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A NATUREZA CONTEMPORÂNEA DA ARTE Organização: Paulo Cezar Barbosa Mello A NATUREZA CONTEMPORÂNEA DA ARTE Capa Editorial Sumário São Paulo | PMStudium | 2014 Campo Grande | MS | Brasil | PMStudium Comunicação e Design | outubro | 2014 Coordenação: Paulo Cezar Barbosa Mello Desenvolvimento e produção: PMStudium Com e Design Projeto Gráfico e organização: PMStudium Comunicação e Design I S B N : 9 7 8 - 8 5 - 6 2 8 14 -12 - 9 Ficha catalográfica elaborada por PMStudium Comunicação e Design CIANTEC’14 - VI Congresso internacional em Artes, Novas Tecnologias e Comunicação: A Natureza Contemporânea da Arte - Coordenação: PC Mello. MARCO - Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul - Campo Grande, 2014. 415 Páginas 127 Imagens 30 Vídeos 1. Arte. 2. Arte Educação. 3. Contemporâneidade. 4.Comunicação. CDD - 700.105 Capa Editorial Sumário Os textos aqui apresentados, sua ortografia, suas referências e desenvolvimento são de inteira responsabilidade de cada autor. CIANTEC’14 congresso COMITÊ CIENTÍFICO inês MéciA Albuquerque MAriA Aveiro - PT UFRN dO M A r vá z q u e z internacional em artes novas tecnologias A l e c s A n d r A M At i A s e comunicação OliveirA liliAne lerOux MArizA reis MAC USP FEBF UERJ Mackenzie ECA USP / Anhembi lOurdes GAbrielli MiriAn celeste MArtins Morumbi Mackenzie / PUC SP Mackenzie Capa cA r M e n A r A n h A MArcOs rizOlli PA u l O c e z A r M e l l O Editorial MAC USP / PGEHA Mackenzie / Belas Artes ESPM / USP elzA AjzenberG MAriA ECA USP / Centro Mario riObOM reGinA l ArA Schenberg IADE - PT Mackenzie A n A M A e bA rbO sA Sumário Página - 4 de lOurdes CIANTEC’14 O CICLO PERFORMÁTICO DA OBRA DE ISMAEL NERY NA DANÇA CONTEMPORÂNEA SUMÁRIO a il a r egina congresso internacional APRESENTAÇÃO 6 Paulo C ez ar B arBosa M ello e comunicação s ilva ZOEIRA “NEVER ENDS”: A VIRALIZAÇÃO DE EVENTOS FAKES NO FACEBOOK COMO UM TIPO DE MEME? 65 a lessandra M aia | P ollyana e sCal ante em artes novas tecnologias da 58 NOS BASTIDORES DAS MONTAGENS A EMERGÊNCIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA NO MAC USP a leCsandra M atias de 7 o liveira “TERRITÓRIO LIVRE”: ARTE CONTEMPORÂNEA CRIAÇÃO DE MUNDOS POSSÍVEIS: ENCONTROS ENTRE ARTE E NATUREZA 78 a na terez a P rado l oPes 19 e l z a a jzenBerg A IMAGEM SOB O VIÉS DA COMPLEXIDADE: UMA PROPOSTA SISTÊMICA E PROCESSUAL PARA A FOTOGRAFIA 86 C aMil a M angueira s oares AS ESTÉTICAS SENSORIAIS. CORPO E NATUREZA NA ARTE CONTEMPORÂNEA. 25 M arCos r izolli DAR-SE COMO COISA QUE OUVE: AFETOS DE SONORIDADE NA OBRA ESCUTO HISTÓRIAS DE AMOR, DE ANA TEIXEIRA d aniele P ires DO MITO À CONTEMPORANEIDADE A TORRE DE BABEL NA ARTE CONTEMPORÂNEA M aria Capa Editorial Sumário de l ourdes r ioBoM C astro A ARTE DE TRANSIÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DIFERENTES FORMAS DE SE COMUNICAR PELA ARTE DIGITAL 106 d orisdei valente r odrigues O CONSUMO COMO INCLUSOR SOCIAL: O EMBATE ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE CLASSE C, A ABERTURA EDUCACIONAL E SOCIAL ADQUIRIDA ATRAVÉS DO CONSUMO. r oBerta vieira Página - 5 33 de 95 44 A UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO COMO LINGUAGEM NA ARTE E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 119 d orisdei valente r odrigues CIANTEC’14 POSSIBILIDADES DE USO DA GAMIFICAÇÃO COMO MEIO DE ESTÍMULO AO PENSAMENTO CRIATIVO EM COMUNICAÇÃO 127 FaBríCio M ário M aia Fava congresso internacional em artes novas tecnologias j osé M arCos C avalCanti d e C arvalho ANIMAÇÃO POR STOP – MOTION: UM ESTUDO COMPARATIVO DOS FILMES A NOIVA CADÁVER (TIM BURTON, 2005) E DOSSIÊ RÊ BORDOSA (CÉSAR CABRAL, 2008) FiliPi C ésar r odrigues C ardoso da NATUREZA, POÌESIS E RITO EM MICHELANGELO FRAMMARTINO 136 GRAFFITI/STREET ART: CONSIDERAÇÕES FUNCIONAIS SOBRE A CONVERGÊNCIA DE SIGNOS, LINGUAGENS E MENSAGENS EM REDE s ilva REPENSANDO A DANÇA NO AMBIENTE ESCOLAR: PROCESSOS CRIATIVOS E COREOGRÁFICOS de M oura d iniz | j ulyana B atista 151 de K eller r egina viot to d uarte | et a ll EDUCAÇÃO DESORDEIRA: POÉTICAS DAS INFÂNCIAS EM VIDEO-ARTE “EXERCÍCIOS EM ESPERA”: DESENHO EXPANDIDO E PRÁTICA POÉTICO-PEDAGÓGICA de 218 vasConCelos | M iChelle a PareCida g aBrielli g regório s oares r odrigues 209 j uliana a lvarenga F reitas e comunicação g iselle l uCena A REPRODUÇÃO TÉCNICA DIGITAL E A TRANSPOSIÇÃO ARTÍSTICA DA REALIDADE CONTEMPORÂNEA. 201 K risChna s ilveira d uarte 157 o liveira PRÁTICAS ARTÍSTICAS LOCATIVAS: POR UMA CRÍTICA À GEOGRAFIA URBANA 233 170 INSTINTO E IMPERMANÊNCIA EM INTERFACES INTERATIVAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE TEMPO E ESPAÇO NO APLICATIVO DIGITAL “BJÖRK: BIOPHILIA”. l iene n unes s addi | j osé e duardo r iBeiro de 249 Paiva g uilherMe r ezende l andiM Capa Editorial Sumário TRANSFORMAÇÕES E NOVAS TENDÊNCIAS MUSEOLÓGICAS NA SOCIEDADE HIPERMIDIÁTICA CONTEMPORÂNEA j anaína Q uintas a ntunes | P risCil a z anganat to M aFra 185 NARRATIVA E IMAGEM: UMA REFLEXÃO SOBRE O TRABALHO HALLEY II RESEARCH STATION: FIRST IMPRESSIONS & THE BEGINNINGS OF A CONCEPTUAL APPROACH DE VITO ACCONCI l ílian s oares | C arlos M urad Página - 6 263 CIANTEC’14 O DIA EM QUE A REFLEX NÃO SAIU DA MALA 269 l uCiano d enardi a l arCon O ENSINO DE ARTES NA CONTEMPORANEIDADE: UM OLHAR SOBRE A PRODUÇÃO ARTÍSTICA DA CRIANÇA. PatríCia volPe congresso internacional CORPOS E MÁQUINAS NA ARTE CONTEMPORÂNEA: DUAS EXPERIÊNCIAS NO CCBB SP 275 M arCos j osé M antoan 357 s antos dos O PROCESSO CRIATIVO COMO MODO DE APRENDIZAGEM 363 PatriCia C eCília B urrowes em artes novas tecnologias e comunicação O PATRIMÔNIO CULTURAL INVISÍVEL 284 M aria l uCia B ighet ti Fioravanti DIÁLOGOS POÉTICOS: O MUSEU E A ESCOLA P edro l uiz r iBeiro 292 M aria i nês M oron Pannuzio ENTRE A ICONOLOGIA E A SEMIÓTICA: A FANTASIA NO TRABALHO FOTOGRÁFICO DE CHARLES DODGSON. 308 M ariana h ossein F ontes ARTE CONTEMPORÂNEA NA PÓS-MODERNIDADE: ARTE COMO GRIFE ÉTICA E POLÉMICA EM HABACUC GUILLERMO VARGAS 323 335 n uno Mi guel C huva vasCo Editorial Sumário CINEMA RELACIONAL: PERSPECTIVAS E HORIZONTES n yCol as a lBuQuerQue Página - 7 de 344 371 s anti ENSINO DO DESIGN DE COMUNICAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DE CONTROLAR O CONTEÚDO - LINGUAGENS E SABERES QUE DÃO FORMA A UMA PROFISSÃO 377 s andra C ristina g onçalves da s ilva A IMAGEM VISUAL ENTRE LUGARES E NÃO-LUGARES NOS FILMES PARIS, TEXAS E MATRIX. n orBerto s tori Capa PAINEL ESPM - UMA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM valdeCi r iBeiro da g aMa REFLEXÕES SOBRE OS ACOMODAMENTOS E INCOMODAMENTOS TECNOLÓGICOS DA ARTE CONTEMPORÂNEA venise PasChoal 390 de M elo e l uCiana M artha s ilveira 403 APRESENTAÇÃO Mais um CIANTEC. Uma vez mais conseguimos reunir mentes pensantes, produto- ras e questionadoras de ideias. Pontos de vistas que divergem e adicionam cada vez mais possibilidades de se repensar. A natureza contemporânea da arte, é o tema que permeia esta edição. A proposta fundamental do tema é ser abrangente o suficiente para permitir múltiplas abordagens e ao mesmo tempo em torno de uma realidade única, o momento atu- al, distante de uma historicidade importante, mas muito próxima à observação do cotidiano corrente. A troca de experiência e a vivência do atual com todos os parâmetros esperados e inesperados. Chamadas à ação com vistas não mais ao futuro, mas ao presente. Ativis- mos que fazem a arte ser natural e ao mesmo tempo contemporânea, sem a necessidade de rótulos. A edição anterior do CIANTEC, que tinha por tema as imbricações da cultura con- temporânea à popular, foi realizado no Inhotim. O espaço é em sua essência a natureza e a arte contemporânea, no entanto o foco foi em torno dos elementos da cultura e não da natureza. O resultado extraído é que a contemporaneidade é tão natural que acaba por ser invisível assim como o natural. Portanto coube a esta edição verificar o que é realmente naturalmente contemporâneo, principalmente os artivismos e pensamentos ecológicos. Sem limitações e levando ao âmbito máximo do encontro, a transdisciplinaridade permite abordagens infinitas e muito pertinentes. Desde a fenomenologia da comunicação até os princípios estéticos e filosóficos da contemporaneidade este encontro reúne mentes Capa Editorial Sumário inteligentes e ávidas por compartilhar seus resultados. Nas próximas páginas temos o resultado desta grandiosa edição. NOS BASTIDORES DAS MONTAGENS A EMERGÊNCIA DA ARTE CONTEMPORÂNEA NO MAC USP ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA Doutora em Artes Visuais Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação MAC USP Ibirapuera, 2013 | Fotografia: Elaine Maziero “A memória guardará o que valer a pena. A memória Capa Editorial sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que me rece ser salvo”. Eduardo Galeano. Sumário Quando o público toma o espaço expositivo não existem mais os indícios da montagem: os painéis já foram erguidos; a tinPágina - 10 etiquetas foram revisados e aplicados; a movimentação de montadores, de produtores, de curadores e de conservadores ficou na memória daqueles que participaram do processo. Tudo disponível para que o visitante possa ter uma experiência junto às obras de arte. É incomum a permanência de público durante o desenvolvi- mento e a montagem de exposições. Isto porque naquele “universo controlado”, cada qual tem sua função, previamente estabelecida; as ações são programadas e envolvem risco às obras e ao público ta secou; as obras estão em seus devidos lugares; a iluminação não habituado àquele ambiente, além disso, há um cronograma e a climatização estão adequadamente instaladas; os textos e as que rege a vida de todos os profissionais envolvidos naquele tra- CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira balho. Atrasos e improvisos existem, mas não são bem vindos, es- poucas. O prédio tinha os resquícios da recente reforma: muita mesmo frente a todas as adversidades, o mistério que envolve os internet e ainda com os andares superiores não completamente pecialmente os provocados por agentes externos à ação. Porém, poeira, restos de construções, sem acesso a rede telefônica ou de bastidores dos museus e, aqui, particularmente o museu de arte internacional contemporânea instiga a curiosidade dos que não têm a oportuni- finalizados. Mesmo assim, a curadoria, a equipe de produção e a em artes dade de presenciar essa atividade: quem nunca tentou observar a ções no desenvolvimento da sinalização (particularmente, a partir novas tecnologias movimentação que ocorre depois de uma fita de isolamento? Dian- de uma etiqueta fixada no chão que poderia ser branca ou preta e comunicação te de uma placa escrita “exposição em preparo”? Agora, imagine de acordo com o piso de instalação) marcaram a resolução dos Em 2012, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade reforma e que realizavam pequenos trabalhos, olhavam curiosos a congresso sua reação frente à montagem de um museu inteiro! conflitos. Do lado de fora, os poucos operários, que restavam da de São Paulo (MAC USP) recebeu o edifício do Palácio da Agricul- entrada daquelas caixas de madeira que traziam peças de bronze, tura, onde funcionava o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (DETRAN). Na verdade, as tratativas para a ocupação daquele lugar pela arte já era algo discutido desde 2005 – o intervalo entre esses anos se deu pelas idas e vindas de projetos artísticos, arquitetônicos e políticos que chegaram a um denominador comum somente em 2012. Àquela época, as reformas e adaptações do edifício estavam em estágio final. Era preciso ocupar! Capa Editorial Sumário A primeira ideia foi colocar peças tridimensionais no térreo do edifício – origem da curadoria da mostra O Tridimensional no Acervo do MAC USP: Uma Antologia. Era uma leitura, a partir de 18 peças, sobre as transformações estéticas, dos materiais e das grandes questões que cercam o conceito de tridimensional pós-II Guerra Mundial, envolvendo artistas nacionais e internacionais que Página - 11 de conservação resolveram os problemas. Plantas e experimenta- marcaram a História da Arte. Contudo, as dificuldades não eram ferro retorcido, inox e tecido. A cada abertura das caixas, um “novo mundo” emergia para os operários e, também, para os montadores da mostra. A exposição ficou disponível ao público no dia 28 de janeiro e dava o ritmo do que seria a ocupação ao longo dos anos de 2012 e 2013. Ainda restavam 8 andares e um edifício anexo para que o MAC USP estivesse pleno com seu acervo no Parque Ibirapuera (São Paulo/SP). CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário Montagem da Exposição O Tridimensional no Acervo MAC USP: Uma Antologia – térreo do MAC USP Ibirapuera, 2012. O térreo não era propriamente um espaço expositivo. No projeto inicial do novo museu, o térreo seria um lugar de distriPágina - 12 buição e encontro do público – algo mais livre, sem painéis ou paredes museográficas. Porém, foi um desafio vencido. As obras tomaram o espaço de forma integrada. A frequência de público se deu de modo tímido, afinal, era a reforma do prédio o que atraia mais. Nos bastidores, pairava a seguinte indagação: como um lugar marcado pela burocracia estatal seria ressignificado no espaço urbano? E, note que não era qualquer local da cidade – era o Parque Ibirapuera, dotado de diversos aparelhos culturais e de CIANTEC’14 lazer para a população!? papel, alumínio, tecido, ferro, bronze – tudo junto). Esquemas de nistrativamente e economicamente para o processo de ocupação vam se alinhar. As propostas partiam da contemplação para a in- Com três sedes, o MAC USP precisava se organizar admi- congresso do edifício por completo. O que selecionar e mostrar a partir de internacional cerca de 10 mil peças? Qual seria a programação? Como seria a em artes estratégia de transporte e seguro das obras que estavam na Ci- novas tecnologias dade Universitária e deveriam ser deslocadas para a nova sede? e comunicação Quais esquemas de produção, conservação e de montagem deveriam ser adotados? Além dessas decisões, era premente assegurar sistemas de eletricidade, climatização e internet ao novo edifício. Eram muitas ações que deveriam ser desenvolvidas antes da con- tinuidade da ocupação. Convém lembrar que até aquele momento, a equipe desdobrava-se entre as sedes (MAC USP Ibirapuera – 3º. andar do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, Parque Ibirapuera – MAC USP Cidade Universitária e MAC USP Anexo – ambos no campus). Todas as sedes com exposições e eventos ininterruptos. No início de 2013, duas exposições marcaram a definitiva ocupação: MAC 50: Doações Recentes I e II. Eram mostras que Capa Editorial Sumário deram início às comemorações dos 50 anos de fundação do MAC USP e, ao mesmo tempo, revigoravam o acervo do Museu, uma vez que eram doações de obras importantes de artistas que representavam o cenário atual das artes visuais no Brasil. As peças espalharam-se pelo térreo e mezanino do prédio principal. Eram grandes, pequenas e subversivas, tal como a arte contemporânea Página - 13 Alecsandra Matias de Oliveira sempre se apresenta. Os materiais eram diversificados (madeira, montagens, plantas e adaptações às condições prediais precisa- teração com o público. Naquele momento, a estrela ainda era o edifício com traços de Oscar Niemeyer e suas dimensões espetaculares. Térreo e mezanino já estavam disponíveis. O público não tinha acesso aos andares-padrões e ao 8º. andar – local de uma vista panorâmica sem igual na cidade de São Paulo. Nos bastidores a equipe do MAC USP vislumbrava que não seria fácil domar aquele gigantesco “cubo branco”. CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário Montagem da Exposição MAC 50 Anos Doações Recentes, térreo e mezanino no MAC USP Ibirapuera, fevereiro, 2013. Em seguida, o desafio partia do anexo do MAC USP: um Página - 14 piso inferior com generoso pé direito, contrastando com um me- zanino igualmente difícil por ser estreito e de teto rebaixado. Não seriam quaisquer propostas que integrariam aqueles dois espaços. O MAC USP selecionou as proposições de Mauro Restiffe e Carlito Carvalhosa. Eram projetos grandes! Foram cerca de 30 meses entre a proposição dos projetos e a realização da montagem de cada mostra. Mauro fotografou a readequação do edifício CIANTEC’14 do antigo DETRAN em Museu. A construção civil foi registrada em 15 fotografias de grandes dimensões, em preto e branco, e que ocuparam o congresso mezanino do anexo. A mostra chamou-se OBRA. internacional Mauro Restiffe. Já Carlito Carvalhosa, entrou no em artes piso inferior do anexo com uma grande equipe de novas tecnologias montadores, empilhadeiras, roldanas e enormes e comunicação Alecsandra Matias de Oliveira questões estéticas que levantam o que naquele espaço parece ser seu destino: a exibição de obras contemporâneas que necessitam da relação direta espaço-obra-público. toras de madeiras (na verdade, postes de rede elétrica reciclados). Por dois meses, o espaço tornou-se um canteiro de obras – semelhante a construção civil. O conjunto composto por movimentação e materiais erigiu a instalação Sala de Espera. Carlito Carvalhosa. O público percorria os caminhos permitidos – e não tão cômodos – formados pelos postes. Porém, não sabia que por trás do lúdico havia uma extensa rede de profissionais envolvidos em cálculos estruturais, desenhos arquitetônicos, esquemas de seguranCapa ça, projetos de iluminação e inspiração artística. Editorial Hoje, o espaço anexo continua seguindo a fór- Sumário mula de obras extremamente contemporâneas e com intensa interação entre obra e público. Atualmente, Cenários. Vânia Mignone (mezanino) e Transarquitetônica de Henrique Oliveira (piso inPágina - 15 ferior) vêm impressionando público e crítica com Montagem da Exposição OBRA. Mauro Restiffe, MAC USP Ibirapuera (anexo), março, 2013. CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário Montagem da Exposição Sala de Espera. Carlito Carvalhosa, MAC USP Ibirapuera (anexo), março, 2013 É necessário dizer que o grande desafio ainda não era o espaço anexo. Era, sim, o primeiro andar-padrão a ser ocupado! Esse Página - 16 andar era dividido em duas Alas A e B, assim como os 6 restantes. O escolhido foi o sétimo andar. Na Ala A, uma exposição coletiva e na Ala B, uma individual de um artista expressivo do Acervo. Nes- sas duas montagens, o espaço colocava suas dificuldades. O pé direito era baixo e as paredes não poderiam ser utilizadas de modo museográfico. Além disso, saídas de ar, colunas e aparelhos de segurança se impunham de modo nada discreto. Como fazer com que as obras pudessem ocupar o espaço central com tantas inter- CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira venções prediais e, mais ainda como expor o Acervo MAC USP de forma renovada para o novo público que se formava desde 2012? Em abril de 2013, abriam-se as mostras Di Humanista e o congresso Agora, o Antes: Uma Síntese do Acervo MAC. Di Humanista trazia internacional 67 obras de Emiliano Di Cavalcanti. As temáticas abordadas pelo em artes artista eram tratadas com sensibilidade e tonalidades gradativas – novas tecnologias cores nos painéis indicavam cada nucleação. Como muitas obras e comunicação eram desenhos e aquarelas, com suporte em papel, a iluminação da mostra foi reduzida (uma medida de conservação, mas que proporciona um ar intimista à exposição). A disposição das obras demonstrava único o objetivo: mostrar a preocupação de Di com a paisagem social do país, especialmente os tipos populares, os pescadores, os trabalhadores, os homens e as mulheres. Vale aqui um esclarecimento: as mostras monográficas que foram adotadas sempre na Ala B de cada andar tomavam como respaldo a quan- Montagem da Exposição Di Humanista, MAC USP Ibirapuera, tidade de obras que o artista teria no Acervo – no caso específico 7 º. andar, Ala B, abril, 2013 de Di Cavalcanti, sua representatividade era calcada na presença de 500 desenhos do artista. Esse critério se repetiu para a eleição Já o Agora, o Antes: uma síntese do Acervo MAC trazia 85 das mostras José Antonio da Silva em dois tempos; Os Volpis do obras pertencentes ao Museu e a missão de proporcionar ao públi- Editorial MAC; Julio Plaza Indústria Poética; León Ferrari: Lembranças de Sumário Meu Pai; Hudinilson Junior: Em torno de Narciso e Rafael França: porâneo e universitário. A curadoria optou por fazer uma revisão Capa entre Mídias, exceto as duas últimas, todas inauguradas ao longo de 2013. Página - 17 co um demonstrativo do que era ser um museu moderno, contemcrítica dos gêneros tradicionais da arte (alegoria, retrato, paisagem e natureza-morta), evidenciando a convivência em um mesmo espaço de objetos ou registros de ações originados em tempos e lugares distintos. A inauguração desta primeira mostra temática foi CIANTEC’14 acompanhada pela abertura do 8º. andar ao público – a vista panorâmica completava a magnitude do edifício localizado no Parque Ibirapuera. Ali, hoje, está também a exposição Pintura como Meio: congresso 30 Anos Depois – no espaço, onde originalmente foi projetado Alecsandra Matias de Oliveira Nesse ponto, torna-se relevante lançar olhos sobre o pro- cesso de produção de mostras de arte. Inicialmente, o trabalho parte do conceito curatorial e da lista de obras que pode sofrer pequenas modificações ao longo da cadeia de produção (esta so- internacional para o restaurante. Foi também durante a montagem de o Agora, o em artes Antes que a equipe MAC USP observou as especificidades que o novas tecnologias edifício colocava para o abrigo da arte moderna e contemporânea lineiam a base do projeto museográfico (ou desenho expográfico). servação que iria orientar as demais montagens. estabelecem as relações estéticas e espaciais existentes entre as e comunicação e, principalmente pôde conhecer o processo de produção e con- mente pode ser considerada como definitiva a partir da fixação das obras nos seus lugares). O conceito curatorial e a lista de obras de- No momento da elaboração deste projeto, curador e museógrafo obras selecionadas; escolhem-se cores, tipo de iluminações, de suportes (molduras, bases, totens, painéis e outros módulos necessários para a exibição das obras) e, compõem-se, ainda, toda a comunicação visual da mostra (etiquetas, títulos, verbetes, plo- tagens, entre outros artifícios). Aprovado projeto museográfico, a produção encarrega-se de planejar e indicar as necessidades de compra e contração de serviços e de produtos para a ação efetiva da montagem. Toda essa operação pode durar semanas porque depende de aprovações, orçamentos, processos administrativos e variadas atividades ligadas à preparação e à conservação das Capa peças. Editorial Sumário A ação efetiva de montagem de espaço se dá em três mo- mentos: construção e preparação do espaço expositivo (erguem-se os painéis, confeccionam-se bases e molduras, aplica-se a pintura Montagem da Exposição o Agora, o Antes: Uma Síntese do Página - 18 Acervo MAC, 7 º. andar, Ala A, abril, 2013. necessária e há uma intensa limpeza do ambiente), montagem das obras (ou seja, fixação das obras em painéis e/ou paredes e ba- CIANTEC’14 Alecsandra Matias de Oliveira ses) e, por fim, uma “montagem fina” (destinada pode não suprir todas as exigências das diversas exposições com obras contem- difíceis e à aplicação de etiquetas, títulos, tex- uma demanda que pode ser variada – as equipes envolvidas na montagem precisam aos últimos preparativos ligados às obras mais porâneas. Isto porque para cada modo de exibição das peças contemporâneas há tos, além de tudo o que corresponder à comu- internacional nicação visual). Esses três processos que en- demonstrar flexibilidade e criatividade para atender todas as demandas. em artes volvem a “montagem” correm ao longo de uma na nova sede do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo: su- novas tecnologias ou duas semanas dependendo da complexida- e comunicação de da mostra. Todos esses elementos somados portes em acrílicos foram confeccionados para a exibição frente e verso das obras; congresso às especificidades prediais, ao cuidado com as obras e às surpresas proporcionadas pela montagem das obras contemporâneas – muitas recentes doações que nunca foram exibidas anteriormente no MAC USP, faziam a equipe de Foi o que aconteceu com as demais exposições inauguradas a partir de 2013, deslocamentos de obras sensíveis e importantes foram estrategicamente calcula- dos; espelhos, laranjas, terra, tecidos, borrachas, tapumes, equipamentos de áudio e vídeo, slides e os materiais mais divergentes foram adquiridos para a montagem das obras. Tudo isso para que o público pudesse viver uma experiência plena em 17 exposições distribuídas em aproximadamente 25 mil m 2. montadores, conservadores e produtores “suar a camisa”. De modo geral, as exposições que envol- vem arte contemporânea são complexas porque não seguem “receitas tradicionais”. A concepCapa ção e o modo de montagem delas “teimam” em Editorial não se dar de “modo tradicional”, quer por seus Sumário objetivos, quer por seus materiais ou por suas condições ou, ainda, por uma infinidade de fatores. E os museus penam com esse fenômeno. Nesses casos, a descrição do processo de Página - 19 produção pode ser tomada como exemplo mas Distribuição das exposições por andares – MAC USP Ibirapuera, 2014. CIANTEC’14 Para os que participaram desta aventura da arte contemporânea, quando a tênue luz da manhã invade o espaço expositivo, as obras se fazem presentes e o museu está prestes a abrir suas congresso portas restam: as memórias dos bastidores, o cuidado com a ma- internacional nutenção das mostras e das obras e a satisfação de ter colocado em artes o melhor de um acervo público em um grande e imenso “cubo novas tecnologias branco”, que hoje é um espaço de significado cultural na cidade de e comunicação Capa Editorial Sumário Página - 20 São Paulo. Alecsandra Matias de Oliveira “TERRITÓRIO LIVRE”: ARTE CONTEMPORÂNEA ELZA AJZENBERG Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 A arte contemporânea está imersa em questionamentos. Como uma obra muitas vezes realizada para ser transitória pode permanecer no museu? De que modo uma proposta conceitual congresso internacional “desmaterializada”, pode estar inserida em um acervo? Como armazená-la? Além de questões epistemológicas e técnicas, supõe em artes debates de trajetórias históricas. Quando termina a arte moderna? novas tecnologias Quando começa a contemporânea? O que será considerado con- e comunicação temporâneo daqui a 50 anos? A fundação do MoMA, no ano de 1929, influenciou a con- cepção de museus de arte, sendo indicador de desenvolvimento Mudaram-se os parâmetros e a própria concepção de arte. De um lado, obras contemporâneas, muitas vezes, questionam a própria instituição. Por outro lado, são assimiladas pelo mercado, tornando-se alvo do marketing e do próprio sistema econômico-social. Na estética do território livre, deve-se levar em conta que a arte começa onde o mundo convencional termina. Esta estética designa aquele espaço em que a realidade e a imaginação estão que o artista apresenta-se como “guardião de fronteiras”, reve- Pollock) e os anos que se seguem até o presente, como referên- cias para a arte contemporânea. A Tate Modern, além de nomes conhecidos da arte moderna, introduz grande pluralidade em suas está a realidade do mundo concreto e, de outro, uma realidade em lando o mundo através de suas metáforas poéticas. Entretanto, a visão do artista, repleta de símbolos e imagens, pode tornar a realidade do mundo mais plena de sentido, retomando a concepção de Paul Klee, de que “a arte torna visível o invisível”. No contexto de grandes mostras contemporâneas, como mostras. Destaca, ainda, artistas como Claude Monet para expli- ocorre nas últimas bienais internacionais, a devastação do mundo -modernas e mais recentes, além de salas inteiras com curadorias -se tema cada vez mais emergencial. Como as obras de arte são citar a evolução da abstração, propostas conceituais, obras pós- virtuais que convivem com cartazes históricos. Na pluralidade estética contemporânea, tem-se adjacente os desdobramentos da antiarte. Estão disponíveis não apenas as Página - 22 com o cotidiano e as questões político-econômicas e tecnológicas. vanguardas. pidou, estabelecem etapas para a arte moderna (de Matisse a Sumário As propostas contemporâneas articulam-se cada vez mais em conflito1. Nesse sentido, pode-se acrescentar que, de um lado, Hoje, instituições, como por exemplo Centre Georges Pom- Editorial também seus artefatos e seus próprios gabinetes de trabalho. e modernização. “Arte Moderna” era um conceito “chave”, associado à inovação, à presença desencadeadora da máquina, às Capa Elza Ajzenberg apropriações, reapropriações e as anotações dos artistas, mas real e das relações interpessoais que se condensam na arte torna- 1 “Território Livre” é a temática da 26ª Bienal Internacional de São Paulo (2004), proposta pelo curador Alfons Hung. A escolha reforça a idéia de liberdade que a arte é capaz de criar. Frisa que a arte cria um espaço livre fora do domínio da política e da economia. É uma área extraterritorial no qual os artistas têm os seus postos avançados ou utópicos. CIANTEC’14 mais que objetos, a condensação artística de fenômenos da reali- rede mundial de informação, trabalho e esporte, alegria, tragédia e entre realidades, não duplicam o mundo, mas criam espaços livres As propostas ambientais, objetos e sucatas do meio urbano, dade torna-se complexa. Os artistas, mesmo inseridos no conflito congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação em meio às situações do cotidiano ou do mundo: a obra de arte re- As Bienais Internacionais de São Paulo acompanham a evo- prometidos orientavam suas obras na direção de desejos, compor- ficar presa no arcabouço férreo de mecanismos de coerção. lução de grandes eventos como as Bienais de Veneza. Em uma das ver e ser visto, permitindo o encontro entre o público, os artistas e tamentos e modos de ser comuns a todos os seres humanos - um processo que poderia ser brando ou turbulento, sendo visto em termos de uma estética ou como meio de “desvelar a verdade”. A Bienal de Veneza, em 2001, expressou a experiência con- creta de liberdade, propondo para início de leitura uma obra prima A “Plateia da Humanidade” não foi considerada propriamen- vel porta-voz do conceito de liberdade, dando-lhe uma expressão te como um tema, porém “uma declaração de responsabilidade” para a história, para os eventos do presente2. Objetivou criar di- mensões ou aberturas, através das quais os artistas olhavam para o mundo e dirigiam-se ao mundo, pesquisando e recontando as Página - 23 tempo) partia de uma herança comum, de forma que artistas com- suas obras. Esse grande evento propôs servir como “plataforma elevada”, oferecendo uma visão sobre a humanidade. Sumário os recursos multi - mídia e motivações lúdicas fervilharam. A refle- xão sobre o espaço e tempo (e de como o espaço pode tornar-se Plateia da Humanidade (2001), tida como ponto privilegiado para Editorial fenômenos da mundialização. vela outra realidade. A arte existe fora da causalidade e não pode últimas edições da Bienal de Veneza, foi retomada a questão da Capa Elza Ajzenberg múltiplas dimensões da humanidade contemporânea. A temática “Plateia da Humanidade” permitiu conectar problemas sociais, te- mas ambientais, ritmos da vida quotidiana, novas tecnologias, a 2 O crítico, como mediador (entre a obra e o público), deve realizar um esforço concentrado permitindo um entendimento da arte produzida com o seu tempo. Esta é uma das suas responsabilidades. No Seminário Internacional da Associação dos Críticos de Arte (ABCA), inclui-se também a responsabilidade crítica.(Programa inserido em seu folder: São Paulo, MAC USP, 27 a 30 de setembro de 2004). de Joseph Beuys, “O Fim do Século XX” (1968). Beuys é o infatigáplástica como campo de energia: Capital = Criatividade. Marcava a esperança de que “com o fim do velho e o começo de um novo século”, o calor humano pudesse ser suficiente para gerar vida ou “transformar o inorgânico em vida”. CIANTEC’14 Elza Ajzenberg congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Ron Mueck, Boy, 1997. Esta mensagem foi transmitida por pedaços de terra coloCapa Editorial Sumário cadas no chão, “com seus olhos redondos, fitando os que passam, como tantos peixes pré-históricos esperando serem libertados”. Ao lado de Beuys, vários outros artistas contemporâneos tiveram a oportunidade de oferecer um resumo concentrado de suas contribuições a caminho da Arte: Cy Twombly, cujos generosos gestos procuraram restaurar o mito no mundo moderno; o escultor ameri- Página - 24 cano Richard Serra, retomando o conceito de monumental, com a estrutura “Dentro, fora, direita, esquerda”. Na trajetória dos pavilhões (Jardins e Arsenale) o visitante foi constantemente surpreendido por obras impactantes e instigantes, como a visão do poster de Anur, “Condição Humana” sobre a Guerra da Bósnia; Xiao Yu manipulando partes anatômicas huma- nas e animais e, principalmente, sob o olhar sinistro da monumental obra “Boy” do australiano Ron Mueck. Os brasileiros Vik Muniz, com obras de ativação óptica, e Ernesto Neto, com propostas am- bientais, foram artistas de destaque nesta Bienal. A mega instala- ção de Ernesto, “As Mamas”, fez alusões a sacrifícios aos deuses, através de formas transparentes de efeitos táteis e olfativos. CIANTEC’14 Elza Ajzenberg congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Ernesto Neto, Mamas, 1998. Capa Editorial Sumário As Bienais de Veneza têm tido como eixo obras que deixam o visitante inquieto. Motivam a reflexão, a catarse ou mesmo o lú- dico, sob pressão de ambigüidades e ironia. Os organizadores da 49ª Bienal consideraram a mostra como o espaço “aberto a tudo” (d’APERTutto). A concepção da Bienal veneziana é de uma Gran Página - 25 Madre (Mater Matuta), ou seja, la mama di tutte Biennali, na qual tudo é oferecido. Nessa proposta, há uma evocação sobre o “leite” que alimenta e através do qual tudo pode acontecer. A “Plateia da Humanidade” não colocou limites de geografia ou tema. Mostrou-se aberta a contribuições de outras artes: cine- ma, poesia, música, teatro e dança. Provocou releituras de uma Bienal dominada pela escuridão do ambiente propício à vídeo-arte, com intervalos de ambientes claros, provocando propósitos voltados para o infinito e visíveis. Na famosa galeria londrina Saatchi também podem ser re- CIANTEC’14 colhidos alguns eixos que se somam às reflexões de “Território de museus e galerias. Estão nas ruas, parques e em lugares ines- A Galeria Saatchi3 traz consigo, novamente, uma difícil res- inadequadas para uma reserva técnica e sistemas museológicos. internacional posta à pergunta: o que é arte? Adjacente às tentativas de respos- em artes tas e de questionamentos estão buscas e artefatos que tangenciam novas tecnologias a banalidade do incrivelmente admissível e os desdobramentos da e comunicação doação de uma obra de Eduardo Climachauska por causa de seu como o cotidiano e às questões político-econômicas e tecnológi- ca demonstra obsessão pela mortalidade de corpos, considerados um lado, a obra contemporânea muitas vezes questiona a própria A opção da Saatchi Gallery é pelo contemporâneo que pro- voca assombro, acidez e repulsa. Coloca em discussão questões As propostas contemporâneas articulam-se cada vez mais cas. Mudaram-se os parâmetros e a própria concepção de arte. De instituição. Por outro lado, obras contemporâneas são assimiladas pelo mercado e pelo sistema social, ou mesmo pelo marketing. A idéia de território livre, de certa forma, pode estar as- de curadorias, crítica de arte, mas também de conservação de sociada tanto a propostas similares às sugeridas pelas bienais a ação de um mergulhador para sua manutenção. conquistem novos territórios. Pode-se incluir o que não é uma te- certas obras. A proposta Love Lost (2000), de Damien Hirst, exige Página - 26 porâneo, de 2003, por exemplo, o MAC USP não pode receber a ng British Artists (YBA). Um dos mestres dos YBA, pertencente como espaço de exploração e fragmentação. Sumário Durante a exposição Marcantonio Vilaça – Passaporte Contem- caráter totalmente perecível. à Galeria Saatchi, é Damien Hirst, que em sua produção artísti- Editorial perados. Atingem enormes proporções ou são descartáveis ou antiarte4. A Saatchi acolheu desconhecidos que se transformaram em estrelas internacionais, numa nova escola denominada You- Capa As experiências contemporâneas, em boa parte, estão fora Livre”. Talvez um território para muitas conquistas de um mundo vivido ou a ser discutido. congresso Elza Ajzenberg 3 A primeira galeria Saatchi estava localizada no pavilhão St. John´s Woods, em 1985. Atualmente encontra-se no imponente edifício de County Hall, em Londres. 4 “Às vezes o trabalho envolve novas descobertas e métodos, às vezes é provocativo, mas não precisa ser nem um nem outro. Se a arte faz você entrar no mundo da pessoa que fez isso e convenceu-o da claridade da imaginação dos artistas, está fazendo o suficiente. O que é isso sobre o ciclo vital dos insetos, uma cama velha de alguém, um retrato de uma assassina de crianças feito com a marca digital da mão de uma criança, manequins e outros elementos, que faz a arte britânica tão diferente, tão atraente”. SAATCHI, Charles. Introduction. Saatchi catalogue, 2004. venezianas, como a outros projetos de arte contemporânea que mática, mas uma dimensão, podendo conter tudo: multidões de faces de homens e de suas manifestações. Portanto, em uma “visão do território livre” esse ambiente não está limitado a um pavilhão expositivo, pode envolver a “Expo- sição inteira” de uma cidade ou de vários exercícios de liberdade, nas palavras de Mário Pedrosa. AS ESTÉTICAS SENSORIAIS. CORPO E NATUREZA NA ARTE CONTEMPORÂNEA. MARCOS RIZOLLI Doutor em Comunicação e Semiótica: Artes (PUC/SP). Pós-Doutorado em Artes (IA-UNESP). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Crítico de Arte e Curador Independente. Artista Visual. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 O presente artigo pretende traçar um panorama das tendências ar- internacional em artes novas tecnologias e comunicação vertentes atuais do fazer artístico, tentando mostrar suas princi- tísticas relacionadas ao universo perceptivo, presentes no mundo pais relações com a realidade, com o público espectador e, por movimentações expressivas que, de projetos individuais, determi- vas, o teor geral das estéticas estudadas, em interdisciplinaridade. contemporâneo. Deseja apresentar uma visão categorizadora das congresso Elza Ajzenberg nam convergências, a saber: as estéticas sensoriais. O discurso fim, dimensionar, através da descrição de tendências representatiExiste, também, a ambição de implicar à pintura e à escul- é historicamente referencial, num procedimento de aglutinação de tura suas índoles históricas e desbravadoras de novas possibili- vida em tempo presente, perpassando as ações humanas mais filosofia. Assim, instala-se, aqui, a possibilidade de extensão aos valores – dos poéticos aos estéticos. Nasce da sintomatologia da sensíveis e viscerais, para alcançar o desejo de atualização dos modos harmoniosos – e, contudo, nem tanto – da visualidade contemporânea. dades expressivas e estéticas - maneiras práticas de exercitar a campos aplicativos da arte, os conhecimentos adquiridos em estudos de Arte e Filosofia, em plataforma estética. ESTÉTICAS SENSORIAIS. INTRODUÇÃO. Mais do que uma busca de fundamentos estéticos que pos- no percurso de hominização, descolou-se da natureza - o universo xivo deste texto detém-se na tentativa de caracterização de duas biente, o da percepção distanciada, acabou sendo ocupado pelas sam configurar a cultura visual contemporânea, o interesse reflesignificativas formas de manifestação da plasticidade artística. São elas: As artes do corpo e no ou com o corpo e as Artes da natureza Capa Editorial Sumário e na ou com a natureza - aqui consideradas e nomeadas Estéticas Sensoriais. As duas expõem, nitidamente, um caráter ideologizan- te - numa citação aristotélica: ser sensível x ser ideal - enquanto, os aspectos sensoriais pretendem resgatar, talvez, as mais primitivas percepções humanas. Página - 29 Diz-se de um instante de abstração em que o ser latente, O propósito está na caracterização e distinção entre essas sensível. E, assim, abriu um hiato entre ele e a paisagem. Este amlinguagens e, na dobra do tempo e do espaço, passamos a construir nossa própria e ideal realidade. Instaurou-se a consciência. Numa atitude de compreensão dos fenômenos, transformamos o todo em partes: objetos de significação - um universo de segunda geração. Despertando-nos para um segundo momento de abstração: o mundo paralelo da arte. É no contexto criação (original) - ser - criação (artística) que as Estéticas Sensoriais tentam movimentar-se. O interesse CIANTEC’14 está na íntima relação matéria-e-forma, numa busca de resgate de tágio primitivo, a Body Art, assim como a Land Art, propõe a eli- Em nosso século, contrárias ao acinzentamento das gran- tas, então, dispõem do próprio corpo para construir significações. internacional des cidades e ao teor de artificialismo que reveste e filtra a exis- em artes tência contemporânea, nos anos 60, surgem duas significativas novas tecnologias e comunicação tendências de arte que, cada qual em sua lógica de manifestação, vão inaugurar as preocupações técnicas e estéticas da sensorialidade. São elas: a Land Art e a Body Art. A exposição do corpo nu faz aparecer um conjunto de manifestações que apontam para um retorno ao primitivo - o naturismo (deslocado dos ambientes de lazer e trazido para os espaços de e desencadeando o toque, o gesto e a intervenção do público – com a obra de arte. A Body Art requer presença física, solicitando ativamente, espectador. Transitando entre uma memória suave e nostálgica da or- bre os territórios, tingiram superfícies, empilharam pedras – reor- ganicidade humana e as mais agressivas e constrangedoras situ- presença do homem e da artisticidade em regiões vazias, silen- excrementado, cru e, num paradoxo, poeticamente belo – mesmo denando os lugares. Hoje, se mostra como registros efêmeros da ações, por vezes, o corpo se mostra ofendido, ferido, amarrado, ciosas e neo-religiosas – em nome de uma consciência simbolica- que, quase sempre, não se reconheça um ideal de beleza. mente sustentável – a Ecologia. As ações de Land Art foram, originalmente, interferências de protesto contra a estética do cimento, do metal e do plástico, contra a polida perfeição industrial. No âmbito da produção escultórica, os artistas utilizaram a vastidão dos espaços naturais como verdadeiro argumento, suporte e objeto artístico. Espaços que o Página - 30 sempre interventoras, de pintura corporal. convertessem em material de configuração artística. Em ambien- montanhas – artistas escavaram significados, traçaram linhas so- Sumário Originam-se, qualitativa e organicamente, novas atitudes, quase fruição artística) exige o estreitamento das relações do espectador tes distantes e despovoados da Terra – desertos, lagos, geleiras, Editorial minação de suportes tradicionais de aplicação expressiva. Artis- A Land Art, interferindo na natureza, fez com que os espa- ços naturais e também as paisagens alteradas industrialmente se Capa Influenciada pelos ornamentos corporais dos povos em es- sensações qualitativas que recoloquem o homem em contato com o mundo natural. congresso Elza Ajzenberg sentido privilegiado do olhar não conseguiria controlar. CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário Figura 1. Spiral Jetty, 1970 - Robert Smithson e sua proposição matricial da Land Art. Página - 31 Elza Ajzenberg CIANTEC’14 Elza Ajzenberg e/ou dar lastro teórico às inúmeras manifestações perceptivas dos sentidos humanos, solicitados isoladamente ou em experiências combinadas. Além do olhar - no que tange às Artes Visuais - a audição, o olfato, o paladar e, principalmente, o tato serão retira- congresso dos da condição de dormência e exigidos ao grau máximo de suas internacional potencialidades. em artes Em síntese, delineia-se um inventário de tendências senso- novas tecnologias riais e suas breves definições, justamente para que se perceba a e comunicação diversidade expressiva. A saber: A Arte Objetual – em suas combinatórias projetivas; as Ins- talações – que provocam interação e deslocamento no espaço; as Performances – integrando o público na ação; a Pintura Matérica – oferecendo toda sedução material; a Arte Processual – que exige do espectador o fator de conclusão e finalidade da obra de arte; o Cinetismo – pinturas ou esculturas que desafiam o teor retiniano das Artes Imagéticas; Colagem e Assemblage – na tarefa de reaFigura 2. The Artist is Present, 2010 – Marina Abramovic e a Body Art em tempo expandido. Capa Editorial Sumário Land Art e Body Art, na continuidade de seus fenômenos, truturas tridimencionalizantes; a Pintura de Ação – e seu exponenciamento texturaI; o Tachismo – e o gesto pictórico registrado na matéria; o Ajuntamento – e a incômoda reorganização do espaço em convergência ou união, irão promover a multiplicidade de even- dado por peças de repetição modular; a Combine Painting – nos rando complexidades sensoriais. nente mecânica de focagem e desfocagem; a Tela Recortada – que tos e tendências que vão recorrer à totalidade sensorial – configu- Página - 32 presentação de imagens prontas, em superfícies planas ou em es- Assim, define-se um conjunto intelectual que tenta rastrear atos de pintar, colar, costurar, reter; o Contra-Relevo – na permadesmancha a lógica retangular dos suportes pictóricos, indo se relacionar desavisadamente com a parede; a Eat-Art – que encerra CIANTEC’14 sua função a partir do consumo gastronômico da obra de arte; a Empaquetage – que reveste de pele artificial objetos, construções e paisagens; a Soft-sculpture – e o acariciamento dos sentidos; Elza Ajzenberg te totalidade dos sentidos. Da supremacia do olhar, ressurgem e surgem outras formas sensoriais: sonoras, táteis, olfativas e degustativas que, aptas para inaugurar novas imagens e outras for- a Frottage – técnica de raspagem que redescobre superfícies e mas de definição da obra de arte ou do objeto artístico e, ainda, em artes a percepção... e toda sorte de procedimentos artísticos atentos à nativas e excêntricas para apreender a realidade cotidiana. Nas novas tecnologias apreensão total dos sentidos humanos oferecem o tom da ampli- e comunicação tude e abrangência dessa fértil vertente da arte contemporânea. congresso internacional camadas internas; a Piquage – retalhando a lógica e recompondo O abandono de suportes e de técnicas convencionais de- sacomodaram os demais sentidos, além do olhar. Essa nova tipologia artística exige do espectador disponibilidade, ação, interati- vidade. Essas proposições sensoriais precisam de que os vários canais sensoriais cooperem entre si dando lugar a um contínuo indiferenciado. São novas técnicas de imagem que querem alargar a efeti- va classificação das artes – abrindo-se possibilidades de variação, no âmbito da estética, da sensorialidade. Os sentidos seriam os dispositivos de interação com o munCapa Editorial Sumário do. Os sentidos renunciam à sua separação e interferem entre si. As experiências estéticas consomem-se vivendo-as. A diferença entre o produtor e o espectador é diluída. A distância entre a natu- reza (material) e o signo é menor. artes, cada vez mais, os sentidos se cruzam e se articulam em possibilidades plurais da ação expressiva. As Artes Visuais, num encaminhamento contemporâneo, vêm oferecendo uma significativa aproximação entre objeto e espectador. A integração de todos os sentidos têm sido desafio e meta de um segmento de artistas que abrem tendências que devem ser analisadas, então, no âmbito das Estéticas Sensoriais. Da situação da cultura atual, as Estéticas Sensoriais bus- cam a extração de um campo aberto de trabalho e reflexão. Não se trata de elaborar um retomo à razão empirista, como Locke e Hume propuseram, mas sim aproveitar a noção de que seja possível determinar o conhecimento humano a partir, também, da experiência sensível. Cognição que se refere à experiência, às sensações e às percepções: outrossim, sensação inata. Da experiência de selecionar materiais que pudessem ser transformados, nossos ancestrais souberam conferir novos signi- As Estéticas Sensoriais investem na total dimensão dos ficados: extraídos da natureza e aplicados ao corpo. De sua es- Manifesta-se um movimento de restauração de uma distan- minerais, cascas e sementes, descobriu os pigmentos; fez o fogo sentidos, propondo o encaminhamento para o simbólico. Página - 33 do encontro e experiência com a arte, capitaneiam formas alter- sencial e admirável relação com os elementos, ao triturar ossos, CIANTEC’14 endurecer o barro modelado; com gravetos e tufos de pelos de animais, criou toscos pincéis. Com os objetos, instrumentos e fer- ramentas, alterou os recursos da hominização – apropriando-se congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação artística e simbolicamente da paisagem, do corpo, do cotidiano... da vida – da sobrevivência à existência. Elza Ajzenberg expressivas das mais diversificadas artes de representação, com acento imagético – notadamente figural – e os sistemas de geração e produção de imagens tecnológicas – notadamente maquínicas – presentes no mundo contemporâneo. Esse confronto - antes de ser a mediação de capacidades de construção da obra de arte, Assim, a imaginação criadora, em sua condenação de liber- abordagem sobre o campo técnico e material, a solicitação do pú- te no real que, dado à experiência, remete a conceitos. Noções de paços artísticos – é, sem dúvida, uma questão filosófica. Modos e dade, carrega o signo da complexidade: ato intencional, interferen- blico, a legitimação do mercado, os desafios de ocupação dos es- artisticidade, extraídas da intervenção de objetos físicos: as Artes posturas diferenciadas acerca do entendimento da existência hu- O fenômeno da multiplicidade das artes, numa forma de As Estéticas contemporâneas compreendem conceitos e Visuais. abordagem que privilegia a consistência material, prepara o sur- mana e o fenômeno das artes. materialidades artísticas que a sociedade industrial e informatiza- gimento, na contemporaneidade, de manifestações artísticas que da produz; abrem citações à cultura multidimensional, no ambiente lidade dos acontecimentos: as Estéticas Sensoriais. Sensoriais querem resistir ao quadro dos sistemas imagéticos e sugerem a formulação de uma nova posição estética ou, na plura- de revalorização do fazer manual, corporal e natural. As Estéticas matêmicos, propondo o recondicionamento da matéria sensível. CONCLUSÃO. Capa Editorial Sumário Caracterizadas e imagetizadas as formas estéticas pesqui- sadas, devemos, agora, indicar um ponto de ligação entre elas. Quando, na introdução do trabalho, alertamos para as presenças da pintura e da escultura, como modalidades de nossa atenção teórico-prática, salientamos que o nexo geral que promove o sur- gimento – e o irreversível desenvolvimento – das Estéticas Senso- Página - 34 riais, será determinado pela tarefa de resistência às possibilidades REFERÊNCIAS: BARILLI, R. Curso de Estética. Lisboa: Estampa, 1994. BOURRIAUD, N. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. CRISPOLTI, E. Como Estudar a Arte Contemporânea. Lisboa: Estampa, 2004 PIGNOTTI, L. I Sensi Delle Arti. Bari: Dedalo, 1993. SANTAELLA, L. Estética de Platão a Peirce. São Paulo: Experimento, 1994. DO MITO À CONTEMPORANEIDADE A TORRE DE BABEL NA ARTE CONTEMPORÂNEA MARIA DE LOURDES RIOBOM Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Há mitos que atravessam toda a história da hu- ser o tema da Torre de Babel e a forma como alguns artistas con- Este mito, de múltiplas facetas, partindo do Livro do Géne- do mundo actual. manidade, e o da Torre de Babel é um deles. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação sis, atravessou os tempos sustentado em reinterpretações diversas dio bíblico que relata a história da construção de uma enorme torre Portugal, pensei ser interessante seleccionar alguns desses tra- unidade. Esta alegoria, universal e intemporal, assenta no episó- balhos utilizando-os como suporte para elaborar uma Acção de esta alegoria está intimamente ligada com a história dos homens das áreas disciplinares., de forma a que possam, posteriormente contemporaneidade. Babel no século XXI? Em 2012 foi apresentada no Palais des Beaux-Arts em Lille, França, uma exposição que procurava mostrar ao público o modo como diversos artistas contemporâneos revisitaram o mito bíblico através de pinturas, fotografias, bandas desenhadas ou instala- ções diversas. Assim, uma série de temas relacionados com as di- ferentes facetas da história bíblica, como a construção da torre, o castigo de Deus, a confusão das línguas e a dispersão dos povos, tratados em consonância com os problemas do mundo contemporâneo foram dados a conhecer, constituindo um suporte para a reflexão sobre o mundo em que vivemos. Página - 36 que, por motivos diversos, não são apresentadas ao público, em que se desejava que atingisse o céu, construção essa interrompi- interpretações ao longo dos tempos, chegando evidentemente à Sumário Para além disso, e tendo em mente o difícil contacto que pro- fessores e alunos têm com obras recentes, sobretudo com aquelas tendo constituído o suporte de textos, representações e infinitas Editorial temporâneos o revisitam, ideal para uma reflexão sobre questões sempre numa busca do inacessível ou numa constante procura da da por Deus como castigo da desmedida ambição humana. Assim, Capa Maria de Lourdes Riobom Tendo em conta a proposta do Ciantec 2014, pareceu-me Formação de Professores de Ensino Secundário, das mais variautilizá-las, na sua prática lectiva. Assim, este texto será essencialmente uma proposta de me- diação, que, se pretende possa a ser usada por professores que se servirão das imagens e materiais propostos para trabalhar, nas suas escolas com os respectivos alunos, esperando que a todos proporcione interessantes reflexões sobre questões pertinentes do mundo contemporâneo e, o modo como são tratadas por artistas dos mais variados quadrantes. INTRODUÇÃO Ensinar é antes de mais ensinar a pensar, contribuir para formar cidadãos activos, críticos e intervenientes. A arte, nas suas mais diversas manifestações, é sempre uma expressão do modo como o homem se relaciona com o mundo, os outros e consigo CIANTEC’14 próprio, não existe desligada de um contexto histórico, geográfico, económico, mental, e daí a sua indiscutível natureza contemporânea. congresso internacional em artes de ajudar a SER, tem, sem qualquer sombra de dúvida, de ter em novas tecnologias mente que Las artes plásticas hacen visibles aspectos del mundo - por ejemplo, sus cualidades expresivas - que otras formas de visión no pueden revelar. 1 Por esse motivo, procurámos relembrar, de forma resumi- da,2 o modo como o mito da Torre de Babel foi sendo visto através dos tempos, seleccionando, em seguida, alguns textos e obras que poderão permitir, um trabalho com professores a decorrer num Centro de Formação, e estimulá-los, através da respectiva análise, a uma leitura de textos e imagens que trabalharão e adaptarão para os seus alunos, procurando dar-lhes a ver a importância da arte que, pela sua natureza contemporânea, uma vez que não Capa Editorial Sumário Página - 37 Palavras chave- Mito, Torre de Babel, Imagens, Contemporaneidade Num mundo intensamente consumista e pouco meditativo, se ao professor, seja ele qual for e de que área for, cabe o papel e comunicação Maria de Lourdes Riobom existe desligada de uma determinada visão do mundo própria de cada época, nos permite uma reflexão sobre esse mesmo mundo 1- O MITO E A HISTÓRIA Paul Zumthor (1915-1995), medievalista de renome que se debruçou sobre esta questão começa por afirmar “Babel é um texto”, acrescentando que esse texto tal como nos é apresentado pelo Génesis não tem grande homogeneidade. 3 Para este autor, a versão composta que nos é transmitida pelo texto bíblico terá sido estabelecida entre os séculos IX e VII, sendo os textos de base certamente mais antigos.4 Segundo a Bíblia – Livro do Génesis (XII/1-9) – depois do Dilúvio, os homens decidiram erguer uma imensa torre, cujo objectivo era alcançar o céu. Zangado com o seu atrevimento e soberba, Deus, tê-los-ia castigado, abatendo hybris, a desmedida, e, consequentemente, destruído a torre. Com este castigo, os homens teriam sido espalhados pelo mundo e passado a falar diferentes línguas, em vez de uma só. real e contemporâneo, assim como sobre nós próprios e a nossa relação com ele. 3 “Tout bref qu’il est, le texte que nous présente la Genèse manque d’homogénéité”, Idem, p.34 1 Eisner, Elliot, The Arts and the Creation of Mind, Yale University Press, 2002; trad. castelhana, Paidós Arte y Educación, 2004, p.66 4 “Ces récits, ramenés à leurs traits les plus simples, témoignent d’une haute antiquité. La version aménagée que nous en a transmise la Genèse fut établie entre le IXe et le VIIe siècle; les “textes de base”sont nécessairement plus anciens : antérieurs peut-être au Xe siècle, on a même songé au XIIe”, Idem, p.38 2 Zumthor, Paul, Babel ou L’Inachèvement, Éditions du Seuil, 1997 CIANTEC’14 O mito bíblico designa com o termo Babel a torre, mas tam- bém a cidade onde esta teria sido construída, situada na planície congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Babilónia, o Etemanki, fundamento do céu e da terra que permitia (VI, 30) diz que o Templo de Marduk subsiste no meio das ruínas goria desta torre de tijolo inspirava-se, certamente, no Zigurat de ao deus Marduk descer junto dos homens e ao rei, subir até à esfera divina. À semelhença de Nabocodonor, que procurou durante da antiga cidade. No século I d.C., no Novo Testamento (Apocalipse de São João Evangelista), Babilónia é a designação dada à Roma imperial na interpretação do mito, o deus e o rei representam o orgulho e truído. É apelidada de “mãe de todas as prostitutas e das abomi- tes versões do mito através dos tempos, é necessário referir A em que os cristãos são perseguidos e o Templo de Jerusalém desnações da terra” e considerada a antítese dos valores de pobreza e humildade preconizados pelo Cristianismo. Na Idade Média, embora Jerusalém seja considerada o Epopeia de Gilgamesh, poema da antiga Mesopotâmia, situada centro do mundo, os mapas reservam ainda a Babilónia um lugar referências ao Dilúvio e posterior construção da Torre; mais tarde trução das catedrais (1130 -1280) não deixa de estar ligada ao mito no actual território iraquiano, que constitui uma das mais antigas (484-420a.C.) nas suas Histórias, Heródoto (1,181) menciona o Zi- gurat de Babilónia, numa descrição, posteriormente, recuperada central no eixo que liga a Cidade Santa à Índia e a própria consde Babel. No Renascimento, Lutero irá comparar a Roma dos Papas pelo Renascimento e que irá constituir a base das representações à corrupção de Babel e é sob o mesmo nome que Petrarca designa Alexandre, o Grande entra na Babilónia e ordena a reconstrução que o latim desaparece como língua universal, e para os humanis- da Torre de Babel feitas pelos pintores flamengos. Em 331 a.C, do Templo de Marduk, quase totalmente arruinado, mas morre em Página - 38 e no século I da nossa Era, Plínio, o Antigo, na sua História Natural o seu reinado engrandecer Babilónia, Nemrod, o soberano do Gé- Sem querer fazer aqui o historial detalhado das diferen- Sumário Mesmo depois da sua queda, Babilónia, pervalece na ima- ginação dos homens como capital mítica da Antiguidade Oriental, vaidade do poder. 5 Editorial 323 sem ver a obra terminada. de Shinear, ou seja, na região de Sumer, na Mesopotâmia. A ale- nesis é considerado o arquitecto da cidade e da torre. Associados Capa Maria de Lourdes Riobom 5 Ver Dossier de Presse, Communiqué de Presse, p. 2 – Exposition Babel, Palais des Beaux-Arts de Lille, www.pba-lille.fr/IMG/pdf/DP_Babel_ok.pdf acedido a 04.08.2014 Avignon, também ela, a um tempo, cidade papal..É por esta altura tas, Babel incarna um mito simultaneamente negativo e positivo, uma vez que, a diversidade das línguas será vista como um factor que permite uma multiplicação de perspectivas sobre o mundo, assim como a dispersão dos povos é vista como uma benção. CIANTEC’14 Em 1563, Peter Breughel, o Velho pinta duas versões da Maria de Lourdes Riobom demonstração de poder e riqueza.6 No entanto, o mito de Babel que, como vimos, perdurou ao Torre de Babel que virão a funcionar como uma matriz de futuras congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação reprentações. Ainda no século XVI, em Portugal, Camões pegou longo dos tempos, quase sempre com uma conotação negativa, alguns autores, são o seu “testamento espiritual”. afirmação feita por Roland Barthes: no tema de Babel nas “Redondilhas Sôbolos Rios” que, segundo pode também ser visto de um modo mais positivo no sentido da Mais perto de nós, no século XIX, a criação do esperanto, cujo símbolo é a Torre de Babel, representa uma vontade de re- “Alors le o impulso do imperador Guilherme II, são feitas grandes escava- sujet accède à la jouissance par la cohabitation des confusion gresso à utopia de uma língua única. Também no século XIX, e sob vieux des my the biblique se retourne, la langues n’est plus une punition, le langages, qui travaillent côte à côte. Le tex te de plai- ções arqueológicas que levaram à descoberta de Babilónia. sir, c’est Babel heureuse” (Roland Bar thes à propos Muitos artistas, como por exemplo, o realizador D.W. Griffi- du lecteur, dans Le Plaisir du Tex te.) th retomam o tema de Babilónia em Intolerância, e em 1927, Fritz 7 Lang realiza Metropolis quase em simutâneo com a construção dos primeiros grandes arranha céus americanos. Mais tarde, já nos anos 70 do século XX, serão construídas vés dos tempos para poder compreender de um modo mais claro, a Sears e a Willis Towers em Chicago. Essa mesma década verá os. Assim, podemos, por um lado, também nós, olhar de novo para as tristemente famosas Twin -Towers em Nova Iorque assim como Saddam Hussein, no Irak, considerar-se o sucessor de NabocodoCapa Editorial Sumário nor e tentar reconstruir, para fins turísticos, o sítio de Babilónia. Também na música, o cantor Bob Marley vai invocar Babiló- nia, comparando-a ao Ocidente dominador do 3º Mundo. Com o alvor do 3º milénio, aasistimos a nova corrida às al- turas e vemos, uma vez mais, construções gigantescas, serem er- guidas, quer na Ásia, quer em diversos países árabes, numa nova Página - 39 Foi nosso propósito retomar este deambular do mito atra- como o revisitam também alguns grandes artistas contemporâneo velho mito e, uma vez que, o propósito deste texro é estruturar uma Acção de Formação de Professores de diferentes níveis etá- rios e disciplinas, (essencialmente, no âmbito daquilo que em Portugal se designa como Ensino Secundário e de disciplinas como História, Português, Filosofia, História da Cultura e das Artes e 6 Idem 7 Idem CIANTEC’14 ainda Desenho) mostrar como uma história que, por ser altamente • Leitura do Livro do Génesis (XII/1-9). de vista que, no âmbito deste congresso, queremos olhar para ela. • Heródoto - Histórias (Livro I, 181) A Torre de Babel internacional em artes novas tecnologias e comunicação 2 - AS REFERÊNCIAS E R E P R E S E N TA Ç Õ E S D O M I T O AT R AV É S DOS TEMPOS a) Os Textos Esta alegoria universal e intemporal, símbolo da desmedida ambição humana e dos limites do conhecimento, constituindo tam- bém uma explicação para a diversidade de línguas que sucederam à língua única e matriz de todas as outras, tem constituído, ao longo dos tempos, o suporte de textos e representações pictóricas muito diversificadas, chegando à contemporaneidade. Valerá pois, a pena sugerir, no âmbito da Acção de Forma- ção que nos propomos vir a realizar, de forma a dar a conhecer Capa Editorial Sumário aos professores que, eventualmente, a venham a frequentar, textos e obras que sejam enriquecedores e até transformadores, pela reflexão proporcionada, da sua prática lectiva. Estas leituras, a realizar em grupo, constituirão o primeiro momento desta Acção de Formação. Os textos serão fornecidos pela formadora e o porta voz de cada grupo de professores apresentará aos restantes participantes um resumo da leitura feita pelo Página - 40 grupo: simbólica, atravessou, como referido, a história da humanidade, não deixa de ser contemporânea, e será exactamente desse ponto congresso Maria de Lourdes Riobom • A Epopeia de Gilgamesh.(Excerto) • Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas ( IV, 11, 103) A Confusão de Babel • Apocalipse de São João (XVII/1- 6) A Grande Prostituta • As Redondilhas “Sôbolos Rios” de Luís de Camões. b) As Imagens do Século XVI Nas vésperas da Reforma, Babel torna-se a metáfora de uma situação religiosa conturbada e o tema da “Torre de Babel” passa a ser extremamente popular, sobretudo nos países do Norte da Europa, devido aos violentos conflitos político-religiosos que atravessavam, encarando os protestantes a Igreja Católica Romana como a Prostituta Babilónia referida no Apocalipse de São João. No sećulo XVI, pintores como Peter Breughel, o Velho (1426- 1530/1569) ou alguns dos seus seguidores como Joos de Mom- per (1564-1635) ou Tobias Verhaecht (1561-1631), transpuseram o tema para o seu tempo, tratando-o nas suas pinturas. Também o facto de Lutero ter traduzido a Bíblia para ale- mão, causando assim o desaparecimento do latim como língua universal da Igreja, contribuiu para o ressurgimento do mito. CIANTEC’14 Maria de Lourdes Riobom numa real Acção de Formação de Professores, limitámos a nossa escolha à obra aqui apresentada que, de algum modo, constitui a matriz daquelas, nossas contemporâneas, que nos propomos considerar. congresso internacional 3- A TORRE DE BABEL NA ARTE CONTEMPORÂNEA em artes novas tecnologias e comunicação “Para os artistas contemporâneos, o mito conserva todo o seu sentido, não como parábola religiosa, nem como facto his- tórico, cuja veracidade foi desde há muito transformada pela efabulação do homem, mas como fábula universal que os homens ligam à história colectiva. Babel permanece actual. Realiza-se sob o nosso olhar quando as megalópoles proseguem a sua corrida em direcção às alturas, quando a linguagem web, se torna no novo esperanto, ligando os homens numa comunidade única de internautas. Da aldeia global à rede mundial, da crise internacional às A Torre de Babel segundo Peter Breughel Capa Editorial Sumário Bastará ler atentamente o capítulo 6 da obra de Paul Zum- mundo presente. ” 9 Não é pois de admirar que, o mito constantemente retoma- thor, intitulado Dans L’Oeil du Peintre8, para se ter uma noção da do, sobretudo em momentos críticos da história, seja hoje, uma vez tema que aqui nos ocupa, nas suas obras. Por razões óbvias, quer através das mais variadas expressões artísticas como a pintura, quantidade de artistas que, ao longo dos tempos, representaram o de espaço no âmbito de um artigo desta natureza, quer de tempo Página - 41 perturbações climáticas, Babel ilustra a evolução incontrolável do 8 Zumthor, obra referida na nota 2 mais “reescrito” não só no sentido literal do termo, mas também 9 Cotentin, Régis, in, Babel, Palais des Beaux-Arts , Ville de Lille, 2012, Invenit Éditions, p. 33, (trad.livre) CIANTEC’14 Maria de Lourdes Riobom escultura, arquitectura, cinema e fotografia, uma vez que, a arte é sempre uma forma de relação com o mundo, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação e este mito de Babel, trazido para os nossos dias, permite ao Homem uma interrogação sobre si próprio e o mundo em que vive. Não será, de modo nenhum possível, no contexto deste artigo fazer uma selecção exaustiva dos artistas e das obras que tratam o tema da Torre de Babel, e apresentaremos por isso, apenas a imagem de uma dessas obras e uma lista, não exaustiva, de outras que considerámos particularmente interessantes e expressivas, tendo, no entanto, em conta que, num contexto real de Acção de Formação de ProfesCapa Editorial Sumário sores, muitas outras poderão ser esco- lhidas, apresentadas em power-point e trabalhadas em conjunto. Vik Muniz, The Tower of Babel after Peter Breughel (Gordian Puzzles) 20 07 Para além da obra de Vik Muniz, tão próxima da de Breughel, muitas outras, apresen- tadas ao público na já acima referida exposição do Palais des Beaux Arts de Lille, são dignas Página - 42 do nosso interesse e atenção. Delas faremos uma selecção procurando escolher pinturas, CIANTEC’14 esculturas, fotografias ou outras obras, e, na impossibilidade de chictecture of Aspiration, 2003, transforma a torre numa termitei- De algum modo, todas estas obras partem do modelo das semelhante à de Breughel a figura de Branca de Neve, transfor- internacional duas pinturas de Peter Breughel e proporcionam uma leitura e re- em artes flexão sobre as diferentes formas que a torre foi assumindo ao novas tecnologias longo dos tempos e que vão do zigurat às torres contemporâneas, e comunicação num vai e vem permanente, numa espécie de eterno retorno que nos dá precisamente a ver a natureza contemporânea da arte através dos tempos, ou seja, o modo como o mito transposto através das diferentes épocas, permanece e, provavelmente, será sempre actual e contemporâneo. Obras a apresentar: “ Enquanto signo atualizado, Babel carrega idéias de cosmopolitismo, de globalização, que também podem ser vir para uma abordagem positiva da diversidade cultural contemporânea, remetendo, por tanto, à valo Capa rização da vida na metrópole.” 10 Editorial Sumário Escolhemos mostrar e comentar apenas algumas das muitas obras que, partindo dos já referidos modelos de pintores flamengos do século XVI, reinterpretam mais ou menos literalmente o mito. Página - 43 Assim, por exemplo, John Isaacs na sua escultura The Ar- as reproduzir aqui, apresentaremos apenas os respectivos títulos, nomes de autores e datas, com um pequeno comentário. congresso Maria de Lourdes Riobom 10 Souza Dias, Geraldo, Torre de Babel, Considerações Teórico-Práticas sobre Texto e Imagem, http://www.anpap.org.br, acedido a 17.08.2014 ra, Wolfe von Lenkiewicz em Babel, 2010, introduz numa pintura mahdo a parte cimeira da torre no seu castelo. O artista alemão Anselm Kiefer em duas obras de grandes dimensões intituladas The Fertile Crescent, datada de 2009, dá-nos a ver construções em tijolo que levam o espectador a uma sensação de destruição e de vazio ou como diz o filósofo Pierre Bouretz,”A primeira tela dá a impressão de uma destruição violenta. É a visão clássica de uma Babel trágica, condenada pela cólera de Deus.”11”A segunda tela faz sobretudo pensar numa decomposição, como se os homens tivessem abandonado a torre. Esta imagem poder-se-ia ler a partir de Kafka”.12 A artista americana Hillary Berseth em Program- med Hive 9, 2009, transforma uma colmeia em torre, o fotógrafo francês Maxime Dufour assim como o suíço Florian Joye dão-nos imagens de ruínas de obras megalómanas, abandonadas em pleno deserto por motivos económicos, tentando mostrar que o homem do século XXI continua a ter a mania das grandezas, assim como Yang Yongliang em Infinite Landscape, de 2011, nos dá a ideia da desordem presente no mundo de hoje. Jakob Gautel, numa instalação intitulada La Tour (Tour de Babel), de 2006-2012, em que 11 Bouretz, Pierre entrevistado por Rousset, Marion, Babel Nous Joue des Tours, in Philosophie Magazine, nº 60, Junho 2012, p.90, tradução livre 12 Idem CIANTEC’14 vemos uma torre de enormes proporções construída unicamente Maria de Lourdes Riobom 4 – A S P R O P O S TA S D E T R A B A L H O com livros sobrepostos, remete-nos para uma visão positiva do mito, dando-nos, por oposição à obra anteriormente referida, uma congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação ideia de ordem e harmonia resutantes da diversidade das línguas e complementaridade das culturas. Gilles Barbier, numa obra magnífica intitulada Le Monde en Forme d’Histoires Tissées (La Goutte), 2010, mostra-nos “o mundo em forma de histórias tecidas como uma gota de água constituída por frases misturadas.”13 O fotógra- fo alemáo Andreas Gursky em Mayday V datado de 2006 apresenta-nos um edifício em que, de algum modo, a actividade humana é comparada à de insectos numa colmeia e em que as nossas vidas e as dos outros, apesar de todo o seu significado, são, no fundo, apenas momentos inscritos num continuum de tempo.14O artista canadiano Marco Brambilla, no seu video Civilization, 2008, “pro- põe uma visão cósmica dos Infernos ao Paraíso da Babel do cinema numa concepção totalmente wagneriana de arte video total.”15 Como se pode concluir, as abordagens dos diferentes ar- tistas são bastante diversas, permitindo leituras e interpretações Capa Editorial extremamente ricas e diversificadas, sobre a forma como cada um deles transpõe o mito para a contemporaneidade. Sumário çará por propor aos formandos a leitura em grupo e posterior apresentação de um resumo dos textos lidos, aos outros participantes. 2 - Será apresentado em seguida pela formadora um power- -point com elementos básicos de leitura de imagens de modo a mostrar que estas nunca são inocentes e que são sempre construídas por alguém com determinados objectivos, assim como serão distribuídos excertos de textos escolhidos, relativos ao tema, que constituirão objecto de leitura, análise e discussão entre formandos e formadora. O objectivo deste momento do trabalho será ajudar a compreender como são construídas as imagens e com que fins. 3 - Posteriormente serão apresentadas em power-point as imagens das obras de Breughel, e, eventualmente, as de Momper e Verhaecht para dar a conhecer as obras do século XVI referentes ao tema da Torre de Babel. Serão analisadas e comentadas em conjunto. 4 - De seguida, será apresentado pela formadora um power- -point com a selecção de imagens de artistas contemporâneos aci- ma referida e que se pertendeu tão diversificada quanto possível. 13 Cotentin, Régis, in LaTour des Langages,in, Babel – Palais des Beaux-Arts de Lille, Invenit Édition, 2012, p. 43 Página - 44 1 - Como referimos no ponto 1, a Acção de Formação come- 14 Idem, p. 37 15 Idem, p.65, trad. livre Serão, também essas imagens analisadas e debatidas em conjunto. 5 – Por fim, e com vista à posterior avaliação dos forman- CIANTEC’14 dos, (que em Portugal lhes permite ter créditos de progressão na carreira) será pedido a cada um (ou consoante o número de frequentadores da acção, a pequenos grupos) a elaboração com base congresso internacional em artes novas tecnologias numa escolha das imagens apresentadas, um recurso didáctico em função do nível etário e disciplina leccionada, a trabalharem posteriormente com os respectivos alunos, estabelecendo, evidentemente uma ligação entre imagens e conteúdos temáticos. e comunicação REFERÊNCIAS Cotentin, Régis, Babel, Palais des Beaux-Arts, Ville de Lille, Invenit Éditions, 2012 Zumthor, Paul, Babel ou L’Inachèvement, Éditions du Seuil, 1997 Dossier de Presse, Communiqué de Presse,– Exposition Babel, Palais des Beaux-Arts de Lille, 2012 Bouretz, Pierre entrevistado por Rousset, Marion, Babel Nous Joue des Tours, in Philosophie Magazine, nº 60, Junho 2012 Souza Dias, Geraldo, Torre de Babel, Considerações Teórico-Práticas sobre Capa Editorial Sumário Página - 45 Texto e Imagem, http://www.anpap.org.br acedido a 17.08.2014 Maria de Lourdes Riobom O CONSUMO COMO INCLUSOR SOCIAL: O EMBATE ENTRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE CLASSE C, A ABERTURA EDUCACIONAL E SOCIAL ADQUIRIDA ATRAVÉS DO CONSUMO. Capa Editorial Sumário ROBERTA VIEIRA Publicitária, consultora de marketing com ênfase em Branding, Eventos e processos Administrativos, Marketing Jurídico e Analista de Licitações. CIANTEC’14 Roberta Vieira RESUMO1 - As alterações sociais e as políticas no Brasil, 12 anos (entre os anos de 2002 e 2014), considerando o estudo comportamento de consumo do brasileiro. Este texto apresenta com que o consumidor de classe C brasileiro tivesse acesso ao desde o governo Lula, 2002, podem ter implicado diretamente no em torno do governo Lula – Partido dos Trabalhadores, fizeram congresso como os impactos sociais e econômicos decorrentes das políticas internacional públicas desenvolvidas nos últimos 12 anos fizeram com que o e nas formas de consumo. Assim, objeto de estudo baseia-se na em artes consumidor de classe C brasileiro tivesse acesso ao desenvolvi- forma como o consumo passou a ser um inclusor social de uma novas tecnologias mento educacional e ao consumo, provocando alterações na eco- parcela da população, outrora sem poder financeiro para movi- inclusor social. A partir deste panorama, quer-se compreender me- Considerando que a quebra de classes e a reestruturação e comunicação nomia e nas relações sociais, ou seja, a visão do consumo como lhor como tem sido a introdução social e as relações de aceitação do consumidor emergente pelas marcas consolidadas pelas classes A e B, busca-se ainda fazer o paralelismo entre as alterações desenvolvimento estudantil, provocando alterações na economia mentar a economia nacional. financeira dos patamares classificatórios influenciaram no comportamento de consumo do brasileiro de classe C, busca-se analisar se o consumo conseguiu ultrapassar as barreiras sociais e socioculturais do consumidor e a forma como as relações de co- inserir o consumidor emergente dentro de um contexto social mais PALAVRAS-CHAVE: Consumo. Sociedade. Cultura. Econo- blicitário do profissional de marketing, observando os stakeholders municação são estabelecidas. abrangente, além de sugerir a necessidade de um novo olhar pu- mia. Inclusor Social. e as oportunidades mercadológicas que podem vir a ser exploradas com o estudo atualizado do perfil do consumidor emergente brasileiro. Capa Editorial Sumário Página - 47 INTRODUÇÃO É possível dizer que os impactos sociais e econômicos decorrentes das políticas públicas desenvolvidas nos últimos 1 artigo apresentado como parte de trabalho de conclusão de curso para obtenção do título de especialista em Gestão de Comunicação e Marketing pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo sob orientação da Profa. Dra. Liriam Luri Y. Yanaze. Conforme dados do IBGE e MEC, o PROUNI (Programa Uni- versidade para Todos) com auxilio de diversas políticas públicas nacionais desenvolvidas desde o governo do Partido dos Trabalhadores na presidência da república, dados apresentados pelo estu- do O Observador Brasil1, proporcionou abertura e facilidades para adentrar ao mercado educacional, com ênfase a partir de 2004 com a criação do Programa Universidade para Todos, bem como diver- CIANTEC’14 sos projetos correlacionados ao acesso do ensino superior, como fatos sociais e imbricações midiáticas; destacando a importância acadêmico, disponíveis no Portal Brasil 2. Logo, subentende-se que com uma marca/produto e considerar o consumo como inclusor classe C, foi desenvolvida na mesma proporção, configurando um siderar que não há prioridade política, apenas um estudo que rela- FIES, Ciências sem Fronteiras, entre outros de apoio ao acesso congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação da compreensão cultural do consumidor e suas relações emotivas a capacidade de análise crítica dos favorecidos, consumidores de social para a sociedade emergente brasileira. Deve-se ainda con- novo perfil consumidor. ciona algumas ações de políticas públicas provindas do partido da Diante de uma classe C crescente, dominante de mais de 50% do capital de giro do país e potencial de votos do país – con- presidência da república desde 2002. Para o desenvolvimento do projeto, fez-se necessária sua forme dados do Banco Central 3, busca-se enfatizar a importância realização em etapas, ou ainda, diferentes tipos de ações de pes- preendendo que os consumidores, de forma geral, podem bus- como base estudos relacionados ao significado da marca e suas destes stakeholders para o cenário mercadológico nacional. Com- car marcas por meio de vínculos de sentidos, pode-se explicar os quisa. De maneira linear, adéqua-se ao projeto, considerando relações culturais com o consumidor, no plano acadêmico, estu- vínculos de diversas maneiras, bem como relacionar os tipos de dam-se Andrea Semprini, e as relações da marca pós-moderna e consumo emergente nacional, associando as pesquisas apresen- sentidos; Clotilde Perez, com as expressões da marca, signos da vínculos aos exemplos de Eneus Trindade (2010), no contexto de tadas pelo Instituto Data Popular4 em 2013, Publicações da Revista Exame nos anos de 2013 e 2014, dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos 5 publicados em fevereiro de 2012 e atualizados ao Capa longo de 2013, além de pesquisas e publicações apresentadas em Editorial jornais e meios de comunicação que cruzam dados oficiais acima Sumário citados. Desta forma, tem-se como objetivo avaliar se o consumo ratifica-se como inclusor social, bem como correlacionar as imbricações culturais que surgiram com o passar dos anos. Apresentar Página - 48 Roberta Vieira ainda o comportamento de compra do consumidor, correlacionando multiculturalismo; Eneus Trindade, com as relações de vínculos de marca e semiótica; os estudos da pesquisadora Jôse Rocha Fogaça (Doutoranda, participante do GESC3 - Grupo de Estudos Semi- óticos em Comunicação, Cultura e Consumo – USP), em torno dos sentidos de consumo de baixa renda; Sérgio Nardi e seu estudo específico para o consumo de baixa renda; Paulo de Lencastre e gestão da marca; Nestor Canclini, por relacionar o consumo como inclusor social na América Latina. Além, é claro, de toda base eco- nômica nacional, apresentada em sites oficiais governamentais, como IBGE, secretaria da fazenda, entre outros. CIANTEC’14 PA N O R A M A D O M E R C A D O E M E R G E N T E NACIONAL – DE 2002 A 2014 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação As imbricações sociais decorrentes do governo do Partido dos Trabalhadores Pode-se dizer que o governo petista foi um grande transfor- mador do cenário nacional, devido a diversos programas de inclusão social e melhoria de qualidade de vida da população de classe C, D e E. Dentre diversas políticas públicas desenvolvidas ao longo do governo Lula, ou seja, desde 2002, os programas de cotas, Programa Universidade para Todos (Prouni), financiamentos es- tudantis pelo Fies, programas como bolsa família, foram e ainda continuam sendo fundamentais para a transformação do perfil de consumo e, em muitos casos, à inserção social. Ao se analisar os relatórios de Boletim do Banco Central, considerando os dados referentes a área de Moeda e Crédito entre os anos de 2002 e 2009, seguidos dos relatórios de inflação no site do BACEN, até 2012, pode-se compreender que o governo Capa Editorial Sumário Lula destacou-se também pela baixa inflação, podendo ser um dos fatores diretos de acesso ao consumo da população com menor poder aquisitivo. Outrora, o varejo brasileiro e sua forma de lidar com o crédito também pode ter sido um grande influenciador neste contexto de ingresso ao consumo. Carlos Alberto dos Santos, diretor técnico do SEBRAE6, em Página - 49 uma apresentação no IV Fórum Banco Central, sobre Inclusão Roberta Vieira Financeira (2012), fez uma análise sobre a forma como o microcrédito nacional passou a ser considerado microfinanças e, por fim, evoluiu para inclusão financeira. O destaque se dá pois neste artigo trata-se a questão da inlusão social por meio do consumo, e, por conseguinte, pela inclusão financeira também. O que pode-se analisar é que a base da pirâmide financeira passou a movimentar a economia nacional, a Nova Classe Média representa hoje 54% da população, de acordo com dados do Instituto Data Popular (que utiliza pesquisas do Instituto Nielsen7 e Serasa Experian 8). Em uma publicação da revista Exame em fevereiro deste ano, Os grandes números da classe média brasileira, apresenta uma atualização das informações apresentadas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos do Governo Federal (SAE) em 2012, que traz um relatório completo do perfil consumidor. Esta publicação da SAE, 45 Novidades Sobre a Nova Classe Média, apresenta um balanço oficial baseado em dados de 2002 a 2010. Entre os anos de 2002 e 2010, cerca de 9 milhões de brasileiros da classe C tiveram acesso ao ensino superior, em 2002 este número era de 6 milhões. Ainda de acordo com os dados do Instituto Data Popular, a nova classe média injetou cerca de 1,17 trilhões de reais na economia brasileira em 2013, representando 58% da movimentação de crédito nacional. Ainda pode-se pensar que as questões relacionadas aos projetos sociais do governo contribuiram para a evolução da classe média, tais como reanalise de micro-crédito e CIANTEC’14 PRONAF 9, Programa FomeZero, Bolsa Família, entre outros. tinha o valor de R$200,00(duzentos reais) em 01 de abril de 2002, dários, a reeleição do ex-presidente Lula ocorreu em 2006, dando centos e vinte e dois reais) e, em 2014, ainda no governo de Dilma Entretanto, mesmo com diversos problemas politico-parti- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação certa constinuidade à estabilidade e à economia, com a manuten- ção de seus programas de crédito às classes C e, por conseguinte, aumento do consumo. Em 2007, com a criação do PAC, Programa país, contribuindo para o seu desenvolvimento acelerado e susten- 01/04/2002 ma, O PAC promoveu o aumento de empregos, com aproximadamente 8,2 milhões de postos de trabalho entre 2006 e 2010, conseguindo ultrapassar a fase econômica mais crítica, em 2008. Em 2010, o governo apresentou o PNE, Plano Nacional de Educação, entre 10 diretrizes e 20 metas, tinha como objetivo principal a er- radicação da taxa de analfabetismo, ainda não alcançada, porém trabalhada e a universalização do ensino e acesso às minorias, como indígenas, quilombolas, estudantes com deficiência. A questão citada enquadra-se no contexto do artigo pois apresenta o panorama de alterações sociais, educacionais e eco- nômicas que envolvem a classe C brasileira. O PNE continua vigente com a proposta de expansão até o ano de 2021, Página - 50 quatro reais), conforme tabela abaixo: mentos de infraestrutura social, urbana, logística e energética do De acordo com as informações nacionais, no site do progra- Sumário Rousseff, apresenta o valor de R$724,00 ( setecentos e vinte e VIGÊNCIA o PAC”. Editorial ao fim do mandato de Lula, apresentava o valor de R$622,00 (seis- de Aceleração do Crescimento, deu-se a retomada aos planeja- tável, conforme o site oficial do PAC relata em sua página “Sobre Capa Roberta Vieira Segundo o Portal Brasil, o salário mínimo médio brasileiro, FUNDAMENTO LEGAL Medida Provisória n° 35 publicada no D.O.U. em 28.03.2002 VALOR R$ 200,00 01/04/2003 Lei n° 10.699, de 09.07.2003 R$ 240,00 01/05/2004 Lei n° 10.888, de 24.06.2004 R$ 260,00 01/05/2005 Lei nº 11.164, de 18.08.2005 R$ 300,00 01/04/2006 Lei nº 11.321, de 07.07.2006 R$ 350,00 01/04/2007 Lei nº 11.498, de 28.06.2007 R$ 380,00 01/03/2008 Lei nº 11.709,de 19.06 .2008 R$ 415,00 01/02/2009 Lei nº 11.944, de 28.05.2009 R$ 465,00 01/01/2010 Lei nº 12.255, de 15.06.2010 R$ 510,00 01/01/2011 Medida Provisória nº 516, de 30.12.2010 R$ 540,00 01/03/2011 Lei nº 12.382, de 25.02.2011 R$ 545,00 01/01/2012 Decreto nº 7.655, de 23.12.2011 R$ 622,00 01/01/2013 Decreto nº 7.872, de 26.12.2012 R$ 678,00 01/01/2014 Decreto nº 8.166, de 23.12.2013 R$ 724,00 Quadro 1 - Índice de alteração do salário mínimo nacional de 20 02 a 2014. CIANTEC’14 A partir destes índices, em somatória aos dados acima ci- neste sentido, explica-se também o aumento de cirurgias plásticas caracterizou-se pela estabilidade econômica, bem como o auxílio O Brasil já era uns dos pioneiros na questão de cirurgias tados, pode-se dizer que o governo do partido dos trabalhadores congresso internacional à distribuição de renda, proporcionandoo progressivo aumento do piso salarial nacional mínimo. em artes novas tecnologias e comunicação A N O VA C L A S S E M É D I A E O S IMPECÍLIOS SOCIAIS Delimitar a Nova Classe Média é um exercício árduo e con- tínuo que vem sendo desenvolvido ao longo dos anos, principalmente dos 12 anos, tanto pelo governo federal como por órgãos e institutos de pesquisa. A busca por informações dessa parcela da população que movimenta aproximadamente 54% da economia brasileira, de acordo com as informações do Observador 201210 e pesquisas de Renato Meirelles, especialista e referência em estu- dos sociais relacionados à classe emergente brasileira, além de diretor do Instituto Data Popular. Capa Editorial Sumário Meirelles classifica a nova classe C com informações rela- cionadas ao tipo de consumo, evidenciando as alterações do perfil do público nestes anos de governo democrático, considerando o período do Partido dos Trabalhadores. A classe C atual, de acordo com o instituto data popular, é composta por jovens a partir de 20 anos de idade, que busca consumo de investimento nos estudos Página - 51 Roberta Vieira e ensino superior, além do consumo voltado para bens estéticos, estéticas. plásticas, contudo, uma pesquisa realizada em 2012 pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS),em parceria com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), revela um aumento de 43,9% de operações estéticas no Brasil entre 2008 e 2011. A mesma pesquisa indica que este número é proveniente da ascensão da classe C. Mas a grande questão está em compreender as alterações sociais proporcionadas à classe emergente e como isto influencia diretamente no consumo, o transformando em um inclusor social. De acordo com dados da SAE, em sua publicação chamada “As 45 curiosidades sobre a Nova Casse Média”, entre 2002 e 2010 os eleitores de nível universitário na classe C saltaram de 6 milhões para 9 milhões. Serão 11 milhões em 2014. Incluindo aqueles com ensino médio, eram 48 milhões no ano passado e serão 52 milhões em 2014. Já o estudo “O Observador”, de 2012, apresenta os dados de referência abaixo: CIANTEC’14 Roberta Vieira congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Quadro 2 – Alteração do perfil da classe C entre 20 05 e 2011, dados do IBGE, coletados pelo estudo “O Observador 2012”. Quadro 4 – Alteração das classes sociais, dados do IBGE, coletados pelo estudo “O Observador 2012”. Capa Editorial Sumário Quadro 3 – Distribuição em classes, dados do IBGE, coletados pelo estudo “O Observador 2012”. Quadro 5 – Renda familiar média, dados do IBGE, coletados Página - 52 pelo estudo “O Observador 2012”. CIANTEC’14 Claro que as classes sociais tem suas peculiaridades e, Roberta Vieira Entrando na questão estudantil, ao buscar-se o tema “Clas- muitas vezes, demonstram atitudes extremistas em relação as ou- se C Brasileira”, ou semelhante (emergente), no google, cerca de congresso gentes, já foi relatado diversas vezes na mídia, contudo, no portal pode-se dizer que há ausência de uma teoria acadêmica de uma internacional de economia Uol e outros portais que retratam a economia das em artes classes C, D e E, tais como jornais e pesquisas particulares. tras. O preconceito das classes A e B em relação às classes emer- novas tecnologias e comunicação A Nova Classe Média apresenta diversos comportamentos modernos, como por exemplo, os chamados “rolezinhos” 11, vistos Néstor García Canclini12, antropólogo contemporâneo da zaram a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização (...) o conjunto de processos socioculturais em que se reali- ajuda a enxergar os atos pelos quais consumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos, caprichos e compras irrefle- vereiro deste ano, o Portal UOL, com reportagem de Camila Neu- tidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitudes individuais, aos novos clientes. Na perspectiva desta definição, o consumo é compreendido sobre- mam, apresenta claramente a “vergonha” das grifes em relação A grande questão está em, o consumo pode e vem servindo como inclusor social, entretanto barreiras sociais ainda resistem tal como costumam ser explorados pelas pesquisas de mercado. tudo pela sua racionalidade econômica (2010, p.60). Neste sentido, pode-se compreender que o consumo para mais que a economia gerada pela nova onda de consumidores. os emergentes brasileiros são referências socioculturais, ou seja, trabalhar novas linhas de produtos, exclusivos para o público de racteriza como referencial de cultura e pertencimento à sociedade, Algumas marcas que trabaham com o público-alvo Ae B estudam classe C, visando não perder o público tradicional e suas características de sentido, que vê-se em diversos momentos desfavorecidos e “menos especiais” por terem perdido a exclusividade do Página - 53 terações ou por falta de pesquisas acadêmicas referenciais. ses A e B, hoje buscadas pela classe C, admitem certo receio em portais de moda e jornais sobre este assunto, sobretudo em fe- Sumário mo e o relativize no contexto atual, seja pela efemeridade das al- América Latina, define consumo como: relação aos novos consumidores. Diversas são as publicações em Editorial teoria sociocultural contemporânea brasileira, que acerque cosu- pelas classes A e B paulistanas com extremo preconceito. Não apenas a sociedade, mas grandes marcas voltadas para as clas- Capa 29.000 artigos e/ou referências são encontrados; contudo ainda consumo de marcas e grifes renomadas. ultrapassa a necessidade fisiológica de um bem, o consumo de cacomo se houvesse um aval necessário para este pertencimento, alcançado assim pela compra, porém nçao, necessariamente, com a racionalidade econômica, mas a pela necessidade de aceitação social. CIANTEC’14 O complexo de inferioridade da classe média já foi retrata- a contribuir dentro da comunicação, ou seja, desenvolver campa- pelo sentimento de insuficiência ou incapacidade para enfrentar percepção das marcas pelos consumidores alvo; aproveitando a do por diversos autores nacionais, caracterizado principalmente congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação oportunidade mercadológica sem deixar que se perca o signifi- mente incluso na sociedade ao ter o poder de consumo, sua forma também pensar no risco da desconstrução da marca, para que se emergente nacional, cercado por anos pela inflação, vê-se socialde suprir a carência social (NARDI, 2009). Assim falando, como traballhar a questão do brand equity 13 contexto social preconceituoso. impacto negativo ou deveriam aproveitar a oportunidade mercado- pam-se com o novo consumidor que busca “ostentação” por meio valor da marca é de grande importância, mas não é o objeto deste do uso de grifes, entretanto este consumo fora do perfil A/B permi- te o acesso à socialização ao emergente, não apenas relacionados aos rolezinhos, mas no contexto geral. Falamos agora com um consumidor que ultrapassou o patamar das necessidades fisioló- estudo, apenas citado para que pudesse relativizar a importância gicas e de segurança da pirâmide de Maslow14, um consumidor Em se tratando de preconceito, dentro das questões de co- sociais, de estima ou autorrealiazação. Este é o novo consumidor do tema dentro do contexto consumo. municação e sociológicas, Houaiss(2004), o define como – etimo- logia pré + conceito, qualquer opinião ou sentimento, favorável ou desfavorável, sem exame crítico, a priori, sem maior conhecimen- to, ponderação ou razão; atitude, sentimento ou parecer insensato, de natureza hostil, assumido em sua consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, intolerância. Página - 54 evite que o sentimento por uma marca seja perdido dentro de um Claro que as marcas já consolidadas no mercado preocu- uma marca, construído ao longo dos anos. De qualquer forma, o Sumário cadoda marca dentro do imaginário de consumo. Assim, deve-se das marcas de luxo? Sofreram ou sofrerão realmente algum tipo de ser muito bem analisada para que não se esvazie o significado de Editorial nhas adequadas aos novos consumidores, sem que se perca a os problemas, dentro do contexto contemporâneo de consumo, o lógica e alcançar novos mercados? A questão do brand equity deve Capa Roberta Vieira Neste sentido, pode-se pensar que a publicidade pode vir que, por diversos fatores abordados, consome por necessidades da classe média brasileira. O MARKETING E O CONSUMO DE CLASSE MÉDIA O marketing é peça chave no processo de comunicação, administração e manutenção do público alvo e suas necessidades. O marketing, ao longo dos anos, foi definido de formas diferentes CIANTEC’14 por autores diversos, passando desde o marketing mais administrativo até alcançar o marketing voltado para o valor. Segundo Nardi e Godoy, 2006: congresso Roberta Vieira publicidade e seus impactos diretos sócio-culturais, a necessida- de de produção de um discurso coerente com a nova classe média brasileira faz-se necessária e poderia ser peça chave para a construção de sentido para os emergentes, sem desconstrução do internacional Marketing é um processo impor tante para descobrir, em artes atender e superar as expectativas e necessidades novas tecnologias dos clientes, fa zendo com que eles se predisponham sileiro, afirma em seu livro, A nova era do consumo de baixa ren- marketing utiliza-se de ferramentas para não somente Fazendo relações com estudos freudianos, apresenta o consumi- e comunicação a fa zer par te de um processo de troca, ou seja, o identificar desejos dos clientes, mas também orientar o processo de compra a par tir de uma visão baseada na necessidade do consumidor. Neste contexto, o que se busca neste artigo é observar o processo de consumo e sua influência direta na inserção do consumidor de baixa renda ao convívio social. Em um artigo de fevereiro de 2014 da Folha de São Paulo, o qual traz uma entrevista com o publicitário Luiz Lara, sócio da Capa Editorial Sumário agência Lew’Lara/TBWA - A Classe média procura marca, e não preço -, em que afirma a alteração do perfil consumidor de classe C, com foco não mais no preço, e sim nas marcas. Lara ainda cita, “A propaganda brasileira educa e forma cidadania. Ensinou crianças a escovar os dentes e donas de casa a usar máquina de lavar. Quanto mais você se informa, maior a sua capacidade de decidir”. Página - 55 Diante deste contexto, pode-se observar a importância da valor da marca atual. Sergio Nardi, pesquisador do mercado de baixa renda bra- da(2009), apresenta o perfil psicológico do cliente de baixa renda. dor inconsciente latente – que não consegue manter o nível de consciência durante o processo de compra, negligenciando etapas do processo de compra consciente e muitas vezes agindo por impulso, e o consumidor de nível consciente – capaz de efetuar pesquisas de pré-compra, lojas análise de preços e estabelecer relações de custo X benefícios. Nardi ainda relaciona suas pesquisas em torno da inferioridade autorrotulada pelos clientes, em comparativo com as classes A e B. RELAÇÕES DE CONSUMO A questão dos vínculos para o ser humano é fundamental para o desenvolvimento social, assim é também a relação dos vín- culos com marcas e produtos. Eneus Trindade15, em artigo publicado em 2010 na revista Signos do Consumo, relaciona os vínculos de sentido dentro da publicidade e de quais formas os consumidores CIANTEC’14 buscam por uma marca/produto. A grande questão se dá pelo con- internacional em artes novas tecnologias e comunicação ting, independente de sua utilização como veículo de de identificação do consumidor pelas expressões da marca e, por dos fim, a criação de vínculo de sentido do cliente. Ou seja, o comprar, além de inserir socialmente o consumidor e o classificar – de certa forma – apresenta uma relação cultural e intrínseca. Não apenas o uso do produto, mas o sígnico-simbólico que vem com o consumo, a representação de comportamento e estilo de vida, o existir por meio do consumo que veio em decorrência do poder de compra. Andrea Semprini analisa em seu livro, Multiculturalismo, coletivos só é possível, hoje, por meio da pu- blicidade. O homem constrói os signos da comuni- cação empresarial, mas eles só são disseminados e sustentados pela publicidade, especialmente quando nos referimos à produção sígnica de massa. (PEREZ, 20 04, p. 142). Deve-se observar a importância que tem se dado à comuni- cação para a classe C, considerando que estes consumidores as- lises estritamente políticas ou socioeconômicas e permite com- superior, tornando-se mais exigente e participativo, pode-se pen- preender por que os conflitos multiculturais somente se dispõem parcialmente ao longo das linhas de fratura políticas tradicionais (esquerda X direita, liberais X conservadores, democratas X re- publicanos). Assim, pode-se relacionar as questões de inserção Capa do consumidor de baixa renda em ambientes outrora não frequen- Editorial tados por este público. O consumo permitiu o acesso a um novo mundo, um novo espaço social para a nova classe média. Claro que a publicidade pode influenciar consumidores na busca por uma marca, e a construção de vínculos de sentido vem da publicidade e marketing. Clotilde Perez16, destaca esta questão Página - 56 informação ou de persuasão. A construção de senti- 1999, os fatores de peso socioculturais na definição do espaço social. Segundo ele, esta evolução mostra a inadequação das aná- Sumário A publicidade é uma ferramenta vital para o marke - sumo através das influências midiáticas publicitárias, o caminho do desejo de um produto, até o consumo em si, traz as relações congresso Roberta Vieira da seguinte maneira: cenderam socialmente, tem uma grande porcentagem já no ensino sar na necessidade de vínculos de sentido e de uma comunicação efetivamente includente, tendo em vista o histórico “excludente” que o público de classe C já relatou em pesquisas e publicações em jornais e revistas. Outro grande escritor, Gilles Lipovetsky , em o Império do Efêmero (2008), dá destaque também à comunicação de massa relacionando a publicidade como um meio de comunicação de massa, ela é utilizada como publicidade de marcas, de serviço público (a cargo dos partidos políticos, das administrações de Estado, e do próprio governo) e de interesse geral. A publicidade não precisa de crachá, de autorização para ser vista. É uma comunicação CIANTEC’14 socialmente legítima, que atinge a consagração artística: ela entra midor, bem como a identificação e fidelizaçao destes consumido- tazes, distribuem-se prêmios de qualidade, é vendida em cartões cas e de autorrealização e/ou não mais apenas fisiológicas deste com tranquilidade “no museu, exposições retrospectivas de carcongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação postais. [...] cobiça a arte e o cinema, põe-se a sonhar em abarcar a história. Ou seja, a publicidade para a comunicação de massa tem poder inclusor e de acesso, que, somada a ideia de acesso ao consumo nos últimos 10 anos pela classe C, ratifica a ideia de consumo como o propulsor da inclusão social atual. CONCLUSÃO Este texto teve como proposta abordar a questão do consumo como inclusor social para a classe C, relacionando as alterações sociais a partir de 2002, as aberturas de acesso ao cré- Editorial Sumário cliente é infiltrar-se em seu cotidiano, é apresentar por meio de um produto ou marca a possibilidade de inclusão em um novo espaço social, diminuir o peso dos conflitos socioculturais e considerar, em definitivo, o consumo como um fator sociocultural. Como propositor de debates e acompanhamento do consumidor, este trabalho não encerra-se aqui, fica aberto para con- tinuidade e novas percepções acadêmico-mercadológicas, considerando as oportunidades ainda não exploradas, seu público mais crítico e exigente que busca identificar-se culturalmente com as marcas, além de auxiliar as empresas a considerar o consumo como inclusor social, com a produção de sentido e vínculo em suas campanhas voltadas para este novo consumidor de classe ao consumo fizesse parte do cotididiano do consumidor da nova O material ainda é suscetível de aprofundamentos, tanto croambiente nacional, as contruições e influências das políticas públicas para a alteração do quadro social brasileiro desde 2002, considerando o consumidor de classe C. Assim, as relações e oportunidades mercadológicas que estes stakeholders apresentam devem ser monitoradas pelos empreendedores cotidianamente, cosiderando como um objetivo de marketing a conquista da satisfação das necessidades do consuPágina - 57 res pelas marcas, observa-se que suprir as necessidades intrínse- dito e como estas foram construídas para que, por fim, o acesso classe média. Levantaram-se questões em torno do macro e miCapa Roberta Vieira média brasileira. teóricos quanto mercadológicos, entretanto apresenta um bom panorama atual do mercado em contraste com as questões sociais, políticas, econômicas e acadêmicas que acercam o tema. Por fim, reconhece-se os limites deste estudo, porém sua contribuição é válida para o equilíbrio entre o comportamento de consumo dos últimos anos do emergente de classe C brasileiro, a associação a cultura e transformações sociais, a identificação do consumidor por uma marca até o consumo efetivo, bem como as oportunidades CIANTEC’14 mercadológicas que estão disponíveis, visando o auxílio nas toma- das de decisões de marketing. congresso Notas internacional Portal Brasil é o canal oficial de comunicação da Presidên- em artes cia da República. Dados disponíveis no Relatório de Inclusão Financeira do novas tecnologias e comunicação Banco Central do Brasil de 2011. Instituto Popular realiza pesquisas constantes sobre a clas- Roberta Vieira cultura a partir de ponto de vista latino-americano Valor da marca Pirâmide hierárquica das necessidades de Maslow, psicólo- go americano que desenvolveu a teoria. Professor Adjunto do PPGCOM e do Curso de Graduação em Publicidade e Propaganda da ECA-USP. Editor Responsável da Revista Signos do Consumo. Vice- Coordenador do Gesc3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo e Grupo Coletivo de Estudos em se C brasileira. Estética. único sobre a Classe C brasileira. tes (ECA-USP). Doutora em Comunicação e Semiótica pela Ponti- A Secretaria de Assuntos estratégicos apresenta um portal Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Instituto de Pesquisas reconhecido nacionalmente por con- trastar dados do IBGE e pesquisas AD HOC. Responsável pelo maior banco de dados de crédito de con- Professora livre-docente da Escola de Comunicações e Ar- fícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora na PUC SP. Vice-líder do GESC3 – Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e consumo. sumidores, empresas e grupos econômicos. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiCapa Editorial Sumário liar “O Observador Brasil 2012”, desenvolvido pela Cetelem BGN em parceria com a IPSOS–Public Affairs. Rolezinhos são encontros de jovens da periferia em locais frequentados pela classe média alta. Néstor García Canclini é um antropólogo argentino Página - 58 contemporâneo. O foco de seu trabalho é a pós-modernidade e a REFERÊNCIAS Classe C é exigente e prefere pagar por qualidade. Amcham. Disponível em: <http://www.amcham.com.br/business-in-growth/noticias/classe-ce-exigente-e-prefere-pagar-por-qualidade-8615.html>. Acesso em: 16 jun. 2014. Corecon. Crescimento Econômico e Ascensão Social na Era Lula: a inclusão pelo consumo num país desigual. Disponível em: <http://www. CIANTEC’14 corecon-rj.org.br/pdf/je_abril_2011.pdf > . Acesso em: 10 jun. 2014. GIDDENS, Anthony; TURNER, Jonathan organizadores; tradução de Gilson César Cardoso de Sousa. Teoria social hoje. São Paulo: Editora congresso internacional UNESP, 1999. IBGE. Série estatísticas, temas e subtemas. Disponível em: <http:// em artes seriesestatisticas.ibge.gov.br/lista_tema.aspx?op=0&no=1>. Acesso novas tecnologias em: 10 jun. 2014. e comunicação LIPOVETSKY, Gilles. O Império do efêmero. São Paulo: Cia das Letras, 1989. O Observador Brasil 2012. Disponível em: <http://www.cetelem.com.br/portal/ Sobre_Cetelem/Observador.shtml>. Acesso em: 10 jun. 2014. NARDI, Sérgio. A nova era do consumo de baixa renda: consumidor, mercados, tendências e crise mundial. Osasco, SP: Novo Século Editora, 2009. Capa Editorial Sumário Página - 59 Roberta Vieira O CICLO PERFORMÁTICO DA OBRA DE ISMAEL NERY NA DANÇA CONTEMPORÂNEA AILA REGINA DA SILVA Mestranda no Programa de Pós Graduação em História e Estética da Arte da Universidade de São Paulo; Orientação de Arthur Hunold Lara e bailarina atuante. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - A partir da obra “O eu em ti” da Cia Carne Agonizante este ensaio analisa a relação entre a dança contemporânea e arte visual, representadas aqui pelo artista modernista Ismael congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Nery cuja vida e obra deram base para o espetáculo de dança. Com o objetivo de aprofundar a investigação do artista brasileiro começada pelo coreógrafo Sandro Borelli, o ensaio apoia- -se na arte performática e nas questões da dança contemporânea para mostrar um ciclo de criação artística, onde os dançarinos representam a obra de Nery (re)significando-a pela dança, trans- pondo as imagens da tela na coreografia e, pela dança, criando um novo signo visual. PALAVRAS-CHAVE: Dança contemporânea. Movimento. Artes plásticas. INTRODUÇÃO O filósofo Friendrich Nietzsche (Rocken, 1844 – Weimar, 1900) e o compositor Richard Wagner (Leipzig, 1813 – Veneza, 1883) já rascunhavam ideias de uma dança comprometida com o Capa Editorial Sumário corpo e o movimento, algo que libertasse o ser humano das amar- ras da técnica ocidental civilizada que eram esteticamente rígidas. No século XX, na Europa, alguns grupos seguem esse raciocínio, como o de Sergei Diaghilev e o de Jean Börlin. O primeiro reuniu os principais nomes do balé do século XX, Anna Pavlova, Vaslav Página - 62 Nijinsky, Michel Fokine e George Balanchine, inovando na lingua- Aila Regina da Silva gem do balé clássico. Diaghilev acreditava que a dança deveria ser o encontro de todas as artes e, além da coreografia, o cenário e a música vinham de encontro ao seu pensamento de vanguarda, para tanto usou Picasso nos figurinos e o jovem Stravinsky nas composições. O grupo de Bördan, provindo da Opera Real de Estocolmo, usufruía de extravagante criatividade, pensamentos e mensagens condizentes com a sua época, entretanto, também como Diaghilev, mantinha a técnica clássica como base principal para o bailado. Ambas companhias tiveram resultados negativos da sociedade, onde o público dos espetáculos vaiavam e a crítica era desfavorável. Quando o teórico de dança Rudolf Laban (Bratislava, 1879 – Weybridge, 1957) propõe seus novos meios e estudos, que inte- gram artes visuais, música, escrita, espaço cênico e corpo a ruptura com a técnica clássica dá lugar a um novo modo de enxergar o movimento e, portanto, um novo caminho se abre, livre do antigo sistema técnico e comprometido em totalidade com a busca pela consciência corporal conectada com o sentimento. É nesse contexto histórico que o cenário da dança con- temporânea começa a se formar. Durante muitos séculos a dança manteve-se como entretenimento e estava subordinada à música, hoje a dança contemporânea pode construir-se sobre a mensagem antes da escolha da técnica ou estética final, como afirma a bailarina americana Isadora Duncan: CIANTEC’14 congresso internacional “ Para mim, a dança não é só a ar te que exprime a Teatro Oficina) e do produto da dança em arte plástica (performan- to de uma concepção completa de vida, mais livre, Este ensaio propõe-se a analisar, com base na obra de dan- alma humana através do movimento, mas o fundamen- ces de Trisha Brown fazendo desenhos através da dança). harmoniosa, mais natural. Resumirei isso num aforis- ça contemporânea, a aproximação da dança com a arte plástica. mo: Dançar é viver.” (DUNCAN, 1927, p.33) em artes Essa tendência na dança é vista no oriente com o surgi- novas tecnologias e comunicação Aila Regina da Silva mento do Butoh, na América do Norte com a dança moderna, com a visitação da dança contemporânea sobre as danças étnicas asi- Visa mostrar um ciclo criativo, onde a dança torna-se espelho do trabalho de um artista plástico, representada pelo processo criati- vo da Cia Carne Agonizante na vida e obra de Ismael Nery. CIA CARNE AGONIZ ANTE E ISMAEL NERY áticas e africanas e com a valorização das danças regionais no Brasil. “ Eu sou a tangência de duas formas opostas e justaA realidade da dança contemporânea caminha junto da arte performática e do teatro, no momento em que todos usam o corpo como base para expressar sua ideia maior. Renato Cohen define o postas. Eu sou o que não existe entre o que existe. processo performático: “À medida que o ator entra no ‘espaço -tempo - cênico’ Eu sou tudo sem ser coisa alguma. ‘representar’ (é o próprio conceito de signo, algo que Eu sou o amor entre os esposos, isto algo concreto — o qual tem-se nomeado ‘perso - Eu sou o marido e a mulher, ele passa a ‘significar’ (virar um signo) e com isso Capa Editorial Sumário represente outra coisa) alguma coisa, podendo ser nagem’— ou mesmo abstrato”. (COHEN, 2002, p. 95) Eu sou a unidade infinita” É nessa reinvenção que a essência da relação arte-corpo flutua, na resignificação da transmutação de dança em teatro (a Página - 63 exemplo de Pina Baush), do teatro em happening (experiências do Ismael Ner y – trecho de Eu CIANTEC’14 Formada em 1997 sob o nome de FAR-15 e dirigida por dré Breton (1896 – 1966), Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959) e Marc çou a utilizar o nome Cia Borelli de Dança e, hoje, é Cia Carne particularmente Chagall. Em 1930 constata-se que Nery está com Sandro Borelli, passou em 2004 por uma reestruturação e comecongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação tuberculose e ele passa a produzir em menor quantidade, mas sivamente a existência humana e seus desenlaces, os entremeios Belém, São Paulo e Rio de Janeiro. Seu trabalho é reconhecido Seu repertório, como o nome já instiga, é questionar obces- duais da construção humana onde “a certeza é substituída pela recusa de soluções lineares, transformando o gesto e o movimento ambiguidade” de acordo com a própria Cia. Trabalhando com base na dança-teatro, sua base filosófi- co-intelectual passeia pelos universos de Ernesto ‘Che’ Guevara, Augusto dos Anjos e Franz Kafka. Ismael Nery (Belém, 1900 – Rio de Janeiro, 1934) foi uma personalidade inquieta e multitalento do modernismo brasileiro. Pintor, desenhista, poeta e filósofo, ele mesmo nunca se definiu como artista plástico, sua complexidade artística assemelha-se a um poliedro onde cada face utiliza uma ferramenta (pintura, deseEditorial Sumário nho, poesia, filosofia) e isolar uma única face é impossível, já que uma sustenta a outra. Formado pela Escola Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro), Ismael viaja à França onde estuda na Académie Julian e, de volta ao Brasil, casa-se com a poetisa Adalgiza Nery e se aplica aos seus estudos do “Essencialismo”, sistema filosófico criado por Página - 64 Chagall (1887 – 1985) que influenciam diretamente seu trabalho, Agonizante. não em narrativas, mas em signos estruturalmente prisioneiros da Capa Aila Regina da Silva ele mesmo. De volta a França, Nery entra em contato com An- suas obras tem maior projeção. Expõe em Nova Iorque, além de postumamente, engajado pelo poeta e amigo Murilo Mendes e pelo crítico Mário Pedrosa. A peça “O eu e o outro”, realizada a primeira vez em 2000, é baseada na biografia de Nery. Com cenas realizadas por dois bailarinos (homem e mulher), a coreografia desenvolve um diálogo entre corpos onde os movimentos, hora espelham-se, hora apoiam-se, resultando numa relação simbiótica entre os corpos. ASPECTOS FEMININO E MASCULINO Os bailarinos, durante toda a peça, usam um figurino sim- ples, composto por apenas uma calça preta e o tronco nu. De pronto, o espectador precisa aceitar o corpo humano e dessexualizá-lo para compreender a conexão mais profunda dos corpos. A sequencia de movimentos não valoriza o aspecto masculino ou feminino e, de uma primeira percepção sugere igualdade de gêne- ros em seu aspecto social, onde podemos tomar os movimentos coreográficos pelo cotidiano social do ser humano e, embora te- nha momentos onde ambos ajam diferentes não há diferenciação CIANTEC’14 no peso de cada gesto. eta, feito originalmente à imagem e semelhança de Deus, reen- Borelli coloca mais bailarinos em cena e, embora a coreografia se porque para ele, Deus é andrógino, exatamente tal qual Adão, que Numa futura versão da peça chamada “O eu em ti”, de 2011, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Aila Regina da Silva desenrole com um casal por vez em cena, nesta versão, há pares de dois homens ou duas mulheres. Ora pode-se caminhar para o aspecto de igualdade de gê- contra o equilíbrio” (p. 182) Nery busca a androginia primordial, diz-se hermafrodita. De acordo com Chevalier e Gueebrant: “Conforme a primeira narrativa da Criação no Gêne- nero, ora pode-se pensar num caráter andrógino das personagens, sis, Adão aparece sob um aspecto bissexual; segun- de. A ressignificação é intrínseca à concepção da peça. Bereshit Raba, diz-se que Deus criou Adão ao mesmo e num terceiro momento vem à tona a questão da homossexualidaIsmael Nery em seu “Auto-retrato” (óleo sobre tela, 32 x 23 cm, coleção particular, São Paulo) pinta-se como um ser andró- gino, de cabelos à melindrosa, olhar sedutor e boca colorida, em tons sóbrios e escuros, trabalhados em nuances que remetem às luzes de cabaré. Longe de remeter a um estereotipo travesti, a do cer tos autores, ele é hermafrodita. No Midrasch tempo macho e fêmea. Sentido idêntico é apresentado na Cabala que, além disso, fala de Deus sob o duplo aspecto de rei e rainha.” Na cena em que o casal se beija, eles começam com um androginia aparece em vários quadros, inclusive os que tem sua beijo sensual, apaixonado, e a cena desenrola-se para uma co- Em “Duas amigas ou Eva” (1923, óleo sobre tela, 49,5 x 34 desvencilhar-se. O fluxo de movimentos passa a ser contínuo e mulher como modelo. cm, coleção Benjamim Fleider, São Paulo), quadro expressionista, nexão mais profunda, mais visceral, onde ambos não conseguem espelhado, como uma transição da paixão para uma mistura de Capa a sensualidade e o jogo homoerótico gritam ao primeiro olhar. A Editorial mulher de cabelo curto tem seu rosto mais iluminado e segura uma Sumário maçã, a de trás, à sua sombra, segura o queixo numa posição in- num mesmo movimento e a representação corporal das cores, tons melhor, vemos que a primeira é Adalgisa Nery e que a segunda visual, mas que, tal qual o casal em cena ou o casal nos quadros terrogativa. Ambas com boca vermelha e olhar de soslaio. Olhando mulher lembra muito os autorretratos de Ismael. Página - 65 De acordo com André Cordeiro “reunindo os opostos, o po- corpos, onde homem e mulher confundem-se no espaço-tempo. Esses momentos de transição, das mudanças de emoção e nuances dos quadros, conferem a obra de bailado um novo signo de Nery, sugerem a todo momento novos caminhos no imaginário. CIANTEC’14 CONCLUSÃO As técnicas de arte vêm fundindo-se e as conexões dos congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação movimentos artísticos aumentam e aliam-se cada vez mais. Essa mistura irrefreável entre objeto e signo, cinestesia e sinestesia, (re)construir-se, a constante troca de movimentos e evolução dos mesmos, são reflexões a serem pensadas a cada obra nova. Nesse artigo especificamente, à dança hoje e, por meio da experiência e interação entre coreógrafo, bailarino e envolvidos, a forma está em constante mutação. Merleau-Ponty em seu livro O visível e o invisível traz-nos a concepção de percepção compreendida como ação do corpo: “Antes da ciência do corpo – que implica a relação com outrem – a experiência de minha carne como ganga de minha percepção ensinou-me que a percepção não nasce em qualquer outro lugar, mas emerge no recesso de um corpo.” (MERLEAU-PONT Y, 2004, p. 21) Capa Editorial Sumário Então, tal qual o corpo está em constante transformação, nossa percepção de nós mesmos e do que é externo também está. Se voltarmos a essas mesmas obras daqui algum tempo, as diferenças poderão ser aprofundadas, distinguidas e percebidas. Poderíamos seguir adiante, dentro da obra de cada um e certamente Página - 66 haveria mais a acrescentar. Aila Regina da Silva REFERÊNCIA CHEVALIER, Jean e GUEERBRANT, Alain Dicionário de Símbolos. 14a edição, Ed. José Olympio, 1999 COHEN, Renato. Performance como Linguagem. Ed. Perspectiva, 2002 CORDEIRO, André Ismael Nery: o olho no telescópio. Dissertação de Mestrado em Estudos Literários, Universidade Federal do Pará, 2003 GATTINONI, Rosita Danse et art contemporain. Paris: Scala, 2011 MERLEAU-PONTY, Maurice O olho e o espírito. São Paulo: Cosac Naify, 2004 ZOEIRA “NEVER ENDS”: A VIRALIZAÇÃO DE EVENTOS FAKES NO FACEBOOK COMO UM TIPO DE MEME? ALESSANDRA MAIA | POLLYANA ESCALANTE Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - O presente artigo busca investigar se os Eventos memes, posto que sofrem mutações, contágios e repetições (DEN- mos uma pesquisa qualitativa via Google Docs e compartilhada na zação na rede? O presente trabalho entende os memes como uma rede social Facebook, espaço no qual o fenômeno foi observado. forma de entretenimento. análise, apresentar e discutir as características gerais dos memes nimento certas habilidades cognitivas podem ser requeridas e/ou Fakes podem ou não ser considerados memes, para isso realizacongresso internacional em artes Alessandra Maia | Pollyana Escalante Os dados coletados demonstraram que era necessário, antes da NETT, 1998; PARIKKA, 2007; TARDE, 1903) ao longo de sua virali- Acredita-se que ao produzir/consumir esse tipo de entrete- novas tecnologias e a noção de cultura participativa. Ao fim, constatamos que sim, estimuladas (REGIS, 2008). A relação entre consumo e produção e comunicação os eventos criados em maio de 2014 podem ser considerados me- desses eventos fakes no Facebook será investigada a partir da mes, isso por causa de certos elementos que os constitui, segundo cultura participativa (JENKINS, 2008; BURGESS & GREEN, 2009; a viralização. forte presença de conceitos como criatividade e sociabilidade. alguns entrevistados, como o humor, a criatividade, a repetição e PALAVRAS-CHAVE: Cultura participativa; Criatividade; Me- de eventos, aplicar-se-á um questionário qualitativo online para INTRODUÇÃO confirmar presença em algum dos diversos eventos fakes ou criar é possível encontrar a grafia “eventos fake”) que faziam referência Editorial Sumário a produtos culturais das décadas de 1980, 1990 e 2000, dentre eles seriados, animações, filmes, memes, músicas etc. apareceu em maio de 2014 na rede social Facebook. Assim como os memes da Internet, eles surgiram de modo esporádico e tiveram vida curta na rede. A partir dessa observação, emerge a questão que buscamos investigar: até que ponto esses eventos fakes podem ser enquadrados na conceituação de Página - 69 A fim de investigar mais especificamente esse fenômeno mes; Eventos fakes; Cognição. Uma série de eventos fakes (em buscas no Google também Capa SHIRKY, 2011; FREIRE FILHO, 2013; SÁ, 2014), na qual nota-se a tentar aferir as razões pelas quais as pessoas são motivadas a seu próprio evento ou simplesmente compartilhar em sua timeline. E, claro, a possível relação destes eventos com a ideia de meme. Para isso, elaboramos nove perguntas em uma pesquisa qualitativa distribuída via Google Docs e compartilhada em nossa conta na rede social Facebook; a escolha do método foi em razão da natureza da pesquisa, pois há o interesse em tentar entender se os Eventos Fakes podem ou não ser considerados memes, tanto sob o viés teórico quanto por meio do entendimento dos usuários dessa ferramenta – como buscávamos as definições dos respondentes sobre o fenômeno, apenas 16 respostas foram necessá- CIANTEC’14 rias, por isso no dia seguinte encerramos o formulário. A seguir faremos uma rápida discussão do entendimento de como autores definem um meme; na seção posterior exploraremos congresso internacional em artes caremos os Eventos Fakes que surgiram no Facebook. EVENTO: ‘MAS O QUE SERIA UM MEME?’ mo cunhado inicialmente pelo zoólogo britânico Richard Dawkins em 1976, na obra O gene egoísta. Segundo Dawkins, o meme estava para a memória assim como o gene para a genética. Todavia, mais do que a possível relação com a memória, o meme pode ser associado ao vírus, segundo Jussi Parikka (2007), por causa da mutação que sofre e da rápida dispersão no ambiente digital. Mas Sumário outro autor, Daniel Dennett (1998), também compara os memes a pacotes de informação, concepção que se aproximaria da noção de vírus, porque é uma estrutura mais imprevisível que a do gene, assim há a probabilidade de se espalhar mais rapidamente, como um vírus em uma epidemia, por causa de sua capacidade de replicação e adaptação no ambiente cibercultural. Outro par de ingre- Página - 70 eles favorecem, devemos considerar que performance e imitação, racterísticos de diversos memes. avaliar as repostas recebidas e relacioná-las a alguns termos ca- apresentação de elementos que podem caracterizar um meme, ter- Editorial da encenação dos memes, no conjunto de afetos/afetações que portanto, são características inseparáveis dessas narrativas pro- A nossa intenção aqui é fazer, ainda que brevíssima, uma Capa (Tarde, 1903), dessa maneira, ao pensar no fenômeno específico o conceito de cultura participativa para, por fim, na última seção novas tecnologias e comunicação Alessandra Maia | Pollyana Escalante diente importante é o de performance (Zumthor, 1994) e imitação duzidas a partir de dispositivos eletrônicos, dentre as quais destaA rápida passagem por tais características nos remete à compreensão do meme como um organismo em desenvolvimento, ainda não há um consenso entre os autores de quais seriam efetivamente os elementos fundamentais para descrever um meme. Ousamos dizer, nem entre os consumidores e produtores desse tipo de entretenimento. Por que meme seria considerado um produto de entretenimento? Questão essa deveras complicada, mas seguindo a lógica das pesquisas sobre as relações cognitivas entre entretenimento, consumo, produção e compartilhamento, podemos destacar que os memes incitam a imaginação, a colaboração, a criatividade e a sociabilidade de quem os cria e de quem os compartilha, as- sim como os filmes, jogos eletrônicos, seriados de televisão e livros. Cabe ressaltar que não são todos os produtos de entretenimento que possuem tais características, a saber: as de estimular cognitivamente o consumidor, e que até mesmo os que possuem dependem da postura de quem os consome diante dos desafios propostos; todavia, ainda existem alguns produtos sem pretensão de estimular ou requerer certas habilidades cognitivas, porque há CIANTEC’14 consumidores que já estão “acostumados” a ter uma relação mais ativa e criativa, como as que podemos associar ao aparecimento de certos memes. Em relação aos produtos, Steven Johnson apresenta que na congresso internacional cultura popular “certos tipos de entretenimento estimulam a com- em artes plexidade cognitiva; outros a desestimulam” (Johnson, 2005, p. 9). novas tecnologias e comunicação No decorrer de sua obra, o autor explicita que o entretenimento está nos tornando mais inteligentes, contudo essa afirmação parece apressada e exagerada, uma vez que essa condição deve ser relativizada e problematizada, porque nem todos se relacionam da mesma maneira com os produtos, isto é, não temos como prever o Alessandra Maia | Pollyana Escalante criação de outros. O mesmo acontece com eventos fakes. A partir do primeiro evento criado, Festa de Despedida da Dilma, outros surgiram e proliferaram, com temas distintos, porém com um código a ser imitado: seja o tom jocoso; apropriação de cunho afetivo, na qual se demonstrava certo domínio de produtos da década de 1980, 1990 ou 2000; alguns se referiam a memes, como o do Nissim Ourfali ou o da Chloe ou o da Avril Lavine. Percebe-se assim a constituição de um repertório cultural por parte dos criadores de eventos fakes e dos que confirmam sua presença, reforçando, dessa forma, a diversidade de usos e apropriações destes usuários, como veremos nos dados coletados na pesquisa empírica. que ocorrerá antes de uma pessoa entrar em contato com um filme, livro ou meme. Por exemplo, Henry Jenkins destaca, na seção Pixelvision e Machinima, a seguinte ideia: “derrube as barreiras da participação e forneça novos canais de publicidade e distribuição, e as pessoas irão criar coisas extraordinárias” (Jenkins, 2008, p. 203). A despeito disso, Jenkins afirma que, mesmo que 90% das criações amadoras sejam consideradas lixo (de acordo com a lei Capa Editorial Sumário de Sturgeon), se o número de participantes da criação da arte aumentar, a quantidade de trabalhos interessantes seria proporcio- nal. Outro aspecto levantado por Jenkins é o de que uma comu- nidade de apoio incentiva artistas amadores a crescerem. O autor generaliza ao dizer que todos evoluem com o sucesso de cada Página - 71 um. No caso dos memes, a criatividade de alguns pode incentivar C U LT U R A PA R T I C I PAT I VA : E V E N T O S FA K E S C O M O A Ç Ã O D E F Ã S Os estudos acerca dos usos e apropriações de recursos tecnológicos são bastante plural. Como exemplo dessa afirmação podemos citar os estudos realizados por integrantes do laboratório CiberCog/Uerj, essas pesquisas buscam problematizar e investi- gar os possíveis potenciais que o entretenimento pode capacitar e/ ou requerer, no sentido de incitar o uso de certas habilidades cog- nitivas; isso, claro, dependendo da relação que cada pessoa terá com o produto cultural consumido. Antes de discutirmos a cultura participativa é interessante resgatar o que Lucia Santaella diz sobre a passagem da cultura de CIANTEC’14 massa para a cibercultura, que esta não foi abrupta, pois os novos hábitos estimulados pelos meios interativos foram “gradativamente introduzidos pela cultura da mídias” (Santaella, 2003, p. 82), como congresso internacional TV a cabo e videocassete. Assim, podemos considerar que esses hábitos estão bas- Alessandra Maia | Pollyana Escalante sicas ou populares, a personagens, a frases ou a situações etc. também nos permite interpretar que o produto se torna ligeiramente distinto do consumido quando não reconhecemos tais citações. Como Santaella expõe “cada um pode tornar-se produtor, criador, compositor, montador, apresentador, difusor de seus pró- tante associados à transformação da nossa relação com os produ- novas tecnologias tos de entretenimento porque, antes, segundo Clay Shirky, o nosso prios produtos” (Santaella, 2003, p. 82). A partir dessa mudança, e comunicação tempo livre era investido em horas diante da televisão – no sentido como é o caso da Wikipedia. O autor tende a valorizar mais essa em artes de que essa atividade seria entendida como passiva, porque ela era o fim. Entretanto, a ideia exposta por Shirky é questionável, de- vido às pesquisas que exploram as habilidades cognitivas que algumas pessoas são instigadas a investir e/ou desenvolver para o consumo de alguns programas televisivos, como no caso de seriados como Lost (2004-2010) e Os Simpsons (1989-) – em título de explicação, convém ressaltar que muitos episódios da série Os Simpsons apresentam conteúdos críticos e satíricos que remetem ao cotidiano do norte-americano médio, alguns desses trazem múl- Capa Editorial Sumário tiplas referências a outras obras de entretenimento como filmes de horror, ficção científica ou romance; a obras de autores como forma de uso do tempo livre (uma espécie “excedente cognitivo”), do que a produção criativa de produtos como meme, vídeos de sátira, ou outros materiais ligados ao humor. Enquanto nós não faze- mos tal diferenciação, porque acreditamos que cada caso precisa e deve ser avaliado individualmente – como Henry Jenkins explica em seu livro, Cultura da convergência (2008), “estamos usando esse poder coletivo principalmente para fins recreativos, mas em breve estaremos aplicando essas habilidades a propósitos mais ‘sérios’” (Jenkins, 2008, p. 28 – grifos nossos). O trecho transcrito acima nos permite destacar que Jenkins traz exemplos de atividades ligadas aos “fins recreativos”, como o investimento do tempo livre na produção de fan fiction (ou sim- Shakespeare, Goethe e Austen; a pinturas de Van Gogh, Da Vinci, plesmente fanfic, ficções criadas por fãs, que normalmente explo- já nos indicam que não necessariamente seria possível prever de Star Wars, dois exemplos que o autor discute no livro) ou outros Picasso e Dalí, a lista não para por aqui, todavia, essas citações antemão os usos e apropriações que cada um fará da série. Essa Página - 72 para Shirky, podemos perceber o surgimento de projetos coletivos, capacidade de perceber as referências intertextuais a obras clás- ram o universo ou personagens de obras como Harry Potter ou materiais ligados ao produto de fascinação. Segundo Jenkins, James Paul Gee, “chama essas culturas informais de aprendizado CIANTEC’14 de ‘espaços de afinidades’ e questiona por que essas pessoas se modo os fãs constituíram “culturas de conhecimento”. Ao que profundamente com a cultura popular do que com os conteúdos é o que torna divertido fazer – ninguém criaria um lolcat só para si aprendem mais, participam mais ativamente e se envolvem mais congresso Alessandra Maia | Pollyana Escalante dos livros didáticos” (Jenkins, 2008, p. 236) – nesse ponto somos Shirky parece corroborar ao dizer que “compartilhar, na verdade, mesmo” (Shirky, 2011, p. 23). internacional remetidos aos denominados “propósitos mais ‘sérios’”, além de ca- em artes sos citados pelo autor de fãs que melhoraram as notas de redação novas tecnologias na escola ou mesmo tornaram-se jovens escritores por causa da mental, mas como Shirky defende, se os materiais não fossem Cabe ressalta ainda que a cultura participativa não é um metendo à questão da igual importância da sociabilidade. Entre- isso podemos somar a denominação de Jenkins sobre “letramento é apenas acumular preferências individuais. A cultura de diversos e comunicação produção de fanfic. fenômeno da Internet, mas que foi potencializado pela mesma. A midiático”, de acordo com o autor: não devemos “supor que al- Sumário tanto, o autor ainda explicita que “usar o excedente cognitivo não grupos de usuários tem grande importância para o que eles espe- entendida também a partir de um exemplo de Jenkins, no qual “a Esse “trabalhar juntos” e “esperar uns dos outros” são pos- 2011, p. 31 – grifos nossos). profundidade e o fôlego do universo de Matrix tornaram impossível turas normalmente percebidas em comunidades de fãs. Mas o que do conhecimento tornou possível à comunidade como um todo es- 2013 em uma classe de graduandos da Escola de Comunicação da cavar mais profundamente esse texto insondável” (Jenkins, 2008, p. 176 – grifos nossos). Assim, a maneira pela qual ocorreu essa interação nos auxi- lia no entendimento do que seria letramento midiático, uma espécie de capacitação cognitiva. Isso porque o acúmulo de informações, a construção de materiais que especulavam e/ou questionavam Página - 73 compartilhados muito provavelmente poderiam não existir. Nos re- ram uns dos outros e para o modo como trabalham juntos” (Shirky, a qualquer consumidor ‘entendê-lo’, mas o surgimento de culturas Editorial aos memes, a criatividade parece ser uma característica funda- guém seja letrado para as mídias porque sabe consumir, mas não se expressar” (Jenkins, 2008, p. 229). Essa assertiva pode ser Capa Na cultura participativa, especialmente no que diz respeito os significados de dados que construíam o universo Matrix, des- definiria esse ser fã? João Freire Filho, em pesquisa realizada em UFRJ, recolheu dados interessantes acerca dessa questão, uma das alunas, Evelyn de 18 anos, construiu um texto no qual tentava expressar o que era ser fã. A estudante começava cada período dizendo: “fã é aquele”, porém um dos pontos que nos chamou a atenção e parece corroborar com o fenômeno dos Eventos Fakes é o: “fã é aquele que zoa do ídolo sem dó nem piedade, mas não permite, EM HIPÓTESE CIANTEC’14 ALGUMA, que o outro caçoe do mesmo” (Freire Filho, 2013, p. 7). sarmos essas opiniões é necessário expor o perfil do público res- que é ser fã. sexo feminino e a maioria com idade acima dos 30 anos. Dentre Assim, os eventos fakes parecem se encaixar nessa definição do congresso Pelo título de alguns eventos podemos notar que a “zueira” internacional dos fãs “não tem limites”: Mesa redonda para debater se a lenda em artes dessa paixão faz sorrir ou faz chorar; Bodas de prata de Carlos novas tecnologias Daniel e Paulina Bracho; Inicio da Jornada Pokémon; Encontro dos e comunicação predominante foi “mestrado”, totalizando 69%. Ao serem questionados se houve interesse por algum even- “sim. Os que mais me interessaram foram os eventos com títulos E N F I M , E V E N T O S FA K E S P O D E M S E R CONSIDERADOS MEME? Ao observar as características comuns na maioria dos me- mes, percebe-se que o evento fake pode ser considerado como uma modalidade de meme. Parafraseando Erick Felinto, houve o predomínio da produção e transmissão de afetos, voláteis, catárti- cos, perturbadores, contagiosos (Cf. Felinto, 2013, p.12). Ou seja, porque tal como o meme, esses eventos sofreram mutações, tinham um teor cômico, viralizaram e “sumiram” rapidamente. Adiantamos que alguns de nossos entrevistados consideraPágina - 74 não e 50% informou que “às vezes”. Em relação à escolaridade, a entre muitos outros. Seja em tom de homenagem ou de crítica soa de quem promove quanto a de quem confirma presença. Sumário os respondentes, 38% costumam utilizar o botão de Eventos; 12% to fake, a maioria respondeu que sim. Alguns foram mais deta- cial, esses eventos parecem mobilizar uma memória afetiva, tanto Editorial pondente. Das dezesseis respostas, 63% foram de pessoas do Power Rangers Vermelhos; Protesto pelo o atraso da carta de Hogwarts; Grande caminhada para levar os Hobbits para Isengard; Capa Alessandra Maia | Pollyana Escalante ram que os eventos fakes eram memes. Contudo, antes de anali- lhistas em suas repostas, como no caso da quarta entrevistada: e descrições irreverentes, com paródias ou citações de elementos da cultura pop nacional e internacional”. Muitos também disseram quais eventos consideraram mais divertidos ou engraçados: “‘Mar- cha dos pesquisadores que nunca publicaram em Revista A1’” (4ª entrevistada) e “‘Workshop pra aprender a segurar essa barra que é gostar de vc; excursão pro 1º avião com destino a felicidade’ (sic)” (a 16ª entrevistada). Reconhecemos nas respostas acima certas características comuns aos eventos fakes, sentimento também compartilhado por outros entrevistados e que coincidem com o enunciado nas seções precedentes deste artigo. Assim, irreverência, paródia ou citações a produtos da cultura pop parecem fazer parte da constituição desses eventos. Dessa forma, constatamos que a confirmação em um evento, que aparecerá em sua linha do tempo (tradução literal para timeline), está condicionada a certos pressupostos que o usuário CIANTEC’14 precisa se identificar, até mesmo quando o evento é fictício. Os comentários acima parecem confirmar que a identificação é imprescindível para a viralização de certos conteúdos nas congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação redes sociais. Ainda nessa mesma linha, o conteúdo de certos me- mes, bem como dos eventos fakes, é importante para sua viraliza- das características do meme, a repetição. Essa noção de repetição também aparece em Gabriel Tar- indivíduos imitam determinados repertórios uns dos outros – como esse que pode colaborar para a emergência de um desvio positivo The Laws of Imitation. O autor ao refletir sobre o modo como os emoções, costumes, maneirismos, modas e também os desvios tão caros à criminologia moderna –, podemos aproximá-lo de nossa investigação sobre meme, porque Tarde parte do princípio de que aprendemos por meio da imitação e ressalta que somos le- para o desenvolvimento do sistema, percebemos isso pelo menos vados à imitar certos comportamentos em virtude das relações sere, em síntese, de acordo com Jussi Parikka, é a de “contágio e por exemplo, que os eventos “remetiam aos anos 90, uma época no caso dos memes. Assim, a lógica cultural na qual o vírus se inrepetição” (Parikka, 2007, p. 288). A ideia de contágio pode ser associada ao meme no momento em que passa a ser reproduzido. Ao “contaminar” o usuário, o meme se espalha pela rede, sofrendo mutações e até podendo provocar, desse modo, uma epidemia. Semelhante ao que aconteceu com os Eventos Fakes. Quando começaram a ser propagados no Facebook, conforme relata o 12º entrevistado: “(...) passados os primeiros achei tudo muito chato e repetitivo”, porque foram repetidos exaustivamente. O respondente ainda explicou que a princípio Página - 75 esse considerou “chato e repetitivo”. Essa afirmação reforça uma espalharam de modo rápido, assim como um vírus no corpo huma- fakes ganharam certa popularidade no Facebook. Isso porque se rus ganha status de algo que provoca um ruído no sistema, ruído Sumário dos nossos entrevistados se divertiram com os temas dos eventos, de, quando discute As leis da imitação (1903) – tradução literal de Normalmente era compreendido como algo ruim, mas o ví- Editorial guida, chegou à conclusão de que eram falsos. Enquanto a maioria ção, característica dessa dinâmica de compartilhamento. Eventos no ou em computadores. Capa Alessandra Maia | Pollyana Escalante acreditou que os eventos eram verdadeiros, porém, logo, em se- sociais e dos afetos que nos cercam. O sexto entrevistado relatou, que tenho saudades”, trecho que corrobora com o fato de que o afeto é um pressuposto importante para a identificação com determinados memes, eventos fakes (nesse caso específico). Sendo assim, segundo Tarde, as imitações de modelos passados tendem a reaparecer em outros momentos, assumindo uma nova roupagem (cf. TARDE, 1903). Entretanto, infelizmente nenhum dos nossos entrevistados criou um evento, por isso não podemos examinar melhor a questão de imitação e de florescimento da criatividade na produção dos eventos. Imitação, como proposto por Tarde, também nos remete à CIANTEC’14 performance. Assim, a partir das mídias modernas, além da voz/ gestos/corpo de quem comunica; da acústica do espaço concreto, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação em toda ação comunicativa, o conceito de performance passou a Horror Picture Show (1975, até hoje em cartaz em um cinema in- quem recebe a mensagem, entre outras materialidades envolvidas do The Harlem Shake ou a ação de fãs ao assistir o filme Rocky abarcar ainda as múltiplas repetições e interrupções próprias das glês), por causa das coreografias que são seguidas pelas pessoas mídias eletrônicas contemporâneas. A performance, esse “momento da recepção, um ponto privilegiado no tempo no qual um física é capaz de fornecer. Como descreve Paul Zumthor, performance é um concei- identificar com certa facilidade que há uma performance sendo “repetida” e/ou “imitada” no processo de viralização e compartilhamento desses produtos nas redes sociais; ou ao “esconder”, no sentido de que a lógica performática que originou a ação não pode ser definida com tanta precisão ou não pode ser considerada efetivamente como “imitação” como no caso do Baby George te presença tangível de participantes que nele se incluem, num dado Os eventos fakes nos chamaram a atenção também para despreza ou mesmo dos Eventos Fakes. ponto, no tempo experimentado como presente (Zumthor, 1994, a questão da restrição envolvida no consumo de alguns memes, dos memes, no conjunto de afetos/afetações que eles favorecem, locais; os quais, por sua vez, guardariam características culturais p. 218). Assim, ao pensar no fenômeno específico da encenação devemos considerar que, “(...) por meio do seu modo de funcionamento, a midiatização preserva um tipo de presença extratemporal da mensagem” (Zumthor, 1994, p. 218). Assim, a mensagem pode enfatizar ou esconder “alguns dos aspectos físicos da performance, sobretudo aqueles que dizem respeito à ‘perceptibilidade’ da performance. Porém, isso permite que um elemento importante Página - 76 que se engajam para realizar a atividade – uma vez que podemos to antropológico que se refere às condições de apresentação e presença. Como tal, ela constitui um ato comunicativo diante da Sumário No processo de construção e consumo de memes há exemplos que podemos associar a esse “enfatizar”: como o fenômeno integrar um esquema muito mais complexo que a simples presença Editorial transmissão da mensagem” (Zumthor, 1994, p. 218). no qual a comunicação ocorre; do corpo e do aparelho sensório de texto é realmente experimentado” (Zumthor, 1994, p. 218), passa a Capa Alessandra Maia | Pollyana Escalante permaneça: o uso de vários estímulos e experiências sensórias na assim, podemos diferenciar os memes em dois tipos: globais e mais específicas de uma sociedade e/ou de produto de nicho e se- riam, consequentemente, de alcance bem menos abrangente (cf. SHIFMAN, 2011) em relação aos globais que carregam um código “comum”, mais fácil de ser acessado. Dessa maneira, o fato de um meme ter se tornado popular não significa que ele tenha sido visto por todos. Isto é, os memes que conseguem se propagar na rede mundialmente são considerados globais, tais como Harlem Shake, CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Grumpy Cat e #calabocagalvao. Porém, existem os denominados forneceu uma resposta interessante para justificar a razão de um sim Ourfali e Eventos Fakes. Ou ainda locais que circulam em um eles “(...) são produtos legítimos da cultura da Internet: produções locais, que viralizaram apenas no Brasil, por exemplo, como Nis- evento fake ser considerado um meme, segundo a respondente: nicho mais específicos, como o Slender Man (para um público in- criativas, bem-humoradas, que fazem citação à cultura pop, pro- teressado pelo gênero de terror) e Suricate Seboso (direcionado duzidas de forma rápida, e espalhadas pelas redes sociais”, mas Nordeste brasileiro). princípios de autopropagação, difusão, circulação com valor cul- principalmente para o público interessado em piadas típicas do tural”. As definições utilizadas para construir a resposta demons- zoeira, que não tem limites, decidi participar por me fazer sentir que usem palavras diferentes, elas buscam expressar os mesmos mecanismos que “precisam” estar presentes para que um produto to” (entrevistada nº 1) ou “apenas para demonstrar que gostei da possa ser considerado meme. De maneira segura, o 8º entrevista- 3). Notamos aqui referências a meme e a criatividade – tanto que No caso, as ideias não se repetiam, mas o formato sim”. Dessa for- os adjetivos “divertido”, “engraçado” e “criativo” foram citados por outros participantes da pesquisa. Permitindo depreender que para os entrevistados um produto pode ser considerado um meme se possuir tais características. Todavia, em contrapartida, outras pes- Sumário do afirma que: “(...) Meme originalmente é uma ideia que se repete. ma, argumenta que, por causa do formato, os eventos podem ser considerados um meme, enquanto outro respondente considerou que o fenômeno “(...) foi pontual e se espalhou rapidamente entre os variados tipos e esferas de usuários” (2º entrevistado) e por soas usaram também termos como “crítica” ou “movimento” con- isso seria um meme. dificuldade de determinar as características que seriam inerentes justificada da seguinte forma: “sobretudo pela carga humorística Isso pôde ser observado quando questionamos os entrevis- gativas totalizaram apenas quatro, a explicação mais curiosa foi trariando a lógica de adjetivação proposta a pouco. Remetendo à a esse produto. tados se um evento fake pode ser considerado um meme? A maioPágina - 77 tram certa proximidade das entrevistadas com os memes. Ainda parte de algo engraçado relacionado ao meme do qual eu goscriatividade de quem bolou o determinado evento” (entrevistada nº Editorial a quinta entrevistada foi mais enfática: “Claro! Segue os mesmos Dando prosseguimento à análise, alguns entrevistados des- creveram a razão de participarem de tais eventos como: “além da Capa Alessandra Maia | Pollyana Escalante ria disse “sim” e tentou explicar o por quê. A 4ª entrevistada nos Dentre as respostas recebidas, apenas uma foi “talvez”, geralmente atribuída a eles” (3ª entrevistada); as respostas nea que dizia “não”, porque “os memes têm um lado real, seja na imagem ou no contexto. Esses eventos fake são falsos da criação CIANTEC’14 ao ‘acontecimento’” (12º entrevistado), o respondente parece desconsiderar a relação afetiva que pode ter incentivado a criação de eventos como Copa do mundo Fifa de Quadribol e Festa de posse congresso internacional da Khaleesi no Trono de Ferro, bem como ocorre com os memes produzidos por fãs. Entretanto, ainda complementa trazendo a no- em artes ção de afetos quando diz que tal fenômeno “não une pessoas, não novas tecnologias estimula o compartilhamento de ideias como os grupos e não gera e comunicação discussões. Foi uma onda. Passou e logo virá outra” (12º entrevis- tado). O rapaz apresenta uma generalização da parte pelo todo, porque a falta de “interação” entre os participantes realmente pode ocorrer em grande parte desses eventos, contudo existem exemplos que contradizem a opinião do respondente: Protesto pelo atra- so da carta de Hogwarts, Mesa redonda para debater se a lenda dessa paixão faz sorrir ou faz chorar, Caravana para participar da plateia do Silvio Santos, são alguns dos exemplos. O evento mesa redonda traz um trecho da música A Lenda, interpretada pela dupla de irmãos Sandy e Júnior. O rapaz que criou o evento procurou interagir de forma criativa, montando e Capa postando a imagem de um “certificado de participação”, brincando Editorial com a ideia de que em eventos acadêmicos existe a procura de Sumário certificados para completar a carga horária complementar para se formar. A imagem gerou quase 3 mil likes (de 29 de maio até o dia 28 de agosto de 2014) e mais de 400 comentários. Já o Protesto pelo atraso postou uma foto do personagem Lord Voldermort seguPágina - 78 rando um cartaz escrito “#vaitercartasim”, enquanto a legenda da Alessandra Maia | Pollyana Escalante imagem tinha a seguinte frase: “VAI SER AVADA KEDAVRA, PORRADA E BOMBARDA! Vamos fechar King’s Cross até o Ministério da Magia tomar providências”, que faz alusão tanto aos protestos de maio de 2014 quanto à música de Valeska Popuzuda, Beijinho no ombro. Por fim, no evento Caravana a moderadora postou um link de um vídeo com a música de abertura do Programa Sílvio Santos. De acordo com a legenda, a ideia era ensaiar e não fazer “feio” no dia. Ao ler os comentários das pessoas que compareceram ao evento, esses eram, em sua maioria, risadas e bate-papo entre amigos, no qual um marcava o nome do outro. Toda essa brincadeira, desde a criação dos eventos até a participação das pessoas, é o que se denomina de zoeira (ou zuera) never ends (ou em português, a zoeira não tem limite). ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: ZOEIRA “NEVER ENDS” A lógica de produção e consumo parece ser explicada mui- tas vezes pelas palavras: “espalhar”, “difundir”, “repetir”, “viralizar” e “humor”. A presente investigação nos fez constatar a necessidade de aprofundarmos a pesquisa sobre memes a partir de noções como criatividade, humor e sociabilidade, posto que são elemen- tos que demonstraram ser bastante recorrentes nestas produções. Outro dado relevante é o da nostalgia, esse sentimento parece re- lacionado diretamente à identificação dos usuários com esse pro- CIANTEC’14 duto de entretenimento, sem contar que era o mote principal dos eventos. O que nos permite associar a criação e compartilhamento desses memes com uma certa carga de afetividade, talvez até por congresso internacional ativar acontecimentos ligados à memória afetiva de cada um. As definições do que seria um meme e de como o fenômeno em artes do evento fake se encaixaria nelas são interessantes para avan- novas tecnologias çarmos em pesquisa mais específica sobre afetos e o consumo de e comunicação memes. Porque foi possível verificar que muitas vezes as razões enunciadas para explicar o que os levou a confirmar presença estava ligada à lógica dos afetos e emoções provocadas pela lembrança de músicas, personagens e universos relacionados a eles, personalidades da música popular brasileira, entre outros. Finalmente, tanto pela dinâmica de consumo e comparti- lhamento dos eventos quanto pelas informações coletadas com a pesquisa qualitativa, constatou-se que, sim, podemos denominar os eventos fakes como um tipo de meme, seja por causa de suas características virais, efêmeras e humorísticas ou pela lógica per- formática por trás de sua construção. Capa Editorial REFERÊNCIAS Sumário DENNET, Daniel C. Memes: Myths, Misunderstandings and Misgivings. Documento eletrônico. 1998. Disponível em: <http://ase.tufts.edu/ cogstud/papers/mememyth.fin.htm> Acessado em: março/2013. Página - 79 JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. Alessandra Maia | Pollyana Escalante PARIKKA, Jussi. Contagion and Repetition: On the Viral Logic of Network Culture. In: Ephemera: theory & politics in organization, vol. 7, p. 287308. 2007. SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. TARDE, Gabriel. The Laws of Imitation. Nova York: Holt and Company, 1903. CRIAÇÃO DE MUNDOS POSSÍVEIS: ENCONTROS ENTRE ARTE E NATUREZA ANA TEREZA PRADO LOPES anaterezapl@ig.com.br Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Ana Tereza Prado Lopes ROBERT SMITHSON E O SPIRAL JETTY Fascinado pela cor vermelha do Grande Lago Salgado, Ro- INTRODUÇÃO congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Compreendendo a criação contemporânea como construção de mundos possíveis que produz novas relações de tempo e espaço, sensações e percepções, este escrito se propõe discutir as relações entre ar te e mundo, ar te e vida e assim refletir sobre os devires na /da ar te. São inúmeros os exemplos de ar tistas e criadores, filósofos, entre outros, que estabelecem conversas íntimas com a natureza. Neste ar ti- go, proponho explorar as relações entre ar te, vida, natureza e mundo, pensando seus diálogos, buscando explorar suas trocas. A produção de espacialidades e temporalidades e a ideia de devir são focos de interesse neste ar tigo. Através dos trabalhos de Rober t Smithson e Tacita Dean e de breves passagens na poesia de João Cabral de Mello Neto e Manoel de Barros, busco investigar os procedimentos e estratégias Capa dos ar tistas escolhidos ao se relacionar com a natureza e Editorial assim pensar a ar te como produção de mundos possíveis le- Sumário Utah. No texto The Spiral Jetty, que leva o mesmo nome do trabalho site specific, Smithson descreve em detalhes a paisagem que encontra na sua viagem ao grande lago. Cores, luzes e materiais participam não só da apreensão do lugar, mas também na construção do trabalho de Land Art e na escritura do texto, breve, nas diferentes formas que o projeto toma. Atravessando linguagens, os elementos naturais encontrados tornam-se personagens conceitu- ais de sua poética na qual o artista justapõe referências, pessoas, lugares, tempos, campos do conhecimento e formas de arte com o intuito de cruzar fronteiras, extrapolando limites. Na sua busca pelo local da construção do trabalho site specific, Smithson deixou-se levar por aquilo que o próprio lugar lhe apresentava, não sabendo previamente o que iria fazer. Explorou o lago e seu entorno como um arqueólogo que investiga minuciosamente as ruínas, exercitando um olhar, ao mesmo tempo, contemplador e crítico. Mas é a própria natureza, segundo ele, que vantando questões, por exemplo, como são produzidas espa- determina a forma de espiral do trabalho de Land Art e que dá cialidades e temporalidades? Como se dá o diálogo entre ar te tista comenta que o Spiral Jetty surge de um “espaço giratório” e natureza? Quais formas ele toma nas poéticas dos ar tistas escolhidos? Página - 82 bert Smithson sai de Nova York a caminho do distante estado de nome ao trabalho nas suas diferentes expressões. No texto, o arimpregnado da imobilidade encontrada no lago, como se o trabalho já estivesse lá, como se fosse um “ciclone imóvel”, escreve. A CIANTEC’14 forma da espiral concentra tempo e espaço, criando contamina- to de seu filme, agora como filtro de cor. A linguagem cinematográ- e Smithson apropria-se das dinâmicas do lugar escolhido para a tornam-se uma coisa só, e o universo cinemático do artista, como ções e devires, uma indeterminação se faz presente neste cenário congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação sua intervenção e reflete sobre a sua dialética do site e non site : e pulsações presentes naquela paisagem natural estão presen- um organismo vivo, que se transforma com o tempo, que está num o que está no ambiente artístico, a galeria. Ondas, ressonâncias tes em seu trabalho; através de diferentes formas e linguagens, lida com a entropia no mundo, com o tempo vivo no seu fluxo. Ao falar que nosso sangue tem a mesma composição quí- mica que os primeiros mares, Smithson escreve sobre arte, vida e mundo, indicando que as coisas já não se encontram mais separadas, mas sim, próximas, e nesse encontro criam temporalidades e espacialidades. Uma indeterminação move os fluxos de sua práti- ca artística, um devir lago, um devir rocha, deflagra outros devires e cria sensação. As rochas e o sal, o lago e a margem, o sólido e o Sumário líquido, Smithson trabalha com as marcas do tempo e da natureza, com as suas forças, como o Tintoretto de Deleuze e Guattari: “tornar sensíveis as forças insensíveis que povoam o mundo, e que nos afetam, nos fazem devir... pintar as forças como Tintoretto” (DELEUZE e GUATTARI,1997,p. 234). O vermelho das águas do lago citado por Smithson no início Página - 83 ele mesmo nomeia, presentifica, torna visível a relação fabular en- tre arte-vida-natureza-mundo de Smithson. Há alguns anos o Spi- ambiguidades são bem vindos à prática artística deste artista que Editorial fica se mistura ao mundo natural, o sol, a espiral, o rolo de película questões sobre o que está no site, no ambiente natural, o lago, e o mundo material torna-se pensamento para Smithson; acasos e Capa Ana Tereza Prado Lopes de seu artigo, volta ao final do mesmo, sob a forma de planejamen- ral Jetty (re) emergiu nas águas salgadas do Grande Lago, como contínuo devir, assim como a própria obra deste artista. TA C I TA D E A N , O S P I R A L J E T T Y E OUTROS DIÁLOGOS Como Smithson, Tacita Dean dialoga com dinâmicas en- contradas na natureza, lida com questões do tempo e também faz uso da película ao sair em busca de personagens e lugares que a provoque a caminhar pelo território da fabulação. Prática artística e vida se confundem na poética de Dean, marcada por acasos e encontros fortuitos. Em Trying to Find the Spiral Jetty,1997, obra sonora, produzida numa tentativa frustrada de encontrar o trabalho de Smithson, Dean apresenta sons gravados na sua visita ao Grande Lago. Na instalação Rozel Point, Great Salt Lake, Utah, 1999, apresenta imagens registradas naquela ocasião. Num outro trabalho, o filme JG, 2013, Dean, mais uma vez, segue os passos de Smithson em busca do Spiral Jetty, e vai a Rozel Point, onde o trabalho de site specific foi instalado. Estaria ele submerso ou CIANTEC’14 ainda seria visível? O resultado da jornada de Dean é um filme, in- Ana Tereza Prado Lopes Em meio a acidentes e coincidências, através do exercício titulado em homenagem ao escritor de ficção cientifica JG Ballard, de observação do mundo, Dean inventa diálogos, segue fluxos, congresso americano, a espiral, imprimindo na película, um tempo suspenso, locando-os para o campo da arte. O eclipse solar é um dos per- internacional um espaço impregnado do olhar de Smithson e agora visitado por em artes ela. No filme de Dean, vemos cristais do tempo, vemos o pulsar de autor admirado por Smithson e Dean. A artista filma o grande lago novas tecnologias e comunicação um mundo, seus ritmos, seus fluxos, uma coisa que se transforma em outra e em outra; é um processo orgânico. Máscaras, zooms e travellings apresentam o lago onde o Spiral Jetty foi instalado e Dean produz novas camadas de tempo, presente, passado e futuro se justapõem nesse espaço que está em constante transformação. O registro do tempo como desenrolar de um evento natural investigado de forma artística está presente em outros trabalhos como Diamond Ring (2002). Neste filme, Dean busca capturar o Sumário Em The Green Ray (2001), plano único de 2’35”, Dean filma em 16mm o pôr do sol em Madagascar,conhecido por seu raio verde, daí o título do trabalho. Em voz off, a artista nos conta sobre este fenômeno e fala de sua surpresa ao ver o raio verde ao revelar o filme, que aparece nos últimos segundos, e que é invisível no vídeo digital.Diz a artista: “ Procurar ver o raio verde se tornara um exercício fazendo aproximar do fenômeno, sua câmera cai e Dean se apro- um filme sobre o próprio material de que é feito e so - a lua passa para a fase seguinte e superexpõe o filme criando um frame de luz, embranquecendo a imagem. Na montagem, Dean que se vê. Este filme é um documento. Ele se tornou bre a manufatura do próprio filme”. (ESCOREL, 2011) Em Banewl (1999), primeiro filme da artista feito sobre o aproveita a situação e mantém a superexposição criando um filme eclipse solar, Dean buscava registrar o eclipse na sua duração na película, fazendo uma analogia temporal. O filme dura alguns me tem 63’ e nas imagens, a paisagem rural da Cornualha. Dean de curtíssima duração estendendo o momento de o eclipse solar segundos. O que vemos é o eclipse, o zoom repentino, o branco Página - 84 investigação em outros trabalhos, como The Green Ray e Banewl. sobre o próprio ato de obser var, sobre fé e crença no pria do acontecimento. No momento que a artista finaliza o zoom, Editorial sonagens escolhidos pela artista, e que também se torna tema de fenômeno de o eclipse total do sol na cidade de Madagascar. No auge do eclipse, registrando-o, quando está dando um zoom, nos Capa apropriando-se de acontecimentos, escolhendo personagens, des- de luz que toma a celuloide e que cria um desconforto aos olhos. completa de 2’44”, um filme “real-time”, como ela nomeia. O filcomenta que ao observar o que se passava naquele momento do eclipse, achou muito mais interessante filmar a paisagem e seus CIANTEC’14 Ana Tereza Prado Lopes personagens, as vacas no seu deslocamento e imobilidade no pas- “Como tornar um momento do mundo durável ou fazê-lo existir por elementos pertencentes ‘aquele lugar naquele momento especí- Virginia Woolf : “Saturar cada átomo”. “Eliminar tudo o que é res- to, a luz e as suas mudanças refletidas em diferentes matérias, si ? “Como fazer o mundo existir por si?”, Deleuze e Guattari citam fico. As temporalidades e espacialidades experimentadas na pai- to,morte e superfluidade” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.222), em artes Dean, que explora elementos e características presentes no mo- Tanto em Smithson quanto em Dean, percebemos uma novas tecnologias mento do registro das imagens durante um entardecer na região e comunicação da Cornualha. congresso internacional sagem natural são, de alguma forma, deslocadas para o filme de Para Deleuze e Guattari o artista cria com sensações. Se- fala a autora inglesa. aproximação entre arte e vida; nas poéticas destes artistas, a criação de mundo passa por uma cosmogonia, uma investigação pessoal muito particular, que cria espacialidades e temporalida- gundo eles, o objetivo da arte é arrancar um bloco de sensações; des, paisagens íntimas impressas em diferentes suportes, visíveis bulação. Explorando a questão da obra de arte como um puro ser criam desarticulações, trazendo ao espectador um frescor, uma a obra de arte existe em si, ela é um ser de sensação. Ela é fade sensações, os autores falam de um composto de blocos de perceptos e afectos - perceptos são paisagens não humanas da natureza e os afectos são devires não humano. Segundo eles, o artista é aquele que busca o que não foi ainda sentido e / ou pensado criando sensações e afectos que liberam a vida. Dean consegue imprimir a película de verde, trazido pelos ao espectador. Com o uso de alguma matéria, Smithson e Dean presença antes não reconhecida, convidando-o a praticar exercí- cios fabulares. Os deslocamentos provocados pelos dois artistas abrem espaços para a construção de mundos possíveis através da arte, abrem brechas na percepção do espectador, criam no- vos afectos, novas sensações. Qual seria um caminho para nos aproximarmos do terreno da sensação? Seguem as palavras de raios de sol de Madagascar, abrindo brechas em nossa percepção, Editorial provocando em nós, espectadores, uma sensação nova, criando Deleuze e Guattari, trazendo um exercício de possibilidades: “En- Sumário possibilidade para a nossa criação fabular sobre o acontecimen- sons,cores,nas palavras ... (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.228) Capa to. De alguma forma, através do filme de Dean nos aproximamos daquele acontecimento, de seu tempo estendido, de suas mudanças de luz, e também do silêncio dos animais e da grama que toPágina - 85 mam conta da imagem dos pastos da Cornualha. Ao perguntarem contrar nas palavras, sons, cores , a sensação... Entrar nas nos “...seres de sensação que conservam em si a hora de um dia, o grau do calor de um momento...” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p.219). CIANTEC’14 OUTROS DIÁLOGOS, OUTROS DEVIRES... congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Em outras artes, como na literatura, muitos escritores criam espaços e tempos íntimos a partir da relação com a natureza. O diálogo entre arte e vida e natureza e mundo encontra palavras na poesia de autores como João Cabral de Mello Neto e Manoel de Barros. O mundo natural contamina o mundo artístico e cada escritor, a sua maneira, expande nossos universos e nos sentimos mais livres para exercitar outros seres, outros devires. Aprender com o mundo, ser-mundo como na poesia de João Cabral, Educação pela pedra: Uma educação pela pedra: p or liç ões; para aprender da pedra, frequentá- la; captar sua voz inenfática, impess oal (pela de d ic ção ela c omeça as aulas). Capa Editorial Sumário O poeta nos fala o que ensina a pedra. É preciso se aproxi- mar dela, frequentá-la. Ser-pedra. Aproximações no tornar-se, não somente se aproximar com o corpo, com os olhos ou com as mãos, mas aproximar-se com a alma. Reinventamos-nos com ela. Gaston Bachelard em muitos de seus livros investiga a relação entre arte e natureza pesquisando o trabalho de poetas. Logo Página - 86 no início de seu livro “A água e os sonhos. Ensaio sobre a imagina- Ana Tereza Prado Lopes ção da matéria” explicita o tema de sua pesquisa: o papel de forças imaginantes, ou ainda, da “imaginação da matéria” ou “imaginação material”. Neste livro, o autor investiga a matéria pensante, a água, que vê e que sonha, que pensa e que olha o tempo. Na busca de uma poética da água, Bachelard faz emergir questões sobre o construir mundo na/através da arte, apontando importantes participan- tes, como o desejo, o sonho, a imagem e o ser. O devaneio precisa achar a sua matéria para que encontre a sua poética específica, nos diz Bachelard. Assim como a água de Bachelard que sente, percebe, muda de estado, torna-se vapor, que se movimenta pelos rios e mares, que atinge pontos mais altos e mais baixos, num ir e vir de marés, que encontra-se com pedras, muros e areias, abraçar o mundo. Como ondas, buscar o ritmo. A arte se apropria do mun- do, da vida, da natureza: movimentos, fluxos, tempo, tempo, tempo. Pulsar da vida. Matéria de que somos feitos. Para finalizar, uma expressão da busca de Manoel de Bar- ros, que num exercício poético, tenta dar uma forma ao vento, em O vento, um dos poemas do seu livro Ensaios Fotográficos. Barros aproxima poesia, natureza, imaginação e fotografia, criando diálo- gos entre visualidade e poesia, explorando o personagem vento. O que podemos ver e o que nos escapa. Barros desenha nas suas palavras desejos e imagens impregnadas de sua relação com a natureza, segue um trecho : Queria transformar o vento. Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto. CIANTEC’14 Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma costela,o olho... Mas a forma do vento me fugia que nem as formas congresso de uma voz. internacional em artes novas tecnologias e comunicação Na busca de um olhar mais contemplativo, ao mesmo tem- po crítico, esses artistas buscam aproximar arte e vida através da invenção de temporalidades e espacialidades, de paisagens íntimas e afetivas, da criação de sensação e de mundos possíveis. É na produção de sensações e da criação de devires através do trabalho de arte que se encontra uma possibilidade de construção de mundos. Encontrados nas frestas do mundo e deslocados para o campo da arte, os afectos e perceptos rompem o cotidiano, abrem brechas para novas possibilidades. Com eles, o artista cria sensação, como no vermelho da água do Grande Lago que ressoa em Smithson, o raio verde do sol que atravessa Dean, a pedra de Mello Netto, o vento de Barros. Mais do que encontrar respostas, este escrito se propõe a formular perguntas, questões que fazem Capa parte do debate da criação contemporânea e de sua relação com a Editorial natureza e assim aproveitar essa linhas para pensarmos como as Sumário coisas nos afetam. Criar um breve intervalo. Somos atravessados pelo mundo e nele nos transformamos. Página - 87 Ana Tereza Prado Lopes REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo,Martins Fontes,1998. BARROS, Manoel de. Ensaios fotográficos. Rio de Janeiro. Record, 2000. DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. O que é a filosofia. São Paulo: Editora 34,1997. ESCOREL, Eduardo. Phil Hart e Tacita Dean – Vaga-lumes, bioluminoscência e raio verde in revistapiaui.estadao.com.br/.../phil-hart-e-tacita-deanvaga-lumes-biolum,2011. MELLO NETO, João Cabral. A educação pela pedra. Rio de Janeiro. Alfaguara,2008. A IMAGEM SOB O VIÉS DA COMPLEXIDADE: UMA PROPOSTA SISTÊMICA E PROCESSUAL PARA A FOTOGRAFIA CAMILA MANGUEIRA SOARES Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Diante da diversidade e ubiquidade na produção e difusão de fenômenos imagéticos observados no contexto tecnológico atual, parte-se da percepção de uma criação fotográfica que congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação pede cada vez mais reflexões sobre os sintomas que envolvem sua fotográfico mais diverso e experimental que reflete uma multipli- de base semiótica peirceana –, como uma via de compreensão fotográfico. O primeiro discorre sobre a percepção de um fazer cidade de campos e técnicas (mesclam o digital e o analógico) e cuja tendência está na incorporação de diferentes referências e materialidades. Fato este que problematiza o estabelecimento de definições e análises de produtos e imagens isoladas dentre a da criação – e os sistêmicos, discutidos por Jorge Vieira e Mario riqueza comunicacional e interativa que cerca as camadas do pro- Bunge – conceitos como de organização e conectividade – permi- O segundo, refere-se ao interesse recorrente na publica- tem agregar ao pensamento fotográfico a ideia de sistema complexo. Desse modo, considerando seus diferentes processos e modos constitutivos. Para uma maior apreciação disto, serão analisados, no decorrer da reflexão, alguns casos fotográficos, como a produção do coletivo Cia de Foto e do fotógrafo Kenji Ota. A pesquisa recai, portanto, sob o aspecto comunicacional da constituição ima- gética, de forma que procura contribuir com caminhos investiga- tivos outros da imagem para comunicadores, fotógrafos, artistas, críticos e pesquisadores. PALAVRAS-CHAVE: comunicação, fotografia, complexida- de, crítica de processo, teorias sistêmicas, semiótica peirceana. Página - 90 seminação de imagens nas mídias, este artigo parte da obser- põe o diálogo teórico entre o viés processual e sistêmico – ambos aspectos comunicacionais que a compõem, o presente artigo pro- precisamente estabelecidos por Cecília Salles – a noção de rede Sumário Considerando o cenário atual de crescente produção e disvação de dois sintomas de complexidade recorrentes no campo estabelecimento de relações entre os estudos processuais, mais Editorial 1. A COMPLEXIDADE FOTOGRÁFICA complexidade. Buscando compreender, de modo mais próximo, os da fotografia para além da ideia de objeto de contemplação. O Capa Camila Mangueira Soares cesso criativo. ção de materiais que promovem a reflexão acerca de aspectos do processo de criação fotográfico por parte de artistas, profissio- nais, curadores, agências e também interessados em fotografia. Isto pode ser observado, por exemplo, em sites de fotógrafos que expõem seus processos artísticos; em exposições de obras junta- mente com seus percursos criativos; nas aberturas à visitação de ateliês, sob a forma de workshops e/ou cursos ministrados por ar- tistas e profissionais sobre seus métodos; publicações de livros e catálogos que trazem materiais e reflexões sobre o fazer, etc. Índi- ces portanto de uma preocupação com questões imagéticas atuais geralmente não dissociadas do contexto de criação fotográfica. CIANTEC’14 Esses sintomas apontam inicialmente para a necessidade internacional em artes novas tecnologias e comunicação pré-determinadas para gerar visibilidade. Esse pensamento de disso, propomos como forma de aproximação desses fenômenos qual “postula-se que todos os corpos materiais são máquinas que imagéticos, o diálogo com a teoria sistêmica e a processual como possível caminho para ampliação dos entendimentos sobre a foto- grafia e, consequentemente, no que confere seus formatos comu- nicativos. 2 . U M C A M I N H O P O S S Í V E L PA R A O AMBIENTE COMPLEXO NA FOTOGRAFIA Os estudos sobre criação fotográfica geralmente focados apenas no aspecto técnico e maquínico do campo refletem uma lógica de simplificação atrelada ao seu entendimento enquanto processo. Compreensão assimilada como hábito num contexto de reprodutibilidade, aliada à vida prática dos novos tempos frente a industrialização dos gestos. Simplicidade, dentre outras coisas, Capa Editorial Sumário em nome de uma acessibilidade, o que fez com que momentos complexos e especializados do fazer fotográfico fossem de certa forma sublimados diante de um hábito de imediaticidade de resultados e o instantâneo em detrimento de outras características e camadas do fazer fotográfico. Sob essa ótica, que tende à simplificação, o fazer fotográ- Página - 91 sua vez, opera num fluxo ordenado de passos retilíneos e etapas de um olhar relacional que volta-se para o ambiente de ações e relações pertinentes a complexidade do campo fotográfico. Diante congresso Camila Mangueira Soares fico parece compreendido como uma espécie de relógio que, por maneira geral tem suas raízes numa visão de mundo cartesiana na operam por princípios mecânicos. O mundo material não passaria de um grande relógio, devendo ser estudado como tal” (VIEIRA & SANTAELLA, 2008, p. 48). Porém, a situação que nos deparamos no mundo real é mais delicada. Os altos índices de produção e a variedade de possiblidades desse fazer dissipam-se velozmente sobre a sociedade sob diferentes formas e criações que indiciam a necessidade de reflexões que levem em consideração aspectos ligados a sua complexidade. Nos interessa aqui pontuar que o estudo sobre o fotográfico apenas sob a forma de produto final, isolado, implica num entendimento de momentos de seu processo como desconectados. Essa lógica reverbera numa concepção imperativa a respeito da fotografia muitas vezes única e decisiva (CARTIER-BRESSON, 2004), tendo como consequência, de acordo com Machado (2001, p. 133), que grande parte do processo de visualidade do fotográfi- co seja “eclipsado pela hipertrofia do ‘momento decisivo’”. O que remete a um instante de captura como possível lugar de origem da imagem, e não muito distante, o seu encerramento enquanto criação visual. Com isso, deixando inexplorado todo um contexto comunicacional que compõe a trama do pensamento fotográfico. Ressaltamos que isso não implica na desconsideração da CIANTEC’14 importância da conexão física com o objeto na captura, mas o convite a se pensar as relações entre o momento ou momentos congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação e responsáveis pela estética e logo sentido da imagem fotográfi- da por Salles (2012), como as possíveis linhas norteadoras dos desse percurso, e, portanto, indicadoras de relação com o tempo ca. Leva-se em consideração, portanto, “processos que ocorrem simultaneamente em diferentes escalas ou níveis são importan- tes e que o comportamento de sistemas como um todo, depende perspectiva processual e sistêmica parece mais pertinente para processos. Não sendo totalmente demarcada, a tendência “não apresenta já em si a solução concreta para o problema, mas indica rumo. O processo é a explicação dessa tendência” (SALLES, 2012, p. 37). De maneira que o estudo sobre processos variados e recorrências ligadas ao fazer fotográfico, pode permitir inferir linhas norteadoras de criação mais gerais ligadas aos modos de organização e logo de sua constituição. co (VIEIRA, 2007) tomam de empréstimo pressupostos teóricos e inferencial, as tendências que engendram o movimento dessa rede jamos a seguir com um pouco mais de acuidade as relações entre tações. Por meio desse viés podemos compreender as imagens Sob o ponto de vista processual, a fotografia pode ser em- de diálogos, de associações entre mundos subjetivos e objeti- conceituais da semiótica posta pelo filosofo Charles S. Peirce. Veessas teorias e o campo fotografia. basada pelos estudos de crítica de processo de Cecília Salles (2006; 2012), mas precisamente pelo conceito de rede (2006). Aqui a criação é concebida como um sistema em construção, composto por momentos marcados por simultaneidades e interatividades de ações, as quais não seguem linearidade e não possuem hierarquia. Permitindo considerar assim a fotografia como um ambiente Página - 92 fotográfico, se refere a ideia de tendência. Noção, compreendi- envolver as dinâmicas potenciais inerentes a fotografia. Tanto o viés processual (SALLES, 2006) como o sistêmi- Sumário Outro aspecto relacionado ao conceito de rede em construção, e que cabe para as discussões sobre as articulações do SANTAELLA, 2008, p. 49). Dessa maneira, pensamos que uma Editorial cidade de estabelecer relações. de tomada com as demais conexões físicas também definidoras de suas partes de modo não trivial (não linearmente)” (VIEIRA & Capa Camila Mangueira Soares de criação, reflexo de um pensamento que se sustenta pela capa- Deve-se considerar que a rede criativa é fundamentalmente em direção a realização de um projeto advém de relações e adap- fotográficas como resultados dessa multiplicidade de conexões, vos. Trama imagética ligada possivelmente, portanto, a um sistema maior. No que confere especificamente aos estudos sistêmicos, temos como base as teorias dos sistemas de perspectiva ontológi- ca, desenvolvidas por Jorge Vieira (2007; 2008). O viés ontológico permite uma maior clareza de “conceitos fundamentais como espaço, tempo, matéria, substância, processo, etc., e, mais do que CIANTEC’14 tudo, a possibilidade de comparação entre objetos de ciências es- possível forma de permanência. De acordo com Vieira (2008) e nares” (VIEIRA, 2008, p. 25). Esta noção possibilita uma melhor tal que um elemento possa agir sobre outro com a possibilidade pecíficas (ontologias regionais) nas tentativas inter-transdiscipli- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Camila Mangueira Soares Bunge (1979), conectividade é entendida como relações eficientes, observação das relações entre campos como o da imagem, da de mudança de história dos envolvidos, lembrando que “a conec- fotográfico. O uso da teoria sistêmica, de acordo com o estudioso podem agregar certos elementos e negar ou excluir outros” (VIEI- arte, da comunicação e da semiótica, isto é, entre áreas ligadas ao Jorge Vieira (2007, p. 27) apresenta-se como uma ferramenta que além de descrever bem qualquer entidade irá permitir o vislumbre, tividade pode ter um caráter seletivo, ou seja, sistemas complexos RA, 2008, p. 37). Sob o viés processual e sistêmico, concepções como iní- a percepção de possíveis traços ou processos associados aos sis- cio e fim demarcados de um processo criativo fotográfico podem foque sistêmico”. numa temporalidade ligada à ações e ambientes que não são regi- temas, características estas que ficariam mais ocultas sem o en- ser relativizadas. Desse modo, no contexto da criação adentramos Para melhor compreensão do fotográfico enquanto sistema dos necessariamente por uma lógica de linearidade, muito menos complexo, há conceitos de apoio como o de organização de Mario Bunge (1979) e George K. Denbigh (1981), compreendidos por Vieira (2008). Nessa linha, organização diria respeito a uma espé- cie de “hierarquia em crescente complexidade” (VIEIRA, 2008, p. 42), que reflete “subsistemas conectados por relações efetivas (no de hierarquia. Diante do desafio de adentrar nessas questões e da diversi- dade de trabalhos e materiais fotográficos contemporâneos, trazemos como recorte inicial alguns pontos ligados aos processos de criação do fotógrafo paulistano Kenji Ota e do coletivo Cia de Foto. sentido de Denbigh) com graus variados de importância tanto no Capa Editorial Sumário subsistemas quanto nas conexões, gerando uma totalidade dotada de propriedades irredutíveis aos subsistemas ou elementos” (VIEIRA, 2008, p. 43). Dentro dessa perspectiva sistêmica, outro conceito a ser explorado é o de conectividade. Ideia que, em diálogo com o viés processual, permite considerar a construção do sistema fotográfiPágina - 93 co por sua capacidade de estabelecer relações ou conexões como 3. CASOS Um fato curioso é que tanto os trabalhos do fotógrafo Kenji Ota como o coletivo Cia de Foto promovem a discussão a acerca das linhas norteadoras de seus processos de experimentação e logo seus percursos criativos. Interesse que chega a assumir o formato de cursos, encontros, workshops a fim de expor seus CIANTEC’14 processos criativos e materiais. O coletivo brasileiro de fotografia Cia de Foto surgiu em meados de 2003, composto pelos fotógrafos e jornalistas João Kehl, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Rafael Jacinto, Pio Figueiroa e Carol Lopes. O entendimento da Cia de Foto parece desejar trazer à tona algo maior que lidades e linguagens diversas (vídeo, texto, som). Fotografia com- numa produção fotográfica reconhecível cujo conceito estético não não se fixa (2009) e Guerra (2008), apresentam um pensamento sistema fotográfico que rege, a partir da interação entre materia- preendida por eles como algo concebido para além do seu suporte convencional. Vejamos o caso dos trabalhos do brasileiro Kenji Ota, co- nhecido como o fotógrafo que faz fotografia sem câmera. Ota dialoga organicamente com a imagem de maneira que lida diretamen- fotográfico para além do conceito do clique, do congelamento do te com a experimentação de suportes diversos, combinações de talizadas do fotográfico criadas no século XIX. lhos não é possível determinar o que seja o clique, o que sugere aspectos criativos não eram contempladas apenas na exposição se esvai. O antes e depois do processo se relativizam, deixando instante, da individualidade e do produto pronto, estas visões crisDestacamos que as discussões processuais inerentes aos químicos e materialidades para gerar suas fotos. Em vários traba- uma produção imagética não linear, pois essa noção tradicional dos trabalhos do Cia de Foto, mas possuíam espaço para diálogo que os demais instantes do percurso criativo ganhem semelhante foto.com.br/blog) e redes sociais (como Facebook). Nestas o co- Em Ota as questões e materiais processuais são geralmen- público por meio do site (www.ciadefoto.com.br), blog (www.ciade- relevância na realização da imagem. letivo publicava com certa recorrência materiais de processo bem te trazidos à público por meio de cursos e debates promovidos O coletivo ainda ministrou o curso chamado Trata-se de Fo- ta seu processo por meio de obras e materiais diversos (pincéis, como promovia o debate acerca de projetos. tografia: a experiência do tratamento de imagens no processo de Página - 94 coletivo. autoria perpassa a todos os integrantes. Postura que desencadeou na própria construção das imagens pelo grupo. Na qual a ideia de Nos trabalhos, como por exemplo em Uma Fotografia que Sumário etapas de captação, edição e organização do fluxo de trabalho do circunda suas produções em diferentes mídias. Isto é, um possível mentação. Editorial logos com a materialidade fotográfica, demonstrando e explorando fotografia enquanto um campo potencial de interação já inicia-se desvinculava-se do ambiente de exploração da edição e experi- Capa Camila Mangueira Soares criação (2013), cujas aulas objetivavam refletir sobre formas e diá- pelo próprio artista. Nestes estimula a experimentação e apresensuportes como papeis, matrizes fotográficas, etc). Ao apresentar seu percurso criativo, Ota destaca as pos- CIANTEC’14 siblidades e variáveis criativas que reverberam na compreensão de um ambiente fotográfico composto por diversas camadas temporais. Estas compreendidas pelo artista por meio de sua prática, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação como o desejo de um tempo estendido, que desafia a própria noção de estabilidade visível da imagem aparentemente fixada sobre o suporte. Na obra de Ota, a matéria reflete uma dimensão temporal da imagem que por meio das intervenções contínuas do artista e da ação dos próprios processos químicos desencadeados e que perduram agindo sob a matéria, compõe um ciclo de transformação em que há a efemeridade visual em fotografias, sendo a imagem como uma espécie de “material vivo”, latente. É possível observar que a ideia de matriz fotográfica (seja, por exemplo, o negativo analógico ou digital) se refere a apenas um dos ciclos de trans- formações possíveis para gerar fotografias. Interessante destacar que, em pleno âmbito fotográfico cuja predominância crítica rende-se a um viés do estático, o processo de Ota permite a abertura para reflexão de um produção fotográfica em que a obra e o seu Capa Editorial Sumário processo não estão dissociados. Nos trabalhos do artista entregues ao público há a evocação tente entre os diálogos da própria matéria e/ou pela intervenção do artista. Fato que sugere uma produção imagética que permite sair de um ótica predominantemente linear do fotográfico. A quebra da linearidade enquanto entendimento predominante em trabalhos fotográficos como de Ota e do Cia, sob a perspectiva processual e sistêmica, apontam para uma percepção da fotografia enquanto um campo dinâmico, comunicacional. 4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O pensamento sobre fotografia ligado apenas ao aspecto estático, cuja lógica permeia a sucessão linear, reflete, de acordo com o teórico da imagem Josep Català, um “pensamento dicotômico, basicamente reducionista” enquanto que uma abordagem complexa “descobre a cada momento novas implicações do real” (CATALÀ, 2005, p. 89). Dessa forma, considerar o processual na fotografia significa levar em conta um tempo dinâmico, de proces- so (UYEMOV, 1975), percebido por meio das relações entre as mudanças de estados do sistema que se apresentam ao longo do tempo. Para a fotografia, um ambiente onde os elementos podem de um olhar crítico que transpasse a rigidez da superfície ligada à continuamente ser articulados e reordenados de acordo com o cri- noção determinista do clique para se chegar ao movimento entre o seu papel de indicador de conectividades, e logo detonador de camadas de tempo que compõem as obras. Há processos visuais comunicativos presentes e potenciais, como adianta Ota em seus Página - 95 Camila Mangueira Soares discursos, com a possibilidade de continuidade de interação exis- tério de produção de sentido de cada fotógrafo e mídia. Assumido informações sobre o processo comunicativo. Como consequência da publicação desses materiais rever- CIANTEC’14 bera na discussão de procedimentos relacionais desses fragmentos, tanto sob o ponto de vista daquele que produz, como também congresso internacional e seus materiais não dizem respeito a uma esfera privada, mas desafio de considerar gradativamente as relações entre diferentes multiplicidade das interações, ressaltando que o próprio fotógrafo novas tecnologias e Cia de Foto indiciam um contexto complexo em que fotográfico e comunicação perpassa a ideia de sistema pré-determinado e isolado, mas mostra-se como um espaço em que o estabelecimentos de estratégias e critérios fazem-se fundamentais à natureza de sua condução. A partir disso, a valorização do aspecto processual implica num recorrente interesse acerca da plasticidade dos movimentos do pensamento fotográfico. Esse olhar para o movimento reverbera na apreciação do potencial dialógico na fotografia, cujo tempo surge como possibilidade de permanência do sistema não apenas pela ideia de geração de produtos estáticos (que fazem parte) mas pela capacidade de transformação ao longo deste. O presente artigo trata-se de um estudo inicial que recorre Sumário a intersecção conceitual e prática possível entre as teorias sis- têmicas e processuais como caminho para a percepção de aspectos da complexidade na fotografia, possibilitando assim novas reflexões sobre a trama comunicativa do fotográfico. Analisar o processual na fotografia revela um ambiente de movimento, consi- derando-a num contexto complexo. Estudo que pode desencadear Página - 96 Geralmente pensada mediante a predominância do resultado que produz, o objeto estático, a fotografia pede um olhar não a agentes comunicativos. Dessa forma, trabalhos como o de Ota Editorial das articulações do pensamento em criação. do público. Os casos mencionados neste artigo discorrem sobre a em artes Capa Camila Mangueira Soares numa teoria dedicada aos estudos da imagem fotográfica a partir fixo. Rumo à incorporação de um olhar crítico de mobilidade, no momentos e variantes pertinentes ao pensamento fotográfico. REFERÊNCIAS BUNGE, M. Treatise on basic philosophy. Vol. 4: A World of Systems. Dordrecht: D. Reildel Publ. Co., 1979. SALLES, Cecília. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 2012. _______, Cecília. Redes de criação: construção da obra de arte. Vinhedo: Ed. Horizonte, 2006. VIEIRA, J. A. & SANTAELLA, L. Metaciência: uma proposta semiótica e sistêmica. São Paulo: Editora Mérito, 2008. _______, J. A. Arte e ciência: formas de conhecimento. Vol 3 – Ontologia. Fortaleza: Editora e Expressão, 2007. DAR-SE COMO COISA QUE OUVE: AFETOS DE SONORIDADE NA OBRA ESCUTO HISTÓRIAS DE AMOR, DE ANA TEIXEIRA DANIELE PIRES DE CASTRO Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 De que formas dispomos para nos dar? Seria dar-se a sim- plicidade de um gesto de afeto, como dar um beijo, um abraço, um congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação po, da energia? Seria dar-se somente o gesto radical de entregar la o que seria uma coincidência de disponibilidade. co de si, como dar o sangue, uma parte do próprio corpo, do temtoda a vida? Em nossa cultura, moldada pela moral cristã, o gesto Ao operar por meio da recusa da distinção entre os polos opositores de doador e receptor/tomador, o filósofo rompe com ou- à humanidade. Nesse sentido, a doação é considerada ainda mais tre elas, a oposição entre sujeito e objeto. É a partir desta recusa radical Cristo que entregou sua própria vida em nome de seu amor tras concepções duais próprias ao modo de pensar ocidental, enque ele erigirá a noção, fundamental para sua obra, de “coisa que sente”, como uma maneira de superar a relação de uso que tradicionalmente se estabelece entre entes que se colocam um diante uma parte de si não se poderá reconstituir, abrir mão do tempo e do outro — mesmo que por vezes de maneira alternada — como Contra essa ideia cristã de uma doação de mão única — al- desvendado, construtor e construto, entre tantas outras, seguin- da energia que uma vez despendidos não serão recompostos. guém que dá e alguém que recebe —, o filósofo Mario Perniola recupera o verbo do grego antigo déchomai, que parece veicular uma duplicidade de significados: possui ao mesmo tempo a acepção de dar e de tomar. O verbo quer dizer aceitar, receber, acolher, mas também tomar na acepção de atrair e possuir (PERNIOLA, 2005, p. 129). Ao utilizar este termo não se distingue os polos opostos de manipulador e manipulado, condutor e conduzido, conhecedor e do o modelo típico ao cotidiano da sociedade contemporânea, no qual se procura sempre distinguir os polos ativos e passivos de uma ação. Assim, em um mundo habitado por relações de uso que caucionam e são caucionadas pelas figuras do sujeito e do objeto, Mario Perniola propõe a noção alternativa de coisa, que substitui a instrumentalidade característica da relação daquela dupla de opos- doador, como a figura ativa desta dupla, e receptor, como a figura tos por uma relação baseada na dimensão sensível dos corpos. de pegar algo do outro no domínio de um desejo de atrair e ser utilidade: no lugar daquela que visa a atingir um objetivo específi- passiva, ambas são também tomadoras, guiadas por uma vontade Página - 98 fora de uma lógica da recompensa. A proposta de Perniola estimu- maior de doação é aquele desinteressado, sendo sua figura mais entregar a própria vida, doar o corpo que uma vez destituído de Sumário em uma dimensão de reciprocidade que se afasta do pressuposto que afirma o dar como uma pré-condição do receber, que opera ou de algo que se possui, sem que jamais seja possível restituir: Editorial Perniola propõe, assim, uma nova ética da doação, fundamentada afago, dar a mão ou o ombro? Seria dar-se o abrir mão de um pou- admirável quando se trata de uma total abnegação de si mesmo Capa Daniele Pires de Castro atraído em uma condição de mútua disponibilidade. Entendo que Concomitantemente, apresenta outra proposta de ação avessa à co, o filósofo propõe o agir sem metas, a relação entre coisas que CIANTEC’14 se abre ao totalmente imprevisível, ao aqui e agora da sensação. tais, conforme a proposta de Perniola, a intervenção de Ana não é te, uma nova configuração temporal que privilegia o presente no pelo visitante, mas para qual ele deve permitir-se ser acolhido, res- Assim, também corresponde ao ato de dar-se como coisa que sencongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação lugar de um tempo que corre sobre uma linha progressiva. Assumindo uma perspectiva baseada nesses escritos de Mario Perniola, define-se então outra noção do gesto de doação: não a ideia de um mero dar-se, que mesmo a princípio desinteres- Entre os anos de 2005 e 2012, Ana Teixeira sentou-se em uma cadeira em parques, praças e vias públicas de diferente cida- histórias de amor” convidava os passantes a sentarem-se ao seu inaugurando outra ética da relação. uma mesma peça de tricô vermelho, uma placa que dizia “Escuto lado e falar. Nenhum registro do teor das narrativas foi feito, a escassa documentação existente dessas intervenções são filmagens que captavam de longe a imagem daqueles que paravam e se sen- Neste ensaio, pretendo detectar o gesto de dar-se, em um tavam para contar histórias a Ana, mas o som que acompanha é encontro de mútua disponibilidade e contágio, não é preciso recor- povoam a cidade. À artista não interessava criar uma coleção de ato simples e cotidiano, afinal, sendo um afeto que emerge de um rer a grandes acontecimentos, basta que os corpos estejam imbuí- Página - 99 na qual, não se trata de sentir e pensar, mas viver a arte. da experiência sensível entre coisas que sentem no momento pre- o gesto de dar-se pode ser fruto da disponibilidade à diferença1, Sumário tituindo o encontro com a artista/obra em sua dimensão sensível des do mundo com uma cadeira vazia ao seu lado. Enquanto tecia sente. Trata-se de um esforço em identificar maneiras pelas quais Editorial uma obra que está ali para ser vista, sentida, utilizada ou avaliada sado, aguarda uma futura recompensa, conforme a moral cristã, mas de um dar-tomar-receber recíproco que se dá na mutualidade Capa Daniele Pires de Castro o das ruas, ruídos e barulhos do trânsito de carros e pessoas que belas histórias, tomar ensinamentos, compreender a verdade so- dos de um mesmo caráter. Trata-se do ato de contar e ouvir histó- bre o amor ou mesmo mapear a experiência de tal sentimento pelo Teixeira em várias cidades do mundo intitulada Escuto histórias de Por mais que pareça inquestionável, dentro nos nossos atu- rias, tomando como objeto a intervenção realizada pela artista Ana mundo, interessava-lhe apenas o gesto de escutar. amor. Pensando a partir da desarticulação de relações instrumen- ais padrões de comportamento, que uma ação é sempre iniciada 1 Vale aqui salientar um tal elogio à diferença em nada se assemelha a uma evocação da tolerância. Esta mantém os diferentes em condição de não contágio, apenas de um suportar-se, de um conviver. Nesse sentido é que a filosofia da diferença funda outra ética do encontro pautada, claro, não em processos de identificação e não identificação, mas de atravessamentos. elucidar as concepções de Georgio Agamben sobre a ação: ha- em vias de atingir uma meta, esta não é a única forma. Aqui, vale veria três tipos, o agir, o fazer e o gesto. Enquanto o fazer é um meio destinado a um fim, o agir é o fim em si mesmo, ou seja, uma CIANTEC’14 finalidade sem meios. Já o gesto é um terceiro gênero de ação camada de permeabilidade desse encontro. 2008, p. 13): é a exibição de uma medialidade pura, o tornar visível ca uma crítica à concepção específica da ação que é elaborada que rompe com “a falsa alternativa entre fins e meios” (AGAMBEN, congresso um meio como tal (AGAMBEN, 2008, p. 13). Estamos constante- internacional mente variando entre o fazer e agir sem abertura para o novo que em artes emerge do gesto, sem destituir a ação de sua usual relação com a novas tecnologias e comunicação finalidade. O que Ana expõe em seu trabalho é a pura medialida- de do gesto. Ao não subordiná-lo a uma finalidade específica, quer dizer, ao não fazer de sua escuta um meio de coleta de material ou uma atividade de pesquisa, a artista nega essa lógica instrumental. Para que servem as palavras que ouço? Que destino posso dar a tais belas narrativas? Se pautasse suas intervenções por tais parâmetros instrumentalizadores, Ana acabaria tendo que hierar- quizar as histórias que lhe foram contadas, teria que criar padrões de avaliação e classificação, teria que interpretá-las e identificar nelas os trechos mais valiosos. No entanto, no evento proposto pela artista, não cabe o sujeito Ana que distingue, julga e escolhe, Capa Editorial Sumário Escuto histórias de amor elabora de maneira sutil e poéti- no interior da nossa atual cultura da gestão de si e que por vezes também aparece na arte dita interativa. A partir de uma noção de sujeito como dono de sua própria história, a ideia de ação aparece normalmente como o movimento que visa a atingir um objetivo. Essa lógica instrumentalizadora permeia nosso cotidiano quase sem deixar tréguas. O espírito empresarial da gestão impregnado em vários campos da vida nos coloca em uma posição na qual, quase todo o tempo, somos confrontados a tomar decisões e atitudes dentro de um rol de possíveis que permitam a consecução de objetivos específicos no interior de um planejamento (de vida) que devemos ter em mente. A arte, também parte dessa conjuntura específica, parece muitas vezes ser movida por tais pressupostos. O imperativo da atividade aparece no formato participativo que não apenas permi- cabe apenas o dar-se como coisa que escuta. Em diversas entre- te, mas, por vezes, exige do espectador uma atitude ativa diante gistrar as histórias, também não era necessariamente entendê-las. apenas no simples caminho da construção do sentido, mas na exi- vistas sobre o trabalho, a artista afirma que se intenção não era re- Ela conta que não compreendia francês ou alemão, no entanto, realizou a ação na França e na Alemanha, pois a escuta e não a da obra sem a qual ela não existiria. Essa atividade não se dá gência de uma real mobilidade do espectador, porém normalmente em um ambiente bastante controlado que afasta dos espaços narrativa era o mais importante. A via de contágio proposta portan- de arte a emergência do realmente imprevisível. Conforme res- mas a da voz, do som, do corpo: seria a carne e não intelecto a uma postura “passiva” que se manifesta na mera contemplação to não é da linguagem, que sempre nos convoca à interpretação, Página - 100 Daniele Pires de Castro salta Paula Sibilia, dissemina-se nos nossos dias a noção de que CIANTEC’14 de obras fixa e estáveis é antiquada, entendiante ou estéril, não atentando para o potencial criativo existente mesmo na contemplação. Assim, se estimula e celebra sua extinção em favor de uma congresso postura mais “contemporânea” na qual o espectador interage com internacional as obras (SIBILIA, 2011, p. 639). Tais tendências na arte, analisa a em artes autora, mostram-se compatíveis com um modelo de subjetividade Daniele Pires de Castro põe uma experiência deslocada, descentrada, livre da intenção de atingir um objetivo (PERNIOLA, 2005, p.22), o que permitiria a abertura de outra temporalidade: não um tempo progressivo que corre a uma apoteose final, mas um tempo em suspensão de pura disponibilidade dos corpos ao sentir. Nesse sentido, compreende-se aqui que a proposta de Ana novas tecnologias que está se impondo, aceleradamente, como o tipo hegemônico, Teixeira ao escutar as histórias sem fazer delas objetos de inter- e comunicação ao solicitar e estimular um conjunto de valores e atitudes bem atu- pretação ou arquivo pode ser vista como uma forma de recuperar o ais, tais como o empreendedorismo, a velocidade, a proatividade, gesto no interior da ação, de trazer à tona a pura medialidade dos Somente em falar da oposição entre ativo e passivo somos de postura em relação à ação, uma maneira de resistir às pressões a hiperconexão, a cultura participativa, etc (SIBILIA, 2011, p. 646). remetidos quase que instantaneamente aos campos sexual ou de gênero. Tal polaridade manifesta uma tradicional concepção de diferença entre as energias associadas aos gêneros masculino (Y) e feminino (X), mas também trazem à mente a identificação de dois entes distintos que assumem papeis específicos em uma re- lação tensionada sexualmente representada por papéis antagôniCapa Editorial Sumário de uma cultura que nos impele à produção de um si mesmo autônomo, que instrumentaliza ações e relações em prol de pequenos ou grandes projetos e gozos. O que a artista propõe, em contra- partida, é fazer bastar a transição, o fluxo, o processo, o meio, no lugar do finalizar, conseguir, terminar, concluir. O gesto de Ana Teixeira é uma aventura, tanto para a ela cos conforme os pares penetrante/penetrado, condutor/conduzido quanto para o outro. Não que lhe tenham acontecidos fatos dignos passividade é preciso se emancipar de uma concepção instrumen- vo, os imprevistos são sutis aos olhos de uma cultura do espetácu- ou ativo/receptivo. Para rachar a tradicional dicotomia atividade e tal da ação entendida como naturalmente direcionada a um fim. Tal concepção manifesta a noção de um sujeito sempre em busca da satisfação de seus desejos e objetivos particulares através de ações que são uma mera produção de prazeres e recompensas. Página - 101 corpos em detrimento do objetivo. Há, nessa obra, uma mudança Ao contrário, conforme citado anteriormente, Mario Perniola pro- de uma cena de filme de ação ou de uma notícia no jornal televisilo. É um olhar, um toque, uma brisa, uma voz, ou até a ausência. Ana conta que em Veneza – curiosamente, a cidade dos amantes – ninguém se sentou para contar uma história. Foi a aventura da espera, mas que ainda assim constrói tecituras: a narrativa de amor de Ana é o emaranhado das histórias que escutou dos ou- CIANTEC’14 tros, mas também dos momentos em que aguardava sentindo a ci- construção, sob uma aparência de imobilidade. O tempo não passa, gestos que advém da pausa, que não mobilizam um fazer, mas um Ana Teixeira aguarda como Penélope, mas não precisa des- dade, suspensa no tempo sem estar passiva. Ouvir e esperar são congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação fazer seu cachecol. Sua coreografia da tecitura não tem um lugar engendra uma nova experiência temporal. lugar, a feitura do mesmo cachecol vermelho é recomeçada, um tempo todo à frente. Nesse sentido, o gesto proposto pela artista Ao sentar-se ao lado de Ana Teixeira para contar uma his- tória, o passante realiza uma quebra em seu trânsito, fazendo da onde chegar, pode ser infinita. E assim é: a cada espera, em cada costurar que entrelaça histórias ouvidas e espaços ocupados. O tempo da oralidade desperta assim uma dimensão de presença do rua não mais um corredor de passagem, mas um espaço próprio à acontecimento, porém transporta também para o tempo da espe- do tempo progressivo da vida citadina em prol de outra experiência continuação do anterior, nem o predecessor de um próximo, é re- temporal que se constrói na relação entre o contador da história e a ouvinte. O convite a sentar-se sugere o tempo da oportunidade, basta atender ao chamado. Da oportunidade aceita, surge o encontro. Do encontro, o evento. ra e do recomeço. A cada volta um novo evento que não é, nem petição e diferença. É o tempo infinito, em ciclos que a cada volta adicionam uma nova trama ao tecido de narrativas, sem cortes ou finalizações, apenas acumulação. Ana Teixeira define sua obra como uma ação, mas a expe- O gesto de tecer, inspirado, segundo a própria artista, na riência proporcionada por ela difere da daquela mais típicas de mensão de um tempo contraído, que não se esgota. A esposa fiel Nestes, há uma experiência precária do instante vivido, a eviden- figura de Penélope a espera do regresso de Ulisses, explora a diCapa aguarda o retorno de seu marido em um tempo que retem o pas- Editorial sado, a presença de Ulisses a seu lado, e antecipa o futuro, o seu retorno a casa. Para que a espera seja possível, é preciso que o tempo não passe. Para os pretendentes de Penélope o tempo conti- algumas performances, dos happenings e dos atuais flash mobs. cia da inevitável passagem do tempo. São capturas, instantâneos, enquanto o tempo da espera e da escuta é aquele da persistência. Trata-se, na obra de Ana, de uma ação que é menos a promoção de um acontecimento no tempo que progride e mais uma ocupa- nua a progredir, por isso ela cria sua artimanha e toda noite precisa ção do espaço, uma maneira de penetrar a cidade convidando o aparentemente interminável de transformação, de construção e des- comunhão indiscernível entre duração e lugar: o espaço não é um desfazer sua tecitura e retornar ao ponto inicial, criando um ciclo Página - 102 não progride, mas muda continuamente, tornando-se duração. sentir, na contramão de um tempo cotidiano que quer nos lançar o emergência do evento. Assim, arrisca-se na recusa da experiência Sumário Daniele Pires de Castro outro a desfrutar desta mesma disponibilidade. Cada evento é uma CIANTEC’14 plano de fundo para o encontro, é seu constituinte. Nesse sentido, inglês para serem compreendidas. Ainda assim, Ana Teixeira não rativa de um sujeito) para o evento da contação da história (o estar cuja valorização induziria ao centramento na experiência passada há um deslocamento da história contada (da compreensão da narcongresso internacional no espaço como espera e encontro). Segundo Mario Perniola, o favorecimento da dimensão da em artes espacialidade em desfavor da temporalidade opera um afastamen- novas tecnologias to do horizonte conceitual caracterizado pelo chamamento à inte- e comunicação rioridade, à consciência, ao sujeito, em direção à disponibilidade ao exterior e ao neutro (PERNIOLA, 2005, p. 81). O filósofo faz menção a dimensão sonora da música, que colocada em primeiro plano, afasta tanto a concepção sentimental, que a vê como expressão de uma interioridade emocional, e da vitalista, que a vê sentam junto à Ana, como compreende, uma mulher, explicando porque confiou a Ana uma história de amor: “Ela não tava estava interessada na minha vida”, disse uma das contadoras em uma reportagem do Jornal da Cultura. Assim, é possível compreender a ação aqui estudada como uma experiência contemporânea do espaço tal qual definida por Mario Perniola: aquela que se configura sobre um modelo dinâ- em que se move ou se afastar dele (PERNIOLA, 2005, p. 95). Ao esse sujeito em coisa que sente, que pode se agregar ao contexto ouvir histórias de amor sem julgá-las, coletá-las, ou mesmo tentar compreendê-las, Ana se lança para fora de si, em uma experiên- rece pretender resgatar tal dimensão espacial da fala como som cia espacial que convoca o outro a fissurar o espaço da cidade e em detrimento da dimensão temporal da fala como linguagem. Po- penetrá-lo junto com ela. A ação rompe também com a tradicional a linguagem mesmo quando não ela não é apenas instrumental, a íntima do sujeito ao espaço público como lugar da sociabilidade. A rém, se a música possui diversos elementos que concorrem com fala, como significante, está fortemente atada ao seu significado. Assim, a própria Ana admite ser difícil desmotivar os contadores a serem entendidos. Nos países onde não falava a língua, como Página - 103 da artista pelo sujeito é também percebido por aqueles que se ma, é a essência da música (PERNIOLA, 2005, p. 78). Ele cria um um imã. Ao privilegiar a escuta e não a narrativa, Ana Teixeira pa- Sumário individual, mas provocar fissuras no cotidiano. Esse desinteresse mico que lança o sujeito para fora de si. Tal modelo, transforma campo de atração permanente entre os corpos, funcionando como Editorial cessa de ressaltar que o que lhe interessa não são as histórias, como a manifestação espontânea da existência natural. O som, percebido em sua neutralidade e indiferente inorganicidade, afir- Capa Daniele Pires de Castro na França ou Alemanha, as pessoas contavam suas histórias em concepção que opõe o espaço privado como lugar da experiência aventura do amor, normalmente confinada à interioridade da casa e da vivência subjetiva, é convidada a sair do espaço da intimidade para se tonar a via de acesso a um estranho e de uma nova experiência na cidade. O que não quer dizer que se trate apenas de CIANTEC’14 um choque de opostos. Por não estar interessada “na vida” do con- mundo só poderia ser o objeto de seu olhar, se houvesse distinção a obra incentiva aqueles que sentam ao lado de Ana a ter outra ex- 2003, p.33). Não há, portanto, objetividade ou a “coisa em si”, tador da história, como afirmou uma das participantes entrevistas, congresso periência de individualidade, na qual não estão ali na condição de internacional sujeitos expondo sua intimidade em um espaço “inadequado”, mas em artes na condição de coisa que sente em um encontro com outra coisa novas tecnologias que sente, em um evento de doação de mútua disponibilidade. e comunicação Segundo Mario Perniola, o mundo das coisas – corpos, sons e pensamentos – é dotado de uma generosa e hospitaleira espacialidade que infinitamente nos acolhe com sua disponibilidade imediata (PERNIOLA, 2005, p. 82). Ampliando essa noção de disponibilidade recíproca da coisa que sente, é possível incorpo- um ser imune ao movimento do devir, a ilusão de uma substância que permanece inalterada por trás da flutuação dos afetos e da variação de perspectivas” (ROCHA, 2003, p. 21). Assim, de acordo com Silvia Rocha, Nietzsche lança as ba- ses do “relacionismo”, que é a constatação de que, na ausência de um ponto de vista que seja transcendente, tudo o que há são as relações (ROCHA, 2003, p.162). As coisas são, portanto, cons- coisas independentes, mas um é produzido pelo outro. O sujeito O perspectivismo nega “toda instância transcendente ou subjacente ao mundo” (ROCHA, 2003, p. 17), que é considerado priori. O resultado é que sujeito e objeto não são tomados como atravessado pelo perspectivismo não é aquele capaz de mudar de posição, mas aquele que, longe de ser constituído por uma essência, é capaz de “tornar-se outro”. “uma diversidade caótica em constante fluxo, um processo des- O perspectivismo implica o abandono do conceito de unidade, um puro devir que jamais atingirá um estado de ser” (RO- ocupa, sucessivamente, diferentes perspectivas (e tituído de finalidade, uma multiplicidade de forças sem qualquer sujeito e da ideia de substância. Não há um eu que CHA, 2003, p. 17), ou seja, algo que não é inteligível. O perspec- que por tanto, permaneceria imutável por trás dessa tivismo se afasta do relativismo porque nega a possibilidade de Página - 104 nega também a unidade do eu, que não é mais que “a ficção de relação fora de um ponto de vista instrumentalizante. A filosofia conceitos de sujeito, objeto e coisa. Sumário bem como não há um sujeito metafísico. Desta maneira, Nietzsche tituídas a partir da sua relação com outras coisas, não existindo a perspectivista de Nietzsche ajuda a situar a questão em torno dos Editorial entre os dois, “mas o homem não é exterior ao mundo” (ROCHA, rar as dimensões do afeto e do contágio, trazendo a contribuição de outros autores que também procuram pensar o encontro e a Capa Daniele Pires de Castro um ponto de vista externo: o homem só poderia ser o sujeito e o mudança ou idêntico por trás das relações) [...] O ou- tro não reside por tanto no ex terior do sujeito, como CIANTEC’14 uma instância que o afeta de fora, mas é indissoci- samentos. Para tal, ajuda a análise do trabalho de Francis Bacon, na. Somos sempre um outro, não apenas porque nos rosto e cabeça, que aqui ouso traçar uma equivalência entre nar- ável daquilo que o homem, a cada momento, se torcongresso internacional em artes ração e ouvido para pensar o trabalho de Ana. contramos. (ROCHA , 20 03, p. 167) do dentro da lógica do figurativo, são imagens criadas a partir de constitui é indissociável das circunstâncias que en- O relacionismo nietzschiano parece inspirar diversos autores contemporâneos, que pensam, em diferentes gradações, um sujeito e consequentemente um objeto que não são mais unidades pré-constituídas mas entes em contínua transformação. Como uma forma de fugir da dicotomia, outros termos são introduzidos, como faz Mario Perniola ao referir-se à “coisa”. Seja qual for o caminho tomado, as pesquisas apontam em uma mesma direção: a O rosto institui princípio de reconhecimento. Permanecen- uma perspectiva representacional, portanto sujeitas a processos de identificação e organização. Já a cabeça é, segundo o filósofo, vianda, carne separada de sua estrutura orgânica. Assim, enquanto o rosto é uma “organização espacial estruturada que recobre a cabeça”, a cabeça é uma parte do corpo (DELEUZE, 2007, p. 28). Paralelamente a uma distinção entre rosto e cabeça, Deleuze opõe figurativo e figural. O primeiro é a representação, “a relação entre uma imagem e o objeto que ela deve ilustrar, mas implica também possibilidade de pensar a dimensão de contágio da relação entre a relação de uma imagem com outras imagens em um conjun- as “coisas” que as tornam entes em contínua transformação. Ten- to composto que dá a cada um o seu objeto” (DELEUZE, 2007, me valerei da ajuda de autores que parecem partir desses mesmos da ilustração. Para romper com a representação seria necessário do apresentado a perspectiva filosófica da qual emerge esta fala, Capa pressupostos para pensar a arte, como caminho para compreen- Editorial der a dimensão da porosidade do corpo como coisa na obra de Sumário Ana Teixeira. Em primeiro lugar, para pensar uma possível vulnerabilida- de do corpo e seu estatuto de coisa é preciso abandonar a noção de unidade orgânica como partes que se conectam em um todo Página - 105 operada por Gilles Deleuze, que propõe uma diferenciação entre transformamos no tempo, mas porque aquilo que nos novas tecnologias e comunicação Daniele Pires de Castro funcional e que faz dele uma estrutura acabada e imune a atraves- p. 12). Nesse sentido, afirma o filósofo, a narrativa é o correlato também romper com a narração e impedir a ilustração (DELEUZE, 2007, p. 12). O rosto, poderíamos afirmar, seria a ilustração de um sujeito, sua representação, que, em conjunto e em relação com outras imagens é capaz de contar uma história sobre aquela imagem que é seu protagonista. A cabeça é o que resta após esse rosto ser escovado, levando com ele qualquer ilustração ou narrativa. O ouvido, no trabalho de Ana, pretende também deixar de CIANTEC’14 ser um órgão particular dentro de um todo funcional, ou seja, me- junção do dar, receber, tomar, que não distingue a parte passiva e interpretados, analisados, identificados ou reconhecidos por uma Ao escutar histórias de amor, Ana Teixeira se dá como coisa nos a porta de entrada de estímulos que depois serão entendidos, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação que ouve. Narrativas que partem de lugar nenhum e vão para ne- e não o órgão sensorial de um rosto. É verdade que Ana Teixeira cidade, ininteligíveis sob o barulho da rua. Ana é coisa assim como um corpo que sente. O ouvido quer ser o buraco em uma cabeça não rompe com a narrativa, mas concentra seu trabalho no gesto que restou não foram os rostos e suas histórias, mas os corpos e tidade e biografia não são relevantes, importantes são o encontro, mais adequado que deixar muda toda a narrativa para evidenciar o gesto de contar e o de ouvir. Trata-se aqui de ser atravessado pelo que viu e ouviu em uma condição de fragilidade que mantém o corpo/carne/vianda permeável. Ser coisa requer o abandono da condição de sujeito que analisa, interpreta, avalia e usa. No lugar de uma relação com o outro que faz deste objeto, permite a instauração de uma imprevisível experiência de encontro pois não atada às amarras da instrumentalização. Dar-se como coisa é portanto um gesto que é pura medialidade e não uma ação que prevê um resultado ou uma recompensa, nesse sentido abole a lógica do dar e receber como atividades conectadas por uma relação de causa e efeito em favor Página - 106 aqueles que se sentam juntos a ela em uma condição de disponibilidade que se torna mútua. Ao contar histórias de amor, o visitante per a narração para ater-se ao fato (DELEUZE, 2007, p. 12), nada Sumário nhum lugar, que permanecem anônimas, dispersas no espaço da de contar e escutar mais do que na própria história contada. Na seus encontros. Se buscar o figural é, segundo Deleuze, interrom- Editorial a ativa do pólo, que racha a dicotomia tradicional da ação. mente autoconsciente, e mais puro orifício, passagem de afetos de instalação, apresentada em galerias, que seguiu a ação de rua, o Capa Daniele Pires de Castro de uma indiferenciação entre as duas posturas. Dechómai é a con- se dá como coisa que fala para um estranho. Nesta relação, ideno evento e sua duração que causam uma fissura na progressão do tempo. Sentar-se para contar uma história a um estranho por motivo nenhum no meio de um dia qualquer é suspender o andamento da vida cotidiana, é desviar-se da eficácia e da produtividade que apontam sempre para frente e para mais. Ana afirma sua intenção com as ações é causar uma fis- sura no cotidiano das pessoas, no entanto, ela provoca também uma disrupção na relação do indivíduo com sua própria narrativa. Se por um lado, a história de amor apela ao sujeito, à biografia, ao sentimento e ao desejo de construção da experiência amorosa como uma narrativa 2, por outro lado, a conjuntura proposta por Ana ( o fato de ela ser uma estranha, de estar no espaço da rua, de não 2 Supondo-se que provavelmente a maioria dos participantes tenham contados histórias relativas a suas próprias experiências amorosas, apesar de Ana não ter divulgado nenhuma estatística sobre isso. CIANTEC’14 Daniele Pires de Castro haver registro e publicização das histórias) desloca a centralidade condição de estrutura orgânica com unidades funcionais conecta- contramão das práticas mais comuns aos nossos dias, relaciona- são órgãos mas canais de atravessamento. Destituídos, assim, de da ação do sujeito para o evento. É um procedimento que vai na das e assumem seu estatuto de carne, no qual o ouvido e boca não congresso das ao uso das mídias sociais, que incentivam um tipo de constru- intenção em relação à narrativa, seja de registro, de publicidade, internacional ção identitária que faz excessivo uso da imagem fotográfica (que em artes é rosto e não cabeça) e da narrativa de si (através da disposição novas tecnologias e comunicação dessas imagens e textos em linhas temporais progressivas). É a construção de um eu que se conta, e mais do que isso, que torna pública sua própria narrativa. Relacionar a discussão das identidades fabricadas midiaticamente ao “Escuto histórias de amor” poderia ser tema para outro ensaio, o que pretendia indicar rapidamente aqui é que esta obra, apesar de também recorrer à narrativa pessoal, desconfigura todo um aparato que faria desse recurso um dispositivo de construção subjetiva típico da contemporaneidade. A narração como evento opõe-se a narrativa construída por imagens e textos planejados: a este só cabe pensar o sujeito a partir de uma noção de identidade, enquanto aquele nos convoca a um abandono de tais categorias e Capa Editorial Sumário a opção por outras – coisa em vez de sujeito, carne e vianda em vez de corpo, atravessamentos e contágios em vez de identidade e imagem. O corpo de quem ouve e o corpo de quem conta passam portanto por transformações: em primeiro lugar, afastam-se de sua condição de imagem de identificação individual, ou seja, apaga-se Página - 107 o rosto para ficar a cabeça; em segundo lugar, abandonam sua de avaliação ou de uso, o corpo que se dá como coisa que ouve e que fala, torna-se por fim poroso e vulnerável. BIBLIOGRAFIA AGAMBEN, Giorgio. Notas sobre o gesto. Revista Artefilosofia. Ouro Preto, n. 4, p. 9-14, jan. 2008. DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2007. PERNIOLA, Mario. O sex appeal do inorgânico. São Paulo: Studio Nobel, 2005. ROCHA, Silvia. Os abismos da suspeita: Nietzsche e o perspectivismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003 SIBILIA, Paula. A técnica contra o acaso: os corpos inter-hiperativos da contemporaneidade. Revista Famecos. Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 638-656, set./dez. 2011 http://www.anateixeira.com/historias.htm A ARTE DE TRANSIÇÃO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DIFERENTES FORMAS DE SE COMUNICAR PELA ARTE DIGITAL DORISDEI VALENTE RODRIGUES Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Na era digital as estéticas tecnológicas estão por toda parte, como nas publicidades, na moda, designs de hiper- Dorisdei Valente Rodrigues mentação, autonomia e possibilidades inter e transdisciplinar de encontro das diferentes áreas de conhecimentos e das novas lin- mídia, vinhetas de TV, cinema, imagens em movimento, portais, guagens midiáticas. desenvolvendo desde 2007 experiências com alunos da educação em artes de jovens e adultos com ênfase em práxis pedagógicas que pro- gicas, Educação de Jovens e Adultos. novas tecnologias movam espaços para criação e a construção coletiva a partir de e comunicação dispositivos e suportes tecnológicos. A metodologia utilizada é a everywhere, as in advertising, in fashion, hypermedia designs, congresso internacional sites, blogs. Nesse sentido, o grupo de pesquisa Transiarte vem pesquisa-ação, predominantemente existencial (BARBIER, 2007), creation and collective construction from devices and technologi- with an emphasis on pedagogical praxis that promotes spaces for produções estéticas tecnológicas significativas que dialogam com cal supports. The methodology is pesquisa-ação, predominantly em diferentes formatos digitais; como vídeos, animação, poesias collaborative action supported by critical reflection and transforma- grama Observatório da Educação – Edital 049/2012/CAPES/INEP com a Universidade Federal de Goiás e a Universidade Federal do Espírito Santo, denominado: Desafios da Educação de Jovens Adultos integrada à Educação Profissional: identidades dos sujei- tos, currículo integrado, mundo do trabalho e ambientes/mídias virtuais. Temos como eixo fundante a aprendizagem coletiva da arte para pensar a estrutura da escola na era digital. Identificamos a escola como espaço que reconheça e integre a cultura tecnológica Página - 110 blogs. In this sense, the research group Transiarte has been de- manda. A práxis da transiarte pauta-se no trabalho coletivo e nas entre outros. Essa pesquisa integra a rede de pesquisa do pro- Sumário vignettes of television, movies, motion pictures, portals, websites, veloping experiences since 2007 with young and adult students as experiências de vida dos educandos no coletivo, materializadas Editorial ABSTRACT - In the digital age technological aesthetics are que como prática caracteriza-se por uma ação colaborativa sustentada pela reflexão crítica e as transformações que a realidade de- Capa PALAVRAS CHAVE: Construção Coletiva, estéticas tecnoló- e as produções de arte digital como lugar de descoberta, experi- existential (BARBIER, 2007), a practice that is characterized by a tions that reality demands. The praxis of Transiarte is guided in the collective work and significant technological aesthetic productions that dialogue with the life experiences of learners into collective materialized in different digital formats, such as video, animation, poetry and so on. This research integrates the network research program Observatório da Educação – Edital 049/2012/CAPES/ INEP with the Federal University of Goiás and the Federal Univer- sity of Espírito Santo, called: Challenges of Youth to Adult Integrated Professional Education : identities of , integrated curriculum , and the world of work environments / virtual media (Desafios da CIANTEC’14 Educação de Jovens Adultos integrada à Educação Profissional: identidades dos sujeitos, currículo integrado, mundo do trabalho e ambientes/mídias virtuais). We have as a shaft founding the colcongresso lective learning to think about the structure of the school in the internacional digital age. Identifying the school as a space that recognizes and em artes integrates the technological culture and the art digital production novas tecnologias as a place of discovery, experimentation, autonomy and inter-and e comunicação transdisciplinary possibilities against the various areas of knowledge and new media languages. KEYWORDS: Collective Construction, technological aes- Sumário O PROEJA nasce como proposta de formação integrada que tem como centralidade a elevação da escolaridade, em nível de ensino fundamental ou médio, e a formação profissional pública e de qualidade, cujo documento oficial, assim dispõe: “qualificação social e profissional articulada à elevação da escolaridade, construída a partir de um processo democrático e participativo de discussão coletiva” (BRASIL, 2009, p. 47). A partir da demanda dessa proposta de formação e da 1 HISTÓRICO DO GRUPO DE PESQUISA TRANSIARTE NA EDUCAÇÃO DE J O V E N S E A D U LT O S E E D U C A Ç Ã O PROFISSIONAL EM BRASÍLIA. (FE) da Universidade de Brasília (UnB) criaram o grupo de pes- (PROEJA) tem como fundamento o Decreto nº. 5.840, de 13 de julho de 2006, e o Edital Nº 003/2006 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) do Ministério da Educação (MEC). Este programa foi instituído em 2005/2006 pelo Página - 111 ciais do trabalhador brasileiro. ausência de produções científicas mais aprofundadas sobre nal com a Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos Editorial ação importante do governo federal para garantia dos direitos so- thetic, Youth and Adults education. O Programa Nacional de Integração da Educação ProfissioCapa Dorisdei Valente Rodrigues Decreto nº 5154/04 e se configura no cenário nacional como uma o tema, educadores e educandos da Faculdade de Educação quisa Transiarte no ano de 2007, articulando pesquisadores sobre Educação de Jovens e Adultos (EJA) e sobre Educação Profissional (EP) para estimular a investigação dos processos de implementação da educação profissional integrada à educação de jovens e adultos (PROEJA) no Distrito Federal. Embora o Projeto Transiarte tenha iniciado em 2007, o debate que lhe deu origem é anterior. Em 2006, educadores de três áreas de concentração do Programa de Pós-graduação em Educação - Educação e Comunicação, Políticas Públicas e Gestão da Educação e Escola, Aprendizagem e Trabalho Pedagógico – da Universidade de Brasília, além do Departamento de Métodos e Técnicas – MTC, em conjunto com os educadores CIANTEC’14 da Universidade Federal de Goiás e da Universidade Católica de Goiás, decidiram participar conjuntamente da investigação sobre a articulação entre EJA e EP. Os desdobramentos desse trabalho no DF deram con- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação dições para o nascimento do Projeto Transiarte, tendo a UnB assumido o subprojeto 3: Transiarte, Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissional, a partir do financiamento do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos - EDITAL PROEJA-CAPES/SETEC nº 03/2006. No período de 2007 a 2011, o Projeto da transiarte in- tegra o Projeto 19: O PROEJA indicando a reconfiguração do campo da Educação de Jovens e Adultos com qualificação profissional – desafios e possibilidades do Proeja. No ano de 2012, a pesquisa-ação continua mesmo sem financiamento, mas com o apoio da UnB e parceria da Secreta- ria de Educação do Distrito Federal. No ano de 2013, o projeto passa a integrar a rede de pesquisa do Programa Observatório Capa Editorial Sumário da Educação – Edital 049/2012/CAPES/INEP com a Universidade Federal de Goiás e a Universidade Federal do Espírito Santo, denominado: Desafios da Educação de Jovens Adultos integrada à Educação Profissional: identidades dos sujeitos, currículo integrado, mundo do trabalho e ambientes/mídias virtuais. Página - 112 Dorisdei Valente Rodrigues 2. A ARTE DE TRANSIÇÃO NO C O N T E X T O D A E R A D I G I TA L A arte de transição situa-se no contexto da era digital frente às mudanças com relação à condição do sujeito na relação com a realidade e à compreensão de mundo. Esses aspectos tem levantado questionamentos a cerca dos fundamentos das ciências e do reconhecimento da necessidade de interconectar as diversas disciplinas. Para Giannetti (2006). Esses questionamentos sobre a realidade e a razão, já estavam presentes nas reflexões em 1950 entre racionalistas e relativistas. “ Diversas teorias renunciam a sua especificidade disciplinar para se aproximar gradualmente da noção de inter-relação, como podemos ver no estudo das mensagens e da comunicação humano - máquina da cibernética, postulada como modelo de cruzamento e suas ideias de pensamento contaminado (GIANNETTI, 2006, p.13) A ideia de contaminação entre as disciplinas no campo da arte se inicia com uma potencialização das relações entre diferentes campos artísticos (artes visuais, teatro, música e etc) que com o surgimento da fotografia essas potencialidades ficaram ainda mais evidentes na relação entre técnica, arte e vida, pois as CIANTEC’14 tecnologias de geração e reprodução de imagem tornam-se novas gem midiática, desenvolvendo habilidades com softwares e har- Contudo no campo da arte digital as ferramentas passam de uma atuação passiva, receptora de informações ou imagens no ferramentas nas mãos dos artistas. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação a ser acessíveis para qualquer pessoa e com a popularização do computador, do acesso à internet e as mídias digitais, a arte digital está em evidencia em diferentes setores, como na economia, na ou arte digital, que se caracteriza pela criação coletiva e interativi- letiva ao modelo de autoria do domínio público e da creative com- no sítio/site: www.proejatransiarte.ifg.edu.br. Valoriza a criação comons (www.creativecommons.com.br). Com isso, busca-se trabalhar com a aprendizagem das funcionalidades das mídias digitais fenômeno tratado por pesquisadores no mundo. Entretanto, ainda em seu uso criativo, promovendo também a inclusão digital. versidade de conceitos e definições entre pesquisadores, artistas, po da arte digital desenvolvida no âmbito escolar, com sujeitos da Nesse cenário, a arte digital se faz presentes nas reflexões de Barbier (2007). O grupo de pesquisa é formado por professores cientistas e historiadores. acadêmicas e deve fazer parte também nas discussões em educação, como vem correndo na experiência do grupo de pesquisa “Transiarte - Educação de Jovens e Adultos e Educação Profis- sional no Distrito Federal”, com foco nas práticas pedagógicas na utilização das tecnologias digitais e no fazer coletivo”. A Transiarte (TELES, 2012, p.103) “visa despertar a identi- dade cultural na produção artística virtual de jovens e adultos por meio da criação artística coletiva e individual”. O projeto trata de Página - 113 Utilizamos o conceito de Transiarte, uma forma de ciberarte passam a representar diferentes modos de ser a agir no mundo Nesse sentido, as artes, ciências e tecnologias no Brasil, há muita polêmica sobre o assunto, devido à abrangência e a di- Sumário ciberespaço. dade e produções artísticas abertas expostas na “galeria de arte” disciplinar. Essas diferentes abordagens se apresentam como um Editorial dwares na construção artística permitindo ao jovem/adulto ir além cultura, sociedade, educação, lazer e outros. por meio de práticas criativas que se entrelaçam de forma inter- Capa Dorisdei Valente Rodrigues temas de situação problema-desafio, a partir de uma nova lingua- A arte de transição ou transiarte é uma experiência no cam- Educação de jovens de Adultos com o método da pesquisa-ação da educação básica, graduandos, pós-graduandos e professores da Universidade de Brasília do Programa de pós-graduação em educação da faculdade de educação (PPGE/UnB). A pesquisa-ação visa estimular a investigação dos processos de implementação da educação profissional integrada à educação de jovens e adultos (PROEJA) no Distrito Federal. A oficina transiarte vem se constituindo desde 2008, como uma proposta de construção coletiva a partir da experiência estética da arte digital como eixo de integração entre duas modalidades CIANTEC’14 de ensino; Educação Profissional (EP) e Educação de Jovens e Dorisdei Valente Rodrigues Assim, a partir do entendimento da complexibilidade de Adultos (EJA). pensar as produções artísticas na era digital pelas convergências congresso processos de integração curricular pela inserção da cultura digital ber fazer” dos jovens e adultos pela apropriação dos elementos internacional na escola, o incentivo a criação e produções artísticas como orien- (cor, volume, textura, forma, linha, e outros) se constitui a arte de novas tecnologias gital, além de incentivar a utilização das diversas linguagens exis- constante movimento. e comunicação tentes que se articulam intensamente a partir da enorme presença As contribuições deste trabalho pretendem orientar sobre em artes tação estratégias pedagógicas de aprender e ensinar na cultura di- das tecnologias digitais, mais especificamente as de informação e comunicação e a da arte digital na cultura escolar. 3. ESTÉTICA E PROCESSOS NA ARTE DE TRANSIÇÃO No processo da transiarte, a percepção e a sensibilidade são consideradas, no despertar das habilidades de manipulação das linguagens, características que vão refletir a estética contemporânea, estética que passamos a chamar nesse trabalho de es- Capa Editorial Sumário tética tecnológica. Neste trabalho pactuamos com Domingues (2008), Aran- tes (2008), Santaella (2008) e Shustermam (1999) na utilização do conceito de Estética (do grego αισθητική ou aisthésis: percepção, sensação) que na sua origem, segundo Arantes (2008) relaciona-se a uma “experiência que não é adquirida por meio do conheci- Página - 114 mento intelectual e racional, mas pela sensibilidade”. entre a estética, técnica e tecnologia numa relação com o “sa- transição ou transiarte, que é essencialmente uma linguagem em Corroboramos com Santaella que na contemporaneidade, já não há mais um lugar fixo para pensamentos dualistas, principalmente nas abordagens do campo da educação. Entende-se que a linguagem perde sua instabilidade quando o texto, imagem e som “sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem- -se, separam-se e entrecruzam-se (SANTAELLA, 2008, p.36). A autora em seu conceito das “linguagens líquidas” na era digital. Vivencia uma confraternização de todas as artes que “fluem umas para as outras: artesanato, desenho, pintura, escultura, fotografia, vídeo, instalação e todos os seus híbridos.” A arte de transição se coloca dentro dessa confraternização da arte digital ( teatro, dança, artes visuais, fotografia e outras ) com suporte de ferramentas tecnológicas em sua práxis pedagógica, que visa à capacitação e o domínio de softwares ou hardwares como estéticas tecnológicas ou representações do campo artístico no dialogo da arte – educação na cibercultura. Defendemos uma práxis educativa para EJA, que compre- enda as possibilidades criativas e a construção coletiva a partir CIANTEC’14 da popularização do computador, do acesso à internet, das mídias definição, significa que a “confrontação e o surgimento de novas da reconfiguração das estéticas tecnológicas que estão por toda randi como são os motores de seu desenvolvimento” (SILVA, 2012). digitais e dos aparelhos moveis, pela apropriação de habilidades congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação parte, como nas publicidades, na moda, designs, vinhetas de TV, lidades de uma construção coletiva que parte da vida cotidiana, com a ideia de sujeitos, lugares e saberes articulados para uma sentir-se no mundo e transformar a realidade a sua volta, dando culares estão fundamentados nas reflexões de Nicolescu (2000), De fato, a transiarte ao entrar nas escolas abre possibi- dos problemas existentes na realidade, permitindo aos educandos tividade, mas que aos poucos se torna amigável no contato que se estabelece pelo “interfaceamento” no site www.proejatransiarte. dada problemática. Os diálogos entre áreas e componentes curriseu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. As oficinas de transiarte permitem a qualquer pessoa realizar experimento com cores, luzes, linhas formas, figuras, sons, bém negativas dentro das escolas a transiarte lança uma propos- criativas. Além de incentivar e promover a utilização de softwares texturas, animações e hipertextos dando vazão a suas habilidades ta de integração pautada na transdisciplinaridade para educandos para a produção e a manipulação de quaisquer elementos de tex- criativos e com iniciativa. Moran (2000) fala de um novo perfil de to, som e imagem. borar, esses são estudantes que certamente estarão exercitando tética da arte digital encontra-se como mediadora de um impasse claro que não estarão fazendo isso só entre eles e seus professo- a prática, e a propedêutica, com ênfase em conteúdos e teorias do educandos com disposição para buscar, dialogar, cooperar e colaseu potencial para a criação e solução de situações-problemas. E, res, mas sim na própria rede que se atualiza diariamente num processo incessante de colaboração das pessoas que a tornam viva. Página - 115 A base epistemológica de construção coletiva articula-se ifg.edu.br, com a produção estética/mundo. Ao longo de cinco anos com experiências positivas e tam- Sumário Isso faz do processo colaborativo uma relação criativa baseada em múltiplas interferências. para muitos ainda é desconhecido em todos seus níveis de intera- Editorial idéias, sugestões e críticas não só fazem parte de seu modus ope- imagens em movimento, portais, sites, blogs. voz aos jovens e adultos trabalhadores no ciberespaço, lugar que Capa Dorisdei Valente Rodrigues O processo colaborativo se constrói no dialógico, que por Desse modo, no processo da Transiarte, a experiência es- conflituoso entre duas visões: a educação tecnicista voltada para currículo da educação básica, baseado no distanciamento entre a realidade e a escola. O processo da Transiarte compreende que existem outras CIANTEC’14 possibilidades de construção curricular que tratem dos problemas do cotidiano do currículo na sala de aula. Essas possibilidades passam pela apropriação de elemencongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação tos da linguagem visual, a fim de tornar o conhecimento escolar pois não temos uma pessoa para cuidar do laborató rio. (professor Augusto, 2013). O planejamento coletivo e a avaliação é um processo fun- numa abordagem curricular das ciências de forma integrada. Ela damental para promover a integração dos conteúdos e sua con- jamento construído de forma coletiva entre todos os sujeitos da o professor deve aderir à participação no projeto, pois isso vai é ora interdisciplinar, ora transdisciplinar, a partir de um plane- textualização com a realidade vivida pelos educandos. Contudo, pesquisa. alterar a forma de condução do seu conteúdo. Nesse processo, o professor se torna um colaborador e agente transformador da sua res da escola de ensino Médio pesquisada, percebe-se que existe práxis. a fragmentação dos conteúdos disciplinares. per com a perspectiva de um currículo com disciplinas, mas tam- uma “urgência em aproximar a educação da vida dos alunos” sem Conteúdos que não têm nada a ver com os alunos. Para o aluno se incluir educacionalmente ele tem que ter interesse e, para ter interesse, ele tem que ver o que se aplica à realidade dele. Eu fiz curso técnico e Capa vejo a proposta do projeto Transiar te como uma qua- Editorial lificação dentro da realidade dos alunos. (Entrevista com coordenador pedagógico de EJA , 2010). Ao encontro desta perspectiva, Santomé (2000), sem rom- bém não fechado às mesmas, postula que um currículo integrado: Deve servir para atender às necessidades de alunos/as de compreender a sociedade na qual vivemos, favorecendo consequentemente o desenvolvimento de diversas aptidões tanto téc- nica como sociais; devem ser respeitados os conhecimentos prévios, as necessidades, os interesses e os ritmos de aprendizagens dos/as alunos/as deve aumentar a participação nas discussões, decisões e deliberações (pp.187, 188)‫ ‏‬. Nesse cenário das experiências estéticas de arte digital, [...] o conteúdo da EJA é diferente dos alunos do ensi- na práxis da Transiarte, como uma estratégia pedagógica de en- cipalmente com as disciplinas de exatas, matemática sição como uma ação pedagógica não fragmentada do ensino e no médio do regular. Eles têm muita dificuldade, prinPágina - 116 e física. [...] Não utilizamos o laboratório da escola, significativo para os educandos da Educação de Jovens e Adultos, Em entrevista com o coordenador pedagógico e professo- Sumário Dorisdei Valente Rodrigues sino, busca-se reconhecer as possibilidades dessa arte de tran- CIANTEC’14 da aprendizagem, pela via das construções estéticas dos jovens outro momento já definido no próprio calendário da secretaria de que “a tecnologia é um ingrediente da cultura contemporânea sem Na Oficina Transiarte, todas as etapas seguem o método e adultos. Compreendendo, assim, como Santaella (2009, p.499), congresso internacional e comunicação da pesquisa-ação (ação-reflexão-ação) de Barbier (2003), que se Pensar a inserção da cultural digital na Educação de Jo- rumo em função das informações recebidas e dos acontecimentos interação social tornar-se-ia impensável”. vens e Adultos é promover a inclusão digital, é possibilitar o aces- so a outras linguagens no ciberespaço. E nesse campo polêmico da fronteira da arte digital, como possibilidade de apropriação das tecnologias de comunicação e informação na cultura escolar tradicional na EJA, que o trabalho pretende trazer as contribuições so- Sumário 1ª ETAPA: o convite - A equipe da UnB, a cada início de se- mestre, convida os professores e alunos para conhecer o projeto, assim como todos os membros da comunidade escolar. A busca pela reflexão e ação do processo gera sempre novos caminhos 4. OFICINA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E A D U LT O S tualização” (BARBIER, 2003, p. 118): pensar em um “contrato de jeitos da pesquisa aplicada em uam escola de ensino médio de Ceilândia - DF e dirigida a alunos da Educação de Jovens e Adultos. A oficina semanal é ofertada conforme o calendário da es- cola, num dia determinado e/ou combinado com o professor do componente que atua na turma no decorrer de uma semana poPágina - 117 imprevisíveis. A oficina transiarte segue as seguintes etapas: nas etapas da oficina, que por sua vez está em movimento perma- manalmente e semestralmente, em constante diálogo com os su- Editorial torna um auxilio à estratégia da pesquisa e pode modificar seu bre as mudanças ocorridas com a inserção do PROEJA Transiarte. A Oficina Transiarte é desenvolvida em dois formatos: se- Capa educação do estado. o qual ciência, arte, trabalho, educação, enfim, toda a gama da em artes novas tecnologias Dorisdei Valente Rodrigues dendo ser desenvolvida na feira de ciências, semana da EJA ou nente, no fluxo do fazer. Começa-se a estabelecer uma “contraação” que se estabelece entre os novos educadores e educandos. 2ª ETAPA: a Situação-problema-desafio - Configura-se na discussão em que alguns sabem mais de um assunto e outros sabem mais sobre outro. O trabalho da equipe de pesquisa é o de fortalecer o grupo no sentido da produção coletiva e colaborativa, a fim de possibilitar a socialização da comunicação que eles querem publicizar para a sociedade. Algo próprio das experiências deles, em que suas aprendizagens possam se revelar de modo criativo, inovador e sedutor. A situação problema aqui desenvolvida foi a falta de uma parada de ônibus que dificulta o translado entre a escola e a residência dos alunos CIANTEC’14 3ª ETAPA: a criação do roteiro - O roteiro é o processo de sistematização das ideias para a imagem. É o momento da identificação dos conflitos a serem abordados. Em círculo, todos es- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Dorisdei Valente Rodrigues pam nas oficinas podem se comunicar e postar tanto as produções como os textos, fotos e informações de sua participação no projeto. crevem um roteiro a partir do tema escolhido. Depois, todos leem até chegar a um consenso e construir um único roteiro coletivo que traz aspectos políticos, críticos, culturais e outros. O alunos criaram o roteiro a partir da própria experiência vivida na parada de ônibus. 4ª ETAPA: criação artística coletiva- Traz o sentido da cons- trução coletiva aos alunos e professores que se permitem construir formas estéticas e brincar com as possibilidades do real e também do virtual. Esse é o momento para captação de imagens com o celular, com máquina fotográfica ou filmadora e também para criação Figura 01 - Rodrigues, Oficina - edição de imagens, julho 2014 5ª ETAPA: edição de imagens - A realização da animação As etapas da oficina podem ser alteradas prescindindo da e manipulação de imagens no computador. se dá por um processo de construção/ desconstrução constante, organização estabelecida no processo. É no processo que todos produzidos traduzem a percepção dos sujeitos da pesquisa sem- educador e educando. Desse modo, o caminho é construído co- desde o roteiro até a finalização da edição, os fragmentos a serem Capa pre em busca de resposta para situação-problema -desafio. 6ª ETAPA: postagem no site - Socialização dos resultados Editorial Sumário da pesquisa. Avaliação do processo e preparação para uma nova oferta. A produção estética da oficina é postada no site www.pro- ejaTransiarte.ifg.edu.br, assim como parte dos resultados da pesPágina - 118 quisa. O site possui uma rede social onde os grupos que partici- se constituem como pesquisadores, pois não há distância entre letivamente e em cada oficina e o resultado desse processo colaborativo pode sofrer intervenções e reconfigurações na proposta pedagógica ofertada no próximo semestre. Percebe-se na oficina que a arte e a tecnologia aproximam o fazer pedagógico e o sentir, aflorando ainda mais as percepções dos participantes da Transiarte e contribuindo com o aprimoramento do Projeto, conforme relato dos participantes, que tiveram CIANTEC’14 seus nomes preservados: Olha, a Transiarte apareceu para gente como um desafio a princípio, mas à medida que a gente foi se envolvendo a gente percongresso cebeu que era uma luz no fim do túnel para esse modelo de edu- internacional cação que a gente tem, não digo de educação, mas do ensino na em artes novas tecnologias e comunicação ponta, lá na sala de aula mesmo. A Transiarte acabou seduzindo pela possibilidade de você agregar àquele conhecimento, àquele legado da humanidade, que a gente traz para discussão pra dentro de sala de aula, por meio de outras formas de conhecimento, de praticas que podem e que acrescentam na formação do aluno. A ideia de aliar isso à tecnologia, a aplicações práticas, a outros métodos de fazer conhecimentos, isso é sedutor (Entrevista professor, JOAO, 2010). [...] Na verdade, as novas tecnologias hoje é uma realidade onde não tem como nós educadores trabalharmos sem utilizar desses mecanismos [...]. (Entrevista aluno, MESSIAS, 2013). Capa Editorial Sumário A Transiarte se apresenta como eixo temático integrador de ações que convergem para a implantação do currículo integrado. Propõe em sua práxis situação-problema-desafio, respeitando a identidades dos sujeitos trabalhadores, suas experiências anterio- res, não separa a escola da vida, integra teoria-prática, entre o Página - 119 saber e o saber fazer, tendo na ação/reflexão/ação educativa uma Dorisdei Valente Rodrigues unidade entre conhecimento, trabalho e cidadania. 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS Na práxis da transiarte consideramos o conhecimento de mundo dos sujeitos, construído ao longo da vida dos educandos, como ponto de partida da oficina e o conteúdo curricular da disciplina como pano de fundo, de forma a não fragmentar esses conteúdos, mas de contextualizar com a realidade por meio da arte digital. Entre vários desafios, vale ressaltar o de superar a tradi- ção da cultura pedagógica de transmissão de conteúdos e assumir que as tecnologias de comunicação e informação trazem muitas questões para pensar e avaliar a práxis, os métodos, as técnicas, os recursos e os currículos. Entendendo que tais instrumentos se constituem como importantes mediadores da aprendizagem ainda são grandes desafios que a educação escolarizada precisa superar com os seus protagonistas. Freire (2008) propõe que a escola discuta os saberes dos educandos, saberes socialmente construídos na prática comunitária, com os conteúdos disciplinares. Reis (2011) comunga com Freire (2008) e acrescenta que não só a discussão da inter-relação dos conteúdos disciplinares com os saberes dos educandos, mas também encaminhamentos para a superação da situação-problema-desafio levantada no coletivo, portanto que deve ser discutida CIANTEC’14 pelos/com os sujeitos no processo da oficina. e hibridas. siarte corroboram com Freire (2008), Fávero e Freitas (2011, p.367), 6. REFERÊNCIA As estéticas tecnológicas desenvolvidas nas oficinas tran- congresso que defendem que a capacidade de aprender dos adultos requer internacional uma metodologia especial de ensino que considere o desuso da em artes aprendizagem, devolva a autoconfiança e parta do diálogo. novas tecnologias e comunicação Nesse sentido, a escola deveria ser um lugar de proces- sos colaborativos, de produção de conhecimentos coletivos. E no contexto legitimar em sua pauta educativa a educação dos trabalhadores com vistas à formação de um cidadão crítico, reflexivo, emancipado e qualificado para o mundo do trabalho. Para tanto as tecnologias se apresentam como instrumentos de democratização e acesso ao conhecimento e reforçam a necessidade de uma educação na contramão do individualismo competitivo. O processo da transiarte fortalece e reforça as discussões no Centro-Oeste, pela reivindicação de políticas públicas de Estado, que reconheça e viabilize, valorize uma educação que respeite os saberes construídos, dialogando com as expectativas Capa Editorial Sumário e intervenções dos educandos, apoiada na construção coletiva/ colaborativa. Partimos da perspectiva da pesquisa-ação, na qual os su- jeitos nas contradições sociais vão se formando, transformando os ambientes e a si próprios no seu processo de escolarização. Assim formando seu próprio itinerário formativo na escola, pela Página - 120 Dorisdei Valente Rodrigues via da comunicação em suas diferentes linguagens, escrita, visual SANTAELLA & ARANTES, Priscila. (Org.) Estéticas tecnologias: novos modos de sentir. São Paulo: Editora PUC-SP, 2008. TELES, Lucio. Introdução à Transiarte, in TELES, Lucio; CASTIONI, Remi; HILÁRIO, Renato. PROEJA-Transiarte: Construindo novos sentidos para a educação de jovens e adultos trabalhadores. Brasília: Editora Verbena, 2012. SILVA,I,Cicero.Arte e Tecnologia Digital Brasileira (2011). Editora: witz edições. Acesso em 30 de janeiro de 2014 em http://pt.scribd.com/ doc/56378627/Arte-e-Tecnologia-Digital-Brasileira A UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO COMO LINGUAGEM NA ARTE E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS DORISDEI VALENTE RODRIGUES Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Em menos de duas décadas, as redes informáticas deram origem a infinitos recursos que foram incorporados ao nosso cotidiano. Na sociedade da informação ou era digital percebe-se que congresso a incorporação dessas tecnologias tem ocorrido com a mesma ve- internacional locidade e intensidade, da oferta e o descarte dessas mesmas em artes novas tecnologias e comunicação tecnologias, que não foram nem tão exploradas, mas substituídas por novas. Os equipamentos digitais (note/net /ultrabooks /tablets/celulares/smartphones) que de acordo com o interesse próprios fazem circular no espaço de fluxo tecnológico das redes, informações que podem ser “reenviadas” da mesma forma, ou passar pelas possibilidades de mesclar, recortar, combinar, ampliar, fundir, re- mixadas e criando outras estéticas que voltam a circulação. deiro impasse, uma vez que boa parte dos jovens e adolescentes já se relaciona com os games e com todos esses aparatos tecnológicos digitais. Esses fatos vêm demandando uma reconfiguração dos pro- cessos educativos na modalidade da EJA, que atendia inicialmente, pessoas com mais idades que estavam fora da escola há certo tempo e agora, com o processo de juvenilização pela diminuição da idade para 15 anos cada vez mais esses jovens estão frequentando turmas de EJA . Nesse “Encontro de gerações ” as estéticas tecnológicas ção - net, e por Douglas Rushkoff (1999) de screenagers. Sempre no processo de ensino, nas propostas curriculares e na formação de professores. E no que se refere a formação de professor em muitos casos as capacitações são direcionadas para o uso dos equipamentos fazendo com que as práticas pedagogicas permanecam as memas modificando apenas o formato de apresentação dos conteudos. Página - 123 para a escola, fazendo com que os educadores vivam um verda- criados, respeitando o ritmo de aprendizagem de cada aluno, em cação as TIC’s ainda são desarticuladas das mudanças estruturais Sumário o uso das tecnologias” fato que vêm trazendo sérios confrontos inseridas na cultura dos alunos mais jovens, denominados por todas as idades e níveis e de ensino. Contudo, no campo da edu- Editorial dido pela “ forma não tão sutil das diferenças de concepção sobre Essas possibilidades mediadas pela tecnologia, segundo Kenski (2013) facilita com que novos projetos pedagógicos sejam Capa Dorisdei Valente Rodrigues Segundo Pretto (2013, p.108 ), esse fato pode se compreen- Pretto (2013) de geração alt+ tab, por Don Tapscott (1999) gera- para enfatizar que essa juventude se relaciona de forma diferente com as tecnologias, provocam um conflito no ambiente escolar. Essa juventude traz para escola a vivencia com as redes sociais, as postagens de vídeos em sites como youtube e outros, principalmente pela utilização de aparelhos moveis, que agora no espaço escolar ao lado de adultos e idosos, ratificam a necessida- de de uma alfabetização tecnologica como nos fala (Rivera, 2008) em sua reflexões sobre a alfabetização tecnologica como uma necessidade cada vez mais presenta na EJA. O termo alfabetização CIANTEC’14 esta associado ao descohecimento de algo e não na utilização de um codigo escrito. Para Rivera (2008), existe um novo tipo de analfabetismo congresso denominado de tecnologico que deve fazer parte das discussão de internacional inclusão na EJA. em artes novas tecnologias e comunicação Em um futuro não muito distante, o analfabetismo tec nológico pode se conver ter em um fator de maior alcance e gerador de impor tnates diferenças entre os países e as regiões. É muito provável que em poucos anos a ta xa de alfabetização tecnologica seja para os economistas um indicador de riqueza tão valida como hoje é a ta xa de alfabetização classica (RIVERA , 20 08, p.28) . Essa fato é relevante para alertar que as tecnologias não podem ser mais um fator de exclusão e no que se refere à Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores, a inserção das tecnoloCapa Editorial Sumário fundamental no fluxo de serie e idade. Mas por outro lado segundo o Censo Escolar o analfabetismo e a baixa escolaridade da população brasileira permanecem extremamente relevantes. O analfabetismo funcional, por exemplo, entendido como a percentagem de indivíduos na população de 15 anos ou mais que possui escolaridade inferior a quatro anos, está em 20,7% no Brasil (IBGE, 2012). Esta porcentagem representa aproximadamente 30 milhões de brasileiros, o que é apenas uma parte do contingente potencial enorme de alunos para o EJA. Oque fazer e propor para garantir não só a matricula, mas sim a permanência e aprendizagem de fato significativa regida por uma concepção de currículo e uma práxis que respeita os sujeitos de saberes e suas demandas reais? Como garantir o acesso a todos esses recursos da informação e comunicação pela arte digital para que, efetivamente, toda a população possa ter acesso e conviver com o que denominamos de cibercultura? Muitos são os desafios da educação na era da informação gias deve ser pensada num contexto atual da queda de matrículas segundo os pesquisadores Pretto (2004), Cysneiros (2006) e Ke- mais de 4,9 milhões de matrículas na educação de jovens e adul- as potencialidades das tecnologias digitais na práxis do projeto registradas pelo Censo Escolar do INEP. Em 2008, que registrou nski (2013). Nesse sentido, essa investigação traz para reflexão tos e em 2011, este número caiu para 4.046.169. Uma queda de de pesquisa transiarte na educação profissional e educação de Essa queda nas matriculas pode ser analisada como um ensino e aprendizagem como foco no processo colaborativo; Pela resultado positivo referente a permanecia dos alunos do ensino inserção de uma cultura didática digital pautada no fluxo tecnoló- 18% em quatro anos. Página - 124 Dorisdei Valente Rodrigues jovens e adultos. Como proposição para inovar nas situações de CIANTEC’14 gico; Na apresentação de conteúdos e estratégias de ensino; e por fim em busca de outras formas de pensar o currículo. Nesse sentido somente uma pesquisa pautada no pensacongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mento da complexibilidade, transdiscipliridade e pesquisa-ação compreende que o acesso das TIC’s na educação jovens, adultos e idosos trabalhores pode se dar, pelo vies das experiências e criações de esteticas tecnologicas na cibercultura, ampliando a estéticas tecnológicas ou representações do campo artístico que dialoguem com o campo da arte e da educação, em suas práxis pedagógicas de ensino e aprendizagem na cibercultura. No processo da transiarte, a percepção e a sensibilidade porânea, estética que passamos a chamar nesse trabalho de es- das linguagens, características que vão refletir a estética contemtética tecnológica a partir do entendimento da complexibilidade de quer pessoa realizar experimento com cores, luzes, linhas formas, pensar as produções artísticas na era digital. zão a suas habilidades criativas. As TIC’s aqui são entendidas na estética, técnica e tecnologia numa relação com o “saber fazer” construção coletiva /colaborativa de forma ativa. elementos (cor, volume, textura, forma, linha, e outros) se constitui produção e a manipulação dos elementos estéticos na criação e Na transiarte a estética está na convergência entre arte, dos jovens, adultos e idosos trabalhadores pela apropriação dos a arte de transição ou transiarte, que é essencialmente uma lin- “a transiar te ou ar te de transição é o processo de guagem em fluxo, em constante movimento e em trânsito. dução ar tística, seus supor tes, e outros implementos enda as possibilidades criativas e a construção coletiva a partir e passam então a expressar novas estéticas, agora digitais e dos aparelhos moveis, pela apropriação de habilidades remodelação, reconfiguração estética vir tual: a pro - Defendemos uma práxis educativa para EJA, que compre- da ar te tradicional são repensados e reconfigurados, da popularização do computador, do acesso à internet, das mídias digitais, povoando o campo do ciberespaço” (Teles, da reconfiguração das estéticas tecnológicas que estão por toda 20 06). Página - 125 visa à capacitação e o domínio de softwares ou hardwares como Trazemos à reflexão as experiências que vem ocorrendo figuras, sons, texturas, animações, videos e hipertextos dando va- Sumário fraternização da arte digital como uma práxis pedagógica, que são consideradas, no despertar das habilidades de manipulação com as oficinas de transiarte desde de 2008 , que permitem a qual- Editorial Na transiarte a arte/educação se coloca dentro dessa con- apropriação das TIC’s para além de aparatos tecnológicos, numa não visão apenas de instrumentalização. Capa Dorisdei Valente Rodrigues parte, seja nas publicidades, na moda, designs, vinhetas de TV, imagens em movimento, portais, sites, blogs. CIANTEC’14 De fato, a transiarte ao entrar nas escolas abre possibi- da práxis pedagógica pautada na aprendizagem coletiva de forma dos problemas existentes na realidade, permitindo aos educandos A base epistemológica de construção coletiva articula-se lidades de uma construção coletiva que parte da vida cotidiana, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação com a ideia de sujeitos, lugares e saberes articulados para uma para muitos ainda é desconhecido em todos seus níveis de intera- culares estão fundamentados nas reflexões de Nicolescu (2000), voz aos jovens e adultos trabalhadores no ciberespaço, lugar que tividade, mas que aos poucos se torna amigável no contato que se estabelece pelo “interfaceamento” no site www.proejatransiarte. Ao longo de cinco anos com experiências positivas e tam- dos imperativos é a unidade do conhecimento, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. A Transdisciplinaridade compreende que na vida a realida- proposta de integração pautada na transdisciplinaridade para edu- algo instalado na sociedade e nas escolas em uma estrutura “ven- candos criativos e com iniciativa. Moran (2000) fala de um novo cida” onde as mesmas buscam integração por meio de projetos, perar e colaborar, esses são estudantes que certamente estarão em seus próprios domínios. O essencial na transdisciplinaridade -problemas. que não há espaço nem tempo culturais privilegiados que permi- eixos e temas. A separação do conhecimento e saberes continuam segundo D’Ambrosio (1932) reside na postura de reconstrução de O processo colaborativo se constrói no dialógico, que por tam julgar e hierarquizar como mais corretos ou mais certos ou idéias, sugestões e críticas não só fazem parte de seu modus ope- vivência com a realidade. Para D’Ambrosio a transdisciplinaridade definição, significa que a “confrontação e o surgimento de novas mais verdadeiros. Os diversos complexos de explicação e de con- randi como são os motores de seu desenvolvimento” (SILVA, 2012). repousa sobre uma atitude aberta de respeito mútuo e mesmo de Isso faz do processo colaborativo uma relação criativa baseada em múltiplas interferências. Constamos que as mudanças na educação são lentas, con- Página - 126 seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um de não é fragmentada, divida em disciplinas. A fragmentação é exercitando seu potencial para a criação e solução de situações- Sumário dada problemática. Os diálogos entre áreas e componentes curri- bém negativas, no processo das oficinas. A transiarte lança uma perfil de educandos com disposição para buscar, dialogar, coo- Editorial colaborativa. sentir-se no mundo e transformar a realidade a sua volta, dando ifg.edu.br, com a produção estética/mundo. Capa Dorisdei Valente Rodrigues tudo vemos possibilidades de mudanças por meio do currículo e humildade com relação a mitos, religiões e sistemas de explicação e de conhecimentos rejeitando qualquer tipo de arrogância ou prepotência. Defendemos nessa investigação a abordagem de ativida- CIANTEC’14 des mediadas pelas tecnologias digitais , no caso desse projeto a percebemos ao longo do texto nas falas dos participantes, identifi- Nesse trabalho o termo práxis é utilizado no sentido do pro- entrevistas as possibilidades de construção e criação coletiva da arte digital insere como uma nova práxis na EJA. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação arte digital numa dinâmica de abordagem das disciplinas que res- na transiarte é considerada uma etapa necessária na construção Sendo a educação um bem social o acesso a arte digital vida. Diz respeito à prática em oposição ao conceito de teoria, que nos mostra possibilidades de disseminação de conhecimento na mundo físico para depois como num desenho da espiral da pesqui- do todos sujeitos de saberes que ao disponibilizar no ciberespaço oficinas as idéias, ações e planejamentos são experimentados no samento marxista uma corrente do pensamento sociopolítico que defende a práxis como um tipo de atividade prática própria do se fortalecem no processo do “ local para o planetário” como produtores de cultura inseridos num mundo globalizado constituído por diferentes estéticas Defendemos uma concepção de currículo inter e transdis- ciplinar num mundo globalizado onde as dimensões financeiras, forme/converta a si mesmo. pois segundo Santomé (1998, p. 27) esses aspectos não podem Para os marxistas, a práxis faz com que o homem possa conhecer a natureza e a sociedade, tomando consciência do devir histórico. Convém ter em conta que a práxis pressupõe a conduta (o comportamento), uma vez que é o resultado de condutas prévias culturais, políticas ambientais e cientificas são interdependentes, ser compreendidos a margens dos demais. Buscamos uma práxis que perceba a realidade e os acontecimentos ao redor da escola e da sala de aula. Uma práxis educativa aberta para intervenção e inclusão das aprendizagens que de outras espécimenes da espécie humana. A práxis forma-se, os alunos efetuarem a margem das intenções do corpo docente, sociais bastante complexos. Em última instância, o ser humano pares, com os professores e os adultos, quer seja pelo acesso a portanto, a partir da interação de sistemas culturais, históricos e torna-se humano a partir da práxis. Página - 127 forma horizontal, onde todos podem construir conhecimento, sen- homem, simultaneamente objetiva e subjetiva, e que permite que o ser humano transforme a natureza e, por conseguinte, se trans- Sumário peite a realidade e diversidade da educação de jovens e adultos. do conhecimento das oficinas transiarte. Pois em cada etapa das Na transiarte o conceito de práxis comunga com o pen- Editorial cadas pela função exercida, nome fictício e ano de realização das cesso pelo qual uma teoria passa a fazer parte da experiência vi- sa-ação passar pela reflexão –ação- criação-avaliação. Capa Dorisdei Valente Rodrigues Com o olhar na práxis na transiarte no processo das oficinas quer seja pelas relações de comunicação estabelecidas com seus uma maior variedade de recursos visuais e etc. A práxis da transiarte ou arte de transição pode ser reali- CIANTEC’14 zada em 6 momentos, sendo o primeiro o Convite aos educadores ( conversa realizada com a participação de todos os membros da escola para apresentação do projeto, inclusive os alunos). As Situações-Problemas-Desafios configuram-se como se- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação INEP com a Universidade Federal de Goiás e a Universidade Fe- dos sujeitos, currículo integrado, mundo do trabalho e ambientes/ letiva. O terceiro momento é a Criação do roteiro, após a escolha massa de modelar, pintura e outros. A quinta etapa é o processo de Edição de Imagens. Os sof- twares de manipulação e edição de imagens nos trazem a possibilidade de trabalhar com imagem quase que infinitamente, sejam nas formas, nas cores ou na inserção de elementos, sendo muitos deles adquiridos de forma gratuita e livre na Internet. Na ultima etapa as produções estéticas são postadas no site: http://www.proejatransiarte.ifg.edu.br/, sua interface permite a navegação e a interatividade de qualquer pessoa, que poderá se cadastrar desde que tenha um e-mail, para onde será enviada uma senha e, com isso, devidamente cadastrada, poderá postar e comentar. Esse espaço está aberto não apenas para informações Página - 128 do programa Observatório da Educação – Edital 049/2012/CAPES/ de pesquisa é o de fortalecer no grupo o sentido de produção co- um assunto e outros sabem mais de outro. O trabalho da equipe alizada a execução artística com a escola das técnicas (colagem, Sumário Atualmente o projeto transiarte integra a rede de pesquisa deral do Espírito Santo, denominado: Desafios da Educação de Sendo a Criação artística coletiva como a quarta etapa onde é re- Editorial âmbito da pesquisa-ação. gundo passo, em meio a discussão em que alguns sabem mais de do tema ocorre o que o grupo chama de tempestade de ideias. Capa Dorisdei Valente Rodrigues estéticas, mas também como espaço de aprendizagem coletivo no Jovens Adultos integrada à Educação Profissional: identidades mídias virtuais. REFERÊNCIAS PRETTO, Nelson. O desafio de educar na era digital: educações. Minho: Revista Portuguesa de Educação, 2011, 24(1). pp. 95-118 TELES, Lucio. Introdução à Transiarte, in TELES, Lucio; CASTIONI, Remi; HILÁRIO, Renato. PROEJA-Transiarte: Construindo novos sentidos para a educação de jovens e adultos trabalhadores. Brasília: Editora Verbena, 2012. _____________.Reconfigurações estéticas virtuais na transiarte, In Visualidade e educação / Organizado por Raimundo. Martins. – Goiânia : FUNAPE, 2008. 163p. POSSIBILIDADES DE USO DA GAMIFICAÇÃO COMO MEIO DE ESTÍMULO AO PENSAMENTO CRIATIVO EM COMUNICAÇÃO FABRÍCIO MÁRIO MAIA FAVA Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Aspectos educacionais e culturais têm suprimido comportamentos capazes de contribuir para o pensamento criativo em comunicação. Mas, como fazer com que os ambiencongresso tes de aprendizagem se tornem propícios para a criatividade? internacional Acreditamos que a adoção de estratégias de gamificação, que em artes aplicam o pensamento do game designer a atividades fora do novas tecnologias contexto dos jogos possa ser um meio para incentivar o pensa- e comunicação mento criativo em ambientes de aprendizagem. Para tanto, rea- lizamos neste trabalho, um levantamento bibliográfico para conhecer as particularidades dos jovens da geração Y e as ideias de pensadores que lidam com questões relacionadas aos games e à educação, como Paul Gee, Steven Johnson e Lucia San- taella. Com isso, buscamos compreender as possibilidades de utilização dos jogos digitais em um contexto de aprendizagem visando o estímulo ao pensamento criativo. Nesta pesquisa, observamos que os games possuem um potencial considerável na transformação dos métodos tradicionais de ensino e se adequam Capa 1. ASPECTOS SOCIAIS E EDUCACIONAIS COMO INIBIDORES DA C R I AT I V I D A D E E M C O M U N I C A Ç Ã O Diversas correntes de pensamento defendem a ideia de que a criatividade é uma característica natural do ser humano (SAN- TAELLA, 2004; BARRETO, 2004; ROBINSON, 2010). No entanto, no decorrer de nossas vidas vamos desenvolvendo hábitos e comportamentos responsáveis pela origem de bloqueios mentais que limitam o pensamento criativo (BARRETO, 2004), como acomodação, imediatismo e insegurança (PREDEBON, 2011). Tais blo- queios possuem relação com aspectos culturais (BARRETO, 2004) e educacionais (ROBINSON, 2010). Normalmente as escolas brasileiras não mantêm aulas re- gulares de artes – como música, dança ou teatro – em seus currí- culos. Em geral, essas atividades são incluídas apenas no período da educação infantil. A partir do ensino fundamental, aqueles que às necessidades e desenvolvimento de características próprias querem desenvolver habilidades nessas áreas precisam se matri- PALAVRAS-CHAVE: aprendizagem, criatividade, gamifica- medida que crescemos a sociedade nos estimula a adotar compor- do séc. XXI. Editorial Sumário Fabrício Mário Maia Fava ção, jogos digitais, motivação, pensamento criativo em comunicação cular em cursos fora do horário de aulas escolares. Além disso, à tamentos mais sérios, tidos como ”de adultos”, como brincar menos. Assim, vamos deixando de lado características importantes que tínhamos quando criança, como imaginação e curiosidade. Além disso, comportamentos associados aos fenômenos de Página - 131 uma cultura fast-food (RADFAHRER, 2000) estão fazendo com que CIANTEC’14 as pessoas percam o interesse por atividades cujos resultados demandam tempo e disciplina, como, por exemplo, a realização de exercícios físicos regulares. Ao invés de criar o hábito de praticar congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação atividades físicas, muitos optam pela realização de intervenções estéticas cirúrgicas ou pela crença em produtos que oferecem o emagrecimento instantâneo, sem perceber “que a busca por um resultado sem atenção na dedicação e detalhe só gera frustração e angústia” (2000, p. 8). Isso tem suprimido condutas capazes de contribuir para a postura criativa. Esses diversos comportamentos e atitudes que vão sendo incorporados e adotados no decorrer da vida – como o medo de errar, a busca por uma resposta rápida e correta ou o fato de não se considerar criativo – são comumente observados em sala de aula e contribuem para inibir a geração de ideias e tornar o proces- Sumário fenômeno cultural, estético e de linguagem (SANTAELLA & FEI- TOZA, 2009). Sob sua influência, é possível perceber a evolução tecnológica e o aumento na movimentação financeira da indústria do entretenimento. Mas, mais do que isso, a percepção de seu potencial de motivação, colaboração e aprendizado está levando a ações capazes de impactar diretamente a vida das pessoas. FoldIt (2008), por exemplo, um jogo de computador desen- volvido na Universidade de Washington, permite aos jogadores con- tribuir para a pesquisa científica fazendo com que eles se deparem possuem características capazes de levar os jogadores a vivencia- de jogadores contribuiu de forma significativa para as pesquisas ploração e socialização (FAVA, 2010), surgiram inquietações sobre se era possível que essas mesmas qualidades vivenciadas duran- te a interação com os jogos digitais também fossem capazes de estimular comportamentos fora do contexto dos games. Caso positivo, isto nos permitiria presumir novas maneiras de envolver as pessoas no processo criativo. Nesse sentido, a presente pesquisa Página - 132 Os jogos digitais são compreendidos como um expressivo com paradigmas de resolução de problemas que os computado- rem experiências estimulantes, como: diversão, competição, ex- Editorial 2. GAMIFICAÇÃO: O ESPÍRITO E A LÓGICA DOS GAMES APLICADOS EM CONTEXTOS SOCIAIS so de criação pouco estimulante para os alunos de comunicação. Frente a essas percepções e sabendo que os jogos digitais Capa Fabrício Mário Maia Fava direcionou-se para a busca de evidências dessa possibilidade. res não conseguem resolver. Por meio do FoldIt, uma comunidade contra a AIDS (KENSKI, 2011). Eles mapearam, em poucos dias, a estrutura de uma enzima relacionada ao vírus que desafiava os cientistas há mais de uma década. America’s Army (2002) é um jogo online criado pelo Exérci- to norte-americano que simula situações vivenciadas por soldados durante missões de combate. O jogo possui mais de 11 milhões de jogadores cadastrados e tem sido responsável por dois fatos interessantes (SINGER, 2010): o primeiro é o de que, por causa dele, CIANTEC’14 30% dos jovens americanos passaram a ter uma melhor impressão sobre o Exército; e o segundo porque tem funcionado como uma ferramenta de recrutamento mais efetiva que todas as outras congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação meio de check-ins) o lugar em que se encontra e localizar pessoas World Without Oil (2007), estimula os jogadores a encontrar formas de sobreviver a uma falta de petróleo. O jogo oferecia da- ção com o jogo foi positiva para uma mudança no hábito cotidiano dos jogadores, fazendo-os tomar atitudes como caminhar mais e em geolocalização. Por meio dele o usuário pode informar (por próximas a ele. A cada vez que essa ação é realizada são acumulados pontos que geram um ranking de classificação atualizado semanalmente como forma de estimular a frequência de uso do aplicativo. Além disso, usuários mais ativos podem tornar-se pre- feitos de locais, conferindo-lhe status junto à comunidade, e receber troféus (badges) como recompensa pela sua interação. A utilização dessa mecânica de jogos ajudou o FourSquare dirigir menos, apagar as luzes de ambientes sem a presença de a atingir 5 milhões de usuários no ano de lançamento (AGUIARI, GONICAL, 2011). das de dados (check-ins), fornecidas pelos usuários ultrapassou a pessoas e se sensibilizarem para o benefício da reciclagem (Mc- 2011). No ano seguinte esse número já havia triplicado e as entra- A percepção desse envolvimento para a resolução de pro- marca de um bilhão no ano de 2011. O sucesso desse tipo de ini- blemas reais e a possibilidade de mudança de comportamento que ciativa acabou por auxiliar na crescente exposição e aplicação da os jogos proporcionam tem refletido em transformações individu- gamificação nos mais diversos contextos, como: negócios, saúde, ais e sociais e caminha para um movimento que não é recente, governo e educação. conceito refere-se à aplicação do pensamento (game thinking) e uso dos games para o estímulo ao aprendizado pode ser visto sob colaboração e pontuação – em atividades não relacionadas ao con- para que as pessoas joguem e aprendam com eles; criar simulado- texto dos games (BUNCHBALL, 2010) para engajar os usuários e res de ambiente realistas de modo a permitir às pessoas adquirir e mas está ganhando cada vez mais evidência: a gamificação. Este mecânicas de jogos – como inclusão de elementos de competição, Página - 133 Um exemplo bem sucedido em relação à adoção desse con- para tal fim. de U$ 3,28 milhões ante os U$ 8 bilhões gastos com propaganda brir soluções potencialmente aplicáveis em sua vida real. A intera- Sumário 2011) ou direcionar a um comportamento desejado (SHAW, 2011). ceito é o FourSquare (2009), um aplicativo de rede social baseado estavam sendo afetados para que os jogadores pudessem desco- Editorial ajudá-los a resolver problemas (ZICHERMANN & CUNNINGHAM, formas de publicidade juntas, mesmo tendo um gasto médio anual dos de como os serviços de transporte e educação, por exemplo, Capa Fabrício Mário Maia Fava É válido ratificar que gamificar não significa criar um jogo. O três diferentes abordagens (BOLLER, 2011): criar jogos educativos CIANTEC’14 desenvolver habilidades de forma segura; ou adicionar elementos característicos dos games em um contexto de aprendizagem, sem congresso internacional e comunicação de estudo da presente pesquisa. de trabalho (BUNCHBALL, 2012) – número que tem crescido rapi- o conceito de gamificação, e é nele que se enquadra o interesse 3. OS JOGOS E OS ANSEIOS DA GERAÇÃO Y Army acenam para um cenário positivo no potencial do uso de es- tratégias de gamificação. Essa possibilidade de aplicação e o aumento de sua adoção têm sido dois dos fatores contribuintes para o crescimento e repercussão em torno desse fenômeno (SHAW, 2011), cuja estimativa de mercado para o ano de 2016 é de U$2.8 bilhões, ante os U$100 milhões de 2011 (M2 RESEARCH, 2011). Shaw (2011) aponta ainda o fato de que as pessoas pare- cem estar interessadas por atividades que geram o tipo de experi- Editorial Sumário ência de envolvimento semelhante às proporcionadas pela intera- ção com os games. Isso fica mais evidente com a emergência da geração Y (BUNCHBALL, 2012), formada por indivíduos considerados nativos digitais, constantemente conectados em redes online e imersas, desde o período da infância, na linguagem e metáfora dos jogos. Página - 134 trabalho e ensino. Esses locais estão sendo ocupados por pes- soas que não conhecem o mundo sem celulares, videogames ou O sucesso de ações como FoldIt, Foursquare e America’s Capa geração têm apresentado reflexos importantes nos ambientes de que para isso seja preciso criar um jogo. Este último ponto envolve em artes novas tecnologias Fabrício Mário Maia Fava As características, comportamentos e motivações dessa internet (TRYBUS, s/d). Pessoas que já representam 25% da força damente – e 90% delas gostariam de ter colegas de trabalho que tornassem o ambiente corporativo mais divertido (SOCIALCAST, 2011). Ao final da década passada, por exemplo, esperava-se que um em cada cinco cidadãos americanos se aposentasse e fosse substituído por outro com idade entre 18 e 40 anos que cresceu com os videogames (TRYBUS, s/d). Falamos de pessoas que despendem várias horas diárias interagindo com jogos digitais – mais precisamente 215 milhões de horas por dia para os jogadores nor- te-americanos, 64 milhões para brasileiros e 43 milhões para ingleses (NEWZOO, 2011) – em um nível de envolvimento que raramente é observado em ambientes de trabalho ou estudo (REEVES & READ, 2009). 4 . J O G O S D I G I TA I S E P R O C E S S O S D E APRENDIZAGEM Ken Robinson (2010, p. 225-226) apresenta três elementos que considera principais na educação: o currículo, o que o sistema escolar espera que os alunos aprendam; a pedagogia, o processo CIANTEC’14 pelo qual os professores ajudam os alunos a aprender; e a avaliação, o processo de julgar como eles estão se saindo. Normalmen- Fabrício Mário Maia Fava descobertas. Se pensarmos sobre a liberdade de falhar, por exemplo, te, ainda segundo o autor, os movimentos de reforma da educa- vale a pena citar um dado interessante: a cada cinco sessões de internacional tentam assumir o controle do currículo dizendo o que os alunos (McGONIGAL, 2011). Elas não finalizam a missão, não cumprem o em artes devem aprender; e julgam esse aprendizado por meio de testes novas tecnologias padronizados que, muitas vezes, são pouco favoráveis para o estí- congresso e comunicação ção focam-se no primeiro e terceiro itens. Os governos geralmente mulo ao pensamento criativo. Para Robinson, no entanto, a manei- ra mais eficaz de melhorar os padrões de educação é investindo na melhoria do ensino e qualificação dos professores de modo a criar um ambiente que estimule o aprendizado e desperte o entusiasmo dos alunos. Esse pensamento abre uma possibilidade para que pensemos a gamificação como um meio de transformação no processo de educação. A diversão é um dos principais fatores que levam as pesso- as à jogar (FAVA, 2010). O lúdico, segundo Santaella (2013), é uma característica inerente aos games que une razão e sensibilidade, elevando o seu potencial para o desenvolvimento de habilidades Capa Editorial Sumário cognitivas e socioafetivas. O lúdico fornece potência para a moti- vação, esta que é “a maior alavanca para a aprendizagem e para a cognição” (2013, p. 255). Jogos são ambientes onde o aprendizado se dá por meio tempo, não resolvem a charada, não vencem a luta, não atingem o escore necessário, elas colidem, são carbonizadas ou morrem. É difícil imaginar alguém que goste de falhar. O medo de errar é um dos fortes motivos que interferem em nossas ações e atitudes, mas “se você não estiver preparado para errar, jamais produzirá algo original” (ROBINSON, 2011, p. 81). Quando bem projetados os jogos são capazes de gerar experiências onde as falhas dos jogadores os tornam, de certa ma- neira, interessados e otimistas em continuar (RAVAJA et al., 2005). Nesse sentido, os jogos “eliminam nosso medo de falhar e aumentam nossas chances de sucesso” (McGONIGAL, 2011, p. 68). Atualmente existem várias pesquisas buscando compreender as características dos games que os tornam bons artefatos para o estimulo a aprendizagem. Programas de graduação e pós- -graduação de universidades norte-americanas e europeias, por exemplo, têm caminhado para este fim. Entre eles está o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que, entre outras ini- da exploração (JOHNSON, 2005). Eles são uma alternativa ativa ciativas, fundou o Education Arcade (KLOPFER et al., 2009), um pois aliam diversão ao processo e facilitam uma aprendizagem por a desenvolver jogos com fins educativos buscando compreender e autônoma em detrimento aos modelos tradicionais de ensino, Página - 135 jogo, em quatro as pessoas não conseguem atingir o seu objetivo consórcio de pesquisadores, professores e estudantes que ajuda CIANTEC’14 possíveis estratégias de aprendizagem baseadas nos games. A partir desses estudos foram levantados cinco estágios de liberdade que emergem das experiências de jogo: liberdade de falhar, de congresso internacional experimentar, de identidade, de esforço e de interpretação. Heick (s/d), por sua vez, publicou mais de cinquenta víde- em artes os que tratam dos mais variados aspectos do uso dos games na novas tecnologias educação, como, por exemplo: os jogos podem ajudar crianças a e comunicação resolver problemas, eles ajudam a reinventar a aprendizagem para Essa hibridização resulta em uma natureza intersemiótica, repleta de linguagens e processos sígnicos que têm interferido na forma como nos relacionamos e comunicamos (SANTAELLA, 2009). A vida real parece não estar proporcionando a mesma experiência de envolvimento dos games (McGONICAL, 2011), geran- significa que as pessoas estejam rejeitando suas vidas, elas têm onde, como resultado, apresentou 36 princípios de aprendizagem e as relações que se podem fazer com os jogos em relação a eles. bientes virtuais e de jogos online (CASTRONOVA, 2007). Isso não empregos, objetivos, famílias com as quais se preocupam, mas a realidade parece não motivá-las efetivamente (McGONICAL, 2011). A ocorrência dessas mudanças exige novas formas de lhe dar com o mundo e demandam a necessidade de uma melhor compreensão Para Gee, “os games são estruturados de modo a encorajarem a das pessoas e da cultura na qual elas estão imersas. da semiótica, que incentivam o jogador a compreender e estabele- cial de aplicação da lógica dos games em um contexto cotidiano. ção de significados, o autoconhecimento e o desenvolvimento de aprendizagem em jogos, como exigências curriculares, preconcei- aprendizagem não passiva por meio do seu design e dos domínios Página - 136 tica, antropologia, comunicação, ciências cognitivas e educação. o pensamento criativo, desenvolvem habilidades próprias do séc. James Paul Gee (2007) desenvolveu uma extensa pesquisa Sumário dos relacionados às mais diversas áreas do saber, como semió- do um fenômeno que tem causado um êxodo em massa para am- XXI e ajudam a motivar os alunos. Editorial sicionam num campo interdisciplinar, híbrido, que demanda estu- um melhor compartilhamento do sentido do jogo, ajudam a pensar criticamente em grupo, contribuem de maneira importante para Capa Fabrício Mário Maia Fava cer inter-relações entre signos, estimulando a reflexão, a apropria- Essas talvez sejam visões otimistas em relação ao poten- Sabe-se que existem ainda grandes barreiras para a aplicação da competências.” (SANTAELLA, 2013) to de pais e educadores, estrutura escolar, logística de aplicação 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mas, a partir do conhecimento das ideias de diversos pensadores As características múltiplas e integradas dos games os po- devido ao grande numero de alunos ou tempo de aula reduzido. e distintas soluções de uso abordados neste trabalho, enxergamos possibilidades de uso da gamificação como meio de incentivo CIANTEC’14 e automotivação na busca pelo desenvolvimento do pensamento criativo. A partir dessa pesquisa inicial, e da visualização de um ce- congresso internacional em artes novas tecnologias nário positivo para o uso dos games em contextos educacionais, adentraremos, no futuro, mais profundamente sobre o tema para investigar maneiras de como aplicar estratégias de gamificação para o estímulo à criatividade em ambientes de aprendizagem. e comunicação REFERÊNCIAS GEE, J. P. What video games have to teach us about learning and literacy. New York: Palgrave/Macmillan, 2007. JOHNSON, S. Surpreendente!: a televisão e o videogame nos tornam mais inteligentes. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. McGONICAL, J. Reality is broken. Penguin Press: Nova Yourk, 2011. ROBINSON, K. O elemento-chave. Rio de Janeiro: Ediouro, 2010. SANTAELLA, L. Comunicação ubíqua. São Paulo: Paulus, 2013. Capa Editorial Sumário Página - 137 Fabrício Mário Maia Fava ANIMAÇÃO POR STOP – MOTION: UM ESTUDO COMPARATIVO DOS FILMES A NOIVA CADÁVER (TIM BURTON, 2005) E DOSSIÊ RÊ BORDOSA (CÉSAR CABRAL, 2008) FILIPI CÉSAR RODRIGUES CARDOSO DA SILVA Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUC/SP. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - O trabalho apresenta uma análise comparativa entre os filmes A Noiva Cadáver (Tim Burton – 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral - 2008), realizados segundo a mescongresso internacional em artes ma técnica de animação, ou seja, o Stop-Motion. Para tanto, desenvolveu-se um estudo cotejando os dois filmes, levando-se em consideração a linguagem e técnica de ambas as obras: de Tim novas tecnologias Burton e César Cabral. Tal estudo foi dividido em duas etapas. A e comunicação primeira apresenta um documentário que mostra o processo de construção da animação Stop-Motion (fundamental para um melhor entendimento e análise dos filmes) e as diferenças de suas técnicas dentro do mercado nacional e internacional. A segunda etapa do estudo consiste numa pesquisa bibliográfica que busca situar o leitor no que se refere ao contexto histórico da animação, apontando-lhe suas principais características e relação entre os filmes. Para a exposição da pesquisa, foram apresentados os making of de ambos os filmes estudados e uma entrevista com o diretor do curta-metragem Dossiê Rê Bordosa (César Cabral – Capa 2008). Em seguida, realizou-se uma explanação baseada no livro Editorial Arte da Animação de Alberto Lucena Junior e outras obras referen- Sumário tes aos dois filmes pesquisados. PALAVRAS-CHAVE: Cinema. Animação. Stop-motion. Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva CINEMA DE ANIMAÇÃO: CONCEITO, HISTÓRIA E TÉCNICA A animação é a atividade de atração visual mais intensa da atenção, resultado de um longo processo perceptivo e de estudos das imagens, pinturas e fotografias. Segundo Lucena (2001), A pa- lavra “animação”, e outras a ela relacionadas, deriva do verbo la- tino animare (“dar vida a”) e só veio a ser utilizada para descrever imagens em movimento no século XX “, emergindo, dessa forma, uma nova linguagem audiovisual cinematográfica. Muitas pessoas confundem animação, desenho animado e cinema de animação. E, como foi colocado o conceito de animação acima, falta esclarecer as diferenças entre desenho animado e cinema de animação. Sabe-se que cinema é o registro e a reprodução do movimento por meio de técnicas diversas. Com as técnicas de aplicação de animações, surge um novo gênero de arte – o cinema de animação, que trata da aplicação destas técnicas de animação nos meios de comunicação cinematográfica. E, por fim, o desenho animado é umas das técnicas de animação. Essa nova linguagem de cinema de animação, cada vez mais, utiliza e experimenta novos recursos digitais e efeitos espe- ciais nos filmes, contribuindo, assim, com diferentes recursos audiovisuais voltados para o cinema, que é um dos meios de comu- nicação que sofreu maiores mudanças diante de tantas inovações Página - 140 tecnológicas, como, por exemplo, o desenvolvimento da técnica de CIANTEC’14 animação em massa plástica ou Stop-Motion. O objeto da pesquisa que ora apresentamos teve sua origem no momento em que indagamos: até que ponto a produção de congresso internacional em artes filmes desenvolvidos no Brasil por meio da técnica de animação em massa plástica apresenta uma característica tipicamente nacional? Em busca de resposta para tal questionamento, selecio- novas tecnologias namos um curta-metragem, no caso, Dossiê Rê Bordosa (César e comunicação Cabral – 2008) e confrontamos com o filme A Noiva Cadáver (Tim Burton – 2005). filmes de animação podem classificar-se por seus enredos, como na literatura romântica, que possui várias classificações como: o conto maravilhoso, infantil, de horror, romântico e dramático. Tra- ta-se de classificações de enredos que serão estudadas e aplica- das nesta pesquisa. Assim, justifica-se a pesquisa a ser realizada conforme um estudo comparativo aplicado aos filmes A Noiva Ca- dos dois filmes, levando-se em consideração a técnica, linguagem 2008). Para tanto, realizou-se um estudo descritivo e comparativo e processo de elaboração das obras. A análise do processo de elaboração da técnica de anima- tos tecnológicos maiores, atualmente, é possível realizar anima- ção aplicada aos filmes tem o objetivo de verificar a relação entre verifica-se uma necessidade de se pesquisar a animação em geral tudados nesta pesquisa. Desta forma, mostra um interesse de um por pinos, por silhuetas, massa plástica ou Stop-Motion, por foto- 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral – 2008). Para isso foi ções em maior escala e com mais qualidade artística. Desta forma, e suas classificações (animação tradicional, digital, por recortes, grafias e congêneres). A animação que iremos estudar e analisar neste trabalho será a técnica de animação em Stop-Motion ou Massa Plástica. Nela, o animador trabalha fotografando objetos, fotograma por fotograma, ou seja, quadro a quadro. Durante o intervalo de fotogra- Página - 141 movimentando. Também dentro dos gêneros cinematográficos, os Oskar Fischinger, entre outros, não possuíam recursos tecnológi- meios audiovisuais. Entretanto, com possibilidades e conhecimen- Sumário gramas por segundo, temos a ilusão de que os objetos estão se dáver (Tim Burton – 2005) e Dossiê Rê Bordosa (César Cabral – cos suficientes, o que dificultava a disseminação da animação nos Editorial dos objetos. Nesse sentido, quando o filme é projetado a 24 foto- O início da animação foi difícil, pois animadores como Nor- man McLaren, Alexander Alexeieff, Claire Parker, Lotte Reiniger, Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva far um e outro fotograma, o animador muda um pouco a posição o desenvolvimento técnico e estético dos filmes de animação es- estudo mais apurado nos filmes - A Noiva Cadáver (Tim Burton – realizado um levantamento dos elementos que a configuram: a) técnicas de animação em massa plástica; b) personagens e cenas; c) roteiro, narrativa e linguagem. O fato de pesquisar dois filmes de animação audiovisual, como A Noiva Cadáver (Tim Burton – 2005) e Dossiê Rê Bordosa CIANTEC’14 (César Cabral – 2008) justifica- se pela formação de um imaginário e/ou conteúdo audiovisual que ainda não foi estudado suficientemente, quase não havendo teses ou dissertações sobre este tema congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação no Brasil. Os autores lidos, pesquisados e consultados para este trabalho desenvolveram seus estudos, sobretudo, no campo da comunicação audiovisual como o cinema. Cabe ressaltar que, ao pesquisar sobre cinema de anima- ção, pouco se encontra sobre este assunto em bibliografias. Essa é a razão por que o principal embasamento teórico estudado é o de Alberto Lucena, autor que, com seu livro A Arte de Animação, oferece, entre os poucos autores que se dedicaram ao assunto, um referencial teórico com conteúdo apreciável sobre cinema de animação. Também levamos em consideração os estudos de Jonh Halas, Jacques Aumont, Norman McLaren, Marcello G. Tassara, Sumário o seu desenho Proporções do corpo humano, que representa um homem exibindo o dobro de seus membros. Marcel Duchamp, com sua pintura Nu descendo uma escada é outro pintor famoso que usa movimento em sua obra para representar várias seqüências de posições de um personagem num único quadro. Conforme diz Martin (2003, p. 13) “Noventa anos após a descoberta dos irmãos Lumière, autores importantes na evolução do cinema, ninguém mais contesta seriamente que o cinema seja uma arte”. O cinema nasceu de várias inovações que vão desde o do- mínio fotográfico até a síntese do movimento que utiliza a persistência da retina, já utilizada nos primitivos brinquedos ópticos. A linguagem de cinema de animação cada vez mais se uti- par tir dos estímulos que atingem a visão é discutida recursos influenciam de diferentes maneiras audiovisuais, sobretu- co que permite ao cérebro sintetizar o movimento a por alguns autores:” Mas o fenômeno da persistência da retina nada tem a ver com a sintetização do movi- do o cinema, um dos meios de comunicação que mais sofre trans- mento: ele constitui, aliás, um obstáculo à formação Lucena (Op. Cit., p. 28) ”A história da animação é particularmente retina, misturando -as entre si. O que salvou o cinema formações diante de tantas invenções tecnológicas. Ainda segundo significativa na demonstração de como a relação entre técnica e estética na produção visual da arte é indissolúvel e vital – simples- Página - 142 Exemplos posteriores são as pinturas de Leonardo Da Vinci com A natureza exata do fenômeno ótico e/ou psicológi- liza de novos recursos digitais e efeitos especiais nos filmes. Tais Editorial A arte surgiu na Pré-História e, depois, no Egito antigo. Roland Barthes, Carlos Alberto Miranda, Charles Solomon e Robert Benayoun. Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva mente uma não existe sem a outra”. das imagens animadas, pois tende a superpô -las na como aparato técnico foi a existência de um inter valo negro entre a projeção de um fotograma e outro, inter valo esse que permitia atenuar a imagem persis- CIANTEC’14 tente que ficava retida pelos olhos. O fenômeno da clara sobre o surgimento do cinema animado. Alguns exemplos cinema, que é o fato justamente de não vermos esse pesquisa para melhor expressar o seu processo de desenvolvi- persistência da retina explica apenas uma coisa no congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mento e realização, destacando-se, assim, sua importância para o co) descober to em 1912 por Wer theimer e ao qual ele O taumatroscópio inventado entre 1820 e 1825 por William por um fenômeno psíquico (e não óptico ou fisiólogi- Fitton – é um disco com uma imagem na frente e outra no verso, o outro e com pequenos inter valos de tempo, os ob - imagens como se fosse só uma, através da rotação do disco. Para expostos aos olhos em diferentes posições, um após 20). Sabendo das potencialidades que tem a aplicação dos brinquedos ópticos no cinema de animação, convém também levá-las em consideração. Da construção desses brinquedos ópticos, pas- sando pelas histórias em quadrinhos, pelos desenhos no papel, e primitivas técnicas de animações, chegamos aos pequenos filmes Sumário animados. O exame de atividades diversificadas como a construção de aparelhos ópticos, marionetes, desenhos sobre papel, desenhos para seqüências de movimentos, pinturas e demais objetos, permite criar uma visão de conjunto do desenvolvimento construtivo e estético da animação. Assim, através da pesquisa com estes obje- Página - 143 cinema de animação. deu o nome de fenômeno phi: se dois estímulos são da posição primeira à segunda.” (MACHADO, 1997 p. Editorial de brinquedos ópticos inventados serão colocados no decorrer da inter valo negro. A síntese do movimento se explica ser vadores percebem um único estímulo que se move Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva tos (brinquedos ópticos e desenhos), chega-se a uma visão mais e um cordel em duas extremidades, cujo objetivo é sobrepor as isso, enrolam-se os cordéis e a seguir puxam-se. Enquanto o disco roda, as imagens fundem-se, criando a ilusão de ser apenas um desenho. O fenaquistoscópio, inventado em 1928 por Joseph-Antoine Ferdinand Plateau, era feito de dois discos: um com seqüência de imagens pintadas em torno do eixo, outro com espaços na mesma disposição. Estes se prendem um ao outro por meio de uma haste, através de orifícios no meio dos discos. Quando os discos são girados, o observador vê as imagens em movimento através dos espaços, o que permite a interrupção requerida pelo olho para combiná-las corretamente. O zootroscópio, inventado em 1834 por William George Hor- ner, conhecido como roda viva, era um brinquedo no qual os dese- nhos eram feitos em tiras de papel e montados num tambor giratório, e através dos seus espaços se observava o movimento, seguindo o mesmo princípio de montagem dos brinquedos anteriores; CIANTEC’14 O flipbook foi inventado em 1968 e ficou conhecido como livro mágico em português, construído através de imagens ou focongresso internacional em artes Para projetar as imagens animadas sobre a tela, ele rapidamente, cria-se a ilusão de movimento dos desenhos. De lanterna mágica suplementar para projetar as fases livro de histórias em quadrinhos. Quando as páginas são viradas acordo Alberto Lucena (2001, p. 35) “Pela sua praticidade e eficiência, ainda hoje se usa esse recurso ao se produzirem filmes e comunicação baseados em animação com desenhos – os animadores pioneiros foram categóricos em apontá-lo como o brinquedo óptico que mais os inspirou”. O praxinoscópio foi um aparelho inventado em 1877 por Émile Reynaud, ao qual introduziu muitos aperfeiçoamentos, por isso passaria a chamá-lo Teatro Óptico. Mais tarde, com a aplica- ção da lanterna mágica ao praxinoscópio, Émile Reynaud conseguiu projetar perfeitamente, a distância, desenhos animados ainda mais elaborados. As histórias contadas eram muito simples, com uma duração entre 8 e 15 minutos. Os desenhos eram “incrusta- dos” numa forte tira de tela, para lhes dar mais consistência e fleEditorial Sumário xibilidade, com perfurações para facilitar o arrasto através de uma série de carretos. A fita corria no sentido horizontal no projetor, um lampascó- pio (variante da lanterna mágica), e era acionada manualmente a uma determinada velocidade. As imagens eram projetadas a distância sobre uma pantalha enquadrada por décors fixos, com boa Página - 144 De acordo com Ceram: tografias montadas em ordem de movimento, como num pequeno novas tecnologias Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva nitidez e sem grande trepidação. utilizava um “ lampascópio” que criava o fundo e uma do movimento sobre a tela. A par tir de 1892 ele pintava as imagens sobre tiras transparentes e per furadas de celulóide e as projetava por trás da tela, ocultando assim, obviamente, o aparelho (CERAM, 1966; p. 207). Esses brinquedos ópticos vieram a colaborar na descoberta e desenvolvimento da técnica do registro do movimento e, conseqüentemente, com o cinema de animação. 1.2. CINEMA DE ANIMAÇÃO – UM G Ê N E R O C I N E M AT O G R Á F I C O ? De acordo com Stam: Em uma perspectiva de longo pra zo, a história do cinema e, por tanto, da teoria do cinema, deve ser considerada à luz do crescimento do nacionalismo, para o qual o cinema se transformou em um instrumento estratégico de “ projeção” dos imaginários nacionais. CIANTEC’14 (STAM, 20 03; p. 33) A história do filme de animação começa com os primeiros congresso momentos do cinema mudo e continua até os dias de hoje. Confor- internacional me Alberto Lucena: em artes novas tecnologias e comunicação A animação, na década de 1930 a 1940 nos EUA , pas- mes de animação são: Branca de Neve e os Sete Anões (1937 – Walt Disney), Bambi (1942 – David Hand), A Bela e a Fera (1991 – Gary Trousdale), Aladdin (1992 – Ron Clements), O Rei Leão (1994 – Roger Allers), Toy Story (1995 – John Lasseter), A Fuga (2002 – Chris Wedge), Procurando Nemo (2003 – Andrew Stan- Hayao Miyazaki), Shrek (2001 – Andrew Adamson), A Era do Gelo ton), O Estranho Mundo de Jack (2003 - Tim Burton), Os Incríveis marcantes. No entanto, este novo recurso visual era (2004 – Brad Bird), A Noiva Cadáver (2005 – Tim Burton), Wallace limitava esta ar te tanto em termos quantitativos quan- (2007 – Vicent Paronnaud), Os Simpsons – O Filme (2007 – David to em termos de possibilidades estéticas. (LUCENA , 20 01; p. 28) Em 2001, Alberto Lucena Junior lançou o livro Arte da Ani- mação, volume em que o autor discorre sobre o histórico do cine- ma de animação, enriquecendo, assim, a pouca bibliografia exis- e Gromit: A Batalha dos Vegetais (2005 – Nick Park), Pérsepolis Silverman), Ratatouille (2008 – Brad Bird), Persepolis (2008 – Vincent Paronnaud; Marjane Satrapi), Surf’s Up (2008 – Ash Brannon; Chris Buck), WALL-E (2009 – Andrew Stanton), Kung Fu Panda (2009 – Mark Osborne; John Wayne Stevenson), Bolt (2009 – Byron Howard; Chris Williams), Up (2010 – Pete Docter), Coraline (2010 – Henry Selick), Fantastic Mr. Fox (2010 – Wes Anderson), tente no Brasil sobre este tema. O cinema de animação é hoje The Princess and the Frog (2010 – Ron Clements; John Musker), údo para sites, aparelhos de telefone móvel e demais meios de 3 (2011 – Lee Unkrich), How to Train Your Dragon (2011 – Dean uma enorme indústria que engloba filmes, séries para TV, contecomunicação audiovisuais. Questiona-se o posicionamento merPágina - 145 animados no mercado cinematográfico. Alguns exemplos de fil- de animação na televisão e a introdução de inúme - refém de seu ex tenuante processo de realização, que Sumário É possível observar um crescimento considerável de filmes das Galinhas (2000 – Peter Lord), A Viagem de Chihiro (2001 – ras técnicas experimentais que resultaram em filmes Editorial este poderia ser classificado como gênero ou não. sava por uma grande popularização. Eram os anos de ouro dos estúdios Disney, que influenciavam o uso Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva cadológico do cinema de animação no cinema contemporâneo; se The Secret of Kells (2010 – Tomm Moore; Nora Twomey), Toy Story DeBlois; Chris Sanders), The IIIusionist (2011 – Sylvain Chomet), Rango (2012 – Gore Verbinski), Chico & Rita (2012 – Javier Ma- CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação riscal; Fernando Trueba), Kung Fu Panda 2 (2012 – Jennifer Yuh esse interesse sempre crescente pelo cinema de animação? Seria Andrews; Brenda Chapman); Frankenweenie (2013 – Tim Burton), vez com mais facilidade? Ou, talvez, as novas tecnologias que, por Nelson), Puss in Boots (2012 – Chris Miller), Brave (2013 – Mark o sucesso mundial que esses filmes conseguem alcançar, cada ParaNorman (2013 – Chris Butler; Sam Fell); The Pirates! In an Ad- sua vez, abrem novas possibilidades e dão novo fôlego a um gêne- venture with Scientists (2013 – Peter Lord); Wreck-It Ralph (2013 ro que, há pouco mais de uma década, era dado como de segun- fer Lee), The Croods (2014 - Kristine Belson; Kirk DeMicco, Chris a poucas produções e visto, sobretudo, como um cinema menor, – Rich Moore), Frozen (2014 – Chris Buck; Peter Del Vecho; Jenni- Sanders), Despicable Me 2 (2014 - Pierre Coffin; Chris Meledandri; Chris Renaud), Ernest & Celestine (2014 – Didier Brunner; Benja- min Renner); The Wind Rises (2014 – Hayao Miyazaki). Estes são alguns dos vários filmes de animação mais im- dorizada, a animação sofreu a revitalização de que necessitava. A partir daí, o prestígio do gênero cresceu sensivelmente. Difun- com um olhar mais apurado e considerá-lo como um possível gê- dos como um possível gênero cinematográfico. É notório que, a cada ano que passa, cresce o número de projetos cinematográficos realizados segundo técnicas de anima- ção. Tal gênero tem-se consubstanciado nas últimas edições de grandes eventos de animação como, por exemplo, o Anima Mundi, considerado um dos maiores festivais de filmes animados do mundo. Cada vez mais se discute o impacto que a evolução das técnicas de animação revela no panorama do cinema e qual o fuPágina - 146 Com o aparecimento das técnicas de animação computa- a questão do papel e da posição destes filmes animados no merquantidade e qualidade técnica suficiente para serem classifica- Sumário para um público de menores. diu-se um tipo de animação dirigido para um público mais adulto cado cinematográfico, ou seja, indaga-se se estes não já possuem Editorial da classe? De fato, a animação já foi um tipo de cinema limitado portantes. Por esta quantidade crescente de filmes nas salas de exibição, locadoras, produtoras e em formato de Dvds, levanta-se Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva turo a que esse gênero poderá aspirar. Mas o que será que gera e maduro. Assim, torna-se necessário ver o cinema de animação nero cinematográfico. 2. TIPOS DE ANIMAÇÃO Os termos animação e animar originaram-se da idéia de dar alma ou vida a alguma coisa. Embora aceitos universalmente, os mesmos contêm uma imprecisão implícita, pois nem tudo que tem vida se move (como a maioria dos vegetais) e nem tudo que se move tem vida própria (como os planetas e corpos sólidos em queda livre). Desde já, cabe apontar a diferença entre três conceitos, muitas vezes usados impropriamente como sinônimos: animação CIANTEC’14 (arte de animar objetos e figuras estáticas, ou seja, desprovidas de movimento próprio); cinema de animação (a tecnologia cinematográfica empregada como suporte para a animação) e desenho anicongresso Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva Nas palavras de Lucena: Caberá a um ar tista plástico inglês, o ilustrador Ja- mado (apenas uma, embora a mais conhecida, entre as inúmeras mes Stuar t Black ton (que migrou para os Estados subdivisões que são capazes de estabelecer métodos, conceitos, meiro desenho animado, Humorous Phases of Funny técnicas do cinema de animação). A animação também apresenta Unidos aos 10 anos), a glória de ter realizado o pri- novas tecnologias sistemas, formas e linguagem dentro desta nova tecnologia, des- Faces, em 1906. Antes, porém, esse mesmo ar tista e comunicação pertando para o mundo uma possibilidade de execução de um pro- internacional em artes duto com uma riqueza técnica, estética e animada nos filmes. Os filmes em geral podem ser classificados em gêneros ou categorias, como, por exemplo, o cinema de animação. E dentro desses gêneros ou categorias, a animação pode ser classificada em subtipos ou subgrupos, como: animação por recortes, animação tradicional - desenhos animados, animação digital - computação gráfica, tinta sobre o papel, massa plástica (Stop-Motion), objetos e/ou bonecos, tinta sobre vidro, sombras, substituição e deslocamento (quadro a quadro), por areia, fotografias e tantos outros, ao sabor da imaginação dos animadores. Capa Editorial Sumário 2.1. Animação Tradicional ou Desenho Animado A animação tradicional, por vezes também chamada de ani- mação por célula ou animação desenhada a mão, é a mais velha e historicamente a mais popular forma de animação. Nesta técnica gundo de Chomón, Edwin Por ter, Anatole Thiber ville, Emile Cohl) teve de aper feiçoar a técnica da substituição por parada de ação ( Aqui, o termo parada de ação deve ser entendida como o que exporemos mais adiante como animação por deslocamento). (LUCENA , 20 01; p. 41). O desenho animado surge posteriormente ao nascimento das histórias em quadrinhos, e, conseqüentemente, depois do cinema. Vários são os desenhos animados que têm correspondência com as HQ é uma sigla que representa histórias em quadrinhos e se trata de uma forma de arte que conjuga texto e imagens, com o objetivo de narrar histórias dos mais variados gêneros e estilos. São, em geral, publicadas no formato de revistas, livros ou em de animação, cada quadro é desenhado a mão, sendo que, para tiras publicadas em revistas e jornais. São conhecidos como comi- fotogramas (ou frames, segundo a terminologia mais atual). Félix, Mickey, Tom e Jerry, Pernalonga, Pica-Pau, Zé Coméia, Os a realização de um desenho animado, é necessário preparar 24 Página - 147 (da mesma forma que outros, como Walter Booth, Se- cs nos Estados Unidos, bande dessinée na da Walt Disney: Gato CIANTEC’14 Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva Flinstons, entre outros.) como, por exemplo, os desenhos. De acor- mação por substituição. desenho animado e cada desenho animado é a forma tradicional, camento, um objeto qualquer (um recorte de cartolina, um boneco internacional já que alguns célebres desenhistas (Mc Cay, Cohl, Rabier) haviam quadro a quadro, seguindo uma trajetória bem determinada ou ou- em artes trabalhado em desenho animado e numerosos autores de HQ atu- novas tecnologias ais vêm dos meios de animação”. do com Didier (1994), “Os vínculos entre HQ e DA (é o mesmo que congresso e comunicação ou seja, cada quadro é desenhado à mão). São até mais antigos, As histórias em quadrinhos, os desenhos animados e os filmes de animação em geral são realizados segundo processos semelhantes, como é o caso dos desenhos no papel que são utilizados nas HQ e nos DA. Corrobora o exposto Didier ao afirmar: Todos os nossos heróis mais célebres viram sua silhueta se agitar em desenhos animados: Tintin com O lago dos tubarões (1972), Astérix com Astérix, o Gaulês (1966), Asterix e Cleópatra (1967) e Os Doze trabalhos de Asterix (1976); Luck y Luke (em 1971 e 1978); Os Smur fs, em episódios para televisão... AsCapa sim como o cinema atrai os cenógrafos de HQ, o de- Editorial senho animado recruta desenhistas que vêem a pos- Sumário sibilidade de animar “de fato” suas personagens ou novos universos. ( DIDIER, 1994; p. 36). Em animação utilizam-se, basicamente, duas maneiras de Página - 148 trabalhar, a saber: a técnica de animação, por deslocamento e ani- No primeiro desses dois métodos, a animação por deslo- de massa plástica ou mesmo um punhado de tinta) é deslocado tro critério qualquer, definido pelo animador. O outro método é a animação por substituição, no qual as fases sucessivas do movimento (desenhos em papel ou celulóide) são preparadas a priori na prancheta do animador e substituídas, uma por uma, diante das lentes da câmera quadro a quadro. O desenho animado, cuja realização se fundamenta na confecção de desenhos traçados e pintados em folhas transparentes, consiste em uma técnica tipicamente de substituição. Isso permite a conservação, eventual reutilização dos desenhos e a reprodutibilidade das operações de filmagem. 2.2 ANIMAÇÃO STOP-MOTION OU MASSA PLÁSTICA A animação por Stop-Motion é uma técnica inventada nos primórdios da história do cinema e utilizada pela primeira vez no clássico “The Humpty Dumpty Circus”, de Albert E. Smith, realiza- do em 1898, em que um circo de bonecos ganhava vida diante da tela. A técnica de animação Stop-Motion faz com que o animador trabalhe fotografando objetos, fotograma por fotograma, ou seja, quadro a quadro. Entre um fotograma e outro, o animador muda um CIANTEC’14 pouco a posição dos objetos. Assim, quando o filme é projetado desenhos ou fases distintas para um único segundo de movimento. estão se movimentando. Esta é, portanto, uma típica técnica de mesa especial, chamada truca (Em inglês, este dispositivo recebe vido à persistência da retina, pois quando a retina dos olhos está quadro a quadro, minuciosamente. Toda a animação será cons- a 24 fotogramas por segundo, temos a ilusão de que os objetos congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação animação por deslocamento. Essa ilusão de movimento se dá deexcitada pela luz, ela envia impulsos para o cérebro que, por sua os recortes. camadas da animação, assim como os personagens, o cenário e Já na animação em massa plástica ou Stop-Motion, ou seja, A animação Stop-Motion possibilita dar vida a variados ob- com bonecos e arames - objetos dotados de volume - os mesmos atores vivos. Observem-se alguns exemplos de animação em mas- mesma escala. A disposição da câmera e das luzes segue princí- Na animação por recortes, os personagens ou bonecos são criados, desenhados, recortados e montados para que se possa movimentá-los. Essa técnica não permite reproduzir os movimen- tos com perfeita verossimilhança, por isso, na maioria das vezes, é necessária a utilização de recursos de estilização do movimento. Uma das características da animação por recortes é a dos movimentos rápidos, com grandes pausas. Isso acontece porque os personagens são desenhados em papel, em película, pintados e recortados, em uma quantidade menor do que a necessária para se deixar os movimentos com a aparência real. Para que a aniPágina - 149 truída ali, diretamente na mesa, com o auxílio de diversos dispo- ser notado que este princípio aplica-se também ao cinema de ação das diversas técnicas para se fazer um filme de animação. Deve sa plástica - Stop-Motion: Sumário o nome de animation stand), para que o material seja fotografado sitivos, os quais podem ser utilizados para separar as diversas jetos, como recortes, bonecos, massa plástica, arames e mesmo Editorial Na filmagem de uma animação de recortes, utiliza-se uma vez, os interpreta como imagem. A partir dessa ilusão, foram cria- ao vivo. Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva mação tenha movimentos verossimilhantes, é necessário criar 24 são dispostos em estúdio e envolvidos por cenários construídos na pios semelhantes à que é empregada em filmes de ação ao vivo, como, por exemplo, os filmes de animação com massa plástica: “A Noiva Cadáver (2005 - Tim Burton) e no curta-metragem Dossiê Rê Bordosa (2008 - Cesar Cabral)”. 2 . 3 A N I M A Ç Ã O D I G I TA L A animação digital, também conhecida como animação por computação gráfica, é entendida hoje como uma das principais e a mais moderna técnica de animação. Trata-se da construção de imagens em movimento por meio de computadores, segundo suas diferentes modalidades: 2D e 3D. Esta última (3D) poderá futu- CIANTEC’14 ramente vir a ser a sucessora digital da animação por Stop-Mo- rendering. Nesta etapa, os programas podem simular diversos ma- a animação por computador torna a construção dos movimentos dering corresponde à composição de uma imagem, o que inclui tion, ameaçando a animação em massa plástica tradicional, já que congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mais prática, econômica e com possibilidade de maior verossimilhança. A técnica da computação gráfica envolve várias etapas nas quais as ferramentas de trabalho deixam de ser o papel, o lápis e a tinta. Como nas outras técnicas, sucessivas imagens são criadas, finalizadas e transferidas para um filme. Até se chegar à etapa de transferência para um filme, passa-se pela modelagem (o processo de construção dos personagens), cenário e objeto, no computador. Passada a etapa de modelagem, vêm a etapa de rendering cria uma imagem, tornando- se, assim, o recurso que transforma os tantos pixeis são de elementos de imagem, sendo pix a abreviatura em inglês para Picture. É o menor elemento num dispositivo de exibição (como por exemplo um monitor), ao qual é possivel atribuir-se uma cor. De uma forma mais simples, um pixel é o menor ponto que forma uma imagem digital, sendo que o conjunto de milhares de pixels formam a imagem inteira em uma imagem putador torna o processo de animação mais fácil e rápido, pois, ainda “traduzir” de uma linguagem para outra) e a animação. -chave do movimento, e o programa cria as posições intermediá- sendo o principal recurso a utilizar o de polígonos (na maioria, tri- Em seguida, é feita a animação propriamente dita. O com- em muitos casos, o animador posiciona o personagem nos pontosrias. Assim, o animador beneficia-se dos programas de animação em computação gráfica e de seus recursos avançados para reali- ângulos e retângulos). Através da reunião desses polígonos, mon- zação de uma boa animação ou aplicação de movimento. Uma das sonagem, cenário ou objeto essencial para o desenvolvimento da em alta qualidade de resolução dos movimentos, o que possibilita tam-se espécies de grades, que serão a base estrutural do pernarrativa. Após a modelagem, a superfície do personagem é virtu- Página - 150 entendido como o processo digital que, por meios de programas, símbolos gráficos num arquivo visual, ou seja, “fixar” as imagens O processo de modelagem desenvolve-se de várias formas, Sumário a iluminação, as sombras, as texturas etc. O rendering pode ser completa. num vídeo, convertendo-as de um tipo de arquivo para outro, ou Editorial teriais e aplicar-lhes as texturas necessárias. O processo de ren- (rendering ou termo “renderizar” (do inglês to render) vem sendo usado na computação gráfica, significando converter uma série de Capa Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva almente revestida com o material adequado, durante a etapa de próximas evoluções esperadas da animação digital é da produção o desenvolvimento do movimento sintético o mais próximo possível da realidade dos movimentos reais dos humanos. CIANTEC’14 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa realizada apresentou, por meio de estudos bi- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação bliográficos, um estudo do contexto histórico e técnico do cinema de animação. Assim, foi dado um embasamento teórico suficiente para se ter uma noção do início, presente e futuro do cinema de animação no mercado cinematográfico. Além disso, os levantamentos bibliográficos permitiram compreender os aspectos técni- cos e históricos que contribuíram para uma melhor fundamentação da pesquisa realizada. A seguir falou-se um pouco das técnicas de animação tradicional ou desenho animado, em Stop- Motion ou Massa Plástica e animação digital, expondo suas etapas de desenvolvimento e execução no curta-metragem Dossiê Rê Bordosa (César Cabral – 2008). Através deste capítulo é possível avaliar todas as dificuldades, necessidades, carências e vantagens de se realizar uma animação em massa plástica no Brasil. Ademais, permite a avaliação da parte técnica e de equipamentos utilizados na elaboração de um filme de animação. Capa Editorial Sumário A resposta à pergunta que apresentamos na introdução des- ta pesquisa é que ambos os filmes, tanto o curta-metragem Dossiê Rê Bordosa (César Cabral – 2008) e o filme A Noiva Cadáver (Tim Burton – 2005), são duas obras que apresentam o mesmo processo de produção, a saber: primeiramente desenvolve-se uma idéia, em seguida, modelam-se os bonecos e cenários. Passada a etapa Página - 151 de modelagem, inicia-se a realização da animação ou aplicação Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva do movimento aos personagens e, por fim, aplica-se o áudio. Con- clui-se, por tanto, que o cinema de animação em massa plástica brasileiro não produz nada de original; ao contrário, reproduz a mesma técnica desenvolvida pelo cinema de animação em massa plástica nos EUA. Outra conclusão a que chegamos diz respeito à capacidade técnica do cinema de animação brasileiro em relação ao america- no, pois o cinema de animação nacional, apesar de suas dificuldades financeiras, não deixa a desejar em relação ao resultado final de um filme animado dos EUA. O curta-metragem Dossiê Rê Bor- dosa (César Cabral – 2008), vale lembrar, tem, hoje, uma boa repercussão nos festivais e mercado cinematográfico nacional. Ten- do em visa sua boa qualidade técnica e estética, não vai demorar para que venha a ganhar prêmios internacionais. A pesquisa realizada foi apenas um passo para melhor conhecermos a capacidade produtiva do cinema de animação brasileiro em relação ao cinema de animação dos EUA. Assim, pode-se concluir que ambos possuem semelhanças significativas entre si. Vale lembrar que é necessário a aplicação de novas pesquisas, com intuito de melhor entender o desenvolvimento e o avanço do cinema de animação no mercado cinematográfico brasileiro. CIANTEC’14 4. REFERÊNCIAS BALL, Ryan et alii. Animation Art. Londres: Flame Tree Publishing, 2004. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação HALAS, John. MANVELL, Roger. Art in Movement: new directions in animation. Londres: Studio Vista, 1970. HOLMAN, L. Bruce. Puppet Animation in the Cinema: History and Technique. New York: Barnes, 1975. LUCENA B. JR., Alberto. Arte da Animação – Técnica e Estética através da História. São Paulo: SENAC, 2002. MIRANDA, Carlos Alberto. Cinema de Animação – Arte Nova Arte Livre. Petrópolis: Editora Vozes, 1971. Capa Editorial Sumário Página - 152 Filipi César Rodrigues Cardoso da Silva REPENSANDO A DANÇA NO AMBIENTE ESCOLAR: PROCESSOS CRIATIVOS E COREOGRÁFICOS GISELLE LUCENA DE MOURA DINIZ | JULYANA BATISTA DE VASCONCELOS | MICHELLE APARECIDA GABRIELLI UFPB | UFPB/ CEEEAS | Professora Mestra UFPB Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO: Este trabalho busca refletir sobre o ensino de dança na escola, a partir de experiências vivenciadas no Centro Estadual Experimental de Ensino e Aprendizagem Sesquicentecongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação nário (CEEEAS), que propõe um ensino de artes transdisciplinar, dos seus potenciais de forma natural e espontânea em cada faixa criativo; Coreografia; PIBID. mos que é comum relacionar o ensino de dança a processos core- C O N T E X T U A L I Z A N D O A E S C O L A / PA L C O E M Q U E S E AT U A de artes para o Ensino Fundamental I desta instituição. Observa- propondo processos criativos, onde o aluno possa se expressar e aprender com o próprio corpo. Deste modo, a coreografia seria o resultado desta investigação e estaria integrada ao processo criativo dos educandos no decorrer das aulas. A proposição de atividades que busquem estimular a percepção para elementos de criação a partir do cotidiano das crianças e de suas vivências, utilizando, por exemplo, ações do dia a dia no processo de criação, têm se mostrado como importantes ferramentas didáticas e coreográficas. Nesse sentido, apontamos o estudo do teórico do movimento Rudolf Laban como possibilidade de um ensino de dança que coloca o educando como sujeito ativo do seu processo de ensino-aprendizagem. Assim, os aspectos gerais e individuais Página - 155 significativo, lúdico e criativo, contribuindo para que sejam atingi- áreas de artes visuais e dança, que vem a colaborar com o ensino bendo o Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), nas pensar esta forma de ensino, especialmente no ambiente escolar, Sumário lorização do contexto do aluno nas aulas de dança, de modo mais etária e estágios nos vários níveis de desenvolvimento. enfatizam a cópia e a repetição. Entendemos que é importante re- Editorial afetivas e sociais são respeitados. Possibilitando a inserção e va- possibilitando assim a inserção da dança. O CEEEAS está rece- ográficos e estes, muitas vezes, estão sujeitos a metodologias que Capa Giselle Lucena de Moura Diniz | Julyana Batista de Vasconcelos | Michelle Aparecida Gabrielli das crianças em relação as suas habilidades motoras, cognitivas, PALAVRAS-CHAVE: Escola; Ensino de dança; Processo A dança pode acontecer em diversos lugares, como nas ruas, nos teatros, nas festas e, também, na escola. Neste sentido, o presente ensaio buscar refletir sobre a prática da dança, seus processos criativos e coreográficos no ambiente escolar. Para tanto, apoia-se nas experiências desenvolvidas no Centro Estadual Experimental de Ensino e Aprendizagem Sesquicentenário (CEEEAS), situado na cidade de João Pessoa – PB. Atualmente, o CEEEAS recebe alunos bolsistas do PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) do recém-inaugurado Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal da Paraíba e também da área de artes visuais. A inserção do PIBID na escola possibilita não apenas que os licenciandos adentrem a escola como também que as linguagens artísticas, especialmente a dança, estejam presentes de modo efetivo e signi- CIANTEC’14 ficativo no componente curricular artes, numa mutua relação de bém o entendimento e consequente valorização da dança nesse O CEEEAS apresenta em seu projeto pedagógico uma pro- uma das vias de educação do corpo criador e crítico, torna-se saberes e experiências próprias do espaço escolar. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação posta transdisciplinar na disciplina de artes, abarcando as lingua- guagens, tornando-as complementares. Assim, por meio da parce- M E T O D O L O G I A S C R I AT I VA S PA R A O ENSINO DA DANÇA NO CEEEAS Fundamental I. Logo, a transdisciplinaridade perpassa essas linria da escola com a Cooperativa de Ensino de João Pessoa LTDA, jetivo a formação inicial e continuada de professores, além da instrumentalização quanto ao ensino de artes. Esse projeto foi subdividido em outros cinco subprojetos, são eles: 1º ano - “Brincar de quê?”, com a temática dos brinquedos e brincadeiras; 2º ano - “Outros Olhares” que trabalha com a desconstrução dos contos infantis; 3º ano - “Feste(já)” cujo tema é a cultura popular; 4º ano - “Aí Pode” que desenvolve a temática dos recursos tecnológicos; e, por fim, o 5º ano - “Capas da invisibi- Sumário lidade” que trata de questões sociais e do imaginário. Destaca-se que, a cada ano, os temas norteadores são renovados e as ideias aprimoradas. Os subprojetos supracitados favorecem a inserção da dança na escola e, principalmente, nas aulas de artes, possibilitando que o aluno a vivencie e usufrua dos benefícios e aspectos positi- Página - 156 indispensável pra vivermos presentes, críticos e participantes na sociedade atual” (MARQUES, 2010, p. 25-26). veu-se um projeto denominado TRANSFORMA, que tem como ob- Editorial espaço enquanto área de conhecimento. “A dança, portanto, como gens artísticas: dança, teatro, música e artes visuais para o Ensino que oferece assessorias específicas na área de artes, desenvol- Capa Giselle Lucena de Moura Diniz | Julyana Batista de Vasconcelos | Michelle Aparecida Gabrielli vos proporcionados por esta linguagem artística. Observa-se tam- As aulas de dança na unidade curricular artes do CEEEAS tem possibilitado que os alunos experimentem movimentos diversos, criem e se relacionem com os colegas e o meio que os circunda. Como cada turma apresenta um eixo temático, é natural que o processo coreográfico se estabeleça de diversas maneiras. Logo, A dança, assim como é proposta pela área de Ar te, tem como propósito o desenvolvimento integrado do aluno. A experiência motora permite obser var e analisar as ações humanas propiciando o desenvolvimento expressivo que é o fundamento da criação estética (PCN´s, 1997, p. 50). Uma das possibilidades de proposição e criação de coreografias que pode ser observada e desenvolvida no CEEEAS está relacionada aos jogos e brincadeiras dos próprios alunos, em con- CIANTEC’14 sonância ao cotidiano dos mesmos. Nesse caso, o ato espontâneo criativa e de acordo com o desenvolvimento global da pessoa, seja como indicação e inspiração para a composição coreográfica, ou A cultura popular também se apresenta como ferramenta de brincar que envolve ações motoras, afetivas e sociais serve congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação metodológica relevante no ensino da dança, pois, por meio dela, põem a coreografia - que não é estipulada pelo professor -, mas outra estética. Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte da dança. Gestos e movimentos advindos dos estudantes comcriada coletivamente por todos os partícipes do projeto, sendo ní- tida a satisfação por parte dos alunos, tornando o processo extreOutra proposta metodológica vislumbrada é a da utilização de gestos e movimentos originários do cotidiano que são realizados pelos alunos e a sua consequente desconstrução, permitindo que, a partir das qualidades expressivas do movimento (tempo, peso, espaço e fluência), o repertório de movimento dos alunos seja incrementado. Desta forma, é conferida ao aluno a liberdade para expressar sua criatividade, experimentar e investigar seu cor- Sumário (1997, p. 52) reforçam a importância de propiciar ao aluno a competência em identificar e reconhecer a “dança e suas concepções estéticas nas diversas culturas considerando as criações regio- nais, nacionais e internacionais”. Tem-se, então, de acordo com Isabel Marques (2010, p. 49), que “os repertórios de dança, quer sejam da tradição popular, das danças teatrais ou até mesmo do grupo da classe, possibilitam ao aluno uma vivência de interpretação bastante rica”. Entretanto, a autora enfatiza que as “danças populares brasileiras de vários tempos e lugares também perdem o sentido se não relacionadas aos temas reincidentes nas danças preferidas por nossos jovens alunos” (MARQUES, 2010, p. 160). possui. gráficas destacadas visam à criação por parte do aluno, a partir ban mostra-se como uma importante possibilidade de ensino da contexto do aluno nas aulas de dança, de modo mais significativo, Neste ínterim, o estudo do teórico do movimento Rudolf La- dança, pois coloca o educando como sujeito ativo do seu processo de ensino-aprendizagem. Conforme Lenira Rengel (2003, p. 13), Laban “aponta possibilidades múltiplas do movimento no procesPágina - 157 os alunos podem conhecer, vivenciar, apreciar e se relacionar com po e sua movimentação, participando do processo de criação das coreografias a partir das informações, sentimentos e ideias que já Editorial ela criança, adolescente, jovem e mesmo adulto”. seja, pode vir a ser um instrumento didático criativo para o ensino mamente prazeroso. Capa Giselle Lucena de Moura Diniz | Julyana Batista de Vasconcelos | Michelle Aparecida Gabrielli so educativo, oferecendo uma movimentação menos restrita, mais Ressalta-se que as possibilidades de composição coreo- da orientação do professor. Busca-se a inserção e valorização do lúdico e criativo, contribuindo para que sejam atingidos seus po- tenciais de forma natural e espontânea nos vários níveis de desenvolvimento. Mecanismos voltados para a simples cópia e repetição do movimento não fazem parte das vivências que se tem adquirido CIANTEC’14 no decorrer deste trabalho. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA A inserção dos licenciandos em Dança na escola por meio do PIBIB tem corroborado com inúmeras reflexões acerca do ensi- no da dança. Para que esta linguagem seja inserida de modo sig- nificativo no processo de ensino-aprendizagem dos alunos tem-se como princípio a troca de saberes, ou seja, alunos e professores podem contribuir para a construção e efetivação do conhecimento. A tríade, CEEEAS – PIBID – TRANSFORMA, tem possibili- tado discussões referentes aos conteúdos e metodologias do ensi- no da dança, entre estes, a composição coreográfica. Comumente, veem-se coreografias sendo desenvolvidas de forma verticalizada, do coreógrafo para o bailarino, do professor para o aluno. No entanto, propõe-se aqui que este modo seja revisitado, permitindo a utilização – e até mesmo a descoberta – de metodologias colaboCapa Editorial Sumário rativas no processo de criação. Assim, o ensino da dança que vem sendo desenvolvido no CEEEAS visa a dar voz e corpo ativos aos alunos, por meio de atividades que trabalhem seus os aspectos físicos, cognitivos, so- ciais e afetivos. Igualmente, o projeto TRASNFORMA vem propor- cionando aos alunos o desenvolvimento da linguagem corporal, Página - 158 criatividade, imaginação e o conhecimento acerca da dança. Giselle Lucena de Moura Diniz | Julyana Batista de Vasconcelos | Michelle Aparecida Gabrielli As experiências vivenciadas no CEEEAS, através do pro- jeto TRASNFORMA e do PIBIB, proporcionam reflexões sobre o ensino da dança, permitindo experimentar, mais uma forma de se trabalhar esta linguagem artística no ambiente escolar. Sob esse prisma, a composição coreográfica desenvolvida aparece como resultado das investigações do processo pedagógico das aulas de artes, que tem integrado o processo criativo dos alunos, e que vem sendo colocado não apenas como uma atividade corporal aleatória sem propósito definido, mas da relação com os próprios alunos. Entende-se, portanto, que a dança pensada a partir de metodologias de ensino que privilegiem o contexto do aluno podem vir a contribuir para a formação de cidadãos conscientes, criativos e dançantes na escola e na sociedade em que vivem. REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2010. RENGEL, Lenira. Dicionário Laban. São Paulo: Annablume, 2003. “EXERCÍCIOS EM ESPERA”: DESENHO EXPANDIDO E PRÁTICA POÉTICOPEDAGÓGICA GREGÓRIO SOARES RODRIGUES DE OLIVEIRA Mestrado - PPG/ARTE – UnB (Bolsista CAPES)1 Capa Editorial Sumário 1 O título do qual este trabalho empresta de forma tributária o nome (“exercícios em espera”), faz referência a uma série de trabalhos do artista colombiano Nicolás Paris, que têm como objeto principal a realização de oficinas de desenho como projetos artísticos. Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 I . D E S E N H O N O C A M P O E X PA N D I D O Propor uma discussão que abranja a ideia de desenho no congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação campo expandido, ou no campo ampliado, pressupõe uma tessitura de teorias da arte que caberia a um único estudo, específico, desta proposição que é ampla por si. Porém, faz-se necessário traçar um breve mapeamento histórico que nos permita a compreensão de como esta proposta se insere no contexto da (história da) arte contemporânea. São várias as origens etimológicas do termo desenho 2. Do latim, o termo é proveniente de DESIGNARE, “marcar, traçar”, assinalado por DE-, “fora”, mais -SIGNARE, “marcar, apontar”, de SIGNUM, “sinal, marca”. Em alemão, Zeichen – “signo, sinal” – remete a zeichnen, “desenhar”. Assim como em outras línguas, dessein, no francês (que distingue atualmente dessin [desenho] de dessein [projeto]), diseño, em espanhol, disegno, no italiano e design ou drawing, em inglês. As palavras, portanto, basicamente se distinguem entre o conceito original (de-signo) e variações possíCapa Editorial Sumário Página - 161 veis de projetar, arrastar, extrair e traçar, mantendo dois principais sentidos: traçar, contornar, (sentido prático); e projetar, conceber (sentido teórico). Dos desdobramentos etimológicos possíveis, o termo 2 Em A etimologia da palavra desenho (e design) na sua língua de origem e em quatro de seus provincianismos: desenho como forma de pensamento e de conhecimento, em http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FAU/ Publicacoes/PDF_IIIForum_a/MACK_III_FORUM_LUIZ_MARTINS_2.pdf. Gregório Soares Rodrigues de Oliveira proveniente do latim, de (fora) + signare (marcar, apontar), é o que melhor introduz a questão proposta aqui, que pretende pensar o “traço” para além dele mesmo: signo que vem de fora e que possibilita a expansão da marca. Assim, as ambiguidades que se podem extrair do termo e os diferentes usos que deram a elas em diferentes circunstâncias e áreas do conhecimento, acompanharam também a história da arte desde seus primeiros expoentes. Vasari, por exemplo, “define o desenho segundo dois aspectos, teórico e prático” (Lichtenstein, 2004, p. 19), conferindo à pintura um estatuto intelectual. Essa concepção, de significado, acompanhou as teorias da arte e suas disputas acadêmicas do Renascimento ao século XIX até ser su- perado no século XX, onde se perde a necessidade proeminente de comprovar “uma arte que procede essencialmente do intelecto”. Com a arte moderna o desenho acompanha as conquistas de autonomia dos gêneros artísticos junto com a não mais insis- tente hierarquização acadêmica. Concomitantemente, o questionamento da representação fidedigna da realidade é instaurado de forma decisiva. No entanto, é o século XX que se encarregará de subverter radicalmente as categorias, bem como o constante questionamento do estatuto do artista, que ainda mantinha a ima- gem de gênio. É neste contexto de mudanças e questionamentos que se encontra também os objetos desse estudo: os conceitos de “desmaterialização da obra de arte” e de “campo expandido”. No final da primeira metade do século, uma série de re- CIANTEC’14 cursos alternativos aos materiais convencionais já é usada pelos artistas, criando “interdisciplinaridades entre vários domínios ar- tísticos” (Elias, Vasconcelos, 2009, p. 1185). Tais como: Gregório Soares Rodrigues de Oliveira em branco, levanta a questão sobre os limites e as possibilidades de superação da noção moderna de ar te. (Enciclopédia Itaú Cultural, 2012) congresso Na mesma época, no final da década de setenta, um im- internacional Alguns ar tistas passaram a desenhar o seu trabalho em artes delegando noutros profissionais a execução. Outros portante ensaio é publicado no número 8 de October, com o título tituições culturais e construir novas estratégias de Krauss. No texto a autora aponta a dificuldade de se pronunciar a novas tecnologias e comunicação quiseram levá-lo a locais não legitimados pelas insrelacionamento com a audiência. Outros ainda, pro curaram meios visuais alternativos aos da pintura e escultura, que incluíam a possibilidade de refletir so - bre dimensões como tempo e espaço. (idem, p. 1185) Neste momento, “esboços”, “projetos”, “rabiscos” podem ser considerados trabalhos artísticos. O conceito de arte passa a flutuar entre arte como ideia e arte como ação. Um importante tra- balho, como exemplo, que ajuda a identificação da chamada Arte Conceitual, é o Desenho de De Kooning apagado, apresentado por Capa Robert Rauschenberg em 1953: Editorial Sumário Como o próprio título enuncia, em um desenho de Willem de Kooning, ar tista ligado à abstração gestual surgida nos Estados Unidos no pós- guerra, Rauschenberg, com a permissão do colega, apaga e desPágina - 162 fa z o seu gesto. A obra final, um papel va zio quase original Sculpture in the Expanded Field, da crítica de arte Rosalind palavra escultura mediante as novas experiências ocorridas na ló- gica da representação do “monumento”, que, a partir do século XIX, vai “operar em relação à perda de local, produzindo o monumento como uma abstração, como um marco ou base, funcionalmente sem lugar e extremamente auto-referencial” (Krauss, 1978, p. 132). As intervenções escultóricas adquirem, então, a partir dos anos 1950, uma “condição de negatividade” e uma “combinação de exclusões”, onde prevalece a soma da “não-paisagem” com uma “não-arquitetu- ra”, convertendo-se, assim, num campo expandido. Tais premissas mostram a importância que nas décadas de 1960 e 1970 tem a ideia de “espaço” na compreensão dessa “ausência ontológica”, segundo Rosalind Krauss, e relevam o interesse de obras com preocupações de ordem “topológica”, que refletem “sobre o problema do lugar: for- mas de exterioridade” (Flórez, 2012, p. 557). Obras caracterizadas como land art, por exemplo, partem dessas premissas, questionam a ordem do escultórico e também do desenho, somando a escala do corpo em contraponto à paisagem. CIANTEC’14 O conceito de “expandido”, portanto, torna-se recorrente 3 e passa a designar os processos que mantêm um “afrouxamento das categorias e o desmantelamento das fronteiras interdisciplinacongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação res [...] em que a arte assumiu muitas formas e nome diferentes: Conceitual, Arte Povera, Processo, Anti-Forma, Land, Ambiental, Body, Performance e Política” (Archer, 2008, p. 61). Um aparente desapego a determinados aspectos formais e de feitura é implantado pela Arte Conceitual, em benefício da ideia e do conceito da obra, permitindo que artistas se fixem nos pro- Gregório Soares Rodrigues de Oliveira Trata-se de uma apologia ao caráter mental e “seco” da arte como ideia. Como projeto, o desenho, assim como a linguagem (escritura), é índice de uma obra ausente e ocupa um lugar híbrido, intermediário entre a obra de arte e sua documentação (Freire in Derdyk, 2007, p. 140-141). Esses trabalhos reconfiguram, inclusive, uma noção de tempo da obra contemporânea. Sua forma de circulação é alterada, por meio de publicações, impressos e revistas. Desenhos para projetos murais como, por exemplo, “Dez mil linhas, cinco polega- jetos e, do mesmo modo, nos processos dos trabalhos. Aqui, vale das de comprimento, dentro de uma área de 63/4 x 51/2 polegadas” Duchamp entre 1912 e 1923, reunidos em sua Caixa Verde, que ções” (1969), do artista norte-americano Sol Le Witt, “sugerem que lembrar, as anotações, desenhos e projetos realizados por Marcel integra, segundo o artista, sua importante obra O grande vidro ou A noiva despida por seus celibatários, mesmo (1915 – 1923). Segundo Cristina Freire: (1971) e “Quatro tipos básicos de linhas e retas e suas combinao domínio da documentação para a arte contemporânea tornou-se decisivo”, “os desenhos, como projetos, permanecem quando a existência do trabalho é temporária” e podem ser refeitos a partir da documentação (2007, p. 143). A incompletude de O grande vidro indica um processo Outro importante legado fica a cargo de Joseph Beuys. Mui- criativo que não se esgota na realização de um objeto tos de seus desenhos projetam e se situam dentro de um percurso Capa e sugere o papel fundamental da dimensão do projeto Editorial do desenho ar ticulado à escrita nas poéticas contem- ou processo de trabalho, no âmbito de suas aulas, performances, Sumário porâneas, isto é, a relação do desenho com uma obra por fa zer ou a ser refeita. ações e em séries de trabalhos (p.e. Códices Madrid, 1974/1975). Para o artista o “desenho foi uma forma de pensamento ou um modo de pensar articulado a sua ação”, contribuindo para configurar sua noção de escultura social. “Nesse sentido, a ampliação da linguagem seria a chave para o processo de transformação do Página - 163 3 Por exemplo, o Diagrama de Arte Expandida (1966), do artista do movimento Fluxus, George Maciunas. pensamento e, para Beuys, essa ampliação viria pelo desenho” CIANTEC’14 (2007, p. 144), como afirmou o artista: Onde ocorre o alargamento do domínio da língua, congresso devo procurar o impulso fundamental para o ato de internacional desenhar. Aí é possível expressar muitas coisas, e em artes arrisco expressar coisas ali onde a língua falha. Eu novas tecnologias tento manter esta “ linguagidade” na maior fluidez e e comunicação mobilidade possível, a fim de ultrapassar a usurpação da língua causada pela racionalidade do desenvolvi- mento cultural (Beyus apud Freire in Derdyk, 20 07, p. 144). Nessa perspectiva, abrem-se caminhos para um desenho que considera, ou deve considerar, em função de sua existência, uma relação com o outro, agora, um espectador que ativa e/ou participa da ação prevista no desenho/documento/mapa/projeto ou, ainda, na ”partitura para a arte contemporânea”, como propõe Cristina Freire. Capa Editorial Sumário No Brasil, artistas e teóricos também se debruçaram sobre essa mesma “espacialidade” da obra de arte, a sua maneira. Em 1960, Ferreira Gullar, publica Teoria do Não-Objeto, expressando as ideias fundamentais do neoconcretismo, onde, segundo o autor, os objetos tornam-se “especiais – não-objetos” e “as denomina- ções de pintura e escultura já talvez não tenham muita proprieda- Página - 164 de”. Esse texto indica e corrobora para uma ideia do rompimento Gregório Soares Rodrigues de Oliveira da representação e da apropriação de um espaço outro (mesmo que fictício, até então) “que se pretende realizada a síntese de experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao co- nhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar resto. Uma pura aparência”. Hélio Oiticica, interlocutor de Ferreira Gullar, em 1967 es- creve Esquema Geral da Nova Objetividade. No texto, Hélio, apon- ta sobre um “estado típico da arte brasileira de vanguarda”, e reconhece no neoconcretismo a formulação primeira da “desintegração do quadro” (Oiticica, 2012, p. 156) que culmina na ideia de não-ob- jeto, primeiro, desde 1954, com Lygia Clark e posteriormente com a “proposição de poemas-objetos (Gullar, Jardim, Pape)”. O artista propõe ainda, no mesmo texto, apontamentos para uma inédita, segundo ele, participação do espectador, inaugurada no Brasil. Um exemplo emblemático desse período é o trabalho “Ca- minhando” (1964) de Lygia Clark. Utilizando uma fita de Moebius a artista propõe, além da fundamental ideia de participação ab- soluta, a ruptura dos “hábitos espaciais: direita-esquerda, anverso-reverso etc. Ela nos faz viver a experiência de um tempo sem limite e de um espaço contínuo”, nas palavras da própria Lygia, a experiência dessa obra “permite a escolha, o imprevisível, a transformação de uma virtualidade em um empreendimento concreto” 4 . Na obra, “existe apenas um tipo de duração: o ato. O ato é que 4 Grifos do autor. CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação produz o “Caminhando”. Nada existe antes e nada depois.” Nessa um acesso) importante para pensar o desenho na arte contempo- ção, texto, ou fotografia que a substitua ou nos faça compreendê- visuais. Ele permite vislumbrar uma “estratégia” 5 que é baseada na obra, o conceito se abstrai ou deixa de existir, não há documenta- rânea. Sobretudo, no contexto do “ensino” do desenho e das artes -la. Ela só pode ser “compreendida” sendo realizada, por qualquer incerteza, na insegurança, na imprevisibilidade de qualquer “su- “espectador-autor”, expandindo a ideia de autor. Autor este que, pouco tempo depois, vai ser declarado morto por Roland Barthes em “a morte do autor”. Segundo Barthes, e é possível interpretá-lo junto à obra “caminhando”: [...] escrever já não pode designar uma operação de registro, de verificação, de representação, de “ pintura” (como diziam os Clássicos), mas sim aquilo que os linguistas, em seguida à filosofia ox fordiana, chamam de per formativo, forma verbal rara, na qual a enunciação não tem outro conteúdo (outro enunciado) que não seja o ato pelo qual ela se profere. [...] a mão, dissociada de qualquer voz, levada por um Capa Editorial Sumário cesso”, autorizando, ao mesmo tempo, uma reflexão do ato criativo de sentido, que não minimiza o conflito diante da tomada de de- cisão (“direita-esquerda, anverso-reverso”), e, ao mesmo tempo, não permite a segurança de um método. Não é possível, nesse trabalho, passar duas vezes pelo mesmo local da folha de papel. Ele concretiza a não repetição, apesar do gesto de cortar ser o mesmo: o resultado é sempre um aparente paradoxo: de ser único e similar. Desenhar, com a estratégia de “caminhando”, se aproxima do que Molina sugere comparando o desenho ao jogo do acaso: “não é um problema de representar objetos ou de fazer presente o real, senão de transformar a realidade pela modificação do imagi- nário” (Molina, 2012, p. 17). Assim, pensar o desenho expandido é também compreen- puro gesto de inscrição (e não de expressão), traça dê-lo como um modo de pensar a imagem antes de um processo origem não tem senão a própria linguagem, isto é, o desenho é aquilo que não se pode prever. Para algo acontecer, um campo sem origem – ou que, pelo menos, outra aquilo mesmo que continuamente questiona toda a origem (Bar thes, 2004, p. 61- 62). Página - 165 Gregório Soares Rodrigues de Oliveira “Caminhando”, portanto, configura-se em uma síntese (e em racional, lógico, que, como propõe Derrida, não pode ser previsto, para haver experiência do acontecimento 6, não se pode ver esse 5 No sentido que Juan José Gómez Molina dá ao termo, na introdução do trabalho “Estrategias del dibujo en el arte contemporâneo”, 2012. 6 Ambos grifos são para demarcar palavras e expressões de Derrida. CIANTEC’14 algo vir, nas palavras de Derrida: A experiência do acontecimento é uma experiência congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação passiva, rumo à qual, e eu diria contra a qual, aconde acontecimento que ele venha sobre nós de manei- ra absolutamente surpreendente, inesperadamente. [...] ce? O desenhista é alguém que vê vir, que pré- de senha, que trabalha o traço, mas o momento em que isso traça, o movimento em que o desenho inventa, em que ele se inventa, é um momento em que o de senhista é de algum modo cego, em que ele não vê, ele não vê vir, ele é surpreendido pelo próprio traço que ele trilha, pela trilha do traço, ele está cego. [...] Capa Sumário Em todo desenho digno desse nome, naquilo que fa z o traçamento de um desenho, um movimento resta absolutamente secreto, isto é, separado (se cernere, secretum), irredutível à visibilidade diurna (Derrida, 2012, p. 70 - 88). Página - 166 II. A OBRA DE ARTE COMO PROJETO PEDAGÓGICO OU “CORRER O RISCO” DE UM “MUNDO COMO UM EMARANHADO DE LINHAS”7 tece o que não pode ser predito; é próprio do conceito Que relação pode ter o desenho com o que aconte - Editorial Gregório Soares Rodrigues de Oliveira A ampliação dos processos de experimentação do fazer (e pensar) artístico, que se tornou mais acessível ao público com a arte contemporânea, ainda parece manter um descompasso com os processos educacionais. E, cada vez mais, suspeita-se de ser menos um problema de “metodologias” eficientes do que um problema, em última instância, político. No sentido em que por política se entende aqui “o campo das partilhas, do que é comunicável em algum nível, especialmente no nível dos afetos e dos desejos” (Tiburi, 2010, p.10), em que há a participação efetiva e livre nas de- cisões de alguma ação específica, que por menor que seja, como pode ser a ação do desenho, perpassa diferentes âmbitos sociais. Para isso se pensa aqui as práticas artísticas como projetos culturais, amplos, portanto, que propõem ações com alto poder de alcance social e que intervêm de fato no cotidiano. De modo geral, então, entende-se que as práticas artísticas contemporâneas se constituem na possibilidade do que se acordou chamar: “uma arte relacional”, conforme propõe Nicolas Bourriaud: 7 A expressão grifada foi retirada de empréstimo do texto “A arte de viver nas linhas” de Peter Paul Pelbart, publicado em Derdyk, 2007, p. 288. CIANTEC’14 (uma ar te que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contex to social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo congresso e privado) atesta uma inversão radical dos objetivos internacional estéticos, culturais e políticos postulados pela ar te em artes moderna (Bourriaud, 20 09, p. 19 -20). novas tecnologias e comunicação Há muito tempo já é sabido o desejo de justificar o papel das artes “como ferramenta intelectual de comunicação e descoberta de mundo quanto como agente subconsciente de questionamento de produzir conhecimento, por meio da reflexão e do pensamento, mas que não se opõe ao erro e à insegurança desses meios, pois, em certa medida, até dependem deles, esse campo é o da experimentação artística. Desde o velho “olhar da Missão Francesa”, trazida ao Brasil em 1816 por dom João VI, com a criação da Academia Imperial de Belas Artes, o desenho sofre dos males da necessidade da cópia do “desenho pedagógico”. Em seguida, “trocou-se o desenho mi- 2007, p. 267), deturpando todas as tentativas de diferentes lições meografado pelo desenho livre (com tema e materiais predetermi- rança, sensibilidade artística baseada na experimentação, rapidez nados)” até chegar às tão repetidas releituras “que frequentemente pelo saber” (CNI SESI, 2010, p. 9-11). pia e daquele que “desenha bem”, no reconhecimento das formas Porém, esse discurso, um tanto progressista e comprova- dor de uma garantia de sucesso, tende a sublimar um determinado desvelam ressonâncias da Missão Francesa, na valorização da có- desenhadas” (Martins in Derdyk, 2007, p. 267-269). Mais recentemente, em 1940, Lucio Costa apresenta o “pro- campo, de experimentação livre da arte, sobretudo contemporâ- grama para reformulação do ensino do desenho no curso secundá- ética em função de uma sistematização outra, que mascara pau- vos, dentre eles: nea, invertendo sentidos reais da “necessidade” de uma ação polatinamente o exercício da subjetividade e do inconsciente (ou da memória, coletiva ou individual), do aluno e/ou do espectador. Página - 167 progressista e assertiva? Haja vista que, se há um campo capaz resultados através de equações equilibradas que devem articular nas ações decisórias e interesse constante pelo conhecimento e Sumário esse conhecimento e a essa reflexão por meio de uma economia fiel na representação naturalista da realidade (Martins in Derdyk, conhecimento técnico, curiosidade intelectual, capacidade de lide- Editorial se falando nas ditas mediações educacionais? Como se chega a e relativização do real”, que contribui efetivamente para formação humanista de futuros profissionais e, assim, “para a melhoria de Capa Gregório Soares Rodrigues de Oliveira Vale fazer a pergunta muito deslembrada: de que arte está rio”, com diferentes frentes de atuação, prevendo múltiplos objeti- [...] desenvolver nos adolescentes o hábito da observação, o espírito de análise, o gosto pela precisão, CIANTEC’14 fornecendo -lhes meios de traduzirem as ideias e de internacional em artes gundo Bishop, começa a se corresponder com questões de crítica (Costa, 1940, p. 2). também se questiona de seus próprios princípios. A partir de então rá necessariamente, uma identificação maior com ele Mas, o programa, com esta pluralidade de se reverenciar, muitos artistas se destacam com pesquisas poéticas que se relacionam a questões educacionais 9. Com um dos objetivos de transformar qualquer “pessoa em em frágeis experiências posteriores. histórica desse cruzamento entre arte e pedagogia. Em 1971 cria va-se que o ensino do desenho se manteve por um longo período num eixo de entendimento que corrobora para uma conquista de habilidade tecnicista, de instrumentalização, que nada corresponde à radicalidade poética presente nas obras de arte. Pode-se perguntar: como recorrer a uma obra de arte com pretensões educacionais sem cair no jogo de uma “economia do conhecimento” (Rogoff apud Bishop, 2012, p. 3)? De forma mais geral, em que medida arte e pedagogia podem compartilhar dos mesmos objetivos, sem interromperem mutuamente seus processos discursivos de legitimações? Ou ainda, como Claire Bishop coloca, “o que significa fazer educação como arte? Como julgamos Página - 168 institucional, logo política, ao mesmo tempo em que a pedagogia um ser criativo”, Joseph Beuys, que já contribuía para o conceito Assim, apesar de “esforços”, como tais exemplos, obser- Sumário Uma corrente da arte contemporânea, dos anos 1960, se- modernista, influenciado pela Bauhaus, nunca foi oficializado pelo Ministério da Educação e somente resistiu na base de influências Editorial (Bishop, do mundo das formas que nos cerca, do que resulta- que ainda guardava espaços para um pensamento acadêmico e Capa 8 2012, p. 7). novas tecnologias e comunicação estas experiências? Que tipo de eficácia procuram?” predispô -los para as tarefas da vida prática, concorrerá também, para dar a todos melhor compreensão congresso Gregório Soares Rodrigues de Oliveira de obra expandida e relacional, é sem dúvida a principal referência seu próprio modelo de instituição de ensino, a Universidade Livre Internacional (F.I.U.), na Academia de Belas-Artes de Düsseldorf. Porém, “o desejo de liberdade de Beuys – e sua noção de que toda formação, todo treinamento, toda vida intelectual só podia se desenvolver sob o princípio da autodeterminação e da autonomia” (Rappmann in Beuys, 2010, p. 45), ultrapassou os limites de aceitação da instituição e resultou no afastamento do artista/professor. Após outras tentativas de manter o projeto de forma independente (1973), Beuys apresenta como contribuição à Documenta 6, em 8 Todas as citações dos textos de Claire Bishop neste capítulo são traduções livres. 9 Para maiores reflexões sobre tais práticas artísticas, ver “Pedagogic Projects: ‘How do you bring a classroom to life as if it were a work of art?’” em “Artificial Hells: Participatory Art and the Politics of Spectatorship”, 2012. CIANTEC’14 1977, um trabalho que ocorrera em uma sala da F.I.U., “na qual sobretudo, num contexto onde o discurso ainda não era tido como blemas e os princípios de um novo modelo de sociedade”, deno- sas experiências? Porque não chamá-los apenas de intervenções substância invisível, criada por Joseph Beuys com a ajuda de seus posições eram desdobramentos de questões pessoais, do próprio Beuys e seus colaboradores passaram cem dias discutindo os procongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação minado de escultura social. Portanto, “a F.I.U. é uma ideia e uma se “aumentar, aperfeiçoar, desenvolver e ensinar” (idem, p. 46), um pressuposto do ensinamento, alguém que possui uma verdade que apostava no “capital” intelectual do ser humano, possível de própria e tende, com ela, à condução da coletividade? Retornam, dentre outros, os problemas da autoria e da arte como função, ou da funcionalidade da arte. Que, em última ins- Beuys, que sempre se manteve presente. “Pessoalmente envolvi- como eles se legitimam perante os sistemas de compreensões e do em suas explicações, Beuys, se expõe ao comentário e expõe seu trabalho como obra da fala, mas na medida em que a fala desenvolve um projeto global, unificante”. Segundo Alain Borer, a pedagogia criativa de Beuys já é obra, suas entrevistas e decla- rações se transformam em esculturas, a fala é escultura: “A voz tância, também se constituem como problemas políticos, (ou seja, institucionalização), e necessitam de reflexões de cunho epistemológicos, que estabeleçam novos critérios de julgamento dessas obras e que permitam haver intersecções sem que se enfraqueçam mutuamente. Desse modo, tais questões já tomam forma e ganham con- (o seu volume, sua plasticidade, seus tons) participa do espaço tornos expressivos (como visto no capítulo anterior) desde os anos tantânea renovação” (Borer, 2001, p. 14). Para Beuys, a matéria da apreendidas, e legitimadas, se levarem em conta uma forma re- criado, (in)forma-o como um lugar de intercâmbio, um lugar de ins- escultura, da voz ao feltro, “constitui um espaço pedagógico, ela oferece matéria para a reflexão” (idem, p. 15). No entanto, a necessidade de afirmação política de Beuys Página - 169 a questão mais difícil de ser esquecida: como, em arte, pode haver sições. Vale mencionar o valor da voz do artista nas ações de Sumário sociais? Se todos, segundo Beuys, são artistas, porque suas proBeuys, para a coletividade? Essa estranha contradição talvez seja oficinas, performances-debates e ocupações de espaços de expo- Editorial meio de arte. Portanto, o que restaria de problemas poéticos nes- colaboradores (...) e a partir de seu conceito ampliado de arte”, por meio de suas propostas, que se multiplicaram em instalações, Capa Gregório Soares Rodrigues de Oliveira o manteve em vias demasiadamente discursivas e “progressistas”, 1960. Essas produções artísticas (e pedagógicas) só podem ser lacional: comportamental e processual. Tais obras estão livres da necessidade de representação de um mundo mesmo, repetitivo, e não se veem separadas de processos sociais reais, como pressupõe Bishop; elas não pretendem ensinar nada, são desejos de CIANTEC’14 singularidades preservadas, para dialogar com Guattari; a obra de mos” sobre ela, “cada vez que pensamos com suficiente vertigem do, de proliferação barroca ou de empobrecimento extremo, que cavalgar, como pensar ou traçar linhas, torna-se uma atividade arte “é uma empresa de desenquadramento, de ruptura de senticongresso conduz o sujeito a uma recriação e uma reinvenção de si mesmo” internacional (Guattari, 1992, p. 159). em artes novas tecnologias e comunicação Gregório Soares Rodrigues de Oliveira Tanto as obras de arte quanto os ambientes da educação, ou que vivemos com bastante força” (idem, p. 136-137). Portanto, arriscada, e demanda de quem traça, ou risca (e se arrisca), uma política do traçamento10. Segundo Pelbart: em intersecção, tendem a permanecer em seus próprios limbos de Deleuze privilegia a linha, pois ela se fa z continua- exigem seus lugares de autonomia. Atuar nestes espaços, desde escorre entre as coisas, pois ela passa e fa z passar sobrevivência, ao mesmo tempo em que clamam pelo diálogo e mente, pois ela está sempre no meio, pois ela corre e então, pressupõe uma atividade de pensamento crítico constante coisas que antes não eram possíveis nem pensáveis. e exigente, correndo o “risco da disponibilidade” e do “saber-se Mas também porque ela atinge o impensável, e por inacabado” como propõe Paulo Freire. De outro modo, é assumir o vezes o invisível (Pelbar t in Derdyk, 20 07, p. 288). legado de um pensamento da emergência e do desconhecido: Admite-se facilmente que há perigo nos exercícios físicos ex tremos, mas o pensamento também é um exercício ex tremo e rarefeito. Desde que se pensa, se enfrenta necessariamente uma linha onde estão Capa Editorial Sumário em jogo a vida e a mor te, a ra zão e a loucura, e essa linha nos arrasta. Só é possível pensar sobre esta linha de feiticeira, e diga-se, não se é forçosamente perdedor, não se está obrigatoriamente condenado à loucura ou à mor te (Deleuze, 1990, p. 129). Página - 170 A linha, da qual fala Deleuze, é sem “contorno” e “cavalga- Pode-se dizer, então, que o espectador fundante da experi- ência estética, também responsável pela (auto) poética, não atua mais imerso numa interioridade e sim “dirigido para uma gama de registros expressivos e práticos, diretamente conectados à vida social e ao mundo externo” (Guattari, 2006, p. 127). Um espectador não só político, mas também ético-estético, constrói o tempo da obra de arte, que é o tempo da criação (Santos, 2004, p. 220). O problema último do paradigma estético de Guattari, para Bourriaud, é “como uma aula pode ser uma obra de arte?” (Guattari, 1996, p. 161). Esta pergunta é o teste pungente de um novo 10 Palavra do vocabulário Derridiano. CIANTEC’14 entendimento das práticas artísticas contemporâneas e seus diferentes modos de assimilação: “ao criar e colocar em cena dispositivos de existência que incluem métodos de trabalho e modos congresso internacional em artes na educação e na arte, em uma sociedade que vem negligenciando todas as tentativas de manter o desenho como prática social de entendimento, produção e expressão de mundo. Enquanto a prá- 2009, p. 145). sim mesmo ela permanecerá, como proposição permanente, como campo da arte, eles utilizam o tempo como material” (Bourriaud, Uma criação do tempo se encontra no âmbito do inantecipável11, da experiência, segundo Derrida, que excede as catego- rias de subjetividade e de objetividade. Assim, em outras palavras, uma experiência pedagógica que se intersecciona às obras de arte “dão a ver” o mesmo que os desenhistas, um emaranhado de linhas, que é diferente de “alguma coisa”: [...] eles dão a ver a visibilidade, o que é uma coisa completamente diferente, absolutamente irredutível ao visível, que permanece invisível. Quando se fica sem ar diante de um desenho ou de uma pintura, é porque não se vê nada; o que se vê essencialmente não é o que se vê, mas imediatamente, a visibilidade. Capa E, por tanto, o invisível (Derrida, 2012, p. 82). Editorial Sumário Ver, ou “correr o risco”, nas entrelinhas emaranhadas, por- tanto, é um exercício também, além de urgente, pedagógico, polítiPágina - 171 co, ético e estético: desde o momento em que se pensa o desenho: de ser, em vez dos objetos concretos que até agora delimitavam o novas tecnologias e comunicação Gregório Soares Rodrigues de Oliveira 11 Idem. tica do desenho permanece à margem, não institucionalizada, as- exercício de reflexão, para além de quaisquer limites circunscritos. REFERÊNCIAS ARCHER, Michel. Arte contemporânea – uma história concisa. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BEUYS, Joseph. A revolução somos nós. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2010. BISHOP, Claire. Artificial Hells: Participatory Art and the Politics of Spectatorship. New York: Ed. Verso, 2012. BORER, Alain. Joseph Beuys. São Paulo: Cosac Naify, 2001. [demais referências entrar em contato com o autor] PRÁTICAS ARTÍSTICAS LOCATIVAS: POR UMA CRÍTICA À GEOGRAFIA URBANA GUILHERME REZENDE LANDIM Mestrando do PPGCOM da Universidade Federal de Juiz de Fora. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Este texto aborda trabalhos artísticos com mí- internacional em artes cartography. suportes para possíveis criações artísticas cujo intuito seja sub- INTRODUÇÃO verter ou criticar a própria tecnologia e também suscitar questões a respeito do espaço urbano, suas divisões, a vigilância, o controle novas tecnologias e a comunicação. É imprescindível uma postura crítica neste estu- e comunicação do por se tratar de tecnologias com origem de utilização no campo bélico. As discussões propostas partem principalmente da leitura dos textos publicados em “Nomadismos Tecnológicos dispositivos móviles. Usos massivos y prácticas artísticas” cuja organização é de Giselle Beiguelman e Jorge La Ferla. PALAVRAS-CHAVES: Arte com mídias locativas; crítica ur- bana; cartografias subversivas. ABSTRACT - This text deals with locative media artwork focused on urban criticism. Analyze these media and communication processes mainly as carriers for possible artistic creations whose purpose is to subvert or criticize the technology itself and Capa Editorial Sumário also raise questions about the urban space and it’s divisions, sur- veillance, control and communication. Being a critical imperative because it is the study of technology originating in the military field of use. Tenders discussions run the reading of texts published in “Nomadismos Tecnológicos dispositivos móviles. Usos massivos y prácticas artísticas” organized by Giselle Beiguelman and Jorge Página - 174 KEYWORDS: locative media art; urban criticism; subversive dias locativas (locative media art) voltados à crítica urbana. Analiso essas mídias e processos comunicacionais principalmente como congresso Guilherme Rezende Landim La Ferla. Pretendo com este texto apresentar trabalhos artísticos com mídias locativas1 voltados à crítica urbana. A proposta da pesquisa é de cunho ensaístico, com o intuito de realizar um levantamento crítico destes trabalhos, sendo uma etapa importante na pesquisa de dissertação a qual desenvolvo. Acredito que esta pesquisa também possa implicar novas perspectivas ao processo criativo do documentário locativo Habita-me se em ti transito 2, o qual desenvolvo como parte da dis- sertação. Neste sentido, busco conhecer e compreender, através da pesquisa aprofundada, novas formas de apropriação desta tecnologia como forma de crítica ao espaço urbano, já que o documentário Habita-me se em ti transito, relaciona-se diretamente à apresentação de uma questão social inserida em determinados espaços urbanos, pois a temática do filme é voltada à população em 1 A gênese de tecnologias e serviços baseados em localização Location Based Services (LBT) e Location Based Tecnologies (LBS) encontra-se associada a pesquisas militares de localização, controle, monitoramento de pessoas lugares e objetos. Artistas e ativistas apropriaram-se destas tecnologias buscando, de maneira crítica, questionar seu uso, para tanto criaram o termo mídia locativa (locative media), distinguindo-se do uso comercial. Em julho de 2003 foi criado o K@2, o primeiro evento a tratar do termo mídia locativa. 2 O documentário ainda encontra-se em fase de finalização, com previsão de estreia para Março de 2014. CIANTEC’14 situação de rua. Os principais pontos abordados no documentá- objetiva ou subjetiva, em um trabalho locativo?” 5. à relação que esta parcela marginalizada da sociedade constitui tes, principalmente ao se buscar uma crítica social em determina- rio, além dos vícios e vínculos familiares fragilizados, são voltados congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação com os espaços que habitam e usualmente frequentam. Esta pesquisa é voltada ao campo artístico, analisando pro- dos dispositivos móveis no que compete a noções relacionadas à vas, assim como agora se mostram conflitivas as re- veis. Neste texto pretendo repensar, de forma crítica o caráter É preciso uma auto-crítica 3 à produção com mídias locati- vas, sobre o próprio processo, a viabilidade deste mecanismo a diversas classes sociais já que tratam-se de tecnologias ainda não acessíveis economicamente 4. Bambozzi (2010: 101) apresenta em seu texto um questionamento ao qual fora de suma importância para a escrita deste texto, ao apontar uma possível legitimação da produção artística com mídias locativas: “Que pontos de tensão, expressividades ou qualidades artísticas se percebem, em forma Sumário Página - 175 dos trabalhos, Lucas Bambozzi afirma que: As estratégias demandadas pela ar te sempre foram que transcendem a noção de lugar e de espaço urbano. Editorial As contradições no campo da arte são históricas e eviden- jetos que subvertem a utilização convencional de tecnologias mó- geografia, aos lugares, à experiência espacial buscando propostas Capa Guilherme Rezende Landim 3 Utilizo a expressão auto-crítica pois como parte da pesquisa de dissertação proponho a criação de um conteúdo locativo. O filme Habita-me se em ti transito será disponibilizado também como um GPS filme. Um recorte do mesmo poderá ser visto nos pontos onde foi gravado, para tanto será necessário que o espectador/ interator tenha um aparelho digital móvel com GPS, internet e tenha um leitor de QR codes ou faça o download do software gratuito HyperGeo/GPS. 4 Para ter acesso aos conteúdos locativos é preciso um aparelho com sistema android (Trata-se de um sistema operacional baseado no núcleo do Linux para dispositivos móveis, desenvolvido pela Open Handset Alliance, liderada pelo Google Inc.), wi-fi, GPS e que permita o download de aplicativos gratuitos. consideradas incompatíveis com ações sociais efetilações dos ar tistas com os fabricantes, as marcas, as operadoras, o espaço urbano e o poder público, especialmente em obras que pretendem estar no campo locativo 6 (BAMBOZ ZI, 2010: 101). É importante ressaltar o campo onde encontra-se a arte locativa, a qual depende de subsídios, uma estrutura que “implica negociações, (...), envolvem produtores, agenciadores, fabrican- tes, operadoras de comunicação e corporações” 7 (BAMBOZZI, 5 Nossa tradução para “¿qué puntos de tensión, expressividades o cualidades artísticas se perciben, en forma objetiva o subjetiva, en un trabajo locativo?” (BAMBOZZI, 2010: 101). 6 Nossa tradução para “Las estrategias demandadas por el arte siempre han sido consideradas incompatibles com acciones sociales efetivas, así como ahora se muestran conflictivas las relaciones de los artistas com los fabricantes, las marcas, las operadoras, el espacio urbano y el poder público, especialmente em obras que pretenden estar inmersas en el campo locativo” (BAMBOZZI, 2010: 101). 7 Nossa tradução para “implica negociaciones, (...), involucran a productores, agenciadores, fabricantes, operadoras de comunicación y corporaciones” CIANTEC’14 2010: 101). Este universo é algo que em muitas vezes favorece a mapeamento, geolocalização e anotações 9. postura crítica. NOMADISMOS TECNOLÓGICOS: COMUNICAÇÃO, REDE E MAPEAMENTO produção, porém em grande parte dos casos em detrimento de sua congresso As tecnologias digitais desenvolvem-se num ritmo descon- internacional certante, sendo que a arte tem acompanhado este processo. No em artes panorama da arte digital contemporânea Lucia Santaella menciona novas tecnologias algumas das áreas mais relevantes de criação artísticas: “a web e comunicação 3.0, a era dos terabytes e pentabytes, a computação em nuvem, a era da conexão onipresente e da mobilidade contínua, a computação ubíqua, ‘pervasiva’ e sensível, a realidade híbrida e aumenta- da” (SANTAELLA, 2010: 71).8 As mídias locativas, inseridas neste contexto, são processos comunicacionais que possivelmente re- presentam uma espécie de mapeamento no campo artístico de uma geografia das críticas sociais através da tecnologia. No contexto da produção artística com aparelhos móveis existem trabalhos que encontram-se em terrenos diversos, no ar- tístico, no comercial e no entretenimento. O foco desta pesquisa volta-se à prática artística destes meios e a uma crítica de sua Capa Editorial Sumário utilização comercial e como entretenimento. Pretende-se abordar neste texto trabalhos de artistas independentes, que utilizam sof- twares livres em suas criações. Serão apresentados trabalhos de (BAMBOZZI, 2010: 101). Página - 176 Guilherme Rezende Landim 8 Nossa tradução para “la Web 3.0, la era de los terabytes y pentabytes la computación em nube, la era de la conexión omnipresente y de la mobilidad continua, la computación ubicua, “pervasiva” y sensible, la realidad mixta y aumentada” (SANTAELLA, 2010: 71). As tecnologias móveis com seu potencial infocomunicacional permitem uma reconfiguração das práticas sociais no ambiente urbano, reapropriam-se os espaços, a partir de aparelhos conec- tados à internet (Wi-fi10, WIMAX11 e Bluetooth12) ou com acesso a redes de satélites como GPS13, etiquetas de identificação por radiofrequência (RFID) ou mesmo através de sensores. Dessa for9 É notável a preocupação de pesquisadores de trabalhos locativos em situar e classificar as atividades locativas, algo que não é foco deste trabalho. 10 Tratam-se de dispositivos de rede local sem fios (WLAN) baseados no padrão IEEE 802.11. 11 (Worldwide Interoperability for Microwave Access/Interoperabilidade Mundial para Acesso de Micro-ondas). O termo WiMAX foi criado por um grupo de indústrias cujo objetivo é promover a compatibilidade e interoperabilidade entre equipamentos baseados no padrão IEEE 802.16. 12 “Bluetooth technology is a wireless communications system intended to replace the cables connecting many different types of devices, from mobile phones and headsets (...).” Disponível em http://www.bluetooth.com/Pages/what-isbluetooth-technology.aspx Visualização em 26 Jan. 2014. 13 O GPS (Global Positioning System ou Sistema de Posicionamento Global) produzido pelo Departamento de Defesa Americano em 1973 é um sistema de navegação via satélite que permite ao usuário do aparelho obter a posição do mesmo em quaisquer locais da Terra. “O GPS funciona a partir de uma série de cálculos elaborados em uma tabela que coloca o planeta todo em quadrantes específicos chamados latitude e longitude, rapidamente, com um breve cálculo consegue identificar o usuário e com pouco processamento de memória consegue posicionar qualquer objeto ou pessoa dentro de um mapa” (DA SILVA, 2011). CIANTEC’14 ma, há uma interação entre a potência comunicativa e a conexão nós móveis propiciam um conjunto de transformações sociais do nais. O sistema locativo possibilitou a era da conexão onipresente, vez mais ligada à rede do ciberespaço: em rede proporcionando a mobilidade por territórios informaciocongresso internacional da mobilidade contínua, e a realidade aumentada em meio à com- e comunicação homem contemporâneo, sendo sua interação com o meio, cada putação ubíqua, “pervasiva” e sensível. A popularização dos dispositivos por táteis de comuni- são híbridos, compostos simultaneamente de arte, propaganda e e a implantação de hotspots que permitem acesso à Os espaços das redes na contemporaneidade, em geral, cação sem fio com possibilidade de conexão à internet informação em geral, num cenário de diversas mídias como celu- rede via ondas de rádio (Wi-fi, wireless fidelit y) apon- em artes novas tecnologias Guilherme Rezende Landim lares, grandes painéis eletrônicos, tablets e outras o usuário de tam para a incorporação do padrão de vida nômade15 tecnologias móveis depara-se com diversos desses conteúdos. e indicam que o corpo humano se transforma, rapi- por usuários de tecnologias móveis podem gerar questionamentos mundo cíbrido16, pautado pela interconexão de redes Segundo Beiguelman, a utilização e apropriação desses espaços damente em um conjunto de ex tensões ligadas a um que vão além da noção espacial: O espaço de ação e cultura das redes é um espaço informacional14 mediado por redes de comunicação que vêm implodindo sistematicamente não só as no ções de distância e localidade, mas também os limites entre os lugares da ar te, da propaganda e da Capa informação, por um lado, e as relações entre lugar e Editorial não -lugar, por outro. (BEIGUELMAN, 2006: 153). Sumário As novas formas de comunicação a partir de redes com os Página - 177 14 Ver (CASTELLS, 2001). e sistemas on e of f-line (BEIGUELMAN, 2006: 153). Paralelamente ao crescimento contínuo de tecnologias mó- veis e de sua crescente utilização cito o contexto de mapeamento, inserido nestas tecnologias, o qual encontra-se muitas vezes suprimido no interior de aparelhos, um exemplo: ao adquirir um gad- get17 com acesso a internet e GPS, em determinados casos, sem que o usuário perceba o aparelho encontra-se com a opção de 15 Ver (MITCHEL, 2003). 16 “pautado pela interconexão de redes e sistemas on e off line.” (BEIGUELMAN, 2004: 1). 17 Trata-se de equipamentos com função específica, prática e útil no cotidiano. Dispositivos eletrônicos portáteis como PDAs, celulares, smartphones, leitores de mp3, entre outros. CIANTEC’14 liberação de acesso à geolocalização em redes sociais ou outros Guilherme Rezende Landim Alguns projetos de cunho documental, onde usuários inter- serviços, o usuário pode por exemplo postar uma foto no Flickr e vém no espaço urbano, buscando conectar significados ocultos congresso toricamente intrínseco a uma noção de propriedade, de controle de pensarem as propriedades de espaços de memória coletiva. Um internacional determinado espaço: ter sua localização demarcada. O conceito de mapeamento é his- em artes novas tecnologias e comunicação Seja o mapa produzido sob a bandeira da ciência cartográfica, como foram a maior par te dos mapas oficiais ou seja um exercício de propaganda declarada, é inevitável que esteja envolvido no processo do poder (…). Os mapas foram uma invenção similar no contro le do espaço; eles facilitaram a expressão geográfica dos sistemas sociais e são um meio de consolidar o poder do Estado (HARLEY, 20 09: não paginada). Historicamente, a cartografia é uma forma de consolidação Capa Editorial exemplo desta aplicação em mídia locativa é o projeto Yellow Arrow Overview que começou em 2004 como um projeto de street art no Lower East Side de Manhattan. Desde então, cresceu para mais de 35 países e 380 cidades no mundo e tornou-se uma maneira de experimentar e publicar ideias e histórias através de mensagens de texto em telefone celular e mapas interativos online. Shanks (2004: 492) afirmou que o projeto é uma “experiência de mapeamento cultural profunda - Uma cartografia do íntimo, o cotidiano, o monumental, o efêmero, o memorável” 19. Um dos conceitos da utilização de mídias móveis como crí- tica urbana são as Cartografias de Combate20, as quais visam à criação, distribuição, compartilhamento e utilização de dados es- de poder e funciona de certa forma, como uma invenção de con- paciais com o intuito de intervir nos dispositivos consolidados das quando é uma questão de invenção artística?” 18 (HOLMES, 2008: tonomy” (IAA) em colaboração com o “Site-R”. Trata-se de um apli- trole do espaço, “mas o que podem revelar as lentes geopolíticas, práticas espaciais. Cito o trabalho iSee do “Insitute of Applied Au- não paginado). cativo desenvolvido desde 2001 que possibilita a visualização de Sumário A R T E L O C AT I VA C O M O C R Í T I C A URBANA Página - 178 a determinados lugares, apresentam uma possibilidade de se re- 18 Nossa tradução para “But what can the geopolitical lens reveal, when it’s a matter of artistic invention?” (HOLMES, 2008: não paginado). mapas e percursos com menor exposição a câmeras de vigilância. iSee é uma aplicação web-based que permite mapear a localiza19 Nossa tradução para “Deep mapping cultural experience - a cartography of the intimate, the everyday, the monumental, the ephemeral, the epochal”. 20 Ver (FRANCO, 2012: 121). CIANTEC’14 ção de câmeras de vigilância em ambientes urbanos. Com o iSee, os usuários podem encontrar rotas que evitem essas câmeras (caminhos de menor vigilância). O projeto dialoga com a proposta do congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação francês Renaud Auguste-Dormeuil, que propôs Mabuse Paris Visit Tour, o qual permitiu a turistas conhecerem os principais pontos tu- Guilherme Rezende Landim de “desobediência civil eletrônica” e foi investigado pelo governo norte americano. Em 2010, o senador Duncan Hunter questionou sua legalidade e Ricardo Domingues foi alvo de uma intensa investigação, recentemente o projeto foi aceito sem restrições jurídicas. rísticos de Paris através de um mapeamento indicativo de câmeras de vigilância, este trabalho será abordado no texto no subcapítulo “Mapeamento, vigilância e controle”. O conceito de Cartografia de Combate se aproxima das ideias de “Experimental Geography” (Trevor Paglen, 2009: não pa- ginada) e “Radical Cartography” (Mogel, L. & Bhagat, A., 2008: não paginada), ao promover formas de subversão a determinadas lógicas culturais espaciais. Transborder Immigrants Tool (Figura 1) de Brett Stalbaum e Ricardo Dominguez é um exemplo deste tipo de produção. A proposta permite que o usuário (imigrante) realize rotas seguras na travessia do deserto entre México e Estados Unidos, portando um celular de valor acessível. O percurso é possível devido à ferramenta Walking Tools21 desenvolvida por Cícero Capa Inácio da Silva, com este recurso é possível associar uma mídia a Editorial uma posição geográfica através do sistema de triangulação. O imi- Sumário grante tem a possibilidade de encontrar água e rotas de fuga pelo caminho. O trabalho foi exibido no Museu de Arte Contemporânea de San Diego, La Jolla, CA. O projeto foi considerado uma forma Página - 179 21 Disponível em www.walkingtools.net Visualização em 10 Fev. 2014. Figura 1. Disponível em http://www.tacticalmediafiles.net/article.jsp?objectnumber=52367 Acesso em 12 Fev. 2014. Em 2006 o artista Wood projetou e exerceu caminhadas em Londres para a escrita com o tracklog do GPS a frase de Herman Melville em Moby Dick: Não estão em nenhum mapa; lugares verdadeiros nunca estão (“It is not down in any map; true places never CIANTEC’14 are”- Figura 2). Guilherme Rezende Landim partilho da ideia de Juliana Franco propondo nomear este projeto como Cartografia de Rastros, tratam-se de propostas que: (...) buscam desenvolver experiências de compreen- congresso são do ambiente, da dimensão espacial das experiên- internacional cias sociais, além de uma valorização das emoções, em artes memórias e subjetividades nos processos de expe- novas tecnologias rienciação dos espaços” (FRANCO, 2012: 126). e comunicação Trata-se de um projeto onde não há uma subversão que confronte os dispositivos espaciais, porém abre caminhos para novas formas de repensá-los, revendo seu valor além da ideia de espaço real e espaço criado a partir de mapas. O processo de criação deste projeto não se alia diretamente a forças de poder que configuram os dispositivos espaciais. As contradições no campo da arte são históricas e evi- Figura 2. Disponível em: http://medialab.ufg.br/art/anais/textos/JulianaFranco.pdf Acesso em 09 Fev. 2014. dentes, principalmente ao se buscar uma crítica social em determinados trabalhos, Lucas Bambozzi afirma que: Capa Editorial Sumário Conforme afirma Holmes, “a maioria dos projetos alternati- As estratégias demandadas pela ar te sempre foram a ideia de que ela permite uma inscrição do indivíduo, um rendilha- vas, assim como agora se mostram conflitivas as re- vos ou obras de arte que usam o sistema GPS têm como premissa do geodésico de diferença individual 22 ” (HOLMES, 2009: 1). ComPágina - 180 22 Nossa tradução para “most of the alternative projects or artworks using the GPS system are premised on the idea that it permits an inscription of the individual, consideradas incompatíveis com ações sociais efetilações dos ar tistas com os fabricantes, as marcas, as a geodetic tracery of individual difference” (HOLMES, 2009: 1). CIANTEC’14 operadoras, o espaço urbano e o poder público, especialmente em obras que pretendem estar no campo locativo 23 (BAMBOZ ZI, 2010: 101). Neste sentido é importante ressaltar o papel do artista como internacional novas tecnologias difusor de uma nova possibilidade de fruição com os espaços, seu tempo e a memória que carregam: Assim, quando pensamos em deslocamentos, não só físi- e comunicação combina “art installation, software engineering, activism, pervasive design, hardware hacking, SMS poetry, sticker art and ambient performance” 26. A proposta funciona como uma plataforma de nós das com o nome do dispositivo, a data e hora em que foi detectado O projeto Loca , de John Evans, Drew Hemmet, Theo Hum25 23 Nossa tradução para: “Las estrategias demandadas por el arte siempre han sido consideradas incompatibles com acciones sociales efetivas, así como ahora se muestran conflictivas las relaciones de los artistas com los fabricantes, las marcas, las operadoras, el espacio urbano y el poder público, especialmente em obras que pretenden estar inmersas en el campo locativo”. 24 Nossa tradução para: “Así, cuando pensamos em desplazamientos, no solo físicos, sino experimentados en condiciones subjetivas, se nos incita a imaginarmos en una condición “nómade”, creativa, excitante por el desconocimiento de las especificidades de los espacios habitados en forma transitória” (BAMBOZZI, 2010: 102). Página - 181 sua posição: por favor, mova seu dispositivo de rede no ar”. Loca desconhecimento das especificidades dos espaços habitados em MAPEAMENTO, VIGILÂNCIA E CONTROLE Sumário pela cidade um usuário de celular recebe um aviso sonoro com conectados distribuídos pelo espaço urbano que funcionam como forma transitória 24 (BAMBOZZI, 2010: 102). Editorial a problemática do controle nas sociedades atuais. Ao caminhar cos, senão experimentados em condições subjetivas, se nos incita a imaginarmos em uma condição “nômade”, criativa, excitante pelo Capa pries e Mike Raento, desenvolve um metamapa refletindo sobre uma mensagem via bluetooth: “temos dificuldades para monitorar congresso em artes Guilherme Rezende Landim 25 Nossa tradução para “(...) possibilita o, mejor, actualiza el carácter uma crítica às companhias telefônicas. As interações são registraalgum outro aparelho com bluetooth acionado, sendo estes dados disponíveis no espaço expositivo onde o próprio usuário pode co- nhecer seu percurso impresso pelo projeto. Os dados foram apre- sentados no ISEA2006 27 e ZeroOne 28, foram detectados os fluxos de forma detalhada de 2500 pessoas pelo espaço urbano. O projeto aplica-se a uma forma de ativismo social aliando espaço físico à rede, e que pode ser explicitado pela ideia de Yeregui: Muitos dos projetos que se baseiam nesta difusa fron- potencialmente móbil de los dispositivos” (YEREGUI, 2010: 64). 26 Disponível em http://www.loca-lab.org/ Visualização em 20 Jan. 2014. 27 Disponível em http://www.isea-web.org/ Visualização em 20 Jan. 2014. 28 Disponível em http://zero1.org/ Visualização em 20 Jan. 2014. CIANTEC’14 Guilherme Rezende Landim teira entre práticas ar tísticas com meios móveis e ati- apud (LEMOS, 2009: 10) “o ‘sujeito inseguro’ deve efetivamente vismo social baseiam seus postulados de ação e de reconhecer essas tecnologias para encarar com responsabilidade representação em uma convergência quase literal en- os novos instrumentos da cultura da insegurança”. O artista francês Renaud Auguste-Dormeuil, através do pro- congresso tre espaço geográfico e o espaço de rede: um espa- internacional ço que adquire no nível representacional mor fologias jeto Mabuse Paris Visit Tour, proporcionou aos turistas uma visão 64). zarem as câmeras mais incomuns. Ao chegarem à cidade, geral- herdadas da tradição geográfica 29 (YEREGUI, 2010: em artes novas tecnologias e comunicação “A sociedade do controle está em toda parte. Para além do panopticom que vigia o confinado, as atuais câmeras de vigilância, o distribuiu para os visitantes de Paris. Segundo Reunaud, com panóptica foucaultiana, mas um sujeito livre para transitar, porém vigiado por um controle dinâmico e muitas vezes imperceptível. A insegurança é mascarada pela segurança de vias como Banco de dados, dispositivos portáteis eletrônicos, redes de satélite e sem fio para acesso à internet ou celulares, redes sociais móveis por GPS e triangulação de Wi-Fi e torres de celulares. Para Rosello 29 Nossa tradução para “Muchos de los proyectos que se plantean en esta difusa frontera entre prácticas artísticas con medios móviles y activismo social basan sus postulados de acción y de representación en una convergência casi literal entre el espacio geográfico y el espacio de red: un espacio que adquire en el nível representacional morfologias heredadas de la tradición geográfica” (YEREGUI, 2010: 64). Página - 182 mesmos percursos anotando todas as câmeras de vigilância (com 2009: 9). A nova forma de vigilância, sutil e invisível encontra-se, exige mais um sujeito confinado, segundo os preceitos da vigilância Sumário cursos turísticos visando apresentar suas belezas. O artista fez os endereços precisos e os nomes de proprietários), realizando um simultaneamente, em diversos lugares e em lugar nenhum, não se Editorial mente os turistas deparam-se com um guia propondo cinco per- cartões com chips, perfis na internet, GPS e sensores, controlam o sujeito ‘inseguro’30 em sua mobilidade cada vez maior.” (LEMOS, Capa diferenciada da capital francesa, com a possibilidade de visuali- 30 (Grifo do autor). mapeamento destas. O autor criou uma “errata” no próprio guia e este trabalho realiza a ideia de “injetar realidade” no imaginário produzido por quem controla o espaço a quem o visita. Reforço a ideia de Lemos a respeito da forma sutil como a vigilância esta presente no cotidiano, o que é discutido no trabalho de Renaud Auguste-Dormeuil: Os exemplos com as câmeras de vigilância, as mul- tisenhas bancárias, os life-loggs, as redes sociais móveis, as etiquetas RFID e os celulares com redes bluetooth mostram que a computação ubíqua, que a internet das coisas com suas tecnologias, redes e sensores eletrônicos transformam a vigilância panóp - CIANTEC’14 tica em um controle invisível, modular e distribuído, dialoga com o dispositivo móvel? Que relações es- Antes, as ameaças à privacidade eram visíveis: ou - Por que um corpo deveria mover-se? Para quê? - ao mesmo tempo em todos e em nenhum lugar. (...) congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Guilherme Rezende Landim imobilidade ou quebra de fronteiras materiais bem nítidas (casa, trabalho, corpo, prisão, hospital, esco la...). Agora, a vigilância locativa é invisível e sutil já que é o próprio usuário que, na maioria das vezes, produz deliberadamente os dados (data e capta), sentindo -se produtor livre de informação em mobilidade (LEMOS, 2009: 638). P R O C E S S O S L O C AT I V O S N O E S PA Ç O URBANO: O CORPO COMO MOTOR O corpo é motor da relação usuário/dispositivo/rede. Atento aqui para a importância da relação corpo-máquina, o primeiro, no truturais se estabelecem? - Em relação à mobilidade Em relação ao lugar - Como o território pode emergir como um marco contex to e como uma simples locação? 31 ( YEREGU I , 2 010: 6 7 ). O projeto Constraint City de Gordan Savicic é uma in- tervenção urbana cuja abordagem volta-se à invisibilidade dos flu- xos de informação, a qual é transposta à dor física. O performer e criador do projeto, Gordan Savicic, é equipado com um corsete (corset) com motores e consoles wi-fi, à medida que perde sinal de rede o console provoca impulsos que progressivamente causam feridas no corpo do performer. O artista cria uma espécie de cartografia da dor para criticar as tecnologias de informação, o corpo pode ser entendido neste trabalho como suporte cartográfico. caso de mídias locativas, desempenha um papel fundamental, o O dispositivo acoplado ao corpo incita a compor ta- Capa processo se concretiza com sua movimentação pelo espaço urba- mentos psicomotores em uma fusão em que este não Editorial no, pois os conteúdos locativos são acionados de acordo com a opera como simples motor. Dispositivo e corpo são Sumário localidade em que se encontra. Neste sentido acrescento os ques- tionamentos de Yeregui envolvendo práticas artísticas voltadas às ciências cartográficas, tendo como cerne o corpo e sua movimentação pelos espaços: Página - 183 Em relação ao motor da mobilidade - o corpo - Como alternativamente motor e móvel sobre um fundo (= a 31 Nossa tradução para “Everyday walks between home, work and leisure are recompiled into a static schizogeographic pain-map whose data is acquired from Google-Maps (...)”. Disponível em http://www.laboralcentrodearte.org/en/files/2008/ exposiciones/homo-ludens-ludens-doc/HLL_cat_final.pdf-en Visualização em 02 Jan. 2014. CIANTEC’14 Guilherme Rezende Landim rede) que cria tramas de relações em um todo rizomá- que é obtido a par tir de ser vidores GoogleMaps com tico, mutável, dinâmico 32 (YEREGUI, 2010: 68). congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação scripts automatizados. Ao vestir a camisa de força, o ar tista não só escreve, mas é ao mesmo tempo também é capa z de ler o código da cidade 3 4 . Disponível Reforço a importância da compreensão e do estudo voltado ao usuário de gadgets, como um corpo que se movimenta pelo em ht tp:// w w w.yugo.at /equilibre/ Visualização em 28 espaço urbano, proporcionando a execução das criações com mí- jan. 2014. dias locativas de acordo com a ideia de Yeregui (2010: 68) em que este é “tanto instância performática que denota uma determinada individualidade que pensa, decide, deseja, aciona motivadamen- Os estudos e práticas referentes à locative media artworks geralmente voltam-se ao dispositivo como centro, revendo minhas te, é o que, favorece a sua mobilidade, define uma certa noção próprias pesquisas identifico esta preocupação. A partir da visão do corpo como motor para a criação de novas territorialidades. O ário/dispositivo/conteúdo locativo, onde o cerne da discussão vol- territorial” 33. É interessante notar neste tipo de trabalhos a ideia artista trabalha através da performance de intervenção na cidade a questão de espaço público e privado no domínio das limitações do cotidiano, o trabalho é descrito como: de Yeregui foi possível criar uma nova perspectiva da relação usu- ta-se ao corpo, sua movimentação, seu percurso pelos espaços. Foi possível repensar o mapeamento através da noção da interface social dos lugares, para tanto, Yeregui afirma: Se queremos chegar a uma zona de diálogo onde os meios Todos os dias caminha entre casa, trabalho e la zer são recompilados em um mapa- dor schizogeográfico Capa Editorial Sumário Página - 184 32 Nossa tradução para “El dispositivo acoplado al cuerpo incita a comportamientos psicomotores en una fusion en la que este no opera ya como simple motor. Dispositivo y cuerpo son alternativamente motor y móvil sobre un fondo (= la red) que enhebra tramas de relaciones en un todo rizomático, mutable, dinâmico” (YEREGUI, 2010: 68). 33 Nossa tradução para “tanto instancia performática que denota una determinada individualidad que piensa, decide, desea, aciona motivadamente, es el que, merced a su mobilidad, define una cierta noción territorial” (YEREGUI, 2010: 68). móveis conseguem engajar uma instância de exploração profunda no campo da arte, havia que transcender a lógica dos dispositivos, da mera localidade um tanto “trackeable” para abordar ao indivíduo nesta instância de definição territorial 35 (YEREGUI, 2010: 68). 34 Nossa tradução para “Everyday walks between home, work and leisure are recompiled into a schizogeographic pain-map which is fetched from GoogleMaps servers with automated scripts. By wearing the straight-jacket, the artist not only writes, but is at once also able to read the city code.” Disponível em http://www. yugo.at/equilibre/ Visualização em 28 jan. 2014. 35 Nossa tradução para “Si queremos llegar a una zona de dialogo en donde los CIANTEC’14 É interessante notar nos últimos dez anos o desenvolvimento de tecnologias que potencializam a localidade, o que reflete diretamente no campo artístico, com discursos voltados ao “(...) congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação caráter móvel dos dispositivos e que atualizam – por sua própria natureza – noções que atraem às geografias, aos lugares, à experiência no espaço e ao rol de indivíduos e de seus corpos nos ter- ções nunca antes vistas, mas operam segundo as lógicas de um capitalismo semiótico e cognitivo” 37 (BAMBOZZI, 2010: 103). Retomo aqui os pontos abordados por Lucas Bambozzi, os de um conteúdo locativo. Com as leituras deste trabalho foi pos- Reforço aqui a ideia de Bambozzi (2010: 102) a respeito das contradições das tecnologias e processos locativos, ao observarmos discursos de empresas que se apropriam destas possibilidades com seus slogans de Anytime, anywhere, everywhere, Con- Página - 185 de que os avanços tecnológicos estariam promovendo mobiliza- nador de uma nova paisagem que se forma, de um novo corpo paradigma no campo da arte digital no século XXI como questio- CONCLUSÃO Sumário mais efetivas no campo social, o que opõe-se diretamente à “ideia quais mencionei na introdução deste texto, pontos de tensão, ex- trânsito dinâmico e criador de discursos. Editorial das inovações tecnológicas no âmbito locativo de participações ritórios” 36 (YEREGUI, 2010: 61). Yeregui (2010, 62) nota este novo como um vetor de análise e reflexão, de um corpo que suscita um Capa Guilherme Rezende Landim necting People e outros. É evidente neste discurso o afastamento medios móviles logren entablar una instancia de exploracion profunda en el campo del arte, habría que transcender la lógica de los dispositivos, de la mera localidad en tanto “trackeable” para abordar al individuo en esta instancia de definicion territorial” (YEREGUI, 2010: 68). 36 Nossa tradução para “(...) carácter móvil de los dispositivos y que actualizan – por su própria naturaleza-nociones que atrañen a las geografias, a los lugares, a la experiencia em el espacio y al rol de los indivíduos y de sus cuerpos em los territórios” (YEREGUI, 2010: 61). pressividades ou qualidades de um trabalho artístico que utiliza-se sível estabelecer um raciocínio, não estanque, referente às ações sociais da arte. Nem sempre ações efetivas, tratando-se de um contexto geral de artistas que voltam-se ao campo da tecnologia devido ao seu contexto que envolve além dos artistas e público, marcas, operadoras, espaço urbano e poder público. Contrário a esta lógica é possível perceber em grande parte dos projetos citados neste trabalho, principalmente em Transborder Immigrants Tool, uma postura crítica e até mesmo ativista no caso mencionado, algo que acredito ser crucial à produção de arte com meios móveis. À guisa de conclusão reforço aqui a ideia de espaços in- formacionais cada vez mais presentes, espaços constituídos por usuários, gadgtes e informação digital multimídia, os quais tem 37 Nossa tradução para: “la idea de que los avances tecnológicos estarían promovendo movilizaciones nunca antes vistas, pero que operan según las lógicas de un capitalismo semiótico y cognitivo” (BAMBOZZI, 2010: 103). CIANTEC’14 sido cada vez mais questionados, principalmente no que tange aos conflitos explorados por Beiguelman, ao tratar dos lugares da arte, da propaganda e da informação de um lado e por outro as relações congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação entre lugar e não lugar. Os trabalhos artísticos com mídias locativas trouxeram uma força na busca por explorar estes tensionamentos. Yellow Arrow Overview, iSee, Mabuse Paris Visit Tour, Transborder Immigrants Tool, Loca e Constraint City são exemplos destas práticas ao questionar os espaços da cidade, a mobilidade e o fluxo de pessoas pelos espaços públicos e privados, além daqueles que abordam questões relacionadas à vigilância e computação ubíqua. REFERENCIAL BAMBOZZI, Lucas. El lugar de la negociación de la movilidad. In.: Nomadismos Tecnológicos, editado por Giselle Beiguelman e Jorge La Ferla. Ed. Fundacion Telefonica. Buenos Aires, 2010. 168 p. ISBN 978-987 1496-05-1. FRANCO, Juliana. Cartografias subversivas e geopoéticas. In.: Revista Capa Editorial Sumário Geografares, n°12, p.114-137 Julho, 2012. ISSN 2175 -370. Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?newwindow=1&um=1&ie=UTF8&lr=&cites=13790049262100432325 Acesso em 05 Fev. 2014. HOLMES, Brian (2008). The Affectivist Manifesto. 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O Pós-modernismo não enquacongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação do consumo à sociedade da comunicação. E enquanto se fala mui- sai de moda 4. Com o fim do pós-moderno, surge uma nova gera- pela cibercultura e pela tecnologia. Nós passamos da sociedade to em torno da análise dos processos de comunicação, em tudo o anos 80 o debate começa a esfriar: a proposta “pós-modernista” ção de “desconstrutivistas”: novos materiais, novas técnicas, ques- que diz respeito à organização social e aos diferentes sistemas tec- tionamento de dogmas, reflexões sobre a instabilidade e o acaso fora de qualquer análise consistente da mudança de perspectiva1. Teoria do Caos, e dos avanços e novas descobertas científicas na nológicos de transmissão de informação, a arte parece continuar comentário que as leve em conta para reformular os princípios de vindas dos novos questionamentos produzidos na física, como a física quântica, na biotecnologia, que acabaram trazendo novos questionamentos filosóficos. Os princípios da comunicação em ação, suas consequên- seu exercício. cias particulares, e seus efeitos são de vários tipos. Alguns estão sacudido pelas ‘novas comunicações’; sofre seus efeitos, e parece palavras, à ideologia dominante. Nessa ideologia, certos conceitos Mas assim como em outras atividades, o mundo da arte foi leviano tratar esses efeitos como mutações superficiais 2. INTRODUÇÃO Capa Nessa Sociedade da Comunicação, tem havido um grande crescimento de eventos que celebram a arte contemporânea e que 1 CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea - Uma Introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 56. Página - 189 De repente o debate estético passa a ceder seu lugar para uma discussão conteudística, por vezes sociológica. No final dos sorveram bastante essa modificação, mas não suscitam nenhum Sumário a tornam disponível para as massas 3. dra mais as características tão únicas do século XXI, envolvido Fato ainda mais estranho, as práticas artísticase museológicas ab- Editorial Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra 2 Ibid. relacionados à ideia que a sociedade faz de si mesma, em outras desempenham o papel de senha e tecem entre si um léxico, ou mesmo uma sintaxe, uma linguagem por meio da qual uma realidade vê o dia, se nomina e se define 5. São esses efeitos que servem como palavras-chave para, tanto compreender o que acontece, quanto para operar dentro desse mundo. Outros efeitos dizem respeito a certos domínios particulares 3 LUCIE-SMITH, E. Art Tomorrow. New York: Weatherhill, 2002, p. 8. 4 Cf. AGRA, Lúcio. História da arte do século XX. Ed. Anhembi Morumbi, 2004. 5 CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea - Uma Introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 57. CIANTEC’14 que foram particularmente transformados pela comunicação. Esse é o caso do domínio da arte, enquanto outros continuaram em uma estabilidade relativa, admitindo algumas modificações marginais – congresso internacional o sistema de educação, por exemplo. (É, aliás, essa disparidade e comunicação rias estéticas. Que afeta cada artista. reitos autorais. A possibilidade de um escritor acessar rapidamen- ser imaginativo. O conceito de imaginação deve ser A tecnologia também mudou a natureza da autoria e dos di- ta, ainda, válido – o ar tista deve ser visto como um te diversas ideias em um mesmo assunto, mesmo para assuntos entendido como o exercício da capacidade criativa. O ideia de outro, ou ao menos misturando ideias originais com pensamentos emprestados. Na internet, aonde existem diversos links dentro de um mesmo texto, o declínio da separação clara de ideias alterou a noção de autoria. Na música também se “cita” partes e melodias de outros compositores, além da tecnologia que ajuda não-profissionais a também fazê-lo. Estamos repensando a noção de quem é o artista por trás de cada obra. É um novo tipo de autoria surgindo, a definição de autoria de abriu completamente. Roland Barthes7 e Michel Foucault 8 professaram que o Autor morreu. Webmasters que produzem hipertextos casam textos e Editorial escritores em configurações (como o grande exemplo da Wikipe- Sumário dia) que estes últimos jamais poderiam ter previsto e talvez nunca Página - 190 pertextos são questionamentos sobre divisões culturais e catego- Considerando que o conceito de vocação se apresen- mais refinados, aumentou a chance de um autor estar usando a Capa tivessem autorizado. Questões sobre a autoria desses novos su- dos efeitos que dificulta uma visão clara da modificação) 6. em artes novas tecnologias Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra 6 Ibid. 7 Cf. BARTHES, Roland. Critical Essays. Northwestern University Press, 1972. 8 Cf. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2002. ar tista seria, então, aquele ser que exercita sistemática e profissionalmente, mais do que as outras pessoas, a capacidade imaginativa. Aquele ser que apreende, com convicção, a missão (humana) de guiar as formas de criatividade 9. A crença de que o artista é um ser único e especial também inevitavelmente diminuiu devido a esses fatos, e assim sendo, tam- bém podemos verificar que o número de artistas cresceu exponencialmente. Pessoas cansadas de seu trabalho podem agora produzir um vídeo artístico em seu tempo livre, e de acordo com sues contatos e habilidades para divulgá-lo na internet, podem também até mesmo ficarem famosas com ele. O artista contemporâneo era um paradigma de um processo de autoconhecimento criativo que anteriormente era pensado ser um direito de nascimento de cada 9 RIZOLLI, Marcos. Artista, Cultura, Linguagem. Akademika Editora, 2005, p. 162. CIANTEC’14 cidadão do mundo10. internacional em artes livros, bandas e assim por diante. Os artistas verdadeiros e impor- nais para divulgar a criatividade, de um número maior de canais de cupados”. Desta maneira, o desafio não é mais criar arte, mas sim televisão a cabo à portfólios online, deu uma nova vantagem para artistas, escritores, diretores e músicos em suas brigas com os novas tecnologias detentores de capital. Uma nova era de individualismo então veio, e comunicação e trouxe uma grande explosão de produção cultural sem precedentes. Cada novo filme produzido é capaz de atingir de maneira barata uma audiência de centenas de milhares. Mas irônica e consequentemente, os artistas ganharam mais meios de produção, mas perderam meios de chamar a atenção para eles mesmos. Os canais de distribuição aumentaram, mas as barreiras para entrar na indústria cultural deixaram de existir, de maneira que o número de pessoas entrando nessa indústria multiplicou. A tecnologia fez com que publicações ou gravações em pequenas redes se tornassem muito mais baratas, não seria mais Capa Editorial Sumário tantes agora têm que competir com os artistas “’amadores-desoachar um produtor, um distribuidor, que possa diferenciá-la de todo o resto. É claro que se pode fazer um filme independente, mas o grande desafio é achar um distribuidor para ele, quando este não se encaixa em nenhuma categoria. É claro que os marqueteiros estão cada vez mais refinando essas categorias, mas os antigos métodos de inspiração criativa não mudaram, não melhoraram. É uma época mais favorável para a arte que para os artistas, pois a competição traz a melhora do produto, mas dificulta o reconhecimento do autor. Há um novo esquecimento por parte dos artistas de colocar-se verdadeiramente em questão e de autocriticar-se. A difusão da mídia nos faz viver hoje em um quadro sem referências. necessário utilizar uma editora ou uma gravadora, quando você Os fatos e os acontecimentos são fragmentados, são próprio quarto. Como havia a possibilidade de mais pessoas pro- referência a uma totalidade que lhes dê sentido. De poderia escrever e publicar seu livro, gravar um CD, dentro de seu duzirem arte, mais pessoas o fizeram, e o mercado ficou inundado de produções. Mas a diversidade tem o efeito de provocar o vazio intelectual, e reduzir à vida no mundo à tagarelice. Página - 191 Hoje há muita produção, muita arte, muitos artistas, filmes, Os próprios artistas, que recebiam ordens de produtores, agora recebem ordens dos marqueteiros. Essa proliferação de cacongresso Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra 10 SEABROOK, John. Nobrow: The culture of marketing, the marketing of culture. Vintage books, 2001, p. 72. obser vados de todos os ângulos, carecendo de uma todos os acontecimentos, só vemos os detalhes. Consumimos milhões de notícias sem reflexão. Os efeitos especiais e secundários nos escondem o fundamental. Não sabemos mais distinguir o impor tante do trivial. A informática, as redes de comunicação e a mídia se CIANTEC’14 congresso conver tem num grande acelerador de par tículas im- artista que tinha toda uma jornada para se tornar o que era desa- sas. E com a perda do horizonte histórico, perdemos ou você simplesmente é brilhante agora, ou está morto para o pedindo -nos de perceber a órbita referencial das coi- pareceu. Não se tem mais o direito de ingressar em uma jornada, também o sentido da história. Vivemos na imediatez mercado. e na dinâmica do provisório. Não distinguimos mais internacional em artes e comunicação uma arte individualmente dirigida. As corporações agora estão por poria a liber tação das alienações que nela ocorrem? plo, mas não só patrocinando, também direcionando seu conteú- Estaríamos completamente entregues ao esteticismo do presente? 11 Assim, antes deste novo milênio, a arte feita para as mas- sas e a arte feita para uma audiência culta eram bem separadas e distintas uma da outra. Agora a cultura está dentro do “contexto trás de grandes produções, patrocinando a Broadway por exemdo para desenvolver os seus interesses no público. Não estamos apenas introduzindo novos artistas no mercado, não no sentido de descobrir um artista pelo o que é, pelo seu talento, mas sim introduzindo um novo produto. A capacidade do artista de criar uma contestação interna e um questionamento de suas próprias ideias foi perdida, a ponto de reduzir o indivíduo livre a uma simples ma- de não ter contexto”. rionete realizando espasmodicamente os gestos que lhe impõe o como antes, e como marqueteiros estão sempre à procura de pro- vozes discordantes não são mais abafadas pela violência bruta ou Neste grande número de artistas, o talento continua raro duções independentes para suprir a demanda por conteúdo auCapa têntico, muitos artistas que eram bem sucedidos como indepen- Editorial dentes acabaram caindo no mercado antes de estarem maduros o Sumário suficiente para isso. A arte independente vende, mas o preço pelo qual é vendida é o preço da independência12. O antigo conceito do Página - 192 O processo corporativo começa a ditar o que sempre foi entre o objeto e sua imagem. Estaríamos em uma escatologia do tempo cumprido? A saída da história su- novas tecnologias Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra campo sócio-histórico: ganhar dinheiro, consumir e gozar. E as pela censura, mas sim por uma comercialização generalizada13, como menciona Hilton Japiassu. É com o “monoteísmo do mercado” 14, com o triunfo da so- ciedade de consumo e a crise das significações imaginárias, que Vintage books, 2001, p. 108. 11 JAPIASSU, Hilton. Nem tudo é relativo – A questão da verdade. Ed. LETRAS E LETRAS, p. 10. 13 JAPIASSU, Hilton. Nem tudo é relativo – A questão da verdade. Ed. LETRAS E LETRAS, p. 6. 12 14 SEABROOK, John. Nobrow: the culture of marketing, the marketing of culture. Ibid, p. 7. CIANTEC’14 se manifesta a atual “crise do sentido”. Ao estabelecer os valores econômicos como seus valores centrais e ao estabelecer a economia como o objetivo da vida humana, a sociedade atual lhe propõe congresso como objetivo a corrida desenfreada para um consumo sempre internacional maior e um culto à divindade “mercado”. em artes Não tendo mais necessidade de indivíduos autôno - novas tecnologias mos, ela os atomiza para melhor conformá-los. E se e comunicação este início de século XXI, um momento aonde se valoriza produção e velocidade, o contrário do que a arte requer: tempo, reflexão, tranquilidade e espaço. No nosso mundo contemporâneo aonde há tanta informação sendo produzida e consumida, e com o resul- ficas e os movimentos irracionais parecem constituir alcançaria tamanho impacto. Mas a atualidade também criou uma chance para os artis- tas que estão entre a produção independente e a fama. Os artistas nesse meio-espaço, autores medianos, diretores bons mas não brilhantes, bandas consistentes mas não espetaculares, todos es- ses puderam manter sua produção nesta nova sociedade cultural. Os artistas não devem dar expressão ao conteúdo da épo- ca. São eles que devem outorgar conteúdo a essa época (Konrad 15 tal peso como um Fausto, de Goethe? O palco da cibercultura é mudarmos do trivial para o importante de um segundo pro outro, perca bastante de sua audácia 15 . Página - 193 da sociedade digital, seria possível a confecção de uma obra de significações, distintas da expansão da produção e do estranhar que o pensamento se torne desfigurado e Sumário Sim, a arte ganha com uma produção maior. Agora, dentro tado vindo disto sendo a nossa necessidade de constantemente as duas faces de uma mesma medalha, não é de se Editorial Fiedler, 1876) 16. esquece de colocar no centro da vida humana outras consumo. Num momento em que as ideologias cientí- Capa Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra Ibid. um texto como Fausto poderia até ser produzido, mas dificilmente A mistura de diversas tendências mencionada deu origem ao que seria chamado de Hibridismo, e este último daria origem a diversas outras tendências até chegarmos ao nosso momento estético-cultural atual sem categorização. Reiterando, ele surge da falta de noção de autoria, e é a evolução do hibridismo vinda da interatividade típica da cibercultura, caracterizada como uma cultura interativa digital em tempo real. Enquanto obras de arte híbridas tem características de diferentes tendências misturadas em si e não são necessariamente ligadas a cibercultura; as novas obras do século XXI não tem como desvincular-se da cibercultura e são únicas, suas origens e influencias podem ser várias, mas 16 MORAIS, F. Arte é o que Eu e Você Chamamos de Arte. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 191. CIANTEC’14 são impossíveis de serem reconhecidas, tornando a arte do século XXI inclassificável. Conforme mencionado anteriormente, o claro delineamento congresso da evolução da cultura deixa de existir no advento da cibercultu- internacional ra, pois esta faz com que um artista possa ser influenciado por em artes novas tecnologias e comunicação pela articulação social no ciberespaço. O século XXI começou com uma forte tendência a essa es- O presente cultural escapa a categorizações. É a época do iso- arrebatados por influências infinitas, muitas vezes não sendo nem mesmo pessoalmente capazes de dizer de onde estas vieram, consequentemente criando uma grande dificuldade para os artistas nomearem-se ou integrarem um movimento único, pois hoje em dia somos atemporais e ageográficos. Os bens culturais dificilmente classificáveis estão surgindo um horizonte único, um estilo único constitutivo de uma época. lamento local de artistas, todavia unidos internacionalmente via ciberespaço. É a união de tudo na indeterminação. É a articulação do mundo, de toda obra e todo artista na internacionalização das artes de todos os lugares por meio da comunicação proporcionada pela tecnologia, é a confluência global de características culturais. Vivemos este fenômeno simultaneamente local e internacional, si- tuado na era da cibercultura, que utiliza o ciberespaço como meio para a internacionalização da cultura. É a era da arte completamente desvinculável da tecnologia, como a cultura do século XXI, nascida sob condições tecnológicas da cibercultura. é o inclassificável na era da cibercultura, e como dito anterior- I N T E R AT I V I D A D E e culturais específicas da contemporaneidade. Mais precisamente, mente, consequência da interatividade mundial, o que os tornam completamente típicos deste milênio, e não da ultrapassada con- cepção do pós-moderno. Esses bens culturais não são necessariamente vinculados ao digital e ao interativo; eles não estão obriPágina - 194 respaço. É uma estética cultural internacionalmente estabelecida conjuntamente influenciado com um artista neolítico asiático e por dem temporal ou geográfica. O artista contemporâneo pode ser de diferentes culturas, diferentes épocas e localizações. Somos Sumário ou indiretas de outras obras e artistas do mundo inteiro pelo cibe- tética cultural; é possível observar que a cultura atual não segue nos trouxe um enorme número de possibilidades de influências Editorial pelos traços da cibercultura; cada um recebeu influências diretas culturas completamente desconectadas, fora de uma devida or- um expressionista africano. A questão atual é que o ciberespaço Capa Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra gatoriamente no ciberespaço. Contudo, cada um foi influenciado O termo interatividade, segundo Silva (2000) “tem origem na arte participacionista da década de 1960 e, na virada do século XX para o XXI se apresenta como tendência geral, como um novo paradigma comunicacional”. CIANTEC’14 Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra Nós, pesquisadoras, temos nos deparados com inúmeras situações que se definem como interatividade, mas será que as pessoas sabem o que é interatividade, ou será que o termo está congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação virando um modismo. Silva cita paradigma comunicacional, mas muitos ainda pensam que “apertar o botão” é estar interativo. Para nós, interatividade é inclusão. Incluir, no sentido de construir junto, e fazer parte. Pode-se identificar interatividade nas Artes, quando a cria- ção e a exposição estão dialogando com a tecnologia, atraindo a participação de criador e fruidor. A interatividade é a palavra- chave das tecnologias digitais propiciando a interação no sentido estrito do termo. A contemplação estéril, baseada na mera interpretação de ordem mental, é trocada pelo conceito de relação. A interatividade se dá através de dispo sitivos de acesso que permitem ao antigo espectador provocar mutações no que lhe é proposto, num Capa diálogo, numa par tilha com o pensamento do ar tista. Editorial Muitas obras nem existem se não houver esta par tici- Sumário pação. (DOMINGUES, 2011,p. 37) Heartscapes. 20 05. Diana Domingues e Grupo Artecno UCS. Arte/ Tecnologia Para exemplificar a interação com a obra a partir da interatividade do fruidor, escolhemos a instalação, nomeada Ourt Heart, Página - 195 criação da artista Diana Domingues. Com software especialmente CIANTEC’14 desenvolvido para a instalação, ocorre a captação e interpretação internacional em artes mesmo em diferentes níveis de conexão, as Redes Sociais operam Com “a arte e tecnologia” surge uma nova visão daque- Orkut, myspace, blog, twitter), redes profissionais (LinkedIn), fó- le que era apenas expectador, para aquele que através da interatividade participa da obra, o interator. novas tecnologias e comunicação Espera-se deste outro que se ponha em relação com a obra e dela par ticipe inteiramente, não somente por através de depoimentos e os visitantes podem “acompanhar” e ou “interagir” com comentários, acrescentando informações. Assim, podemos perceber que os ambientes virtuais através com o que queremos aprender e ensinar. contexto da geração digital que utiliza as TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação), para promover novas perspectivas para aprendizagem, com ambientes virtuais como o AVA (ambiente virtual de aprendizagem) e o AVEA (ambiente virtual de ensino e aprendizagem). Através desses ambientes virtuais a modalidade que promovem riqueza de interações nos espaços participativos, E alguns museus do século XXI, além de colecionar, pre- servar e comunicar, também adaptaram o uso de recursos tecnológicos como linguagem para facilitar a forma de socialização de conhecimento, pois como reconhece Menezes (2011): Os museus, ontem como hoje, tem potencial de exercer várias funções: fruição estética, conhecimento crítico, informação, educação, desenvolvimento de vínculos de subjetividade, sonho, devaneio, etc. Rompendo com a estrutura formal do museu tradicional só de ensino EAD (Ensino a Distância), possibilita que o aluno assista para contemplação do seu acervo, alguns museus incluíram nas -aulas, avaliações virtuais, fóruns de discussões, portfólio virtual, A criação com poéticas tecnológicas se fa z em com- as teleaulas interagindo simultaneamente através de chats, webpromovendo assim, a interatividade entre aluno/computador/pro- Página - 196 ambientes virtuais são registrados diferentes tipos de experiências dade do corpo inteiro do visitante que a obra se com- Relacionado à Educação, o termo interatividade surgiu no Sumário runs, videoconferências, sites, e outros que estão por vir. Nesses do acesso a internet são meios de informação e de comunicação, pleta. (OLIVEIRA , 2011, p.75) Editorial em diferentes níveis, como: redes de relacionamentos (facebook, intermédio de seu intelecto, mas de toda a sua rede sensorial, pois é, inclusive, contando com a sensibili- Capa Para priorizar os interesses do internauta e a participação do dos sons do coração, transformando os padrões das imagens projetadas. congresso Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra fessor/processo de aprendizagem. suas várias funções: a interatividade. putadores, vídeo, pela transmissão de imagens, sons, tex tos, fa x, internet que permitem gerar produções CIANTEC’14 cujo traço mais instigante é a interatividade, ou o diálogo mediado por máquinas. Nas tecnologias interativas, o público é um par ticipante da experiência, Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra A instituição Museu está diretamente associada à evolução cultural da humanidade, transformando-se no tempo, no espaço e na comunicação. Desde seu nascimento, os museus são relacionados ao sig- congresso abandonando a velha contemplação e suas interpre- internacional tações passivas, para dialogar através de dispositivos nificado da palavra e a exibições de diferentes coleções. A palavra tas, em escalas planetárias, em estados de navega- Antiga. Um templo dedicado às nove musas, que eram divindades em artes novas tecnologias e comunicação circulando em bites, ondas, fluxos, em trocas imedia- ção, imersão, conexão, transformação, emergência. Tudo se conecta com tudo, tudo está em estado de permutabilidade, de possibilidade, em estado de contaminação quando circulamos na imaterialidade dos territórios digitais. (DOMINGUES, 2011, p.37) Essa proposta de participação é o grande diferencial dos Museus Interativos, onde os visitantes se encantam com a alta tecnologia e querem “experimentar o acervo imaterial”. Capa Editorial Sumário MUSEUS: HISTÓRIA E TRANSFORMAÇÕES Cada geração se viu forçada a interpretar esse termo impreciso – museu – de acordo com as exigências sociais da época. F.Taylor Museu deriva do grego mouseion, ou casa das musas na Grécia relacionadas à história, a poesia, a música, a comédia, a tragédia, a eloquência, o canto, a astronomia e a dança. “As musas, donas de memória absoluta, imaginação criativa e presciência, com suas danças, músicas e narrativas, ajudavam os homens a esquecer a ansiedade e a tristeza”. Foi no período do século II a.C., na Alexandria, que se formou o mouseion, conhecido como espaço de reunião dos conhecimentos de diferentes áreas do saber. Os museus formaram seus acervos a partir das mais variadas coleções; logo, o ato de colecionar, que existe desde a antigui- dade, sempre esteve ligado às preocupações museológicas. Seres coletores do passado afirmavam também seu poder reconhecendo per tences dos povos vencidos. Ou gostavam de guardar o que era exótico, diferen- te, desconhecido. Assim nasceram coleções de imperadores e reis que se conver teram em Gabinetes de Curiosidades. Página - 197 CIANTEC’14 Ao longo da Idade Média, as coleções tinham caráter de patrimônios de reserva para financiamento de guerras ou outras atividades estatais; com o passar do tempo, foram as catedrais e congresso mosteiros que acumularam objetos ao culto cristão. No período do internacional Renascimento surgiram os gabinetes de curiosidades ou quarto em artes das maravilhas, que eram lugares onde se colecionavam vários novas tecnologias e comunicação objetos raros ou estranhos, com organização diferente da que co- nhecemos atualmente nos museus. Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra É bom que seja mencionado que as galerias de ar te encomendadas pelos monarcas, príncipes e papas para suas residências acabaram dando origem aos museus de belas-ar tes, enquanto os gabinetes de curiosidades originariam os museus de história natural, e os gabinetes de antiguidades, os museus de arqueologia.” (Vasconcellos, 2006, p.17) Conforme Vasconcelos, de maneira geral, podemos afirmar que as grandes coleções da época renascentista é que nos dão pistas para entender as origens da instituição museológica. Porém, a importância das coleções que formavam o acervo, não é o ponto fundamental, nessa pesquisa, pois focamos na re- lação público/museu. O acesso aos primeiros museus, originários dos gabinetes de curiosidades, era para círculos privados, inaces- síveis à população em geral. Para Suano, nos tempos modernos, foi o Papado, que não escapara ao colecionismo do período, que pela primeira vez abriu suas coleções ao público em 1471, num antiquarium organizado Capa pelo papa Pio VI. Editorial Sumário Frontispício do Musei Wormiani Historia mostrando o quarto das maravilhas de Worm O primeiro museu público que se tem notícia é o Ashomo- lean Museum, inaugurado em 1683, cujo acesso era bastante res- trito, somente para especialistas e estudantes universitários. Em 1750, o Palácio de Luxemburgo abriu visitação para o público, dois Página - 198 dias por semana. Em 1755, o Palácio de Postdam, na Prússia, e o CIANTEC’14 Palácio Hermitage, em São Petersburgo, abriram a visitação, porém, com a exigência das pessoas estarem devidamente trajadas. As restrições à visitação pública na Europa, não era somen- congresso internacional te pela preocupação contra roubo, mas sim em relação ao desrespeito às coleções, conforme Suano: em artes novas tecnologias e comunicação O grande problema era que na Europa, até o século XVIII, e mesmo XIX, era muito grande o número de pessoas incapa zes de ler e escrever, sem nenhuma educação ou informação sobre o mundo para além de sua pequena vila ou cidade. E para esse enorme contingente, coisas raras e curiosas estavam associadas aos circos e feiras ambulantes. Dessa forma, suas visitas as coleções da nobreza eram sempre feitas em alegre e “desrespeitosa” alga zarra. Esta mesma autora completa: Na realidade, foi somente o Capa Editorial Sumário acervo e experimentos de exibição, com roteiros que ofereciam panoramas sobre história, cultura, ciências e tecnologias da humanidade na demonstração do acervo. No século XX, o grande número de museus provocou uma crise conceitual na instituição, o que gerou muitas discussões so- bre a preocupação com os recursos museográficos, a formação de pessoal, as publicações, e principalmente o acesso das coleções para os diferentes tipos de público. Conforme Suano deveriam ser desenvolvidas funções em que o museu propiciaria a constante reflexão – digestão e criação - sobre a cultura material contemporânea e faria de cada visitante um agente potencial do museu. Nos dias atuais continuam os estudos relacionados à insti- tuição museológica, investigando suas funções, responsabilidades e relação público/museu. O museu é agência de preser vação e educação e base para o desenvolvimento – porque não há desen- movimento revolucionário do final do século XVIII que abriu defini- volvimento sem educação e não há educação comple - te públicas. social – porque par ticipa da dinâmica cultural e na tivamente o acesso às grandes coleções, tornando-as efetivamenNo século XIX, houve uma grande proliferação de museus na Europa, nos Estados Unidos e também no Brasil. Os museus eram estruturados para reproduzir determinados contextos socioculturais, mas de forma ordenada, limpa e criteriosa, diz Carva- Página - 199 Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra lho. Nesse período, foi introduzido nos museus a catalogação do ta sem consciência patrimonial – e para a mudança construção da democracia. (CURY, 2008, p.1) Percebemos, portanto, que os museus estiveram voltados a repensar seu papel social e na construção de conhecimento a partir das exigências sociais de sua época. CIANTEC’14 Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra Isso lhes coloca desafios e abre opor tunidades para o desenvolvimento de novas estratégias de relacio namento com os públicos e com as coleções, repencongresso sando e reequacionando os espaços e as formas para internacional esse encontro. em artes No século XXI, as exigências demonstram que a informação novas tecnologias e comunicação e a comunicação estão cada vez mais influenciadas e transformadas pelos rápidos avanços tecnológicos. Segundo Carvalho, podemos identificar as seguintes cate- gorias: Museu Folheto, Museu de Conteúdo, Museu de Aprendizado e Museu Virtual. Através de endereços na internet, eles têm os seguintes objetivos: • Museu Folheto: Informar visitantes potenciais sobre o museu. • Museu de Conteúdo: Proporcionar um retrato detalhado de suas coleções. • Museu de Aprendizado: através de apresentação online do acervo, estimular o visitante virtual a estabelecer uma Capa relação pessoal com a coleção real. Editorial • Museu Virtual: mediação e relação do patrimônio, total- Sumário mente virtuais, com seus usuários. soa. Página - 200 Como exemplo de Museu Virtual, citamos o Museu da Pes- Página Inicial do Museu da Pessoa Museu da Pessoa é formado por quatro núcleos, a saber: Brasil, Canadá, Estados Unidos e Portugal, ligados por uma metodologia e objetivos em comuns, como compartilhar a história pessoal (do visitante virtual) a fim de democratizar e ampliar a participação dos indivíduos na construção de memória social. O acervo digital é formado por depoimentos espontâneos dos visitantes/ internautas. Mas, os museus vem estabelecendo redes e conexões mui- to antes da era da informação...já atuavam como conectores de espaço e tempo, diz Monteiro (2010, p.3). CIANTEC’14 Atualmente, alguns museus além de atuarem como conecto- pante da experiência, abandonando a velha contem- vos”, ou seja, estão utilizando a alta tecnologia para demonstrar através de dispositivos circulando em bites, ondas, res da História, também adaptaram “os conectores aos seus acercongresso internacional seus acervos, e aproximar o público a partir da interatividade em ambientes digitais. em artes novas tecnologias M U S E U S I N T E R AT I V O S e comunicação “ Pai, posso sentar naquela cadeira? ” 17 Talvez esse desejo seja mais comum do que imaginamos, e foi a partir dessa inquietação que começamos a pesquisar as reações de visitantes de diferentes idades em museus. Percebemos que pessoas podem ficar horas em frente de um quadro, analisando-o, viajando na imagem, contemplando a obra, emocionando-se, em uma conexão indireta; contudo, algumas querem fazer parte da obra através dos mais diferentes sentidos. Assim, finalizamos nossa análise das transformações mu- Capa Editorial Sumário seológicas contemporâneas com uma reflexão específica dos museus reconhecidos como Museus Interativos, estes apresentam uma maneira diferente de exposição do acervo utilizando “tecnologia interativa”, que cada vez mais inventa meios de aproximação. Nas tecnologias interativas, o público é um par tici- Página - 201 Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra 17 Inquietação de uma criança visitando o Museu Paulista. plação e suas interpretações passivas, para dialogar fluxos, em trocas imediatas, em escalas planetárias, em estados de navegação, imersão, conexão, trans- formação, emergência. Tudo se conecta com tudo, tudo está em estado de permutabilidade, de possibilidade, em estado de contaminação quando circulamos na imaterialidade dos territórios digitais. Nessa pesquisa entendemos que a interatividade nos museus, assim como todos os aparatos para a adequada contem- plação, são maneiras de comunicação entre público e visitante. Segundo Silva, o termo interatividade tem sido relacionado ao uso da tecnologia: desde o mero acionamento de botões que desencadeiam o funcionamento de aparatos, painéis que propõem pergun- tas e respostas emitindo luzes e sons, até situações nas quais o visitante pode estabelecer um ‘diálogo’ com o modelo. Encerrando nossa reflexão, não teremos uma conclusão, mas uma reflexão sobre esse tipo de museu que é o produto mais típico da sociedade hipermidiática contemporânea: Serão estes ambientes digitais instrumentos de mediação cultural? CIANTEC’14 Janaína Quintas Antunes | Priscila Zanganatto Mafra REFERÊNCIAS AGRA, Lúcio. História da arte do século XX. Ed. Anhembi Morumbi, 2004. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação BARTHES, Roland. Critical Essays. Northwestern University Press, 1972. CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea - Uma Introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. CURY, Marília Xavier. Museus – Agentes de Mudanças Social e Desenvolvimento. Disponívelem:htpp://revistamuseu.com. br/18demaio/artigos.asp?id=16583. Acesso 22 jul.2011. DAIX, Pierre. Historia cultural del arte moderno. Ed. Cátedra, 2002. [Demais referências entrar em contato com o autor] Capa Editorial Sumário Página - 202 A REPRODUÇÃO TÉCNICA DIGITAL E A TRANSPOSIÇÃO ARTÍSTICA DA REALIDADE CONTEMPORÂNEA. JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO UPM – UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE DOUTORANDO EM EDUCAÇÃO, ARTE E HISTÓRIA DA CULTURA Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - O presente artigo trata de relações já anterior- internacional em artes novas tecnologias e comunicação temporaneidade. chamo de transposição dos nossos referenciais, mediados a partir ABSTRACT de modalidades digitais. Principalmente as imagens e a fotografia possibilitando uma maior potencialização do fazer artístico contemporâneo. Eu anseio suscitar a partir do presente artigo o debate sobre as questões contemporâneas na arte e a suas atualizações e potencializações em torno dos meios digitais que vão interferir di- retamente nos procedimentos artísticos contemporâneos; na práxis dos artistas e na sua produção. A partir do trabalho do artista Marcos Rizolli, o que é impor- tante são as questões dos perpassamentos no artigo por intermé- dio dos autores pesquisados como: Benjamin (1975), Lévy (1996), Machado (1993), Santaella (2003), e na produção do artista gráfico e pesquisador Marcos Rizolli, principalmente na Série “Esféricos” no que tange as questões do meio digital em possibilitar como foi Capa Editorial Sumário dito anteriormente, o aumento das possibilidades em torno do fazer, usando a série artística do Professor Marcos Rizolli, na sua apropriação de imagens consagradas no meio artístico e de fotografias, que são utilizadas como matéria prima na sua produção artística, e no desenrolar da elaboração poética do mesmo, atuali- zando assim, esses referenciais potencializados. Página - 205 PALAVRAS-CHAVE: reprodução, digital, práxis, arte, con- mente levantadas por alguns autores sobre as questões da repro- dutibilidade técnica principalmente a digital, permitindo o que eu congresso JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO This paper deals with the relationships previously raised by some authors on the issues of technical reproducibility mainly di- gital, allowing what I call the transposition of our reference, me- diated from digital modalities. Mainly the images and photographs allowing greater potentiation of making contemporary art. I yearn raise from this article the discussion of contemporary issues in art and their updates and more potential around digital media that will directly interfere with the contemporary artistic procedures; the praxis of artists and their production. From the work of artist Marcos Rizzoli, the which is impor- tant in the article are the approaches ideas from others authors researched as: Benjamin (1975), Lévy (1996), Machado (1993), Santaella (2003), and production of graphic artist and researcher Marcos Rizolli, especially in Series “Esféricos” regarding the issues in enabling the digital medium as previously, said extending the opportunities surrounding the making, using artistic series of Professor Marcos Rizolli in its appropriation of consecrated images in the arts and photographs, which are used as raw material in its production artistic, and the unfolding of poetic elaboration of it, so updating these references potentiated. CIANTEC’14 rary. congresso KEYWORDS: reproduction, digital, praxis, art, contempo- de oposição ao realismo na maneira em que este fazer artístico Os meios de reprodução técnica ganharam um grande vulto fluenciados pelo surgimento da fotografia. na historicidade humana, visto que as gerações de cópias feitas internacional pelos meios de reprodução técnicos possibilitaram o surgimento em artes de uma disseminação muito mais rápida e eficiente das informa- novas tecnologias ções. e comunicação retratava o mundo e o cotidiano das pessoas, principalmente inPara Benjamin (1975) o advento da reprodução técnica a partir da fotografia deu início a uma grande mudança na forma como a reprodução era encarada até então, ocasionando a partir do desenvolvimento desta a possibilidade de tiragens substan- A reprodução desde muito tempo já era possível, sendo um cialmente maiores de exemplares. Por sua vez, ainda segundo quantidades, a princípio grosseiramente por intermédio das mol- alteradas pelo princípio da reprodução técnica e salientadas pos- dagens em bronze e do trabalho dos copistas de livros para citar teriormente por Machado: processo artesanal em que o homem produzia cópias em menores apenas alguns exemplos. Com o advento da fotografia e das ino- Benjamin as próprias relações humanas e suas percepções foram vações técnicas na área de reprodução houve um grande salto “... a possibilidade técnica de reprodução é condição de tiragens de cópias, ocasionando uma maior distribuição dos algum lugar não é mais um original, mas uma matriz qualitativo e quantitativo, que possibilitou um número muito maior referenciais sociais. Mas o que mais foi transformador no advento dos meios de reprodução foi a profunda mudança na maneira que as pesCapa soas percebiam e sentiam o seu universo cultural e social. Elas Editorial estavam inseridas em um novo contexto de informação que nun- Sumário ca antes havia sido imaginado e isso tornava o mundo um lugar fundante da própria produção. O que se guarda em técnica, um molde ou modelo (por exemplo: o negativo ou master), de onde sairão as reproduções, esta sim – e apenas elas – destinadas a fruição massiva.” (Machado, 1993:17) Enquanto reproduções digitais as possibilidades das infor- novo e cheio de novas relações, abriam-se novas possibilidades mações serem transmitidas é muito grande, e a rapidez do proces- aos seus pares de uma forma muito mais rápida. Na esfera artís- das informações e percepções sociais e culturais. de conhecimento. Essas informações poderiam ser transmitidas Página - 206 JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO tica, principalmente em relação à pintura, surgiu um novo modelo so é responsável por estabelecer novas formas de reagrupamento Um dos maiores responsáveis pelo desenvolvimento dos CIANTEC’14 meios de reprodução foi a necessidade que o capitalismo tem de obter instrumentais para a efetivação de seus interesses econômicos. Com a necessidade de uma transnacionalização dos fundos congresso econômicos foi necessária a criação de meios de transmissão de internacional informações entre os países de uma forma rápida, efetiva e segu- em artes ra. A necessidade tecnológica deu margem a uma demanda muito novas tecnologias grande por processos informáticos que transmitissem esses dados e comunicação eletronicamente para outras localidades (Lopes, 1995). tudo depois dos anos setenta, é radicalmente nova.” (Lév y, 1996:54) As mudanças são sentidas em todas as áreas que permitem a mediação eletrônica e sua transcrição digital, além daquelas que estão ligadas as telecomunicações de um modo geral, atualmente do uma revolução digital que se caracteriza por uma nova maneira a utilização de sistemas informáticos e esses alteram as relações a nossa percepção e a maneira como interagimos com o nosso cotidiano. Com o advento dos meios de comunicação e com as tecnologias técnicas digitais e o aperfeiçoamento dos meios de comunicação estamos atravessando uma grande mudança na organização das informações que já estão implicando em profundas mudanças na nossa sociedade e cultura. Capa “A informação e o conhecimento, de fato, são dora- vante a principal fonte de produção da riqueza. Po der-se-ia retorquir que isto sempre foi assim: o caçador, o camponês, o mercador, o ar tesão, o soldado deviam necessariamente adquirir competência e se Página - 207 mentamos desde a Segunda Guerra mundial, e sobre - quase todas as nossas atividades estão voltadas em algum ponto ra de mediação instrumental está alterando de forma significativa Sumário fas. Mas a relação com o conhecimento que experi- Para alguns autores e para Santaella (2003) estamos vivende enxergarmos e interagirmos com o mundo, e essa nova manei- Editorial JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO informar sobre o ambiente para executar suas tare - de mediação com as nossas atividades: “... cada novo meio de comunicação traz consigo um ciclo cultural que lhe é próprio.” (San- taella, 2003:64). Convém observar que para Santaella (2003:61-63) existem vários entendimentos em relação ao termo “mídia” ela cita Lev Ma- novich em seu livro “The language of new media”, sendo a definição proposta por ele, adotada por ela em seu livro, como referência ao seu trabalho. Participo do mesmo entendimento dos autores nas suas observações enquanto forma e conteúdo distintos em relação ao termo mídia. Esse seria dividido em dois tipos: mass media e new media. Mass media seriam as mídias que são destinadas a divulgação de algo, tendo como seu suporte algo físico, enquanto que o termo new media refere-se a todos os meios de comunicação que são mediados eletronicamente e que não tem um suporte físico. Como podemos observar há uma distinção clara entre a CIANTEC’14 mediação física e a mediação virtual em relação à comunicação, o mundo com o auxílio dos signos. No estágio retórico percepções que ora vigoram nos meios de reprodução técnicos e tar o estado das coisas, mas igualmente de transfor- esse fato incorre nas observações que temos feito em relação às congresso sua alteração na nossa percepção. internacional em artes “A sequência de mudanças nos dispositivos de aná- novas tecnologias lise da comunicação e cultura no século X X funciona e comunicação como um indicador das impressionantes transformações por que os fenômenos culturais vêm passando, transformações essas primeiramente devidas à explo ração dos meios de comunicação de massa que pre valeceu até os anos 80, e atualmente devida à onipresença da realidade mediática.” (Santaella, 2003:66) ou pragmático, não se trata mais apenas de represen- má-lo, e mesmo de criar inteiramente uma realidade saída da linguagem; ou seja, em termos rigorosos, um mundo vir tual: o da ar te, da ficção, da cultura, do universo mental humano. Esse mundo gerado pela lingua- gem ser viria eventualmente de referência a operações dialéticas ou será reempregado por outros projetos de criação. A linguagem só alça voo no estágio retórico. Então essa se alimenta de sua própria atividade, impõe suas finalidades e reinventa o mundo.” (Lév y, 1996:82) As questões que nos dizem respeito nesse trabalho são As questões que se desdobram possuem uma grandeza oriundas ao entendimento da relação de necessidade e da de- norizada, o que nos cabe salientar por hora, é que o desenrolar de referenciais por intermédio da reprodução técnica digital. Acredi- profícua e necessitam de uma apreciação mais rigorosa e porme- pendência que a sociedade tem em torno da reprodução de seus um processo de mudança cultural muito forte mediado pela pro- tamos que a transcrição digital é um dos fatores mais atuantes Capa dução das tecnologias digitais está acontecendo e que mudará de Editorial forma consistente a forma de nos relacionarmos e estabelecermos Sumário nossas relações, o que de certa maneira também envolve a nossa própria articulação por intermédio dos instrumentais que norteiam a nossa existência, vide as redes sociais. Página - 208 JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO “... a retórica designa a ar te de agir sobre os outros e nessa nova configuração perceptiva e mediática, pois, através da transcrição dos referencias por intermédio do código binário como discute Santaella (2003) os suportes puderam ser organizados em uma só forma de armazenamento e distribuição. “Antes da digitali- zação, os suportes eram incompatíveis: papel para texto, película química para a fotografia ou fita magnética para o som ou vídeo.” (Santaella, 2003:83). CIANTEC’14 As transmissões desses dados transcritos digitalmente in- grafias, novas abordagens a partir de procedimentos tecnológicos, tribuição, mas continuam dependendo de uma configuração instru- transpostos digitalmente, retrabalhados e novamente reproduzidos, dependem de quaisquer suportes que sejam físicos para sua discongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO mental onde possam ser armazenados e distribuídos, necessitando de apenas um aparato para a atualização: “... aquilo que está em jogo não é a realização (cópia, impressão, etc), mas a atualização, a leitura, isto é, a significação que ela pode assumir em contexto...” (Lévy, 1996:67). via softwares, que são depois reimpressos para serem novamente a que o artista gráfico nomeia de gravuras digitais. Criando formas diversas de encadeamentos das atualizações em torno da sua prá- xis, uma poética do artista em torno de uma “poética” da máquina, subvertendo assim os automatismos do programa. Para Santaella (2003:84) após a transcrição dos referen- ciais para dados digitais, esses dados de vários suportes híbridos podem ser realizados em qualquer tempo e espaço e independem das suas formas e emissões originais, evidentemente desde que haja instrumentos aptos a realização das atualizações dessas informações. Vimos no trabalho, principalmente na produção do artista gráfico Marcos Rizolli. questões que tangenciam as atualizações feitas com as fotos e as suas posteriores atualizações materiais feitas pelo artista, perpassando autores ora apresenta- dos no artigo: Levy (1996), Machado (1993) e Santaella (2003) na Capa Editorial Sumário elaboração e potencialização do código artístico. A produção artística de Marcos se constrói de maneira di- versa, àquelas maneiras anteriormente difundidas e que não seriam possíveis sem a transposição dos referenciais em dados digitais, ou no mínimo, difíceis de serem manipulados em relação as suas materialidades, à maneira do artista, em sua produção. Que visa a Página - 209 partir da apropriação de referencias da arte consagrada e de foto- Da série Esféricos: Urinol, Arquivo Digital, 2012. CIANTEC’14 JOSÉ MARCOS CAVALCANTI DE CARVALHO REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução. In: Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1975. congresso LÉVY, Pierre. O que o virtual. Rio de Janeiro: 34, 1996. internacional MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário. São Paulo: Edusp, 1993. em artes Lopes, Ruy Sardinha. A imagem na era de sua reprodutibilidade eletrônica. novas tecnologias Tese de Mestrado. USP, 1995. e comunicação RIZOLLI, Marcos. Obras (2012-2013). Acervo do artista. SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós-humano. São Paulo: Paulus, 2003. Capa Editorial Sumário Página - 210 Da série Esféricos: Andy Warhol, Arquivo Digital, 2012. NATUREZA, POÌESIS E RITO EM MICHELANGELO FRAMMARTINO JULIANA ALVARENGA FREITAS Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Os conceitos do filósofo italiano Giorgio Agam- internacional em artes novas tecnologias e comunicação liano Michelangelo Frammartino que nos apresenta uma dimen- prâxis nos é exigida como sintoma de produção relevante, a poìe- caminham pela paisagem e chegam a uma pequena vila onde um grupo de pessoas arrancam-lhes algumas folhas. Em festa na pra- para a reflexão, e para abrir este espaço, estruturas metodológicas árvores enfileirados. e abertura, como nos diz Agamben. A poìesis requer um espaço como ritos e mitos podem ser usadas, como acontece na obra do visual Alberi (árvores em italiano) nos apresenta uma dimensão não tem fim nem começo, “é o espectador que dirige e controla o começo e decide o qual é a versão final”. (Frammartino)1. Frammar- fazemos uma interpretação da obra Alberi a partir da noção de te começar a assitir o filme do seu início e saindo independente do xima com o que filósofo esteta americano Arthur Danto diz — que as interpretações são descobertas e constituem a obra de arte e que o uso do discurso do artista confirma suas intenções em seus trabalhos. Frammartino relata que está interessado no rito e res- salta a importância de filmar o invisível. Alberi aponta para a atual necessidade de reinserção da natureza na cultura, da dimensão poética dos ritos, da coexistência e interdependência do homem e da terra. PALAVRAS CHAVE: natureza, poìesis, rito, arte contempo- rânea, Michelangelo Frammartino Página - 213 Alberi (2013) tem 28 minutos de duração, e segundo o autor, tino relembra que sua primeira experiência com o cinema foi na poìesis e do discurso do próprio artista. Esta abordagem se apro- Sumário ça da cidade, as mulheres passam por um corredor de homens poética que documenta um ritual na Calábria, sul da Itália, baseado em um mito no qual o homem se funde a terra. Neste trabalho, Editorial são poética de um ritual na Calábria. Homens vestidos de árvores sis se mostra necessária, como um processo de conhecimento artista italiano Michelangelo Frammartino. Sua instalação audio- Capa Alberi (árvores) é uma instalação audiovisual do artista ita- ben de prâxis e poìesis revelam a coexistência e interdependência destas duas noções opostas. Na vida contemporânea, onde a congresso Juliana Alvarenga Freitas forma de loop, entrando e saindo do cinema, sem necessariamenmomento do seu final. As impressões de infância do autor, vivida entre a Calábria e Milão, constituem e determinam o caminho da sua pesquisa. O discurso do artista sobre a obra é determinante para sua interpretação, como afirma o filósofo esteta americano Arthur Danto. Alberi trata de uma interpretação de um mito. Danto afirma que “interpretações são descobertas, interpretações constituem a obra de arte” (Danto, 2014, p.59) e segundo esta perspectiva, o próprio processo de construção de Alberi também constitui uma obra de arte. 1 “It is the viewer that drives and controls the beginning and decides what is the final cut.” (Frammartino, s.d.) CIANTEC’14 Juliana Alvarenga Freitas congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Fig. 01 Frame de Alberi, Michelangelo Frammartino, 2013. Um Capa Editorial Sumário homem árvore caminha pela floresta. O mito de Romito, culto de fertilidade da idade média, era representado por um grupo de homens na pequena cidade italiana de Satriano. Eles saíam com o corpo coberto de folhas de Hera, Página - 214 segurando um bastão com ramos de plantas, batendo nas portas das casas da vila pedindo donativos. Há muitas gerações o ritual era esquecido. Frammartino viu uma imagem de um homem árvore e se encantou com a beleza. O artista perguntou à população sobre o homem árvore. Já não havia mais a tradição oral do mito, no entanto, as pessoas se mostraram agradecidas pelo interesse do artista no antigo rito da vila. Frammartino resolveu recriar o Romito junto com a população. CIANTEC’14 Juliana Alvarenga Freitas Quando a audiência pode par ticipar ativamente da construção de sua experiência visual, a conexão entre a imagem e o espectador se torna mais for te. Para congresso internacional isso, a pessoa precisa da liberdade para interpretar e entrar na imagem à vontade, e então, quando eu em artes comecei a trabalhar em Alberi, eu comecei a procurar novas tecnologias caminhos para fa zer as imagens se tornarem intera- e comunicação tivas — tentativas de criar uma experiência par ticipativa que resulte em liberdade de audiência […] eu estava livre para inventar com eles, porque nós estávamos trabalhando juntos [...] (Frammar tino, s.d.) 2 Fig. 02 Frame de Alberi, Michelangelo Frammartino, 2013. Um grupo de homens árvores caminha na floresta. Capa Editorial Sumário Página - 215 O mito do homem árvore chamado Romito fala daquele que 2 “When the audience can actively participate in constructing their visual experience, the connection between the image and the viewer becomes stronger. For this, one needs the freedom to interpret and enter the image at will, and so when I started working on Alberi, I began looking for ways to make images interactive — attempts to create participatory experience that result in freedom of viewership. […] I was free to invent with them, because we were working together” (Frammartino, s.d.) rejeitou a ideia de migração e plantou raízes em sua própria terra. Frammartino afirma que o caráter do Romito ainda continua conectado com a identidade cultural da região, toda cercada de árvores, cujo nome, Lucania, vem de uma árvore sagrada. Apesar do ritual CIANTEC’14 não existir, o povoado parece fundido à vegetação. Frammartino tem a forma de ritual. land art, como um grupo de Romitos, como toda uma floresta que fusão do homem com a vegetação como uma necessidade de rein- tação, o artista declara que filmando o ritual altera-se também toda vela uma tensão constituída por estas polaridades distintas, que decide reinventar o Romito não em caráter individual, mas como congresso internacional em artes Alberi é uma obra que tem uma evidente ideia central - a caminha. Sobre esta reinvenção, ou nos termo de Danto, interpre- serção da cultura na natureza. Esta fusão homem vegetação re- uma realidade. precisam se relacionar para alcançarem suas próprias forças. novas tecnologias e comunicação Juliana Alvarenga Freitas A produção da ficção deu vida a uma nova realidade, Frammartino tem uma visão holística, onde a potência surge da tensão do duplo oriundo do todo que foi dividido. e assim há uma estranha conexão entre nosso trabalho e a tradição antiga. Eu vesti cerca de 10 0 pesso - Na tradição antiga e pagã existe esta divisão. Os ho - as como ár vores para realizar o ritual; eles decidiram mens fa zem suas coisas e as mulheres ficam espe- fa zer uma procissão através da floresta ao redor, cul- rando e preparam a comida. O que eu gosto nessa formada em uma floresta. (Frammar tino, s.d.) 3 esperando pela vegetação. Existe um casamento en- minando na praça da vila, que foi literalmente trans- Agamben chama de espírito fantástico, algo entre as partes opostas que nos revela o conhecimento potencial. Espírito fantás- tico é um “intermediário entre o racional e o irracional, entre o cor- Capa Editorial Sumário Página - 216 situação é que as mulheres são os humanos, e estão tre os humanos e a vegetação. Essa foi para mim a ideia. (Frammar tino, s.d.) 4 Frammartino declara que o que lhe interessa é o rito. A du- póreo e o incorpóreo, do qual se serve a divindade para comuni- alidade é intensificada no rito, onde o real e o mágico se colocam 2012, p. 37), a conexão entre a natureza e o homem, que em Alberi pendência, onde tanto o mágico potencializa o real, como o real 3 “Making fiction gave life to a new reality, and so there is a strange connection between our work and that ancient tradition. I dressed nearly one hundred people like trees to perform the ritual; they enacted a procession through the surrounding forest, culminating at the village square, which was literally turned into a forest.” Frammartino, s.d.) 4 “In pagan and old tradition there is this division. The men do their thing and the women are waiting and prepare the food. What I like about this situation is, the women are human and are waiting for the vegetation. There is marriage between humans and vegetation. This was for me the idea.” (Frammartino, s.d.) car-se com o que está afastado dela” (AGAMBEN, apud CASTRO, igualmente presentes em uma relação de coexistência e interde- potencializa o mágico. CIANTEC’14 Juliana Alvarenga Freitas Se você entra durante a escuridão, você vê tudo, vê sobre o objeto parte do sujeito. O pensamento racionalista dos na floresta e vê as criaturas, é mais magico, porque trial, pode ser pensado na perspectiva da redução da poíesis à que é um ritual, mas se você entra quando estamos congresso internacional em artes de alguma forma você pensa que são criaturas da fantasia que entram na vila. Então, quando você vem na escuridão, a floresta é uma floresta real, não mágica. novas tecnologias O que eu gosto na escuridão é que você está conec - e comunicação tado de uma maneira muito for te e eu sempre trabalho com conexão. Nos meus filmes muitas vezes existem momentos de escuridão, porque então você está co nectado com outras pessoas (Frammar tino, s.d. ) 5 Podemos pensar a coexistência e interdependência das po- laridades a partir das noções de prâxis e poíesis do filósofo ita- liano Giorgio Agamben. Para o filósofo, a poíesis é fundamental para existência da potência, entendida como desvelamento de um conhecimento. Atualmente, talvez seja comumente aceite as ideias de que nem o homem e nem a sua cultura controlem os processos Capa Editorial Sumário Página - 217 naturais. A objetividade conjuntamente com a subjetividade são necessárias para acessar o conhecimento, já que tudo que é dito 5 “If you enter during the darkness, you see everything, that it’s a ritual but if you enter when we are in the forest and see the creatures it’s more magic, because in someway you think that they are fantasy creatures and they enter a village. So when you come in the darkness, the forest is a real forest, not magic. What I like in the darkness is that you are connected in a very strong way and I’m always working on connection. So in my movies many times there are darkness moments because you are connected with other people.” (Frammartino, s.d.) séculos XVI e XVII, próprio da modernidade e da revolução indusprâxis 6, e na passagem do pensamento holístico e sistêmico para o mecanicismo especialista. Este pensamento mecanicista, que procurava entender como funcionava o mundo permitindo assim dominá-lo, hoje parece insuficiente para abordar as questões da contemporaneidade. O estatuto da poíesis em Alberi é o processo guia do seu desenvolvimento, que, em harmonia tênue com seu oposto, a prâxis, governa ela mesma as próprias leis da prática artística de Frammartino. Em Alberi, não se trata de um resgate de um mito, mas de uma recriação de um mito e de sua poética. As analogias poéticas são estruturas metodológicas de grande abertura que podem recorrer desde elementos mágicos, míticos e animistas para potencializar a dissolução entre artista - obra, e obra – especta- dor. Poíesis, para Agamben, reside na “produção da verdade e na abertura, que resulta dela” (Agamben, 2012, p. 122), e é desta maneira que Alberi se torna potente. A noção de potência está relacionada com o devir, que para Agamben, pode-se encontrar 6 Quando se translitera (muda para o alfabeto latino termos em alfabeto grego), não é obrigatório o uso de acentos, é um critério adotado por cada autor. Porque pesquiso prâxis e poíesis no autor italiano Giorgio Agamben que adota os acentos, para padronização do texto, opto também pelo uso dos acentos, referidos também no dicionário grego: prâxis (Almeida Prado, 2010, p.119, Vol. 4) e poíesis (Almeida Prado, 2010, p. 101, Vol. 4). CIANTEC’14 na raiz da poìesis: “[...] estava no interior da poíesis a pro-dução da interpretação. O autor compara a arte com a filosofia, que não ser, da ocultação à plena luz da obra [...]”, ou seja, a poìesis como cussões, abre para outras perspectivas. “A interpretação profunda, na presença, isto é, o fato de que, nela, algo viesse do não ser ao congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação “um modo de verdade, entendida como desvelamento.” (Agamben, 2012, p. 123) Nesta reinvenção do mito de Romito não é relevante a busca de uma pesquisa convencional de ritos e mitos. O Romito de Alberi não nasce de resgates relativos à descrição histórica, ou busca responde perguntas, mas coloca outras questões, amplia as disfinalmente, admite certa sobre determinação – a obra pode significar muitas coisas diferentes sob a interpretação profunda, sem ser nem um pouco indeterminada sob a interpretação de superfície.” (Danto, 2014, p.101) A coexistência e interdependência da relação de dualida- de tradição oral, e sim de uma interpretação de Romito. Danto nos de é a característica essencial que faz com que essa se afirme loga à noção de prâxis/poíesis de Agamben, guarda uma relação terpretação de superfície/ interpretação profunda, assim como a apresenta o conceito de interpretação como dualidades, que aná- de coexistência e interdependência dinâmica. O filósofo discute a noção de interpretação de superfície e interpretação profunda, e mostra como a interpretação profunda depende da interpretação de superfície. A interpretação de superfície tem caráter descriti- vo, se refere a aspectos históricos e considerações meramente formais. Ao efetuar a interpretação de superfície, começa também a interpretação profunda, que depende desta anterior. Por outro Capa lado, “a prática de superfície não sobreviveria se as razões pro- Editorial fundas para ela fossem conhecidas: ela não existiria se não fosse Sumário oculta.” (Danto, 2014, p.91). Danto no diz que, “na verdade, o que a interpretação profunda supõe é um tipo de compreensão do complexo que consiste em representações juntamente com a conduta que elas, no nível da superfície, nos permite compreender.” (DanPágina - 218 Juliana Alvarenga Freitas to, 2014, p.88). Nesta perspectiva, deve-se subtrair o significado como dinâmica e potente. As ligações entre prâxis/ poíesis, ininterligação entre a biografia do artista e seu discurso ou o pró- prio trabalho, define a experiência e a subjetividade como guia do processo criativo. Como nos diz Danto, o discurso do artista é o mais próximo da interpretação, interpretação está que é indissociável da obra de arte e que a constitui. De maneira análoga a estas relações de dualidade, podemos pensar também a relação homem/ natureza. As dualidades aqui consideradas são parte de um sistema dinâmico cuja expressão é a potência. Danto nos diz que a obra “deve consistir parcialmente em sentir as tensões filosóficas que elas devem ocasionar” (Danto, 2014, p.67). Podemos pensar que a natureza da obra de arte é “uma ocasião para a invenção crítica que não conhece limites.” (Danto, 2014, p.102). Alberi aponta para uma reconexão do homem com o kos- CIANTEC’14 mos7. A obra pode ser interpretada como um processo de incorpo- ração do todo no individual, de toda a floresta de homens árvores em cada um dos Romitos, a conexão de cada um com seu entorcongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação uma premissa mágica ou mítica é criar de início situações contro- geradas através dos processos de transformação de que nos rela- ta Frammartino. Os homens árvores transformam sua própria natu- ligadas ao mágico, de alguma maneira se tornam evidentemente reais. A palavra ritmo vem do grego rythmós que, entre outros, têm os significados de: “1. movimento regrado e medido; ritmo; tempo; cadência [...] 3. maneira de ser; condição (de homem); natureza; temperamento, 4. figura; disposição; forma” (Almeida Prado, 2010, p. 189, vol.4). Podemos dizer que o ritmo é a natureza do rito em Alberi, natureza esta que inclui também o homem e sua cultura. Cada vez que revisitamos a possibilidade de uma arte mágica ou mitológica, agregamos outras reflexões importantes e necessárias para que possamos, espectadores e criadores da obra, acessar o conhecimento latente presente nas obras, nos artistas e também Página - 219 um espaço para devoção vinculado a uma poìesis que abre para condição poética e estrutural do rito em Alberi permite soluções mágico e do rito para que se crie um espaço para a reflexão. Essa ritmo do rito, eles se conectam com outras realidades, que mesmo Sumário ção da cultura com a natureza se pensarmos que o mito pressupõe novas perspectivas. É fundamental para o acesso ao conhecimento caminha. Ao imprimir a si próprios homens árvores outro ritmo, o Editorial nos espectadores. Seria necessidade contemporânea a reintegra- no. Para que esta conexão aconteça, é necessária a inclusão do reza ao transformar a natureza ao redor com o rito da floresta que Capa Juliana Alvarenga Freitas 7 Do grego kósmos, têm, entre outros, os significados de: “3. Boa ordem; disciplina; regra; medida 5. Ordem do universo; cosmo; mundo; universo” (Almeida Prado, p. 88, vol.2). escolhas de soluções para além das já dadas anteriormente. Adotar versas que não aceitam soluções dadas a priori. E a adoção do rito em Alberi nos apresenta uma natureza humana que ao se travestir de árvore se conecta de uma forma nova com seu próprio entorno. REFERENCIAS Agamben, Giorgio. O homem sem conteúdo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. Almeida Prado, Ana Lia Amaral de. Dicionário Grego-Português. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006-2010. Castro, Edgardo. Introdução a Giorgio Agamben, uma arqueologia da potência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012. Danto, Arthur. O descredenciamento filosófico da arte. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014. Frammartino, Michelangelo. Forest of ideas: Michelangelo Frammartino talks about his installation Alberi (entrevistado por Anne-Katrin Titze, s.d.) Disponível em: http://www.eyeforfilm.co.uk/feature/2013-05-03michelangelo-frammartino-conversation-on-cinematic-installationalberi-feature-story-by-anne-katrin-titze GRAFFITI/STREET ART: CONSIDERAÇÕES FUNCIONAIS SOBRE A CONVERGÊNCIA DE SIGNOS, LINGUAGENS E MENSAGENS EM REDE KELLER REGINA VIOTTO DUARTE | ET ALL KELLER REGINA VIOTTO DUARTE | LOURDES GABRIELLI | MARIZA DE FÁ- TIMA REIS | RITA DEMARCHI | ROSANA SCHWARTZ | SILVIA REGINA GREGORIS Trabalho apresentado em formato de mesa-redonda no CIANTEC’14 / Pesquisadoras da Universidade Presbiteriana Mackenzie Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Este trabalho objetiva problematizar o desloca- mento ou trânsito da linguagem do graffiti, enquanto originalmente congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação nação das linguagens em redes sociais, esse fenômeno pode ser temporalidade presentista. Época caracterizada pelo esgotamento institucional da arte e do capital/consumo. Facilitado pela dissemi- acompanhado na trajetória de alguns dos aspectos da divulgação da arte de rua d’OSGEMEOS até a análise da campanha de marketing da Gol Linhas Aéreas na Copa do Mundo de 2014 no Brasil, PALAVRAS-CHAVE: arte, divulgação, deslocamento de lin- guagem, hipermodernidade, redes sociais A R T E , C U LT U R A E R E D E S S O C I A I S . A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre passividade dos espectadores dos meios de Sumário primeiros a problematizar as condições da pós-modernidade e a das doutrinas emancipatórias e ascensão da eficiência do aqui e agora. Em 1985, Adam Schaff reconheceu o papel dos computadores na configuração social e econômica da sociedade chamando-a de sociedade informática (SCHAFF, 1995). Em 1995, o sociólogo espanhol Manuel Castells (CASTELLS, 2007) popularizou a noção que a sociedade do século XXI é uma sociedade em rede, identificando o papel que a rede internacional de computadores – internet – exerce na configuração social, econômica e política do mundo hoje. As sociedades de diversos países, apesar de suas diferenças políticas, econômicas e culturais, possuem algumas características comuns como: comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores • partilhar de uma realidade de globalização cultural e eco- considerá-los como participantes interagindo de acordo com um • prover (com maior ou menor controle) serviços de telefo- de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por comple- to. (JENKINS, 2009, p.30). Quais regras poderíamos nesta análise relacionar entre a representação da arte Graffiti d’OSGEMEOS e a campanha da Gol para a copa de 2014? Página - 221 ram a sociedade contemporânea numa forma que ele a denominou sociedade pós-industrial (LYOTARD, 1998). Esse autor foi um dos rística dos artistas. Editorial as mudanças de paradigma na ciência e na tecnologia, que molda- um meio alternativo e transgressor, para o contexto do sistema na qual um avião se converteu em suporte para a pintura caracte- Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All No início da década de 70 Jean-François Lyotard, percebeu nômica; nia celular e acesso à internet com tecnologia de ponta e • ter uma população que procura conectar-se intensivamente através da internet com suas redes sociais por meio de dispositivos eletrônicos digitais. Essa configuração de uma sociedade organizada em redes interligadas de computadores (ligação física) pressupõe uma orga- CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação nização social, menos hierárquica, com centros (ou nós) de inter- possibilitou que a informação fosse enviada a uma grande parce- rios virtuais que podemos chamar de redes sociais. 2002), influenciando a absorção de manifestações artísticas, ante- ligação distribuídos horizontalmente, formando núcleos comunitá- la da população a partir de um único polo de emissão (LEMOS, Essas redes disseminaram, nos últimos cinco anos, a obra riormente, caracterizada por determinados espaços, caso da arte d’OSGEMEOS, a ponto deles terem sido convidados a expor fora do país e a grafitar um castelo em Glasgow. A sociedade em rede, por meio da comunicação mediada pelo computador e das novas Tecnologias de Informação e de Comunicação (novas TICs) como os computadores pessoais, os smartphones e tablets, juntamente com os sites de relacionamento e de trocas de mensagens como Facebook, Flicker e Twitter e de aplicativos como o Whatsaap possibilitou uma explosão de a informação. A extensão da rede mundial de computadores, associada à interface gráfica provida pela navegação em hipertexto permitiu aos usuários o controle da experiência midiática, por meio do acesso de links de informação de forma eletiva. A internet provoca assim, transformações significativas no sujeitos recebem informações que influenciam o gosto, olhares e consumo e de sentir e ver a arte. Nas redes de relacionamento os os padrões de consumo. Don Tapscott (2010) destaca que o novo contexto social criado a partir da internet abre possibilidades de Mídia social refere-se a atividades, práticas e comporta- ruptura nas continuidades comportamentais. A disseminação do para compartilhar informações, conhecimentos e opiniões usando denominada “global”, ultrapassa as fronteiras dos valores culturais mentos entre as comunidades de pessoas que reunem-se online meios de conversação. Na sociedade pós-moderna, portanto, o avanço tecnológico e a expansão das redes globais de comunicação representam a mudança de cenário, no qual a informação passou a circular com Página - 222 cada de 1980, os usuários passaram a interagir diretamente com milhões de outros nós, possibilitando uma comunicação em rede zada por uma pessoa apenas. Sumário Com o advento da Internet e posteriormente da Web, na dé- funcionamento do cérebro dos usuários, bem como nas formas de real, quase como uma comunicação mass media, mas disponibili- Editorial de rua. “redes sociais” conectadas pela internet onde os “nós” de uma rede podem estar interligados a dezenas, centenas, milhares e até Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All maior velocidade. O advento das mídias de massa do século XX uso da internet ressignifica identidades e valores. A nova geração, tradicionais. Com a transformação do mundo de “local para global” as ações cotidianas nas cidades ganham dimensão global e a comunicação torna-se colaborativa. A arte de rua, de “local” dentro das cidades, amplia-se nas redes sociais e insere-se na transição de valores. Pertence às expressões e manifestações das gerações CIANTEC’14 transgressoras, que propõem novas sociabilidades e compartilha- internacional em artes novas tecnologias e comunicação novas inquietações. Os hipersujeitos sociais vivem cada vez mais para customização, com maior e eficaz postura investigativa valo- presente e pensam o futuro. Na vida cotidiana não expressam suas res, gostos. O lúdico, o entretenimento e o espetacular fazem par- te da hipermodernidade. Ao utilizar ferramentas como o Youtube, emoções e desejos diante de um mundo competitivo e consumista, assim a arte de rua e os diversos coletivos com suas pautas de reivindicações especificas representam elementos constitutivos de sem fronteiras geográficas. A internet abriu portas para a busca de A hipermodernidade é a possibilidade da liberdade indivi- indivíduos propagam arte, valores e conceitos com velocidade e dimensão consolidada da hipermodernidade social o mercado de produção de serviços, bens de consumo ou bens culturais utiliza mecanismos de atração – como a arte de rua – para atrair clientes. O sujeito hipermoderno é um novo tipo de consumidor, com uma nova temporalidade histórica. dual de escolher, ou de re-escolher uma cultura infinitamente. O hipersujeito diminui o poder centralizado das ações coletivas e aumenta sua decisão individual na web, nas ruas e no mundo privado. Por sua natureza interativa, a Web permite à arte experiên- características de interesses pessoais e coletivos ao mesmo tem- cias únicas de relacionamento com seu público, que somadas às modelos de negócios. Na sociedade hipermoderna, a arte adquire nômeno de deslocamento de linguagens analisado neste trabalho. po. É informado, exigente, e disposto a interferir nas demandas e a velocidade das transformações do mundo, além de novos ritmos Capa que interferem significativamente nos comportamentos e modos Editorial de vida cotidianos nas cidades, se define em meio a uma situação paradoxal de coexistência entre o excesso e a moderação do consumo. Não obstante, a sociedade apresenta-se temerosa do seu futuro, da sua comunicação e sociabilidade. Cria práticas de eternização para as próximas gerações formuladas individualmenPágina - 223 inseridos nas redes sociais e em sua individualidade. Sentem o Facebook, Twitter, entre outros, em campanhas publicitárias, os relacionamento, informação, entretenimento e consumo. Em uma Sumário As instituições coletivas e as estatais não respondem às mentos de gostos artísticos não tradicionais. Os sujeitos inseridos no mundo das redes sociais, segundo o autor, possui tendência congresso Keller Regina Viotto Duarte | et All te nas redes sociais e nas ruas das cidades. experiências do mundo físico colaboram para a construção do feA linguagem deslocada do graffiti d’OSGEMEOS aqui pro- blematizada, além do pertencimento à temporalidade hipermoderna, está inserida na cultura do narcisismo de Lash e na sociedade do espetáculo de Debord. GRAFFITI/STREET ART Considerado desde o princípio como linguagem detentora CIANTEC’14 de um código que transita entre o visual e o verbal, essa manifes- râneo assinala rupturas nas estruturas tradicionais, modernas e paredes das cavernas até a atualidade. sequentemente novas relações entre arte, vida cotidiana e espaço tação humana ocupa espaços desde as primeiras inscrições nas congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação do grafite vem acompanhada da noção de rebeldia, Sistemas de representação se apropriam das cidades, das esferas pria história da ar te. Desde os anos 1980, a ideia colada sobretudo à crescente manifestação da cul- ressignifica as relações de poder por meio de variados discursos. da vida social e individual dos sujeitos urbanos. Em entrevista realizada por Katia Canton com o arquiteto cada surgiram, nos Estados Unidos, grandes nomes e urbanista Sérgio Leal, pesquisador dos grafites da cidade de chel Basquiat (1960 -1988). Hoje os códigos da picha- percebido e conhecido como “a explosão do grafite”. Sérgio Leal ção levam grafias ininteligíveis para pontos da cidade nunca imaginados, numa ação que fa z referência a um poder – de alcançar o que normalmente não é alcançado. Por sua vez, o grafite propõe, acima de tudo, uma experi- ência de estética e fluidez, por ser a arte do movimento, que se modifica junto com o dia a dia da cidade. (CANTON, 2009, P. 43) Sumário O cotidiano é uma categoria que se politiza no espaço das São Paulo, destaca-se o fenômeno que ocorre desde o ano 2000, refere-se a esse movimento como “um protesto belo e também uma maneira sensível de chamar atenção” e exemplifica com uma frase que poderia ser a de qualquer artista grafiteiro: “Olhar esse pedaço da cidade é legal, ainda pode virar algo bonito.” (CANTON, 2009, p.45) A crise de “civilização” movimenta o sujeito em direção à desconstrução das normas culturais e estéticas rígidas. Recicla conceitos do passado multiplicando novas estéticas, ou seja, com uma atuação ora autorizada, ora não autorizada. O pesquisador reconhece nos grafiteiros uma dimensão de artistas inseridos na cidades e é gerador de múltiplas manifestações, movimentos, cena contemporânea. Em sua produção é possível reconhecer re- permodernidade. O momento histórico, social, cultural contempo- do mundo hipermoderno. flexibilidades e fluidez, características dos novos tempos, da hi- Página - 224 urbano. Modos de vida e posturas político-ideológicas se manifes- tam sem encontrar resistências estruturais tradicionais. O graffiti do grafite, como Keith Haring (1958 -1990) e Jean-Mi- Editorial pós-modernas. Cria novos comportamentos, sociabilidades e con- Essa inscrição no espaço público acompanha a pró - tura negra nor te-americana e do hip -hop. Nessa dé - Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All gistros das expressões, inquietações, subjetividades e o simbólico CIANTEC’14 A temporalidade lenta do pensamento teórico não acom- panha no mesmo ritmo as oscilações e a reconstrução dos novos olhares e valores da sociedade. Sérgio Leal diz ainda: congresso internacional O pessoal descobre cada dia um elemento novo para em artes ser uma mídia, tem muita gente pintando além dos novas tecnologias e comunicação muros, pintando bueiros, por exemplo. Interessante é que esses ar tistas, que começam com uma linguagem de periferia, hoje estão com status de celebridade, existe um mercado fer vilhante que os absor ve nas grandes galerias de ar te. (CANTON, 20 09, p. 48) As novas formas de socialização necessitam ser repensadas. Espaços urbanos separados, divididos dos séculos anteriores perderam sentido, se desintegram no contexto da hipermodernidade. Uma nova reconstrução social mais flexível com relação às manifestações culturais de um local para outro se encontra em andamento. Os grafiteiros reagrupam e comunicam a nova lógica. Capa O arquiteto complementa: Editorial Sumário “ Talvez a mensagem seja esta: reocupar, reavivar. É a contribuição sociológica dos grafiteiros para todos nós”. (CANTON, 2009, p. 49) Página - 225 A sociedade hipermoderna entra no período da flexibilidade Keller Regina Viotto Duarte | et All comunicacional caracterizada pelas múltiplas mobilizações e manifestações sociais e culturais, pela apreciação do espetacular. A TRANSPOSIÇÃO DOS LIMITES ENTRE O VERBAL E VISUAL NO GRAFFITI O aparecimento de palavras ou signos verbais está disseminado pela história pictórica da visualidade. Quer sejam signos completos em sua grafia, e portanto, portadores de significado, quer sejam indícios de grafias (e aí incluem-se escritas de vários tipos), estes elementos gráficos são parte da história da arte, for- mando um sub-caminho a percorrer com olhos voltados para a estrutura sígnica e suas diferenças de linguagem. Um olhar para alguns dos principais movimentos artísticos deste século revela a grande incidência de utilização do signo ver- bal no contexto da produção pictórica. Dentre vários exemplos, encontramos esse tipo de manifestação na obra de Braque e Picasso, como o papier colle enquanto expressão visual em trabalhos carregados de signos verbais. Esses trabalhos refletem, como documento, a realidade da época, fato que se repetirá na Arte Pop após a segunda metade do século XX. No Futurismo, um dos momentos em que a poesia espacia- liza o texto, a obra pictórica recebe grande influência verbal. No Surrealismo, a letra/palavra, ou o elemento gráfico verbal, está presente pelas características do próprio movimento: a retratação CIANTEC’14 de objetos e sua nomeação no espaço da tela, criando estranha- signo gráfico é atribuído um valor autônomo, independente do sig- A Arte Pop, de posse dos elementos produzidos pela so- visual e pode-se diminuir sua qualidade de letra, fazendo que o mentos de grande poeticidade. congresso ciedade industrial, utiliza o texto da rua, e monta uma obra tipi- internacional camente urbana. E a seguir, o conceitualismo, um movimento de em artes extensa riqueza na utilização do texto como fonte de informação novas tecnologias verbo-visual, quando os artistas dão outro valor à palavra, e criam e comunicação uma poesia da imagem. A L G U N S PA R Â M E T R O S PA R A A RELAÇÃO VERBAL-VISUAL O estudo empreendido na relação texto-imagem revela duas categorias e dentro delas três subcategorias em que se pode verificar a performance desta relação de três maneiras possíveis. A primeira delas denomina-se Aproximação, e leva o leitor a considerar o texto em seu caráter semântico, e estuda suas relações com a imagem na intersecção de significados, como é paten- Capa Editorial Sumário te em certos momentos da arte e da poesia visual. A Aproximação pode ser definida como a relação de proximidade entre significante e significado, onde o significante, extraído do contexto da língua corrente e da grafia padrão, carrega consigo seu significado, ex- plícito e claro. No outro extremo está o que denominamos DistanciamenPágina - 226 Keller Regina Viotto Duarte | et All to, no qual se alarga o espaço entre significante e significado. Ao nificado que veicula. Aumenta-se, neste contexto, sua informação significante assuma sua qualidade física, material, plástica. Ganhando corpo físico, ou ganhando significado por meio de sua materialidade, a palavra desincumbe-se de designar, viran- do um objeto materialmente autônomo. Distanciamento quer dizer, neste âmbito, que o significante muda suas características, deixando de representar um significado, e a palavra “dessemantiza- -se”. É o afastamento material do signo. No espaço entre Aproximação e Distanciamento, estão os três possíveis degraus de interação texto-imagem: 1. o texto produz sentido, libertando a imagem desta tarefa; 2. a palavra e a imagem completam-se na produção de sentido e concretização do fato poético; 3. a imagem produz sentido, libertando o texto desta tarefa. Nestes tipos construtivos não há possibilidade de emprego autônomo de nenhuma das formas de linguagem: verbal ou visual. Pode-se definir o fio da narrativa de um dos códigos, mas não se pode deixar de criar uma intersecção de interpretações com a intersemiose do signo que segue. Estas especulações fundam-se, por um lado, no caráter ar- bitrário e generalista do signo verbal, definido pela linguística, e por outro, no caráter particular da representação visual. Há um esvaziamento que é uma interação de ordem semió- CIANTEC’14 tica, tendendo a afirmar a arbitrariedade e a convencionalidade do do que está acontecendo ao nosso redor. A vida é uma inspiração, de fragmentação do código, redução a uma unidade gráfica míni- que acontece na hora, dá vontade de pintar e pintamos. (Em entre- signo, e esta dessemantização pode se dar através de processos congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação vista a Paula Cohn, publicada na Revista Zupi reedição 001, p. 13.) tico de língua desconhecida, imitação de escrituras convencionais, individuais e coletivas. O humor, o desejo e a dessacralização da que impeçam a comunicação, ou mesmo pelo uso de signo alfabéentre outros. No cenário brasileiro promissor dos últimos anos, vem des- Os discursos tradicionais perdem importância e a autonomia indi- tório nacional alçam vôos internacionais. de curadores da Fundação Armando Álvares Penteado, as imagens OSGEMEOS visual gerada nas ruas, alimentada por referências da tradição po- Não temos nenhum tema específico no qual trabalhamos sempre. Os temas são baseados na nossa vivência, em tudo o que inter fere na nossa vida, no dia a dia. Temos nosso mundo paralelo. Gostamos muito de cultura regional, de festa junina, carnaval e de misturar coisas brasileiras por isso procuramos por um pouco disso em nosso trabalho. Página - 227 cultura tradicional e popular ganham novas dimensões e sentidos. vidual, os prazeres e a liberdade, forças nos espaços das cidades. comentam sobre seus processos criativos: Sumário A hipermodernidade abre possibilidades para inspirações tacando-se dois jovens grafiteiros, OSGEMEOS, que atualmente Os irmãos gêmeos univitelinos Gustavo e Otávio Pandolfo Editorial o que é ao mesmo tempo bom e ruim. Não tem explicação, é algo ma que prive de significado aquele sinal, introdução de rumores além de representarem esse deslocamento da arte de rua no terri- Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All Tudo serve de inspiração, depende muito do dia, do humor, Para Celita Procópio de Carvalho presidente do conselho desenhadas e pintadas nos muros resultaram no grafite, linguagem pular e dos meios de comunicação: das informações da história da arte e das soluções encontradas pelo autodidata, do universo erudito e da cultura pop. A linguagem do grafite é constituída pela contribuição de cada autor (anônimo ou nomeado) e característica de cada cidade (SILVA, 2009). Tudo começou no bairro do Cambuci. No começo dos anos 80 era bem for te essa coisa da cultura hip -hop e tinha um pessoal em frente da casa que ficava até bem tarde da noite dançando, ouvindo um som e de - senhando. E nós ficávamos brincando na rua, todos os dias, com os caras. Brincando de carrinho, pon- CIANTEC’14 do fogo no lixo das vizinhas e os caras dançando. Assim conhecemos também o hip -hop. Lembro que a primeira vez que vimos os caras grafitando na rua congresso estávamos com nossos pais. Quando saímos à noite, internacional eles estavam pintando em frente à nossa casa. En- em artes tão falamos para nossa mãe: “Queremos fa zer isso novas tecnologias aí, compre um spray ”. Ela comprou e com ele fomos e comunicação descobrindo, inventando para ver como é que era e deu nisso! (Em entrevista a Paula Cohn, publicada na Revista Zupi reedição 001, p. 13) Os gêmeos do Cambuci começaram a grafitar os muros da cidade de São Paulo ainda com 11 anos de idade, sob influência de grupos de hip-hop que se reuniam em frente à casa que moravam – “tinha um pessoal em frente de casa que ficava até bem tarde da noite dançando, ouvindo um som e desenhando. E nós Editorial Sumário cando o jato a uma curta distância conseguem uma linha fina de contorno e a dispersão de pequenas gotas de tinta, que criam um efeito de sombreamento. O uso da cor amarela para os personagens contrasta com o tom vermelho escuro do contorno, o que dá um efeito de volume às figuras. Definindo seu processo criativo, os dois artistas afirmam transformar aquilo que aparece em seus sonhos (Silva, 2009, p. 8). Para ele, ao nos permitir entrar nos seus sonhos, os artistas abrem-se às comparações que, a princípio sugerem a aproximação com o Surrealismo, mas: O real e o urgente, entretanto, logo se apresentam de maneira palpável aos nossos olhos e nos afastam dos princípios de um movimento que se apoia numa criação suspensa de quaisquer controles exercidos pela ra zão. E essa que está ali brota do contato d’OSGE- à cidade, o artista norteamericano Barry McGee conheceu o tra- lo que nos provoca reflexão nesse processo. (SILVA , balho deles e passou a divulgá-lo no exterior. A possibilidade de dedicar-se profissionalmente à arte foi o incentivo a que buscas- sem um estilo pessoal que tornasse sua expressão reconhecida. Assim, eles obtêm um traço bem fino em seu manuseio com latas de spray, obtendo um sombreado que confere tridimensionalidaPágina - 228 de aerossol com orifício pequeno, adaptado de outras latas. Apli- ficávamos brincando na rua, todos os dias, com os caras”. A possibilidade de divulgação maior surgiu em 1993, quando em visita Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All de aos desenhos. O efeito é obtido pela pressão leve de um bico MEOS com o mundo, com as coisas e com tudo aqui20 09, p. 8) Podemos também estabelecer semelhanças entre a arte dos dois irmãos com a arte primitiva, enquanto considerada como expressão de artistas sem educação formal (naif), pois eles permanecem autodidatas e não ligados ao ensino de arte em univer- CIANTEC’14 Keller Regina Viotto Duarte | et All sidades ou a fórmulas acadêmicas. A ilustração da capa da revista ZUPI é uma reprodução de um trabalho de grafite realizado pela dupla OSGÊMEOS que, entre congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação 25 de outubro a 13 de dezembro de 2009 também esteve presente na exposição Vertigem, no Museu de Arte Brasileira em São Paulo. Nela podemos ver um personagem amarelo, característico dos trabalhos da dupla e que também se converte em protagonista na estampa do avião da Gol, cujo estilo representa ao mesmo tempo o bairro paulistano do Cambuci, onde nasceram e ainda moram, o interior do país, e em especial, o Nordeste. O personagem amarelo, sozinho em lugar nenhum, é magro e tem grandes olhos tristes. Parece ser um menino, com pernas e braços muito finos, que segura seu estilingue – que não tem um elástico característico, mas possui um fio muito longo, no qual pousa um pássaro. É um pequeno pássaro livre, diferente das aves que estampam a blusa do menino, onde podemos reconhecer duas galinhas e um filhote sobre uma superfície verde. Podemos inferir que o contraste entre as aves domésticas do traje do menino e o Capa Editorial pássaro – que pode voar a qualquer momento – seja uma referência à infância desamparada de tantos brasileirinhos. Sumário Figura 1 – OSGÊMEOS. Disponível em http://catenzaro.files. wordpress.com/2010/07/capa _ 01_thumb1.jpg. Acesso em 10 Página - 229 de ago. 2014. CIANTEC’14 Do personagem amarelo só é possível ver parte do rosto, pois sua cabeça está parcialmente encoberta com um tecido colorido. Na blusa do menino podemos notar que o padrão estampado congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação remete às telas de arame usadas para proteger aviários, contras- tando com a liberdade do pequeno pássaro. Cada peça da roupa que o menino usa apresenta estampas diferentes, feitas com a utilização de moldes vazados – técnica conhecida como estêncil – e são muito coloridas. Ao observar a ilustração nosso olhar é levado a percorrer gueses subver tendo critérios de gosto e decoro. A passagem do grafite das ruas para o isolamento das instituições ar tísticas tra z à tona a herança do realismo (SILVA , 2009, p. 6). Contudo, Chaimovich problematiza: se trânsito, desaparece a transgressão da proprieda- vai revelando aos poucos seus detalhes. Felipe Chaimovich, curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo, no texto de apresentação d’OSGEMEOS para o catálogo da exposição Vertigem que aconteceu em 2009 no MAB-FAAP São Paulo, situa a trajetória desses artistas e relaciona o caráter social transgressor dessa produção artística com o Realismo: A obra plástica d’OSGEMEOS saltou dos muros urbanos para o restrito circuito das instituições de ar te contemporânea ao redor do mundo, desde exclusivas galerias até seletos museus. Essa trajetória, percorPágina - 230 característicos da alta cultura, invade os salões bur- plementar às cores verdes de sua camisa, o tom vermelho escuro têncil. O conjunto atrai o olhar, estimulando uma observação que Sumário do trabalhador, subitamente expandida para formatos A produção d’OSGEMEOS abandona a vida urbana da calça faz contraste com as flores amarelas estampadas em es- Editorial lismo: uma produção que figura elementos do mundo o personagem amarelo e destacam-se as cores utilizadas. A cor vermelha do lenço que envolve a cabeça do personagem é com- Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All rida nos últimos anos, indica a sobrevivência do rea- para habitar espaços protegidos da alta cultura. Nesde, ganhando lugar a obediência às regras do circuito da ar te. Além disso, o contraste entre o universo dos personagens e o caos urbano é substituído pela experiência de um mundo fechado em si mesmo: o confronto com a realidade leva à figuração de uma utopia. (SILVA , 2009, p. 6) “VESTIMOS MAIS QUE A CAMISA. V E S T I M O S U M AV I Ã O I N T E I R O ” . Esse é o slogan que a empresa GOL Linhas Aéreas apre- sentou na campanha da Copa 2014, como a transportadora oficial da seleção brasileira. CIANTEC’14 A empresa [...] “convidou os artistas OSGEMEOS para tra- duzir a paixão de todo o país. Agora, o avião que vai levar os nossos craques para os jogos conta com mais de 200 milhões de congresso tripulantes e tem um único destino: a sexta estrela”. Keller Regina Viotto Duarte | et All o making off da pintura do avião. Na mesma edição da revista, das páginas 124 a 132, divul- garam uma matéria realizada por Pedro Henrique Araújo, chamada de “PINTANDO 737”, a qual descreve e ilustra o making off. A obra internacional em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário “OSGEMEOS já pintaram paredes, quadros, trem e castelo. Faltava um avião, mas agora não falta mais. Ele está pronto e vai levar a seleção e a torcida brasileira pelo país afora.” (Pedro Hen- rique Araújo, revista GOL, número 147, junho 2014. p.124.) Esse texto consta no anúncio de página dupla feito pela empresa na revista GOL – número 147 – Junho – 2014, onde conviPágina - 231 dam os leitores a acessar o link: gol.vc/gêmeos_gol para visualizar terá duração de dois anos. A execução da pintura contou com aproximadamente 1500 latas de spray e uma equipe parceira e afinada formada por amigos d’OSGEMEOS que em conjunto com os irmãos garantiram a conclusão da pintura do avião em seis dias. “Transformamos esse hangar em nosso ateliê e eles fize- ram parte do processo”, diz Gustavo referindo-se aos funcionários CIANTEC’14 da empresa que trabalham no hangar. (revista GOL, número 147, junho 2014. P. 130). A mídia é tomada pela lógica hipermoderna, ou seja, a teo- congresso internacional em artes ria é abandonada pelo uso prático e pela emoção. O uso verbal e o visual correspondem a preocupações pessoais e coletivas. (LI- POVETSKY, 2004) Trata-se de um fenômeno complexo. Com relação ao impac- novas tecnologias e comunicação to da campanha, vamos que na rede social Facebook e nos sites técnica competente”. “LINDO... CULTURAL... MISCIGENAÇÃO” Show, trabalho inteligente, criativo e ideal para o clima ge- rado pela maior e mais festiva competição mundial, isto é alegria e o trabalho muito bem oportuno e representativo para pessoas te trabalho”. Em uma rápida busca na internet é possível verificar opini- “Parabéns aos artistas e técnicos envolvidos neste excelenPor outro lado, diversos comentários revelam incompreen- são da linguagem do graffiti, bem como da proposta dos artistas que se mantiveram fieis a seu estilo e da ideia de uma imagem que ção expressos em diversos comentários. represente o povo brasileiro carregando a sua seleção: -marketing/noticia/2014/05/aviao-que-transportara-selecao-na-co- nhos de tribos ou comunidades africanas. Esquisito”. voegol.com.br/index.php/gol/os-gemeos-pintam-aviao-gol/#idc-co- nha!” (Disponível em: http://g1.globo.com/economia/midia-e- pa-tera-grafite-de-os-gemeos.html) e no blog da Gol http://blog. ver. Acesso em 30 de ago. 2014. Alguns comentários elogiosos: “Linda essa aeronave!!!!! Não vejo a hora de ter a oportunidade de viajar com ela” “Estes são os artistas brasileiros com o maior renome inter- Página - 232 nito trabalho, resultado da união de bons artistas e uma equipe controversas a respeito da visualidade apresentada no avião da ões que vão do elogio ao estranhamento e até mesmo forte rejei- Sumário “Indiscutivelmente uma bela obra de arte. Um grande e bo- inteligentes entenderem”. Gol. Editorial mais uma vez!” de notícias como o Globo os comentários dos internautas/ sujeitos hipermodernos realizados no mês de maio 2014 revelam opiniões Capa Keller Regina Viotto Duarte | et All nacional, e mais uma vez mostraram seu talento brilho... Geniais “Na boa, não ficou bonito. Ficou parecendo aqueles dese“O Avião parece uma BANANA com ASAS... coisa estra“Estranho... Parece uma revista em quadrinhos voadora” “A pintura é legal. Mas acho que não combina em nada para ser tema da seleção/Brasil”. “Tá parecendo os Simpsons horrivel esse desenho, nada haver com o Brasil,nada haver com a copa... horroroso” (sic). “Ficou a cara do Brasil! Poluição visual ao extremo, igual CIANTEC’14 nossas grandes cidades! Odeio pichadores!!!.... Isso mesmo! PI- XADORES, GRAFITEIROS TUDO IGUAL! Seria bem melhor, todo Keller Regina Viotto Duarte | et All resposta direta, outro comentário que demonstra forte rejeição e não faz conexão com o tema fubebol: “Ai ai outra que não entende com o símbolo da CBF desenhado na parte dianteira” de futebol e sua cultura, o desenho é feio mesmo!” internacional ligado às cores da bandeira nacional, não se consideram repre- ta) e outro avião que será utilizado pela TV Bandeirantes para o em artes sentados: congresso novas tecnologias e comunicação Vários expressam a frustração em não ver algo diretamente “Os gêmeos sabiamente pensaram em todo mundo... exceto na torcida da seleção, pois nem mesmo usaram as cores da bandeira nacional”. “Não gostei! Penso que a pintura não faz referência à sele- ção, ainda dá tempo de mudar hein! rsrs pinta de verde e amarelo que já vai ficar melhor! Rsrs” “Não gostei. Acho que teria ficado melhor se tivessem as cores da nossa bandeira. Minha opinião.” “Sem dúvida vai chamar a atenção e agradar a todos por onde passar. Porém, não vi neste belo trabalho qualquer nuance de brasilidade”. Capa Editorial Sumário deslocamento de sua equipe jornalística: “Nessas horas bate uma saudade da VARIG !!” “O avião da Band é muito mais bonito” Outro aspecto é que no Facebook várias pessoas que se colocaram como admiradores da produção dos artistas manifestaram críticas com relação ao teor comercial da proposta, manifestaram pesar pelos artistas “terem se rendido” ao capital e consumo e certa decepção diante do que foi considerado contraditório, pois a dupla já havia realizado graffitis com mensagens ácidas em relação à Copa do Mundo. Porém, como dito anteriormente, há anos a produção d´OSGEMEOS ocupa vários espaços, entre o alternativo e transgressor nas ruas e entre as propostas que envolvem insti- “Se esta aeronave pousar em qualquer outro país, ninguém tuições e o capital. “Talvez uma bandeira do Brasil, mesmo que estilizada, aju- nhecimento da convergência de signos representada na trajetória Em meio às opiniões contrárias, uma internauta tenta expli- com o capital/consumo em tempos hipermodernos de processos vai identificá-la como brasileira”. dasse a alcançar esse objetivo”. Nossas considerações preliminares apontam para o reco- artista d’OSGEMEOS que se preserva mesmo com o envolvimento car o conceito: “Não estão entendendo o desenho! a homenagem é comunicativos efetivados em redes sociais. Em meio à comple- tam muito de reclamar... que humor hem de vcs!”. E recebe como sentes, inclusive no impacto das manifestações junto aos sujeitos para a torcida retrata a diversidade do povo brasileiro. Vocês gosPágina - 233 Há menções sobre outra companhia aérea (Varig, já extin- xidade e convergência, a ambiguidade e contradições estão pre- CIANTEC’14 hipermodernos. Os comentários capturados na internet revelam pistas de que o que a princípio poderia se pensar como uma campanha publicitária certeira, simpática à maioria do povo brasileiro, congresso internacional em artes provavelmente não o tenha sido. Uma das possíveis causas da rejeição pode ter sido o fato de os artistas terem se mantido fiéis ao seu estilo tão autoral, que inclusive tem como uma das fontes novas tecnologias a arte popular e a riqueza e diversidade da cultura brasileira. As e comunicação mensagens que diversos sujeitos expressaram na rede indicam que, paradoxalmente, como integrantes do povo brasileiro, não se sentiram representados pelos bonecos amarelos. Por quê? O assunto pede maior estudo e aprofundamento e convidamos a todos a participarem desse debate. REFERÊNCIAS CANTON, Kátia. Tempo e memória. São Paulo, Ed.WMF Martins fontes, 2009. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2007 LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e Vida Social na Cultura Capa Editorial Sumário Contemporânea. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2002. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre, Editora Sulina, 2009. SCHAFF, Adam. A sociedade informática. São Paulo: Brasiliense, 1995 Página - 234 [Demais referências entrar em contato com o autor] Keller Regina Viotto Duarte | et All EDUCAÇÃO DESORDEIRA: POÉTICAS DAS INFÂNCIAS EM VIDEO-ARTE KRISCHNA SILVEIRA DUARTE Jornalista. Mestre em Educação Ambiental. Doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Pelotas. Bolsista CAPES. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Busco nas poéticas das infâncias explorar a hi- pótese de uma educação dos novos olhares, uma educação que busca na desordem a capacidade de instituir o novo. Uma educacongresso ção que se nomina desordeira e que se inscreve sob a afirmação internacional de que a ordem se mantém, a desordem se cria! Compreendendo em artes a infância como alteridade capaz de questionar as medidas de novas tecnologias nosso saber e de nosso poder, situo-a como lugar de possibilidade e comunicação para pensar a “inquietação, o questionamento, o vazio” (LARRO- SA, 2010), num movimento capaz de colocar à prova as ancora- gens instituídas a partir das representações (JOVCHELOVITCH, 2008). Busco na Criança Desordeira e no Colecionador, de Benjamin (2013), permissão para aproximar-me da infância e de seu olhar sempre novo sobre o mundo. Potencializar este olhar através do vídeo é reservar também à criança o lugar da produção dos dis- Sumário la hipótesis de una educación de las nuevas miradas, una educa- ción que busca en el desorden la capacidad de instituir lo nuevo. Una educación que se nomina desordenada y cae bajo la afirmación de que la orden se mantiene, y el desorden se lo crea! La comprensión de la infancia como alteridad capaz de cuestionar nuestros conocimientos y nuestro poder, se le ubica como lugar de posibilidad para pensar la “inquietud, el cuestionando el vacío” (LARROSA, 2010), en un movimiento capaz de poner a la prue- ba los anclajes instituidos de las representaciones (Jovchelovitch, 2008). Busco en El niño desordenado y el coleccionista, Benjamin (2013), el permiso de acercarse a la infancia y su mirada siempre fresca acerca del mundo. Potenciar esta mirada a través del video da infância, é resgatar a poesia, é deixar-nos bagunçar. A partir adultos la oportunidad de ver de nuevo en el mundo a través de com idades entre onze e doze anos, a realização de vídeo-artes sobre o tema “Escola”. Acredito que a reflexão conjunta sobre essas produções possa desvelar imposições culturais que reafirmam so, la operación de las imágenes poder. También es regalar a los los ojos de los niños, es rescatar la poesía, es que nos dejemos desordenar. Desde la etnografía surrealista, propongo a un grupo de diez niños con edades entre los once y doce años, la realización de vídeo-artes sobre el tema “Escuela”. Yo creo que la reflexi- o ambiente escolar tradicional, dificultando a renovação. Tais re- ón conjunta sobre estas producciones puede revelar imposiciones Educação Desordeira. ficulta la renovación de su estructura. Estas reflexiones sugieren flexões indicam caminhos para o aprofundamento do conceito de Página - 237 RESUMÉN – Busco en la poética de las infancias explorar también se lo reserva a lo niño el sitio de la producción del discur- da etnografia surrealista, proponho a um grupo de dez crianças Editorial ca. Educação Desordeira. cursos, a operação das imagens-poder. É também conferir a nós, adultos, a oportunidade de olhar outra vez o mundo, pelos olhos Capa Krischna Silveira Duarte PALAVRAS-CHAVE: Educação. Infância. Vídeo-arte. Poéti- culturales que reafirman el entorno escolar tradicional, lo que dimaneras de profundizar el concepto de Educación desordenada. CIANTEC’14 PALAVRAS-LLAVE: Educación. Infancia. Video-arte. Poéti- ca. Educación Desordenada. congresso INTRODUÇÃO internacional em artes novas tecnologias e comunicação O embrião desta pesquisa surge em 2004, quando, ainda na graduação em Comunicação Social, encontrei na ferramenta audiovisual o fio condutor que direcionaria minhas escolhas profissionais e acadêmicas. Produzindo elementos audiovisuais en- quanto exercia a função de jornalista, percebi o processo de manipulação das informações que, inevitavelmente, perpassava minha rotina. Este desacomodamento me conduziu à investigação em ní- vel de mestrado, que objetivou pesquisar alternativas para as ins- tituições midiáticas. A proposta foi pensar que tipo de movimento seria necessário para criar espaços de livre expressão das subjetividades, criando alternativas à mídia tradicional. Utilizando como base a ecosofia de Félix Guattari e os pressupostos da metodoCapa Editorial Sumário logia de pesquisa-ação-participante, constitui-se junto ao grupo de pesquisa – crianças com idade entre oito e dez anos de idade -, um programa de televisão ambiental, chamado Jornaleco. Este programa constitui-se como espaço experimentativo que possibi- litou às crianças produzirem seus próprios programas de televi- são, comunicando àquilo que lhes parecia importante. As crianças eram responsáveis pela produção de todas as etapas do progra- Página - 238 Krischna Silveira Duarte ma, desde a escolha da temática, concepção do roteiro, passando pela apresentação e gravação das imagens, até a edição. Dentre os resultados da pesquisa, uma descoberta chamou à atenção: o exercício de trocar as lentes do olhar pelas lentes da videocâmera, fez com que as crianças percebessem fenômenos presentes em seus cotidianos, que não era percebidos, por já estarem naturalizados. O movimento de distanciar o olhar para ver a realidade deslocada pelo tempo-espeço do vídeo, permitiu que o grupo percebesse seu cotidiano com o olhar contemplativo, analítico, o que levou à potencialização do olhar crítico das crianças. Este fenômeno atua como a mola propulsora que me leva a desenvolver esta pesquisa em nível de doutorado. Este trabalho, portanto, busca nas poéticas das infâncias, explorar a hipótese da Educação Desordeira: uma educação dos novos olhares, que encontra na desordem a capacidade de instituir o novo. Educação que se inscreve sob a afirmação de que a ordem se mantém, a desordem se cria! Educação Desordeira é um conceito que vêm sendo desenvolvido pela autora no processo de pesquisa. Propõe o questionamento da educação formal tradicional, no sentido de suscitar novas possibilidades para a educação escolar contemporânea. Emerge do cruzamento entre o aprofundamento teórico das disciplinas da Educação, Arte e Psicologia social, e da experiência empírica da produção de vídeo-artes pelas crianças, que compõe essa investigação. O anseio de responder a estas inquietações conduz às se- CIANTEC’14 Krischna Silveira Duarte guintes questões de pesquisa: a utilização da ferramenta audiovisu- maníaco. Mal entra na vida, e já é caçadora. Caça os e suportes para pensar a educação formal? Quais contribuições e coisas ela gasta anos, nos quais seu campo de vi- al pode mostrar as poéticas das infâncias, criando novos espaços espíritos cujo rastro fareja as coisas; entre espíritos congresso os processos de experimentação audiovisual podem trazer para a são permanece livre de seres humanos. Para ela tudo internacional constituição de uma Educação Desordeira? se passa como em sonhos: ela não conhece nada de em artes novas tecnologias e comunicação Um primeiro ensaio de resposta às questões me guia pelo permanente; tudo lhe acontece, pensa ela, vai-lhe de mostradas através do vídeo, são ferramentas capazes de deslo- ras na floresta do sonho. De lá ela arrasta a presa processo de pesquisa em forma de tese: as poéticas das infâncias, car as representações sociais sobre a escola, indicando caminhos para uma Educação Desordeira. O desafio e a novidade dessa pesquisa, talvez estejam jus- tamente nessa busca pela aproximação do olhar infantil, dessa Capa Editorial Sumário para a casa, para limpá-la, fixá-la, desenfeitiçá-la. Suas gavetas têm de tornar-se casa de armas e zoo lógico, museu criminal e cripta. “Arrumar ” significaria aniquilar uma construção cheia de castanhas e espi- essência de infância, tão complexa e difícil de capturar. nhos que são maçãs medievais, papéis de estanho, BRINCANDO DE CAÇADOR: O ENIGMA D A I N F Â N C I A N U M A T E N TAT I VA D E APROXIMAÇÃO são ataúdes, cactos que são totens e tostões de co - CRIANÇA DESORDEIRA . Cada pedra que ela encontra, cada flor colhida e cada borboleta capturada já é para ela princípio de uma coleção, e tudo que ela possui, em geral, constitui para ela uma coleção única. Nela essa paixão mostra sua verdadeira face, o rigoroso olha índio, que, nos antiquários, pesquisaPágina - 239 encontro, atropela-a. Seus anos de nômade são ho - dores, bibliômanos, só continuam a arder tur vado e que são um tesouro de prata, cubos de madeira que bre que são escudos. No armário de roupas de casa da mãe, na biblioteca do pai, ali a criança já ajuda há muito tempo, quando no próprio distrito ainda é sempre anfitrião inconstante, aguerrido (BENJAMIN, 2013, p.36). Deste lugar em que tudo se torna uma nova coleção, a crian- ça é capaz de enxergar o novo em tudo que vê. Em um constante surpreender-se, a criança inventa o novo por meio de um eterno recomeçar, poetizando a vida a partir da renovação do Era uma CIANTEC’14 vez. Este sempre novo de novo, é o que buscamos para pensar a cio bem construído de nossas instituições de acolhi- desordenar o instituído, o dado como verdade absoluta, abrindo te, pensar essa inquietação, esse questionamento e possibilidade de uma educação que pretende, pretensiosamente, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação espaço para o novo. Em Benjamin (2013), a figura do colecionador aproxima-se da infância justamente através deste olhar sempre novo, que encontra naquilo que para o adulto é inexpressivo, todo um mundo, repleto de mistérios a serem desvendados. Colecionar, como vimos no trecho acima, prevê o resgate do comportamento humano esse va zio. É insistir uma vez mais: as crianças, esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses seres selvagens que não compreendem a nossa língua (L ARROSA , 2010, p. 183 -184). Componho este trabalho, portanto, com a afirmação de que pretendo me aproximar da infância, pensando-a como ser social, As crianças são “seres estranhos dos quais nada se sabe, capaz de desvelar o mundo das infâncias, porque o olhar infantil seres selvagens que não entendem nossa língua”, diz Larrosa (2010, p. 183). Um ser distante de nós, que vive em outro mundo, porque compreende e inventa o mesmo mundo de forma completamente diferente da nossa. produtora de cultura. Contudo, assumo a posição de quem não é já não me pertence. Ficou no tempo em que eu também era uma ágil colecionadora, caçadora de novidades, criança desordeira a interagir com o mundo como enigma. Benjamin (2013) usa sua inquestionável sensibilidade Por isto a infância é elemento tão instigante de ser pesqui- para situar a infância no lugar de um despertar depois do sonho, escapa. Da infância, o que podemos chegar a compreender, é sua vanece por completo. Trazê-la à consciência causaria um impacto sado e ao mesmo tempo, tão difícil de ser abordado. A infância nos Editorial mento. Pensar a infância como um outro é, justamen- primitivo, ainda muito forte na criança, que como lembra Benjamin, “Mal nasce e já é uma caçadora” (2013, p. 36). Capa Krischna Silveira Duarte alteridade. assim como uma memória distante, mas que também não se destão forte que não se pode sugerir o que ocorreria. Sumário Página - 240 [...] a infância é um outro: aquilo que, sempre além A saudade que em mim desper ta o jogo das letras ça de nossos saberes, questiona o poder de nossas O que busco nele na verdade, é ela mesma: a in- de qualquer tentativa de captura, inquieta a seguran- prova como foi par te integrante de minha infância. práticas e abre um va zio em que se abisma o edifí- fância por inteiro, tal qual a sabia manipular a mão CIANTEC’14 que empurrava as letras no filete, onde se ordenavam como uma palavra. A mão pode ainda sonhar com essa manipulação, mas nunca mais poderá desper tar congresso internacional em artes novas tecnologias para realizá-la de fato. Assim, posso sonhar como no Krischna Silveira Duarte a par tir de um sistema geracional, em que as crianças vão ensinando aos mais novos os modos de estar no mundo. Para Sarmento, isso explica, por exemplo, como as crianças ainda brincam de pião ou amareli- passado aprendi a andar. Mas isso de nada adianta. nha em tempos de jogos eletrônicos. aprendê-lo (BENJAMIN, 2013, p. 104). Ludicidade: a brincadeira é elemento fundamental do Hoje sei andar: porém, nunca mais poderei tornar a e comunicação A tentativa de compreender com mais profundidade quem é esse ser criança, e como ele interage com o mundo, nos conduz a teoria das Gramáticas das Culturas da Infância, de Sarmento (2004). De acordo com Sarmento (2004), as culturas da infância constituem-se da interação entre os adultos e as crianças, o que aprendizado na criança. A natureza interativa do brincar é um dos elementos fundantes da aprendizagem e da sociabilidade. Brincar é condição para a recriação do mundo. Sarmento enfatiza que brincar é uma característica não só da criança, está presente também no adulto. A criança, contudo, brinca o tempo todo, sem distinção entre o momento lúdico e o momento estabelece formas e conteúdos representacionais diversos. Para do trabalho, como ocorre no mundo adulto. Talvez o gramática, que se articula a partir de quatro eixos, que apresento car. o autor, compreender estes traços requer o conhecimento desta que a criança faça de mais sério, é justamente brin- a seguir: Fantasia do real: é a capacidade da criança de re - Capa Editorial Interatividade: a criança aprende a par tir da relação Sumário com o outro. Na família, na escola e, principalmen- te, com seus pares. Suas relações são heterogêneas, nos diferentes mundos em que circula, vai amealhando conhecimentos que acabam por formar sua idenPágina - 241 tidade pessoal e social. A cultura dos pares funciona criar o mundo a par tir da não -literalidade com que se coloca no mundo e atribui significados para ele. Nas culturas da infância, realidade e fantasia coexistem. A fantasia do real é condição central da capacidade de resistência da criança face às situações que lhe são dolorosas. CIANTEC’14 Reiteração: complementa a não-literalidade com a ca- dronizada de uma produção em larga escala. Na interação com o recursivo. Pode ser reinventado continuamente. A cada que, ao final de sua “educação”, já não lhe resta uma só gaveta de racterística não-linear do tempo. O tempo da criança é congresso era uma vez, uma nova vez inaugura um recomeço re- internacional pleto de possibilidades. A interação se dá a par tir de em artes fluxos potencialmente infinitos de continuidade “e de- novas tecnologias pois... e depois...” e de ruptura “não brinco mais con- e comunicação tigo”. O tempo recursivo, aliado ao ensinamento geracional pelos pares permite que toda a infância possa se reinventar e recriar, começando tudo de novo. Benjamin (2013) explica a reiteração e a não-literalidade na relação da criança desordeira com os objetos, como vimos no início deste capítulo. Sua forma de compreender e, portanto, de estar no mundo, é completamente alheia àquilo que nós adultos julgamos perceber. Bussoletti (2007), em sua pesquisa de doutorado propõe a poética como mais um eixo das gramáticas das culturas da infância de Sarmento (2004), a qual percebo como condição Capa Editorial Sumário fundamental de sua linguagem. Reforço então, que aqui, a criança não é tomada como ser inacabado, um adulto em formação. Pelo contrário, atrevo-me a dizer que o adulto sim, é inacabado, já que em seu processo de “adequação” social, perde o encantamento do ser criança. Assim como a matéria prima, rústica, que ao ser trabalhada, vai tendo Página - 242 Krischna Silveira Duarte seus pedaços retirados pouco a pouco, para assumir a forma pa- adulto a criança vai sendo tolhida, “polida”, silenciada, de forma coleções desarrumada. P I N TA N D O O S E T E : A A R T E C O M O LUGAR DE RESISTÊNCIA DA INFÂNCIA O alento para suportar assistir à retaliação da infância, que desvanece no contato com o mundo adulto, sempre tão arrogante em seus saberes concretos, nos chega em forma de arte. A arte nos traz inspiração para compreender a dinâmica infantil não como inacabamento, que lhe faz menos do que o adulto, mas como potencialidade, que lhe faz dispensar a “lógica cada vez mais refina- da de nossas práticas e de nossas instituições [...] como uma verdade que não aceita a medida do nosso saber, [...] que não aceita a medida do nosso poder” (LARROSA, 2010, p. 185-186). Pensemos na arte dadaísta1 do século 20. Dadá significa absolutamente nada. Faz referência ao espirito rebelde, espontâneo e contestador que inspira a vanguarda. A arte dadaísta surge como ruptura à tradição artística clássica, em voga na Europa daquele período. 1 Movimento artístico da chamada vanguarda artística moderna. Iniciado em Zurique, em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial, no chamado Cabaret Voltaire. Era formado por um grupo de escritores, poetas e artistas plásticos, que tinham como lema: “A obra de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque a beleza está morta”. CIANTEC’14 No intuito de negar a construção renascentista da arte, que que põem materiais de espécie muito diferente, atra- dadaísmo busca na rusticidade de suas obras, muito mais do que uma nova, brusca relação entre si. Com isso as crian- buscava na matemática inspiração para reproduzir a natureza, o congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação um padrão estético: busca transcender o lugar confinado do obje- to, tornando a arte, conceito. Aqui, já não importam simplesmente os ideais estéticos, o requintado acabamento das produções, mas, sobretudo, o impacto que a mensagem causa no espectador. O movimento pretendia ligar a criação artística ao acaso, o que se dava a partir do olhar lançado sobre objetos prontos, e que despertavam nos artistas inspiração para trabalhar não mais na manufatura do objeto artístico, mas na ideia em torno deste objeto, seu conceito. A proposta era mostrar a aversão dos artistas pelos valores tradicionais, que para eles, eram supervalorizados e aca- bavam por desencadear as guerras. Suas obras desafiavam os es- pectadores a libertarem-se do pensamento lógico, racional. Esta no grande, elas mesmas (BENJAMIN, 2013, p. 18 -19). Este novo mundo de significados é o que cria também o artista, ao perceber nos objetos, a potencialidade da arte. No tra- balho de Duchamp, um dos criadores do dadaísmo, podemos perceber o quanto mais próximo da infância podem chegar os artistas. Talvez o artista conserve de alguma forma, seu olhar infantil sobre o mundo. Ou talvez não tenha medo de trazer à tona essa lembrança esvanecida de um acordar do sonho, assumindo o risco de não voltar de lá... O olhar da infância como possibilidade para exercer a críti- que lhes permitam inventar a novidade. duo, - na ruína, diria Benjamin -, como faz a criança, que garante Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo que surge na construção, no trabalho de jardinagem ou doméstico, na costura ou na marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e para elas unicamente. Página - 243 ças formam para si seu mundo de coisas, um pequeno ca da cultura, se traduz em arte no conceito de ready-made, pro- Capa Sumário vés daquilo que com eles aprontam no brinquedo, em característica aproxima a arte dadaísta do olhar infantil, sempre novo, disposto a encontrar nos resíduos do mundo adulto, objetos Editorial Krischna Silveira Duarte Neles, elas menos imitam as obras dos adultos do posto por Duchamp. É a capacidade de encontrar o novo no resíà Duchamp a criação deste conceito. O ready-made consiste em encontrar a ideia a partir de algo já produzido, elevando objetos comuns do cotidiano ao status de arte. “A fonte”, uma das obras mais expressivas do dadaísmo, idealizada por Duchamp, tratava-se de um urinol de porcelana branco, comprado em uma loja de artigos de construção em 1917. Assinado, o urinol passa a ser arte e é enviado para participar CIANTEC’14 de um concurso de arte nos Estados Unidos. A obra foi recusada internacional em artes Assim como a proposta de Duchamp, procede a infância pelo júri, por não demonstrar qualquer traço de labor artístico. A com seu olhar afinado, sempre pronto a encontra a renovação na o que atesta um tímido avanço de conhecimentos a respeito desta veis porquês. discussão sobre o que é ou não é arte, infelizmente, ainda é atual, congresso Krischna Silveira Duarte perspectiva provocadora do campo das artes. Contudo, este não é o tema central deste trabalho. Voltemos à obra de Duchamp: novas tecnologias ruína, descontruindo nossas certezas, do alto de seus intermináCompreendendo então, a infância como alteridade capaz de questionar as medidas de nosso saber e de nosso poder, situo- -a como lugar de possibilidade para pensar a “inquietação, o questionamento, o vazio” (LARROSA, 2010), num movimento capaz de e comunicação colocar à prova as ancoragens instituídas a partir das representa- ções sociais. El niño es el por tador de una mirada libre, indiscipli- nada, quizá inocente, quizá salvaje, el por tador de una forma de mirar que aún es capa z de sorprender a los ojos. El adulto, por su par te, es el propietario de una mirada no infantil, sino infantilizada, es decir, de una mirada disciplinada y normalizada desde la que no hay nada que ver que no haya sido visto antes. Y es el niño el que enseña al adulto a mirar las cosas Capa como por primera vez, sin los hábitos de la mirada Editorial constituída (L ARROSA , 20 06, p. 06). Sumário A desconstrução ou a desordem estaria, portanto, intima- mente ligada com a arte, na perspectiva de questionar as instiPágina - 244 Figura 1. A fonte, Marcel Duchamp, 1917. tuições representativas. Isto porque o que nos permite traçar o CIANTEC’14 caminho até este lugar, é a capacidade de olhar para o que é dado é um entre-lugar [...] o espaço intersticial entre dois e recriar o mundo, bagunçando nossas certezas de forma a enxer- é reinventado nos mundos de vida das crianças – e com o frescor da novidade. É através do olhar que podemos criar congresso gar novas possibilidades naquilo que nos é comum. Esta atualiza- internacional ção requer sempre o novo em movimento contínuo. Neste sentido, em artes retomamos na criança desordeira de Benjamin (2013) inspiração novas tecnologias para compreender a capacidade infantil de (re)inventar o universo. e comunicação Através da poesia, ou da fantasia do real, como aponta Sarmento (2004), a criança inventa o seu próprio recanto dentro do hostil mundo amadurecido, escapando da massificação que anestesia o adulto. Se é a partir da criança que o novo entra no mundo, é tam- um entre-lugar (Bhabha, 1998) socialmente construído, mas existencialmente renovado pela acção colec tiva das crianças. Mas um lugar, um entre-lugar, pré- - disposto nas suas possibilidades e constrangimentos pela História. É por isso um lugar na História (SARMENTO, 20 04, p. 2-3). A infância é, portanto, o embrião das novidades, o entre-lu- do novo, reconfigurando o mundo através de uma interpretação possível da infância, na tentativa de autorizar a mim mesma a falar é fundamental tomar a criança como sujeito histórico, inserido em sua classe social. Ela é parte da cultura, mas também produtora de cultura. Atua ainda, como crítica desta cultura, ao questionar verdades absolutas e bagunçar as instituições. Sumário As crianças, todas as crianças, transpor tam o peso da sociedade que os adultos lhes legam, mas fa zem-no com a leveza da renovação e o sentido de que tudo é Página - 245 entre dois tempos – o passado e o futuro. É um lugar, gar de onde é possível forjar uma nova história. Como o leitor deve sempre renovada. Para compreender como este fenômeno ocorre, Editorial modos – o que é consagrado pelos adultos e o que bém a partir dela, que a cultura pode ensaiar novos e necessários caminhos. Isto porque a criança é potencialmente o movimento Capa Krischna Silveira Duarte de novo possível. É por isso que o lugar da infância perceber, sigo tentando, até o esgotamento, aproximar-me o quanto sobre esse outro tão próximo, envolto em um mistério indecifrável. Recorro novamente a Benjamin, apropriando-me do conceito de alegoria (1984) para encerrar por ora esta reflexão, afirmando que a criança é o que não é. E não sendo, ainda o é. Explico primeiro o que é a alegoria, para depois desfazer a confusão: a alegoria não se reduz à linguagem oral ou escrita, está também presente em diversos tipos de arte. Seu significado etimológico é mais complexo do que seu uso comum expressa. Uma alegoria sustenta-se por mais tempo e de forma mais complexa sobre seus detalhes do que a metáfora. Enquanto a analogia busca sentido na razão, a alegoria bus- CIANTEC’14 ca na imaginação. Para Benjamin (1984), a alegoria é o lugar onde apesar da aparente doçura, representada icônicamente pelos ba- literal. A alegoria remete a níveis de significação mais profundos gue se lhe escorre sobre esses mesmos babados. De acordo com qualquer coisa pode significar outra, independente do seu sentido congresso através de uma linguagem acessível a todos. internacional em artes novas tecnologias e comunicação Krischna Silveira Duarte O alegorista arranca o objeto do seu contexto. Mata-o. E o obriga a significar. Esvaziado de todo brilho próprio, incapaz de irradiar qualquer sentido, ele está pronto para bados de sua roupa, morde um pássaro ainda vivo, do qual o sanPaquet (2000), a intenção do pintor “não é tanto o elemento cruel das crianças, mas mais o desejo do que é inacreditável, que o in- teressa” (PAQUET, 2000, p.75). A seguir, a infância, retratada na obra surrealista O prazer, de Renè Magritte 2: funcionar como alegoria. Nas mãos do alegorista, a coisa se converte em algo de diferente, transformando-se em chave para um saber oculto (BENJAMIN,1984, p.40). Esse saber oculto, que diz o que não é para mostrar aquilo que pode ser, como disse anteriormente, é o que constitui a crian- ça como alegoria da cultura. Culturalmente constituímos a imagem de uma infância singular, homogênea, que mostra a criança como ser indefeso, imaculado. Ao contrário disso, ou ainda, para além disso, a criança é mistério, é bem e mal, é vazio como diz Larrosa Capa Editorial Sumário (2010), é enigma. É aquilo que não podemos alcançar. Recorro novamente à arte para trazer imageticamente aqui- lo que as palavras não dão conta de dizer. Quando nos faltam as palavras para explicar o que não se alcança, a arte supre as la- cunas, permitindo dizer aquilo que não poderia ser dito de outra forma, em imagem, em sentimento, em provocação. Página - 246 Na pintura, Magritte expõe a imagem de uma menina, que 2 Renè Magritte nasceu na Bélgica em 1898. Integrante do movimento surrealista, Magritte percebeu que precisava de uma linguagem mais poética do que àquela comum à vanguarda. Desenvolveu então o surrealismo realista, ou “realismo mágico”, que se caracteriza pela nitidez de suas obras. Em sua arte, Magritte caracteriza o surrealismo através de paradoxos visuais: embora as coisas possam dar a impressão de naturalidade, existem anomalias por toda a parte. CIANTEC’14 Krischna Silveira Duarte composição de imagem e roteiro. Ele nos dá o prazer de rasgar os manuais. Por isso, arrisco dizer que o vídeo pode ser considerado o avesso do cinema, a partir da perspectiva de que ele é seu de- sordenamento. Esta característica configura-o como lugar de pos- congresso sibilidade para questionar, para pensar a inquietação, para pensar internacional a poética, de onde emerge a educação desordeira. em artes Ao contrário do cinema, o vídeo não é imagem, é processo. novas tecnologias Seu produto final não é o filme, ou o vídeo como poderíamos pen- e comunicação sar, mas o processo que ele desencadeia no espectador. Por isso o vídeo é tempo. Ele não existe para além das sensações que se constituem durante o assistir: não está na tela, que é pedaço de pano, plástico ou qualquer outra superfície onde se escolha projetá-lo. Também não está na televisão, aparelho pelo qual costuma ser exibido. O vídeo está nos processos de significação que pro- Figura 2. O prazer. Magritte, 1937. Óleo sobre tela. Capa Editorial Sumário TÁ QUENTE, TÁ FRIO: VÍDEO, O AV E S S O D O C I N E M A A escolha do vídeo como ferramenta para desenvolver a proposta da educação desordeira emerge das próprias caracte- rísticas que a linguagem confere ao suporte audiovisual. Diferente do cinema, que se inscreve no espaço, o vídeo tem ligação direta Página - 247 com o tempo. o vídeo subverte a lógica instituída pelas regras de voca no espectador. O vídeo é sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita. Linguagens que interagem su- perpostas, interligadas, somadas, não -separadas. Daí a sua força. Somos atingidos por todos os sentidos e de todas as maneiras. O vídeo nos seduz, informa, entretém, projeta em outras realidades (no imaginá- rio), em outros tempos e espaços (MORÁN, 1995, p. 28). CIANTEC’14 Reflita comigo, se o vídeo não está na fita onde é captado novos modelos de educação, pressupõe guiar a investigação a par- vídeo? Pertenceria ao entre-lugar, assim como a infância? Dubois os conceitos da não-linearidade (reiteração) e da não-literalidade e nem mesmo na tela onde por fim é exibido, que lugar é esse do congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação nos dá uma pista ao dizer que “[...] parece mais interessante e pro- dutivo observar o vídeo como travessia, campo metacrítico, maneira de ser e pensar “em imagens”” (DUBOIS, 2004, p. 110). É por este caminho que me aproximo da vídeo-arte, com- preendendo-a como uma nova forma de olhar, como travessia que permite, a partir das imagens construídas, ampliar as possibili- dades de pensar a representação. Deste processo, ou poder-se- fletir sobre as imposições culturais. Lembremos: a não-linearidade caracteriza o tempo da criança. É a capacidade reinventar o novo sempre de novo. A não-literalidade, por sua vez, é a capacidade de fantasia, de criação, o que permite à criança inventar espaços de fuga para realidade que lhe aflige. Assim, a etnografia surrealista parece-me uma estratégia reorganizar, em sua subjetividade, os elementos apresentados de- Chronos3 e permitir-me fantasiar, requer uma lógica de pesquisa so da infância. Caminhar nos entre-lugares, subverter a lógica de sordenadamente no vídeo. que acompanhe esse difícil processo. Encontro, portanto, um mí- bre o mundo a partir da livre experimentação do suporte audiovisu- ende a fragmentação e a justaposição dos valores culturais como al. O vídeo parece ser uma excelente maneira de aproximação ao desafio e oportunidade de investigação (CLIFFORD, 1995). Para olhar das infâncias porque permite perceber aquilo que a criança nimo de segurança na etnografia surrealista, pois esta compre- o autor, a etnografia está diretamente relacionada com o Surrealis- escolhe ver. mo, pois todo etnógrafo tem algo de artista, de reinventor, porque METODOLOGIA etnografía es cuestionar el papel central del “artista” creativo, el Editorial Retomo a gramática das culturas da infância de Sarmento (2004) para justificar a escolha do método de pesquisa a ser utili- Página - 248 (fantasia do real), como peças-chave que permitem à criança re- metodológica capaz de estabelecer aproximações com o univer- A ideia é que as crianças possam (re)criar significados so- Sumário tir do modo como as crianças interpretam o mundo. Elejo, portanto, -ia dizer, desse entre-lugar, constitui-se o campo perceptivo que convoca o espectador à participação na obra, quando desafia a Capa Krischna Silveira Duarte zado. Buscar na poética das infâncias a possibilidade para pensar mescla realidades. Neste sentido, “pensar en el surrealismo como genio-shamán que descubre realidades más profundas en el domi3 Personificação do tempo na mitologia grega. É representando como um ser serpentino de três cabeças: uma de homem, uma de touro e outra de leão. No mito, Chronos é um Deus que devora a seus filhos. Uma vez que é impossível driblar o tempo, mais cedo ou mais tarde todos seriam devorados por Chronos. CIANTEC’14 nio psíquico de los sueños, los mitos, las alucinaciones, la escritura automática. (CLIFFORD, 1995, p.180-181). A etnografia pressupõe um constante desejo de ser surpre- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação endido, de desfazer sínteses interpretativas e de valorizar a alte- O critério de seleção das crianças foi o fato de já haverem que estimulam o desenvolvimento desta pesquisa em nível de No Surrealismo, por sua vez, a etnografia faz o caminho inverso: Este jogo de estranhar o familiar é o que me reserva es- paço para pensar as instituições, as representações sociais e os processos de subjetivação que padronizam a escola a partir de um modelo tradicional já ultrapassado. O olhar da infância é fundamental para desfragmentar essas verdades naturalizadas e reordená-las de outras tantas maneiras possíveis. O desenvolvimento metodológico desta investigação, por- tanto, se dará da seguinte maneira: propomos a um grupo de dez crianças, de onze e doze anos de idade, desenvolverem um vídeo sobre o tema “Escola”. Nossa proposta é de que a partir do olhar da câmera, as crianças possam revelar seus próprios olhares sobre a escola, libertando a poesia e atuando como críticas da cultura que são. Voltar a essas produções, refletindo juntos sobre a produção Página - 249 desordeira. sua própria realidade. É o movimento de tornar o estranho familiar. tornando-o compreensível, identificável, interpretável a partir de complementam, reciprocamente. Sumário caminhos para o aprofundamento teórico do conceito de educação participado anteriormente de pesquisa desenvolvida pela autora, o estranhamento do comum. Neste sentido, as duas atitudes se Editorial necessário estranhamento do familiar. Esse processo pode indicar ridade. Na antropologia esse processo começa com o diferente, parte do familiar, tornando-o alteridade para causar o inesperado, Capa Krischna Silveira Duarte coletiva, pode deslocar representações no sentido de causar o em nível de mestrado, oportunidade na qual surgiram questões doutorado. Compreendendo a infância como alegoria (Benjamin, 1984), não cabe neste estudo, delimitar e justificar faixas-etárias escolhidas, como é feito nos estudos baseados nos estágios do desenvolvimento cognitivo. R E S U LTA D O S E D I S C U S S Ã O Em pouco mais de um ano de investigação, o processo de pesquisa envolveu, até o momento, fundamentalmente o aprofundamento teórico dos conceitos-chave para a sustentação da pro- posta, a delimitação do projeto e a escrita de pesquisa, direcionada à qualificação do mesmo. Ciente do compromisso ético que deve guiar o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos, principalmente com crianças, como é o caso, me dedico atualmente à adequação do projeto aos requisitos da Plataforma Brasil, para que este seja avaliado por comitê de ética indicado e, assim, possa avançar para a fase do trabalho de campo. Ainda que não haja resultados pontuais de pesquisa, de- CIANTEC’14 rivados do processo de análise dos dados, apresento, como discussão final, as inovações que a pesquisa traz para o campo da educação. A tradição dos estudos com crianças ou sobre crianças, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação que objetiva compreender, investigar ou analisar fenômenos do universo infantil a partir de um olhar adultocêntrico, não são inovadoras no campo da educação. A inovação deste trabalho está na proposta de abrir espaços para que as próprias crianças mostrem suas perspectivas sobre a escola, a partir de uma postura de investigação que propõe aproximar-se da infância e de seu modo de compreender o mundo, buscando encontrar na teoria, na metodologia e na análise de dados, métodos e epistemologias que subsidiem esta compreensão, através do respeito e da valorização da infância. A criação de um novo conceito que, ao final do processo de investigação, pode indicar caminhos para uma educação formal mais afinada com a infância, também pode ser citado como inovação desta proposta. REFERÊNCIAS Capa Editorial Sumário BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984. _________, Walter. Rua de mão única, Infância berlinense: 1900. Belo Horizonte, BH. Autêntica, 2013. CLIFFORD, James. Dilemas de la cultura: Antopología, literatura y arte em la Página - 250 perspectiva pós-moderna. Barcelona: Gedisa, 2001. Krischna Silveira Duarte Larrosa, Jorge. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. 5ª ed. Belo Horizonte, BH. Autêntica, 2010. SARMENTO, M. As Culturas da Infância nas Encruzilhadas da Segunda Modernidade. In: Sarmento, M. e Cerisara, A. Crianças e Miúdos: perspectivas sociopedagógicas da infância e educação. Porto: Edições ASA, 2004. INSTINTO E IMPERMANÊNCIA EM INTERFACES INTERATIVAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE TEMPO E ESPAÇO NO APLICATIVO DIGITAL “BJÖRK: BIOPHILIA”. LIENE NUNES SADDI | JOSÉ EDUARDO RIBEIRO DE PAIVA Universidade Estadual de Campinas Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Neste trabalho, discute-se o aplicativo “Biophi- Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva INTRODUÇÃO lia” (2011), concebido pela cantora islandesa Björk na ocasião do lançamento de seu álbum musical homônimo, e adquirido em 2014 congresso como parte da coleção permanente do Museum of Modern Art. internacional “Biophilia” se apresenta como uma intensa obra colaborativa que em artes convida o usuário a construir intuitivamente sons e imagens a par- novas tecnologias tir do manuseio touchscreen em um tablet. A inerente ligação entre e comunicação o corpo e os sistemas biológicos que o cercam é despertada através da fenomenologia particular de cada sub-aplicativo presente em “Biophilia”. Assim, cada música relaciona um elemento da mu- sicologia (como escalas, acordes, notação, ritmo, contraponto) a um elemento natural (como trovões, fases da lua, relações entre vírus e hospedeiros, placas tectônicas e DNA), além de possibilitar macro e micro olhares para noções como ancestralidade, universalidade, instabilidades, percepções temporais e espaciais. Pro- cura-se, com isso, discutir como esta relação aplicativo-usuário permite um despertar para a transitoriedade e impermanência da existência, seja pelos elementos formais que constituem o objeto, Capa seja pelo gestual de quem o opera. Uma obra que se coloca pre- Editorial sente tanto em circuitos de comunicação de massa quanto institu- Sumário cionalizada no circuito artístico e que tem em sua raiz o contraste entre temporalidades: a do tempo cosmológico da natureza e a do tempo interno da experiência humana. PALAVRAS-CHAVE: Aplicativo; Arte e Tecnologia; Tempo- Página - 253 ralidade; Circulação. Pensar a cultura visual e sua inscrição na maneira como nos relacionamos com o tempo é pensar também, de certa maneira, os mecanismos e processos pelos quais um momento cultural se institui como parte de um relato de um povo, grupo ou sistema, e cujo registro se torna ou não perene de acordo com as relações com o institucionalizam e/ou atualizam. É uma empreitada delicada, de onde quer que se olhe: para as imagens contemporâneas, a dificuldade em nos separarmos das paixões e anseios de um tempo em que se vive e se atua, além da constante projetividade e empatia com que nos dirigimos à imagem ou a seu artista; para imagens mais remotas, mesmo com a possibilidade de exercer o distanciamento temporal, a dificuldade em nos contextualizarmos dentro dos marcos que então foram estabelecidos em um momento de regimes, sensibilidades e expressividades distintas das nos- sas. Nas escolhas possíveis, este trabalho pontua o interesse específico no pensar das imagens – desde aqui, para fins específicos deste ensaio, assumidas na acepção ampliada das ‘audioi- magens’ – através dos afetos que estas carregam em si. Não um afeto no sentido de uma percepção subjetiva e que colocaria o espectador como ponto de referência em relação à obra, mas o afeto de um tempo que a olha. Nos perguntarmos como pensam as imagens e como pensar por imagens nos abre novos critérios CIANTEC’14 que possibilitam trazer um grande número de objetos da cultura visual para o debate, superando as valorações da história da arte congresso internacional em artes cício de observação dos caminhos complexos por onde transitam do museu, deve-se também ter a ciência de que o ato de elencar Alinhada a esta reflexão, caminha a seu lado ainda o exer- estas imagens na contemporaneidade. Trata-se de um momento e comunicação de circuito se encontram rapidamente deslocadas para outros contextos. Esta é uma situação diferente da reapropriação nas fun- e incorporar uma imagem para seu interior ainda carrega a força da tradição do museu enquanto lugar que legitima. Algo próximo ao inverso do museu imaginário de Malraux, uma vez que o que em sua essência já carregaria um viés expressivo e poderia natu- ralmente ser ‘catalogado’ enquanto matéria artística, seja na tele- e o Cinema de Exibição na produção visual contemporânea. No seu, que assume em sua função institucional o exibir, selecionar, recorte por eles discutido, o modelo de representação do Cinema- -Forma toma novo corpo para adentrar galerias e museus, caso do “24 Hour Psycho” (1993) de Douglas Gordon. Por outro lado, na visão, na internet ou no celular, é reabsorvido para dentro do mupreservar e problematizar de maneira crítica determinados marcos temporais. Não negamos a importância dessa operação que de alguma maneira guarda registros e formas de catalogar e orga- presente abordagem, nossa abordagem é a de um modelo que se nizar a impermanência humana, mas há de se atentar para duas na comunicação de massa assim como na composição de mos- carregados e definidos para pensar junto com a imagem em seu tras, coleções e acervos em galerias e museus. tempo e absorvê-la enquanto coleção, e a de que escolhas por uma das instituições que vem, com mais força a partir dos anos e que assumidamente não conseguem dar conta do todo de ima- desloca fluidamente entre campos e contextos, objetos presentes O The Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, é questões em relação à atividade curatorial: a de quais critérios são determinados objetos são recortes instituídos pelo próprio museu 1970, investigando as expressividades da cultura popular. Objetos gens produzido pela sociedade, em especial às que se constituem a compor mostras, ora a integrar as coleções oficiais da instituição A recente aquisição do MoMA em sua coleção do aplicativo como filmes, videoclipes, quadrinhos e videogames passaram ora Página - 254 por outro lado, ao deslocá-la de seu meio originário para dentro ções do dispositivo técnico/ expressivo, como as que André Paren- te e Victa de Carvalho (2008) colocam para o Cinema Expandido Sumário Se, por um lado, imagina-se a priori uma liberação da ima- gem da noção de Arte com este tipo de composição programática, em que, não raro, imagens concebidas para um determinado tipo Editorial sua integralidade aos arquivos do MoMA. clássica que tinha sua base nas obras-primas (DOMENECH, 2011). novas tecnologias Capa Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva – caso, por exemplo, dos videoclipes de David Bowie, doados em à margem dos principais centros de produção. para iPad/Android intitulado “Biophilia” (2011), criado pela cantora CIANTEC’14 Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva islandesa Björk para seu álbum musical homônimo, elucida de ma- como especificidade o fato de estar diretamente atrelado ao lan- neira mais concreta esta discussão. Um aplicativo interativo que çamento comercial de um disco musical, mas que é apresentado surge com a proposta de aproveitar a então recente tecnologia pela primeira vez já como um conjunto de aplicativos (para cada congresso das telas touchscreen em tamanho maior (considerando o tama- música) dentro de um aplicativo maior, que as agrega. E que nos internacional nho anterior das telas de iPhones e iPods) para aproximar nature- em artes za, interação e musicologia. A aquisição, feita pelo departamento novas tecnologias e comunicação de Design e Arquitetura, o coloca como o ‘primeiro aplicativo para download da coleção do MoMA’. Em sua fala institucional, o departamento posiciona o inte- resse do museu em adquirir ‘artefatos digitais’ (ANTONELLI, 2014), coloca novos desafios para pensarmos o mundo a partir da obra, uma vez que trata-se, sim, de um tipo de imagem fluida como a do jogo, de uma interface que assume a presença do usuário enquanto parte da imagem (DOMENECH, 2011), mas essencialmente, e nisto reside sua diferença, de uma imagem que pensa e existe a partir do som. a partir dos quais se estabelece um protocolo de aquisição de códigos, arquivos e vídeos para conservação e exibição. Em 1994 isso é feito com os livros reativos de John Maeda (que tinham a interação entre disquetes e livros físicos), momento em que se começa a sinalizar o interesse em preservar a natureza transitória deste tipo de objeto digital – basta trazer o comparativo de que muito do que se apresentou em disquetes ou CD-ROMs nos anos 1990 hoje não mais são compatíveis com as atualizações dos sis- Capa Editorial Sumário temas operacionais. Com os videogames, se adota a mesma abor- O instinto natural humano de se associar à natureza e aos sistemas vivos em geral é matéria da ‘hipótese da biofilia’ de Edward Wilson (1984). Nesta hipótese, se aponta uma ligação inerentemente profunda entre o corpo e o que o cerca biologicamente. Apesar de não indicar em sua hipótese a temporalidade com que isso ocorre na percepção corporal, a leitura de Björk para o dagem: um interesse maior nos códigos de programação que os tema nos coloca cientes de um corpo que tanto se relaciona com a da necessidade de um suporte/infraestrutura datada. quanto com as diferentes maneiras de sentir o tempo (numa acep- mantém em funcionamento e que liberam a visualização dos jogos “Biophilia” se apresenta como uma intensa obra colaborativa que convida o usuário a construir intuitivamente sons e imagens Página - 255 B I O F I L I A , I N S T I N T O , F O R M A S V I VA S a partir do manuseio com seus dedos em um tablet ou celular. Traz fenomenologia dos tamanhos (macrocósmicos ou microcósmicos) ção mais representativa do que seria um ‘real’ perceptivo, ou na noção de ancestralidade e vínculo profundo com as matérias de terra e energia). CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva Para que seja possível discutir questões específicas deste geralmente uma animação com letras da música e notação musi- formais, sabendo ainda assim da limitação que imagens estáticas discussão, estas segundas versões nos interessarão apenas para aplicativo, será aqui apresentada uma estruturação de seus níveis cal e na qual não se pode interferir, apenas assistir – na presente (frames elencados) e descrição de fragmentos de ‘ação-respos- saber que existe uma preocupação inerente ao aplicativo em per- ta-feedback’ carregam, uma vez que falamos essencialmente de mitir que o usuário tenha alguma possibilidade de ouvir a música toque. Traduzir este ‘instinto’ no manuseio com as reações do apli- A constituição do álbum a partir da noção de galáxia dialo- imagens que se constroem em um tempo específico a partir do em seu original, mas não serão o foco em questão. cativo para uma descrição em linguagem escrita através de seus ga com a proposição feita em se aliar, para cada elemento exis- ciar a estruturação de uma ordem enunciativa, mas que não dá natural que se aproximasse e pudesse explorar mais organicamen- enunciados sintáticos e sua semântica é ação importante para ini- tente na musicologia como concebida no Ocidente, um elemento conta completamente do pensar destas imagens. Apesar de regida te cada sonoridade. Assim, uma tabela apresentada pela própria possíveis de interação usuário-máquina (um número gigante, sim, na criação das músicas e, subsequentemente, dos aplicativos, em por uma programação que nos dá um número finito de situações mas finito), a matéria interativa e intuitiva coloca em sua condição de existência – e experiência - uma complexidade natural de des- cantora Björk esclarece que tipos de relações foram estabelecidas trabalho com designers, programadores e artistas visuais: crições formais. Por isto a estruturação servirá aqui apenas como MÚSICA ponto de partida para discutir outras relações em seguida. “Biophilia” se constitui como um conjunto de nove aplicatiCapa Editorial Sumário ELEMENTO NATURAL MUSICAL Thunderbolt Raios / Trovões Arpeggios zando dez experiências que se correlacionam em diferentes mú- Moon Fases da Lua Sequenciadores musicais a navegação interativa, em que se interfere na sonoridade e na Crystalline Estrutura de Cristais Estrutura e ambientes espaciais musicais forma como o usuário se relaciona com o aplicativo, e uma se- Hollow DNA Ritmo e velocidade vos inseridos dentro de um aplicativo-mãe (“Cosmogony”), totali- sicas do álbum. Cada aplicativo tem duas opções de utilização: apresentação visual da imagem, e que dependerá diretamente da Página - 256 ELEMENTO gunda versão que apresenta a música em seu formato ‘original’, CIANTEC’14 em artes Matéria escura Escalas Mutual Core Placas Tectônicas Acordes Solstice Eixos da Terra e gravidade Contraponto Sacrifice Interação dos sexos Notação musical som da voz materna, sua respiração, seus intestinos, Cosmogony Música das Esferas Equilíbrio cepção, o Som governa como uma rainha solitária dos novas tecnologias e comunicação humana primordial com o desenvolvimento do aparelho auditivo: Dark Matter congresso internacional Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva “Começamos a ouvir antes mesmo de nascermos, quatro meses e meio depois da fecundação. Daí em diante, desenvolvemos um contínuo banho de sons: o seu coração. Ao longo dos meses seguintes de consentidos: o mundo fechado e líquido da escuridão do Virus Vírus Música generative Tabela 1. Relações entre as músicas do álbum “Biophilia”, elementos naturais da natureza e elementos musicais trabalhados em cada canção/aplicativo. Duas questões se colocam mais aparentes desde já: a re- lação humana com as forças e estados da matéria representadas através do som (com a construção de instrumentos específicos Capa Editorial Sumário para cada canção, como o uso da Bobina de Tesla para gerar raios/ descargas elétricas como um instrumento musical), e a transposi- ção da interação entre essas realidades ‘naturais’ e o usuário para as pontas dos dedos (constituição de uma interface tela-dedo-audiovisão). No prefácio da edição norte-americana de “Audio-Vision: Página - 257 Sound on Screen”, de Chion (1994), Walter Murch pontua a relação útero torna a Visão e o Cheiro impossíveis, o Gosto monocromático, e o Toque uma dica genérica do que está por vir ” (CHION, 1994, p. VII). O rumo que sua obra toma, inserindo a dimensão do som no cinema, é bem diverso do tipo de relação que se investiga aqui para os aplicativos interativos, mas esta colocação inicial de Murch auxilia na percepção de quanto o modo de pensar da imagem audiovisual também passa diretamente pela sua profundidade sonora, pela condição humana do ouvir. Condição da qual não é possível se desvencilhar, não importa a que procedimentos se sub- meta, como na visita de John Cage em 1951 à câmara anecoica, descrita por Byrne (2012): “em um experimento, [Cage] foi a uma câmara sem eco no Bell Labs, uma sala isolada de todos os sons exteriores, com paredes desenhadas para inibir a reflexão de sons. Um ‘espaço morto’, CIANTEC’14 acusticamente. Após alguns instantes ele ouviu um som potente, como um ‘sussurro’, e foi informado que estes sons eram sua própria batida no coração e o fluxo do sangue correndo em suas veias congresso e artérias. Depois de um tempo, ele ouviu outro som, um ruído internacional alto, e foi informado que o som vinha do seu sistema nervoso. Ele em artes percebeu então que para um ser humano não existe algo como o novas tecnologias verdadeiro silêncio...”. (BYRNE, 2012, p. 350-351. Tradução livre.) DUBOIS (2004), quando fala das imagens videográficas e comunicação como ‘formas que pensam’, também abre a discussão do ‘ver’ a imagem para considera-la não como um objeto, mas como um estado e um pensamento. Por esta linha, o mesmo tipo de cuidado nologia se coloca disponível existe esta possibilidade de expressi- vidade, mas junto a ela transitam incontáveis outras formas-pensamento de tempos que se encontram na imagem técnica. Compreendido o posicionamento sobre o entendimento geral do som e do toque nestes aplicativos, cabe também a identificação do que cada um deles apresenta enquanto experiência isolada dos demais, para em seguida pensar sua poética enquanto conjunto. Elencou-se para apresentação cinco dos dez aplicativos disponíveis no projeto (‘dark matter’, ‘hollow’, ‘thunderbolt’, ‘virus’ e ‘mutual core’) que no presente contexto apresentam maiores pos- sibilidades de discussão sobre questões de espaço e tempo, tendo pode ser tomado com as imagens que constituem um aplicativo. a ciência também de que se trata de um breve recorte diante das sua tela de entrada a frase ‘headphones recommended’ (fones de quais aplicativos serão de fato navegados, e em qual ordem isso Em especial em um aplicativo que, ao ser iniciado, já indica em ouvido recomendados) e já convida para esta forma de experiência. Em relação à ação do toque em uma tela touchscreen como outra dimensão da ampliação da imagem, outra delicadeza a se Capa tomar é com a replicação de um entendimento já criticado por au- Editorial tores como Danto de que a criação de um novo meio e uma nova Sumário forma de expressão seriam em si uma evolução – e não é disto que se trata. O próprio discurso do MoMA sobre o aplicativo em nenhum momento elenca o ‘ineditismo’ do uso do touch na construção visual/sonora como critério de escolha ou de ‘evolução’ da Página - 258 Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva experiência. Neste momento específico histórico em que esta tec- possíveis maneiras de experienciação – cabe ao usuário elencar acontecerá. D A R K M AT T E R A noção da respiração como um espírito e como uma ‘maté- ria escura’ que se infiltra no cosmos evoca o uso de instrumentos direcionados pelo ar – vocais e órgão – para a constituição da música. No aplicativo, a imagem se apresenta como uma tela aberta à descoberta: agrupamentos de corpos celestes representam sonoridades de diferentes escalas musicais, e cabe ao usuário descobrir a ordem em que estes agrupamentos devem ser conec- CIANTEC’14 tados para que se descubra as partes seguintes da canção. A cada dos de estruturas biológicas, as proteínas e o DNA se configuram por Björk; se não se replica de maneira ‘correta’ o que a canção A artista, em seus escritos, coloca a importância da referência e escala apertada ‘corretamente’, ouvimos uma nova frase cantada congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva sinaliza como frase-guia, o usuário também tem sua própria experiência e criação de sons de órgão, e por lá pode permanecer sem a necessidade de prosseguir a canção, descobrindo a que tipo de em uma representação do rosto de Björk – seu espírito ancestral. releitura das pinturas de Giuseppe Arcimboldo no século XVI para constituir sua representação ancestral pelo DNA (Figura 1). sociedades suas escalas se vinculam (escalas gregas, romanas, japonesas, balinesas, entre outras). HOLLOW As conexões biológicas e genéticas através do tempo permeiam esta canção (que pode ser traduzida como ‘oco’, ‘cavidade’, ‘profundo’), que literalmente ‘escava’ camadas celulares desde o tecido sanguíneo até chegar aos processos proteicos no DNA e traz à tona os fantasmas a que se pertence ancestralmente. Em sua apresentação visual, o aplicativo funciona no formato ‘ani- mação’, em que se assiste a um vídeo com duração cronológica Capa Editorial Sumário determinada e no qual se pode alternar entre dois tipos de infor- Figura 1. A representação ancestral de Björk a partir da jun- mações dispostas na tela: o número de vezes em que a represen- ção de proteínas do DNA. tação ampliada ocorre (por exemplo, a visualização do citoplasma acontece em uma ampliação de 250.000 vezes, e a do nucleossomo em 3 milhões de vezes – Figura 5), ou o número de batimentos cem uma noção de ‘real’ a partir da representação, outra importan- entranhamento gradativo por todos os possíveis níveis conheci- da percepção de tempo que se constitui, uma vez que coexistem por segundo em que aquela situação está acontecendo. Após o Página - 259 Além da questão dos modos de visualização que estabele- te observação que se coloca no caso deste aplicativo é a relação CIANTEC’14 tanto a fenomenologia intrínseca ao microscópico – um tipo de imagem que nosso olho não consegue perceber naturalmente – quanto a indicação para o usuário de que se trata uma simulação congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação da constituição de proteínas em ‘tempo real’. Um tempo que em teoria apreenderíamos de forma ‘natural’, mas diante de um espaço que não é de nossa apreensão fisiológica, e para o qual se necessita o aparato técnico (caso do microscópio) ou, no caso do aplicativo, a criação de um imaginário 3-D. No olhar detido para este ritmo musical que se alterna e que carrega um ‘realismo’ temporal junto a uma fuga da ótima natural, em partes a noção do inconsciente óptico de Benjamin garante sua atualidade. Em “Hollow”, a tentativa de trazer à superfície o ‘inconsciente das pulsões’ é muito clara, e o caráter digital e de infinita possibilidade de ampliação da imagem nos traz objetos mais e mais perto. Por outro lado, essa ‘tendência tão apaixonada do homem contemporâneo quanto à superação do caráter único das coisas’ (BENJAMIN, 1993, p. 101) - ao fazer as coisas se aproxi- marem de nós – transgride neste aplicativo a transitoriedade alerCapa tada por Benjamin, e nesta forma de transgressão talvez resida um Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva positivo que opera como o “tempo interno do relato que recarrega a imagem com a força do mito, com o potencial simbólico que lhe outorga toda sua força para instituir mundos” (BREA, online, trad. livre). Assim, “hollow” nos conta de um tempo que, apesar de real na sua mensuração científica, é impossível de ser apreendido de maneira racional – uma vez que se encontra enterrado em toda nossa genética através de nossas relações com gerações e tempos passados. É um tempo próprio que vive dentro de nossa corporeidade e matéria, mas que não nos pertence. T H U N D E R B O LT Apresentar os arpejos musicais em sua relação com a descarga elétrica e luz trazida por um raio. Deslocar o raio de seu contexto da trovoada para uma forma de intuir e impulsionar registros sonoro-visuais. Em “Thunderbolt”, a gravação de sons e imagens de descargas reais de uma Bobina de Tesla, potente transformador, traz ao aplicativo uma natureza muito própria, onde dos desvios poéticos que coloca esta imagem em uma instância a vibração orgânica se alterna com o posicionamento de notas Editorial Sumário diferente do grupo de aplicativos de seu tempo – e que justamente ‘risca’ com as pontas dos dedos (Figura 2). Pode-se riscar um raio por isso, desperta, além do usuário cotidiano, também no museu o desejo ou necessidade de dele se aproximar. É onde somamos ao inconsciente óptico e enxergamos o dispositivo do segundo obPágina - 260 turador que caminha com a morte da ‘imagem do mundo’, um dis- musicais programadas de acordo com a região da tela em que se avulso com um único dedo ou vários simultaneamente, além de se programar o tempo de pregnância da vibração e ruído do raio após seu registro inicial. CIANTEC’14 Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva cima as notas serão ouvidas em ordem diferente, mas com a mesma sensação tonal resultante). A presença da eletricidade como elemento natural nos permite tanto pensar sobre a pregnância da vibração que, após determinado tempo, se dissipa naturalmente, congresso quanto também pensar sobre o fluxo de energia entre dois obje- internacional em artes tos em uma descarga eletrostática – neste caso, tendo a interface novas tecnologias como ponte de descarga entre o corpo de quem usa o aplicativo e comunicação e entre o que é criado em tela. Também podemos pensar na intuição como elemento entre um movimento e o próximo, uma vez que cabe ao usuário prosseguir os sons para onde quiser (tornando-o, assim, também compositor e criador da música e da disposição visual temporária) e, em sua essência, na presença da fluidez diFigura 2. Frame de “thunderbolt”. Em “thunderbolt”, o ato de riscar implica em um desloca- mento espacial do dedo em correspondência à imagem que se forma na tela – da direita pra esquerda, de cima para baixo, em Capa Editorial Sumário diagonal, circularmente, irregularmente, desordenadamente, como se queira – que é correlacionado ao arpeggio (sequência de notas que compõem um acorde musical) de um contrabaixo elétrico. No arpeggio, as notas de um acorde são ouvidas uma depois da outra (ao invés de simultaneamente), e mesmo reorganizando as notas de uma escala o som terá a mesma característica tonal (por exem- Página - 261 plo, ao se riscar uma escala de cima para baixo ou de baixo para gital com que se configura esta ‘áudio-imagem’ contemporânea. Uma operação, como em um jogo de videogame, que apresenta tensionamentos entre a técnica e a intuição que esta fluidez pode nos oferecer em seus limites: “O meio fluido por excelência são os videogames, nos quais a montagem propriamente dita desapareceu e foi substituída por telas-mundo que podem ser explo radas em todas as direções, abrindo caminho para novos acontecimentos no interior de cada uma delas” (DOMENÈCH, 2011, p. 91). CIANTEC’14 VIRUS MUTUAL CORE O exercício da convivência com a impermanência, atra- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Mútuo”) fala diretamente da geologia e da atividade geotermal en- plicando cada vez mais rápido. Cabe ao usuário remover os vírus mos inicialmente um ‘empilhamento’ estático de placas tectônicas pedeiro. Agentes infecciosos atacam uma célula central, se multi- quanto metáfora para tensionamentos nas relações humanas. Te- para longe da célula (afastando-os com o dedo para os limites da de diferentes cores, separadas em dois grupos e unidas por cordas tela), mas com a consciência adquirida ao passar da música de que nunca será possível eliminá-lo, uma vez que sua multiplicação quais notas serão acionadas quando os dois grupos de placas de humana a convivência com estas relações que nos dão o sentido outras, mais intenso o som gerado. Estas placas, por conta do ten- O ato de afastar os vírus para longe da célula ou de movi- mentar o próprio núcleo da célula central para os limites da sua parede celular também incorre na emissão de sons: no núcleo, o denso som do hang (instrumento musical que funciona como uma escultura de aço); para os minúsculos vírus que atacam, o som do gameleste (instrumento híbrido criado por Björk, pelo percussionista Matt Nolan e pelo luthier Björgvin Tómasson, que funde o gamelão à celesta), desenvolvido especificamente para este projeto. Veremos um pouco adiante de que maneiras esta criação dos próprios meios de produção e expressividade se relaciona com diPágina - 262 ao se tocar nelas (serão mudadas para a cor preta),que indicam chocarem. Este choque também é realizado pelo usuário: quanto da mortalidade. Sumário tensionadas. Neste grupo colorido, pode-se ativar até três placas se pode destruí-los. Este aplicativo nos fala que os caminhos po- dem ser diferentes, mas ao final há de se aceitar que é da matéria Editorial Por fim, “mutual core” (traduzido livremente como “Núcleo vés de um aplicativo que trabalha as relações entre vírus e hos- programada é mais rápida do que a capacidade máxima com que Capa Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva ferentes entendimentos sobre o tempo que aqui vem se colocando. maior a força com que se jogam as placas umas em direção às sionamento que as liga, também tem uma propensão natural a se afastarem novamente, cessando o som. Um exercício de se vencer a resistência e provocar encontros. “Mutual core” fala também de um pertencimento específico que parte da universalidade da constituição terrestre através da movimentação das placas tectônicas. Desta vez, a operação difere do que se encontra em “Hollow” (a ampliação de elementos mi- croscópicos) para outras noções de tempo e espaço: em primeiro lugar, uma visualização das placas em cortes de camadas que representam a superfície ao núcleo da Terra, uma forma representativa de layers que também não condiz com uma real constituição geológica, mas que opera enquanto meio de abstração de CIANTEC’14 Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva uma noção da composição terreste. Em segundo lugar, uma outra tras relações com a incerteza e a instabilidade. Sabendo lidar com de séculos e eras (no movimento e encontro de placas) está ao que damos às imagens que produzimos. percepção de tempo no choque entre as placas, sendo que a ação o tempo em que se vive, pode-se compreender melhor o sentido Como já mencionado, a posição adotada pelo MoMA congresso alcance de um dedo traz uma outra velocidade ao fenômeno de internacional choque – segundos. A redução fenomenológica traz à consciência em pensar critérios para arquivar e colecionar o aplicativo digital em artes a oposição do que são forças de compressão e liberação em um enquanto programação e exibição tem a ver com a localização de novas tecnologias sentido terrestre. desvios inseridos dentro da cultura visual. Mas é uma posição que ALGUMAS CONSIDERAÇÕES sos modos operacionais expressivos. Isto não é nenhuma novida- e comunicação Em entrevista dada por Antony Gormley a Michael Newman (2012), a respeito da essência da escultura no ato de lidar com a provisoriedade da existência, Gormley pontua sua tentativa de se dar conta (e trazer à tona em sua obra) de que temos duas experiências de tempo enquanto fenômeno: o tempo cosmológico da natureza, que existe além de nossa experiência, e o tempo da propriocepção, que é nossa experiência interna de corpo. O contraste entre estas duas temporalidades acaba por nos dar a Capa Editorial Sumário dimensão da insignificância do tempo humano, e justamente por isso sua obra se coloca como “uma maneira bem determinada de inserir pontos finais dentro do tempo e espaço que o convidam a ir para um lugar diferente” (GORMLEY & NEWMAN, 2012, p. 76). Uma colocação que pode ser aplicada às interfaces que foram aqui observadas, ao menos no sentido de indicar que, também em Página - 263 “Biophilia”, a obra opera mudando crenças básicas e propondo ou- tem a ver também com a temporalidade na qual se inscrevem nosde: negativos, projetores, fitas magnéticas, CDs e diversos outros suportes imagem-mundo dependem de um armazenamento em condições adequadas para que ‘sobrevivam ao tempo’. E ao mesmo tempo, nos colocam desafios multiplicados quando passam de arquivo para documento, e de documento para monumento que perpetua a recordação – no caso de coleções que são exibidas de tempos em tempo. Pois correm o risco de, deslocadas de seu contexto originário, tornarem difícil a ação futura de diagnosticar o que pensaram essas imagens em determinado momento histórico, a mesma dificuldade que temos ao falar de maneira contextualizada de diferentes momentos temporais no campo das artes visuais. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. Pequena história da fotografia. In: Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras CIANTEC’14 Escolhidas, volume II. São Paulo: Brasiliense, 1993. CHION, Michel. Audiovision: Sound on Screen. Nova York: Columbia University Press, 1994. congresso DOMÈNECH, Josep M. Català. Breve História das Imagens. In: A forma do internacional real. Introdução aos estudos visuais. São Paulo: Summus, 2011. p. em artes 77-126. novas tecnologias DUBOIS, Phillipe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004. e comunicação PARENTE, André; CARVALHO, Victa de. Cinema as dispositif: between cinema and contemporary art. In: Cinémas: Journal of Film Studies, v. 19, n. 1, 2008. p. 37-55. Trabalho financiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), através do Programa de Bolsas Regulares no País (Doutorado), em pesquisa que vem sendo desenvolvida no processo 2013/02497-0. Capa Editorial Sumário Página - 264 Liene Nunes Saddi | José Eduardo Ribeiro de Paiva NARRATIVA E IMAGEM: UMA REFLEXÃO SOBRE O TRABALHO HALLEY II RESEARCH STATION: FIRST IMPRESSIONS & THE BEGINNINGS OF A CONCEPTUAL APPROACH DE VITO ACCONCI LÍLIAN SOARES | CARLOS MURAD Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO: Em Halley II Research Station: First Impressions internacional em artes novas tecnologias e comunicação ginnings of a Conceptual Approach Vito Acconci apresenta um do Hemisfério Sul: Antártica. Apesar da aparente objetividade do misfério Sul: Antártica. Apesar da aparente objetividade do título título o trabalho é uma fuga do território mapeado e o poeta-artista é mais do que um geógrafo. Entre narrativa e imagem na instalação vídeo-sonoro o artista constrói um abismo. O gesto de Accon- o trabalho é uma fuga do território mapeado e o poeta-artista é mais do que um geógrafo. Entre narrativa e imagem na instalação vídeo-sonora o artista constrói um precipício. “Come into the dark, we can’t see anything and we have never been to Antarctica (...)”1 claro) – desenha e apaga um lugar e a construção da estação é o lugar longínquo, sugerindo o encontro com um outro lugar além espaço em que o gesto criador se desvela. A palavra para o artista Com um relato enigmático o artista constrói as sensações desse da Antártica e além da história. A espacialidade desse lugar está é meio para o tencionamento desse instante em que não perce- definida por essa troca entre as palavras do artista, a imagem e o o vazio, com a lacuna em que o gesto é tensionado ao limite. A biente que deixa de ser um território para se tornar uma abstração, bemos o surgimento do gesto criador. É o encontro do artista com sobreposição de palavras e imagens formam camadas impossíveis de serem separadas, tornando o espaço propício para uma forma de exílio do pensamento. Logo, se propõe analisar o trabalho do artista a partir da relação entre narrativa e espaço, palavra e ges- to. Para isso, as reflexões sobre a imaginação criadora e imagem Editorial poética desenvolvidas por Gaston Bachelard e as teorias sobre a Sumário palavra e o espaço literário discutidas por Maurice Blanchot serão os pilares para as discussões deste texto. PALAVRAS-CHAVE: Vito Acconci, espaço, palavra, gesto. Página - 267 lugar e propõe a construção de uma estação no continente do He- ci está em meio a esses dois eixos: narrativa e imagem. O relato intermitente – em que propõe diferentes paisagens (ora escuro ora Capa Em Halley II Research Station: First Impressions & the Be- & the Beginnings of a Conceptual Approach Vito Acconci apresenta um lugar e propõe a construção de uma estação no continente congresso Lílian Soares | Carlos Murad observador. Palavra por palavra Acconci vai desenhando um amum lugar imaginado. A narrativa torna-se traço de lugar nenhum, mas evidenciado em meio a fragmentos e sensações. Escuro, claro, branco e frio a paisagem de Antártica carrega em si mesma a vastidão. Diante dos olhos a imagem de um mar, de um líquido azul de sugestiva imaginação marítima. Expandido entre o relato e a imagem o espaço torna-se particular em nosso olhar, moldado pelo imaginário. A Estação de Acconci é investigação de um espaço poemático: “O poema é apenas o começo, uma tentativa para ir 1 Transcrição do vídeo do trabalho Halley II Research Station: First Impressions & the Beginnings of a Conceptual Approach, Vito Acconci. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=rSk_bFaM5yM>. Acesso em 20 de Julho de 2014. CIANTEC’14 além da linguagem (...)Ele é um choro, um soluço, um arranhão” 2 e o único encontro possível é com o nossa própria vastidão. “In the lato de sensações. Entre uma escuridão iluminada por pontos es- from us, and leaves us in a world-in-itself, that becomes a world of (MANOLESCOU, 2013, p.3). É um alçar voo nas lacunas desse recongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação telares, uma luminosidade que nos cega ou um frio que nos entor- pece há o reencontro – o recomeço – com esse “espaço vacante” 3. balizadas não são a imagem e não são a legenda da imagem. Elas um reencontro com imensidão poética (BACHELARD, 1993). As palavras pronunciadas se acumulam permitindo o desaparecimento da fisicalidade para o inundar de sensações etéreas. Antártica é apenas um vestígio desse espaço. Antártica é um trajeto para a expansão do ser e para um reencontro com a solidão. Paradoxalmente a “estação” em Antártica é um espaço e um estado do ser. Ela é o espaço de vivência desse estado de atravessamento da palavra e de encontro com o um silêncio transcendente. Acconci não constrói uma estação, mas um espaço síntese entre o ser o mundo em que o sonho se prolifera, os pensamentos se afrouxam 2 Tradução livre do inglês. Disponível em: <http://transatlantica.revues. org/6612>. Acesso em 10 de Junho de 2014. Página - 268 O gesto nasce em meio a esses dois eixos: narrativa e ima- afasta do mundo próximo ao convidar para a completa escuridão é um estado de alma. A estação de investigação de Acconci nos reconhecer o signo do infinito, transformando a experiência em Sumário our own.”4 gem. O relato intermitente desenha e apaga um lugar, tornando-se uma experiência com a escuridão corpórea – para nos permitir Editorial middle of Antarctica, Antarctica floats out of itself for a while, away Antártica torna-se palavra-abismo e está reconfigurada. Antártica - em um momento que se assemelhe ao fechar dos olhos, em Capa Lílian Soares | Carlos Murad 3 “Espaço vacante” está sendo usado aos moldes do poema “Paisagem: como se faz” de Carlos Drummond de Andrade (1974, p.40). esse espaço em que o gesto criador se desvela. As palavras verrepresentam um método de construção de não-lugares poéticos. Narrativa e imagem são acúmulos de sensações inconclusas. E, portanto, são ecos silenciosos do sensível. Onde encontra-se o gesto? Na indelével força da ausência, em meio a essas camadas de palavras e imagem. Elas são rastro desse fenômeno do encontro com o vazio, com a lacuna onde o gesto habita na intimidade do ser, buscando o encontro com o outro. Compreende-se, então, que “o gesto do autor é atestado na obra a que também dá vida, como uma presença incongruente e estranha, exatamente como, segundo os teóricos da comédia de arte, a trapaça de Arlequim incessantemente interrompe a história que se desenrola na cena, desfazendo obstinadamente sua trama” (AGAMBEN, 2007, p. 55). Na instalação a sobreposição de palavras e imagens formam camadas impossíveis de serem separadas, tornando o espaço frag4 Transcrição do vídeo do trabalho Halley II Research Station: First Impressions & the Beginnings of a Conceptual Approach, Vito Acconci. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=rSk_bFaM5yM>. Acesso em 20 de Julho de 2014. CIANTEC’14 mentário e propício para uma forma de exílio do pensamento. O que escorre em meio ao discurso de Acconci são narrativas vagantes. As palavras sonorizadas são atravessadas pela experiência congresso do encontro com um lugar indizível e invisível onde cada impres- internacional são e cada germe de sentimento nos aproxima do estado criador em artes (RILKE, 2007). A vivência desse estado é uma infinita solidão, uma novas tecnologias e comunicação jornada sobre um terreno movediço onde somos, a todo o momento, inebriados por um sopro de ideias e devaneios. De certo modo, construindo na imaginação um espaço fluído. Nos silêncios de Antártica ocorre a combustão para uma fenomenologia da imaginação, alimentando o pensamento de um calor fulgurante. O devaneio se espalha por entre palavras e toma o pensamento para si. A experiência imaginante em Halley II atravessa a palavra sonorizada para dar evidencia a “despalavra”5, uma experiência de sonhar de olhos abertos e mente ativa. Esse das linearidades, fazendo precipitar um olhar atravessador, ilumi- uma dimensão poética a palavra exerce uma função emancipadora exercício tentativa de apreensão do estado imaginante não se fe- nando sobre ela uma existência poetizadora. Nesse sentido, essa cia e a sombra de uma palavra, nunca pode ser dominada nem Ela é seu próprio avesso, pois é capaz de partir a si mesma para mesmo apreendida, mantém-se inapreensível, o momento indeci- palavra que também é despalavra tem esse poder transfigurador. permitir o atravessamento do pensamento e a superação de seu so da fascinação.” (BLANCHOT, 1987, p.15). Contudo, o trabalho estado de vocábulo. Ela é de certa maneira o princípio do gesto, ato criador não pode ser materializado. Na imaginação criadora tica de abertura ao infindo seja também abismo. Nessa instalação e distintas dos instantâneos visuais. E, por isso, não podem ser -abismo. O encontro com o abismo vocabular é o encontro com a o indizível. O anseio narrativo do estado de vigília, do ato poético pensamento é inundado por imagens poéticas. Essas palavras fa- torna-se apenas um impulso inconcluso, pois o instante poético do Sumário Antártica do ser”. Antártica faz e se desfaz na narrativa do artista, uma palavra além da palavra, uma palavra partida, rompida. Em cha, pois esse a “a palavra, não sendo mais do que sua aparên- Editorial por transformar Halley II em um convite para entrar no “estado Halley II pode ser entendida como uma tentativa de materialização da experiência criadora, daquilo que Bachelard (1993) chama de Capa Lílian Soares | Carlos Murad brotam imagens poéticas que são imagens de natureza imemorial representadas. Logo, Halley II é apenas vestígio do encontro com não se concretiza. Há apenas um desejo envolvente, um acolhi- de uma linha que não se conecta. E talvez por ter essa caracterís- a narrativa é construída por uma natureza abismada, por palavras- própria imaginação. Diante dela um novo percurso se constrói e o vorecem dinamicamente o encontro com um instante de pulsação mento transcendente desse espaço amorfo. Palavra por palavra Página - 269 Aconcci vai desenhando esse estado de acometimento e acaba 5 Despalavra é título de um poema de Manoel de Barros (2010). CIANTEC’14 luminosa. Imprevisíveis, as palavras no contexto da imaginação tígio do encontro com o vazio, com uma prática do lacunar: “sen- rompimento com a linguagem e permitem a aproximação com essa por evidenciarem o vazio sem pontos de referência, o vazio opaco, criadora são um aprendizado de liberdade. Elas representam um congresso internacional força que invade o olhar e o pensamento. Trata-se de uma experiência primordial do instante poético. No encontro com a palavra a imagem não é objeto, mas em artes novas tecnologias e comunicação abertura para uma consciência de que ela possui uma realidade específica, um cosmo que lhe é próprio. O instantâneo de imagem poética que brota é o elemento mais fugaz e precisa estar conco- mitantemente associada a consciência criadora. Essa consciência é a morada do devaneio em que há um estado de atenção da alma, uma tensão que propicia o ato criador. Diante da palavra tenciona- -se os limites do pensamento e dos caminhos do gesto, tornando o gesto e a imaginação deambulantes. A fragilidade da palavra é a pureza dessa liberdade de poder construir o próprio espaço poético. “Esta paisagem como se faz? Não existe. Existe apenas espaço” (DRUMMOND, 1974, p.40). Nesse estado criador existe Capa Editorial Sumário apenas esse espaço vago, disforme e constelar. Imbuído por um silêncio ontológico o pensamento criador está sempre em confronto com esse espaço. A palavra poética nesse fenômeno da imaginação elabora uma trama fragmentada e permite o encontro com esse lugar de imensidão marítima. Nesse trabalho de Acconci palavra e gesto caminham juntos, embalando o impulso fundamental Página - 270 Lílian Soares | Carlos Murad do processo criativo. Em uma narrativa poética a palavra é o ves- sação de corpo lacunar, de memória lacunar, que são dolorosas total, abissal” (CATTANI, 2005, p.24). E, por isso, seu conjunto é apenas uma forma de reconhecer o trajeto sem destino, um navegar desorientado. Diante de Halley II somos barco à deriva do pensamento. REFERÊNCIA AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1993. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. CATTANI, Icleia. O desenho como abismo. Revista Porto Arte, Porto Alegre, v.13, n°23, p.23-30, nov., 2005. DRUMMOND, Carlos. As impurezas do branco. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1974. O DIA EM QUE A REFLEX NÃO SAIU DA MALA LUCIANO DENARDI ALARCON Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Na história da fotografia, nomes importantes como os de olho neste mercado, temos os mais variados “badulaques” para o necessariamente – ligados ao uso da alta tecnologia fotográfica, dade, infelizmente, é disseminada – na era digital da fotografia – Cartier Bresson e Pierre Verger, entre outros, nunca estiveram – congresso internacional tampouco de diversos equipamentos e lentes, mas ao olhar apura- do e único de cada um deles. O fotógrafo, jornalista e curador Eder Chiodeto, no texto do em artes novas tecnologias e comunicação catálogo da exposição realizada com obras de Bresson, no SESC caso das publicações, se mantêm por conta dos anúncios dos fabricantes de equipamentos que lucram com a fetichização do equi- ponsabilidade neste período de repetições técnicas e do que é cia e o instinto do fotógrafo revelam o viés surreal da vida. Liber- tam parcelas de beleza escondidas no cotidiano” (Eder Chiodeto, 2009). Outro grande nome francês na fotografia, Pierre Verger foi fundamental no registro da presença da cultura africana no Brasil e durante toda sua carreira teve como companheira uma Rolleiflex. Página - 273 à fotografia que se apresentam cada vez mais tecnicistas – no uma nova forma de percepção e registro dos movimentos humanos micas e a agilidade permitida pela nova máquina mais a perspicá- Sumário tanto pelas publicações, quanto por boa parte dos cursos voltados pamento em detrimento da linguagem. na paisagem urbana. O flagrante, o congelamento de cenas dinâ- Editorial fotógrafo que mais consome do que produz. Muito desta mentali- Pinheiros em 2009, afirma que “o encontro entre Henri Cartier- -Bresson e a pequena câmera Leica, na década de 1930, propicia Capa Luciano Denardi Alarcon A editora e fotógrafa Arlete Soares, amiga de Verger, em depoimento para o documentário sobre a vida do fotógrafo disse que Os sites de busca e as redes sociais têm uma grande res- aceito e pregado como a boa fotografia. As referências vêm do que o Google apresenta numa busca, sempre rápida, e a validação vêm das “curtidas” obtidas nas redes sociais. Esse novo fotógrafo é mais preguiçoso e menos audacioso em relação à sua produção, apesar de ter à sua disposição muito mais recursos tecnológicos. No outro lado da balança, temos os smartphones equipados com câmeras cada vez mais potentes. Aliás, deixando o preconceito de lado e pensando nas possibilidades do equipamento, os celulares e sua portabilidade estão muito mais próximos do que levou Bresson a conseguir fotografar a vida do cidadão comum do “ele trabalhava com a mesma máquina e um lente. Verger não teve que os grandes aparatos levados pelos fotojornalistas contempo- 50-66, sempre” (Lula Buarque de Holanda, 1999, 10’41”). que o celular não é uma câmera fotográfica. Será que esta inda- aparatos, lentes e filtros. Nada. Era a velha Rolleiflex com a lente râneos. De qualquer forma, sempre encontraremos os que dirão No entanto, o que vemos hoje, é um culto ao equipamento, gação ainda faz sentido? Se você já utilizou todos os recursos das com diversos profissionais colecionistas do aparato fotográfico. De últimas versões de smartphones dos grandes fabricantes concor- CIANTEC’14 dará que não. E é neste ponto que entra minha experiência pessoal com um desses “aparelhinhos”. Em janeiro deste ano passei uma semana em Ouro Preto, para conhecer com mais cuidado as congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação igrejas e histórias da região. Não costumo levar minha reflex em todas as viagens, mas não tinha dúvida de que conseguiria boas fotos por lá. Porém, no primeiro dia, para fazer um simples reconhecimento da cidade e levantar os locais mais interessantes, fui somente com um smartphone que tinha acabado de adquirir, o pri- meiro modelo com zoom ótico e as mesmas funções de uma reflex (entre elas, regulagens de abertura do diafragma, velocidade e balanço de branco em kelvin). Resultado, passei o resto da viagem fotografando somente com o smartphone. Capa Editorial Sumário Página - 274 Luciano Denardi Alarcon CIANTEC’14 Desde a aquisição do meu primeiro celular equipado com uma câmera fotográfica, na época com uma qualidade de imagem inferior a de uma webcam, venho utilizando o celular como coadjucongresso vante na minha produção fotográfica em momentos que não dispu- internacional nha de uma câmera reflex para fazer registros do dia a dia. Porém, em artes novas tecnologias e comunicação Luciano Denardi Alarcon De qualquer forma, a questão não é a substituição de um equipamento pelo outro, mas a real possibilidade de aumentar as chances de desenvolver a linguagem fotográfica com um aparelho que está à disposição instantaneamente e com todos os recursos que um equipamento considerado profissional lhe entregaria. Afi- esta seria a primeira vez que o celular ganharia a disputa. Afinal, nal, com um sensor de 16MP, zoom ótico de 10 vezes, entre outros de, mas – por incrível que pareça – até na qualidade da imagem fotojornalismo e em qualquer projeto documental. se mostrou muito mais eficiente na tarefa, não só pela portabilidapara o que precisava como turista. A partir daí, resolvi – tomado pelo espírito flusseriano – explorar todas as potencialidades deste “brinquedo”. Inclusive, o recursos, as imagens poderiam ser utilizadas tranquilamente no Todas essas possibilidades tem sido aproveitadas na fotografia miksang - termo tibetano que significa o bom olho, ou fotografia contemplativa (essa categoria fotográfica ainda não foi comparando com meu equipamento reflex em produções still em discutida no meio acadêmico e a bibliografia impressa a respeito dispositivo. lhado por todo o mundo - ajuda a descongestionar o olhar do fo- estúdio e o resultado foi extremamente satisfatório para o pequeno é inexpressiva). Essa produção contemplativa – que tem se espa- tógrafo, tão condicionado às práticas e técnicas da área que atua. Na verdade, para os adeptos, a técnica vai além da fotografia para chegar à meditação através da produção das imagens, sendo o celular a ferramenta mais simples, portátil e ágil à disposição dessa Capa Editorial Sumário prática. Em junho de 2007, a revista Vida Simples – editora Abril – publicou uma matéria sobre o assunto: “Abrindo-nos para aquilo que nos chama a atenção, sem prejulgamentos, descobrimos que o olhar é atraído por coisas como cores, formas, movimentos e re- flexos, mas também por sensações, sentimentos ou até aquilo que nos faz rir. A leveza de um pedaço de papel que voa, a tristeza de Página - 275 um graveto nu, o girar alegre de um cata-vento. Instantes que, sem CIANTEC’14 o exercício, passariam despercebidos. É por isso que as fotos miksang parecem tão cheias de cor e vida” (Liane Alves, 2007). Bresson faleceu no início das modificações geradas pelas congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação câmeras digitais, mas – diante de tudo que produziu com sua pequena Leica - não seria difícil encontrá-lo explorando as ruas de Paris com um smartphone. Claro que dificilmente surgirão novos Bressons munidos de celulares – até porque a vida nas cidades se modificou bastante desde que iniciou suas andanças fotográficas, mas desprezar as possibilidades de produção e desenvolvimento de linguagem através destes aparelhos parece tão estranho quanto acreditar que a produção de Bresson e Verger possa ser conside- rada menor por conta dos equipamentos utilizados. Coisa que nin- guém se atreveria a dizer. Provavelmente, daqui alguns anos essa discussão não faça mais sentido e a vivência imagética através da utilização das câmeras fotográficas seja tão comum quanto anotar um bilhete no post-it. Porém, de qualquer forma, estes questiona- mento acerca da convivência e produção diária de imagens sempre se fará necessária para o amadurecimento da fotografia como Capa linguagem e forma de comunicação. Editorial Sumário BIBLIOGRAFIA LIANE, Alves. Paz de espírito com a fotografia miksang. Vida Simples. Ed. Abril. São Paulo, junho de 2007. Disponível em http://vidasimples. Página - 276 abril.com.br/temas/paz-espirito-fotografia-miksang-238071.shtml Luciano Denardi Alarcon CHIODETTO, Eder. Catálogo da exposição Henri Cartier-Bresson Fotógrafo, SESC Pinheiros. São Paulo, 17 de setembro a 20 de dezembro de 2009. CHIODETTO, Eder. Fotógrafo descobria delicadeza de gestos. Folha de S. Paulo, Ilustrada. São Paulo, 05 agosto de 2004. HOLLANDA, Lula Buarque de. Pierre Verger – Mensageiro entre dois mundos. 82 minutos. Europa Filmes. São Paulo, 1999. CORPOS E MÁQUINAS NA ARTE CONTEMPORÂNEA: DUAS EXPERIÊNCIAS NO CCBB SP MARCOS JOSÉ MANTOAN Doutorando em Artes Visuais Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO. O objetivo do artigo é pontuar ações voltadas à internacional em artes novas tecnologias e comunicação Cultural Banco do Brazil in Sao Paulo. The exhibits Corpos Pre- de concepção e seus espaços de exibição. Questionamentos, tais to July 15, 2012, and Cai Guo-Qiang - Peasants Da Vincis, appears como, quais as especificidades que transformam a arte contemporânea em algo próximo à vida e quais os temas, os materiais e as estratégias que artistas e gestores adotam para atingir o público em geral permeiam a reflexão. Nessa busca, em modo de rela- to profissional e utilizando documentos, dados históricos e refe- Cultural Banco do Brazil. Qualquer relato que pretenda abordar as relações entre fundas transformações no modo de conceber e de fruir a arte. O PALAVRAS-CHAVES: gestão da arte; arte contemporânea; de exibição deve se remeter a década de 1990 que marca procolapso dos regimes socialistas, a emergência do capital espe- culativo e as novas concepções de espaço/tempo forjadas pelas tecnologias contribuem para a formação da contemporaneidade Centro Cultural Banco do Brasil. como desenraizamento e deslocamento das relações emocio- in the management of cultural art centers and particularly reflect tinuidade, desencaixe, fragmentação e espetacularização 2 . Nes- ABSTRACT - The objective of this article is to score actions nais1. O campo artístico é tomado por uma sensação de descon- on the relationship between contemporary art, its design and its sas circunstâncias, paira um sentimento de pouca “intimidade” cifics that transformed contemporary art into something close to de expressão e busca de sentido pessoal que permeia a estética modes of exhibition spaces. Questions such as, what are the spelife and which themes, materials and strategies that artists and managers adopt to reach the general public permeate reflection. In this quest, so professional discourse and using documents, hisPágina - 279 KEY WORDS: management of art; contemporary art; Centro em São Paulo: as exposições Antony Gormley – Corpos Presentes, Da Vincis do Povo, exibida entre 20 de abril e 23 de junho de 2013. Sumário between April 20 and June 23, 2013. arte contemporânea, seus modos de concepção e seus espaços ocorrida entre 12 de maio a 15 de julho de 2012, e Cai Guo-Qiang – Editorial sentes – Still Being by Antony Gormley, occurred between 12 May rências especializadas, o texto aborda duas experiências em arte contemporânea desenvolvidas no Centro Cultural Banco do Brasil, Capa es two experiments in contemporary art developed in the Centro gestão da arte em centros culturais e, particularmente refletir sobre a relação existente entre a arte contemporânea, seus modos congresso Marcos José Mantoan torical data and specialized references, reporting the text discuss- com a realidade, ocasionando como reação o crescente desejo 1 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 2 SUBIRATS, Eduardo. A penúltima visão do paraíso: ensaios sobre memória e globalização. São Paulo: Studio Nobel, 2001. CIANTEC’14 Marcos José Mantoan daqueles anos. O debate entre questões modernas e contemporâneas que se inicia na década de 1960 adquire força total na década de congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação 1990, evocando aspectos narrativos, autobiográficos e autorreferenciais, tais como as relações que envolvem a máquina, o corpo e a própria história de vida do artista. Quando o Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, (CCBB SP) é projetado, em 2001, esses elementos estão incorporados às poéticas de forma deci- siva. Para o novo centro cultural há pontos de discussão sobre a programação a ser adotada. Dois deles seriam: a adoção ou não de eixos temáticos e a incorporação ou não da arte contemporânea. Essas duas definições estão diretamente ligadas à seleção do público-alvo do CCBB SP. À época, a população do entorno é vista como “público natural”, ou seja, frequentadores que iriam ao centro cultural espontaneamente. As pesquisas para implantação do centro cultural apontaram que este público seria composto predominante pelas classes mais subalternas e desprovidas de acesso a produtos culturais. No mesmo ambiente, as classes Capa Editorial mais elevadas não dispõem de ofertas culturais próximas aos seus locais de trabalho. 3 Sumário Fachada CCBB São Paulo (Exposição Cai Guo- Qiang) A programação interdisciplinar (artes, música, teatro, cine- ma e outras ações) é considerada como fator positivo. Isto porque as diversas áreas despertam um tipo de público que tem interesses profissionais ou específicos e, ainda, atrai aos jovens que não veem como obstáculos a acessibilidade e a distância. Para os seus organizadores, desde os primeiros momentos de im- plantação, o grande desafio do novo centro cultural está em trazer de volta pessoas que deixaram de frequentar o centro e seduzir os Página - 280 3 Relatório Perfil da Programação Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo, 2000 (arquivos do CCBB São Paulo). jovens que ainda não o conhecem. As atividades definem o volu- CIANTEC’14 me e o perfil do público e, sobretudo, as opiniões dos envolvidos com a formação do novo espaço defendem que uma programação consistente e permanente formaria o público. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Quanto à adoção dos eixos temáticos, para alguns dos ideali- zadores do CCBB SP é imprescindível a existência de ações segmentadas para que se atinja uma profundidade no trabalho, evitando-se A curadoria profissional é valorizada, uma vez que sua existência garante a conexidade entre os eventos e o público. A incorporação da arte contemporânea está relacio- da inserção da contemporaneidade na programação do cen- ço e para o entorno da sede do CCBB SP. Para os defensores um espaço onde as pessoas possam viver experiências enriquece- tro cultural, essa postura está ligada à “visão ecológica da auto-expressão e à ampliação da percepção de mundo. A progra- Nessa direção, a perda de referência que tem acontecido nas arte”, na qual a arte tem a ver com o que está em sua volta. mação e o espaço do CCBB SP têm como missão ser um contra- grandes cidades com a degradação do centro urbano pode ser cula-se à imagem do Banco do Brasil, visto como um incentivador Deve-se lembrar, contudo, que a adaptação do espaço interno do ponto ao ambiente caótico e à cultura de massa. Essa opção vei- revertida pela imersão da arte contemporânea naquele espaço. diferenciado da cultura, em oposição a outros bancos ou empresas prédio do CCBB SP, tendo em vista suas características arquite- para a programação do CCBB SP fixam-se “em educar, formar público e sensibilizar plateias através de programas de médio e tônicas que privilegiam o “aspecto intimista”, provoca discussão – posto que a arte contemporânea tenha como premissa a necessidade de espaços amplos e neutros. Os espaços internos por serem pequenos e fragmentados recebem projetos pontuais que longo prazo, concebidos dentro de um projeto de arte-educação utilizam, especialmente, objetos, vídeos, instalações e fotografias. No estabelecimento da programação do CCBB SP há um perimentais na área de artes plásticas estabelece um contraponto longo debate sobre o emprego de um “rumo curatorial definido” com a arquitetura predial. O emprego das novas tecnologias e a feito especialmente para o local” . Página - 281 histórico e o contemporâneo, conciliando-os na grade de eventos. Porém, o que dá unicidade a programação é o atributo de oferecer outros, a diversidade do público exige uma ação mais abrangente. espetáculo comercial. Nesse sentido, as principais linhas de ação Sumário ção em um nicho específico. A opção está em trabalhar com o nada à opção por realizar projetos específicos para o espa- que investem na área interessados, principalmente na arte como Editorial com um público tão heterogêneo não permite fechar a programa- a “política de eventos”, na qual não se acumula experiência. Para doras e únicas, nas quais são estimuladas ao autoconhecimento, à Capa Marcos José Mantoan versus “mostras diversificadas”. A imersão no centro da cidade De certa forma, priorizar a escolha de trabalhos inovadores e ex- interdisciplinaridade com outras linguagens artísticas (música, te- CIANTEC’14 atro e dança) alargam as contribuições dos projetos selecionados. internacional em artes novas tecnologias e comunicação contemporânea no CCBB SP, de certo modo, transfere aos artis- fissionais nas áreas de artes visuais, cinema, música, artes cê- o lugar e adequar os espaços para o abrigo e exibição das obras, nicas (dança e teatro), palestras, debates e programa educativo 4 . Nas artes visuais, os projetos contemporâneos tendem ao con- ceito site specific, ou seja, são projetos artísticos que se apropriam arte. Ao priorizar o conceito de site specific, o CCBB SP torna-se quanto dos aspectos materiais, no caso, a arquitetura predial com- processo de criação das instalações (tanto do seu financiamento, põe a obra). Os artistas reconhecem, rapidamente, na arquitetura eclé- destas, com pé-direito distinto. No cerne de cada projeto, está a tica do início do século XX, bem como sua localização na região embora também difíceis de trabalhar devido à presença de muitos não-lugar, como conceitua Marc Augé. 5 O que antes é um espaço ideia de valorizar os corredores e o vão livre central do edifício, Página - 282 Instituição junto ao público em geral, à imprensa e à crítica de sam, sobretudo, minimizar ou mesmo eliminar as evidências da como já mencionadas, são áreas recortadas de dimensões mo- Sumário gerando, assim, a visibilidade e o reconhecimento desejados pela um gestor da produção contemporânea, uma vez que participa do difícil condição espacial das salas destinadas às exposições que, Editorial tas, aos produtores e aos curadores a responsabilidade por pensar do espaço do CCBB SP, das especificidades e das contradições inerentes à área urbana do centro da cidade. Essas iniciativas vi- Capa O conceito de site especific para as exposições de arte Atualmente, a programação oferecida pelo CCBB contem- pla as mais diversas manifestações culturais, envolvendo procongresso Marcos José Mantoan central da cidade, uma possibilidade de investigação do lugar e do ornamentos e da grande claraboia ao alto. de passagem torna-se o lugar para as referências culturais e iden- 4 O Centro Cultural Banco do Brasil tem como objetivos estimular a produção e a difusão da cultura, proporcionar acesso aos diversos segmentos da sociedade e formar novas plateias. A acessibilidade financeira abrange a gratuidade de eventos como exposições, palestras, e programa educativo, e a política de preços populares em eventos musicais (R$ 6,00 e R$ 3,00), teatrais (R$ 15,00 e R$ 7,00) e nas mostras de cinema (R$ 4,00 e R$ 2,00). Dos recursos arrecadados, 80% são destinados à manutenção e atualização tecnológica dos Centros Culturais e os 20% restantes, são repassados ao programa Arca das Letras, administrado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário do Governo Federal. Esse projeto consiste em bibliotecas com cerca de 230 livros de literatura, didáticos e de pesquisa, nas áreas de educação, meio ambiente, saúde, agricultura e cidadania, em acervos formados especialmente para as comunidades rurais. Os agentes de leitura são voluntários que atuam no empréstimo desses livros e no incentivo à leitura em suas comunidades. Relatório Anual CCBB São Paulo, 2008. 5 Um lugar pode ser definido por sua capacidade identitária, relacional e histórica. O contrário, também é provável: um espaço que não possui atribuição identitária, relacional ou histórica é posto como um “não-lugar”. Acompanhando, o pensamento a Marc Augé, a contemporaneidade é produtora de não-lugares, ou seja, produz espaços que não são lugares antropológicos e que, contrariamente, à modernidade, não integram os lugares antigos: estes, repertoriados, classificados e promovidos a “lugares de memória”. Como exemplo de não lugares, tem-se cadeias, hospitais, aeroportos, redes de hotéis, favelas e clubes de férias – ou seja, espaços não destinados à perenidade, que afirmam o efêmero, o provisório ou pontos de trânsito. AUGÉ, Marc. Não-Lugares – Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade.Campinas: Papirus, 1994 (Coleção Travessia do Século), p.p. 75-76. titárias. O CCBB SP, através das intervenções de arte contemporâ- CIANTEC’14 nea em suas instalações, transforma-se em lugar simbólico. taladas suas obras. A mostra Corpos Presentes ocupa, durante nizadas no espaço do CCBB SP que vale a pena o relato. Isto um panorama do percurso estético do artista inglês, ilustrando as Há dois casos importantes no histórico de mostras orga- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação porque trabalham com questões relevantes na discussão sobre as relações existentes entre arte contemporânea, sua concepção e sua exibição – sendo esta tríade uma das bases para a organiza- ção e reflexão da gestão de arte. São as mostras: Antony Gormley até aquele momento. Na entrada da mostra, ao receber o público, está Critical sições. Nelas, causa impacto as grandes dimensões. Porém, as corpos escultóricos redefinem obsessivamente o espaço público. Muitas esculturas extravasam o espaço interno do edifício. Aqui para compreender a poética de Gormley torna-se necessário rememorar o apreço à representação do corpo humano na História da Arte. Desde a Antiguidade, o corpo se apresenta como algo sagrado e completo – uma solução/dilema para artistas e movimentos estéticos. Para a contemporaneidade, o corpo é a última do artista. Elas se espalham por todo o prédio em diferentes po24.000 pequenas e precárias reproduções humanas de terracota de uma segunda instalação, Amazonian Field, acabam por cau- sar efeito semelhante – não pelas grandes dimensões, mas pela acumulação de elementos. No subsolo, é possível desvendar os métodos e o modo de trabalho de Gormley por meio de estudos e rascunhos. A exposição é definida pela consistência temática. Cada peça tem como projeção o espectador — às vezes de forma mais abstrata, como em Drift III, ou mais concreta, como em Loss — ao final as obras querem questionar o espectador quanto ao morada – a fronteira de pertencimento. seu lugar no mundo. Integra ainda a exposição, a instalação Event relação entre corpo e arquitetura. Para o artista, a arquitetura é o palhadas pelo Vale do Anhangabaú. Nesse sentido, a experiência Já no repertório de Gormley, o que existe é uma intensa invólucro que protege o corpo. Tido como um criador de situações, todas as suas esculturas, em grande escala, são moldadas ao seu Página - 283 maquetes, 9 gravuras, 25 fotografias e 6 vídeos inéditos no país de junho de 2013. centro cultural a tensão entre o corpo humano e o espaço. Seus Sumário variações de sua produção a partir de instalações, modelos, 50 Mass, um grupo de 60 figuras de ferro moldadas a partir do corpo A exposição Antony Gormley: Corpos Presentes traz ao Editorial meses, três andares e o subsolo do edifício do CCBB SP e fixa – Corpos Presentes, ocorrida entre 12 de maio a 15 de julho de 2012, e Cai Guo-Qiang – Da Vincis, exibida entre 20 de abril e 23 Capa Marcos José Mantoan próprio corpo. Gormley leva em conta o lugar no qual serão ins- Horizon, com 31 esculturas de homens nus em tamanho real esda arte contemporânea sai para o entorno do edifício do CCBB SP e invade a vida diária daqueles que passam por ali nos meses de maio a julho de 2012. CIANTEC’14 A mesma invasão está presente numa segunda ação no CCBB SP, Cai Guo-Qiang – Da Vincis do Povo, exibida entre 20 de abril e 23 de junho congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação de 2013. Porém, desta vez, ao invés dos corpos humanos, a pre- que inicia nas ruas e segue pelo Centro Cultural Banco do Bra- cotidiano urbano. Cai que é reconhecido internacionalmente por instalações entre trabalhos grandiosos do artista e obras criadas vez o espaço restrito de um edifício – invade de novo às ruas e o diversos prêmios internacionais e, mais, ainda, por ser diretor de efeitos especiais das cerimônias de abertura e encerramento dos parte, caracterizados pelos desenhos realizados à pólvora. As ex- Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. O artista coloca no espa- tornam-se inventores, tais como: aviões, submarinos, porta-avi- maior deles está no átrio do CCBB) e uma instalação multimídia não necessariamente funcionam. Ao apresentar as histórias de camponeses de diversas par- ço do CCBB SP enormes painéis inéditos feitos com pólvora (o composta por quarenta pipas de bambu e seda, além, é claro, das engenhocas divertidas. Nas duas mostras selecionadas para essa reflexão perce- tes da China, Cai dirige atenções para outra tendência forte da arte be-se a subversão da arte contemporânea em extravasar os am- dade como colecionador e, simultaneamente, propositor de ideias paço convencional do edifício do CCBB SP é suficiente. As obras contemporânea, além da citação, o colecionismo, visto que a ativi- dialoga com seu trabalho artístico cercado pela experimentação e o risco. São cerca de 60 máquinas que representam o imaginário dos camponeses chineses e, especialmente evidenciam a estética artesanal, a condição social, política e cultural de seus inventores. Essa simbiose entre o trabalho do artista e as invenções dos camponeses pontua ao público brasileiro a diversidade e a conPágina - 284 (com seus desenhos e invenções) – na verdade, é uma mostra sua primeira individual no cenário artístico brasileiro, reunindo 14 dernas. Nessa ocasião, o artista chinês, Cai Guo-Qiang apresenta ões, helicópteros, disco-voadores, robôs e outras engenhocas que Sumário Da Vincis do Povo – referência clara a Leonardo Da Vinci sil e pelo edifício histórico dos Correios, extrapolando mais uma plosões delimitam o espaço da obra. Já os camponeses chineses Editorial da cultura tradicional chinesa com as influências da arte ocidental. sença marcante é a das máquinas – tema caro às vanguardas mo- por camponeses chineses. Os trabalhos de Cai são, em grande Capa Marcos José Mantoan temporaneidade da produção chinesa atual que mescla elementos bientes que lhe são propostos. Para nenhuma das mostras o essaem às ruas e integram edifício e espaço público. A gestão da arte contemporânea precisa estar atenta à necessidade premente que une arte e vida; possibilitar que as obras possa coabitar os quadros urbanos; compreender que os métodos convencionais de exibição nem sempre são suficientes para a fruição da obra e dos desejos do artista e do público. Antony Gormley e Cai Guo-Qiang são artistas que transitam entre a performance, o espetáculo, a CIANTEC’14 Marcos José Mantoan instalação, o desenho e a escultura. Não há como classificá-los da memória Epopeia Paulista. Ars. Escola de Comunicações e Artes da forma que ensina a História da Arte “convencional”. Seus suportes, materiais e práticas são oriundos e viabilizados pela contemporacongresso neidade. Torna-se vital que as especificidades de suas propostas internacional e produção sejam respeitadas. Nesses projetos artísticos, a natu- em artes reza da arte contemporânea precisa ser compreendida pelos ges- novas tecnologias tores para que obtenha êxito e compreensão pública. e comunicação Marc. Não-Lugares – Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994 (Coleção Travessia do Século). BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. MANTOAN, Marcos José. Centro Cultural Banco do Brasil - Experiências SP e no seu entorno são gestados como um processo de requalifi- em Arte Contemporânea. São Paulo: Programa de Pós-Graduação cação do centro histórico da cidade de São Paulo. A instalação do Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São CCBB SP e sua programação ininterrupta desde 2001 promove a Paulo, 2010 (dissertação de mestrado). incentiva a permanência daqueles que já estavam por ali. É fato que após o estabelecimento do CCBB SP, diversos outros tipos de equipamentos se instalam nas imediações do edifício, tais como universidades, academias de ginásticas, órgãos públicos, asso- ciações de classe, restaurantes, bares e outros espaços culturais mantidos por instituições financeiras. A programação do CCBB SP Capa contribui para esse processo de revitalização e a programação di- Editorial rigida à arte contemporânea dá ainda mais vigor a essa apropriação da vida pela arte. REFERÊNCIAS Página - 285 AUGÉ, Nessa direção, a presença da arte contemporânea no CCBB circulação de um novo público na região Ao mesmo tempo em que Sumário Universidade de São Paulo, 2007, vol. 5, p. 62-70. AJZENBERG, Elza e OLIVEIRA, Alecsandra Matias de Oliveira. Narrativa SUBIRATS, Eduardo. A penúltima visão do paraíso: ensaios sobre memória e globalização. São Paulo: Studio Nobel, 2001. O PATRIMÔNIO CULTURAL INVISÍVEL MARIA LUCIA BIGHETTI FIORAVANTI Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Maria Lucia Bighetti Fioravanti Este trabalho deriva da preocupação em trazer a público o patrimônio cultural de uma cidade, muitas vezes invisível a seus habitantes, devido á velocidade que impulsiona a vida cotidiana congresso internacional em artes contemporânea, repleta de apelos que ás vezes dificultam a percepção de objetos históricos e estéticos pertencentes a museus, instituições culturais ou encontrados nas praças, na arquitetura, novas tecnologias nas igrejas, na natureza preservada ou transformada por decisão e comunicação humana Esse interesse surgiu durante minha pesquisa de mestrado ,quando estudei as pinturas coloniais franciscanas dos séculos XVIII e XIX ,em igrejas da cidade de São Paulo englobando três edificações franciscanas, sendo a pintura de teto da nave da Igreja do Convento de São Francisco, a pintura de teto da Capela-Mor e dos painéis da Igreja da Venerável Ordem Terceira do Seráphico Pai São Francisco, bem como as pinturas que decoram as paredes da Capela-Mor da igreja e as do teto do coro do Mosteiro da Luz. Capa Editorial Sumário Página - 288 Medalhão central do forro da igreja do convento da Luz. São Paulo CIANTEC’14 O desafio que representou a pintura do forro, do coro da congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mediação cultural que abre espaços de perceber e dialogar com lhasse em fontes da época, como os manuscritos de Frei Galvão, habitantes. do espaço sagrado da clausura das irmãs, permitiu que eu mergu- objetos históricos e estéticos pertencentes a uma cidade e a seus arquiteto do mosteiro, além de estatutos e livros de crônicas, do- Assim podemos pensar que é possível recosturar as rela- cumentos franqueados pelas religiosas. Nessa ocasião não pude ções entre cidadãos e o patrimônio, pois o artefato cultural possui nhecido, deveria vir a público não só como parte integrante de A mediação cultural pode se sensível á tal polissemia, am- deixar de pensar que todo esse patrimônio cultural, tão pouco co- te, capaz de fazer parte de nosso tempo e identidade. Essas produções não podem ser tomadas como monumen- tos do passado nem como manifestação religiosa de um grupo, pliar as metodologias de compartilhamento da cultura de um segmento social, reconhecendo-o e o promovendo como expressão simultaneamente singular e coletiva, única e plural Proponho como arte educadora uma reflexão que se refere à experiência, à vivência e ao compartilhamento resultantes de Mas para isso, devemos levar necessariamente em conta criatividade diante dos artefatos da cultura permitindo questiona- que mesmo um conjunto arquitetônico do período colonial, já tão consagrado pela preservação oficial como obra de arte, é portador de numerosos outros sentidos, desprezados pelas práticas oficiais de preservação. Editorial A tradição embora associada a uma volta ao passado tem caráter propositivo, visa transformação. Um lento uma ação mediadora que acione a percepção, a sensibilidade e a mentos e problematizações Um mergulho no passado que traga novas ideias e soluções conectando-as com o universo da sala de aula. Afinal, o que é patrimônio? Que ações políticas permitiram a formação de critérios para constituí-lo e preservá-lo? Diz Rodrigues (1994, p. 5): movimento a frente, movimento do saber que vai se se- Considerado pelos antigos romanos como par te da to lento em direção ao futuro. (Bressan Pinheiro pg.19) meça a ser entendido como herança de todos, he - dimentando no uso, nas crenças, nas obras. MovimenPágina - 289 outros sentidos além de seu sentido original. mas sim como arte acessível a toda população independente da crença de cada um. Sumário O encontro com o patrimônio pode ser potencializado pela Igreja do Mosteiro da Luz, que é de difícil acesso por estar dentro nossa história, registro do passado, mas como, algo vivo e pulsan- Capa Maria Lucia Bighetti Fioravanti esfera privada do direito de herança, o patrimônio co - CIANTEC’14 Maria Lucia Bighetti Fioravanti rança pública, a par tir do Renascimento, quando, base em um projeto elaborado por Mário de Andrade, e redirecio- juntamente com a valorização da cultura material da nado por Rodrigo Mello Franco de Andrade a pedido do ministro Antiguidade, começava a ser construída a civilização congresso da imagem da qual somos continuadores. Hoje, a no- de Cultura, Gustavo Capanema. internacional ção de patrimônio abarca um amplo universo de bens em artes por meio dos quais a sociedade materializa o passado. valorizado pelo valor artístico em especial aos edifícios religiosos novas tecnologias e comunicação O SPHAN deu preferência à noção de monumento histórico ou civis do período colonial. Sergio Miceli (1987, p. 44), em seu texto “Sphan: refrigério Ao longo dos anos a idéia de patrimônio vem sendo modi- da Cultura Oficial” faz uma crítica à política do órgão que valorizou poder público e teve inicio com a Revolução Francesa tendo pas- face das experiências dos grupos populares, das populações ne- ficada, pela forma moderna de tratamento dos bens culturais pelo sado para a responsabilidade do Estado no século XIX, o reconhecimento, a identificação a proteção desses artefatos culturais componentes do patrimônio com o intuito de construir memórias nacionais que sustentassem os Estados-Nação em construção. apenas o barroco e frisa a existência de uma amnésia oficial em gras e dos povos indígenas excluídas, embora constassem do pro- jeto de Mario de Andrade. Além disso, o autor aponta que as técnicas de restauração enquadram-se numa lógica de embelezamento de estilo e consequente há uma diluição das marcas sociais. As igrejas franciscanas da cidade de São Paulo se consA memória, onde cresce a história, que por sua vez a tituem em monumentos religiosos da época colonial e também sente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a cumentos, além de sua arquitetura e das manifestações artísticas alimenta, procura salvar o passado para ser vir o preCapa Editorial memória coletiva sir va para a liber tação e não para a ser vidão dos homens (Le Gof f: 1990 p. 411) em altares, paredes e tetos que constituem, sem dúvida, relevan- tes bens culturais da cidade. Essas produções da tradição colonial paulistana são o foco de meu trabalho de mestrado 1 e não podem Sumário No Brasil são dois os momentos marcantes referentes a essas políticas públicas na esfera federal. O primeiro deles - o momento fundador nos anos 1930/40. gera em 1937 a criação do Página - 290 fazem parte integrante da história seus arquivos, repletos de do- Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) com ser tomadas como monumentos do passado. Cabe à mediação 1 FIORAVANTI, Maria Lucia Bighetti. A Pintura Franciscana dos Séculos XVIII e XIX na Cidade de São Paulo: Fontes e Mentalidade. Tese de Mestrado. MAC/ USP. São Paulo 2007. CIANTEC’14 cultural problematizar e provocar seus sentidos na contempora- Essa questão me levou a tomar como base a pintura do neidade, uma vez que mediar significa “estar entre muitos” (MAR- teto do coro de uma igreja colonial paulistana, a igreja da Luz e TINS, 2007), onde o professor mediador, o fruidor e a obra de arte congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação dialogam e criam uma rede de relações. Durante todo o meu trabalho de mestrado não consegui desvincular meu olhar de arte educadora do olhar da pesquisadora. Não podia deixar de pensar que todo esse patrimônio cultural, embora escondido, deveria vir a público não só como parte integrante centes aos arquivos a sociedade da época, é possível trazer ao presente todo o passado Esse patrimônio deixado pelos franciscanos, construído ao longo da historia paulistana pode ser conhecido, reconhecido e va- pesquisa pude perceber que a arte franciscana em São Paulo é consagrado pela preservação oficial como obra de arte,é portador forma ascética, tanto pelo despojamento que faz parte do pensa- mento franciscano como pelas dificuldades técnicas de produção artística que resultaram em composições bem diferentes das apre- sentadas pelos locais mais desenvolvidos da Colônia, formando um bem cultural pleno de valor material e simbólico. Em relação ao patrimônio escondido de uma cidade, cuja po- que mesmo um conjunto arquitetônico do período colonial, já tão de numerosos outros sentidos, desprezados pelas práticas oficiais de preservação. A mediação cultural pode se sensível á tal polissemia, dar um passo decisivo na ampliação das metodologias de compartilhamento da cultura de um segmento social, reconhecendo-o e o promovendo como expressão simultaneamente singular e coletiva, única e plural Esse fato pode ser objeto de reflexão no que se refere à pulação passa em frente sem enxergar, Dewey (1953: 239) afirma: mediação cultural, uma vez que sabemos que a experiência, a “O que é habitual (o que existe ao nosso redor) não mediadora que permite acionar a percepção, a sensibilidade e Editorial nos estimula, por si mesmo, a refletir e sim que unicamente o fa z na medida em que auxilia a compreender o que é estranho e remoto” Página - 291 encomendantes e conhecer pelos documentos centenários perten- lorizado Mas para isso, devemos levar necessariamente em conta singular porque possui características próprias como a questão da Sumário perceber que ao desvendar em sua iconografia a mentalidade dos de nossa história, registro do passado, mas algo vivo e pulsante capaz de fazer parte de nosso tempo e identidade. Em minha Capa Maria Lucia Bighetti Fioravanti vivência o compartilhamento são atos que surgem de uma ação criatividade diante de um artefato de cultura, o que resulta em pro- blematizações e questionamentos. Mergulhar no passado e voltar ao presente trazendo novas perguntas, suscitando novas ideias e soluções, tirando lições, re- CIANTEC’14 cuperando as origens,geraram algumas indagações que me ocor- canas foram encomendadas pelos frades e produzidas pelos mes- com o universo da sala de aula. Portugal de acordo com o “decoro” (espécie de código relacionado reram congresso internacional as quais desdobro em problematizações conectando-as tres pintores. De fato as encomendas seguiam as regras vindas de O patrimônio escondido trazido a público pode ser uma for- à arquitetura, pintura e tudo o mais que dissesse respeito a vida ma de recuperar raízes e preservar a identidade cultural? Pode em artes trazer uma maior consciência da realidade em que vivemos? Pode novas tecnologias ser visto como objeto de conhecimento que possibilite a leitura e a e comunicação compreensão do mundo e da cultura? Para obter respostas, fazer uma curadoria, apresentando uma galeria de imagens das pinturas coloniais em contraponto com outras contemporâneas como produções artísticas ou da mí- observando as formas, os materiais com os quais esses objetos foram construídos, para comparar com os objetos e produções de hoje em dia? A arte franciscana em São Paulo foi utilizada como retórica, modificavam conforme o público a quem se destinavam.No teto do (1896-1978),que se encontra em um nicho do muro do Cemitério do Araçá e a obra “O Fauno” de Victor Brecheret,1942,no Jardim do Trianon, ambos em São Paulo. Assim podemos pensar na capacidade de fazer essas ligações a partir de artistas contemporâneos,que trabalham o cotidiano de uma cidade, seja por intervenções, grafites etc., Durante meu estudo, procurei estabelecer uma relação en- tre forma, instituições, religiosidade e sociedade para analisar a Página - 292 É possível estabelecer relações com aquele momento histórico escondido de uma cidade, as esculturas que se encontram em por exemplo a escultura “O Tempo” de 1945 de João Batista Ferri Sumário car novas histórias comparando o passado com o contexto atual? ou seja, como meio de comunicação com os colonos e evangeli- parques e muros pelas quais as pessoas passam sem ver, como Editorial dos conventos) e com as devoções franciscanas.Podemos provo- dia em geral,pode ser capaz de provocar reflexões. Também podem ser considerados exemplos de patrimônio Capa Maria Lucia Bighetti Fioravanti mentalidade, o contexto e os motivos em que essas obras francis- zação dos índios. Eram temas trazidos da Metrópole mas que se coro da luz, por exemplo foram pintadas cenas edificantes da vida do santo, como modelo de conduta para as irmãs.Dentro desse tema surgem questões como:Que tipo de trabalho de divulgação é feito hoje em dia pela mídia e pelas agências de propaganda? Poderia ser feita uma comparação com aquele trabalho feito no passado pela Igreja como propaganda da Contra- Reforma e a forma como hoje em dia recebemos informações pela TV, revistas, jornais, internet etc.? Desse modo, aquele trabalho de mestrado focalizando arte sacra, despertou novos olhares, como ponto de partida para idéias no meu caso, e ações para a sala de aula. CIANTEC’14 REFERÊNCIAS DEWEY, John. Como Pensamos. Companhia Editora Nacional. São Paulo. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação 1953. LE GOFF, Jacques. História e Memória Campinas SP Editora da UNICAMP 1990,pdf, textos originalmente publicados nos volumes I,II,IV,VIII,XI,XIII,XV Enciclopédia Einaudi MICELI, Sergio. Sphan: Refrigério da Cultura Oficial. Revista do IPHAN, nº 22.1987. PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Neocolonial, Modernismo e Preservação do Patrimônio no debate cultural dos Anos 1920 no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. FAPESP 2011 MARTINS, Mirian Celeste. Mediando [Con] tatos com a Arte e Cultura. Universidade Estadual Paulista. IA. Pós-Graduação. São Paulo. V.1. Novembro. 2007. Pg.140 Capa Editorial Sumário Página - 293 Maria Lucia Bighetti Fioravanti DIÁLOGOS POÉTICOS: O MUSEU E A ESCOLA MARIA INÊS MORON PANNUZIO Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Este projeto de pesquisa investiga se, ao pro- piciar aos alunos uma experiência de encontro significativo com o universo da arte, viabilizamos a construção de novos conhecimencongresso tos por meio de uma aprendizagem que torna a ação de estudar internacional não só mais fácil e prazerosa, como também mais eficaz. em artes novas tecnologias Palavras-chave: Encontro com a arte. Aprendizagem signi- ficativa. Ação de estudar: fácil, prazerosa, eficaz. e comunicação INTRODUÇÃO Este é um projeto de pesquisa de educação que preten- de promover, de uma perspectiva transdisciplinar, a aprendizagem significativa a partir de uma educação estética, fazendo com que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem percebam a importância da arte no processo de formação e de aprendizagem. Nesta pesquisa, são analisados os resultados de uma visita de alunos ao Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (MACS). O intuito é avaliar se a visita desperta a sensibilidade Capa Editorial Sumário estética e contribui para o processo de ensino-aprendizagem na escola. Contemporâneos” no MACS. J U S T I F I C AT I VA O Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (MACS) fez a sua primeira exposição. Considerando que ele poderá vir a ser um marco significativo para Sorocaba e cidades da região em termos de arte, cultura e educação – pois crianças e jovens poderão estar em contato direto com as obras de arte, numa experiência fundamental para o seu processo de formação –, julgamos relevante acompanhar um grupo de professoras e seus alunos na visita à exposição e analisar o significado dessa atividade no trabalho escolar. OBJETIVO Possibilitar a vivência da arte no processo educacional e garantir ao aluno um aprendizado significativo. METODOLOGIA Estudo de caso DESCRIÇÃO DO PROJETO São analisadas aqui, com base em um trabalho com profes- sores e alunos da rede municipal de ensino de Sorocaba, as impli- Página - 296 Maria Inês Moron Pannuzio cações educacionais, na escola, da visita à exposição “Percursos Neste trabalho de pesquisa, utilizamos um estudo de caso elaborado mediante uma abordagem metodológica qualitativa. O estudo de caso revelou-se adequado, pois se trata da interpreta- ção de determinados atributos, sem enfatizar dados estatísticos e CIANTEC’14 sem numerar ou medir categorias; o foco será a compreensão dos fenômenos, dos porquês e não a sua medição. Maria Inês Moron Pannuzio social, que constrói sua identidade nas relações com o outro e com o mundo. A afetividade é imprescindível tanto no processo de construção da pessoa – autoconstrução – como na constru- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação F U N D A M E N TA Ç Ã O T E Ó R I C A O aluno é sujeito-agente do processo ensino-aprendiza- gem, e, portanto, o que é ensinado deve fazer sentido para ele. Essa observação nasceu do estudo da obra de Freire (1996), que entende a educação como um processo de conscientização e o conhecimento como produto humano e histórico por meio do qual construímos formas e interesses plurais de ser e intervir no mun- do. Tal pensamento dialoga com a aprendizagem significativa de John Dewey. O aprendizado na vida do educando tem de fazer sentido, de modo que ele tenha vontade de buscar o conhecimento por meio de experiências vividas, dos estímulos e desejos, caracterizando, assim, uma aprendizagem prazerosa e verdadeira. É o “aprender fazendo” que torna significativo o processo de construção de coCapa Editorial Sumário nhecimentos (DEWEY, 1979). A aprendizagem significativa se dá de forma integral, pela problematização das experiências do dia a dia, e viabiliza o desenvolvimento do intelecto e da técnica. Os problemas devem ser apresentados num determinado contexto e de tal modo que o aluno possa estabelecer a ligação entre a sua solução e outras questões mais abrangentes. Página - 297 Wallon (1992) crê que o indivíduo é um ser geneticamente ção de conhecimentos. Como Wallon, sustentamos com vigor a necessidade de o aluno criar sua identidade relacionando-se com o outro e o mundo. É a mesma interação defendida por Vigotsky (1992), que vê as pessoas como seres sociais, as quais, por isso, se constroem interagindo com seus parceiros. Para ele, a esco- la pode possibilitar avanços na aquisição de conhecimentos, pois a aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento que só podem ocorrer quando o indivíduo se relaciona com outras pessoas. Segundo Piaget (1992), a criança opera intelectualmente: é um ser ativo, que elabora, verifica hipóteses, constrói conheci- mentos e vive uma história pessoal a partir das suas experiências com o mundo objetivo. Do contato com a cultura, a criança vai ela- borando sua estrutura conceitual, seu universo de significados. O aprendizado tem como objetivo a autonomia, mas ela só se efetiva se o conhecimento transformar-se em ação. Para Barbosa (1998, p. 23): A experiência ar tística, o fa zer ar tístico, o trabalho com materiais da ar te, é fundamental para desenvolver a capacidade de produção -apreciação que constitui a experiência significativa em qualquer área. A CIANTEC’14 capacidade de configurar sua experiência, desde os individual ocorra em harmonia com o grupo social a que pertence. dissoluvelmente à experiência estética. O processo arte a partir de uma perspectiva transdisciplinar poderá promover primórdios da humanidade, é alguma coisa ligada incongresso internacional em artes de fruição se modifica, não só o olhar, mas corpo e pensamento interagem diante da obra ar tística e mudam o significado proposto pelo ar tista. novas tecnologias e comunicação A prática profissional é valorizada por Schön (1997) como Uma educação estética que envolva todas as linguagens da aprendizagem significativa e agregar conhecimentos às demais disciplinas, fazendo com que todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem percebam a importância dessa área de conhecimento no processo de formação pessoal, desenvolvimento integral e de percepção da realidade social. momento de construção de conhecimento que se realiza por meio A possibilidade de vivenciar uma aprendizagem significati- da reflexão, análise e problematização. A atuação do educador va viabiliza a percepção da importância da arte na vida das pes- implica o conhecimento prático (conhecimento na ação, “saber fa- soas e no processo educacional como um todo. Garante, ainda, ao zer”); a reflexão na ação (a transformação do conhecimento prático aluno um ambiente de respeito e de compromisso com o conheci- em ação); e a reflexão sobre a ação e a reflexão na ação (que é o mento, consigo mesmo e com os outros. nível reflexivo). O processo de reflexão na ação é, portanto, repleto de trocas, ações e reações, constituindo-se em um momento de aprendizagens significativas. Paulo Freire, Donald Schön, Henry Wallon, Jean Piaget, Lev Vigotsky, John Dewey, Ostrower Fayga e Ana Mae Barbosa, denCapa tre outros, basearam os referenciais teóricos deste projeto, cujo Editorial fim consiste em transformar e valorizar a sensibilidade e desenvol- Sumário ver a autonomia dos sujeitos por meio de uma formação cultural crítica e social. O diálogo entre cultura, arte e ciência suscita a sensibi- lidade estética do aluno, possibilitando-lhe seu desenvolvimento Página - 298 Maria Inês Moron Pannuzio integral e contribuindo para que a formação de sua consciência Se a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento da inteligência, a escola tem papel essencial na construção do intelecto e deve dirigir o ensino para estágios de desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos. Os problemas devem ser apresentados num determinado contexto e de tal modo que o aluno possa estabelecer a ligação entre a sua solução e outras questões mais abrangentes. Daí a importância da educação do sensível, da educação do sentimento, e da educação estética, que é a capacidade de o ser humano sentir, num todo integrado, ele mesmo e o mundo. A educação do sensível e a estética devem ser complementares. O desenvolvimento da sensibilidade perceptual deve ser CIANTEC’14 central no processo educativo, pois, quanto maior for a oportuni- dade para desenvolver a sensibilidade, maior a conscientização de todos os sentidos, e maior será a oportunidade de aprendizagem. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Os três eixos de aprendizagem artística delimitam conjun- tos possíveis de ações complementares e interconectadas, que se manifestam em redes de relações, quais sejam: o eixo de produção; o de leitura – da imagem, da obra ou do campo de sentido da arte; e o da contextualização. Barbosa (2010) diz que a contex tualização é ação inteligível que contribui para a produção de sentido da imagem. A produção de sentido afetiva e intelectiva dos múltiplos agentes que par ticipam dos processos da comunicação social denominada ar te é situada, caso contrário teremos uma política de controle do imaginário. Esforço e reflexão constantes de todos os envolvidos no processo educacional são fundamentais. Por sua vez, o planejaCapa Editorial Sumário mento tem um papel importante nesse trabalho conjunto, pois facilita, inclusive, a ação e a avaliação do processo. O “sentir imaginar pensar” e o expressar levarão o aluno a uma maior autocompreensão e autorrealização. O produto expressivo é uma das formas de se comunicar e interagir com os outros. A pessoa se enxerga no mundo como indivíduo e como participanPágina - 299 te da sociedade. Um indivíduo criativo tem sempre a sensibilidade Maria Inês Moron Pannuzio para captar problemas e descobrir necessidades. Fluência, flexibi- lidade, elaboração e originalidade, portanto, são capacidades que deverão ser mobilizadas na escola. CAPÍTULO I – MUSEUS DE ARTE: E S PA Ç O S D E E D U C A Ç Ã O E C U LT U R A Sabemos que as relações entre museus, educação e cultura são interdependentes. Eis o porquê da necessidade de estruturar teoricamente o campo do conhecimento que se situa na interface da arte com a educação. Um dos papéis sociais do museu é a apresentação dos ob- jetos da cultura de forma crítica, provocando o diálogo do público com eles, sem limitar o encontro direto do sujeito com a obra. Precisamos ter muito claro qual a nossa concepção de arte, de museu e de educação. Na história da arte do século 20, um objeto qualquer pode ser elevado ao status de obra de arte. Na arte contemporânea, a obra deixa de sair pronta dos ateliês para se co- locar de forma direta com o público que, além de dar significação a ela, precisa completá-la, participando cognitiva e sensorialmente. É no diálogo com o outro e com a cultura que cada um é constituído, desconstruído, e reconstruído. Para OTT (1997, p. 112), entender as ideias de uma civilização e reconhecer as ideias artísticas como das maiores contribuições para a sociedade exige uma atuação ativa em relação à arte. CIANTEC’14 O Conselho Internacional de Museus (Icom) e a Organiza- congresso internacional em artes novas tecnologias Maria Inês Moron Pannuzio De acordo com Kramer (1998, p. 208), “a revisão do pa- ção das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unes- pel dos museus acompanha o redimensionamento do conceito de partindo do pressuposto que todos os cidadãos têm direito à edu- sua dimensão de ciência, deixando de fora a dimensão artística e co) vêm lutando pela consciência do papel educativo dos museus, formação e de conhecimento, que não pode mais ser reduzido à cação permanente, em todas as dimensões culturais, sem esqui- cultural”. var-se da dimensão crítica do conhecimento. O museu é uma das instâncias educativas da sociedade. Kramer (1998, p. 210) contribui para essa reflexão enfati- e comunicação zando: (...) para ser educativa, a ar te precisa ser ar te e não ar te educativa; do mesmo modo, para ser educativo, Como afirma Leite e Ostetto (2005, p. 44): É fundamental que não se esva zie, nas visitas guiadas, um dos papéis sociais do museu, que seria o de apresentar objetos de cultura de forma crítica, estimulando o diálogo destes com o público, lembrando sempre que a mediação não pode se sobrepor à obra. o museu precisa ser espaço de cultura e não museu educativo. É na sua precípua ação cultural que se apresenta a possibilidade de ser educativo. O museu não é lugar de ensinar a cultura, mas, sim, lugar da cultura. Capa Editorial Sumário Santos (1997) indica que o museu e a escola não são insti- imaginário. Quando o conhecimento envolve a criatividade e a sensibilidade, arte e educação se aproximam. Um trabalho educativo e atuante entre instituições escola- res e culturais é essencial. Segundo Buoro (2003, p. 41): tuições complementares, suplementares, nem paralelas, mas au- é na valorização da sensibilidade, na tentativa de de - contro. O museu deve buscar formas de trazer as pessoas, atender poderemos contribuir de forma inegável com um pro - tônomas. Entende que a escola e o museu são um espaço de en- às expectativas, respeitar seus conhecimentos anteriores. Visitar exposições de arte é uma das formas de educação estética, de Página - 300 A cultura precisa estar na escola e utilizar concepções do educação visual e de formação de sujeitos. senvolvê-la no mundo e para o mundo devolvê-la, que jeto educacional no qual o ensino da ar te desempe nhe um papel preponderante e não apenas par ticipe como coadjuvante. CIANTEC’14 A vivência de experiências estéticas significativas amplia o nosso repertório imagético, sonoro, corporal e das outras lingua- gens. Permite-nos a vivência de emoções diversas e a abertura congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação para a reflexão e ação sobre o fazer pedagógico. O encontro com a obra nos leva ao descobrimento de diferentes culturas, do outro e de si mesmo. Rejane Coutinho (2004, p. 153) considera que a importân- cia de vivenciar uma situação a partir de um contato com a arte é a oportunidade de vivê-la em profundidade. Ter vivência com validade. Paralelamente ao desenvolvimento dessa forma de conhecimento, os saberes foram desunidos, divididos e compartimenta- dos em diversas disciplinas, perdendo-se assim o vínculo das par- tes com o todo. Os objetos passaram a ser analisados fora do seu contexto, do seu conjunto e da sua complexidade, fazendo com que a unidade complexa da natureza humana e a sua identidade sos alunos possam vivenciar situações de contato com a arte em que ele pretendia apresentar acabaram sendo abalados nas suas significativas com a arte. que desencadeou uma nova crise de paradigma. Porém, esse modelo de ciência e as verdades científicas profundidade. Quanto mais vivências, mais experiências de vida certezas e na não perenidade explicativa das teorias científicas, o O alcance da arte no currículo não depende apenas da qua- Santos (1987; p. 30) entende que a caracterização da cri- lidade metodológica e didática do professor de arte, mas de con- se do paradigma dominante traz consigo o perfil do “paradigma pelos demais educadores da escola. e não dualista, ou seja, um conhecimento sobre as possibilidades Capa C A P Í T U L O I I – E D U C A Ç Ã O A PA R T I R D E U M A P E R S P E C T I VA T R A N S D I S C I P L I N A R Na sociedade moderna que se estendeu até o século 20, o paradigma norteador das ações do homem foi o cartesiano-newPágina - 301 objetivo e o que pudesse ser cientificamente comprovado tinha com o todo fossem desintegradas na educação. dições imateriais, de natureza conceitual e valorativa, propiciadas Sumário mundo dos objetos e o mundo dos sujeitos. Somente o que era arte é aproveitar as situações que nosso meio e nosso contexto nos proporcionam, é, portanto, oferecer condições para que nos- Editorial Maria Inês Moron Pannuzio toniano, que determinou uma dupla visão do mundo, qual seja: o emergente”. Esse novo paradigma procura um conhecimento total da ação humana no mundo. A epistemologia do novo sistema científico deixa de ser “coi- sista”, dualista, fragmentária e substancial para se tornar processo, interação e construção. Esse paradigma emergente é o paradigma da contemporaneidade. Ele permite entender o conhecimento em toda sua complexidade e interdependência e serve como referên- cia para se pensar num novo modelo educacional que perpasse o CIANTEC’14 simples acúmulo de saberes. sensíveis à desigualdade social e capazes de propor o engaja- ações do homem na contemporaneidade, é necessária uma nova proposta educacional, cujo eixo de trabalho seja a arte e permea- Para acompanhar o paradigma emergente, norteador das congresso internacional postura epistemológica que corresponda às mudanças no processo de aprendizagem. Há a necessidade de um novo tipo de educa- em artes ção que leve em conta todas as dimensões do ser humano. É pre- novas tecnologias ciso buscar verdades que estejam diretamente relacionadas com o e comunicação cotidiano das pessoas, vivenciando um sistema de valores na escola que leve em consideração o sensorial, o intuitivo, o emocional e o racional. Uma educação integral do homem, que considere os saberes compreendidos com o corpo e com o sentimento, conciliando afetividade e efetividade na formação de sujeitos solidários e competentes. À integração global de várias disciplinas chama-se transdisciplinaridade. A perspectiva de uma educação transdisciplinar assume papel central nesse projeto e deixa clara a necessidade de construir uma educação fundamentada em princípios que esti- mulem os sujeitos a vivenciarem a tolerância e a solidariedade, Capa Editorial Sumário pois a educação deve compreender que a condição humana é planetária. Do mesmo modo, é preciso ensinar a complexidade, as incertezas e a compreensão mútua por meio de uma cultura de solidariedade. É fundamental que todos tomem consciência da necessidade de uma ética solidária — e não solitária — que posPágina - 302 Maria Inês Moron Pannuzio sibilite aos alunos o encontro com a sua humanidade e os torne mento em projetos que visem ao bem pessoal e comunitário. Uma da pela atitude transdisciplinar, pode dar início a esse processo. CAPÍTULO III – EXPOSIÇÃO: PERCURSOS CONTEMPORÂNEOS O Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (MACS) inaugurou no dia 18 de setembro de 2012, a mostra “Percursos Contemporâneos”, com mais de 40 obras assinadas por 22 renomados artistas da contemporaneidade. Essa foi a primeira exposi- ção do MACS em sua sede definitiva, que fica na histórica estação da Estrada de Ferro Sorocabana. Com curadoria de Fábio Magalhães, a exposição contou com obras dos artistas Albano Afonso, Alex Flemming, Carlos Vergara, Carmela Gross, Cristina Barroso, Edgard de Souza, Este- la Sokol, Janaína Tschape, José Resende, José Roberto Aguilar, José Spaniol, Laura Vinci, Liliana Alves, Lúcia Castanho, Luiz Her- mano, Marco Giannotti, Mauro Restiffe, Nazareth Pacheco, Paulo Pasta, Sandra Cinto e Sérgio Fingermann. Magalhães ressalta a importância dessa mostra como representante do período que vivemos na história das artes: “Nesta década, vivemos a transição do moderno para o pós-moderno. A proposta é que as obras conversem entre si, por isso, contamos CIANTEC’14 com a presença de diversos artistas que se consagraram nesse período da história”. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação para a cidade e seu entorno. Um museu de arte enquanto institui- arte. O contato com a imagem da arte sensibiliza, instiga e educa sede do MACS, também nos faz pensar no significado do museu ção cumpre funções culturais e educativas, além de preservar e o nosso olhar; e a leitura e interpretação despertam para observar e compreender as imagens ao nosso redor – sentindo, imaginan- locais de disseminação de conhecimento, descoberta de novos Se arte, hoje, é uma disciplina obrigatória nas escolas, con- cional/UFRJ: “Museus, independente de suas características, são do, agindo. saberes e de reflexão. Acima de tudo, são centros de memória e forme determinação da LDB 9394/96, isso se explica, pois a arte Não resta dúvida de que muito do conhecimento, das leitu- que não podem ser passados por nenhum outro tipo de linguagem, é uma linguagem aguçadora dos sentidos, transmite significados como a discursiva ou a científica. Por meio da arte, é possível desenvolver a percepção e a lita-nos um novo olhar e uma nova vivência de mundo; tornamo- imaginação para apreender a realidade; e aguçar a capacidade múltiplos e, consequentemente, mais conscientes e compromis- a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. -nos seres mais amplos, mais profundos, mais complexos, mais crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver sados. A arte fala de tudo e as imagens da arte levam cultura. As artes O contato com a arte toca a trajetória de vida de cada visi- visuais possibilitam integrar as disciplinas escolares e ampliar e tante. Nunca somos os mesmos depois de uma visita a um museu aprofundar qualquer conteúdo ou disciplina. cial que a relação com o campo da arte e da cultura potencializa, e ideias. A leitura da imagem da arte mobiliza a cognição e a ima- de arte. É a arte entendida numa perspectiva da reconstrução so- A arte é também um caminho para expressarmos emoções segundo a arte-educadora, Ana Mae Barbosa. Ou ainda, como ginação, além de desenvolver habilidades narrativas, descritivas, deira, permite esse trânsito compreensível pelos significados fun- escolares. afirma a Profa. Dra. Regina Machado: “A arte, qualquer arte verdaPágina - 303 espaço provocador de discussões, laboratório de conhecimento de difundir a arte. Segundo Cláudia Carvalho, diretora do Museu Na- registrado pela arte. Cada objeto/obra que conhecemos possibi- Sumário Eis, então, por que o museu é um espaço educacional, é um local onde as diferentes áreas do conhecimento se cruzam. Um ras de mundo, das impressões e expressões da humanidade está Editorial damentais da vida humana” (Machado, 2004, p. 25). A abertura da Exposição “Percursos Contemporâneos”, na de perpetuação do conhecimento”. Capa Maria Inês Moron Pannuzio analíticas e interpretativas, as quais contribuem para os conteúdos CIANTEC’14 A arte contemporânea convida o espectador a refletir sobre Maria Inês Moron Pannuzio Em Proust (intelectual francês, escritor de romances e en- o que é uma obra de arte e suas relações com o sistema institu- saios e crítico literário – 1871-1922) e em Adorno (filósofo, soció- congresso e educativo, que deve ser frequentado por um público ativo – com afirmações da importância do museu na vida das pessoas. Proust, internacional um olhar capaz de pensar sobre a arte sem ser mero observador em artes do que está em exposição; é preciso experimentar e vivenciar arte. cional. Assim sendo, o museu é um espaço de pensamento crítico novas tecnologias e comunicação O museu cumpre um papel de elo entre os pesquisadores e a coletividade, pois são espaços sociais que trabalham em diá- logo com a sociedade local, permitindo reflexões sobre os valores que norteiam as ações, as produções e revisões sempre que necessário. O verdadeiro museu de arte é um centro de educação portância dos museus se justifica também por ser um espaço que viabiliza processos de criação, produção, propagação, mediação e recepção da arte. Para Barbosa (in: entrevista), a arte faz com que os in- comunicação, a formular conceitos e a descobrir como se comu- comparar coisas, a passar do estado das ideias para o estado da nicam esses conceitos. Todo esse processo faz com que o sujeito seja capaz de ler e analisar o mundo em que vive e dar respostas universidades e faculdades interessadas. mais inventivas. gural do curso de mestrado em Museologia, em agosto de 2012, da dades próximas não serão mais as mesmas depois da inaugura- Devem ensinar a ver e sentir as coisas do mundo e questioná-las conhecimento, mais senso crítico, mais cultura, mais criatividade, da sua própria realidade. Não há dúvidas de que o museu de arte criativa e engajada e, principalmente, com qualidade estética e Segundo o Prof. Ulpiano Bezerra de Menezes, na aula inau- USP: “o museu hoje deve ser também um espaço de resistência”. – há necessidade de ter no museu um espaço de reflexão e crítica é um elemento essencial na educação, daí a importância de visitas Página - 304 necessidade de uma experiência crítica no museu de arte. A im- documentais e científicas. A leitura crítica do museu deve ser uma destino. Por isso o MACS terá um centro de pesquisa vinculado às Sumário derava o museu local ideal ao encantamento. Já Adorno coloca a divíduos estabeleçam um comportamento mental que os leva a rotina, realizada em encontros com o objetivo de pensar sobre seu Editorial que entendia a arte como o coração da existência humana, consi- e pesquisa. Dentre suas atividades inclui-se a de promover, em interação com as instituições universitárias, pesquisas históricas, Capa logo, musicólogo e compositor alemão, 1903-1969), encontramos por alunos e professores de escolas públicas e privadas. Diante do exposto, ousamos afirmar que Sorocaba e as ci- ção do MACS. O contato direto com a arte certamente trará mais mais interações e, por que não dizer, mais produção sustentável, poética. CIANTEC’14 CAPÍTULO IV – DADOS SOBRE A PESQUISA REALIZADA Encontro com os professores – preparação congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Assim que tivemos a informação de que a exposição “Percursos Contemporâneos” aconteceria no MACS, em Sorocaba, fi- zemos o encontro com os professores, em uma segunda-feira, dia em que a exposição não estaria aberta ao público e depois de conhecerem a exposição; no mesmo local, fizemos o encontro de formação dos professores para que pudessem trabalhar com os seus alunos antes de trazê-los à exposição. Decidimos fazer esse trabalho tendo como referencial a exposição. Quando a agenda da exposição já estava pronta, entramos em contato com a Secretaria da Educação de Sorocaba para viabilizar um encontro que eu faria com os professores. Mas foi muito demorado o retorno da Secretaria, embora tivéssemos cobrado várias vezes. Só conseguimos viabilizar a vinda dos profes- sores para o encontro, quando praticamente a visita dos alunos à Capa Editorial Sumário exposição estava muito próxima. A monitoria utilizou a pedagogia questionadora, isto é, em lugar de uma simples visita guiada em que os monitores fornecem informações sobre as obras e os artistas, foram propostas aos visitantes questões que exigissem reflexão e análise. As mediadoras ofereceriam informações adicionais para complementar a análise Página - 305 e a interpretação das obras observadas. Para citar mais uma vez Maria Inês Moron Pannuzio Barbosa (2009, p.17 e 18): “O educador de museu precisa dialogar com os interesses de cada grupo e, se possível, de cada sujeito observante. É o observador que deve escolher o que analisar com a ajuda do mediador”. O encontro significativo com o objeto artístico nos provoca uma experiência estética. Mas a inteireza da experiência tornada estética não está apenas vinculada ao encontro com a arte. A experiência estética não está distante da vida, mas “acentua o que é caracteristicamente valioso nas coisas que gozamos todos os dias”, como diz Dewey (1949, p. 10); fornece alimento para que possamos ressignificar nossa presença humana na vida. Assim, podemos construir o sentido do mundo e fazer de nossas ações nas escolas ato artístico, gerando experiências estéticas, e nos tornando mais humanos e sensíveis à vida. Foram indicadas nove professoras da rede, de diferentes disciplinas: Arte, Educação Física, Português e História, que se- riam responsáveis por turmas, de alunos da 5ª., 6ª. e 7ª. séries, das escolas: Prof. Flávio Souza Nogueira, Dr. Achilles de Almeida e Dr. Getúlio Vargas. Após o contato com as obras da exposição e informações sobre arte contemporânea e orientações sobre a vi- sita, as professoras se mostraram entusiasmadas e confiantes de que seus alunos iriam aproveitar muito bem a exposição. Visita à exposição A proposta consistiu em que os alunos fizessem a leitura das obras de arte e ficassem bem à vontade para responder às CIANTEC’14 questões propostas pelas mediadoras. Seriam momentos de ver- Podemos, então, construir o sentido do mundo e fazer de nossas sugere a “abordagem triangular” formulada por Ana Mae Barbosa. e nos tornando mais humanos e sensíveis à vida. dadeira “apreciação, fruição e reflexão sobre as obras”, tal como congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Além do desenvolvimento cognitivo, os alunos vivenciaram uma verdadeira experiência estética. Embora nem sempre tenham entendido a proposta do artista, conforme afirmação de alguns deles, e a maior parte dos alunos não tenha costume de visitar museus, nem contato com obras de arte ou conhecimento de História da Arte, graças ao trabalho das professoras e mediadoras e o interesse dos alunos, o resulta- ações nas escolas um ato artístico, gerando experiências estéticas CAPÍTULO V - CONCLUSÕES PRELIMINARES Após o término da exposição, fizemos uma reunião com as professoras para avaliar todo o processo. As visitas foram avaliadas, bem como o envolvimento dos alunos e os trabalhos resultan- do educacional foi significativo. tes; as professoras entregaram os trabalhos desenvolvidos pelos cadear entre alunos e professores estímulos para transformar a posta foi que as professoras articulassem o trabalho das discipli- Experiências poéticas, artísticas e culturais podem desen- cultura escolar. Esse é o resultado da estética quando convertida em experiência. A proposta de ateliê poderia representar para os alunos uma possibilidade de liberar sua criatividade e imaginação, mas isso não foi possível. Não houve ateliê, apenas a montagem de Capa um quebra-cabeça com as obras dos artistas. O contato com os Editorial materiais oferecidos e a oportunidade de criar seria o ponto alto Sumário da visita, até porque, para muitos dos alunos, seria a primeira vez que utilizariam esse tipo de material. Pensemos junto com Dewey (1979) sobre a experiência es- tética em nossas vidas e em nossas escolas, com o foco voltado Página - 306 Maria Inês Moron Pannuzio para a formação cultural, para além das áreas do conhecimento. alunos em sala de aula depois da visita à exposição. Nossa pronas com tudo aquilo que os alunos leram, apreciaram e refletiram durante a visita. As professoras disseram ter sido muito interessante a visita à exposição no MACS, assim como o encontro preparatório também foi de grande importância, embora pudesse ter ocorrido com algum tempo de antecedência. Como foi meio em cima da hora, não tiveram tempo suficiente para trabalhar com os alunos a contento, apenas os prepararam para “o passeio” (ressaltamos o termo utilizado pelas professoras, pela sua impertinência em se tratando de uma visita a uma exposição de arte contemporânea). Nas próximas exposições, é preciso que as visitas sejam marcadas antecipadamente para não ocorrer esse tipo de contratempo, CIANTEC’14 afinal é importante o aluno se situar e perceber que as visitas às exposições podem enriquecê-lo e não ser apenas “dias perdidos” de aulas. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Outra sugestão feita foi que as mediadoras estejam mais bem preparadas, pois embora tivessem muita disposição em aten- der bem os visitantes, dava para perceber que estavam inseguras em relação às explicações das obras. Confirmamos a importância do contato dos jovens com as obras de arte, bem como a da mediação cultural envolvida e com- prometida com o processo educacional, viabilizada pela experiência de visita a uma exposição. Nos finais de semana, a exposição foi aberta ao público, e alguns alunos que tinham visitado a exposição retornaram com seus familiares, o que nos deixou muito otimistas. Afinal, se volta- ram foi porque gostaram e acharam interessante. Entre erros e acertos, as visitas foram significativas tanto para as professoras, quanto para os alunos, que tiveram acesso à Capa Editorial Sumário e o diálogo com as obras se os alunos tivessem um conhecimento maior nas diversas linguagens da arte. Percebemos nos trabalhos realizados pelos alunos que eles gostaram muito da visita à exposição e de algumas obras, especialmente as de Nazaré Pacheco. Mas o desconhecimento do que é arte e, especialmente, o que é arte contemporânea e a falta de trabalho preparatório pelas professoras, antes da visita, limitou em muito um melhor aproveitamento dos alunos. O trabalho feito após a visita também deixou a desejar, pois as professoras preci- savam trabalhar outros conteúdos, aplicar provas e fechar notas do semestre. O resultado foi a utilização de uma única aula para avaliação e realização de trabalho sobre a ida à exposição. Se os alunos estivessem mais envolvidos, com mais conhe- cimento sobre arte e, em especial, arte contemporânea, mesmo com pouco tempo – uma única aula – poderiam ter “conversado” sobre arte contemporânea e sobre os trabalhos da exposição. Considerando que essa experiência pretendia investigar se, arte contemporânea, mesmo não podendo articulá-la com os tra- ao propiciar aos alunos uma experiência de encontro significativo Pudemos comprovar que o trabalho do setor educativo do nhecimentos, por meio de uma aprendizagem que torna a ação de balhos escolares. museu é muito importante, pois estamos formando o futuro público e transformando o espaço do museu em espaço de conhecimento. Embora a Lei de Diretrizes e Bases (LDB)/ 91 tenha tornado obrigatório o ensino de arte nos anos iniciais do Ensino FundamenPágina - 307 Maria Inês Moron Pannuzio tal, isso não acontece. Seriam muito mais produtivos a mediação com o universo da arte, viabilizamos a construção de novos coestudar não só mais fácil e prazerosa, como também mais eficaz; podemos concluir que não conseguimos propiciar uma experiência de encontro significativo com o universo da arte. A experiência foi interessante, mas constatamos que a pre- paração para a visita tem um peso muito importante e precisa ser CIANTEC’14 feita com alguma antecedência. Os mediadores precisam passar pela mesma formação e entender o que significa Mediação e Pedagogia Questionadora. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação O MACS, pelo fato de ainda não ter uma estrutura de mu- seu já estabelecido, também nos informou muito em cima da hora sobre a exposição. Contudo, mesmo diante de tantos desacertos, foi muito gra- tificante ler os trabalhos dos alunos e tomar conhecimento da per- na cidade. Tudo isso nos leva a concluir que os diálogos poéticos entre o museu e a escola ainda é um sonho, aqui em Sorocaba. Mas é um sonho que deve ser partilhado e compartilhado com a comunidade, de tal forma que possamos construir pontes para transformá-lo em realidade num curto espaço de tempo, ressigni- riência não apenas no museu e no trabalho escolar, mas na vida depois dessa experiência, ficamos mais cuidadosos e responsáveis com o futuro do MACS, enquanto um espaço que se propõe a ocupar um lugar privilegiado na formação artística e cultural das nossas crianças e jovens; e com a Secretaria da Educação, que precisa ter uma agilidade maior nos agendamentos e precisa também entender o significado da determinação da LDB, viabilizando formação e vivência de arte nas nossas escolas. Se o título do nosso trabalho é: “Diálogos poéticos: o museu e a escola”, constatamos que esse diálogo inexiste entre o MACS e as escolas municipais de Sorocaba. Isso porque as professoras não conhecem muitos dos autores especificados no nosso refePágina - 308 relação ao MACS, ele está praticamente iniciando a sua inserção para conclusões mais pertinentes. mar que aprendemos muito mais com nossos erros. Pelo menos, Sumário transdisciplinar, a qual muitas nem sabem o que significa. Já com ficando o trabalho escolar e reencantando a escola, como afirma Se aprendemos muito com nossos acertos, podemos afir- Editorial interdisciplinar, muito menos uma educação em uma perspectiva cepção que tiveram da exposição, de algumas obras e sobre o desempenho dos mediadores. Esses dados estão sendo tabulados Capa Maria Inês Moron Pannuzio rencial teórico; não efetivam na prática uma proposta de trabalho Assmann (1998), e a arte possa, então, ser vivenciada como expede todas as pessoas. REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae. Arte/educação como mediação cultural e social. Ana Mae Barbosa e Rejane Galvão Coutinho (orgs.) - São Paulo: Editora UNESP, 2009. _________________. A abordagem triangular no ensino das artes e culturas visuais. Ana Mae Barbosa , Fernanda Pereira da Cunha (orgs.). – São Paulo: Cortez, 2010 BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. 2. Ed. São Paulo: Educ/Fapesp/Cortez, 2003. KRAMER, Sonia (1998). Produção cultural e educação: Algumas reflexões críticas sobre educar em museus. In: KRAMER, Sonia e LEITE, CIANTEC’14 Maria Isabel (orgs.). Infância e produção cultural. Campinas: Papirus, 1999. LA TAILLE, Ives de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas congresso em discussão. /Ives de La Talle, Marta Kohl de Oliveira, Heloysa internacional Dantas. São Paulo: Summus, 1992. em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário Página - 309 Maria Inês Moron Pannuzio ENTRE A ICONOLOGIA E A SEMIÓTICA: A FANTASIA NO TRABALHO FOTOGRÁFICO DE CHARLES DODGSON. MARIANA HOSSEIN FONTES Orientador: Marcos Rizolli marcos.rizolli@mackenzie.br Apoio: PIBIC CNPq Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Através das interpretações da semântica nas fo- understanding of man’s relationship with pictorial signs, which are lhas, sob o pseudônimo de Lewis Carroll), abordamos as possíveis teristics that often recur in his body of work, attending for analysis, fonte de inspiração a menina Alice Liddell, em ambos os campos approaches of Warburg and Panofsky’s iconology and Charles S. tografias de Charles Dodgson (autor de Alice no País das Maravicongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação significações da concretização do fantasioso. Dodgson tem como de criação: literatura e fotografia. Além de escritor, foi também matemático, clérigo anglicano e talentoso fotógrafo amador. Partindo KEY WORDS: Iconology, Charles Dodgson/Lewis Carroll, 1. CHARLES DODGSON, LEWIS CARROLL E ALICE: FOTOGRAFIA E L I T E R AT U R A . categorização. Este processo se dá dentro das abordagens da iconologia, segundo Warburg e Panofsky, e da semiótica de Charles S. Peirce. PALAVRAS-CHAVE: Iconologia, Charles Dodgson/Lewis Carroll, Semiótica. ABSTRACT - Through the semantic interpretations of Char- les Dodgson’s photographs (author of Alice in Wonderland, under the pseudonym Lewis Carroll), we approach the possible meanings of the embodiment of fantasy. Dodgson is inspired by the little girl Alice Liddell in both creation fields: literature and photography. Besides a writer, he was also mathematician, Anglican clergyman and talented amateur photographer. Starting from the theme “fantasy” Página - 312 Peirce’s semiotics. nos imagéticos, sendo estes produtos do imaginário. As fotografias temente em sua obra e que servem para análise, interpretação e Sumário interpretation and categorization. This process develops from the Semiotics. de Dodgson apresentam características que se repetem frequen- Editorial products of the imagination. Dodgson’s photographs have charac- da temática “fantasia” presente em sua obra fotográfica, o escopo do estudo visa à compreensão das relações do homem com os sig- Capa Mariana Hossein Fontes present in his photographic work, the scope of the study is the Charles Lutwidge Dodgson nasceu em 1832 no condado de Cheshire, e viveu até o ano de 1898. Seus pais, Jane Lutwidge e Charles Dodgson tiveram onze filhos, criados rigorosamente com os valores e morais da Igreja Anglicana. Entre quatorze e dezessete anos, Dodgson estudou na Rugby School, onde se destacou com excelência em Matemática, e também já se mostrava entusiasta de Literatura. Aos dezenove anos, Dodgson mudou-se para estudar na Christ Church College (pertencente à Universidade e à diocese de Oxford), onde, posteriormente, foi professor de Matemática de 1856 a 1881, assim como seu pai. Dodgson era um homem de comportamento discreto e reservado e, depois de sua morte, muito sobre ele foi perdido. Pu- CIANTEC’14 blicou várias obras sob o pseudônimo de Lewis Carroll, inclusive a mam, Woolf (2010) argumenta que ele relacionava-se bem com também livros de conteúdo matemático, nos quais utiliza seu nome dispendia várias horas do dia, levantou suspeitas sobre seu com- notável obra infantil Alice no País das Maravilhas (1865), escreveu congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação verdadeiro. Em 1856 comprou sua primeira câmera fotográfica, e neste mesmo ano conheceu Alice Liddell, sua fonte de inspiração em ambos os campos de criação, literatura e fotografia. Dodgson conheceu a família Liddell através da Chirst Church, onde Henry Dodgson era pedófilo e tinha intenções sexuais para com Alice, embora nunca houvesse um caso comprovado que confirmasse Dodgson nasceu sete anos antes do surgimento dos pri- com a família Liddell terminou subitamente em 1863. amizade com a família rapidamente cresceu e na época em que meiros processos fotográficos: os daguerreótipos franceses e os costumava criar e contar histórias fantásticas para as crianças, e mente, pelo colódio úmido sobre a placa de vidro. O novo pro- ventures Under Ground [As Aventuras Subterrâneas de Alice], em patente, ser facilmente encontrados e adquiridos. Dodgson, além 1862. Alice pediu que Dodgson escrevesse a história contada, e em quando finalizada a obra, dois anos depois, Alice foi presenteada com um manuscrito. Depois de a história ter sido pouco modificada, foi publicada com o título Alice no País das Maravilhas em 1865 e seis anos depois, Dodgson, ainda com o pseudônimo Lewis Carroll, publicou um segundo livro inspirado em Alice – Through the Looking-Glass and What Alice Found There [Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá]. Dodgson tinha uma personalidade fora do comum, mas era Página - 313 Alice, geraram rumores que perduram até os dias de hoje de que irmão, Harry - os quais também foram retratados por Dodgson. A foi em um passeio a barco que criou a então chamada Alice’s Ad- Sumário portamento. Longos passeios e piqueniques, especialmente com essas suspeitas. Independente de tais suposições, sua amizade Dodgson conheceu Alice, ela tinha quatro anos de idade. Dodgson Editorial as pessoas. O vínculo que tinha com as crianças, com as quais George Liddell trabalhava. Alice Pleasance Liddell, filha de Hen- ry e Lorina Hanna Liddell, teve duas irmãs, Lorina e Edith, e um Capa Mariana Hossein Fontes sociável quando desejava e, diferente do que alguns biógrafos afir- calótipos ingleses. Esses processos foram substituídos, posterior- cesso foi uma revolução, pois os materiais poderiam, agora sem de matemático, escritor e clérigo anglicano, era também talentoso fotógrafo amador. Teve como principais temas explorados por sua câmera: esqueletos, amigos e família, celebridades, paisagens e, o de maior relevância para este estudo, as crianças. A questão da representação da sensualidade infantil em suas obras é feita a partir de alguns elementos simbólicos marcantes, como ombros e tornozelos à mostra, os olhares e até mesmo as posições. Mas serão estes elementos suficientes para se deduzir que existisse desejo sexual de Dodgson por crianças? Há quem o defenda e quem o acuse. Na época, casamentos com meninas de tenra idade eram CIANTEC’14 normais, e casos de pedofilia ou estupro de crianças, no século técnico e, engatinhando rumo ao reconhecimento artístico, a foto- paração entre as fotografias das meninas com as imagens eróticas movimento se limitou à estética já consolidada das artes, como a XIX, não eram transparentes. Colin Ford (2012) afirma que a comcongresso vitorianas invertem de valores e de julgamento quando analisadas internacional aos “olhos da atualidade”. Segundo o autor, aquelas de cunho por- em artes novas tecnologias e comunicação Mariana Hossein Fontes grafia teve como primeiro movimento o Picturalismo em 1890. Tal da pintura e do desenho, em detrimento da busca por uma nova forma de expressão, mas, suas contribuições marcaram o início nográfico são inofensivas e até encantadoras e a representação da fotografia como arte. Dodgson pertenceu aos experimentalistas quinta exposição anual da Sociedade Fotográfica de Londres, em de capturar o real para representar o mundo fantasioso e imaginá- das meninas por Dodgson parece perversa e perigosa. Durante a que antecederam tal movimento, e que fez uso deste instrumento 1858, Dodgson expôs quatro fotografias, conquistou importância, rio – dentro da estética e do rigor técnico do retratista. Nos livros anos de atividade fotográfica, ele produziu cerca de três mil ima- lação racional-ilusório-fantasioso aparece de forma a se relacionar destaque e reconhecimento na área. Durante os vinte e quatro gens, sendo que apenas, aproximadamente mil sobreviveram ao tempo e à destruição. Dodsgon diz ter abandonado a fotografia no de Lewis Carroll (pseudônimo de Dodgson) a característica da recom seu trabalho fotográfico. As classificações e análises Semiótica e Iconológica são ano de 1880, por não encontrar um objeto que fosse tão interes- realizadas por meio das interpretações da semântica nas fotogra- desejo, então, era dedicar-se à literatura. Seu sobrinho, e primeiro sentação do fantasioso. Derivado do grego phantasma (aparição), sante a ponto de fazê-lo retornar ao laboratório fotográfico, e seu biógrafo Stuart Dodgson Collingwood, relatou que na mesma épo- fias de Charles Dodgson, tendo como elemento central a reprefantasia é a atividade de imaginar coisas impossíveis ou imprová- ca em que Dodgson se desinteressa pela atividade fotográfica, veis e criação da imaginação mediante a combinação de ideias. Editorial o retratista, relacionando o abandono da prática fotográfica com a fantasia é relativa a uma determinada cultura, que julga certos Sumário perda definitiva de sua musa: “A paixão por ela e pela fotografia se signos mais reais que outros e que pode conduzir o produtor da apagou com um mesmo sopro, em apenas alguns dias”. imagem à submissão de regras de construção de um “faz de con- ca de Charles Dodgson priorizava a representação fiel à realidade, Plon (1998), fantasia é a expressão máxima e mais verdadeira do Capa Alice se casara. Ele indica ter sido uma experiência trágica para O momento histórico-cultural que data a atividade fotográfi- Página - 314 no que tange o universo fotográfico. Ainda em desenvolvimento Para o Dicionário de Semiologia de Greimas e Courtés (2012) a ta” cultural, e para o Dicionário de Psicanálise de Roudinesco e registro dos desejos inconscientes. As fotografias são represen- CIANTEC’14 tações visuais que estruturam uma linguagem. São formas pro- da Antiguidade na Modernidade. Teve como principais focos de ordem. Esta linguagem visual é composta, portanto, de signos que resse em Medicina, Psicologia e História da Religião. Warburg foi dade fotográfica possui uma propriedade física de analogia, mas, da Arte, ampliando as questões de abordagem da imagem. Teve duzidas pelo homem e, então, sistematizadas, colocadas em uma congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação podem vir a representar ou se apresentar como signos. A ativi- do grau, mais rigorosa e mais dramática do que aquela percebida professor nas universidades de Hamburgo, Nova Iorque, Prince- criação de um mundo em duplicata, de uma realidade de segun- ton e Harvard. Ele, entre outros, sucessores de Warburg se dis- no campo das sensações, emoções, reações e expectativas. Elas Iconologia: eles buscaram o significado do conteúdo representado tanciaram, em certos aspectos, do caminho trilhado pelo “pai” da procuram concretizar histórias, personagens, e os mais diversos em uma imagem, afastando-se das questões da Psicologia e das e de expressão que transborda os limites da realidade, permeada rigor metodológico de Warburg foi mantido. 2 . I C O N O L O G I A D E A B Y WA R B U R G E E R W I N PA N O F S K Y Segundo o historiador de arte Gombrich (1999), Abraham Moritz Warburg nasceu em 1866 na Alemanha e faleceu em 1929. Hoje é lembrado, principalmente, como o idealizador e fundador da Biblioteca Warburg, sediada em Londres, e como mentor do Instituto Warburg. O teórico tornou-se referência nos estudos de Arte e Página - 315 que se refere ao campo dos métodos iconológicos. Panofsky foi pela visão natural” (SONTAG. 1973 p. 67). O trabalho fotográfico de signos. Sumário defensor de uma metodologia interdisciplinar aplicada à História como discípulo Erwin Panofsky (1892 – 1968), especialmente no produtos do imaginário. Portanto, possuem uma carga sentimental Editorial estudo a Arqueologia e História, porém, demonstrava forte inte- paradoxalmente, tem índole surrealista no que se refere à “própria de Dodgson não busca uma representação submetida à analogia Capa Mariana Hossein Fontes Cultura da Renascença italiana, buscando as influências culturais razões que determinam as transformações temporais. Contudo, o De acordo com Panofsky (1972), a Iconografia é o ramo da História da Arte que trata da temática ou significado das obras de arte em oposição às suas formas. Por forma entende-se tudo aqui- lo que se refere aos padrões de cores, linhas e volumes e como eles se comportam, podendo modificar-se constantemente e dar origem a novos padrões formais. A temática ou significado surge através da percepção automática das formas como objeto (no caso das fotografias, as meninas) e de eventos (a causa da modificação formal pode ser, por exemplo, as diferentes posições da fonte de iluminação solar, que ao longo do dia incide diferentemente sobre o planeta, possibilitando diversos resultados capturados em distin- CIANTEC’14 tos instantes fotográficos). O significado factual é de fácil percep- é preciso também conhecer o contexto em que estão inseridos: formas de objetos já conhecidos por meio da experiência prática. psicológicos, etc. A classe do Conteúdo Temático Secundário ou ção e compreensão. É apreendido pela simples identificação das congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação É também a identificação da mudança de suas relações com cer- tas ações e eventos. O significado expressivo surge de determina- das reações produzidas pelos objetos e eventos identificados pelo espectador e, desta forma, proporciona “dicas” de fatores psicoló- gicos que podem estar relacionados a eles (como, por exemplo, se conexão dos motivos artísticos e seus conjuntos (composições), com temas ou conceitos. Os motivos reconhecidos carregam um significado convencional e são manifestados através da aproxi- Ambas as classes de Conteúdos Temáticos, os Primários ou Natu- miliaridade que o homem possui com estes elementos. As formas representam objetos naturais, como o homem, os animais, plantas, ambientes construídos pelos homens, etc., o que torna possível a identificação destes elementos concerne à atividade iconográfica. rais e os Secundários ou Convencionais, são fenomenológicos e, juntos, compreendem os eventos visíveis, composto pelas formas, e seus significados inteligíveis – que abrangem a temática, assim como os significados factuais e expressivos. O Significado Intrínseco ou Conteúdo é aquele que parte da identificação das relações mútuas como possíveis manifestações ordenação de observações que se assemelham e se repetem de gestos, ambientes e cenários. O universo das formas puras englo- pretadas e relacionadas aos cenários socioculturais e psicodemo- minada de descrição pré-iconográfica da obra de arte. Portanto, tes às ações. Os princípios que revelam características básicas de de eventos e a percepção de qualidades expressivas em posições, maneira expressiva. Com isso, estas qualidades podem ser inter- ba os motivos artísticos, e a enumeração destes motivos é deno- gráficos, resultando na concepção de que são qualidades ineren- juntos, os significados factuais e expressivos constituem a classe uma nação, como período, classe, religião ou filosofia, são ligados do Conteúdo Temático Primário ou Natural e se referem a eventos práticos e suas respectivas conotações expressivas. Página - 316 abrangentes. A apreensão do significado acontece por meio da senvolvidas a partir de experiências práticas e cotidianas, que tem espectador. Assim como, em certos aspectos, dependem da fa- Sumário Convencional é formada por estes conhecimentos específicos e mação ou combinação de imagens com histórias ou alegorias. A como objetivo a compreensão dos objetos/eventos que cercam o Editorial os costumes, tradições, aspectos culturais, sociais, econômicos, a menina que posa está alegre ou entediada). Os elementos são apreendidos por empatia e sensibilidade - habilidades, estas, de- Capa Mariana Hossein Fontes Mas, para entender o significado dos objetos e eventos a uma personalidade e seu trabalho – podemos afirmar, então, que Dodgson é, de forma geral, representante de seu tempo (a Era Vitoriana), por carregar em seu trabalho as características dessa CIANTEC’14 época, de seu país, de sua religião e etc. Estes princípios se mani- ma área na Universidade de Harvard. Mas, Peirce também era iconográficas. A interpretação do Significado Intrínseco ou Conteú- ologia e Ciências Sociais, a qual se especializou em Lingüística, festam tanto nos métodos de composição como nas significações congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação do pode indicar que os procedimentos técnicos de um determinado país, período ou artista estão presentes nas ações básicas, assim como nas outras qualidades específicas de estilo. Ao conceber as formas puras, os motivos, as imagens, as histórias e alegorias A este respeito, Santaella discorre: fato de que se devotar ao estudo das mais diversas A Semiótica é a ciência dos signos que surgiu, separada e quase simultaneamente, nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e na União Soviética, durante o século XIX. Entretanto, este estudo tem como base a vertente norteamericana, de Charles Sanders Peirce (1839-1914). Segundo a pesquisadora Lucia Santaella (2003), Peirce teve como pai Benjamim Peirce, o matemático mais importante de seu tempo. O que garantiu a Peirce contato, desde menino, com os mais renomados artistas e cientistas da época. Aos seis anos de idade já era químico, aos onze anos escreveu Página - 317 ta, e também foi considerado um filósofo, apaixonado pela Lógica. destes valores são objetos da Iconologia, que tem como ponto de 3. SEMIÓTICA DE CHARLES S. PEIRCE Sumário Filologia, História e Psicologia experimental. Peirce foi um cientis- A quase inacreditável diversidade de campos a que partida um método que surge da síntese ao invés da análise. Editorial matemático, físico, astrônomo, além de estudioso de Biologia, Ge- como manifestações de princípios, nós podemos interpretar estes elementos como valores simbólicos. A descoberta e interpretação Capa Mariana Hossein Fontes uma História da Química e, posteriormente, se formou nesta mes- se dedicou pode ser explicada, por tanto, devido ao ciências exatas ou naturais, físicas ou psíquicas, era para ele um modo de se dedicar à Lógica. (2003, p. 3) A Semiótica é um campo destinado ao estudo das signifi- cações da linguagem inseridas em uma cultura, em que toda prática social tem, potencialmente, caráter signíco. Peirce desenvolveu um sistema filosófico do qual a teoria Semiótica é apenas uma parte. Esse sistema é composto pela atividade de contemplação e categorização denominada Fenomenologia, pelas Ciências Normativas: Estética, Ética, Semiótica - sendo a última constituída por Gramática Pura, Lógica Crítica e Retórica Pura - e, por fim, pela ciência da realidade: a Metafísica. Peirce define o conceito de signo como “(...) aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalen- CIANTEC’14 te, ou talvez um signo mais desenvolvido.” (2003. p.46). O signo internacional em artes novas tecnologias e comunicação (2003, p. 10). Por Charles Dodgson não se ocupar apenas com a mias: a primeira se refere à relação do signo consigo mesmo, a permite ir além da camada da denotação, até o aspecto fantasioso segunda, do signo com o objeto e a terceira, do signo com o interpretante. Ou seja, os signos são representações que possuem são interpretantes. O objeto se diferencia do signo e é devido a pretante), através da intermediação realizada pelas tricotomias, tante produzido pelo signo, de forma que este não substitui o obje- qualidade corresponde à denominada Primeiridade, a relação/reação se refere à Secundidade e a representação/mediação indica a Terceiridade. Estes elementos compõem, de forma gradativa, toda e qualquer experiência. Na Primeiridade, espontânea, distinta e livre, os signos se apresentam como qualidades a serem contempladas, são impressões livres de intenção. É a consciência imediata que desencadeia sentimentos, os quais Santaella discorre que, quando tentamos compreendê-los, nos deslocamos no tempo e, portanto, para fora do sentimento que buscamos entender. Ela afirma: “Há instantes (...) em que a qualidade de sentir assoma como um lampejo, e Página - 318 fias das meninas são signos das meninas (que são os objetos) e significativos, inicia-se o processo de conscientização do caráter possível a interpretação e compreensão dos mais diversos níveis das Categorias Universais dos Signos, em que a propriedade de Sumário e de significação, que estão relacionados à conotação. As fotogratudo aquilo que a imagem pode conotar e remeter na mente daque- entre o homem, o fenômeno e o signo. O intermédio se constitui Editorial representação do “objeto real”, a interpretação de suas fotografias correspondentes externos (os objetos). Com a finalidade de tornar sígnico, que abrange sua composição triádica (signo-objeto-inter- Capa naquele lapso de instante, senão uma pura qualidade de sentir.” é composto pela tríade signo-objeto-interpretante, através da qual as possibilidades combinatórias são estruturadas em três tricoto- congresso Mariana Hossein Fontes é como se nossa consciência e o universo inteiro não fossem, les que as veem (fragmentos de histórias, personas, mitos e etc.) este aspecto que o signo pode, no máximo, representar o interpreto, apenas coloca-se no lugar dele. O signo que corresponde à Primeiridade e à segunda tricotomia (classe da relação do signo com o objeto) é o ícone ou, quando tratado de forma específica, o primeiro nível do hipoícone - aquele que abrange as imagens, formas figurativas, desenhos, pinturas, etc. São os signos que representam seus objetos através do caráter de semelhança e que aparecem como simples qualidades. A experiência factual da existência cotidiana se dá na Secundidade. Na relação entre signo e objeto, o índice é signo de conexão a um todo, a qual ele pertence. Tem caráter físico-existencial, que aponta para outra coisa, seu objeto. A aproximação de um de um elemento primeiro a um segundo, de maneira intelectual, corresponde ao pensamento sígnico, através da qual representamos e interpretamos o mundo. Na Terceiridade, o signo em relação com seu objeto, é simbólico e, portanto, porta- CIANTEC’14 dor de uma lei convencional de representação. Podemos dizer, de modo geral, que toda fotografia é um signo hipoicônico, mas que também pode ser classificada, no âmbito da relação signo-objeto, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação como índice ou símbolo. As duas metodologias são calcadas pela atividade fenome- lógico, mais especificamente na Iconografia, trata-se em primeiro endida. Os retratos fotográficos de Charles Dodgson são, em sua assemelham e se repetem, são categorizados. No campo Iconolugar da forma de determinado objeto. Esta mesma forma é abor- dada na teoria Semiótica como um quase-signo de qualidade, que se apresenta à contemplação e que pertence à Primeiridade. Mas, que extrapola a simples identificação automática (descrita no pro- isso, pertencem à segunda classe dos signos, o índice. São dicen- cesso Iconológico) das linhas, volumes, cores, e etc. e abrange latam algo real, independente se a forma de representação tende pode levar. Similar ao significado expressivo da Iconologia, que tes, pois são, em si mesmos, signos que veiculam informação e reà realidade ou não. 4. ICONOLOGIA E SEMIÓTICA: CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS A partir das duas metodologias expostas - a Semiótica de Peirce e a Iconologia de Warburg e Panofsky - podemos afirmar que as fotografias são representações visuais. Estas representa- ções, em conjunto, estruturam uma linguagem. Ambas as vertentes teóricas buscam compreender as significações de elementos, Página - 319 destino final. Porém, cada percurso possui sua singularidade. que ocorre por meio da forma em que ela é percebida e compre- refere à linguagem visual como representação singular e icônica, relação de analogia, tais como os objetos que representam e por Sumário que se cruzam em diversos momentos e que possuem o mesmo nológica, em que elementos capturados pela observação, que se periência direta. As fotografias do retratista também são, em uma Editorial que as formaram. As duas teorias percorrem caminhos paralelos A classificação semiótica de sin-signo indicial dicente se totalidade, sin-signos, pois são todos singulares e objetos da ex- Capa Mariana Hossein Fontes e como estas ocorrem em relação ao contexto histórico-cultural toda e qualquer sensação, pensamento, e interpretante a que ela se dá por meio das reações causadas por objetos e eventos no espectador. O Conteúdo Temático Primário ou Natural é composto pelo significado factual e pelo significado expressivo. O significado factual está presente na experiência prática, assim como, na Semiótica, o signo referente à Secundidade é aquele que aponta para algo que existiu de fato. O Conteúdo Temático Secundário ou Convencional e o Significado Intrínseco ou Conteúdo, da Ico- nologia, convergem, em certos aspectos, com a Terceiridade (da Semiótica), pois estas classes aproximam imagens com histórias, alegorias ou convenções sociais. Mais especificamente, tanto o Significado Intrínseco como a Terceiridade, são compostas pelos CIANTEC’14 valores simbólicos. Porém, as teorias se divergem no âmbito da aplicabilidade, de uma forma geral. O sistema filosófico de Peirce, que engloba congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação a Semiótica e reproduz seu esquema triádico, é de extremo detalhamento, e ele buscou criar uma metodologia que pudesse ser empregada em temáticas diversas, como a Teoria da Evolução, a Física, a Fisiologia, entre outras. Portanto, a Semiótica discorre de particularidades que permitem aplicações universais na natureza, na ciência, no pensamento. Já a Iconologia cria campos de análise e interpretação de ampla abrangência (como ações, objetos, eventos, etc.), mas de aplicações restritas ao campo sociocultural da linguagem, comunicação e arte. Entretanto, se considerarmos a Semiótica isolada do sistema a qual ela pertence, exatamente da maneira que este estudo buscou ser realizado, podemos observar que as divergências não são tantas quanto as convergências. Sendo assim, a maior das diferenças entre as duas teorias se dá na etapa Iconográfica da busca por correspondências externas defini- das por uma temática. O processo semelhante que se desenvolve Capa Editorial Sumário na Semiótica é o de comparações entre elementos presentes em um conjunto de obras. Porém, a relação é feita de forma interna ao sistema de imagens, e não busca referências externas, como na Iconologia, além de se tratar de elementos em comum, e não de uma temática em geral. A síntese Iconográfica é realizada a partir da temática for- Página - 320 mal “meninas”, presente no conjunto de fotografias de Dodgson, e Mariana Hossein Fontes se apresenta no formato de quadro iconográfico, com imagens de diversos artistas, seguido de sua legenda. 5 . A N Á L I S E I N T E R P R E TAT I VA : APLICAÇÃO DOS MÉTODOS Uma linguagem autoral, que é característica de determina- do autor, se forma a partir da recorrência de certos elementos pre- sentes, neste caso, nas imagens fotográficas de Dodgson. A partir disso, é possível então, sistematizar e estruturar tal linguagem. A recorrência pode ser temática, como cenas cotidianas, ou apenas elementos isolados que se repetem e caracterizam a intencionalidade do artista. As características destacadas a seguir concernem às atividades de leitura, análise e interpretação das imagens. Coloração das fotografias: O processo fotográfico utilizado pelo artista era o colódio úmido sobre a placa de vidro, que, a partir do negativo revela imagens em preto e branco. Mas, podemos observar fotografias de diversas tonalidades, desde os espe- rados tons de cinza, até variações de sépia e amarelado. A colora- ção é um indicativo da ação do tempo, do estado de conservação, assim como de possíveis tratamentos e restaurações. É um signo degenerado, no que tange a relação de cunho referencial com seu objeto, devido ao constante processo de desgaste físico-químico causado pelo passar do tempo, que altera suas características qualitativas. CIANTEC’14 Tons claros: A preferência do retratista pelo uso de ele- mento aparece de forma sutil e discreta, pertencendo à cena, à objetos que se destacam na composição da cena, projeta a ima- Enquadramento fechado: Como retratista, o foco das mentos em tons claros, como nas vestimentas das personagens e congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação fotografias de Dodgson são as expressões, feições e olhares mente em contraste com um fundo escuro, a pureza das meninas enquadramento fechado, mas suficientemente aberto para retratar rica, representando-as como seres angelicais e surreais. Geral- também está em oposição a um mundo impuro. Vinhetas: As bordas escuras de característica circular são fantasiosa que o artista realiza. Composição em diagonais: Em algumas fotografias a com- tes do formato standard, justamente para esconder os defeitos das olhar do espectador é levado, por meio dessa diagonal, a percorrer gens possuem formato elíptico, semielíptico, entre outros, diferen- e/ou da presença de objetos de cena. Num primeiro momento, o bordas. Porém, as vinhetas passaram a ser vistas como efeito a a imagem e, em um momento secundário, o olhar desliza livremen- Círculos: O elemento formal circular tem grande recorrên- cia no trabalho fotográfico de Charles Dodgson. Círculos e elipses aparecem no formato da fotografia em si - como já foi citado, usa- te - para assimilar o resto dos elementos e, por fim, retornar à dia- gonal por ser uma estratégia compositiva que, por sua recorrência, muito nos chama a atenção. Colagem: A manipulação da imagem surgiu junto ao próprio desenvolvimento técnico do ato fotográfico. O artista se utiliza de do para esconder as imperfeições acumuladas nas bordas -, em elementos de duas ou mais fotografias para criar uma única com- dade, por não ter começo e não ter fim, assim como o tempo. Ele ção da fantasia, por viabilizar o resultado desejado para determi- elementos de cena e efeitos de luz. O círculo simboliza a eterni- posição. É uma técnica de grande importância para a representa- possui um ponto focal muito preciso, por isso, o tema principal é nada história, representada por uma imagem. O ato de manipular, posicionado de forma centralizada. Além de eterno, é símbolo de elementos sagrados, como aura e auréola. De forma a reafirmar a Página - 321 as mãos e pés também – que são essenciais para a construção posição se dá por diagonais formadas a partir da pose da menina centro da imagem. Sumário das pessoas. Para capturar estes elementos é utilizado um uma objetiva ligada ao corpo da câmera fotográfica. Algumas ima- ser utilizado para direcionamento do olhar do espectador para o Editorial história. gem das meninas de forma divinizada, e por vezes, fantasmagó- um defeito da passagem de luz pelo jogo de lentes que compõe Capa Mariana Hossein Fontes divinização da construção imagética das meninas. Mas, este ele- através da colagem, caracteriza os elementos como signo índice que se degenera, por utilizar diferentes índices genuínos que, juntos, alteram o sentido de existenciais para referenciais. CIANTEC’14 Interação figura e fundo: O artista trabalha os elementos figura e fundo sempre em contraste de claro-escuro, sendo que, majoritariamente, o fundo é escuro e as vestimentas das meninas congresso são claras. O que cria uma atmosfera mais sóbria e intensa, com internacional maior destaque ao argumento central, a menina, do que ocorre na em artes situação oposta: fundo claro e as meninas vestidas com tons es- novas tecnologias curos. e comunicação Cenografia: Em algumas imagens, as meninas estão in- seridas em ambientes escuros, sujos e frios, que denotam descuido e abandono, onde crescem algumas plantas e se destaca a textura áspera. Este cenário contrasta com a suavidade da pele, das feições e das posições das meninas, sendo que nessa rela- ção dialética, um realça as características do outro. Em outros ambientes, porém, a cenografia é completamente diferente, ela pode ser adornada por elementos que fazem alusão a um con- Editorial Sumário inocência e pureza. Quando em coroas, na cabeça das meninas, representam o círculo eterno da vida. Em funerais na Inglaterra é comum que meninas usem estas coroas para simbolizarem a pureza e a “coroa da glória eterna” que aquele que morreu usará no céu, em sua vida pós-morte. Assim, flores também significam vida e ressureição. Na cultura greco-romana, são adornos usados por deuses mitológicos e por ninfas. Relacionando as meninas, novamente, a seres divinos. Olhares das meninas: Os olhares das meninas compõe o caráter narrativo das fotografias de Dodgson. Distância, ausência, e uma vaga tristeza são sentimentos provocados pelos olhares indiretos. Nas imagens em que as meninas olham de forma direta, a sensação, oposta à anterior, é de presença. Mas, os sentimentos melancólicos são potencializados porque causam, no obser- vador, identificação e empatia. Ainda que minoria, alguns olhares figura 3): o ambiente está repleto de caixas com flores pintadas, e confiança. É importante notar que, apesar do olhar de uma me- um chapéu típico da china repousando sobre estas caixas, e um leque nas mãos da menina, tudo em harmonia temática com seu figurino chinês. Flores e plantas: A presença de flores e folhas de plantas tem, de forma geral, caráter ornamental. São cuidadosamen- te posicionadas nas meninas, nos objetos de cena ou nos cenáPágina - 322 delicadas e de perfume agradável, são símbolos de feminilidade, texto cultural, ou apenas fantasioso. Como, por exemplo, a ima- gem anterior (primeira, no sentido da direita para a esquerda, da Capa Mariana Hossein Fontes rios, de forma a complementarem a narrativa fantasiosa. As flores, expressam sentimentos positivos, como tranquilidade, segurança nina, em uma fotografia específica, ser caracterizado nesta análise como melancólico, o teor fantasioso desta mesma fotografia, que é construído a partir da combinação deste com outros elementos, pode conotar sentimentos de diversas origens que extrapolam o negativo. Corpos reclinados: Nas imagens em que as meninas estão deitadas e acordadas, suas pernas apresentam-se cruzadas, CIANTEC’14 em que uma sobrepõe à outra de forma natural, sem parecer uma pose rígida e forçada. As pernas e pés podem estar despidos, com a pele à mostra, o que, para a época, denotava erotismo. Mas, para congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação os dias de hoje, conota, no máximo, uma sensualidade inocente. As pernas também podem estar caracterizadas com meias simples ou extravagantes, pertencentes a um figurino. Já nas fotografias em que as meninas estão deitadas e dormindo, suas pernas e pés podem estar de forma semelhante à descrita anteriormente ou, para melhor representar uma cena cotidiana, eles podem não aparecer, sendo comum o uso de lençóis ou cobertores, com maior recorrência, de tons claros. Cenas do cotidiano: O fotógrafo também retrata cenas do dia-a-dia das meninas. Mas, ele o faz de forma a narrar fragmen- tos de uma história, se afastando do gênero fotojornalista e empregando, mais uma vez, o caráter fantasioso. A personagem faz a ação de forma natural, usualmente com seus cabelos despenteados e com poses despojadas, que expressam sua personalidade, mesmo quando ela dorme, ou lê um livro, ou penteia o cabelo. NesCapa Editorial Sumário sas imagens, o signo índice é genuíno, uma vez que são meninas que possuem correspondência factual com a realidade, por terem, não apenas, sua existência registrada por uma máquina capaz de capturar o real, como a representação de suas ações facilmente remete às atividades corriqueiras, protagonizadas por cada um de nós. Ou seja, a relação signo-objeto é existencial. Página - 323 Mariana Hossein Fontes 6. CONCLUSÃO O estudo buscou a compreensão das relações do homem com os signos imagéticos, assim como suas aplicações nos campos da fotografia e da comunicação. Tomou como ponto de partida os conceitos da Iconologia e da Semiótica, originando uma análise interpretativa dos elementos e suas possíveis significações presen- tes no trabalho fotográfico de Charles Dodgson. Portando, as fotografias não devem ser vistas, neste estudo, como simples retratos de meninas fantasiadas, pois, dessa forma, limitamos o potencial de significação das obras fotográficas. Contudo, se esta limitação fosse mantida, as interpretações que abrangem as composições, a Primeiridade e a Iconografia ainda seriam possíveis de serem re- alizadas. Mas, para a compreensão das significações de maneira mais profunda é necessário que as fotografias de Dodgson sejam consideradas como documentação que trata da personalidade do artista e das características da civilização vitoriana (englobando diversos aspectos pertencentes à época: como a religião, filosofia, entre outros). As fotografias apontam para diversas outras coisas, em que suas características se apresentam como evidências. O impacto das imagens do artista pode ser mensurado através de seu legado, que está presente e muito bem disseminado na arte contemporânea: através do lúdico, do surreal, do fantasioso. Apontamos, então, dois artistas que se destacam no uso de referências diretas às obras de Dodgson. São eles: o ilustrador japo- CIANTEC’14 nês Takato Yamamoto e a fotógrafa inglesa Kirsty Mitchell. Yamamoto retrata cenas sombrias e perturbadoras, protagonizadas por meninas sensualizadas. Apesar das temáticas obscuras, a esté- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação tica visual faz referência à feminilidade e inocência das meninas, através das cores claras e pastéis. Yamamoto também representa a musa inspiradora de Dodgson, a Alice. Assim como o ilustra- dor, Kirsty Michell faz referências diretas ao retratista, intitulando seu recente ensaio fotográfico de Wonderland. A temática da fotógrafa concerne ao imaginário, repleto de cenários e figurinos extravagantes, ela retrata mulheres, de forma a contar histórias, e suas imagens dialogam entre o suave, o bizarro e o melancólico. Podemos concluir, então, que Charles Dodgson desenvolveu em suas fotografias um estilo característico, repleto de significações que permeiam o imaginário coletivo até os dias de hoje. Sua obra inaugurou a temática fantasiosa e narrativa na fotografia, por meio da criativa, original e precisamente detalhada concepção de suas personagens e cenários singulares, que fizeram dele, um artista igualmente excepcional. Capa Editorial REFERÊNCIAS Sumário Krien, D. Fine Art Directory – Lewis Carroll. Alemanha, 2012. Disponível em: <www.amadelio.org/volumes_entries/fine_art_directory/lewis_carroll_fine_ art1.html> e <www.amadelio.org/volumes_entries/fine_art_directory/ Página - 324 lewis_carroll_fine_=art2.html>. - Acessado em: 28/11/2013. Mariana Hossein Fontes Panofsky, E. Estudos sobre Iconologia. São Paulo: Editora Alianza, 1972. Peirce, C. S. Semiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. Santaella, L. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora visual verbal. Editora Iluminuras, São Paulo, 2009. Woolf, J. The Mystery of Lewis Carroll. Nova York: St. Martin’s Press, 2010. ARTE CONTEMPORÂNEA NA PÓS-MODERNIDADE: ARTE COMO GRIFE NORBERTO STORI Norbetro Stori Prof. Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura do CEFT/Universidade Presbiteriana Mackenzie. Livre Docente em Artes Visuais/IA-UNESP/SP. Mestre e Doutor/Universidade Presbiteriana Mackenzie/IA-UNESP. Artista plástico. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - Dentre as características da pós-modernidade, de lucros futuros pelos jovens colecionadores, atrelados sempre acontecendo em todos os sentidos e setores do nosso cotidiano. tantes desse mercado, onde a originalidade da obra nem sempre é uma das mais evidentes é a dinâmica veloz com que as coisas vão congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Nela, os meios de comunicação e as novas tecnologias nos saturam de informações e diminuem distâncias pessoais e geográficas, onde o imediatismo preponderante reflete também na arte contem- porânea. Obras executadas com materiais e tecnologias atuais, em formação. PALAVRAS CHAVE: Arte Contemporânea; Pós-modernida- most evident one is the fast dynamics of how things are happening in ABSTRACT - Among the characteristics of post-modernity, the com a Arte Conceitual. Atualmente, a maioria dos artistas não tra- all directions and sectors of our daily lives. The overwhelming speed versos ateliês localizados estrategicamente nos mais importantes reducing personal and geographical distances, which is also reflected pais casas de leilões de obras de arte. Contemporaneamente, há o artista “Grife” cuja produção vislumbra ser marca, preocupando-se muito mais com o dinheiro, o marketing da sua produção, o auto marketing e com o status, para se transformar em artista celebridade, onde a valorização de sua produção está ligada à gestão de marca, como na publicidade. Como o maior exemplo de artista “Grife” da atualidade, há o britânico Damien Hirst o estadunidense of immediate communication and new information technologies are in contemporary art. Artwork created with modern materials and tech- nologies reference mostly the avant-garde artistic movements of the early twentieth century, and later, the art produced in the 1960s with the conceptual art. Most artists today no longer work alone in his stu- dios, the artist works with production teams in its various workshops strategically located in the major centers of production and art markets, where there are usually main auction houses. Actually, there are “brand artists” whose production is focused on branding, concer- Jeff Koons, cujas obras são as mais valorizadas no mercado de ned more with the money, with the marketing of their production, with bém mudou, na maioria das vezes as obras são negociadas, não the valuation of their production is linked to brand management and arte. Outro elemento, é que o colecionismo de obras de arte tam- Página - 327 mulo para outros artistas, principalmente para os que ainda estão XX, e mais próximo, a arte produzida a partir da década de 1960, centros de produção e de mercado de arte, onde estão as princi- Sumário recompensada. Contudo há artistas que inovam e servem de estí- de, Mercado de arte, Grife, Artista Celebridade. balha mais solitário, e sim com equipes de produção em seus di- Editorial ao curador e ao galerista, que são os personagens mais impor- tem como referência em sua maioria, a arte produzida nos movimentos artísticos de vanguarda das primeiras décadas do século Capa Norberto Stori mais para uma fruição estética, mas sim como ações com intenção the self-marketing and status to be transformed into celebrity, where advertising. A good example of a branded artist today there are the CIANTEC’14 Norberto Stori British Damien Hirst the American Jeff Koons, whose works are the ou mais ateliês localizados estrategicamente nos mais importantes of artwork has also changed, most of the time the works are no longer pais casas de leilões de obras de arte. São os artistas “Grife” cuja most valued in the art market. Another element is that the collecting congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação traded for aesthetic enjoyment, but as stocks with intention of future produção vislumbra ser marca, preocupando-se muito mais com o who are the most important characters in this market, where the ori- e com o status, para se transformarem personalidades, em artistas profit by young collectors, always linked to the curator and the gallery ginality of the work is not always rewarded. However there are artists who innovate and inspire other artists, especially for those in training. KEYWORDS: Contemporary Market, Branding, Artist celebrity. Art; Postmodernism, Art Na contemporaneidade, uma das características mais evi- dente é a dinâmica veloz com que as coisas vão acontecendo em todos os sentidos e setores do nosso cotidiano. Nela, os meios de comunicação e as novas tecnologias nos saturam de informações e diminuem distâncias pessoais e geográficas, onde o imediatismo preponderante é presente. Contemporaneamente, há o artista “Grife” cuja produção vislumbra ser marca, preocupando-se muito mais com o dinheiro, o marketing da sua produção, o auto marketing e Capa Editorial Sumário dinheiro, com o marketing da sua produção, com o auto marketing celebridades, onde a valorização de sua produção está ligada à gestão de marca, como na publicidade. Hoje, o colecionismo de obras de arte mudou muito com relação aos tempos anteriores, onde o colecionador ou futuro colecionador adquiria obras tendo como prioridade a fruição estética e depois com a valorização dessas obras no mercado de arte. Percebe-se que hoje é o mercado que estimula a aquisição de obras de arte como investimentos futuros, atrelados sempre ao curador e ao galerista, que são os personagens mais importantes desse mercado, onde a originalidade da obra não entra na avalição. As discussões que se levantam sobre Arte Contemporânea são muitas e se divergem em sua maioria, principalmente quando se fala com o status, para se transformar em artista celebridade, onde a em identidades de conceitos, de linguagens artísticas, aconteci- na publicidade. Como exemplos de artistas “Grife” da atualidade, há de um ou de determinados artistas. valorização de sua produção está ligada à gestão de marca, como o estadunidense Jeff Koons e o britânico Damien Hirst. Nesta pós-modernidade, há artistas que não trabalham mais solitários em seus ateliês como acontecia até meados do século Página - 328 centros de produção e de mercado de arte, onde estão as princi- XX, e sim com equipes de produção e alguns artistas mantem dois mentos artísticos e, dentro desses acontecimentos, a linguagem Em alguns casos, obras executadas com materiais e tec- nologias atuais, carregam em si referências da arte produzida nos movimentos artísticos das vanguardas das primeiras décadas do século XX. CIANTEC’14 Quanto ao início e às definições de Arte Contemporânea cimentos surgiram também para tentar libertar a arte da influência há divergências entre filósofos, historiadores, curadores, críticos mavam em mercadorias para serem compradas e vendidas como não há uma data ou período determinado, uma vez que sempre congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação de arte e demais pessoas. Observa-se que em sua maioria tenha seu início após o fim da Segunda Guerra Mundial, a partir de 1945, do mercado artístico, sistema no qual as obras de arte se transforinvestimento financeiro. São diversos os caminhos que os artistas buscam e trilham quando setores da sociedade, como os das artes, da cultura, da com as suas inquietações, o que permite à Arte Contemporânea pós-guerra. concretos, mas sim com idéias, ações e conceitos, o pensar e o tecnologia e da ciência começaram a questionar a sociedade do Uma das caracterizas da arte contemporânea é que o artis- ta não se preocupa necessariamente com o novo, com o original e com o revolucionário, como ocorria no modernismo e nos movimentos vanguardistas das duas primeiras décadas do século XX, não trabalhar somente com arte figurativa, abstrata ou com objetos refletir sobre a arte é muito mais importante que a própria obra em si, ampliando-se a discução e a definição do que vem a ser arte, principalmente Arte Contemporânea. Com relação às definições de Arte Contemporânea, Taylor não se preocupa com quebras de paradigmas, o artista se acha no (2005) apresenta as empregadas pelas duas grandes casas de lei- cendo o seu trabalho sem se preocupar em criar movimentos ar- York: Christie’s e Sotheby’s. A Christie’s define Arte Contemporâ- direito de uma ação libertária de criação e atuação artística exertísticos com seus manifestos, portanto pode exercer seu trabalho sem se preocupar com engajamento estético, político e religioso, obrigatoriamente. Capa Norberto Stori Nas décadas após 1950, novos acontecimentos artísticos lões internacionais, ambas estabelecidas em Londres e em Nova nea as obras produzidas no período de 1950 a 1960, comercializadas no século XX. A Sotheby’s chama Arte Contemporânea Inicial as obras produzidas entre 1945 e 1970, e Arte Contemporânea Recente aquelas elaboradas a partir de 1970. Já o colecionador de arte contemporânea, economista e Editorial vão surgindo libertários de cânones apresentando constantes ex- Sumário perimentações que as novas tecnologias e seus produtos ofere- professor emérito de marketing na Schulich School of Business, na tos industrializados das mais diversas áreas, o início das viagens Arte Contemporânea como sendo “... aquela vendida pelas princi- cem; faz-se presente o aumento do consumo de massa de produespaciais, a revolução digital, a globalização, a tomada da consci- Página - 329 ência ecológica e seus acontecimentos artísticos; vários aconte- Universidade de York, em Toronto (Canadá) Don Thompson, define pais casas em seus leilões de Arte Contemporânea. Mas mesmo esta definição se mostra traiçoeira: a Sotheby’s fala em “arte con- CIANTEC’14 temporânea”, enquanto a Christie’s usa o título mais abrangente do do artista-celebridade começou no início dos anos 1960 em Nova porque sua classificação depende mais da obra do que da data” Roy Lichtenstein eram promovidos pelos marchands Leo Castelli, pós-guerra e contemporânea. A Christie’s procede dessa maneira congresso internacional Norberto Stori (THOMPSON, 2012, p.18). Na contemporaneidade, os dois centros mundiais do mer- York, quando artistas como Jasper Johns, Jemes Rosenquist e Betty Parsons e Charles Egan. Quanto ao artista celebridade, Andy Warhol (1928-1987) é um exemplo posterior e de sucesso imensa- em artes cado de Arte Contemporânea são Londres e Nova York, principal- novas tecnologias mente no que se diz respeito ao mercado de Arte Contemporânea Nesse mercado de obras de artistas celebridades e de mar- e comunicação de luxo ou gestão de marca. Nessas duas cidades, estão os mar- ca, segundo Thorton (2010), os curadores são os responsáveis organizam exposições únicas; os colecionadores e os críticos que artistas e das diretorias dos espaços expositivos; os coleciona- chands de marca; as casas de leilões de marca; os curadores que pouca influência tem. Dos grandes eventos expositivos internacionais de Arte Contemporânea, a Bienal de Veneza é o maior e o de maior força; dela participam os artistas “grifes” da contemporaneidade; é a mais importante de todas as bienais e trienais realizadas no mundo. Na Arte Contemporânea o artista não existe até que alguém o transforme em marca, principalmente de luxo. Não devemos esque- cer também artistas que além do automarketing, trabalham com o Capa Editorial Sumário conceito de branding, utilizado na publicidade, que é a construção pelo atendimento das expectativas de seus colecionadores, de dores se movimentam em grupos para comprar obras de artistas da moda; os críticos ficam observando onde o vento sopra, pretendendo não errar. A originalidade da obra nem sempre é recom- pensada; mesmo assim, alguns artistas assumem riscos e inovam com suas criações, sendo estímulo para jovens artistas. Às vezes percebe-se que a aparente acomodação com relação à criatividade, com a originalidade, com a transgressão e com a inovação na Arte Contemporânea. Com o artista se transformando em marca, ele também aca- e a gestão de uma marca, a qual agrega personalidade, distinção ba se transformando em produto; e nessa situação, muitos deles A valorização de objetos comuns está ligada à gestão de deixando a criatividade de lado. Há exemplos de artistas que per- e valor a um produto oferecendo segurança e confiabilidade. marca, assim como as atividades públicas de um artista de marca - de “grife” - que se transformaram em celebridades, e que muitas Página - 330 mente maior que os citados. vezes acabam ligados ao dinheiro e à publicidade. O fenômeno se preocupam bem mais com o mercado, com o dinheiro, e vão deram um pouco de criatividade, com o rumo tomado pelo desejo de vender suas obras com altíssimos preços; o dinheiro passou a ocupar um lugar mais importante na vida. Quanto a isto, Hirst diz CIANTEC’14 “que vai parar de fazer quadros de bolinhas, borboletas e girantes internacional em artes novas tecnologias e comunicação de borboletas; o sexto grupo apresenta pinturas fotorrealistas de A crescente preocupação dos artistas com o mercado de assistentes; com isso, o artista faz com que ninguém seja respon- arte e em se transformarem em artistas de marca, percebe-se que isto se reflete na formação de jovens artistas criativos, icono- clastas num mundo padronizado. Outro desafio é a “apropriação” Hirst chamou a atenção do público pela primeira vez em va os seus trabalhos e os dos seus amigos e colegas, além de ou- Freeze. Foi uma exposição realizada em um armazém que mostratros estudantes de artes. Durante a década de 1990, Hirst liderou diferentes, que são: imitação, mimésis, espoliação, aculturação, os Young British Artists - YBAs, Jovens Artistas Britânicos, que do- lagem e reutilização. ternacionalmente. A polêmica marca a obra de Damien Hirst desde O artista britânico Damien Hirst nasceu em Bristol em 1965. É um dos poucos dos quais se pode dizer que modificaram o conceito do que deve ser arte ou carreira artística. Suas obras se enquadram em diferentes grupos. Segundo Don Thompson (2012), o primeiro grupo é o das criaturas mortas conservadas em formol minou a arte britânica durante esse período, ficando conhecido ino início de sua carreira no final dos anos 80 do século XX. Esteve no início da sua carreira muito ligado a um dos mais importantes colecionadores como Charles Saatchi, que foi responsável pelo seu enorme e rápido êxito com um dirigido trabalho de marketing fazendo com que Hirst fosse um dos precursores do artista “Grife” como: vacas, carneiros e tubarões; o segundo é a série de armá- cuja produção objetiva ser marca ,vislumbrando uma super valo- cirúrgicos, cartelas e frascos com comprimidos e capsulas de re- busca do status, para se transformar em artista celebridade, onde rios farmacêuticos-objetos onde apresenta jogos de instrumentos médios; no terceiro grupo estão quadros de pontos e bolinhas coloridas que são feitos por seus assistentes: no quarto grupo estão Página - 331 somente ele as assina. Quanto a isso, Burk (2003) apresenta uma série de termos que, transculturação, assimilação, transferência, trocas culturais, brico- Sumário sável por elas, mas reivindica a propriedade do conceito delas, e Londres, em 1988, quando concebeu e foi o curador da mostra no decorrer da história, alguns autores utilizaram com sentidos Editorial grandes formatos. Suas obras geralmente são feitas por vários que surgiu na década de 1980 quando artistas ligaram seus nomes às obras de outros artistas, o que antes era chamado de plágio. Capa para a elaboração dessas obras; no quinto estão os quadros porque, embora rendam bastante dinheiro, não desenvolvem a sua criatividade” (HIRST, apud THOMPSON, 2012, p. 105) congresso Norberto Stori as pinturas gigantes criadas com o auxílio de uma roda de oleiro rização das suas obras, agrega-se também o auto marketing e a a valorização de sua produção está ligada à gestão de marca, como na publicidade. A sua fortuna a tempos foi avaliada em cerca de 364 milhões de dólares. CIANTEC’14 Norberto Stori congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Capa Editorial Sumário Figura 1 - Damien Hirst. Impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo. 213cm x 518 cm. 1991. A morte é o tema central na obra de Hirst, que desde o seu início esteve rodeada de muita mídia e polêmica premeditaPágina - 332 da, como exemplo é o que ocorreu com a exposição do seu “ca- sal morto fodendo duas vezes” que foi proibida pelas autoridades de New York. Dos cadáveres de um touro e uma vaca flutuando em formol, que pertence à sua série de obras mais conhecida, Na- tural History na qual animais mortos como um tubarão, uma ovelha ou uma vaca são conservados e por vezes cortados dentro de tanques de formol. Há ainda os spin paintings, realizados sobre CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Norberto Stori uma superfície giratória, e pelos seus spot paintings, círculos co- grande arte e o de Saunders exposto publicamente dois anos an- O seu trabalho mais icônico e polêmico Impossibilidade fí- que Hirst teve a idéia para o seu trabalho a partir de exposição da loridos aleatoriamente. tes do de Hirst e o de Eddie Saunders não é? Stuckismo sugere sica da morte na mente de alguém vivo (figura nº.1), um enorme tu- loja Suprimentos JD Elétricos,de Saunders. barão-tigre numa vitrina cheia de formol. Devido à decomposição do tubarão-tigre, foi substituído com um novo espécime em 2006. raneidade é o estadunidense Jeff Koons, que nasceu em York em lizar de várias ideias, materiais, citações e apropições de lingua- soal do artista a um novo nível, transformou a relação de artistas obras sempre muito polêmicas. Na Arte Contemporânea, a apro- artista cujas obras são as mais caras no mercado de Arte Con- Damien Hirst, é o precursor na Arte Contemporânea em uti- gens e obras artísticas, que são recorrentes para construir suas priação artística como atitude, pode ser Sumário uma noção ultrapassada ou equivocada, quanto a isto, pode surgir misturado linguagens artísticas como do Dadaísmo com seus re- obras. Desde seu surgimento na década de 1980 Jeff Koons tem adymade, da Pop Art, da Arte Conceitual, de apropriações artísti- Impossibilidade física da morte na mente de alguém vivo, conside- cas e do hibridismo do artesanato com cultura popular para criar Stuckismo não foi inédito porque em 1989 Eddie Saunders, já ha- as obras da série de objetos de porcelana fazia encomendas de rado como o seu trabalho mais icónico e polémico, que segundo o a sua própria iconografia sempre controversa. Para desenvolver via exposto um tubarão-martelo dourado em sua loja Suprimentos pequenpos objetos populares, como estátuas religiosas, animais, JD Elétricos em Shoreditch dois anos antes de Damien Hirst. Mais como ursinhos, cachorrinhos, ícones populares, como o cantor Mi- tarde, tubarão de Saunders foi exposto em 2003 na Stucksm Inter- chael Jackson, (falecido em 2008), arranjos de flores, aproprian- não é arte. O Stuckismo é um movimento internacional que abran- e levando aos espaços expositivos de luxo. nacional Gallery em East London, com o título Um tubarão morto ge quarenta paises, seus integrantes são contra arte conceitual como a dos tubarões, e que também são contra a corrente artística Página - 333 para o culto da celebridade e do mercado global. Atualmente o temporânea. Usa de várias ideias e materiais para construir suas polemicas como a obra do tubarão no formol de Hirst, cujo título é Editorial 1955. Seguiu Andy Warhol (1928-1927) e elevou o marcketing pes- reconhecida como uma prática para ratificar o conceito que afirma que a autoria na arte é Capa Outro artista celebridade, de marca de luxo na contempo- da antiarte. Porque que o tubarão de de Hirst é reconhecido como do-se de elementos da cultura de massa descontextualizando-as Em 1991, Koons se casou com Ilona Satller, conhecida como La Cicciolina, atriz de cinema pornográfico nascida na Hungria e deputada no parlamento italiano. Koons, em uma de suas decla- CIANTEC’14 Norberto Stori rações, disse que Ilona e ele haviam nascidos “um para O outrO”, e que ela era uma mulher da mídia e ele também era um homem da mídia. Do casamento com Cicciolina, no início dos anos 1990, congresso criou uma série de fotos eróticas, algumas ousadas demais. Um internacional escândalo que transformou Jeff Koons em celebridade internacio- em artes nal. De lá para cá, a fama dele só aumentou, assim como os pre- novas tecnologias ços de suas obras. e comunicação Capa Editorial Sumário Jeff Koons. Novos Aspiradores Conversiveis. Verde, Azul, 1981-987. Aspiradores de pó, plexiglass e lâmpadas fluorerescentes, 194,6cmx104,Página - 334 1cmx 71,1 cm.Whitney Museum of American Art, New York. CIANTEC’14 Koons desenvolveu a série Feito Em, onde é artista e per- cidade alemã à Disneylandia. Atualmente, a obra se encontra em que apresenta sexo explícito com a sua esposa. Para ele, esse Em 1996, o artista criou a série Celebração, em que setenta sonagem, elaborando fotos gigantescas, pinturas e esculturas em congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação e cinco artesãos trabalharam na mostra no Museu Guggenheim. considerada com frequência por artistas contemporâneos. Usa da camente na produção. Não tenho habilidades necessárias, então drão de moral. Essa afirmação levantada pelo artista tem sido metalinguagem para falar da própria arte, principalmente quando aborda os valores estéticos da cultura de massa; busca inspiração cuti-los; algumas de suas obras só se realizam com a presença do oficina fundição Tallix ou em física” (HIRST, apud THOMPSON, 2012, p 120). mas e os valores do mercado de arte. são e inovação como se fosse única, muito especial temporânea. A maioria das suas obras consistem em instalações e esculturas industriais. Ficou famoso por expor eletrodomésticos como na obra Novos Aspiradores Conversiveis (figura nº. 2). Ao transferir objetos como enceradeiras e aspiradores de pó da loja de departamentos para a galeria, ele os recontextualiza dando novos significados. Koons tem como estímulo para a criação de suas obras o kitsch e transforma o que é kitsch em obra de arte, como acontece com Puppy, um cachorro formado por flores, medindo 16 metros de altura. Esse trabalho, ele fez em protesto por não ter participado Página - 335 recorro aos melhores da área, que esteja trabalhando em minha Percebe-se que a Ar te Contemporânea fa z questão Koons é uma marcar e uma lenda no mundo da Arte Con- Sumário Disse: “basicamente, sou a pessoa de ideias. Não me envolvo fisi- fruidor; utiliza de espaços não convencionais, como os da mídia, para realizar os seus trabalhos; questiona os conceitos, os dog- Editorial frente do Museu Guggenheim de Bilbao, na Espanha. tema daria validade à pornografia como arte, quebrando um pa- nos elementos do dia a dia das pessoas para questioná-los e dis- Capa Norberto Stori da Documenta de Kassel, em 1992, na Alemanha; ele comparou a de se caracterizar com muita criatividade, transgrese anticonvencional. Porém, percebe-se que em cer tos casos ainda está dialogando com o moderno, reforçando os estereótipos do passado. Muitos temem que a chancela do mercado tenha sobrepujado suas formas de reação, como críticas positivas, prêmios e exposições em museus e bienais com obras cujos preços chamam a atenção para certos artistas de marca, de luxo, de “Grife”. Essas obras, então, perderam o rumo pelo desejo de artistas e galeristas negociar a preços exorbitantes, todavia, conferem status ao autor. Quando um artista torna-se uma marca, uma “Grife”, o mercado ten- CIANTEC’14 de a aceitar como legítima qualquer coisa/objeto que ele apresente. REFERÊNCIAS congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação BURK, Peter. Hibridismo Cultural. Trad. Leila Souza Mendes. São Leopoldo: Unisinus, 2003. SEVCENKO, Nicolau. O enigma pós-moderno. In: OLIVEIRA et al.; Roberto Cardoso. Pós-Modernidade. Campinas: Ed. UNICAMP, 1995 TAYLOR, Brandon. Contemporaty Art: Art Since 1970. UPPER Saddle River, NJ: Pearson/Prentice HALL, 2005. THOMPSON, Don. O tubarão de 12 milhões de dólares: a curiosa economia de arte contemporânea. Trad. Denise Bottmann. BE~I Comunicação, 2012. THORTON, Sarah. Sete dias no mundo da Arte: bastidores, tramas e intrigas de um mercado milionário. Trad. Alexandre Merina. Rio de Janeiro: Agir, 2010. Capa Editorial Sumário Página - 336 Norberto Stori ÉTICA E POLÉMICA EM HABACUC GUILLERMO VARGAS NUNO MIGUEL CHUVA VASCO Auschwitz começa sempre que alguém olha para um ma- tadouro e pensa: eles são apenas animais. Theodor Adorno Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Nuno MIguel Chuva Vasco Em 2007 surgiram na internet várias petições para exprimir a indignação e criticar violentamente o artista Habacuc Guillermo Vargas [1975- ], pela sua obra “Exposición # 1”, exposta em Macongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação nagua, Nicarágua, na Galeria Códice, a 16 de Agosto de 2007, a propósito da 6ª edição da Bienal Costa-riquenha de Artes Visuais 2007 (Bienarte). A obra de Vargas estava entre as seis obras esco- lhidas1 num total a concurso de 204 obras, e teve como júri Oliver Debroise (México), Rodolfo Kronfle Chambers (Equador), e Ana Sokoloff (Colômbia). Vargas, vencedor pela segunda vez consecutiva da Bienal, foi ferozmente criticado por supostamente ter deixado morrer de inanição um cão encontrado na rua 2. O cão [fig.1], baptizado Na- tividad por Vargas, foi conduzido à galeria, onde uma corda unia duas paredes, por sua vez, outra corda foi amarrada àquela, e a sua extremidade presa ao pescoço do cão. No mesmo espaço ex- positivo podia ler-se numa das paredes, escrito em tamanho grande com comida de cão, “Eres lo que lees” (és o que lês). No dia da inauguração também queimou 175 pedras de crack e fez tocar o Capa hino sandinista em sentido inverso. Editorial te: http://artehabacuc.blogspot.pt Aparentemente doente, o cão estava incontestavelmente debilitado. Não lhe foi fornecido qualquer tipo de comida, nem sa- ciada a sede, acresce ainda, que o público estava igualmente proi- Sumário bido de o fazer. Entretanto, a maioria dos visitantes passam pelo 1 Esteban Piedra, Oscar Figueroa, Mimiam Hsu, Errol Barrantes, e “La banda de los sumergidos-emergentes” (Sila Chanto e Jhafis Quintero) foram os restantes artistas seleccionados. Página - 339 Fig. 1 | Habacuc Guillermo Vargas, Exposición #1, 20 07. - fon- 2 O cão foi capturado com a ajuda de 5 crianças que receberam pelo serviço, 10 Córdobas, cerca de 28 cêntimos de euro. cão com um olhar indiferente, sendo que ninguém interveio para libertar o animal. Várias são as versões sobre o que sucedeu de facto ao cão, a mais defendida, é que um dia depois da abertura CIANTEC’14 da exposição 3, ele morreu à fome e à sede e, sem dúvida, sem lhado, não pode deixar de suscitar a indignação entre aqueles que Juanita Bermúdez, num comunicado oficial 4, vem dizer que o cão ção. Percebe-se pois o mecanismo que conduz a esta situação: quaisquer cuidados veterinários. Já a directora da Galeria Códice, congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação esteve na galeria sempre solto num pátio interior, e apenas foi pre- so por um período de três horas para a inauguração, tendo sido regularmente alimentado com comida que o próprio artista trazia. afectiva muito forte. A imagem é a de um ser vivo humilhado, e como esta imagem não está claramente identificada como uma não existe a mínima prova das intenções do artista, nem tampouco como uma agressão. No meio da cacofonia mediática da comunicação social, real, não filtrada pelas instituições culturais, acabou por ser vivida As associações de defesa dos animais de todos os países dúzia de fotos que vagueiam pela internet, e que se repetem por intervieram, vilipendiando Vargas, e fizeram pressão para que fos- tratado e não morreu, se foi maltratado mas continua vivo, se foi porém, nunca nenhuma delas encetou uma acção contra o artis- bem tratado, mas morreu, ou se foi maltratado e tenha morrido, se desacreditado e excluído de qualquer exposição na Europa, ta, a ADDA, Associação Espanhola dos Direitos Animais, confir- todas são hipóteses que podemos considerar, ainda hoje, como ma mesmo a versão da galeria. Franco Frattini, vice-presidente Ainda que esta história tenha ocorrido num país desprovido da Comissão Europeia, um texto, pedindo que doravante, a Euro- válidas. de leis de protecção dos animais, ela expande-se pela internet num movimento de indignação mundial com um eco sem precedentes. Afinal, a imagem de um cão preso numa galeria, impotente, humi- Sumário Página - 340 há uma identificação relativa do animal, ou ao menos uma entrega imagem artística, visto que o cão aparece como uma presença todo o lado, não demonstram o que lhe sucedeu, se ele foi bem Editorial partem do princípio de que toda a representação é uma glorifica- Ao fim de três dias o cão fugiu. uma fotografia que comprove que o cão morreu, além disso, a meia Capa Nuno MIguel Chuva Vasco da Comissão Europeia, publica em 29 de Outubro de 2007, no site pa não acolha mais obras de Guillermo Vargas. Por outro lado, a Ministra da Cultura da Costa Rica, afirma que nada pode fazer a respeito do dossier Vargas, visto que aquele não representa o país na Bienal, tendo contudo apaziguado os ânimos, dizendo que o 3 Esta informação foi confirmada por Marta Leonor González, editora do suplemento cultural do jornal diário La Prensa, ao jornal “Nación”, numa notícia de 4 de Outubro de 2007. Cf. http://wvw.nacion.com/ln_ee/2007/octubre/04/ aldea1263590.html [Consult. 4 Fev.]. cão não morreu no interior da galeria, mas que fugiu, corroboran- 4 Juanita Bermúdez in http://soydondenopienso.wordpress.com/2007/10/27/ guillermo-vargas-habacuc-declaraciones-de-la-galeria-codice [Consult. 13 Mar.]. nado a este respeito nos diz que «El animal murió en la obra, los do a versão da galeria. Esta opinião sugere uma segunda versão dos acontecimentos, porém, desmentida por Vargas, que questio- CIANTEC’14 medios son mis cómplices»5, porém, quando questionado sobre o tificar a infracção de um princípio ético fundamental em nome da vista da obra de arte enquanto instalação/performance conceptu- um complexo jogo com o público: Além da mise en scène da inac- paradeiro do cão, o artista acaba por não responder. Do ponto de congresso internacional em artes al, para Vargas a morte do animal pode traduzir-se num interesse, visto que corresponderá à natureza da instalação/performance de ter um fim anunciado. A petição, que se indigna pela morte do cão vadio, recolheu novas tecnologias e comunicação vários milhões de assinaturas pelo mundo para interditar a presença de Vargas na Bienal Centro-americana das Honduras realizada em 2008. Numa entrevista ao “El Tiempo”, Vargas explicou 6 que se tinha inspirado na morte, em 2005, de Leopoldo Natividad Canda Mairena, um indigente toxicodependente nicaraguense que foi as de Milgram, os signatários da petição desenvolveram o discurso e a indignação que eles deveriam ter tido com Natividad. O próprio artista assinou a petição, porque apenas ele era possuidor da compreensão absoluta da sua obra, e também ele não se podia desvincular de valores tão altos como a vida humana, frontalmente colocados em causa com Natividad. Existe, podemos dizer, uma directa relação entre os visi- do proprietário dos cães por parte das autoridades para que estes de do artista é demasiado complexa, na medida em que os factos Natividad, ambos públicos da indiferença. A aceitação da ordem não fossem abatidos, a transmissão em directo de todo o acontecimento em vários canais de televisão, e a indiferença do público e das autoridades que apenas reagiram com pistola de água para ocorrem tendo como pano de fundo as tensões racistas entre nica- afastar os animais, são elementos que Vargas considera relevan- por questões políticas da Bienal (tal como na esfera judicial, existe vocar no público reacções semelhantes às ocorridas com o caso raguenses (os “nicas”) e costa-riquenhos (os ticos”), mas também uma espécie de jurisprudência do extremo, onde não se pode jus5 Vargas em entrevista ao jornal “El Tiempo” em 26 de Abril de 2008. Cf. http:// www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4125438 [Consult. 1 Mar.]. Página - 341 bram algumas experiências da psicologia experimental, tais como beiros, e guardas de segurança. Natividad Canda ao projecto de Vargas. A questão da legitimida- Sumário ção dos visitantes da galeria frente ao cão que morre, que nos lem- tantes da exposição e todos os agentes envolvidos no caso de Não se vislumbra na petição qualquer palavra que relacione Editorial arte). Contudo, podemos considerar que Vargas põe em exercício ferozmente morto por dois rottweilers na Costa Rica, sendo tudo filmado pela comunicação social, e na presença de polícias, bom- Capa Nuno MIguel Chuva Vasco 6 idem tes para o modus operandi do seu trabalho, buscando por isso prode Natividad e «Corroborar las inquietudes de las que partió el proceso de la obra, generando reacciones similares a lo ocurrido con Natividad Canda, que es más fácil sensibilizarse por un ser virtual que por el miserable de la esquina, que toda la humani- CIANTEC’14 Nuno MIguel Chuva Vasco dad vive en hipocresías y los medios de comunicación, aun siendo lhida pela incoerência de factos que giram em torno dela, e contém meio da comida totalmente inacessível, simboliza efectivamente falta de informação desta história muito obscura, podemos ques- internacional assinado a petição acolheu um cão abandonado, ou ajudou uma uma obra de arte, e se deve ser legitimada independentemente do em artes associação de protecção animal? Quem se recusou a comer carne que se faça ao animal, e como esse espaço de exposição pode novas tecnologias de vaca para evitar a exponencial produção animal em prol de uma mostrar o quanto a arte contemporânea está comprometida com e comunicação economia capitalista? Dentre os milhões de signatários da petição, situações impossíveis e eticamente inaceitáveis. Segundo a éti- el cuarto poder, es posible manipularlos.»7. O animal, preso no congresso os paradoxos da nossa sociedade hipócrita, afinal, quem após ter ca animal, a sua intervenção na arte contemporânea deveria ser a obra de Vargas cumpre uma função pedagógica, não obstante, caso, abordar o estatuto do animal de modo a denunciar as violên- totalmente incompreendida, mas o problema reside precisamente na metodologia utilizada pelo artista. Aqueles que entenderam a obra, assim o contestam. A obra de Vargas, é um gesto cheio de elementos heteró- Sumário cias que lhe são feitas. Isto levanta a questão dos limites éticos do artista porque as consequências da sua obra são avaliadas pela sociedade. Esta reflexão, podemos dizer, tem origem nos Ready-mades de Duchamp, porque na medida em que estes eram a manifesta- quer isto dizer, numa acepção futebolística, que o artista adopta sabemos, constitui um meio social determinado em que o estatuto princípios demasiado avançados e que, estando fora dos limites da esfera artística, comete um erro inaceitável para a sociedade. O artista, não sendo desqualificado, deve pois reposicionar-se em relação aos seus semelhantes. Esta obra, não está totalmente esclarecida, estando to- Página - 342 sempre saudável, quer isto dizer, que o artista deveria em qualquer clitos e que se afasta das regras estabelecidas, questionando o outro, implicando-o num jogo que se assemelha a um fora-de-jogo, Editorial tionar, se a ideia de um animal preso numa galeria de arte constitui quem se preocupou com os milhões de pessoas que têm apenas uma refeição por dia, ou simplesmente passam fome? A este nível, Capa todas as características de um hoax. Não obstante, e apesar da 7 Vargas em entrevista ao jornal “El Tiempo” em 26 de Abril de 2008. Cf. http:// www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4125438 [Consult. 1 Mar.]. ção da natureza processual e social da arte, e que portanto, como do artista que faz a obra de arte, seja ela qual for, e seja qual for o objecto em causa, permite-nos inferir que tudo pode ser arte. Não será pois Vargas apenas um entre muitos? Senão vejamos, “Como Explicar Desenhos a uma Lebre Morta” (1965) de Beuys, ou as acções nitschianas, sexualmente provocadoras e piscologicamente inflamatórias, também se desviaram da ortodoxia vigente. Mais actualmente, os organismos geneticamente modificados de CIANTEC’14 Kac, em nome da sua Bioarte; os polémicos cavalos suspensos ta do artista, trata-se de uma reacção à perspectiva do espaço ttelan 9, os porcos tatuados de Wim Delvoye, os corpos humanos de alguém, como infelizmente frequentemente acontece. Portan- de Maya Bösch e Régis Golay 8, Plágio ou citação de Maurizio Cacongresso plastinizados de von Hagens; ou a pretensão de Gregor Schneider internacional em fazer da morte humana uma performance10, serão para muitos em artes novas tecnologias e comunicação eticamente reprováveis, no entanto, fazem parte da esfera estética do panorama artístico mundial. E no caso concreto de “Exposición suscitar o debate e que não passa despercebida. O espaço fechado da galeria tem por efeito anular os efeitos do contexto e gesto com uma clara vontade de estimular a percepção, e de pro- um ataque à arte contemporânea, a que temos o direito de não entender, mas que tem direito à sua existência? Existe um argumento que foi frequentemente evocado para fundamentar a contestação a esta obra: o da provocação gratuita. A arte contemporânea procura a todo o preço, provocar reacções, Página - 343 e consequentemente, de tornar evidente que a arte pública pode falar de meta-criadores da obra, se quisermos meta-ético-criado- moralmente empobrecida? E toda a crítica não será unicamente Sumário to, trata-se de assinalar a importância da arte no espaço público de meter em evidência a obra como objecto, todavia, o cão não é res, mas também de uma sociedade eticamente desequilibrada e Editorial galeria, visto que uma situação idêntica poderia ocorrer em casa # 1”, não será também o público, testemunho da atrocidade cometida, tão cúmplice quanto Vargas? Poderemos, neste sentido, Capa Nuno MIguel Chuva Vasco um objecto, mas sim um gesto, uma instalação/performance, um vocar reacções com o fim de manifestar o sentido da arte no meio do público. Quando ele é exposto e consequentemente observado pelo público/espectadores, ele é um digno representante da sua história e assume por via do artista uma nova identidade. É desta forma que o animal se torna obra de arte. Torna-se um gesto representativo de várias fases temporais. Independentemente do sucedido com a “Exposición # 1”, tematizando deliberadamente tabus e fundando portanto a provo- matar em nome da arte será sempre reprovável do ponto de vista cação em detrimento do sentido. Podemos antes de mais dizer, humano, e a crítica artística é muito assertiva e contundente. Gus- seu sentido não se reduz à emoção suscitada. Do ponto de vis- de de Artes da Universidade Nacional da Colômbia, «Tiene que que esta obra é um gesto que possui uma certa riqueza e que o 8 “Cavalo de Batalha” (2013). 9 “Balada de Trotski” (1996). 10 http://www.publico.pt/cultura/noticia/artista-alemao-quer-transformar-mortehumana-numa-performance-1326316 [Consult. 17 Fev.]. tavo Zalamea, director do Instituto Oficina de Criação da Faculdahaber una ética del artista, una práctica del cuidado del hombre, de plantearles perspectivas para la construcción de sentido con obras solidarias. (…) Plantear la posibilidad de que muera puede resultar interesante. Teóricamente, uno lo puede hacer y sería una CIANTEC’14 obra conceptual, pero hacerlo morir es catastrófico desde el punto é prova disso. A hipocrisia da sociedade conduz à exploração de artista: si no respeta la vida, un artista debería dejar de llamarse sociedade num jogo participativo e de enorme cumplicidade, reve- humano. Respetar la vida de cualquier ser es fundamental para un congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação lando, à luz derridiana (Derrida, 2002), o animal que somos, sendo taria, pues se ha dicho que todo lo que ocurrió allí es simulación, mas também de uma sociedade com produção excessiva que não derna de Bogotá refere que «Habacuc creó una estrategia publiciuna forma de publicidad y no de arte (...) Solo concebir la idea de amarrar un perro, dejarlo sin alimento, es colocar a un ser vivo en Vargas, é um artista engajado com uma prática artística também símbolo de uma sociedade paradoxal de sobreconsumo, dá nada sem receber em troca. Contrariamente, a sua obra permite simultaneamente explicar como um cão faminto pode tornar-se o centro das atenções, quando poucos lhes prestam atenção na rua. O artista provocou a sociedade e tentou provar que nos emocio- que vai do desenho à intervenção em espaços públicos, vivendo namos facilmente com a miséria mediatizada, e que pelo contrário pelos media. Trata-se de uma artista que não hesita em despejar Podemos pois dizer, que a iniciativa de Vargas permite de- num mundo onde as ideias e as opiniões são previamente filtradas nos tornamos insensíveis à miséria escondida. 300 kgs de tomate no chão de uma galeria para provocar uma re- monstrar que as pessoas apenas se ofuscam perante assuntos flexão no mundo contemporâneo. Independentemente das causas mediáticos. Efectivamente, o acto de prender um cão, deixando-o prática, podemos concluir, dizendo, que este artista, considera- tude artística, pode tornar-se na temática do século, separando-a propostas para a obra, e da forma como o artista as coloca em do pela opinião pública como um algoz a abater, sensibilizou a opinião social para uma tomada de consciência colectiva de que Editorial os cães todos os dias morrem de fome. Prova igualmente que os Sumário sofrimentos do homem são frequentemente ignorados e Natividad 11 Gustavo Zalamea em entrevista ao jornal “El Tiempo” em 26 de Abril de 2008. Cf. http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4125438 [Consult. 1 Mar.]. Página - 344 uma arte ética mundial, ao mesmo tempo que compromete essa artista»11. Já María Elvira Ardila, curadora do Museu de Arte Mo- un nuevo campo de concentración.»12. Capa Nuno MIguel Chuva Vasco 12 María Elvira Ardila em entrevista ao jornal “El Tiempo” em 26 de Abril de 2008. Cf. http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4125438 [Consult. 1 Mar.]. sem comer, nem beber, e além disso considerada como uma atido seu contexto actual para a globalizar, fazendo jus ao conceito de marginalidade, porquanto, por definição, a arte marginal possui como característica principal, a provocação. E que sentido faria tal provocação não ter como consequência reacções do público? Como poderemos determinar o que é arte marginal se a sociedade presta-se a aceitar a transgressão, o obsceno ou mesmo o grotesco? Mas podemos nós aceitar tudo sob o pretexto de uma démarche artística? CIANTEC’14 A ética animal coloca questões clássicas que se tornaram assuntos da sociedade cada vez mais importantes. Terão os animais direitos? Teremos nós direitos sobre eles? A exploração de congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação animais para produzir alimentos e roupas, para pesquisas cientí- ficas, para nos divertirem e nos fazerem companhia, serão elas justificadas? Estas questões inscrevem-se num conjunto extremamente polémico, no qual se confrontam numerosas e diversas posições, e acabam por se esquecerem perante uma obra que aparentemente atenta contra a dignidade animal, fruto de impul- so mediáticos e irreflexões da sociedade, porque senão vejamos, quantas pessoas não terão assinado a petição sem se inteirarem do conteúdo da notícia, e quantas terão perdido algum tempo para aferir a sua verdade? Por outro lado, no momento de decidir con- tra Vargas, quantas pessoas se terão lembrado da quasi similitude desta história com outras aparentemente inocentes, como por exemplo, as experiências farmacêuticas, o abate em massa, as touradas, e até mesmo a caça que, em nome do desporto, chacina espécies tão queridas do público como coelhos, veados, e até Capa Editorial Sumário mesmo elefantes em propriedades privadas de África. A situação actual da arte é essencialmente da ordem da experimentação. Na ausência de critérios de julgamento estético claramente definidos e amplamente reconhecidos, as obras só podem ser unicamente ensaios em que não se pode prever se entrarão ou não na história. Em termos artísticos esta história, pelo que Página - 345 provou ser, ocupará certamente um lugar na história, em termos Nuno MIguel Chuva Vasco sociais e humanos, pode perfeitamente ser paradigmática de milhões de animais que são torturados todos os anos, sem que ninguém professe uma palavra que seja. REFERÊNCIAS Derrida, J. (2002) O animal que logo sou, São Paulo: UNESP. Naconecy, C. (2006) Ética e animais: Um guia de argumentação filosófica, Porto alegre: EDIPUCRS. Rodríguez, L. (2013) El perro está más vivo que nunca. Arte, infamia y contracultura en la aldeã global, Anuario de Estudios Centroamericanos, Universidad de Costa Rica, 39, pp. 479-482. Vilmer, J. (2011) L’éthique animale, Que sais-je?. Paris: PUF. Vilmer, J. (2008) L’éthique animale. Paris: PUF. CINEMA RELACIONAL: PERSPECTIVAS E HORIZONTES NYCOLAS ALBUQUERQUE Formado em Arte e Mídia pela UFCG. Mestre em Estudos Contemporâneos da Arte pela UFF. É professor do curso de Artes Visuais de Unifap. Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 1. INTRODUÇÃO Este trabalho investiga as possibilidades de interação da congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Estética Relacional com o Cinema. De que maneira a Estética Relacional pode fornecer a substância para a produção de um Cinema que não possui filme, de um cinema que suprime o objeto finalizado? Na obra de Nicolas Bourriaud (2009a) “Estética Relacional” ele nos apresenta a possibilidade de que a arte tome como horizonte teórico a esfera das interações humanas e sua relação so- cial, mais do que seu espaço simbólico e sim uma modificação dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna. O que nos interessa é ver a arte e seus processos se de- senrolam no tempo do acontecimento voltado para um público que é chamado pelo artista. Gerando sua própria temporalidade a obra provoca encontros casuais e fornece pontos de encontro “que constitui o campo artístico e funda sua dimensão relacional” Capa Editorial Sumário (BOURRIAUD,2009a,p.42) Para Bourriaud (2009a) artistas que se propõem a fazer uma obra relacional realizam momentos e produzem objetos de socialidade. É a arte que faz a arte, não os artistas. Os artistas seriam catalisadores a serviço de leis que ultrapassam seu domínio, pois o resultado nunca é presumível. A obra de arte relacional pretende ser mais do que sua Página - 348 Nycolas Albuquerque mera presença no espaço, ela solicita o diálogo, ela requer uma forma de negociação inter-humana, se realizando no aqui e agora. Ela não tenta mais idealizar utopias, mas sim, pretende construir espaços concretos, espaços vivenciados. A arte relacional orienta-se em processos flexíveis que regem a vida comum. Para Duchamp “É o observador que faz o quadro” (CAUQUELIN,2005,p.98), ele pretendia subtrair a existência física do objeto em favor do ato de escolha, propondo que a obra fosse o gesto e não o objeto. Para Cauquelin (2005) a arte é o local de reunião simbólica, unificador das diferenças, que deve exercer a função de ligação e servir de substituto do consenso político, deve permitir que a sociedade possa se elaborar de outra forma, procurando possibilidades de diminuir, e ou, aniquilar fronteiras. Dito isso como o cinema pode se transformar para satisfazer necessidades sociais e artísticas na contemporaneidade, mos- trando todo o seu potencial de mutação, abrindo-se ao diálogo mais próximo e nas relações cotidianas, mostrando a potência do dia-a-dia, legitimando as relações e identificações que se estabe- lecem pelos seus próprios corpos, pelos seus movimentos? 2. O QUE PODE O CINEMA NA CONTEMPORANEIDADE? O cinema tem sido produzido/consumido, por mais que exis- CIANTEC’14 tam outras formas1, basicamente da mesma maneira desde que foi inventado, uma sala escura, pessoas passivas, silêncio e mercan- tilizada (seja na produção, seja na exibição). congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Muito se tem falado sobre o papel da arte contemporânea na formação de uma outra espécie de cinema. Muitas das vezes o que entra nesse debate sobre o jogo de forças estéticas que estão envolvidas nessa relação são questões da espacialização do cinema, seu movimento em direção às formas expositivas, as suas múltiplas telas, as mudanças nas formas de fruição desse cinema, que integra o corpo, também em movimento, e de como o tempo da exposição aponta para um tipo de temporalização da imagem e do looping, um modelo de metrificação contínuo do tempo, que não é o que pretendemos aqui. Assistimos claramente ao processo de transformação da teoria cinematográfica, isto é, de uma teoria que pensa a imagem não mais como um objeto, e sim como um acontecimento, campo de forças ou sistema Capa Editorial Sumário de relações que põe em jogo diferentes instâncias Nycolas Albuquerque Assim, o termo utilizado pela Kátia Maciel “Transcinema” (2009) define as formas hibridas de artes visuais e cinema, onde o existe a criação de um espaço de envolvimento sensorial do espectador. Vemos uma passagem entre uma arte calcada no tra- balho físico, no objeto, para uma arte calcada na manipulação invi- sível da informação e em suas formas imateriais de apresentação. Obras de arte (e imagens) deixaram de se apresentar necessariamente sob a forma de objetos, eles se diluíram em acor- dos conceituais, ambientais e interativos. Hoje, as imagens se es- tendem para além dos espaços habituais em que eram expostas, como salas de cinema e a televisão doméstica, e ocupam galerias, museus e mesmo o espaço urbano. Não devemos, por tanto, permitir que a “ forma cinema” se imponha como um dado natural, uma realidade incontornável. A própria “ forma cinema”, aliás, é uma idealização. Deve-se dizer que nem sempre há sala; que a sala nem sempre é escura; que o projetor nem sempre está escondido; que o filme nem sem- enunciativas, figurativas e perceptivas da imagem pre se projeta (muitas vezes, e cada vez mais, ele é tia) sala, seja em espaços outros); e que este nem sem- (PARENTE,2009,p.23. in Transcinemas. MACIEL, Ká- transmitido por meio de imagens eletrônicas, seja na pre conta uma história (muitos filmes são atracionais, Página - 349 1 Tímidas para o mercado, mas existem transgressões feitas no cinema que permitem que ele seja organizado de forma diferenciada da clássica. abstratos, experimentais etc). A história do cinema tende a recalcar os pequenos e grandes desvios pro - CIANTEC’14 duzidos nesse modelo, como se ele se constituísse pela sua imaterialidade, pelo seu não acabamento. “É preciso in- desenvolvimento e o seu aper feiçoamento. (PAREN- bens, mas pelas operações dos usuários” (CERTEAU, 2011,p.13). apenas do que quer que tenha contribuído pra o seu congresso TE,2009,p.25 in Transcinemas. MACIEL, Kátia) internacional em artes novas tecnologias e comunicação Não existem embates entre qual sistema deve prevalecer sobre outros, aliás, não faria o menor sentido, a questão é coexis- tência, expandir as possibilidades e co-habitar as mesmas sensibilidades e experiências, seja pela sua forma clássica, ou seja, por essa massa caótica que não possui forma. Michel Ceateau (2011) é que nos aponta para o cuidado que devemos ter em suspeitar da objetividade das instituições do teressar-se não pelos produtos culturais oferecidos no mercado de Portanto, nada é mais agressivo e estranho ao mundo in- dustrial do que esse estado de não-acabamento, um produto que não foi finalizado não pode ser comercializado, sendo ele realizado sem intenção de venda, aquisição. Assim a obra inacabada em seu processo de realização oferece a possibilidade de transformação de valores no sistema da arte, “na medida em que firma a obra em seu valor de experiência e vivencia, e não em seu valor de produto ou mercadoria” (MELLO, 2008,p.119)2. Entendendo que exista uma separação temporária entre o saber, seja a religiosa, a educacional e também a cultural (neste filme feito e o filme visto, acabado, o Cinema Relacional não faz dem do saber, e sim com a ordem socioeconômica, privilegiando tre o aqui e agora, ao invés da sala escura e contemplativa, ele caso o cinema), quando está não está mais preocupada com a orsistemas industriais de produção e mecanismos financeiros que visam o lucro. A estrutura que hoje define o Cinema está diretamente ligaCapa da a esse sistema industrial, onde a produção até a exibição são Editorial mediadas por trocas financeiras que visam colocar mais capital de Sumário giro para fortalecer as próprias engrenagens. O que destaco aqui é a importância de outro tipo de pro- dução não se enquadrar, ou não se sujeitar, ao mercado de bens culturais provocando uma ruptura na lubrificação dessa engrenaPágina - 350 Nycolas Albuquerque gem. Antes do “Cinema Relacional” virar comércio ele se desfaz essa separação, esta se dilui dando lugar a outra experiência en- enfrenta lugares claros, ruidosos, fragmentados e públicos, onde havia concentração de pessoas, de regras, de normas e conceitos surge fragmentação dos mesmos. Assim o espectador passivo da sala de cinema, do DVD e do AVI 3, desloca a atenção do consumo dos produtos privados e recebidos para a criação anônima, nascida da prática do desvio no uso desses produtos. O Cinema Relacional se propõem a criações 2 MELLO, Christine. Extremidades do Vídeo. Editora SENAC. São Paulo, 2008. 3 Formato mais usual de arquivo de vídeo para os filmes baixados pela internet. CIANTEC’14 anônimas e efêmeras que nascem com frescor e não se capitalizam. Para Benjamim (2012) 4 A obra de arte sai da sua práxis de congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação ritual para dar lugar a práxis política, com isso questão como au- toria, aura, originalidade são apagadas para dar lugar a uma nova forma de se pensar e de se fazer arte, seja nos seus processos técnicos, ou não. Pois hoje se tem a noção de que o sujeito comunicante desaparece em detrimento a uma produção global de comunicação (BOURRIAUD.2009a), onde as relações são determinadas pelas estruturas dadas, por convenções sociais que marcam muito bem espaços e pertencimentos, ainda fortalecendo a percepção de gênio criador, de artista com iluminação divina, artista superior. Quer dizer são criados e fortalecidos compreensões a muito tempo superadas. Essas convenções, essas regras não foram estabelecidas coletivamente, mas através das instituições de saber e de fomen- to. No cinema existem regras não declaradas de comportamento Capa Editorial Sumário e relação dentro da sala de exibição, ou até mesmo dentro de um set de gravação, que não formam elaboradas pelo coletivo, pela “comunidade”, pelos usuários, mas, sim foi a instituição cinema que proferiu tais acordos, tais convenções, tais normas de com- Página - 351 4 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. in: Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Trad Marijane Lisboa e Vera Ribeiro; Org. Tadeu Capistrano. Rio de Janeiro. Editora Contraponto, 2012. Nycolas Albuquerque portamento que não estão registradas em livro algum, mas todos os usuário rotineiros conhecem. 3. E O QUE PODE SER O CINEMA RELACIONAL? O que as obras relacionais propõem são uma modificação desse espaço institucional em detrimento a uma nova forma de se relacionar, não somente entre os participantes, mas também com relação às obras, modificar o status da obra, transferir a aura da obra para o público, usar o pronto, o dado, assim como fez Duchamp. Portanto, a arte para Duchamp não tinha mais conteúdo intencional (COUQUELIN.2005), ela só existia em relação ao local onde estava sendo exibida a obra. Obra que era um objeto banal já presente no mundo, já fabricado. A intenção do artista consiste em exibi-la, marcando muito bem seu deslocamento, deixando claro que aquele objeto artístico foi retirado de sua “normalidade” para habitar um outro espaço, este, o da arte. É o fluxo humano que se torna matéria-prima no Cinema Relacional. As imagens aqui funcionam como objetos produtores de socialidade e seus momentos, numa elaboração coletiva de sentido, provocando estados de encontros fortuitos e a prática da proximidade. Se “a Arte sai do regime mercantil, Arte Moderna, para CIANTEC’14 o regime da comunicação, Arte Contemporânea” (CAUQUE- do Cotidiano” é a necessidade de se valorizar as práticas cotidia- não poderia ser regulada por nenhuma moeda, ela deveria ser dis- dinário tem, a vida se desenrolando sem a mediação do outros, o LIN,2005,p.56), ela hoje representaria uma atividade de troca que congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação tribuição de sentido em estado selvagem, uma troca que é determinada pela forma do próprio objeto. É assim que se surge o interesse nos processos das obras relacionais, onde a interação humana produz a obra, e neste caso especifico, produz cinema. E se estamos vendo que cada vez mais rantes para nos tornar protagonista de suas vidas, suas histórias. Certeau (2011,p.61) complementa dizendo que “o enfoque da cultura começa quando o homem ordinário se torna o narrador, quando ele define o lugar (comum) do discurso e o espaço (anôni- ca diretamente com a sociedade (CAUQUELIN.2005). ser “falsificada”, regulada por agentes que não visam à coletivida- bém fabricá-la” (CAUQUELIN,2005,p.67), fabricar novas sociabili- dades é produzir novos sentidos de coletividade. Assim, o artista habita as circunstâncias dadas pelo presente para transformar o contexto de sua vida (sua relação com o mundo sensível ou conceitual) num universo duradouro. Ele toma o mundo em andamento: é um locatário da cultura. O espectador habita o espaço instalado e experimenta sensorialmente uma duração que não é necessaria- mente compartilhada, e sim única e particular. Sumário 3.1. O CINEMA RELACIONAL É COTIDIANO. O que Certeau (2011) muito bem coloca no livro “A invenção Página - 352 ordinário torna-se protagonista, saindo de uma sociedade de figu- mo) de seu desenvolvimento”. Quando o homem social, ou o bicho “Passar a informação, em uma rede de comunicação é tam- Editorial nas politizando suas ações, compreendermos a potência que o or- as obras de arte se afastam do público, enquanto cada vez mais surgem novos espaços institucionais, é porque ela não se comuni- Capa Nycolas Albuquerque político tomam para si a transformação da cultura, esta deixa de de, que não visam o ser protagonista, mas sim o ser subalterno. A ar te visa conferir forma e peso aos mais invisíveis processos. Quando par tes inteiras de nossa vidas caem na abstração devido à mudanças de escala da globalização quando funções básicas do nosso cotidiano são gradualmente transformadas em produtos de consumo (incluídas as relações humanas, que se tornam um verdadeiro interesse da indústria), parece muito lógico que ar tistas procurem remasterizar essas funções e esses processos, e devolver concretude ao que se fur ta à nossa vista (BOURRIAUD,20 09b,p.32) 5 5 BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2009b. CIANTEC’14 O que temos que nos perguntar não é mais sobre as novi- dades e as vanguardas artísticas, mas sim como trabalhar esse cotidiano de forma a dar substância para mudanças reais de comcongresso internacional portamentos sociais e institucionais, como produzir singularida- des, como elaborar sentidos a partir dessa massa desordenada de em artes objetos, de nomes próprios e de referências que constituem nosso novas tecnologias cotidiano? e comunicação 4. DO CINEMA EU QUERO A IDENTIFICAÇÃO E O MOVIMENTO. O cinema tem em sua estrutura fundante elementos conceituais que não necessariamente solicitam o objeto fílmico, nesse caso em especifico destaco a identificação e o movimento, eles possuem as características primordiais para que o cinema se defina como tal (Xavier,2003). A entrada de uma pessoa modifica instantaneamente e inconscientemente aquela que estava só (BOURRIAUD.2009a), moCapa Editorial Sumário difica o espaço de consumo privado. O cinema reúne poucas pessoas diante da mesma tela, o que se vê não se discute durante o espetáculo, já a rua/cidade é o local privilegiado onde surgem essas coletividades instantâneas. É o ritmo das multidões que produz a linguagem secreta das coisas mudas, ou a linguagem secreta dos gestos. “O gesto Página - 353 não é só uma projeção exterior da emoção, é também o que a de- Nycolas Albuquerque flagra” (XAVIER,2003,p.82). A arte ao tentar romper a lógica do mercado nos devolve o mundo como experiência a ser vivida. Como o sistema econômico nos priva progressivamente dessa experiência, cabe inventar modos de representação dessa realidade não vivida. Pensar que as obras relacionais propõem enredos e que a arte é uma forma de uso do mundo, uma negociação infinita entre pontos de vista. Pensar também que o cinema é uma atividade que consiste em produzir relações com o mundo, em materializar de uma forma ou de outra suas relações com o tempo e o espaço. É também pensar na possibilidade sim de existência de cinema sem filme. É Christian Metz (2007) 6 que vai elaborar um pensamento em torno da segregação dos espaços, um irreal da tela em oposição ao espaço real da sala de projeção, que funcionam através de uma instituição, seja a empresa exibidora seja a própria instituição cinema. Na rua os dois espaços tendem ao diálogo mais abertamente, já que a rua é publica e pertence a todos, as normas são mais flexíveis e o controle menor, ou pelo menos tende a ser assim. A explicação de Habermas para o conceito de opinião publica foca em como o “consenso” é formulado pelos cidadãos servindo aos interesses da comunidade, e não em qualquer intervenção 6 METZ, Christian. A significação no cinema. Trad. Jean-Claude Bernardet. São Paulo. Editora Perspectiva, 2007. CIANTEC’14 patrocinada pelo Governo ou Estado (BAMBOZZI,2010)7. Ou seja, na rua as coletividades nascem de forma mais espontânea e a sua duração é determinada pelo interesse da comunidade. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Assim não se faz necessário o enquadramento, a delimita- ção, pois o cinema deve estar em todo lugar, a todo o momento, portanto deve-se privilegiar o que está no extracampo (fora do en- quadramento) da imagem, e o que está fora do filme, o extrafilme (fora da tela). Entende-se nesse processo a radicalização dos tempos mortos, onde cada um constrói a sua relação de tempo e espaço, a duração da obra diz respeito a cada, ela é única e individual. Para Cauquelin (2005,p.142) “o conteúdo real da obra é sua experiência temporal”, ela nos dá material abrangente para debatermos sobre o papel e interação social que a arte contemporânea e o cinema têm para a sociedade de hoje, pois a tendência é de que o espectador não aceita uma obra cinematografia que é dada apenas uma vez, ela ainda está associada a compreensão sua unidade e a sua duração (Benjamin,2012) 8 rejeitando qualquer mo- vimento que desconstrua essa formação. Capa Editorial Assim, o cinema oferece toda a gama de potencialidade in- finita de suas fugas e de seus reencontros. O devir deleuziano se Sumário 7 BAMBOZZI, Lucas; BASTOS, Marcus; MINELLI, Rodrigo (org). Mediações, Tecnologia e Espaço Público: Panorama critico da arte em mídias móveis.Editora Conrad. São Paulo, 2010. Página - 354 8 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. in: Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Trad Marijane Lisboa e Vera Ribeiro; Org. Tadeu Capistrano. Rio de Janeiro. Editora Contraponto, 2012. Nycolas Albuquerque faz vivo, onde as relações se constituem pela própria relação que os une, de forma dinâmica, recíproca, complexa e sempre mutável. 4.1. IDENTIFICAÇÃO Se todos os fenômenos do cinema tendem a conferir as estruturas da subjetividade à imagem objetiva, os processo de pro- jeção-identificação que se desenvolvem na medula do cinema, de- senvolvem-se também, evidentemente, no seio da vida. Para o cinema experimental, interessa não a impressão de realidade, ponto nodal do cinema de representação, e sim a intensidade e a duração das imagens. “O que se costuma chamar “realidade” é uma montagem “(BOURRIAUD,2009b,p.83) 9. Mas a montagem em que vivemos não é a única possível, a partir do mesmo material (o cotidiano), pode-se criar diferentes versões da realidade. Assim, a arte contemporânea apresenta-se como uma mesa de montagem alternativa que perturba, reorganiza ou insere as formas sociais em enredos originais. Portanto a minha percepção não é uma soma de dados vi- suais, táteis ou auditivos, percebo com o meu ser total, capto uma estrutura única da coisa, uma maneira única de existir, que fala, simultaneamente, a todos os meus sentidos. Para Metz (2007)10 9 BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2009b. 10 METZ, Christian. A significação no cinema. Trad. Jean-Claude Bernardet. São Paulo. Editora Perspectiva, 2007. CIANTEC’14 o cinema é linguagem que produz aproximação, onde cada plano (enquadramento e extraplano) é uma proposição, um enunciado congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mir-se por atos, a participação do espectador interioriza-se. A au- mesmo jeito que a imagem o faz. É o espectador que dá movimen- Então, dentro de um cinema o público não podendo expri- sência de participação prática determina portanto uma participa- ção afetiva intensa: operam-se verdadeiras transferências entre to ao cinema relacional. Numa compreensão mais contemporânea dos processos de produção do cinema percebemos que a identificação está cada sorve. Para Benjamin (2012,p.28)11 ausência dos processos técnicos Fotografia, trilha sonora, edição bém a maneira pela qual, graças a esse aparelho, ele representa para si o mundo que o rodeia”. A mais simples projeção sobre o outro, o “eu me ponho no seu lugar”, já é uma identificação de mim sobre o outro, que facilita e convida a identificação do outro comigo, este outro já se tornou assimilável. Para Morin (apud XAVIER.2008), a identificação constitui a alma do cinema, a participação afetiva deve ser considerada Página - 355 tome posse dessa mobilidade e possa percorrer os espaços, do a alma do espectador e o espetáculo da tela (XAVIER.2003). Na pelo qual o homem se apresenta ao aparelho, é tam- Sumário tador comum nas salas de cinema vem se juntar com a extrema mobilidade da imagem na tela. A intenção aqui é que o espectador “o que caracteriza o cinema não é apenas o modo Editorial como fundamento estrutural do cinema. A imobilidade do espec- narrativo. identificação, o sujeito, em vez de se projetar no mundo, ele o ab- Capa Nycolas Albuquerque 11 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. in: Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Trad Marijane Lisboa e Vera Ribeiro; Org. Tadeu Capistrano. Rio de Janeiro. Editora Contraponto, 2012. vez mais dando lugar ao estranhamento (MELLO,2012)12. Será a e mais alguns que levarão a recusa do Cinema Relacional no início, toda a estrutura dada ao cinema sendo apagada para dar lugar as simples relações humanas vai levar a toda uma rejeição, negação e repulsa a um cinema que não se materializa e não se finaliza. Para Xavier (2003,p.151) “na medida em que identificamos a imagens da tela com a vida real, pomos as nossas projeções-identificações referentes à vida real em movimento”. a identificação nasce de uma percepção do outro, de um gesto, de um movimento. Pensar a vida acontecendo no dia-a-dia em todas as cidades, em todos os locais já é um processo de projeções e identificações. 4.2. MOVIMENTO “Um dos postulados da arte cinematográfica diz que nem 12 MELLO, Christine. Extremidades do Vídeo. Editora SENAC. São Paulo, 2008. CIANTEC’14 um centímetro de imagem não deve ser neutro e sim expressivo, deve ser gesto e fisionomia” (XAVIER,2003,p.99). É o movimento que dá corporalidade aos objetos, os dá vida. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Para Deleuze (2005)13 a imagem movimento não reproduz o mundo, mas constitui um mundo autônomo, para ele o cinema é a única experiência em que o tempo é dado como uma percepção. O Cinema Relacional se pretende a construção de espaço-tempo próprios, onde o tempo é visto como resultado das relações huma- nas, de sua circulação e de seus afetos. Se a identificação se dissolve é o movimento que dará or- O ser humano seria seu próprio read made, e em consonân- cia com a articulação de Arlindo Machado (2010)15, o surgimento de novas técnicas, indica um desejo coletivo de criar novos espaços de convívio e de inaugurar novos tipos de contato com o objeto cultural, neste caso de uma nova formação de relações de convívio criando uma nova expressão, uma nova narrativa dessa vez protagonizada por todos. Portanto, criar é inserir um objeto num novo enredo, consi- do movimento, e que o movimento é intangível, sem materialidade, zem em maneiras de viver, em relações no trabalho ou lazer, em ma não fala das coisas, ele as mostra, assim o tempo e o espa- (BOURRIAUD,2009b,p.49)16 ço adquirem uma nova realidade, uma vida totalmente diferente. Podemos assim expandir o termo representação (tão comum nas teorias da crise da arte) pelo termo apresentação, por mais que os Sumário efeitos sejam intensos e o afetos duráveis. derá-lo como um personagem numa narrativa, “a sociedade huma- sendo, portanto representação. Partimos da idéia de que o cine- Editorial representação” (BAMBOZZI,2010,P.157)14, possibilitando que os ganicidade ao Cinema Relacional. Deleuze (2005) diz que a impressão de realidade no cinema é confirmada pela presença real Capa Nycolas Albuquerque dois tenham a mesma função aqui. na é estruturada por narrativas, por enredos imateriais que tradu- instituições ou em ideologias. Vivemos dentro dessas narrativas” Se a relação é uma narrativa, as obras relacionais propi- ciam a construção de inúmeras histórias que se distribuem de for- ma rizomática quando são colocados em contato os protagonistas, podendo ser a relação primeiramente o que se relata e depois o Não é o aparelho que nos interessa é como as pessoas se “apresentam”, se “representam” diante do aparelho, o Cinema Relacional possibilita “uma virada emancipatória em direção a auto 14 BAMBOZZI, Lucas; BASTOS, Marcus; MINELLI, Rodrigo (org). Mediações, Tecnologia e Espaço Público: Panorama critico da arte em mídias móveis.Editora Conrad. São Paulo, 2010. 15 MACHADO, Arlindo. Arte e Mídia. Rio de Janeiro. 3a Edição. Editora Jorge Zahar, 2010. Página - 356 13 DELEUZE, Gilles. A Imagem – Tempo. Trad. Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo, Ed. Brasiliense, 2005. 16 BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2009b. CIANTEC’14 que se religa, ela não é uma propriedade dos objetos industriais, ou dos artefatos artísticos, ela é uma necessidade humana. congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação 5. CONCLUSÃO Por mais incipiente que seja o estudo em cima do Cinema Relacional sempre é necessário dar o primeiro passo, se vai dar em algum lugar ainda não sabemos, mas um horizonte cheio de possibilidades está a nossa frente, muito potencial a ser explorado para que o cinema possa experimentar cada vez mais, da mesma forma que a pintura, fotografia e a música fizeram. Portanto criam-se novas realidades e novas vidas, inserir um objeto num novo enredo, considerando-o como uma personagem numa narrativa. É a pratica da deriva que nos interessa o vagar, se perder e chegar (BENJAMIN)17. Nada é duradouro, tudo é movimento, o trajeto entre dois pontos é mais importante que o próprio ponto, e “os encontros são mais privilegiados do que os indivíduos postos em contato” (BOURRIAUD,2009b,p.54)18. Capa Editorial Sumário A percepção muda nossa maneira de narrar, viver e morrer. O espaço em que o Cinema Relacional se apresenta é o da inte- ração, o da abertura que inaugura todo e qualquer diálogo. O que 17 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. in: Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Trad Marijane Lisboa e Vera Ribeiro; Org. Tadeu Capistrano. Rio de Janeiro. Editora Contraponto, 2012. Página - 357 18 BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2009b. Nycolas Albuquerque ela produz são espaços-tempos relacionais, experiências inter-humanas, são lugares onde se elaboram socialidades alternativas, modelos críticos, momentos de convívio construído. O que propomos aqui são estados de encontros fortuitos, onde podemos celebrar a imaterialidade, numa receptividade cole- tiva, produzindo significados e relações que perduram mais tempo e vão mais longe que o próprio espetáculo, provocando ecos que contaminam a vida. Para você que ficou até aqui na expectativa de um dado pronto, alguma conclusão assertiva sobre o que realmente é e como funciona o Cinema Relacional vou ficar devendo essa resposta, agora não é o momento de fecharmos as possibilidades, o que pretendo ser claro é da importância sim, de uma nova maneira de trabalhar o cinema que o exima de qualquer processo industrial/mercantil para sua realização, visto que a matéria-prima do cinema são os afetos. O que podemos fazer para que Cinema Relacional possa existir realmente? Como subverter essas demandas técnicas que configuram o cinema, como excluir o objeto fílmico para o surgimento de uma outra forma cinema? Como o estranhamento pode proporcionar a percepção de que aquilo que se desenrola na sua frente também pode ser cinema? Segundo Bourriaud (2009a) os artistas relacionais apreen- dem seus trabalhos de um ponto de vista triplo, onde tentar aliar valor estético, histórico e social, levantando questões como: como CIANTEC’14 “traduzi-los” materialmente? Como se inscrever num jogo de referencias artísticas? e como encontrar uma posição coerente no estado atual da produção e das relações sociais? congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Essas e outras questões ainda estão inacabadas, para Wal- ter Benjamin (2012) existem, em todas as artes, uma parte física que não pode mais ser encarada e tratada como antes, que não pode mais ser omitida/eliminada dos processos artísticos, segundo ele é preciso estar ciente de que, se essas tão imensas inovações transformaram toda a técnica das artes e, nesse sentido, atuam sobre a sua própria invenção elas devem, possivelmente, ir até ao ponto de modificar a própria noção de arte. Afinal, o tempo é puro processo! 6. REFERÊNCIAS BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Martins Fontes 2009a. CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. Trad. Rejane Capa Editorial Sumário Janowitzer. São Paulo: Martins Fontes 2005. CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: 1 . Artes do Fazer. Trad. Epharim Ferreira Alves. Petrópolis – RJ; Editora Vozes, 17a Edição, 2011. MACIEL, Kátia (org.). Transcinemas. Editora Contra Capa. Rio de Janeiro, 2009. XAVIER, Ismail (Org.). A Experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Página - 358 Edições Graal: Embrafilmes; 3 a Edição, 2003. Nycolas Albuquerque O ENSINO DE ARTES NA CONTEMPORANEIDADE – UM OLHAR SOBRE A PRODUÇÃO ARTÍSTICA DA CRIANÇA. PATRÍCIA VOLPE DOS SANTOS Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Patrícia Volpe dos Santos RESUMO - O estudo questiona se a intervenção do profes- do a interlocução entre arte da criança e a produção da arte adulta sor alterará o grafismo das crianças, numa aprendizagem signifi- foi validade entre os arte-educadores contemporâneos. Tivemos congresso Com o foco no professor vemos que a autonomia é fundamental. Tradicional com seus aspectos exógenos de aprendizagem, e na internacional A prática reflexiva fará o professor questionar a definição de suas em artes tarefas e as teorias nas ações das quais pertencem. cativa indo além das aulas de artes e pondo fim aos estereótipos. novas tecnologias e comunicação PALAVRAS-CHAVE: | ensino de artes, produção artística, representação gráfica ABSTRACT - The study questions whether teacher interventions alter the graphics of children in a meaningful learning going beyond the arts classes and ending the stereotypes. With the focus on the teacher see that autonomy is fundamental. Reflective practice the teacher will question the definition of their tasks and theories in the actions of which they belong. KEYWORDS: | Arts Education, artistic production, representation A relação da criança com a arte adulta vem tendo seus laços cada vez mais estreitados. Matisse nesta vertente vê a produCapa Editorial Sumário ção infantil como algo que todo artista devesse olhar. Entretanto ao longo da historia do ensino de artes essa visão de Matisse não influenciou os arte educadores, ao contrário, o que vemos é uma tentativa de tornar a produção da criança em uma produção adulta, como se não houve valor no desenho da criança. Página - 361 O auge desta discussão ocorreu no final dos anos 80, quan- duas linhas que dividiram o ensino da arte no Brasil, a Escola contramão a Escola Nova com suas características endógenas. Porém a discussão entre os acadêmicos começou com Lu- quet em 1969, pioneiro nesta discussão. Luquet se interessou pelo desenho infantil, analisando-o numa abordagem cognitiva. O autor procurou respostas para questões relativas o quê e como a criança desenhava, assim como suas intenções e interpretações. Nesta mesma linha de pensamento Pillar (2006) e Duarte (2008). A primeira considerará a criança como sujeita do proces- so de desenhar, já que ela constrói o conhecimento através da relação direta com o objeto. Duarte (2008) já adota a expressão esquema gráfico e dirá que o objeto é nomeado antes de ser desenhado, após a execução do desenho, a intenção é confirmada pela interpretação e o nome do objeto é mantido. Já Lowenfeld (1961) fez uma abordagem mais didática sobre o ensino da arte, afirma que as intervenções feitas pelo educador servem para desconstruir os estereótipos e que tais intervenções não negam a autenticidade da produção da criança. PRÁTICA DOCENTE Em 2003 o ensino de artes nas séries iniciais (1 ao 5° anos) CIANTEC’14 é ministrada por um especialista, após vários projetos, em 2012 a Secretaria da educação do Estado de São Paulo inicia a discussão de um trabalho interdisciplinar entre o professor da classe e o congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação professor de artes, tendo como eixo comum os verbos das expectativas de aprendizagem. O único documento que temos como diretriz para pautar nossas aulas, ainda são os Parâmetros curriculares do ensino de artes. Por isso se faz necessário resgatar a base reflexiva da atuação profissional, com o objetivo de entender a forma em que realmente se abordam as situações problemáticas da prática. O que muitas vezes pode ter seu lado positivo torna o professor sujeito do pode se limitar a conteúdos do qual ele tem domínio, não buscando Stenhouse (1985) e Schon, porém o lado negativo é que o professor novos conhecimentos e assim empobrecendo sua pratica. Tanto Schön como Stenhouse expõem sua posição em rela- O ensino de arte não se limita somente à analisar obra de ção aos professores ou aos profissionais como resistência e opo- nos desenvolvem elementos essenciais da criação, percepção es- que Schön analisa a prática reflexiva como oposição a ideia do arte ou ao mero fazer artístico, os trabalhos produzidos pelos alu- sição aos modelos de racionalidade técnica. Da mesma maneira tética e o contexto histórico: fazer, apreciar e contextualizar. Outro profissional como especialista técnico, Stenhouse desenvolve sua arte popular e o seu valor enquanto objeto de arte. Desta pers- que reduz a capacidade de consciência profissional dos professo- dilema que percorre as discussões sobre arte é a importância da pectiva os Parâmetros dão um grande valor os artesanatos, às cantigas de roda, crianças folclóricas ou teatros de fantoches, e considera importante iniciar o ensino de arte pelas manifestações artísticas da sua comunidade. A ausência de orientações para os docentes compromete o desenvolvimento da produção artística do aluno. Com isso cada Página - 362 cional do estado de são Paulo visa a polivalência do professor de séries iniciais. Para agravar a situação, desde 2010 as crianças mos sem nenhuma formação continuada efetiva para professores. Sumário vimento da produção da criança, lembrando que a política educa- seu conhecimento, um pesquisador- reflexivo, juntando as ideias de ingressam na educação básica com 06 anos. Contudo ainda esta- Editorial e escolher conteúdos que em nada contribuam para o desenvol- artes (1997). Em 2003 a CENP (coordenadoria de estudos e nor- mas pedagógicas) lançou um projeto – o ensino das artes nas Capa Patrícia Volpe dos Santos profissional pode interpretar as orientações de maneira subjetiva perspectiva a partir da crítica ao modelo de objetivos no currículo, res e, portanto sua possibilidade de pretensão educativa. Autonomia para muitos professores é tomar as decisões que eles consideram certo. Esta concepção se refere à relação entre profissionalismo e autonomia pela qual os docentes reinvidicam um status que ora se perdeu ao longo do tempo. Os valores e pretensões que deveriam agir como orientadores internos da prática, ao transformarem-se em resultados previsíveis, se comportam CIANTEC’14 como orientadores externos que instrumentalizam a própria prática (Contreras pg194) Autonomia não está desatrelada das conexões feitas com congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação fato absorveu algum conhecimento?Esta pergunta permeou todo na importância do que eu ensino.Como sabemos que um aluno de de de isolamento, no “fazer sozinho” e sim na capacidade de tra- este ensaio. Como de fato sei que modifiquei a percepção do meu certo e sim dentro das “normas” buscarem maneiras diferentes de O estereotipo é um modelo de representação que foi cons- balhar no coletivo e ser profissional não é fazer o que se considera aluno sobre os seus estereótipos? exercer sua prática. truído pela memória para modificá-lo basta ampliar o repertório vi- uma nova conotação do ensino de artes na alfabetização, porém a gulo) ou sol (circulo raiado) desta maneira porque, além de ser sáveis dificultou a interpretação da função do professor especialis- importante ao desenvolvimento dela. É só olharmos os cartazes sual da criança. Ela começa a desenhar a casa (quadrado e trian- assim que ela aprendeu, este é um processo cognitivo natural e nas escolas, é comum encontramos estes esquemas gráficos. formação continuada mais efetiva compromete (comprometeu) a Porem não basta mostrar inúmeras imagens para ampliar o autonomia do professor em desenvolver seus conteúdos, uma vez repertório visual, a intervenção do professor é a peça fundamen- Sendo a formação continua o grande responsável por pra- ótipos?Levar a criança a perceber que tudo é permitido na sua que a proposta e muito aberta e subjetivas. tica pedagógica mais eficaz. A pratica docente é composta por formação inicial, formação continuada e as experiências pedagógi- cas. Uma vez que há lacunas na formação continuada o professor deixa de refletir sobre suas ações, pois fica enraizado no senso comum de sua área de atuação e por conseqüência compromete o Página - 363 Nos últimos 2 anos venho de debruçando nesta temática se desenvolve nem se realizam, nem são definidas pela capacida- fixo de atuação. Portanto, autonomia profissional ou pessoal não ta em artes nas series iniciais. A lacuna deixada pela ausência da Sumário ções corretamente no desenvolvimento do aluno? -pratica docente e alguns questionamentos tem me feito pensar falta de uma orientação mais ampla por parte dos órgãos respon- Editorial como denomina Schon (1983) como poderá efetuar as interven- as pessoas com as quais se trabalha, nem tampouco é um padrão A inserção do professor de artes nas séries iniciais trouxe Capa Patrícia Volpe dos Santos desenvolvimento do aluno. Se ele ao for um profissional reflexivo tal. Como demonstrar a criança que ela pode criar novos esterecriação?Não há belo ou feio, o que há é diferentes maneiras de representação o mesmo objeto. E que ao longo da historia o homem inovou na representação. Ampliar o repertorio visual do aluno não é mostrar varias arvores é demonstrar como os artistas foram representando estas árvores e assim a criança irá se identificar com algumas dessas CIANTEC’14 congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação representações e a partir desta referencia criar a sua própria. já havia trabalhado no bimestre anterior narrativas visuais, ela se UMA PRÁTICA AUTÔNOMA Quando vi os trabalhos expostos percebi vários elementos inseri- As minhas aulas de artes são pautadas nos três eixos: o fazer, a contextualização e a apreciação. Pode ser um simples exercício sobre textura ou estampas trago para sala de aula vários artistas que abordaram o tema em suas produções artísticas, as- sim o aluno verá as inúmeras possibilidades de criação. Agora como perceber se ele realmente mudou seu modo de representação gráfica?Comecei a tomar que nos trabalhos das outras professoras os estereótipos estavam se modificando. As professoras têm a prática de solicitar aos alunos que produzam suas próprias capas das avaliações bimestrais. Comecei a notar a diferença entre o que eles produziam no ano anterior e atualmente. Nos desenhos dos 2ºanos, as nuvens não são mais azuis, e não tem uma forma de “algodão”. A linha do horizonte pas- sou a ser incorporada nas produções e aquela faixa branca que Capa Editorial Sumário sempre encontramos entre o céu e a terra tinha desaparecido. Com isso pude constatar que as minhas intervenções esta- vam causando realmente alguma mudança de fato, nas produções das crianças. Outro trabalho realizado pela professora Patrícia na sala do 4ºano C foi uma historia em quadrinhos. Ela estava trabalhanPágina - 364 Patrícia Volpe dos Santos do algumas fábulas e como produto final criou uma HQ. Como eu apropriou do meu conteúdo para produção coletiva do seu projeto. dos, não só composição, mas na linguagem da HQ (onomatopéias e os balões). Já numa produção de texto da professora Zuleide o aluno para identificar que a personagem estava cantando colocou as notas musicais dó – re –mi –fá – sol -lá -si como recurso lingüístico. No trabalho de uma aluna do 4ºano onde o artista estudado era Ben Heine, a aluna como intervenção da foto desenhou um gato, não no número 8, se inspirou nas obras de Aldemir Martins, algo que eu tinha mostrado há 2 anos. Através da coleta de trabalhos dos meus alunos de um ano para o outro pude perceber uma mudança significativa na produção gráfica e verificar as intervenções que dando certo e as que não dão. Fico extremamente feliz quando um aluno me traz um artigo ou imagem de revista ou jornal de algum artista ou tema que foi estudado em aula. Ou quando em casa desenham algo inspirado nas obras estudadas. REFERÊNCIAS CONTRERAS, José- Autonomia de professores- São Paulo: Cortez, 2002 DUARTE, Maria Lucia Batezat – Desenho infantil e visualidade uma concepção de esquema gráfico e de esquema gráfico tátil-visual17ª ANPAP-2008 O PROCESSO CRIATIVO COMO MODO DE APRENDIZAGEM PATRICIA CECÍLIA BURROWES Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 INTRODUÇÃO Desde meados da década de 1990, termos como Economia congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Criativa, Indústrias Criativas, Cidades Criativas começaram a despontar no vocabulário global e ganharam crescentes centralidade e visibilidade. A primeira definição de Indústrias Criativas oficial- mente elaborada por um governo, o de Tony Blair no Reino Unido em 1997, incluía as seguintes áreas: arquitetura, artesanato, cinema, design, mercado de artes e antiguidades, mercado editorial, moda, música, artes cênicas, publicidade, software e games, rádio e televisão. Por ter sido a primeira, foi largamente adotada, servindo de base para grande parte das abordagens que se seguiram. Devido à grande dificuldade de definição do setor, a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD) que pu- Sumário em Economia criativa : um conjunto de visões (2012, p.10), “a criatividade é reconhecida como mais um ativo econômico relevante que tem em si uma rara característica: está a salvo da escassez.” Está claro que, na economia criativa, a criatividade é vis- ta como um meio de produzir riqueza. No entanto, a definição do que é considerado criativo/criatividade nos diferentes âmbitos de produção permanece um ponto não esclarecido nos documentos e relatórios sobre indústrias criativas. C R I AT I V I D A D E PA R A Q U Ê ? Segundo Kastrup (2007 [1999]), os estudos sobre a criativi- senvolve, quais sejam: sua produção emprega a criatividade com mente nos Estados Unidos da América. Empreendidos no âmbito os consome; contém, ainda que potencialmente, propriedade intelectual atribuível à pessoa ou ao grupo que o produz (UNCTAD, 2008, p. 10). No Brasil são considerados setores criativos todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um “ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação Página - 367 Como explica a economista e urbanista Ana Carla Fonseca dade entraram em voga na psicologia a partir da década de 1950, um recurso; os bens incorporam mensagens simbólicas para quem Editorial mica.” (MINC, 2011) blicou em 2008 o primeiro relatório sobre a Economia Criativa, sugere delimitá-lo baseando-se nas características dos bens que de- Capa Patricia Cecília Burrowes do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econô- ganhando maior difusão nas duas décadas seguintes, especialda psicologia técnica, enxergaram a criatividade como uma faculdade humana inata, participante da inteligência, presente portanto em todos os seres humanos, no que se contrapunham à ideia da criação como obra do “gênio”, predominante na primeira metade do séc. XX. As investigações buscavam maneiras de testar e medir a criatividade individual, com o objetivo de desenvolver métodos para treiná-la e estimulá-la. Atendiam dessa forma a uma demanda da sociedade americana, cuja industrialização e urbanização CIANTEC’14 galopantes exigiam o trabalho de indivíduos criativos. Embora reconheça o avanço que tais estudos representam no campo da psicologia em relação às formulações anteriores, Kastrup questiona Patricia Cecília Burrowes não a principal forma de conhecimento, mas uma pausa, um nível necessário mas instável de organização, um equilíbrio “metaestá- vel” que alguma perturbação pode afetar de forma imprevisível. congresso a forma como o problema da invenção é elaborado. Para a autora, internacional ao confundir a “função de criação” com a “capacidade de resolver gunta: por que a invenção não se dá sempre; o que impede esse em artes problemas”, o que se perdeu na psicologia da criatividade foi a modo inventivo da cognição de acontecer? E essa é de fato uma colocar problemas. Kastrup sugere que a função de criação é uma e outras de entrave à inventividade (op. cit. p.186). O caminho leva em relação à inteligência. “Por não haver distinguido a criação da e a produção de subjetividade. novas tecnologias e comunicação própria potência da invenção que estaria, antes, na capacidade de tendência de natureza diferente da intelectual; que ela diverge inteligência, a psicologia da criatividade não fez do problema da criação um verdadeiro problema.” (op.cit., p.20) o instante. Minha experiência como professora de redação publicriativa – colocou-me diante de uma dupla dificuldade: a da maio- conhecimento, de Maturana & Varela, – referenciais teóricos para recolocar o problema e abordá-lo a partir de pensamentos que incluem nas suas considerações o tempo e a transformação. Assim a autora propõe que a cognição é por si inventiva – uma poiesis – que se afirma e desenvolve por estranhamento e problematização. É uma diferença interna, constantemente reativada pela experiência, que leva a subjetividade a se inventar, e ao mundo, num pro- Página - 368 É no lugar da aprendizagem que gostaria de me deter para relativa aos estudos sobre a criação, Kastrup demanda uma teo- son, Simondon, Foucault, Latour, Deleuze & Guattari; a biologia do Sumário inevitavelmente a indagações sobre a aprendizagem, a tecnologia citária – uma das áreas de produção dentro da chamada indústria encontra em outros campos do conhecimento – a filosofia de Berg- Editorial questão que a autora aborda: haveria situações de potencialização Ao apontar a lacuna no campo dos estudos da cognição rização da invenção no âmbito da psicologia cognitiva. A autora Capa Ao leitor atento que pensa com Kastrup ocorre uma per- cesso simultâneo e inesgotável. O momento de re-cognição seria, ria dos alunos de vencer a distância entre o texto correto e a frase sonora, marcante, fresca; e a minha própria, de ensinar a pensar soluções imprevistas. Como ensinar o que ainda não foi feito? O que não tem a resposta correta? Mesmo nesse pequeno âmbito, da solução de problemas (e não da invenção deles), os entraves parecem mais fortes do que a potencialização. Em primeiro lugar é preciso mostrar que não há uma, mas inúmeras “respostas corretas” e que elas variam conforme o caso; isso significa que também não há garantia de acerto. Em segundo lugar é preciso mostrar o processo, o que necessariamente implica conhecimento da técni- ca e aproximação tateante, tentativa e erro, divagação e concen- CIANTEC’14 Patricia Cecília Burrowes tração, persistência e trabalho com as palavras. Ali, naquele am- tunidade de reativar o curso na Escola de Comunicação da Uni- de associações que se podem fazer entre dadas constantes: os oferecendo desde 2012. Destaco aqui dois autores cujas aborda- biente de redação publicitária, ainda é possível demonstrar o tipo versidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), onde o venho congresso objetivos do marketing e da comunicação, o universo de referência gens transdisciplinares da questão oferecem visões múltiplas que internacional do público alvo (levantado por meio de pesquisas) e o espectro em artes de promessas da coisa anunciada. Ainda assim, e embora o que novas tecnologias se busque como efeito seja de fato uma modalidade refrescada e comunicação de re-cognição e não o estranhamento radical, o passo inicial em direção ao incerto se reveste de grande ansiedade. Essa constatação me levou a desenvolver um curso que denominei “Criatividade e processos criativos”, voltado para pro- cessos criativos em geral, não apenas no âmbito da criação em publicidade. Foi em 2005, quando era professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ainda não conhecia, naquele mo- Sumário quântica. Em seu texto Sobre a criatividade (2011), David Bohm parte da impossibilidade de definir com palavras o que a criatividade é. Dessa forma, desloca a pergunta para o plano individual e lança mão de sua própria experiência como cientista, para respondê- -la. Mas, no lugar de fazê-lo diretamente, recorre a uma segunda pergunta “Por que, muitas vezes, os cientistas estão tão profunda- tização. Por outro lado, isso me permitiu abordar textos sobre a tenção de resultados, argumenta que nenhum desses seria sufi- campo do fazer: de artistas, de cientistas, de poetas e escritores... Esses, na impossibilidade de definir a “criatividade” e percebendo o paradoxo inerente à empreitada, se voltavam para o seu próprio processo criativo. Embora pareçam se apoiar nos estudos da psicologia da criatividade, e inclusive empreguem esse termo, “cria- tividade”, ao se voltar para a sua prática, encontram no processo Página - 369 plástica e professora, e David Bohm, físico estudioso da teoria mente interessados em seu trabalho?” (Bohm, 2011: p.1) Embora “criatividade” que não provinham do campo da psicologia e sim do Editorial necessários ou leis de validade universal: Fayga Ostrower artista mento, o trabalho de Kastrup em torno da noção de “criatividade”, que não se constituíra aos meus olhos como campo de problema- Capa iluminam o caminho, sem no entanto se fecharem sobre esquemas criativo pistas interessantes para abordar a invenção. Tive a opor- passe por pontos como utilidade, satisfação pessoal, vaidade, obciente para sustentar uma pesquisa, que passa por momentos de erro, frustração e superação. O autor conclui, então que o motor deve ser um desejo genuíno de “aprender algo novo, que tenha algum tipo de importância fundamental” (idem: p.2); algo que diga respeito à realidade em que se vive e que encontre nela uma unidade, uma totalidade, uma harmonia “que pode ser considerada bela” (idem: p.3). No entanto, a busca por completude, beleza, harmonia presente no cotidiano e no trabalho de tantas pessoas CIANTEC’14 não é por si garantia de originalidade. Para essa, prossegue o autor, um pré-requisito seria a capacidade de abrir mão de ideias congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação como crianças aprendem – por tentativa e erro –, Bohm afirma que cia totalizante, a sua descrição do processo não se fecha, porque frequentemente, é conflitante com o familiar. Ao observar a forma tal capacidade é encontrada em cada um de nós, pelo menos até considera “a evolução potencialmente infinita da natureza” que nunca é capturada pelas ordenações parciais (e necessariamente conhecimento, com objetivo de obter boas notas e agradar aos Fayga Ostrower dispensa apresentações. Além de sua ati- pectos que a inibiriam: o treinamento por repetição, para estocar temporárias). professores e pais. Essa mudança de uma forma de aprendizado vidade como artista, dedicou grande parte de seu tempo à educa- tivos, teria consequências significativas, uma vez que “o ato de lança mão de diversas áreas do conhecimento – psicologia freu- ção. Em seu livro Criatividade e processos de criação (1987 [1977]) diana, jungiana, piagetiana e gestalt, história da arte, antropologia, linguística – além de sua vivência de artista, para teorizar a cria- nica, fundada na rotina e na repetição, outra imaginativa, aten- ção. A autora, assim como Bohm, baseia a capacidade criativa na consciência e sensibilidade para perceber as diferenças, ou seja, dida de consciência que incorpora não só a memória e a cultura, conhecimentos prévios. Tal capacidade perceptiva seria, segundo movimento em direção ao sentido; nossa tentativa de apreender ta, a “percepção real”. Esta exigiria um estado de atenção alerta, aquilo que, dentro da rotina, destoa de, está em desacordo com “percepção consciente”. Apresenta, no entanto, uma noção expan- mas também a intuição. O “potencial criador” é para Ostrower um Bohm (idem, ibidem: p.5), decorrente de um estado mental geral e compreender o estar no mundo. Ocorre no entrecruzamento do desagradar, de cometer erros, de fracassar. Esta seria a força a porais e espaciais (história e grupo social). Não se limita, assim, a acessível a todo ser humano, represado, no entanto, pelo medo de sustentar os hábitos de percepção mecânica, conformes a ideias preconcebidas, e um dos motivos de se aprender apenas o neces- Página - 370 hierarquizada e de busca de uma crescente harmonia com tendên- uma certa idade. Haveria, portanto, no processo de educação, as- O autor distingue duas formas de percepção: uma mecâ- Sumário zá-las em ordenações cada vez mais complexas seriam o funda- mento da invenção. Embora Bohm insista nas noções de ordem aprender é a essência da percepção do real” (idem: p.4). Editorial A sensibilidade para as variações e o impulso de organi- preconcebidas, de forma a aceitar o novo. Isso porque o novo, gratuita e espontânea para outra, focada em conteúdos e obje- Capa Patricia Cecília Burrowes sário para objetivos específicos. sensível, com o pensamento e a cultura em suas dimensões temuma ou outra área de atividade, mas é a experiência fundamental do humano. É o processo criativo que delimita e dá forma a esse potencial CIANTEC’14 primeiro que talvez pudéssemos chamar, com Deleuze e Guattari, “criatividade” não é vista como simples faculdade de responder a e se exerce por meio do trabalho com uma materialidade. Haveria do processo criativo, entendida como capacidade de pôr em ques- de desejo. O processo criativo é o modo de realização do potencial congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação uma sensibilidade e uma imaginação específicas para cada maté- ria de expressão. Sensações, percepções, emoções, associações (provenientes do consciente ou não), memória, cultura e intuição A minha intuição, portanto, na formulação do curso Criati- gens, impulsionado um fazer que, ele mesmo, como experiência aprendizagem – aprender um modo de estar no mundo. Com meus mular) é ver o processo criativo como uma forma de aprender a da materialidade, modifica, amplia ou restringe, direciona ou des- alunos, a partir dos textos mencionados e de outros, procuro pen- sar a respeito do que levaria à invenção. Ao mesmo tempo produzimos experimentos que permitem a cada um vivenciar o processo para inúmeras outras possíveis, vindouras. Ostrower se refere com criativo e compartilhar na turma seus pensamentos e experiências. dúvida à Gestalt, mas sua vivência e compreensão do processo as próprias vivência e a reflexão. Não temos a pretensão de formar criativo como contínuo não permitem que um equilíbrio final se imponha sobre as variações e tensões, essas sim, constantes. O fazer modifica tanto o mundo quanto o fazedor, de modo que há sempre uma surpresa ou uma estranheza restante. “Criar representa uma intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer; e, em vez de substituir a realidade, é a realidade, é uma realidade nova pelo fato de nos articularmos, em nós e perante nós mesmos, em níveis de consciência mais elevados e mais complexos. Somos, nós, a realidade nova.” (Ostrower, op. cit. p.28) Página - 371 ou pesquisador, que prefiro chamar de fazedor. síveis pela lógica, solicitando configurações nas diferentes lingua- frequência a ordenações, formas, configurações que remetem sem Sumário tão tanto as teorias quanto as práticas, atingindo também o artista vidade e processos criativos (cujo nome estou em vias de refor- ordenação momentaneamente estável, mas deixa a porta aberta Editorial questões, como nos estudos da psicologia técnica, mas, por meio geram nexos entre si, no e com o fazedor, nem sempre compreen- via todos esses elementos e se efetua numa concretude como uma Capa Patricia Cecília Burrowes Em ambos os autores observamos um deslocamento: a O ponto central é que não buscamos resultados imediatos, senão artistas, cientistas ou profissionais criativos, tampouco de gerar produtos e patentes. Acreditamos numa educação que vise a vida como um todo, no longo prazo, em vez de visar habilidades espe- cíficas, tarefas de curto prazo ou resultados mensuráveis. Tentamos evitar as armadilhas da educação estética como revelação ou cultivo de si, ou elemento de distinção social. Priorizamos a experimentação naquilo que ela põe em movimento: vivenciar o processo mais do que focalizar a obra, seja como resultado ou como interpretação. Acreditamos que o processo é que conduzirá a uma abertura de si, fundamental tanto para a compreensão quanto para CIANTEC’14 a produção de obras. Ler a respeito de, pensar sobre e experimentar o processo criativo é sair do modo da re-cognição para o modo da cognição congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação inventiva. De fato, o próprio curso é uma errância, um caminho que se faz no caminhar, embora tenha referenciais – alguns textos, os exercícios –estes são móveis, como os dos nômades para se mover em seu território. Podemos dizer que o curso é ele mesmo um processo de criação. O motivo dessa abordagem é que acredito que a abertura ao processo pode fomentar um modo de vida mais íntegro, harmônico e atento ao outro. Porque a partir daí é possível perceber o mundo não como um dado, mas sendo diariamente feito por cada um, por nossas ações e escolhas; portanto, um mundo pertencente a todos. Porque uma sensibilidade globalmente alerta para a vida em sua diversidade pode ser mais saudável do que o pensamento puramente racional e econômico. Porque acolher a invenção implica ter a mente aberta para a diferença e a mudança. Porque se pode talvez alcançar a compreensão de que há formas diversas, múltiplas de viver, pensar, sentir e ser. Capa Editorial REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Sumário BOHM, David. Sobre a criatividade. São Paulo: Ed. Unesp, 2011. KASTRUP, Virginia. A invenção de si e do mundo. Uma introdução do tempo e do coletivo nos estudos da cognição. Belo Horizonte: Autêntica, Página - 372 2007. [1a edição: Papirus, 1999] Patricia Cecília Burrowes MINISTÉRIO DA CULTURA: Plano da Secretaria da Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações, 2011 – 2014 Brasília, 2011. OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987 [1977]. UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development: Creative Economy Report, 2008. PAINEL ESPM - UMA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEM PEDRO LUIZ RIBEIRO DE SANTI Psicanalista. Líder da Área de Comunicação e Artes e professor da Gradu- ação da ESPM-SP. Doutor em Psicologia Clínica e mestre em Filosofia. Autor de Desejo e adição nas relações de consumo (Zagodoni Editora, 2011), A crítica ao eu na Modernidade. Em Montaigne e Freud (Editora Casa do Psicólogo, 2003), entre outros livros e artigos na área de psicanálise, subjetividade contemporânea e con- sumo. Contato: psanti@espm.br Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 1 . O D E S A F I O C O N S TA N T E D O ENCONTRO ENTRE ENSINO E APRENDIZAGEM em artes novas tecnologias e comunicação Todos que trabalhamos com educação vivemos constantemente o desafio da transmissão e criação de conhecimento. Parece unânime a ideia de que só terá havido aprendizagem se tiver havido a apropriação do conhecimento e isto só é possível se aquele conhecimento fizer sentido para o sujeito. Como psicana- lista, considero que “fazer sentido” significa algo ser incluído e relacionado com a memória e a experiência anterior da pessoa, produzindo então uma transformação no repertório de que ela já dispunha. Algo só poderá ser aprendido se vier ao encontro do Eu e só terá sido aprendido se tiver transformado o Eu. Daí a ideia da importância de se apropriar, tornar próprio, o conhecimento. Ser professor implica em estar extremamente conectado com o ambiente no qual se dá a aprendizagem: dar aula é dar aula Capa Editorial Sumário para alguém. Ainda temos na memória e em alguns rincões a ideia do professor que despeja matéria e ou que fica satisfeito se reprova metade de uma turma. Desde a perspectiva que adoto, estes com uma experiencia nova, na qual o aprendiz possa ser exerci- tado e seus limites e sobreposições com outras áreas de conheciAssim, concebemos o modelo de Painéis ESPM para levar alunos da sala de aula para acontecimentos culturais de importância, produzir reflexões a partir de suas áreas de conhecimento e se confrontarem com estudantes de outras áreas, o que ensina a delimitar melhor o escopo de sua própria área. Naturalmente, a arte é um campo privilegiado para isso. Por seu caráter criativo, polissêmico e de produção cada vez mais pro- fissional, como negócio, ela permite que todas as áreas da ESPM (Administração, Comunicação Social, Design, Jornalismo, Rela- ções internacionais e, mais recentemente, Tecnologias de Informação) possam se encontrar e contribuir. A ESPM lançou recentemente seu novo Plano Diretor Acadêmico e, a partir dele, tem se dedicado intensamente nos últimos anos a refletir e propor metologias ativas de aprendizagem. Este projeto é um entre muitos outros experimentos desenvolvidos na instituição nesta direção. dois tipos de atitude configuram alguém que simplesmente não fez seu trabalho de professor. Em aulas expositivas considerada tradicionais muito pode Página - 374 instrumento poderoso de apropriação do conhecimento o encontro mento explorados. congresso internacional Pedro Luiz Ribeiro de Santi ser aprendido, e em profundidade. Ao mesmo tempo, pode ser um 2 . PA I N E L E S P M / F L I P Desde março de 2014, passamos a reunir alunos e pro- CIANTEC’14 fessores de todos os cursos da graduação de São Paulo em torno de algum acontecimento cultural de relevância. A ideias é que alunos interessados pessoalmente no tema possam proporcionar uma congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação reflexão, análise ou criação sobre ele, desde a perspectiva de seu curso. Oferecemos um olhar multidisciplinar (multi-curso, no caso) para formar um painel abrangente, mas sem pretensão totalizante, riqueza do livro e o contato com os autores. E então vem Paraty e a Mata Atlântica; ampliando, a Casa Azul e a organização de um evento que envolve organicamente toda a cidade num projeto de O primeiro destes projetos foi concluído e teve a Flip (Festa espm.br) os textos e cartazes produzidos, para que possam ser cal. Reunimos em nossa plataforma acadêmica (www.blackboard. literária internacional de Paraty) como objeto. De maio a agosto de aproveitados como um case pela nossa comunidade acadêmica. faculdade. No dia 2 de setembro, apresentamos à nossa comunidade e a membros da gestão da Casa Azul nossos resultados. Enquanto isto, na mesma semana realizamos uma exposição na Sala de Estudos com cartazes que também buscavam sintetizar nosso aprendizado. O grande saldo foi o trabalho em conjunto de professores e alunos de todos os cursos: tivemos uma verdadeira experiência de Universidade. Outro saldo foi a descoberta da forte identificação de nosso projeto com o da própria Flip: proporcionar uma experiência “360 graus”, múltipla. O fato de o homenageado do ano ter Página - 375 dicasse à Flip. Nela há, para começo de conversa, o prazer e a sempre análises, propostas e produtos culturais originais. camos textos nos Blogs Nota Alta ESPM e Newronio, também da Sumário Foi especialmente oportuno que o primeiro painel de de- design urbano que se estende pelo ano todo e pela população lo- mos seu presidente, Mauro Munhoz. Desde o fim de julho, publi- Editorial tradutor, etc. composto pelos saberes que circulam na ESPM. Apresentaremos 2014, formamos um grupo de estudos, fomos à FLIP e entrevista- Capa Pedro Luiz Ribeiro de Santi sido Millôr Fernandes evidencia isto: escritor, cartunista, jornalista, 3 . A E N T R E V I S TA C O M M A U R O MUNHOZ, PRESIDENTE DA CASA AZUL No dia 24 de julho, quando estávamos a seis dias da aber- tura da Flip, eu e um grupo de alunos da ESPM fomos recebidos na sede da Casa Azul (que organiza a Flip) em São Paulo e entrevistamos seu presidente: Mauro Munhoz. A conversa durou quase duas horas. Além da generosidade em nos receber, Mauro nos deu uma verdadeira aula sobre o que ele próprio denominaria ‘design’. Entre outras ideias que serão exploradas adiante, a Flip pa- receu um excelente objeto inicial. Trata-se de um evento cultural de grande expressão nacional e internacional, ela mobiliza uma logística impressionante e traz grande visibilidade à cidade de Paraty. Em sua décima primeira edição, ela segue em crescimento. CIANTEC’14 Uma vez que a ideia foi lançada, descobrimos que inúme- num polo cultural, num evento situado no período em que a cidade guimos através deles contatos importantes com a organização. A liza mais a economia da cidade que o reveillon e o carnaval juntos. ros professores eram assíduos frequentadores da festa e consecongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Este é um ponto fundamental do projeto: a compreensão de que apresentamos nosso projeto. Lá, encotramos dois ex-alunos traba- através dela. professores e alunos de cada curso, procuramos pela Casa Azul e lhando: a ESPM também já habita a Flip, afinal. giu então uma afinidade de propósitos: ela nos disse que outros com cerca de 17.000 títulos. As escolas públicas se envolvem com multi-disciplinar tinha parecido mais rica e em acordo com a pró- de um aeroporto. Lá foi montada uma biblioteca que conta hoje o projeto e põem em discussão a cada ano o autor homenageado. Hoje, pode-se trocar um ideia sobre Millôr Fernandes com muitas das crianças da cidade. Nos principais postos da organização do pria concepção da Flip. Esta observação só ficou clara com a en- evento, estão pessoas locais. Esta organicidade indica que um A Flip é concebida como uma intervenção urbana, dentro bocaria em algo totalmente distinto, como num festival de ciências trevista com o Mauro. Vamos a ela. de um paradigma de design. Nossa primeira pergunta foi: por quê Paraty? E a resposta do Mauro foi que a pergunta deveria ser: por projeto com estes princípios desenvolvido em outra cidade desemou música, por exemplo. Mauro nos contou que com o sucesso da festa, ele já foi quê literatura? Historicamente, a Flip faz parte de um projeto ante- procurado por outras cidades que gostariam de sediar algo seme- num projeto cultural de grande alcance econômico para a cidade. trução de um projeto também orgânico, as pessoas costumam se rior de integrar a cultura local, a paisagem e a história na cidade lhante. Quando ele conta que isto levaria uns 10 anos de cons- Pela própria dificuldade de acesso, Paraty pôde preservar uma desinteressar. Os eventos costumam ser alienígenas que pousam paisagem colonial rara e também se tornar o refúgio de pessoas fortemente ligadas à arte e cultura. Com um futuro quase marcado Página - 376 Em Paraty, a Casa Azul teve uma sede no centro histórico, mas optou por se mudar para a periferia, segregada pelos muros ou pesquisas mais convencionais, mas que a ideia da abordagem Sumário o desenvolvimento econômico não se dá em paralelo à arte, mas Fomos muito bem recebidos por Martine Birnbaum, coorde- cursos universitários os haviam procurado para fazer trabalhos Editorial fica mais vazia. E aqui já reside uma informação vital: a Flip mobi- Flip já passeia há anos pelo imaginário da ESPM. Reunidos alguns nadora das parceira e relações institucionais da Casa Azul. Sur- Capa Pedro Luiz Ribeiro de Santi pelo destino de veraneio, surgiu o projeto distinto de transformá-la e decolam dos lugares. A cultura da Flip é o avesso da cultura do ressort. Tudo isto cria um ambiente muito especial na cidade intei- CIANTEC’14 ra, que passa pelas mesas com os autores convidados, mas não depende delas e se integra a uma experiência mais geral ao se perambular por Paraty. em artes Anna Freitas, Arthur Zambone, Carla Escaleira, Estela de Luca, e comunicação colaborar com o trabalho social que a Casa Azul realiza continuamente em Paraty. Agradeço muito especialmente aos integrantes da Casa Azul, que acolheram amplamente nosso projeto, começando por Martine Birnbaum e nosso ex-aluno Christopher Mathi chegando ao próprio Mauro Munhoz, que nos concedeu uma generosa en- Flora Canal, Giovanna Vieira, Henrique Prado, Leonardo Amaral, Pedro Corrales, Victoria Bezerra, Vitor Marsula. Todos mostraram um grande envolvimento e disponibilidade para explorar e refletir sobre a Flip. Nem todos puderam ir à Festa, mas todos foram transformados pela experiência e deram um salto novo em suas formações. Enumero abaixo alguns dos artigos produzidos pelo projeto: houve um Diário de bordo, no dia a dia da festa escrito por Leonar- Em suas palavras finais, Martine Birnbaum teve a delicade- Arte, economia e território. Uma integração, estudo do Prof. Geor- za de nos agradecer pelo nosso interesse e evidenciou o principal: o valor de uma instituição de ensino superior se aproximar da cul- do Amaral, aluno de Comunicação Social, para o Arenas ESPM; ge Rossi sobre o potencial turístico de Paraty; Flipinha, no qual a aluna de Design Vitoria Bezerra analisa o trabalho social e educa- tura viva. Esta aproximação que parece tão óbvia tem sido, de fato, cional desenvolvido ao longo do ano com as crianças da cidade; mostrou uma empatia entre o próprio projeto da Flip e o de nosso conta sua descoberta do autor homenageado; O menino do balão rara. O investimento em perspectivas múltiplas que se enriquecem Painel. Como coordenador geral do projeto, sou muito grato à todos os níveis da instituição que nos deram suporte: o Diretor Acadêmi- Página - 377 Roberto, Celso Cruz e George Rossi. Alunos: Amanda Rodrigues, trevista às vésperas da abertura da Flip. Estamos seguros de que este foi o início de uma parceria maior. Sumário E um agradecimento específico vai ao grupo mais próximo amadurecidos e uma participação efetiva na própria feira. Pela mos de volta à Flip em 2015. Teremos questões e problemas mais grande afinidade de projetos, estamos caminhando na direção de Editorial frequentavam a Flip e nos deram dicas e contatos preciosos. de trabalho. Professores: Regina Ferreira da Silva, Mara Martha novas tecnologias Capa Arenas ESPM, a área de Marketing interno, aos professores que já Novos Painéis estão em curso e, tudo leva a crer, estare- congresso internacional Pedro Luiz Ribeiro de Santi co Ismael Rocha, os Coordenadores dos cursos de graduação, o Millor. O homenageado da Flip 2014, no qual Amanda rodrigues pink e outros retratos da Flip, com as impressões poéticas do Prof. Celso Cruz; Economia da cultura no Brasil e seus setores; Painel Flip, um interessante trabalho dos alunos de Relações Internacio- nais, Anna Freitas, Henrique Prado, Pedro Corralese e Vitor Mar- CIANTEC’14 sula que resultou numa reflexão sobre soft power; Mar(cha), uma tante acontecimento cultural e unir o que para muitos é separado; Social, Arthur Zambone. dológica. análise semiótica de um cartaz da Flip pelo aluno de Comunicação congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação 4 . PA I N E L E S P M - B I E N A L D E S Ã O PA U L O No começo de setembro, demos início ao segundo painel: ele tem como objeto a Bienal de Artes de São Paulo. Um grupo maior de alunos se interessou, a partir do interesse despertado pelo primeiro Painel. Formamos um novo grupo de estudos semanal e já fizemos uma visita guiada com as Profas. Silvana Novaes e Regina Ferreira da Silva. Iremos também entrar em contato com os organizadores do evento, em especial, os responsáveis pelo seu projeto educativo. Os alunos estão agora em fase de elaboração de seus projetos, que incluirão textos de análises, instalações e intervenções na própria faculdade, curtas metragens, etc. Devemos concluir os trabalhos no começo de novembro, Capa Editorial Sumário antes período de provas finais do semestre letivo. Já temos agendado o evento de encerramento para o dia 11 de novembro, para o qual convidaremos também membros da organização da Bienal. Para o ano que vem, novos temas tem surgido, como: o Festival de cinema de São Paulo, o Festival de música de São Luis do Paraitinga ou o modelo de assinaturas da temporada de óperas Página - 378 Pedro Luiz Ribeiro de Santi no Teatro Municipal. O modelo será sempre o de tomar um impor- o desfrute e a criação artísticas, e a reflexão acadêmica e merca- ENSINO DO DESIGN DE COMUNICAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DE CONTROLAR O CONTEÚDO - LINGUAGENS E SABERES QUE DÃO FORMA A UMA PROFISSÃO SANDRA CRISTINA GONÇALVES DA SILVA Licenciada em Design Visual – IADE, Creative University; Mestre em Ex- pressão Gráfica, Cor e Imagem – Universidade Aberta; Doutoranda em Design de Comunicação - Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO- Este artigo pretende divulgar, através da avaliação contextualizada de alguns projetos de estudantes do ensino pré universitário, a progressiva tomada de consciência que estes congresso vão tendo sobre a importância do seu papel enquanto autores, a internacional partir do momento em que aceitam ser possível diferenciar o tra- em artes balho gráfico quando produzido ou não pelo designer. novas tecnologias e comunicação PALAVRAS-CHAVE: Ensino do design, manual de normas, controlo de conteúdos de design, autoria de projeto ABSTRACT - This work intends to disclose, through contex- tualized assessment of some student projects from pre university Sumário paletas de cores, formas e possibilidades infinitas de experimentar diversas organizações de composição, dá-lhes a ilusão de que o processo é intuitivo e uma consequência do domínio da tecnologia. Esta sensação é comprovada quer pelos resultados que obtêm com alguma facilidade, quer pela exuberância dos efeitos gráficos a que chegam, a partir da aplicação de brilhos, sombras, rotações, deformações e outros. Como diferenciar então a “ideia” que nasce do pensamento possible to differentiate the graphic work when produced by the Quando procuramos ensinar aos estudantes o valor da di- disposição de formas pré existentes num computador? designer or not. ferença entre os dois procedimentos, referindo a importância de of content design, authoring project manifestamente a sugerir a certificação da autoria. INTRODUÇÃO é absolutamente diferente daquilo que o estudante de design de Um dos principais objetivos do ensino do design de comunicação no ensino pré universitário é que os estudantes aprendam a valorizar as questões da autoria dos projetos. Com a utilização mais ou menos generalizada da tecnologia, a realização de exercícios gráficos como o desenho de um Página - 381 com que os estudantes acedem a diferentes fontes tipográficas, do autor, da “ideia” que resulta do conjunto de ações de recolha e KEYWORDS: Design education, standards manual, control Editorial primeira vista, com resultados bastante satisfatórios. A facilidade education, the growing realization that these will have on the im- portance of their role as authors, from the moment they accept be Capa Sandra Cristina Gonçalves da Silva logotipo ou a composição de um cartaz, é quase imediata e à aprender e de aplicar as regras e técnicas do design, estamos O que cada um pode fazer a partir do domínio da tecnologia comunicação aprende a fazer, ainda que utilizando a mesma tecnologia. rença. A etapa seguinte é que os estudantes confirmem essa difeUm dos momentos mais importantes para a verificação des- sa diferença é a tomada de consciência da necessidade de conceber normas ou regras de utilização em cada projeto de comunica- CIANTEC’14 ção que realizam. Um manual de normas é um documento onde, a propósito de um produto gráfico como um logotipo, por exemplo, se delimi- Sandra Cristina Gonçalves da Silva produtos gráficos de qualidade envolve efetividade e simplicidade de comunicação e está fortemente associada à formação na área. Ao perceberem que existem linhas de controlo num projeto tam entre outras coisas, proporções, dimensões mínimas, cores, para lá do comummente visível, os estudantes aprendem a valori- em artes pode tomar a forma de um pequeno catálogo, de um livreto ou de renciar o trabalho gráfico quando produzido ou não pelo designer. novas tecnologias um poster. congresso internacional e comunicação fontes tipográficas ou comportamentos sobre fundos, e que tanto É por isso um documento “onde se estabelece, sempre com o máximo rigor, como e onde se deve aplicar a identidade tários. 2006, pp., 21, 25 e 26), que serve de orientação a este trabalho.1 Na realidade, sendo um conjunto organizado de normas a propósito de peças gráficas produzidas pelos estudantes, o manual de normas pode constituir-se ainda como um exercício de paginação e composição, facilitando a inter-relação de aprendizagens. O controlo da utilização posterior dos seus projetos ajuda os estudantes 1) a pensar a “ideia” para lá do projeto – antecipando-a em contexto real; 2) a compreender que a realização de Página - 382 Neste artigo pretendemos divulgar como essa progressiva tário do design de comunicação em Portugal, é um procedimento gem no programa da disciplina específica de design gráfico (Morais, Sumário em design. tomada de consciência se revela, através da avaliação contextua- recente. Aparece concretamente como um objetivo de aprendiza- Editorial Essa aprendizagem é gradual e faz parte integrante da formação visual.”(Mariscal, 2000, p. 4). A criação deste documento ao nível do ensino pré universi- Capa zar o seu papel enquanto autores, já que aceitam ser possível dife- 1 Ver Programa de Design Gráfico (2006), disponibilizado pela autora a 25 de agosto de 2014 em https://drive.google.com/file/d/0B6igAoCnyI1BUEt1dmpBWUI3bG8/ edit?usp=sharing lizada de alguns projetos realizados por estudantes pré universi- MÉTODO Tudo se passa no contexto do curso profissional de design de comunicação com a duração de três anos. A sua conclusão equivale a uma dupla certificação - a do ensino secundário pré universitário e a de profissional de nível IV. Neste curso leciono a disciplina de design gráfico, talvez uma das mais relevantes do curso no sentido de ser a que mais se aproxima do conteúdo profissional conferido. A disciplina divide-se pelos três anos, durante quinhentas horas, em dezassete módulos de vinte e quarenta horas cada. Para o seu desenvolvimento a turma trabalha numa sala CIANTEC’14 Sandra Cristina Gonçalves da Silva equipada com computadores e software de imagem. dos estudantes. Permite também a aquisição oportuna de conheci- údos através da realização de projetos de complexidade crescen- do aprendidas conforme as necessidades de cada um. O meu método de ensino assenta na abordagem dos conte- congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação te, por vezes divididos em exercícios de curta duração, procurando mentos tecnológicos, já que as ferramentas informáticas vão senPara o desenvolvimento dos exercícios mais curtos é dada abarcar matérias comuns a vários módulos. Por exemplo no primei- preferência ao trabalho realizado individualmente, enquanto para questões da imagem, já abordadas no módulo «a imagem» – com grupos de dois a quatro, havendo no entanto flexibilidade para ro ano, para tratar do módulo «identidade visual», revisitamos as o objetivo de clarificar conceitos como signo e símbolo, marca e logotipo. Para esse objetivo os estudantes realizam dois exercícios os projetos maiores pretende-se que os estudantes trabalhem em aceitar os que continuam a preferir trabalhar sozinhos. As questões da avaliação são extremamente importantes sequenciais, de curta duração. neste processo. Todas as fases são analisadas / avaliadas em texto de simulação, puramente académico. No segundo ano, temos ciais de cada trabalho. É também nessas orientações que estão Proponho depois um trabalho de maior duração, num con- oportunidade de reanalisar algumas questões do módulo «identidade visual», quando no módulo «identidade corporativa» desenvolvemos um projeto idêntico, ainda em contexto de simulação do cliente. momentos que estão previamente definidos nas orientações inidefinidas as etapas, apresentadas em cronograma e os critérios de avaliação a observar. Os estudantes são chamados a participar qualitativamente e quantitativamente na avaliação e estão cientes disso desde o princípio. De acordo com Jacob (1991) “un prerrequisito para un curso Este tipo de metodologia de ensino apresenta grandes afi- productivo es un buen equilibrio entre tareas cortas y bien resumi- nidades com a metodologia ABP (aprendizagem baseada em pro- Capa das, con material prefijado y fechas límites rigurosas, alternando jetos) apresentada pelo Buck Institut of Education (BIE, 2008, p. Editorial con proyectos extensivos autodefinidos de los alumnos”. Sumário 2 Esta abordagem permite avaliar progressivamente a apropriação dos conhecimentos e a sua correta aplicação por parte 18) e dada como exemplo em algumas das orientações metodoló- gicas disponibilizadas pelo Ministério da Educação e Ciência, em Portugal. No caso concreto do ensino do design outros educadores Página - 383 2 “Um pré-requisito para um curso produtivo é um bom equilíbrio entre tarefas curtas e bem resumidas, materiais pré-definidos e prazos rigorosos, alternando com extensos projetos autodefinido para os estudantes.” (T.L.) têm privilegiado o trabalho prático como estímulo do interesse pela teoria. (Jacob, 1991, Munari, 1982, Lenk, 2011) CIANTEC’14 Quando abordo pela primeira vez os conceitos de «marca» e «imagem da marca» sugiro sempre exemplos visuais. Iniciamos um curto trabalho de investigação – cada estudante deverá aprecongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação sentar a evolução gráfica da imagem identificativa de uma marca. São fatores importantes para a escolha da marca a preferência pessoal e o valor afetivo ou social que lhe é atribuído, o que à partida imprime uma motivação pessoalizada. Após uma a duas sessões dedicadas à investigação – a internet é a ferramenta mais gem inicial ao conteúdo «identidade visual». É a primeira vez que é pedido um ato de desenho, de criação de uma forma. Alguns es- tudantes registam as suas primeiras ideias a lápis no papel, mas outros começam a trabalhar diretamente no computador. A abordagem é livre, respeitando a regra da originalidade das ideias. É nadas dimensões e são concebidas a preto e branco. O objetivo é a integração dos conceitos de ícone, símbolo Na faixa etária em presença – 15/18 anos – o recurso à e logotipo. Os estudantes ao aperfeiçoarem os seus esboços no da que associando conceitos a imagens, reforçando a sua ligação damentais ferramentas de desenho vetorial. As duas sessões se- essa informação com a sua experiência de vida, de modo a integrar os conhecimentos necessários à realização das tarefas que serão propostas. Sabemos que os estudantes acomodam melhor os conceitos quando os relacionam com saberes já adquiridos, com expe- riências pessoais ou relações afetivas significativas. (Sprinthall & Sprinthall, 1993, p. 290) computador aprendem, de acordo com as necessidades, as funguintes são destinadas à apresentação e análise das imagens e ao simultâneo preenchimento de um quadro (Quadro 1), onde as imagens são classificadas – alguns estudantes representam-se por imagens mais icónicas, com alguma semelhança consigo próprios, outros por símbolos mais abstratos e outros ainda por letras, geralmente iniciais do nome, que alteram e reorganizam. No final das apresentações deverão estar integrados os conceitos pretendidos. Para a realização do primeiro projeto de trabalho no con- Por outro lado, “desenvolver um leque de experiência tal que texto do módulo “identidade visual”, a organização dos estudantes thall & Sprinthall, 1993, pp., 117-118) é um dos mais importantes cada um se integre num grupo de pares para poder aprender e proporcione o maior desenvolvimento cognitivo possível” (Sprin- Página - 384 que desenhar uma imagem que o represente, completa a aborda- suas conclusões à turma. No final das apresentações deverão es- com o registo visual, o estudante pode não conseguir relacionar Sumário Um segundo curto exercício, em que cada estudante terá previamente convencionado que as imagens obedecem a determi- memorização é o modo mais utilizado para reter informação. Ain- Editorial desafios que se coloca aos educadores. utilizada no trabalho de pesquisa – os estudantes apresentam as tar clarificados os conceitos “marca” e “imagem de uma marca”. Capa Sandra Cristina Gonçalves da Silva faz-se por equipas de dois a quatro elementos. É importante que CIANTEC’14 experimentar a articulação do trabalho em equipa, as suas vanta- Desde que o computador passou a ser uma ferramenta gens e constrangimentos. A atividade de sala de aula pode servir disponível na sala de aula, que observo alterações significativas antecipar situações. um maior equilíbrio na participação dos estudantes no trabalho para simular ambientes comuns ao mundo do trabalho, ajudando a congresso Sandra Cristina Gonçalves da Silva Começo pela distribuição por todos os estudantes de uma internacional nas dinâmicas de trabalho de grupo. Uma das mais sentidas é comum. Curiosamente são os estudantes tecnicamente menos habilidosos e que procuram com mais insistência e motivação apren- em artes folha A4 com o resumo das tarefas necessárias ao desenvolvi- novas tecnologias mento do projeto, onde consta a data limite de entrega e os cri- der essas habilidades, que me proporcionam oportunidade para as esta folha funciona como um contrato para trabalharmos em fun- os erros mais comuns. e comunicação térios que serão observados. Depois de analisada em conjunto, ção das mesmas regras e dos mesmos critérios. Depois, utilizando ção, as propostas são apresentadas e analisadas por todos os estarem devidamente identificados e compreendidos. O cliente é normalizada em dimensão e suporte. definido como uma empresa fictícia de obras e remodelações do- mésticas, com um nome também fictício, para a qual é necessário criar uma identidade visual – ícone, símbolo e/ou logotipo. As sessões seguintes são dedicadas aos esboços das pri- meiras ideias e à discussão das opções encontradas em cada Editorial Sumário grupo. As imagens vão ganhando forma e as equipas começam a estudantes. Para as apresentações, cada proposta é previamente Faço também uma apreciação de cada trabalho, aplicando deliberadamente a algumas imagens alterações estruturais – de cor, de forma, de proporção, de tipografia - intervindo nas imagens projetadas. Os estudantes assistem surpresos à vilipendiação intencio- nal das suas propostas, que até então achavam perfeitas e conclu- ídas, tomando progressiva consciência da necessidade de contro- apropriar-se das suas características. Os desenhos são realizados lar a posterior aplicação dos seus produtos gráficos – mas como? pelos tecnicamente mais habilidosos. À vez, o trabalho é partici- tão, os estudantes estão recetivos à ideia de definirem normas ora em papel, por estudantes mais virtuosos, ora em computador, pado e se é certo que só um pode desenhar a imagem enquanto a Página - 385 Depois de superadas as diferentes etapas da sua conce- o quadro vertical, vamos organizando o primeiro briefing do curso, até todos os procedimentos necessários à realização do trabalho Capa intervenções que vão alterar os procedimentos pré concebidos e desenha, todo o grupo participa com sugestões e ideias. Após terem avançado várias hipóteses para resolver a ques- para a sua utilização. Mostrar alguns exemplos de manuais de normas de identi- CIANTEC’14 Sandra Cristina Gonçalves da Silva dade visual, realizados por profissionais de design, ensina como Espera-se também que identifiquem o manual de normas fazer e estimula a criatividade dos estudantes que de imediato como componente fundamental do projeto de identidade visual e querem elaborar um manual para a sua proposta gráfica. um vínculo à profissão de designer. internacional surgidas na discussão de ideias e redesenha as peças de acordo R E S U LTA D O S E D I S C U S S Ã O em artes com as regras e normas que pré-estabelecem – surgem os primei- Cada equipa procede então à integração das sugestões congresso novas tecnologias ros manuais. Longe da simplicidade funcional que caracteriza um manual e comunicação de normas, estes primeiros documentos produzidos pelos estudantes devem ser considerados e avaliados como um experimento. É possível, durante a sua elaboração, ir considerando algumas re- gras de paginação, de unidade gráfica e de eficácia da mensagem. A análise conjunta dos primeiros manuais produzidos proporciona o debate e a perceção dos erros cometidos por cada grupo. No segundo ano do curso, no desenvolvimento do módu- lo «identidade corporativa», os estudantes têm oportunidade de voltar a realizar um projeto de identidade visual, para desta vez Capa Editorial Sumário responder a um conceito mais abrangente. Para a primeira fase do trabalho, de criação da imagem visual, repetem agora com maior segurança, todo o procedimento de construção do manual, como estrutura fundamental do projeto da peça gráfica, conhecendo antecipadamente a sua importância. Espera-se que integrem as soluções e resolvam os problemas identificados nos primeiros manuPágina - 386 ais. Nos dois primeiros exercícios os conteúdos apontam para a definição, clarificação e integração de conceitos. Paralelamente os estudantes exploram, alguns pela primeira vez, o software de desenho vetorial, ferramenta de trabalho imprescindível à evolução do curso e que implica a aquisição de novos conhecimentos, para aceder a um maior número de recursos. A vectorização das garatujas produzidas pelos estudantes na procura das formas representativas para a sua identidade, é um momento em que per- cebem a ampliação que a tecnologia pode dar ao trabalho criativo. (ver Quadro 1) CIANTEC’14 Ícones Símbolos Sandra Cristina Gonçalves da Silva Logotipos os estudantes têm para integrar a novidade e aceitar a diferença. Quanto maior é a complexidade, maior é a dificuldade em resolver superficialmente os problemas, o que obriga os estudantes a estarem disponíveis para procurar caminhos mais seguros e funda- congresso mentados. internacional É durante a fase criativa de um projeto que podem ser apre- em artes novas tecnologias sentados com algum impacto exemplos profissionais e sugerir que e comunicação a investigação de referências passe a fazer parte da fundamenta- ção das ideias. As habilidades desenvolvidas nestes dois exercícios são por isso, para alguns estudantes, a conquista maior. Sem esta Sumário Nestes dois exercícios os estudantes desenvolvem, natu- mas creio ser a partir da constatação coletiva dessas regras – ou gráfico. Este procedimento poderia ser ensinado de outro modo, ralmente, outras competências ao realizarem trabalho de grupo, da falta delas – que a aprendizagem e a integração do saber fazer crítica. Experimentam também processos de planeamento, organi- A constatação da necessidade de um manual para sistema- se torna mais efetivo. zação e avaliação, através da construção participada do briefing e tizar essas regras, um documento criado pelo autor da ideia gráfi- O primeiro trabalho de projeto, para a criação de uma identi- Os estudantes acabam por entender este documento como da gestão de prazos e objetivos. dade visual, vai encaminhar progressivamente os estudantes para as especificidades dos procedimentos da profissão do designer. A possibilidade da introduzir uma crescente complexidade Página - 387 equipa no produto acabado – e ver no sentido de procurar em cada peça a presença da aplicação das regras praticadas pelo design apresentação dos trabalhos, exposição ao grupo e relação com a Editorial rio têm como principal objetivo ensinar a ver o trabalho de cada aprendizagem os desafios sequentes são intransponíveis e a possibilidade de desistência aumenta consideravelmente. Capa As apresentações das propostas dos estudantes em plená- de conteúdos e tarefas está relacionada com a capacidade que ca, aparece de modo natural. um manual de instruções, cujo objetivo é preservar as proprieda- des e facilitar a correta reprodução, perceção, identificação e memorização da identidade visual que criaram. No primeiro projeto os estudantes criam uma identidade vi- CIANTEC’14 Sandra Cristina Gonçalves da Silva sual para uma empresa imaginada, trabalhando o seu ícone, símbolo e/ou o seu logotipo, desde a procura das referências de cores e formas, ao equilíbrio dos elementos necessários à unidade iden- congresso internacional em artes titária da entidade. Esse equilíbrio é explorado durante o trabalho criativo, integrado nas propostas e normalizado através do manual. Os primeiros manuais elaborados são já documentos vá- novas tecnologias lidos que definem atributos essenciais de cada proposta gráfica. e comunicação No entanto falham pela excessiva preocupação em repetir alguns passos habitualmente presentes nos manuais que serviram de modelo. Quer isto dizer que os estudantes se preocupam mais em respeitar um modelo do que em fazer corresponder o manual às necessidades decorrentes da normalização da sua peça gráfica. Uma das questões mais curiosas é a solução encontrada para a determinação da proporcionalidade das dimensões da peça gráfica (ver Figura 1). Figura 1 – Página de um Manual de Normas Gráficas produCapa Editorial Sumário zido pelos estudantes do 1º ano do curso profissional técnico de design de comunicação, Cascais, Janeiro/2013 Neste caso os estudantes privilegiam o apontamento das dimensões da peça em milímetros, ignorando a necessidade maior de estabelecer a relação de proporcionalidade entre os vários ele- Página - 388 mentos que a compõem. CIANTEC’14 Sandra Cristina Gonçalves da Silva A determinação dessa proporcionalidade permitiria a adaptação da peça a diferentes suportes, garantindo a sua integridade e uma relação, também de proporcionalidade, com diferentes dicongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mensões e tipos de suportes. Este é um conteúdo específico do ensino do design que ini- cialmente os estudantes não dominam. Apesar de terem abordado o conceito, a primeira vez que o trabalham, apontando-o no manual de normas, fazem-no por cópia do procedimento, mostrando não dominarem o seu significado. Isso também revela que os estudantes continuam presos ao seu modo de ver inicial, o que traziam antes de estudarem design de comunicação. No segundo manual de normas, após a identificação coleti- va dos erros cometidos no primeiro projeto, percebemos que esta questão aparece resolvida – os estudantes estabilizam a grelha de construção, preocupando-se com a proporcionalidade das dimensões da peça gráfica. Mas agora são as diferentes dimensões da cada parte que são ignoradas. Neste exemplo (ver Figura 2), os estudantes reduCapa Editorial Sumário ziram a informação à proporcionalidade entre as duas dimensões maiores. O conceito de proporcionalidade está compreendido, porque aplicado, mas os estudantes não percebem ainda a necessidade de normalizar as relações de convivência entre o ícone ou símbolo e o logotipo. Página - 389 Figura 2 - Página de um Manual de Normas Gráficas produzido pelos estudantes do curso profissional técnico de design de comunicação, no 2º ano, Cascais, Novembro/2013 CIANTEC’14 Sandra Cristina Gonçalves da Silva A compreensão destes procedimentos implicam a tomada dantes adquirem melhor os conhecimentos quando são proporcio- de consciência da importância da autoria e do controlo do proje- nados bons momentos de aprendizagem e desafios que os estimu- congresso estudantes para a aprendizagem e para validação da profissão de Mas é difícil comprovar que a aprendizagem ficou consoli- internacional designer. to. Isto tem implicações muito importantes na disponibilidade dos e comunicação CONCLUSÕES Este artigo procura descrever alguns dos momentos mais relevantes do processo de ensino e aprendizagem, no âmbito do design de comunicação e que contribuem para a clarificação e desenvolvimento das ideias colocadas no início desta reflexão. Preocupando-me com as questões do ensino do design em Portugal, no âmbito da investigação que desenvolvo para o meu doutoramento, preparo algumas considerações sobre a aquisição dos rudimentos da profissão, procurando fundamentação na formação que está a ser dada nas escolas, tanto ao nível básico e secundário como universitário. É nesse sentido que a minha posição como professora do Capa Editorial Sumário ensino pré universitário tem sido um lugar privilegiado de observação e interação. A experiência diz-me que o ensino do design é um proces- so de aquisições lentas que têm que ser progressivamente comprovadas em cada desafio, antes de abordar o desafio seguinte. Página - 390 dada e que em diferentes situações eles vão saber aplicá-la con- trolando as linguagens e os saberes que dão forma à especificida- em artes novas tecnologias lam e motivam. Comprovo, na minha prática docente de todos os dia, que os estu- de de um profissão. Alguns estudantes têm dificuldade em perceber a diferença entre a elaboração de trabalho gráfico quando produzido ou não pelo designer. Acredito que a compreensão dessa diferença nasce da apropriação dos saberes específicos da profissão, do aprender a fazer de acordo com os princípios que a caracterizam. A descrição da experiência de ensino que aqui é feita, per- mite isolar o momento em que os estudantes se apropriam da particularidade da sua formação e a relacionam com a profissão de designer. As diferentes oportunidades que depois proporciono para verificar a efetividade dessa apropriação, permitem-me chegar aos resultados que procuro, ao mesmo tempo que proporcionam aos estudantes a perceção das aprendizagens adquiridas. Talvez a teia que estudantes e professores têm que cons- truir em cada curso a propósito das suas especificidades, não seja muito diferente de caso para caso. Ao nível pré universitário o conhecimento dessas especifi- CIANTEC’14 cidades pode não estar ainda formado, o que pode ser muito restritivo no caso específico de um curso profissional. A maioria dos estudantes, concluída uma formação profissional, não prossegue congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação estudos universitários, passando diretamente para o mundo do tra- balho. Para esses é mais urgente a apropriação da profissão. É também nesse sentido que a minha ação educativa se constrói e as minhas preocupações se fundamentam. Penso que esta reflexão expressa bem a importância dessas preocupações. Mas também a vontade de as partilhar. REFERÊNCIAS BIE, B. I. o. E. 2008. Aprendizagem Baseada em Projetos - Guia para professores de ensino fundamental e médio, Brasil, Penso. Jacob, H. 1991. Un enfoque integrado de la enseñanza del diseño gráfico. Temes de Disseny [Online], 06. Disponível em: http://tdd.elisava.net/ coleccion/6/jacob-es [Consultado em Julho 2014]. Lenk, K. 2011. Narraciones visuales simples. In: FRASCARA, J. (ed.) ¿Qué Capa Editorial Sumário es el diseño de information? 1ª ed. Buenos Aires: Ediciones Infinito. Mariscal, J. 2000. Leis gráficas - Normativa de aplicação. Design Gráfico com Mariscal Portugal: Salvat Editores S.A. Morais, R. 2006. Programa de Design Gráfico. In: VOCACIONAL, D. G. D. F. (ed.) Cursos Profissionais de Nível Secundário. Portugal: Ministério da Educação. Página - 391 [Demais referências entrar em contato com o autor] Sandra Cristina Gonçalves da Silva A IMAGEM VISUAL ENTRE LUGARES E NÃO-LUGARES NOS FILMES PARIS, TEXAS E MATRIX. VALDECI RIBEIRO DA GAMA Universidade Anhembi Morumbi Mestrado em Comunicação Social - Audiovisual Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 RESUMO - O ciberespaço como não-lugar representa hoje ela não existe. Esse “lugar” que é experimentado como um não- ca antes experimentado ou vivenciado por uma sociedade cada vez paço. Conhecido como não lugar porque ainda pensamos um lugar um mundo para além do “real” que conhecemos. Esse espaço nuncongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação mais ávida por expandir seus saberes e conhecimentos. A internet é, hoje, um canal que permite a interação e a conexão a esse espaço. O argumento central desse artigo é mostrar brevemente a imagem visual entre lugares e não-lugares nos filmes Paris, Texas e Matrix. No filme Paris, Texas do cineasta alemão Wim Wenders esta espécie de não-lugar é tratada de uma forma diferente das maiorias dos filmes de ficção cientifica, mas ao mesmo tempo como algo real e permanente na imaginação da personagem principal do seu filme. No primeiro filme da trilogia Matrix dirigido pelos irmãos Andy Wachowski, Lana Wachowski o conceito de não-lugar tem uma conotação mais emblemática do ciberespaço como uma realidade real ou apenas virtual. Uma realidade que nos confunde se estamos apenas sonhando ou vivendo de verdade. Em qual realidade vivemos?A realidade que sonhamos ou a que vivemos? PALAVRAS-CHAVE: Ciberespaço, Lugar, Não-lugar, Reali- Capa dade, Imaginário... Editorial Sumário INTRODUÇÃO O não-lugar é um “lugar”? Falar do não-lugar pressupõe que exista um lugar em algum lugar. Pois só pode existir um não-lugar Página - 394 Valdeci Ribeiro da Gama se existir um lugar. Não pode existir a negação de uma coisa se -lugar é conhecido hoje, por muitos pesquisadores como ciberesde forma física concreta. O ciberespaço pode-se dizer que é algo abstrato, virtual, ou seja, não perceptível aos nossos sentidos. É o espaço mediador da convivência digital entre seres humanos, em criação a partir da evolução da Internet. Sabemos que está lá que existe algo ali, mas não podemos tocar. Não tem tempo e nem profundidade. É um lugar sem formas físicas, portanto conhecido como não-lugar. Algumas dessas definições sobre ciberespaço foram sendo cunhadas no decorrer da evolução tecnologias. Aos poucos elas foram ganhando forças e se afirmando como conceitos gerais e essenciais. Até pouco tempo essas definições conceituais eram desconhecidos pela a maioria da sociedade, mas hoje a sociedade na proeminência do advento do ciberespaço. Somos a sociedade da informação a “sociedade em rede”, vivendo em uma imensa “aldeia global” O escritor canadense, Marshall McLuhan é um dos precur- sores da teoria da comunicação que formulou, há mais de trinta anos, o conceito de aldeia global. McLuhan previu um novo conceito de sociedade: completamente interconectada e tomada pelas mídias eletrônicas. Realmente isso não demorou muito para acontecer. O surgimento da Internet como uma rede mundial de com- CIANTEC’14 Valdeci Ribeiro da Gama putadores, veio confirmar essas expectativas ao criar um novo nal, em que lugar fica o ciberespaço? Porém trata-se de um espaço que não existe fisicamente, mas vir- transforma e modifica sutilmente nosso meio analisaremos breve- Esse termo ciberespaço foi idealizado por William Gibson, cineasta Wim Wenders e o primeiro filme da trilogia Matrix dirigido espaço para a expressão, conhecimento e comunicação humana. Para falarmos de como este espaço, digo, esse não-espaço tualmente: o ciberespaço (o não-lugar). mente duas produções cinematográficas Paris Texas dirigido pelo em artes em 1984, no livro Neuromancer, referindo-se a um espaço virtual pelos irmãos Wachowski. Nesta breve observação demonstrare- novas tecnologias composto por cada computador e usuário conectados em uma rede mos como o ciberespaço está tão presente no nosso cotidiano e e comunicação mundial. como ele nós confunde através de imagens, lugares e não-lugares congresso internacional Uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as nações, por crianças aprendendo altos conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de dados de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz abrangendo o não - espaço da mente; nebulosas Capa Editorial e constelações infindáveis de dados. Como marés de luzes da cidade. (20 03, p. 67). Sumário O ciberespaço hoje existe em um local indefinido, desco- nhecido, cheio de possibilidades. É na verdade um não-lugar. Não podemos, afirmar com exatidão que o ciberespaço está presente Página - 395 nas máquinas. Celulares, computadores, tablet ou nas redes. Afi- PA R I S , T E X A S : 1 9 8 4 O filme é a história de Travis, um homem perdido no seu próprio inferno. Dado como morto por quatro anos reaparece vindo do deserto na fronteira mexicana, fatigado de um mundo que ele recusa lembrar. Ele encontra o seu irmão Walt que tem o seu filho, Hunter, de sete anos. O filho foi abandonado por sua ex-mulher Jane há alguns anos atrás, à porta de Walt que é casado com Anne. Como totais estranhos, Hunter e Travis vão dar início a uma amizade e juntos tentarão encontrar Jane e trazê-la de volta para formar novamente uma família. Paris, Texas é um dos melhores filmes dirigidos pelo dire- tor Wim Wenders. Uma das coisas mais notáveis do filme Paris, Texas são seus enquadramentos. A primeira cena começa com o ponto de vista de um pássaro sobre o deserto, um cenário ríspido e uma paisagem seca. De repente um falcão pousa em uma rocha. CIANTEC’14 O pássaro olha e ver um homem que anda sozinho no deserto. Ele nós queremos ponderar por este viés. estado ele parece estar vários dias caminhando. Roupas sujas e jetos essenciais na obra: pela a espera, pela busca e pelas ima- cansado e sozinho. com o filho. O menino aceita o pai paulatinamente. A espera para está usando um terno desgastado, um boné vermelho. Pelo seu congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação tornozelos enfaixados. O homem parece perdido, sem memória, As cenas que veremos no decorrer do filme são cenas que passam por velhos cartazes de avisos com propagandas, grafites, o lugar que ele tanto procura e a espera de se encontrar novamen- sas tomadas é o diretor explorando todo o ambiente em sua volta o lugar que só existe naquela foto e na sua mente, busca por um aos seus olhos; Pela busca Travis é um homem que tenta encontrar mostrando vários lugares e não-lugares vazios de significados e filho o qual ele não se lembrava muito, busca por uma mulher que um lugar que não tem nada. Um espaço vazio, só terra. Apenas uma foto. Uma foto do lugar aonde ele supostamente acredita que foi concebido pelos seus pais. E é para este lugar que ele está ca- minhando. Descobriremos depois que o lugar é uma cidadezinha um dia ele amou incondicionalmente; Por último pelas imagens. Fotos, cidades, paisagens, outdoors, propagandas, cartazes e a principal delas a foto da cidade onde ele imagina que concebido. Travis é um homem sem memória, mas ao mesmo tempo, parece ter uma memória seletiva. Ele está centrado em encontrar o lugar que existe apenas na sua mente e na foto que ele carrega. Aparentemente Travis é um homem sem memória, sem fa- no Estado do Texas, Estados Unidos. Chamada Paris. mília, sem lugar e os lugares por onde ele passa são apenas lu- tirar várias concepções do mesmo, até mesmo um bom melodra- apenas um lugar. O lugar da foto. É um lugar que não existe fisi- Paris, Texas é o tipo de filme que podemos ver o filme e ma americano. Comovente e cheio de emoções. O pai que volta depois de vários anos sem memória e tenta encontrar o filho e a sua mulher para constituir a família perfeita e viver felizes para Página - 396 encontrar a mulher com a qual foi casado, a esperar em encontrar das que nunca terminam, e Los Angeles. O que percebemos nes- imagem que Travis carrega no bolso. É a foto de um lugar, mas de Sumário gens. A espera está ligada à recuperação da memória, à relação te como um ser humano neste mundo aparentemente tão estranho mostra as imagens que seguem. O principal objeto do filme é uma Editorial A obra de Wenders pode ser analisada a partir de três ob- ferro velho, velhas linhas de trem, anúncios de néon, motéis, estra- de sentido, assim como ele mostra a personagem principal ele Capa Valdeci Ribeiro da Gama sempre. Mas cremos que não foi essa a intenção do diretor. E nem gares, dos quais não são lugares para ele. Na sua mente existe camente é um lugar que existe apenas em uma foto. Não tem en- dereço, rua, CEP ou quaisquer registros apenas o nome da cidade aonde hipoteticamente este lugar seria. Travis vive em um mundo “real”, mas imagina outro mundo o qual existe na sua mente e isso CIANTEC’14 é bastante para ele. Em Paris, Texas existe duas realidades presente sutilmente. A de Travis e a realidade. É uma realidade cheia de condensação congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação trás disso. Uma é o sonho. A outra é a Matrix. Anderson (depois fílmico que divulga o condução no espaço como traço permanente realidade consiste no nosso cotidiano, a outra, no que está por conhecido apenas como Neo) está procurando desesperadamente da narrativa moderna. O espaço-tempo desmanchou-se no ar. Tor- a verdade sobre a Matrix, algo que ele ouviu apenas através de A imagem de Travis no filme é o retrato da imagem do anti- ainda, aqueles que protegem a “Matrix”. Liderados pelo irredutível perdido, alucinado por uma busca de si e de um lugar que existe na sua imaginação. M AT R I X 1 9 9 9 Thomas Anderson é um jovem programador. Ele sonha todas as noites com estranhos pesadelos, nos quais se encontra acoplados por cabos e contra a sua vontade, em algo que parece um imenso sistema de computadores do futuro. Anderson conhece Morpheus e através dele descobre que, assim como outros seres humanos, é vítima de um sistema inteligente e artificial chamado Matrix. Esse sistema manipula a mente Página - 397 No filme percebemos claramente duas realidades existe. Paris, Texas é ainda negação do road movie, subgênero das, o outdoor do espelho...). apenas um lugar imaginário, um não-lugar. Travis é um homem Sumário que usa os cérebros e corpos das pessoas para produzir energia. Realidades bem mais claras do que no filme Paris, Texas. Uma -herói absorto da anti-narrativa pós-modernista. Não há itinerário, Editorial nagem muito bem montada trabalha de uma forma tão absorvente passiva nas imagens estática (a fotografia, os quadros, as toma- nou-se meramente a imagem de um território (transitório). Capa Valdeci Ribeiro da Gama das pessoas, criando assim a ilusão de um mundo “real”,Essa engre- murmúrios, algo emblemático e desconhecido. Na Matrix existem Agente Smith, eles tem métodos para obter informações que surpreendem e apavoram. O filme Matrix é na verdade uma extraordinária aventura cibernética, cheia de efeitos especiais, onde a Terra foi totalmen- te dominada por máquinas dotadas de inteligência artificial, que passaram a ter domínio sobre a espécie humana. Os homens e o nosso mundo não passam de um software, um programa de computador, uma mera ilusão. O nosso mundo físico o qual conhecemos na Matrix é apenas um sistema de computador controlado pelas maquinas, assim como qualquer outro joguinho que utilizamos para nos divertimos na internet. Então precisamos de alguém para nos salvar, para nos libertar. Precisamos de um “salvador”. Se fizermos uma analogia de Matrix com o cristianismo vamos perceber muitas coincidências em relação ao «salvador» Neo. Existe uma claramente uma trindade benévola no obra, CIANTEC’14 composta por Trinity (Trindade, em Português), Morfeu (é conhecido como o «deus dos sonhos») na mitologia grega. Ele perfeitamente encaixaria no papel de João Batista aquele que prepara o caminho congresso internacional em artes para o “escolhido” o filho de Deus. E Neo (do grego «novo». Esse é o «escolhido» «o esperado»). Na primeira cena em que aparece Neo fica bastante cla- novas tecnologias ro qual será sua função na trilogia. Na cena podemos perceber um e comunicação cliente de Neo chega ao seu quarto para pagar e receber uma encomenda. Neste momento podemos percebemos nitidamente a forma como ele agradece a Neo. É como se fosse uma profecia sobre o futuro: “Aleluia. Você é meu Salvador, cara. O meu Jesus Cristo”. Valdeci Ribeiro da Gama No primeiro filme da série, há mais de dez referências a Neo como o “eleito” ou o “escolhido”. No mesmo filme, Neo morreu, e depois voltou a viver como se estivesse ressuscitado. Isso faz no lembrar de Jesus Cristo. Mais infelizmente ou felizmente não vamos fazer análise do filme a partir deste ponto de vista, mas a partir da realidade supostamente real do ciberespaço, do espaço de não-lugar apresentado no filme. Aparentemente a principal mensagem do filme e de toda a trilogia é um novo conceito da «verdade» e a existência de um lugar que antes não existia. Neste filme, a “verdade” é na verdade que este mundo é apenas uma Matrix ilusória não-real, não-lugar. Se observamos um diálogo entre Morfeu e Neo veremos claramente na conversa entre os dois, o que é a «verdade» segundo a visão colocada no filme. Apreendemos na cena uma observação pertinente sobre a verdade e sobre a Matrix algo procurado por Neo, mas a verdade é tão complexa que Neo não acredita que ela possa ser a verdade. Capa Neo: O que é Matrix? Editorial Sumário Mor feu: Você quer saber o que é Matrix? Matrix está Obs: todas as imagens foram um print screen dos filmes. Imagem 1: Conversa de um cliente de Neo no filme Matrix. Página - 398 em toda par te [...] é o mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade. CIANTEC’14 Neo: Que verdade? Morfeu: Que você é um escravo, Neo. Como todo congresso internacional em artes mostra que somos apenas programas de computadores manipulados pelas máquinas. E que muitos temos escolhas, mas preferimos viver no que nossos sentidos nos mostram do que acreditar mundo, você nasceu em cativeiro. Nasceu em uma em outra realidade para além da que conhecemos como real. São para a sua mente. escolhas? Se percebermos que a partir da escolha da pílula ver- prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão novas tecnologias e comunicação Valdeci Ribeiro da Gama Matrix Transpõe um universo repleto de possibilidades com imagens: reais ou ilusórios? No primeiro episódio da série, o personagem Mor feu nos esclarece o que é Matrix: nossas escolhas. Podemos dizer então que Matrix é um filme de melha, constata-se a questão ética que definitivamente permeia a moral humana, pois, em Matrix, acompanhamos constantes dilemas, constituídos por uma série de escolhas morais será mesmo que fazermos escolhas ou alguém as fazem por nós? Assim como Paris, Texas é um filme de escolha, espera e procura Matrix também o é, pois Neo procura pela verdade, faz suas escolhas e espera que um dia os seres humanos possam ser Morfeu: A Matrix é um mundo dos sonhos gerado por computador... Feito para nos controlar... para transformar o ser humano nisso aqui (Mor feu mostra uma bateria). Capa Neo: Não. Eu não acredito. Não é possível! Editorial Sumário Morfeu: Eu não disse que seria fácil, Neo. Eu só disse que seria a verdade. Depois que Morfeu mostra Neo o que é de fato Matrix e re- Página - 399 alidade, ele lhe mostra o que é o mundo “dito real” fora dela. Ele livres das máquinas. Quando Neo encontra “o Oráculo” ela lhe diz uma frase importantíssima sobre o que é ser um “escolhido”. O que ela diz é que não pode ser o escolhido se esperar por alguma coisa, é preciso fazer escolhas, pois você controla sua própria vida através das suas escolhas. A verdade é que muitas vezes somos enganados ou iludi- dos pelos nossos sentidos a respeito da verdade, se ela é verdade ou apenas fruto da minha imaginação. Há um breve relado no filme quando Neo vai consultar o oráculo, ele encontra um menino em trajes budistas que consegue entortar colheres sem tocá-las. A verdade é as escolhas estão dentro de cada uma só temos que CIANTEC’14 saber como usá-las. Menino: Não tente dobrar a colher. Não é ser possível. original, o real, o verdadeiro, facilmente acredita no que os senti- Neo: Que verdade? todos que tiveram a ensejo de conhecer pessoalmente Leonardo em artes novas tecnologias Quando o indivíduo não conhece o que é verdade, o Em vez disso, tente apenas perceber a verdade. congresso internacional Valdeci Ribeiro da Gama Menino: Que a colher não existe. e comunicação Neo: A colher não existe? Menino: Então verá que não é a colher que se dobra, apenas você. dos nos mostram como se fosse o verdadeiro. Imaginemos agora da Vinci viram-no pintando obras magníficas que ficariam para a posteridade. Imaginemos também as pessoas que pesquisaram e estudaram suas obras com afinco. Agora, suponhamos que surja alguém lá na China afirmando que possui a verdadeira pintura da Gioconda (Mona Lisa) de Leonardo da Vinci, e que aquela exposta no Museu do Louvre, em Paris é falsa e não passa de um simulacro. O que será que aconteceria com essa nova descoberta? As pessoas que conhecem bem a pintura verdadeira dificilmente acreditariam na história da Mona Lisa descoberta na China. Porque, uma vez que o indivíduo conhece o real, o verdadeiro e não apenas imaginação de algo ele facilmente reconhece que o outro é o falso e irreal. Porém, se alguém não conhece a única e verdadeira pintura, facilmente será enganado e iludido pela falsa Capa Editorial Sumário “verdade”. Portando segundo Matrix para muitos de nós meros se- res humanos é isso que acontece com todos que não conhecem a verdade, apenas aceita o que nos é mostrado e para muito isso é o suficiente. Mas essa “verdade” gira em torno da confusão que os diretores nos provocam sobre a realidade e virtualidade com perPágina - 400 guntas sobre o que é a Matrix? A Matrix é o mundo real que acre- CIANTEC’14 ditamos que seja real. É o lugar que existe apenas em nossos é quase inevitável fazer uma relação de Matrix com a Alegoria da assim, para o ser humano hoje não fácil perceber o que é real e o apenas aquele um que sai da caverna? Em Matrix Neo é o homem sonhos, por isso, precisamos acordar para libertar nossas. Mesmo congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação que mera construção da minha imaginação. Acostumamos acreditar nos nossos sentidos, mas eles são falhos. Matrix pode ser considerado um filme de escolhas e decisões assim com é também Paris, Texas. São várias as decisões a serem tomada por Neo. A primeira dela é tomar a pílula vermelha ou a azul. Neo fará outras escolhas decisivas, como salvar ou não Morpheus ou se submeter ou não ao destino ao qual “o Oráculo” relatou na conversa. Matrix é um filme que se ampara em um sólido fundamento da moral. Matrix mostra, o tema da liberdade humana e da própria dialética liberdade como necessidade. As Máquinas Inteligentes em Matrix buscam a sua própria forma de sobrevivência por meio da dominação dos homens, transformados em meras baterias de energia. É a antecipação mítica de uma inversão irrestrita entre criador e criatura. Aonde a criatura domina e vive a todo instante à custa do criador. Isso cria um novo sistema Capa Editorial Sumário de dominação. Criatura se volta contra o criador. O filme tem duas realidades com imagens tão reais que às Caverna de Platão. Somos os que vivem na caverna? Ou somos que sai da caverna e pensa em voltar mais não voltou. Em Matrix há uma claramente inversão em relação ao filme Paris, Texas. Observamos nitidamente dois mundos em Matrix o mundo real e o imaginário. Esses dois mundos em Paris, Texas são quase imperceptíveis, mas somente a libertação da mente é que se pode levá-lo ao mundo real. Julgamos tudo que vemos real, mas tudo não passa de ilusões porque, nossos sentindo nos encanam. Neo duvidou de tudo em sua volta e depois percebeu claramente que tudo não passava de sonhos. Então será que somos nós que vivemos em um não-lugar, em um ciberespaço acreditando que somos nós que dominamos o planeta, mas na verdade somos dominados por algo que nem sabemos o que é? Será que viver neste não-lugar é melhor do que viver em um lugar como Travis queria? Em Matrix a imagem está sempre em movimento. Você pre- cisa entrar conectar, acoplar entre a realidade e a imaginação. Talvez seja neste momento quando se dá a união e ligação entre vezes nos confundem e confunde também Neo sobre o que verda- dois ou mais corpos, formando um único conjunto, assim a “reali- respaço em um não-lugar ou é Matrix que é este não-lugar. Na ver- submerso no ciberespaço. As imagens parecem tão reais, que o deiramente sonho, e o que é realidade. Viver aqui é viver no cibedade são duas “realidades que se confundem e nos confundem ou Página - 401 Valdeci Ribeiro da Gama são dois mundos paralelos da caverna de Platão. Talvez por isso, dade” é mascarada é representada (simulacro). No filme estamos real se confunde com o imaginário ao contrário? CIANTEC’14 O Q U E PA R I S , T E X A S T E M C O M U M C O M M AT R I X : M O M E N T O D E C O N V E R G Ê N C I A Podemos elencar alguns elementos que aparecem de mais congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação comum entre Paris, Texas e Matrix. No filme Paris, Texas talvez seja no momento do filme (super-8) é o instante que, existe um filme dentro de outro. É o momento em que Travis que nossos sentindo nos enganam. Travis vive uma realidade, mas está vendo outro no filme de super-8 completamente diferente da sua. São dois mundos paralelamente. Travis olha para o filme e olha para o filho constantemente sem acreditar que um dia viveu ou vive aquilo que ele ver no super-8. Esse é o momento mais comparável com Matrix visualmente falando. É o instante em que as duas realidades se confundem é o momento que Travis se vê em outra “realidade” feliz e contente com sua família. Durante todo o filme vimos imagens apenas estáticas, mas neste momento do filme em super-8 as imagens então em movimento e não mais estática. Realidade ou imaginação? O que pasCapa Editorial Sumário sa na mente de Travis e em seus olhos são instantes de oscilações de confusões entre a imaginação e a realidade. Esse é o mesmo sentimento que perpassa Neo no exato instante que ele volta à Matrix ele simplesmente acorda sem saber em que mundo está. Qual mundo é real e qual é apenas imaginação, em fim qual mundo eu devo acreditar? Página - 402 Valdeci Ribeiro da Gama CIANTEC’14 No filme Matrix você precisa conectar, acoplar, plugar para entrar no que é “real”. Diferente de Paris, Texas, isso acontece na cena do filme super-8. A forma com que Travis está conectada é congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação outra não pelos cabos, mas pela mente, pelas lembranças. É aqui Maturana diz que o conceito de acoplagem chamado de do nosso sistema nervoso, que funciona como uma rede trancada não precisamos mais confiar tanto nos sentidos, mas na mente lidade e imaginação. Travis e Neo são personagens que estão em busca e perambulas pelas diversas realidades Neo no mundo real e no ima- determinar a correção de nossas percepções. Ele cita o exemplo de procedimentos. Este sistema é organizado, de tal modo que a percepção que nós temos das coisas não constitui uma representação da realidade exterior. Assim o sistema acaba criando um mundo particular. Em fim a própria construção do simulacro de Baudrillard onde vivemos o estágio da representação, no qual a realidade é mascarada e criada de outra forma. Nos dois filmes Matrix como Paris, Texas é possível perce- ginário Travis pelas cidades a procura do lugar. A Busca de Travis bermos este dualismos entre o real e o virtual, a realidade e o ima- verdade sobre seus sonhos e o que é a Matrix. Ambos vivem em dois mundos apresentado com imagens; em Paris, Texas existe um Eles vivem em algo imaginável. que hoje muitos chamam de sociedade da informação. A socieda- é a procura de si mesmo de um mundo que esqueceu e Neo da um não-lugar, ou seja, ainda não encontraram um lugar ou o lugar. Portanto, o que mais une as duas produções seja exatamen- te o sentido deste não-lugar ser apresentado como imaginação, mais ao mesmo tempo “real”. Em Paris, Texas há uma imaginação a partir de uma condensação passiva nas imagens estática, foto- grafia, outdoors, painéis, pinturas etc. Principalmente a imagem Página - 403 dade e imaginação (Jean Baudrillard). tão presas nem nos sonhos e nem na realidade. É o momento que acontece é momento que suas mentes são libertadas, elas não es- imagens de lugar e nao-lugar de espaço e de ciberespaço de rea- Sumário mostrando sempre este dualismo em o lugar e o não-lugar, reali- Acoplamento Estrutural por ele, são as interações que ajudam a São constantes em ambos os filmes o dualismo visual das Editorial plagem” (Maturana) das imagens que estão constante movimento, que tanto Neo em Matrix e Travis em Paris, Texas que algo mágico que foi libertada. Capa Valdeci Ribeiro da Gama da foto do lugar aonde Travis nasceu; Em Matriz a partir da “aco- ginário, o lugar e não-lugar, o espaço e o ciberespaço. Matrix são elemento dentro da narrativa. O que move tudo isso é o conceito de que vive o presente. É a sociedade que não existe mais como sociedade do conhecimento, mas sim, da informação. A experiência que temos agora é virtual não é mais a real. Vivemos no campo da representação, ou seja, o que eu devo representar. Só podemos viver neste espaço, pois não existem outras possibilidades. O ciberespaço é uma nova experiência de vida para o ser CIANTEC’14 humano é o lugar que você não precisa de corpo, não precisa de Valdeci Ribeiro da Gama PARIS, TEXAS. Direção: Wim Wenders. Producação. Argos Films, França: tempo. O tempo é desfragmentado. Não existe passado, presente 20th CENTURY FOX, 1984. DVD (2h27min). não-espaço é viver em um estado de representação, sair deste es- OBS: Todas as imagens deste trabalho são Print screen ti- ou futuro. Existe apenas o agora. Viver neste espaço que é um congresso internacional tado de representação é estar dentro do estado de existência, mas em artes como existir hoje fora deste espaço? Talvez a partir do momento novas tecnologias que seus sonhos se repetem invariavelmente “Não é possível ex- e comunicação plicar Matrix é preciso vê-la”, é como se ele disse-se “Não é possível explicar o que a realidade é você precisa enxergá-la por si só”. REFERÊNCIAS GIBSON, William, Neuromancer. 3. Ed. São Paulo: Aleph, 2003 MCLUHAN, M. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Edusp, 1972 PLATÃO. A República (VII). São Paulo: Martin Claret 2001. KIM, Joon H. Cibernética, ciborgues e ciberespaço: notas sobre as origens da cibernética e sua reinvenção cultural. In: Horizontes Antropológicos, Capa Editorial Sumário Porto Alegre, ano 10, n. 21, p. 199-219, jan./jun. 2004. VARELA, F. MATURANA, H. URIBE, Roberto. “Autopoiesis: theorganizationof living systems, its characterizationand a model”. Biosystems5: 187-196, 1974. MATRIX. Direção: Lana Wachowski, Andy Wachowski. Produção: Joel Silver. Estados Unidos: WARNER BROS. PICTURES, 1999. DVD (2h15min). Página - 404 rado do próprio filme em DVD. REFLEXÕES SOBRE OS ACOMODAMENTOS E INCOMODAMENTOS TECNOLÓGICOS DA ARTE CONTEMPORÂNEA VENISE PASCHOAL DE MELO E LUCIANA MARTHA SILVEIRA PPGTE/UTFPR Capa Editorial Sumário Capa Editorial Sumário CIANTEC’14 Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira RESUMOS - Pensando que a arte é parte de um processo linguagens artísticas, por meio das mestiçagens e do hibridismo relações estabelecidas entre a sociedade, a economia e a políti- refletir sobre tais determinados elementos que veem constituindo, múltiplo e articulado por diversas lógicas e temporalidades, com tecnológico, e é neste viés que se localiza nossa preocupação em congresso ca de nossa época, este artigo se apresenta como uma proposta internacional de reflexão a cerca de seus acomodamentos estabelecidos nas em artes tecnologias atuais e consequentemente sobre os diversos incômo- Nossa base de pensamento tem como ponto de partida os novas tecnologias dos gerados pela mesma. Diante deste cenário, nos propomos a conceitos de Bauman (2009) que reflete sobre os aspectos da vida evocados por pesquisadores que veem nos auxiliar a compreen- dez e “liquidez” e se baseia na afirmação que é uma vida atual e comunicação pensar sobre esta problematização, a partir da junção conceitos der as relações estabelecidas entre arte, sociedade e tecnologia, como Jésus Martin-Barbero e Néstor Garcia Canclini. Propomos assim, uma discussão crítica para a indagação da substituição de parte dos valores artísticos pelos valores de produtos de consumo, é necessariamente voltada para o consumo. Para o autor, este pensamento se sustenta quando se observa como resultado, na estrutura da vida dos sujeitos, a projeção do mundo e de todos os seus fragmentos “animados e inanimados” moldados como objetos deste panorama atual. a gerar uma forte atração sobre o público; tais objetos, inseridos sidências. Capa Página - 407 cotidiana do sujeito contemporâneo, através dos conceitos de flui- de consumo. Os valores se transformam e os aspectos visuais dos PALAVRAS-CHAVE: Arte contemporânea; Tecnologia; Dis- Sumário se localiza a lógica da produção e do consumo capitalista. e também uma busca, através das margens e dissidências, para a produção de outros mapas e olhares, visando transformações Editorial modificando e expandindo a arte para os mesmos limites em que Compreendendo que as tecnologias de nosso tempo, inse- ridas em um processo de supervalorização, veem gradativamen- objetos, ativados pelos poderes de sedução do consumo, passam nesta lógica, estão fadados a perderem rapidamente sua a utilida- de no momento em que são consumidos, e a consequência deste ciclo é a transformação dos valores, que antes eram concretos, duradouros e sólidos, em obsoletos, voláteis e efêmeros. Neste o ponto de vista e nesta combinação entre a veloci- te provocando mudanças em nossas estruturas sociais, e conse- dade da produção de produtos inseridos nas tecnologias, a avidez quentemente são estes mesmos aspectos que vem remodelando e da sociedade de consumo pela obtenção de novidades e a rápida sustentando nossa produção cultural. Diante deste panorama, as obsolescência e monotonia do produto quando adquirido, eviden- formas tradicionais veem abrindo espaço para a transfiguração das cia a transformação do mundo em todas as suas dimensões, sejam CIANTEC’14 elas econômicas, políticas, culturais e pessoais. Neste ponto de vista Bauman defende que: congresso internacional em artes [...] a maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo de ver de desempenhar o papel de consumidor. A norma novas tecnologias que nossa sociedade coloca para seus membros é a e comunicação da capacidade e vontade de desempenhar esse papel. (BAUMAN, 1999, p.88) Em outras palavras, a instantaneidade da satisfação do consumidor associada a volatilidade dos desejos consumidos é o que vem normatizando e regulando a lógica do consumo contemporâneo: No que diz respeito a esta lógica, a satisfação do consumidor deveria ser instantânea e isso num duplo sentido. Obviamente, os bens consumidos deveriam Capa satisfa zer de imediato, sem exigir o aprendizado de Editorial quaisquer habilidades ou ex tensos fundamentos; mas Sumário a satisfação deveria também terminar — “num abrir e Para Bauman (1999) um bom consumidor é um aventurei- ro amante da diversão, e sob a égide lúdica dos dispositivos de alta tecnologia, “o mercado promove a visão de que a escolha do consumidor é a única escolha que conta, assim como é provável que só essa escolha aumente a soma total da felicidade humana” (BAUMAN, 1997, p.209) Inserida nesta sistematização, a arte vem se estendendo gradativamente para o campo dos objetos tecnológicos e de con- sumo, o resultado desta expansão pode ser apresentado através das transformações relacionadas aos modos diferenciados de produção, exibição e fruição artística. Observando que vários artistas veem se apropriando da mediação dos sistemas eletrônico-digitais, bem como o uso dos recursos dos fluxos da informação e simulação em suas produções artísticas, e cada vez mais as obras veem se apresentando sob a forma de ambientes virtuais e interfaces gráficas interativas, é compreensível que, uma vez constituída por dados numéricos, a arte se insira nas possibilidades de multiplicidade e hibridização das linguagens (vídeo, fotografia, vetorização, som, textos), as- sim como também introduza outras formas de abertura entre obra e participante, o que consequentemente faz as modificações dos fechar de olhos”, isto é, no momento em que o tem- modos de produção e fruição da obra. esse tempo deveria ser reduzido ao mínimo. (BAU - dade dos aspectos da novidade tecnológica, a demonstração de po necessário para o consumo tivesse terminado. E Página - 408 Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira MAN, 1999, p.89) Neste contexto percebemos ainda, além da maior visibili- um intenso experimentalismo tecnológico, e neste contexto, a exi- CIANTEC’14 gência de outro tipo de participação do público, cujo desfecho vem espectador se vê encantado e seduzido pela aparên- da produção, bem como nos modos de fruição da obra, converten- nológicos que se mostram de forma quase imaterial, sendo uma provável dissolução, em diversos níveis, do conteúdo congresso internacional em artes do, tanto a produção artística quanto o local expositivo, em entretenimento, diversão e distração. Para estas considerações, apresentamos reflexões sobre novas tecnologias análise do momento em que se insere as tecnologias digitais na e comunicação produção da arte contemporânea, cujo movimento resulta em elementos da busca aos experimentalismos para o artista, que se sores, acionar sons, ou até mesmo inserir seu próprio corpo na obra (MELO, 2008, p. 38). Através deste ponto de vista, e das possibilidades de intera- por meio de ações do sujeito participante, tais como, a possibili- to narcisista, despertado pelas relações entre a imagem e o corpo, que, as formas de participação na obra, através do uso de tais dade de ver a própria imagem diante de um monitor refletida como conteúdo simbólico, estético e narrativo, contribuindo para o des- tualizado é digitalmente alterado em tempo real, o que lhe atribui de modalidade de “jogo”. E deste modo, o espectador do século X XI se percebe mais presen- te no mundo tecnológico, as formas de comunicação um espelho de bits e cores, na qual o seu corpo “pixalizado” e vira sensação de “poder” para a modificação e manipulação de tal espaço, a partir da disponibilidade dos programas de computado- res, câmeras de vídeo, sensores de movimento, imagens e sons. É neste panorama, sobre as produções de performances e instalações interativas, que utilizam dos processos de imersão e interação entre as relações homem-máquina estão virtual e telepresença, que a arte contemporânea, quando inserida rindo aos conceitos de jogo, se coloca em um esta- sinestésica, que possivelmente estejam os agentes responsáveis cada vez mais próximas, e a ar te tecnológica, adedo mais voltado aos aspectos de diversão, distração Página - 409 pode tocar, inserir objetos e inter vir através de sen- o espectador. Deste modo, diante destas mudanças percebemos locamento da fruição da contemplação artística para uma espécie Sumário apresentados através de telas, as quais o espectador ção com a obra, verificou-se, na ação do espectador, certo aspec- aparatos, permitiu a gradativa mudança do estado da arte, de seu Editorial cia luminosa das ambientações e pelos objetos tec - utiliza da programação computacional para a produção da obra, tornando esta mais processual, no ponto de vista da interação com Capa Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira e entretenimento. Neste contex to, como ar te-jogo, o no digital, se transfigura em “vivência” e “experiência” sensorial e para a produção de certo “enfeitiçamento” dos participantes sobre a capacidade das máquinas. Deste modo, CIANTEC’14 Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira Estas declarações iluminam os pensamentos sobre a re- o estado de colaboração e par ticipação na ar te tec- modelagem da obra artística diante das tecnologias e das mídias, nológica digital aproxima o espectador, esperando congresso ações que se assemelham aos aspectos de um jogo. e ainda, enfatizam um diferente modo de inserção do público na internacional Tendo em vista o papel transformador e manipulador bre os aspectos da relação da arte como entretenimento e consu- em artes do público, causando modificações às obras, este es- mo. Para isto o pesquisador Canclini nos responde: novas tecnologias e comunicação pectador se confunde à de um jogador à espera de desafios em um mundo vivenciado paralelamente à realidade. (MELO, 20 08, p. 40) obra, nos remetendo imediatamente a uma reflexão mais séria so- (...) esta inclusão dos públicos é mais do que uma bus- ca de eficácia na recepção, no controle da resistência ou na legitimação de uma empresa ou de um Estado É neste panorama, que as obras artísticas, quando inseridas mediante o marketing cultural. Ela implica uma refle - e o lazer, exigindo do público participante, uma reflexividade de tísticas, nem sempre consumidores e sim par tícipes nos processos tecnológicos, passam a voltar-se para a diversão curta duração para, consequentemente, obter uma compreensão a ser realizada de forma rápida, fugaz, efêmera e superficial, tal qual os moldes da sociedade do consumo da contemporaneidade. Isto posto, ao percebermos que, em determinados aspec- xão sobre a atividade dos destinatários das ações arna produção: prosumidores. (CANCLINI, 2012, p. 216) É no momento, em que a obra é determinada inacabada e tos, quando inserida nas tecnologias, a arte contemporânea se se espera a infinita atualização e reconhecimento da mesma pelo ações de jogar e brincar, e que a ativação dos sentimentos de “ma- autor afirma: Editorial Sumário gia e encantamento” estão diretamente relacionadas aos espeta- Capa transfigura em aspectos lúdicos, na qual permite o espectador as culares resultados e efeitos visuais, sonoros e sensoriais gerados pelos dispositivos tecnológicos, percebemos que a transposição da obra em entretenimento vêm sendo, provavelmente, uma força Página - 410 motriz resultante na arte. espectador, se decompõe a autonomia da arte. Nesta condição o (...) sem roteiro nem autor, a cultura visual e a cultura política pós-modernas são testemunhas da descon- tinuidade do mundo e dos sujeitos, a co -presença – melancólica ou paródica, segundo o ânimo – de varia- CIANTEC’14 ções que o mercado promove para renovar as vendas e que as tendências políticas ensaiam (...) (CANCLINI, 1997, p.330). congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Diante destes fatos, percebemos que há certa intensificação e acomodação da arte atual na demonstração de um intenso experimentalismo tecnológico, e provavelmente estas consequências estejam relacionadas, tanto às relativas facilidades do artista em Nesta reflexão sobre a arte fast food, onde os artistas ex- desenvolver seus processos de produção a partir da apropriação põem em seus objetos amálgamas de recortes e colagens híbri- de ideias pré-definidas e estabelecidas dentro das possibilidades nos apresenta o espectador pret-à penser, que no instante atu- modos de aproximação interação da obra, enfaticamente voltados das, com um olhar crítico a respeito do público, Canclini (1997), al não possui mais nenhuma responsabilidade de pensar sobre a arte em seu processo de fruição. Enfatizando sobre a arte sob os das tecnologias atuais, quanto aos diferenciados e estimulantes ao público participante. Na visão de Arlindo Machado (2005) é evidenciado na atu- termos do espetáculo-espetacularização-espectador, o autor afir- alidade um considerável crescimento de propostas artísticas reali- dos processos artísticos contemporâneos. lando, ao invés das descobertas inventivas e criativas, é segundo ma estar nesta sequencia, um dos pontos centrais para a reflexão Pensando que a arte remodelada e sua nova relação com os espectadores, efetivam uma espécie de pacto com a mídia, Canclini aponta: (...) a relação dos espectadores ou leitores se esta- Capa belece cada vez mais no registro do entretainment, Editorial cena em que as relações continuam sendo construí- Sumário Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira das – modos coletivos de desejar ou representar, mas zadas através da mediação tecnológica, porém o que vem se reve- o autor, uma “banalização de rotinas já cristalizadas na história da arte, quando não um retorno do conformismo e da integração como valores dominantes.” (MACHADO, 2005, p. 78). O autor nos mostra também sua preocupação sobre os aspectos estabelecidos nestas obras, apresentadas sob a forma de uma espécie de merchadising, na qual os artistas não propõem obras, e sim uma demonstração das qualidades e potencialidade do hardware e do software. E ainda afirma: despojadas daquilo que implicava o sentido público: assumir de forma compar tilhada, na interação social, o lugar comum. (CANCLINI, 2012, p.160) Página - 411 O que parece estar ocorrendo, em grande par te dos casos, é uma perda sutil, mas implacável, da perspec- tiva mais radical da ar te. Hoje, quando visitamos qual- CIANTEC’14 quer evento de ar te eletrônica, de música digital ou de de e do consumo, não devemos criar sentimentos de repudio, ou vista dedicada a essas especialidades, não é preciso é necessário lembrar que este é o nosso mundo, nosso tempo e escritura interativa, ou quando folheamos qualquer recongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação muito esforço para constatar que a discussão estética foi quase que inteiramente substituída pelo discurso técnico, e que questões relativas a algoritmos, hardware e software tomaram grandemente o lugar das ideias acrescentar que seria melhor vê-lo sem ilusões, ganhar alguma clareza e precisão acerca disso que nos confronta.” (JAMESON, ações dos “apocalípticos e integrados”, nos relembra a importân- – a uma espécie de perícia profissional, à medida que tremos, diante da situação “ineliminável” dos meios de massa: mais radicais. (MACHADO, 2005, p.78) Compactuando com as ideias de Machado (2005), ao obser- varmos estes parâmetros que vem “invadindo” a produção artística contemporânea, acreditamos que se faz de extrema urgência e ne- cessidade da busca por uma nova posição do artista, para que se deixe de considerar apenas a aplicação de algoritmos, linguagens de computador, programação, circuitos eletrônicos entre outros, para um enfrentamento da situação à procura de interrogações mais profundas e dramáticas para a arte tecnológica. Neste contexto, Jameson (2006, p. 184) contribui afirmando Página - 412 de não vivermos na obscuridade dos processos: “pode-se apenas parece ter-se reduzido – excetuadas, naturalmente, al- a habilidade técnica foi tomando o lugar das atitudes Sumário esta é a nossa matéria-prima, porém ressalta extrema importância 2006, p.185) gumas poucas experiências poderosas e inquietantes Editorial desejar um retorno dos elementos do passado e da tradição, pois criativas, da subversão das normas e da reinvenção da vida. Com o boom das tecnologias eletrônicas, a ar te Capa Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira que, ao realizarmos um olhar crítico para as relações da socieda- Com reflexões semelhantes, Eco (1993) citando as cia do pensamento crítico ao mencionar as relações entre os ex- O erro dos apologistas é afirmar que a multiplicação dos produtos da indústria seja boa em si, segundo uma ideal homeostase do livre mercado, e não deva submeter-se a uma crítica e as novas orientações. O erro dos apocalípticos-aristocráticos, é pensar que a cultura de massa seja radicalmente má, justamente por ser um fato industrial, e que hoje se possa ministrar uma cultura subtraída ao condicionamento industrial. (ECO, 1993, p. 49) Compreendendo os modos de inserção dos meios de massa CIANTEC’14 em nossa vida cotidiana, porém buscando um caminho de equilí- as diferenças entre nor te e sul. Nem todos nós temos feita é “qual a ação cultural possível a fim de permitir que esses (CANCLINI, 2012, p.201) brio entre tais pensamentos, para o autor, a pergunta que deve ser congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação valores de massa possam veicular valores culturais?” (ECO, 1993, p. 50). Com este pensamento, acreditamos que é através da inter- acesso do mesmo modo, com idêntica abundancia. É nesta brecha, através da localização das diferenças, que venção por meio da crítica cultural, na soma de pequenos fatos, o autor nos mostra as possibilidades dos artistas para propor uma do sistema, ou seja, no deslocamento do olhar da cultura de mas- dos aspectos de homogeneização cultural capitalista. Para Can- produtos da iniciativa humana, que podemos modificar a natureza produção mais peculiar, com mais autonomia e dissensão, distinta sa para a “cultura exercida ao nível de todos os cidadãos”. clini (2012), é neste olhar da dissidência e da resistência, que se Neste ponto de vista, devemos a aprender a lidar as diver- localiza a diferença a ser exaltada, é exatamente no ponto diver- sas transformações de nossa época, porém buscando o discurso gente da cultura dominante em que podemos localizar os reais neste aspecto, o ponto central a ser pensado é como a arte con- Para o autor, o olhar deve ser direcionado ao processo de da conscientização e da elaboração de juízo crítico de valores, valores emergentes de nossa cultura. temporânea pode ser reestruturada no tempo da sociedade de con- “como” o artista produz sua obra, pensando sobre o seu entorno e sumo. Além disso, é necessário compreender também que existem os processos de internacionalização e multiculturalidade em que nossa cultura se fundamenta, nos quais as tecnologias avançadas também auxiliam na acentuação da indeterminação dos lugares Capa de onde se produzem os objetos e imagens contemporâneos. Ou Editorial como reflete Canclini: Sumário Em países centrais e periféricos utilizamos impresso ras, formatos cores e projetores de vídeo semelhantes. Aceleram-se tanto o processo de criação como o Página - 413 Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira de difusão das inovações. (...) Persistem, no entanto, seu contexto, assim como também para o público, que faz no seu curso de recepção das obras interativas o seu processo de fruição. É no sentido de espetacularização oferecidos pelas mídias e pelas mostras de arte que seguem as regras dos espetáculos, que o dissenso é neutralizado, porém, é exatamente através das ações artísticas que podemos desfazer este “feitiço”, assim como também alguns modelos pedagógicos. Deste modo, acreditamos que a arte crítica e a pedagogia crítica podem “descontruir a ilusão de que existem mecanismos fatais que transformaram a realidades em imagem, em certo tipo de imagem expressiva de uma única verdade” (CANCLINI, 2012, p.227) CIANTEC’14 Ainda sob a luz de Canclini (2012, p. 228), podemos afir- mar que, ao desprendermos a arte “das linguagens cumplices da congresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação que constitui a nossa sociedade desta maneira propor políticas de sidade de descolamento do ângulo de visão sob a luz da classe espetáculos, a fim de obtermos uma nova compreensão daquilo dominante capitalista para um rompimento das fronteiras. Neste suspenso. Ou suspendido” (CANCLINI, 2012, p.230). vés da homogeneização dominante, ou melhor, se faz necessário do que para ações diretas, a sugerir a potencia do que está em discurso a validação da cultura não deve ser realizada, nem atra- Outro fator que deve ser levado em consideração é pen- reconhecer o hibridismo, as tecnologias e repensar a produção somos levados a crer que “devemos” entrar neste processo, obri- Com a principal pretensão de moldar o uso da tecnicidade artística neste viés. gatoriamente. Para Canclini, apesar da globalização, é preciso ob- a favor da sociedade, o autor afirma ser necessário “um novo es- nasceu e que a maioria dos artistas só repercute dentro de seu e da práxis política, o novo estatuto da cultura e dos avatares da possibilidades de reconstituir e reconstruir os hábitos, linguagens e estéticas, para longe dos cânones estabelecidos pela ordem dominante prefixada, e ainda, evidenciar a necessidade de valorizar o dissenso e a nossa capacidade de “falar e de fazer”. (CANCLINI, 2012, p. 246) A fim de pensamos sobre apontamentos para um futuro da arte remodelado, os conceitos do teórico Martín-Barbero (2012), demonstra certa concordância com o panorama aqui evidenciado, os quais, resumidamente, propõem a construção de uma nova prá- Página - 414 vés de mapas noturnos, metáfora usada para explicitar a neces- mudanças. Ou seja, “Nesta zona de incerteza, a arte é apta, mais país” (CANCLINI, 2012, p.239). Neste ponto de vista, reside as Sumário Também com o pensamento voltado para a América Latina, o autor, acredita que este olhar também pode ser deslocado atra- servar que “97% da população mundial que continua vivendo onde Editorial de uma nova ambiência social e cultural. ordem social”, podemos nos mudar as lentes para observar os sarmos até que ponto a globalização, de fato, nos atinge, ou se Capa Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira tica, onde a ação do sujeito é fundamental para a reestruturação tatuto social da técnica, o restabelecimento do sentido do discurso estética” (MARTÍN-BARBERO, 2002, p.18). De forma geral, o que Martín-Barbero nos propõe é refletir de modo crítico sobre o novo lugar da cultura na sociedade, e sobre o momento em que a mediação tecnológica da comunicação deixa de ser instrumental para se converter em estrutural, quando as tecnologias remetem não apenas às novas máquinas ou aparelhos, mas quando molda os novos modos de percepção, a linguagem, e as novas sensibilidades e escritas. Através da metáfora do Mapa Noturno mencionada pelo au- tor, podemos refletir sobre a tecnologia que “des-localiza” os sa- beres, borrando as fronteiras entre a razão e a imaginação, entre CIANTEC’14 o saber e a informação, a natureza e o artificio, a arte e a ciência, to estético da obra de arte, a produção padronizada do artista e a tor explana uma reflexão sobre a trama comunicativa da revolução voltados para a reflexão da cultura na América Latina, evidenciamos o saber perito e a experiência profana. Inserido nesta ideia, o aucongresso internacional em artes novas tecnologias e comunicação Venise Paschoal de Melo e Luciana Martha Silveira tecnológica, que introduz em nossas sociedades, um novo modo de relação entre os processos simbólicos, que constituem o cul- tural, e as formas de produção e distribuição dos bens e serviços. O que devemos fazer, em meio à imposição de culturas do- hipnotização do espectador, e ainda com a contribuição dos autores as possibilidades de mudanças do cenário atual do estado da arte, quando convergimos as obras em ações ativas e politizadas. Deste modo, acreditamos na necessidade de um aprofun- damento da discussão e reflexão crítica sobre as imposições do- minantes, da transformação de todas as coisas em processo de minantes em prol de uma cultura renovada, madura, altiva e com remodelamento da arte latino-americana. Através do deslocamento se fundem e se transformam, nas diferenças e dissidências, que consumo exacerbado e fugaz, é gerar ações e reflexões para um de nosso olhar e das questões a respeito da arte, devemos buscar alteridade. E é através da afirmação da arte e a sociedade que podem estar os caminhos para a transformação da arte e cultura um novo espaço, um novo lugar para características e conceitos latino-americana. refletir sobre projetos artísticos que diferem daqueles que se mol- REFERÊNCIAS de sua dissidência e de ruptura em prol de resistências culturais BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de que se encontram à margem das discussões atuais. Localizar e dam pela homogeneização capitalista. Refletir sobre os aspectos legítimas. O desvio do olhar da cultura dominante para um reconhecimento de trabalhos artísticos e artistas que fazem novas tra- Capa Editorial Sumário jetórias e permanecem à margem das discussões globais. Nesta análise, na afirmativa das transformações da arte con- temporânea quando inserida nas tecnologias – em sua condição CANCLINI, Néstor Garcia. A sociedade sem relato: Antropologia e Estética da Iminência. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2012. MACHADO, Arlindo. Tecnologia e arte contemporânea: como politizar o debate. Revista de Estudios Sociales 22 (2005): 71-79. transposta para o entretenimento e o jogo – a partir da produção MARTÍN-BARBERO, Jesús. Introdução: aventuras de um cartógrafo voltada para os aspectos interativos possibilitados pelos softwares mestiço. In: MARTÍN-BARBERO, Jesús (2002). Ofício de cartógrafo: e hardwares computacionais , e ainda pensando nos valores acePágina - 415 Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1999 nados por Machado (2005), tais como os aspectos do esvaziamen- travessias latino-americanas da comunicação e da cultura. São Paulo: Edições Loyola, p. 9–42.