Academia.eduAcademia.edu
Disciplina Fonética e Fonologia 2 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância material didático elaboração do conteúdo Alzerinda de Oliveira Braga Marilucia Barros de Oliveira revisão Maria Risolêta Silva Julião coordenação de edição Maria Cristina Ataide Lobato ilustrações Jônatas Alves capa, projeto gráfico e editoração eletrônica Ana Petruccelli Káyra Matos Badarane impressão Gráfica Universitária - ufpa Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) – Biblioteca do ILC/ UFPA, Belém – PA Ferreira, Marília de Nazaré de Oliveira. Morfologia/ Marília de Nazaré de Oliveira Ferreira e Lobato, Maria Cristina Ataide. – Belém: editAedi, 2013. v.10. Textos didáticos do Curso de Licenciatura em Letras – Habilitação em Língua Portuguesa – Modalidade a Distância. ISBN: 978-85-65054-00-3 1. Morfologia. 2. Língua Portuguesa. 3. Linguística. I. Maria Cristina Ataide Lobato. II. Título. Alzerinda de Oliveira Braga Marilucia Barros de Oliveira Disciplina Fonética e Fonologia Belém-Pa 2014 volume 11 MINISTRO DA EDUCAÇÃO Aloizio Mercadante Oliva SECRETÁRIO EXECUTIVO DO MEC José Henrique Paim Fernandes DIRETOR DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL João Carlos Teatini de Souza Clímaco REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Carlos Edilson de Almeida Maneschy VICE-REITOR Horácio Schneider PRÓ-REITORA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO (UFPA) Marlene Rodrigues Medeiros Freitas ASSESSOR ESPECIAL DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (AEDI) José Miguel Martins Veloso DIRETOR DO INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO (ILC) Otacílio Amaral Filho DIRETOR DA FACULDADE DE LETRAS (FALE) Elizabeth Ferreira Vasconcelos de Andrade COORDENADORA DO CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA – MODALIDADE A DISTÂNCIA Maria de Fátima do Nascimento SUMÁRIO Unidade 1 – Fonética ..... 11 Atividade 1 – Os sons da linguagem: uma introdução ..... 13 Atividade 2 – O aparelho fonador ..... 19 Atividade 3 – A produção dos sons da fala ..... 27 Atividade 4 – A classificação dos sons da fala ..... 37 Atividade 5 – Segmentos, suprassegmentos e articulações secundárias ..... 53 Atividade 6 – A representação dos sons da fala ..... 63 Unidade 2 – Fonologia ..... 71 Atividade 7 – Estudo fonético vs. Estudo fonológico ..... 73 Atividade 8 – Teorias fonológicas – da fonêmica à teoria dos traços distintivos ..... 89 Unidade 3 – As vogais da Língua Portuguesa ..... 97 Atividade 9 – O percurso histórico das vogais: do Latim ao Português ..... 99 Atividade 10 – As vogais da Língua Portuguesa ..... 105 Unidade 4 – As consoantes da Língua Portuguesa ..... 121 Atividade 11 – Consoantes: do Latim ao Português ..... 123 Atividade 12 – O quadro fonológico do Português: as consoantes ..... 135 Unidade 5 – Padrão silábico e acentual da Língua Portuguesa ..... 147 Atividade 13 – Padrão silábico do Português ..... 149 Atividade 14 – Padrão acentual do Português ..... 161 Unidade 6 – Processos fonológicos e realizações fonética do Português ..... 171 Atividade 15 – Palatalização, Nasalização e Alteamento ..... 173 Atividade 16 – A pesquisa linguística: abordagem fonético-fonológica ..... 183 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância APRESENTAÇÃO Olá! Durante, aproximadamente, 13 semanas estaremos envolvidos com atividades referentes à disciplina Fonética e Fonologia e umas das primeiras perguntas que você deve estar se fazendo é: por que devo estudar essa disciplina? Bem, primeiramente, você precisa saber que o conteúdos dessa disciplina é importantíssimo para quem pretende estudar e compreender os fenômenos linguísticos relacionados à fala. Também precisa saber que, a partir de agora, os conhecimentos que você vai adquirir lhe permitirão um olhar diferente sobre a linguagem, sobre a língua. Os falantes de uma língua, geralmente, são capazes de fazer algumas avaliações sobre o que percebem quando se fala. Por exemplo, uma pessoa com baixa escolaridade pode ser capaz, por ser falante nativo de uma dada língua, de perceber as variações, oscilações que ocorrem em sua língua. Os falantes são capazes de perceber um sotaque diferente no Sul em relação ao Nordeste, por exemplo. Entretanto, não são capazes de descrever, explicar de forma sistemática e científica essas diferenças. A partir do estudo que iremos realizar, você será capaz de compreender melhor e de explicar os diferentes fenômenos linguísticos que ocorrem em sua língua, especialmente aqueles ligados à produção e organização dos sons. Esta disciplina apresenta carga horária de 172 horas. Essas horas não serão todas utilizadas com a leitura deste livro. Parte das atividades será realizada em tempo e espaço diversos. Por exemplo, teremos atividades de pesquisa que poderão ser realizadas na cidade onde você mora. Outras deverão ser realizadas via plataforma Moodle e outras, ainda, durante as aulas presenciais, no pólo. Você deverá se planejar no sentido de dispensar algumas horas diárias para as atividades, de segunda a sexta, ou optar por outra forma de planejamento que esteja mais adequada a suas condições de tempo e de aprendizagem. O importante é que você consiga cumprir as tarefas dentro dos prazos estabelecidos e que apresente bom rendimento nas atividades desenvolvidas. As pessoas têm maneiras diferentes de estudar. Nem sempre uma metodologia usada para uma pessoa é a melhor para outra. Tente descobrir que caminho é mais produtivo para você. 7 Nas unidades I e II você vai estudar conteúdos referentes à Fonética Geral, mais especificamente à Fonética Articulatória, e à Fonologia. Nas unidades III, IV e V o estudo será especificamente sobre a Fonologia da Língua Portuguesa. Na unidade VI você encontrará orientação para a realização de pesquisa piloto que deverá ser desenvolvida por você na localidade onde mora. Sendo assim, você vai poder usar os dados da localidade onde reside para estudar mais e melhor alguns fenômenos linguísticos. O objetivo dessa atividade é levá-lo ter contato com atividades de pesquisa. O ensino superior prevê que o aluno seja capaz de, durante o curso, desenvolver competências relativas à pesquisa de sua área de conhecimento. Você perceberá também que a pesquisa, agora entendida como um procedimento de ensino, é uma forma diferente e muito produtiva de se aprender. Durante o levantamento de dados para sua pesquisa, a descrição dos dados, a análise e escritura do seu texto, você poderá contar com a orientação e colaboração do tutor da disciplina, do coordenador da disciplina e com os colegas de classe. Essa colaboração pode se dar, além de presencialmente, por meio da plataforma Moodle que será muito utilizada durante todo o curso da disciplina Fonética e Fonologia. Num curso de terceiro de grau é muito importante que os alunos tenham acesso aos textos dos autores que lêem, que são citados no texto base do curso e não apenas à interpretação que os professores fazem desses autores quando produzem o material impresso. Por isso, durante o curso serão solicitadas algumas leituras que não constam deste material impresso. São as leituras complementares. Elas são muito importantes. O objetivo desse procedimento é motivá-lo a ter contato com os autores da área, sem necessariamente, ter uma intermediação direta do professor. No caso de não haver no pólo o livro cuja leitura é indicada como complementar, cópias serão providenciadas para que você não deixe de ler os textos indicados. Ao ler o texto impresso, não esqueça de atentar para os ícones neles utilizados e para o que indicam. Isso ajudará você a ter melhor aproveitamento das leituras realizadas, explorando o que de melhor os textos têm a lhe oferecer. Os vídeos, figuras, sons também são linguagens muito importantes no seu aprendizado. Use-os de forma reflexiva. Os exercícios que se encontram no decorrer da apresentação das unidades têm como finalidade fixar os conteúdos e fazer compreender algum processo ou fenômeno, por exemplo, que vai ser útil para a compreensão de conteúdos subsequentes. Já os exercícios que finalizam tópicos ou unidades têm a finalidade de retomar o conteúdo estudado e avaliar o nível de aprendizagem. O texto base, por mais rico que seja, não deve substituir os livros especializados. A acomodação pode levar você a querer ler apenas o texto base, mas isso não é suficiente para um curso de graduação. Você deve, necessariamente, destinar tempo para ler os clássicos da linguística, da Fonética e da Fonologia. Dessa forma, sua formação apre- sentará melhor qualidade. Não se conforme com a interpretação que outros deram aos textos clássicos. Vá até os livros. Converse com os autores. Nesse sentido, apresentamos no texto algumas indicações de leituras de capítulos de livros, de artigos especializados que servirão de base para a resolução de exercícios. Mas você pode ainda se perguntar: por que preciso estudar Fonética e Fonologia da Língua Portuguesa e qual sua contribuição para minha formação como professor? Você já tem algum palpite? Calma! Isso deverá ser respondido por você mesmo ao final do curso. Temos certeza de que você conseguirá fazer isso e, assim, teremos alcançado grande parte de nosso objetivo. Bom curso para você! Para nós já está sendo, pelo simples fato de termos você em nossa companhia. u n i d a d e 1 FONÉTICA OS SONS DA LINGUAGEM: UMA INTRODUÇÃO a t i v i d a d e 1 14 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de: - compreender as diversas formas de manifestação da linguagem humana, - conceituar fonética, - compreender os seus campos de estudo. PRA INÍCIO DE CONVERSA Nesta atividade você irá entrar no universo da linguagem humana. Falaremos inicialmente sobre as várias formas de manifestação dessa nossa capacidade para nos concentrarmos, em seguida, na sua manifestação oral, objeto principal de nosso estudo. as várias formas de manifestação da linguagem Antes de iniciar a leitura do próximo tópico, observe com atenção as figuras 1 e 2, abaixo. Observe a emissão da mensagem em LIBRAS e leia o trecho da poesia de Drummond ou, se possível, escute e cante a canção. E agora , José? Fig. 1- libras – Língua Brasileira de Sinais Fonte: quadros & karnopp, 2004 E agora, José? A festa acabou, A luz apagou, O povo sumiu, A noite esfriou. E agora, José? E agora ,você? Você que é sem nome, Que zomba dos outros, Você que faz versos, Que ama, protesta? E agora, José? [...] Fig. 2 - trecho do Poema de Carlos Drummond de Andrade Música de Paulo Diniz. Fonte: Paulo Diniz Coleção Meus Momentos – emi/odeon, 1994. Unidade 1 Fonética 15 Como você deve ter observado, a linguagem humana se manifesta de várias formas. Podemos nos expressar por meio de gestos, como na língua de sinais conforme ilustrado na figura 1; por meio dos sons que emitimos ao falar e, ainda, por meio da escrita. Ao ler o poema E agora José? de Carlos Drummond de Andrade, você experienciou a linguagem se manifestando por meio da escrita. Ao escutar ou cantar a canção, você utilizou a linguagem falaCANAL é o meio físico através do qual da, seja quando fez uso do seu aparelho vocal para emitir sons uma mensagem é transmitida ao cantar, seja quando utilizou seu aparelho auditivo para ouvir VOCAL-AUDITIVO e perceber a mensagem. A linguagem falada se realiza por meio refere-se ao fato de as mensagens do canal vocal-auditivo, enquanto a linguagem de sinais utiliza linguísticas serem transmitidas um canal gestual-visual e a escrita, um canal visual-gráfico. por meio de sons produzidos pelo Apesar da existência dessas várias formas de manifestação, a aparelho vocal humano e percebidas por meio do ouvido. linguagem humana tem no canal vocal-auditivo a sua forma privilegiada de expressão, basta constatarmos que o ser humaGESTUAL-VISUAL refere-se ao fato de as mensagens no primeiro fala e só depois aprende, ou não, a escrever. Uma serem transmitidas por meio comunidade só desenvolve a linguagem gestual quando seus de gestos produzidos por um membros são privados de audição e a escrita, embora tenha dos participantes na situação muito prestígio nas sociedades modernas, não existiu e nem de comunicação e serem captadas e percebidas pelo aparelho visual existe em todas as sociedades humanas. Há muitas línguas do outro participante. no mundo que só apresentam a modalidade oral, são línguas sem escrita – línguas ágrafas. As línguas indígenas ainda hoje faladas no território brasileiro são exemplos disso. Na sua evolução, os seres humanos privilegiaram o canal vocal-auditivo para a comunicação talvez em decorrência das vantagens que ele apresenta em relação ao canal gestual-visual. Comunicar-se por meio de sons, em vez de gestos, deixa o corpo livre para se empreender outras atividades no momento em que se fala e exige relativamente pouca energia física. Além disso, as mensagens podem ser enviadas e recebidas a uma certa distância, sem necessidade de os interlocutores se olharem. Assim a comunicação pode ocorrer no meio da escuridão ou numa floresta densa, por exemplo (Aitchison, 1998, p.44). a fonética e os sons da fala Os sons vocais são, portanto, a base da nossa fala e compreendê-los é uma tarefa importante para os profissionais da linguagem. Assim, criou-se uma ciência para estudá-los: a Fonética, que você vai começar a estudar nesse curso. A Fonética é um dos campos de investigação da ciência da linguagem – a Linguística – que tem como objeto de estudo os sons da fala e como objetivo compreender de que forma esses sons são produzidos pelo aparelho fonador humano, as suas características físicas e 16 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância como se dá a percepção desses sons pelo nosso aparelho auditivo. Esse triplo objetivo faz surgir respectivamente três ramos de estudo da fonética: a fonética articulatória, a fonética acústica e a fonética perceptiva ou auditiva. Essa divisão está diretamente relacionada com a natureza do ato comunicativo. Como já deve ser do seu conhecimento, qualquer ato de comunicação envolve, pelo menos, os seguintes elementos: a pessoa que fala (falante/ emissor/enunciador), a pessoa que ouve (ouvinte/receptor) a mensagem que ela transmite, o código no qual a mensagem está cifrada (a língua) e o canal ou meio físico que leva a mensagem do falante até o ouvinte. Pois bem, pensando neste esquema de comunicação podemos ver que o estudo dos sons da fala pode ser feito focalizando algum elemento deste esquema. São basicamente três os elementos focalizados: o emissor, o meio físico e o receptor. Quando o som é estudado do ponto de vista do emissor, procura-se explicar como ele é produzido e as características que ele tem em decorrência da sua forma de produção. É o que se faz em fonética articulatória. Quando o som é estudado do ponto de vista do receptor, procura-se explicar como os sons são percebidos pelo ouvido humano, é a fonética perceptiva. Por último, quando estudamos o som levando em consideração o seu aspecto físico, estuda-se a onda sonora para explicar as características físicas dos sons da fala importantes e necessárias para o funcionamento da linguagem. Aí estaremos fazendo Fonética Acústica. Neste curso, trataremos particularmente da fonética articulatória, por isso indicamos no saiba mais uma referência para quem quiser se aprofundar um pouco mais nos outros dois ramos de estudo. Resumindo, a Fonética é a parte da Linguística que estuda os sons da fala. Subdivide-se em três ramos de estudo: fonética articulatória – estudo dos sons da fala do ponto de vista de sua produçao pelo aparelho fonador; fonética auditiva ou perceptiva – estudo dos sons da fala do ponto de vista de sua percepção e fonética acústica – estudo das propriedades físicas dos sons da fala. Vamos agora, começar nosso estudando sobre o aparelho fonador e, em seguida, veremos como ele funciona para produzir os sons da fala. saiba mais O uso do canal vocal-auditivo para a comunicação não é um privilégio dos seres humanos, muitos animais também o utilizam nos seus sistemas de comunicação. Como exemplo, temos os pássaros e os macacos. Para conhecer um pouco mais os sistemas de comunicação animal consulte o site http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao =31&id=360. Se você tem curiosidade acerca das línguas indígenas faladas no território brasileiro, consulte o site http://www.socioambiental.org. Para a língua brasileira de sinais – libras, acesse estes sites: http://www.ines.gov.br/libras, e http://www.acessobrasil.org.br/libras/. Para saber mais sobre Fonética Acústica e Fonética Perceptiva leia o texto de martins, 1998. Unidade 1 Fonética bibliografia básica aitchison, Jean. O Mamífero Articulado: uma introdução à Psicolinguística. Porto Alegre: Editora do Instituto Piaget. 2002. silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. complementar cagliari, Luis Carlos & massini-cagliari, Gladis. Fonética. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. martins, Maria Raquel Delgado. Ouvir Falar: Introdução à Fonética do Português. Lisboa: Caminho, 1998. resumo da atividade 1 Nessa atividade fizemos uma introdução ao estudo dos sons da linguagem, destacando o fato de que os sons constituem uma das formas de manifestação da linguagem humana. Você aprendeu que a Fonética é a ciência que se ocupa com o estudo desses sons e o faz a partir de três perspectivas que dão origem a três ramos de estudo: fonética articulatória, fonética acústica e fonética perceptiva. 17 O APARELHO FONADOR a t i v i d a d e 2 20 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender a constituição do o aparelho fonador. - compreender como o aparelho fonador funciona para produzir os sons da fala. pra início de conversa Nesta atividade você irá estudar a constituição anatômica do aparelho fonador, bem como o modo como ele funciona para produzir os sons da fala. o aparelho fonador Chamamos de aparelho fonador (v. Fig. 3) o conjunto de órgãos do nosso corpo envolvidos na produção dos sons da fala. Ao falar, colocamos em funcionamento uma série de órgãos como os pulmões, que dão início ao movimento de saída da corrente de ar; a laringe e a faringe, por onde flui a corrente de ar; as cavidades bucal e nasal, caminhos de saída da corrente de ar do nosso corpo. Os órgãos que constituem o aparelho fonador funcionam de forma ordenada formando subconjuntos que desempenham função específica na produção dos sons. Assim, temos de compreender o aparelho fonador como um conjunto constituído de três partes ou sistemas: uma parte respiratória, uma parte fonatória e uma parte articulatória. É importante salientar que estes órgãos não foram projetados para a fala, esta é uma utilização secundária que o homem ao desenvolver a linguagem falada, privilegiando o canan vocal-auditivo, deu a eles. As funções primárias desses órgãos são variadas e todas ligadas ao nosso funcionamento biológico, para garantir nossa sobrevivência. Daí se considerar a adaptação desses órgãos para a fala como uma função secundária. Trataremos dessas funções a medida que formos falando dos Fig. 3 - O Aparelho Fonador órgãos particularmente. Vejamos, agora, Unidade 1 Fonética como está formada e qual a função de cada uma das partes que compõem o aparelho fonador na produção dos sons da fala. 1. A parte respiratória A parte respiratória do aparelho fonador é constituída pelos órgãos que formam o nosso sistema respiratório: os pulmões, os músculos pulmonares, os brônquios e a traquéia (v. Fig. 4). Como você já deve saber, esses órgãos possuem uma função biológica, sua função primária, que consiste na produção da respiração propiciando a troca de gases necessária a nossa sobrevivência. Sua função secundária é fornecer a corrente de ar necessária para a produção dos sons da fala. Fig. 4 – Parte Respiratória do Aparelho Fonador A respiração compreende duas fases: a inspiração e a expiração. A inspiração consiste em um conjunto de movimentos cujo objetivo é recolher o ar externo para dentro do corpo (Cagliari, 1981, p. 107). Nessa fase, ocorre o alargamento da caixa torácica, pois as costelas se elevam com o movimento dos músculos intercostais, o diafragma (músculo localizado sob os pulmões) desce e os pulmões, que são como bolsas elásticas, aumentam de volume em decorrência do ar absorvido. Na fase seguinte, a expiração, ocorre o abaixamento das costelas, a subida do diafragma e o consequente estreitamento da caixa torácica culminando com a expulsão de uma grande parte do ar contido nos pulmões (Malmberg, 1954, p.39). É esse ar expirado que se utiliza majoritariamente para a produção dos sons da fala. Você pode observar e comprovar isto colocando sua mão próxima à boca, enquanto fala. Ao fazer isso, você vai sentir os jatos de ar sendo expulsos à medida que você articula os sons. 2. A parte fonatória A parte fonatória é constituída pela laringe, órgão situado na parte superior da traquéia (v. Fig. 5) que faz a comunicação entre essa e a faringe permitindo a passagem do fluxo de ar. Fig. 5 - A laringe - constituição 21 22 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância A laringe é formada por cartilagens, músculos e ligamentos (tecido elástico). Está ligada à traquéia por meio da cartilagem cricoide e tem como maior cartilagem a tireoide, cartilagem formada por duas asas simétricas que formam um ângulo cuja proeminência, externamente saliente, é popularmente conhecida como pomo-de-adão, por ser mais proeminente nos homens (v. Fig. 6). O tamanho do ângulo formado pela tireóide varia conforme a idade, o sexo e a constituição física da pessoa e é um dos determinantes do tipo de voz. Ligadas à cricóide há duas pequenas cartilagens altamente móveis, as Fig. 6 - A laringe - constituição aritenoides (v. Fig. 7), cujos movimentos são responsáveis pela aproximação e afastamento das cordas vocais. Por último, ligada à tireoide, encontra-se a epiglote (v. Fig. 6 e 7), cartilagem cuja função principal é fechar a entrada para a laringe impedindo que, durante a alimentação, comida ou líquido passe por ela e pela traquéia chegando até os pulmões, onde causariam problemas à saúde (Arnold, 1957). No interior da laringe, encontram-se as cordas ou pregas vocais (v. Fig. 7), duas estruturas altamente flexíveis, semelhantes a dois grandes lábios, constituídas por um músculo e um ligamento cada. Em estado de repouso as cordas vocais ficam separadas e aparece um espaço entre elas. Esse espaço recebe o nome de glote. Observe a figura abaixo. Fig. 7 A laringe – visão interior Unidade 1 Fonética A laringe é um órgão móvel. Ela se movimenta para cima durante a inspiração, deglutição, pronúncia da vogal [e] e, para baixo na expiração, após a deglutição e na pronúncia da vogal [u]. O alargamento, ou estreitamento do espaço supraglótico, decorrente dos movimentos de descida e de subida da laringe, tem implicação direta na ressonância dos sons de forma que quanto mais largo o canal, maior a ressonância (Arnold, 1957). saiba mais Acesse os vídeos que estão nos endereços abaixo e veja em detalhe o funcionamento da laringe e as cordas vocais vibrando. http://www.youtube.com/watch?v=FA58skByS28 http://www.youtube.com/watch?v=ajbcJiYhFKY&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=wjRsa77u6OU&feature=channel 3. A parte articulatória A parte articulatória do aparelho fonador é constituída pelas três cavidades situadas acima da laringe , portanto, acima da glote, por onde flui a corrente de ar em direção à saída do aparelho fonador. São as chamadas cavidades supraglóticas: a faringe, a cavidade oral ou bucal e a cavidade nasal (v. Fig. 8). Essas cavidades, além de suas funções primárias, têm duas funções importantes na produção dos sons da fala: a) funcionam como caixas de ressonância, amplificando os sons produzidos na laringe, b) também são responsáveis pela diferenciação que fazemos entre os sons que produzimos ao falar. A faringe é o canal que faz a conexão entre a laringe e as cavidades oral e nasal. Sua função primária consiste em realizar os movimentos peristálticos necessários para o transporte do bolo alimentar da boca para o esôfago. Como ressoador, sua função secundária, o canal faringal pode ser estreitado ou alargado causando diferenças acústicas nos sons produzidos (Arnold, 1957). A cavidade oral é delimitada na sua Fig. 8 - A laringe - constituição parte superior pelo palato; na parte posterior, pelo véu palatino; pelas bochechas, em ambos os lados; pela língua e chão da boca, na parte de baixo e pelos lábios na parte anterior. Sua função primária está relacionada com a ingestão, mastigação, digestão inicial 23 24 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância (saliva) e o ato de engolir os alimentos. É nessa cavidade que ficam os chamados órgãos articuladores, como os lábios, a língua e o véu palatino, responsáveis pela diferenciação de grande parte dos sons que produzimos. A língua, além de ser um componente importante no mecanismo de mastigação e deglutição dos alimentos, é o principal órgão do sabor. É ela que nos permite perceber e diferenciar os vários sabores dos alimentos. Em decorrência de sua grande flexibilidade e mobilidade, a língua desempenha função importante na classificação dos sons da fala. O véu palatino, ou palato mole, é a parte final e móvel do palato, popularmente conhecida como céu da boca. Durante a respiração, o véu palatino se encontra relaxado e abaixado permitindo a passagem da corrente de ar pela cavidade nasal. Durante a alimentação, no ato de engolir, o véu palatino levanta e fecha a passagem para a cavidade nasal, separando o canal da alimentação do canal da respiração (Arnold, 1957). Esse mecanismo de abaixamento e levantamento do véu palatino é muito importante para a produção dos sons da fala, como veremos na próxima atividade, onde estudaremos detalhadamente esses articuladores e trataremos particularmente do processo de produção dos sons da fala. exercício 1. Para fixar o que você aprendeu, elabore um texto descrevendo as funções e a constituição do aparelho fonador. 2. Faça um desenho ou pesquise e selecione uma figura que contenha o aparelho fonador e identifique as suas partes e órgãos constituintes. bibliografia básica arnold, g. e. Morphology and Physiology of the speech organs, In: kaiser, l. Manual of phonetics. Amsterdam: North-Holland Publishing Company, 1957. cagliari, Luis Carlos. Aspectos aerodinâmicos do português brasileiro. In: Estudos de filologia e linguística: em homenagem a Isaac Nicolau Salum. São Paulo: T. A. Queiroz/ edusp, p. 105-16, 1981. malberg, Bertil. A fonética: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1954. silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. Unidade 1 Fonética complementar cagliari, Luis Carlos & massini-cagliari, Gladis. Fonética. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. santos, Raquel Santana & souza, Paulo Chagas de. Fonética. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 ladefoged, Peter. A course in Phonetics. New York: Harcourt Brace Jovanovich Inc., 1975. resumo da atividade 2 Nesta atividade você estudou o aparelho fonador, suas funções primárias e secundárias, os órgãos que o constituem e a maneira como esses órgãos estão organizados para produzir a fala. 25 A PRODUÇÃO DOS SONS DA FALA a t i v i d a d e 3 28 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender o papel de cada parte do aparelho fonador na produção dos sons da fala; - identificar os diferentes mecanismos de corrente de ar envolvidos na produção dos sons da fala; - identificar os diferentes tipos de fonação; - compreender o que são articuladores; - diferenciar articulador ativo de articulador passivo. pra início de conversa Nesta atividade você vai adquirir conhecimentos sobre: 1) O processo de produção dos sons da fala, ou seja, a função que os órgãos que compõem o aparelho fonador desempenham na produção dos vários tipos de sons encontrados na fala. 2) Os mecanismos de corrente de ar. 3) O processo de produção da voz – a fonação. 4) O processo articulatório que permite diferenciar sons vocálicos de sons consonantais, sons orais de sons nasais e a gama variada de sons vocálicos e consonantais que o nosso aparelho fonador é capaz de produzir. mecanismos de corrente de ar Como vimos na parte dedicada ao sistema respiratório, a corrente de ar é um elemento fundamental para a produção de som. Isso porque o som é produzido por modulações do fluxo de ar que ocorrem devido à presença de obstáculos que a corrente de ar encontra em seu trajeto. Para compreendermos os mecanismos de corrente de ar envolvidos na produção dos sons da fala temos que considerar dois parâmetros: a direção da corrente e o ponto onde tem origem o movimento da mesma. Há duas direções possíveis para a corrente de ar: o trajeto de fora para dentro do corpo (que ocorre na inspiração) – corrente de ar ingressiva; o trajeto contrário, de dentro para fora do corpo (que ocorre na expiração) – corrente de ar egressiva. Quanto ao ponto onde tem origem a movimentação da corrente de ar, temos: os pulmões – corrente de ar pulmonar; a laringe – corrente de ar glotal e a região do véu palatino na cavidade bucal – corrente de ar velar. A maior parte dos sons que emitimos ao falar são produzidos com corrente de ar pulmonar egressiva , ou seja, com corrente de ar iniciada nos pulmões e se dirigindo para fora do corpo (Santos & Souza, 2003; Massini-Cagliari & Cagliari, 2001). Quando Unidade 1 Fonética você emite qualquer palavra como cipó, abacate ou tucupi está utilizando esse tipo de mecanismo de corrente de ar na produção dos sons. Embora o mecanismo de corrente de ar pulmonar egressivo seja o mecanismo majoritariamente utilizado na produção dos sons da fala, há em algumas línguas sons produzidos com outros mecanismos de corrente de ar. É o que veremos agora. Em vez de utilizar a corrente de ar iniciada pelos pulmões, podemos fechar a glote e usar o ar que fica acima dela. A corrente de ar é iniciada pelo movimento da laringe para cima e para baixo. Quando a laringe é movimentada para cima dá origem à corrente de ar glotal egressiva. Os sons produzidos com esse mecanismo de corrente de ar são chamados de ejetivos. Quando a laringe é movimentada para baixo dá origem à corrente de ar glotal ingressiva. Os sons produzidos com esse mecanismo de corrente de ar são chamados de implosivos (Santos & Souza, 2003). Para compreender bem o que acabamos de explicar, treine, com a ajuda do tutor ou do professor as sequências silábicas abaixo. Na sequência abaixo, você tem primeiramente uma sílaba cuja consoante é produzida com corrente de ar pulmonar egressiva, típica de nossa língua, e em seguida duas sílabas uma contendo uma consoante implosiva e outra contendo uma consoante ejetiva. Para facilitar o contraste entre as consoantes, a vogal será a mesma em todas as sílabas da sequência. Vejamos: corrente de ar pulmonar egressiva [ ba ] corrente de ar glotal ingressiva [ ɓa ] corrente de ar glotal egressiva [ p’a ] anote A partir desse ponto vamos começar a utilizar símbolos com os quais você deve, pouco a pouco, se familiarizar. Na atividade 3, onde trataremos da técnica de transcrição fonética você encontrará informações mais detalhadas sobre como se representam os sons da fala. No momento, basta que você atente para os símbolos utilizados e os sons correspondentes. Os colchetes indicam que as letras contidas entre eles representam os sons da forma como eles são articulados pelo aparelho fonador humano. Atente para o fato de que cada letra representa um único som apenas. Nosso último mecanismo de corrente de ar tem origem na cavidade oral. Por meio do levantamento da parte posterior da língua, que toca o véu palatino fechando a parte posterior da cavidade oral, e com a obstrução da cavidade na parte anterior, feita pelos lábios ou pela língua (Santos & Souza, 2003; Cagliari & Massini-Cagliari, 2001), se cria uma câmara de ar. É esse ar que se utiliza na produção de sons denominados cliques. O clique é um estalo que se produz quando a língua, que obstrui o ar na parte anterior da 29 30 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância cavidade bucal, é abaixada ou pelos lábios, no momento da desobstrução. Embora esses sons não façam parte do conjunto de sons da língua portuguesa, nós os utilizamos com outros fins. Faça, por exemplo, aquele som característico de negação ou desaprovação que fazemos estalando a língua contra o céu da boca ou jogue um beijinho no ar. Os sons que você produziu são cliques. Esses sons são muito comuns em línguas africanas. Em resumo, da combinação do parâmetro iniciador da corrente de ar com o parâmetro direção da corrente de ar resultam quatro mecanismos de corrente de ar envolvidos na produção dos sons da fala sistematizados no quadro abaixo. quadro 1 - Mecanismos de corrente de ar utilizados na produção dos sons da fala Iniciador da corrente de ar Direção da corrente de ar Tipo de mecanismo Tipo de sons pulmão egressiva Pulmonar egressivo plosivo glote egressiva Glotal egressivo ejetivo ingressiva Glotal ingressivo implosivo ingressiva Velar ingressivo cliques véu palatino a fonação Em decorrência de sua flexibilidade, as cordas vocais podem se aproximar e se afastar ocasionando os diferentes estados da glote. Cada estado da glote está relacionado com um modo de fonação, ou seja, a maneira como um som é gerado na laringe. De acordo com Ladefoged (1975), há quatro grandes modos de fonação: desvozeado, vozeado, murmurado e rangeado. O modo de fonação desvozeado ocorre quando as cordas vocais estão afastadas deixando a glote aberta de modo que o ar passa sem provocar vibração. É o estado da glote durante a respiração normal e durante a produção dos sons classificados como desvozeados ou surdos (v. Fig. 9). Um exemplo de som desvozeado é o som [f], primeira consoante da palavra `faca`. O modo de fonação vozeado ocorre quando a glote está fechada, ou seja, quando as cordas vocais estão unidas de forma que a corrente de ar vinda dos pulmões exerce pressão sobre elas para poder passar (v. Fig. 10). Isso faz as cordas vocais vibrarem e dá origem ao fenômeno acústico denominado voz. A voz é, portanto, produzida pela vibração das cordas vocais causada pela passagem da corrente de ar através da laringe e é por isso que a laringe é chamada de o órgão da voz. Os sons produzidos com a glote nesse estado são classificados como vozeados ou sonoros. Um exemplo de som vozeado é o som [v], primeira consoante da palavra 'vaca'. Unidade 1 Fonética Fig. 9 – Estado da glote – Respiração normal Fig. 10 - Estado da glote - Fonação Outro modo de fonação ocorre quando a glote não está nem completamente fechada, nem completamente aberta. Isto pode ocorrer de duas maneiras. Na primeira, as cordas vocais estão unidas, mas com uma abertura na região compreendida entre as aritenoides (v. Fig.11) dando origem à voz sussurrada ou cochichada. Na segunda, as cordas vocais estão bem próximas e não completamente unidas, ou seja, há uma pequena abertura em toda a sua extensão ocasionando a voz murmurada. (v. Fig. 12). Fig. 11– Estado da glote – Voz sussurrada Fig. 12 - Estado da glote - Voz murmurada O modo de fonação rangeado (creaky voice) ocorre com o fechamento forte da glote na região das aritenóides o que faz com que o ar passe e faça vibrar as cordas vocais apenas na parte restante. (Fig. 13) 31 32 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Fig. 13 - Estado da glote - Voz rangeada pratique Para perceber bem a diferença entre um som vozeado e um som desvozeado, faça um exercício com as consoantes dos pares de palavras abaixo. A primeira palavra do par contém as consoantes desvozeadas e a segunda, as consoantes vozeadas. Faça o contraste entre os sons vozeados e desvozeados pronunciando primeiramente as sílabas e depois pronuncie a consoante sozinha, sem o apoio da vogal. [`papɐ] `papa` [tɐ`ta] `Tatá` [fɐ`fa] `Fafá` [sɐ`sa] `Sassá` [ʃa] `chá` [`babɐ] `baba` [dɐ`da] `Dadá` [vɐ`va] `Vavá` [zɐ`za] `Zazá` [ʒa] `já` dica Se você tem dificuldade para perceber a diferença entre som vozeado e desvozeado, tente os procedimentos explicados abaixo. 1. Coloque os dedos na garganta, na altura do pomo de adão, no momento em que você estiver articulando o som. Se o som for vozeado você sentirá a vibração das cordas vocais em seus dedos. 2. Tape os ouvidos durante a articulação do som. Isso ajudará você a ouvir a vibração das cordas vocais. (Santos & Souza, 2003; Silva, 1999) a articulação dos sons Após passar pela glote, a corrente de ar se dirige para as cavidades supraglóticas, podendo fluir simultaneamente pelas cavidades oral e nasal até sua saída, ou fluir apenas pela cavidade oral. O que determina a direção que a corrente de ar vai tomar é a posição do véu palatino. Vimos anteriormente que o véu palatino tem a função primária de fechar ou deixar aberta a cavidade nasal por meio de um movimento de levantamento e abaixamento. Esse mecanismo é importante na produção dos sons vocais, pois permite a diferenciação entre dois tipos de sons: sons orais e sons nasais. Sons orais são sons Unidade 1 Fonética 33 produzidos com o véu palatino levantado, fechando a passagem para a cavidade nasal o que faz com que o ar flua apenas pela cavidade oral. São exemplos de sons orais: [ a ], [ f ] e [ b ]. Sons nasais são sons produzidos com o véu palatino abaixado fazendo com que parte da corrente de ar flua pela cavidade nasal. São exemplos de sons nasais [ m ] e [ n ]. pratique Pronuncie alternadamente os sons [ a ], o 'a' de 'pau', e o som [ ə ], o 'a' de 'pão'. Procure focalizar a sua atenção na movimentação do véu palatino. TRATO VOCAL É a parte do aparelho fonador compreendida entre as cordas vocais, de um lado, e os lábios e as narinas, de outro (Ladefoged, 1996). Em outras palavras, é o espaço percorrido pela corrente de ar onde essa sofre a ação dos articuladores para que se produzam os diferentes sons da fala. Na passagem pelas cavidades supraglóticas, a corrente de ar pode fluir livremente pelo trato vocal ou ser obstruída pelos articuladores, de forma total ou parcial, em alguma parte de seu trajeto. Para compreender isso, pronuncie, por exemplo, a vogal 'a' da palavra 'faca' e observe como a corrente de ar flui livremente durante a articulação. Em seguida, pronuncie a primeira consoante da palavra, o 'f`, e observe que o ar flui com uma certa dificuldade, imposta pela aproximação dos dentes inferiores com o lábio superior. Por último, pronuncie a segunda consoante, o 'c' e observe que desta feita o ar é momentâneamente bloqueado. Veja abaixo como são representados os sons que você acabou de pronunciar. [ 'fakɐ ] 'faca' Corrente de ar fluindo livremente [a] Corrente de ar parcialmente obstruída [f] Corrente de ar totalmente obstruída/bloqueada [k] Falamos acima em articuladores. Articuladores são órgãos, ou partes, do sistema articulatório do aparelho fonador envolvidos na articulação dos sons. Quando você articulou o som [ f ] de 'faca' você aproximou os dentes superiores do lábio inferior dificultando a saída da corrente de ar, portanto, os dentes inferiores e o lábio superior são os articuladores envolvidos na articulação do som [ f ]. Você pode observar, ainda, que o lábio inferior se movimenta em direção aos dentes superiores, por isso o lábio inferior é classificado como articulador ativo e os dentes superiores como articulador passivo. Articuladores ativos são aqueles que se movimentam no momento da articulação de um som em direção a um outro articulador, classificado como passivo, por ser ou estar imóvel no momento da articulação. Os articuladores ativos se localizam na parte inferior da cavidade bucal e os passivos, na parte superior. São articuladores ativos o lábio inferiro, os dentes inferiores e a língua. Já o lábio superior, os dentes superiores e a parte popularmente conhecida como céu da boca - a abóboda palatina - constituem os articuladores passivos 34 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância (v. Fig. 14). Os articuladores têm um papel importantíssimo na descrição e classificação dos sons da fala porque é por meio do trabalho desses articuladores, no trato vocal, que os sons são diferenciados uns dos outros. Discutiremos mais detalhadamente os articuladores quando tratarmos dos sons consonantais. Fig. 14 – Os pontos de articulação pratique Pronuncie pausadamente a sequência silábica indicada abaixo. Observe o movimento dos articuladores. Identifique os articuladores envolvidos verificando qual é ativo, qual é passivo no momento da articulação de cada uma das sílabas. Sequência silábica pa – fa – ta – sa – cha - ca bibliografia básica cagliari, Luis Carlos & massini-cagliari, Gladis. Fonética. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. ladefoged, Peter. A course in Phonetics. New York: Harcourt Brace Jovanovich Inc., 1975. Unidade 1 Fonética santos, Raquel Santana & souza, Paulo Chagas de. Fonética. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. complementar malberg, Bertil. A fonética: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1954. resumo da atividade 3 Nessa atividade você estudou o processo de produção da fala e aprendeu como cada parte do aparelho fonador contribui para isso. Estudou os mecanismos de corrente de ar, a fonação e o trabalho dos articuladores na produção e diferenciação dos sons produzidos pelo aparelho fonador humano. 35 A CLASSIFICAÇÃO DOS SONS DA FALA a t i v i d a d e 4 38 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender os diferentes critérios utilizados na classificação dos sons da fala; - diferenciar sons vocálicos de sons consonantais; - classificar os sons vocálicos; - classificar os sons consonantais. pra início de conversa Nesta atividade você irá estudar a forma como o sistema articulatório do aparelho fonador funciona para diferenciar os diversos sons vocálicos e consonantais que produzimos e, assim, compreender e aplicar os critérios de classifição dos sons. a classificação dos sons Como falamos anteriormente, a corrente de ar pode fluir livremente através do trato vocal ou sofrer algum tipo de obstrução imposta por algum articulador. Sofrer obstrução ou fluir livremente é o primeiro critério de classificação dos sons da fala que permite a identificação de dois grupos importantes de sons: sons vocálicos e sons consonantais. Sons vocálicos são sons produzidos sem qualquer obstrução à saída da corrente de ar pelo trato vocal e sons consonantais, ao contrário, são sons produzidos com algum tipo obstrução imposta à passagem da corrente de ar (Silva, 1999, p. 26). Por isso, [ a ] é classificado como vogal e [ f ] como consoante. Passaremos agora a estudar com mais detalhes os critérios de classificação de cada um desses grupos de sons. os sons vocálicos Além de serem produzidos sem obstrução à passagem da corrente de ar pelo trato vocal, os sons vocálicos se caracterizam, ainda, por serem sons naturalmente vozeados, ou seja, produzidos com a vibração das cordas vocais. A diferenciação das diversas qualidades vocálicas que percebemos na fala é obtida por meio de variadas configurações que damos ao nosso trato vocal e essas configurações, por sua vez, são fruto da movimentação de dois articuladores: a língua e os lábios. A língua pode movimentar-se na cavidade oral em dois eixos: a) eixo vertical, que diz respeito ao movimento da língua de baixo para cima, em direção ao palato; b) eixo horizontal, que se refere ao movimento da língua para a frente, em direção aos dentes, e para trás, recuando para o fundo da cavidade oral. Se você Unidade 1 Fonética pronunciar as vogais [a] e [i] em sequência, perceberá a elevação da língua em direcão ao palato e ao pronunciar [i] e [u], também em sequência, perceberá os movimentos de avanço e recuo da língua na cavidade oral. Essa movimentação da língua ocorre em uma área restrita do trato vocal cuja configuração é semelhante a um trapézio (v. Fig. 15) de modo que qualquer som produzido fora desta área não é mais caracterizado como vogal (Cagliari & Massini-agliari, 2001). Os movimentos de subida e descida e de avanço e recuo da língua são a base dos dois primeiros critérios utilizados para a classifição dos sons vocálicos: a altura e a posição anterior/posterior da língua na cavidade bucal. O terceiro critério está relacionado à configuração assumida pelos lábios durante a articulação de um som vocálico. Se você observar a movimentação dos lábios durante a fala, verá que eles podem estar estendidos ou distensos, como na articulação da vogal [ i ], ou arredondados, como na articulação da vogal [ u ]. Resumindo, são três os critérios de classificação dos sons vocálicos: altura da língua (posição da língua no eixo vertical), posição anterior/posterior da língua (posição da língua no eixo horizontal) e posição dos lábios. Trataremos de cada um deles a seguir. Fig. 15 – Espaço de produção das vogais na cavidade oral Fonte: www.radames.manosso.nom.br critérios para a classificação dos sons vocálicos Como foi explicado na seção anterior, temos três critérios para classificar os sons vocálicos. Vejamos cada um deles em detalhe. 1. Altura da língua A altura da língua, posição relativa da língua em relação ao palato, coincide com o grau de abertura da boca de forma que quanto mais alta a posição da língua, mais fechada fica a boca e vice versa. Se você retomar o exercício proposto anteriormente (pronunciar 39 40 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância as vogais [ a ] e [ i ] em sequência) verificará que ao pronunciar a vogal [ a ] a língua está mais distante do palato e a cavidade oral está mais aberta do que na pronúncia da vogal [i], na qual a língua está em uma posição mais alta, mais próxima do palato, e a boca, mais fechada. Por isso, a vogal [i] pode ser classificada como alta ou fechada e a vogal [a], como baixa ou aberta. Na área delimitada pela vogal mais alta que produzimos, a vogal [i], e pela mais baixa, [a], são definidos quatro níveis de altura para a classificação das vogais: alto, médio-alto, médio-baixo e baixo. Assim, as vogais são classificadas como altas, quando produzidas com a língua posicionada na região próxima ao palato, como [i] e [u]; são classificadas como baixas, quando produzidas com a língua posicionada na região mais distante do palato, como a vogal [a] e são classificadas como médias quando produzidas com a língua posicionada na região intermediária enre as regiões alta e baixa. Assim temos vogais médias-altas ou médias-fechadas como [e] e [o] e vogais médias-baixas ou médias-abertas, como[ɛ] e [ɔ]. Observe o quadro abaixo. quadro 2 - Classificação das vogais quanto à altura da língua ALTURA DA LÍNGUA Níveis de Altura Vogal Produzida Exemplos em Português Alta [i] [u] `li` `tu` Média-alta ou média-fechada [e] [o] `ipê` `capô` Média-baixa ou média aberta [ɛ] [ɔ] `pé` `pó` Baixa [a] `pá` pratique Pronuncie repetidas vezes as sequências vocálicas abaixo, atentando para a posição da língua durante a articulação de cada vogal. a) [i], [e], [ɛ], [a] b) [u], [o], [ɔ], [a] 2. Posição anterior/posterior da língua No eixo horizontal, a língua pode assumir três posições durante a articulação das vogais. Na articulação da vogal [a] a língua está numa posição definida como central, pois para produzirmos esta vogal não projetamos a língua em direção à parte anterior da cavidade bucal e nem a recuamos em direção à parte posterior. A partir desta posição, Unidade 1 Fonética se você pronunciar a vogal [i] perceberá a projeção da língua para a frente, em direção aos dentes. A língua estará na posição anterior da cavidade bucal e os sons vocálicos produzidos com a língua nesta posição são classificados como anteriores. Ainda tomando como base a articulação da vogal central [ a ], se você pronunciar a vogal [ u ], em sequência, perceberá o recuo da língua em direção à parte posterior da cavidade bucal, por isso a vogal [ u ] e todas a vogais produzidas com o recuo da língua para a parte posterior da cavidade bucal são classificadas como vogais posteriores. Observe o quadro abaixo. quadro 3 - Classificação das vogais quanto à posição da língua no eixo horizontal POSIÇÃO DA LÍNGUA NO EIXO HORIZONTAL Anterior Central Posterior [i] [ɨ] [u] [e] [ɘ] [o] - [ə] - [ɛ] [ɜ] [ɔ] [a] As sequências de vogais anteriores ([ i ], [ e ], [ ɛ ]) e posteriores ([ u ], [ o ], [ ɔ ]) não oferecem nenhuma dificuldade para sua articulação e identificação, pois são sons que nos são familiares, enquanto falantes de português. Já a sequência de vogais centrais é constituída por sons com os quais não estamos familiarizados, pois esses sons, com exceção da vogal [ a ], não fazem parte do conjunto de sons que utilizamos para falar português. A vogal central alta [ ɨ ], por exemplo, é um som característico das línguas tupi faladas em várias regiões do Brasil. Assim, para você se familiarizar com esses sons pratique os exercícios propostos a seguir. pratique Pronuncie as sequências vocálicas abaixo sempre prestando atenção no movimento da língua e no som produzido. a) [ a ]. [ i ] b) [ a ], [ u ] c) [ i ], [ u ] d) [ i ], [ a ], [ u ] Para praticar as sequências a seguir, pronuncie a primeira vogal e, em seguida, recue a língua ligeiramente para o centro da boca, controlando para não mudar a altura, assim você pronunciará a segunda vogal. a) [ i ], [ ɨ ] b) [ e ], [ ɘ ] c) [ ɛ ], [ ɜ ] 41 42 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância 3. Posição dos lábios Como foi explicado anteriormente, ao produzirmos um som vocálico os lábios podem estar estendidos, como ocorre quando pronunciamos a vogal [e], ou arredondados, como ocorre na pronúncia da vogal [o]. Assim, a vogal [e] é uma vogal não-arredondada, já que é pronunciada com os lábios estendidos e a vogal [o] é arredondada, por ser pronunciada com os lábios arredondados. Em qualquer posição que articularmos uma vogal, podemos diferenciar duas qualidades vocálicas apenas mudando a posição dos lábios e os sons serão, então, classificados como arredondados ou não-arredondados. Observe o quadro abaixo. quadro 4 - Classificação das vogais quanto à posição dos lábios POSIÇÃO DOS LÁBIOS Não-Arredondada Arredondada [i] [y] [e] [ø] [ɛ] [œ] Assim como aconteceu com o quadro anterior, neste também estão representados sons com os quais você não está familiarizado. Lembre-se que a diferença entre essas duas séries de sons está na posição dos lábios. Para se familiarizar com esses sons, pratique o exercício proposto a seguir. PRATIQUE Para produzir os sons do quadro anterior e exercitar o movimento dos lábios na articulação das vogais, você deve proceder da seguinte forma: primeiro escolha os sons que você conhece bem e não tem dificuldades para articulá-los; em seguida, mude a posição dos lábios e você produzirá a vogal arredondada ou não-arredondada correspondente. Tome, por exemplo, o som [ i ] que é uma vogal alta, não-arredondada, comum em língua portuguesa. Articule esse som e, sem mudar a posição da língua, mude a posição dos lábios arredondando-os. Ao fazer isso, você vai perceber uma mudança na qualidade vocálica que você está produzindo. Você acabou de produzir a vogal alta arredondada [y]. Faça isso com as outras vogais da seguinte forma: a) Parta das vogais não-arredondadas [ i ], [ e ], [ ɛ ] e arredonde os lábios para produzir a sequência arredondada correspondente [ y ], [ ø ] e [ œ ]. Exercite cada par repetidas vezes. [i]–[y] [e]–[ø] [ɛ]–[œ] Unidade 1 Fonética b) Parta das vogais arredondadas [ u ], [ o ], [ ɔ ] e desarredonde os lábios para produzir a sequência não-arredondada correspondente [ ɯ ], [ ɤ ] e [ ʌ ]. Exercite cada par repetidas vezes. [u]-[ɯ] [o]-[ɤ] [ɔ]-[ʌ] Os critérios que você acabou de estudar são estabelecidos a partir das propriedades articulatórias básicas de um som vocálico e, portanto, parâmetros essenciais para a sua identificação, descrição ou classificação. Isso significa dizer que um som vocálico só pode ser identificado e, consequentemente classificado, se esses três parâmetros forem utilizados, pois se dissermos que uma vogal é anterior estaremos nos referindo a um conjunto de sons vocálicos - [ i ], [ e ], [ ɛ ], [ y ]; se dissermos que é alta e anterior, estaremos no referindo a pelo menos duas vogais - [ i ] e [ y ]. Ao contrário, ao dizer que uma vogal é alta, anterior e não-arredondada identificamos o som particular [ i ]. Nessa parte de seu estudo, você deve se preocupar em desenvolver as seguintes habilidades: 1. Após ouvir um som vocálico, ser capaz de descrevê-lo ou classificá-lo utilizando os critérios estudados, ou seja, ao ouvir alguém dizer a palavra 'pé' você deverá ser capaz de dizer que a vogal desta palavra é média-baixa, anterior, não-arredondada – [ ɛ ]; 2. Dada uma classificação vocálica, você deverá ser capaz de articular o som correspondente, ou seja, se lhe disserem que uma determinada vogal é alta, posterior, arredondada, você deverá produzir o som [ u ]. O quadro a seguir apresenta grande parte dos sons vocálicos utilizados nas línguas naturais. Identifique os sons com os quais você ainda não está familiarizado e treine a segunda habilidade descrita anteriormente. Siga a dica. quadro 5 - Classificação geral das vogais Altura da língua POSIÇÃO DA LÍNGUA NO EIXO HORIZONTAL Anterior Central Posterior NãoArred. Arred. NãoArred. Arred. NãoArred. Arred. Alta [i] [y] [ɨ] [ʉ] [ɯ] [u] Média-Alta [e] [ø] [ɘ] [ɵ] [ɤ] [o] Média-Baixa [ɛ] [ œ] [ɜ] [ɞ] [ʌ] [ɔ] Baixa [æ] [ɶ] [a] - [ɒ] [ɑ] 43 44 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância dica Para articular um som que não lhe é familiar proceda da seguinte forma: escolha um som familiar que se diferencie em apenas um parâmetro do som que você quer articular. Em seguida articule o som familiar e mude o parâmetro em questão. Quando se tratar da altura da língua, escolha um som que se diferencie do som pretendido em apenas um nível. Exemplo: [ɨ] Para articular a vogal [ɨ], você deve escolher a vogal [i], pois elas têm a mesma altura e são ambas não- arredondadas. Se diferenciam apenas em relação à posição da língua no eixo horizontal: [i] é anterior e [ɨ] é central. Então voce só terá de trabalhar esse parâmetro e, a partir da articulação de [i], recuar a língua para o centro da boca. Dessa forma você articulará a vogal [ɨ]. saiba mais Acesse http://www.phonetics.ucla.edu/course/chapter1/vowels.html e ouça os sons vocálicos clicando em cima do símbolo fonético. os sons consonantais Para a produção dos sons consonantais é necessário haver uma estreita aproximação, ou toque, dos articuladores de modo a causar algum tipo de interferência à passagem da corrente de ar pelo trato vocal. Assim, o modo como os articuladores causam obstrução à saída da corrente de ar e o local onde se dá essa obstrução são a base para os dois primeiros critérios de classificação das consoantes. O terceiro critério diz respeito ao papel das cordas vocais. São esses critérios que vamos estudar agora. critérios para a classificação dos sons consonantais São três os critérios para a classificação dos sons consonantais, como acabamos de mencionar. Esses critérios são: o modo de articulação, o ponto de articulação e o papel das cordas vocais. Vejamos cada um deles. 1. Modo de articulação O modo de articulação é a maneira como os articuladores se posicionam dando uma configuração particular ao trato vocal e influenciando no modo como a corrente de ar sai pela cavidade bucal. Quando tratamos dos articuladores ativos e passivos (v. pág. 33) vimos que eles podem assumir posições variadas de modo que os articuladores ativos se aproximam ou tocam os articuladores passivos no momento da produção de um som consonantal. Se você pronunciar a palvra passo perceberá que as duas consoantes presentes nessa palavra são produzidas de modo diferente. A consoante da primeira sílaba, [p], é Unidade 1 Fonética produzida com um toque do lábio inferior no lábio superior, o que causa uma obstrução total à saída da corrente de ar. Já a consoante da segunda sílaba, [ s ], é produzida com um estreitamento do canal por onde passa a corrente de ar ocasionado pela aproximacão dos articuladores. Essa posição assumida pelo articulador ativo em relação ao passivo durante a articulação de uma consoante tem o nome técnico de estritura (v. Silva, 1999, p. 33). Assim, o modo de articulação corresponde ao grau e à natureza da estritura, ou seja, de que modo e com que duração os articuladores se aproximam. Vejamos, agora, quais são esses modos de articulação. a) Oclusivo O modo de articulação oclusivo é aquele em que a saída da corrente de ar sofre uma obstrução total causada pelo toque entre os articuladores. O articulador ativo toca o articulador passivo fechando momentaneamente o canal vocal e bloqueando a saída do fluxo de ar que, após o desbloqueio, sai em forma de uma explosão. Por isso, esses sons são também chamados de plosivos. Note, também, que durante a articulação desses sons, o véu palatino se encontra levantado fechando a entrada para a cavidade nasal, de modo que o ar flui apenas pela cavidade oral. O bloqueio à saída da corrente de ar pode ser feito em várias pontos do trato vocal. São exemplos de consoantes oclusivas, as consoantes das palavras seguintes: [ p ] 'papai' [ t ] 'teto' [ k ] 'Cacá' [ b ] 'babá' [ d ] 'dedo' [ g ] 'Gugu' pratique Pronuncie as palavras acima prestando atenção no movimento dos articuladores durante a produção de cada consoante. Repita quantas vezes achar necessário. Em seguida faça o exercício proposto a seguir. exercício 1 Identifique os articuladores envolvidos na produção das consoantes anteriormente pronunciadas e preencha o quadro abaixo. Consoante Oclusiva [p] [b] [t] [d] [k] [g] Articulador Ativo Articulador Passivo 45 46 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância b) Nasal Os sons nasais são produzidos com o véu palatino abaixado de modo que parte da corrente de ar flui pela cavidade nasal, enquanto a outra parte flui pela cavidade oral sendo obstruída pelos articuladores. São exemplos de consoantes nasais as consoantes das palavras `mana` e `manhã`, respectivamente [m], [n] e [m], [ɲ]. exercício 2 Proceda como no exercício anterior. Pronuncie as consoantes, identifique os articuladores e preencha o quadro abaixo. Consoante Nasal Articulador Ativo Articulador Passivo [m] [n] [ɲ] c) Vibrante No modo de articulação vibrante o articulador ativo se movimenta várias vezes, numa espécie de vibração, quando toca o articulador passivo. Para vibrar, o órgão tem de ser bem flexível, por isso só podemos produzir sons vibrantes com os lábios, com a ponta da língua e com a úvula. Um exemplo de vibrante é a consoante inicial das palavras `rato`, `rua` ou `rio` em alguns dialetos do português. d) Tepe O tepe consiste em uma batida rápida da ponta da língua nos alvéolos. É o som da consoante com que articulamos a palavra `arara` foneticamente representada como [ɾ]. e) Fricativo O modo de articulação fricativo se caracteriza por um estreitamento em alguma parte do trato vocal resultante da aproximação dos articuladores. Esse estreitamento causa uma obstrução parcial à saída da corrente de ar que ao passar pelo canal estreito produz uma fricção. É o que ocorre com o som [f], de `faca`, já estudado anteriormente, e o som [s] de `saca`. pratique Nem todos os sons fricativos ocorrem em língua portuguesa, por isso vamos fazer um exercício diferente. Abaixo são apresentados alguns sons e indicados os articuladores ativos e passivos. O seu trabalho consiste em aproximar os articuladores indicados Unidade 1 Fonética estreitando o canal por onde o ar vai fluir e articular o som. Para facilitar, siga o modelo fornecido para o som [f] articulado com a vogal [a]. Som Fricativo Articulador Ativo Articulador Passivo Sílaba Pronunciada [f] lábio inferior dentes superiores [ fa ] [β] lábio inferior lábio superior [ βa ] [s] língua (lâmina) alvéolos [ sa ] [ʃ] língua (parte anterior) parte média do palato duro [ ʃa ] [x] lingua (parte posterior) véu palatino [ xa ] f) Fricativo-lateral Um som lateral é produzido com uma obstrução à saída do ar na parte anterior da cavidade oral feita pela língua. Impedido de sair pela frente o ar escapa pelas laterais da língua. Com o estreitamento desse canal se produz uma fricção, daí o som ser fricativo-lateral. Este é um som que não existe em língua portuguesa, então, para articulá-lo você deve reproduzir o gesto articulatório descrito acima. Faça isso com o auxílio do tutor. g) Aproximante Os sons aproximantes são produzidos pela aproximação dos articuladores e estreitamento do canal por onde flui a corrente de ar, mas com uma abertura maior que na produção das fricativas, de modo que o ar passa sem causar fricção. São os sons tradicionalmente classificados como semivogais presentes nas palavras 'pai' e 'pau' foneticamente representados como [ j ] e [ w ]. h) Aproximante-lateral A aproximante-lateral é produzida com um gesto articulatório semelhante ao da fricativa-lateral. A diferença é que na articulação da aproximante-lateral não há estreitamento do canal lateral por onde o ar flui, não há fricção. São exemplos de aproximantes laterais as consoantes da segunda sílaba das palavras 'mala' e 'malha', respectivamente [ l ] e [ ʎ ] 2. Ponto de articulação Ponto ou lugar de articulação é o local exato onde os articuladores ativos tocam ou de onde eles se aproximam para a produção de um som consonantal. São, portanto, determinados pelos articuladores passivos. Assim, percorrendo o trato vocal a partir dos lábios até a glote são definidos os pontos de articulação de que trataremos a seguir. É importante notar que a língua, o articulador ativo por excelência, deve ser compreendida 47 48 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância como constituída de várias partes, pois para cada articulador passivo há uma parte correspondente da língua que faz par com ele para produzir os sons (v. Fig. 16). a) Bilabial – um som produzido tendo o lábio superior como articulador passivo e o lábio inferior como articulador ativo. [ p ] e [ m ]. b) Labiodental – um som labiodental tem como articulador passivo o lábio superio e como articulador ativo os dentes inferiores. [f] e [v]. Os sons produzidos nos pontos de articulação, a seguir, têm como articulador ativo a língua. Dê uma olhada nas partes da língua apresentadas na Fig. 16. Fig. 16 – Partes da língua (adaptado de Santos & Souza, 2003) c) dental – som produzido com os dentes incisivos superiores como articulador passivo e a ponta ou a lâmina da língua como articuladores ativos. [t] e [d], conforme na palavra ‘data’. d) alveolar – som alveolar tem como articulador passivo os alvéolos e como articulador ativo a ponta ou a lâmina da língua. Exs: [l], de ‘lata’, e [ɾ], de ‘aro’. e) palato-alveolar – também conhecido como alveopalatal ou pós-alveolar, esse ponto de articulação é definido por ter a parte média do palato duro como articulador passivo e a parte anterior da língua como articulador ativo. Exs: [ʃ], de ‘chá’, e [ʒ], de ‘já’. f) retroflexo – som produzido com a ponta da língua (articulador ativo) curvada para trás de forma que a sub-lâmina da língua fica voltada em direção ao articulador passivo, região palato-alveolar. Um exemplo de som retroflexo é o flap [ ɽ ]. g) palatal – um som palatal tem como articulador passivo o palato e como articulador ativo a parte média da língua. São exemplos de consoantes palatais o[ʎ] da palavra ‘alho’ e o [ɲ], de ‘ninho’. Unidade 1 Fonética h) velar – o ponto de articulação velar é definido pelo véu palatino, como articulador passivo, e pela parte posterior da língua, como articulador ativo. São sons velares o [ k ], de 'calo', e o [ g ], de 'galo'. i) uvular – um som uvular tem a úvula como articulador passivo e a parte posterior da língua como articulador ativo. São sons não característicos da língua portuguesa como[ q ] e [ ɢ ]. j) faringal – os sons faringais são produzidos pela raiz da língua (articulador ativo) contra a parede posterior da faringe (articulador passivo). Esses sons, não característicos da língua portuguesa, são comuns em árabe. Os exemplos são [ ħ ] e [ ʕ ]. k) glotal – As consoantes glotais são produzidas pelas cordas vocais e temos como exemplo o [h], última consoante da palavra 'mar' e [ ɦ ], a primeira consoante da palavra 'rato' . 3. Papel das cordas vocais Enquanto as vogais são sons naturalmente vozeados, a maioria das consoantes são sons que podem ser produzidos com ou sem vibração das cordas vocais. Assim, as consoantes se classificam como vozeadas, quando produzidas com vibração das cordas vocais, e como desvozeadas, quando produzidas sem essa vibração. As consoantes que você estudou no exercício sobre consoantes oclusivas se diferenciam também em relação ao vozeamento. As consoantes [ p ], [ t ] e [ k ] são desvozeadas, enquanto as consoantes [ b ], [ d ] e [ g ], são vozeadas. A oposição entre consoantes vozeadas e desvozeadas ocorre nos modos de articulação oclusivo e fricativo. Nos demais modos de articulação, as consoantes são naturalmente vozeadas, como as vogais. Assim como ocorre com as vogais, uma consoante só pode ser descrita e classificada se utilizarmos os três parâmetros aqui estudados: modo de articulação, ponto de articulação e papel das cordas vocais. Então, a classificação das consoantes que você exercitou até aqui, nesta atividade é a seguinte: quadro 6 - Classificação geral de algumas consoantes oclusivas Som Consonantal Classificação [p] Oclusiva, bilabial, desvozeada [b] Oclusiva, bilabial, vozeada [t] Oclusiva, dental, desvozeada [d] Oclusiva, dental, vozeada [k] Oclusiva, velar, desvozeada [g] Oclusiva, velar, vozeada 49 50 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância saiba mais Para ouvir os sons consonantais com um clique do mouse acesse os sites http://www.phonetics.ucla.edu/course/chapter1/consonants1.html e http://www.phonetics.ucla.edu/course/chapter1/consonants2.html. exercício 3 I. Agora, teste o seu aprendizado classificando os sons abaixo. Som Classificação [h] [ʃ] [ʎ] [ɣ] [ɲ] [c] [θ] [ŋ] II. Resolva as questões abaixo 1. O que é modo de articulação? Dê exemplos. 2. Qual o papel do véu palatino na articulação dos sons da fala? 3. O que é modo de fonação? 4. Quais os principais mecanismos de corrente de ar utilizados na produção dos sons da fala? bibliografia básica cagliari, Luis Carlos & massini-cagliari, Gladis. Fonética. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. malberg, Bertil. A fonética: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1954. santos, Raquel Santana & souza, Paulo Chagas de. Fonética. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. Unidade 1 Fonética complementar ladefoged, Peter. A course in Phonetics. New York: Harcourt Brace Jovanovich Inc., 1975. resumo da atividade 4 Nesta atividade você estudou os critérios que são utilizados para classificarmos os sons da fala. Você aprendeu como as vogais e as consoantes se diferenciam do ponto de vista articulatório e quais os parâmetros utilizados para a classificação dos sons vocálicos e dos sons consonantais. 51 SEGMENTOS, SUPRASSEGMENTOS E ARTICULAÇÕES SECUNDÁRIAS a t i v i d a d e 5 54 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender as noções de segmento e supra-segmento; - compreender o que são articulações secundárias; - identificar as principais articulações secundárias dos sons consonantais e vocálicos; - compreender o que é acento. pra início de conversa Nesta atividade você vai dar mais um passo na compreensão da cadeia sonora da fala. Vai aprender que, além dos sons vocálicos e consonantais que estudamos até agora, há outros elementos fonéticos presentes em nossa fala, os chamados supra-segmentos. Além dos supra-segmentos, vamos tratar também das modificações que os sons podem sofrer na cadeia da fala em decorrência da dinâmica própria do aparelho fonador que dá origem a muitas das articulações secundárias das vogais e das consoantes. a cadeia da fala Falamos emitindo uma série de sons de forma contínua, ininterrupta. Só as pausas que fazemos regularmente durante a fala interrompem esse fluxo. Esse caráter contínuo do fluxo da fala decorre da movimentação contínua e coordenada dos articuladores responsáveis pela execução dos gestos articulatórios que produzem os sons, como estudamos nas atividades 3 e 4. Vimos que cada som, consonantal ou vocálico, é produzido por um gesto articulatório específico. O som [p], por exemplo, é produzido por um fechamento do trato vocal feito pelos lábios, obstruindo momentaneamente a saída da corrente de ar; o véu palatino encontra-se levantado fechando a passagem para a cavidade nasal, o que faz com que a corrente de ar flua apenas pela cavidade bucal e as cordas vocais estão afastadas permitindo que o ar passe sem causar vibração. Contudo, ao produzirmos uma sílaba como [pa] não produzimos cada gesto isoladamente para emitir esses dois sons, ao contrário, coordenamos nossos gestos articulatórios de modos que a explosão da consoante se dá simultaneamente à emissão da vogal. Esse caráter contínuo da emissão dos sons da fala faz com que antes de terminarmos completamente a emissão de um som os articuladores já comecem a se movimentar para produzir o gesto articulatório característico do som seguinte. Um exemplo disso é a nasalização das vogais. Tomemos a palavra `cama`. Em português, a primeira vogal da palavra é normalmente nasalizada Unidade 1 Fonética por anteceder uma consoante nasal, o que não acontece com a segunda vogal. A explicação é que ainda durante a articulação dessa primeira vogal o véu palatino começa a se abaixar, prepararando-se para a articulação da consoante seguinte, que é nasal, e dessa forma a ressonância nasal atinge a vogal. Essas características articulatórias que os sons adquirem em decorrência da articulação dos sons vizinhos são exemplos de articulações secundárias (Silva, 1999, p. 35). Vejamos agora algumas das articulações secundárias dos sons vocálicos e consonantais. 1. Articulações secundárias dos sons consonantais a) Labialização A labialização consiste no arredondamento dos lábios realizado durante a articulação de uma consoante. Pronuncie alternadamente as palavras 'suco' e 'saca'. Note que a primeira palavra é pronunciada com os lábios arredondados e a segunda, não. Isso ocorre porque em 'suco' nós temos duas vogais arredondadas o que faz com que as consoantes sejam também pronunciadas com os lábios arredondados, adquirindo mais uma característica fonética: a labialização. Lembre que as consoantes dessas palavras não são labiais: [ s ] é fricativa, alveolar desvozeada e [ k ] é oclusiva, velar, desvozeada. Assim, a labialização é uma articulação secundária dessas consoantes. A labialização é foneticamente representada por [ ʷ ] sobrescrito ao lado direito da consoante. Então, a representação fonética das palavras anteriormente mencionadas é como mostramos abaixo. Suco ['sʷukʷʊ] Saca ['sakɐ] b) Palatalização A palatalização é uma característica fonética decorrente do levantamento da língua em direção à parte anterior do palato. Para perceber isso, pronuncie a palavra 'caqui' repetidas vezes e observe o movimento da língua na produção da consoante presente nas duas sílabas da palavra. Você notará que na primeira sílaba a consoante [ k ] é pronunciada com a língua subindo e tocan do o véu palatino, como já estudamos na atividade 4 (página 49). Já na segunda segunda sílaba, a língua se movimenta em direção ao palato fazendo com que a consoante [ k ] seja produzida em um ponto mais adiantado do véu palatino, mais próximo ao palato. Isso ocorre porque a vogal seguinte, [ i ], é uma vogal produzida na região palatal. Assim, a consoante oclusiva, velar, desvozeada, [ k ], adquire a propriedade fonética denominada palatalização por ser pronunciada contígua à vogal [ i ], tornando-se [ kʲ ]. A palatalização é representada pelo símbolo [ ʲ ], sobrescrito ao lado direito da consoante palatalizada. O efeito acústico, ou seja, a difrerença entre os sons você pode perceber quando contrasta a articulação das duas sílabas da palavra 'caqui'. Para salientar mais o contraste, pratique o exercício explicitado a seguir. 55 56 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância pratique Pronuncie em sequência as sílabas [ka] e [kʲi]. Em seguida, mantenha a posição da consoante articulada diante de [i] e substitua essa vogal pela vogal [a]. Dessa forma você vai produzir a sílaba [kʲa]. Repita quantas vezes achar necessário, contrastando os pares de sílaba na seguinte ordem: [ka] [kʲi] [kʲi] [kʲa] [ka] [kʲa] A palatalizacão é um fenômeno que ocorre com vários tipos de consoantes. Você terá oportunidade de estudar um pouco mais este assunto na atividade 15. c) Velarização A velarização de um som consonantal se dá quando concomitante à articulação desse som ocorre levantamento da parte posterior da língua em direção ao véu palatino. É o que se dá com a articulação da consoante lateral, alveolar, [l], em alguns dialetos do português, quando ocorre em posição final de sílaba, como na palavra `sal`. Em nosso dialeto a pronúncia corrente é [`saw], mas em outros dialetos é comum ocorrer a pronúncia [saɫ] 2. Articulações secundárias dos sons vocálicos a) Duração A duração de um som está diretamente relacionada com o tempo que gastamos para articulá-lo. As vogais por serem sons contínuos são muito propícias a serem articuladas com maior ou menor duração. Nas línguas, a duração de um som é determinada pela comparação feita com outros sons e é assim, comparando as vogais entre si, que se determina se há diferença na duração com que são articuladas. Há normalmente três graus de duração na articulação das vogais: vogais longas, vogais médias e vogais breves representadas da forma mostrada abaixo: vogal longa [a:] vogal média [a∙] vogal breve [ӑ] Há muitas línguas em que a oposição entre vogais longas e breves é importante. Entre elas encontram-se a língua inglesa, a língua latina e a língua makurap, língua indígena amazônica. Vejamos os exemplos: inglês beach [`bi:tʃ] `praia` bitch [`bItʃ] `cadela` Unidade 1 Fonética latim mūtu [ 'mu:tu ] 'mudo' lŭtu [ 'lutu ] 'luto' makurap xang [ 'tʃəŋ ] 'frio' xaang [ 'tʃə:ŋ ] 'doce' Consulte o seu livro de Filologia Românica (página 54) e reveja os exemplos de vogais longas e breves na língua latina. b) Desvozeamento Quando estudamos os sons vocálicos vimos que estes sons são naturalmente vozeados, contudo eles podem também ser produzidos sem vibração das cordas vocais dependendo do ambiennte fonético em que se encontram, ou seja, dos sons vizinhos e do tipo de sílaba onde estão inseridos. É o que acontece em nossa língua. Em português as vogais podem ser desvozeadas quando ocorrem em sílaba átona final de palavra, antecedida por uma consoante desvozeada. Veja os exemplos abaixo. O sinal [ ̥ ] colocado embaixo da vogal indica desvozeamento. paca [ 'pakɐ̥ ] pote [ 'pɔtʃI̥ ] sapo [ 'sapʊ̥ ] Procure observar a fala das pessoas que você vai encontrar muitos exemplos como esses. c) Nasalização Como foi explicado no início desta atividade, a nasalização decorre do abaixamento do véu palatino durante a articulação de um som, sendo muito comum nas línguas naturais um som contíguo a uma nasal se tornar nasalizado. A nasalização será estudada com mais detalhe na atividade 15. exercício 1 Pronuncie as palavras abaixo, descreva as vogais e as consoantes de cada uma e identifique as articulações secundárias que nelas ocorrem. a) chute b) banha c) pássaro d) sussurro e) canudo 57 58 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância segmentos e supra-segmentos Quando falamos, além da sequência de sons consonantais e vocálicos, emitimos também outros elementos fonéticos. As palavras `para` e Pará`, por exemplo, possuem a mesma sequência de vogais e consoantes. No entanto, qualquer falante de português percebe que se trata de duas palavras distintas e não da mesma palavra. Há, portanto, uma diferença bem perceptível entre elas no aspecto fonético. A primeira palavra é pronunciada com uma maior intensidade na primeira sílaba, enquanto a segunda é pronunciada com maior intensidade na segunda aílaba. Nós podemos segmentar a cadeia linear da fala e isolar os sons consonantais e vocálicos um ao lado do outro como mostrado abaixo: p-a-r-a p-a-r-á Contudo, o mesmo não pode ser feito com a intensidade porque este elemento fonético é produzido concomitantemente às consoantes e as vogais, mais precisamente às sílabas, superpostos a elas. O sinal de acentuação que utlizamos para marcar a intensidade em nossa escrita ortográfica retrata essa idéia. Por serem elementos segmentáveis na cadeia da fala, as vogais e as consoantes PROSÓDIA são comumente chamadas de segmentos e todo elemento fonético Em linguística, o termo prosódia se refere a um conjunto de que se superpõe aos segmentos da forma como foi mostrado para a fenômenos que vão além da intensidade é denominado de supra-segmento. Os supra-segmentos cadeia segmental de consoantes são elementos fonéticos que constituem a prosódia de uma língua. e vogais. Trata-se de fenômenos Vamos estudar aqui dois desses elementos que são muito imporcomo altura, intensidade, duração, pausa, velocidade tantes para entendermos o funcionamento das línguas naturais: o de fala, tom, entoação, acento acento e o tom. e ritmo das línguas naturais. (Scarpa, 1999, p.8) acento Acento é a saliência ou proeminência com que determinadas sílabas são pronunciadas destacando-se de outras menos proeminentes (Malmberg, 1957, p. 141; Cagliari & Massini-Cagliari, 2001, p.113). Toda palavra em português tem uma sílaba proeminente ou sílaba acentuada, como podemos constatar nas. palavras árvore, cadeira e jardim (sílabas acentuadas em negrito). A proeminência de uma sílaba na cadeia da fala é sinalizada por uma ou por uma combinação das seguintes propriedades fonéticas: a intensidade, o tom e a duração. A intensidade é a força expiratória que imprimimos às sílabas quando falamos. Algumas sílabas são pronunciadas com maior força expiratória do que outras, se tornando, portanto mais salientes, mais audíveis. O tom, ou altura melódica, é determinado pela frequência de vibração das cordas vocais na seguinte proporção: quanto maior o número de vibração das cordas vocais por segundo, mais agudo será o som Unidade 1 Fonética produzido; quanto menor o número de vibração, mais o som será percebido como grave. A duração, explicada no item 2 desta atividade, também contribui para que uma sílaba seja percebida como mais proeminente que outra. A forma como essas propriedades vão ser utilizadas para indicar o acento é específica de cada língua. De acordo com Cagliari (1999), a duração é a propriedade fonética utilizada na maioria das línguas para sinalizar o acento, coocorrendo frequentemente com a intensidade e com a altura melódica. Quando estudou Filologia Românica, você aprendeu que em latim o acento está relacionado com a duração das vogais e não apenas com a intensidade (v. Lima, 2008, p.50). Já em português, considera-se, tradicionalmente, que o acento é determinado pela intensidade (Rocha Lima, 1985, p.24; Bechara, 2002, p. 86). Contudo, alguns autores têm destacado essa associação entre intensidade, altura melódica e duração na determinação do acento em português (Cunha & Cintra, 1985, p. 55; Mateus, 1996, p.195). Massini-Cagliari (1992, p. 38) mostra que, em ordem de importância, a duração está na frente da intensidade no que diz respeito à sinalização do acento em língua portuguesa. 1. O acento de intensidade O acento de intensidade decorre, então, da variação da força expiratória com que emitimos as sílabas de uma palavra produzindo sílabas fortes, acentuadas ou tônicas, e sílabas fracas, classificadas como átonas. As regras que determinam a colocação do acento nas palavras são específicas de cada língua. No entanto, de modo geral, as línguas podem ser classificadas em dois grupos: línguas de acento fixo e línguas de acento livre. Nas línguas de acento fixo, o acento ocorre em um lugar fixo na palavra, ou seja, na mesma posição silábica, sendo portanto possível estabelecer uma regra clara de colocação do acento. Em francês, por exemplo, a sílaba acentuada é sempre a última sílaba da palavra; em finlandês e em tcheco, acentua-se sempre a primeira sílaba da palavra e em polonês é a antepenultima sílaba das palavras que recebe acento. Nas línguas de acento livre o lugar da acentuação não é fixo, o que leva à postulação de que, nessas línguas, o acento é definido no léxico, não sendo possível determinar regras para a sua colocação. Nessas línguas, o acento pode ocorrer na última, na penúltima ou na antepenúltima sílaba, como ocorre em português. O acento, nesse tipo de língua, tem normalmente função contrastiva, ou seja, serve para diferenciar o sentido das palavras. Veja os exemplo em português, abaixo: a) sábia – sabia – sabiá b) sai –saí c) baba - babá Nos grupos de palavras acima, a mudança de acento resulta em uma nova palavra, sinalizando novo significado. Embora a língua portuguesa tenha sido tradicionalmente classificada como língua de acento livre (Câmara Jr., 1970), estudos recente têm levado as novas hipóteses sobre 59 60 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância as regras de colocação do acento em português (Bisol, 1992; Cagliari, 1999; Massini-Cagliari, 1999). Esse assunto voltará de forma mais detalhada na atividade 14, quando será estudado o padrão acentual da língua portuguesa. 2. O tom Ao falarmos, variamos constantemente a altura melódica de partes do nosso enunciado, emitindo tons, numa escala de graves e agudos, que vão constituindo curvas melódicas características da língua que falamos. Como acontece com outras propriedades fonéticas, o tom também desempenha várias funções nas línguas naturais. Além de ser uma das propriedades relacionadas ao acento, as variações de tom constituem os padrões entoacionais em algumas línguas e servem para distinguir o significado das palavras em outras, as chamadas línguas tonais. a) Padrões entoacionais Padrões entoacionais são padrões melódicos predeterminados que caracterizam os enunciados de uma língua veiculando informações de natureza pragmática ou afetivas. Em português, exemplo de língua entoacional, temos vários padrões entoacionais para expressar significados como declaração, interrogação e exclamação, entre outros. Se quisermos fazer uma declaração ou perguntar algo, temos que obrigatoriamente fazê-lo usando uma curva melódica específica sob pena de não sermos compreendidos se a curva melódica não estiver adequada. Pronuncie as frases abaixo e observe a diferença na entonação com que você produz cada uma delas: Vai chover hoje. (declaração) Vai chover hoje? (interrogação) Com certeza, você emitiu na primeira frase uma curva melódica descendente, baixando o tom na parte final. Já a segunda foi produzida com uma curva melódica ascendente, característica das frases interrogativas em nossa língua. exercício 2 Cagliari & Massini-Cagliari (2001, p.118) apresentam seis padrões entoacionais básicos para a língua portuguesa. Abaixo, estão listados esses padrões com os exemplos e as informações que eles carregam. A partir desses dados, pronuncie da forma mais natural possível os exemplos e, em seguida, marque sobre os exemplos a curva melódica que você produziu ao enunciá-los. O primeiro padrão, a declaração, já está marcado para servir de modelo. Se você tiver acesso ao texto, é importante que você não o leia antes, pois o exercício perderá o efeito. Unidade 1 Fonética Padrão significado exemplo 1 declaração Ontem choveu muito. 2 interrogação Está chovendo? 3 Enunciado incompleto Ela disse: 4 Surpresa interrogativa Eu não se!?! 5 Asserção enfática Mas eu entreguei o trabalho! 6 "certas" frases relativas Foi ela quem me disse. b) Línguas tonais Nas línguas tonais, a variação de tom é empregada no nível lexical para diferenciar o sentido das palavras, da mesma forma que o acento o faz em português. Nessas línguas, cada sílaba da palavra é pronunciada com uma altura relativa específica, seguindo um sistema determinado. Os sistemas mais simples opõem duas alturas (tom alto e tom baixo), mas podemos encontrar línguas que possuem até cinco tons diferentes, como é o caso do vietnamita. Encontramos muitas línguas tonais na África, na Ásia e na Amazônia. Além do vietnamita, são exemplos de línguas tonais o chinês e o munduruku, língua tupi falada no Pará. Abaixo, temos alguns exemplos da língua vietnamita. Os tons são marcados por diacríticos colocados acima dos segmentos. Exs: - - - Anh tên là gì Como é o teu nome? - - - Tôi tên là Nam Meu nome é Nam. bibliografia básica cagliari, Luis Carlos & massini-cagliari, Gladis. Fonética. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. santos, Raquel Santana & souza, Paulo Chagas de. Fonética. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. complementar bechara, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37ª Ed., Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. bisol, Leda. 1992 61 62 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância cagliari, Luiz Carlos. O acento em português. Campinas-SP: Edição do Autor, 1999. câmara jr. Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970. cunha, Celso & cintra, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. lima, Joaquim Maia de. Filologia Românica. Textos Didáticos do Curso de Licenciatura em Letras-Habilitação Língua Portuguesa – modalidade a distância. Belém: edufpa, 2008. malberg, Bertil. A fonética: no mundo dos sons da linguagem. Lisboa: Edição Livros do Brasil, 1954. massini-cagliari, g. Do poético ao linguístico no ritmo dos trovadores: três momentos da história do acento. Araraquara: fcl/Laboratório Editorial/unesp, Cultura Acadêmica, 1999. massini-cagliari, g. Acento e ritmo. São Paulo: Contexto, 1992. mateus, m. h. m. Fonologia. In: faria, i. s. et alii (orgs.). Introdução à linguística geral e portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, 1996. rocha lima, Carlos Henrique da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. scarpa, Ester M. Apresentação. In: scarpa, Ester M. (org.) Estudos de prosódia. Campias-SP: Editora da unicamp, 1999. resumo da atividade 5 Nesta atividade você estudou as articulações secundárias e outros elementos fonéticos que juntamente com os segmentos consonantais e vocálicos constituem a cadeia da fala: os supra-segmentos Dentre estes, destacou-se o acento e seus correlatos: intensidade, tom e duração. A REPRESENTAÇÃO DOS SONS DA FALA a t i v i d a d e 6 64 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender o que é um alfabeto fonético; - compreender a natureza e a função de um alfabeto fonético; - conhecer o Alfabeto Fonético Internacional; - compreender o que é e como se faz transcrição fonética. pra início de conversa Nesta atividade você vai sistematizar os conhecimentos que já possui sobre alfabeto de modo geral e, em particular, estudar a natureza e função do alfabeto que empregamos nas atividades 3, 4 e 5 para representar os sons consonantais e vocálicos: o Alfabeto Fonético Internacional. a natureza do alfabeto A fala é por natureza efêmera e fugidia, mal acabamos de enunciar uma palavra e ela já desaparece no tempo. A necessidade de fixar e tornar permanente a palavra levou o homem a criar formas de transpor para um meio permanente e visual a linguagem, inventando a escrita. A escrita alfabética, de que trataremos aqui, é fruto de uma longa história de evolução dos sistemas de representação da linguagem falada. Ela se caracteriza por ser realizada por meio de um alfabeto - sistema de sinais (letras) que, segundo regras específicas, tem o objetivo de representar os sons de uma determinada língua. Embora o alfabeto tenha sido inventado para representar os sons de uma língua, a nossa experiência com a ortografia de nossa língua nos mostra que o alfabeto não representa de modo fiel os sons da língua falada. Tomemos como exemplo as palavras `bem`, `asa`, `reza`, signo e `fixo`. Nessas palavras temos casos claros de que não há uma correspondência exata entre os sons que falamos e o que está representado na escrita. a) Há sons que não são representados na escrita ‘bem’ [‘be᷉ j] ‘signo`[‘sigInʊ] Nos exemplos acima a aproximante palatal [j] e a vogal anterior alta [I] não aparecem na escrita. b) Há sons que são representados por mais de uma letra ‘asa’ [`azɐ] ‘reza’ [`ɦɛzɐ] O som [z] é representado ora pela letra `s`, ora pela letra `z` Unidade 1 Fonética c) Há letras que representam mais de um som 'asa' [ 'azɐ ] 'signo' [ 'sigInʊ ] 'fixo [ 'fiksʊ ] ou [ 'fikisʊ ] A letra 's' representa tanto a fricativa, alveolar desvozeada, [ s ], quanto a fricativa alveolar vozeada, [ z ]. A letra ‘x` representa vários sons ao mesmo tempo [ ks ] ou [ kis ]. O conjunto de letras (alfabeto), de sinais diacríticos (´ ˆ) e sinais de pontuação (? ! : ) com que escrevemos uma língua, juntamente com as regras de emprego desses sinais, constituem a sua ortografia. Como as línguas são por natureza sistemas que comportam muita variação, os sistemas ortográficos para cumprirem a sua função e garantir a comunicação entre os membros de uma comunidade de fala precisam ter uma relação ampla com a fala. Uma escrita baseada puramente na fonética está fadada ao fracasso porque as pessoas falam diferente por várias razões. Compare a fala de um paraense, com a fala de um baiano ou gaúcho, são muitas as diferenças, no entanto, todos usam o mesmo sistema de escrita sem problemas. Assim, a ambiguidade dos sistemas de escrita, exemplificada acima, é característica do sistema de escrita de qualquer língua, em maior ou menor proporção. Os sistemas ortográficos das línguas servem, portanto, para aquilo que foram criados e quando eles se afastam demais da realidade falada, sempre há o recurso da reforma ortográfica. Contudo, uma reforma ortográfica nunca é feita para que as letras representem fielmente os sons da fala. o alfabeto fonético Foi a necessidade de se ter um sistema que representasse o mais fielmente possível os sons das línguas naturais que levou os foneticistas a criarem o alfabeto fonético. Diferente dos alfabetos com que as línguas são normalmente escritas, o alfabeto fonético não comporta ambiguidade. Isso porque o seu objetivo é permitir que se represente os sons de qualquer língua humana de forma que uma pessoa treinada possa compreender e reproduzir os sons por ele representados. Para garantir esse fato, o alfabeto fonético é regido por dois princípios fundamentais. Primeiro, a representação fonética não se baseia em característica fonética de nenhuma língua em particular, mas sim nas possibilidades articulatórias do aparelho fonador humano (Cagliari & Massini-Cagliari, 2001, p.132) de tal modo que, para cada som que o aparelho fonador possa produzir, é designado um símbolo para representá-lo. Segundo, a relação entre um som e o símbolo designado para representá-lo é de natureza biunívoca, de forma que cada som é representado por um 65 66 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância único símbolo e cada símbolo só representa um som. Em outras palavras, a consoante oclusiva, bilabial, desvozeada é representada pelo símbolo [p] e esse símbolo só pode representar esse som. Assim, a ambiguidade característica dos sistemas ortográficos não tem lugar aqui. Um símbolo fonético, portanto, está associado a um gesto articulatório específico, resumindo os processos articulatórios característicos da produção do som representado (Callou & Leite, 2001, p. 34). O alfabeto fonético mais conhecido e utilizado atualmente é o alfabeto da Associação Internacional de Fonética – o ipa (International Phonetic Alphabet). Ele é constituído por um conjunto de letras extraídas do alfabeto romano e do alfabeto grego para representar os sons vocálicos e consonantais, uma série de diacríticos e símbolos especiais para representar sons menos comuns, como os cliques. De posse desse alfabeto, uma pessoa treinada pode transcrever os sons de qualquer língua do mundo. A técnica de transcrever os sons da linguagem por meio de um alfabeto fonético é chamada de transcrição fonética. Para marcar uma letra ou uma escrita como fonética, utiliza-se os colchetes [ ]. Embora o objetivo de uma transcrição fonética seja representar o mais fielmente possível os sons da fala, é muito difícil em uma transcrição se registrar todos os detalhes fonéticos de um enunciado. Por isso, o nível de detalhe de uma descrição é sempre uma escolha de quem transcreve baseada sobretudo nos objetivos da transcrição. Uma transcrição fonética pode, então, ser estreita, quando se marca o máximo de detalhe, ou larga, quando se deixa de fora detalhes considerados não tão relevantes para se compreender a pronúncia do que está sendo transcrito. Em geral podem ser deixadas fora da transcrição as mudanças fonéticas que decorrem automaticamente dos movimentos dos articuladores, como as articulações secundárias presentes em [`sʷukʷʊ], porque serão automaticamente recuperadas. Também é muito comum não se marcar as curvas melódicas de um enunciado, a menos que o nosso objetivo seja estudar a prosódia. O nível de detalhe de uma transcrição fonética é sempre uma escolha cuidadosa do profissional que está transcrevendo a fala, mas qualquer transcrição para ser adequada precisa conter as informações fonéticas mínimas necessárias para que a pronúncia seja satisfatoriamente recuperada. Veja, a seguir, o alfabeto fonético elaborado pela Associação Internacional de Fonética para se transcrever as línguas naturais. Unidade 1 Fonética 67 alfabeto fonético internacional (adaptado de Silva, 1999) quadro 7 - Consoantes pulmonares bilabial Labiodental OCLUSIVA dental alveolar ɱ p b Pós- retroflexo palatal alveolar velar t d ʈ ɖ c ɉ k g q ɢ ɳ ɲ ŋ ɴ NASAL m n vibrante  r TEPE Φ f v fricativa lateral aproximante aproximante lateral θ ð ɽ ȿ ʐ ç ʝ X ɣ ɹ ɻ j ɰ l ɭ ʎ L s z ʔ ʀ ɾ fricativa uvular faringal glotal ʃ ʒ χ ʁ ħ ʕ ɬ ɮ ʋ Para os símbolos que aparecem em pares: o da esquerda representa a consoante desvozeada e o da direita, a consoante vozeada. As áreas sombreadas indicam articulações impossíveis. quadro 8 - Consoantes não-pulmonares Cliques ʘ ǀ ! ǂ ǁ Implosivas vozeadas bilabial dental pós-alveolar alveopalatal lateral alveolar ɓ ɗ ʄ ɠ ʛ bilabial dental/alveolar palatal velar uvular Ejetivas pʼ tʼ kʼ sʼ bilabial dental/alveolar velar fricativa alveolar quadro 9 - Suprassegmentos Símbolo Natureza Exemplo ['] acento primário [ sɐ'patʊ ] [ˌ] acento secundário [ kõˌfuza'mtʃɪ ] [:] longo [ e: ] [ ۰] semilongo [ e۰] [˘] Muito breve [ĕ] [.] Divisão silábica [ sɐ.'pa.tʊ ] [│] Grupo acentual menor [║] Grupo entoativo principal Meu Deus │ tu que és tão forte │ que governas a morte │que mata o homem │ desprende o meu pezinho ║ Assim falava a formiguinha aflita. [◡] Ligação (ausência de divisão ['maɾ◡a'zuw] h ɦ 68 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância quadro 10 - Vogais Para os símbolos que aparecem em pares: o da esquerda representa uma vogal não-arredondada e o da direita, uma vogal arredondada. exercício 3 1) Transcreva foneticamente os dados abaixo. a) legal f) rosas azuis b) tigela g) pasta c) ninho h) rasga d) corta i) corda e) chamado j) casa amarela 2) Leia as palavras abaixo. Atente para a transcrição fonética. inglês francês makurap [`ðə] `the` [`ny] `nu` [a`ßa] `papai` [`hu:] `who` [œj] `œil` [`ᵑgapʼ] `caba` [`tʃæt] `chat` [pø] `peu` [tʃa`ko]`canto` [θĩŋ] `thing` [ubli`je] `oublier` [ɨ:] `água` [`saIlǝâns] `silence` [si`lɑâs] `silence` [pɛpɛ`o] `remo` 3) Dê exemplos, em português, de palavras que na escrita ortográfica possuem mais letras do que sons. 4) Dê exemplos, em português, de palavras que na escrita ortográfica possuem mais sons do que letras. Unidade 1 Fonética bibliografia básica cagliari, Luis Carlos & massini-cagliari, Gladis. Fonética. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. santos, Raquel Santana & souza, Paulo Chagas de. Fonética. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. complementar callou, Dinah & leite, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001 resumo da atividade 6 Nesta atividade você estudou duas formas de representar a fala: o alfabeto ortográfico e o alfabeto fonético. Abordou-se a natureza, função e objetivos dos alfabetos e a técnica da transcrição fonética. 69 u n i d a d e 2 FONOLOGIA ESTUDO FONÉTICO vs. ESTUDO FONOLÓGICO a t i v i d a d e 7 74 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender a diferença entre fonética e fonologia; - compreender o que é fonema; - Analisar fonologicamente os sons de línguas particulares; - compreender a natureza da representação fonológica. pra início de conversa Nas atividades de 1 a 6, você estudou os sons da linguagem humana do ponto de vista de sua produção. Aprendeu a descrevê-los e classificá-los de acordo com parâmetros articulatórios, ou seja, você aprendeu uma das formas de se estudar os sons do ponto de vista da Fonética. A partir desta unidade, você vai estudar uma outra disciplina que também estuda os sons da linguagem, mas o faz com métodos e objetivos diferentes: a Fonologia. O seu primeiro desafio é, portanto, compreender a diferença entre um estudo fonético e um estudo fonológico dos sons da fala para, em seguida, compreender a metodologia e os construtos teóricos de uma teoria fonológica elaborada para explicar a organização dos sons de uma língua. estudo fonético e estudo fonológico A Fonética, ao estudar os sons da fala, tem como objetivo descrever suas características articulatórias e acústicas, bem como compreender como estas características são percebidas pelo ouvido humano. A Fonética estuda, portanto, os sons da fala independente das funções que possam desempenhar nas línguas. Você aprendeu, por exemplo, que do ponto de vista articulatório o som [p] é uma consoante oclusiva, bilabial, desvozeada. Essa caracterização do som [p] independe de se ele é um som da língua inglesa, da língua portuguesa ou da língua alemã. A Fonologia, ao contrário da Fonética, estuda os sons para compreender como eles se organizam em uma língua, de modo particular, e nas línguas de modo geral. À Fonologia interessa saber que função o som [p] desempenha na língua inglesa, na língua portuguesa, na língua alemã ou em qualquer outra língua em que ele venha a ocorrer. Observe os exemplos abaixo. ['katʊ] 'cato' ['kətʊ] 'canto' [ka'madɐ] 'camada' [kə'madɐ] 'camada' No primeiro grupo de exemplo, temos a vogal [a] (baixa, central, oral) em 'cato e a vogal [ə] (média, central, nasal) em 'canto'. São vogais foneticamente diferentes e essa Unidade 2 Fonologia diferença fonética é suficiente para indicar a diferença de significado entre as duas palavras. Em outros termos, é a alternância entre essas duas vogais que nos leva a interpretar cada cadeia sonora como significando coisas diferentes. Compare, agora, a ocorrência de [ a ] e de [ ə ] na primeira sílaba da palavra 'camada', no segundo grupo dos exemplos. Veja que no primeiro caso ocorre a vogal [ a ] e no segundo, ocorre a vogal [ ə ]. Do ponto de vista fonético, são vogais diferentes como em 'cato' e 'canto', mas a diferença entre elas, no caso de 'camada', não cria diferença de significado. Assim, podemos constatar que, dependendo do contexto em que ocorrem, vogais orais e vogais nasais têm um funcionamento diferente na língua portuguesa. Nessa breve análise, vimos como dois sons, [ a ] e [ ə ], funcionam em nossa língua e podemos expandir esse raciocínio para as línguas de modo geral entendendo que os sons funcionam de forma diferente de uma língua para outra. Isso significa que duas línguas podem ter os mesmos sons, mas ainda assim elas serão diferentes porque os sons funcionarão de forma diferente em cada uma delas e é isso que vai constituir a fonologia de cada uma. A estrutura fonológica de uma língua é determinada pelo modo como os sons estão organizados, ou seja, como eles se combinam para formar as sílabas e as palavras e como eles funcionam para distinguir os significados. Observe e analise os exemplos abaixo. português inglês [ 'tiɐ ] 'tia' [ 'tɔ:k ] 'talk' (conversa) [ 'tʃiɐ ] 'tia' [ 'tʃɔ:k ] 'chalk' (giz) Os sons [ t ] e [ tʃ ] fazem parte tanto do conjunto de sons da língua portuguesa quanto da língua inglesa. Contudo, o funcionamento deles é diferente em cada uma dessas línguas. Em inglês, eles são empregados para diferenciar o sentido das palavras (veja os exemplos acima), já em português, não. Em português [ 'tiɐ ] e [ 'tʃiɐ ] são formas diferentes de se pronunciar a mesma palavra em dialetos diferentes. Podemos concluir que a Fonética descreve os sons da fala em termos de suas características físicas. Tem, portanto, um caráter descritivo e baseia-se nos processos de produção e de percepção dos sons da fala. Já a Fonologia tem um caráter interpretativo, isto é, interpreta os resultados obtidos por meio da descrição fonética estudando a função que os sons desempenham nos sistemas sonoros das línguas. Tem por base, portanto, o valor dos sons em uma língua particular. Identificar os sons e estabelecer o sistema fonético de uma língua é objetivo de um estudo fonético. Fazer o levantamento dos sons que têm função opositiva e distintiva, estabelecendo o sistema fonológico de uma língua é o objetivo de um estudo fonológico. 75 76 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância análise fonológica Analisar fonologicamente uma língua é analisar os sons (segmentais e supra-segmentais) que a constituem para dscobrirr como eles se combinam para formar as sílabas, as unidades mínimas significativas (os morfemas) e, consequentemente, a palavra, bem como para explicitar de que forma esses sons são utilizados para distinguir o significado das palavras. Nós vamos agora aprender como fazer esse tipo de análise de acordo com uma teoria denominada fonêmica. A fonêmica é uma teoria estruturalista elaborada por Kenneth L. Pike, linguista e missionário norte-americano, com o objetivo de oferecer um instrumental para se escrever línguas ágrafas, como eram, e ainda são, a maioria das línguas indígenas faladas nas Américas. O objetivo final de Pike e de todos os missionários ligados ao Summer Institute of inguistics (SIL), instituição à qual ele estava vinculado, era elaborar um sistema de escrita para as línguas indígenas, em várias partes do mundo, e traduzir a Bíblia. Embora tenha sido elaborada com esse objetivo, a fonêmica foi amplamente utilizada por linguistas ao redor do mundo para estabelecer a estrutura fonológica de línguas desconhecidas, como as línguas indígenas. O termo fonêmica está ligado a um dos conceitos centrais do estruturalismo – o fonema, unidade mínima de estudo dessa teoria fonológica, que abordaremos nas próximas seções. saiba mais O livro Para o estudo da fonêmica portuguesa, de Mattoso Câmara Jr., é um estudo da fonologia da língua portuguesa feito com base na fonologia estruturalista. Para saber mais sobre o SIL, acesse o site www.sil.org. Para relembrar o que é o estruturalismo, releia o material didático referente à disciplina Estudos da Enunciação. a fonêmica: pressupostos teóricos e metodológicos Para se proceder a análise fonêmica, deve-se levar em consideração quatro premissas básicas e seguir alguns passos metodológicos que serão explicitados aqui. premissas para a análise fonêmica 1.1 Premissa 1 - Os sons tendem a ser modificados pelo ambiente em que se encontram Como vimos na atividade 5, os sons se modificam devido ao caráter contínuo da fala e da mesma forma que eles ganham articulações secundárias, algumas de suas características fonéticas podem se modificar em decorrência do ambiente ou contexto em que se encontram. Veja os exemplos a seguir. Unidade 2 Fonologia [`deʃtʃɪ] `deste` [ 'deʒdʒɪ ] 'desde' [`veʃpɐ] `vespa` [ 'veʒgɐ ] 'vesga' [`kaʃkɐ] `casca` [ 'ɦaʒgɐ ] 'rasga A consoante fricativa, pós-alveolar que ocorre na posição final de sílaba tem sua articulação afetada pelo som que a segue. Ela é pronunciada como vozeada ou desvozeada de acordo com o vozeamento da consoante seguinte. Assim, pronuncia-se [ ʃ ], quando a consoante seguinte é desvozeada, como nas palavras deste, vespa e casca; e pronuncia-se [ ʒ ], quando a consoante seguinte é vozeada, como é o caso nas palavras desde, vesga e rasga. Quando estamos analisando os sons de uma língua, devemos estar sempre atentos para este fato a fim de identificar os casos em que a articulação de um som está sendo afetada pela articulação dos sons vizinhos. Os ambientes propícios para a modificação dos sons são: a. Sons vizinhos b. Fronteiras de sílabas, morfemas, palavras e sentenças c. Posição do som em relação ao acento (se ocorre em sílaba átona ou tônica) (Silva,1999, p.119) 1. 2. Premissa 2 – Os sistemas sonoros tendem a ser foneticamente simétricos A simetria diz respeito ao modo como os sons se organizam na estrutura sonora de uma língua. Assim, dada uma determinada classe de sons, para cada som encontrado em uma língua espera-se encontrar um outro som correspondente. Tomemos como exemplo a classe de sons oclusivos. Segundo Pike (1983, p.59), se você encontra os sons [ p ], [ t ], [ k ], [ b ] e [ g ] em uma língua e constata que [ p ] e [ b ] são empregados para diferenciar os significados das palavras e [ k ] e [ g ], também. Então, por simetria, você pode esperar que essa língua também possua o som [ d ] fazendo par com [ t ] para diferenciar significados. Em outras palavras, para cada consoante oclusiva desvozeada deve haver uma consoante oclusiva, vozeada correspondente, no mesmo ponto de articulação, para que o sistema seja simétrico. A falta de correspondência em qualquer um dos pontos de articulação fará surgir um sistema assimétrico. Veja os exemplos abaixo. Sistema simétrico [p t k b d g] Sistema assimétrico [p t k b ] 1. 3. Premissa 3 – Os sons tendem a flutuar É comum dois sons ocorrerem em um mesmo ambiente sem ocasionarem diferença de significado. Quando isso ocorre, dizemos que estes sons estão flutuando, variando livremente em um mesmo contexto. Em português, isso ocorre com as vogais médias em sílaba átona pré-tônica. Veja os exemplos abaixo. [ ko'lɛtɐ ] 'coleta' [ kɔ'lɛtɐ ] 'coleta' [ ʒe'ladʊ ] 'gelado' [ ʒɛ'ladʊ ] 'gelado' 77 78 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Veja que as vogais médias [ o ], [ ɔ ] e [ e ], [ ɛ ] podem se alternar na sílaba que antecede a sílaba tônica sem causar nenhum problema na compreensão destas palavras. A mudanaça de [o] para [ɔ] ou de [e] para [ɛ] não interfere no significado, são formas diferentes de pronunciarmos a mesma palavra. É essa alternância que caracteriza a variação livre ou flutuação de um som. 1. 4. Premissa 4 – Sequências características de sons exercem pressão estrutural na interpretação fonêmica de segmentos suspeitos ou sequências de segmentos suspeitos Segmentos suspeitos ou sequência de segmentos suspeitos são sons ou sequência de sons que podem ter mais de uma interpretação. O exemplo clássico de segmentos suspeitos são as chamadas semivogais. É muito comum encontrarmos nas línguas as vogais altas anteriores [i] ou [ɪ] e as altas posteriores [u] ou [ʊ] ocorrendo em uma posição silábica que é típica de sons consonantais, ou seja, nas margens da sílaba. Em português, temos exemplos desse fato em palavras como `pai` ou `qual`. Observe. [`paɪ] [`kʊaʊ] Cada uma dessas palavras possui apenas uma sílaba que tem como núcleo a vogal [a]. Contudo outras vogais ocorrem nas sílabas, as vogais altas [ɪ] e [ʊ], em um lugar que é típico de uma consoante, nas margens da sílaba. Veja a representação da sílaba abaixo. p a I kʊ a ʊ A posição inicial da sílaba é denominada de margem ascendente ou ataque e a parte final chamada de margem descendente ou coda. Nos exemplos acima, a vogal [ɪ] ocorre em posição de coda, na palavra `pai` e a vogal [ʊ] ocorre tanto na posição de ataque quanto na posição de coda silábica na palavra `qual`. Embora estes sons sejam foneticamente vogais, pois são articulados sem impedimento à saída da corrente de ar, na estrutura silábica eles se distribuem como se fossem consoantes. É nisso que reside a sua ambiguidade e por isso eles se tornam sons suspeitos: o fato de poderem ser interpretados como consoante ou como vogal. Quando isso ocorre em uma língua, a decisão sobre se estes sons são consoantes ou vogais é tomada com base na estrutura silábica comum na língua que está sendo analisada. Assim, se a língua analisada não admitir vogais nas margens da sílaba, esses sons deverão ser interpretados como consoantes e não como vogais. Unidade 2 Fonologia Outro caso comum de sons suspeitos são as sequências fonéticas formadas por um som oclusivo seguido de um som fricativo como: [ ts ], [tʃ], [dz] e [dʒ]. Essas sequências são suspeitas porque podem ser interpretadas de duas maneiras: como uma única consoante, chamada de africada, ou como duas consoantes, constituindo um encontro consonantal. Temos, portanto, duas possibilidades de estruturação silábica, como mostrado abaixo. Exs: [tsa] CV [tsa] ou CCV Para saber se se trata de um som único ou de dois sons pronunciados em sequência, é necessário verificar qual a estrutura silábica predominante na língua que se está analisando. Se a língua admitir a ocorrência de mais de uma consoante nas margens da sílaba e outros tipos de grupo consonantal ocorrem nessa posição, então podemos interpretar as sequências anteriormente mencionadas como duas consoantes , uma oclusiva seguida de uma fricativa. Contudo, se a língua não admite duas consoantes juntas nas margens da sílaba, ou seja, não há ocorrência de outros tipos de encontros consonantais, então é melhor considerar essa sequência como uma única consoante, uma africada. Em qualquer um dos casos exemplificados, você deve ter notado que a decisão sobre a função dos sons ou sequências de sons suspeitos não é baseada nas suas características fonéticas, mas sim com base na estrutura sonora da língua em questão. São as estruturas sonoras típicas da língua, ou seja, a maneira como os sons se organizam, que servem de referência para a interpretação. Por isso se diz que sequências características de sons exercem pressão estrutural na interpretação fonêmica de segmentos suspeitos ou sequências de segmentos suspeitos. 1. conceitos básicos da teoria fonêmica Em decorrência do que é afirmado na primeira premissa, os sons tendem a ser modificados pelo ambiente em que se encontram, a análise fonêmica parte sempre de pares de sons considerados suspeitos, suspeitos de serem sons modificados em decorrência do ambiente. Constituem pares de sons suspeitos os sons foneticamente semelhantes, sons que compartilham propriedades fonéticas semelhantes. Para determinar a semelhança fonética entre dois sons, observe e analise as propriedades fonéticas de cada um para ver que propriedades eles têm em comum. Quanto mais propriedades eles partilharem, mais semelhantes eles serão do ponto de vista fonético. As propriedades fonéticas não compartilhadas constituem a diferença fonética entre eles. Observe o exemplo abaixo [b] consoante, oclusiva, bilabial, vozeada [m] consoante, nasal, bilabial 79 80 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Esses dois sons se assemelham porque ambos são consoantes, bilabiais, vozeadas e se diferenciam apenas porque a primeira é oral e a segunda é nasal. São foneticamente semelhantes as oclusivas e fricativas desvozeadas com as suas contraprtes vozeadas, as consoantes nasais entre si, as vogais que se diferenciam por apenas uma propriedade articulatória. 1. 1. Fonema e alofone Um dos objetivos da análise fonêmica é estabelecer os sons que têm valor distintivo, ou seja, servem para distinguir o significado das palavras (Silva, 1999). A esses sons denominamos de fonemas. Nos exemplos abaixo, você pode observar que a diferença no significado das palavras está relacionada com a alternância entre os sons [f] e [v]. fala [`falɐ] faca [`fakɐ] fila [`filɐ] vala [`valɐ] vaca [`vakɐ] vila [vilɐ] Como a mudança de [f] para [v] é suficiente para distinguir o significado nessas palavras, dizemos então que esses dois sons são fonemas distintos em língua portuguesa. Para indicar o status de fonema a um determinado som, utiliza-se as barras inclinadas, da mesma forma que se usa os colchetes para indicar um fone ou som. Assim, em português os sons [f] e [v] constituem dois fonemas distintos, /f/ e /v/, porque têm valor distintivo. O fonema é a unidade mínima de estudo na teoria fonêmica. Ele tem um caráter abstrato que podemos constatar pelo fato de poder se manifestar concretamente como mais de um fone. No início deste estudo falamos que os sons [t] e [tʃ] não têm função distintiva em português, como podemos constatar na palavra `tia` [`tiɐ] `tia` [`tʃiɐ] `tia` Além disso, se analisarmos o funcionamento dos sons [t] e [tʃ] em nossa variedade de fala, o dialeto paraense, constataremos que o fone [tʃ] só vai ocorrer diante de [i], enquanto o [t] ocorre diante das demais vogais. Em decorrência desses fatos, concluimos que esses dois sons não são fonemas distintos. Eles são, na verdade, formas diferentes de se pronunciar um mesmo fonema, o fonema /t/, sendo por isso, chamados de alofones. Os alofones são, portanto, as manifestações concretas dos fonemas, as diferentes formas de eles serem pronunciados. Nesse caso, temos um fonema /t/ que se manifesta concretamente como [t] e [tʃ], seus alofones. Assim, podemos ver que o fonema tem uma natureza abstrata em relação ao fone que é uma entidade concreta: [t] – ocorre diante de vogais, exceto a vogal [i] /t/ [tʃ] – ocorre diante da vogal [i] Unidade 2 Fonologia 1. 2. Contraste em ambiente idêntico A melhor forma de se constatar e demonstrar se dois sons foneticamente semelhantes são fonemas distintos é quando eles estão em oposição em ambiente idêntico, ou seja, em um par de palavras cuja única diferença são os sons sob análise. É o caso de [f] e [v] nos exemplos anteriormente dados. Nas palavras `fala` e `vala` esses dois sons estão em contraste, em oposição, em ambiente idêntico porque, com exceção dos sons [f]e [v] todo o restante da palavra é igual: os mesmos sons e os mesmos tipos de sílabas. As palavras `fala` e `vala` constituem um par mínimo de palavras e o ambiente ideal para se determinar se os dois sons são fonemas distintos. Dois sons estão em contraste ou em oposição em ambiente idêntico quando ocorrem num par mínimo de palavras servindo para diferenciar o significado delas. Resumindo, podemos dizer que os sons [f] e [v] ocorrem num par mínimo de palavras, fala` e `vala, e a alternância entre eles é suficiente para distinguir o significado desssas duas palavras: fala tem um sentido e vala tem outro. Por isso, /f/ e /v/ são fonemas distintos 1. 3. Variação condicionada e distribuição complementar A variação condicionada é um fenômeno que ocorre quando os sons sob análise nunca aparecem no mesmo tipo de ambiente. São sons mutuamente exclusivos, ocorrendo cada um em seu ambiente. Foi o que acabamos de constatar com o funcionamento dos sons [t] e [tʃ] em nossa fala. Vejamos outro caso. Observe os exemplos abaixo e analise a ocorrência das vogais baixas [a] e [ɐ]. [`kazɐ] `casa` [pɐ`ɾadɐ] `parada` [`paɾɐ] `para` [pɐ`ɾa] `Pará` Essas duas vogais jamais ocorrem no mesmo tipo de ambiente, pois uma está sempre em sílaba átona e a outra sempre em sílaba tônica. Como nunca ocorrem no mesmo tipo de ambiente não poderão contrastar, estar em oposição, e constituírem fonemas distintos. Nesse caso, esses dois sons estão em distribuição complementar e são alofones condicionados de um único fonema. É um caso de variação condicionada. Condicionada porque a ocorrência de cada som depende do ambiente. Assim [a] é articulado quando a sílaba é tônica e [ɐ], quando a sílaba é átona. Temos então o fonema /a/, que se realiza ora como [a] e ora como [ɐ]. 1. 4. Contraste em ambiente análogo Quando dois sons foneticamente semelhantes não ocorrem em par mínimo de palavras e também não estão em distribuição complementar, podemos atestar se estão em oposição utilizando um par análogo de palavras. Par análogo é um par de palavras que possui mais de uma diferença fonética. Além dos sons que estamos analisando, as palavras se diferenciam em outro aspecto fonético. Veja os exemplos abaixo. [`ʃapɐ] `chapa` [`ʒakɐ] `jaca` 81 82 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Se tivermos analisando os sons [ʃ] e [ʒ], o par de palavras acima é um par análogo porque, além de se diferenciarem pelos sons sob análise há, ainda, a diferença de [p] e [k]. Embora o ambiente não seja idêntico, ele é bem parecido porque os sons [ʃ] e [ʒ] ocorrem no mesmo tipo de sílaba, diante do mesmo tipo de vogal e a ocorrência de [p] em `chapa` e [k] em ‘jaca’ não influencia a pronúncia de [ʃ] e [ʒ]. Assim, podemos concluir que [ʃ] e [ʒ] estão em oposição, sendo portanto fonemas distintos: /ʃ/ e /ʒ/. 1. 5. Variação livre Variação livre é o mesmo que flutuação (reveja a premissa 4). Quando dois sons variam livremente não há oposição entre eles, portanto, não constituem fonemas distintos. Trata-se de um outro caso de alofonia. Veja o exemplo abaixo. [ku'pe] 'homem branco, não índio' [ku'be] 'homem branco, não índio' Na língua parkatêjê, língua indígena falada no Pará, os sons [p] e ]b] ocorrem no mesmo ambiente sem causar diferença no significado das palavras. Nesse caso, os sons estão variação livre, não há oposição, não são, portanto, fonemas distintos. Há apenas um fonema, /p/, com dois alofones livres, [p] e [b]. 2. procedimentos metodológicos para a análise fonêmica Para se fazer análise dos sons de uma língua é necessário seguir alguns passos. São esses passos que demonstraremos a seguir. 1. Visto que a análise baseia-se em dados da fala, em primeiro lugar, é preciso coletar dados da língua em estudo. A esse conjunto de dados dá-se o nome de corpus que pode ser constituído de lista de palavras, textos espontâneos, textos lidos, falas informais, discursos formais, conversas. 2. Em seguida deve-se proceder à transcrição fonética dos dados. Para tanto, usa-se um alfabeto fonético. Aqui vamos usar o Alfabeto Fonético Internacional (IPA - International Phonetic Alphabet). 3. A partir dos parâmetros articulatórios, como foi estudado na atividade 4, identificar os sons que ocorrem no corpus. Os sons identificados devem ser distribuídos em uma tabela fonética construída para esse fim. Unidade 2 Fonologia exercício Para exercitar esses passos, transcreva foneticamente os dados do português abaixo, de acordo com a sua pronúncia. Em seguida, classifique todos os sons encontrados e coloque-os em uma tabela fonética. Língua Portuguesa - corpus pote bato dato ata corda bote cato fato asa corta mote mato nato ara deste lote gato pato ala desde mar rato amor farra arma Após a elaboração da tabela fonética, deve-se continuar o trabalho com os passos seguintes. 4. Identificar os sons foneticamente semelhantes Esses sons constituirão os pares de sons suspeitos que serão objeto de análise 5. Identificar os fonemas e os alofones Demonstrar a oposição em ambiente idêntico ou análogo, caracterizar os casos de variação livre e variação condicionada. 6. Colocar os fonemas em uma tabela Continue o exercício aplicando os passos de 4, 5 e 6 aos dados. Depois discuta com os colegas e com o tutor no encontro presencial. modelo de análise Aqui você tem uma demonstração da análise fonêmica com a aplicação de todos os passos. São analisados apenas os sons consonantais. Corpus para análise Língua kaxuyâna (PA) 1. ['ta?ne] 'quente' 2. ['tSa?sɔ] 'queimado' 3. [tʃu'ra] 'sal' 4. [tu'ri] 'guariba' 5. ['tsa?ne] 'mãe' 6. [tʃΛ'ru] 'curuá vermelho' 7. ['sa?ne] 'mãe' 8. [tΛ'ru] 'palha' 9. ['sɔ?tɔ] 'aqui' 10. [tɔ?tɔ] 'homem' 11.['tsɔ?tɔ] 'aqui' 12.[kΛ'tᵻ] 'gordura' 13.[kΛ'sᵻ] 'óleo' 83 84 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Tabela fonética Consoantes alveolar oclusivas t fricativas s africadas ts nasais n vibrante r pós-alveolar velar glotal k  tʃ Vogais anterior central alta i ᵻ média-alta e posterior Λ/ɔ média-baixa baixa a Pares de sons suspeitos (sons consonantais) 1. [t] e [s] 4. [s] e [ts] 2. [t] e [ts] 5. [ts] e [tʃ] 3. [t] e [tʃ] Análise 1. Os sons [t] e [s] ocorrem no mesmo ambiente, em par mínimo de palavras, dados 1 e 7, 9 e 10, 12 e 13.A diferença fonética entre eles serve para distinguir significado, por isso constituem fonemas distintos: /t/ e /s/. 2. Os sons [t] e [ts] estão em oposição, pois ocorrem no mesmo ambiente, em par mínimo de palavras, dados 1 e 5, 10 e 11. A diferença fonética entre eles serve para distinguir significado, por isso constituem fonemas distintos: /t/ e /ts/. 3. Os sons [t] e [tʃ] ocorrem no mesmo ambiente, em par mínimo de palavras, dados 6 e 8, e a diferença fonética entre eles serve para distinguir significado, por isso constituem fonemas distintos: /t/ e / tʃ/. 4. Os sons [s] e [ts] ocorrem no mesmo ambiente, dados 5 e 7, 9 e 11, mas não distinguem significado não constituindo, portanto, fonemas distintos. Nesse caso, os sons estão variando livremente no mesmo contexto, sendo alofones livres de um mesmo fonema. Temos, então o fonema /s/ com dois alofones livres [s] e [ts] 5. Os sons [ts] e [tʃ] estão em oposição em ambiente análogo, dados 2 e 5, sendo portanto fonemas distintos, /ts/ e /tʃ/. Unidade 2 Fonologia Tabela fonêmica alveolar oclusivas /t/ fricativas /s/ pós-alveolar velar glotal /k/  /tʃ/ africadas nasais /n/ vibrante /r/ Na tabela fonêmica são arrolados apenas os fonemas. Os alofones não são representados, pois eles constituem o fonema. Os sons que não constituem par suspeito com nenhum outro som, como [k] e [] já podem ser considerados fonema distinto. Só se analisa os pares de sons suspeitos, pares de sons foneticamente semelhantes. a representação fonêmica ou fonológica dos sons da fala Ao final da análise fonêmica os dados do corpus, antes foneticamente transcrito, passam a ser escritos fonemicamente, ou seja, representa-se apenas o que é relevante, os fonemas, deixando de lado os detalhes fonéticos. A escrita fonêmica é abstrata, quando comparada com a fonética. Compare a escrita fonética da palavra `tia` com a escrita fonêmica. escrita fonética escrita fonêmica [`ti] /`tia/ [`tʃi] A escrita fonética procura representar da forma mais detalhada possível a pronúncia das palavras. Como nós falamos a mesma palavra de formas diferentes, há sempre várias formas de se escrever foneticamente uma palavra. O mesmo não acontece com a escrita fonêmica ou fonológica. Nesse caso, não há formas variadas de se representar os sons porque o que se representa nesse tipo de escrita são os fonemas, as unidades fonologicamente relevantes. para refletir Você percebeu como a escrita fonêmica da palavra `tia` é semelhante à escrita ortográfica? A partir dos exercícios com dados do português, você vai observar outros exemplos desse fato. Pense de que maneira e em que medida a escrita fonêmica se assemelha à escrita ortográfica da língua portuguesa. 85 86 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância exercício I. Makurap (RO) a) Leia os dados abaixo em voz alta. b) Construa o quadro fonético das consoantes e das vogais do makurap. c) Proceda a análise fonêmica dos dados. 1. ['kᵻp˺ ] 'arvore' 13. [ta 'ɨ] 'farinha' 2. [a'ti] 'verde, não maduro' 14. [mbi] 'pé' 3. [pu'ti] 'pesado' 15. [ 'kap] 'perna' 4. ['kɛy] 'rasgado' 16. [pot'kap] 'peixe' 5. [‘pok˺] 'caído' 17. ['pak] 'quebrado' 6. [ .ndu'a] 'serra' 18. [mbo] 'mão' 7. [tʃɛ'ɨ] 'sangue' 19. [put 'kap] 'peixe' 8. [ pu'tɛ] 'ontem' 20. [ndo'a] 'serra' 9. [kɨy] 'chão' 21. [ ndo'i] 'baixo' 10. [ndɨ'a] 'batom' 22. [a 'tɨ] 'bonito' 11. [mõ] 'a, para' 23. [mna’] 'peneira' 12. [nõŋ] 'colocar' 24. [‘i] 'machado' bibliografia básica mori, Angel Corbera. Fonologia. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. souza, Paulo Chagas de & santos, Raquel Santana. Fonologia. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 complementar cagliari, Luis Carlos. Análise fonológica: introdução à teoria e à prática. Campinas-sp: Mercado de Letras, 2002. câmara jr., Joaquim Mattoso. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão, 1977. Unidade 2 Fonologia pike, Kenneth L. Phonemics – a technique for reducing languages to writing. 18 ed. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1983 resumo da atividade 7 Nessa atividade você estudou a diferença entre fonética e fonologia e aprendeu os conceitos básicos, os princípios e os métodos de análise da teoria fonêmica. 87 TEORIAS FONOLÓGICAS: DA FONÊMICA À TEORIA DOS TRAÇOS DISTINTIVOS a t i v i d a d e 8 90 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender o que é traço distintivo; - Identificar traços distintivos; - compreender o que é processo fonológico; - Identificar processos fonológicos básicos: assimilação e dissimilação; - compreender o que é uma regra fonológica pra início de conversa Na atividade 7, você iniciou seu estudo sobre a fonologia das línguas naturais. Aprendeu que a Fonologia é um ramo da Linguística cujo objetivo é explicar como os sons se organizam para formar a estrutura fonológica de uma língua particular. Você aprendeu como analisar os sons de uma língua com o suporte teórico de um modelo estruturalista: a fonêmica. Embora a fonêmica tenha contribuído bastante para entendermos o funcionamento fonológico de uma língua e tenha elaborado conceitos importantes, como o conceito de fonema, ela tem seus limites para explicar os fenômenos fonológicos. Em decorrência disso, esse modelo foi alvo de críticas e novos modelos foram elaborados para explicar a estrutura sonora das línguas. Nesta atividade, vamos estudar como se deu essa mudança de enfoque teórico no estudo dos sons da linguagem para compreender a base teórica em que se assenta a fonologia moderna. fonema vs. traço distintivo Vimos na atividade anterior que a unidade mínima de estudo na fonologia estruturalista - no nosso estudo o modelo fonêmico – é o fonema. Isso significa que explicar a fonologia de uma língua é determinar quantos e quais são os seus fonemas, como esses fonemas se organizam na estrutura silábica e quais são os seus alofones. Duas críticas importantes feitas ao modelo estruturalista contribuíram para a mudança no enfoque teórico dado ao estudo dos sons da linguagem surgindo, então, a fonologia moderna ou pós-estruturalista com o advento da fonologia gerativa. Uma das críticas feitas ao modelo estruturalista é que ele não permite demonstrar as generalizações. Vejamos um exemplo. É fato que em nossa língua as vogais não se realizam da mesma forma em sílabas átonas e tônicas. A fonêmica explica esse fato estabelecendo um fonema que possui dois alofones: um que se realiza quando a sílaba é Unidade 2 Fonologia átona e outro que se realiza quando a sílaba é tônica. Assim, temos os seguintes fonemas com seus respectivos alofones, [[] - sílaba átona [[I] - sílaba átona [[ʊ] - sílaba átona /i/ /a/ [a] - sílaba tônica /u/ [i] - sílaba tônica [ - sílaba tônica [u] representados nos exemplos abaixo: [`kazɐ] `casa` [`ʎI] `chile` [`kubʊ] ‘cubo’ A explicação em termos de arranjo de fonemas e alofones não capta o fato de que o fenômeno que ocorre nesses três casos é o mesmo: a mudança na articulação das vogais em decorrência da tonicidade da sílaba. Em outras palavras, esse modelo não permite que se faça generalizações. A outra crítica importante diz respeito ao fato de o estruturalismo assumir o fonema como unidade mínima para explicar os fenômenos fonológicos. Como acabamos de ver, no estruturalismo os fenômenos fonológicos são explicados em termos de arranjos de fonemas e alofones, assim para explicar o funcionamento dos sons [h] e [ɦ], em português, estabelece-se um fonema /h/ com dois alofones condicionados. Veja a formalização abaixo. [[] - ocorre diante de segmento desv desvozeado ou de silêncio /h/ [[ɦ] - ocorre diante de segmento vozeado Os críticos a esse modelo dizem que quando um som alterna com outro em um determinado ambiente, não é o som como um todo que muda, mas sim uma propriedade dele. No exemplo acima nós temos duas consoantes que se alternam conforme o ambiente seja vozeado ou não. As consoantes são: [h]- fricativa, glotal, desvozeada [ɦ] – fricativa, glotal, vozeada O que está mudando, nesse caso, é o vozeamento. Todas as outras propriedades fonéticas permanecem iguais. Da mesma forma, quando dois sons estão em oposição, como [p] e [b], em português, não é o som todo que se opõe para distinguir os significados. Quando fazemos a oposição desses sons em [`palɐ] e [`balɐ], vemos que a única diferença entre essas duas palavras é o grau de vozeamento da consoante inicial. Assim, em vez de termos a oposição entre dois fonemas /p/ e /b/, temos a oposição entre uma propriedade desses sons, um traço fonético – o vozemento - que em português é distintivo. 91 92 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância A partir dessas considerações, os modelos fonológicos que foram propostos depois do estruturalismo passaram a assumir o traço como unidade mínima de análise e explicação nos estudos fonológicos. Os segmentos passam então a ser considerados como um conjunto de traços distintivos, como mostrado abaixo: p + consonantal - silábico - soante - nasal + anterior - nasal -vozeado b + consonantal - silábico - soante - nasal + anterior - nasal +vozeado Os traços são sempre marcados pelos sinais + ou -, conforme o segmento em questão tenha ou não um determinado traço. Assim [b] é marcado como [+ vozeado] e [p] como [-vozeado]. Os traços são chamados de distintivos para ressaltar que nem toda propriedade fonética é considerada quando se estabelece sistema de traços, mas apenas aquelas que podem ter um papel distintivo dentro dos sisitemas fonológicos das línguas naturais (Souza & Santos, 2003, p. 42). sistema de traços distintivos Vejamos agora os principais traços distintivos postulados na teoria fonológica. Segundo Souza & Santos (2003, p. 44-47) há três grupos básicos de traços: os traços independentes de articuladores, os que não se associam a um único articulador; os traços de ponto de articulação e os de modo de articulação. 1. Traços independentes dos articuladores a) Consonantal – um som é [+ consonantal] quando produzido com grande obstáculo à passagem da corrente de ar na parte central da cavidade oral. Sons que não têm essa característica são [- consonantal]. O som [p], por exemplo, é [+ consonantal], já o som [a] é [- consonantal]. b) Vocálico – São sons produzidos sem obstrução ou com relativa desobstrução à passagem da corrente de ar. Assim, [ a, l, ɾ] são sons que possuem o traço [+voc.], enquanto [p, b, f, v] são marcados como [- voc.]. Unidade 2 Fonologia c) Soante ou sonorante – são sons produzidos com uma configuração do trato vocal que propicia o vozeamento espontâneo, como as vogais, as nasais, as laterais e as vibrantes. São [- soante] os sons produzidos com grande obstrução à corrente de ar, dificultando o vozeamento, como as oclusivas, fricativas e africadas. d) Contínuo – são sons produzidos sem interrupção do fluxo de ar, como as fricativas [s] e [ʃ] que possuem, por isso, o traço [+ contínuo]. Como exemplo de sons marcados pelo traço [- contínuos] temos [p] e [b]. e) Tenso – um som é [+ tenso] quando é produzido com um considerável esforço muscular e [- tenso] quando produzido de forma rápida, mais relaxada, como as vogais átonas em português [ɐ, I, ʊ] quando comparadas com as vogais tônicas [a, i, u], marcadas pelo traço [+ tenso]. 2. Traços de ponto de articulação a) Coronal – são coronais os sons produzidos com a ponta ou lâmina da língua como articulador ativo, como [s, t, l]. Os sons que não forem produzidos dessa forma, como [ k, d, m ], são marcados pelo traço [- coronal]. b) Labial- são labiais os sons produzidos tendo o lábio inferior como articulador ativo, como [p, b, f, v] que têm o traço [+ labial]. Os demais sons são portadores do traço [- labial]. c) Dorsal – são sons produzidos com a parte posterior da língua como articulador ativo. É o caso dos sons [k, g, u], marcados pelo traço [+ dorsal]. Os sons não produzidos dessa forma são marcados com o traço [- dorsal] como é o caso dos sons [ t, s, p, n]. d) Anterior – são sons produzidos com obstrução localizada na parte anterior à região alveopalatal. Assim, os sons [p, b, m, n, v, s] têm o traço [+ anterior] enquanto os sons [k, g, i, e, u] têm o traço [- anterior]. e) Posterior – são sons produzidos com o recuo da língua em relação à sua posição neutra, como ocorre com as vogais posteriores. Sons produzidos sem esse recuo têm o traço [- posterior] como a vogal [i]. f) Arredondado – são arredondados os sons produzidos com o arredondamento dos lábios, como [u] e [o]. Sons produzidos sem esse arredondamento são possuidores do traço [- arredondado], como [e] e [ɯ]. g) Alto – são sons produzidos com elevação da língua próxima ao céu da boca. Têm o traço [+ alto] as vogais [i] e [u]. As demais vogais têm o traço [- alto]. h) Baixo – som produzido com a língua numa posição bem baixa em relação ao céu da boca, como a vogal [a] em português. As demais vogais de nossa língua são caracterizadas pelo traço [- baixo]. 93 94 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância 3. Traços de modo de articulação a) Vozeado – um som é marcado pelo traço [+ vozeado] quando produzido com vibração das cordas vocais, a exemplo de [p, d, v]; quando as cordas vocais não vibram durante a articulação, o som é marcado pelo traço é [ - vozeado], como ocorre com os sons [p, t, f]. b) Nasal – o traço nasalidade está associado ao papel do véu palatino durante a articulação dos sons. Assim tem o traço [+ nasal] todo som produzido com o abaixamento do véu palatino, como [m, n, ɲ]; já os sons produzidos com o véu palatino levantado, impedindo a passagem do ar para a cavidade nasal, são possuídores do traço [- nasal], como é o caso dos sons [p, b, a, i]. c) Lateral- um som tem o traço [+ lateral] quando é produzido com o ar escapando pelas laterias da língua, como ocorre na articulação do som [l]. Quando não há esse tipo de escapamento do ar durante a articulação de um som, este som é marcado pelo o traço [- lateral], como ocorre com o som [ʃ]. processos fonológicos e regra fonológica Desde que estudamos as articulações secundárias, passando pela primeira premissa do modelo fonêmico, nós temos aprendido que os sons se modificam no fluxo da fala de acordo com o ambiente em que se encontram. Em decorrência desse caráter dinâmico da articulação dos sons responsáveis pelas mudanças que constatamos, a fonologia moderna ou pós-estruturalista adota a noção de processo para explicar os fenômenos de mudança na articulação dos sons. Ao se modificarem, os sons podem adquirir traços e ficarem mais semelhantes aos sons vizinhos, um processo conhecido como assimilação, ou podem se diferenciar dos outros sons por meio do processo denominado de dissimilação. Os processos fonológicos são formalizados por meio de regras fonológicas. Assim, para explicar a nasalização que ocorre na primeira vogal da palavra `camada` e em outras palavras do português, formula-se a seguinte regra: V→ [+ nasal] / ___ + consonantal + nasal Lê-se da seguinte forma: uma vogal torna-se nasalizada diante de uma consoante nasal. Vejamos agora, alguns procesos fonológicos que ocorrem comumente nas línguas naturais. 1. Assimilação A assimilação é um processo fonológico em que os sons adquirem características fonéticas ou traços dos sons vizinhos. A nasalização, que ilustramos anteriormente, é um Unidade 2 Fonologia exemplo típico de assimilação. Esse processo será mais detalhado quando você estiver estudando a fonologia do português, por isso não o aprofundaremos aqui. Um outro exemplo clássico de assimilação foi a mudança que se deu com as consoantes oclusivas na passagem do latim para o português. Veja os exemplos. latim sapore vita acutu português sabor vida agudo Veja que as consoantes oclusivas desvozeadas do latim, [p[, [t] e [k], se tornaram oclusivas vozeadas em português, [b], [d] e [g[. Aqui operou-se a seguinte regra: + consonantal - sonorante - vozeada +vozeada V______V A consoante, [-sonorante ] e [-vozeada] se torna [+vozeada] em posição intervocálica. Houve uma assimilação por parte da consoante do traço [+ vozeado] das vogais 2. Dissimilação A dissimilação é um processo inverso à assimilação. Neste caso, os sons adquirem traços que os diferenciam dos sons vizinhos. Temos exemplos disso também na mudança ocorrida do latim para o português. A palavra latina poçonha resultou em peçonha no português. A primeira vogal que era posterior, idêntica à segunda, se tornou anterior, se diferenciando daquela. É um caso típico de dissimilação. Há outros peocessos fonológicos comuns nas línguas naturais. Você vai conhecê-los quando estiver estudando a fonologia da língua portuguesa e quando aprofundar seus estudos em fonologia. Tire proveito dos exercícios e tenha um bom curso de fonologia da língua portuguesa. exercício Construa uma matriz de traços distintivos para identificar os segmentos abaixo a) [i] b) [k] c) [β] d) [ʎ] e) [ɛ] f) [s] g) [u] h) [p] i) [d] j) [m] 95 96 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância 2. Os processos fonológicos sempre operam com traços distintivos. Identifique nos processos representados abaixo que traço está sendo afetado. a) [ɛ] → [e] / ___[i] b) [d] →[n] / ___ [+ nasal] c) [g] → [k] / ___. d) [u] → [y] / ___ [+ anterior] 3. Formule uma regra para os processos fonológicos identificados nos dados abaixo 3.1) Makurap (RO) a) [pot’kap] ‘peixe’ [potka’βi] peixinho [ka’kɛ] ‘cesta’ [kakɛ’i] ‘cestinha’ [‘ɛk] ‘casa’ [ɛ’ɣi] ‘casinha’ [‘tɨ:t] ‘ espada’ [tɨ:’ɾi] ‘ espadinha 3.2) Temne (Serra Leoa) b) [ɔbaj]’o chefe’ [ambaj]’os chefes’ [ɔtik] ‘o estrangeiro’ [antik] ‘os estrangeiros’ [ɔkAbi] ‘o ferreiro’ [aŋkαbi] ‘os ferreiros’ bibliografia básica silva, Thaïs Cristófaro . Fonética e fonologia do português. São Paulo: Contexto, 1999. souza, Paulo Chagas de & santos, Raquel Santana. Fonologia. In: José Luiz Fiorin (org.) Introdução à Linguística – II. Princípios de Análise. São Paulo: Contexto, 2003 complementar mori, Angel Corbera. Fonologia. In mussalin, Fernanda & bentes, Anna Christina. Introdução à Linguística I: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez Editora, 2001. resumo da atividade 8 Nessa atividade você estudou os traços distintivos e alguns conceitos básicos que servem de suporte para se compreender as teorias fonológicas modernas, bem como regra fonológica e processos fonológicos. u n i d a d e 3 AS VOGAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA O PERCURSO HISTÓRICO DAS VOGAIS: DO LATIM AO PORTUGUÊS a t i v i d a d e 9 100 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - compreender as mudanças linguísticas que engendraram o atual sistema fonológico do português; - identificar os fonemas que integravam o sistema vocálico latino; - identificar os fonemas que integram o sistema fonológico do Português; - apontar os metaplasmos que se aplicaram às diferentes vogais da língua latina. pra início de conversa Prezado aluno, Vamos iniciar, nesta semana, a primeira unidade relativa especificamente à Fonologia do Português. Mas, antes, precisamos relembrar alguns conteúdos já estudados anteriormente. Primeiramente, estudaremos as vogais da Língua Portuguesa. Mas o que especificamente estudaremos sobre as vogais? Você já estudou aspectos fonéticos das vogais em diferentes línguas do mundo. A partir de agora, você vai estudar aquelas vogais que constituem fonemas em Língua Portuguesa (LP), ou seja, aquelas que apresentam função distintiva em nossa língua. Primeiramente, visitaremos, para usar as palavras de Tarallo (1994), o túnel do tempo dos fonemas no sentido de sabermos como as vogais latinas derivaram as vogais que temos atualmente. Na verdade, parte do que faremos já foi, de certa forma, estudado na disciplina Filologia Românica, mas outros detalhes serão acrescentados à abordagem que realizaremos aqui. Focalizaremos também as vogais da LP considerando a posição que ocupam na língua. Você verá que, a depender da posição, o número de vogais varia. Durante as atividades relativas a esta atividade, você vai realizar várias tarefas, como exercícios, fórum, pesquisa. Antes de falarmos do sistema fonológico da Língua Portuguesa, há necessidade de fazermos um retorno ao passado no sentido de entendermos as atuais características que nosso sistema fonológico apresenta. Mas não precisamos ir muito longe para recuperamos essas informações. Uma breve retomada dos conteúdos da disciplina Filologia Românica pode ajudar você a entender melhor as mudanças pelas quais o Latim passou e a relação das mudanças com a fonologia do Português atual. Na disciplina Filologia Românica você deve ter estudado um pouco sobre os romances, as línguas que derivaram do latim. Para alguns, elas são dialetos latinos. Para outros, são línguas que já não guardam relação com o Latim dada sua diferença em relação à língua latina. Agora é cedo. Mas Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa depois de estudar os conteúdos dessa disciplina, num dado ponto, você será capaz de expressar sua opinião sobre esses dois pontos de vista. Mas, voltando ao Latim, encaremos aqui que se trata de uma língua morta que deu origem a várias línguas faladas atualmente, como o português, o francês, o latim, o espanhol, o italiano, o romeno. Essas línguas, como você estudou no primeiro semestre, apresentam características diferentes por conta de fatores históricos, sociais, geográficos, entre outros. Mas elas, é preciso dizer, não apresentam só diferenças. Há muitas semelhanças entre essas línguas, como já foi mencionado na disciplina Filologia Românica. Como você já sabe, foi o latim falado que deu origem a diferentes línguas e dialetos que temos hoje. Esse latim era diferente do latim clássico. Entre as diferenças existentes entre esse dois sistemas, podemos citar as que dizem respeito às vogais. O latim clássico apresenta um número de vogais mais alto do que o latim falado. Os estudiosos dessa língua apresentam as seguintes vogais para o latim clássico: quadro 1: as vogais do latim clássico  Anterior, alta, longa  Anterior, alta, breve  Anterior, média, longa  Anterior, média, breve  Central, baixa, longa  Central, baixa, breve  Posterior, média, longa  Posterior, média, breve  Posterior, alta, longa  Posterior, alta, breve Adaptado de Tarallo (1992) Note que três traços diferenciam as vogais do latim clássico. São eles: _____________________/_____________________, _____________________/_____________________, _____________________/_____________________. Apenas o primeiro e o segundo se mantiveram no sistema fonológico do Português como traço distintivo. A quantidade das vogais não constitui um traço distintivo em Língua Portuguesa. Já no latim apresenta função distintiva. Por exemplo, algumas palavras se distinguiam no latim por meio da distinção estabelecida pela quantidade das vogais. 101 102 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância É importante explicar que o abandono da quantidade vocálica como traço distintivo não teve inicio no português. Já no Latim vulgar, esse traço distintivo do latim clássico, tinha perdido sua função distintiva. Essa perda se estendeu ao português que, tomando como modelo o latim vulgar, incorporou o sistema acentual como distintivo. Esse novo padrão trouxe implicações para as vogais de acordo com a posição que ocupavam. Elas poderiam ser tônicas, pretônicas ou átonas finais. Essa perda de quantidade distintiva reduziu o sistema vocálico do latim. Esse sistema passou a ser composto de apenas sete vogais, tal qual é o sistema do português em posição tônica atualmente. quadro 2: Redução do sistema vocálico do latim clássico Vogais do latim clássico  Anterior, alta, longa  Anterior, alta, breve  Anterior, média, longa  Anterior, média, breve  Central, baixa, longa  Central, baixa, breve  Posterior, média, breve  Posterior, média, longa  Posterior, alta, breve  Posterior, alta, longa Sistema de vogais do latim vulgar        O quadro acima demonstra as seguintes amalgamações no sistema latino clássico: a) A vogal anterior, alta, longa ī resultou em /i/. b) A anterior, alta, breve ǐ e a anterior média longa  passaram a /e/; c) A anterior, média, breve ĕ resultou em anterior média aberta /ε/; d) A baixa central longa a e a baixa, central breve a resultaram em /a/; e) A posterior média breve o passou a //; f) A posterior, média, longa o e a posterior, alta, breve ŭ resultaram em /o/ ; g) A posterior, alta, longa ū resultou em /u/. Como você pôde perceber, as modificações que ocorreram no latim clássico reduziram significativamente seu quadro de vogais. Esse quadro reduzido foi usado no latim vulgar e se estendeu ao Português, conforme você poderá detectar na seção seguinte. Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa para refletir Você realmente compreendeu as modificações no sistema vocálico do latim clássico que reduziram o sistema de vogais do latim falado? Teste sua compreensão. Construa uma figura, excetuando-se quadro e tabela, que reúna o sistema vocálico do latim clássico e o sistema vocálico do latim vulgar que o português herdou, dando relevância às amalgamações ocorridas naquele sistema e à cronologia. As sete vogais que resultaram das transformações ocorridas no latim clássico referem-se à posição tônica. Esse sistema de vogais é ainda mais reduzido quando se consideram outras posições. Na posição pretônica esse quadro foi reduzido para cinco vogais: i, e, o, u, a. Na posição átona final se reduzia ainda mais. Nessa posição o latim vulgar figurava com três vogais: i, u, a. exercício 1 1. Construa dois quadros. Em cada um deles você deve reunir as vogais de forma a explicitar as amalgamações ocorridas na posição pretônica e na posição átona final que fizeram o sistema latino apresentar, respectivamente, cinco e três vogais. 2. Leia o capítulo IV do livro “Tempos Linguísticos”, de Fernado Tarallo (1994). No encontro com o tutor e com os colegas da classe, apresente exemplos de modificações ocorridas no passado, em relação às vogais, que hoje também ocorrem no Português Brasileiro, focalizando o Princípio da Uniformidade proposto por Labov (1975). saiba mais Para aproveitar melhor essa disciplina, faça uma revisão no material estudado na disciplina Filologia Românica, especialmente da unidade I. Com certeza, após a leitura, você lembrará de informações importantes que o ajudarão a apresentar melhor desempenho nesta disciplina. Feito esse breve retorno à disciplina Filologia Românica, vamos estudar especificamente, a partir de agora, o quadro fonológico do Português. Iniciaremos pelas vogais. bibliografia básica matoso camara jr. Joaquim. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4. ed., Petrópolis: Vozes, 1985. 103 104 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância tarallo, Fernando. Tempos Linguísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2 ed., São Paulo: Editora: Ática, 1994. labov, William. On the use of the present to explain the pas. In: L. Heilmann (ed.). Proceedings of the 11th International Congress of Linguistic, Bologna: II Mulino, 1982. williams, Edwin B. Do Latim ao Português: fonologia e morfologia histórica da língua portuguesa. 3. Ed., Rio de Janeiro. Tempo brasileiro, 1891. complementar matoso camara jr. Joaquim. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4. ed., Petrópolis: Vozes, 1985. matoso camara jr. Joaquim. Estrutura da Língua Portuguesa. 23. ed., Petrópolis: Vozes, 1985. matoso camara jr. Joaquim. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à língua portuguesa. 13 ed., Petrópolis: Vozes, 1996. resumo da atividade 9 Estudamos nesta atividade o percurso histórico das vogais. Iniciamos pela vogais latinas, enfatizando que nossa língua originou-se do latim vulgar e não do clássico. Você estudou o quadro vocálico do latim, bem como as transformações pelos quais passaram as vogais. Além disso, você aprendeu que o quadro de vogais latinas difere do quadro vocálico atual do português. Aquele apresenta, em posição tônica, doze vogais; o nosso sistema atual apresenta, nessa posição, apenas sete vogais. Por fim, estudamos as amalgamações a que se submeteram as vogais latinas,a perda da função distintiva da quantidade, o que resultou na redução do quadro vocálico latino, apontando as correspondências dessas amalgamações em lp. AS VOGAIS DA LÍNGUA PORTUGUESA: QUADRO ATUAL a t i v i d a d e 10 106 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - econhecer os fonemas vocálicos que compõem o atual quadro fonológico do português; - identificar as diferentes classificações das vogais do português com base no movimento da língua; - classificar as vogais da Língua Portuguesa tomando por base traços distintivos que as caracterizam; - identificar os processos fonológicos que alteram a quantidade de fonemas a depender da posição que ocupam; - compreender o conceito de vogais nasais, vogais nasalizadas e semivogais. pra início de conversa Nesta atividade você vai estudar a composição e funcionamento do atual sistema vocálico da língua Portuguesa. Aprenderemos que o funcionamento dessas vogais apresenta restrições, ou seja, elas não ocorrem em todas as posições silábicas e, por isso, esse sistema pode apresentar um número flutuante de fonemas a depender da posição silábica. Assim, na posição tônica, há um número de fonemas vocálicos que é reduzido quando nos deslocamos para a posição átona final, que representa apenas três vogais. Faremos um estudo utilizando os traços distintivos para a classificação dos fonemas vocálicos. as vogais da língua portuguesa: quadro atual As línguas não apresentam a mesma quantidade de fonemas. Por exemplo, a língua italiana apresenta cinco fonemas vocálicos enquanto a língua portuguesa apresenta sete e o árabe apresenta apenas três. A língua portuguesa, em posição tônica, apresenta sete vogais. Ao ler isso, você deve estar se perguntando: Como? Sete vogais? Não aprendemos que temos cinco vogais em língua portuguesa? Seriam a, e, i, o, u? Quando isso mudou? Essa questão, inicialmente complexa, pode ser facilmente explicada se conseguimos fazer a distinção entre letra e fonema (conferir seção Fonologia). O fonema é um componente do sistema fonológico de uma língua e está relacionado à fonação. Já a letra não pertence ao sistema fonológico, mas ao ortográfico. Está relacionada ao alfabeto. Letra: são sinais gráficos com que se compõem, na língua escrita, os vocábulos. Apesar de haver uma relação entre lera e fonema os dois pertencem a planos diferentes. Essa ao ortográfico; aquele ao plano da fonação. Há que se dizer também que não há uma cor- Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa respondência direta entre letra e fonema. Na língua essa relação pode ser biunívoca ou unívoca. Há casos em que um dado fonema da língua é representado por diferentes letras, como em casa, exame em que duas letras correspondem ao mesmo fonema /z/; ao passo que, muitas vezes, uma letra pode corresponder a fonemas distintos, como em sala, casa em que uma mesma letra corresponde a dois fonemas distintos, /s/ e/z/, respectivamente. saiba mais Recentemente o sistema ortográfico da língua portuguesa foi alterado. Isso não modificou o inventário fonológico do Português, o que revela que são dois sistemas distintos. Leia os textos disponíveis no Modlle para saber mais detalhes sobre o novo Sistema Ortográfico da Língua Portuguesa. Durante a semana, apresente, no fórum, o que você considera como: a) principais modificações; b) modificações desnecessárias; c) modificações que aumentaram as dificuldades de uso do Sistema Ortográfico; d) modificações que facilitaram o uso do atual Sistema Ortográfico; e) distanciamento entre o que prescreve o Sistema Ortográfico e a língua falada. Não se esqueça de justificar sua resposta e de, ao final das respostas, dizer se proporia alguma outra modificação. Justifique-a. Sendo assim, podemos afirmar que a ortografia da língua portuguesa dispõe de cinco letras que representam os sete fonemas vocálicos dessa língua. Alguns exemplos vão ajudar a esclarecer essa distinção. Tomemos por base duas palavras de nossa língua: sede, num contexto como: eu tenho sede por isso quero água, pronunciado [´sedʒi]; sede, no contexto: a sede do governo está localizada em Brasília, pronunciado [´sεdʒi]. No primeiro caso, temos um segmento fechado /e/, ou seja, uma vogal média anterior, de segundo grau, que é um fonema da língua portuguesa. No segundo caso, temos um segmento aberto /ε/, ou seja, uma vogal anterior média, de primeiro grau, ou aberta, que é outro fonema de nossa língua. Mas no sistema ortográfico apenas uma letra as representam. A letra “e”. anote Num texto escrito, para indicar a diferença entre letras e fonemas, devem-se colocar os fonemas entre barras, como a seguir: /e/. Num texto oral a distinção também deve ser feita. A letra tem nome. Por exemplo, a letra “l” chama-se “ele” e deve ser assim pronunciada. Já o fonema deve ser pronunciado como “lê”. Assim, diríamos o fonema “lê” é representado, na escrita, pela letra “ele”. Cabe notar que a correspondência entre letra e fonema não é direta, mas convencional. 107 108 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Voltemos, agora que já sabemos a distinção entre letra e fonema, às vogais em posição tônica em língua portuguesa. Para Camara Jr., um dos maiores linguistas do Brasil, e para a maioria dos autores que versam sobre o tema, em Língua Portuguesa, na posição tônica, temos sete vogais. Apresentamos, a seguir, o tradicional quadro apresentado por Camara Jr. para essas vogais. quadro 3: Vogais tônicas do português Alta posterior Média posterior fechada Média posterior aberta Central baixa /u/ /i/ /o/ /e/ /ɔ/ /ɛ/ Alta anterior Média anterior fechada Média anterior aberta /a/ Adaptado de Camara Jr. (1995) O quadro apresentado sob forma de triângulo da cabeça para baixo não é aleatório. Na verdade, por meio dele são enfatizados dois aspectos muito importantes: a altura e posição da língua, evidenciando a anterioridade ou posterioridade, quando se desloca para frente ou para trás ou, ainda, a posição central. Indica a altura das vogais, quando se movimenta numa posição mais alta, média ou baixa, do que resulta a classificação das vogais como altas, médias ou baixas. As vogais que estão localizadas do lado direito do triângulo são anteriores. Note que elas, ao serem pronunciadas, apresentam um avanço da língua. Vamos fazer o teste? Pronuncie: /u / Alta, posterior /o / Média de segundo grau ou fechada, posterior /ɔ / Média de primeiro grau ou aberta, posterior /i/ Alta, anterior /e/ Média de segundo grau ou fechada, anterior /ɛ/ Média de primeiro grau ou aberta, anterior /a/ Central, baixa dica O grau de fechamento de uma vogal é proporcional a sua altura. Note que, no quadro anterior, as vogais médias anteriores e posteriores fechadas, localizam-se numa posição mais alta em relação às médias abertas. As altas anteriores são fechadas também, mais ainda do que as médias fechadas. Experimente pronunciar, diante do espelho, a vogal /u/. Você perceberá que a boca apresentará um grau de fechamento maior do que para /o/ e que esse, por sua vez, apresentará, quando de sua produção, maior grau de fechamento em relação a /ɔ/. Pronuncie os referidos fonemas vocálicos. Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa Depois, compartilhe com seus colegas e/ou com o tutor da disciplina as percepções que teve em termos de abertura e fechamento da boca. Repita o procedimento para a classe das anteriores. A partir do quadro 3, podemos classificar as vogais da língua portuguesa, tomando por base o recuo da língua e sua altura. Essa classificação é tradicional, mas não única. Há outras classificações possíveis para as vogais, como pudemos ver anteriormente quando tratamos da classificação dos fonemas com base na matriz de traços de distintivos (ver páginas 92 a 94). No sentido de fixarmos melhor a classificação dos fonemas vocálicos do português, faremos uma classificação desses fonemas com base nos traços distintivos. Os traços distintivos são adotados pela fonologia que se atém a propriedades distintivas, não redundantes dos segmentos. Nesse sentido, diferentemente do que propõe o estudo clássico da língua, a menor unidade distintiva deixa de ser o fonema, passando a ser o traço. Abaixo, apresentamos uma proposta de representação dos segmentos vocálicos do Português, tomando por base a matriz de traços distintivos. quadro 4: Fonemas vocálicos do português i e ɛ a ɔ o u j w ɐ ə Silábico + + + + + + + - - + + Consonântico - - - - - - - - - - - Soante + + + + + + + + + + + Alto + - - - - - + + + - + Baixo - - + + + - - - - - - Recuado - - - + + + + - + + + Arredondado - - - - + + + - + - - Fonte: Cagliari (2002, p. 93) exercício 1 1. Leia com cuidado o quadro 4 e responda as perguntas que seguem a) Nessa tabela estão dispostos todos os segmentos vocálicos distintivos do Português? Justifique sua resposta. b) Por que [j] e [w] apresentam traço [-silábico]. Ilustre sua resposta com exemplos tomados do Português. c) Quais os traços que distinguem /e/ de /o/? Dê exemplos. 109 110 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância d) Que traço(s), subtraído(s) da tabela 2, poderia(m) desfazer a distinção entre os segmentos altos anteriores? e) No Português do Brasil, não raro, os falantes pronunciam [mi&´=inu] em lugar de [me´ɳinu]. Pinte na tabela 2, de azul, o traço que é assimilado e, de vermelho, o traço que é ligado quando da aplicação desse processo fonológico. f) Imagine que um colega da classe tenha faltado à aula em que o tutor discutiu o tópico “a menor unidade distintiva da Fonologia”. Ele pede que você explique-lhe por que, de acordo com a Teoria dos Traços, é o traço e não o fonema a menor unidade distintiva da Fonologia. Escreva um texto a respeito. Depois, envie-o ao colega. Num outro momento, peça que ele lhe explique o que entendeu de sua explicação e, confirme, dessa forma, se você apresentou todas as informações necessárias para a compreensão da pergunta. Não se esqueça de escolher um gênero do discurso adequado para enviar sua resposta ao colega e de usar exemplos tomados do Português. ALOFONES POSICIONAIS são variações de um dado fonema em conseqüência da posição em que se encontram. Por exemplo, /t/, quando se encontra diante [i j], tende a sofrer alterações que são resultado do processo de palatalização ao qual é submetido, passando a realizarse como [tʃ]. Esse segmento é um alofone posicional de /t/. sete ou doze vogais? Feito o exercício acima, podemos discutir outro ponto de vista sobre as vogais da Língua Portuguesa. A maioria dos autores concorda que são sete as vogais da língua portuguesa em posição tônica. Porém, há quem defenda a ideia de que são doze vogais. Você deve se perguntar: a que se devem esses diferentes pontos de vista? Primeiramente, apresentaremos o ponto de vista de Camara Jr. (1995). Para o autor, são sete as vogais em posição tônica. As vogais nasais seriam, apenas alofones posicionais que resultam da presença de segmentos que tem o traço nasal. Elas seriam assim distribuídas: quadro 5: quadro de Alofones vocálicos nasais do Português Alta posterior Média posterior fechada Central baixa [ ] [ i] [ ] [ ] Alta anterior Média anterior fechada [ a] Essa não é a posição que tem Paulino (1996). Para ele, são doze os fonemas da língua Portuguesa por que não considera que os segmentos vocálicos presentes no quadro 5 sejam alofones posicionais, mas fonemas vocálicos da língua portuguesa. A distinção entre essas vogais estaria centrada sobre oral versus nasal. Mas o que levaria esse autor a achar que não se trata de alofones posicionais, mas de fonemas da língua? Seu argumento Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa se pauta na defesa de que há oposição entre vocábulos que tem traços idênticos, exceto o traço nasal. Vejamos alguns exemplos apresentados: a) cata [´kata] b) canta [´kata] c) mata [´mata] d) manta [`mãta] De acordo com Paulino, o fato de a única diferença entre os pares mínimos listados ser o traço nasal, justificaria tratar as vogais nasais como fonemas distintos do orais, já que apresentariam função distintiva nesses exemplos. Com base nessa justificativa, o quadro de vogais ficaria assim distribuído. quadro 6: Proposta de inventário fonológico vocálico para o Português, de acordo com Paulino (1987) Vogal Zona de articulação Grau de abertura da boca Cavidade bucal ou nasal 1 /a/ Central Aberta Oral 2 /a/ Central Aberta Nasal 3 /ɛ/ Anterior Semi-aberta Oral 4 /e/ Anterior Semi-fechada Oral 5 /e/ Anterior Semi-fechada Nasal 6 /i/ Anterior Fechada Oral 7 /i/ Anterior Fechada Nasal 8 /o/ Posterior Semi-fechada Oral 9 /o/ Posterior Semi-fechada Nasal 10 /ɔ/ Posterior Semi-aberta Oral 11 /u/ Posterior Fechada Oral 12 /u/ Posterior Fechada Nasal Adaptado de Paulino (1987) A princípio, a justificativa estaria dada e se poderia facilmente considerar a possibilidade de existência de doze fonemas vocálicos em Língua Portuguesa, mas a discussão não é tão simples assim. Outros fatores precisam ser considerados, antes de nos posicionarmos sobre a quantidade de fonemas vocálicos no Português. Para entendermos melhor essa discussão, precisamos voltar ao exemplo do exercício anterior. 111 112 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância O exercício que você fez na atividade anterior vai ser retomado neste tópico para estendermos a diferença de entendimento quanto ao número de vogais na língua portuguesa. Nos exemplos [mi´ɳinu] e [me´ɳinu], temos a presença do traço nasal no segmento vocálico que se encontra na sílaba pretônica [mi´ɳinu] [me´ɳinu], em destaque. Para Camara Jr. (1995), esse [e] e [i] nasalizados são apenas alofones posicionais de [e] e [i], respectivamente. Assim, não existem doze vogais, mas sete. Entretanto, não se tem sete alofones nasais, já que, para o autor, não há vogais nasais médias abertas, ficando o quadro de alofones nasais como apresentado no quadro proposto por Camara Jr. (1995). para refletir Retomando o exercício mencionado, perguntamos: apesar de termos as duas pronúncias apresentadas [mi´ɳinu] e [me´ɳinu], poderíamos ter outras pronuncias? Inclusive possibilidades em que não se encontrasse o traço nasal? Antes de seguir adiante, pense sobre isso e discuta o tema com os colegas da turma. Com base no que diz o autor (op. cit.), nem [i] de [mi´ɳinu] nem [e], em [me´ɳinu], são vogais nasais. Na verdade, as vogais [e] e [i] sofrem um processo de nasalização que decorre da presença de um segmento que tem o traço nasal /n/. Esse segmento está presente na sílaba que segue a sílaba em que está presente [e]. Assim, não se trata de uma vogal nasal, mas uma vogal oral que, ao se encontrar diante de consoante nasal, adquire o traço nasal, sendo realizada como uma vogal nasalizada. Essas vogais em [mi´ɳinu] e em [me´ɳinu] podem sofrer ou não esse processo, sendo possível não serem realizadas com o traço nasal, já que esse traço não faz parte desses segmentos, mas passa a integrá-los quando ocorre assimilação do traço nasal da consoante da sílaba seguinte. exercício 1 Você poderia apresentar um outro exemplo de vogal nasal que não pode ser explicado pela presença de vogal nasal na sílaba seguinte? Pense em alguns exemplos e liste-os abaixo: 1. __________________________________ 2. __________________________________ 3. __________________________________ 4. __________________________________ Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa dica Na transcrição fonética, a nasalidade vocálica deve ser simbolizada por meio do diacrítico [~] que deve ser colocado sobre o segmento vocálico nasalizado. Quando a nasalidade resulta da presença do arquifonema nasal, deve-se usar, na transcrição fonêmica, /N/. Esses exemplos serão rapidamente tomados para explicarmos a quantidade de vogais em Língua Portuguesa, mas o detalhamento sobre as consoantes nasais nessa posição será abordado na unidade sobre as consoantes em posição posvocálicas em LP. Por ora, pode-se dizer que as vogais nasais listadas nos exemplos acima, também resultam da assimilação do traço nasal da consoante nasal que, nesse caso, encontra-se em posição posvocálica. Assim, o traço nasal que as vogais desses contextos apresentam resulta da assimilação de nasalidade da consoante que se encontra em posição posvocálica que, às vezes, não fica claro na escrita. Ou seja, esse traço não faz parte da matriz de traço da vogal, por isso, não pode ser entendido como um traço distintivo dessas vogais. É a oposição ao arquifonema nasal /N/ que constrói a distinção. O detalhamento desse tema vai ser feito quando discutirmos de consoantes posvocálicas. anote Na escrita, a nasalidade é, geralmente, representada pela letra “n” ou pela (~) til. É importante que não se confunda a letra com fonema. O fato de não se ter a letra “n” num determinado vocábulo não significa que, fonemicamente, ali, não exista nasalidade e que não seja representado por um segmento que ocupa, fonologicamente, em lp, a posição posvocálica. Alguns detalhes sobre isso serão apresentados na discussão do estudo do arquifonema nasal /n/ em lp. exercício 2 Qual seu ponto de vista quanto à existência de sete ou doze vogais em LP? Apresente justificativa de sua resposta. Na seção anterior, você estudou as vogais que existem em língua Portuguesa. Mas estudamos especificamente esses fonemas em posição tônica. Agora, você vai estudar os fonemas vocálicos considerando a posição pretônica. as vogais do Português: posição pretônica A primeira diferença é quantitativa. Ou seja, em Língua Portuguesa há apenas cinco fonemas que figuram nessa posição. Como no latim, nessa posição o sistema é reduzido. Lembra-se? 113 114 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância O quando, abaixo, nos ajuda a visualizar melhor essa distribuição. quadro 7: Vogais nasais do Português Alta posterior Média posterior fechada /u/ /i/ /o/ Central baixa /e/ Alta anterior Média anterior fechada /a/ Adaptado de Camara Jr. (1995) Nessa posição, para usar as palavras de Mattoso Camara Jr. (1995), fica prejudicada a oposição entre as médias de primeiro e segundo grau, em favor das médias de segundo grau, ou seja, as fechadas. Mas é preciso entender que isso ocorre no nível fonológico. No nível fonético, os estudos de LP registram a ocorrência de médias abertas. Esse registro pode ser encontrado principalmente em estudos que se ocupam de falares nordestino na zona rural. Os atlas linguísticos, especialmente os produzidos a partir de falares nordestinos, registram a ocorrência de vogais médias abertas mesmo quando a vogal tônica é seguida por nasal. É o caso da palavra [santa´tɔnju], em que se tem uma média aberta quando seguida da nasal /n/. Nessa posição, o quadro de vogais se reduz também quando há vogal nasal na sílaba seguinte. Nessa posição, seguida de fonema nasal na sílaba seguinte, a vogal central baixa passa a ser realizada como um segmento levemente posterior. quadro 8: Vogais nasais do Português Alta posterior Média posterior fechada Central baixa / u/ / i/ / o/ / e/ Alta anterior Média anterior fechada / a/ [ a] Adaptado de Camara Jr. (1995) No sentido de fixarmos melhor as características das vogais da LP nas posições já estudadas e de revisarmos conteúdos estudados nesta unidade, propomos um exercício de classificação das vogais. Vamos ver o que já aprendemos sobre as vogais de nossa língua. Unidade 3 As vogais da Língua Portuguesa 115 exercício 3 1. Classifique as vogais que estão entre barras das palavras abaixo. Tome por base a proposta de Camara Jr. (1995). a) b/o/n/ɛ/ca e) igr/e/ʒa b) c/a/rp/ɛ/te f) ɔb/e/zu c) tap/i/ɔ/ca g) /a/da d) f/u/sca 2. Tomando por base os vocábulos do exercício 1, a) circule as vogais altas, b) sublinhe as vogais médias fechadas, c) faça um x sobre as médias abertas posteriores. 3. Quantos fonemas em posição tônica há em LP? Ilustre seu texto com exemplos. 4. Complete o quadro com o traço + ou - de acordo com os traços que apresentam os segmentos abaixo: Traços a e U i j e u ɛ e o w a Soante Silábico Alto Baixo Recuado Arredondado Anterior Coronal Contínuo Vozeado Nasal Observações importantes Passemos, agora, ao estudo das vogais em posição átona final. Nessa posição, em LP, figuram três vogais, conforme o quadro a seguir: i W o 116 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância quadro 9: Vogais nasais do Português Alta posterior /u/ /i/ Central baixa Alta anterior Central baixa /a/ Adaptado de Camara Jr. (1972) Nessa posição, as vogais são drasticamente reduzidas e se comportam como um sistema vocálico primário, como o árabe, por exemplo. Ocorre, aqui, o que os linguistas denominam de neutralização que, grosso modo, é a perda de oposição, distinção entre os fonemas da língua. Nessa posição não há oposição entre médias e altas. Além das posições mencionadas, Mattoso Camara Jr. (1995) apresenta também uma proposta para a posição postônica não-final, ou seja, a postônica dos proparoxítonos. Entretanto não vamos apresentar aqui essa proposta. Isso será tarefa sua. Você deve ler o capítulo IV do livro Estrutura da Língua Portuguesa, de autoria do autor citado acima no sentido de fixar os conteúdos já estudados. Depois vai apresentar um quadro para as vogais em posição postônica não-final e explicar a neutralização que o autor diz ocorrer nessa posição. A tarefa deve ser discutida em sala e entregue ao tutor da classe. saiba mais Para compreender melhor as vogais da língua portuguesa e realizar com sucesso a tarefa proposta acima, leia os textos mencionados abaixo: • Silva (2003, p. 81-95; 171-173) • Ferreira Netto (2004) • Callou & Leite (1999) • Bisol (2005) Feita a leitura do texto indicado, preencha, o quadro a seguir, com os fonemas que figuram nessa posição. Justifique a ausência dos demais fonemas na posição postônica não-final. Depois, construa um quadro em que figurem apenas os fonemas que efetivamente ocorrem nessa posição, de acordo com Camara Jr. (1995). quadro 10: Vogais postônicas não-finais do Português Alta posterior Média posterior fechada Média posterior aberta Central baixa Observações importantes / / / / / / / / / / / / / / Alta anterior Média anterior fechada Média posterior aberta Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa 2. Apresente exemplos tomados do Português que confirmem o quadro elaborado por você. semivogais As semivogais apresentam diferentes denominações na literatura linguística. É óbvio que essas nomenclaturas apresentam, em certo ponto, diferença na concepção que se tem desses segmentos. Isso ocorre porque esses segmentos apresentam uma natureza híbrida. Comportam-se como consoantes e/ou como vogais. Assim, você pode encontrar textos que se refiram a elas como: • Semivogais; • Semiconsoantes; • Glides; • Vocóides. A discussão sobre o status desses segmentos é antiga, mas, até hoje, não se tem LP uma definição quanto a ser [y] e [w] consoantes ou vogais. O tema é complexo e nebuloso. Apresentaremos, aqui, as duas possibilidades. A escolha pelo status desses segmentos fica a critério do seu julgamento depois das discussões realizadas. É claro que essa definição estará, numa pesquisa, diretamente relacionada à perspectiva teórica que se adota. Para Camara Jr. (1995), [j] e [w] são nitidamente vogais. O autor afirma que esses segmentos são assilábicos, isto é, não ocupam o centro da sílaba. Ocupam a mesma posição, em língua Portuguesa, que ocupam as consoantes localizando-se nas margens. Essa posição tem como conseqüência a formação de um ditongo, Vogal+ semivogal ou vice-versa. dica Em língua portuguesa, é sempre uma vogal que ocupa o centro da sílaba. Assim, ao se contabilizar o número de vogais em uma dada palavra deve-se levar em consideração que, em cada sílaba, só pode figurar uma vogal. Os outros segmentos que aparecem numa dada sílaba por mais que tenham aparência de vogal não podem sê-lo. Mattoso Camara Jr. completa que o reduzido número de semivogais decorre da neutralização que ocorre entre as vogais em posição assilábica. Voltemos ao status de [y] e [w] em Língua Portuguesa. Você poderia perguntar: por que esses segmentos são semivogais se funcionam em posição destinadas a consoantes? Mattoso Camara Jr. (1995), apresenta uma evidência de que se trata mesmo de semivogais e não de consoantes. Tem a ver com a possibilidade de ocorrer o r fraco só entre vogais, caro, Laura, por exemplo. Entre consoante e vogal ocorre o r forte, como em guelra. 117 118 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Apesar da posição de Mattoso Camara Jr. (op. cit.), outros autores interpretam os segmentos assilábicos de forma diferente. Por exemplo, Couto (1996) afirma que a possibilidade de /l/ ser realizado como /j/, reforça o fato de que esse segmento é uma semiconsoante, pois pode ocupar uma posição de consoante. FONOLOGIA DE GEOMETRIA DE TRAÇOS (FGT) é uma abordagem da fonologia das línguas que está atrelada à Fonologia Autossegmental, já que propõe uma hierarquia, organização dos traços que compõem um dado segmento. A proposta da FGT foi apresentada por Clements (1985). Posteriormente, foi reapresentada por Clements e Hume em 1995. Atualmente, esta abordagem dos processos fonológicos das línguas tem alcançado ampla difusão e sucesso no estudo de diferentes línguas. Oliveira (2007), ao estudar a palatalização de /l/ também interpreta [j] como semiconsoante, diferentemente do que faz Eudênio ao estudar a variaçã de /λ/. Em uma palavra como [´paλa], quando ocorre desligamento do traço consonantal para e se tem a realização [´paja], ocorreria uma reorganização da estutura silábica que faria com que [j] passasse á posição posvocálica com em ['paj.a]. Para Oliveira (2007) não ocorre reorganização silábica, pois [j] já ocupa a posição de consoante que lhe é peculiar. saiba mais /l/, de acordo a Fonologia de Geometria de Traços, é um segmento complexo, o que possibilita que, quando da aplicação de regras fonológicas, o resultado seja materializado por meio de segmentos consonantais ou vocálicos. Isto acontece porque apresenta natureza consonantal e natureza vocálica. O resultado da referida aplicação depende do traço que é afetado, desligado durante a aplicação de processos fonológicos. Para saber mais sobre o assunto, consulte, Clements e Hume (1995), Bisol (2005), Oliveira (2007), Eudenio (2003), Wetzels (1996). SEGMENTO COMPLEXO um segmento complexo, de acordo com Clements e Hume (1995), apresenta duas articulações orais. Esses segmentos apresentam dupla articulação. Uma primária e outra secundária. Os segmentos complexos apresentam um comportamento especial nas línguas em que se apresentam. Em Português, de acordo com as pesquisas realizadas, há vários segmentos complexos, por exemplo, /∫ ɳ ʒ λ/. Segmentos palatalizados [lj], [pw] labializados são considerados complexos porque possuem uma articulação secundária que é representado por um diacrítico suspenso. Essa articulação secundária apresenta uma natureza vocálica. bibliografia básica bisol, Leda. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed., Porto Alegre: edipucrs, 2005. cagliari, Luis Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. camara jr. Matoso. Estrutura da Língua Portuguesa. 23 ed., São Paulo: Vozes, 1995. ferreira netto, Waldemar. Introdução à fonologia da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2001. silva, Thaís Cristofaro. Fonética e Fonologia do Português. 7. ed.; São Paulo: Contexto, 2003. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa complementar mattoso camara jr. Joaquim. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4. ed., São Paulo: Vozes, 1985. mattoso camara jr. Joaquim. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à língua portuguesa. 13 ed., Petrópolis: Vozes, 1996. silveira, Regina Célia Pagliuchi da. Estudos de fonética do idioma português. São Paulo: Cortez, 1982. resumo da atividade 10 Nesta Atividade estudamos as vogais da língua portuguesa considerando-se o quadro atual do sistema fonológico português. Você estudou as vogais de nossa língua em relação à posição que ocupam. Você aprendeu que as vogais são sete em língua portuguesa se consideramos a posição tônica, mas cinco se levamos em consideração a pretônica e que apenas três figuram em posição átona final. Além disso, você estudou diferentes pontos de vista acerca da existência de vogais nasais e que as vogais assilábicas de nossa língua, são consideradas por alguns autores como semiconsoantes dada a posição que ocupam na sílaba, a margem. 119 u n i d a d e 4 AS CONSOANTES DA LÍNGUA PORTUGUESA CONSOANTES: DO LATIM AO PORTUGUÊS a t i v i d a d e 11 124 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá ser capaz de - reconhecer o quadro fonológico do Latim e do Português; - identificar e explicar as diferentes transformações pelas quais as consoantes latinas passaram e suas implicações para o quadro fonológico do Português; - classificar os metaplasmos aplicados historicamente ao Latim e ao Português. pra início de conversa Nesta atividade você vai estudar o sistema fonológico da língua Portuguesa, mais especificamente as consoantes dessa língua. Vamos fazer uma volta ao passado para saber por que transformações as consoantes do latim passaram até chegarmos ao sistema fonológico consonantal tal como se apresenta. Nós vamos estudar também os metaplasmos que deram origem a algumas diferenças entre o sistema consonantal latino e o português, podendo apontar que fonemas hoje integram nosso sistema consonantal que não integravam o sistema latino, aqueles que foram formados a partir de metaplasmos que se aplicaram sobre o latim. Na atividade anterior, você estudou as vogais da Língua da Portuguesa. Agora, vamos passar a estudar as consoantes de nossa língua. Como feito para as vogais, iniciaremos com uma breve explanação histórica das consoantes. Para isso, deveremos remontar ao Latim, especialmente ao vulgar, modalidade da qual se originaram as línguas românicas. saiba mais Você pode relembrar algumas informações sobre o percurso das consoantes do latim vulgar até o português consultando o texto base da disciplina Filologia Românica ministrada no primeiro semestre do curso. Como o sistema vocálico, o sistema consonantal se desenvolveu por meio de perdas e ganhos de fonemas. Como você sabe, a posição que um segmento ocupa na língua interfere muito nas transformações, mudanças às quais pode se submeter. Essas perdas e transformações que ocorreram no sistema latino guardam relação com a posição que essas consoantes ocupavam. Vamos nos ater, primeiramente, ao quadro fonológico latino. Devemos compreender como se deu a redução ou ampliação desse sistema, atentando para processos fonológicos que se aplicaram sobre os diferentes segmentos da fonologia latina que resultaram no atual sistema fonológico do português. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa Como é sabido, a língua portuguesa originou-se do latim vulgar. O latim clássico, variedade da qual o latim vulgar derivou, sofreu diversas modificações em decorrência das impressões que os falantes imprimiam à língua. Essa diferença pode ser visualizada no texto impresso de Filologia Românica. As modificações que as consoantes ou vogais sofreram tinham muita relação com a posição que ocupavam. É consenso entre os estudiosos da fonologia que, em posições mais frágeis, os segmentos tendem mais a sofrer modificações. Enquanto aqueles que se localizam em posições fortes sofrem menos modificações. Vamos ilustrar isso com alguns exemplos do pb contemporâneo para que você possa compreender como a posição interfere nas mudanças que um segmento pode sofrer. Vejamos alguns exemplos. Tomemos como exemplo a palavra casca, em que o /s/ se localiza na posição posvocálica, e a palavra salada, em que esse fonema se localiza em posição prevocálica inicial • Pronuncie e convide os colegas da turma a pronunciarem essas palavras; • tente identificar, agora, quantas variações de pronúncia /s/ recebeu dependendo da posição que ocupava; • transcreva e quantifique as diferentes pronúncias. Provavelmente, você observará que, na segunda palavra, em que /s/ se encontra em posição prevocálica inicial, praticamente não há diferentes pronúncias. Ou pelo menos não pronúncias identificáveis pelo ouvido humano. Já no segundo vocábulo você vai encontrar diferentes pronúncias para /s/. exercício 1 1. Liste 15 palavras. Cinco devem apresentar o /s/ em posição posvocália (medial ou final como em pasta, vamos), cinco em posição prevocálica inicial, (como salada, símbolo) e cinco em posição prevocálica, não-inicial de palavra (pensão, cacete). a) _______________________________ i) _____________________________ b) _______________________________ j) ______________________________ c) _______________________________ k) _____________________________ d) _______________________________ l) _____________________________ e) _______________________________ m) _____________________________ f) _______________________________ n) _____________________________ g) _______________________________ o) _____________________________ h) _______________________________ 125 126 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância 2. Agora, transcreva foneticamente as palavras listadas. 3. Quantifique as diferentes pronúncias para as diferentes posições listadas. Compare os números e escreva um texto de, no máximo, dez linhas, apresentando as conclusões a que você chegou a partir do exercício realizado, explicitando em que posição(ões) ocorrem mais variações. 4. No encontro presencial, compare e discuta seus resultados com os dos colegas da turma. Feitos os exercícios, voltemos ao estudo das modificações que as consoantes sofreram no latim e quais as implicações disso para o sistema fonológico do Português. Vamos avaliar as mudanças que sofreram tomando por base as posições inicial, medial e final. consoantes em posição inicial Como dissemos anteriormente, a posição inicial de palavra é uma posição ligada à preservação de segmentos. No latim vulgar, as consoantes que ocupavam essa posição inicial de palavra tenderam à manutenção no sistema. Seguem alguns exemplos que caracterizam essa preservação. /p/ /d/ /m/ /b/ /s/ /n/ /f/ /k/ /l/ /t/ /g/ /r/ Sobre essas consoantes, cabem algumas observações importantes. Oclusivas /p/>/b/: lupu > lobo /b/>/v/ ou cai: cibu > cevo; ibam > ia /t/>/d/: mutu > mudo /d/ cai: gradu > grau /k/>/g/ (antes de a, o, u): pacare>pagar; dico>digo; focu>fogo /k/>/z/ (antes de e, i): facere>fazer; vicinu>vizinho /g/>/g/ ou /i/ (antes de a, o, u): rogare>rogar; sagu>saio /g/>/Ž/ (antes de e, i) ou cai: rugire>rugir; lege>lei Constritivas /f/>/v/: aurifice>ourives /s/>/z/: rosa>rosa Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa Nasais /m/ = /m/: amare>amar /n/ nasaliza a vogal anterior, depois, em geral, desaparecendo: luna>lũa>lua Líquidas /l/ cai: palu>pau /r/ = /r/: corona>coroa A tendência à preservação da consoante em posição inicial de palavra apresentou exceções. Vejamos alguns exemplos tomados de Tarallo (1994): /l/>/n/: libellu>livel (arcaico)>nível /n/>/m/: nasturtiu>mastruço /c/>/g/: cattu>gato /c/>/Š/: capellu>chapéu /m/>/l/: memorare>membrar (arcaico)>lembrar /p/>/b/: portulaca>beldroega Dentre os casos em que ocorreu algum tipo de modificação nas consoantes latinas, podemos citar: • Sonorização • Sândi • Palatalização saiba mais Para ter mais informações sobre as modificações citadas, consultar texto base de Filologia Românica. consoantes em posição medial Enquanto em posição inicial de palavra a tendência predominante foi a manutenção das consoantes, nas demais posições aconteceu o contrário. À medida que se caminhava para o meio e fim das palavras, essa preservação ia se enfraquecendo. As modificações eram mais comuns e recorrentes. /p /, / b/, / f/, / t/, / d/, / s/, / k/, / g/, / m/, /n /, / l/. As modificações ocorridas frequentemente nessa posição eram praticamente as mesmas que ocorriam esporadicamente na posição inicial de palavra. Essas modificações eram motivadas pela posição que os fonemas ocupavam e pelo contexto em que figuravam. Vejamos algumas modificações que ocorreram com as consoantes latinas a depender da qualidade que apresentavam. Vamos focalizar aqui, mais especificamente, a qualidade de modo de articulação desses fonemas. 127 128 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Oclusivas /p/>/b/: lupu > lobo /b/>/v/ ou cai: cibu > cevo; ibam > ia /t/>/d/: mutu > mudo /d/ cai: gradu > grau /k/>/g/ (antes de a, o, u): pacare>pagar; dico>digo; focu>fogo /k/>/z/ (antes de e, i): facere>fazer; vicinu>vizinho /g/>/g/ ou /i/ (antes de a, o, u): rogare>rogar; sagu>saio /g/>/Ž/ (antes de e, i) ou cai: rugire>rugir; lege>lei Constritivas /f/>/v/: aurifice>ourives /s/>/z/: rosa>rosa Nasais /m/ = /m/: amare>amar /n/ nasaliza a vogal anterior, depois, em geral, desaparecendo: luna>lũa>lua Líquidas /l/ cai: palu>pau /r/ = /r/: corona>coroa Oclusivas No primeiro exemplo, ocorreu um caso de sonorização em que um segmento surdo, como /p/, passou a ser realizado como sonoro, isto é, como /b/. Essa sonorização indica também um processo de enfraquecimento. Como já estudamos, os fonemas surdos são mais fortes do que os sonoros. Mas a modificação inversa também ocorreu nos fonemas latinos. No segundo exemplo, temos um claro caso de modificação de um fonema ou de sua perda. No exemplo apresentado, temos a mudança de /b/ para /v/ ou a queda do primeiro segmento. No terceiro exemplo, temos um caso semelhante ao que ocorreu no primeiro exemplo. Ou seja, houve um caso de enfraquecimento caracterizado pela troca de um segmento surdo por um segmento sonoro. Note-se que nos dois casos os fonemas modificados encontravam-se entre vogais. As vogais são sonoras e devem, de alguma forma, ter influenciado na sonorização das consoantes. São muito comuns casos de sonorização, enfraquecimento de consoantes quando se encontram entre vogais. No exemplo seguinte ocorre novamente um caso de enfraquecimento extremo que engendra a queda do fonema /d/. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa /k/ e /g/ apresentaram modificações que tinham óbvia relação com o contexto em que figuravam. Quando se encontravam diante de /a, o, u/, segmentos não anteriores, sofriam um processo de sonorização e, por conseguinte, enfraquecimento. O lugar de articulação desse segmento, entretanto, era mantido. Isto é, continuava sendo um segmento não anterior. Entretanto, quando o fonema se encontrava diante de vogais anteriores, a alteração que sofria era diferente. Nesses casos, passava por um processo de modificação que alterava modo e lugar de articulação. O modo era alterado porque se tinha a mudança de uma consoante oclusiva que passava a fricativa. A anteriorização de /k/ caracteriza uma modificação no ponto de articulação. No caso de /g/, observava-se dois comportamentos bem distintos quando se encontrava diante de /a o u/. Esse fonema consonantal poderia se manter, como no caso do primeiro exemplo apresentado, ou poderia realizar-se como /i/. Diante de /e i/, ocorria com /g/ fenômenos similares aos que ocorriam com /k/. Poderia ocorrer a modificação de modo e lugar de articulação, em que se tinha um segmento que sofria um recuo para frente e de modo de articulação em que se tinha um fonema oclusivo que passava a fricativo. Constritivas De acordo com Tarallo (1994), as constritivas sofreram modificações que implicaram a adição de novos fonemas no quadro fonológico que se tinha. Essas modificações permitiram a construção de um quadro fonológico mais simétrico. /f/>/v/: aurifice > ourives /s/>/z/: rosa > rosa Antes disso, o latim tinha constritivas surdas, mas não possuía as sonoras /v/ e /z/ (cf. Modificação na página 128). Com as modificações ocorridas a sequência de constritivas ganha mais simetria. Nasais A nasal medial /m/ se mantém, como em maré > amar. Já a nasal /n/ tem outro destino. Em geral essa consoante, depois de nasalizar a vogal precedente, desaparece, como em luna > lũa > lua. É um típico caso de assimilação do traço nasal da vogal seguinte, muito comum de acontecer com vogais. Líquidas A líquida lateral cai, como em palu > pau. Já a vibrante /r/ se mantém, como em corona > coroa. Note-se que nesse exemplo também há queda da nasal /n/. De acordo com Coutinho (1969), as oclusivas e fricativas anteriores /p/, /t/, /s/ e /f/ aparecem no Português sonorizadas. Parcialmente sonorizadas em /g/ aparece /k/. Esse comportamento está diretamente relacionado ao segmento adjacente. Ou seja, quando 129 130 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância está em contexto de não anteriores, o fonema sofre sonorização, mas não muda o lugar de articulação. Quando em contexto de vogais não anteriores, como /e i/, além de sonorizar passa por um processo de anteriorização. A oclusiva sonora /d/ cai. anote De acordo com Tarallo (1994), uma forma possível de se explicar a sonorização de consoantes mediais envolve a perda de consoantes geminadas, /pp/ > /p/; /gg/ > /g/. Isso teria fomentado uma reação: a conservação das oposições que seu por meio da lenização de /p/ caracterizada pela sonorização. exercício 1 1. Procure exemplos de sonorização no latim que resultaram na expansão do sistema fonológico do Português. 2. Tomando por base as explicações dos fenômenos que ocorreram com as consoantes em posição medial, explique as evoluções indicadas nos itens de a) a d) seguintes: a) populum > povo b) habere > haver c) rosa > roza d) profectum > proveito consoantes finais Como dissemos na seção anterior, quanto mais à direita se localiza um fonema no latim, menos resistência há para as modificações fonéticas. Assim, as consoantes do atual sistema fonológico do português resultaram, de acordo com Coutinho (1969, p. 116): • da preservação desses fonemas, ou seja, quando não caíram, ou; • do segmento que assumiu essa posição em decorrência do fonema que a ocupava ter caído. De acordo com Tarallo (1994), com exceção de f, g, h, p e q, todas as demais consoantes poderiam figurar em posição final em latim. O que poderia ter desencadeado o destino desses fonemas? De acordo com a literatura da área, todas as oclusivas caíram. A sibilante /s/ manteve-se no plural dos nomes, nos advérbios, em alguns nomes próprios. Esses fonema, diferentemente de /t/, indicador de número e pessoa verbal, como em amat, manteve-e como desinência verbal. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa para refletir Você saberia dizer porque, no latim, em posição final, o /s/ se manteve em vários contextos, diferentemente do que aconteceu com /t/ e, hoje, é comum sua queda, principalmente na fala relaxada? Você acha que as mesmas forças que atuaram no latim atuam hoje no português? As nasais em posição final perderam seu status de consoante. Elas se caracterizam por uma ressonância da vogal anterior, como em cum > com. Em outros casos, essas consoantes desapareceram, como em nomen > nome. A líquida /r/, em posição final, manteve-se, mas sofreu metátese com a vogal que a antecedia, como em semper > sempre, quattuor > quattro >quatro. Já a líquida /l/ cai ou, em alguns casos, vocaliza-se, como em mantel > mantéu. Ainda hoje é possível encontrar os dois fenômenos em LP. No Pará, por exemplo, principalmente no interior do Estado, é comum ouvir pessoas dizerem Jarder em lugar de Jader; o que caracteriza a metástese. Quanto à vocalização, encontra-se altamente difundida em todo o Brasil. É comum encontrarmos ['sɔw] em lugar de ['sɔl]. Mas você pode se perguntar: como se explica a presença de algumas consoantes em posição final no português? É bem verdade que algumas consoantes que dizemos terem caído ou sofrido algum tipo de modificação ainda podem ser encontradas na referida posição no português. A explicação é complexa, mas não de difícil aceitação. Para os historiadores da língua, /l/, por exemplo, ainda figurou em posição final no português em conseqüência de outros fenômenos. O que se quer dizer é que algumas consoantes passaram a ocupar essa posição em decorrência de outros fenômenos, como, por exemplo, a queda de vogal, que permitiu que uma dada consoante passasse a ocupar a posição final. É o caso de amare > amar, male > mal, mensem > mês que exemplificam, respectivamente, a presença de /l/, /r/ e /s/ em posição final. Nesses casos, houve a queda da vogal o que resultou na presença de uma consoante ocupando a posição final de palavra. saiba mais Na disciplina Filologia Românica você estudou diferentes transformações pelas quais passou o sistema latino, como metátese, apócope, síncope, dentre outros. Para assimilar melhor os conteúdos aqui estudados, releia o material dessa disciplina; especificamente a parte que trata desses fenômenos. Eles vão ajudá-lo, inclusive, a resolver o exercício que segue. 131 132 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância exercício 2 1. Explique, tomando por base os exemplos abaixo, as modificações que ocorreram com as consoantes em posição final. Não esqueça de nomear os fenômenos que ocorreram nos exemplos dados. Se quiser enriquecer ainda mais sua tarefa, apresente exemplos similares aos que se encontram nos dados de a) e d). a) facit > faz b) amat > ama c) luce > luz d) inter > entre Não poderíamos finalizar essa abordagem histórica das consoantes sem mencionar os fenômenos relacionados à presença de grupos consonantais no Português. Então, vamos a eles. Grupos consonantais Esses grupos podem localizar-se na posição inicial ou medial. A seguir, apresentamos um quadro com os diferentes grupos consonantais e a posição em que se encontravam. O quadro 1 apresenta os grupos consonantais com /r/ que ocorriam em posição inicial ou medial. Em seguida, apresentaremos os grupos com /l/. quadro 11: Grupos consonantais com /r/ Posição inicial (grupos com /r/) Posição medial (grupos com /r/) pr = pr: pratu >pradu pr = pr: scalpru > escopro br: capra > cabra tr = tr: truncu > tronco tr = tr: intrare > entrar dr: Petru > Pedro kr = kr: crispo > crespo gr: crate > grade kr = kr: poscriptu > poscrito gr: lacrima > lagrima fr = fr: fructu > fruto fr = fr: sulf(u)re > enxofre br-vr: africu > ábrego, ávrego br = br: breve> breve br = br: membru > membro vr: libru > livru dr = dr: dracone > dragão dr = dr: lorandru > loendro Ir: cat(h)edra > cadeira gr= gr: gradu > grau gr= gr: nigru > negro Ir: integrare > inteirar Adaptado de Tarallo (1994) A manutenção dos grupos tal como figuravam no latim parece predominante. Em azul estão os casos em que houve alguma alteração nos grupos consonantais. É importante Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa ressaltar que, quando houve alteração, ela se deu, geralmente, no primeiro componente do grupo consonantal, ou seja, sobre o /r/. Temos dois casos em que a mudança difere das demais. Além de /r/ como segundo elemento dos grupos consonantais, o latim tinha grupos consonantais em que o segundo elemento era a líquida /l/. Vejamos, a seguir, as alterações que esses grupos sofreram. quadro 12: Grupos consonantais com /l/ Posição inicial (grupos com /l/) Posição medial (grupos com /l/) pl = pr: placere > prazer Š: plano > chão pl = pr: emplicare > empregar br: duplare > dobrar s: implere > encher /l/: scopl(u) escolho kl = Kr: clavu > cravo s: clave > chave tl > kl > Š:: ast(u)la, ascla > acha kl: vet(u)lu > veclo > velho fl = fr: flaccu > fraco s: flama > chama Fr = fr: sulf(u)re > enxofre br-vr: africu > ábrego, ávrego bl = br: blandu > brando BR = BR: membru > membro vr: libru > livru /gl/= /gr/: glute > grude /l/: glaream > leira Gr= Gr: nigru > negro Ir: integrare > inteirar Adaptado de Tarallo (1994) Aqui também é maior o número de casos em que o grupo consonantal não sofre modificação no segundo componente. Passemos, agora, a algumas reflexões sobre o assunto estudado. a) Você poderia mencionar alguma alteração que ocorre atualmente em grupos consonantais do PB que não foi mencionada nessas transformações do latim? b) Consulte um dicionário de termos lingüísticos e responda em que consiste o rotacismo e o lambidacismo. Você já encontrou na localidade em que mora variações desse tipo? Cite-as. Pergunte aos colegas da turma se já encontraram casos semelhantes ou diferentes. Registre esses casos no sentido de documentar o que é comum e o que é diferente entre o falar de sua localidade e os falares das localidades dos colegas da turma c) Faça um ensaio de atitudes linguísticas. Depois de registrar as ocorrências recomendadas no item b), pergunte, durante a semana, a amigos, familiares, vizinhos, o que eles acham dessas realizações. Ao final, apresente uma conclusão sobre o ponto de vista deles a respeito dessas variações. 133 134 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância para refletir Muitas pessoas acham que trocar o /r/ pelo /l/, e vice-versa, constitui um erro. Mas se pensarmos bem, em alguns momentos da história da língua, a forma “correta” de se falar correspondia ao que hoje é considerado errado. Você acha que a troca desses fonemas constitui um erro? Por quê? Poste sua resposta no Fórum. bibliografia básica mattoso camara jr, Joaquim. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4. ed., São Paulo: Vozes, 1985. tarallo, Fernando. Tempos Linguísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2 ed., São Paulo: Editora: Ática, 1994. labov, William. On the use of the present to explain the pas. In: L. Heilmann (ed.). Proceedings of the 11th International Congress of Linguistic, Bologna: II Mulino, 1982. williams, Edwin B. Do Latim ao Português: fonologia e morfologia histórica da língua portuguesa. 3. Ed., Rio de Janeiro. Tempo brasileiro, 1891. complementar mattoso camara jr, Joaquim. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4. ed., São Paulo: Vozes, 1985. ______________________. Estrutura da Língua Portuguesa. 23 ed., São Paulo: Vozes, 1995. ______________________. Dicionário de Linguística e Gramática: referente à língua portuguesa. 13 ed., Petrópolis: Vozes, 1996. resumo da atividade 11 Nesta Atividade, estudamos o quadro fonológico consonantal do latim. Você aprendeu que nem todas as consoantes que temos no quadro atual do português faziam parte do quadro latino. Além disso, estudamos as transformações pelas quais as consoantes passaram levando em consideração, principalmente, a posição que ocupavam, sua qualidade e o contexto em que se encontravam. Focalizamos vários metaplasmos que deram origem a segmentos que não existiam no latim e que passaram a integrar o quando consonantal do português. Também estudamos os grupos consonantais cujo segundo componente são /l/ ou /r/, focalizando os contextos em que esses grupos sofreram alterações e os contextos em que se mantiveram sem modificações. O QUADRO FONOLÓGICO DO PORTUGUÊS: AS CONSOANTES a t i v i d a d e 12 136 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá: - identificar as consoantes que integram o quadro fonológico do Português; - reconhecer o quadro fonético de consoantes do Português; - apontar as restrições relativas à presença de certas consoantes em dadas posições no Português; - descrever o quadro de consoantes do Português a depender da posição que ocorrem em Língua Portuguesa. pra início de conversa Nesta atividade você vai estudar a composição e funcionamento do atual sistema fonológico do português. Vamos nos debruçar especificamente sobre o sistema consonantal, focalizando as combinações e restrições que a língua portuguesa apresenta em relação a esses sistema. Além disso, aprendemos que as consoantes de nossa língua apresentam restrições em relação a sua posição na sílaba e, por isso, esse sistema consonantal pode apresentar um número flutuante de fonemas a depender da posição silábica. Fizemos uma breve explanação sobre aspectos históricos no sentido de entendermos as diferenças que a língua portuguesa apresenta em relação ao latim. Agora, vamos estudar o sistema consonantal atual da língua portuguesa. Faremos uma abordagem muito semelhante a que fizemos em relação às vogais da língua portuguesa. Inclusive, grande parte dos autores citados, quando do estudo das vogais, será retomada na explanação que faremos a seguir. Primeiramente, cabe lembrar que, tal como para as vogais e para a história da língua, a posição tem significativa interferência as realizações fonéticas dos fonemas de uma língua e para o funcionamento e combinações desses fonemas. Por exemplo, em algumas posições só algumas consoantes ocorrem. Assim, a depender da posição, teremos um número maior ou menor de consoantes. Antes de apresentar o quadro fonológico do Português, vamos fazer um exercício no sentido de fazer emergir alguns conhecimentos que você tem sobre a língua portuguesa que podem ajudá-lo a refletir melhor sobre o que ocorre nessa língua? Dissemos, acima, que alguns fonemas não ocorrem em algumas posições em língua portuguesa. Você consegue lembrar de fonemas consonantais que ocorrem em Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa posições específicas em nossa língua? Então, elenque pelo menos três deles, indicando em que posição ocorrem. 1. _________________________________________________ 2. _________________________________________________ 3. _________________________________________________ dica Não confundir fonema com alofone. Alguns alofones podem ocorrer em determinadas posições na língua, mas no nível fonético, não no fonológico. Por exemplo, /ɳ/ não ocorre fonologicamente, em posição inicial, em língua portuguesa, mas ocorre foneticamente. É comum, na cidade de Belém, encontrarmos a pronúnica [´ɲilu], para Nilu, em que o /n/ se realiza como [ɲ], de forma palatalizada. Nesse exemplo, o [ɲ] é uma realização fonética do fonema /n/, não ocorrendo como fonema, nessa posição, em nossa língua. Agora, liste pelo menos três fonemas que não ocorrem em determinadas posições em língua portuguesa: 1. _________________________________________________ 2. _________________________________________________ 3. _________________________________________________ Esse exercício mostra que, apesar de ainda não ter feito um estudo sistemático sobre sua língua, você conhece em certa medida seu funcionamento. Aproveite-se desse conhecimento para estudar, a partir de agora, as consoantes de forma científica e sistemática. São dezenove os fonemas consonantais que integram o sistema fonológico do Português. Apresentaremos, inicialmente, uma divisão considerando a classificação de Mattoso Camara Jr. (1970) que entende as consoantes como anteriores, labiais e posteriores. quadro 13: Sistema fonológico do Português Modo de articulação Anteriores Labiais Posteriores Oclusivas t d p b k g Fricativas s z f v ∫ ʒ n Laterais l λ Vibrantes r r' Adaptado de Mattoso Camara Jr. (1995) m ɲ Nasais 137 138 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Algumas observações são necessárias quanto ao quadro apresentado. Primeiramente, cabe explicar que essa classificação pode ser passível de uma classificação mais minuciosa, detalhada. Por exemplo, podemos classificar as labiais em bilabiais /p/ /b/ /m/ e em labiodentais /f/ /v/. Mais adinte, veremos outros detalhes para essas consoantes. Vamos seguir uma organização para o estudo das consoantes. Primeiramente, vamos estudar as que figuram em posição intervocálica; depois, estudaremos as nãointervocálicas e, finalmente, passaremos ao estudo das posvocálicas. consoantes intervocálicas As consoantes intervocálicas englobam as que ocorrem entre sílaba, como em pato, separando sílabas. Essas consoantes apresentam, em português, uma articulação enfraquecida. Isso é motivado pelas duas vogais que se encontram em seu entorno. De acordo com Mattoso Camara Jr. (1970), são alofones posicionais das consoantes não-intervocálicas que apresentaremos a seguir. exercício 1 Preencha o quadro, abaixo, com vocábulos que apresentem consoantes em posição intervocálica. Em seguida, elabore um quadro em que figure tanto as consoantes que ocorrem quanto as que não ocorrem nessa posição em língua portuguesa. quadro 14: Sistema fonológico do Português Modo de articulação Anteriores Labiais Posteriores Oclusivas t d p b k g Fricativas s z f v ∫ ʒ m ɲ Nasais n Laterais l λ Vibrantes r r' consoantes não- intervocálicas Englobam as que figuram em início de palavra, como em pato. Essas consoantes são mais fortes. Nessa posição não figuram algumas consoantes como, por exemplo, a lateral palatal /l/, a nasal /=/, a vibrante anterior, ou /r/ fraco. Nessa posição, ocorre a neutralização entre os segmentos citados e /l/, /n/ ,/r/, respectivamente com prejuízo para o primeiro grupo de segmentos mencionados. Alguns exemplos que existem no Português decorrem de empréstimos a outras línguas, como lhama, por exemplo. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa 139 dica Não se deve confundir nível fonético com nível fonológico. Em português, foneticamente, podemos ter a presença do segundo elemento dos pares acima mencionados, mas fonologicamente, não. Ou seja, não há, em língua portuguesa, exemplos em que nessa posição, /l/ e /λ/, por exemplo, façam oposição, promovam distinção na língua. Note que, em [`li∫u] e [`λi∫u], a presença do segundo segmento não altera significado, pois se trata de alofonia. Não temos dois fonemas distintos, mas variação. Nesse caso, [λ] é alofone, variação de /l/. O mesmo acontece em relação a /r/ e /ɳ/ nessa posição. exercício 2 Preencha o quadro, abaixo, com vocábulos que apresentem consoantes em posição NÃO intervocálica. Em seguida, elabore um quadro em que figurem tanto as consoantes que ocorrem como as que não ocorrem nessa posição em língua portuguesa. quadro 15: Sistema fonológico do Português Modo de articulação Anteriores Labiais Posteriores Oclusivas t d p b k g Fricativas s z f v ∫ ʒ ɲ Nasais n m Laterais l λ Vibrantes r r' O quadro seguinte reúne as consoantes que produzem distinção em Língua Portuguesa. Essa é uma classificação simplificada, mas é possível obtermos uma classificação mais minuciosa desse quadro quando aludirmos a outras qualidades desses segmentos. A seguir, apresentaremos um quadro proposto por Silva (2003) para transcrição das consoantes em língua Portuguesa. Cabe ressaltar que nem todos os símbolos apresentados integram o sistema fonológico do Português. O quadro permite visualizar as diferentes realizações que os fonemas do Português podem apresentar, de acordo com a autora. quadro 16: Realizações fonéticas em PB Modo de articulação Oclusiva Africada Lugar de articulação Alveolares t d labiais p b labiodentais alveolopalatais palatais velares Globais 140 Fricativa Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância s z Nasal n Tepe ɾ Vibrante r f m v ∫ ʒ χ ɣ h ɦ ɲ y Retroflexa Lateral λ l l Símbolos fonéticos relevantes para a transcrição do Português –adaptado de Cristófaro Silva(2003). ARTICULAÇÃO SECUNDÁRIA é a articulação que se encontra num segmento complexo, que apresenta dupla articulação. A articulação secundária é representada por um símbolo suspenso, como em [lj]. Nesse quadro, as vogais desvozeadas ou surdas encontram-se à esquerda; as vozeadas ou sonoras encontram à direita. Não estão previstas nele todas as realizações que caracterizam articulação secundária. Apenas a que se refere a [lj]. Há vários trabalhos realizados no Português que comprovam a existência de articulação secundária como, por exemplo, [pj], [kj], [tj], [dj], [nj], dentre outros. A articulação secundária pode apresentar também um traço posterior como, por exemplo, [kw], [lw], [pw]. anote É preciso observar com cuidado o significado do termo “ sonoro”. Algumas vezes esse termo não se refere ao papel das cordas vocais, mas à sonoridade de um dado segmento. Essa sonoridade está diretamente ligada à posição de um determinado segmento na escala de soância. Mais sonoridade implica mais abertura, menos constrição. Quanto mais sonoro é um segmento, mais perceptível é. Por isso, algumas vezes, no sentido de evitar confusão, é mais indicado usar o termo vozeado para se referir ao papel das cordas vocais, deixando-se o termo sonoro para referir-se à sonoridade que têm os segmentos. escala de soância É uma escala que propõe uma gradação de soância para os segmentos. Mais soância implica necessariamente mais perceptibilidade e, por conseguinte, mais abertura. Segmentos menos soantes são menos perceptíveis e exigem mais força articulatória quando de sua articulação. Os segmentos mais soantes das línguas são as vogais; menos soantes são as obstruintes. Nesse grupo estão as plosivas e fricativas. A seguir, estão listadas as qualidades dos segmentos possíveis no Português Brasileiro, de acordo com o quadro mencionado. Preencha o quadro a seguir. Para isso: a) Junte-se a um colega; b) peça que ele pronuncie palavras nas quais essas realizações fonéticas figurem; c) transcreva foneticamente as palavras pronunciadas; Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa ɲ y ∫ ʒ alveolopalatais n ɾ r Nasal Tepe Vibrante z Retroflexa s Africada Fricativa p Oclusiva d t b m f v labiodentais labiais Alveolares Modo de articulação Lugar de articulação palatais χ velares ɣ h Globais ɦ d) negrite a realização solicitada no quadro. e) Inverta a situação com seu colega de forma que ele passe a preencher o quadro dele da mesma forma que você o fez, mas com novos vocábulos. 141 142 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância exercício 3 Complete o quadro com o + ou - de acordo com os traços que apresentam os segmentos dos vocábulos abaixo: λ Traços i ɳ U  p a k ɔ t I k ã n e t a f a r m a s j a Soante Silábico Alto Baixo Recuado Arredondado Anterior Coronal Contínuo Vozeado Nasal Lateral Observações importantes consoantes posvocálicas Na posição posvocálica, em Língua Portuguesa, ocorrem, fonologicamente, apenas quatro fonemas. São eles: a nasal /n/, as líquidas /l/ e /r/ e a fricativa não labial /s/. Nessa posição, as consoantes nasais sofrem um fenômeno tradicionalmente conhecido como neutralização. Mas antes de nos demorarmos sobre o assunto, de apresentarmos considerações mais precisas sobre o tema, façamos uma atividade, levando em conta exemplos vivos da língua. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa exercício 4 1. Liste vários vocábulos que apresentem algum grau de nasalidade em sua composição. Transcreva foneticamente esses vocábulos. Faça observações, se achar necessário. Vocábulos Em transcrição fonética Observações 2. Apresente em colunas distintas aqueles vocábulos que você considera que apresentam possibilidade de pronúncia sem a presença do traço nasal e aqueles que não apresentam essa possibilidade. Em seguida, responda as perguntas abaixo. Com ou sem traço nasal Com traço nasal a) Em que posições ficam localizadas as consoantes nasais dos dois grupos de vocábulos? b) O que acontece com a vogal que se encontra na sílaba que antecede uma sílaba que inicia com consoante nasal? c) Tente listar algumas características que possam ajudar a elucidar ocorrência ou não de nasalização nas palavras listadas. 143 144 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Agora, vamos organizar as anotações feitas e refletir sobre elas. Você deve ter listado palavras que apresentam estruturas como canta, maçã e panela, [´kãta], [pã´nɛla],[ masã], entre outras. No primeiro exemplo, tem-se um arquifonema nasal /N/. Na escrita, geralmente, é representado pela letra n. É ele o responsável pela oposição entre canta e cata. Esse vocábulo só pode ser pronunciado considerando-se seu traço nasal sob pena de ser confundido com outro vocábulo dado. Já no segundo exemplo, não temos um travamento nasal, mas apenas um caso de nasalização. Em outras palavras, a consoante [n] estendeu seu traço nasal para [a] no vocábulo panela. Note que, nesse caso, a consoante nasal se encontra em posição prevocálica. Isso não quer dizer que o arquifonema nasal em posição posvocálica não possa estender seu traço nasal para outras consoantes, mas que é geralmente na posição prevocálica que ocorrem esses casos de nasalização. Note, também, que o [a] do vocábulo panela poderia ter sido pronunciado sem o traço vogal, já que se trata de variação, nasalização. Esse ponto de vista corrobora o ponto de vista da maioria dos autores que discutem o tema: de que não há vogais nasais, não sendo, portanto, 12 o número de vogais em língua portuguesa, mas sete, já que o que temos é o travamento nasal e não vogais nasais. Mais detalhes sobre a nasalidade no PB serão apresentados na próxima unidade. grupos consonantais Como dissemos no início da discussão sobre as consoantes, esses fonemas têm seu número alterado a depender da posição. Há restrições para a presença de alguns segmentos em algumas posições. Assim, como segundo elemento de grupo consonantal, em Língua Portuguesa, apenas dois fonemas figuram: a lateral alveolar /l/ e a vibrante /r/. Note que os grupos consonantais existentes em Português apresentam como segundo elemento /r/ ou /l/. Foneticamente, a vibrante tende a se realizar nesses grupos como um tepe alveolar [ɾ]. Em alguns casos, pode ocorrer também a supressão desse segundo elemento dos grupos consonantais. É o que se pode constatar em [pɔ'bɾema], em que temos a supressão do [r]; ou [bisi'kɛta] em que ocorre a supressão de [l]. Mas dois outros fenômenos podem ainda ocorrer com os referidos grupos. Pode acontecer uma alternância entre eles. Ou seja, troca-se [ɾ] por [l] e vice-versa. É o que acontece em [bisi'kɾɛta] ou em [plɔ'bɾema]. O primeiro fenômeno é tradicionalmente chamado de rotacismo e o segundo de lambidacismo. Unidade 4 As consoantes da Língua Portuguesa anote Casos de lambidacismos e rotacismo são muito comumente encontrados em zonas rurais do Brasil. Os estudos realizados atribuem a alta produtividade dessa realização ao fator escolaridade. Entretanto, cabe ressaltar que não é só a escolaridade que interfere nessas realizações, já que há significativa motivação fonética para sua realização, visto que os dois fonemas apresentam características, traços idênticos. A presença dos dois fenômenos pode também estar ligada à afasia. Dada a dificuldade na realização de /l/, alguns falantes que têm problema de articulação não conseguem produzir as articulações que apresentam mais dificuldades. Cabe lembrar que ambos os fonemas são considerados segmentos complexos, o que implica mais dificuldade quando de sua articulação. saiba mais Para mais detalhes sobre o tema, ler Jackobson (1967) e Clements et Hume (1995) bibliografia básica bisol, Leda. Introdução aos estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed., Porto Alegre: edipucrs, 2005. cagliari, Luis Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. mattoso camara jr., Joaquim. Estrutura da Língua Portuguesa. 23 ed., São Paulo: Vozes, 1995. ferreira netto, Waldemar. Introdução à fonologia da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2001. silva, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português. 7 ed., São Paulo: Contexto, 2003. complementar lima, Alcides. A pronúncia do /r/ pós-vocálico na cidade de Cametá-pa. In: Razky, Abdelhak (Org.). Estudos Geo-sociolinguísticos no Estado do Pará. Belém: Edição do autor, 2003, p. 55-178. oliveira, Marilucia Barros de. Distribuição Geo-sociolinguística da lateral alveolar posvocálica no Nordeste Paraense. In: AGUILERA, Vanderci. Geolinguística no Brasil, Londrina, 2 ed., 2005, p. 405-429 . oliveira, Marilucia Barros de. Manutenção e apagamento na fala de Itaituba-pa. 2002. 130f. Dissertação (mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém. silveira, Regina Célia Pagliuchi da. Estudos de fonética do idioma português. São Paulo: Cortez, 1982. 145 146 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância resumo da atividade 12 Nesta atividade, estudamos as consoantes do quadro fonológico atual do português. Você aprendeu que o número de consoantes depende da posição que avaliamos, visto que alguns fonemas sofrem restrições quanto ao seu funcionamento em determinadas posições. Além disso, você estudou consoantes intervocálicas, não intervocálicas e posvocálicas. A quando da abordagem dessas últimas, você estudou a Neutralização que ocorre com /n/ e/ s/, representados pelos arquifonemas /N/ e /S/, respectivamente. Você aprendeu que consoantes mudas praticamente não existem na realidade fonética da língua portuguesa, visto que ao seu lado se insere comumente um [i] reduzido ou mesmo um [e] ou [E]. Por fim, estudou grupos consonantais formados por /r/ /l/ e aprendeu que dada a semelhança entre os dois fonemas, não raro, ocorrem alternância entre eles, denominadas rotacismo e lambidacismo. u n i d a d e 5 PADRÃO SILÁBICO E ACENTUAL DA LÍNGUA PORTUGUESA PADRÃO SILÁBICO DO PORTUGUÊS a t i v i d a d e 13 150 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta unidade, você deverá: - Identificar os diferentes padrões silábicos da Língua Portuguesa; - explicar a relação entre sonoridade e formação da sílaba; - classificar tipos de sílaba; - descrever as possíveis combinações silábicas em lp; - apontar restrições à formação silábica em lp. pra início de conversa Nesta atividade você vai estudar um dos componentes mais importantes das línguas do mundo: a sílaba, mais especificamente a sílaba do português. Aprenderemos sobre os padrões silábicos possíveis na língua portuguesa, suas restrições, bem como a escala de soância que rege combinações silábicas nessa língua. Focalizaremos diferentes classificações possíveis para a sílaba no português, tomando por base diferentes critérios e apontando sua importância para o estudo de fenômenos relativos aos diferentes níveis linguísticos, como o fonológico, morfológico e sintático. Antes de estudarmos as diferentes realizações fonéticas do Português, cabe discutirmos primeiramente o padrão silábico do Português. Essa informação é importante porque é comum que realizações fonéticas estejam ligadas a diferentes padrões silábicos da língua. A posição de um fonema num determinado tipo de sílaba pode favorecer ou impedir a realização de determinadas variações na língua. Para que você entenda melhor o que estamos dizendo, vamos nos concentrar num exemplo tomado do Português. Em nossa língua, é comum encontrarmos a realização [`arvri] para árvore, em que a vogal átona postônica não final sofre síncope, isto é, apagamento. Esse fenômeno é comum em palavras proparoxítonas. Nesse caso, ocorre uma reestruturação silábica. Por conta da queda da vogal átona não final, o sistema se reorganiza criando uma sílaba que apresenta encontro consonantal inseparável, [vri]. O mesmo pode ocorrer com a palavra abóbora. Temos [a´bɔbra], com reestruturação sílaba que cria um grupo consonantal. Já na palavra [ɦe'ɐlpagu] o processo que se aplica não é o mesmo por conta de restrições silábicas. Esse vocábulo pode realizar-se como [ɦe'ɐlpu]. Provavelmente, deve ocorrer o apagamento da vogal postônica não final. Como a estrutura que resulta não é a preferencial em PB [ɦe'ɐlpgu], deve ocorrer uma fusão entre [p] e [g] que resulta na supressão da consoante [g]. Agora [p] e [u] formam uma sílaba ótima em lp (cv- Consoante/Vogal). Ocorre outra organização silábica no sentido de se preservar as preferências da língua. Dadas Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa essas informações, vamos, mais adiante, estudar o padrão silábico do Português, que vai nos ajudar a compreender melhor diferentes realizações fonéticas de nossa língua. Mas antes de estudarmos o padrão silábico da Língua Portuguesa, precisamos compreender como se organizam as sílabas. Por isso, passemos a um breve estudo da estrutura da sílaba. estrutura da sílaba Primeiramente, cabe informar que definir sílaba não é uma tarefa fácil. Uma das dificuldades está atrelada ao fato de a sílaba se constituir uma articulação de produção contínua, o que impede sua delimitação. De acordo com Mattoso Camara Jr. (1970), tem-se usado vários critérios para essa definição, tais como: efeito auditivo, força expiratória, encadeamento articulatório, tensão muscular, ascensão. Em outras palavras, a culminância de uma sílaba, seu ápice, indica a presença de uma vogal. O movimento decrescente corresponde à consoante. É a vogal que ocupa o centro silábico dado seu efeito sonoro. A estrutura silábica gira em torno desse centro, caracterizado pela fase crescente que, depois, será seguido por uma fase decrescente em que deverá figurar uma consoante. Ela funcionará, diferentemente de vogais, como elemento marginal na sílaba. Assim, podemos dizer que V é o centro da sílaba e que C constitui um elemento marginal. saiba mais Em algumas línguas certas consoantes que apresentam características similares às das vogais podem também ocupar a posição ocupada por vogais na sílaba. As línguas apresentam diferentes padrões silábicos. Alguns são preferidos pelas línguas. Aqui, nós estudaremos as possibilidades de combinações de fonemas para organização da sílaba nas línguas em geral e na Língua Portuguesa. Os fonemas podem combinar-se de maneira diversa em diferentes línguas. Algumas combinações muito produtivas no pb não o são em outras línguas, como no inglês, por exemplo. Isso faz com que alguns falantes nativos do pb, quando se submetem ao aprendizado de uma língua como inglês, pratiquem realizações que não são exatamente aqueles da língua alvo. Por exemplo, os falantes do pb, ao aprenderem o inglês, quando pronunciam a palavra “love”, geralmente acrescentam um [i] que não é pronunciado na forma inglesa. Ocorre uma espécie de nativização dessa forma pelos falantes do pb. A estrutura silábica da palavra “love” é cvc, no entanto, os nativos do pb tendem a usar o padrão cv. cv nesse vocábulo. Isso acontece, grosso modo, porque não temos em lp essa combinação, em que [v] ocorre em posição posvocálica. Assim, esses falantes, ao pronunciarem a referida palavra imprimem, a sua pronúncia, o esquema silábico da lp, adicionando um [i] ao lado de [v]. 151 152 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância A sílaba é uma entidade fonológica. Ela é o âmago das representações fonológicas que nos dá informação sobre como estão organizados, combinados os fonemas em nossa língua. Nos estudos de Chomsky e Halle (1968), os fonemas recebiam o traço [+silábico] ou [-silábico]. Esse traço era usado para distinguir segmentos vocálicos dos consonantais. Assim, os vocálicos, em geral, são [+silábico] e os consonantais [-silábico]. Com o surgimento de outros estudos fonológicos em que a sílaba passou a ganhar estudos e destaque especiais, esse pressuposto foi reavaliado. Nessa nova perspectiva, os segmentos não tem o traço [± silábico] como inerentes, mas como um traço que deve ser considerado a depender da posição que o segmento ocupa na estrutura silábica. Nesse sentido, a diferença entre [i u] e [i w] não depende de traços inerentes a esses segmentos, mas tão somente da posição que o primeiro par ocupa na estrutura silábica. Isso quer dizer que se ficar no núcleo da sílaba receberá o traço [+silábico], como em [ta´tu], [´timi]; ao passo que se for localizado nas margens da sílaba receberá o traço [-silábico], como em [´pejtu], [´powku] . Os diversos fonemas de uma dada língua podem ter suas características alteradas a depender da posição da sílaba em que se encontram. Alguns segmentos em Português, por exemplo, tendem a ser sofrer mais alterações quando se encontram em posição posvocálica do que quando se encontram em posição prevocálica. É o caso do /s/ posvocálico, como em “casca” (ver páginas 156 e 157). A sílaba apresenta uma estruturação. Na estrutura silábica a vogal constitui um coração, âmago da sílaba. Elas são denominas de núcleo. Já as consoantes recebem duas denominações que dependem da posição que ocupam. As consoantes que estão adjacentes ao núcleo, mais especificamente que o precedem, são chamadas de ataque. As que se encontram depois do núcleo recebem denominação de coda. Essa estrutura não é linear, mas apresenta uma hierarquia. Nesse sentido a sílaba se estrutura em ataque e rima. Nessa perspectiva, a rima subdivide-se em dois subconstituintes: o núcleo, obrigatório, e a coda, que é um constituinte opcional. Segue uma representação da estrutura silábica: Fonte: Silva, 1999 Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa Uma observação importante sobre a sílaba diz respeito à combinação dos fonemas para sua formação. Ela se dá aleatoriamente, mas de forma organizada, obedecendo a certos princípios e restrições impostas numa dada língua. Essa combinação está diretamente relacionada à Hierarquia de Sonoridade (cf. Hopper, 1976). Essa hierarquia, por sua vez, relaciona-se ao vozeamento, isto é, quanto mais propenso ao vozeamento, mais sonoridade tem o segmento. Apresentamos, abaixo, uma escala de sonoridade que tem vista demonstrar que quanto menos sonoro é um segmento, mais propenso está em funcionar nas margens silábicas. Vejamos a tabela que segue: tabela 1 (24) Sons Vogais baixas Vogais médias Vogais altas Flepes Laterais Nasais Fricativas sonoras Fricativas surdas Plosivas sonoras Plosivas surdas Valores Exemplos 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 /a, ɑ/ /e, o/ /i, u/ /'r/ /l/ /m, n, ɲ,ɳ/ /v, ŏ, z/ /f, θ, s/ /b, d, g/ /p, t, k/ Fonte: Silva, 1999 Note que as vogais são segmentos que apresentam alta sonoridade e vozeamento. Os fonemas que mais apresentam sonoridade são aqueles que funcionam como núcleo silábico, as vogais (10, 9, 8). Os flapes e as laterais comumente ocorrem na margem silábica, em posição de C2, como pla.ca, pra.to (7, 6). As nasais (5) também ocupam posição de margem, mas são mais sonoras do que as fricativas e plosivas (4,3,2,1). Note que as fricativas e plosivas surdas (3,1) recebem menos sonoridade do que suas correspondentes sonoras (4,2). Essa escala nos outras informações importantes sobre a sílaba. Por exemplo, quando temos um grau de sonoridade alto, temos o núcleo da sílaba. Nos níveis mais baixos, teremos o ataque e a coda. saiba mais Para Silva (1999), é possível termos, em Língua Portuguesa, o padrão vv. Nesse caso teríamos uma sílaba constituída de duas vogais. A posição que elas ocupam indica se se trata de uma vogal ou de um glide. Teríamos, assim, em moi.ta, um ditongo decrescente (v+v), em que o segundo v é um glide por conta da posição que ocupa. 153 154 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Vejamos, agora, algumas abordagens sobre a sílaba, especialmente no pb. Há, em Português diferentes combinações silábicas. Entre elas, temos, de acordo com a proposta de Ferreira Netto (2003) • sílabas constituídas de uma vogal (v), como em a.vi.ão • sílabas constituídas de uma consoante e uma vogal (cv), como em ca.va.lo; • sílabas constituídas de vc, como em or.dem; • Sílabas constituídas de uma consoante, uma vogal e uma consoante (cvc), como em a.cer.to; • sílabas constituídas de duas consoantes e uma vogal (ccv), como em pla.ca; • sílabas constituídas de uma consoante, uma vogal e duas consoantes (cvcc), como em pers.pec.ti.va; • sílabas constituídas de ccvc, como em fler.te • sílabas constituídas de ccvcc, como em trans.por.te; • sílabas constituídas de vs (vogal + semivogal), como em ou.tro; • sílabas constituídas de vsc, com em ais • sílabas constituídas de cvs, como em koj.za; • sílabas constituídas de ccvs, trow.si; • sílabas constituídas de cvsc, como em kwais; • sílabas constituídas de ccvsc kon.trois tipos de sílaba A sílaba, a depender da maneira como os fonemas se organizam, pode apresentar diferentes denominações. Vejamos algumas. Sílaba simples A sílaba simples é constituída de apenas um núcleo, como em a.vi.ão, sa. í. da. Esse núcleo deve, em LP, obrigatoriamente ser uma vogal. Sílaba complexa A sílaba complexa apresenta composição diferenciada. Apresenta um núcleo que é precedido por uma consoante, como em ca.va.lo. Sílaba aberta A sílaba aberta termina em vogal, como em ca.va.lo. Sílaba fechada A sílaba fechada é terminada por uma consoante ou semivogal. Exemplo desse tipo de sílaba pode ser encontrado em pas.tor, lei. Nesses exemplos, as duas sílabas são fechadas. Esse tipo de sílaba apresenta certa tendência a oscilações. Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa Além dessa classificação que se baseia na combinação dos fonemas, podemos pensar numa classificação que se baseia na posição em que a sílaba se encontra. Sílaba inicial Ocorre no início de palavra. Como em cavalo. Sílaba medial Ocorre em posição medial de palavra, como em cavalo. Sílaba final Ocorre em posição final de palavra, como em cavalo. Essa classificação, à primeira vista, parece simples e pode dar a entender que essa informação não é relevante para o estudo da língua. No entanto, cabe ressaltar que as modificações que ocorrem numa língua guardam direta relação com a posição que as entidades fonológicas ocupam nas palavras. Com a sílaba não é diferente. exercício 1 1. Tomando por base a classificação proposta, elabore um quadro em que essa classificação se mostre organizada. Ilustre-a com exemplos tomados do Português. 2. Abaixo, são indicados padrões silábicos. Ilustre esses padrões, utilizando exemplos tomados do Português. 1) v 2) cv 3) ccv 4) cvcc 5) cvc 6) v cv ccv 7) cv v cv 8) cvcc cv cvc 9) cv cv v 10) ccv dica Todas as línguas possuem o padrão cv. Algumas permitem a supressão da consoante à esquerda do núcleo silábico e outras que o permitem à direita. 155 156 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância consoantes posvocálicas Há, em Português, quatro consoantes que podem figurar em posição posvocálica. São elas: /l/, /r/, /S/, e /N/. Nesta seção, iremos abordar cada um deles, dando ênfase especial ao /S/. Mais adiante, trataremos especificamente da Nasalização fonológica e fonética. No item simplificação silábica daremos atenção especial aos dois primeiros fonemas na posição referida. Como já vimos, os fonemas (ou traços que o compõem) são responsáveis pela distinção de significados nas línguas. Assim, podemos distinguir, grosso modo, [´zɛka] de [´sɛka] por meio do contraste fonêmico que existe entre /z/ e /s/ em Língua Portuguesa. Entretanto, é importante ressaltar que, em alguns casos, fonemas que apresentam contraste fonêmico podem deixar de apresentá-lo em alguns contextos específicos. É o que acontece entre /s z ∫ ʒ/ em posição posvocálica, em posição medial ou final de sílaba, a depender do dialeto. Você deve lembrar que, anteriormente, quando apresentamos uma proposta de classificação para a sílaba, observamos que a posição da sílaba interfere nas realizações que os fonemas que a compõem vão apresentar. Como vimos, os quatro fonemas citados apresentam contraste fonêmico quando não se encontram em posição não posvocálica, como podemos verificar nos exemplos apresentados acima, entretanto, quando se encontram em posição posvocálica final, perde-se esse contraste. Vejamos alguns exemplos. Em Língua Portuguesa, em posição final de sílaba, /s, s, ∫, ʒ/ apresentam perda de contraste fonêmico. Note que, numa forma como /maS/, poderíamos ter [ma∫´klaru], [ma´zawtu], [maʒba´ɾatu], [mas´karu]. Essas realizações não implicam distinção de significado, isto é, temos uma alteração fonética que não tem implicações na distinção fonêmica. Para indicar esse fenômeno, a perda de contraste fonêmico num dado ambiente fonético, usamos o termo Neutralização (remeter ao item Fonologia) e a indicamos por meio de /S/. Esse uso é feito quando se procede à transcrição fonêmica. Para a realização fonética, utilizamos [s z ∫ ʒ/] de acordo com o caso. De acordo com Silva (2001), assim ocorre a distribuição do arquifonema /S/ no PB: • [z] ou [ʒ] ocorrem, a depender do dialeto, em limite de sílaba, seguidos por consoantes vozeadas (Cosme, mesmu); • [s] ou [∫] ocorrem, a depender do dialeto, em final de sílaba quando seguidos por consoante desvozeadas ou em final de palavra, (pasta, mês); • [z] ocorre em qualquer dialeto quando seguido de um vocábulo que inicia por vogal. Nesse caso, passa a ocupar posição prevocálica (os outros [u´zotɾu∫], mas hoje [ma´zoʒi]). Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa Em posição final de sílaba ou de palavra /S/ pode apresentar várias realizações. Pode-se ter uma realização alveolar, como em [´kaska], [dezvi´ah], [ma´zoʒi], ou palato-alveolar, como em [´ka∫ka], [´meʒmu]. A depender do ambiente /s/ tem seu vozeamento alterado, podendo-se, assim, ter a mudança de ponto de articulação acompanhada da mudança de vozeamento, tendo-se [´ka∫ka], [´meʒmu]. Note, entretanto, que essa alteração também pode ser sistematizada. O vozeamento de /s/ acontece de acordo com o contexto que o segue. Tende a realizar-se como surdo diante de segmentos surdos e como sonoro diante de segmentos sonoros. Diante de silêncio pode realizar-se como vozeado ou desvozeado. Observe os dados apresentados. Cabe completar que, nessa posição, esse fonema pode realizar-se como [h ɦ] [´meɦmu]. Além dessa última realização, é possível encontrarmos o zero fonético para /s/, como em [´memu]. Aqui, deve ocorrer, primeiramente, a substituição de /s/ por [h]. Em seguida, essa realização enfraquecida deve sofrer apagamento. Isso implica simplificação silábica, assunto da seção seguinte. Antes disso, porém, vamos estudar outro tipo de estrutura silábica no PB. Referimo-nos àquelas que, em geral, chegaram ao Português como empréstimo. Em rapto, psicologia, pneumático, dentre outros, diferentemente daquilo que a percepção à primeira vista nos faz crer, não temos exemplos de consoantes posvocálicas em rapto nem um ataque complexo em psicologia. Não se trata de mais um caso de sílaba travada em Português, como previa a gramática tradicional. Mattoso Camara Jr. (1995) apresenta dois argumento importantes da presença de uma consoante que compõe uma sílaba crescente em direção a uma vogal. Assim para o autor, o que ocorre em rapto é a inserção de um [i] reduzido como ocorre em proparoxítonos como rápido. Note que a única diferença entre um e outro vocábulo é a distinção de vozeamento entre [t] e [d]. Sendo assim, a escrita não é fiel ao que acontece realmente no plano fonológico e fonético nesses casos. Há exemplos de registros no PB em que os falantes em vez de acrescentartem um [i] à consoante dita muda, acrescentam um [e], como em [ade´vɔgadu]. para refletir Tomando por base a explanação feita no último parágrafo, há distinção na divisão silábica proposta pela Linguística e pela Gramática Normativa? simplificação silábica Nesta seção, vamos discutir a simplificação silábica relacionada à posição que os fonemas ocupam numa dada língua. Como vimos, há diferentes tipos de sílaba em LP. Algumas são mais simples; outras complexas. Algumas apresentam, tomando como base a proposta da figura 7, uma rima composta de vogal ou, em outros casos, uma rima composta de vogal e consoante na qual essa ocupa a posição de coda, isto é, a posição posvocálica. 157 158 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Vimos também que, segundo a interpretação de Silva (1999), é possível se pensar num padrão silábico para a lp em que figuram duas vogais (vv). É o caso, de acordo com ponto de vista da autora, de moi.ta [´moj.ta], em que a segunda vogal é um glide por conta da posição que ocupa. Esse ponto de vista corrobora a posição de Mattoso Camara Jr. (1970) sobre as semivogais. Para o autor, esses segmentos são alofones posicionais das vogais em decorrência da posição que ocupam na sílaba. para refletir O ponto de vista sobre se ter em ['sɛw] ccv ou cvv pressupõe sílaba livre e sílaba travada, respectivamente, em Português. O fato de se assumir o primeiro padrão não constituiria um contraditório, já que [w] ocupa a posição que em geral é ocupada por uma consoante, já que ocupa a margem silábica? Para elaborar uma reflexão mais adequada sobre esse tema, leia o capítulo vi de Mattoso (1970, p. 53-55). Vamos, a partir de agora, tratar da simplificação silábica. Grosso modo, isso ocorre quando uma sílaba complexa ou travada reestrutura-se, criando-se uma sílaba simples. Vamos abordar alguns fenômenos que ocorrem com três segmentos consonantais, em posição posvocálica, em Língua Portuguesa, que produzem a simplificação silábica, a saber, /l/ /s/ e /r/. Em posição posvocálica, como já foi dito, podem figurar quatro fonemas em lp. São eles: /l/ /r/ /s/ /n/. Os três primeiros fonemas, comumente, passam por processos fonológicos que podem ter como saída uma sílaba simplificada. Como dissemos acima, /s/ pode realizar-se dentre outros, como [h ɦ], como em ['meɦmu]. Em alguns casos, pode ocorrer o zero fonético como resultado de um processo de apagamento. Assim, teríamos ['memu]. Nesse caso, teríamos um exemplo de simplificação silábica, visto que uma sílaba travada, complexa, passa por uma reestruturação, reorganização que resulta numa sílaba simples, aberta. Em outras palavras, temos um padrão cvc que passa a cv, modelo preferido em lp. Essa simplificação silábica ocorre também com /r/ e com /l/, em posição posvocálica, conforme podemos verificar em dados como farsa ['fahsa] que pode passar a ['fasa], com apagamento de /r/ e, logo, simplificação da estrutura silábica de cvc para cv. Como dissemos, essa simplificação também se estende a /l/. Há registro de ['sɔ], para sol, com apagamento de [l] e, por conseguinte, simplificação da estrutura silábica. Nesse caso, deve ter ocorrido, primeiramente, a velarização de ƚ], seguida da vocalização [w]. Finalmente deve ter se aplicado o apagamento. saiba mais Para mais detalhes sobre o apagamento de / l / em posição posvocálica no falar paraense, consultar Oliveira (2005). Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa exercício 2 1. Que fonemas figuram em lp em posição posvocálica? Quais deles sofrem neutralização? Explique o fenômeno, ilustrando-o com exemplos tomados do pb. 2. A simplificação silábica transforma uma sílaba simples em uma sílaba complexa. Você concorda com essa afirmativa? Por quê? Justifique sua resposta. 3. Defina ataque, núcleo silábico, rima e coda. Em seguida, construa uma figura de forma que você encaixe, na estrutura definida, os vocábulos parteira e placa (consultar 60). 4. Camara Jr. (1995) afirma, ao tratar fricativa em posição posvocálica em Língua Portuguesa, que há neutralização entre /s/, /z/, /ò/ e /Z/. Nessa posição é possível encontrarmos também a realização [h], como em [´mehmu]. Por que o autor não arrola essa realização entre os quatro acima mencionados? 5. De acordo com os estudos feitos nesta atividade, representamos as consoantes posvocálicas em Língua Portuguesa por /S/ e /N/ /l/ /r/. Por que /l/ e /r/, apesar de ocorrerem nessa posição, não são simbolizados por letras em caixa alta? 6. Ao tratar de palavras que apresentam a chamada consoante muda, como em técnica, Mattoso Camara Jr. (1970) argumenta em favor da presença de um [i] reduzido ao lado da consoante dita muda, o que justifica não comporem sílabas travadas. Como o autor justifica casos como técnica. Por que trata esse caso separadamente dos demais casos de consoante muda? Que implicações sua explicação traz para o padrão acentual da lp? Para responder adequadamente essas perguntas, leia Mattoso Camara Jr. (1970, p. 57-58). bibliografia básica bisol, Leda. Introdução aos estudos de fonologia do português brasileiro. 4 ed., Porto Alegre: edipucrs, 2005. mattoso camara jr., Joaquim. Estrutura da Língua Portuguesa. 23 ed., São Paulo: Vozes, 1995. ferreira netto, Waldemar. Introdução à fonologia da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2001. tarallo, Fernando. Tempos Lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2 ed., São Paulo: Ática, 1994. complementar cagliari, Luis Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. carama jr. Matoso. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4 ed., São Paulo: Vozes, 1985. silva, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português. 7 ed., São Paulo: Contexto, 2003. 159 160 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância resumo da atividade 13 Nesta Atividade, estudamos a estrutura silábica do português. Focalizamos que [Ë2 silábico] não é um traço inerente aos segmentos, mas que depende da posição que um dado fonema ocupa num vocábulo. Você aprendeu que a sílaba apresenta uma estrutura interna: ataque e rima, essa última formada por núcleo e coda. Aprendeu também que a sílaba é formada pela combinação dos fonemas nas línguas e que essa está diretamente ligada à soância dos segmentos, podendo determinadas combinações sofrer restrições. Há vários tipos de sílabas: simples, complexas, abertas e fechadas. As sílabas podem ser classificadas também a depender da posição, podendo ser iniciais, medias ou finais. A posição que o fonema ocupa numa determinada sílaba interfere nas possíveis transformações que vai sofrer. Em língua portuguesa, as consoantes posvocálicas costumam sofrer várias alterações, dentre elas, a simplificação silábica. PADRÃO ACENTUAL DO PORTUGUÊS a t i v i d a d e 14 162 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá: - apontar os diferentes padrões acentuais do Português; - relacionar acento a peso silábico; - classificar os tipos acentuais da Língua Portuguesa; pra início de conversa Nesta atividade você vai aprender sobre o padrão acentual a língua portuguesa. As línguas possuem acentuais distintos. Por exemplo, no português, prevalece o padrão agudo, ou seja, paroxítono, embora haja também ocorrência de paroxítonos e proparoxítonos. Vamos relacionar o acento ao peso silábico, no sentido de estudarmos e prevermos a posição do acento nessa língua, e apresentar diferentes tipos acentuais que integram a língua portuguesa. Faremos, ainda, a distinção entre acento gráfico e acento tônico e vocábulo formal e fonológico. Tradicionalmente, o acento foi relacionado à maior ou menor força expiratória a quando da produção dos sons da fala. Essa associação relaciona intensidade, altura e duração. Para Massini-Cagliari (1992), no nível lexical, relacionam-se, em ordem decrescente de importância, duração, intensidade e qualidade vocálica. O acento pode distinguir significados. Como o fonema segmental, pode distinguir formas como sabia, sabiá, sábia. Assim, ele é entendido como um fonema. Entretanto, por não se apresentar de forma linear entre os segmentos de uma língua, como [p], [b], dentre outros, é chamado de suprassegmento. dica É preciso distinguir acento tônico de acento gráfico. Eles pertencem a diferentes níveis. Aquele ao nível fonológico. Esse ao gráfico, ligado à ortografia. Por exemplo, em LP, uma palavra pode ter acento tônico sem apresentar acento gráfico. Na palavra ca.dei.ra, podemos identificar o acento tônico na penúltima sílaba dei. Entretatno, essa palavra não apresenta acento gráfico. Diferentemente do que ocorre com vo.cê, palavra em que temos acento tônico cê e acento gráfico, o circunflexo (^). Assim, essa palavra apresenta os dois tipos de acento. Falta dizer que há palavras em LP que não apresentam nenhum dos acentos. São os monossílabos átonos, como me, por exemplo. Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa 163 Ferreira Netto (2001) apresenta um detalhamento para a análise do acento em Língua Portuguesa. Para entendermos melhor a proposta do autor, devemos remontar ao latim clássico no sentido de estudarmos a formação do acento em lp. Para isso, estudaremos suas origens, as transformações pelas quais passou. para refletir Durante esta e outras disciplinas, você já deve ter tido que recorrer ao latim para compreender alguns fenômenos linguísticos em diferentes níveis. Você acha necessário estudar essa língua ou acha que essa necessidade não é relevante visto que o latim é considerado uma língua morta por alguns? sobre o acento latino O acento latino, de acordo com Ferreira Netto (2001, p. 174), obedecia à seguinte regra: “acentue a penúltima sílaba se ela for longa (vv ou vc), acentue a antepenúltima sílaba se a penúltima for breve (v)”. Essa regra de acento silábico está diretamente ligada ao peso silábico. No latim, como em muitas línguas, o acento é sensível ao peso silábico. Nessa língua, o acento cai na penúltima sílaba, se for longa (delénda), mas na antepenúltima se a penúltima for breve (ímpetus). saiba mais Nenhuma palavra latina, exceto os monossílabos, tem o acento na última sílaba. Nas polissílabas o acento apresentava uma restrição, nunca passava da antepenúltima sílaba. Quanto às palavras dissílabas, recebiam sempre acento na penúltima sílaba. (Cf. Ferreira Netto, 2001, p. 174). Para análise do acento latino é possível pensar-se numa correspondência entre a posição do acento e a contagem de moras. Para essa análise, considera-se apenas a rima da sílaba, no caso, vc ou vv. Uma sílaba breve corresponde a uma mora, já uma sílaba pesada corresponderá a duas moras. Os segmentos que ficam localizados no ataque silábico não são levados em consideração, visto que não são contabilizados para o peso silábico. Assim, • Em palavras com três ou mais sílabas, começando-se da direita, recebe o acento a terceira mora, como em domĩnus. • Os dissílabos e monossílabos tinham o acento incindido sobre a penúltima mora. Quando a penúltima vogal era precedida de um conjunto de duas consoantes, ela era acentuada, com em capillu, fenestra. MORAS são unidades relativas de tempo. Uma mora correspondia, no latim, a uma vogal breve. Assim, duas vogais breves ou uma vogal longa correspondem a duas moras. As moras são usadas para estudar, prever a posição do acento nas línguas. 164 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Pode-se concluir, daí, que as geminadas eram tomadas como dois segmentos heterrossilábicos, como em: a) ca.pil.lu b) sa.git.ta c) con.cep.tu O acento latino era previsível quando se conhecia o peso silábico da penúltima sílaba. O padrão que se cristalizou no Português pedia que se acentuasse a penúltima sílaba da palavra, ou a última desde que a penúltima fosse breve. a posição do acento em português O acento em Português apresenta lugar previsível de ocorrência. Mas não um único lugar como acontece em algumas línguas. No checo e no turco, por exemplo, o acento ocorre exclusivamente na primeira e última sílaba, respectivamente. No Português, o acento pode recair nas três últimas sílabas, não apresentando, em tese, possibilidade de ocorrer na pré-antepenúltima sílaba. Temos, assim, vocábulos esdrúxulos, agudos e graves que correspondem à incidência do acento na antepenúltima, penúltima e última sílaba, respectivamente. Essa regularidade de incidência do acento já aponta para a previsibilidade do acento em lp. A maior ocorrência de acento, em lp, dá-se na penúltima sílaba, daí ser conhecida como uma língua de acento grave. A Gramática Normativa apresenta três possibilidades de acento em Língua portuguesa. São elas: • Oxítonas: quando o acento recaia sobre a última, como a.mor. • Paroxítonas: quando o acento recai sobre a penúltima sílaba, como em pa.to. • Proparoxítona: quando o acento recai sobre a antepenúltima sílaba, como em nú.me.ro. proparoxítonas As proparoxítonas podem ser consideradas formas que entraram na língua por meio de empréstimo. Elas foram tomadas do grego e do latim, especialmente no período dito clássico. Os principais responsáveis por esses empréstimos foram escritores, artistas da Renascença. Essas palavras, porém, cabe ressaltar, são marcadas em lp. Tanto que são acentuadas. A preferência é pelos paroxítonos. Comprova essa marcação o fato de essas palavras, além de receberem acento gráfico em lp, adaptar-se ao acento grave, próprio das paroxítonas. Há, não raro, registro de estudos que apontam a regularização dessas formas, o que transforma proparoxítonas em paroxítonas, como nos exemplos que seguem: Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa a) Abóbora que passa a abóbra b) cócega que passa a cosca c) fósforo que passa a fosfro d) xícara que passa a xicra No falar coloquial, o acento de palavras proparoxítonas é alterado em favor de uma realização paroxítona. Há vários registros de síncope da vogal átona não final em favor da alteração do padrão acentual das proparoxítonas. Temos, em língua Portuguesa, [ar.vri] para árvore, com apagamento da vogal átona não final e assim, alteração do padrão acentual da palavra. Assim, os falantes transformam esdrúxulos em graves. Isso correu no latim, quando se tinha, por exemplo, cálido em caldo, e tem historicamente acontecido na Língua Portuguesa. Note que em todos os casos acima as formas proparoxítonas passaram por um processo de ressilabação que alterou seu padrão acentual, passando a paroxítonas, o padrão acentual preferido em nossa língua. Aponte outras formas proparoxítonas que passem por alteração de padrão em lp. Verifique se dentre eles ocorrem casos de passarem para o padrão acentual agudo. Despois de listadas as palavras, explique como se deu o processo de reestruturação silábica. Em seguida, justifique ter encontrado ou não algum(ns) caso(s) de ressilabação que tenha resultado numa oxítona. a) _______________________________ g) _____________________________ b) _______________________________ h) ______________________________ c) _______________________________ i) _____________________________ d) _______________________________ j) _____________________________ e) _______________________________ k) _____________________________ f) _______________________________ l) _____________________________ oxítonas Os vocábulos oxítonos de nossa língua apresentam origem francesa, africana e indígena. As oxítonas apresentam duas formas em lp. Podem ser terminadas em vogal, como em já.ca.ré, ou em consoante, como em a.mor; ambos constituem sílabas pesadas. No primeiro caso, temos uma forma marcada, já que são minoria na língua e precisa, 165 166 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância inclusive, ter o acento indicado na ortografia da língua por meio do acento gráfico. No segundo caso, não há marcação para as oxítonas. Vejamos alguns exemplos dos dois casos. a) amor e) jacaré b) vigor f) avó c) jornal g) urubu d) civil h) café Nos exemplos e) e h), temos oxítonos que terminam em vogais. Essas formas são marcadas na língua. A sílaba tônica recebe um acento gráfico. São marcadas porque palavras terminadas em vogais, em lp, seriam paroxítonas. Já as oxítonas que terminam em consoantes são não marcadas na língua. Segundo pesquisa realizada por Bisol (2005), 78% dos vocábulos terminados em consoantes em lp são oxítonos, ao passo que apenas 22% são paroxítonos. O fato de essas palavras serem acentuadas revela, na grafia da língua, seu caráter marcado. Essa marcação é reforçada na ortografia da língua que acentua as paroxítonas terminadas em consoantes , como se pode verificar abaixo: a) colher f) acúcar b) cantar g) cadáver c) ardor h) útil Notem que as proparoxítonas precisam receber acento gráfico que indica a incidência do acento na antepenúltima sílaba. Com as oxítonas acontece algo similar. Formas como já.ca.ré, apresentam acentuação gráfica. As oxítonas terminadas em consoantes são pesadas, por isso, recebem o acento, visto que o acento é sensível ao peso silábico. Assim, quando a última sílaba for pesada, o acento recaia preferencialmente sobre ela. paroxítonas As paroxítonas são a maioria em nossa língua. Assim, as palavras da lp são essencialmente paroxítonas quando não se configuram empréstimos ou não se submetem a acento especial. Quando a palavra termina em vogal, preferencialmente o acento recai sobre ela, mas se a última sílaba for pesada, o acento preferencialmente cai sobre essa sílaba. Isso nos dá uma informação importante: a relação entre acento e sílaba terminada em consoante, ou seja, pesada. Note que, numa palavra terminada em vogal, o acento recai preferencialmente na penúltima sílaba, como em ca.va.lo; quando a última é pesada, preferencialmente sobre a sílaba pesada, como em a.mor. Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa Agora, diga você: a) Em vocábulos como ca.das.tro por que a acento recai sobre das? b) Porque uma palavra como co.var.de não pode ser proparoxítona? Qual a relação disto com o acento em latim?) c) Porque dizemos que se uma palavra terminar em vogal o acento recai preferencialmente sobre a penúltima sílaba e não apenas sobre ela? d) Como o nosso sistema ortográfico aponta a marcação de acento em nossa língua? Ilustre sua resposta com exemplos. De acordo com Bisol (2005), há que se estudar dois fatos que interferem na posição do acento em nossa língua: os sufixos, de um lado, e o morfema de plural, nos nomes, e de númereo/pessoa nos verbos. Note que, quando uma palavra sofre um processo de derivação, por meio do acréscimo de um sufixo, normalmente o acento recai sobre outra sílaba, como se ver a seguir. a) árvore - arvorezinha b) casa- casebre c) mata- matagal O mesmo não corre nos casos de prefixação, quando o acento não é deslocado como na sufixação, conforme abaixo. a) feliz- infeliz b) igual – desigual c) capitalizar- descapitalizar Note que nos exemplos que figuram em a) e c) não houve deslocamento do acento. Vejamos o que acontece nos exemplos abaixo, quando os sufixos flexionais de número são afixados aos nomes e os morfemas de número/pessoa são afixados aos verbos, como em. a) pato – patos f) canta – cantamos b) cantor – cantores g) toca – tocamos c) dama- damas h) falava – falávamos d) amava – amávamos i) sintia- sintíamos e) pode- podemos Nos exemplos apresentados, você pode notar que os sufixos derivacionais de número, nos nomes, não alteram a posição do acento. Já o morfema número-pessoal pode ou não alterar a posição do acento. Mais detalhes sobre a descrição e explicação dessas alterações podem ser encontrados a partir da bibliografia dessa atividade. 167 168 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância acento e vocábulo fonológico Além dessa abordagem do acento, existem outras. Vamos apresentar de forma bastante breve mais uma delas. Trata-se da proposta apresentada por Mattoso Camara Jr. (1970, 1995). De acordo com a proposta, o acento em Língua Portuguesa tem função distintiva e delimitativa. Como vimos em páginas anteriores, o acento pode distinguir formas como sabia, sábia, sabiá, o que remete a sua função distintiva. A sua função delimitativa está diretamente ligada à juntura. Em lp, quando temos vocábulos terminados e iniciados por vogais, é comum ocorrer uma espécie de juntura que dá origem a um ditongo decrescente, como em [paja´madu] (pai amado), relativo ao plano segmental. Quando temos vocábulos iniciados e terminados por consoante, não ocorre juntura segmental. Entretanto, a delimitação vocabular se mantém; ocorre uma juntura suprassegmental que resulta de uma nova pauta acentual, como em [ma'rawtu] (mar alto), [maɦ'bɛlu] (mar belo). O acento indica a existência de um vocábulo. Um acento corresponde a um vocábulo fonológico e a um vocábulo formal. Entretanto, podemos ter dois vocábulos formais, mas apenas um vocábulo fonológico, como em [u'kazu], (o caso). Aqui, temos apenas um vocábulo fonológico, pois só temos um acento, mas dois vocábulos formais, o e caso. exercício 1 Para responder as perguntas que seguem, você deve ler Mattoso Camara Jr. (1970, p. 62-65) e 1995, p. 33-39). a) Quais as funções que o acento tem em lp? Ilustre seu texto com exemplos tomados do pb. b) Elabore dois quadros em que figurem os diferentes graus de acentuação proposta por Mattoso. (1970, 1995). Um deve ser destinado à proposta em relação ao vocábulo e o outro em relação ao grupo de força. Destine também duas colunas, em cada um dos quadros; uma à descrição do tipo de sílaba (tonicidade máxima, atonicidade máxima, etc) e outra a exemplos de lp. c) Qual a distinção entre vocábulo formal e vocábulo fonológico? d) Camara Jr. (1970) afirma que “as unidades do plano fonológico e as do plano morfológico não coincidem necessariamente”. Explique a assertiva e ilustre seu texto com exemplos de lp. e) Que tipo de vocábulo formal em lp não apresenta marca fonológica de acento? Apresente exemplos desses vocábulos. f) Não raro é possível identificar na escrita de alunos casos como apartir (a partir), umenino (o menino), derrepente (de repente). Explique esse fenômeno levando em considerando o vocábulo formal e o vocábulo fonológico em lp. Unidade 5 Padrão silábico e acetual da Língua Portuguesa g) Aponte os graus de tonicidade e atonicidade dos vocábulos abaixo: 1. os meninos 2. os nossos livros 3. felicidade 4. jacaré 5. força bruta 6. guarda-roupa 7. responsabilidade ortoépia ou ortoepia? Como dissemos, em LP, não raro, os falantes regularizam as formas no sentido de que elas apresentem o padrão acentual preferido na língua. Há exemplos, entretanto, em que ocorre o contrário, é o caso de rúbrica por rubrica, em que os falantes deslocam o acento da penúltima sílaba para a antepenúltima sílaba. A Ortoépia ou Ortoepia é uma parte da Gramática, de caráter prescritivo, que apresenta a correta pronúncia dos fonemas (segmentais e suprassegmentais) da língua. No sentido de aprendermos mais sobre a Ortoépia e de sabermos como os falantes da língua pronunciam alguns vocábulos de pronúncia duvidosa de nossa língua, faremos uma atividade que envolve uma breve coleta de dados. Essa tarefa vai ajudar também você a se preparar para a atividade de pesquisa que será solicitada ao final da última Unidade. a) Liste pelo menos cinco palavras cuja pronúncia é duvidosa em Língua Portuguesa. b) Elabore um questionário composto de cinco perguntas cujas respostas sejam as palavras listadas. c) Caso tenha dúvida sobre sua correta pronúncia, consulte um dicionário de Ortoépia para tirar as dúvidas. d) Crie uma estratificação que leve em consideração diferentes graus de ensino, sexo, idade ou outro mais que achar necessário. e) Aplique seu questionário a dez pessoas. f) Contabilize qual a margem de desvio entre os falantes entrevistados levando em consideração a estratificação proposta. g) Apresente os resultados obtidos no encontro presencial com o tutor. Para descontrair, aproveitem o intervalo entre as apresentações para propor um desafio aos colegas de classe. Primeiro formem equipes que devem procurar duas palavras cuja pronúncia correta avalia como estranha e que considera que os colegas da sala desconheçam. Cada equipe deve perguntar à turma qual a pronúncia correta apontada 169 170 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância pela Gramática Normativa. O grupo que tiver o maior número de acertos será bonificado. O bônus será apresentado no fórum. Bom e divertido trabalho a todos. saiba mais Para saber mais sobre o tema consulte um dicionário de Ortoépia. Complete sua informação consultando a Bibliografia Básica e Complementar dessa Atividade. bibliografia básica bisol, Leda. Introdução aos estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed., Porto Alegre: edipucrs, 2005. mattoso camara jr., Joaquim. Estrutura da Língua Portuguesa. 23 ed., São Paulo: Vozes, 1995. ferreira netto, Waldemar. Introdução à fonologia da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2001. tarallo, Fernando. Tempos Linguísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2 ed., São Paulo: Ática, 1994. complementar cagliari, Luis Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. mattoso camara jr., Joaquim. História e Estrutura da Língua Portuguesa. 4. ed., São Paulo: Vozes, 1985. silva, Thaís Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português. 7. ed.; São Paulo: Contexto, 2003. resumo da atividade 14 Nesta Atividade, estudamos o padrão acentual da língua portuguesa. Você aprendeu que o acento em nossa língua é previsível. As palavras em LP podem ser oxítonas, paroxítonas ou proparoxítonas. Predominam em nossa língua os vocábulos graves, ou seja, os paroxítonos. Para compreender melhor o padrão acentual de nossa língua remontamos ao latim, língua da qual se originou o português, cujo acento também era previsível. Feito isso, apresentamos a relação entre acento e vocábulo fonológico, mostrando que não há correspondência direta entre vocábulo fonológico e morfológico e focalizando a função distintiva e demarcativa do acento. Destinamos, por fim, um item ao estudo da Ortoépia ou Ortoepia, parte da Gramática Normativa que estuda a adequada e correta pronúncia dos fonemas segmentais e suprassegmentais de uma língua. u n i d a d e 6 PROCESSOS FONOLÓGICOS E REALIZAÇÕES FONÉTICAS DO PORTUGUÊS PALATALIZAÇÃO, NASALIZAÇÃO E ALTEAMENTO a t i v i d a d e 15 174 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final desta atividade, você deverá: - reconhecer contextos vocálicos e consonantais condicionadores da nasalização palatalização e alteamento vocálico; - distinguir nasalidade fonética de nasalidade fonológica; - diferenciar palatalização regressiva de palatalização progressiva; - distinguir alçamento vocálico de neutralização; - identificar os traços envolvidos no alteamento de vogais; - reconhecer contextos vocálicos e consonantais que desfavorecem os fenômenos. para início de conversa Nesta atividade você vai estudar diferentes tipos de processos onológicos que se aplicam à língua portuguesa, focalizando os contextos vocálicos e consonantais que os desencadeiam. Vamos estudar nasalização, palatalização, neutralização e alteamento de vogais. Obviamente, esses não são os únicos processos que ocorrem na língua portuguesa, mas, com certeza, são muito produtivos nessa língua, o que justifica sua escolha de exploração nesse manual. As línguas passam por processos fonológicos. Alguns processos acontecem em várias e muitas línguas. Outros, por sua vez, restringem-se a certas línguas. Nesta unidade, iremos estudar alguns processos fonológicos que são muito comuns no Português. A maioria deles pode ser resumida por meio de dois grandes processos. São eles: Assimilação e Dissimilação. Serão abordados aqui: palatalização, nasalização, e alteamento. Todos esses processos constituem tendência muito recorrente em lp. A palatalização será apresentada de forma mais demorada e detalhada. Depois, passaremos à apresentação dos fenômenos de nasalização e alteamento. Finalizaremos com a indicação de alguns outros processos que ocorrem em pb que podem e devem ser tema de estudo de linguísticos. palatalização A palatalização é um processo fonológico que ocorre em muitas línguas. Entretanto, cabe ressaltar que o fenômeno, apesar de ocorrer em diferentes línguas, apresenta especificidades a depender da língua em que opera. Isso significa dizer que os segmentos envolvidos na palatalização do pb não são necessariamente os mesmos envolvidos em outras línguas. Há pesquisas que revelam que a altura estaria diretamente ligada à Unidade 6 Processos fonológicos e realizações fonéticas... 175 palatalização em muitas línguas, de acordo com estudos já realizados. Assim como há diferença de aplicação de palatalização entre as línguas, pode haver diferença de aplicação dessa regra numa mesma língua. No pb já foram identificadas diferenças no que se refere à aplicação da regra de palatalização. Mais à frente, vamos discutir isso com mais detalhes. Apresentaremos, a seguir, alguns casos de palatalização. Veja se você consegue identificar algumas diferenças nos exemplos apresentados. No Pará, de acordo com dados do Atlas Linguístico do Pará, podemos ter as formas ['t∫ia] ['dʒia], em que /t/ e /d/ passam por um processo de palatalização. Ocorre, nesses casos, grosso modo, um recuo e levantamento da língua em direção ao palato. Isso implica maior contato com o palato e maior constrição também. Mas o que, nesses casos, teria motivado a aplicação da palatalização? Antes de você responder, observe com cuidado alguns outros exemplos em pb. ['dado] ['taku] ['dedo] [tɛ'kladu] ['dɛkada] [te'sidu] [dʒi'tadu] [to'mat∫i] ['dɔka] ['tɔka] [do'ẽnt∫i] ['t∫imi] ['duvida] ['tudu] O que você percebeu nos exemplos acima? Em que casos ocorreu a palatalização de /d/ ou /t/ ? Em que casos não correu palatalização de /t/ ou /d/? Uma indagação: seria o fato de os segmentos que sofrem palatalização estarem em posição tônica? Estão todos em posição tônica? GATILHO Num processo fonológico estão envolvidos diferentes segmentos: aqueles que sofrem alteração e aqueles que desencadeiam a alteração. Denomina-se gatilho o segmento responsável pelo desencadeamento de uma determinada alteração num dado fonema. Por exemplo, em LP, /d/ pode realizar-se como [dʒ] diante de [i j]; /d/ é o alvo; [dʒ] é o alofone e [i, j] são o gatilho da aplicação da regra de palatalização. Parece que a palatalização segue um padrão, não? Note que só ocorreu palatalização quando /t/ ou /d/ se localizavam diante do segmento [i] ou [j]. Isso indica que a motivação, o gatilho desse processo são [i], [j]. Mas seriam mesmo esses segmentos que estariam motivando a aplicação da palatalização? Em algumas concepções, não é o fonema que motiva a aplicação de uma regra, mas algum(ns) traços que um dado segmento apresenta. Você se lembra que [i] é considerado um fonema palatal. Em outras palavras, ele apresenta característica palatal, o que permite que contamine seus vizinhos com esse traço também. Mais adiante você vai poder ter um ponto de vista mais seguro: se é [i], [j] como um todo que desencadeia a palatalização ou se um traço que os integra. 176 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Vejamos, agora, alguns outros casos de palatalização que ocorrem no pb do Brasil. Tomemos como exemplos alguns casos registrados no falar baiano e no falar de Alagoas. De acordo com Mota (1995), podem-se encontrar casos de palatalização em “muito” que é pronunciado ['mũjt∫u], [rej'∫o'ria] ['dojdʒu]. No conjunto de exemplos listados anteriormente, havia uma regularidade diferente dos listados no parágrafo anterior. Qual é a diferença entre os dois conjuntos de exemplos? dica Se você já sabe que a palatalização está diretamente relacionada ao fonema [i] ou a algum traço que o integra, procure buscar, mesmo nos exemplos diferentes apresentados, alguma relação com esse fonema. Note que, em todos os casos, não há um fonema alto anterior /i/ seguindo os fonemas /t ou /d/. Mas note, por outro lado, que em todos os casos há, antes de /t/ ou /d/, um fonema com as mesmas características. Isso nos diz que a palatalização pode ser motivada por segmentos que estão à direita ou à esquerda do fonema que vai sofrer palatalização; nesses casos, temos palatalização progressiva ou regressiva, respectivamente. saiba mais Para saber mais sobre esses dois tipos de palatalização (regressiva ou progressiva), leia Coutinho (1998). Você vai encontrar informações importantes sobre o assunto ao estudar os metaplasmos. Observamos alguns casos de palatalização utilizando como exemplos dados do português brasileiro. Mas para entendermos melhor alguns aspectos sobre a palatalização cabe fazer um exame sobre o fenômeno em outras línguas. Bath (1978) afirma que, ao estudar a palatalização, encontrou casos de aplicação dessa regra em 120 dialetos. Isso já demonstra que a palatalização se aplica a muitas e diferentes línguas. Mas, em algumas línguas pesquisadas, diferentemente do que se observou no pb, a palatalização pode ocorrer em alguns contextos em que, comumente, não ocorreria ou não se esperaria ocorrer no pb. Os resultados da pesquisa de Bath (1978) nos leva a crer que a palatalização não está associada a um fonema específico, mas, talvez, a um traço específico que determinados fonemas apresentam e que engatilham a palatalização. Para alguns teóricos e pesquisadores, é o traço [+alto] que está diretamente envolvido na regra de palatalização. Há outros, porém, que a atrelam ao traço alto. Oliveira (2007) considera que o traço [+anterior] é o resultado da assimilação de [+alto]. Unidade 6 Processos fonológicos e realizações fonéticas... Para finalizar nossa discussão, cabe relembrar que a palatalização é um fenômeno que constitui tendência nas línguas românicas. Quando se estuda o latim, podem-se identificar muitos casos de palatalização que, inclusive, alteraram o inventário fonológico do Português. A discussão sobre esse fenômeno não se esgota aqui. No sentido de assimilar mais os conhecimentos sobre a palatalização no pb, faça os exercícios que seguem. exercício 1 1. Transcreva foneticamente os vocábulos abaixo: a) tormento b) cavaleiro c) reitora d) dicas e) tudinho f) determinação g) teatral 2. Responda as questões que seguem. a) Que fonemas, em Língua Portuguesa, você considera que sofrem palatalização em posição prevocálica? Dê exemplos. b) Que fonemas, em Língua Portuguesa, você considera que sofrem palatalização em posição posvocálica? Dê exemplos. c) É comum, no falar belenense, encontrarmos a palatalização de /s/, como em ['ka∫ka], [a∫pata∫], para “casca” e “ as patas”, respectivamente. O mesmo vai ocorrer com “as azarentas”? Justifique sua resposta. d) Os fonemas citados apresentam o mesmo gatilho? e) Como professor de Língua Portuguesa, qual deve ser sua postura diante do falar de um aluno ou comunidade que usa as formas [rej'to∫] ou ['mũĩt∫u]. f) Por que você considera que essas formas são erradas? g) Identificadas essas formas no texto escrito do aluno, qual deve ser a postura do professor? nasalização Nasalização em lp pode ser fonológica ou não. Nasalização fonológica é aquela que implica, necessariamente, distinção de significado. A nasalização não fonológica não implica contraste fonêmico. Iremos tratar primeiramente de nasalidade fonológica. 177 178 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância Conforme já foi dito, /n/ é um dos fonemas que ocorre em posição posvocálica na LP. Nessa posição, ocorre o que chamamos de neutralização, isto é, perda de contraste entre fonemas que ocorreria em outra posição. Para representar essa neutralização, usamos o arquifonema /N/. Há uma discussão antiga quanto ao travamento da sílaba em que encontramos nasalidade, como em ['pẽt∫i]. Isso acontece porque alguns querem encontrar nesse contexto uma vogal nasal (cf. pág. 64), já que o falante não teria uma impressão clara da presença de uma consoante posvocálica como se tem para as demais consoantes: /s/, /l/, /r/, por exemplo. No sentido de esclarecer esse possível mal entendido, Mattoso Camara Jr. (1995) apresenta alguns argumentos. Primeiramente, afirma que, no Brasil, diferentemente de Portugal, a nasalidade é perceptível diante pausa. Essa impressão da nasalidade fonológica se dá por meio da percepção de um ditongo, como em ['teẽj] que, nas palavras de Mattoso Camara Jr (op. cit.), é uma nasal palatal /ɲ/, segmento que foneticamente muito se aproxima de uma vogal palatal. Outro argumento do autor se pauta no fato de que, em Português, diferentemente do que ocorre no Francês, não há distinção entre uma vogal nasal e uma vogal seguida de consoante nasal posvocálica. O que se tem, nesses casos, é um arquifonema nasal que produz ressonância da nasal na vogal. Outro argumento do autor se pauta no fato de: • A vogal dita nasal se comportar como sílaba travada por consoante porque rejeita a crase, comum quando duas vogais se encontram; • depois dela só se realiza um r forte, lembrando que o r fraco é próprio da posição intervocálica. Há, ainda um outro tipo de nasalidade em Português. Trata-se da nasalidade não contrastiva. É determinada pela presença de uma consoante nasal na sílaba que segue o fonema nasalizado, como [pã'nɛla], [ka͊ nudo]. Note-se que essa nasalidade não é fonológica; é opcional. Poderíamos ter para os pares citados [pa 'nɛla], [ka 'nudo], respectivamente, sem alteração no sentido dos referidos vocábulos. Nos dois primeiros casos, temos exemplos de nasalização fonética. exercício 2 1. De acordo com Mattoso Camara Jr (pag. 58-60), há diferença entre a nasalidade encontrada em ruim e bem em Língua Portuguesa? Em caso positivo, em que se localiza essa diferença? Em caso positivo porque não há? Unidade 6 Processos fonológicos e realizações fonéticas... 2. No que consiste a diferença básica entre nasalidade fonológica e nasalidade fonética? Ilustre seu texto com exemplos tomados do Português. 3. Porque dizemos que há oposição entre canta e cata, mas não entre ['kama] e ['kãma]. 4. Liste 10 vocábulos do Português que apresentem possibilidade de ocorrência de nasalidade não contrastiva. Peça a cinco falantes da localidade onde você mora que os pronuncie. Indique, ao final da tarefa, que vocábulos apresentam mais possibilidade de nasalização. Relacione isso ao acento da sílaba em que ocorre nasalização. alteamento vocálico Tradicionalmente, nos trabalhos de natureza linguística e mais recorrentemente nos trabalhos de natureza variacionista, o alteamento de vogais tem sido mencionado como um dos fenômenos mais comuns nos diferentes falares da nossa língua. Há vários trabalhos sobre esse fenômeno. Mattoso Camara Jr (1995), no seu famoso livro Estutura da Língua Portuguesa, refere o alteamento de vogais médias pretônicas como harmonização vocálica. Diz o autor que ficam prejudicas as oposições entre [e i] de um lado, e de [o u] de outro por conta da tendência a harmonizar a altura da vogal pretônica à da tônica, como em /ku'pridu/, para comprido. Apesar de se tratar de uma perda de oposição, o autor assinala que não há neutralização nesses casos, pois a forma [kõ'pɾidu] é retomada no sentido de desfazer as ambiguidades. Mas a harmonização vocálica não ocorre somente no sentido de aumentar a altura de uma vogal. Pode correr também harmonização vocálica em relação ao abaixamento de vogais, como em [mɛ'lɛka]. Feito isso, passemos a outras abordagens sobre o alteamento em Língua Portuguesa. Primeiramente, cabe explicar que o alteamento em lp não se dá só com vogais pretônicas. Há regsitros em Língua Portuguesa, de alteamento em posição tônica. Rodrigues (2003) apresenta registros de alteamento de /o/ em posição tônica no falar de Cametá. Encontrou a forma [ka'nua], para canoa e ['kuku] para coco. Há outros fenômenos que merecem ser estudados no pb como a Monotongação, casos em que um ditongo como ['powku] é monotongado, passando a monotongo, desfazendo-se o ditongo, como em ['poku]. Ou ainda a ditongação, caso em que uma vogal é pronunciada como se houvesse ao lado um semivogal, como em [kaɾã'gejʒu], para caranguejo. E apagamento, como o que ocorre em [a'mo], para amor, entre outros. No sentido de aprendermos mais sobre as realizações fonéticas que ocorrem em nossa língua, na atividade seguinte, a de número 6, procederemos à realização de uma pesquisa que tem em vista investigar como se dão as realizações fonéticas estudadas no 179 180 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância curso ou outras para as quais, porventura, você já tenha atentado. As orientações para a realização das atividades de pesquisa da atividade estarão disponíveis no suporte eletrônico. exercício 3 1. Por que dizemos que em [pi'kẽnu] há harmonização vocálica, não neutralização? 2. Que traço(s) linguístico(s) é (são) assimilados pela vogal que tem a altura atualizada com a altura da vogal da sílaba tônica? Explique. 3. De acordo com Mattoso (1995), em [kũrpɾidu] há harmonização vocálica. Em ['tuku], para toco, também ocorre harmonização vocálica? Justifique sua resposta. 4. Não raro encontramos em textos escritos pelos alunos [pi'kẽnu], para pequeno, com alteamento de /e/, e [bula∫a], com alteamento do /o/, para bolacha. Como deve o professor portar-se diante desse fato? Como pode ajudar o aluno a proceder corretamente a escrita desses vocábulos? bibliografia básica bisol, Leda. Introdução aos estudos de fonologia do português brasileiro. 4. ed., Porto Alegre: edipucrs, 2005. bhat, d. n. s. A general study of palatalization. In: greenberg, j. s. (ed.) Universals of human langage. Stanford, c. a: Stanford university Press. 1978 (Phonology, v. 2), p. 47-92. cagliari, Luis Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática, com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Mercado de Letras, 2002. mattoso camara jr., Joaquim. Estrutura da Língua Portuguesa. 23 ed., São Paulo: Vozes, 1995. ferreira netto, Waldemar. Introdução à fonologia da língua portuguesa. São Paulo: Hedra, 2001. silva, Thaís Cristfaro. Fonética e Fonologia do Português. 7. ed.; São Paulo: Contexto, 2003. complementar bisol, Leda & hora, Dermeval. A Palatalização da oclusiva dental e a fonologia lexical. Estudos Linguísticos e Literários. Salvador: Universidade Federal da Bahia, n. 17, 1995, p. 11-24. bisol, Leda. A Palatalização e sua restrição variável. Estudos Linguísticos e Literários. Salvador: Universidade Federal da Bahia, n. 5, 1986, p. 163-178. mota, Jacyra & rollemberg, Vera. Variantes Africadas Palatais em Salvador. In: hora, Dermeval. (Org.) Diversidade Linguística no Brasil. João Pessoa: Idéia, 1997. p. 131-140. santos, Lúcia de Fátima. Realização das Oclusivas /t/ e /d/ na fala de Maceió. In: moura, Denilda (Org.) Variação e Ensino. Maceió: edufal, 1997, p. 69-90. Unidade 6 Processos fonológicos e realizações fonéticas... resumo da atividade 15 Nesta Atividade estudamos três processos fonológicos e as realizações fonéticas que resultam de sua aplicação no Português. Você aprendeu que a ocorrência das realizações fonéticas está diretamente ligada à estrutura silábica em que se encontra o fonema que sofreu alteração fonética. Aprendeu, também, especificamente a cada processo apresentado que: a) a palatalização pode ser regressiva ou progressiva e que sua realização está ligada à presença de um segmento vocálico coronal alto anterior, como [i j] que age como gatilho da regra; b) a nasalização pode ser fonética ou fonológica, a última produz contraste em língua portuguesa, sendo a primeira apenas uma realização fonética que resulta do espraimento do traço nasal da consoante que segue a vogal nasalizada; c) que a harmonização vocálica em língua portuguesa caracteriza-se por um tipo de assimilação da altura da vogal da sílaba tônica, mas que há outros condicionadores que contribuem para o alteamento de vogais, daí resulta a diferença entre harmonização vocálica e alteamento vocálico. 181 A PESQUISA LINGUÍSTICA: ABORDAGEM FONÉTICO-FONOLÓGICA a t i v i d a d e 16 184 Licenciatura em Letras Língua Portuguesa modalidade a distância objetivos Ao final dessa Atividade, você deverá: - reconhecer alofones que resultam da aplicação de processos fonológicos na língua; - identificar condicionadores de alteração nos fonemas da língua; - descrever processo de variação linguística escolhido para estudo; - identificar e descrever as realizações linguísticas que um dado fonema na língua possa apresentar; - descrever e analisar pelo menos um fenômeno estudado. para início de conversa Essa atividade apresenta substancial diferença das demais. Durante seu curso, vamos aplicar, no interim da realização das atividades propostas, os conhecimentos adquiridos durante o curso da disciplina. É um bom momento para você fazer uma avaliação do grau de aproveitamento dos conteúdos da disciplina. Ao final dessa atividade, você deverá descrever e, se for o caso, analisar um fenômeno fonéticofonológico selecionado para estudo. orientações gerais Vamos iniciar a última atividade de nosso estudo. Ela apresentará um caráter diferente. Na verdade, as páginas deste texto base serão preenchidas principalmente por você. Haverá um espaço destinado às diversas anotações que você deverá fazer e no qual você deverá apresentar informações que somadas e articuladas, ao final do seu trabalho, integrarão seu ensaio de pesquisa. Inicialmente, você receberá um conjunto de informações sobre as características da pesquisa linguística que irá desenvolver. As primeiras informações serão dadas pelo tutor durante o encontro presencial. O detalhamento da pesquisa estará disponível no suporte on line, no Moodle. As dúvidas, sugestões, orientações que forem surgindo durante a execução da sua tarefa de pesquisa deverão ser postadas no fórum. Outra alternativa é usar um meio mais tradicional, o telefone. O uso do fórum não deve se ater à apresentação de dúvidas, mas também de sugestões. Você pode postar questões pertinentes para discussão e também responder as dúvidas dos colegas, apresentando, inclusive, experiências pelas quais já tenha passado. Unidade 6 Processos fonológicos e realizações fonéticas... É importante dizer que as dúvidas não devem ser respondidas só pelo professor ou tutor da disciplina. Todos devem ajudar-se mutuamente, postando possíveis soluções para problemas apresentados. A pesquisa a ser realizada nesta unidade deverá ser de dois tipos: bibliográfica e de campo. Na primeira, você dever realizar as leituras indicadas para poder compreender os fenômenos que vai estudar e poder descrevê-los adequadamente. Para a segunda, você deverá aplicar questionário a falantes da lp com a finalidade de descrever um fenômeno linguístico escolhido por você e sua equipe. Essa coleta será realizada na cidade onde você mora. Para que você possa se apropriar melhor da pesquisa descritiva em linguística, serão apresentados modelos de artigos que tem essa natureza. Você e sua equipe, depois de escolherem o tema a ser pesquisado, receberão textos sobre o fenômeno no sentido de o conhecerem melhor e construírem a revisão bibliográfica da pesquisa. Sendo assim, será você que irá preencher, posteriormente, a Bibliografia, com base nos textos consultados, e o Resumindo desta Atividade, tomando por base aquilo que você aprendeu. Bom trabalho a todos. 185 SOBRE AS CONTEUDISTAS Profa. Dra. Alzerinda de Oliveira Braga Professora Associada da Universidade Federal do Pará, da área de Linguística e Língua Portuguesa. Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (unicamp) e Doutora em Ciências da Linguagem pela Universidade de Toulouse - Le Mirail (França). Atua na Graduação em Letras e em Cursos de Especialização. Desenvolve pesquisa na área de Análise, Descrição e Documentação de Línguas Indígenas da Amazônia. Profa. Dra. Marilucia Barros de Oliveira Professora Adjunta da Universidade Federal do Pará, da área de Linguística e Língua Portuguesa. Mestre em Letras (Linguística) pela Universidade Federal do Pará e Doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas. Atua na Graduação e na Pós-Graduação em Letras. Desenvolve pesquisa na área de Sociolinguística e Dialetologia.