PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS
CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO
FACULDADE DE ARTES VISUAIS
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
BÁRBARA REGINA BATISTA CARVALHO DE ALMEIDA
DANILO JOSÉ DE OLIVEIRA BECKER
FANART:
As Potencialidades da Cultura Participativa do Fã e sua Aplicabilidade em
Sala de Aula
Campinas
2020
2
BÁRBARA REGINA BATISTA CARVALHO DE ALMEIDA
DANILO JOSÉ DE OLIVEIRA BECKER
FANART:
As Potencialidades da Cultura Participativa do Fã e
sua Aplicabilidade em Sala de Aula
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade
de Artes Visuais do Centro de Linguagem e Comunicação
da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
formulado sob a orientação do Prof. Dr. Paulo de Tarso
Cheida Sans, para a conclusão do curso de Licenciatura em
Artes Visuais.
Campinas
2020
3
4
“O senhor poderia me dizer, por favor, qual caminho que devo tomar para sair
daqui?” “Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato.
Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll.
5
AGRADECIMENTOS
Agradecemos aos nossos familiares e amigos, que sempre nos apoiaram durante todo o
processo de graduação, o que viabilizou e culminou neste trabalho de pesquisa.
Agradecemos, também, a toda a turma de Artes Visuais de 2017, parceiros de jornada, que
nos permitiram continuar em frente nos difíceis momentos históricos vivenciados pela
humanidade no decorrer deste último semestre de curso.
Do mesmo modo, somos gratos pelo corpo docente, que sempre se mostrou aberto ao
diálogo e a nos auxiliar em nossa trajetória. Em especial, agradecemos aos professores
Andréia Dulianel, Tatiana Cuberos, Paula Almozara e Paulo Cheida, que nos incentivaram a
seguir com a proposta, tanto através da concretização do projeto expositivo “Viagem”, quanto
por meio da execução da pesquisa teórica e do material didático resultantes deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Por fim, agradecemos um ao outro, e pela possibilidade de realizar esta pesquisa em
dupla, o que nos possibilitou um rico processo de partilha e crescimento conjunto - tanto
como artistas, quanto como arte-educadores.
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RESUMO
ALMEIDA, Bárbara Regina Batista Carvalho de,
BECKER, Danilo José de Oliveira.
Fanart: As Potencialidades da Cultura Participativa do Fã e sua Aplicabilidade em Sala de
Aula. 2020, 99 p. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Artes Visuais
do Centro Linguagem e Comunicação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
Campinas, 2020.
Resumo: O presente trabalho tem como finalidade potencializar a fanart como um todo,
evidenciando seus aspectos artísticos e educativos. A fanart, como produção de fã, depende da
relação afetiva do criador com determinado objeto de inspiração. Na atualidade, ela se
configura como uma produção recorrente, sendo realizada por artistas e público geral, e
disseminada principalmente via internet - uma vez que foi neste espaço que se consolidou
como tal. Retomando estudos da cultura participativa do fã - iniciados pelo pioneirismo de
Henry Jenkins - e o histórico de suas produções, é possível conceituar definições e aspectos
próprios da fanart. A partir de sua compreensão conceitual e histórica, é possível discutir
sobre seus aspectos enquanto prática artística - tanto como estudo técnico, quanto como parte
integrante de uma poética própria - levantando seu potencial enquanto arte contemporânea.
Em experiências propiciadas pelo Estágio Obrigatório, notou-se a presença de aspectos de tais
produções dentro do contexto escolar, apesar de não serem percebidas ou consideradas pelos
docentes em suas práticas de ensino. Em sala de aula, os alunos demonstraram produzir
fanarts de modo autônomo, muitas vezes incorporando-as nos exercícios propostos. Nesse
sentido, a presente pesquisa tem como relevância trazer a proposta da arte de fã como
conteúdo e ferramenta a ser utilizada no processo de ensino aprendizagem, evidenciando sua
potencialidade, alicerçada na motivação e no diálogo com o universo do aluno. Dessa forma,
foram criadas propostas de aulas e um material didático que lidam com o uso de produções de
fã em sala, explorando suas possibilidades de aplicação em prol da aproximação dos alunos
nas aulas, despertando o interesse dos mesmos, e assim contribuindo para a arte-educação.
Palavras-chave: Fanart. Produções de fã. Universo do aluno.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CCXP…………………………………………………………………..Comic Con Experience.
EBAL……………………………………………………………..Editora Brasil-América Ltda.
HQ……………………………………………………………………..História em Quadrinhos.
VHS……………………………………………………………………....Video Home System.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Imagem do filme A Viagem de Chihiro....................................................................19
Figura 2: Fanart do personagem “Sem Rosto”, da animação A Viagem de Chihiro; Pintura
digital feita por witnesstheabsurd, 2013……………………………………………………...20
Figura 3: Fanart do personagem “Sem Rosto”, da animação A Viagem de Chihiro; Escultura
feita em pedra sabão, por Bárbara Almeida, 2019…………………………………………....21
Figura 4: Exemplo de fanzine sobre o Studio Ghibli com fanarts da animação A Viagem de
Chihiro, realizadas por Beny Brooke (esquerda) e Jake Wyatt (direita)...................................22
Figura 5 e 6: Páginas da Fanfic “Promise”, em formato de HQ, baseada na animação A
Viagem de Chihiro; realizada por Escapencil em 2011…………..…………………………..23
Figura 7: Fanvid “Chihiro´s back”, baseado na da animação A Viagem de Chihiro, realizado
por Son Ha em 2005……………………………………………………………………....…..24
Figura 8: Obra The Birth Of Black Widow, de Julian Totino Tedesco...………….……...….27
Figura 9: Primeira edição do fanzine “Ficção”, outubro de 1965……………………….........30
Figuras 10 e 11: Respectivamente, revistas em quadrinhos "Batman" (2ª Série - n° 43) e
"Superman" (3ª Série - n° 9); ambas de janeiro de 1965……………………………………..31
Figura 12: Resultados ao explorar a aba “Fanart”, no site DeviantART……………………..35
Figura 13: Página inicial do website da campanha #CNFNART……...……………………..36
Figura 14 e 15: Interior da French Paper Gallery………………………………...…………..38
Figuras 16 e 17: Desenhos de infância do artista João Baldini, baseados, respectivamente, nos
personagens “Super Mario” e “Pica-pau”…………..…………………….…………………..40
Figura 18: Obra “Quest Party” de Gabriela Garcia, 2019. Ilustração digital que mescla três
animações como objetos de inspiração: “Coraline e o Mundo Secreto”, “A viagem de
Chihiro” e “Alice no País das Maravilhas”...............................................................................45
Figura 19: Obra Pietà de Danilo Becker, 2018; desenho em nanquim que retrata um
acontecimento do enredo da série Game of Thrones, cuja composição é baseada na obra de
mesmo nome feita por Annibale Carracci (1599-1600) ………...............................................46
9
Figura 20: Obra sem título de Hitomi Fukase, 2016. Aquarela e nanquim, inspirada no
personagem “Sem Rosto” de A Viagem de Chihiro transmutando seu gênero……….……...47
Figura 21: Obra “Não poderemos mais jogar vídeo-game”de Bruna Galib, 2019. Escultura em
pedra sabão, inspirada no personagem “BMO” de Hora de Aventura…..................................47
Figuras 22 e 23: Produções em Fanart realizadas nas classes de Plástica (Figura 22 - colagem,
2017) e Gravura (Figura 23 - xilogravura, 2019), tendo como objeto de inspiração o
personagem Sem-Rosto”...........................................................................................................51
Figura 24: Exemplos de esboços e estudos sobre corpos e rostos femininos partidos da
personagem “Mileena”, realizados entre 2014 e 2016………………………………………..53
Figura 25: Exemplo de produção voltada à criação; Fanart de Alice no País das Maravilhas,
realizada em 2016…………………………………………………………………………….53
Figura 26: Visão superior e lateral da obra Finn, o humano (2019), de Bárbara Almeida e
Danilo Becker. Inspiração: personagem “Finn”........................................................................57
Figura 27: Personagem “Finn”, da série animada Hora de Aventura, 2010...…..……...…….57
Figura 28: Obra Mariana (2020), da série Nome que lhe cabe de Bárbara Almeida e Danilo
Becker………………………………………………...………………………………....……58
Figura 29: Ilustrações da obra Prefácio (2018), de Bárbara Almeida e Danilo Becker….......59
Figura 30: Colagem sobre parede da galeria. Obra Não se preocupe, o papai tem dinheiro e
cartão de crédito (2020), de Bárbara Almeida e Danilo Becker….…….…………………….60
Figura 31: Tecidos, algodão, linhas e botões. Obra Fisgados (2020), de Bárbara Almeida e
Danilo Becker………………………………………………………………………………...61
Figura 32 e 33: Máscara dos personagens “Cat Noir” e “Venom” realizadas por alunos do
segundo ano do ensino fundamental………………………………………………………….67
Figura 34 e 35: Dedoche sobre o livro Extraordinário e criação do personagem “Nick”........68
Figura 36: Personagem “Buzz Lightyear” na capa do filme Toy Story (1876)........................69
Figura 37 e 38: Fanart do personagem “Buzz Lightyear” e logo do filme Toy Story 4...........69
Figuras 39 e 40: Respectivamente, obras Cheque mate e Abajour Branco de Guto Lacaz…..78
Figuras 41 e 42: Respectivamente, obras S/ Título (1976) e Rua 57 (1987) de Siron Franco..78
10
Figuras 43, 44 e 45: Personagem objeto de Maiara, 10 anos. Personagem de inspiração:
“Mickey Mouse”.......................................................................................................................79
Figura 46: Releitura realizada por Danilo Becker, a partir da obra de Siron Franco. Lápis de
cor sobre papel, 2020................................................................................................................79
Figura 47: Exemplos de fanzines, demonstrando sua diversidade visual……………...……..80
Figura 48: Imagens do livreto “História” do material “O Universo da Fanart como proposta
educativa”. Capa e primeira página com escritos, respectivamente………………………….83
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
CAPÍTULO 1: FANART: ARTE DE FÃ
14
1.1 DEFININDO CONCEITOS - FÃ, FANMADES E FANART
14
1.2 FANMADES E SUAS VARIAÇÕES
18
1.3 ASPECTOS FANARTÍSTICOS NA HISTÓRIA DA ARTE
25
1.4 CONSOLIDAÇÃO HISTÓRICA DA FANART: ADQUIRINDO ESPAÇO ENTRE E
ATRAVÉS DE FANMADES
28
1.5 O ESPAÇO DA FANART NA ATUALIDADE
CAPÍTULO 2: A FANART NA ARTE
33
39
2.1 FANART ENQUANTO ESTUDO
39
2.2 FANART ENQUANTO ARTE
43
2.4 PRODUÇÃO POÉTICA AUTORAL
50
2.4.1 BÁRBARA ALMEIDA
50
2.4.2 DANILO BECKER
52
2.4.3 EXPOSIÇÃO “VIAGEM”
54
CAPÍTULO 3: FANART NA EDUCAÇÃO
62
3.1 O UNIVERSO DO ALUNO
62
3.2 MOTIVAÇÃO E FANART
70
3.3 FANART ENQUANTO OBJETO E FERRAMENTA DE ENSINO
76
3.4 PLANOS DE AULA
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
95
REFERÊNCIAS
97
12
INTRODUÇÃO
A Fanart, sendo uma produção integrante da Cultura Participativa do Fã, apresenta
diversos conceitos e definições atreladas a si, tais como: Fanmades, Fanzines, Fanfics e
Fanvids. Desenvolvendo-se através da história, como uma produção atrelada aos ambientes
ocupados pelo fã - os espaços do fandom – a fanart e as demais fanmades puderam se
disseminar e se consolidar como tais, principalmente com a conquista do espaço virtual, onde
passou a se tornar cada vez mais frequente, sendo nele reconhecida e disseminada
Como produção de fã, a fanart vai além da mera reprodução do objeto de inspiração,
tornando-se capaz de acrescentar novas nuances e perspectivas à obra original, expandindo
interpretações dentro de seu universo canônico, e assim, transformando o espectador em
produtor cultural. Nesse sentido, a arte de fã, alicerçada no vínculo afetivo do indivíduo com
seu objeto de inspiração, torna-se produção capaz de revelar grande parte do universo
específico e particular do ser. Dessa maneira, a partir da presença da fanart em produções
artísticas atuais e em recorrentes criações infanto-juvenis, faz-se interessante analisar suas
potencialidades no campo da arte e sua aplicabilidade no campo da arte-educação.
No âmbito artístico, esta se mostra atrelada tanto ao estudo – aprimoramento técnico -
quanto à produção autoral – vinculada à poética artística pessoal. Assim, compreendendo o
universo da fanart e analisando seu potencial como ferramenta de estudo e como produção
artística em si, torna-se possível analisá-la enquanto instrumento e objeto de ensino em sala de
aula, de maneira a promover um ambiente pedagógico alicerçado na construção de
conhecimentos de maneira coletiva. Adentrando no universo do aluno, e possibilitando que
estes compartilhem entre si suas vivências afetivas de fã, a cultura participativa é capaz de
instigar e cativar o educando, o incentivando a explorar e expandir seus conhecimentos, a
partir de assuntos de seu próprio interesse.
13
CAPÍTULO 1:
FANART: ARTE DE FÃ
Para tratar sobre a aplicação da fanart no campo artístico e pedagógico, deve-se em
primeiro lugar compreender sua origem etimológica e histórica. Dessa forma, este primeiro
capítulo busca, partindo da definição de conceitos atrelados à cultura participativa do fã –
Fanmades, Fanzines, Fanfics, Fanvids e Fanarts – fundamentar a consolidação histórica da
fanart. A partir disso, cabe, por fim, estabelecer os espaços em que tais produções de fã
encontram lugar para sua ocorrência e disseminação, sendo eles físicos ou virtuais. Através da
compreensão da cultura participativa do fã, e dos termos por ela cunhados, torna-se possível
não apenas assimilar a fanart em profundidade, como também iniciar discussões acerca de
suas potencialidades latentes.
1.1 DEFININDO CONCEITOS - FÃ, FANMADES E FANART
Fanart ou Fan Art é um termo inglês dado pela junção das palavras Fan (fã) e Art
(arte) e significa “Arte de Fã”. Partindo da etimologia do termo em questão, tem-se
primeiramente a palavra inglesa “Fan”, cuja origem se dá pela abreviação da palavra Fanact
advinda do latim, “Fanaticus” (fanático), que, inicialmente, tinha seu significado atrelado a
um contexto religioso e designava “aquele que tem devoção a um deus, ou sente-se inspirado
por ele”. Com o tempo, desprendendo-se de tal cunho religioso, a palavra “fanático” passou a
ter seu significado voltado para o “ato de admirar excessivamente” ou “ter uma obsessão por
algo ou alguém”.
Com isso, após o momento supracitado, houve o encurtamento da palavra “Fanatic”
culminando no termo “Fã”, empregado hodiernamente para denominar “aquele que tem
interesse, admiração e afeição por algo ou alguém”. Tal termo, segundo Pedro Curi (2010, p.
02), “foi usado pela primeira vez, no fim do século XIX, para caracterizar, em jornais da
14
época, os seguidores das equipes esportivas profissionais”. Já “Art”, assim como a palavra fã,
também se origina do latim, correspondendo, por sua vez, ao termo grego “tékne”, que
significa “técnica”, “habilidade” ou “capacidade de criar algo”.
Desse modo, as fanarts dizem respeito a determinadas produções artísticas feitas por
fãs, sendo elas baseadas em algum item ou elemento de uma obra já existente. Ou seja, um
indivíduo, fã de determinado objeto de inspiração, usa deste último, ora como referência ora
como inspiração, para realizar uma composição artística.
Em meio a isso, cabe ao presente trabalho apresentar e definir tais produções de
modo mais aprofundado, pontuando suas características e especificidades e evidenciando sua
complexidade na atualidade e potencialidade enquanto prática artística. Para tanto, faz-se
necessário, primeiramente, discorrer sobre a cultura do fã a partir das suas produções, as
fanmades, apresentando suas diversas formas de manifestações e compreendendo a fanart
enquanto uma delas.
As Fanmades, ou produções de fã, compreendem todas as manifestações criadoras
realizadas pelos fãs de modo em que estes vão se apropriar de determinado objeto, dos quais
os mesmos são fã, para produzir artisticamente das mais variadas formas de expressão,
técnicas, níveis e linguagens artísticas. Nesse contexto, é importante salientar que o objeto
passível de tal apropriação compreende todo produto, obra ou qualquer outra fonte suscetível
a certa admiração. Ou seja, o fã pode ter como objeto de inspiração para suas produções desde
produtos como livros, filmes, séries, animações, revistas em quadrinhos, jogos eletrônicos, até
pessoas - como celebridades e personagens históricos - bandas de músicas, times esportivos,
entre outros. O que importa realmente neste processo é que o indivíduo se auto defina como fã
do objeto do qual ele se inspira ou baseia-se para suas criações.
Logo, são infinitas as possibilidades de fontes de inspiração, dado que um indivíduo
pode se tornar fã de qualquer coisa, por motivos pessoais e subjetivos, podendo ocorrer das
mais variadas formas e níveis. Ademais, cada objeto de inspiração possui também o seu
15
universo e narrativas já existentes, que por sua vez corroboram com mais possibilidades de
criação. Um filme, por exemplo, constitui um acervo de infinitas referências e inspirações
para o fazer artístico. Nele, o fã produtor pode produzir a partir dos personagens, dos cenários,
das ideias e da própria narrativa ali presentes.
Nesse contexto, a produção se vê livre para um mar de possibilidades, onde o fã pode
produzir recriando os elementos da obra original sob seu ponto de vista, traço e interpretação
pessoal, ou ainda, criar além, reinventando a obra e produzindo narrativas extras das quais a
mesma já apresenta, podendo construir sequências para a história ou alterar o enredo entre
determinados personagens, elaborando uma nova relação entre eles, por exemplo.
Em meio a isso, pode-se compreender as Fanmades enquanto produções específicas
dadas sobre ou a partir de um objeto de inspiração específico, produções estas cujo fim se dá
por motivações intrínsecas do indivíduo, construídas pela relação deste para com a obra
inspiratória, em que os laços afetivos ali gerados se fazem presentes como importantes
elementos constituintes do processo.
Nesse sentido, o fã produz por sentir vontade, desejo ou necessidade de produzir,
para que assim, ele possa manter-se conectado com o objeto de inspiração, explorando o seu
universo e criando a partir dele, alimentando ainda mais sua relação com o mesmo.
É importante então considerar o objeto de inspiração não apenas como um objeto de
estudo para as realizações artísticas. Ele é, antes de tudo, uma força maior que inspira e
instiga a criação, constituindo-se em um objeto de vínculos com poder afetivo, do qual o fã se
relaciona e se envolve, sentindo-se cada vez mais aproximado por seus elementos, e assim
enxerga nele sua potencialidade enquanto ponto de partida para a criação.
É nessa relação entre fã e a obra original, em que há a construção de vínculos e
sentimentos de identificação e pertencimento, que se percebe as motivações que impulsionam
as realizações das fanmades. Como apontado por Nicolau e Rezende (2014, p.04), “Construir,
16
consumir e ter mais daquilo que foi oferecido pelo produto é o grande objetivo [...]” para que
o conteúdo do mesmo não se esgote. Logo, as produções de fã constituem grandes alternativas
para que os fãs possam permanecer conectados com seus objetos de inspiração, mesmo
quando a narrativa ou franquia de um produto, por exemplo, acabe.
Em meio a esse processo os fãs produzem a partir de tais objetos de diferentes
formas, apropriando-se do universo e das narrativas ali já existentes para explorá-los de
maneiras variadas, sob seu ponto de vista, traço e sob suas percepções pessoais em relação a
eles. Tudo isso, por sua vez, o fã o faz de maneira consciente de que nada “supera” a obra
original. Seus anseios em tais ações se dão pela ligação afetiva pela obra e por sua vontade de
continuar imerso naquele ambiente proporcionado por ela.
Nesse sentido, é de suma importância compreender que o fã ao produzir sobre
determinado conteúdo não quer superá-lo ou substituí-lo, pelo contrário. O fã entende o seu
lugar enquanto fã e o mesmo se firma como tal, de modo que suas produções almejam manter
a obra original viva e em constante interatividade, expandindo-se cada vez mais através de
novas perspectivas.
Com isso, as fanmades têm como apanágio a sua consolidação enquanto produções
derivadas e originárias de determinada obra já existente, de modo que nelas, através de sua
estética e elementos, possam conter identificações da obra original da qual elas advieram.
Assim, uma produção de fã, mesmo podendo alterar parte da obra original, não tem como
objetivo ser dissociada desta última.
Logo, é necessário encarar as fanmades a partir de uma concepção em que, como
aponta Larissa Cavalcanti ao descrever a definição de literatura arquivista, “[...] o que de uma
obra se gera não denigre nem diminui seu valor, mas acrescenta [...]; expande o arquivo
daquela obra, explorando cada possibilidade de leitura” (2010, p.11).
17
Em função disso, é notável que esse anseio do fã em expandir a obra e conseguir
estabelecer um maior contato com ela faz com que o mesmo deixe de ser apenas um receptor
de informações e passa também a produzir conteúdos a partir delas, gerando assim novas
informações. Tal realidade se configura nos processos de entendimento sobre as produções de
fã e sua presença constante na atualidade, sendo ela já apontada por Henry Jenkins em seus
estudos sobre a cultura de fã.
Nesse contexto, Jenkins, considerando os fãs como “consumidores”, irá defini-los
como “o segmento mais ativo do público das mídias, aquele que se recusa a simplesmente
aceitar o que recebe, insistindo no direito de se tornar um participante pleno” (JENKINS,
2009). Logo, os fãs produtores presumem na imagem do consumidor atual, que deixando de
apenas consumir passivamente o conteúdo das mídias, passa a produzir seu próprio material
midiático a partir do original, tornando evidente a presença da chamada “Cultura
Participativa” (JENKINS, 2009).
Destarte, uma vez já evidenciados os conceitos, as definições e características acerca
das fanmades e de seus elementos, além de tornar evidente também a relação entre o fã e o
seu objeto de inspiração e as motivações que levam à ação criativa, faz-se necessário agora
discorrer sobre os diferentes meios de produção que os fãs podem se lançar para realizarem
suas criações.
1.2 FANMADES E SUAS VARIAÇÕES
Como já citado anteriormente, são variadas as formas de expressão e apropriação que
um indivíduo pode se lançar para produzir a partir da obra cujo mesmo é fã. À vista disso, ele
pode realizar desde simples representações dos elementos presentes na obra original, como a
ilustração de um personagem pertencente a ela, por exemplo, até significativas alterações e
expansões, em diversos níveis, daquele universo. Entretanto, neste momento é importante
18
voltar-se para os diferentes tipos de produções de fã, no que diz respeito a técnicas, formatos e
linguagens artísticas.
As Fanmades se constituem nas mais variadas formas de criação, em que o fã produtor
pode fazer uso desde a escrita até as artes visuais, por exemplo, para a confecção e elaboração
de suas criações. Tais produções, por sua vez, têm cada uma as suas especificidades e assim,
suas definições e nomenclaturas próprias. Em meio a isso, compreendem-se como algumas
das principais formas de produção constituintes das Fanmade as Fanarts, os Fanzines, as
Fanfics, e os Fanvids, as quais serão especificadas a seguir e, também, exemplificadas
partindo de um mesmo objeto de inspiração, o filme animado A Viagem de Chihiro de 2001
(Fig. 1).
Figura 1 – Imagem do filme A Viagem de Chihiro.
Fonte: https://studioghibli.com.br/filmografia/a-viagem-de-chihiro/
As fanarts, como já explicitado no início deste capítulo e sendo elas o tipo de fanmade
do qual o exposto trabalho terá como principal foco de estudo, são as composições artísticas
realizadas por fãs, estando elas dentro das linguagens que compõem as artes visuais. Dessa
forma, as fanarts abarcam tanto as linguagens plásticas tradicionais como os desenhos, as
ilustrações, as gravuras, as pinturas e as esculturas, quanto as linguagens e meios artísticos
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mais contemporâneos, como por exemplo, a instalação e a fotografia e os suportes e as
ferramentas digitais (sobretudo para a pintura e o desenho), respectivamente.
Entretanto, é notório que as fanarts realizadas por meio do desenho e da pintura,
principalmente os digitais, constituem a maior parte dessas produções, as quais podem ser
vistas em maior número nos sites e outros espaços ligados a essas criações (Fig. 2). Em meio
a isso, o presente trabalho almeja salientar as outras linguagens e formas artísticas,
especialmente as contemporâneas, das quais o artista fã pode se lançar para produzir suas
fanarts, oportunizando a visibilidade das diversas possibilidades de criação para essas
produções que, por sua vez, serão mais bem evidenciadas no segundo capítulo desta pesquisa
(Fig. 3).
Figura 2 – Fanart do personagem “Sem Rosto”, da animação A Viagem de Chihiro; Pintura digital feita
por witnesstheabsurd, 2013.
Fonte:https://witnesstheabsurd.tumblr.com/post/66508347711/first-request-was-for-no-face-sorry-i-just
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Figura 3 – Fanart do personagem “Sem Rosto”, da animação A Viagem de Chihiro; Escultura feita em
pedra sabão, por Bárbara Almeida, 2019.
Fonte: Arquivo pessoal.
Já os Fanzines dizem respeito às revistas criadas por fãs. Eles, de forma geral, são
espécies de publicações independentes cujo conteúdo está voltado para determinado assunto
do qual tanto o criador da revista, quanto o público a quem ela será direcionada, é fã (Fig. 4).
Sendo assim, essas produções apresentam informações específicas sobre determinado(s)
objeto(s) de fascínio e têm todo seu processo, ora de criação, ora de circulação, subordinado a
tal conteúdo. Cabe destacar ainda que em tais publicações é muito recorrente a presença de
fanarts e fanfics sobre o objeto de inspiração abordado, o que as tornam como veículos e
ferramentas de disseminação de outras fanmades. O termo “fanzine” advém da junção entres
as palavras inglesas fan (fã) e magazine (revista).
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Figura 4 – Exemplo de fanzine sobre o Studio Ghibli com fanarts da animação A Viagem de Chihiro,
realizadas por Beny Brooke (esquerda) e Jake Wyatt (direita).
Fonte: h ttps://www.zinehug.com/Studio-Ghibli-Zine
As Fanfics ou Fanfictions significam, em uma tradução literal, “Ficções de Fã”. Tais
produções correspondem aos materiais escritos realizados pelos fãs sobre suas obras de
inspiração. Aqui, esses partem das narrativas já estabelecidas do produto original para
tecerem a suas próprias histórias, elaborando novos enredos, criando novas sequências,
construindo novos elementos, entre outras ações. Tais produções podem assumir diversas
estruturas textuais, desde textos em prosa, o que ocorre com mais frequência, até textos em
forma de poemas ou em formato de HQs (Histórias em Quadrinhos), por exemplo (Figs. 5 e
6). Neste último caso, percebe-se a presença da fanart na composição da fanfic, uma vez que
o fã escritor realiza e utiliza ilustrações dos elementos de inspiração para construir suas
narrativas.
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Figura 5 e 6 – Páginas da fanfic “Promise”, em formato de HQ, baseada na animação A Viagem de
Chihiro; realizada por Escapencil em 2011.
Fonte: https://www.deviantart.com/escapencil/art/PROMISE-Spirited-Away-FanComic-216066763
É muito presente nas narrativas das fanfics, por exemplo, a formação de casais entre
determinados personagens que não constituem um casal no enredo da história original. Tal
feito é uma das inúmeras formas que denuncia a autonomia do fã produtor bem como a sua
postura ativa sobre aquilo que ele consome. Desse modo, desejando ver determinado
acontecimento na trama de um filme, o fã produtor pode partir para a conquista daquilo que
ele almeja, construindo ele mesmo a sua narrativa a partir da história original e dentro do
universo dela, alcançando assim o que queria, e claro, tudo isso sem deixar de ser fã da obra
oficial. Essa nova postura do fã está presente em todos os tipos de fanmades, contudo, são nas
fanfics que a mesma pode ser mais evidente.
Já os Fanvids, como o nome sugere, são os vídeos produzidos por fãs. Com as
inovações tecnológicas crescentes paulatinamente, oferecendo por sinal novas ferramentas e
23
suportes para a criação, os fãs têm encontrado caminhos para a confecção de produções em
vídeo.
Podendo, atualmente, lançar mão de diferentes softwares e aparelhos de gravação, o fã
é apto a construir vídeos sobre os objetos que ele admira. Com isso, essas criações apresentam
tanto gravações e edições de imagens mais simples até produções complexas, confeccionadas
por suportes e programas sofisticados e apresentando um nível técnico de construção elevado.
Assim sendo, são inúmeras as possibilidades que o fã pode encontrar para dar vida ao enredo
e narrativa do seu fanvid, podendo, por exemplo, atuar conforme o enredo que ele criou de
modo performático e gravá-lo, realizar animações por meio de ilustrações ou elaborar seu
vídeo a partir de recortes e edição de imagens.
A figura 7 é um exemplo de fanvid em formato de animação. Nele a criação se deu
partir da composição de ilustrações sobre o objeto de inspiração e da edição de tais imagens
de forma sequencial, sendo finalizando com a adição de uma música de fundo. Nesse sentido,
igualmente nas fanfics em quadrinhos, as fanarts podem também ser parte constituinte do
processo de alguns fanvids, já que, no caso das animações, o vídeo tem sua estrutura a partir
das ilustrações do fã.
Figura 7 - Fanvid “Chihiro´s back”, baseado na da animação A Viagem de Chihiro e realizado por Son Ha
em 2005.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=Eyj9_DjU6Xc&t=22s
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Com isso, são perceptíveis as diferentes técnicas e linguagens cujos fãs podem se
lançar para criar suas produções. Ademais, fica evidente também a possibilidade da presença
das fanarts dentro de outras fanmades cujo processo de construção necessita de elementos
imagéticos para sua elaboração. Desse modo, cabe agora entender a produção de fã, em
especial a Fanart, enquanto uma manifestação artística presente dentro da história da arte,
evidenciando suas possíveis origens e presenças dentro de um panorama histórico.
1.3 ASPECTOS FANARTÍSTICOS NA HISTÓRIA DA ARTE
Partindo da controversa definição de Fã, que deu forma ao conceito de fanart,
torna-se difícil definir, dentro da história, o momento em que a “Arte de Fã” de fato surgiu.
Para Agni Gómez Soto (2016), é possível perceber aspectos próprios da fanart em produções
artísticas já consolidadas na História da Arte, como por exemplo, na obra O Nascimento de
Vênus de Sandro Botticelli.
En esta icónica imagen, Botticelli toma el mito del nacimiento de la diosa romana
Venus, […] Poniéndolo en términos fandomeros, el cuadro de Botticelli vendría
siendo un fanart de un fanfic hecho por los romanos a partir del mito Griego. […] En
una época donde estos mitos ya no eran populares, artistas como Botticelli los
revivieron y los representaron con características propias de su época como la
representación del cuerpo, el espacio y los ropajes que llevaban. (SOTO, 2016, p.
22-23)
Nessa afirmação, Soto (2016) faz um paralelo comum em estudos voltados para a
Cultura Participativa do Fã: abordar Produções de Fã dentro das já consolidadas produções
artístico-culturais, questionando as origens deste tipo de produções. Da mesma maneira, a
autora relaciona o conceito de “Canon” – presente entre os termos fabricados e utilizados no
espaço do fandom – com as figuras católicas que recheiam a história da arte. Canon,
basicamente, é o nome que se dá a tudo aquilo considerado fonte autoral verídica dentro do
universo de uma obra, que se torna objeto de inspiração de um fandom. Dentro do espaço do
fandom, surge também o “Fanon”, que são informações inventadas por fãs como suplemento
25
aos canons, uma contribuição da Cultura Participativa dos Fãs à obra original. Nesse sentido,
as produções de fã podem se basear tanto em canons quanto em fanons, expandindo a obra
original, atuando dentro ou além de seus limites originais.
Figuras católicas, na história da arte, possuíam representações já estabelecidas pela
própria igreja, códigos aceitos ou impostos, para, entre outras motivações, facilitar a
interpretação dos personagens e dos trechos bíblicos. Dessa forma, é possível fazer este
paralelo entre as regras de representação das imagens e ícones católicos, e o conceito de
canon dentro dos fandoms e das produções de fã, sendo, ambas, maneiras de se ter controle
sobre a mimese realizada, em respeito à obra de inspiração das figuras.
Agni Gómez Soto (2016), também aborda sobre a presença da mimese como
elemento básico das Produções de Fã, mas também presente e medular na história da arte. O
termo mimese provém da palavra grega mimesis, que, tradicionalmente se traduz como
“imitação”, sendo alvo de investigações artístico-filosóficas desde a antiguidade clássica.
Neste sentido, a mimese do mundo esteve presente no campo artístico desde os tempos da arte
rupestre, logo não é de se estranhar que, na atualidade, ela venha marcada pelo entretenimento
massivo, por meio das Produções de Fã. Um exemplo de expressão da mimese por meio da
fanart pode ser encontrado na série Avengers Art Appreciation (Apreciação de arte dos
Vingadores), do artista argentino Julián Totino Tedesco. Em sua obra The Birth Of Black
Widow (Fig. 8), a mimese ocorre tanto em relação a uma icônica imagem da história da arte
(O Nascimento de Vênus de Botticelli), quanto ao fazer referência ao grupo de super-heróis da
Marvel Comics “Os Vingadores” (The Avengers) - recente produção midiática, presente em
histórias em quadrinhos, filmes, animações e jogos.
26
Figura 8 – Obra The Birth Of Black Widow, de Julian Totino Tedesco.
Fonte: https://twitter.com/avengers/status/205784605289234432
Porém, existe grande complexidade envolta na definição de “Fã” e o que caracteriza
suas criações, variando de acordo com o período histórico, suas características socioculturais,
e etc. Como afirma Matt Hills, estudioso do campo da cultura de fãs, em sua entrevista para a
revista MATRIZes (vinculada à Universidade de São Paulo), “Existem gradações que vão das
noções de fã e audiência.” (HILLS, 2015, p.151). Para que algo seja identificado como uma
Produção de Fã, é necessário que exista uma declarada relação afetiva entre autor e objeto de
inspiração, algo que ocorre de maneira explícita apenas a partir de meados do século XX.
Como levanta Soto em seu trabalho Primer Acercamiento al Fanart y su lugar en el
Arte Contemporáneo, de 2016, a fanart foi, e ainda é, pouco abordada como assunto principal
de pesquisas acadêmicas. A partir disso, torna-se interessante abordar a consolidação do
conceito de fanart, como o identificamos e compreendemos na atualidade. Para isso, será
analisado o desenvolvimento histórico da fanart dentro do âmbito da cultura participativa do
27
Fã, que se entrelaça à história dos espaços nos quais os Fãs se reúnem - os Fandom’s - e as
produções que com ele surgem - as Fanmades.
1.4 CONSOLIDAÇÃO HISTÓRICA DA FANART: ADQUIRINDO ESPAÇO
ENTRE E ATRAVÉS DE FANMADES
Henry Jenkins, em seu livro Textual Poachers (1992), dá início aos Estudos de Fã
como hoje estes se desenvolvem, apresentando o fandom como objeto de suas pesquisas
durante toda a sua trajetória acadêmica. Os estudos culturais anteriores versavam sobre o Fã
num sentido patológico, o conceituando como parte integrante de uma massa alienada.
Jenkins, em suas pesquisas - partindo de sua autodeclaração como fã - muda a direção de tais
estudos para um novo foco de interesse: a estruturação do conceito de fã, levando em conta
sua importância como consumidor cultural participativo nos espaços do fandom.
A origem da organização de fãs em grupos se estruturou, em seus primórdios, a partir
de fãs de produções teatrais e temas esportivos. Mas é apenas a partir de meados de 1920, que
tais grupos passam, também, a desenvolver produtos artísticos. A história dos fandoms e a das
produções de fãs se entrelaçam, apesar de se desenvolverem de maneiras distintas. Neste
sentido, cabe retomar historicamente as criações de fã, a partir dos estudos que melhor se
estruturaram academicamente até o momento: os estudos sobre as fanfics e os fanzines.
A produção de fanfics tem suas primeiras expressões relacionadas a escritos criados a
partir da obra Dom Quixote de la Mancha, no século XVII, por Alonso Fernández de
Avellaneda. Tais escritos davam continuidade à obra de Cervantes, o que levou o autor à
retomar a sua escrita, dando um fim definitivo ao personagem principal – para, assim, evitar
que novos escritos fossem desenvolvidos dentro do universo de sua narrativa. Reescrever
obras famosas é uma prática que sempre ocorreu, sendo, inclusive, bastante comum durante o
Renascimento - por ser característica estética do período; porém, por conta de questões de
28
autoria, no decorrer da história muitas destas produções nem mesmo chegaram a ser
publicadas. Dessa forma, considera-se que apenas a partir do fandom de “Star Trek” – seriado
dos anos 1960 – que as fanfics se estruturaram da maneira como hoje a concebemos, sendo os
fanzines seu primeiro meio de divulgação entre os fãs.
Com a ausência da obrigação de se atender aos pedidos de um público ou cliente, os
fanzines – produzidos e consumidos por fãs – foram os primeiros espaços para a criação e
veiculação de fanfics e fanarts. Possibilitando um ambiente cultural participativo no qual
prevalece o sentimento de fã, os fanzines se desenvolveram a partir da invenção e
popularização de máquinas de reprodução gráfica – tais como mimeógrafos e fotocopiadoras.
Tais invenções viabilizaram uma reprodução doméstica em larga escala, proporcionando,
assim, o surgimento dos fanzines.
Nos Estados Unidos dos anos 30, década marcada pelo surgimento de publicações
amadoras inspiradas na literatura de ficção científica, surge o fanzine “The Comet”, como
precursor desta modalidade de fanmade. No Brasil, o fanzine chegou através do pioneirismo
de Edson Rontani – ilustrador, artista plástico, chargista, cartunista, decorador, jornalista,
dentre outras profissões – que criou o (inicialmente denominado) Boletim “Ficção”, em
Piracicaba no ano de 1965 (Fig. 9). Fã de quadrinhos de super-heróis, Rontani teve a
influência de artistas quadrinistas, tais como Alex Raymond (desenhista de Flash Gordon, e
sua principal influência), sendo os HQ’s a temática de sua fanzine. Por meio de textos sobre a
temática e, levantamento e listagem das produções brasileiras de quadrinhos desde 1905, o
fanzine “Ficção” chegou a produzir doze números, distribuídos via correio, sendo que “[...]
entre seus leitores estavam José Mojica Marins (o Zé do Caixão), Gedeone Malagola, Adolfo
Aizen, Mauricio de Sousa, Jô Soares e Lyrio Aragão.” (BRAGANÇA, 2017)
29
Figura 9 – Primeira edição do fanzine “Ficção”, outubro de 1965.
Fonte: https://xeroxart.wordpress.com/2015/05/27/the-comet-e-boletim-de-ficcao/
De acordo com os escritos de Ana Negri (2005), o artista também chegou a enviar
dois trabalhos autorais para a EBAL (Editora Brasil-América Ltda, importante editora de
história em quadrinhos no Brasil), trabalhos que acabaram virando capas nacionais de
quadrinhos do Batman e do Superman, ainda no ano de 1965 (Fig. 10 e 11). Dessa forma, a
fanart de Rontani tornou-se ilustração oficial, em âmbito nacional, de seu próprio objeto de
inspiração.
30
Figuras 10 e 11 - Respectivamente, revistas em quadrinhos "Batman" (2ª Série - n° 43) e "Superman" (3ª
Série - n° 9); ambas de janeiro de 1965.
Fonte: http://www.guiadosquadrinhos.com/artista/trabalhos-de/edson-rontani/6653
Com o passar das décadas, diversas foram as temáticas abordadas pelos fanzines
nacionais. Houve desde produções de resistência da Imprensa Alternativa, como a organizada
por jornalistas e cartunistas na época da ditadura militar através das publicações de “O
Pasquim” – fundado em 1969 por Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral e Ziraldo – até
produções voltadas ao rock nacional, à ficção científica e à produção independente de
histórias em quadrinhos. Versando sobre as mais diversas temáticas, os fanzines eram
estilizados de acordo com os conteúdos neles abordados, por exemplo: durante a década de 70
nos Estados Unidos, surgiram Punk zines, que utilizavam estética própria, marcada por
produções compostas por colagens, e baseadas no lema “Do it Yourself”.
Impulsionado pelo desejo criativo daqueles que não se contentavam com as
abordagens e conteúdos trazidos pelas grandes mídias, o histórico dos fanzines foi marcado
por seu caráter artístico e contracultural. Dessa maneira, o fanzine se configurou como espaço
para as primeiras manifestações da cultura participativa dos fãs, auto declaradamente, sendo
31
veículo para fanfics e também para as primeiras expressões de fanart. Tal “Arte de fã”, dentro
dos fanzines, se expressava através de reproduções gráficas, cartazes, colagens, ilustrações e
histórias em quadrinhos, estruturadas e criadas pelos próprios fanzineiros - configurando-se,
dessa forma, como objeto produzido e consumido por fãs.
A partir da década de 60, com o lançamento e popularização do seriado televisivo
Star Trek, as comunidades de fãs se difundiram de tal forma que, hoje, tal momento histórico
é utilizado como referencial acadêmico para o surgimento e desenvolvimento dos fandoms,
das fanfics e dos fanvids. Como aponta Cristina Izquierdo (2016), durante uma convenção de
Fãs, ocorrida em 1975, realizou-se a primeira manifestação artística de um fanvid, quando a
Fã Kandy Fong projetou uma sequência de imagens do seriado mescladas a composições
musicais - na época, possível apenas se realizadas separadamente, mas apresentadas de
maneira simultânea. Com o tempo, a partir de fitas VHS (Video Home System), e utilizando-se
de reprodutores e gravadores domésticos, os fanvids puderam ser realmente desenvolvidos e
explorados. Seguindo este ritmo crescente de consolidação dos espaços e objetos próprios da
cultura participativa do fã; no final da década de 70, com o lançamento de filmes e programas
televisivos de grande sucesso e influência – como Star Wars e Dr. Who – os fandoms passam,
então, a se popularizar e diversificar, cada vez mais.
A partir dos anos 90, com o advento da internet, os fandoms passam a habitar o
universo digital, conferindo maior interatividade e inventividade ao seu espaço e às produções
de fã que nele passam a circular, cada vez mais. Dentro da grande rede, distâncias e condições
econômicas, que se caracterizavam como os maiores obstáculos para o desenvolvimento das
criações de fã, deixaram de existir. Além disso, os computadores surgem como ferramentas
que, através de seus softwares, possibilitam processos criativos de maior praticidade para os
fãs criadores de conteúdo.
E é nesse cenário, então, que as fanmades passam a se desenvolver: os fanzines
tornam-se e-zines (fanzines produzidas e distribuídas digitalmente), e as fanfics, fanvids e
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fanarts estabelecem seus próprios espaços de expressão. Esse cenário, ocupado por diversos
grupos de fã, viabiliza o encontro e colisão de diferentes fandoms, além de possibilitar que os
espaços e produtos da cultura participativa possam ter maior visibilidade, atingindo fãs,
público geral e também a própria Indústria Cultural.
1.5 O ESPAÇO DA FANART NA ATUALIDADE
O espaço virtual conferido ao fandom possibilita ao fã um ambiente de cultura
participativa, onde a discussão, a criação, e também o consumo de produtos criados por outros
fãs, tornam-se, concomitantemente, possíveis. Desenvolvendo suas próprias características
com o tempo, culminando na época atual, as fanarts podem ser caracterizadas como as
variações gráficas do fandom, sendo capaz de comportar diferentes técnicas artísticas, tendo
como base seu formato digital, que a torna capaz de ser disseminada através da web.
O consumidor se modificou neste processo de integração às redes, buscando nichos
que lhe gerem maior interesse e satisfação pessoal, visto que a tecnologia das novas mídias
possibilitou a seletividade dos conteúdos a serem consumidos. A interatividade promovida
pelo ciberespaço possibilitou que o consumidor se tornasse, também, produtor de conteúdos,
promovendo cada vez mais a interação do público com seus objetos de consumo.
Associando-se a isso o fato de que, nesse cenário, os consumidores passam a ocupar, também,
o papel de produtores culturais, discutindo e produzindo sobre seus objetos com seriedade de
fã, estes passam a produzir cultura popular, uma vez que “enquanto [o produto] está sob o
controle dos produtores, é cultura de massa. Quando está sob o controle dos consumidores, é
cultura popular.” (JENKINS, 2009).
Por se disseminarem através da web, as fanarts tiveram de se apresentar digitalmente
no decorrer de sua consolidação como tal. Dessa maneira, sua produção pode ser realizada por
meio de softwares ou através da digitalização de artes, acomodando, assim, as mais diversas
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materialidades. As “Artes de Fã” na atualidade, também apresentam a possibilidade de
ilustrar fanfics, ou de serem encomendadas por outros membros do fandom, adquirindo,
assim, valor monetário.
Na web, a fanart costuma ter espaço em sites de fóruns e comunidades de fãs
(fandoms), ou em redes sociais - como facebook, instagram, twitter, tumblr e pinterest. Desta
última categoria, vale ressaltar o site DeviantART, fundado em agosto de 2000, que comporta
produções manuais escaneadas, fotografias, animações, artes digitais, pixel art e afins. Esta
plataforma não apenas permite a circulação de fanarts, como também as promove, uma vez
que o usuário, ao fazer uma conta no site, pode selecionar a fanart como uma de suas
possíveis opções de interesse artístico.
Proveniente da junção das palavras inglesas “Deviant” - desviante, desviado - e “Art”
- arte - esta plataforma, como afirma Perkel (2011), possui sua origem em um site voltado
para pessoas que realizavam seus próprios designs para aplicativos de computador, os
“desviando” de sua aparência original. A proposta do DeviantART, por outro lado, se baseia
na promoção e compartilhamento de produções de artistas e entusiastas, se apresentando
como espaço para a criação, descoberta e compartilhamento de arte na web (Fig. 12). Dessa
forma, o site se configura como espaço aberto para a crítica e troca de experiências entre seus
membros, numa dinâmica própria da cultura participativa. Por consequência, de acordo com
Perkel (2011), "[...] exposições públicas, perfis e páginas de usuários ajudaram o DeviantART
a funcionar como um sistema de distribuição para representações de seus membros, bem
como suas obras de arte." (p. 31).
34
Figura 12 - Resultados ao explorar a aba “Fanart” , no site DeviantART.
Fonte: https://www.deviantart.com/topic/fan-art
Outro espaço interessante de ser ressaltado, são websites e redes sociais de empresas
(produtoras midiáticas) que, através da internet, incentivam a criação e compartilhamento de
fanarts. Um exemplo são as campanhas #CNFANART (Fig. 13) e #GarotasDesenhamGarotas
realizadas pela Cartoon Network Brasil. A primeira possui caráter fixo, dispondo de seu
próprio website, onde o público - majoritariamente infantil - pode acessar e enviar fanarts
baseadas nas produções distribuídas pela própria Cartoon Network. Neste espaço os usuários
podem favoritar fanarts de outros, além de poderem acessar o desafio criativo do mês lançado
pela empresa. A fanart mais favoritada no mês ganha destaque na galeria, sendo a primeira a
aparecer na página inicial do site.
35
Figura 13 - Página inicial do website da campanha #CNFNART.
Fonte: https://cnfanart.com/br/
Já a segunda campanha, #GarotasDesenhamGarotas, realizou-se entre os dias 8 e 30
de Março de 2020, como uma iniciativa voltada ao dia internacional da mulher. Esta, tinha
como objetivo promover tanto o trabalho de ilustradoras e animadoras brasileiras, quanto a
criação de jovens garotas integrantes do público de fãs dos desenhos animados da Cartoon
Network. Nesta campanha, garotas menores de 17 anos poderiam enviar seus desenhos e
histórias originais criadas a partir de personagens femininas das animações da empresa
(dentre as listadas pela Cartoon Network no link da campanha). Estas criações - fanarts -
foram recebidas e analisadas pela empresa, que selecionou três produções para inspirar a
criação de um curta animado oficial. Além disso, a página da campanha na web apresentava
fanarts realizadas por ilustradoras mulheres para inspirar as jovens garotas a produzirem e
enviarem suas fanarts, além de listarem toda a equipe feminina que participaria da produção
do curta animado resultante da campanha.
Em ambiente virtual, as fanarts se consolidaram como produto artístico-cultural, mas
ao serem compradas ou expostas, ocupam também, espaços físicos. Um exemplo de tal
situação ocorre com frequência nos eventos de fãs, como feiras e convenções, organizados ou
de forma independente entre os membros de um fandom, ou por meio de eventos que contam
com a participação e organização de empresas de grandes estúdios e franquias da cultura pop como a CCXP (Comic Con Experience), por exemplo, que ocorre anualmente na cidade de
36
São Paulo. Nela, além de participarem das diversas atrações do evento, proporcionadas
principalmente pelos estandes das empresas de entretenimento, os fãs podem se reunir e expor
suas artes, sobretudo suas fanarts, através do Artists’ Alley, espaço destinado a artistas para
apresentarem seus trabalhos e interagirem com outros fãs.
Todavia, em se tratando de espaços como galerias, museus e outras instituições de
arte – não vinculadas diretamente a fandoms, as fanarts ainda encontram resistência para sua
inserção e permanência. Isso se dá, principalmente, devido às questões atreladas a
originalidade e autoria. Uma vez sendo uma produção derivada de outra obra já existente, as
artes de fã trazem a tona a questão dos direitos autorais sobre a obra original, objeto de
inspiração. Nesse contexto, desde a sua recente origem, sobretudo durante o início de sua
difusão e consolidação na web, a prática de fanmades foi alvo de ações que iam contra a sua
realização e propagação por parte de marcas e autores, por exemplo, detentores dos direitos
dos conteúdos culturais dos quais tais produções advieram.
Entretanto, hoje em dia, a partir dos novos estudos sobre a cultura dos fãs e da
compreensão sobre a interação e dinâmica destes sobre determinado conteúdo, as empresas detentoras dos direitos dos produtos culturais passivos às produções dos fãs - passaram a
compreender e encarar as fanmades enquanto um novo tipo de consumo, que por sua vez
corrobora para a manutenção, divulgação e para o desenvolvimento dos seus produtos. Nesse
sentido, o fã passa a ser visto como um “[...] verdadeiro agente publicitário do produto.
Agrupando e produzindo cada vez mais conteúdos relacionados à obra [...] funcionando como
uma espécie de publicidade espontânea que cria ainda mais audiência formal e informal.”
(REZENDE, NICOLAU, 2014, p.09).
Assim, as empresas têm cada vez mais mudado seu comportamento e olhar em
relação aos fãs e suas produções, percebendo neles aspectos profícuos ora para o sucesso de
seus produtos, ora para a configuração de novas possibilidades mercadológicas. Nesse
contexto, as mesmas vêm viabilizando um espaço de atuação para os fãs, considerando suas
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produções e motivando suas criações, como exemplificado nas ações #CNFANART e
#GarotasDesenhamGarotas. Ademais, essa nova postura adotada pelas empresas tem
favorecido o surgimento de galerias voltadas para as produções de fã, tornando possível a
exposição de fanarts em tais espaços. Nesse contexto, essas galerias, muitas vezes vinculadas
às marcas e aos produtos culturais das empresas em questão, permitem aos artistas fãs
exporem suas obras e até mesmo, na maioria dos casos, comercializá-las.
A French Paper Gallery (Figs. 14 e 15), é um exemplo de galeria voltada para a
cultura pop e às produções de fã. Situada em Paris e dedicada à serigrafia, a mesma conta com
a colaboração de licenças oficiais de diversas empresas de entretenimento midiático, como a
Warner e a Ubisoft, por exemplo, apresentando exposições de artes temáticas, coletivas e
individuais, nas quais diversos artistas já participaram apresentando suas fanarts.
Figura 14 e 15 - Interior da French Paper Gallery.
Fonte: http://frenchpapergallery.com
38
CAPÍTULO 2:
A FANART NA ARTE
A partir da definição do termo fanart e de sua retomada história, cabe, doravante,
refletir sobre como este tipo de produção pode se caracterizar no campo da arte, servindo
como instrumento de estudo e como objeto artístico. Neste sentido, retomando caminhos
artísticos de diferentes personalidades, o atual capítulo busca mostrar as potencialidades da
fanart como produção, através da apresentação do trabalho de diferentes artistas dentro do
campo. Por fim, toda a discussão realizada culmina na abordagem sobre o projeto expositivo
“Viagem” inaugurado no início de 2020 na Galeria da Faculdade de Artes Visuais da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas. No decorrer deste capítulo, serão frisadas as
possibilidades de expressão proporcionadas pela produção artística dentro da fanart,
enfatizando seu caráter relacionável, proveniente do sentimento de fã para com o objeto de
inspiração.
2.1 FANART ENQUANTO ESTUDO
Retomando a supracitada definição de fanart, tem-se a palavra “fanatic” como termo
presente em sua origem etimológica, atribuindo-lhe aspectos de devoção e admiração. Assim,
é possível caracterizá-la como uma produção que se alicerça na afeição, no respeito e na
homenagem pela obra original. Em vista disso, mostram-se recorrentes produções de fanart
que, baseadas neste apreço ao objeto de inspiração e seus criadores, utilizam-se destes como
fonte de inspiração para estudo, identificando neles referenciais em qualidade técnica. É dessa
forma que o artista visual João Baldini, analisa o início de sua própria produção artística:
“Entretanto, minhas fanarts não serviam apenas como homenagem, mas também
como uma forma de estudo, ou seja, analisar as ilustrações e tentar entender o
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porque dos personagens que eu desenhava serem tão cativantes e o quão elaborado
seus designs são por mais simples que pareçam.” (BALDINI, 2019, p. 29)
Retomando seu reconhecimento como artista, Baldini caracteriza sua afinidade com
“Videogames, histórias em quadrinhos e desenhos animados [...]” (BALDINI, 2019, p. 20)
como motivação e inspiração iniciais para sua prática artística. Por ser parte integrante de sua
infância, ainda criança começa a produzir imagens baseadas em tais produções, como
expressam as figuras 16 e 17.
Figuras 16 e 17 – Desenhos de infância do artista João Baldini, baseados, respectivamente, nos
personagens Super Mario e Pica-pau.
Fonte: João Victor Domingues Baldini, Nephilem, 2019. (p. 22-23)
Ainda em sua infância, o artista passa então a “[...] ‘copiar’ desenhos, ou seja,
transcrever desenhos para uma outra folha utilizando uma ilustração original como referência”
(BALDINI, 2019, p. 21). A cópia se configurou, então, como aprendizado ao exigir olhar
apurado e atenção aos detalhes nas obras de inspiração, culminando, posteriormente, no
interesse do artista em produzir fanarts. Neste processo, Baldini afirma ter percebido a arte
como uma possível profissão a seguir, o que resultou em sua entrada no curso de Artes
Visuais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, em 2015.
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Como aborda Caroline Ting em seu artigo “A arte da cópia” ou “O artista-copista”
(2016), realizar cópias partindo da obra de mestres antigos ou contemporâneos, é prática
comum e antiga no processo de aprendizagem artística. Escolas baseadas nos métodos de
ateliês tradicionais, ainda utilizam a cópia dos grandes mestres como meio de estudo, sendo
que, por meio dela o aprendiz pode aumentar seu repertório artístico, além de contribuir para
um maior domínio técnico e amadurecimento de sua própria poética.
Porém no âmbito da arte-educação utiliza-se o termo mimese no lugar de cópia, por
possuir maior adequação de sentido, como defende Ana Mae Barbosa, “[...] no aprendizado
artístico, a mimese está presente no sentido grego procura pela similaridade e não como
cópia.” (BARBOSA, 1989, p. 179).
Na Grécia antiga, onde se originou o termo mimesis, Platão e Aristóteles versaram
sobre esta partindo de diferentes perspectivas. Para Platão, como aborda Rezende (2016, p.40)
a mimesis só poderia ocorrer para fazer referência ao mundo ideal - o mundo das ideias, onde
há a perfeição eterna, alcançada através da razão - e nunca ao mundo sensível – o mundo dos
sentidos, o mundo real em que habitamos. Nesta lógica, a mimesis utilizada pelos artistas,
fazendo em suas obras referência ao mundo material, era apenas cópia da cópia e não
contribui em nada ao acesso à verdade.
Por outro lado, a expressão artística a partir da mimesis para Aristóteles, traz consigo
“possibilidades para a verdade das coisas” (REZENDE, 2016, p. 42), uma vez que este
defendia que a essência de tudo se encontra no sensível – e não no mundo das ideias.
Aristóteles defende a imitação como característica inerente ao ser humano desde a infância,
apresentando potencial educativo e fonte de prazer. Para ele, a mimesis não se trata de um
mero copiar das coisas, ela se baseia na observação e imitação da realidade para a criação de
outras realidades possíveis e críveis, assim, “Não se trata de dizer como foi, mas o que
poderia ser.” (REZENDE, 2016, p. 42). Dessa forma, de acordo com Schlesener (2009) é na
41
brincadeira infantil e na arte que a mimese possui espaço no mundo moderno, pois existe em
ambos a leitura e gênese do mundo, buscando e atribuindo sentidos.
Na fanart o caráter mimético se faz presente, o que lhe confere utilidade como
instrumento de estudo e expressão, uma vez que esta possibilita:
[...] combinar, sintetizar y crear conexiones entre distintos elementos sacados no
solo del universo interno del Objeto original sino, muchas veces, de otros Objetos
pertenecientes a la industria de la cultura y entretenimiento popular e, incluso, del
arte académico. (SOTO, 2016, p. 60)
Para dar maior embasamento ao mimetismo presente na arte de fã, têm-se a seguinte
objeção: a mimese, de acordo com Carvalho (2019), traz à tona questões relacionadas à ética
– ao questionar os limites entre público e privado – e à estética – ao opor sua moderna
concepção alicerçada na originalidade, à percepção clássica que se baseia na mimese. Por seu
caráter mimético, a fanart também traz consigo tais dilemas éticos e estéticos, colocando à
tona também questões relacionadas a direitos autorais - dos objetos de inspiração para com as
criações de fã.
Baldini (2019) em seus escritos, mostra ter utilizado a fanart primeiramente como
estudo técnico das obras que lhe serviam de inspiração para depois, por meio desta, construir
suas próprias representações, desenvolvendo - através da fanart - seu próprio traço artístico.
Foi também através de suas produções de fã que o artista percebeu seu interesse na criação de
personagens, o que contribuiu e culminou no desenvolvimento de todo o seu projeto final de
graduação, baseado no desenvolvimento de personagens autorais para um futuro Mangá.
Amadurecendo como artista, João Baldini desenvolveu por meio da fanart sua
própria poética, utilizando sua relação de fã com obras e artistas de seu interesse como
instrumento para seu autoconhecimento e desenvolvimento técnico. Cabe agora, explorar a
fanart para além da influência do termo Fanaticus em sua etimologia, partindo para a
interpretação de sua expressão com arte, uma vez que advém não apenas da palavra inglesa
fan, como também de art (proveniente do grego tékne).
42
2.2 FANART ENQUANTO ARTE
Agni Gómez Soto, em seu texto Primer Acercamiento al Fanart y su lugar en el Arte
Contemporáneo, salienta a comum caracterização designada a fanart no âmbito artístico, a
partir da qual esta se configura como uma forma de “pasatiempo, de hobby y de arte sin
importancia.” (SOTO, 2016, p. 30) Porém, partindo de estudos nos campos das produções de
fã, e da produção artística cultural como um todo, torna-se possível levantar uma abordagem
que valorize a fanart, permitindo inseri-la em discussões artísticas.
Soto defende que, tanto as produções de mestres consagrados, quanto obras de
fanart, apresentam o que chamou – se inspirando nos escritos de Walter Benjamin – de
“Aura” da obra de arte. Neste sentido, ela justifica que a aura da fanart se fundamenta na
diversificação e expansão da obra original, enriquecendo-a ao introduzir diversos aspectos
que refletem a pluralidade de vivências dos fãs. Assim como afirma Jenkins, em seu livro
Textual Poachers, os fãs encontram no fandom um espaço para discutir questões voltadas à
“sexuality, gender, racism, colonialism, militarism, and forced conformity” (JENKINS, 1992,
p.), e a partir disso, suas produções de fã refletem estes debates, incorporando em si aspectos
a eles relacionados. Agni Gómez ainda defende que a originalidade, assentada nesta lógica,
deixa de ser tão importante, uma vez que a capacidade de encontrar detalhes reconhecíveis e a
partir disto criar novas e heterogêneas histórias conecta o público receptor com as produções
“fanartísticas”.
Em seguida, Soto afirma que as artes clássicas e religiosas também podem ser lidas
através de critérios metodológicos próprios das produções de fã (levantados por Jenkins, em
seu livro Textual Poachers, em 1992). Porém, de acordo com ambos os autores, existe uma
diferença entre estas produções artísticas – arte consagrada e fanart – escorada na ideia de
segmentação da cultura em Alta Cultura e Cultura Popular.
Esta abordagem levantada por Jenkins se alicerça nos estudos de Pierre Bourdieu
sobre a construção sócio-cultural do gosto. Segundo os escritos de Bourdieu, com a
43
democratização do ensino elementar, surge a indústria cultural que permite “às novas classes
(e às mulheres) o acesso ao consumo cultural” (BOURDIEU, 2007, p.102). O campo da
produção artística, assim, passa a apresentar duas vertentes: o da produção erudita – onde
produtores culturais produzem para produtores culturais, em um ciclo fechado - e o da
indústria cultural – que se baseia no sucesso da produção no mercado, sendo esta destinada ao
público geral. Enquanto os produtos da indústria cultural podem ser assimilados por todos, os
da cultura erudita necessitam de conhecimentos prévios para que se realize o deciframento e a
decodificação de seus objetos. A sociedade legitima, através do processo de inculcação no
ensino, o gosto das classes dominantes, que, por não se enquadrar nas vivências das demais
classes, acaba por exercer sobre estas uma “violência simbólica” (BOURDIEU, 2007), ao
taxar o gosto das classes dominadas como inferior.
As culturas de fã, por meio do consumo ativo, costumam brincar com os limites
impostos pela segmentação dos gostos - estabelecidos por Bourdieu. Neste aspecto, as
fanmades criam uma nova forma de cultura popular, incorporando vivências pessoais com
elementos próprios da cultura comercial, além de os disseminarem através de meios próprios,
criados e regidos por fãs.
Fan culture muddies those boundaries, treating popular texts as if they merited the
same degree of attention and appreciation as canonical texts. [...] Fans speak of
“artists” where others can see only commercial hacks, of transcendent meanings
where others find only banalities, of “quality and innovation” where others see only
formula and convention. (JENKINS, 1992, p. 17)
Retomando os estudos realizados por Soto, vale abordar, por fim, sobre suas análises
- baseadas em critérios e parâmetros levantados por Jenkins e pelo método de Panofsky - para
estudar diferentes artes de fã. O resultado levantado pelas investigações da autora torna
possível fundamentar a fanart enquanto arte, apresentando especificidades e potencialidades
próprias.
Partindo desta pesquisa, Soto chega a algumas conclusões – que ela mesma defende
como experimentais, e não universais. Ela conclui que as fanarts podem apresentar, um ou
44
mais objetos de inspiração em uma mesma peça, geralmente propondo universos alternativos
ou concebíveis dentro delas (Fig. 18). Quando não apresentam novas possibilidades de
interpretação do objeto original, as fanarts as enriquecem com elementos simbólicos, podendo
unir algo sagrado ou épico a algo banal - por exemplo, através da mimese de obras religiosas,
criando alegorias que também se encaixam ao objeto de inspiração (Fig. 19).
Figura 18 – Obra “Quest Party” de Gabriela Garcia, 2019. Ilustração digital que mescla três animações
como objetos de inspiração: “Coraline e o Mundo Secreto” , “A viagem de Chihiro” e “Alice no País das
Maravilhas”.
Fonte: Arquivo pessoal da artista.
45
Figura 19 – Obra Pietà de Danilo Becker, 2018; desenho em nanquim que retrata um acontecimento do
enredo da série Game of Thrones, cuja composição é baseada na obra de mesmo nome feita por Annibale
Carracci (1599-1600).
Fonte: Arquivo pessoal.
Para Soto, as artes de fã que se baseiam em apenas um objeto costumam brincar com
a temporalidade destes - por exemplo, ao representá-los se utilizando de características
iconográficas medievais - ou com o gênero dos personagens retratados - mudando-os ou
subvertendo-os (Fig. 20). Por fim, a autora também afirma que artistas com formação
acadêmica costumam apresentar fanarts que exploram materialidades diferentes das usuais
entre “fanartistas” – que, em sua maioria, produzem artes digitais (Fig. 21).
46
Figura 20 – Obra sem título de Hitomi Fukase, 2016. Aquarela e nanquim, inspirada no personagem
“Sem Rosto” de A Viagem de Chihiro transmutando seu gênero.
Fonte: Arquivo pessoal da artista.
Figura 21 –Obra Não poderemos mais jogar vídeo-game de Bruna Galib, 2019. Escultura em pedra sabão,
inspirada no personagem “BMO” de “Hora de Aventura”.
Fonte: Arquivo pessoal da artista.
47
Em meio a isso, notam-se as possibilidades dentro das artes de fã, que envolvem os
mais variados modos e níveis de como assimilar, organizar e traduzir as informações dos
objetos de inspiração. Logo, percebe-se nesse apanágio da fanart – condizente ao caráter de
obra derivada de outra – um traço presente em significativa parte de produções artísticas
contemporâneas. Tal característica diz respeito ao processo de criação dado por apropriações,
em diversos níveis, de outras obras e conteúdos já existentes, em que a produção ocorre a
partir de algo já estabelecido.
Essa tendência, apesar de possuir traços em práticas artísticas desde o período
moderno e pós-moderno – como no ready-made de Duchamp e na Pop Art, respectivamente -
mostra-se, por sua vez, intensificada na contemporaneidade, sendo ela apontada por Nicolas
Bourriaud em sua obra “Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo”
(2009). Nela, o autor discorre sobre esses tipos de produções, atribuindo-lhes o conceito de
“pós-produção” e evidenciando sua prática desde o início da década de 1990, em que “uma
quantidade cada vez maior de artista vem interpretando, reproduzindo, reexpondo ou
utilizando produtos culturais disponíveis ou obras realizadas por terceiros” (BOURRIAUD,
2009, p.07-08).
Em meio a isso, Bourriaud percebe essas novas formas de condução dos processos
artísticos, enquanto uma resposta e/ou alternativa de atuação dentro do cenário complexo
proporcionado pelas redes e pelos sistemas culturais contemporâneos. Desse modo, segundo o
autor:
Essa arte da pós-produção corresponde tanto uma multiplicação da oferta cultural
quanto – de forma mais indireta – à anexação ao mundo da arte de formas até então
ignoradas ou desprezadas. Podemos dizer que esses artistas que insere seu trabalho
no dos outros contribuem para abolir a distinção tradicional entre produção e
consumo, criação e cópia, ready made e obra original. Já não lidam como
matéria-prima. Para eles, não se trata de elaborar uma forma a partir de um material
bruto, e sim de trabalhar com objetos atuais em circulação do cercado cultural, isto
é, que já possuem uma forma dada por outrem. Assim, as noções de originalidade
(estar na origem de...) e mesmo de criação (fazer a partir do nada) esfumam-se nessa
nova paisagem cultural [...] (BOURRIAUD, 2009, p.08)
48
Logo, nota-se essa redefinição dos modos de fazer, conceber e apresentar a arte
presente nessas práticas artísticas do pós-produção, as quais se relacionam com as fanarts na
medida em que ambas “compartilham o fato de recorrer a formas já produzidas”
(BOURRIAUD, 2009, p. 12) e assim, também vão de encontro às questões de autoria e
originalidade.
A partir disso, pode-se perceber a fanart enquanto uma forma de produção dentro
desse cenário cultural contemporâneo, sendo ela, de certo modo, relacionada a essa tendência
pós-produtiva. A sua especificidade, no entanto, está evidenciada em seu processo de criação,
onde artista e objeto apropriado configuram-se como fã e objeto de inspiração,
respectivamente.
Por conseguinte as fanarts, além da sua possibilidade como ferramenta de estudo,
têm também a sua potencialidade enquanto objeto artístico, cuja estrutura estética e/ou
conceitual evidencia um caráter singular e autêntico, oportunizado pelo seu processo de
criação. Este se dá, de início, pelo complexo relacional entre o artista fã e seu objeto de
inspiração. Aqui, tal complexo suscita em significações, leituras, afetos e outras construções
interpretativas e simbólicas próprias e subjetivas do fã, as quais são, por sua vez, trabalhadas
por ele em simbiose com a poética e o fazer artístico do mesmo. Nesse processo, estes não se
atrofiam ou se vêem recônditos perante as características e narrativas já estabelecidas da obra
oficial, pelo contrário, eles se envolvem e se desenvolvem entre os parâmetros canônicos da
mesma, explorando-os e apresentando-os posteriormente sob uma nova perspectiva,
materializada na obra (fanart) realizada.
Destarte, os objetos resultantes dessa produção dialógica apresentam um valor
autêntico e legítimo, uma vez que neles estão presentes a sensibilidade e a singularidade do
artista fã que os criou. Assim sendo, as fanarts não deixam de se desvincular da sua obra
originária, no entanto, as mesmas têm as suas potencialidades e características próprias, as
49
quais transcendem as narrativas originais na medida em que carregam as marcas do fazer
sensível do artista.
2.4 PRODUÇÃO POÉTICA AUTORAL
A partir da abordagem da fanart enquanto arte, este subcapítulo busca apresentar a
contribuição da arte de fã para a nossa poética autoral, que culminou na exposição coletiva
“Viagem”, em 2020, na galeria da Faculdade de Artes Visuais da PUC-Campinas. A partir de
nossos depoimentos individuais, procura-se abordar sobre a relação pessoal de cada qual com
suas respectivas produções em fanart, a fim de introduzir a discussão que vem em seguida
sobre a exposição “Viagem”.
2.4.1 BÁRBARA ALMEIDA
Antes de meu ingresso na universidade - mesmo possuindo uma produção artística
escassa - em minhas criações, as artes de fã se faziam presentes através de rascunhos e
desenhos despretensiosos. Em 2017, ao ingressar no curso de Artes Visuais, minha produção
em fanart não se encerrou, ao contrário disso, ela contribuiu para o meu desenvolvimento
como artista, tornando-se parte integrante de minha própria poética. Nas aulas práticas, de
experimentação e criação artísticas, as artes de fã se mostravam como uma maneira de auxílio
no processo de aprendizagem, uma vez que me tranquilizava quanto à criação de algo
completamente novo – visto que partia de representações já familiares e interessantes – me
possibilitando focalizar na exploração de diferentes materialidades (como exemplifica as
figuras 22 e 23).
50
Figuras 22 e 23 - Produções em fanart realizadas nas classes de Plástica (Figura 22 - colagem, 2017) e
Gravura (Figura 23 - xilogravura, 2019), tendo como objeto de inspiração o personagem “Sem Rosto”.
Fonte: Arquivo pessoal.
Por meio dos projetos finais resultantes das aulas de Desenho Artístico, pude
trabalhar e perceber minha poética de maneira mais profunda e fundamentada. Esta se
mostrou voltada para meu passado, de maneira nostálgica, alicerçada em emoções e sensações
(que se misturam e inter relacionam), norteadas por experiências pessoais e familiares. Tudo
isso acabou conversando com a minha produção em fanart, uma vez que esta também se
alicerça em relações sentimentais pessoais com obras que, muitas vezes, fizeram parte de
minha infância e pré-adolescência, remetendo, também, ao sentimento nostálgico.
Com o passar do tempo, reconheci na arte de fã uma maneira de associar a
experimentação com a expansão de significações dos objetos originais. Neste sentido, pude
acrescentar visual e conceitualmente, obras das quais eu já me relacionava, explorando novas
possibilidades expressivas dentro da fanart. Essa experimentação se tornou possível através
da elaboração e execução de um projeto expositivo voltado para a fanart, que foi
51
desenvolvido juntamente com Danilo Becker, tendo início no segundo semestre de 2018 e se
concretizando no início de 2020, na galeria de artes visuais da PUC-Campinas.
2.4.2 DANILO BECKER
A realização de fanarts se faz presente em minhas produções artísticas desde a
infância, tendo uma maior intensificação durante minha adolescência. Tal prática foi muito
importante e influente para o meu processo criativo na medida em que, além de servir como
forma de estudo e experimentação na linguagem do desenho, tem contribuído também no
desenvolvimento da minha poética.
Desenhar personagens e parte de histórias de determinados conteúdos culturais dos
quais sou fã, serviu como uma motivação cada vez maior para meu contato com o desenho.
Essa prática teve um impulso nos anos finais do meu ensino fundamental e no meu ensino
médio, podendo ser vista nos meus desenhos e esboços realizados de forma espontânea. Essas
produções resultaram em diversas imagens, algumas mais simples - como figuras soltas,
esboçadas e fracionadas, e outras mais elaboradas e detalhadas.
Em meio a isso, a partir de tais imagens consigo distinguir dois tipos de produções,
sendo uma mais voltada para exercícios de estudos (Fig. 24) e outra para exercícios de criação
(Fig. 25), todas elas realizadas a partir dos meus objetos de inspiração. Nesse contexto, estes
últimos serviram ora como ferramentas de estudo para a representação gráfica de certos
elementos imagéticos, ora como fonte para a elaboração e composição de imagens a partir do
meu traço e percepção criativa.
52
Figura 24 - Exemplos de esboços e estudos sobre corpos e rostos femininos partidos da personagem
“Mileena” da série de jogo Mortal Kombat, realizados entre 2014 e 2016.
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 25 - Exemplo de produção voltada à criação; Fanart de Alice no País das Maravilhas, realizada em
2016.
Fonte: Arquivo pessoal.
53
Já em 2017, com o meu ingresso no curso de Artes Visuais, minha produção
“fanartística” sofreu alterações na medida em que, no contexto acadêmico, tive o contato com
novas possibilidades de criação. Desse modo, não mais restritas à linguagem do desenho,
minhas fanarts ganharam formas também por meio de outras linguagens artísticas,
apresentando-se a partir de novas materialidades e novos suportes de criação. Junto a isso, por
meio de trabalhos práticos desenvolvidos na graduação, fui percebendo e desenvolvendo
minha poética, a qual tem como apanágio a narrativa. Nesse sentido, minhas produções em
geral denunciam, em sua composição e estética mais figurativa, uma história.
Logo, percebi nas fanarts essa presença da narrativa, a qual pode ser evidenciada até
por uma representação simples e despretensiosa de um personagem de uma obra, uma vez que
este carrega em si elementos narrativos da obra em questão, os quais se encontram na
memória do fã que o observa. Assim sendo, pude notar nas produções de fã esse potencial
dialógico que, por sua vez, torna exequível explorações criativas, dos mais variados níveis e
modos, sobre as narrativas presentes nos objetos de inspiração.
Ademais, as fanarts me possibilitaram a produzir a partir de suportes e ou formatos
estéticos dos quais não estou habituado a trabalhar, ampliando assim meu modo de produção e
oportunizando novas práticas criativas. Nesse contexto, pude lançar mão de estéticas abstratas
e conceituais, por exemplo, para a construção e representação de elementos visuais, cedendo a
figuração tenaz, presente até então, em meu processo criativo. Essa nova perspectiva de
criação teve impulso e se tornou mais evidente por meio do projeto expositivo em parceria
com a Bárbara Almeida, “Viagem”, o qual será abordado no subitem a seguir.
2.4.3 EXPOSIÇÃO “VIAGEM”
A exposição “Viagem”, inaugurada em fevereiro de 2020 na galeria da faculdade de
artes visuais da PUC-Campinas, foi organizada pelos pesquisadores do presente trabalho,
54
sendo ela constituída por fanarts e cuja temática se voltou para animações famosas. Em meio
a isso, o projeto conta com produções baseadas nas obras “A Viagem de Chihiro”, “Alice no
país das Maravilhas”, “Coraline e o Mundo Secreto”, “Hora de aventura”, “Irmão do Jorel”,
“Desencanto”, “Os Simpsons” e “Futurama”, as quais ambos organizadores têm como objetos
de inspiração. A exposição apresenta ainda um mural com diversas fanarts de artistas
convidados, que por sua vez abordam sobre outras obras animadas.
A produção de fanarts partindo de séries ou filmes animados foi o tema escolhido
para o trabalho, uma vez que, além de ser prática comum aos proponentes da exposição, a
mesma pôde abordar obras das quais ambos são fãs. Ademais, a temática consegue dialogar
com a poética de cada artista já que, enquanto para Bárbara Almeida algumas animações lhe
proporcionam um sentimento nostálgico e repleto de emoções, remetido à infância e ao
passado, para Danilo Becker, as próprias histórias de cada obra inspiratória já coadunam com
seu processo criativo voltado à produção e construção de narrativas visuais.
O nome “Viagem” advém das possibilidades de imersão dentro do universo das
animações abordadas e dentro das novas propostas sugeridas pelas suas respectivas fanarts,
cujas estéticas conceitual e formal trazem diferentes interpretações e narrativas das obras
originais, conquistadas pelo fazer sensível dos artistas e pela relação dos mesmos com esses
objetos de inspiração.
Nesse contexto, a palavra viagem pode ser entendida em seu sentido denotativo, uma
vez que pode remeter às viagens aos mundos oníricos presentes de modo concreto nas
narrativas das animações abordadas, como ocorre, principalmente, no enredo de “Alice no
País das Maravilhas” e “A Viagem de Chihiro”, por exemplo. Por outro lado, a partir de uma
concepção figurada, a palavra “viagem” também condiz ao “percurso” que o espectador
poderá realizar ao apreciar as obras. Uma vez em contato com essas, o apreciador pode
“viajar” entre as narrativas canônicas, entre as interpretações construídas pelos artistas fãs e
pelas suas próprias interpretações e percepções sobre ambas. Ademais, em se tratando de
55
animações, as quais muitas são antigas, a exposição poderá possibilitar também a
determinadas pessoas uma “viagem” de volta à infância, na medida em que pode trazer um
sentimento nostálgico ao trabalhar com esses objetos de inspiração.
A proposta de realizar uma exposição se utilizando da fanart para a criação das obras
surgiu com o objetivo de trazer esse tipo produção para um espaço expositivo e acadêmico, a
fim de possibilitar um diálogo acerca dessa temática inserida nos espaços de legitimação de
arte e discutindo sobre o seu valor artístico. Neste sentido, a exposição “Viagem” buscou
compartilhar diferentes visões da fanart dentro das esferas das artes visuais, demonstrando as
diversas possibilidades de criação para essas produções.
Em meio a isso, as fanarts foram trabalhadas e construídas a partir de variadas
técnicas e linguagens artísticas, não se limitando apenas ao desenho e a pintura – sobretudo
digitais, nem à estética figurativa, os quais comumente são usados para a elaboração de tais
criações de fã. Logo, a exposição visou oportunizar novas abordagens e novos formatos para
essas produções, dialogando com as possibilidades artísticas presentes na arte contemporânea
e não tão explorada nas fanarts em geral. Dessa forma, fazendo o uso de linguagens tanto
tradicionais quanto contemporâneas, a exposição contou com trabalhos realizados a partir do
desenho, da pintura, gravura, escultura, fotografia, assemblage e instalação.
Doravante as informações e descrições acerca do projeto expositivo serão apresentadas
algumas obras nele presentes, para fins de exemplificar a proposta da exposição, evidenciando
parte de suas abordagens e possibilidades dentro das artes de fã.
A obra “Finn, o humano”, da série de esculturas em biscuit “Come Along with Me”,
apresenta uma representação mais abstrata do personagem Finn, da animação “Hora de
Aventura”. Nela, esse último é representado por meio do jogo de cores e formas que
constituem o objeto esculpido. Dessa maneira, a série visa trazer uma abordagem menos
figurativa dos personagens, de modo que o uso das cores dos mesmos é incorporado no
material modelado que, mesmo assumindo uma forma abstraída, é capaz de tornar os objetos
56
de inspirações representados identificáveis. As figuras 26 e 27 apresentam, respectivamente, o
personagem Finn representado na escultura e em sua forma original.
Figura 26 – Visão superior e lateral da obra Finn, o humano (2019), de Bárbara Almeida e
Danilo Becker. Inspiração: personagem “Finn”.
Fonte: Arquivo pessoal.
Figura 27 – Personagem “Finn”, da série animada “Hora de Aventura”, 2010.
Fonte: https://horadeaventura.fandom.com/pt/wiki/Finn
A série “Nome que lhe cabe” também traz uma abordagem mais abstrata para as
fanarts, cujos objetos de inspiração são as personagens Alice, Chihiro e Coraline. A mesma é
composta por três assemblages, sendo cada uma delas voltadas para uma dessas personagens.
Em meio a isso, as obras apresentam um conjunto de objetos organizados e sobrepostos, os
57
quais se relacionam com as narrativas das animações abordadas. A figura 28 refere-se à obra
Mariana. Voltada para a personagem Alice, a assemblage é composta por um espelho, cuja
superfície apresenta inúmeros elementos colados, os quais estão presentes no País das
Maravilhas, como cartas de baralho, peças de xadrez, chaves, engrenagens, entre outros.
Nesse sentido, a composição da obra se dá pela incorporação de objetos prontos, os quais são
retirados de seu contexto original, e pela organização dos mesmos, permitindo a eles um novo
contexto, atrelado às histórias dos objetos de inspiração.
Figura 28 – Obra Mariana (2020), da série Nome que lhe cabe de Bárbara Almeida e Danilo Becker.
Fonte: Arquivo pessoal.
Outra produção que também se volta aos três objetos de inspiração abordados na
série Nome que lhe cabe é a obra interativa Prefácio (Fig. 29). A mesma é constituída por um
painel de metal - pendurado em uma parede móvel posta na entrada da galeria - e por onze
ilustrações, feitas em nanquim, de determinados personagens pertencentes às animações em
questão. Cada desenho foi realizado em um papel colado em uma manta magnética adesivada,
com isso, as ilustrações são fixadas na superfície do painel e podem ser alteradas pelos
58
espectadores. Assim sendo, estes podem criar novas composições entre os personagens
ilustrados, alternando suas posições e dispersões no espaço do painel.
Figura 29 – Ilustrações da obra Prefácio (2018), de Bárbara Almeida e Danilo Becker.
Fonte: Arquivo pessoal.
Essa proposta interativa visa, além de possibilitar uma apreciação dinâmica,
evidenciar o diálogo possível entre as três narrativas das obras abordadas, cujos personagens e
enredos apresentam similaridades. Em meio a isso, ao discorrer sobre a exposição, Fernanda
Machado, estudante de Jornalismo pela PUC-Campinas, aponta sobre tal diálogo na entrevista
realizada no dia 13 de Fevereiro de 2020, segundo ela:
A mostra traça semelhanças entre as releituras expostas, como é o caso de “Alice no
País das Maravilhas”, “A Viagem de Chihiro” e “Coraline e o Mundo Secreto”. Nas
três histórias observa-se a presença de personagens femininas ainda crianças, que
entram em um mundo fantasioso e precisam retornar para seus mundos.”
(MACHADO, 2020).
A pintura e colagem digital “Não se preocupe, o papai tem dinheiro e cartão de
crédito” (Fig. 30), tendo como objeto de inspiração a animação A Viagem de Chihiro,
trabalha com significações suscitadas pela obra original, expandindo estas para abranger
problemáticas pertencentes ao mundo real. Neste sentido, esta peça se apropria da figura do
porco, animal no qual se transforma o pai da personagem Chihiro, após agir de maneira
59
soberba, ao se convencer de que seu dinheiro tudo pode comprar. A ganância apresentada
pelo personagem, também habita figuras de nosso mundo, sendo este o paralelo levantado
pela fanart em questão - que também se utiliza da repetição padronizada como meio para
reforçar a crítica nela proposta.
Figura 30 – Colagem sobre parede da galeria. Obra Não se preocupe, o papai tem dinheiro e cartão de
crédito (2020), de Bárbara Almeida e Danilo Becker.
Fonte: Arquivo pessoal.
Por fim, vale ressaltar que tanto a realização de fanarts quanto o próprio espaço
expositivo da galeria se configuram como meios onde outras realidades podem ser
incorporadas à obra original, conversando com os escritos de Buren sobre a obra de arte e a
modificação de sua realidade de acordo com o local na qual esta se encontra:
“Subsequentemente a obra não parará de se distanciar dessa realidade, eventualmente
tomando emprestadas outras realidades que não poderiam ser antecipadas por ninguém, nem
mesmo pelo próprio artista que a criou.” (BUREN, 2004, p. 18.)
60
Dessa maneira, o público interage e expande as peças expostas no espaço da galeria,
sendo ainda mais intensa esta relação entre obra e público, quando este último se caracteriza
como fã de algum dos objetos de inspiração que suscitaram a exposição. Devido ao fato de a
exposição abordar produções midiáticas já bastante conhecidas, o potencial da fanart em se
conectar com as pessoas foi capaz de aproximar ao ambiente expositivo, um público bastante
diverso. Michelle Medeiros, por exemplo, fã auto-declarada de “Alice no País das
Maravilhas” e “Coraline e o Mundo Secreto“, em depoimento pessoal para os artistas, afirma
que:
Compareci à exposição Viagem, e sendo muito fã de animações, posso dizer que
cada obra foi uma surpresa incrível; poder ver minhas animações preferidas em
diversos formatos me despertou muitas emoções diferentes, de nostalgia, felicidade,
tristeza... Eu como artista, acredito que o sentimento de identificação é o mais
especial que uma obra pode trazer! Eu já tinha certeza que a obra "Fisgados" era de
“Coraline e o Mundo Secreto” antes mesmo dos expositores me confirmarem, uma
obra que conseguiu com excelência resgatar todas as nuances da animação, obra essa
que virou a minha favorita da exposição! Amei a proposta e devo parabenizar
Bárbara Regina e Danilo Becker pela belíssima execução do projeto, que me trouxe
tantos sentimentos gostosos e me levou numa verdadeira Viagem de volta às minhas
histórias favoritas! (MEDEIROS, 2020)
Figura 31 – Tecidos, algodão, linhas e botões. Obra “Fisgados” (2020), de Bárbara Almeida e Danilo
Becker.
Fonte: Arquivo pessoal.
61
CAPÍTULO 3:
FANART NA EDUCAÇÃO
Identificando e compreendendo aspectos próprios da fanart – seu universo, sua
história e sua presença na arte – torna-se possível, então, discorrer sobre sua aplicabilidade em
sala de aula, de maneira mais consistente. A partir disso, serão apresentadas relações
pedagógicas da fanart, uma vez que esta pode ser interpretada como parte integrante do
universo do aluno, podendo servir, também, como motivação em sala de aula. A partir de
todos estes apontamentos, torna-se possível, por fim, fundamentar a proposta pedagógica da
arte de fã como objeto e ferramenta de ensino no âmbito da arte-educação - oportunizada
através de planos de aula e um material didático, ambos promovidos no decorrer do trabalho
em questão.
3.1 O UNIVERSO DO ALUNO
A escola é a instituição que busca promover a prática social da educação, orientando
o aprendizado dos alunos e visando contribuir para o desenvolvimento da cidadania. Esses
processos são construídos, por sua vez, a partir de um trabalho coletivo entre todos
integrantes/atuantes do espaço escolar onde, através do diálogo e do intercâmbio de ideias e
saberes, ocorre a mediação e construção de novos conhecimentos.
Em meio a isso, a arte e seu ensino se faz presente na escola como um conteúdo
próprio e humanizador que possibilita aos alunos o desenvolvimento de uma percepção e
leitura de mundo mais crítica e sensível em simbiose com o exercício de suas habilidades
artísticas. Nesse sentido, a arte, ao promover essa ampliação perceptiva e nova postura do
olhar sobre as coisas, possibilita ao educando “captar a realidade circundante e desenvolver a
capacidade criadora necessária à modificação desta realidade” (BARBOSA, 1991, p.05), indo
62
ao encontro de sua emancipação, bem como da transformação de mundo em prol da
construção da cidadania.
Para se atingir tais pressupostos, no entanto, é preciso que a educação seja estruturada
a partir de um trabalho em conjunto no qual professores e alunos sejam agentes ativos da
formação do saber de modo que o processo de ensino e aprendizagem tenha um caráter
inquietante e investigador, aberto ao diálogo e a presença desafiadora do novo. Logo, faz se
necessário que o ambiente escolar possibilite uma efetiva socialização entre os pares
constituintes de tal processo, de modo que a prática educativa garanta o espaço para a
diversidade e se direcione a uma construção coletiva e democrática do conhecimento.
Desse modo, a educação deve se desprender de todo caráter bancário já denunciado
por Paulo Freire (2005, p.66) no qual o ensino “se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador o depositante”, reduzindo a prática docente a uma
espécie de transmissão vertical e rígida de informação ao corpo discente, cuja informação
recebida é depositada e armazenada através de uma lógica de acúmulo. Com isso, é preciso
então ter ciência de que a educação é um processo dialógico onde há trocas de saberes de
modo em que “o educador já não é o que apenas educa, é educado, em diálogo com o
educando que, ao ser educado, também educa” (FREIRE, 2005, p. 78). Assim sendo,
compreende-se o ato de ensinar enquanto uma ação que não transfere, mas possibilita a
construção do conhecimento por parte do aluno que, a partir da aquisição daquele, ver-se-á
capaz de compreender sua própria realidade e nela intervir.
Nessa perspectiva mais democrática e horizontal da prática de ensino, todo o
conhecimento prévio do qual os alunos possuem e levam para a sala de aula, sendo ele dado
por suas experiências e relação com o meio em que vivem, é respeitado pelo professor, e se
constitui na leitura da qual os educandos fazem sobre o mundo. Logo, uma ação docente
contrária à lógica da educação bancária percebe nesses conteúdos prévios a sua potencialidade
para a construção coletiva do saber, e, por isso, são considerados e incorporados no processo
63
de ensino e aprendizagem a partir de uma mediação que torne possível a sua contextualização
junto à aquisição de novos conhecimentos.
A leitura de mundo do educando diz respeito então sobre aquilo que ele conhece, vive
e se identifica, ou seja, diz respeito ao seu universo próprio. Desse modo, o educador deve
reconhecer e saber trabalhar com todo esse conteúdo, e assim ele o faz quando estabelece o
diálogo com o aluno. É nessa relação dialógica que há a troca de experiências e com isso a
troca de conhecimentos na qual ambos agentes gozam da ação mútua de ensinar ao mesmo
tempo em que são ensinados. Uma vez entendendo a realidade de seus alunos e tendo o
contato com seus saberes o professor tem uma ferramenta potencializadora para a prática de
ensino, ampliando as suas possibilidades e propiciando um palco fértil para a participação
mais efetiva do corpo discente na promoção do saber, já que:
Entender o universo simbólico em que nosso aluno está inserido, qual sua cultura
primeira, qual sua tradição cultural, étnica e religiosa, a que meios de comunicação
social tem acesso, a que grupos pertence, pode facilitar o aprendizado [...]. Permitir
que sua visão de mundo possa aflorar na sala de aula, dando possibilidade de que
perceba as diferenças estruturais, tanto de procedimentos como de conceitos, pode
propiciar a transição e a retroalimentação entre as diferentes formas de
conhecimento de que os sujeitos dispõem. (DELIZOICOV; ANGOTTI;
PERNAMBUCO, 2007, p. 136).
Nesse sentido, nota-se que o universo do aluno, por se tratar de aspectos próprios de
suas experiências e vivências, é um caminho profícuo para a ação do professor que pode, a
partir dele, explorá-lo com profundidade, possibilitando novas abordagens e estabelecendo
mediações para a conquista de novos saberes. Assim sendo, tal prática é um meio para
oportunizar a voz ativa dos educandos durante o processo, uma vez que os conteúdos
advindos do universo dos mesmos estarão incorporados no trabalho em sala de aula. Nesse
contexto, ter aspectos que compõem seu próprio universo abordados na prática educativa
propicia ao aluno um maior interesse na atividade, já que ele estará em contato com aquilo
que já conhece, o que pode tornar ainda o exercício, não mais fácil de ser realizado, mas
64
melhor possível de ser executado, sendo feito com maior destreza, vontade e investigação de
possíveis novas explorações daquele conteúdo.
Em meio a isso, compreende-se enquanto parte do universo do aluno todo o conteúdo
construído pela sua vivência e experiência no mundo. Dentre tais conteúdos têm-se, por sua
vez, aqueles dos quais o aluno consome, admira e assim se diz ser fã. Estes estão presentes
nos indivíduos em toda fase da vida. Durante a infância e adolescência, porém, os mesmos
podem ser vistos com mais evidência e correspondem, quase que integralmente, a conteúdos
midiáticos, como desenhos animados, filmes, séries televisivas e jogos eletrônicos. Dentro de
uma sala do ensino infantil ou fundamental, é comum visualizar a presença de personagens
advindos desses produtos da mídia na estampa dos estojos, das mochilas e demais objetos dos
educandos, ou ainda, na performance desses que muitas vezes se lançam nas brincadeiras
durante os intervalos atuando com os amigos por meio da imitação de seu herói ou vilão
favorito, por exemplo.
Desse modo, percebe-se então a presença dos objetos de inspiração dos alunos como
parte de seu universo e também como um conhecimento prévio, já que o aluno, ao ser fã de
um determinado personagem, tem seu conhecimento sobre o mesmo, reconhecendo seu
contexto - como sua história e relação com outros personagens, e suas características estéticas.
A partir dessa perspectiva, a produção em fanart pode ser relacionada e introduzida à prática
educativa, sobretudo no ensino de arte, de modo a poder trabalhar com o universo do aluno
através de seus objetos de inspiração.
Como já dito anteriormente nos primeiros capítulos da presente pesquisa, a fanart
consiste em uma produção cujo artista a realiza a partir de um conteúdo do qual ele é fã. Com
isso, o indivíduo tem como base e referência um objeto que o mesmo já conhece e admira.
Assim sendo, trabalhar com a arte de fã em sala de aula possibilita ao aluno levar para esse
espaço algo do seu universo e interesse, o que contribui para uma ação mais prazerosa durante
a confecção da atividade. Ademais, devido à familiaridade sobre o conteúdo utilizado para a
65
criação, o aluno pode ainda se sentir mais seguro e confiante na produção, visto que ele irá
produzir com base naquilo que ele já tem certo conhecimento e entendimento.
A partir das experiências vivenciadas durante a realização de estágio supervisionado,
ocorrido no segundo semestre de 2019 e no primeiro de 2020, os pesquisadores do presente
projeto tiveram contato com produções “fanartísticas” realizadas por alunos do ensino
fundamental, as quais serão apresentadas a seguir, já que podem exemplificar as ideias
apontadas anteriormente acerca da fanart enquanto prática que propicia o interesse e favorece
a criação nas atividades artísticas. Entretanto, cabe salientar que tais produções ocorreram de
forma espontânea pelos alunos, de modo que não houve por parte da orientação e proposta
docente uma abordagem sobre fanart e sua aplicação enquanto atividade.
Durante uma aula com o segundo ano do ensino fundamental, na Escola Municipal
Armelinda Espúrio da Silva, na cidade de Hortolândia-SP, uma aluna realizou uma atividade
proposta em sala com base em seu personagem favorito, “Cat Noir”, do desenho animado
Miraculous: As Aventuras de Ladybug (2015). Na ocasião, a professora, após abordar o tema
do carnaval, orientou os alunos a produzirem máscaras com o uso de papel e cartolina. A
docente deixou a criação livre em relação à forma e decoração das máscaras e apenas orientou
os alunos no tamanho e proporção da mesma em relação ao rosto e no seu recorte para o
espaço dos olhos. Grande parte dos alunos realizou suas máscaras no formato de animais ou
então sem um formato figurativo e apenas as decoraram com a pintura. A aluna citada
anteriormente, por sua vez, disse preferir fazer a atividade com base em seu personagem
favorito, pois assim ela poderia se parecer com ele enquanto estivesse usando a máscara (fig.
32). Na mesma atividade, outro aluno também se lançou na elaboração da máscara partindo
de um objeto de inspiração, realizando-a a partir do personagem “Venom” (Fig.33)
pertencente ao filme de mesmo nome, lançado em 2018.
66
Figura 32 e 33 – Máscara dos personagens “Cat Noir” e “Venom” realizadas por alunos do
segundo ano do ensino fundamental.
Fonte: Acervo pessoal
Em outro momento, durante uma aula sobre teatro para a turma do terceiro ano, duas
produções chamaram atenção por também apresentarem aspectos “fanartísticos”. Nela a
professora propôs aos alunos a criação de um personagem para a confecção de um dedoche
feito de papel. Nesse contexto, uma aluna fez seu personagem (Fig. 34) a partir da ilustração
da capa do livro, Extraordinário (2012), livro do qual a mesma levava consigo para a escola e
o lia nos intervalos. Outro aluno dizia estar com dificuldade para a criação, porém, logo
encontrou nos personagens “Finn” e “Jake”, da animação Hora de Aventura, uma
possibilidade para inventar seu próprio personagem. Em meio a isso, o aluno se apropriou de
algumas características dos dois elementos citados e as organizou criando uma nova figura
para a confecção do dedoche, a qual deu o nome de “Nick” (Fig. 35).
67
Figura 34 e 35 – Dedoche sobre o livro Extraordinário e criação do personagem “Nick”.
Fonte: Acervo pessoal
Os exemplos supracitados podem evidenciar a presença da fanart dentro do contexto
escolar, em que alguns alunos utilizam de seus objetos de inspiração para realizarem
determinadas atividades aplicadas em sala. Em meio a isso, pode-se perceber essa
possibilidade de transformar um exercício proposto em uma fanart. Tal feito configura-se ora
como um meio do educando poder trabalhar em cima de um conteúdo do seu interesse e por
isso almeja manter um maior contato com ele, ora como uma alternativa de base para a
criação, superando assim possíveis dificuldades em relação à representação de algo ou pela
falta de ideias, por exemplo.
Por outro lado, houve também exemplos observados de produções de fanarts no
espaço escolar em que o educando as realizavam de modo ainda mais espontâneo, sem partir
de um exercício proposto em aula. Dentre tais criações têm-se o desenho de um aluno do
primeiro ano do ensino fundamental. Na ocasião, após já ter feito a atividade passada no
início da aula, o aluno em questão, de sete anos de idade, usou os últimos minutos da aula
para fazer um desenho do personagem “Buzz Lightyear” (Fig. 36), pertencente à franquia de
filmes - e outros produtos, Toy Story. O menino usou o verso de uma folha craft - dada no
68
começo da aula para a feitura da atividade do dia - para desenhar e representou o personagem
a partir de sua memória sobre ele (Fig. 37). Mesmo sem usar um apoio visual, é perceptível
que mesmo assim o aluno conseguiu lembrar e realizar detalhes específicos de seu objeto de
inspiração, usando suas respectivas cores originais e fazendo até a logo do filme ao lado dele
(Fig. 38).
Figura 36 – Personagem “Buzz Lightyear” na capa do filme Toy Story (1976).
Fonte: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-14264/
Figura 37 e 38 – Fanart do personagem “Buzz Lightyear” e logo do filme Toy Story 4.
Fonte: Acervo pessoal
69
Em meio a isso, a fanart se evidencia enquanto uma prática presente no contexto
educacional. Ademais, é perceptível que a mesma envolve o universo do aluno por estar
relacionada aos conteúdos que esse admira. Nesse sentido, a produção em fanart promove o
interesse daquele que está criando, pois este cria sobre aquilo que ele considera cativante e
significativo. Logo, tal criação é realizada por uma motivação, em que o artista produz
sentindo vontade de estar ali conectado com seu objeto de inspiração, o qual ele já conhece
mas pode conhecê-lo ainda mais por meio das inúmeras possibilidades criativas e interativas
dentro da fanart.
Com isso, percebe-se que no âmbito educacional a arte de fã pode ser usada como uma
ferramenta capaz de oportunizar a motivação dos educandos no processo de ensino e
aprendizagem. Envolvendo-se com o universo dos mesmos e possibilitando que eles tragam
para a aula os seus objetos de inspirações, esse tipo de produção quando integrada à prática
educativa desperta o interesse do corpo discente, motivando-os a construir o conhecimento a
partir do diálogo feito com os seus saberes próprios. Nesse sentido, para se compreender
melhor a fanart enquanto uma possibilidade de propiciar a motivação do aluno no processo de
ensino, é importante então discorrer sobre os estudos pautados nos aspectos motivacionais,
relacionando-os com essas práticas artísticas.
3.2 MOTIVAÇÃO E FANART
Segundo Elgendann (2010, p.14, apud BZUNECK, 2004), a motivação pode ser
compreendida como um processo que propicia a tomada de escolhas ou ações das quais
movem alguém a determinada direção. No contexto educacional a mesma é um fator essencial
para o processo de ensino e aprendizagem. A partir dela o professor pode desenvolver sua
prática educativa com a participação efetiva do corpo discente, uma vez que, motivados, os
alunos estarão interessados e empenhados no desenvolvimento das atividades. Nesse sentido,
70
motivar a aprendizagem é fundamental para que a prática docente alcance seus objetivos por
meio de um envolvimento mais ativo e dedicado dos educando em prol da conquista de suas
habilidades e competências. Logo, como apontado por Bianchi:
Entende-se então que a motivação na aprendizagem é extremamente necessária e
deve ser trabalhada no contexto em que os alunos estão. Assim, o professor que está
disposto a assumir de fato as responsabilidades da sala de aula, indo além de
matérias e currículo, mas pensando na relação estabelecida com o aluno, conseguirá
mudar essa realidade encontrada nos dias de hoje que é a desmotivação. (BIANCHI,
2008, p.21)
Nessa perspectiva percebe-se que o professor tem com a motivação dos educandos
uma situação favorável para desenvolver a construção e aquisição do conhecimento. No
entanto, para conquistá-la no processo de ensino, é preciso “relacionar o trabalho escolar aos
desejos e necessidades do aluno” (BARROS, 2000, p. 113), ou seja, saber estabelecer um
diálogo com o seu universo, compreendendo-o e envolvendo-o nos conteúdos a serem
trabalhados. Tal ação oportuniza o espaço para uma atuação e voz mais ativas do educando
dentro do processo, aproximando-o dos objetos de estudo e estimulando-o a interagir e
participar de modo efetivo.
Com isso, vê-se na fanart um potencial para o incentivo do aluno, que contribui para a
conquista de sua motivação no processo de ensino-aprendizagem, já que ela, a partir dos
objetos de inspiração, interage e se relaciona com o universo do mesmo. Nesse sentido, para
se entender como a fanart pode servir como ferramenta que incentiva e, assim, favorece o
ascender motivacional no contexto escolar, é preciso compreender alguns tipos de motivações
e seus determinantes relacionando-os com as artes de fã e sua prática.
Quando se fala de motivação há dois principais tipos elencados por estudos e
pesquisas sobre tal fator, sobretudo na área da educação, os quais são a motivação intrínseca e
a extrínseca. A primeira “refere-se à escolha de realização de determinada atividade por sua
própria causa, por esta ser atraente, ou de alguma forma, geradora de satisfação”
(GUIMARÃES, 2009, p. 37). Ou seja, a motivação intrínseca está relacionada a uma ação
71
realizada de modo autônomo e natural, cujo sujeito a realiza por prazer, interesse e vontade
própria em relação a sua feitura. Nesse sentido:
Quando se reflete sobre a motivação intrínseca no contexto educacional, pode-se
perceber a importância deste fenômeno, uma vez que contribui de forma
determinante para a aprendizagem dos alunos, na medida em que estes se envolvem
naturalmente nas atividades (ENGELMANN, 2010, p.50).
Já a motivação extrínseca está atrelada aos interesses e incentivos externos à execução
da ação realizada. Segundo Engelmann, “ela se caracteriza pela realização da ação pelo
indivíduo, visando o reconhecimento ou o recebimento de recompensas materiais ou sociais”
se relacionando assim “com o controle externo” (2010, p.55). Desse modo, o objetivo não está
na ação em si e nem na sua feitura, mas no que ela pode suscitar ao ser realizada. No âmbito
educacional, portanto, o aluno extrinsecamente motivado realiza as tarefas objetivando algo
em troca, como a obtenção de notas, por exemplo.
Com isso, percebe-se a diferença entre ambas as motivações, em que, enquanto a
intrínseca é incentivada por fatores internos e naturais, ocorrendo de forma espontânea, a
extrínseca tem seu motivo dado externamente, visando uma recompensa ou reconhecimento.
Assim sendo, em relação às fanarts – e as demais fanmades no geral – percebe-se a sua
realização muito mais atrelada a motivos intrínsecos, visto que, como já apontado ao longo da
presente pesquisa, em tais criações o fã produz pela vontade de estar conectado com seu
objeto de inspiração. Nesse sentido, a produção ocorre de modo mais autônomo, no qual o
prazer e a satisfação da atividade são dados pelo contato e pela interação com o elemento
inspiratório.
Ademais, dentro da motivação intrínseca têm-se alguns determinantes, evidenciados
pela Teoria da Autodeterminação - elaborada por Edward Deci e Richard Rayn na década de
1970, os quais dialogam com as produções de fã e se relacionam com suas práticas. Em meio
a isso, tais determinantes correspondem a três necessidades psicológicas básicas, que são a
autonomia, a competência e o pertencimento.
72
Para Elgelmann “a satisfação dessas três necessidades é fundamental para o
desenvolvimento de orientações motivacionais autodeterminadas, que estão diretamente
relacionadas com a motivação intrínseca” (2010, p.19), já que se tratam de tendências inatas
do ser humano nas quais o indivíduo realiza suas ações espontaneamente e de modo
autônomo.
Nesse contexto, a necessidade da autonomia diz respeito ao indivíduo que se considera
autônomo de suas ações, de modo que seu comportamento é estabelecido por ele próprio, não
estando subordinado a fatores externos. Em meio a isso, no âmbito educacional os alunos
podem se considerar autônomos quando se percebem enquanto causa própria de suas ações,
em que, no decorrer da prática de ensino, os mesmos possuem possibilidades de escolhas no
desenvolvimento das atividades, o que lhes confere certa liberdade (ELGELMANN, 2010, p.
34, apud DECI; RYAN, 2004).
Logo, na fanart pode se estabelecer um diálogo com tal necessidade uma vez que o fã
produz por vontade própria sobre seu objeto de inspiração. Seus motivos são dados por
interesses internos, resultantes de sua relação com aquele. Ademais, é característica
fundamental das fanmades em geral - evidenciando o poder e dinâmica da cultura
participativa - a capacidade do fã de produzir, mesmo o fazendo sobre algo já existente, com
certa autonomia na medida em que produz sobre sua perspectiva própria, reinventando a
leitura dos materiais originais, reconstruindo-os e/ou alterando-os em função dos seus anseios
não saciados pelos elementos canônicos. Tal ação é apanágio dessa cultura proporcionada
pelos fãs, a qual revela a autonomia dos mesmos nessa nova perspectiva de consumo ativo e
dinâmico sobre seus conteúdos de inspiração.
Já a necessidade de competência é àquela que pode ser saciada quando o indivíduo se
sente capaz de realizar suas ações de modo eficaz e satisfatório, percebendo-se eficiente na
interação com seu meio. Logo, uma vez suprida, ela suscita no ser o sentimento de confiança,
73
dando a ele segurança no desenvolver de suas ações bem como a sensação de valorização
pessoal. Deste modo, no que concerne a educação, Elgelmann (2010, p. 35) aponta que:
[...] os alunos buscam e persistem em desafios adequados ao seu nível de
desenvolvimento, mostram interesse por atividades que possibilitam crescimento e
enriquecem as suas capacidades e habilidades. Assim, é possível considerar a
necessidade de competência satisfeita (apud DECI; RYAN, 2004).
Nesse sentido, o incentivo é propiciado no aluno quando o mesmo se sente competente
no exercício das atividades, alcançando os seus objetivos esperados e podendo aprimorá-los
buscando novos desafios. Tal perspectiva, por sua vez, pode se relacionar com as práticas
“fanartistas”, na medida em que, como já apontado no início deste capítulo, o indivíduo
produz sobre aquilo que ele já conhece, logo, ele tem certo domínio sobre o conteúdo em
questão. Assim, o ponto de partida para a criação se dá em um terreno já estabelecido, cujo
artista já explorou e tem certa experiência sobre seus aspectos e suas principais características.
A familiaridade com o objeto de inspiração é, então, favorável para a obtenção de confiança e
segurança na criação, o que contribui para o sentir competente na atividade a ser realizada.
Por fim, a necessidade de pertencimento é a tendência relacionada a aspectos
interpessoais, em que o indivíduo pode se ver acolhido em seu meio no que diz respeito ao
convívio com os demais integrantes que ali interagem, mantendo com estes, vínculos seguros
e uma relação estável. Uma vez conquistando essa necessidade, o indivíduo se vê aceito em
seu meio, sentindo ali confiança para atuar e socializar. Portanto, o aluno que assim também
se sente é motivado “para o relacionamento autêntico com as outras pessoas, aproximando-se
daquelas que demonstram atenção e respeito em relação a eles” (ELGELMANN, 2010, p. 36,
apud, DECI REEVE; DECI; RYAN, 2004).
Tal necessidade, por estar relacionada diretamente às relações interpessoais, dialoga
com as práticas criadoras dos fãs, sobretudo a partir do espaço do fandom, onde eles
sentem-se pertencidos por partilharem do mesmo objeto de inspiração e ali interagem,
socializando e construindo relações entre os pares.
74
Entretanto, partindo do conceito de pertencimento, sem este estar sob pressupostos
interpessoais, não somente com o outro o fã pode criar vínculos capazes de lhe conferir a
sensação de pertencimento, mas também - e de modo mais subjetivo e interno - com o seu
objeto de inspiração. O poder dialógico entre fã e conteúdo inspirador resulta em construções
afetivas de vínculos e ali são gerados processos de mediações intrapessoais com as narrativas
canônicas da obra em questão, em que o indivíduo pode se identificar nela, sentindo-se
aproximado pelo universo ficcional da mesma. Assim, o fã na interação com aquela narrativa
estabelece pontes com a sua realidade, contextualizando-as e traçando um paralelo entre
ambas. Nesse processo o mesmo se percebe nelas e se conhece melhor, gestando e nutrindo
certo pertencimento singular e interno, dado pelo autoconhecimento.
Destarte, percebem-se as relações entre as artes de fãs e os tipos de motivações e seus
determinantes anteriormente elencados. Assim, a fanart tem enquanto potencial motivador a
sua prática relacionada diretamente ao universo e aos interesses daquele que a prática e,
assim, é realizada, na maioria das vezes, de forma autônoma. Nesse sentido, são evidenciadas
as contribuições que a mesma pode propiciar no contexto educacional, corroborando como
um fator em prol da aproximação e do incentivo dos educandos no processo de ensino e
aprendizagem. Entretanto, não só motivar o aluno é tarefa do professor, mas também, e
principalmente, saber conduzir tal motivação em direção à conquista efetiva e dialógica da
construção do conhecimento.
Assim sendo, uma vez evidenciada a sua potencialidade enquanto objeto artístico e
objeto capaz de contribuir para a motivação no contexto educacional, cabe agora abordar a
fanart enquanto conteúdo a ser trabalhado em sala de aula, apresentando possibilidades de sua
abordagem e aplicabilidade em tal espaço.
75
3.3 FANART ENQUANTO OBJETO E FERRAMENTA DE ENSINO
Para abordar a fanart em sala de aula, remetendo ao universo próprio do aluno e se
configurando como motivação de sua produção em arte, é possível utilizá-la levando em
consideração a sua potencialidade enquanto estudo e enquanto objeto artístico. Enquanto
estudo, ela se mostrou alicerçada na mimese, que possibilita ao educando criar novas e
próprias interpretações da realidade a partir de seus objetos de inspiração, mimetizando o
mundo e criando novas perspectivas sobre ele. Já enquanto objeto artístico, a arte de fã
apresenta traços próprios da pós-produção, se baseando em obras realizadas por terceiros –
geralmente em peças próprias da indústria cultural - para, a partir delas, gerar novos produtos
artísticos.
A mimese do mundo, na atualidade, pode trazer consigo as imagens que povoam nossa
realidade contemporânea e urbana, na qual os espaços físicos e virtuais se encontram repletos
de figuras – inclusive aquelas advindas da indústria cultural. Este novo caráter mimético dos
tempos hodiernos foi trabalhado pelos artistas da Pop Art, como afirma Lucia Santaella:
O fato de que os artistas pop não se utilizavam da natureza como referente visual
implicava um reconhecimento de que, no mundo moderno, a natureza, no sentido de
campos, árvores e montanhas, foi substituída por uma realidade construída pelos
humanos, feita de edifícios, interiores, carros e motos, sinais, cartazes, outdoors,
jornais, revistas, filmes, transmissões de rádio e TV. Em suma, bilhões de pessoas
passaram a viver não mais em contato com a natureza, mas em ambientes saturados
de mídias e signos. (SANTAELLA, 2005, p. 39)
Assim, essa nova abordagem mimética levantada pela Pop Art, pode ser utilizada no
contexto da arte-educação, relacionando produções que se aproximam do universo do aluno,
com conteúdos a serem ministrados em sala de aula. Neste sentido, se apresenta a primeira
proposta didática concebida para empregar pedagogicamente a fanart: utilizá-la como
“Ferramenta de Ensino” na arte-educação.
No ensino das Artes Visuais, a fanart pode ser utilizada como ferramenta capaz de
aproximar o aluno do objeto de estudo, uma vez que ela se baseia na relação de fã deste com
76
diversas produções artístico-culturais. Dessa maneira, contribuindo e enriquecendo a aula com
as informações sobre seu objeto de admiração, o aluno acaba, também, se relacionando com o
conteúdo a ser passado em sala de aula. Logo - fazendo referência aos escritos de Pierre
Bourdieu - ao se utilizar de uma produção destinada ao público geral como base para estudar
imagens próprias da produção erudita, a fanart como “Ferramenta de Ensino” pode se
configurar como uma proposta pedagógica capaz de exercer o papel de ponte entre alta
cultura e cultura popular.
Nesse sentido, se utilizando da fanart enquanto ferramenta, os planos de aula
“Ressignificação de objetos cotidianos, partindo da obra de Guto Lacaz” e “Fanart e
ativismo: releituras a partir da obra de Siron Franco” tiveram como conteúdo a Arte
Contemporânea, que se apresentou por meio da obra dos artistas nacionais: Guto Lacaz
(1948-) e Siron Franco (1947-). Assim, estes planos de aula foram construídos com base em
desafios como ponto de partida para a criação artística, se inspirando nos escritos de Anna
Marie Holm (2005) sobre sua atuação pedagógica com crianças. Em suas propostas didáticas,
Holm se utilizava, muitas vezes, da obra de artistas contemporâneos como ponto de partida,
como descreve Ana Angélica Albano no prefácio de seu livro Fazer e Pensar Arte: “Os
desafios vem, na maioria das vezes, do trabalho de artistas com quem ela convive, ou de obras
que chamam a sua atenção e que ela apresenta às crianças [...]” (HOLM, 2005, p.7).
Desta maneira, os planos de aula se utilizaram da fanart para propor desafios
suscitados a partir da produção dos artistas supracitados: Lacaz, cuja produção vasta se
destaca bastante pelo uso de reapropriações de objetos diversos para compor as obras (Fig. 39
e 40) e Franco, que por sua vez, também apresenta uma variada produção, sendo ela
caracterizada, em sua maioria, pelo teor crítico sobre determinadas problemáticas sociais,
políticas e ambientais. (Fig. 41 e 42). No caso de Guto Lacaz, se estabeleceu como desafio a
reconstrução de um personagem do qual o aluno se considera fã, tendo com base objetos
industrializados cotidianos – como papéis higiênicos, embalagens de produtos, e etc. Já para a
proposta baseada na obra de Siron Franco, utilizou -se como suporte o aspecto ativista
77
presente tanto na obra do artista, quanto em produções midiáticas diversas, com as quais os
alunos se relacionam como fã.
Figuras 39 e 40 - Respectivamente, obras Cheque mate e Abajour Branco de Guto Lacaz.
Fonte: http://www.gutolacaz.com.br/artes/objetos.html
Figuras 41 e 42 - Respectivamente, obras S/ Título (1976) e Rua 57 (1987) de Siron Franco.
Fonte: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8771/siron-franco/obras?p=3
A aplicação de tais planos, devido ao atual momento histórico vivenciado por nós
como sociedade – onde se apresenta a ameaça instaurada por uma pandemia em escala global
– foram realizados com familiares, ou pelos próprios propositores (Bárbara Almeida e Danilo
Becker). Dessa maneira, como produto do plano de aula “Ressignificação de objetos
cotidianos, partindo da obra de Guto Lacaz”, foi realizado um personagem objeto a partir de
78
embalagem de desodorante, papel, cola e barbante (Fig. 43, 44 e 45) por uma criança de 10
anos (familiar de Bárbara Almeida).
Figuras 43, 44 e 45 – Personagem objeto de Maiara, 10 anos. Personagem de inspiração: “Mickey Mouse”.
Fonte: Acervo pessoal.
Já como produto do plano “Fanart e ativismo: releituras a partir da obra de Siron
Franco”, por ser voltado para alunos do Ensino Médio, foi concretizado por Danilo Becker
(Fig. 46), através de sua releitura da obra sem título de Siron Franco (Fig. 41).
Figura 46 – Releitura realizada por Danilo Becker, a partir da obra de Siron Franco. Lápis de cor sobre
papel, 2020.
Fonte: Acervo pessoal
79
Sua releitura, baseada na personagem Janine (uma aia que teve seu olho esquerdo
mutilado como forma de punição por ela confrontar as autoridades do governo) da série
televisiva The Handmaid’s Tale (2017), levanta, como questão ativista presente na série, toda
forma de agressão contra as mulheres e a supressão dos seus direitos.
Além da abordagem da fanart como “Ferramenta de Ensino” na arte-educação, foi
possível, também, desenvolver uma proposta se utilizando dela como “Objeto de Estudo”.
Esta proposta se baseia na observação da fanart enquanto objeto artístico, uma vez que esta se
caracteriza como uma produção pertencente à cultura participativa do fã, trazendo consigo,
também, questões relacionadas à pós-produção.
Nesta perspectiva, foi concebida uma sequência didática “Fanart - se desenvolvendo
entre e através de Fanmades”, baseada na arte de fã enquanto objeto a ser estudado,
propondo, a partir da conceituação e retomada histórica desta produção, a criação coletiva
(dividindo a classe em grupos) de fanzines (Fig. 47), por meio do uso de um mimeógrafo. Esta
proposta criativa se baseia no fato de que os fanzines apresentam aspectos “fanartísticos” em
sua composição, uma vez que trazem consigo toda uma construção gráfica visual, podendo
incluir, também, ilustrações – ou seja, as próprias fanarts.
Figura 47 – Exemplos de fanzines, demonstrando sua diversidade visual.
Fonte: https://www.celuloseonline.com.br/conheca-os-fanzines-e-sua-subjetividade-no-papel/
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Ao elaborar os planos de aula, alicerçados no uso pedagógico da arte de fã ora como
“Ferramenta de Ensino”, ora como “Objeto de Estudo”, foi levada em consideração a
abordagem triangular de Ana Mae Barbosa, cuja proposta se dá pela integração entre o ler, o
fazer e o contextualizar na prática de ensino, os quais “interagem ao desenvolvimento crítico,
reflexivo e dialógico do estudante em uma dinâmica contextual sociocultural” (SILVA;
LAMPERT, 2017, p.90). Nesse sentido, os planos trazem como proposta o uso de imagens, as
quais são analisadas e contextualizadas, para que assim seja proposto o desafio no âmbito do
fazer artístico. E uma vez durante o fazer, novas contextualizações ocorrem, estabelecendo
pontes entre o objeto artístico do aluno com o conteúdo abordado pela proposta da aula.
Ambas as proposições de uso pedagógico da fanart trazem consigo, também, a
proposta de socialização final das produções em aula. Nesta, os trabalhos produzidos pela
turma serão expostos em classe, e cada aluno deverá explicar estética e conceitualmente a
peça por ele criada. Esta prática visa trazer o universo do educando para o contexto escolar,
através da partilha de saberes sobre os diversos objetos de inspiração utilizados, contribuindo
com novos repertórios para a classe como um todo. Em meio a isso, durante a explicação e
análise das produções novas contextualizações são oportunizadas, tornando possível um
“zigue-zague”,
“que
perpassa
pelo fazer-contextualizar-ver-contextualizar” (SILVA;
LAMPERT, 2017, p.92), o que amplia as percepções e modos de se trabalhar com a
abordagem triangular.
O uso da fanart na arte-educação, enquanto “Ferramenta de Ensino” e “Objeto de
Estudo”, resultaram, também, em um material didático sob o nome “O Universo da Fanart
como proposta educativa”. Neste material, voltado ao professor de arte, objetivou-se
apresentar as definições que envolvem o entendimento da arte de fã e de sua consolidação
histórica – fandom e fanmades num geral – apresentando também criações e concepções
artísticas dentro da fanart, culminando, por fim, em sua abordagem em sala de aula, como
ferramenta ou objeto de estudo.
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Composto por quatro livretos, cada um abordando um aspecto da fanart – definições,
história, artistas e arte-educação - o material se estruturou visualmente a partir da própria arte
de fã, tendo como objeto de inspiração a obra “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis
Carroll. Assim, cada livreto apresentou seu visual baseado em um naipe de baralho, exibindo
em sua capa uma fanart realizada a partir de um dos personagens do livro - que apresenta sua
cor tema de acordo com o personagem que ilustra sua capa. Os personagens foram criados a
partir dos traços próprios dos artistas, deixando explícita a diferença entre a expressão destes,
ainda que o objeto de inspiração seja o mesmo. Os livretos são armazenados em uma caixa,
ilustrada com todos os quatro naipes, que serve como capa da coleção. Seu design apresenta
um formato quadrado, ordenando suas imagens por meio de formas esféricas, a fim de
conferir ao todo uma aparência atrativa e divertida, sem deixar de trazer um aspecto mais
sóbrio suscitado pela composição de suas fontes - a fim de trazer seriedade ao conteúdo
apresentado.
Vale ressaltar que o livreto “Artistas” traz em si uma compilação de entrevistas
realizadas com artistas da região de Campinas (via internet), a fim de levantar um pouco mais
sobre suas produções e concepções acerca da fanart. Nesse sentido, este é composto por
diferentes visões e expressões suscitadas pela produção de fanarts, apresentando um
panorama mais amplo e rico sobre a arte de fã.
A proposta dos livretos, além de permitir um visual mais lúdico, possibilita, também,
que o professor leve o material para a sala de aula de modo que os alunos folheiem e
explorem o material didático, utilizando suas imagens e conteúdos como referencial
pedagógico. Dessa forma, buscou-se consolidar toda a pesquisa deste trabalho de conclusão
de curso de maneira sintética, organizada e funcional, perpassando, de maneira sucinta, por
todos os aspectos da fanart, possibilitando que o professor a compreenda e a utilize em sala de
aula, corroborando para o entendimento e utilização pedagógica da arte de fã.
82
Figura 48 – Imagens do livreto “História” do material “O Universo da Fanart como proposta educativa”.
Capa e primeira página com escritos, respectivamente.
Fonte: Arquivo Pessoal.
3.4 PLANOS DE AULA
Este subcapítulo visa apresentar os planos de aula citados e explicados no subcapítulo
anterior, sendo eles, respectivamente: “Ressignificação de objetos cotidianos, partindo da obra
de Guto Lacaz”, “Fanart e ativismo: releituras a partir da obra de Siron Franco.” e “Fanart se desenvolvendo entre e através de Fanmades.”.
PLANO DE AULA Nº1
Título: Ressignificação de objetos cotidianos, partindo da obra de Guto Lacaz.
Ano/Faixa Etária: Anos iniciais (a partir do 3º ano) e finais do Ensino Fundamental e Ensino
Médio.
Objetivos:
- Conhecer o artista brasileiro Guto Lacaz e parte de suas produções artísticas;
83
- Evidenciar as possibilidades do fazer artístico dentro da arte contemporânea;
- Instigar a percepção visual e a sensibilidade estética por meio da criação;
- Trabalhar com a tridimensionalidade através das obras-objeto de Guto Lacaz.
Justificativa: É importante que o aluno, partindo de sua relação de fã com o personagem
escolhido, possa ampliar a obra original, explorando as possibilidades visuais e conceituais do
personagem, percebendo assim, a cultura dinâmica e interativa proporcionada pelas produções
de fã. A atividade também objetiva ampliar o repertório histórico e artístico dos alunos, ao
apresentar Marcell Duchamp e a obra de Guto Lacaz.
Conteúdos:
Artista Guto Lacaz - Carlos Augusto Martins Lacaz, nascido em São Paulo, em 1948, é
artista multimídia, ilustrador, designer, desenhista e cenógrafo. Suas obras, contendo humor e
ironia, são marcados pelo diálogo com o design gráfico, a apropriação de objetos cotidianos e
com a exploração das possibilidades tecnológicas no fazer artístico.
Artista Marcell Duchamp - Retomar historicamente a origem das utilizações de objetos
industrializados na arte contemporânea, relacionando à obra de Lacaz, anteriormente
apresentada para a turma.
Ready-made: O termo criado por Marcel Duchamp (1887-1968) para designar um tipo de
objeto, por ele inventado, que consiste em um ou mais artigos de uso cotidiano, produzidos
em massa, selecionados sem critérios estéticos e expostos como obras de arte em espaços
especializados (museus e galerias).
Fanart – Conceitualizar as artes fãs. O que é Fanart?
“Arte feita por fãs inspiradas ou a base dos produtos culturais admirados por eles”
(REZENDE; NICOLAU, 2014, p. 6).
84
Fanart e a Arte Contemporânea - Apresentar obras de nossa exposição coletiva “Viagem”,
como maneira de expandir o conceito de Fanart, já presente no cotidiano de muitos dos
alunos.
Metodologia: Apresentar o artista brasileiro Guto Lacaz e sua produção, enfatizando a
reapropriação de materiais industrializados por parte do artista em suas obras-objeto. Mostrar
a relação histórica de seus trabalhos, retomando o embreante desta ideia na história da arte
contemporânea: Marcell Duchamp. Em seguida relacionar a reapropriação na arte
contemporânea com a reapropriação na fanart, que também parte da utilização de algo pronto
para a criação artística - na fanart, o sentimento de fã leva à produção de algo expandindo a
obra original, na qual se inspira. Por fim, apresentar alguns de nossos trabalhos em fanart,
para mostrar essa relação entre Arte Contemporânea e fanart, contextualizando a atividade a
ser proposta. Durante essa prática social inicial, será proposta a seguinte reflexão aos alunos:
Do que vocês são fã e por quê? Qual objeto banal do cotidiano remete, visualmente ou
conceitualmente, ao personagem do qual é fã?
Após as discussões, propor a criação de uma fanart por meio da apropriação de objetos
industrializados que permeiam nosso cotidiano, inspirando-se na obra de Guto Lacaz.
Primeiro o aluno escolherá o objeto a ser utilizado e, então, será disponibilizado um tempo
para a criação de um esboço de sua ideia, através do desenho. Depois, partindo para a
tridimensionalidade, os alunos darão forma à obra-objeto arquitetada.
Por fim, os alunos irão expor os trabalhos tridimensionais em sala, onde será realizada
uma conversa conjunta sobre os produtos da aula, as relações com a obras-objeto de Lacaz e
com os personagens utilizados de inspiração. É importante aqui, instigar as discussões sobre
como cada aluno resolveu a proposta, em que cada um deles irá abordar também sobre sua
relação de fã com o objeto de inspiração utilizado no trabalho.
85
Recursos, materiais e estruturas: Datashow, folhas sulfite, lápis, objetos industrializados
simples e cotidianos (papel higiênico, chá, embalagens diversas, botões, etc.), cola, tesoura,
barbante.
Recursos Avaliativos: Perceber, durante o processo, que o aluno explorou visual e/ou
conceitualmente o personagem escolhido, o construindo tridimensionalmente à sua maneira.
Também avaliar o que foi apreendido pelo aluno sobre a obra de Guto Lacaz e Marcell
Duchamp.
Referências Bibliográficas:
GUTO LACAZ. Guto Lacaz, [s.d.]. Objetos. Disponível em: <http://gutolacaz.com.br/>.
Acesso em: 31 maio de 2020.
READY-MADE . In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo:Itaú
Cultural,
2020.
Disponível
em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo5370/ready-made>. Acesso em: 31 de
maio. 2020.
REZENDE, Nathalia; NICOLAU, Marcos. Fã e fandom: estudo de caso sobre as estratégias
mercadológicas da série Game Of Thrones. In: COMUNICAÇÃO E CULTURA NA
ERA DE TECNOLOGIAS MIDIÁTICAS ONIPRESENTES E ONISCIENTES, n. 8,
2014, São Paulo. VIII Simpósio Nacional da ABCiber. São Paulo: Associação
Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura, 2014. p. 1-14. Disponível em:
<http://abciber.org.br/simposio2014/anais/GTs/nathalia_michelle_grisi_rezende_60.pd
f>. Acesso em: 31 maio de 2020.
PLANO DE AULA Nº2
Título: Fanart e ativismo: releituras a partir da obra de Siron Franco.
Ano/Faixa Etária: Ensino Médio
Objetivos:
- Conhecer o artista brasileiro Siron Franco e parte de sua produção artística;
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- Trabalhar com a linguagem do desenho e/ou pintura, explorando e utilizando os elementos
constitutivos das artes visuais;
- Pesquisar, apreciar e analisar formas distintas das artes visuais tradicionais e
contemporâneas a partir das obras de Siron franco;
- Criar a partir da leitura e releitura críticas de imagens e de conteúdos de consumo.
Justificativa: É importante que o aluno possa, assim como Siron Franco, ter um olhar crítico
sobre os problemas presentes no cotidiano e no mundo em geral, bem como sobre os
conteúdos dos quais o mesmo consome e se diz ser fã, interpretando de modo mais reflexivo
suas narrativas e sendo capaz de estabelecer um paralelo entre elas e o seu contexto real.
Conteúdos
Artista Siron Franco - Gessiron Alves Franco (Goiás Velho, Goiás, 1947) é pintor, escultor,
ilustrador, desenhista, gravador e diretor de arte. Aos 12 anos, passou a frequentar a
Universidade Católica de Goiás num curso livre. Realizou a primeira individual em 1972, na
Galeria Intercontinental, no Rio de Janeiro. Participou várias vezes da Bienal de São Paulo e
de bienais internacionais como a de Havana (Cuba) e de Medellín (Colômbia). Vive em
Goiânia, Goiás.
Pinturas da Série “Goiânia Rua” 57 (1987) - “A série ‘Goiânia Rua 57’, mais conhecida
por ‘Césio’, foi criada em 1987, por ocasião do acidente com o césio-137, em Goiânia. Com
esta série, a pintura de Siron ganha um caráter de crítica e denúncia que já se manifestava nos
seus trabalhos anteriores, porém numa abordagem mais sutil (...).” (FRAZÃO, 1998, p.70)
Instalação “Antas” (1986) - “A primeira ação de protesto evidente produzida por Siron
Franco com temática ambiental ocorreu em 1986, quando o gramado do Congresso Nacional
foi invadido por 60 antas de gesso. A instalação visava a atrair a imprensa para o risco de
extinção que sofriam esses animais.” (BERTAZZO, 2009, p.04)
87
Fanart - “Arte feita por fãs inspiradas, ou a base, dos produtos culturais admirados por eles.”
(REZENDE; NICOLAU, 2014, p. 6).
Exemplos de Fanart contendo crítica social - Apresentar obras de fanart que apresentem
críticas
sociais
em
suas
composições,
como
as
produções
de
Jeff
Delgado
(https://www.instagram.com/p/BMjTQiIDRIC/?utm_source=ig_web_button_share_sheet), de
Bárbara Almeida (Fig. 31), entre outras.
Metodologia: Apresentar o artista brasileiro Siron Franco, discorrendo sobre sua história e
apresentando parte de sua produção artística. A partir disso, evidenciar o caráter crítico da
mesma e a mudança em relação à técnica, suporte e estética das obras ocorrida ao longo do
tempo. Nesse momento, é importante ressaltar a posição ativista do artista sobre questões
ambientais e sociais, por exemplo, que o leva a protestar contra variadas formas de violências.
Para tanto, será feita a análise de obras como Goiânia Rua 57 (1987) e Antas (1986), em que
serão apresentados o contexto e as motivações que levaram a suas produções.
Durante essa prática inicial, sobretudo nas análises das obras, os alunos serão
instigados a discorrer sobre as imagens apresentadas respondendo perguntas como: O que está
sendo representado? O que o artista quis dizer com a representação de tal elemento/cor
representado? Do que se trata a imagem e que sensação ela passa? Uma vez evidenciado o
caráter crítico e ativista das obras e, após a contextualização das mesmas e dos assuntos que
elas abordam, os alunos deverão refletir sobre os assuntos e situações presentes na sociedade e
no mundo, que por sua vez, merecem ser denunciados e criticados, assim como ocorre nas
obras de Siron. Por fim, os alunos serão instigados a pensar em alguma obra narrativa da qual
eles são fã (filme, série, jogo, novela, livro, etc,) e identificar nela alguma situação problema,
presente em seu universo, também passiva a sofrer críticas e protestos, como, por exemplo, a
tirania da Rainha de Copas em Alice no País das Maravilhas.
88
Espera-se que, nesse momento, os alunos consigam apontar, tanto no contexto real
quanto no ficcional - advindo do universo de sua obra de inspiração, situações de diversas
esferas, identificando-as enquanto problemas.
Em seguida, propor aos alunos a releitura de determinada pintura de Siron Franco a
partir da apropriação de elementos e narrativas de alguma obra cujos mesmos são fã. Nesse
sentido, cada aluno irá escolher uma pintura do artista e uma obra (objeto de inspiração) para
trabalhá-las em simbiose na construção da releitura. As criações, assim como nas obras de
Siron, deverão apresentar também uma crítica a determinado problema, sendo este advindo da
narrativa do objeto de inspiração escolhido pelo aluno. Com isso, os alunos, podem, por
exemplo, escolher determinada pintura de Siron e trocar os seus personagens pelos
personagens de seu filme preferido, alterando ainda outros elementos da obra pictórica
original para construir a sua crítica sobre a situação problema presente no filme. Nesse
sentido, cabe ressaltar que a produção a ser realizada pelos alunos se trata de uma fanart, e,
por isso, faz-se necessário apresentar sua definição e alguns exemplos desta para a turma. É
importante ressaltar aos alunos que, em se tratando de releitura, apesar das alterações e
transformações sobre a pintura original, esta última precisa estar, de algum modo,
identificável. As releituras serão realizadas por meio de desenho e/ou pintura.
Por fim, terminada a confecção da atividade, os alunos deverão apresentar à sala suas
produções, mostrando e discorrendo sobre as obras e assuntos abordados em cada releitura. É
interessante que os alunos saibam identificar as obras de inspiração e a crítica abordadas pelos
colegas, discutindo também sobre as situações problemas de cada obra contextualizando com
nossa realidade.
Recursos, materiais e estruturas: Datashow, folhas sulfite, lápis, borracha, lápis de cor,
pincéis e tintas.
Recursos Avaliativos: Espera-se que o aluno possa identificar nas obras de Siron Franco o
seu caráter crítico e ativista sobre determinados problemas, sendo ele capaz de apontar ainda
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outros problemas presentes no mundo e em narrativas de algum conteúdo que o mesmo seja
fã. Deseja-se, também, que o educando saiba resolver estética e conceitualmente a atividade
de releitura proposta, trabalhando com duas obras (pintura e obra de inspiração).
Referências Bibliográficas
BERTAZZO, Lucia. O Ativismo Ambiental nas Ações e Instalações de Siron Franco,
1986-2008:: a arte como estratégia de divulgação.. 2009. 344 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Artes Visuais, Faculdade de Artes Visuais, Universidade
Federal
de
Goiás,
Goiânia,
2009.
Disponível
em:
https:
<//files.cercomp.ufg.br/weby/up/459/o/2009_Lucia_Bertazzo.pdf>. Acesso em: 31
maio 2020.
FRAZÃO, Joscelina. Siron Franco - Pinturas em Série. 1998. 135 f. Tese (Doutorado) - Curso
de Artes Visuais., Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio
de
Janeiro,
1998.
Disponível
em:
<https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/5752/1/456229.pdf>. Acesso em: 31 maio
2020.
REZENDE, Nathalia; NICOLAU, Marcos. Fã e fandom: estudo de caso sobre as estratégias
mercadológicas da série Game Of Thrones. In: Comunicação e Cultura na era de
Tecnologias Midiáticas Onipresentes e Oniscientes, n. 8, 2014, São Paulo. VIII
Simpósio Nacional da ABCiber. São Paulo: Associação Brasileira de Pesquisadores
em
Cibercultura,
2014.
p.
1-14.
Disponível
em:
<
http://abciber.org.br/simposio2014/anais/GTs/nathalia_michelle_grisi_rezende_60.pdf
>. Acesso em: 31 mai. 2020.
SIRON Franco. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São
Paulo:
Itaú
Cultural,
2020.
Disponível
em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8771/siron-franco>. Acesso em: 31 de
mai. 2020.
PLANO DE AULA Nº3
Título: Fanart - se desenvolvendo entre e através de Fanmades.
Ano/Faixa Etária: Ensino Fundamental anos Finais e Ensino Médio
Objetivos
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- Conhecer a prática artística da fanart e seu desenvolvimento a partir de sua história;
- Compreender a Cultura participativa dos Fãs conhecendo suas produções e manifestações;
- Trabalhar com as linguagens constituintes das artes visuais para a criação de um fanzine;
- Criar artisticamente por meio do trabalho coletivo e colaborativo.
- Oportunizar o diálogo com o corpo discente e seus saberes desenvolvendo-os no processo de
ensino.
Justificativa: É importante que o aluno entenda as produções de fã a partir de seu
desenvolvimento, identificando-as na atualidade e percebendo o modo da cultura participativa
proporcionada por ela, também presente na contemporaneidade. Assim, ele pode
contextualizar tais práticas aos modos de consumos atuais, compreendendo o seu próprio
modo de consumo e seus conteúdos de inspiração.
Conteúdos:
História da Fanart - Apresentar a as artes de fã e seu processo histórico, apontando seus
aspectos presentes na história da arte e seu desenvolvimento até os dias atuais.
Fanmades – Abordar sobre as produções de fã em geral explicando e definindo a origem dos
seus conceitos. Apresentar também alguns tipos principais de tais criações (Fanarts,
Fanzines, Fanfics e Fanvids) e o desenvolvimento das mesmas.
Cultura Participativa dos Fãs – Explicar a cultura participativa dos fãs, problematizando-a
com os modos de consumo nos dias de hoje.
Metodologia: Iniciar a aula discorrendo sobre a cultura participativa dos fãs, propondo a
reflexão sobre a relação entre fã e objeto de inspiração e apresentando algumas de suas
produções (Fanmades) principais (Fanfics, Fanarts, Fanvids e Fanzines). Em seguida, dividir
a sala em quatro grupos de modo em que cada um deles abordará uma dessas Fammades e
91
deverá pesquisar na sala de informática um ou dois exemplos dessa produção para apresentar
para a sala. Durante as discussões, é importante evidenciar as variadas criação dos fãs e as
possibilidades criativas dentro de cada um delas. Ademais, nesse momento será feita as
questão: do que eu sou fã? Que tipos de produções/conteúdos eu costumo consumir?
Após isso, complementar e contextualizar as informações trazidas pelas pesquisas,
apresentando o processo histórico das fanmades, desde o seu surgimento até a sua
consolidação nos espaços digitais. Em meio a isso, apresentar e dar foco na história da fanart,
abordando sobre seus aspectos na história da arte e na atualidade, relacionando com o
desenvolvimento das demais fanmades. Enfatizar, nesse momento, os fanzines como o início
da propagação das fanarts e sua importância na disseminação de outras produções de fã.
Mais tarde, propor aos alunos a criação de um fanzine sobre determinado(s)
conteúdo(s). Para isso os mesmos deverão se organizar em grupos e escolher o conteúdo de
modo livre, desde que todos integrantes sejam fã do mesmo. O fanzine deverá conter uma
capa personalizada pelos educandos e suas páginas (miolo) contendo as informações sobre o
assunto (objeto de inspiração) escolhido. Para a confecção do material os alunos deverão
planejar em como organizar as suas informações dentro de duas folhas A4, as quais os
mesmos utilizarão livremente para dar o formato de fanzine, podendo dobrá-las, cortá-las,
grampeá-las, e etc.
Neste processo, serão disponibilizados exemplos de fanzines, partindo de sua
contextualização histórica, apresentando o primeiro fanzine brasileiro, o “Boletim Ficção”,
elaborado pelo artista piracicabano Edson Rontani e demais fanzines, históricos e atuais.
Serão, também, apresentadas maneiras simples de dobradura e corte para a turma.
Com isso, cada grupo será livre para confeccionar seus fanzines, produzindo e
coletando informações sobre os seus objetos de inspiração para inserirem neles. Nesse
processo, é importante retomar com os alunos o desenvolvimento histórico das fanmades,
apresentando exemplos de fanzines históricos e destacando a presença de fanarts e fanfics
92
dentro destes, como possíveis informações a serem realizadas e inseridas também pelos
grupos. Ademais, nesse momento é interessante apresentar aos alunos maneiras simples de
dobraduras e cortes bem como de aspectos simples de diagramação e design, para que eles
possam ter mais referências em relação à construção visual do material.
Terminadas as páginas do miolo, os grupos deverão, com o auxílio do professor,
utilizar o mimeógrafo para realizar as cópias das mesmas e cada um receberá duas folhas
hectográficas para criar as matrizes. Nesse processo, é importante instigar os alunos a
pensarem sobre as possibilidades de reprodução de imagens, contextualizando com a história
das fanzines e os modos e meios dos quais os fãs se utilizavam para produzir e disseminar
suas produções, sendo o uso do mimeógrafo muito usado por eles.
Uma vez finalizadas todas as páginas, cada grupo poderá terminar o seu zine
confeccionando a sua capa da maneira que desejar. Essa, por sua vez, não será confeccionada
no mimeógrafo. Logo, os alunos poderão confeccionar sua capa do seu modo, podendo fazer
uso de colagens e pinturas coloridas, por exemplo, em que será necessário escaneá-la para
posterior impressão das tiragens do fanzine. Outra opção é os alunos utilizarem cartolina para
confeccionar um estêncil único, que será utilizado para criar várias capas, em série, por meio
do uso de tinta.
Por fim, propor aos alunos a apresentação das produções. Aqui, cada grupo falará
sobre o conteúdo de inspiração abordado, onde cada integrante discorrerá sobre sua relação de
fã com tal conteúdo e sobre o processo de confecção do fanzine. Em seguida, haverá o
compartilhamento das cópias dos zines para cada grupo, onde todos poderão ter o contato com
as informações e produções sobre os assuntos de inspiração da sala - relacionando com as
práticas dos fanzineiros, de compartilhar e disseminar seus conteúdos.
Nesse sentido o conteúdo programático deve ser pensando como uma sequência
didática, sendo que seu processo pode levar três ou mais aulas para o seu desenvolvimento.
93
Recursos, materiais e estruturas: Computadores com acesso à internet, data show,
mimeógrafo (Papel hectográfico, Álcool), Folhas sulfite, cartolinas e revistas velhas, tintas em
geral, tesouras e estiletes, colas e grampeador.
Recursos Avaliativos: Espera-se que os alunos desenvolvam as aprendizagens e as
habilidades propostas de acordo com o processo de criação individual e coletivo,
compreendendo a cultura dos fãs identificando nestas as suas produções e especificidades e
entendendo as relações entre fã e objeto de inspiração.
Deseja-se também que os alunos desenvolvam a confecção do fanzine através da
criação e organização de ideias, materiais gráficos e informações sobre o assunto/objeto de
inspiração escolhido, tudo isso, por meio de um trabalho colaborativo.
Referências Bibliográficas:
NEGRI, Ana C. Quarenta anos de fanzine no Brasil: o pioneirismo de Edson Rontani. In:
ENCONTRO DOS NÚCLEOS DE PESQUISA DA INTERCOM, n. 5, 2005, Rio de
Janeiro. Anais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2005. p. s.n. Disponível
em:
<
http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/33397517009226686802074911246237676
525.pdf>. Acesso em: 31 mai. 2020.
REZENDE, Nathalia; NICOLAU, Marcos. Fã e fandom: estudo de caso sobre as estratégias
mercadológicas da série Game Of Thrones. In: Comunicação e Cultura na era de
Tecnologias Midiáticas Onipresentes e Oniscientes, n. 8, 2014, São Paulo. VIII
Simpósio Nacional da ABCiber. São Paulo: Associação Brasileira de Pesquisadores
em
Cibercultura,
2014.
p.
1-14.
Disponível
em:
<
http://abciber.org.br/simposio2014/anais/GTs/nathalia_michelle_grisi_rezende_60.pdf
>. Acesso em: 31 mai. 2020.
SOTO, Agni Gómez. Primer Acercamiento al Fanart y su lugar en el Arte Contemporáneo.
Tese (Graduação em Artes Visuais) – Facultad de Humanidades y Ciencias Sociales,
Pontificia Universidad Javeriana Cali, Cali, 2016. Disponível em:
<https://agnigomezsoto.wixsite.com/fanart/fanart-en-la-historia-del-arte>. Acesso em:
31 mai. 2020.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou conceituar a fanart, abordando seus aspectos históricos,
artísticos e educativos. A realização de uma explicação mais detalhada sobre a arte de fã e sua
história foi desenvolvida levando-se em conta que esta se apresenta como temática pouco
tratada em estudos acadêmicos. Nesse sentido, a presente pesquisa se propôs introduzir o
tema, para, em seguida, abordá-lo em profundidade.
Assim, a fanart se mostrou, então, atrelada ao universo da cultura participativa do fã,
trazendo consigo aspectos relacionados a afetividades e vivências pessoais. Tais aspectos se
transformam em interpretações diversas dentro das fanmades, onde o fã extrapola seu papel
como espectador, tornando-se produtor cultural - tendo as próprias obras que lhe inspiram
como ponto de partida.
Dentro dos espaços do fandom, as produções de fã tomaram forma e se consolidaram
como tal, hoje encontrando na internet seu local habitual. Para além da web, espaços físicos
também são ocupados por fã produtores, como em convenções de fã e – algumas – galerias.
A arte de fã também se mostrou – em âmbito artístico – capaz de servir como meio de
estudo técnico, ou como parte integrante da poética própria do artista. Nessa perspectiva, a
fanart se apresentou como prática artística dentro de aspectos e lógica pós-modernas, imersa
no universo da arte contemporânea. Embasando-se nos estudos de Soto (2016), foi possível
alencar, também, características próprias da fanart, fortificando suas potencialidades enquanto
expressão artística.
Então, a partir de uma compreensão mais abrangente sobre a arte de fã, foi possível
perceber sua aplicabilidade em sala de aula, devido à sua capacidade de aproximar o aluno ao
objeto de estudo. Nesse sentido, o uso da fanart no ensino regular, mostrou-se capaz de servir
como motivação para o envolvimento e criação artística do educando, aproximando a aula de
seu universo pessoal e individual.
95
Nesse cenário, concebeu-se a proposta de utilização da fanart enquanto “Ferramenta
de Ensino” e “Objeto de Estudo” dentro do campo da arte-educação. Possibilitando que o
discente se aproxime de assuntos que lhe são distantes, por meio de algo que lhe é familiar, a
fanart em sala de aula possibilita a abordagem de temáticas tais como a arte contemporânea.
Dessa forma, retomando os escritos de Anna Marie Holm, é interessante refletir sobre o papel
do educador de ensinar arte:
[...] não necessariamente para formar artistas, mas para aproximar a sociedade da
arte contemporânea, formar um público capaz de apreciar a arte dos nossos dias, e
renovar os nossos valores artísticos. (HOLM, 2005, p. 8)
A arte de fã também possui função pedagógica enquanto objeto de estudo, uma vez
que apresenta valor enquanto expressão, sendo produção integrante da cultura participativa do
fã. Assim sendo, é possível ainda associá-la a outras fanmades, possibilitando diversas
abordagens dentro do ensino artístico, uma vez que traz consigo aspectos relacionados a
diferentes visualidades e à tecnologia. Neste sentido, é possível abordá-la, até mesmo, de
modo a tratar de elementos próprios do teatro, da dança ou da música – através da utilização
da relação de fã como ponto de partida, abordando músicas das quais o aluno admira, ou
cenas de dança ou teatro presentes em produções que o estimula.
Destarte, foi possível observar as potencialidades que a fanart pode trazer consigo,
tornando viável que se constituam novas pesquisas sobre a temática, em âmbito tanto
pedagógico, quanto artístico. Assim, apresentando potencialidade para além deste trabalho de
conclusão de curso, a arte de fã, por suas possibilidades de utilização e quebra de barreiras,
ainda apresenta muitos pontos a serem explorados.
96
REFERÊNCIAS
BALDINI, João. Nephilem. Tese (Bacharelado em Artes Visuais) – Faculdade de Artes
Visuais, Centro de Linguagem e Comunicação, Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, 2019.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
________. Arte-Educação no Brasil: realidade hoje e expectativas futuras. Estudos
Avançados, v. 3, n. 7, p. 170-182, 1989. Disponível em: <
http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8536>. Acesso em: 31 mai. 2020.
BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos de psicologia escolar. São Paulo: Ática, 2000.
BIANCHI, Sara Rebecca. A importância da motivação na aprendizagem no ensino
fundamental.
2011.
Disponível
em:
<https://docplayer.com.br/23765893-A-importancia-da-motivacao-na-aprendizagem-n
o-ensino-fundamental.html> Acesso em: 13 mai. 2020.
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: Como a arte reprograma o mundo contemporáneo.
São Paulo: Martins Fontes, 2009.
BRAGANÇA, Fábio. Abdala faz homenagem ao Dia do Fanzine. Câmara de vereadores de
piracicaba, Piracicaba, v. s.n., n. s.n., p. s.p., 2017. Disponível em: <
https://www.camarapiracicaba.sp.gov.br/abdala-faz-homenagem-ao-dia-do-fanzine-36
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BUREN, Daniel. The Function of the Studio. In: DOHERTY, Claire (ed.). From Studio to
Situation. Londres: Black Dog Publishing, 2004, p. 16-27. Disponível em:
<https://uwe-repository.worktribe.com/output/1064511/contemporary-art-from-studioto-situation>. Acesso em: 31 mai. 2020.
CARVALHO, Marcus V. C. Mimese: sobre processos de conhecimento, representação
artística e formação na história da educação. Educar em Revista, Curitiba, v. 35, n. 73,
p. 15-31, 2019. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/0104-4060.62733>. Acesso
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CAVALCANTI, Larissa. Leitura nos gêneros digitais: abordando as fanfics. In: REDES
SOCIAIS E APRENDIZAGEM, n. 3, 2010, Recife. Anais Eletrônicos do Simpósio
Hipertexto e Tecnologias na Educação. Pernambuco: Universidade Federal de
Pernambuco,
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ENGELMANN, Erico. A MOTIVAÇÃO DE ALUNOS DOS CURSOS DE ARTES DE
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