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ARQUITETURA E INDÚSTRIA A PEN[NSULA DE ITAPAGIPE COMO SITIO INDUSTRIAL DA Sf'LVADOR MODERNA {1892 - 1947) Ceila Rosana Carneiro Cardoso Orientadora: Prof. Ora. Cibele Saliba Rizek UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS DEPARTAMENTO DE ARQU ITETURA E URBANISMO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA DO AMBIENTE CONSTRUÍDO MESTRADO EM TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA Serviço de Pós-Graduação EESC/USP EXEMPLAR REVISADO Data de entrada no Serviço... Ass.: .......... ~ º+.;. f?.~! ..; .. P.~ .... ... : ••................... ARQUITETURA E INDÚSTRIA A Península de ltapagipe como sítio industrial da Salvador Moderna 1891-1947 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO (..) Cf) w """'""""' w = I ~ ~ Q) () ; ;~ Ceila Rosana Carneiro Cardoso _J <( Orientadora : Cl w ·Cibele Saliba Rizek ·u " Cl 0 ' I tf• I .. , .. u ~I ; , ~ ' ' São Carlos, maio de 2004. ._/ TJotD(Or 139S"t03 . Ficha catalográfica .Z•.11.1a Cardoso, Ceila Rosana Carneiro Arquitetura e I ndústria : a Península de Itapagipe con,o sitio industrial da Salvador !'1oclerna 1891- 1947 I Ceila Rosana Carneiro Cardoso . -- São Carlos, 20~. Dissertaçã·o (Mesl;rado) - Escola de Engenharia de São Carlos - Universidade de Sâo Paulo , 2003. J.rea: Tecnologia elo .l>.rn.b iente Co n struído. Orientador : Prof. Dr. Cibel e Saliba Rizek. 1. Arq1.1itetura e Indústria. 2 . UrbanismoHoderno. 3 . Urbanismo em Salvador. 4. História urbana . S. iu:quitetura e Cidades. 6 . Indust.ria e cidades. 7. Península de Itapagipe . 8 . Salvador . AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer à Prof. Ora. Cibele Saliba Rizek que aceitou me orientar na tessitura deste trabalho e tantas vezes me inspirou e impulsionou com firmeza, competência e carinho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo que financiou este trabalho e o tornou possível. À Universidade de São Paulo e ao ambiente acadêmico da Escola de Engenharia de São Carlos - aos professores, colegas e funcionórios. À minha família por todo o amor que, apesar da distância, me alimentou. Impossível de ser realizado sem o apoio de Gabriella e Arlindo, este trabalho é dedicado a Dona Celina e Dona Zulmira. Imagem do copo: C roquis do Arq. Jooquim Vionno em programoção visuol d o Arq. Gobri ello Limo . SUMÁRIO APRESENTAÇÃO PG. 07 ALGUMAS ARTICULAÇÕES PG. 08 PRIMEIRA IMAGEM: A PENÍNSULA NA HISTÓRIA DA CIDADE 1.0 - Os primórdios PG.15 SEGUNDA IMAGEM: A PENÍNSULA E A MODERNIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO 2.0 -A modernização do espaço urbano 2. 1 - A indústria em Salvador 2.2 - A indústria na península PG. 36 PG. 54 PG. 79 TERCEIRA IMAGEM: A OBSOLESCÊNCIA 3.0- O arrefecimento do antigo centro industrial PG. 141 ALGUMAS PROPOSIÇÕES PG. 151 BIBLIOGRAFIA ANEXOS PG. 154 PG . 165 RESUMO O primeiro grande surto de industrialização que se deu no território baiano data-se do final do século XIX até meados do século XX, em decorrência da crise do açúcar e da convergência de investimentos e interesses para o centro urbano que já era Salvador. Passando pela recomposição histórica da área, o foco central desta pesquisa são as transformações espaciais sofridas pela Península de ltapagipe, antigo balneário, frente à industria lização que se dá em Salvador com grande concentração, tanto das indústrias quanto das habitações ligadas a elas, neste seu arrabalde plano e de fácil acesso. Palavras Chaves: indústria, cidade, Salvador. ABSTRACT The first great industrialization stage in the lands of Bahia happened between the ends of XIX century and midlle XX century, in the ocassion of sugar crises and the convergency of investiments and interests to the urban center which, at that time, was already Salvador. Besides the historical reconstruction of the area, the central focus of this research are the spatia l transformations suffered by the Península de ltapagipe, old spa, in front of the industrialization happened in Salvador whith great concentration, of industries and such habitations, in this plane suburb whith easy access. Key-words: industry, city, Salvador. INTRODUÇÃO /~ dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica Tenho febre e escrevo Escrevo rangendo os dentes/ fera para a beleza disto/ Para a beleza disto totalmente desconheCida dos antigos. Ó rodas/ ó engrenagens/ r-r-r-r-r-relemo! Forte espasmo reltdo dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim/ Por todos os meus nervos dissecados fora/ Por todas as papt1as fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos/ ó grandes ruídos modernos/ De vos ouvir demasiadamente de perto/ E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações/ Com um excesso contemporâneo de vós/ ó máquinas! Em febre e olhando os motores como a uma natureza tropicalGrandes trópicos humanos de ferro e fogo e força Canto/ e canto o presente/ e também o passado e o futuro/ Porque o presente é todo o passado e todo o futuro E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes elétricas Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão/ E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenla/ Átomos que hão de ir ter febre para o cérebro do Ésqut1o do século cem/ Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e porestes volantes/ Rugindo/ rangendo/ ciciando/ estrugindo/ ferreando/ Refazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma. Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo/ Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto/ Rasgar-me todo/ abrir-me completamente/ tornar-me passenlo A todos os perfurmes de óleos e calores e carvões Desta flora estupenda/ negra/ artificial e insaciável! Fratermdade com todas as dinâmicas! Promíscua fúria de ser parte-agente Do rodar férreo e cosmopolita Dos comboios eslrênuos/ Da faina transportadora-de-cargas dos navios/ Do giro lúbrico e lento dos guindastes/ 1 Do tumulto disciplinado das fábricas/ PESSOA, Fernondo. /'Ode triunfal" (trecho). O b rc1s E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão(' Completas, Pg. 306. 6 INTRODUÇÃO 2 ~ APRESENTAÇÃO O primeiro grande surto de industrialização no território baian o deu-se do final do século XIX até meados do século XX, em decorrência da crise do açúcar e da convergência de investimentos e interesses para o centro urbano que já era Salvador. Obviamente as atividades industriais desenvolvidas na Bahia não estão restritas ao recorte temporal a que se detém esta pesquisa, mas podemo s afirmar que, numa escala lo cal, neste momento da história se intensificam 2 . O foco central desta pesquisa são as transformações espaciais sofridas pela Península de ltapagipe em face à industrialização que nela se dá frente a um processo de maior abrangência que é a industrialização e modernização da cidade de Salvador com grande con centração, tanto das indústrias quanto das habitações ligadas a elas, neste seu arrabalde plano e de fácil acesso. Apesar de reunir bairros diferenciados entre si, algumas características da área estudada conferem a ela uma unidade indivisível. Escreve-se aqui uma possível história da Península dentre muitas outras passíveis e possíveis de serem escritas sendo, porém, inegável a participação histórica da área referida na industrialização baiana. delimitação do período para estudo, esteve diretamente ligada à consto/ação, f"unto às primeiras fontes pesquisadas, de que os anos compreendidos pela Primeira República (1889-1930), corresponderiam à uma fase em que se regisltwia o apogeu e o esgotamento do primeiro surto indusltiol baiano. ( ..)Esta fase também corresponde o uma época de ruptura, do ponto de vis/o da organização social e político, com o status quo vivenciodo durante o Império, podendo ser caracterizada coma um estágio de consolidação do regime de trabalho assalan"ado e de deftiu"ção de um novo segmento social no meio urbano: o prolelotiado '~ (CARDOSQ 1991, Pg. 15). Assim CARDOSO justifico o recorle te mporal ela pesquisa por ele próprio reolizoclo dizendo respei to à hobi toçôo proletária em Solvador de 1899 o 1930, que teve 48% do seu total e rigido na Península de ltapagipe. Também J. L. Pamponet SAMPAIO reconhece os últimos cmos do século XIX e c1s plimeiros décados do século XX como o pe1 íodo de moio r viço do que se1ia umc1verdade ira indústria baiono, quer dizer, com incentivos e copito is próplios ao Estodo. O nosso recolie temporal vai mois olém, o té o ono de 194 7, quando sôo descobertos os ca m pos petrolíferos de Bimbarro e São João, ombos no Bc1Ío de Todos os Scm tos. Em 1942 o EPUCS, nozoneomento d o cidode de Solvodor, oin dc1 reconhecei io a região do Penínsulo de ltopogipe como área induslriol e resicle ncio l sotélite . 7 INTRODUÇÃO 3 A TESSITURA DE UM CAMPO TEÓRICO Uma modernidade particular Este é, antes de tudo um trabalho sobre a cidade de Salvador, sobre a Península de ltapagipe, sobre a construção de um espaço urbano complexo, em camadas e camadas de sobreposições. É também uma investigação e uma composição histórica sobre o fenômeno de modernização da área referida, da dissolução de alguns e da cria ção de outros vínculos e marcas temporais a partir das transformações sofridas por este centro industrial soteropo litano que, antes de estabilizar-se, se dissolveu, tornou-se ruína 3 . A idéia do novo acompanha as cidades modernizadas4 , inclusive a cidade em questão. Esse "novo resplandecente" caracteriza mais o ideal de atender às emergentes funções urbanas do que ao desejo de contemplação e reflexão sobre as cidades que não são feitas pro durar - são antes o movimento que a plácida estabilidade. Com uma solidez instável, como numa vitrine, exibem-se em sua fugaz mocidade. "Para as Ctdades européias a passagem dos séculos constitui uma promoção/ para as americanas a dos anos é uma decadência. Pois não são apenas construídas recentemente/ são construídas para se renovarem com a mesma rapidez com que foram ergwdas/ quer dizet; mal. No momento em que surgem/ os novos bairros nem sequer são elementos urbanos: são brilhantes demais/ novos demais/ alegres demais para tanto. Mais se pensaria numa feira/ numa exposição internacional construída para poucos meses. Após esse prazo/ a festa termina e esses grandes bibelôs fenecem: as fachadas descascam/ a chuva e a fuligem traçam seus sulcos/ o estt1o sai de moda/ o ordenamento primtYivo desaparece sob as demolições exigtdas/ ao lado/ por outra impaciência. Não são Ctdades novas contrastando com cidades velhas/ mas Ctdades em ciclo de evolução curtíssimo/ comparadas com Ctdades de ciclo lento/~ (LÉVISTRAUSS, 1955, Pg. 91 ). As cidades novas do continente americano seriam, sob esta perspectiva, jovens adoentadas, precocemente deterioradas, apressadas em se erguer para em seguida se esfacelar, tornarem-se fragmentos (tão rapidamente que a unidade seria fugaz? Ou seria esta unidade possível somente se imaginada?). Sobre a rápida escrita que desenha estas cidades sobrepõe-se uma outra escrita ainda mais apressada. É um destes caos, um acúmulo de cacos, ainda eretos ou já por terra, que estudamos e sobre os quais estamos a teorizar. Novidade-velharia que a modernização e a tempestade chamada progresso5 agravaram em ruínas. Com o advento da era do maquinismo o caos teria entrado nas Ctdadesé. A ruí no sobre c1quo i nos re ferimos é o que se conformo pela industrialização do áreo seguido do obondono, do tmn sformoção ou dc1extin çôo dos e difícios industri ois que no seu território se erigimm. A Penínsulo de ltopogipe, lugar onde se concenlrovo o indústrio boi a no d o recor te tempora l es tu dodo (1 892- 194 7), pode ser co nsid erado como um an tigo Centro lndustrio l e, enquo nto !oi, encon tro-se em ruíno - o pesar d e desempenhar outros popéis nos dios otuois, principolm ente o residencio l. Como suge1ido por uma estimoclo professora: //l á outras atividades se reproduzem docem ente//- segurei mente n ão indústri al. o oti v idod e Em Pcuis a id éio do novo, in ere nte ô mod e rn id ode, redesenhou umo novo cidode sob re os escombros do an tigo. Como po1te do omplo sistemo d e plonejamenlo urbono qu e so freu Poris no sécul o XIX, Nopo leão e Ho ussmon n abrirom amplos bulevares e calçodos. lnstalavo-se no coroção da cidode medievo! uma rede d e ortérios que investi om contro os velhos boin·os centroi s. //0 em 4 preendúnento pôs abaixo centenas de edifícios/ deslocou milhares e milhares de pessoas/ destruiu bairros til/eiras que aí !tidwm existido por séc ul os / ~ BERMAI'J, 1982, Pg. 14 6. Os escombros tombém es tão presentes no poemo de Boudelo ire Os olh os dos pobres, o nde o recen te bulevar o inclo a tulho do de dehilos, conhostavo com o inoug urodo co fé q ue, iluminodo p elo gós, exibio -se. ~o anoilecet; um p ouco faligaela/ você desejou sentar-se diante ele um café novo/ na esquina de um novo bulevar que/ atil cla cheio de entullw/ já ostentava g lorioso os seus esplen dores inacabados. O café resplandescia. O próprio gás mostarva ali todo o calor ele uma estréia ... / ~ BAUDELAIRE, O Spleen de Paris. 8 INTRODUÇÃO 5 "a modernidade não estó apenas na presença das fumaças e dos alaridos das indústrias/ o que é especih'camente moderno é a iustaposição do impulso ver!J'cal das chaminés e o das igreias: são o contraste e a dissonância de sua presença simultânea'~ {STAROBINSKI, 1992, Pg. 39). Se a modernidade acentuase no confronto entre o novo e o antigo, o territórioobjeto deste trabalho seria um curioso exemplo dela própria. Porém, neste co nfronto, ou justaposição, que a caracterizam fulgura uma imagem que perpassa com tal velocidade que precisamos nos ater em observála, posto que não permanece. Relampejo, duração. Imagem 1: Angelus Novus. Quadro pintado por Paul Klee ao qual Benjamin se refere no tese 9 d e Sobre o conceito de História. "na Amén'ca, a modermdade foi um caminho para se chegar à modernização, não sua conseq üência/ a modermdade se impôs como parte de uma polítJ'ca deliberada para conduzir à modernização e nessa política a cidade foi o obielo ". (GORELIK, 1999, Pg.37) . A modernidade chegou para nós como um ho rizonte ou perspectiva a qual devíamos nos adequar. Traduzida, se tornou uma vitó ria do novo, que rapidamente se torna deteriorado, sobre o antigo. O passado do Novo Mundo não tem densidade, porém, ainda que se acumulem pilha s de fragmentos so bre es tas jove ns-doe ntesenvelhecidas, elas estão prenhes de história. Apesar do movimento iovem e febn1 da produção materi~ não houve tempo nem oportum·dade para que suprimissem o velho mundo espiritual , e este mundo espiritual e intangível mais uma vez carrega de significado o arruinado mundo material e tangível. Garimparemos os indícios e sinais de uma o utra vivência espacial, vasculharemos os escombros que histo ricamente sustentam os construções novas da península. M ergulhemos neste raso-largo-profundo o nde o que era vivo ainda sobrevive, embora com outra aparência e, cristalizados pulsam imunes e à espera de serem reconhecidos. Do progresso, segund o BENJAMII\1, é indissociável umo força clesouregodora. i'lo lese 9 ele Sabre o conceito de ln'slótia o ÂlfÓ da Hislón'a tem o aspecto do assombro que camcteliza o constotoção des te csfoce lamcnto. "1-/ó um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anio que parece querer afastar-se de algo que ele encaro fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca chla!ada, suas asas abertas. O anjo da hislón'a deve ler este aspeclo. Seu rosto está ditigido para o passado. Onde tiÓS vemos uma cadeia de acot1lecim enlos, ele vê uma catástrofe única, que acumula tilcansavelmenle ruína sobre ruína e as chspersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e túnlar os fragmentos. Mas uma tempestade sopta do paraíso e prende-se em suas asas com !anta força que ele não pode mats fechá-las. Esta tempestade o impele irrestslivelmenle para o futuro, ao qual ele vira ascosIas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa temp estade é o que chamamos proges'~ BEI'IJAMII\1, Obras escolhidas, vol. I, Pg. 226. LE CORB USIER, e m 'T U rbonisme", moni fes to moder nisto de 1924, revela o choque por ele sofrido diante do cidade de Poris em que 'o fún'a do tráfego cres cia '~ C hoccrclo e d esor ientodo ele afirmcrra num lamento: "Recuo vtille anos, à 6 nunha ju ventude como estudante: a es!tacla então nos pert eno'a~ i'lum momento seguinte do mesmo mcrni feslo identificose inleiromenle com os forças que antes o cousovcrm espanto e cr fi rmcr que uma ruo verda cleircr mente modemcr precisa ser "bem equipada como uma fá"uma m áqUIÍICI para o tráfego". Do pcr stor ol à btica'~ anlipas toral boudelaireancr, o homem na rua dó l ugar cro homem no carro. (BERMAI\1, 1986). 9 INTRODUÇÃO "A cinco braças iaz teu pai/ De seus ossos fez-se coral/ Essas são pérolas que foram seus olhos. Nada dele desaparece Mas sofre uma transmutação marinha Em algo rico e estranho//. 1 Segundo Wol ter Ben jamin esto era o imogem do América pcrra Kcnl Morx, como descri ta em O /8 Brumánó de Luis Bonaparle. BEI'UAMII'J, Obras escolhidas, vol. 111, Pg. 49. (BENJAMIN apud ARENDT, 1955, Pg. 165) . Reconheçamos e "pesquemos// olhos e ossos transfigurados em pérolas e corais. Aos elementos monadológico-pulsantes-reveladorestransfigurados Hanna Arendt chamou de algo rico e estranho que está vivo/ porém/ suteilo à ruína do tempo8 . 8 AREI'JDT, 1955, Pg. 176. Voltando ao caso particular do impasse da modernização na Península, diante dela a órea transforma-se, é reinventada. No estudo deste espaço urbano buscaremos entender como as transformações evidenciam as permanências, num processo de decadência que é ao mesmo tempo um processo de cristalização. Na modernização por que passa este pedaço da cidade encontrar-se-6 material no qual seró possível ler a história de Salvador e as alterações no seu casco urbano refletindo as idéias que permeiam o pensamento urbanístico moderno. De que forma específica este fenômeno se concretiza numa determinada órea de uma cidade do novo mundo, brasileira e baiana? O outro da cidade Especularemos como, ao mesmo tempo em que se integra a Salvador, a Península de ltapagipe guarda características próprias mantendo a sua especificidade. A península é parte da cidade e é o outro dela. liga-se a ela e dela separa-se, como duas faces do mesmo ato, uma pressupondo a outra, distinguem-se e ressaltamse: //En la medtda em que enlresacamos dos cosas de/ impertubable depósito de las cosas nalurales para designarias como /separads/~ las hemos relendo ya em nuestra consctencia la uma a la outra/ hemos deslocado estas dos cosas em común frente a (SIMMEL, 1923, Pg. 29). lo que yace enlrmdio/~ Entre a península e a cidade existe uma porta que, justamente por existir podendo ser aberta, ressalta a separação quando se encontra fechada. Hó uma constante possibilidade de relação e intercâmbio. A porta carrega o estigma de abertura, de passagem - tensa, instóvel - que a distingue da parede, por sua vez, divisória - plócida, estóvel. A península carregou e ainda guarda características do "estar do 1 o INTRODUÇÃO outro lado da port a" , do "estar à parte" . A ligação geográfica que se fez naturalmente por depos ições lenta s e constantes c riou um istmo , uma ligação com o continente que é quase uma po nte. Porém, a barreira natural que existia quando a península foi ilha, há cinco mil anos 9 , d e alguma forma persiste . Algo da sua conformação g eog ráfica pode se r lido, relido e interpretado pela história . Um outro ligar, que seria estabelecer uma relação mais orgânica com o centro da c idade de Salvador, fez-se posteriormente. ''O fato é que a península de ltapagipe já se integra plenaquando na segunda metade mente com a cidade do Salvdo~ linhas de transportes terrestres e marítimos lido século XI~ gam a paróquia da Penha com as paróquias do centro da ci(MATTOSO, 1978, Pg. 179). dae'~ Área residual - arrabalde desde a fundação da cidade não edificada em suas terras, território possível de abrigar a capital-colônia lusitana, lugar de quarentena, possível centro, curral/ estaleiro, balneário, esconderijo de escravos fugitivos, vila pesqueira, hospício, freguesia lo ngínqua, centro industrial, subúrbio residencia l - a Península de ltapagipe está sempre lá, sempre presente, sempre distante. Esta relação complexa de pertencimento nasce e permanece física e culturalmente. Veremos o dentro-fora desta cidade qu e, dialeticamente se abre como paisagem para, em seg uida, fechar-se como um quarto 10 . Os fragm e ntos d e uma hi stó ria aberta Heródoto não explica nada. Seu relato é dos mais secos. Por isso essa história do antigo Egito ainda é capaz, depois de mt1ênios, de suscitar espanto e reflexão. Ela se assemelha a essas sementes de trigo que durante nu1hares de anos ficaram fechadas hermeticamente nas câmaras das pirâmtdes e que (BENJAMIN, conservam até hoje suas forças germinatvs'~ 1940, Pg . 204) . 11 A id éia da cidad e como uma escri ta sug ere a leitura da sua fisiogn omia 11 como se tanto a histó ria quanto os elementos para a sua construção estivessem expressos e concretamente definidos nas fo rmas da cidade, semelhantes aos traços em um rosto. A co ncepção de que este rosto existe e tem uma forma precisa, de que uma linha seria capaz de delineá -lo não se choca com a negação de uma verdade histórica absoluta 12 , mas va i ao enco ntro desta nega ção . 9 Há cinco mil anos, l!opagipe ainda não fazia par/e de Salvador_ pois era uma pequena ilha, englobando as áreas que conhecemos hoje como Ponta de Monte Serra/ e Bonhin, 'm as a deposiçâo de novos sechinenlos culminou por aletrar naluralmen/e o região entre o Calçada e o Bonfim~ conto o geólogo A/ex Pereti·a no seu ensaio A colino sogrado ero umo ilho, explicando como a ilha se transformou em peníns ula ". MARIA I,IO, Agnes. Riviera baiana. Correio do Bohio, 09 de ju nho de 2002, 11 Pg. 3-6. 10 11 Como um animal ascético, vagueia a/ravéz de baitros desconhecidos a/é que, no mais profundo esgotamento, afunda em seu quarto, que o recebe estranho e frio. ( . .) Paisagem - eis no que se transforma a cidade paro o flân eur. Melhor ati1da, para ele, a cidade se cinde em seus pólos dialéticos. Abre-se enquanto paisagem e, como quarto, cinge-o". BENJAMIN, OlHas escolhidos, vol. 111, Pg. 186. l l INTRODU ÇÃO "A verdadeira imagem do passado perpasso/ veloz. O possodo só se deixo fixar/ como imagem que relompeio irreversivelmenle/ no momento em que é reconhecido. /A verdade nunca nos escapará/ esta é frase de Gollfried Keller caracterizo o ponto exalo em que o hisloricismo se separo do materialismo histórico. Pois irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente sem que este presente se sinto visado por elo//. (BENJAMIN, 1940, Pg. 224). Este rosto apareceria para o sujeito histórico em um relampejo e não seria possível fitá-lo longamente 13 , somente guardar dele uma imagem. Façamos a conversão deste movimento em algo estático. ·Precisaríamos juntar detalhes desta imagem que ficou gravada na memória para depois reconstruí-la. Para isto examinaríamos minuciosamente os detalhes e fragmentos desta experiência fértil. A imagem mutável ou o fragmento a ser decifrado guardam o germe da história que, sempre inconclusa (posto que é a cada momento passível de interferências do presente que se dirige ao presente e transforma o passado sugerindo a ele novas interpretações), estaria aberta. Desta forma/ partindo da superfície/ do ep1derme de sua época/ ele atribui à fisiognomia dos ododes/ à cultura do col!diono/ às imagens do desejo e da fonlasmogorias/ aos resíduos e materiais aparentemente insignificantes o mesmo importância que /às grandes idéias/ e às obras de arfe consagrados,., . Para BEMJAMIN, os resíduos e fragmentos, assim como um acontecimento relembrado 15 , possibilitariam o acesso a um saber superior que poderia ser a chove paro tudo o que ve1o antes e depois. No particular a história guarda-se e revela-se. //0 cronista que narra os acontecimentos/ sem distinguiras grandes e os pequenos/ levo em conto a verdade de que nado do que um dia aconteceu pode ser considerado perd1do para o históra /~ (BENJAMIN, 1940, Pg .. 223). Percorramos a cidade carregada e profusa de fragmentos urbanos como a uma floresta de símbolos com os quais nos esbarramos. No tempo de agora/ é possível construir também o passado, identificando os germes de uma outra história, ainda não escrita, e indo de encontro tanto à hislonogrofia burguesa quanto à hislonogrofia progressista/ fugindo do tempo homogêneo e vaz1o. Contar, como Heródoto, sem dar explicações definitivas, é deixar que a história admità interpretações diferentes, permanecendo, portanto, aberta para uma continuação de vida que dada leitura futura renova e restaura . 11 Segu nd o Jo honn C ospor LAVAT ER, o fundod o r do fisiognomio mode1no ( 17 4 1- 1801 ): ~ (isiognomia é a ciência de conhecer o catáler (!1ão os destinos alea/ódos) de um ser humano falo sensu a partir de seus traços exte riores_- a (isiognomia loto sensu senà m p ortanto lodos os traços e:ded ores elo corpo e elos m ovimen tos ele um ser humano, na medida em que, a p atlir daí_ é possível conhecer algo do seu catá /e!'. Este método el e in vestigoçôo se oplicondo ô lei turo dos cidocles é umo formo de descrever os p ercepções e entender pwte da obro de Benjomin . Com bose nos textos de Engels, Poe, Bolw c, Hugo e Baud elaire, al é m dos fisiologistos da décodo de 1830 e 1840 nc1 Frcmça, ele tentou esb oçar e m Passag e ns Parisienses umc1 que seria o o". Se" fisiognomia domul~ã gundo BOLLE o qu e mois interessovo o Benjomin no método fisiogn ômico era o relo çôo es tobelecido entre o histório noturol e c1 histório do culturo desenvolvido por Goethe, olém do tombém por ele estobelecido porolelo enh"e mentalidode burguesa e o imogem ela grande cidode. A pwtir do imagem, d o con c re to do c idad e Ben jomim, e nquon to histo1 iógrafo, se propunha a ler a mentolidade de umo époco . Ver BO LLE, 2000, Pg. 43. 12 A idéio de umo histó1io qu e eslcu ict oberlo aparece nos leses do último texto escdto por BEt,UAMII'I intituloclo Sobre o conceito de história: " TESE 6 Articular historicamente o passado não sig nifica conhecê-lo com o ele de falo foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, la/ como ela relampeja no momento de um p erigo.(. . .) os m or/os também não estarão em segurança se o IÍiimigo ven cer". (BEI'IJ AM II'l, 1940, Pg. 224-5). O p1 esente corrego o p ossibilidode de tron sformor e conduzir o possodo oo reconhecimento e ô redenção. 12 INTRODUÇÃO Nos fragmentos reside o forço histórico dos ruínas. Revolver os seus escombros, escarafunchar os seus detritos nos possibilito penetrar nos coisas concretas e ocultas que neles descansam. Também em GINZBURG, reside o conceito de que detalhes e dados marginais são reveladores da tradição cultural por se constituírem nos momentos em que não vigoro o controle. 110S meus odversórios comprozem-se em me julgar como alguém que não sobe ver o senttdo espirduol de uma obro de arte e por isso dó uma importância particular o meios exteriores1 como os formos do mão1 do orelha e até, horrible dictu1 de um objeto tão ontipótico como os unhas~ (MORELLI opud GINZBURG, 1979, Pg. 150). Giovonni Morelli, autor de alguns artigos no final do século XIX sobre pintura italiano, afirmava que os museus estavam repletos de quadros atribuídos o autores falsos. Desenvolveu e propôs um novo método poro a identificação dos pintores de certos quadros antigos: analisava-os observando indícios que seriam imperceptíveis, pormenores sem importância que certamente escapavam aos o lhos dos plogiodores, atentos em reproduzir os característicos mais vistosos das obras originais. Indícios, vestígios, sinais. Os detalhes poro ele forneciam o chove poro alcançar o mais elevado do espírito humano: o decifração dos seus troços puramente individuais. Pistas talvez infinitesimais permitem captor uma rea lidade mais profunda, que de outro formo seria inatingível. Por mtlênios o homem foi caçador. Durante inúmeros perseguições/ ele aprendeu a reconstruir os formos e movimentos das presos invisíveis pelos pegados no /omo1 ramos quebrodos1 bolotas de esterco1 tufos de pêlos1 plumas emoronhodos1 odores estagnados. Aprendeu o farejar; registrar; interpretar e classificar pistas inhiu'fesimois como fios de barba. Aprendeu o fazer operações mentais complexos com raptdez fulminonte1 no interior de um denso bosque ou numa clareira cheio de 11 ct1ods 1 ~ (GINZBURG, 1979, Pg. 151 ). Decifrar pistas de animais é uma metóforo. Façamos outros analogias, como o exercício de construir todo um universo partindo dos restos de uma realidade espacial que não pode ser lido facilmente ou de um fragmento, que pode ser uma colherada de chó onde repouso, amolecido, um pedaço de modoleno 16 • Tangível, intangível - o cidade se constitui no inter-relação entre as suas portes - arrobalde, cidade. A trajetória sugerido certamente é mais difícil de ser descrito (porte do intangível que não caberia em um trabalho teórico o não ser através do devaneio filosófico) do que propriamente acompanhodo. Isto por que, como num cominho desconhecido que se descobre ao percorrer, cada fragmento histórico encontrado nesta busco su geriu os pistas poro o descoberto do fragmento seguinte, que sugeriu os do seguinte, e assim sucessivamente até que, todos descobertos e dispostos lodo o lodo pudessem formar, como um mosaico, a imagem que juntos esboçam: uma narração possível. Assim como, em um poemo de BAUDELAIRE, o ros to de umo possante, fitado em meio ô multidôo, carregoric1em si o possibilidade de construir delo e com elo uma histório comum . Eferneridode no soneto A uma 13 possante: "( ..) Que luz... e a noite após! - efêmera beldade/cujos olhos me fazem nascer outra vez,/1'/ão mais hei de !e ver senão na eternidade?/ Longe daqui! Tarde demais! Nunca talvez!/ Pois de li já me fu~ de mim lú iá fugiste/ Tú que eu leria amado, ó lu que hem o visle (BAUDE LAIRE 11 • apud BENJAMIM, Obrc1s escolhidos vol. 111, Pg. 117). 14 BOLLE, 1994, Pg. 43 . 15 Escrevendo sobre Proust, BENJAMIN descreve, em A imagem de Prousl, o ressonôncio de um acontecimento lembreido: 11Pois um aconlecimenlo vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o aconlecimenlo lembrado é sem hiniles, porque é apenas uma chave para tudo o que veio anles e depois~ (BENJAMII\J, 1929, Pg. 37). 16 Está aqui referenciado 11No cam1i1ho de Swan" - primeiro volu me da ob ro de Morcel Proust, Em busca do lempo perdido, em que ele reconstrói toda a cidade de Combroy c1 partir de uma lembronça que lhe tomo de ossolto ao provor um pedoço de bolo embebido em chá. Segundo GAGNEBIN, o golpe de gênio de Proust está em não ler escrito 'memór i os', mas, justomente, uma 'busco' dos anologios entre o possodo e o presen te, uma semelhança que serio profunda e mais forte que o tempo. (GAGNEBIN in BEI'JJAMII'J, Obras escolhidas, vol. I, 1985). 13 INTRODUÇÃO ''Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia de inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu linha frio, ofereceu-me chó, coisa que era contra os meus hóbitos. A princípio recusi~ mas, não sei porquê, terminei ace!'lando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados na volva esfriada de uma concha de S. Tiago. Em breve, maquinalmente, acabrunhado com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio quanto o primeiro, levei aos lóbios uma colherada de chó onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no mesmo instante em que aquele alento ao que se passava de gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar; estrmCI~ extraordinório em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes ós vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, tal como o faz o amor; enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não eslava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me linha vindo essa preciosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chó e do boh mas que o ultrapassava infm~ael e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde apreendê-la?( . .). Chegaró até a superfície de minha clara consciência essa recordação, esse instante antigo que a atração de um instante idêntico veio de tão longe solicitar; remover; levantar do mais profundo de mim mesmo? Não se1: Agora não sinto mais nada, parou, tornou a descer talvez; quem sabe se iamais voltaró a subir do fundo da sua noite? Dez vezes tenho de recomeçar; inclinar-me em sua busca. E, de cada vez, a covardia que nos afasta de todo trabalho difícil de toda obra importante, aconselhou-me a deixar daquilo, a tomar meu chó pensando simplesmente em meus cuidados de hoie, em meus deseios de amanhã, que se deixam ruminar sem esforço. E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedaço de madalena que nos domingos de manhã em Combray (pois nos domingos eu não saía antes da hora da missa) minha lia Leôncio me oferecia, depois de o ter mergulhado no seu chó da Índia ou de tília, quando ia cumprimentó-la em seu quarto. O simples fato de ver a madalena não me havia evocado coisa alguma antes de que a provasse; talvez porque, como depois linha visto mu!'las, sem as comer; nas confe!'larias, a sua imagem deixara aqueles dias de Combray para se ligar a outros mais recentes; talvez porque daquelas lembranças abandonadas por tanto tempo fora da memória, nada sobrevivia, tudo se desagregara; as formas - e também a daquela conchinha de pastelaria, tão generosamente sensual sob a sua plissagem severa e devota - se haviam anulado ou então, adormecidas, tenham perdido a força de expansão que lhes perm!'liriam alcançarem a consciência. Mas quando mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas- sozinhos, mais frógeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis - o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, aguardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder; em sua gotícula impalpóvel o edifício imenso da recordação. E mal reconheci o gosto do pedaço de madalena molhado em chó que minha tia me dava (embora ainda não soubesse, e tivesse de deixar para muito mais lorde tal averiguação, por que motivo aquela lembrança me tomara tão feliz), eis que a velha casa cinzenta, de fachada para a rua, onde estava o seu quarto, veio aplicar-se, como um cenório de teatro, ao pequeno pavilhão que dava para o iardim e que fora construído para meus pais no fundo da mesma (esse truncado trecho da casa que era só o que eu recordava até então}; e, com a casa, a cidade toda, desde a manhã à no!'le, por qualquer tempo, a praça para onde me mandavam antes do almoço, as ruas por onde eu passava e as estradas que seguíamos quando fazia bom tempo. ~ como nesse divertimento ;'aponês de mergulhar numa bacia de porcelana cheia de ógua pedacinhos de papel até então indistintos e que, depois de molhados, se estiram, se delineiam, se colorem, se d1ferenciam, tornam-se flores, casas, personagens consistentes e reconhecíveis, assim agora todas as flores do nosso iardim e as do parque do Sr. Swann, e as ninfé1'as do Vt'vonne, e a boa gente da aldeia e suas pequenas moradias e a igreia e toda Combray e seus arredores, tudo isso que toma forma e solidez saiu, c1dade e iardins, da minha laça de chó. 1/17 17 PRO UST, Morcel (1 9 13). "No can11ill10 de Swa n '~ Tradução de Mário Qu intano, São Poulo, Abril Culturol, 1982. l4 PRIMEIRA IMAGEM A PENÍNSULA NA HISTÓRIA DA CIDADE PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade A FUNDAÇÃO DA CIDADE DO SALVADOR escarpa ou planície A descoberta do Novo Mundo, mais do que trazer aos olhos do Velho Mundo uma ambiência desconhecida, mostra o modo europeu de debruçar-se sobre as diferenças e distâncias, sobre um modo diverso de viver em um ambiente também diverso. O universo, neste momento, ganha nova amplitude para os mundos que se encontram. A proeza de cruzar o oceano em busca de conquistas, do jamais pensado, faz nascer um pleno de novas possibilidades, de novos seres, cores e culturas, oferecendo uma outra face aos quinhentos. Distantes dos modos dos demais europeus, dotados de espírito aventureiro, movidos pelo desejo de ascensão social, riquezas e privilégios, se dispunham os portugueses a viagens inusitadas 18 • Venceram o Atlântico e, nas terras brasileiras do mundo descoberto, subverteram as diferenças e catequizaram os gentios da terra construindo a cidade-fortaleza que seria o seu instrumento de dominação e consolidação da colônia, o artifício para mantê-la subordinada à metrópole. Salvador19 foi construída sobre a escarpa rochosa com a qual deparou -se a esquadra de Tomé de Souza ao adentrar a Baía de Todos os Santos. Constituindo-se fisicamente a partir do porto, assenta -se sobre geografia acidentada, locada de forma estratégica, no intuito de estar protegida de possíveis ataques: //(. ..} o lugar escolhido então/ de situação estratégica privilegiada/ debruçando a pique sobre o mar; dominando-o com ótimas aguadas e porto extenso/ de fácil defesa caso viessem ataques do mar ou de ferra/ uma vez que esse altiplano dominaria os morros vizinhos/ de que se isolava por riachos e lagoas que enchia as baixadas de valados profunds / ~ (RUY, 1949, Pg. 21 ). 18 A Espanha e Portugol guardam diferenças notóri os e se mcmtêm distonciados dos demais poíses europeus. São, segu ndo Sérgio Bu arq u e de Holanda, territórios-ponte, ligcmdo o Europo ao resto do mundo, por eles colonizodos. Corcrcleriw·se entôo como uma zona de transição, filtro enh"e os cultums distintos com as quais ti nhom contato. A pc1rli r dos grc1 ndes descobrimentos entram, de forma mais decid ida, no coro europeu. (HOlAI\IDA, 1936,Pg.3 1). 19 O nome do cidode o ser construída como copita l colo · niol já havio sido d ecidido pelo reino, como pode ser visto no livro elo Frei Vicente d e Solvod or: "Tomé de Souza trazia or- dens reais para dar o lílulo de Salvador à ctdaele que fundasse. Anles ele embarcar para o Brasil a provisão ele 7 de janeiro de 1549 mandava dar 72$ a Luis Dias, 'que hia por meslre das obras da fortaleza do Salvador."' (SALVADOR, 1627, Pg. 16 1). lmogem 2: C roquís do Arquiteto Joaquim Vianna elabomdo a porlir de plan tas do cidade referentes ao cmo de 1549. FOI'ITE: Arquivo particu lar do Arqui teto. 16 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história d a cidade Desafiando a paisagem virgem constitui-se a cidadela fortificada sobre a falha geológica entre as gargantas da Barroquinha e do Taboão, seus limites Norte e Sul; ficando ao Leste o Vale do Ribeiro e o Rio das Tripas; e no seu limite Oeste a escarpa inacessível 20 . A fundação de Salvador, cidade-fortaleza, marca a implantação da soberania lusitana sobre a colônia . No extenso percurso expansionista, as preocupações militares foram encaminhadas como necessidade complementar de proteção aos pontos de ancoragem do comércio marítimo. Importante entreposto comercial no caminho para as Índias, era necessária a proteção do porto conquistado . As cidades fortificadas e as próprias fortificações, segundo SILVA, funcionam como marcos do domínio europeu que ostensivamente impõe a sua cultura sobre o sítio bravio ao mesmo tempo que protege-a dentro dos muros fechados que a envolvem 2 1 . A estrutura da cidade lusitana quinhentista, edificada entre-muros e cercada de baluartes, é concebida como parte de um todo sistema de defesa militar, como parte de uma máquina de guerra. Os muros da cida de também são o marco da presença imponente dos conquistadores, são o limite entre a paisagem urbana e o território selvagem . maior era/ entretanto/ de fender o ferro. /Condesorredar os inimigos do Coroa e os solidar o posse integro~ expulsar pelos armas era o primeiro alo dessa novo fase colonizadora. A ação militar sobrepunha-se à ação adminisfrofivo ~ A Cidade do Salvador foi um desdobramento do praça forte. A solução dos problemas econômicos seria conseqüência do vitória militar// {RUY, 1949, Pg.l9). ~ preocuaçã 20 A cid(Jde em acróp ole desenhou-se em fu nção das corocterísti cas do seu meio físico: "Logo que Tomé de Souza desembarcou em Vila Velha, tom ou posse da capitania-mor dela, e poucos dias depois, que descansou das fadigas da viagem, pôs em ordem a gente de guerra que trouxera, e marchou para o sítio, em que lwie está a cidade, o qual escolhe u em razão das p referên cias do pôrlo, e abundância d'águas, e nêle fundou a cidade ele cuia governo tomou p osse em virlude das ordens, que recebera do Sr. Rei D. João 111. '' (VILHEI'IA, 1799, Pg .43). 21 Sobre as cido d es forHficod os d o quinhenfos e as fol1ificoções bmsileiros ver SILVA, 199 1. lmogern 3 : Croquís do Arq uiteto Jooquim Vian no elobomdo o p01 tir d e p lontos do cidode referentes o o o no de 154 9. Fonte: Arquivo pw1icu lar do Arqui teto. Apesar da força determinante da ação militar, como reafirmado na 17 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade citação acima, algumas controvérsias houve sobre o melhor lugar onde edificar a capital -colônia . Decide-se, por fim, favorecer a defesa construindo a cidade no alto: bom observatório, difícil acesso. O s portugueses, imbuídos pelo espírito da conquista e afirmação de domínio, seguem as indicações de Vitrúvio que considera serem de melhor resultado as cidades pensadas em função de fatores militares e que tivessem a sua disposição interna seguindo as suas muralhas22 . As cidades ideais renascentistas, frutos do pensamento humanista, filhas de uma racionalidade estabelecida em função da eficiência e planejadas com o uso da geometria, são cidades fortificadas. Os baluartes, as muralhas e as fortificações, nas suas funçoes, formas e disposições, são engrenagens, partes de uma mecânica calculada. n Ver SILVA (199 1). Segundo o outom, o fom1a recomendodct pelo trotadista roma no em a circulm, pois terio mel ho r visibilid ct de. O desenho cmgulm; odo todo pelos renascentistos, é posterior e deu-se em fun çêto das novos ClllllCI S de fogo. Com opinião contrária à escolha dos portugueses no ato de implantação da cidade, Sérgio Buarque de HOLANDA soma-se a Luís dos Santos VILHENA criticando a eleição do planalto em detrimento da planície, tão mais aprazível, irrigada e confortável. Lamentam-se ambos não terem sido as terras planas da península itapagipana o sítio eleito: ~sim / o admirável observador que foi Vt/hena podia lamentar-se/ no começo do século passado/ de que/ ao edificarem a cidade de Salvador; tivessem os portugueses escolhido uma colina escarpada /cheia de tantas quebras e ladeirs ~ quando ali/ a bem pouca distância/ tinham um sítio/ /talvez dos melhores que haia no mundo para fundar uma cidade/ a mais forte/ a mais deliciosa e livre de m1/ incômodos a que está suj'eila esta/ no sítio em que se ach~ //(HOLANDA, 1936, Pg.ll O) Há afirmativas que apontam outra razão para a cidade ter sido constituída no alto. Francisco Vicente VIANA afirma que eram escassas as águas nas terras da península, o que nos parece improvável, tanto por narrativas contrárias, quanto pela topografia registrada em cartografia de meados do século XIX23 , onde aparecem veios nascentes localizados onde hoje seriam o bairro de Mont Serrat e o Largo de Roma. 23 A cct rlogm fia mencio nodo é "MAPA TOPOGRAPHICA DE S. SALVADOR E SEUS SUBURBIOS - levontoda e cledicodo à ilustre Asse mbléia Provincictl por CCII Ios Aug usto Weyl l" . Doto presumido de confecçêto 1850. /Depois de longa reRexão e indecisão/ resolveu-se por este último ponto/ principalmente/ por ler bastantes fontes/ o que faltava em llapagipe/ para onde em princípio pendeu o animo do governador; e assim /ralou de levar a e Hei/o sua resolução/ e fazendo-se logo uma cerca de páo a pique para resguardar os trabalhadores e soldados das agressões dos selvagn/~ (VIANNA, 1893, Pg. 574) . O trabalho de RUY nos mostra asserção contrária: 18 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidad e 'Tanto impressionava a Tomé de Souza a situação inve;óvel da Península de ltapagipe, com aguadas abundantes e ancoradouro profundo e abrigado das tempestades, que leve a idéia de ali instalar a cidade, 1déia logo abandonada por ser o local desprovido de pontos estratégicos para defsa'~ (RUY, A, 1949, Pg. 298). Conclui-se que seria mais acertado acreditar que a cidade-fortaleza lusitana não foi edificado na Península de ltopogipe essencialmente por razões defensivas. Apesar do terreno firme com porto seguro, das águas colmas e bons ventos, as planícies estariam mais vulneráveis aos olhos cobiçosos dos demais colonizadores europeus, como veio mais tarde o se confirmar com o ataque dos flamengos, em 1624, e dos holandeses de Maurício de Nossou, em 163824 • . ~· I - . , .,., ·~ •' .. '' ' ._., .. I ,t..-., ~ . .... , .,_ f-~ ; ~·r -.~! ~ ~ :' ~-;r:. - ~ ·- ..... -- Imagem 4: Investida d e Maurício de Nassau adentrando-se a cidade de Salvador pe lo territótio do Península de ltapogip e. FOI'IT E: MAPA AS FORTIFICAÇÕES As fortificações existentes em Salvador no fim do século XVI estavam nos pontos extremos do frontispício sobre o qual se assenta o cida de: na Ponto do Padrão, o forte de Santo Antônio e, no Ponto de Mont Serrat, o forte de São Filipe 25 que, para o Frei Vicente do Salvador, era mais para terror que para efeito. É pelo território da Pe nínsulo de lto pagipe por o nd e, em 1638, Mourício d e 1\tosso u in vode o ciclode de Solvodor. Dife rente do q ue ocorria na cicloele forlificada, p ercebia-se o facilida de geográfico e a d ificul dode do defesa neste ponto. 24 "Em ahnl de 1638 Mauticio de Nassau reuniu forças navais e terrestres para um segundo ala que a Salvadot; indo desembarcariunlo à Ponta de l!apagipe, adiem/e da cidade afim de evitar o fogo auzado das suas fortificações. Durante um mês falharam todas as liJves!idas dos holandeses contra a urbe, muilo bem de fendida por Bagnuolo, com o governador Pedro da Silva. Após um último assalto, a I B ele maio, em que as perdas holandesas foram acima de 500 hom ens, Mauticio de Nassau e seus comandados retiraram-se para Recife, diante do completo malogro ele mais uma lenla/iva ele conquistar a Bahia. '~ (MAPA, 1993, Pg. 200). "Em 1638 houve o golpe fiustrado ele Nassau, p essoalmente no comando à /esta de uma frota ele 31 navios e com efetivo superior a 4. 000 homens. SCIIildo elo Reole em 8 ele abri" alcança Salvador a 14 e a 16. Após veleiarpela Baía de Todos os Sanlos, fundeou e desembarcou nas proximidades de nossa Sen//Ora ela Escada, na Ponta ele Sõo Broz, onde acampa. De p ois ele ocuparem a planície ilapagipana, encon/rarom !orle resistência na altura ele Água ele Memiws e cohiw ele Sem/o Antônio elo Carmo, lugar em que se desenrolou encamiçada lula a partir do entardecer ele 18 de maio, que só termina quando os liJVasores se retiram derrotados na noite ele 25 seguli J te '~ (SIMAS, 1998, Pg.642). 19 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade investigações de caróter político entregues ao inquisidor deixavam a D. Francisco de Souza/ governador prudente e de tino administrativo apurado/ tempo para refazet; de logo/ as defesas da Cidade/ reedificando os muros de cuia localização/ ió em 158~ declarava Gabriel Soares/ não havia /memória ~ le vantando de pedra e cal a primeira /enstância/ da Ponta do Padrão/ beneficiada com no vo armamento/ e construindo na Ponta de Mont Serra/ o forte de 5. Felipe/ CUfÓ pode rio bélico/ asseveraria mais tarde Frei Vicente de Salvadot; era /mais para terror que para efit o/~ (RUY, 1949, Pg.73). ~s Há registros que afirmam nesta época aí jó haver também o Forte de São Diego, pouco encontrado nos registros históricos, mas situado no extremo da Ribei ra de ltapagipe, cabeça da po nta que avança so bre a Enseada dos Tainheiros. Segue-se o final do século XVI e o início do XVII quando é organizado o primeiro plano de fo rtificaçõ es para a cidade do Salvador, de autoria de Leonardo Tuniano, engenheiro-mor do Reino de Portugal. São reconstruídos os muros que contornavam a cidade, recuperadas a s suas porta s postas po r terra pelos invasores, al ém de reerguidas as igrejas e conventos de São Bento e do Carmo . Estas foram as principais o bras realizadas na cidade de Salvador entre os anos de 1625 a 165 0. Imagem 5: C idade de Salvador sendo invadida p elos holandeses. O bservar os fortes em a tividade, o Forte de São Filipe na Ponlcr de Humaitó- Península de ltapagipe; e o Forte de Santo Antônio da Bcuro no Ponta do Pcrdrão - Ban o . Gravum de Reys-Boeck, 1624 . FOI'tTE: REIS (2000). 25 O livro de VILH ENA afirmo o existência de dois fortes na penín su la de lto p ag ipe: "N o praia entre os dois fortinhos de Monserrole e S. Filipe, podeda o inimigo com muita facilidade e cômodo, fazer um desembarque para acometer a cidade, sem o circunstância de chegar os navios a dar fundo para a cobrir com o suo artilharia, sendo o mor semp re m orto naquela pargem'~ (VILH ENA, 1 799 . Pg. 22 1). Outros autores afirmam que o forle de Mont Serro I é o mesmo forte de S. Filipe. "FO RTE DE MO N TE SERRATE - ( . .) foi conslrufdo em 159 1 por Manuel Teles Barreto que o chamou de São Felipe, em homenagem ao Rei Felipe de Espanha. Dom Francisco de Souza, quando governador geral do Brasil, encarregou da reconstrução do forte o Baccio do filicaia, 'conhecedor da arquitetura militar, artilharia e cosmografia' e mudou-lhe o nome pelo de f orte de Nosso Senhora de Monte Serrote, que perdura até hpje". (FA US, 1976, Pg. 6 1). E possível que VILHENA estivesse se referindo aos fortes São Felipe e São Oiego quando assegurou o fa cilidade de atracação entre os forles da península, pois a testo CARVALHO que M aurício de Nossou haveria atracado no Pedra Furada, localidade situado à meio distância entre os dois fortes. "O forte do Ribeira de ltopagipe, demolido, no lugar ainda hoje conhecido por forlinho, foi conslrufdo em 1550. (. . .}.Com as /velas hollandezas desenroladas Iam bém pela zona do penfnsula, o ltapogipe passou pelos seus revezes sendo tomado pelo Conde Mouticio de Nossou de viagem de Pemambuco ( 1635}, o qual forçado o entrado por ltopogipe de Baixo (Boa Vtagem, Monserrol, Pedra-furada, ele.}, tomou o forte de Mon serro!, então desortilhodo, e fez capitular ao C onde de Bamb o/o, Commandonle da Praça". (CARVALHO , 19 15, Pg. 130 -1 32). Ver também o gravura número 12 " Planto de restituição do Bahia, original de João Teixei r·a Al bernoz I, de 1625". (RE IS, 200 1). ?O PRIMEIRA IMAGEM A Península na histór ia da cidade GARCIA D'ÁVILA E AS PRIMEIRA ATIVIDADES PRODUTIVAS NA PENÍNSULA "Tomé de Souza chegou à Bahia de todos os Santos em 29 de março de 1549, comandando três naus- Salvador, Conceição e Ajuda, duas caravelas - Rainha e Leoa, e um bergatim - S. Roque. Levara '320 pessoas de soldo, em que iam muitos oficiais de todos os ofícios', algumas dezenas de degredados, e acompanhado fôra de seis sacerdotes da Companhia de Jesus e vórios fidalgos, entre os quais Rodrigo de Argollo, nomeado provedor da Fazenda da Bahia, e Diogo Moniz Barreto, que desempenharia o cargo de provedor do Hospital e depois (1554) o de alcaide-mor da cidade de Salvado r, além de seu criado, Garcia D' Ávila, então co m 21 anos, homem d'armas, que ele designara, 'por sentir que é apto', almoxarife da cidade e dos seus termos, bem como da alfândega." (BANDEIRA / 2000/ Pg. 78/ 9). .\N/\ (;)} ,· ·~ 1\ li .~ :\ ll •:., I •• .~ ,.: ·... ·r ~ ll IJ ll l/Mui/o tempo não h o via en leio que Garcia O 'Ávila começara a criação de gado. Tomé de Sousa quando chegara a Salvador mandara a caravela Galga buscar nas ilhas de Cabo Verde algumas cabeças em /roca de um carregamento de madeira, e dera-lhe as primeiras, sob o conceito de pagamento pelos seus serviços, muitas vezes feito em mercadorias. Sob esta forma, Garcia D'Á vila em 1550 ganhara, como homem d'armas, 3000 réis, que lhe eram devidos de seis meses, ou seio, 500 réis por mês de agosto ele 1549 a ianeiro de 1550. E em dezembro desse mesmo ano, a lílulo de pagamento do soldo, ele recebera duas vacas, o equivalente a 4. 000 réis ( . .). Destarte, do gado vacum importado de Cabo Verde, bem como elos escravos e das mudas de cana-de-açúcat; Garcia O 'Ávila, que fizera seus primeiros currais na península de l!apagipe, conltiwou a receber cada vez maiores quantidades e /ralou de expandir sua criação ao ponto de, em 17 de f'ulho ele 1552 receber 12. 000 réis em dti1heiro pela venda ele 'dois bois maninhos para os 26 (BANDEIcafosdeSuAI!z~ ~ ·' 0 .\ •. -..: .. - r t - ~) <l .... ' RA, 2000 Pg. 94/5). ' -t"", " Imagem 6: Mapa da cidade de Solvador com os seus limites norte/sul. à esquerda a Pon ta de Humoitá, na Península de ltapogipe, à direito a Ponto do Podrão, na Barro. Plon ta monuscrita que integrei o atlas pertencente CI O IAHGP, a tri buíd o c 1 Johannes Vingboons, 1660. FO NTE: REIS (2000). Assim desembarca Garcia D' Ávila nas terras em que realizaria grandes conquistas. Do cargo que lhe foi confiado recebeu pagamento também em gado vacuum vindo de Cabo Verde, e assim começou a sua criação. Nas terras da Península de ltapagipe, onde não havia se instalado a capital, no ano de 1550, Garcia D'Ávila monta os seus primeiros currais .26 21 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade ''( ..) se dispôs Tomé de Souza a realizar a primeira visita às capitanias( . .). Desta longa viagem retornou em 1Q de maio de 1553 ( ..). Nas terras baixas do Mont Serro!, em Tapagipe apascentavam as primeiras vacas de Garcia d~vt!a ( ..). Também aí instalava Antônio Cardoso um engenho onde as canas, de que falava Nóbrega, começadas a plantar em 1549, eram moídas, produzindo açúcar e vinho e mer (RUY, 1949 I Pg.42) . Desenvolveram-se na península, ainda a este tempo, muitas outras atividades como o cultivo da cana-de-açúcar, a olaria, havia estaleiros para a construção de embarcações, era abundante a pesca da baleia e dos cachalotes, e eram também exploradas as madeiras ali existentes 27 . Desde a criação da cidade a área dá sinais de proficuidade, apontando o que viria a se tornar mais tarde: o centro industrial, lugar onde se cristalizou o primeiro surto industrial da Salvador moderna. Além dos currais de Garcia D'Ávila e do engenho de Antônio Cardoso, na península já se erguiam, em finais do século XVI, o Forte de São Diego, ou fortinho da Ribeira, o forte de São Felipe, ou de Mont Serrat, e, nos primeiros anos do século XVII, as capelas de Nossa Senhora de Mont Serrat, na Ponta de Humaitá, e a Nossa Senhora da Conceição do Engenho de ltapagipe de C ima, sobre as quais falaremos adiante. Cumprindo ordens da Corôa e como parte da instala ção da Empre- 17 "Não só expandira seus currais ele gado e tomara-se o p11i1cipal fomecedor ele come aos habitantes de Salvador e outros povoados, supni1clo Iam· hém de bovinos e muares os engenhos do Recôncavo, como estalara em Ta!uapara estaleiros paro a conslroção ele barcos, a aprovei/ar madeiras das molas, além ele olarias, elas quais duas lliJiw nas letras ele 1/apagipe. Iniciara outrossim a p esca ela baleia, p ara a extração do óleo, hem como a exploração elo âmbat; abundante naquela costa. " (BANDEIRA, 2000, Pg. l 06). Imagem 7: M apa de resti tuiçôo da Bahia. Verificar a cidade fortificada com os lodeira s que davom acesso ao porto, os quartéis de Sôo Bento e do Carm o, ambos foro dos muros, e nos limites norte/sul, os fortes de Sã o Fili pe e Santo Antônio. O rigino! manuscrito de Joôo Teixeira Al b ern az, 1625. FO NTE: RE IS (2000). 22 PRIMEIRA IMAGEM A Península na históri a da cidad e sa de Concerto e Fabricação de Embarcações é construída, a mando de Tomé de Souza e no mesmo ano de 1550, a Ribeira das Naus. A cidade-estaleiro, fábrica de navios, revela -se de enorme importância para a indústria manufatureira baiana 28 estimulando outras manifestações ancilares, na própria Salvador e em seus arredores. Sítio peculiar pela sua relação com o mar, a Península de ltapagipe faz parte desta grande oficina de embarcações em que se tornou a cidade -colônia . É usada, desde muito e especialmente no século XVIII, como fábrica de embarcações apesar do difícil acesso por terra, obstáculo para que a sua atividade fosse plena e de maior abrangência. Sobre as atividades industriais ligadas a navegação, verem os, mais detalhadamente, adiante. Imagem 8: Deta lhe do Mapa de restituição da Bahio ond e se pode ver; no extremo norte der p enínsulo, o fo rJe de São Fil ipe e a igrejcr do Pon to d e Humaitá. O rigino! monuscrito de João Teixeiro Albernoz, 1625. FONTE: REIS (2000). OS BENEDITINOS E A SANTA CASA DA MISERICÓRDIA LAPA (2000). //Vem os assim, que, quando reclamamos um alcance maior para a construção naval ela colônia querem os nos referira um parque industrial que pudesse presai1dir da dependência eslrangeka, assislindo Portugal na sua larga empresa ul!ra-madna e trazendo ao Brasil resultados promissores e até revolucionários para a sua comprome!icla economia do petfodo colonial Não estamos, portanto, invalidando o esforço que foi feito nesse sentido, pois chegam os a acreditar que o estaleiro baiano se !ornou o mais impor/ante arsenal ultra-marinho afetando, com toda cedeza os dem ais estaleiros pela concorrência nas aquisições de molenóis e de pessoal graças, até cedo ponto à atenção que o governo lhe des!Jiwu p or imposição de suas necessidades madlimas. Mesmo porque o própdo conselho Ul!ra-maniw aceilanó em 17 14 a construção naval no Brastl como mais con veniente elo que a promovida nos pró'~ Pg . pn'os estaleiros do Reino 26 65. ''A sucessão de Garcia D'Ávila na posse de todo o patrimônio que formara sob a égide da Torre de Tatuapara e que abran giam terras, currais de gados, casas, olarias e navios, bem como capelas, a ermida de Nossa Senhora de Monserrate e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, começou natural mente a preocupá -lo, na medida em que ele envelhecia e seus herdeiros desapareciam. (...) Não obstante esse ressen timento, ele deixou ao Mosteiro de São Bento a parte que lhe cabia nas terras de ltapagipe, onde a ermida de Nossa Senhora de Monserrate estava situada, bem co mo a que lhe cabia da fazenda de São Francisco, e suas benfeitorias, excluindo tão-somente as que já doara a Manoel Pereira, por ' bons serviços e boas obras' dele recebidos." (BANDEIRA/ 2000/ Pg. 120). As terras da península, antes propriedade de Garcia D'Ávila, são doadas ainda em vida para os monges beneditinos, assim como metade das terras da Fazenda de São Francisco. 23 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história d a cidad e Com a morte de Mércia Rodrigues, viúva do senhor de tantas pos. ses, a outra metade da Fazenda de São Francisco passa a pertencer à Santa Casa da Misericórdia. Como não interessava aos ricos da Santa Casa nem aos beneditinos ter metade de terra alguma, depois de muitas demandas e tentativas foi entre eles feito um acordo e uma escritura de transação onde, a 13 de março de 1614, caberia aos monges de São Bento as terras de ltapagipe ainda ficando por receber da Santa Casa cento e oitenta mil réis, divididos em duas parcelas anuais que estes últimos lhes pagariam pelas terras de São Francisco. //Demandando em seguida os dous herdeiros acerto de qual das duas partes caberia a cada um deles/ chegaram finalmente/ a um acordo/ lavrado em 13 de Março de 1614 uma escriptura de composição também trasladada para o referido livro do tombo f/. 75/ em que ficou estabelecido que a irmandade de Nossa Senhora de Monserrat/ que está na parte de ltapagipe/ ficava como dantes pertecendo ao Mosteiro de S. Bento/ com vinte braças de terras da egreia para o porto com largura que tivesse a dita ponta f. ..r~ (VIANA, 1893, Pg. 311 ). Não foi possível localizar na biblioteca do Mosteiro de São Bento nenhum material iconográfico que ilustrasse a demarcação das terras de ltapagipe cabidas aos monges, o que nos elucidaria a localização e delimitação das terras doadas. Também não foi possível ter uma noção mais clara da fronteira das terras de Garcia D'Ávila com as de Antônio Cardoso. Sobre a localização das terras de Antonio Cardoso, VIANA e CARVALHO afirmam que a Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi construída em ltapagipe de Cima, por Antônio Cardoso e Francisco Medeiros, próxima ao Engenho Conceição, propriedade de ambos, o que vem dt!- encontro com a asserção de BANDEIRA que reconhece a capela como parte da igreja da Penha. AS FREGUESIAS 29 , AS IGREJAS E AS FESTAS No princípio a cidade era o porto e, embora a comunicação por mar às margens da Baía de Todos os Santos continuasse a ser preferida/ caminhos terrestres permitiam o acesso à Água de Meninos e daí a Mont Serrat e Ribeira (SIMAS, 1998, Pg. 88). Criado o bairro da praia, onde se atracavam quaisquer embarcações chegadas, e ocupadas as terras de ltapagipe, criam-se também os caminhos terrestres pelos quais aí chegar. A cidade constituída liga-se aos seus subúrbios. A cidade da praia tem vetor de crescimento em direção ao Norte (a Península de ltapagipe) e a cidade do altiplano se expandiria em direção ao Sul (Barra, Graça e Vitória) 30 . -n "Freguesia, no sentido falo, significa o coniunlo de paroquianos, povoação sob o ponto de vis/a eclesiástico, clientela. Freguesia no conceito em que está caraderízado neste estudo é um espaço maleríal limitado, divisão admú1is/raliva e religiosa da cidade, onde estavam localizaelos os lwbilon/es, ligados à suo igreia motriz. Tomavam par/e em suas solenidades, ali realizavam seus balizados, casamentos e eram sepullados.A divisão od minislmlivo coincidia com c1 reli gioso, que, no reolido de, lwvio tomodo o inicio ti vo desso clossificoçõo prime iro do ciclo de, odotm lo pelo poder governomen tol." (Pg. 29. NASCIMENTO, 1986). 30 'V pni1cípal caminho que sai do por/o leva os transeuntes para o subúrbio ela Penha e dali para os freguesias elo sudoeste do lermo, ele S. Bartolomeu de Piraiá o /é N Sra. Da Piedade ele Maloím, na enseada ele Aralú ' ~ (MATIOSO, 1978, Pg. 176). 24 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade Pela riqueza agrícola advinda da cana-de -açúcar e do fumo, a cidade fortificada desenvolve-se e são construídos, para além da sua marcação inicial, construções religiosas, oficiais e particulares. A cidade fundada sobre o monte, com a direção de Luís Dias e segu ndo os planos trazidos de Portugal, cresce, rompem-se os seus primeiros limites e agregam-se edifícios em torno do núcleo urbano. O conjunto espalha seus tentáculos pelo território acidentado em vilas e freguesias. Em 1760 é criada a Freguesia de N. Senhora da Penha de ltapagipe, pelo Arcebispo D. José Botelho de Mattos, que já mostrara uma certa preferência a este local bastante longe do centro/ onde havia/ em 1745/ lançado a primeira pedra da igretó do Bonfirrfl'. A freguesia, que seguia pela praia avançando sobre os alagadiços pantanosos, dobrava o porto dos Tainheiros e ia abrigar-se na enseada mansa, alcançando os subúrbios. Tinha as seis seguintes capelas filiais: Senhor do Bonfim de ltapagipe, Nossa Senhora da Conceição da Popagem, Nossa Senhora do Rosário, São João Batista, Hospício de Nossa Senhora da Boa Viagem dos Franciscanos, Hospício de Nossa Senhora de Monte Serrote, dos Beneditinos32 . Foi encontrada bibliografia com afirmações diversas destas, com a subtração da igreja e hospício da ponta de Nossa Senhora de Mont Serrot da Freguesia da Penha, reconhecendo-a como parte da Freguesia do Pilar, e somando a ela a igreja que seria o marco delimitador entre as freguesias, a igreja de Nossa Senhora dos Mares33. Assim é descrita a sua delimitação: 31 Al i eslava também localizada a residêncio de verão do Arcebispo, onde fora se recolh er praticamen te destituído de suos funções arquiepiscopois em represólio por ler opoiodo discrelomenle os podres elo Com pclnh io de Jesus, expulsos do Bmsil pelo Morquês de Pombal. A residêncio de verão lrcmsformou-se em refúgio do Arcebis po deposto que oli morreu e foi sepul todo no copelo-mor do igrejo do Penho. (NASCIMENTO, 1986, Pg.38). 32 Corno registrodo no " LIVRO PARA RE GISTRO DAS FREGUES IAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, 1877". 33 //Fora ela desmembrada do Pt!ar na Roda da Fortuna/ pela rua do /mperadot; até uma pequena ponta da Jequitaia/ seguindo pelo lado da terra e indo além da igreia dos Mares. Sua igretó matriz era a da Penha/ iustamente aquela vizinha à casa de verão dos arcebispos/ e contava dentro dos seus limites as seguintes igreias e capelas: Senhor do Bonfim/ Nossa Senhora da Conceição da Popagem/ Nossa Senhora do Rosário/ São João Batista/ hospício de Nossa Senhora da Boa Viagem/ dos Franciscanos e Nossa Senhora dos Mares/~ (NASCIMENTO, Morco socro delimitand o o nova freguesia ero o Capela filio! de f\J. Sm. Dos Mmes, olé que se constituiu em motri z, único ocrescido ao mopa paroquial da cidade durante o Império, por proposta do Assembléia Provincial (1870), confirmada pelo Arcebispo (1871 ). (SILVA, 2000, Pg. 35). 1986, Pg.38). Como a igreja de Nossa Senhora de Monte Serrot já aí estava desde o século XVI, é muito provável que, antes da criação da freguesia da Penha, ela pertencesse à freguesia do Pilar, o que explicaria a confusão da autora 34 . Possivelmente a igreja de Nossa Senhora dos Mores é posterior a 1760, razão de não ter sido encontrada entre as igrejas filiais da freguesia da Penha na fonte primário consultada. Mais tarde, num outro volume do mesmo livro do Arcebispado da Bahia, têm-se notícia da criação da freguesia de Nossa Senhora dos Mores em resolução Nº 111 O, de 6 de maio de 1870, onde é desmembrada da freguesia da Penha, à qual pertencia. 14 "Até I759, a península ele ltapagipe que faz avançar Salvador para a sua baía, era uma língua ele terra compartida ao longo, pelas freguesias ele Sto. Antônio Além do Carmo, ela parte ele cima, e ele N Sra. elo Pilar; no prolongamento ela praia urbana." (SILVA, 2000, Pg . 35). 25 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade Então somamos em Salvador, em fins do século XIX, onze freguesias. São elas, em ordem cronológica de criação: Sé ou São Salvador, Nossa Senhora da Vitória, Nossa Senhora da Conceição da Praia, Santo Antônio Além do Carmo, São Pedro Velho, Santana do Sacramento, Santíssimo Sacramento da Rua do Passo, Nossa Senhora de Brotas, Santíssimo Sacramento do Pilar, Nossa Senhora da Penha e N. Senhora dos Mares. Mais tarde, em 15 de fevereiro de 1938 é criada a freguesia da Boa Viagem, desmembrada das fre- 3-" 1/Creação da Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem, desmembrada das freguesias dos Mares e da Penha. Pela presente, ollendendo ao maior proveito espiritual ele uma porção do nosso querido rebanlw, depois de consul!aclo o !Imo. E Revmd Cabide Metropolitano e ouvido os Revmds. Paroclws respectivos havennos por bem, mando ele 11osso iurisclição ordinária de collfonnidade com os cânones 142 7 2 1428, desmembrar das freguesias elos Mares e da Penha o lerrilório pata nel/e crear a nossa freguesia ele Nossa Senhora do Boa Viagem a que demos os limites segutil!es: par!tiJc!o da Baixa do Bomlim pelo ave11ida de mesmo nome o/é a Travessa Roma, e dahi a/é o mar que l/1e serve de lim ite natur~· da/li em lúJIJO rec/a a/é o ponto IÍJicial destes limites, passando pelas fren tes das casas lado sul da Praça do Bonftin e o e/las para/e/la, que perlen cerão à nova freguesia a!Jí /ertmiwndo. 15 de fevereiro de /938. '' (LIVRO DE CRIAÇÃO DAS FREGU ESIAS, 1877, Pg.88/89). guesias da Penha e dos Mares35 . Quanto às igrejas da freguesia da Penha pudemos relacionar sete. Se incluirmos a Nossa Senhora dos Mares serão oito: Igreja Matriz Nossa Senhora da Penha - É edificada pelo Arcebispo D. José Botelho de Matos em 17 42 uma capela na qual colocou uma imagem da Nossa Senhora da Penha de França e, junto a esta capela, foi também edificada uma casa que a ela se ligava por um passadiço. Em 1 7 60 é elevada à categoria de matriz da freguesia que levaria o seu nome. Falecido o arcebispo em 1787, deixa, em seu testamento, a casa para habitação dos párocos sob condições que não foram cumpridas36 , então, o palácio de verão foi tomado pela fazenda e doado para o arcebispado para que os párocos dele fizessem uso como casa de repouso. Ainda hoje belíssimamente ereta, a igreja é tombada pelo IPHAN, mas o sítio não. ~ "Mais lorde, em I 7 6Q conferiu a esta cape/la as honrras ele Matriz, e, falecendo a 22 de Novembro de 1787, deixou disposto em seu testamento que ficasse a casa para habitação dos parochos, ficando estes obrigados a con vocar o povo cl'aquelle sítio todo aos domtiJgos e dias santos para regerem o terço cantado e a fa2er lodos os annos uma festa a Nossa Senhora no dia da Assumpção, bem como a consertar a casa lodos as vezes que e/la precisasse, passado sempre o execução dessas disposições para a innandade de Nossa SenhalU da Penha todas as vezes que a e/la não se quisesse suieilar; mas que voltado para o parocho que a isso se quisesse submeter. 11 (VIAt,JA, 1893, Pg.299). 3 Imagem 9: Aqumela que mostra a igrejo do Penho, motriz da Freguesio do Penha, no Penínsulo de ltopogipe. Do esquerdo pom c1 direito observor a residêncio dos párocos, o possodiço e c1 igrejo. FONTE: REBOUÇA5 e FILHO (1993). 26 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidad e 1759, a península de ltapagipe que faz avançar Salvador para a sua baía, era uma língua de terra compartida ao longo, pelas freguesias de Sto. Antônio Além do Carmo, da parte de cima, e de N Sra. do Pilar, no prolongamento da praia urbana. Criou-se então a freguesia de N Sra. da Penha de França e na ponta extrema de chão, onde o mar mansamente exaure-se no impulso de suas ondas, aí levantou-se a matriz, ligada em cinco arcos de um passadiço, às dependências que o arcebispo fundador estabeleceu para o seu último retiro e, ao depois, se constituiu em refúgio dos seus sucessores, nos meses mais calmosos do quase perene verão baiano. Ainda que suburbana, conferiram-lhe prestígio a então Capela Senhor Bom Jesus do Bonfim, centro crescente de devoção e romarias, sobrepu;óndo a outro qualquer no interior da urbe, e também a residência de repouso que os Primazes hão de muito buscar no curso dos oitcens'~ (SILVA, 2000, Pg. 35). ~fé Igreja do Senhor do Bonfim - Sobre elevação, que se acentua por serem essas terras planas, em 1 7 40 é iniciada a construção da Igreja do Bonfim. Foi mandad a edificar pelo capitão de mar e guerra da marinha portuguesa Theodozio Rodrigues de Faria para abrigar uma imagem do Senhor Crucificado que trouxera de uma capela em Setúbal, Portugal, e se encontrava temporariamente na igreja da Penha, para onde já se dirigiam seus devotos e fiéis. Imagem 10: ,Aquarelcaque mostro a igrejo do Bonfim, na freg uesia da Penho, no Península de ltapagi pe . FONTE: REBOUÇAS e FILHO (1 993). Sede de uma das mais veneráveis devoções baianas, a igreja ainda hoje se ergue sobre a col ina sagrada, também tombada pelo IPHAN, com sua imponente fachada principal voltada para o mar da Baía de Todos os Santos. 27 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidad e A festividade em culto ao Senhor do Bonfim faz parte do ciclo de festas religiosas baianas que se inicia com a Epifania (o dia de Reis), comemorada em 06 de janeiro, e segue até a Segunda-feira Gorda da Ribeira . Na primeira sexta-feira após a Epifania a fachada da igreja do Bonfim é iluminada como sinal de que se iniciou a novena. Nos dias seguintes barracas de comes-e-bebes, rodas de samba e capoeira são atrações pelos arredores da igreja. Sagrado e profano se encontram na comemoração e culto ao santo. Igreja e Hospício de Nossa Senhora de Mont Serrat - O primitivo santuário de Nossa Senhora de Mont Serrat foi construído pelos senhores da Torre de Garcia D'Ávila em data não precisa, certamente por volta do ano de 1580. Alguns autores atribuem a construção da igreja ao 7º Governador da Bahia, Dom Francisco de Souza, militar espanhol devoto da tal padroeira da Catalunha, que o haveria construído e em seguida implantado a devoção a Nossa Senhora de Mont Serrat em outras partes da colônia como Rio de Janeiro, São Paulo e Santos. Imagem l l : Aquarela que mos1m a igreja de l'losso Senhora de Mon l Serra!, na Pon to de Huma itá, freguesia da Penha, Pen ínsu lo de ltapogipe . FON TE: REBOUÇAS e FILHO (1 993). Entre os anos de 1608 e 1614 é edificada a ermida e, a partir de 1650, é iniciada a construção do hospício próximo a ela. Há bibliografias que fazem referências a uma festa que aconteceria na ponta em que se situa a igreja a 8 de setembro. Os devotos são pescadores que comemoram nesta data a abertura do período de caça às baleias, como diz o Frei Vicente de SALVADOR: ''Em o mês de junho entra nesta Bahia grande multidão de baleias, nela parem, e cada baleia pare um só, tão grande como um cavalo. Em o hin de agosto se tornam para o mar largo. Em o dia de São João Batista começa a pescaria, dizen28 PRIMEIRA IMAGEM A Península na histó ria da cidad e do uma ruína em a ermida de Nossa Senhora de Monte Serrote, na ponta de Tatuipé, a qual acabada o padre revestido benze as lanchas e todos os instrumentos que nesta pescaria servem, e com isto se vam em busca de baleis'~ (SALVADOR apud FAUS, 197 6, Pg. 61 ). A ermida e o pequeno mosteiro de dois pavimentos estão no nível do mar com as ondas se arrebentando nos arrecifes e parapeito que a protegem . Erguidos na ponta extrema norte do tão descrito e reproduzido frontispício da Salvador lusitana, o conjunto é coroado pelo farol que demarca este limite entre terra e mar. Igreja e Hospício da Boa Viagem - as terras de onde se eleva o conjunto foram doadas por Dona Lourenço Maria à Ordem dos Franciscanos em 171 O, que aí resolveram edificar uma casa e uma igreja em 1 71 2 37 . Nesta igreja acontece, entre o último dia de um ano e o primeiro dia do seguinte, belíssima festa com procissão marítima cultuando o Bom Jesus dos Navegantes. Depois de rezada a missa na igreja sai a galeota 38 pelos trilhos do pequeno anexo, em direção ao mar. Os fiéis esperam a saída da imagem no Largo da Boa Viagem entre cantos, sinos, narrativas de outros tempos e fogos de artifício explodindo e lançando varetas ao mar. Muitos acompanham a procissão com os olhos até onde podem a partir do largo repleto de gente, alguns outros entram no mar. A imagem do Bom Jesus, na galeota Gratidão do Povo sai com cortejo marítimo pelo Baía de Todos os Santos, seguido por todos os gêneros de pequenos embarcações, que singram os águas do baía até o porto. "D. Lourenço Maria, senhora e possuidora de /erras de l!apagipe de Baixo, moradora no por/o dos pescadores, doou, por escritura ele 19 de Novembro ele I 71 Q uma porção ele /erra ao Convento de S. Francisco, de que e n tão era guardião Fr. Vicente das Chagas, provtiiCial Ft: Estevão de Santa Maria e syndico André Nunes Santo com a função de lhe mandarem dizer annualmente cinco missas, !rês por sua alma e duas pela de sua ftfha D. Maria Pereira de Negreiros. Esta doação ao convento tomou-se mais fácil por elle iá a/li ler uma casa feita com o conssentimento e licença ele D. Lourenço, em que se guardava a ferramenta com que se retirava a pedra necessán'a as obras do convento, que então se fazia de novo e especialmente as ela egtfJj'a que a poucos annos se havia dado principio. Dous annos depois da doação, passa o convento a dorpnncipio a faclura de casa de oratório, ele pedra e sal e sobrado, de CUJO conslrução se desenvolveu o adual hosp í cio ~' (VIANf\IA, 1893, Pg. 309- 10). 37 38 Embarcoção construído por CC1rpinleiros, com o fim de conduzi r c1 i mc1gem do Bom Jesus dos Navegonles, presenleodo c1o sonlo no o no de 189 1. lmogem 12: Aquorela que mostra o igreja do Bo m Jesus dos Naveganles, nc1 Boa Viogem, freguesio do Penhc1, Pen ínsulo de ltopogipe. FONTE: REBOUÇAS e FILHO (1993). 29 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade Vindo da Igreja da Conceição da Praia, por terra, ao seu encontro, lá o espera a imagem da Nossa Senhora da Conceição. A imagem da mãe, coberta de flores, espera a imagem do filho, que vem pelo mar. As duas imagens, então, seguem juntas até a Igreja da Conceição da Praia onde passam a noite para, no dia seguinte, fazerem o mesmo percurso de volta. De novo, na Boa Viagem, a multidão domina a praça com fiéis à espera do santo digno de devoção. Dentro da água, pois a festa e o santo são do mar, muitos se empenham em tocar a embarcação, em carregar a imagem, em conduzi-la de volta ao altar em que fica até o ano seguinte, à espera de nova festividade solene. lrrompido o primeiro dia do ano, a Gratidão do Povo volta para o seu abrigo, saindo no último dia deste mesmo ano, para que o culto e o ciclo se reiniciem e se fechem novamente. O conjunto de igreja e convento da Boa Viagem se encontra em bom estado de conservação e, apesar das transformações sofridas, preservam, segundo análise do IPAC, notável mérito arquitetônico. É parte integrante do sítio Mont Serrat - Boa Viagem, tombado pelo IPHAN. Capela de Nossa Senhora da Conceição de ltapagipe - Tam bém chamada de Nossa Senhora da Conceição da Popagem, ou ainda da Passagem, foi encontrado registro de sua construção desde 1551 . Foi construída por Francisco de Medeiros e Antônio Cardoso de Barros, provedor-mor da fazenda e dono de parte das terras da península desde os primórdios da fundação da cidade. Nestas terras também havia o provedor-mor plantado canas e posto em atividade o extinto Engenho Conceição. ''Em 1551 edificou-se a Cape/la de Nossa Senhora da Conceição do Engenho de ltapagipe de Cima e ao mesmo tempo este Engenho, que também se chamava de Christo. Foram autores dessas obras Francisco Medeiros e Antonio Cardoso de Baros'~ Imagens 13, 14 e 15: A festa do Bom Jesus dos Navegan tes em fotog rafias d e Maree i Ga uth er r o t . FONT E: GAUTHERROT (1 960). (VIANA, 1893, Pg. 333) . Não há concordância, entre os historiadores, a respeito da localização desta capela. Por serem escassos os registros históricos a esse respeito, não é sabido ao certo onde ficava, se no lugar onde ainda hoje se ergue a Igreja Matriz da Penha ou se nas terras do dito Engenho da Conceição, imediações das antigas Casa de Correção e Fábrica de tecidos Conceição, às margens da linha férrea . Nesta igrejinha há controvérsias sobre ter sido sepultado o bispo Dom Marcos Teixeira, falecido em 16 7 4, durante a luta com os holandeses. 30 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade esse respeito houve grande controversia entre os chronistas e historiadores da Bahia/ asseverando uns que o Engenho da Conceição onde foi enterrado o bispo é o ainda hoie assim chamado em que se acha a Penitenciaria destruido em 1822 pelas tropas lusitanas/ o que não é bem possível porque sua creação data de tempos muito posteriores a 1624/ e outros asseveram ser esta cape/la uma das do corpo da igretó Matriz da Penha. Mão piedosa co/locou la poucos annos sobre a sepultura do fallecido soldado uma lapide com inscripção indicando que a/li descansam os restos de tão célebre bispo e quão valente solda/~ (VIANA, 1893, Pg. 333-34). ~ Igreja de Nossa Senhora do Rosário - a igreja, edificada pelos negros, possivelmente em 1802, ergue-se até os presentes dias entre as ruas Lélis Piedade e Júlio David, no bairro da Ribeira. Segundo a análise do IPAC, não lhe é atribuído nenhum mérito arquitetônico e à ela são feitas raríssimas referências históricas. //Os /homens pretos/ também aqw~ constituíram-se por volta de 1735/ em Irmandade de N Sra. do Rosário/ pondo a imagem santa na Capela da Penha/ até que/ por iniciativa e esforços dos mesmos irmãos/ transferiu-se em 1802 para a sua pró(SILVA, 2000, Pg. 35) pria/ não longe da matriz agor/~ Como pode-se ver a presença dos negros não passou em branco na península. Há também referências de já ter sido covil de escravos fugitivos algumas das suas localidades: o Caminho de Areia, o Poço e o Bogarí, além da Ilha dos Ratos. CARVALHO cita um anúncio que teria sido divulgado num jornal da época, prometendo recompensa se recuperada uma escrava que por estas bandas teria se refugiado: //Fuiona: Fugindo na sexta-feira passada uma escrava africana/ ainda moça/ com hanhos na cara e nos braços/ tendo mais os signaes: dedos grossos e na perna esquerda uma cicatriz bem no peito do pé/ proveniente de extracção de bicho da Costa/ gratih'ca-se bem a quem levar tão grande experto ao seu Senhor á rua do Bispo. A fuiona tó foi vista nas mamoneiras da Ilha dos Ratos de ltapgie/~ (CARVALHO, 1915, Pg. 147). Igreja de São João Batista - sobre esta igreja não foram encontrados substanciosos dados históricos nas fontes bibliográficas consultadas. Sabe-se que a festividade comemorada na igreja de Nossa Senhora de Mont Serrat em 8 de setembro, dia de São João Batista, abre a temporada de permitida pesca às baleias. Presumese ter sido localizada nas proximidades da citada ermida e o Frei Vicente de SALVADOR faz referência às suas ruínas . 31 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história d a cid ade Em contrapartida CARVALHO afirma ter sido erguida entre o Porto do Bonfim e o Poço, na atual Avenida Beira-mar. //Era no Solar do Snr. Francisco Ribeiro/ entre o Porto do Bomfim e o Poço/ a cape/linha de São João/ edificado pouco depois de que foi a das Candeias e dizem que visando/ com a/li/ mais devotos//. (CARVALHO, 1915, Pg. 149) As igrejas e as festas populares acontecidas na península de ltapagipe compõem a sua imagem e se mantêm, reafirmando-se como vínculo cultural preservado e propagado de gerações a gerações de soteropolitanos, sejam e l es moradores da península ou não. O culto aos sa ntos trans cende a religião , torna-se profano, é en tão costume, cultura, tradição, parte do viver coletivo citadino. Ainda no 1n1 c 1o do sécu lo XIX discutia-se se a fregue sia da Penha era uma freguesia rural ou urbana. Questionava-se se fazia parte da cidade, pois guardava características antagônicas: não era unânime a opinião de que ficasse dentro da cidade e não se podia dizer que fossem terras estranhas a ela 39 . Só mais tarde, em meados do século XIX, com as linhas de bonde que ligavam ltapagipe ao centro da cidade, a Península passou a ser, indubitavelmente, parte integrante de Salvador. Apesar disso é recorrente até os dias de hoje, entre os moradores da península, dizer-se estar indo "à cidade" quando se dirigem ao centro. CHUVAS E A MUDANÇA DO CENTRO ADMINISTRATIVO No ano de 1813 houve, em Salvador, grandes desabamentos de terra. Após mais de um mês de chuvas ininterruptas, em 14 de Julho e em ou tros dias houve corrimentos de terra que estragaram e destruíram muitas casas da cidade baixa, trazendo a morte de mais de 34 pessoas. Era real o risco e enorme o receio de que a plataforma elevada em relação ao mar desmoronasse sobre o bairro da praia que durante oito dias a cidade da beira-mar ficou totalmente paralisada, interrompendo-se até 40 mesmo o expediente da Alfândega . A península volta então ao bojo das discussões sobre Salvador. Torna-se a cogitá-la como centro para a 'JI/iás, a freguesia da Penha, em 183~ era ohielo de interessante questão entre o iuiz de paz e a Câmara Municipal. A postura n. 57 proibia que andasse sol/o na cidade o gado vacum, lanígero e cavalaç o que acontecia na região da Penha. Ora, dizia o túiz de paz: 'Esse disldlo não fica dentro da cidae~ Ademais a postura n. 58 somente petmitia a ctiação pastoril em lugares de lavoura, quando o gado fosse criado dentro de cercados. Retrucava o túiz de paz: 'Esse dislti/o não é lugar de lavoura'. Através desses ti1formes, hem se observa que o t'uiz de paz pennitia francamente a cn'ação de gado à sol/a e que os animais andavam livremente nessa freguesia pelas ruas e praças, e sol/os nos terrenos baldios. A Penha ficava, enh·etanto, dentro do perímetro urbano da cidcrde." (NASCIMEI'ITO, 1986, Pg. 93). -,J "0 ~tiJVernasd 1812e 1813 foram desastrosas para a Capital da Províno'a, com as conslan/es corridas de ferra que soterravam as construções feitas nas encostas onde vivia uma intensa população, com mortes e aviltados preiuízos malenàis. Sóem 18~ após45 dias de chuva, em 14 de Junho, o desmoronamento de uma muralha de ~uslentação da casa de Tomé Alvares Braga, na Cruz do Pascoal- destruíra o Trapiche Bamahé, de José Bemardino Leão, mofando 34 pessoas, e se registraram conltíwados arrasamentos de prédios e perdas de vida no Xixt~ na Misericórdia, na Gamhôa e Conceição, de la/ maneira alarmantes que a Alfândega leve o seu expediente suspenso por 8 dias. Os próprios vereadores tmlagrosamenle escaparam de serem soterrados quando, pelas I Ohoras da manhã, do dia I Ode Julho, em alo de vislona t'unto ao Forte de Santo Antônio, viram ruiç aos seus pés, 8 casas, destruídas sob o peso de grande porção de ferra desprendida da parte selentn'onal do haluarte 11• (R UY, 1949, Pg.355-6). 32 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade cidade que desmoronava. As aprazíveis terras plana s e de águas calmas são a solução possível para se acalmarem também os an1mos e serem evitadas as p erdas com os desmoronamentos da encosta elegida a princípio como sede da co pita I colonial. Correndo o risco de custosas perdas humanas e materiais, surge a polêmica sobre a mudança do centro sobre a escarpa para o centro na planície. E vista como um "erro" a escolha do sítio feita por Tomé de Souza 4 1 • O governo português resolve interferir no curso de tão calamitosos acontecimentos e envia a Salvador José da Costa e Silva, arquiteto geral do Reino, e João da Costa Muniz, arquiteto do Paço, com o firme propósito de avaliarem a situação e proporem uma solução possível. /Examinaram in locum a situação da velha cidade e planejaram a moderna 11• {RUY, 1949) . Cogitaram muito firmemente a possibilidade de mudança do centro e o planejamento de uma nova cidade, desta vez plana já que os riscos quanto ao asseguramento do domínio de Portugal sobre a colônia não mais passavam pelos mesmos entraves do século XVI. É importante observar que falava-se desde aí em "cidade antiga" contrapondo-se a "cidade moderna". O poder público decidiu, após muitas considerações, proclamar à população alarmada que a decisão vinda do Governo de Portugal era favorável à manutenção do centro administrativo de Salvador no seu antigo sítio. Por conveniência e segurança pública, cogitou o governadoç em 18 13, de deslocar o corpo administrativo da praça para a península de l!apagipe, levantando um novo centro para a Cidade, numa revivescência dos primeiros estudos, quando da fundação da Capital em 1549. Na verdade, razões havia p ara ta l pensar ( ..). Justificava-se pela insegurança do solo e pela in tranqüilidade da população aterrorizada, o plano de avançar a cidade para o fundo da enseada, criando-se uma nova, - corrigida elos erros e defeitos da construção de Tomé ele Souza - que se levanlaná desde a praia e planícies que seguem do Noviciado a/é 1/apag ipe, reedificando-se a Casa do Novioáclo para residência elo Govemadoç com salas para serm ões ela Junta ele Fazenda, Relação e Câmara, obras de pequena despesa, reputando o Conde como dispendiosa tão somente a construção elos armazéns ela nova Alfândega//. (RUY, 1949, Pg.355-6). 41 11 Imagem 16: Fotografio de M ore Ferrez q ue mosho a cidade de Sc•l vodor em suos pC111es oi to e baixo , sécu lo XIX. FOI'ITE: FERRE Z (1 988). 33 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade Com esta decisão e lendo-se a citação abaixo, podese vislumbrar a valoração da cidade antiga como bem cultural, de valor histórico, pela qual a Coroa portuguesa guardava cuidados e estima. //Falhara por completo a idéia da transferência da vida administrativa da cidade para ltapagipe/ o que repugnava ao Velho Marquês de Aguiar/ D. Fernando José de Portugal/ que/ em ofício de 3 de agosto de 78 73/ ao Conde dos Arcos/ assegurava ser deseio do Governo a mantença da cidade em seu primitivo assentamento/ pois seria /muito sensível ao mesmo Senhor que os habitantes se veião obrigados a desamparar de todo/ ou em parte/ essa cidade///. (RUY, 1949, Pg.355-6). A parte do plano de fato realizada limitou-se à re construção, na Jequitaia, da Casa Anunciada do Noviciado, fundada em 1 704 e construída em 1709 ' d,esde 1825 até os dias atuais Casa Pia e Colégio dos Orfãos de São Joaquim, para que abrigasse as Sessões do Governo, Junta da Fazenda, Relação e Câmara . península, quase ilha, segue sendo o "centro A possível", promitente porto acolhedor, permanentemente presente na história da cidade . A ABERTURA DO CANAL MARÍTIMO //Nem por isso esquecera o Governador as vantagens advindas do melhor aproveitamento do bairro norte/ tendo ele próprio proietado e dado início/ em 1816/ à abertura de um canal que/ ligando a língua de mar que abraçava as terras próximas ao Largo dos Mores à praia da Jequitaia permitiria fácil acesso aos barcos que/ vindos do Ver tombém em MATIOSO: "Coube ao Conde dos Arcos a pnineira IÍiicia!iva de melhoramento do por/o da Bahia. Desde I 816, este capitão geral pretendia melhorar as condições de embarque e desembarque de passageiros e de mercadorias, principalmente para os barcos vli1dos dos por/os elo inferior da baía. Estes eram muitas vezes obrigados a arribar em diversos pontos do golfo por não poderem dobrar o promon!ón'o e recifes da ponta de Monte Serra!. Proietou-se abni; na época, um canal entre o braço do marde l!apagipe, no lugar denom1i10do Papagaio e a praia de lequi!aia. Este canal iria pennilir às embarcações de cabotagem, um fáctl acesso ao ancoradouro ele l!apagipe ao mesmo tempo em que liia descongesl!'onaro por/o da cidade reservando-o para as embarcações de longo curso '~ (M A TI OS, 1978, Pg. 79). 42 Imagem l 7: Imagem do cem oi marítimo que sericJ constru ído se porando Cl Penín sul a de ltopogipe do continente e focilitondo o ocesso dos bmcos ô Enseada dos Toinheiros. O rigind rnonuscrito do Direção dos Serviços de Engenhmio - GCIbinete de Estudos Arqueológi cos do Engenhario MilitCir, Lisboa. FONTE: REIS (2000) . . ·~ ...-.. I ; ' ' - . . ..- _ • j . 34 PRIMEIRA IMAGEM A Península na história da cidade Recôncavo/ não podessem com temporais arrostar a impetuosidade do mar na Ponta de Monte Serral (RUY, 1949, Pg.355-6). 1 11 • Ainda no governo do 8º Conde dos Arcos deu-se a primeira iniciativa de melhoramento do porto da cidade de Salvador. Era planejado o seu descongestionamento 42 • Como parte do plano foi projetado um canal marítimo que cortaria as terras da península desde a Jequitaia até o Largo do Papagaio e alcançaria a Enseada dos Tainheiros, permitindo o acesso ao ancoradouro mais facilmente e pelo caminho mais curto . As pequenas embarcações advindas do recôncavo evitariam a Ponta de Mont Serrat, muito perigosa para a navegação, e a Enseada dos Tainheiros seria alcançada mais facilmente. Desta forma estaria simplificado o acesso e desobstruído o porto, reservado para as embarcações de maior calado e mais longo curso. O projeto do ancoradouro não foi levado adiante por razão dos enormes gastos em que implicaria, mas foi retomado em 1 845 pelo General Soares de Andréa que ocupava então o cargo de Presidente da Província. O General propunha a r etificação do projeto original, revestindo as margens do canal com cais e ruas que se prolongariam longitudinalmente . As obras foram iniciadas com o objetivo de melhoramento do fluxo e embelezamento do porto de Salvador, porém mostrou -se dispendiosa e, pelos mesmos motivos de antes, em 1849, foram interrompidas 43 . Há referências ao tal "Canal da Jequitaia" em 1866 como limite natural delimitador entre a antiga subdelegada da Penha e a dos Mares, que naquela data estava recém-criada . Tal resolução ainda foi utilizada como argumento para a subdivisão entre as freguesias dos Mares e da Penha 44 . Também foram revistos os limites anteriormente fixados com a Freguesia do Pilar. Ver MATTOSO, 1978, Pgs . 79/80. 43 Limiles do 2Q Distrito Policial da Penha a que se re fere a Resolução de 15 de maio de 1870 que creou a Freguesia de N Smg dos Mares. Secretaria de Policia da Província da Bahia 23 de fe vereiro de 1866. - /Imo. b.= Snr. Proponho à V. Ex' a bem do setviço público a creação de uma no va subdelegacia do Distrito dos Mares ficando a outra com o nome de Subdelegada do Distrito da Penha. O novo dislrilo começará na Fazenda Coronel e cortará em linha rec/a a Estrada de Areia e doM seguirá p elo Beco do Gama, e depois em ( . .) do Largo da Bôa Vt'agem e deste o/é o Canal da Jequilaia p or ser esta a divisão mais natural e por força da qual passão para o distrito o espaço da Roda da Fotfuna e suas circunvizinhanças p ertencentes ao Pilar. Deus guarde a V. E>,a e 1/m mo e Exmo Doutor Manoel Pti1/o de Souza Danlas d esta Presidente Província. Chefe de Polícia João José de Oliveira Junqueira Junior. Conforme o Secretário Francisco Antônio de Castro / as. ~ Lorencio. Confonne Frei (LIVRO N ~ 2 DE CRIAÇÃO DAS FREGUESIAS, 1870, Pg. 27). 44 11 1 1 1 1 1 35 SEGUNDA IMAGEM . . . A PENÍNSULA E A MODERNIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A MOD ERNI ZAÇAO DO ESPAÇO URBANO 37 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Regularidade/irregularidade 1580, as vilas como São Paulo, O/inda e Vitória tinham foi critraçados irregulares. Mas Salvadot; como cidae-~ ada com características diferentes. Para traçá-la, veio de Portugal o mestre de fortih'cações Luiz Dias, que trouxe diretrizes da Corte sobre o modo de proceder. A cidade teve desde o início ruas retas e seu desenho aproximava-se, nos terrenos planos, doclásitabuerxz'~ (REIS, 2000, Pg. 128). ~fé Indo de encontro à citação acima, apesar da cidade planejada ter formas regulares, como um tabuleiro de xadrez, concluímos que, desde o ato de sua criação, Salvador desenha-se com ruas estreitas e sinuosas derramadas sobre uma topografia acidentada, cheia de altos e baixos. Havia um plano para a cidade, um esquema que se dividia em quarteirões relacionados entre si e enlaçados por uma cortina de pedra, uma muralha. As primeiras casas se dispunham com certa continuidade e, emendadas umas às outras, tentavam desenhar uma linha paralela às ruas que, por sua vez, variavam em suas alturas e larguras. O próprio REIS afirma, numa passagem seguinte àquela acima citada: ., .. : ~ . , ! :~ ..~:;,. •"· , . . . . . # •• , "''' ..... ,,,•, . . '···· . : ...... ....... ... . .,... ....o , ,.. I, \ " . ,.•• . . ... ..... , ,. t'.... ~ .. ~s ruas de Salvador deveriam ter sessenta e seis palmos de largura ( 14,5 metros), conforme o estabelecido pela Câmara. Na prática as dimensões variavam. (. ..)Em alguns casos variava a largura, de uma parte para a outra na mesma rua, duas e mais vezs'~ (REIS, 2000, Pg. 143). Segundo o mesmo autor, a Câmara de Salvador em 1694, resolveu cuidar de algumas ruas a pedido do Prior do Convento do Carmo e, verificadas irregularidades, fizeram -se desapropriações, desde então, no intuito de regularizó-las. Imagem 18: Planto do cidade de Salvador entre-muros e exIra-muros . Os quarteirões regulares se dispõem sobre uma geografia acidentado. Cópia manuscri to de 1605, Insti tuto Histórico e Geográfico Brasi leiro, Rio de Janeiro . FONTE: REIS (2000) . 38 SEGUNDA IMAGEM \ /Deve-se mencionar ainda as experiências de desapropriação necessárias à reorganização dos centros ou ao controle do seu desenvolvimento. A prática seria conhecida tanto em centros ~ menores como São Paulo/ como nos maiores/ como Salvdor/ (REIS, 2000, Pg. 143). HOlANDA afirma que as c idades colônias lusitanas repetiam na terra a irregularidade do céu por tão longo tempo observado na travessia do oceano, pois //não leria feito Deus o céu em xadrez de eslrelas//.15 . Sem método ou rigor, desleixadamente, as cidades dos portugueses na América não seriam um produto da abstração, da ordem mental abstrata. Sem contradizer a natureza, segundo o au tor, se en laçavam na linha da paisagem. ~ A Península e a modernização ~ ordem que aceito não é o que compõem os homens com trabalho, mos o que fazem com desleixo e cerlo liberdade, o ordem do semeador; não o do lodrilhador. Étambém a ordem em que estão postos as coisas divinos e naturais, pois que, iá o dizia Antônio Vieira, se os estrelas estão em ordem, 'he ordem que foz influência, não he ordem que faço lavor. Não fez Deus o céu em xadrez de 5 estrla"~ (HOLANDA, 1936, Pg. 116). //Na própria Bahia/ o maior centro urbano da colônia/ um viajante do princípio do século XVIII notava que as casas se achavam dispostas segundo os caprichos dos moradores. Tudo ali era irregular; de modo que a praça princa~ onde se erguia o palácio dos Vice-Reis/ parecia estar só por acaso em seu lugar/~ (HOlANDA, 1936, Pg. 108). Toda esta dita irregularidade por parte dos portugueses se contrapõe, ainda segundo HOlANDA, ao rigor espanhol no planejamento das suas cidades-colônia. lmpositores contundentes da sua ordem, as cidades por eles pensadas eram frutos da sua "aspiração de ordenar e dominar o mundo conquistad/~ A imagem construída pelo autor é a de uma sinuosa irregularidade lusitana contrastada com o rigor da linha reta espanhola. Já á primeira vista/ o próprio traçado dos centros urbanos na América espanhola denuncia o esforço determinado de vencer e retificar a fantasia caprichosa da paisagem agreste: é um ato definido da vontade humana. As ruas não se deixam modelar pelas sinuosidades e pelas asperezas do solo/ impõem(HOlANDA, lhes antes o acento involuntário da linha reta/~ 1936, Pg.96). Entendemos que a tal distinção mencionada entre as cidades espanholas e portuguesas evidencia-se desde a escolha dos sítios onde tais colonizadores edificariam as suas sedes nas terras conquistadas. A escolha do sítio reflete, incondicionalmente, na forma física da cidade. A paisagem, a 'aspereza do solo', a 'sinuosidade', as 'quebras e ladeiras' são fatores determinantes no resultado formal, desde a primeira construção de Salvador. Seria talvez aceitável a afirmativa de que a irregularidade possível de nela ser vista se desse, em grande parte, pelo sítio em que foi edificada. Afora a escolha da situação em acrópole pela necessidade de defe39 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização sa dos portos, aspecto jó abordado anteriormente, os portugueses, marcados pela dimensão mercantil do domínio colonial, elegeram locais com acesso marítimo pela facilidade de chegada dos navios cheios de escravos e a sua partida, no caso de Salvador, carregados de pau-brasil , açúcar, madeiras e, mais tarde, o ouro. Era pro eles de sumo interesse a manutenção da ocupação do litoral até proibindo, receosos da perda do controle e do desencaminhamento dos seus objetivos, a entrada por terra sem a necessária 'licença' do governador-4 6 . Os espanhóis também tinham razões comedidas e calculadas quanto à escolha do sítio. Apreensivos com as questões relacionadas com o trabalho que desejavam executar, evitavam o litoral argumentando a sua gente não ser dada a lavrar e cultivar a terra e não terem o que chamavam de 'bons costumes 4 7 . Os portos eram então, em número estritamente necessário, portas de entrada discretas para o território protegido no interior do continente. Uma idéia de defesa diferente da que tinham os portugueses, prontamente fortificados à entrada das suas cidades. ) I r. . )I Imagem 19: Quarteirão na área do Morgado de Santa Bárbaro, em Salvador, em que o regularidade proposto como plano paro o cidade mostro-se reproduzida irregu larmente entre desalinhos e diferenças de nível. Original manuscrito no Arquivo do Estado da Bahia, 1764-1785. FONTE: REIS (2000). Os portugueses permitiam certa maleabilidade no trato com os nativos, adotaram muitos dos seus costumes, misturavam-se os seus sangues aos dos negros e bugres. Mas a branca era a raça dominante, o português era sempre o senhor. Exploradores comerciais, a colônia existia para suprir as necessidades da sua Coroa. Esta maleabilidade também admitia haver diferença entre o que 'pôde ser feito/ e o que 'devia ter sido feito~ Se não estivessem prontos a aceitarem naturalmente as situações imprevistas, neste universo de diferenças onde jamais poderiam prever coisa alguma, certamente sucumbiriam. Segundo CONCEIÇÃO, no traçado adotado pela colonização lusa dos trópicos, a adaptabilidade é marcante e foi o que a tornou possível. 0s podugueses, esses criavam todas as dificuldades às entradas terra adentro, receosos de que com isso se despovoasse a marinha. No regimento do primeiro governador-geral do Brasil- Tomé de Souza, estipula-se, expressamente, que pela terra firme não vá Iralar pessoa alguma sem licença especial do governador ou do provedor-mor da fazenda realacrescentando-se ainda que tal licença não se dará, senão a pessoa que possa ir 'a bom recado e que de sua ida e Iratos se não seguirá prejuízo algum ... //(HOlANDA, 1936, Pg. 46 11 100). Não se escolham, diz o legislador; sítios para a povoação em lugares marítimos, devido ao perigo que há neles de corsários e por não serem tão sadios, e por que a gente desses lugares não se aplica em lavrar e cultivar a terra, nem se formam tão bem os costumes. Só em caso de haver bons podas e que se poderiam instalar povoações novos ao longo do orla marítima e ainda assim apenas aquelas que fossem vetdodeiramenle indispensáveis para que se fao/itasse a entrada, o comércio e a defesa da ferro . 11 (HOLANDA, 47 11 1936, Pg . 99). Uma o utro forma de explicar a ocupação dos espanhóis do interior do território em vez do litoral seria por evitar os margens do selvagem Oceano Pacífico, de águas bra vios se comparados ao At lânti co, um " logo português" . 40 SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização ~ extrema amplitude geográfica e cronológica do império colonial obrigou, até pela sua veloodade, a adoção expedita de procedimentos flexíveis, pouco favoráveis à formalização teórica de modelos demasiado rígidos, sem previsível eficácia em espaços tão diversfcao'~ (CONCEIÇÃO, 2000. Pg.26). Esta mesma maleabilidade de costumes, capaz de transformar um português num comedor de farinha, amasiado de negras e índias e arrodeado de filhos mulatos e mamelucos, poderia também ser vista na transposição do plano trazido para a cidade construída . Não traçavam de antemão um plano, para seguí-lo até o fim 48 • Tomé de Souza e Luís Dias, quando vindos de Portugal, trouxeram esquemas que deveriam ser seguidos, o plano para a cidade-colônia priorizava a defesa. Flexibilizou-se o plano ao terreno, o esquema adaptou-se ao sítio escolhido. ~ rotina e não o razão abstraio foi o princípio que norteou os portugueses (.. .). Preferiam agir por experiências sucessivos, nem sempre coordenadas umas às outros, o traçar de antemão um plano poro seguilo até o fim ". (HOLANDA, 48 1936, Pg. 109). O autor analisa desenhos de viajantes onde aponta estar sendo retratada a regularidade dos quarteirões e ruas coloniais lembrando que estes alinhamentos eram feitos com o uso de instrumentos de navegação rudimentares e pouco precisos, sugerindo ser esta a razão do seu admitido desalinho. r- , --r -y · ·'1" · - ,~ •"''""" Ar -:y-, ''Os telhados das casas, de duas águas, que as lançavam para a rua e para o interior dos lotes, coroavam o conjunto e algumas vezes formavam uma segunda linha de continuidade. Internamente porém, as dimensões das quadras sendo grandes, estendiam-se os quintais em vazios surpreendentes, que contrastavam com a aparência de concentração das vias públicas. As suas dimensões e proporções variavam de acordo com as condições de topografia e posição das quadras no conjunto. Quando havia alguma regulandade no traçado, comporlavam em média oito ou dez lotes'~ (REIS, 2000, Pg. 150). Imagem 20: Planta da cidade de Salvador em 1624 onde está reproduzida a regularidade proposta aos quarteirões e ao conju nto. Ilustração do livro de Henry Hondius. FONTE : REIS (2000). 4l SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Salvador é a cidade cheia de "quebras e ladeiras" descrito pelos viajantes. As ruas apertadas da cidade dos pedestres se alastram pelo território acidentado da forma que o terreno sugere, acumula casas de parede-e-meia com pouca ventilação, constituindo um ambiente mais tarde entendido como insalubre pelos preocupados com a higiene do ambiente urbano que, localizado entre os trópicos, é prestigiado por um clima quente e úmido, muito afeito à propagação de certos fungos e bactérias. A cidade, com o adensamento urbano, tornou -se um amontoado de gentes e detritos. A insalubridade Desde os fins do século XVII, em Salvador, podem-se ler registros que direcionam a conscientização e as iniciativas governamentais no sentido de tornar a cidade mais regular. São reincidentes as deliberações do poder público no sentido de dar alguma ordem ao traçado das ruas e a sua manutenção 49 . No século seguinte se acen tuaria, de forma mais contundente, a preocupação em torná-la mais limpa e livre das impurezas e doenças advindas do viver coletivo. 4 9 "Em 1694 o Câmara de Salvador resolveu, o pedido do Prior do Convento de Nosso Senhora do Monte do Carmo, se cuidarem de algumas ruas'~ (REIS, 2000, Pg. 142). ')4 vereação com essas providências/ procurava dar; de forma definitiva/ solução aos seus problemas urbanos/ dentro do novo plano traçado em 1786 pelo Enif. Manuel Rodrigues Teixeira/ iniciando a pavimentação das principais ruas/ exigindo dos proprietórios/ por posturas onde se estabeleciam penalidades/ obediência aos alinhamentos traçados pelos seus alinhadores e engenheiros/ forçando-os a recuar muros e iardins e a retirar rótulas no propósito de modih'car o aspecto Inste das ruas tortuosas/ onde iamOJ's entrava o sor (RUY, 1949, Pg. 318). Na quarta carta endereçada ao seu amigo português, VILHENA, professor de grego, cronista e informante a serviço da Coroa Portuguesa, enumera os problemas referentes à saúde que enfrentava a cidade de Salvador no século XVIII: a localização do cemitério que misturava vivos e mortos, as doenças desenvolvidas nos tumbeiros, a péssima qualidade da farinha-de-pau largamente consumida, a má condução das boiadas, a corrupção dos mantimentos, os remédios estragados e a podridão do Rio das Tripas 50 . Tudo isso somado ao problema da 'liberdade de costumes/ e da 'vida mundana/ dos seus habitantes. 50 "Tinham os holandeses represado o riacho e feito com ele um canal ou fosso profundo, excelente poro o defeso e que seria obro oproveit6vel se fosse conservado sempre limpo". (AMARAL i n VILHENA, 1799, Pg. 168). //Em primeiro lugar se arruína a saúde do povo da Bahia pelo ar corrupto que se respira/ evaporado das muitas imundícies/ que por dentro da cidade se lançam por diversas paragens/ além das que hó em quase todos os quintais/ em que percutindo o so~ faz subir aquelas partículas pútridas/ de que impregna a atmosfera/ contaminando o ar/~ (VILHENA, 1799, Pg. 154). 42 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização O clima da cidade era prop1c1o à introdução e propagação de moléstias vindas da África ou desenvolvidas no trajeto marítimo de as bexigas ou lá pro cá. A peste, o escorbuto ou /mal de Luand~ varíola, os sarampos, boubas, gálicos ou sífilis, sarnas e outras doenças se desenvolviam epidemicamente nos navios carregados de escravos. Como meio de solucionar ou ao menos minorar os problemas especificados, VllHENA propunha e recomendava o isolamento dos doentes e dos presos, além da ancoragem dos navios negreiros nos portos da Ilha dos Frades, com o entrave de ser esta de mais difícil acesso aos médicos e remédios, ou na mais cômoda Ponta de Mont Serrat. Segundo suas sugestões os escravos cumpririam quarentena na Península de ltapagipe antes da chegada na cidade; os presos seriam enclausurados nas fortalezas de Mont Serrat ou de São Bartolomeu; o cemitério deveria ser no alto, indicando o Convento da lapa onde //os mortos deixariam os vivos em paz/~· o abastecimento de carnes e da farinha-de-pau, preferida ao pão 51 , seria feito com maior cuidado e vistoria; quanto aos remédios, os laboratórios e os boticas deveriam passar por uma //exatíssima reformd'; o Rio das Tripas deveria ser aterrado ou se abriria nele uma valamestra constantemente limpa e, por fim, ordenar-se -ia nesta cidade a paixão sensual que atropelava e socalcava as leis divinas, eclesiásticas, civis e criminais. É interessante o colocação de Vilheno sobre o enorme preferência pelo farinha de mand ioca que demo n stram os baianos do século XIX: ~ expe- 51 riência tem mostrado, que quando em caso de necessidade se lhes dá pão, pedem farinha para comercom êle; e tonto forço tem o uso, que os mesmos cães, dando-se-lhes pão o cheiram, e não lhe pegam'~ (VILHENA, 1799, Pg. 159). O referido autor, apesar de nada conhecer da teoria microbiana ou das desinfecções só aparecidas no século XIX, antecede de forma visionária os cuidados a serem tomados pelo poder público no que concerne à higiene da cidade. O Rio das Tripas foi canalizado no século XIX e construiu-se sobre ele uma rua; a prostituição nunca foi regulamentada; construiu-se, custeado pelos próprios moradores da cidade, o Hospital dos lázaros para os infectados por lepra; foi também construído o celeiro público; e o cemitério para morféticos da Quinta dos lázaros, pertencente aos jesuítas e onde viveu por muitos anos o Padre Antônio Vieira, tornou-se público. Também como resultado dos maus ares que respirava a cidade, como já apontado no capítulo anterior, muitas famílias viriam a residir nos seus arrabaldes, em bairros mais novos como a Penha e a Vitória. Mas a cidade portuária, berço do comércio brasileiro, continuaria a misturar-se entre gentes, mercadorias, sujeiras e restos fétidos. //Não obstante a migração de numerosas famílias de comerciantes para bairros mais novos e mais sadios/ como o da Penha ou da Vitória/ a cidade no porto permanece ainda o lugar predileto para os burgueses mercadores que do alto de suas casas de três/ quatro até cinco andares dirigem os destinos de seu pequeno impéro/~ (MATIOSO, 1978, Pg.175). 43 \ ...1 \ Para CARNEIR052 , a realidade da Bahia no final do século XVIII era a decadência: pobreza, falta de horizontes, esgotamento e marasmo. SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização 52 No introdução à obro de VILHENA, 1799. Imagem 2 1: Panorama do cidade de Salvador no final do século XIX, antes do reformo do porto que lhe daria os feições atuais. Observar o Península de ltopogipe ao fundo. FONTE: FERREZ (1988). Antecedentes do urbanismo moderno em Salvador Na cidade de Salvador, com a população que seguiu a crescer, o poder público viu-se preocupado e disposto a realizar projetos de pavimentação e reticulação das vias além de oferecer transportes públicos que riscavam os chãos de trilhos e os ares de progresso. A Câmara Municipal, atendendo a pedidos, tomou as primeiras atitudes no sentido de tornar as ruas mais largas e mantê-las limpas. Seguiu-se acentuando desde o século XVII até os fins do XVIII, os prenúncios dos ideais higienistas que vigorariam plenamente no século seguinte. Desde o governo do 8º Conde dos Arcos (181 0-1818), em que foi cogitada a transferência do centro da cidade para ltapagipe, realizaram- se melhoramentos no porto e no bairro comerc ial. Os governantes estavam em busca do aformoseamento da cidade através da regularização das construções. Já se mostravam as movimentações que marcariam todo o séc ulo XIX no sentido de tornar a cidade mais regular, higiênica, funcio nal, civt1izada, enfim, um corpo são e belo53 . /Despro vida de canalizações de esgotOS/ centro da venda de pro dutos como/ por exemplo/ carnes/ peixes/ fatos/ frutas/ etc./ de r6pida deterioração/ principalmente nos meses de verão/ de grande densidade demogr6fíca durante o dia/ com todos 53 Em ~pest e o Plano- o urbanismo sanitan"sta do Engenheiro Saturnino de Brito", ANDRADE (1992) foz uma leitura dos analogias entre saúde e beleza, buscados pelos orgonicistos poro os cidades, com o corpo humano. Este associação se traduziria na aspiração de que os cidades modernos e urbonizodos se tornossem algo corno um corpo são e belo. 44 l. \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a m odernização aqueles vendedores e ganhadores que lhe percorriam/ um espaço ffsico mesquinho e acanhado/ a cidade-porto só podia deixar mó impressão aos que a visitavam. Principalmente para aqueles pouco acostumados a certos cheiros de frutas tropicais e comidas exóticas. Assim/ ainda em 1909 o médico francês Lalleaux dizia ler desembarcado /em meio de imundícies e (MATIOSO, 1978, Pg.175) . detritos sem nome/~ Tendo a insalubridade se mostrado um ponto crítico com as epidemias de febre amarela e cólera, tornou-se objetivo principal do poder público, desde meados do século XIX, a higienização da cidade. Sua imagem infecto desejava-se civilizada, asséptica, sob controle; a cidade queria-se sã. Intensificava-se então o impasse entre a necessidade de espaços abertos e higiênicos, os hábitos tradicionais da população e a materialidade da cidade densamente construída. Somando-se a isso o desejo de vencer os obstáculos ao mais fluido movimento de pessoas e mercadorias, dava-se início às desapropriações e demolições, aos alargamentos e às reticulações das vias. Transformava-se a cidade em função do higienismo pragmático, da regulação e da ordem, da lógica da assepsia. Neste momento sacrificavam-se, e com orgulho, os edifícios históricos vindos por terra em função da crença no progresso, nos novos tempos. Em fins do século XIX, na decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano, decorrência da crise do açúcar, a cidade de Salvador torna-se o centro de convergência dos interesses regionais e reorganizam-se as suas estruturas familiar, econômica e cultural, reconfigurando-se e recaracterizando-se a sua espacialidade. Neste processo urbano, a indústria e o comércio movimentam e regulamentam a cidade apesar da baixa produção industrial frente ao momento nacional. //Sabe-se que este período - dos últimos anos do século XIX e primeiros do século XX- caracteriza-se por uma incipiente evolução induslra~ com o aparecimento dos primeiros coniunlos dedicados ao trabalho fabnl em lermos modernos/ que acarreta uma mudança de mentalidade a respeito da necessidade de transformações urbanas. //(SIMAS, 1978, pg. 83). O Recôncavo da Bahia, de cultura rural, popular, artesanal, anônima e coletiva, modernizou-se. Na modernização desta região, com a capital liderando as transformações veiculadas pela indústria, viuse a transfiguração da sua estrutura espacial. Construiu-se uma cidade nova sobre os escombros da antiga. Quaisquer edifícios fora do alinhamento estabelecido seriam então considerados 'obstáculos', como visto no discurso do Governador da 45 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Bahia, José Joaquim Seabra, de 29 de Março de 1912, em sua mensagem à Assembléia, findo o seu primeiro ano de governo: //0 plano adotado está em plena execução/ as demolições dos prédios fora dos alinhamentos aprovados estão sendo feitas/ estudam-se as condições dos novos prédios e/ até o fim do corrente mês/ é de esperar que esteio este proieto livre de toda (SIMAS, inédito,Pg. 41-42). e qualquer difculae/~ J.J. Seabra havia ocupado o cargo de Ministro da Justiça, durante a Presidência de Rodrigues Alves (1902- 1906)- fase em que se transformava definitivamente a face da Cidade do Rio de Janeiro, sendo Francisco de Pereira Passos o Prefeito do Distrito Federal. Usando o modelo do "urbanismo demolidor", as intervenções realizadas no Rio foram a fonte de inspiração de Seabra, haja visto ter sido o mesmo modelo adotado em Salvador. Mostrava-se o caráter acrítico do urbanismo no qual o pragmatismo prevalece. 5 4 SIMAS, (inédito). "Entre os delitos mais importantes então cometidos contra os Bens Culturais do Cidade do Solvodot; basto citar os demolições dos /greias da Aiuda e de São Pedro (foto 28) e os magníficos exemplares do arquitetura civil então existentes nas ruas do Misericórdia, Ladeira da Praça, Ruo Chile e outros locais". (SIMAS, inédito, 55 Pg. 09). E, poro não deixar de mencionar, em 1933 a derru bada da Sé Primacial e do conjunto de casas que aí por perto se erguia, dova lugar aos veículos de transpo1ie urbano que surgiam. Evidenciou-se uma busca pelo ideal de cidade progressista, fluida, produto do pensar moderno, do dinamismo que conduz ao futuro lançando mão da idéia do novo como ruptura com a história, com o antigo, com o tradicional, se propondo a conduzir a cidade à civilidade e à ordem. //Era o u1banismo demolidor que pretendia desenhar a cidade em função do veículo automotor que surgia/154 • As demolições seriam o remédio, sem questionamentos quanto às perdas históricas e patrimoniais55 . //0 combate sistemático/ sob a invocação de Melhoramentos Urbanos/ foi realizado no primeiro quartel do século alu~ sobretudo de 1912-1920/ quando as intervenções no tradicional Centro Administrativo - Praça Municipal- Centro cultural Terreiro de Jesus - foram proietadas e aprovadas pelas autoridades competentes/ mas executadas só em parte/ pela falta de recursos financeiros/ da! resultando a salvação de alguns monumento notáveis/ alguns temporariamente - a Sé/ por exemplo - e outros dehnilivamente - o Palácio Arquiepscoa~ i unto a Sé- ambos condenados se os recursos hnanceiros dispo/~ níveis permitissem a plena execução dos proietos aludios (SIMAS, inédito, Pg. 9). As melhorias se realizam a partir da intervenção na cidade no sentido de privilegiar o discurso da técnica e da estética positivistas aspirante das vantagens econômicas e crentes na engenharia sanitária como solução dos problemas urbanos. A cidade transformada era ao mesmo tempo o produto, o veículo e o instrumento da modernidade que pretendia chegar à sociedade almejada, de caráter modelar. A cidade, como instrumento, elaborava considerações sobre as virtudes educativas da modernidade urbana, o saber 46 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização científico vigorava baseando-se na concepção de que todos os males advêm das cidades "envenenadas" por que mal feitas, mal traçadas. As práticas dos engenheiros higienistas e sanitaristas se mostravam em busca da estética, da fluidez e salubridade do meio físico, onde a racionalidade técnica trazia o bom homem como conseqüência do bom meio. Os urbanistas que estiveram pensando melhorias para a cidade de Salvador no início do século XX guardavam entre si características distintas havendo em comum entre eles o fato de que as intervenções por cada um propostas para a cidade foram setoriais, não prevendo uma "totalidade urbana projetada". Enumeramos a seguir cada um deles: - Em 1905 o Engenheiro Theodoro Sampaio, dentro dos ideais de saneamento e comunicação, propôs um novo esquema viário e engenhosos meios de articulação entre cidades alta e baixa, antecipando uma série de idéias posteriormente retomadas pelo EPUCS. Dentre as propostas do engenheiro estavam: a criação de uma avenida que ligaria a Conceição da praia à Barra, beirando o mar; a articulação cidade-alta e cidade-baixa através de um túnel que partiria da Barroquinha; além da abertura de uma outra avenida ligando a praça Castro Alves ao Campo Grande. De cunho humanista, suas propostas levavam em consideração o meio natural, tendo a cidade como um organismo vivo, tal como se mostrou a posição do Engenheiro Saturnino de Brito nos projetos de expansão e saneamento para a cidade de Santos. 56 Elaborou estudos para implantação de sistema de esgoto e água além de, em 1912, propor a abertura de praças e ruas para melhorar a circulação e as condições de ventilação e ensolejamento na cidade . 56 Ver ANDRADE, Carlos R. M. de (1992). ~ pesle e o plano: o urbanismo sanilorisla do Engenheiro Solumino de Bnlo '~ São Pau lo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-USP, Dissertação de Mestrado. 57 Segundo SIMAS, a Avenida Sete de Setembro foi a primeira via de grandes proporções levada a efeito por uma administração baiana nos tempos republicanos. Tem de 1500 melros de comprimento e 18 de largura. -No governo de J.J. Seabra (1912-1916), pôs em prática o plano do Engenheiro Jerônimo Alencar Lima - ''Proposta de melhoramento para uma parte da cidade alta'' - de 191 O, mais uma vez se debruçando sobre os ideais de fluidez da cidade moderna. Os planos deste urbanista direcionavam investimentos para a parte su l da cidade, onde viviam as famílias mais abastadas, apesar de ter previsto para a cidade 250 habitações operárias, que supostamente solucionavam o problema da habitação de baixa renda em Salvador. Foram de sua iniciativa a abertura da Avenida Sete de Setembro57 e o alargamento da Avenida Carlos Gomes. Também elabo rou estudos de uma avenida à meia encosta sobre o mar, que ligaria a Conceição da Praia - Aflitos - Farol da Barra, numa recriação da proposta de Theodoro Sampaio. O seu plano previa algumas intervenções pontuais coordenadas entre si : a criação de mercados, parques, jardins, escolas públicas, mictórios e defectórios, além de uma rede coletora de águas pluviais. 47 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização - Em 1920, o Engenheiro Américo Simas, como será mais bem detalhado adiante, propôs aparelhar a península itapagipana pa ra ali ser instalado o bairro moderno de Mont Serrat, que teria sido o primeiro bairro planejado da cidade de Salvador. - Outro urbanista que teve participação na constituição do urbanismo moderno em Salvador foi o Engenheiro Saturnino de Brito, que prestou serviços no setor das instalações públicas e sanitárias. Ao analisar Salvador, em 1925, elaborou um "relatório de saneamento", em que demonstra o seu método de análise do meio físico tendo como consideração o traçado viário . O engenheiro transformou uma característica física da cidade em seu meio de sanea mento - tendo a cidade um relevo acidentado desenha a partir d isto redes co letoras gerais de águas pluviais correndo no centro das avenidas de vale arborizadas - idéia posteriormente retomada na I Semana de Urbanismo de 1935 e pelo EPUCS. Em meados do século XX assim é descrita a cidade de Salvado r por Afonso RUI : 14 fisionomia urbana sofreu modificações sensíveis com as obras do porto que lhe arrancavam a R1heira das Naus e a ponte do /Consulad o~ sem esquecer os fortes de S. Alberto e Largatixa que se tornavam apenas uma referência histórica na vida da Cidade. O alvião iconoclasta rasgou velhas póginas de pedra em que se inscu/pira a própria alma da terra e ló se foram abaixo/ entre o poeira do amalgamo dos séculos/ a Sé de palha/ a Igreja do Ajuda/ a primeiro do cidade que viveu com Tomé de Souza e Nóbrega os seus primeiros dias/ a Sé Catedral do bispo-soldado/ o A/jube/ o Teatro São João e outras tontos relíquias/ padrões inconfundíveis do nosso passodo/ destruídos em nome do progresso e da civlzação /~ (RUY, 56 SIMAS, América (1978). "Evolução urbano de Solvodor". CEAB-FAUFBa, vol.4(inédito), Pg.09. 59 FRANCO, Pedreira em BOCANERA, Sílio. "Bahia Histó,ico: anotações" citado por SIMAS (1978) pg. 25. 1949, Pg.637}. Em debate a questão das preexistências históricas, tidas por fim como atravancadoras do progresso, o urbanismo demolidor em prática até então reformulava o espaço urbano em nome do bonde e do auto móvel, //trechos construídos em séculos eram amputados em anos/ ao sabor das experiências urbanísticas/68 . Os projetos lo calizados e setoriais não vislumbram uma cidade total, mas, sucessivamente, pequenas e importantes modificações se fazem. Até meados da década de trinta são demolidos exemplares de edifícios públicos, civis e religiosos de relevante valor histórico, como a exemplo do Teatro São João (em 1920} e da Igreja da Sé (em 1933}. Queria-se dar ao visitante de então //a impressão de que vai !rolar com um povo culto/ nobre/ altivo/ independente e poderoso /69 . Reinava, pois, o discurso político e urbanístico, que se propunha a reformar a cidade através de um modelo de intervenção confiante 48 SEGUNDA IMAGEM A Pe nínsula e a mode rnização em sua capacidade de garantir a passagem de uma sociedade tradicional a outra moderna . A derrubada da Igreja da Sé, seguida pela organização da I Semana de urbanismo de 1935, poderiam ser tomadas como marcos, em que esta prática urbanística destruidora e de intervenções setoriais, dava lugar ao pensamento da cidade como um corpo inteiro a ser pensado para o futuro. Modificações na cidade-baixa : recuos, aterros e acessos O Projeto de Melhoramentos Urbanos concebido e realizado no governo de J.J. Seabra incluía a continuação das obras de melhoramentos no porto que começaram em 1906 e se prolongaram, em várias etapas até 1921. Como já mencionado, foi parte do conjunto de iniciativas que comporiam a obra, a abertura do canal marítimo da Jequitaia, sucessivos aterros na cidade baixa, feitos com a areia retirada do mar, por sua vez objetivando aprofundar a entrada do porto que a partir de então abrigaria navios de maiores calados. A cidade-baixa se alargava em direção ao mar, o traçado em xadrez ampliava o seu centro comercial. Os terrenos conquistados sobre o mar privilegiavam a circulação por "ruas retas e largas". Era também parte do plano a abertura de avenidas, estabelecendo a comunicação necessária entre a cidade e os seus bairros mais distantes. A cidade da praia crescia ao norte, em direção à Península, era este o seu principal vetor de expansão. Assim mesmo, o plano não previa intervenções que fossem muito além do centro, onde os problemas e as atenções se concentravam . O projeto não contemplava melhorias de maior amplitude. /'Tão grande melhoramento não ia/ entretanto/ além da Praça do Ouro/ Hoie Marechal Deodoro/ de modo que as comum·cações entre a Cidade Baixa e o bairro populoso e comercial de ltapagipe continuariam a ser feitas pela única via existente/ de dimensões muito exíguas e que contorna a montanha caracterizada pelas suas habitações escuras e insalubres/ e onde o trânsito dos bondes e carroças é paralisado a cada instante pela obstrução da via pública/~ (SIMAS, inédito, Pg. 41-42) . Posteriormente se verificou a impossibilidade de ser mantida em situação tão precária a comunicação do centro com o bairro norte. Já então ficava patente a impossthilidade de se continuarestabelecendo a ligação entre o Comércio e ltapagipe por meio de uma única via estreita contornando a montanha com habi49 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização fações insalubres e de trânsito difíct~ mesmo para bondes e carroças como ocorrida em diversos pontos/ especialmente no Pilar cuia largura ínhma !ornava impossível a passagem stmul(SIMAS, inédito, Pg. 46). lânea de dois veículos/~ Apesar da grande movimentação nas imediações da cidade -portuária, eram relativamente poucos os seus residentes que pelas suas insistências em aí permanecer se amontoavam uns sobre os outros. Os demais transeuntes que aí formigavam durante o dia, finda a jornada diária se espalhavam pelo resto da cidade, subindo as ladeiras em direção à cidade-alta ou enveredando-se pelos caminhos dificultosos que segu iam em direção à península de ltapagipe. Grande e árdua a caminhada pelas ladeiras íngremes e distâncias longas. Era vigente a necessidade de oferecer aos cidadãos os transportes coletivos além dos bondes de tração animal e dos carros de aluguel, impagáveis para quem vivia dos exíguos ganhos diários. Foi construído, jó na segu nda metade do século XIX, o Elevador Lacerda, para a ligação cidade-alta e cidade-baixa. Tal ligação feita pelo elevador era compl emento do projeto de bondes que ligariam a Praça do Palácio à Barra, além das linhas que chegavam até o Bonfim. Imagem 22: Fotogra fia do Elevador Lacerda o partir do Ladeira do Montanha . FONTE: GAUTHERROT (1960). 50 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização O novo bairro de Mont Serrat e as novas avenidas Bonfim e Mén de Só Segundo SIMAS, o planejamento e concretização do Novo Bairro de Mont Serrat, se constituiu como a primeira intervenção do poder público no sentido de planejar a criação de um novo bairro para a cidade de Salvador. Planejada esta nova órea para a cidade sobre terreno aproveitado de antigas chócaras aí existentes, seu traçado era regular, com lotes também de tamanhos regulares. As obras no bairro foram iniciadas pelo Governo do Estado em 1920, durante a administração de Antônio Muniz, quando se deu a obra de construção do Hospital de Isolamento Couto Maia. Inaugurado em 25 de março de 1920, foi significativo no combate das doenças infectocontagiosas. Seguia a iniciativa do anterior, o novo governador, Francisco Marques de Góes Calmon, que governou de 1924 a 1928. ~s obras de Mont-Serrat iniciadas pelo Governo do Estado no intuito de prover a cidade do Salvador de adaptações convenientes para o desembarque e hospedagem de imigrantes/ foram depois ampliadas pelas construções da Seruntherapia/ do Hospital de Isolamento e execução das obras de vulto do novo bairro que vieram dotar a cidade de um confortável e saudável próprio para construções. //(SIMAS, inédito, Pg. 84) Com os estudos preliminares e os projetos dirigidos pelo Professor América SIMAS, a sua execução foi por ele acompanhada até o ano de 1927. Havia sido aprovado, em escala menor, o Loteamento Vila Bonfim, em 1925, projeto e obra da Companhia Comércio, Imóveis e Construções, nos Dendenzeiros. A Avenida Bonfim - antiga Calçada do Bonfim ou Avenida Dendezeiros - ligava o centro da cidade de Salvador à igreja e a colina sagrada do Nosso Senhor do Bonfim, numa perspectiva que tem como foco a igreja. Ponto de grande convergência de fiéis, o conjunto teve a avenida que a ele conduz alargada e melhor pavimentada no final da década de trinta, sendo para isso necessório que se fizessem desapropriações. No decorrer da avenida foram recuadas fachadas para atender aos novos alinhamentos propostos. O Prefeito Durval Neves da Rocha assim afirmou no seu relatório de governo de 1938-1940: //Desde muito tempo ressentia-se a antiga Rua dos Dendezeiros de uma remodelação completa de sua pavimentação. Administrações anteriores também assim consideraram e a referida rua mereceu um proieto para o seu alargamento. A extensão deste Plano de Melhoramentos é o que vem de se venlicat; alargando-se a citada rua/ para o que foi necessário desapropriar 51 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização dezenove prédios e levar a efeito indenizações várias. A largura da alua/ Avenida Bonfim é de 15 melros, medindo o seu comprimento pouco mais de um quilômetro estando pavimentada a paralelepípedos reiunlados a cimento. O antigo caminho para o Bonfim e a Ribeira de llapagipe eslava a merecer tal melhoramento." (ROCHA apud SIMAS, inédito, Imagens 23 e 24: Fotog rafias da Avenida Bonfim antes e depois do seu calçamento e alargamento . FONTES: FERREZ ( 1988) e CEAB. 60 Pg. 70). Outra avenida, a Mem de Sá, ligava a cidade ao bairro da Ribeira e a sua Estação de Hidroaviões 60 . Esta também foi remodelada A Estação de Hidroaviões da Ribeira está mencionada no acervo do DOCOMOMO-Brasil, secção da Bahia e, segundo SAMPAIO (1999), somado à construção do Pupileira e ao Ed. Dourado, passou a se r referencial importante no leitura da cidade de Salvador dos anos após 1930. 52 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização pela administração do mesmo prefeito. "o aspecto deponente que apresentavam o pitoresco recanto da Ribeira, hoje Praça General Osório e Avenida Mem de Sá está completamente modificado com as obras de embelezamento realizadas . Cerca de oito mil metros quadrados de pavimentação à paralelepípedos rejuntados, além de balaustradas, canalizações, ajardinamento e iluminação adequada foram ali executados. Considerando-se que no ocasião o transporte aéreo era feito em porte por hidroaviões/ de que resultou o construção do Estação do Aeroporto poro o conveniente atendimento dos passageiros e cargos/ essas obras tinham inteiro cabimento//. (SIMAS, Inédito, Pg. 70-71 ). Foram também mencionadas pelo prefeito as propensões que tinha a área em ser visitada e revista como ponto turístico, tendência repetidas vezes enfatizada pelos jornais que, no final desta primeira metade do século XX, já a ela novamente se referem como área de veraneio, como bairro para o desfrute do tempo livre, como balneário d e águas calmas e propícias aos esportes náuticos qu e nunca deixou de abrigar. Tais inclinações são revistas após o surto de industrialização que invadiu a península, depois que deixou de ser exclusivamente o plácido lugar de descanso, bairro do tempo livre e das atividades festivas e religiosas que acontecem até os dias atuais. Imagens 25 e 26: Fotografias do Colina Sagrado sobre a qual se encontra a igreja do Bonfim com a espera do bonde na sua parte mais baixo e do Praça Genera l Osório, na Ri beiro, também com a espera do bonde e o ba laustrada. FONTE: CEAB. Imagem 27: Fotografia da Península de ltapagipe fei ta a partir do bairro de Plataforma. Observar a cidade de Salvador ao fundo. FO NTE: CEAB. 53 - \ 1 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A INDÚSTRIA EM SALVADOR 54 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização ''O capitalismo leve duas fases fundamentais: a mercanlt1isla nos séculos XV e Xli caracterizada pelo espírito expansionista no mundo inteiro, dando origem às grandes navegações de Portugal e da Espanha/ e a induslra~ concentrando grandes capitais e alguma mecanização, iniciada pela Inglaterra quando surgiu o século XIX A descoberta do Brasil coincidiu com as primeiras mamfeslações da era capitalista e quase lodo o período colonial se processou dentro da revolução comercial. As especiarias do século XV e XVI cederam lugar; nos séculos seguintes aos melais e às pedras faiscantes/ ao açúcar; ao fumo, às madeiras e aos couros, enquanto a técnica ia progredindo e crescendo rapidamente. (. . .). 'O Brast1 colônia nasceu com a · o Brasil independente iniciaria os passos revolução comeria~ com a revolução induslrial 6 1 '~ (PONDÉ, 1973, Pg.50). No período colonial toda a província brasileira tinha sua economia fundamentada principalmente na produção agrícola voltada para a exportação e na exploração de bens naturais. As principais atividades desenvolvidas eram subordinadas aos ditames da Coroa Portuguesa que coordenava o que e o quanto devia ser produzido de forma a atender aos seus interesses comerciais de manter-se na sua posição perante o mercado europeu. Iniciavam -se algumas raras e tímidas atividades industriais na cidade de São Salvador, importante entreposto comercial na Carreira das Índias. Com o grande afluxo de embarcações de porte, eram necessários reparos nos seus cascos e, com a abu ndância de madeiras de excelente qualidade, rapidamente fizeram-se nestas terras, fábricas de embarcações sujeitas ao incentivo e controle da Coroa Portuguesa. No solo fértil do recôncavo baiano iniciou-se o cultivo da cana-de-açúcar e mais tarde plantou-se o fumo 62 plantava-se o que tinha boa aceitação no mercado europeu. As olarias espalhavam-se e a pesca da baleia era uma atividade crescente, ambas surg indo pela necessidade de construção de novas moradias63 e de iluminação das casas e das ruas, enfim, da ocupação urbana da colônia. I. í' t, · ..' / f r , SIMON SE N, Roberto. História econômico do Brasil. São 61 Paulo, Ed. Nacional. Por volta de 16 1O deu-se a plantação e o beneficiamento da folha do fumo na Bahia. Antonil iniciou o seu cu ltivo em 1 71 1. O tabaco viria a se tornar um importantíssimo produto na economia baiana, sendo usado como moeda no comércio de escravos e este, por sua vez, a atividade mais lucrativa doBrasil colônia a té a proibição d o tráfico, em 1850. VerVERGER, 1937. 63 Além da iluminação pública e particular o óleo de baleia ta m bém era usado como aglomerante misturado na argamassa de assentamento das construções em adobe e pedras, e nas misturas para construções em taipa. Também pescavamse os cachalotes para a extração do espermacete, com o qual fabricavam-se velas, e também do óleo que tinha a mesma utilidade do óleo de baleia. Na Bah ia crescia a indústria da pesca da baleia em ltapagipe e na ilha de ltaporico onde, no fim do século XVII I, foram arpoadas 232 baleias. Ver PONDÉ, 1973, Pg. 40. 62 Imagem 28: A pesca da baleia no Bahia de Todos os Santos. Ilustração de au tor desconhecido. FONTE : FERREZ (1988) . 55 SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização Para atender a necessidades militares de defesa foi construída, no início do século XVII, na cidade da Bahia, a Casa da Pólvora 6 4 , em atividade a partir de 1 705, depois de três anos que se levou na sua construção, sob o Governo de D. Rodrigo da Costa. Surgiu, também desde os primeiros tempos da colonização, a indústria têxtil em escala artesanal 65 , com o objetivo de produzir sacos de aniagem para a embalagem de produtos agríco las e algodõezinhos vagabundos para as vestes dos escravos. A metrópole lusitana, ameaçada pela concorrência no mercado europeu, no Alvará de 5 de janeiro de 1785, proibiu a existência de qualquer indústria no território brasileiro, obrigand o as qu e porventura aí já existissem, fossem fechadas e suas máquinas enviadas à metrópole portuguesa. 4 "Em 22 de abril de 1702, D Pedro 11, comunicaria o D. Rodrigo do Costa, chegado a pouco tempo do Metrópole, suo régio resolução de mondar fazer o Coso cuia planto remeteu". (SMITH apud REIS, 2000, Pg. 184). A carta remetida à Sua 6 Majestade O. Pedra, em 1O d e setembro de 1705, informa sobre o governo de O. Rodrigo e cita o dita fábri ca que a esta a ltura já tinha suas obras ocabodas. As primeiros fábricas de tecidos só surgiriam mais tarde, na Bahia, no década de 1830. Ver SAMPAIO , 1973, Pg. 50. 65 indústria civil até a chegada da Corte ao Rio de janeiro/ limitava-se apenas à de tecidos de algodão para os vestuários dos escravos/ à cana-de-açúcar e da mineração. Tudo o mais era importado da Europa. (. . .) O Alvará de 5 de janeiro de 1735 proibia qualquer manufatura e indústria (. ..) e a situação mais se agravou com o alvará de 5 de janeiro de 1785/ extinguindo as fábricas e manufaturas de galões de ouro e praIa/ de veludos/ bnlhanles/ cetins/ tafetás/ chitas/ bombazinas/ chapéus/ baelas/ oficinas de ourives/ e outros/ por que dizia o alvará: a verdadeira e sólida riqueza consiste nos frutos e ~ produções da terra, as quais somente se conseguem por meio de colonos e cultivadores e não de artistas e fabri cantes. Todas essas fábricas/ apesar de constarem de apenas dois ou três teares primitivos/ foram desmontadas e as máquinas enviadas a Portugar (PONDÉ, 1973, Pg. 35). À Coroa interessava incentivar a produção agrícola no Brasil, pro ibir a indústria e controlar qualquer comércio que porventura o ferecesse concorrência aos produtos fabricados em Portugal. Precisavam manter a colônia sob seus auspícios e domínio. De fato, "no início do século XI~ as atividades industriais/ inteiramente dominadas por escravos e mestiços/ limitavam-se à exploração dos engenhos de açúc01; à extração do ouro e do ferro em Minas Gerais/ às incipientes indústrias militar e naval e as pequenas indústrias com seus núcleos e concentrações de artífices / ~ (PONDÉ, 1973, Pg. 27). O sistema econômico agrícola e escravocrata era dominante. A atividade industrial na Bahia contava com um sistema de trabalho baseado no regime servil: os trabalhadores limitavam-se a escravos, mestiços e estrangeiros. As profissões técnicas e os trabalhos físicos eram de desinteresse, senão de repugnância. Porém, era de grande preocupação para a 'Fazenda de Sua Majestade' a crescente indústria de tecidos brasileira pelo comprometi- 56 \ __ -, ~. ___ mento que esta oferecia à economia portuguesa . Um fator responsável pela atitude defensora da metrópole no que dizia respeito aos tecidos foi a constatação de que os ingleses vendiam, em contrabando, mercadorias análogas às fabricadas por Portugal nos nossos portos, sendo que por elas pagavam-se preços mais baixos do que os pagos aos lusitanos por produtos congêneres 66 . O interesse da Coroa Portuguesa era manter Salvador como centro da produção de gêneros agrícolas e como consumidora dos artigos fabricados no Reino. Foram muitas as tentativas de refrear o maior desenvolvimento da colônia brasileira na sua economia e indústria. Tal situação só viria a se modificar com a chegada da família real ao Brasil, em 1808. Ystamos/ então/ no governo do Conde da Ponte/ e/ a 22 de janeiro/ aqui na Bahia/ chegava arribada a capitania de frota em que/ pela invasão de )uno! em Portuga~ partiu de Lisboa a 29 de Novembro/ trazendo para o Brasil o príncipe regente/ depois rei D. João Vr (CALMON, 1923, Pg.36). Durante o governo de José de Saldanha da Gama de Mello e Torres, o 6 2 Conde da Ponte, a família Real chega ao Brasil. O príncipe regente aporto a 22 de janeiro de 1808, a bordo da nau Príncipe Real e permanece na Bahia por cerca de um mês. No tempo que aí esteve deu os primeiros passos para a libertação da colônia: incentivou os trabalhos de reforços da defesa criando uma fábrica de pólvora no Rio de Janeiro67 ; autorizou a realização das obras de fortificação do porto; que se fundasse no hospital militar uma Escola de Cirurgia e Obstetrícia; que fossem abertas estradas, especialmente até o Rio de Janeiro; mandou fossem construídas 25 barcas-canhoneiras e uma fundição para a fabricação das peças de artilharia necessárias; completou o regimento de 1 .200 homens; consentiu fosse criada uma fábrica de vidros; que se estabelecesse a cultura e o beneficiamento do trigo; autorizou a criação da primeira companhia de seguros do Brasil, denominada Comércio Marítimo; e, por fim, em 1º de abril de 1808, autorizou que fossem abertos os portos do Brasil "!tbertando a indústria em geral de todas as restri- ções que sobre elas pesavam/ e declarou que a todos os vassalos da Coroa Portuguesa era lícito fundat; em qualquer parte do país/ os estabelecimentos que lhes conviessem/ estendendo igual permissão aos estrangeiros que/ no Bras1~ resolvessem residit; - /todo o gênero de manufaturas/ sem excetuar alguma/ fazendo os seus trabalhos em pequena e em grande/ como entenderem o que mais lhes convém / /~ (PONDÉ, 1973, Pg. 38). SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização 66 Com re lação ao A lvará de 5 de janei ro de 1785 a fi rma PONDÉ: "s 'lnslruções' baixo- dos pelo Minislro Mortinho de Melo e Coslro, poro cumprimenlo do Alvará, informo que doze navios ingleses, sendo o menor de quinhenlos o seiscenlos /anelados, com odilhorio e quorenlo o cinqüenlo homens de lripuloção, dedicavam-se o esle comércio !lícilo, deixando 'um lucro de 30 o 40 por cenlo, abolidos lodos os riscos, conforme relação publicado pelo cônsul inglês em Lisboa". (PONDÉ, 1973, Pg. 36). 67 Os carregamentos advindos de Portugal, apesar de todos os cuidados, chegavam úmidos pela longa travessia nos porões dos navios, por esta rozão foi construída a Fábrica de Pólvora da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. " criação de uma indústria de pólvora era imprescindível, especialmente com Portugal ocupado pelos franceses e sendo o Rio de Janeiro sede do governo. Ademais, vórios documenlos dos séculos XVII e XVIII ió acusavam o recebimenlo de pólvora em barris olcotroodos e prolegidos conlro o umidade, que, apesar de lodo esle cuidado, chegavam com grande pode do carregamento deferiorado, devido à longo travessia em porões úmidos dos navios de velo, sendo, por conseqüência classificado como impróprio poro o consumo e novamente devolvido poro o por/o de emborque .. . ". (PO NDÉ , 1973, Pg . 41 ). Inscreveram-se na "Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação", criada em 23 de agosto de 1808, as seguintes fábricas : fábrica de chapéus, fábrica de cordoaria, estaleiros, salinas, fiação de tecidos, fábrica de papel, fábrica de galões e fios de ouro 57 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização e prata, fábricas de gêneros alimentícios, fábricas de meias, fábricas de metais e de madeira, oficinas, fábricas de rapé, fábricas de vidro, louças e tijolos, fábricas de sabão e velas, fábricas de açúcar e aguardente. Encontrava-se nos códices do Arquivo Nacional, além disso/ o requerimento de inscrição de Manoel Gregório do Amar~ natural da Corte/ que/ tendo ido à cidade do Porto para ingressar em desenho/ arquitetura ciVI1 e no conhecimento dos melhores barros para a construção de louças/ obteve a Provisão/ para fazer os exames e levantar fóbricas de ufl1idade pública/ na V!1a de S. Salvador; em 9 de ianeirode 18 /~ (PONDÉ, 1973, Pg. 42). Entretanto, o " Tratado de Comércio" assinado com a Inglaterra, em 19 e fevereiro e 181 O, concedia aos ingleses muitos privilégios. Entre estes privilégios estava o favorecimento aos produtos ingleses que pagavam 15% de taxa de entrada no país, enquanto a mercadoria nacional continuaria a pagar 16% de imposto para circulação no mercado. Não havendo uma classe industrial que lutasse por melhores condições e encorajamento à indústria nacional, mantinha -se, pelas forças conservadoras, o esquema de dominação colonial. Como atestam as muitas reformas tarifárias, em vigor no Brasil até a primeira metade do século XIX, prevaleciam os interesses fiscais, o que significava a predominância agrário-comercial, em detrimento dos setores industrializados da sociedade brasileira . (SAMPAIO, 1973, Pg. 20). Apesar do Tratado de 181 O, que teria garroteado a nossa indústria no nascedouro, cresce timidamente a industrialização da Bahia. Do reduzido núm ero de fábricas que se instalaram até a década de quarenta do séc ulo XIX, a maioria era destinada à produção de tecidos. Supõe-se que o desconto concedido pelo governo aos produtos que fossem exportados usando sacos de fabricação nacional tenha estimulado a instalação das primeiras indústrias têxteis. Tinha continuidade o que seria o primeiro surto de industrialização da Bahia. Em 1844 foi promulgada a Tarifa Alves Branco, que pretendia incentivar o estabelecimento de indústrias no Brasil. A nova pauta alfandegária estabelecia taxas de 2% a 60% e, como a maioria dos produtos estrangeiros foi taxada em 30%, as intenções protecionistas à indústria nacional não surtiram o efeito desejado. Era impossíve l concorrer com os preços das mercadorias importa das. A predominância dos interesses fiscais fez com que no país prevalecesse a mesma estrutura agrário-escravocrata de mercado restrito. Era, contraditoriam ente, desencorajado o surgimento de indústrias e, segundo SAMPAI0 68 , até mesmo o artesanato tinha dificuldades em subsistir. Mas a concorrência inglesa, apesar de avassaladora, não teve interesse ou não conseguiu extinguir a produção dos tecidos mais grosseiros. Os altos preços eram pagos pelos artigos importados: tecidos mais finos, de luxo, que encontrariam mercado nas classes mais abastadas das cidades litorâneas do Brasil. 68 SAMPAIO, J. L. Pa mponet (1975). A evolução de uma empresa no contexto do industrialização brasileira: A Companhia Empório lndustn'al do Norte ( 1891- 1973}. So lvado r, Mestrado em Ciências Humanas- UFBA. 58 SEGUNDA IMAGEM \ Há afirmativa de que a primeira fábrica de tecidos do Brasil fundou-se em Vila Rica, em 1814. {VICENZI, 1944). Na Bahia a Fábrica Stº Antônio do Queimado foi supostamente fundada em 1834, e a Fábrica da Conceição, em 1835. Em 1866 havia oito fábricas de tecidos no Brasil, c inco delas na Bahia, que teria se tornado o primeiro centro têxtil do país, apesar das pequenas dimensões se comparadas às indústrias européias na mesma época. "Mas a ativi- dade têxtil não é a única atividade industrial de Salvadot; na época. Há ainda manufaturas de calçados, rapé, biscoitos, gelo, óleo, móveis, alambiques, cigarros, charutos, fundições de ferro e de bronze; e ainda manufaturas de pregos, de velas, de refino de açúcat; de sabão e sabonetes, de chocolates, de cerveias, de luvas, de fósforos, de massas alimentícias, de serrarias, de ferro esmaltado, el.'~ (MATIOSO, 1978, Pg.281 ). No entanto, no período colonial, não se formou na Bahia um mercado capaz de absorver um número considerável de trabalhadores 69 , as atividades industriais, por volta de 1875, limitavam-se à existência de um reduzido número de estabelecimentos fabris . A abolição da escravatura não resolve, até mesmo torna mais grave a relação com o trabalho. Havia forte preconceito com relação aos trabalhadores: eram consideradas profissões vis as artes e ofícios e nem mesmo os escravos libertos com a abolição da escravatura se dispunham a trabalhar, pois desejavam anunciaremse livres e a prática de labutar para viver era "coisa de escravos". Com todas estas dificuldades, perde a Bahia o seu lugar à frente da produção industrial brasileira : A Península e a modernização 69 Co m os o llorrias que se segue m a pós o décad a de 5 0 , muitos trabalh adores livres, exescravos, são la nçado s num mercado de trabalho que não tinha como a bsorvê- los . Era reduzido o solicitação de mão-deo bro por pa rte dos in dústrias . Po ro os anos de 1875 e 1876 era m os fá bricas têxteis e m Salvador com os se us res pect ivos números de trabalha dores: "Ano de Fundação/Fá brico s/ N ~ de operários : · 183 4/S onto Antônio do Que imado/90 · 1835/N. Sr" do Co nceição/ 6 0 -1858/Modelo/11 O - 1870/S. Salva dor/sem indica ção -1873/N. Sr" do Pilar/ 120 -1873/ N. Sr"' da Penho/98 -187 4/S. Braz de Platalomw/sem indica ção". (MATIOSO, 1978). //Em sua fala de 7877, o presidente da Província Henrique Pereira de Lucena declarou: 'Não é a Bahia onde mais prima a indústria: acrescentando entretanto que não era das mais atrasadas nessa atividade. Suas fábricas de leodos, de rapé, de charutos, de sabão, de chapeos, assim como na refinação de açúcar e na fundição poderiam ser consideradas as melhores do gênero'~ (NASCIMENTO, 1997, Pg. 13). No centro-sul do país crescia a indústria têxtil, incentivada pela grande produção e aumento da exportação de café, o que solicitaria uma também maior produção de sacos e roupas para os escravos e trabalhadores livres. Na Bahia, com a decadência da lavoura açucareiro, dois outros produtos são cultivados - o cacau e o fumo mas a situação baiana é de uma economia estagnada. Sob o ponto de vista da industrialização, o Estado ocupava em relação ao país, uma posição de inferioridade (NASCIMENTO, 1997) . No entanto, a decadência da lavoura da cana-de-açúcar pode ter desempenhado um importante papel na industrialização da Bahia, transferindo os escassos e tímidos capitais de investimento do campo para a cidade, da lavoura para a indústria. 59 \ Com o Encilhamento 70 , houve a criação de numerosas sociedades anônimas e tornou-se intensa a especulação com ações. Foram criadas muitas companhias, bancos e fábricas numa política de expansão monetária considerada necessária a um país que saía do trabalho escravo para o assalariado. Muitas das fábricas criadas antes de 1890 fundiram-se em sociedades anônimas. Das 123 fábricas em atividade na Bahia 71 por volta desta data havia dez de tecidos e fiação, pertencentes às três seguintes empresas: I -A Companhia União fabril {1 . Fábrica São Salvador, sita ao Largo da Fonte Nova, 2. Fábrica Modelo, sita à Rua da Valia, 3. Conceição, sita no alto do antigo Engenho Conceição, 4. Nossa Senhora da Penha, sita à Ribeira de ltapagipe, 5. São Carlos, sita na Fazenda Tororó, abaixo da cidade de Cachoeira, 6. Queimado, sita ao largo de mesmo nome); 11 - A Empresa Valença lndustrial,{1. Nossa Senhora do Amparo, em Valença, 2. Todos os Santos, em Valença); 111. Companhia Progresso Industrial da Bahia {1. São Braz, no arraial da Plataforma, 2. Bonfim, na Calçada do Bonfim) . Além destas dez indústrias têxteis surgiram ainda a Companhia Fabril dos Fiaes, sita na fazenda de mesmo nome e trabalhando especialmente com aniagem; e a Companhia Empório Industrial do Norte, na Boa Viagem, cujos trabalhos de construção progrediam incansavelmente . A política industrialista do Encilhamento parecia ter surtido efeito na substituição da lavoura e das exportações em crise pela indústria. Nos anos seguintes cresceram os empreendimentos industriais fundados nesta época, sobreviveram muitas empresas e, como comprovam as cifras, houve crescimento industrial na Bahia do princípio da década de 1890. O entrave ao seu ainda maior crescimento era a persistência do capitalismo fundado na especulação comercial mais do que na efetiva produção industrial. ''O parque industrial baiano do século XIX ao início do século ~ foi considerado por diversos autores que o estudaram como incipiente. Centros industriais foram consideradas as cidades do Salvdo~ de Valença, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe. Nele concentram -se fundições de ferro e cobre, produtoras de ferramentas para a lavoura, maquinismos para os engenhos, ambas a vapo~ além das fábricas de rapé, charutos, cigarros, pólvora, sabão e papel delineando uma débil (NASCIMENTO, imagem dos centros industriais ingles'~ 1997, Pg. 79). A partir dos anos de 1890-1901, depois da crise e involução diante da produção nacional, a Bahia recuperaria o 3º lugar na produção industrial do Brasil. Desde a vinda da família real e a abertura dos SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização 70 Adoção de medidas de expa nsão de crédito para empresas industriais que vigorou e ntre os anos de 1889 a 1891. VerSAMPAIO, 1973. "Em 1892, no praça do Bahia o induslrio linho 123 fabricas em atividade_- de leodos: 'S. Solvodot< 'Model~ 'Conceição~ 'N 5. do Penha~ '5. Carlos' e 'Queimado', do 'Companhia União Fabril:· o 'N S. do Amparo' e o 'Todos os Santos' em Volenço, do 'Companhia Volenço Industrial:· o 'S. Braz' e o 'Bonfim~ do 'Companhia Progresso lndusltiol do Bahi~· o do 'Companhia Fabril dos Fioes' e o do 'Empório Industrial do Norte:· 3 de chopeos, sendo uma de pnineira ordem, do 'Companhia Chapelaria Norte Industrial~· 2 de calçados , uma no arraial de Plataforma, ocupando 800 operários, propriedade do 'Companhia Progresso Industrial' e outro no Bonfim, propriedade · I de dos Srs. 'Goma & lrmaos~ rapé a vapor, de Borel & Cio., no praia do Unhão. I de biscoitos_- I de gelo, óleo e produtos úteis, de José Manuel de Araúio & Cio~ silo no praia do Preguiço_- I de móveis de madeiro a vapor, na Ladeira do Conceição, pertencente á 'Companhia Marcenaria Bahino~· 5 alambiques sendo I em largo escalo, pertencen4 te à 'Companhia Alcoói~· de cigarros, trabalhando em alto escola; 12 de charutos sendo 4 na capital- 6 em S. Felix e 2 em Moragogipe_- 5 fundições de ferro, bronze e outros metoes, e uma das quoes em largo de 'Cox & IrmãoS:· 4 de velas e 1 de pregos o vopot; da 'Companhia Internacional de Morahú' com capital de Rs. 1O. 000:000$000, e que, além de velas de parafina preparavam o petróleo denominodo 'brozline~· 2 de velas de cera; 4 de refinar açúcar,· 1O de sabões e sabonetes,· 2 de chocolate; 2 de cervejas 'S. Roque' e 'S. Braz~· I de luva de pelica e de camurça,· I de phosphoros o vapor; 50 de pão e mossas alimentícios; 6 de 71 60 \ portos, até mesmo com a Tarifa Alves Branco e outros acanhados incentivos por parte do governo, nada teria conseguido impulsionar a indústria brasileira e baiana tanto quanto o Encilhamento. A partir daí deu -se o primeiro surto industrial na Bahia. A maior indústria baiana era a têxtil e dentre as dez fábricas têxteis existentes em 1890, sete estavam na cidade de Salvador, destas sete, quatro estavam situadas na Península de ltapagipe ou nas suas imediações 72 . A Fabril dos Fiaes e a Companhia Empório Industrial do Norte (CEIN), as duas grandes companhias que se criaram no início da década de 90, também viriam a se instalar na península que somaria então seis grandes indústrias têxteis, além de outras de diferentes ramos 73 • A Empório surge em 14 de março de 1891, na Boa Viagem, como a maior indústria têxtil da Bahia, em número de teares, número de operários e em produção. Apesar de ter surgido no auge do Encilhamento a Empório não foi fruto de cálculos imediatistas ou tendo-se em vista interesses especulativos, surge, ao contrário, de um planejamento cuidadoso e sólido. O liberalismo econômico que a conduziu estava explícito desde o primeiro documento de sua criação, datado de fevereiro de 1891. Na primeira página, logo abaixo do nome da empresa lia-se: "Empresa organizada sem privi- légio nem favores do governo". No final do século XIX formou-se o que podemos chamar de um primeiro Centro Industrial Baiano na Península de ltapagipe, fenômeno que nos propomos a estudar. A iniciativa político-monetária do Encilhamento incentivou, de fato, a inserção industrial na Bahia e definiu o primeiro marco temporal da pesquisa desenvolvida. A fundação da Companhia Empório Industrial do Norte na Península de ltapagipe, em 1891, confirma o fato, o lugar e o tempo em que ocorre o fenômeno a ser estudado. O estaleiro e a fábrica de navios portugês/~ Os portugueses, dispostos a penetrar os mistérios do oceano/ mesmo correndo o risco de resvalar no sacrilégio/ venceram o pavor e o medo do castigo, por quererem abarcar a insondável natureza divina/ e cruzaram a imensidade misteriosa do mar, representante ao mesmo tempo do germe da vida e do espelho da morte (CORBIN, 1988, Pg. 12). Enfrentam o oceano caótico, o avesso do mundo conhecido, povoado certamente por monstros e criaturas lendárias, agitados por poderes tão demoníacos e incontroláveis quanto imaginários. Sedentos por novas conquistas, confrontaram-se com a extensão do mar e ancoraram em terras brasileiras. Rompidas as barreiras do imaginário, o trânsito constante de embarcações no Oceano Atlântico o fez tornar-se, no século XVI, "um imenso lago SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização serrar madeiro a vapor; sendo 2 na capital e 4 no lilora"· 1 de ferro esmaltado no largo do Papagaio, do 'Companhia Ferro Esmaltado',- 2 de camisaria e meias,- e mais 9 grandes fábricas ou engenhos cenlraes de açúcar; 4 pertencentes à companhias e 5 partic ulares". (CALMON, 1923, Pg . 137 -8). No relação de Francisco Vicente VIANA havia além dos têxteis as seguintes fábricas: "Há mais as seguintes fábricas: três de chapeos (. . .),- duas de calçados, uma no arraial de Plataforma (. . .) e outra no Bonfim, de propriedade dos Senhores Gama & Irmão; uma de rapé, na Praia do Unhão (. . .),' uma de biscoitos finos (. ..),- uma de gelo, óleos e produtos úteis (..),-uma de móveis de madeira (... )/ cinco alambiques (. .),quatro de cigarros (. . .),- cinco fundições de ferro, bronze e outros melais (. . .), uma em ltapagipe, da Companhia Bahiana de Navegação a Vapor (. . .),- uma de pregos (. . .),quatro de velas (. . .),- duas de velas de cera (. . .),- quatro de te finar assucar (. .),- dez de sabão e sabonetes (. . .),- duas de chocolates (. .),- duas de cerveia, 5. Jorge e 5. Braz,- uma de luvas de pelica e camurça,uma de phosphoros a vapot~ · cincoenla de pães e massas alimentícias,- seis de madeira,uma de ferro esmaltado, no largo do Papagaio, em ltapagipe,duas de camisaria e meias". (VIAN NA, 1893, Pg . 272-276). 72 A Conce ição, sito no alto do antigo Engenho Conceição (primeiros ferros de An tônio Cordoso, ocupadas desde a fundação da cidade de Salvador co m o plantio de açúcar e engenho), o Nosso Senhora do Penha, silo à Rib eiro d e ltopogipe, o São Braz, no arra ial do Plataforma, e a Bonfim, na Calçada do Bonfim. 61 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A civilização européia chegou ao território brasileiro pelo mar, ele era a sua estrada . Desenharam-se nele caminhos ligando o Velho Mundo ao Novo Mundo e cada um a si mesmo, pelo confronto das diferenças que entre eles se dava. Certamente o mar e os veículos em que nele trafegam foram influentes na determinação do caráter da conglomeração urbana que nasceu. São Salvador da Bahia se dividia em duas cidades, a cidade administrativa fortificada, no altiplano escolhido para abrigá-la, e a cidade da praia, das atividades portuárias, do comércio e do trabaestendeu-se pela lho. A cidade-baixa, //com o seu porto sem rival'~ costa da Baía de Todos os Santos. A beira-mar definiu o seu arranjo espacial, o ar que nela se respirava, a sua conformação, as ocupações e as formas de sociabilidade que nela se deram, o emprego do tempo, enfim, a convivência e as obrigações. O transporte na primeira cidade da Bahia, desde os seus primórdios, era feito naturalmente e na sua grande maioria por vias marítimas. Simultaneamente com a industria do açúcar, nos tempos de colônia, floresceu na Bahia a indústria de construção naval em muitos estaleiros particulares e no arsenal de marinha. Segundo SAMPAIO os outros produtos fabricados na Bahia eram: 11calçados, rapé, biscoi- 73 tos, gelos ,óleos, móveis, alambiques, cigarros, charutos, fundições de ferro, bronze, ele., pregos, velas, refino de açúcar; sabão e sabonetes, chocolate, cetvejo, luvas, fósforos, pão e massas alimentícios (podon'as}, serrarias, ferro esmaltado, camisaria e meias e 9 engenhos centrais de açúcot: " (SAMPAIO, 1973, Pg. 40). Imagem 29: Embarcações do Brasil Colônia. Autor desconhecido. FONTE : FERREZ (1988). //E são tantas as embarcações na Bahia/ porque se servem lodas as fazendas por ma~· e não há pessoa que não lenha seu barco/ ou canoa pelo menos/ e não há engenho que não tenha de quatro embarcações para cima/ e ainda com e/las não são hem servido/~ (SOUSA, 1587, Pg. 174). A necessidade de comunicação entre os colonos determinou o interesse pela construção de embarcações pequenas e médias //e m lo- das as capitanias/ sob alpendres de palmas ou ao ar livre/ ou em picadeiros improvisados iam surgindo novos e elegantes barcos/~ Tendo o mar como principal via de comunicação não demorou que o governador determinasse que por aqui fossem construídos navios. Em cumprimento do regimento da coroa portuguesa e como parte da instalação da Empresa de Concerto e Fabricação de Embarcações é construída, a mando de Tomé de Souza e no mesmo ano de 1550, a Ribeira das Naus 74 • Em situação intermediária no caminho para as Índias, Salvador torna-se uma parada quase obrigatória 74 Segundo LAPA, o Ribeira das N aus se localizava no bairro da praia, perto da Escola de Marinheiros e do antigo Mercado Municipal, onde a té o fi m do século XIX havia o Arsena l da Marinho. Não confundir Ribeira das Naus com Ribeira de ltapagipe, bairro na Península de ltapagipe. 62 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização para as embarcações de tão longo curso. Com a abundância de excelente matéria-prima, madeiras de lei disponíveis em toda a costa, naturalmente passa a ser não só local de reparos mais de fabricação de embarcações. Salvador havia se projetado como porto de escalo para a carreira dos Índios a partir da segundo metade do século XVI, quando o marinha portuguesa mostrava sinais de decadência. Era uma espécie de 1pulmão por onde respirava a colônia~ e em 1650, foi instituída a indústria de construção e reparação naval poro os navios de longo curso que velejavam pela costa brasileiro. a construção dos de maior porte exigia ação direta ou indireta do governo1 quer fabricando por adminislração1 quer concedendo favores que estimulavam a iniciativa particular. assim/ onde havia madeira abundante e adequada/ foi fomentada e desenvolvida a indústria nova~ a 1Verdadeira 1 induslria fabn1 da colôni0 ~ (PONDÉ, 1973, Pg. 28). ~penas r O regulamento de Tomé de Souza dava instruções e aos maiores fabricantes eram concedidos prêmios em dinheiro. Era incentivada o indústria naval sendo necessário o licença do governo poro a construção dos navios de 15 bancos poro cimo. A metrópole não deixaria de exercer o controle centralizado sobre o desenvolvimento econômico do indústria naval no colônia e, em 1776, documentos pro1biam as licenças paro que os estaleiros da cidade construíssem navios de alto bordo1 a não ser que os riscos (desenhos) de tais embarcações fossem feitos por Torcalo José Clarim~ construtor do Real Arsenal de Lisboa. (NASCIMENTO, 1997, Pg. 11 ). O porto de Salvador ganhava um papel de excepcional importân11 1 cia sendo uma segunda capital do Atlântico portugês ~ A Península de ltapogipe, apesar de situado nos arrabaldes da cidade de Salvador, guardando distância que dificultava o acesso, era tido como um excelente ancoradouro e também era usada como área reservada ao fabrico de emborcações 75 • Foram desenvolvidas atividades ligadas ao fabrico de embarcações nos estaleiros da Ribeiro de ltapagipe e, mais tarde, no Estaleiro do Bonfim. "No século XVIII os estaleiros da Preguiça e da Ribeiro de ltopagipe construíram não poucas emborcoções1 muito embora fossem preteridos em favor do estaleiro da R1beiro das Naus uma vez que o estabelecimento da Preguiça linha falta de fundo e o de ltapagipe ficava distante uma légua1 encarecendo o custo de administração das obras dev1do às despesas com a locomoção dos prohssionais que não res1d1ssem naquele loco~ apesar do que era tido como excelente. A estes últimos1 1 "Foi na Ribeira das Naus, local do antigo mercado que se estabeleceu o estaleiro das construções navais. Gilberto Ferrez, em texto que acompanha ilustrações sobre as induslrias de Salvador menciona um documento de 1775 que dó idéia do cuidado da coroa com a referida induslria e seu desenvolvimento. É uma petição do comerciante Teodorio Gonçalves do Silvo que pretendia construir no Estaleiro Real da Ribeira uma nau de 160 palmos de quilha, explicando que, por falta de capacidade os estaleiros da Preguiça e da Ribeira de ltapagipe não chegariam a bom lermo nesta tarefa'~ (NASCIMENTO, 1997, Pg. 11). 75 63 • ___;,\_ _ __,'!--_ __ eram principalmente os particulares que recorriam para a construção os seus barcos/~ (LAPA, 2000, Pg. 61 ). A cidade da Bahia, durante todo o período colonial, podia ser vista como uma enorme fábrica de navios denotando-se como de enorme importância para a indústria manufatureira baiana: falava-se em um parque industrial no Brasil-colônia, independente e com primazia na fabricação das embarcações, até mesmo em relação aos estaleiros do Reino. 76 A indústria naval do Brasil Colônia se revelava como uma empresa complexa e de grande amplitude envolvendo outras atividades produtivas a ela subsidiadas em Salvador e seus arredores. De tal forma destacava-se a indústria naval brasileira e baiana até o século XVIII que alguns autores a consideravam a maior atividade produtiva da colônia. Os depoimentos não se referiam apenas aos serviços de reparos de embarcações em caminho para as Índias. Fabricadas pelas mãos experientes dos mestres, usando excelentes matérias-primas advindas das reservas de Ilhéus e Porto Seguro no litoral sul, as naus fabricadas na Bahia chegavam a causar admiração na Europa e na Ásia. Tanto se aprimorou a indústria naval que o arsenal baiano tornou-se o mais importante estaleiro ultramarino e a construção naval brasileira mais favorável e proveitosa que a dos próprios estaleiros do Reino. A cana de açúcar SEGUNDA IMAGEM A Península e a mod ernização //Vemos assim, que, quando reclamamos um alcance maior para a construção naval da colônia queremos nos referir a um parque industrial que pudesse prescindir da dependência estrangeira, assistindo Portugal na sua larga empresa ultm-marina e trazendo ao Brasil resultados promissores e até revolucionários para o suo comp rometida economia do período colonial. Não estamos, portonto, invo!tdando o es forço que foi feito nesse sentido, pois chegamos o acreditar que o esfo lei/O baiano se tomou o mais importante arsenal ultra-marinho afetando, com toda certeza os demais estaleiros pela concorrência nas aquisições de materiais e de pessoal graças, até cedo ponto à atenção que o governo lhe destinou por imposição de suas necess1dades marítimas. Mesmo porque o próprio conselho Ultra-marino aceilana em I 7 14 a construção nova! no Brasil como mais conveniente do que a promovida nos próprios estaleiros do Reino //. (LAPA, 2000, Pg. 65). 76 //0 primeiro produto industra~ porém/ fabricado no Brast~ foi o açúc01; que se espalhou sobretudo pelo Nordeste/ onde bem se aclimatou a can-deçú~; trazida por Martin Afonso de Souza/ que/ antes de terminar a segunda década do século XV~ construiu o único engenho que sobreviveu à colnizaçã/~ (PONDÉ, 1973, Pg. 32). Não foi possível definir o momento exato da introdução da canade-açúcar no Brasil. Sabe-se que no Alvará de 1516, EI-Rei D. Manoel ordenou procurassem um homem prático e capaz de ir ao Brasil dar princípio a um engenho de açúcar, que lhe dessem ajuda de custos e também todo o cobre e ferro, tudo que precisasse para o levantamento da fábrica. A grande produção econômica brasileira do período colonial se concentrava no plantio da cana para o fabrico do açúcar, esta era a atividade produtiva de maior vultos nestes tempos. De grande acei tação no mercado europeu, o vegetal se desenvolveu abundantemente nos solos do Recôncavo Baiano. 64 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização //Logo os potfugueses descobriram os virtudes do massapé e do clima tropical e transplantaram para o Recôncavo o experiência de cultivo de cana de açúcar adquirida no Ilha da Madeiro e nos Açores. A colonização da região fez-se com o expansão desta lav o ura /~ (AZEVEDO, 1978, Pg. 11 ). Imagem 30: Engenho no Brasil Colônia. Ilustração de autor desconhecido. FONTE : FERREZ (1988). Em Salvador cresceram as suas primeiras plantações, ainda no século XVI, nos arrabaldes da Península de ltapagipe. Plantava-se nestas imediações o vegetal usado como matéria -prima pelo Engenho Conceição, fundado por Francisco de Medeiros e Antônio Cardoso, que esteve em funcionamento desde o século XVI no fund o da Enseada dos Tainheiros. Situava -se então no litoral e, pela sua disposição geográfica, certamente era servido tanto por terra, quanto por mar. Sua excelente localização (era o engenho mais próximo do núcleo urbano que se tem notícia) lhe havia de garantir facilidades com a aquisição de mão-de-obra escrava (o porto onde eram comercializados estavam a poucos quilô metros) e também enormes facilidades com o escoa mento da pro dução 77 . A prim eira mercadoria produzida de forma mecanizada e em g rande escala no território brasileiro foi, certamente , o açúcar. A sua produção não era apenas uma atividade agrícola, mas também industrial, abrangia não só o plantio e a colheita da matéria-prima, mas também a sua transformação . Localizada nas grandes unidades rurais, a indústria do açúcar detinha um elevado grau de o rganização econômica para as condições da época, como afirmam muitos auto res. (REIS, 2000, Pg. 93). 77 Sobre o Engenho Conceição não temos maiores achados de pesquisa. Sabe-se que nestas terras também existia uma igrejinha, a Igreja d e Nossa Senhora da Conceição d o Engenho d e ltapagipe de Cima, também chamada de Nossa senhora de Conceição da Passagem ou d a Popagem. 65 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização /'quem chamou às oficinas em que se fabrica o açúc~; engenhos/ acertou verdadeiramente o nome. Porque quem quer que as vê e considera com a reflexão que merecem/ é obrigado a confessar que são um dos principais partos e invenções do engenho humano/ o qual como por ação do Divino/ sempre se mostra/ no seu modo de obra~; admirável //(ANTONIL apud PONDÉ, 1973, Pg. 32). No início do século XIX, buscava-se incrementar a produção do açúcar com o envio, por parte dos senhores de engenho, de estudiosos para as cidades industriais européias em busca de artifícios para aprimorar a sua indústria, para que ganhassem agilidade e eficiência e fizessem jus à idéia de progresso que desejavam. Planejava-se substituir a propulsão pela força da água ou dos bois, pela propulsão a vapor. introdução da máquina a vapor no Brasil se deve à iniciativa de alguns baianos/ dentre os quais se destaca o Brig. Felisberlo Caldeira Brandi Pontes/ futuro Marquês de Barbacena. Associado a outro senhor de engenho/ Pedro Rodrigues Bandeira/ ele é o primeiro a encomendar em 181 O uma /bomba a vapor/ na Inglaterra/ mas é forçado a desistir ante a negativa da fábrica em Walsh & Bollon de mandar um técnico instalar a máquina e treinar pessoal Provavelmente por sua insistência/ seu cunhado/ Pedro Antônio Cardoso/ importaria dois anos mais tarde um motor a vapor para o seu engenho Boa Vista em ltaparica/ inaugurada solenemente em 1815 com (AZEVEDO, 1978, Pg.12). a presença do Conde dos Arcos/~ ~ Com os sérios problemas que esta agricultura viria a enfrentar, nos anos de 1870 dá-se início a uma fase de grande depressão. Como fatores internos podemos enumerar: as pragas que atacavam os canaviais, a escassez da força de trabalho pois muitos escravos que foram transferidos para as plantações de café, em São Paulo, além de muitos homens terem sido mortos na Guerra do Paraguai. Os fatores externos que implicariam na decadência do açúcar eram a produção da cana-de-açúcar nas Antilhas e o surgimento de técnicas modernas de extração do açúcar da beterraba que se desenvolviam na Europa. Nos anos seguintes são criados uma Escola Superior de Agricultura no Recôncavo e os Engenhos Centrais, além de serem substituídas as sementes, tentativas do governo Imperial de superar a crise. Em 1888, com a abolição da escravatura, a situação se tornaria ainda mais grave. Era de grande importância o trabalho escravo para a produção dos engenhos que, diante da sua extinção, decaem. A partir do ano de 1873 dá-se início a grande crise econômica e comercial que duraria até 1890. 66 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização O número de engenhos no recôncavo do século XVI ao XIX, variavam o seu crescimento de acordo com as sucessivas crises de produção. Eram eles: NÚMERO DE ENGENHOS DA BAHIA Fon~ Da~ N2 Gândavo Cardim Documento de Évora Anchieta Campos Moreno Documento Madrid Cadena Antonil Caldas Vilhena Wanderley Jesuíno Ferreira (NASCIMENTO, 1997, Pg. 1570 1583 s/d 1585 1612 1629 1629 1710 1759 1802 1854 18 36 46 46 50 80 172 146 172 400 1651 (inclusive engenhocas) 1872 893 {se ndo 292 o vapor). 29). No final do século XIX surgiram as usinas de açúcar com equipagem e sistema de produção em muito distintas dos engenhos de açúcar. Grande parte dos aristocratas rurais, senhores dos antigos engenhos, abandonaram por completo a produção do açúcar e convergiram para as cidades. Abria-se o caminho para a burguesia industrial baiana. decadência dos engenhos coincide com o aparecimento das usinas1 uma realidade soda~ econômica e tecnológica muito distinta do engenho. Em 1880 é inaugurada a Usina Bom Sucesso1 fundada pelo Conde de Sergimirim1 Visconde de Oliveira e Barão de Geremoabo1 e se inicia a construção da de Pojuca. As usinas incorporam novos avanços tecnológicos1 como a ull1ização de bagaço como combustíve~ equipamentos para fabricar açúcar branco sem purgat; ulllização da elelrietdade como força motriz1 etc. Diante da economia de escala de produção e melhor qualidade do produto das usinas1 os engenhos vão progressivamente h'cando de fogo-morto. Os senhores de engenho vendem ou abandonam suas terras1 casas-grandes1 capelas e mortos e vão para as cidades. Os que tentam permanecer são obrigados a se transformarem em fornecedores de cana para usina ~ (AZEVEDO, 1978, Pg. 13). ~ 1 A crise econômica e a vetorização urbana Com a queda do preço do açúcar no mercado internacional -devido à concorrência da produção açucareiro na América Central - o 67 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização governo português, em meados do século XVII, teve seus interesses voltados para a centralização urbana nas terras da colônia brasileira, pois a expansão da agricultura para exportação se tornou pouco rentável . //Em meados do século XV!l com o quedo dos preços do açúcar; os interesses dos proprietários rurais e os do Metrópole começaram o divergir; transformando-se os bases do processo de colonização e o sistema social do colônia. ( . .)As transformações sofridos pelo processo de colonização deslocam o in(REIS, teresse dos colonos poro novos atividades econômis/~ 1969, Pg. 196). A crise da produção do açúcar impele a economia baiana para a cidade e no seu território provoca profundas transformações. Os engenhos deram lugar às "casas bancais", e a economia baseada na agricultura, que movimentava o Recôncavo da Baía de Todos os Santos até então, era vencida pelo lucro das atividades produtivas urbanas. A convergência transformava a paisagem e a dinâmica da cidade: surgiam teatros, fontes e coretos, hotéis e alfaiatarias; as lojas vendiam bengalas, relógios e perfumes importados. A cidade de Salvador crescia em importância econômica e desejo de civilidade. //De tudo isso/ lucrava o cidade da Bahia e seu comércio. As indústrias e fábricas floresciam: tecidos/ charutos/ sabão/ café/ cerveio/ óleos/ águas gasosos/ vinagre/ chapéus/ gelo/ fundições/ refinações. E esperava-se muito mais do /espírito dos empresas/. Crescia malandro o cabedal dos bancos//. (BRANDÃO, 1998, pg. 39). Movimentava-se e transformava-se, não só a dinâmica urbana da colônia, mas também o seu caráter. As relações comerciais travadas a partir de então com povos mais civilizados do Velho Mundo desenvolveram as exigências da população urbana brasileira. ~ cidade se desenvolvia ao contato dos colônias estrangeiros/ especialmente do Inglesa/~ (PINHO, 1944, Pg.38). Os seus anseios por conforto e luxo se aprimoravam, modificando-se sensivelmente em pouco tempo, como pôde afirmar certo viajante inglês: /Muitos antigos e respeitáveis famílias brasileiros/ cuias hábitos eram tão rudes como suo acanhado mentalidade/ por efeito do rústico isolamento em que viviam/ procuram agora o copit~ poro aonde os atraíam festas/ recepções e cerimônias freqüentes. AI!~ por efeito do seu contato com estrangeiros/ cedo se despiam do ferrugem do isolamento/ e voltavam poro coso 68 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização com novos 1déios e modos de VJdo, que iam sendo igualmente adotados por seus vizinhos; e assim o progresso e o civ!lizoção se espalhavam pelo país". (ARMITAGE apud PRADO, 1947, Pg. 110). Todas as atividades econômicas urbanas, tanto o comércio quanto a indústria, que se intensificariam obedecendo aos incentivos à convergência urbana por parte da Metrópole, tiveram suas abrangências e limites calculados no sentido de não oferecerem perigos ao comércio internacional de interesse português. A descoberta do ouro nos fins do mesmo século foi outro fator que veio a contribuir para o fenômeno de convergência, sendo atividade produtiva referente à concentração urbana 78 • Com o aumento da população permanente desenvolvia-se a cidade, o seu comércio e manufaturas, que abasteceriam o mercado local com as produções manufatureiras mais grosseiras. Qualquer atividade produtiva sofria medidas restritivas e total controle por parte da Coroa que desejava manter a colônia como sua produtora agrícola e consumidora das suas mercadorias. O comércio de vulto era reservado às companhias privilegiadas e aos comerciantes portugueses. A Coroa portuguesa passaria à execução de um plano de controle das capitanias e vilas e criaria novas vilas para abarcar a população rural dispersa. (REIS, 1969, Pg. 196). população que se insto/ou nos minas linho um tipo novo de distribuição. Trotovose de uma população de altíssimo índice de urbanização. Praticamente lodo elo eslavo concentrado nos núcleos urbanos. O custeio do produção era feito em moeda-ouro no meio urbano, provocando o instalação de inúmeros servi- 7 8 '/'\ ços (vilas, esl radas, emigração ele que ficavam como sald o posilivo) e o ins!alaçõo de um amplo mercado urbano, abas!ecido por áreas longínquas". (REIS, 1969, Pg. 109). Salvador cresceu e, devido às enormes dificuldades que enfrentava a lavoura, a partir de 1873 deu-se enorme deficiência no abastecimento das cidades em todos os gêneros alimentícios. "Manifestou-se nos onnos seguintes, o falto de cereais proveniente do irregularidade dos estações, importando-se por muito tempo até do estrangeiro, o que agravava os penosos circunstoncios do lavoura e de todos as classes sociae'~ (CALMON, 1923, Pg.1 08-1 09). Com toda a produção voltada para a exportação, o meio urbano era alimentado por excedentes do meio rural chegando o seu mercado a sofrer pela falta de produtos básicos. Incrementava-se a agricultura de subsistência, com os moradores fugindo da inconstância do abastecimento. Tal precariedade de abastecimento levou algumas famílias a se instalarem em chácaras na periferia, onde haveria terra para plantar o que necessitassem. "Mas a busca de uma condição de outo-suháêncía por porte dos moradores dos núcleos urbanos, ainda que não fosse suh"ciente para livrá-los completamente dos Inconvenientes da dependência da produção rua~ bastava para acentuar a precariedade do mercado, - roubando uma parcelo substancial 69 SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização do mesmo - e para estabelecer vínculos daqueles moradores com o meio rural e com o sistema serv1~ levando os mais abastados o transformarem em habitantes de chácaras no periferia/~ (REIS, 1969, Pg. 97). Esta crise no abastecimento fez com que as famílias, às quais fosse possível, tendessem à procura de quintais mais vastos onde pudessem praticar a agricultura de subsistência. (REIS, 2000). Adensavase a periferia da cidade de Salvador. A península itapagipana teria se tornado, em meados do século XVIII, lugar de veraneio e vila pesqueira, conglomerando igrejas de relevância para a fé católica baiana. Estes arrabaldes contavam uma ocupação esparsa, pincelados de residências religiosas, residências de veraneio, chácaras para as famílias baianas mais abastadas além das pequenas casas de pescadores. Na segunda metade do século XIX, afluía para a península uma população em busca das virtudes do estar próximo do mar e envoltos de ares mais puros, capazes de aliviar angústias e acalmar as novas ansiedades criadas pela cidade apinhada. A população afluente buscava o prazer do retiro, do refúgio confortável e compensador. A cidade adensada teria se tornando escassa em produtos alimentícios além de insalu bre. A burguesia buscava nova morada. Para a cidade a população convergiu e concentrou-se por fim expandindo os seus limites. A abertura dos portos e a indústria nacional No final do século XVIII, em virtude da assinatura do Alvará de 5 de janeiro de 1 785 por D. Maria I, a indústria brasileira passou por um período extremamente negativo. Este Alvará tornava terminantemente proibido que aqui fossem construídas novas fábricas. A medida adotada pelo governo português visava domar o crescente número de estabelecimentos industriais na colônia para que a sua produção não interferisse no comércio e nos interesses portugueses para com o resto da Europa. Também se mostravam temerosos de que a indústria brasileira suprisse a carência da colônia e esta deixasse o seu papel de consumidora dos produtos que ditavam aqui entrar. Desejavam incentivar a lavoura, não a indústria. Também no alvará de 5 de Janeiro mandavam-se extinguir todas as manufaturas de ouro, prata, seda, algodão, linho e lã porventura existentes no território brasileiro. 7endo em visto o grande número de fábricas e manufaturas que desde alguns anos se teriam c!Jfundido nos capitanias do Brasil com grande prejuízo da cultura de lavoura/ e a pequena população existente neste estado/ proibia o existência de fá70 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização bricas de tecidos finos e bordados. Este Alvará que protegia e contentava os empreendimentos ingleses e reservava à Inglaterra uma praça onde eram vendidos seus produtos industrializados somente foi revogada em 1808/ a 1Q de abn~ pelo príncipe regente D. João/ futuro D. João Vl quando chegou ao Brast1 fugindo das tropas francesas que invadiram Potiugar (NASCIMENTO, 1997, Pg. 12). Mesmo às plantas aqui cultivadas não se permitia haver concorrentes às cultivadas em Portugal, não se podia por aqui plantar castanheiras, oliveiras ou outras quaisquer similares. A concorrência que a colônia oferecesse aos produtos do reino era prontamente cerceada. Assim era rigorosamente proibida/ nas possessões ultramarinas/ a produção de atiigos que pudessem compelir com os do Reino. A intolerância portuguesa chegou a vedar o uso até mesmo de fogos de artifício fabricados na colônia. //0 exemplo mais frisante da intolerância de Potiugal eslava na proibição de quaisquer manufaturas/ salvos apenas os grosseiros tecidos de algodão. Esta med1da/ adotada em 1785/ é a satisfação dada aos industriais e comerciantes do Reino/ que pela voz do vice-Rei do Rio de Janeiro/ Marquês de Lavralio/ se queixavam dos prejuízos que lhes causavam as fábricas e os teares da colônia... //(PRADO, 1947, Pg. 66). Não convinha aqui se fizessem grandes feitos que não fossem somar lucros para Portugal. Estava na base das idéias mercantilistas que a metrópole e a colônia deviam completar-se reciprocamente, isto é: à colônia estariam reservados os papéis de produtora de matéria-prima e consumidora dos produtos industrializados; ia de encontro aos interesses de Portugal qualquer movimento que ameaçasse o seu poder. Alegava-se que/ lendo os moradores da colônia/ por meio da lavoura e da cultura/ tudo quanto lhes era necessário/ se a isso ajuntassem as vantagens da indústria e das orles para vestuário/ 'ficarão os ditos habitantes totalmente independentes da sua capital dominante'. (HOLANDA, Pg. 107-1 08). Cuidava-se para que não ocorresse a Independência politico-administrativa brasileira. De acordo com PRADO (1947), a vinda da família real para o Brasil teria sido forçada pela Inglaterra numa manobra diplomática de absorção econômica do reino Lusitano, concretizada com a abertura dos portos e o Tratado de 181 O. Afinal, seria grande a fatia de mercado que abocanhavam, pois o comércio com o Bras1~ que a abetiura dos potios em 1808 e o Tratado de 181 O hzeram passar para a Inglaterra/ representava nada menos que nove décimos de lodo o comércio externo potiugês/~ (PRADO, 194 7, Pg. 89). 71 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Ao dia 1º de abril de 1808 foi revogado o Alvará de 5 de janeiro de 1775, que proibia a fabricação no Brasil de tecidos e bordados de algodão e outras matérias. Decretavam-se estarem abertos os portos do Brasil. Com o permissão para o fundação de indústrias, algumas delas surgiram . São escassas e imprecisas as informações sobre os primeiras indústrias têxteis no Brasil. Algumas fontes forneceram a doto de 1808 e 1813 como início desta atividade com um cunho mais efetivamente industrial. Segundo Heitor Ferreira Lima, entre os anos de 1822 a 1841, 14 fábricas somavam-se no território nacional, boa porte deste número eram fábricas de tecidos. Em 1816, por um suíço, fundava-se no cidade de Cachoeira, recôncavo baiano, a primeira fábrica de rapé da província para o fabrico de fumo de caráter industrial. Os seus produtos ganhavam fama internacional e passavam a pertencer à firma Borel e Cio. Seguia-se, na mesma cidade a fundação de uma segundo fábrica de mesmo gênero em 30 de agosto de 1838, por Manoel de Vasconcelos de Souza. (CALMON, 1923, Pg.80). -- Imagem 3 1 : Fábrica Leite & Alves . FONTE: CEDOCDCHF-UEFS. Os banqueiros e comerciantes, fizeram se instalar na cidade de Salvador, a 13 de novembro de 1840, a Associação Comercial, com o intuito de defenderem os interesses do comércio e indústria em geral. Segue-se a esta iniciativa de cunho desenvolvimentisto a criação da Companhia para a Introdução e Fundação de Fábricas Úteis da Província da Bahia, em 1841 . Ambos foram criadas com iniciativa dos detentores do poder, e podem ilustrar o esforço despendido no sentido de fazer o comércio e a indústria no Bahia resistirem à crise econômica vigente. 72 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Também em 184 1, a família Rigaud arrendou o edifício onde funcionara o Engenho do Cabrito, para aí estabelecer uma fábrica de papel. "Projetada a fábrica de pae~ a lei provincial de 18 de Outubro de 1843/ concedia-lhe o privilégio exclusivo de manuftr/~ A fábrica teria funcionado até o ano de 1846, quando 1oaquim Alves da Cruz Rios e José Pereira de Souza/ já então extinta a anunciavam pelo 10ercanl!~ a venda /Companhia de Fabricas Úteis~ de todos os mecanismos e demais acessórios da dita fabrica de pae~ devendo/ quem pretendesse/ dirigir-se ao Cabrito/~ (CALMON, 1923, Pg.81-2). A Fábrica de Papel do Cabrito não resistira, como muitas outras, vindo à falência. O inquietante mal-estar financeiro refletia-se diretamente na praça e nas industrias . A crise havia se manifestado também ameaçadoramente na fábrica de tecidos de Valença, na do Engenho da Conceição e na do Queimado. Estas últimas resistindo por deterem poderosos elementos de dinheiro que as sustentavam. Até a primeira metade da década de 1850 a crise generalizou-se tomando o caráter de maior gravidade em virtude da peste da cólera que se espalhara. Vinte e nove mil vidas foram ceifadas. Imagem 32: Estação ferroviária da Calçada quando em obras. FONTE : FERREZ (1988). Em 1856 instalara-se na Bahia, e na Península de ltapagipe, uma filial da firma Leite &Alves do Rio de Janeiro. A sua fábrica de cigarros depois se engrandeceria, tornando-se a primeira do estado. Também a Fábrica de Tecidos Modelo, de propriedade de Manuel Luiz Pinto Coimbra, se estabeleceria no ano seguinte, 1857, na Rua da Valia. Em 1856 começam as obras da Estrada de Ferro ligando a Bahia ao São Francisco que, em 1860, inauguraria o trecho que ia da Calçada até a Baía de Aratú. Em 16 de setembro de 1860 tinha-se notícia do funcionamento de 71 ~- ,..------ ~\- SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização uma fábrica de chapéus pertencente à firma Bastos & Cio./ com cerca de 200 operórios/ lendo sido a primeira do gênero estabelecida entre nós. (CALMON, 1923, Pg.93). Na década de sessenta surgiam ainda que timidamente algumas fábricas e é grande o número de falências que sucederam com "freqüência e intensidade desanimor/~ como descreveu o relatório do Banco da Bahia, apresentado na reunião de Março de 1861 . Como se já não bastasse, à situação crítica que se esboçava, somava-se ao quadro dramático da época a eclosão, em 1864, da Guerra do Paraguai, para a qual foram enviados soldados que somaram a perda de mais de 18.000 homens à província. Em 1872 instalaram-se fábricas de tecidos em Valença e em Salva"\" M 11.\111.\ , , ,,S.\:\" ft ~; • " A. p Fl ~ : ~ ~ ~ · t sr o .,, •• IL\1 L\1 .\Y.t l -.. • -, 1 ~· •. '. s ru< "· \1 !:•et•ll••"' 1>-.•i 1.11 S : i r ~ o P < R ATIOHs OC r06 l R, 1860 \ '~ "' " "' M l < ~ ~ ~: :;.· ·- •, 01 11..1.. 1 1\ I ' fi., l .-~ Imagem 33: Mapa do estrada de ferro da Bahia ao São Francisco. FONTE: FERREZ (1988). 74 -'- \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização dor. Em 1873, fundava-se em S. Felix a fábrica de charutos de Geraldo Dannemann. Depois de tantas oscilações entre um estado que variava de mal a pior, a indústria na Bahia do século XIX marcava, neste mesmo ano de 1873, o início de maior crise que duraria até 1890. A moléstia da cana-de-açúcar era o fator chave contribuinte que, apesar da mudança das sementes e melhoria na sua qualidade, mantinha-se e arrematava esta fase difícil da economia baiana. (CALMON, 1923, Pg. 108-1 09). Em 1877, o presidente da Província reconhece não ser na Bahia onde mais primava a indústria brasileira. No entanto destacava, consoladoramente e na mesma fala, as atividades onde estava à frente de qualquer outra província do reino como, por exemplo, as fábricas de tecidos, de rapé, de charutos, de sabão, de chapéus, a refinação de açúcar e a fundição. (NASCIMENTO, 1997, Pg. 13). A partir de 1888, com a abolição da escravatura, a mão-de-obra para os trabalhos urbanos era substituída - trocavam-se os escravos pelos trabalhadores livres. Desde 1850, com o aumento gradativo do número de alforrias introduzia-se no mercado de trabalho trabalhadores necessitados em prover a sua subsistência (MATIOSO, 1978, Pg. 280). Os tecidos Como já se observou, é difícil precisar quando foi fundada a primeira indústria têxtil no Brasil. Sabe-se que a atividade de produção de tecidos, em escala artesanal, remonta há muito tempo, desde que se tornou necessário vestirem-se os colonizadores e colonizados aqui já se plantava algodão, teciam fios e panos. Mesmo quando em escala industrial, os tecidos produzidos no Brasil eram os rudimentares, de urdidura grosseira. Os tecidos de melhor qualidade restringiam-se aos importados de firmas inglesas, que tinham o monopólio. A praça supria-se em Manchester, Birmigham e outros centros industriais da Inglaterra. (CALMON, 1923, Pg.1 00-1 O1). Imagens 34, 35,36,37: Fábricas Têxteis Conceiçõo(34), Fiaes(35), e São Bráz(36 e 37. FONTE: CEDOC-DCHF-UEFS. Segundo CALMON, havia na Bahia, em 1872, as sete seguintes fábricas de tecidos; Todos os Santos, em Valença, propriedade de Pedroso de Albuquerque, tida como a maior do Império; Santo Antônio do Queimado, propriedade de Paulo Pereira Monteiro; Conceição, propriedade de Domingos Gomes Ferreira; Modelo, de Manoel Luiz Pinto Coimbra; São Salvador, de Antônio Francisco Ribeiro e a Nossa Senhora do Amparo, de Lacerda & Irmãos, também em Valença. Em 1873 foi criada a Bonfim, também chamada de Nossa Senhora do Pilar, ou ainda Progresso, fundada por Luiz Rodrigues D'utra, em sociedade com Francisco Xavier Catilina, no grande prédio sito à Rua do Gasômetro, esquina da Calçada do Bonfim . (CALMON, 1923, Pg. 107). NASCIMENTO afirmou que ainda em 1872 existiam mais quatro 75 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização outras: a Nossa Senhora da Penha, de Costa David & Cio.; a São Carlos do Paraguaçu, de Francisco Álvares dos Santos Souza; a 7 de Setembro, em ltapagipe, de Pedro de Albuquerque; e a Companhia Fabril dos Fiaes, de Archibald Mae Nair, em sociedade com o Comendador Anton io Loureiro Viana e José Joaquim Ribeiro dos Santos. Não se encontra na relação desta autora a Fábrica São Salvador. (NASCIMENTO, 1997, Pg. 30) . De acordo com estudos de SAMPAIO, ao fim do ano de 1875 somar-se-iam dez indústrias têxteis na Bahia: Santo Antônio do Queimado, 1834, no Largo do Queimado, em Salvador, de Monteiro Espinheiro Júnior Ltda.; Nossa Senhora da Conceição, 1835, no antigo Engenho da Conceição, em Salvador, de Domingos José D' Amorim; Todos os Santos, 1844, em Valença, de Bernardino de Senna Madureira; São Carlos do Paraguaçu, 1857, em Cachoeira; Modelo, 1858, na Rua da Valia, em Salvador, de Joseph Revault; Nossa Senhora do Amparo, em 1860, em Valença, de Bernardino de Senna Madureira; São Salvador, em 1870, no Largo da Fonte Nova, em Salvador, de Antônio Francisco Ribeiro; Nossa Senhora do Pilar, também designada Bonfim ou Progresso, na Rua da Mangueira, Freguesia do Pilar, em Salvador, de Luis Rodrigues D'utra e Francisco Xavier Catilina; Nossa Senhora da Penha, em 1873, Na Ribeira de itapagipe, Freguesia da Penha, em Salvador, de Costa, David & Cio .; São Braz, em 1875, na fazenda Plataforma, em Salvador, de Manoel Francisco D'Almeida Brandão e Antônio Francisco Brandão Júnior. Segundo o mesmo autor a Companhia Fabril dos Fiaes 79 se estabeleceu na Bahia em 1890, trabalhando com juta em detrimento do algodão. 79 Pode-se ve r os insta lações do Fiaes no Mapa Topogrophico de Salvador e se us Subúrbios, levantado por Carlos Augusto W EYLL. A doto presumida do mopo é de meados do século XIX. PINHO cita a elaboração de uma lista diferente desta. De autoria de Gonçalves Ferreira, difere em número, nomes das indústrias e em nomes dos seus proprietários. Segundo o autor as fábricas de tecidos do interior eram a Todos os Santos, cujo proprietário era, concordando com CALMON, o Comendador Pedroso; a São Carlos do Paragguassú, que pertenceria a Moreira Souza Oliveira e Cio .; a Nossa Senhora do Amparo seria pertencente a Lacerda& irmãos. As indústrias têxteis da capital : Modelo, seria pertencente à Coimbra & Cio.; a Santo Antônio do Queimado, pertencente ao Comendador Pereira Monteiro; haveria, de acordo com suas informações, a Conceição dos Mares, não relacionada pelos demais autores, propriedade de Ferreira Ramos & Cio.; a Nossa Senhora do Pilar, seria pertencente à Costa David & Cio. e não, segundo CALMON, de Catilina e D'utra, também designada de Bonfim ou Progresso. Para a Nossa Senhora da Penha este autor não cita proprietários; a Progresso ele diz ser de Catilina & D'utra; a São Salvador ele diz ser de Joseph Revant; e a São Braz de Brandão Lima & Cio. Como visto, há desencontros nas informações dos autores, o que 76 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização não nos deixa afirmar com maior segurança o número, o lugar onde se instalaram e os fundadores destas indústrias. Nos anos de 1890 a 1 891 às facilidades oferecidas pelo o Encilhamento - que emitiu papel moeda, facilitou crédito e alterou as leis de Sociedades Anônimas favorecendo o estabelecimento das industriais - se somaram outras medidas claramente protecionistas à indústria nacional: as isenções ou reduções de direito de importação para máquinas e matérias-primas, além da queda da baixo de câmbio elevando os tarifas alfandegários paro os produtos importados. Em virtude de tais encorajamentos, em 1890, todas os fábricas têxteis existentes em Salvador se fundiram em duas grandes sociedades anônimas: a Companhia União Fabril do Bahia, reunindo o fábrica Santo Antônio do Queimado, a nossa Senhora do Conceição, A São Carlos do Paraguaçu, o Modelo, o São Salvador e o nossa Senhora da Penha; e o Companhia Progresso Industrial do Bahia, reunindo a Fábrica Nossa Senhora do Pilar e o São Braz. A Empresa Volenço Industrial reunira os fábricas Todos os Santos e Nosso Senhora do Amparo80 . Segundo NASCIMENTO, o Companhia União Fabril da Bahia somaria também o Fábrica São João, no Porto dos Toinheiros, em ltopogipe, e, mais tarde, em 1918, o Fábrica Paraguaçu, sito ao Largo do Papagaio, também no Península ltapogipano. SAMPAIO afirmo que, em 1890, ter-se-io também fundado o Companhia Fabril dos Fioes, formado poro preporot; fiar e tecer juta, (CALMON, 1923, Pg. linho, algodão, e outros matérias têxeis/~ 132-133). 80 "A /Companhia Progresso Industrial da Bahia/ atravessou várias vicissitudes, revestindo e guardando os elementos de sua formação no potenloso núcleo da Plataforma e da Fábrica BonFim/ sita 'a rua do Gazômelro/ esqu1i10 da Calçada do BonFim e teve como seus primeiros diretores Antônio Francisco Brandão, o môço, e José Alves Ferreira. A /Campaniná União Fabril' resultou da fusão das fabricas N. 5. da Conceição/ Santo Antônio do Queimado/ S. Salvador, Modelo/ N. S. da Penha e São Carlos do Paraguasú/ em Cachoeir '~ (CALMON, 1923, Pg. 132). Em 1891 criou-se a Companhia Empório Industrial do Norte, de Luiz Torquínio, "baiano de espírito privt1egiodo e forço de vontade inquebrotóvl'~ que teria estudado meticulosamente o economia baiano, suo força de trabalho, suo dinâmico e assim idealizado o projeto do fábrica situado no Boa Viagem paro ser modelar em organização e grandeza. Imagem 38: Fábrica Têxtil Empório Industrial do Norte, na Boa Viagem. FONTE: CEDOCDCHF-UEFS. 77 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A Companhia Empório Industrial do Norte foi uma das 29 empresas fundadas na Bahia em 1891, das quais três eram têxteis. Em lugar de ter sido fundada de forma especulativo, sem um planejamento cuidadoso, a Empório, ao contrário, obedeceu a critérios e estudos de matéria-prima, produção e mercado. Pretendia-se nela produzir tecidos de algodão cru, pois o consumo desse artigo no Brasil, atingia 80 milhões de melros. A indústria visava alcançar 12 milhões de melros de produção total anual com matéria-prima preparada na fábrica ou adquirida no estrangeiro sob a forma de fios. Era intenção dos fundadores do Empório dispensar a proteção oficial do governo, o que, sem dúvida, era uma decisão extraordinária para a época em que foi fundada. De cunho inovador também foi a iniciativa de Luiz Tarquínio de construir uma vila operária para a habitação dos empregados da sua indústria têxtil e assim dar sentido ao seu lema de "conceder ao operório o que era de iuslça/~ 78 ' l \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A INDÚSTRIA NA PENÍNSULA 79 t \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização A TRANSFIGURAÇÃO as indústrias e as cidades Nos centros industriais europeus a idéia de mecanização da vida moderna fez dos fins do século XVIII e do século XIX, o momento de criação do meio técnico. Nesta atmosfera as indústrias ganham força, transformando o trabalho fabril numa febre de produção. São realizadas inovações nos campos da mecanização, do desenvolvimento tecnológico e da organização industrial, que proporcionaram modificações nunca antes tão claramente refletidas no espaço da cidade e no aumento da produtividade fabril. A sociedade se deslumbra com as possibilidades que se abrem diante do que pensavam ser a base de uma nova prosperidade, chegando a acreditar, como denota a apologia comteana do industrialismo, que "se tudo é feito pela indústria/ tudo deverá ser feito para ela/-fll. (COMTE 81 Tra dução da autora. apud BUCHANAN, 1972}. A cidade industrial do século XIX expressa o domínio da natureza pelo homem que, diante da produção mecânica, nela constrói condições artificiais de vida . Esta cidade, regulada e disciplinadora, acumula homens transformados, //despojados em parte de sua humanidade/: peças da engrenagem que faz funcionar esta grande máquina. A industria e a mecânica inserem na cidade novas noções de padrão, ordem, disciplina e repetição. Subordina-se a vida ao relógio e às engrenagens, aparatos criados pelo próprio homem que constitui e obedece a um tempo linear- também se artificializa o tempo . Instaura-se na cidade uma movimentação que é em função do trabalho e da produção industrial estando ela visível hora em primeiro plano, hora como pano de fundo: //o fluxo ininterrupto dos homens no trabalho/ dos homens se deslocando pelas ruas/ dos homens ocasionalmente fora do trabalho/ dos homens que tiram seu sustento trabalhando nas ruas/ dos homens que vagam recusando-se a trabalh01; dos homens que se mantêm através de expedientes pouco confessáveis: tudo é submettdo a esse olhar avlidor/~ (BRESCIANI, 1985, Pg. 39}. O aumento do poder físico que a humanidade angariou com as máquinas, introduziu o princípio da mecânica como regente da dinâmica industrial e urbana: a técnica acrescentou enormes potencialidades às capacidades humanas, as máquinas tornaramse as extensões inorgânicas do seu corpo orgânico. Somando o trabalho vivo à força inerte, o operariado ao maquinário, punham em movimento a forma ativa e a transformação constante. Sob a ótica comteana o trabalhador é um autômato e as máquinas, substituindo-o em muitas tarefas, o tornam dispensável, súdito do maquinismo. A máquina é constructo, instrumento e armadilha deste 80 \ homem; a técnica é sua criação e seu algoz: ~ fóbrica automática é um autômato imenso composto de numerosos órgãos/ uns mecânicos e outros conscientes ( ..). Nessas imensas oficinas/ a benfazeja potência do motor reúne em torno de si miríades de súdito/~ (URE apud MARX). Fundamentado na lógica de produção, movidos pela expectativa de recompensa ou pelo medo da punição o homem distancia-se de si mesmo e da completude dos feitos que poderia realizar, resume-se a sua potência criadora, restringe-se o vínculo entre o trabalhador e o objeto criado, de que sequer pode-se sentir criador. Com a organização do trabalho, cerne da produção dos tempos modernos, configu ra-se a mola propulsora do desenvolvimento econômico e da mecanização do mundo, a vitória sobre a natureza e a cristalização da idéia de progresso82 • O problema de acostumar o trabalhador a sistemas de trabalhos rotinizados, inexpressivos e degradados torna-se mais opressivo após a escrita do tratado taylorista, em 191 1, que influencia toda a produção mundial pela previsão de um aumento radical da produtividade do trabalho. A proposta de F. W. Taylor foi fragmentar o processo produtivo em gerência, concepção, controle e execução, além de decompor, neste último, a organização das tarefas de trabalho segundo padrões de tempo e estudo dos movimentos. Baseado claramente neste sistema de produção em larga escala, de cunho meramente lucrativo, onde os homens fazem parte das engrenagens, não tendo uma noção do resultado final do produto fabricado parte a parte pelas suas próprias mãos, faz-se uma crítica à desbragada produção em massa, que se desdobra na aniquilação da experiência83 , ou da perda da dimensão interna do conhecimento84. O trabalho chega ao trabalhador, que se encontra numa posição fixa e apenas executa, em movimentos curtos e sincronizados, a sua exaustiva função. A divisão do trabalho ocasiona a perda da noção de sua completude. SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização 82 "por que os homens têm que deixor os coisas continuarem sendo como sempre têm sido? Não é i6 o momento de o homem afirmar-se contra a arrogante tirania da natureza, de enfrentar os forças naturais em nome do 'livre espírito que protege todos os direitos?" (GOETHE opud BERMAN). Em Fausto (GOETHE, 1 770-183 1), já reside o germe do produção dos tempos modernos, em que o poder sobre a força de trabalho e o domínio sobre a natureza seriam capazes de transformar o mundo, em que a força capaz de reunir recursos moteliais, técnicos e espirituais serio capaz de constituir novas estruturas de vida social. Sobre esta obra de Goethe, a analogia feita por BERMAN é com o extraordinário impulso de expansão industrial vivido pelo Inglaterra desde os fins do século XVIII: homem versus natu reza. (BERMAN, 1982). 83 Como explicado por BÜRGER: "La experiencia se define como um coniunto de precepciones e reflexiones osimilados, que pueden volverse o aplicar o lo proxis vital· entonces se puede corocfenzar e/ efecto sobre e/ suieto de los 6mbifos socio/es porcioles diferenciados, motivados pelo progressiva división de/ traboio como diminuición de la experiencio. "(BÜRGER, 1974, Pg. 80) . Partindo da lógica de que produção em massa significa consumo de massa, Henry Ford introduziu a jornada de trabalho de oito horas e fez com que os operários estivessem mais dispostos e concentrados na linha de montagem, dispondo de tempo livre. Tornam-se também consumidores, no tempo fora do trabalho, dos produtos fabricados pelas corporações através de suas próprias mãos. Grande produção significa grande oferta: na sociedade industrial de consumo estão incluídos o impacto, a devoção e o culto à mercadoria. Frente à sensibilidade e perplexidade devotas diante das máquinas, do que elas eram capazes de produzir, da cidade contraditória e 81 SEGUNDA IMAGEM A Península e a m o dernização em constante transformação no sentido de tudo artificializar, criouse uma atmosfera de fascínio e medo onde o maquinismo gerou o sublimdl5 . Detenhamo-nos em delinear a reprodução deste conjunto de transformações na complexa especialidade da cidade: a era industrial elabora um projeto que é constitutivo de uma nova estética. Projetavam-se edifícios que deviam expressar e inspirar primordialmente o poder do capital, um poder "grandioso", "infinito" e "esmagador". Os avanços tecnológicos conquistados compunham uma lógica mecanicista que inevitavelmente se refletiu na construção destes edifícios e cidades. Os edifícios fabris que se desenhavam faziam uso do ferro, material que, com a revolução industrial, passo u a ser produzido em larga escala. Com o uso do metal em substituição à pedra e à madeira ganhava-se em espaço, economia e funcionalidade. Os vãos aumentavam e os andares se somavam uns sobre os outros. Grandes volumes, grandes espaços. Na fabrica, onde reina a funcionalidade, a economia e a limpeza de formas, o componente estético está em detrimento do técnico; esta é a nova estética. As novas formas, técnicas e materiais empregados fazem esta estética ser vista como uma das raízes da arquitetura moderna. A arquitetura dos engenheiros, voltada a atender interesses de maior economia e ganho de espaço, usada nas pontes e grandes estruturas onde o ferro é abundante, é a que se faz nos edifícios industriais. O projeto da fábrica é para atender ao melhor desempenho do trabalho dentro delas, para favorecer a produtividade. A partir deste desenho funcional constitui-se uma estética arquitetônica muito mais voltada para a técnica do que para resultados formais do seu uso. Usam-se na arquitetura os recursos fornecidos pela indústria, pelos novos materiais e pelas novas práticas construtivas. Resulta desta primazia funcional e econômica, o princípio do que viria a ser um rompimento com os métodos de construções do passado e o nascimento de uma arquitetura nova, onde a forma seria o resultado do que se pensa a partir da função. A arquitetura das fábricas marca esta primazia funcional, acompanhada pelas pontes em ferro e pelas novas tipologias das estações ferroviárias e dos grandes pavilhões, edifícios erguidos para abrigar o grande contingente humano que afluía para os centros urbanos. As linhas reguladoras que compõem a cidade determinam as relações espaciais que se travam dentro dela: dos edifícios entre si, dos edifícios com os homens e dos homens entre si naquela ambiência . A interação entre os moradores que vivenciam o espaço, o espaço que se torna diverso de si mesmo, neste momento acontece de uma outra forma. Os edifícios novos e os velhos se erguem, cada um fruto de um tempo distinto, evidenciando as suas diferenças e a sua concomitância, como se os tais tempos diversos se encontrassem na 84 A perda do dimensão interno do conhecimento associo-se o perda de porte da humanidade dos trabalhadores, odestituição do direito de criar: ~ perda da dimensão interna da conhecimento, a ciência da dinâmica, vinculada 'às forças e energias humanas inalteráveis, às fontes misteriosas do amor, do medo, da reflexão, do entusiasmo, da poesia e dareligião, lodos de caráter vital e infinito, configuro-se fatal para o homem. Atado à ciência da mecânica, linha seus horizontes reduzidos à dimensão finita e à reprodução do que havia nessa dimensão, motivado somente pela expeclolivo de recompenso ou pelo medo do punição'~ (BRESCIANI, 1985, Pg. 48). as Segundo BRESCIAN I (1985), su blime é tudo que, por reunir uma série de qualidades parti culares, desencadeie uma reação de impacto emocional violento. "Sem dúvida, o experi- ência estético do sublime foi proporcionado, no campo da orquilelura, pelos máquinas, fábricas, laias, armazéns, viadutos, usinas geradoras de gás, asilos de loucos, prisões, estações ferroviários, túneis e pelo monótona uniformidade das extensas séries de casos construídos poro os trabalhadores_- e, no plano da potencialidade lransformodora e assustadora do homem, pelos multidões em movimento, pelo tráfego contínuo de veículos, pelos bairros operários e pelos canteiros de construção de grandes obras públicos". (BRESCIANI, 1985, Pg. 42). 82 L - SEGU NDA IMAGEM A Península e a modernização materialidade da arquitetura urbana. Contraposição. Confronto. Tautocronia. Como cada indústria, toda a cidade divide-se em partes. Bem posicionada, cada parte liga-se ao todo, em ruas ou corredores retilíneos, bem iluminados, 'embelezados', sem sujeira e sem resíduo no transcurso. Urbe, fóbrica : reina a ordem, rumo ao progresso. A cidade e a indústria devem funcionar. Em se tratando da península, não veremos esta funcionalidade como algo reducionista e fechada em si, como talvez pensasse um funcionalista ingênuo, mas como algo que se soma à complexidade da história urbana. Um momento de acréscimo, somado às permanências, torna a sua história ainda mais rica. A pergunta não é' a que serv~ mas' como neste lugar se vive/ e' que relações nele e a partir dele se estabelecem' no decorrer dos vórios tempos. Inquirindo sobre cada um (cada tempo é um momento), teremos uma colagem dele inteiro (todos os tempos dispostos e sobrepostos somando um), o que revelaria uma idéia que amalgama a materialidade da história urbana. Esclareceremos a conformação e constituição da península passando pelas vórias funções e papéis que ela assume no decorrer da sua história. Passamos como que focando e desviando para assim chegar à ela, antes de qualquer função que a mesma tenha desempenhado, e reproduzi-la em uma imagem densa e abarcadora. Vejamos também o seu abandono enquanto lugar da produção industrial, não como degradante, mas como o congelamento de um solo fértil, que estó repleto de sementes, de pistas, de vestígios e sinais do processo de industrialização por que passou. Como algo cristalizado de uma vida remota, que pulsa e, calado, anseia por ser redescoberto enquanto fato urbano. a península - mudança de escala e função De que forma então as linhas duras da lógica industrial, calculadas para funcionar como uma grande engrenagem, se conformam espacialmente no território da Península de ltapagipe? Como se reproduziria esta linguagem no concreto da cidade e desta parte dela, seus edifícios, ruas, cheios e vazios? E de que forma se inse riam numa existência de caróter diametralmente oposto? Imagem 39: Panorama fotográfico do Ponto de Humoitó com o forte de São Filipe à esquerdo. FONTE: CEAB. 83 \ SEGUNDA IMAGEM A Penfnsula e a modernização O bairro do tempo livre, lugar de pesca e veraneio, da produção em pequena escala e dos estaleiros, teria se metamorfoseado em lugar do trabalho, da ocupação industrial. O lugar de repo uso retesa-se. Aos antigos pequenos casebres se contrapõe uma escala grandiosa e intimidante que certamente produzia sensações de temor, hesitação e devoção, induzindo os moradores à submissão. O relógio da estação, os trilhos, a velocidade, as fachadas das casas coladas e repetidas, as chaminés e os grandes volumes transformam a paisagem de antes. O ritmo em que se repetiam as pequenas casas dos trabalhado res também induziam à sensação de sublime, o sentimento de que estavam presos ao decorrer linear do tempo, de que estavam atados à uma cadeia . Mais do que presos a um novo ritmo de correr do tempo demarcado pela sirene da fábrica, estes trabalhadores urbanos estavam presos às cadeias de trabalho e ao jugo das classes dominantes, ao olhar vigilante do patrão. Também se aprisionavam os patrões, //atados à concepção mecânica do mundo /~ envoltos em vigiar, produzir e lucrar. Imagens 40, 41 e 42: Imagens d o Península enquanto balneário e vila pesqueiro. Penha, Porto dos Toinheiros e Bogorí. FONTES: respectivamente, CEAB, VELHAS FOTOGRAFIAS E CEAB. //Na Penha existiam estaleiros para a construção de grandes embarcações ou de fragatas. No sítio do papagaio encontravam-se os alambiques para destt1ar a cachaça/ e numerosos lugares onde se encontrava o pescado. No Porto do Bonfim havia uma fábrica de vidros e nesta freguesia/ durante o século XI~ instalaram-se algumas das primeiras fábricas de tecidos. Na R1beira de ltapagipe o povo podia atrves~; em barca/ de um lado para o outro/ procurando a terra firme do subúrbio/ sendo animais também aceitos neste precário meio de transporte. A Penha dirigiam-se os romeiros em busca da capela do Bonfim/ demonstrando sua devoção nas esmolas generosas/ cera e azeite/ contnbuindo para o patrimônio da igreja. Junto a esta surgiram as casas dos romeiros/ todas iguais/ que lhes serviam de agasalho/ no tempo que passavam em local tão longínquo da cidade //. (NASCIMENTO, 1986, Pg. 33). 84 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A citação acima nos ajuda a esboçar uma imagem da península e da concomitância de ambiências que nela se deu ao longo do século XIX: a fábrica, a barca, a igreja, os animais que dividiam A coexistência com os transeuntes o 'precário meio de transpoe'~ do mundo de hábitos litorâneos, do mundo do trabalho e do mundo das práticas religiosas se evidencia nesta passagem. A transfiguração desta área acontece na sucessão de sobreposições de um mundo ao outro, sem que quaisquer dos anteriores fossem anulados; a riqueza espacial que nela há advém desta simultaneidade. Os processos históricos por que passa a cidade aí se refletem e materializam. A península pode ser entendida como uma imagem de Salvador, como o outro da cidade que a revela, um fragmento do espaço-momento que se complementam, se constroem no tempo, consolidando e guardando em si os fatos e os germes da cidade. Mudaram não só o aspecto do território e as atividades que nele se desenvolviam, mas também a maneira pela qual se desenvolviam estas atividades. Mesmo que antes, desde a fundação da cidade, aí na península se realizassem atividades produtivas, estas se estruturavam numa forma de produção de caráter "familiar", identificada com as matrizes do patriarcado. Nas velhas corporações européias não existiam patrões e operários, mas mestres e aprendizes que em alguns aspectos se tornavam parte da família, parti lhando das mesmas privações e confortos . Poderíamos identificar na península indústrias de pequena produção e caráter familiar que estabeleciam relações de trabalho comparáveis a estas. No entanto, a indústria moderna em geral e a indústria moderna também existente na península, determinam relações de trabalho distintas desta. Imagens 43, 44 e 45: Imagens da Península enquanto território industrial. Galpões da via férreo, trabalhadores baianos do início do século XX e Fábrica têxtil em funcionamento e Vila Operário da Boa Viagem, do Companhia Empório Industria l do Norte . FO N TES: DANTAS LÉ, DANTASLÉ E CEDOC-DCHF-UEFS. "Foi o moderno sistema industrial que, separando os empregadores e empregados nos processos de manufaturo e diferenciando cada vez mais suas funções, suprimiu a atmosfera de intimidade que reinava entre uns e outros e estimulou os antagonismos de classe. O novo regime tornava mais fáo~ além disso, ao capitalista, explorar o trabalho de seus empregados, a troco de salários ínfimos'~ (HOLANDA, 1936, Pg. 142). 85 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A segregação a que se deu início não acontecia, como pode ser visto, só espacialmente. Ela também residia na cada vez mais nítida distinção entre as classes sociais, entre os patrões e empregados. Porém, como não podia deixar de ser na Bahia, que até os dias atuais sustém e nutre o coronelismo mascarado de paternalismo, a exploração do trabalho fabril se deu numa atmosfera de proximidade familiar. Nas relações de trabalho a indústria moderna fantasiou-se de arcaica. Imagens 4 6 e 4 7: Residências coexiste ntes no Peníns ul a. FONTE: Arquivo particu lar do autora. A regularidade do erguer das casas para os romeiros se tornara muito mais recorrente com as habitações proletárias que se multiplicavam em todo o correr do século XIX. A península de então concentrava habitantes disciplinados pelo ritmo do trabalho fabril, pelas engrenagens mecânicas, pela geométrica disposição regrada das máquinas tanto nas fábricas quanto nas suas casas que adensavam o bairro. O ARRABALDE INDUSTRIAl a segregação espacial No decorrer do sécu lo XIX a ocupação rarefeita dos arrabaldes da península itapagipana torna-se adensada e, ao caráter de lugar das atividades ligadas à pesca, das vilegiaturas, sede de igrejas e casas de campo, soma-se e mistura-se a idéia de subúrbio moderno industrializado. Os seus recantos, agora mais densamente ocupados, deixam de esconder os escravos fugitivos como antes. Revelam-se numa intenção de claridade, regularidade e repetição . A península, aprazível e tranqüila, consolidada, ao longo do século XVIII, como distante lugar de descanso, torna-se uma zona complexa concentrando-se no seu território atividades de características contraditórias. Se para essa freguesia/ retiravam-se pessoas necessitadas de repouso, neste momento converge uma população com feições diversas das de antes: para aí aflui uma grande leva de trabalhadores, gente de parcas posses, dispostos a servir de mão- 86 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a mod ernização de-obra para as indústrias. Registros atestam ser a península a área onde uma grande parcela da população pobre de Salvador foi-se instalar. Esta transição, que marcaria o momento em que a área se transforma, certamente ofereceu cenas cu riosas onde se explicitavam as diferenças sociais entre a classe que era expulsa e a que a substituía. Veja-se a cena descrita por um viajante no livro de NASCIMENTO: //Voltando aos viajantes e suas observações sobre a cidade de Salvador; recolhemos: /Entretanto/ combinou-se uma mudança para o Bonfim. Fui em /cadeir~ as cortinas pregadas de alfinetes/ com a recomendação de não abri-los pelo curiosidade de ver as ruas/ de sorte que nada vi nessa passagem. A casa por meu tio tomado era na ladeira do Porto do Lenho. A casa não era má/ todos as outras/ porém/ ordinárias e habitodas pela ínfima plebe/ o que tornava triste o locar (NASCIMENTO, 1986, Pg . 38). Há também, já em meados do sécul o XIX, referências de chácaras dos mais abastados comerciantes da cidade que para aí afluem em busca de novos e puros ares, fugindo do adensamento e do amontoado de detritos com os quais, por esta altura, já padecia os anti gos centro e bairro da praia. /Há então grande procura de casas e até as mais humt1des ficam atulhadas de gente da cidade que prazerosamente abandona suas residências para mudar de ares e gozar dos delíci(KIDDER apud VILLAÇA, 1998, as de uma casa de campo/~ Pg.210). Não eram só os abastados que procuravam melhores ares e mares onde viver o u passar temporadas "fora" da cidade . O modismo deve ter nascido e influenciado também a população de mais baixa renda. Como pode ser lido na citação acima, o território de lazer já agrega em si gentes de diferentes segmentos socia is. Além dos pra zeres da estadia à beira-mar, as festas religiosas e populares também reúnem ricos e pobres, va le lembrar que as festas acontecidas na península são de extrema importância no calendário religioso e sincrético baiano86 • Note-se que a mistura das classes sociais existia e desagradava aos mais afortunados, assustados e desejosos de que fossem mantidas as distâncias e diferenças confortáveis a si mesmos. Seg undo MATIOSO, a criação de novas atividades permitiu que se fixasse nestas paragens uma mão-de-obra que pouco a pouco foi expu lsando os antigos ricos comerciantes que aí residiam ou possu - 86 Segue uma interessante descrição do Festa do Bonfim, onde os baianos, negros vestidos de bronco, lava m com águas de cheiro e flores os escadarias do Igre ja , impossi b il itados de adentrá-lo: "Xavier Marques, falando do festa do Bonfim nos deixou uma descrição encantadora: 'os apitos dos condutores de bonde lnlovom em baixo no estação. Aos carros vazios que partiam sucediam-se novos comboios trazendo do cidade mais gente portadora de cera, o ouvir missa e pagar promessa. A devoção não lhes reprimia o grilo de folgar. Eram raparigas do plebe, de saio e forço, orgolões de perchibeque nos orelhas, negros lilinlonles de cordões de ouro e figos de pro/o: cofoiesles, rufiões, malandros chosqueodores que levavam no sítio sagrado um tonto de alegria e solocidode pagã". (MATTOSO, 1978, Pg. l88). Festividades como esta fazem parle do universo do península e se cristalizam no memória individual e coletivo dos baianos como elemento intrínseco. Esta descrição de Xavier Marques, embora escrito em fins do século XIX descreve a natureza da festa, que a caracterizo de uma formo otemporal. 87 SEGUNDA IMAGEM A Península e a mod ernização íam suas casas de veraneio. A freguesia da Penha passa a se caracterizar por uma atividade econômica industrial e os seus habitantes fazem parte desta caracterização: 'Uma vez ultrapassadas as linhas que limitam o bairro dos Aflitos1 o bairro de Nazaré, o bairro do Barbalho e o bairro da Soledade que coroam a cidade na parte da terra firme, abremse caminhos que levam para o Rio Vermelho e para Brotas/ em direção de /tapagipe também. Assim1 duas outras freguesias, a da Penha e de Brotas1 geralmente englobadas entre as freguesias urbanas de Salvador; ficam fora de seu perímetro. Freguesias que se caracterizam ou por atividades de caráter nitidamente rural e por uma população rara1 como é o caso de Brotas1 ou pelo contrário1 por uma atividade econômica industria~ portanto modema pois afora os tradicionais estaleiros da Ribeira, e de vários engenhos de açúc01; e a freguesia da Penha que elegem sede às fábricas têxteis e outras manufaturas de produtos alimentícios1 de espirituosos e outros 11• 1 1 (MATIOSO, 1978, Pg.179}. Em decorrência da força da indústria na península, principalmente a têxtil, há uma rearticulação de atividades e caracteres dos novos bairros em toda a cidade de Salvado r. A aristocracia baiana concentrava-se no bairro da Vitória, mais ao Sul do perímetro urbano, e os bairros de veraneio tornam-se a Barra e Ondina 87 . No século XVI/l entretanto/ como a parte norte da cidade era é provável que houvesse alí mais ricos. Desde maior que a su~ então1 a parte norte continuou sendo maior que a su~ mas as descrições det:mm cada vez mais clara a tendência de segregação dos mais ricos ao sul. ( ..)A Vitória1 cada vez mais mencionada como bairro e não como arrobo/de semi-rua~ consolidou-se como primeiro bairro aristocrático. Ao mesmo tempo iniciou-se o declínio do centro, de Monf Serra!, da Penha e do Bonh'm (todos ao norte) como bairros residenciais das elites. ( ..) Com isso, aos poucos a extremidade norte da cidade h'cou cada vez mais popular e a su~ cada vez mais aristocráti11 Imagem 48: Residências de trabalhadores em uma avenida da Península de ltopogipe. FONTE: Arquivo particular do autora. 87 CARDOSO afirmo que enquanto o Penha se proletorizovo Ondino viria o ser tomada de empreendimentos do tipo 'cidade balneária', encorajados pelo Prefeitura Municipal que, poro construções que fossem servir a este fim, concedia liberações de impostos por períodos d e até 1O anos. (CARDOSO, 1991, Pg. 84). 1 ca'~ (VILLAÇA, 1998, Pg. 21 0}. Uma parcela dos antigos moradores da Península de ltapagipe, os abastados da sociedade baiana, é substituída por um número crescente de operários que levantam suas casinhas ou ocupam conjuntos edificados por senhorios ou industriais. O bairro da Vitória tornou-se o lugar para onde se dirigiam os ditos expulsos, proprietários em sua maioria, das indústrias que a esta altura se implantavam na península. Para ilustrar a enorme distância que separava o bairro nobre da Vitória do sítio industrial da Península ou qualquer outro bairro de Salvador, veja-se a citação de PINHO: 88 \ ...l. _____\_____ ~- SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização ''No Rio os bairros se equivalem, apresentando, cada um deles, uma vantagem qualquer sobre os outros. Na Bahia, porém, as vantagens parecem-se concentrar todas num único bairro, de modo a não deixar dúvida, ao estrangeiro, quanto à escolha da localização de sua residência. No Morro da V!'tória encontram-se os mais belos jardins da Bahia, as mais encantadoras alamedas e as mais vastas extensões de sombra. Aí se acham também as melhores casas, o melhor clima, a melhoróguascid'~ (PINHO, 1944, Pg. 39). Distinguiam-se e re-caracterizavam-se o bairro operário e o bairro nobre da cidade, deixava-se na lacuna entre eles um imenso e nítido abismo que persiste e se acentua nos dias atuais. Enquanto o bairro da V!'tória se aristocratizava, o bairro de ltapagipe se proletarizava, mas a históna dessas expulsões e apropriações nos é ainda desconheoda. O fato é que a península de ltapagipe jó se integra plenamente com a cidade do Salvador; quando, na segunda metade do século XIX linhas de transportes terrestres e marítimos ligam a paróqu1a da Penha com as paróquias do centro da cidae'~ (MATIOSO, 1978, Pg.1 79). 11 Com a introdução, a partir da segunda metade do século XI~ dos transportes coletivos, alcançava-se o Bonfim mais facilmente. A península de ltapagipe, mais do que ligar-se à cidade de Salvador, neste momento passa a ser organicamente parte constituinte dela, guarda-se como porção diversa das demais, configura-se como o lugar onde se constituía o Sítio Industrial da capital baiana, de atributos modernos. Resta-nos inquirir em que implica esta modernidade. Ao final do mesmo século XIX ocorre a confluência de atividades de cunho moderno para esta área da cidade. A península de ltapagipe abrigaria, desde então, atividades simultâneas e de naturezas diversas, ganhando também modestas vestes de proletariado. A antiga burguesia residente divide espaço e aos poucos cede lugar à nova atividade sobrepujante, a indústria. O espaço do ócio dividese e conflito-se com o espaço do trabalho. Mudaram-se os antigos ricos residentes por que transformou-se o espaço, concentrado de indústrias e operários. A península, espelho da cidade impregnada de história, torna-se moderna, mecânica, maquínica. 89 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização a via-férrea e os transportes mecânicos ''No dia 1Qde Setembro de 1858, haviam começado os trabalhos da Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco e em 28 de Julho de 1860 fôra abetio ao trânsito a pode construída da Jequitaia a Aratú, à Feira Velha e à Pitanga, e a última em 31 de Janeiro de 1863, de Pitanga a Alagoinhs'~ (CALMON, 1979, Pg.99} .88 As estradas de ferro brasileiras se estenderam sobre o traçado das antigas estradas reais ou estradas geraesB9, entradas pelo território adentro feitas pelos bandeirantes com o intuito de conhecer e povoar os interiores da colônia. Sobre a antiga Estrada das Boiadas, caminho que conduzia os rebanhos do interior para a capital, se implantou a Estrada de Ferro da Bahia ao São Francisco, em Salvador. Pode-se imaginar o contraste desta substituição: os bois pelos vagões de trem, os caminhos descalçados pelos trilhos metálicos. Por indicação do sítio foi escolhida a planície da península como ponto de chegada da estrada na cidade de Salvador. A Estação Ferroviária da Calçada fica na linha limite que separa a Península de ltapagipe do conjunto alto/baixo do centro da cidade, logo mais adiante. A estação está no istmo, na justa e breve transposição cidade/arraba lde90 , na porta. difíCJ1 topografia da cidade, decorrente da existência de uma pronunciada falha geológica entre o seu podo e a maior palie das suas freguesias urbanas determinou que a estação ferro viária se instalasse iustamente no istmo da penísula '~ (CAR~ DOSO, 1991, Pg. 129). 88 Segundo ZORZO, os obras do Estrado de Ferro do Bahia ao São Francisco teriam sido iniciados em 24 de maio de 1856, e o seu primeiro trecho, a té o estação de Arotú, inaugurado em 28 de junho de 1860. 14 coro Estrado de Ferro do Bahia ao São Francisco foi o pnineiro do Bahia e o terceiro do Brasil. As primeiros iniciativas doiam de 1852, quando o governo provincial se inclinou o concedet; à 'Junlo do Lavoura e outros proprietários' que formavam uma companhia, o construção do estrado de ligação de Salvador (enlão Bahia) ao Rio São Francisco no cidade de Juazeiro. Eslo concessão, após ler sido passado o outros mãos, por duas vezes, em 1855 foi transferido à ' Bahia ond Son Francisco Rotlwoy Compny~ com capital de 16.000:000$000, instolodo em Londres '~ (ZORZO, 2001, Pg . 79) . 89 Ainda segundo ZORZO, em obro intitulada "Ferrovia e rede urbano no Bohid' os estrados abertos pelos bandeirantes eram chamados tonto de "estrado reais" quanto de "estrados geroes" . (ZORZO, 2002, Pg.48). 90 / I A contraposição é feito, apesar do foto do Península de ltopogipe já ser porte do cidade de Salvador o este tempo, como referência ao modo de fa lar dos peninsulares que, até mesmo os dias de hoje, se referem ao centro do cidade de Salvador como 'o cidad e'. Este foto poderio ser lido como um indício de que o península é tido como o outro do cidade, algo que está foro dela. Imagem 49: Estação Ferroviá· rio do Bahia ao São Francisco, no bairro do Calçado, Penín· sulo de ltapogipe. FONTE: CEAB. 90 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Foi de grande impacto a introdução da velocidade neste arrabalde balneário, que a esta altura a península ainda era. Em seguida aos transportes interurbanos, os transportes urbanos também se estendiam até aí, com linhas regulares ligando a área ao centro da cidade. O projeto da Estação Ferroviária da Calçada pode ser lido como uma conjunção de partes dissonantes. Fachada-Circulaçãolaterai Hangar-Coreto. A fachada se desenha numa expressão de massa e consiste em um corpo ritmado no andar de cima pelas grandes aberturas das janelas, e no andar de baixo por pilares com base e capitel que rebatem da circu lação que envolve o edifício no seu corpo principal. Lateralmente as circulações decorrem numa sucessão de pilares metálicos com elementos decorativos conduzindo ao embarque que, nos dias atuais, se dó na parte de traz do con junto. A parte central da fachada que se divide horizontalmente em duas e verticalmente em três sutilmente avança em relação ao resto do edifício e é onde, na reforma que mais tarde vem a sofrer, se situa o relógio, peça tão marcadamente indispensável nos edifícios ferroviários. Imagem 50: Estação Ferroviária da Bahia em imagem semelhante à anterior. Provavelmente de mesma autoria. FONTE: VELHAS FOTOGRAFIAS. Imagens 51, 52 e 53 : Estação Ferroviário da Calçado nos dias atuais . Fachada principa l, ovorondodo e emborque. Aurorio de Rejone Carneiro. FONTE: Arquivo particular da autora. Interiormente o edifício de único vão alude à Caixa Econômica da Agência de Correios, projeto de Otto Wagner, em Viena, 1904. Apesar do edifício de Wagner ser posterior e mais arrojado que o edifício em questão, ambos têm em comum um vão interno com iluminação zenital, a ritmicidade marcada na estrutura densa em número de pilares e leve na expres são das treliças metálicas com cobertura em telhas de vidro, aberturas que permitem a entrada de luz e ventilação em toda a extensão do hangar - no caso da Estação Ferroviária a ventilação é possível através de elementos decorativos vazados. Quando recém-inaugurada e, podemos assegurar, pelos registros fotográficos estudados, até o ano de 1912 a aparência da Estação era bem rudimentar, sem rebuscamentos ou supérfluos além dos discretos ornamentos metálicos na terminação dos pilares da circulação e as volutas de inspiração Art-Nouveau do coreto que até Imagens 54 e 55: Estação Ferroviário do Calçado e Caixa Econômica de Wagner, em Viena. Aproximações formais. FONTE: Arqu ivo particular do autora e FRAMPTON. 91 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização então se encontrava no jardim. Com o adensamento da reg1ao, à frente da estação, em área que anteriormente lhe pertencia localiza-se uma praça pública, sobre o corpo que se avança na fachada é disposto um enorme relógio e não há mais lugar para o coreto pré-fabricado 91 do antigo jardim. O relógio estampado na fachada da Estação testemunha e regula o tempo da rotina ferroviária. Tempo linear-tempo cíclico: o mesmo relógio marca a freqüência com que se poderia ir e voltar da cidade, com maior presteza e rapidez, usando os meios mecânicos. Em 786 ~ organizavam-se nesta cidade duas emprêsas para a construção de linhas de tramways serviços de bonde: a dos Coqueiros até o Bonfim e a da Cidade Alta/ da Praça do Palácio até a Victória as quaes se denominavam Vehiculos Econômicos e Transportes Urbanos~ {CALMON, 1923, Pg.1 0311 1 1 104). 92 91 De acordo com KÜH L, a arquitetura do ferro e das estações ferroviárias, sendo composta por elementos a serem unidos acabaram por estimular a pré-fab ricação de seus elementos em edifícios inteiros, empregando elemen tos estanda rd izados. (KÜH L, 1998, Pg. 67). 92 Conforme RUY, a empresa que faria a ligação por terra do Comércio até o Bonfi m era a Companhia Veículos Urbanos: Noquele mesmo ano de 69, em 12 de maio, o Companhia Veículos Urbanos que explorava o serviço de 'Gôndolas, inaugurava no porte baixo da cidade o serviço de bondes até o Bonfim, de sistema idêntico ao que Antônio Lacerda se propunho instalar no porte alto'~ (RUY, 1949, Pg. 588-9). 11 Imagem 56: Espera do bon- -"~ =,. - ~ de em frente à Estação Ferro. . .. __,_____.. viária da Calçada. FONTE : CEAB. Com os veículos do transporte urbano trafegando pela cidade-baixa, chegando até o Bonfim 93 , a península é propelida, e ganha nova trama , velocidade, cadência. A rede de comunicação estende-se ligando também a cidade-alta à cidade-baixa. O transporte vertical de pedestres e mercadorias era um problema urbano a ser resolvido. Todo o trânsito era feito a pé pelas íngremes ladeiras de Água de Meninos ou Brusca1 Pila~; Soledadel Cais Dourado ou Caminho Novo Tâboão Misericórdia Conceição da Praia1 Preguiça e outras. Vários eram os projetos de ligação entre eles. {PINHO, 1944, Pg. 41/42). 1 1 1 0 Governo ia procurando dar solução ao problema do trântendo concedido/ em 78 de maio de 7864 a sito de Salvdo~; Thomas Wílson e a Alexandre Messeder o privilégio de construírem sôbre a encosta ocidental da montanha linhas de comunicação entre a cidade alta e a baixa para transporte de carga e passageiros/ concessão pouco depois transferida ao Engº Antônio de Lacerda que1 em 786 91 solicitou e obteve a 11 1 1 93 Havia desde antes a ligação marítima Comércio-Jequi taiaBonfim, que levava passageiros em embarcações e atracavam na ponte do Po rto do Bonfim. 'f:l PONTE DO PORTO DO BOMFIM era feito sobre esteios de biribos, com pouco mais de 2 melros de largura e muito extenso. Podia ao largo do Podo do Bomfim, poro o mor, afim de nello atracar o vapor do Companhia Bomfim que conduzia durante o dia passageiros do cidade. Este vapor porlia do Commercio, locava em meio do viagem no Jequiloio e fazia lermo no ponte do Podo do Bomfim". (CARVALH O, 1915, Pg . 149). 92 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a mo dernização demolição do ió meio arruinado edifício da relação onde funcionava a Tesouraria Provincial para/ neste local instalar elevadores hidróulicos/ complemento do plano de transporte da capital ió aprovado pela Câmara Municipal com a licença dada ao referido Eng Lacerda para instalar na odade alta /uma linha de sistema americano/ correndo sobre dois tn1hos de meia polegada e ao nível das ruas vagons de passageiros ou de carga/ puxados por animais ou movimentadas a vapor/e que venceria o traieto entre a Praça do Palócio e a Barra/ tendo cada veículo capacidade para vinte pasgeiro/~ (RUY, 1949, Pg.588-9). No ano de 187 4 inaugurou -se o Elevador Lacerda, implantado pelo empresa 'Hoisting Mochinery'. Instalado em uma torre com decorações Art-Nouveou, subia do antigo Coso do Alfândega, hoje Mercado Modelo, até o Praça do Palácio Municipal. Em 1878, foram iniciadas as obras que tornariam a Ladeira da Montanha mais facilmente transitável. Apesar de íngreme e enlameado, era a rompa mais suave em relação às demais existentes. Em 1944, Péricles Madureiro de PINHO afirmaria ser esta ladeira a principal artéria entre os dois planos da cidade. (PINHO, 1944, Pg. 41-42). Em 1887, a sede da Companhia Linha Circular muda-se do Rio de Janeiro paro Salvador. Dentre os seus feitos, no cidade de Salvador instala o plano inclinado que, junto ao elevador Lacerda e à Ladeira da Montanha, viria o se somar na resolução dos problemas de transporte urbano e das ligações entre cidades baixa e alta. //Entre as realizações dessa companhia destacou-se a do Plano inclinado que descendo pela encosta da Montanha/ entre o fundo da Catedral e o Largo do Guindaste dos Padres/ viria constituir uma ligação entre as odades Alta e Baix/~ (PINHO, 1944, Pg. 45-46). A via-férrea e os transportes mecan1cos mudaram as feições e o ritmo do bairro de veraneio com o ruptura imposta pela novo dinâmica94. Se por um lado há uma cisão (no ritmo e no decorrer do tempo), por outro é estabelecido uma conexão (geográfico). Liga-se a Península de ltapagipe ao centro da cidade e ao interior do Estado; estão abertos os caminhos pelos quais se comunicar e através dos quais, levando e trazendo mercadorias e passageiros, o arrobalde passa a fazer porte da cidade que se interligo a si mesmo. Quando implantadas as linhos de bonde que chegavam à freguesia da Penha, esta possa o ser efetivamente uma freguesia urbana, onde se realizariam os tais atividades economicamente modernas, ligadas à indústria. 94 Segundo o Prol. Milton SANTOS a era ferroviária leve uma importância decisiva no processo de elaboração urbana, não só da cidade de Salvador, mais de todo o Recôn cavo baiano. A existência de uma estrado de ferro, inclusive, veio a favore cer os portos a que serviam. Junto à navegação a vapor somava vantagens no que dizia respeito à velocidade, conforto, menor tempo e maior segurança nos transportes. 93 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização a situação geográfica Configurando-se como área residual da cidade de Salvador desde a sua fundação, a Península de ltapagipe se estabelece, ao longo do século XIX, como sede das indústrias baianas, acumulando, principalmente às margens da via férrea e à beira mar, grande número de fábricas. para a indústria/ a faolidade de transpor/De maneira gera~ tes - fundamental não só para o escoamento da produção/ mas também para a circulação da matéria-prima/ da força de trabalho e de outros insumos necessários ao seu funcionamento - a existência de água e a disponibilidade de terrenos planos e baratos/ eram fatores determinantes para a sua localização. A área da península atendia a todos estes requisitos. Além da proximidade da ferrovia e do porto/ a área dispunha de água e linha o maior estoque de terrenos planos da cidade/ cons1derando as limitações da malha viária de Salvador no período estudao/~ (CARDOSO, 1991, Pg. 129/130). Salvador segrega-se espacialmente ao final do século XIX. As linhas de bonde facilitavam as ligações e a integração da península ao resto da cidade, toda a área é plana, facilmente acessível por terra ou mar, além dos seus terrenos serem de baixo custo se comparados aos das demais áreas da cidade. Mais do que estas evidentes indicações econômicas e geográficas do sítio para que aí se implantassem as indústrias, hão de serem buscadas outras razões. indústrias/ na c1dade de Salvador estavam localizadas de modo geral nos arrabaldes ou às margens da Bahia de Todos os Santos com dois propósitos/ o de escoar os resíduos poluentes e o de utilizá-la como ponto de embarcação de produtos para os portos de exportação ou destino/~ (NASCIMEN~s TO, 1997, Pg. 41 ). A península, em toda a história urbana de Salvador se conforma como o outro da cidade . Desde a ilha que foi há milhares de anos, é outra coisa que não a cidade, desde a implantação da ferrovia foi sua porta; quando para ela eram levados os escravos supostamente infectados para que aí ficassem de quarentena era o seu escudo, quando nela se refugiavam os escravos rebeldes era esconderijo. Perto longe, mas sempre presente, parte que compõe sendo distinta. Norte Sul com a Ponta do Padrão 95 . Planície aprazível detratada em função do altiplano fortificado. Centro possível. Arrabalde-cl.lrral-balneário-fabril. Ruína . 95 A península, mais precisamente o Ponto de Humaitá, está em posição d iametra lmente oposta à Ponta do Padrão, na Barra. Compondo o frontispício do cidade de Salvador, imagem que ilustro o descoberta do Novo Mundo pelos portugueses, ambas os pontas estão nos seus limites Norte e Sul. 94 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Não teria sido um gesto de confirmação do papel que a península muitas vezes desempenhou diante da cidade de Salvador o fato de nela terem se instalado as fábricas? Como uma reminiscência do tempo em que degredava-se nesta área perto/longe o indesejável, as doenças e os refugos, para que aí se depurassem ou se consumissem? //Em Salvador; entre as fábricas de fumo em rolo/ encontra-se a de Albano José Cerqueira/ na Penha/ em ltapagipe/ que foi intimado pelo chefe de polícia a fechar suas portas e mudá-la para local mais distante/ pelo receio de contaminar vizinhos. Foi designada uma comissão médica para examinar a referida fábrica a fim de determinar se a preparação de nicotina teria influência nociva nos habitantes da periferia. ( . .} Foi então exercida/ em 187~ uma vigtlância de proteção ambiental somente usada hoie em dia de forma técnica e obrigató/~ (NASCIMENTO, 1997, Pg. 34-5). Imagens 57 e 58: As canos em pinluro de Coribé e no Enseada dos Toinheiros, Península d e ltopog ipe. FONTE: Arquivo particu lar do ou tora . Detenhamo-nos, ao ler os projetos que se seguem, em avaliar a dimensão da interferência espacial deste fenômeno arquitetônico urbano que, logicamente, não se restringe ao erigir das fábricas, mas se estende ao traçado das ruas, às reformas, às casas e às suas fachadas, aos banheiros que surgem nos quintais, enfim, à idéia de modernização vigente que, partindo dos incentivos do poder público e do capital industrial torna-se contagiante. OS PROJETOS PÚBLICOS E PARTICULARES Os arruamentos Como já visto anteriormente, com o Projeto de Melhoramentos Urbanos do governo de J.J. Seabra 96 o porto havia se modernizado, a cidade-baixa se alargara com os aterros, os transportes urbanos cobriam grande extensão da cidade e já havia a ligação da cidade baixa com a alta pelos planos inclinados, Elevador Lacerda e La deira da Montanha. A Salvador Moderna interligava-se a si mesma e aos seus subúrbios. As intervenções na forma física da cidade, que ganhariam maior dimensão neste governo, estavam propostas e presentes nos discursos que pensavam a cidade, desde os pronunciamentos do Conselho de 1895. Além da extensão dos serviços de transporte e iluminação públicos, foram feitos aterros em áreas do comércio e Pilar, além de dessecamentos e drenagens na península itapagipana. Como exemplo dos dessecamentos e drenagens realizados neste período, foram realizados serviços no Largo da Madragoa 97 , hoje Largo Dois de Julho, responsáveis por transformar o antigo pântano em uma praça com ca lçamento e coreto. Tais serviços foram de- O Governo J.J. Seobro, ele ilo em 19 12 , chego ao poder apoiado pelos come rcionles e empresári os soteropolilo nos marcando uma rupluro no polílico baiano enlre o governo estadual e os oligarquias rurais. O enlão governador eslorio vailodo à remodelação urbana e o modernização da praça comercial de Salvador. (CARDOSO, 1991, Pg. 87). O discurso modernizodor por ele adolodo dá ênfase ao sonilorisrno e à higienização do cidade: organizo o Serviço Geral de Saúde Público do Estado. 96 Modrogó1; lermo indígena do qual o nome do largo se derivou, denomino um lipo de caranguejo habilanle do mangue que era este lugoronles dos aterros que lhe deram urna feição mais a tual e extinguiu o crustáceo. 97 95 SEGUNDA IMAGEM A Pe nínsula e a mode rnização sempenhados pelo governo municipal em 1903, estando no cargo o Dr. José Eduardo Freire de Carvalho Filho, sob os cuidados do Engenheiro Emil Hayan e o acompanhamento de uma comissão de moradores. (CARVALHO, 1915, Pg.145). Na Península de ltapagipe, na década de 1920, foi planejado e construído todo o bairro de Mont Serrat, foram alargadas e pavimentadas as Avenidas Bonfim e Mém de Sá, além de redesenhada a Praça General Osório e a balaustrada de todo o percurso à beira-mar na Avenida Porto dos Mastros e Ribeira. Ao tempo em que tudo isto se realiza são abertas novas ruas, a cidade espalha-se e adenso-se. Os antigos alinhamentos, que passaram a fugir à regularidade imposta pelas novas leis municipais, seriam reticulados. Com estes novos arruamentos, de traçado retilíneo, planejados para facilitar a movimentação dos veículos automotores, foram sacrificados edifícios que a eles passaram a obedecer. As reformas regulamentadas pela Prefeitura voltaram-se aos ideais de salubridade e às regras para aceitação dos licenças de construção que se atualizavam. Foram exigidos recuos, que proporcionariam melhor ensolejamento e ventilação a todos os cômodos, além de pés-direitos mais altos e instalações sanitárias adequadas ao higiênico uso moderno, como figura no deferimento do engenheiro sanitarista João Santos, em 1925. //Penso/ salvo melhoriuízo/ que as casas a serem edificadas no terreno situado na Avenida Carneiro da Rocha/ no Distrito da Penha/ pela Companhia Comércio/ Imóveis e Construções/ devem formar grupos de duas casas lendo ianelas laterais em lodos os cômodos/ distando cada grupo no mínimo 1/60m. No proielo anexo a presente construção não figura a disposição da canalização de esgoto/ conforme estabelece a postura 22. O pé-direito deve ler 4/ Om e não 3/5m/ nos termos da postura 55. Consoante a informação da Direciono de obras/ referente aos armazéns/ não foi observada a resolução 658 de 22 de agosto de 1924. Em vista disso/ a peticionart'a deve apresentar novo proielo/ de acordo com as modificações estabelecidas nos informes prestados/ em obediência às posJoão Santos, Engenheiro Sanitário. Bahia, turas em vigor/~ 16 de fevereiro de 1925. (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). Vejamos como, na Península, em conseqüência da regularidade do novo traçado das vias públicas, foram recuadas as fachadas. Atendiam aos novos alinhamentos propostos pelo poder público vigente que ordenava uma cidade moderna, fazendo jus ao progresso que já se anunciava presente e propulsor. 96 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Passo às mão de V.Exa. o orçamento anexo para a construção de um muro de vedação nos terrenos de Sylvia Gomes Rabello à Rua Álvaro de Azevedo/ antiga Rua da Glória/ Zona da Penha. Solicito de V. Exa. a autorização para a construção do mesmo1 uma vez que a proprietária além de perder uma faixa de ferra com os últimos melhoramentos no loca~ executados por esta Prefeitura! também perdeu a sua instalação sanitária que/ embora constasse de uma modesta/ lhe tem sido grandemente prejudicial até o momento_, com ação da própria Saúde Pública. Para melhor apreciação da V. Exa. envio iunlamenle planta do frecho em questão. Cidade do Salvadot; 30 de maio de 193/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura 11 Municipal de Salvador). O pedido da Sra. Sylvia Rabello documentava e evidenciava o que sucedia quando da reticulação dos arruamentos do Distrito da Penha até a década de trinta do século atual. As propriedades privadas cedem terreno em benefício da via pública ao mesmo tempo em que se exigia dos particulares, ao bem da saúde pública, que construíssem sanitórios em suas residências com as devidas instalações de esgoto. l ..... "' '!' ~ .. ! lÁ· ~ ~, I '.r L.....J ,, Imagem 59: Projeto de retificação da Avenida Marquez de Santo Amaro, no Península de l topogi pe. FONTE: Arquivo Público Municipal. l~ \ \ l I> I • ,, J J 97 ___...-_,"---- ____;; SEGUNDA IMAGEM A Pe nínsula e a mode rnização Tornava-se recorrente a solicitação por parte dos moradores de baixo poder aquisitivo e proprietários de casas simples, para que a Prefeitura se incumbisse da reconstrução das suas novas fachadas, recuadas em prol do alargamento e reticulação das ruas, ou que os valores gastos com as obras lhes fossem abatidos dos impostos. //Tendo a V. Exa. Deferido à vista das informações o processado sob o número 1950 de 1936 em que D. Conslança Cesteiro Caiado solicita dispensa do pagamento das taxas de licença para obras no prédio sob número 97 à Rua Marquês de Santo Amaro/ Distrito da Penha/ acontece estar o imóvel suieilo a corte. Estabellecida esta exigência o interessado compareceu a esta Direcloria e declarou não ler recursos para levar a eHeilo o recuo e conseqüente construção de nova fachada. Tratandose de pessoa pobre submello o caso a apreciação de V. Exa. lembrando a hypothese de ser o recuo feito pela prefeitura/ perdendo o interessado a isenção da décima correspondente à área cedida em benefício da via pública/ a exemplo do resolvido em circunstâncias idênticas. Salvador; 26 de Julho de 1937~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). Constata-se a situação paradoxal na qual era exigido dos poucofavorecidos moradores da península que realizassem as obras necessárias: suas casas deveriam se adequar ao novo traçado urbano sem que lhes fosse economicamente possível realizar essas adequações. As exigências por parte da Prefeitura voltam-se a ela própria como solicitações: os proprietários das residências sujeitas à corte, indivíduos de parcas posses, passam de cumpridores das regras impostas a solicitantes, cientes das posturas determinadas pela prefeitura e das concessões permitidas aos industriais. A concessão de isenções, e até mesmo da realização das obras aos custos da Prefeitura, deveria se estender dos industriais aos cidadãos comuns. Havia outras situações em que, fazendo uso do momento febril em que tudo se reformava, reticulava e afo~msev pela prefeitura, até mesmo os industriais solicitavam isenção das taxas para a efetuação de serviços, os mais simples, necessários e de proveito particular. Revelava-se assim a relação estabelecida entre os poderes públicos e os industriais: //Bhering e Cio. S.A. Lida. estabelecidos com fábricas de chocolates/ sito à Avenida Beira Mar; rfl 18/ Districlo da Penha/ deseiando mudar o passeio em toda a frente da sua fábrica (digo/ fazer o passeio) cuio passeio só poderá ser feito de concreto visto estar os supplicanles constantemente recebendo machinismos pesados e/ que sendo de outro lypo muito breve 98 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização só poderá estar arruinado/ vem perante V. Ex. solicitar que se digne mandar assentar os meios-fios/ assim como isentá-los do pagamento das taxas. Os suplicantes assim pedem a V. Ex. visto tratar-se de um grande incremento para o aformoseamento da Avenida em apreço. Nestes lermos pede deferimento. Bahia/ 18 de dezembro de 1934/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). 1'/.AiYTA OA 111/A OA A UROIIA - I / r:iH ~ l.. ~o o l-. ~ .1 J.. / ,_ I ' , .. , ~ .. C' "· • r r· 0 ; •..,, . I ;'~" /. • ,f ;:;., ',. . . .~, " ' ' ~'* I' , / ','/ _..,-': ~ /_ /_ /' / ; r. _,H/./,.. _ /, / .•. / Algumas décadas antes desta data, a fim de que lhes fossem melhoradas as condições de funcionamento e acesso, algumas intervenções nas vias públicas foram também realizadas pelos industriais, nas imediações dos seus edifícios e às suas próprias custas. Nesta situação não verificamos solicitação de dispensa do pagamento das taxas à Prefeitura. Imagem 60: Projeto de reti fica ção da Rua da Auroro, na Penínsu la de ltapagipe. FONTE: Arquivo Público Municipal. ///Imo. Sr. Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Salvador/ Costa David e Cio. Proprietários da Fábrica de Tecidos N Sra. Da Penha/ estabelecida à Rua da Ribeira/ em ltapagipe/ Freguesia da Penha/ desejando melhorar o estado daquela rua/ proporcionando melhores condições à viação pública no interesse da localidade/ ao mesmo tempo que facildam o movimento de embarque e desembarque dos produclos de sua fábrica/ combustível matéria-prima e outros/ melho99 _..._ SEGUNDA IMAGEM A Península e a m odernização rondo também as condições higyênicas do lugar; pretendem construir; no alinhamento dado por esta Câmara à Companhia Baiana de Vehiculos Econômicos/ de acordo com a planta iunta. Bahia/ 12 de Novembro de 18/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador) . Percebemos que no século XX, as reticulações eram mesmo entendidas como obra a ser realizada pela Prefeitura Municipal de Salvador, para o bem comum. Cabia à instituição realizar as obras na área pública e, nos muitos casos em que interesses particulares ficavam comprometidos por esta reforma, estendê-las às áreas privadas. Foram encontrados no Arquivo Público Municipal documentos que ilustram o processo de regularização de avenidas desde 1894 - a 1 7 de setembro de 1894 é aprovado o projeto de alinhamento da Rua da Aurora, na península - e a 07 de outubro de 1938, foi aprovada a retificação de um trecho da Rua Marquês de Santo Amaro, antiga Rua Nova do Areal. Também loteamentos industriais foram realizados: 14 Companhia de Melhoramentos Urbanos/ devidamente representada pelo Eng. Miguel Calmon du Pin e Almetda Sobrinho/ vem solicitar de V. Exa. a aprovação para o proieto de loteamento dos terrenos da Cio. Aliança da Bahia/ sito a Rua Lélis Piedade/ Distrito da Penha/ de acordo com o proieto anexo em duas vias. Termos em que pede deferimento. Bahia/ 07 de iulho de 193/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador) . Há casos em que moradores de voz e influência fizeram valer o seu poder de argumentação e esclarecimento solicitando que a Prefeitura realizasse obras de saneamento que tornassem certos ambientes mais próprios para serem habitados, o que atenderia aos interesses comuns de todos os moradores. O vigário da Paróquia da Boa Viagem, dizendo-se sentir um dos mais prejudicados, solicitou fossem feitos melhoramentos na Praça da Boa Viagem, detalhadamente descritos - tais como calçamento, bancos de // maroite /~ coretos de cimento armado - indicando a data desejada para a sua inauguração. Assim escreve o pároco da igreja da Boa Viagem ao Prefeito Durval Neves da Rocha: /Diz o Padre Antônio Marinho Barbosa/ vigário da Paróquia N S. da Boa Viagem/ que/ de acordo com a última conferência que teve o prazer e a honra de ser acolhtdo por V.Ex. com generosa atenção cuias qua!tdades são sobe1ómente conhecidas como parte integrante de vossa proverbtól genft1eza/ não {J '' I 100 - SEGUNDA IMAGEM A Península e a mode rnização só como amigo como também como administrador; vem pela presente lembrar a V. Ex./ na qualidade de vigário daquela paróquia e também em nome dos seus dignos paroquianos/ o seguinte: iá fazendo parte do vosso orientado plano o aiardinamenlo da Praça Adriano Gordt1ho/ dotando aquele logradouro público de tudo que se torne necessário a um coniunlo para tornar-se útil e agradável aquele local como seiam bancos de marmorile nos pontos que iulgardes convenientes/ um coreto de cimento armado para música/ completando com um abrigo no novo ponto de bonde o qual naturalmente será construído de acordo com os melhoramentos da referida praça. Como é do vosso conhecimento aquela Praça/ nas condições em que se encontra/ necessário se torna aquele melhoramento/ não visando exclusivamente como um logradouro público/ mas também como a medida profilática pelo seguinte: o aterro daquela praça foi construído com uma argila que se torna impermeável de modo que conservando as águas de chuva por muito tempo/ fazem verdadeiras lagoas como paraíso dos batráquios e mosquitos em quantidade considerável constituindo um verdadeiro alentado à saúde pública. Peço/ portanto a genlt1eza de me perdoar em levar ao vosso conhecimento este inconveniente/ por ser um dos mais preiudicados/ pois resido nas dependências do mesmo convento. Aproximando-se a grande festa do Nosso Senhor dos Naveganles/ seria de grande alcance e mesmo o motivo de indizível prazer para todos os moradores daquela Península se Vossa Excia. podesse iniciar aqueles melhoramentos ficando prontos para inaugurá-los para aquela grande festa/ que será também o cinquelenário da galiola que nestas festas transporla o Nosso Senhor dos Naveganles. Pede deferimento. Bahia/ 27 de maio de 1940/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). Somavam-se a estes já descritos os pedidos de licença para a remodelação de fachadas, por parte de moradores em situação financeira ligeiramente melhor, somente para //embelezá-las// e fazer jus a contagiante momento por que passava toda a cidade : //Congregação Mariana de São Luiz/ lendo pago licença de reparos gerais para o edtfício do Cinema ltapagipe/ à Rua Lelis Piedade/ zona da Penha/ conforme alvará nº 435/ e conhecimento nº 1 134 de 6 do corrente vem pedt'r para remodelar a fachada de acordo com o proielo anexo. Nestes lermos pede deferimento. Bahia/ 7 de março de 1940/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). 10 1 SEGUNDA IMAGEM A Pe nínsula e a modernização Também em 1940, a 27 de agosto, foi aprovado pela Prefeitura Municipal da Salvador o projeto para a construção de um abrigo de primeira classe na Baixa do Bonfim, Penha. E em 194 7, ao dia 30 de setembro, solicitado pelos moradores do local, fosse recomposta a balaustrada da Rua Rio São Francisco, no bairro novo de Mont Serrat. As fábricas As fábricas implantadas na Península de ltapagipe dentro do recorte temporal demarcado somavam 112 unidades. Para chegar a este número foram cruzados dados de diferentes fontes: de toda a bibliografia consultada, além dos arquivos das fontes primárias. Os dados são esparsos e desencontrados, cobrindo recortes temporais diversos. Como já mencionado, a área em questão, que antes da fundação da cidade abrigava um conjunto de tabas indígenas à beira mar, está ligada a atividades produtivas desde meados do século XVI. As primeiras indústrias que aí se alojaram foram a indústria da pesca, as olarias, os currais, os engenhos, os alambiques e os estaleiros. Estes últimos, /~ad a posição conveniente do arrobo/de do ltapagipe/ protegido dos lemporaes pelas escarpas e saliências de Monserral e Pedra-Furada/ foi o local prefendo pelos proprietários de estaleiros para offícínas e concertos de barcos/~ (CARVALHO, 1915, Pg. 135) . A toponímia do lugar torna explícita a sua íntima ligação com as atividades produtivas referentes ao mar. Assim, a Ribeira leva o seu nome por abrigar e reunir um bom número de estaleiros98 e oficinas de conserto de embarcações; e, ao longo da Avenida Porto dos Mastros, eram enterrados os troncos que seriam utilizados como mastros na construção dos vapores e navios do Arsenal da Marinha, para que não ardessem expostos ao sol e à chuva. Quanto ao alambiques, eram cinco, como relata CARVALHO, e com o suceder do tempo os edifícios em que se desenvolviam tais indústrias mudaram de donos e passaram a abrigar outras indústrias, como a de doces, de tecidos, de fumo, de chalés, ou se definharam em ruínas. CARVALHO nos relata o destino de cada um deles: 98 Segundo CARVALHO eram !rês: /10 da companhia dos Alvorengos de Manuel Gonçalves do Costa, o de Alexandre Tuvo e o de Emilio BorboS01 hoje no Porto do Lenho/1. (CARVALHO, 1915, Pg . 136). 1 "No Porto do Bomfim havia o do Maia, ficando em ruínas ate bem pouco mais de um anno, quando se fez a Fabrica de Doces de Ferreira Fresco e Cio. , hoje de José Fernandes da Costa. No Poço, o de Francisco de Salles Souza Tavares Caria, arrendado depois a Antonio Rezende, passando a Candido Athayde. Este alambique foi seguidamente transformado em Fabrica de Chales de Borba e Cio . No Porto dos Tainmheiros, o de Narciso Correia Machado, passando a ser Fabrica de Fiação de Marchesini e depois do Sr. Coronel João Baptista Machado - Fabrica S. João. No Posto dos 102 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Mastros, o de Lourenço Soares de Pinho, passando a Antonio Gomes de Pinho, passando a Antonio Gomes dos Santos e actualmente em ruínas. No Papagaio/ o de Vital da Oliva. Este alambique passou a ser Enróla de fumo/ (. . .). De Enróla de Fumo passou o velho alambique a fabrica de louça de ferro esmaltado ultimamente de tecidos/ do Coronel João Baptista (CARVALHO, Machado - Fabrica Paraguassú aclument/~ 191 5, Pg. 13 7- 138). As demais atividades que se desenvolviam na área referida desde os anos de 1550 - a pesca da baleia, as olarias, os currais e os engenhos - extinguiram-se. Com caráter moderno, já no século XIX, são instaladas novas indústrias que se somam às anteriores ou as substituem. Foram encontrados vestígios de que estavam em atividade na Península de ltapagipe, no recorte temporal demarcado, indústrias têxteis, de fumo (charutos e cigarros), de ceras (sabão e velas), calçados, algodões medicinais, fábrica de cal, fósforos, fábricas de caixas de papelão, pregos, móveis, vidros, ladrilhos, beneficiamento de fumo, cacau e de borrachas, produtos alimentícios {pão, café, chocolates e bombons, bebidas, conservas e doces), além dos moinhos, serrarias, curtumes, das fundições e dos estaleiros. ~ P R...oJ r::... c T o - "7~ ~ · :- f)' .... ~ ~ ::: . .:..•..:>::.:=- ~ cot!s-r R...vcc ij o ~ ~ f'" f) Ef\IC'l ~ coJ ! ~c. R. v ry s E... ~ Imagem 6 1: Pro jeto para a Fáb rica d e Doces e Conservas Ferreira Fresco & Cio ., na Península de ltapagipe. O bservar a fachada com elementos decorativos e a cobertura com ilu minação zenita l. FONTE: A rquivo público Municipal. ~ -. ·1- 1 - , I'! . _.... . .: . . . . :. . t!E t-- . -- ~ ' i I -) D'I I l D ~ I : 103 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Juntamente à inserção da indústria e da rotina ferroviária, da rotina do trabalho operário e das atividades produtivas modernas, se inseria na Península de ltapagipe a noção do decorrer linear do tempo. O relógio da Estação da Calçada, o ruído do correr sobre os trilho, os apitos do trem e as sirenes das fábrica s entrecortam o tempo livre anulando qualquer possibilidade de que fossem esquecidos a nova ordem e o novo ritmo estabelecidos. Foram reformados antigos estabelecimentos adaptando-os às novas funções que desempenhariam. Concluiu-se que o sítio onde se teria erigido um antigo alambique, depois fábrica de ferro esmaltado, é o mesmo onde mais tarde foi-se instalar a Fábrica de Tecidos Paraguassú. 0 abaixo ossignodo querendo reformar o prédio do antigo Fábrica de Ferro Esmaltado/ situado no Praça Santos Dumont freguesia do Penho nesta capital assim perfencente poro adaptá-lo o montagem de mochinismos de uma novo Fábrica de Tecidos1 de acordo com o planto junto e com alterações nos obras existentes conforme se segue. Bohio1 28 de junho de 11 1 1 1 190 ~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Sa lvador). 1 Eram incentivadas todas as iniciativas no sentido de tornar a área mais produtiva e densa. Edifícios que até então vinham sendo sub- Imagem 62: Projeto paro uma Usi na de Beneficiamen to de Fumo, na Península de ltapagipe. Internamente distribuem-se as áreas de produção em um único vão de cobert ura . FONTE: Arquivo público Mu nicipal. 104 SEGUNDA IMAGEM A Pe nínsula e a mode rnização utilizados têm suas funções substituídas por outras que dinamizariam o seu uso: //The Jequié Rubber Syndicate deseiando construir uma fábrica (armação e ferro)/ para beneficiar borracha em um terreno à Avenida Luís Tarquínio (perto de Boa Viagem}/ onde iá existe construído um grande prédio que pertence à família Meneda/ vem com a planta iunta/ pedir à V. Excia. a necessária licença para aquela construção. Nestes termos pede deferimento. Bahia/ 28 de iunho de 191 0/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). Foram encontrados muitos pedidos em que os construtores consultavam a Prefeitura, tendo em vista a nova regulamentação por ela imposta, em casos simples de reforma, ampliações, construção de tanques, depósitos e chaminés. Como evidência do número de veículos automotores particulares que aumentava, a partir da década de 30, também foram muitos os pedidos de licença para a instalação de bombas de gasolina. As habitações proletárias Desde quando ocupava a pasta da Justiça e dos Negócios Interiores, durante a administração do Governador Rodrigues Alves, J. J. Seabra se ocupava com questões relacionadas à habitação proletária em Salvador. Em 1905 foi por ele nomeada uma comissão que deveria estudar o problema e definir procedimentos que norteariam os empreendimentos neste campo. O Projeto de Lei criado por esta comissão tramitou pelo Congresso, sem aprovação, até 1910. Em 1911, o Decreto Federal2.407, concedia benefícios às associações produtoras de habitações para a classe proletária. Apesar de não ter tido êxito quanto à aprovação do Governo Federal, J. J. Seabra, quando assumiu o governo do Estado da Bahia, a partir de 1912, assinou decretos que favoreciam os empreendedores da habitação proletária em Salvador. De acordo com tais decretos estes empreendedores ficariam isentos dos impostos de transferência dos imóveis além de que seria solicitada pelo governo estadual a liberação dos impostos sobre os materiais importados para as suas construções. Além da preocupação com a forma e disposição das moradias proletárias, havia o interesse em regulamentar a área onde se construiriam tais edifícios. O processo de segregação espacial por que passava a cidade desde meados do século XIX, seria então institucionalizado no Código de Obras de 1926. Apesar de ter deixado o governo em 1924, segundo CARDOSO, Seabra teria sido em grande parte responsável, dado o conjunto de medidas por ele l OS SEGU NDA IMAGEM A Península e a modernização adotadas, pela concentração das classes mais abastadas ao sul e sudeste da cidade. (CARDOSO, 1991, Pg. 125). Em Salvador, como em outras cidades brasileiras, observou-se a tendência de concentração das residências e vilas operárias em certas áreas, antes de regulamentá-las como zonas residencial-proletárias. Baseado na leitura do gráfico desenhado por CARDOSO, observa-se que 48% das habitações proletárias de Salvador, entre os anos de 1870-1930, se concentravam na Península de ltapagipe, primeira área tipicamente proletária da cidade de Salvador. Os empreendimentos fabris foram os principais agentes produtores de moradia proletária em Salvador no final do século XIX e início do XX. Ainda segundo CARDOSO, todas as indústrias têxteis da cidade investiram, direta ou indiretamente, na construção de habitações para seus empregados. Somando a isto o fato da maioria destas indústrias estarem situadas na península, e a necessidade de que se construíssem as habitações para os operários próximas ás fontes de emprego, pode-se entender por que a maior parte das residências o perárias estavam em ltapagipe. "Observando-se isoladamente apenas a indústria têxtt1- ou seja/ aquela que empregava o maior número de operários e que se constituía/ efetivamente/ no verdadeiro setor industrial da economia baiana - das onze fábricas existentes/ por volta da segunda década do século ~ oito/ estavam situadas na Península e suas imediações(. . .). Indubitavelmente/ um dos fatores mais importantes para a viabilização de empreendimentos habitacionais proletários era a proximidade com as fontes de empregos (. ..t~ (CARDOSO, 1991, Pg. 132). Era notório o incentivo por parte da Prefeitura Municipal para que fossem co nstruídas residências para operários na península, o que evidencia a enorme carência habitacional da área que se transformava, se adensava. Muitos terrenos baldios foram liberados para a construção de casas particulares, de casas para alugar a operários, planejadas por especuladores imobiliários com vistas no desenvolvimento industrial da área referida e no aumento da demanda habitacional, além do poder público concordar com a isenção dos impostos por longos períodos às fábricas que construíssem vilas operárias e investissem em benfeitorias. Segue transcrito documento que registra os incentivos por parte da Prefeitura à construção de casas e melhoramentos na Península: //0 Conselho Municipal da Cidade de Salvador decreta: Art. /íl; A Companhia Progresso Industrial da Bahia/ sociedade anonyma com sede nesta capital fica concedida isenção do 106 __ .,'-~ SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização imposto sobre imóveis durante o prazo de dez onnos/ poro o edificação de uma Vil/o Oper6rio composto de duzentos (200) casos/ dividtdos em grupos/ nos terrenos baldios de suo propriedade/ sitos à Avenida Carneiro do Rocha no Distrito do Penha. Em 25 de Maio de 1925/~ (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). Como parte da transformação social e econômica por que passava todo o país adensavam-se as cidades, para onde convergiam os interesses econômicos e as atividades produtivas, a população urbana precisava de empregos e moradia. O poder público haveria de fazer concessões, favores públicos e isenções de impostos a toda iniciativa que estimulasse o crescimento urbano e industrial. Em 1894, Salvador foi dividida em distritos para que se efetivasse uma fiscalização mais eficiente e regular do que nela era construído. No mesmo ano o governo do município passa a incentivar a produ ção de habitação destinada às camadas proletárias isentando das décimas as construções edificadas para fins de aluguel: 20 anos às vilas cujo aluguel fosse até 20 mil reis; 15 anos com aluguel entre 20 e 50 dentro do perímetro das décimas; 1O anos para os aluguéis entre 30 e 100 réis. Ressalte-se que para se favorecerem de tais isenções os edifícios deveriam estar em terrenos baldios, o que denotava a preocupação com os vazios urbanos e os índices de ocupação. Esta era uma política de normalização e higienização da cidade que, mais uma vez, ressalta a relação entre ela e o Estado, vínculo estreito que neste momento se constituía através da Legislação . Porém, já no ano de 18 7 4, temos informação de que um particular intentava construir na freguesia da Penha, dois grupos de casas para alugar. As plantas disponíveis no Arquivo Público Municipal eram de casas geminadas e semelhantes, num total de sete - três na Rua do Fogo e quatro na Rua da Vitória - todas de propriedade do Senhor Domingos Martins Faria. (CARDOSO, 1991, Pg. 67). Apesar destes grupos de casa de propriedade do Sr. Domingos, CARDOSO afirma que a produção formal (note-se: formal) da habitação proletária em Salvador tem seu primeiro registro em 1893 quando uma Resolução Municipal dá o direito a Alberto Moreira Castro de construir evoneos e vilas operárias por um prazo de 50 anos, desde que obedecendo às indicações da Intendência do Município, à qual caberia regular onde seriam construídas. Nestas leis fica instituído o pagamento das décimas99 e pro ibida a construção de cortiços ou habitações insalubres, ou ainda a co nstrução ou reforma de qualquer um sem a prévia licença da Prefeitura. Recomendava-se a conciliação dos interesses do particular ao coletivo: as construções estariam sujeitas a regras de higiene e estética. 99 Imposto que abrangia o décimo porle de um rend imento. Tributo, contribuição. 107 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização l O controle da produção habitacional proletária, que estaria instituindo a segregação espacial da cidade, só foi mais tarde regulamentado pela Prefeitura com as Leis de 1920: as regiões nas quais tais habitações para operários poderiam ser construídas limitavamse aos subúrbios e aos segundos distritos. Em 1896, cria-se a Lei de Isenção de Impostos à Companhia Fabril dos Fiaes por um período de vinte anos. As casas deveriam ser construídas no curto prazo de três anos, em terrenos baldios, destinadas exclusivamente à habitação de operários, e com o valor dos aluguéis fixados e controlados pela Prefeitura. CARDOSO apontou as tipologias adotadas para os conjuntos de habitações proletárias em Salvador que se constituíam em: 1 . As avenidas - grupo de pequenas casas conjugadas voltadas para um acesso de pedestres, estando este articulado perpendicularmente a um logradouro principal. Suas casas eram de dimensões muito reduzidas, grande parte sem instalações sanitárias individualizadas. À entrada estaria um portão principal que conferia unidad e ao conjunto. o q D 4 ,w q i N H tJ 00 TCRFI C/10 ONOF. A SR' O. J OIIIINA C. 0 [ loiF.!IE:ZCS Ft:RRARO PRE:Tt:/IOf: l~ t .aH.tl\u ( t.- pt'{mtt)\.i .uua.s l u Jl ~ · "' .tt Imagem 63: Projefo de uma avenida a ser aprovada pela Prefeifura Municipal de Sa lvador, com "14 pequenas casas para operários" nos fipos A e B, que p re fe nd ia co nsf ru i r Joa n a Menezes Ferraro, 1923. Ru a Lellys Pi edade, Penín sula de lfapagipe. FON TE: A rquivo Público M unicipal. No Código de 1920, as avenidas foram regulamentadas: 0s grupos de habitações denominados avenids~ antigamente conhecidos pelos nomes de abecedários e bêco< nos quais cada casa constituía moradia separada e independente/ poderão ser construídos nas zonas onde possam ser permitidos/ a iuízo das Diretorias de Obras e de Hygiêne e Assistência Pública Municipaes contanto que satisfaçam às condiçõesgeraes de hygiêne e esthética. Nessas avemds~ as casas não poderão ser de mais de um pavimento e as ruas que não terão menos que 6 metros de largura serão calçadas/ iluminadas e fechadas no alinhamento dos logradouros públicos/ com muro e grachl de fmro1 tendo1 ao fundo da casa área não inferior a 15 metros quadros ~ (CARDOSO, 11 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1991, Pg.90). 108 SEGUNDA IMAGEM - A Península e a modernização ~- 2. Os grupos de casas - era freqüente a construção deste tipo de empreendimento por aqueles que visavam investir na produção de moradia como meio de obter lucros em face da demanda habitacional da área . Eram comumente dispostos de forma linear correndo ao longo dos logradouros públicos, por isto também cha, •;- • .,.. LO PAilA OPE R/OS f!UE. O. JOAIINA C OE. MEIIEZES I'"E.IlllARO f"J,..J,. ,.... t",;" no ) uupo . ~ 41"' o. ·l n« . Jdls .Bitt((J\. ,. (.(1.-I O: Ó< •<fT 4;!('( c !., , .. ·- .. ~ ........ /. .. .. c---- - , .i ' " - r- . · - ··· Í J i - · · ·· - · · .. ~ _ n ~y ,. lJ modos de correr de casas. Eram em sua maioria fruto da aplicação de pequenos e médios capitais, muitas vezes acionistas de alguma companhia industrial, como apontado por CARDOSO. Nesta categoria se encaixam os também chamados 'blocos de casas conjugadas' . -. . . "-•'- ~ DD . .· o _. -. .· . t: Imagem 6 4 : Pro jeto do Tipo A da mesmo avenida. FON TE: Arq uivo Público Municipa l. Seguem exemplos de pedidos de licença para a construção de casas para operários como investimento de especuladores em 1 919 e 1923: //0 bacharel Manuel F. da Costa/ lendo de construir em terreno de sua propriedade/ ao Largo do Papagaio no Distrito da Penha/ algumas casas paro a residência de operários/ vem com o projeto iunlo pedir a VExa'/ a respectiva licença. Declaro que no projeto anexo à presente petição o número de casas é de 13/ sendo doze para residência de operários e uma para a instalação de um armazém". Em 06 de setembro de 1919. (Arquivo, Prefeitura Municipal de Salvador). Imagem 65: Fotografia oluol do avenida construído por Joana de Menezes Ferrara. Ruo Léllys Piedade, Península de ltopogipe. FONTE : Arquivo particu lar do autora. 109 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização 3. As vilas operórias - as vilas operórias se constituíam de habitações aglomeradas, geralmente em torno de um núcleo, e voltadas a atender as necessidades de moradia do grupo de ope rórios de alguma unidade fabril. Somam-se quatro na cidade de Salva- ........... . ...... Nb ,~ ~lwêr3; ...:~!c, r - !f;'t ~; t.,. -.t-• ... t~ ~ ·I ' · ·, 'f1~ Ã l • Jt ...~_;: . ~ -· -· -- -·-·-·-·-- ·- ·-· r.-~,& ·~ . ~- , - ·- - ·- ·- ·- I -· - · J Imagens 66 e 67:Projeto e fotografia de um grupo de 20 casas no Beco do Candinho, Península de ltapogipe, 1928 e 2002. FONTE: Arquivo Público Municipal e arquivo particular do autora. 1 .. p L A N TA • 00 s.'\1\-,. ~to f ef'f'fl? <')le) A "' r\. • r • L: ... ,., li l v (' \ 0-ct S ~ d .:J \ J r ~\ CM1.L) p 0 , IT ,. o ~C P.:J. n d o .J. d. ..· ~ or ô.cJ"'1 9ut Pf" • C" • "C"\• c o;~ ., , [l'" .' " · , .;: ( .... .~ ,: . M .J I" q\\ t ' rU C'4t x ..· 4 , ct ~ 1 ~c, .. c- r.., ..\_, p f" .,h ~' Imagem 68: Pro jeto de um grupo de casos o ser aprovado pelo Prefeitura Municipal de Salvador, 1922. Iniciativa de Anthero Alves Li no Gaspar, Ruo Morquez de Coxias, Península de ltapagipe. FONTE: Arq uivo Público Municipal. 110 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização dor, até o ano de 1930, duas delas situadas na península. O principal e maior empreendimento teria sido a Vila da Companhia Empório Industrial do Norte, da qual falaremos detalhadamente mais adiante, e uma segunda, a Vila Progresso, contaria no seu projeto inicial 200 casas, tendo sido encaminhado o seu pedido de licença de construção à Intendência do Município em 1894. Por fim, das duzentas casas propostas foram construídas apenas 48. A Vila Progresso dispunha de casas em dois blocos de 24 unidades enfileiradas e voltadas diretamente para a rua. Distava um quilômetro das Fá bricas têxteis Bonfim e São João, ambas da Companhia Progresso, às quais deveriam atender. No Projeto de Lei elaborado pelo Conselho Municipal para a liberação dos impostos pelo prazo de dez anos, foi mencionado que a vila também atenderia às Fábricas São Braz, e a Paraguassú, também pertencentes à mesma Companhia Progresso. Imagem 69: Pro jeto de Vila O perária do Companhia Progresso Industrial. Das 200 unidades residenciais projetados foram construídos apenas 48 . Avenida Tiradentes, Península de ltapagipe. FO NTE: Arquivo público Municipal. Em se tratando desta última, a iniciativa de construção da vila, visava atender aos interesses de diversificação de investimentos pela Companhia que passava por uma fase de fraco desempenho industrial. As duzentas casas prometidas não foram construídas na sua totalidade, apesar da Companhia ter edificado outros conjuntos de casas pela península, como afirma CARDOSO. As 48 casas existentes FRo J Ec r D·o E·=As As - r AP/\- oPE RAR1o 5 DA C D~1 - PR OGR E SSO -JNIJUST RI AL PANHI FA CHADA :: 5 [ ALA Xo 1-fl-AN t A E5 t AL A._ - Y,oo I = ,,r~ -; ~· '"fI ' ,~ 1 ; I I n--1 ... I C OR r C-A-H ESCAL-Y ~ . , .~ ~ - · '- I . = D '< - i~: .. . I I I '' : - '-•r !:.~ J I - ~ · - c I DR l E-[ -[)- ' 111 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização eram alugadas aos operórios sobre os quais não pesava qualquer vigilância, também não existindo equipamentos de apoio comunitório como creches, escolas, armazéns ou quaisquer outros. Ao fim, a Vila Progresso se aproximava do comum 'correr de casas' da península, um grupo de residências dispostas linearmente no prolongamento de uma rua. É possível verificar ao ler as plantas que, apesar da construção obedecer ao desenho das fachadas e disposições dos cômodos, conter redes de ógua, eletricidade e esgotos, a construção não obedece ao Projeto de Lei no que diz respeito ao afastamento entre as unidades, o que resultou numa mó iluminação dos cômodos que não estavam voltados para a rua ou para o quintal. Insistiram em construir alcovas no lugar de quartos bem iluminados e arejados. Posteriormente, o conjunto foi modificado, como se pode ver, apesar de numa escala pouco elucidativa, na detalhada Cartografia de 1956. As unidades das esquinas foram transformadas em comércio e o desenho das suas plantas, certamente, modificado e adaptado a este novo fim, necessório e não previsto no projeto original. As duas outras vilas construídas em Salvador até 1930 são a Vila do Queimado - de 1913 com projeto de Theodoro Sampaio contando 75 casas construídas no Largo do Queimado, perto da Fóbrica do Queimado, inaugurada em 1834; e a Vila São Salvador, construída pela Companhia União fabril em 1893, para atender à demanda habitacional dos operórios da Fábrica São Salvador. Esta última contava 88 unidades residenciais elevadas na Rua do Sangradouro, esqu ina da Fonte Nova, atual Rua Djalma Dutra. Além destes três tipos de conjuntos residenciais proletórios enumerados e descritos por CARDOSO, havia ainda aqueles em que os próprios moradores, auto-denominados proletórios, se dirigiam à prefeitura pedindo licença para construírem residências particulares de uso próprio desenhadas nos chamados tipos proletórios que variavam do I ao YN. Concluímos que estas residências-tipo, que variavam em dimensões e número de cômodos, fossem projetos desenhados pela Prefeitura Municipal com intenção de facilitar o trâmite de aprovação de casas proletórias cuja construção ficasse a encargo dos próprios futuros residentes. Na Península ltapagipana, entre fins do século XIX e meados do século XX, é grande o número de pedidos de licença deste tipo. Seguem exemplos de pedidos de licença para a construção de casas para operórios nos tipos "proletórios": "Manoel Castro de Alleluia solicita a V. Exa. o necessono licença paro construir o suo coso de residência à segunda presença do Caminho de Areia, número 14 , Distrito da Penha, adotando o tipo Proletário XI. O requerente é operário, chefe de família, com 3 filhos menores e não tem outra coso. Nestes termos, pede deferimento." Em 1 9 de outubro de 1938. (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). 112 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização :: f ~r& .f., .... f j~ ......., _ I J t - ... ., :·. ;-. 0A/10 • .I ?fc ~" • !;: / , I • l •. • ~ ~ ' > ()" Imagens 70 e 71: Projeto de residências dos tipos Proletório I e 'f0l, Península de ltapagipe. FOt'-lTE: Arquivo Público Municipal. 113 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Também se verificou o caso excepcional em que um empreendedor desejava construir 30 casas do tipo proletório, cujos projetos eram fornecidos pela Prefeitura Municipal. Presumimos que a adoção do modelo se deu para reduzir gastos com projetos e facilitar a aprovação da Prefeitura . "/Imo. Exa. Sr. Dr. Atendente Municipal, O abaixo assinado, desejando edificar em terreno baldio de sua propriedade sita ao Largo de Roma, número 77, começo do Caminho de Areia, 30 pequenas casas para operórios, sendo 26 do tipo 1/, e 04 do tipo I. Conforme planta junta, vem pedir a V. Exa. A aprovação da referida planta, bem como a competente licença para começar a obra. Pede deferimento". Em 21 de novembro de 1913. (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). A tipologia construtiva adotada para as residências proletórias na península, reproduz os tipos comuns das residências urbanas de classe social mais baixa assumida em toda a cidade de Salvador. Esta tipologia se repetiu até que vigorassem as exigências do Novo Código de Obras, a partir do qual eram ditados novos afastamentos e aberturas, mudanças de caróter determinante no resultado formal de tais habitações e conjuntos . As plantas que mais se repetem desenham uma residência de porão baixo (no nível da rua) 100 com um corredor lateral que, partindo de uma sala anterior, dava acesso aos quartos, na sua maioria alcovas, e a um alpendre localizado ao fundo. No alpendre realizavam-se as refeições e esta peça, por sua vez, dava acesso às dependências diminutas da cozinha e do banheiro, ambos lateralmente dispostos em um pequeno e estreito quintal ou pótio "em caixa" - como se costumava designar estes pequenos pótios de serviço ensolarados dispostos ao fundo das casas que, entre quatro paredes - duas da casa e duas externas - desenham uma caixa . Segundo VAUTHIER, as plantas de corredores longitudinais foram muito usadas em todo o litoral brasileiro durante a Colôn ia e o Império - a sua tipologia se repete largamente em Salvador. De acordo com SENNA, "o afastamento do coso do chão, bem como o incorporação do jardim à vivendo foram introduzidos pelo movimento Neoc/6ssico, mos só chegaram ao interior do país muito tardiamente, e nos residências burguesas". IPAC-BA. "lnvent6rio de proteção do patrimônio cultural". Vol. 1, Monumentos do Município de Salvador, Secretaria da Indústria e do Comércio, Governo do Estado da Bahia, Salvador, 1975. 100 As casas geralmente se dispunham em parede-meia com a vizinhança sendo cobertas com telhados de duas 6guas e com fachadas simples de, no mínimo, uma janela e uma porta. As casas do Tipo Proletório de I, IX, XI, XIV e XV estudadas, tidas como tipo mais simplificado das residências proletórias aceitas pela Prefeitura, não desenha fachadas com número de janelas frontais menores do que dois. Porém encontramos plantas do conjunto de casas que pretendia construir a Sra . Joana Menezes Ferrare, com apenas uma janela na fachada principal apesar desta ser mais larga (6, 14m) que os modelos I e IX do Tipo Proletório (5,0m). 114 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização A COMPANHIA EMPÓRIO INDUSTRIAL DO NORTE o industrial e o conjunto Ao tomar como marco temporal da pesquisa a implantação da Companhia Empório Industrial do Norte, na Boa Viagem, já eram conhecidos o grau, a dimensão, e a significância deste conjunto industrial na Península ltapagipana. Não só pela fábrica ocupar uma longa extensão da avenida que tem seu nome, mas pela reconhecida iniciativa do industrial, Luiz Tarquínio, o empreendimento se destaca no universo industrial da península, da cidade de Salvador e de todo o país. Imagem 72: Vista aérea do conjunto de fóbrica e vila operória da Companhia Empório Industrial do Norte, na Boa Viagem, Península de ltapagipe. FONTE: CEDOCDCFH-UEFS. Surgida na época do Encilhamento, a Companhia Empório Industrial do Norte é fundada em 4 de março de 1891, "orgulhando-se", segundo eles próprios, por funcionarem sem nenhum tipo de incentivo do governo. Pelo grau de seu envolvimento com a realidade econôm ica e industrial da Bahia da é poca e pelo se u espírito empreendedor, Luiz Tarquínio foi referenciado efusivamente co mo o Mauó Baiano. "O cetro industrial passou no Brasil, das mãos do benemérito Visconde de Mauó para as do incomparável Snr. Luiz Tarquínio, o poderosos fundador da Avenida da Graça, da Empório Industrial do Norte, da Fóbrica da Boa Viagem e da prodigiosa Vila Operória, que bastaria para garantir a imortalidade ao nome do seu fundador e incomparóvel mantedor". (PINHO, 1944 , Pg. 07) . Começando a sua vida profissional como caixeiro em uma loja de tecidos, se dedicou aos estudos e ao trabalho. Realizou viagens à Europa -a Inglaterra foi a sua mestra - no intuito de aprimorar idéias e maquinário, armamentos para a empreitada a que se propusera: montar uma fábrica , a mais moderna da Bahia da época. Na Inglaterra do século XIX emergem os problemas sociais e urba- Imagem 73: Bus to do industrial Lui z Tarqu íni o. FO N TE: CEDOC-DCFH-UEFS. 115 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização nos em razão da aglomeração urbana que crescia vertiginosamente em função da indústria. A acomodação da força de trabalho que propulsava a indústria resultou na transformação de bairros em subúrbios onde se concentravam os operórios. Estas habitações, atulhadas de gentes, naturalmente ofereciam espaços fechados, mal iluminados, péssimas instalações sanitórias, e o lixo que se amontoava junto aos detritos causavam doenças. Com as epidemias que surgiram as autoridades se movimentavam em busca de reformas sanitórias que minimizassem os problemas decorrentes desta concentração. Na lei de Saúde Pública de 1848 o controle público se tornou responsóvel pelo esgoto, a coleta de lixo, o fornecimento de ógua, as vias públicas, as inspeções nos matadouros e o enterro dos mortos. Era necessório melhorar as condições do operariado e, nesta mesma década são construídos os primeiros edifrcios destinados à classe trabalhadora. De tipo simples, os primeiros exemplares se repetem e desenvolvem sendo melhorados a partir de 1864 . Em 1890, com a Lei da Habitação das Classes Trabalhadoras na Inglaterra, a sua execução e asseguração passam a ser de responsabilidade do poder público. Melhoravam-se assim as condições de vida e trabalho do proletariado industrial inglês. Ao longo do século XIX também as indústrias passam a se encarregar de solucionar estes problemas projetando, sob vórias formas, cidades que seriam auto-suficientes em produção, trabalho, moradia, assistência à saúde, educação e lazer. 101 Inspirado nestas idéias Luiz Tarquínio , tido como o pioneiro da justiça social no Brasil, pensava e investia esforços em fazer pensar sobre os direitos dos trabalhadores, a injustiça dos salórios e sobre a necessidade de sanear os ambientes de trabalho e moradia. Estando à frente de sua época diante da realidade baiana revelavase motivado por idéias que permeavam o mundo europeu desde o início do século XIX. "Determinar as influências que Luiz Tarquínio recebeu de doutrinas e teorias para as suas realizações é arriscar-se a hipóteses vagas, levantadas por um subjetivismo que em nada viria clarear o campo de observação. Tudo que se pode dizer com segurança é que foram seus livros de cabeceira, durante a elaboração e execução do plano, as obras de Emite Cacheaux sobre habitações oper6rias". (PINHO, 1944, Pg. 82). 101 Vale lembrar nesta passagem que, ap esa r do se u envolvi mento com tais idéias que eram de autoria e responsabilidade públicos e vigoravam na Inglaterra, o industrial em questão não se fazia crente nos iniciativas governamentais, mos nos de cunho e caró ter privado . Inspiro-se talvez na Inglaterra como a "p6trio do liberalismo" ou nos cidades empresariais, também inglesas. Apesar desta afirmação acima PINHO enumera outras possíveis influências sofridas pelo industrial baiano, como por exemplo: alguns escritores americanos - James Lowel, Henry George, Upham Adams, Walter Breen, Annie Bellingstey, B. Flower e outros; Jonh Burns, na Inglaterra, o movimento socialista francês de Paul Lafargue; o partido operório da Bélgica; a organização social da fóbrica e da 116 SEGUNDA IMAGEM - _ __,·.:..-..-- '1 A Península e a modernização cidade de Essen, propriedade da Firma Krupp, na Alemanha. "Que Luiz Tarquínio estava a par de todo o movimento social do seu tempo, é fora de dúvida. Lia, estudava e viaiava". (Idem, ibidem, Pg . 83) . Luiz Tarquínio foi um precursor das modernas condições de trabalho no Brasil tendo escrito, antes da aboli ção da escravatura, um projeto de eman c ipação progressista dos escravos. Nos seus escritos sobre o terna "i ustifica" a recomendação de aos poucos extinguir a força de trabalho escravo, exibindo um estudo minucioso das más conseqüências econômicas da escravidão. Profundo conhecedor dos problemas econômicos e sociais do Brasil, entendia como uma in iustiça responsabilizar os senhores de escravos pelo regime em que todos participavam criticava a intransigência dos abolicionistas. No se u plano, publicado em 1885, com o pseudônimo Cincinnatus e o título O elemento escravo e as questões econômicas do Brasil, planejava um sistema gradativo de abolição dos escravos que leva ria 1 O anos para se concluir e se efetivaria através da indenização paga aos senhores usando o dinheiro arrecadado com o aumento dos impostos sobre produtos de luxo que eles próprios consumiam. Desta forma pagariam aos senhores as indenizações usando os seus próprios dinheiros. Também planejava cuidados para que o antigo escravo continuasse a ocupar-se no mesmo local de trabalho, agora, mediante o pagamento de salários. Evitar-se-ia assim a evasão das propriedades agrícolas. Imagem 74: Selo usado nos tecidos da Companhia Empório Industrial do Norte. Uma ode à indústria brasileira, ver penacho coroando a figura feminina, com a fachada do fóbrica do lodo direito. No centro observo r a esfera onde se lê "Ordem e Progresso". FONTE: CEDOCDCFH-UEFS. O que o autor destes escritos se preocupava em defender era o entendimento entre os trabalhadores livres e os seus empregadores, receoso de que a abolição perturbasse a sua relação. Propunha a indenização aos senhores de escravos como uma forma suave e gradativa de extinguir a escravidão e de preparar a sociedade e o mercado de trabalho para receber a grande leva de trabalhadores que então surgiria. Dizia não propor filantropia nestes escritos, como também não o fazia ao se tratar da fábrica e da vila operária. Antes de tudo afirmava visar maior igualdade social e respeito aos direitos humanos e dos trabalhadores. Seria ingenuidade ignorar atitudes neste sentido como medidas que visavam trazer maior conforto, segurança e tranqüilidade (também) aos homens de maiores posses. Luiz Tarquínio era um industrial que via a sociedade como um conjunto, entendendo que deveriam ser respeitados os direitos humanos dos empregados tanto quanto o direito de propriedade dos seus empregadores. Não escapava de seu pensamento, em momento algum, nem uma coisa, nem outra. Ao contrário da maioria dos industriais e grandes proprietários da 117 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização época, o industrial em questão ''não se lançou ao comércio açambarcador tão das tradições e do ieito da Bahia. Tendo todos os elementos para seguira rota dos Pedroso, dos Pereira Marinho, prefe riu trabalhar a pedra dura do pioneirismo. Não que tivesse escolhido uma indústria nova. Mas é que pensava numa nova forma de empreender a velha indústria de teods'~ Estar além de investimentos em filantropia era incomum entre os bem-sucedidos comerciantes de sua época, ter um maior comprometimento com o trabalho revela va a originalidade de ação e pensamento que o fez se ressaltar. "Compreendera, e nisso est6 o seu grande merecimento, antes de qualquer outro no país, que o centro de gravitação do sistema econô' ~ (PINHO, mico, passara da propriedade privada para o trablho 1944, Pg. 46). Por muitos anos, Luiz Tarquínio tinha se posto a estudar a situação social e econômica da Bahia e de Salvador por fim elaborando o plano para a construção de uma grande fábrica que proporcionaria aos trabalhadores mais do que um salário, melhores condições de vida e tratamento justo. Porém, deles seria cobrada disciplina e aplicar-se-iam, com severidade, os castigos necessários para que prevalecesse a ordem . Junto à fábrica inaugurou um conjunto de edifícios que constitui a Vila Operária da Boa Viagem. A vila contava com conforto e uma boa infra-estrutura, capaz de alicerçar a vida dos moradores de forma a ser desnecessário o seu deslocamento para longe do núcleo. Contava com escola, biblioteca, armazéns, consultório médico, creche, além da praça que se fechava à rua, e possuía dois coretos no seu interior. Tal estrutura, que proporcionava além do trabalho e morada, a educação e o lazer dos empregados, servia para melhor monitorar as suas vidas e seu tempo livre: "Os núcleos fabris foram espaços fechados, concebidos como ilhas de trabalho e de reprodução de trabalhadores, evitando interferências e contatos externos vistos como perturbadores de suas finalidades industriais. Ofereciam trabalho, moradia e todos os equipamentos e serviços que os industriais iulgavam necess6rios à existência e a ocupação do tempo livre do trabalhador. Retendo o grupo oper6rio, buscava-se prevenir o seu cont6gio por ambientes vistos como degradantes ou por indivíduos tidos como corrompidos. O fechamento dos núcleos fabris dirigiu-se, ainda, no sentido de restringit; no seu interiot; a interferência de poderes outros que não os dos patrões'~ Imagens 75 e 76: Selos usado nos tecidos da Companhia Empório Industrial do Norte. Estes figuravam duas versões da mesma idéia, uma criatura alada carregando os símbolos da justiça, liberdade e paz. Sobre as nuvens surge a luz do sol, por sua vez, símbolo da esperança. FONTE: CEDOC-DCFHUEFS. (CORREIA, 1998, Pg. 91 ). Os regulamentos internos que regiam a vida em tais núcleos fabris eram próprios a cada um deles e as retaliações sofridas pelos ope11 8 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização ranos que porventura desobedecessem às normas e regras a eles impostas pelas indústrias das quais eram empregados, variavam desde a suspensão de promoções a multas e, em casos extremos, até a castigos físicos. No oferecimento de melhores condições de vida aos seus trabalhadores ressalta-se o interesse do industrial em que os operários produzissem mais, melhor se integrassem ao empreendimento que projetara e estivessem sempre sob os seus olhos vigilantes e 102 Sobre estas casos, q ue foram construídas e oferecidas como prêmios aos bons operários, falaremos adiante. \ . .. . ... ' ....- '1 ,...... ,.,..,,_,,. Fie ~ ;· .. -=- ! M ETAOE! '. f'A c::.HAO A --·- ·. disciplinadores. Como muitas das indústrias da península a Empório Industrial do Norte ergueu-se em terras de baixo custo, com a proximidade do mar e da linha férrea e com abundância de terrenos ao redor, aonde depois viria a se implantar a Vila Operária, os sucessivos acréscimos da fábrica, o campo de futebol, as casas-prêmio 102 • escolha da localidade foi o primeiro lance feliz dos organizadores da empresa. Próxima do cais de embarque e da única estação ferroviária da cidade/ a Bôa Viagem oferecia acesso pelo mar; de modo a receber facilmente combustível e matérias-primas bem como dar saída aos produtos da fábrica/~ (PINHO, 1944, Pg. 77). ~ Mesmo com a excelente localização geográfica eleita para sediar a fábrica, Luiz Tarquínio e os seus associados tiveram que enfrentar dificuldades com o solo, que era pantanoso. Agindo como higienistas avançados 103 dissecaram os terrenos onde deveriam assentar as construções e canalizaram as águas para tanques nos quais eram reservadas para que depois se fizessem os usos devidos. Imagem 78: Projeto de ampliação - um armazém anexo à fábrica . Encaminha do à Prefeitura Munici pal de Salva dor em 1927. Companhia Empório Industrial do Norte. FONTE : Arquivo Público Municipal. 103 O saneamento do solo era uma questão d eba tida no Rio de Ja neiro d a época, o nde os teóricos concentravam esforços para resolvê-lo, à medido que se apresentavam como problema. Segundo PINH O, Lu iz Tarquínio não se ateve às opiniões destes teórico s e adian to u-se em disseca r os terrenos onde se assentariam os co nstruções. 119 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização ')4s muitas nascentes que faziam da localidade um pântano1 foram devidamente canalizadas e levadas a despeiar em um grande reservatório de 40m30 de comprimento por 22m22 de largura e 3m de profundidade/ que ao par do utilíssimo serviço que presta sob o ponto de vista higiênico servindo de receptáculo perene das inhltrações da montanha de receber também o desaguamento da fábrica e dos edifícios da Vila serve também de depósito para todo o serviço de água potável da Vt1a e para alimentar as caldeiras de todo o estabelecimento 11• 1 1 1 . -~ · (COSTA apud PINHO, 1944, Pg. 78). Outro interessante dado referente a esta indústria, que tornava a configurá-la como adiante no tempo em relação às demais, foi a idéia na qual o trabalho feminino era tido como o germe da emancipação das mulheres, que nesta, como em muitas outras indústrias têxteis, eram maioria entre os trabalhadores. Assim se referia às famílias que se opunham ou se envergonhavam do trabalho feminino: Imagem 79: Imagem do conjunto fábrica e vila operária d~ Boa Viagem, do Companhia Empório Industrial do Norte. FONTE: CEDOC-DCHF-UEFS. Horrorizam-se diante da idéia de que suas filhas vão trabalhar em uma fábrica mas não se lembram de que a maior garantia para a honra da mulher está na sua independência na ausência de privações e que aquela que trabalha em 11 1 1 1 120 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização uma fábrica/ que ganho por si mesmo os meios de subsistência/ está mais garantido contra os botes do sedução/ contra os ataques do perversidade/ do que o agregado/ o (TARQUÍNIO apud PINHO, 1944, necessitada/ a protegid/~ Pg. 74). Mesmo considerando a imagem que insistem em oferecer a Luiz Tarquínio - de um homem idealista e inovador em busca de oferecer condições de trabalho decentes aos trabalhadores, reconhecendo os seus direitos e importância - não podemos deixar de explorar o caráter de dominação expresso nas regras de trabalho e de com portamento, nos edifícios em si e na arquitetura do conjunto. Mesmo como ideólogo de vanguarda e fomentador do progresso, o industrial não escapou à época e à sua condição de capitalista pelo contrário - foi paradigmático de ambas. A segregação social entre patrão e empregados e a incapacidade em reconhecer as distinções funcionais entre moradia e trabalho, como em qualquer outra vila ou núcleo fabril da época, eram elementos constitutivos da Companhia Empório Industrial do Norte. A Fábrica Na arquitetura da Empório Industrial do Norte conflito-se a técnica do interior com a estética do exterior. Construída ao final do século XIX, o edifício marca a dissonância e o embate entre o neoclássico e a arquitetura funcionalista das fábricas européias nas quais se inspirou. Toda a fachada da fábrica é descolada da parte interna como uma casca, duas partes distintas que compõem o edifício. Por fora, uma arquitetura de massa, por dentro, a arquitetura dos engenheiros104, inundada de luz pela transparência dos vidros da cobertura em sheds triangulares. Internamente, a estrutura metálica ritmada por pilares e vigas em ferro, se contrapõe à fachada de paredes largas e decoradas por gárgulas ao final de cada calha de águas pluviais. A iluminação zenital parecia ser a indicada para este ambiente vasto e com paredes periféricas 105 . A estrutura da fábrica se faz pela intencionalidade funcional e eco- ~ PEVSNER identifica a arquitetura fabri l, a a rquitet ura funcionalista dos engenheiros do século XIX, como uma das raízes da arquitetura moderna. Os engenheiros fariam porte elo grupo dos pioneiros do desenh o moderno. (PEVSNER, 1960). Também va le mencionar BANHAM e FRAMPTON . 1 0 10 5 A Fábri ca de Turbinas AEG projetada por Peter Behrens também tem no seu projeto a fachada descolada do edi fício. Apesar da sua transparência e leveza se contrapo ndo à arquitetura de mossa da Empório, ter a fachada como casca é caracterís ti ca com u m a ambas. Como a firmo BANHAN, Peter Behrens, no projeto desta fábrica teria entendido os faces externas do edi fício como invólucro: "até o Grossmaschinenfabrik de 1911 - 12, onde parece que ele fti10lmente sentiu que, envidraçados ou sóltdos, os paredes e o teto são apenas um leve invólucro que abrange um grande volume de espaço industrialmente utilizóver (BANHAN, 1960, Pg. 125). Imagens 80 e 8 1 : Imagens do interi or do fábrica do Boa Viagem, do Companhia Em pório Industrial do N orte. FONTE: CEDOC- DCHFUEFS. 12 1 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização nom1ca e estes elementos de ferro/ todavia/ pouca ou nenhuma imporlância poderiam ler desde que ficassem no interior do edifício/ aos olhos do espírito de fachada da geração de arquitetos do século XIX. (PEVSNER, 1960, Pg. 138) . A fachada da Empório, comprovando-se como fruto deste pensar, era composta de elementos decorativos. Sobre os engenheiros Augusto Weleimann e Augusto Frederico de Lacerda diz-se que 'cooperaram' com Luiz Tarquínio na construção da fábrica, de onde se presume que foi o próprio industrial quem a concebeu. A planta da fábrica, que ocupa de 19.337 metros quo - drados, foi pensada de forma a que melhor se realizasse o trabalho dentro dela. Para o escoamento da produção e abastecimento de matérias-primas do edifício parte, até a ponto de desembarque marítimo, uma linha de trilhos de 1O metros de largura. Os grandes vazios, proporcionados pelos pilares e vigas em ferro, propiciavam maior liberdade na disposição das máquinas e melhor visibilidade dos trabalhadores dentro dela. Imagens 82 e 83: Seção de enrolodeiros no interior do fábrica e píer poro atracação que estabelecia comunicação com o ba ía. FONTE: CEDOCDCHF-UEFS. Seguiam ao Salão Branco (com 1000 teares), o Salão de Cor (com 166 teares), o depósito de matériasprimas, a Secção de fiação e, para coroar o conjunto, o Serviço de Prevenção de Incêndios que bastaria para uma pequena cidade . Na equipagem da fábrica Luiz Tarquínio mostrou-se um esmerado conhecedor das máquinas. Ao comprá-las adquiriu as melhores de cada lugar recusando- se a aceitar as 'fábricas prontas' que lhe ofereciam . Suas constantes viagens aos grandes centros têxteis da Europa foram suficientes para que não aceitasse a oferta de fábricas completas/ na época impingidas 122 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização melhores máquinas inglesas, belgas, alemãs e americanas para compor o conjunto da estrutura mecânica da Empório Industrial do Norte. A Vila Operária No Brasil, a criação de habitações coletivas com o intuito de aglomerar os trabalhadores remonta à escravatura, tendo raízes antigas na sua sociedade. Nas cidades do século XIX tornaram-se comuns alojamentos e vilas operárias que funcionavam como mecanismo de controle externo ao local de trabalho . A moralização e a mudança das condições de moradia da classe trabalhadora foram um esforço no sentido de abrandar as graves questões sociais que se intensificavam com as concentrações urbanas e diferenças evidenciadas neste afluxo. Medidas disciplinadoras dos trabalhadores foram tomadas pela grande indústria ante a ameaça sentida por parte dos capitalistas industriais em relação ao seu patrimônio. Tentariam transformar os possíveis destruidores das suas riquezas em produtores delas. No Brasil, paralelamente ao declínio do uso da força de trabalho escravo, em meados do século XIX, surgiram os primeiros dormitórios criados pelos empregadores para concentrarem e abrigarem os seus empregados. A partir da década de 1870 difundiu-se mais largamente a prática de construção de habitações para os operários, principalmente entre as indústrias têxteis 106 . 10 6 No Bahia o Indústria Têxtil Todos os Santos foi uma das pri meiros o adotarem este tipo de sistema. Esses infelizes, vítimas da falta de conhecimento exato do que é trabalho, preferem sofrer as maiores privações, ver morrer de fome os hlhos a entregarem-se a trabalhos que só julgam eles próprios para negros, para plebeus ou para quem nunca leve parente rico ou diplomado. Entretanto estas pessoas mendigam!". 107 11 (TARQUÍNIO opud PIN H O, 1944, Pg. 73). 108 ME N EZES apud CORRE IA, 1998. Os industriais enfrentavam dificuldades com a mão-de-obra pela descrença e desapego que tinham em relação ao trabalho, uma herança da escravidão seguida da alforria . Apesar da possibilidade de aceitação do trabalho como meio de libertação na Bahia de então eram constantes as queixas de que os libertos, por desejo de assim se afirmarem, negavam qualquer proximidade com o trabalho, que era tido como "coisa de escravos' e exibiam-se livres permanecendo sem nada fazer. Trabalhavam somente quando não tinham o que comer. Havia preconceito contra o trabalho 107 • A escravidão era uma mácula, um duro fardo colonial legado ao presente que dificultava a transição para uma sociedade "próspera e moralizadd'. Mesmo quando já abolida a escravatura e constituído o trabalho assalariado, o proletário brasileiro, segundo MENEZES 108 , era estigmatizado e percebido como desregrado e destituído de valores morais, herdeiros dos vícios atribuídos aos escravos. Aos industriais cabia, antes de tudo, formar o caráter deste trabalhador, impelidos e assustados que estavam pela crise de autoridade da burguesia, afrouxada pela abolição da escravatura e a descrença no trabalho. Era, neste momento, escassa a força de trabalho, fator que, somado à falta de mercado, agravava as sucessivas crises econômicas. Outros fatores que também contribuíam para isto eram a seca, que atingiu o seu período mais crítico em 1859; a perda de homens na guerra do Paraguai, muitos dos quais haviam sido recrutados da lavoura; e a debandada de trabalhadores para as plantações de café do sul do país. Os industriais, por isto, criaram estratégias de fixação dos trabalhadores já contratados, já conhecedores do trabalho e nos quais já havia sido feito investimento. O trabalho foi colocado como algo inerente ao homem, mostrado como o caminho para a virtude, como um meio de obtenção de 1 09 Em "O direito à preguiçd' LAFARGUE inverte paradoxalmente estes valores considerand o o trabalho como um vício diabólico e o ócio como o pai de todas as virtudes. Ao proletariado corrompido pelos valores capita listas seria, segundo sua proposta, proporcionado tempo para a contemplação e fruição do cultura, ciências e artes, o que resultaria no desenvo lvimento cultura l capaz de dotá-lo do capacidade de entender o suo próprio situação e a necessidade histórico de superá - la numa soci edad e novo. LAFARGUE (1880). 123 \ SEGUNDA IMAGEM A Península e a m odernização consideração social. Transformava pobres em operários. O progresso e a civilização são atribuídos ao trabalho, que dignifica o homem, em oposição ao ócio, que o degrada 109 • Com a criação das vilas e núcleos operários, estariam se purificando o homem (pelo o trabalho), e o lugar em que ele vivia (pela higiene das construções e rigor nos disciplinas sob as quais era regido) . A disseminação da idéia de dignificar o homem com o trabalho tinha o sentido de inculcar o culto ao trabalho no seio desta sociedade que ainda há pouco era baseada na escravatura. Tentava-se assim resolver o problema que se constituiu como a dificuldade em retirar pessoas do trabalho de subsistência para o assalariado . Luiz Tarquínio comunicava aos operários o seu interesse em melhorálos. Inculcava-lhes o sentimento de valor e orgulho pelo que realizavam: Um patrão precisa mais do bom operário do que este do patrão/ e por isso é sempre do interesse dele melhorar as condições/ conservar junto a si e promover o engrandecimento daqueles que mais os podem quxiliafí quer por suo inteligência/ quer por suo deicação ~~ 11 (TARQUINIO opud PINHO, 1944, Pg. 74). Lembre-se que a dignificação e esta entusiasmada ode ao trabalho era, o que fica dito claramente no discurso do industrial em questão, de interesse prioritário do patrão em defesa da propriedade privada, da formação de um operariado capacitado em dobrar os lucros da indústria, dispostos e crentes na realização do trabalho, além de orgulhosos em desempenhá-lo, o que aumentaria consideravelmente a sua produtividade. 0s próprios industriais não deixavam de enumerar os vantagens econômicos que tal sistema de gestão do trabalho poderio propiciar-lhes. Apesar da ênfase que procuravam dar ao caráter supostomente desinteressado de suas ações na organização do vtdo dos núcleos fabris que criaram/ não deixavam de ressaltar os bene fícios que obtinham- ou esperavam obter- com empreendimentos dessa natureza.// (CORREIA, 1998, Pg. 184). 11 Os industriais da época aderiam ao objetivo comum de criar uma imagem confiável do patrão esclarecido, capaz de guiar o seu operariado na construção de um ambiente saudável e mais confortável, capaz de educar e civilizar o operariado, dando-lhes o que seria uma chance de redenção e ingresso a um mundo mais justo e civilizado, o que na verdade traduz uma estrutura paternalista, uma aliança dos patrões na criação de instituições de regulação com um severo esquema de vigilância 110 • 110 Há a mplo bibliografia sobre essa q uestão. Ver F. EWALD - " l 1elal-previdence", assim como os d iscussões sobre o potrimo nio lismo brasi leiro em FAORO, R. - "Os donos do poder" e HOLANDA S. B. 11 Roízes do Brasir Construía-se a imagem do industrial como um ser humano superior, dotado de inteligência e capacidade, neles se confiava por deterem a potência da luminosidade do intelecto e a possibilidade de transformar o caos em mundo, em conduzir os seus filhos que fossem bons no trânsito das sombras para a claridade. Seria natural, jamais visto como dominação, mas como um direito dos menos afortunados na vida, seres inferiores, serem guiados pelos conhecedores da verdade. Acreditava -se que de todos os direitos do homem1 o direito do ignorante ser guiado pelo mais sábio de ser pelo bem ou 1 124 \ pela força mantido no caminho verdadeiro/ representa o direito mais nobre. (BRESCIANI, 1985). Assim, acomodavam-se os trabalhadores a um trabalho duro, cerceador da liberdade, monótono e mal remunerado. N as vil as ern geral, a prática de religiões, que incentivava o trabalho e o confo rmismo acima descrito, era conveni ente, pois promul gava a aceitação complacente das diferenças sociais e circunstânci as de vida. Seria tranqüilizante aos industriais, se os operários vivessem sob a promessa de urna vida mais fáci l em um o utro mundo. As escolas, pois, eram dirigidas por freiras e padres e era comum a proximidade de igrejas, quando não existentes no interior das próprias fábricas 111 • Nestes núcleos fabri s, o patronato era como uma segunda paternidade. O patrão, grande reformador social, era como um chefe da grande " família operária", era tido como urna criatura esclarecida e ocupada com o bem estar físico e a integridade moral dos seus operários, semeado r das idéias de igualdade e promotor de um maior engaj amento social, res peito, reconhecimen to e elevação moral através do ofe reci mento de trabalho e duma moradia digna. Esta imagem heróica era, como CORRE IA esclarece, uma idéia limitada e reducion ista do que se pode entender como paternalismo, que cons iste na "permuta de concessões versus obediêncid' . Por de traz desta máscara, destas vestes de paternidade, reside o senso de interesse patronal que, apoderando-se da imagem de proteção, explora e subverte o operariado. O poder que o patro nato detém concede-lhes a capacidade de se tornar uma figura maior que a de um pai, pois que seria onipresente, on isciente e onipotente. SEGUNDA IMAGEM A Penfnsula e a modernização 111 Como observa CORREIA, o gerente de Paulista chegou a afirmar que a capela era tão indispens6vel aos conjuntos fabris quanto um motor nas fóbricas . (CORREIA, 1998) . A Vila Operória da Boa Viagem, da Companhia Empório Industria l do Norte teve este nome por estar nas proximidades da Igreja da Boa Viagem, na Freguesia da Penha. Porém, a proximidade da igreja, neste caso, pode ser vista mais como uma relação de integração da vila a outras parcelas da cidade e da penln sula, ao contrório do ocorrido nas cidades empresariais isoladas. Imagem 84 : Uma seção da Vila Operória do Boa Viagem, Companhia Empório Industrial do Norte, Penlnsula de ltapagipe. FONTE: CEDOC-DCHF-UEFS. --------------------- 125 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização Construída em área distante do centro, a Companhia Empório Industrial do Norte, nos arrabaldes da Península de ltapagipe, em Salvador, é inaugurada em maio de 1892. De acordo com CORREIA a sua vila operária, a Vila da Boa Viagem, aproximava-se da organização de núcleo fabril, apesar de estar nas imediações da cidade 112 • /Dtferentemente das vt1as operárias edificadas por empreendedores imobiliários onde/ em regra/ construíam-se apenas moradias/ as vilas e os núcleos pertencentes a fábricas costumavam incorporar algum tipo de comércio e equipamentos para lazet; ensino e assistência médica/ mesmo quando situadas em cidades onde tais serviços e comercio existiam. A criação desses equipamentos no interior da vt1a pode ser entendida como uma tentativa de isolar a vida operária no seu inleriot; submetendo-a amplamente à autoridade do patrão/ e como uma forma de garantir um controle patronal sobre a reprodução dos trabalhadores que empregava//. 112 O fecha mento, que vigorava no projeto inicial da Vila do Boa Viagem e que lhe fazia se configurar como um núcleo fabril, fo i se dissolvendo na medida em que a ci d ade se adensava e crescia na direção norte do periferia oté, por fim, englobar a sua malha. (CORREIA, 1998, Pg. 76). Os núcleos fabris nasciam à distância do centro das cidades e próximas ás fábricas, além das razões relacionadas às questões fundiárias, pelo fato da cidade ser vista como um meio corruptor do qual deveriam se afastar. Os empreendedores industriais construiriam um mundo isolado, sobre o qual poderiam interferir e mais facilmente transformar em sadio. O plano de combate à doença e a promiscuidade tinha como parte a mudança dos meios, este meio, por sua vez, seria o corretor e o sanativo, o remédio contra a degradação, a falta de higiene e da moral dos indivíduos que, bem conduzidos se tornariam operários saudáveis e eficientes. Todos os dispositivos de controle e vigilância operantes nestes nú cleos fabris faziam parte da tecnologia de modelagem e controle das pessoas dentro da ordem e disciplina que, juntamente aos discursos sobre os nobres objetivos de proporcionar uma vida mais digna aos operários, vinham ao encontro da majoração dos lucros do patrão, a reafirmação do seu poder e a asseguração de sua propriedade, assim como de naturalização do seu poder. Os regulamentos diziam respeito a horário e freqüência, a prescrições morais, regras de higiene, comportamentos adequados, normas de segurança, ao controle dos movimentos na fábrica até aos modos e aos hábitos de vestir dos empregados, a embriaguez e as conversas dentro ou fora do horário de trabalho, e culminavam na retenção das fichas médicas 113 dos empregados, além do toque de recolher que vigorava. O oferecimento da morada aos operários funcionava como um instrumento sólido de dominação e opressão, de controle meticuloso dos hábitos modos de convivência . A classe operária sofria a fiscalização e interferência nos detalhes mais íntimos da sua vida privada. Alguns exemplos são: eram obrigados ao casamento os jovens que fossem pegos em particulares; era retaliado quem risse 113 As fichas médicas dos empregados da CEIN ainda existem e fazem parte do Arquivo do Professor José Lu i z Pamponet Sampaio, disponível no Departamento de C iência Histórica e Filosofia da Universidade Estadual de Fei ra de Santana. É interessante perceber o atendimento médico aos operários não apenas como uma preocupação em respei ta r os seus direitos de assistência à sa úd e, mas também como amostra de um surpreendente exercício de poder por porte do patrão explici tado pela detenção de dados do corpo físico dos seus emprega dos. Neste momento (talvez também em outros) da história do trabalho no Brasil, em que se transitava da escravatura para o trabalho assalariado, os i ndustriai s, como pode ser visto através deste dado, ainda representava m o papel de proprietários dos trabalhadores, detendo um poder muito acima do que deteria um empregador moderno. O médico, a mando do industri a l, torna-se um detetive. 126 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização durante o expediente de trabalho; quem não seguisse as regras de higiene impostas sofria pena de multa, expulsão e demissão; as mulheres solteiras que engravidassem eram demitidas e expulsas da vila com toda a família; determinavam fosse dado aviso prévio antes dos moradores receberem quaisquer visitas; era obrigatório o consumo dos produtos vendidos em seus próprios armazéns (o que também ·funcionava como um meio de controlar e implantar hábitos de consumo); na vila funcionava o toque de recolher e eram proibidas até mesmo as brincadeiras infantis. Leia -se um trecho que descreve curioso episódio ocorrido na Empó rio: //Os costumes/ igualmente/ eram obieto de zelo. Não se admitiam mulheres de vida duvidosa (mulher-dama)/ bêbados/ nem namoros nos portões/ que eram fechados às vinte e uma horas. Qualquer infração ao regulamento era rigorosamente punida. Certa vez/ realizou-se um convescote (cozinhado) na Praia de São João. Algumas iovens/ sem autorização paterna/ e viúvas alegres/ tomaram parte da festança e cometeram alguns excessos/ sob o efeito do álcool Meses depois/ uma das mulheres/ viúva/ começou a apresentar sinais visíveis de sua próxima maternidade. Instaurou-se rigoroso inquérito/ que resultou na expulsão de todos os implicados. // (PENTEADO apud CORREIA, Pg. 162, 1998). Como é possível observar na citação acima, a ordem exigida por Luiz Tarquínio era das mais rigorosas, sob o regime de multas e expulsões. Para a observação fiel do regulamento/ havia um corpo de polícia permanente. Como instrumento de apoio à moralização dos operários, Luiz Tarquínio fazia circular na vila jornais e publicações de sua própria autoria - como a exemplo O OPERÁRIO - que tinha, segundo ele mesmo, uma função adicional educativa. O ambiente era permeado e imerso neste ar em que vigorava um tom de ameaça muda, velada, constante 114 • 11 4 Nestes mundos vigiados e isolados eram cometidos excessos. Um jornal operário, em 1906, no Brasi l, denunciou o Votorantim, fábrica fundado em 1893, na região de Sorocobo, interior paulista, de manter os seus operários segregados e co nfinados no interior do seu núcleo fab ril, até fazendo uso de cercos nos seus li mites, sob o ameaça de perderem o cargo que ocupavam no fábrica. O trem que fazia o tronspolie dos operários do núcleo fabril poro o cidade estava cessando os suas ativi dades e a indústria obrigava-os o alugarem os casos do compa nhia e o adquiri rem a limentos nos armazéns do suo cooperativo prometendo vendê-los por melho res preços e faze ndo o cont rá rio. (CORREIA, 1998, Pg. 92). 115 As vilas operárias que funcionavam como núcleos fabris tinham um desenho onde a visibilidade reinava absoluta. Tais conjuntos reproduziam um diagrama panóptico, no qual tudo se podia ver 115 • O projeto da fábrica e da Vila da Boa Viagem, as suas linhas paralelas, propiciava a vigilância. A disposição regular e ritmada das máquinas, na fábrica, e das casas, na vila, a sua hierarquização, homogeneidade e repetição, remetem à produção impessoal, em série, para um modelo de ser humano também serial e com necessidades uniformes- as casas e os homens que nelas viveriam fariam parte de uma série. Ver FOUCAULT, M. - "Vigi- ar e 11 6 punir'~ Lembrar os distinções entre mademo- o sempre novo - e modernista - o que é relativo ao Movimento Moderno em arquitetura. 11 7 Segundo CORREIA não se tem conhecimento de núcleos fabris construídos no Brasil até 1930 com planos q ue se aproximem dos modelos de "cidade-jardim"'. (CORREIA, 1998). 12 7 SEGUNDA IMAGEM A Península e a m odernização A Vila Operária da Boa Viagem supostamente oferecia aos seus operários um 'habitat-moderno' 116 , padronizado, ortogonal, denso de habitações e escasso de arborização. Distanciava-se assim dos modelos de cidades-jardins 117 , inspirando-se nas Tennement Houses britânicas, habitações cujo padrão foi estabelecido pelo governo inglês 118 . Pela disposição das áreas públicas no seu centro e dos ateliês e caravançarás em alas laterais, poderíamos nos remeter aos falanstérios de Fourrier. As residências da vila compunham-se de oito blocos com dois pavimentos, nomeados de A a H. Os blocos se distanciavam uns dos outros por ruelas de 7,5 metros e 84 metros de largura, denominadas seções. Havia uma divisão funcional dos espaços dentro do núcleo. O conjunto cooperativo, pequeno comércio de gêneros alimentícios, açougue e tecidos, juntamente ao serviço de atendimento médico, ficavam concentrados no bloco F, um quarteirão entre a praça e a avenida. A praça ficava a uma distância média entre os limites da vila e nela também se situavam, num bloco à parte, a escola e a biblioteca. Ao centro ficavam os dois coretos, onde se realizavam concertos aos domingos, e erigia-se uma estátua de Luiz Tarquínio que lá está desde 1899 até os dias de hoje. As residências seguiam em filas ortogonalmente dispostas em relação à avenida, de onde desembocavam os portões e os corredores já descritos. Somando uma área de 21 .4 7 6 metros quadrados, o conjunto das casas tinha no total 260 residências divididas em três tipos: o Tipo A - somavam 13 e eram compostas de sala de entrada, três salas, sala de jantar, cozinha sanitário no térreo e cinco dormitórios no pavimento superior, que tinham 1 77 mZ de área; o Tipo B - somavam 243 casas compostas de sala de estar, sala de jantar, copa, cozinha e banheiro no térreo, além de dois dormitórios no segundo pavimento, tendo uma área total de 71,95 mZ; e o Tipo C - somavam 4 casas que foram transformadas neste modelo como resultado da subdivisão de duas casas do Tipo A Uma casa se tornaria dois apartamentos, um térreo e outro no segundo pavimento: o apartamento térreo tinha duas salas, dois dormitórios, cozinha e banheiro; e o apartamento no segundo pavimento se compunha de duas salas, três dormitórios, cozinha e banheiro 119 • A segmentação e especialização dos espaços, também ocorriam na parte interna das moradias; promoviam uma maior privacidade das casas e o fortalecimento da noção de morada como recanto da moral, da virtude e confiabilidade só possível no seio da família nuclear. Era comum no Brasil do século XIX, não só nas vilas operanas urbanas como nos núcleos residenciais situados em áreas rurais, a 118 Segundo SAMPAIO, a Vila Operória da Boa Viagem leria reproduzido a disposição dos edifícios do modelo inglês, apenas acrescentando um pequeno jardim à frente de cada casa. (SAMPAIO, 1974, Pg. 86). ':4 disposição dos construções do 'Vila' lembro os Tennemenl Houses inglesas. - J Simão do Costa ao admitir tal semelhança recordo que o parlamento britânico estabeleceu em lei êsse padrão de cosas, sob o impressão dos horrorosos condições sanitários em que habitavam os classes proletários. Apressa-se, entretanto em esclarecer que o semelhança é restrito à disposição e aspecto dos ed,!ícios, pois o organização social do 'Vila' lhe pareceu 1i1teiramente origli1al. - A começar pelo iordim à frente de cada um dos prédios 'luxo estético que o operário europeu e sua família tomais poderão aspirar". (PINHO, 19 4 4, Pg. 84). 11 9 Ao ser fundado o Vila teria 258 casas que depois, subdivididas duas do tipo A em quatro do tipo C, somaria um total de 260 unidades. 120 A experi ência de tornar o operório proprielório da sua habitação foi realizado pela primei ra vez na Inglater ra, em 1835, pelo i ndust ri al Malcomson. O exemplo foi seguido pela Soci edade M ulhouseano das Vilas Operórias, no França, em 1852, e pela fóbrica Staud, no Alemanha, em 1869, apesar d a obrigatoriedade da ve nda futura só ser possível se a operórias do mesma fóbrica. (CORREIA, 1998, Pg. 129). A maioria das experiências nas vilas foram regidos por contra tos de aluguel, houve, porém,olguns casos de industriais que optaram pela venda das casas aos seus empregados em presloções pouco suaves. Se ta l medida incentivava os cuidados do operariado com o que seria uma propriedade sua, por outro lodo era uma desvantagem paro os industriais que corria m o risca de perder o suo autonomia. 128 SEGUNDA IMAGEM \ A Península e a modernização prótica de reconhecimento dos bons serviços prestados pelos operórios, felicitando -lhes com habitações de maior tama nho e conforto e até mesmo dando-lhes títulos de propriedade das moradias que ocupavam 120 • Na Vila Operória da fóbrica da Boa Viagem era concedido o uso das casas dispensando o aluguel para os operórios que permanecessem por mais de cinco anos no emprego, e concedida a posse de uma casa fora da vila aos que realizassem bons serviços por um prazo determinado de dez anos. Imagem 85: Projeto dos cosasprêmio da Vila Operório da Boa Viagem, Companhia Empório lndustriol do f\lorle, Península de ltopagipe. FONTE: A rqu ivo Público Municipol-PMS. A Companhia Empório Industrial do Norte, em 1O de dezembro de 1903, dó entrada na Prefeitura Municipal de Salvador no pedido de licença para a construção de casas a edificar para serem ofereci das, gratuitamente, a seus operórios que tivessem longo histórico a e~ i.co. r r-Ye.eC\ eo~g.Lü ~lMIOH§ ~&ren ~ etr~.JlC\6 ( ~ J ~yvl.c,r J Qp~Ww: ·- ·~ s ' IM>enmt IO 1Ã3l I r !(\, llU!·lllo t ... •• ' ·..t··· . ' 't . ~ __, l ,-_- ~ L evrn.o~ Co ~O'Y 3MOJRillli: I ' e no lL . ~ ~ ~ ~ - L ~ ~· , = J! 129 SEGUNDA IMAGEM _._ ' A Península e a modernização de subordinação resignada. Situadas na Avenida Luiz Tarquínio, ficavam fora da vila além de oferecerem mais conforto e as dimensões dos cômodos serem maiores. Estas casas-prêmio passavam a ser de propriedade dos 11 1O anos de hons serviços e operários que tivessem comportamento 11 • A concessão do título de propriedade destas casas, como também a concessão do uso das maiores casas da vila, denotava a hierarquia existente em função do cargo, da confiança que inspiravam e da eficiência destes operários. Na vida cotidiana da vila favorecia-se a prática de esportes como o futebol - havia sido construído um campo - o que seria uma medida de incentivo ao desenvolvimento da condição física e da coordenação motora dos operários, ocupando o seu tempo livre com práticas saudáveis e evitando o ócio e a vagabundagem. Também eram incentivadas a leitura, as artes e a música, enfim, atividades de 12 1 l emb ra nd o Ain da LAFARGUE (1880), to rnor-se leirodo também linha outros significodos paro os trabalhadores- carregavam esperanças de com isto se salvarem da sua sub-condição e terem ch ance de rede nção. , ---- Jl ....- Imagens 86 e 87: Imagens da praça central da Vila Operória ela Boa Viagem, Companhio Empório Industrial do Norte, Península de ltapagipe. Ao redor do coreto estão o colégio, acreche, os armazéns e o serviço médico . FONTE: CEDOC DCFH-UEFS. 130 SEGUNDA IMAGEM A Pe nínsula e a mode rnização lazer que não prejudicassem o trabalho da fábrica, mas, ao contrário, que o auxiliasse. Para os administradores públicos e brasileiros letrados dos fins do século XIX a instrução, até determinado nível, era tida como elemento de controle social; a educação era um meio de moralizar e pacificar os pobres, enfim, de torná-los domados e mais produtivos à indústria 121 • Como afirma CORREIA, a extensão do ensino aos proletários foi preconizada pelos positivistas que enfatizavam a obediência em detrimento do raciocínio. Tomavam a escolaridade mínima como mais um instrumento de domínio das classes abastadas sobre a classe dos trabalhadores. O ensino aos operários diferenciava-se do ensino ministrado às elites, se limitando a noções de vida em comunidade e regras de conduta. O ensino deveria tornar o operariado mais conformado e inspirar nele o gosto pelo trabalho. A educação mínima, direcionada, faria parte do projeto de dominação de classe em curso. Um fato que serve para ilustrar a amplitude deste projeto de dominação foi o oferecimento à Vila Operária de uma subvenção anual de 12 contos, elaborada como projeto de lei do Deputado Américo Barreto apresentado à Assembléia do Estado, seguido da negação de Luiz Tarquínio em aceitar a quantia. Firme no propósito de manter o seu total domínio e arbítrio sobre a vila afirmou: //Compreendo a nobre intenção do iovem deputado/ só lemos palavras de reconhecimento pela espontaneidade do seu proceder: mas estamos autorizados a declarar que de fórma alguma a /Vt1a Operória/ pode receber êsse subsídio do Estado. Escola do povo para o povo/ mantida com a mais ampla independência/ a aceitação de qualquer favor oficial importaria tócilamenle na eliminação dessa liberdade de ação/ sem a qual seria sacrificar o seu fim principar (TARQUÍNIO apud PINHO, 1944, Pg. 87). A creche preparava as crianças desde muito cedo, educava-as a terem hábitos diferenciados dos hábitos dos seus pais e, tomandose conta delas, liberavam-se as mães para os afazeres do lar e para o trabalho na fábrica, já que a maior parte do operariado era do sexo feminino. Mesmo para as crianças, aliás, principalmente para elas, eram planejadas atividades regradas e submetidas a horários, preparando-as, desde cedo, para se tornarem futuros bons operários, treinavam-nas para a ordem e a regularidade, para ad mitir lideranças e respeitar a propriedade do patrão. O conjunto de fábrica, residências e equipamentos de apoio da Fábrica da Boa Viagem erigia-se de forma sólida. Dispunham de 131 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização canalizações de esgoto, luz elétrica e tudo o mais que fosse alcançável e reconhecido como necessidade básica do bem viver dos operários, e ia além. As descrições do engenheiro José Simão da Costa narram o luxo do mobiliário da escola e da sala de leitura acrescentando: bem dos créditos do Brasil Moderno, diga-se que em parte alguma do mundo hó exemplo de ferem os proprietórios de estabelecimentos industriaes fundado, em igualdade de circunstâncias, obra tão completa para a illustração do espírito e elevação moral dos próprios operórios e seus filhos 11• (SAMPAIO, 1974, Pg . 8 9). 'j4 Observe-se que, com valores de cunho radicalmente capita listas, a afirmativa traz a idéia de que o luxo do mobiliário seria então proporcionante de uma maior 11ilustração de espírifo 11 e 11elevação moral 11• Demonstraçao da capacidade redentora conferida aos industriais, ao ambiente do trabalho e da vila operária. O Escritório de Planejamento Urban o da Cidade de Salvador - um plano moderno Desde a I Semana de Urbanismo de 1935 122 , quando as preocupações urbanísticas chegavam a Salvador, estava plantada a idéia da necessidade de um plano para a cidade. O urbanista francês Alfred Agache, que havia colaborado com a firma Coimbra Bueno nos planos para as cidades de Cu ritiba e Goiânia faz uma visita a Salvador e, em seg uida, fo i enviada pela firma uma proposta urbanística à Prefeitura Municipal. Após uma consulta ao Interventor Landulfo Alves, o Prefeito Durval Neves da Rocha entendeu que o assunto deveria ser exposto a debate mais amplo. O Prof. Mário Leal Ferreira, então técnico da firma Dane & Conceição, já com uma reputação das mais elevadas do meio no que dizia respeito aos estudos da problemática do desenvolvimento urbano mostrou-se interessado em executar os trabalhos referentes ao plano de modernização da cidade, enviando uma proposta formal à Prefeitura. Tal proposta foi encaminhada em 3 de Julho de 1942. Enfocava a problemática urbana com uma visão globalizante indicando, conceitualmente, que tipo de trabalho se propunha a realizar. Os técnicos da Prefeitura recomendaram a aprovação da proposta Mário Leal Ferreira em detrimento da Proposta Coimbra Bueno. O contrato foi então com ele firmado pela Prefeitura em 3 de dezembro do mesmo ano. 122 Foram mencionadas algumas aproximações do projeto do EPUCS para Salvador com a idéia de cidades-jardim de Ebenezer HOWARD. Numa das Conferências do Semana de Urbanismo de 1935, intitulado "As cidades- jardins", o engenheiro Milton da Rocha O liveira foz referências à cidade-jardim de Ebenezer Howord e suo ênfase nos rel ações cidadecampo. Coloco-se, dentre outros recomendações o serem seguidos, o bu sco de um contato mais próximo com o natureza, o ocupação parcial dos lotes com óreos permeáveis reservadas para jardins, o i ncentivo à o rganização de 'villos" e "cidades-jardins", assim como o zoneamento. Aí já se mostram algumas aproximações entre o ideal de cidade proposto pelo EPU CS e a proposto de Sir Ebenezer Howord: "No Sema- na de 35 não se obsetvo referências às idéias de cidade-linear (A. Sorio y Moto_- 18821892}, cidade-industrial (Tony Gamier_- 1901 - 1904}, ou do Plano Voisin (Le Corbusier; 1920-1930}, mas são leitos citações da Cidade-Jardim (E. Howar~· 1898-1903} e sua ênfase naquelas relações entre Cidade-campo, muito em voga na Europa'~ (SAMPAIO, 1999, Pg. 128). 123 Definição poro o te1mo "pla no". 132 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização O EPUCS começa a funcionar efetivamente em abril de 1943, como iniciativa de introduzir o urbanismo na próxis urbana. Adotava urna concepção interdisciplinar de planejamento pretendendo elaborar um plano que atendesse às necessidades espaciais da "Grande Salvador". "No universo é possível distinguir diversos mundos, que seriam como planos sobrepostos uns aos outros. Acima do mundo da pura necessidade, que é a quantidade sem qualidade, idêntico ao nada, podem-se distinguir: o mundo físico, o mundo vivo e o mundo pensante". 123 (ABBAGNANO, 1999, Palavras de Daniel Burnham, organizador do plano de Chicago presentes na Conferência do Engenheiro Miltom da Rocha Oliveira, na aberlura da Sema na de Urbanismo de 1935. Citado por SAMPAIO (1999). 124 Pg.7 64). O EPUCS, enquanto "plano", faz parte desse mundo pensante, prescindindo do qual a cidade flui, o dissolve e se transforma . O EPUCS era uma busca do ideal, e o ideal, nesse sentido, é produto do pensar moderno pela fluidez, pelo dinamismo, pela coerência e pela limpeza de uma cidade que pretende modernizar-se ainda mais. O plano do EPUCS traz idéias higienistas e traços do pensamento iluminista, ao mesmo tempo em que abdica do moderno como Imagem 89: Modelo Radialconcêntrico que ilustra o plano do EPUCS poro Salvador.. FONTE : PLANDURB. o " o z < o "o LEGENDA l f}~1% ~- WÔH ~ liiit] Z.C~& lu ~ ôtTr&/"'U:j,.) ~ ~ ...... l,.~- EEHJ G;:;;;a w. ~ ~éidegvóto"':.W Ül"ii ~ ~Soô ZO'\It-õsrol . ~ futk• ~ ___ «U-•.:C -sdl\a't· ,_, Cm.t<wdor-~ ~ P-8 O MODELO 133 \ SEGUNDA IMAGEM '!( • A Península e a modernização ruptura com a história, o antigo ou tradicional, mesmo se propondo a conduzir a cidade à civilidade e à ordem, mesmo sendo fruto de pronunciações que "a arremessam radicalmente ao futuro", a exemplo desta: P-6 ZONEAMENTO- Sistema Viário geral • lnterP<a~ UGHIDA - (1 ~· ~ ,- ae.:!l .... ..,., .. Imagem 90: Prancha 6 do Plano do EPUCS para Salvador. O sistema vi6rio interpretando o modelo proposto. FONTE : PLANDURB. no MODELO ..t- - --:.:t ~ A'REAS EDIFICADAS· SUA CONCENTRAÇÃO · Localizaçlo ·Principais lnd~sria Imagem 91 : Prancha 7 do Plano do EPUCS para Salvador. Localizam a maioria das indústrias na Península de ltapagipe FOf\ITE: PLANDURB. 134 SEGUNDA IMAGEM \ A Península e a modernização "Nada de planos acanhados! Nada de planos pequenos, elles não tem o privilégio de sacudir os nervos dos homens e quase sempre ficam inacabados. Levantae pois planos grandiosos! Eu creio no futuro e no trabalho e, lembro que proietos nobres são como diagramas lógicos: nunca morrem, continuando a viver através dos tempos e aiustando-se sempre ós intensidades creadoras do progresso". 124 (BURHAM apud SAMPAIO, 1999) . I AMII e1: TOOOS OS l.lltTOI P-13 ZONEANENTO·Oecreto Lei nf7'01de9·1·943· ucala: 114o.ooa·E PU C S 125 Em contraposição a Arturo Soria y Mata, que em 1880 idealizou a estrutura axial do cidade-jardim linear espanhola, Howard apresentou, em 1898, a cidade-jardim concêntrica inglesa. A cidade pensada por Howard estaria circundada por um cinturão verde que impediria o seu crescimento ilimitado e, enquanto cidade-satélite estaria ligado a uma cidade grande que, por suo vez, se ligaria o todo o região circundante pela linha férreo (tendo cada cidade um papel diferenciodo). Propunha a obtenção de renda equilibrado entre cidade (indústria) e ca mpo (agric ultura). Numa vertente organicisto pensa o cidade c omo parte indissocióvel ele um contexto mais amplo, tanto espacial quanto disciplinar. lmogem 92: Prancha 13 do Pio no elo EPUCS poro Salvodor. Zoneamento indicando a Penínsu la de ltapagipe como órea industrial e residencial-satélite. FONTE: PLANDURB. Sob a responsabilidade do Engº Mório Leal Ferreira e com o apoio do Arqtº Diógenes Rebouças, o Escritório elaborou uma proposta urbana para a Salvador dos anos quarenta, levando em consideração as peculiaridades do meio natural, do sítio e das condições topogróficas na elaboração do traçado viório, dos projetos sanitórios e de abastecimento. Sendo o primeiro plano urbanístico para Salvador a considerar a cidade em sua totalidade, o EPUCS desenha-se como um plano de visão intra-urbana, chegando, na sua maior escala, a pensar a órea metropolitana . Desta forma se diferencia das idéias de E. Howard 125 , de maior abrangência e buscando as relações entre cidade-campo, não só no sen tido de "ruralizar a cidade", mas também no de "urbanizar o campo" . A proposta do EPUCS aproxima-se do modelo planejado por Howard na sua preocupação em 126 FERREIRA, Mório Leal (1978) . "Urbanismo como es- tudo do processo evolutivo dos cidades e projeto ele suo adequada estruturo". Salvador, Revisto Planejamento. Citado por SAMPAIO, Helioclório (1999), Pg. 133. 135 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização manter um leque de abordagem multidisciplinar no estudo das cidades. Assumindo um modelo espacial radioconcêntrico, o Escritório traça suas vias concêntricas e radiais em meio ao verde, pensando a cidade como uma unidade territorial indivisível, se concentrando nas realizações por partes e atendendo a multidisciplinariedade proposta, pois, para o engenheiro Mório Leal Ferreira: "o urbanismo é um problema social instante e só pode serresolvido com a utilização de elementos cooperantes, representativos de todos os setores da sabedoria humana, postos à serviço da cau sa c omum e ungidos da maior humildade e modéstia" 126 . (FERREIRA apud SAMPAIO I 1 999 I Pg. 1 33). O EPUCS propunha a cidade antiga tornando-se o lugar da cidade moderna, continuando-se nela. Não planejava a remodelação urbana, mas, baseado na investigação histórica sobre os fatores responsóveis pela sua fisionomia, cuidava da sua restauração e correção no sentido de atender ao desdobramento e a expansão da Salvador-Metrópole. Pensava a mesma cidade, outrora antiga, agora moderna. A preocupação com o v1es histórico deixava-se ressaltar desde o documento inicial do acervo, onde o Professor Mório Leal Ferreira traçou os principais objetivos do trabalho e entre eles a "realização de trabalhos de investigação histórica e científica dos fatores responsóveis pela atual fisionomia da cidade", estudo que faria parte da pretensa Enciclopédia Urbanística da Cidade do Salvador. O plano tentava preparar a estrutura da cidade de forma a resolver os problemas de localização e distribuição dos vórios estratos de sua população (zoning); os de saúde e higiene; os de economia e trabalho; os de habitação e alimentação; os de educação e instrução; os de interação social e bem-estar (welfare). (SIMAS, inédito, Pg. 105). Pretendia partir da cidade existente para propor uma cidade mais integrada, orgânica e funcional. A estrutura espacial que caracteriza Sal vador (cidade LusoRenascentista-Pseudo-moderna-Em transformação constante) estó longe de ter tido como ponto de partida a produção industriall 27 . No entanto, da Cité lndusfrielle de Tony Garnier128 , na cidade de Salvador o EPUCS repete, no que se refere às indústrias: o zoneamento 129 e a comodidade nos meios de transporte . Ademais a Cidade Industrial de Garnier também situa a fóbrica na planície e o centro da cidade num altiplano. Portanto, dela herdou-se e aqui se aplicava a idéia de que as fóbricas devem estar a uma distância regulamentar do centro político e administrativo - de maneira que 127 Como j6 trabalhado no primeiro capitulo desta disserlação, o ponto de parlida para a estruturação espacial da cidade de Salvador foi a preocupação do Corôa Po rluguesa com a defesa do territó rio conquistado. 128 A proposta de Tony Garnier para uma "Cidade Industrial" francesa - projeto que se desenvolve de 1904 até 19 1 7 - é o reflexo da crença no trabalho reinante no século XIX. O projeto não se rve co m o um referencial de cidade real , posto que não foi efetiva mente realizado , mas cria um fo rte referencial das id éi as qu e permeavam os fi ns do século XIX e início do XX no que se refere à formação das cidades em função da indústria. Segundo G arnie r as ra zões determinantes para estabelecer uma cidade industrial são: a proximidade das motérias-primas, a existência de uma forço naturol a ser utiliwdo e o comodidode dos meios de transporte. 129 Observe-se q ue o zonea m ento propos to por Ga rnier na sua cidade industrial-utópica, preconizou a Carta de Atenas de Le Corbusier. 136 \ SEGUNDA IMAGEM A Penfnsula e a modernização tanto a indústria quanto o resto da cidade mantivessem as suas dinâmicas próprias, salvaguardadas de interferências desnecessári as - assim como a idéia de que esta distância fosse facilmente transposta pelos meios de transporte disponíveis. A área industrial prevista pelo EPUCS acentuou a forma de como já haviam se acomodado as indústrias soteropolitanas do século XIX ao XX. Verifica-se, no Plano Urbanístico do EPUCS, a demarcação de ltapagipe como Zona de uso Misto entre Residencial Satélite e Industrial (PRANCHAS 6 e 13), tendo em vista a grande concentração de indústrias que já ocorria na área (PRANCHA 7), fruto da segregação espacial que sucedeu no decorrer do século XIX. Em toda a Península, conjunto de bairros que comporiam a então Freguesia da Penha, já havia se dado o fenômeno de transformação que substituiu o ócio das vilegiaturas pelo furor das máquinas no interior das fábricas e a velocidade dos veículos automotores nas avenidas que se alargavam. O sistema viário, o zoneamento e todas as estruturas armadas em rede se adaptavam e reforçavam o sistema radial-concêntrico adotando a perspectiva de dar unidade à forma urbana projetada. Procurou -se marcar sobre o mapa representativo da topografia urbana de Salvador, as áreas que seriam indicadas como as mais convenientemente adequadas à estruturação da cidade. Eram elas: residencial, comercial, industrial, de serviços públicos e de recreação. Também entre estas áreas buscou-se manter o justo equilíbrio de aproximação e distanciamento considerando fatores de ordem higiênica, de segurança, econômica, e social. Desta forma, a Península é reconhecida e mantida pelo EPUCS como a área da cidade mais propícia à localização das indústrias. Reafirmou-se no plano o que se consolidou através da dinâmica espontânea da cidade. ':A Zona Industrial, por sua vez, situa-se no ângulo Nordeste do Promontório triangular onde assenta a Cidade, em local evidentemente indicado pela facilidade de acesso dos matérias primos e distribuição dos produtos manufaturados (vizinhança do Porto, via férrea e comércio grossista); pela proximidade de áreas destinadas à residências operários e gronias; e, finalmente, pelo possibilidade de fácil expansão no direção da ferro (hinterland) ou da enseada de ltapagipe, sem preiuízo das zonas diferenciados vizinhas." (PLANDURB apud EPUCS, 197 6, pg. 112). Entre os documentos encontrados no Arquivo Público da Prefeitura Municipal de Salvador havia algumas solicitações de esclarecimen to de indivíduos, industriais ou cidadãos comuns, sobre o Plano do 137 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização EPU CS. Como este era um plano global para a cidade preocupavam-se de que os interesses comuns se sobrepusessem aos seus particulares. Em 15 de Março de 1949, a Companhia Antártica Paulista indaga a Prefeitura sobre os planos de ala rgamento da rua em que estava localizada, que seria feito para a construção, na mesma rua, do Centro Cívico de ltapagipe - projeto de autoria do EPUCS. '1\ Companhia Antártica Paulista Indústria Brasileira de Bebidas e Conexos, proprietária dos imóveis sito à Rua Dr. J. J. • n•~t. 1 ; , ,_.. 1 ~ .' • hJ .fll"', ~· -1 • -1 11;•4 ru t r•1 ".s C t ii•JK'I<oN "' olf tn . ~ Q ,.U .. / 1 .1.,.1"' 1 111 -.r ~ I • • ' \ .. I,. '''I • ·~ \ .. . ..·' ./:': ,. ' ,,.·' o r .. SUGl $TA..Oih( IJ.l/.CP.8A,J L ,.tO..C IYAS LIIYHAS ~LSTPf Fr.H;.v, cf),.f.f PFlfJ E.P.l/CS DOS f"AIIUI'frJ5 bn Slf. - <~I!T /'#(JIA l.rJ TL ..!MlNTo tJ/'fl? t;,.(RCIA s,·o.., À!'< ra.-tlfiOPI /"'~ .. VlJI'ISTiôiTOII...( J:',/.1~ Seabra - Rua Luiz Murat, 6 -Av. Barão de Uruguaiana, 66 sob números 34.473 - 34.467 - 60.677 - respectivamente vem requerer a V. S., se digne informar se os reque ridos imóveis foram atingidos por modificações ou estão su;eitos a qualquer plano de urbanização para as zonas em que os mesmos estão situados. Nestes termos pede deferimento. Bahia, 75 de Março de 7949. Acompanha - "Cópia parcial do Plano do EPUCS para o Centro Cívico de ltapagipe, alargando a Rua Barão de Uruguaiana- Penha". (Arquivo Públi co Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador) . fTO $ lJGtU•u- Imag em 93: Proje to de loteamento desenvolvido a partir das linhas mestras do EPUCS. observa r a igreja do Bonfim e a Colina Sagrada no conto inferior esquerdo. Propriedade do Sr. Antônio Gorei o, Rua Euzébio d e Motos, Pen ín sula d e ltopog ipe. FONTE : Arquivo Público Municipoi-PM S. Esta citação ilustra a abrangência do processo de transformação por que passava a cidade e mais especificamente esta parte dela, com ampla autonomia do EPUCS. O Escritório também se dispunha a planejar e desenhar loteamentos, 138 SEGUNDA IMAGEM A Península e a modernização além de esboçar regulamentos a serem seguidos nos seus traçados. Tais loteamentos eram baseados nestas linhas mestras fornecidas à Prefeitura - sob este parâmetro obtinha-se licença para a execução dos projetos. Foi o ocorrido com o loteamento desenhado para as terras do Sr. Antônio Garcia, à Rua Euzébio de Matos, no subdistrito da Penha, em Março de 1946. Estava previsto um Centro Cívico no planejamento de cada bairro que, centro de gravitação populacional, deveria sediar atividades comuns, agrupar os estabelecimentos comerciais, os serviços públicos e de utilidade pública de interesse local. À Prefeitura Municipal de Salvador, em 20 de setembro de 1947, o escritório apresenta o projeto do Centro Cívico de Roma e 3º- Centro de Saúde Pública dentre os centros previstos, o único a ser desenvolvido. Para a construção do Centro, a primeira providência a ser tomada seria a aquisição do terreno de propriedade da Indústria de Fibras da Bahia S.A. Desapropriavam um bem particular em prol da comunidade. '~nexo Segun do SAM PAIO/ o EPUCS, dentre outros estudos também se dedicou a estudos sobre a habitação proletória em Salvador. (SAMPAIO, inédito Pg. 100). 130 1 1 o recebimento do ofício dessa Prefeitura nº 327, de 20 de maio do corrente ano, remetendo uma cópia da planta parcial do Centro Cívico de Roma, proietado pelo Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador (EPUCS), com indicação da 6rea prevista para a edificação do 3ºCentro de Saúde Pública. Assim, foi ouvida da Consultoria Jurídica desta Secretaria, a fim de poder ser liquidado o mais curto prazo a solução do caso, cuia primeira providência caber6 ao Estado com a aquisição do terreno da Indústria de Fibras da Bahia S.A. 27 de setembro de 194 7". (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). Tamanha era a importância do EPUCS para a cidade, e tanto se lhe confiavam enquanto executor dos planos concebidos, tal fé depositavam no rigor do zoneamento da cidade e tal respeito obtivera da Prefeitura e dos cidadãos em geral, que tudo que desejasse realizar a população e imaginasse possível de implicar em qualquer contrário, o consultavam 130 • Como o zoneamento, a península subdividia-se em residencial sa télite e industrial, sendo que em alguns trechos estes usos coexistiam frente a frente na mesma rua. Em 16 de setembro de 1949, uma anônima consulta à Prefeitura sobre a destinação de determinado terreno, situado à Rua Domingos Rabello, se estaria reservado para fim industrial ou residencial. '~ abaixo assinada, propriet6ria do terreno sito à Rua Domingos Rabelo, s/nº-, para fins de direito, vem pedir a V. Exa. que se digne a mandar certificar, se o terreno acima aludido, é destinado a construção residencial ou industrial, a fim de que possa dar ao mesmo fim conveniente". 16 de Setembro de 1949. (Arquivo Público Municipal, Prefeitura Municipal de Salvador). 139 TERCEIRA IMAGEM A OBSOLESCÊN CIA 1 TERCEIRA IMAGEM A O bsolescência O Plano do C.I.A. Na formação do Centro Industrial de Aratú a alternativa industrial foi tida por estudiosos como uma possibilidade de enfrentamento econômico do famoso "enigma baiano". O novo centro industrial foi pensado como uma medida de atrair investimentos e capitais extra-regionais e inverter a situação econômica pouco produtiva pela qual se arrastava a Bahia. Fatores locai s aliados ao novo ciclo econômico nacional e desenvolvimentista da era Vargas, do qual Rômulo Almeida 131 era parte pensante, conduziram as soluções pelo viés da expansão industrial para fora do perímetro da cidade e da atração de capitais extra-regionais para a região. A forma urbana que se propõe a desenhar a capita l baiana nesta fase estaria subordinada e atrelada a um processo de industrialização, cujos interesses, especialmente os dos capitais envolvidos, não se limitavam ao território local: a cidade de Salvador se remodela- 131 Rômulo Almeida, um dos pensadores do "e nigma baiano", e um dos fonnuladores da política industrial baiana do período e líder do plano CIA, foi assessor econômico do Governo Vargas e primeiro presi dente do Banco do Nordeste. ria readequando-se ao novo desenho. Entendendo Salvador como o lugar da 'não-produção industrial' o Plano do Centro Industrial de Aratú, de autoria do Arqt2 . Sérgio Bernardes, localiza a região produtiva nos arredores da cidade. Destituindo a cidade de sua função produtiva - reservada para o lazer e o turismo, muda a sua dinâmica propondo-lhe uma outra, mais condizente com os rumos que a nova proposta daria ao seu desenvolvimento. Com o crescimento populacional, as demandas viárias e pressões sobre o mercado de terras no sentido de expandi r a sua malha, a forma urbana que desenha a cidade de Salvador torna-se outra. O território do seu entorno é reestruturado. Salvador estaria expandida a uma dimensão metropolitana. Foram oferecidas enormes facilidades e incentivos fiscais para a implantação das indústrias no C.I.A. com o objetivo de obter vantagens advindas da implantação industrial que, neste caso era unicamente a atração do capital e o oferecimento de empregos além da consolidação de um novo modelo (já que como parte da política de incentivos, os impostos, por longos períodos, não seriam arrecadados). São realizados investimentos vultosos para a infra -estrutura do espaço e atração dos capitais de fora da região. Com acesso direto ao mar, espaço, água, matéria-prima, mão-deobra, infra-estrutura viária e energética que facilitam a sua implantação e rápida expansão, a situação altimétrica da área industrial do C.I.A. sugeriu o zoneamento em três áreas distintas: a de indústrias leve ou pesada, a zona urbana habitacional e a zona rural. Dizia-se uma tentativa de equi líbrio entre a taxa de urbanização (66%) da cidade de Salvador e a sua taxa de industrialização (18,6%). 142 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência Estruturalmente o Plano C.I.A. estava dividido em dois: um Plano Diretor e um Plano Complementar. O Plano Diretor é assim apresentado pelo seu idealizador no Relatório do Planejamento Físico do Centro Industrial de Aratú : ~qUJ1o que se refere diretamente à 6rea industrial- Plano Diretor - tem o car6ter de recomendações fundamentais consideradas imprescindíveis para o êxito da implantação e o suagrícesso de todo o processo: zoneamento da 6reo industra~ cola e de habitação/ do setor político-administrativo/ localização do potio/ dos vias de transpotie/ do reservo florestal e dos 6reas de florestamento e reflorestamento/ das matos industriais/ do centro de abastecimento e de redistribuição/ dos sistemas energético/ oquavi6rio/ ferrovi6rio/ rodovi6rio e de tele- (BERNARDES, 1966, Pg .1). comuniações/~ O Plano complementar consistia, por sua vez, na coordenação da transição do regime agro-pastoril para o agro-industrial: que visa complementar o planeiamento físico do 6reo industrial - Plano Complementar - localização das 6reos de comércio e recreação/ evolução gradual e contínua do regime - industro~ criação do menagro-pastoril para o regime ogr talidade produtiva através do estímulo à livre iniciativa/ rede hospitalar; eixo cultra~ não é menos vital para o equilíbrio do Plano Glob~ mas possui/ em graus diversos/ um car6ter de sugestão/ abrangendo a onólise de toda a região do Recôncavo. //(BERNARDES, 1966, Pg. 1). ~quilo O Plano do C.I.A. pode ser descrito da seguinte forma: "1) plano urbano-industrial de visão e escala regional, baseado num desenvolvimento tipo cidad e-industrial-linear no entorno da Baía de Todos os Santos, tendo Salvador como cabeça do sistema; 2) Salvador-Metrópole concebida numa nova versão radioconcêntrica, em que o centro tradicional assumiria a função turística, e deslocam-se para um novo-centro as funções de governo estadual e municipal, Imagem 94 : Esquema do fase final de implantação do Projeto do Centro Industrial de Arotú. Abrangendo uma escola regional poro além dos limites do cidade de Salvador, organizo-se a parti r do porto de Arotú . FONTE: Biblioteco-FAU-UFBA. 143 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência localizado nas imediações do Cabula (antecipa-se, pois ao CAB); 3) a base econômica regional está centrada na indústria moderna, e, ao contrário da visão do GTDN-SUDENE (voltado para a pequena e média empresa e mercado local), defendia a CPE e a instalação de grandes empresas voltadas para os mercados do Centro-Sul; 4) a estratégia é uma espécie de desconcentração concentrada, tendo como especificidade uma infra -estruturação fora do espaço urbano de Salvador, criando um complexo de facilidades industriais de modo a atrair capitais e investidores de fora da região, ao tempo em que se remodelaria a metrópole readequando-a ao novo desenho; 5) o modelo espacial do C.I.A. contempla novas cidades industriais satélites à Grande Salvador, ficando a metrópole como área de preservação do patrimônio histórico, paisagístico e cultural, com ênfase para o turismo e terciário moderno como funções básicas da Cidade; 6) o complexo vi6rio resultante engloba os v6rios sistemas hidro/ ferro/ rodo e aerovi6rio/ numa malha de característica predominante linear; destacando-se um grande anel no entorno da Baía de todos os Santos/ passando por ltaparica e alcançando Salvador (Ponta da Penha)/ daí prosseguindo até a Baía de Aratú (novo porto) rearticulando todos os sistemas/ terminais e zonas de produção induslra~ habitações e turismo-lazer. Uma ponte ligando ltaparica a Salvador é sugerida nos desenhos/ sendo/ na pr6tica/ substituída pelo /ferry-boat/ nos anos 70. //(SAMPAIO, 1999, Pg. 228-234). Os desdobramentos do Plano C.I.A. e a cidade de Salvador O discurso do plano C.I.A., ao contrário do EPUCS, aproxima-se do urbanismo moderno dos CIAM's, e da retórica desenvolvimentista da //Carta de Atenas/~ sistematizada por CORBUSIER, atendendo às novas prerrogativas do Estado desejoso de uma nova política industrial para a Bahia Moderna do pós-50. A idéia da intervenção urbana como agente causador das transformações sociais ainda pode ser vista no ano de 1966, no plano para a //cidade-industrial-linear// do Centro Industrial de Aratú. Nela 144 - TERCEIRA IMAGEM A Obsolescê ncia o urbanista fica incumbido de uma 'missão heróica': coloca-se como propositor de uma nova lógica capaz de regulamentar a vida social. O Plano elaborado por Sérgio BERNARDES para o Centro Industrial de Aratú exibe o apelo à crença no modernismo de matriz Corbuseana e dos CIAM's, no sentido de ainda afirmar o urbanismo como prótica capaz de //criar e planeiar as cidades para um novo mundo // e, ainda, afirmar os urbanistas como //os suieitos das transfomçõe /~ //Centrado na ideologia do plano criticada por TAFURI (1985) propagada no pós-guerra/ profeticamente vaticina BERNARDES(/975): /(...)o desastre urbano continuará sendo fatal enquanto o urbanismo se considerar e for visto como intérprete e consequência dos pontos de vista formulados pela Economia/ pela Política/ pela Sociologia/ enquanto não se sentir com autoridade suficiente para questionar o conhecimento contemporâneo e exigir daquelas e de outras ciências uma lotal revisão de valores/ conceitos e atitudes. ///(SAMPAIO, 1999, Pg. 222). Na realidade, o arquiteto-urbanista foi contratado para ordenar a estruturação física que legitimaria um planejamento jó elaborado tendo como ponto de partida os interesses do capital industrial. Fazendo citações dos relatórios da Organização Muridial de Saúde da ONU, BERNARDES ressalta que o urbanismo deve ter como consideração constante a condição humana universal, segundo ele levada em conta na polarização industrial para Aratú. Porém não foi possível detectar esta preocupação de forma concreta em seu pla no. A aversão do arquiteto pela cidade historicamente constituída é evidente em Aratú e, apesar de reservar margens para atender a futuras exigências, posto que a cidade-linear-industrial de Aratú prevê crescimentos, coloca-se totalmente avesso ao que chama de //correções de eros/~ tomando a cidade concreta e real como caso perdido: //Chamado a comg1r erros causados pelo crescimento desordenado dos grandes centros/ o urbanista tem comprometido sua posição ao aceitar a encomenda que lhe fazem de colocar remendos na paisagem - implantar leCJdo novo em um organismo em decomposição//. (BERNARDES apud SAMPAIO, 1999, Pg. 146). Na crença de que a cidade só seria possível partindo da prancheta, num modelo inteiramente novo e pensado para ser controlóvel, 145 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência BERNARDES mostrava a aproximação do seu plano com os ideais da cidade ''moderna-corbuseana// e o seu afastamento da vertente do //town-planning// anglo-saxão, ligado ao Estado do Bem-Estar social. Na idéia de que ao urbanista cabia o papel de condicionar os mecanismos econômicos e políticos na criação do habitat humano, o idealismo de BERNARDES identificava-se com o que é "inteiramente novo" indo ao encontro de uma cidade perfeita idealizada para um futuro imaginário em que a sociedade seria transformada. No planejamento o arquiteto teve como referência a Baía de Aratú e, numa escala maior, o plano abrange a cidade de Salvador estendendo-se por todo o Recôncavo Baiano num projeto que sustem e reforça o discurso da /{:/escenlralização centralizd/~ Prevendo um //crescimento t1imitado// para a cidade industrial desenhada, indica a sua expansão por //módulos// ou //modelos// que, estruturando a cidade planejada alteraria a lógica do próprio crescimento de Salvador e da região. //Os módulos iriam se desdobrando no tempo/ cujo horizonte não é hxado,. mas lendo em vista um /modelo espaciat denominado por BERNARDES de matriz-idear- até envolver num grande anel vi6rio a Bahia de Todos os Santos/~ (SAMPAIO, 1999, pg. 147). Como o EPUCS, o Plano do C.I.A. pensou a cidade partindo de um modelo radial-concêntrico, porém, localizou o centro administrativo no Cabula, bairro situado no "miolo" da cidade, de maneira a poder estar mais articulado à cidade-industrial construída. Propôs o centro de Salvador deslocado da sua localização histórica partindo dele os setores de desenvolvimento urbano e as linhas aéreas de transporte coletivo 132 • As vias terrestres dos fundos dos vales, herdadas do EPUCS, estariam reservadas para os automóveis e se ligariam às demais vias, de caráter regional. As indústrias, por seu turno, estariam ligadas ao sistema rodo-ferroviário regional por onde chegariam os insumos e escoaria toda a sua produção. 132 A cidade-industrial- linear de BERNARDES tem como estupenda i novação (n ão tecnologicamente resolvido mas somente numa indicação visionária) a proposta de linhas de transporie que articulariam o s cumeadas em pontos estratégicos da cidade de Salvador num sistema funicular de tra nsporte coletivo por via aérea a través de cabos. Embora envolvendo municípios da área metropolitana de Salvador -Simões Filho, Candeias, Lauro de Freitas, Dias D'ávila, Camaçarí, São Francisco do Conde e ltaparica -e reestruturando toda as suas dinâmicas, esta concepção de cidade modernista-impositiva e comprometida com outros interesses que não os ditados como regra e ponto de partida, não conta com as Prefeituras no processo de planejamento - demonstrando o quanto é possível conceber uma proposta de cidade de forma extremamente autoritária, destoando de propostas anteriores onde os interesses sociais da cidade e de seus habitantes seriam considerados, a exemplo do próprio EPUCS 146 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescê ncia ou de experiências internacionais citadas: Frankfurt planificada de Ernest Mar; a Berlin administrativa de Martin Wagner,; a Hamburgo de Fritz Schumachet; a Amsterdão de Cor van Eesteren/ são os capítulos mais importantes da história da gestão social-democratra da cidade. Mas lado a lado com o oásis de ordem das Siedlungen - verdadeiras utopias construídas/ à margem de uma realidade urbana por elas bem pouco condicionada - as cidades históricas e os territórios produtivos continuam a acumular e a multiplicar as suas contradições. E são em grande parte contradições que bem depressa se revelarão mais decisivas dos instrumentos elaborados pela cultura arquiletónica numa tentativa para as controlar// (TAFURI, 1985, Pg. 7 4). ~ Apesar da assertiva de BERNARDES, no caso do C.I.A não era a cultura arquitetônica que controlava a cidade, mas o interesse do capital. O urbanismo utópico do arquiteto é um discurso técnico elaborado no intuito de legitimar a ação do Estado que faz cumprir o seu interesse em busca da industrialização como um inquestionável bem futuro - o que á época era a visão predominante. Diferente das perspectivas dos social-democratas descritas por TAFURI, na qual tinham como condição a unificação do poder administrativo e a proposta intelectual. Descolado da realidade da cidade historicamente constituída, o plano do C.I.A mostrava-se, na prática, inviável a ser inteiramente concretizado na capital subdesenvolvida, pobre e sem meios. Sendo a proposta da nova cidade-industrial baiana uma concretização dos interesses político-nacionais foi descartado o diálogo com as reais carências e dinâmica da cidade e da sua população. Não existe um //horizonte pro;eluar fixo, mas o Plano é a concretização da disposição dos capitais a se instalarem na região, articulados à política manipuladora e aos programas da União. Ao mesmo tempo em que propunha a multidisciplinaridade BERNARDES afirmava que o plano urbanístico precisaria se impor de forma decisiva relegando as demais disciplinas a um papel secundário, consequente . As ambiguidades no plano são muitas, e na efetivação ficaram evidentes as lacunas e equívocos, inevitáveis em situações em que o plano realizado era ditado por regras exteriores e comprometidas com outros interesses que não os sociais - o do capital industrial. A proposta do parque industrial moderno do C.I.A tornou-se um instrumento com o qual o capital industrial do sudeste interferiu na economia baiana. Desta forma e por este motivo sucumbe. 147 TERCEIRA IMAGEM A O bsolescência A cidade-industrial de Aratú nada mais era que a ilusão de um futuro idealizado e técnico, descentrado ou descolado da viabilidade ou do compromisso em dar sentido social ao projeto. A herança material da cidade se resumia à descentralização urbana pela implantação da infra-estrutura viária de caráter inter-regional. O rodoviarismo urbano prevalece e os conjuntos habitacionais espalham-se pela periferia ao mesmo tempo em que aparecem favelas nos vazios gerados e as áreas centrais tornavam-se decadentes. As terras rurais, ao serem abertas para o mercado imobiliário tiveram infra -estrutura totalmente financiada pelo governo, o zoneamento foi redefinido pela nova lógica de acesso rádio-concêntrica, e este conjunto de características tornou-se a alavanca de que necessitava a especulação imobiliária para vigorar, a mesma especulação a qual desejava-se combater: //Com o planeiamento glob~ mantido com firmeza/ e vita-se o caos sacio-econômico a médio e longo prazo. Com o zoneamento evita-se/ entre outras desvantagens/ a especulação. Com a viabilidade de infra-estrutura a baixo custo assegura-se a implantação e a expansão futura. Quando adiante sugerimos o deslocamento da atual sede do governo/ do local onde a situou Tomé de Souza (Bahia de 1500) para o Cahula (Bahia século XX)/ é dentro desta mesma perspectiva de hem comum e de combate à especulação espoliativa //. (BERNARDES, 1966, Pg.18). A capital que outrora foi cogitada a ter seu centro deslocado para a Península de ltapagipe, neste momento de fato desloca-se para o Cabula 133 . Com a implantação do C.I.A. deu-se o contrário do que ditava o arquiteto-planejado r. A real idade contrariou o discurso. //Salvador vai sofrer o impacto desta industrialização fora do seu território político-admisnistrativo/ pois organicamente é imbricado com o novo locus da produção moderna. As novas vias arteriais e regionais levarão a ctdade a se expandir; não exatamente como a cidade-ideal desenhada por BERNA RDES/ mas numa configuração outra - descentralizada/ em que o /sprawt da metropolização é a tônica da forma urbana polinucear /~ 133 O Cobulo é um bairro situado no "miolo" - área pouco ocupada na Salva dor da época, situada entre as áreas de expansão oo no rte e ao sul - que dese java-se adensar lendo em vista o infra -estru tura de que já dispunha . (SAMPAIO, 1999, Pg.153). Desorganizados os arranjos de produção do estado e reduzida a rede de tráfego terrestre e marítimo, encontram-se a partir daí marginalizados os antigos centros de produção regional e debilita-se a rede urbana que envolve a Baía de Todos os Santos, inclusive a 148 TERCEIRA IMAGEM A O bsolescência capital. A dinâmica rodoviarista do novo plano pensado para a cidade desprovê de vigor os transportes ferroviário e marítimo que ligava Salvador ao seu entorno imediato. Salvador //indivisível de sua região// divide-se dela. O balanço da nova industrialização promulgada pela criação do C.I.A. é assim visto por BRANDÃO: //Essa industrialização/ baseada na entrada maciça de capitais de origem extra-regional e não num processo progressivo de acumulação inferno à região/ viria a marginalizar de uma vez a economia do velho Recôncavo e a cobrar custos extremamente altos à sua rede urbana e à capital. Os anos 60/70 são marcados por um forte processo de urbanização da região imediata de Salvador reforçada pelo desenvolvimento da petroquímica e pelo reflorestamento(. ..). O processo/ entretanto/ terminou por contribuir para um crescimento explosivo e de baixa qualidade na capital e por produzir uma vida urbana medíocre e desestimulante nas pequenas cidades da região. // (BRANDÃO, 1998, Pg. 46). O plano do C.I.A não consiste em um planejamento global para a cidade que, por sua vez, não é vista em sua totalidade . Neste plano é sepultado o /planejamento científico// almejado por Mário Leal Ferreira e planejado pelo EPUCS. Imagem 95: Fotografia aérea d o Centro Industrial de A ratú. FONTE: GAUTHERROT. 149 - TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência Na década de 60 do século XX, a história da cidade de Salvador fica marcada pelos discursos "realizadores// e /{:/esenvolvimentistas// setoriais, de curto alcance e pouco críticos alicerçadas na política de expansão industrial nacional. Apenas o setor produtivo é pensado enquanto o atendimento às demais necessidades básicas são insuficientes. Com a concentração industrial fora dos limites institucionais da cidade foram geradas demandas de habitações, transporte, saúde e educação em desacordo com o planejamento do Estado. Salvador continua a concentrar habitações, as pressões sobre a cidade aumentam sem acréscimos à sua receita. 150 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência ALGUMAS PROPOSIÇÕES Por volta de 1939, com a descoberta do petróleo e, em 1950, com a implantação da Refinaria Landulfo Alves, em Mataripe, a economia baiana ganhou impulso e tornou-se o principal produtor de petróleo em todo o país. Nos trinta anos seguintes, a PETROBRÁS, explorando o petróleo do Recôncavo, chega a produzir um quarto das necessidades nacionais e a cidade de Salvador passa a ter outros vetores de expansão. O modelo proposto pelo EPUCS, reservando a Península de ltapagipe como centro industrial, não mais se aplicava a esta nova realidade. Os elaborados estudos do Plano se reduziram a diretrizes para as questões viárias, dando suporte ao rodoviarismo urbano pós-64. (SAMPAIO, 1999). Com a convergência de interesses econômicos para a regtao metropolitana, no Centro Industrial de Aratú, o antigo centro industrial de ltapagipe se arrefece deixando como registros do seu passado as cicatrizes e os resíduos da sua materialidade - seja nas chaminés, elementos -vestígios que surgem na paisagem peninsular verticalizando o olhar, ou nas ruínas dos edifícios fabris que, presentes, clamam o registro da antiga indústria "baiana". Configurando-se como área residual pelo arrefecimento da economia que a movimentava e a sua vetorização para além do perímetro urbano de Salvador, o antigo balneário da Península é um palimpsesto, um território rico em camadas de tempo que emergem misturando torres eclesiásticas, residências proletárias e chaminés fabris. As transformações territoriais sofridas por este lugar a partir da inserção dos conjuntos industriais, das vilas operárias, das largas avenidas e dos bondes sobre trilhos, deixam resíduos e marcas. Sendo um ponto de interseção de toda a movimentação para os bairros suburbanos além da Península, o bairro da Calçada tornouse um ponto de estrangulamento que, dificultando o acesso dos veículos automotores, assumiu um papel de extrema importância para a preservação de algumas características físicas da área, do seu tecido urbano em frente à especulação imobiliária mais recente e a tendência de revitalização de bairros antigos para que tenham novos usos. Com a crescente valorização de outras áreas da cidade, a Península ganha um certo ar de abandono. Subúrbio-resíduo. Toda a cidade é armada por uma nova trama de vetores. Investimentos em monta são feitos em outras áreas e, para a península, continua a afluir, lentamente, uma população de mesma classe social da antes já residente, porém sem ter a indústria como força de constituição. Supõe-se que esta população para aí converge pelos baixos preços dos terrenos e pela proximidade do centro comercial da cidade baixa. Imagens 96, 97, 98, 99, 100 e 1O1: Fotografias recentes de antigas fábricas na Península de ltapagipe . U sina de benefici amento de cacau Barreto de Araújo, fábrica de refrigerantes e vidros Fra telli Vila, fábrica de ch ocola tes Chadler, fábrica de cigarros Souzo Cruz, fábrica de refrigerantes Pet-pop e fábrica de tecidos Paraguassú . FONTE: Arquivo particular da autora. 15 1 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência Proporcionado pelo impulso da descoberta do petróleo e a nova vetorização da indústria no antigo centro industrial foi gerado um espaço descontínuo e complexo, provocando sucessivas defasagens e arritmias - certas coisas rateiaram e pararam, outras foram submetidas a uma força desagregadora que marcou um descompasso e criou lacunas. O espaço da cidade de Salvador que antes abrigava, entre outras funções, a de centro produtivo, foi distendido. Nos espaços obsoletos desta parte da cidade reside, latente, o encanto pelas coisas danificadas e corrompidas, pela materialidade da memória: "A mobilidade no tempo de cada parte da cidade está profundamente ligada ao fenômeno obietivo da decadência de certas zonas. Esse fenômeno, geralmente conhecido na literatura anglo-saxã pelo termo "obsolescense", é sempre mais evidente nas grandes cidades modernas(... ).Essas áreas da cidade não seguem pois suas vidas mas representam durante longo tempo ilhas em relação ao desenvolvimento geral; vimos que elas atestam os diversos tempos da cidade e, simultaneamente, configuram-se como grandes áreas de Imagem 102: Vista da fóbrica de tecidos Empório Industrial do Norte, na Praia da Boa Viagem. Autoria do Arq. Joaquim Viana. FONTE: Arqu ivo particular do Arquiteto. reserva. " (ROSSI, 1966, pg.136). Com a instalação da PETROBRÁS no Recôncavo baiano, fez-se presente uma matriz econômica totalmente estranha à matriz técnica e social da economia local. Por isso vale dizer que, com a estagnação das indústrias da Península, morreu a indústria verdadeiramente baiana, ou seja, não subsistiu a indústria fundada com capitais locais para atender ao mercado local. O processo de industrialização, comandado pelo capital de São Paulo desde 1930, tem como principais efeitos a efetivação da superioridade da produção do Centro Sul com a concentração do poder ao nível do Governo Central, o desmonte das barreiras regi- Imagem 102 : O Polo petroquímico de Camoçarí inaugurou um novo capítulo na história da industrialização no Bahia. FONTE: DAI'lTASLÉ. 152 TERCEIRA IMAGEM A Obsolescência onais protetoras dos interesses locais do Nordeste e da Bahia, e a renegação da força de trabalho baiana a reservatório de mão-deobra, que tem como consequência as migrações internas no sentido Nordeste/Sudeste. Sob a égide da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), foi após 1960 que se iniciou a industrialização maciça do Nordeste. Desta vez os capitais do Centro Sul do Brasil e os capitais internacionais afluem à região, beneficiados por enormes incentivos fiscais que vão lhes render taxas inusitadas 134 • Além destes incentivos fiscais, no Centro Industrial de Aratú, muitas outras facilidades foram concedidas : Ver O LIVEIRA, 1987, Pg. 48. " (.. .)enquanto as indústrias do Centro-Sul acusavam uma taxa de rentabilidade de 14%, os instaladas no N ordeste sob os auspícios dos incentivos fiscais obtin ham uma performance de 134 //terrenos vendidos a preços simbólicos/ infra-estrutura completa/ compreendendo água (enquanto Salvador padecia de uma falta d/água imeora~/ rede de esgotos e despeios industriais/ farto suprimento de energia elétrica/ sistemas viários inferno e externo/ e um porto próprio/ fora do controle do porto de Salvador. Todas as potencialidades louvadas pelos autores do //enigma baiano// são postas a serviço da nova industrialização. /10LIVEIRA, 1987, Pg. 49/50). A estrutura industrial constituída na Bahia de então foi centrada na produção de bens intermediários, visando complementar a indústria do Centro-Sul, com o argumento de integrar as duas regiões mais rapidamente. A situação que se configura então foi: a Bahia produzia e exportava para o Sudeste os bens intermediários e via-se na posição de precisar importar da mesma região os produtos industriais de consumo. Com a nova industrialização, o recôncavo baiano entrou em crise de terrível improdutividade e toda a área metropolitana de Salvador desruralizou-se. Caiu vertiginosamente a produção agrícola e o elo entre a capital e sua região se desfez. A Bahia era, então, dependente dos interesses econômicos extra-regionais. A imponente rede urbana que se desenhava por toda a Baía de Todos os Santos se arrefeceu e foram marginalizados os velhos centros de produção regional. O Vapor de Cachoeira parou no mar e as chaminés da península emudeceram e ruíram. O tempo da indústria na Península de ltapagipe se condensou numa camada subposta. À antiga contraposição antigoXnovo oferecida pelo surgimento das fábricas no balneário que era a Península, se contrapôs um terceiro momento- a obsolescência desta contraposição que agora é uma composição. O antigo e o novo-que-agora-se-tornouantigo se juntaram em contraposição a um terceiro momento: o novo-novo. Agora o efeito remissivo advém tanto das torres das 153 TERCEIRA IMAGEM A O bsolescência igrejas e dos baluartes do forte, quanto das chaminés das fábricas que, juntos, oferecem mais do que uma imagem da modernidade, mas a imagem de uma modernidade envelhecida. Verei a fábrica em azáfama engolfado/ Torres e chaminés os mastros da cidade/ E os vastos céus a recordar a eterni1 1 dae~ 135 Guardemos este trecho de poema e estejamos com o poeta que 11 entendia a modernidade como 0 efêmero1 o conlingente1 a metade da arte cuia outra metade é eterna e imutáver 135 No trecho do poema de BAUDELAIRC STAROBINSKI indico a id éio de que o modernidade só é possível na contraposição com o antigo. Somam-se, no poema e na Península, os chaminés e os campanários o observarem a eternidade. (STAROBINSKI, 1992). 154 BIBLIOGRAFIA BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Bibliografia específica ACCIOLY (Cerqueira Da Silva), Ignácio (1937). "Memórias históricos e polfticos da província do Bahia". Governo do Estado. Anotodor: Dr. Brás, Bahia, Imprensa Oficial. ALBAN, Naia (1995). "Deconstrução do modelo epucsiono de Salvador". 7º Seminário de Arquitetura Latino Americana, USP - Escola de Engenharia de São Carlos, inédito. ALMEIDA, Rômulo de (1951 ). 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Diniz da Gama, 1902, Fábrica de calçados, Rua dos Dendenzeiros, 233. 2. Agostinho Dias Lima, 1900, Fábrica de chocolates, Rua da Calçada. 3. Alves & Carvalho, 1928, lndustria de algodões medicinais, Rua Travasso de Dentro (atual Flávio de Araújo). 4. Andrade e Irmão, 1902, Fábrica de cal, Pedra Furada. 5. Antártica , Rua Cosme Moreira ou Travasso do meio. 6. Antônio Luiz Marinho, 1883, Fábrica de sabão e velas, Porto do Bonfim. 7. Antônio Vieira de Andrade, 1902, Fábrica de bebidas "Cerveja Brasil", Caminho de Areia . 8. Armazéns Gerais União, séc. XIX, Rua Barão de Cotegipe. 9. Atlântica, Rua Visconde de Caravelas. 1O. Banco Comercial da Bahia, 1902, Fábrica de Fósforos, Rua da Roma. 11. BHERING Cio. S.A., 1933, Fábrica de beneficiamento de cacau, Av. Beira mar, Porto do Bonfim, no 18. 12. Cameron Smith & Cio., 1873, Fundição, Monte Serrat. 13. Cancio Pereira Soares, 1902, Fábrica de caixas de papelão, Calçada, 58. 14 . Correra e Guedela, 1918, Fábrica de Café Bonfim, Porto do Bonfim. 15. Correra e Guedela, 1918, Fábrica de pão, Bonfim. 16. Chadler, 1935, Av. Conselheiro locarias. 17. Clementina Robatto Brandmuller, 1916, Cervejaria 'A Nortista', Rua do Bogarim. 18. Coca-cola, séc. XX, Av. Frederico Pontes. 19. Companhia Aliança da Bahia, 1939, Loteamento dos terrenos, Rua Lélis Piedade. 20. Companhia Antártica Paulista, 1939, Av. Barão de Uruguaiana, nº 66. 21. Companhia Bahiana (Lioyd Brazileiro), 1902, Estaleiro, Ribeira de ltapagipe. 22. Companhia Empório Industrial do Norte, 1892, Av. Luiz Tarquínio. 23. Companhia Fabril dos Fiaes, 1899, Rua Voluntários da Pátria. 24. Companhia Metropolitana da Bahia, 1902, Fundição à vapor, Rua da Jequitaia, 271. 25. Companhia Progresso Industrial da Bahia, 1899, Fábrica Paraguassú, Largo Santos Dumont, (Largo do Papagaio). Vila operária com 200 casas, 1925, Av. Carneiro da Rocha . 26. Companhia União Fabril da Bahia, 1899, Fábrica de tecidos, Rua N. S. da Penha. 27. Constantino de Aqui no Leite, 1902, Fábrica de pregos, Calçada. 28 . Costa David & Cio., 1873, Porto da Ribeira. (N. Sra. Da Penha), Rua do Bogarim. 29. Cox Irmãos e Cia., 1888, Fundição, Jequitaia. 30. Depósito de cera, Av. Régis Pacheco. 31 . Depósito de couros e peles Rover, Av. Régis Pacheco. 32. Depósito de couros e peles, Av. Régis Pacheco. 33. Depósito de Nelson Pinheiro Chaves, Av. Nilo Peçonha. 34. Depósito de telhas Eternit, Av. Régis Pacheco. 35. Desconhecido, 1909, Fóbrica de tecidos, Praça Santos Dumont. 36. Desconhecido, Massaranduba. 1924, Casa típica para fabrico de massas, Av. Rocha, Rua da 37. Desconhecido, 1929, Fábrica de bebidas, Calçada do Bonfim, nº 118. 38. Edmond Penley Cox, 1883, Fundição, Jequitaia. 39. Edwirges M. da Encarnação e Silva, 1902, Estaleiro, Porto dos Mastros. 40. Emilio Barbosa de Vasconcellos, 1902, Estaleiro, Porto dos Mastros. 41. Estaleiro, Porto do Bonfim. 42. Fóbrica Av. Tiradentes. 43. Fóbrica de camas potente, Av. Fernandes da Cunha. 44. Fábrica de Óleos vegetais, Av. Nilo Peçonha. 45. Fóbrica de oxigênio, Av. Nilo Peçonha. 46. Fábrica de Sabão Aliança, Av. Régis Pacheco. 47. Fóbrica de Tecidos Conceição, 1872, Rua Voluntórios da Pátria. 48. Fábrica de tecidos Fiais, 1872, Rua Voluntários da Pótria. 49. Fóbrica de tecidos N . Sra. Da Penha, 1873, Rua da Ribeira (atual Av. Men de Sá). 50. Fábrica de velas São Carlos, Rua Nilo Peçonha. 51. Fóbrica do Grupo S. José ltda., Av. Tiradentes. 52. Fóbrica Fratelli Vita, Rua Barão de Cotegipe. 53. Fábrica Paraguaçu, Largo do Papagaio. 54. Fóbrica Sabor, Av. Tiradentes. 55. Fábrica São João, Av. Men de Só ou Porto dos Mastros. 56. Fóbricas de velas e sabão, Rua Nilo Peçonha. 57. Ferreira Alves, 1894, Fábrica de cigarros, Calçada do Bonfim. 58. Ferreira Fresco & Cia, 1913, Fóbrica de conservas e doces, Porto do Bonfim, nº 2. 59. Francisco Inácio & Cia., 1948, lndustria de vidros, Ruas Domingos de Abreu Vieira (no 76, 78, 80) e Lopes Trovão (nº 77, 79,81 ). 60. Francisco Maria Kiappe, 1902, Moinho, Calçada. 61. Fratelli Vita, 1904/1923, Fábrica de bebidas, Calçada do Bonfim, ano 1904 (suco de uva), ano 1923 (bebidas e vidraçaria). 62. Gama & Irmãos, 1892, Fábrica de calçados, Rua da Calçada, 233. 63. Gatto Antônio & Casemiro, 1937, Fábrica de ladrilhos, Av. Tiradentes. 64. Gustavo Müllem, 1902, Fábrica de gasosas, Calçada, 62. 65. Henrique Manuel Marbak, 18 71/1872, Fábrica de sabão, Bonfim, Freguesia da Penha. 66. Imperial fábrica de artefatos de fumo e sabão, Calçada do Bonfim. 67. Indústria Gama ltda., Av. Tiradentes . 68. Indústria têxtil Bahiana, entre a Av. Régis Pacheco e a Rua Luiz Maria. 69. Indústrias de ceras vegetais, Rua Lopes Trovão. 70. lndustrias de vidros e cristais Liro, Rua Lopes Trovão. 71. Indústrias Reunidas Colúmbia, Rua Marquês de Santo Amaro. 72. Jequié RUBBER SINDICATE, 191 O, Fábrica de beneficiamento de borracha, Av. Luiz Tarquínio. 73. João Ferreira Gonçalves Bastos, 1902, Moinho, Calçada. 7 4. José Antônio (orvalhai, 1902, Estaleiro, Porto dos Mastros. 75. José Bezerra Monteiro, 1902, Moinho, Rosário de ltapagipe. 76. José Ferreira Machado, 1907,01 estaleiro, Largo do Papagaio. 77. José Ferreira, Fábrica de chocolates, 1900, Rua da Calçada, 49. 78. José Francisco da Rocha, 1871, Fábrica de sabão, Calçada do Bonfim. 79. José Gonçalves de Oliveira Reis, 1902, Hipódromo, S. Salvador, Boa Viagem. 80. José Pereira & C ia., 1902, Fábrica de cigarros, Largo dos Mares, 49. 81. José Pereira & Cio., 1902, Fábrica de moer cereais, Largo dos Mares, 49. 82. José Pereira e Cio., 1901, Fábrica de chocolates e bombons, Calçada do Bonfim. 83. José Pereira, 1898, Fábrica de cigarros, Calçada do Bonfim. 84. José Victor de Alencastro, 1917, Fábrica de Café Guarani, Calçada do Bonfim. 85. Julio Rodrigues e Cio., 1918, Reforma da Fábrica de Vidros, Marquês de Caxias, nº 2. 86. Laureano Garcia Lorenzo, 1918, Fábrica de pão, Calçada. 87. Leite & Alves, 1899, Fábrica de cigarros, Rua da Calçada. 88. Lima e Irmãos, 1848, Fábrica de sabão e velas, Jequitaia. 89. Luiz Barreto Filho, 1930, Usina para beneficiamento mecânico de fumo, Rua do Imperador. 90. Marchisini & Raymond, 1907, Fábrica de Fiação, ltapagipe. 91. Martins Fernandes & Cio, 1902, Fábrica de cigarros Rua da Calçada, 106. 92. Oficina Kase Frazer, Rua Esmeraldino Bandeira. 93. Pet-Pop, Fóbrica de refrigerantes, Praça General Justo. 94 . Rafael Serravale, 1914, Fóbrica de Café Doméstico Elite, ltapagipe. 95. Rafael Serravale, 1912, Fóbrica de Café Luso Brasileiro, Bonfim. 96. S/a Wildberger, Av. Fernandes da Cunha. 97. Saboaria Atlântica ltda., 1938, Rua Marquês de Santo Amaro. 98. Sales Caterpilar Service, Avenida Tiradentes. 99. Serraria Bonfim, Rua do Uruguai. 100. Serraria Ítalo-brasileira, Rua do Uruguai. 1O1. Serraria Massaranduba, Rua Santos Titóra. 102. Serraria Mocambo, Rua Rezende da Costa. 103. Serraria Sto. Antônio, Rua Duarte da Costa. 104. Souza Cruz, Fóbrica de cigarros, Av. Luiz Tarquínio. 105. Teotônio Magalhães e Cia., 1892, Fóbrica de charutos, Calçada do Bonfim. 106. Vieira Garcez e Cia. Ltda. Praça Castro Alves. 107. Virgílio de Carvalho e C., 1899, Fóbrica de cervejas, Rua da Calçada, 24 (Barão de Cotegipe). 108. Virgílio de Carvalho, 1906, Fóbrica de bebidas (aguardente, genebra e cognac), Calçada do Bonfim. 109. Virgílio de Carvalho, 1900, Fóbrica de vinagres, Rua do Imperador, 23. 11 O. Virgílio O. de Carvalho, 1902, Fóbrica de velas, Rua dos Mares, 23. 111. Vitorino Marquesini, 1914, Fóbrica de sabão e velas, ltapagipe. 1 12. Wilson Sons & Cia., 1892, Estaleiro, Porto da Lenha. \o ·' I --I ' I oi 1J 11 •' -~)\ ' . L ' ' _I:U... \. 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