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Dom Fragoso & Padre Alfredinho entre nós Coordenação Editorial Adelaide Gonçalves, Lucas Assis, Monyse Ravena, Romário Bastos, Vanda Souto. Projeto Gráfico e Diagramação Tarcísio Bezerra Martins Filho. Agradecimentos Chichica Gonçalves, Eurípedes Funes, Maurizio Cremaschi, Salete Vale, Sulamita Vieira. Este livro, fruto de nossa militância nas Universidades Públicas, Institutos Federais e Escolas do Campo, no Ceará, é uma homenagem ao Centenário de Nascimento de Dom Fragoso e Padre Alfredinho e ao jornal O Roceiro, em nossa VII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária Popular. A publicação (em seus custos gráficos) se tornou possível graças à generosidade de Amigos e Amigas. Dom Fragoso & Padre Alfredinho : entre nós / Orgs. Adelaide Gonçalves, Lucas Assis, Monyse Ravena, Romário Bastos, Salete Vale. – Fortaleza: Plebeu Gabinete de Leitura, 2020. 216 p.: 15 x 21 cm. ISBN:978-65-87771-00-7 1. Dom Fragoso 2. Padre Alfredinho 3. Crateús 4. Jornal O Roceiro. I. Título. CDD 300.250 Dom Fragoso & Padre Alfredinho entre nós Plebeu Gabinete de Leitura 8 Uma história como anúncio de um futuro novo! Adelaide Gonçalves | Salete Vale 34 Dom Fragoso: exemplo de coragem e determinação na luta em defesa dos oprimidos Sulamita Vieira 42 O Roceiro: um poema Pe. Paco Almenar 48 O Roceiro: contando histórias de vida e de fé Pe. Maurizio Cremaschi 66 Dom Fragoso: o Bispo fala ao Roceiro 166 Padre Alfredinho, uma vida consagrada aos pobres 192 Um repertório de pesquisas: bibliografia e fontes Monyse Ravena | Romário Bastos Está visto, y los ciegos lo ven, que cada persona contiene otras personas posibles, y cada mundo contiene su contramundo. Esa promesa escondida, el mundo que necesitamos, no es menos real que el mundo que conocemos y padecemos. Eduardo Galeano Uma história como anúncio de um futuro novo! Adelaide Gonçalves | Salete Vale Neste ano de 2020, celebra-se o Centenário de Nascimento de Padre Alfredinho e de Dom Antônio Batista Fragoso. Este livro é uma homenagem à memória destes dois grandes homens. É também nosso tributo a todas as pessoas que, na Diocese de Crateús ao longo dos anos, vem tecendo o jornal O Roceiro. O livro começa com a palavra rimada de padre Paco Almenar contando uma história d’O Roceiro, convocando nossa sensibilidade para escutar uma história de teimosia e resistência; uma escrita da alegria das conquistas dos posseiros, das lindas Romarias, da denúncia das injustiças, da fome e escravidão naqueles tempos da Seca, e dos trabalhadores no ‘bolsão’, onde sofriam miséria e humilhação. Do grito por Reforma Agrária contra o grande latifúndio, gerador de morte e dor; do Sindicato livre e forte, das Associações, do trabalho em Mutirão… Padre Maurizio Cremaschi nos apresenta O Roceiro como uma experiência de acolhida e difusão da escrita das Comunidades. E nos fala da prática de leitura do jornal em voz alta, em partilha, em Comunidade, nas celebrações dominicais quando se lia uma das cartas enviadas ao jornal. Já antes d’O Roceiro outros dois jornaizinhos mimeografados “eram lidos em voz alta para a comunidade reunida, à luz da lamparina, pelas poucas pessoas que tinham o dom da leitura”, nos conta Pe. Maurizio. Naqueles começos dos anos de 1980, a fornada de materiais que ia chegando das Comunidades animava um fazer coletivo, a várias mãos: datilografando na máquina olivetti da CPT, preparando os desenhos – a cerca, o machado, a enxada levantada, os pés dos camponeses –, riscando com o estilete o estêncil e… rumo ao mimeógrafo! Logo circularia uma edição d’O Roceiro, cujos 9 leitores ultrapassavam em muito o número de exemplares, pois ali se praticava a leitura escutada, a leitura em círculos de estudos. Algumas páginas adquiriam sentidos da vida em comum, como a página da Liturgia, preparada por Padre Machado e a página da Saúde, gerada pela recolha e anotação zelosa de Irmã Ailce. O texto de Padre Maurizio é, em verdade, uma contribuição aos estudos (ainda escassos) sobre os modos de escrita e leitura camponesa no Brasil. O Roceiro se faz como um espaço onde os camponeses, homens e mulheres dos sertões de Crateús e dos Inhamuns podem contar sua vida e suas lutas, esperanças e conquistas, como sujeitos de sua história. Seu ponto de vista é a realidade observada a partir dos de baixo; é um olhar crítico da sociedade, às vezes ingênuo, mas sempre concreto, com os pés no chão, afirma Pe. Maurizio. Mesclando a narrativa com informações gerais sobre o jornal desde suas origens, em 1984, nos situa face aos conteúdos. Sua pauta é a luta social e a organização popular. As matérias são recolhidas diretamente dos grupos de base, nas Comunidades: cartas, versos… e ampliadas com as páginas de saúde, liturgia, estudo e reflexão. Padre Maurizio descreve vivamente os temas: os versos de Reginaldo, do Tertuliano e de sua esposa, da Vilma, do Zé Vicente; e nos fala sobre os conteúdos – o sofrimento do povo; as “artes da resistência” na bodega, na horta, na roça comunitária, nos quintais produtivos e nos canteiros; a alegria da fartura – muita melancia, pepino, jerimum, muita água e muito peixe ou “este ano tinha semente guardada para plantar”, dizem as Cartas enviadas a’O Roceiro. 10 Estas artes da resistência são aprendidas em Mutirão. Ora constroem uma estrada por onde possa andar melhor a luta dos posseiros de Parambu, ora alastram os conteúdos da solidariedade ante às injustiças e à repressão, aqui e ao longe. O nome da união e da ajuda mútua é a Roça Comunitária e a bonita experiência das Crochezeiras de Nova Russas. É o aprendizado das muitas mãos unidas desaguando no fortalecimento da Comissão Pastoral da Terra, do Sindicato de lutas, das Comunidades Eclesiais de Base. As notícias e as Cartas publicadas vem de uma geografia, tantas vezes ausente dos mapas oficiais: Algodões, Nova Betânia, Lagoinha, Boa Esperança, bairro Brasília, bairro Beleza, Mangueira, Calumbi… As Cartas constituem a seção central do jornalzinho, sendo considerada a parte mais preciosa d’O Roceiro. Quem guardou a coleção do jornal tem um valioso arquivo com mil histórias de vida e da fé, sublinha Pe. Maurizio. Passando as páginas d’O Roceiro, em edições várias, podemos ler em prosa e verso a escrita do sentimento de tantos homens e mulheres que encontraram também no testemunho vivo de Dom Fragoso e Padre Alfredinho fontes de inspiração e acolhida na caminhada. Nesta senda da inspiração e acolhida, o livro conta com um testemunho muito bonito da professora Sulamita Vieira – Dom Fragoso: exemplo de coragem e determinação na luta em defesa dos oprimidos –, em que compartilha uma memória sobre os tempos em que andava e andava na Diocese de Crateús e escutava e escutava as vozes cheias de esperança daquele povo em mutirão, quando conversava e aprendia do bispo as palavras de firmeza e fé nos pobres. E Sulamita nos diz: “De Dom Fragoso, guardo muitas 11 lembranças. Entre elas, uma se mantém viva, sempre: a de um homem destemido, justo, íntegro. Afrontado, inúmeras vezes e de diferentes maneiras, por agentes da ditadura civil-militar, a ela jamais se curvou”. A segunda seção do livro traz aos leitores a palavra de Dom Fragoso, como publicada à maneira de editorial, em sucessivas edições d’O Roceiro, desde o primeiro número de julho de 1985 até janeiro de 2000. A Palavra do Bispo se assemelha a uma conversa com os leitores, afetuosamente chamados de roceiras e roceiros, cumprindo a função da leitura dialogada. Fala aos Pobres dos Sertões de Crateús e dos Inhamuns, do Nordeste, da América dos Sem Terra, dos Índios e dos Negros. Escreve como quem fala com o leitor no terreiro de sua casa e pergunta sobre as dificuldades da vida aprisionada pela cerca do latifúndio. E ajuda a pensar em coletivo: a organização da vida comunitária é o aprendizado na Ciranda da Fraternidade e no Mutirão que há-de colher o fruto maduro da luta organizada por uma Nova Sociedade. Ao longo das edições, nos deparamos com um repertório de sua ação pastoral, atentando aos temas da vida cotidiana e das exigências históricas da luta por justiça e direitos. Seca e Cerca, Seca e Fome, Fome também de Justiça, Terra de Trabalho e Terra de Moradia, Campanhas da Fraternidade, os Encontros das CEBs, a Pastoral da Terra, a pobreza estrutural, latifúndio e reforma agrária, migração, esperança, justiça, solidariedade, lindos e verdes roçados, mutirão da fraternidade; são temas constantes para falar dos sujeitos na Caminhada: Sindicatos independentes, Oposições Sindicais, a Escolinha Popular de Base, os trabalhadores Sem Terra, as Comunidades Eclesiais de Base. As Romarias da Terra 12 são saudadas vivamente em suas consignas: “Terra livre. Água livre. O Sertão florescerá” e “Na luta por terra e água, o renascer de Canudos”, convidando a todos de chapéu de palha na cabeça, braços e corações unidos, se fazendo caminhantes. Sua palavra se dirige às famílias Acampadas e Assentadas, às crianças, às mulheres, aos rapazes que aos milhares fogem para o sul, e aos tantos de pouca idade que na cidade grande e desumana viram pixotes e pivetes na mira da repressão policial. Fala sobre Santo Domingo, Puebla e Medellin, a Teologia da Libertação e a opção radical pelos pobres. Também fala com júbilo sobre a solidariedade internacional ao povo da Nicarágua e diz vivas ao Primeiro de Maio. Fala de Libertação e Liberdade e ajuda a desvelar os sinais da escravidão contemporânea no mundo do trabalho. A Seca é um dos assuntos que mais tocam seu coração. Quando chega a seca com cara de bicho entrando nos roçados, sua palavra é cortante: Secou o milho apendoado. Matou o feijão. Colocou tristeza nos olhos dos pais e das mães de família. E avançou pelas casas dos trabalhadores Sem Terra. Esvaziou os pratos de milho e feijão e farinha. Apertou a barriga dos doentes, das pessoas mais fracas, das mães que amamentam os filhos, das crianças desnutridas. Uma das passagens mais bonitas da Palavra do Bispo é seu comovido relato aos leitores d’O Roceiro, de uma Visita Pastoral à Paróquia de Tamboril, na Comunidade de Varjota. Ali seus olhos viram em ato o cerne da cultura camponesa: a união do trabalho em adjutório, experimentando ao modo comunitário o fazer de uma Roça, um Cacimbão, uma Horta. “Reunidos debaixo de uma latada de mofumbo, descobrindo a força da experiência comunitária e a lição da seca como uma Escola”. 13 Uma Grande Ciranda, um Grande Mutirão, assim Dom Fragoso enxergava aquelas histórias vividas como anúncio de um futuro novo! Sobre o papel gerador dessa eclesiologia, em depoimento sobre a experiência da Igreja de Crateús, J.B. Libânio analisa a ruptura naquela Diocese da aliança ordinária com o poder local, com os senhores da terra, e como não apenas optou pelos pobres; ela se fez pobre: “Além de uma pobreza generalizada dos meios, teve a graça de contar com testemunhos de padres e agentes de pastoral, como padre Alfredinho e o jesuíta Paco, que viveram uma extrema pobreza, dando testemunho de uma pureza evangélica pouco comum. A evangelização dos pobres com meios pobres e com o testemunho de pessoas pobres construiu um traço original dessa Igreja”1. São experiências que se vão afirmatndo na vivência comunitária e na caminhada; como afirma Leonardo Boff: “Alguns fazem teologia para os pobres, coisa que a Igreja nunca deixou de praticar. Outros fazem teologia com os pobres, convivendo com eles e tentando pensar a mensagem cristã a partir de sua cultura. Outros vão mais longe e fazem uma teologia como os pobres, fazendo-se pobres, morando em favelas e ouvindo suas histórias e descobrindo na escuta de suas palavras a presença escondida de Deus”2. *** Cavoucar o poço da Memória se faz como uma pedagogia de ação pastoral, porquanto a memória é entretecida como parte das vivências geradoras. Incontáveis são as palavras escritas de Dom Fragoso e da equipe diocesana de pastoral; e seu imenso zelo 14 com o registro, com a narrativa da história que se está vivendo e fazendo. Dom Fragoso, em 8 de agosto de 1964, na solenidade de saudação de seu bispado promovida pelas autoridades do lugar (e fora do lugar) nos dizia: “Eu não quero ser um príncipe da Igreja, um excelentíssimo Senhor, um construtor de civilização, mas quero ser nesta terra, um humilde servidor deste povo. Ficarei feliz vendo o povo de Crateús tomar, nos próprios ombros, o destino de sua terra. Querem saber as obras sociais que estão no meu coração? São estas: 1) conscientizar o povo do campo, para que descubra sua dignidade, se organize e ande com seus próprios pés. 2) ajudá-los a se organizar nas suas cooperativas e sindicatos, para que lutem pela justiça e pelos seus direitos”3. Em março de 1965, Dom Fragoso recusa o “convite” do Batalhão de Engenharia (IV BEC, sediado em Crateús) para celebrar a missa em “comemoração” ao 31 de março de 1964. Recusa idêntica se dá nos anos seguintes. Já naqueles começos, Dom Fragoso antevia: haveria de fazer ecoar a palavra da Boa Nova por todos os recantos da Diocese de Crateús: Tauá, Independência, Flores, Cococi, Parambu, Novo Oriente, Ipueiras, Ipaporanga, Poranga, Tamboril, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Novo Oriente, Crateús, Quiterianópolis. Naquelas Paróquias e Comunidades, o Bispo conclamava, em 31 de dezembro de 1964, à realização de uma Semana Catequética, acolhida com entusiasmo, em 1965 e nos anos seguintes, dando passos para uma nova caminhada de evangelização e educação da fé, na Diocese e em suas Comunidades de Base que começavam a brotar do solo fértil do clamor por justiça e direitos. Nessas Semanas Catequéticas, algumas convicções foram se formando: 15 “a consciência comunitária vem daí”. Ou, como diria Dom Fragoso sobre as Semanas: “Fez-se luz em nossas consciências: não podemos dormir tranquilos enquanto tantos dos nossos irmãos das cidades, dos distritos, dos povoados, das fazendas, dos sítios, das casas isoladas não tiverem a oportunidade de escutar o Anúncio da Boa Nova do Reino de Deus”4. Naquela Caminhada da Igreja com o rosto do povo, encontramos um sentido histórico da Comunidade Eclesial de Base em seu nascedouro: “era um projeto sobre propostas utópicas; um apelo; como toda utopia mobilizadora é um apelo para ser encarnada, ensaiada, exercitada”, como nos diz Dom Fragoso. Para ele, esta qualidade das CEBs tornava possível a participação do “povo do campo, os pequenos, os pobres, os fracos, os oprimidos” assumindo na fala e no gesto o ser “protagonista de sua própria história”5. Para o bispo de Crateús, cuja ação pastoral sempre esteve na mira da ditadura civil-militar instaurada em 1964, é preciso atentar para os significados da emergência de uma profunda consciência histórica de luta por direitos denegados, no âmbito de uma nova compreensão de Igreja ao lado dos pobres: “Quem viveu essa etapa viu e sentiu a densidade e a força que ela teve”6. Nas Comunidades Eclesiais de Base, encontramos uma história de semeadura da palavra libertadora em tempos de ditadura e repressão, afirmando uma Igreja dos Pobres e propondo uma mística da fraternidade. São muitos os registros sobre a caminhada das Comunidades. Um deles sistematiza o V Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, realizado em Canindé, no Ceará, em julho de 1983. Ali, é muito bonito o testemunho de Dom Fragoso, assim como os diversos registros testemunhais do povo 16 das comunidades de tantas regiões do Brasil, dos bispos, do arcebispo Dom Aloísio Lorscheider, dos assessores7. Uma história também da pedagogia da emancipação e da educação popular, como em Paulo Freire. É o que se observa da anotação sobre o trabalho pastoral de educação popular em Crateús: “Também entre os não-letrados eram socializadas as informações sobre o mundo. Tão importante era essa dimensão, que, no caso de tantos e tantas que não haviam se alfabetizado, antes mesmo de se aplicarem a ler letras, cuidavam de aprender a fazer a leitura do mundo, passo fundamental na pedagogia de Paulo Freire”8. Compreendem a crítica radical à educação domesticadora: “era uma máquina de entortar pessoas”; e internalizam de seu método, construído em meio aos pobres, os princípios de uma educação libertadora9. Sobre a necessidade permanente de formação, Dom Fragoso nos diz: “Nosso inspirador principal foi Paulo Freire e sua metodologia para superar a opressão, tendo sempre o povo do campo como sujeito insubstituível de sua própria formação”10. O jeito de ser Comunidade se forjava na prática das reuniões, no princípio gerador das experiências em comum: o mutirão, quintais e roçados, a horta comunitária, a organização sindical, a catequese, a CPT (Comissão Pastoral da Terra), a Pastoral da Juventude, o Ninho, o MEB (Movimento de Educação de Base), as CEBs, a Cáritas, as semanas catequéticas, os encontros, os cursos e círculos bíblicos; quando se praticavam Partilha, Solidariedade, Vivência, Comunidade, Testemunho. O aprendizado do direito à palavra na experiência das CEBs, é apreciado por Eliésio dos Santos, padre em Crateús: “Nessa época [1970-1980] tudo acontecia nas Comunidades, uma instituição 17 muito simples, ou seja, a Reunião. Era como o Mutirão, a Horta Comunitária, a organização sindical, a catequese, os Círculos Bíblicos, as celebrações do Dia do Senhor que posteriormente passam a se chamar Celebrações da Palavra. Era em Reunião que se tomava consciência da realidade e se fazia a iluminação da mesma com o Evangelho”. A celebração da palavra partia da leitura da Bíblia, e ali se intercalavam: o canto de aclamação e as preces da comunidade, compartilhando-se, à luz dos fatos sociais vividos e do texto bíblico, uma reflexão coletiva11. A experiência comunitária da leitura em mutirão é prática corrente nos cursos bíblicos que se multiplicam nos quatro cantos do Brasil. No Ceará, a Diocese de Crateús, registrou a rica experiência do período com o texto dos profetas se abrindo à compreensão das injustiças do tempo presente. Em um destes cursos bíblicos, no sertão do Ceará, Dom Fragoso ouviu de um camponês sua compreensão do texto dos profetas Isaías e Amós: “O sonho de Deus é que todos cheguemos a comer no mesmo prato”. O bispo, anota: “Ele refletia nessas palavras ao constatar que os ricos comem a sua parte e ainda comem a parte dos pobres deixando-os na miséria. O povo intuiu a universalidade da proposta da libertação”12. O impulso à reflexão se nutria e reverberava nas lutas em curso, na década de 1970, entre as quais despontavam com vigor: os conflitos na luta pela terra, em Parambu; a luta pela desapropriação das fazendas Fagundes e Ingá; as conhecidas lutas da Serra, contra a ação dos grileiros das terras devolutas; e em Tauá, quando em 1977 se levantam os colonos de Várzea do Boi. Como perceberia padre Maurizio, ao chegar ali “(…) nada se tem a ensinar, sem disposição a aprender das pessoas e dos acontecimentos 18 que a vida coloca em nosso caminho”. E aprendeu que “Ouvir é diferente de escutar”, como ensinou Bilé de Tauá. E acrescenta o que aprendeu: “Os posseiros da Serra mostraram como caminhar sem deixar rastros; cortar as cercas sem ninguém saber quem foi; andar no passo lento que faz avançar todo mundo, sem ninguém ficar sozinho na frente, sem também ficar sozinho lá atrás”13. Um dos momentos desse despertar se deu no período da grande seca de 1979 a 1983, cujo sofrimento e dureza da vida nas Frentes de Serviço, na Emergência, nas áreas de conflito, repercutiam no modo de ser das CEBs, como visto em retrospecto: “muitas pessoas repetem que aprenderam a fazer da seca uma escola de luta, de organização e de formação política e sindical”. Tal aprendizado é potencializado com o acompanhamento da CPT, quando se aprendeu em coletivo que o problema não é a seca, é a cerca: “A seca passou a ser uma grande escola para o povo. Apesar de todo o sofrimento, houve um notável crescimento, como experiência de mobilização popular. Multiplicaram-se as reivindicações e as iniciativas de trabalho comunitário, na busca de solução para o enfrentamento desses problemas. Os mais conscientes descobriram que ‘o problema não é a seca, mas a cerca’ que prende a terra e dela exclui os trabalhadores”14. As memórias desse tempo de fome e sofrimento trazem também o aprendizado da partilha, esta filha dileta da solidariedade: “No longo período de secas, de 1979 a 1983, a maior ajuda que o povo pobre recebeu, foi do próprio povo. Essa permanente ajuda do pequeno ao pequeno fez com que muitas pessoas não morressem. Houve uma verdadeira partilha, de casa em casa, de mão em mão, dos que trabalhavam no sul e mandavam sua contribuição; 19 enfim, partilha também das ‘migalhas’ que ganhavam no trabalho de emergência. E partilha entre o povo é sempre uma festa. Não é um gesto triste para se livrar da pessoa que pede”, como anotado por Irmã Siebra, Padre Paco e Padre Maurizio15. Ora, quanto mais prosperavam os gestos de partilha, como sinais de uma caminhada e do compromisso da Diocese de Crateús com as lutas por justiça social, mais se apertava o cerco do aparelho de repressão da ditadura civil-militar. Do arquivo pessoal de Dom Fragoso e de outros repositórios de pesquisa saltam documentos vários sobre a perseguição pelas forças da ditadura à Diocese de Crateús, o que recrudesce em ritmo acelerado a partir da edição do AI-5 e de outras medidas do regime. Cresce a lista de perseguidos; em 1969, o bispo denuncia a prisão de vários militantes da Juventude Operária Católica – JOC. A perseguição aos padres, freiras, leigos, agentes de pastoral, sindicalistas, trabalhadores rurais e ao bispo é constante. Ainda nos começos dos anos de 1970, se vai agravando a perseguição ao trabalho pastoral da Igreja da Libertação. Em vários lugares do Ceará, do Piauí, do Maranhão, como noutras partes do Brasil, os “donos de terras e políticos chamam esse trabalho [pastoral] de subversão, de agitação, de comunismo. E procuram impedi-lo, diretamente com ameaças e perseguições, ou indiretamente por meio de campanhas de denúncias e de desmoralizações de todo tipo”, como assinala a CNBB em Nota pública, em 25 de agosto de 1970, assinada por Dom Fragoso16. Os registros do período documentam fartamente os sinais da repressão às ações do Bispo e da Equipe de Pastoral Diocesana, contra as quais se efetiva uma vasta campanha difamatória na 20 imprensa. No ano de 1971, se intensifica a aberta perseguição: a prisão do padre Geraldinho de Oliveira Lima, vigário de Novo Oriente; a prisão e expulsão do Brasil do missionário italiano, Padre José Pedandola, a prisão e perseguição de vários trabalhadores em Tauá e Parambu, empenhados na organização e luta sindical. Em 1973, aumenta a repressão à Diocese e se instala um IPM (Inquérito Policial Militar). Ali, mais de trinta pessoas foram interrogadas; e seis foram presas por ocasião de um Encontro de Catequese, na paróquia de Poranga: Luizinha Camurça, Eliésio dos Santos, Helena Almeida, Raimundo Freire, José Waldo e Laureano. Luizinha e Eliésio, de atuação destacada na equipe do Conselho Diocesano de Pastoral, permaneceram presos por 52 dias. A prisão e expulsão do país de Padre José Pedandola motivam aguda reflexão por parte da Diocese: na Homilia para a Concelebração, na Igreja de Tauá, Dom Fragoso conclama os paroquianos para gestos de solidariedade, não sem antes examinar os atos de omissão e cumplicidade que levaram à expulsão de Padre José, cuja “subversão” imputada queria desqualificar “sua escolha por ser pobre e estar a serviço dos pobres”. Ao final da homilia, toda ela ancorada na palavra da resistência e da esperança, Dom Fragoso conclama: “Toda noite escura é a véspera de uma manhã de Ressurreição!”. Sobre aquele período tenebroso e de intensa perseguição vivida na Diocese de Crateús, a memória sublinha: “O Batalhão de Engenharia, sediado em Crateús, realizou um eficiente trabalho de espionagem ao nosso procedimento pastoral. Vivemos momentos de muita perseguição, principalmente nos anos de 1968 a 1973.(…) Todas as Equipes Paroquiais, interrogadas arrogantemente, pelo SNI. Eram muito fortes as ameaças, 21 provenientes de rádio e jornal. Até novelas radiofônicas foram elaboradas para denegrir a Missão de um Pastor, cuja proposta de Igreja revelava o compromisso com os oprimidos”17. Aumenta a perseguição também àqueles que estabelecem vínculos com o plano pastoral da Diocese de Crateús e seu bispo. José Comblin, relata em “Carta aos amigos”, enviada de Roma, em setembro de 1972, o vexame e a humilhação a que fora submetido no Brasil no ano anterior. Vindo da Europa e chegando ao aeroporto de Recife, José Comblin é confrontado com a proibição de desembarque no Brasil, devendo regressar à Europa imediatamente no mesmo vôo, via Rio de Janeiro. Ali um inspetor da polícia federal mostra-lhe “triunfalmente a fotocópia de uma carta que eu enviara a Dom Fragoso, em dezembro de 1971, a qual se referia a uma Reunião do Conselho de Pastoral da Diocese de Crateús, de novembro do mesmo ano. Reunião de que participei”. O tal inspetor arguiu sobre as relações com Dom Fragoso e afirmou que na carta “haviam ‘palavras marxistas’ e denunciou com muita força a palavra ‘conscientizar’, que se achava uma vez no texto. Sustentava que era marxista”18. *** A terceira seção deste livro reúne excertos recolhidos nos escritos de e sobre Frédy Kunz, nosso Padre Alfredinho, em seu incansável labor no meio dos pobres e sofredores daqueles sertões de Crateús e dos Inhamuns. Sua obra repercute na memória de quantos o conheceram: matulão às costas, peregrino nas estradas, alistado nas frentes de serviço das secas, jejuando contra as injustiças dos poderosos, morando e vivendo naquela rua onde moravam e viviam as prostitutas, pregando incansavelmente contra o que torna 22 os pobres, pobres. Em 1988, Alfredinho mudou-se para a Favela Lamartine, em Santo André (SP). Passou a viver entre o Povo da Rua e a dedicar-se cada vez mais à Irmandade do Servo Sofredor. Seu testemunho de vida está narrado em seus escritos, alguns traduzidos em outros países, tais como: À sombra de Nabuco, A ovelha de Urias, A burrinha de Balaão, A espada de Gedeão, O cobrador, Sangradouro, entre outros. Padre Alfredinho é uma memória perene naqueles sertões de Crateús e dos Inhamuns; quem o conheceu de perto ou de vista, guarda uma lembrança indelével. Inúmeros e sensíveis são os testemunhos de seus contemporâneos de jornada. Entre os muitos depoimentos, trazemos aqui um belo excerto da lavra de Frei Betto, para que nos animemos a ler mais os escritos de Alfredinho: “Salão do Sindicato dos Cozinheiros de Paris, início da década de 1940. O presidente indaga quantos trabalhadores tem um mês de férias por ano. Uns tantos se levantam. Quem tem apenas uma semana de descanso. Uns poucos ficam de pé. Quem só obtém licença do patrão para descansar apenas no fim de semana. Outro punhado de pé. Quem nunca descansa? Um rapaz suíço, com pouco mais de um metro e meio de altura, levanta-se ao fundo. Era Alfredo Kunz, um militante cristão. Meses depois, Alfredinho, como era conhecido, foi mobilizado pelo Exército francês para lutar contra o avanço das tropas de Hitler. Aprisionado, passou a guerra num campo de concentração na Áustria, ao lado de prisioneiros soviéticos. Aprendeu russo para pregar o Evangelho a seus companheiros de infortúnio. Em 1945, logrou fugir do campo, onde morreram cerca de 40 mil pessoas. Estranhou a indiferença dos soldados nazistas que cruzavam com ele, um notório evadido, com uniforme azul e cabeça raspada. 23 Naquele dia, a guerra terminara. Alfredinho tomou três decisões: tornar-se padre, trabalhar com os mais pobres entre os pobres e jamais vestir outra roupa que não reproduzisse o modelo do uniforme do campo, em memória de seus companheiros mortos. Ingressou na congregação dos Filhos da Caridade e, a convite de dom Antônio Fragoso, em 1968 veio para a Diocese de Crateús (CE). Perguntou ao bispo qual era a paróquia mais miserável da Diocese. Dom Fragoso apontou Tauá, região de seca e flagelo. Alfredinho instalou-se na capela local. Desprovido de casa paroquial, ele dormia no colchão estendido junto ao altar e cozinhava num fogareiro. Certa noite, foi chamado para atender uma prostituta que, cancerosa, agonizava em seu barraco de taipa, na zona boêmia. Antonieta queria confessar-se. Padre Alfredinho disse a ela: “Somos nós que devemos pedir perdão a você. Perdão pelos pecados de uma sociedade que não lhe ofereceu outra alternativa de vida. Como Jesus prometeu, Antonieta, você nos precederá no Reino de Deus. Interceda por nós. Após receber a absolvição e a unção dos enfermos, a mulher faleceu. Não havia dinheiro para o caixão. As prostitutas enrolaram a companheira num lençol e arrancaram a porta de madeira do barraco para levar o corpo à vala comum do cemitério. Ao retornar para colocar a porta no lugar, Alfredinho teve uma inspiração. Durante anos, o vigário habitou aquele casebre em plena zona boêmia da cidade [de Crateús]. Num tempo de seca, os flagelados invadiam as cidades do Ceará. Temerosos, muitos fechavam as portas. Alfredinho criou a campanha da Porta Aberta ao Faminto (PAF), cartaz que cerca de duas mil famílias ostentaram em suas casas, acolhendo as vítimas do descaso do poder público. 24 Fomos amigos e bebi de sua espiritualidade. Barbado, vestido com a roupa azul que lembrava um macacão, sandálias nos pés e mochila nas costas, o aspecto de Alfredinho não diferia do de um mendigo. Convidado a pregar o retiro dos franciscanos, em Campina Grande, chegou de madrugada e dormiu na escada da Igreja do convento. Ao acordar, catou as moedas que encontrou em volta e bateu a porta. ‘Quero falar com o superior’, disse ao porteiro. ‘O superior não pode atender. Está em retiro’. Alfredinho tentou esclarecer: ‘Sim, eu sei, pois vim pregar o retiro’. O porteiro já ia expulsá-lo quando Alfredinho foi reconhecido por um frade que passava. Testemunhei fato idêntico em Vitória, nos anos 1970. A cozinheira interrompeu meu jantar com dom João Batista da Motta Albuquerque para comunicar: ‘Um mendigo insiste em falar com o senhor.’ O arcebispo reagiu: ‘Diga a ele que espere, minha filha. Vou atendê-lo após o jantar.’ Era o padre Alfredinho, que viera pregar o retiro do clero local". 19 Também em Dom Fragoso encontramos incontáveis depoimentos sobre Padre Alfredinho (alguns transcritos neste livro) e num deles o bispo rememora seu encontro com Alfredinho e a Irmandade do Servo Sofredor: “Ele me convidou mais de uma vez para deixar a casa do bispo e ir morar com ele em sua casa, rezar junto com o povo, acolher mais como um pastor bom do que como um administrador, e eu confesso que não tive coragem. Me ajudou também a simplificar minha vida de bispo e a priorizar os pobres em meu ministério e em minha pastoral. Penso que a mensagem deixada por Alfredinho é, em resumo, a seguinte: amem os pobres, acreditem nos pobres, sejam pobres, acolham a boa nova que vem dos pobres no seguimento de Jesus de Nazaré, o Bem-Amado”. *** 25 A quarta e última seção do livro conta com o trabalho de Romário Bastos e Monyse Ravena, pesquisadores da história social, que assumiram a tarefa de sistematizar uma Bibliografia e um razoável repertório de fontes de distinta tipologia que podem auxiliar em futuros estudos, estimulando nossas pesquisas e, principalmente, sejam completados com os dados disponíveis nas anotações, arquivos e bibliotecas doutros tantos zelosos guardadores de memória. Como é o caso, por exemplo, do notável trabalho do Instituto Dom Fragoso, em Crateús, sob os cuidados de Ivane Sales e equipe. Impressiona ao pesquisador a miríade de fontes e documentos cujos conteúdos remetem à incansável tarefa de registro, por escrito, de Dom Fragoso e da Diocese de Crateús. Nosso Bispo bem sabia a força da palavra escrita, falada, cantada e o conteúdo libertador da Memória. O primado da palavra e uma leitura popular orante semeavam grandes esperanças e queriam engendrar novos futuros. Muitos e variados são os registros sobre estas experiências vividas, quando da realização dos vários Encontros que se debruçavam sobre o vivido e o partilhado, abrindo picadas e veredas na caminhada da esperança na Diocese de Crateús. Centenas e centenas de páginas, em pequenos cadernos, Cartilhas, livrinhos mimeografados nos trazem as vozes em debate sobre as práticas de uma Igreja com o rosto de povo. A leitura de extenso corpus documental nos leva a muitos testemunhos sobre a experiência da Diocese de Crateús. Nas Semanas, nos Encontros, entre outros momentos,ressalte-se a prática constante do estudo, da leitura, do debate e, principalmente, da avaliação sobre a caminhada. E tal se fazia com a presença de estudiosos e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, teólogos, 26 biblistas, entre vários, afetuosamente chamados de "assessores". É um extenso registro feito pelos grupos da própria Diocese, sempre atentos à sistematização, registro e socialização de uma história e memória em processo. *** Essa Caminhada da Esperança, como já se indicou aqui, vai se construindo nas Comunidades, vai se inventando nos jeitos de compreender a realidade e lutar contra a injustiça do latifúndio, a desigualdade, a falta de meios para a educação, a saúde, a moradia dignas. Capítulo alentado nos estudos sobre o período e o fermento naquela caminhada se abre com a singular experiência da leitura da Bíblia, sua função de conscientização nos Círculos Bíblicos, sobre o método de leitura da Bíblia “como palavra que ilumina a realidade do povo e dos fatos”20. A vida ensaiada nas CEBs, suas práticas pastorais, os modos de leitura e reflexão coletiva, o novo lugar das mulheres, dos jovens e dos leigos encontram na poesia, nos cânticos, no cordel, na palavra cantada, um lugar de destaque nos vários momentos de celebração da palavra e em quantos outros que expressavam a caminhada do povo. Respondem cantando às investidas da repressão como em “Ninguém consegue destruir nossa Alegria”, afirmando: “Venha a dor, a luta, a perseguição/Venha a tempestade, venha a tentação/Venha a tirania, venha a imposição/venha a zombaria nos humilhar/Venha o sofrimento e até a morte/Só conseguirá fortificar nossa união”. Cantando a poesia da Natureza e de seu cotidiano, fazem o elogio da amizade, da união, do espírito de fraternidade, conforme se observa a seguir: “Quem vive em comunidade/Fique firme e vá em 27 frente/Não deixe se tapear/Procure ser consciente/Lutando sem porteiras/Sem arames e sem corrente”. Ou ainda: “Os cipós vivem à toa/No mato sem serventia/Mas quando eles se ajuntam/Eles têm força e valia”. E seguem cantando: ”Viola, sanfona e pandeiro/ Lá no terreiro prá festejar/E a festa do povo unido/Jamais vencido/ Vai aumentar”, pois sua utopia concreta promete: “Irá chegar um novo dia/Um novo sol, uma nova terra, um novo mar/E neste dia os oprimidos/Numa só voz a liberdade irão cantar”. Cantam ainda a consciência dos direitos denegados, como em: “Eu sou roceiro, vivo de cavar o chão/Tenho as mãos calejadas, meu senhor/Me falta terra, falta casa e falta pão/Não sei aonde é o brasil do lavrador”. E como no Bendito dos romeiros da terra, ao afirmarem:”Caminheiros na estrada/Muita cerca prende o chão/ Todo arame e porteira/Merece corte e fogueira/São frutos da maldição”. Um jeito também de proclamar a marcha da esperança em mutirão: “Nas estradas de poeira/Entre espinhos de amargura/ No sertão sofrido e seco/Pé-de-serra mais fartura/Entre pedras de injustiça/Golpes de perseguição/Caminhamos na esperança/Dez paróquias em mutirão”. O cântico da esperança não se escora na espera resignada; convoca e interpela: ”E pouco a pouco o tempo vai passando/a gente espera a libertação/se a gente luta, ela vai chegando/Se a gente espera, ela não chega não”. É notável aqui a expressão de uma poiesis popular, de animação à caminhada de lutas, também como forma de expressão de vários padres da Diocese de Crateús. Numa visada nos papéis desta Diocese do mimeógrafo e nas milhares de folhinhas de cânticos, vamos encontrar um Hino dos 50 Anos, como uma Marcha da Maturidade, bem talhado pelos padres Eliésio e Machado, quando 28 o povo das Comunidades cantava: “Canga e Cruz que aqui juntas chegaram/Esmagaram as flores no chão/Servidão em nome da fé/ Quanto grito de dor, opressão!” Para num verso à frente proclamarem: “No sertão semi-árido e belo/Flor altiva brotou deste chão” “Da raiz vida nova brotou/Frutos doces prá fome saciar”. Também o padre Helênio verseja um “Ato de fé”, cantando uma “Igreja que vem do povo/Que descobriu sua missão” e porque é “serviço, está nos Atos, tem face nova, está nos fatos” e é encarnada na “comunidade, na boa nova, na libertação”. Como se vê, é um canto prenhe da Utopia da vida nova, compromisso de união “prá romper toda canga e grilhão” e promessa de fartura na mesa e no coração. De Utopia, se alimenta o verso de Zé Vicente, reconhecido vate naquele povo, intimando nossa consciência a dizer da utopia concreta, aquela que virá “quando o sol da esperança brilhar” e “Quando as cercas caírem no chão/ quando as mesas se encherem de pão/eu vou cantar”. A sedução da Utopia, os modos de ser e viver, a cultura em comum, a sensibilidade entoada e dramatizada na mística das Romarias encontram nesta rememoração seu conteúdo de profetismo e denúncia. Assim, vamos tecendo por entre os fios dessas memórias e histórias os argumentos da pedagogia do gesto e de sua cultura de resistência, constituindo matéria de encorajamento e júbilo. "Os hinos, o estudo, a leitura, as canções de luta revelam uma intencionalidade pedagógica na poesia cantada, como se observa também na mística, nas marchas e em tantos outros momentos e práticas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST"21, ele próprio um Movimento que tem suas raízes fincadas na cultura 29 sociorreligiosa do Cristianismo da Libertação, na acertada análise de Michael Löwy22. Este livro seria lançado em 17 de abril de 2020, Dia Internacional da Luta Camponesa e em Memória dos Mártires em Eldorado dos Carajás. A tragédia social expressa na Pandemia nos pôs em quarentena já no meado de março. Hoje, é aterrorizante a devastação da sociedade brasileira. O povo da rua, os pobres das cidades e do campo, os quilombolas, os ribeirinhos, os povos indígenas, os atingidos pela fúria destrutiva da mineração e da grilagem têm suas vidas ceifadas na Pandemia e pelo vírus da política genocida do governo federal. O Brasil ultrapassa Mil mortes em um único dia. Uma morte por minuto. Até 25 de junho, o total são 55.054 mortos. Tudo sob o cinismo e a crueldade do governo brasileiro. O fascismo se nutre da morte. As pastorais sociais do Povo da Rua, dos Migrantes, Refugiados e Movimentos Populares do campo e da cidade levam comida a quem tem fome e semeiam Solidariedade. Em escuta ao Papa Francisco nos dizem: "estas serão as palavras-chave para recomeçar: raízes, memória, fraternidade e esperança”. Do MST, alimentos saudáveis chegam a irmãos e irmãs desvalidos; e lançou-se o Plano Emergencial de Reforma Agrária Popular. Nesta travessia, de luto, concluímos este livro na esperança de ajudar na luta pelo Direito à Vida Digna. Nestes tempos sombrios, buscamos em Dom Fragoso e Padre Alfredinho a coragem e o destemor para seguirmos na resistência ao fascismo! Fortaleza, junho de 2020. 30 Notas 1 LIBÂNIO J. B. “Experiência da Igreja de Crateús”. In: FRAGOSO, Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz. Igreja de Crateús (1964-1988). Uma experiência popular e libertadora. São Paulo:Edições Loyola, 2005 p.19 2 BOFF, Leonardo. “Uma panela e teologia em mutirão” In: https:// www.brasil247.com/blog/uma-panela-e-teologia-em-mutirao 3 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5. Diocese de Crateús,Maio de 1989,p. 5. 4 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5. Diocese de Crateús,Maio de 1989. 5 FRAGOSO, Dom Antônio Batista. O rosto de uma Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1982, p. 34-35. 6 Idem, p. 147. 7 BETTO, Frei. CEBs Rumo à nova Sociedade. O V Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base. Canindé, julho de 1983. São Paulo:Edições Paulinas, 1983 8 CALADO, Alder Júlio F. “Participação progressiva dos cristãos, das religiosas e dos padres”. In: FRAGOSO, Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz. Igreja de Crateús (19641988). Uma experiência popular e libertadora. São Paulo: Edições Loyola, 2005 p.67 9 CECHIN, Antonio. “Educação da fé no interior de uma prática libertadora. Série: A palavra na vida”. CEBI, nº 19,(1989): 9. 10 FRAGOSO, Dom. “Itinerário dos passos dados”. In: FRAGOSO, Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz 31 Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz. Igreja de Crateús (1964-1988). Uma experiência popular e libertadora. São Paulo:Edições Loyola, 2005 p.45 11 Igreja de Crateús a serviço da vida. 30 anos de catequese. 19641994. Crateús, abril de 1994. 12 FRAGOSO, Dom Antônio Batista. O rosto de uma Igreja. São Paulo, 1982, p.149 13 Trecho da Fala de Padre Maurizio Cremaschi na Celebração de seus 50 Anos de Sacerdócio. Tauá, março, 2019 14 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5. Diocese de Crateús,Maio de 1989,p.8. 15 Caderno 5. p. 35. Redatores: Irmã Siebra, Pe. Paco e Pe. Maurizio, em 31 de dezembro de 1988. 16 Assinam a Nota os Arcebispos e Bispos Auxiliares de São Luís e Fortaleza; os Bispos de Caxias, de Parnaíba, de Iguatu, de Crateús, de Oeiras, de Limoeiro do Norte, de Bacabal e de Viana; os Prelados de Pinheiro, de Candido Mendes. CNBB. Pastoral da Terra. Coleção Estudos da CNBB. São Paulo: Edições Paulinas, 1976. pp. 130-133. 17 Refletindo a Caminhada. Fazendo a nossa história. Caderno 5. Diocese de Crateús. Maio de 1989,p.8. 18 Testemunho de amigos II. José Comblin. Clodovis Boff. Crateús, Coleção Fazendo a Nossa História, 3, Diocese de Crateús, maio de 1989. 19 BETTO, Frei. Ele viveu entre nós. Padre Alfredinho. Disponível em: http://naoviolenciaativa.blogspot.com/2014/05/alfredinho-kunz.html 20 Encontro de Pastoral da Diocese de Crateús. Uma Análise, por Frei Carlos Mesters (Coleção Fazendo nossa história. Testemunho 32 de amigos 1. Caderno 2. Diocese de Crateús, primeiro de maio de 1989).p.47-48 21 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Cartilha Cantares da Educação do Campo, 2006. 22 LÖWY, Michael. O que é Cristianismo da Libertação: Religião e Política na América Latina. São Paulo:Expressão Popular/Fundação Perseu Abramo, 2016 33 Dom Fragoso: exemplo de coragem e determinação na luta em defesa dos oprimidos Sulamita Vieira Conheci, pessoalmente, Dom Antônio Batista Fragoso, o Dom Fragoso, em 1976. Ele estava na Diocese de Crateús desde 1964; eu, iniciando minha prática profissional como socióloga, integrava a equipe do ESPLAR – um escritório de assessoria e avaliação de projetos sociais – que, na ocasião, assumira a responsabilidade de fazer uma avaliação de projetos da Diocese apoiados pela Fundação Interamericana. Assim, durante dois anos, viajei constantemente para a região, mantendo contato com diversas comunidades pelas quais se espalhava aquele trabalho pastoral1. Ao longo daquele período, nos encontramos muitas vezes. Com Dom Fragoso, aprendi muito. Incansável na defesa dos “mais fracos, dos oprimidos”, enfrentou sempre com absoluta determinação a perseguição constante dos agentes da ditadura à sua pessoa e ao trabalho pastoral. A firmeza de sua crença na capacidade de organização dos camponeses, os estimulava a, movidos por uma ação consciente, buscar seus direitos. Para mim, foi sempre muito bom encontrar com Dom Fragoso e, principalmente, ouvi-lo. Ali estava um homem sábio, competentíssimo e de uma simplicidade indescritível. Observando-o em reuniões de trabalho ou em conversas informais, com qualquer pessoa, sempre me chamou a atenção o fato de Dom Fragoso nunca se pôr na condição de quem sabe ou de quem tem a última palavra; muito menos na condição de quem manda. Ao contrário, sua atitude sempre foi ouvir, ouvir, ouvir. E, em seguida, ajudar o interlocutor a pensar acerca do que estava sendo dito ali; a refletir sobre o mundo ao seu redor. O senso de justiça e a defesa da liberdade se evidenciavam na sua fala e nas ações. 35 Ao assumir a Diocese de Crateús – declaradamente comprometido com a defesa dos oprimidos, dos excluídos –, Dom Fragoso procurou se acercar de pessoas competentes – dos próprios locais e de outros lugares, alguns até de outros países2 – e comprometidas com os princípios norteadores daquele projeto de ação pastoral, dispostas a assumir, junto com o povo, a busca de caminhos que levassem a um “mundo novo”. Um mundo cujo esboço ia sendo construído, pacientemente, na ação coletiva, com acertos e erros, no entrelaçamento de saberes diferenciados. Na minha interpretação, o legado de Dom Fragoso está na “semeadura de um jeito diferente de ser Igreja”, um “jeito diferente de ser cristão”. Ancorado, sempre, em princípios éticos inarredáveis, ele – também um homem de fé – acreditava firmemente no ser humano; enxergava a possibilidade de mudança das condições de vida do povo, desde que isso ocorresse através de um processo de conscientização política das pessoas, em relação aos seus direitos, organizadas, sempre, em comunidades. A propósito, tal interpretação me traz à lembrança um episódio presenciado por mim, na primeira metade da década de 1980. Como professora da Universidade Federal do Ceará, tive oportunidade de atuar em um projeto de extensão da instituição na Favela do Papoco, em Fortaleza – um amontoado de cerca de 850 “casas”. Ali, me deparei com pessoas vivendo em condições miseráveis, absolutamente desumanas (famílias inteiras sem emprego; morando em barracos exíguos, sem espaço, sequer, para suas necessidades fisiológicas; sem qualquer forma de saneamento; crianças a brincar sobre o lixo numa enorme “rampa”; etc). Em meio a tudo isso, numa ocasião em que tentávamos ajudá-las a criar uma 36 Associação de Moradores – em torno da qual passassem a se juntar e por meio dela pudessem canalizar suas reivindicações junto aos poderes públicos –, numa das muitas reuniões, alguém perguntou: “e como é que a gente sabe onde estão nossos direitos?”. A resposta, “Está nas leis, na Constituição”, veio de uma mulher. E foi com forte emoção que ouvi daquela moradora o final da sua explicação: “Aprendi isso na Comunidade, com Dom Fragoso, em Crateús…”. No dia a dia, o compromisso de Dom Fragoso com os pobres, com os excluídos, o impulsionava para construir com eles práticas de resistência; práticas de solidariedade, de partilha; para que descobrissem suas potencialidades; para que expressassem, uns para os outros, suas vontades, seus sonhos, seus planos; e, simultaneamente, aprendessem a lutar por eles, de forma organizada. Assim, na Diocese de Crateús, a “organização comunitária” – que, segundo nos diziam integrantes das comunidades e de equipes pastorais, deveria amadurecer lentamente, fundada num processo de “conscientização das bases” – tinha centralidade em toda a ação pastoral. Nesta perspectiva, em um contexto no qual predominava, no país, a prática do arbítrio, da tortura, enfim, do absoluto desrespeito aos direitos humanos; num cenário em que até mesmo outros setores da Igreja, ditos “progressistas”, se omitiam em relação a, ou não estimulavam iniciativas voltadas à organização sindical dos camponeses, Dom Fragoso se manteve firme, do lado destes, apoiando-os, animando-os, ajudando-os a encontrar caminhos. De Dom Fragoso, guardo muitas lembranças. Entre elas, uma se mantém viva, sempre: a de um homem destemido, justo, íntegro. Afrontado, inúmeras vezes e de diferentes maneiras, por agentes 37 da ditadura civil-militar, a ela jamais se curvou. Ao contrário, com firmeza e dignidade inabaláveis, sempre encarou, de frente, as perseguições e a repressão. 38 Notas 1 Faziam parte da Diocese de Crateús dez municípios. Na avaliação, visitamos muitas localidades; porém, de acordo com a estratégia metodológica adotada, nos voltamos mais intensamente para as comunidades de: Matriz de São Gonçalo, zona de serra, no município de Ipueiras, uma experiência em que a Igreja incentivava práticas de cooperativismo – numa propriedade que por muitos anos fora arrendada a particulares e que naquela ocasião fora entregue a camponeses sem terra – entre integrantes de um grupo de famílias, com agricultura e horticultura; sede municipal de Crateús; Santo André (distrito de Crateús); Novo Oriente, sede municipal; Tauá, sede municipal; distrito de Santa Tereza e localidade Poço da Onça (município de Tauá). Em todas estas localidades, na zona de sertão, o trabalho pastoral se dava junto a populações camponesas, isto é, trabalhadores sem terra, na tentativa de ajudá-los no processo de organização, quer no plano sindical, quer na prática de “atividades comunitárias” (mutirão para o cumprimento do calendário agrícola, instalação de “banco de sementes”, cultivo de hortas, etc.), orientação de práticas de “medicina caseira”, dentre outras iniciativas. Além disso, acompanhamos, a uma certa distância, ações na Várzea do Boi, área em que fora implantado um projeto de irrigação sob responsabilidade do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS). 2 Da equipe de Crateús, lembro, por exemplo, de Dona Maria de Jesus, residente no distrito de Santo André, uma grande lutadora, firme na Caminhada, incentivando outras pessoas, reunindo-se com elas para a “celebração da palavra” e, trazendo para a reflexão, ali, dificuldades do dia a dia, de cada uma e do grupo, e também as 39 conquistas obtidas através da “conscientização” e do agir coletivo (a horta comunitária, “as plantas que curam”, o mutirão, a conquista de vizinhos “para a Caminhada”, etc.). De Maria Tereza Nodari, italiana, assistente social, que durante vários anos se dedicou com afinco à ação pastoral – notadamente na região de Matriz de São Gonçalo –, procurando conhecer a realidade vivida por camponeses e camponesas, ao mesmo tempo em que, pacientemente, tentando também aprender com eles e elas, refletiam sobre dificuldades enfrentadas – “Aqui se troca o voto até por uma carga de lenha”– e sobre necessidade/possibilidades de ações coletivas, de organização comunitária com vistas à mudança. Engajados em ações pastorais, no município deTauá, lembro igualmente de outros personagens: do camponês, militante, sindicalista, Luís Caladinho. De Dona Elizabete, também militante, delegada sindical, na localidade de Poço da Onça. De Dona Mundesa, uma senhora residente na sede municipal e que, engajada nas atividades das CEBs, nunca se dizia cansada, visitando as pessoas nas suas casas, ajudando nas “celebrações da palavra”. De Graça e Sônia, ambas da equipe paroquial, incansáveis também nas viagens em função do “trabalho comunitário”, norteadas pela ideia de “ajudar o povo a tomar consciência”. Da enfermeira, belga, Mary Witvrouven, a Maria da Serra, como ficou conhecida, nas suas andanças pelo sertão procurando conhecer as “plantas que curam” – ao mesmo tempo em que tentava aprender o nosso idioma e o “falar local” –, até produzir livretos com orientações de procedimentos e “fórmulas” dos chás e infusões. Simultaneamente, conversava com as mulheres sobre suas (tantas) gestações e os partos e sobre os cuidados com as crianças. Da pedagoga, paraibana, Neusa Rodrigues 40 Batista Leite, devotada ao “trabalho de conscientização” de integrantes das CEBs, em diferentes espaços, na cidade e no campo. De Brian Holmes, o Padre Bernardo, da Congregação Redentorista, irlandês, que, no verdor dos seus vinte e poucos anos, chegou ao Brasil e, após uma temporada em Pedro Afonso, no norte de Goiás (hoje Tocantins), se embrenhou no sertão dos Inhamuns, integrando-se à “equipe de Dom Fragoso” (com residência na paróquia de Tauá). Palmilhando aqueles caminhos, chegava aos rincões mais distantes, para conversar com camponeses e camponesas sobre o seu dia a dia, no que concerne ao trabalho, à produção, à relação com os donos da terra, aos direitos. Tais conversas lhe possibilitavam também conhecimento dos costumes, das crenças, dos benditos cantados pelo povo, dos saberes, das estratégias que eles e elas adotavam no enfrentamento da vida. Nas suas andanças, e através dos diálogos, com aguçado senso de observação e atento às linguagens locais, Padre Bernardo foi absorvendo-as também e, ao final de dez anos percorrendo aqueles sertões, tornou-se conhecedor da “cultura do povo”. Enfim, todas estas pessoas e muitas outras, num “trabalho de formiguinha”, se dedicavam de corpo e alma a ações que, de um modo ou de outro, pudessem contribuir para o processo de conscientização comunitária, em relação aos seus direitos. Nesse sentido, assumiam, efetivamente como missão, ouvir, conhecer, e, também, “esclarecer o outro”. Para tanto, deslocavam-se constantemente, percorrendo longos trechos, por caminhos que levavam a povoados, ou cruzando veredas para chegar a casas esparsas, “perdidas” naquele sertão. 41 O Roceiro: um poema Pe. Paco Almenar Aos 25 de março do ano de ‘84 lindo menino eu nasci e logo fui batizado com o nome O Roceiro por todos fui festejado. Eu recebi uma missão a mais bonita da Terra: de ser a voz do meu povo do sertão, também da serra e até da macambira, gente que luta e espera. Nesta longa caminhada meu povo me alimentou contando suas vitórias e a força com que lutou, as dores e as alegrias do povo trabalhador. Fui voz das Comunidades desta Diocese querida nas terras de Crateús pelejando por mais vida, teimando com esperança na luta do dia-a-dia. 43 Até de terras mais longe também recebi alimento. Notícias de outras dioceses também foram meu sustento. Unidos na caminhada recobramos novo alento. Cantei a Bíblia Sagrada em prosas e em poesias. Reforcei a nossa fé com orações inseridas na vida e luta do povo e nas lindas Romarias. Denunciei as injustiças a fome e escravidão naqueles tempos da Seca e do povo no ‘bolsão’, onde as pessoas sofriam miséria e humilhação. Gritei por Reforma Agrária junto aos trabalhadores, contra o grande latifúndio gerador de morte e dores; E celebrei as conquistas dos posseiros lavradores. 44 Sindicato livre e forte, unidos na Associação, foi minha luta e meu canto trabalhando em mutirão, aumentando com esmero a nossa organização. Como foi bonita a luta por nova Constituição ao conquistar novas leis pra todos sem exclusão que geram vida e direitos pros povos desta Nação. Índio, Mulher, Negro e todos temos os mesmos direitos O mesmo valor sagrado que não pode ser desfeito! Pra isso guardei um espaço no mais profundo do peito. Também dei o meu espaço a todos padecedores, pra que sejam escutados como Servos Sofredores que têm a missão divina de serem Luz das Nações. 45 Página que reservei com cuidado e atenção foi pra aumentar a saúde da nossa população com os remédios caseiros e dicas de prevenção. E para ser bem felizes celebrando a fé e a vida não poderia faltar o espaço da Liturgia que alimenta a esperança na lida do dia-a-dia. Jovens, crianças, casais que formam comunidade e também as pastorais que alimentam a unidade, tiveram o seu lugar na minha voz, em verdade. Um alimento especial eu tive a cada jornada: Foi palavra de Pastor pessoa por nós muito amada, que com sua luz e coragem alimentou a caminhada. 46 Com dez páginas nasci; quatrocentas de tiragem. Um menino com enxada foi minha primeira imagem. Quem me lia e comentava ficava com mais coragem! Hoje com dezesseis páginas e mais quatro no encarte Estou vestido de cores e feito com muita arte E a milhares de pessoas ilumino em toda parte! Não deixe eu definhar na minha grande missão Me alimente e me propague com ardor no coração Pois de Jesus anunciamos a Grande Libertação. 47 O Roceiro: contando histórias de vida e de fé Pe. Maurizio Cremaschi O Roceiro nasceu em 1984. Além do título, aparece na capa um lema: “Por terra, trabalho e justiça! Para que o Nordeste tenha vida” e, como assinatura: “Boletim Bimestral dos lavradores – CPT – Diocese de Crateús – Ceará”. No artigo que abre o primeiro número, O Roceiro assim se apresenta: “O meu nome é O Roceiro. Há muito tempo que eu estava sendo gerado pelos lavradores da Diocese de Crateús. Nasci e fui batizado na assembléia da CPT diocesana, no dia 25 de março de 1984. A missão que me confiaram foi de ser porta-voz das lutas e vitórias do povo trabalhador, das comunidades da diocese toda e até de outros lugares. Algumas vezes vou ter que gritar forte o sofrimento e a opressão sobre a terra e o povo que nela vive e trabalha. Também tenho que anunciar a esperança nova, a poesia, os cantos e as palavras e orações de fé e de vida que nascem da Bíblia sagrada e da caminhada corajosa da gente do campo. Como todo menino, eu só vou viver se você, companheiro, me sustentar com notícias de seu lugar e me alimentar com algumas contribuições em dinheiro para que eu possa pagar o correio que me leva até você”. A equipe inicial d’O Roceiro era a equipe diocesana da CPT, na época: a Ir. Cleide, Zé Vicente, Pe. Paco, Lucinha. Outras pessoas vão entrando para participar da equipe ou para colaborar de forma estável: Ivo Sousa, Pe. Machado na parte da liturgia, Irmã Ailce na parte da Saúde. Essa equipe tinha o papel de provocar a colaboração dos trabalhadores e trabalhadoras dos grupos de base; organizar suas contribuições: cartas, versos e estimulá-los oferecendo páginas de estudo e abrindo horizontes para o que acontecia no Brasil, na América Latina, no resto do mundo. Essa mesma equipe digitava na “Olivetti” da CPT, preparava os estênceis e passava 49 no mimeografo as cópias do jornal que, enviadas para as secretarias das paróquias, eram distribuídas entre os assinantes de cada município. O Roceiro começa com dez páginas mimeografadas, mais uma capa, impressa na cor da terra. A foto de capa, que ficará para o ano todo, é de um menino com a enxada nas costas. O primeiro número abre com o Canto da Vida, Advento Nordestino, de Reginaldo: “Dos encurvados as cabeças se levantam/Dos explorados unem-se as cansadas mãos/E os gemidos vão virar um farto canto/O pobre unido é sinal de redenção/Lá vem, lá vem, já se aproxima a redenção”. Reporta o relato do Encontro diocesano da CPT; o sofrimento e as manifestações do povo na seca: “Houve o corte nos bolsões da seca e do péssimo salário que alimenta a necessidade de sessenta e cinco moradores desse lugar. Até agora tivemos crédito de comprar nas bodegas e de Junho em diante como vamos viver comendo feijão escoteiro? – Manuel Freire”; informes sobre formas de organização popular: “Nossa bodega comunitária é um ponto de união e confiança, nela vamos aprender a nossa organização para a gente se libertar do fornecimento dos exploradores. Pagamos nossas dívidas. Fizemos uma roça comunitária para ajudar mais, trabalhando em mutirão. Comunidade de Betânia – Nova Russas”. As Crochezeiras de Nova Russas relatam que existem mais de duas mil crochezeiras “o grupo viu que estava sendo explorado pelas “madames” da cidade, resolveu comprar linha, fabricar e comercializar o produto, de maneira organizada e juntas”. São retratadas as ferramentas dos trabalhadores: “Vamos fortificar nossas armas: a CPT, o sindicato combativo, as CEBs, os mutirões…”. Se expressa solidariedade à Diocese de Propriá – Sergipe, ao frei Roberto e frei 50 Enoque que ficaram quase dois dias na cadeia. “O crime é o mesmo de Nova Russas e de Tauá e de todo o nordeste – acusação de saque aos famintos que vêm nas ruas atrás de alimento, para não morrer de fome”. Relatam-se as visitas aos posseiros que residem na serra de Parambu e anuncia-se o mutirão para a construção de uma estrada que permita aos posseiros em luta se articularem melhor. Desde o segundo número, as “Cartas” constituem a parte central do jornalzinho: são publicadas treze cartas de Nova Russas, Ipueiras, Poranga, que correspondiam à área norte da diocese, de Crateús, mas também de Crato e Juazeiro do Norte. No terceiro número, se anuncia que “em três meses de vida O Roceiro” já conta com mais de quatrocentas assinaturas. Aparece a primeira proposta de estudo para os trabalhadores: três páginas que tem como título: “O problema do Nordeste não é a seca, mas a cerca do patrão”; com pequenos textos e perguntas para a reflexão em grupos. Os desenhos ilustrativos, sempre feitos riscando com o estilete o estêncil, representam a cerca, o machado, a enxada levantada, os pés dos trabalhadores. Tertuliano e esposa, casal de poetas trabalhadores da roça, fecham o número com seus versinhos: “A terra que Deus nos deu/está muito mal dividida/Uns com tanto, outros sem nada/não tem condições de vida/o trabalhador sem terra,/não pode ter a comida!”. No final de 1984, O Roceiro anuncia que o “nosso Boletim, a partir do próximo número vai encampar o boletim da Área Sul da Diocese, ‘Retrato das Paróquias’. A turma de Independência, Tauá e Parambu, fique avisada. A decisão já vinha sendo discutida e foi decidida no Encontro da CPT de Quixeré. Sairão mais notícias da área Sul e as leituras bíblicas para as celebrações”. 51 De fato o primeiro número de 1985 apresenta notícias das comunidades de Parambu (Algodões: “estamos alegres e felizes com o grande inverno. Todo mundo plantou milho, feijão, algodão, arroz, há muita melancia, pepino, jerimum, muita água e muito peixe. Este ano tinha semente guardada para plantar. Vamos confiar em Deus. Só Ele tem pra dar"; Boa Esperança; bairro Beleza, bairro Brasília falam do Abaixo Assinado com cento e vinte uma assinaturas levado para o prefeito: “chegamos à prefeitura, falamos para ele. O que ele respondeu foi que a gente fizesse promessa para chover, porque ele mesmo não ia dar água para ninguém. Um prefeito desse merece a nossa confiança?”. Lagoinha contando a história da conquista da terra de cinquenta famílias e do poço profundo cavado com a ajuda dos Romeiros do Pe. Cícero: “O grande problema da nossa serra é que no verão a água fica difícil. Escolhemos quatro companheiros para irem ao Juazeiro apresentar a nossa situação e a nossa luta pela terra. Os companheiros foram muito bem recebidos. Falaram a vários grupos de romeiros muito interessados em saber como o povo daqui está ganhando terra. Uns companheiros de Alagoas e de Pernambuco contaram lutas parecidas de suas terras. O dinheiro para cavar o poço foi juntado assim: vendendo discos e o romeiro que comprava aquela lembrança, sabia que estava ajudando a cavar o poço nessa serra, onde os trabalhadores estavam ocupando as terras no lugar das grandes firmas. O Pe. Murilo e a equipe paroquial de Juazeiro marcaram um dia para visitar o poço. Para o dia da visita, preparamos uma festa onde convidamos amigos e companheiros de toda redondeza e dos sindicatos de Parambu e Tauá. Na missa, a primeira leitura foi a história da nossa luta que um companheiro escreveu em 52 versos. Depois fomos em procissão até o poço, para ser abençoado. Aquela água tinha que ser abençoada, fruto de ajuda de mulheres e pobres como nós”. Independência: Mangueira se lamenta pela carestia: “Tudo que a gente vai comprar é caro demais. E o que a gente tem para vender, não tem valor. Pois se a gente vende um saco de feijão, não dá para comprar um quilo de café. Se a gente dá um dia de serviço não dá para comprar um quilo de carne. Uma lata de óleo custa quatro mil cruzeiros e assim por diante”, Trapiá fala da horta comunitária: “Fizemos um cacimbão e cercamos. Já plantamos algumas fruteiras. Fizemos canteiros. Tudo está começando. Nós mulheres sócias do Sindicato temos também uma roça comunitária”; de Tauá: A inauguração do açude da comunidade feito no tempo da seca em Calumbi. No primeiro número de 1985, o bispo Dom Fragoso começa a assinar o “editorial” do jornalzinho. De vinte a trinta linhas, numa linguagem simples e direta. Tema dos editoriais: os mutirões; A emergência das Enchentes; O Plano Nacional de Reforma Agrária; As terras da Igreja; A seca; O projeto São Vicente… No número de setembro/outubro de 1986, o bispo enfrenta um tema que está em seu coração e fala diretamente do papel do jornal: “A voz do povo da roça”. “Os homens e as mulheres, os rapazes e as moças que vivem na Roça – chamados os Roceiros – tem muito o que dizer aos companheiros e o que escutar deles. Na sua cabeça, no seu coração, na sua experiência, há tantos sonhos de um futuro mais livre. Há tantos gritos que nascem de dentro de sua vida machucada e oprimida. Os Jornais não oferecem suas páginas para a voz dos Roceiros, para os homens de mãos calejadas. A Televisão nunca apresenta a vida, as lutas, as experiências do povo da roça.(…) o “Roceiro” é 53 o jornal, a Televisão, o Radio do povo da roça. É a sua voz. Nele podem escrever, publicar suas notícias, colocar suas poesias, encontrar seus assuntos. Vocês compreendem a importância do “Roceiro”. Reunidos, leem e debatem. Conquistam outros para ler e assinar. Da luta de vocês, sustentados na mão de Deus, vão nascer outros espaços, onde a voz do povo da roça pode ser espalhada e escutada. D. Fragoso”. Essas questões permanecem vivas ao longo dos anos, como debate interno ao jornalzinho, e, no começo de 2004, de João Pessoa, onde se retirou depois de deixar a diocese, escreve para O Roceiro suas preocupações: “A edição comemorativa dos vinte anos de O Roceiro me ajudou a reviver com vocês uma caminhada longa. Hoje é um boletim/jornal bonito, denso de notícias e informações, bem apresentável. Quero felicitá-los. Tive a impressão que O Roceiro, nesta edição comemorativa, não é majoritariamente a voz dos roceiros, de suas lutas, das expressões comunitárias e organizações, da Pastoral da Terra, da CPT, dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, dos Assentamentos e acampamentos, dos cerca de dez mil hectares conquistados, das CEBs onde a Fé se insere no cotidiano da vida roceira. O Roceiro é hoje, um belo boletim informativo diocesano, que ensina, evangeliza e informa. Mas o espaço humilde no qual os ‘roceiros’, tais como se comunicam, se reapropriam de sua voz e de seu direito a voz não está sendo muito reduzido? À equipe de Redação, que tem condições de me esclarecer, ponho esta pergunta. Dom Fragoso”. (Março/Abril de 2004, pág. 04). Na metade de 2006, quase querendo atenuar a dureza de seu juízo anterior, volta a escrever para O Roceiro, sem deixar de reafirmar a prioridade d’O Roceiro ser jornal “dos Roceiros”: “Recebi o Roceiro com as fotos dos produtos da terra dos Sertões (mamão, coco da praia, melancia, cacho de bananas, diversos tipos de verdura… e dois 54 lindos slogans: viver no sertão – fazer o sertão viver. Desde a Palavra do Bispo: congresso Eucarístico, fui lendo as notícias da Igreja, as cartas das comunidades, a poesia de Vilma Teixeira, as quatro páginas: quintais produtivos, a página dos trabalhadores, com destaque para ‘As Igrejas falam sobre a terra’, a página sobre os jovens, destacando: jovens rurais, as fotos da página da saúde com destaque para as Receitas e Alimentação Alternativa, a página da liturgia, a página final Nossa vida à luz do Mistério Pascal, com destaque para o calendário do Mês de Maio e Junho com suas festas e a mensagem inspirada no Evangelho do dia (enxertando nas datas, oportunas atividades missionárias e sociais). Tive a tentação de colocar nota dez na parte gráfica, nas ilustrações, na coleta de cartas das comunidades, nas sugestões para se viver a espiritualidade. Sabendo das dificuldades financeiras da diocese, sinto-me comovido com a remessa a cada dois meses. Meu abraço para os ‘Roceiros!’ que mandam suas cartas, que colaboram para escrever o seu jornal, para ler na família e na comunidade, para debater, para espalhar e para se inspirarem na orientação que traz”. (Julho-Agosto 2006, p. 03) Voltando a acompanhar a evolução do início d’O Roceiro, neste primeiro número de 1985, aparecem, mais duas novidades destinadas a ficar: os relatos de Zé Joca, trabalhador de Parambu que de volta de um curso em Pernambuco repassa para os companheiros receitas de “venenos” feitos com folhas de angico, com fumo, com sabão e querosene. A outra, é a página das celebrações dominicais destinadas às CEBs que querem preparar suas celebrações, ligando a “Fé com a Vida”. Em cada número do jornal, tem um talãozinho ao pé de página, lembrando a data limite para o envio das notícias e o convite; 55 “para o próximo número mandem notícias do artesanato do seu lugar; ou dos mutirões”. As capas d’O Roceiro também, depois do primeiro ano de vida, apresentam um desenho diferente, sempre ligado à luta dos trabalhadores com um lema: “Unidos em mutirão para que todos tenham pão”; “Reforma Agrária”; “Constituição”; “Viva a mulher desta nação”; “Primeiro de Maio - Cem anos de luta: 1886-1986”; “Os Trabalhadores na Constituinte”: mostrando uns trabalhadores limpando de enxada a esplanada do Planalto; “30.000 Assinaturas para a reforma agrária”; “Negros”. O Roceiro desde seu nascimento se propõe como um instrumento para os trabalhadores e trabalhadoras dos sertões de Crateús e dos Inhamuns contar sua vida e suas lutas, suas esperanças e suas conquistas, com seu jeito de perceber a realidade e de interpretá-la como sujeitos de sua história. Trata-se de valorizar um ponto de vista da realidade que a descreve a partir de baixo e não de cima. A ambição é de não retratar a opinião e o jeito de entender dos grandes, mas dos pequenos. Por grandes não se entendia somente as classes dirigentes, mas também as direções do sindicato, as lideranças, as equipes paroquiais. É um olhar crítico da sociedade, às vezes ingênuo, mas sempre concreto, com os pés no chão. De outro lado, trata-se também de uma leitura teológica e espiritual da vida. É com um olhar de fé que o mundo é observado e contado. Em certo sentido O Roceiro quer ser a continuação do livro dos Atos dos Apóstolos que conta como Deus age na vida das comunidades. Ainda agora, algumas comunidades leem nas celebrações dominicais, como primeira leitura, uma das Cartas das comunidades enviadas ao 56 Roceiro. Como nas novenas escutava-se o exemplo da vida do santo, na celebração se aprende da escuta do exemplo de vida de outra comunidade. O Roceiro fala das secas, dos bolsões, do que o trabalhador da emergência ou a professora municipal pode comprar com o que recebem no fim do mês, das lutas pela terra, das experiências de quintais produtivos e do artesanato, da vida quotidiana das comunidades, com suas novenas, festas, partilhas, dos grupos de jovens; além disso, convida a olhar para as políticas públicas, a criar grupos que estudem e aprofundem temas desafiadores como o Plano Nacional de Reforma Agrária, a Reforma Sindical, a Constituinte, a Inflação; abre novas perspectivas sobre o que acontece mais longe, em El Salvador, em Nicarágua. O Roceiro apoia e propõe ações concretas: uma coleta solidária com a Nicarágua levada pessoalmente por Zé Vicente até lá, em ocasião de um Congresso; a coleta de assinaturas para a Reforma Agrária na Constituinte que alcançou trinta mil assinaturas na região; a campanha para um trabalhador na Constituinte. O Roceiro, desde seu nascimento, se propôs ser um instrumento popular e comunitário de circulação de experiências, de informação, de aprofundamento. As Paróquias que conservaram a coleção das cento e cinquenta edições do Roceiro publicadas ao longo desses vinte e cinco anos, possuem uma fonte muito rica dos passos dados pelas CEBs, pelas Pastorais, pelas associações e grupos populares em nossa região. É um registro de nossa história realizado com fé pelos protagonistas. Não faltam momentos de dúvidas e de crise: no último número de 2004 a capa reproduz as capas dos cinco números editados 57 no ano e destaca uma pergunta: “O Roceiro deve continuar em 2005?” No pé de página já se sugere uma resposta: “Pode continuar sim, se houver uma reconstituição da Equipe de redação, se toda comunidade enviar cartas e notícias e se crescer o número das assinaturas!”. Na edição sucessiva (Janeiro-Fevereiro 2005 pág. 03), retomando a pergunta, é apresentada uma retrospectiva: “O Roceiro tem mais de vinte anos de vida. Nasceu em 1984, juntando dois jornaizinhos que existiam na diocese: o Retrato das Paróquias, das comunidades da área sul, e O Roceiro, boletim da CPT diocesana. A finalidade desta união, era de somar as forças, para ser um melhor instrumento de comunicação”. O “Retrato das Paróquias” queria ser um instrumento nas mãos das comunidades para entender como a palavra de Deus ia se realizando na vida das comunidades de hoje, assim como os Atos dos Apóstolos contavam a vida dos primeiros cristãos e assim como nas Novenas se contavam os exemplos da vida dos Santos. As comunidades eram convidadas a contar a sua vida a cada domingo, na celebração, a primeira leitura era tirada do jornalzinho; era o exemplo da vida da comunidade que ajudava a descobrir os apelos de Deus para as outras comunidades que estavam celebrando. O Roceiro da CPT procurava contar a organização e a luta dos trabalhadores(as) na conquista da terra. O Reino de Deus não é feito somente de orações: é na luta que se sente a presença de Deus e se plantam as sementes da justiça e da paz. Nosso Roceiro de hoje nasce do casamento desses dois jornais, que naquele tempo eram impressos no mimeógrafo com muita simplicidade e eram lidos em voz alta para a comunidade reunida, à luz da lamparina, pelas poucas pessoas que tinham o dom da leitura. Hoje, assim 58 como naquele tempo mais antigo, O Roceiro quer dar a voz aos protagonistas ou atores principais da história das comunidades e da luta dos trabalhadores. Por isso que a parte mais importante e mais preciosa do Roceiro e do Retrato das Comunidades sempre foi a página das Cartas. Quem guardou a coleção deste boletim tem um precioso arquivo com mil histórias de vida e da fé. A história do nosso jornal é um bom motivo para que ele não morra! No Conselho de Pastoral Diocesano de dezembro foi reconstituída uma equipe de três pessoas que vai procurar motivar as CEBs, os trabalhadores e as trabalhadoras, os jovens, as crianças, as pastorais a escreverem sua história e a ler na história dos outros companheiros as maravilhas operadas pelo Espírito Santo.(…) Eles vão ter o apoio de Pe. Maurício que vai cuidar da revisão e impressão em Tauá. “Essas pessoas nunca poderão fazer o Roceiro sozinhas. Precisam da ajuda de vocês todos e todas para recolher, numa linda colcha de retalhos, a vida bonita do nosso povo do sertão”. Nos últimos anos, O Roceiro publicou alguns números ou serviços especiais: sobre os trinta e quatro anos da caminhada na despedida de Dom Fragoso; sobre os duzentos anos de Pe Ibiapina, lançando a campanha para construir duzentas cisternas de placas em mutirão; sobre os Encontros Diocesanos das CEBs; sobre os Pais e as Mães das comunidades, recolhendo biografias dos fundadores das CEBs da diocese; e por ocasião da morte de Dom Fragoso: testemunhos sobre o primeiro bispo da diocese. Atualmente O Roceiro tem dezesseis páginas e um encarte de estudo de quatro páginas em cada número. A capa e a última página são em quatro cores. Dedica a capa ao tema de destaque do número e a última página apresenta uma galeria de fotos. 59 O jornal tenta utilizar a rede da internet para diminuir os deslocamentos. A intermediação das paróquias para o envio das notícias das bases é importante. Para preparar cada número do Roceiro são enviados vários e-mails com pedidos de sugestões e de colaboração a cento e oitenta e sete pessoas que estão na lista de endereços d’ O Roceiro e que residem no território da diocese de Crateús. São pessoas ligadas ao trabalho das CEBs, Pastorais, Sindicatos, Assentamentos, Associações. São o embrião de uma rede de “correspondentes” populares do Roceiro. Desde sua chegada na diocese em 1998, é Dom Jacinto que escreve a “Palavra do Bispo” que abre cada número do jornal. A irmã Ailce prepara as duas páginas da saúde; Pe. Machado as duas páginas de liturgia. Pe. Maurício continua com a responsabilidade de recolher as contribuições e de fazer o trabalho de redação; Jefferson, da Gráfica Farias de Tauá, onde o jornal é impresso, cria a diagramação. Pelos números das tabelas, podemos observar a distribuição desigual da proveniência das notícias por município e do número das assinaturas nas diferentes paróquias, números que insinuam a dependência da distribuição das equipes paroquiais. Origem das notícias 60 Município 2009 2007 Ararendá 02 02 Crateús 12 10 Independência 36 22 Ipaporanga 02 01 Ipueiras 03 01 Mons Tabosa 02 01 Nova Russas 12 18 Novo Oriente 10 12 Parambu 07 03 Poranga 05 04 Quiterianópolis 08 08 Sucesso 01 — Tamboril 20 15 Tauá 44 32 As capas do Roceiro buscam visualizar o tema central de cada edição do jornal. As Galerias de fotos ilustram uma dimensão da vida da região ou um evento particularmente importante. Para recolher mais documentação fotográfica da vida do nosso povo e dos eventos realizados O Roceiro abriu, porém sem sucesso até agora, uns álbuns de fotos no grupo de Orkut do Roceiro. Os temas apresentados foram: 2006 Capas Galeria de Fotos Encartes Mandacaru: Esperando a chuva - Fraternidade pessoas com deficiências Um novo Livro de D. Fragoso - Animação missionária na comunidade Viver no sertão - Quintais Produtivos Bicentenário do Pe Ibiapina - Educação política Dom Fragoso - A Bíblia na vida Natal: Já vem, já vem - - 61 2007 Capas Galeria de Fotos Encartes CF: Vida e Missão neste chão - CF: Vida e Missão neste chão Missão Jovem - A Amazônia nos ensina a viver Dom Oscar Romero - Juventude em missão Vida no semi-árido - Gestão do lixo na comunidade Não desperdice nem uma gota de água - Mês da Bíblia Paz na terra aos homens - CEBs 2008 Capas Galeria de Fotos Encartes Escolhe pois a vida - Campanha da Fraternidade CEBs Ressurreição do povo - Viver sem desperdício 9º Encontro das CEBs - Políticas públicas Festas da colheita Inverno 2008 9º Encontro CEBs Sementes vida da terra Festas da colheita Nossas sementes Natal: Já vem, já vem Arvores da caatinga - 2009 62 Capas Galeria de Fotos Encartes CF 2009 - Segurança Águas do sertão CF 2009 – Segurança Pública Fórum Social Mundial Fórum Social Mundial Nossas cidades Intereclesial das CEBs Quintais floridos Roçado agrofloresta Cultura popular Cultura popular Nossa Cultura Romaria da Terra CEBs em Porto Velho Carta aos Filipenses Economia Solidária Economia Solidária Economia Solidária Em 1985 O Roceiro fez uma pesquisa entre os leitores. No número de janeiro-fevereiro de 1986 reporta os resultados da pesquisa, fornecendo sua interpretação. O título é orgulhoso: “O Roceiro tem dez mil leitores”. O texto do comentário explica: “Recebemos quase cem respostas à cartinha d’O Roceiro. Obrigado a todo mundo pela atenção. As respostas vão nos ajudar a fazer um boletim sempre mais bonito. O que aprendemos das respostas recebidas? 1) O Roceiro é muito lido: uma média de nove pessoas lêem uma cópia do jornal. No total está sendo lido por dez mil leitores! 2) As páginas mais apreciadas foram: As palavras de Dom Fragoso ao papa, As histórias da serra da Lagoinha, Os remédios caseiros, As notícias sobre Reforma Agrária; 3) O desenho que o pessoal mais gostou foi o dos arames cortados. 4) Quem lê O Roceiro gosta de contar as notícias para os outros, à noite, na calçada, nas celebrações, nas reuniões, no caminho da roça, indo buscar água; tomando banho no açude, assistindo jogo de futebol; visitando a comadre. As notícias mais espalhadas foram as seguintes: receita de remédio caseiro; as histórias das constituições; notícias sobre Reforma Agrária”. O número de assinaturas foi crescendo. Ao longo do ano de 2009, passou de 1.337 assinaturas a 1.503 no final do ano e a distribuição do número das assinaturas confirma a influência das pessoas que compõem as equipes paroquiais sobre a difusão do jornal. 63 Assinaturas por município Paróquia 2009 2007 Ararendá 33 23 Crateús 28 23 Independência 210 190 Ipaporanga 05 05 Ipueiras 100 31 Mons Tabosa 31 30 Nova Russas 90 90 Novo Oriente 62 51 Parambu 75 75 Poranga 54 15 Quiterianópolis 145 145 Sucesso 05 15 Tamboril 270 170 Tauá 328 297 Outros 57 66 Total: 1.503 1.226 O Roceiro, desde seu nascimento, buscou a auto-sustentação econômica. Para isso, sempre tentou reduzir as despesas drasticamente, contando com o trabalho voluntário e utilizando a estrutura das paróquias, para a divulgação e distribuição do jornal. Procurou também, manter o preço da assinatura ao alcance do bolso do seu público, composto, na grande maioria, por camponeses. Quando O Roceiro começou, em 1984, a assinatura era de Cr$ 200,00 para lavradores; Cr$ 500,00 para outras pessoas e de Cr$ 1.000,00 para colaboração. Até hoje O Roceiro está se mantendo 64 com as assinaturas. A impressão de cada número d’O Roceiro custou, em 2009, R$ 1.250,00. Foram gastos em media R$ 50,00 em cada edição, em fretes, telefone, internet, papel, fitas, barbante. Decidiu-se manter o mesmo valor da assinatura para 2010, confiando que o aumento do número de assinantes possa compensar os aumentos de custos da gráfica. O Roceiro está sendo enviado em formato digital (pdf) para um grupo de oitenta e cinco pessoas, interessadas em acompanhar a vida das comunidades da diocese de Crateús. Na maioria, são agentes de pastoral e animadores de comunidades que deixaram a diocese e moram no sul ou no estrangeiro, tendo dificuldade em receber o jornal pelo correio. No arquivo da Cúria Diocesana de Crateús é conservada a coleção completa d’O Roceiro. 65 Dom Fragoso: o Bispo fala ao Roceiro Mutirão da Fraternidade Os roçados estavam verdes e lindos. Vocês esperavam o milho, o feijão, em suas mesas. Depois de anos duros de seca, era justa a esperança de vocês. E, começaram as chuvas. Os rios e riachos subiram. O leito não comportou mais as águas. Elas se espalharam nos baixios, nas várzeas. E agora, são muitas famílias desabrigadas. Muitos roçados, destruídos. Muitas casas, ameaçadas. Vocês estão clamando por alimento, saúde, casa reconstruída e semente para replantar as terras molhadas. Nas suas Comunidades, nos seus movimentos, no seu sindicato, vocês estão se ajudando com os meios e recursos pobres de que dispõem. É o grande mutirão da fraternidade. Mas a voz de vocês não pode se calar. O Governo Municipal, Estadual e Federal, a Igreja, todos os que têm sensibilidade humana e fome de justiça devem escutar o seu grito e apoiar suas reivindicações. Colocamos a nossa confiança no Deus vivo na luta solidária de vocês. A solução que vocês merecem aponta para a Emergência das Enchentes e para medidas que arranquem o Nordeste da Miséria de uma vez por todas. Dom Fragoso Julho de 1985 A visita ao Papa e o desafio à missão da Igreja no Brasil Somos agradecidos a Deus que nos deu a alegria de encontrar quatro vezes o Papa: 67 Fui recebido, pessoalmente, pelo Papa durante quinze minutos. A conversa foi cordial. Ele se comunicou com simplicidade, como um irmão que acolhe e escuta seu irmão que vem de longe. O Papa falou em Português correto e desembaraçado: “Como vão o seu povo e a sua Igreja?”. Eu respondi: “Santo Padre, acho que há um crescimento. São cerca de setecentas pequenas Igrejas vivas na base ou Comunidades Eclesiais de Base. Cada domingo se reúnem para celebrar a Palavra de Deus”. E o Papa repetiu: “A Palavra de Deus, a Palavra de Deus!” O Papa perguntou pelos padres que acompanham as comunidades. Eu respondi: “Santo Padre, são poucos. Há um padre para cada 26 mil católicos!”. O Papa achou muito pouco, e perguntou então pelas vocações. Eu respondi: “Estão aumentando. Mas os rapazes que tem estudos vão embora para as grandes cidades. Os rapazes do campo não tem estudos acadêmicos. Para se tornarem padres, precisariam de muitos anos de estudo. Não sabemos como fazer". E falei ainda: “Nossa prioridade é a formação dessas pequenas Igrejas de base. As Comunidades são a terra boa de onde surgirão as vocações". O Papa perguntou: “Nas Comunidades, há Presidente ou Dirigente?”. Eu respondi: “Santo Padre, nós chamamos de Animadores. Eles são muitos. Prestam serviços que nós chamamos Ministérios. Por exemplo: o Ministério da Profecia, o Ministério da preparação dos Sacramentos, o Ministério da Esperança na luta dos Sindicatos, etc”. Em seguida o Papa perguntou: “E o problema da Terra?” Eu respondi: “Santo Padre, ele é grave em todo o Brasil. Há cerca de doze milhões de trabalhadores do campo sem terra. Os latifundiários 68 controlam 471 milhões de hectares inexplorados. Nós ajudamos os trabalhadores rurais cristãos a conhecer o que a Bíblia ensina sobre a terra e a lutar por um pedaço de Chão de Trabalho e de Moradia". O Papa perguntou: “Todo povo está nas Comunidades?” Eu respondi: “Nós acompanhamos melhor cerca de dez por cento. Mas estes têm influência missionária na Massa”. 1) No dia 10 de setembro fomos nove bispos almoçar com o Papa. Toda a conversa, de uma hora e quinze minutos, foi cordial, distendida e em português. O Papa pediu muitas informações sobre o Nordeste, sobre as causas da miséria, sobre o problema da terra, sobre os latifúndios, sobre a política oficial, sobre o trabalho da Igreja. Cada Bispo se sentiu à vontade para falar, para dar uma informação, até mesmo para contar uma anedota. 2) No dia 16 de setembro, o Papa recebeu os Bispos do Ceará, Maranhão e Piauí, todos juntos. Dom Aloísio saudou o Papa, em nosso nome, agradeceu pela sua bondade nesta visita e disse algumas palavras como estas: “O Nordeste é um Desafio à Missão da Igreja no Brasil. É um desafio porque o povo da nossa região caminha para um empobrecimento crescente. Este empobrecimento não é fruto da seca, como muitas pessoas pensam. Também não é fruto da incapacidade, da preguiça, do conformismo, nem do desinteresse pelo trabalho do povo nordestino. Este empobrecimento é fruto de uma injustiça permanente e estrutural. Ela é resultado da ação ou da omissão política dos homens. E é o resultado do jeito como os homens se apropriam e usam dos recursos naturais e criam relações injustas 69 entre si. O nosso povo Nordestino está ameaçado de genocídio. A vida do povo do Nordeste está sendo destruída”. Examinando estes dados, já aparece o quanto é exigente, para nós Bispos, a evangelização a partir destes empobrecidos e daqueles que não respeitam os seus irmãos. 3) Hoje, 17 de setembro, na Capela pessoal do Papa, concelebramos a Missa com ele. Na pregação da Missa o Papa falou: “O Povo de Deus, de que vocês Bispos são Pastores, sofre a fome de pão e, ao mesmo tempo, sente uma grande fome de Deus! A fome de pão anda junto com a fome da Palavra de Deus e com a fome dos Sacramentos. É preciso empenhar-se com ardor para que a fome de Deus seja satisfeita. Ao mesmo tempo, devem empregar-se esforços adequados para que seja saciada também a fome do pão!” E, ao fim da Missa, o Santo Padre quis abençoar conosco todo o povo de cada uma de nossas dioceses. E depois abraçou-nos como despedida. Dom Fragoso Roma, 17 de setembro de 1985 Novembro/Dezembro de 1985 Páscoa: Terra de Deus - Terra de Irmãos O Ressuscitado, Profeta da Vida e da Liberdade, nos convoca para sermos companheiros dos Empobrecidos no seu Novo Êxodo para a Terra Prometida: “Terra de Deus – Terra de Irmãos”. 70 O Novo Êxodo passa pela Palavra de Deus, Pela Reforma Agrária, pela Participação Popular na Constituinte. Respondamos “Sim” de mãos dadas. Dom Fragoso Crateús. 30 de março de 1986 Terra – Mãe da Vida Durante a Quaresma, cerca de cinco mil Paróquias do Brasil estudaram o tema: “Terra de Deus – Terra de Irmãos”. E celebraram a luta pela terra. Essa luta continua. O “Plano Nacional de Reforma Agrária” é mais pobre e mais fraco do que o “Estatuto da Terra”. Ele decide desapropriar, em quatro anos, somente cerca de 15% a 20% dos latifúndios. A maior parte das Famílias de Trabalhadores Rurais Sem Terra vai continuar Sem Terra. A Terra é a fonte da Vida. É a Mãe da Vida. Sem terra, muitas famílias não terão o “pão” na sua mesa. E muitos dos seus filhos morrerão antes de um ano de idade. E muitas mães não terão a quantidade de leite materno de que seus filhos precisam. A falta de terra é causa de morte. A luta pela terra é questão de vida ou de morte. Deus fez a Terra para Todos os seus filhos que precisam dela para viver. Deus quer a luta pela terra. Mas Deus quer também que os trabalhadores rurais se organizem nos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STR), no Movimento Nacional dos Sem Terra, nos Movimentos Populares, nos Partidos que defendem os 71 Direitos das famílias do campo, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Povo desorganizado é povo fracassado. Deus abençoe, na Diocese de Crateús, todos os que lutam pela Terra – Mãe da Vida! Dom Fragoso Maio/Junho de 1986 As terras da nossa Igreja A Diocese de Crateús não quer apenas anunciar a Reforma Agrária, lutar por ela e denunciar àqueles que têm terras não exploradas e abandonadas e não querem permitir o trabalho dos trabalhadores dentro delas. Nós queremos também dar o exemplo em nossas próprias terras.A Diocese de Crateús quis fazer um pequeno passo, modesto, pequenininho. Nós tínhamos duas terras: a terra da Betânia e a terra da Matriz de São Gonçalo. Na Betânia (Crateús) nós tínhamos 490 hectares. Dois terços foram desmembradas e foram entregues a seis famílias que moram lá para que elas pudessem entrar no Projeto Sertanejo, conseguissem financiamento para ter água, um pouco de gado, cercar sua terrinha, fazer a casa de alvenaria e ter uma cisterna. Assim as seis famílias têm uma condição um pouco melhor, pois já tem sua terra para trabalhar, seu chãozinho para produzir seu pão. A terra da Matriz de São Gonçalo (Ipueiras) são uns quatorze sítios que foram doados há mais de cem anos para o serviço religioso da Paróquia. Lá moravam muitas famílias. Depois de muitos anos de experiência, treinamentos, lutas, as terras estão sendo 72 transformadas em Reforma Agrária através do INCRA que já assentou 143 famílias e está fazendo um pouco de infraestrutura. Até o fim do ano o INCRA deve entregar a cada família o seu título de propriedade da terra e ajudá-las a se organizar em Associação para produzir melhor e vender melhor o seu produto.Fazendo assim, a Diocese de Crateús não quer ser melhor do que as outras, mas quer dizer que quem prega todos os dias a Reforma Agrária deve começar por suas próprias terras. Nossa Senhora ajude a Diocese de Crateús a não se gabar pelo pequeno passo que ela deu doando suas terras. E ajude a ser mais firme ainda no apoio à luta dos trabalhadores rurais pela terra de que precisam. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1986 (Programa da “Ave Maria” na Rádio Príncipe Imperial – Crateús) A voz do povo da roça Os homens e as mulheres, os rapazes e as moças que vivem na Roça – chamados os Roceiros – tem muito o que dizer aos companheiros e o que escutar deles. Na sua cabeça, no seu coração, na sua experiência, há tantos sonhos de um futuro mais livre. Há tantos gritos que nascem de dentro de sua vida machucada e oprimida. Os Jornais não oferecem suas páginas para a voz dos roceiros, para os homens e mulheres de mãos calejadas. A Televisão quase nunca apresenta a vida, as lutas, as esperanças do povo da roça. 73 Graças a Deus, na Rádio Educadora e na Príncipe Imperial, há programas que levam a voz dos trabalhadores rurais aos ouvidos de seus companheiros. O Roceiro é o Jornal, a Televisão, o Rádio do povo da roça. É a sua voz. Nele podem escrever, publicar, suas notícias, colocar suas poesias, encontrar os seus assuntos. Vocês compreendem a importância d’O Roceiro. Reunidos, leem e debatem. Conquistam outros para ler e assinar. Da luta de vocês, sustentados na mão de Deus, vão nascer outros espaços, onde a voz do povo da roça pode ser espalhada e escutada. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1986 Páginas de mão em mão, leitura de casa em casa Trabalhador do campo, você está lendo o Roceiro? Você discute o assunto com sua família? Você se reúne com alguns companheiros e debate o seu Jornal? Você tem convidado outros colegas para assinar também? Eu penso, francamente, que você não espera que os latifundiários, os ricos, os poderosos venham fazer propaganda do Jornal dos Trabalhadores Rurais. O Jornal está em suas mãos. Mande notícias para o seu Jornal. Conte, principalmente, as lutar para unir e organizar os trabalhadores rurais. 74 Vocês poderão ter um grande Jornal. Grande Jornal é aquele que está nas mãos de todos os trabalhadores do campo e que entra em todas as casas. Isso depende de você, também. Deus abençoe todos aqueles que zelam pelo seu Jornal. Seu velho bispo, Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1986 Por uma Nicarágua livre Os Cristãos festejam a vinda de Jesus, dentro de uma família de trabalhadores rurais há 1986 anos. Celebram a vinda de Jesus hoje, no coração e na vida de todas as pessoas de boa vontade. Celebram a luta para que a irmandade dos seguidores de Jesus seja companheira de caminhada de todos os pobres e oprimidos para a terra prometida. Os leitores de O Roceiro sabem, por experiência, que seu jornalzinho abriu e abre caminhos para Jesus. Vamos espalhar mais O Roceiro? Vamos dobrar o número dos que assinam ou compram o jornalzinho? Vamos ler e debater, nas reuniões das comunidades e da CPT e das delegacias sindicais? Vamos mandar notícias de nossas lutas e vitórias para O Roceiro? Neste Natal, ninguém esqueça da campanha dos cem milhões para a Nicarágua. É cada vez mais urgente a nossa solidariedade com o povo nicaraguense que é perseguido e assassinado, mas luta com garra 75 para ter um país livre e respeitado. Viva Jesus camponês, no dia de sua festa de nascimento! Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1987 A Campanha da Fraternidade de 1987 Vocês se lembram de que, cada ano, desde a quarta-feira de Cinzas (4 de março) até a Páscoa (19 de abril), os cristãos de todo o Brasil são chamados para Viver uma Campanha da Fraternidade? Cada ano, tem um assunto importante. Em 1987, o assunto é: as crianças e os rapazes e moças de dezoito anos para baixo, sobretudo os abandonados. Vocês sabem quantos são no Brasil? Trinta e seis milhões. Muitos desses vivem, sofrem e morrem na redondeza das grandes cidades. Vieram do campo, porque os pais não tinham terra para trabalhar nem condições para zelar por eles. E, no ambiente desumano da cidade grande, viraram pixote, moleque, pivete, assaltante, ladrão. De quem é a culpa? Que podemos fazer, nesta Campanha da Fraternidade, para todo mundo se lembrar desses menores? Vamos encontrá-los, querer bem a eles, escutá-los, descobrir porque estão abandonados, rezar por eles e ajudá-los a se organizarem para lutar por um mundo mais humano? Cada um de nós traz, no coração e na memória, a palavra de Jesus; “quem acolhe o menor a mim acolhe”. Dom Fragoso Fevereiro/Março de 1987 76 Primeiro de Maio Todos os Trabalhadores Rurais, os Operários das Fábricas, Usinas e Comércio, os Biscateiros, os Desempregados – Homens e Mulheres, Rapazes e Moças, crianças – tem neste Primeiro de Maio o Seu Dia. Com o trabalho de suas mãos e o suor do seu rosto, produzem alimento, roupas, casas, transporte, remédios. Sem o trabalho humano, a humanidade morrerá. Toda a Sociedade depende dos trabalhadores, para poder viver. Mas os trabalhadores são privados e esquecidos, no Nordeste, no Brasil e no Mundo. Todos os trabalhadores tem de se unir e se organizar em suas Comunidades, em seus Sindicatos, em suas Cooperativas, nos Movimentos Populares, na Política, na Constituinte. Unidos, defenderão sua Dignidade e seus Direitos Humanos. O grito unido dos trabalhadores vai estourar os ouvidos dos poderosos que exploram o suor humano e vivem do sangue machucado dos seus irmãos operários. Os trabalhadores Rurais não se deixam comprar por promessas. O Povo Unido Jamais Será Vencido! Os Trabalhadores cristãos acolhem Jesus Cristo, carpinteiro e filho de carpinteiro, como o seu Amigo. E encontram na palavra de Deus a Fonte de sua força e de sua Solidariedade. Viva o 1º de Maio de 1987! Dom Fragoso Maio/Junho de 1987 77 Como Deus quer: organizados, conscientes e firmes na fé A Seca entrou em todos os roçados. Secou o milho apendoado. Matou o feijão. Colocou tristeza nos olhos dos pais e das mães de família. E avançou pelas casas dos trabalhadores sem terra. Esvaziou os pratos de milho e feijão e farinha. Apertou a barriga dos doentes, das pessoas mais fracas, das mães que amamentam os filhinhos, das crianças desnutridas. Os trabalhadores – homens e mulheres – foram se juntando. Procuraram trabalho, para ganhar o sustento com o suor do seu rosto. Não havia trabalho. Então foram juntos buscar o alimento nos armazéns do governo. O governo comprou os gêneros com o dinheiro do povo. Eles pertencem primeiro aos famintos, na hora de grande necessidade. Quadro triste, o da Seca! Nosso Deus está escutando o grito do seu povo faminto. Nós, cristãos, também vamos abrir o coração e os ouvidos. Quanto mais o povo sofrido se unir, na hora da seca, mais se torna uma fraternidade como Deus quer. Nas suas Comunidades, buscam na Palavra de Deus e na Amizade dos companheiros a Força da União e a Coragem da Luta. Através do Sindicato, dos Movimentos Populares, das Associações de Trabalhadores, gritem, cobrem, reivindiquem Trabalho, Salário Justo, Alimento, Obras Comunitárias. Não acreditem em Planos e Promessas. Guardem os olhos abertos para analisar a situação, descobrir as causas, perceber quem são os amigos do povo. Não se deixem enrolar. 78 Esta seca que está entrando na vida do povo com cara de bicho, vai acabar. E, pela graça de Deus e pela luta unida dos Trabalhadores, vocês vão se tornando mais organizados, mais conscientes, mais firmes na fé. Vamos caminhar juntos. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1987 Partilha da terra Achei tão lindo o que vi, que desejo contar para os leitores de O Roceiro. Durante a Visita Pastoral à Paróquia de Tamboril, estive na Comunidade de Varjota. Onze trabalhadores rurais se uniram para uma experiência comunitária: uma Roça, um Cacimbão, uma Horta. Parte do seu trabalho é financiado pelo Projeto São Vicente que já lhe forneceu um burro, um arado, cimento, cal e outras coisas. Para preparar a Experiência comunitária deles, a “Emergência da Seca” lhes deu onze trabalhadores que fazem a broca comunitária. Reunidos debaixo de uma latada de mofumbo, descobriram o seguinte: 1) Quem deu a terra? Francisco Gomes da Silva (Chico Gomes), proprietário de sessenta hectares, ofereceu, com sua mulher, em cartório, quatro hectares. É um dos onze, com o mesmo direito que os outros! Eu sei que outros proprietários podem fazer a mesma coisa. O Evangelho do Amor de Irmãos é vivido sob a forma de Partilha da Terra. 79 2) Os onze trabalhadores rurais da experiência comunitária, no fim do ano terão roça, cacimbão, horta e assistência técnica. Os onze trabalhadores da Emergência não terão nada. E correrão o risco se vier uma “seca” com a família em 1988. Pensando nisso, os onze da Experiência decidiram propor à Comissão Comunitária: 1º) que os colegas deem só um dia por semana na broca; 2º) que possam, nos outros quatro dias da semana, em rodízio, preparar os seus próprios roçados para 1988; 3º) que a EMATERCE obtenha para os onze da Emergência, semente sadia e selecionada no fim de novembro, de modo a aproveitarem desde as primeiras chuvas do próximo inverno. É por causa de muitos exemplos desses que espero que a seca de 1987 se torne uma Escola de onde os trabalhadores saiam mais Conscientes, Unidos e Firmes na luta pela Reforma Agrária. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1987 As mulheres da seca No tempo duro da seca, muita gente se lembra dos Trabalhadores. E tem razão. Eles precisam de trabalho para ganhar a vida, para si e para a família. Os Trabalhadores têm Direito ao trabalho, em condições humanas. Esmola humilha o homem válido, que pode ganhar o pão com o suor honesto do seu rosto. Mas, das Mulheres quem se lembra? Elas sentem mais de perto a fome dos filhos, dos doentes, dos idosos. Elas precisam de alimento sadio e nutritivo, durante o tempo de gestação. 80 Quando se alimentam pouco e mal, não produzem a quantidade de leite materno indispensável para o seu filhinho, que amamenta. Pouco alimentada com o leite materno, a criança enfraquece e não resiste à doença. Quantas mães vêem, com o coração dilacerado, os filhinhos mortos antes de um ano de nascidos! As mulheres sabem que Deus Não Quer Isto. Por isso muitas trabalham no artesanato (labirinto, crochê, bordado, renda), nas hortas comunitárias, na cerâmica. E estão aprendendo a se Organizar e a Gritar. Deus escuta o grito das Mulheres, no tempo da seca. As Comunidades, a Igreja, o Governo devem ter os ouvidos abertos para escutar “O grito de milhões de escravas”. E devem ter o coração aberto para compreendê-las, amá-las, apoiá-las. Mulheres, minhas Irmãs, confiem em Deus. Deem as mãos umas às outras. E não se calem! Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1987 Feliz Natal Trabalhador Rural, Se você não tem trabalho para alimentar a sua família com o fruto do suor do seu rosto. Se só há uma pessoa empregada na Emergência e sua família é numerosa. Se um salário mínimo não dá nem para a comida e você precisa de roupa, calçado, saúde, educação dos filhos. 81 Se na seca de 1980 a 1983, o governo deu a proprietários de terra cinquenta, cem e até duzentos homens, durante meses, para construir o Açude deles e não descontou do proprietário e, agora desconta dos 15 dias que você teve para botar o seu roçado. Se seus filhos rapazes foram forçados a viajar para longe em busca de trabalho e você perdeu a ajuda dos braços deles em seu roçado. Como é que eu posso desejar a você um Feliz Natal? Não é quase um insulto a você? Eu desejo que Jesus de Nazaré acenda uma esperança em seu coração. Que Ele leve você a se unir com seus companheiros que lutam por terra de Moradia e de Trabalho, por Saúde para todos, por Casa de gente para todos, por Liberdade, Justiça e Paz para todos. Que Ele nasça na luta de vocês, dê coragem e destemor, fortaleça sua união e sua organização. Que o sinal deste Natal seja o Mutirão dos trabalhadores que lutam por uma Sociedade Nova. Na Ciranda da Fraternidade que vocês cantam e dançam de mãos dadas, Jesus de Nazaré, pequenino e frágil como uma criança, anuncie a todos a Boa Notícia da Libertação. Neste sentido eu desejo a cada um de vocês e a sua família. Feliz Natal! Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1988 82 A Campanha da Fraternidade de 1988 Meus Irmãos Roceiros: Neste começo do ano de 1988, quero levar a cada um de vocês meu abraço. Vocês estão lembrados de que, durante vinte e cinco anos, os cristãos do Brasil celebram a Campanha da Fraternidade no tempo da Quaresma? A Quaresma é o tempo que vai, em 1988, do dia dezessete de fevereiro até o dia três de abril. Dezessete de fevereiro era a quarta feira de cinzas, três de abril será o Domingo de Páscoa. O tema desta campanha é A Fraternidade e o Negro, com a frase: “Ouvi o clamor deste povo”. Existem negros nos doze municípios da Diocese de Crateús. Existem cerca de sessenta milhões de Negros no Brasil. Desde 1530 até 1888, a Escravidão dos Negros era reconhecida pela Lei. No dia treze de maio de 1888, foi assinada a Lei Áurea que não aceita mais a Escravidão. Vocês conhecem suas comunidades e seu município. Nestes cem anos, de 1888 a 1988, acabou-se mesmo a Escravidão? Os Negros são tratados com os mesmos direitos dos brancos? Em nossas conversas, histórias, anedotas e ditos, o negro é, mesmo, respeitado e valorizado? Nós, cristãos, cremos que o Negro é Gente, tem uma dignidade de Pessoa Humana, é Filho de Deus, é Irmão Nosso. Vamos trabalhar, lutar e rezar para, em nossa Diocese, nós vivamos em Fraternidade com todos os Negros. Escravidão, Nunca Mais! Para isto, ação organizada e constante. Dom Fragoso Março/Abril de 1988 83 Maria, Mulher Meus amigos, trabalhadoras e trabalhadores rurais, quando vocês estiverem lendo este número d’O Roceiro, será maio. Maio, mês de Maria. Primeiro de Maio: dia do Trabalho. Maria foi uma trabalhadora rural, na sua pequena comunidade de Nazaré. Esposa de um carpinteiro e pequeno agricultor. Filha de um casal de pequenos agricultores e migrantes, Ana e Joaquim. Oito de Maio: dia das mães. Maria é mãe de Jesus. Mãe de toda a humanidade, Mãe, sobretudo, dos pobres e oprimidos. Treze de Maio: cem anos da “Lei Áurea” que “aboliu” a escravidão no Brasil. Maria sofre na carne de suas filhas e de seus filhos negros a opressão que pesa sobre eles ainda hoje. A todos ela diz agora: o que vocês fizerem ao menor dos sessenta milhões de negros do Brasil é a mim que vocês estão fazendo. Vinte e dois de Maio: festa de Pentecostes, Maria estava tomando parte na novena de preparação com os apóstolos em Jerusalém, quando o Espírito Santo lhes foi enviado, cinquenta dias depois da Ressurreição. Ainda hoje, Maria reza com toda a Igreja para que o Espírito Santo ilumine e conduza o Povo de Deus. Maio, mês de Maria. E Maria é Mulher. Nela são abençoadas todas as mulheres do mundo. E todas são convidadas a seguir os passos dela. É Maria que toca o coração de todo homem de boa vontade para respeitar a mulher, amá-la com amor que liberta, construir com 84 ela o Novo céu e a Nova terra, desde agora. Viva Maria, Mulher! Viva o Mês de Maio! Dom Fragoso Maio/Junho de 1988 Aos pais trabalhadores, por uma terra de irmãos Cada edição de O Roceiro me dá a alegria de escrever esta página aos leitores. Desta vez, escrevo aos Pais Trabalhadores. Quero abraçá-los e felicitá-los por duas datas muito queridas: 25 de julho, dia dos lavradores, e 14 de agosto, dia do papai. Todos nós, filhos de lavradores (o meu pai vive aos 90 anos!), devemos muito aos nossos pais. De vocês, nós herdamos sangue, coração, jeito de ser, cultura, fala, religião de camponês. Damos graças a Deus por isto! E, nestas duas datas, estamos bem unidos a vocês. No dia 25 de julho, celebramos com vocês a Luta dos Trabalhadores e todos os Lavradores que deram sua vida pela Justiça. No dia 14 de agosto, celebramos a Festa do Papai. Mas colocamos no mais fundo de nossa afeição os pais que não têm terra, não têm casa, não têm condições humanas de vida! Um dia todos nós seremos irmãos, vivendo numa Terra de Irmãos. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1988 85 Igreja de Crateús, 25 anos de caminhada A Igreja de Crateús celebrará 25 anos de caminhada. Ela nasceu no dia 09 de agosto de 1964. Eu sou o Bispo Diocesano, desde o nascimento desta Igreja. Como Pastor, estou convidando para a Celebração alegre que se inicia no domingo, 7 de agosto de 1988: As Comunidades Eclesiais de Base, Os Setores Pastorais, As Paróquias, Todos os cristãos que acompanham a caminhada, Todos os que trabalharam conosco e hoje residem, lutam ou trabalham fora. Recordaremos os momentos de Descoberta, de Amizade, de Mutirão Fraterno, de Construção de um Rosto Novo – para agradecer a Deus e para festejar juntos. Recordaremos os momentos difíceis, com suas Lutas, Recuos, Abandonos e Perseguições – para testemunhar a presença do Pecado e da Cruz. E teremos, diante dos olhos, o horizonte que nos mobiliza e dá sentido à nossa Igreja: a opção pelos pequenos e os pobres. Do lugar dos pequenos e dos pobres, nossa Igreja é chamada a anunciar a Esperança numa Sociedade Nova que é ensaio do Reino de Deus. Durante o Ano Celebrativo, faremos um Processo de Avaliação de Vida desta Igreja na luz do objetivo: ser uma Igreja Popular e Libertadora. As Santas Missões em todas as Paróquias, a Romaria de Abertura, na Matriz de São Gonçalo (18 de setembro de 1988); a 86 Romaria de Encerramento para a Catedral do Senhor do Bonfim, nosso Padroeiro – nos motivarão para assumir em estilo popular, compromisso renovado. Para a Memória, será publicado um Livro e será realizado um Vídeo-Cassete (filme) que permita a todos, guardar a imagem, a história e a graça desses 25 anos. Para nós, tudo o que se realizou de bom, de sadio, de novo, é Graça de Deus, acolhida por nós. Sem orgulho, nesta Festa de Irmãos, louvaremos ao Deus Vivo e nos fortaleceremos para novos passos na caminhada. Dom Fragoso Crateús, 07 de agosto de 1988 Setembro/Outubro de 1988 Amanhã será outro dia! Estamos vivendo acontecimentos que merecem nossa reflexão: 1º) Vinte anos de Medellín, o Concílio falou para os cristãos do mundo todo, dizendo: A Igreja é o Povo de Deus (1962-1965). Em 1968, os Bispos da América Latina se reuniram na cidade de Medellin, na Colômbia e, partindo da análise de nossa situação, disseram: O Rosto da Igreja na América Latina, deve ser um rosto de pobre. Vinte anos depois, nós nos perguntamos: que caminhos andamos para que a nossa Igreja se torne servidora e pobre? 2º) Vinte e cinco anos da Igreja de Crateús. Até onde nós tomamos o Concílio Vaticano II e Medellín e tentamos viver, de nosso jeito, nos Sertões dos Inhamuns e de Crateús? 87 As CEBs, os Setores Pastorais, as Paróquias, a Diocese, todas estão comprometidas com esse processo de avaliação. Nos dias 29 a 30 de outubro, em Crateús, reúnem-se as Comissões e representantes das Equipes paroquiais com a assessoria do ISER, para planejar essa avaliação. 3º) Quinhentos anos da “invasão” da América Latina. Em 1492, o que é que houve? “Descoberta”? “Colonização”? “Evangelização”? Ou “Invasão das Terras”, assassinato dos índios e cumplicidade da Igreja? Evitando todo triunfalismo “inocente”, vamos estudar o que houve mesmo nesses 500 anos e lutar por um futuro de ligação entre a Fé e a Vida! 4º) A Constituição foi promulgada. Dentro dela, há conquistas e ganhos por causa das Emendas Populares e das pressões dos Trabalhadores. Vamos conhecê-los e cobrar a sua aplicação. Ao mesmo tempo, vamos ganhar força e experiência para conquistar aquilo que os Constituintes negaram aos Trabalhadores, sobretudo a Reforma Agrária. Estamos no Advento – Natal. Só se luta por sonhos e causas tão grandes, quando temos a certeza de que não estamos sozinhos. Vai chegar (tempo do Advento) o Libertador do Povo e da História, Nosso Senhor Jesus Cristo. Demos as mãos uns aos outros. Seguremos a Mão de Jesus Libertador e o Amanhã será outro dia! Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1988 88 Feliz Ano Novo: participação, fé, estudo e luta! Feliz ano novo para todos vocês que escrevem, lêem e espalham O Roceiro! Novo, mas carregado das sementes boas, plantadas e cultivadas em 1988; na vida de vocês, nas comunidades, nos movimentos populares. Qual é o novo que desejo a vocês em 1989? 1) Participem de suas Comunidades. Fortaleçam a Irmandade e a Fé. Articulem as Comunidades para todos os Movimentos Populares e para o “povão”. 2) Amem a Igreja Popular. Lutem para que a palavra de Deus seja mais conhecida, meditada, rezada, estudada. Tentem ligar sempre a Palavra de Deus com a Vida e a luta. Pensem que as Igrejas que ainda não são populares também são a única Igreja de Cristo. 3) Reforcem a participação dos Trabalhadores, sobretudo dos jovens e das mulheres no Sindicato (STR), mas ninguém esqueça que os trabalhadores também estão nos Sindicatos da Construção Civil, dos Comerciários e outros. Procurem entrosar-se com eles. 4) Estudem as conquistas populares na Constituição e juntos cobrem a sua aplicação 5) Tomem parte na luta pelos Direitos do Povo na Constituinte Estadual do Ceará que está sendo discutida e elaborada. 6) Interessem-se pela Lei Orgânica dos Municípios, que será discutida e elaborada depois da Constituição Estadual. 7) Lutem para mobilizar os trabalhadores da cidade e do campo para se organizarem em Partido Político que defenda os Direitos e a Dignidade dos Trabalhadores. 89 8) A eleição do Presidente da República, em fins de 1989, vai exigir de vocês muito estudo, muita análise, muita clareza, muita garra. 9) Organizem-se na Pastoral da Terra, animada e assessorada pela CPT! Leitores, isso que eu chamo Novo em 1989, para vocês é Novo mesmo? Será que estou desejando demais? Um abraço fraterno de Dom Fragoso. Janeiro/Fevereiro de 1989 Viva O Roceiro! Os Trabalhadores Rurais têm direito de se comunicar. A Televisão não abre espaço para eles. A Rádio quase não deixa voz livre para eles. Os Jornais não escutam os Trabalhadores. Mas vocês, Trabalhadores Rurais, não se deixam abater. Inventam seus próprios meios de Comunicação. Vocês criaram e sustentam O Roceiro. Vocês escrevem, mandam notícias de suas Comunidades e de suas Lutas. Vocês assinam o seu Jornal. E fazem propaganda, motivando os colegas para assinarem. Quase dois mil números de O Roceiro saem a cada dois meses. Vocês lêem nas suas Comunidades, nos seus Movimentos Populares, no seu Sindicato. O seu Jornal é a Voz das Famílias do Campo e da Cidade. Vocês compreendem que dois mil exemplares são muito pouco. Este ano pode subir para três mil, para quatro mil ou para cinco mil. Vamos espalhar mais O Roceiro? 90 A nossa Diocese de Crateús, que deseja ser Popular e Libertadora, está celebrando vinte e cinco anos. Começou em 9 de agosto de 1964. O Roceiro está ajudando a dar as notícias, a comunicar a informação, a celebrar a caminhada. Os Grandes têm o seu Jornal. Os Trabalhadores Rurais também têm a sua voz, o seu O Roceiro. Amanhã, O Roceiro poderá ser o Grande Jornal dos Pequenos do Sertão. Viva O Roceiro! Dom Fragoso Março/Abril de 1989 A CNBB e a luta por uma sociedade nova Meus Caros Leitores, Em São Paulo, na pequena cidade de Itaici, estivemos reunidos duzentos e sessenta cardeais, arcebispos e bispos. Era a 27ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Eu sei que vocês e suas comunidades querem notícia desta Assembleia que durou dez dias completos. Ela foi um espaço gostoso de convivência de irmãos. A gente se encontrou, alguns, pela primeira vez. Rezamos juntos, com boa participação na missa, na oração da manhã, na oração do meio-dia e da tarde, no retiro pregado por Dom Aloísio Lorscheider. O assunto central foi: “Exigências Cristãs da Ordem Democrática”. Encontramos na Constituição algumas conquistas populares, como por exemplo: Ação popular, na defesa dos 91 Direitos; Mandado coletivo contra os abusos do poder; Alguns direitos dos trabalhadores e da mulher; Os direitos pessoais e sociais dos cidadãos. Analisamos os pontos negativos: A morte da Reforma Agrária; A falta de regulamentação de mais de 200 leis que estão na Constituição. Depois convidamos todos os cristãos do Brasil a cobrar a aplicação das leis constitucionais, a participação nas Constituintes Estaduais, a exigir os Direitos do povo nas Leis Orgânicas do Município. O segundo assunto foi: “Novo impulso à vida litúrgica”. Para celebrar os vinte e cinco anos da Reforma da Liturgia, decidida no Concílio Vaticano II, debatemos e aprovamos um Documento que estimula a Igreja a ser criativa na Oração Pública. Também debatemos a CPT Nacional e sua articulação com a Pastoral das Dioceses, a situação dos índios, a conjuntura do Brasil e a caminhada da Teologia. Quero agradecer a vocês a oração que fizeram por seus bispos. Quero convidá-los para tomar conhecimento dos assuntos que os Bispos de todo o país tentaram esclarecer. A luta por uma Sociedade Nova, no Brasil, é cada vez mais necessária. Nossa fé nos motiva para a luta e nos sustenta nas horas do desafio. Um povo unido na mesma fé e na mesma luta muda os rumos de um país. Dom Fragoso Maio/Junho de 1989 92 Esse homem é apenas o vosso servo. Eu sou, nesta querida Diocese de Crateús, um homem que Deus envia, um homem que nasceu no sertão da Paraíba, nordestino como vocês, irmão de vocês, que ama esse pedaço de terra onde Deus vos plantou e onde eu quero viver e quero amar. Hoje eu sou Cearense, eu sou de Crateús. Meus amigos, esse homem que Deus vos envia, não vai ser o vosso chefe, não é aquele que comanda, não é aquele que dirige, não é um homem que responde as grandes expectativas deste povo. Esse homem que Deus vos envia, que deve ser o vosso pai, e vosso guia, é apenas o vosso servo. Eu vim aqui para servir a esse povo bom que Deus me confia, é isto o que deveis esperar de mim, aquele que serve! E porque eu quero servir, eu quero amar essa terra boa, para onde Deus me mandou. Eu quero amar os operários desta terra, eu quero ajudá-los com o calor do meu entusiasmo na sua promoção. Eu quero ajudar os camponeses dessa terra, todos eles sem nenhuma exceção, todos eles unidos, organizados, lutando pela sua promoção, para ocuparem um lugar ao sol ao lado dos outros seus irmãos. Para construírem um Nordeste mais justo e mais humano. Eu quero amar os estudantes desta terra, eles são a esperança de Crateús, mas, eu quero amá-los sobretudo sabendo que eles se comprometem desde já, a lutar pela promoção desta terra. Eu sei que os estudantes compreenderam que há uma grande fascinação nas cidades maiores, e por isso as elites se vão, impedem a promoção de uma terra. É preciso que os estudantes de hoje, que são os privilegiados, os que podem estudar e encontrar um apoio, que eles possam dedicar-se a sua terra. 93 Eu quero amar as famílias desta terra, elas sem nenhuma exceção, famílias cristãs, unidas, alegres e felizes são o futuro melhor desta terra. Eu quero saudar também as crianças, todos jovens e todas as jovens, os noivos e as noivas, eu quero saudar os jovens casais que tem maior responsabilidade com seus filhos. Eu quero saudar as autoridades, uma por uma, cada uma com uma tarefa específica e com uma responsabilidade maior. Eu quero saudar os da rádio. Eu quero saudar todos e cada um, não queria esquecer ninguém, sem nenhuma exceção, e a todos eu quero acolher como meus amigos, e a todos eu quero abraçar, neste dia em que entro na sua Diocese, que se tornou agora a minha Diocese, a nossa Diocese. Meus amigos, trabalhemos unidos para construir o Reino de Deus nesta terra, trabalhemos unidos para ver um Crateús cada vez mais feliz! A todos, muito obrigado! Dom Fragoso Julho/Agosto de 1989 (Excerto do Discurso de Posse de Dom Fragoso na Diocese de Crateús – em 09 de agosto de 1964). 94 Vinte e cinco anos de Fé e Vida Caminhamos Muito, em vinte e cinco anos. Caminhamos Pouco, se olharmos o horizonte da Sociedade Nova e da Igreja com rosto de povo aonde queremos chegar. Recordando os vinte e cinco anos, sentimos vontade de gritar: “Nosso Deus caminhou conosco”. Sonhando com o futuro, somos convidados a pensar: não temos direito de descansar em cima das vitórias conquistadas – as CEBs, as Oposições Sindicais, a Paixão pela Palavra de Deus, a Participação ativa na política partidária, os Mutirões, a Fé ligada com a Vida. Tudo isto foi um etapa linda, na caminhada. Deus nos proteja para o amanhã. Os meios populares, marcados pela opressão da fome, do desemprego, da falta de Terra, de Moradia, de Crédito, de Liberdade, nos projetam para o Horizonte da Libertação. Deus e o Povo dos cristãos nos projetam para uma Igreja Popular, numa Sociedade Nova. Profundamente reconhecidos ao nosso Deus, Companheiro, Pai e Amigo, vamos nos dar as mãos numa Grande Ciranda, num Grande Mutirão. Com o olhar fito na Terra Prometida e com os pés fincados no chão da Realidade, Vamos Continuar a Caminhada. O Roceiro será um instrumento de informação, de troca de experiências e de unidade. Povo de Deus em Busca da Libertação. Dom Fragoso Setembro/Outubro de1989 95 Uma Luta por Consciência e Libertação Andando por países estrangeiros – Estados Unidos, França, Suiça, Alemanha, Bélgica e Espanha, não esqueço vocês, sua luta, suas comunidades, seus movimentos populares, sua cruz pesada. Cada vez mais me convenço de que, sem a luta consciente e organizada de vocês e de todo o povo oprimido, a Sociedade se tornará mais rica, mais poderosa e mais injusta. Visitei Paulette, na França. Durante cinco anos ela ajudou a organização dos Sindicatos na Diocese: Ipueiras, Crateús, Novo Oriente, Tauá e Poranga. Ela ajudou o começo do Ninho, em Crateús. Visitei Chica e Bernardo, nossos companheiros e amigos durante seis anos. Foi tão gostoso recordar a caminhada que fizemos juntos. Visitei a mãe da Raimunda, que trabalhou dez anos no Maranhão. Ela acaba de fazer cem anos. Está firme, lúcida e cheia de vida. Visitei os pais de Paco: Ramón e Maria Teresa, na Espanha, uma festa! Estive, durante uma semana, reunido com Bispos do Japão, do Camboja, da Itália, da Espanha, do Panamá, do Peru, da Argentina, do Uruguai e do Brasil. Desde o Concílio, decidimos ser irmãos, numa Pequena Fraternidade. Ainda devo participar de um curso de dez dias, com bispos de vários países em São Paulo. Eu tenho que estudar para não ficar sobrando. Um abraço para vocês. Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1989 96 As leitoras e a Campanha da Fraternidade Vocês estão recebendo o 1º número de O Roceiro, em 1990. Este ano, o nosso Jornal vai depender muito de vocês. Quem vai escrevê-lo são vocês, seja sozinhos, seja com a família, seja nas reuniões da comunidade. Quem vai discuti-lo são vocês. Quem vai espalhá-lo e conseguir novos assinantes são vocês.Lembram-se de que, desde a quarta-feira de Cinzas até a semana Santa, nós cristãos, vivemos o tempo da Quaresma? Na Quaresma, toda a Igreja, no Brasil, celebra a Campanha da Fraternidade, isto é, lutamos e rezamos para Viver como Irmãos. Sabem qual é o assunto da Campanha da Fraternidade em 1990? É o seguinte: A Fraternidade e a Mulher. Seu lema é: Mulher e Homem: Imagem de Deus. O que queremos com a Campanha da Fraternidade de 1990? 1º Conhecer melhor como as mulheres são tratadas em casa, na comunidade, na política, na sociedade e na Igreja. As mulheres acreditam mesmo no valor que têm e lutam para que sua dignidade seja respeitada? 2º Refletir sobre a mulher como imagem de Deus, companheira igual ao homem, esposa, mãe, construtora com o homem da sociedade nova. 3º Organizarem-se as mulheres para viver felizes, serem amadas e valorizadas, assumir seu papel insubstituível na Sociedade e na Igreja. 97 Eu sei que as leitoras vão escrever muito para O Roceiro, sobre a Campanha da Fraternidade. Nós, homens, queremos escutar vocês com alegria e acolher sua plena participação. Dom Fragoso Março/Abril de 1990 A Seca e a Cerca Seca, em 1990! Seca, de novo. Seca verde. Seca e fome. Todas as famílias de trabalhadores do campo e da cidade estão aflitas. Começou pelos Sertões-Centrais. Foi ocupando os Sertões de Crateús e os Sertões dos Inhamuns. Vai abater-se, como um peso de chumbo, sobre todos os trabalhadores. Ainda faltam dez ou onze meses para ter safra de novo, se chover em 1991. Cada família de trabalhador põe a cabeça para pensar e o coração fica batendo forte e descompassado. Pensa nas crianças de peito que vão pagar um preço alto, sem culpa. Pensa nos doentes e nos idosos que se tornarão mais frágeis ainda. Pensa nos rapazes que, em dezenas de milhares, já fugiram este ano para o Sul ou Centro do país, em busca de trabalho. Estão sendo expulsos de lá, pelo desemprego e os efeitos do Plano Collor. Mas, não existe um “plano de emergência” do Governo do Estado do Ceará? Está começando, devagar, com preguiça, a passo de jumento, enquanto a fome está chegando na velocidade de avião a jato. Uma só pessoa por família. E os outros, que também comem? 98 Diária de cinquenta cruzeiros. Será que dá para uma pessoa almoçar? E os outros membros da família? Molhado dos açudes particulares. Mas a quem vai beneficiar, se a gente sabe que até hoje a água só correu para o mar? Será que é mesmo a Seca que está acabando com os Cearenses? Ou é a Cerca, que controla as águas dos açudes públicos e dos açudes “particulares”? ou é a Cerca que controla os quarenta milhões de hectares do Nordeste, que estão nas mãos do Latifúndio? Sua cabeça, meu amigo trabalhador, deve estar muito confusa, diante da Seca de 1990. Mas, uma coisa me deixa carregado de Esperança: Vocês estão fazendo levantamento da situação. Vocês estão enviando documentos e abaixo-assinados às Autoridades. Vocês não estão pedindo Esmola de assistência e de distribuição de alimentos, como se vocês fossem mendigos. Vocês querem Trabalho, para ganhar o seu pão com o suor honesto do seu corpo de trabalhador.Vocês querem um Salário que permita sua família sobreviver como gente.Vocês querem que o uso do molhado dos açudes seja permanente. Não é verdade que vários açudes “particulares” foram construídos com o suor de vocês e o dinheiro do povo, na Grande Seca? Vocês não são invasores nem malandros. São homens de bem. Se vocês não são acolhidos nas suas reivindicações, é claro que não vão deixar seus filhos morrerem à mingua! 99 Nós, cristãos, não podemos ficar surdos ao grito de vocês. Deus nos dê Garra e Fé para sermos seus Companheiros de Luta. Dom Fragoso Maio/Junho de 1990 Dia do Trabalhador Os Trabalhadores, as Trabalhadoras, as Famílias dos Trabalhadores também tem o seu Dia: 25 de julho de 1990. Está chegando o tempo em que os Trabalhadores não precisarão mais de Padrinhos, de Protetores, de Paternalismos, de Assistencialismos. Os Trabalhadores têm Coração e Sensibilidade, têm Coragem e Sabedoria, têm Voz e sabem Gritar. Os Trabalhadores estão descobrindo que não precisam mais de Partidos burgueses para representar a classe. Querem ter o seu Partido ou os seus Partidos. Querem ter Sindicatos livres e combativos. Querem participar nas decisões políticas e econômicas do país. Durante as Secas ou as Enchentes, durante as Crises, os Trabalhadores sabem o que precisam e querem Conquistar o respeito aos seus direitos e a sua dignidade. Abaixo o Assistencialismo que trata os Trabalhadores como esmoleres. Eles querem é Trabalho e Condições Justas de Trabalho para ganhar o pão com dignidade, com o suor honesto do seu rosto. Abaixo o Cabrestismo que compra votos nas Campanhas eleitorais. Abaixo a Dominação de líderes da Igreja. Os Trabalhadores também são Igreja e querem ter iniciativa e autonomia, nas suas expressões religiosas. 100 Essa Luta dos Trabalhadores será longa e exigente. A classe precisa Organizar-se nos Partidos, nos Sindicatos, nas Associações, nas Comunidades, nos Movimentos Populares. Precisam saber analisar a Sociedade em que vivem, os Mecanismos Perversos da Economia, a situação da Terra que lhes foi roubada pelo Latifúndio. Precisam Enxergar. O Dia do Trabalhador é o espaço para que os Trabalhadores se reúnam, debatam com garra seus problemas, fortaleçam sua luta, elaborem suas reivindicações. Os Trabalhadores Cristãos vão encontrar na Palavra de Deus sua Fé, a Luz para a sua caminhada e a Força para a luta. Os Cristãos, que não pertencem à classe trabalhadora, participem da celebração do Dia do Trabalhador, apoiem suas lutas e reivindicações, se tornem Companheiros e Irmãos. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1990 Luta pela terra Os cristãos que vivem da Terra, em que Deus a criou para Chão de Trabalho e Chão de Moradia de todos — precisam dela para viver como irmãos na alegria e na paz. Não esperem que, de modo espontâneo, os donos de grandes propriedades e os políticos venham oferecer a vocês a liberdade de usar a Terra. Nunca se faz uma Reforma Agrária massiva e justa de cima para baixo. 101 Trabalhadores lutam, conquistam a terra e, com seu voto, elegem os legisladores que fazem as Leis. E continuam acompanhando, de olhos abertos e vigilantes, a aplicação da Lei. A luta pela Terra é um direito dos Trabalhadores! Reunidos, agora, as Mulheres e Homens que lutam nas Áreas de Conflito e nas Áreas de Assentamentos, descobriram que já foram conquistadas mais de vinte mil hectares, nos Municípios dos Sertões de Crateús e dos Inhamuns. É muito pouco. Mas é uma Vitória Grande. Já dá para alimentar a Esperança e a Firmeza da luta. Em Crateús, trinta e quatro famílias extremamente pobres, estão assentadas num terreno da Prefeitura. Com suas crianças e seus doentes, passam noite e dia nas condições mais duras, animadas pela Esperança de conquistar seu chão de morar. Não são bagunceiros. Não são invasores. São pessoas de bem, gente como nós, buscando respeito à sua Dignidade e aos seus Direitos. Vocês já ouviram falar na Romaria da Terra, em outubro, no Limoeiro do Norte? Trabalhadores de todo o Ceará, serão Romeiros para apoiar a luta das famílias prejudicadas e ameaçadas pela Barragem do Castanhão. Estas Romarias fortalecem a Luta da Terra. Lutando pela Terra, com as Armas da Justiça e da Fraternidade Organizada, vocês estão ligando Fé e Vida. 102 Deus abençoe vocês e seja o Pai e Amigo que escuta o seu clamor e decide Libertá-los da Escravidão da Terra. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1990 Visita ao Papa De cinco em cinco anos, todos os Bispos fazem uma visita ao Papa. Para preparar a visita de dezembro, Dom Fragoso mandou para o Papa uma longa carta de vinte e oito páginas, contando tudo que aconteceu na diocese durante esses últimos cinco anos: como estão as CEBs, a catequese, as celebrações, a luta, etc. Vamos ler a parte que fala da situação dos trabalhadores no tempo de seca: “Durante o quinquênio, houve incidência de novas secas. O empobrecimento das populações interioranas é crescente. Os serviços públicos (Escolas, Postos de Saúde, Projetos governamentais para a Agricultura e a Produção) têm reduzida significação, sem modificar a estrutura econômica. As Secas não são a causa da Miséria que abate mais da metade da população da área diocesana. As Secas encontraram a miséria estrutural (e não apenas circunstancial) e a fortalecem e ampliam. Neste século XX, dezessete períodos de Seca atingiram as populações destes Sertões cearenses. Até hoje, a política oficial não tem um Plano Orgânico, a médio e a longo prazo para erradicar a Miséria e a Pobreza, tornando os sertanejos mais resistentes aos efeitos das secas. Políticas 103 assistencialistas e emergenciais transformam as vítimas das secas em objetos e não sujeitos ativos do seu processo de formação. É verdade que cresce a consciência popular. Muitos percebem as raízes de sua pobreza, os “mecanismos perversos” que os oprimem e despojam e a importância decisiva da organização popular e da Luta pela Justiça. Ainda Dom Fragoso, fala para nós: “Meu caro irmão! Decidi escrever a você, para comunicar o meu período de viagem. E para pedir suas orações. Estarei ausente de Crateús, de 11 de outubro a 14 de dezembro de 1990. Vou participar de um Curso de atualização Pastoral de Bispos em São Paulo, vou pregar um Retiro para Freiras no Mato Grosso, depois viajo à Europa onde visitarei alguns amigos e, em Roma, a visita ao Papa e as Organizações da Igreja Universal, dias 1 a 11 de dezembro”. Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1990 Porque em Santo Domingo? Companheiros Trabalhadores: Vocês ouviram falar na IV Conferência dos Bispos de toda América Latina? Vocês ouviram falar em Santo Domingo, em Puebla e em Medellín? Em 1968, os Bispos dos países da América do Sul se reuniram na cidade de Medellín, na Colômbia. Estudaram a situação do povo. E convidaram o povo injustiçado a lutar por sua libertação. 104 E apareceram muitas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastorais Populares e Movimentos Populares. Em 1979, os Bispos se reuniram em Puebla de los Angeles, no México. Estudaram de novo a situação do povo e da Igreja. E convidaram os Bispos, os Padres, as Freiras, os Cristãos das classes médias a fazerem Opção preferencial pelos P0bres. E as CEBs se espalharam ainda mais. E surgiram outros Movimentos Populares. Mas cresceu também o número das pessoas da Igreja que não tiveram coragem de ficar do lado dos Pobres. Em 1992, os Bispos vão se reunir de novo na cidade de Santo Domingo, na República Dominicana. Por que em Santo Domingo? Conta-se que, em 12 de outubro de 1492, Colombo e os Irmãos Pinzon, vindos da Espanha, aportaram nessa ilha. Há dois modos de pensar sobre esta reunião: 1) Uns dizem que os Espanhóis Descobriram a América e nos trouxeram a Civilização e a Fé. Para celebrar os 500 anos, é preciso fazer uma Festa e Agradecer a Deus estes séculos de Evangelização. 2) Outros dizem: os Espanhóis não Descobriram nada. As terras tinham dono. Havia cerca de duas mil e duzentas nações com suas Culturas, suas Línguas e suas Religiões. Moravam nestas terras há quase quarenta mil anos. Os Espanhóis “invadiram” o Continente e assassinaram ou escravizaram os habitantes que chamaram de Índios. Os “Índios” se reuniram e estão pedindo aos Bispos que não façam Festa nem Celebração. Mas peçam Perdão pelo roubo das terras e pelo assassinato dos “Índios”. 105 Os “Negros” se reúnem para lembrar aos Bispos que os Negros foram comprados como escravos na África e trazidos à força para o Brasil. Não há motivo para a festa. Companheiros trabalhadores, vamos ser solidários com os “índios” e os “negros”. Vamos pedir Perdão a Deus pela injustiça que os Cristãos invasores fizeram contra eles. Vamos nos comprometer a Lutar para que os “índios” e “negros”, o povo oprimido recuperem a Terra com a Reforma Agrária e sejam respeitados na sua Dignidade e nos seus Direitos. Seu velho irmão, Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1991 Fraternidade no Mundo do Trabalho Vocês, leitoras e leitores, reconhecem estas palavras? A Campanha da Fraternidade de 1991, nos convida para viver este tema. Mulheres e homens que trabalham no campo e na cidade olham todo o tempo para suas realidades: 1) Sem o Trabalho Humano, os grandes e os pequenos não podem viver; 2) Os trabalhadores vivem uma dura situação de salários, de desemprego, de biscates, de insegurança, de falta de moradia, de falta de terra para trabalhar. Os cristãos acreditam que, pelo trabalho humano, vamos dominar a terra e produzir para que todos sejam felizes. Os cristãos acreditam que, Jesus de Nazaré era um trabalhador (carpinteiro), filho de trabalhador (José, o carpinteiro) e de uma trabalhadora (Maria, dona de casa e animadora da família). 106 Vamos todos, de mãos dadas, Conhecer mais e melhor a realidade do Mundo do Trabalho; Rezar, na confiança e na fé, por todas as mulheres e homens que trabalham; Lutar, organizados, pela justiça e a fraternidade no mundo do trabalho. Sejamos Solidários na Dignidade do Trabalho! Dom Fragoso Março/Abril de 1991 Cem anos da carta do Papa Em maio de 1891, o Papa Leão XIII escreveu uma Carta Circular (a gente chama Carta Encíclica) aos cristãos do mundo todo. A Carta começava com estas palavras: “A realidade das coisas novas” (em latim Rerum Novarum). Tratava da condição dos trabalhadores. Ele dizia: “Um pequeno número de ricos concentra em suas mãos a indústria e o comércio e impõe uma canga à multidão dos trabalhadores”. O Papa denunciou esta situação: “É indigno e desumano usar a mulher e o homem como vil instrumento de lucro, só dando valor ao que vale a força dos seus braços”. Aos Ricos e aos Patrões, Leão XIII lembrou: “Explorar a pobreza e a miséria, se aproveitar da indigência são coisas contrárias às leis divinas e humanas. Roubar o salário que o trabalhador merece é crime que clama ao céu por vingança”. Em seguida, o Papa defende com garra o direito de os Trabalhadores se organizarem. Até chega a dizer: “É uma injustiça 107 gritante negar o direito natural de organização àqueles que mais dela necessitam para se defender contra a exploração dos mais fortes”. Cem anos depois, o Papa João Paulo II vai escrever uma Carta Circular aos Cristãos do mundo todo, para comemorar o centenário. Vamos aguardar a Carta do Papa. Nestes cem anos, a situação dos trabalhadores melhorou em nosso país? Não. O Povo ficou mais pobre. Como disse o Papa João Paulo II: “Os ricos se tornaram cada vez mais ricos à custa dos pobres cada vez mais pobres”. Olhem alguns fatos: Segundo o Banco Mundial, a renda média no mundo é de quatro mil dólares. O Brasil tem renda média de dois mil dólares. Em 1989 (segundo o IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os 10% mais ricos da população brasileira tinham 53,2% da renda nacional. E os 10% mais pobres não tinham nem 1% (isto é: 0,6%). Em 1981, os 10% mais ricos tinham 46,6% e os 10% mais pobres tinham 0,9%. Isto quer dizer que, em oito anos os Ricos ficaram mais ricos e os Trabalhadores ficaram mais Pobres. No Nordeste, os 10% mais ricos tem 56,1% da renda nordestina. No Sul (= Sudeste), os 10% mais ricos tem 51,2% da renda do Sul. No Nordeste, 51,8% ganham até um salário mínimo. No Sudeste, 21,8% ganham até um salário mínimo. Nestes cem anos, como está a Luta pela Justiça e a Organização dos Trabalhadores? 108 Existem motivos de esperança de os Trabalhadores, conscientes e organizados, vencerem progressivamente o desafio da injustiça no mundo do trabalho? N’O Roceiro de julho, desejo comentar com vocês o assunto. Dom Fragoso Maio/Junho de 1991 O Centenário: A Carta de João Paulo II No último número de O Roceiro, eu escrevi um pouco sobre a Carta do Papa Leão xiii, escrita em 15 de maio de 1891, sobre a situação dos operários. Hoje, quero escrever sobre a Carta de João Paulo ii, publicada em 1º de maio de 1991, com o título O Centenário. A Carta de Leão xiii é conhecida com as primeiras palavras, na língua latina: Rerum Novarum (“Das Coisas Novas”). A Carta de João Paulo ii retoma e atualiza o Pensamento Social da Igreja. O que é que nos diz a Carta do Papa? Ela anuncia e defende a Dignidade e os Direitos Humanos dos Trabalhadores: 1º) Direito de ser respeitado em sua dignidade; 2º) Direito à propriedade privada dos bens, limitada por sua função social; 3º) Direito à criar livremente Associações Profissionais e Sindicatos; 4º) Direito de reduzir as horas diárias do trabalho; 5º) Direito de praticar livremente sua religião, de acordo com sua consciência. 109 Em seguida, João Paulo ii dá um apoio forte à luta dos Trabalhadores pela Justiça, pela Paz, pela Fraternidade: Ele afirma que a luta de classe tem um “papel positivo”, quando “se trata de uma luta pela justiça social” e quando “evita atos de violência e de ódio de um lado e do outro”. O Papa desaprova a visão marxista da luta sistemática de classes. Ele elogia o papel importante do Movimento Operário e dos Movimentos Populares, com a “organização de instrumentos eficazes de solidariedade”. Ele destaca “a queda de numerosos regimes totalitários e de segurança nacional” e propõe “uma Democracia autêntica num Estado de Direito, inspirada numa visão correta da pessoa humana”. Ele chama “o sistema democrático”. Ele confirma que “a Igreja não tem modelo de Sociedade a apresentar”, pois “os modelos verdadeiros e eficazes nascem do esforço de todo o povo com os seus responsáveis”. Eu garanto a vocês que, no poço da Carta do Papa, existe muito mais água limpa. Convido vocês a adquirirem a Carta O Centenário, a lerem e a debaterem juntos. O Papa não substitui nossa luta e reflexão, mas respalda e estimula. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1991 110 Carta às famílias acampadas Dia 11 de agosto, fez um ano que trinta e seis famílias acamparam num terreno público, no bairro da Caixa D’água, em Crateús. A história desta luta por moradia está contada n’O Roceiro de maio/ junho deste ano, na página 11. Este dia foi de muita festa: houve a celebração da Santa Missa, que foi a coisa mais linda do mundo; depois houve brincadeiras, bingo, almoço comunitário e, à noite, avaliação geral. Dom Fragoso não pode estar presente, mas enviou esta carta de apoio que escrevemos aqui: Caríssimas famílias acampadas! Vocês completaram um ano de Acampamento e de luta para terem suas casas de moradia decente. Acho a luta de vocês corajosa e bonita. Vocês são todos pobres e sem condições. Não têm Trabalho seguro, nem Alimentação, nem garantia à nada. Mas vocês são Pessoas Humanas e Filhos de Deus, iguais a meu pai e à minha mãe. Não desanimem na luta. Vocês vão conseguir sua moradia. Eu fiquei feliz de saber que há um grupo de pessoas que visitam sempre vocês, participam das reuniões, quebram os galhos nas horas difíceis. Eu abraço e abençoo cada um desses companheiros. Também sei que vocês aprenderam a combinar, a trabalhar em mutirão, a fazer os planos juntos e a rezar juntos. Assim, Deus está no meio de vocês e será a sua Força e Proteção. Também vocês procuraram muitas vezes a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, para cobrar colaboração e estímulo. Isto 111 é democracia. Na busca de seus Direitos, vocês negociam com as Autoridades e conquistam melhorias. Parabéns a vocês! Deixo um abraço para cada um. Seu velho bispo Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1991 Os Trabalhadores e as Comunidades As notícias estão correndo por aí. Em 1992, as Comunidades Eclesiais de Base, que nós chamamos CEBs, vão organizar o 5º Encontro de CEBs da Igreja de Crateús (31 de julho a 02 de agosto). As CEBs das Dioceses de Fortaleza, Tianguá, Itapipoca, Sobral, Limoeiro, Quixadá, Iguatu, Crato e Crateús vão organizar o Encontro Regional de CEBs (Fortaleza, 12 a 14 de junho). As CEBs dos Nordestes I a V, que chamamos o Nordestão, desde a Bahia até o Maranhão, realizam o seu Encontro (Juazeiro da Bahia, de 26 a 29 de março). E as CEBs de todo o Brasil, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, realizam o 8º Encontro Intereclesial (Santa Maria, de 8 a 12 de setembro). Sabem qual é o grande Tema que as CEBs vão debater? “CEBs, Povo de Deus Nascendo das Culturas Oprimidas”. Que importância têm as Comunidades na vida e na luta dos Trabalhadores? A partir da Igreja de Crateús, podemos dizer que as Comunidades marcaram uma mudança de Rumo na História dos Trabalhadores Cristãos. 112 Os Trabalhadores Rurais estavam dispersos, como ovelhas sem Pastor. Não tinham a Memória do seu passado e das lutar populares de Resistência e de Conquista da Justiça. Não estavam unidos em torno de um Projeto de Libertação. Quase não tinham um Grande Sonho de futuro que os mobilizasse. As Comunidades lhes foram dando, pouco a pouco, como em toda caminhada boa, o gosto de se reunirem, de lutarem juntos nos Mutirões Comunitários, de descobrirem as Oposições Sindicais, a luta pela Terra de Trabalho e de Moradia, o sentido da Política sadia e limpa. Motivados pelas Comunidades, muitos trabalhadores decidiram entrar, como Militantes de linha de frente, na luta pela Justiça. Os Trabalhadores rurais também não tinham consciência de que eram Igreja. Praticavam a Religião, tinham confiança em Deus, encontravam na Fé a Força para resistir. Mas não conheciam a “Igreja dos Pobres”, onde os Pobres evangelizam e são evangelizados, onde o Bispo e os Padres são Irmãos e Servidores, sem dominação nem grandeza. As Comunidades lhes vão dando o gosto pela Palavra de Deus, a experiência da Vida de Irmãos; a coragem de serem Missionários. Mas descobrem, nas Comunidades, que a Igreja não é a dona do Mundo. Sua Vocação é de ser Luz, Fermento e Sal onde a humanidade vive, luta e sofre. Nas Comunidades, os Trabalhadores vão aprendendo a Unir a Fé e a Luta. Estamos num começo de caminhada. Resta um longo caminho a percorrer. Vamos acompanhar a preparação dos Encontros de CEBs de 1992. 113 O Roceiro vai nos informar sobre os Encontros. Vamos ler e espalhar O Roceiro. Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1991 O Natal é hoje O primeiro Natal aconteceu numa família pobre. Daqui a pouco, vamos celebrar os dois mil anos desse Acontecimento. A mulher de quinze para dezesseis anos deu à luz um menino. O pai da criança acompanhava a mulher. Os Trabalhadores pobres – Pastores que guardavam as suas ovelhas durante a noite – receberam a Boa Notícia: “Não tenham medo! Eu anuncio para vocês a Boa Notícia, que será uma grande alegria para o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para Vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor”. Eles correram, às pressas, até Belém e encontraram um casal de Trabalhadores – Maria e José – e o recém-nascido deitado na manjedoura. Os pobres, os pequeninos, têm a luz de Deus. Seus olhos se abriram. Eles reconheceram nessa Criança pobre a Esperança de sua Libertação. Hoje, os Pobres dos Sertões de Crateús e dos Inhamuns, do Ceará, do Nordeste, da América dos Índios e dos Negros, continuam mais empobrecidos e mais oprimidos. No meio dos Pobres, existem muitos que sabem, com certeza, que o Menino Libertador está nascendo hoje e se chama Jesus. Como Maria e José, ficam maravilhados e meditam no seus coração. 114 Os Trabalhadores cristãos não se sentem melhores do que os outros companheiros. Mas querem ser o Anjo (o Colega, o Irmão, o Camarada) que leva a Boa Notícia aos outros. A Boa Notícia se revela na Luta pela Justiça, para a Libertação de todos os Trabalhadores. O Natal de 1991 faça os Trabalhadores cristãos mais firmes e mais engajados na Luta pela Justiça. Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1992 Assembleia da Pastoral nas Igrejas do Ceará Leitores, Vocês ouviram falar da 12ª Assembleia da Pastoral nas Igrejas do Ceará? Estavam reunidas cento e vinte pessoas, durante quatro dias cheios. Eram Agricultores, Trabalhadores das cidades, Jovens, Agentes de Pastoral Leigos, Religiosos, Padres e Bispos. Tudo se passou em Quixadá, de 17 a 21 de fevereiro. Eu penso que interessa claramente aos Leitores de O Roceiro, sobretudo aos roceiros (trabalhadores da Roça). Para onde a Igreja do Ceará está caminhando? Aonde queremos chegar? Qual é, mesmo, o Objetivo Geral da nossa Ação Pastoral? Depois de muito debate, num espaço democrático onde todos puderam dizer seu pensamento, a metade dos participantes achou que estamos querendo a mesma coisa que a Igreja do Brasil toda está querendo. O Objetivo Geral de toda a Igreja do Brasil é este: 115 “Jesus Cristo: ontem, hoje e sempre. Evangelizar, com renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em Comunhão fraterna, à luz da Evangélica opção preferencial pelos pobres, para formar o povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida e da Esperança, nas diferentes culturas, a caminho do Reino definitivo”. Nós acrescentamos: “Evangelizar o povo cearense na sua realidade”. A Assembleia está decidida a lutar pela Justiça, pela Paz, pelo Reino de Deus, dentro da Realidade do Ceará. E decidimos dar o primeiro lugar aos Pobres. Mas, nós não perguntamos o que é mais Urgente, em nossa Ação Pastoral. Por votação de todos, achamos que a Igreja do Ceará, de 1992 a 1995, deve se dedicar, em primeiro lugar, à luta pela Terra de Trabalho e de Moradia. Também achamos que a Formação para assumir bem a Ação Pastoral e a Luta pela Terra deve ser assumida como Prioridade. Nossas Prioridades serão Terra e Formação. Eu sei que vocês vão procurar conhecer e discutir o Objetivo e as Prioridades. E, mais do que discutir ou conhecer, vamos colocar em Prática. Dom Fragoso Março/Abril de 1992 116 Juventude, Caminho Aberto! Meu abraço fraterno de Páscoa, para todos e cada um dos Leitores de O Roceiro. Vocês sabem que 451 mil rapazes e moças, do campo e da cidade, entre 12 e 30 anos, de todo o nosso País, fizeram um AbaixoAssinado aos Bispos do Brasil (CNBB), propondo que o Tema (assunto) da Campanha da Fraternidade de 1992 fosse a Juventude. Nós Bispos escutamos a proposta dos jovens e demos o título: Juventude e Fraternidade. Isto é, para Todos os Jovens se tornarem Irmãos, entre si, com as Crianças, com os Adultos, com os Idosos. E foi linda a Celebração desta Quaresma! Na Diocese de Crateús – Parambu, Tauá, Quiterianópolis, Independência, Novo Oriente, Tamboril, Monsenhor Tabosa, Nova Russas, Poranga e Crateús – houve grande mobilização dos jovens. Teatro, Celebrações, Caminhadas, Vigílias, Debates nas Escolas, Congressos de Jovens Trabalhadores, Dramatizações, Páscoas Coletivas, Dezenas e milhares de Jovens se sentiram chamados e disseram “Sim”. A Mobilização desta Campanha da Fraternidade de 1992 teve, como fermento animador, muitos Grupos Organizados de Jovens: Juventude Sindicalista, Grupos de Crisma, Coordenação de Catequistas, Grupos de Teatro, Animadores de Comunidade. Nós, Adultos, vibramos com essa garra da Juventude. Vamos dar as mãos aos Jovens? Apoio e acolhida dos Grupos organizados de Jovens: Diálogo aberto, unindo os Sonhos e a Força dos Jovens com a Luta e a Experiência dos Adultos; 117 Valorização dos Adolescentes e dos Jovens, nas Organizações de Trabalhadores e a Igreja. Viva a Juventude, Caminho Aberto! Dom Fragoso Maio/Junho de 1992 9º Encontro das CEBs Tudo se passou em Canindé. Num clima de Festa e de Estudo. Viemos cento e sessenta e cinco representantes das CEBs das Dioceses de Crato, Iguatu, Crateús, Tianguá, Sobral, Itapipoca, Limoeiro, Quixadá e das seis Regiões Episcopais de Fortaleza. Havia Negros. Havia Índios Tapeba e Tremembé. Havia um índio de Crateús, Zequinha, do “Acampamento”. Havia Padres, Religiosas, que acompanham as CEBs. Lá estiveram D. Aloísio (Fortaleza), D. Benedito (Itapipoca), D. Geraldo (Fortaleza), D. Xavier (Tianguá), D. Mauro (Iguatu, bispo-assessor das CEBs no Ceará), D. Fragoso (Crateús). Valia a pena ver e sentir a Festa, as Danças, os Cantos, o Som, o Show Cultural. Não houve um só momento de agressividade. Todos alimentaram a sua animação e seu Ardor Missionário. As celebrações e as Missas foram participadas, ligando a Fé com a resistência das Culturas Oprimidas. Em que data? Nos dias 12 a 14 de junho. 118 Esse 9º Encontro das CEBs foi uma preparação para o VIII Intereclesial. Sabem onde será? No Rio Grande do Sul, na cidade de Santa Maria, de 08 a 12 de setembro. De Crateús, irão dez pessoas das CEBs, em nome de seus companheiros, com o compromisso de passar para os que não foram toda a Beleza e todo o Sentido. Do Ceará, irão mais de cem representantes das CEBs. Em dois ônibus cheios. Farão setenta e duas horas de ida e setenta e duas horas de volta. Muitas pessoas ajudaram nas despesas grandes da viagem. As coletas do Dia de Pentecostes, as Rifas, os Bingos – tudo foi partilha de irmãos. Vamos acompanhar com nossa Oração e nossa Amizade. Vamos ajudar nas despesas quem não ajudou ainda. Povo de Deus, no Ceará, Renascendo das Culturas Oprimidas. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1992 O Voto não é indiferente Os Trabalhadores têm razão de estar preocupados. Nas eleições municipais próximas, quem vão escolher para Prefeito? Quem vão escolher para Vereadores? São tantos os Candidatos! São tantos os Partidos! O voto não é indiferente. Os Trabalhadores não podem dizer: tanto faz votar num como noutro. Os Trabalhadores têm a tentação de dizer: eu não vou votar em ninguém. Vou votar em branco ou nulo. 119 A experiência é a nossa Mestra. Candidato que nunca se interessou pela Justiça e pela Luta do Povo antes – é muito difícil que se interessem depois de eleitos. Candidato, que tenta comprar votos com Favores ou com Dinheiro, não sabe respeitar o Trabalhador e abusa da miséria dos pobres. Não se vende o voto por um Favor. O Favor se agradece de outro jeito. Mas o voto é para quem a gente sabe que vai escutar o povo e apoiar a luta pela justiça. Quem for eleito vai decidir muita coisa que interessa aos Trabalhadores. Por isso é bom pensar muito antes de decidir votar em branco ou nulo. A política dos Partidos é necessária, na presente situação do país. Mas o Mais Importante é a Política das Comunidades, dos Movimentos Populares, da CPT, das Associações dirigidas pelos Trabalhadores com autonomia, dos Sindicatos independentes e das Oposições Sindicais. Os Trabalhadores cristãos sabem que Deus quer que sejam Fermento dentro da Política e Luz onde houver escuridão. Na luz da Palavra de Deus e da análise da Realidade, os Trabalhadores vão descobrindo como valorizar o seu Voto e o seu Direito de votar. Pouco a pouco, se vai construindo uma Política decente e participativa. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1992 120 Construindo o Futuro Em Setembro, quatrocentos e quarenta e um Deputados Federais votaram a favor do afastamento de Collor da Presidência da República, durante cento e oitenta dias, para poder ser julgado pelo Senado Federal. Durante estes seis meses, o Vice-Presidente Itamar Franco assume a Presidência, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Collor, como todo cidadão brasileiro, tem direito de se defender. Se a sua defesa não provar que ele é inocente dos crimes de que é acusado, o Senado pode afastá-lo definitivamente da Presidência da República. Durante oito anos, não poderá candidatar-se a nenhum cargo político. E deverá reparar as injustiças que fez e os danos que causou ao País e aos outros. Numa Democracia participativa, deve ser assim. Qualquer cidadão responde pelos seus atos. Sobretudo, os eleitos para cargos políticos respondem pelos Crimes de Responsabilidade. Crimes de Responsabilidade são os cometidos no exercício do mandato. Nesse ponto, todo Cidadão deve ser igual perante a lei. Os Cristãos, na luz da sua Fé, lutam para que os crimes sejam punidos pela Justiça, para que a política favoreça a todos, principalmente os pobres, sem discriminação e para que o atual Presidente dê o primeiro lugar à Saúde, à Agricultura e à Educação, ao “Pão em todas as mesas”. Mas os Trabalhadores cristãos não podem ficar esperando que o Governo de cima para baixo, resolva os problemas do povo. Todos os trabalhadores têm direito de se organizarem, de serem escutados, de exigir respeito a seus Direitos e à sua Dignidade. 121 Com a luta consciente e articulada, com o Movimento Popular, com o voto realmente livre, se vai impedir que subam aos cargos políticos homens que manipulam o pobre, empobrecem as maiorias e enriquecem de modo desonesto. Um Brasil Justo e Livre, somos nós que construímos. A Fé no Deus Vivo e a Garra na luta, de mãos dadas, vai fazer Milagres, que os pessimistas não esperam mais. Povo Unido Jamais Será Vencido! Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1992 O Nordeste existe! A Seca de 1992 é um acontecimento que fere a Vida de mais de nove milhões de nordestinos – filhos do Deus Vivo. O Natal é um acontecimento que anuncia a Vida Nova, na pessoa de Jesus de Nazaré, nosso Irmão e nosso Deus. Como ligar os dois acontecimentos, na luz da Fé? A Seca não é a maior Cruz dos Nordestinos. A maior Cruz dos Nordestinos é a Cerca. Água existe. Chove cada ano, em média, cerca de seiscentos milímetros. Com muito menos do que isso, o país de Israel e o Texas, nos Estados Unidos, produzem muito. Terra existe. Há cerca de quarenta milhões de hectares, no Nordeste, cercado pelo latifúndio. E há mais de dois milhões de famílias sem terra para trabalhar. Existe um mar de água boa, debaixo do chão, no Piauí, desde o Maranhão até a Bahia, no Ceará. 122 Muitos dos políticos que governam o país não acreditam no Nordeste. O Nordeste existe! O Natal é um grande chamado do Deus da Vida para que lutemos contra a Cerca, para que todos os Nordestinos tenham Terra, Trabalho e Pão. O Deus da Vida, que nasce criança em Belém, grita na consciência dos Políticos, dos Latifundiários, dos Trabalhadores, das Igrejas. Aos Políticos, do País e do Nordeste, Deus chama para organizarem a Política Nacional e Regional. Dêem o lugar primeiro, no Orçamento Nacional, ao Desenvolvimento Humano do Nordeste. Aos Latifundiários, Deus chama para acolherem a Luta pela Reforma Agrária que os Trabalhadores assumem por dever de consciência e por solidariedade com seus irmãos. Aos Trabalhadores, Deus lembra que o Nordeste novo, a Reforma Agrária, a derrubada da Cerca não nascem primeiro no coração dos que estão em cima. Tudo isso tem que ser Conquistado pela luta consciente e organizada dos Trabalhadores. Sustentem a mão dos seus Irmãos. Sustentem a mão de Deus. Às Igrejas, Deus chama para ficarem do lado dos Pobres, como companheiros, assumindo com eles seu Projeto de Pão em Todas as Mesas. Vamos, todos juntos, viver este Natal com a Esperança de que venceremos a Cerca e a Seca! Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1993 123 O grito do povo Em 1990, muitos trabalhadores tiveram uma safra reduzida. Em 1991, a maioria colheu muito pouco. Em 1992, a água foi reduzida. A colheita deu, em média, para alimentar-se durante noventa dias, nos quatorze Municípios que cobrem a área da Diocese de Crateús. E agora, 1993, meado de fevereiro, não há inverno, nem garantia de safra. As águas são poucas e distantes. Os açudes pequenos secaram. Os Açudes médios têm as águas poluídas. As cacimbas baixaram. Os cacimbões, também. Muitas famílias, nos bairros, passam grandes necessidades. Muitas famílias, no Campo – a maioria – passam fome. Diante disto, a consciência pergunta: O que vamos fazer? Esta é a pergunta maior que ninguém tem o direito de deixar para responder depois. Do Clamor das Vítimas da Seca, nasceu um Apelo Irrecusável: 1) O povo não pode esperar calado. Deus quer que seus filhos famintos cobrem do Governo federal, estadual e municipal, com Absoluta Urgência: Trabalho para ganhar o pão com o suor do rosto; Salário Justo, na hora do aperreio; Água para as necessidades do povo e dos animais; Semente selecionada para plantar logo que as chuvas chegarem. 2) Todos que podem oferecer dias de trabalho, pagando um salário justo, façam logo. 3) Todas as Comunidades repartam do pouco que têm, como tantas vezes o fizeram. 4) O povo se organize nos seus Sindicatos, Associações, Cooperativas e Comunidades: Povo Unidos Jamais Será Vencido. 124 5) As mulheres sejam as primeiras a cobrar o respeito aos seus Direitos. Deus abençoará esse Combate pela Justiça. Dom Fragoso Março/Abril de 1993 A seca é como uma escola A FUNCEME e o Governo reconhecem que a Seca está definitivamente instalada no Nordeste. Os Trabalhadores Rurais e o povo da periferia das cidades já sabiam disso – e sofrem suas consequências – há muito tempo! A experiência foi ensinando aos nordestinos coisas de grande significação. 1) “No Nordeste, o desafio não é a Seca, mas a Cerca”. Água existe, no solo e debaixo do chão. Terra existe. Mas quem controla o uso da Água e da Terra? 2) “A miséria do Nordeste não foi criada pela Seca. Foi agravada pela Seca”. O empobrecimento crescente das grandes massas populares do Nordeste está sendo um dedo acusador apontado contra a má-vontade da política nacional e regional. 3) “Da Seca, saem grupos que enriqueceram com a Indústria da Seca”. O dinheiro liberado pelo Governo – que já é muito pouco – vai “cansando” pelos caminhos e só chega, como migalhas ou esmolas, muitas vezes, às vítimas da Seca. 4) “O povo não necessita de Esmola, mas de Trabalho, para ganhar o Pão com o suor honesto do seu rosto”. O paternalismo político tira vantagens eleitorais e financeiras com humilhantes 125 campanhas de Assistência. Cadê o Plano da criação da resistência do povo do semi-árido às Secas que continuarão vindo? 5) “A Seca é como uma Escola da qual o povo precisa sair mais Unido, mais Consciente, mais Organizado”. A experiência está mostrando que políticos e governo têm medo do grito do povo por justiça. 6) “A Igreja não é a salvadora do povo, durante a Seca. Deve ser companheira que apoia e respalda as lutas justas do povo”. A Igreja não representa os Trabalhadores. Eles mesmos têm suas organizações. A Igreja não é interlocutora junto às Autoridades. Deve ser Cristo crucificado na carne faminta do seu povo, e decide fazer do grito do povo o seu próprio grito. Trabalhadores, roceiros, vamos construir um Nordeste que resista às Secas sem destruir os fracos. Dom Fragoso Maio/Junho de 1993 Projetos Comunitários de Produção Os Trabalhadores, que lêem e espalham O Roceiro, sabem, por experiência, que a miséria, a fome e a sede não nasceram com a Seca, mas com a Cerca. As Terras estão cercadas. As Águas estão cercadas. O dinheiro está cercado (no bolso das minorias). A Seca encontra o povo cearense empobrecido e agrava sua Miséria. Muitos que estão no Poder porque foram eleitos pelo Voto Popular, querem olhar os cearenses famintos como esmoleres, como mendigos de mão estendida. 126 Quando o povo desespera porque a família está faminta, e vai buscar o alimento na Prefeitura, na Merenda Escolar, nos Armazéns – os Grandes dizem: “O povo é bom e ordeiro. É uma meia dúzia de baderneiros que está assaltando”. E, então, jogam a Polícia em cima do povo faminto! Se querem que o povo fique na sua roça ou no seu trabalho, ofereçam a ele Trabalho em favor da Comunidade, Salário que dê para Viver honestamente com a família, Água para beber nesta Seca. Tratem o povo faminto como gente, como Homens de Bem. Abram suas portas para acolhê-los. E eu garanto que eles serão muito mais honestos e decentes do que muita gente “educada” e poderosa que administra os bens públicos. Muitos Trabalhadores estão se organizando em Projetos Comunitários de Produção. Eles unem seus recursos e seus braços de irmãos para realizar o Projeto. Eles administram, com responsabilidade, o seu Projeto. Aprendem a trabalhar em Mutirão. E acolhem alguma colaboração fraterna que completa seus recursos de pobres, somados. Chamam-se Alternativos para distinguir de Projetos Oficiais que quase nunca atingem o povo da base. O dinheiro, muitas vezes, cansa no caminho. É aí que aparece a Indústria da Seca. A Cáritas do Ceará, do Brasil e Internacional é uma das fontes de complementação. O “Fundo Diocesano de Projetos Alternativos”, alimentado por doações espontâneas de amigos, complementa mais de cento e cinquenta Projetos Alternativos que reúnem mais de mil famílias. Mas todos sabem que a maior ajuda, na Seca, é a partilha dos Trabalhadores nas suas Comunidades. “Cinco pães e dois peixes”, 127 nas mãos dos Pobres, com a Benção de Deus, se multiplicam e fazem sobreviver muitos milhares de famintos. Falta Vontade Política, nos Governos e nos Empresários, de programar a libertação da miséria e tornar o semi-árido produtivo e socialmente Resistente. Mas, no povo, não falta vontade de Lutar. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1993 Uma Escola Popular de Base As Roceiras e os Roceiros – isto é, as Trabalhadoras e os Trabalhadores Rurais – têm cabeça, coração, sensibilidade. A maioria não teve oportunidade de estudar. Estudar foi, durante muito tempo, privilégio de quem tinha dinheiro e condições. Hoje, os filhos dos Trabalhadores se matriculam no primeiro ano do 1º grau e só muito poucos chegam à 8ª série. Na Diocese de Crateús, já descobrimos que não basta estudar na Escola. A Escola está sendo “o útero reprodutor do Sistema” (Leonardo Boff) de opressão. Por esta razão, nasceu a Escolinha Popular. Nela, todos são Professores e Alunos. Cada um sabe alguma coisa e ignora outras. Quem sabe ensina a quem não sabe. E todos participam do planejamento, da organização, das decisões. Começamos com a Escolinha Popular de Base. Dela participaram centenas de Animadores, Coordenadores, Militantes Sindicais e Políticos. As Escolas continuam. 128 Com o passar do tempo, sentimos a necessidade de uma Escola Popular de 2º grau. Para os Coordenadores e Militantes que têm mais responsabilidade e experiência. Quarenta e seis Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais se matricularam. Cada um elaborou sua autobiografia e uma pequena monografia, que serão referência durante o Curso, de 1993 a 1995, dez dias completos no primeiro e segundo semestres de cada ano. Exercitam-se na Análise da Realidade, na leitura da fé na luz da Palavra de Deus, nas Oficinas (“Medicina Popular”, “Escrita e Leitura”, “Artesanato”, “Tecnologias Alternativas”, “Documentação”, “Cartaz e Mamulengo”). Achamos pouco. E iniciamos a Escola Popular de 3º grau. Chama-se CEFP (Centro de Estudos e Formação para Assessoria Pastoral Popular). Dura cinco anos. Um ano e meio é de Análise Social da Realidade. Três anos e meio, de Leitura da Fé, em nível teológico. O tempo todo se tenta ligar análise social, leitura da fé. Há, hoje, quinze Cefapianos (cinco no primeiro ano, cinco no terceiro e cinco no quinto). Critérios que julgamos necessários: 1) Trabalhar na Pastoral Popular; 2) Estudar em Equipe, pelo menos oito dias por mês; 3) Partir sempre da Realidade e não das Ideias ou dos Livros; 4) Ser acompanhado por Assessores, na Diocese; 5) Ser acompanhado por Assessores, em Fortaleza, quatro ou cinco vezes ao ano. 129 A Diocese decidiu que a Formação dos Trabalhadores é prioridade. Vamos mais longe! Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1993 Revisão Constitucional Os leitores d’O Roceiro sabem que a 8ª Constituição do Brasil, aprovada cinco anos atrás, diz que se deve fazer uma Revisão Constitucional. A própria Constituição diz que há pontos que não se pode tocar: a forma e o sistema de governo que decidimos no Plebiscito, a Federação, os Direitos Individuais, etc. Além destes, todas as conquistas em favor do povo brasileiro são intocáveis. Devem ser confirmadas e ampliadas. Vocês sabem que este assunto não é tão tranquilo como parece. No Senado e na Assembleia Legislativa, há grupos fortes que querem tornar mais difícil ainda a aplicação da Reforma Agrária, querem fortalecer o Poder Econômico, querem enfraquecer a organização popular, querem privatizar a Economia (isto é, passar as Empresas públicas para os Particulares, as Companhias poderosas). Todo o povo consciente, no país, abra os olhos e grite. Não se pode tocar nas Conquistas dos Cidadãos, sobretudo das camadas populares. Espiem quem está fazendo manobras interesseiras. Há eleições em 1994. Quem desrespeita os Direitos do povo não pode merecer 130 o voto. Leitores, se reúnam e peçam a pessoas entendidas para debater com vocês a Revisão Constitucional. Um povo que enxerga não permite que ninguém coloque cabresto no seu pescoço! Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1993 Comunidade de Iguais Em 1993, todos os cristãos do mundo são convidados para celebrar o Natal (o nascimento) de Jesus. Já faz 1993 anos que o Acontecimento se dá. Os Pastores, que guardavam suas ovelhas durante a noite, foram visitar o lugar, hoje a cidade de Belém. Encontraram um casal pobre e a criança recém-nascida. Uma criança novinha, enrolada em panos até o pescoço, incapaz de falar e de viver sozinha – que significação tem para os Pastores e para todos os Trabalhadores daquele tempo e de todos os tempos? Na escuridão da noite, os Anjos de Deus anunciaram uma Boa Notícia: Nasceu hoje o Salvador do Mundo. Os Pobres se alegraram! Os Poderosos – como o Rei Herodes e sua Corte – se encheram de medo e até decidiram matá-lo! Por que? Jesus anuncia a Dignidade e os Direitos dos Pobres. Vive como um Pobre. Luta pela Causa dos Pobres. E ensina a todos que têm um lugar preferido no Coração de Deus, “o Pai Nosso que está no céu”. Jesus quer “Pão em todas as mesas” e que a Solidariedade se torne Comunidade de Iguais, Comunidade de Irmãos. Os 131 Pequeninos “sentem” isso. Há uma clareza, uma intuição neles: Jesus é seu Irmão e seu Amigo. As famílias dos Trabalhadores são chamadas para celebrar este Natal, na certeza da Fé, na Festa do Coração. Mas, em tempos duros de crise e de fome, são chamados a assumir, com Jesus e como Ele, a Causa dos Pobres e seu Combate pela Justiça. Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1994 A Família dos Trabalhadores do Campo, como vai? A Campanha da Fraternidade de 1994 pergunta: “A Família, como vai?” E canta, na entrada da Missa: A Família, como vai? Meu irmão, venha e responda! Quem pergunta é o Pai, A Verdade não esconda! Os leitores d’O Roceiro também perguntam: “A Família dos Trabalhadores do campo, como vai?” Da quarta-feira de cinzas (16 de fevereiro) até a Páscoa (3 de abril), esta pergunta perigosa vai ser escutada. É claro que nós não temos a resposta completa. Cada um de nós tem de procurar descobrir, ao redor de si, na sua Comunidade, no seu Distrito, no seu Município. Não basta descobrir. É necessário deixar o Coração se sensibilizar. E, então, conhecendo a Realidade da Família dos Trabalhadores Rurais e unidos com ela, seremos Solidários com sua luta para que todas as Famílias tenham: 132 Pão em suas Mesas, Terra pra Trabalhar, Saúde para todos Educação para todos, Liberdade de seguir sua consciência, Lugar para a Festa e o Lazer, Vamos lutar juntos! Em todas as Paróquias (mais de cinco mil) e em todas as Dioceses (mais de duzentos e trinta) do Brasil, milhões estarão celebrando e vivendo a Campanha da Fraternidade, nesta Quaresma. Dom Fragoso Março/Abril de 1994 A Páscoa dos Trabalhadores Estamos no tempo da Páscoa. Um povo de camponeses e de Pastores vivia na beira do rio Nilo. A terra era fértil e molhada. O Governo do Faraó obrigou esse povo a trabalhar como escravos, para construir as pirâmides e produzir para os armazéns do mesmo governo. Era a casa da escravidão do Egito, de que fala o Livro do Êxodo. O povo gritou para o seu Deus, que chamavam Javé. Javé ouviu o grito do povo e decidiu tirá-lo da Casa da Escravidão. No dia da saída do Egito, o povo comeu em suas casas, na família, um Cordeiro. Com o sangue do Cordeiro molharam a soleira das portas. O sangue do cordeiro livrou o povo da morte. Esta Passagem da Casa da Escravidão para a Terra Prometida se chamava, na língua deles, Páscoa. 133 O que é Páscoa, hoje, para os Trabalhadores e suas famílias? É passar da Casa da Escravidão do Sistema opressor para uma Sociedade justa, onde cada pessoa é respeitada na sua Dignidade e amada como Irmão e Irmã. Nós, cristãos, Cremos que nosso Deus caminha conosco neste combate por um Mundo Novo, um Mundo de Irmãos. Vamos segurar as mãos uns dos outros como uma Grande Irmandade e segurar, todos, a Mão do Deus Libertador. Viva a Páscoa dos Trabalhadores! Dom Fragoso Maio/Junho de 1994 Eleições de 1994 Você está lembrado do dia 3 de outubro de 1994? Você e todos os Eleitores brasileiros de dezesseis anos para cima, que têm seu Título Eleitoral, vamos escolher o Presidente da República, uma parte dos Senadores, todos os Deputados Federais, todos os Governadores dos Estados, todos os Deputados Estaduais. O Governo, no Executivo e no Legislativo, depende de você. Depende do seu Voto. Você vai Governar o Brasil, na pessoa que você escolher. Seu voto é importante. Vote Bem. Vote com responsabilidade, conhecendo o Candidato e o Partido que o apresenta. Ninguém pode decidir por você. Ninguém tem o direito de “enrolar” você. Ninguém tem o direito de comprar seu voto, com promessas, favores, ameaças. 134 Se você elege candidatos porque são simpáticos, parentes, protetores, sem olhar o passado político deles, sem olhar o Programa do Partido dele – você poderá ser culpado de corrupção, da ditadura, no futuro. O que eu disse acima vale para todo eleitor. Vale para mim, também. Mas, para os Cristãos que votam, é preciso buscar no Evangelho a Luz que esclarece a escolha. O Evangelho não indica candidatos nem partidos. O Evangelho diz: “Vote Bem”. Vote em quem está do lado dos Pobres. Vote em quem tem Fome e Sede de Justiça. Vote em quem respeita a pessoa humana, sua dignidade e seus direitos. Vamos, Com o Nosso Voto, Governar o Nosso País. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1994 Orações para Dom Fragoso Deixamos de publicar [nesta edição] a “Palavra de Dom Fragoso” por motivo de sua saúde. Dia 12 de julho, depois de fazer uma visita Pastoral às Comunidades do Município de Monsenhor Tabosa, quando já se encontrava de volta em sua casa para repousar, Dom Fragoso sentiu-se mal. A partir daí iniciou-se uma longa via-sacra em luta para o restabelecimento de sua saúde. Depois de passar pelo Hospital Geral em Crateús, onde foi constatado que se tratava de um enfarte cardíaco, foi levado às pressas a Fortaleza, onde culminou com a cirurgia no coração, no Hospital Antonio Prudente. 135 O coração de Bom Pastor de Antonio Fragoso sentiu-se fraco diante de tanto sofrimento do povo desta Diocese; mas o coração do nosso Deus não abandonará este coração que ainda teima em viver e anunciar a esperança a todos. O Bispo Diocesano passou pela mesa de cirurgia no dia 28 de julho de 1994, na qual seu coração recebeu três pontes de safena. A Diocese toda e todos os seus amigos(as) se uniram em oração, pedindo a sua recuperação. Nesta semana, início de agosto, ele já passa bem e tudo indica que não demorará a retornar à vida normal. Deus quis que seu coração fosse recuperado para que pudesse ter mais energia para anunciar a “Boa Notícia” aos pequenos desta terra. Devido a este problema, o Congresso Diocesano de Catequese, que estava marcado para os dias 06, 07 e 08, foi suspenso e a data ficou indefinida. Dom Fragoso, aguardamos seu breve retorno em nosso meio. A Redação, Setembro/Outubro de 1994 Esperança na Libertação dos Oprimidos Natal é a Festa do Nascimento de Jesus. Natal é a Celebração do Nascimento de Jesus. Neste Natal de 1994, Jesus nasce na Vida dos Trabalhadores, no coração de todos que o acolhem e nas lutar pela Justiça e pela Paz. Todo Nascimento é precedido de uma Gestação. 136 Durante o ano de 1994, quais os sinais que apontam a Presença escondida (como a Criança dentro do ventre da mãe) nas terras do Brasil? Eu desejo resgatar alguns sinais. Vocês podem resgatar muito mais do que eu. 1) No último turno da Eleição, o “Projeto Democrático Popular” teve uma votação expressiva. O “Projeto neo-liberal” foi apoiado pelo “Plano Real – FHC” e pela cadeia de TVs e de jornais e pelo peso pesado da máquina do Estado. Assim mesmo, tantos brasileiros, com seu voto, mostraram que querem uma Sociedade Brasileira que tenha a participação livre dos Trabalhadores e dos Pobres. 2) A “Campanha pela Cidadania e pela Vida contra a Fome” continua em mais de 3600 Municípios, sensibilizando o País para os Direitos Humanos dos Pobres e Desnutridos. A “Campanha pela Segurança Alimentar” continua a mobilizar a opinião pública em favor do “Pão em todas as mesas”. 3) A Reforma Agrária não foi esquecida na luta do Movimento dos Sem Terra, da CPT, da CUT, das Comunidades e dos Movimentos Populares do campo. Os ouvidos surdos do Poder Político e dos Latifundiários não podem ficar fechados e indiferentes à luta das famílias rurais pela Terra da Moradia e do Trabalho. 4) Por ocasião do enfarte e da cirurgia do coração, eu experimentei quanto a ternura de Deus passa pelos caminhos de tanta gente. Sou muito reconhecido a todos estes gestos de Solidariedade e de Afeição. 137 A Gestação vai revelar o Rosto de Jesus, na vida dos Trabalhadores, como Esperança e Certeza de Libertação dos oprimidos e da Boa Notícia anunciada aos Pobres. Viva o natal de 1994! Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1994 Mil novecentos e noventa e cinco Para todos os leitores de O Roceiro, para todos os que trabalham a Roça ou dela vivem – quero dizer uma palavra afetuosa. Teremos um Bom Inverno, em 1995? Teremos chuvas abundantes, rios cheios, açudes sangrando, poços e cacimbas renovados, safra de fartura? Não sei. Este é o nosso vivo desejo. Muitos de vocês já botaram um roçado novo, ou estão aproveitando as capoeiras. Vocês não desanimam e sempre estão sonhando com inverno bom e safra boa. Deus escute o nosso desejo. Deus abençoe a luta para brocar e queimar a broca, para obter um pedaço de chão bom de lavoura. Mas vocês sabem que, mesmo se houver Safra Boa, em 1995, vocês continuarão a viver uma situação de pobreza. A safra acaba a miséria, traz alegria em casa, desafoga. Mas não dá nem para voltar à situação que vocês tinham antes dos anos de estiagem ou de seca. E a terra para trabalhar? A maioria das famílias do campo não têm terra suficiente para sua Moradia e sua Lavoura. Quem 138 trabalha na terra dos outros fica dependendo, no sustento da família. E o preço do milho e do feijão que você produz? Sempre, lá em baixo. E os rapazes que têm força para trabalhar, mas não têm terra nem condições? Vão embora para longe. Ficam as mulheres, as crianças e os mais velhos, que têm menos força de trabalhar a terra e produzir. Tudo isto – que é a vida de vocês – mostra que, em 1995, vocês precisam se organizar mais, nas organizações de trabalhadores, nos Sindicatos, na CPT, nas Comunidades, nas Ações Comunitárias, nos Mutirões, para Conquistar melhores condições de vida e de trabalho. Deus seja a Luz e a Força de vocês. Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1995 Eras Tu, Senhor? Meus amigos “Roceiros”, esta pergunta é o lema inspirador da Campanha da Fraternidade de 1995. Ela se realiza, como Campanha de toda a Igreja no Brasil, na Quaresma de 1995, que vai da Quarta-feira de cinzas (1º de março) até o Domingo de Ramos (9 de abril). O tema de 1995 é: “Fraternidade e os Excluídos”. Desta vez, os Mais Pobres, as Massas Sobrantes, os Trabalhadores mais “lascados” vão merecer nosso afeto e nossa atenção. Dentro da Classe Trabalhadora e dos Meios Populares, a maioria é de excluídos. 139 Um dia (ver Evangelho de São Mateus, capítulo 25: o Juízo Final), nosso Deus vai perguntar a cada um de nós: – “Eu tive fome e vocês, me deram de comer”? – “Eu estava doente e vocês, cuidaram de mim”? – “Eu era um Desamparado e vocês, me acolheram e me deram valor”? Quem sabe se nós, também, não vamos perguntar: “Quando foi, Senhor, que Te vimos com Fome, Doente, Desamparado e Te tratamos com amor”? – “Toda vez que fizestes isto ao menor dos Meus irmãos Trabalhadores, foi a Mim que o fizestes”. Vejam, meus amigos Trabalhadores, a grande pergunta é sempre esta: “Eras tu, Senhor”? Certo de que quem toca no menor dos Trabalhadores toca em Jesus, vamos Lutar, unidos, para defender e promover o respeito à Dignidade dos Trabalhadores, sobretudo durante esta Campanha da Fraternidade de 1995. Uma das expressões lindas e populares desta Luta será a Romaria da Terra, com a vinda de Trabalhadores de todo o Ceará para a cidade de Crateús, no dia 16 de julho de 1995. Dom Fragoso Março/Abril de 1995 140 O Pão da Vida Todos os Trabalhadores se agarram à vida. E têm horror da Morte. A Páscoa é a passagem da Morte para a Vida, pela Força de Deus e pela Luta da Gente. Morte é morar no Campo e não ter Terra Livre para trabalhar. Morte é ter a doença dentro de casa e não ter condições de combatê-la. Morte é não poder colocar os filhos na Escola porque eles têm de ajudar os pais pobres na luta para sobreviver. Morte é ver que há brasileiros ganhando até Cem Salários por mês, enquanto trabalhadores, pais de família, não ganham nem o Salário Mínimo. Os Trabalhadores têm direito a passar da Morte para a Vida. O Combate pela Libertação é um apelo forte na consciência dos Trabalhadores. Para os Trabalhadores Cristãos, a Páscoa é o Caminho de nosso irmão Jesus Cristo: ele passou da Morte para a Vida Nova, Ele venceu a Morte e Ressuscitou. Unidos a Ele, os Trabalhadores Cristãos são chamados para Lutar contra a Morte e construir uma Sociedade Justa de Irmãos, onde Todos tenham vida e vida em abundância. Para se unirem a Jesus Cristo e aos seus irmãos, os Trabalhadores Cristãos reconhecem o Pecado da Sociedade Capitalista e o seu próprio pecado. Cheios de confiança, decidem voltar para Deus, seu Pai e Amigo. E, acolhidos por Deus na Festa e na Amizade, não querem fazer como o filho mais velho que não quis receber o irmão mais novo. 141 Os Trabalhadores Cristãos se organizem com Todos os Trabalhadores, quer sejam Cristãos, quer sejam de outras religiões, quer não tenham nenhuma. Assim, unidos na luta comum, vão realizando a passagem da Morte para a Vida – a Páscoa. Dom Fragoso Maio/Junho de 1995 Água Livre, o Sertão Florescerá Leitores de O Roceiro. A Grande Romaria vem aí. É a 7ª Romaria da Terra, no Ceará. Todos os Romeiros carregam um sonho “Terra livre. Água livre. O Sertão florescerá”. Eles virão de Fortaleza, de Itapipoca, de Limoeiro, de Tianguá, de Sobral, de Quixadá, de Iguatu, de Crato. Elas e eles virão de Parambu, de Tauá, de Novo Oriente, de Independência, de Monsenhor Tabosa, de Tamboril, de Nova Russas, de Ipueiras, de Quiterianópolis, de Ipaporanga, de Poranga. Eles e elas virão de todas as Comunidades da Diocese de Crateús. Para onde? Para a cidade do Senhor do Bonfim, para Crateús. Quando? Dia dezesseis de julho. Nunca se viu uma Romaria tão bonita assim. Todos rezam, cantam, lutam por Terra Livre e Água Livre. Pois têm a certeza que, com Terra Livre e Água Livre, o Sertão Florescerá. No governo atual, os caminhos da Reforma Agrária estão se fechando. 142 Todo mundo já sabia que a Reforma Agrária não cai do céu como chuva. Reforma Agrária é Conquista do Povo do Campo Consciente e Organizado. Latifundiário não faz Reforma Agrária. Empresário não se interessa por Reforma Agrária. Mas todo trabalhador e toda trabalhadora do campo necessitam da Terra Livre e de Água Livre. Governo inteligente e democrático escuta o Grito e a Luta do povo e faz um Projeto global, rápido, massivo, de Reforma Agrária, dentro de uma Política Agrícola aberta e honesta. Todo cidadão que ama o seu país vai colaborar com a Reforma Agrária. Os Trabalhadores Cristãos creem que o Senhor do Bonfim lhes dará Garra e Destemor para provocar e conquistar a Reforma Agrária. Todos de chapéu de palha na cabeça, de braços e corações unidos, fazendo a 7ª Romaria da Terra. Crateús nunca foi tão acolhedora, hospitaleira e feliz como nesse dia. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1995 Visita ao Papa João Paulo II Para vocês, Leitores, tenho uma Notícia Boa. Junto com os Bispos do Piauí e do Ceará, vamos visitar o Papa João Paulo ii. Cada Bispo Diocesano, de cinco em cinco anos, faz uma visita ao Papa. Desejamos ser muito unidos com ele, que Jesus encarregou de Confirmar os Irmãos na Fé e de Fazer a Unidade do Rebanho. 143 Eu fiz esta Visita, em 1980, em 1985, em 1990. Agora, é a última vez. Já sou um Bispo velho. E é natural que um Bispo mais novo venha ser o Pastor da Igreja de Crateús. No começo do ano, mandei um Relatório para o Papa, contando a Caminhada Pastoral, de 1990 a 1995. Durante a Visita, o Papa costuma nos receber quatro vezes: Primeira vez: ele acolhe cada um, escuta o que lhe contamos de nossas Dioceses e diz uma palavra de estímulo. Segunda vez: em Audiência coletiva, o Papa diz sua Palavra de Pastor, para seus irmãos bispos. Terceira vez: os Bispos do Piauí e do Ceará, celebramos a Missa junto com o Papa. Quarta vez: ele nos convida para almoçar com ele e conversa conosco em português. Na Visita a Roma, nós também celebramos juntos nas grandes Basílicas (Igrejas): Basílica de São Pedro; Basílica de São Paulo fora dos Muros; Basílica de São João de Latrão; Basílica de Santa Maria Maior. O Papa também tem um Secretariado. Chamamos “As Congregações” da Cúria Romana. Nós visitamos cada uma, para um diálogo fraterno sobre nossas Igrejas Diocesanas. Estarei de volta dia 13 de setembro. Posso pedir que vocês rezem por mim? Continuemos a Luta por Terra Livre, por Água Livre, para que o Sertão Floresça. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1995 144 Reforma Agrária Meu irmão Trabalhador do Campo, você não vive Sonhando com uma Terra de Trabalho? Não era este o Sonho e a Luta de seus pais, de seus avós, de seus companheiros camponeses? Você se lembra da Romaria da Terra em Crateús (julho de 1995)? Todos os Romeiros gritavam: Terra livre. Água livre. Vocês já sabem o que vai acontecer se a Terra for livre e a Água for livre? o Sertão Florescerá! A gente não verá mais famílias de agricultores honestos e honrados, sendo obrigados a deixar sua região e sua comunidade para ser um Pau de Arara, no Sul e no Centro do País. Mas a experiência ensinou que a Reforma Agrária que traz Terra livre não vem da boa vontade dos grandes Donos de Terra, dos Políticos poderosos, do Governo! A Terra livre e a Água livre têm que ser conquistadas. A luta decente, organizada, inteligente, é necessária para conquistar a Reforma Agrária e a Política favorável ao semi-árido. Vocês Trabalhadores Cristãos, que têm Fé no Deus Vivo, sabem que Deus criou a Terra para Todos que precisam dela para viver uma vida humana. É como se Deus estivesse dizendo a vocês: “Meus filhos, Eu fiz essa Terra para vocês. Eu criei a Terra com mais Ternura do que um Pai bom e uma Mãe boa preparam a casa e a comida para seus filhos”. “Ocupem a Terra. Trabalhem a Terra, num grande mutirão. Ninguém se aposse da Terra só para si, privando os outros do seu pedaço de chão e do seu direito de trabalhar. Ai dos que acumulam 145 terra sobre terra, exploram os Pobres e impedem as famílias do campo de trabalharem”! “Eu quero pão em todas as mesas. Eu não posso tolerar a mesa grande com pão sobrando e tantas mesas sem pão para os filhos”. “Meus filhos, Eu quero Terra livre e Água livre”. A força, a coragem, o amor da Justiça para conquistar a Reforma Agrária é Deus quem dá. A luta organizada e justa para obter Terra livre e Água livre, são os Trabalhadores do campo, junto com o povo de boa vontade, que farão. Ninguém os substitui. Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1995 Natal de 1995 - rumo ao terceiro milênio Vocês, Trabalhadores, nós vamos celebrar um Aniversário grande: No ano 2000, Jesus é o aniversariante. Nasceu no ano 1 de nossa era. No dia 25 de dezembro, vamos festejar 1995 anos de seu Nascimento. Nasceu numa família pequena, de trabalhadores, no povoado de Belém, na Palestina. Sua mãe: Maria de Nazaré. Seu pai de criação: José, o carpinteiro. Viveu no meio dos Pobres. Apaixonou-se pela Pessoa deles e por sua causa. Pagou o preço: caluniado, preso, torturado e morto como um condenado. Mas a Força da Vida é tão grande em Jesus que Ele ressuscitou e vive para sempre, como Companheiro de Caminhada dos que lutam por Liberdade, Terra para trabalhar, Casa de moradia, Pão nas mesas, Justiça e Festa. Para os Trabalhadores cristãos, Ele é um irmão muito querido. 146 O Papa João Paulo II, nos seus 75 anos, está sonhando muito com a Celebração dos dois mil anos do Nascimento de Jesus. Ele diz que nós vamos encerrar o 2º milênio e iniciar o 3º milênio. Ele convida todos os Cristãos para redobrarem de garra e zelo, na Evangelização do 3º milênio. O Papa lembra um Projeto Preparatório: triênio, 1997, 1998, 1999. Em 1997, celebraremos Jesus Cristo, a Redenção, a Busca da Salvação e os Direitos de Vida, Integridade, Liberdade e NãoViolência. Em 1998, celebraremos o Espírito Santo, a Vida no Espírito, a Diversidade de Caminhos e os Direitos Econômicos de Terra, de Alimento, de Trabalho. Em 1999, celebraremos Deus Pai, a Partilha, a Fraternidade Universal e a Paz, os Direitos Sociais de Educação, de Saúde, de Informação, de Cultura, de Meio-Ambiente. São chamados para se darem as mãos os Católicos praticantes, os não-praticantes, os sem religião, outras Igrejas, religiões e culturas, a Sociedade, preferencialmente os Pobres. Vamos entrar nessa? Comecemos, vivendo a Alegria, a Festa, a Esperança do Natal de 1995. Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1996 O Fruto Maduro da Luta Será que Justiça e Paz vão mesmo se Abraçar, em 1996? Será que a Reforma Agrária vai ser olhada pelo Governo como uma necessidade urgente? Será que a Terra repartida vai encontrar crédito barato, orientação técnica, preço compensador para 147 a produção, cooperativas democráticas e participativas por todos os sócios? Será que os Trabalhadores do campo vão ter semente boa e selecionada, com bastante tempo antes do plantio? Será que as Terras Ocupadas, porque eram latifúndios improdutivos, vão ser logo desapropriadas, as famílias Sem Terra vão ser Assentadas e o financiamento suficiente do cultivo vai chegar com rapidez, sem exploração? Meus amigos Roceiros, vocês sabem que estas coisas não caem do céu, prontinhas, como chuva. Vocês sabem que os que estão no Governo e os Políticos eleitos pelo povo não sentem na carne deles o sufoco de quem não tem terra nem tem recursos para cultivar a terra. Tudo isso vai chegar como Fruto Maduro da luta organizada e consciente do povo do campo, unido a todos os companheiros e companheiras dos Meios Populares. A reivindicação organizada e maciça levará o Governo e os Políticos a escutarem os Justos Anseios do Povo. Vocês estão percebendo que tudo isto é Política. Sem Política limpa, não haverá Justiça para o povo do campo. Sem Política limpa, não podemos viver como Irmãos. Por estas razões, na Quaresma de 1996, que vai de quarta-feira de Cinzas até a Semana Santa, em todas as Paróquias e Comunidades do Brasil, viveremos a Campanha da Fraternidade. Da plantação que fizemos juntos irá Nascendo o Abraço da Justiça e da Paz no meio do povo do campo. Dom Fragoso Março/Abril de 1996 148 Dom Fragoso, 75 anos Vocês já sabem que completei 75 anos, no dia 10 de dezembro de 1995. Como é de praxe, pus a Diocese à disposição do Papa João Paulo II. Estou aguardando que o Jornal de Roma, chamado L’Osservatore Romano, publique o nome do novo bispo de Crateús e a aceitação da minha demissão. Nessa data – que não sei quando é – me tornarei Bispo Emérito de Crateús. Até aqui, eu era o Bispo Diocesano de Crateús. Nesses anos todos, O Roceiro é considerado por mim como a voz dos Trabalhadores do campo. As Comunidades se comunicam por meio de O Roceiro. É o único jornal onde todos os Trabalhadores Rurais e outros Companheiros dos Movimentos Populares podem escrever ou mandar suas notícias. O Roceiro precisa ser mais aperfeiçoado, para ser instrumento de informação e de solidariedade popular. Todas as Comunidades precisam escrever para O Roceiro e mandar as notícias. Todas as Comunidades precisam ter assinaturas de O Roceiro, ler e discutir juntos, espalhar o seu jornal. Se Deus me permitir, depois de deixar a Diocese de Crateús, irei residir na cidade de João Pessoa. Lá viveram boa parte da vida e morreram meus pais. Lá, uma irmã e um irmão e vários sobrinhos estão morando. Lá, fiz onze anos de Seminário, fui ordenado Padre, no dia 2 de julho de 1944, e fui consagrado Bispo, no dia 30 de maio de 1957. Lá, fui Assistente Eclesiástico do Círculo Operário. E, durante 10 anos, fui Assistente da Juventude Operária Católica do Nordeste (JOC). 149 Em João Pessoa, desejo continuar recebendo O Roceiro e acompanhar a caminhada de vocês. Dom Fragoso Maio/Junho de 1996 Na memória e no coração Leitores e Leitoras de O Roceiro. Sabem que vocês se parecem com o Padre Maurizio? Ele traz O Roceiro na memória e no coração, o tempo todo. Vocês trazem O Roceiro na memória e no coração, o tempo todo. Ou eu estou enganado? Seja qual for a resposta, eu convido vocês para debater o destino, o futuro de O Roceiro. Durante o CDP-CAE (isto é, o Conselho Diocesano de Pastoral e o Conselho para Assuntos Econômicos), Pe. Maurício disse para nós o seguinte; pelo menos, foi o que eu guardei do que ele disse: 1) É preciso melhorar o conteúdo de O Roceiro. 2) As Cartas das Comunidades são muito importantes. As Comunidades são os Escritores, os Jornalistas que escrevem o nosso Boletim/Jornal. Como ajudar as Comunidades a informar bem? Como criar uma Rede de Colaboradores que forneçam material para os Redatores que se reúnem de dois em dois meses? 3) É possível ter uma Equipe, que ofereça um bom Roteiro de Celebrações, nos seis números de cada ano? 4) Será que a Pastoral da Saúde pode oferecer páginas sobre Saúde, para ajudar o pessoal da Saúde nas Comunidades? 5) Os Colaboradores olhem mais a atualidade das notícias: acontecimentos do presente que preparam o futuro. 150 6) É possível melhorar graficamente? 7) Evitar-se, cuidadosamente, o atraso na remessa de O Roceiro. 8) O número de assinaturas está muito abaixo. Há uma desigualdade entre as Paróquias. Vamos dobrar o número de assinaturas, em 1996? Agora em março, estamos com 1.250 assinaturas. Leitoras e Leitores. Leiam, de novo. Debatam nas Comunidades. Escrevam para os Redatores e mandem suas reações diante do que disse Pe. Maurizio. Mandem críticas e sugestões. Lutem para dobrar o número de assinaturas. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1996 A Importância do Voto Uma pergunta que muitas Trabalhadoras e Trabalhadores do Campo estão fazendo: de onde vem o poder de governar o Município e de fazer as Leis Municipais? É uma pergunta muito importante. Até às eleições, os candidatos a prefeito e a vereador são cidadãos iguais a todos os outros. Não têm nenhum poder de governar ou de fazer leis. Depois do reconhecimento da limpeza e honestidade das Eleições, o prefeito eleito se torna o poder executivo municipal e os vereadores eleitos se tornam a cêmara municipal legislativa. É o voto dos eleitores que transfere para o prefeito e os vereadores o poder que têm. O prefeito e os vereadores são delegados dos eleitores. 151 Do imposto que os cidadãos pagam vem o dinheiro que se planeja aplicar, através do orçamento anual. O dinheiro é dos cidadãos, isto é, do povo. O prefeito e os vereadores são administradores do dinheiro do povo. Sua obrigação é empregar o dinheiro para atender às necessidades de todos os cidadãos, especialmente dos carentes e necessitados. Quando o prefeito e os vereadores aplicam honestamente o dinheiro público não estão dando nada ao povo. Estão só cumprindo a obrigação de administrar honestamente. O poder do Prefeito e dos Vereadores não é de dominação. Não têm direito de proteger os membros de um Partido e perseguir os outros. Não têm direito de fazer pressão sobre os professores e os funcionários públicos. Estes têm Liberdade de escolher o candidato que a consciência apontar. Todos vocês já compreenderam a importância do voto de 3 de outubro. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1996 Nossos representantes Acabamos, no dia 03 de outubro de colocar o nosso Voto na urna. Confiamos a companheiros, iguais a nós, a tarefa de governar o Município dentro da Justiça e da Paz. Confiamos aos companheiros vereadores a tarefa de seguir a Constituição Municipal e acompanhar o prefeito com as Leis e Posturas municipais. 152 O poder está em nós, cidadãos do Município e nós, pelo Voto, confiamos o poder ao prefeito e aos vereadores. Eles são nossos Delegados, nossos Representantes. Nestes quatro anos que seguem temos a missão e o dever de acompanhar o prefeito e os vereadores que elegemos com os nossos votos. Temos o Direito de apresentar a eles nossas Reivindicações e Reclamações. Temos obrigação de estar de olhos abertos, vigilantes, examinando se eles respeitam os direitos sagrados do povo. Temos o Dever de colaborar com todas as Ações justas e honestas do prefeito e dos vereadores. Pode ser que alguns de vocês não tenham votado neste Prefeito e nestes Vereadores, porque vocês tinham direito de escolher livremente, de acordo com a sua consciência. Mas, uma vez que o prefeito e os vereadores atuais foram eleitos por maioria de votos, nós todos, cidadãos dos nossos Municípios, os respeitamos como prefeito de todos e vereadores de todos. Mesmo que eles tenham o seu Partido (é o direito deles), uma vez eleitos não são mais cabos eleitorais do seu Partido, mas Responsáveis pela Justiça e a Paz de todos os cidadãos do Município, mesmo que não tenham votado neles. E os Cristãos confiam a Deus, na Oração, o prefeito e os vereadores eleitos, para que sejam respeitadores dos Direitos Humanos e servidores honestos de todos. Dom Fragoso Novembro/Dezembro de 1996 153 Um grande aniversário Ele nasceu faz 1996 anos! Ele está nascendo hoje! Ele estará nascendo todos os dias! Em todos os cantos da terra. Vocês já sabem quem é o aniversariante? É o Subversivo que ficou do lado dos Pobres, dos oprimidos. É o homem que colocou a esperança nos olhos e no coração do “ladrão bom”, da mulher da vida em Magdala, da mulher que tivera seis maridos, dos filhos pródigos que têm as mãos vazias e o coração cheio de confiança. É o “filho do carpinteiro”. Querem saber o seu Nome? É Jesus. É o Cristo. É Nosso Senhor Jesus Cristo. É o Cristo Roceiro. É o Salvador. É o Filho de Deus. É o Filho do Homem. É o Mestre. É o companheiro dos Pobres. Como é que Ele está nascendo Hoje? Quando aquela mulher do Evangelho gritou, do meio do povo: “Benditos os peitos que te amamentaram. Bendito o Ventre que te carregou” – Ele respondeu: “Feliz é quem Ouve a Palavra de Deus e a põe em Prática”. E doutra vez, quando sua mãe e seus parentes vieram vê-lo, num lugar pequeno, a casa estava tão cheia que não puderam entrar. Então, mandaram um recado para Ele: “Tua mãe e teus parentes estão aqui fora e querem te ver”. Ele respondeu: “Minha mãe? Minha mãe é toda mulher e todo homem que Ouvem a Palavra de Deus e põem em Prática”. Se eu entendi bem, toda mulher do campo, todo homem do campo, toda Roceira e todo Roceiro geram Jesus hoje e se tornam mãe de Jesus, quando ouvem a Palavra de Deus e a Praticam. 154 É por essa razão que eu disse: Jesus está nascendo hoje, na Vida dos trabalhadores, nas suas Comunidades, nas suas Associações, nos seus Movimentos Populares, todas as vezes que Lutam pela Justiça, celebram a Presença amorosa de Deus no meio deles e procuram Viver como Irmãos que se querem bem. Viva o Aniversariante! Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1997 Vamos abrir as portas das cadeias Irmãos e Irmãs dos Encarcerados: é o chamado da mãe Igreja para as Cristãs e os Cristãos de todo o Brasil. É a “Campanha da Fraternidade” de 1997. Presos, Prisioneiros, Detidos, Encarcerados são as mulheres e os homens do Brasil que cometeram um crime contra os Direitos e a Dignidade dos outros e, a esse título, desrespeitaram a lei. Elas e eles se encontram isolados da família e da sociedade, nas Prisões, nos Cárceres, nas Cadeias. Somos convocados pela Mãe Igreja, neste tempo de Quaresma – que vai da Quarta feira de Cinzas até a Semana Santa – a conhecer os Encarcerados e a sua situação, a deixar o coração compadecer-se, a visita-los, a rezar por eles e a ser Solidários. Alguns podem estranhar que se fale de ser solidários com os criminosos. É bom esclarecer o sentido deste chamado da Igreja. Ser Solidário aos Encarcerados é: 1) O preso – cujo crime foi provado – deve ser punido dentro da Justiça; 155 2) O Código Penal Brasileiro diz que a cadeia não é para esmagar, machucar, maltratar os presos. A pena serve para recuperar os presos e reintegrá-los na sociedade e na família; 3) Para recuperar os presos, as cadeias devem ter oficinas de trabalho, alimentação humana, atendimento à saúde. Baste ao preso o castigo de estar isolado da família e da sociedade; 4) Os Cristãos devem lutar para que o regime carcerário, no Brasil, seja humanizado; 5) Acreditando que Jesus se identifica com os presos e “liberta de todas as prisões”, os cristãos participem da Pastoral Carcerária; 6) Cada um medite no seu coração esta palavra que nasce da Experiência: Não há mulher má. Não há homem mau. Há mulher que não foi amada. Há homem que não foi amado. Dom Fragoso Março/Abril de 1997 Na Luta por Água e Terra, o Renascer de Canudos Será um grande acontecimento para todas as famílias do campo, no Ceará. A oitava Romaria da Terra. Onde? Em Iguatu. Data? 12 de outubro de 1997. O tema? “Na luta por terra e água, o renascer de Canudos”. Para que? “Para animar a luta pela terra e pela Reforma Agrária”. Por que, Canudos? Vocês ouviram falar de Antonio Conselheiro? De bem ou de mal? 156 Uns o tratam de “beato”, de “louco”, de “agitador”, hoje diriam “subversivo”. Há uns cinquenta anos atrás, o chamariam de “cangaceiro” e de “fanático”. Canudos é o lugar em que ele viveu em Comunidade e em Mutirão com os seus seguidores. O Exército brasileiro o assassinou junto com o seu povo. Outros dizem que era um “bom Conselheiro”, um “Profeta”, um “Missionário”, um “Pregador da Palavra de Deus”, um grande líder popular. Onde está a verdade sobre Antonio Conselheiro e sobre Canudos? O que resta de Canudos, hoje? Que projetos existem para resgatar a memória viva de Antonio Conselheiro e fazer Canudos renascer? Durante o tempo de preparação da 8ª Romaria da Terra – que a CPT promove, anima e acompanha, desde a primeira – vocês vão conhecer a verdadeira história. Mas a Romaria precisa reunir dez, ou quinze, ou vinte mil romeiros, vindos de todos os campos do Ceará. Depende muito de vocês que seja uma grande e bonita Romaria. Espalhem a notícia. Conversem com os companheiros. Leiam todas as notícias confiáveis que vocês encontrarem. Façam encontros de estudo e debate, nos seus lugares. E peçam, com confiança de filhas e filhos, que Deus abençoe, acompanhe e proteja a 8ª Romaria da Terra. Dom Fragoso Maio/Junho de 1997 157 As CEBs em São Luis, um Encontro entre Igrejas Os Leitores d’O Roceiro já ouviram falar do 9º Intereclesial, em São Luis do Maranhão? As CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) da Diocese de Crateús escolheram doze representantes para participarem do 9º Intereclesial. Existem cerca de setecentas CEBs, isto é, pequenas Igrejas na base, em nossa Diocese. Nas CEBs, os cristãos se reúnem para ler, estudar, meditar e Celebrar a Palavra de Deus. Reúnem-se, também, para Ações Comunitárias. Combatem pela Justiça para as Comunidades e para todo o povo. A Diocese é a Igreja Diocesana. A Paróquia é a Igreja Paroquial. A CEB é uma pequena Igreja Viva na Base. No chão das CEBs, estão as famílias, os jovens, as crianças, os mais velhos, os trabalhadores (da Comissão Pastoral da Terra), os Jovens (da Pastoral da Juventude), os Catequistas, os Animadores, os Coordenadores, a Equipe Paroquial, o Padre, o Bispo. As setecentas CEBs, da Diocese estão se preparando para o 9º Intereclesial, com um Tríduo antes do Encontro. O 9º Intereclesial será de 15 a 19 de julho. Já houve oito Intereclesiais. Nós comparamos com um trem: o Trem das CEBs. Já passaram oito carros. O 9º carro passará em São Luis do Maranhão. O assunto que cerca de três mil delegados das CEBs vão discutir e celebrar é “CEBs: Vida e Esperança nas Massas”. 158 É natural que os Leitores acompanhem, com simpatia, o grande Encontrão. Os doze Delegados da Diocese se comprometeram a repassar, de volta o 9º Intereclesial para as CEBs e a Diocese. Eu também vou a São Luís. Padre Eliésio participou no primeiro Intereclesial, em Vitória do Espírito Santo. Eu participei do segundo ao oitavo. Os Leitores podem perguntar: por que se chama Intereclesial?. As CEBs são pequenas Igrejas vivas na base. Um Encontro entre CEBs é um Encontro Entre Igrejas. Um Encontro entre Igrejas é Encontro Intereclesial. Dom Fragoso Julho/Agosto de 1997 Romaria da Terra: no coração e na memória Romeiros de todo canto do Ceará vão viver a experiência da 8ª Romaria da Terra. Iguatu, nessa noite de 11 de outubro será tão bonita como Canindé e Juazeiro. Os Romeiros vão trazer no coração e na memória o nome de um homem que o Ceará e o Nordeste não pode esquecer. Quem é ele? Antonio Conselheiro. As forças armadas, os latifundiários, os poderosos o assassinaram, com o seu povo em Canudos. E ainda procuraram sepultar sua memória. Chegaram ao ponto de construir um açude para 159 afogar as casas de Canudos. Pensavam que, estando longe dos olhos, estava longe do coração. Enganaram-se redondamente. Faz cem anos da morte dele. A 8ª Romaria da Terra vai reviver a sua história. Vai recordar o povo de Canudos, sua experiência de sociedade de irmãos, sua luta corajosa, seu martírio. Os Romeiros do Ceará aprenderam a lição de Antonio Conselheiro e de Canudos. Os trabalhadores unidos e organizados são capazes de solidariedade na luta pela terra livre. A Reforma Agrária não será nunca um presente de “Papai governo” que não acredita no povo do campo. Os latifundiários querem tirar vantagens do suor dos trabalhadores e barrar as “ocupações de terra”, os “assentamentos”, uma política agrícola justa e solidário. A Reforma Agrária será uma conquista. Os trabalhadores unidos também conquistarão o respeito aos direitos humanos, como está na 8ª Constituição. E conquistarão leis justas. Só então se poderá dizer: a Reforma Agrária será dentro da lei. Para os Romeiros Cristãos, a lição maior de Antonio Conselheiro e de Canudos é a Força da Fé. Quem crê no Deus vivo e tenta seguir o exemplo de Jesus sabe que a Luta, sem ódio, sem violência, mas com garra e coragem, não para enquanto não se viver uma Terra Nova, Um Espaço de Irmãos. “Na Luta por Terra e Água, o Renascer de Canudos”. Dom Fragoso Setembro/Outubro de 1997 160 Parabéns a vocês, nesta data feliz! É aniversário de quem? Vai ter festa? Quanto tempo faz que nasceu? – Sim. É o aniversário d’Ele. Faz quase dois mil anos que Ele nasceu! – Chama-se Jesus. – A mãe dele é uma mulher jovem, pobre, linda, que cuida da casa, vai buscar água na fonte, bota azeite na lamparina pra não ficarem no escuro à noite. – O pai d’Ele entende de carpintaria, de levar as ovelhas para o pasto, de plantar e colher a lavoura. Ela se chama Mirian na terra dela, mas, no Ceará, se chama Maria de Nazaré. O Pai se chama José. O casal teve o filho, longe de sua terra, um desconhecido. Desconhecido, mas que deixava os grandes tremendo de medo. O governo (Herodes) mandou a polícia atrás da criança para matar. Mas os pobres pastores de ovelhas, na noite, vieram visitar a criança e festejar com José e Maria. Já faz tanto tempo desse Nascimento! No ano 2000, faz dois mil anos! E todo mundo fala de Natal. Para os trabalhadores cristãos do Ceará, o Natal é a Festa dos pobres e a Festa da Esperança. Quem pode, vai celebrar na sua matriz, a Missa de Natal, ou na sua Comunidade celebra com as companheiras e os companheiros a Palavra de Deus que Ele trouxe para nós. Ele acendeu, nos trabalhadores e nos Pobres do mundo, a Esperança. Esse mundo vai mudar. Os ricos de coração orgulhoso 161 vão cair dos seus tronos (do poder) com as mãos vazias e com fome. E os pobres, de coração humilde e confiante, vão dançar e cantar de alegria, unidos e felizes. Quem disse esta profecia foi a Mãe do Aniversariante, quando se encontrou em Ain Karin com a prima Isabel. Meu abraço afetuoso de Natal a cada um de vocês. Dom Fragoso Janeiro/Fevereiro de 1998 O novo Bispo de Crateús O Papa João Paulo ii acaba de escolher o novo Bispo de Crateús. Ele se chama: Padre Jacinto Furtado de Brito Sobrinho. Nasceu em Bacabal, estado do Maranhão, em 1947. Fez seus estudo de Filosofia, no Seminário Regional do Nordeste, Recife, e na Universidade Católica de Recife, de Teologia, no Instituto Teológico de Recife (ITER). Foi ordenado Padre, em 1972. Fui eu, já bispo diocesano de Crateús, que fui ordená-lo Padre. Ocupou as seguintes funções: 1972-1994 – Vigário e Pároco de São Benedito, em Pedreiras, Maranhão; 1990 – Vigário Geral de Bacabal; 1994 – Reitor do Seminário Maior Interdiocesano de São Luis do Maranhão. Padre Jacinto escolherá a data em que será Sagrado Bispo por três Bispos, em nome do Papa e do Episcopado. 162 Também escolherá a data de sua posse, como Bispo Diocesano de Crateús. Eu, Dom Fragoso, fui nomeado Administrador Apostólico da Diocese de Crateús, até o dia da Posse do Novo Bispo. Aos leitores de O Roceiro, agradeço reconhecido o carinho que tiveram com este Jornal das Comunidades. E convido todos a acolherem o novo Pastor, com os braços abertos, com a vontade de colaborar para que a Igreja de Crateús se torne cada vez mais Popular e Libertadora. A Comunidade dos Cristãos das doze Paróquias (Parambu, Tauá, Quiterianópolis, Independência, Crateús, Novo Oriente, Tamboril, Monsenhor Tabosa, Ipaporanga, Nova Russas, Ipueiras e Poranga), com o seu Novo Pastor, terá um lugar preferencial, no seu coração e na sua Fé, para os Trabalhadores e suas famílias. Dom Fragoso Março/Abril de 1998 Acolhendo o novo Bispo “O roçado de Deus que plantamos e cultivamos juntos nesses trinta e quatro anos; O ‘Rosto’ desta Igreja que gestamos juntos; O “Facho aceso” da Palavra de Deus e da fé que conduzimos correndo juntos, são Dons gratuito do Pai e fruto do trabalho diversificado e articulado de todos, o Pastor como companheiro do rebanho. Na hora em que colhemos alguns frutos lindos, ninguém destaque o Bispo, mas reconheçamos que todos estão envolvidos na safra, como corresponsáveis. 163 “Quero deixar uma palavra amiga a todos: não deixem apagar-se a luz da fé que Deus acendeu na consciência de vocês; não pisem com os pés a planta da fé que Deus plantou no coração de vocês; do mesmo modo que vocês me acolheram e tiveram paciência comigo na longa caminhada, assim também – e com mais fé e garra ainda – acolham o novo Bispo e colaborem para o roçado de Deus”. Dom Fragoso Maio/Junho de 1998 Boa notícia Meus queridos “Roceiros”. Minhas queridas “Roceiras”. Eu anuncio a vocês uma boa notícia: está nascendo no coração de vocês no dia 25 de dezembro (a Festa do Coração da Fé!) e hoje, em todos os recantos do Mundo, Jesus Filho de Maria de Nazaré e de José, o Carpinteiro! Esta é uma alegria para todo o povo. Feliz quem acolher Jesus e lutar pelo Projeto do Reino de Deus! Vocês se lembram da Mulher que escutava Jesus, encantada? A um certo momento, ela gritou: “Feliz o ventre que te trouxe! Felizes os peitos que te amamentaram!” E Jesus acrescentou: “Muito mais feliz é aquela, aquele que escuta a palavra de Deus e a põe em prática”. Feliz quem luta por um trabalho decente, pela Reforma Agrária, por um projeto participativo para o semi-árido (a região das secas), por um Sindicato livre, por uma política partidária que defende e cobra os direitos dos roceiros, que não põe sua confiança no dinheiro e no sistema que esmaga os pobres. 164 Feliz quem tem fome e sede de justiça. Feliz quem derruba os muros que dividem e separam as pessoas e constrói a paz! Feliz quem recusa todas as formas de violência e é manso de coração! Feliz quem é puro de coração e nunca usa os outros como escada, para tirar lucro ou prazer! Feliz quem ficou corajosamente do lado dos pequenos e, por isto, é perseguido e acusado! Feliz quem dá de comer aos famintos, de beber aos que têm sede, veste os nus, visita e conforta os doentes, luta pela libertação de todos os presos! Vocês estão reconhecendo esta Boa Notícia? Pois é a Boa Notícia que eu anuncio a vocês, neste Natal. “Papai Noel” é um mito (uma “história de Trancoso”). Não faz mal que as crianças sonhem com Papai Noel. Mas quem traz a Boa Notícia libertadora não é Papai Noel, é Jesus de Nazaré. Vamos – vocês, nesta querida Igreja de Crateús e nos Sertões dos Inhamuns e de Crateús, eu, no Sítio Laranjeiras, em João Pessoa – acolher Jesus e ser Discípulo Fiel! João Pessoa, Natal de 1999 Antonio Fragoso, Bispo Emérito de Crateús. 165 Padre Alfredinho, uma vida consagrada aos pobres Uma vida consagrada aos pobres Alfredo Kunz, o Pe. Alfredinho, nasceu na Suíça em 1920, depois emigrou para França com sua família. Em 1934 fez um curso profissional de cozinheiro, teve que lutar por seus direitos trabalhistas e foi lá que descobriu Cristo por meio da JOC (Juventude Operária Católica). Na segunda guerra mundial foi feito prisioneiro e durante cinco anos ficou em campo de concentração, na Alemanha. Neste ambiente fez a experiência do que significa dar a vida por amor. Ficou marcado por toda a vida pelo que viveu nestes anos de enorme dificuldade e pelo exemplo de Maximiliano Kolbe, que enfrentou a morte para salvar a vida de um pai de família que estava com ele no campo de concentração. No final da guerra entrou na congregação dos Filhos da Caridade e em 1956 foi enviado como missionário ao Canadá. Veio para o Brasil em 1968, passando vinte anos na Diocese de Crateús. Aceitou ir para Tauá, no tempo da repressão, depois da expulsão do padre José Pedandola. Em 1975, com a chegada de Padre Bernardo, deixou de ser vigário e foi morar na Barra do Vento, na Serra de São Domingos, numa equipe de convivência e de acompanhamento vocacional. Voltou para Crateús onde ficou convivendo com os mais pobres até 1988. Em Fortaleza, na Prainha, fundou o primeiro grupinho de sete da Irmandade do Servo Sofredor – ISSO, formados por pobres do Brasil e do Mundo que consagram sua vida em favor dos mais sofridos. Nascida da inspiração dos quatro cânticos do profeta Isaias, a partir da resistência das vítimas da seca do Nordeste, seus consagrados e consagradas estão presentes na maioria dos estados brasileiros e em outros países. 167 Em 1988, Alfredinho foi para São Paulo, escolheu a favela Lamartine da cidade de Santo André onde se fez companheiro dos moradores de rua. Alfredinho faleceu a 12 de agosto de 2000. Jornal O Trecheiro, Agosto de 2000. 168 Alfredinho, peregrino dos pobres Chegando à Diocese de Crateús em 1968, vindo de um longo itinerário de discípulo de Jesus (Campo de Concentração na Áustria, Seminário no Canadá. Peregrino dos pobres nas “callampas” de Santiago do Chile, aconselhado a viver sua inserção não em Salvador, mas entre os pobres do interior da Bahia), ele foi morar entre os mais pobres (as vítimas da prostituição) na cidade de Crateús, em Tauá, na “Barra do Vento”. Seguidor de Jesus na vivência de pobre, apaixonado pelos mais excluídos, contemplativo do Rosto de Deus no rosto dos mais “lascados”, acolhedor e aberto, ele plantou a semente da Irmandade do Servo Sofredor (ISSO) em milhares de pessoas da Igreja de Crateús – inspirou-se na mística do Servo de Javé (Isaías Junior) e acendeu a chama da Igreja Popular e Libertadora. Esse rosto de uma Igreja servidora e pobre, que estávamos buscando gestar na incerteza e na Esperança, ficou marcado pela presença-testemunho de Alfredinho. Que viveu a Não-Violência Evangélica, a gratuidade, a pobreza como um pobre, a utopia de comunidade onde os pequenos são amados e os opressores são explícita e amorosamente interpelados. Quando Deus o levou, aos oitenta anos, dentre os mais pobres de Santo André, a Igreja Popular e Libertadora, que vive entre os espinhos e flores, ficou convencida de que tem um intercessor na Casa do Pai. Dom Fragoso Em Igreja de Crateús (1964-1998). 169 A Burrinha de Balaão Frédy, sacerdote, decidiu viver como pobre em meio aos mais pobres. Acolhi, juntamente com o clero da diocese de Crateús, uma “experiência” sacerdotal que não é comum: um padre vive, com simplicidade, no meio das vítimas da prostituição. Por quê? Este pequeno livro é uma resposta. Os pobres precisam de sinais que falem por si mesmos. Os livros, as encíclicas, as cartas pastorais, os documentos, a reflexão teológica falam uma língua que lhes é desconhecida. Mas a linguagem daqueles que querem, como resposta a um apelo íntimo do Espírito, viver como pobres em meio aos mais pobres, entra em seus olhos e em seus corações. Esta é a Revelação, hoje, da ternura de Deus-Pai; a face visível da misericórdia invisível do Senhor. Os olhos dos pobres se abrirão. Dando-se as mãos uns aos outros eles lutarão pela Justiça e pela Libertação de todos os oprimidos deste mundo. Amigo leitor, o pobre é a prostituta de Crateús; é o homem do Nordeste Brasileiro, que conhece a seca e a fome. É o Terceiro Mundo. Acolhi esta “experiência” para que ela nos questione: para que ela questione a mim, bispo de Crateús, a meus padres, a nós todos bispos e a todos os Ricos, os Poderosos, os Opressores. Deus revela suas maravilhas aos pobres e aos humildes, mas as esconde aos sábios e orgulhosos. Os pobres farão surgir a Revolução Social mais profunda. As armas são fracas; o dinheiro empobrece; os opressores têm pés de argila. 170 Mas o Amor criador e redentor, vivido pelos pobres em sua luta pela justiça, suscitará um mundo de irmãos onde todos terão o pão no banquete da vida, onde todos terão um lugar ao sol. Dentre os leitores deste livro, quantos “Frédy”, poderão existir que esperam este apelo? Abri vossos ouvidos. Que se calem todos os ruídos da indiferença. A burrinha de Balaão vai falar… Dom Fragoso Prefácio de A Burrinha de Balaão, 1977. 171 O Rosto de uma Igreja O Maior Acontecimento A todos os membros da Igreja de Crateús, comprometidos com os pobres, Paz e Alegria no Senhor. Neste relatório queria simplesmente falar do que me parece ser o maior acontecimento da vida da Diocese de Crateús de 1964 para cá. Em 1975, os membros da Comissão Diocesana de Pastoral, juntamente com o seu Bispo Dom Fragoso, mandaram a irmã Abigail, recém-chegada do Estado de Minas, conviver com os camponeses da Matriz de São Gonçalo, município de Ipueiras. Nesta região, houve uma audaciosa experiência de cooperativa, na qual a Diocese investiu os seus melhores membros. Por razão superior, o projeto teve obrigação de parar. Com os seus pneus furados, lá no meio do tempo, o trator da comunidade nem tinha lugar para se arranjar. Grande tristeza Abigail chegou lá sem dinheiro e logo falou: “Eu não sou do ‘projeto’, vim apenas viver, rezar, trabalhar no meio de vocês”. Depois, ela arrumou uma casa e, lá, reservou um quarto de oração com o Santíssimo. Arrumou uma lata e foi buscar água, arrumou uma enxada e foi trabalhar na roça, trocou de vestido e foi visitar os vizinhos. E até hoje está agindo assim. Nada mudou na sua vida, trabalho, oração, convivência com os mais pobres. Mas, a Comunidade da Matriz, ela mudou. Pouco a pouco, no contato com esta freira que falava a mesma linguagem, comovido pelo seu jeito simples de viver, o povo descobriu o seu próprio valor e começou a se organizar, sem dinheiro, sem técnicas. Neste ano de 1975, (pode ser) sem saber, a Diocese 172 antecipava a visão de Puebla. Nesta hora profética, na pessoa de Abigail, a diocese iniciava sua conversão. O nº 922 do Documento dos Bispos de toda América Latina diz o seguinte: “Conversão da Igreja. Para viver e anunciar a exigência da pobreza cristã, a Igreja toda precisa rever suas estruturas e a vida de todos os seus membros, sobretudo dos agentes de pastoral, com vistas a uma conversão efetiva. Uma vez convertida, poderá evangelizar com eficiência os pobres”. Tomada em conta a extrema pobreza de nosso continente, o Documento acrescenta no nº 923: “Essa conversão traz consigo a exigência de um estilo de vida austero e uma total confiança no Senhor, já que na ação evangelizadora a Igreja contará, mais com o Ser e o Poder de Deus e da sua graça, do que com o Ter mais e com o Poder secular. Assim a Igreja apresentará uma imagem autenticamente pobre, aberta para Deus e sempre disponível para o irmão. Nela os pobres têm capacidade real de participação e são reconhecidos em seu valor. Quando cheguei em 1968, em Crateús, me foram reveladas muitas maneiras de viver o Evangelho no contexto histórico da América Latina. Por exemplo: Promoção Humana; Educação de Base; Luta pela Libertação; Luta pela Justiça; Educação Política; Sindicalismo e Organização de Classe; Luta pela Reforma Agrária; Conflitos da Terra e Compromisso Cristão, etc. À frente de cada assunto, hoje, eu posso colocar o rosto de um irmão engajado e corajoso. Em Crateús se procura viver um Evangelho encarnado. Isso é um sinal de boa saúde da Diocese. Agora, me pergunto, seriamente, o seguinte: será que acreditamos mesmo no valor do tipo de vivência de Abigail? 173 Gandhi dizia: “Devo confessar que a ação da reforma pessoal, ou autopurificação, me está cem vezes mais perto que a chamada atividade política”. Será que nossa visão da libertação do homem é total? Quando é que falamos, seriamente, da nossa própria libertação interior das paixões? Qual é a mudança que traria uma libertação econômica do país se a gente, antes e depois, não tentasse se libertar do consumismo? Em várias Dioceses do Brasil há encontros e retiros com os permanentes, em geral padres e religiosos, vivendo nas pequenas Comunidades de Base. Por exemplo em Recife, João Pessoa etc. Mais ou menos nove pessoas na diocese vivem do jeito de Abigail. Qual é o espaço a eles reconhecido no conjunto? Não são eles um pouco marginalizados? Por quê? Como ajudá-los a acrescentar a vida de oração, a estar mais presentes na comunidade escolhida, a conviver mais com os pobres? Por quê eles não foram mais jeitosos para nos sensibilizar? Antes de mandar Moisés libertar os judeus do poder do Faraó do Egito, o Senhor disse do meio da sarça: “Não te aproximes daqui: tira tuas sandálias de teus pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa” – e acrescentou: “Eu sou Deus de teus pais, o Deus de Abrãao, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó. Cobriu Moisés o rosto, porque não ousava olhar para Deus” (Êx 3,5-6). Nossa luta pela libertação do homem todo, deve iniciar-se a partir do nosso encontro com o Deus vivo, Jesus único Salvador. Ao meu ver, é isso que a Diocese queria dizer, quando, em 1975, mandou Abigail, apenas com a roupa do corpo, em cima da serra. 174 Um dia, uma filha de Israel, cantava bem alto numa terra ocupada pelas tropas do imperador César Augusto: “Depôs do trono os poderosos e exaltou os humildes”. É que ela tinha o Deus libertador nela. Abraço Fraternal! Padre Alfredinho 03 de setembro de 1980, Em A Firmeza Permanente. 175 Bem-aventurados os mansos porque possuirão a terra A todos os cristãos de Tauá, Paz e Alegria no Senhor. Eu peço a Deus que a Virgem Maria, Rainha de todos os Santos, nos ajude a entender melhor o que é a santidade, hoje em nosso mundo dominado pela violência, injustiça e guerra. Por isso eu queria apresentar um fato doloroso que até agora não foi resolvido, a fim de ver a partir de um acontecimento daqui, o que é ser santo em nossos dias. Fato No dia 4 de setembro de 1972, à tarde, no lugar Baixas do Município de Tauá, um jipe parou na frente da casa de taipa do Sr. Pedro de Souza Mota. Era o dono acompanhado da mulher e de um filho de criação, todos armados de revólver, facas e cacetes. Obrigaram, com ameaças, as famílias a saírem do lugar; Pedro, José, Francisco e Damázio tiveram que sair das casas, e os homens jogaram no mato tudo o que era deles. Informado desse fato, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá foi logo para Fortaleza apresentar o caso à Federação e procurar um advogado para defender os direitos dos despejados. Na volta, avisou à polícia e o juiz do que aconteceu. Os Despejados Quando Pedro de Souza Mota chegou, nas Baixas, em 2 de outubro de 1948, vinte e quatro anos atrás, se encontrava neste local só cobra e canto de grilos. Mas Pedro trabalhou, fez seis mil e trezentas braças de cerca, plantou cem tarefas de algodão, cavou cacimbas e construiu sete casas de moradia. Hoje, Pedro tem sessenta e nove anos, doze filhos e vinte e sete netos. Três filhos casados moram perto dele. Ao todo, vinte e quatro pessoas, dezesseis crianças de três meses a doze anos e oito adultos, foram todos jogados na 176 rua, sem nenhuma proteção contra o sol quente. A situação destas famílias, já enfraquecidas pela seca, piorou. Mulher doente, crianças com febre e coqueluche, água doce na distância de uma légua. A tentação de deixar tudo para procurar outras terras foi grande. Além disso um outro dono de terra se apresentou, oferecendo condições de vida bacanas demais. Apesar de tudo, os despejados tomaram a decisão de ficar suportando este sofrimento uma, duas, três, quatro semanas. A primeira audiência foi feita quando dois representantes do Juiz, acompanhados de dois membros da diretoria do Sindicato, decidiram que fossem reintegradas estas famílias em suas casas, na espera do pronunciamento do juiz. Já fazia dois meses que fora iniciada a questão, quando Pedro apedrejou uma criação de gado que encontrou em sua roça. Neste mesmo dia e quase na mesma hora, ele foi condenado a quatro dias de cadeia, apesar de que tinha dado uma outra criação ao dono. Por causa da seca, não houve safra este ano. Mesmo assim Pedro pagou duzentos e dezenove quilos de algodão, nove quilos de mamona e quarenta e três litros de feijão, de renda. Como a renda é quatro por uma, Pedro teve em casa este ano cento e vinte e nove litros de feijão para comer, na espera da safra de 1973. Como foi que eu soube disto? Fui às Baixas. Perguntei. Vi e anotei. Por último o advogado do dono fez uma queixa, dizendo que dois membros do Sindicato incentivaram os moradores a tirar tudo fora, para simular um despejo. Três pontos para pensar um pouquinho à luz do Evangelho: 1) As Armas Eu conheço um delegado de polícia que está trabalhando numa capela, onde já houve dois delegados assassinados, no exercício de 177 sua função. Este homem anda sempre desarmado. Eu o conheci pessoalmente e o vi restabelecer a ordem, num dia de festa, onde houve meia hora de tiroteio e de briga à facada. É só de velhice que ele vai morrer. Um cristão que quer seguir o Evangelho, não pode usar armas nem para dominar, ainda mais, os fracos e nem nada para se defender dos poderosos. As armas não resolvem nada. Hitler, ditador da Alemanha, mandou torturar e matar quinze milhões de inimigos do nazismo. Não venceu. No fim de 1945, em Berlim, suicidou-se com uma bala na cabeça. Assim, vão-se acabar todos que usam armas, qualquer que seja o motivo: dominar, defender-se, ou mesmo defender a ordem e a justiça. Hoje o Cristo está nos dizendo: “Felizes os mansos, porque eles possuirão a terra” (Mt 5, 12). “Felizes os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus”. As dezesseis crianças inocentes da família de Pedro, fracas e sem defesa, têm para elas, a força mesma de Deus, e um dia possuirão a terra. Cristo dizia a São Pedro: “coloque a espada na bainha, pois todo aquele que usa a espada, pela espada morrerá”. Os santos hoje, em nosso mundo de violência e de repressão furiosa, são aqueles que, como D. Helder Câmara, dizem: “Prefiro cem vezes morrer a matar”. 2) A Renda Uma das razões do dono para justificar o despejo é que “seu” Pedro não pagava a renda, fazia anos. Mas quem vai me dizer como é possível que o Pedro não consiga possuir nenhum pedacinho de terra no lugar mesmo onde ele trabalhou vinte e quatro anos? Me parece que ninguém deveria exigir rendas da terra, antes que o trabalhador tenha o que é indispensável para comer, vestir, instruir 178 os filhos, comprar os remédios e, pelo menos, ter uma bicicleta para fazer as compras na cidade, a fim de que ele não seja obrigado a comprar fiado na bodega do patrão, pois isto quer dizer frequentemente vender a safra verde na folha. Quando eu vejo donos exigirem a metade do algodão de uma roça plantada inteiramente pelo morador, eu me pergunto se isto não pode ser chamado de roubo? Hoje, a festa de todos os santos, o Cristo está nos fazendo esta advertência: “Ai de vós, ricos, porque tendes a vossa consolação”. Na região de Açudinho, um flagelado dizia não ter condições de pagar renda. O dono respondeu: “mesmo se é um litro de feijão, eu quero o que é meu”. O Santo hoje é aquele homem do interior de quem falou o Cristo dizendo: “Bem-aventurados vós que sois pobre, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque agora sereis fartos” (Lc 6, 20-21). Das lágrimas dos despejados, dos seus sofrimentos pacientes sem ódio, amanhã vai sair justiça, paz e amor. “Bem-aventurados vós que chorais, porque vos alegrareis”. 3) Ação do Sindicato Nossos irmãos, no dia 4 de setembro, estavam como o homem ferido da parábola do Bom Samaritano: sozinhos, desamparados, angustiados por causa das crianças pequenas. Quais foram os primeiros a dar assistência a eles? O vigário? Não foi o vigário. Os comerciantes que têm recursos? Não foram os comerciantes. Então houve um cristão, em nossa comunidade, capaz de amar o próximo? Graças a Deus, houve. E estes cristãos são membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Eles se organizaram para socorrer e ajudar os que sofrem. 179 Visitaram a turma, oferecendo um pacote de café, meio quilo de açúcar para reanimar a gente, levaram os mais doentes para se tratar na rua. Levaram os homens para assinar a procuração no cartório. Foram atrás do advogado para por tudo dentro da lei. E hoje são acusados de terem incentivado os moradores a deixarem suas casas. São eles que são acusados de serem mentirosos, hipócritas, desonestos. Nesta ocasião os Santos foram eles. É deles que fala o Cristo dizendo: “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino do céu”. “Felizes sois vós, quando vos insultarem e perseguirem e dizerem contra vós toda espécie de mentira por causa de mim. Alegraivos, exultai-vos, pois é grande no céu a vossa recompensa”. Padre Alfredinho, Dia de Todos os Santos. Em A Firmeza Permanente, 1977. 180 O Cachorro de Gedeão O tema da Campanha da Fraternidade de 1983, “Não a Violência, fraternidade sim, violência não!”, corre o risco de dividir os agentes de pastoral e nos levar a um debate intelectual sobre a oportunidade deste assunto. É de maior urgência devolver hoje aos humildes, índios, negros, camponeses, favelados, operários, doentes, vítimas da prostituição, estudantes, pescadores, donas de casa, animadores das CEBs, etc, a mística da não violência, suas raízes evangélicas, sua estratégia por eles vivida e praticada já faz séculos. Este tema é vital e deveria ser objeto de mais do que uma campanha, mas sim o Movimento de Reconciliação 1983 – MR 83. Depois de muito tempo de reflexão silenciosa, de oração, convivência com os pobres “os amigos do Servo Sofredor” tomaram a iniciativa de propor algumas pistas de trabalho em meio popular. O Regional da Campanha da Fraternidade do Nordeste 1 deu seu apoio a este projeto de subsídio. Vocês que receberam este material vão ter que adaptar, retraduzir tudo isto na língua e cultura do seu povo. Faça isto com a mesma liberdade que tivemos de apresentar O Cachorro de Gedeão. Chegou a hora de ajudar os forjadores da história do amanhã a adquirir melhor a mística, o treinamento, a paixão ardente, necessária para poder transformar este mundo velho numa sociedade aonde: 181 Amor e verdade se encontram Justiça e paz se abraçam, A verdade brotará da terra Quando o céu se inclinar a justiça. (Salmo 84, 11-12) Padre Alfredinho Introdução de O cachorro de Gedeão, Edição dos Amigos do Servo Sofredor, 1983. 182 Na Escola da Rua “Fui para a rua sempre na mesma procura de entrar na fileira daqueles que sofrem. Comecei conhecendo o povo da favela. Mas e o povo de rua, esse mistério? Então, no meu aniversário de setenta e cinco anos, em comum acordo com os colegas, resolvi ir viver na rua. Preparei uma sacolinha, um pedaço de cobertor e, depois da missa saí. Só que a Nara disse, eu vou com você no ônibus. Depois no ônibus, ela disse: eu vou com você até a Estação. Não podia mandar ela embora. Lá na estação ela me disse: vou dormir na rua também. Então ela pediu licença ao homem da rua que estava dormindo para se arranchar em um dos lugares. Nara colocou uma flor na cabeceira, pelo meu aniversário. Mas, tinha uma cachorrinha com sarna que se encantou com meu cobertor e veio dormir nele. Acho que gostava do pelo. À meia noite, veio um homem com o pé muito inchado, na cabeceira de Nara à procura de cachaça. Ela tinha uma garrafa d’água e ele pensava que era cachaça. Os ônibus que passavam faziam tanto ruído que a terra tremia. As pessoas começaram a perguntar: - quem são esses dois? O que nos recebeu, disse: - são amigos meus. Pouco a pouco descobri a riqueza do povo da rua. Ele é uma Escola de alta qualidade. Descobri a generosidade, a organização e a resistência. Nunca fui para a rua distribuir nada. Uma outra vez a gente foi dormir lá na calçada do [jornal] Folha de São Paulo. Lá, até as duas da madrugada, foi uma conversa e uma pequena cachaça social. Eu não conseguia dormir. Então comecei a fazer perguntas sobre Jesus Cristo. Foi uma coisa maravilhosa a qualidade das respostas que saiam do coração deles. Uma vez fui na Estação embaixo do viaduto, com meu papelão e a Bíblia. 183 Passei horas sem me manifestar. Até que uma pessoa me trouxe um pouco de café. Mais adiante um prato de comida. Não queria fazer proselitismo. Às quatro horas veio um homem e disse: - padre, o senhor podia fazer uma celebração para nós?. - Eu disse, pois não! Fizemos. Eles chamaram todos os homens e mulheres de lá. À certa altura perguntei: – , será que Jesus Cristo está no meio da gente? Responderam, sim está aqui, claro que está com a gente. Um dia, estava no Largo de São Bento e choveu, eu não tinha nada. Veio o Rafael com um papelão, deitou no chão e disse: – se deite, padre. Eu respondi: – se deite você. Foi aquela briga. No fim, para não aborrecer ele, eu me deitei; e ele falou: – desculpe que está sujo. Era o cobertor dele. Agarrei no sono. Quando acordei encontrei o Rafael encolhido na calçada na pedra, sem o papelão, sem o cobertor. Penso que com uma lição dessa qualidade, eu é que era o aluno na Escola do Povo da Rua”. Padre Alfredinho Jornal O Trecheiro, Agosto de 2000. Relato sobre a convivência com os moradores de rua de Santo André e São Paulo. 184 Na Universidade da Vida Chinelo de dedo nos pés, sacola nos ombros e pé na estrada. Assim vivia Alfredinho, assim circulava por Crateús e por todos os lugares por onde passava. Muitas vezes foi confundido com um João Ninguém. Por ironia do destino, sua grande luta durante toda a vida foi tentar mostrar que pessoa alguma é João Ninguém. Na introdução do livro “O Cobrador”, o padre Miguel Lemarchand dos Filhos da Caridade, assim se expressa sobre Alfredinho: “A figura do homem é bem conhecida no Brasil como também no Canadá e na Europa. É uma silhueta pequena em que os anos passaram e o fardo continua firme, carregando a mochila de lá para cá. Até ele cansou de tanto viajar. ‘Pe. Alfredinho o que tem dentro da mochila?’ perguntam as crianças que o encontram na beira do caminho, pedindo-lhe a benção. O que leva o viajante nas casas de retiro ou nas comunidades dos “Sofredores” não está na mochila, mas no seu coração. São os segredos revelados pelo Deus Vivo, no seu dia-a-dia de uma vida já longa especialmente a partir da convivência com os mais pobres”. As grandes interrogações de Alfredinho estão muito bem expressas no livro inspirado por ele e escrito por Frei Carlos Mesters: “A Missão do Povo que Sofre” (Editora Vozes, 1994 ). “Porque existe tanta dor no mundo? Para que serve tanto sofrimento? Porque são sempre os pequenos, os pobres e inocentes que devem carregar a maior parte da cruz? E de onde este povo tira força para aguentar tanta dor e resistir durante tanto tempo, sem perder a esperança e a vontade de lutar? Você sabe a resposta?” E, em suas considerações no dia-a-dia, faz seu o canto popular “O povo de Deus continua gemendo, uma vida de escravo ele 185 está vivendo. Grita aperreado já quase morrendo. Quem é, quem é, quem é, quem é, que vai libertar este povo, José?”. A verdade é que a inspiração de Alfredinho vem de longe. Ele anda na trilha do profeta Isaías que sempre buscou respostas para a presença do mal no mundo. Damos a palavra a um canto popular e ao próprio profeta Isaías também transcrito do livro de Mesters: “Vou contar uma história. É do servo sofredor. Está na Bíblia, esta vida. É de quem sabe o que é a dor. O profeta Isaías foi quem primeiro contou, mas o pobre deste mundo vida afora completou”. “Apresento a vocês o meu Servo que tem todo o meu apoio. Escolhido por mim, ele é o preferido do meu coração. Fiz repousar sobre ele o meu Espírito, para que leve o direito das nações. Ele não grita, nem levanta a voz, não solta berro pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio que ainda solta fumaça. Com fidelidade ele promove o direito, sem desanimar nem desfalecer, até estabelecer o direito sobre a terra. Os povos mais distantes esperam pelos seus ensinamentos”. (Isaías, 42, 1-4). Homenagem ao Padre Alfredinho Jornal O Trecheiro, “Um Trecheiro no Céu”, Agosto de 2000 (nº 79, ano 10, Edição Especial) 186 Está aí o futuro de nosso mundo! A seca fora muito prolongada naquele ano, na região de Sarepta. Toda a gente tinha sofrido seus efeitos. Os pobres, é claro, sobretudo aqueles em cujos lares o pai de família já não estava presente; mas também pessoas conhecidas e respeitadas. Elias, homem de Deus, não recebeu a assistência dos anjos – pela interferência de corvos – para não morrer de fome? Naquele dia, uma viúva e seu filho apanharam dois paus de lenha que estavam por ali, com a intenção de cozinhar um último pão de pobre com algumas colheres de farinha e o copo de óleo que restavam dos tempos da abundância na casa. A mulher e o filho, depois, desfalecidos, só teriam de esperar a morte. Levantando-se para responder ao homem de Deus que se aproximara e lhe pedira de comer, a mulher não se mostra surpresa: um “duas-vezes nada” é facilmente divisível por três. Não, ela não tem medo de um convidado a mais em torno de um prato de miséria. Ela só está entristecida por não poder oferecer mais, provando ser verdade que, quanto menos se tem, mais se é capaz de partilhar. Tudo acontece para ela como se o desnudamento extremo e a morte inelutável revelassem a igualdade fundamental dos seres humanos diante de Deus. Foi então, em virtude da partilha na verdade, que jorrou a vida em abundância: uma vida nova, imprevista, inesperada, como se a dignidade humana na infelicidade enlarguecesse de repente, em comunidade de destino com o Deus que salva: “A vasilha de farinha não secou e o pote de óleo permaneceu cheio” (1Rs 17, 8-16). Espantosa atualidade de uma narração bíblica popular, escrita há vinte e seis séculos, depois de ter sido contada de boca em boca, durante três séculos. 187 Há uma perenidade de experiência da partilha no despojamento material. Há uma perenidade de enriquecimento humano recíproco na pobreza vivida em comunidade de destino. O leitor poderá encontrar nesta obra a verdade eterna do antigo episódio bíblico de Elias e a viúva de Sarepta: “O milagre da farinha e do óleo”. O milagre, aqui – nesta obra cujo episódio acontece no Brasil –e hoje, é o milagre do encontro de uma pobreza padecida com uma pobreza voluntária. (…) Este mundo deve ser mudado. A miséria e pobreza não são fatalidades. Está em nosso poder modificar as condições de vida dos mais destituídos hoje, como esteve em nosso poder, ontem, modificar nossas condições de existência acedendo a modernidade industrial e urbana. Essa mudança não é automática. Ela não resultará de um simples crescimento econômico, cujos benefícios recairiam com maior ou menor atraso sobre cada um dos cidadãos de um determinado país. Esta mudança revela da vontade dos homens e das sociedades. A batalha coletiva contra a pobreza de massa é, desse ponto de vista, de essência política, no sentido nobre do termo. Dirá você: então, eu que não tenho nem a capacidade nem o gosto de me lançar nas lutas políticas, que devo fazer? Pergunta pertinente (…). Neste livro [Fredy Kunz e o povo de sofredores], Alfredinho responde a essa questão inquietante. Ele se faz voluntariamente pobre. Despoja-se de todo o supérfluo numa vida humana quando se entra nessa lógica! – para partilhar plenamente o destino dos pobres no meio de quem ele vive. E eis que o milagre de “uma pobreza querida a serviço de uma pobreza sofrida”, os mais pobres se revelam a si mesmos. Tomam consciência das riquezas interiores que possuem, mas que ignoram. Eles se dão conta da força de vida 188 que é a partilha do despojamento. Descobrem, maravilhados, que a justiça de Deus, que esperam pró e contra tudo, está a caminho e preenche sua expectativa. É o tempo do soerguimento da dignidade dos filhos de Deus. Nós retomamos aqui a grande tradição bíblica do Deus que se distingue dos Deuses que não tem olhos nem ouvidos, ou seja os ídolos sem coração e sem vida. Pois o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó vê a miséria de seu povo esmagado e ouve seus gemidos debaixo da opressão. Ele é o Deus dos pobres, aquele que salva os homens – inclusive os ricos e poderosos que aceitaram sua lógica – a partir dos pequenos e dos humildes, a partir do lado ferido da humanidade. Na pessoa de Jesus, homem de Deus por excelência, ele assume a condição humana, mas no mais baixo nível da escala social, a ponto de ser posto um dia na categoria dos malfeitores da sociedade. Quando conseguiremos compreender a lição de extrema humanidade do Deus no qual cremos? (…) Em qualquer lugar, para nossa felicidade e salvação, há homens de Deus, pequenos profetas, discípulos do Pobre de Nazaré que continuam nas Sareptas de hoje o milagre da farinha e do óleo. Deixemos que nos falem da própria vida. Está aí o futuro de nosso mundo! Prefácio de Charles Antoine ao livro Fredy Kunz, de Michel Bavarel, Julho de 1990. 189 Eu convivi com um bem-aventurado Eu convivi com um bem-aventurado, pra não usar a expressão tão batida: “Santo”! Essa frase salta de meus lábios cada vez que as imagens e testemunhos sobre Alfredo, estão diante de meus olhos. O conheci em 1974, em Crateús, daí até 1990,quando saí da cidade, depois de dez intensos anos de convívio bem próximo, brincadeiras (ele era um brincante, um molequinho, daqueles que plantam bananeira diante do Pai Divino), caminhadas pelas estradas poeirentas do sertão, emoções e orações, nos seus jejuns, etc. Depois o visitei na Favela Lamartine, Santo André-SP, onde foi viver. Partilhou comigo muitas coisas, incluindo a velha e conhecida sopa de legumes, com marcarrão. Na despedida, um abraço longo, lágrimas e uma confissão dele: “ estou meio que num exílio!” Não entendi direito e nem quis ousar perguntar o porquê. Afinal essas decisões, envolvendo bastidores de Congregações, de Clero, pra nós leigos ,o melhor é mantermos prudentes “desinteresses”. Na última visita, quando fui gravar o disco Nas horas de Deus, amém, um mês antes de sua páscoa, em 12 de agosto de 2000, fui vê-lo, ele pediu pra ficarmos um instante sozinhos. Perguntou por nossa gente do sertão, se eu continuava indo a Crateús, como foi a gravação do CD nas Paulinas. Disse que já não acreditava que desse tempo pra eu chegar até ali, na Paróquia São Geraldo. Ao final, partilhamos uma maçã que estava num prato e, ele declarou me olhando firme, num misto de pedido e ordem: "Nunca deixe de seguir esse caminho de cantar a esperança dos pobres"! Chamamos as pessoas que estavam com ele e juntos, cantei com 190 elas, em primeira mão: “Nas horas de Deus, Amém!”. E, então, com o coração partido, voltei pro sertão que ele tanto amou. É, querido Alfredinho, vamos teimando na esperança, que pulsa no coração dos simples, dos pobres, juntando neste 12 de agosto, essas pessoas que tanto amaste e, que agora e sempre, estão na bendita e pascal comunhão contigo: nosso Dom Fragoso, Tia Rita, todos os sofredores e lutadores, de braços abertos na história e na obra do companheiro artista Francisco Daniel, todos os Mandacarus floridos e as Margaridas em marchas de vigorosa valentia pelas ruas desta Pátria Brasil, em horas de tantas urgências. Zé Vicente, 12 de agosto de 2015. 191 Um repertório de pesquisas: bibliografia e fontes Monyse Ravena | Romário Bastos “Mas, como este homem pode viver aqui no sertão? Uma freira deixou escapar este comentário, ao percorrer os olhos pela grandiosa Biblioteca numa casa modesta em pleno Crateús, no chamado polígono das secas do Ceará. Sua surpresa não foi menor, ao saber que este mesmo homem mantém correspondência por Carta com dezenas de países e que domina muitas línguas com a mesma facilidade com que maneja a nossa. A freira estava na casa do Bispo de Crateús, Dom Antônio Batista Fragoso, paraibano, filho de um pequeno agricultor que passou a maior parte do tempo sem terra”. O trecho desta entrevista concedida por Dom Fragoso ao jornal O São Paulo, da Arquidiocese de São Paulo, em fevereiro de 1979, foi por nós escolhido para abrir as indicações de um repertório de pesquisas, porque nos situa na casa do Bispo, em Crateús, em meio aos muitos livros de sua estima e permanente estudo; porque nos diz que, ao fim da canseira de alguns dias tão atribulados, sentava-se à mesa para escrever: livros, artigos de opinião, prefácios, prólogos, textos pastorais, introduções a cartilhas, capítulos de livros, homilias, notas públicas de denúncia e anúncio; e cartas, dezenas, centenas, muitas centenas! Cartas que seriam espalhadas por muitos lugares da América Latina, e doutros continentes. Muitas delas foram interditadas no Brasil pela censura da ditadura e de sua polícia política e nunca chegaram ao seu destino. Outras viajaram bem guardadas e chegaram a bom porto, graças ao diligente empenho de mensageiros e mensageiras da esperança. Sobre a interdição de suas cartas pelos órgãos de repressão do regime, Dom Fragoso é enfático em denunciar a censura a que se vê submetido, como está documentado no título Igreja de Crateús (1964-1988): “Eu escrevi da Europa cerca de 193 cento e cinquenta cartas pessoais para Crateús e apenas um terço chegou, ao que sei. Onde estão as outras cem? Se as autoridades pegaram essas cartas, que publiquem! (…)”. O ato de escrever Cartas era seguramente o ato de propiciar aos seus muitos interlocutores no Brasil e no exterior um diálogo permanente, quer sobre os fatos da conjuntura, quer sobre suas leituras e reflexões pastorais, quer sobre a necessidade de realizar constantemente uma escrita de intervenção contra as injustiças sociais e as perseguições impostas pela ditadura civil-militar de 1964. Se fôssemos aqui destacar apenas o capítulo da epistolografia, diríamos que este é um enorme trabalho a ser desenvolvido em relação a essas fontes. Dom Fragoso era uma pessoa que prezava e incentivava o registro da memória como poucos no seu tempo. Esse empenho é certamente uma afirmação prática do compromisso com uma história “desde os de baixo”, os sobrantes do sistema, como ele diria. Assim, uma metodologia de ação pastoral consentânea a este princípio tornou a Diocese de Crateús, a Equipe diocesana, os Animadores nas Comunidades, entre tantos outros, dedicados a um que-fazer cotidiano com a produção de uma significativa reflexão escrita de uma história em ato, ensaiando passos de uma caminhada por justiça e fraternidade. As evidências desta notável sintonia com a luta por direitos, são inúmeras e recuperamos aqui, entre incontáveis registros, um fragmento dessa memória: uma Carta de Dom Fragoso às Equipes Paroquiais da Diocese de Crateús, datada de 30 de julho de 1973, na qual o bispo refere a comemoração dos vinte e cinco anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, para avivar 194 nas Comunidades a leitura do folheto “Os direitos do homem”, e pede que “os grupos de debate anotem todos os fatos, bem claros e precisos, da luta do povo para conquistar seus direitos, na Diocese de Crateús”. E, em carta mimeografada, constante no acervo do Plebeu Gabinete de Leitura, acrescenta um rol de questões, como um roteiro de estudos e problematização das experiências em curso. Vamos às questões: “1) Existem dominadores e Opressores em sua área?; 2) Qual é o pensamento deles?; 3) O povo também pensa pela cabeça dos dominadores? Citar fatos; 4) O que você acha deste ditado: ‘Os opressores moram na consciência dos oprimidos’? e 5) O que o povo está fazendo para Enxergar, Pensar com sua Cabeça e Decidir com segurança e clareza?”. Guardemos do texto sua intencionalidade pedagógica em busca da construção da autonomia da palavra e do gesto de libertação, a partir dos sujeitos da Caminhada. Dom Fragoso andou muito, ou como diria Paulo Freire, é um daqueles que tão bem internalizou os sentidos da andarilhagem histórica. “Viajando também se aprende” é o título de um relato de Dom Fragoso à sua Diocese, dando a conhecer um extenso percurso realizado em 1972: Lisboa, Taizé, Roma, Washington, Boston, Chicago, San José da California, Santa Bárbara, Los Angeles, México. E, atendendo a um convite do Departamento de Leigos do Comitê Episcopal Italiano para a América Latina, participa ativamente, em Roma, do Encontro “A libertação do homem nas experiências das Igrejas Latino-Americanas”. Ali, apresenta “A experiência das Comunidades Eclesiais de Base em Crateús”, que se constituía num dos temas do programa. 195 O relato mimeografado, constante no acervo de Chichica Gonçalves, alude inúmeros contatos, reuniões, conversas, além do expressivo interesse dos meios de comunicação pela palavra do Bispo: são entrevistas concedidas a mais de trinta periódicos, agências de notícias e canais de televisão (europeus, canadense, estadunidenses, latino-americanos), nas quais Dom Fragoso expõe suas reflexões sobre a conjuntura socioeconômica do Brasil e o mal chamado “milagre brasileiro”; sobre a crescente perseguição, no Brasil, à Igreja da Libertação e, em específico, à Igreja de Crateús; e aborda, em denúncia corajosa, a repressão policial-militar no Brasil da ditadura4. Estes fragmentos de memórias cumprem, aqui, o intento de demonstrar a potência desses arquivos a nos animarem à sistematização de um índice geral deste rico repertório documental, com a esperança, inclusive, de que se gestem novos estudos e pesquisas. Estamos tratando das trajetórias de personagens individuais e sujeitos coletivos – Dom Fragoso, Padre Alfredinho, a Diocese de Crateús e temas correlatos – para os quais existem centenas, chegando à casa dos milhares de documentos em tipologia e suportes diversificados: cartas, notas públicas, fotografias, vídeos, documentários, entrevistas, roteiros de Estudos Pastorais, relatórios de Encontros, cadernos catequéticos, planos diocesanos de pastoral, folhinhas de missas, registros de preparação e realização das Romarias da Terra e Romarias das Águas, roteiros de cursos da Escola Popular, semanas catequéticas, cartilhas de Educação Sindical e Educação Popular, livrinhos de cânticos, cadernos de memórias, homilias, relatórios de Visita Pastoral, encontros das Comunidades Eclesiais de Base, registros da Comissão Pastoral 196 da Terra, documentos de Sindicatos de Trabalhadores Rurais da região de Crateús e dos Inhamuns, arquivos de coleção do jornal O Roceiro, livros, coletâneas, e outros mais, muitos mais. Portanto, o que ora apresentamos é um apanhado do que conseguimos reunir, em termos de livros, capítulos, coletâneas da lavra de Dom Fragoso e de Padre Alfredinho, além de outros fundos documentais e uma indicação bibliográfica, incluindo teses, dissertações e similares, tratando de temas aqui tangenciados, sobre a Diocese de Crateús e seus sujeitos coletivos, a Pastoral ali realizada, as conjunturas, as lutas sociais, entre outros conteúdos. Esta nossa sistematização de indicações dispersas em diversos estudos e alguns fundos documentais, por certo demonstra ser um levantamento aberto a necessárias complementações, por parte dos leitores, pesquisadores e demais zelosos guardadores de memórias. Ressaltamos que este repertório de pesquisas, aqui apresentado, se deve, em grande medida, às indicações criteriosas de Pe. Maurizio. Almejamos que seja acrescida, reunindo mais e mais informações. Recebam, portanto, nossa recolha com a generosidade que irmana pesquisadores e leitores. 1 - Livros, Capítulos e outros escritos de Dom Fragoso “Evangile et Revolution social: Evangelho e Justiça Social”. In Hoje no Mundo, 1968. “La iglesia y el Estado en Brasil hoy in Razon e fé”, 1968\1970. FRAGOSO, Antônio Batista. Êxodo. Crateús: Diocese de Crateús, 1969. 197 FRAGOSO, Dom. Tensões entre igreja e militares do IV batalhão de Engenharia e Construção. Carta aberta. Crateús, 26 de março de 1969. Evangelho e problematica sociale, 1970 FRAGOSO, Dom. Carta a Emilio Garrastazu Médici, datada de Crateús, em 10 de novembro de 1970. FRAGOSO, Dom. Homilia para a Concelebração. Paróquia de Tauá, 28 de outubro de 1971. FRAGOSO, Dom. Carta/Informe dirigida pelo Bispo Diocesano de Crateús à CNBB, aos Bispos do Nordeste e ao Capelão chefe (mimeo), 2 de janeiro 1972. Mensagem aos Cristãos, Mensagem de Camilo Torres; Disponível no documento Cristianismo e Revolução, México, 1972. FRAGOSO, Dom. Revista Concilium, nº 71, 1972, Cooperación del Obispo al desarrollo, Artigo de Dom Fragoso, também traduzido e publicado em data posterior; Separata em espanhol, italiano, francês e alemão. FRAGOSO, Antônio Batista. El Evangelio de la esperanza. Madrid/ Espanha: Ediciones Sigueme, 1973. FRAGOSO, Dom. Carta ao Presidente da República do Equador, Guillermo Rodríguez Lara, 2 de novembro de 1974 FRAGOSO, Antônio Batista A Firmeza Permanente. A força da não violência. Petrópolis: ed. Loyola. 1977. “Fé y compromiso para una Pastoral en tiempos de revolución. Brecha”, Informativo del CIDOPV, Managua, 1981 FRAGOSO, Antônio Batista. O Rosto de uma Igreja. São Paulo: Edições Loyola, 1982. Cercando um nuovo volto. CENSIS, Bergamo, 1984. 198 FRAGOSO, Dom. “Educação da fé”. Cadernos Catequéticos, 10, cerca 1987. FRAGOSO, Dom. Carta ao Papa João Paulo II, datada de 15 de novembro de 1989. FRAGOSO, Dom Antonio Batista; SANTOS, Eliézio dos; GONÇALVES, Luiz Gonzaga; CALADO, Júlio Alder Ferreira & FRAGOSO, João da Cruz. Igreja de Crateús (1964-1988). Uma experiência popular e libertadora. São Paulo: Edições Loyola, 2005. FRAGOSO, Antônio Batista. “Evangelização inculturada”. In: ALBUQUERQUE, Benedito Francisco de; MC DONALD, Brendan Coleman. Perfil da Igreja no Ceará. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1997. FRAGOSO, Dom. “Ninho Diocesano: alguns passos de uma trajetória”. In: 25 anos de Caminhada, Coleção Fazendo Nossa História, 15, Crateús, 1997. FRAGOSO, Dom. Carta ao jornalista Gianni Novelli, Roma, 15 de setembro de 1998. FRAGOSO, Dom, Artigo na Revista Convergência, Brasília, nº 314, agosto de 1998. Face of a Church. A nascent church of the people in Crateús, Brazil Trad. Robert R. Ban. Depoimento de José Comblin sobre Dom Fragoso – Cópia no Arquivo da Diocese de Crateús: item 27, pasta homenagens póstumas. Testamento-testemunho de Dom Antônio Fragoso, ex-bispo de Crateús, CE. Apresentação: Frei Gilvander Moreira, 2013. Disponível em:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/523070-testamento- 199 -testemunho-de-dom-antonio-fragoso-ex-bispo-de-crateus-ce2 - Reportagens e Entrevistas concedidas por Dom Fragoso em periódicos e revistas Entrevista, Jornal O Poty (Crateús-CE), 21 set. 1967 Entrevista, Jornal Última Hora (Rio de Janeiro), 11 out. 1967 Entrevista, Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 29 de novembro de 1968. Reportagem. “Crateús: uma cidade agitada com um bispo muito calmo”. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro. 29 de novembro de 1968. Entrevista a Maria da Conceição Moite In: Libertar o povo - Diálogo com António Fragoso, bispo. Lisboa, Portugal: Base, 1973. Entrevista, Jornal O São Paulo (Arquidiocese de São Paulo), janeiro, 1973. Publicada com vetos da censura à edição. Entrevista, Jornal O Mutirão, Fortaleza-CE, setembro de 1979. Entrevista, Revista Anais do Sagrado Coração, São Paulo, maio 1982. Entrevista, Revista Concilium, Roma, 31 de março 1982. Entrevista, Jornal Fraternizar, Portugal, 1989. Entrevista, Revista Adista, Itália, nº 5, 6, 7, outubro de 1989. Entrevista, Jornal A Crítica Política, Manaus 6 fev 1994. Entrevista, Jornal O Povo, Fortaleza/CE 18 fev 1996. Entrevista, Revista Anais do Sagrado Coração, Brasília, 1996. Entrevista, Jornal do Comércio, Recife (PE), 27/10/2003. Entrevista a Alder Júlio Ferreira Calado. Profeta dos pobres. Dom Fragoso nos fala, 23/05/2006. In: IHU- Instituto Humanitas Unisinos. 23/05/2006. 200 Entrevista a Alder Júlio Ferreira Calado. Dom Fragoso, uma presença profética no Concílio Vaticano II e para além dele. In: IHUInstituto Humanitas Unisinos, 14/08/2012. 3 - Jornais, Documentos Pastorais, Relatórios, Visitas Pastorais - Dom Fragoso Jornal O Pastoral (1969-1992) - Mensagem do Bispo Jornal O Roceiro (1988-1998) - A Palavra do Bispo DIOCESE DE CRATEÚS. Cartas Pastorais entre 1964 e 1988. DIOCESE DE CRATEÚS. Cartilhas diversas entre 1964 e 1998. PLANO Diocesano da Pastoral de Conjunto, 1969. FRAGOSO, Dom. Testemunho. In: CEB’s rumo à nova sociedade, o 5º Encontro Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base, Canindé, Julho de 1983. FRAGOSO, Dom. Sínodo dos Bispos 8ª Assembleia Ordinária, 1989. FRAGOSO, Dom. Introdução. Primeiro Plano Plurianual de Pastoral de conjunto (1993-1995). Crateús, 10 de dezembro, 1992. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/Tauá, 13 de junho de 1973. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Tauá, outubro de 1974 e outubro de 1986. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Novo Oriente, setembro de 1986 e novembro de 1987. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Independência, maio de 1989. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Nova Russas, junho de 1989 e agosto de 1990. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Poranga, setembro de 1986. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Tamboril, setembro de 1986. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Parambu, junho de 1990. 201 FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Quiterianópolis, junho de 1990. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/Ipueiras, agosto de 1990. FRAGOSO, Dom. Relatório de Visita/ Crateús, março de 1991 e abril de 1992. CNBB. A experiência Pastoral da Igreja de Crateús: as comunidades de base, 1973. CNBB. Cartilha de Educação Política. Fortaleza, Ceará, 1982. ISER, Avaliação Pastoral da Diocese de Crateús - 25 anos de uma Igreja Popular e Libertadora, Programa de Assessoria, Instituto de Estudos da Religião, junho, 1985. SANTOS, Pe. Eliésio dos. Coleção Fazendo a Nossa História Volume 01. Crateús/CE: Diocese de Crateús, 1996. 4 - Documentos dos Acervos do Projeto Brasil Nunca Mais, Memórias Reveladas, APEC- Arquivo Público do Estado do Ceará e DOPS-São Paulo Projeto Brasil Nunca Mais, Cópia do Discurso de Dom Fragoso em 09\10\1967 com os seguintes pontos: 1) Onde esteve o Bispo de Crateús nestes dias; 2) O Bispo de Crateús e Cuba; 3) O Bispo de Crateús não está só; 4) E depois. Projeto Brasil Nunca Mais, Cópia do Discurso de Dom Fragoso em 22\01\1968 em Belo Horizonte; a Conferência intitula-se “Evangelho e Justiça Social”. Projeto Brasil Nunca Mais, Cópia do Discurso de Dom Fragoso em 05\04\1968 por ocasião da Semana Cultural do 10º aniversário da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí. 202 Projeto Brasil Nunca Mais - Revista Francesa editada pela La Cimade - Serviço Ecumênico de Ajuda Mútua em outubro de 1982, Bresil, por une église des pauvres. Projeto Memórias Reveladas - Dossiê Dom Fragoso, disponível em http://www.memoriasreveladas.gov.br/ APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará: DOPS Ceará, 1969. (Projeto Memórias Reveladas). Cópia da Ata da Sessão da Câmara Municipal de Crateús 16 de maio, onde vereadores fazem duras críticas ao Bispo Dom Fragoso. APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará: DOPS Ceará, 1972. (Projeto Memórias Reveladas). Relato da recusa do Bispo Dom Fragoso em realizar missa no dia 31 de março de 1964. APEC – Arquivo Público do Estado do Ceará: DOPS Ceará, 1973. (Projeto Memórias Reveladas). Carta manuscrita de Dom Fragoso ao delegado de Ordem Política e Social. DOPS – SÃO PAULO. Secretaria da Segurança Pública. Departamento de Ordem Política e Social - DOPS/DEREX. Memória política e resistência. Pesquisa de fichas e prontuários. Prontuário de Antônio Batista Fragoso. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Camponeses mortos e desaparecidos: excluídos da justiça de transição. Brasília, 2013. 5 - Documentos da Diocese de Crateús, Cadernos Pastorais, Cartilhas e Documentos da Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste I e de Sindicatos DIOCESE DE CRATEÚS. Coleção Fazendo Nossa História (21 volumes). 203 DIOCESE DE CRATEÚS. Documento O Povo do Campo e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1972. Cadernos Pastorais. Nº1. E a Assembleia continua. (Homilia de Dom Antônio Fragoso). Fortaleza: Secretariado Regional NE I, Nov, 1981. Memória da 3ª Assembléia Regional Comissão Pastoral da Terra Regional Nordeste I, realizada com data 10 e 11 de março de 1984 em Crateús. CPT Regional NE I, 1984. A Reforma Agrária será conquistada pela organização dos trabalhadores rurais. Esta luta é nossa. Relatório do I Congresso dos Trabalhadores Rurais de Tauá, realizado de 17 a 19 de junho de 1988 em Tauá. CPT Regional NE I, 1988. Cadernos Pastorais. Nº 104. Avaliação das Diretrizes da Ação Pastoral do Regional Nordeste I. Diocese de Crateús. Fortaleza: Secretariado Regional NE I, Jan. 1991. DIOCESE DE CRATEÚS. Igreja de Crateús a Serviço da Vida, 30 anos de Catequese 1964-1994. CARTILHA Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá. História do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Tauá. Gestão 19861989. Tauá: STR-Tauá/ CUT Regional-Tauá, 1989. RIPERT, Paullet. A fundação dos sindicatos da região de Crateús, Coleção Fazendo Nossa História, 1979. 6 - Fundos Documentais Fundo “Cartas Pastorais em Crateús”. Instituto Dom Fragoso. Fundo “Visitas pastorais”. Instituto Dom Fragoso. Fundo “Agendas” Instituto Dom Fragoso. Acervo da Fundação Lelia Basso (Roma). Correspondência com Linda Bimbi, sua Comunidade e fotografias. 204 7 - Livros, Capítulos e Outros Escritos por Padre Alfredinho e Irmandade do Servo Sofredor ALFREDINHO. O Cobrador. Irmandade do Servo Sofredor. KUNZ, Frédy. Rajnyc. Montreal face aux camps de la mort. Montreal 02 mai 1959. KUNZ, F. BOUCHAUD, J; A burrinha de Balaão numa favela brasileira. São Paulo: Edições Loyola, 1977. (L’ânesse de Balaan: dans une favelle brésilienne. Paris: Les editions Ouvrières,1971). KUNZ, F. A ovelha de Urias. São Paulo: Edições Loyola, 1978. KUNZ, F. et.al. A espada de Gedeão. São Paulo: Edições Loyola, 1983. KUNZ, Fredy; VICENTE, Zé; Ir. MARGARETE. Sangradouro, nascido na seca nordestina. São Paulo: Ed. Loyola, 1991 KUNZ, Frédy (et al,). Sangradouro, nacido de la sequia nordestina. Accion Cultural Cristiana. Salamanca 1992. KUNZ, Frédy À sombra de Nabuco. São Paulo: Edições Loyola, 1997. SI VOUS SAVIEZ LA JOIE DES PAVRES. Editions Saint Augustin, 2002. 8 - Escritos sobre Padre Alfredinho A longa caminhada do Servo Sofredor. Aparecida, São Paulo: Editora ReMa, 2004. ANTOINE, Charles. Está aí o futuro de nosso mundo. In: BAVAREL, Michel. Frédy Kunz: Alfredinho e o povo de sofredores. São Paulo:Loyola, 1992. BAVAREL, Michel. Frédy Kunz, Alfredinho et le peuple des soufrantes. Les Éditions Ouvrières. Paris, 1991. BAVAREL, Michel; Silva, RACHID, Nara. Se você soubesse a alegria dos pobres. Fredy Kunz (Pe. Alfredinho). Nhanduti Editora, 2014, 205 Apresentação de José Oscar Beozzo. Prefácio de Marc Ouellet. Mensagem de Pedro Casaldáliga. BETTO, Frei. Ele viveu entre nós. Padre Alfredinho. Disponível em:http://naoviolenciaativa.blogspot.com/2014/05/alfredinho-kunz.html BOUR, Alfred. O Poverelo do Nordeste, Cahier de la Reconciliação. Nº 3, 1990 BRANCO, Teresinha do Carmo Pereira. Vinde, vede e anunciai. Irmandade do Servo Sofredor. Crateús. CÁLICES, Tonny. Padre Alfredinho – 15 anos de sua páscoa. Disponível em:http://oabsurdoeagraca.blogspot.com/2015_08_11_archive.html MESTERS, Carlos. A missão do povo que sofre. Petrópolis: Editora Vozes, 1981. Padre Alfredo Kunz, conhecido como Padre Alfredinho. Cronologia. Disponível em: http://juventudespedrospaulo.blogspot.com. br/2011/05/padre-alfred-kunz-conhecido-como-pe.html Jornal O Trecheiro. Nº 87, Julho de 2001. 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Disponível: https://www.youtube. com/watch?v=E57OLsdek_0 Padre Alfredinho na Missa do Sangradouro da Santa Fé, Crateús. Brasil. (3 min). Disponível: https://www.youtube.com/ watch?time_continue=193&v=jCaRycOvTq4&feature=emb_logo 214 No projeto gráfico deste livro, foram utilizadas as famílias tipográficas Tisa Pro (Textos), do tipógrafo Mitja Miklavčič da foundry Fontfont, e Aglet Slab, do tipógrafo Jesse Ragan da foundry XYZ Type. Ambas foram licenciadas pela Adobe Fonts. Este livro foi impresso na Expressão Gráfica em Julho de 2020, em Fortaleza/CE.