e qualidades
urbanas totalmente ignorados pelos planos modernos, como
a variedade de funções e suas inter-relações, a importãncia
de haver intensas atividades nos espaços públicos para maior
segurança, e as limitações da ordem visual. Segundo ela,
"a pseudociência do planejamento urbano e sua companheira, a arte do city design, ainda não romperam o conforto
superficial de desejos, superstições familiares, supersimplificações e símbolos, e não iniciaram a aventura de provar
o mundo real" (JACOBS 1961. 23).
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Figura 6 - Projeto de reurbanização
da área resultante
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do desmonte
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do Morro de Santo Ant6nio,
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centro do Rio; Affonso
-
E. Reidy, 1948
Também foram de grande importância os trabalhos gerados
pelas Ciências Sociais, como os dos sociólogos Herbert
GANS (1968) e Suzanne KELLER (1968), e da antropóloga
Lisa PEATTIE (1972). O primeiro levantava a incompatibilidade
entre os planos urbanísticos e os interesses das populações
diretamente atingidas, enquanto as duas últimas desenvolveram pesquisas comprovando a importância dos valores e
das relações sociais para os bairros de baixa renda. No caso
brasileiro foram fundamentais
as pesquisas pioneiras de
PERLMAN (1976), que estudou a inadequação das políticas
de remoção de favelas no Rio, e de VAL.LADARES (1978),
que demonstrou a falência dos programas de financiamento
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e dos conjuntos habitacionais, com a maioria dos mutuários
repassando seu imóvel para outra família e retornando às
favelas.
Novas posturas profissionais também viriam a ser assumidas,
gerando novas formas de atuação, como a do citado Robert
GOODMAN e sua postura anárquica, e de Paul DAVIDOFF
(1965). Este lançou o conceito de "advocacy planning" (planejamento advocatício ou advocacional) que se tornaria muito
popular nos EUA, onde até hoje técnicos perfilam-se ao lado
ou são contratados por comunidades atingidas por um projeto
ou plano para que advoguem soluções alternativas.
Figura 7 - Ambiente gerado pela legislação urbanística na Esplanada (ex-morro) de Santo Ant6nio, Rio, inspirada
conflitos morfológicos
e grandes dist/1ncias para o pedestre
projeto de Reidy: monofuncionalidade,
no
Na década de 6 0 o mundo despertou para a Questão do
patrimônio histórico, para os valores tradicionais, a produção
vernacular, as culturas alternativas e uma maior consciência
dos excessos do consumismo. Talvez seja possível afirmar
Que se tratou de um ressurgimento do Humanismo, tomando
o termo em suas conotações mais amplas e positivas. Para
as áreas da Arquitetura e do Urbanismo destacaríamos algumas vertentes de pensamento na produção de conhecimento
e de influência no desenvolvimento destas disciplinas.
Nesta Questão, foram muito influentes os trabalhos de Gordon CULLEN (1961) e Ivor DE WOLFE (1963l. representativos
do renascimento do interesse público e profissional pelo ambiente construido vernacular. O vernacular define-se como
a linguagem, técnicas e valores transmitidos tradicionalmente
na cultura de um determinado grupo social, sem sofrer maiores influências externas. Os dois autores se inspiram nas
pitorescas cidades antigas e nas belezas geradas pelo Urbavernacular (fig. 8). Ainda nesta linha,
nismo "espontãneo"
mas tomando outra dimensão de análise, menos visual e
mais "objetiva", encontram-se os trabalhos Que tratam da
"morfologia
urbana", Que estuda o tecido urbano e seus
elementos formadores, através de sua evolução, transformações, inter-relações e dos processos sociais Que os geraram. Estas teorias serão tratadas com maiores detalhes no
capitulo sobre metodologias.
Pelo lado norte-americano também pesQuisava-se e publicava-se sobre o vernacular, a dimensão cultural e a antropológica do ambiente construído. Obteve grande popularidade,
em meados dos anos 60, a exposição (lIVro de mesmo nome)
"Arquitetura Sem Arquitetos",
com fotos de exemplos de
todo o mundo, organizada por Bernard RUDOWSKY (1964)
no Museu de Arte Moderna de Nova 10rQue (de 9/11/64 a
7/2165). Esta temática seria retomada em dois trabalhos fundamentais do arquiteto e antropólogo Amos RAPOPORT
(1967, 1969l. ao estudar as relações entre o ambiente construído e a cultura, chamando a atenção para valores como
a complexidade de significados, as mensagens visuais experimentadas pelo cidadão e a importãncia das ricas conotações
dos elementos arQuitetônicos vernaculares e indígenas. Mais
tarde, o mesmo pesquisador publicaria um dos trabalhos mais
influentes e citados em Desenho Urbano, ainda sobre os
aspectos humanos e antropológicos da forma urbana (RAPOPORT 1977) (fig. 9).
Figura 8 - San Gigminiano, a cidade das torres na Itália, retrata
a redescoberta das qualidades e belezas da arquitetura
vernacular e das cidades "não-planejadas"
O interesse nas mensagens arQuitetônicas e suas diferentes
leituras fomentou o desenvolvimento dos estudos de semiologia, ou semiótica, aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo.
A semiologia estuda todos os fenômenos de comunicação
como se fossem um sistema de símbolos, ou seja, uma
linguagem. Um grande modismo do fim dos anos 6 0 e início
dos 70, na Itália e França, revelou-se depois limitado enquanto
maiores desenvolvimentos de sua praticidade. Quanto à sua
aplicação em nossa área de estudos e suas obras mais importantes, comentaremos durante nossa proposta de procedimentos metodológicos.
Nesta dimensão analítica do simbólico, destacamos os controvertidos e influentes livros do arquiteto americano Robert
VENTURI e colaboradores (1966, 1977). Eles lidam com os
aspectos contraditórios e complexos das mensagens arQuitetônicas, colocando em evidência seus significados mais populares ditos "cafonas" ou "bregas", utilizando-se do termo
Seus livros e seus projetos tornar-se-iam
contemporâneo
referências obrigatórias para a Arquitetura Pós-Moderna. Em
um de seus escritos, por exemplo, em Que defende a validade
de edificações como o estande em forma de "pato", VENTURI (1966: 166/167) diz Que "as Justaposiçôes de elementos
de má-reputação, Que parecem caóticos, expressam um tipo
intrigante de vitalidade e validez, alcançando também uma
aproximação inesperada da unidade.
( ) ... no edifício ou
na paisagem urbana validamente complexos, a visão não Quer
Figura 10 - O pato, estande de "fast food" referido por VENTURI
como das principais manifestações da arquitetura simbólica,
a que toma a forma do próprio símbolo; Long Island, Nova
lorque
Figura 9 - A "arquitetura sem arquitetos" e as possibilidades
de soluções mais apropriadas e adaptação ao meio. Há centenas
de anos, o melhor uso das possibilidades das formações
vulcânicas na Capadocia, Turquia
ser satisfeita rápida ou facilmente em sua busca pela unidade
no conjunto" (fig. 10) Ainda segundo VENTU RI (1977). a
arquitetura depende da experiência passada e da associação
emotiva para a sua percepção e criação.
I
Todas estas discussões e pesquisas terminaram por influenciar decisivamente no desenvolvimento de nova corrente de
pensamento arquitetõnico que veio a contrapor-se ao Movi-
mento Moderno. A arquitetura Pós-Moderna que, em seu
estado mais válido e original, tenta uma recuperação e reinterpretação de símbolos e linguagens tradicionais ou populares,
ignorados pelo modernismo do International Style (fig. 10).
Busca-se, para tanto, uma arquitetura mais rica em suas dimensões simbólica e lúdica, como deixa claro o importante
trabalho de Charles JENCKS, o responsável pela colocação
feliz da expressão "Arquitetura
Pós-Moderna"
(JENCKS
1977) Isto é verdadeiro se analisarmos as obras pioneiras
desta corrente, como as dos arquitetos americanos Charles
MOORE, Robert VENTURI e Robert STERN, dentre outros.
Um bom exemplo é a Piazza d'ltalia, projeto de Charles MOORE e associados, de 1977, uma praça símbolo para a comunidade italiana onde o arquiteto manipulou decorativamente
diversos símbolos típicos daquela cultura, como uma fonte
em forma de mapa da Itália ou colunas e capitéis de ordem
romanas, só que em aço escovado, tudo com intenção cenográfica e lúdico-irõnica (fig 11) Talvez pela característica consumista do Pós-Moderno, utilizando-se de símbolos arquitetõnicos de fácil comunicação e apelo popular, foi justamente
nos EUA onde mais prosperou.
Também podemos identificar projetos urbanísticos Pós-Modernos, tendo por base principal a Europa. Isto porque a
a
Figura 1 1 (a, b) - D Pós-moderno lúdico e cenográfico da Piazza
d'ltalia, praça sfmbolo para a comunidade italiana de Nova
Drleans; coordenação de Charles MDDRE, 1 9 7 7 . No medalhão,
o rosto do arquiteto
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Figura 1 2 - D Pós-moderno no neo-racionalismo
de A Ido RDSSI
e seu projeto para a sede do governo local de Trieste, Itália,
1974
corrente gerou fone contextualismo, por isto muitos os classificam como "neo-racionalistas",
e larga utilização de técnicas
de análise de Morfologia Urbana, que serão comentadas no
Capitulo 5. São exemplos os trabalhos dos irmãos Leo e
Rob KRIER, de Aldo ROSSI e do escritório de James STIRL1NG e Michael WILFORD (figs 12 e 13)
o
público em geral consumiu facilmente o Pós-Modernismo,
talvez por seu fácil apelo a símbolos já aceitos pela classe
média. Como no sucesso dos projetos do catalão Ricardo
BOFI LL. No complexo habitacional Les Arcades du Lac, nos
arredores de Paris, construido no fim dos anos 70, o arquiteto
utilizou-se de uma linguagem arquitetônica e de organização
espacial neo-clássica, embora os métodos construtivos tenham sido de moderna pré-fabricação. A idéia foi muito bem
aceita e o empreendimento é hoje um sucesso para os grupos
de classe média ascendente (fig. 14). Mais tarde, BOFILL
foi vencedor de concurso internacional para renovação da
área conhecida por Quartier Les Halles, em Paris, e, desde
Este sucesso também se refletiu junto ao público em geral.
tanto em termos arquitetõnicos quanto urbanísticos, com
a Bienal Mundial de Veneza (1980), a Bienal Internacional
de Arquitetura (1980) e o Salão de Outuno (1981). ambos
em Paris, que exaltaram o Pós-Moderno. popularizando-o ainda mais, assim como um Urbanismo mais consciente do
passado e do patrimõnio instalado. culminando os esforços
iniciados nos meados dos anos 60.
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Por seu lado, a corrente Neo-Vernacular também se popularizou, pela mesma razão de fácil consumo de símbolos. só
que estes apelando para o "rudimentar" ou o "rústico". Bom
exemplo disto é Port Grimaud. proj to d François SPOERRY.
um luxuoso complexo de re idências d veraneio na co ta
da França mediterrãnea. construído em 1977. que explorou
as imagens de vernacular franc's c mo produto "chiqu "
de consumo (fig. 15). Um fenõm no de consumo sem Ihant
ao que hoje observamos. por x mplo. no litor I Rio-Santos
e em Búzios. cidade de praia no Estado do Rio. com uas
"casas de pescadores".
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Figura 13 - Uma linguagem mais contextual e expressionista
representada pelo projeto para o Centro Regional da Toscana,
Florença, de James STlRLlNG e Associados, 1977. Elementos
organizados sobre quadrfcula romana e remanescentes do
século 1 AC
a concepção original do projeto. em 1974. até a controvertida
anulação dos resultados e demolição do pouco que havia
sido construido em 1978. inspirou-se profundamente no neoc1assicismo elitizante.
Em segundo lugar. apontamo
a importância das pesquisas
das transformações urbanas: o r0 ultados fí ico- spaciai
de processos de apropriação pela população dos elementos
urbanos e arquitetõnicos ao longo dos séculos. como os anfiteatros romanos. Servindo como "estruturas-suporte"
para
as transformações. são elementos que acabaram transmutados em praças. residências etc .. perfeitamente
incorporados ao tecido urbano mas cuja lógica conformadora e estruturas básicas ainda são distinguíveis (fig. 17)
Uma grande alteração nas políticas urbanas e nas profissões
ocorrida neste período foi relativa à ampliação da democracia
na gestão urbana e na própria produção arquitetõnica, através
da participação das comunidades e dos usuários dos projetos
A partir do crescente descontentamento dos habitantes submetidos a ambientes modernistas e dos movimentos de protesto e resistência aos programas de intervenção urbana,
fato comentado anteriormente, as populações das grandes
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cidades dos países desenvolvidos foram conquistando importantes reivindicações. Assim como nos EUA. as principais
cidades européias seriam palco de movimentos sociais semelhantes e suas administrações se veriam pressionadas a inserir maior participação comunitária em seus processos de planejamento e, principalmente, nos programas habitacionais
(fig. 18).
.•
Figura 1 4 - Conjunto residencial de média-renda Les Arcades du Lac; pós-moderno classicista de Ricardo BDFFIL em subúrbio
de Paris; final dos anos 70. Sucesso nas classes burguesas com a linguagem simbólica associada ao clássico e seu rígido formalismo
Ao mesmo tempo, verificava-se um forte questionamento
da própria noção de progresso e de desenvolvimento. Surgiam os grupos de defesa do meio ambiente, a ecologia
se impunha como ciência necessária à própria sobrevivência
da nossa espécie. levantava-se a questão de utilizar os recursos não-renovàveis, e a noção de produtividade econômica
acabaria por ser contestada pela de produtividade social
(SCHUMACHER 1973, BRASilEIRO 1981) Surgiram, nestn
época, estudos e movimentos que advogavam a utilizaçã()
de tecnologias mais apropriadas aos contextos da produção,
tomados como partes de um todo profundamente inter-relacionado, e de processos alternativos que, em Arquitetur
e em Desenho Urbano, maximizassem a utilização dos reculsos disponíveis, da mão-de-obra, e a participação dos próprios
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Figura 1 5 - Port Grimaud, costa francesa mediterr/Jnea, luxuoso empreendimento
de veraneio projetado por François SPOERRY,
1977. Sucesso na reprodução de padrões vernaculares locais; os corretores desafiavam o comprador a tentar achar duas casas
iguais!
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Figura 1 7 (a, b) - A contfnua apropriação de antigas estruturas pela população, como os anfiteatros romanos:
foi absorvido pelo tecido e em Lucca sua arena conforma uma praça e sua estrutura incorporou-se às casas
em Florença ele
as pessoas o que importasse". Também foi sintomática a
p netração do livro de Richard SENNET (1970), onde defende
os "usos da desordem" e a necessidade de contexto urbano
d ord nado e diversificado com in trumento de liberação
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do Pod r Público e a
provisão dos serviç
urbanos (CA I LI 1 72, AUNDERS
p Iíti os das reais
1979). Era crescente o distanciam nt d
necessidades da população. Os gov rn
viram-se, então,
obrigados a lidar com a participação popul r nos processos
de planejamento, mesmo porque se consci ntizaram que
esta seria uma solução mais populista e econômica do que
o enfrentamento direto. Evidentemente, esta participação viria tomar várias formas, desde a co-optação até a utilização
de mão-de-obra comunitária barata para as obras, não sendo
"per se", garantia de influência nos processos de tomada
de decisões (GOODEY 1980) (fig 19).
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Figura 18 - As cidades tornadas palco de movimentos
por melhor qualidade ambienta! e as comunidades
conquistando
mais peso na "balança" polftica
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usuários no seu meio ambiente construído. Evidentemente,
pela sua natural importância na reprodução da força de trabalho, as alternativas habitacionais tomaram lugar primordial
nestas preocupações (TURNER & FICHTER 1972, WARD C
1974, HARMS 1982)
A sociedade, principalmente através da nova geração e seus
movimentos estudantis, buscava novas ideologias alternativas e forma comunitária de vida, como os movimentos "Flower Power" e "Hippie", ou as comunidades "drop out",
ao som do rock de protesto ou de baladas romântico-lisérgicas. Bom exemplo desta nova maneira de pensar o desenvolvimento encontra-se no famoso livro de E. F. SCHUMACHER (1973), um "best-seller" até hoje, que se inspirou na
obra de Gandhi para tratar de "economia como se fossem
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FIgú7a 19 - Os nfveis da participação comunitária nos projetos
e processos decisórios como degraus de uma escada, desde
a manipulação dos participantes pelos técnicos (participação
zero) até o controle decisório (participação máxima)
_
Não se pode negar. entretanto. que a partir disto os processos
de planejamento se tornariam um pouco mais transparentes
para a população e mais permeáveis a suas reivindicações:
mais em alguns países e cidades do que em outros. Os
movimentos de bairro e de grupos de cidadãos com interesses especiais. como os grupos de defesa do meio ambiente.
se institucionalizariam
e passariam a ser consultados e a
ter voz ativa na administração e no desenho das cidades.
Na Grã-Bretanha. por exemplo. foi aprovada legislação. em
1965. que tornaria obrigatória a participação popular na elaboração de planos diretores locais. Nos EUA. em 1969. nova
legislação federal instituiu a obrigatoriedade de relatórios de
impacto ambiental e participação das comunidades onde seriam aplicados os recursos federais. Logo. em 1974. também
passaria a exigir-se a participação das comunidades de áreas
atingidas por programas federais de urbanização para definição de prioridades de investimentos (fig. 20).
Estas novas instâncias políticas e movimentos sociais urbanos levariam as Universidades e os técnicos a uma redefinição de seus papéis no processo de desenvolvimento urbano
(SIMMIE 1974). As disciplinas sociais se veriam obrigadas
a incorporar a dimensão participativa em seus programas.
e a produzir novas metodologias. Surgiram novas atividades
profissionais e até mesmo novos cursos superiores. como
foi o caso dos cursos de graduação em Planejamento Comunitário ("community planning''), nos EUA.
Inúmeros exemplos poderiam ser citados para ilustrar o crescimento da participação popular e sua incorporação à gestão
das cidades nos países do Primeiro Mundo. As experiências
proliferaram nos anos 70 e foram de enorme influência no
desenvolvimento do Desenho Urbano.
Em Nova lorque instituiu-se 59 Comissões Comunitárias de
Planejamento para participar do processo decisório da gestão
sobre alguns serviços urbanos. Em Baltimore. também nos
EUA. implantou-se o planejamento comunitário distrital (community district planning). um sistema de planejamento coincidente com os distritos políticos oficiais a nível local. Em Amsterdam. na Holanda. o governo viu-se obrigado a ceder aos
protestos. implantando um sistema de repasse de verbas
a fim de que as comunidades contratassem seus próprios
escritórios de projeto para elaboração de planos locais. pois
verificou-se ser muito mais barato do que se o governo procedesse à produção e aprovação do plano frente à participação
dos moradores.
Figura 20 - D desenho participativo
através da televisão e de
telefonemas dos espectadores; projeto de reurbanização em
Dayton, Dhio, EUA, coordenado por Charles MDDRE em 1976.
Hoje o baixo custo relativo da TVa cabo aumentou o potencial
de uso deste veiculo para programas comunitários
.
Na Inglaterra. vale mencionar uma experiência participatlva
no projeto e implantação de conjunto habitacional que obteria
grande sucesso popular. Trata-se de Byker, na cidade de
Newcastle. onde o arquiteto Ralph ERSKINE e sua equipe
montaram um escritório de campo onde os nove mil moradores podiam participar da decisão de diversos elementos
do projeto arquitetônico e urbanístico. num processo que
demorou de 1969 até 1982. quando complementou-se a obra
final (BERNFELD et ai. 1980. BUCHANAN 1981. TRANCIK
1986 (fig. 21)
Por toda Europa e EUA repetiam-se os casos bem-sucedidos,
evidenciando a importância da participaçâo direta. Revelava-se, entretanto, a sua viabilidade relativa pois verificavam-se
fortes determinantes na escala do projeto e no próprio contexto sócio-eultural em que se trabalha. A participação legítima revelava-se muito dependente da capacidade organizacional das próprias comunidades participantes do plano ou
projeto, como demonstraram vários estudos.
Foi também no fim dos anos 60 que teóricos e técnicos
começaram a se concientizar da escala do problema habitacional e a importância da autoconstrução, auto-ajuda e mutirão no Terceiro Mundo (fig. 22). Importância esta que se
refletia não apenas a níveis psicológico e cultural, e evidente
maior satisfação dos usuários com o produto de projeto, mas
também a nível econômico. Se, por um lado, o Estado veria
possibilidades amplas de maximização de seus investimentos
Figura 2 1 - Conjunto residencial de Byker, Newcastle, Inglaterra,
1969/1982, arquiteto Ralph ERSKINE. Participação dos futuros
moradores em decisões relativas a suas unidades e ao conjunto
Figura 2 2 - A intensidade do problema habitacional mostrou
a importtJncia dos investimentos já feitos pelos moradores e
favela de Jacarezinho, Rio,
de programas mais participatívos;
população oficial 31.405 moradores (1980)
nos programas habitacionais de baixa-renda, por outro as
famílias teriam a possibilidade de melhor investir conforme
suas próprias capacidades de desembolso a longo prazo, administrando seus próprios gastos a partir da segurança gerada
por um título de propriedade de um lote urbanizado ou casaembrião (DEL RIO 1982, WARD 1982).
Neste sentido, destacamos o trabalho de HABRAKEN (1962).
que apresentava estudos para programas habitacionais com
"estruturas-suporte",
edificações com interiores e fachadas
flexíveis à participação dos moradores, enquanto que alguns
elementos seriam fixos, como os núcleos de cozinha e banheiro e o sistema estrutural. Esta alternativa ao alojamento
de massa, de concepção racionalizada, tem uma grande penetração acadêmica até hoje (fig. 23).
.
Por seu lado Charles ABRAMS (1964). que foi assessor do
governo norte-americano em questões de habitação e urbanização para países em desenvolvimento, informava em seus
relatórios, publicados em forma de livro posteriormente, da
importãncia e viabilidade da autoconstrução, da capacidade
de progresso sócio-econâmico da população, dos assentamentos ilegais, e das desvantagens de sua remoção indiscriminada.
Uma extensa experiência junto ao governo do Peru possibilitou que William MANGIN e John TURNER compreendessem amplamente o problema da habitação de baixa-renda
nos países do Terceiro Mundo e os levou a publicarem trabalhos importantíssimos para o desenvolvimento
da questão.
Os trabalhos e a atuação dos profissionais, divulgando seus
resultados, vieram a ser instrumentais para as alterações das
políticas governamentais e das instituições internacionais de
crédito, como o Banco Mundial, no estabelecimento de suas
políticas e programas habitacionais (PAYNE 197-6, WARD
1982).
Contestando alguns conceitos aceitos na época, MANGIN
(1967) negava que as favelas eram caóticas e desorganizadas,
marcadas por "patologias sociais", como o crime, e defendia
que se constituíam, na verdade, em solução eficiente dos
pobres e dos migrantes para o problema da falta de habitação.
Junto com TURNER publicaria alguns artigos em revistas
de penetração, sempre sobre suas experiências com as "barriadas" (assentamentos ilegais) de Lima, demonstrando as
reais possibilidades da participação popular (MANGIN & TURNER 1968).
Figura 23 - Estruturas-suporte;
elementos prefixados e
participação dos moradores: processos flexfveis às
necessidades e com potencial para interessantes resultados
plásticos. Esqueleto de prédio invadido no Rio Comprido, Rio
de Janeiro
Porém, foi TURNER o mais influente nesta questão, tanto
por seus trabalhos publicados quanto por sua atuação acadê·
mica e como ativo consultor internacional (TURNER & FICHTER 1972, TURNER 1976, 1982). Ele defendia o potencial
da autoconstrução e dos processos por mutirão se dirigidos
e apoiados pelo Estado. A idéia básica seria a institucionalização de processos participativos em habitação, maior auto-
nomia local e o Estado agindo como provedor de condições
não-passíveis de serem conquistadas pelas comunidades.
como programas de financiamento, transporte coletivo, assistência técnica, acesso à terra etc. (fig. 24)
No Brasil destacou-se a atuação pioneira de grupo de arquitetos à frente da CODESCO (Companhia de Desenvolvimento
de Comunidades). antigo órgão estadual criado em meados
dos anos 60 e que, embora de curta existência, provou a
víabilidade de trabalhos participativos de urbanização de favelas. A literatura existente já se dedicou à experiência da favela
de Brás de Pina: urbanização participativa de forma progressiva por setores e com resultados físico-espaciais e sócio-econômicos significativos. principalmente se analisados numa
perspectiva histórica, embora sofrendo diversas limitações
como a não-regularização da propriedade do solo (BLANK
1977 e 1979, SANTOS 1981)
Algumas outras experiências recentes brasileiras demonstram a viabilidade da participação comunitária na produção
habitacional. a nível de projeto e de construção. como as
de Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo. e Favela do Gato.
em Niterói. O conjunto Vila Nova Cachoeirinha abrigou. em
terreno originalmente ocupado por uma favela com 105 famílias, mais 333 novas famílias que. num processo de participação e ajuda mútua. conseguiram implantar o conjunto em
15 meses, sob coordenação de equipe da prefeitura de São
Paulo Apesar de diversos percalços, principalmente a nível
institucional, a experiência foi bem-sucedida e encontra-se
detalhada em REINACH (1985). Já no caso da Favela do
Gato. originalmente um assentamento de pescadores às mar-
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gens da Baía de Guanabara, os moradores obtiveram assessoria técnica de uma equipe do Departamento de Arquitetura
da Universidade Federal Fluminense para lutar contra sua
remoção. quando da construção de uma nova rodovia federal.
Através de pressões junto ao DNER, CEHAB e BNH, conseguiu-se a manutenção da comunidade e um projeto participativo definiu a urbanização da favela e a construção de um
novo conjunto, em área próxima. para as famílias removidas
(CANEDO & BIENENSTEIN 1984).
O trabalho dos pioneiros nos anos 60/70, corroborado por
pesquisas em outras disciplinas, influenciou toda uma compreensão mundial para a importância da participação dos moradores na produção de seu ambiente habitacional. Organismos como as Nações Unidas, principalmente após sua conferência internacional HABITAT de 1976, o Banco Mundial e,
mais tarde. a partir do final dos anos 70 o próprio BNH.
alteraram suas políticas e programas de forma a incluir o
público-alvo através da autoconstrução dirigida. Elas acabariam incentivando algum tipo de participação dos grupos afetados em quase todos os programas para os quais ofereciam
financiamento. Isto manifestava-se até nos programas culturais e educativos. como as experiências pioneiras do Conselho da Europa dos anos 70 (GOODEY 1981).
A institucionalização da autoconstrução e do mutirão tem
sido bastante criticada; ela estaria legitimizando formas de
espoliação das famílias de poucos recursos, através da sobreexploração de sua mão-De-obra e seu tempo livre (WARD
1982. DEL RIO 1982). Sem dúvida, seria completamente equivocado advogar-se estas alternativas como os únicos programas habitacionais a serem oferecidos à baixa-renda. Entretanto. eles se apresentam como das opções a serem ofertadas amplamente, e não se pode negar que vieram a contribuir
com o despertar de uma nova atitude para projetos mais
democráticos. ao menos no que diz respeito às opções do
morador em sua capacidade de investimento e na flexibilidade
do produto final para suas necessidades.
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Figura 2 4 - Matriz baseada em TURNER para maior autonomia
local sobre habitação e ambiente: como é e como deveria ser;
o Estado como provedor e a população como decisora e
realizadora
Também foi nos anos 60 que apareceram as primeiras críticas
ao que era preconizado pelo Movimento Moderno para a
Arquitetura e o Urbanismo. Os moradores e os usuários dos
ambientes e edificações modernas. projetados com as tão
conhecidas premissas modernistas. manifestavam-se descontentes, tanto em termos estéticos quanto de conforto
ambienta!. ou mesmo quanto aos aspectos econômicos e
funcionais. A crítica a este último aspecto era a própria ironia
do destino. uma vez que era a funcionalidade um dos preceitos do Modernismo.
Quanto à Arquitetura, as críticas principais reportavam ao
chamado International Style. um submovimento do Modernismo. e à própria postura ideológica e conceitual dos arquitetos, cUIOSprotestos ignoravam as condições específicas do
contexto onde se inseriam, fosse em termos físico-ambientais ou sócio-culturais. Esta corrente levaria às últimas consequências o conceito da "máquina de morar" de Le Corbusier
e, com o aval do capital especulativo imobiliário, que via nela
imensas economias. faria surgir a mesma tipologia seja em
Nova lorque. Londres. Tóquio ou São Paulo. Suas fachadas
em "curtain wall" (cortinas de vidro). seus pilotis. sua ocupação em centro de terreno, suas grandes alturas, seu despojamento e formas simples, sua economia de acabamento, eram
os valores universais teorizados e vendidos (fig. 25).
A outra corrente popular dos modernistas promovia edificações
muito mais personalistas. de dotes escultóricos e, muitas vezes,
de inegável beleza pláslica. Entretanto. pecariam por excesso
e cairiam nos mesmos equívocos decorrentes por incompatibilidade ao contexto. fraco desempenho climático e de conforto
ambienta I, desrespeito às condições do terreno, linguagem em
choque com culturas locais e pobre inserção ao seu entorno
(fig 26). Isto tudo sem mencionar os graves problemas construtivos de detalhamento e funcionamento interno. sacrificados pela
estética externa.
Profissionais de renome e inegável importância incutiram nestes erros. nestas duas correntes arquitetônicas. influenciando
várias geraçôes. Atualmente muitos ainda praticam a mesma
Arquitetura. com os mesmos equívocos de antes. Trabalhos
acadêmicos e da crítica especializada têm sido publicados
sobre esta questão e nas palavras do crítico inglês, atualmente diretor da escola de arquitetura de Columbia (EUA).
Kennet FRAMPTON
a Arquitetura teve, evidentemente,
um certo papel no
do Meio Ambiente. particularmente
onde
empobrecimento
foi instrumental na racionalização das tlpologias e métodos
construtivos, e onde tanto o material do acabamento quanto
a forma da planta foram reduzidos a.o seu denominador comum mais básico, para tornar a produção m8ls barata e otimi-
zarouso"(FRAMPTON
1981. 9)
As críticas mais consistentes foram publicadas pela primeira
vez a partir da segunda metade dos anos 60 e diversos auto-
Figura 2 5 (a, b) - Dois paradigmas modernistas para o mundo:
o modelo sobre pilotis de Le Corbusier para o Ministério da
Educação, Rio, e a l/imina sobre embasamento do prédio da
Seagram's de Mies Van der Rohe
Figura 2 6 - O Memorial da América Latina, projeto de Oscar
"escultórica"
NIEMEYER, São Paulo, 1988. A linha modernista
e sua fraca resposta às atividades humanas e às condições do
sitio. Os espaços entre as edificações como "Espaços
Negativos", as "Sobras" ...
res e pesquisadores poderiam ser citados. Fundamental penetração teve a obra de Robert VENTU RI em que. num primeiro livro. chamava atenção para a importãncia da contradição
e da complexidade nas mensagens arquitetônicas e. no segundo. fazia elogios ao simbolismo arquitetônico de Las Vegas e à função de suas ricas mensagens (VENTURI. IZENOUR
& SCOTT-BROWN 1977)
Cabe lembrar. também, o livro intitulado "A Forma egue
egue
o Fiasco". parodiando a máxima modernista "a form
a função". onde o autor expunha diversas experi ncias malsucedidas da Arquitetura e do Urbanismo Modernos (BLAKE
1974) (fig. 27). De importância semelhante foi o livro de Charles JENCKS (1973), que analisava os movimentos modernos
da Arquitetura. suas origens. influências e conflitos. Mais
recentemente o jornalista autor do "best-seller" "A Fogueira
das Vaidades" publicou um livro sobre as desventuras da
arquitetura moderna que. com seu estilo cínico. cômico e
altamente personalista. teve ampla penetração (WOLFE
1981). Sobre a reação dos operários à habitação projetada
por Le Corbusier para Pessac. em 1925 (fig. 28), WOLFE
comenta:
Figura 2 7 - Pessoas idosas sofrendo os efeitos do vento
acelerado através situação espacial gerada pela aplicação
inconsequente dos paradigmas modernistas: prédios altos em
lâmina e amplas plazas; Boston, EUA
"Se os operários gostaram de sua habitação? Oh, eles reclamaram, o que era próprio de sua natureza neste momento
histórico. Em Pessac as pobres criaturas estavam desesperadamente virando os frios cubos de Corbu de dentro para
fora. tentando torná-Ias aconchegantes e coloridos. Mas isto
era compreensível. Como o próprio Corbu disse, eles tinham
de ser reeducados para entender a beleza da Cidade Radiosa ... não havia porque consultá-Ias diretamente pois. como
Gropius havia dito. eles eram intelectualmente
subdesenvolvidos "(WOLFE 1981: 32)
Estas obras críticas foram vitais para a formação teórica e
ideológica que nutre quase todos os trabalhos de Desenho
Urbano atual. Mas este criticismo teórico ou. algumas vezes
empírico (N EWMAN 1972), viria a ser corroborado com metodologias mais científicas a partir do final dos anos 70 com
o desenvolvimento de pesquisas de avaliação pós-ocupação.
atualmente indispensáveis para grandes projetos, como veremos ao tratar de procedimentos metodológicos para o Desenho Urbano (RABINOWITZ 1979, DEL RIO 1989). Os conflitos
verificáveis entre os usá rios e seus ambientes modernistas
vão desde insatisfação com a rigidez de edifícios de "desenho
total", onde o arquiteto controlava até os cinzeiros a serem
utilizados, como no caso do edifício da CBS em Nova lorque,
estudado por RAPOPORT (1967). até falhas técnicas e estruturais.
Em relação ao Urbanismo ditado pelo Movimento Moderno,
algo similar aconteceu pois evidenciou-se a falácia de assumir-se um modelo de Homem universal e reduzir a vida urbana
a quatro variáveis: habitar, trabalhar, circular e cultivar o corpo
e espírito. Que os seres humanos não são máquinas de comportamento amoldável e totalmente previsível foi comprovado a duras penas pela população usuária dos ambiente"
modernistas. Os urbanistas inspiravam-se em visões simplistas do urbano, colhendo seus paradigmas de Le Corbusier
e suas Cite, Contemporaine (1922) e Ville Radieuse (1930)
(fig.29)
Dos textos críticos, resultantes de pesquisas mais "científicas" sobre os impactos negativos do Movimento Moderno
no ambiente construído que influenciaram o desenvolvimento
acadêmico do Desenho Urbano, alguns devem ser mencionados para situar nossa argumentação. Muitos deles, como
não poderia deixar de ser, abarcam mais especificamente
o campo da Arquitetura que o do Urbanismo.
Em artigo que se tornaria um clássico, Christopher ALEXANDER (1965) criticava a visão simplória com que o Modernismo
interpretava o urbano e seu conhecido paradigma da cidade
como uma estrutura em árvore. O pesquisador observava
que esta visão ignorava a complexidade do fato urbano e
a superposição de subsistemas da vida na cidade (fig. 30).
A partir desta hipótese básica, nos anos 70, ele desenvolveria
sua teoria da "pattern language" (linguagem de padrões) que
se propunha a identificar diretrizes para projetos urbanos e
arquitetõnicos intimamente ligadas à qualidade do ambiente
e a uma "maneira intemporal de construir"; estágio do processo que garantiria permanência da qualidade no tempo,
conferindo-lhe certa universalidade.
Parte da argumentação de JACOBS (1961). já anteriormente
comentada, seria retomada mais tarde por Oscar NEWMAN
(1972). em um estudo clássico sobre as inter-relações entre
a violência urbana e as características dos projetos urbanos,
onde demonstrava a importância de usos diversificados e
atividades constantes ao redor dos espaços livres públicos
como garantia da segurança de seus usuários. Seguindo outra
linha, MARTIN & MARCH (1972) demonstraram através de
estudos geométricos e matemáticos que a escala e o padrão
da malha viária afetam diretamente a eficiência dos arranjos
edificados, comprovando a ilimitada capacidade de adaptação
da malha em xadrez. Os prédios altos do modernismo nem
sempre se apresentam eficientes, como mostrou MARTIN
para trecho de Manhattan (fig. 31); o mesmo volume construído, obtido com uma ocupação total semelhante a prédios
Figura 30 - A estrutura em árvore, paradigma do urbanismo
modernista, permite apenas associações simples dois a dois,
enquanto a estrutura em semi-retícula representa melhor a
das múltiplas associações encontradas em uma
complexidade
cidade
tipo Seagram de 36 pavimentos, seria possível em edificações lineares de apenas oito pavimentos se a malha viária
fosse ligeiramente alterada, resultando em 28 áreas equivalentes a Washington Square, que por sua vez poderiam ser
destinadas ao lazer ou, ainda, a escolas ou equipamentos
comuns,
As atenções principais no sentido de novas posturas e métodos em Desenho Urbano concentraram-se, no inicio dos anos
60, na obra de Kevin LYNCH, talvez o pesquisador mais influente para seu desenvolvimento, em todo o mundo, LYNCH
não exatamente criticava o Modernismo, mas chamaria a
atenção para novas categorias de análise e atuação sobre
a forma urbana ao introduzir a participação maior do usuário
através da investigação no campo da psicologia, mais especificamente na percepção do meio ambiente (LYNCH 1960,
1972, 1976 e 1981), Sempre desenvolvia suas idéias a partir
da análise de comportamento, valores e imagens públicas,
Em sua última obra, antes de seu precoce falecimento em
1984, LYNCH desenvolveu uma teoria para a promoção de
"boas formas urbanas" através de dimensões de perfomance. Suas teorias e métodos de atuação serão objeto de análise
em nossa proposição metodológica.
Incluiríamos também nesta categoria de influências, quatro
autores: Amos RAPOPORT, Christian NORimportantes
BERG-SCHULZ, Aldo ROSSI e Rob KRIER. Já nos referimos
ao primeiro, e sua obra mais influente para o nosso campo
de estudo trata das dimensões culturais e antropológicas
da cidade, o seu espaço perceptivo e cognitivo. Ele entende
o Desenho Urbano como a organização das variáveis espaço,
tempo significado e comunicação, criticando, assim, indiretamente, as posturas do Movimento Moderno (RAPOPORT
1977) Tampouco NORBERG-SCHULZ (1971,1980) foi crítico
direto mas seus trabalhos, de elevado valor teórico, destacam
a noção de "espaço existencial" e a fenomenologia da Arquitetura em busca da produção do "Lugar", com toda sua
carga de significados através dos tempos, produzindo uma
qualidade e uma dimensão impalpáveis.
Já os trabalhos de ROSSI (1966) e KRIER (1975) criticam
diretamente o Modernismo e seus produtos. Eles estão entre
os arquitetos e autores mais publicados da nova arquitetura,
um representando a "nuova tendenza" itàliana, outro o pósmodernismo. Ambos defenderiam em suas obras o contextualismo nas intervenções urbanas, como já mencionamos
e desenvolveremos com maior profundidade no capítulo dedicado à morfologia urbana.
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Figura 31 - Se uma área de Manhattan totalmente ocupada por
prédios de 2 1 pavimentos tivesse sua malha viária e tipologia
arquitetónica alteradas, o mesmo volume construido poderia
ser obtido com apenas sete pavimentos
Igualmente importante foi a noção de "collage city" (cidade colagem) em um livro onde seus autores afirmam que
"
a cidade da arquitetura moderna, tanto como produto
psicológico quanto como modelo físico, tornou-se tragícamente ridícula" (ROWE & KOETTER 1978: 4). Baseiam seu
argumento no que acreditam ser objetivos divergentes do
arquiteto moderno, como atender ao mesmo tempo à "ciência" e ao "povo", ao "despotismo da ciência" e à "tirania
da maioria". Apresentam a noção da cidade moderna corno
depositária da "desilusão construtiva" e buscam no urbano
a valorização de contrastes corno entre simples e complexo,
ordem e desordem, inovação e tradição.
Para ilustrar estes argumentos, alguns casos podem ser citados; eles já foram objeto de diversos estudos que ajudaram
a demonstrar os problemas causados pela rigidez do urbanismo Modernista. Primeiro, está o premiado projeto de
1925/1955 do arquiteto Minoru YAMASAKI, para o conjunto
habitacional Pruitt-Igoe, em Saint Louis, EUA. Tratava-se de
imenso complexo com 33 edifícios rigorosamente idênticos,
com 11 pavimentos e abrigando 2.764 famílias. Em 1972
ele teve de ser totalmente implodido, como derradeira atitude, pois todas as medidas do governo foram incapazes de
superar o estigma social, o abandono das unidades, o vandalismo instalado e a insegurança, gerados pela insatisfação
dos moradores com o seu ambiente estéril, impessoal e diferente do resto da cidade "normal" (NEWMAN 1972, ROWE
& KOETTER 1978, JENCKS 1977). O crítico Charles JENCKS,
inclusive, chega a tomar a demolição deste conjunto como
o momento morte simbólica da Arquitetura Modernista.
Já no caso de Chandigarh, capital do Punjab. em 1951 Le
Corbusier tratou de viabilizar toda a sua série de "ensinamentos" urbanísticos modernistas e aplicar seus paradigmas: forte hierarquia viária e unidades celulares definidas
por setores retangulares de 800 x 1.200 metros. Os elementos mais importantes da estrutura são os prédios da Assembléia. o Secretariado e a Corte Suprema. tratados de forma
isolada e monumental. Entretanto, nos dizeres de GALANTA Y
(1975: 17), a cidade foi mais projetada do que planejada; é um monumento ao gênio artístico de Le Corbusier.
..... uma miragem que não combina direito com a realidade
da índia e é duvidoso se poderá moldar a índia do futuro".
DE ARCE (1978) possui interessante estudo de redesenho
e transformação de Chandigarh. através de seu adensamento
e recuperação de um tecido mais tradicional (fig. 32l.
Outro exemplo bastante estudado, a cidade de Brasília, espelha muito bem o urbanismo Modernista e possui fortes semelhanças com Chandigarh; também uma cidade tratada como
um projeto de arquitetura, mais que planejada (EPSTEIN
Figura 3 2 - Redesenho de DE ARCE para o centro monumental
50 x 50 m permitiria utilização mais intensa do solo, recuperando
com novas relações espaciais
1973. FEFERMAN 1976). De indiscutível importãncia histórica. Brasília também pode ser elogiada em diversas de suas
soluções urbanísticas e seu desenho global. altamente coerente e de forte imageabilidade. As críticas maiores, no entanto. referem-se à sua pouca eficiência na utilização do solo.
encarecendo a infra-estrutura e todos os serviços e diminuindo a acessibilidade (fig. 33)
O Plano Piloto é reconhecidamente rígido na distribuição compartimentada de funções e atividades. reproduzindo uma estrutura em árvore tão criticada por ALEXANDER (1965). Em
busca de sua utopia nacional-<Jesenvolvimentista. a ótica de
Lucio COSTA privilegiou o formalista como síntese e referência de uma conciliação entre tradição e modernidade (CARDOSO 1989). Nesta nova cidade, rompendo com as tradições
que o urbanista não considerou dignas de permanecerem
reproduzidas, não existe a possibilidade para ambientes urbanos mais semelhantes ao que a população espera de vantajoso em uma cidade normal: variedade. flexibilidade, oportunidades múltiplas, distãncias fáceis para o pedestre, tipologias
de Chandigarh (Le Corbusier, 1 9 5 1 ); a superposição de malha
padrões tradicionais e revalorizando os prédios monumentais
arquitetônicas variadas e elementos sácio-eulturalmente vitais, como esquinas, botequins, praças e ruas com usos mistos e bastante animação urbana (HOLLANDA 1975, PAVIANI
1985)
Dentro desta temática, cabe citar as palavras de Jonathan
BARNETI, arquiteto durante muito tempo responsável pelo
processo de Desenho Urbano na prefeitura de Nova lorque,
sobre o Movimento Moderno:
"O que começou com uma visão romântica da tecnologia
moderna, libertando o indivíduo das limitações da tradição,
revelou-se admiravelmente adaptável à repetição burocrática
inconsciente e aos cortes de despesas de empresários ganan·
ciosos" (BARNETI 1982: 8)
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Figura 3 3 - A comparação simples de plantas figura-fundo de
mesma escala de Brasília, Londrina (bairro central) e Rio
(lpanema), permite uma avaliação da efici~ncia de seus padrões
de ocupação espacial e uso do solo
Foi também no final dos anos 60 e início dos 70 que se
veriam expostos os resultados e limitações dos processos
e práticas do Planejamento Urbano. Nos países do Primeiro
Mundo, onde a institucionalização destes processos está aliada a economias capitalistas avançadas, poderíamos identificar
duas razões principais por trás destas dificuldades do Planejamento enquanto meio de implementar ambientes satisfatórios, tanto social quanto economicamente.
A primeira razão estaria no plano político e, consequentemente, nos próprios objetivos do Planejamento. Explica-se
Proposta do orgao
financiador
interpretações
o mesmo
autor observa, ainda, que a situação de ineficiência
dos governos de democracia representativa parecia ser a
raiz do aumento do interesse do público em sistemas representativos e grupos de pressão fora do sistema polftico for-
Especificações
relatório
Projeto dos técnicos
e urbanistas
Figura 3 5 - Diferentes
com o distanciamento dos políticos e seus programas de
partido das reais necessidades e interesses imediatos das
comunidades. Três são as causas principais apontadas por
GOODEY (1981 : 17/18) para explicar o declínio do entusiasmo
e esperança em assuntos políticos nos países europeus: desfacelamento da base comunitária das sociedades, controle
centralizado dos serviços públicos e a submissão dos assun·
tos locais aos interesses dos partidos políticos (fig. 34)
de um problema
do
O que foi
implantado
e modelos
de soluções
conflitivo!:
Concepção do chefe
coordenador da análise
O que a comunidade
havia reivindicado
entre os técnicos e a população
mal. Este fOI o caso da consolidação do Partido Verde, na
Alemanha, que nasceu de um movimento de protesto. A
situação era a mesma em outros países desenvolvidos, certamente nos EUA, e encontra paralelo também em nosso País.
A segunda razão das dificuldades encontradas pelo Planejamento Urbano está no excessivo tecnocracismo que permeava suas teorias e métodos de análise e implantação. Por
um lado, a realidade viria a provar a dificuldade, se não a
1mpossi bi Iidade, do verdadei 1'0 "planejamento
integ rado",
com sua ambição de análise de absolutamente todos os aspectos da realidade e de controle total do seu funcionamento.
Por outro, a realidade sismava em não se amoldar aos modelos rígidos idealizados pelos planejadores, nem era tão simpllsta quanto as suas visões profissionais idealistas faziam
crer (fig. 35)
Seguidamente verifica-se o dlstanciamento do planejado, fruto de trabalhos tecnocráticos de gabinete, da realidade, principalmente quando da implantação dos planos, geralmente prevista a médio e longo prazos (GANS 1968, CASTELLS 1972,
PRESSMAN & WILDAVSKY 1 9 7 3 ) A dimensão política também ajudava a complicar a implantação, seus objetivos e
programas, que ficavam, na verdade, a mercê dos interesses
imediatistas ou eleitoreiros pois "planejadores e outros assessores técnicos têm influência apenas na medida em que
puderem persuadir seus supenores políticos; o seu poder
é o poder da idéia" (BECKMAN 1964 262)
Além disto, na falta de um processo institucionalizado de
participação real dos cidadãos na tomada de decisões, o planejador estará sempre mergulhado no que SIMMIE (1974.
148) chama de um "paradoxo":
por um lado, ele tem de
justificar seu papel social e ser altruísta e neutro, por outro,
ele possui dificuldades em assumir uma posição quanto à
sua visão de eqüidade urbana.
Ainda hOJe, em diversas situações e certamente no Brasil,
quando o destino dos planos não é a gaveta dos políticos
responsáveis por sua aprovação e implantação, suas partes
aproveitadas são apenas aquelas que os interessam pessoalmente ou para fins político-partidários. Nos anos 60 a avaliação do planejamento ja evidenciava a realidade da implantação e verificava-se que os resultados eram destoantes das
reais necessidades das comunidades, que simplesmente não
serviam aos objetivos propostos, ou que a devida integração
entre os agentes nunca ( I'a alcançada.
Evidentemente, a falta de processos de participação comunitária efetiva seria uma das maiores causas destes demandos, assim como a falta de sensibilidade quanto à dimensão
temporal dos planos, tanto a política, relativa à continuidade
administrativa, quanto a percebida pela população atingida,
que espera resultados concretos em curtos espaços de tempo.
Assim, concordamos com CAULI (1982), quando afirma que
contra as características típicas do Planejamento Urbano dos
anos 60, tais como o formalismo, os modelos estáticos, a
tecnocracia, a rigidez e a pretendida amplitude, víeram oporse características do Desenho Urbano, como a informalidade,
os modelos dinâmicos, a participação comunitária, a flexibilidade e a especificidade. Indubitavelmente, uma das características que mais minou a prática do Planejamento Urbano
às vistas do público foi a sua falta de pragmatismo e de .
resultados a curto prazo, ao que os processos de Desenho
Urbano respondem com mais prontidão e consequência.
C a p ítu lo
P la n e ja m e n to
u rb a n o
x a r q u ite tu r a :
desenho
o título
escolhido para esta seção comporta propositalmente
um falso conflito, que atualmente se tornou comum nos
meios acadêmicos brasileiros. O que seria, no Brasil, o Desenho Urbano? É um novo substituto para o Planejamento Urbano? Ou seria para o Urbanismo? Alguns sustentam, ao contrário, que não passa de "arquitetura grande", pois admitem
o tratamento arquitetânico à escala urbana, sem dúvida uma
herança do modernismo. Tentaremos tratar esta questão,
trazendo a seguir algumas considerações sobre o surgimento
do Desenho Urbano para, em seguida, tratar de levantar algumas considerações sobre suas definições mais apropriadas,
de forma a situar este campo disciplinar dentro dos objetivos
do presente trabalho e do contexto brasileiro.
Vimos como o contexto de mudanças dos anos 60 refletia
uma insatisfação geral com o ambiente construido. Isto, evidentemente, refletia-se no Planejamento e na Arquitetura,
uma situação que mais tarde seria também constatada no
Brasil. A compreensão desta situação nos países do Primeiro
Mundo, principalmente Grã-Bretanha e EUA. tanto em termos
disciplinares quanto no âmbito da prática profissional, nos
ajudaria a compreender melhor as razões do surgimento,
o desenvolvimento
e a consolidação do Desenho Urbano
como campo de conhecimentos específicos.
Na realidade, segundo diversos autores, parece que as primeiras preocupações mais sistematizadas com o ambiente físico
das cidades, enquanto objeto de intervenções institucionais
reguladoras, ressurgiram nos EUA após o período do pósguerra, época em que o planejamento havia assumido enorme importância estratégica. Fundaram-se cursos de pós-graduação do que então se definia "Civic Design", em Boston
e na Filadélfia, em meados dos anos 50. Um dos fundadores
2
u rb a n o ?
e principais expoentes do de Filadélfia foi Edmund BACON,
famoso por seu trabalho pioneiro no plano regulador de renovação para o centro daquela cidade. Depois publicaria um
influente livro sobre o desenho de cidades, principalmente
inspirado no tema da estética e das conexões entre elementos urbanos, numa visão arquitetônica da questão (BACON
1967). Entretanto, nem a época ainda era propícia nem a
visão abraçada pelo "civic design" ultrapassou conceitualmente a compreensão do urbano como "arquitetura grande",
ficando na tradição modernista e monumentalista, aliás, como
seu próprio nome conota.
Já comentamos a situação do Planejamento Urbano ao fim
dos anos 50 e durante os anos 60. Após a II Grande Guerra,
com os países do Primeiro Mundo saindo de terrível recessão,
a demanda por planejadores pelo poder público aumentou
de forma considerável. Com o Estado envolvido nos esforços
de reconstrução e reestruturação econômicos, e com o desenvolvimento do sistema capitalista, necessitava-se de pIanos, principalmente econômicos e de investimentos. O Planejamento Regional e Urbano passaria a assumir posição de
destaque neste processo de desenvolvimento, a fim de garantir sua racionalização e implementilção de objetivos.
Por isto o Planejamento impunha-se como um "processo
para determinar ações futuras através de uma sequência de
opções", no dizer de DAVIDOFF & REINER (1962 11). e
como "aplicação de um método científico
ao processo
de elaboração de políticas",
segundo Andreas FALUDI
(1973: 1). Planejar não mais seria encarado como atitude "socialista", depois da guerra, mas como uma necessidade para
integração de ações e maximização dos investimentos, segundo opções necessariamente políticas.
o poder público incentivaria, portanto, a criação e o desenvolvimento de cursos de Planejamento, inclusive a nível de graduação. Fortaleciam-se os procedimentos "racionais" para
a tomada de decisões, auxiliado por várias disciplinas, como
a economia, a sociologia e a geografia (FALUDI 1973). A
visão necessariamente globalizante e integrada buscada pelo
Planejamento resultou em um tratamento da cidade como
um sistema, ou conjunto de sistemas, racionalmente dispostos (McLOUGHLlN 1969)
Os enfoques generalizantes advindos desta visão ignoravam
especificidades do urbano, tanto a nível físico-espacial, quanto
sócio-eultural, ou mesmo microeconômico. Os planos urbanos eram elaborados a partir de estatísticas e dados ditos
objetivos, e as propostas resultantes possuíam pouca ou nenhuma relação com a realidade do cotidiano da população.
Além disto, o planejado r seria um profissional basicamente
preocupado com alocação de recursos. Portanto " ... no Planejamento Urbano as propostas físico-espaciais são formuladas
a partir de diretrizes ou planos sócio-econõmicos e institucionais.
o espaço urbano é prefigurado através de outros
campos disciplinares, quando não é totalmente omitido"
(KOHLSDORF 1985: 41). Compreensão semelhante da questão existe entre diversos outros estudiosos (p.e. ATKINSON
1979, GOODEY 1979, BARNETT 1982, APPLEYARD & JACOBS 1982, GOSLlND & MAITLAND 1985).
Enquanto isto, com a "descoberta"
do Planejamento e o
seu novo estatus acadêmico, ao fim dos anos 60, os arquitetos, conturbados em sua identidade profissional, formam-se
planejadores urbanos, "abandonando o ferramental básico
de sua profissão. e buscando nas ciências sociais ... novos
instrumentos para intervir no tecido urbano sem, entretanto,
abandonar os preconceitos e o formalismo do Movimento
Moderno da Arquitetura" (GASTAL 1984: 74)
Tudo isto fez com que a dimensão urbanística e a escala vivencial do cotidiano dos cidadãos, aquilo que percebemos e vivemos diretamente, fossem totalmente ignoradas pelos planos
diretores e outros instrumentos do Planejamento Urbano.
Os zoneamentos, por exemplo, eram manchas coloridas em
um mapa escala, no mínimo, 1: 10.000, tratados em sua
forma final até com a preocupação estética de uma pintura.
Assim, as re ultantes tinham pouca ou nenhuma relação com
as caracterí Ilcas do local: morfológicas, topográficas, fundiárias ou sóci ,ulturais e políticas. As especificidades paisagísticas ou amlllentais, as identidades dos bairros e o caráter
das cidade, não eram objeto de preocupação. Os códigos
de obra, ainda hoje, prevêem tipologias construtivas rígidas
e comuns a um território de grandes proporções, bem como
das características
zonas homogêneas independentemente
locais; uma situação comum na grande maioria das cidades
brasileiras e no caso do Rio de Janeiro, que apresentamos
no estudo em anexo.
Por sua vez, a Arquitetura tampouco mostrava-se com maiores preocupações pelo cotidiano dos cidadãos ou pelas especificidades físico-ambientais das cidades e seus subcompartimentos. Por um lado, ainda como nos lembra KOHLSDORF
(1985). a formação profissionalizante, sem tradição de pesquisa, investigação e teorização, gerava uma ausência de reflexão na produção arquitetônica. Por outro, o Modernismo em
quase nada, ou nada, preconizava uma inter-relação biunívoca
entre a edificação e o seu contexto, formal ou socialmente.
São inúmeros os exemplos desta problemática de distanciamento contextual da Arquitetura, como já vimos anteriormente. Cidades repletas de boa arquitetura não possuem,
necessariamente, um bom Desenho Urbano geral: o resultado final não é a simples soma das partes (BARNETT 1982,
GOODEY 1985). As preocupações dos arquitetos, em plenos
anos 60 e início dos 70, resumiam-se quase que exclusivamente a buscas formalistas e debates de estilo, ou a novas
tecnologias e métodos construtivos. Evidentemente, não se
trata aqui de menosprezar estas temáticas, mas de apontar
a subestimação da contextualidade patente na obra arquitetônica de então. Ainda assim, campos de pesquisa foram
explorados neste sentido, como a participação comunitária
e a semiologia, uma das fontes que deram origem à Arquitetura Pós-Moderna.
Com a importãncia dada 2 0 símbolo, enquanto transmissor
de valores sócio-culturais específicos, os estilos assumiriam
prioridade maior na produção arquitetônica, principalmente
naquela ligada à classe dominante e à burguesia ascendente.
Uma postura, aliás, bastante coincidente com a situação então buscada pelo Movimento Modernista e o Internacional
Style: muito diferente do engajamento social-democrático
de suas origens. Prevaleciam os modelos formais ou de funcionalismo extremado, a "corporation image" e o "hig tech"
com as últimas inovações tecnicistas.
Portanto, o ensino e a prática da Arquitetura estavam ignorando preocupações tão vitais para a qualidade das cidades
como a inserção da obra em seu contexto urbanístico: respeito a tipologias, a morfologias, à paisagem, ao sítio e às
inter-relações entre os vários elementos urbanos e seus usuá-
rios. A arquitetura, como o Planejamento, não conseguia uma
perfeita integração de seu objeto de estudo e trabalho ao
"genius loci", expressão feliz de NORBERG-SCHULZ (1980)
que bem expressa o caráter e a identidade de um lugar.
Outros estudos também já começavam a apontar para a importância de um novo redirecionamento da prática arquitetõnica para a questão da "criação do Lugar", ou seja, para
uma "redefinição crítica porém criativa das qualidades concretas do domínio do construído" (FRAMPTON 1981: 10). Esta
questão conforma uma das preocupações principais do Desenho Urbano.
Atualmente já se admite que, uma vez gerada uma forma
espacial particular, ela tende a institucionalizar e a determinar,
em certos aspectos, o futuro desenvolvimento dos processos
sociais (David HARVEY in TURKIENICZ 1984) O arquiteto
não teria trabalhado a interseção entre os processos sociais
e a morfologia urbana tendo " ... ou estudado o espaço independentemente da sociedade real. ou discutido a sociedade
real colocando em segundo plano a configuração dos espaços" (TURKIENICZ 1984: 10)
Assim, o distanciamento das preocupações do Planejamento
das de Arquitetura, e o quanto as cidades ainda sofrem com
o surgimento deste "gap", um verdadeiro abismo disciplinar
no tratamento do urbano em sua dimensão mais evidente
para a população: o espaço vivencial público de seu cotidiano.
Foi para responder à necessidade de complementar
este
"gap" que se impôs o Desenho Urbano, com suas novas
categorias de análise e atuação sobre o urbano.
D e s e n v o lv im e n to
Desenho
A c a d ê m ic o -P r o fis s io n a l
e
U rb a n o
A situação acadêmica na Grã-Bretanha em 1970 foi analisada
por importante relatório do Real Instituto Britânico de Arquitetura (RIBA) que admitiu a necessidade de profissionais treinados em Desenho Urbano no mercado e no Poder Público
(citado in GOSLlNG & MAITLAND 1985 7). Uma década
depois, documento elaborado por GOODEY (1982) para o
Conselho de Pesquisas em Ciências Sociais (Social Science
Researc Council, SSRC) seria demonstrativo dos caminhos
tomados pelo Planejamento Urbano e a Arquitetura na formação de campo disciplinar para o Desenho Urbano.
Neste documento afirma-se que o apoio de entidades oficiais,
como o próprio SSRC e os Reais Institutos de Arquitetos
e de Planejadores da Grã-Bretanha (RIBA e RITP), foi instru-
mental para o desenvolvimento dos cursos de Desenho Urbano e sua sobrevivência, em termos de alocação de recursos.
Da mesma forma, este apoio foi vital para a conquista do
"espaço profissional" no mercado de trabalho. Neste ponto
os graduados em Desenho Urbano, segundo o documento,
não encontravam dificuldades em obter emprego, pois eram
percebidos como portadores de uma série específica de conhecimentos e novas idéias.
Portanto, já no início dos anos 80 existiam nove cursos de
pós-graduação em Desenho Urbano na Grã-Bretanha captando, inclusive, grande clientela de alunos do exterior. Estes
cursos, por convicção, preocupavam-se em oferecer um trein m nto pragmático para seus estudantes, visto como esnci I para o Desenho Urbano, uma disciplina de "design".
Er m programas que geralmente se situavam entre os departamentos de Planejamento Urbano e de Arquitetura das faculdades, entendendo sua função também como uma espécie
de "remédio": os inscritos, se planejadores, teriam que receber formação em temas de natureza físico-espaciais, de "design" e estética; se arquitetos, teriam que passar a compreender e saber atuar sobre todo o entorno de sua área e o
contexto urbano como um todo.
Em relação a esta questão, estudos encomendados pelo
SSRC ao seu Comitê de Planejamento concluíram que os
cursos de Desenho Urbano deveriam ser multidisciplinares,
incluindo disciplinas de Arquitetura, Paisagismo, Planejamento e disciplinas instrumentais, como Sociologia, Antropologia
e Psicologia. Sua preocupação principal deveria ser em relacionar os sistemas analíticos das Ciências Sociais com possibilidades de compreender e desenhar a cidade e seus espaços: um nível mínimo de competência em desenho projetivo
era exigido dos estudantes inscritos nos cursos.
O Grupo de Trabalho do SSRC, em trabalho de 1980, concluía
quanto a uma possível definição de Desenho Urbano que:
"Como Planejamento, o termo Desenho Urbano está aberto
a uma série de t/'Jterpretações. Nós o entendemos, de uma
maneira geral. como Significando o projeto e gerenciamento
do meio ambiente tndimensional, maior que a edificação individual. Consideramos que seu campo de interesse localizouse na t/'Jterface entre a arquitetura paisagística e o planejamento urbano, inspirando-se na tradição de projeto da arquitetura e da arquitetura paisagística, e na tradição de gerenciamento ambiental e de ciênâas soâais do Planejamento contemporâneo" (in B. GOODEY 1982 13)
Também Kevin LYNCH (1979: 65) considera o Desenho Urbano mais como uma atividade de planejamento do que de
"arquitetura grande", pois lidava com objetivos para períodos
de tempo consideravelmente
grandes, tratados através de
políticas, programas e diretrizes, mais do que de projetos
específicos. Mas, interessantemente,
enquanto faz questão
de frisar tratar-se mais de uma arte do que de uma ciência,
afirma que não é tarefa específica de arquitetos. Reafirma
esta posição em obra posterior, a última antes do seu precoce
falecimento, quando diz que "o Desenho é uma arte ... uma
mistura peculiar de racionalidade é irracionalidade" (LYNCH
1981: 290)
Enquanto o SSRC desenvolvia seus estudos, nos EUA a educação do Desenho Urbano era implementada em diversos
cursos, sendo que o seu primeiro programa, como o conhecemos hoje, parece ter sido iniciado em Harvard, por volta
de 1960 (BARNETT 1982). A matéria foi objeto de importante
Conferência da Costa Oeste nos Estados Unidos, em 1979,
na Universidade da Califórnia, em Berkeley, onde dava-se
o tom da disciplina naquele País. Concluía-se, na época, que
o interesse do público no Desenho Urbano ultrapassa a questão de implantação de edificações específicas ou de detalhes
de projeto, dirigindo-se à questão de qual vai ser o estilo
de vida e a imagem da sua cidade, o seu "caráter" geral.
Poder-se-ia afirmar, segundo as conclusões da Conferência,
que as comunidades estariam engajadas em lutas relativas
à imagem de sua cidade, uma imagem da qual dependeriam
para identidade própria e auto-respeito. O Desenho Urbano,
portanto, é frequentemente utilizado para proteção ou instituição desta imagem urbana (LYNCH 1960 e 1976, GOODEY
1979).
Enquanto o Desenho Urbano se concentra, atualmente, em
compreender as complexidades do processo de desenvolvimento urbano e em elaborar possibilidades para intervenções a nível da qualidade físico-ambiental, já em sua institucionalização acadêmica inicial admitia-se que ele não poderia
ignorar praticamente nenhuma área de conhecimento do ambiente urbano e da vida de seus habitantes. Assim, são utilizados teorias, procedimentos e técnicas de Arquitetura, Psicologia, Ambiental, Geografia, História, Paisagismo, Planejamento, Ciência Política, Engenharia, Transportes, Administração de Imóveis, Micro-Economia e tantas outras.
Neste sentido, SAMPAIO (1986: 36) afirma acertadamente
que" ... a complexidade do fenômeno urbano induz as categorias de análise ao nível interdisciplinar, inclusive para clarear
a especificidades do próprio espaço físico". Segundo ele,
estas categorias em muito ajudam a definir o próprio sentido
da forma, mas nunca antes estiveram instrumentadas para
operações de criação e de dar forma ao espaço.
o
Desenho Urbano concentra-se, então, em algumas temáticas de desenvolvimento disciplinar, as quais podemos identificar como sendo:
- técnicas e instrumentos de controle do desenvolvimento
do meio ambiente construído;
- interpretação de valores e necessidades comportamentais
individuais e de grupo;
- desenvolvimento
bano;
de técnicas operacionais do ambiente ur-
Portanto, além da pesquisa fundamental em campos disciplinares diferentes, aplicados ao ambiente urbano, às percepções, ao comportamento e aos valores da população, é fundamental que o Desenho Urbano possa desenvolver programas
e projetos operativos, com horizontes de médio e longo prazo
de implantação.
A marginalidade (no sentido de estar fora) do Desenho Urbano, em relação aos campos acadêmicos e profissionais tradicionalmente mais fortes e competitivos, vem fazendo com
que hoje ele enfrente uma intensa limitação de recursos para
pesquisa, ou mesmo para o próprio funcionamento dos cursos (GOODEY 1982). Isto o coloca em situação extremamente difícil, indicando que as fronteiras profissionais estão
se fortalecendo e que o Desenho Urbano corre o risco de
se perder neste "jogo".
Esta vem sendo, sem dúvida, a
situação na Grã-Bretanha, principalmente face aos grandes
cortes de subsídios promovidos pelo Governo Thatcher.
Já nos EUA a atuação do Desenho Urbano é mais sólida,
se não conscientemente, ao menos em termos das práticas
de governo e profissional. Naquele país, a dimensão pública
das cidades e dos bairros é motivo de grande interesse por
parte da população, que dela participa ativamente.
Os programas de Desenho Urbano têm, inclusive, cedido
o espaço acadêmico aos de" environmental design", ou desenho ambiental, em que se tenta um enfoque ainda mais
amplo para a questão do meio ambiente. Talvez um dos
motivos principais para esta modificação tenha sido a institucionalização dos relatórios de impacto ambiental e suas consequências para o projeto, bem como a importância assumida
pelos estudos de percepção e comportamento,
prestando
um caráter interdisciplinar à atuação sobre
definitivamente
o ambiente construído.
De qualquer forma, nos EUA o Desenho Urbano é visto como
importante área profissional, onde a maioria dos atuantes
são arquitetos ou "planners" (graduados em planejamento).
tal qual o perfil encontrado na Grã-Bretanha. A diferença é
norte-americano,
a
que no contexto de desenvolvimento
questão da qualidade da dimensão físico-!:lspacial da cidade
adquire importância fundamental à reprodução do Capital e
à satisfação política dos grupos de comunidade. Este contexto é, acredito, de especial interesse para nós, uma vez
que o sistema capitalista norte-americano, quanto à questão
da ocupação do solo urbano e dos empreendimentos imobiliários, possui situações extremas e equiparáveis à das grandes
metrópoles brasileiras.
Concordante com BENTLEY (1979': 41) é preciso cada vez
mais entender o "desenhador urbano" como um promotor
imobiliário consciente. Ele deve ser capaz de conquistar as
habilidades para o controle do desenvolvimento urbano que
o permitam se engajar na negociação em todos os níveis
do processo, principalmente quanto às implicações econômico-financeiras das imagens e formas que está promovendo
para um determinado ambiente. Com isto não se está tentando minimizar a importância dos aspectos físico-espaciais, mas
atentar para fortes aspectos determinantes de sua implantação e seu sucesso real.
Ainda sobre esta questão, destacamos a importância dos
trabalhos e publicações de BARNETT (1974,1982), um arquiteto que instituiu e liderou o departamento responsável pelo
Desenho Urbano da prefeitura da cidade de Nova lorque,
EUA. Cabe a citação de um deles:
"O futuro do desenhador urbano está naquelas instituições
governam entais
que detêm o poder sobre as decisões de
larga-escala no m eio am biente, e naqueles negócios e indústrias cujas atividades têm um grande im pacto em nosso entorno físico.
C olocando em outras palavras, as m esm as
instituições
que
os "caras m aus" no desenho das cidades possuem a maior capacidade de ser os caras bons.
foram consideradas
T al transform ação deve certam ente com eçar no topo. O sucesso das atividades cotidianas depende de gente para fazer
o trabalho, entretanto, as inovações m aiores são praticam ente im possíveis em grandes instituições sem que as lideranças
estejam a favor da m udança"
(BARNETT 1982: 241).
Portanto, segundo BARNETT e outros profissionais e pesquisadores do Desenho Urbano, destaca-se o importante e crescente papel do investidor corporativo ("corporation investor")
como crucial na qualidade emergente do nosso meio ambiente. Entretanto, seja qual for a área de pesquisalatuação que
entendamos mais importante para o Desenho Urbano, nos
diferentes contextos de trabalho, é certo que necessitamos
deste campo disciplinar para enfrentar a complexidade dos
problemas das cidades modernas (APPLEYARD & JACOBS
1982)
E para que possam produzir resultados significativos, tanto
do ponto de vista prático quanto do artístico, ainda segundo
BARNETT (1982: 12). os desenhadores urbanos devem se
livrar da noção negativa de que seu trabalho ficaria "contaminado" se partissem para a compreensão dos processos
decisórios políticos e do mercado de capitais. Aquela tradicional postura ingênua, ainda hoje comum e típica dos arquitetos,
que tapam o sol com a peneira quanto aos processos imobiliários e especulativos, formação e reprodução do lucro nos
projetos urbanos, não pode ter mais vez no campo do Desenho Urbano, sob pena de distanciamento do real e da capacidade de implementação.
Os pensamentos de CUTLER & CUTLER (1983: 87) são elucidativos quanto às tendências atuais deste campo profissional
e acadêmico. Dizem os autores que o Desenho Urbano é
onde negócios, desenvolvimentos,
governo, planejamento
e projeto convergem. Ainda, ele seria uma tentativa de substituir a especialização por uma compreensão geral dos processos de produção e apropriação do espaço urbano, alcançada
através da combinação de alguns estudos em profundidade
com uma maior consciência dos diversos campos disciplinares que possam contribuir para um enfoque mais correto
do urbano.
C a p ítu lo 3
P o r u m a d e fin iç ã o d e d e s e n h o
Faremos, a seguir, algumas considerações sobre as definições mais comuns de Desenho Urbano antes de traçarmos
a nossa própria proposta do que seria este campo disciplinar
no Brasil. Após as considerações anteriores, pudemos verificar que seu surgimento deu-se no "preenchimento do vazio"
entre as disciplinas de Arquitetura e Planejamento, cobrindo
o campo vivencial mais próximo do usuário dos sistemas
e estruturas urbanas. Portanto, podemos resumir as duas
características principais do Desenho Urbano como sendo:
Esta nossa preocupação por uma definição que seja amplamente aceita, não se limita ao campo infrutífero da simples
discussão semântica. São considerações que se fazem necessárias para perfeita determinação de um campo acadêmico e um campo profissional; consequentemente, definindo
o seu papel no processo de desenvolvimento urbano. Esta
discussão se faz ainda mais importante no atual momento
brasileiro de desenvolvimento acadêmico e profissional quando se utiliza da expressão Desenho Urbano como" ... bálsamo
para as feridas abertas pela recente fase, da qual ainda não
saímos, do urbanismo e da arquitetura irresponsáveis" (DEL
RIO 1987: 103). Em ocasiões anteriores nos propusemos
a discutir definições de Desenho Urbano aplicáveis ao contexto brasileiro pois já vislumbrávamos risco de a expressão
ser adotada irrestritamente por mero modismo, dos que nosso país se vê seguidamente vítima (DEL RIO 1982, 1985,
1986, 1987).
u rb a n o
Importante compreender, de início, um dos problemas enfrentados por nós: o termo inglês "design" possui conotações muito mais amplas do que seu correlato em nossa
língua. Significa muito mais do que desenho, uma atividade
basicamente artística em português, e não é plenamente
tradutível para projeto, como querem muitos. Isto porque
"design" possui toda uma conotação que engloba desenho,
projeto, planejamento e processo: não é a palavra limitadora
e estática como desenho ou projeto, em suas conotações
usuais. Segundo LANG (1987), "design" pressupõe síntese,
análise, previsões, avaliação e tomada de decisões (onde
se encontra concentrada a criatividade). O dicionário de Oxford traz toda uma série de definições para "design", são
ao menos oito entre as quais a de "adaptação dos meios
aos fins" (The Concise Oxford Dictionary, 6~ Edição, 1976)
Uma conotação, portanto, que subentende processo e a noção de planejamento.
O Urbanismo, por sua vez, teve uma trajetória específica
no Brasil. Esta trajetória não permite, a nosso ver, a utilização
deste termo para classificar a atuação do "urban design".
De caráter mais amplo em seus objetivos de ação, mas ao
mesmo tempo mais limitado em suas categorias de análise
e ação, o Urbanismo possui, no entanto, lugar na percepção
e vocabulário da população em geral, sendo palavra mais
usual do que a expressão Planejamento Urbano, mesmo nos
meios profissionais.
Já é tido como um saber específico,
uma "nova ciência para uma nova cidade" (a da Revolução
Industrial"). nos dizeres de Idelfonso CERDA, o idealizador
do plano de Barcelona, por volta de 1867.
O mesmo ocorre com a palavra "urbanista", já notoriamente
significando "aquele que estuda e projeta cidades", muito
mais popular do que "planejador", que diz muito mais mas
não diz nada ao mesmo tempo. Por outro lado, temos o
importante fato de que o Urbanismo já é profissão devidamente regulamentada pelos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREAs) e pelo Ministério
da Educação, aparecendo pela primeira vez nas atribuições
do engenheiro civil e do arquiteto em 1936 (LOBO 1964,
BIRKHOLZ 1967, SILVEIRA 1984)
O Desenho Urbano, segundo nossas considerações aqui traçadas, pode ser entendido como área específica de atuação
do Urbanismo. Caberia, entretanto, no contexto do Brasil,
uma total reavalização e recuperação acadêmica do Urbanismo, tratado de forma extremamente limitadora há muito
nos poucos cursos de pós~raduação que ainda existem. Entende-se que ele deva tratar da cidade de maneira interdisciplinar, preocupada com sua organização ambiental e seus
processos sociais. O urbanismo trataria dos ambientes urbanos. a cidade. como um todo e das políticas e programa
a ela aplicáveis, políticas. sociais. econõmicas. espaciais e
setoriais.
Neste sentido. os Urbanistas poderiam ser arquitetos. engenheiros, geógrafos, psicólogos. sociólogos. médicos, sanitaristas. biólogos, ecologistas e tantos outros profissionais que
têm na inter-relação entre o urbano e a população as suas
preocupações fundamentais. Já o D esigner Urbano, especialidade maior da área do Urbanismo. deveria ser profissional
Com maior embasamento de formação acadêmica na dimensão físico-espacial. o que por vezes o confunde, limitada erroneamente. ao arquiteto e ao engenheiro.
Por estas razões. podemos tão-somente estar sempre abertos ao debate quanto a esta questão, enquanto temos adotado, até mesmo por falta de melhor substituto, a palavra desenho como sua equivalente em inglês, conotando todos os
significados daquela. Por isto também temos nos referido
Como "designers urbanos" aos profissionais que atuam no
campo. Somos, entretanto, abertos para outra posição desde
que de consenso, como já observamos em ocasiões passadas.
Assim como outras disciplinas, caso da própria Arquitetura
e o Planejamento Urbano, há inúmeras dificuldades em se
tentar definições como esta pois existe margem para interpretações diversas a partir mesmo de contextos sócio-culturais
diferentes ou da formação do pesquisador.
Acreditamos,
no entanto, que o debate em torno do assunto é positivo
e só pode tender a um consenso. Por isto, o mais indicado
parece ser a busca de definições a partir do objeto em que
se pretende atuar e dos objetivos a se alcançar, observando
o contexto onde estará inserido, no caso, o brasileiro.
Não podemos, entretanto, concordar com o tratamento que
alguns vêm dando ao Desenho Urbano no Brasil. Existe uma
certa confusão de definições aplicáveis: ele é uma nova moda. Como afirmamos em ocasião anterior, utiliza-se desta
expressão inconsequentemente,
apenas porque vêem nela
uma nova roupagem para suas antigas práticas de "arquitetura grande" ou de planejamento urbano "arrependido".
Há poucos anos passávamos por processo semelhante, quando da adoção da palavra "planejamento";
sua institucionalização como uma nova disciplina cedeu a um aparte anglosaxão, um modismo sem maiores considerações de seus
reais significados potenciais, ou sua inserção em nosso contexto em que já se utilizava do termo "urbanismo". Até mesmo em Arquitetura a disciplina de Projeto teve seu nome
trocado pelo de Planejamento de Arquitetura.
Como observado por GASTAL (1984: 74) " ... nos anos 70,
a elite urbana (brasileira) buscava seus símbolos de progressão nas fontes da vertente cultural anglo-saxônica", a inventora do "city" ou "urban planning".
O mesmo autor ainda
mostra como os processos de Desenho Urbano naquela época eram voltados para a solução e não à interpretação dos
problemas, gerando propostas baseadas em conceitos de
eficiência, sob o ponto de vista etnocêntrico da elite cultural
dominante. Realmente, ainda hoje em diversos casos, parece
que o simples fato de o profissional adotar a expressão Desenho Urbano como nova etiqueta classifica-o melhor para a
atuação, mesmo que ela não difira em seu conteúdo das
anteriores, quanto à qualidade e legitimação de seus produtos
finais.
Exemplo desta atitude podemos encontrar em diversas publicações brasileiras recentes que se intitulam sobre o tema.
Muitas possuem grandes inconsistências teóricas e não trazem um posicionamento coerente sobre o que entendem
por Desenho Urbano. Alguns estão claramente seguindo "a
moda", como é o caso de RODRIGUES (1986: 9). que chega
a afirmar que utilizava o termo Urbanismo, depois utilizou
a expressão "Arquitetura dos Espaços Urbanos" e que" ...
agora cedem os às tend~ ncias atuais (grifo nosso) no sentido
de adotarmos a denominação Desenho Urbano, embora desconhecido para o leigo se o compararmos com Urbanismo".
Parece, inclusive, que diversos destes trabalhos ignoram os
textos mais importantes no desenvolvimento de nosso campo disciplinar.
o
Desenho Urbano, a nosso ver, tampouco comporta definições aplicadas a áreas geograficamente limitadas da cidade,
como o bairro ou o espaço entre os edifícios. É o caso da
importante obra de GOSLlNG & MAITLAND (1984, DEL RIO
1987), por exemplo: os autores certamente acertaram considerando que o Desenho Urbano lida com a dimensão pública
("public realm") mas também afirmam que ele " ... lida com
a forma física da esfera pública em área limitada da cidade
e, portanto, situa-se entre as bem estabelecidas escalas da
Arquitetura, e do Planejamento ... " (GOSLlNG & MAITLAND
1984: 9). É evidente que a forma física das partes da cidade
é aspecto importante na determinação de sua qualidade ambiental, mas o Desenho Urbano não se limita a isto, como
pretendemos demonstrar.
É curioso trazermos, aqui, o ponto de vista tradicionalista
de BACON (1967), embora com restrições pois carregado
de etnocentrismo, quando afirma que a forma da cidade é
um indicador do estado de uma civilização. Poderíamos aceitar tal afirmação se lembrarmos que, realmente, as relações
entre as formas urbanas e os processos sociais que as produzem e delas se apropriam são, realmente, indicativos das
características de uma sociedade. Há muito concorda-se na
importância do estudo da história urbana como processo social para uma melhor compreensão do momento presente
e melhor determinação de nosso futuro, como nos faz ver
a colossal obra de MUNFORD (1961). Neste ponto somos
concordantes com ROSSI (1966) e com LUCAIN (1981) em
que toda função social só é visível e possível através de
uma forma, e que é a forma que permite a existência do
fato urbano.
Importante é frisar que as características democráticas e pluralistas do Desenho Urbano são a própria essência de suas
categorias de análise e da sua atuação, identificáveis nos
discursos dos mais importantes profissionais e pesquisadores, e em suas definições para Desenho Urbano. Trata-se,
aliás, como afirmam MACKIE & METHUEN (1978), do campo
disciplinar que o público mais identifica como Planejamento
Urbano. Já BACON (1967: 13) apresentava a interessante
afirmação que " .. a partir de uma visão clara da idéia de
desenho, a multiplicidade de vontades que constituem nosso
processo democrático contemporâneo podem se fundir em
ação positiva, unificada, em escala de tamanho tal que possa
alterar substancialmente
o caráter de uma cidade". Aqui,
o autor nos transmitia otimismo talvez em demasia, mas
certamente um cenário desejável enquanto produto contínuo
de um processo político democrático.
A "escola americana" nos ajuda a compreender o contexto
de atuação e possíveis definições para Desenho Urbano. O
arquiteto-antropólogo
Amos RAPOPORT (1977), por exemplo, diz que o Planejamento difere do Desenho Urbano, em
parte, por uma questão de escala pois não se pode desenhar
uma cidade inteira mas organizá-Ia e estruturá-Ia: enquanto
o Planejamento lida com decisões políticas e locacionais,
o Desenho Urbano trata da natureza dos elementos urbanos
e suas inter-relações, como experimentados e compreendidos pela população.
Uma definição eficiente é dada por CUTLER & CUTLER (1983:
81) que dizem que o Desenho Urbano é "a disciplina que
lida com o processo de dar forma e função a conjuntos de
estruturas, bairros inteiros ou à cidade em geral". Mas, no
nosso entender, uma importante contribuição foi dada pelo
geógrafo GOODEY (1979) ao destacar as seis características
básicas que marcam o campo de iltuação do Desenho Urbano, que não se limita a uma delas em particular:
o espaço entre os edifícios, o bairro, locais
das atividades do cotidiano;
E s c a la e s p a c ia l:
E s c a la te m p o ra l: transformações e evolução, meio ambiente como processo, programas e linhas de ação;
h o m e m /m e io
a m b ie n te : campo onde usuários
e grupos sociais são identificáveis, análise destas realizações
e das transformações;
In te ra ç õ e s
m ú ltip lo : negociações e conciliação de interesses,
o profissional como animador ou catalisador;
C lie n te
capaz de compreender as capacidades
e os limites de outras profissões e de coordenar suas ações
em relação à dimensão físico-espacial do urbano e suas funções;
M u ltip ro fis s io n a l:
capacidade de controle de desenvolvimento urbano dirigir o processo de transformação de
uma área ou da cidade.
M o n ito ra ç ã o /O rie n ta ç ã o :
Entretanto, o autor mais influente no campo do Desenho
Urbano, referência obrigatória para qualquer trabalho, o americano Kevin LYNCH não se utilizava da expressão Desenho
U~bano, mas de "City Design", acreditando ser esta mais
ampla e aplicável à atuação em nossos contextos sócio-eulturais (LYNCH 1979, 1981). Esta expressão, no entanto, não
"pegou", talvez por já possuir conotações muito limitadoras
no passado, como já vimos anteriormente, e pelo fato de
"urban design" já estar sendo amplamente utilizada àquela
época.
LYNCH sempre buscava inserir em suas preocupações de
pesquisa e, consequentemente,
nas definições que apresentava para "City Design" ou Desenho Urbano, tanto a dimensão físico-espacial quanto a temporal. a idéia do gerenciamento do Habitat, e os seus efeitos nos cotidianos e nas
experiências individuais da população (LYNCH 1979). Em sua
última e importante obra afirmava que o Desenho Urbano
é:
.. a arte de criar possibilidades para o uso, gerenclam ento
e form a de assentam entos
ou de suas partes significantes.
E le lida com padrões no tem po e no espaço, tendo sua
justificatIV a na experiência cotidiana hum ana destes padrões.
N ão lida exclusivam ente
com coisas grandes, m as tam bém
com politicas para coisas m enores - com o bancos, árvores
ou o sentar em pórticos e entradas quaisquer aspectos
do assentam ento.
O "C ity O eque afetem o perform ance
sign" se preocupa com objetos, atividades hum anas, instituições de gerenciam ento
e processos
de transform ação"
(LYNCH, 1981: 290).
Partindo, portanto, do campo de atuação produto do Desenho
Urbano, podemos finalizar esta primeira parte de nosso trabalho propondo defini-Io como o cam po disciplinar que trata
a dim ensão
ffsico-am biental
da cidade, enquanto
conjunto de sistem as f(sico-espaciais
e sistem as de atividades que interagem
com a população
através de suas vivl}ncias, percepções
e ações cotidianas,
Procura-se tratar
da produção, da apropriação e do controle do meio ambiente
construído, processos estes que estão, necessariamente,
permeados pela dimensão temporal.
Parte 11
, rocesso
s mêtódologias
C a p ítu lo 4
P ro c e s s o d e p la n e ja m e n to
e desenho
u rb a n o
Vimos, nos comentários já delineados, que o Desenho Urbano
deve ser encarado muito mais como PROCESSO do que
como projeto ou produto acabado. Realmente, o gerenciamento físico-ambiental da cidade e de seus processos de
transformações, como nos demonstraram diversos estudiosos, estão muito mais ligados a uma atividade de planejamento do que de arquitetura (LYNCH 1981; BARNETT 1982;
CUTLER & CUTLER 1983).
ção. O Desenho Urbano aparece como uma dimensão que
deve sempre permear o processo de planejamento, desde
a elaboração dos objetivos gerais até a consecução de suas
estratégias e recomendações específicas. A preocupação pela qualidade físico-espacial do meio ambiente deve nortear
os esforços do setor público e, ao mesmo tempo, ser produto
destes esforços.
O trabalho de SHIRVANI é elucidativo a este respeito quando
comenta como as "atividades de desenho urbano buscam
desenvolver o quadro de políticas onde os desenhos físicos
são criados" (SHIRVANI 1985: 2). O autor argumenta que
a atividade em discussão sempre fez parte do quadro geral
do planejamento pois, após uma primeira decisão de construir
ou não, logo se tem de entrar numa segunda categoria decisó ria que deve ser o que e como construir: função, localização, configuração, modos de implementação e relacionamentos com o entorno Para SHIRVANI o Desenho Urbano é
a parte do processo de planejamento que lida com a qualidade
do meio ambiente e, portanto, pos,\ui um grande compromisso público.
Na verdade é uma distorção pensarmos em onde deve dar-se
o "fim do Planejamento Urbano e o começo do Desenho
Urbano", como muitos buscam saber. O processo de planeja-'
mento, ao ser permeado sempre pela dimensão do desenho,
embute um processo constante de idas e vindas do conteúdo
para o continente, do produto para o fato criador. Não existe
um momento exato para "começar a pensar em Desenho
Urbano", esta preocupação deve estar sempre presente na
administração das cidades, gerando uma inter-relação dinâmica e constante entre planos e projetos (entre o geral e
o particular), entre conteúdo e continente (entre dentro e
fora), entre a formulação e aimplantação (entre início e fim).
Desta maneira, estar-se-ia evitando um dos equívocos relativos à ordenação de nossas cidades, já mencionado anteriormente quando relatamos a problemática das cinco questões
ambíentais básícas dos anos 60 que fomentaram o aparecimento do Desenho Urbano enquanto campo de conhecimentos específicos.
Assim, as cidades sempre lidam com o Desenho Urbano
em seus processos de planejamento, mesmo que inconscientemente, pois todas as decisões terminarão por afetar a qualidade do meio ambiente.
Mas quando deve aparecer o Desenho Urbano no processo
de planejamento 7 É evidente que a existência e o funcionamento de uma cidade são fatos extremamente complexos
que demandam um amálgama de conhecimentos multidisciplinares para sua compreensão, planejamento e administra-
Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha7 O ovo, o produto
final. não poderia ser gerado sem que o agente gerador estivesse plenamente consciente de sua forma, seu conteúdo,
os tempos e materiais envolvidos. Elaboração de objetivos,
planejamento, desenho, implementação e administração de-
vem ser compreendidos como intimamente inter-relacionados. Os planos determinam e influenciam o físico-ambiental.
tanto quanto o Desenho Urbano deve influenciar a elaboração
dos planos e seus objetivos
O planejamento deve ser entendido como uma atividademeio permanente, um processo indispensável à tomada de
decisões. A partir de decisões políticas a nível dos objetivos
sociais e econômicos a serem alcançados, é através do planejamento que estabelecemos os melhores meios e ações para
atingir estes objetivos. Nesta lógica, podemos entender o
Desenho Urbano também como atividade-meio a nível da
configuração físico-espacial e atividades humanas complementares. Suas atividades-fim seriam seus programas e projetos, com impactos diretos no cotidiano das populações.
Um dos pesquisadores mais respeitados em Desenho Urbano, Christopher ALEXANDER, e equipe desenvolveram teoria
neste sentido, com o objetivo de possibilitar a geração da
forma construída, seja arquitetura seja cidade, com a qualidade da "maneira intemporal" de construir, o "genius loci"
indefinível encontrado em algumas obras e ambientes reconhecidamente excepcionais em todo o mundo (ALEXANDER
et ai. 1977). Para tanto, desenvolvem uma linguagem de
padrões (ou tipologiasl. ao todo 253, plenamente interligados,
através dos quais é possível uma infinidade de combinações.
Estes padrões nada mais são do que critérios filosóficos que
de projetos e programas. Asamoldam o desenvolvimento
sim, por exemplo, para o padrão n? 25, chamado "acesso
a corpos de água" (access to water) afirma-se:
'O uando corpos de água naturais ocorrem cerca de assentam entos hum anos, trate-os com grande respeito. S em pre preserve um a faixa de terra com unitária
im ediatam ente
junto
à água. E perm ita que assentam entos densos venham até
a água apenas em intervalos infrequentes ao longo da m argem " (ALEXANDER et aI. 1977: 137)
cada uma destas cidades crescia como um todo, segundo
suas próprias leis do todo ..." (ALEXANDER et aI. 1987: 2).
Para viabilizar a recuperação do que com razão define como
"processo" de desenho, propõem que todas as ações sejam
integradas e obedeçam sempre a sete regras que só seriam
válidas se utilizadas juntas e em busca desta "totalidade"
(wholeness) orgânica. Desta maneira lida-se com crescimento por pequenas partes, a integração das partes com partes
maiores, qualidade de comunicação e integração das edificações, criação de espaços urbanos coerentes e bem definidos
entre as edificações etc. Os autores incluem no livro a aplicação destas idéias numa proposta para uma área de "waterfront" de São Francisco.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, APPLEYARD & JACOBS (1982) escreveram um manifesto de Desenho Urbano.
Os autores salientam algumas metas, a nível geral de Planejamento, para a vida urbana de boa qualidade, tais como: identidade e controle, acesso a oportunidades e ao lazer, vida
comunitária e pública etc. Posteriormente, definem quais seriam as cinco grandes características do Desenho Urbano,
vistas como metas específicas em uma atividade-meio: ruas
e vizinhanças de convívio, densidades mínimas e intensidades de uso para a vida urbana, integração de atividades, as
edificações devem ser organizadas como definidoras de espaços públicos, e, finalmente, diversidade nas inter-relações
e configurações entrelde edificações e espaços.
Finalmente, salientamos que possui postura semelhante o
genial Kevin LYNCH (1981) que, ao contrário de tentar um
trabalho normativo sobre Desenho Urbano, desenvolveu o
que intitulou uma "teoria para a boa forma urbana". Nela,
LYNCH apresenta o que denominou "dimensões de performance", ou seja, grandes valores ou metas para o Desenho
Urbano que, se respeitadas e perseguidas, semeariam o caminho para ambientes urbanos de qualidade. São elas:
grau em que a forma apóia as funções humanas
vitais; dimensão ligada diretamente a nosso bem-estar físico;
- v ita lid a d e :
Recentemente, ALEXANDER e seus colaboradores publicaram um desenvolvimento destas idéias que propõe ser uma
nova teoria de desenho urbano (ALEXANDER et aI. 1987).
Nela aceita-se que a principal qualidade do desenho das cidades do passado é a unidade do todo, uma unidade "orgânica"
perdida na cidade moderna, que se refletia em todos os seus
detalhes. Os autores defendem que esta comparação com
as formas biológicas não é uma simples analogia, mas uma
" ... visão acurada de uma qualidade estrutural específica.
grau em que o assentamento é percebido, compreendido e estruturado mentalmente em termos espaciais
e temporais;
- senso:
capacidade da forma e dos espaços apoiarem
ações, comportamentos e atividades sociais e humanas;
• c o n g ru ê n c ia :
- a c e s s o : possibilidade de alcançar outras pessoas e todos
os lugares do assentamento;
- c o n tro le : grau em que os habitantes controlam a produção,
o uso e a gerência do ambiente urbano;
. e fic iê n c ia :
relação custo-benefício
de criar e manter
o
TLER & CUTLER 1983; DEL RIO 1986). Evidentemente, tudo
depende da co-relação de forças e o resultado ambiental
será sempre politicamente determinado; entretanto, uma situação de compromisso pode ser atingida. Neste sentido,
a responsabilidade social do Poder Público é determinante,
tanto na perseguição dos interesses da população quanto
na realização de lucros para o empresariado .
assentamento;
forma pela qual os benefícios ambientais são distribuídos pela população.
- ju s tiç a :
Portanto, como vemos, o Desenho Urbano deve ser encarado
como uma atividade de planejamento, cujos objetivos se reportam à qualidade físico-ambiental das cidades. Em termos
temporais no processo de elaboração de planejamentos integrados, por exemplo, não há como identificar um momento
exato para a inserção da preocupação pelo Desenho Urbano,
ao contrário, ela deve existir desde o primeiro momento de
pensar a cidade, permeando todo o processo desde a definição dos objetivos políticos a alcançar até os instrumentos
e programas de implantação.
Nada mais ilustrativo do tema que agora abordaremos do
que o comentário de Jonathan BARNETT (1982: 13): "muito
da história recente do Desenho Urbano teve a ver com o
problema de desenhar cidades sem desenhar edifícios". Segundo este autor, o nosso desafio está em "identificar as
regras para as opções significativas que dão forma à cidade
dentro de um quadro institucional que possa ser modificado
na medida em que os tempos, e as necessidades, mudam"
(BARNETT 1982: 12). Desta questão certamente BARNETT
entende, uma vez que foi o responsável pela organização
do departamento de Desenho Urbano da cidade mais dinâmica do mundo, Nova lorque.
Muito se discute sobre as dificuldades de implementação
de critérios, normas e projetos que busquem verdadeiramente a qualidade físico-ambiental das cidades. Para muitos, isto
seria impossível dentro do contexto de uma economia de
mercado, onde todos os investimentos sempre buscam lucro
máximo; nesta lógica, a qualidade ambiental não teria vez.
Grande engano, pois já existem inúmeras experiências por
todo o mundo que demonstram a possível aliança entre os
interesses do poder público, do empresariado e da população
a ser atingida (BARNETT 1974, 1982; BENTLEY 1979; CU-
Algumas cidades européias e americanas são exemplares
nesta questão pois conseguiram esta situação de compromisso entre os diversos grupos de interesse que se expressam sobre a dimensão físico-ambiental urbana. As experiências bem-sucedidas repetem-se na Inglaterra, Alemanha, Holanda, França e Estados Unidos da América. Neste país, estudamos mais detalhadamente os casos de algumas cidades,
como os de São Francisco, Nova lorque, Washington e Baltimore, onde constatamos alguns resultados de Desenho Urbano extremamente positivos, tanto no sentido dos resultados
físico-ambientais, da realização de lucros e de satisfação da
população usuária.
Segundo SHIRVANI (1985: 158) "o interesse em Desenho
Urbano vem aumentando na medida em que se conscientiza
que ele pode levar a empreendimentos econômicos bem-sucedidos para uma comunidade enquanto gera ambiente de
vida com qualidade para a população residente". Neste sentido, este autor observa como o governo federal nos EUA
vem apoiando o Desenho Urbano, desde 1969, através do
Programa de Desenho Ambiental Urbano, componente do
Ato de Política Ambiental Nacional (National Environmental
Policy Actl. importante peça legislativa que implantou a obrigatoriedade dos influentes relatórios de impacto ambienta I
para a liberação de financiamentos e recursos federais (também em SCOTT 1971).
Em São Francisco a Prefeitura implantou, no início dos anos
70, um plano de Desenho Urbano cujo inventário e recomendações tornaram-se base para um conjunto claro e consistente de políticas para nortear novas legislações de controle
e uso do solo. O plano foi instrumental para preservação
e para encorajar a continuidade entre o novo e o velho (MOUDON 1986: 191) e diversos estudiosos são unânimes nos
elogios a este processo pioneiro (JACOBS 1980, BARNETT
1982, SHIRVANI 1985) Partindo de um aprofundado estudo
inicial da forma e da imagem existente da cidade, que chegava
ao nível da qualidade estética de cada quarteirão e lidava
com levantamentos sociológicos de percepções públicas, a
equipe pode gerar um consequente inventário de "princípios
de desenho". As categorias de desenho adotadas na análise
e no plano foram:
'" ~'..~
.... ~,:;.,."-:.:,... .~;:'.
F ig u ra 37 - R e co m e n d a çã o
fo rta le cim e n to
d a im a g e m
p a isa g ism o
p rin cip a l
Os princípios de desenho resultantes. embora em sua maioria
subjetivos e concentrados em percepção visual e conforto
estético, geraram base sólida para a formulação de políticas
setoriais e de legislação urbanística (figs. 36 e 37). Mais recentemente, em 1984, aprovou-se um piano de desenho urbano
específico e detalhado para a área central, seguindo a mesma
orientação conceitual.
Já no caso de Nova larque, cidade de conhecida intensidade
de desenvolvimento urbano e ação do Capital imobiliário, os
casos são bastante complexos, refletem a predominância do
mercado, mas os resultados nos são extremamente significa-
,
buildings
"""""'---
;'
',~
",
'"
,/'
hill
.
..•..
,
------....-.~'
"
,
' •..
e ilu m in a çã o
d o P la n o d e S ã o F ra n cisco p a ra o
e d a e stru tu ra d a cid a d e , a tra vé s d o
p ú b lica
d ife re n cia n d o
a re d e viá ria
d a lo ca l
tivos. Esta cidade havia sido pioneira em regulamentação de
uso do solo ao aprovar. em 1916. estandares mínimos de luz
e ar para as vias públicas e separar atividades incompatíveis
entre si (BARNETI 1982, SCOTI 1971). Isto gerou os famosos
prédios que vão diminuindo sua seção horizontal na medida
em que sobem em altura (fig. 38). A cidade também implantou
nesta época o "zoneamento de incentivos" e deu início a um
processo que permite a negociação entre o Poder Público e
o empreendedor (este processo será comentado com maiores
detalhes no Capítulo 6 e no Anexo 2).
No final dos anos 60, um grupo de profissionais liderados
por Jonathan BARNETI (1974, 1982) instituiu a prática do
Desenho Urbano no Departamento de Planejamento da Pre-
sos imóveis abandonados e áreas subutilizadas ou em declínio (fig. 40).
Destacam-se, a nosso critério, os resultados obtidos com
a reciclagem de prédios históricos para novos usos, como
o caso do Old Post Office (antigo prédio dos correios) transformado em centro comercial, e da compatibilização de novas
edificações com o patrimônio histórico recuperado (fig. 41).
Os projetos inteiramente novos também têm sabido guardar
o espírito de classicismo institucional da cidade (fig. 42). Um
exemplo de administração pública, as atividades da PADC
em seus cinco anos de existência receberam a alocação de
US$ 88 milhões para melhorias públicas e geraram quase
US$ 1,5 bilhão em investimentos privados (PADC Annual
Report 1987).
F igura
38 - V ista
do tipo
pioneiro
"bolo
geral de M anhattan
de noiva",
volum etria
de 1916 que garantia
onde identificam -se
resultante
prédios
do zoneam ento
nfveis de incid~ ncia
de luz relativos
aos gabaritos
feitura de Nova lorque. Para tanto, tiveram de vencer diversas
resistências, inclusive legais, quanto a interpretações constitucionais do direito de construir. Desenvolveram, então, toda
uma experiência que, no fundo, diz respeito a negociações
entre o poder público e os empresários; como é o caso
dos distritos especiais, os bônus de, desenvolvimento
e o
solo criado (embora este último tenha sido aplicado primeiro
em Chicago, como veremos no Capítulo 6). Um dos mais
recentes resultados destes processos é o bem-sucedido e
popular projeto do distrito histórico de South Street Seaport
em Manhattan, uma mescla dos instrumentos distrito especial, preservação histórica e solo criado (fig. 39).
Já no caso de Washington, nos reportamos à atuação da
Pennsylvania Avenue Development Corporation, uma entidade semipública (capital misto) que vem obtendo excelentes
resultados na reorganização e desenvolvimento
físico-ambiental da avenida de mesmo nome, importante artéria no
centro de Washington, que liga o prédio da Casa Branca
ao do Senado. Em 1961, ao desfilar de carro pela avenida
para ser empossado, o presidente Kennedy chegou a considerar a implantação de um projeto modernista de renovação
urbana, impressionado por suas condições deterioradas. Felizmente nada foi realmente feito até a criação da PADC em
1972, que recebeu o poder de comprar, desapropriar, desenvolver empreendimentos imobiliários e executar obr
públicas. A companhia vem conseguindo administrar bons projetos e programas, valorizando uma via que antes possuía div r-
Finalmente, mencionamos o caso da cidade norte-americana
de Baltimore, cuja análise mais detalhada encontra-se no Anexo 2. Acossada por forte esvaziamento de sua base econõmica, a cidade apresentava em meados dos anos 50 um
ambiente urbano em franco deterioramento físico e social.
Um plano diretor proposto pela comunidade empresarial em
1957 foi adotado pela Prefeitura e suas ações recomendadas
foram, em sua maioria, implantadas. Entre elas encontrava-se
um projeto-piloto de renovação de área central bem como
programas de revitalização (fig. 43).
Alguns fatores diretamente ligados ao Desenho Urbano foram
dos
essenciais para o sucesso destes empreendimentos,
quais destacamos: a recuperação da integração entre o centro e o "waterfront"
(rio); a alta qualidade físico-espacial dos
projetos, desde o cuidado no detalhamento da iluminação
pública até o relacionamento volumétrico das edificações;
a cuidadosa mistura de usos; implantação de atividades lúdicas de alta atratividade; implantação de um processo de aprovação de projetos através de uma comissão consultiva especial (design advisory panel). A criação de empresas semipúblicas (capital misto) específicas para as áreas de projeto
foi talvez o meio de implementação mais efetivo que poderiam ter instituído para alcançar os objetivos pretendidos.
O programa de revitalização do "waterfront"
em Baltimore,
ao alcançar extremo sucesso na recuperação físico-ambiental, social e econõmica das áreas centrais, abriu frente para
ações semelhantes em diversas outras cidades norte-americanas: recuperação da simbiose entre o tecido central e
o corpo d'água através de atividades públicas e de lazer aquático, implantação de shoppings-centers especiais (os "harborplace") e'de aquário/museu, volta do uso residencial a áreas
To Subways
and PATH
\;
o.:;.~
••.•
•.••
\'Sl
~ve,
F ig u ra 39 - Iso m é trica d e S o u th S tre e t S e a p o rt N o va lo rq u e , 1 9 8 0 8 4 ; co n ju n to s
o u tro s a tra tivo s, e m e d ifica çõ e s p o rtu á ria s h istó rica s re cicla d a s
ec,'L
;;.
<",
<:0\.0.:;.<:0
,§)~
~e~~,
d e lo ja s, m e rca d o ,
\
m u se u s, re sta u ra n te s
e
centrais, respeito a edificações históricas significativas e excelência de projeto nas áreas públicas e mobiliário urbano
(fig. 44). É importante ressaltar que um dos fatores essenciais
é a participação do empresariado, mormente o comercial,
na definição de atrativos-ãncora para o consumo, como os
"harborplace". O modismo americano atual, aliás, diz respeito
a projetos em "waterfront"
(área marginal a corpos d'água)
para revitalização de centros urbanos, uma vez conscientizados de seu alto potencial para valorização social e econômica da área, face às qualidades estéticas e de lazer envolvidas nas intervenções, como recentemente tem sido feito
em Miami (fig. 45)
Assim, vemos que diversas cidades têm adotado processos
de Desenho Urbano integrados a seus processos de Planejamento, com bastante êxito tanto em termos de qualidade
físico-espacial quanto em termos econômicos. No Anexo 3,
discutiremos, com mais vagar, algo da recente experiência
desta temática na Prefeitura do Rio de Janeiro.
F igura 40 - M aquete
geral de sim ulação
projetado para a área da P ennsylvania
B ranca ao S enado, em W ashington
do desenvolvim ento
A venue,
que liga a C asa
F igura 47 - C onjunto
de M arket S quare, projeto
de
H A R T M A N -C O X IM O R R lS ,
e a praça da M arinha, com piso em
globo terrestre, de C O N K LlN R O S S A N T ; revitalização da
P ennsylvania
F igura
A venue,
42 - D etalhe
R ow , projeto
P ennsylvania
W ashington,
da integração
1986
de um prédio
novo na G allery
de HARTMAN - C O X I O E H R LE IN , na área da
A venue, W ashington,
7984
F ig u ra 43 - P e rsp e ctiva d a á re a ce n tra l d e B a ltim o re , E U A , m o stra n d o o s vo lu m e s d e co n stru çã o
e a s e d ifica çõ e s a se re m re cicla d a s (lin h a e n vo ltó ria b ra n ca ), e m 1 9 7 9
p re visto s
(e m b ra n co )
,/'r~:\:;::,"'"
~3:L*~
C a p ítu lo 5
U m a p ro p o s ta m e to d o ló g ic a
EXistem diversas teorias e propostas metodológicas para o
Desenho Urbano. Nenhuma delas é completa e suficiente
por si própria e todas vêm complementar as metodologias
de Planejamento Urbano e Arquitetura já conhecidas, que
continuam sendo necessárias para a análise e o desenho
do urbano. Como já comentamos, o Desenho Urbano não
é uma disciplina mas define um campo disciplinar, para
onde convergem, portanto, métodos de análise e atuação
de várias disCiplinas.
Diversas metodologias de Desenho Urbano, no entanto, nos
levam a diferentes dimensões de análise da cidade e consequentemente a compreensões diferenciadas As diversas posições conceituais nos levam a identificar diferentes facetas
das problemáticas analisadas que, por sua vez, solicitarão
do "designer" diferentes posturas quanto ao desenvolvimento dos diversos caminhos para a elaboração das proposições
de intervenção. Muitos afirmam estar aí a fragilidade do Desé·
nho Urbano e a prova de que, por não possuir corpo teórico
específico, ele não existiria corno uma disciplina independente. Entretanto, as suas necessidade e especificidade para
a dimensão físico-ambiental das cidades já foram exaustivamente discutidas e comprovadas no desenvolver deste trabalho. Sua alegada fragilidade tampouco existe porque é exatamente da riqueza de dimensões analíticas e em sua complementaridade que reside a sua força maior, possibilitando-nos
uma maior oportunidade para uma melhor compreensão da
complexidade do fato urbano.
Evidentemente, seria um equívoco considerar única e inequívoca qualquer das teorias existentes como, aliás, quer grande
número de seus autores. Como em qualquer campo do conhecimento, teorias levam a análises e conclusões especí-
ficas que, geralmente, só nos mostram certos ângulos da
realidade. Nunca teremos, é verdade, uma teoria suficientemente holística para nos permitir uma compreensão completa
do urbano. Devemos lembrar, como nos diz LANG (1987:
14), que "teorias bem-sucedidas consistem de generalizações simples mas poderosas sobre o mundo e como ele
funciona, de modo a nos permitir predizer com precisão as
operações futuras"
Por isto, acreditamos que para o Desenho Urbano necessitamos do conhecimento de diversas delas, utilizando-nos de
cada uma conforme a especificidade do problema, e podendo
fazer uso de diversas visando sua complementaridade.
Na
tentativa de compreensão do fato urbano os radicalismos
teóricos são extremamente prejudiciais, às vezes tanto quanto não possuir uma teoria e um procedimento metodológico
embasando a atuação.
Neste ponto observamos que não nos deteremos nos chamados "manuais" de Desenho Urbano ou projeto, pois são,
em sua maioria, receitas metodológicas. Um dos mais antigos
e conhecidos, chegando a levantar inúmeras considerações
conceituais, é o de LYNCH (1962), que aborda o planejamento
do sítio e a perfeita implantação do projeto em seu contexto
urbano e natural. O mesmo autor nos apresentou, mais tarde,
um excelente trabalho voltado para considerações extremamente pragmáticas sobre gerenciamento ambiental a nível
regional e urbano, lidando com políticas, programas de ação
para agências governamentais e técnicas de investigação e
projeto (LYNCH 1976)
Outros manuais são famosos, embora sem o mesmo peso
conceitual, como o de CAMINOS & GOETHERT (1978), espe-
cificamente destinado a projetos de lotes urbanizados em
países de Terceiro Mundo, originado de um relatório elaborado pelos autores para o Banco Mundial; sua metodologia
criteriosa aborda todos os aspectos, elementos e critérios
da urbanização, inclusive os seus custos. Seguindo esta mesma linha, foi recentemente publicado por DAVIDSON & PAYNE (org. 1983). baseado na experiência de uma firma consultora inglesa em projetos residenciais de baixa renda no Egito,
um trabalho útil pelo enfoque didático e processual adotado
para as fases da metodologia de trabalho. Finalmente, remetemos os leitores para os trabalhos de PRINZ (1980) e BAZANT (1983). que apresentam todos os detalhes projetuais
das diferentes fases do projeto urbano, verdadeiras receitas.
Um interessante trabalho recentemente publicado como manual didático foi o de BENTLEY et aI. (1985) que, no entanto,
traz interessantes considerações conceituais. Para seus autores, o ambiente urbano deve ser "responsivo"
às necessidades da população, o que se reflete em sete conceitos-meta
de projeto para o meio ambiente, como a "permeabilidade"
(capacidade da forma físico-espacial permitir a integração e
acessibilidade). "apropriedade visual" (incorporar de apropriar-se/incorporar repertórios simbólicos existentes) e "robustez" (capacidade de responder bem a diferentes usos).
Voltando à nossa temática principal. a maioria dos trabalhos
publicados em nossa área partem de um corpo teórico-conceitual para definir os consequentes procedimentos metodológicos de sua aplicação; muitas vezes partem de uma visão
necessariamente limitadora da problemática. Neste sentido
várias obras seriam dignas de nota por altamente influentes
como as de LYNCH (1961). que viriam a ampliar o escopo
de seu trabalho com suas diversas obras posteriores, CULLEN (1961) com a sua teoria do "townscape",
ALEXANDER
et aI. (1977) com sua trilogia de livros levando a uma linguagem de padrões para o desenho, ou, ainda, KRIER (1979)
com sua visão contextualista e nostálgica. Comentaremos
detalhada mente mUitos deles mais adiante.
Muitos trabalhos em nossa área, previsivelmente
comentados na Parte I, nos trazem basicamente preocupações e
rebatimentos metodológicos oriundos da Arquitetura, alguns
exagerada mente formalistas, como o clássico de SPREIREGEN (1965) que discutia o Desenho Urbano como a "arquitetura das cidades", uma possibilidade para o "embelezamento" dos espaços e conjuntos urbanos tomando por base
apenas o "bom gosto" bastante subjetivo dos arquitetos.
Este é também o caso de Rob e Leo KRIER, embora seus
trabalhos possuam um embasamento histórico-morfológico
bastante marcante, principalmente dentro do contexto europeu, como veremos. Nesta linha de preocupação que podemos chamar de mais formalista, remetemos o leitor para
um trabalho interessante recentemente publicado por TRANCIK (1986). que propõe três teorias complementares no tratamento do espaço urbano: a de figura-fundo. a das conexões
e a do "lugar". Estas colaboram em sua proposta de enfoque
integrado através de princípios de desenho, tais como "interllgação do movimento sequencial" e "fechamento lateral e
continuidade dos limites" (fig. 46); na verdade estes princípios mostram-se como sugestões de performance da forma
urbana.
Por outro lado, há trabalhos que buscam uma compreensão
mais abrangente do urbano. buscando complementar seu
embasamento em diversas disciplinas. Alguns estudos influentes certamente caem nesta classificação, como os de
RAPOPORT (1977. 1982). que partem da antropologia cultural
e da comunicação não-verbal para analisar a forma urbana
e seu significado. os de APPLEYARD (1981). com suas análises do espaço da rua enquanto um sistema de atividades
humanas. os de LYNCH (1981). com sua proposta de dimensões de performance para a boa forma urbana. Já mencionadas neste trabalho ou. ainda. o recente livro de GOSLlNG
& MAITLAND (1984). um trabalho bastante abrangente sobre
os conceitos de Desenho Urbano (DEL RIO 1987) Estes
autores, assim como diversos outros. se detêm indiferenI mente em várias disciplinas. como a psicologia. a sociologia.
antropologia e a geografia, para embasar suas constatações.
us conceitos e suas proposições metodológicas.
I m aumentado consideravelmente a literatura dedicada a
nálises mais fenomenológicas do espaço, importante como
fortalecedora de nosso embasamento humanístico e conceilual. Este caminho, sem dúvida. foi aberto pelo clássico do
filósofo francês Gaston BACHELARD (1958). que discorria
obre a poética dos espaços da casa-moradia. Diversos desl
trabalhos são oriundos da Geogrélfia, como os de TUAN
(1974 e 1977). RELPH (1976) e WALTER (1988) Embora
I UAN possa ser melhor situado. como veremos. na categoria
nalítica da percepção do meio ambiente. podemos dizer
ue estes trabalhos tentam uma compreensão da experiência
humana mais ampla do que permite nossas linguagens técnicas, que não expressam a unidade e a coerência de nossa
experiência holística dos "lugares" (WAL TER 1988)
Neste sentido. destacam-se. na Arquitetura. os trabalhos de
NORBERG-SCHULZ (1965. 1971. 1979). que desenvolvem
conceitos fenomenológicos importantíssimos como "espaço
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Por estas razões, o leitor pode compreender porque venho
tentando adotar para o Desenho Urbano um enfoque metodológico que não se concentre em nenhuma teoria específica,
mas que saiba buscar em várias delas a complementaridade
necessária para a compreensão dos fenômenos urbanos. O
que permeia as teorias adotadas talvez seja a tentativa de
buscar sempre dimensões de análise e atuação sob a ótica
do usuário. Ou seja, as formas com que ele vê, sente, compreende, utiliza e se apropria da cidade, de sua forma, seus
elementos e suas atividades sociais. Esta pustura é, sem
dúvida, coerente com a definição para Desenho Urbano que
propusemos na primeira parte deste trabalho.
Figura
46 (a, b) - Os enfoques de desenho destacados por
figura-fundo, conexão e lugar; sua aplicação
proposta de reestruturação física de Jarntorget, em
Gotemburgo, Suécia, 1986
TRANCIK:
em
existencial" e "genius loci"; uma qualidade holística que expressa a identidade, o caráter e a qualidade de um lugar.
Sobre o "genius loci", APPLEYARD (1979: 22) observa que
podemos gerar novos ambientes de qualidade "buscando
inspiração no passado, no genius loei, nas necessidades
e valores particulares das pessoas comuns ..." e que "muito
disto vai depender em aprendermos como escutar as pessoas
não-profissionais, compreender o que querem, como eles
vêem, e realmente colaborar com eles ...".
Para tanto, ajuda-nos o psicólogo-ambiental David CANTER
(1977) sugerindo que o "sentido do lugar" (sense of place),
aquela qualidade indiscritível mas que ao mesmo tempo diz
tudo sobre a qualidade físico-ambiental dos espaços urbanos,
é gerado na sobreposição de três esferas de nossa consciência: atividades ou usos, atributos físicos propriamente ditos
e as concepções e imagens. O modelo permite um diagrama
que ajuda a compreender o conceito (fig. 47) e, realmente,
para o ser humano o espaço e a forma só começam a fazer
sentido a partir do momento em que nos conscientizamos
desta qualidade através das três esferas de consciência.
O enfoque metodológico que proponho a seguir busca isto
e surgiu a partir da aceitação da hipótese básica das três
esferas de vivência, com o Desenho Urbano atuando em
seu "overlapping".
Mas, para fins de facilidade de trabalho
e por conformarem teorias e dimensões de análise bastante
distintás, com distintos procedimentos metodológicos, propomos a divisão da classificação da esfera "Concepções e
Imagens" em duas: "ANÁLISE VISUAL" e "PERCEPÇÃO
DO MEIO AMBIENTE". As outras seriam compreendidas
através do "COMPORTAMENTO AMBIENTAL" e da "MORFOLOGIA URBANA".
A Morfologia Urbana possui suas origens na Geografia, enquanto as outras poderiam ser c1assificáveis dentro das" ciências do comportamento"
ou da nova classificação norte-americana de "meio ambiente-eomportamento"
(environmentbehavior). O leitor certamente notará a importãncia que damos às ciências do comportamento para o Desenho Urbano,
e isto se justifica através da nossa busca por uma correta
compreensão dos impactos e influências do meio ambiente
sobre a ação, atitudes e valores de seus usuários, na busca
da qualidade físico-ambiental.
Neste sentido cabe citar excelente trabalho de LANG (1987).
onde desenvolve a noção de uma teoria de arquitetura baseada nas ciências comporta mentais. Ele está correto ao afirmar
que "a qualidade da base do conhecimento para a ação do
design necessita ser incrementada" e que as ciências comportamentais nos oferecem muito para ajudar a desenvolver
uma teoria "positivista" (explanatória de fenômenos e proces(prescrições para a ação) (fig.
sos) e teorias "normativas"
48). Os arquitetos, como já afirmamos, ainda possuem uma
compreensão incompleta e inadequada sobre as inter-relações entre o ambiente construído e o comportamento
humano.
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Figura 47 - Esquema representativo da formação do "sentido
dos lugares", na confluência das dimensões física,
comportamental
e de percepções, sugerido por David CANTER
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Figura 48 - Modelos conceituais sugeridos por LANG para teorias
"normativa"
(a) e "positiva"
(b) da arquitetura
metodológico possível para a atuação em Desenho Urbano.
A discussão não será exaustiva, mas detalhada o suficiente
para permitir a aplicação das categorias e o aprofundamento
de seu estudo.
Quando na orientação teórica e metodológica para meus alunos de graduação e pós-graduação, venho também adotando
esta sistemática. Não raro a turma é dividida em subgrupos
que analisam a mesma área urbana sob o enfoque destas
diferentes teorias e categorias de análise. Após o estudo
e a discussão teórica de cada categoria, procede-se às visitas
a campo para recolhimento de informações específicas. A
análise e o intercâmbio dos achados entre os grupos tornamse ricos e sua compreensão do urbano mais completa. Na
fase de elaboração de propostas os alunos podem, então,
utilizar-se deste rico conjunto de informações complementares.
A origem do conceito de Morfologia Urbana pode ser atribuída
aos geógrafos alemães e franceses no primeiro quarto do
século e, depois, aos ingleses (WHITEHAND 1981 e 1987,
MERLlN 1988). Entendiam que "período morfológico" é uma
"fase da história social e cultural que gera formas materiais
distintas" (Wf-j:TEHAND 1981: 14) Sua aplicação no campo
do Urbanismo e da Arquitetura pode, entretanto, ser identificada primeiramente na Itália, na área da preservação histórica.
Nosso objetivo, na discussão destas categorias de análise,
é, antes de tudo, permitir ao leitor acesso a um enfoque
Recentemente, um simpósio internacional na França não conseguiu concluir uma definição consensual (MERLlN, 1988),
entretanto, entendemos que a Morfologia Urbana deva ser
vista como " ... o estudo analítico da produção e modificação
da forma urbana no tempo" (SAMUELS c.1986: 2). Estuda,
portanto, o tecido urbar.lo e seus elementos construídos formadores através de sua evolução, transformações, inter-relações e dos processos sociais que os geraram.
Os primeiros trabalhos nesta linha teriam surgido na Itália,
precedidos pelas análises ditas tipológicas. Identifica-se Saverio MURATORi como o primeiro a adotá-Ios para a análise
e proJetação do urbano e da arquitetura, ainda nos anos 50.
Ele registrava com seus alunos as tipologias do processo
evolutivo e as mudanças ocorridas no tecido urbano de Veneza. Deve-se ter em mente que os objetivos de estudos tipológicos são de reduzir a algumas categorias analíticas a variedade das formas existentes, a partir da definição de critérios
para sua identificação e classificação (MERLlN, 1988).
A Morfologia Urbana surgiu a partir de um questionamento
das atitudes modernistas em relação às cidades históricas
e as relações sociais que as regem; por isto, SAMUELS
(c. 1986) chega a afirmar ser inevitável que os pioneiros fossem os italianos devido à sua enorme herança urbanística
e à contínua evolução e adaptação de suas cidades. Até hoje
os italianos têm liderado nesta linha de trabalhos, muito bem
representados pelos estudos para a cidade de Padova, desenvolvidos por um grupo de conhecidos pesquisadores, entre
eles Aldo ROSSI e Carlo AYMONINO (AYMONINO et ai.
1970), seguidos pelos franceses, como veremos.
O livro de Aldo ROSSI (1966), famoso arquiteto neo-racionalista italiano, discute a arquitetura da cidade e sua reconhecida importância reside em seu apelo à continuidade histórica
e à importância formal da cidade. Ele é tido como o especialista mais reconhecido entre os que estudam a Morfologia
Urbana (MERLlN, 1988). A recuperação da dimensão arquitetõnica das cidades, ROSSI prega, deve passar pela valorização
dos monumentos, entendidos como elementos urbanos mais
visíveis e constantes no tempo. Esta valorização se expressaria na estruturação da organização física do tecido e na
combinação dos elementos tipológicos. Ele também apresenta dois conceitos interessantes, o da "permanência"
no
tempo das estruturas urbanas, e o de "temático/não temático" relativo à homogeneidade e diferenciações dos conjuntos urbanísticos (fig. 49) Segundo Peter EISENMAN, no prefácio à edição norte-americana do livro de ROSSI este, com
seus estudos baseados na história e na geografia das cidades,
tenta identificar e recuperar o inconsciente coletivo expresso
em sua arquitetura urbana.
O trabalho de AYMONINO (1975, 1988) também é significativo, outro dos principais arquitetos da "nuova tendenza".
Já em sua contribuição à análise da cidade de Padova (1970),
ele havia estudado as possibilidades de estabelecer-se uma
relação entre as características morfológicas da cidade e as
individualidades tipológicas de alguns fatos edilícios, consequentemente verificando se poderiam ser avaliados enquanto
constantes no tempo nas diversas condições históricas. Com
os fenõmenos urbanos estudados desenvolveu conceitos importantes como os de tipo e tipologia, e sua influência nas
formações urbanas. Logo, iria escrever sobre o significado
das cidades segundo a leitura de sua morfologia, abordando
temáticas como relações entre seus elementos componentes, como equipamentos e a estrutura urbana (AYMONINO,
1975) (fig. 50). Aqui a arquitetura é vista como fenõmeno
urbano e novamente aparece o importante conceito de tipologia edilícia no estudo das relações entre tipos edificatórios
e metodologias do projeto arquitetõnico. Segundo este autor,
pode-se observar que:
nos casos em que uma Cidade possui um significado,
isto é, quando pode se encontrar nela desde uma perspectiva
morfológica até uma homogeneidade de representação arquida época de construção das
tetônica (independentemente
diferentes edificaçôes), podem ser estabelecldas relações
precisas e, portanto, identificáveis, entre a forma urbana e
a escala das edificações (em particular dos monumentos),
enquanto fenômenos
mutuamente determinados" (A YMONINO 7975' 38)
A prática da Morfologia Urbana na Itália é bem representada
pelos planos e projetos italianos, como no exemplar plano
diretor de preservação para Bolonha, detalhada mente divulgado pelas obras de CERVELLATI, seu maior responsável
(CERVELLATI & SCANNAVINI, 1973; CHIAVARI1987) Este
plano, muito bem-sucedido em seus objetivos de preservação
do caráter urbanístico e .arquitetõnico do centro histórico,
mais do que um exemplo único é um modelo do que se
busca fazer na Itália em termos de preservação históricoarquitetõnica (SAMUELS c.1986: 5) No caso de Bolonha,
chegou-se a um meticuloso estudo da evolução das formas
e tipologias para a orientação de intervenções urbanísticas
e arquitetõnicas apropriadas em cada caso específico (fig.
51): Os trabalhos recentes de AYMONINO (1988), que possuem especial interesse pela praça enquanto tema de projeto,
também revelam os resultados de anos de estudos por uma
melhor inserção dos novos elementos no contexto urbano
existente (fig. 52).
Figura 4 9 (a, b) - Ipojuca, Pernambuco, 1 9 7 8 : uma estrutura urbana bem definida e com temáticas claras, seus elementos
públicos valorizados e bem interconectados
(a). Note-se o cemitério à esquerda ligado com a igreja Matriz (b), à direita,
e com a praça central
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preservação do centro histórico de Bolonha
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Figura 50 - A evolução da cidade de Nimes, na França, e a
permanência
de elementos e parte da estrutura urbana romana
em estudo
de A YMONINO
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Figura 52 - Recomposição cuidadosa do tecido e valorização
de interconexões
na proposta de A YMONINO para uma
interligação do Museu de São Marco, no alto da colina, ao mar;
Nápoles,
1987
Um importante resultado deste novo interesse pelo passado
no Desenho Urbano foi a redescoberta de antigos trabalhos
teóricos e projetos urbanos, como o mapa de NOLLI, ou
os escritos e projetos de Idelfonso CERDA. Camillo SITTE
e Raymond UNWIN, que CHOAY (1965) classifica na vertente
do urbanismo "culturalista",
Em meados do século XVIII,
o já famoso topógrafo Giovan Battista NOLLI recebeu a incumbência do papa Clemente XII de desenhar um mapa completo e preciso de Roma, que seria publicado em 1748, em
12 pranchas (AURIGEMMA in GRAVES 1979) Para a precisão
científica necessária NOLLI utilizou-se da técnica de projeção
vertical desenhada como figura-fundo, que veio a se revelar
de grande valia na identificação de relações entre domínios
público, semipúblico dos grandes edifícios e privado, assim
como outras relações morfológicas importantes como distâncias e acessibilidade, ou relação entre cheios e vazios (GRA-
VES 1979) (fig, 53) Este método, aliás, tornou-se um dos
mais usuais nas análises morfológicas por expor claramente
diversas das relações entre os elementos conformadores
do tecido urbano.
A importância do mapa de NOLLI pode ser verificada em
suas inúmeras citações, como também em interessante exercício projetual intitulado "Roma Interrotta", levado a cabo
por um grupo de 12 famosos arquitetos, entre eles Michael
GRAVES, James STIRLlNG, Aldo ROSSI, Robert VENTURI,
Colin ROWE, Paolo PORTOGHESE e os irmãos KRIER. Consistiu em que cada um recebesse uma das 12 pranchas do
mapa de NOLLI para naquela área propor a sua utopia e
especulações projetuais (GRAVES 1979). Apenas um excêntrico exercício poético que, apesar de durar um ano, não
trouxe mais que um punhado de hipóteses interessantes.
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Figura 54 (a, b) - Composição estética e precedentes históricosnos estudos (a) e projetos (b) de Camilo 5ITTE; proposta para
recomposição do tecido da área da universidade e da praça
Votive, Viena, 1909
Já o idealizado r do plano regulador da expensão de Barcelona,
de 1859, Idelfonso CERDA foi quem primeiro apontou a necessidade de uma nova ciência, o "urbanismo", para enfrentar uma "nova" cidade, a industrial. Em sua obra "Teoria
General de Ia Urbanización", publicada em 1867, defendia
a importãncia da análise da evolução histórica da cidade, dos
sistemas de circulação e da sistematização de elementos
tipológicos básicos, como ruas, praças e quarteirões (CHOA Y
1969, ROSSI 1966).
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Alguns classificariam o vienense SITIE na categoria de Análise Visual, mas ele foi talvez dos " ... primeiros teóricos do
espaço urbano a olhar detalhadamente os precedentes históricos", chegando, por exemplo, à conclusão que o fechamento (enclosure) era um dos "mais significativos componentes do espaço urbano bem-sucedido" (TRANCIK 1986:
69). O estudo de sua obra nos mostra os interessantes resultados de suas propostas quanto à recomposição do tecido
urbano por adições cuidadosas (COLLlNS & COLLlNS 1965,
CHOA Y 1970, ARAUJO 1988) (fig. 54) Para SITIE, a cidade
devia ser projetada de acordo a princípios artísticos e isto
incluía uma visão arquitetõnica do conjunto e o respeito pelo
passado (SITIE 1889)
Finalmente citamos Raymond UNWIN que, em seus projetos
urbanos e obra escrita, parece ter sido altamente influenciado
por SITIE e sua preocupação estética compositiva (CHOAY
1965, 1969) Com seus planos pioneiros de cidades-jardim,
como Letchworth (1903), o subúrbio londrino de Hampstead
Garden (1907), e sua obra publicada, ele influenciou profundamente toda a produção urbanística anglo-saxã posterior (UNWIN 1909) (fig. 55)
Voltando a comentar os trabalhos contemporâneos, também
identificamos na França importantes contribuições no campo
da Morfologia Urbana, representados pelos estudos originais
de CASTEX & PANERAI (1971) sobre processos e elementos
de formação da estrutura urbana. Mais tarde, três importantes
trabalhos foram publicados com a participação dos mesmos
autores onde analisavam a evolução e degradação da forma
urbana, numa crítica ao modernismo (CASTEX et aI. 1977),
aplicavam uma metodologia de análise morfológica para compreender a evolução e os significados de Versailles (CASTEX
'et aI. 1979) (fig. 60) e discutiam os elementos metodológicos
para a análise urbana (PANERAI et ai. 1980) (fig. 56). Os
autores refutam as analogias paradigmáticas e buscam compreender a cidade " ... recuperando as bases da análise estru-
tural, da leitura da cidade como uma organização, de demonstrar a sua lógica, de descrever sua estrutura formal" (PANERAI et aI. 1980: 9) (fig. 57).
Os trabalhos dos irmãos KRIER também podem certamente
ser classificados nesta categoria e sua influência no desenvolvimento de um novo desenho de cidade é considerável. Conhecido arquiteto, Rob KRIER foi particularmente influenciado
por Camilo SITTE e utilizou-se desta lógica como pano de
fundo para sua metodologia projetual em seu importante livro
sobre o espaço urbano (KRIER 1975) (fig. 58) Neste trabalho
ele desenvolve toda uma tentativa projetual respeitosa do contexto existente e inspirada em modelos do passado (fig. 59).
Bem mais conhecido, por seus polêmicos artigos e projetos
"utópicos" publicados, Leo KRIER possui visão extremamente arraigada no passado, em suas tipologias e formas de
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Figura 5 8 - A tipo/agia de praças de cidades européias
estudos de Rob KR/ER
nos
produção, vendo no modo de produção capitalista todos os
problemas de nossas cidades: "se a cidade européia vai ser
salva, ela deve ser recomposta através de técnicas urbanas
a serem aprendidas da história da cidade" (in GOSLlNG 1985:
53; KRIER, Leo 1978). Como apontado por Colin ROWE (in
PORPHYRIUS 1984). Leo KRIER deve ser radical para poder
fazer chegar a sua mensagem, assim como um "Le Corbusier
de nossos tempos" (sic.), que até prefere permanecer apenas
no campo de especu lações projetuais publicadas pois acredita lidar com temas de moral idade e estilo de vida. Sua
capacidade de polemicista pode ser verificada em suas propostas para Roma, um dos exercícios especulativos de Roma
Interrotta (GRAVES, 1979), ao sugerir uma megaestrutura
triangular interrompendo o eixo da Praça de São Pedro e sua
transformação em um lago para o lazer, ou em um de seus
trabalhos mais recentes, para Washington (figs. 60 e 61).
Os críticos disparam que a ideologia expressa por Leo KRIER
é demasiadamente acadêmica e destacada da realidade. Os
irmãos KRIER aplicariam seus conceitos " ... mesmo que isto
signifique que a história seja massageada um pouco a fim
de gerar um contexto de intensidade e autoridade suficientes
para a escala do trabalho a ser feito (MAITLAND 1984: 5).
APPLEYARD (1979: 22) chega a afirmar que "para um observador, os projetos resultantes de KRIER e ROSSI parecem
tão autoritários e impessoais quanto a Ville Radieuse". Já
compararam os projetos de Rob KRIER para Stuttgart (KRIER,
Rob 1975) com os planos neoclássicos nazistas de Albert
SPEER. Quanto a Leo KRIER, ele certamente tem uma tendência a agir como o "arquiteto do rei" e hoje deve estar
muito contente por haver se tornado o preferido do Príncipe
Charles da Inglaterra (fig. 62).
Uma outra corrente estuda a evolução das formas urbanas
e arquitetõnicas, sua apropriação pela população e as consequentes adaptações; tem sido uma corrente analítica frutífera
na compreensão das lógicas sociais do espaço. Os trabalhos
de DE ARCE (1978) mostraram a importância de estudarmos
os processos de transmutações de edificações históricas,
como os palácios e anfiteatros romanos, sua incorporação
à estrutura da cidade e sua apropriação pela população ao
longo dos séculos. Muitas das estruturas básicas destas formas monumentais ainda são distinguíveis e os pesquisadores
chamam a atenção para a validade de conceitos como das
estruturas-suporte e das permanências no tempo. Segundo
DE ARCE, estes conceitos poderiam ser aplicados positivamente na recuperação ou re-semantização de cidades e espaços modernistas como Chandigarh e a Unidade de Habitação
(vide figs 17, 32 e 63)
Vale a pena destacar o livro recente de Anne MOUDON (1986)
em que apresenta um detalhado estudo sobre a evolução
e as transformações físicas de uma área residencial de 60
quarteirões em torno a Alamo Square, em São Francisco.
Para ela, as transformações sofridas pelas ruas, quarteirões,
lotes e casas sempre definiam um alto grau de coerência
entre si até o aparecimento dos projetos de renovação urbana
e os edifíCIOSde apartamentos, que rC)mperam com a ordem
espacial e arquitetõnica predominantEls. O estudo de MOUDON aborda as razões por detrás da qu alidade destes ambientes e de sua capacidade de incorporar as transformações;
para ela, esta qualidade depende de um contínuo adaptar
dos elementos no tempo, da casa mantendo-se como uma
célula interdependente com a cidade, e da importância inicial
do perfil fundiário e dos lotes como reguladores das transformações.
Atualmente, diversos arquitetos já seguem este tipo de postura adotando uma linha conhecida por "Contextualismo",
corrente que, como comentamos anteriormente,
pode ser
identificada dentro do Pós-Modernisnno, como James STIRL1NG e sua proposta da recuperação da Meineken Strasse,
Berlin (fig 64) TRANCIK (1986 228) destaca que a beleza
pode ser medida na razão do quanto Os componentes combinam-se com uma estrutura espacial maior e que "para se
alcançar um design integrador e contextualista não se deve
iniciar do nada mas reunir as compOlientes conhecidas em
novas combinações de forma a expressar uma condição espe-
Figura 5 9 - Proposta de Rob KRIER para a praça Rotebuhl, Stuttgart, Alemanha, início dos anos 70: remete a &squemas
e elementos preexistentes, visando disciplinar e definir as relações entre as edificações vistas como "fundo" e conjunto
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Figura 61 - O romantismo de um grande canal nesta proposta
para o redesenho de Washington; Leo KRIER, 1984
cífica". Esta arquitetura inspira-se no entorno e seu contexto
cultural, incorporando-o em suas soluções plásticas e espaciais
Já afirmava acertadamente DE ARCE (1978: 237) que ""
sendo um processo sedimentário, as transformações aditivas
garantem um senso de continuidade na construção da cidade
e um senso de lugar em termos espaciais e históricos .. "
Os estudos nesta linha morfológica vieram, portanto, abrir
novas possibilidades para maior atenção na dimensão temporal dos projetos urbanísticos, nas suas inevitáveis mutações e adaptações pela apropriação coletiva das populações.
"Pensar nas cidades e no que revelam a partir de suas formas
é ser morfo-Iógico"
(SANTOS 1984: 116) Neste sentido,
como colocado por SAMUELS (c.1986: 8) "o programa, o
gerador de forma para o projeto de acordo com os paradigmas
do Movimento Moderno, é substituído pela investigação do
contexto presente e passado".
Também classificável na categoria de Morfologia Urbana, recentemente vem-se popularizando entre certos meios acadêmicos brasileiros, o enfoque de Bill HILLlER com suas teorias
de sintaxe espacial em que analisa a capacidade do t cido
urbano de gerar encontros a partir de sua organização bidimensional (HILLlER & HANSON 1984). Esta teoria vem influenciando uma série de estudos de docentes da Universidade de Brasília, como HOLLANDA (1985) e KRUGER &
Figura 6 2 - Saudosismo e negação da modernidade na proposta
de Leo KRIER para o desenvolvimento
da área de Spitalfields
Market, Londres, 1986
TURKIENICZ (1986). que investigam as tipologias de espaços
entre os edifícios de Brasília e a qualidade derivada desta
organização espacial enquanto seus graus de continuidade
e descontinuidade. Cabe notar, entretanto, como também
o faz MERLlN (1988: 16). que o problema fundamental com
que este enfoque se enfrenta é que ele compreende a morfologia do espaço urbano apenas através de suas duas dimensões planares, ignorando fatores essenciais como tipologias
arquitetõnicas, usos de edificações e legibilidade de conjuntos edificados.
No Brasil podemos identificar alguns outros bons trabalhos "morfológicos". Destacam-se aqueles vinculados a pesquisas para
preservação de conjuntos urbanos. O trabalho relativo ao
Corredor Cultural. área de interesse para preservação no centro do Rio de Janeiro. e que será comentado no Anexo 3.
possui algumas características do gênero. assim como os
de MACEDO (1986) sobre as mutações de um bairro paulista,
e os de BICCA et. ai (1986) sobre as diferentes morfologias
coexistentes em Brasilía. Destacaríamos também as pesqui-
Figura 63
recuperam
- Estudos de PEREZ DE ARCE para transformações
as dimensões
urbanas tradicionais,
sas sobre as estruturas espaciais das cidades de colonização
japonesas, alemãs e italianas no Brasil desenvolvidas por
YAMAKI (YAMAKI & NARUMI 1985). YAMAKI nos mostra
como as cidades de colonização seguiam intenções de projeto não tão simples como se supunha, perseguindo uma "imagem inicial" e uma estrutura com claras definições ideológicas e conceituais, às vezes perseguindo modelos europeus
do início do século. como os de cidade jardim (fig. 65).
em edificações do tipo Unité d'Habitation, com elementos aditivos
como mescla de usos, escalas apropriadas para os pedestres e rua-corredor
que
í
l
/
Figura 6 4 - Projeto de James STlRLlNG, Michael WILFORD e Associados para o redesenho de uma edificação modernista
das construções, escalas,
na rua Meineke, Berlim, 1 9 7 6 : recomposição das características do quarteirão, como alinhamento
ritmos e a esquina
Aqui também já começam a surgir importantes estudos sobre
tipologias arquitetônicas
vernaculares e regionais. Como
exemplo o interessante estudo dos prédios residenciais "prode Copacabana (anos 30/40). que até hoje
to-modernistas"
não eram considerados "exemplares" mas que definem soluçôes e espaços urbanos altamente significativos e de qualidades indiscutíveis (CONDE et aI. 1985). De grande importância
também são os projetos desenvolvidos pela equipe da Eletrosul, como o de relocação da cidade de Itá, Santa Catarina,
onde as novas tipologias edilícias foram inspiradas no repertório existente na cidade original e na região (SANTOS &
REGO 1986; veja Revista Projeto n? 126, outubro, 1989).
Estudos tipológicos como este estão começando a embasar
a prática arquitetônica recente no sentido de soluçôes mais
conscientes de nossas raízes e de suas relaçôes urbanísticas
(fig.66).
Importante trabalho também foi recentemente publicado por
SANTOS (1988). em que faz uma abrangente abordagem
sobre a formação e o desenvolvimento da cidade brasileira,
com propostas pragmáticas de desenho e instrumentos de
N f.W P > R t,l.JI,U
~ '\~ ~ :
/IlE n Ã
tJDVO M lL .M JO
1~t5:
iT A L i",J"
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Figura 6 5 - Comparação entre malhas de cidades de colonização
no Brasil, mostrando seus elementos principais de estruturação:
japonesa/escola,
alemãlrua principal-rio,
italiana/igreja;
baseado em estudos de Humberto YAMAKI
implementação. O autor preocupa-se sempre em uma produção possível da cidade democrática, em que seus habitantes
compartilham seus elementos a nível de identidade e de
imagens coletivas. Para tanto, embora o trabalho não seja
e acontecem as apropríações sociaís (DEL RIO 1981) O nível
ou dimensão coletiva é o que possui uma lógica estruturadora
percebída inconsciente e coletivamente; aqui estaria o conjunto de elementos primários do tecido e se verifica uma
maior permanência no tempo. A dímensão comunitária traz
aqueles elementos e uma lógica com significados especiais
apenas para um restrito círculo de população, o bairro por
exemplo. A dimensão individual, por sua vez, conforma onde
mais livremente se expressam os significados individuaís,
a residência e seu espaço imediato, e, consequentemente,
é a que apresenta uma maior rapidez de mutações.
a
Neste momento, já podemos sugerir alguns temas e elementos para a pesquisa da Morfologia Urbana, expondo as lógícas
evolutivas e estruturadoras da cidade (ROSSI 1966, CASTEX
& PANERAI 1971, PANERAI et ai. 1980, GEBAUER 1980,
DEL RIO 1981) São eles:
- c r e s c im e n to : os modos, as intensidades
e direções; elementos geradores e reguladores, limites e superação de límites, modificação de estruturas, pontos de cristalização etc.;
e p a r c e la m e n to : ordenadores do espaço, estrutura
fundiária, relações, distâncias, círculação e acessibílídade etc.
(fig.67);
- tr a ç a d o
~--""
~ ~~T'iíF
.
~ ''''- 7 D
Figura 6 6 (a, b) - Estudo de tipologias e repertório local para
projetos mais apropriados. Casa tradicional de madeira em
Londrina (a) e residência do arquiteto Marcos BARNABÉ, 1986
especificamente dedicado à questão da morfologia urbana,
a exemplo de outros autores SANTOS apóia sua discussão
em análises de estruturas urbanas e em modelos morfológicos que considera básicos na formação urbana: o lote, o
quarteirão e as ruas. A apreensão e produção coletiva de
" ... padrões que todo mundo conhece, a estrutura que todo
mundo projeta junto ..." viabilizarão um resultado potencialmente harmõnico e, sem dúvida, mais democrático (SANTOS
1988: 54).
Portanto, podemos ser pragmáticos dizendo que, em termos
morfológicos, a cidade pode ser compreendida com três níveis organizativos básicos: o coletivo, o comunítário e o individual, em torno aos quais estruturam-se todos os sígnificados
- tip o lo g ia s d o s e le m e n to s u r b a n o s : inventário e categorização de tipologias edilícias (residências, comércio etc.). de
lotes.e sua ocupação, de quarteirões e sua ocupação, de
praças, esquinas etc. (fig. 68);
b
relações entre elementos, hierarquias, domínios do público e privado, densidades, relações entre cheios
e vazíos etc.
-a r tic u la ç õ e s :
Outros autores, como AYMONINO (1988) e ROSETI (1985),
também desenvolvem suas pesquisas e interesses projetuais
no campo da Morfologia Urbana concentrando-se em elementos formadores, como as praças, espaço coletivo por excelência, expressão máxima da dimensão cívica e pública das
cidades, onde o monumental se encontra com o cotidiano.
ROSETI apresenta, por exemplo, um repertório básico de
características das praças e as consequentes implicações
de projeto: relações urbanas, funções, condições de uso,
organização, características físico-formais, mobiliário e paisagismo.
Em nossa própría experiêncía pudemos aplícar esta dimensão
de análise no desenvolvimento de dissertação de mestrado
Figura 67 (a, b, c, d) - Plantas figura-fundo destacando malha·
viária (a), espaço privado (b), perfil fundiário (c) e espaço d
construido (d); Saúde, Zona Portuária, Rio
Figura 68 (a, b, c) - Estudo de tipologias urbanas: trés esquinas
no Rio de Janeiro, Rua Sara (Morro do Pinto, inicio do século)
(a), Ladeira dos Guararapes (éosme Velho, anos 20) (b), Rua
Paissandu (Flamengo, anos 50) (c)
(DEL RIO 1981). Tratou-se de uma proposta de intervenção
para estruturação das áreas faveladas existentes e a construção de novas áreas habitacionais na Favela da Maré, por
ocasião do Projeto Rio. Além de uma proposta alternativa
de programa habitacional, propúnhamos novas diretrizes para
projeto de Desenho Urbano, baseando-nos principalmente
no estudo morfológico do assentamento. Investigamos temas como linhas e formas de crescimento, tipologias habitacionais, de quarteirões e de vias, densidades, relações público-privado e estruturação geral. Concluímos propostas de
novos modelos físico-espaciais para os elementos urbanos,
bem como de fortalecimento da estrutura interna do assentamento e suas relações com a cidade. Estes estudos estão
melhor detalhados no Anexo 1.
Mais tarde, também tivemos a possibilidade de aplicar parcialmente esta dimensão de análise, em conjunto com a dimensão "Análise Visual" que comentaremos a seguir, em nosso
projeto de Desenho Urbano para a revitalização do "waterfront" do bairro histórico de Fells Point, em Baltimore. A
proposta visava à integração morfológica, visual e funcional
de um novo conjunto de edificações a ser construído na
beira do rio: logràndo-se posteriormente a sua aprovação como adendo à legislação local. como veremos no Anexo 2.
Finalizando, repetimos que a importância da categoria de análise de "Morfologia Urbana" está em compreender a lógica
da formação, evolução e transformação dos elementos urbanos, e de suas inter-relações, a fim de possibilitar-nos a identi-
ficação de formas mais apropriadas, cultural e socialmente,
para a intervenção na cidade existente e o desenho de novas
áreas.
Como já observamos, sentimos necessidade de subdivisão
da esfera "Concepções e Imagens", do modelo de CANTER
de formação do "sentido do lugar" (vide figo 47). em duas
categorias: "Análise Visual" e "Percepção do Meio Ambiente". Isto também foi percebido por KOHLSDORF (1985:
50/51). que faz uma distinção das que chama "escolas do
bom desenho" ou pragmáticas, de tradição anglo-saxã, e
as de "análise de percepção", que utilizam mais ..... a percepção como elemento mediador entre o homem e o meio ambiente
De toda forma, ambas surgiram quase ao mesmo
tempo, fins dos anos 50 e início dos 60, e atualmente representam uma importante área de pesquisa.
Quando comentávamos do contexto para as mudanças disciplinares ocorridas nos anos 50 e 60, esta categoria analítica
surgiu a partir do então crescente interesse em ambientes
históricos e vernaculares. As "escolas do bom desenho"
buscavam enfatizar a percepção visual do ambiente enquanto
experiência estética e emocional (GOSLlNG 1976, WHISTLER & REED 1977, GOSLlNG & MAITLAND 1985) Destacavam-se como ..... teorias de desenho pictóricas, que propunham a complexidade ..... contrapondo-se às .... teorias de
desenho clássicas que propunham a clareza como qualidadesíntese ..... (KOHLSDORF 1985: 50).
Nesta categoria, os trabalhos mais importantes para nossa
proposta de metodologia de Desenho Urbano classificam-se
no que se convencionou chamar de teoria/métodos de "paisagem urbana" (townscape). Parece que o aparecimento da
expressão "townscape" deu-se por primeira vez num antigo
dicionário inglês de 1880 e o seu uso no sentido atual por
Thomas Sharp, em seu livro "Oxford Replanned", de 1948,
em que tentava inventar um nome para a arte de melhoramento das cidades (WHISTLER & REED 1977).
No início dos anos 50, DE WOLFE (1963) e CULLEN (1961)
já haviam publicado nas revistas especializadas inglesas sobre
"townscape" como um enfoque radical contra o Movimento
Moderno, pois ele enfatizava a idiossincrasia e a variedade
das formas. Os livros destes autores foram marcos fundamentais na aceitação da teoria da paisagem urbana para análise e projetos, principalmente em áreas historicamente sensíveis. A obra de CULLEN, por seu forte caráter pragmático,
.;;:;.< .;(..";..
Figura 6 9 - Tratamentos diferenciados da paisagem urbana
geram percepções, sentimentos e posturas diferenciados, como
exemplifica Gordon CULLEN
tem sido muito utilizada na prática britânica oficial até hoje,
principalmente na preservação histórica, inspirando inúmeros
planos de conservação urbana e guias de desenho.
Embora CULLEN seja criticado por sua exagerada preocupação pelos aspectos visuais do ambiente, teve diversas das
qualidades que defende em seu "townscape" posteriormente comprovadas por estudos mais "científicos" de percepção
(fig. 69). Para ele, uma edificação isolada é uma obra de
arquitetura, mas um grupo delas já conforma uma outra arte
diferente de arquitetura, uma arte de relacionamento (CUL-
LEN 1961). O objetivo é a exploração do drama e dos efeitos
emocionais, sentidos a partir de nossa experiência visual dos
conjuntos edificados, algo que a solução meramente "científica" é incapaz. Baseado em uma análise intuitiva e artística
da paisagem urbana, CU LLEN apresenta-nos três maneiras
pelas quais o meio ambiente pode gerar respostas emocionais:
Considera as reações a partir de nossas experiências
meramente visuais e estéticas dos percursos, conjuntos, espaços, edificações, detalhes etc. Aqui CULLEN introduz o
Ó tic a :
''-~H~;
à .
Figura 70 - Percepção do percurso como série de quadros visuais sucessivos: a intensidade de alterações nos quadros
correspondem
a maiores apelos e interesse do pedestre; Arco do reles e Beco do Comércio, Praça XV, Rio
importante conceito de "visão serial," que é a maneira como
percebemos visualmente um ambiente na realidade, pois
considera nossos deslocamentos (fig. 70). Ele mostra, por
exemplo, como nosso percurso por uma rua retilínea e com
arquitetura repetitiva é uma experiência muito menos rica
e excitante do que o percurso de uma rua sinuosa e com
diversos apelos visuais. Sob este prisma, o conceito de "pitoresco" seria resultante da organização de formas onde a
sucessão de diferentes planos visuais de um percurso sofressem fortes rupturas em distãncias relativamente pequenas,
seria a disposição de quadros
enquanto o "monumental"
visuais relativamente idênticos num percurso longo e que,
por isto, torna-se monótono. Nesta categoria enumera várias
temáticas que influenciam nossa experiência visual, como:
deflexão (desvio angular da visada). incidente (atrai o olhar).
estreitamentos (converge o olhar). antecipação (desperta curiosidade) e outros (fig. 71).
cação da metodologia "townscape"
pode ser exemplificada
por nossa proposta para revitalização em Fells Point. Baltimore, que, como mencionamos, é comentada no Anexo 2.
L u g a r : Possui um sentido topológico e tem a haver com
a nossa posição em relação a um conjunto de elementos
que conformam nosso ambiente mais imediato. Percebe-se
mais fortemente a dicotomia aqui-ali, dentro-fora, no sentido
que"
o relacionar-se a si próprio com o que nos rodeia
é um hábito instintivo do corpo humano, não é possível ignorar
este sentido posicional ..." (CULLEN 1961: 10). São muito
fortes, e empiricamente verificáveis, as sensações de pertencer, de proteção, de territorialidade, de domínio. Algumas
das temáticas nesta categoria analisadas pelo autor são, por
exemplo: possessão, ponto focal, recintos (definição de subcategorias de espaços). vista, aqui/ali, interno/externo, espaço
definidor etc. (fig. 72)
C o n te ú d o : Refere-se a conjuntos de significados percebidos
durante nossas experiências dos espaços através de elementos tais como cor, escala, textura, estilo, caráter e unidade.
A composição e o relacionamento de insumos visuais numa
grande variedade de mensagens provocam uma riqueza de
significados e sugestões de comportamentos que empolga
o usuário. CULLEN define como temáticas a serem analisadas
nesta categoria: intimidade, multiplicidade de usos, escala,
confusão, complexidade, antropomorfia etc.
CULLEN também desenvolveu um interessante sistema de
notação gráfica para poder mapear e sistematizar as análises
da paisagem urbana. Este sistema constitui-se de símbolos
gráficos que representam conceitos ou as categorias a estudar, e devem possibilitar também a notação do movimento
(CULLEN 1964, 1968; GOSLlNG & MAITLAND 1985) A apli-
Figura 7 1 (a, b) - Atração visual e antecipação pelo desvio de
planos visuais ilustradas por CULLEN (a) e um exemplo em
Ouro Preto (b)
Por outro lado, a "gestalt", importante corrente de pensamento originada na Alemanha, no campo da percepção visual
em psicologia, veio influenciar bastante nossa área de estudos. Proliferando-se com alguns arquitetos oriundos da Bauhaus, ela definiu uma linha que entende a configuração espacial através de suas componentes psicológicas (PRAK 1977,
KOHLSDORF 1985, GOSLlNG & MAITLAND 1985). A teoria
da "gestalt" entende que a forma só tem sentido a partir
da identificação de grupos/elementos com fatores de coesão
identificáveis, o que nos permitiria a percepção selecionada;
a forma seria a criação do inteligível sobre o perceptível (BAILLY 1979). A partir desta base conceitual a "gestalt"
fixa
algumas leis que regem a nossa percepção visual. como
a "lei da continuidade" que diz que temos uma tendência
de organizar perceptualmente uma figura, dando-lhe continuidade de direção e mantendo a redundância sem introduzir
novas informações (fig. 73).
Um dos seus atuais seguidores, TRIEB (1986), observa que
a análise da imagem urbana configura a base mais importante
do conceito de desenho urbano para
ao desenvolvimento
uma cidade. Seus estudos mostram que nesta imagem três
conceitos são básicos: a idéia futura da estrutura da arquitetura urbana, os elementos desta arquitetura urbana e os princípios de desenho. Os elementos de arquitetura mais importantes seriam, para TRIEB, os padrões determinados pela
paisagem viária, a silhueta da massa edificada, e a tipologia
edilícia. Uma imagem urbana vital seria, então, facilitada pela
continuidade do desenho urbano e alterações na arquitetura.
Segundo KOHLSDORF (1975: 9), que tem desenvolvido importantes trabalhos nesta linha na Universidade de Brasília,
"a psicologia gestaltica tem contribuído à nossa área de atuação através ... do processo de formação de classes dentro
do fenômeno da percepção ... chamadas também de formações invariáveis" (fig 7 3 ) Portanto. a percepção das configurações urbanas também estaria sujeita a certas leis de conformação, como de proximidade. de semelhança. de coesão,
de pregnância. e outras, que condicionariam conceitos "gestalticos" estáticos e dinâmicos (envolvimento. alargamento,
acentuação, emolduramento etc.), dependentes da sequência de movimento, como subsídios para o projeto (KOHLSDORF 1975, 1979, 1984) (fig. 74). A pesquisadora tem utilizado esta metodologia para o estudo do Plano Piloto e identificações de seus elementos físico-espaciais caracterizadores
com vistas à preservação ambiental (KOHLSDORF 1985,
1986).
~"
~
Figura 72 - Sentimentos topológicos na paisagem urbana, como
os gerados pela dicotomia fora/dentro, não-pertenço/pertenço;
entrada para o pátio de Christ Church College, em Oxford
Nos EUA. esta linha de pensamento influenciou alguns profissionais, principalmente
aqueles filiados ao MIT, como
LYNCH, APPLEYARD e THIEL, através de um professor oriundo da Bauhaus, Gyorgy KEPES, que adotava o estudo da
"gestalt" e da utilização da fotografia como técnica ampliada
de análise e projeto, principalmente no que diz respeito à
percepção do movimento (GOSLlNG & MAITLAND 1985)
Também foram estudados sistemas de notação de seqüências urbanas inspiradas em cinema que ajudaram a incluirmos
~
,.
~
~
.•...
-----
Figura 73 - A lei da continuidade
f1ngulos e de um rettlngulo
-
....
da "gestalt"
-.
e a tend{}ncia de visualmente
apenas pelos cantos
o movimento e o tempo como fatores preponderantes na
percepção do espaço e da forma (LYNCH, APPLEYARD &
MEYER 1964)
percebermos
Já outros estudos da época apontavam para a importância
de um ambiente visualmente mais rico e com níveis variados
de complexidade e atratividade, valorizando a produção mais
"espontânea".
Destes destacamos o artigo de RAPOPORT
& KANTOR (1967). onde analisavam os efeitos da complexidade e da ambiguidade no contexto urbano, como rotas
alternativas, percursos com diversos apelos ou mensagens
com Significados ambíguos (fig. 75). Também foi importante
o de LOZANO (1974), onde defendia que nossa necessidade
para "inputs" visuais urbanos complexos é uma combinação
de orientação e variedade de formas, a níveis controláveis
pela mente.
Neste ponto, fazemos breve comentário sobre o desenvolvimento da semiótica ou semiologia nos anos 60, que muito
um trif1ngulo apenas por tr{}s
.--:_=::.-;;:.~
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Outros trabalhos norte-americanos foram fundamentais para
se afirmar a necessidade de um meio ambiente construido,
levando-se em conta suas qualidades visuais e estéticas.
SPREIREGEN (1965), por exemplo, tratava da organização
territorial como uma questão basicamente estética de tradição artística, encarando o Desenho Urbano como uma questão de projeto visual, como "arquitetura das cidades". Este
livro, embora carregado de pré-eonceitos e julgamentos de
valores estéticos do que é "bom" ou "ruim", foi providencial
na recuperação de um maior cuidado com as qualidades físico-espaciais no planejamento. Como também foi o de BACON (1967). já mencionado, que via a importância das estruturas urbanas tratadas como sistemas visuais e de movimentos inter-relacionados, temática mais recentemente desenvolvida também por TRANCIK (1986).
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In v a s O e s ( A lt o d a B o a V is t a )
A c a m p a m e n t o s ( M e t r o p o llt a n a l
V e r n a c u lo \P la n a llln a l
Figura 74 - A "gestalt" como teoria de base para identificação
de tipologia dos diferentes assentamentos prevalentes no
Distrito Federal: linhas de coroamento e pontuações das
diferentes silhuetas; um estudo de Maria Elaine KDHLSDDRF
Figura 75 - A área da Piazza deI Campo, Siena, Itália, ilustra
ambiente urbano coerente e de estrutura legível, embora com
fortes efeitos de complexidade
visual
Figura 76 - A arquitetura como fen6meno de comunicação
da catedral de 8rasflia {arquiteto Oscar NIEMEYERj
e sistema de signos:
influenciou nosso entendimento sobre os processos de comunicação visual. Os anos 60 e 70 foram férteis para os
trabalhos que consideravam todos os fenômenos de comunicação, inclusive a Arquitetura e o Urbanismo, como sistemas
de signos ou símbolos e, portanto, passíveis de diferentes
leituras pelo observador (fig. 76). Alguns elementos arquitetônicos assumiriam o papel de significantes mínimos, ou seja,
apenas com eles e com sua inter-relação a edificação já alcançaria uma determinada composição de significados e uma
mensagem.
Duas correntes se formaram, de inspiração diferenciada. A que
se baseava no filósofo americano Charles Sanders PEIRCE
(1931) considerava a semiótica como a ciência lógica do estudo
dos signos. A outra enveredou pela linguística estrutural do
francês Ferdinand de SAUSSURE e de LEVIS-STRAUSS. Este,
por exemplo, mostrou a importância do inter-relacionamento
entre os sistemas espacial e simbólico dos índios bororo, e
como sua catequizaçâo foi possível graças à retirada das comunidades para assentamentos com traçados reticulares, sem
a menor relação com o sistema cultural, de comportamento
e de segurança psicológica dos indígenas *.
* In LEVY-STRAUSS, Claude (1955).
70, Lisboa, 1979.
" T r is t e s
T r ó p ic o s " ,
Edições
possfvelleitura
do significado
da imagem
Outros autores produziram importantes estudos semiológicos que incidem diretamente em nossa área de conhecimento, como ECO (1968). JENCKS & BAIRD (1969) e CHOAY
(1965). Também Roland BARTHES (1970) escreveria sobre
o relacionamento entre a semiologia e o urbanismo e relembrava Victor HUGO, que entendia a cidade como um livro
aberto, sendo os edifícios suas palavras e a combinação entre
eles os conjuntos de significados urbanos; BARTHES mostrava a importância de compreendermos quais os elementos
significantes básicos da cidade e sua semântica compositiva.
Alguns arquitetos atuantes seguiram esta linha de estudos,
como VENTU RI (1966, et aI. 1972) e MOORE, explorando
os sistemas simbólicos da arquitetura e desenvolvendo uma
linguagem inusitada, depois aproveitada pelo "pós-modernismo", como já comentamos na primeira parte deste trabalho. Sobre a discussâo da semiologia da arquitetura no Brasil
veja-se, por exemplo, COELHO NETTO (1979). FERRARA
(1988) e TRINTA (1983)
Resumindo, a "Análise Visual" busca, através de uma compreensão das mensagens, dos relacionamentos percebidos
entre elementos componentes de um conjunto e das emoçôes que nos transmitem, a lógica condicionadora das qualidades estéticas urbanas. É uma categoria de análise subjetiva, no sentido que depende basicamente da capacidade
de observação e interpretação do pesquisador, consequentemente permeada por seus próprios sistemas de valores.
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$E.NjoF,iAi$
Esta categoria de análise se desenvolveu a partir de conceitos
e métodos da psicologia e possui algumas fontes inspiradoras
básicas a teoria da Gestalt e as de GIBSON (1950) e PIAGET
(1963). A partir de pesquisas no campo da percepção do
meio ambiente dentro destas orientações, durante os anos
60, atualmente aceita-se" ... a percepção como instrumento
mediador importante entre o homem e o meio ambiente
urbano e a reformular-se o enfoque até então em prática:
as qualidades e as necessidades não são mais consideradas
absolutamente concensuais, mas variáveis entre grupos, culturas e épocas" (KOHLSDORF 1985 51).
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Figura 77 - Interpretação esquemática
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do processo
de
Resumidamente podemos afirmar que o Homem se comunica através de um processo cognitivo, que é a construção
do sentido em nossas mentes. Este processo possui fases
distintas: percepção (campo sensorial), seleção (campo da
memória, e atribuição de significados (campo do raciocínio),
num curso que leva a dois fins precisos, ou seja, ação e
memorização (BAILLY 1979, OLIVEIRA 1983) (fig. 77). A percepção é. acima de tudo, um processo seletivo, pois nós
só percebemos aquilo que nossos objetivos mentais nos preparam para perceber (fig. 78). Além disto, é reconhecidamente um processo visual primordialmente visual, pois dentre todos os nossos sentidos é a visão o mais prevalente.
Portanto, o estudo da percepção ambiental interessa-nos enquanto compreensão das unidades selecionadas para compor
a experiência visual. Para o Desenho Urbano, os objetivos
principais destes estudos se tornam claros: a identificação
de imagens públicas e da memória coletiva. A partir do estudo
do que os usuários percebem, como e com que intensidade
pode-se montar diretrizes para a organização físico-ambiental.
Alguns chamam isto de identificação de "pistas" ambientais
para o projeto (SAMUELS 1988, BENTLEY et aI. 1985). A
compreensão da linguagem é determinante na percepção
da realidade (fig 79)
Nossa preferência em termos de utilização para o Desenho
Urbano fica, entretanto, com a chamada corrente Piaget pois
expandiu-se com mais propriedade e não é limitadora no
sentido que não se baseia em processo analítico exclusivamente dependente do pesquisador. Esta característica, embora tenha sua fundamentação teórica e de experimentos
principalmente em condições de laboratório, faz com que
a "gestalt" urbana se aproxime mais, em sua essência, dos
enfoques que classificamos dentro da categoria anterior, de
"Análise Visual".
A linha Piaget se mostra mais fértil para nossos propósitos
pois permite a análise da percepção ambiental sob o ponto
de vista do seu usuário. Para o nosso campo de atuação,
os trabalhos de percepção ambiental mais frutíferos têm adotado esta teoria e seus procedimentos metodológicos. É o
caso, por exemplo, de LYNCH (1960), GOODEY (1971), APPLEYARD (1976) e BAILLY (1979) No entender de PIAGET,
o ser humano teria uma habilidade inata para a percepção
e faz grande parte do seu aprendizado em suas atividades,
imerso no mundo e formando as suas regras perceptivas;
daí a importância do processo de aprendizado para uma criança (DONNELLY 1980) Nosso conhecimento é cumulativo
e forma-se através de nossa experiência cotidiana.
Sem dúvida, a linha de pesquisa mais influente nesta linha
surgiu de Kevin LYNCH (1960), ele próprio um discípulo da
escola "gestalt" de KEPES, no MIT. No entanto, expandiu
suas fronteiras e analisou a imagem mental que os habitantes
E s t r u t u r a e S ig n if ic a d o : Uma imagem ambiental pode ser vista contendo três componentes: identidade,
estrutura e significado. A identificação de uma área, suá diferenciação de outra, sua personalidade e individualidade são
chamadas por LYNCH de "identidade". Quanto à estrutura,
é uma categoria que todas as imagens compostas devem
ter, para coerência do todo e relações internas definidas.
O observador deve, finalmente, ser capaz de captar significado nesta imagem ambiental, seja ele prático ou emocional.
Id e n t id a d e .
Foi definida por LYNCH (1960: 9) como
sendo "aquela qualidade de um objeto físico que lhe dá uma
alta probabilidade de evocar uma forte imagem em qualquer
observador". Pode-se mencionar um paralelo com a qualide "pregnância",
ou seja, a capacidade
dade "gestaltica"
de uma imagem ser forte o suficiente para "saltar fora" e
impor-se na percepção e na memória do observador. Uma
cidade de alta imageabilidade seria distinta, de caráter forte
e sua permanência no tempo não alteraria a imagem básica
que o observador possui. Cabe alertar o leitor que alguns
autores nacionais têm-se utilizado do termo "imaginabilidade", mas preferimos "imageabilidade" por tratar de pregnância de imagens, e não de capacidade de imaginação.
Im a g e a b ilid a d e :
li
Figura 79 - Identificações de elementos das linguagens
para formação de um repertório para projeto
locais
tinham de sua cidade. Foi a primeira vez que alguém se
perguntou qual seria o significado da cidade para seus usuários, identificando suas qualidades e elementos estruturadores. LYNCH utilizou-se de procedimento metodológico da
psicologia e aplicou questionários a um número de habitantes
de Jersey City, Boston eLos Angeles. Afirmava que "nada
é experimentado por si próprio, mas sempre em relação a
seu entorno, às sequências de eventos que levam a isto,
à memória de experiências passadas" (LYNCH 1960: 1). Sua
teoria gira em torno de três qualidades urbanas, como conceitos de referência: legibilidade, estrutura e identidade, imageabilidade.
Uma das mais importantes qualidades visuais
para LYNCH (1960: 2) que a define como " .. a facilidade
com que as partes podem ser reconhecidas e organizadas
em um padrão coerente". Diz, ainda, que "uma boa imagem
ambiental dá a seu possuidor um importante senso de segurança emocional" criando " ... uma relação harmoniosa entre
ele e o mundo exterior" (LYNCH 1960: 4). Ele não considera
legibilidade de maneira simplista pois chama atenção para
a necessidade da riqueza de detalhes e significado, reconhecendo, no entanto, o perigo da confusão visual de uma quantidade muito elevada de apelos, interferindo na sua coerência.
L e g ib ilid a d e :
Em seu trabalho, LYNCH concentrou-se em estudar a idéia
da Imageabilidade e que formas urbanas geram fortes imagens mentais, para que pudesse vir a sugerir alguns princípios
de Desenho Urbano (LYNCH 1960: 14). Para tanto aplicou
uma metodologia de pesquisa através de questionários e
entrevistas nas três citadas cidades norte-americanas. Algumas características desta metodologia nos sâo particularmente interessantes. Primeiro, não se tratava de tentativa de
. quantificar dados exaustivamente para provar sua "validade
estatista", mas de concentrar-se na qualidade e na riqueza
das respostas. Segundo, aplicava perguntas abertas, evocava
reconhecimentos com base em fotos e solicitava que o entrevistado desenhasse "mapas mentais" ou descrevesse percursos específicos (fig. 80). Com isto, objetivava identificar
as imagens coletivas das cidades e as de suas partes/elementos mais significantes.
Cruzando as informações em mapas compostos, as imagens
públicas que põde obter identificavam claramente alguns ele.mentos urbanos que se destacavam em seu papel para a
Imageabilidade, gerando coerência às estruturas dos mapas,
identidade às partes e legibilidade geral e parcial (fig. 81).
Estes elementos possuem um elevado potencial de aplicabilidade para o Desenho Urbano e há muito tornaram-se componentes do jargão profissional e acadêmico (LYNCH 1960)
(fig. 82) são eles:
( p a t h s ) : Os canais ao longo dos quais o observador normalmente se movimenta; constituem-se, como já
comentamos. nos elementos mais importantes e que compõem mais fortemente a estrutura da cidade na mente dos
observadores; ao longo dos percursos estão arranjados os
outros elementos.
S e t o r e s ( d is t r ic t s ) :
Áreas da cidade de certa extensão e
que o observador identifica "de dentro" como possuindo
uma identidade própria. ou "de fora" se realmente puderem
ser vistos de longe; normalmente possuem "limites" precisos e são interligados por "percursos".
P e rc u rs o s
L im it e s ( e d g e s ) :
Elementos lineares não utilizados como
percursos e que geralmente demarcam o limite de uma área
ou de uma zona conhecida para o observador; são importantes pois quase sempre representam uma interrupção de
continuidade da imagem urbana.
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( n a d e s ) : Locais estratégicos da cidade onde o observador pode entrar e que possuem forte função como "foci",
destacando-se da estrutura; locais de concentração de atividade ou convergência física do tecido urbano; podem ser
locais centrais dos Setores.
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Figura 80 - Mapa mental da Urca, Rio de Janeiro, por morador e pescador (22 anos), onde aparecem com destaque elementos
de maior significação em sua percepção da imagem do bairro e sua importãncia relativa (igreja com volume, prédios com
fachadas e letreiros, prédios "sem cara", largura das vias etc.)
os que têm aplicado esta metodologia obtendo uma estrutura
urbana que busca forte imageabilidade: orientação, estrutura,
identidade, significado, legibilidade.
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Figura 81 - Um dos mapas compostos da "forma visual" de
Los Angeles, obtido por Kevin L YNCH ao cruzar os mapas
destacando os cinco elementos
mentais de seus entrevistados,
urbanos mais importantes
na coerência desta imagem coletiva
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Figura 82 - Esquemas representativos
dos cinco elementos mais
importantes
na estruturação da imagem da cidade, segundo
LYNCH
( Ia n d m a r k s ) :
Um outro tipo de referencial mas este
é externo e se destaca na paisagem; são geralmente um
objeto físico; podem estar distantes e constituírem uma referência constante ao usuário, ou podem estar mais integrados
à estrutura destacando-se do conjunto por sua forte Imageabilidade.
M a rc o s
Como é fácil de concluir, estes elementos são facilmente
transponíveís numa linguagem para projeto e são ínúmeros
Uma das aplicações mais interessantes, principalmente por
seu porte, destes métodos de análise deu-se na elaboração
do plano para Ciudad Guayana, Venezuela, uma nova cidade
industrial construída em uma área onde já existiam diferentes
assentamentos, no i'nício dos anos 60. Em termos conceituais, os objetivos da equipe encarregada dos estudos de
desenho urbano, coordenada por APPLEYARD (1976). partiam do princípio que o pluralismo social e a acessibilidade
urbana são dependentes da comunicação. Portanto, o meio
ambiente seria visto como uma "arena para comunicação
na cidade" e os planejadores buscaram que a sua intervenção
Como em
resultasse bem estruturada topologicamente.
LYNCH (1961). neste caso foram empregados três instrumentos básicos de coleta de informações de percepção: mapa mental. entrevistas livres e mapas de percursos.
Em Ciudad Guayana diversos importantes resultados no campo da percepção ambiental foram obtidos, ficando também
a descoberto os profundos conflitos de valores e imagens
perceptivas entre os planejadores e a população local (assim
como entre os seus subgrupos) que, inclusive, empregavam
diferentes nomes para o mesmo assentamento. Comprovou-se, por exemplo, que 80% das pessoas que se utilizavam
de ônibus produziam mapas mentais pouco coerentes, com
esquemas sequenciais fragmentados e elementos espaciais
dispersos; ao contrário, os usuários de automóveis geravam
mapas muito mais coerentes e contínuos. Evidentemente,
o nível sócio-cultural influenciou estes resultados mas ele
também se repetiu para os motoristas e passageiros de táxi,
comprovando que os trajetos fragmentados de ônibus e os
objetivos específicos de seus passageiros geram, até certo
ponto, diferentes imagens mentais. De qualquer maneira,
em concordãncia com outros autores, o estudo identificou
duas categorias principais para os mapas mentais: os que
de elementos "sequense utilizam preponderantemente
ciais" (ruas, por exemplo) e os que se utilizam de elementos
"espaciais" (edificações e marcos). com forte preponderância
do primeiro tipo, com 57% do total dos respondentes.
o método de LYNCH possui, evidentemente, alguns pontos
fracos como, por exemplo, a dificuldade para sua aplicação
a universos estatisticamente representativos, sua entrevista
ter uma longa duração (uma hora e meia em média). os dados
de difícil análise e quantificação, e a dificuldade de se obter
os desenhos de "mapas mentais" de certos grupos sociais.
e etários. Diversos trabalhos já levantaram estas críticas e
alguns expandiram seus limites (LANG et ai. 1974, APPLEYARD 1976, WHITE 1977, BAILLY 1979, CANTER 1979)
Não há dúvidas, entretanto, que LYNCH nos trouxe uma inigualável contribuição que ainda vai influenciar os estudos
e projetos sobre a percepção da cidade por muitos anos.
Há estudos que buscaram dar maior embasamento metodológico aos procedimentos oriundos dos trabalhos de LYNCH,
enriquecendo em muito os achados e comprovando a ampla
aplicabilidade desta categoria analítica (WHYTE 1977, ZEISEL
1981). No Brasil existem exemplos, cada vez mais comuns,
de trabalhos que seguiram esta linha de pesquisa, como os
de OLIVEIRA (1978, 1983). BLEY (1982). BAUZER (1983)
e MACHADO (1988). assim como alguns dos apresentados
nos dois seminários de Desenho Urbano em Brasília (TURKIENICZ 1984, TURKIENICZ & MALTA 1985). Nós próprios estamos finalizando pesquisa sobre a percepção espacial que
vários grupos diferentes possuem da Área Portuária do Rio
de Janeiro, com vistas a identificar imagens coletivas que
possam nortear diretrizes de Desenho Urbano em um processo de revitalização (DEL RIO 1990).
Existem, ainda, os trabalhos que exploram os conceitos de
"preferências ambientais" e de "satisfação", ou seja, quais
as imagens e razões que levam os observadores a preferir
este ou aquele lugar, esta ou aquela casa, ou quais os atributos do ambiente que o destaca como especial (SANOFF 1974,
GOODEY 1974, APPLEYARD 1980)
É ilustrativo mencionar um artigo de RAPOPORT (1967) em
que analisava a baixa satisfação com os empregados da companhia CBS que trabalhavam no famoso edifício-sede de Nova
lorque, projeto de SAARINEN, nos melhores moldes do Movimento Moderno. O arquiteto tinha "controle total" do ambiente e os funcionários não podiam adaptar nem personificar
nada, até o tipo dos cinzeiros era predeterminado. Portanto,
os conceitos e processos metodológicos da linha de pesquisa
das preferências desenvolvem-se a partir da psicologia da
percepção e assumem particular importãncia pois os sistemas de valores dos usuários, como comprovam diversos
outros estudos (ver Capítulo 1, figo 28) não são, absolutamente, iguais aos dos arquitetos que irão definir os ambientes
onde irão morar e trabalhar.
Finalmente, gostaríamos de lembrar um campo de análise
classificado como "geografia da percepção" e que tem sido
desenvolvido basicamente por geógrafos que estudam o conceito e o sentido do "lugar" e de nossas relações perceptivas
e afetivas com eles. Fazem uma distinção clara entre "espaço" e "lugar", sendo este carregado de significados afetivos
e simbólicos. O espaço transforma-se em lugar na medida
em que adquire definição, significado e uma determinada
carga emocional para o observador; quando podemos entendê-Io e coordená-Io através dos sentidos, conhecimento e
sensações, ele se torna lugar (TUAN 1974). Assim como
o citado NORBERG-SCHULZ para a Arquitetura, a "geografia
da percepção" tenta a compreensão do "genius loci" e da
nossa produção de sentidos sobre ele.
Nesta linha, o importante Yi-fu TUAN desenvolve toda uma
teoria a partir do conceito da "topofilia", que ele define como
sendo nosso elo efetivo com o lugar, abordado através das
percepções, atitudes e valores: um "conceito difuso mas
concreto como experiência pessoal" (TUAN 1974: 5). No
Brasil os trabalhos de TUAN (1974, 1977) possuem boa penetração e têm inspirado importantes pesquisas como a de
MACHADO (1988). que estudou a Serra do Mar Paulista como
paisagem valorizada, enquanto um conjunto de manifestações "topofílicas".
Também tratando a questão ambiental
como manifestação sensível e sempre presente, WAL TER
desenvolve argumentação a partir da verdade crua que "as
preocupações com a lógica do espaço tendem a suprimir
a sensação de espaço ... nossas linguagens técnicas ... não
expressam a unidade e a coerência desta experiência holística" (WAL TER 1988: 2). A Geografia da Percepção pode
nos trazer interessantes contribuições sobre os processos
perceptivos e, principalmente,
nos de alocação de significados e medição de atitudes e valores.
Vimos, portanto, que os estudos de percepção possibilitamnos dese_nvolver uma " ... compreensão sistemática e científica da visão de dentro para fora, para complementar o enfoque científico mais tradicional e externo" (WHYTE 1977: 11).
A importância disto reside no fato que a população busca
perceber lugares familiares em seu ambiente construído que
estejam carregados de memórias significativas e que possam
gerar-Ihes estabilidade psíquica e social.
Os norte-americanos têm classificado a psicologia do meio
ambiente e os estudos do comportamento ambiental dentro
de uma denominação única: "pe;;quisa ou desenho ambiental", estudos de "homem-meio ambiente", ou simplesmente
"comportamento
ambiental". Para o iniciante, sem dúvida,
haverá confusão sobre o que deveria ser classificado dentro
de que área.
procedimento metodológico geral para o Desenho Urbano.
Sua única limitação, como veremos a seguir, reside no fato
que seus estudos e experiências são normalmente desenvolvidos para espaços relativamente limitados (edificação,
rua, quarteirão ou praça); sua aplicação a nível de áreas urbanas ainda está por vir, além dos clássicos estudos sobre
preferências residenciais e deslocamentos. É o caso de artigo
de STEINITZ (1968) em que estudava a intensidade das relações de congruência entre forma e atividades na determinação dos significados à escala da cidade. Entretanto, talvez
por isto mesmo revela-se categoria de análise complementar
à Percepção do Meio Ambiente pois, como vimos, as aplicações desta se prestam mais para áreas urbanas extensas.
Figura 83 - O ambiente influencia nosso comportamento
e gera
esquemas territoriais nos usuários (conscientes e
inconscientes),' a intensidade e a forma do uso são proporcionais
à qualidade do espaço e seus elementos. Praça no Centro de
Copenhage
Entretanto, os trabalhos de psicologia mais tradicionais traçam uma verdadeira linha divisória entre o enfoque "comportamentalista"
(behaviorista) e o "piagetiano".
Como dissemos, os que seguem a segunda linha de pensamento admitem uma formação de memória através dos processos cognitivos e da experiência ambiental; assim, cada nova situação
em que nos vemos seria mentalmente relacionada com outras de nosso passado, informando para as atitudes e as
largaações a tomar. Já os trabalhos "comportamentalistas",
mente inspirados por SKINNER (1953), defendem que a reação do ser humano é reflexo puro da situação que ele se
encontra, buscando relações causa-efeito mais diretas nos
comportamentos ambientais.
Mas, para simplificar, acreditamos que o mesmo raciocínio
expressado na introdução deste capítulo pode ser aplicado
agora. Ou seja, em se tratando de Desenho Urbano, nenhuma
teoria particular, suas categorias de análise e seus procedi·
podem ser considerados perfeitamentos metodológicos
mente transponíveis de outra área de conhecimento e aplicáveis para a organização físico-ambiental. Interessa-nos, justamente, a flexibilidade de nossas categorias de análise e sua
complementaridade
para a organização físico-ambiental do
urbano.
Portanto, acredito que os estudos de comportamento podem
nos ajudar a compreender a cidade e a complementar nosso
Partimos da hipótese que, de alguma forma, com alguma
intensidade, nosso comportamento e nossas ações são influenciados pelo ambiente físico-espacial que nos cerca (fig.
83). Pode-se dizer que o ambiente sugere, facilita, inibe ou
ou seja, que ele age como catalidefine comportamentos,
sador (positivo ou negativo). Socialmente, por exemplo, constatamos a importância de conceitos comporta mentais como
os de espaço "sociopetal"
(que congrega, direciona a um
lugar central) e "sociofugal" (que desagrega) em relação às
intereções sociais (LANG 1987). Evidentemente, o ambiente
construído não pode atuar nas extremidades da escala de
comportamento, ou seja, ele não poderá jamais determinar
que tomemos ou não determinada ação se isto não estiver
em nossas metas mentais.
Esta categoria analítica de atuação sobre o espaço parece
ter começado a impor-se no início dos anos 60, a partir de
trabalhos críticos sobre os efeitos do Modernismo nos ambientes urbanos, que vimos anteriormente e que destruíam
sistemas sociais e culturais de grande coerência interna e
comportamentos específicos (JACOBS 1961, KELLER 1968).
Veio a popularizar-se na Arquitetura a partir de estudos na
Psicologia Social, como trabalhos sobre "STRESS", a territorialidade do indivíduo e de grupos segundo os vários cenários
de ação e sobre a definição do espaço pessoal segundo as
várias situações sociais (HALL 1966, SOMMER 1969 e 1983)
(fig. 84). O estudo do comportamento foi ainda popularizado
com o clássico de N EWMAN (1972) sobre espaços e violência
urbana, e com ajuda de uma coletânea organizada por GUTMAN (1972), com textos de alguns dos mais famosos arquitetos e pesquisadores do assunto, como HALL e ALEXANDER, que já desenvolvia os conceitos de sua teoria "Iingua~
gem de padrões". Nos últimos dez anos este campo de
estudos tem crescido muito, particularmente nos EUA, e
na abertura deste capítulo já destacávamos a importância
sugere, a necessidade de vida pública nas cidades aumenta
a cada dia, não só com a evolução política do Homem, mas
com o perfil da vida moderna, períodos cada vez menores
e mais flexíveis de trabalho, famílias menores, aumento da
expectativa de vida e aposentadorias mais precoces, No caso
de Copenhage, apesar das críticas iniciais de que num país
escandinavo a vida urbana não se daria nunca nas ruas, a
rede de vias pedestrianizadas triplicou entre 1968 e 1986,
e os levantamentos mostraram que o total de pessoas utilizando estes espaços também triplicou no mesmo período.
GEHL (1989) verificou que os tipos de atividades que flores-
Figura 84 - Definição dos espaços pessoais e de grupo segundo
as diferentes culturas e situações contextuais; parcial da
rodoviária Novo Rio em sábado de grande movimento
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do recente lIVro de LANG (1987). que faz um excelente apanhado geral e desenvolve a noção de uma teoria de arquitetura baseada em estudos comportamentais
A aplicabilidade desta categoria de análise pode ser ilustrada
com o conhecido plano de circulação viária nas áreas residenciais de São Francisco, coordenado por APPLEYARD nos anos
70 A pesquisa desenvolvida mostrava importantes achados
sobre a percepção do espaço da rua e do lar, a territorialidade
dos moradores e seu comportamento
sob a influência do
tráfego veicular, por exemplo, chegando a propor uma série
de medidas corretivas para promoção de "ruas de vivência"
(Iivable streets), seu conceito básico desenvolvido em livro
homônimo (APPLEYARD 1981) (figs, 85 e 86) O estudo das
necessidades e comportamentos ambientais verificáveis nas
ruas foram também determinantes para a Implantação do
importante princípio de "woonerf" na Holanda: ruas residenciais onde, embora os pedestres sejam sagrados e tenham
prioridade convivem com o tráfego local que tem sua velocidade controlada através de legislação limitadora de velocidade
e dos próprios elementos construtivos, mobiliário e paisagismo (fig 87)
Outro pesquisador Importante, o dinamarquês Jan GEHL
(1980, 1989). há anos vem estudando os usos dos espaços
públicos e seus trabalhos foram vitais para a aprovação e
implantação de uma estratégia de pedestrianização progressiva do centro de Copenhage, iniciada em 1962 Como GEH L
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Figura 85 - Os territórios que os entrevistados reconheciam como
seu "lar" são inversamente proporcionais
à intensidade de
tráfego das ruas onde moram; estudo de Donald APPLEYARD,
em São Francisco
/Ib'
/
Figura 86 - Propostas de APPLEYARD para minorar o impacto
do tráfego nas ruas residenciais, aumentando suas qualidades
ambientais e seus espaços de vivt§ncia
ceram foram os eventos de pequena escala, gerados por
pessoas vindas de toda a cidade e que têm algo que dizer,
que mostrar, que trocar ou vender; "uma a cada dez pessoas
em espaços públicos num dia de verão normal estava diretamente envolvida em alguma atividade direcionada a seus
concidadãos, muitas das outras pessoas e atividades estavam
em seu entorno ou direcionadas a estas novas atividades
urbanas" (GEHL 1989: 15). Ele ainda conclui que os achados
da pesquisa provam " .. a co-relação espetacular entre as
qualidades físicas de um espaço público e seu volume e
caráter de vida".
Portanto, estudar o comportamento
ambiental conforma a
investigação sistemática das inter-relações entre o ambiente
e o comportamento humano e suas implicações para o projeto
(MOORE 1979, LANG 1987) Segundo MOORE (1977 63)
"as questões básicas a serem respondidas são: como as
pessoas se relacionam com o meio ambiente construído,
quais são suas necessidades, e como aplicar tais respostas
no processo de projeto 7". O projeto correto deve responder
a três grupos básicos de satisfação do usuário: visual, funcional e comportamental. LERUP (1972). por exemplo, defende
que a congruência entre o comportamento
e o ambiente
construído é um instrumento de medição da qualidade ambiental (fig. 88).
Por outro lado, como concluiu um estudo sobre os espaços
públicos de Nova lorque, embora acredite-se que as crianças
Figura 87 - Fotos de uma rua em Amsterdam antes e depois
da implantação de um "woonerf",
áreas residenciais com
prioridade para os pedestres
brincam na rua porque não têm local apropriado, a verdade
é que muitas crianças gostam mesmo é de brincar na rua
(WHYTE 1980: 10). Os seus elementos e seu arranjo espacial
sugerem usos e comportamentos extremamente diferenciados e apenas sua análise sistematizada nos fará começar
a compreender suas qualidades enquanto locais para o comportamento social. Neste sentido, nunca é demais frisar a
importância dos estudos de comportamento para o Desenho
Urbano pois, sem usuários, o espaço público é de pouco
significado e importância, ao contrário do que entendia a
Arquitetura Modernista.
No sentido das interações sociais, PFEIFFER (1980: 35) lembra
que" .., tem-se dado pouca atenção à criação consciente de
espaço público para a administração da interação social .., ".
Além dos sistemas de comunicação não-verbal e de padrões
sociais dé comportamento, o "contexto" da interação social
seria, segundo este autor, definido pelos arranjos físico, social
e interacional Em consonãncia com outros autores, PFEIFFER
afirma que o quadro arquitetõnico dos espaços públicos acaba
sendo sempre apropriado em espaços intermediários ou zonas
que se prestam a diferentes ocorrências; apenas seus limites
não são sempre estabelecidos por elementos arquitetõnicos
facilmente visíveis. Os grupos de usuários sempre se utilizam
de subespaços conforme suas motivações e as características
destes subespaços (vide figo 84).
Ainda no mesmo trabalho, PFEIFFER descreve um caso interessante de estudo comportamental. Na Alemanha, a autoridade ferroviária vinha registrando muitos usuários queixan·
do-se de que as estações de trem "estavam cheias de estrangeiros", o que diminuía seu nível de satisfação com os serviços. Na realidade, o que ocorria era uma diferença comportamental levando a uma percepção distorcida da questão: os
estrangeiros concentravam-se em grupos em locais estratégicos junto às passagens! esperando amigos ou apenas orientando·se, enquanto que os alemães seguiam diretamente
às plataformas de embarque; os estrangeiros representavam
apenas 7 a 12% do total de usuários mas seu comportamento
e a estrutura espacial interna das estações geravam percep·
ção distorcida e equivocada (fig. 89).
Na verdade, os métodos de análise do comportamento
podem ser subdivididos em observação direta ou indireta: os
que registram o comportamento na hora das próprias ocorrências e aqueles que o fazem depois, identificando pistas das
ocorrências (WHYTE 1977). Para a observação direta, alguns
procedimentos sistematizados se fazem necessários e ZEISEL (1981) nos fornece valiosa colaboração, que resumimos
a seguir. Com razão, ele nos lembra que observar o comportamento ambiental parece algo tão óbvio que pode levar facilmente a distorções e pobreza de dados caso certos cuidados
e procedimentos metodológicos não sejam seguidos. Basicamente, temos três temáticas instrumentais a considerar para
a definição de nossos estudos, a saber:
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- a posição do observador (pesquisador) em relação ao observado: de fora em segredo, de fora mas reconhecido, participante marginal (apenas eventualmente). participante total
no acontecimento;
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Figura 88 (a, b) - Medindo a qualidade f[sica do ambiente urbano:
as dificuldades de duas idosas tentando subir os altos degraus
de uma estreita calçada em Guadalajara, México (a); a ameaça
do projeto do "orelhão" para o deslocamento de um cego que
só localiza a barreira vertical tarde demais (b)
.
b
Nada melhor do que descrever alguns exemplos para fixar
estas considerações. O primeiro é o da praça central de Milão,
onde se localizam a Catedral e a entrada principal da famosa
galeria Vittorio Emmanuelle; também pudemos registrar interessantes eventos comporta mentais através de um dos métodos mais usuais para tanto, fotos em série (time-Iapse photography). Era um domingo ensolarado de inverno e a praça
estava sendo intensamente utilizada. Havia dois percursos
mais intensos de uso, um oriundo da Galeria, outro das laterais da Catedral. oriundos de um mercado de rua e de pontos
de transporte coletivo. Os usuários demonstravam: fuga da
projeção de sombra de um prédio alto, arranjos informais
inconscientemente obedecendo aos padrões geométricos do
calçamento, arranjos semiformais adotando os padrões como
"palcos" para espetáculos de rua, grupos e indivíduos sentados em alguns locais dos poucos degraus que definem o
espaço de entrada da Catedral etc. (fig.90).
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Figura 89 - A apropriação do ambiente segundo subespaços
de usos especfficos e mais controláveis. Diagramas dos estudos
de PFEIFFER em uma estação ferroviária alemã e os dois tipos
de subespaços apropriados pelos usuários locais (a) e pelos
estrangeiros (b)
- os instrumentos de registro: notações. checklists
codificados, mapas, fotografias, filmes e vídeos;
pré-
- o que observar: a quem (atores). fazendo o que (ato).
com quem (outros participantes significativos). quais as relações entre eles (visuais, auditivas, simbólicas etc.). o contexto
e seu arranjo físico.
Também podemos adiantar algumas categorias de análise
do comportamento
para o Desenho Urbano. Uma unidade
útil que sugerimos adotar é a chamada "ambiente comportamental" (behavior setting) que BAKER (in MOORE 1979
70) e LANG (1987) nos permitem descrever como sendo
uma unidade básica de análise de interações de comportamento ambiental e que possuam as seguintes características:
- aspectos temporais da ocorrência (hora, dia, estação, ritmo, periodicidade, duração etc.)
Compreender quais são os "ambientes comportamentais"
de um espaço urbano, como são apropriados, quais os comportamentos com que se relacionam e qual sua periodicidade
são temáticas básicas. O importante deste conceito é que
estes ambientes pressupõem a repetição dos comportamentos: certos arranjos tendem a fazer com que diferentes atores
se comportem da mesma forma.
Figura 90 - Respostas ambientais segundo características dos
elementos construtivos e as intenções dos usuários; respostas
às vezes inconscientes a detalhes como o mosaico da
pavimentação.
Note-se também como se evita a sombra neste
domingo de início de inverno; praça da Catedral de Milão, com
saída da galeria Vitório Emanuel
Este tipo de reflexo comportamental no espaço não se limita
a países de clima frio, ele pode ser notado em outros contextos. No Rio de Janeiro, por exemplo, desde a antiga Avenida
Atlântica repete-se o equívoco de permitir prédios altos na
faixa litorânea, cuja sombra projetada na faixa de areia da
praia impõe limitações de uso e desconforto aos banhistas
(fig. 91).
Figura 91 (a, b, c) - O impacto negativo da projeção de sombras
também se faz sentir no Rio, onde não se aprendeu a lição
na orla de Copacabana antes do aterro (a) para evitar o que
ocorre agora no Leblon (b, sombra de hotel) e em São Conrado
(c), afugentando os banhistas logo antes do meio-dia em um
sábado de julho
A adaptação do espaço e de elementos construtivos para determinar "ambientes comportamentais" temporários é outro interessante objeto de pesquisa. Fato, aliás, bastante comum em
nossos países de Terceiro Mundo. No Rio pudemos registrar
motoristas de táxi utilizando-se de um encaixe adaptado à saia
de um poste de luz que apoiava um tabuleiro para seu jogo
de dominá ou cartas; esta ocorrência se repetia quase todos
os dias na hora do almoço numa esquina do bairro do Jardim
Botânico No Alfama, em Lisboa, pudemos registrar a adaptação
do ambiente para a feira protegendo as barracas e compradores
com plásticos, não do Sol. pois são transparentes, mas da
roupa escorrendo nos varais (fig. 92).
No c.entro da cidade do México registramos a ocorrência
de um interessante "ambiente comportamental",
na calçada
a
em frente da Catedral Metropolitana, em plena área central.
Seu longo muro gradeado oferecia apoio para que, durante
o horário comercial, inúmeros biscatéliros (artesãos, pedreiros, bombeiros, eletricistas, carregadores, engraxates etc.)
oferecessem seus serviços aos transeuntes, an;'mciando-os
através de suas ferramentas ao chão e um pequeno letreiro
indicativo (fig. 93). Numa calçada intensamente frequentada,
definia-se um "palco de ação" e um "ambiente comportamental" específico, que viabilizavam a fácil encomenda dos
serviços aos biscateiros.
Podemos, então, finalizar sugerindo algumas temáticas para
a investigação comportamental do espaço para o Desenho
Urbano Estas investigações podem ser instrumentalizadas
através da observação sistematizada, fotografias (sequenciais
ou não) ou filmes, entrevistas, questionários, mapeamentos
e diagramas de uso, estudo de costumes, entre outros (fig.
94). As temáticas de investigação podem ser classificadas
em quatro grupos principais:
Figura 92 (a, b) - No Alfama, Lisboa, utilização de plásticos
transparentes como proteção da roupa escorrendo nos varais.
No Rio, adaptação de poste com pequeno tabuleiro improvisado
para o carteado aos motoristas de táxi na hora do almoço.
Desenhos
a partir
de slides
Figura 93 - Um "palco de ação": a apropriação de toda a murada
frontal da Catedral da Cidade do México por autónomos e
biscateiros à espera de fregueses e transeuntes
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Figura 94 - Mapa dos percursos principais adotados pelos
transeuntes, numa tarde de sexta-feira, na praça de São Miguel
Paulista, São Paulo; estudo do autor com S. MACIEL e- R. LANA
novembro,
1985
Figura 95 (a, b, c, d) - Temáticas para estudo comportamental:
as dificuldades de um trajeto revelado em "sequ{}ncias
seguindo uma transeunte no Leblon (aI,
comportamentais"
"palcos de ação", como uso das calçadas como integração das
esferas privada/pública
no Morro do Pinto, Rio (b), de
atividades especificas como "atravessar a rua" (c) ou causadas·
pelos ambulantes (d), ambas no centro do Méier
...
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cupancy evaluation) oferece-nos metodologlas para um procedimento analítico científico do desempenho das edificações, estudando-os a partir de três temáticas principais: comportamental, técnico e funcional (RABINOWITZ 1979, SOMMER 1983, PREISER, RABINOWITZ & WHITE 1987, DEL
RIO 1989 b) Com isto objetiva-se, através do estudo de
obras construídas e ocupadas, informar o processo de projeto
de novas edificações semelhantes
Por isto tem sido vista
como primordial para a encomenda de novos ediffcios públicos nos EUA. como escolas e hospitais.
- "sequências comportamentais":
série de comportamentos pelo mesmo usuário ou grupo de usuários durante um
determinado percurso ou evento (fig. 95 a);
- "palcos de açao": contexto em que se dá o comportacondições físicomento, e "ambientes comportamentais",
espaciais específicas do comportamento (fig. 95 b);
- "atividades específicas": investigaçao de onde/como ocorrem usos ou ações específicos, em percursos ou num espaço
determinado, como atravessar a rua, formar fila, conversar,
vendas em ambulantes etc. (fig. 95 c, d);
- "territórios": distâncias e espaços delimitados como espaços
de "defesa" ou com sua privacidade controlada por um indivfduo" ou um grupo, e os usos envolvidos neles (fig. 96).
É importante fazer notar que a partir das preocupações sobre
a satisfaçao da populaçao com seus ambientes residenciais
e de trabalho, principalmente quanto à sua adaptaçao simbólica (RAPOPORT 1967) e aos comportamentos sociais determinados culturalmente (DONNELLY 1980 a, GEHL 1980 a
e b) surgiu um campo de estudo bastante especializado nos
EUA, que também se impôs na atuaçao profissional. Derivando destes estudos mas já se impondo como campo de
pesquisa específico, a "avaliaçao pós-ocupaçao" (post-DC-
No Brasil já começam a se desenvolver, embora tardiamente,
este tipo de investigaçao e destacam-se as pesquisas desenvolvidas pela FAU da Universidade de São Paulo, como as
dos professores Ualfrido Dei CARLO e Geraldo SERRA Este
último tem, inclusive, estudado sob esta ótica algumas áreas
urbanas que receberam Projetos CU RA do B N H. Não é demais afirmar a importância da APO no Brasil, país de escassos
recursos e graves diferenças sócio-culturais, para não se incorrer em equívocos já cometidos em ambientes construidos
já em uso e apropriados pela população. Recentemente foi
promovido um seminário nacional sobre o assunto pela FAU/
USP onde se apresentaram trabalhos de cunho conceitual,
de aplicação em prédios escolares, em conjuntos habitacionais e alguns outros casos (SERRA & ORNSTEIN org 1989)
Entretanto, os estudos sobre o comportamento
ambiental
ainda deverão se impor no Brasil. mesmo nos currículos acadêmicos das escolas de arquitetura, onde seria de primordial
importância na formação de teorias de arquitetura. São poucos os exemplos, como o trabalho de NISHIKAWA (1986)
sobre as relações entre o uso dos espaços de ruas eminentemente residenciais e a sua conformação física. A maioria
das pesquisas parece derivar da área de antropologia social,
como o pioneiro estudo comparativo sobre apropriação e
hierarquias espaciais no bairro carioca do Catumbi e no conjunto Selva de Pedra (SANTOS & VOGEL 1981) ou, ainda,
o trabalho sobre as contradições entre as imagens discursivas
de Brasília e as formas de vida da população (MACHADO
& MAGALHÃES 1985)
Os estudos comporta mentais conformam pesquisa profícua
em outros países, principalmente no campo da Arquitetura,
como vimos. Seu potencial para informar sobre a dimensão
urbana, através dos espaços imediatos aos conjuntos edificados e às praças ou ruas é enorme e, conforme afirma GEHL
(1980: 31), "a vida no interior das edificações e entre as
edificações parece ser muito mais essencial e mais relevante
do que os próprios espaços e edificações".
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Figura 96 . Estudo de PFEIFFER sobre o interior de estação com uso de fotografia sequencial: definição de subespaços onde se
repetem padrões comportamentais
inconscientes (junto à saída das escadas rolantes p.e.) e conscientes (junto ao pilar)
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.....
C a p ít u lo 6
Im p le m e n t a n d o
o Desenho Urbano, como já frisamos, faz parte do processo
de Planejamento da cidade e, como tal. deve estar embutido
em seu corpo regulador. Ele deve vir sob a forma de políticas,
planos, projetos e programas.
'Como afirma SHIRVANI (1985. 144/145), as políticas de Desenho Urbano conformam um quadro para a ação, definindo
objetivos, meios de implementação e programas de investimentos. O plano, por sua vez, apresenta uma visão físico-ambiental para desenvolvimento integrado das políticas e deve
ser mais orientado para um processo do que para um produto
formal, pois ignoraria o dinamismo do contexto urbano, que
não admite formas permanentes (LYNCH 1981, SHIRVANI
1985) Já os projetos de Desenho Urbano podem ser orientados para uma área ou território específíco, como é o caso
dos PEUs já comentado, ou ainda para uma temática específica como "áreas livres", "sinalização", "arborização e mobiliário" ou, ainda, temas ainda mais particulares como "relações nova edificação com contexto existente", "localização
de entradas/saídas de garagens" etc. Finalmente, os programas são entendidos como o conjunto de ações intersetoriais
necessárias para a implementação das políticas, planos e
projetos.
No sentido do tratamento do Desenho Urbano por temáticas
específicas, que pode vir a ser um modo prático para facilitar
a implementação setorial dos programas, SHIRVANI (1985)
propõe uma categorização interessante, na qual nos baseamos a fim de sugerir algumas categorias para atuação; elas
também dão margem para definição de critérios de qua/idade setoriais.
o d e s e n h o u rb a n o
a I U s o d o S o lo : trata basicamente de tipos de funções e
intensidade de utilização do solo e das edificações; busca
uma variedade e mistura de funções compatíveis entre si
e a mais intensa utilização possível 24 horas por dia, com
densidades compatíveis, a fim de gerar uma área urbana
com a maior vitalidade possível, postura totalmente diversa
daquela preconizada pelo Movimento Moderno.
b l C o n f ig u r a ç ã o
E s p a c ia l: vai mais além do previsto nos
tradicionais "zoneamentos", que além do uso das edificações
apenas consideram gabaritos, afastamentos e áreas máximas
de construção; compreende também cones de visibilidade,
relacionamentos entre volumes edificados e topografia, relacionamentos entre o novo e o conjunto edificado existente,
compatibilidades tipológicas, continuidade e inserção na morfologia etc.
V iá r ia e E s t a c io n a m e n t o :
a circulação viária
é um dos elementos mais poderosos para a estruturação
da imagem urbana (LYNCH1960, APPLEYARD 1981, SHIRVAN I 1985. 26) e, portanto, não pode ser tratada apenas
como um sistema de movimento; um dos fatores básicos
na democratização da cidade uma vez definidora da acessibilidade (LYNCH 1981); a circulação viária, o transporte público
e o estacionamento devem ser entendidos como vitais para
a animação e a sobrevivência social e econômica de uma
área, em soluções conciliadoras.
c l C ir c u la ç ã o
desempenham importantes funções no
urbano como, por exemplo, social (encontros), cultural (eventos), funcional (circulação) ou higiênica (mental ou física);
tão importante como o espaço construido na estruturação
d I E s p a ç o s L iv r e s :
urbana devendo, portanto, ser tratado como espaço positivo;
sua importância não é tanto em termos de quantidade mas
de suas relações ao contexto urbano e às atividades sociais
às suas margens (ALEXANDER 1977) e àquelas que, por
sua existência e características, são facilitadas (LERUP 1972).
conformam um sistema de conveniência tanto quanto um suporte à vitalidade dos espaços
urbanos (SHIHVANI 1985: 31); integram um forte sistema
interdependente com as atividades sociais e econômicas no
nível térreo das edificações; devem ser tratados em conjunto
com o sistema de circulação viária e transportes públicos
e reforçados pelo projeto dos espaços livres e atividades
de apoio.
e ) P e rc u rs o s d e P e d e s tre s :
d e A p o io : conformam os sistemas de atividades que dão conteúdo, coerência e vitalidade aos espaços
urbanos; sua interdependênciaé
crucial (LERU P 1972, GEH L
1980, LYN CH 1976); devem se organizar a partir da alocação
.de fortes nós de atividades (como no conceito de lojas "âncora" em shopping-{;enters) e integrar um sistema complementar e coerente com o de movimento de pedestres e veículos;
devem incluir atividades temporárias e outras possibilidades
de animação urbana.
f ) A t iv id a d e s
g ) M o b iliá r io
U rb a n o :
considerado aqui como o sistema
conformado pelos elementos complementares ao funcionamento da cidade, geralmente entendidos como temporários
e, erradamente, encarados como de menor importância; o
sistema inclui sinalização, elementos complementares
aos
espaços abertos (bancos, telefones públicos etc.). arborização, iluminação pública etc.; devem ser de fácil compreensão,
cômodos ao uso, integrados ao contexto urbano (cultural e
fisicamente). congruentes com os sistemas de comportamento social e não descuidar das necessidades físico-ergonométricas dos usuários.
Assim, vemos que o Desenho Urbano busca, sobretudo, um
tratamento da cidade que seja coerente para o usuário, na
integração dos elementos conformadores da dimensão físicoambiental. A qualidade final do urbano, seja no tratamento
de suas partes (calçadas, lotes, quarteirões, por exemplo).
seja no tratamento de seu todo (interligações entre bairros,
caráter çJa cidade, crescimento e expansão, por exemplo)
em muito depende do inter-relacionamento entre as categorias acima descritas e a conformação de cada uma delas.
Resta comentarmos alguns instrumentos úteis de implementação dos planos e projetos de Desenho Urbano. O instru-
mento usual do Planejamento Urbano é o zoneamento, adotado largamente por grande número de cidades, independente
de sua escala. Também no Rio de Janeiro onde é complementado pelos projetos de alinhamento (PAs) e os de loteamento (PAts). como veremos no Anexo 3, com grandes possibilidades de conformarem um único instrumento integrado,
o Projeto de Estruturação Urbana (PEU).
Os zoneamentos, como dissemos, são os mais populares
instrumentos para o controle do desenvolvimento urbano e
provavelmente continuarão sendo. Na sua essência, dizem
respeito aos tipos de usos permitidos, sua organização por
zonas e sua distribuição espacial; muitas vezes eles também
incluem alguns parâmetros máximos de utilização do solo,
como gabaritos, afastamentos e coeficientes de aproveitamento. Estes são, evidentemente, parâmetros de Desenho
Urbano e devem ser visto como tal pois são vitais para a
geração da qualidade físico-ambiental urbana.
Entretanto, são raros os casos em que se atinge mais do
que um vestígio de organização físico-ambiental coerente,
pelas dificuldades inerentes nestes instrumentos generalistas e pouco flexíveis, de tradição estática e mais próprios
ao funcionamento da cidade como um todo racional. Exceções podem ser encontradas e, sem dúvida, deveriam ser
a regra, como os modelos desenvolvídos pelo Instituto de
Administração Municipal (IBAM) para cidades em Roraima
e seu modelo proposto de Anteprojeto de Lei de Urbanismo
e Edificação (SANTOS 1988).
Na verdade, o Desenho Urbano é e pode ser expresso por
estes instrumentos e, evidentemente, suas políticas e planos
devem sempre se expressar neles. Mas suas características
e amplitude exigem outros instrumentos de implementação,
como demostram experiências em outros países. A prática
da regulamentação urbanística no Brasil, em especial no Rio
de Janeiro, ainda não prevê instrumentação diferenciada, exceto em poucas exceções, que possam refletir as intenções
de Desenho Urbano, sejam flexíveis refletindo o processo
de desenvolvimento
físico-ambiental
e abertos para uma
maior negociação entre o Poder Público, a comunidade e
os empresários.
A seguir, comentaremos brevemente alguns destes instrumentos alternativos, uns já discutidos e até experimentados
no Brasil, mas todos relativamente bem-sucedidos ou amplamente utilizados em outros contextos (KRAFTA 1986). Evidentemente todos possuem prós e contras, não são indiscriminada mente aplicáveis e nem sempre podem ser trans-
postos diretamente à nossa realidade. Sua discussão, no entanto, ajudará em nossa busca por métodos mais dinâmicos
e efetivos para implementação do Desenho Urbano. Deve-se
considerar que todos os instrumentos a seguir apresentados
geralmente conformam Distritos Especiais na cidade, onde
são válidas as suas regras em território definido; eles podem,
entretanto, dependendo do caso, ser aplicáveis à área urbana
como um todo.
Popularizadas a partir de experiências bem-sucedidas em que
compõem os chamados "Guias de Desenho Urbano". Elas
especificam o escopo das formas, os conceitos de projeto,
e outros fatores básicos
o vocabulário físico-arquitetõnico
para o desenvolvimento
de uma determinada área. Como
coloca BARNETT (1982). devemos desenhar a cidade sem
projetar edifícios. Existe enorme dificuldade de se legislar
ou regulamentar o "bom desenho" e é impossível exigir dos
empreendedores
que reproduzam protótipos específicos,
portanto, as diretrizes buscam encorajar o melhor e tentam
evitar o pior (FORMA sd) (fig. 97)
"Como as regras não podem cobrir todos os aspectos
de
uma edificação, o organizador das diretnzes deve deCidir sobre quais são os temas mais importantes, perguntando-se,
na verdade, qual é o interesse do público em uma ediflcação
e quais são os elementos essenciais de arqUitetura que afetam este Interesse" (BARNETT 1987 115).
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Figura 97 - Uma das ilustrações para as diretrizes de projeto
no plano de desenho urbano de São Francisco, 1970, mostrando
uma escala de transição entre um prédio novo e um conjunto
de residências preservadas
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Figura 98 - Modelo de disposição para área residencial como
imobiliários
do guia de
diretriz para os empreendimentos
desenho de Essex, Inglaterra, 1973
Evidentemente, esta afirmativa aplica-se também a elementos e espaços urbanos Ainda no mesmo trabalho, BARNETT
sugere as áreas básicas de desenvolvimento urbano que mais
necessitam de Guias de Desenho: empreendimentos
urbanos de larga escala, intervenções na cidade existente, compatlbilização de fachadas, empreendimentos
de larga escala
nos subúrbios/periferias e processos de revisão de projetos,
A primeira experiência bem-sucedida com Guias de Desenho
que se tem notícia foi no condado de Essex, na Inglaterra,
onde no começo dos anos 70 publicou-se um trabalho que
objetivava regulamentar a qualidade dos novos espaços e
loteamentos residenclais (fig. 98) Na Grã-Bretanha, desde
então, as experiências se sucedem e estão até incentivadas
a escala nacional através, por exemplo, de publicações que
"aconselham" como a "Introduction to Housing Layout", do
Department of Architecture and Civic Design of the Greater
London Council (1978). Este trabalho trata dos temas organização espacial, vias de acesso, estacionamento e movimento
de pedestres, sugerindo soluções de projeto Nos EUA este
tipo de instrumento de implantação também é muito popular,
a partir da experiência bem-sucedida de São Francisco e hoje
é adotada em diversas outras metrópoles (JACOBS 1980,
BARNETT 1982, SHIRVANI1985)
É claro que a elaboração de diretrizes de desenho pressupõe
a adoção de uma base conceitual e um critério de qualidade,
subjetivo pois nem sempre se baseia em fatos mensuráveis,
mas objetivo na busca de compatibilizações e inter-relações
claras. Afinal, como afirmou LYNCH (1981: 1) "decisões sobre política urbana, alocação de recursos, para onde deslocar-se ou como construir algo devem se utilizar de normas
sobre o bom e o ruim" ... "sem alguma consciência do que
seja melhor, qualquer ação é perversa".
Parece que existe um certo consenso sobre o que as diretrizes devem comportar claramente: objetivos, procedimentos,
elementos do desenho, significados, relações entre si e com
o contexto, exemplos (FORMA sd, LYNCH 1981, SHIRVANI
1985). Como comenta SHIRVANI (1985: 148). as diretrizes
de
em
dro
um
desenho para uma área não implicam necessariamente
controles mais restritivos, mas devem viabilizar um quaprojetual e podem até sugerir formas alternativas para
mesmo terreno ou edificação.
Importante é também lembrar que as diretrizes de desenho
podem ser de dois tipos, prescritivas e de desempenho, ou
(SCOTT 1969, LYNCH 1981, SHIRVANI
"performance"
1985). As prescritivas estabelecem limites dentro dos quais
os projetos devem ser amoldados, como as ATEs ou gabaritos
máximos. Por isto possuem um caráter bastante restritivo
e acabam por gerar projetos sempre nos limites máximos
c o m p a tib le
h is to r ic p r o p o r tio n s
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Figura 99 - Diretrizes de projeto
para as novas edificações
para áreas históricas
sugerem
as proporções
compatíveis
com as históricas
como orientação
de lucratividade. As diretrizes de performance são mais flexíveís, já que adotam critérios de desempenho para todos os
locais mas não exigem formas específicas apropriadas. Estas
têm sido preferidas na grande maioria dos guias e diretrizes
de Desenho Urbano pois possuem abertura suficiente para
diversas soluções de projeto que atendam ao performance
requerido para cada caso.
Entretanto, não há consenso sobre se as diretrizes devem
ser mandatórias ou apenas sugestivas. Neste último caso,
geralmente elas servem para orientar um empreendimento
e estão relacionadas com a existência de um processo de
análise de projetos por um comitê especial, que pode possuir
força legal ou apenas caráter consultivo. Este comitê é normalmente formado por representantes do Poder Público, da
comunidade, dos empresários e da Universidade, pode vetar
um projeto ou sugerir modificações seguindo as diretrizes
publicadas. Nas experiências amerieana e inglesa, o solicitante, mesmo que as diretrizes não sejam obrigatórias, costuma obedecê-Ias mesmo se apenas para não atrasar a aprovação de seu projeto Neste processo existe espaço legal e
real para negociações entre as partes.
Em nossa própria experiência de trabalho junto à Prefeitura
de Baltimore, EUA, desenvolvemos diretrizes de Desenho
Urbano para uma área sensível do bairro de Fells Point. comentadas no Anexo 2. O conjunto de diretrizes foi transformado em adendo à legislação do bairro, aprovado pela câmara, e em 1988 a área já se encontrava recebendo um empreendimento misto. O empreendedor estava recuperando as edificações indicadas para novos usos e promovia novas edificações mistas bem integradas ao conjunto e ao entorno. As
diretrizes provaram ser suficientemente
flexíveis e de boa
qualidade para promover um bom resultado final tanto em
termos físico-espaciais quanto à exiquibilidade econõmica.
Elas previam margem para negociação entre as partes.
Também poderia-se dizer que o projeto original do plano piloto
de Brasília se tratava de um antecessor de guia de desenho,
embora alguns de seus conceitos fossem equivocados e tenham sido rigidamente aplicados. No Rio de Janeiro existe
importante experiência de aplicação de Guia de Desenho
no controle do desenvolvimento da área do Corredor Cultural,
comentada no Anexo 3. Ótimos resultados têm sido alcançados, tanto em termos de inter-relação entre escritório técnico,
comunidade e empresários, quanto em relação aos resultados práticos.
As inúmeras experiências internacionais existentes também
demonstram que as áreas de preservação, definidas como
Distritos Históricos, na maioria das vezes possuem um conjunto regulador de diretrizes d d senho especiais (fig. 99).
Os resultados alcançados n st s experiências, aliados aos
do Corredor Cultural. nos permitem concluir a grande viabilidade e aplicabilidade dos Guias de Desenho para o controle
do desenvolvimento em áreas urbanas historicamente sensíveis.
Os "pacotes" (briefs) apenas diferem dos Guias de Desenho
por sua maior especificidade e rigidez, pois são aplicados
a áreas de menores dimensões, não raramente a terrenos
determinados. São documentos em que a autoridade local
especifica qual o escopo das formas construídas, suas relações internas e externas, e·seu tratamento arquitetõnico global. O objetivo é "garantir a maximização do potencial de
Desenho Urbano de um terreno enquanto se controla a arquitetura o menos possível" (JOH NSON-MARSHALL 1978 1)
Novamente, as experiências mais significativas de aplicação
deste instrumento são as norte-americanas e as britânicas.
Devido ao seu caráter de orientação. que pode vir a ser bastante restritivo, os "pacotes"
são largamente aplicados para
contextos em que a nova edificação precisa atingir a melhor
integração possível com os elementos do entorno. Entretanto. sua aplicabilidade não se esgota aí pois também são
extremamente úteis na determinação de condições especiais
de edifícação. como localização de entradas sociais e saídas
de serviço, acessos para veículos, localização de pátios de
carga e descarga. localização de marquises, tipo e localização
de atividades no térreo. elementos construtivos, acessos públicos e visuais através do terreno. amenidades públicas etc.
(fig. 100)
Normalmente um "pacote" de Desenho Urbano possuirá diretrizes dentro das seguintes temáticas principais: volumetria, relacionamentos estético e visual com o entorno, relacionamento funcional com o entorno. acessibilidades e silhuetas. A definição de conceitos, critério e diretrizes de projeto
é sempre acompanhada por ilustrações explicativas e/ou
exemplos de possibilidades para o desenvolvimento.
Este instrumento também pode ser aplicado em um processo
de planejamento que contemple a atuação de um Comitê
ou Conselho de Desenho. principalmente se este for específico para áreas particularmente sensíveis, como entornos
de bens tombados. Na verdade ele poderia ser complemen-
tado por diretrizes complementares, financeiras e imobiliárias,
funcionando assim quase que como um edital de concorrência pública
A experiência no Rio de Janeiro demonstra que, em termos
legais, este instrumento é viável (ver mais detalhe no estudo
do Anexo 3) Esta constatação deu-se a partir de episódios
de restrição de uso e ocupação de terrenos em Botafogo
e na Penha. Alguns casos se colocam como especialmente
propensos a receber este controle do desenvolvimento:
terrenos conflltuosos onde a comunidade quer ver determinados
resultados, novas construções em áreas densamente ocupadas, orla marítima e de lagoas, Centro, entornos de bens
tombados e áreas de interesse cultural, como o Corredor
Cultural.
Este interessante instrumento de implementação é muito
comum nos EUA onde foi implantado pela primeira vez em
1961, na cidade de Nova lorque, instituindo um adicional
de até 20% de área construída além do que permitia o zoneamento em certas zonas da cidade, desde que o empreendimento tivesse uma plaza para uso público (HALPERN 1978,
BARNETT 1982) Basicamente, o zoneamento de incentivos
prescreve uma negociação entre o empreendedor e o Poder
P0blico que permite exceder os limites estabelecidos pela
regulamentação urbanística em troca de algum tipo de amenidade pública
Evidentemente, este processo só pode existir quando o Poder Público exerce efetivo controle sobre o uso e a ocupação
do solo. Para tanto, a regulamentação urbanística deve prever
esta flexibilidade em certas áreas da cidade, ou em casos
especiais. Outra das condições básicas é a existência de
um mercado imobiliário dinãmico o suficiente, onde a demanda de áreas seja tal que o empreendedor queira superar os
limites que a regulamentação normal preestabelece. Como
afirmado por SHIRVANI (1985: 171) "se os Incentivos disponíveis ... não forem suficientemente atrativos para o empreendedor não há sentido nem mesmo em oferecê-Ios".
As regras e o território onde este "Jogo" pode acontecer
devem ser muito bem determinados do ponto de vista legal
e claramente divulgados, a fim de evitar decisões meramente
"fisiológicas".
É claro que há uma grande diversidade de
elementos de desenho que podem vir a ser considerados
"amenidades públicas", transformando-se em objeto da ne-
gociação. Destes, os mais comuns são: espaço ou plaza
pública, servidões, proteção de visadas através da área, marquises, alargamento de calçadas, estacionamento
público,
determinados usos públicos (culturais ou sociais). arborização
e outros (flg. 101). As características destes elementos e
exigências podem, inclusive, ser também definidas pela Prefeitura
Do outro lado da negociação, o do empresariado, as vantagens mais evidentes a perseguir são quase sempre relativas
ao aumento da área construída, tanto em termos de ocupação
horizontal ou vertical, quanto àqueles relativos a outras exigências, como total de vagas na garagem e itens de caráter
Mas seja qual o caso, a lucrativiconstrutivo-arquitetõnico.
dade do empresário aumentará de forma inequívoca.
Um outro tipo de aplicação deste conceito de incentivos são
os chamados Distritos Especiais, zonas onde se buscam resultados específicos em uma área preestabelecida. O caso
a
de Nova lorque pode ser novamente citado como exemplo
pois considera-se que foi a primeira cidade a aplicar este
instrumento, em 1967 (HALPERN 1978, BARNETI 1982).
Foi o caso do famoso Distrito de Teatros, uma resposta à
invasão da área de Times Square, tradicional localização de
salas de espetáculo em Manhattan, por modernos edifícios
de escritórios. Através de um dispositivo de zoneamento,
o empreendimento
imobiliário localizado naquela área teria
permissão de ultrapassar determinados índices de construção se o novo projeto incluísse uma sala de espetáculos
para o público. Esta idéia, não o conceito de incentivos, foi
aplicada em Curitiba, onde as novas construções comerciais
em área central deveriam prever salas de cinema; procedimento que não chegou a obter resultados totalmente satisfatórios pela incompatibilidade de seus objetivos com o mercado e a demanda local.
Tanto para a aplicação de instrumentos como o Zoneamento
de Incentivos quanto os Distritos Especiais é fundamental
um profundo estudo sobre os custos reais, necessidades,
tendências de desenvolvimento e demandas reais dos serviços que se pretende oferecer, sob pena de terminar por
gerar-se elementos inúteis para a comunidade ou inviáveis
para o empreendedor. Não basta conseguir-se a construção
de teatros, por exemplo, eles precisam vir a suprir uma demanda reprimida, acontecendo social e economicamente.
Trata-se de um instrumento de controle do desenvolvimento
bastante inovativo, pois baseia-se na idéia de separar o direito
de construir do terreno onde fisicamente este empreendimento se daria. Ou seja, o empresário que construir menos
do que o permitido pela regulamentação urbanística em um
terreno, passa a ter o direito de transferir esta diferença para
empreendimento em outro local (fig. 102). A experiência pioneira deste instrumento foi em Chicago, onde o plano diretor
de 1973 buscava salvar prédios históricos (COSTONIS 1974).
Figura 101 (a, b) - O zoneamento de incentivos permite
concessões especiais como aumento de área construída (a) em
troca de alguma amenidade pública em áreas de grande pressão
imobiliária,
como as arcadas no edifício-sede da A TT, Nova
lorque, projeto de Philip JOHNSON 1978/82
Mas a expressão que nos parece mais apropriada para utilizarmos é a inglesa, que chama este instrumento de "transferência de direitos de construção"
(transfer development
rights). Entretanto, parece que se popularizou a expressão
"solo criado", que embasa um conceito até mais amplo,
discutido a partir de estudos e seminários desenvolvidos em
São Paulo, em 1975, pelo Centro de Estudos e Pesquisas
de Administração Municipal (CEPAM). O conceito de "solo
criado" baseia-se na "criação de áreas adicionais de piso
utilizável não apoiadas diretamente sobre o solo" (MOREIRA
et ai. 1975) O solo criado seria, portanto, a geração de
mais de uma utilização do terreno, seja através de andares
superiores ou subterrâneos. O conceito pressupõe a desvinculação do "direito de construir" do "direito de propriedade",
uma fundamentação Jurídica Que permite o proprietário exercer o direito básico de utilização plena do terreno mas limita
o excedente à função social do solo.
Desta maneira, se o Poder Público se interessa por limitar
o direito de construir relativo a um lote ou uma área, o proprietário, embora obrigado a preservar a edificação, poderá vender os direitos de construir relativos ao excedente entre o
Que existe e o Que prescreve o coeficiente de aproveitamento
para a zona. Daí, existiriam duas possibilidades: um outro
empreendimento poderia comprar diretamente estes direitos
para exceder os coeficientes ditados pelo zoneamento de
seu lote, ou o Poder Público agiria como um "banco de terras"
e revenderia estes direitos a outro interessado. O excedente
poderia ser vendido por completo ou em partes.
A importância e o potencial deste instrumento são óbvios
para o Desenho Urbano. Entretanto, se por um lado ele
permite uma agilização da capacidade de intervenção do Poder Público, pelo outro pode gerar um total descontrole dos
resultados físico-€spacials do desenvolvimento
urbano. Por
isto, alguns defendem a necessidade da definição cuidadosa
de "áreas de recepção" destes excedentes, vendidos de
maneira a haver uma certa previsão dos resultados finais
dos conjuntos edificados. Outros sugerem que as áreas de
recepção sejam vinculadas a áreas com maiores capacidades
de adensamento, como margens de rotas de transporte público ou zonas de expansão.
Como acontece com os instrumentos Que comentamos anteriormente, existem duas condicionantes básicas e determinantes do sucesso da instituição do solo criado em uma
área ou em toda a cidade. Primeiro, uma regulamentação
urbanística rígida e um processo de planejamento urbano
fortes Que viabilizem ao Poder Público a sua aplicação. Em
segundo lugar, um mercado imobiliário dinâmico tanto nas
áreas de controle Quanto nas de recepção. Aliás, talvez estas
últimas sejam fator determinante, uma vez Que o empresário
não investiria em excedentes se as áreas de recepção não
garantissem seu lucro (SHIRVANI1985)
O conceito pode ser aplicado para lotes ou edificações já
existentes, mas a experiência demonstra Que é em áreas
já urbanizadas e com grandes pressões imobiliárias onde sua
Figura 102 - Aplicação esquemática de regulamentos
de solo
criado: os direitos aéreos da edificação a se preservar são
vendidos a outros empreendimentos
que excedem os limites
da legislação em áreas equivalentes ao adquirido
implantação é mais viável. A transferência de direitos de construir tem sido utilizada como instrumento de compensação
para proprietários de imóveis tombados ou em áreas históricas. Este foi o instrumento Que viabilizou o já citado projeto
South Street Seaport, em Nova 10rQue (vide figo 41). Lá foi
permitido a um consórcio de bancos adquirir os direitos de
construir dos imóveis protegidos para só colocá-Ios à venda
no mercado em momento apropriadG, sendo o seu entorno
imediato à área específica de destinação destes excedentes
(HALPERN 1978)
A Prefeitura de São Paulo, em 1988, resolveu aplicar estes
conceitos para viabilizar a ocupação de terrenos de favelas
e outros de interesse para o desenvolvimento. Chamado de
"operações interligadas", o processo consistiria basicamente
em ampliar as possibilidades determinadas pelo zoneamento
em troca da construção de uma Quantidade de casas populares proporcional ao investimento e em área determinada
pela Prefeitura.
Estes tipos de incentivos dão ao Poder Público capacidade
par implementação de políticas, planos, projetos e program
d Desenho Urbano, impondo um mínimo de restrições
O processo de desenvolvimento
urbano e ao funcionamento
d
leis de mercado. Entendemos este grupo de instrumentos de implementação subdividido da seguinte forma: incentivos para que os empreendedores "façam" alguma coisa
e aqueles para que "deixem" de fazer alguma coisa.
Os conceitos baseiam-se em três premissas básicas. Primeiro, a constatação da dificuldade política de implantação de
mecanismos coercitivos ao desenvolvimento urbano. Em seguida, a realidade das grandes cidades com sua base financeira cada vez mais deteriorada e limitada. Em terceiro e
último lugar, a ideologia de intervenção no mercado imobiliário
com mecanismos compensatórios.
Os impostos de propriedade e as taxas públicas sempre foram importantes instrumentos não só de geração de renda
municipal mas de controle do crescimento urbano. Se bem
utilizadas, integradas ao plano diretor básico urbano e aos
zoneamentos, as taxações diferenciadas podem inibir ou incentivar o desenvolvimento e suas características, tanto em
sua forma quanto em sua direção. O imposto territorial progressivo, por exemplo, possui potencial muito grande neste
sentido mas ainda é muito pouco aplicado nas cidades brasileiras.
O instrumento mais comum utilizado para incentivar a adoção
de medidas reguladoras do uso e ocupacão do solo, e para
compensar os proprietários de seus possíveis reflexos negativos na lucratividade potencial do imóvel, é o incentivo fiscal
de dedução de impostos e taxas municipais. Experiências
de preservação de imóveis, como a do Corredor Cultural,
devem grande parte do seu sucesso a isenções fiscais concedidas pela Prefeitura. Assim, para empreendimentos que obedeçam ao constante em Guias de Desenho, por exemplo,
atribui-se uma determinada isenção.
Outra forma de incentivar implementação de regulamentos
ou projetos urbanos é a isenção total de impostos por um
determinado período de tempo, durante o qual o investimento
do empreendedor ainda não teria retorno. Esta isenção pode
ser estabelecida por um determinado período de anos ou
ser relacionada à lucratividade real do empreendimento.
Isto
é comum para áreas em processo de revitalização urbana,
onde o Poder Público precisa garantir a atração inicial dos
empresários e gerar um novo dinamismo econômico e social
integrado auto-sustentado.
O poder público poderia, também, desenvolver projetos de
obras públicas em conjunto com o empresariado, que seria
compensado de seu investimento obtendo isenção de impospor
tos e a cessão de uso da edificação/empreendimento
tempo determinado. Nos EUA é comum as prefeituras atuarem como verdadeiros empreendedores para implementação
de um plano atraindo empresários com a oferta de "pacotes"
de desenvolvimento:
para a implantação de seus planos ela
pode oferecer a terra abaixo do custo, isenção de impostos
e uma série de facilidades ao empresário. No Anexo 2 vemos
que este foi o caso em Baltimore quando, no processo de
revitalização de sua área central. a cidade precisou de novos
hotéis.
Neste sentido, a experiência de preservação de imóveis históricos nos EUA também é exemplar, pois o governo federal,
através de uma lei de isenção fiscal do fim dos anos 70,
passou a conceder deduções no imposto de renda de até
25% do valor total investido na recuperação do imóvel. Além
disto, no cálculo dos impostos também levava-se em consideração o artifício da "desvalorização acelerada" (accelerated
depretiation) que considerava os imóveis preservados, por
serem antigos, como passíveis de uma deterioração mais
rápida do que os novos, por isto fazendo juz a pagar proporcionalmente menos impostos. Infelizmente, a segunda administração Reagan conseguiu impôr grandes limitações a este
tipo de incentivo federal.
Finalmente, vale comentar dois outros instrumentos fiscais:
a contribuição de melhoria e a apropriação da mais-valia, que
também são intimamente responsáveis por resultantes ligados ao Desenho Urbano. A contribuição de melhoria visa
captar recursos extras em uma área que receberá uma melhoria pública. Há muito ela é assunto para debates no Brasil,
onde é aplicada em várias cidades, mas seus opositores argumentam que ela é uma forma disfarçada de bitributação.
Se, por um lado, parece justo que, se alguns moradores
vão tirar proveitos diretos de uma melhoria, sejam obrigados
a pagar por isto, por outro está a dificuldade de se determinar
quem exatamente se beneficiará, como e com que intensidade. Além disto, acredito que este conceito implica em outro, exatamente o seu inverso, ou seja, a compensação monetária por parte da Prefeitura por desvalorizações reais causadas por obras que ela faz (como novos viadutos em frente
a áreas residenciais) ou deixa de fazer (como em áreas urbani-
zadas mas sujeitas a inundações constantes por mau desempenho da infra-estrutura instalada).
A apropriação da mais-valia também não é novidade mas,
sem dúvida, é de difícil controle. Em teoria, o Poder Público
se beneficiaria da valorização de imóveis afetados pela divulgação da implantação de uma melhoria pública, um parque
por exemplo, e aumentaria seus impostos proporcionalmente
a esta valorização, reinvestindo a diferença na própria construção da melhoria (BARNETT 1982). Neste caso, a dificuldade
também estaria nas formas e critérios de determinação da
lucratividade potencial e em seu controle.
Outro tipo de experiência interessante também aconteceu
em Baltimore, para implementação de parte do plano para
revitalização da área portuária e central (DEL RIO 1985). Ali,
o uso habitacional era um dos ingredientes mais importantes
e havia um conjunto significativo de casas de dois e três
pavimentos com grande valor histórico mas em deterioração
e abandonadas. A Prefeitura lançou um programa de recuperação da área e vendeu as casas pela quantia simbólica de
um dólar, contanto que o comprador atendesse a três condições: não tivesse outro imóvel na cidade, se comprometesse
a recuperar a casa até um padrão mínimo estabelecido em
seis meses e não poderia revendê-Ia em menos de dois
anos. A Prefeitura também colocou à disposição um programa
de financiamento de materiais de construção a preço de custo. O programa, chamado de "urban homesteading", inovava
uma solução efetiva para implementação de objetivos explícitos de Desenho Urbano e foi de grande e rápido sucesso.
Enfim, o que podemos afirmar é que a prática do Planejamento e do Desenho Urbano necessita cada vez mais de
instrumentos fiscais e financeiros engenhosos para implementação de suas propostas. O desenvolvimento de práticas
consistentes de colaboração entre os setores público e privado, a exemplo das cidades européias e norte-americanas,
um caminho fértil.
éindubitavelmente
C a p ít u lo
7
A g o r a , u m c a m in h o a b e r t o
Vimos como surgiu a necessidade de um novo campo disciplinar que possa lidar com a complexidade do urbano e sua
qualidade físico-ambiental, utilizando-se de diversas dimensões de análise. Os argumentos desenvolvidos serviram para
identificar claramente o campo disciplinar do Desenho Urbano, seu processo de desenvolvimento e um enfoque metodo- .
lógico multidisciplinar possível. É claro, não é o único, embora
se pretenda suficientemente abrangente para garantir bons
resultados analíticos e projetuais.
Claro está que, como afirmamos anteriormente, o Desenho
Urbano é PROCESSO e, ele mesmo, faz parte de um processo maior, o do Planejamento. Por sua meta principal ser
a promoção de qualidade físico-ambiental da cidade e dos
espaços como fontes de prazer e liberdade, o Desenho Urbano não pode deixar de ser, como aliás todas as atitudes
humanas, uma manifestação po/ftica. Por isto, todo o processo de Desenho Urbano prevê, em diversos momentos
e sob diversas maneiras, a participação comunitária. A "conformação de espaços para o uso social" traz necessariamente
um compromisso ideológico pois lida com imagens futuras
da sociedade (SAMPAIO 1986: 40). A forma é uma expressão
política.
O Desenho Urbano define-se pela criação do domínio público,
que compreende o espaço público, um "constructo"
físico
e formal, assim por suas instituições públicas, um "constructo" político e econômico (GUSEVICH 1986). Portanto,
uma de nossas responsabilidades fundamentais é a consciência de nosso papel social. Por isto, lembramos novamente
LYNCH (1981) quando afirma que qualquer ação sem uma
noção do bom e do mau é nociva. Para conformar esta noção
e atingi-Ia como projeto social estão os processos participativos.
Se entendermos metaforicamente a cidade como "um Jogo
de cartas", a clareza dos papéis que cada ator social assume
e seu respeito pelas regras são condições fundamentais para
que haja jogo (SANTOS 1986, 1988). E neste jogo, o nosso
papel é definido por nossa capacidade/especialidade profissional e, sendo o nosso um jogo democrático, pressupõe
também a divulgação de nosso trabalho e das regras deste
jogo no que diz respeito à promoção de qualidade físico-ambiental. A metáfora do "jogo de cartas" serve para demonstrar
que só com regras bem definidas e respeitadas é possível
que o projeto social da cidade que todos queremos possa
sequer chegar a ser perseguido.
Dito isto, enfatizando a dimensão política do Desenho Urbano,
podemos compreender ainda melhor a sua necessidade para
a cidade brasileira. Como resultado do nosso despreparo como profissionais e cidadãos, fruto, de um lado, do distorcido
desenvolvimento da Arquitetura e do Urbanismo e, de outro,
de um' longo período de autoritarismo, nossas cidades oferecem um ambiente pobre e, muitas vezes. nocivo à vida. Fato
constatável mais intensamente nas grandes metrópoles, como Rio. São Paulo e Belo Horizonte
A implantação do Desenho Urbano no Brasil deve buscar
duas áreas básicas e fundamentais. Primeiro, dentro da estrutura administrativa governamental. principalmente ao nível
municipal onde ele se faz sentir mais intensamente. Sendo
o uso e a ocupação do solo urbano um preceito municipal
porque afeta diretamente a vida do cidadão, a prática do
Desenho Urbano deve ser instituída nos processos de Planejamento. Isto não quer dizer que outros níveis de governo
não o mereçam, ao contrário, a preocupação pela qualidade
físico-ambiental deve se expressar em esferas institucionais
maiores que o território municipal através de planos e constituições. Afinal, trata-se de um projeto social.
A segunda área fundamental para a implementação do Desenho Urbano é a acadêmica. Em outras ocasiões já defendemos a sua implantação nos cursos de graduação em Arquitetura, onde se expressa com maior intensidade a educação
do cidadão para lidar com a dimensão físico-ambiental das
cidades. Ele deve aparecer com intensidade no ensino de
graduação onde seu campo disciplinar multidisciplinar deve
encontrar expressão; através de novas cadeiras, do ensino
em atelier e embutido mais intensamente nas preocupações
de diversas cadeiras existentes.
tlVO, na sua identidade e no imaginário da população. Típico
exemplo são as imagens e símbolos do Rio explorados pelo
turismo e que identificam a cidade em todo o mundo, a
"cidade maravilhosa". O poder público nunca assumiu junto
à população um verdadeiro "projeto de imagem" urbana,
integrado e expresso nos regulamentos urbanísticos. Como
é que nós queremos que seja a cara, ou caras, do Rio 7 Quais
são os elementos que garantem estas imagens e como protegê-Ios 7 A presença e as características do ambiente natural,
por exemplo, que sempre conformaram imagens básicas cariocas (praias, montanhas, florestas, lagoas etc.) estão cada
vez mais ameaçadas pelo ambiente construído (fig. 103).
Também acreditamos que o Desenho Urbano deva se expressar no ensino de pós~raduação. Na área de Arquitetura ele
poderia tomar duas formas: como programa específico, gerando uma titulação, ou como área de concentração dentro
de uma titulação existente. Neste caso, impõe-se a reformulação dos cursos de Urbanismo e de Planejamento Urbano
existentes e a inclusão de cadeiras que possam conformar
o Desenho Urbano como área de concentração específica.
Claro está que tanto a qualidade do ensino do Desenho Urbano quanto a de sua prática profissional pressupõem as condições discutidas ao longo deste trabalho. Este campo disciplinar exige certas pré-eondições fundamentais que acreditamos terem sido exaustivamente debatidas até aqui. Duas
questões, no entanto, precisam ficar claras: a qualidade físicoambiental deve ser tratada como processo e suas dimensões
de análise e atuação devem ser multidisciplinares.
Finalmente, podemos identificar algumas temáticas principais
que conformam perfeitamente o leque de preocupações do
Desenho Urbano e poderiam destacar-se como grandes objetivos físico-ambientais. Embora nesta identificação façamos
novamente uso de referências ao caso do Rio de Janeiro,
estas temáticas podem e devem ser contempladas na gestão
pública de qualquer cidade brasileira.
o
processo de desenvolvimento pode, facilmente, comprometer a imagem das cidades já constante no repertório cole-
Figura 103 - O Cristo Redentor, legibilidade e simbolismo:
elemento constante nas imagens coletivas do Rio de Janeiro,
um marco cuja presença na paisagem deve ser respeitada; rua
Pires de Almeida, Cosme Velho
Figura 104 -Identificação
e proteção de visuais como as que
conformam áreas como a lagoa Rodrigo de Freitas, onde a
regulamentação
edilícia era totalmente alheia ao sítio e ao perfil
dos morros
Uma das características mais fortes de nossa qualidade de
vida, em particular a do Rio, é o jogo urbano dos cheios
e vazios, da percepção dos espaços abertos e das vistas
.e panoramas. Isto também vem sido ameaçado pelo modo
com que a cidade cresce e se configura, principalmente por
incompetência dos regulamentos urbanísticos. Esta qualidade visual expressa-se tanto em termos de vistas panorâmicas
e turísticas quanto de corredores visuais no próprio tecido
urbano (para a praia, lagoas ou edificações de importância
etc.). facilitando até a conformaçâo da "imagem da cidade"
(fig 104)
A níveis sócio-{;ultural e de conforto psicológico, o Homem
necessita se identificar com um território e um grupo social
imediatos à sua residência Toda cidade deve ser um conjunto
perceptível de partes conformando um todo coerente. Cada
parte, cada bairro, cada comunidade, com sua identidade
própria, sua história e suas características O Rio, pelo seu
sítio natural e especificidades evolutivas, ainda possui bastante disto como uma de suas características mais marcantes.
É algo para se fortalecer e promover, como se encontra nas
vilas cariocas, por exemplo (fig. 105)
Apesar de todo desenvolvimento
tecnológico, o relacionamento de nossas cidades com o meio ambiente é muito
mais problemático que no passado, seja a nível de poluição
ou das próprias técnicas construtivas. No Rio, independentemente de um "projeto de imagem" para a cidade, que
inclui necessariamente a natureza carioca, o tipo de desenvolvimento praticado está em direto confronto com a natureza.
Diariamente praticam-se agressões, muitas conscientemente, contra o sistema ecológico, a boa climatizaçâo, a correta
drenagem e o bom relacionamento com o sítio. Estas agressões por vezes geram risco de vida, no caso da ocupaçâo
de encostas, ou mesmo acabam por produzir resultados visuais agressivos de gosto duvidável (fig. 106).
~
Figura 105 - A cidade como somatória de suas partes:
fortalecimento de identidades locais: Vila Santa Genoveva,
em São Crístóvão, çom suas 74 casas, pracinha e igreja
1916,
Esta questão é, em grande parte, como vimos, reflexo do
próprio desenvolvimento da arquitetura brasileira que só recentemente desperta para a importância do contexto cons-
truído na conformação do novo objeto a inserir. Ainda é comum a promoção de arquiteturas independentes do conjunto
preexistente, cada novo prédio tentando ser um novo e sensacional objeto de arte, o que resulta em desrespeito à nossa
história e em intensos conflitos tipológico, cultural e, às vezes,
até mesmo funcional (fig. 107)
Tema que implica no respeito às lógicas sócio-espaciais preexistentes em uma determinada morfologia. Aqui se ultrapassa
as relações históricas simples para lidar-se com os modos
de vida das comunidades e seu rebatimento no urbano. Desenvolvimento compatível com continuidade é a qualidade
norteadora. O desrespeito morfológico verifica-se repetidamente em nossas cidades; novas inserções, como shoppingcenters, conjuntos habitacionais ou condomínios fechados
não se integram ao tecido existente, à sua volumetria e tipologia, desrespeitando itens como coerência urbanística, acessibilidades, linhas e pólos de crescimento (fig. 108)
Figura 106 - Absurdos nas relações com o sitio natural
comprometem
até a qualidade visual do conjunto: casas em
"paliteiros"
de pilares, fechados com paredes cegas, e retirada
de "fatias" do morro para "encaixar" a arquitetura na Joatinga,
área de alta renda no Rio
No fundo esta temática é dependente da educação social,
tanto da população quanto de seus dirigentes; reporta-se
desde o nível de comportamento
ao de detalhamento do
mobiliário urbano. Nas cidades brasileiras, particularmente
no Rio e nas grandes metrópoles, o espaço público é tratado
como terra de ninguém: os moradores não o reconhecem
como de "sua propriedade" e o maltratam, a Prefeitura não
o compreende como prioritário e não lhe dá a mínima atenção.
Carros estacionados nas calçadas; trailers e quiosques alocados sem o menor critério ou cuidados ergonométricos; publicidade, telefones públicos e barreiras físicas alocados ao bel
prazer das concessionárias
É preciso maior atenção onde,
afinal. os contatos sociais acontecem: valorização, manutenção, mobiliário integrado e bem projetado, planejamento de
atividades temporárias etc. (fig. 109).
Figura 107 - Arquiteturas
conflitantes e pouca atenção para a
importãncia do seu inter-relacionamento
e do conjunto
resultante sobre a esfera pública; Largo da Carioca, Rio
Outra herança do modernismo e do desenvolvimento de nossa arquitetura é a crença na monofuncionalidade que ainda
se pretende em muitas áreas urbanas brasileiras. A Barra
da Tijuca é um exemplo típico plano elitista com que o poder
público promove condomínios residenciais e um paradigma
de cidade norte-americana onde tudo é feito de carro. Sob
a égide da segurança, estas estruturas são verdadeiros gue-
tos sociais onde as pessoas só esbarram com os seus iguais,
tanto em seu "bairrinho" quanto em suas compras no shoppingo A variedade é qualidade a ser promovida tanto através
dos usos formais das edificações e espaços quanto nos temporários e expressões espontâneas. Uma cidade só se torna
socialmente forte com uma rica mistura social e de usos
(fig. 110)
Figura 108 - Conflitos morfológicos
impedem a inserção de
novos empreendimentos
no contexto e implicam problemas
culturais, sociais e psicológicos incontornáveis;
conjunto
Capitão Teixeira, CEHAB, Realengo, Rio, 1974
Figura 110 - Homogeneidade espacial e social do paradigma
modernista institucionalizada por elitismos e pela síndrome da
segurança; a Barra da Tijuca e seus condomínios, verdadeiros
"guetos" sociais, longe de uma verdadeira urbanidade
o
leitor atento com certeza percebeu que todas as temáticas
acima podem ser resumidas em uma só, a imagem da cidade. Imagem é símbolo, identidade, caráter, personalidade,
possibilidades. Disto há muito já havia se apercebido o genial
Kevin LYNCH em sua busca pela boa forma urbana (LYNCH
1981). Para isto necessitamos de um projeto físico-ambiental
coletivo e que só será alcançado através de um empenho
coletivo.
Encerramos com a certeza de havermos apontado novos
caminhos, férteis, em direção a este projeto e na busca por
uma maior qualidade para nossas cidades. Esta é a premissa
básica do Desenho Urbano,. que vai se expressar em todos
os aspectos físico-ambientais vivenciados em nosso cotidiano de cidadão. Assim foi que tentamos identificar e debater
conceitos e metodologias, consolidando um campo disciplinar e de domínio profissional. Acreditamos, como SANTOS
(1988: 15), que é aí que está a "verdadeira tarefa acadêmica".
I
-----
Figura 109 - O espaço público como "terra de ninguém";
nem
o poder público se interessa em promover qualidade ou fazer
respeitar: as novas bombas de combustível deste posto foram
colocadas no alinhamento, obrigando os pedestres a andarem
na rua Jardim Botânico, Rio
E, como parodiávamos na abertura deste trabalho, apesar
das muitas visões diferentes que nós, cidadãos, temos do
urbano, o sentimento de urbanidade e civilidade por trás do
designerdeve sempre apoiar-se "na esperança de que nossa potencialidade criativa transforme a vida urbana e seu
espaço em fontes de prazer e liberdade".
Anexo 1
U r b a n iz a ç ã o , e s t r u t u r a ç ã o e c r e s c im e n t o d e f a v e la :
D e s e n h o u r b a n o n a f a v e la d a M a r é - R J *
Apresentamos a seguir, bastante resumido, trabalho acadêmico de nossa autoria, realizado em 1981, que teve por objetivo formular uma proposta físico-espacial de desenho urbano, alternativa aquela formalizada em 1980 pelo Banco Nacional da Habitação para a Favela da Maré, Rio de Janeiro. Embora com todas as limitações típicas de um exercício acadêmico, achamos interessante comentar esta experiência pois
ilustra algumas questões abordadas em capítulos anteriores,
principalmente no que diz respeito ao enfoque metodológico;
a questão da habitação de baixa renda também constitui antiga preocupação nossa (p.e DEL RIO & PAYNE, 1983) Neste
trabalho, buscávamos um processo que viabilizasse formas
de urbanização, estruturação e crescimento mais participativas e respeitosas com a comunidade existente e seu patrimônio sócio-cultural. Esta temática revela-se importante pois
a Maré reflete as condições de vida de grande parcela da
população urbana brasileira e, como tal, deve participar da
p ra x is técnica, social e política do d e s ig n e r.
Para tanto, interessáva-nos estudar as características do assentamento de forma a compreender seu desenvolvimento,
suas razões, vantagens e desvantagens para os moradores.
O estudo morfológico, como o definimos no Capítulo 5.1,
revelava-se ideal para tanto pois permite-nos compreender
o estado físico-espacial atual como produto de uma evolução
e em relação às características sociais das comunidades.
Ao mesmo tempo, como objetivávamos uma proposta de
desenho alternativo ao oficial, este tipo de estudo conformaria
uma base concreta para definir, em conjunto com as necessidades programáticas locais, padrões de desenho a se adotar
e decisões projetuais, como a definição da malha viária ou
a tipologia de novos quarteirões. Adotamos, também, como
grandes diretrizes para a proposta final aquelas indicadas por
LYNCH (1981) para atingir uma "boa forma urbana", ou seja,
a de melhor resposta possível às necessidades de seus usuários (vide Capítulo 4)
Constataremos, com o desenvolver destes comentários, a
viabilidade de enfoques de desenho urbano para áreas faveladas mais condizentes com as condições sócio-eulturais da
população alvo e melhor integrados ao contexto existente.
É evidente que o sistema habitacional não evitou a repetição
de uma série de equívocos projetuais sintomáticos.
No entanto, admitimos que os programas do tipo PROMORAR, que incorporava um certo nível de participação dos
mutuários, pelo menos ao nível da consolidação da unidade,
e limitava as prestações a um percentual do salário mínimo,
em oposição aos rígidos programas de conjuntos habitacionais vigentes até então, significaram uma melhora relativa
nas respostas institucionais, em direção ao que poderia ser
interpretado como respostas mais satisfatórias à realidade.
O BNH estava respondendo, na verdade, com um certo atraso, característico de sua burocracia paquidérmica, aos câmbios de políticas habitacionais das próprias agências internacionais, como o Banco Mundial (WARD 1982), e das atitudes
sendo gradativamente assumidas pelos governos locais, como o do Rio de Janeiro, em prol da urbanização de favelas,
como expresso na política setorial municipal carioca de 1979.
* Texto originado em "A g a in s t th e T id e : U p g ra d in g a n d E x p a n a F a v e la " (volumes 1 e 2). dissertação de Mestrado, Joint
Centre for Urban Design, Oxford Polytechnic, 1981. Agradeço ao
amigo David Gertner, coordenador do levantamento cadastral da
favela da Maré pela FUNDREM, por seu inestimável apoio à realização de meu trabalho original.
d in g
A área conhecida por Maré, localizada às margens da Baía
de Guanabara entre os acessos à Cidade Universitária e à
Ilha do Governador, consiste da "conurbação" de seis assentamentos então classificados como favelas (fig. 1.1). Apresentando diferentes estados de consolidação e infra-estrutura
instalada cada um possuía (e ainda possui) características
específicas que permitem um forte senso de identidade a
suas comunidades (figs. 1.1 e 12). Como uma das maiores
favelas do Rio, sua população totalizava aproximadamente
66 mil moradores em uma área total com cerca de 81 hectares
(tabela 1.1). Um número significativo de habitações, estimado
por nós em cerca de 1.200, geralmente as mais recentes
eram sobre palafitas e sujeitas às ações da maré (daí o nome
do conjunto favelado). Havia se verificado a existência de
aproximadamente 12 mil unidades residenciais na Maré, abrigando 17.067 famílias, das quais mais de 98% participaram
diretamente das entrevistas cadastrais (1).
Em 1979 o Ministério do Interior resolveu amparar um ambicioso projeto de recuperação ambiental para uma grande área
às margens da Baía de Guanabara, abrangendo os Municípios
do Rio e de Caxias. O chamado Projeto-RIO incluía em seu
território diversas favelas, como o conjunto da Maré, consequentemente definindo-as necessitadas de intervenção. O
então Ministro do Interior, Mário Andreazza, em uma decisão
populista que pudesse apoiar suas pretensões à presidência
da República, decidiu que as comunidades faveladas não seriam removidas, os projetos habitacionais incorporariam a
participação dos moradores e os mutuários não pagariam
prestações superiores a 10% do salário mínimo. Para isto
o BNH alteraria radicalmente sua política, iniciando atuação
em primeira linha e como agente promotor, ou seja, encarregado do financiamento direto e da consecução dos programas
e projetos
Ao mesmo tempo decidiu-se, ao contrário da opinião de inúmeros ambientalistas, promover o aterro hidráulico de uma
enorme área já bastante comprometida com os processos
de assoreamento, cujas causas principais evidentes eram
a ação do Homem e a poluição da baía. A área total de inter-
(1) Os dados utilizados foram os censitários (1970) e aqueles obtidos
pela FUNDREM (Fundação para o Desenvolvimento
da Região Metropolitana do Rio de Janeiro). órgão estadual então indicado para
coordenar os trabalhos do chamado Projeto-Rio em 1979, antes
do BNH assumir por completo os trabalhos.
P '.o ..ItQ U f,.
N O 'lA ..
i-'O L " N b A .
P A R q lJ l
F ig u ra
M A ,I'l[
1.1 - P la n ta d e lo c a liz a ç ã o
a á re a a s e r a te rra d a ;
e s ta d o e m
d o c o n ju n to
M a ré , a s s in a la n d o
1979
venção do projeto Maré incluía cerca de 130 hectares de
aterro, uma escala que, evidentemente, representou imensos
custos ao BNH, que não poderia repassá-Ios aos mutuários
pois isto significaria uma prestação muito acima de sua capacidade de pagamento. Apesar de não ser nosso objetivo desenvolver esta questão, é necessário apontar que estes fatores, ao moldar a ação do BNH no caso Maré, representaram
fardo significativo na falência institucional do sistema e,principalmente, que esta experiência serviu para demonstrar o
despreparo do órgão para atuação em primeira linha e como
agente promotor (2).
A Maré situacse a apenas uns 10 km do centro da cidade,
ao longo da Av. Brasil, bem servida de transportes coletivos
e inserida em área infra-estruturada. Já àquela época existia
o projeto de via expressa paralela à Av. Brasil (linha vermelha).
marginando a Baía, e que recentemente vem recebendo atenção do governo estadual para opções de sua implantação
a curto prazo. As partes mais consolidadas da Maré já se
integradas ao entorno, quase
encontravam perfeitamente
que exclusivamente ocupado pelo setor de comércio e serviços de médio porte, pequenas unidades fabris, e um grande
quartel do exército. A população encontrava aí, com relativa
facilidade, assim como na cidade universitária e no centro
da cidade, a maioria de seus meios de sobrevivência. Entretanto, como era de se esperar, as condições de saúde do
assentamento favelado eram das piores pois, embora 70%
das habitações recebessem água encanada, a ausência de
esgotamento sanitário e drenagem agravava-se com a falta
de coleta de lixo, a poluição da baía, e o acúmulo dos dejetos,
impactos ainda mais negativos pela ação da maré sob as
palafitas (fig. 1.3). Aí as condições de moradia eram extremamente precárias, ao contrário de alguns dos assentamentos,
como o do Timbau, cuja comunidade havia instalado o seu
próprio sistema de col.eta de esgotos e distribuição de água
(figs. 1.4 e 1.5). Pode-se imaginar as condições de insalubridade da vida sobre as palafitas, principalmente para as crianças; afogamentos e ataques de ratos eram comuns.
Registros apontam que a ocupação da área pode haver se
iniciado nos anos 30, no Morro do Timbau, a partir de uma
"permissão" do quartel de exército adjacente. No início dos
anos 60 foram construídos na região alguns centros de tria-
(2)Alguns autores analisamcom propriedade,atrajetória das políticas
habitacionaisbrasileirase as causasda falênciado Sistema da Habitação que culminou na extinção do BNH. Ver, por exemplo: BOLAFFI.
Gabriel, "A Casadas Ilusões Perdidas: Aspectos Sócio-Econômicos
do Plano Nacional de Habitação", Cadernos CEBRAP n~27, Brasi·
liense, São Paulo, 1977; VALLADARES, Lícia, "Passa-se uma Casa:
Análise do Programa de Remoções de Favelasdo R.J.",Zahar, Rio,
1978; AZEVEDO, Sérgio e ANDRADE, Luis G., "Habitação e Poder:
da Fundação da Casa Popular ao BNH", Zahar, Rio, 1982; MELO,
Marcus, "Políticas Públicas e Habitação Popular: Continuidade e
Ruptura, 1979/1988", in Revista RUA n~2, Faculdadede Arquitetura
da U.F.Ba, Salvador, julho, 1989. Embora já precise ser atualizada,
a única resenha abrangente publicada sobre a produção de pesquisa
habitacional no Brasil encontra-se em VALLADARES, líGia (org.),
"Repensando a Habitação no Brasil", Coleção Debates Urbanos
n~ 3, Zahar, Rio, 1982.
gem, como Nova Holanda e Parque Rubens Vaz, habitações
temporárias de madeira e em fila para as famílias removidas
de favelas da Zona Sul (vide na figo 12 as filas de habitações
mais regulares) Estas habitações tornaram-se permanentes
e ao seu tecido Incorporou-se o desenvolvimento de áreas
faveladas, principalmente ao longo da margem da baía. A
única ameaça séria que sofreram foi com a remoção da favela
de Inhaúma, localizada à base do Morro do Timbau, para
a construção de melhor acesso à Ilha do Fundão, em meados
dos anos 70. Logo toda a área estaria totalmente ocupada
e "conurbada", com cerca de 45% das habitações em alvenaria. A densidade bruta variava desde os 378 habitantes/hectare no Timbau, até o extremo dos 1600 habitantes/hectare
no subassentamento conhecido por Maré; evidentemente,
com a maioria das edificações de um ou dois pavimentos,
e áreas livres de uso coletivo, exceto pelos acessos, eram
quase que inexistentes (vide tabela 1.1).
T a b e la
1 ,1 .
a s s e n ta m e n to s
nome
C a r a c t e r ís t ic a s
n o c o n ju n t o
área
(ha)
p o p u la c io n a is
MARÉ,
população
dos
1980
densidade
(hab/ha)
unidades
habitacionais
148,88
5640
378,78
1.118
Sapateiro
99,56
14.188
1.424,50
2.698
Maré
96.48
16129
1671,40
3.143
Timbau
Baixa do
241,10
10.448
433,35
2.026
Rubens Vaz
58,48
6.273
1.072,31
999
Parque União
169,48
13.132
774.75
1.777
81,39
65.810
808.48
11.761
Nova Holanda
Total
De uma maneira geral, o comércio interno à Maré era bastante
dinâmico e diversificado (com até mesmo chiqueiros sobre
palafitas), totalizando mais de um mil estabelecimentos comerciais. No centro do assentamento e principal penetração
desde a Av. Brasil, a rua Teixeira Ribeiro concentrava um
dinâmico setor comercial e agitadas feiras semanais; um
de seus supermercados especializa-se em produtos nordestinos, recebendo pelo menos um caminhão semanalmente I
Uma favela já consolidada como o conjunto Maré reproduz,
em menor escala, a lógica típica de uma verdadeira cidade,
com seu dinamismo interno, valorização de solo, mercado
imobiliário etc. O seu processo de crescimento é, portanto,
a demonstração mais evidente de fatores físico-espaciais como reflexos de condicionamentos sócio-econômicos. O mercado local, por exemplo, oferecia oportunidades aos recémchegados apenas nas áreas palafitadas, distantes das áreas
F ig u ra
1.4 - A o c u p a ç ã o
F ig u ra
1980;
o
p ró x im o
acessos com
e s tá g io
e n tu lh o
s o b re p a la fita s
d e c o n s o lid a ç ã o
n o P a rq u e
s e ria
o
M a ré e m
a te rro
dos
T im b a u ,
1.5 - A v a n ç a d o e s tá g io d e c o n s o lid a ç ã o n o M o rro d o
o n d e os m o ra d o re s in s ta la ra m s is te m a s d e d is trib u iç ã o
d e á g u a e c o le ta d e e s g o to s .
fa v e la d o
e o H o s p ita l
T re c h o c o m
U n iv e rs itá rio
em
v is ta s p a ra
1980
o
c o n ju n to
mais "nobres" a menos que se dispusessem a pagar para
tanto, sob controle dos "empresários"
e grupos de poder
locais. Os assentamentos de Parque União e do Morro do
Timbau (fig. 1.6) tornaram-se os locais mais valorizados e
melhor consolidados, este último desfrutando de bela v is ta
da baía; isto pode ser verificado cruzando-se os dados das
tabelas 1.1 e 1.2. Estimávamos a demanda imediata local
em cerca de 3.200 unidades habitacionais, calculadas tomando por base apenas o número de famílias excedentes ao
total de unidades existentes e o total sobre pala fitas.
11 -
E s t r a t é g ia
U r b a n iz a ç ã o
p a r a In t e r v e n ç ã o :
e C r e s c im e n t o
Como v im o s , as condições reinantes na área da Maré inclusive o contexto institucional, combinava vantagens e d~svantagens mas, sem dúvida, proporcionava um quadro incentivador ao desenvolvimento informal, a ser reconhecido e incentivado pelas estratégias de intervenção. Estas, resumidas
em suas linhas gerais a seguir, deveriam se refletir tanto
nas áreas faveladas existentes, para sua melhoria geral, quanto nas n o v a s a serem urbanizadas. Como à época deste estudo este aterro já estivesse em andamento optamos por assuml-Io como dado irreversível a receber o n o v o desenvolvimento.
O quadro geral de escassez de recursos de nosso país indica
que a ação institucional deve se ater a guiar o setor privado,
promovendo apenas os meios facilitadores do desenvolvimento urbano por ele não servidos e aqueles que dependem
de um quadro de garantias socializadas (TURNER 1976, PAYNE 1977). O poder público deveria ser o promotor consciente
de elementos-ehave. "catalistas" do desenvolvimento, co~o
malha viária ou escolas. A autonomia local de desenvolvimento deve ser alca'nçada com certas garantias governamentais no sentido da consecução dos objetivos e prioridades, estabelecidos junto com a população e seus representantes. Por este m o tiv o entendíamos que os programas habitaclonals oferecidos pelo BNH deveriam ser os mais variados
possíveis, .inclusive a nível de promoção de moradias para
aluguel, atingindo todas as faixas de renda, e, principalmente,
a nível do financiamento dos materiais de construção.
De uma maneira geral, a nível de financiamento, todos os
nossos programas e projetos propostos to m a v a m por base
a menor utilização possível de recursos sem retorno, a capacidade de pagamento da população-alvo, e o melhor aproveitamento de sistemas de geração de subsídios cruzados inter-
nos à área Partindo do princípio da implantação de um processo de administração local de relativa autonomia, estes
sistemas viabilizariam o reinvestimento
local da mais-valia
obtida com a valorização progressiva gerada pela implantação
do ProJeto; por exemplo, um estoque de lotes estratégicos
poderiam ser posteriormente vendidos por preços de mercado, atraindo faixas mais elevadas, compondo misturas sociais
conjunto e gerando recursos para obras necessárias (3).
E evidente que um sistema deste tipo pede monitoração
firme das associações locais e técnicos responsáveis pelo
proJeto, no caso o BNH, assim como o próprio acesso à
terra e o mercado imobiliário local, principalmente o de aluguéis, tentando-se evitar ao máximo que as ações urbanizadoras do projeto gerem valorizações drásticas e não previstas,
que acabariam por expulsar os inquilinos mais carentes.
':0
Outra estratégia seria que as ações institucionais não interfeririam no comércio informal, promovendo apenas atividades
do circuito formal da economia que fossem complementares
às existentes informais, como cooperativas e até agências
(3) Em relação a esta questão, WARD faz uma interessante proposta
que permite aos próprios moradores tirar proveito da lógica de mercado: recebendo um "lote duplo", o mutuário poderia eventualmente
ocupar sua metade extra ou, após determinado período de tempo,
vendê-Ia no mercado, tirando proveito de uma valorização que ele
mesmo ajudou a fazer e saldando suas dívidas com o financiamento.
Veja WARD, Peter," Financing Land Acquisition for Self-Built Housing Schemes", in "Third World Planning Review" vo l. 3 n? 1, Liverpool: fevereiro de 1981.
bancárias. Evidentemente, isto não deveria inibir o incentivo
a atividades formais, fora dos limites do assentamento, capazes de gerar novos empregos, como faixas para o uso industrial não-poluente junto à Av. Brasil e ao acesso à ilha universitária
A estratégia habitacional propriamente dita promoveria programas aos moradores locais com custos de financiamento
proporcionais à sua capacidade de endividamento. Na faixa
de renda familiar de .três a cinco salários mínimos mensais,
por exemplo, uma quantia de 25 a 50% do SM.já era destinada
a gastos com habitação; este deveria ser, portanto, o máximo
desembolso mensal para as prestações de um dos programas
habitacionais a serem oferecidos. Este raciocínio, evidentemente, seria respeitado em relação ao desembolso possível
das várias faixas de renda. De uma maneira geral, os dados
cadastrais mostraram que as habitações em piores condições
(de construção e de espaço) e com mais de uma família
moradora, correspondiam a menores tempos de fixação, famílias necessitadas de maior apoio.
Os novos padrões urbanísticos e habitacionais a serem promovidos deveriam, também, reproduzir os padrões sócio-culturais básicos existentes nas comunidades locais, incentivando a apropriação total de novos valores e elementos. Os
novos padrões físico-espaciais, por exemplo, deveriam incentivar a integração com as morfologias existentes e o entorno,
o setor informal da economia, o fácil acesso a todas as partes
do assentamento, a formação de subespaços para as pequenas redes sociais e a consolidação progressiva. Quanto ao
sistema de propriedade a ser incentivado, o geralmente indicado tanto para áreas já consolidadas quanto para a nova
T a b e la
1 .2 - F a ix a s d e r e n d a d e c la r a d a
do cabeça de
f a m ília
e x p re s s a
(s M ),
e m S a lá r io s
até 0,5
nome
SM
M ín im o s
0 ,5 /1
SM
Timbau
168
202
Baixa do Sapateiro
318
582
Maré
385
Nova Holanda
Rubens Vaz
Parque União
%
Obs.:
1980 era de Cr$ 4.149.60.
SM
828
48
629
2.243
892
42
381
480
1.015
423
20
135
218
774
480
29
178
384
1.645
1.460
185
2495
7.821
4.519
371
14.9
46.6
26.9
2.2
O Salãrio Mínimo
equivalente
vigente
em junho de
a US$ 58,73 (fonte:FUNDREM
De uma maneira geral, as estratégias e seus programas e
projetos deveriam não apenas responder aos anseios e reivindicações das comunidades, coletados pelo BNH e respondidos por nossa proposta, como também incorporar em seus
processos de decisão e implementação a participação dos
moradores e de suas associações (tabela 1.3). De uma certa
forma, o Programa PROMORAR incentivou esta participação
em níveis então inéditos em iniciativa habitacional desta escala e natureza, como possibilidade de escolha de tipo da unidade habitacional conforme necessidades familiares e capacidade de pagamento.
Programas e projetos habitacionais, por sua vez, também
deveriam prever diversos níveis de participação dos mutuários. Isto, como repetidamente observado em experiências
participativas em todo o mundo, aumentaria o grau de satisfação dos moradores, permitiria uma adaptação contínua da
unidade às necessidades da família e às suas possibilidades
financeiras (4). Da mesma maneira, para o sucesso de uma
implantação contínua e satisfatória dos objetivos da intervenção era vital a definição de um processo decisório com participação das comunidades atingidas, cujos atores seriam imbuídos de diferentes níveis de poder e responsabilidades (tabela
1.3). Uma garantia técnica disto seria fornecida pela implantação de escritórios técnicos locais, com representantes do
BNH e da Prefeitura, em cada assentamento prestando assessoria às associações e aos moradores na construção e
consolidação de suas unidades e administração de seu assentamento.
+5SM
1599
sem resposta.
545
2 /5
47
9.3
46 moradores
SM
436
1.565
Total
1 /2
1980
urbanização seria o de condomínio; no primeiro caso pela
facilidade de adaptá-Io às situações reais encontradas (físicas
e sociais), no segundo por seu potencial socializante e limitador de individualidades exacerbadas.
1981).
Através do estudo físico-espacial do conjunto favelado, mais
uma vez atendo-nos principalmente aos dados cadastrais
existentes, interessáva-nos identificar os valores e as lógicas
(4) Já existem diversos registros de experiências bem-sucedidas
na formalização institucional e participação na produção habitacional
de baixa renda. Para o caso brasileiro veja-se, por exemplo: BLANK,
Gilda;'Brás de Pina: Experiência de Urbanizalção de Favela", in VALLADARES, Lícia (org.), "Habitação em Questão", Zahar, Rio, 1979;
REINACH, Henrique "Projeto Vila Nova Cachoeirinha: Construção
Habitacional por Ajuda Mútua", in Revista Espaço e Debates n? 14,
São Paulo, 1985.
T a b e la
1 .3 - S ín t e s e
p a r t ic ip a ç ã o
e s q u e m á t ic a
n o c o n ju n t o
d e p ro c e s s o d e
MARÉ
atores
decisões
CODEFAM
Conselho de Defesa
das Favelas da Maré
participação
no plano
geral. implantação
serviços.
plano aplicação
de recursos
das agênclas setonals
controle
programa
de
mato construção.
receber prestações. controle
do desenvolvimento
Associações de
Moradores de cada
favela
projetos
de construção,
administração de serviços
sociais e de educação.
aceitação novos moradores
controle
dos serviços.
controle
do desenvolvimento. manutenção
espaços
Conselhos de
Moradores
(por quarteirão)
assuntos afetam diretamente o grupo. aceitação
novos moradores
manutenção dos espaços
semipúblicos e pontos de
serviços
Moradores
tipo de lote. de unidade e
localização. construção ou
opções
de
expansão.
na unidade
investimentos
prõpria
tenção
frente
diretas
responsabilidades
unidade e manuda calçada
em
de formação dos padrões típicos e elementos urbanísticos
estruturais. Isto quer dizer, como vimos anteriormente quando comentávamos a teoria e metodologias de análise da morfologia urbana (Capítulo 51), estabelecer uma base projetual
sócio-<:ulturalmente segura e mais contextualmente
satisfatória. Na falta de todos os dados necessários sobre a evolução
dos assentamentos, concluímos parte de nossa análise por
observação (inclusive "in loco") ou baseados em fontes indiretas e entrevistas. Os dados assim obtidos foram posteriormente cruzados com as necessidades programáticas da população existente e a projetada (em relação ao total de salas
de aula necessário, por exemplo) para as decisões finais de
nossa simulação de projeto.
Nossa análise se concentrou nas categorias tipologla da forma
construída, tipologia da forma não-<:onstruída, crescimento
do assentamento e articulação dos elementos. A seguir traremos as observações mais significativas de cada que, por
vezes, serviram para comprovar conhecimento empírico, e,
por outras demonstraram claramente a interdependência de
categorias. Devido a limitações de espaço, as plantas analíticas que utilizaremos referem-se apenas a trechos limitados
da área analisada
Nesta categoria analisamos quatro temas básicos: tipologia
e crescimento das edificações, propriedades de associação
dos elementos, e hierarquia dos elementos estruturais. Fo-
ram cruzados dados relativos a usos das edificações, materiais empregados e sua altura, sendo os dois últimos reconhecidos como indicadores do grau de consolidação das unidades
(fig. 1.7). Alguns dos achados mais interessantes podem ser
mencionados:
- o surgimento/localização de u o comunitários parece depender apenas da proximidad
doutro
m Ihantes e da
disponibilidade de área;
-os usos comerciais tendiam a ocorrer (mas não exclusivamente) segundo a hierarquia de circulação pública; espaços
abertos não pareciam necessariamente atrair usos comer. ciais, mas sim as descontinuidades e deflexões (esquinas
etc.) das vias;
- os padrões de consolidação, de maneira gr I, oin id m
com a concentração de usos comerciais ao lon O d vi
diretamente relacionados à sua continuidade (p n lraç o).
à segurança de permanência, e ao tempo de fixação no 10 I;
a
F ig u ra
1.8 (a , b , c ) - R e g is tro s
S a p a te iro
com o
(a ), e c o n s tru ç ã o
nova
u n id a d e
d o c re s c im e n to .
in c re m e n ta l
a té s u a o c u p a ç ã o
U m a p la ta fo rm a
n o T im b a u
to ta l
,_,
e m p a la fíta
(b , c ): u m s e g u n d o
__
p a ra re c e b e r u n id a d e
a n d a r s e g u id o
re s id e n c ía l,
d e u m a e s tru tu ra
.
n a B a ix a d o
p a ra s u a a m p lia ç ã o
- a unidade de crescimento dos assentamentos pode ser
considerada como sendo a própria unidade habitacional. segundo as linhas de crescimento identificadas e o processo
de ocupação espacial;
- a alta densidade é gerada por duas razões básicas. além
dos evidentes valores diferenciais do solo dificuldade de
apropriar área muito maior que a unidade em si nas áreas
de pala fita e economia e facilidades proporcionadas com a
associação direta parede/parede;
- o crescimento nas áreas de palafitas. em geral. segue as
"linhas de crescimento" das vias em áreas firmes e a associação entre as unidades se dá primeiramente lado a lado para
só então acontecer nos "fundos" das unidades. gerando a
estrutura básica dos "quarteirões" (fig. 1.8);
- os "quarteirões"
podem ser classificados em dois tipos:
quadrangulares e alongados. Os primeiros geralmente possuem maior complexidade. densidade elevada e acessos semipúblicos internos. Os quarteirões também foram classificados em três categorias: pequena (média de 15 a 24 unidades e 837 m2). média (25 a 50. 1717 m2) e grande (51 a
93.3.595 m2) (fig. 19);
- o tempo de moradia faz aparecer tipologias habitacionais
que se assemelham em área apropriada. materiais empregados e número de andares. sugerindo processos semelhantes de consolidação;
- usos comerciais e usos comunitários podem ser considerados como estruturais por seu papel de organizadores do
tecido e de geradores de encontros sociais. estas duas funções intimamente dependentes;
- a primazia estrutural das vias e seu papel na vida pública
é principalmente função de seu grau de continuidade no tecido e acessibilidade a usos intensos (fig. 110)
Esta terminologia adotada é normal em estudos "morfológicos". denota uma oposição intencional à análise da tipologia
da forma construída e inclui todos os espaços externos às
edificações. ou seja, os que conformam os espaços livres.
públicos ou privados. Assim, nesta categoria analisamos o
sistema viário, os nós de atividades, os espaços abertos e
áreas livres, as barreiras ao crescirrento.
As observações
mais interessantes foram:
- as vias de penetração (interligando a malha externa às favelas) e as de integração (interligando as várias favelas) alcançam uma hierarquia superior, atraindo portanto os elementos
primários, atividades e maiores investimentos econômicos.
As vias de penetração. principalmente, atuam como "linhas
de crescimento";
- a listagem de reivindicações dos moradores mostrava a
necessidade de um padrão de sistema viário com maiores
continuidades, principalmente incentivando a penetração e
a integração dos assentamentos
(moradores do Parque
União, por exemplo, solicitavam ponte sobre o canal que
impedia sua integração total) (fig. 110);
- pelo padrão de utilização do solo,
são de uso quase exclusivo para circulaç
- as Associações aceitavam a demolição de determinadas
casas para dar continuidade à malha viária em locais estratégicos, mas não para alargamento das vias;
- a pavimentação atua como agente básico de consolidação,
um catalisador que incentiva os investimentos e concentração de atividades;
- com a consolidação, os moradores tendem a produzir um
tecido mais regular e semelhante às áreas urbanas ditas "formais";
- a concentração de atividades segue um padrão linear e
nenhum nó expressivo foi identificado; quando duas vias
importantes
se encontram foi notada uma concentração
maior delas. Isto pàde ter sido gerado pelo processo de evolução e adensamento; duas únicas exceções significativas foram notadas: praça do Parque União junto à Av. Brasil e
área tomada por parques de diversão ao pé do Morro do
Timbau, junto a uma via de penetração/integração (fig. 1.10);
F ig u ra
7.9 - P la n ta fig u ra -fu n d o
(p re to ) p riv a d o
(b ra n c o )
- os espaços livres existentes de uso coletivo possuem boa
acessibilidade do exterior, mas baixa pelo interior do conjunto
favelado;
- as barreiras físicas ao crescimento, externas ao conjunto,
são evidentes. acesso à Ilha do Governador, malha formal
e Av. Brasil, acesso à Ilha Universitária e Baía de Guanabara.
Estas duas últimas, como vimos, são ultrapassadas pelo processo de evolução tradicional da área com as palafitas e
os aterros gradativos dos moradores, facilitados pelo processo de associação das unidades, lado a lado;
- as barreiras físicas internas ao conjunto são: o canal no
extremo Norte, que impossibilita a integração direta, os próprios padrões de crescimento do assentamento com sua
alta densidade e vielas longas, estreitas e sem saída. O Morro
do Timbau, outrora uma barreira, Jáfoi ultrapassado pelo próprio desenvolvimento, sua malha totalmente integrada onde
permitem as curvas de nível.
d e tre c h o d o P a rq u e M a ré e v id e n c ia n d o
a tip o lo g ia
d e q u a rte irõ e s
e a re la ç ã o p ú b lic o
Esta categoria já se mostrou bastante evidenciada com a
análise de alguns dos assuntos anteriormente comentados.
Agora, os temas analisados foram: tipo e processo de crescimento e geradores e limites. De uma maneira geral, pela
própria análise visual no local, é patente o processo de crescimento linear, de penetração da Av. Brasil em direção à Baía.
- o crescimento é do tipo contínuo, onde cada unidade de
crescimento (ou conjunto delas) associa-se diretamente com
as existentes, seguindo os mesmos padrões. Embora no
caso das áreas dos antigos conjuntos de triagem pode-se
pensar que as pala fitas representam uma descontinuidade
no padrão, as linhas de crescimento determinadas pelas vias
são respeitadas, há continuidade nos processos de utilização
do solo, a densidade é praticamente a mesma e não há diferenças sócio-econômicas;
- o processo de crescimento das áreas em palafitas deu-se
primeiramente ao longo da margem para, logo após, continuar
linear mas a partir das vias como linhas de força em direção
à água; em seguida, quando a via de acesso palafitada era
muito longa, iniciava-se um processo de ocupação dos fundos
das unidades da primeira linha, adensando a área e fazendo
o máximo uso dos precários acessos, que então já estariam
sendo gradativamente aterrados com entulho pelos moradores. Devido a sua importância e fragilidade, os moradores
procedem a este aterro antes que àqueles sob suas próprias
casas. Este é um processo comum, na Maré, de formação
de um dos tipos de "quarteirão" encontrados, talvez o mais
legitimamente característico (fig. 1.11);
- em contraponto às linhas de crescimento identificadas, não
parecia existir nenhum pólo de maior expressão. O processo
de crescimento apresenta-se como do tipo contínuo e linear;
- verifica-se que as áreas mais formais, como os conjuntos
de triagem, inibem o crescimento, que ocorreu de maneira
mais intensa junto às áreas ocupadas mais "espontaneamente" (Baixa do Sapateiro e Maré), como se nota comparados os tecidos;
- as vias de penetração parecem gerar maior incidência de
quarteirões da categoria "alongados", direcionados no seu
sentido maior para a Baía (sentido de crescimento);
- a continuidade do tecido é gerada principalmente pela do
processo de ocupação e suas características sócio-econômicas mas também pela contiguidade física e condicionantes
espaciais.
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1 .1 0 - A p rim a z ia
in te g ra ç ã o
e x is te n te s
e s tru tu ra l
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F ig u ra
1.11 - O p ro c e s s o
d e c re s c im e n to
CoAJ~OL.IDAc;.R>
E ,X P A N 'JÃ O
e a fo rm a ç ã o
d e u m ! "q u a rte irã o "
a p a rtir
da ocupação
s o b re p a la fita s
e d e a te rro s
s u c e s s iv o s
Nesta categoria analisamos os tipos e intensidades de ínterrelacionamento entre os elementos estruturantes principais,
segundo os temas: dimensões pública e privada, elementos
primários e o assentamento, relações entre os assentamentos;
- a maior importância da dimensão privada é seu papel de
apoio à própria função residencial direta, ou seja, expansões
da unidade para acolher familiares ou para gerar renda extra
com aluguéis;
- os determinantes físico-espaciais principais da articulação
existente entre o público e o privado estão na tabela 1.4;
- a dimensão privada resume-se quase que exclusivamente
à própria unidade, principalmente nas áreas mais novas onde
o acesso ao solo já se encontrava bastante limitado pela
consolidação das áreas mais antigas. Nestas áreas, assim
como onde as vias palafitadas já receberam aterro, os acessos
são apropriados como uma extensão do uso doméstico; áreas
que se tornam semiprivadas;
- os assentamentos do conjunto favelado apresentam nítidas
características físico-ambientais e sócio-econômicas que os
diferenciam, existindo inclusive alguns limites claros a seus
territórios, como a própria descontinuidade morfológica, como no caso do Timbau, Parque Nova Holanda e Parque União;
a única exceção encontra-se entre Baixa do Sapateiro e Maré
(fig. 1.1);
- a dimensão pública estava quase que totalmente
a elementos funcionais de sistema de circulação;
- todos os assentamentos são facilmente acessados desde
o exterior mas a comunicação interna é difícil pelas peculiaridades do tecido, denso e descontínuo;
reduzida
- a separação entre o domínio público e o privado é tão abrupta
que a vida coletiva e os contatos sociais reduziram-se às
necessidades de sobrevivência da comunidade (fig. 1.12);
- os elementos físico-espaciais de maior influência na caracterização do tecido, da identidade dos assentamentos e na
determinação de ordens morfológicas superiores são: vias,
grupos de edificações (formação de quarteirões). edificações
e espaços livres.
Como observamos anteriormente, em nosso trabalho fizemos uma avaliação do projeto de urbanização existente contratado à ENGEVIX pelo BNH, principalmente em termos de
T a b e la
1 ,4 - M a io r e s
d im e n s õ e s
p ú b lic a
d e t e r m in a n t e s
das
determinantes
dimensão
nfvel do indivfduo
acesso à unidade
pública
f ís ic o - e s p a c ia is
e p r iv a d a
nfvel da comunidade
acesso veicular e
estacionamento
estacionamento
penetraçào
lazer para crianças
serviços/i nfra -estrutu ra
expansões
privada
da unidade
quarto/unidade
extra
espaço para varal
concordância entre
vizinhos e grupo de
força sobre território
respeito a vizinhos
imediatos
suas características morfológicas e processo de implantação,
à luz de nossa análise e das dimensões de performance
urbana de LYNCH (1981), destacadas no Capítulo 4 (vitalidade, senso, congruência, acesso, controle, eficiência e justiça). Lembramos que o respeito a estas dimensões de performance objetiva " ... valorizar a continuidade de uma cultura
e a sobrevivência de sua gente, aumenta o senso de conexão
no espaço e no tempo, permite ou incentiva o crescimento
do indivíduo: desenvolvimento
dentro da continuidade ... "
(LYNCH 1981: 116)
As críticas verificam-se tanto a nível do processo, como por
exemplo pelo projeto geral de urbanização ter sido feito antes
mesmo do término do levantamento sócio-econômico, quanto a nível da organização físico-ambiental, como em relação
à localização dos equipamentos públicos que não seguia um
padrão coerente segundo os lugares mais significativos para
as comunidades mas distribuição rígida e tecnocrática. Entretanto, não nos interessará desenvolver aqui esta questão;
é suficiente apontar que as incongruências específicas do
projeto oficial resultaram basicamente do processo de trabalho do próprio Banco e seus objetivos políticos que, sem
dúvida, não deixava espaços para procedimentos analíticos
e projetuais mais consequentes.
Já comentamos que, em nosso estudo, as decisões sobre
as diretrizes e padrões físico-espaciais para o desenho partiram das observações viabilizadas pelas análises anteriores
conjugadas pelas necessidades programáticas da população
da Maré. O projeto resultaria, portanto, de uma inter-relação
entre os padrões físicos existentes, os elementos estruturais
e os requerimentos programáticos, como ilustra a figo 1.13.
PADRÕE.? F("ICO~
r ----Q-----l
I
I
I
I
I
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I
I
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I
I
I
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F ig u ra
- -
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f<.EQUEf\IJ'fIE.NTOS
1'I'DGMM.t\TICOS
DiME.N'7~E-? DE.
PEf'..FO~J'fII\NCE.
DE.'7EN.\-lO
1.13 - E s q u e m a
de desenho
Finalmente, para definir uma simulação de projeto físico-espacial para a Maré, as diretrizes e padrões de desenho que
concluímos foram organizados tematicamente
segundo os
elementos definidos na análise como estruturadores: edificações e lotes, circulação e vias, quarteirões e setores, espaços
abertos e barreiras. Algumas destas diretrizes e padrões são
comentados a seguir:
A tipologia de lotes e de unidades residenciais a ser oferecida
deveria contemplar a maior variedade possível de modelos,
possibilitando amplas escolhas dos moradores tanto em termos formais quanto de financiamento. Ou seja, as tipologias
baseando-se nos perfis de demanda, capacidades de pagamento, processos construtivos, ótima utilização do solo, cenários desejados de desenvolvimento e no sistema de geração
de subsídios cruzados. O mesmo aconteceria para os sistemas de infra-estrutura a serem implantados, relacionados
I
I
I
E.'!TP,UTup,p.b
Os requerimentos programáticos incluíam definições a partir
da listagem de reivindicações oficialmente assumida pela firma consultora e o BNH, assim como cálculos de necessidades verificadas a partir do quadro de carências existente
revelado pelo levantamento cadastral e à luz de índices de
atendimento considerados ideais adaptados para o contexto
estudado (5). A localização e características dos equipamentos sociais estariam respondendo também às diretrizes e
padrões físico-espaciais concluídos para a urbanização do conjunto favelado existente e das novas áreas aterradas. As escolas-{;reche, por exemplo, deveriam ser em número total de
seis, uma para cada comunidade favelada da Maré, atendendo a um máximo de crianças estimado em 684, no Parque
Maré, e um mínimo de 176, no Timbau; sua localização deveria, sempre que possível, estar integrada fisicamente a outros
equipamentos de centralidade desejada, como as sedes das
associações de moradores.
d o p ro c e s s o
d e id e n tific a ç ã o
d a s d ire triz e s
(5) Em se tratando de exercício acadêmico em que nos era impossível a ida a campo, consideramos a lista oficial de reivindicações
como dado real. Os índices urbanísticos também são aqueles indicados pela literatura especializada,tais como: FERRARI,Celson, "Curso de Planejamento Municipal Integrado", Editora Pioneira,São Paulo, 1977; TURNER, Allan, "Planning and Development Standards",
in TURNER,A. (org.), "Cíties of the Poor", Croom Helm, Londres:
1980; DAVIDSON, Forbes & PAYNE,Geoffrey (org.), Urban Projects
Manual: A Guide to Preparing Upgrading and New Development
Projects Accessible to Low-Income Groups", Liverpool University
Press, Liverpool, 1983.
diretamente com o nível dos serviços para cada fase de desenvolvimento segundo a organização territorial do sistema
de geração de subsídios cruzados. Ou seja, lotes e tipos
de unidades de melhor padrão, nas melhores localizações
e com infra-estrutura completa: facilitando a implementação,
maximizando as potencialidades de valorização do solo e possibilitando a geração de maiores lucros no mercado futuro
para reaplicação no próprio assentamento (subsídios internos
cruzados).
Evidentemente, uma definição de tipologias deste tipo geraria
matrizes sofisticadas, cuja análise deveria ser desenvolvida através
do uso de computador. Isto, entretanto, estava fora de nossas
possibilidades e saía do escopo do exercício a que nos propúnhamos. Adotamos, então, uma malha de 1,50 x 1,50 m, para originar
as mais diversas opções de lotes possíveis, atendendo racionalmente à melhor utilização do solo e racionalizaçãoda infra-estrutura
e da circulação. Neste sentido, chegamos a 12 tipos de lotes
que seriam oferecidos com diferentes níveis de infra-estrutura
às diferentes faixas de renda (tabela 1.5). Esta tipologia de lotes
também possibilitou a oferta de áreas maiores dotadas de estruturas-suporte em vias de maior circulação, encorajando usos comerciais, de serviços e residenciais em apartamentos, e participando
do sistema de subsídios cruzados (fig. 1.14). Entretanto, o remembramento de lotes permitido não deveria exceder uma área de
1.500 m2, a fim de não exceder a escala de desenvolvimento
local.
T a b e la
1 .5 . A lg u m a s
p o s s ib ilid a d e s
d e a t e n d im e n t o
dem anda
tipologia
de lotes para os programas
(m' )
1 6 x 9 = 54
7: 12x12=144
2: 6x 10.5 = 63
8: 12 x 15 = 180
3: 6x12=72
9: 10.5 x 30 = 315
4:6x15=90
10: 12 x 30 = 360
5: 75 x 12 = 90
11. 15 x 27 = 405
6: 7.5x
12 15 x 30 = 450
15 = 112,5
faixa renda
declarada do
cabeça (5M)
% da
população
moradora
tipo do
programa
habitacional
tipos
do
lote
Oa 1
21
lote urbano
1 /2
1a2
46
lote urbano
3 /7
2a5
32
lote urbano
2 /3 /4 /5
embrião
1 /2
casa
3 /4 /5 /6
apartamento
embrião
+ 5
1
9 1 1 0 1 1 1 /1 2
casa
5 /6 /8
apartamento
8 /9 /1 0 /1 1 /1 2
I
VERTIGAL
5TROCTUF\E:
ST~I~
Tttt D1YIS10N ,6MONb UK\TS
F ig u ra
1.14 -
E s tru tu ra -s u p o rte
c o m p o s ta
d e m ó d u lo s
p a ra c o m é rc io ,
s e rv iç o s
(té rre o ) e a p a rta m e n to s
L""LCONY
AGCE%
STRE.SSII1& UMI1Y
MDC-OfY\r-'\UNALU6t"'.
da
Uma série de diretrizes e padrões foi sugerida para as edificações, com detalhes que ultrapassam o escopo deste artigo.
Por exemplo: localização de gabaritos máximos permitidos, nãolimitação das taxas de ocupação, afastamentos de 1,50 m apenas no andar térreo de edificações na vias principais para arcada
ou marquises, vias arteriais incentivando usos comerciais e
de serviços, e outros.
Estes elementos são essenciais não apenas por definir a
acessibilidade e os sistemas de infra-estrutura, mas também
por serem os componentes mais fortes na orientação dentro
do assentamento e na cognição de sua imagem, como comprovam os estudos teóricos comentados no Capítulo 5 e,
especificamente, a análise anterior do conjunto da Maré. Neste sentido é que a implantação de uma nova estrutura viária
deveria promover uma clara hierarquia (largura, pavimentação, mobiliário, usos marginais etc.) respeitando a malha existente e os elementos estruturais significativos. Esta tipologia
viária também teria de minimizar os custos de sua implantação e conservação. Para as novas áreas, consideramos uma
tipologia de vias e suas respectivas larguras totais (incluindo
calçadas) para pedestres (3,00 ml. ruas de acesso (6,00 ml.
coletoras (9,00 m), arteriais (15,00 m) e marginal (apenas
ao longo da margem da baía, 25,00 m).
nantes, atingindo-se resultados satisfatórios em diversos níveis, desde sócio-culturais a programáticos e econõmicos,
e possibilitando a implantação das duas tipologias anteriores
(lotes e edificações, circulação e vias). Assim é que as diretrizes para concepção tipológica de quarteirões seriam:
f--...
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'\,jl,tbi.1.
F ig u ra
-- - - -
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loE.llE)
1.15 - E s q u e m a d a s d ire triz e s p a ra a c o m p o s iç ã o
d a m a lh a
v iá ria
LOCÁLi<~ç:Ão
PRéftRUJcil\L
~
Alguns requisitos eram específicos do conjunto favelado da
Maré, reforçando seus padrões sócio-eulturais e a identidade
do(s) assentamento(sl. assim como os tipos diferenciados de
programas habitacionais e o sistema de geração de subsídios
cruzados. Neste sentido, visava-se primeiramente reforçar as
vias de penetração e integração identificadas, gerando boa acessibilidade a todas as atividades e setores do conjunto. Segundo,
promover a integração do conjunto mas facilitar a identidade
dos seis diferentes assentamentos e das novas áreas a serem
construídas. Terceiro, possibilitar a implantação de diferentes
níveis de provisão de infra-estrutura e sua implementação progressiva. A concepção resultante propunha redes superpostas
constituindo três subsistemas básicos (fig. 1.15).
i/J"TAL/lÇAO
PJ<o«J\,lS>jV~ 1lf.
iJJ,RAt>TRvTURb,-
NO MioLO ]X)
QUAi'JlóiRII-o
Os quarteirões são elementos estruturais extremamente importantes, como vimos em nossas considerações sobre morfologia (Capítulo 4) e constatamos em nossa análise anterior
da Maré. Portanto, a proposta tipológica para as novas áreas
de aterro deve contar com um largo escopo de determi-
LOTL"
VALDR,
F ig u ra
1.16 - E s q u e m a
q u a rte irõ e s /s is te m a
s e to ria l
v iá rio ,
2.
d e c o m p o s iç ã o
re d e s d e in fra -e s tru tu ra
I».S
f.STRuru~".,>UPORTt
e v a lo re s
- respeitar a tipologia de quarteirões existente (média de área,
de edificações e de densidade) e seus padrões;
- prever organização físico-€spacial e número de famílias residentes de forma a facilitar/incentivar os processos participativos, os encontros e a interação social;
- maximizar a utilização do solo e da infra-€strutura, possibilitando a implantação dos três subsistemas de circulação/
redes;
- possibilitar a implantação da tipologia habitacional e seus
programas, inclusive do sistema de subsídios cruzados;
- viabilizar uma implantação progressiva de níveis mais eleva
dos de redes de infra-estrutura pelos próprios moradores.
Para o perfeito desenvolvimento de cenários possíveis a partir
destas diretrizes, novamente deveríamos fazer uso do computador para interpretar as combinações, a partir dos padrões
satisfatórios baseados nos existentes, entre tipologia de lotes,
de programas habitacionais, de circulação e de infra-€strutura.
Chegamos, no entanto, a desenvolver empiricamente quatro
tipos básicos de quarteirão e três variações, baseados nos dois
padrões médios identificados no assentamento existente, o
quadrangular e o alongado. A tipologia que segue o 'padrão
quadrangular inclui um acesso de pedestres a seu interior, possibilitando maiores densidades e a distribuição de tipos de lotes
de menor nível de infra-€strutura e valores diferenciados; a
figura 1.16 mostra um dos tipos desenvolvidos
reiras externas agem na verdade como limil
r. siI,
malha formal e baía) e podem ser tratadc fi i
P rt
conferir maior identidade ao conjunto fav I do
individuAlidades dos seis assentamentos. As barreiras inl rn
pod m
ser ultrapassadas com relativa facilidade, como om nl'lm
anteriormente, e servem para o reforço das identid d
difrenciadas dos assentamentos. Além disto, ambos os tipo
de barreiras prestam-se à implantação de uma rede d
spços abertos de usos múltiplos.
v - C o m e n t á r io s
C e n á r io
Nos capítulos anteriores vimos como é amplamente aceita
a concepção de assentamentos cuja estrutura possua uma
clara organização no seu todo, de fácil imageabilidade, mas
que ainda assim mantenham níveis satisfatórios de identidade, variedade e complexidade em suas partes componen-
As altas densidades do conjunto existente e as características
da utilização do solo que serão promovidas nas novas áreas
fazem com que os espaços abertos sejam elementos vitais
tanto física (elementos estruturadores fortes) quanto socialmente (concentração de interações). Pelas mesmas razões
eles deveriam promover os usos de seu entorno e responder
a múltiplas utilizações. Neste sentido, servindo a diferentes
requisitos programáticos, como "áreas livres" e "escolas primárias"; neste caso as praças serviriam também como áreas
de atividades das escolas. Outras diretrizes importantes são
relativas à sua acessibilidade e localização, inter-relação com
o sistema de circulação, e promoção de identidades locais.
As barreiras físicas que identificamos em nossa análise conformam elementos estruturadores básicos na Maré. As bar-
F in a is s o b r e o
F ís ic o - E s p a c ia l
F ig u ra
1.17 -
~
P e rs p e c tiv a
d e s e n v o lv id o s ;
p á tio
in te rn o
d e u m d o s p a d rõ e s
tip o q u a d ra n g u la r
d e q u a rte irã o
c o m a c e s s o d e p e d e s tre
a
teso A análise das características do conjunto da Maré ratificou
esta importância e uma das diretrizes básicas gerais para
uma intervenção de desenho urbano é, sem dúvida, reforçar
a coerência e a imagem do todo, enquanto promove a identidade das seis favelas, fazendo também com que as novas
áreas urbanizadas se integrem ao desenvolvimento existente.
Os desenhos das figuras 1.17 a 1.19 representam um dos
alcançados através
possíveis cenários de desenvolvimento
da implantação das diretrizes e padrões propostos. Como
dissemos no início deste trabalho trata-se. apenas. de um
exercício para testar as possibilidades do enfoque da "morfologia urbana", suas concepções teóricas e metodologia, para
o desenvolvimento
de possibilidades mais respeitosas do
contexto existente, principalmente em suas dimensões físi-
P -.lJl\ TE.i~E.ip.",
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d o c o n ju n to
co-€spacial e sócio-cultural, atendendo aos objetivos de performance de LYNCH (1981) e sem descuidar das necessidades programáticas. A seguir, alguns comentários sobre
o cenário desenvolvido.
- reforço das principais vias de penetração e integração, através da circulação viária, concentração de usos comerciais,
nós de atividades e localização de espaç0S abertos com fins
variados;
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p p .,O P O ";f.D
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- utilização da via Marginal (linha paralela à Av. Brasil) como
limite assumido do assentamento e viabilizador de áreas recreativas;
- aproveitamento dos dois canais existentes como elementos
estruturais primários, reforçados por vias arteriais e localização de equipamentos públicos e áreas de lazer;
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1 .2 0 - P e rs p e c tiv a
d e a te rro :
d e c e n á rio
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ffs ic o -e s p a c ia l
d o c o n ju n to
d a P ra ç a C e n tra l, p ro p o s ta
M a ré c e le b ra n d o
a s im b io s e
p a ra o fim
c o m a B a fa
d a R u a T e ix e ira R ib e iro
n a á re a
@
- iocalização dos elementos estruturadores primários, a nível
do conjunto Maré como finalização da principal via de penetração, Av. Teixeira Ribeiro. Ali as estruturas conformariam um
espaço simbólico que pudesse ser altamente significativo
para o conjunto, representando a simbiose com a baía que
marcou a evolução do assentamento (fig. 1.20)
- a pequena tábnca semi-abandonada, junto ao canal de
Parque União, teria suas atividades transferidas para terreno
industrial próximo ao acesso da ilha universitária e suas instalações seriam recicladas como pólo central daquele assentamento, possibilitando a continuidade da via de integração
central com a construção de uma ponte.
- a continuidade morfológica e de intensidade de desenvolvimento entre as novas áreas e as existentes é garantida
pela tipologia e padrões de quarteirões sugeridos;
- o sistema de geração de subsídios cruzados é facilitado
pela tipologia de quarteirões e ordenação das redes de circulação/infra-Bstrutura; é também viável através da reserva de
lotes estratégicos para alienação futura e dos dois pequenos
distritos industriais propostos;
- os equipamentos determinados pelas necessidades programáticas foram localizados, sempre que possível, em conjunto
e como viabilizadores de "lugares centrais" para cada assentamento;
- a concentração de usos não-residenciais, a tipologia viária
e de circulação pública reforçam a identidade dos assentamentos, respeitando seus limites.
- a área central do conjunto, hoje inexistente, aconteceria
a partir da nova Praça Central comentada acima e estaria
conformada por volumes a serem detalhados, possivelmente
estruturas-suporte,
respeitando-se:
um arco celebrando a
confluência com a principal penetração desde a Av. Brasil,
edificações interligadas com gabarito máximo de quatro pavimentos, pilotis obrigatório para continuidade visual e física
e ocupação informal/periódica por feiras. Neste conjunto estariam localizados as agências de serviços públicos, barlcos,
centro comunitário com cinema, coreto, cooperativa de artesanato, sede da associação do conjunto Maré, escritórios
técnicos da Prefeitura, BNH etc. O modelo espacial desta
praça é referência à tipologia presente em nossa cultura (p.e.
Praça XV, Rio; Praça do Comércio, Lisboa);
- as áreas definidas programaticamente para os equipamentos públicos e comunitários são sempre realizadas em edificações de vários pisos (máximo três) e compartilham áreas
livres a fim de obter a maior intensidade possível de uso
do solo;
- as tipologias de quarteirão, lotes e vias permitem a máxima
utilização do solo, atingindo densidades semelhantes à favelada. Embora sem podermos garantir a precisão de cálculo,
partindo de um aterro estimado em 30,2 hectares junto ao
conjunto Maré (vide figo 1.1). pelo menos 51 % da área aterrada seriam ocupados residencialmente, perfazendo quase 152
mil m2; os outros 49% seriam ocupados pelos elementos
estruturadores primários, vias, concessão de solo (distrito
industrial) etc.;
- os quarteirões compostos com casas sobre palafitas, ou
seja, ao longo do tecido conector novo/existente, apresentam
estrutura interna intermediária. A princípio, as áreas marginais
sofreriam aterros que respeitassem a possibilidade de manutenção, em um primeiro momento, das estruturas existentes;
- todas as atividades públicas sociais e educativas foram localizadas em cada assentamento de forma a compartir os espaços abertos com usos de lazer normais da comunidade;
- supondo-se que as novas áreas fossem ocupadas apenas
com uma residência em cada lote e tampouco considerando
a possibilidade de implantação de estruturas-suporte
com
apartamentos junto às principais vias, chegamos ao total
estimado de cerca de 1.750 novas unidades habitacionais;
- o pólo marcado
reforça a estrutura
como Igreja matriz
da como resposta
nidades;
- todas as necessidades programáticas foram respondidas
em nosso cenário como, por exemplo, os requerimentos
de creche pela demanda existente resultaram em um total
de 6.500 m2 construídos distribuídos pelos seis assentamentos.
à direita da via de integração, Av. Principal,
geral do assentamento; sua implantação
representa apenas uma possibilidade geraà listagem de reivindicações das comu-
Embora estudos e considerações de vários outros aspectos
devessem colaborar para a definição de uma intervenção
real, como estudos profundos de comportamento e percepção ambienta!. por exemplo, acreditamos que comprovamos
a aplicabilidade da análise morfológica para programas e projetos habitacionais em áreas faveladas ou novos conjuntos;
em última instância, esta metodologia "per se" já gera resultados físico-espaciais bem mais satisfatórios que os tradicionalmente adotados.
Anexo 2
D e s e n h o u r b a n o e r e v it a liz a ç ã o n o b a ir r o d e F e lls P o in t ,
B a lt im o r e , E U A *
o bairro
histórico de Fells Point compõe uma "área de renovação" da cidade de Baltimore, estado de Maryland, costa leste
dos EUA. O Departamento de Habitação e Desenvolvimento
Comunitário (HCD; nível de Secretaria) da Prefeitura era o
órgão responsável pelo planejamento e controle destas áreas
declaradas de."renovação urbana", com plano regulador aprovado pelo legislativo local. Por sua importância para o desenvolvimento da cidade, em especial de suas áreas mais centrais, estes planos e os territórios que abrangem, recebem
atenção especial daquele Executivo.
Em 1984, um trecho significativo de Fells Point. marginal
ao rio, encontrava-se ameaçado por intenções de desenvolvimento de grupo empresarial, para o qual fomos delegados
com a responsabilidade de compor estudos e proposta de
desenho urbano (1). A HCD contava àquela época apenas
com "planners" em seus quadros, que geralmente não possuem embasamento físico-espacial para tarefa deste tipo (2).
São os resultados desta experiência que colocamos em discussão a seguir, principalmente à luz da implantação das
diretrizes propostas e aprovadas pelo executivo e legislativo
local.
(1) Este trabalho foi desenvolvido durante o segundo semestre de
1984,quando atuávamos como "visiting urban designer" no Departamento de Habitação e Desenvolvimento Comunitário·da Prefeitura
de Baltimore, Maryland, através de bolsa de treinamento do programa Companheiros das Américas.
(2) O termo, como vimos no Capítulo 2, refere-se geralmente a
graduados em cursos universitários de "Planejamento" ou "Estudos
Urbanos", de caráter generalista e de quatro anos de duração.
D e s e n v o lv im e n t o
U rb a n o
e m B a lt im o r e
(3 )
Como sétima cidade norte-americana, Baltimore possui cerca
de 800 mil habitantes em seus limites urbanos e aproximadamente dois milhões em sua área metropolitana de influência direta. Fica a menos de uma hora de carro da capital
do país, Washington, ao fundo da imensa baía de Chesapeake, junto ao rio Potomac, na costa leste. Durante mUito
tempo, a sua localização e o seu porto garantiram-lhe uma
situação privilegiada na economia regional e nacional. até
que, suplantada pelo porto de Nova lorque, pelo novo perfil
da economia após a II Grande Guerra e pelos novos estilos
de vida suburbanos, Baltimore viu-se em grave declínio nos
anos 50 (4). Evidentemente, o estado de suas áreas centrais
refletiam isto, com inúmeros armazéns e edificações subutilizados ou abandonados, um porto ultrapassado, e uma crescente marginalização e empobrecimento de sua população.
(3) Paramaiores detalhes, ver DEL RIO 1985a.
(4) Baltimore é classificada como "cidade independente", ou seja,
ela é toda urbana e não pode estender os seus limites territoriais.
O êxodo da classe média e de importantes agentes econômicos,
como os shopping-centers, para os subúrbios representam grande
esvaziamento tributário, pois localizam-se nos condados vizinhos.
Diga:se, aliás, como complemento, que o planejamento regional
ou metropolitano nos EUA é praticamente inexistente.
* Versão de "Making a Place by the Waterfront: Fells Point, Baltimore", a ser publicado em URBAN DESIGN AND PRESERVATION
OUARTERLY, American Institute of Planners, Chicago; originado
em texto apresentado no 11 SEDUR e publicado in TURKIENICZ,
B. & MALTA, M. (1986 org.). Agradecemos os comentários do arquiteto Franz Vidor, ex-diretor da Division of Planning, Housing and
Community Development, Baltimore. Registramos também a memória do saudoso amigo Carl Ruskin.
Em meados dos anos 50, um grupo de empresários locais
resolveu unir-se para enfrentar a decadência econômica e
física vigente, principalmente nas áreas centrais, promovendo
um plano diretor junto à famosa firma consultora de David
Wallace. Este plano seria oferecido e encampado pela Prefeitura, e nele incluía-se um primeiro e famoso projeto de renovação para a área central de negócios. Sob o nome de Charles
Center, o projeto englobava uns 13 hectares e seu empreendimento, hoje, pode ser considerado um completo sucesso.
No início de sua implantação, começo dos anos 60, ele obteve
resultados imediatos e foi causador de importante "efeito
demonstração", como queriam os planejadores, espraiando
as possibilidades de sucesso deste tipo de revitalização econômica para o resto da cidade. Entre os diversos fatores
essenciais para o sucesso, pode-se destacar o interesse do
grupo empresarial local, o espírito empresarial da Prefeitura,
a conjunção de esforços entre o setor público e privado,
e a qualidade do programa e do projeto de renovação. Neste,
as garantias ficaram com a qualidade do desempenho do
conjunto de novos edifícios, a mistura de usos, as plazas
públicas centrais aos quarteirões criados, a preservação e
reciclagem de cinco prédios históricos, tudo isto aliado à
boa arquitetura. Ao "marketing" do programa de renovação,
a nível nacional, a Prefeitura promoveu um concurso para
o primeiro prédio a ser construído em Charles Center, ganho
por Mies Van der Rohe em 1961.
central flui diariamente aos dois pavilhões de restaurantes,
comida e lojas (Harborplace), à torre World Trade Center (projeto de I.M.PEI), ao Museu de Ciências e Planetário, ao centro
de Convenções, aos novos hotéis, ao Aquário Nacional de
premiadíssima arquitetura (com suas mais de oito mil espécies), às marinas públicas com barcos particulares e de passeio, aos jardins públicos e às inúmeras atividades de animação (5)
Além de tudo isto, considere-se o bem-sucedido esforço de
habitacionais,
atrair novos moradores e empreendimentos
principalmente de classe média e jovens profissionais. Ficou
o
sucesso deste plano, comprovando a possibilidade da dinamização da economia local através da recuperação estrutural
da área central, abriu caminho para uma série de outros programas e projetos de renovação e revitalização de caráter
geral em Baltimore. Ainda em meados dos anos 60, a Prefeitura iniciou o programa de renovação da Área Portuária interior
(inner harbor), experiência exemplar em todo o mundo (vide
figs 45 e 21).
Resultado de um planejamento bem integrado a longo prazo,
estes programas seguem até hoje, seus processos abertos
a novos "inputs" e somados a outros mais diversificados
em toda a cidade. A implementação da revitalização da cidade
e de seu centro permitiu que Baltimore transformasse a sua
imagem de decadente e feia; atualmente oferece alta qualidade físico-espacial, um forte setor de comércio e serviços,
e uma animada e atrativa mistura de usos recreativos, tornando-a um atrativo turístico regional e nacional. Em Inner Harbor,
por exemplo, um conjunto de empreendimentos e atividades
variadas garante que esta área renovada atraia uma totalidade
estimada de usuários superior à Disneylandia (vide figs. 45
e 46). Uma multidão de visitantes ou trabalhadores da área
(5) Sobre isto veja-se DEL RIO, V. (1986),"Riqueza
Perceptiva na
Arquitetura: O Aquário Nacional de Baltimore", in Revista MODULO
n? 91, Rio.
nacionalmente famoso o pioneiro programa de "urban homesteading", aplicado pela primeira vez numa área junto ao
Inner Harbor, e que inspira programas similares até hoje.
Consistia basicamente em oferecer casas deterioradas no
estado (resultantes da ameaça de um grande projeto viário
estadual suspensol. para famílias que não tivessem outro
imóvel na cidade, pelo preço simbólico de um dólar. Exigia-se
apenas que os novos moradores recuperassem suas casas
a um nível mínimo predeterminado num período de seis meses e que se comprometessem
em não revender em dois
anos, evitando a especulação exacerbada. A Prefeitura, além
de definir diretrizes de desenho para as fachadas voltadas
para os espaços públicos, oferecia um programa de financiamento de materiais de construção. A área foi rapidamente
revitalizada e até uma antiga igreja abandonada, reciclada
em apartamentos.
monstração contagiantes e de longo alcance (6). Baltimore
já foi recebedora de diversos prêmios nacionais pela qualiurbanísticos e arquitetônidade de seus empreendimentos
coso Esta qualidade de desenho, aliada a uma visão não-Destrutiva quanto à recuperação econômica e social urbana foram
importantes fatores no sucesso dos programas de revitalização das áreas centrais de Baltimore. A grande maioria está
satisfeita com os resultados: a Prefeitura com a atividade
econômica e os novos impostos, o setor empresarial com
os seus gordos lucros, a população com o patrimônio ambiental recuperado e os novos atrativos, e os visitantes com as
diversas atrações recreacionais. As outras cidades norte-americanas também, pelo exemplo muito bem-sucedido, uma
esperança para fórmulas semelhantes de recuperação das
"inner cities".
o
enfoque integrado, a visão a longo prazo, os excelentes
profissionais envolvidos em todo o processo e a decisiva
colaboração do setor privado geraram resultados e efeitos-De-
De todo este processo, um dos resultados mais importantes
deu-se no bairro de Fells Point, situado próximo ao Inner
Harbor, ao longo do braço do Rio Patapsco (fig. 2.2). Os
reflexos desta onda de revitalização, traduzidos principalmente na valorização do solo, tornaram necessária uma atuação
de maior controle urbanístico para que o desenvolvimento
a se fazer sentir no bairro não fosse destrutivo com o seu
patrimônio arquitetônico e ambienta!.
Assim como Baltimore, o bairro possui longa história como
importante área portuária, por seus armazéns, antigos estaleiros e fácil acesso à baía. Fundado como uma vila em 1763,
Fells Point foi poupado do grande incêndio de Baltimore em
1904e dos primeiros programas de renovação do Inner Harbor. Ainda permanece como dos remanescentes exemplos
de tecido e tipologias edilícias portuÁrias da cidade. Sua população residente é de origem diversa, com grandes grupos
oriundos das imigrações da Itália, Grécia e Polônia do início
do século.
Os modernos imperativos para operação portuária, como
áreas de retaguarda para movimentação de carga e maiores
calados para atracação, fizeram com que seus "piers" e velhas instalações viessem a ser ultrapassados. Atualmente,
a infra-estrutura portuária apenas comporta a operação de
barcos rebocadores, pequenos reparos e serviços menores.
0'_
F ig u ra
2.2 - A
a o c e n tro
lo c a liz a ç ã o
d o b a irro
e a o In n e r H a rb o r
J4K~
d e F e lls P o in t e m re la ç ã o
(6) Neste processo teve importância especial o dinâmico Prefeito
William D. Schaefer que, em 1984, iniciava o seu quarto mandato
consecutivo, reeleito por maioria absoluta.
o setor industrial e de depósitos já foi bastante representativo, em sua maioria instalações de médio e pequeno porte,
exceto uma grande fábrica de produtos químicos, Allied Chemicals, já em declínio de operações e fadada a (etirar-se
pela proximidade com o centro. Este local, inclusive, por situar-se entre nossa área de intervenção e o Inner Harbor,
é de grande interesse para o desenvolvimento (fig. 2.3). Estas
pequenas indústrias e serviços mesclam-se com os usos
residenciais e grande variedade de pequeno comércio, concentrado ao longo da Broadway, atraindo compradores da
cidade por seu caráter multi-racial, oriundo dos imigrantes
e marinheiros. Algumas das antigas fábricas de enlatados
já estavam sendo recicladas como condomínios residenciais,
refletindo a demanda gerada por jovens profissionais e estudantes, num movimento de retorno às áreas centrais e revertendo o processo típico dos anos 60 e 70. Os inúmeros
bares e restaurantes étnicos e o ambiente portuário típico
e histórico já vinham atraindo um bom número de visitantes,
principalmente à noite e nos fins de semana. Fells Point
atrai por sua forte identidade, mescla de usos e rico patrimônio arquitetônico.
Em 1969 o bairro teve parte de seu território declarado Distrito
Histórico nacional (fig. 2.3), o que na realidade significou muito
pouco no contexto institucional norte-americano, pois a declaração de interesse histórico não significa proteção contra
demolição com recursos particulares. Além disto, não havia
legislação normativa de âmbito local. Porém, como Distrito
Histórico, a captação de financiamentos para recuperação
de imóveis iria se tornar mais fácil, os proprietários tirando
proveito de incentivos tributários federais específicos para
preservação do patrimônio arquitetônico (7). Entretanto, o
surto de desenvolvimento só viria ocorrer após afastada definitivamente a construção de anéis rodoviários estaduais, que
ameaçavam diretamente uma grande faixa do bairro junto
ao rio. Após sucessivas pressões das comunidades locais
aliadas à Prefeitura conseguiu-se que o governo estadual
desistisse das operações, sendo agora estudada a construção
de um túnel variante.
Logo após a Prefeitura contratou uma firma de consultoria
para estudo urbanístico de Fells Point, objetivando um plano
diretor de desenvolvimento e regulamentos mais específicos,
como o zoneamento e o guia de desenho urbano e de novas
edificações (8). Apesar de entregue em março de 1977, poucas propostas do Plano SAUER foram efetivadas além da
reurbanização do eixo principal de acesso ao bairro (Broadway) e da renovação de dois pequenos mercados públicos
ali localizados. Àquela época já se previa um significativo
incremento populacional para o bairro, baseado em demandas
proJetadas para a cidade, totalizando 195.500 novas residências na região para o período 76/85. Segundo estes estudos,
em Fells Point deveria dar-se ênfase à reciclagem de suas
estruturas e ao "infilling" (construir nos espaços intersticiais
livres existentes), com uso misto e de lazer, podendo totalizar
cerca de 700 unidades residenciais até 1986. Concluiu-se
também na tendência do aumento dos empregos em serviços
(white collar) e do comércio varejista.
Em outubro de 1975, ainda durante a elaboração do Plano
SAUER, a legislatura local aprovou um Plano de Renovação
Urbana para Fells Point, o que, em Baltimore, significa um
maior destaque do executivo ao controle do desenvolvimento
da área em questão, e sua priorização em programas setoriais.
Originalmente aprovado como temporário, este Plano persis-
/
/
/
/ / ACf.~?O1>( eAN:.O~
/ t.. P.é.'êOC.~DO~E.."7
/
/
I,(
sobre as possibilidades de implementação do deseempresas que investem na recuperação de imóvel
interesse histórico poderiam obter até 25% do valor
dedução do imposto de renda devido.
/
F ig u ra 2.3 - A re a c e n tra l d o b a irro
"w a te rfro n t"
(7) Como vimos
nho urbano, as
considerado de
investido como
d e F e lls P o in t, s u a á re a d e
e a á re a d e in te rv e n ç ã o
(8) Contratado por concorrência
tects, da Filadélfia.
pública à firma Louis Sauer Archi-
tiu; ele objetivava resultados a partir de uma colaboração
efetiva entre o poder público, empresários e comunidade,
para manutenção da identidade do bairro, fortalecer o seu
caráter histórico, dinamizar sua economia através da promoção de usos diversificados. A legislação então aprovada chegava a detalhes edilícios como a identificação dos quatro
principais períodos arquitetônicos locais e a recomendação
de tipos de fachada para cada. Ela deixava, entretanto, algumas falhas por falta de melhor detalhamento, caso da faixa
marginal ao rio, do maior interesse para o caráter local e
para o prosseguimento do desenvolvimento de "waterfront"
suscitado pelo Inner Harbor.
Em 1984, a aquisição de grandes áreas em Fells Point por
um mesmo empresário, principalmente uma que englobava
vários quarteirões e edificações históricas junto ao rio, suscitava receios' quanto ao destino a ser-Ihes conferido, uma
vez todas elas situarem-se vantajosamente em relação à expansão do desenvolvimento
do Inner Harbor e do centro
de negócios (figs. 2.3 e 2.4). Ignorava-se quais as intenções
do empresário e, como dissemos acima, a legislação local
deixava algumas questões mal resolvidas na área ribeirinha,
como não limitar gabarito para usos não-residenciais. Tampouco a legislação norte-americana, ao contrário da brasileira,
prevê algo equivalente às faixas de marinha e à garantia do
acesso público a praias, ou seja, o proprietário, na inexistência
de normas locais, poderia impedir totalmente o acesso físico
ou visual do público às margens do rio.
tativas, mostrava-se bastante apreensiva com O
de tamanha intervenção.
Nosso trabalho foi definido, então, no sentido de des nv Iv( I
estudo e proposta de desenho urbano para a área rib irinh
ameaçada, de maneira que pudesse gerar diretrizes a s r m
eventualmente incorporadas à legislação existente ou m
mo substituí-Ia naquele trecho. O "status" institucional d
Fells Point como área de renovação urbana e a urgência da
questão justificava um tratamento prioritário. O nosso estudo
pretendia constituir uma primeira abordagem da questão:
um cenário de desenvolvimento para servir de base à discussão entre o poder público, o empresário e a comunidade,
as três principais partes interessadas no "jogo urbano" (10).
Portanto, pretendia-se atender aos três grupos de objetivos
básicos a seguir:
- implantar ligações físicas com a área renovada do Inner
Harbor;
- implementar
a margem;
acessos e usos pC!':Jlicosao longo de toda
- maximizar as oportunidades
de impostos;
econômicas e a arrecadação
Dois planejadores da Prefeitura já haviam feito um estudo
sobre a área mas a sua formação profissional impedia uma
visão correta de desenho urbano ou uma maior consciência
dos reflexos físico-espaciais acarretados pela legislação e novos projetos (9). O empresário já havia demolido todas as
edificações por ele entendidas como "sem interesse histórico", aumentando a inquietude sobre o destino das remanescentes e do resto de sua propriedade, já cercada. Apenas
sabíamos que para a área ribeirinha ele intencionava empreendimento misto, com forte destinação recreativa e marinas
particulares. As edificações remanescentes, embora de grande significado histórico local, não estavam protegidas da demolição e a população, diluída em várias entidades represen(9) Técnicos Amy Glorioso (planejadorado Departamento de Habitação e Desenvolvimento Comunitário)e David Carrol(planejadorespecializado em desenvolvimento maritimo, Departamento de Planejamento).
(10) Em recente trabalho SANTOS (1988) desenvolve a noção da
cidade democrática comparando seu processo de desenvolvimento
a um jogo de cartas, de regras conhecidas pelos parceiros, que
seria exatamente o aqui delineado.
- manutenção dos usos diversificados
com o residencial;
- manutenção
tipologia;
do caráter
atuais sem conflitos
físico-ambiental,
a escala e a
cionadas, a reciclagem de velhos prédios no bairro estava
começando a acontecer quando do início de nosso trabalho,
em 1984. Por exemplo, um prédio decõ (1870-1920). que
servia como fábrica de enlatados, já estava sendo reciclado
para abrigar 119 apartamentos, num investimento de aproximadamente seis milhões de dólares (Baltimore Sun, 23/9/84).
Dois velhos prédios na esquina da Broadway com Thames,
em frente à nossa área de intervenção, também já estavam
sendo convertidos em um pequeno hotel. Atualmente, um
dos empreendimentos
deste tipo mais impressionantes
é
o Hendersons Wharf, localizado uns dois quarteirões mais
a leste de nossa área na mesma margem do rio: um antigo
prédio (1880) de seis andares que servia de depósitos foi
. reciclado para uso residencial, hotel e restaurante, eq,uipado
- manter uma boa imagem junto à clientela e comunidade
local;
Embora muitas das exigências ou conceitos de projeto que
viessem a ser feitos de imediato ao empresário pudessem
não ter amparo legal, por tradição a Prefeitura atuava em
negociações e acordos legais com empreendedores em busca de melhores resultados para a cidade (vide Capítulo 6),
No primeiro caso, ela poderia "dificultar a vida" do empreendimento, através da demora dos processos ou dos serviços,
ou até colocar o empresário na lista negra de futuras concorrências ou projetos. No segundo, acordos legais especificariam as partes que cada um ficaria comprometido a fazer,
em periodos de tempo também determinados. Entretanto,
como foi comprovado com o desenrolar dos acontecimentos,
acreditávamos que se a nossa proposta tivesse alguma qualidade ela estaria na tentativa de resolver o "triângulo" das
partes interessadas, concedendo-Ihes o básico de seus interesses conciliáveis.
Exemplificamos o dinamismo do mercado imobiliário em Fells
Point, citando alguns dos empreendimentos residenciais em
edificações recicladas. Devido às vantagens tributárias men-
~1:
F ig u ra
2.4 - F o to a é re a d a á re a d e in te rv e n ç ã o ,
a s e d ific a ç õ e s
a s e re m
p re s e rv a d a s
s e u s p te rs
e
~ A ,'f,A ." iT o A\"AR€.AJTE.
y ,,'il .•..
o
\" E .D E ,> T R i
1
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- - - - - - -,-fr
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E . " > t:,,,;T Q p ..iO < ,
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~T.
F ig u ra 2.5 {a , b , c} - V is ta p a ra a á re a d e in te rv e n ç ã o
a e s q u in a
c o m a B ro a d w a y
d e s e n v o lv im e n to
o e s tu d o
c o m a in s e rç ã o
v o lu m é tric o
e d ific a ç õ e s
d o c o n ju n to
p re s e rv a d a s ;
re s g u a rd a n d o
{a }, p ro je to
o g a b a rito
d o c e n á rio
d a s n o v a s e d ific a ç õ e s
re s u lta n te
{b }, e
{c : e m c in z a a s
n o te -s e o re c u o d o ú ltim o
a p a re n te
desde
de
andar
v is to d a ru a }
utilizamos principalmente do estudo da morfologia e da paisagem (townscape) como características locais, como os percursos e corredores visuais dos pedestres, para obter simulações dos empreendimentos
possíveis na área (tipologia,
usos, volumetrias e estudos de plantas-baixa) (11).
com diversas marinas. No lançamento deste empreendimento de 21 milhões de dólares, os apartamentos estavam sendo
vendidos até por 700 mil dólares, um custo bem alto para
o mercado da cidade (in Baltimore Magazine, agosto, 1988).
A área objeto de nossos estudos estendia-se ao longo de
três quarteirões e, por suas características e do tecido do
bairro, foi tratada em quatro subáreas. As maiores determinantes do trabalho. evidentemente,
seriam as edificações
históricas remanescentes e prestavam-se á preservação e
reciclagem de uso, assim como o potencial para implantação
de um sistema de espaços públicos. Em nosso trabalho,
Algumas das edificações em nossa proposta seriam destinadas ao uso residencial com comercial no térreo, principalmente composto por bares e restaurantes. sempre cuidando
em promover a maior animação possível ao nível dos espaços
livres e públicos, garantindo o seu sucesso (vide Capítulo
5.4). Este foi o objetivo, por exemplo, das lojas no perímetro
e o mercado público interno ao térreo do conjunto proposto
para "infill" junto à Broadway (fig. 2.5). A morfologia gerada
seria a definidora dos espaços livres pre/istos. em sua fluidez.
como continuidade dos espaços construidos e não como
entidades independentes ou meros "jardins". As novas edifi-
(11) Vide Capítulo 5. Premissas teóricas principais em ROSSI 1966.
CULLEN 1961 e LYNCH 1981.
cações e "infills" também deveriam seguir este conceito
de tecido urbano, ao mesmo tempo em que respeitavam
o caráter, a escala e as tipologias edilícias do bairro. Nisto,
não haveria tentativa consciente de recriar uma "arquitetura
vernacular", mas a busca de maior integração possível entre
o novo e o existente (fig. 2.6).
Outro forte determinante em nossa proposta foi a necessidade de se consolidar os acessos públicos existentes e
promover novos, a area ribeirinha, aos piers e às marinas.
Os acessos públicos de interligação da área ao Inner Harbor
foram priorizados, principalmente aquele ao longo do rio, assim como a proteção e promoção de corredores visuais à
água desde as ruas de acesso. Como o elemento "água"
e as atividades a ele relacionadas eram tão importantes para
o sucesso da intervenção, assim como para a manutenção
do próprio caráter do bairro, especial atenção foi concentrada
em sua presença constante e utilização. Somava-se a isto
o desejo de promover mais áreas livres de uso coletivo na
cidade (fig 27)
fi
'~;'''''''
F ig u ra 2 .6 (a , b , c ) - A n tig o
a rm a z é m
J a c k s o n 's
_
b
As atividades relacionadas ao rio ainda seriam geradoras de
grande dinamismo local, como nos tempos antigos, teriam
agora outra natureza principal: o lazer. A concentração das
atividades aquáticas não-recreativas continuaria a acontecer
na base do eixo da Broadway, onde estão o atual pie r da
polícia (pequenas avarias e apreensões) e o municipal, utilizado como centro de atracação de rebocadores e local de seus
escritórios, cujo terraço é ocupado por centro comunitário
e quadra de esportes (ver extremidade superior da figo 2.4).
A Prefeitura protegeria a manutenção destes serviços, garantindo
a sua continuidade, vital para o próprio caráter de Fells Point.
como vimos. Por isto, determinou-se um limite demarcatório para
a construção das marinas dos empreendimentos privados, garantindo fácil acesso das embarcações de serviço (12).
W a rt; c o n s tru Id o
e m m e a d o s d o s é c u lo X IX (a ) e u m p o s s iv e l c e n á rio d e s u a
re c ic la g e m p a ra o u s o c o m e rc ia l (b ) c o m n o v o s a n e x o s e
v o lu m e tria
p rin c ip a is
q u e g a ra n te m
à
re s ta u ra n te )
h is tó ric a
e
à
v is ta s d e s d e o s p e rc u rs o s
S u g a r H o u s e (re c ic la g e m
á g u a (c )
de acesso
p ro p o s ta
em
(12) Estudo desenvolvido por David Carrol, do Departamento
Planejamento da Prefeitura.
de
novo
Subárea 1 e 2
reciclacto
33.738
16.600
Subárea 3
233
11.829
12.062
Subárea 4
3.971
4.976
8.947
37.942
33.405
71.347
Total
F ig u ra 2 .8 - T a b e la d e á re a s c o n s tru ld a s
n o c e n á rio
p ro p o s to (,-n 2 }
buscada pelo conjunto proposto não considerava o sacrifício
de áreas livres como estacionamento e que o desconforto
causado aos usuários seria o mínimo possível.
Esta proposta de desenho urbano e sua implantação pode
ser agora melhor avaliada, já que se passou um período significativo de tempo desde a sua concepção e que trechos estão
sendo efetivamente construídos. Acreditamos que o "pacote" de desenho urbano que propusemos provou ser de qualidade suficiente para as partes envolvidas no processo. Ele
possuía evidentes vantagens em termos políticos, sócio-eulturais e de desenvolvimento no sentido de fortalecer o bairro
de Fells Point.
F ig u ra
d e ta lh e
ju n to
2 .7 (a , b ) - D e s d e o C ity P ie r, v is õ e s d o c o n ju n to e d e
d o c e n á rio p ro p o s to p a ra o d e s e n v o lv im e n to
d a s u b á re a
à
B ro a d w a y
p re s e rv a d a s
p ro p o s to
d ire ita ,
(v id e fig o 2 .5 ) ; e m c in z a a s e d ific a ç õ e s
(a ) e n o d e ta lh e
p a ra a á re a c e n tra l
g ru p o
(b ) u m d o s a c e s s o s a o m e rc a d o
d o té rre o
d a n o v a e d ific a ç ã o
(à
d e c a s a s e x is te n te )
Um levantamento preliminar do potencial edificável e o existente passível de reciclagem, em nossa proposta, demons·
trou a viabilidade do empreendimento
em termos de área
bruta negociável no mercado, num total de 71.347 m2 (fig.
2.8). A estimativa quanto ao total de vagas de estacionamento, necessário ao empreendimento a partir deste cenário
de desenvolvimento e segundo a legislação geral da cidade,
foi de 600 vagas. Decidiu-se não prever este número total
na própria área. mas complementada com um pequeno prédio-garagem. em propriedade do próprio empresário, a apenas meio quarteirão da área. considerando que a situação
Dois meses após o seu começo. quando ainda tínhamos
os esboços iniciais, obtivemos a aprovação final de sua concepção do Secretário do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Comunitário que, como dissemos anteriormente, é o órgão da Prefeitura administrador de todas as
áreas de renovação de Baltimore. Logo depois a proposta
também foi aprovada pelo Prefeito. com a apresentação de
uma grande maquete da área de projeto mostrando o existente e as volumetrias máximas projetadas e demais urbanizações. Na apresentação da proposta e da maquete para discussão. em seção pública. ela também obteve sucesso total,
uma vez que respondia aos anseios dos grupos comunitários
(fig.2.9)
Os conceitos e as propostas ganharam apoio e peso suficientes a ponto de serem enviados à Cãmara Municipal, em forma
de adendos, à legislação vigente em Fells Point (Plano de
Renovação Urbana) em julho de 1985. tendo sido aprovados
e incorporados ao Plano em 1986. Este processo foi. na verda-
de, facilitado por problemas financeiros internos à empresa
inicialmente interessada no empreendimento.
Desde então,
as propriedades foram vendidas para uma "joint-venture"
entre a Constellation Properties Inc. e a Historical Developers
no
of Pennsv1vania Inc, que iniciaram empreendimento
Browns Warf respeitando as novas diretrizes traçadas.
o empreendimento implantado construiu menos do que as
diretrizes e os "envelopes construtivos" que projetamos permitiriam; implantou-se, inclusive, um novo acesso para pedestres através do volume construído (fig. 2.10). Comporta
restaurantes do tipo "de calçada", lojas e escritórios nos
andares superiores, o que deverá gerar bastante animação
em seus espaços públicos. Os resultados arquitetônicos foram bem aceitos pela Prefeitura e público em geral. tanto
em termos de revitalização e reciclagem dos antigos prédios,
quanto em respeito à tipologia arquitetõnica local e ao entorno
da área (fig. 2.11). Seu custo total foi de US$ 11,5 milhões
e tem sido muito bem-sucedido desde a inauguração, em
setembro de 1988.
Infelizmente, o pequeno prédio decõ da ferrovia Comail, constante como de preservação em nossa proposta original, não
foi considerado de suficiente interesse histórico, e, não incluído nas diretrizes aprovadas, foi demolido. Em fins de 1988
também ocorriam negociações entre a Prefeitura e o grupo
empreendedor, que se encontrava resistente à reciclagem
do velho e masslvo prédio da Bond Street. constante em
nossa proposta como para uso residencial e comercial (térreo). Alegavam duas razões para isto: os espaços intercolunas
e entre janelas eram muito estreitos, impossibilitando lavout
residencial, e que não se poderia mais obter incentivos tributários federais para seu aproveitamento como patrimõnio histórico-arquitetõnico. Os empreendedores solicitavam permissão para demoli-Ia e construir uma nova edificação no lugar,
com apenas 2/3 da altura do prédio existente e menos massiva, desde que pudessem obter consentimento para ultrapassar o permitido na mesma proporção, em terreno de sua
propriedade em outro local.
F ig u ra 2 .9 - V is ta d a m a q u e te
e m c in z a -e s c u ro
re c u p e ra d o s
e d ific a ç õ e s
p a ra u s o p ú b lic o
re s p e ita n d o
a s e re m
o s c o rre d o re s
e le m e n to s
d e p ie r) e c o n s tru id o
im p la n ta d o
(p o r e x e m p lo ,
m enos
o s p ie rs
das novas
v is u a is
tra ç a d a s e o s re g u la m e n to s
novos
d e d e s e n v o lv im e n to ,
p re s e rv a d a s :
e o s v o lu m e s
F ig u ra 2. 1 0 - O e m p re e n d im e n to
a s d ire triz e s
a d o ta d o
Outro ponto de negociação era o propósito dos empreendedores de construir acessos de veículos em partes das áreas
de "waterfront"
previstas como espaços livres, aumentando
a linha de "cais" de 4,30 para 6,00 metros, em média. Este
item dificilmente será aprovado até mesmo por ter reflexos
bem mais complexos, envolvendo a própria navegabilidade
e ecologia dos espaços fluviais. Os resultados deste processo
ainda estão por definir-se.
c o m o c e n á rio
a s e d ific a ç õ e s
n a á re a re s p e ito u
a p ro v a d o s ,
novo
te n d o a té
acesso
à lin h a
d o q u e p o d e ria
Outros itens relativos à implementação das propostas para
o "waterfront"
de Fells Point estão bem adiantados. O pie r
da Broadwav Street. que era ocupado por uma pequena estação de polícia marítima, foi recuperado e reurbanizado como
espaço público pela Prefeitura. A Thames Street também
foi totalmente recuperada em sua pavimentação e calçadas
ao longo de toda a área de nosso projeto. Em breve. a unidade
industrial química da Allied Chemical, que se tornou um uso
industrial muito pesado para o local. será fechada e a sua
o que virá a permitir
área receberá novo empreendimento.
a implementação do sistema de espaços públicos conectando
o Inner Harbor a Felis Point ao longo do rio. Finalmente,
a área de projeto em Fells Point deverá receber em breve
um sistema de marinas públicas para atracação de barcoo
particulares com "parquímetros" e por temporada.
Deste estudo podemos tirar algumas conclusões sobre a
efetividade de um enfoque de desenho urbano pragmático
em lidar com o gerenciamento físico-ambiental de uma área
exposta a consideráveis pressões para desenvolvimento. Os
conceitos de desenho adotados em nossa proposta eram
simples e diretos sem. no entanto. subestimar sólida teoria
e análises conceituais. principalmente do contexto político.
Neste sentido. o estudo da morfologia da área e as análises
visuais tipo "townscape" foram importantes. principalmente
por possibilitar a análise da manifestação concreta dos objetivos dos três grupos de interesse envolvidos. Particularmente
úteis foram os cenários de desenvolvimento e a simulação
(inclusive a maquete) das possibilidades construtivas. com
estudos de organização interna dos prédios. em obediência
às diretrizes traçadas.
Esta questão é crucial pois tanto políticos quanto administradores urbanos. ou mesmo o processo de planejamento
usualmente existente na maioria das cidades, raramente entendem o meio ambiente construído como resultante de um
processo dinâmico de apropriação de seus usuários. A esfera
onde ocorrem as percepções e manifestam-se os valores,
assim como as experiências cotidianas dos usuários. são
constantemente negligenciadas como fatores determinantes
no desenho da dimensão pública urbana.
F ig u ra
2. 11 (a , b , c ) - V is ta s d o e m p re e n d im e n to
a in te g ra ç ã o
do novo
com
e d e s tin a d a s
a novos
u s o s ; c o m p a re
c o m a fig o 2 .7
a s e d ific a ç õ e s
em
a n tig a s ,
(a ) c o m
1988 e
re c u p e ra d a s
a fig o 2 .5 e (b )
Também deveríamos salientar a importância de processos
de planejamento e desenho urbano que contemplem médios
e longos prazos de implementação. bem como a colaboração
constante entre os setores público e privado, ambas atitudes
já tradicionais em Baltimore como pudemos comprovar. O
ambiente urbano não pode ser palco exclusivo nem dos projetos grandiosos do poder público, nem dos projetos gananciosos das forças de mercado. Ele deve se constituir de resultados de "acordos" ambientais publicamente expostos. debatidos e aceitos: viabilidade econômica para os empresários
e os melhores resultados para as comunidades e público
usuário. Em um regime de representação democrática e economia capitalista. projetos que conciliam os objetivos dos
três setores básicos de interesse (comunidade. empresários.
governo) potencialmente sempre serão ambientes urbanos
de boa qualidade. Tentativas de extremo controle pelo poder
público ou a suposição de que a participação comunitária
por si só irá gerar sempre bons resultados para o desenvolvimento são. no mínimo. ingênuas e podem gerar resultados
tão ruins como os produzidos pela especulação imobiliária.
Anexo 3
Os projetos de estruturação urbana no processo de
planejamento: experiências recentes no RJ*
Não se pode negar que, de uma forma ou de outra, as grandes
metrópoles brasileiras possuem processos de planejamento.
Eles estão, evidentemente, expostos a uma diversidade de
conflitos intrínsecos e extrínsecos ao processo, de naturezas
diversas, desde a sistemática carência de recursos financeiros e humanos, até a (cada vez mais sempre presente)
influência eleitoreira nas decisões tomadas. De todo modo,
os processos existem e estão institucionalizados, com equipes de profissionais bastante atuantes sempre que convocados. Esta afirmação é verdadeira para a cidade do Rio de
Janeiro, cujas práticas de planejamento permeiam os diversos períodos políticos e se manifestam ao longo do tempo.
Neste sentido é que cabe situarmos concretamente, a partir
de um caso específico de prática do Planejamento e do Desenho Urbano, o raciocínio que justifica este próprio livro. Além
de que a discussão desta experiência institucional nos permitirá fazer algumas considerações quanto: a dimensão específica de atuação do processo de desenho urbano. as metodologias possíveis de atuação e os procedimentos para implementação.
A cidade do Rio de Janeiro apresenta uma estrutura urbana
e um ambiente construído que espelham de maneira clara
as diversas ações do Capital imobiliário; talvez mais claramente que outras cidades brasileiras por seu porte, suas
condições geomorfológicas e a concentração de interesses
ao longo da sua história. Também são de fácil leitura os
resultados das ações do Poder Municipal em tentativas de
correção de disfuncionalidades ou em apoio a interesses polí-
ticos e imobiliários. Nas últimas três décadas nosso sistema
econômico-social não se preocupou apenas com racionalização dos usos do solo e maximização dos investimentos
no urbano mas, inconsequentemente,
tratou de transformar
a ocupação do solo urbano numa verdadeira forma de expansão do Capital (OLIVEIRA 1979: 16).
Os planos urbanísticos existentes para o Rio demonstram
isto. desde as famosas intervenções do Prefeito Pereira Passos no início do século. passando pelo plano Doxiadis, até
o Plano Urbanístico Básico (PUB-Rio) de 1977 (BENCHIMOL
1985, REZENDE 1982). Observa-se em todos eles. principalmente em sua implantação. o privilégio aos interesses do
capital e às ações setoriais.
Entretanto. ainda em período de "milagre econômico" e grande expansão do Capital imobiliário, com atuações altamente
especulativas no desenvolvimento do solo urbano e com intervenções tecnocráticas setoriais (principalmente a engenharia de transporte), o PUB-Rio foi importante tentativa de
se resgatar o planejamento global da cidade e retomar a
atenção da dimensão físico-ambiental. Foi de certa forma
bem-sucedido pois. mesmo sem ter força de lei, gerou alguns
instrumentos e programas de atuação, servindo sempre como referência para os técnicos da Prefeitura no seu cotidiano.
'Versão revista e ampliada de "Os Projetos de Estruturação Urbana
trabalho em co-autoria com Lilia
no Processo de Planejamento",
Varella dos Santos e Lúcia Helena fontes. apresentado no 11Seminário de Desenho Urbano no Brasil. Brasília. setembro. 1986, e publicado na Revista Projeto n? 96, São Paulo, fevereiro, 1987.
Desde o começo do século, tendo sido instituído pelo Prefeito
Pereira Passos, talvez o mais importante instrumento de regulação urbanística seja o Projeto Aprovado de Alinhamento,
comumente chamado de PA. Estes, como se sabe, são instituídos pelo Executivo Municipal e fixam projetos viários, recuos, gabaritos e outras condições especiais de edificação;
são normalmente determinados por ruas. De importância
também são os Projetos Aprovados de Loteamento (PAU.
Na cidade existem milhares de PAs, para praticamente todas
as ruas dos bairros mais importantes que, não raramente,
possuem vários deles ao longo de sua extensão, ou até mesmo, variando de lado a lado. Eles eram instituídos ou alterados
pela antiga Secretaria Municipal de Obras de forma bastante
casuística, respondendo a interesses políticos, econômicos
ou até técnicos específicos, mas não a um planejamento
racional do uso do solo. Quando muito perseguiam uma lógica
ligada à circulação viária. Mesmo assim, possuem elevada
importância na organização física e funcional da cidade pois
se impõem ao zoneamento que, teoricamente, era resultado
de um trabalho maior da Secretaria Municipal de Planejamento.
Os regulamentos urbanísticos no Rio, até bem pouco tempo,
eram ditados através de "decretos-leis" do Executivo, figura
contraditória inédita de legislação, após a Câmara Municipal
ter aprovado lei abrindo mão de sua própria prerrogativa de
regulamentar o uso e a ocupação do solo. Assim, o Prefeito
e sua equipe "legislavam" sobre estas matérias sem qualquer
participação da população, na verdade respondendo a interesses particulares políticos ou imobiliários. A partir daí começaram a surgir grandes problemáticas quanto à organização
da cidade.
Em 1976 aprovou-se o famoso Decreto 322, um novo zoneamento urbano, que passou a permitir em toda a cidade um
gabarito de cinco pavimentos, para edificações encostadas
nas divisas, e de 18 pavimentos para as afastadas. Após
este decreto instituiu-se também a figura do embasamento
(constituído de pavimentos de acesso, garagem e uso comum) que poderia ter área construída igual à do terreno,
ou seja, 100% de ocupação do solo. Como a Área Total
de Edificação (ATE) das construções afastadas das divisas
tampouco é sujeita a controle, exceto quando fixado pelo
PA, estas novas condições implantadas fomentaram remembramentos dos lotes originais, incentivaram o adensamento
e privilegiaram o grande empresário: quanto maior a gleba,
maior a possibilidade de construção e maior a margem de
lucro.
Um outro grande problema resultante deste Decreto era que
o zoneamento tratava indistintamente de todas áreas da cidade, ou seja, fomentava a mesma tipologia edilícia por todo
o território, a despeito das morfologias e especificidades locais. O Rio passou a ser objeto de uma homogeneização
físico-€spacial sem precedentes (fig. 3.1). Qualidades urbanas
indiscutíveis e tradicionais, como a variedade de formas e
espaços, as relações entre o espaço público e o privado,
e a identidade dos subcompartimentos
(bairros ou "lugares")
cederam lugar à repetição das mesmas fórmulas tecnocrá·
ticas que possibilitavam a maior intensidade possível de área
construída, seguindo a mesma tipologia monótona por toda
a cidade.
Em termos de desenvolvimento,
ainda em pleno "milagre
econômico", estas possibilidades, em conjunto com as atividades especulativas fomentadas pelo sistema financeiro, facilitaram um brusco aumento das atividades da construção
civil. Dados da Prefeitura mostram que em Vila Isabel. por
exemplo, bairro tradicional que foi objeto de investimentos
do Capital imobiliário para receber a classe média vinda de
subúrbios ou a própria expansão tijucana, sofreu um aumento
de quase 500% no número de "habite-se" concedidos em
um período de apenas dois anos após a promulgação do
Decreto 322.
O Plano Urbanístico Básico da Cidade do Rio de Janeiro,
aprovado por decreto em outubro de 1977. coroou intenso
esforço de caracterização do Município e estabeleceu diretrizes básicas para o desenvolvimento urbano. Era um plano
tentativamente integrado que plantava raízes para o melhor
controle urbanístico e resultados ambientais. A cidade foi
dividida em seis Áreas de Planejamento (APs), que englobavam as tradicionais Regiões Administrativas e levavam em
consideração uma série de critérios físicos, sociais e econômicos para a sua determinação, chamados compartimentadores. A idéia geradora era, inclusive, de partir para a divisão
do território em seis subprefeituras, descentralizando a administração municipal.
o PUB-Rio também definiu diretrizes para a elaboração posterior das políticas setoriais e criou um importante instrumento
de Planejamento e Desenho Urbano, os Projetos de Estruturação Urbana (PEUs). Estes, inicialmente, eram previstos para
áreas de centros e subcentros funcionais, áreas remanescentes à execução de grandes obras públicas, como o Metrô,
áreas de renovação, grandes vazios urbanos e áreas de expansão periférica. Os PEUs tratariam de "definição de traçados
viários, padrões de uso do solo e planos de massa", sendo
em sua intenção inicial o que se aproximaria de um plano
de Desenho Urbano.
Na trilha dos movimentos sociais urbanos e da necessidade
de aumento da participação comunitária, junto ao encerramento de um trabalho de delimitação dos bairros, passou-se
a tentar os PEUs por bairros, levando o Planejamento ao
nível da unidade urbana com identidades social e morfológica
mais próximas à realidade do cotidiano das comunidades.
Esta divisão, entretanto, não se mostrou prática nem viável
tecnicamente e, em 1983, estabeleceu-se 55 Unidades Espaciais de Planejamento (UEPs).
Menores que as APs mas englobando conjuntos de bairros
mais ou menos homogêneos entre si, definidos por compartimentadores ambientais, as UEPs viabilizariam a atuação de
planejamento da Prefeitura através de unidades técnicas em
bairros com analogias urbanísticas. A longo prazo previa-se
que cada parte diferenciada da cidade tivesse o seu PEU,
um plano com legislação urbanística específica, simplificada
e de fácil consulta, consolidando os regulamentos de uso
e ocupação do solo em substituição aos inúmeros decretos,
PAs e PALs. Os PEUs poderiam, inclusive, segundo o idealizado na época, ser obtidos em edições baratas nas bancas
de jornais locais para rápido acesso e pleno conhecimento
da população. O processo participativo estaria, assim, excedendo a elaboração do plano e permeando a sua implantação.
Na primeira administração Marcello Alencar, 1982/1986, a
Prefeitura desenvolveu um projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano que se encontra moribundo na Câmara Municipal.
De enorme importância para definição dos objetivos de desenvolvimento da cidade e até para fixação do próprio processo de planejamento, definindo, por exemplo, as formas
e os momentos para a participação comunitária, esta nova
lei deveria substituir a original de 1967, oriunda do antigo
Estado da Guanabara, que não mais responde nem às necessidades de desenvolvimento e crescimento dinâmico da cidade nem às exigências de uma democracia participativa na
vida urbana.
Mesmo sem ainda ter tido sucesso em sua aprovação, a
Prefeitura vem desenvolvendo um trabalho com vistas ao
macrozoneamento da cidade, a fim de definir diretrizes de
ocupação, densidades desejáveis, capacidades de infra-estrutura, ocupação progressiva, e outras linhas gerais para
o harmonioso desenvolvimento do território e sua população.
A partir do macrozoneamento, os PEUs seriam elaborados
e implantados para as UEPs ou bairros e áreas específicas.
Destacamos a importância deste processo de planejamento
que viabilizaria uma definição de uma lógica de desenvolvimento integrado da cidade, não mais tratando-a como um
todo homogêneo, mas reconhecendo suas compartimentações e características locais. Fica evidente o importante papel
que deve ser assumido pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), herdeira das responsabilidades
e ações para o planejamento urbano.
Como vimos, o conceito dos PEUs originou-se com uma
concepção ampla, em que objetivava um enfoque integrado
do desenvolvimento físico-ambiental de uma área urbana de
dimensões facilmente perceptíveis pelos cidadãos. Por diversas razões, entretanto, este enfoque amplo e integrado jamais foi conseguido e tem-se atuado, na prática, apenas em
revisões da legislação urbanística existente para as UEPs
ou bairros em questão: gabaritos, usos e ocupação do solo.
Às vezes consegue-se também uma ação relativamente integrada com a circulação viária.
Vários motivos concorrem para esta situação. Em primeiro
lugar, a dificuldade de trabalho integrado entre os diversos
órgãos e Secretarias de uma metrópole, às vezes com interesses políticos e prioridades até mesmo conflitantes. Segundo,
a urgência de se rever a legislação urbanística face aos resulta-
dos de pressões dos diversos grupos de interesse, empresários ou moradores, e ameaças específicas de súbitas transformações. Terceiro, a limitada equipe de trabalho da Prefeitura enfrenta a necessidade de se concentrar nos conflitos
mais urgentes gerados por regulamentação urbanística falha
e sob sua direta responsabilidade. Em 1979 deixou-se, inclusive, de utilizar-se da denominação PEU na implantação dos
decretos relativos aos trabalhos, por tratarem apenas de revisões do zoneamento existente.
Nos últimos anos, com a formação da Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Urbano (SMDU) em 1986, incorporando
diversos departamentos de várias Secretarias, sua equipe
busca resgataro conceito amplo original dos PEUs. Já tem-se
obtido, neste sentido, colaboração direta de órgãos de outras
Secretarias, a exemplo da Diretoria de Patrimônio Cultural
e Artístico da Secretaria Municipal de Cultura, e de órgãos
de outras esferas políticas, como o Metrô. Espera-se que
isso se torne uma praxe e que os trabalhos fiquem cada
vez mais integrados obtendo, ao menos, recomendações integradas em todas as áreas do desenvolvimento urbano fora
da responsabilidade direta da SM DU, ultrapassando o nível
dos envolvimentos apenas por conhecimentos pessoais e
simpatias. O resgate da concepção original dos PEUs, enfocando de forma integrada a qualidade físico-ambiental do
espaço urbano, e a implementação deste processo de Planejamento significa a institucionalização consciente do Desenho
Urbano na administração municipal.
Logo após a publicação do PUB-Rio, ainda em 1977, elaborou-se e aprovou-se o primeiro PEU, para o bairro da Urca.
O trabalho foi originado a partir de processo para alteração
de ponto final de õnibus, das pressões imobiliárias que o
bairro vinha sofrendo depois da aprovação do citado Decreto
322 e das manifestações da comunidade local. Embora já
existisse uma portaria da Secretaria do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (SPHAN) protegendo algumas áreas da
Urca pela localização do Pão de Açúcar, o bairro tinha suas
características morfológicas, sua tipologia edilícia tradicional
e sua identidade ameaçadas, particularmente por construções em altura e fora dos padrões volumétricos locais (fig.
3.2).
O PEU priorizou, então, a limitação dos gabaritos e impediu
excessivo adensamento, mesmo porque a Urca possui sérios
problemas de acessibilidade pelas condições de seu tecido
urbano característico. Houve constante apoio da Associação
de Moradores local que, inclusive e previsivelmente, possuía
grande número de associados militares. Infelizmente, a solu-
ção acabou por gerar problemas de outra ordem, típicos de
intervenções urbanísticas deste caráter em um sistema capitalista como o nosso, ou seja, uma excessiva valorização
dos imóveis da Urca, percebida pelo mercado como cada
vez mais "exclusiva". Entretanto, a tradição de permanência
dos antigos moradores ainda se manifesta e a área possui
baixa taxa de transformações sociais.
O segundo PEU realizado foi para a Ilha do Governador que,
embora tivesse seus gabaritos controlados pelo Departamento de Aviação Civil da Aeronáutica, pelos cones de aproximação dos diversos campos de pouso no Galeão, apresentava graves conflitos nos PAs e PALs, de uso do solo e
de edificação devido às condições topográficas locais.
Em 1979, a partir de reivindicações da Associação de Moradores de Botafogo, da proximidade do fim do decreto de
congelamento da faixa ao longo da linha do Metrô e dos
resultados da intensa especulação imobiliária e adensamento
do bairro, elaborou-se mais um PEU, desta vez encomendado
ao Instituto Municipal de Planejamento (IPLAN-Rio). Botafogo
sofria intensos processos de transformação firmando-se como lugar de passagem e importante subcentro funcional da
cidade. Isto se refletia nos corredores viários, na chegada
de grandes firmas e escritórios comerciais, e no adensamento
da ocupação mais interior por edifícios residenciais para classe média (fig. 3.4).
Terminou-se por aprovar, já como lei ordinária municipal, e
não como decreto, o regulamento de uso e ocupação do
solo para Botafogo, não mais tratado por PEU, mas como
simples revisão da regulamentação existente. A lei aprovada
mostra-se diferente da proposta encaminhada, refletindo os
diversos grupos de interesse manifestando-se junto aos políticos locais. Foi, entretanto, conquistada uma situação para
o desenvolvimento local significativamente superior à anterior, pois as condições de edificações e o uso do solo foram
revisados rua por rua. Curiosamente, logo em seguida, como
resposta às· pressões da população local aprovou-se um decreto municipal de caráter bastante singular e original: determinou-se o uso para o lazer e as condições de ocupação
de dois terrenos específicos visando a proteção das carências
locais e os interesses da comunidade organizada (a esquina
das ruas Voluntários da Pátria e Conde de Irajá, propriedade
do IAPS, e o antigo terreno do Botafogo, da Cia. Vale do
Rio Doce).
Um tradicional bairro carioca de encosta, Santa Teresa, também
foi motivo de controle urbanístico por lei municipal, identificado como Área de Proteção Ambiental (APA) e tendo seu
uso do solo e condições de ocupação definidos rua a rua.
Destas definições têm resultado edificações mais adaptadas
às características volumétricas e topográficas locais, ao contrário do que preconizava o Decreto 322 que regia o desenvolvimento do bé)irro (fig. 35).
Nesta mesma linha, em 1984, as Associações de Moradores
de Santo Cristo, Saúde e Gamboa (cuja aliança tornou-se
conhecida pela sigla SAGASL tradicionais bairros de encosta
junto à Área Portuária, reivindicaram e conquistaram a prote-
ção através da instituição de uma APA por lei municipal,
regulamentada através de decreto (Fontes, Coelho, Reis e
Neves 1986). Em muito ajudou a atuação dos serviços de
patrimônio histórico nacional e municipal, que já haviam procedido ao tombamento do Morro de Santo Antônio (fig. 3.6).
Talvez esta tenha sido a intervenção de preservação ambiental em área histórica mais importante no Rio de Janeiro, além
do famoso Corredor Cultural, que trataremos adiante.
o trabalho nestes bairros denominou-se Projeto SAGAS, sendo iniciado a partir de reivindicações para permanência da
população local. ameaçada progressivamente pela expansão
das funções centrais e valorização imobiliária. Já existia decreto limitando o remembramento de lotes e o gabarito na área,
entretanto, não havia sido prevista a expulsão dos moradores
originais pelas transformações de uso oriundas da proximidade da zona central, para usos comerciais, serviços e indústrias de pequeno porte, como gráficas e oficinas. Em 1984
logrou-se um decreto de tombamento temporário por um
ano, a fim de "congelar" o desenvolvimento na área do SAGAS até o encerramento do projeto e definição das propostas
de regulamentação. A promulgação da lei, em novembro de
1985, veio proteger a população residente de expulsão por
súbitas valorizações do solo, limitando gabaritos, remembramentos e usos. Evidentemente, pelas condições sociais e
de localização, não existe aqui a mesma ameaça de "valorização branca" encontrada na Urca.
Embora o trabalho tenha conseguido a revogação de todos
os PAs que ameaçavam com intensas renovações e traçados
viários projetados totalmente alheios ao caráter daqueles bairros, até hoje não se conseguiu que sofressem um reestudo
integral pela equipe de transportes do executivo. A legislação
atual já foi incorporada pela própria população e suas Associa-
de revisão de sua legislação urbanística. Este antigo bairro
aristocrático e residencial, ao longo dos anos, havia se transformado, em grande parte, em zona industrial e comercial,
e suas residências sofriam um intenso processo de desvalorização. O início do trabalho obteve pouca participação dos
moradores, através de sua Associação, descrentes com o
Poder Público; logo, porém, começaram a confiar na equipe
da Prefeitura e a participar intensamente. A Associação, inclusive, com o decorrer do trabalho ganhou organização inter(1a
e maior legitimação local. Os moradores entenderam a importância de um zoneamento ao perceberem que nos conflitos ambientais existentes, de que tanto se queixavam, o
uso residencial é que era "tolerado", sendo o industrial perfeitamente "adequado" pela regulamentação em vigor. Neste
trabalho obteve-se boa integração com as equipes do Metrô,
em relação ao sistema viário, e da Fundação Estadual de
Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA), quanto à poluição
ambiental. O projeto tratou de recuperar o caráter residencial
de algumas áreas de São Cristóvão, relembrando a sua herança de bairro imperial, e de minorar os conflitos com os usos
industrial e de serviços (principalmente armazéns).
-
-
;~ p ~ k ~ ~ -~p_-.~
_ -../, ~
~ ~ c --'--
~.=~~~~~~~:~~
F ig u ra 3 .6 - R u a d o J o g o
C o n c e iç ã o ,
á re a to m b a d a
çães, que agem
tação. A equipe
tava, inclusive,
para assistência
dor Cultural.
d a 8 0 la
e fo rta le z a
d o M o rro
da
p e lo p a trim ó n io
como fiscais "ad-hoc" para sua plena implanda Prefeitura responsável pelo trabalho solicia implantação de um escritório técnico local
constante, a exemplo do que existe no Corre-
Finalmente cabe menção a dois PEUs em áreas de bastante
sensitividade, embora por motivos diferentes, o Méier e a
Penha. Ambos foram iniciados já dentro da nova administração municipal e da então recém-eriada Secretaria de Desenvolvimento Urbano, em 1986. O PEU para o Méier, cuja
Unidade Espacial de Planejamento engloba o bairro de mes-
mo nome além dos de Lins do Vasconcelos, Todos os Santos
e Cachambi. O Méier é um bairro da Zona Norte extremamente dinãmico, relativamente bem equipado, mas que apresenta graves conflitos em sua área central causados pela
organização da circulação, da trama viária e da intensa utilização do solo.
As condições de edificação eram alheias às características
locais e a uma lógica de desenvolvimento global para o bairro,
a infra-estrutura se encontrava precária, e existiam intensas
pressões imobiliárias para transformações de uso. A área
central do Méier, onde os problemas se concentravam, é
considerada o sexto Subcentro Funcional do Rio. Em termos
de Desenho urbano, sua problemática se caracteriza basicamente por servir de passagem quase obrigatória do fluxo
veicular na direção Zona Norte-Centro, pelos conflitos decorrentes de seu dinamismo econômico (viários, espaciais, culturais e socíais), pela incompatibilidade entre tipologia edilícia
e trama urbana, e pela enfraquecida identidade local.
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CENTRO
'U N C I O N A " ( - )
Infelizmente, pelo desinteresse da Associação local, o trabalho, não considerado prioritário, foi interrompido logo após
seu início, ainda durante a fase de levantamento de informações. Tratava-se de desenvolver um novo procedimento nesta fase, com a participação do autor, aplicando metodologias
de análise de percepção ambiental como tentativa de identificar elementos ambientais estruturadores e as imagens coletivas da população; comentaremos este procedimento metodológico mais adiante.
Os estudos para a Penha foram iniciados a partir de uma
ativa Associação de bairro que reivindicava maior proteção
para sua única área verde de porte para o lazer, a limitação
da poluição causada pelo Cortume Carioca, e a proteção da
visibilidade da famosa Igreja da Penha. A equipe tratou de
uma revisão total do zoneamento e dos PAs do bairro. Os
resultados foram muito bem-sucedidos, alcançando ótimo
índice de participação da comunidade local: a grande área
verde já se encontrava protegida por decreto específico de
limitação de uso e intensidade de ocupação, que foi incorporado à nova legislação proposta, a distribuição dos usos no
território foi revista, a atuação da FEEMA conseguida para
o caso do Cortume, e, finalmente, a visibilidade da Igreja
da Penha garantida através da limitação dos gabaritos máximos em seu entorno.
Recentemente,
durante a administração Saturnino Braga
(1 9 8 6 /8 8 ),
a SMDU priorizou sua atuação no sentido da recuperação físico-Bspacial da área central Para tanto, propunhase como objetivos básicos a reestruturação dos vazios e a
valorização dos eixos principais, através de projetos específicos, coordenação de órgãos setoriais e revisões da legislação; as áreas prioritárias foram entendidas como as da Cidade
Nova, Esplanada de Santo Antonio e Praça XV (FERREIRA
F. et aI. 1988). Embora estas propostas não tenham sido
consideradas como PEUs, indubitavelmente visavam recuperar algo da antiga lógica morfológica da cidade e da importãncia de tratar-se as composições arquitetônicas enquanto
verdadeiros conjuntos urbanos, o tratamento da questão com
procedimentos meramente arquitetônicos gerou uma exces-
siva atenção à dimensão físico-espacial, fazendo com que
nem sempre se optasse pela melhor solução em termos
de realidade sócio-econõmica, vivência cotidiana da população, circulação ou funcionalidades.
Ihes (Carvalho 1983, IPLAN-Rio/Rio-Arte 1985, Pinheiro 1985).
. O Corredor Cultural trata-se de "um projeto cultural com
efeitos urbanísticos e de um projeto de planejamento urbano
com objetivos culturais ... (onde) se integram técnicas de
desenho urbano, de preservação do patrimõnio cultural e
de participação comunitária" (Carvalho 1983: 23).
Por sua elevada importância no contexto carioca e nacional,
comentamos em destaque o Projeto Corredor Cultural, embora remetamos às publicações existentes para maiores deta-
Idéia originada ainda em 1979, a partir de trabalho do urbanista
Augusto Ivan Pinheiro, inspirava-se nos modelos de cidades
européias almejando um programa amplo de preservação
do patrimônio construido e cultural do centro do Rio. Não
se limitava a meramente propor o tombamento de edificações
isoladas por seu valor arquitetõnico, mas entendia o valor
do conjunto urbanístico em sua ambiência total. Aí está a
novidade do enfoque desta intervenção pois, como a própria
publicação oficial da Prefeitura coloca, entende-se que "o
resgate de referências sociais, culturais e arquitetõnicas é
o ponto de partida de um processo de renovação que respeite
a memória da cidade" (IPLAN-Rio/Rio-Arte 1985).
DARu.
DE
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I \M D I E N T A l
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••.
Y lN lO A S
•
F ig u ra
PRESERYAÇ ÁO
A princípio pensado como delimitado a um setor contínuo
no centro, a proposta do Corredor Cultural ampliou-se para
comportar quatro subáreas, diferenciadas tanto em suas características urbanísticas quanto no tratamento de sua regula-
A M B lf .N T A l
0Uf
AECf8ERÀO
E5f'f.CtAL
TRATAMENTO
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3. 11 (a , b ) - M a p a d o s e ix o s d e e s tru tu ra ç ã o
e o novo
p la n o
de ocupação
p a ra a C id a d e
N ova,
'
d o c e n tro
1987
mentação: Praça XV, Lapa-Cinelândia, Largo de São Francisco
(inclusive Rua da Carioca) e a área do SAARA (Sociedade
de Amigos da Rua da Alfândega) (fig 3.12). O projeto ficou
logo em evidência devido a sua inquestionável importância
e ao enfrentamento dos grandes interesses econômicos em
jogo: os antigos e pequenos comerciantes, mesmo os poucos moradores das áreas, viam-se sendo expulsos gradativamente pela valorização dos imóveis e pelo potencial de desenvolvimento dos terrenos em grandes edifícios e lojas de departamento, por exemplo. As pequenas atividades econômicas, a multiplicidade e variedade de usos, características
do centro da cidade, com seu amálgama sócio-cultural. tendiam a desaparecer junto com o patrimônio construído.
As reivindicaçôes das comunidade
li adas à preservação
da área, como a atuante SARCA (So .I( dade Amigos da Rua
da Carioca), respaldaram o Poder Muni ipal suficientemente
para que, em 1983. a Prefeitura pass se à regulamentação
do projeto. inicialmente através de de reto. posteriormente
instituído em lei ordinária. A lei que instituiu a área do Corredor
como Zona Especial foi promulgada em janeiro de 1984. tendo
seus limites sofrido expansão em 1988 para englobar o entorno do atual restaurante Albamar. remanescente do antigo
mercado da Praça Quinze.
Destacam-se aqui alguns pontos importantes para o processo
de implantação e os significativos resultados obtidos. Primei-
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F ig u ra 3 _ 1 3 - P o s s ib ilid a d e
d e fa c h a d a p a ra a c ré s c im o fro n ta l d e e d ific a ç ã o
a lin h a m e n to
o rig in a l d a -ru a ; e s c ritó rio té c n ic o d o C o rre d o r C u ltu ra l
n a R u a B u e n o s A ire s ,
re s ta b e le c e n d o
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f1itos de uso do solo e outros gerados pela regulamentação
existente, limitações da equipe disponível e problemas oriundos à própria máquina administrativa, com excessiva burocracia entre seus inúmeros órgãos com diferentes orientações e prioridades.
Quanto aos PEUs propriamente ditos, destacamos a importância da retomada de seu conceito original amplo e a adoção
de territórios percebidos pela população como homogêneos
e relacionados entre si, às vezes não-compatíveis com o con·
ceito das U EPs. O tratamento destes projetos como de Dese·
nho Urbano faz necessária a participação integrada de diversos órgãos afins à problemática a ser tratada, comprometendo-se a implementar suas partes nas diretrizes e intervenções definidas. Em relação a esta participação, a experiência
tem mostrado a facilidade e os bons resultados obtidos nos
trabalhos em conjunto com certos órgãos, como os de Patrimônio Histórico, talvez pela dificuldade que eles tenham em
sua própria atuação individual.
Por outro lado, é junto aos órgãos responsáveis pela engenharia viária e de transportes que mais se tem falhado nesta
integração, talvez pela pouca claridade que sempre caracterizou este setor no Rio de Janeiro, com conflitos expressos
até na atuação das diferentes esferas de poder. Talvez com
a recente criação da Secretaria Municipal de Transportes,
em 1987, e a possível passagem de responsabilidades do
DETRAN, consiga-se uma melhor definição para esta questão
específica.
Estas considerações não anulam a necessidade de se desenvolver um plano geral de Desenho Urbano para a cidade
do Rio de Janeiro, a ser incorporado no Plano de Desenvolvimento Urbano Municipal. Este plano deve contemplar os
objetivos e conceitos gerais de Desenho Urbano a serem
perseguidos e as imagens gerais e características físico-ambientais que o contexto urbano deve almejar, definindo uma
"cara", uma personalidade e uma riqueza de visualidade e
significados para as partes e para o todo da Cidade.
O tempo envolvido nos procedimentos relativos a um PEU,
desde a sua elaboração até a implementação, de suas propostas,
é de grande importância e não deve estar limitado segundo
os critérios usuais. Como frisamos, cada PEU e sua unidade
espacial possui características e individualidades específicas
que vão determinar procedimentos e tempos diferenciados.
Isto deve incluir tanto o espaço para a necessária vivência de
cada realidade, quanto flexibilidade para diferentes modos de
participacão comunitária e possíveis oportunidades de ampliação de projetos durante sua própria implantação. Não se deve
esquecer, porém, que o Desenho Urbano, por tratar de qualidade físico-ambiental, possui tempos de implementação de
curto-médio prazo, geralmente inferiores aos assumidos pelo
Planejamento Urbano, e que a população espera ver resultados
coerentes e concretos em pouco tempo.
Certas ações, entretanto, se destacam neste processo. Primeiro, para a feitura dos PEUs, impõe-se a revisão inicial
de todos os PAs e PALs, em uma proposta global de Desenho
para todo o território de projeto. Em segundo lugar, verificamos ser vital que, se como primeira medida, se "congele"
por decreto municipal o desenvolvimento da área do PEU,
medida por tempo determinado para evitar que se inicie um
brusco processo especulativo e corrida de aprovação de projetos com os interesses imobiliários adiantando-se à ação do
Poder Municipal.
A terceira ação destacada é a possibilidade de se decretar
"zoneamentos pontuais", condições de uso e edificação para
terrenos específicos, dando oportunidade de ações emergenciais, garantindo os interesses da comunidade durante a elaboração do PEU até a aprovação de uma regulamentação
global para o bairro. Este tipo de processo viabilizaria, inclusive, a prática da negociação entre o Poder Público, a comunidade local e os empresários interessados, em torno a "pacotes" de projetos urbanos, como é comum em outros países.
A questão da capacidade de trabalho do Poder Público, frente
às inúmeras áreas necessitadas de PEUs e às limitadas equipes disponíveis em seus quadros, poderia ser superada de
forma descentralizadora e amoldando-se em um processo
político mais democrático. A elaboração destes trabalhos poderia ser repassada a escritórios liberais, através de concursos
públicos, em que talvez uma das exigências do edital fosse
a de a equipe possuir alguma ligação vivencial com a área
de projeto (poderiam participar escritórios ali localizados ou
cujos sócios ali residissem etc.) ou que montassem escritórios locais abertos ao público para o desenvolvimento
do
trabalho. Estes escritórios contratados deveriam ter participação multidisciplinar e seriam supervisionados pela equipe
municipal tendo, assim, potencial de maior dinamismo e
"neutralidade".
Quanto à questão da participação comunitária, observamos
as dificuldades de sua implementação, principalmente na mobilização da população para problemas decorridos de uso do
solo e de legislação urbanística, temáticas ainda não evidentes ao cidadão normal. Também surge aí a evidência de um
necessário trabalho constante de divulgação de nosso papel
e dos processos de desenvolvimento e administração da cidade, possibilidades e limitações; os segredos da máquina administrativa, a democratização da informação e a definição
das responsabilidades.
e valores da população, a fim de complementar o proc
participativo formal, a exemplo do questionário cit do p r
o PEU do Méier. Por outro lado, como importantes ag nt
da vida política urbana, em pleno, desenvolvimento, as Assoei·
ções de Bairro podem e devem se aproveitar destas oportunidades para sua própria legitimação e fortalecimento interno.
Destacamos a importância do desenvolvimento
de análise que possam identificar percepções,
As leis e regulamentações do desenvolvimento urbano não
devem, entretanto, apenas insistirem na obrigatoriedade do
Poder Público em obter a "participação comunitária", citando
a expressão como só o fato dela existir no corpo das normas
legais fosse a resposta. O Poder Público deve esclarecer
e regulamentar quais os processos participativos, definir o
papel da éomunidade nos processos decisórios, estabelecer
órgãos mistos e lidar com temas complexos como a questão
dos níveis de representatividade, de poder e de responsabilidade nas diversas etapas da administração pública e implementação dos planos, projetos e programas.
de métodos
expectativas
Finalmente, devemos levantar a questão da forma final que
um PEU deveria tomar para ser implantado. A proposta original e a prática normal da Prefeitura até há pouco tempo
vinham sendo a de instituí-Ios por decreto do Executivo, tanto
por ser a tradição de regulamentar o uso do solo na cidade
quanto por sua praticidade. É evidente que ao permanecer
exclusivamente nas mãos do executivo os projetos ficam
mais facilmente expostos a pressões econômicas e políticas,
como era comum não há muito tempo no Rio de Janeiro.
Nos últimos anos, com a ampliação das práticas democráticas, estas iniciativas Já têm sido apresentadas como projeto-lei à Câmara Municipal; algumas, como vimos, com bons
resultados, outras com alterações substanciais e pouco técnicas por parte dos vereadores.
Entretanto, é evidente qu.e a Câmara Municipal é o fórum
dos representantes mais direto da população e, como tal,
tem o direito e o dever de atuar no controle do desenvolvimento urbano, resguardados pela Constituição. De que forma e em que níveis são questões ainda não-definidas; talvez
nunca exista um modelo, pois cada cidade possui as suas
especificidades e os seus momentos políticos.
F ig u ra 3 .1 6 - A p e s a r
d o s g ru p o s
n a d im e n s ã o
d a s d ific u ld a d e s ,
s e m e x p re s s ã o
s ó c io -c u ltu ra l
c a s o d e s te s s o b ra d o s
p o lític a
id e n tific a r
m as com
d e d e te rm in a d a s
n a L a p a , R io
n e c e s s id a d e s
m u ito
s ig n ific a d o
á re a s , c o m o
é
o
O que se deve tratar de instituir no Rio de Janeiro, para tanto,
é uma lei maior, de caráter amplo, como uma Lei de Desenvolvimento Urbano, amparando uma Lei de Macro-Zoneamento,
que definiriam os grandes objetivos do desenvolvimento da
cidade e as linhas gerais para sua implementação e funcionamento da cidade. Atualmente (1989), o Plano Diretor da cidade
encontra-se em desenvolvimento na Prefeitura e espera-se que
ele venha a contemplar todas estas questões, viabilizando o
seu detalhamento consequente. Continua a prevalecer a idéia
de que os PEUs sejam instituídos através de decretos, em
toda extensão do território. Mas cabe indagar se estes não
deveriam também ser objeto de leis municipais? Entretanto,
como cada instrumento possui suas vantagens e desvantagens,
talvez o ideal seja um processo misto em que num primeiro
momento haja um decreto "congelando" a área, depois a aprovação de uma lei simples de diretrizes locais gerais seguida
de um decreto detalhado do PEU.
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Observação: A data indicada entre parênteses refere-se
ao ano original de publicação do trabalho, enquanto o ano
da edição consultada, se for o caso, aparece ao fim da citação.
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Bibliografia comentada
Os títulos comentados a seguir compõem o que entendemos
ser uma bibliografia básica no campo disciplinar do Desenho
Urbano. Evidentemente, somos limitados pelos trabalhos que
conhecemos e que já tivemos acesso; entretanto, nossa já
longa atuação na área nos faz acreditar termos coberto na
Bibliografia a grande maioria dos títulos importantes existentes.
Nesta Bibliografia Comentada, tratamos de indicar os títulos
que julgamos mais importantes, principalmente para o iniciante, traçando breves comentários sobre seu conteúdo e sua
aplicabilidade. Sempre que possível, nos referimos àqueles
editados no Brasil ou a edições de mais fácil acesso ao público
leitor, principalmente em castelhano.
Para facilitar ao leitor, adotamos a seguinte legenda indicativa
dos campos temáticos abordados pelos títulos:
ALEXANDER, Christopher et aI., "Un lenguage de Patrones", Editorial Gustavo Gilli, Barcelona,
1980.
A "linguagem de padrões" permitiria ao
projeto ser gerado através da "maneira
intemporal de construir", ou seja, reproduzindo qualidades reconhecidamente
existentes na arquitetura vernacular e
nos assentamentos tradicionais. Para isto são discutidos 253 padrões (dimensões ou metas) de desenho, englobando temas que vão desde o planejamento
regional até detalhes de ornamentação
e iluminação da edificação. Este é o
mais importante de uma série iniciada
com título sobre a definição teórica de
"uma maneira intemporal de construir";
outros trazem três aplicações da teoria
e, o mais recente, mostra sua aplicação
a nívei de desenho urbano em uma proposta para área de São Francisco.
APPLEYARD, Donald, "Planning
a Pluralist City: Conflicting Realities in Ciudad Guayana",
MIT Press, Cambridge MA 1976.
Leitura básica para os interessados na
aplicação das teorias e métodos de Kevin LYNCH para o estudo da percepção
espacial. O autor coordenou extenso
trabalho nesta área para o planejamento
de Ciudad Guayana, uma cidade nova
industrial na Venezuela que seria construída a partir de assentamentos já existentes. A partir de profundos estudos
de campo com entrevistas, mapas mentais e de percursos ficaram evidentes
diversos conflitos de imagens, valores
e expectativas entre os grupos populacionais existentes, os novos habitantes
(operários e técnicos) e os próprios planejadores.
ARCE, Rodrigo Perez de, "Urban Transformations: The Architecture of Additions", in Architectural
Design Vol. 48 n~4, Londres, 1978.
Artigo que chama atenção para a importância do estudo das estruturas mais permanentes na evolução das cidades e que
são apropriadas de diversas formas pela
população e pelo tecido urbano. O autor
incorpora a preocupação pela dimensão
temporal e aí encontra embasamento para propor a adaptação de estruturas modernistas que conflitam com morfologias
e modos de vida preexistentes, através
de intervenções "aditivas" (Chandigard,
Unité d'Habitation etc.). Neste caso talvez
o problema do leitor seja o acesso à revista.
AYMONINO,
Carlo, "O Significado das Cidades", Coleção
Dimensões n~ 15, Editorial Presença,
Lisboa, 1984.
Junto com o de ROSSI, este é título
básico no estudo da morfologia urbana.
Após notas de dez anos de aulas na
Universidade de Veneza, o autor objetiva mostrar que é a partir de uma série
de análises específicas capazes de definir as transformações urbanas através
do tempo como testemunhas físicas de
sociais e econômicondicionamentos
cos, que se vai conseguir compreender
o verdadeiro significado das cidades e
promover
uma atuação urbanística
conscienciosa. A hierarquia dos elementos e suas inter-relações morfológicas
são aqui vistas como essenciais; a arquitetura é vista, antes de tudo, como um
fenômeno urbano.
BACON, Edmund, "Design of Cities", Thames and Hudson,
Londres, 1974.
Um amplo estudo sobre o desenvolvimento histórico das cidades, a partir de
seu entendimento como um "indicador
sem piedade do estágio de uma civilização". O autor acredita que uma melhor
compreensão das interações resultantes da multiplicidade de decisões dos
habitantes pode nos dar uma consciência maior de como criar cidades mais
"nobres". Isto se daria se a arquitetura
assumisse que seus "ingredientes" básicos são a massa e o espaço e se a
articulação da cidade se der com base
nos sistemas de movimentos. O texto
é acompanhado de inúmeras e belas
ilustrações e inclui um capítulo sobre
Brasília, que o autor classifica como "o
grande esforço" (uma visita a Brasília,
posterior à primeira edição, fez com que
o autor mudasse radicalmente sua opinião a ponto de alterar totalmente o texto e admiti-Io incluindo, também, a primeira versão).
BAILLY, Antoine, "La Percepcion dei Espacio Urbano", Coleção Nuevo Urbanismo n~ 29, Instituto
Local,
de Estudios de Administracion
Madri, 1978.
Trata conceitos e métodos de estudo da
percepção ambiental na investigação urbanística. Como originou-se na tese de
doutoramento do autor para a Sorbonne,
é trabalho academicamente
bastante
abrangente neste campo temático. A
abordagem é essencialmente geográfica
e parte de uma ampla discussão do estado-da-arte e de definições conceituais sobre as diferentes teorias de percepção
e os diferentes processos de formação
de imagens mentais. O autor faz uma
útil discussão sobre as técnicas existentes para o estudo da percepção do meio
urbano, bem como uma breve discussão
sobre o enfoque comportamentalista (behaviorista) na análise urbana.
BARNETI,
Jonathan, "An Introduction to Urban Design",
Harper and Row, Nova lorque, 1982.
Este é um dos livros mais conceituados
em nossa área nos EUA, principalmente
por sua forma de tratamento da questão
da exequibilidade do Desenho Urbano,
tanto em termos institucionais quanto
do poder privado. O autor foi o responsável pela instituição de um processo
de Desenho Urbano na cidade de Nova
lorque, tendo a seu favor, portanto, prática bastante acirrada. Nos mostra como
desenhar cidades sem desenhar seus
edifícios em um contexto de planejamento capitalista onde regulamentos
devem possuir um dinamismo todo especial em busca de objetivos sociais e
econômicos.
CANTER. David & STRINGER, Peter (org.). "Interaccion Ambiental", Coleção Nuevo Urbanismo n~
26, Instituto de Estudios de Administracion Local. Madri, 1978.
Os organizadores e autores são psicólogos ambientalistas mais reconhecidos
da Grã-Bretanha e o livro é uma introdução bastante abrangente ao tema, pois
propriacobre campos arquitetônicos
mente ditos, como iluminação e conforto térmico, e urbanos, tanto em termos de percepção espacial quanto em
comportamento
dos usuários. Interessante como discussão dos conceitos
aplicáveis e de métodos de estudo.
CASTEX J., DEPAULE J. & PANERAI, P., "Formas Urbanas:
de Ia Manzana ai Bloque", Gustavo
Gilli, Barcelona, 1986.
Segundo os autores, sua preocupação
principal é a "dimensão física da cidade
... esta lógica dos espaços que é contida
na expressão tecido urbano e onde o
lote constitui um elemento determinante". A organização espacial é sempre
vista como determinada/determinante
das relações sociais. Para isto os autores concentraram-se no período do urbanismo já com o sentido moderno do
termo, partindo de uma avaliação das
modificações
de Paris sob o Barão
Haussmann, passando pela análise das
cidades-jardim inglesas da virada do século, pelas extensões de Amsterdam de
Berlage, por Frankfurt de Ernst May e
pela crítica aos paradigmas e práticas
de Le Corbusier.
CULLEN, Gordon, "A Paisagem Urbana",
boa, 1983.
Edições 70, Lis-
O mais importante título sobre a análise
visual da cidade, tendo servido de base
para inúmeros planos, projetos e regulamentações urbanísticas na Grã-Bretanha, país que adotou as teorias e técnicas de CULLEN quase que "oficialmente". Ele trata de mostrar a "arte" da
paisagem urbana, esteticamente compreendida a partir de sentimentos e impressões no observador, numa percepção entendida como uma sucessão de
quadros visuais. Qualidades físico-espaciais como variedade, incidência de luminosidade, desvio de ângulos visuais
etc. são destacadas.
FRAMPTON, Kenneth,"História
Moderna",
Critica de Ia Arquitectura
Gustavo Gilli, 1987.
Um dos títulos recentes mais interessantes sobre a evolução da arquitetura
moderna e seu estado atual. O autor
parte da análise do progresso cultural
e tecnológico do período entre meados
do século XVIII até o começo da II Guerra, para situar o desenvolvimento da arquitetura moderna. Depois, cada capítulo traz uma análise crítica de diversos
arquitetos e grupos representantes de
"correntes",
terminando nas tendências mais atuais. Como todo trabalho
histórico-analítico, não consegue escapar de ser tendencioso a partir dos próprios valores do autor, mas apresenta
importantes conclusões sobre o que
chama "vulgarização da arquitetura e
seu progressivo isolamento da sociedade", ao invés de colocar-se como uma
"redefinição crítica porém criativa das
qualidades concretas do ambiente construído" .
é, na verdade, apenas introdutório a nosso campo disciplinar, abordando conceitos e teorias principais. Sua importância
vem de sua abrangência, simplicidade
de leitura e por sua publicação ter sido
em época oportuna. .
GOODEY, Brian & GOLD, John, "Geografia
mento
especial n?3, Departamento de Geografia, Inst. Geociências, UFMG, Belo Horizonte, 1986.
(f, g)
GEHL, Jan, "Life Between Buildings: Using Public Space",
Van Nostrand Reinhold, Nova lorque,
1987.
Analisando o comportamento dos usuários dos espaços urbanos públicos, este
título representa importante apanhado
das pesquisas deste autor dinamarquês
cujas publicações até há pouco sofriam
da falta de tradução para língua mais
acessível. Parte formando base conceitual sobre a vida nos espaços gerados
entre as edificações e suas qualidades
sociais, passa pela identificação de requisitos para o planejamento, e desenvolve todo um estudo temático da utilização dos espaços públicos e seus efeitos sobre o comportamento dos usuários, como integrar/dispersar,
abrir/fechar, andar, sentar, conversar etc.
GOODEY, Brian, "Participação, Percepção e Desenho Urbano", (org V. dei Rio), Coleção MÓDULO/Universidade n~1, Revista Módulo/Editora Avenir, Rio, 1985.
Organizado a partir das palestras de
GOODEY realizadas no Brasil, este título
do Comportae da Percepção", Publicação
Apostila onde os autores descrevem o
desenvolvimento da área da geografia
que trata do comportamento e da percepção espaciais. Há muito os geógrafos preocupam-se pelo uso do espaço,
objeto primeiro de sua disciplina, e há
uns dez anos têm-se interessado neste
campo de pesquisas. O departamento
de Geografia da UFMG tem-se interessado em promover o desenvolvimento
destes estudos no Brasil, juntamente
com o da Universidade de São Paulo,
campus de Rio Claro.
GOSLlNG, David, "Desenho Urbano", apostila mimeografada, Mestrado em Planejamento Urbano, Instituto de Arquitetura e Urbanismo, UnB, 1976.
(a, c, f, e)
Estas notas de aulas ministradas por
GOSLlNG, quando professor em Brasília, já abordavam importantes temas em
nossa área de estudos, principalmente
relativos à análise visual do espaço urbano. A publicação é de difícil acesso e
possui limitação natural imposta por ser
gerada a partir de notas de aulas e por
não possuir ilustrações.
GOSLlNG, David & MAITLAND,
Barry, "Concepts of Urban
Design", Academy Editions/St. Martins
Press, Londres, 1984.
Importante título abordando as origens
da disciplina, conceitos básicos e áreas
temáticas de atuaçao. Os autores apontam o que seriam problemas de desenho urbano embora pareçam limitá-Ios
a áreas geográficas específicas da cidade. O texto possui inúmeras referências
a exemplos internacionais e é fartamente ilustrado. As conclusões defendem
premissas para o desenho urbano como
participação comunitária, respeito ao
passado e adaptabilidade ao contexto
ambiental, em busca de atuação "minimalista" para estruturação urbanística,
flexível e coerente.
HALL, Edward, "A Dimensão Oculta", Livraria Francisco
Alves Editora, Rio, 1977.
Título básico da ciência do comportamento humano, abordando antropologia
e psicologia. O autor mostra a importância da cultura na determinação dos
padrões e formas de comunicação e,
na percepção esconsequentemente,
sopacial e no nosso comportamento
cial. Inicia-nos em conceitos como de
territorialidade e na "proxemia", estudo
das diversas distâncias adotadas pelo
homem nas diferentes situações sociais, desde a íntima até a pública, e
nas implicações que possuem para o
comportamento e a vida urbana.
HOLLANDA, Frederico de, "O Centro Urbano de Brasília",
mimeografado, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
Brasília, 1975.
Uma das primeiras análises teóricas sobre o centro da Capital enquanto produto físico-espacial e suas implicações sociais. Buscando referências teóricas nos
centros de cidades não-projetadas, onde se expressam as mais altas formas
de convívio, de trocas e de produção
simbólica, o autor comenta como a riqueza ambiental tem sido substituída
pelo simplismo modernista. O centro de
Brasília é objeto de análise e algumas
hipóteses para sua reestruturação são
colocadas, como promoção de animação urbana através da concentração e
da variedade de funções e atividades,
ocupação dos espaços intersticiais entre edificações e incorporação da função
residencial.
HOLLANDA,
Frederico de, "A Morfologia Interna da Capital", in PAVIANI, Aldo (org.) 1985.
O autor parte da premissa que a arquitetura e o urbanismo não determinam a
nossa vontade, mas é inegável que os
processos sociais não são indiferentes
às morfologias e características dos locais onde acontecem. Diversas partes
do Plano Piloto de Brasília são ~nalisadas sob esta ótica, tomando por base
a teoria e os métodos de HANSON &
HILLlER (1979). Constata-se como seus
determinantes físicos encorajam apenas as práticas sociais uniformes e unívocas, sem a complexidade e variedade
que caracterizam
historicamente
as
áreas urbanas, e a privatização dos acontecimentos sociais.
JACOBS, Jane, "The Deat and Life of Great American
Cities: The Failure of Town Planning", Pelican, Middlesex, 1974.
Se tivéssemos de escolher um título
que representasse "onde tudo começou", sem dúvida optaríamos por este
livro publicado pela primeira vez em
1961. Trata-se de uma crítica feroz à
ideologia do planejamento nos moldes
modernistas e em suas práticas e resultados. Exaltando a vida e as qualidades
de lugares como Greenwich Village, em
Nova lorque, a autora defende basicamente os aspectos da vida comunitária,
como segurança e contatos sociais nas
áreas públicas, necessidade de diversidade e concentração de usos, implicações sociais no tamanho dos quarteirões e na densidade. Ela também mostra as razões para o declínio dos centros
urbanos e algumas condições importan-
tes para sua regeneração. Foi o primeiro
texto consistente e de grande penetração a afirmar que os planejadores estavam errados e incutiam seus próprios
valores asséticos e moralistas.
KOHLSDORF, Maria Elaine, "Breve Histórico do Urbano como Campo Disciplinar", in FARRET, Ricardo (org.). "O Espaço da Cidade:
Contribuição à Análise Urbana", Projeto, São Paulo, 1985.
Abrangente análise teórica sobre o desenvolvimento
do urbano enquanto
campo de preocupaçôes das diferentes
disciplinas. Atenção especial é dada à
evolução e caracterização das análises
visual e de percepção ambienta!. A autora mostra como, em relação aos aspectos que dizem respeito à qualidade ambiental, ainda é frágil a pesquisa urbana
no Brasil pois limitamo-nos à prática
sem verdadeiro embasamento científico e ainda concentramo-nos no espacial
unicamente como subproduto do social.
JENCKS, Charles & BAIRD, George (org.), "EI Significado
Blume Ediciones,
en Arquitectura",
Madri, 1975.
Importante coletãnea sobre a arquitetura e o meio ambiente enquanto fenômeno de comunicação, um dos títulos
básicos de semiologia aplicada. Diversos autores colaboram para a qualidade
do livro, com destaque para Charles
Jencks, Geoffrey Broadbent e Christian
Norberg-Schulz (semiologia e arquitetura). Françoise Choay (semiologia e urbanismo). Aldo Van Eyck (tempo, lugar e
significado) e Nathan Silver (arquitetura
como sistemas de pessoas).
KOHLSDORF,
Maria
Elaine
"Manual
de Técnicas
Apreensão do Espaço Urbano",
de
mimeografado, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, UnB, 1984.
(a, e, f)
Apostila de curso que aborda importante temática, resultado de anos de pesquisa pioneira pela autora, docente da
UnB. Partindo de um referencial teórico
que define o processo de percepção e
cognição da mente humana, a apreensão do espaço urbano verifica-se como
processo consciente de referencial imagético. São identificados três níveis básicos para esta apreensão (da percepção, da imagem e dos dados objetivos)
e para investigá-Ios são discutidas as
técnicas de análise sensorial, visual e
tipológica.
KOHLSDORF,
Maria Elaine, "As Imagens de Brasília" in,
PAVIANI, Aldo 1985
A partir da constatação de que hoje Brasília "configura-se como um tecido descontínuo e heterogêneo, composto por
núcleos morfologicamente distintos e fisicamente distantes", ainda que interrelacionados como partes do mesmo todo, a autora identifica e analisa estas
diferentes tipologias urbanísticas. Através de um embasamento de análise visual, principalmente fundamentando-se
na psicologia "gestaltica", verifica efeitos imagéticos, como silhuetas, coroamentos, linhas de força, tipos de malhas, relaçôes espaços abertos/fechados, entre outros conceitos, para classificar a existência de quatro tipos específicos de assentamentos no Distrito Federal, cada um com sua lógica interna:
plano piloto, cidades satélites, acampamentos, invasôes e vernáculo.
KRIER, Rob, " E I E s p a c io U r b a n o " ,
1981.
Gustavo Gilli, Barcelona,
De autoria de um dos arquitetos mais
famosos do pós-modernismo e do contextualismo nas práticas urbanísticas,
este livro se tornou uma fonte de referência para os seguidores
de suas
idéias. Basicamente, KRIER segue uma
postura essencialmente
estética na
composição urbana, a exemplo de Camillo SITTE, buscando a manutenção
das lógicas físico-espaciais tradicionais
da cidade européia. Parte da identificação de uma tipologia de elementos arquitetônicos e urbanos e de uma ampla
crítica aos modelos modernistas, para
chegar a propostas para reestruturação
de áreas do centro de Stuttgart como
exemplos da aplicação de suas idéias.
LANG, Jon, " C r e a tin g
A r c h ite c tu r a l
th e
B e h a v io r a l
T h e o ry :
S c ie n c e s
The
R o le o f
in E n v ir o n -
D e s ig n " ,
Van Nostrand
nhold, Nova lorque, 1987.
m e n ta l
Rei-
Partindo do princípio que a base do conhecimento para a ação de projeto precisa ser melhorada substancialmente, o
autor defende a construção de teorias
da arquitetura mais consistentes e baseadas nas ciências do comportamento.
Este título faz parte da nova geração
de pesquisas norte-americanas que situa a arquitetura no campo abrangente
do "desenho ambiental". A compreensão de fenômenos e processos usuários
embasam-se principalmente no estudo
do comportamentalismo
e da percepção, que são detalhada mente revistos.
LEE, Terence, " P s ic o lo g ia e M e io A m b ie n te " , Curso Básico
de Psicologia, Zahar Editores, Rio, 1977.
Um dos pioneiros trabalhos sobre a psicologia do meio ambiente como enfoque abrangente de análise e atuação em
designo O autor desenvolve base con-
ceitual e analisa os diversos modos como o ambiente construído influencia
nossas percepções, atitudes e comportamentos. São abordados importantes
conceitos como territorialidade, espaço
pessoal e privacidade, comentados diversos métodos de medição de fenômenos e de pesquisa, bem como estudos sobre residências, escolas, hospitais e áreas urbanas.
LYNCH, Kevin (1960). " A Im a g e m d a C id a d e " , Martins Fontes, São Paulo, 1985.
Este é o título mais influente da aplicação dos estudos da percepção ambiental para o desenho da cidade. LYNCH
forma sua base teórica defendendo as
qualidades que fundamentam a formação de uma imagem mental clara nos
usuários: estrutura e identidade, legibilidade e imageabilidade. Estudando Boston, Jersey City eLos Angeles, a partir
de entrevistas e questionários (com obtenção dos famosos mapas mentais de
áreas e percursos). o autor identificou
cinco elementos básicos na conformação destas imagens mentais: percursos, nós, limites, distritos e marcos. São
traçados comentários sobre a utilização
deste método e da aplicação dos achados para o projeto.
LYNCH, Kevin, " M a n a g in g th e S e n s e o f a R e g io n " ,
Press, Cambridge (MA). 1976.
MIT
Este é um pequeno livro com vastos
rebatimentos, propondo um amplo programa de atividades para o planejamento e o gerenciamento territorial (região
e cidade) principalmente no que diz ressensoriais.
peito a suas qualidades
LYNCH apresenta um minucioso glossário de técnicas de investigação que
abordam desde a forma espacial, até
o comportamento
espacial e as imagens; apóia-se em evidências expostas
por estudos descritos que abordam o
nível do sentimento, do comportamento, da formação de imagens, de preferências e valores, do ambiente natural,
e da comunicação e processos educativos. O autor encerra apresentando
exemplos hipotéticos de estudos regionais para a qualidade sensorial.
LYNCH, Kevin, " L a B u e n a F o r m a U r b a n a " ,
Barcelona, 1985.
de se atentar que nos EUA ambos tipos
de estudo são geralmente classificados
em "comportamento
ambiental" (environment-behavior),
MUNFORD, Lewis, " A C id a d e n a H is t ó r ia " , Editora Itatiaia,
Belo Horizonte.
Gustavo Gilli,
Obra máxima de LYNCH que nela busca
a promoção da boa forma urbana e nos
mostra como são inadequados os três
modelos normativos de cidade existentes (cidade como modelo do cosmos,
como máquina e como organismo vivo).
As teorias normativas determinam como a forma deve ser, enquanto o autor
defende não modelos específicos mas
dimensões de performance da forma:
características dependentes primordialmente de suas qualidades espaciais e
que são mensuráveis a partir de seu uso
pelos diferentes grupos de cidadãos.
Ele identifica cinco dimensões inter-relacionadas (vitalidade, senso, congruência, acesso e controle) e dois meta-critérios (eficiência e justiça). O livro termina com alguns exemplos de aplicações
da teoria e apêndices sobre a evolução
de modelos urbanos.
Originalmente publicada em 1961, esta
é obra fundamental de um dos maiores
pensadores urbanistas de nossos tempos, que nela analisa a evolução das cidades e o desenvolvimento do Homem.
O autor defende que a natureza histórica
da cidade deve ser compreendida se
quisermos estabelecer uma nova base
para a vida urbana. Segundo o pensamento humanístico de MUNFORD, a
sociedade humana teria chegado a um
estágio crucial em que terá de se decidir
entre o desenvolvimento de sua própria
humanidade ou render-se às forças quase automáticas de seu alter ego desumanizado, o "homem
pós-histórico",
Para embasarmos esta opção ele propõe uma análise histórica da cidade e
das relações que o Homem manteve
com ela, desde a pré-história e a formação dos primeiros assentamentos, até
a megalópolis.
NORBERG-SCHULZ,
Christian, " G e n iu s
P h e n o m e n o lo g y
MOORE,
(f, g)
Gary, "Estudos de Comportamento
Ambiental",
in SNYDER J. & CATANESE A. (org.),
" In t r o d u ç ã o
à A r q u it e t u r a " , Editora
Campus, Rio, 1984.
Neste livro, o leitor precisa antes de
mais nada precaver-se quanto à péssima tradução que, por vezes, consegue
até distorcer a mensagem dos autores
(para quem puder indico mesmo a edição original norte-americana). Entretanto, o artigo indicado de MOORE é talvez
o texto mais acessível e simples sobre
estudos de percepção e comportamento e seu rebatimento para o projeto. Há
L o c i: T o w a r d s
a
o f A r c h it e c t u r e " ,
Academy Editions, Londres, 1980.
Prosseguindo em suas investigações sobre as implicações psíquicas da arquitetura e do urbanismo, iniciadas em títulos
famosos anteriores como "Intentions in
Architecture" (1963) e "Existence, Space
and Architecture" (1971), este cerebrado
"filósofo" do espaço acredita que se o
meio ambiente influencia os seres humanos, o propósito da arquitetura transcende sua definição funciona lista. Para ele
não existem tipos diferentes de arquitetura, mas apenas diferentes situações
que pedem diferentes soluções para sa-
tisfazer às necessidades físicas e psíquicas do Homem. Baseia-se em conceitos
como "espaço existencial", onde sobressaem as funções psíquicas básicas de
"orientação" e "identidade", e no pensamento de HEIDEGGER, para mostrar que
a arquitetura deve visualizar e materializar
o "genius loci", ou o espírito do lugar.
Suas considerações fenomenológicas
nos levam a um passeio histórico e geográfico d"ls arquiteturas do mundo.
PANERAI P., DEPAULE J, DEMORGON M. & VEYRANCHE
M., " E le m e n ts
d 'A n a lis e
U r b a in e " ,
Archive d'Architecture Moderne, BruxeIas, 1980.
Representa bem a corrente francesa de
estudos morfológicos da cidade, onde
os autores procuram estudar a forma
urbana identificando sua organização,
os elementos de composição, demonstrando sua lógica e descrevendo a sua
estrutura formal. "A análise urbana permite ... definir o lugar teórico do projeto". Os capítulos abordam os temas do
crescimento urbano, perfil fundiário, tipologias edilícias, paisagem, prática social e estruturas urbanas, finalizando
com a proposição teórica em busca de
uma "arquitetura urbana".
po específico do desenho urbano é contemplado principalmente nos excelentes
textos de HOLLANDA e KOHLSDORF,
já comentados, e de MACHADO e MAGALHÃES, onde se adota uma perspectiva antropológica para se discutir as leituras que as diferentes classes fazem da
Capital. a sua representação e seu modo
de vida.
PRINZ, Dieter, " P r o je to s U r b a n o s " , (v o l. 1 ), " Configuração
U r b a n a " , (v o l. 2 1 . Ed. Presença, Lisboa,
1984.
O estudo de manuais deve sempre levar
em conta a sua falta de embasamento
conceitual expresso e que suas indicações de parâmetros não são generalizáveis para todos os contextos; apresentamos este título aqui por sua organização temática constituir bom enfoque
de processo de planejamento físico-territorial, detalhando cada uma das fases.
Em sua parte mais voltada para o desenho urbano o seu enfoque é extremamente visual e paisagístico mas, ainda
assim, útil como recomendações e procedimentos para o estudante.
REZENDE, Vera, " P la n e ja m e n to
tr o
P la n o s
J a n e ir o " ,
PAVIANI, Aldo (org.), " B r a s ília ,
paço
Id e o lo g ia
U rb a n o
em
e R e a lid a d e /E s -
Q u e s tã o " ,
U rb a n o
p a ra
e Id e o lo g ia :
a c id a d e
Civilização
do
Q ua-
R io d e
Brasileira,
Rio,
1982.
Projeto
Editores, São Paulo, 1985.
Para os arquitetos talvez esta seja a mais
interessante coleção de ensaios analíticos sobre nossa Capital já publicada. Diversos níveis e tendências teóricas foram
utilizados na análise deste objeto comum
e de como ele vem respondendo às diversas necessidades impostas desde sua
inauguração, como as políticas, as funcionais-metropolitanas,
residenciais e de
apropriação coletiva ou individual. O cam-
Através de uma análise da evolução das
práticas urbanísticas principais no Rio
de Janeiro, a autora nos fornece uma
boa compreensão do estado atual da
cidade. Os planos Agache e Doxiadis,
o Plano Urbanístico Básico e o Plano
Integrado de Transportes do Metrô são
investigados quanto a seus papéis de
legitimação de ideologias e reprodução
das relações de produção. A análise temática que a autora apresenta nos permite, também, verificar como a dimen-
são físico-espacial da cidade foi perdendo a importância institucional e tornouse subproduto inconsciente da dinâmica
urbana.
ROSSI, Aldo, " A A r q u ite tu r a d a C id a d e " , Edições Cosmos,
Lisboa, 1977.
Um dos expoentes da arquitetura neoracionalista italiana, urbanisticamente
ROSSI é um dos definidores da corrente
pós-moderna "contextualista".
Publicado originalmente na Itália em 1966, as
seguidas novas edições revisadas (também em espanhol. inglês, alemão e francês) atestam a importãncia deste livro.
No prefácio da edição americana, Peter
Eisenman compara ROSSI a Vitruvio,
Serlio e Palladio, atestando a tradição
italiana de análise da cidade e da arquitetura através do seu desenho cuidadoso.
O livro parte de uma crítica ao urbanismo modernista e propõe o estudo da
cidade entendida como fenômeno arquitetônico, dependente acima de tudo
de sua própria história. Ele lida com conceitos de permanência e continuidade,
tipologias, relações e memória coletiva.
A edição portuguesa é de difícil acesso;
existe a espanhola, editada pela Gustavo Gilli (coleção Punto y Linea)
SANTOS,
Carlos Nelson F. dos (coord.). " Q u a n d o a R u a
V ir a C a s a " , Projeto Editora/lBAM,
São
Paulo, 1985.
" A C id a d e c o m o U m J o g o d e C a r ta s " ,
Editora da Universidade Federal Fluminense/Projeto Editora, Niterói/São Paulo, 1988.
ele defendia a necessidade dos arquitetos "voltarem às pranchetas", de lidar
com o objeto próprio da natureza de sua
formação, a organização física das cidades. No primeiro, pesquisa de 1981 do
IBAM coordenada pelo autor, é abordado, com bases teóricas e metodológicas
na antropologia, o tema do inter-relacionamento das esferas pública e privada,
da relatividade destes conceitos,
da
apropriação social dos espaços e em
seus valores diferenciados. Isto é feito
através da análise do Catumbi, tradicional bairro carioca vítima de renovação
urbana, e da Selva de Pedra, área desenvolvida no Leblon segundo moldes modernistas.
No segundo título Carlos Nelson nos
apresenta um texto polêmico que, ao
mesmo tempo, se fundamenta e propõe uma "praxis" transformadora. Como aponta o professor Maurício Abreu
(UFRJ) na apresentação deste livro, seu
autor nunca se amolda plenamente a
esquemas teóricos rígidos e dogmáticoso O espaço urbano é colocado como
"Iocus" de expressão das forças políticas: a cidade, portanto, devendo ser desenvolvida como um jogo de cartas, onde os participantes conhecem e obedecem às regras. Após breve análise do
desenvolvimento da cidade possível no
Brasil, o autor se baseia na experiência
de coordenador do estudo para seis cidades novas em Roraima para traçar
considerações e diretrizes de projeto e
localização dê diversos elementos e sistemas urbanos, tendo o tecido em forma de grelha como princípio ordenador.
SENNET, Richard, " A Q u e d a d o H o m e m
Precocemente
falecido, nosso maior
pensador sobre a cidade nos legou inúmeros textos e coordenou diversos trabalhos importantíssimos
para nosso
campo disciplinar, dos quais destacamos estes dois títulos. Nos últimos anos
n ia s d a In tim id a d e " ,
P ú b lic o :
a s T ir a -
Companhia das
Letras, 1988.
Originalmente publicado em 1974, vem
em boa hora esta edição brasileira do
autor de " T h e U s e s o f D is o r d e r : P e r -
Id e n tity a n d C ity life " ,
(Alfred
Knopf, N.Y., 1970) onde analisa a profunda crise psicossocial e política que
vivemos. Se, no primeiro título, o autor
apontava que o excesso de ordem
ameaçava nossa sociedade urbana, neste livro ele amplia seu raciocínio para
analisar a falência do Homem público.
Traça, por exemplo, um paralelo entre
a crise do Império Romano e os dias
de hoje: em ambos os casos o equilíbrio
entre a vida pública e a privada teria se
perdido; hoje a vida pública é apenas
questão de obrigação formal e a vida
privada o novo foco de nossas energias
emocionais.
sonal
SOMMER,
(g)
Robert, " E s p a ç o S o c ia l" , Coleção Ciências do
Comportamento, Editora Pedagógica e
da Universidade de
Científica/Editora
São Paulo, 1973.
Junto com HALL, o autor é considerado
um dos expoentes do enfoque comportamentalista
da psicologia ambienta!.
Este trabalho pioneiro mostrou que a
pesquisa comportamental
é essencial
para a programação arquitetõnica e urbanística. Ou seja, compreendermos os
significados dos arranjos espaciais e
suas inter-relações com os processos
de apropriação espacial pelos indivíduos
e grupos. Os psicólogos
"behaviocoristas" ou "comportamentalistas"
mo SOMMER, que por muito tempo se
concentraram em técnicas de experimentação em laboratório, expandiram
seus níveis de estudo e desenvolveram
conceitos e métodos úteis aplicáveis ao
estudo dos ambientes
construídos:
neste livro é analisada a organização interna de hospital psiquiátrico, escola,
bar e dormitório de estudantes.
TUAN, Yi-Fu, " T o p o filia :
des
Um
E s tu d o d a P e r c e p ç ã o , A titu -
e V a lo r e s
do
M e io
A m b ie n te " ,
Difusão Editorial, São Paulo, 1980.
Tomando um enfoque geográfico, este
é um interessante estudo sobre o elo
afetivo que nos une a um lugar, definido
pelo autor como "topofilia".
Este conceito parte principalmente de um sentipela
mento vivencial, predeterminado
cultura e experiências pessoais, a partir
das percepções, atitudes e valores que
temos dos lugares. O autor diz que, embora todos os nossos sentidos se reforcem um ao outro na percepção de um
lugar, é o visual que prevalece e é para
ele que se volta a atenção do estudo
da Topofilia. O autor dá seguimento à
sua preocupação no título " E s p a ç o e
L u g a r " , também pela mesma editora.
TURKIENICZ, Benamy (org.). " D e s e n h o U r b a n o (V o lu m e s
1 ,1 1 e 1 1 1 ", Anais do I SEDUR, Cadernos
Brasileiros de Arquitetura 12 a 14, Projeto Editores, São Paulo, 1984.
TURKIENICZ, B. & MALTA, M. (org.l. " D e s e n h o U r b a n o " ,
Anais do II SEDUR, Editora Pini, São
Paulo, 1986.
(a, b, c, d, e, f, g, h) Entre as publicações na área do Desenho
Urbano no Brasil, sem dúvida destacamse os anais dos dois seminários promovidos pelo Departamento de Arquitetura
e Urbanismo da UnB, sob tutela principal
de Benamy Turkienicz. Por duas vezes
juntaram-se os responsáveis e interessados pelas experiências no setor, em discussões e publicações que, no mínimo,
servem de iniciação obrigatória ao panorama nacional do tema.
Os ensaios contidos nos dois anais são
numerosos, portanto, não comentaremos todos. Destacaríamos no primeiro
título os de TURKIENICZ, HOLLANDA,
SANTOS, KOHLSDORF & BICCA, BARBOSA & VIANNA, KRAFTA & AGUIAR,
OLIVEIRA. CARVALHO. PEREIRA. CANEDO & BIENENSTEIN e GASTAL. Pode-se dizer que os trabalhos mostram
duas preocupações principais: relacionar os processos sociais com a produção e apropriação das formas urbanas.
e recuperar o papel do arquiteto na compreensão das lógicas espaciais e na estruturação da cidade.
Do segundo título. organizado tematicamente. destacamos os ensaios teóricos
de COMAS. KRAFTA. SANTOS e SAMPAIO; os que analisam a forma ou a
imagem urbana de MACEDO. CURTIS
et aI. e NISHIKAWA; aqueles que lidam
com a preservação/revitalização
de
áreas centrais. PINHEIRO. ANDRÉS e
BICCA et ai. os relativos a assentamende MAGALHÃES
e
tos espontãneos
VASCONCELOS et aI.; e aqueles que
discutem experiências
de cidades e
áreas novas de SILVA et aI.. ZIMBRES
et aI. e DEL RIO. Neste seminário. além
da confirmação das duas preocupações
principais que destacamos no I SEDUR.
observou-se um crescimento da preocupação pela preservação e revitalização urbana. refletido em diversas importantes experiências brasileiras.
ZEISEL. John " In q u ir y
b y D e s ig n : T o o ls fo r E n v ir o n m e n t-
R e s e a r c h " . Cambridge
versity Press. Cambridge. 1984.
B e h a v io r
Uni-
Este é um dos mais completos títulos
para o iniciante nos estudos das relações Homem/meio ambiente como embasamento para as decisões de projeto.
O autor define como meio ambiente os
atributos (físicos. administrativos e sociais) dos lugares onde as pessoas vivem. trabalham e se divertem. O livro
está dividido em duas partes: na primeira. o autor discute conceitualmente
as
relações entre pesquisa e projeto. os
possíveis campos de colaboração entre
o estudo ambiental e o trabalho do arqui-
teto e as caracferísticas da pesquisa social aplicada. Na segunda. são discutidos métodos e instrumentos de pesquisa ambiental. como a observação sistematizada de aspectos físicos e do
comportamento ambiental. a confecção
de questionários e entrevistas. O autor
expõe as possibilidades e limitações de
cada método e instrumento.
C r é d ito s d a s ilu s tr a ç õ e s
1 -in GOODMAN 1971; cortesia Elaine MARKSON L1TERARY
AGENCY
13 - in GOSLlNG & MAITLAND
GOSLlNG
1984; cortesia David
15 - in GOSLlNG & MAITLAND
GOSLlNG
1984; cortesia David
16 - in L'Architecture D'Aujourd'hui n~217, Paris, 1984;
cortesia GROUPE EXPANSION
scon
5 - in
1969; cortesia Planning Department.
CINCINNATI
CITY OF
6 - in catálogo da exposição Affonso E. REIDY, Solar
Grandjean de Montigny/Editora INDEX, Rio, 1985; arquivo
Solar Grandjean de Montigny/PUC-Rio
20 - in PROCESS n~3, Toquio, 1977; cortesia Chad Floyd,
Center Brook Architects
10 - in BLAKE, Peter "Gods Own Junkyard"
& Wilson, Nova lorque, 1974
Holt. Reinhart
21 - in GOSLlNG & MAITLAND
GOSLlNG
1984; cortesia de David
27 - lato Kevin Cole, in BLAKE 1974; cortesia THE BOSTON
HERALD
28 - baseado em ilustração de RABINOWITZ, Harvey
"Avaliação Pós-úcupação" in SNYDER J. & CATANESE
A. (org.), " In tr o d u ç ã o à A r q u ite tu r a " ,
Editora CAMPUS, Rio, 1984
46 a/b - in TRAN CIK 1986; cortesia VAN
NOSTRAND-REINHOLD
31 - in MARTIN L. "The Grid as Generator" in MARTIN &
MARCH 1972, pág. 21; cortesia do autor
36 - in CITY of SAN FRANCISCO s.d.; cortesia Dept. 01 City
Planning, City and County 01 San Francisco
39 - de folheto turístico;
MUSEUM
cortesia SOUTH STREET SEAPORT
40 - cortesia PENNSYLVANIA AVENUE DEVELOPMENT
CORPORATION
60 - in STERN Robert "Modern Classicism" RIZZOLl, Nova
lorque, 1988; cortesia de RIZZOLl International
64 - in GOSLlNG & MAITLAND
GOSLlNG
1984; cortesia de David
85 - in APPLEYARD 1981; cortesia UNIVERSITY OF
CALlFORNIA PRESS
91 a - foto arquivo Manchete;
Engenharia
cortersia João Fortes
92 a/b - ilustrações de Jorge B. AZEVEDO a partir de fotos
do autor
95 d - ilustração de Jorge B. AZEVEDO a partir de foto do
autor
79 - in BENTLEY et ai. 1985; cortesia Butterworth
Arch itectu re
97 - in City of San Francisco s.d.; cortesia Dept. of City
Planning, City and County of San Francisco
99 - in CUTLER & CUTLER 1983; cortesia VAN
NOSTRAND-REINHOLD
Anexo 1 - todas as fotos e ilustrações são do autor, com
bases cadastrais e aerofotogramétricas da FUNDREM, 1981,
exceto figura 1.3 (Foto cortesia de Sidney Waissman)
Anexo 2 - todas as fotos e ilustrações são do autor, exceto
2.1 e 2.4 cortesia do Dept. of Planning, City of Baltimore
3.1 - desenho de Jorge B. AZEVEDO com base em FONTES,
COELHO, REIS & NEVES 1986
3.15 - mapa elaborado por entrevistado
campo, 1986
em trabalho de
314 e 3.16 - fotos de Zeca UNHARES; cortesia Rio
Arte/Escritório Corredor Cultural
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I
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A u to r:
• Nascido no Rio de Janeiro em 1955,
arquiteto (FAU/UFRJ 1978), especializado
em Planejamento Urbano (UERJ 1979) e
Mestre em Desenho Urbano (Oxford
Polytechnic 1981); doutor em
Estruturas Ambientais Urbanas (FAU/USPL
• Trabalhou na Fundação para o
Desenvolvimento da Região Metropolitana
no Rio de Janeiro, na Secretaria Municipal
de Desenvolvimento Urbano e no
Department of Housing and Community
Development, Baltimore, EUA (programa
Partners of the AmericasL
• Dedica-se ao ensino e à pesquisa desde
1979. Foi Senior International Fellow da
Johns Hopkins University, Baltimore,
Professor visitante na University of
Sheffield, e atua como Professor visitante
do curso de especialização em Percepção
Ambiental 'e Espaço Urbano,
Departamento de Geografia da UFMG.
Foi Professor visitante e conferencista em
diversas outras instituições no Brasil e
exterior.
• Recebeu o Prêmio "Olga Verjovski",
XXVIII Premiação Anual do IAB-Rio, 1990.
• Atualmente é Professor adjunto da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, e
presta consultoria em Desenho Urbano.
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Este trabalho trata do
papel e possibilidades
Seu campo disciplinar
de morfologia urbana,
Desenho Urbano, suas origens, definições, teorias e metodologias básicas,
no processo de planejamento.
é abordado, aqui, através de teorias e metodologias organizadas nas categorias
análise visual, percepção e comportamento ambienta!.
o Desenho
Urbano, organização trsico-ambiental das cidades, é importante e atual temática no Brasil,
face à situação de verdadeiro caos ambiental da maioria de nossas metrópoles e ao momento de
redefinições acadêmicas e profissionais por que passam nossas universidades.
" ... um livro altamente significativo. Vicente dei Rio é um dos teóricos urbanos de ponta no Brasil
e sua pesquisa em desenho urbano começou a cobrir o abismo entre o planejamento urbano e o
projeto de arquitetura ...( )... é apenas através de tão profundas investigações que estratégias racionais
de ocupação territorial podem ser propostas de uma maneira lógica." (da apresentação, David Gosling,
diretor do Centro para Desenho Urbano, Universidade de Cincinnati, EUA).
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