Dom
Fragoso
& Padre
Alfredinho
entre nós
Coordenação Editorial
Adelaide Gonçalves, Lucas Assis, Monyse Ravena,
Romário Bastos, Vanda Souto.
Projeto Gráfico e Diagramação
Tarcísio Bezerra Martins Filho.
Agradecimentos
Chichica Gonçalves, Eurípedes Funes, Maurizio
Cremaschi, Salete Vale, Sulamita Vieira.
Este livro, fruto de nossa militância nas Universidades Públicas, Institutos Federais e Escolas do Campo, no Ceará, é uma homenagem ao Centenário de
Nascimento de Dom Fragoso e Padre Alfredinho
e ao jornal O Roceiro, em nossa VII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Popular.
A publicação (em seus custos gráficos) se tornou possível
graças à generosidade de Amigos e Amigas.
Dom Fragoso & Padre Alfredinho : entre nós / Orgs. Adelaide
Gonçalves, Lucas Assis, Monyse Ravena, Romário Bastos, Salete
Vale. – Fortaleza: Plebeu Gabinete de Leitura, 2020.
216 p.: 15 x 21 cm.
ISBN:978-65-87771-00-7
1. Dom Fragoso 2. Padre Alfredinho 3. Crateús 4. Jornal O
Roceiro. I. Título.
CDD 300.250
Dom
Fragoso
& Padre
Alfredinho
entre nós
Plebeu
Gabinete de Leitura
8
Uma história como anúncio
de um futuro novo!
Adelaide Gonçalves | Salete Vale
34
Dom Fragoso: exemplo de coragem e determinação na luta em defesa dos oprimidos
Sulamita Vieira
42
O Roceiro: um poema
Pe. Paco Almenar
48
O Roceiro: contando histórias de vida e de fé
Pe. Maurizio Cremaschi
66
Dom Fragoso: o Bispo fala ao Roceiro
166 Padre Alfredinho, uma vida
consagrada aos pobres
192 Um repertório de pesquisas:
bibliografia e fontes
Monyse Ravena | Romário Bastos
Está visto, y los ciegos lo ven, que cada persona contiene otras
personas posibles, y cada mundo contiene su contramundo. Esa
promesa escondida, el mundo que necesitamos, no es menos real
que el mundo que conocemos y padecemos.
Eduardo Galeano
Uma
história
como anúncio de um
futuro novo!
Adelaide Gonçalves | Salete Vale
Neste ano de 2020, celebra-se o Centenário de Nascimento de Padre
Alfredinho e de Dom Antônio Batista Fragoso. Este livro é uma
homenagem à memória destes dois grandes homens. É também
nosso tributo a todas as pessoas que, na Diocese de Crateús ao
longo dos anos, vem tecendo o jornal O Roceiro.
O livro começa com a palavra rimada de padre Paco Almenar
contando uma história d’O Roceiro, convocando nossa sensibilidade para escutar uma história de teimosia e resistência; uma escrita
da alegria das conquistas dos posseiros, das lindas Romarias, da
denúncia das injustiças, da fome e escravidão naqueles tempos
da Seca, e dos trabalhadores no ‘bolsão’, onde sofriam miséria
e humilhação. Do grito por Reforma Agrária contra o grande latifúndio, gerador de morte e dor; do Sindicato livre e forte, das
Associações, do trabalho em Mutirão…
Padre Maurizio Cremaschi nos apresenta O Roceiro como uma
experiência de acolhida e difusão da escrita das Comunidades. E
nos fala da prática de leitura do jornal em voz alta, em partilha, em
Comunidade, nas celebrações dominicais quando se lia uma das
cartas enviadas ao jornal. Já antes d’O Roceiro outros dois jornaizinhos mimeografados “eram lidos em voz alta para a comunidade
reunida, à luz da lamparina, pelas poucas pessoas que tinham o
dom da leitura”, nos conta Pe. Maurizio.
Naqueles começos dos anos de 1980, a fornada de materiais
que ia chegando das Comunidades animava um fazer coletivo, a
várias mãos: datilografando na máquina olivetti da CPT, preparando os desenhos – a cerca, o machado, a enxada levantada, os
pés dos camponeses –, riscando com o estilete o estêncil e… rumo
ao mimeógrafo! Logo circularia uma edição d’O Roceiro, cujos
9
leitores ultrapassavam em muito o número de exemplares, pois
ali se praticava a leitura escutada, a leitura em círculos de estudos.
Algumas páginas adquiriam sentidos da vida em comum, como
a página da Liturgia, preparada por Padre Machado e a página da
Saúde, gerada pela recolha e anotação zelosa de Irmã Ailce.
O texto de Padre Maurizio é, em verdade, uma contribuição
aos estudos (ainda escassos) sobre os modos de escrita e leitura camponesa no Brasil. O Roceiro se faz como um espaço onde
os camponeses, homens e mulheres dos sertões de Crateús e dos
Inhamuns podem contar sua vida e suas lutas, esperanças e conquistas, como sujeitos de sua história. Seu ponto de vista é a realidade observada a partir dos de baixo; é um olhar crítico da sociedade, às vezes ingênuo, mas sempre concreto, com os pés no
chão, afirma Pe. Maurizio.
Mesclando a narrativa com informações gerais sobre o jornal
desde suas origens, em 1984, nos situa face aos conteúdos. Sua
pauta é a luta social e a organização popular. As matérias são recolhidas diretamente dos grupos de base, nas Comunidades: cartas, versos… e ampliadas com as páginas de saúde, liturgia, estudo e reflexão. Padre Maurizio descreve vivamente os temas: os
versos de Reginaldo, do Tertuliano e de sua esposa, da Vilma, do
Zé Vicente; e nos fala sobre os conteúdos – o sofrimento do povo;
as “artes da resistência” na bodega, na horta, na roça comunitária, nos quintais produtivos e nos canteiros; a alegria da fartura
– muita melancia, pepino, jerimum, muita água e muito peixe ou
“este ano tinha semente guardada para plantar”, dizem as Cartas
enviadas a’O Roceiro.
10
Estas artes da resistência são aprendidas em Mutirão. Ora constroem uma estrada por onde possa andar melhor a luta dos posseiros de Parambu, ora alastram os conteúdos da solidariedade
ante às injustiças e à repressão, aqui e ao longe. O nome da união
e da ajuda mútua é a Roça Comunitária e a bonita experiência das
Crochezeiras de Nova Russas. É o aprendizado das muitas mãos
unidas desaguando no fortalecimento da Comissão Pastoral da
Terra, do Sindicato de lutas, das Comunidades Eclesiais de Base.
As notícias e as Cartas publicadas vem de uma geografia, tantas vezes ausente dos mapas oficiais: Algodões, Nova Betânia, Lagoinha,
Boa Esperança, bairro Brasília, bairro Beleza, Mangueira, Calumbi…
As Cartas constituem a seção central do jornalzinho, sendo considerada a parte mais preciosa d’O Roceiro. Quem guardou a coleção
do jornal tem um valioso arquivo com mil histórias de vida e da
fé, sublinha Pe. Maurizio.
Passando as páginas d’O Roceiro, em edições várias, podemos
ler em prosa e verso a escrita do sentimento de tantos homens e
mulheres que encontraram também no testemunho vivo de Dom
Fragoso e Padre Alfredinho fontes de inspiração e acolhida na
caminhada.
Nesta senda da inspiração e acolhida, o livro conta com um
testemunho muito bonito da professora Sulamita Vieira – Dom
Fragoso: exemplo de coragem e determinação na luta em defesa dos
oprimidos –, em que compartilha uma memória sobre os tempos
em que andava e andava na Diocese de Crateús e escutava e escutava as vozes cheias de esperança daquele povo em mutirão,
quando conversava e aprendia do bispo as palavras de firmeza e fé
nos pobres. E Sulamita nos diz: “De Dom Fragoso, guardo muitas
11
lembranças. Entre elas, uma se mantém viva, sempre: a de um
homem destemido, justo, íntegro. Afrontado, inúmeras vezes e
de diferentes maneiras, por agentes da ditadura civil-militar, a
ela jamais se curvou”.
A segunda seção do livro traz aos leitores a palavra de Dom
Fragoso, como publicada à maneira de editorial, em sucessivas
edições d’O Roceiro, desde o primeiro número de julho de 1985
até janeiro de 2000. A Palavra do Bispo se assemelha a uma conversa com os leitores, afetuosamente chamados de roceiras e roceiros, cumprindo a função da leitura dialogada. Fala aos Pobres
dos Sertões de Crateús e dos Inhamuns, do Nordeste, da América
dos Sem Terra, dos Índios e dos Negros. Escreve como quem fala
com o leitor no terreiro de sua casa e pergunta sobre as dificuldades da vida aprisionada pela cerca do latifúndio. E ajuda a pensar
em coletivo: a organização da vida comunitária é o aprendizado
na Ciranda da Fraternidade e no Mutirão que há-de colher o fruto
maduro da luta organizada por uma Nova Sociedade.
Ao longo das edições, nos deparamos com um repertório de
sua ação pastoral, atentando aos temas da vida cotidiana e das
exigências históricas da luta por justiça e direitos. Seca e Cerca,
Seca e Fome, Fome também de Justiça, Terra de Trabalho e Terra
de Moradia, Campanhas da Fraternidade, os Encontros das CEBs,
a Pastoral da Terra, a pobreza estrutural, latifúndio e reforma agrária, migração, esperança, justiça, solidariedade, lindos e verdes
roçados, mutirão da fraternidade; são temas constantes para falar
dos sujeitos na Caminhada: Sindicatos independentes, Oposições
Sindicais, a Escolinha Popular de Base, os trabalhadores Sem
Terra, as Comunidades Eclesiais de Base. As Romarias da Terra
12
são saudadas vivamente em suas consignas: “Terra livre. Água
livre. O Sertão florescerá” e “Na luta por terra e água, o renascer
de Canudos”, convidando a todos de chapéu de palha na cabeça,
braços e corações unidos, se fazendo caminhantes.
Sua palavra se dirige às famílias Acampadas e Assentadas, às
crianças, às mulheres, aos rapazes que aos milhares fogem para
o sul, e aos tantos de pouca idade que na cidade grande e desumana viram pixotes e pivetes na mira da repressão policial. Fala
sobre Santo Domingo, Puebla e Medellin, a Teologia da Libertação
e a opção radical pelos pobres. Também fala com júbilo sobre a
solidariedade internacional ao povo da Nicarágua e diz vivas ao
Primeiro de Maio. Fala de Libertação e Liberdade e ajuda a desvelar os sinais da escravidão contemporânea no mundo do trabalho.
A Seca é um dos assuntos que mais tocam seu coração. Quando
chega a seca com cara de bicho entrando nos roçados, sua palavra
é cortante: Secou o milho apendoado. Matou o feijão. Colocou tristeza
nos olhos dos pais e das mães de família. E avançou pelas casas dos
trabalhadores Sem Terra. Esvaziou os pratos de milho e feijão e farinha.
Apertou a barriga dos doentes, das pessoas mais fracas, das mães que
amamentam os filhos, das crianças desnutridas.
Uma das passagens mais bonitas da Palavra do Bispo é seu comovido relato aos leitores d’O Roceiro, de uma Visita Pastoral à
Paróquia de Tamboril, na Comunidade de Varjota. Ali seus olhos
viram em ato o cerne da cultura camponesa: a união do trabalho
em adjutório, experimentando ao modo comunitário o fazer de
uma Roça, um Cacimbão, uma Horta. “Reunidos debaixo de uma
latada de mofumbo, descobrindo a força da experiência comunitária e
a lição da seca como uma Escola”.
13
Uma Grande Ciranda, um Grande Mutirão, assim Dom Fragoso
enxergava aquelas histórias vividas como anúncio de um futuro novo!
Sobre o papel gerador dessa eclesiologia, em depoimento sobre
a experiência da Igreja de Crateús, J.B. Libânio analisa a ruptura
naquela Diocese da aliança ordinária com o poder local, com os
senhores da terra, e como não apenas optou pelos pobres; ela se
fez pobre: “Além de uma pobreza generalizada dos meios, teve a
graça de contar com testemunhos de padres e agentes de pastoral,
como padre Alfredinho e o jesuíta Paco, que viveram uma extrema pobreza, dando testemunho de uma pureza evangélica pouco
comum. A evangelização dos pobres com meios pobres e com o
testemunho de pessoas pobres construiu um traço original dessa
Igreja”1. São experiências que se vão afirmatndo na vivência comunitária e na caminhada; como afirma Leonardo Boff: “Alguns
fazem teologia para os pobres, coisa que a Igreja nunca deixou de
praticar. Outros fazem teologia com os pobres, convivendo com
eles e tentando pensar a mensagem cristã a partir de sua cultura. Outros vão mais longe e fazem uma teologia como os pobres,
fazendo-se pobres, morando em favelas e ouvindo suas histórias
e descobrindo na escuta de suas palavras a presença escondida
de Deus”2.
***
Cavoucar o poço da Memória se faz como uma pedagogia de ação
pastoral, porquanto a memória é entretecida como parte das vivências geradoras. Incontáveis são as palavras escritas de Dom
Fragoso e da equipe diocesana de pastoral; e seu imenso zelo
14
com o registro, com a narrativa da história que se está vivendo
e fazendo.
Dom Fragoso, em 8 de agosto de 1964, na solenidade de saudação de seu bispado promovida pelas autoridades do lugar (e fora
do lugar) nos dizia: “Eu não quero ser um príncipe da Igreja, um
excelentíssimo Senhor, um construtor de civilização, mas quero
ser nesta terra, um humilde servidor deste povo. Ficarei feliz vendo o povo de Crateús tomar, nos próprios ombros, o destino de sua
terra. Querem saber as obras sociais que estão no meu coração?
São estas: 1) conscientizar o povo do campo, para que descubra
sua dignidade, se organize e ande com seus próprios pés. 2) ajudá-los a se organizar nas suas cooperativas e sindicatos, para que
lutem pela justiça e pelos seus direitos”3. Em março de 1965, Dom
Fragoso recusa o “convite” do Batalhão de Engenharia (IV BEC,
sediado em Crateús) para celebrar a missa em “comemoração” ao
31 de março de 1964. Recusa idêntica se dá nos anos seguintes.
Já naqueles começos, Dom Fragoso antevia: haveria de fazer
ecoar a palavra da Boa Nova por todos os recantos da Diocese de
Crateús: Tauá, Independência, Flores, Cococi, Parambu, Novo
Oriente, Ipueiras, Ipaporanga, Poranga, Tamboril, Monsenhor
Tabosa, Nova Russas, Novo Oriente, Crateús, Quiterianópolis.
Naquelas Paróquias e Comunidades, o Bispo conclamava, em 31
de dezembro de 1964, à realização de uma Semana Catequética,
acolhida com entusiasmo, em 1965 e nos anos seguintes, dando
passos para uma nova caminhada de evangelização e educação
da fé, na Diocese e em suas Comunidades de Base que começavam a brotar do solo fértil do clamor por justiça e direitos. Nessas
Semanas Catequéticas, algumas convicções foram se formando:
15
“a consciência comunitária vem daí”. Ou, como diria Dom Fragoso
sobre as Semanas: “Fez-se luz em nossas consciências: não podemos dormir tranquilos enquanto tantos dos nossos irmãos das
cidades, dos distritos, dos povoados, das fazendas, dos sítios, das
casas isoladas não tiverem a oportunidade de escutar o Anúncio
da Boa Nova do Reino de Deus”4.
Naquela Caminhada da Igreja com o rosto do povo, encontramos um sentido histórico da Comunidade Eclesial de Base em seu
nascedouro: “era um projeto sobre propostas utópicas; um apelo;
como toda utopia mobilizadora é um apelo para ser encarnada,
ensaiada, exercitada”, como nos diz Dom Fragoso. Para ele, esta
qualidade das CEBs tornava possível a participação do “povo do
campo, os pequenos, os pobres, os fracos, os oprimidos” assumindo na fala e no gesto o ser “protagonista de sua própria história”5.
Para o bispo de Crateús, cuja ação pastoral sempre esteve na
mira da ditadura civil-militar instaurada em 1964, é preciso atentar para os significados da emergência de uma profunda consciência histórica de luta por direitos denegados, no âmbito de uma
nova compreensão de Igreja ao lado dos pobres: “Quem viveu essa
etapa viu e sentiu a densidade e a força que ela teve”6.
Nas Comunidades Eclesiais de Base, encontramos uma história
de semeadura da palavra libertadora em tempos de ditadura e repressão, afirmando uma Igreja dos Pobres e propondo uma mística
da fraternidade. São muitos os registros sobre a caminhada das
Comunidades. Um deles sistematiza o V Encontro Intereclesial
das Comunidades Eclesiais de Base, realizado em Canindé, no
Ceará, em julho de 1983. Ali, é muito bonito o testemunho de Dom
Fragoso, assim como os diversos registros testemunhais do povo
16
das comunidades de tantas regiões do Brasil, dos bispos, do arcebispo Dom Aloísio Lorscheider, dos assessores7.
Uma história também da pedagogia da emancipação e da educação popular, como em Paulo Freire. É o que se observa da anotação sobre o trabalho pastoral de educação popular em Crateús:
“Também entre os não-letrados eram socializadas as informações
sobre o mundo. Tão importante era essa dimensão, que, no caso
de tantos e tantas que não haviam se alfabetizado, antes mesmo
de se aplicarem a ler letras, cuidavam de aprender a fazer a leitura do mundo, passo fundamental na pedagogia de Paulo Freire”8.
Compreendem a crítica radical à educação domesticadora: “era
uma máquina de entortar pessoas”; e internalizam de seu método,
construído em meio aos pobres, os princípios de uma educação
libertadora9. Sobre a necessidade permanente de formação, Dom
Fragoso nos diz: “Nosso inspirador principal foi Paulo Freire e
sua metodologia para superar a opressão, tendo sempre o povo
do campo como sujeito insubstituível de sua própria formação”10.
O jeito de ser Comunidade se forjava na prática das reuniões,
no princípio gerador das experiências em comum: o mutirão,
quintais e roçados, a horta comunitária, a organização sindical,
a catequese, a CPT (Comissão Pastoral da Terra), a Pastoral da
Juventude, o Ninho, o MEB (Movimento de Educação de Base), as
CEBs, a Cáritas, as semanas catequéticas, os encontros, os cursos
e círculos bíblicos; quando se praticavam Partilha, Solidariedade,
Vivência, Comunidade, Testemunho.
O aprendizado do direito à palavra na experiência das CEBs, é
apreciado por Eliésio dos Santos, padre em Crateús: “Nessa época [1970-1980] tudo acontecia nas Comunidades, uma instituição
17
muito simples, ou seja, a Reunião. Era como o Mutirão, a Horta
Comunitária, a organização sindical, a catequese, os Círculos
Bíblicos, as celebrações do Dia do Senhor que posteriormente passam a se chamar Celebrações da Palavra. Era em Reunião que se
tomava consciência da realidade e se fazia a iluminação da mesma com o Evangelho”. A celebração da palavra partia da leitura da
Bíblia, e ali se intercalavam: o canto de aclamação e as preces da
comunidade, compartilhando-se, à luz dos fatos sociais vividos e
do texto bíblico, uma reflexão coletiva11.
A experiência comunitária da leitura em mutirão é prática corrente nos cursos bíblicos que se multiplicam nos quatro cantos do
Brasil. No Ceará, a Diocese de Crateús, registrou a rica experiência
do período com o texto dos profetas se abrindo à compreensão das
injustiças do tempo presente. Em um destes cursos bíblicos, no
sertão do Ceará, Dom Fragoso ouviu de um camponês sua compreensão do texto dos profetas Isaías e Amós: “O sonho de Deus
é que todos cheguemos a comer no mesmo prato”. O bispo, anota:
“Ele refletia nessas palavras ao constatar que os ricos comem a sua
parte e ainda comem a parte dos pobres deixando-os na miséria.
O povo intuiu a universalidade da proposta da libertação”12.
O impulso à reflexão se nutria e reverberava nas lutas em curso,
na década de 1970, entre as quais despontavam com vigor: os conflitos na luta pela terra, em Parambu; a luta pela desapropriação
das fazendas Fagundes e Ingá; as conhecidas lutas da Serra, contra
a ação dos grileiros das terras devolutas; e em Tauá, quando em
1977 se levantam os colonos de Várzea do Boi.
Como perceberia padre Maurizio, ao chegar ali “(…) nada se tem a
ensinar, sem disposição a aprender das pessoas e dos acontecimentos
18
que a vida coloca em nosso caminho”. E aprendeu que “Ouvir é diferente de escutar”, como ensinou Bilé de Tauá. E acrescenta o que
aprendeu: “Os posseiros da Serra mostraram como caminhar sem
deixar rastros; cortar as cercas sem ninguém saber quem foi; andar
no passo lento que faz avançar todo mundo, sem ninguém ficar sozinho na frente, sem também ficar sozinho lá atrás”13.
Um dos momentos desse despertar se deu no período da grande
seca de 1979 a 1983, cujo sofrimento e dureza da vida nas Frentes
de Serviço, na Emergência, nas áreas de conflito, repercutiam no
modo de ser das CEBs, como visto em retrospecto: “muitas pessoas repetem que aprenderam a fazer da seca uma escola de luta,
de organização e de formação política e sindical”. Tal aprendizado é potencializado com o acompanhamento da CPT, quando se
aprendeu em coletivo que o problema não é a seca, é a cerca: “A
seca passou a ser uma grande escola para o povo. Apesar de todo
o sofrimento, houve um notável crescimento, como experiência
de mobilização popular. Multiplicaram-se as reivindicações e as
iniciativas de trabalho comunitário, na busca de solução para o
enfrentamento desses problemas. Os mais conscientes descobriram que ‘o problema não é a seca, mas a cerca’ que prende a terra
e dela exclui os trabalhadores”14.
As memórias desse tempo de fome e sofrimento trazem também o aprendizado da partilha, esta filha dileta da solidariedade:
“No longo período de secas, de 1979 a 1983, a maior ajuda que o
povo pobre recebeu, foi do próprio povo. Essa permanente ajuda
do pequeno ao pequeno fez com que muitas pessoas não morressem. Houve uma verdadeira partilha, de casa em casa, de mão em
mão, dos que trabalhavam no sul e mandavam sua contribuição;
19
enfim, partilha também das ‘migalhas’ que ganhavam no trabalho
de emergência. E partilha entre o povo é sempre uma festa. Não é
um gesto triste para se livrar da pessoa que pede”, como anotado
por Irmã Siebra, Padre Paco e Padre Maurizio15.
Ora, quanto mais prosperavam os gestos de partilha, como sinais de uma caminhada e do compromisso da Diocese de Crateús
com as lutas por justiça social, mais se apertava o cerco do aparelho de repressão da ditadura civil-militar. Do arquivo pessoal
de Dom Fragoso e de outros repositórios de pesquisa saltam documentos vários sobre a perseguição pelas forças da ditadura à
Diocese de Crateús, o que recrudesce em ritmo acelerado a partir
da edição do AI-5 e de outras medidas do regime. Cresce a lista
de perseguidos; em 1969, o bispo denuncia a prisão de vários militantes da Juventude Operária Católica – JOC. A perseguição aos
padres, freiras, leigos, agentes de pastoral, sindicalistas, trabalhadores rurais e ao bispo é constante.
Ainda nos começos dos anos de 1970, se vai agravando a perseguição ao trabalho pastoral da Igreja da Libertação. Em vários
lugares do Ceará, do Piauí, do Maranhão, como noutras partes
do Brasil, os “donos de terras e políticos chamam esse trabalho
[pastoral] de subversão, de agitação, de comunismo. E procuram
impedi-lo, diretamente com ameaças e perseguições, ou indiretamente por meio de campanhas de denúncias e de desmoralizações de todo tipo”, como assinala a CNBB em Nota pública, em 25
de agosto de 1970, assinada por Dom Fragoso16.
Os registros do período documentam fartamente os sinais da
repressão às ações do Bispo e da Equipe de Pastoral Diocesana,
contra as quais se efetiva uma vasta campanha difamatória na
20
imprensa. No ano de 1971, se intensifica a aberta perseguição: a
prisão do padre Geraldinho de Oliveira Lima, vigário de Novo
Oriente; a prisão e expulsão do Brasil do missionário italiano,
Padre José Pedandola, a prisão e perseguição de vários trabalhadores em Tauá e Parambu, empenhados na organização e luta
sindical. Em 1973, aumenta a repressão à Diocese e se instala um
IPM (Inquérito Policial Militar). Ali, mais de trinta pessoas foram
interrogadas; e seis foram presas por ocasião de um Encontro de
Catequese, na paróquia de Poranga: Luizinha Camurça, Eliésio dos
Santos, Helena Almeida, Raimundo Freire, José Waldo e Laureano.
Luizinha e Eliésio, de atuação destacada na equipe do Conselho
Diocesano de Pastoral, permaneceram presos por 52 dias.
A prisão e expulsão do país de Padre José Pedandola motivam aguda reflexão por parte da Diocese: na Homilia para a
Concelebração, na Igreja de Tauá, Dom Fragoso conclama os paroquianos para gestos de solidariedade, não sem antes examinar
os atos de omissão e cumplicidade que levaram à expulsão de
Padre José, cuja “subversão” imputada queria desqualificar “sua
escolha por ser pobre e estar a serviço dos pobres”. Ao final da homilia, toda ela ancorada na palavra da resistência e da esperança,
Dom Fragoso conclama: “Toda noite escura é a véspera de uma
manhã de Ressurreição!”. Sobre aquele período tenebroso e de
intensa perseguição vivida na Diocese de Crateús, a memória sublinha: “O Batalhão de Engenharia, sediado em Crateús, realizou
um eficiente trabalho de espionagem ao nosso procedimento pastoral. Vivemos momentos de muita perseguição, principalmente
nos anos de 1968 a 1973.(…) Todas as Equipes Paroquiais, interrogadas arrogantemente, pelo SNI. Eram muito fortes as ameaças,
21
provenientes de rádio e jornal. Até novelas radiofônicas foram
elaboradas para denegrir a Missão de um Pastor, cuja proposta de
Igreja revelava o compromisso com os oprimidos”17.
Aumenta a perseguição também àqueles que estabelecem vínculos com o plano pastoral da Diocese de Crateús e seu bispo. José
Comblin, relata em “Carta aos amigos”, enviada de Roma, em setembro de 1972, o vexame e a humilhação a que fora submetido no
Brasil no ano anterior. Vindo da Europa e chegando ao aeroporto
de Recife, José Comblin é confrontado com a proibição de desembarque no Brasil, devendo regressar à Europa imediatamente no
mesmo vôo, via Rio de Janeiro. Ali um inspetor da polícia federal
mostra-lhe “triunfalmente a fotocópia de uma carta que eu enviara a Dom Fragoso, em dezembro de 1971, a qual se referia a uma
Reunião do Conselho de Pastoral da Diocese de Crateús, de novembro do mesmo ano. Reunião de que participei”. O tal inspetor
arguiu sobre as relações com Dom Fragoso e afirmou que na carta
“haviam ‘palavras marxistas’ e denunciou com muita força a palavra ‘conscientizar’, que se achava uma vez no texto. Sustentava
que era marxista”18.
***
A terceira seção deste livro reúne excertos recolhidos nos escritos
de e sobre Frédy Kunz, nosso Padre Alfredinho, em seu incansável
labor no meio dos pobres e sofredores daqueles sertões de Crateús
e dos Inhamuns. Sua obra repercute na memória de quantos o
conheceram: matulão às costas, peregrino nas estradas, alistado
nas frentes de serviço das secas, jejuando contra as injustiças dos
poderosos, morando e vivendo naquela rua onde moravam e viviam as prostitutas, pregando incansavelmente contra o que torna
22
os pobres, pobres. Em 1988, Alfredinho mudou-se para a Favela
Lamartine, em Santo André (SP). Passou a viver entre o Povo da
Rua e a dedicar-se cada vez mais à Irmandade do Servo Sofredor.
Seu testemunho de vida está narrado em seus escritos, alguns traduzidos em outros países, tais como: À sombra de Nabuco, A ovelha de Urias, A burrinha de Balaão, A espada de Gedeão, O cobrador,
Sangradouro, entre outros.
Padre Alfredinho é uma memória perene naqueles sertões de
Crateús e dos Inhamuns; quem o conheceu de perto ou de vista, guarda uma lembrança indelével. Inúmeros e sensíveis são os
testemunhos de seus contemporâneos de jornada. Entre os muitos depoimentos, trazemos aqui um belo excerto da lavra de Frei
Betto, para que nos animemos a ler mais os escritos de Alfredinho:
“Salão do Sindicato dos Cozinheiros de Paris, início da década de
1940. O presidente indaga quantos trabalhadores tem um mês de férias
por ano. Uns tantos se levantam. Quem tem apenas uma semana de
descanso. Uns poucos ficam de pé. Quem só obtém licença do patrão
para descansar apenas no fim de semana. Outro punhado de pé. Quem
nunca descansa? Um rapaz suíço, com pouco mais de um metro e meio
de altura, levanta-se ao fundo. Era Alfredo Kunz, um militante cristão.
Meses depois, Alfredinho, como era conhecido, foi mobilizado
pelo Exército francês para lutar contra o avanço das tropas de Hitler.
Aprisionado, passou a guerra num campo de concentração na Áustria,
ao lado de prisioneiros soviéticos. Aprendeu russo para pregar o
Evangelho a seus companheiros de infortúnio. Em 1945, logrou fugir
do campo, onde morreram cerca de 40 mil pessoas. Estranhou a indiferença dos soldados nazistas que cruzavam com ele, um notório evadido,
com uniforme azul e cabeça raspada.
23
Naquele dia, a guerra terminara. Alfredinho tomou três decisões:
tornar-se padre, trabalhar com os mais pobres entre os pobres e jamais
vestir outra roupa que não reproduzisse o modelo do uniforme do campo, em memória de seus companheiros mortos.
Ingressou na congregação dos Filhos da Caridade e, a convite de
dom Antônio Fragoso, em 1968 veio para a Diocese de Crateús (CE).
Perguntou ao bispo qual era a paróquia mais miserável da Diocese.
Dom Fragoso apontou Tauá, região de seca e flagelo. Alfredinho instalou-se na capela local. Desprovido de casa paroquial, ele dormia no
colchão estendido junto ao altar e cozinhava num fogareiro.
Certa noite, foi chamado para atender uma prostituta que, cancerosa,
agonizava em seu barraco de taipa, na zona boêmia. Antonieta queria
confessar-se. Padre Alfredinho disse a ela: “Somos nós que devemos
pedir perdão a você. Perdão pelos pecados de uma sociedade que não
lhe ofereceu outra alternativa de vida. Como Jesus prometeu, Antonieta,
você nos precederá no Reino de Deus. Interceda por nós.
Após receber a absolvição e a unção dos enfermos, a mulher faleceu.
Não havia dinheiro para o caixão. As prostitutas enrolaram a companheira num lençol e arrancaram a porta de madeira do barraco para
levar o corpo à vala comum do cemitério. Ao retornar para colocar a
porta no lugar, Alfredinho teve uma inspiração. Durante anos, o vigário
habitou aquele casebre em plena zona boêmia da cidade [de Crateús].
Num tempo de seca, os flagelados invadiam as cidades do Ceará.
Temerosos, muitos fechavam as portas. Alfredinho criou a campanha
da Porta Aberta ao Faminto (PAF), cartaz que cerca de duas mil famílias ostentaram em suas casas, acolhendo as vítimas do descaso do
poder público.
24
Fomos amigos e bebi de sua espiritualidade. Barbado, vestido com
a roupa azul que lembrava um macacão, sandálias nos pés e mochila nas costas, o aspecto de Alfredinho não diferia do de um mendigo.
Convidado a pregar o retiro dos franciscanos, em Campina Grande, chegou de madrugada e dormiu na escada da Igreja do convento. Ao acordar, catou as moedas que encontrou em volta e bateu a porta. ‘Quero falar com o superior’, disse ao porteiro. ‘O superior não pode atender. Está
em retiro’. Alfredinho tentou esclarecer: ‘Sim, eu sei, pois vim pregar o
retiro’. O porteiro já ia expulsá-lo quando Alfredinho foi reconhecido
por um frade que passava.
Testemunhei fato idêntico em Vitória, nos anos 1970. A cozinheira
interrompeu meu jantar com dom João Batista da Motta Albuquerque
para comunicar: ‘Um mendigo insiste em falar com o senhor.’ O arcebispo reagiu: ‘Diga a ele que espere, minha filha. Vou atendê-lo após o
jantar.’ Era o padre Alfredinho, que viera pregar o retiro do clero local". 19
Também em Dom Fragoso encontramos incontáveis depoimentos sobre Padre Alfredinho (alguns transcritos neste livro)
e num deles o bispo rememora seu encontro com Alfredinho e a
Irmandade do Servo Sofredor: “Ele me convidou mais de uma vez
para deixar a casa do bispo e ir morar com ele em sua casa, rezar
junto com o povo, acolher mais como um pastor bom do que como
um administrador, e eu confesso que não tive coragem. Me ajudou
também a simplificar minha vida de bispo e a priorizar os pobres
em meu ministério e em minha pastoral. Penso que a mensagem
deixada por Alfredinho é, em resumo, a seguinte: amem os pobres,
acreditem nos pobres, sejam pobres, acolham a boa nova que vem
dos pobres no seguimento de Jesus de Nazaré, o Bem-Amado”.
***
25
A quarta e última seção do livro conta com o trabalho de Romário
Bastos e Monyse Ravena, pesquisadores da história social, que assumiram a tarefa de sistematizar uma Bibliografia e um razoável
repertório de fontes de distinta tipologia que podem auxiliar em
futuros estudos, estimulando nossas pesquisas e, principalmente,
sejam completados com os dados disponíveis nas anotações, arquivos e bibliotecas doutros tantos zelosos guardadores de memória. Como é o caso, por exemplo, do notável trabalho do Instituto
Dom Fragoso, em Crateús, sob os cuidados de Ivane Sales e equipe.
Impressiona ao pesquisador a miríade de fontes e documentos
cujos conteúdos remetem à incansável tarefa de registro, por escrito, de Dom Fragoso e da Diocese de Crateús. Nosso Bispo bem sabia
a força da palavra escrita, falada, cantada e o conteúdo libertador
da Memória. O primado da palavra e uma leitura popular orante
semeavam grandes esperanças e queriam engendrar novos futuros. Muitos e variados são os registros sobre estas experiências
vividas, quando da realização dos vários Encontros que se debruçavam sobre o vivido e o partilhado, abrindo picadas e veredas
na caminhada da esperança na Diocese de Crateús. Centenas e
centenas de páginas, em pequenos cadernos, Cartilhas, livrinhos
mimeografados nos trazem as vozes em debate sobre as práticas
de uma Igreja com o rosto de povo.
A leitura de extenso corpus documental nos leva a muitos testemunhos sobre a experiência da Diocese de Crateús. Nas Semanas,
nos Encontros, entre outros momentos,ressalte-se a prática constante do estudo, da leitura, do debate e, principalmente, da avaliação sobre a caminhada. E tal se fazia com a presença de estudiosos e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, teólogos,
26
biblistas, entre vários, afetuosamente chamados de "assessores". É
um extenso registro feito pelos grupos da própria Diocese, sempre
atentos à sistematização, registro e socialização de uma história e
memória em processo.
***
Essa Caminhada da Esperança, como já se indicou aqui, vai se
construindo nas Comunidades, vai se inventando nos jeitos de
compreender a realidade e lutar contra a injustiça do latifúndio,
a desigualdade, a falta de meios para a educação, a saúde, a moradia dignas. Capítulo alentado nos estudos sobre o período e o
fermento naquela caminhada se abre com a singular experiência
da leitura da Bíblia, sua função de conscientização nos Círculos
Bíblicos, sobre o método de leitura da Bíblia “como palavra que
ilumina a realidade do povo e dos fatos”20.
A vida ensaiada nas CEBs, suas práticas pastorais, os modos de
leitura e reflexão coletiva, o novo lugar das mulheres, dos jovens
e dos leigos encontram na poesia, nos cânticos, no cordel, na palavra cantada, um lugar de destaque nos vários momentos de celebração da palavra e em quantos outros que expressavam a caminhada do povo. Respondem cantando às investidas da repressão
como em “Ninguém consegue destruir nossa Alegria”, afirmando:
“Venha a dor, a luta, a perseguição/Venha a tempestade, venha a
tentação/Venha a tirania, venha a imposição/venha a zombaria
nos humilhar/Venha o sofrimento e até a morte/Só conseguirá
fortificar nossa união”.
Cantando a poesia da Natureza e de seu cotidiano, fazem o elogio da amizade, da união, do espírito de fraternidade, conforme se
observa a seguir: “Quem vive em comunidade/Fique firme e vá em
27
frente/Não deixe se tapear/Procure ser consciente/Lutando sem
porteiras/Sem arames e sem corrente”. Ou ainda: “Os cipós vivem
à toa/No mato sem serventia/Mas quando eles se ajuntam/Eles
têm força e valia”. E seguem cantando: ”Viola, sanfona e pandeiro/
Lá no terreiro prá festejar/E a festa do povo unido/Jamais vencido/
Vai aumentar”, pois sua utopia concreta promete: “Irá chegar um
novo dia/Um novo sol, uma nova terra, um novo mar/E neste dia
os oprimidos/Numa só voz a liberdade irão cantar”.
Cantam ainda a consciência dos direitos denegados, como em:
“Eu sou roceiro, vivo de cavar o chão/Tenho as mãos calejadas,
meu senhor/Me falta terra, falta casa e falta pão/Não sei aonde é
o brasil do lavrador”. E como no Bendito dos romeiros da terra, ao
afirmarem:”Caminheiros na estrada/Muita cerca prende o chão/
Todo arame e porteira/Merece corte e fogueira/São frutos da maldição”. Um jeito também de proclamar a marcha da esperança em
mutirão: “Nas estradas de poeira/Entre espinhos de amargura/
No sertão sofrido e seco/Pé-de-serra mais fartura/Entre pedras de
injustiça/Golpes de perseguição/Caminhamos na esperança/Dez
paróquias em mutirão”. O cântico da esperança não se escora na
espera resignada; convoca e interpela: ”E pouco a pouco o tempo
vai passando/a gente espera a libertação/se a gente luta, ela vai
chegando/Se a gente espera, ela não chega não”.
É notável aqui a expressão de uma poiesis popular, de animação à caminhada de lutas, também como forma de expressão de
vários padres da Diocese de Crateús. Numa visada nos papéis desta Diocese do mimeógrafo e nas milhares de folhinhas de cânticos,
vamos encontrar um Hino dos 50 Anos, como uma Marcha da
Maturidade, bem talhado pelos padres Eliésio e Machado, quando
28
o povo das Comunidades cantava: “Canga e Cruz que aqui juntas
chegaram/Esmagaram as flores no chão/Servidão em nome da fé/
Quanto grito de dor, opressão!” Para num verso à frente proclamarem: “No sertão semi-árido e belo/Flor altiva brotou deste chão”
“Da raiz vida nova brotou/Frutos doces prá fome saciar”. Também
o padre Helênio verseja um “Ato de fé”, cantando uma “Igreja que
vem do povo/Que descobriu sua missão” e porque é “serviço, está
nos Atos, tem face nova, está nos fatos” e é encarnada na “comunidade, na boa nova, na libertação”.
Como se vê, é um canto prenhe da Utopia da vida nova, compromisso de união “prá romper toda canga e grilhão” e promessa
de fartura na mesa e no coração. De Utopia, se alimenta o verso
de Zé Vicente, reconhecido vate naquele povo, intimando nossa
consciência a dizer da utopia concreta, aquela que virá “quando
o sol da esperança brilhar” e “Quando as cercas caírem no chão/
quando as mesas se encherem de pão/eu vou cantar”. A sedução
da Utopia, os modos de ser e viver, a cultura em comum, a sensibilidade entoada e dramatizada na mística das Romarias encontram nesta rememoração seu conteúdo de profetismo e denúncia.
Assim, vamos tecendo por entre os fios dessas memórias e histórias os argumentos da pedagogia do gesto e de sua cultura de
resistência, constituindo matéria de encorajamento e júbilo. "Os
hinos, o estudo, a leitura, as canções de luta revelam uma intencionalidade pedagógica na poesia cantada, como se observa também na mística, nas marchas e em tantos outros momentos e práticas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST"21, ele
próprio um Movimento que tem suas raízes fincadas na cultura
29
sociorreligiosa do Cristianismo da Libertação, na acertada análise
de Michael Löwy22.
Este livro seria lançado em 17 de abril de 2020, Dia Internacional
da Luta Camponesa e em Memória dos Mártires em Eldorado dos
Carajás. A tragédia social expressa na Pandemia nos pôs em quarentena já no meado de março. Hoje, é aterrorizante a devastação
da sociedade brasileira. O povo da rua, os pobres das cidades e
do campo, os quilombolas, os ribeirinhos, os povos indígenas, os
atingidos pela fúria destrutiva da mineração e da grilagem têm
suas vidas ceifadas na Pandemia e pelo vírus da política genocida
do governo federal. O Brasil ultrapassa Mil mortes em um único
dia. Uma morte por minuto. Até 25 de junho, o total são 55.054
mortos. Tudo sob o cinismo e a crueldade do governo brasileiro.
O fascismo se nutre da morte.
As pastorais sociais do Povo da Rua, dos Migrantes, Refugiados
e Movimentos Populares do campo e da cidade levam comida a
quem tem fome e semeiam Solidariedade. Em escuta ao Papa
Francisco nos dizem: "estas serão as palavras-chave para recomeçar: raízes, memória, fraternidade e esperança”. Do MST, alimentos saudáveis chegam a irmãos e irmãs desvalidos; e lançou-se o
Plano Emergencial de Reforma Agrária Popular. Nesta travessia,
de luto, concluímos este livro na esperança de ajudar na luta pelo
Direito à Vida Digna. Nestes tempos sombrios, buscamos em Dom
Fragoso e Padre Alfredinho a coragem e o destemor para seguirmos na resistência ao fascismo!
Fortaleza, junho de 2020.
30
Notas
1 LIBÂNIO J. B. “Experiência da Igreja de Crateús”. In: FRAGOSO,
Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz
Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz.
Igreja de Crateús (1964-1988). Uma experiência popular e libertadora.
São Paulo:Edições Loyola, 2005 p.19
2 BOFF, Leonardo. “Uma panela e teologia em mutirão” In: https://
www.brasil247.com/blog/uma-panela-e-teologia-em-mutirao
3 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5.
Diocese de Crateús,Maio de 1989,p. 5.
4 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5.
Diocese de Crateús,Maio de 1989.
5 FRAGOSO, Dom Antônio Batista. O rosto de uma Igreja. São Paulo:
Edições Loyola, 1982, p. 34-35.
6 Idem, p. 147.
7 BETTO, Frei. CEBs Rumo à nova Sociedade. O V Encontro
Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base. Canindé, julho de
1983. São Paulo:Edições Paulinas, 1983
8 CALADO, Alder Júlio F. “Participação progressiva dos cristãos,
das religiosas e dos padres”. In: FRAGOSO, Dom Antonio Batista;
SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz Gonzaga; CALADO, Júlio
Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz. Igreja de Crateús (19641988). Uma experiência popular e libertadora. São Paulo: Edições
Loyola, 2005 p.67
9 CECHIN, Antonio. “Educação da fé no interior de uma prática
libertadora. Série: A palavra na vida”. CEBI, nº 19,(1989): 9.
10 FRAGOSO, Dom. “Itinerário dos passos dados”. In: FRAGOSO,
Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz
31
Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz.
Igreja de Crateús (1964-1988). Uma experiência popular e libertadora.
São Paulo:Edições Loyola, 2005 p.45
11 Igreja de Crateús a serviço da vida. 30 anos de catequese. 19641994. Crateús, abril de 1994.
12 FRAGOSO, Dom Antônio Batista. O rosto de uma Igreja. São
Paulo, 1982, p.149
13 Trecho da Fala de Padre Maurizio Cremaschi na Celebração de
seus 50 Anos de Sacerdócio. Tauá, março, 2019
14 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5.
Diocese de Crateús,Maio de 1989,p.8.
15 Caderno 5. p. 35. Redatores: Irmã Siebra, Pe. Paco e Pe. Maurizio,
em 31 de dezembro de 1988.
16 Assinam a Nota os Arcebispos e Bispos Auxiliares de São Luís e
Fortaleza; os Bispos de Caxias, de Parnaíba, de Iguatu, de Crateús,
de Oeiras, de Limoeiro do Norte, de Bacabal e de Viana; os Prelados
de Pinheiro, de Candido Mendes. CNBB. Pastoral da Terra. Coleção
Estudos da CNBB. São Paulo: Edições Paulinas, 1976. pp. 130-133.
17 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5.
Diocese de Crateús. Maio de 1989,p.8.
18 Testemunho de amigos II. José Comblin. Clodovis Boff. Crateús,
Coleção Fazendo a Nossa História, 3, Diocese de Crateús, maio
de 1989.
19 BETTO, Frei. Ele viveu entre nós. Padre Alfredinho. Disponível
em: http://naoviolenciaativa.blogspot.com/2014/05/alfredinho-kunz.html
20 Encontro de Pastoral da Diocese de Crateús. Uma Análise, por
Frei Carlos Mesters (Coleção Fazendo nossa história. Testemunho
32
de amigos 1. Caderno 2. Diocese de Crateús, primeiro de maio de
1989).p.47-48
21 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Cartilha
Cantares da Educação do Campo, 2006.
22 LÖWY, Michael. O que é Cristianismo da Libertação: Religião e
Política na América Latina. São Paulo:Expressão Popular/Fundação
Perseu Abramo, 2016
33
Dom
Fragoso:
exemplo
de coragem
e determinação na
luta em defesa dos
oprimidos
Sulamita Vieira
Conheci, pessoalmente, Dom Antônio Batista Fragoso, o Dom Fragoso,
em 1976. Ele estava na Diocese de Crateús desde 1964; eu, iniciando minha prática profissional como socióloga, integrava a equipe
do ESPLAR – um escritório de assessoria e avaliação de projetos
sociais – que, na ocasião, assumira a responsabilidade de fazer
uma avaliação de projetos da Diocese apoiados pela Fundação
Interamericana. Assim, durante dois anos, viajei constantemente para a região, mantendo contato com diversas comunidades
pelas quais se espalhava aquele trabalho pastoral1.
Ao longo daquele período, nos encontramos muitas vezes. Com
Dom Fragoso, aprendi muito. Incansável na defesa dos “mais fracos, dos oprimidos”, enfrentou sempre com absoluta determinação a perseguição constante dos agentes da ditadura à sua pessoa
e ao trabalho pastoral. A firmeza de sua crença na capacidade de
organização dos camponeses, os estimulava a, movidos por uma
ação consciente, buscar seus direitos. Para mim, foi sempre muito
bom encontrar com Dom Fragoso e, principalmente, ouvi-lo. Ali
estava um homem sábio, competentíssimo e de uma simplicidade indescritível. Observando-o em reuniões de trabalho ou em
conversas informais, com qualquer pessoa, sempre me chamou a
atenção o fato de Dom Fragoso nunca se pôr na condição de quem
sabe ou de quem tem a última palavra; muito menos na condição
de quem manda. Ao contrário, sua atitude sempre foi ouvir, ouvir, ouvir. E, em seguida, ajudar o interlocutor a pensar acerca do
que estava sendo dito ali; a refletir sobre o mundo ao seu redor.
O senso de justiça e a defesa da liberdade se evidenciavam na sua
fala e nas ações.
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Ao assumir a Diocese de Crateús – declaradamente comprometido com a defesa dos oprimidos, dos excluídos –, Dom Fragoso
procurou se acercar de pessoas competentes – dos próprios locais e de outros lugares, alguns até de outros países2 – e comprometidas com os princípios norteadores daquele projeto de ação
pastoral, dispostas a assumir, junto com o povo, a busca de caminhos que levassem a um “mundo novo”. Um mundo cujo esboço
ia sendo construído, pacientemente, na ação coletiva, com acertos
e erros, no entrelaçamento de saberes diferenciados.
Na minha interpretação, o legado de Dom Fragoso está na “semeadura de um jeito diferente de ser Igreja”, um “jeito diferente
de ser cristão”. Ancorado, sempre, em princípios éticos inarredáveis, ele – também um homem de fé – acreditava firmemente no
ser humano; enxergava a possibilidade de mudança das condições
de vida do povo, desde que isso ocorresse através de um processo
de conscientização política das pessoas, em relação aos seus direitos, organizadas, sempre, em comunidades.
A propósito, tal interpretação me traz à lembrança um episódio presenciado por mim, na primeira metade da década de 1980.
Como professora da Universidade Federal do Ceará, tive oportunidade de atuar em um projeto de extensão da instituição na Favela
do Papoco, em Fortaleza – um amontoado de cerca de 850 “casas”.
Ali, me deparei com pessoas vivendo em condições miseráveis,
absolutamente desumanas (famílias inteiras sem emprego; morando em barracos exíguos, sem espaço, sequer, para suas necessidades fisiológicas; sem qualquer forma de saneamento; crianças a brincar sobre o lixo numa enorme “rampa”; etc). Em meio a
tudo isso, numa ocasião em que tentávamos ajudá-las a criar uma
36
Associação de Moradores – em torno da qual passassem a se juntar
e por meio dela pudessem canalizar suas reivindicações junto aos
poderes públicos –, numa das muitas reuniões, alguém perguntou:
“e como é que a gente sabe onde estão nossos direitos?”. A resposta,
“Está nas leis, na Constituição”, veio de uma mulher. E foi com forte emoção que ouvi daquela moradora o final da sua explicação:
“Aprendi isso na Comunidade, com Dom Fragoso, em Crateús…”.
No dia a dia, o compromisso de Dom Fragoso com os pobres,
com os excluídos, o impulsionava para construir com eles práticas
de resistência; práticas de solidariedade, de partilha; para que descobrissem suas potencialidades; para que expressassem, uns para
os outros, suas vontades, seus sonhos, seus planos; e, simultaneamente, aprendessem a lutar por eles, de forma organizada. Assim,
na Diocese de Crateús, a “organização comunitária” – que, segundo nos diziam integrantes das comunidades e de equipes pastorais, deveria amadurecer lentamente, fundada num processo de
“conscientização das bases” – tinha centralidade em toda a ação
pastoral.
Nesta perspectiva, em um contexto no qual predominava, no
país, a prática do arbítrio, da tortura, enfim, do absoluto desrespeito aos direitos humanos; num cenário em que até mesmo outros
setores da Igreja, ditos “progressistas”, se omitiam em relação a,
ou não estimulavam iniciativas voltadas à organização sindical
dos camponeses, Dom Fragoso se manteve firme, do lado destes,
apoiando-os, animando-os, ajudando-os a encontrar caminhos.
De Dom Fragoso, guardo muitas lembranças. Entre elas, uma se
mantém viva, sempre: a de um homem destemido, justo, íntegro.
Afrontado, inúmeras vezes e de diferentes maneiras, por agentes
37
da ditadura civil-militar, a ela jamais se curvou. Ao contrário, com
firmeza e dignidade inabaláveis, sempre encarou, de frente, as
perseguições e a repressão.
38
Notas
1 Faziam parte da Diocese de Crateús dez municípios. Na avaliação,
visitamos muitas localidades; porém, de acordo com a estratégia
metodológica adotada, nos voltamos mais intensamente para as
comunidades de: Matriz de São Gonçalo, zona de serra, no município de Ipueiras, uma experiência em que a Igreja incentivava práticas de cooperativismo – numa propriedade que por muitos anos
fora arrendada a particulares e que naquela ocasião fora entregue
a camponeses sem terra – entre integrantes de um grupo de famílias, com agricultura e horticultura; sede municipal de Crateús;
Santo André (distrito de Crateús); Novo Oriente, sede municipal;
Tauá, sede municipal; distrito de Santa Tereza e localidade Poço
da Onça (município de Tauá). Em todas estas localidades, na zona
de sertão, o trabalho pastoral se dava junto a populações camponesas, isto é, trabalhadores sem terra, na tentativa de ajudá-los no
processo de organização, quer no plano sindical, quer na prática
de “atividades comunitárias” (mutirão para o cumprimento do
calendário agrícola, instalação de “banco de sementes”, cultivo
de hortas, etc.), orientação de práticas de “medicina caseira”, dentre outras iniciativas. Além disso, acompanhamos, a uma certa
distância, ações na Várzea do Boi, área em que fora implantado
um projeto de irrigação sob responsabilidade do Departamento
Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS).
2 Da equipe de Crateús, lembro, por exemplo, de Dona Maria de
Jesus, residente no distrito de Santo André, uma grande lutadora,
firme na Caminhada, incentivando outras pessoas, reunindo-se
com elas para a “celebração da palavra” e, trazendo para a reflexão,
ali, dificuldades do dia a dia, de cada uma e do grupo, e também as
39
conquistas obtidas através da “conscientização” e do agir coletivo
(a horta comunitária, “as plantas que curam”, o mutirão, a conquista de vizinhos “para a Caminhada”, etc.). De Maria Tereza Nodari,
italiana, assistente social, que durante vários anos se dedicou com
afinco à ação pastoral – notadamente na região de Matriz de São
Gonçalo –, procurando conhecer a realidade vivida por camponeses e camponesas, ao mesmo tempo em que, pacientemente,
tentando também aprender com eles e elas, refletiam sobre dificuldades enfrentadas – “Aqui se troca o voto até por uma carga
de lenha”– e sobre necessidade/possibilidades de ações coletivas,
de organização comunitária com vistas à mudança. Engajados
em ações pastorais, no município deTauá, lembro igualmente de
outros personagens: do camponês, militante, sindicalista, Luís
Caladinho. De Dona Elizabete, também militante, delegada sindical, na localidade de Poço da Onça. De Dona Mundesa, uma senhora residente na sede municipal e que, engajada nas atividades das
CEBs, nunca se dizia cansada, visitando as pessoas nas suas casas,
ajudando nas “celebrações da palavra”. De Graça e Sônia, ambas
da equipe paroquial, incansáveis também nas viagens em função
do “trabalho comunitário”, norteadas pela ideia de “ajudar o povo
a tomar consciência”. Da enfermeira, belga, Mary Witvrouven, a
Maria da Serra, como ficou conhecida, nas suas andanças pelo
sertão procurando conhecer as “plantas que curam” – ao mesmo
tempo em que tentava aprender o nosso idioma e o “falar local” –,
até produzir livretos com orientações de procedimentos e “fórmulas” dos chás e infusões. Simultaneamente, conversava com as
mulheres sobre suas (tantas) gestações e os partos e sobre os cuidados com as crianças. Da pedagoga, paraibana, Neusa Rodrigues
40
Batista Leite, devotada ao “trabalho de conscientização” de integrantes das CEBs, em diferentes espaços, na cidade e no campo.
De Brian Holmes, o Padre Bernardo, da Congregação Redentorista,
irlandês, que, no verdor dos seus vinte e poucos anos, chegou ao
Brasil e, após uma temporada em Pedro Afonso, no norte de Goiás
(hoje Tocantins), se embrenhou no sertão dos Inhamuns, integrando-se à “equipe de Dom Fragoso” (com residência na paróquia de
Tauá). Palmilhando aqueles caminhos, chegava aos rincões mais
distantes, para conversar com camponeses e camponesas sobre o
seu dia a dia, no que concerne ao trabalho, à produção, à relação
com os donos da terra, aos direitos. Tais conversas lhe possibilitavam também conhecimento dos costumes, das crenças, dos
benditos cantados pelo povo, dos saberes, das estratégias que eles
e elas adotavam no enfrentamento da vida. Nas suas andanças, e
através dos diálogos, com aguçado senso de observação e atento
às linguagens locais, Padre Bernardo foi absorvendo-as também
e, ao final de dez anos percorrendo aqueles sertões, tornou-se conhecedor da “cultura do povo”. Enfim, todas estas pessoas e muitas
outras, num “trabalho de formiguinha”, se dedicavam de corpo e
alma a ações que, de um modo ou de outro, pudessem contribuir
para o processo de conscientização comunitária, em relação aos
seus direitos. Nesse sentido, assumiam, efetivamente como missão, ouvir, conhecer, e, também, “esclarecer o outro”. Para tanto,
deslocavam-se constantemente, percorrendo longos trechos, por
caminhos que levavam a povoados, ou cruzando veredas para chegar a casas esparsas, “perdidas” naquele sertão.
41
O Roceiro:
um poema
Pe. Paco Almenar
Aos 25 de março
do ano de ‘84
lindo menino eu nasci
e logo fui batizado
com o nome O Roceiro
por todos fui festejado.
Eu recebi uma missão
a mais bonita da Terra:
de ser a voz do meu povo
do sertão, também da serra
e até da macambira,
gente que luta e espera.
Nesta longa caminhada
meu povo me alimentou
contando suas vitórias
e a força com que lutou,
as dores e as alegrias
do povo trabalhador.
Fui voz das Comunidades
desta Diocese querida
nas terras de Crateús
pelejando por mais vida,
teimando com esperança
na luta do dia-a-dia.
43
Até de terras mais longe
também recebi alimento.
Notícias de outras dioceses
também foram meu sustento.
Unidos na caminhada
recobramos novo alento.
Cantei a Bíblia Sagrada
em prosas e em poesias.
Reforcei a nossa fé
com orações inseridas
na vida e luta do povo
e nas lindas Romarias.
Denunciei as injustiças
a fome e escravidão
naqueles tempos da Seca
e do povo no ‘bolsão’,
onde as pessoas sofriam
miséria e humilhação.
Gritei por Reforma Agrária
junto aos trabalhadores,
contra o grande latifúndio
gerador de morte e dores;
E celebrei as conquistas
dos posseiros lavradores.
44
Sindicato livre e forte,
unidos na Associação,
foi minha luta e meu canto
trabalhando em mutirão,
aumentando com esmero
a nossa organização.
Como foi bonita a luta
por nova Constituição
ao conquistar novas leis
pra todos sem exclusão
que geram vida e direitos
pros povos desta Nação.
Índio, Mulher, Negro e todos
temos os mesmos direitos
O mesmo valor sagrado
que não pode ser desfeito!
Pra isso guardei um espaço
no mais profundo do peito.
Também dei o meu espaço
a todos padecedores,
pra que sejam escutados
como Servos Sofredores
que têm a missão divina
de serem Luz das Nações.
45
Página que reservei
com cuidado e atenção
foi pra aumentar a saúde
da nossa população
com os remédios caseiros
e dicas de prevenção.
E para ser bem felizes
celebrando a fé e a vida
não poderia faltar
o espaço da Liturgia
que alimenta a esperança
na lida do dia-a-dia.
Jovens, crianças, casais
que formam comunidade
e também as pastorais
que alimentam a unidade,
tiveram o seu lugar
na minha voz, em verdade.
Um alimento especial
eu tive a cada jornada:
Foi palavra de Pastor
pessoa por nós muito amada,
que com sua luz e coragem
alimentou a caminhada.
46
Com dez páginas nasci;
quatrocentas de tiragem.
Um menino com enxada
foi minha primeira imagem.
Quem me lia e comentava
ficava com mais coragem!
Hoje com dezesseis páginas
e mais quatro no encarte
Estou vestido de cores
e feito com muita arte
E a milhares de pessoas
ilumino em toda parte!
Não deixe eu definhar
na minha grande missão
Me alimente e me propague
com ardor no coração
Pois de Jesus anunciamos
a Grande Libertação.
47
O Roceiro:
contando
histórias de
vida e de fé
Pe. Maurizio Cremaschi
O Roceiro nasceu em 1984. Além do título, aparece na capa um lema:
“Por terra, trabalho e justiça! Para que o Nordeste tenha vida” e,
como assinatura: “Boletim Bimestral dos lavradores – CPT –
Diocese de Crateús – Ceará”. No artigo que abre o primeiro número, O Roceiro assim se apresenta: “O meu nome é O Roceiro.
Há muito tempo que eu estava sendo gerado pelos lavradores da
Diocese de Crateús. Nasci e fui batizado na assembléia da CPT diocesana, no dia 25 de março de 1984. A missão que me confiaram
foi de ser porta-voz das lutas e vitórias do povo trabalhador, das
comunidades da diocese toda e até de outros lugares. Algumas vezes vou ter que gritar forte o sofrimento e a opressão sobre a terra
e o povo que nela vive e trabalha. Também tenho que anunciar a
esperança nova, a poesia, os cantos e as palavras e orações de fé e
de vida que nascem da Bíblia sagrada e da caminhada corajosa da
gente do campo. Como todo menino, eu só vou viver se você, companheiro, me sustentar com notícias de seu lugar e me alimentar
com algumas contribuições em dinheiro para que eu possa pagar
o correio que me leva até você”.
A equipe inicial d’O Roceiro era a equipe diocesana da CPT, na
época: a Ir. Cleide, Zé Vicente, Pe. Paco, Lucinha. Outras pessoas
vão entrando para participar da equipe ou para colaborar de forma
estável: Ivo Sousa, Pe. Machado na parte da liturgia, Irmã Ailce na
parte da Saúde. Essa equipe tinha o papel de provocar a colaboração dos trabalhadores e trabalhadoras dos grupos de base; organizar suas contribuições: cartas, versos e estimulá-los oferecendo
páginas de estudo e abrindo horizontes para o que acontecia no
Brasil, na América Latina, no resto do mundo. Essa mesma equipe digitava na “Olivetti” da CPT, preparava os estênceis e passava
49
no mimeografo as cópias do jornal que, enviadas para as secretarias das paróquias, eram distribuídas entre os assinantes de cada
município.
O Roceiro começa com dez páginas mimeografadas, mais uma
capa, impressa na cor da terra. A foto de capa, que ficará para o ano
todo, é de um menino com a enxada nas costas. O primeiro número abre com o Canto da Vida, Advento Nordestino, de Reginaldo:
“Dos encurvados as cabeças se levantam/Dos explorados unem-se
as cansadas mãos/E os gemidos vão virar um farto canto/O pobre
unido é sinal de redenção/Lá vem, lá vem, já se aproxima a redenção”. Reporta o relato do Encontro diocesano da CPT; o sofrimento
e as manifestações do povo na seca: “Houve o corte nos bolsões da
seca e do péssimo salário que alimenta a necessidade de sessenta
e cinco moradores desse lugar. Até agora tivemos crédito de comprar nas bodegas e de Junho em diante como vamos viver comendo feijão escoteiro? – Manuel Freire”; informes sobre formas de
organização popular: “Nossa bodega comunitária é um ponto de
união e confiança, nela vamos aprender a nossa organização para
a gente se libertar do fornecimento dos exploradores. Pagamos
nossas dívidas. Fizemos uma roça comunitária para ajudar mais,
trabalhando em mutirão. Comunidade de Betânia – Nova Russas”.
As Crochezeiras de Nova Russas relatam que existem mais de duas
mil crochezeiras “o grupo viu que estava sendo explorado pelas
“madames” da cidade, resolveu comprar linha, fabricar e comercializar o produto, de maneira organizada e juntas”. São retratadas as
ferramentas dos trabalhadores: “Vamos fortificar nossas armas: a
CPT, o sindicato combativo, as CEBs, os mutirões…”. Se expressa
solidariedade à Diocese de Propriá – Sergipe, ao frei Roberto e frei
50
Enoque que ficaram quase dois dias na cadeia. “O crime é o mesmo
de Nova Russas e de Tauá e de todo o nordeste – acusação de saque
aos famintos que vêm nas ruas atrás de alimento, para não morrer
de fome”. Relatam-se as visitas aos posseiros que residem na serra de Parambu e anuncia-se o mutirão para a construção de uma
estrada que permita aos posseiros em luta se articularem melhor.
Desde o segundo número, as “Cartas” constituem a parte central do jornalzinho: são publicadas treze cartas de Nova Russas,
Ipueiras, Poranga, que correspondiam à área norte da diocese, de
Crateús, mas também de Crato e Juazeiro do Norte.
No terceiro número, se anuncia que “em três meses de vida O
Roceiro” já conta com mais de quatrocentas assinaturas. Aparece
a primeira proposta de estudo para os trabalhadores: três páginas
que tem como título: “O problema do Nordeste não é a seca, mas a
cerca do patrão”; com pequenos textos e perguntas para a reflexão
em grupos. Os desenhos ilustrativos, sempre feitos riscando com
o estilete o estêncil, representam a cerca, o machado, a enxada
levantada, os pés dos trabalhadores. Tertuliano e esposa, casal de
poetas trabalhadores da roça, fecham o número com seus versinhos: “A terra que Deus nos deu/está muito mal dividida/Uns com
tanto, outros sem nada/não tem condições de vida/o trabalhador
sem terra,/não pode ter a comida!”.
No final de 1984, O Roceiro anuncia que o “nosso Boletim, a
partir do próximo número vai encampar o boletim da Área Sul da
Diocese, ‘Retrato das Paróquias’. A turma de Independência, Tauá
e Parambu, fique avisada. A decisão já vinha sendo discutida e foi
decidida no Encontro da CPT de Quixeré. Sairão mais notícias da
área Sul e as leituras bíblicas para as celebrações”.
51
De fato o primeiro número de 1985 apresenta notícias das comunidades de Parambu (Algodões: “estamos alegres e felizes com
o grande inverno. Todo mundo plantou milho, feijão, algodão, arroz, há muita melancia, pepino, jerimum, muita água e muito peixe. Este ano tinha semente guardada para plantar. Vamos confiar
em Deus. Só Ele tem pra dar"; Boa Esperança; bairro Beleza, bairro
Brasília falam do Abaixo Assinado com cento e vinte uma assinaturas levado para o prefeito: “chegamos à prefeitura, falamos para
ele. O que ele respondeu foi que a gente fizesse promessa para chover, porque ele mesmo não ia dar água para ninguém. Um prefeito
desse merece a nossa confiança?”. Lagoinha contando a história
da conquista da terra de cinquenta famílias e do poço profundo
cavado com a ajuda dos Romeiros do Pe. Cícero: “O grande problema da nossa serra é que no verão a água fica difícil. Escolhemos
quatro companheiros para irem ao Juazeiro apresentar a nossa
situação e a nossa luta pela terra. Os companheiros foram muito
bem recebidos. Falaram a vários grupos de romeiros muito interessados em saber como o povo daqui está ganhando terra. Uns
companheiros de Alagoas e de Pernambuco contaram lutas parecidas de suas terras. O dinheiro para cavar o poço foi juntado assim: vendendo discos e o romeiro que comprava aquela lembrança, sabia que estava ajudando a cavar o poço nessa serra, onde os
trabalhadores estavam ocupando as terras no lugar das grandes
firmas. O Pe. Murilo e a equipe paroquial de Juazeiro marcaram
um dia para visitar o poço. Para o dia da visita, preparamos uma
festa onde convidamos amigos e companheiros de toda redondeza
e dos sindicatos de Parambu e Tauá. Na missa, a primeira leitura foi a história da nossa luta que um companheiro escreveu em
52
versos. Depois fomos em procissão até o poço, para ser abençoado.
Aquela água tinha que ser abençoada, fruto de ajuda de mulheres
e pobres como nós”. Independência: Mangueira se lamenta pela
carestia: “Tudo que a gente vai comprar é caro demais. E o que a
gente tem para vender, não tem valor. Pois se a gente vende um
saco de feijão, não dá para comprar um quilo de café. Se a gente
dá um dia de serviço não dá para comprar um quilo de carne. Uma
lata de óleo custa quatro mil cruzeiros e assim por diante”, Trapiá
fala da horta comunitária: “Fizemos um cacimbão e cercamos. Já
plantamos algumas fruteiras. Fizemos canteiros. Tudo está começando. Nós mulheres sócias do Sindicato temos também uma roça
comunitária”; de Tauá: A inauguração do açude da comunidade
feito no tempo da seca em Calumbi.
No primeiro número de 1985, o bispo Dom Fragoso começa a
assinar o “editorial” do jornalzinho. De vinte a trinta linhas, numa
linguagem simples e direta. Tema dos editoriais: os mutirões; A
emergência das Enchentes; O Plano Nacional de Reforma Agrária;
As terras da Igreja; A seca; O projeto São Vicente…
No número de setembro/outubro de 1986, o bispo enfrenta um
tema que está em seu coração e fala diretamente do papel do jornal: “A voz do povo da roça”. “Os homens e as mulheres, os rapazes
e as moças que vivem na Roça – chamados os Roceiros – tem muito o
que dizer aos companheiros e o que escutar deles. Na sua cabeça, no
seu coração, na sua experiência, há tantos sonhos de um futuro mais
livre. Há tantos gritos que nascem de dentro de sua vida machucada e oprimida. Os Jornais não oferecem suas páginas para a voz dos
Roceiros, para os homens de mãos calejadas. A Televisão nunca apresenta a vida, as lutas, as experiências do povo da roça.(…) o “Roceiro” é
53
o jornal, a Televisão, o Radio do povo da roça. É a sua voz. Nele podem
escrever, publicar suas notícias, colocar suas poesias, encontrar seus
assuntos. Vocês compreendem a importância do “Roceiro”. Reunidos,
leem e debatem. Conquistam outros para ler e assinar. Da luta de vocês,
sustentados na mão de Deus, vão nascer outros espaços, onde a voz do
povo da roça pode ser espalhada e escutada. D. Fragoso”.
Essas questões permanecem vivas ao longo dos anos, como debate interno ao jornalzinho, e, no começo de 2004, de João Pessoa,
onde se retirou depois de deixar a diocese, escreve para O Roceiro
suas preocupações: “A edição comemorativa dos vinte anos de O
Roceiro me ajudou a reviver com vocês uma caminhada longa. Hoje é
um boletim/jornal bonito, denso de notícias e informações, bem apresentável. Quero felicitá-los. Tive a impressão que O Roceiro, nesta edição comemorativa, não é majoritariamente a voz dos roceiros, de suas
lutas, das expressões comunitárias e organizações, da Pastoral da Terra,
da CPT, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, dos Assentamentos e
acampamentos, dos cerca de dez mil hectares conquistados, das CEBs
onde a Fé se insere no cotidiano da vida roceira. O Roceiro é hoje, um
belo boletim informativo diocesano, que ensina, evangeliza e informa.
Mas o espaço humilde no qual os ‘roceiros’, tais como se comunicam,
se reapropriam de sua voz e de seu direito a voz não está sendo muito
reduzido? À equipe de Redação, que tem condições de me esclarecer,
ponho esta pergunta. Dom Fragoso”. (Março/Abril de 2004, pág. 04).
Na metade de 2006, quase querendo atenuar a dureza de seu
juízo anterior, volta a escrever para O Roceiro, sem deixar de reafirmar a prioridade d’O Roceiro ser jornal “dos Roceiros”: “Recebi o
Roceiro com as fotos dos produtos da terra dos Sertões (mamão, coco da
praia, melancia, cacho de bananas, diversos tipos de verdura… e dois
54
lindos slogans: viver no sertão – fazer o sertão viver. Desde a Palavra
do Bispo: congresso Eucarístico, fui lendo as notícias da Igreja, as cartas das comunidades, a poesia de Vilma Teixeira, as quatro páginas:
quintais produtivos, a página dos trabalhadores, com destaque para ‘As
Igrejas falam sobre a terra’, a página sobre os jovens, destacando: jovens rurais, as fotos da página da saúde com destaque para as Receitas
e Alimentação Alternativa, a página da liturgia, a página final Nossa
vida à luz do Mistério Pascal, com destaque para o calendário do Mês
de Maio e Junho com suas festas e a mensagem inspirada no Evangelho
do dia (enxertando nas datas, oportunas atividades missionárias e sociais). Tive a tentação de colocar nota dez na parte gráfica, nas ilustrações, na coleta de cartas das comunidades, nas sugestões para se viver a
espiritualidade. Sabendo das dificuldades financeiras da diocese, sinto-me comovido com a remessa a cada dois meses. Meu abraço para
os ‘Roceiros!’ que mandam suas cartas, que colaboram para escrever
o seu jornal, para ler na família e na comunidade, para debater, para
espalhar e para se inspirarem na orientação que traz”. (Julho-Agosto
2006, p. 03)
Voltando a acompanhar a evolução do início d’O Roceiro, neste
primeiro número de 1985, aparecem, mais duas novidades destinadas a ficar: os relatos de Zé Joca, trabalhador de Parambu que de
volta de um curso em Pernambuco repassa para os companheiros
receitas de “venenos” feitos com folhas de angico, com fumo, com
sabão e querosene. A outra, é a página das celebrações dominicais
destinadas às CEBs que querem preparar suas celebrações, ligando a “Fé com a Vida”.
Em cada número do jornal, tem um talãozinho ao pé de página, lembrando a data limite para o envio das notícias e o convite;
55
“para o próximo número mandem notícias do artesanato do seu
lugar; ou dos mutirões”.
As capas d’O Roceiro também, depois do primeiro ano de vida,
apresentam um desenho diferente, sempre ligado à luta dos trabalhadores com um lema: “Unidos em mutirão para que todos
tenham pão”; “Reforma Agrária”; “Constituição”; “Viva a mulher
desta nação”; “Primeiro de Maio - Cem anos de luta: 1886-1986”;
“Os Trabalhadores na Constituinte”: mostrando uns trabalhadores
limpando de enxada a esplanada do Planalto; “30.000 Assinaturas
para a reforma agrária”; “Negros”.
O Roceiro desde seu nascimento se propõe como um instrumento para os trabalhadores e trabalhadoras dos sertões de Crateús e
dos Inhamuns contar sua vida e suas lutas, suas esperanças e suas
conquistas, com seu jeito de perceber a realidade e de interpretá-la
como sujeitos de sua história.
Trata-se de valorizar um ponto de vista da realidade que a descreve a partir de baixo e não de cima. A ambição é de não retratar
a opinião e o jeito de entender dos grandes, mas dos pequenos.
Por grandes não se entendia somente as classes dirigentes, mas
também as direções do sindicato, as lideranças, as equipes paroquiais. É um olhar crítico da sociedade, às vezes ingênuo, mas
sempre concreto, com os pés no chão. De outro lado, trata-se também de uma leitura teológica e espiritual da vida. É com um olhar
de fé que o mundo é observado e contado. Em certo sentido O
Roceiro quer ser a continuação do livro dos Atos dos Apóstolos
que conta como Deus age na vida das comunidades. Ainda agora,
algumas comunidades leem nas celebrações dominicais, como
primeira leitura, uma das Cartas das comunidades enviadas ao
56
Roceiro. Como nas novenas escutava-se o exemplo da vida do santo,
na celebração se aprende da escuta do exemplo de vida de outra
comunidade.
O Roceiro fala das secas, dos bolsões, do que o trabalhador da
emergência ou a professora municipal pode comprar com o que
recebem no fim do mês, das lutas pela terra, das experiências de
quintais produtivos e do artesanato, da vida quotidiana das comunidades, com suas novenas, festas, partilhas, dos grupos de jovens;
além disso, convida a olhar para as políticas públicas, a criar grupos que estudem e aprofundem temas desafiadores como o Plano
Nacional de Reforma Agrária, a Reforma Sindical, a Constituinte, a
Inflação; abre novas perspectivas sobre o que acontece mais longe,
em El Salvador, em Nicarágua.
O Roceiro apoia e propõe ações concretas: uma coleta solidária
com a Nicarágua levada pessoalmente por Zé Vicente até lá, em
ocasião de um Congresso; a coleta de assinaturas para a Reforma
Agrária na Constituinte que alcançou trinta mil assinaturas na
região; a campanha para um trabalhador na Constituinte.
O Roceiro, desde seu nascimento, se propôs ser um instrumento
popular e comunitário de circulação de experiências, de informação, de aprofundamento. As Paróquias que conservaram a coleção
das cento e cinquenta edições do Roceiro publicadas ao longo desses vinte e cinco anos, possuem uma fonte muito rica dos passos
dados pelas CEBs, pelas Pastorais, pelas associações e grupos populares em nossa região. É um registro de nossa história realizado
com fé pelos protagonistas.
Não faltam momentos de dúvidas e de crise: no último número de 2004 a capa reproduz as capas dos cinco números editados
57
no ano e destaca uma pergunta: “O Roceiro deve continuar em
2005?” No pé de página já se sugere uma resposta: “Pode continuar sim, se houver uma reconstituição da Equipe de redação, se
toda comunidade enviar cartas e notícias e se crescer o número
das assinaturas!”. Na edição sucessiva (Janeiro-Fevereiro 2005 pág.
03), retomando a pergunta, é apresentada uma retrospectiva: “O
Roceiro tem mais de vinte anos de vida. Nasceu em 1984, juntando
dois jornaizinhos que existiam na diocese: o Retrato das Paróquias,
das comunidades da área sul, e O Roceiro, boletim da CPT diocesana. A finalidade desta união, era de somar as forças, para ser um
melhor instrumento de comunicação”.
O “Retrato das Paróquias” queria ser um instrumento nas mãos
das comunidades para entender como a palavra de Deus ia se realizando na vida das comunidades de hoje, assim como os Atos dos
Apóstolos contavam a vida dos primeiros cristãos e assim como
nas Novenas se contavam os exemplos da vida dos Santos. As comunidades eram convidadas a contar a sua vida a cada domingo,
na celebração, a primeira leitura era tirada do jornalzinho; era o
exemplo da vida da comunidade que ajudava a descobrir os apelos de Deus para as outras comunidades que estavam celebrando.
O Roceiro da CPT procurava contar a organização e a luta dos
trabalhadores(as) na conquista da terra. O Reino de Deus não é feito somente de orações: é na luta que se sente a presença de Deus
e se plantam as sementes da justiça e da paz. Nosso Roceiro de
hoje nasce do casamento desses dois jornais, que naquele tempo
eram impressos no mimeógrafo com muita simplicidade e eram
lidos em voz alta para a comunidade reunida, à luz da lamparina,
pelas poucas pessoas que tinham o dom da leitura. Hoje, assim
58
como naquele tempo mais antigo, O Roceiro quer dar a voz aos
protagonistas ou atores principais da história das comunidades
e da luta dos trabalhadores. Por isso que a parte mais importante
e mais preciosa do Roceiro e do Retrato das Comunidades sempre
foi a página das Cartas. Quem guardou a coleção deste boletim
tem um precioso arquivo com mil histórias de vida e da fé. A história do nosso jornal é um bom motivo para que ele não morra!
No Conselho de Pastoral Diocesano de dezembro foi reconstituída
uma equipe de três pessoas que vai procurar motivar as CEBs, os
trabalhadores e as trabalhadoras, os jovens, as crianças, as pastorais a escreverem sua história e a ler na história dos outros companheiros as maravilhas operadas pelo Espírito Santo.(…) Eles vão
ter o apoio de Pe. Maurício que vai cuidar da revisão e impressão
em Tauá. “Essas pessoas nunca poderão fazer o Roceiro sozinhas.
Precisam da ajuda de vocês todos e todas para recolher, numa linda colcha de retalhos, a vida bonita do nosso povo do sertão”.
Nos últimos anos, O Roceiro publicou alguns números ou serviços especiais: sobre os trinta e quatro anos da caminhada na
despedida de Dom Fragoso; sobre os duzentos anos de Pe Ibiapina,
lançando a campanha para construir duzentas cisternas de placas em mutirão; sobre os Encontros Diocesanos das CEBs; sobre
os Pais e as Mães das comunidades, recolhendo biografias dos
fundadores das CEBs da diocese; e por ocasião da morte de Dom
Fragoso: testemunhos sobre o primeiro bispo da diocese.
Atualmente O Roceiro tem dezesseis páginas e um encarte de
estudo de quatro páginas em cada número. A capa e a última página são em quatro cores. Dedica a capa ao tema de destaque do
número e a última página apresenta uma galeria de fotos.
59
O jornal tenta utilizar a rede da internet para diminuir os deslocamentos. A intermediação das paróquias para o envio das
notícias das bases é importante. Para preparar cada número do
Roceiro são enviados vários e-mails com pedidos de sugestões e
de colaboração a cento e oitenta e sete pessoas que estão na lista
de endereços d’ O Roceiro e que residem no território da diocese
de Crateús. São pessoas ligadas ao trabalho das CEBs, Pastorais,
Sindicatos, Assentamentos, Associações. São o embrião de uma
rede de “correspondentes” populares do Roceiro.
Desde sua chegada na diocese em 1998, é Dom Jacinto que escreve a “Palavra do Bispo” que abre cada número do jornal. A irmã
Ailce prepara as duas páginas da saúde; Pe. Machado as duas páginas de liturgia. Pe. Maurício continua com a responsabilidade de recolher as contribuições e de fazer o trabalho de redação;
Jefferson, da Gráfica Farias de Tauá, onde o jornal é impresso, cria
a diagramação.
Pelos números das tabelas, podemos observar a distribuição
desigual da proveniência das notícias por município e do número
das assinaturas nas diferentes paróquias, números que insinuam
a dependência da distribuição das equipes paroquiais.
Origem das notícias
60
Município
2009
2007
Ararendá
02
02
Crateús
12
10
Independência
36
22
Ipaporanga
02
01
Ipueiras
03
01
Mons Tabosa
02
01
Nova Russas
12
18
Novo Oriente
10
12
Parambu
07
03
Poranga
05
04
Quiterianópolis
08
08
Sucesso
01
—
Tamboril
20
15
Tauá
44
32
As capas do Roceiro buscam visualizar o tema central de cada
edição do jornal. As Galerias de fotos ilustram uma dimensão da
vida da região ou um evento particularmente importante. Para
recolher mais documentação fotográfica da vida do nosso povo
e dos eventos realizados O Roceiro abriu, porém sem sucesso até
agora, uns álbuns de fotos no grupo de Orkut do Roceiro.
Os temas apresentados foram:
2006
Capas
Galeria de Fotos
Encartes
Mandacaru:
Esperando a chuva
-
Fraternidade pessoas
com deficiências
Um novo Livro
de D. Fragoso
-
Animação missionária na comunidade
Viver no sertão
-
Quintais Produtivos
Bicentenário do
Pe Ibiapina
-
Educação política
Dom Fragoso
-
A Bíblia na vida
Natal: Já vem, já vem
-
-
61
2007
Capas
Galeria de Fotos
Encartes
CF: Vida e Missão
neste chão
-
CF: Vida e Missão
neste chão
Missão Jovem
-
A Amazônia nos
ensina a viver
Dom Oscar Romero
-
Juventude em missão
Vida no semi-árido
-
Gestão do lixo na
comunidade
Não desperdice nem
uma gota de água
-
Mês da Bíblia
Paz na terra
aos homens
-
CEBs
2008
Capas
Galeria de Fotos
Encartes
Escolhe pois a vida
-
Campanha da
Fraternidade
CEBs Ressurreição
do povo
-
Viver sem
desperdício
9º Encontro das CEBs
-
Políticas públicas
Festas da colheita
Inverno 2008
9º Encontro CEBs
Sementes vida
da terra
Festas da colheita
Nossas sementes
Natal: Já vem, já vem
Arvores da caatinga
-
2009
62
Capas
Galeria de Fotos
Encartes
CF 2009 - Segurança
Águas do sertão
CF 2009 – Segurança
Pública
Fórum Social
Mundial
Fórum Social
Mundial
Nossas cidades
Intereclesial
das CEBs
Quintais floridos
Roçado agrofloresta
Cultura popular
Cultura popular
Nossa Cultura
Romaria da Terra
CEBs em Porto Velho
Carta aos Filipenses
Economia Solidária
Economia Solidária
Economia Solidária
Em 1985 O Roceiro fez uma pesquisa entre os leitores. No número de janeiro-fevereiro de 1986 reporta os resultados da pesquisa,
fornecendo sua interpretação. O título é orgulhoso: “O Roceiro tem
dez mil leitores”. O texto do comentário explica:
“Recebemos quase cem respostas à cartinha d’O Roceiro. Obrigado
a todo mundo pela atenção. As respostas vão nos ajudar a fazer um boletim sempre mais bonito. O que aprendemos das respostas recebidas?
1) O Roceiro é muito lido: uma média de nove pessoas lêem uma cópia do jornal. No total está sendo lido por dez mil leitores!
2) As páginas mais apreciadas foram: As palavras de Dom Fragoso
ao papa, As histórias da serra da Lagoinha, Os remédios caseiros,
As notícias sobre Reforma Agrária;
3) O desenho que o pessoal mais gostou foi o dos arames cortados.
4) Quem lê O Roceiro gosta de contar as notícias para os outros, à
noite, na calçada, nas celebrações, nas reuniões, no caminho da roça,
indo buscar água; tomando banho no açude, assistindo jogo de futebol;
visitando a comadre. As notícias mais espalhadas foram as seguintes:
receita de remédio caseiro; as histórias das constituições; notícias sobre Reforma Agrária”.
O número de assinaturas foi crescendo. Ao longo do ano de
2009, passou de 1.337 assinaturas a 1.503 no final do ano e a distribuição do número das assinaturas confirma a influência das pessoas que compõem as equipes paroquiais sobre a difusão do jornal.
63
Assinaturas por município
Paróquia
2009
2007
Ararendá
33
23
Crateús
28
23
Independência
210
190
Ipaporanga
05
05
Ipueiras
100
31
Mons Tabosa
31
30
Nova Russas
90
90
Novo Oriente
62
51
Parambu
75
75
Poranga
54
15
Quiterianópolis
145
145
Sucesso
05
15
Tamboril
270
170
Tauá
328
297
Outros
57
66
Total:
1.503
1.226
O Roceiro, desde seu nascimento, buscou a auto-sustentação
econômica. Para isso, sempre tentou reduzir as despesas drasticamente, contando com o trabalho voluntário e utilizando a estrutura das paróquias, para a divulgação e distribuição do jornal.
Procurou também, manter o preço da assinatura ao alcance do
bolso do seu público, composto, na grande maioria, por camponeses. Quando O Roceiro começou, em 1984, a assinatura era de Cr$
200,00 para lavradores; Cr$ 500,00 para outras pessoas e de Cr$
1.000,00 para colaboração. Até hoje O Roceiro está se mantendo
64
com as assinaturas. A impressão de cada número d’O Roceiro custou, em 2009, R$ 1.250,00. Foram gastos em media R$ 50,00 em
cada edição, em fretes, telefone, internet, papel, fitas, barbante.
Decidiu-se manter o mesmo valor da assinatura para 2010, confiando que o aumento do número de assinantes possa compensar
os aumentos de custos da gráfica.
O Roceiro está sendo enviado em formato digital (pdf) para um
grupo de oitenta e cinco pessoas, interessadas em acompanhar
a vida das comunidades da diocese de Crateús. Na maioria, são
agentes de pastoral e animadores de comunidades que deixaram
a diocese e moram no sul ou no estrangeiro, tendo dificuldade em
receber o jornal pelo correio.
No arquivo da Cúria Diocesana de Crateús é conservada a coleção completa d’O Roceiro.
65
Dom
Fragoso:
o Bispo fala
ao Roceiro
Mutirão da Fraternidade
Os roçados estavam verdes e lindos. Vocês esperavam o milho, o
feijão, em suas mesas. Depois de anos duros de seca, era justa a
esperança de vocês.
E, começaram as chuvas. Os rios e riachos subiram. O leito não
comportou mais as águas. Elas se espalharam nos baixios, nas
várzeas.
E agora, são muitas famílias desabrigadas. Muitos roçados,
destruídos. Muitas casas, ameaçadas. Vocês estão clamando por
alimento, saúde, casa reconstruída e semente para replantar as
terras molhadas.
Nas suas Comunidades, nos seus movimentos, no seu sindicato, vocês estão se ajudando com os meios e recursos pobres de
que dispõem. É o grande mutirão da fraternidade. Mas a voz de vocês não pode se calar. O Governo Municipal, Estadual e Federal, a
Igreja, todos os que têm sensibilidade humana e fome de justiça
devem escutar o seu grito e apoiar suas reivindicações.
Colocamos a nossa confiança no Deus vivo na luta solidária de vocês.
A solução que vocês merecem aponta para a Emergência das
Enchentes e para medidas que arranquem o Nordeste da Miséria
de uma vez por todas.
Dom Fragoso
Julho de 1985
A visita ao Papa e o desafio à missão da Igreja no Brasil
Somos agradecidos a Deus que nos deu a alegria de encontrar quatro vezes o Papa:
67
Fui recebido, pessoalmente, pelo Papa durante quinze minutos.
A conversa foi cordial. Ele se comunicou com simplicidade,
como um irmão que acolhe e escuta seu irmão que vem de longe.
O Papa falou em Português correto e desembaraçado: “Como
vão o seu povo e a sua Igreja?”. Eu respondi: “Santo Padre, acho
que há um crescimento. São cerca de setecentas pequenas Igrejas
vivas na base ou Comunidades Eclesiais de Base. Cada domingo
se reúnem para celebrar a Palavra de Deus”. E o Papa repetiu: “A
Palavra de Deus, a Palavra de Deus!”
O Papa perguntou pelos padres que acompanham as comunidades. Eu respondi: “Santo Padre, são poucos. Há um padre para
cada 26 mil católicos!”. O Papa achou muito pouco, e perguntou
então pelas vocações. Eu respondi: “Estão aumentando. Mas os
rapazes que tem estudos vão embora para as grandes cidades. Os
rapazes do campo não tem estudos acadêmicos. Para se tornarem padres, precisariam de muitos anos de estudo. Não sabemos
como fazer". E falei ainda: “Nossa prioridade é a formação dessas
pequenas Igrejas de base. As Comunidades são a terra boa de onde
surgirão as vocações".
O Papa perguntou: “Nas Comunidades, há Presidente ou
Dirigente?”. Eu respondi: “Santo Padre, nós chamamos de
Animadores. Eles são muitos. Prestam serviços que nós chamamos
Ministérios. Por exemplo: o Ministério da Profecia, o Ministério da
preparação dos Sacramentos, o Ministério da Esperança na luta
dos Sindicatos, etc”.
Em seguida o Papa perguntou: “E o problema da Terra?” Eu respondi: “Santo Padre, ele é grave em todo o Brasil. Há cerca de doze
milhões de trabalhadores do campo sem terra. Os latifundiários
68
controlam 471 milhões de hectares inexplorados. Nós ajudamos
os trabalhadores rurais cristãos a conhecer o que a Bíblia ensina
sobre a terra e a lutar por um pedaço de Chão de Trabalho e de
Moradia".
O Papa perguntou: “Todo povo está nas Comunidades?” Eu respondi: “Nós acompanhamos melhor cerca de dez por cento. Mas
estes têm influência missionária na Massa”.
1) No dia 10 de setembro fomos nove bispos almoçar com o Papa.
Toda a conversa, de uma hora e quinze minutos, foi cordial, distendida e em português. O Papa pediu muitas informações sobre
o Nordeste, sobre as causas da miséria, sobre o problema da terra,
sobre os latifúndios, sobre a política oficial, sobre o trabalho da
Igreja.
Cada Bispo se sentiu à vontade para falar, para dar uma informação, até mesmo para contar uma anedota.
2) No dia 16 de setembro, o Papa recebeu os Bispos do Ceará,
Maranhão e Piauí, todos juntos.
Dom Aloísio saudou o Papa, em nosso nome, agradeceu pela
sua bondade nesta visita e disse algumas palavras como estas:
“O Nordeste é um Desafio à Missão da Igreja no Brasil. É um desafio porque o povo da nossa região caminha para um empobrecimento crescente. Este empobrecimento não é fruto da seca, como
muitas pessoas pensam. Também não é fruto da incapacidade, da
preguiça, do conformismo, nem do desinteresse pelo trabalho do
povo nordestino. Este empobrecimento é fruto de uma injustiça
permanente e estrutural. Ela é resultado da ação ou da omissão
política dos homens. E é o resultado do jeito como os homens se
apropriam e usam dos recursos naturais e criam relações injustas
69
entre si. O nosso povo Nordestino está ameaçado de genocídio. A
vida do povo do Nordeste está sendo destruída”.
Examinando estes dados, já aparece o quanto é exigente, para
nós Bispos, a evangelização a partir destes empobrecidos e daqueles que não respeitam os seus irmãos.
3) Hoje, 17 de setembro, na Capela pessoal do Papa, concelebramos a Missa com ele.
Na pregação da Missa o Papa falou:
“O Povo de Deus, de que vocês Bispos são Pastores, sofre a fome
de pão e, ao mesmo tempo, sente uma grande fome de Deus! A
fome de pão anda junto com a fome da Palavra de Deus e com a
fome dos Sacramentos.
É preciso empenhar-se com ardor para que a fome de Deus seja
satisfeita. Ao mesmo tempo, devem empregar-se esforços adequados para que seja saciada também a fome do pão!”
E, ao fim da Missa, o Santo Padre quis abençoar conosco todo o
povo de cada uma de nossas dioceses. E depois abraçou-nos como
despedida.
Dom Fragoso
Roma, 17 de setembro de 1985
Novembro/Dezembro de 1985
Páscoa: Terra de Deus - Terra de Irmãos
O Ressuscitado, Profeta da Vida e da Liberdade, nos convoca para
sermos companheiros dos Empobrecidos no seu Novo Êxodo para
a Terra Prometida:
“Terra de Deus – Terra de Irmãos”.
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O Novo Êxodo passa pela Palavra de Deus,
Pela Reforma Agrária, pela Participação Popular na Constituinte.
Respondamos “Sim” de mãos dadas.
Dom Fragoso
Crateús. 30 de março de 1986
Terra – Mãe da Vida
Durante a Quaresma, cerca de cinco mil Paróquias do Brasil estudaram o tema: “Terra de Deus – Terra de Irmãos”. E celebraram a
luta pela terra.
Essa luta continua. O “Plano Nacional de Reforma Agrária” é
mais pobre e mais fraco do que o “Estatuto da Terra”. Ele decide
desapropriar, em quatro anos, somente cerca de 15% a 20% dos
latifúndios.
A maior parte das Famílias de Trabalhadores Rurais Sem Terra
vai continuar Sem Terra. A Terra é a fonte da Vida. É a Mãe da Vida.
Sem terra, muitas famílias não terão o “pão” na sua mesa. E muitos dos seus filhos morrerão antes de um ano de idade. E muitas
mães não terão a quantidade de leite materno de que seus filhos
precisam.
A falta de terra é causa de morte. A luta pela terra é questão de
vida ou de morte. Deus fez a Terra para Todos os seus filhos que precisam dela para viver. Deus quer a luta pela terra. Mas Deus quer
também que os trabalhadores rurais se organizem nos Sindicatos
de Trabalhadores Rurais (STR), no Movimento Nacional dos Sem
Terra, nos Movimentos Populares, nos Partidos que defendem os
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Direitos das famílias do campo, nas Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs).
Povo desorganizado é povo fracassado.
Deus abençoe, na Diocese de Crateús, todos os que lutam pela
Terra – Mãe da Vida!
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1986
As terras da nossa Igreja
A Diocese de Crateús não quer apenas anunciar a Reforma Agrária,
lutar por ela e denunciar àqueles que têm terras não exploradas e
abandonadas e não querem permitir o trabalho dos trabalhadores
dentro delas. Nós queremos também dar o exemplo em nossas
próprias terras.A Diocese de Crateús quis fazer um pequeno passo, modesto, pequenininho. Nós tínhamos duas terras: a terra da
Betânia e a terra da Matriz de São Gonçalo.
Na Betânia (Crateús) nós tínhamos 490 hectares. Dois terços foram desmembradas e foram entregues a seis famílias que moram
lá para que elas pudessem entrar no Projeto Sertanejo, conseguissem financiamento para ter água, um pouco de gado, cercar sua
terrinha, fazer a casa de alvenaria e ter uma cisterna. Assim as seis
famílias têm uma condição um pouco melhor, pois já tem sua terra
para trabalhar, seu chãozinho para produzir seu pão.
A terra da Matriz de São Gonçalo (Ipueiras) são uns quatorze
sítios que foram doados há mais de cem anos para o serviço religioso da Paróquia. Lá moravam muitas famílias. Depois de muitos
anos de experiência, treinamentos, lutas, as terras estão sendo
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transformadas em Reforma Agrária através do INCRA que já assentou 143 famílias e está fazendo um pouco de infraestrutura.
Até o fim do ano o INCRA deve entregar a cada família o seu título de propriedade da terra e ajudá-las a se organizar em Associação
para produzir melhor e vender melhor o seu produto.Fazendo assim, a Diocese de Crateús não quer ser melhor do que as outras,
mas quer dizer que quem prega todos os dias a Reforma Agrária
deve começar por suas próprias terras.
Nossa Senhora ajude a Diocese de Crateús a não se gabar pelo
pequeno passo que ela deu doando suas terras. E ajude a ser mais
firme ainda no apoio à luta dos trabalhadores rurais pela terra de
que precisam.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1986
(Programa da “Ave Maria”
na Rádio Príncipe Imperial – Crateús)
A voz do povo da roça
Os homens e as mulheres, os rapazes e as moças que vivem na Roça
– chamados os Roceiros – tem muito o que dizer aos companheiros e o que escutar deles. Na sua cabeça, no seu coração, na sua
experiência, há tantos sonhos de um futuro mais livre. Há tantos
gritos que nascem de dentro de sua vida machucada e oprimida.
Os Jornais não oferecem suas páginas para a voz dos roceiros,
para os homens e mulheres de mãos calejadas. A Televisão quase
nunca apresenta a vida, as lutas, as esperanças do povo da roça.
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Graças a Deus, na Rádio Educadora e na Príncipe Imperial, há
programas que levam a voz dos trabalhadores rurais aos ouvidos
de seus companheiros.
O Roceiro é o Jornal, a Televisão, o Rádio do povo da roça. É a
sua voz. Nele podem escrever, publicar, suas notícias, colocar suas
poesias, encontrar os seus assuntos.
Vocês compreendem a importância d’O Roceiro. Reunidos, leem
e debatem. Conquistam outros para ler e assinar.
Da luta de vocês, sustentados na mão de Deus, vão nascer outros espaços, onde a voz do povo da roça pode ser espalhada e
escutada.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1986
Páginas de mão em mão, leitura de casa em casa
Trabalhador do campo, você está lendo o Roceiro? Você discute o
assunto com sua família?
Você se reúne com alguns companheiros e debate o seu Jornal?
Você tem convidado outros colegas para assinar também?
Eu penso, francamente, que você não espera que os latifundiários, os ricos, os poderosos venham fazer propaganda do Jornal
dos Trabalhadores Rurais.
O Jornal está em suas mãos.
Mande notícias para o seu Jornal. Conte, principalmente, as
lutar para unir e organizar os trabalhadores rurais.
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Vocês poderão ter um grande Jornal. Grande Jornal é aquele que
está nas mãos de todos os trabalhadores do campo e que entra em
todas as casas. Isso depende de você, também.
Deus abençoe todos aqueles que zelam pelo seu Jornal.
Seu velho bispo, Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1986
Por uma Nicarágua livre
Os Cristãos festejam a vinda de Jesus, dentro de uma família de
trabalhadores rurais há 1986 anos.
Celebram a vinda de Jesus hoje, no coração e na vida de todas
as pessoas de boa vontade.
Celebram a luta para que a irmandade dos seguidores de Jesus
seja companheira de caminhada de todos os pobres e oprimidos
para a terra prometida.
Os leitores de O Roceiro sabem, por experiência, que seu jornalzinho abriu e abre caminhos para Jesus.
Vamos espalhar mais O Roceiro? Vamos dobrar o número dos
que assinam ou compram o jornalzinho?
Vamos ler e debater, nas reuniões das comunidades e da CPT e
das delegacias sindicais? Vamos mandar notícias de nossas lutas
e vitórias para O Roceiro?
Neste Natal, ninguém esqueça da campanha dos cem milhões
para a Nicarágua.
É cada vez mais urgente a nossa solidariedade com o povo nicaraguense que é perseguido e assassinado, mas luta com garra
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para ter um país livre e respeitado. Viva Jesus camponês, no dia
de sua festa de nascimento!
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1987
A Campanha da Fraternidade de 1987
Vocês se lembram de que, cada ano, desde a quarta-feira de Cinzas
(4 de março) até a Páscoa (19 de abril), os cristãos de todo o Brasil
são chamados para Viver uma Campanha da Fraternidade?
Cada ano, tem um assunto importante. Em 1987, o assunto é: as
crianças e os rapazes e moças de dezoito anos para baixo, sobretudo
os abandonados. Vocês sabem quantos são no Brasil? Trinta e seis
milhões. Muitos desses vivem, sofrem e morrem na redondeza das
grandes cidades. Vieram do campo, porque os pais não tinham
terra para trabalhar nem condições para zelar por eles.
E, no ambiente desumano da cidade grande, viraram pixote,
moleque, pivete, assaltante, ladrão.
De quem é a culpa? Que podemos fazer, nesta Campanha da
Fraternidade, para todo mundo se lembrar desses menores?
Vamos encontrá-los, querer bem a eles, escutá-los, descobrir
porque estão abandonados, rezar por eles e ajudá-los a se organizarem para lutar por um mundo mais humano?
Cada um de nós traz, no coração e na memória, a palavra de
Jesus; “quem acolhe o menor a mim acolhe”.
Dom Fragoso
Fevereiro/Março de 1987
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Primeiro de Maio
Todos os Trabalhadores Rurais, os Operários das Fábricas, Usinas e
Comércio, os Biscateiros, os Desempregados – Homens e Mulheres,
Rapazes e Moças, crianças – tem neste Primeiro de Maio o Seu Dia.
Com o trabalho de suas mãos e o suor do seu rosto, produzem
alimento, roupas, casas, transporte, remédios.
Sem o trabalho humano, a humanidade morrerá.
Toda a Sociedade depende dos trabalhadores, para poder viver.
Mas os trabalhadores são privados e esquecidos, no Nordeste,
no Brasil e no Mundo. Todos os trabalhadores tem de se unir e
se organizar em suas Comunidades, em seus Sindicatos, em
suas Cooperativas, nos Movimentos Populares, na Política, na
Constituinte. Unidos, defenderão sua Dignidade e seus Direitos
Humanos.
O grito unido dos trabalhadores vai estourar os ouvidos dos
poderosos que exploram o suor humano e vivem do sangue machucado dos seus irmãos operários.
Os trabalhadores Rurais não se deixam comprar por promessas.
O Povo Unido Jamais Será Vencido!
Os Trabalhadores cristãos acolhem Jesus Cristo, carpinteiro e
filho de carpinteiro, como o seu Amigo.
E encontram na palavra de Deus a Fonte de sua força e de sua
Solidariedade.
Viva o 1º de Maio de 1987!
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1987
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Como Deus quer: organizados, conscientes e firmes na fé
A Seca entrou em todos os roçados. Secou o milho apendoado.
Matou o feijão. Colocou tristeza nos olhos dos pais e das mães de
família.
E avançou pelas casas dos trabalhadores sem terra. Esvaziou os
pratos de milho e feijão e farinha. Apertou a barriga dos doentes,
das pessoas mais fracas, das mães que amamentam os filhinhos,
das crianças desnutridas.
Os trabalhadores – homens e mulheres – foram se juntando.
Procuraram trabalho, para ganhar o sustento com o suor do seu
rosto. Não havia trabalho. Então foram juntos buscar o alimento
nos armazéns do governo. O governo comprou os gêneros com o
dinheiro do povo. Eles pertencem primeiro aos famintos, na hora
de grande necessidade.
Quadro triste, o da Seca!
Nosso Deus está escutando o grito do seu povo faminto.
Nós, cristãos, também vamos abrir o coração e os ouvidos.
Quanto mais o povo sofrido se unir, na hora da seca, mais se
torna uma fraternidade como Deus quer.
Nas suas Comunidades, buscam na Palavra de Deus e na
Amizade dos companheiros a Força da União e a Coragem da Luta.
Através do Sindicato, dos Movimentos Populares, das
Associações de Trabalhadores, gritem, cobrem, reivindiquem
Trabalho, Salário Justo, Alimento, Obras Comunitárias.
Não acreditem em Planos e Promessas.
Guardem os olhos abertos para analisar a situação, descobrir
as causas, perceber quem são os amigos do povo.
Não se deixem enrolar.
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Esta seca que está entrando na vida do povo com cara de bicho, vai acabar. E, pela graça de Deus e pela luta unida dos
Trabalhadores, vocês vão se tornando mais organizados, mais conscientes, mais firmes na fé.
Vamos caminhar juntos.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1987
Partilha da terra
Achei tão lindo o que vi, que desejo contar para os leitores de O
Roceiro.
Durante a Visita Pastoral à Paróquia de Tamboril, estive na
Comunidade de Varjota. Onze trabalhadores rurais se uniram
para uma experiência comunitária: uma Roça, um Cacimbão,
uma Horta. Parte do seu trabalho é financiado pelo Projeto São
Vicente que já lhe forneceu um burro, um arado, cimento, cal e
outras coisas.
Para preparar a Experiência comunitária deles, a “Emergência
da Seca” lhes deu onze trabalhadores que fazem a broca comunitária. Reunidos debaixo de uma latada de mofumbo, descobriram
o seguinte:
1) Quem deu a terra? Francisco Gomes da Silva (Chico Gomes),
proprietário de sessenta hectares, ofereceu, com sua mulher, em
cartório, quatro hectares. É um dos onze, com o mesmo direito que
os outros! Eu sei que outros proprietários podem fazer a mesma
coisa. O Evangelho do Amor de Irmãos é vivido sob a forma de
Partilha da Terra.
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2) Os onze trabalhadores rurais da experiência comunitária, no
fim do ano terão roça, cacimbão, horta e assistência técnica. Os
onze trabalhadores da Emergência não terão nada. E correrão o
risco se vier uma “seca” com a família em 1988.
Pensando nisso, os onze da Experiência decidiram propor à
Comissão Comunitária: 1º) que os colegas deem só um dia por semana na broca; 2º) que possam, nos outros quatro dias da semana,
em rodízio, preparar os seus próprios roçados para 1988; 3º) que a
EMATERCE obtenha para os onze da Emergência, semente sadia e
selecionada no fim de novembro, de modo a aproveitarem desde
as primeiras chuvas do próximo inverno.
É por causa de muitos exemplos desses que espero que a seca
de 1987 se torne uma Escola de onde os trabalhadores saiam mais
Conscientes, Unidos e Firmes na luta pela Reforma Agrária.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1987
As mulheres da seca
No tempo duro da seca, muita gente se lembra dos Trabalhadores.
E tem razão. Eles precisam de trabalho para ganhar a vida, para
si e para a família. Os Trabalhadores têm Direito ao trabalho, em
condições humanas. Esmola humilha o homem válido, que pode
ganhar o pão com o suor honesto do seu rosto.
Mas, das Mulheres quem se lembra? Elas sentem mais de perto
a fome dos filhos, dos doentes, dos idosos. Elas precisam de alimento sadio e nutritivo, durante o tempo de gestação.
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Quando se alimentam pouco e mal, não produzem a quantidade de leite materno indispensável para o seu filhinho, que amamenta. Pouco alimentada com o leite materno, a criança enfraquece e não resiste à doença. Quantas mães vêem, com o coração
dilacerado, os filhinhos mortos antes de um ano de nascidos!
As mulheres sabem que Deus Não Quer Isto. Por isso muitas
trabalham no artesanato (labirinto, crochê, bordado, renda), nas
hortas comunitárias, na cerâmica.
E estão aprendendo a se Organizar e a Gritar.
Deus escuta o grito das Mulheres, no tempo da seca.
As Comunidades, a Igreja, o Governo devem ter os ouvidos abertos para escutar “O grito de milhões de escravas”. E devem ter o
coração aberto para compreendê-las, amá-las, apoiá-las.
Mulheres, minhas Irmãs, confiem em Deus. Deem as mãos
umas às outras. E não se calem!
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1987
Feliz Natal
Trabalhador Rural,
Se você não tem trabalho para alimentar a sua família com o
fruto do suor do seu rosto.
Se só há uma pessoa empregada na Emergência e sua família
é numerosa.
Se um salário mínimo não dá nem para a comida e você precisa
de roupa, calçado, saúde, educação dos filhos.
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Se na seca de 1980 a 1983, o governo deu a proprietários de terra cinquenta, cem e até duzentos homens, durante meses, para
construir o Açude deles e não descontou do proprietário e, agora
desconta dos 15 dias que você teve para botar o seu roçado.
Se seus filhos rapazes foram forçados a viajar para longe em
busca de trabalho e você perdeu a ajuda dos braços deles em seu
roçado.
Como é que eu posso desejar a você um Feliz Natal?
Não é quase um insulto a você?
Eu desejo que Jesus de Nazaré acenda uma esperança em seu coração. Que Ele leve você a se unir com seus companheiros que lutam por terra de Moradia e de Trabalho, por Saúde para todos, por
Casa de gente para todos, por Liberdade, Justiça e Paz para todos.
Que Ele nasça na luta de vocês, dê coragem e destemor, fortaleça sua união e sua organização.
Que o sinal deste Natal seja o Mutirão dos trabalhadores que
lutam por uma Sociedade Nova.
Na Ciranda da Fraternidade que vocês cantam e dançam de
mãos dadas, Jesus de Nazaré, pequenino e frágil como uma criança, anuncie a todos a Boa Notícia da Libertação.
Neste sentido eu desejo a cada um de vocês e a sua família.
Feliz Natal!
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1988
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A Campanha da Fraternidade de 1988
Meus Irmãos Roceiros:
Neste começo do ano de 1988, quero levar a cada um de vocês
meu abraço.
Vocês estão lembrados de que, durante vinte e cinco anos, os
cristãos do Brasil celebram a Campanha da Fraternidade no tempo da Quaresma? A Quaresma é o tempo que vai, em 1988, do dia
dezessete de fevereiro até o dia três de abril. Dezessete de fevereiro
era a quarta feira de cinzas, três de abril será o Domingo de Páscoa.
O tema desta campanha é A Fraternidade e o Negro, com a frase:
“Ouvi o clamor deste povo”.
Existem negros nos doze municípios da Diocese de Crateús.
Existem cerca de sessenta milhões de Negros no Brasil. Desde 1530
até 1888, a Escravidão dos Negros era reconhecida pela Lei. No dia
treze de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea que não aceita mais
a Escravidão. Vocês conhecem suas comunidades e seu município.
Nestes cem anos, de 1888 a 1988, acabou-se mesmo a Escravidão?
Os Negros são tratados com os mesmos direitos dos brancos? Em
nossas conversas, histórias, anedotas e ditos, o negro é, mesmo,
respeitado e valorizado?
Nós, cristãos, cremos que o Negro é Gente, tem uma dignidade
de Pessoa Humana, é Filho de Deus, é Irmão Nosso.
Vamos trabalhar, lutar e rezar para, em nossa Diocese, nós vivamos em Fraternidade com todos os Negros.
Escravidão, Nunca Mais! Para isto, ação organizada e constante.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1988
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Maria, Mulher
Meus amigos, trabalhadoras e trabalhadores rurais, quando vocês
estiverem lendo este número d’O Roceiro, será maio.
Maio, mês de Maria.
Primeiro de Maio: dia do Trabalho. Maria foi uma trabalhadora rural, na sua pequena comunidade de Nazaré. Esposa de um
carpinteiro e pequeno agricultor. Filha de um casal de pequenos
agricultores e migrantes, Ana e Joaquim.
Oito de Maio: dia das mães. Maria é mãe de Jesus. Mãe de toda
a humanidade, Mãe, sobretudo, dos pobres e oprimidos.
Treze de Maio: cem anos da “Lei Áurea” que “aboliu” a escravidão no Brasil. Maria sofre na carne de suas filhas e de seus filhos
negros a opressão que pesa sobre eles ainda hoje. A todos ela diz
agora: o que vocês fizerem ao menor dos sessenta milhões de negros do Brasil é a mim que vocês estão fazendo.
Vinte e dois de Maio: festa de Pentecostes, Maria estava tomando parte na novena de preparação com os apóstolos em Jerusalém,
quando o Espírito Santo lhes foi enviado, cinquenta dias depois da
Ressurreição. Ainda hoje, Maria reza com toda a Igreja para que o
Espírito Santo ilumine e conduza o Povo de Deus.
Maio, mês de Maria.
E Maria é Mulher.
Nela são abençoadas todas as mulheres do mundo. E todas são
convidadas a seguir os passos dela.
É Maria que toca o coração de todo homem de boa vontade para
respeitar a mulher, amá-la com amor que liberta, construir com
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ela o Novo céu e a Nova terra, desde agora. Viva Maria, Mulher!
Viva o Mês de Maio!
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1988
Aos pais trabalhadores, por uma terra de irmãos
Cada edição de O Roceiro me dá a alegria de escrever esta página
aos leitores.
Desta vez, escrevo aos Pais Trabalhadores. Quero abraçá-los e
felicitá-los por duas datas muito queridas: 25 de julho, dia dos lavradores, e 14 de agosto, dia do papai.
Todos nós, filhos de lavradores (o meu pai vive aos 90 anos!),
devemos muito aos nossos pais.
De vocês, nós herdamos sangue, coração, jeito de ser, cultura,
fala, religião de camponês. Damos graças a Deus por isto!
E, nestas duas datas, estamos bem unidos a vocês.
No dia 25 de julho, celebramos com vocês a Luta dos
Trabalhadores e todos os Lavradores que deram sua vida pela
Justiça.
No dia 14 de agosto, celebramos a Festa do Papai. Mas colocamos no mais fundo de nossa afeição os pais que não têm terra, não
têm casa, não têm condições humanas de vida!
Um dia todos nós seremos irmãos, vivendo numa Terra de
Irmãos.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1988
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Igreja de Crateús, 25 anos de caminhada
A Igreja de Crateús celebrará 25 anos de caminhada.
Ela nasceu no dia 09 de agosto de 1964.
Eu sou o Bispo Diocesano, desde o nascimento desta Igreja.
Como Pastor, estou convidando para a Celebração alegre que
se inicia no domingo, 7 de agosto de 1988:
As Comunidades Eclesiais de Base,
Os Setores Pastorais,
As Paróquias,
Todos os cristãos que acompanham a caminhada,
Todos os que trabalharam conosco e hoje residem, lutam ou
trabalham fora.
Recordaremos os momentos de Descoberta, de Amizade, de
Mutirão Fraterno, de Construção de um Rosto Novo – para agradecer a Deus e para festejar juntos.
Recordaremos os momentos difíceis, com suas Lutas, Recuos,
Abandonos e Perseguições – para testemunhar a presença do
Pecado e da Cruz.
E teremos, diante dos olhos, o horizonte que nos mobiliza e dá
sentido à nossa Igreja: a opção pelos pequenos e os pobres.
Do lugar dos pequenos e dos pobres, nossa Igreja é chamada
a anunciar a Esperança numa Sociedade Nova que é ensaio do
Reino de Deus.
Durante o Ano Celebrativo, faremos um Processo de Avaliação
de Vida desta Igreja na luz do objetivo: ser uma Igreja Popular e
Libertadora.
As Santas Missões em todas as Paróquias, a Romaria de
Abertura, na Matriz de São Gonçalo (18 de setembro de 1988); a
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Romaria de Encerramento para a Catedral do Senhor do Bonfim,
nosso Padroeiro – nos motivarão para assumir em estilo popular,
compromisso renovado.
Para a Memória, será publicado um Livro e será realizado um
Vídeo-Cassete (filme) que permita a todos, guardar a imagem, a
história e a graça desses 25 anos.
Para nós, tudo o que se realizou de bom, de sadio, de novo, é
Graça de Deus, acolhida por nós.
Sem orgulho, nesta Festa de Irmãos, louvaremos ao Deus Vivo
e nos fortaleceremos para novos passos na caminhada.
Dom Fragoso
Crateús, 07 de agosto de 1988
Setembro/Outubro de 1988
Amanhã será outro dia!
Estamos vivendo acontecimentos que merecem nossa reflexão:
1º) Vinte anos de Medellín, o Concílio falou para os cristãos do
mundo todo, dizendo: A Igreja é o Povo de Deus (1962-1965).
Em 1968, os Bispos da América Latina se reuniram na cidade
de Medellin, na Colômbia e, partindo da análise de nossa situação, disseram: O Rosto da Igreja na América Latina, deve ser um
rosto de pobre.
Vinte anos depois, nós nos perguntamos: que caminhos andamos para que a nossa Igreja se torne servidora e pobre?
2º) Vinte e cinco anos da Igreja de Crateús.
Até onde nós tomamos o Concílio Vaticano II e Medellín e tentamos viver, de nosso jeito, nos Sertões dos Inhamuns e de Crateús?
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As CEBs, os Setores Pastorais, as Paróquias, a Diocese, todas
estão comprometidas com esse processo de avaliação. Nos dias
29 a 30 de outubro, em Crateús, reúnem-se as Comissões e representantes das Equipes paroquiais com a assessoria do ISER, para
planejar essa avaliação.
3º) Quinhentos anos da “invasão” da América Latina.
Em 1492, o que é que houve? “Descoberta”? “Colonização”?
“Evangelização”? Ou “Invasão das Terras”, assassinato dos índios
e cumplicidade da Igreja?
Evitando todo triunfalismo “inocente”, vamos estudar o que
houve mesmo nesses 500 anos e lutar por um futuro de ligação
entre a Fé e a Vida!
4º) A Constituição foi promulgada.
Dentro dela, há conquistas e ganhos por causa das Emendas
Populares e das pressões dos Trabalhadores. Vamos conhecê-los
e cobrar a sua aplicação.
Ao mesmo tempo, vamos ganhar força e experiência para conquistar aquilo que os Constituintes negaram aos Trabalhadores,
sobretudo a Reforma Agrária.
Estamos no Advento – Natal. Só se luta por sonhos e causas tão
grandes, quando temos a certeza de que não estamos sozinhos.
Vai chegar (tempo do Advento) o Libertador do Povo e da
História, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Demos as mãos uns aos outros. Seguremos a Mão de Jesus
Libertador e o Amanhã será outro dia!
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1988
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Feliz Ano Novo: participação, fé, estudo e luta!
Feliz ano novo para todos vocês que escrevem, lêem e espalham
O Roceiro!
Novo, mas carregado das sementes boas, plantadas e cultivadas em 1988; na vida de vocês, nas comunidades, nos movimentos populares.
Qual é o novo que desejo a vocês em 1989?
1) Participem de suas Comunidades. Fortaleçam a Irmandade
e a Fé. Articulem as Comunidades para todos os Movimentos
Populares e para o “povão”.
2) Amem a Igreja Popular. Lutem para que a palavra de Deus
seja mais conhecida, meditada, rezada, estudada. Tentem ligar
sempre a Palavra de Deus com a Vida e a luta. Pensem que as
Igrejas que ainda não são populares também são a única Igreja
de Cristo.
3) Reforcem a participação dos Trabalhadores, sobretudo dos
jovens e das mulheres no Sindicato (STR), mas ninguém esqueça
que os trabalhadores também estão nos Sindicatos da Construção
Civil, dos Comerciários e outros. Procurem entrosar-se com eles.
4) Estudem as conquistas populares na Constituição e juntos
cobrem a sua aplicação
5) Tomem parte na luta pelos Direitos do Povo na Constituinte
Estadual do Ceará que está sendo discutida e elaborada.
6) Interessem-se pela Lei Orgânica dos Municípios, que será
discutida e elaborada depois da Constituição Estadual.
7) Lutem para mobilizar os trabalhadores da cidade e do campo
para se organizarem em Partido Político que defenda os Direitos
e a Dignidade dos Trabalhadores.
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8) A eleição do Presidente da República, em fins de 1989, vai
exigir de vocês muito estudo, muita análise, muita clareza, muita garra.
9) Organizem-se na Pastoral da Terra, animada e assessorada
pela CPT!
Leitores, isso que eu chamo Novo em 1989, para vocês é Novo
mesmo? Será que estou desejando demais?
Um abraço fraterno de Dom Fragoso.
Janeiro/Fevereiro de 1989
Viva O Roceiro!
Os Trabalhadores Rurais têm direito de se comunicar. A Televisão
não abre espaço para eles. A Rádio quase não deixa voz livre para
eles. Os Jornais não escutam os Trabalhadores.
Mas vocês, Trabalhadores Rurais, não se deixam abater.
Inventam seus próprios meios de Comunicação.
Vocês criaram e sustentam O Roceiro. Vocês escrevem, mandam
notícias de suas Comunidades e de suas Lutas.
Vocês assinam o seu Jornal. E fazem propaganda, motivando
os colegas para assinarem. Quase dois mil números de O Roceiro
saem a cada dois meses.
Vocês lêem nas suas Comunidades, nos seus Movimentos
Populares, no seu Sindicato. O seu Jornal é a Voz das Famílias do
Campo e da Cidade. Vocês compreendem que dois mil exemplares
são muito pouco. Este ano pode subir para três mil, para quatro
mil ou para cinco mil. Vamos espalhar mais O Roceiro?
90
A nossa Diocese de Crateús, que deseja ser Popular e Libertadora,
está celebrando vinte e cinco anos. Começou em 9 de agosto
de 1964.
O Roceiro está ajudando a dar as notícias, a comunicar a informação, a celebrar a caminhada.
Os Grandes têm o seu Jornal. Os Trabalhadores Rurais também
têm a sua voz, o seu O Roceiro.
Amanhã, O Roceiro poderá ser o Grande Jornal dos Pequenos
do Sertão. Viva O Roceiro!
Dom Fragoso
Março/Abril de 1989
A CNBB e a luta por uma sociedade nova
Meus Caros Leitores,
Em São Paulo, na pequena cidade de Itaici, estivemos reunidos duzentos e sessenta cardeais, arcebispos e bispos. Era a 27ª
Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
– CNBB.
Eu sei que vocês e suas comunidades querem notícia desta
Assembleia que durou dez dias completos. Ela foi um espaço gostoso de convivência de irmãos. A gente se encontrou, alguns, pela
primeira vez. Rezamos juntos, com boa participação na missa, na
oração da manhã, na oração do meio-dia e da tarde, no retiro pregado por Dom Aloísio Lorscheider.
O assunto central foi: “Exigências Cristãs da Ordem
Democrática”. Encontramos na Constituição algumas conquistas populares, como por exemplo: Ação popular, na defesa dos
91
Direitos; Mandado coletivo contra os abusos do poder; Alguns
direitos dos trabalhadores e da mulher; Os direitos pessoais e sociais dos cidadãos.
Analisamos os pontos negativos: A morte da Reforma Agrária;
A falta de regulamentação de mais de 200 leis que estão na
Constituição.
Depois convidamos todos os cristãos do Brasil a cobrar a aplicação das leis constitucionais, a participação nas Constituintes
Estaduais, a exigir os Direitos do povo nas Leis Orgânicas do
Município.
O segundo assunto foi: “Novo impulso à vida litúrgica”. Para
celebrar os vinte e cinco anos da Reforma da Liturgia, decidida no
Concílio Vaticano II, debatemos e aprovamos um Documento que
estimula a Igreja a ser criativa na Oração Pública.
Também debatemos a CPT Nacional e sua articulação com a
Pastoral das Dioceses, a situação dos índios, a conjuntura do Brasil
e a caminhada da Teologia.
Quero agradecer a vocês a oração que fizeram por seus bispos.
Quero convidá-los para tomar conhecimento dos assuntos que os
Bispos de todo o país tentaram esclarecer.
A luta por uma Sociedade Nova, no Brasil, é cada vez mais necessária. Nossa fé nos motiva para a luta e nos sustenta nas horas
do desafio. Um povo unido na mesma fé e na mesma luta muda
os rumos de um país.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1989
92
Esse homem é apenas o vosso servo.
Eu sou, nesta querida Diocese de Crateús, um homem que Deus
envia, um homem que nasceu no sertão da Paraíba, nordestino
como vocês, irmão de vocês, que ama esse pedaço de terra onde
Deus vos plantou e onde eu quero viver e quero amar.
Hoje eu sou Cearense, eu sou de Crateús. Meus amigos, esse homem que Deus vos envia, não vai ser o vosso chefe, não é aquele
que comanda, não é aquele que dirige, não é um homem que responde as grandes expectativas deste povo. Esse homem que Deus
vos envia, que deve ser o vosso pai, e vosso guia, é apenas o vosso
servo. Eu vim aqui para servir a esse povo bom que Deus me confia, é isto o que deveis esperar de mim, aquele que serve! E porque
eu quero servir, eu quero amar essa terra boa, para onde Deus me
mandou. Eu quero amar os operários desta terra, eu quero ajudá-los com o calor do meu entusiasmo na sua promoção. Eu quero
ajudar os camponeses dessa terra, todos eles sem nenhuma exceção, todos eles unidos, organizados, lutando pela sua promoção,
para ocuparem um lugar ao sol ao lado dos outros seus irmãos.
Para construírem um Nordeste mais justo e mais humano.
Eu quero amar os estudantes desta terra, eles são a esperança
de Crateús, mas, eu quero amá-los sobretudo sabendo que eles
se comprometem desde já, a lutar pela promoção desta terra. Eu
sei que os estudantes compreenderam que há uma grande fascinação nas cidades maiores, e por isso as elites se vão, impedem a
promoção de uma terra. É preciso que os estudantes de hoje, que
são os privilegiados, os que podem estudar e encontrar um apoio,
que eles possam dedicar-se a sua terra.
93
Eu quero amar as famílias desta terra, elas sem nenhuma exceção, famílias cristãs, unidas, alegres e felizes são o futuro melhor
desta terra.
Eu quero saudar também as crianças, todos jovens e todas as
jovens, os noivos e as noivas, eu quero saudar os jovens casais que
tem maior responsabilidade com seus filhos.
Eu quero saudar as autoridades, uma por uma, cada uma com
uma tarefa específica e com uma responsabilidade maior.
Eu quero saudar os da rádio.
Eu quero saudar todos e cada um, não queria esquecer ninguém, sem nenhuma exceção, e a todos eu quero acolher como
meus amigos, e a todos eu quero abraçar, neste dia em que entro na sua Diocese, que se tornou agora a minha Diocese, a nossa
Diocese.
Meus amigos, trabalhemos unidos para construir o Reino de
Deus nesta terra, trabalhemos unidos para ver um Crateús cada
vez mais feliz!
A todos, muito obrigado!
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1989
(Excerto do Discurso de Posse de Dom Fragoso na
Diocese de Crateús – em 09 de agosto de 1964).
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Vinte e cinco anos de Fé e Vida
Caminhamos Muito, em vinte e cinco anos.
Caminhamos Pouco, se olharmos o horizonte da Sociedade
Nova e da Igreja com rosto de povo aonde queremos chegar.
Recordando os vinte e cinco anos, sentimos vontade de gritar:
“Nosso Deus caminhou conosco”.
Sonhando com o futuro, somos convidados a pensar: não temos direito de descansar em cima das vitórias conquistadas – as
CEBs, as Oposições Sindicais, a Paixão pela Palavra de Deus, a
Participação ativa na política partidária, os Mutirões, a Fé ligada
com a Vida. Tudo isto foi um etapa linda, na caminhada. Deus nos
proteja para o amanhã.
Os meios populares, marcados pela opressão da fome, do desemprego, da falta de Terra, de Moradia, de Crédito, de Liberdade,
nos projetam para o Horizonte da Libertação.
Deus e o Povo dos cristãos nos projetam para uma Igreja Popular,
numa Sociedade Nova.
Profundamente reconhecidos ao nosso Deus, Companheiro,
Pai e Amigo, vamos nos dar as mãos numa Grande Ciranda, num
Grande Mutirão. Com o olhar fito na Terra Prometida e com os pés
fincados no chão da Realidade, Vamos Continuar a Caminhada.
O Roceiro será um instrumento de informação, de troca de experiências e de unidade.
Povo de Deus em Busca da Libertação.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de1989
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Uma Luta por Consciência e Libertação
Andando por países estrangeiros – Estados Unidos, França, Suiça,
Alemanha, Bélgica e Espanha, não esqueço vocês, sua luta, suas
comunidades, seus movimentos populares, sua cruz pesada.
Cada vez mais me convenço de que, sem a luta consciente e
organizada de vocês e de todo o povo oprimido, a Sociedade se
tornará mais rica, mais poderosa e mais injusta.
Visitei Paulette, na França. Durante cinco anos ela ajudou a
organização dos Sindicatos na Diocese: Ipueiras, Crateús, Novo
Oriente, Tauá e Poranga.
Ela ajudou o começo do Ninho, em Crateús.
Visitei Chica e Bernardo, nossos companheiros e amigos durante seis anos. Foi tão gostoso recordar a caminhada que fizemos juntos. Visitei a mãe da Raimunda, que trabalhou dez anos
no Maranhão. Ela acaba de fazer cem anos. Está firme, lúcida e
cheia de vida. Visitei os pais de Paco: Ramón e Maria Teresa, na
Espanha, uma festa!
Estive, durante uma semana, reunido com Bispos do Japão, do
Camboja, da Itália, da Espanha, do Panamá, do Peru, da Argentina,
do Uruguai e do Brasil. Desde o Concílio, decidimos ser irmãos,
numa Pequena Fraternidade.
Ainda devo participar de um curso de dez dias, com bispos de
vários países em São Paulo. Eu tenho que estudar para não ficar
sobrando.
Um abraço para vocês.
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1989
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As leitoras e a Campanha da Fraternidade
Vocês estão recebendo o 1º número de O Roceiro, em 1990.
Este ano, o nosso Jornal vai depender muito de vocês. Quem
vai escrevê-lo são vocês, seja sozinhos, seja com a família, seja nas
reuniões da comunidade.
Quem vai discuti-lo são vocês. Quem vai espalhá-lo e conseguir
novos assinantes são vocês.Lembram-se de que, desde a quarta-feira de Cinzas até a semana Santa, nós cristãos, vivemos o tempo da Quaresma? Na Quaresma, toda a Igreja, no Brasil, celebra a
Campanha da Fraternidade, isto é, lutamos e rezamos para Viver
como Irmãos.
Sabem qual é o assunto da Campanha da Fraternidade em 1990?
É o seguinte: A Fraternidade e a Mulher. Seu lema é: Mulher e
Homem: Imagem de Deus.
O que queremos com a Campanha da Fraternidade de 1990?
1º Conhecer melhor como as mulheres são tratadas em casa, na
comunidade, na política, na sociedade e na Igreja. As mulheres
acreditam mesmo no valor que têm e lutam para que sua dignidade seja respeitada?
2º Refletir sobre a mulher como imagem de Deus, companheira igual ao homem, esposa, mãe, construtora com o homem da
sociedade nova.
3º Organizarem-se as mulheres para viver felizes, serem amadas e valorizadas, assumir seu papel insubstituível na Sociedade
e na Igreja.
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Eu sei que as leitoras vão escrever muito para O Roceiro, sobre a
Campanha da Fraternidade. Nós, homens, queremos escutar vocês
com alegria e acolher sua plena participação.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1990
A Seca e a Cerca
Seca, em 1990! Seca, de novo. Seca verde. Seca e fome.
Todas as famílias de trabalhadores do campo e da cidade estão
aflitas. Começou pelos Sertões-Centrais. Foi ocupando os Sertões
de Crateús e os Sertões dos Inhamuns. Vai abater-se, como um
peso de chumbo, sobre todos os trabalhadores.
Ainda faltam dez ou onze meses para ter safra de novo, se chover em 1991.
Cada família de trabalhador põe a cabeça para pensar e o coração fica batendo forte e descompassado. Pensa nas crianças de
peito que vão pagar um preço alto, sem culpa. Pensa nos doentes
e nos idosos que se tornarão mais frágeis ainda.
Pensa nos rapazes que, em dezenas de milhares, já fugiram este
ano para o Sul ou Centro do país, em busca de trabalho. Estão sendo expulsos de lá, pelo desemprego e os efeitos do Plano Collor.
Mas, não existe um “plano de emergência” do Governo do
Estado do Ceará?
Está começando, devagar, com preguiça, a passo de jumento,
enquanto a fome está chegando na velocidade de avião a jato.
Uma só pessoa por família. E os outros, que também comem?
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Diária de cinquenta cruzeiros. Será que dá para uma pessoa
almoçar? E os outros membros da família?
Molhado dos açudes particulares. Mas a quem vai beneficiar, se
a gente sabe que até hoje a água só correu para o mar?
Será que é mesmo a Seca que está acabando com os Cearenses?
Ou é a Cerca, que controla as águas dos açudes públicos e dos açudes “particulares”? ou é a Cerca que controla os quarenta milhões
de hectares do Nordeste, que estão nas mãos do Latifúndio?
Sua cabeça, meu amigo trabalhador, deve estar muito confusa,
diante da Seca de 1990.
Mas, uma coisa me deixa carregado de Esperança:
Vocês estão fazendo levantamento da situação.
Vocês estão enviando documentos e abaixo-assinados às
Autoridades. Vocês não estão pedindo Esmola de assistência e de
distribuição de alimentos, como se vocês fossem mendigos.
Vocês querem Trabalho, para ganhar o seu pão com o suor honesto do seu corpo de trabalhador.Vocês querem um Salário que
permita sua família sobreviver como gente.Vocês querem que o
uso do molhado dos açudes seja permanente. Não é verdade que
vários açudes “particulares” foram construídos com o suor de vocês e o dinheiro do povo, na Grande Seca?
Vocês não são invasores nem malandros. São homens de bem.
Se vocês não são acolhidos nas suas reivindicações, é claro que
não vão deixar seus filhos morrerem à mingua!
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Nós, cristãos, não podemos ficar surdos ao grito de vocês. Deus
nos dê Garra e Fé para sermos seus Companheiros de Luta.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1990
Dia do Trabalhador
Os Trabalhadores, as Trabalhadoras, as Famílias dos Trabalhadores
também tem o seu Dia: 25 de julho de 1990.
Está chegando o tempo em que os Trabalhadores não precisarão mais de Padrinhos, de Protetores, de Paternalismos, de
Assistencialismos. Os Trabalhadores têm Coração e Sensibilidade,
têm Coragem e Sabedoria, têm Voz e sabem Gritar.
Os Trabalhadores estão descobrindo que não precisam mais de
Partidos burgueses para representar a classe. Querem ter o seu
Partido ou os seus Partidos. Querem ter Sindicatos livres e combativos. Querem participar nas decisões políticas e econômicas
do país. Durante as Secas ou as Enchentes, durante as Crises, os
Trabalhadores sabem o que precisam e querem Conquistar o respeito aos seus direitos e a sua dignidade.
Abaixo o Assistencialismo que trata os Trabalhadores como esmoleres. Eles querem é Trabalho e Condições Justas de Trabalho
para ganhar o pão com dignidade, com o suor honesto do seu rosto.
Abaixo o Cabrestismo que compra votos nas Campanhas eleitorais. Abaixo a Dominação de líderes da Igreja. Os Trabalhadores
também são Igreja e querem ter iniciativa e autonomia, nas suas
expressões religiosas.
100
Essa Luta dos Trabalhadores será longa e exigente. A classe precisa Organizar-se nos Partidos, nos Sindicatos, nas Associações,
nas Comunidades, nos Movimentos Populares. Precisam saber
analisar a Sociedade em que vivem, os Mecanismos Perversos da
Economia, a situação da Terra que lhes foi roubada pelo Latifúndio.
Precisam Enxergar.
O Dia do Trabalhador é o espaço para que os Trabalhadores se
reúnam, debatam com garra seus problemas, fortaleçam sua luta,
elaborem suas reivindicações.
Os Trabalhadores Cristãos vão encontrar na Palavra de Deus sua
Fé, a Luz para a sua caminhada e a Força para a luta.
Os Cristãos, que não pertencem à classe trabalhadora, participem da celebração do Dia do Trabalhador, apoiem suas lutas e
reivindicações, se tornem Companheiros e Irmãos.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1990
Luta pela terra
Os cristãos que vivem da Terra, em que Deus a criou para Chão de
Trabalho e Chão de Moradia de todos — precisam dela para viver
como irmãos na alegria e na paz.
Não esperem que, de modo espontâneo, os donos de grandes
propriedades e os políticos venham oferecer a vocês a liberdade
de usar a Terra. Nunca se faz uma Reforma Agrária massiva e justa de cima para baixo.
101
Trabalhadores lutam, conquistam a terra e, com seu voto, elegem os legisladores que fazem as Leis. E continuam acompanhando, de olhos abertos e vigilantes, a aplicação da Lei.
A luta pela Terra é um direito dos Trabalhadores!
Reunidos, agora, as Mulheres e Homens que lutam nas Áreas
de Conflito e nas Áreas de Assentamentos, descobriram que já
foram conquistadas mais de vinte mil hectares, nos Municípios
dos Sertões de Crateús e dos Inhamuns. É muito pouco. Mas é
uma Vitória Grande. Já dá para alimentar a Esperança e a Firmeza
da luta.
Em Crateús, trinta e quatro famílias extremamente pobres, estão assentadas num terreno da Prefeitura. Com suas crianças e
seus doentes, passam noite e dia nas condições mais duras, animadas pela Esperança de conquistar seu chão de morar.
Não são bagunceiros. Não são invasores. São pessoas de bem,
gente como nós, buscando respeito à sua Dignidade e aos seus
Direitos.
Vocês já ouviram falar na Romaria da Terra, em outubro,
no Limoeiro do Norte? Trabalhadores de todo o Ceará, serão
Romeiros para apoiar a luta das famílias prejudicadas e ameaçadas pela Barragem do Castanhão. Estas Romarias fortalecem a
Luta da Terra.
Lutando pela Terra, com as Armas da Justiça e da Fraternidade
Organizada, vocês estão ligando Fé e Vida.
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Deus abençoe vocês e seja o Pai e Amigo que escuta o seu clamor e decide Libertá-los da Escravidão da Terra.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1990
Visita ao Papa
De cinco em cinco anos, todos os Bispos fazem uma visita ao Papa.
Para preparar a visita de dezembro, Dom Fragoso mandou para o
Papa uma longa carta de vinte e oito páginas, contando tudo que
aconteceu na diocese durante esses últimos cinco anos: como estão as CEBs, a catequese, as celebrações, a luta, etc.
Vamos ler a parte que fala da situação dos trabalhadores no
tempo de seca:
“Durante o quinquênio, houve incidência de novas secas. O empobrecimento das populações interioranas é crescente.
Os serviços públicos (Escolas, Postos de Saúde, Projetos governamentais para a Agricultura e a Produção) têm reduzida significação, sem modificar a estrutura econômica.
As Secas não são a causa da Miséria que abate mais da metade
da população da área diocesana. As Secas encontraram a miséria
estrutural (e não apenas circunstancial) e a fortalecem e ampliam.
Neste século XX, dezessete períodos de Seca atingiram as populações destes Sertões cearenses.
Até hoje, a política oficial não tem um Plano Orgânico, a médio e a longo prazo para erradicar a Miséria e a Pobreza, tornando os sertanejos mais resistentes aos efeitos das secas. Políticas
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assistencialistas e emergenciais transformam as vítimas das secas em objetos e não sujeitos ativos do seu processo de formação.
É verdade que cresce a consciência popular. Muitos percebem
as raízes de sua pobreza, os “mecanismos perversos” que os oprimem e despojam e a importância decisiva da organização popular
e da Luta pela Justiça.
Ainda Dom Fragoso, fala para nós:
“Meu caro irmão! Decidi escrever a você, para comunicar o meu
período de viagem. E para pedir suas orações. Estarei ausente de
Crateús, de 11 de outubro a 14 de dezembro de 1990. Vou participar de um Curso de atualização Pastoral de Bispos em São Paulo,
vou pregar um Retiro para Freiras no Mato Grosso, depois viajo à
Europa onde visitarei alguns amigos e, em Roma, a visita ao Papa
e as Organizações da Igreja Universal, dias 1 a 11 de dezembro”.
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1990
Porque em Santo Domingo?
Companheiros Trabalhadores:
Vocês ouviram falar na IV Conferência dos Bispos de toda
América Latina?
Vocês ouviram falar em Santo Domingo, em Puebla e em
Medellín?
Em 1968, os Bispos dos países da América do Sul se reuniram
na cidade de Medellín, na Colômbia. Estudaram a situação do
povo. E convidaram o povo injustiçado a lutar por sua libertação.
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E apareceram muitas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs),
Pastorais Populares e Movimentos Populares.
Em 1979, os Bispos se reuniram em Puebla de los Angeles, no
México. Estudaram de novo a situação do povo e da Igreja. E convidaram os Bispos, os Padres, as Freiras, os Cristãos das classes
médias a fazerem Opção preferencial pelos P0bres. E as CEBs se
espalharam ainda mais. E surgiram outros Movimentos Populares.
Mas cresceu também o número das pessoas da Igreja que não tiveram coragem de ficar do lado dos Pobres.
Em 1992, os Bispos vão se reunir de novo na cidade de Santo
Domingo, na República Dominicana.
Por que em Santo Domingo? Conta-se que, em 12 de outubro
de 1492, Colombo e os Irmãos Pinzon, vindos da Espanha, aportaram nessa ilha.
Há dois modos de pensar sobre esta reunião:
1) Uns dizem que os Espanhóis Descobriram a América e nos
trouxeram a Civilização e a Fé. Para celebrar os 500 anos, é preciso
fazer uma Festa e Agradecer a Deus estes séculos de Evangelização.
2) Outros dizem: os Espanhóis não Descobriram nada. As terras
tinham dono. Havia cerca de duas mil e duzentas nações com suas
Culturas, suas Línguas e suas Religiões. Moravam nestas terras há
quase quarenta mil anos. Os Espanhóis “invadiram” o Continente
e assassinaram ou escravizaram os habitantes que chamaram de
Índios.
Os “Índios” se reuniram e estão pedindo aos Bispos que não
façam Festa nem Celebração. Mas peçam Perdão pelo roubo das
terras e pelo assassinato dos “Índios”.
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Os “Negros” se reúnem para lembrar aos Bispos que os Negros
foram comprados como escravos na África e trazidos à força para
o Brasil. Não há motivo para a festa.
Companheiros trabalhadores, vamos ser solidários com os “índios” e os “negros”. Vamos pedir Perdão a Deus pela injustiça que
os Cristãos invasores fizeram contra eles. Vamos nos comprometer a Lutar para que os “índios” e “negros”, o povo oprimido recuperem a Terra com a Reforma Agrária e sejam respeitados na sua
Dignidade e nos seus Direitos.
Seu velho irmão, Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1991
Fraternidade no Mundo do Trabalho
Vocês, leitoras e leitores, reconhecem estas palavras?
A Campanha da Fraternidade de 1991, nos convida para viver
este tema. Mulheres e homens que trabalham no campo e na cidade olham todo o tempo para suas realidades:
1) Sem o Trabalho Humano, os grandes e os pequenos não podem viver;
2) Os trabalhadores vivem uma dura situação de salários, de
desemprego, de biscates, de insegurança, de falta de moradia, de
falta de terra para trabalhar.
Os cristãos acreditam que, pelo trabalho humano, vamos dominar a terra e produzir para que todos sejam felizes. Os cristãos
acreditam que, Jesus de Nazaré era um trabalhador (carpinteiro),
filho de trabalhador (José, o carpinteiro) e de uma trabalhadora
(Maria, dona de casa e animadora da família).
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Vamos todos, de mãos dadas,
Conhecer mais e melhor a realidade do Mundo do Trabalho;
Rezar, na confiança e na fé, por todas as mulheres e homens que
trabalham; Lutar, organizados, pela justiça e a fraternidade no
mundo do trabalho.
Sejamos Solidários na Dignidade do Trabalho!
Dom Fragoso
Março/Abril de 1991
Cem anos da carta do Papa
Em maio de 1891, o Papa Leão XIII escreveu uma Carta Circular (a
gente chama Carta Encíclica) aos cristãos do mundo todo.
A Carta começava com estas palavras: “A realidade das coisas novas” (em latim Rerum Novarum). Tratava da condição dos
trabalhadores.
Ele dizia: “Um pequeno número de ricos concentra em suas
mãos a indústria e o comércio e impõe uma canga à multidão dos
trabalhadores”.
O Papa denunciou esta situação: “É indigno e desumano usar a
mulher e o homem como vil instrumento de lucro, só dando valor
ao que vale a força dos seus braços”.
Aos Ricos e aos Patrões, Leão XIII lembrou: “Explorar a pobreza
e a miséria, se aproveitar da indigência são coisas contrárias às leis
divinas e humanas. Roubar o salário que o trabalhador merece é
crime que clama ao céu por vingança”.
Em seguida, o Papa defende com garra o direito de os
Trabalhadores se organizarem. Até chega a dizer: “É uma injustiça
107
gritante negar o direito natural de organização àqueles que mais
dela necessitam para se defender contra a exploração dos mais
fortes”.
Cem anos depois, o Papa João Paulo II vai escrever uma Carta
Circular aos Cristãos do mundo todo, para comemorar o centenário. Vamos aguardar a Carta do Papa.
Nestes cem anos, a situação dos trabalhadores melhorou em
nosso país?
Não. O Povo ficou mais pobre.
Como disse o Papa João Paulo II: “Os ricos se tornaram cada vez
mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres”.
Olhem alguns fatos:
Segundo o Banco Mundial, a renda média no mundo é de quatro mil dólares. O Brasil tem renda média de dois mil dólares.
Em 1989 (segundo o IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), os 10% mais ricos da população brasileira tinham
53,2% da renda nacional. E os 10% mais pobres não tinham nem
1% (isto é: 0,6%).
Em 1981, os 10% mais ricos tinham 46,6% e os 10% mais pobres
tinham 0,9%. Isto quer dizer que, em oito anos os Ricos ficaram
mais ricos e os Trabalhadores ficaram mais Pobres.
No Nordeste, os 10% mais ricos tem 56,1% da renda nordestina.
No Sul (= Sudeste), os 10% mais ricos tem 51,2% da renda do Sul.
No Nordeste, 51,8% ganham até um salário mínimo. No Sudeste,
21,8% ganham até um salário mínimo.
Nestes cem anos, como está a Luta pela Justiça e a Organização
dos Trabalhadores?
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Existem motivos de esperança de os Trabalhadores, conscientes
e organizados, vencerem progressivamente o desafio da injustiça
no mundo do trabalho?
N’O Roceiro de julho, desejo comentar com vocês o assunto.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1991
O Centenário: A Carta de João Paulo II
No último número de O Roceiro, eu escrevi um pouco sobre a Carta
do Papa Leão xiii, escrita em 15 de maio de 1891, sobre a situação
dos operários.
Hoje, quero escrever sobre a Carta de João Paulo ii, publicada
em 1º de maio de 1991, com o título O Centenário.
A Carta de Leão xiii é conhecida com as primeiras palavras, na
língua latina: Rerum Novarum (“Das Coisas Novas”). A Carta de
João Paulo ii retoma e atualiza o Pensamento Social da Igreja. O
que é que nos diz a Carta do Papa?
Ela anuncia e defende a Dignidade e os Direitos Humanos dos
Trabalhadores:
1º) Direito de ser respeitado em sua dignidade;
2º) Direito à propriedade privada dos bens, limitada por sua
função social;
3º) Direito à criar livremente Associações Profissionais e
Sindicatos;
4º) Direito de reduzir as horas diárias do trabalho;
5º) Direito de praticar livremente sua religião, de acordo com
sua consciência.
109
Em seguida, João Paulo ii dá um apoio forte à luta dos
Trabalhadores pela Justiça, pela Paz, pela Fraternidade:
Ele afirma que a luta de classe tem um “papel positivo”, quando “se trata de uma luta pela justiça social” e quando “evita atos
de violência e de ódio de um lado e do outro”. O Papa desaprova a
visão marxista da luta sistemática de classes.
Ele elogia o papel importante do Movimento Operário e dos
Movimentos Populares, com a “organização de instrumentos eficazes de solidariedade”.
Ele destaca “a queda de numerosos regimes totalitários e de
segurança nacional” e propõe “uma Democracia autêntica num
Estado de Direito, inspirada numa visão correta da pessoa humana”. Ele chama “o sistema democrático”.
Ele confirma que “a Igreja não tem modelo de Sociedade a apresentar”, pois “os modelos verdadeiros e eficazes nascem do esforço
de todo o povo com os seus responsáveis”.
Eu garanto a vocês que, no poço da Carta do Papa, existe muito
mais água limpa. Convido vocês a adquirirem a Carta O Centenário,
a lerem e a debaterem juntos. O Papa não substitui nossa luta e
reflexão, mas respalda e estimula.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1991
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Carta às famílias acampadas
Dia 11 de agosto, fez um ano que trinta e seis famílias acamparam
num terreno público, no bairro da Caixa D’água, em Crateús. A
história desta luta por moradia está contada n’O Roceiro de maio/
junho deste ano, na página 11.
Este dia foi de muita festa: houve a celebração da Santa Missa,
que foi a coisa mais linda do mundo; depois houve brincadeiras,
bingo, almoço comunitário e, à noite, avaliação geral.
Dom Fragoso não pode estar presente, mas enviou esta carta
de apoio que escrevemos aqui:
Caríssimas famílias acampadas!
Vocês completaram um ano de Acampamento e de luta para
terem suas casas de moradia decente. Acho a luta de vocês corajosa e bonita.
Vocês são todos pobres e sem condições. Não têm Trabalho
seguro, nem Alimentação, nem garantia à nada. Mas vocês são
Pessoas Humanas e Filhos de Deus, iguais a meu pai e à minha mãe.
Não desanimem na luta. Vocês vão conseguir sua moradia.
Eu fiquei feliz de saber que há um grupo de pessoas que visitam
sempre vocês, participam das reuniões, quebram os galhos nas
horas difíceis. Eu abraço e abençoo cada um desses companheiros.
Também sei que vocês aprenderam a combinar, a trabalhar em
mutirão, a fazer os planos juntos e a rezar juntos.
Assim, Deus está no meio de vocês e será a sua Força e Proteção.
Também vocês procuraram muitas vezes a Prefeitura e a
Câmara de Vereadores, para cobrar colaboração e estímulo. Isto
111
é democracia. Na busca de seus Direitos, vocês negociam com as
Autoridades e conquistam melhorias. Parabéns a vocês! Deixo um
abraço para cada um.
Seu velho bispo Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1991
Os Trabalhadores e as Comunidades
As notícias estão correndo por aí.
Em 1992, as Comunidades Eclesiais de Base, que nós chamamos
CEBs, vão organizar o 5º Encontro de CEBs da Igreja de Crateús (31
de julho a 02 de agosto).
As CEBs das Dioceses de Fortaleza, Tianguá, Itapipoca, Sobral,
Limoeiro, Quixadá, Iguatu, Crato e Crateús vão organizar o
Encontro Regional de CEBs (Fortaleza, 12 a 14 de junho).
As CEBs dos Nordestes I a V, que chamamos o Nordestão, desde a Bahia até o Maranhão, realizam o seu Encontro (Juazeiro da
Bahia, de 26 a 29 de março).
E as CEBs de todo o Brasil, desde o Amazonas até o Rio Grande
do Sul, realizam o 8º Encontro Intereclesial (Santa Maria, de 8 a
12 de setembro).
Sabem qual é o grande Tema que as CEBs vão debater? “CEBs,
Povo de Deus Nascendo das Culturas Oprimidas”.
Que importância têm as Comunidades na vida e na luta dos
Trabalhadores?
A partir da Igreja de Crateús, podemos dizer que as Comunidades
marcaram uma mudança de Rumo na História dos Trabalhadores
Cristãos.
112
Os Trabalhadores Rurais estavam dispersos, como ovelhas sem
Pastor. Não tinham a Memória do seu passado e das lutar populares de Resistência e de Conquista da Justiça. Não estavam unidos em torno de um Projeto de Libertação. Quase não tinham um
Grande Sonho de futuro que os mobilizasse.
As Comunidades lhes foram dando, pouco a pouco, como em
toda caminhada boa, o gosto de se reunirem, de lutarem juntos nos Mutirões Comunitários, de descobrirem as Oposições
Sindicais, a luta pela Terra de Trabalho e de Moradia, o sentido
da Política sadia e limpa.
Motivados pelas Comunidades, muitos trabalhadores decidiram entrar, como Militantes de linha de frente, na luta pela Justiça.
Os Trabalhadores rurais também não tinham consciência de
que eram Igreja. Praticavam a Religião, tinham confiança em Deus,
encontravam na Fé a Força para resistir.
Mas não conheciam a “Igreja dos Pobres”, onde os Pobres evangelizam e são evangelizados, onde o Bispo e os Padres são Irmãos
e Servidores, sem dominação nem grandeza.
As Comunidades lhes vão dando o gosto pela Palavra de Deus, a
experiência da Vida de Irmãos; a coragem de serem Missionários.
Mas descobrem, nas Comunidades, que a Igreja não é a dona
do Mundo. Sua Vocação é de ser Luz, Fermento e Sal onde a humanidade vive, luta e sofre. Nas Comunidades, os Trabalhadores
vão aprendendo a Unir a Fé e a Luta.
Estamos num começo de caminhada. Resta um longo caminho
a percorrer. Vamos acompanhar a preparação dos Encontros de
CEBs de 1992.
113
O Roceiro vai nos informar sobre os Encontros. Vamos ler e espalhar O Roceiro.
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1991
O Natal é hoje
O primeiro Natal aconteceu numa família pobre. Daqui a pouco,
vamos celebrar os dois mil anos desse Acontecimento.
A mulher de quinze para dezesseis anos deu à luz um menino.
O pai da criança acompanhava a mulher.
Os Trabalhadores pobres – Pastores que guardavam as suas
ovelhas durante a noite – receberam a Boa Notícia: “Não tenham
medo! Eu anuncio para vocês a Boa Notícia, que será uma grande
alegria para o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para Vocês
um Salvador, que é o Messias, o Senhor”.
Eles correram, às pressas, até Belém e encontraram um casal
de Trabalhadores – Maria e José – e o recém-nascido deitado na
manjedoura.
Os pobres, os pequeninos, têm a luz de Deus. Seus olhos se abriram. Eles reconheceram nessa Criança pobre a Esperança de sua
Libertação.
Hoje, os Pobres dos Sertões de Crateús e dos Inhamuns, do
Ceará, do Nordeste, da América dos Índios e dos Negros, continuam mais empobrecidos e mais oprimidos.
No meio dos Pobres, existem muitos que sabem, com certeza,
que o Menino Libertador está nascendo hoje e se chama Jesus.
Como Maria e José, ficam maravilhados e meditam no seus coração.
114
Os Trabalhadores cristãos não se sentem melhores do que os
outros companheiros. Mas querem ser o Anjo (o Colega, o Irmão,
o Camarada) que leva a Boa Notícia aos outros.
A Boa Notícia se revela na Luta pela Justiça, para a Libertação
de todos os Trabalhadores.
O Natal de 1991 faça os Trabalhadores cristãos mais firmes e
mais engajados na Luta pela Justiça.
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1992
Assembleia da Pastoral nas Igrejas do Ceará
Leitores,
Vocês ouviram falar da 12ª Assembleia da Pastoral nas Igrejas
do Ceará?
Estavam reunidas cento e vinte pessoas, durante quatro dias
cheios. Eram Agricultores, Trabalhadores das cidades, Jovens,
Agentes de Pastoral Leigos, Religiosos, Padres e Bispos.
Tudo se passou em Quixadá, de 17 a 21 de fevereiro.
Eu penso que interessa claramente aos Leitores de O Roceiro,
sobretudo aos roceiros (trabalhadores da Roça).
Para onde a Igreja do Ceará está caminhando?
Aonde queremos chegar? Qual é, mesmo, o Objetivo Geral da
nossa Ação Pastoral?
Depois de muito debate, num espaço democrático onde todos
puderam dizer seu pensamento, a metade dos participantes achou
que estamos querendo a mesma coisa que a Igreja do Brasil toda
está querendo. O Objetivo Geral de toda a Igreja do Brasil é este:
115
“Jesus Cristo: ontem, hoje e sempre. Evangelizar, com renovado
ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em Comunhão
fraterna, à luz da Evangélica opção preferencial pelos pobres, para
formar o povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida e da Esperança, nas diferentes
culturas, a caminho do Reino definitivo”.
Nós acrescentamos: “Evangelizar o povo cearense na sua
realidade”.
A Assembleia está decidida a lutar pela Justiça, pela Paz, pelo
Reino de Deus, dentro da Realidade do Ceará. E decidimos dar o
primeiro lugar aos Pobres.
Mas, nós não perguntamos o que é mais Urgente, em nossa
Ação Pastoral. Por votação de todos, achamos que a Igreja do Ceará,
de 1992 a 1995, deve se dedicar, em primeiro lugar, à luta pela Terra
de Trabalho e de Moradia. Também achamos que a Formação para
assumir bem a Ação Pastoral e a Luta pela Terra deve ser assumida como Prioridade. Nossas Prioridades serão Terra e Formação.
Eu sei que vocês vão procurar conhecer e discutir o Objetivo e
as Prioridades. E, mais do que discutir ou conhecer, vamos colocar em Prática.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1992
116
Juventude, Caminho Aberto!
Meu abraço fraterno de Páscoa, para todos e cada um dos Leitores
de O Roceiro.
Vocês sabem que 451 mil rapazes e moças, do campo e da cidade, entre 12 e 30 anos, de todo o nosso País, fizeram um AbaixoAssinado aos Bispos do Brasil (CNBB), propondo que o Tema (assunto) da Campanha da Fraternidade de 1992 fosse a Juventude.
Nós Bispos escutamos a proposta dos jovens e demos o título:
Juventude e Fraternidade. Isto é, para Todos os Jovens se tornarem
Irmãos, entre si, com as Crianças, com os Adultos, com os Idosos.
E foi linda a Celebração desta Quaresma!
Na Diocese de Crateús – Parambu, Tauá, Quiterianópolis,
Independência, Novo Oriente, Tamboril, Monsenhor Tabosa, Nova
Russas, Poranga e Crateús – houve grande mobilização dos jovens.
Teatro, Celebrações, Caminhadas, Vigílias, Debates nas Escolas,
Congressos de Jovens Trabalhadores, Dramatizações, Páscoas
Coletivas, Dezenas e milhares de Jovens se sentiram chamados
e disseram “Sim”.
A Mobilização desta Campanha da Fraternidade de 1992 teve,
como fermento animador, muitos Grupos Organizados de Jovens:
Juventude Sindicalista, Grupos de Crisma, Coordenação de
Catequistas, Grupos de Teatro, Animadores de Comunidade.
Nós, Adultos, vibramos com essa garra da Juventude.
Vamos dar as mãos aos Jovens?
Apoio e acolhida dos Grupos organizados de Jovens:
Diálogo aberto, unindo os Sonhos e a Força dos Jovens com a
Luta e a Experiência dos Adultos;
117
Valorização dos Adolescentes e dos Jovens, nas Organizações
de Trabalhadores e a Igreja.
Viva a Juventude, Caminho Aberto!
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1992
9º Encontro das CEBs
Tudo se passou em Canindé.
Num clima de Festa e de Estudo. Viemos cento e sessenta e cinco representantes das CEBs das Dioceses de Crato, Iguatu, Crateús,
Tianguá, Sobral, Itapipoca, Limoeiro, Quixadá e das seis Regiões
Episcopais de Fortaleza.
Havia Negros. Havia Índios Tapeba e Tremembé. Havia um índio de Crateús, Zequinha, do “Acampamento”.
Havia Padres, Religiosas, que acompanham as CEBs.
Lá estiveram D. Aloísio (Fortaleza), D. Benedito (Itapipoca), D.
Geraldo (Fortaleza), D. Xavier (Tianguá), D. Mauro (Iguatu, bispo-assessor das CEBs no Ceará), D. Fragoso (Crateús).
Valia a pena ver e sentir a Festa, as Danças, os Cantos, o Som, o
Show Cultural.
Não houve um só momento de agressividade. Todos alimentaram a sua animação e seu Ardor Missionário.
As celebrações e as Missas foram participadas, ligando a Fé com
a resistência das Culturas Oprimidas.
Em que data? Nos dias 12 a 14 de junho.
118
Esse 9º Encontro das CEBs foi uma preparação para o VIII
Intereclesial. Sabem onde será? No Rio Grande do Sul, na cidade
de Santa Maria, de 08 a 12 de setembro.
De Crateús, irão dez pessoas das CEBs, em nome de seus companheiros, com o compromisso de passar para os que não foram
toda a Beleza e todo o Sentido. Do Ceará, irão mais de cem representantes das CEBs. Em dois ônibus cheios. Farão setenta e duas
horas de ida e setenta e duas horas de volta.
Muitas pessoas ajudaram nas despesas grandes da viagem. As
coletas do Dia de Pentecostes, as Rifas, os Bingos – tudo foi partilha de irmãos.
Vamos acompanhar com nossa Oração e nossa Amizade. Vamos
ajudar nas despesas quem não ajudou ainda.
Povo de Deus, no Ceará, Renascendo das Culturas Oprimidas.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1992
O Voto não é indiferente
Os Trabalhadores têm razão de estar preocupados. Nas eleições
municipais próximas, quem vão escolher para Prefeito? Quem
vão escolher para Vereadores?
São tantos os Candidatos! São tantos os Partidos!
O voto não é indiferente.
Os Trabalhadores não podem dizer: tanto faz votar num como
noutro.
Os Trabalhadores têm a tentação de dizer: eu não vou votar em
ninguém. Vou votar em branco ou nulo.
119
A experiência é a nossa Mestra.
Candidato que nunca se interessou pela Justiça e pela Luta do
Povo antes – é muito difícil que se interessem depois de eleitos.
Candidato, que tenta comprar votos com Favores ou com
Dinheiro, não sabe respeitar o Trabalhador e abusa da miséria
dos pobres.
Não se vende o voto por um Favor. O Favor se agradece de outro
jeito. Mas o voto é para quem a gente sabe que vai escutar o povo
e apoiar a luta pela justiça.
Quem for eleito vai decidir muita coisa que interessa aos
Trabalhadores. Por isso é bom pensar muito antes de decidir votar em branco ou nulo.
A política dos Partidos é necessária, na presente situação do país.
Mas o Mais Importante é a Política das Comunidades, dos
Movimentos Populares, da CPT, das Associações dirigidas pelos
Trabalhadores com autonomia, dos Sindicatos independentes e
das Oposições Sindicais.
Os Trabalhadores cristãos sabem que Deus quer que sejam
Fermento dentro da Política e Luz onde houver escuridão.
Na luz da Palavra de Deus e da análise da Realidade, os
Trabalhadores vão descobrindo como valorizar o seu Voto e o seu
Direito de votar.
Pouco a pouco, se vai construindo uma Política decente e
participativa.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1992
120
Construindo o Futuro
Em Setembro, quatrocentos e quarenta e um Deputados Federais
votaram a favor do afastamento de Collor da Presidência da
República, durante cento e oitenta dias, para poder ser julgado
pelo Senado Federal.
Durante estes seis meses, o Vice-Presidente Itamar Franco assume a Presidência, de acordo com a Constituição Federal de 1988.
Collor, como todo cidadão brasileiro, tem direito de se defender.
Se a sua defesa não provar que ele é inocente dos crimes de que é
acusado, o Senado pode afastá-lo definitivamente da Presidência
da República. Durante oito anos, não poderá candidatar-se a nenhum cargo político. E deverá reparar as injustiças que fez e os
danos que causou ao País e aos outros.
Numa Democracia participativa, deve ser assim. Qualquer cidadão responde pelos seus atos. Sobretudo, os eleitos para cargos
políticos respondem pelos Crimes de Responsabilidade. Crimes
de Responsabilidade são os cometidos no exercício do mandato.
Nesse ponto, todo Cidadão deve ser igual perante a lei.
Os Cristãos, na luz da sua Fé, lutam para que os crimes sejam punidos pela Justiça, para que a política favoreça a todos, principalmente os pobres, sem discriminação e para que o atual Presidente
dê o primeiro lugar à Saúde, à Agricultura e à Educação, ao “Pão
em todas as mesas”.
Mas os Trabalhadores cristãos não podem ficar esperando que o
Governo de cima para baixo, resolva os problemas do povo. Todos
os trabalhadores têm direito de se organizarem, de serem escutados, de exigir respeito a seus Direitos e à sua Dignidade.
121
Com a luta consciente e articulada, com o Movimento Popular,
com o voto realmente livre, se vai impedir que subam aos cargos
políticos homens que manipulam o pobre, empobrecem as maiorias e enriquecem de modo desonesto.
Um Brasil Justo e Livre, somos nós que construímos. A Fé no
Deus Vivo e a Garra na luta, de mãos dadas, vai fazer Milagres, que
os pessimistas não esperam mais.
Povo Unido Jamais Será Vencido!
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1992
O Nordeste existe!
A Seca de 1992 é um acontecimento que fere a Vida de mais de
nove milhões de nordestinos – filhos do Deus Vivo.
O Natal é um acontecimento que anuncia a Vida Nova, na pessoa de Jesus de Nazaré, nosso Irmão e nosso Deus.
Como ligar os dois acontecimentos, na luz da Fé?
A Seca não é a maior Cruz dos Nordestinos. A maior Cruz dos
Nordestinos é a Cerca. Água existe. Chove cada ano, em média,
cerca de seiscentos milímetros. Com muito menos do que isso,
o país de Israel e o Texas, nos Estados Unidos, produzem muito. Terra existe. Há cerca de quarenta milhões de hectares, no
Nordeste, cercado pelo latifúndio. E há mais de dois milhões de
famílias sem terra para trabalhar.
Existe um mar de água boa, debaixo do chão, no Piauí, desde o
Maranhão até a Bahia, no Ceará.
122
Muitos dos políticos que governam o país não acreditam no
Nordeste.
O Nordeste existe!
O Natal é um grande chamado do Deus da Vida para que lutemos contra a Cerca, para que todos os Nordestinos tenham
Terra, Trabalho e Pão. O Deus da Vida, que nasce criança em
Belém, grita na consciência dos Políticos, dos Latifundiários, dos
Trabalhadores, das Igrejas. Aos Políticos, do País e do Nordeste,
Deus chama para organizarem a Política Nacional e Regional.
Dêem o lugar primeiro, no Orçamento Nacional, ao
Desenvolvimento Humano do Nordeste. Aos Latifundiários,
Deus chama para acolherem a Luta pela Reforma Agrária que os
Trabalhadores assumem por dever de consciência e por solidariedade com seus irmãos. Aos Trabalhadores, Deus lembra que
o Nordeste novo, a Reforma Agrária, a derrubada da Cerca não
nascem primeiro no coração dos que estão em cima. Tudo isso
tem que ser Conquistado pela luta consciente e organizada dos
Trabalhadores. Sustentem a mão dos seus Irmãos. Sustentem a
mão de Deus. Às Igrejas, Deus chama para ficarem do lado dos
Pobres, como companheiros, assumindo com eles seu Projeto de
Pão em Todas as Mesas.
Vamos, todos juntos, viver este Natal com a Esperança de que
venceremos a Cerca e a Seca!
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1993
123
O grito do povo
Em 1990, muitos trabalhadores tiveram uma safra reduzida.
Em 1991, a maioria colheu muito pouco.
Em 1992, a água foi reduzida. A colheita deu, em média, para
alimentar-se durante noventa dias, nos quatorze Municípios que
cobrem a área da Diocese de Crateús.
E agora, 1993, meado de fevereiro, não há inverno, nem garantia de safra. As águas são poucas e distantes. Os açudes pequenos
secaram. Os Açudes médios têm as águas poluídas. As cacimbas
baixaram. Os cacimbões, também.
Muitas famílias, nos bairros, passam grandes necessidades.
Muitas famílias, no Campo – a maioria – passam fome.
Diante disto, a consciência pergunta: O que vamos fazer?
Esta é a pergunta maior que ninguém tem o direito de deixar
para responder depois.
Do Clamor das Vítimas da Seca, nasceu um Apelo Irrecusável:
1) O povo não pode esperar calado. Deus quer que seus filhos
famintos cobrem do Governo federal, estadual e municipal, com
Absoluta Urgência: Trabalho para ganhar o pão com o suor do rosto; Salário Justo, na hora do aperreio; Água para as necessidades
do povo e dos animais; Semente selecionada para plantar logo que
as chuvas chegarem.
2) Todos que podem oferecer dias de trabalho, pagando um salário justo, façam logo.
3) Todas as Comunidades repartam do pouco que têm, como
tantas vezes o fizeram.
4) O povo se organize nos seus Sindicatos, Associações,
Cooperativas e Comunidades: Povo Unidos Jamais Será Vencido.
124
5) As mulheres sejam as primeiras a cobrar o respeito aos seus
Direitos.
Deus abençoará esse Combate pela Justiça.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1993
A seca é como uma escola
A FUNCEME e o Governo reconhecem que a Seca está definitivamente instalada no Nordeste.
Os Trabalhadores Rurais e o povo da periferia das cidades já
sabiam disso – e sofrem suas consequências – há muito tempo!
A experiência foi ensinando aos nordestinos coisas de grande
significação.
1) “No Nordeste, o desafio não é a Seca, mas a Cerca”. Água existe, no solo e debaixo do chão. Terra existe. Mas quem controla o
uso da Água e da Terra?
2) “A miséria do Nordeste não foi criada pela Seca. Foi agravada pela Seca”. O empobrecimento crescente das grandes massas
populares do Nordeste está sendo um dedo acusador apontado
contra a má-vontade da política nacional e regional.
3) “Da Seca, saem grupos que enriqueceram com a Indústria
da Seca”. O dinheiro liberado pelo Governo – que já é muito pouco – vai “cansando” pelos caminhos e só chega, como migalhas ou
esmolas, muitas vezes, às vítimas da Seca.
4) “O povo não necessita de Esmola, mas de Trabalho, para
ganhar o Pão com o suor honesto do seu rosto”. O paternalismo
político tira vantagens eleitorais e financeiras com humilhantes
125
campanhas de Assistência. Cadê o Plano da criação da resistência
do povo do semi-árido às Secas que continuarão vindo?
5) “A Seca é como uma Escola da qual o povo precisa sair mais
Unido, mais Consciente, mais Organizado”. A experiência está
mostrando que políticos e governo têm medo do grito do povo
por justiça.
6) “A Igreja não é a salvadora do povo, durante a Seca. Deve ser
companheira que apoia e respalda as lutas justas do povo”. A Igreja
não representa os Trabalhadores. Eles mesmos têm suas organizações. A Igreja não é interlocutora junto às Autoridades. Deve ser
Cristo crucificado na carne faminta do seu povo, e decide fazer do
grito do povo o seu próprio grito.
Trabalhadores, roceiros, vamos construir um Nordeste que resista às Secas sem destruir os fracos.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1993
Projetos Comunitários de Produção
Os Trabalhadores, que lêem e espalham O Roceiro, sabem, por experiência, que a miséria, a fome e a sede não nasceram com a Seca,
mas com a Cerca.
As Terras estão cercadas. As Águas estão cercadas. O dinheiro
está cercado (no bolso das minorias).
A Seca encontra o povo cearense empobrecido e agrava sua Miséria.
Muitos que estão no Poder porque foram eleitos pelo Voto
Popular, querem olhar os cearenses famintos como esmoleres,
como mendigos de mão estendida.
126
Quando o povo desespera porque a família está faminta, e
vai buscar o alimento na Prefeitura, na Merenda Escolar, nos
Armazéns – os Grandes dizem: “O povo é bom e ordeiro. É uma
meia dúzia de baderneiros que está assaltando”. E, então, jogam
a Polícia em cima do povo faminto!
Se querem que o povo fique na sua roça ou no seu trabalho, ofereçam a ele Trabalho em favor da Comunidade, Salário que dê para
Viver honestamente com a família, Água para beber nesta Seca.
Tratem o povo faminto como gente, como Homens de Bem.
Abram suas portas para acolhê-los. E eu garanto que eles serão
muito mais honestos e decentes do que muita gente “educada” e
poderosa que administra os bens públicos.
Muitos Trabalhadores estão se organizando em Projetos
Comunitários de Produção. Eles unem seus recursos e seus braços de irmãos para realizar o Projeto. Eles administram, com responsabilidade, o seu Projeto. Aprendem a trabalhar em Mutirão.
E acolhem alguma colaboração fraterna que completa seus recursos de pobres, somados.
Chamam-se Alternativos para distinguir de Projetos Oficiais
que quase nunca atingem o povo da base. O dinheiro, muitas vezes,
cansa no caminho. É aí que aparece a Indústria da Seca.
A Cáritas do Ceará, do Brasil e Internacional é uma das fontes
de complementação.
O “Fundo Diocesano de Projetos Alternativos”, alimentado por
doações espontâneas de amigos, complementa mais de cento e
cinquenta Projetos Alternativos que reúnem mais de mil famílias.
Mas todos sabem que a maior ajuda, na Seca, é a partilha dos
Trabalhadores nas suas Comunidades. “Cinco pães e dois peixes”,
127
nas mãos dos Pobres, com a Benção de Deus, se multiplicam e fazem sobreviver muitos milhares de famintos.
Falta Vontade Política, nos Governos e nos Empresários, de programar a libertação da miséria e tornar o semi-árido produtivo e
socialmente Resistente.
Mas, no povo, não falta vontade de Lutar.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1993
Uma Escola Popular de Base
As Roceiras e os Roceiros – isto é, as Trabalhadoras e os
Trabalhadores Rurais – têm cabeça, coração, sensibilidade.
A maioria não teve oportunidade de estudar. Estudar foi, durante muito tempo, privilégio de quem tinha dinheiro e condições.
Hoje, os filhos dos Trabalhadores se matriculam no primeiro
ano do 1º grau e só muito poucos chegam à 8ª série.
Na Diocese de Crateús, já descobrimos que não basta estudar
na Escola. A Escola está sendo “o útero reprodutor do Sistema”
(Leonardo Boff) de opressão.
Por esta razão, nasceu a Escolinha Popular. Nela, todos são
Professores e Alunos. Cada um sabe alguma coisa e ignora outras. Quem sabe ensina a quem não sabe. E todos participam do
planejamento, da organização, das decisões.
Começamos com a Escolinha Popular de Base. Dela participaram centenas de Animadores, Coordenadores, Militantes
Sindicais e Políticos. As Escolas continuam.
128
Com o passar do tempo, sentimos a necessidade de uma Escola
Popular de 2º grau. Para os Coordenadores e Militantes que têm
mais responsabilidade e experiência.
Quarenta e seis Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais se matricularam. Cada um elaborou sua autobiografia e uma pequena
monografia, que serão referência durante o Curso, de 1993 a 1995,
dez dias completos no primeiro e segundo semestres de cada ano.
Exercitam-se na Análise da Realidade, na leitura da fé na
luz da Palavra de Deus, nas Oficinas (“Medicina Popular”,
“Escrita e Leitura”, “Artesanato”, “Tecnologias Alternativas”,
“Documentação”, “Cartaz e Mamulengo”).
Achamos pouco. E iniciamos a Escola Popular de 3º grau.
Chama-se CEFP (Centro de Estudos e Formação para Assessoria
Pastoral Popular).
Dura cinco anos. Um ano e meio é de Análise Social da
Realidade. Três anos e meio, de Leitura da Fé, em nível teológico.
O tempo todo se tenta ligar análise social, leitura da fé.
Há, hoje, quinze Cefapianos (cinco no primeiro ano, cinco no
terceiro e cinco no quinto). Critérios que julgamos necessários:
1) Trabalhar na Pastoral Popular;
2) Estudar em Equipe, pelo menos oito dias por mês;
3) Partir sempre da Realidade e não das Ideias ou dos Livros;
4) Ser acompanhado por Assessores, na Diocese;
5) Ser acompanhado por Assessores, em Fortaleza, quatro ou
cinco vezes ao ano.
129
A Diocese decidiu que a Formação dos Trabalhadores é prioridade. Vamos mais longe!
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1993
Revisão Constitucional
Os leitores d’O Roceiro sabem que a 8ª Constituição do Brasil,
aprovada cinco anos atrás, diz que se deve fazer uma Revisão
Constitucional.
A própria Constituição diz que há pontos que não se pode tocar: a forma e o sistema de governo que decidimos no Plebiscito,
a Federação, os Direitos Individuais, etc. Além destes, todas as
conquistas em favor do povo brasileiro são intocáveis. Devem ser
confirmadas e ampliadas.
Vocês sabem que este assunto não é tão tranquilo como parece. No Senado e na Assembleia Legislativa, há grupos fortes que
querem tornar mais difícil ainda a aplicação da Reforma Agrária,
querem fortalecer o Poder Econômico, querem enfraquecer a organização popular, querem privatizar a Economia (isto é, passar as Empresas públicas para os Particulares, as Companhias
poderosas).
Todo o povo consciente, no país, abra os olhos e grite. Não se
pode tocar nas Conquistas dos Cidadãos, sobretudo das camadas
populares.
Espiem quem está fazendo manobras interesseiras. Há eleições
em 1994. Quem desrespeita os Direitos do povo não pode merecer
130
o voto. Leitores, se reúnam e peçam a pessoas entendidas para debater com vocês a Revisão Constitucional.
Um povo que enxerga não permite que ninguém coloque cabresto no seu pescoço!
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1993
Comunidade de Iguais
Em 1993, todos os cristãos do mundo são convidados para celebrar o Natal (o nascimento) de Jesus. Já faz 1993 anos que o
Acontecimento se dá.
Os Pastores, que guardavam suas ovelhas durante a noite, foram visitar o lugar, hoje a cidade de Belém. Encontraram um casal
pobre e a criança recém-nascida. Uma criança novinha, enrolada
em panos até o pescoço, incapaz de falar e de viver sozinha – que
significação tem para os Pastores e para todos os Trabalhadores
daquele tempo e de todos os tempos?
Na escuridão da noite, os Anjos de Deus anunciaram uma
Boa Notícia: Nasceu hoje o Salvador do Mundo. Os Pobres se
alegraram!
Os Poderosos – como o Rei Herodes e sua Corte – se encheram
de medo e até decidiram matá-lo! Por que?
Jesus anuncia a Dignidade e os Direitos dos Pobres. Vive como
um Pobre. Luta pela Causa dos Pobres. E ensina a todos que têm
um lugar preferido no Coração de Deus, “o Pai Nosso que está no
céu”. Jesus quer “Pão em todas as mesas” e que a Solidariedade
se torne Comunidade de Iguais, Comunidade de Irmãos. Os
131
Pequeninos “sentem” isso. Há uma clareza, uma intuição neles:
Jesus é seu Irmão e seu Amigo.
As famílias dos Trabalhadores são chamadas para celebrar este
Natal, na certeza da Fé, na Festa do Coração. Mas, em tempos duros
de crise e de fome, são chamados a assumir, com Jesus e como Ele,
a Causa dos Pobres e seu Combate pela Justiça.
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1994
A Família dos Trabalhadores do Campo, como vai?
A Campanha da Fraternidade de 1994 pergunta: “A Família,
como vai?”
E canta, na entrada da Missa:
A Família, como vai?
Meu irmão, venha e responda!
Quem pergunta é o Pai,
A Verdade não esconda!
Os leitores d’O Roceiro também perguntam: “A Família dos
Trabalhadores do campo, como vai?” Da quarta-feira de cinzas
(16 de fevereiro) até a Páscoa (3 de abril), esta pergunta perigosa
vai ser escutada. É claro que nós não temos a resposta completa.
Cada um de nós tem de procurar descobrir, ao redor de si, na sua
Comunidade, no seu Distrito, no seu Município.
Não basta descobrir. É necessário deixar o Coração se sensibilizar. E, então, conhecendo a Realidade da Família dos Trabalhadores
Rurais e unidos com ela, seremos Solidários com sua luta para que
todas as Famílias tenham:
132
Pão em suas Mesas,
Terra pra Trabalhar,
Saúde para todos
Educação para todos,
Liberdade de seguir sua consciência,
Lugar para a Festa e o Lazer,
Vamos lutar juntos!
Em todas as Paróquias (mais de cinco mil) e em todas as Dioceses
(mais de duzentos e trinta) do Brasil, milhões estarão celebrando e
vivendo a Campanha da Fraternidade, nesta Quaresma.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1994
A Páscoa dos Trabalhadores
Estamos no tempo da Páscoa.
Um povo de camponeses e de Pastores vivia na beira do rio Nilo.
A terra era fértil e molhada. O Governo do Faraó obrigou esse povo
a trabalhar como escravos, para construir as pirâmides e produzir
para os armazéns do mesmo governo. Era a casa da escravidão do
Egito, de que fala o Livro do Êxodo.
O povo gritou para o seu Deus, que chamavam Javé.
Javé ouviu o grito do povo e decidiu tirá-lo da Casa da Escravidão.
No dia da saída do Egito, o povo comeu em suas casas, na família, um Cordeiro. Com o sangue do Cordeiro molharam a soleira das portas. O sangue do cordeiro livrou o povo da morte. Esta
Passagem da Casa da Escravidão para a Terra Prometida se chamava, na língua deles, Páscoa.
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O que é Páscoa, hoje, para os Trabalhadores e suas famílias?
É passar da Casa da Escravidão do Sistema opressor para uma
Sociedade justa, onde cada pessoa é respeitada na sua Dignidade
e amada como Irmão e Irmã.
Nós, cristãos, Cremos que nosso Deus caminha conosco neste
combate por um Mundo Novo, um Mundo de Irmãos.
Vamos segurar as mãos uns dos outros como uma Grande
Irmandade e segurar, todos, a Mão do Deus Libertador.
Viva a Páscoa dos Trabalhadores!
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1994
Eleições de 1994
Você está lembrado do dia 3 de outubro de 1994?
Você e todos os Eleitores brasileiros de dezesseis anos para
cima, que têm seu Título Eleitoral, vamos escolher o Presidente da
República, uma parte dos Senadores, todos os Deputados Federais,
todos os Governadores dos Estados, todos os Deputados Estaduais.
O Governo, no Executivo e no Legislativo, depende de você.
Depende do seu Voto.
Você vai Governar o Brasil, na pessoa que você escolher.
Seu voto é importante. Vote Bem. Vote com responsabilidade,
conhecendo o Candidato e o Partido que o apresenta.
Ninguém pode decidir por você. Ninguém tem o direito de “enrolar” você.
Ninguém tem o direito de comprar seu voto, com promessas,
favores, ameaças.
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Se você elege candidatos porque são simpáticos, parentes, protetores, sem olhar o passado político deles, sem olhar o Programa
do Partido dele – você poderá ser culpado de corrupção, da ditadura, no futuro.
O que eu disse acima vale para todo eleitor. Vale para mim,
também. Mas, para os Cristãos que votam, é preciso buscar no
Evangelho a Luz que esclarece a escolha. O Evangelho não indica
candidatos nem partidos.
O Evangelho diz: “Vote Bem”. Vote em quem está do lado dos
Pobres. Vote em quem tem Fome e Sede de Justiça. Vote em quem
respeita a pessoa humana, sua dignidade e seus direitos.
Vamos, Com o Nosso Voto, Governar o Nosso País.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1994
Orações para Dom Fragoso
Deixamos de publicar [nesta edição] a “Palavra de Dom Fragoso”
por motivo de sua saúde.
Dia 12 de julho, depois de fazer uma visita Pastoral às
Comunidades do Município de Monsenhor Tabosa, quando já se
encontrava de volta em sua casa para repousar, Dom Fragoso sentiu-se mal. A partir daí iniciou-se uma longa via-sacra em luta para
o restabelecimento de sua saúde.
Depois de passar pelo Hospital Geral em Crateús, onde foi constatado que se tratava de um enfarte cardíaco, foi levado às pressas
a Fortaleza, onde culminou com a cirurgia no coração, no Hospital
Antonio Prudente.
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O coração de Bom Pastor de Antonio Fragoso sentiu-se fraco
diante de tanto sofrimento do povo desta Diocese; mas o coração
do nosso Deus não abandonará este coração que ainda teima em
viver e anunciar a esperança a todos.
O Bispo Diocesano passou pela mesa de cirurgia no dia 28 de
julho de 1994, na qual seu coração recebeu três pontes de safena.
A Diocese toda e todos os seus amigos(as) se uniram em oração,
pedindo a sua recuperação.
Nesta semana, início de agosto, ele já passa bem e tudo indica
que não demorará a retornar à vida normal.
Deus quis que seu coração fosse recuperado para que pudesse ter mais energia para anunciar a “Boa Notícia” aos pequenos
desta terra.
Devido a este problema, o Congresso Diocesano de Catequese,
que estava marcado para os dias 06, 07 e 08, foi suspenso e a data
ficou indefinida.
Dom Fragoso, aguardamos seu breve retorno em nosso meio.
A Redação,
Setembro/Outubro de 1994
Esperança na Libertação dos Oprimidos
Natal é a Festa do Nascimento de Jesus. Natal é a Celebração do
Nascimento de Jesus.
Neste Natal de 1994, Jesus nasce na Vida dos Trabalhadores, no
coração de todos que o acolhem e nas lutar pela Justiça e pela Paz.
Todo Nascimento é precedido de uma Gestação.
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Durante o ano de 1994, quais os sinais que apontam a Presença
escondida (como a Criança dentro do ventre da mãe) nas terras
do Brasil?
Eu desejo resgatar alguns sinais. Vocês podem resgatar muito
mais do que eu.
1) No último turno da Eleição, o “Projeto Democrático Popular”
teve uma votação expressiva. O “Projeto neo-liberal” foi apoiado
pelo “Plano Real – FHC” e pela cadeia de TVs e de jornais e pelo
peso pesado da máquina do Estado. Assim mesmo, tantos brasileiros, com seu voto, mostraram que querem uma Sociedade
Brasileira que tenha a participação livre dos Trabalhadores e dos
Pobres.
2) A “Campanha pela Cidadania e pela Vida contra a Fome” continua em mais de 3600 Municípios, sensibilizando o País para os
Direitos Humanos dos Pobres e Desnutridos.
A “Campanha pela Segurança Alimentar” continua a mobilizar
a opinião pública em favor do “Pão em todas as mesas”.
3) A Reforma Agrária não foi esquecida na luta do Movimento
dos Sem Terra, da CPT, da CUT, das Comunidades e dos Movimentos
Populares do campo.
Os ouvidos surdos do Poder Político e dos Latifundiários não
podem ficar fechados e indiferentes à luta das famílias rurais pela
Terra da Moradia e do Trabalho.
4) Por ocasião do enfarte e da cirurgia do coração, eu experimentei quanto a ternura de Deus passa pelos caminhos de tanta
gente.
Sou muito reconhecido a todos estes gestos de Solidariedade
e de Afeição.
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A Gestação vai revelar o Rosto de Jesus, na vida dos Trabalhadores,
como Esperança e Certeza de Libertação dos oprimidos e da Boa
Notícia anunciada aos Pobres.
Viva o natal de 1994!
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1994
Mil novecentos e noventa e cinco
Para todos os leitores de O Roceiro, para todos os que trabalham a
Roça ou dela vivem – quero dizer uma palavra afetuosa.
Teremos um Bom Inverno, em 1995? Teremos chuvas abundantes, rios cheios, açudes sangrando, poços e cacimbas renovados,
safra de fartura?
Não sei. Este é o nosso vivo desejo. Muitos de vocês já botaram um roçado novo, ou estão aproveitando as capoeiras. Vocês
não desanimam e sempre estão sonhando com inverno bom e
safra boa.
Deus escute o nosso desejo. Deus abençoe a luta para brocar e
queimar a broca, para obter um pedaço de chão bom de lavoura.
Mas vocês sabem que, mesmo se houver Safra Boa, em 1995, vocês
continuarão a viver uma situação de pobreza.
A safra acaba a miséria, traz alegria em casa, desafoga. Mas não
dá nem para voltar à situação que vocês tinham antes dos anos de
estiagem ou de seca.
E a terra para trabalhar? A maioria das famílias do campo
não têm terra suficiente para sua Moradia e sua Lavoura. Quem
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trabalha na terra dos outros fica dependendo, no sustento da família. E o preço do milho e do feijão que você produz? Sempre, lá
em baixo.
E os rapazes que têm força para trabalhar, mas não têm terra
nem condições? Vão embora para longe. Ficam as mulheres, as
crianças e os mais velhos, que têm menos força de trabalhar a
terra e produzir.
Tudo isto – que é a vida de vocês – mostra que, em 1995, vocês
precisam se organizar mais, nas organizações de trabalhadores,
nos Sindicatos, na CPT, nas Comunidades, nas Ações Comunitárias,
nos Mutirões, para Conquistar melhores condições de vida e de
trabalho.
Deus seja a Luz e a Força de vocês.
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1995
Eras Tu, Senhor?
Meus amigos “Roceiros”, esta pergunta é o lema inspirador da
Campanha da Fraternidade de 1995.
Ela se realiza, como Campanha de toda a Igreja no Brasil, na
Quaresma de 1995, que vai da Quarta-feira de cinzas (1º de março)
até o Domingo de Ramos (9 de abril).
O tema de 1995 é: “Fraternidade e os Excluídos”.
Desta vez, os Mais Pobres, as Massas Sobrantes, os Trabalhadores
mais “lascados” vão merecer nosso afeto e nossa atenção.
Dentro da Classe Trabalhadora e dos Meios Populares, a maioria é de excluídos.
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Um dia (ver Evangelho de São Mateus, capítulo 25: o Juízo Final),
nosso Deus vai perguntar a cada um de nós:
– “Eu tive fome e vocês, me deram de comer”?
– “Eu estava doente e vocês, cuidaram de mim”?
– “Eu era um Desamparado e vocês, me acolheram e me deram valor”?
Quem sabe se nós, também, não vamos perguntar:
“Quando foi, Senhor, que Te vimos com Fome, Doente,
Desamparado e Te tratamos com amor”?
– “Toda vez que fizestes isto ao menor dos Meus irmãos
Trabalhadores, foi a Mim que o fizestes”.
Vejam, meus amigos Trabalhadores, a grande pergunta é sempre esta:
“Eras tu, Senhor”?
Certo de que quem toca no menor dos Trabalhadores toca em
Jesus, vamos Lutar, unidos, para defender e promover o respeito à
Dignidade dos Trabalhadores, sobretudo durante esta Campanha
da Fraternidade de 1995.
Uma das expressões lindas e populares desta Luta será a
Romaria da Terra, com a vinda de Trabalhadores de todo o Ceará
para a cidade de Crateús, no dia 16 de julho de 1995.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1995
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O Pão da Vida
Todos os Trabalhadores se agarram à vida. E têm horror da Morte.
A Páscoa é a passagem da Morte para a Vida, pela Força de Deus
e pela Luta da Gente.
Morte é morar no Campo e não ter Terra Livre para trabalhar.
Morte é ter a doença dentro de casa e não ter condições de
combatê-la.
Morte é não poder colocar os filhos na Escola porque eles têm
de ajudar os pais pobres na luta para sobreviver.
Morte é ver que há brasileiros ganhando até Cem Salários por
mês, enquanto trabalhadores, pais de família, não ganham nem
o Salário Mínimo.
Os Trabalhadores têm direito a passar da Morte para a Vida.
O Combate pela Libertação é um apelo forte na consciência dos
Trabalhadores.
Para os Trabalhadores Cristãos, a Páscoa é o Caminho de nosso irmão Jesus Cristo: ele passou da Morte para a Vida Nova, Ele
venceu a Morte e Ressuscitou. Unidos a Ele, os Trabalhadores
Cristãos são chamados para Lutar contra a Morte e construir uma
Sociedade Justa de Irmãos, onde Todos tenham vida e vida em
abundância.
Para se unirem a Jesus Cristo e aos seus irmãos, os Trabalhadores
Cristãos reconhecem o Pecado da Sociedade Capitalista e o seu
próprio pecado. Cheios de confiança, decidem voltar para Deus,
seu Pai e Amigo.
E, acolhidos por Deus na Festa e na Amizade, não querem fazer
como o filho mais velho que não quis receber o irmão mais novo.
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Os Trabalhadores Cristãos se organizem com Todos os
Trabalhadores, quer sejam Cristãos, quer sejam de outras religiões, quer não tenham nenhuma. Assim, unidos na luta comum,
vão realizando a passagem da Morte para a Vida – a Páscoa.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1995
Água Livre, o Sertão Florescerá
Leitores de O Roceiro.
A Grande Romaria vem aí. É a 7ª Romaria da Terra, no Ceará.
Todos os Romeiros carregam um sonho “Terra livre. Água livre.
O Sertão florescerá”.
Eles virão de Fortaleza, de Itapipoca, de Limoeiro, de Tianguá,
de Sobral, de Quixadá, de Iguatu, de Crato.
Elas e eles virão de Parambu, de Tauá, de Novo Oriente, de
Independência, de Monsenhor Tabosa, de Tamboril, de Nova
Russas, de Ipueiras, de Quiterianópolis, de Ipaporanga, de Poranga.
Eles e elas virão de todas as Comunidades da Diocese de Crateús.
Para onde?
Para a cidade do Senhor do Bonfim, para Crateús.
Quando?
Dia dezesseis de julho.
Nunca se viu uma Romaria tão bonita assim.
Todos rezam, cantam, lutam por Terra Livre e Água Livre. Pois
têm a certeza que, com Terra Livre e Água Livre, o Sertão Florescerá.
No governo atual, os caminhos da Reforma Agrária estão se
fechando.
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Todo mundo já sabia que a Reforma Agrária não cai do céu
como chuva.
Reforma Agrária é Conquista do Povo do Campo Consciente e
Organizado.
Latifundiário não faz Reforma Agrária.
Empresário não se interessa por Reforma Agrária.
Mas todo trabalhador e toda trabalhadora do campo necessitam
da Terra Livre e de Água Livre.
Governo inteligente e democrático escuta o Grito e a Luta do
povo e faz um Projeto global, rápido, massivo, de Reforma Agrária,
dentro de uma Política Agrícola aberta e honesta.
Todo cidadão que ama o seu país vai colaborar com a Reforma
Agrária. Os Trabalhadores Cristãos creem que o Senhor do Bonfim
lhes dará Garra e Destemor para provocar e conquistar a Reforma
Agrária. Todos de chapéu de palha na cabeça, de braços e corações
unidos, fazendo a 7ª Romaria da Terra. Crateús nunca foi tão acolhedora, hospitaleira e feliz como nesse dia.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1995
Visita ao Papa João Paulo II
Para vocês, Leitores, tenho uma Notícia Boa. Junto com os Bispos
do Piauí e do Ceará, vamos visitar o Papa João Paulo ii.
Cada Bispo Diocesano, de cinco em cinco anos, faz uma visita ao
Papa. Desejamos ser muito unidos com ele, que Jesus encarregou
de Confirmar os Irmãos na Fé e de Fazer a Unidade do Rebanho.
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Eu fiz esta Visita, em 1980, em 1985, em 1990. Agora, é a última
vez. Já sou um Bispo velho. E é natural que um Bispo mais novo
venha ser o Pastor da Igreja de Crateús.
No começo do ano, mandei um Relatório para o Papa, contando a Caminhada Pastoral, de 1990 a 1995. Durante a Visita, o Papa
costuma nos receber quatro vezes:
Primeira vez: ele acolhe cada um, escuta o que lhe contamos de
nossas Dioceses e diz uma palavra de estímulo.
Segunda vez: em Audiência coletiva, o Papa diz sua Palavra de
Pastor, para seus irmãos bispos.
Terceira vez: os Bispos do Piauí e do Ceará, celebramos a Missa
junto com o Papa.
Quarta vez: ele nos convida para almoçar com ele e conversa
conosco em português.
Na Visita a Roma, nós também celebramos juntos nas grandes
Basílicas (Igrejas): Basílica de São Pedro; Basílica de São Paulo
fora dos Muros; Basílica de São João de Latrão; Basílica de Santa
Maria Maior.
O Papa também tem um Secretariado. Chamamos “As
Congregações” da Cúria Romana. Nós visitamos cada uma, para
um diálogo fraterno sobre nossas Igrejas Diocesanas.
Estarei de volta dia 13 de setembro. Posso pedir que vocês rezem por mim? Continuemos a Luta por Terra Livre, por Água Livre,
para que o Sertão Floresça.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1995
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Reforma Agrária
Meu irmão Trabalhador do Campo, você não vive Sonhando com
uma Terra de Trabalho? Não era este o Sonho e a Luta de seus pais,
de seus avós, de seus companheiros camponeses? Você se lembra
da Romaria da Terra em Crateús (julho de 1995)?
Todos os Romeiros gritavam: Terra livre. Água livre.
Vocês já sabem o que vai acontecer se a Terra for livre e a Água
for livre? o Sertão Florescerá!
A gente não verá mais famílias de agricultores honestos e honrados, sendo obrigados a deixar sua região e sua comunidade para
ser um Pau de Arara, no Sul e no Centro do País.
Mas a experiência ensinou que a Reforma Agrária que traz
Terra livre não vem da boa vontade dos grandes Donos de Terra,
dos Políticos poderosos, do Governo! A Terra livre e a Água livre
têm que ser conquistadas.
A luta decente, organizada, inteligente, é necessária para conquistar a Reforma Agrária e a Política favorável ao semi-árido.
Vocês Trabalhadores Cristãos, que têm Fé no Deus Vivo, sabem
que Deus criou a Terra para Todos que precisam dela para viver
uma vida humana.
É como se Deus estivesse dizendo a vocês:
“Meus filhos, Eu fiz essa Terra para vocês. Eu criei a Terra com
mais Ternura do que um Pai bom e uma Mãe boa preparam a casa
e a comida para seus filhos”.
“Ocupem a Terra. Trabalhem a Terra, num grande mutirão.
Ninguém se aposse da Terra só para si, privando os outros do seu
pedaço de chão e do seu direito de trabalhar. Ai dos que acumulam
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terra sobre terra, exploram os Pobres e impedem as famílias do
campo de trabalharem”!
“Eu quero pão em todas as mesas. Eu não posso tolerar a mesa
grande com pão sobrando e tantas mesas sem pão para os filhos”.
“Meus filhos, Eu quero Terra livre e Água livre”.
A força, a coragem, o amor da Justiça para conquistar a Reforma
Agrária é Deus quem dá. A luta organizada e justa para obter Terra
livre e Água livre, são os Trabalhadores do campo, junto com o
povo de boa vontade, que farão. Ninguém os substitui.
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1995
Natal de 1995 - rumo ao terceiro milênio
Vocês, Trabalhadores, nós vamos celebrar um Aniversário grande:
No ano 2000, Jesus é o aniversariante.
Nasceu no ano 1 de nossa era. No dia 25 de dezembro, vamos
festejar 1995 anos de seu Nascimento.
Nasceu numa família pequena, de trabalhadores, no povoado
de Belém, na Palestina. Sua mãe: Maria de Nazaré. Seu pai de criação: José, o carpinteiro.
Viveu no meio dos Pobres. Apaixonou-se pela Pessoa deles e
por sua causa. Pagou o preço: caluniado, preso, torturado e morto como um condenado. Mas a Força da Vida é tão grande em
Jesus que Ele ressuscitou e vive para sempre, como Companheiro
de Caminhada dos que lutam por Liberdade, Terra para trabalhar, Casa de moradia, Pão nas mesas, Justiça e Festa. Para os
Trabalhadores cristãos, Ele é um irmão muito querido.
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O Papa João Paulo II, nos seus 75 anos, está sonhando muito com a Celebração dos dois mil anos do Nascimento de Jesus.
Ele diz que nós vamos encerrar o 2º milênio e iniciar o 3º milênio. Ele convida todos os Cristãos para redobrarem de garra e
zelo, na Evangelização do 3º milênio. O Papa lembra um Projeto
Preparatório: triênio, 1997, 1998, 1999.
Em 1997, celebraremos Jesus Cristo, a Redenção, a Busca da
Salvação e os Direitos de Vida, Integridade, Liberdade e NãoViolência. Em 1998, celebraremos o Espírito Santo, a Vida no
Espírito, a Diversidade de Caminhos e os Direitos Econômicos de
Terra, de Alimento, de Trabalho. Em 1999, celebraremos Deus Pai,
a Partilha, a Fraternidade Universal e a Paz, os Direitos Sociais de
Educação, de Saúde, de Informação, de Cultura, de Meio-Ambiente.
São chamados para se darem as mãos os Católicos praticantes,
os não-praticantes, os sem religião, outras Igrejas, religiões e culturas, a Sociedade, preferencialmente os Pobres.
Vamos entrar nessa? Comecemos, vivendo a Alegria, a Festa, a
Esperança do Natal de 1995.
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1996
O Fruto Maduro da Luta
Será que Justiça e Paz vão mesmo se Abraçar, em 1996?
Será que a Reforma Agrária vai ser olhada pelo Governo como
uma necessidade urgente? Será que a Terra repartida vai encontrar crédito barato, orientação técnica, preço compensador para
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a produção, cooperativas democráticas e participativas por todos
os sócios?
Será que os Trabalhadores do campo vão ter semente boa e selecionada, com bastante tempo antes do plantio? Será que as Terras
Ocupadas, porque eram latifúndios improdutivos, vão ser logo desapropriadas, as famílias Sem Terra vão ser Assentadas e o financiamento suficiente do cultivo vai chegar com rapidez, sem exploração?
Meus amigos Roceiros, vocês sabem que estas coisas não caem
do céu, prontinhas, como chuva. Vocês sabem que os que estão
no Governo e os Políticos eleitos pelo povo não sentem na carne
deles o sufoco de quem não tem terra nem tem recursos para cultivar a terra.
Tudo isso vai chegar como Fruto Maduro da luta organizada e
consciente do povo do campo, unido a todos os companheiros e
companheiras dos Meios Populares.
A reivindicação organizada e maciça levará o Governo e os
Políticos a escutarem os Justos Anseios do Povo.
Vocês estão percebendo que tudo isto é Política. Sem Política
limpa, não haverá Justiça para o povo do campo. Sem Política limpa, não podemos viver como Irmãos.
Por estas razões, na Quaresma de 1996, que vai de quarta-feira de Cinzas até a Semana Santa, em todas as Paróquias e
Comunidades do Brasil, viveremos a Campanha da Fraternidade.
Da plantação que fizemos juntos irá Nascendo o Abraço da
Justiça e da Paz no meio do povo do campo.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1996
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Dom Fragoso, 75 anos
Vocês já sabem que completei 75 anos, no dia 10 de dezembro
de 1995.
Como é de praxe, pus a Diocese à disposição do Papa João Paulo
II. Estou aguardando que o Jornal de Roma, chamado L’Osservatore
Romano, publique o nome do novo bispo de Crateús e a aceitação
da minha demissão.
Nessa data – que não sei quando é – me tornarei Bispo Emérito
de Crateús. Até aqui, eu era o Bispo Diocesano de Crateús.
Nesses anos todos, O Roceiro é considerado por mim como a voz
dos Trabalhadores do campo.
As Comunidades se comunicam por meio de O Roceiro. É o único
jornal onde todos os Trabalhadores Rurais e outros Companheiros
dos Movimentos Populares podem escrever ou mandar suas
notícias.
O Roceiro precisa ser mais aperfeiçoado, para ser instrumento
de informação e de solidariedade popular. Todas as Comunidades
precisam escrever para O Roceiro e mandar as notícias. Todas as
Comunidades precisam ter assinaturas de O Roceiro, ler e discutir
juntos, espalhar o seu jornal.
Se Deus me permitir, depois de deixar a Diocese de Crateús, irei
residir na cidade de João Pessoa. Lá viveram boa parte da vida e
morreram meus pais. Lá, uma irmã e um irmão e vários sobrinhos
estão morando. Lá, fiz onze anos de Seminário, fui ordenado Padre,
no dia 2 de julho de 1944, e fui consagrado Bispo, no dia 30 de
maio de 1957. Lá, fui Assistente Eclesiástico do Círculo Operário.
E, durante 10 anos, fui Assistente da Juventude Operária Católica
do Nordeste (JOC).
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Em João Pessoa, desejo continuar recebendo O Roceiro e acompanhar a caminhada de vocês.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1996
Na memória e no coração
Leitores e Leitoras de O Roceiro. Sabem que vocês se parecem com
o Padre Maurizio?
Ele traz O Roceiro na memória e no coração, o tempo todo.
Vocês trazem O Roceiro na memória e no coração, o tempo todo.
Ou eu estou enganado? Seja qual for a resposta, eu convido vocês
para debater o destino, o futuro de O Roceiro.
Durante o CDP-CAE (isto é, o Conselho Diocesano de Pastoral
e o Conselho para Assuntos Econômicos), Pe. Maurício disse para
nós o seguinte; pelo menos, foi o que eu guardei do que ele disse:
1) É preciso melhorar o conteúdo de O Roceiro.
2) As Cartas das Comunidades são muito importantes. As
Comunidades são os Escritores, os Jornalistas que escrevem o nosso Boletim/Jornal. Como ajudar as Comunidades a informar bem?
Como criar uma Rede de Colaboradores que forneçam material
para os Redatores que se reúnem de dois em dois meses?
3) É possível ter uma Equipe, que ofereça um bom Roteiro de
Celebrações, nos seis números de cada ano?
4) Será que a Pastoral da Saúde pode oferecer páginas sobre
Saúde, para ajudar o pessoal da Saúde nas Comunidades?
5) Os Colaboradores olhem mais a atualidade das notícias:
acontecimentos do presente que preparam o futuro.
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6) É possível melhorar graficamente?
7) Evitar-se, cuidadosamente, o atraso na remessa de O Roceiro.
8) O número de assinaturas está muito abaixo. Há uma desigualdade entre as Paróquias. Vamos dobrar o número de assinaturas, em 1996? Agora em março, estamos com 1.250 assinaturas.
Leitoras e Leitores. Leiam, de novo. Debatam nas Comunidades.
Escrevam para os Redatores e mandem suas reações diante do que
disse Pe. Maurizio. Mandem críticas e sugestões. Lutem para dobrar o número de assinaturas.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1996
A Importância do Voto
Uma pergunta que muitas Trabalhadoras e Trabalhadores
do Campo estão fazendo: de onde vem o poder de governar o
Município e de fazer as Leis Municipais?
É uma pergunta muito importante.
Até às eleições, os candidatos a prefeito e a vereador são cidadãos iguais a todos os outros. Não têm nenhum poder de governar
ou de fazer leis.
Depois do reconhecimento da limpeza e honestidade das
Eleições, o prefeito eleito se torna o poder executivo municipal
e os vereadores eleitos se tornam a cêmara municipal legislativa.
É o voto dos eleitores que transfere para o prefeito e os vereadores o poder que têm. O prefeito e os vereadores são delegados
dos eleitores.
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Do imposto que os cidadãos pagam vem o dinheiro que se planeja aplicar, através do orçamento anual. O dinheiro é dos cidadãos, isto é, do povo.
O prefeito e os vereadores são administradores do dinheiro
do povo. Sua obrigação é empregar o dinheiro para atender às
necessidades de todos os cidadãos, especialmente dos carentes
e necessitados.
Quando o prefeito e os vereadores aplicam honestamente o dinheiro público não estão dando nada ao povo. Estão só cumprindo
a obrigação de administrar honestamente.
O poder do Prefeito e dos Vereadores não é de dominação. Não
têm direito de proteger os membros de um Partido e perseguir os
outros. Não têm direito de fazer pressão sobre os professores e os
funcionários públicos. Estes têm Liberdade de escolher o candidato que a consciência apontar.
Todos vocês já compreenderam a importância do voto de 3 de
outubro.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1996
Nossos representantes
Acabamos, no dia 03 de outubro de colocar o nosso Voto na urna.
Confiamos a companheiros, iguais a nós, a tarefa de governar
o Município dentro da Justiça e da Paz.
Confiamos aos companheiros vereadores a tarefa de seguir a
Constituição Municipal e acompanhar o prefeito com as Leis e
Posturas municipais.
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O poder está em nós, cidadãos do Município e nós, pelo Voto,
confiamos o poder ao prefeito e aos vereadores.
Eles são nossos Delegados, nossos Representantes.
Nestes quatro anos que seguem temos a missão e o dever de
acompanhar o prefeito e os vereadores que elegemos com os nossos votos.
Temos o Direito de apresentar a eles nossas Reivindicações e
Reclamações.
Temos obrigação de estar de olhos abertos, vigilantes, examinando se eles respeitam os direitos sagrados do povo.
Temos o Dever de colaborar com todas as Ações justas e honestas do prefeito e dos vereadores.
Pode ser que alguns de vocês não tenham votado neste Prefeito
e nestes Vereadores, porque vocês tinham direito de escolher livremente, de acordo com a sua consciência.
Mas, uma vez que o prefeito e os vereadores atuais foram eleitos
por maioria de votos, nós todos, cidadãos dos nossos Municípios,
os respeitamos como prefeito de todos e vereadores de todos.
Mesmo que eles tenham o seu Partido (é o direito deles),
uma vez eleitos não são mais cabos eleitorais do seu Partido,
mas Responsáveis pela Justiça e a Paz de todos os cidadãos do
Município, mesmo que não tenham votado neles.
E os Cristãos confiam a Deus, na Oração, o prefeito e os vereadores eleitos, para que sejam respeitadores dos Direitos Humanos
e servidores honestos de todos.
Dom Fragoso
Novembro/Dezembro de 1996
153
Um grande aniversário
Ele nasceu faz 1996 anos! Ele está nascendo hoje! Ele estará nascendo todos os dias! Em todos os cantos da terra.
Vocês já sabem quem é o aniversariante?
É o Subversivo que ficou do lado dos Pobres, dos oprimidos.
É o homem que colocou a esperança nos olhos e no coração
do “ladrão bom”, da mulher da vida em Magdala, da mulher que
tivera seis maridos, dos filhos pródigos que têm as mãos vazias e
o coração cheio de confiança.
É o “filho do carpinteiro”.
Querem saber o seu Nome?
É Jesus. É o Cristo. É Nosso Senhor Jesus Cristo. É o Cristo
Roceiro. É o Salvador. É o Filho de Deus. É o Filho do Homem. É o
Mestre. É o companheiro dos Pobres.
Como é que Ele está nascendo Hoje? Quando aquela mulher
do Evangelho gritou, do meio do povo: “Benditos os peitos que te
amamentaram. Bendito o Ventre que te carregou” – Ele respondeu: “Feliz é quem Ouve a Palavra de Deus e a põe em Prática”.
E doutra vez, quando sua mãe e seus parentes vieram vê-lo,
num lugar pequeno, a casa estava tão cheia que não puderam entrar. Então, mandaram um recado para Ele: “Tua mãe e teus parentes estão aqui fora e querem te ver”. Ele respondeu: “Minha mãe?
Minha mãe é toda mulher e todo homem que Ouvem a Palavra de
Deus e põem em Prática”.
Se eu entendi bem, toda mulher do campo, todo homem do
campo, toda Roceira e todo Roceiro geram Jesus hoje e se tornam
mãe de Jesus, quando ouvem a Palavra de Deus e a Praticam.
154
É por essa razão que eu disse: Jesus está nascendo hoje, na Vida
dos trabalhadores, nas suas Comunidades, nas suas Associações,
nos seus Movimentos Populares, todas as vezes que Lutam pela
Justiça, celebram a Presença amorosa de Deus no meio deles e
procuram Viver como Irmãos que se querem bem.
Viva o Aniversariante!
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1997
Vamos abrir as portas das cadeias
Irmãos e Irmãs dos Encarcerados: é o chamado da mãe Igreja para
as Cristãs e os Cristãos de todo o Brasil.
É a “Campanha da Fraternidade” de 1997.
Presos, Prisioneiros, Detidos, Encarcerados são as mulheres e
os homens do Brasil que cometeram um crime contra os Direitos
e a Dignidade dos outros e, a esse título, desrespeitaram a lei.
Elas e eles se encontram isolados da família e da sociedade,
nas Prisões, nos Cárceres, nas Cadeias. Somos convocados pela
Mãe Igreja, neste tempo de Quaresma – que vai da Quarta feira de
Cinzas até a Semana Santa – a conhecer os Encarcerados e a sua
situação, a deixar o coração compadecer-se, a visita-los, a rezar
por eles e a ser Solidários.
Alguns podem estranhar que se fale de ser solidários com os
criminosos. É bom esclarecer o sentido deste chamado da Igreja.
Ser Solidário aos Encarcerados é:
1) O preso – cujo crime foi provado – deve ser punido dentro
da Justiça;
155
2) O Código Penal Brasileiro diz que a cadeia não é para esmagar, machucar, maltratar os presos. A pena serve para recuperar
os presos e reintegrá-los na sociedade e na família;
3) Para recuperar os presos, as cadeias devem ter oficinas de trabalho, alimentação humana, atendimento à saúde. Baste ao preso
o castigo de estar isolado da família e da sociedade;
4) Os Cristãos devem lutar para que o regime carcerário, no
Brasil, seja humanizado;
5) Acreditando que Jesus se identifica com os presos e “liberta
de todas as prisões”, os cristãos participem da Pastoral Carcerária;
6) Cada um medite no seu coração esta palavra que nasce da
Experiência:
Não há mulher má. Não há homem mau. Há mulher que não
foi amada. Há homem que não foi amado.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1997
Na Luta por Água e Terra, o Renascer de Canudos
Será um grande acontecimento para todas as famílias do campo,
no Ceará.
A oitava Romaria da Terra.
Onde? Em Iguatu.
Data? 12 de outubro de 1997.
O tema? “Na luta por terra e água, o renascer de Canudos”.
Para que? “Para animar a luta pela terra e pela Reforma Agrária”.
Por que, Canudos? Vocês ouviram falar de Antonio Conselheiro?
De bem ou de mal?
156
Uns o tratam de “beato”, de “louco”, de “agitador”, hoje diriam
“subversivo”. Há uns cinquenta anos atrás, o chamariam de “cangaceiro” e de “fanático”.
Canudos é o lugar em que ele viveu em Comunidade e em
Mutirão com os seus seguidores. O Exército brasileiro o assassinou junto com o seu povo.
Outros dizem que era um “bom Conselheiro”, um “Profeta”, um
“Missionário”, um “Pregador da Palavra de Deus”, um grande líder
popular.
Onde está a verdade sobre Antonio Conselheiro e sobre
Canudos? O que resta de Canudos, hoje? Que projetos existem
para resgatar a memória viva de Antonio Conselheiro e fazer
Canudos renascer?
Durante o tempo de preparação da 8ª Romaria da Terra – que a
CPT promove, anima e acompanha, desde a primeira – vocês vão
conhecer a verdadeira história.
Mas a Romaria precisa reunir dez, ou quinze, ou vinte mil romeiros, vindos de todos os campos do Ceará. Depende muito de
vocês que seja uma grande e bonita Romaria.
Espalhem a notícia.
Conversem com os companheiros.
Leiam todas as notícias confiáveis que vocês encontrarem.
Façam encontros de estudo e debate, nos seus lugares.
E peçam, com confiança de filhas e filhos, que Deus abençoe,
acompanhe e proteja a 8ª Romaria da Terra.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1997
157
As CEBs em São Luis, um Encontro entre Igrejas
Os Leitores d’O Roceiro já ouviram falar do 9º Intereclesial, em São
Luis do Maranhão?
As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) da Diocese de
Crateús escolheram doze representantes para participarem do 9º
Intereclesial.
Existem cerca de setecentas CEBs, isto é, pequenas Igrejas na
base, em nossa Diocese.
Nas CEBs, os cristãos se reúnem para ler, estudar, meditar e
Celebrar a Palavra de Deus. Reúnem-se, também, para Ações
Comunitárias. Combatem pela Justiça para as Comunidades e
para todo o povo.
A Diocese é a Igreja Diocesana.
A Paróquia é a Igreja Paroquial.
A CEB é uma pequena Igreja Viva na Base.
No chão das CEBs, estão as famílias, os jovens, as crianças, os
mais velhos, os trabalhadores (da Comissão Pastoral da Terra), os
Jovens (da Pastoral da Juventude), os Catequistas, os Animadores,
os Coordenadores, a Equipe Paroquial, o Padre, o Bispo.
As setecentas CEBs, da Diocese estão se preparando para o 9º
Intereclesial, com um Tríduo antes do Encontro.
O 9º Intereclesial será de 15 a 19 de julho. Já houve oito
Intereclesiais. Nós comparamos com um trem: o Trem das CEBs. Já
passaram oito carros. O 9º carro passará em São Luis do Maranhão.
O assunto que cerca de três mil delegados das CEBs vão discutir
e celebrar é “CEBs: Vida e Esperança nas Massas”.
158
É natural que os Leitores acompanhem, com simpatia, o grande Encontrão. Os doze Delegados da Diocese se comprometeram
a repassar, de volta o 9º Intereclesial para as CEBs e a Diocese.
Eu também vou a São Luís.
Padre Eliésio participou no primeiro Intereclesial, em Vitória
do Espírito Santo.
Eu participei do segundo ao oitavo.
Os Leitores podem perguntar: por que se chama Intereclesial?.
As CEBs são pequenas Igrejas vivas na base.
Um Encontro entre CEBs é um Encontro Entre Igrejas.
Um Encontro entre Igrejas é Encontro Intereclesial.
Dom Fragoso
Julho/Agosto de 1997
Romaria da Terra: no coração e na memória
Romeiros de todo canto do Ceará vão viver a experiência da 8ª
Romaria da Terra.
Iguatu, nessa noite de 11 de outubro será tão bonita como
Canindé e Juazeiro.
Os Romeiros vão trazer no coração e na memória o nome de um
homem que o Ceará e o Nordeste não pode esquecer.
Quem é ele?
Antonio Conselheiro.
As forças armadas, os latifundiários, os poderosos o assassinaram, com o seu povo em Canudos. E ainda procuraram sepultar
sua memória. Chegaram ao ponto de construir um açude para
159
afogar as casas de Canudos. Pensavam que, estando longe dos
olhos, estava longe do coração.
Enganaram-se redondamente. Faz cem anos da morte dele.
A 8ª Romaria da Terra vai reviver a sua história. Vai recordar
o povo de Canudos, sua experiência de sociedade de irmãos, sua
luta corajosa, seu martírio.
Os Romeiros do Ceará aprenderam a lição de Antonio
Conselheiro e de Canudos. Os trabalhadores unidos e organizados
são capazes de solidariedade na luta pela terra livre. A Reforma
Agrária não será nunca um presente de “Papai governo” que não
acredita no povo do campo.
Os latifundiários querem tirar vantagens do suor dos trabalhadores e barrar as “ocupações de terra”, os “assentamentos”, uma
política agrícola justa e solidário.
A Reforma Agrária será uma conquista. Os trabalhadores unidos também conquistarão o respeito aos direitos humanos, como
está na 8ª Constituição. E conquistarão leis justas. Só então se poderá dizer: a Reforma Agrária será dentro da lei.
Para os Romeiros Cristãos, a lição maior de Antonio Conselheiro
e de Canudos é a Força da Fé. Quem crê no Deus vivo e tenta seguir
o exemplo de Jesus sabe que a Luta, sem ódio, sem violência, mas
com garra e coragem, não para enquanto não se viver uma Terra
Nova, Um Espaço de Irmãos.
“Na Luta por Terra e Água, o Renascer de Canudos”.
Dom Fragoso
Setembro/Outubro de 1997
160
Parabéns a vocês, nesta data feliz!
É aniversário de quem? Vai ter festa? Quanto tempo faz que
nasceu?
– Sim. É o aniversário d’Ele. Faz quase dois mil anos que Ele
nasceu!
– Chama-se Jesus.
– A mãe dele é uma mulher jovem, pobre, linda, que cuida da
casa, vai buscar água na fonte, bota azeite na lamparina pra não
ficarem no escuro à noite.
– O pai d’Ele entende de carpintaria, de levar as ovelhas para o
pasto, de plantar e colher a lavoura.
Ela se chama Mirian na terra dela, mas, no Ceará, se chama
Maria de Nazaré.
O Pai se chama José. O casal teve o filho, longe de sua terra,
um desconhecido. Desconhecido, mas que deixava os grandes tremendo de medo. O governo (Herodes) mandou a polícia atrás da
criança para matar.
Mas os pobres pastores de ovelhas, na noite, vieram visitar a
criança e festejar com José e Maria.
Já faz tanto tempo desse Nascimento! No ano 2000, faz dois mil
anos! E todo mundo fala de Natal.
Para os trabalhadores cristãos do Ceará, o Natal é a Festa dos
pobres e a Festa da Esperança.
Quem pode, vai celebrar na sua matriz, a Missa de Natal, ou na
sua Comunidade celebra com as companheiras e os companheiros
a Palavra de Deus que Ele trouxe para nós.
Ele acendeu, nos trabalhadores e nos Pobres do mundo, a
Esperança. Esse mundo vai mudar. Os ricos de coração orgulhoso
161
vão cair dos seus tronos (do poder) com as mãos vazias e com fome.
E os pobres, de coração humilde e confiante, vão dançar e cantar
de alegria, unidos e felizes.
Quem disse esta profecia foi a Mãe do Aniversariante, quando
se encontrou em Ain Karin com a prima Isabel.
Meu abraço afetuoso de Natal a cada um de vocês.
Dom Fragoso
Janeiro/Fevereiro de 1998
O novo Bispo de Crateús
O Papa João Paulo ii acaba de escolher o novo Bispo de Crateús.
Ele se chama: Padre Jacinto Furtado de Brito Sobrinho.
Nasceu em Bacabal, estado do Maranhão, em 1947.
Fez seus estudo de Filosofia, no Seminário Regional do
Nordeste, Recife, e na Universidade Católica de Recife, de Teologia,
no Instituto Teológico de Recife (ITER).
Foi ordenado Padre, em 1972.
Fui eu, já bispo diocesano de Crateús, que fui ordená-lo Padre.
Ocupou as seguintes funções:
1972-1994 – Vigário e Pároco de São Benedito, em Pedreiras,
Maranhão;
1990 – Vigário Geral de Bacabal;
1994 – Reitor do Seminário Maior Interdiocesano de São Luis
do Maranhão.
Padre Jacinto escolherá a data em que será Sagrado Bispo por
três Bispos, em nome do Papa e do Episcopado.
162
Também escolherá a data de sua posse, como Bispo Diocesano
de Crateús.
Eu, Dom Fragoso, fui nomeado Administrador Apostólico da
Diocese de Crateús, até o dia da Posse do Novo Bispo.
Aos leitores de O Roceiro, agradeço reconhecido o carinho que
tiveram com este Jornal das Comunidades.
E convido todos a acolherem o novo Pastor, com os braços abertos, com a vontade de colaborar para que a Igreja de Crateús se
torne cada vez mais Popular e Libertadora.
A Comunidade dos Cristãos das doze Paróquias (Parambu, Tauá,
Quiterianópolis, Independência, Crateús, Novo Oriente, Tamboril,
Monsenhor Tabosa, Ipaporanga, Nova Russas, Ipueiras e Poranga),
com o seu Novo Pastor, terá um lugar preferencial, no seu coração
e na sua Fé, para os Trabalhadores e suas famílias.
Dom Fragoso
Março/Abril de 1998
Acolhendo o novo Bispo
“O roçado de Deus que plantamos e cultivamos juntos nesses trinta
e quatro anos; O ‘Rosto’ desta Igreja que gestamos juntos; O “Facho
aceso” da Palavra de Deus e da fé que conduzimos correndo juntos, são Dons gratuito do Pai e fruto do trabalho diversificado e
articulado de todos, o Pastor como companheiro do rebanho. Na
hora em que colhemos alguns frutos lindos, ninguém destaque
o Bispo, mas reconheçamos que todos estão envolvidos na safra,
como corresponsáveis.
163
“Quero deixar uma palavra amiga a todos: não deixem apagar-se
a luz da fé que Deus acendeu na consciência de vocês; não pisem
com os pés a planta da fé que Deus plantou no coração de vocês;
do mesmo modo que vocês me acolheram e tiveram paciência comigo na longa caminhada, assim também – e com mais fé e garra
ainda – acolham o novo Bispo e colaborem para o roçado de Deus”.
Dom Fragoso
Maio/Junho de 1998
Boa notícia
Meus queridos “Roceiros”. Minhas queridas “Roceiras”.
Eu anuncio a vocês uma boa notícia: está nascendo no coração
de vocês no dia 25 de dezembro (a Festa do Coração da Fé!) e hoje,
em todos os recantos do Mundo, Jesus Filho de Maria de Nazaré e
de José, o Carpinteiro!
Esta é uma alegria para todo o povo. Feliz quem acolher Jesus e
lutar pelo Projeto do Reino de Deus! Vocês se lembram da Mulher
que escutava Jesus, encantada? A um certo momento, ela gritou:
“Feliz o ventre que te trouxe! Felizes os peitos que te amamentaram!” E Jesus acrescentou: “Muito mais feliz é aquela, aquele que
escuta a palavra de Deus e a põe em prática”.
Feliz quem luta por um trabalho decente, pela Reforma Agrária,
por um projeto participativo para o semi-árido (a região das secas),
por um Sindicato livre, por uma política partidária que defende
e cobra os direitos dos roceiros, que não põe sua confiança no dinheiro e no sistema que esmaga os pobres.
164
Feliz quem tem fome e sede de justiça. Feliz quem derruba os
muros que dividem e separam as pessoas e constrói a paz!
Feliz quem recusa todas as formas de violência e é manso de
coração! Feliz quem é puro de coração e nunca usa os outros como
escada, para tirar lucro ou prazer!
Feliz quem ficou corajosamente do lado dos pequenos e, por
isto, é perseguido e acusado! Feliz quem dá de comer aos famintos, de beber aos que têm sede, veste os nus, visita e conforta os
doentes, luta pela libertação de todos os presos!
Vocês estão reconhecendo esta Boa Notícia? Pois é a Boa Notícia
que eu anuncio a vocês, neste Natal.
“Papai Noel” é um mito (uma “história de Trancoso”). Não faz
mal que as crianças sonhem com Papai Noel. Mas quem traz a Boa
Notícia libertadora não é Papai Noel, é Jesus de Nazaré.
Vamos – vocês, nesta querida Igreja de Crateús e nos Sertões dos
Inhamuns e de Crateús, eu, no Sítio Laranjeiras, em João Pessoa –
acolher Jesus e ser Discípulo Fiel!
João Pessoa, Natal de 1999
Antonio Fragoso, Bispo Emérito de Crateús.
165
Padre
Alfredinho,
uma vida
consagrada
aos pobres
Uma vida consagrada aos pobres
Alfredo Kunz, o Pe. Alfredinho, nasceu na Suíça em 1920, depois
emigrou para França com sua família. Em 1934 fez um curso profissional de cozinheiro, teve que lutar por seus direitos trabalhistas
e foi lá que descobriu Cristo por meio da JOC (Juventude Operária
Católica). Na segunda guerra mundial foi feito prisioneiro e durante cinco anos ficou em campo de concentração, na Alemanha.
Neste ambiente fez a experiência do que significa dar a vida por
amor. Ficou marcado por toda a vida pelo que viveu nestes anos
de enorme dificuldade e pelo exemplo de Maximiliano Kolbe, que
enfrentou a morte para salvar a vida de um pai de família que estava com ele no campo de concentração.
No final da guerra entrou na congregação dos Filhos da
Caridade e em 1956 foi enviado como missionário ao Canadá.
Veio para o Brasil em 1968, passando vinte anos na Diocese de
Crateús. Aceitou ir para Tauá, no tempo da repressão, depois da expulsão do padre José Pedandola. Em 1975, com a chegada de Padre
Bernardo, deixou de ser vigário e foi morar na Barra do Vento, na
Serra de São Domingos, numa equipe de convivência e de acompanhamento vocacional. Voltou para Crateús onde ficou convivendo
com os mais pobres até 1988.
Em Fortaleza, na Prainha, fundou o primeiro grupinho de sete
da Irmandade do Servo Sofredor – ISSO, formados por pobres do
Brasil e do Mundo que consagram sua vida em favor dos mais sofridos. Nascida da inspiração dos quatro cânticos do profeta Isaias,
a partir da resistência das vítimas da seca do Nordeste, seus consagrados e consagradas estão presentes na maioria dos estados
brasileiros e em outros países.
167
Em 1988, Alfredinho foi para São Paulo, escolheu a favela
Lamartine da cidade de Santo André onde se fez companheiro
dos moradores de rua. Alfredinho faleceu a 12 de agosto de 2000.
Jornal O Trecheiro,
Agosto de 2000.
168
Alfredinho, peregrino dos pobres
Chegando à Diocese de Crateús em 1968, vindo de um longo itinerário de discípulo de Jesus (Campo de Concentração na Áustria,
Seminário no Canadá. Peregrino dos pobres nas “callampas” de
Santiago do Chile, aconselhado a viver sua inserção não em
Salvador, mas entre os pobres do interior da Bahia), ele foi morar entre os mais pobres (as vítimas da prostituição) na cidade de
Crateús, em Tauá, na “Barra do Vento”. Seguidor de Jesus na vivência de pobre, apaixonado pelos mais excluídos, contemplativo do
Rosto de Deus no rosto dos mais “lascados”, acolhedor e aberto,
ele plantou a semente da Irmandade do Servo Sofredor (ISSO) em
milhares de pessoas da Igreja de Crateús – inspirou-se na mística do Servo de Javé (Isaías Junior) e acendeu a chama da Igreja
Popular e Libertadora. Esse rosto de uma Igreja servidora e pobre,
que estávamos buscando gestar na incerteza e na Esperança, ficou
marcado pela presença-testemunho de Alfredinho. Que viveu a
Não-Violência Evangélica, a gratuidade, a pobreza como um pobre, a utopia de comunidade onde os pequenos são amados e os
opressores são explícita e amorosamente interpelados. Quando
Deus o levou, aos oitenta anos, dentre os mais pobres de Santo
André, a Igreja Popular e Libertadora, que vive entre os espinhos e
flores, ficou convencida de que tem um intercessor na Casa do Pai.
Dom Fragoso
Em Igreja de Crateús (1964-1998).
169
A Burrinha de Balaão
Frédy, sacerdote, decidiu viver como pobre em meio aos mais pobres. Acolhi, juntamente com o clero da diocese de Crateús, uma
“experiência” sacerdotal que não é comum: um padre vive, com
simplicidade, no meio das vítimas da prostituição.
Por quê? Este pequeno livro é uma resposta.
Os pobres precisam de sinais que falem por si mesmos. Os livros, as encíclicas, as cartas pastorais, os documentos, a reflexão
teológica falam uma língua que lhes é desconhecida.
Mas a linguagem daqueles que querem, como resposta a um
apelo íntimo do Espírito, viver como pobres em meio aos mais pobres, entra em seus olhos e em seus corações. Esta é a Revelação,
hoje, da ternura de Deus-Pai; a face visível da misericórdia invisível do Senhor.
Os olhos dos pobres se abrirão. Dando-se as mãos uns aos outros eles lutarão pela Justiça e pela Libertação de todos os oprimidos deste mundo.
Amigo leitor, o pobre é a prostituta de Crateús; é o homem do
Nordeste Brasileiro, que conhece a seca e a fome. É o Terceiro
Mundo.
Acolhi esta “experiência” para que ela nos questione: para que
ela questione a mim, bispo de Crateús, a meus padres, a nós todos
bispos e a todos os Ricos, os Poderosos, os Opressores.
Deus revela suas maravilhas aos pobres e aos humildes, mas
as esconde aos sábios e orgulhosos. Os pobres farão surgir a
Revolução Social mais profunda. As armas são fracas; o dinheiro
empobrece; os opressores têm pés de argila.
170
Mas o Amor criador e redentor, vivido pelos pobres em sua luta
pela justiça, suscitará um mundo de irmãos onde todos terão o pão
no banquete da vida, onde todos terão um lugar ao sol.
Dentre os leitores deste livro, quantos “Frédy”, poderão existir
que esperam este apelo? Abri vossos ouvidos. Que se calem todos
os ruídos da indiferença.
A burrinha de Balaão vai falar…
Dom Fragoso
Prefácio de A Burrinha de Balaão, 1977.
171
O Rosto de uma Igreja
O Maior Acontecimento
A todos os membros da Igreja de Crateús, comprometidos com
os pobres, Paz e Alegria no Senhor. Neste relatório queria simplesmente falar do que me parece ser o maior acontecimento da vida
da Diocese de Crateús de 1964 para cá.
Em 1975, os membros da Comissão Diocesana de Pastoral, juntamente com o seu Bispo Dom Fragoso, mandaram a irmã Abigail,
recém-chegada do Estado de Minas, conviver com os camponeses
da Matriz de São Gonçalo, município de Ipueiras.
Nesta região, houve uma audaciosa experiência de cooperativa,
na qual a Diocese investiu os seus melhores membros. Por razão
superior, o projeto teve obrigação de parar. Com os seus pneus
furados, lá no meio do tempo, o trator da comunidade nem tinha
lugar para se arranjar.
Grande tristeza
Abigail chegou lá sem dinheiro e logo falou: “Eu não sou do
‘projeto’, vim apenas viver, rezar, trabalhar no meio de vocês”.
Depois, ela arrumou uma casa e, lá, reservou um quarto de oração com o Santíssimo. Arrumou uma lata e foi buscar água, arrumou uma enxada e foi trabalhar na roça, trocou de vestido e foi
visitar os vizinhos. E até hoje está agindo assim. Nada mudou na
sua vida, trabalho, oração, convivência com os mais pobres. Mas,
a Comunidade da Matriz, ela mudou.
Pouco a pouco, no contato com esta freira que falava a mesma
linguagem, comovido pelo seu jeito simples de viver, o povo descobriu o seu próprio valor e começou a se organizar, sem dinheiro,
sem técnicas. Neste ano de 1975, (pode ser) sem saber, a Diocese
172
antecipava a visão de Puebla. Nesta hora profética, na pessoa de
Abigail, a diocese iniciava sua conversão.
O nº 922 do Documento dos Bispos de toda América Latina diz
o seguinte: “Conversão da Igreja. Para viver e anunciar a exigência da pobreza cristã, a Igreja toda precisa rever suas estruturas e a
vida de todos os seus membros, sobretudo dos agentes de pastoral,
com vistas a uma conversão efetiva. Uma vez convertida, poderá
evangelizar com eficiência os pobres”.
Tomada em conta a extrema pobreza de nosso continente, o
Documento acrescenta no nº 923: “Essa conversão traz consigo
a exigência de um estilo de vida austero e uma total confiança
no Senhor, já que na ação evangelizadora a Igreja contará, mais
com o Ser e o Poder de Deus e da sua graça, do que com o Ter mais
e com o Poder secular. Assim a Igreja apresentará uma imagem
autenticamente pobre, aberta para Deus e sempre disponível para
o irmão. Nela os pobres têm capacidade real de participação e são
reconhecidos em seu valor.
Quando cheguei em 1968, em Crateús, me foram reveladas
muitas maneiras de viver o Evangelho no contexto histórico da
América Latina. Por exemplo: Promoção Humana; Educação de
Base; Luta pela Libertação; Luta pela Justiça; Educação Política;
Sindicalismo e Organização de Classe; Luta pela Reforma Agrária;
Conflitos da Terra e Compromisso Cristão, etc.
À frente de cada assunto, hoje, eu posso colocar o rosto de
um irmão engajado e corajoso. Em Crateús se procura viver um
Evangelho encarnado. Isso é um sinal de boa saúde da Diocese.
Agora, me pergunto, seriamente, o seguinte: será que acreditamos
mesmo no valor do tipo de vivência de Abigail?
173
Gandhi dizia: “Devo confessar que a ação da reforma pessoal,
ou autopurificação, me está cem vezes mais perto que a chamada
atividade política”.
Será que nossa visão da libertação do homem é total? Quando
é que falamos, seriamente, da nossa própria libertação interior das
paixões? Qual é a mudança que traria uma libertação econômica do país se a gente, antes e depois, não tentasse se libertar do
consumismo?
Em várias Dioceses do Brasil há encontros e retiros com os permanentes, em geral padres e religiosos, vivendo nas pequenas
Comunidades de Base. Por exemplo em Recife, João Pessoa etc.
Mais ou menos nove pessoas na diocese vivem do jeito de
Abigail. Qual é o espaço a eles reconhecido no conjunto? Não são
eles um pouco marginalizados? Por quê? Como ajudá-los a acrescentar a vida de oração, a estar mais presentes na comunidade
escolhida, a conviver mais com os pobres? Por quê eles não foram
mais jeitosos para nos sensibilizar?
Antes de mandar Moisés libertar os judeus do poder do Faraó
do Egito, o Senhor disse do meio da sarça:
“Não te aproximes daqui: tira tuas sandálias de teus pés, porque
o lugar em que estás é uma terra santa” – e acrescentou: “Eu sou
Deus de teus pais, o Deus de Abrãao, o Deus de Isaac e o Deus de
Jacó. Cobriu Moisés o rosto, porque não ousava olhar para Deus”
(Êx 3,5-6).
Nossa luta pela libertação do homem todo, deve iniciar-se a
partir do nosso encontro com o Deus vivo, Jesus único Salvador.
Ao meu ver, é isso que a Diocese queria dizer, quando, em 1975,
mandou Abigail, apenas com a roupa do corpo, em cima da serra.
174
Um dia, uma filha de Israel, cantava bem alto numa terra ocupada pelas tropas do imperador César Augusto: “Depôs do trono
os poderosos e exaltou os humildes”. É que ela tinha o Deus libertador nela.
Abraço Fraternal!
Padre Alfredinho
03 de setembro de 1980,
Em A Firmeza Permanente.
175
Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra
A todos os cristãos de Tauá, Paz e Alegria no Senhor. Eu peço a
Deus que a Virgem Maria, Rainha de todos os Santos, nos ajude a
entender melhor o que é a santidade, hoje em nosso mundo dominado pela violência, injustiça e guerra. Por isso eu queria apresentar
um fato doloroso que até agora não foi resolvido, a fim de ver a partir de um acontecimento daqui, o que é ser santo em nossos dias.
Fato
No dia 4 de setembro de 1972, à tarde, no lugar Baixas do
Município de Tauá, um jipe parou na frente da casa de taipa do
Sr. Pedro de Souza Mota. Era o dono acompanhado da mulher
e de um filho de criação, todos armados de revólver, facas e cacetes. Obrigaram, com ameaças, as famílias a saírem do lugar;
Pedro, José, Francisco e Damázio tiveram que sair das casas, e os
homens jogaram no mato tudo o que era deles. Informado desse
fato, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá
foi logo para Fortaleza apresentar o caso à Federação e procurar
um advogado para defender os direitos dos despejados. Na volta,
avisou à polícia e o juiz do que aconteceu.
Os Despejados
Quando Pedro de Souza Mota chegou, nas Baixas, em 2 de outubro de 1948, vinte e quatro anos atrás, se encontrava neste local só
cobra e canto de grilos. Mas Pedro trabalhou, fez seis mil e trezentas braças de cerca, plantou cem tarefas de algodão, cavou cacimbas e construiu sete casas de moradia. Hoje, Pedro tem sessenta e
nove anos, doze filhos e vinte e sete netos. Três filhos casados moram perto dele. Ao todo, vinte e quatro pessoas, dezesseis crianças
de três meses a doze anos e oito adultos, foram todos jogados na
176
rua, sem nenhuma proteção contra o sol quente. A situação destas
famílias, já enfraquecidas pela seca, piorou. Mulher doente, crianças com febre e coqueluche, água doce na distância de uma légua.
A tentação de deixar tudo para procurar outras terras foi grande.
Além disso um outro dono de terra se apresentou, oferecendo
condições de vida bacanas demais. Apesar de tudo, os despejados
tomaram a decisão de ficar suportando este sofrimento uma, duas,
três, quatro semanas. A primeira audiência foi feita quando dois
representantes do Juiz, acompanhados de dois membros da diretoria do Sindicato, decidiram que fossem reintegradas estas famílias
em suas casas, na espera do pronunciamento do juiz. Já fazia dois
meses que fora iniciada a questão, quando Pedro apedrejou uma
criação de gado que encontrou em sua roça. Neste mesmo dia e
quase na mesma hora, ele foi condenado a quatro dias de cadeia,
apesar de que tinha dado uma outra criação ao dono. Por causa
da seca, não houve safra este ano. Mesmo assim Pedro pagou duzentos e dezenove quilos de algodão, nove quilos de mamona e
quarenta e três litros de feijão, de renda. Como a renda é quatro
por uma, Pedro teve em casa este ano cento e vinte e nove litros
de feijão para comer, na espera da safra de 1973.
Como foi que eu soube disto? Fui às Baixas. Perguntei. Vi e anotei. Por último o advogado do dono fez uma queixa, dizendo que
dois membros do Sindicato incentivaram os moradores a tirar
tudo fora, para simular um despejo. Três pontos para pensar um
pouquinho à luz do Evangelho:
1) As Armas
Eu conheço um delegado de polícia que está trabalhando numa
capela, onde já houve dois delegados assassinados, no exercício de
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sua função. Este homem anda sempre desarmado. Eu o conheci
pessoalmente e o vi restabelecer a ordem, num dia de festa, onde
houve meia hora de tiroteio e de briga à facada. É só de velhice que
ele vai morrer. Um cristão que quer seguir o Evangelho, não pode
usar armas nem para dominar, ainda mais, os fracos e nem nada
para se defender dos poderosos. As armas não resolvem nada.
Hitler, ditador da Alemanha, mandou torturar e matar quinze milhões de inimigos do nazismo. Não venceu. No fim de 1945,
em Berlim, suicidou-se com uma bala na cabeça. Assim, vão-se
acabar todos que usam armas, qualquer que seja o motivo: dominar, defender-se, ou mesmo defender a ordem e a justiça. Hoje o
Cristo está nos dizendo: “Felizes os mansos, porque eles possuirão
a terra” (Mt 5, 12). “Felizes os pacíficos, porque serão chamados
filhos de Deus”.
As dezesseis crianças inocentes da família de Pedro, fracas e
sem defesa, têm para elas, a força mesma de Deus, e um dia possuirão a terra. Cristo dizia a São Pedro: “coloque a espada na bainha,
pois todo aquele que usa a espada, pela espada morrerá”.
Os santos hoje, em nosso mundo de violência e de repressão
furiosa, são aqueles que, como D. Helder Câmara, dizem: “Prefiro
cem vezes morrer a matar”.
2) A Renda
Uma das razões do dono para justificar o despejo é que “seu”
Pedro não pagava a renda, fazia anos. Mas quem vai me dizer como
é possível que o Pedro não consiga possuir nenhum pedacinho de
terra no lugar mesmo onde ele trabalhou vinte e quatro anos? Me
parece que ninguém deveria exigir rendas da terra, antes que o trabalhador tenha o que é indispensável para comer, vestir, instruir
178
os filhos, comprar os remédios e, pelo menos, ter uma bicicleta
para fazer as compras na cidade, a fim de que ele não seja obrigado a comprar fiado na bodega do patrão, pois isto quer dizer frequentemente vender a safra verde na folha.
Quando eu vejo donos exigirem a metade do algodão de uma
roça plantada inteiramente pelo morador, eu me pergunto se isto
não pode ser chamado de roubo? Hoje, a festa de todos os santos, o
Cristo está nos fazendo esta advertência: “Ai de vós, ricos, porque
tendes a vossa consolação”.
Na região de Açudinho, um flagelado dizia não ter condições
de pagar renda. O dono respondeu: “mesmo se é um litro de feijão,
eu quero o que é meu”. O Santo hoje é aquele homem do interior
de quem falou o Cristo dizendo: “Bem-aventurados vós que sois
pobre, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós que
agora tendes fome, porque agora sereis fartos” (Lc 6, 20-21).
Das lágrimas dos despejados, dos seus sofrimentos pacientes
sem ódio, amanhã vai sair justiça, paz e amor. “Bem-aventurados
vós que chorais, porque vos alegrareis”.
3) Ação do Sindicato
Nossos irmãos, no dia 4 de setembro, estavam como o homem
ferido da parábola do Bom Samaritano: sozinhos, desamparados,
angustiados por causa das crianças pequenas. Quais foram os primeiros a dar assistência a eles? O vigário? Não foi o vigário. Os
comerciantes que têm recursos? Não foram os comerciantes.
Então houve um cristão, em nossa comunidade, capaz de amar
o próximo? Graças a Deus, houve. E estes cristãos são membros
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Eles se organizaram para
socorrer e ajudar os que sofrem.
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Visitaram a turma, oferecendo um pacote de café, meio quilo
de açúcar para reanimar a gente, levaram os mais doentes para
se tratar na rua. Levaram os homens para assinar a procuração
no cartório.
Foram atrás do advogado para por tudo dentro da lei. E hoje
são acusados de terem incentivado os moradores a deixarem suas
casas. São eles que são acusados de serem mentirosos, hipócritas,
desonestos. Nesta ocasião os Santos foram eles. É deles que fala o
Cristo dizendo: “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino do céu”.
“Felizes sois vós, quando vos insultarem e perseguirem e dizerem contra vós toda espécie de mentira por causa de mim. Alegraivos, exultai-vos, pois é grande no céu a vossa recompensa”.
Padre Alfredinho,
Dia de Todos os Santos.
Em A Firmeza Permanente, 1977.
180
O Cachorro de Gedeão
O tema da Campanha da Fraternidade de 1983, “Não a Violência,
fraternidade sim, violência não!”, corre o risco de dividir os agentes
de pastoral e nos levar a um debate intelectual sobre a oportunidade deste assunto.
É de maior urgência devolver hoje aos humildes, índios, negros,
camponeses, favelados, operários, doentes, vítimas da prostituição, estudantes, pescadores, donas de casa, animadores das CEBs,
etc, a mística da não violência, suas raízes evangélicas, sua estratégia por eles vivida e praticada já faz séculos.
Este tema é vital e deveria ser objeto de mais do que uma campanha, mas sim o Movimento de Reconciliação 1983 – MR 83.
Depois de muito tempo de reflexão silenciosa, de oração, convivência com os pobres “os amigos do Servo Sofredor” tomaram a iniciativa de propor algumas pistas de trabalho em meio
popular.
O Regional da Campanha da Fraternidade do Nordeste 1 deu
seu apoio a este projeto de subsídio.
Vocês que receberam este material vão ter que adaptar, retraduzir tudo isto na língua e cultura do seu povo.
Faça isto com a mesma liberdade que tivemos de apresentar O
Cachorro de Gedeão.
Chegou a hora de ajudar os forjadores da história do amanhã
a adquirir melhor a mística, o treinamento, a paixão ardente, necessária para poder transformar este mundo velho numa sociedade aonde:
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Amor e verdade se encontram
Justiça e paz se abraçam,
A verdade brotará da terra
Quando o céu se inclinar a justiça.
(Salmo 84, 11-12)
Padre Alfredinho
Introdução de O cachorro de Gedeão,
Edição dos Amigos do Servo Sofredor, 1983.
182
Na Escola da Rua
“Fui para a rua sempre na mesma procura de entrar na fileira daqueles que sofrem. Comecei conhecendo o povo da favela. Mas
e o povo de rua, esse mistério? Então, no meu aniversário de setenta e cinco anos, em comum acordo com os colegas, resolvi ir
viver na rua. Preparei uma sacolinha, um pedaço de cobertor e,
depois da missa saí. Só que a Nara disse, eu vou com você no ônibus. Depois no ônibus, ela disse: eu vou com você até a Estação.
Não podia mandar ela embora. Lá na estação ela me disse: vou
dormir na rua também. Então ela pediu licença ao homem da rua
que estava dormindo para se arranchar em um dos lugares. Nara
colocou uma flor na cabeceira, pelo meu aniversário. Mas, tinha
uma cachorrinha com sarna que se encantou com meu cobertor
e veio dormir nele. Acho que gostava do pelo.
À meia noite, veio um homem com o pé muito inchado, na cabeceira de Nara à procura de cachaça. Ela tinha uma garrafa d’água
e ele pensava que era cachaça. Os ônibus que passavam faziam
tanto ruído que a terra tremia. As pessoas começaram a perguntar: - quem são esses dois? O que nos recebeu, disse: - são amigos
meus. Pouco a pouco descobri a riqueza do povo da rua. Ele é uma
Escola de alta qualidade. Descobri a generosidade, a organização
e a resistência. Nunca fui para a rua distribuir nada.
Uma outra vez a gente foi dormir lá na calçada do [jornal] Folha
de São Paulo. Lá, até as duas da madrugada, foi uma conversa e
uma pequena cachaça social. Eu não conseguia dormir. Então comecei a fazer perguntas sobre Jesus Cristo. Foi uma coisa maravilhosa a qualidade das respostas que saiam do coração deles. Uma
vez fui na Estação embaixo do viaduto, com meu papelão e a Bíblia.
183
Passei horas sem me manifestar. Até que uma pessoa me trouxe
um pouco de café. Mais adiante um prato de comida. Não queria
fazer proselitismo. Às quatro horas veio um homem e disse: - padre, o senhor podia fazer uma celebração para nós?. - Eu disse, pois
não! Fizemos. Eles chamaram todos os homens e mulheres de lá.
À certa altura perguntei: – , será que Jesus Cristo está no meio da
gente? Responderam, sim está aqui, claro que está com a gente.
Um dia, estava no Largo de São Bento e choveu, eu não tinha
nada. Veio o Rafael com um papelão, deitou no chão e disse: – se
deite, padre. Eu respondi: – se deite você. Foi aquela briga. No fim,
para não aborrecer ele, eu me deitei; e ele falou: – desculpe que
está sujo. Era o cobertor dele. Agarrei no sono. Quando acordei
encontrei o Rafael encolhido na calçada na pedra, sem o papelão,
sem o cobertor. Penso que com uma lição dessa qualidade, eu é
que era o aluno na Escola do Povo da Rua”.
Padre Alfredinho
Jornal O Trecheiro, Agosto de 2000.
Relato sobre a convivência com os moradores de rua de Santo André e São Paulo.
184
Na Universidade da Vida
Chinelo de dedo nos pés, sacola nos ombros e pé na estrada. Assim
vivia Alfredinho, assim circulava por Crateús e por todos os lugares por onde passava. Muitas vezes foi confundido com um João
Ninguém. Por ironia do destino, sua grande luta durante toda a
vida foi tentar mostrar que pessoa alguma é João Ninguém. Na introdução do livro “O Cobrador”, o padre Miguel Lemarchand dos
Filhos da Caridade, assim se expressa sobre Alfredinho:
“A figura do homem é bem conhecida no Brasil como também
no Canadá e na Europa. É uma silhueta pequena em que os anos
passaram e o fardo continua firme, carregando a mochila de lá
para cá. Até ele cansou de tanto viajar. ‘Pe. Alfredinho o que tem
dentro da mochila?’ perguntam as crianças que o encontram na
beira do caminho, pedindo-lhe a benção. O que leva o viajante nas
casas de retiro ou nas comunidades dos “Sofredores” não está na
mochila, mas no seu coração. São os segredos revelados pelo Deus
Vivo, no seu dia-a-dia de uma vida já longa especialmente a partir
da convivência com os mais pobres”.
As grandes interrogações de Alfredinho estão muito bem expressas no livro inspirado por ele e escrito por Frei Carlos Mesters:
“A Missão do Povo que Sofre” (Editora Vozes, 1994 ). “Porque existe
tanta dor no mundo? Para que serve tanto sofrimento? Porque são
sempre os pequenos, os pobres e inocentes que devem carregar a
maior parte da cruz? E de onde este povo tira força para aguentar
tanta dor e resistir durante tanto tempo, sem perder a esperança
e a vontade de lutar? Você sabe a resposta?”
E, em suas considerações no dia-a-dia, faz seu o canto popular “O povo de Deus continua gemendo, uma vida de escravo ele
185
está vivendo. Grita aperreado já quase morrendo. Quem é, quem
é, quem é, quem é, que vai libertar este povo, José?”.
A verdade é que a inspiração de Alfredinho vem de longe. Ele
anda na trilha do profeta Isaías que sempre buscou respostas para
a presença do mal no mundo. Damos a palavra a um canto popular
e ao próprio profeta Isaías também transcrito do livro de Mesters:
“Vou contar uma história. É do servo sofredor. Está na Bíblia,
esta vida. É de quem sabe o que é a dor. O profeta Isaías foi quem
primeiro contou, mas o pobre deste mundo vida afora completou”.
“Apresento a vocês o meu Servo que tem todo o meu apoio.
Escolhido por mim, ele é o preferido do meu coração. Fiz repousar sobre ele o meu Espírito, para que leve o direito das nações.
Ele não grita, nem levanta a voz, não solta berro pelas ruas, não
quebra a planta machucada, nem apaga o pavio que ainda solta
fumaça. Com fidelidade ele promove o direito, sem desanimar
nem desfalecer, até estabelecer o direito sobre a terra. Os povos
mais distantes esperam pelos seus ensinamentos”. (Isaías, 42, 1-4).
Homenagem ao Padre Alfredinho
Jornal O Trecheiro,
“Um Trecheiro no Céu”, Agosto de 2000
(nº 79, ano 10, Edição Especial)
186
Está aí o futuro de nosso mundo!
A seca fora muito prolongada naquele ano, na região de Sarepta.
Toda a gente tinha sofrido seus efeitos. Os pobres, é claro, sobretudo aqueles em cujos lares o pai de família já não estava presente;
mas também pessoas conhecidas e respeitadas. Elias, homem de
Deus, não recebeu a assistência dos anjos – pela interferência de
corvos – para não morrer de fome? Naquele dia, uma viúva e seu
filho apanharam dois paus de lenha que estavam por ali, com a
intenção de cozinhar um último pão de pobre com algumas colheres de farinha e o copo de óleo que restavam dos tempos da abundância na casa. A mulher e o filho, depois, desfalecidos, só teriam
de esperar a morte. Levantando-se para responder ao homem de
Deus que se aproximara e lhe pedira de comer, a mulher não se
mostra surpresa: um “duas-vezes nada” é facilmente divisível por
três. Não, ela não tem medo de um convidado a mais em torno de
um prato de miséria. Ela só está entristecida por não poder oferecer mais, provando ser verdade que, quanto menos se tem, mais
se é capaz de partilhar. Tudo acontece para ela como se o desnudamento extremo e a morte inelutável revelassem a igualdade
fundamental dos seres humanos diante de Deus.
Foi então, em virtude da partilha na verdade, que jorrou a vida
em abundância: uma vida nova, imprevista, inesperada, como se
a dignidade humana na infelicidade enlarguecesse de repente, em
comunidade de destino com o Deus que salva: “A vasilha de farinha não secou e o pote de óleo permaneceu cheio” (1Rs 17, 8-16).
Espantosa atualidade de uma narração bíblica popular, escrita
há vinte e seis séculos, depois de ter sido contada de boca em boca,
durante três séculos.
187
Há uma perenidade de experiência da partilha no despojamento material. Há uma perenidade de enriquecimento humano recíproco na pobreza vivida em comunidade de destino. O leitor
poderá encontrar nesta obra a verdade eterna do antigo episódio bíblico de Elias e a viúva de Sarepta: “O milagre da farinha e
do óleo”. O milagre, aqui – nesta obra cujo episódio acontece no
Brasil –e hoje, é o milagre do encontro de uma pobreza padecida
com uma pobreza voluntária. (…) Este mundo deve ser mudado.
A miséria e pobreza não são fatalidades. Está em nosso poder
modificar as condições de vida dos mais destituídos hoje, como
esteve em nosso poder, ontem, modificar nossas condições de
existência acedendo a modernidade industrial e urbana. Essa mudança não é automática. Ela não resultará de um simples crescimento econômico, cujos benefícios recairiam com maior ou menor atraso sobre cada um dos cidadãos de um determinado país.
Esta mudança revela da vontade dos homens e das sociedades. A
batalha coletiva contra a pobreza de massa é, desse ponto de vista,
de essência política, no sentido nobre do termo. Dirá você: então,
eu que não tenho nem a capacidade nem o gosto de me lançar nas
lutas políticas, que devo fazer? Pergunta pertinente (…).
Neste livro [Fredy Kunz e o povo de sofredores], Alfredinho responde a essa questão inquietante. Ele se faz voluntariamente pobre. Despoja-se de todo o supérfluo numa vida humana quando
se entra nessa lógica! – para partilhar plenamente o destino dos
pobres no meio de quem ele vive. E eis que o milagre de “uma pobreza querida a serviço de uma pobreza sofrida”, os mais pobres se
revelam a si mesmos. Tomam consciência das riquezas interiores
que possuem, mas que ignoram. Eles se dão conta da força de vida
188
que é a partilha do despojamento. Descobrem, maravilhados, que
a justiça de Deus, que esperam pró e contra tudo, está a caminho
e preenche sua expectativa. É o tempo do soerguimento da dignidade dos filhos de Deus.
Nós retomamos aqui a grande tradição bíblica do Deus que se
distingue dos Deuses que não tem olhos nem ouvidos, ou seja os
ídolos sem coração e sem vida. Pois o Deus de Abraão, de Isaac e
de Jacó vê a miséria de seu povo esmagado e ouve seus gemidos
debaixo da opressão. Ele é o Deus dos pobres, aquele que salva os
homens – inclusive os ricos e poderosos que aceitaram sua lógica
– a partir dos pequenos e dos humildes, a partir do lado ferido da
humanidade. Na pessoa de Jesus, homem de Deus por excelência,
ele assume a condição humana, mas no mais baixo nível da escala
social, a ponto de ser posto um dia na categoria dos malfeitores da
sociedade. Quando conseguiremos compreender a lição de extrema humanidade do Deus no qual cremos?
(…) Em qualquer lugar, para nossa felicidade e salvação, há homens de Deus, pequenos profetas, discípulos do Pobre de Nazaré
que continuam nas Sareptas de hoje o milagre da farinha e do óleo.
Deixemos que nos falem da própria vida.
Está aí o futuro de nosso mundo!
Prefácio de Charles Antoine ao
livro Fredy Kunz, de Michel Bavarel,
Julho de 1990.
189
Eu convivi com um bem-aventurado
Eu convivi com um bem-aventurado, pra não usar a expressão tão
batida: “Santo”!
Essa frase salta de meus lábios cada vez que as imagens e testemunhos sobre Alfredo, estão diante de meus olhos. O conheci
em 1974, em Crateús, daí até 1990,quando saí da cidade, depois de
dez intensos anos de convívio bem próximo, brincadeiras (ele era
um brincante, um molequinho, daqueles que plantam bananeira
diante do Pai Divino), caminhadas pelas estradas poeirentas do
sertão, emoções e orações, nos seus jejuns, etc. Depois o visitei na
Favela Lamartine, Santo André-SP, onde foi viver. Partilhou comigo muitas coisas, incluindo a velha e conhecida sopa de legumes,
com marcarrão. Na despedida, um abraço longo, lágrimas e uma
confissão dele: “ estou meio que num exílio!” Não entendi direito
e nem quis ousar perguntar o porquê. Afinal essas decisões, envolvendo bastidores de Congregações, de Clero, pra nós leigos ,o
melhor é mantermos prudentes “desinteresses”.
Na última visita, quando fui gravar o disco Nas horas de Deus,
amém, um mês antes de sua páscoa, em 12 de agosto de 2000, fui
vê-lo, ele pediu pra ficarmos um instante sozinhos. Perguntou
por nossa gente do sertão, se eu continuava indo a Crateús, como
foi a gravação do CD nas Paulinas. Disse que já não acreditava
que desse tempo pra eu chegar até ali, na Paróquia São Geraldo.
Ao final, partilhamos uma maçã que estava num prato e, ele declarou me olhando firme, num misto de pedido e ordem: "Nunca
deixe de seguir esse caminho de cantar a esperança dos pobres"!
Chamamos as pessoas que estavam com ele e juntos, cantei com
190
elas, em primeira mão: “Nas horas de Deus, Amém!”. E, então, com
o coração partido, voltei pro sertão que ele tanto amou.
É, querido Alfredinho, vamos teimando na esperança, que pulsa no coração dos simples, dos pobres, juntando neste 12 de agosto, essas pessoas que tanto amaste e, que agora e sempre, estão
na bendita e pascal comunhão contigo: nosso Dom Fragoso, Tia
Rita, todos os sofredores e lutadores, de braços abertos na história e na obra do companheiro artista Francisco Daniel, todos os
Mandacarus floridos e as Margaridas em marchas de vigorosa valentia pelas ruas desta Pátria Brasil, em horas de tantas urgências.
Zé Vicente,
12 de agosto de 2015.
191
Um
repertório
de pesquisas: bibliografia e
fontes
Monyse Ravena | Romário Bastos
“Mas, como este homem pode viver aqui no sertão? Uma freira deixou
escapar este comentário, ao percorrer os olhos pela grandiosa
Biblioteca numa casa modesta em pleno Crateús, no chamado
polígono das secas do Ceará. Sua surpresa não foi menor, ao saber
que este mesmo homem mantém correspondência por Carta com
dezenas de países e que domina muitas línguas com a mesma facilidade com que maneja a nossa. A freira estava na casa do Bispo
de Crateús, Dom Antônio Batista Fragoso, paraibano, filho de um
pequeno agricultor que passou a maior parte do tempo sem terra”.
O trecho desta entrevista concedida por Dom Fragoso ao jornal
O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, em fevereiro de 1979,
foi por nós escolhido para abrir as indicações de um repertório de
pesquisas, porque nos situa na casa do Bispo, em Crateús, em meio
aos muitos livros de sua estima e permanente estudo; porque nos
diz que, ao fim da canseira de alguns dias tão atribulados, sentava-se à mesa para escrever: livros, artigos de opinião, prefácios,
prólogos, textos pastorais, introduções a cartilhas, capítulos de
livros, homilias, notas públicas de denúncia e anúncio; e cartas,
dezenas, centenas, muitas centenas!
Cartas que seriam espalhadas por muitos lugares da América
Latina, e doutros continentes. Muitas delas foram interditadas no
Brasil pela censura da ditadura e de sua polícia política e nunca
chegaram ao seu destino. Outras viajaram bem guardadas e chegaram a bom porto, graças ao diligente empenho de mensageiros e
mensageiras da esperança. Sobre a interdição de suas cartas pelos
órgãos de repressão do regime, Dom Fragoso é enfático em denunciar a censura a que se vê submetido, como está documentado no
título Igreja de Crateús (1964-1988): “Eu escrevi da Europa cerca de
193
cento e cinquenta cartas pessoais para Crateús e apenas um terço
chegou, ao que sei. Onde estão as outras cem? Se as autoridades
pegaram essas cartas, que publiquem! (…)”.
O ato de escrever Cartas era seguramente o ato de propiciar
aos seus muitos interlocutores no Brasil e no exterior um diálogo
permanente, quer sobre os fatos da conjuntura, quer sobre suas
leituras e reflexões pastorais, quer sobre a necessidade de realizar
constantemente uma escrita de intervenção contra as injustiças
sociais e as perseguições impostas pela ditadura civil-militar de
1964. Se fôssemos aqui destacar apenas o capítulo da epistolografia, diríamos que este é um enorme trabalho a ser desenvolvido
em relação a essas fontes.
Dom Fragoso era uma pessoa que prezava e incentivava o registro da memória como poucos no seu tempo. Esse empenho é certamente uma afirmação prática do compromisso com uma história
“desde os de baixo”, os sobrantes do sistema, como ele diria. Assim,
uma metodologia de ação pastoral consentânea a este princípio
tornou a Diocese de Crateús, a Equipe diocesana, os Animadores
nas Comunidades, entre tantos outros, dedicados a um que-fazer
cotidiano com a produção de uma significativa reflexão escrita
de uma história em ato, ensaiando passos de uma caminhada por
justiça e fraternidade.
As evidências desta notável sintonia com a luta por direitos,
são inúmeras e recuperamos aqui, entre incontáveis registros,
um fragmento dessa memória: uma Carta de Dom Fragoso às
Equipes Paroquiais da Diocese de Crateús, datada de 30 de julho
de 1973, na qual o bispo refere a comemoração dos vinte e cinco
anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, para avivar
194
nas Comunidades a leitura do folheto “Os direitos do homem”, e
pede que “os grupos de debate anotem todos os fatos, bem claros e precisos, da luta do povo para conquistar seus direitos, na
Diocese de Crateús”.
E, em carta mimeografada, constante no acervo do Plebeu
Gabinete de Leitura, acrescenta um rol de questões, como um
roteiro de estudos e problematização das experiências em curso.
Vamos às questões: “1) Existem dominadores e Opressores em sua
área?; 2) Qual é o pensamento deles?; 3) O povo também pensa
pela cabeça dos dominadores? Citar fatos; 4) O que você acha deste
ditado: ‘Os opressores moram na consciência dos oprimidos’? e 5)
O que o povo está fazendo para Enxergar, Pensar com sua Cabeça
e Decidir com segurança e clareza?”.
Guardemos do texto sua intencionalidade pedagógica em busca da construção da autonomia da palavra e do gesto de libertação,
a partir dos sujeitos da Caminhada.
Dom Fragoso andou muito, ou como diria Paulo Freire, é um
daqueles que tão bem internalizou os sentidos da andarilhagem
histórica. “Viajando também se aprende” é o título de um relato
de Dom Fragoso à sua Diocese, dando a conhecer um extenso percurso realizado em 1972: Lisboa, Taizé, Roma, Washington, Boston,
Chicago, San José da California, Santa Bárbara, Los Angeles,
México. E, atendendo a um convite do Departamento de Leigos
do Comitê Episcopal Italiano para a América Latina, participa ativamente, em Roma, do Encontro “A libertação do homem nas experiências das Igrejas Latino-Americanas”. Ali, apresenta “A experiência das Comunidades Eclesiais de Base em Crateús”, que se
constituía num dos temas do programa.
195
O relato mimeografado, constante no acervo de Chichica
Gonçalves, alude inúmeros contatos, reuniões, conversas, além
do expressivo interesse dos meios de comunicação pela palavra
do Bispo: são entrevistas concedidas a mais de trinta periódicos,
agências de notícias e canais de televisão (europeus, canadense,
estadunidenses, latino-americanos), nas quais Dom Fragoso expõe suas reflexões sobre a conjuntura socioeconômica do Brasil
e o mal chamado “milagre brasileiro”; sobre a crescente perseguição, no Brasil, à Igreja da Libertação e, em específico, à Igreja de
Crateús; e aborda, em denúncia corajosa, a repressão policial-militar no Brasil da ditadura4.
Estes fragmentos de memórias cumprem, aqui, o intento de
demonstrar a potência desses arquivos a nos animarem à sistematização de um índice geral deste rico repertório documental, com
a esperança, inclusive, de que se gestem novos estudos e pesquisas. Estamos tratando das trajetórias de personagens individuais
e sujeitos coletivos – Dom Fragoso, Padre Alfredinho, a Diocese
de Crateús e temas correlatos – para os quais existem centenas,
chegando à casa dos milhares de documentos em tipologia e suportes diversificados: cartas, notas públicas, fotografias, vídeos,
documentários, entrevistas, roteiros de Estudos Pastorais, relatórios de Encontros, cadernos catequéticos, planos diocesanos de
pastoral, folhinhas de missas, registros de preparação e realização
das Romarias da Terra e Romarias das Águas, roteiros de cursos
da Escola Popular, semanas catequéticas, cartilhas de Educação
Sindical e Educação Popular, livrinhos de cânticos, cadernos de
memórias, homilias, relatórios de Visita Pastoral, encontros das
Comunidades Eclesiais de Base, registros da Comissão Pastoral
196
da Terra, documentos de Sindicatos de Trabalhadores Rurais da
região de Crateús e dos Inhamuns, arquivos de coleção do jornal
O Roceiro, livros, coletâneas, e outros mais, muitos mais.
Portanto, o que ora apresentamos é um apanhado do que conseguimos reunir, em termos de livros, capítulos, coletâneas da lavra
de Dom Fragoso e de Padre Alfredinho, além de outros fundos documentais e uma indicação bibliográfica, incluindo teses, dissertações e similares, tratando de temas aqui tangenciados, sobre a
Diocese de Crateús e seus sujeitos coletivos, a Pastoral ali realizada,
as conjunturas, as lutas sociais, entre outros conteúdos.
Esta nossa sistematização de indicações dispersas em diversos
estudos e alguns fundos documentais, por certo demonstra ser um
levantamento aberto a necessárias complementações, por parte
dos leitores, pesquisadores e demais zelosos guardadores de memórias. Ressaltamos que este repertório de pesquisas, aqui apresentado, se deve, em grande medida, às indicações criteriosas de Pe.
Maurizio. Almejamos que seja acrescida, reunindo mais e mais
informações. Recebam, portanto, nossa recolha com a generosidade que irmana pesquisadores e leitores.
1 - Livros, Capítulos e outros escritos de Dom Fragoso
“Evangile et Revolution social: Evangelho e Justiça Social”. In Hoje
no Mundo, 1968.
“La iglesia y el Estado en Brasil hoy in Razon e fé”, 1968\1970.
FRAGOSO, Antônio Batista. Êxodo. Crateús: Diocese de
Crateús, 1969.
197
FRAGOSO, Dom. Tensões entre igreja e militares do IV batalhão
de Engenharia e Construção. Carta aberta. Crateús, 26 de março
de 1969.
Evangelho e problematica sociale, 1970
FRAGOSO, Dom. Carta a Emilio Garrastazu Médici, datada de
Crateús, em 10 de novembro de 1970.
FRAGOSO, Dom. Homilia para a Concelebração. Paróquia de Tauá,
28 de outubro de 1971.
FRAGOSO, Dom. Carta/Informe dirigida pelo Bispo Diocesano de
Crateús à CNBB, aos Bispos do Nordeste e ao Capelão chefe (mimeo),
2 de janeiro 1972.
Mensagem aos Cristãos, Mensagem de Camilo Torres; Disponível
no documento Cristianismo e Revolução, México, 1972.
FRAGOSO, Dom. Revista Concilium, nº 71, 1972, Cooperación del
Obispo al desarrollo, Artigo de Dom Fragoso, também traduzido
e publicado em data posterior; Separata em espanhol, italiano,
francês e alemão.
FRAGOSO, Antônio Batista. El Evangelio de la esperanza. Madrid/
Espanha: Ediciones Sigueme, 1973.
FRAGOSO, Dom. Carta ao Presidente da República do Equador,
Guillermo Rodríguez Lara, 2 de novembro de 1974
FRAGOSO, Antônio Batista A Firmeza Permanente. A força da não
violência. Petrópolis: ed. Loyola. 1977.
“Fé y compromiso para una Pastoral en tiempos de revolución.
Brecha”, Informativo del CIDOPV, Managua, 1981
FRAGOSO, Antônio Batista. O Rosto de uma Igreja. São Paulo:
Edições Loyola, 1982.
Cercando um nuovo volto. CENSIS, Bergamo, 1984.
198
FRAGOSO, Dom. “Educação da fé”. Cadernos Catequéticos, 10, cerca 1987.
FRAGOSO, Dom. Carta ao Papa João Paulo II, datada de 15 de novembro de 1989.
FRAGOSO, Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos;
GONÇALVES, Luiz Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira &
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Trad. Robert R. Ban.
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Testamento-testemunho de Dom Antônio Fragoso, ex-bispo de
Crateús, CE. Apresentação: Frei Gilvander Moreira, 2013. Disponível
em:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523070-testamento-
199
-testemunho-de-dom-antonio-fragoso-ex-bispo-de-crateus-ce2 - Reportagens e Entrevistas concedidas por Dom Fragoso em
periódicos e revistas
Entrevista, Jornal O Poty (Crateús-CE), 21 set. 1967
Entrevista, Jornal Última Hora (Rio de Janeiro), 11 out. 1967
Entrevista, Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1968.
Reportagem. “Crateús: uma cidade agitada com um bispo muito
calmo”. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro. 29 de novembro
de 1968.
Entrevista a Maria da Conceição Moite In: Libertar o povo - Diálogo
com António Fragoso, bispo. Lisboa, Portugal: Base, 1973.
Entrevista, Jornal O São Paulo (Arquidiocese de São Paulo), janeiro,
1973. Publicada com vetos da censura à edição.
Entrevista, Jornal O Mutirão, Fortaleza-CE, setembro de 1979.
Entrevista, Revista Anais do Sagrado Coração, São Paulo, maio 1982.
Entrevista, Revista Concilium, Roma, 31 de março 1982.
Entrevista, Jornal Fraternizar, Portugal, 1989.
Entrevista, Revista Adista, Itália, nº 5, 6, 7, outubro de 1989.
Entrevista, Jornal A Crítica Política, Manaus 6 fev 1994.
Entrevista, Jornal O Povo, Fortaleza/CE 18 fev 1996.
Entrevista, Revista Anais do Sagrado Coração, Brasília, 1996.
Entrevista, Jornal do Comércio, Recife (PE), 27/10/2003.
Entrevista a Alder Júlio Ferreira Calado. Profeta dos pobres. Dom
Fragoso nos fala, 23/05/2006. In: IHU- Instituto Humanitas
Unisinos. 23/05/2006.
200
Entrevista a Alder Júlio Ferreira Calado. Dom Fragoso, uma presença profética no Concílio Vaticano II e para além dele. In: IHUInstituto Humanitas Unisinos, 14/08/2012.
3 - Jornais, Documentos Pastorais, Relatórios, Visitas Pastorais
- Dom Fragoso
Jornal O Pastoral (1969-1992) - Mensagem do Bispo
Jornal O Roceiro (1988-1998) - A Palavra do Bispo
DIOCESE DE CRATEÚS. Cartas Pastorais entre 1964 e 1988.
DIOCESE DE CRATEÚS. Cartilhas diversas entre 1964 e 1998.
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FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/Tauá, 13 de junho de 1973.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Tauá, outubro de 1974 e outubro de 1986.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Novo Oriente, setembro de
1986 e novembro de 1987.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Independência, maio de 1989.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Nova Russas, junho de 1989
e agosto de 1990.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Poranga, setembro de 1986.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Tamboril, setembro de 1986.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Parambu, junho de 1990.
201
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Quiterianópolis, junho
de 1990.
FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/Ipueiras, agosto de 1990.
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SANTOS, Pe. Eliésio dos. Coleção Fazendo a Nossa História Volume 01. Crateús/CE: Diocese de Crateús, 1996.
4 - Documentos dos Acervos do Projeto Brasil Nunca Mais,
Memórias Reveladas, APEC- Arquivo Público do Estado do
Ceará e DOPS-São Paulo
Projeto Brasil Nunca Mais, Cópia do Discurso de Dom Fragoso em
09\10\1967 com os seguintes pontos: 1) Onde esteve o Bispo de
Crateús nestes dias; 2) O Bispo de Crateús e Cuba; 3) O Bispo de
Crateús não está só; 4) E depois.
Projeto Brasil Nunca Mais, Cópia do Discurso de Dom Fragoso
em 22\01\1968 em Belo Horizonte; a Conferência intitula-se
“Evangelho e Justiça Social”.
Projeto Brasil Nunca Mais, Cópia do Discurso de Dom Fragoso em
05\04\1968 por ocasião da Semana Cultural do 10º aniversário da
Faculdade Católica de Filosofia do Piauí.
202
Projeto Brasil Nunca Mais - Revista Francesa editada pela La
Cimade - Serviço Ecumênico de Ajuda Mútua em outubro de 1982,
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Projeto Memórias Reveladas - Dossiê Dom Fragoso, disponível em
http://www.memoriasreveladas.gov.br/
APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará: DOPS Ceará, 1969.
(Projeto Memórias Reveladas). Cópia da Ata da Sessão da Câmara
Municipal de Crateús 16 de maio, onde vereadores fazem duras
críticas ao Bispo Dom Fragoso.
APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará: DOPS Ceará, 1972.
(Projeto Memórias Reveladas). Relato da recusa do Bispo Dom
Fragoso em realizar missa no dia 31 de março de 1964.
APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará: DOPS Ceará, 1973.
(Projeto Memórias Reveladas). Carta manuscrita de Dom Fragoso
ao delegado de Ordem Política e Social.
DOPS – SÃO PAULO. Secretaria da Segurança Pública.
Departamento de Ordem Política e Social - DOPS/DEREX. Memória
política e resistência. Pesquisa de fichas e prontuários. Prontuário
de Antônio Batista Fragoso.
SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA. Camponeses mortos e desaparecidos: excluídos da
justiça de transição. Brasília, 2013.
5 - Documentos da Diocese de Crateús, Cadernos Pastorais,
Cartilhas e Documentos da Comissão Pastoral da Terra
Regional Nordeste I e de Sindicatos
DIOCESE DE CRATEÚS. Coleção Fazendo Nossa História (21 volumes).
203
DIOCESE DE CRATEÚS. Documento O Povo do Campo e a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, 1972.
Cadernos Pastorais. Nº1. E a Assembleia continua. (Homilia de Dom
Antônio Fragoso). Fortaleza: Secretariado Regional NE I, Nov, 1981.
Memória da 3ª Assembléia Regional Comissão Pastoral da Terra
Regional Nordeste I, realizada com data 10 e 11 de março de 1984
em Crateús. CPT Regional NE I, 1984.
A Reforma Agrária será conquistada pela organização dos trabalhadores rurais. Esta luta é nossa. Relatório do I Congresso dos
Trabalhadores Rurais de Tauá, realizado de 17 a 19 de junho de
1988 em Tauá. CPT Regional NE I, 1988.
Cadernos Pastorais. Nº 104. Avaliação das Diretrizes da Ação
Pastoral do Regional Nordeste I. Diocese de Crateús. Fortaleza:
Secretariado Regional NE I, Jan. 1991.
DIOCESE DE CRATEÚS. Igreja de Crateús a Serviço da Vida, 30 anos
de Catequese 1964-1994.
CARTILHA Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá.
História do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá. Gestão 19861989. Tauá: STR-Tauá/ CUT Regional-Tauá, 1989.
RIPERT, Paullet. A fundação dos sindicatos da região de Crateús,
Coleção Fazendo Nossa História, 1979.
6 - Fundos Documentais
Fundo “Cartas Pastorais em Crateús”. Instituto Dom Fragoso.
Fundo “Visitas pastorais”. Instituto Dom Fragoso.
Fundo “Agendas” Instituto Dom Fragoso.
Acervo da Fundação Lelia Basso (Roma). Correspondência com
Linda Bimbi, sua Comunidade e fotografias.
204
7 - Livros, Capítulos e Outros Escritos por Padre Alfredinho e
Irmandade do Servo Sofredor
ALFREDINHO. O Cobrador. Irmandade do Servo Sofredor.
KUNZ, Frédy. Rajnyc. Montreal face aux camps de la mort. Montreal
02 mai 1959.
KUNZ, F. BOUCHAUD, J; A burrinha de Balaão numa favela brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 1977. (L’ânesse de Balaan: dans une
favelle brésilienne. Paris: Les editions Ouvrières,1971).
KUNZ, F. A ovelha de Urias. São Paulo: Edições Loyola, 1978.
KUNZ, F. et.al. A espada de Gedeão. São Paulo: Edições Loyola, 1983.
KUNZ, Fredy; VICENTE, Zé; Ir. MARGARETE. Sangradouro, nascido
na seca nordestina. São Paulo: Ed. Loyola, 1991
KUNZ, Frédy (et al,). Sangradouro, nacido de la sequia nordestina.
Accion Cultural Cristiana. Salamanca 1992.
KUNZ, Frédy À sombra de Nabuco. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
SI VOUS SAVIEZ LA JOIE DES PAVRES. Editions Saint
Augustin, 2002.
8 - Escritos sobre Padre Alfredinho
A longa caminhada do Servo Sofredor. Aparecida, São Paulo: Editora
ReMa, 2004.
ANTOINE, Charles. Está aí o futuro de nosso mundo. In: BAVAREL,
Michel. Frédy Kunz: Alfredinho e o povo de sofredores. São
Paulo:Loyola, 1992.
BAVAREL, Michel. Frédy Kunz, Alfredinho et le peuple des soufrantes.
Les Éditions Ouvrières. Paris, 1991.
BAVAREL, Michel; Silva, RACHID, Nara. Se você soubesse a alegria
dos pobres. Fredy Kunz (Pe. Alfredinho). Nhanduti Editora, 2014,
205
Apresentação de José Oscar Beozzo. Prefácio de Marc Ouellet.
Mensagem de Pedro Casaldáliga.
BETTO, Frei. Ele viveu entre nós. Padre Alfredinho. Disponível
em:http://naoviolenciaativa.blogspot.com/2014/05/alfredinho-kunz.html
BOUR, Alfred. O Poverelo do Nordeste, Cahier de la Reconciliação.
Nº 3, 1990
BRANCO, Teresinha do Carmo Pereira. Vinde, vede e anunciai.
Irmandade do Servo Sofredor. Crateús.
CÁLICES, Tonny. Padre Alfredinho – 15 anos de sua páscoa. Disponível
em:http://oabsurdoeagraca.blogspot.com/2015_08_11_archive.html
MESTERS, Carlos. A missão do povo que sofre. Petrópolis: Editora
Vozes, 1981.
Padre Alfredo Kunz, conhecido como Padre Alfredinho. Cronologia.
Disponível em: http://juventudespedrospaulo.blogspot.com.
br/2011/05/padre-alfred-kunz-conhecido-como-pe.html
Jornal O Trecheiro. Nº 87, Julho de 2001. Disponível em: https://
rederuasp.files.wordpress.com
“Um trecheiro no céu”. Edição Especial, por ocasião da morte de
Padre Alfredinho. In: Jornal O Trecheiro, N º 79, Agosto 2000.
Disponível em: https://rederuasp.files.wordpress.com/2017/08/
agosto-2000.pdf
VICENTE, Zé. Padre Alfredinho. Eu convivi com um Bem-aventurado!
Disponível em: https://rederuasp.files.wordpress.com/2017/08/
agosto-2000.pdf
206
9 - Publicações sobre a Diocese de Crateús:
BONFIM, José Maria M. História da Paróquia de Crateús: visão de
uma longa caminhada. Fortaleza: Qualigraf, 2003.
Crateús: 100 anos. Academia de Letras de Crateús. Fortaleza:
Expressão Gráfica e Editora, 2011.
FONTES, Cleide. Rastros Agrários: da terra o brotar da cidadania.
Fortaleza: Gráfica Encaixe, 2014.
FRANÇA, Elias de. "A Igreja popular de Dom Fragoso de 1964 a
1988" In: Academia de Letras de Crateús. Fortaleza: Expressão
Gráfica e Editora, 2011.
LIMA, Pe. Geraldo Oliveira. Sertões de Crateús. Sobral: Global
Gráfica, 2002.
MARTINS, Aurineide Carvalho e SALES, Maria Ivane. Resgate
Histórico: de Piranhas à Crateús. Fortaleza: Edição das Autoras, 1995.
MCCABE, Maria Alice. História na mão: algumas camponesas contam como se conscientizaram. Sobral, 1996.
MESTERS, Carlos. A sabedoria do povo, ser aluno do bom senso. Rio
de Janeiro: Vozes, 1973.
SALES, Dideus. Nos Cafundós do Sertão. Fortaleza: Expressão
Gráfica, 2001.
THOMÉ, Yolanda B. Crateús: um povo, uma igreja. São Paulo:
Loyola, 1994.
10 - Teses, Dissertações e Pesquisas:
BRITO, Pereira .O Ideal Católico Progressista na Ditadura Militar
(1964-1985) presente nas cartas de Dom Fragoso. (Trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais) Londrina: Universidade Estadual
de Londrina, 2013.
207
CHAVES, Luciano Gutembergue Bonfim. Entre o Evangelho e a
Revolução: ações educativas realizadas na cidade de Crateús-CE,
no período de 1964 a 1971, sob a orientação de dom Antonio Batista
Fragoso. Dissertação de Mestrado. Fortaleza: UFC, 2008.
COUTINHO. Sérgio Ricardo. “Verbalização do Sagrado” em Tempos
de Fronteira: a recepção do Concílio Vaticano II no Maranhão 19591979. Tese de Doutorado. Goiânia: UFG, 2015
CORDONHA, José. A Igreja Católica nos “Anos de Chumbo”: resistência e deslegitimação do Estado autoritário brasileiro (1968-1974).
Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2011.
FERREIRA, Gustavo Xavier. Memória social de participantes de
Comunidades Eclesiais de Base em Santo André. (Dissertação) São
Paulo: Universidade de São Paulo, 2012.
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cristologia. Projeto de Pesquisa em Teologia. Porto Alegre: PUCRS, 2015.
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Desencontros - o caso de Crateús - CE (1964-1974). Dissertação de
Mestrado. Recife: UFPE, 2000.
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PORTO, Márcio de Souza. Modernidade e Catolicismo: o episcopado de Dom José de Medeiros Delgado no Ceará (1963-1973). Tese de
Doutorado (Sociologia). Fortaleza: UFC, 2014.
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uma geoistória tecida pelos gritos dos povos oprimidos do campo. Tese
de Doutorado. Fortaleza: UFC, 2016.
208
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anos 1960 aos 1990. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFF, 2013.
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cristologia". 2016. Artigo disponível em: https://www.researchgate.net/publication/305318220_Cristologia_e_Paz_O_conceito_de_
paz_justa_e_sua_interface_com_a_Cristologia
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Dom Fragoso. Francis Vale. Brasil. 71 min. disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=bZjMbxNRfDw
Dom Antônio Fragoso recorda um encontro de Roger Schutz, Monge
de Taizé sobre o celibato clerical. Vaticano II - Arquivo Vivo. Brasil.
Verbo Filmes. (2 min). Dísponívelem:https://www.youtube.com/
watch?v=oaWppokAW_Y
Fredy Kunz. Padre Alfredinho. Brasil. 6 min. Disponível: https://
www.youtube.com/watch?v=17XkZWn6yFI&feature=emb_logo
Padre Alfredinho na Fileira dos Excluídos. Instituto dos Filhos
da Caridade Irmandade do Servo Sofredor. Rede Rua de
Comunicação. Brasil. 48min. Disponível: https://www.youtube.
com/watch?v=E57OLsdek_0
Padre Alfredinho na Missa do Sangradouro da Santa Fé, Crateús.
Brasil. (3 min). Disponível: https://www.youtube.com/
watch?time_continue=193&v=jCaRycOvTq4&feature=emb_logo
214
No projeto gráfico deste livro, foram utilizadas as
famílias tipográficas Tisa Pro (Textos), do tipógrafo
Mitja Miklavčič da foundry Fontfont, e Aglet Slab,
do tipógrafo Jesse Ragan da foundry XYZ Type. Ambas foram licenciadas pela Adobe Fonts.
Este livro foi impresso na Expressão Gráfica
em Julho de 2020, em Fortaleza/CE.