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Recife, 2021
universidade de pernambuco – upe
Reitor: Prof. Dr. Pedro Henrique Falcão
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editora universidade de pernambuco – edupe
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Coordenador: Prof. Dr. Carlos André Silva de Moura
Este livro foi submetido a avaliação do Conselho Editorial da Universidade de Pernambuco.
Acervos e fontes: diferentes caminhos para o ensino de história
oliveira, João Paulo Gama (org.)
isbn: 978-65-86413-50-2
1ª edição, julho de 2021.
Essa obra foi publicada com o apoio financeiro do edital interno n. 01/2021 PROFHISTÓRIA UFS
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem
prévia autorização dos autores e da Edupe.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
APRESENTAÇÃO
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
5
9
ENSINAR HISTÓRIA NA ERA GOOGLE: O USO DE WEBSITES COMO
FONTES HISTÓRICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Osvaldo Rodrigues Junior
“DO PÓ DO ARQUIVO AO CLICK”: RECURSOS METODOLÓGICOS
PARA O USO DE FONTES NO ENSINO DE HISTÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Mariana Emanuelle Barreto de Góis e Natália Batista Peçanha
ABORDAGEM DE TEMÁTICAS DA DITADURA CIVIL-MILITAR NO
JORNAL “GAZETA DE SERGIPE” (1968-1978) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Mayra Ferreira Barreto e Joaquim Tavares da Conceição
USO DE FONTES HISTÓRICAS EM SALA DE AULA E PROTAGONISMO
DISCENTE NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO HISTÓRICO:
UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
Lorena de Oliveira Souza Campello
CIDADE, MEMÓRIAS E TEMPORALIDADES: UMA ABORDAGEM
SOBRE USOS DE FONTES NO ENSINO DE HISTÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
Arnaldo Pinto Junior e Maria Sílvia Duarte Hadler
O ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE E O ENSINO DE
HISTÓRIA: UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
Sayonara Rodrigues do Nascimento Santana, Simone Paixão Rodrigues e Tatiana Silva Sales
ARQUIVOS ESCOLARES E ENSINO DE HISTÓRIA: ALGUNS APONTAMENTOS . . . . 130
João Paulo Gama Oliveira
OS PROCESSOS MUSEOLÓGICOS COMO UM CONSTRUCTO PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
Cristina de A. Valença C. Barroso, Priscila Maria de Jesus e Sura Souza Carmo
VER, REFLETIR E PENSAR: ENSINO DE HISTÓRIA E ACERVO DO
MUSEU DO CEARÁ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
André Luiz de Paula Chaves Lima
ACERVO DE LIVROS DIDÁTICOS DO LABORATÓRIO DE ENSINO DE
HISTÓRIA – LEH/UFPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176
Lisiane Sias Manke e Mara Inês Alflen
O LIVRO DIDÁTICO COMO FONTE HISTÓRICA: POR UMA
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NO COTIDIANO ESCOLAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192
Valéria Soares de Oliveira e Isaíde Bandeira da Silva
CLIO DIANTE DO ESPELHO: MEMÓRIAS E ACERVOS NOS 60 ANOS
DO CURSO DE HISTÓRIA DA UFRN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210
Magno Francisco de Jesus Santos
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
223
PREFÁCIO
O documento já foi o elemento que atestou a verdade da narrativa histórica. Desse modo, ele representou uma forte aliança com a história oitocentista, dos quais os tentáculos percorreram, sem cessar, todo o século
XX. Foi preciso um movimento radical na historiografia e na teoria da
História, talvez impulsionado pelo gênio de Marc Bloch, para redefinir
o lugar dos documentos na criação de narrativas sobre o passado. Mas
nem os annales, nem Foucault e seus amigos da Nova História, ousaram
pensar em uma narrativa histórica sem documentos. Febvre (1985) não
deixa que a crítica destitua do documento o seu papel central na construção da imaginação histórica, mas, ao mesmo tempo, problematiza
profundamente o documento escrito com seu tom imperial e definitivo:
A história se faz com documentos escritos, quando existem. Mas ela
pode e deve ser feita com toda a engenhosidade do historiador... Com
palavras e sinais. Paisagens e telas. Formas de campos e ervas daninhas.
Eclipses lunares e cordas de atrelagem, Análises de pedras pelos geólogos e de espadas de metal pelos químicos. Numa palavra, com tudo
aquilo que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e
as maneiras de ser do homem (FEBVRE apud: LE GOFF, 2003, p. 530).
Podemos dizer, portanto, parafraseando Febvre, que o ensino de História se faz com documentos, mas também com a engenhosidade e a
criatividade de professores e professoras.
5
Logo, a crítica ao documento e, particularmente, ao documento escrito, apenas o desloca daquele lugar de reino da verdade, que os oitocentos haviam reservado a ele, para ser reconhecido como multiplicidade,
como abertura ao sentido, como matéria bruta que emite singularidades.
Desde aí, o documento dito, escrito, escutado, sentido ou visto é concebido como uma multiplicidade onde os corpos-historiadores produzem
rachaduras, ao se lhes invocar o Arquivo e se lhes descrever na forma
pura de diagramas de poder e de estratos de saber (DELEUZE, 2005). E
a História se tornou interpretação. E à disciplina história se lhe restitui,
novamente, a potência da imaginação (WHITE, 2019).
Eis a razão e a atualidade deste livro.
Um livro que eleva à infinita potência da Natureza, a arte de ensinar histórias com a presença insuspeitável das “fontes documentais’’.
Acervos e fontes oferecem sim diferentes caminhos para o ensino de
História. Acervos e fontes oferecem infinitos caminhos para o ensino de História. O que temos aqui neste livro, em cada artigo, em cada
fragmento de vida que pensou com os acervos, os documentos, as fontes,
são formas de produzir imaginação sobre os modos de vida do passado e
oferecê-los como experiências às novas gerações.
As colegas e os colegas escritores, professoras, historiadoras que se
puseram a enfrentar o cotidiano tenso e difícil, num tempo onde o sofrimento parece ser uma lógica disposta no princípio da descontinuidade
que é cada vida, enfrentaram, com coragem e determinação, a aparente
e enganosa solidez deste presente tóxico, para pensar um refúgio construído pela dobra desse próprio presente, aulas de História com documentos, dispostas a corroer o solo duro da banalidade e criar novas formas de relação com o passado e entre os seres do mundo.
O importante é que cada “palavra desenhada”, cada artigo, cada ideia
de como pensar as fontes documentais em uma aula de História carrega
consigo um conjunto indeterminado de forças, expressa a potência da
Natureza, afirma as forças tempestuosas da resistência aos poderes instituídos.
6
Ensinar História, escrever, pensar, usar documentos para criar situações de aprendizagem são, ainda mais nestes tempos sombrios da atualidade, gestos de resistência. São desvios produzidos pela vida que nos
dizem o tempo todo que querem continuar a viver, enfrentando os poderes malditos que diminuem nossas forças. Pensar se dá nos buracos;
nos furos; na violência produzida pelos signos; nos desvios; pensar é o
verdadeiro nome da resistência.
Cada autor, cada autora deste livro, ao problematizar a internet, os
jornais, a cidade, a memória, os arquivos públicos e escolares, os museus, os livros didáticos, ofereceram à criatividade e à engenhosidade de
pesquisadoras/pesquisadores/professoras/professores, um campo infinito e aberto de possibilidades de criar mundos novos e provocar os estudantes a imaginar novos mundos.
Os leitores e as leitoras precisam estar à espreita, hesitando em relação ao que os saberes que constituem suas subjetividades definem como
história, passado, aula de História, documentos, pois cada texto, cada
palavra aqui desenhada, movimenta um turbilhão indeterminado de forças que oferecem problemas para pensar, abertura para outros mundos
possíveis e imagináveis. Ao nos oferecer modos de ensinar História com
documentos e, portanto, diferentes caminhos para o ensino de História, o que fazem é colocar em jogo a potência de todas as histórias contadas, ameaçando todos os negacionismos, todos os universais, toda a
banalidade e todo o autoritarismo que tem feito deste momento em que
vivemos um recorte sofrido e difícil de nossa história.
Afinal de contas, contar histórias tem sido a nossa sina.
E essa contação sempre nos faz entrar num jogo de lembrança e de
esquecimento. Lembrança de que o ser do tempo é o passar, o fluxo que
nos faz crer que o que está sendo hoje, por mais difícil e terrível que possa parecer, vai se perder e voltar um dia para o esquecimento. Já vimos
histórias como essas - negacionismo, banalidade, maldade, destruição
- mas os seres do mundo resistem, os movimentos LGBTQI+, os movimentos de negras e de negros, os movimentos indígenas, os movimentos
7
feministas, os trabalhadores que nem sempre esperarão calados à caça
dos seus direitos… e as aulas de História nos darão a lembrança de passados que nos permitirão problematizar o presente e criar futuros; mas
também nos dará o esquecimento, para podermos viver a plenitude do
tempo, desviando do “eterno” e tenebroso presente, para saborear outras
vidas, temporalidades, questões, problemas e aprender com tudo isso
criando outros presentes com mais singularidades e potências para fazer
a vida ser a pura resistência a todos os poderes agora instituídos: o racismo estrutural, o patriarcado, o sistema mundo e a lógica capitalística.
Escrever estas poucas linhas é um modo de aplaudir com a força de
milhares de mãos a aventura, a coragem e a criatividade de cada professora, de cada professor, de cada pesquisadora e de cada pesquisador
que nos desafiam a pensar sobre diferentes caminhos para o ensino de
História, nesta bela obra.
Nilton Mullet Pereira, outono de 2021.
Referências
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2005.
LE GOFF, Jacques. História e Memória; tradução Bernardo Leitão... [et al.]. 5ª ed. –
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.
WHITE, Hayden. O passado prático. Artcultura, Uberlândia, v.20, n.37, p. 09-19,
2018. Disponível em: https://doi.org/10.14393/artc-v20-n37-2018-47235 Acesso em: 25
jul. 2019.
8
APRESENTAÇÃO
O trabalho com fontes é tão importante para as aulas de história quanto são as experiências em laboratório para as aulas de química, física
ou biologia. De um lado, porque ele permite ampliar o conhecimento
sobre o passado e, de outro, porque possibilita que alunos e alunas percebam, na prática, como se constitui o conhecimento histórico escolar
(ALBERTI, 2019, p.107).
Em consonância com os escritos de Verena Alberti ao iniciar a definição
de Fontes no “Dicionário de ensino de história”, a presente obra nasceu com o objetivo de integrar docentes da educação básica e superior
interessados em discutir acerca de possibilidades e questões referentes
ao trato com os acervos e fontes como caminhos possíveis para a construção do conhecimento histórico. São professores que trazem para o
debate suas práticas do dia a dia da sala de aula, suas investidas em arquivos físicos e virtuais, além dos resultados das suas pesquisas na pós-graduação stricto sensu, dos seus projetos em universidades e escolas de
diferentes partes do Brasil.
O livro é um conjunto diversificado de escritos a partir de díspares
problematizações sendo todas relacionadas à labuta do ser professor de
História. Os textos abarcam desde documentos e acervos largamente
utilizados pelos docentes no cotidiano do seu trabalho até a incorporação de debates recentes e urgentes para o ensino de História, como as
fontes digitais, por exemplo. Tencionamos que as discussões alcancem
9
tanto os docentes da área, nos seus diferentes níveis de ensino, quanto
acadêmicos interessados em temática tão relevante e necessária para sua
formação e atuação.
O debate sobre fontes para o ensino de História é amplo e de longa
data. Flávia Caimi (2008) destaca que ao longo de todo o século XX é
possível localizar a incorporação dos documentos nos manuais e livros
didáticos de História, bem como recomendações para o seu uso em sala
de aula. Entretanto, a mudança que ocorreu nas últimas décadas consiste
justamente nas finalidades de tal uso, de modo a problematizar o significado dos documentos e extrapolar sua função de ilustrar, informar ou
provar algo.
Sabe-se também que os próprios livros voltados para a formação inicial e continuada de professores de História tratam da temática, como
pode-se ver em: “Ensino de História: fundamentos e métodos”, em que
Circe Bittencourt (2004) dedica um capítulo aos “Usos didáticos de documentos” e outro aos “Documentos não escritos na sala de aula”; “Ensino
de História”, obra escrita por Kátia Abud, André Chaves Silva e Ronaldo
Cardoso Alves (2010, p. XII) que busca auxiliar o professor de História a
explorar “documentos diferenciados sobre os quais se apoiam o conhecimento histórico e a construção do pensamento histórico do aluno”; No
livro “Saber histórico na sala de aula”, ao escrever sobre “A formação do
professor de história e o cotidiano da sala de aula”, Maria Auxiliadora
Shmidt (2003, p. 61) pontua que: “[...] um dos elementos considerados imprescindíveis ao procedimento histórico em sala de aula é, sem dúvida,
o trabalho com as fontes ou documentos”; em “História na sala de aula”
a autora Holien Bezerra (2012) trata do “Ensino de História: conteúdos
e conceitos básicos” e destaca que “Faz parte da construção do conhecimento histórico, no âmbito dos procedimentos que lhe são próprios a
ampliação do conceito de fontes históricas, que podem ser trabalhadas
pelos alunos”.
Em outro conjunto de obras com foco nos anos iniciais, encontram-se
preocupações semelhantes sobre a utilização das fontes para o ensino
10
de História. Como pode-se ver em: Selva Guimarães Fonseca (2009) em
“Fazer e ensinar História” com a discussão sobre “A incorporação de diferentes fontes e linguagens no ensino de História”; Bianca Zucchi (2012)
abre um espaço no seu livro para tratar especificamente sobre “As fontes
e os documentos históricos escritos” e “não escritos”; Ana Claudia Urban e Teresa Luporini (2005) também dedicam um capítulo para o “Trabalho com fontes históricas” e mesmo com “Arquivos”. Só para citar alguns entre tantos outros.
Nesse sentido, para além de perspectivas macro apresentamos na
presente obra propostas que dialogam com trabalhos em espaços específicos de diferentes partes do Brasil com problematizações a partir de
questões com as quais se deparam professores e alunos na construção
do conhecimento histórico. O diverso conjunto de autores – acadêmicos
de História; professores da educação básica das redes federal, estadual,
municipal e particular de ensino; docentes do ensino superior de instituições particulares e públicas - estaduais e federais, de sete estados, de
quatro regiões do país, se aventuram por dialogar em torno da problemática do trato com as fontes e acervos no ensino de História.
A partir desse ponto em comum os escritos tratam das fontes para
analisar a história da cidade e dos sujeitos que a construíram; as fontes
digitais são escrutinadas a partir das análises dos websites para o ensino
de História como também das imposições feitas ao professor de História diante da pandemia da covid-19; fontes diversificadas utilizadas em
um projeto desenvolvido em cursos técnicos do ensino médio; os jornais
como fontes para o estudo da Ditadura Civil-Militar no Brasil, além do
livro didático tomado como fonte para o estudo da educação antirracista.
Por outro lado, envereda-se pelos acervos de livros didáticos, de museus,
de um curso de graduação em História e os arquivos, sendo eles: escolares, integrante de centro de memória universitário e público estadual.
Abrem os trabalhos a provocativa discussão de Oswaldo Rodrigues
Júnior sobre o uso dos websites como fontes históricas no ensino de História e o debate a respeito da relação entre História e internet, a natureza
11
das fontes digitais e os seus desdobramentos para as práticas de pesquisa e ensino, como também algumas orientações para o uso dos websites pelos professores de História. Dentro de perspectiva semelhante,
mas intimamente relacionado aos desafios enfrentados pelo professor de
História da educação básica com as aulas remotas devido à pandemia da
COVID-19, o artigo de autoria de Mariana Góis e Nathalia Peçanha traça caminhos para o trabalho com fontes históricas por meio dos “clicks”
em acervos digitais como da Biblioteca da Hemeroteca Nacional, do Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe e mesmo de jornais digitalizados
disponíveis no site da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
Mayra Ferreira Barreto e Joaquim Tavares da Conceição também fazem uso dos jornais disponíveis no site da UFS, mais especificamente
tomam como objeto de estudo as edições do jornal Gazeta de Sergipe entre os anos de 1968 e 1978 para discutir a utilização de fontes jornalísticas como recurso didático nas abordagens de temáticas relacionadas
ao período da Ditadura Civil-Militar no Brasil. Com um olhar a partir
da educação básica, Lorena Campello apresenta e discute a experiência
didática desenvolvida por meio do projeto “Uso de fontes históricas em
sala de aula e protagonismo discente na construção do conhecimento
histórico” realizada com discentes do ensino médio integrado dos cursos de Eletrotécnica, Edificações, Aquicultura e Energias Renováveis do
Instituto Federal de Sergipe. A autora expõe “frutos e discussões” provocados nas turmas com as quais desenvolveu as experiências didáticas
reafirmando a importância de que o aluno da educação básica perceba
como se processa a pesquisa em história e colabore para a construção do
conhecimento histórico no âmbito escolar.
Logo depois temos uma sequência de textos que tratam dos arquivos e seus documentos a partir de distintas perspectivas. Arnaldo Pinto Junior e Maria Sílvia Duarte Hadler oferecem uma instigante análise
sobre os arquivos e centros de memória como lugares de aprendizagem
e propícios à produção do conhecimento histórico escolar, de maneira específica direcionam o olhar para as questões locais e o ensino de
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História a partir dos resultados de um projeto de extensão desenvolvido
pela Unicamp.
Ainda dentro do foco dos arquivos físicos, mas com uma lupa voltada para o acervo documental do Arquivo Público do Estado de Sergipe,
Sayonara Rodrigues do Nascimento Santana, Simone Paixão Rodrigues
e Tatiana da Silva Sales focam o Fundo de Educação como recurso didático para o ensino de História e realizam um convite aos professores e
alunos a fazerem do arquivo estadual salas de aulas para o ensino de História. Já João Paulo Gama Oliveira aponta possibilidades para o ensino
de História a partir do arquivo escolar situando-o dentro do patrimônio
escolar e dialogando com diferentes pesquisas que seguiram tal proposta
de trabalho. Ambos são textos que provocam reflexões sobre o uso dos
arquivos na construção do conhecimento histórico escolar.
Saindo dos arquivos chegamos nos museus em dois artigos que indiretamente dialogam entre si. No primeiro, um grupo de professoras do
curso de Museologia da UFS composto por Cristina Barroso, Priscila de
Jesus e Sura Carmo realizam uma discussão teórica sobre os processos
de ensino de História a partir do uso dos museus e seus acervos. No segundo, André Lima, professor de História que tomou o Museu do Ceará
(MC) como objeto de sua dissertação defendida no ProfHistória da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apresenta algumas
peças do acervo e módulos do MC e provoca a reflexão sobre diferentes
possibilidades de exploração/criação no ensino de História neste espaço
de memória, assim como em outros espaços educativos.
Logo depois a obra engloba a discussão sobre livros didáticos. De um
lado temos o trabalho de Lisiane Manke e Mara Alfen acerca do processo de constituição do acervo de livros didáticos que pertence ao Laboratório de Ensino de História (LEH) vinculado ao Departamento de
História e ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Pelotas com ênfase na importância da sua construção e manutenção para as práticas escolares de ensino de História e o desenvolvimento de pesquisas na área. Do outro, os escritos de Valéria Oliveira e
13
Isaíde Silva apresentam alguns dos resultados de uma pesquisa de mestrado que objetivou analisar como o racismo se reflete no cotidiano escolar em três escolas públicas de Quixadá, município do Sertão Central
do Ceará. Para atingir tal fim, um dos caminhos percorridos foi a análise
do livro didático de História do ensino fundamental e médio como fonte.
Encerram os trabalhos o artigo de Magno Francisco dos Santos com
foco no ensino superior de História ao tratar do acervo do curso de História da UFRN nos seus 60 anos de fundação. O texto foge aos enaltecimentos e nomes próprios diante da comemoração e centra-se na discussão da trajetória do curso a partir da exposição dos trabalhos realizados
pela Comissão instituída para coordenar as ações da celebração. Com
uma escrita cativante o autor provoca reflexões sobre os usos do passado
e mesmo a invenção das tradições universitárias.
Por fim, a obra reafirma a necessidade do diálogo entre o mundo acadêmico e escolar como também a indissociabilidade entre o ensino e a
pesquisa no ensino de História. Como o próprio título sugere, expomos
alguns possíveis caminhos, entre tantos outros, em prol da construção
do conhecimento histórico escolar a partir do trato com fontes e acervos, cientes de que inúmeros outros percursos são possíveis de serem
trilhados por docentes e alunos que cotidianamente constroem as aulas
de História em distintos espaços do vasto Brasil.
João Paulo Gama Oliveira (Organizador da Obra)
Abril de 2021
Referências
ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso. Ensino
de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010. (Coleção Ideias em Ação / coordenadora Annamaria Pessoa de Carvalho.
ALBERTI, Verena. Fontes. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; OLIVEIRA, Margarida
Maria Dias de (Orgs.). Dicionário de ensino de História. Rio de Janeiro: Editora FGV.
2019. p. 107-112
14
BEZERRA, Holien. “Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos”. In: KARNAL,
Leandro (Org.). In: História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6 ed. São
Paulo: Contexto, 2012. p. 37-48.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História. fundamentos e métodos. 2. ed. – São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção docência em formação, Série ensino fundamental).
CAIMI, Flávia Eloisa. Fontes históricas na sala de aula: uma possibilidade de produção de conhecimento histórico escolar. Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p.129-150,
dez. 2008.
FONSECA, Selva Guimarães. Fazer e ensinar História: anos iniciais do ensino fundamental. Belo Horizonte: Dimensão, 2009.
SHIMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de História e o cotidiano da
sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe. O saber histórico em sala de aula. 8 ed. São
Paulo: Contexto, 2003.
URBAN, Ana Claudia; LUPORINI, Teresa Jussara. Aprender e ensinar História nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. São Paulo: Cortez, 2005. (Coleção biblioteca
básica de alfabetização e letramento).
ZUCCHI, Bianca. O ensino de história nos anos iniciais do ensino fundamental:
teoria, conceito e uso de fontes. São Paulo: SM. 2012.
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ENSINAR HISTÓRIA NA ERA GOOGLE:
O USO DE WEBSITES COMO FONTES
HISTÓRICAS NO ENSINO DE HISTÓRIA
Osvaldo Rodrigues Junior
Introdução
No dia 29 de novembro de 2010, o historiador italiano Carlo Ginzburg
proferiu a conferência, “A História na Era Google”, promovida pelo projeto cultural Fronteiras do Pensamento. Em sua fala, na cidade de Porto
Alegre, Ginzburg destacou as transformações provocadas pela “revolução tecnológica” na pesquisa e escrita da História.
De acordo com ele, podemos encontrar qualquer coisa na internet, desde “falsidades, lixos e infâmias” até “autênticas joias”. Diante dessa realidade, Ginzburg (2010) questiona “Como aprendemos a escolher as joias no
meio de tanto lixo?”; “Como alguém que está aprendendo a pesquisar vai
conseguir se orientar em um modelo desses?” (GINZBURG, 2010)
Partindo dessas considerações iniciais, Ginzburg (2010) sugere que a
compreensão de que a internet é um instrumento democrático é falsa.
Em sua concepção, a internet “é um instrumento potencialmente democrático” (GINZBURG, 2010), que depende de um privilégio cultural e social: o domínio dos instrumentos do conhecimento.
Para realizar uma pesquisa na internet precisamos aprender a usar os
instrumentos do conhecimento. Diante do exposto, Ginzburg (2010) sentencia que “As escolas precisam da internet. Mas a internet precisa de
escolas onde o verdadeiro conhecimento acontece” (GINZBURG, 2010).
Partindo da reflexão de Carlo Ginzburg este texto tem o objetivo de refletir sobre o uso dos websites como fontes históricas no ensino de História.
16
Para tanto, o texto será dividido em três seções. Na primeira trataremos da
relação entre História e internet buscando refletir sobre as mudanças ocasionadas pela World Wide Web para o trabalho do professor-historiador. Na segunda discutiremos a natureza das fontes digitais e os seus desdobramentos
para as práticas de pesquisa e ensino. Por fim, discutiremos algumas orientações para o uso dos websites como fontes históricas no ensino de História.
1. História e internet: “promessas e perigos”
Na introdução do manual Digital History: a guide do gathering, preserving and
presenting the past on the web, Daniel Cohen e Roy Rosenzweig (2006) apresentam de forma crítica as “promessas e perigos” da História Digital. Para
isso, iniciam identificando duas tendências de análise das tecnologias.
Criada em 1993 nos Estados Unidos, a revista Wired expressa em seus
editoriais e artigos a postura cyberentusiasta, definida por Cohen e Rosenzweig (2006) como aquela que profetizava o “paraíso da tecnologia”. Louis
Rossetto, editor da revista chegou a comparar as mudanças sociais provocadas pela revolução digital com aquelas advindas da descoberta do fogo.
Em oposição a essa postura os tecnocéticos demonstram grande preocupação com a revolução digital. Historiadores como Gertrude Himmelfarb e David Noble profetizavam que a internet não distinguiria o falso
do verdadeiro destruindo qualquer possibilidade de autoridade. Como
resultado, os processos educacionais restariam arruinados.
Cohen e Rosenzweig (2006) avaliam que após mais de uma década ambas as profecias sobre o futuro das tecnologias se mostraram pobres. O
paraíso dos cyberentusiastas não foi descoberto, enquanto as universidades e os livros continuavam vivos e a cultura pujante.
Oferecendo uma proposta tecnorrealista1 das tecnologias, Cohen e
Rosenzweig (2006) afirmam que os processos de produção e difusão de
1. Perspectiva proposta pelo cientista da computação e teórico social Phil Agre, que propõe
a análise “caso-a-caso” das relações entre as tecnologias e as instituições com o objetivo de
compreender efetivamente como elas acontecem. Pode ser considerada uma concepção crítica da tecnologia, que se posiciona entre as perspectivas cyberentusiasta e tecnocética.
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conhecimento foram amplamente afetados pela emergência da internet.
Sobre o caso específico da História, os autores comentam que, “nas duas
últimas décadas, as novas mídias e novas tecnologias desafiaram os historiadores a repensar as formas de pesquisar, escrever, apresentar e ensinar sobre o passado” (COHEN; ROSENZWEIG, 2006, p. 2).
Praticamente todo historiador passou a ter um computador pessoal
e os professores de História a utilizarem os seus powerpoints. Uma evidência dessa mudança é a própria World Wide Web, que no momento de
escrita do texto de Cohen e Rosenzweig (2006) possuía 32.959 páginas de
História listadas no diretório do Yahoo.
Diante do exposto, Cohen e Rosenzweig (2006) listam as “promessas e
perigos” da História Digital:
Tabela 1 – Promessas e perigos da História Digital
PROMESSAS
PERIGOS
Capacidade
Qualidade
Acessibilidade
Durabilidade
Flexibilidade
Leiturabilidade (readability)
Diversidade
Passividade
Manipulabilidade
Inacessibilidade
Interatividade
Hipertextualidade
Fonte: COHEN; ROSENZWEIG, 2006.
A primeira promessa ou potencialidade destacada pelos autores é a
capacidade. Um exemplo são os hard drives de 120 gigas, que custam 95
dólares e podem armazenar 120 mil livros. Além disso, as fontes primárias estão disponíveis e podem ser armazenadas de forma digital.
Por meio da rede mundial de computadores as pessoas podem acessar
de forma instantânea dados espalhados pelo universo digital. Sobre essa
18
acessibilidade, Cohen e Rosenzweig (2006) indicam que, “Os historiadores
têm múltiplos públicos. As redes digitais significam que podemos alcançar esses públicos - alunos, outros acadêmicos e professores, o público
em geral - de maneira muito mais fácil e barata do que nunca” (COHEN;
ROSENZWEIG, 2006, p. 4).
A terceira potencialidade é a flexibilidade ocasionada pelo fato de as
mídias digitais utilizarem múltiplas formas: textos, imagens, sons e imagens em movimento. Um estudante de História que estiver estudando a
Grécia Antiga, por exemplo, pode simultaneamente visualizar um vaso
grego do século V a.C, comentários de historiadores sobre este vaso, e
sugestões de um banco de dados para objetos similares a este.
O caráter aberto das redes não potencializa apenas a ampliação das
audiências, mas também a diversidade, decorrente da aparição de diferentes autores de história. São mais de 7 milhões de blogs, o que permite
identificar a existência de mais autores de websites de História, do que
livros de história. Dessa forma, “A web, deu uma voz muito mais alta
e mais pública aos historiadores amadores” (COHEN; ROSENZWEIG,
2006, p. 6).
Outro elemento abordado por Cohen e Rosenzweig (2006) é a manipulabilidade da mídia digital. Sites de conteúdo histórico reúnem diversos
periódicos, textos e documentos, que permitem ao pesquisador por meio
dos buscadores, consultar conceitos, termos, noções que podem ser manipuladas com maior facilidade.
As mídias digitais disponíveis na web ainda se diferenciam de outras
mídias pelo seu potencial de interatividade,
Essa interatividade permite múltiplas formas de diálogo histórico - entre profissionais, entre profissionais e não profissionais, entre professores e alunos, entre alunos, entre pessoas que relembram o passado
- que eram possíveis antes, mas que não são apenas mais simples, mas
potencialmente mais ricas e intensas no meio digital (COHEN; ROSENZWEIG, 2006, p. 7).
19
Assim, na perspectiva de Cohen e Rosenzweig (2006), a internet se
transformou em um espaço para novas formas de colaboração, debates
e coleta de evidências históricas. Dessa forma, as mídias digitais eminentemente alteraram as formas tradicionais de transmissão de conhecimento entre escritores e leitores, produtores e consumidores.
A hipertextualidade ou não-linearidade das mídias digitais facilita o
movimento da narrativa para os dados de múltiplas formas. O hipertexto
é um princípio da constituição da World Wide Web, que na visão de críticos literários como George Landow, ocasionou uma mudança de paradigma do pensamento fundado nas ideias de centro, margem, hierarquia
e linearidade. No seu lugar emergiram as ideias de multilinearidade,
links, nós e as redes.
Dentre os riscos, o primeiro é a qualidade e autenticidade do conhecimento disponível na internet. Este problema é utilizado pelos tecnocéticos para defender a ideia de que a internet reúne uma enorme quantidade de “lixo”. Alguns exemplos são a imprecisão de dados apresentados
em buscadores como o Google e as manipulações de fontes disponíveis
na internet.
Sobre isso, Cohen e Rosenzweig (2006) destacam que a internet alterou os parâmetros de qualidade, autenticidade e autoridade. Na visão deles, uma nova estrutura de autoridade e legitimação deve ser construída
pelos cidadãos e historiadores.
O segundo perigo é a durabilidade. As mídias digitais impuseram
questões sobre o que deve ser preservado e por quem. Dado o caráter de
velocidade de transformação da web, os autores destacam a necessidade
de pensarmos formas de preservarmos os materiais históricos em formato digital.
Os profetas do hipertexto defendem a ideia de que a web permite uma
nova e rica forma de leitura, enquanto os críticos afirmam que ela representa a morte da leitura. O risco da leiturabilidade (readability) é outro elemento levantado por Cohen e Rosenzweig (2006), que destacam a necessidade de pensarmos em formas de leitura dos materiais históricos digitais.
20
Os entusiastas da web afirmam que ela é mais interativa, do que outras mídias como a televisão e o rádio. No entanto, Cohen e Rosenzweig
(2006) chamam atenção para o risco de induzirmos novas formas de passividade. As formas estão sempre relacionadas aos modos de uso. Um
exemplo dado pelos autores são os formulários de múltipla escolha.
Outro problema destacado é a inacessibilidade relacionada as desigualdades sociais, que resultam na ausência de conhecimento e consequentemente de habilidades para o uso dessas tecnologias.
Apesar dos “perigos” destacados, Cohen e Rosenzweig (2006) defendem que “A arma mais importante para a construção do futuro digital
que queremos é assumir uma posição ativa na criação da história digital
no presente” (COHEN; ROSENZWEIG, 2006, p. 13).
No Brasil os debates sobre a relação entre História e Internet cresceram a partir da segunda década do século XXI. Em obra pioneira,
Dilton Maynard (2011) analisou as implicações da emergência da internet para o estudo da História. Defendendo a necessidade dos historiadores se ocuparem das mudanças provocadas pela internet, Maynard (2011) se debruçou sobre o fenômeno da tentativa de “reescrita”
da História pela extrema-direita nas redes, tendo como fonte o portal
Metapedia2
Nucia Alexandra Silva de Oliveira (2014) no artigo “História e internet: conexões possíveis” realiza uma análise de sítios eletrônicos brasileiros, que tratam da História do Brasil. Na busca por “Descobrimento
do Brasil” e “Independência do Brasil”, a pesquisadora conclui que “[...]
as narrativas dos sites notadamente simplificam os acontecimentos históricos” (OLIVEIRA, 2014, P. 42).
Além disso, indica que, nos websites investigados,
2. Criado em 1997 na Suécia, o portal é descrito como uma “enciclopédia eletrônica sobre
cultura, arte e ciência e política”. No entanto, se configura enquanto uma enciclopédia que
procura reunir todo tipo de negacionismos científicos defendendo posicionamentos políticos de “extrema-direita”.
21
[...] o conhecimento histórico é apresentado através de narrativas sintetizadas; as narrativas apresentadas não apresentam problematização;
pelo contrário, são enunciadas como verdades; são feitas personificações para apresentar os feitos dos grandes personagens e estes são
mostrados como responsáveis pelos fatos históricos (OLIVEIRA, 2014,
p. 45).
Anita Lucchesi (2014) na dissertação intitulada “Digital History e Storiografia Digitale: estudo comparado sobre a escrita da história no tempo presente (2001-2011)” apresentou ao público brasileiro o debate historiográfico estadunidense e italiano sobre a história/historiografia digital.
Na Itália, a chamada “Storiografia digitale” promoveu um profícuo
debate sobre as “novas problemáticas dos estudos históricos após a revolução informática” (LUCCHESI, 2014, p. 71). Na obra homônima organizada por Dario Ragazzini publicada em 2004, um conjunto de historiadores italianos discutiram a emergência de uma historiografia digital.
Nestes trabalhos destacam-se os debates acerca das fontes históricas
digitais e as suas implicações para a pesquisa e escrita da História. De
acordo com as(os) historiadoras(es) italianos, temas como escolha, descarte e preservação passariam a fazer parte cada vez mais efetiva dos debates e da prática dos historiadores imersos na “cultura digital”.
No mesmo contexto a “Digital History” estadunidense, gestada na
década de 1990, a partir da criação do Center for History and New Media
(CNHM) na George Mason University em 1994, começava a se destacar
enquanto um polo de debate das relações entre Internet e História.
Dentre os diversos artigos e livros destaca-se o manual de Roy Rosenzweig e Daniel Cohen (2006) já referenciado neste texto. Nele, além
de apresentar as “promessas e perigos” da História Digital, os autores
apresentam passo-a-passo os procedimentos de design, preparação de
materiais, propriedade intelectual e produção de websites de História.
Comparando as duas tendências, Lucchesi (2014) observa que a Storiografia digitale italiana, está preocupada com as questões da “operação
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histórica” após a “revolução informática”, quais sejam: “[...] a memória
(e a prova), a interpretação (e a explicação) e a construção da narrativa
histórica (e aí seus suportes, suas mídias etc.)” (LUCCHESI, 2014, p. 98).
Por sua vez, a Digital History apresenta um “discurso propositivo,
prescritivo, orientador” (LUCCHESI, 2014, p. 119), que está mais relacionado a preocupação pragmática com as formas de fazer História Digital.
Analisando as reflexões produzidas na Itália e nos Estados Unidos
observamos uma característica comum: a preocupação com as fontes
históricas no processo de pesquisa e escrita da História. No Brasil, as
pesquisas apresentadas parecem apontar para uma tendência de análise
de conteúdos dos websites e das suas implicações para o ensino e a pesquisa em História. Partindo desses pressupostos, na próxima seção pretendemos debater a natureza das fontes históricas digitais, considerando
os websites como um exemplo desse tipo de documento.
2. A natureza das fontes históricas digitais: verificabilidade e
tecnicidade
De acordo com Serge Noiret (2015),
A virada digital na história reformulou nossa documentação, transformou
as ferramentas usadas para armazenar, tratar e acessar a informação, e,
por vezes, adiantou novas questões epistemológicas juntamente com novas ferramentas criadas para responder por elas (NOIRET, 2015, p. 28).
Na leitura de Noiret (2015) a virada digital, resultado do advento da
internet, provocou transformações no “ofício do historiador tradicional”,
principalmente em relação a sua documentação ampliada pelo “imperativo digital”.
Ainda incipiente, mas em crescimento no Brasil, a reflexão sobre as
fontes históricas digitais tem apresentado argumentos que percorrem
as questões da epistemologia da história à natureza técnica desses artefatos.
23
Odilon Caldeira Neto (2009) em “Breves reflexões sobre o uso da Internet em pesquisas historiográficas” procura refletir sobre as implicações da internet para a ampliação do conceito de fontes históricas. Partindo do debate sobre o alargamento do conceito de fonte, resultado da
emergência da Escola dos Annales e das mudanças ocorridas na ciência
histórica no século XX, Caldeira Neto (2009) questiona a possibilidade de considerarmos os conteúdos disponíveis na internet como fonte
histórica.
Ao responder afirmativamente, Caldeira Neto (2009) sugere “certa
cautela”,
[...] pois a Internet é caracterizada por alguns elementos que podem ser
perigosos ao historiador: o número excessivo de informações em alguns
casos, a possibilidade de falsificação de discursos (plágios acadêmicos,
inclusive) e também o risco de uma fonte desaparecer do dia para a noite (sites podem ser apagados tanto por iniciativa dos próprios webmasters – criadores da página – ou mesmo por decisão judicial, passando
também por ataque de hackers ou pane nos sistemas onde estão hospedados os arquivos das páginas) (CALDEIRA NETO, 2009, p. 3).
O historiador ainda destaca o risco do anonimato na rede. No entanto, defende que a internet pode ser utilizada enquanto instrumento de
pesquisa, desde que tomados os devidos cuidados para identificação de
autoria e certa preferência por sites “institucionais”.
Em direção semelhante, Fabio Chang de Almeida (2011) no artigo “O
historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte
primária para pesquisas históricas” propõe uma reflexão sobre o uso de
fontes digitais na pesquisa histórica.
Percorrendo as transformações da História no século XX, Almeida
(2001) reforça a concepção de que os Annales propiciaram o alargamento
da concepção de fonte histórica. A derrocada do “imperialismo do papel” provocada pela ruptura dos Annales se aprofundou com o advento
24
do elemento digital. Apesar disso, Almeida (2011) observa uma ausência
de debate teórico-metodológico sobre o uso de fontes digitais.
A partir do de um panorama da origem e desenvolvimento da web,
Almeida (2011) destaca o caráter efêmero da rede como um dos desafios para o uso dessas fontes. Além disso, destaca a dissociação entre o
suporte e o conteúdo nos processos de digitalização. Propondo a compreensão da natureza dos documentos digitais, Almeida (2011) sugere a
existência de fontes primárias digitais e fontes não-primárias digitais.
Dentre as fontes primárias digitais ele diferencia os documentos primários digitalizados e primários digitais exclusivos. Os documentos primários digitalizados são aqueles que existem em outro suporte e foram
digitalizados, enquanto os primários digitais exclusivos existem unicamente em formato digital. As fontes não-primárias digitais são artigos,
papers, livros e dissertações “nato-digitais”.
Sobre os documentos primários digitais exclusivos, Almeida (2011)
indica que,
Elas podem e devem ser utilizadas, pois em caso contrário se estaria
correndo o risco de negligenciar um período importante da História do
Tempo Presente. Contudo, para utilizar tal documentação, faz-se necessário um maior rigor em relação ao método historiográfico, além
da utilização de alguns procedimentos metodológicos específicos (ALMEIDA, 2011, p. 21).
Dentre os procedimentos, Almeida (2011) destaca a “desconfiança” e
o “inter-relacionamento das fontes”. Além disso, a necessidade de cruzamento de dados e de verificação de confiabilidade.
Observa-se nos artigos de Odilon Caldeira Neto (2009) e Fabio Chang
de Almeida (2011) uma preocupação com a verificabilidade e confiabilidade, que parecem “mimetizar” os procedimentos da crítica documental
do suporte impresso para o digital. Tal argumentação está centrada em
uma preocupação epistemológica da história.
25
Em direção distinta, Pedro Telles da Silveira (2016) em “As fontes digitais no universo das imagens técnicas: crítica documental, novas mídias e o estatuto das fontes históricas digitais” propõe uma reflexão sobre a natureza técnica das fontes históricas digitais.
Partindo do debate sobre a natureza das “novas mídias” e da “remidiação”, Silveira (2016) sustenta a impossibilidade de sustentarmos a diferença entre as fontes históricas impressas e digitais no seu formato. De
acordo com ele, “O importante é compreender que o documento digital e
o digitalizado não podem ser compreendidos como a mera transposição
da documentação material a um meio digital” (SILVEIRA, 2016, p. 283).
Aproximando o conceito de fontes digitais da ideia de imagem técnica,
Silveira (2016) afirma que “[...] as fontes digitais não são necessariamente compreensíveis segundo uma relação de referencialidade para com os eventos que
as criam, mas sim em termos dos aparelhos – e dos discursos – que as possibilitam [...]” (SILVEIRA, 2016, p. 286). Assim, parafraseando White (1999), a
fonte digital apresenta um problema de representação, e não de método.
Na argumentação de Silveira (2016) observamos uma preocupação ontológica com a natureza das fontes digitais, que ultrapassa o debate metodológico da História. Dessa forma, o problema não estaria localizado nas formas
de verificação, mas na compreensão da fonte digital enquanto representação.
O debate acerca da verificabilidade e da tecnicidade se coloca de maneira fundamental para a pesquisa e para o ensino de História. A depender da forma de compreensão das fontes digitais, o seu uso na sala de aula
de História também responderá a pressupostos diferentes. Diante do exposto, propõe-se na última seção do texto uma reflexão sobre as possibilidades de uso dos websites como fontes históricas no ensino de História.
3. Websites no ensino de História
Uma simples busca pelo conceito História no buscador do Google apresenta 346.000.000 resultados. No Yahoo são 27.200.000 resultados. Esses
números permitem evidenciar que a História está na internet de diferentes formas. Websites, enciclopédias, blogs, vídeos e podcasts.
26
Mills Kelly (2013) na obra “Teaching History in the digital age” observa que o fato de os estudantes utilizarem a tecnologia não significa
que eles sabem utilizá-la para aprender. Partindo dessa reflexão inicial,
Kelly (2013) propõe investigar as implicações do paradigma digital para
o ensino de História.
Na perspectiva de Kelly (2013) a computação apresenta potencialidades para o ensino da História, ao permitir colocar o estudante em “contato com a História”. De acordo com ele, “[...] os historiadores precisam
superar o fato de que a paisagem da produção histórica já mudou sob
nossos pés, e que é hora de acomodar nosso ensino a essa mudança. Se
não o fizermos, nossos alunos farão história sem nós” (KELLY, 2013,
ebook).
No capítulo 2, intitulado “Finding. Search Engine – Dependent learning”, Kelly (2013) apresenta um estudo de caso de pesquisa histórica
realizada com estudantes. Antes disso, o autor introduz quatro lições
que devem ser aprendidas por nós.
A lição número um versa sobre o pressuposto da abundância e as suas
implicações para o ensino de História. De acordo com Kelly (2013), na
percepção dos estudantes o Google tornou a escola “fácil”. Uma questão
sugerida pelo professor em sala de aula pode resultar em milhares ou milhões de resultados em um buscador online, o que pode representar para
o estudante que o conhecimento está acessível a um clique.
A segunda lição trata da invisibilidade do conhecimento inacessível
em formato digital. Como exemplo, Kelly (2013) destaca uma experiência
em que indicou aos estudantes alguns artigos, e quando os inquiriu a
respeito, percebeu que dois deles não haviam sido consultados. Ao indagar os estudantes sobre o motivo, foi informado de que eles não foram
encontrados online.
A terceira lição refere-se à razoabilidade dos conteúdos. De acordo
com Kelly (2013) os valores do produtor de conteúdo importam. Para os
estudantes, quanto mais razoáveis e familiares eles forem, maior a possibilidade de adesão e utilização.
27
A quarta e última lição expõe as possibilidades de uso de diferentes
conteúdos disponíveis online. De acordo com Kelly (2013) apesar do
nosso foco em artigos, livros, imagens, documentos e sites, os estudantes utilizam diferentes conteúdos online para compor o seu quadro de referência. Dentre os exemplos utilizados pelo autor estão os
comentários em redes sociais como Flickr ou Youtube, e as postagens
no Facebook e em blogs. Ainda, que a maioria dos estudantes utiliza
as ferramentas de busca, ao invés de catálogos de livrarias, arquivos e
bibliotecas.
Partindo dessas lições Kelly (2013) sugere um estudo de caso realizado
com estudantes a partir do Adolf Hitler Historical Museum. A experiência prática com os estudantes permitiu identificar o caráter negacionista
e neonazista do website. Diante da experiência, Kelly (2013) questiona:
“Que habilidades de alfabetização informacional ensinamos aos nossos
alunos hoje que podem ajuda-los a evitar sites como o Museu Histórico
de Hitler?” (KELLY, 2013, ebook).
Buscando responder à questão, Kelly sugere quatro passos para o uso
de websites no ensino de História:
Tabela 2 – Passos para o uso de websites no ensino de História
Passo 1 – Quem é o proprietário/autor do site?
Passo 2 – Quais metadados o site utiliza para atrair visitantes?
Passo 3 – Qual é a História do site?
Passo 4 – Pesquise as avaliações/resenhas sobre o site
Fonte: KELLY, 2013.
O primeiro passo é investigar junto aos estudantes quem é o proprietário ou autor do website. Muitos sites possuem uma seção intitulada “sobre”, que detalha essas informações. No entanto, em muitos
casos essa informação não está tão acessível. Nestes casos, o autor sugere o uso da página https://www.whois.com/, que permite consultar
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informações acerca do website utilizado. Após encontrar a identificação, é fundamental buscar outras informações sobre o proprietário/autor.
Os websites disponíveis na internet utilizam termos ou palavras-chave para otimizar as buscas e receberem mais acessos e visualizações.
Para isso, utilizam os “metadados” ou “dados sobre dados”, que ficam
ocultos no código HTML de cada site e só podem ser identificados em
algumas opções disponíveis em navegadores específicos. Esses metadados nos permitem formular hipóteses sobre o website e mesmo identificar os seus “interesses”.
Em um terceiro momento, Kelly (2013) sugere que seja realizada uma
pesquisa sobre a história do site. Para isso, ele indica o uso do Internet
Archive (archive.org), website criado em 1996, que armazena capturas de
tela, vídeos, áudios e diferentes conteúdos disponibilizados da internet.
Dessa forma, é possível verificar pelas capturas de tela, a origem e desenvolvimento do website utilizado.
Por fim, Kelly (2013) indica que devemos estimular os estudantes a
buscarem avaliações, comentários e mesmo resenhas de sites. Em um
exercício aproximado daquele que fazemos com os livros, essa busca
pode nos permitir tomar ciência dos tipos de conteúdos presentes nos
websites a serem utilizados.
As lições e passos sugeridos por Kelly (2013) nos apresentam possibilidades para refletirmos sobre o uso da internet e dos websites no ensino
de História. Sem a intenção prescritiva, as sugestões do autor nos permitem fugir de chavões como “tomem cuidado com o que vocês encontram
online”, que acabam por se transformarem em “lugares-comuns” ou conselhos contraproducentes.
De acordo com Kelly (2013) é fundamental superarmos a negação
do uso das mídias sociais pelos estudantes. Dessa forma, podemos nos
aproximar e compreender como eles utilizam a internet, e como podemos prepara-los para utilizarem os recursos e informações disponíveis
na web.
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Considerações finais
Partimos da reflexão de Ginzburg (2010) de que a escola deve ser responsável por difundir os instrumentos do conhecimento, que permitam
transformar a internet em um instrumento democrático. Isso significa
dizer que precisamos formar os estudantes para que eles estejam preparados ao se depararem com a abundância de informações proporcionada
pela “era google”.
O advento da internet alterou profundamente as relações entre os sujeitos e o conhecimento. As formas de busca, produção e difusão foram
alteradas e mesmo subvertidas a partir da “virada digital”. Neste contexto, os historiadores foram instados a refletir sobre as transformações do
seu ofício.
Na Itália e nos Estados Unidos o debate sobre a história/historiografia digital se estabeleceu logo no início do século XXI, e atravessou o
atlântico chegando ao Brasil na segunda década do século. Dentre as temáticas desse debate, salta aos olhos a centralidade da preocupação com
as fontes históricas em sua forma digital.
Analisadas por um prisma epistemológico da verificabilidade ou ontológico da sua natureza digital, as fontes históricas passaram a ser espiadas com ainda mais “cautela” e “interesse”. Entre a incorreção e a representação, elas continuam alimentando a pesquisa, escrita e o ensino
de História.
Os websites configuram parte dessa preocupação. Considerados ao
mesmo tempo promissores e perigosos, eles passaram a ocupar um espaço fundamental na nova esfera pública digital (LUCCHESI, 2013).
Buscou-se no texto apresentado refletir sobre as potencialidades e
possibilidades de uso dos websites como fontes históricas no ensino
de História. Para tanto, chamamos atenção para as lições propostas
por Mills Kelly (2013), que ao nosso ver, favorecem a formação para o
domínio dos instrumentos do conhecimento sugerida por Ginzburg
(2010).
30
Referências bibliográficas
ALMEIDA, F. C. O Historiador e as Fontes Digitais: uma visão acerca da Internet
como fonte primária para Pesquisas Históricas. Revista Aedos, v. 3, n. 8, 2011, p. 9-30.
CALDEIRA NETO, O. Breves reflexões sobre o uso da Internet em pesquisas historiográficas. Revista Eletrônica Tempo Presente, n. 20, 2009, p. 1–6,
COHEN, D. J.; ROSENZWEIG, R. Digital History: a guide to gathering, preserving, and presenting the past on the web. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press, 2006.
GINZBURG, C. Fronteiras do Pensamento [parte I] (23m8s). Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=QKdfsVBP20E&t=330s> Acesso em: 10 mar. 2021.
__________. Fronteiras do Pensamento [parte II] (17m21s). Disponível em: < https://
www.youtube.com/watch?v=xr0xOQ48Wzs> Acesso em: 10 mar. 2021.
KELLY, T. M. Teaching history in the digital age. Ann Arbor: University of Michigan
Press, 2013.
LUCCHESI, A. História e Historiografia Digital: diálogos possíveis em uma nova esfera pública. XXVII Simpósio Nacional de História, v. 1, n. 1, 2013, p. 1–17.
__________. Digital History E Storiografia Digitale: Estudo Comparado Sobre a Escrita Da História No Tempo Presente (2001-2011). [s.l.] Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 2014.
NOIRET, S. História Pública Digital. Liinc em Revista, v. 11, n. 1, 2015, p. 28–51.
OLIVEIRA, N. A. S. DE. História e Internet: Conexões Possíveis. Tempo e Argumento, v. 6, n. 12, 2014, p. 23–53.
SILVEIRA, P. T. DA. As fontes digitais no universo das imagens técnicas: crítica documental, novas mídias e o estatuto das fontes históricas digitais. Antíteses, v. 9, n. 17,
2016, p. 270-296.
31
“DO PÓ DO ARQUIVO AO CLICK”:
RECURSOS METODOLÓGICOS PARA O USO
DE FONTES NO ENSINO DE HISTÓRIA
Mariana Emanuelle Barreto de Góis
Natália Batista Peçanha
Todo professor de história deve buscar sempre ser um caçador de curiosidades, um inventor de desafios relacionando o ontem e o agora, instigando o aluno a sentir-se parte fundamental da história. (SELBACH,
2010, p.30).
O ano de 2020 trouxe consigo inúmeras mudanças para o ensino. Professores e professoras enfrentaram diversos desafios em virtude do
momento pandêmico (COVID-19) vivenciado. Os professores tiveram
que se reinventar e buscar alternativas para o trabalho em sala de aula.
Agora, o momento passou a ser remoto. A sala de aula se transformou
a partir de um simples “click”. É sabido que nem todos os docentes
estavam preparados para vivenciar essa mudança abrupta. Sem dúvida,
articular o uso das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação – TDIC, nos planos de ensino, tornou-se essencial, mas, ao mesmo
tempo, um obstáculo. Como fazer? O que utilizar para inovar as aulas
de História e torná-las mais atraentes e significativas, já que constituem uma nova realidade? É sobre essas indagações que nos deteremos neste artigo, que tem o intuito de traçar caminhos que auxiliem os
professores a desenvolverem técnicas de problematizações de fontes
históricas na sala de aula. Precisamente, seria um roteiro que auxilie e
oriente no trato com as fontes históricas na sala de aula. Como afirma
32
Paulo Freire: “Não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino”
(FREIRE, 1996, p. 29).
Não é necessário ser um historiador “pó de arquivo” para conseguir
incluir em suas aulas documentações históricas. Hoje, já é possível
pesquisar e adquirir fontes apenas com um “click”. E temos aqueles
que possuem, em seus lares, um banco de dados pessoal, ou seja, documentos que podem ser inseridos no plano de ensino. É o caso dos
livros de receitas, livros literários, álbum de família, fotografias, entrevistas, certidão de batismo, nascimento e jornais. Nesse caso, são
professores pesquisadores que atribuem um sentido para elas. Como
preconiza a BNCC ao falar das habilidades a serem alcançadas pelos estudantes na etapa do Ensino Médio: “(EM13CHS101) Analisar
e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais,
ambientais e culturais” (BNCC, 2019, p.560), sempre levando em conta
que a seleção de conteúdos e do material didático pressupõe uma posição política1.
Ao levarmos para a sala de aula documentos que nos permitem ouvir vozes que até então eram silenciadas; ver personagens que até então
eram invisibilizadas e refletir sobre questões que muitas vezes são naturalizadas, temos o intuito de proporcionar aos alunos uma compreensão
que a História não é feita de uma única “verdade”.
Para isso, podemos sugerir cinco passos que nos auxiliarão em relação ao uso de documentos como material didático: 1) Seleção da documentação histórica; 2) Definição dos objetivos (roteiro de aula); 3) Transcrição do documento a depender da temporalidade, sempre buscando
1. Miguel Arroyo aponta como o currículo se configura em um território de disputas. De
acordo com o autor: “Na construção espacial do sistema escolar, o currículo é o núcleo e o
espaço central mais estruturante da função da escola. Por causa disso, é o território mais
cercado, mais normatizado. Mas também o mais politizado, inovado, ressignificado”. (ARROYO, 2013: p. 13).
33
regatar os conhecimentos prévios dos alunos 2; 4) Lista de perguntas suscitadas pela documentação; 5) Problematização da fonte histórica.
A partir de agora, iremos aplicar estes passos.
1. Um “Click” pela Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional: a
imprensa como possibilidade de material didático.
Apesar de estarmos lidando com “nativos digitais” (GUIMARÃES, 2012:
363) que consomem muitas informações via instrumentos informatizados, é fato que o aluno, em algum momento, já se deparou com algum jornal impresso. Mas saber o que é um jornal, ou ler a informação
contida em um, não é o bastante para compreender que esse “pedaço
de papel” pode ser entendido como uma fonte histórica. Que esse material não é neutro e possui várias vozes, que alguns casos podem ser
dissonantes, e que esse material não é produzido para todas as pessoas.
Essa percepção crítica dos meios de comunicação precisa ser trabalhada
com os alunos, uma vez que muitos consomem diversas informações que
chegam como uma enxurrada, sobretudo através da internet. Fazer com
que o jornal e os demais materiais didáticos sejam analisados de forma
reflexiva é a principal tarefa que devemos enfrentar. Isto só será possível quando assumimos que a sala de aula é um espaço de construção de
conhecimento, é um “espaço de pesquisa” (GUIMARÃES, 2012: 208). Assim, debrucemo-nos sobre uma proposta de prática pedagógica em que
um jornal de fins do século XIX pode nos ajudar a refletir sobre a condição feminina no Brasil, inclusive nos permitindo realizar uma aproximação com a contemporaneidade.
Para tal empreitada, devemos levar em consideração o cenário educacional em que vivemos, pois o contexto político e social vem refletindo
de forma dramática na educação brasileira o aprofundamento das desigualdades sociais. Geralmente, a rede pública de ensino não dispõe de
2. Se o documento for diverso e com muitas informações, sugerirmos trabalhar com recortes do documento.
34
materiais tecnológicos adequados para a realização de métodos de ensino
mais inovadores, além de muitos alunos não terem acesso a uma internet
de qualidade ou recursos como computadores, tablets e celulares com redes móveis. Entretanto, apesar dessas barreiras enfrentadas, ainda podemos nos valer de recursos e estratégias que permitirão a construção de
conhecimento em sala de aula, e não apenas o consumo ou depósito de
saberes produzidos na Academia. Para isso, podemos nos valer das facilidades que as novas tecnologias nos permitem. Assim, a proposta feita
é para que o professor possa se valer das possibilidades que a internet oferece para a produção de uma aula que estimule um desejo de investigação.
Para tanto, é possível lançar mão de um instrumento de pesquisa que pode
auxiliar: a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Essa base de dados contém um imenso e diverso acervo de periódicos e
revistas, como os primeiros jornais criados no Brasil: o Correio Braziliense
e a Gazeta do Rio de Janeiro, ambos de 1808, que podem ser impressos e
consultados de forma gratuita através de uma ferramenta em que se pode
filtrar a busca por meio do título do periódico, período, local e também por
alguma expressão ou nome, como representamos a seguir (Imagem 1):
Imagem 1- Hemeroteca Digital - BN
Fonte: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx
35
Aqui, realizamos a busca pela expressão “defloramento”, em um jornal chamado Cidade do Rio (RJ), no período de 1890 – 1899, onde foi possível encontrar 92 ocorrências. Selecionamos um exemplar datado de 3
de agosto de 1893, para que possamos refletir sobre o uso desse material
em sala de aula.
Em um primeiro momento, vamos dividir a análise do jornal em duas
partes: uma ligada aos aspectos editoriais (preço, circulação, editores e
colaboradores, disposição gráfica de imagens, manchetes, etc.); outra, ligada à análise do conteúdo (aspectos morais perceptíveis na reportagem.
O que é defloramento? Como são descritos os envolvidos, etc.).
Imagem 2 – Cidade do Rio
Fonte:http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.
aspx?bib=08569&Pesq=defloramento&pagfis=3908
36
O periódico acima (Imagem 2), Cidade do Rio, como o nome afirma,
foi lançado na cidade do Rio de Janeiro com o valor avulso de 40 réis. Tal
informação, já de cara nos estimula analisar o mercado leitor de tal produção, além de possibilitar a realização de uma aproximação interdisciplinar com a matemática, ao permitir refletirmos sobre o que equivale
um gasto diário de 40 réis para uma trabalhadora, como uma cozinheira
e uma copeira, que em 1887 poderia ganhar 35$3.
Outros dados podem ser depreendidos da análise do jornal, como a localização da redação e tipografia: Rua do Ouvidor, tradicional logradouro
de comércio e de redação de importantes jornais da época, como o Jornal do
Commercio. Além do fato de o jornal não dispor de muitas imagens, o que
certamente favorece o barateamento, possibilitando uma maior circulação,
que inclusive poderia se dar através de assinaturas para outros estados.
Quando apresentamos um material como esse para os alunos e começamos a realizar essas descrições, temos o intuito de mostrar que
características aparentemente banais, como preço, existência ou não
de ilustrações, até mesmo o tipo de material gráfico, não estão ali por
acaso. Nenhum documento é neutro e isento de interesses. Os colaboradores e diretor do jornal possuem suas posições políticas que deixam
transparecer através de suas notícias. Em relação a esses personagens, o
diretor é ninguém menos do que José do Patrocínio, um dos principais
abolicionistas. Já um dos colaboradores é Olavo Bilac, que já nos permitiria introduzir as discussões de gênero em sala de aula, ao refletirmos
sobre as representações e preconceitos que tal intelectual sofreu pela sua
possível homossexualidade (GREEN, 1999, p.4). Em uma sociedade que
mais se mata LGBTQIA+, resgatar agências dessas personagens, como
protagonistas da história, é permitir que os alunos os vejam para além de
estatísticas de homofobia.
3. No Jornal do Commercio, que também se encontra digitalizado na Hemeroteca Digital da
Biblioteca Nacional, podemos encontrar páginas de anúncios, sobretudo de empregadas domésticas, outra fonte rica para se trabalhar as relações de trabalho no século XIX e XX. Cf.
Jornal do Commercio, 9 de fevereiro de 1887, p.5
37
Dessa maneira, analisar gênero como uma categoria relacional
(SCOTT, 1990) faz-se necessário, a fim de verificar que os padrões de
moralidade sobre os corpos, sexo e identificação de gênero são construções sociais que não podem ser naturalizadas.
1.1. “De comum acordo” – reflexão sobre a representação da
moralidade feminina nas páginas do jornal
O abuso sexual infantil é uma realidade dura e que acomete vários lares brasileiros. De acordo com o Disque Direitos Humanos, ao longo de
2019, 159 mil registros sobre abusos sexuais foram feitos, dos quais 86,8
mil foram referente a violações dos direitos de crianças e adolescentes,
correspondendo um aumento de 14% em relação ao ano de 2018. 4 Tratar
tal temática em sala de aula mostra-se um trabalho de utilidade pública.
Assim, podemos introduzir tais discussões a partir de uma notícia
publicada em 1887. A notícia em questão refere-se ao incesto cometido
por Pedro Marinho à sua irmã, Marcilia dos Santos Marinho, de 15 anos.
Logo de início é interessante interpelar os alunos se já ouviram alguma
notícia como essa nos tempos atuais. Resgatar os seus conhecimentos
prévios permite que haja uma identificação desses sujeitos à história.
Assim, ela passa a fazer mais sentido.
Em um segundo momento, perguntar se tiveram dúvida em relação a
algum termo de época para que o entendimento fique claro. Certamente,
o conceito de “defloramento” não faz parte das suas realidades. Sendo
necessário o professor realizar uma breve explicação, utilizando-se, para
isso, de outros documentos, como o Código Criminal de 1830 ou dicionários de época que podem ser consultados pela internet.
Após a explicação do termo, podemos partir para a leitura da notícia
e a reflexão sobre como a vítima e o réu são representados, levando em
consideração o contexto histórico em que viviam. É possível que ao se
4. Para maiores detalhes consultar: https:¤¤www.gov.br¤mdh¤pt-br¤assuntos¤notícias¤2020-2¤maio¤ministerio-divulga-dados-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes
Acessado em 26 de março de 2021.
38
depararem com a desconfiança imputada à vítima, de que ela permitiu
“de comum acordo” a violência sobre o seu corpo, os alunos consigam
fazer um link com a contemporaneidade, em que, ainda hoje, vemos notícias que imputam sobre a vítima de abuso sexual a responsabilidade sobre o ato sofrido. É nesse momento que o trabalho do professor pode se
mostrar bem sucedido, pois ao permitir que os alunos consigam realizar
essas conexões entre passado em presente, o material didático assume
um papel que não é mais meramente ilustrativo.
2. O Bar e as “Mulheres de vida livre”: mais um toque de gênero
em sala de aula
O leque de fontes descritas neste artigo contribui para pensarmos sobre
as estratégias de sobrevivência desses sujeitos históricos, em um espaço
onde era predominante o discurso de exclusão de pobres e daqueles que
não seguiam as normas dos bons costumes estabelecidos pelo governo, à
época, quanto ao seu gênero. Deve-se “pensar em relações”, se você quer
entender o gênero não só como categoria analítica, mas também como
realidade cultural, tanto do passado como do presente. Logo, o gênero,
assim considerado, tem implicações para todos os tipos de histórias que
são praticados hoje. (GISELA, 1991, p.55).
Para Joan Scoot, gênero seria uma maneira de indicar “construções
sociais”, segundo a autora: “Mas a teorização do gênero é uma maneira
de dar significado às relações de poder. Seria melhor dizer: o gênero é
um primeiro campo no seio do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado [...] (SCOTT, 1990, p.16).
Essas questões são naturalizadas no episódio inusitado do crime envolvendo as aventuras do Conde Lespinasse nas vivências das “mulheres de vida livre” no Estado de Sergipe. É importante salientar que, nessa época, a polícia procurava reprimir o jogo de azar, o roubo, o furto,
o crime comum, a falsa mendicância, porte de armas clandestinas e a
malandragem (LEITE, 1949, p. 34). Reafirmando os estudos do historiador Cleber Santana, a recolha de prostitutas das ruas, dos bares ou de
39
ambientes festivos, na cidade de Aracaju, e conduzidos para os distritos
policiais, era uma prática constante, pois alegavam motivos de perturbação à ordem pública, “balbúrdia, embriaguez, algazarra ou contravenções”. (SANTANA, 2011, 64).
Na época, o governo procurava os indivíduos desviantes, que possuíam condutas que não eram aceitas à moralidade pública. As fontes,
cotejadas acima, dão notícias de episódios em que estava em jogo a luta
das “mulheres de vida livre”, que buscavam estratégias de sobrevivências. Elas eram chamadas também de “mulheres de vida airada e meretrizes”5. A vigilância era constante na cidade de Aracaju, aparecia
sempre nas páginas dos jornais locais e eram descritas nos artigos dos
códigos de posturas da cidade. Logo, o fato de mulheres frequentarem
bares não era bem visto perante a sociedade.
Os jornais noticiavam, constantemente, fatos recorrentes nas artérias
da cidade de Aracaju. Dessa forma, noticiou o periódico o Nordeste, em
13 de maio de 1938, a existência do Bar Brahma e atribui adjetivos curiosos e pejorativos, intitulando que o bar era a “mancha negra” do Estado
de Sergipe, um “ultraje à sociedade pela sua frequência duvidosa”, “cabaré de 5ª classe”, que só possui “devassidão”, o “deboche”, o “vício” e a
“irresponsabilidade”, “fonte de perigo ao futuro dos moços”. E quem por
ali passa, escuta os “gritos estéricos de mulheres portadoras dos prazeres fáceis”. Frequentar o Bar Brahma não era coisa “bem vista”. Estaria a
moralidade em “jogo”? Qual o “lugar social” que o Bar Brahma ocupava na capital sergipana? Quais as “classes” frequentavam esse bar? São
abordagens que podem ser problematizadas e contribuir para pensar a
sociabilidade e o cotidiano.
E para além dessas questões, pode-se se deter à perspectiva feminina
e refletir acerca do papel da mulher no século XX. As “mulheres de vida
livre” ou “mulheres de vida airadas”, como viviam? Quem eram elas?
5. O memorialista Mário Cabral descrevia que, em altas horas, vivia a turma da boemia nos
bares Antártica, Ideal, na Petisqueira de Fenelon e no Cassino da Brahma, de Oscar.
40
Será que essas mulheres não poderiam ter a oportunidade de buscar suas
“sobrevivências”? Qual sua condição social? Sua cor? São essas e outras
questões que os professores podem refletir com os alunos e suscitar perguntas disparadoras para iniciar debates a partir das fontes, bem como,
sugerir pesquisas que aprofundem os objetivos propostos para aquela
aula, seguindo os cinco passos, sugeridos acima, para o trabalho com a
documentação (ver imagem 3) em questão.
Imagem 3 – A Brahma
Fonte: o Nordeste, em 13 de maio de 1938. Disponível
em: https://jornaisdesergipe.ufs.br/
As “façanhas”, no pomposo “Cabaré de 5ª classe”, não pararam por
aqui. Ele embelezava de muito “glamour” e alegrias as noitadas aracajuanas, que eram desejadas, principalmente, pelos visitantes de outros estados. O Bar Brahma foi um dos locais registrados no Processo Crime que
envolveu o carioca, Conde Lespinasse, “brasileiro”, “solteiro”, tripulante
do vapor Murtinho, da marinha mercante nacional, pelo seguinte fato
41
delituoso: na noite de 7 para 8 de outubro de 1937, o Conde Lespinasse,
depois de haver permanecido, por alguns instantes, no Bar Brahma, retirou-se em companhia de “uma mulher de vida livre”, Maria Joventina
Feitosa, em direção à sua casa. Após breve demora no restaurante Petisqueira, chegaram ambos à residência de Joventina. Cerca de duas horas
da madrugada, José Viana da Silva provocava discussões com o Conde
Lespinasse, tendo como pivô “as mulheres de vida livre”, o que ocasionou vários disparos com um revólver, sendo José Viana ferido mortalmente. O Conde Lespinasse foi punido de acordo com o artigo 294 § da
consolidação das Leis penais em que se acha incurso, conforme consta
no processo crime.6
As testemunhas foram unânimes ao relatar que a cena ocorreu na
Pestiqueira, na noite de outubro de 1937, quando o indivíduo, conhecido
pelo nome de José Viana, agrediu o Conde Lespinasse, arrancando-lhes
a “mulher de vida pública” que se achava na companhia deste. As testemunhas ouviram quando Lespinasse disse para o senhor Viana: - si a
mulher lhe pertence, eu não a quero. O senhor Viana depois de impedido
de continuar a agressão dissera: Menino, você não sabe com quem está
lidando” (Apelação Crime, 1937, p. 45).
A mulher de vida livre, Maria Joventina, no depoimento informa que
se achava em companhia do Conde no Bar Brahma e estava com o Goulart e aí chegou José Viana e começou a chamar-lhes de “moleques e outros nomes indecoroso e logo foram para a pestisqueira e José Viana tocou atrás” (Apelação Crime, 1937, p. 45).
Interessante notar que o advogado de defesa procurou comprovar a
legítima defesa de seu cliente, expondo que no “Brahma”, casa de “jogo,
álcool e mulheres”, Lespinasse juntou-se com Maria Jovelina Feitosa
6. O Processo crime, utilizado na narrativa em questão, foi localizado no acervo do Arquivo
Judiciário do Estado de Sergipe e digitalizado para composição de um banco de dados, o
que facilita a análise da documentação e construção de aulas, pautadas em fontes históricas.
É possível também utilizar o site: https://www.tjse.jus.br/arquivojudiciario/ e trabalhar com
o acervo digitalizado.
42
para fim de noite, despreocupado e alegre. Augusta Eleodora Santos, sua
companheira de morada, estava com Antônio Goulart de Souza, marítimo do Murtinho7. O advogado, atribui no processo de defesa qualidades
de “cordura e comportamento”, que o afastam de provocações e desordens. Enquanto Viana foi qualificado como: “bebedor habitual, rixento
temível, assassino na Bahia, do cabaretier Júlio Moraes”. Na madrugada sangrenta, embriagado, fazia demonstração de valentia no salão do
“Brahma”: “cerveja derramada no chão, também a ceia de uma pacata
rapariga e a tentativa de quebrar o rádio com uma cadeira”, conforme
relatos da testemunha Gumercindo, tripulante do navio.
A presença de pessoas de conduta irregular como bêbados, mendigos
e “mulheres de vida airada” (geralmente assemelhadas às prostitutas) era
percebida como causadora de desordens. Irritava e assustava a muitos a
possibilidade de manutenção de contatos entre meretrizes e clientes por
aquelas bandas da cidade. (SANTOS; LEÃO, 2011, p.9).
Após o crime, o corpo retardou-se na casa das mulheres. A justiça
deu improcedente a legítima defesa conforme foi requerida pelos autos,
tendo em vista que Lespinasse teria ido a bordo armar-se e, ao chegar à
Rua Laranjeiras, deflagrou contra José Viana, conforme traz a imagem
dos documentos, da figura 4.
Na narrativa sobre o crime do Conde Lespinasse é interessante atentar para o fato das descrições realizadas nas peças judiciais, em relação
às mulheres e suas condutas, sempre atribuindo adjetivos que as colocam como “as desviantes”, que atentam contra a moral e o “decoro” público. Como vimos na imagem 4, “ mulheres agenciando o seu comércio
infeliz”. Observem que em nenhum momento o advogado de defesa trouxe características que colocassem essas mulheres em outras perspectivas. Utilizar a “honra” da mulher era uma estratégia jurídica comum
para justificar crimes cometidos sobre seus corpos ou para defender
7. Esse navio fazia parada no Porto de Aracaju e aparece na trama narrada por Jorge Amado, que era esperado o rápido e luxuoso paquete Murtinho.
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homens de atitudes ilegais, em que tais mulheres encontravam-se envolvidas, como a Imagem 4, de um trecho do processo, permite-nos aludir.
Imagem 4 – Trecho do Processo Crime
Fonte: AGJES – Apelação Crime. AJU/C.TJ, caixa nº 15,nº 1402.
Como vimos, é bastante desafiador largar o “quadro”, “o livro didático” e “o pó dos arquivos” e passar a dar um simples “click” e planejar aulas mais atrativas e que suscitem diversas questões nos alunos. O ano de
2020, para o professor, será lembrado como o momento da “reinvenção”
na sala de aula. Novas linguagens, métodos, conteúdos e tecnologias
passam a fazer parte de outra realidade educacional, em que a distância
estabelece barreiras que essas novas tecnologias, se utilizadas de forma
produtiva, podem nos ajudar a diminuir. É evidente que a utilização da
Internet, power points e documentações variadas, não são suficientes para
romper com uma metodologia tradicional que engessa a sala de aula e os
alunos à ideia de receptáculos de conhecimentos. De acordo com Bell
Hooks é “necessário reconhecer, permanentemente, que todos influenciam a dinâmica da sala de aula, que todos contribuem” (Hooks, 2017:
p.18). Portanto, estimular o conhecimento prévio dos alunos, suscitados
por questões levantadas pelas documentações, como as que foram apresentadas, bem como o proveito do domínio de manejo das novas tecnologias, como a internet, que grande parte do alunado possui, é permitir
que contribuam para construção do conhecimento e de uma sala de aula
44
dialógica em que o entusiasmo provocado por aulas, nas quais os alunos
se vejam como participantes, possibilitem a construção de um espaço
criativo, de potencialidades e de transgressão.
E agora professor, qual o seu “click”? Vamos inovar e “reinventar” o
ensino de história?
Referências
1. Periódicos
Cidade do Rio
Jornal do Commercio
O Nordeste
2. Documentação Oficial
AGJES – Apelação Crime. AJU/C.TJ.caixa nº 15, nº 1402, p. 45.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/Secretaria de Educação
Básica, 2018. Disponível em: <http://http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base>.
Acesso em: 18 set. 2019.
Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa Estadual, por ocasião da abertura da
sessão legislativa pelo Governador do Estado de Sergipe José Rollemberg Leite. Aracaju, Imprensa Oficial, 1949, p.34.
3. Notícia
https:¤¤www.gov.br¤mdh¤pt-br¤assuntos¤noticias¤2020-2¤maio¤ministerio-divulga-dados-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes Acessado em 26 de
março de 2021.
4. Memorialista
CABRAL, Mário. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Liv. Regina LTDA, 2000.
FONTES, Amando. A Rua Siriri. O Estado de Sergipe, Aracaju, 31 de outubro de 1937.
5. Literatura
AMADO, Jorge. Cacau. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 27. O romance narra a viagem de Jorge Cordeiro a Ilhéus na terceira classe no Navio Murtinho.
6. Bibliografia
ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013 p. 13.
45
BARROS, José d’Assunção. O Projeto de Pesquisa em História: Da escolha do tema ao
quadro teórico. Petrópolis: Vozes, 2015.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.
5 ed. São Paulo: Cortez, 2018 (Coleção docência em formação: Série ensino fundamental)
FREIRE, PAULO. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa.
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GISELA, Bock. ‘La historia de las mujeres y la historia del gênero: Aspectos de um
debate internacional”, História Social, 9 Espanã, Universidad de Valença, Instituto de
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SOIHET, Rachel. Mulheres Pobres e Violência no Brasil Urbano. In: PINSKY, Carla Bassanezi; DEL PRIORE, Mary. História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto.
46
ABORDAGEM DE TEMÁTICAS DA
DITADURA CIVIL-MILITAR NO JORNAL
“GAZETA DE SERGIPE” (1968-1978)
Mayra Ferreira Barreto
Joaquim Tavares da Conceição
1. Introdução
Este capítulo discute proposta de utilização de fontes jornalísticas como
recurso didático para o ensino de história, especialmente nas abordagens de temáticas relacionadas ao período da Ditadura Civil-Militar no
Brasil. Para a realização deste trabalho foram selecionadas edições do
jornal Gazeta de Sergipe entre os anos de 1968 e 1978. A escolha do recorte temporal decorre do interesse em trabalhar com as representações do
periódico adotado a respeito dos “anos de chumbo” e o chamado “milagre econômico”. As edições da Gazeta de Sergipe encontram-se digitalizadas e disponíveis para pesquisa no endereço eletrônico http://jornaisdesergipe.ufs.br.
Durante o regime militar, a Gazeta de Sergipe foi um veículo de grande circulação e que exerceu influência na capital sergipana, pois era um
periódico publicado diariamente e um dos poucos jornais que continuou
circulando depois do golpe de março de 1964, sendo este um dos motivos que levaram à escolha do jornal como objeto de estudo. Dessa forma, a pesquisa tem como objetivo discutir questões relacionadas ao uso
de fontes jornalísticas sergipanas como recurso didático no ensino de
História; contribuir para a valorização das questões históricas locais relacionadas à temática nacional; e entender de que maneira a Gazeta de
Sergipe retratava a Ditadura Civil-Militar para a sociedade sergipana.
47
Para compreender o posicionamento do jornal sobre o regime militar,
foram analisadas todas as edições entre os anos de 1968 e 1978. Além dos
editoriais, foram analisados os artigos, as reportagens, as entrevistas,
as manchetes e os anúncios. As fontes selecionadas vieram a ser posteriormente catalogadas e organizadas em quatro eixos temáticos, assim
divididos: “Propagação do ideário da ‘Revolução de 1964’ ao povo sergipano”; “Os Atos Institucionais do Regime Militar”; “Resistências à Ditadura”; e “Em nome do Desenvolvimento Econômico”.
Diante do exposto, partiremos do seguinte questionamento: Quais as
possibilidades da utilização das fontes coletadas em jornais sergipanos
para a aprendizagem de temáticas relacionadas com a Ditadura Civil-Militar? Além do uso das fontes, que permitem ao aluno compreender
como ocorre a construção do conhecimento histórico, a pesquisa também tem como motivação ampliar o debate sobre a Ditadura Civil-Militar na sala de aula, sendo esta temática uma demanda do nosso presente.
A temática é considerada um “tema sensível”, porque “[...] designa assuntos de um passado problemático [...]” (ARAUJO, 2013, p. 9), levando
em conta que a ditadura foi um período de grandes violações dos direitos
humanos e dos valores democráticos. Mesmo com os avanços em pesquisas acadêmicas apontando que o regime militar foi um período de repressão, sofrimentos e retrocessos, não há ainda, no país, um consenso do que
foi esse período e o que ele representou para a sociedade brasileira.
Além disso, percebemos a existência de uma parcela conservadora da
população que defende o retorno da ditadura como solução para os problemas sociais, políticos e econômicos do país. O que falar da reedição
da “Marcha da Família com Deus” em 20141, na qual um grupo de pes1. Em março de 2014, manifestantes se reuniram em São Paulo, na Praça da República, para
realizar uma nova versão da “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. O grupo queria
relembrar a marcha anticomunista e de apoio ao golpe militar realizada há 50 anos em 19 de
março de 1964. Os organizadores do evento pediram a intervenção militar para acabar com a
ameaça comunista no Brasil (representada pelo PT) e a corrupção, com a finalidade de moralizar o país. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/03/manifestantes-se-reunem-para-nova-versao-da-marcha-da-familia-em-sp.html. Acesso em 16/12/2019.
48
soas saiu às ruas com cartazes em favor de uma intervenção militar para
o combate da “corrupção” e dos “comunistas” no Brasil? E dos discursos
defendidos por autoridades políticas que fazem referências ao período
ditatorial de forma saudosista, exalta torturadores e defende a volta do
Ato Institucional N° 5 (AI-5), maior instrumento de repressão da ditadura? São falas que atentam contra os preceitos da Constituição de 1988,
portanto contra o estado democrático de direito.
Igualmente, uma série de discursos em defesa do autoritarismo é
propagada nas redes sociais. Nelas encontramos um campo fértil para
a divulgação de documentários e programas, sem referências confiáveis,
com argumentos distorcidos, falsos e com armadilhas ideológicas. Logo,
atrai o público mais jovem que, por não ter vivenciado o período, acaba construindo uma visão idealizada de que no “tempo da ditadura era
melhor”, não existia corrupção, violência e crise econômica, quando, no
Brasil, vivia-se um clima de estabilidade política e social, segurança, desenvolvimento econômico, justiça e ordem.
Na dissertação de mestrado intitulada As memórias dos jovens sobre a
ditadura civil-militar e a função social do historiador/professor, a autora Licia
Quinan faz uma análise do que os alunos, de duas escolas do Ensino Médio, pensam sobre o período ditatorial. Ao longo da pesquisa2, a autora
concluiu que:
[...] há um apoio parcial dos jovens à ditadura, um estabelecimento de
fatores “positivos” e fatores “negativos”. Essa visão parece se basear na
ideia que fazem de que muitos problemas da atualidade não existiam
e que isso pode ser atribuído a um maior controle da sociedade, que
2. A pesquisa foi realizada em maio de 2016 com alunos entre quinze e dezessete anos
cursando o Ensino Médio das redes pública e privada de ensino do município de Petrópolis,
estado do Rio de Janeiro. A autora utilizou como metodologia de coleta de fontes a história
oral, com o objetivo de compreender como as memórias do período da Ditadura Civil-Militar no Brasil foram e têm sido construídas e de que forma são apropriadas pelos jovens
estudantes.
49
se materializava no autoritarismo. Em suma, apesar da perda de liberdades, havia um controle daquilo que eles enxergam como “problemas
sociais” (QUINAN, 2016, p. 54).
O trabalho de Licia Quinan nos ajuda a perceber que muitos jovens
“constroem uma memória do período de governo autoritário baseados
nas demandas do presente” (QUINAN, 2016, p. 50) e “tende-se a valorizar o controle social autoritário, presente na ditadura, como forma de
organizar a sociedade” (QUINAN, 2016, p. 56).
Sabemos que a sala de aula não é o único espaço de conhecimentos históricos dos alunos, eles constroem sua aprendizagem por diversos meios, a
exemplo da comunidade, familiares, filmes, novelas e principalmente com
os meios de comunicação. Em muitos casos, as mídias acabam propagando uma visão distorcida do que foi o regime militar. Para (PERES, 2014, p.
70), “[...] tal visão tende a se consolidar em situação de contradição nacional, seja quando nos deparamos com os índices de corrupção dos nossos
governos democráticos, seja quando analisamos os números da violência
urbana em nossas grandes cidades”. Por isso, precisamos trazer este debate para a escola, trabalhar as memórias que foram deixadas pela ditadura
militar. De acordo com (CHIOZZINI, et al. 2007):
[...] estamos, cotidianamente, inseridos em realidades que nos conduzem a lapsos de memória que parecem fazer parte da própria fragmentação da vida contemporânea. Uma realidade na qual as experiências já
não são contadas, recontadas... São esquecidas como se só o novo fosse
essencial para a projeção de futuras práticas sociais. Notícias nos chegam fragmentadas. A amnésia coletiva, paulatinamente, concretiza-se
com a implantação de simbologias, fantasmagorias soltas e autônomas
na falta da relação com o passado (CHIOZZINI, et al. 2007, p. 104).
Uma maneira de desconstruir as memórias é apresentando aos alunos que o que as mídias nos mostram não é a realidade dos fatos, mas
50
representações, já que esses podem ser deturpados e marcados por ideologias de quem as escreve.
De acordo com (SILVA, 2009, p. 28), “[...] durante a ditadura, o regime
utilizou-se dos meios de comunicação para se auto-propagar [...]”. Por
isso, a importância do professor em problematizar e descontruir essas
memórias: “[...] é preciso superar, no plano do conhecimento, os argumentos que amenizam a experiência da ditadura. Ao mesmo tempo em
que são mitos sobre o regime, são também reafirmações da memória que
ele quis deixar de si mesmo [...]” (SILVA, 2009, p. 28). Para que, desta
forma, os jovens estudantes que não viveram aquela época possam se
posicionar sobre as práticas desse regime repressor e violento. O ensino de história tem este papel de ampliar “[...] a consciência dos jovens
por meio de um trabalho de reflexão e de reconstrução da experiência
humana [...]” (GUIMARÃES, 2013, p. 52). Desta maneira, a nossa função
como professor (a) de história na situação do Brasil atual é possibilitar
a formação crítica do aluno a respeito de práticas autoritárias, para que
sempre atuem em defesa aos direitos humanos e da democracia acima de
quaisquer circunstâncias. Consoante afirma (SILVA, 2018, p. 81) “[...] se
as reflexões não ocorrerem, as possibilidades de pequenas (terríveis) ditaduras se manterem sob disfarce democrático serão muito grandes [...]”.
A temática Ditadura Civil-Militar também está presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História (1998) e na versão homologada
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), dos anos finais do ensino
fundamental (BRASIL, 2019). Nesses documentos, a temática apresenta-se como conteúdo obrigatório a ser desenvolvido no 9º ano do ensino fundamental. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de História de
1998, o tema aparece como História do Brasil Contemporâneo e faz parte
do eixo temático “História das representações e das relações de poder”,
no subitem “Cidadania e cultura no mundo contemporâneo” (PCNs,
1998, p. 63). O documento destaca como objetivo do estudo do tema a
possibilidade de “[...] sensibilizar os estudantes para os estudos do passado e suas relações com questões atuais [...]” (PCNs, 1998, p. 68). Portanto,
51
a pesquisa apresenta a possibilidade de abordagem metodológica capaz
de contribuir para o alcance dos objetos de conhecimento e respectivas
habilidades dispostos na BNCC e nos PCNs, visando ao desenvolvimento integral dos estudantes e a observância aos princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano.
Para o alcance os objetivos almejados, a opção foi por uma pesquisa de caráter qualitativo, tendo como instrumentos de coleta de dados:
o uso de referências bibliográficas, matérias jornalísticas selecionadas,
além da leitura de artigos, dissertações e teses. Para a discussão sobre
o ensino de História e Ditadura Civil- Militar foram utilizados os estudos de Marcos Silva (2016), Marcos Vinicius Peres (2014), Licia Quinan
(2016), Maria Paula Araujo (2013) e Selva Guimarães (2012). Sobre a compreensão da ditadura militar, imprensa e censura no período estudado,
foram escolhidas as obras de Nadine Habert (2001), Maria José de Rezende (2013), Maria Paula Araujo (2013), Maria Aparecida de Aquino (1999) e
Alzira Alves de Abreu (2002).
2. Representações da ditadura civil-militar nos jornais sergipanos (1968-1978)
Durante o regime militar houve um grande interesse por parte do governo brasileiro em propagar, por meio dos meios de comunicação (jornais,
revistas, rádios e televisão), uma imagem favorável das suas ações, como
forma de convencer a sociedade dos seus atos. A propaganda governamental foi responsável por sustentar no imaginário do povo uma imagem positiva da ditadura militar. Criando mitos e uma visão distorcida em que ocultava a tortura, censura e os assassinatos cometidos pelos
agentes do estado. Diante desta memória construída em torno do regime, ainda hoje, os militares recebem créditos positivos daquela época.
Sendo assim, esta seção tem por finalidade entender a contribuição
da Gazeta de Sergipe na sustentação do ideário do regime militar, para
isso foi feita uma análise das matérias políticas produzidas no período e
divididas nos eixos apresentados a seguir.
52
2.1. Propagação do ideário da “revolução de 1964” ao povo brasileiro
Na Gazeta de Sergipe, encontramos, seja em reproduções de fala de políticos ou nos editoriais, afirmações de que a “Revolução de 64” garantiu
“um clima de prosperidade política, econômica e social no Brasil”, e foi
responsável em “libertar o seu povo da miséria, da fome, e do analfabetismo”. Além de prover “um clima de segurança a grande família brasileira em torno dos negócios e investimentos”, por “assegurar emprego
aos trabalhadores” e “oportunidades de estudos a juventude” (GAZETA
DE SERGIPE, 1969). Essas afirmações de que a “Revolução de 64” permitiu a tranquilidade social e econômica e o desenvolvimento do país
colocavam a ditadura militar como expressão máxima dos desejos e anseios da maioria dos brasileiros. No jornal, percebemos também um esforço em propagar que o governo instaurado pelos militares era “democrático” e os seus atos representavam “mudança”, “renovação” em todas
as esferas brasileiras.
Outro fator utilizado pelo regime para se legitimar era apresentar as
medidas do governo como uma reação à propalada propagação do comunismo. Desta maneira, o comunismo era considerado o inimigo real da
“Revolução de 64”, contra o qual ela estaria lutando e para “acabar com
esse mal” era necessária a adesão de toda a população brasileira.
A propagação do “medo comunista” e das ideias anticomunistas era
muito comum nos meios de comunicação, na Gazeta de Sergipe não era
diferente. Frases como “[...] a revolução vai livrar o Brasil do comunismo
[...]” eram bastante divulgadas no periódico. Pode ser citada como exemplo a matéria publicada em 01/04/70 que relata um discurso do General
José Graciliano Nascimento para o curso de formação de oficiais de Polícia Militar de Sergipe. De acordo com o relato podemos perceber que
o general alerta aos alunos o “perigo do comunismo”, apresentando as
técnicas das quais os “comunistas” utilizavam para conquistar mentes
por meio das propagandas “subversivas”. Ao final da matéria ele adverte
aos soldados os “perigos” dessa doutrina que, segundo ele, tinha como
objetivo “dominar o país” (GAZETA DE SERGIPE, 01/04/70, p.01).
53
Figura 1 - Discurso do General José Graciliano Nascimento para o
curso de formação de oficiais de Polícia Militar de Sergipe (1970)
Fonte: Gazeta de Sergipe, 01/04/70, p. 01
Outra propaganda utilizada para promover a “Revolução de 64” foi o
discurso contra a corrupção, em que os militares estavam dispostos a “extirpar esse mal do Brasil”. O jornal Gazeta de Sergipe foi um grande propagador da “Revolução de 64”, vista como responsável por eliminar a corrupção no Brasil. Frases como “a persistência e obstinação das forças militares
que não se sensibilizam diante da marotagem dos corruptos” (GAZETA DE
SERGIPE, 03/05/69, p.03) eram propagadas à população sergipana.
Também é possível encontrar o projeto de criar uma memória nacional mediante o culto a “heróis nacionais” do passado e sua relação com
a imagem dos militares. Em relação a isso, identificamos várias matérias
exaltando figuras como Tiradentes, D. Pedro I, José Bonifácio, Joaquim
Gonçalves Ledo, D. João VI e o Duque de Caxias. O último era apresentado como “patrono do exército brasileiro”, “um exemplo de dedicação e
amor à pátria” (GAZETA DE SERGIPE, 1970).
54
Igualmente, com o objetivo de incutir uma imagem positiva a respeito dos militares na sociedade brasileira, principalmente entre os jovens,
inúmeras homenagens eram feitas pelo jornal aos soldados que aparecem como “heróis” e “protetores da pátria”, ou como aqueles que são
chamados para “livrar o país dos males que o atacam” e que por isso
são “defensores das liberdades democráticas” (GAZETA DE SERGIPE,
1970). Não obstante, a partir das propagandas em torno dos militares
como garantidores da paz, ordem e da segurança, tentava-se amenizar os
impactos das suas ações ditatoriais, buscando reconhecimento do povo
brasileiro.
2.2. Os atos institucionais na ditadura
No regime militar foram utilizadas várias estratégias para justificar este e
outros atos impostos à população com a finalidade de buscar a sua aceitação, evitando manifestações contrárias. Eles eram representados e mantidos como necessários para a manutenção da “ordem”, “segurança”, “democracia”, a “moral e aos bons costumes” e a para a preservação e defesa da
própria “Revolução de 64”. Até os casos de torturas, segundo Médici, eram
justificados para obter confissões e evitar “um mal maior”. De acordo com
Rezende (2013, p. 35), “[...] os condutores do regime partiam da perspectiva
de que eles ganhariam adesão à sua proposta de organização se conseguissem uma opinião pública cada vez mais favorável a seus feitos e intenções”.
Em Sergipe, logo após a instauração do AI-5, o jornal Gazeta de Sergipe publica uma matéria, na primeira página, apresentando o discurso do Ministro da Justiça Gama e Silva, e aponta os reais motivos para
a aprovação desse ato institucional. Segundo a fala do ministro, o AI-5
representava a “[...] defesa dos interesses superiores da nação e do povo
brasileiro”. Continuando, Gama e Silva explica à população brasileira
que estava sendo observada “[...] uma série de fatos atentatórios aos direitos individuais, a paz e a tranquilidade pública, ameaçando tais procedimentos as próprias garantias, que a Revolução reservou para o povo
brasileiro” (GAZETA DE SERGIPE, 15/12/68, p. 01).
55
Figura 2 – Editorial sobre as primeiras prisões efetuadas pela “Revolução de 1968”
Fonte: Gazeta de Sergipe, 18/01/69, p. 03.
Diante da declaração do ministro, podemos perceber que a ditadura
justificou o AI-5 e todas as suas medidas de exceção, alimentando na sociedade o imaginário do medo, da insegurança, e da desordem; todo esse
clima de intranquilidade era causado pelos “inimigos da nação brasileira”:
o comunismo e a corrupção. Seguindo com a análise do jornal, identificamos vários editoriais em apoio ao AI-5, contribuindo para legitimar o ato
perante a sociedade sergipana. Chamado de “Revolução de 68”, o periódico apresenta o AI-5 como “o meio legal para a punição dos ladrões, da corrupção, dos crimes de homicídio e de contravenções fiscais”, fazendo elogios à sua “ação saneadora”. Percebemos o esforço do jornal em apresentar
o AI-5 como algo “popular” ou que merecia prestígio de vários setores da
população brasileira, por seus “feitos” (GAZETA DE SERGIPE, 1969).
Neste sentido, podem ser citadas como exemplo afirmações do tipo:
“Revolução de 68 eclodiu e ganhou todas as camadas sociais”; “o povo,
56
com efeito, passou a sentir alegria, contentamento, confiança na Revolução de 1964” (GAZETA DE SERGIPE, 1969). A ideia era criar a impressão
de que o país estava sendo “limpo”, “curado de todas as suas mazelas” e
livre daquilo que representava um “empecilho” para o seu desenvolvimento. Infere-se, portanto, que as propagandas divulgadas na Gazeta de Sergipe
eram utilizadas como “máscara” ocultando as ações negativas do governo
com a aplicação desse ato repressor, negando qualquer possibilidade do
povo à democracia e de participação dos indivíduos no cenário político.
2.3. Resistências à ditadura civil-militar
Para compreender como a Gazeta de Sergipe apresentava à população sergipana os grupos de resistência ao regime, foram selecionadas matérias
do movimento estudantil e da luta armada. Devido à censura, muitos
jornais ficavam proibidos de noticiar as manifestações populares, mas
é possível encontrarmos várias matérias que retratam a luta dos estudantes contra a ditadura e os atos de violências tomados pelos militares
para conter as manifestações. Por meio do jornal, podemos acompanhar
as passeatas estudantis em São Paulo e em diversas capitais brasileiras,
assim como prisões de estudantes sergipanos que foram participar do
XXX Congresso da União Nacional Estudantil (UNE).
Em relação às ações dos militares contra as manifestações dos estudantes, o periódico afirmava “[...] não achamos que possam nossas autoridades solucionar a grave série a crise universitária com o emprego
da força, da violência, da simples repressão policial-militar” (GAZETA DE SERGIPE, 15/10/68, p. 01). Identificamos no jornal certo apoio
ao movimento estudantil, como apontado no editorial, publicado dia
09/10/68: “[...] as lutas estudantis são válidas e merecem os respaldos
devidos, quando não traduzem interesses alienados expressos em linguagem orientada” (GAZETA DE SERGIPE, 09/10/68, p.01). Todavia,
percebemos também que o periódico, vez ou outra, tenta desestruturar o movimento afirmando que estes estariam sendo influenciados por
grupos de “subversivos”.
57
Como justificativa para o uso da violência contra as manifestações
de oposição, o regime usava a imprensa para fazer apelo aos pais para
que não permitissem que seus filhos participassem das manifestações
organizadas contra a ditadura. Segundo o jornal, esses atos eram organizados por “agitadores” e “desordeiros” que colocavam em “perigo a vida do povo nas ruas”. A ideia era desqualificar os movimentos
de oposição apresentando-os da forma mais negativa possível e fazer
a população acreditar que as medidas repressivas visavam proteger
a sociedade contra “perigo de uma minoria” (GAZETA DE SERGIPE, 1970).
Sobre as resistências das organizações de esquerda, encontramos
uma série de adjetivos que os enquadravam como “subversivos”, “comunistas”, “terroristas”, “nocivos à segurança do país” e “inimigos da pátria”. Nas notícias de confrontos com a polícia, os grupos envolvidos na
“subversão”, assim considerados, eram os primeiros a atirarem na polícia, “eram fugitivos armados”, “ladrões”, “assaltantes” (GAZETA DE
SERGIPE, 1968 a 1970).
Em matéria publicada no dia 29/05/69, resultando na prisão do líder estudantil Marcos Antônio e do teatrólogo Fausto Machado Freire, a Gazeta de Sergipe informava que os envolvidos em “subversão”,
depois de um longo tiroteio com a polícia, assaltaram o negociante
Cesário Roubim e roubaram dois carros durante a perseguição. Segundo o jornal, não resta a menor dúvida de que os fugitivos “integram
uma quadrilha de assaltantes de bancos” (GAZETA DE SERGIPE,
29/05/69, p.01).
58
Figura 3- Prisão de Marcos Antônio Azevedo e Fausto
Machado Freire envolvidos em “subversão” (1969)
Fonte: Gazeta de Sergipe, 29/05/69, p.01
O periódico fazia campanha e travava uma verdadeira “guerra ideológica” contra o que denominava de “terrorismo”. Inúmeras chamativas eram publicadas convocando a população sergipana a se unir para
o “combate desse mal”. Outra forma de discurso consistia associar as
ações desses grupos como causadoras de mazelas sociais. Podemos perceber na fala do governador de São Paulo, Hilário Torloni, que pede a
atenção do povo “[...] para com os agitadores, para com os exploradores
das angústias do povo eles querem agravar os problemas destruir a economia e semear o ódio” (GAZETA DE SERGIPE, 13/06/69, p. 08).
59
Diante dos fatos abordados, conclui-se que existia todo um aparato de
propaganda para demonizar a oposição e convencer a população de que
eram pessoas perigosas e que por isso necessitavam de medidas repressivas. Em fala do Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, sobre denúncias
de tortura no país, este declara: “[...] ninguém, no Brasil, é preso por ter
pensamento diferente do governo. No Brasil, não existem presos políticos e sim: terroristas detidos” (GAZETA DE SERGIPE, 02/08/70, p. 01).
Para os agentes da ditadura, “quando a tortura não era negada, era
justificada para salvar inocentes da contaminação das ideias ou das práticas letais terroristas. A tortura era um mal necessário para a produção
de um bem coletivo: a segurança da sociedade” (CNV, 2014, p. 323). Essas
declarações eram usadas para justificar as torturas e os assassinatos aos
opositores, negadas pelos agentes do estado ou encobertas com versões
falsas, quase sempre reproduzidas pela imprensa, de “atropelamentos”,
“suicídios” ou “morte em tiroteio”.
2.4. Em nome do “desenvolvimento” econômico
No jornal Gazeta de Sergipe eram constantemente divulgadas “as grandes
realizações do regime militar”, a exemplo dos avanços da indústria automobilística, os índices econômicos da indústria do país, o desenvolvimento no Nordeste e os investimentos em saúde e educação. Além de reportar
as notícias do denominado desenvolvimento econômico nacional, a Gazeta
de Sergipe também noticiava o “milagre econômico” em terras sergipanas.
Assim, exaltava as descobertas de novos poços de petróleo e de minérios,
principalmente no município de Carmópolis. De acordo com as publicações do periódico, as descobertas petrolíferas possibilitariam ao estado o
crescimento do seu parque industrial e a criação de empregos.
Na matéria intitulada “Povo acompanha o surto do petróleo em Sergipe”, o presidente da Federação das Indústrias de Sergipe, o Sr. Eziel
Mendonça, afirma que “[...] todos os sergipanos estão contentes, pois
compreendem que ninguém poderá parar o desenvolvimento do Estado” (GAZETA DE SERGIPE, 19/02/1971, p. 01). Publicações do tipo
60
contribuíam para incutir uma avaliação positiva do regime, fazendo com
que as mazelas fossem colocadas em segundo plano em nome do propalado “progresso econômico”.
Figura 4- Matéria intitulada “Povo acompanha o surto do petróleo
em Sergipe”, publicada no jornal Gazeta de Sergipe (1971)
Fonte: Gazeta de Sergipe, 19/02/1971, p. 01.
Também é perceptível um esforço do jornal em divulgar uma imagem positiva do presidente Médici, associada ao desenvolvimento e à
segurança econômica do Brasil. Em várias editoriais, o presidente é
comparado a Getúlio Vargas, tanto em nível da popularidade quanto
das reformas econômicas e sociais. Ele é mostrado como o “gaúcho
de simpatia popular”, “gaúcho tranquilo” e que “desfruta de prestígio
enorme entre todas as camadas sociais brasileiras” (GAZETA DE SERGIPE, 01/11/72, p. 03).
A imagem do presidente Médici também era apresentada como “líder do povo”, principalmente entre as classes operárias brasileiras, como
um “grande estadista”, um “homem de confiança” e “homem que tem
61
um imenso amor ao Brasil”. Em editorial publicado em 12/10/69, o jornal
afirmava que:
[...] surge, agora, um líder nacional pronunciando coisas simples, mais
tradutora das aspirações do povo brasileiro, de progresso econômico,
bem-estar social, liberdade democrática e justiça social. As suas palavras inspiram confiança, induzem colaboração e tranquilizadoras arrastaram essa geração de jovens brasileiros a novas tomadas de posição. A
sorte está lançada. Mãos à obra, povo brasileiro (GAZETA DE SERGIPE, 12/10/1969, p. 03).
Desta maneira, foi criado um “mito” em torno da imagem de Médici como o “conciliador” das diversas classes sociais e por isso deveria
ser amado pela juventude brasileira. Podemos citar como exemplo desta
afirmação a matéria publicada no dia 19/05/71, que consistia no resultado
de uma pesquisa realizada entre 1.400 alunos do Colégio Estadual Professor Ernani Cardoso, em Bangu, com idade entre 14 e 20 anos, o presidente Médici foi apontado como o vulto mais importante da vida brasileira com 41,6%, seguido de Pelé com 10,4% e Getúlio Vargas com 4,9%.
Identificamos ainda várias matérias direcionadas ao operário brasileiro, exaltando o valor do trabalho para a “construção do Brasil”, ou como
forma de “dignificar o homem”, além da exaltação do patriotismo e do civismo (GAZETA DE SERGIPE, 1970 e 1971). Portanto, os discursos divulgados durante o período do denominado “milagre econômico”, pela Gazeta
de Sergipe, visavam tornar o regime aceitável e evitar todo tipo de contestação em nome do propalado “progresso”, “otimismo” e “amor à Pátria”.
3. Considerações finais
A pesquisa conseguiu atingir os objetivos propostos, na medida em
que discutiu em diferentes perspectivas das questões relacionadas ao
uso de fontes jornalísticas sergipanas como recurso didático no ensino
de História. Por meio dela, observamos a posição do jornal em relação
62
à Ditadura Civil-Militar, constatando-se que suas publicações contribuíram para apoiá-la e legitimá-la influenciando, neste sentido, a população sergipana.
Pudemos identificar, na Gazeta de Sergipe, diversas matérias publicadas em favor do regime militar, assim como várias estratégias para justificar os atos institucionais desse período, a exemplo do AI-5. Desta maneira, o jornal contribuía para validar as ações desse ato para a sociedade
sergipana, buscando a sua aceitação com a intenção de evitar manifestações contrárias. As publicações do periódico auxiliavam a “demonizar”
os movimentos de resistência ao regime, desqualificando as manifestações de oposição da forma mais negativa possível, contribuindo para justificar para a sociedade sergipana as medidas repressivas aplicadas pelos
militares. Entendemos, ainda, que as propagandas realizadas na Gazeta
de Sergipe tinham como objetivo divulgar uma imagem positiva do Brasil,
destacando o desenvolvimento e a estabilidade econômica do país e os
grandes feitos dos militares, visando evitar qualquer tipo de contestação,
propagando o ideário de “progresso”, “otimismo” e “amor à pátria”.
O trabalho também contribuiu para ampliar o debate sobre a Ditadura Civil-Militar na sala de aula, sendo esta temática uma demanda do
nosso presente, já que observamos discursos autoritários presentes nas
mídias sociais divulgando uma visão idealizada de que no “tempo da ditadura era melhor”. A pesquisa também contribuiu para que os alunos
entendam que a ditadura foi um período de grandes violações aos valores democráticos, possibilitando resgatar a memória da repressão em
uma sociedade marcada pelo esquecimento.
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p. 23-36.
64
USO DE FONTES HISTÓRICAS EM
SALA DE AULA E PROTAGONISMO
DISCENTE NA CONSTRUÇÃO DO
CONHECIMENTO HISTÓRICO: UMA
EXPERIÊNCIA NO ENSINO MÉDIO
Lorena de Oliveira Souza Campello
Olhar para o passado a partir de fontes históricas produzidas em momentos específicos da história, entendendo o contexto de produção desses vestígios é, no mínimo, curioso e prazeroso. O artigo em questão pretende apresentar e discutir a experiência didática desenvolvida por meio
do projeto “Uso de fontes históricas em sala de aula e protagonismo discente na construção do conhecimento histórico”1, assim como seus desafios e resultados alcançados.
O projeto de pesquisa2, desenvolvido com alunos do ensino médio
integrado3 do IFS (Instituto Federal de Sergipe), considerou as quatro
premissas apontadas pela UNESCO como eixos estruturais da educação
na sociedade contemporânea, a saber: o aprender a conhecer, mediante o desenvolvimento da curiosidade intelectual e o estímulo ao senso
crítico para a compreensão do real, promovendo a aquisição da autonomia na capacidade de discernir; o aprender a fazer, com a aplicação da
teoria, na prática, e a busca pelo enriquecimento da vivência da ciência
1. Projeto de pesquisa aplicada aprovado em edital 18/2019/PROPEX/IFS, programa PIBIC/JR 2019 e financiado pela mesma instituição.
2. Contamos com a importante colaboração da bolsista remunerada Lilia dos Santos e do
bolsista voluntário Talyson Raony Santos Cruz.
3. Cursos de Eletrotécnica, Edificações, Aquicultura e Energias Renováveis.
65
na tecnologia e destas, no social; o aprender a viver, a partir da vivência juntos, desenvolvendo o conhecimento do outro e a percepção das
interdependências, de modo a permitir a realização e o gerenciamento
de projetos comuns; e por fim, o aprender a ser, preparando o indivíduo
para elaborar pensamentos autônomos e críticos, formulando com isso
seus próprios juízos de valor, de modo a tomar decisões diante às circunstâncias da vida (PCN, 2000, p. 15-16).
Como visto, o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo é
um dos principais objetivos presentes nos parâmetros curriculares nacionais, já que tais documentos estimulam a promoção de um ensino
voltado para a formação de cidadãos críticos e atuantes.
Somado a tal orientação curricular, uma das temáticas relacionadas à
discussão sobre ensino de história nas últimas décadas se refere ao uso
de documentos históricos, na prática de sala de aula, com a proposta de
fazer com que o discente produza o conhecimento histórico no ambiente
escolar e, nesse caso, compreenda de que forma a história é construída e
escrita. Esta abordagem nos leva às fontes históricas. Ao professor cabe,
portanto, transformar essas fontes em ferramentas para demonstrar ao
aluno que a história é feita de “vestígios” deixados pelos homens e sociedades do passado, que se trata de matéria-prima para que o historiador
possa compreender como determinadas sociedades se estabeleceram em
determinados tempos/espaços.
No que se refere ao campo da História, o século XX, de acordo com
o historiador José D’assunção Barros (2019), imprimiu uma grande complexidade no fazer historiográfico (escrita da História), somado à especialização do conhecimento científico, nas várias esferas do conhecimento, que fez com que os historiadores refletissem cada vez mais sobre
seu campo de estudo. Para Barros, esse enorme espaço de saberes historiográficos foi sendo gerado pela “expansão da noção de ‘fonte histórica’,
pela multiplicação dos interesses temáticos dos historiadores, pela proliferação de diálogos interdisciplinares, pelo acúmulo de novas metodologias e aportes teóricos (...)” (BARROS, 2019, p. 194, aspas do autor).
66
Em vista às transformações pelas quais passou a História, como disciplina e historiografia, não seria incomum pensar numa transformação
da atuação do professor de História na sala de aula, nas mudanças da relação docente-discente e na forma de se trabalhar a disciplina História.
Assim sendo, o uso e o trabalho, com as mais diversas fontes históricas,
devem representar o ponto de partida para a superação do ensino tradicional. Portanto,
“Fonte histórica” é tudo aquilo que, por ter sido produzido pelos seres
humanos ou por trazer vestígios de suas ações e interferência, pode nos
proporcionar um acesso significativo à compreensão do passado humano e de seus desdobramentos no Presente. As fontes históricas são as
marcas da história (...). Esse imenso conjunto de vestígios (...) constitui o
universo de possibilidades de onde os historiadores irão constituir suas
fontes históricas (BARROS, 2019, p. 15, aspas do autor).
O uso das fontes para o ensino de História trouxe uma discussão interessante para a área da Educação. Trata-se, segundo Nilton Pereira e
Fernando Seffner (2008), de inserir o movimento da crítica ao documento
e usar as fontes utilizadas pelos historiadores no dia a dia da prática do
ensino-aprendizagem escolar.
A história, com efeito, faz-se com documentos, independentemente
do gênero documental e suporte. Toda sociedade produz documentos
para embasar suas ações, funções e atividades diárias. É o historiador
quem transforma o status de qualquer manifestação humana em fonte para a pesquisa histórica, a depender dos questionamentos que faz
e das necessidades do uso de determinadas manifestação e informação
registradas em qualquer suporte. Desse modo, a própria produção de documentos está vinculada à história do desenvolvimento de tecnologias.
Assim, o uso de determinadas fontes para a produção do conhecimento
histórico também possui sua história. Essa perspectiva teórica norteou
todo o desenvolvimento do projeto desenvolvido.
67
Para além da questão teórica, o projeto também teve como uma de
suas propostas multiplicar o acesso dos discentes, da comunidade acadêmica do campus Estância e dos docentes e discentes de outras redes do
ensino a fontes históricas e modus operandi de laboratórios didáticos realizados com tais vestígios. Vestígios que, de certo modo, ofereçam informações sobre a história local, nacional e geral, ofertando possibilidades
de novos olhares, análises e discussões a partir desse contato.
Para tanto, recorremos a documentos custodiados por arquivos públicos e privados (arquivos pessoais e de empresas privadas), fotografias, cartuns, jornais, revistas, almanaques, histórias em quadrinhos, filmes, músicas, objetos tridimensionais museológicos, obras literárias, pinturas, etc.
Tais fontes e documentos, quando acessados, trabalhados em sala de
aula e levados ao conhecimento do usuário interessado, consistem em
um instrumento essencial para o aprofundamento do processo de ensino-aprendizagem e da aprendizagem de técnicas e métodos de pesquisa
histórica, pois complementam a formação teórica e prática do discente, a
partir dos debates fomentados pelo trato com vestígios do nosso passado.
1. O projeto “Uso de fontes históricas em sala de aula e protagonismo discente na construção do conhecimento histórico”
Como já mencionado na introdução do artigo, a relação entre História
e a diversidade de fontes históricas se encaixa nas diretrizes elaboradas
pelo Governo Federal que orientam a educação no país: os Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio4. Tais vestígios do passado demandam um novo pensamento na formação do educador, enfatizando
uma maior relação entre ensino superior e ensino básico e o incentivo às
novas tecnologias da informação em sala de aula, assim como o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética
e o desenvolvimento da autonomia intelectual, do pensamento crítico e
da atitude científica.
4. Instituídos por meio da Resolução CEB nº 3, de 26 de junho de 1998.
68
Mediante tais desafios, por meio do projeto apresentado, fazemos a
defesa do uso de documentos e fontes históricas para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e do desenvolvimento de técnicas e métodos de pesquisa, para que o aluno perceba como se processa
a pesquisa em História e colabore para a construção do conhecimento
histórico em âmbito escolar. Importante salientar as especificidades das
distintas fontes históricas e o uso de métodos e técnicas de tratamento e
análise direcionados para cada uma delas.
Considerando que a condição de acesso a fontes históricas e documentos
de arquivos ainda carecem de melhorias, com relação à elaboração de instrumentos de pesquisa coerentes e que respeitem os princípios e abordagem
arquivística, o projeto contribuirá oferecendo um repositório que agregará
fontes para o estudo da História de Sergipe, do Brasil e Geral, promovendo
o acesso rápido a esse material e dando apoio metodológico a professores do
ensino básico, superior e de pós-graduação de várias áreas do conhecimento.
Acreditamos que o projeto de pesquisa aplicado contribuiu para o
desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem dos discentes do
Campus Estância do IFS e da sua comunidade externa. Estreitamos, com
o projeto, os laços entre o Instituto Federal de Sergipe, Arquivos Públicos, Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Centros de Documentação, Museus e a sociedade civil, contribuindo para o desenvolvimento
social, educacional e cultural da região e do estado.
O projeto, carinhosamente apelidado de LabHist-IFS, teve como objetivo desenvolver e aplicar nova metodologia de ensino-aprendizagem, na
prática, docente e discente da disciplina de história, aprofundando temas da
História do Brasil e Geral por meio do uso de diversos gêneros e categorias
de fontes históricas, que possibilitem o protagonismo do estudante a partir
da construção do conhecimento histórico, além da criação e alimentação de
repositório de fontes históricas e do passo a passo de cada trabalho.
Dentre os objetivos específicos desenvolvidos, para alcançarmos o geral, destacamos a discussão sobre a importância, o papel e as peculiaridades de cada fonte histórica utilizada em sala de aula para a construção
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do conhecimento histórico e para a revisão do passado humano, em distintos contextos históricos e sociais, no momento em que apresentamos
os laboratórios; a reflexão e aplicação de abordagens, métodos e técnicas
específicas às fontes utilizadas no decorrer das discussões sobre os temas centrais da disciplina, no processo de desenvolvimento dos laboratórios; a implementação dos laboratórios de História no decorrer das
aulas para a implementação do projeto (ocorridos em espaço presencial
e remoto5); a reunião e análise de fontes históricas a serem trabalhadas;
a criação de banco de dados de documentos de gênero textual, iconográfico, sonoro, audiovisual e tridimensional; o aprimoramento dos resultados dos trabalhos desenvolvidos pelos alunos; o desenvolvimento de
um repositório de fontes históricas e do processo de trabalho de ensino/
aprendizagem para o estudo da história com a criação de site6 e Instagram7 do projeto; e a alimentação de banco de dados e do site, com as
fontes utilizadas, sugestões de material de suporte, além do seu processo
de trabalho metodológico.
2. Multiplicidades metodológicas no desenvolvimento do projeto
A forma como a História é ensinada nas Universidades e no ensino básico (fundamental e médio) é distinta. São tempos e modos de abordagens e produção próprios de cada espaço. O professor do ensino básico,
ao recorrer à fonte histórica, utiliza-a com o objetivo de levar o aluno a
perceber como se constitui a história, como os conteúdos históricos se
contextualizam com essa fonte e o que esse vestígio pode nos dizer ou
não sobre a época em que foi produzida.
A fonte, nesse caso, é uma ferramenta psicopedagógica, que auxilia o professor na tarefa de estimular o imaginário do aluno na aprendizagem da História, além de torná-lo protagonista da construção do
5. Devido à Pandemia Covid-19.
6. https://sites.google.com/academico.ifs.edu.br/projetolabhist
7. https://www.instagram.com/projetolabhist
70
conhecimento histórico. O reconhecimento dessa especificidade é imprescindível para que haja uma comunicação frutífera entre essas duas
formas de se ensinar a História.
O uso das fontes para o ensino de História trouxe uma discussão cara
à historiografia contemporânea, a “revolução documental”. Trata-se, segundo Nilton Pereira e Fernando Seffner (2008), de inserir o movimento
da crítica ao documento e usar as fontes utilizadas pelos historiadores
no dia a dia da prática do ensino-aprendizagem escolar. E, nesse caso,
temos uma quantidade imensa de vestígios do passado, tais quais: fotografias, cartões-postais, filmes, documentos oficiais, documentos privados (pessoa física e jurídica), crônicas, obras literárias, jornais, revistas,
relatos de viagem, registros paroquiais, obras de arte, vestígios arquitetônicos, caricaturas, cartuns, depoimentos orais, histórias em quadrinhos, etc.
Ainda de acordo Pereira e Seffner (2008), a revolução documental foi
acompanhada por uma forte crítica ao conceito de documento, que pela
perspectiva dos novos historiadores, torna-se monumento (LE GOFF,
2005). A fonte, então, é vista como um rastro deixado no passado, construída, intencionalmente, pelos homens e pelas circunstâncias históricas
das gerações anteriores.
O documento não é mais a encarnação da verdade, nem mesmo pode
ser considerado simplesmente “verdadeiro” ou “falso”. O ofício do historiador deixa de ser o de cotejar o documento para verificar sua veracidade, e passa de ser o de marcar as condições políticas da sua produção
(Pereira e Seffner, p. 115-116, 2008, aspas dos autores).
No desenvolvimento do projeto, também usamos a abordagem arquivística (CAMARGO, 2007; BELLOTTO, 2006; HERRERA, 2013), especificamente no que se refere às fontes oriundas de arquivos públicos e
privados (físicos e jurídicos). O primeiro passo aqui foi olhar para esses
documentos de arquivo como tal, aplicando os princípios da arquivologia
71
(proveniência, organicidade, unicidade, cumulatividade e integridade),
buscando a qualidade arquivística desses documentos e focando no contexto de produção e funcionalidade do documento trabalhado.
O projeto de pesquisa aplicada desenvolvido foi (e continua sendo)
desenvolvido com as turmas do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio Integrado, do Campus Estância. Contamos também com o apoio interdisciplinar dos (as) professores (as) das disciplinas de Português, Literatura,
Informática, Filosofia, Geografia, Biologia e Artes, em alguns laboratórios8.
Atrelamos os temas e conteúdos estudados em cada ano às fontes históricas específicas e contextualizadas em cada época da História do Brasil e Geral. Assim sendo, tivemos, por exemplo, laboratórios com pinturas, desenhos, plantas baixas de casas camponesas medievais, relatos
de viajantes como principais vestígios para o estudo de temas do 1º ano
do ensino médio. Ao passo que, no 3º ano, tivemos uma impressionante
amplitude de fontes, como charges, obras literárias, crônicas, filmes, fotografias, propagandas, músicas, letras de músicas, capas de discos, etc.
Já no 2º ano, trabalhamos com obras literárias de intelectuais iluministas, fotografias, pinturas, escritos de intelectuais abolicionistas, etc. A
ideia foi entrar em contato físico e virtual com tais vestígios do passado,
lê-los, analisá-los, armazená-los e dar acesso a essas fontes através de um
repositório virtual, criado e mantido pelos discentes envolvidos no projeto e pelo docente orientador do IFS Campus Estância.
Cada fonte histórica específica recebeu abordagem e tratamento próprios. Para tanto, recorremo aos livros: “Fontes Históricas”, organizado
por Carla Bassanezi Pinsky; “O historiador e suas fontes”, organizado
por Carla Bassanezi Pinsky e Tania Regina de Luca; “Manual de História
Oral”, de José Carlos Sebe Bom Meihy; além da coleção “Como usar”, da
Editora Contexto.
8. Docentes envolvidos: Jamille Madureira, Leonardo Henrique Bomfim, Lidiane Brito
Freitas, Alexandre Santos de Oliveira, Elaine Meneses Souza Lima, Márcia Maria de Jesus
Santos, Angelina Maria de Almeida e Advanusia Santos Silva de Oliveira.
72
É importante salientar que o projeto foi desenvolvido em todos os
anos letivos, pois é cerne da proposta de ensino-aprendizagem da disciplina. Somado a isso, teremos, ao longo dos anos, uma gama crescente de
fontes a serem acessadas nos repertórios a serem criados.
No uso de fontes documentos de arquivos (públicos e privados), seguimos a abordagem arquivística concomitante à pesquisa e crítica histórica. Dessa forma, não abrimos mão do contexto de produção e funcionalidade (CAMARGO, 2007; BELLOTTO, 2006), nem do conteúdo do
documento. As visitas técnicas às instituições de documentação, como:
Arquivo Público do Estado de Sergipe, Instituto Histórico de Sergipe,
Biblioteca Pública Epifânio Dória, dentre outras, não puderam ser feitas
devido ao contexto pandêmico em que vivemos9.
Com relação às fontes arqueológicas, focamos nos “vestígios arqueológicos do quotidiano”: fósseis, faianças e artefatos, edifícios e outros
aspectos da cultura material e usados por nossos antepassados, consideradas “evidências materiais sem escritas” (FUNARI, p. 84, 2005). Pedro Paulo Funari (2005) alerta que foi visando à transformação da cultura
material em fonte histórica que se criaram métodos científicos para esse
trabalho, a saber: o registro detalhado do que se via; o desenho das estruturas; a busca por ferramentas interpretativas, integrando o vestígio ao
que já se é conhecido sobre a sociedade estudada; o estudo de informações já registradas sobre determinada sociedade, que produziu as fontes
trabalhadas; a analogia com povos em situação semelhante; o estudo dos
escritos aliados à análise dos indícios materiais. No caso de termos acesso futuro a arquivos administrativos de determinado museu, será feito
um histórico do acervo.
Outra fonte riquíssima, e que foi utilizada no decorrer do projeto,
são os periódicos (jornais e revistas), textos e imagens de circulação social. Fontes negligenciadas durante o século XIX e início do século XX,
9. O projeto foi aprovado em 2019 e desenvolvido entre fins de 2019 e durante o ano
de 2020.
73
devido às práticas da escrita da História Positivista, foram escanteadas
para o grupo das fontes pouco adequadas para se recuperar informações
sobre o nosso passado, principalmente pela parcialidade, distorções e
subjetividades da imprensa (DE LUCA, 2005). O trabalho com impressos
demanda o estudo sobre a História da Imprensa da época dos periódicos
analisados pelos alunos; o conhecimento das técnicas da época; os usos
e as funções da impressa no período estudado; o conhecimento sobre
o impresso pesquisado, seus proprietários e filiações políticas; a identificação do público-alvo do periódico e, por fim, a análise da série de
impressos de acordo com o tema e a problemática defina em sala de aula.
Fontes audiovisuais, como filmes, propagandas, documentários foram objeto de exploração do nosso projeto. A relação entre História e
Cinema é muito discutida entre os historiadores e tem como base a discussão da utilização do filme como fonte, principalmente por meio da
compreensão do contexto no qual é inserido o trabalho cinematográfico escolhido para ser estudado. Filmes e documentários fazem parte do
imaginário de uma determinada sociedade, localizada em tempo e espaço específicos.
Os temas das películas são condizentes com a sociedade do seu tempo
presente, ou seja, consequências de debates presentes naquela sociedade.
Ao trabalharmos com o filme, documentário e a propaganda como fonte de estudo de determinados contextos da história, acolhemos o seguinte caminhar metodológico, proposto pelo professor Marcos Napolitano
(2008): escolha do filme dentro de um planejamento geral; apresentação
de informações sobre a película, como a produção, direção, linguagem e
escolas cinematográficas; preparação da classe, informando sobre do que
se trata a produção cinematográfica e seu contexto de produção; fornecimento de um roteiro de análise para os alunos (procedimentos de análise
fílmica) e agregação de textos de apoio relacionados ao filme.
O uso da documentação iconográfica constou no projeto apresentado. Utilizamos fotografias, charges, cartuns, e pinturas como fonte para
o acesso ao passado. Para além do conteúdo das imagens, exploramos os
74
usos e as funções sociais dessas fontes no contexto de sua produção, considerando contexto técnico e teórico da área, socioeconômico e cultural da
sociedade. O contexto de circulação dessas fontes também foi abordado,
buscando a trajetória dos documentos iconográficos, ou seja, “registrar
suas biografias como artefatos mobilizados pelos agentes sociais desde o
momento em que foram produzidos” (LIMA & CARVALHO, 2012, p. 46).
Tomamos como base para analisar esses documentos o método de análise
morfológica proposta por Solange Lima e Vânia Carvalho (2012, p. 50-55).
A literatura também se somou ao nosso repertório de fontes históricas acessadas. Atualmente, são vistas como “materiais propícios a múltiplas leituras, especialmente por sua riqueza de significados para o entendimento do universo cultural, dos valores sociais e das experiências
subjetivas de homens e mulheres no tempo” (FERREIRA, 2012, p. 61). No
trato com tais fontes, consideramos as diversidades das formas literárias
no tempo; os diversos gêneros, escolas e movimentos literários, observando as circunstâncias em que se conformaram, perpetuaram ou sofreram mudanças. Para tanto, trabalhamos de forma interdisciplinar com a
professora de Português/Literatura e a experiência foi enriquecedora10.
Outro ponto importante é considerar o público ao qual a obra literária
se destinou, bem como seu contexto de uso e suas funções na sociedade.
As Histórias em quadrinhos (HQs) foram um dos primeiros veículos que
tiveram conteúdos padronizados e que incorporaram a globalização econômica em seus processos de produção, justificativa que por si só já é suficiente para inserir esta fonte no nosso rol de vestígios do passado social
(RAMA, VERGUEIRO, BARBOSA, et al, 2008). No trabalho com as HQs
como fonte histórica, devemos, primeiramente, discutir sobre sua evolução
e as mudanças com relação aos seus usos e suas funções sociais. As HQs11
não serão usadas apenas como suporte de um conteúdo, mas como fonte de
10. Relato de experiência para outro artigo. Atividade interdisciplinar desenvolvida com a
Profa. Dra. Jocelaine de Oliveira.
11. Não conseguimos abarcar tal fonte durante o ano letivo de 2020, portanto, será trabalhada no ano letivo de 2021.
75
conhecimento do passado e produção do conhecimento histórico. Buscaremos identificar, nessas fontes, os responsáveis pela produção e as implicações políticas dos quadrinhos e de determinados personagens, aspectos
da vida social, registros de uma época, cultura material da época retratada,
etc. Nos procedimentos de leitura desses documentos, enfocaremos a companhia, editora e autores envolvidos; localizaremos o quadrinho no tempo
e espaço; questionaremos quem o personagem ou a narrativa representava;
pesquisaremos o público-alvo da HQ e identificaremos as finalidades da
obra (RAMA, VERGUEIRO, BARBOSA, et al, 2008).
A música também é uma fonte histórica poderosa para o entendimento de determinado contexto histórico. Pertencente ao rol da documentação sonora, a música precisa ser compreendida em sua amplitude e
no tempo e espaço em que foi criada. Nos nossos laboratórios com o
gênero musical o foco recaiu, inicialmente, sobre a história de vida do
compositor, dando margem para fazer uso concomitante de outro tipo
de fonte, inclusive documentos encontrados em arquivos pessoais desses
compositores. As letras de músicas de determinadas épocas da história
revisitam crenças, angústias, modos de vida e aspectos da vida política,
social e cultural de uma sociedade.
As fontes históricas são representações que as gerações passadas produziram sobre si mesmas e, em simultâneo, fazem com que os alunos e comunidade local reflitam sobre as representações que produzem sobre seu passado.
O repertório de vestígios do passado humano é vasto e traz uma riqueza indescritível. Nesse sentido, pretendemos dar continuidade nessa
busca incessante pelo conhecimento histórico por meio do desenvolvimento dos laboratórios de História.
3. Frutos e repercussões
O planejamento dos laboratórios desenvolvidos e preparo do material de
trabalho, através de pesquisa de fontes a serem utilizadas nos laboratórios, reunião e análise das fontes históricas a serem trabalhadas; a discussão sobre importância, papel e peculiaridades de cada fonte histórica
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utilizada em sala de aula para a construção do conhecimento histórico e
para a revisão do passado humano, em distintos contextos históricos e sociais, feita durante a introdução de cada laboratório; as reflexões e aplicação de abordagens, métodos e técnicas específicas às fontes utilizadas
no decorrer das discussões e desenvolvimento das experiências, foram os
momentos necessários para desenvolvermos os laboratórios de História
com as 9 turmas do Ensino Médio Integrado do Campus Estância.
A seguir iremos apresentar alguns laboratórios desenvolvidos com as
turmas e anos mencionados12.
3.1. LabHist: primeiros anos
A experiência didática desenvolvida com o 1º ano teve como entrave inicial
a impossibilidade de trabalharmos com peças e itens museológicos do MAX
(Museu Arqueológico de Xingó). Portanto, tivemos menos laboratórios. Podemos dizer que abrimos os trabalhos do projeto com a experiência “Relato
histórico como fonte para o passado: guerras e pragas por meio da “História da Guerra do Peloponeso” (TUCIDIDES, 1987, 1999, 2000), de Tucídides.
Objetivamos com o laboratório mencionado a percepção da importância do
relato histórico para o conhecimento de características sociais, sanitárias,
econômicas, políticas e culturais da Grécia Antiga, além da compreensão
da relação entre conflitos bélicos e epidemias, assim como do entendimento
sobre como se deu uma das primeiras epidemias da história da humanidade.
O tema Idade Média foi abordado por meio do trabalho com plantas baixas de casas camponesas do período trabalhado (BARTHÉLEMY, 1991). Com
base nas discussões e nas fontes históricas fornecidas e analisadas, os alunos
criaram e escreveram um conto explorando a Baixa Idade Média e as imagens
das plantas de casas camponesas medievais francesas disponibilizadas13.
12. Alguns laboratórios podem ser conferidos no site https://sites.google.com/academico.
ifs.edu.br/projetolabhist.
13. Esse laboratório foi tão proveitoso que foi ampliado em um projeto interdisciplinar intitulado “Histórias interdisciplinares”, envolvendo as disciplinas de História, Biologia, Química, Geografia, Filosofia, Português, Informática e Artes.
77
Para finalizar a experiência do 1º ano, tivemos o trabalho com relatos
de viajantes, literatura de informação, autos de cunho pedagógicos e documentos oficiais (cartas e relatórios) como fontes históricas do período
colonial. A chegada de jesuítas num Brasil recentemente colonizado, do
século XVI, fez com que os habitantes da “nova terra” fossem colonizados através de suas mentes, com a educação e a religiosidade da Europa
Ocidental. Assim, autos de cunho pedagógicos foram escritos. Escolhemos trabalhar com o Auto representado na Festa de São Lourenço, de José
de Anchieta (ANCHIETA, 19798), nos idos da segunda metade do século
XVI. A Carta da Companhia (ANCHIETA, 1988), do mesmo religioso, foi
trabalhada. O documento oficial escrito por Pero Vaz de Cainha ao Rei
de Portugal D. Manuel I, a famosa Carta de Pero Vaz de Caminha (CAMINHA, 1995) também foi usada, juntamente com o relato do viajante Jean
de Léry, em Viagem à terra do Brasil (LÉRY, 2007), de 1577 e Tratados da
terra e gente do Brasil (CARDIM, 1980), escritos pelo padre jesuíta Fernão
Cardim, escrito entre 1583 e 1601.
3.2. LabHist: segundos anos
O 2º ano contou com uma maior quantidade de laboratórios, a começar pelos escritos de filósofos iluministas, no tema Iluminismo. O laboratório “Os ideais iluministas nos textos de filósofos do século XVII”
teve como objetivo a compreensão dos ideais e princípios iluministas
por meio dos escritos e reflexões feitas pelos expoentes do movimento.
Além de proporcionar o contato dos discentes com fontes que engendraram o processo, a experiência didática estimulou a leitura e percepção de
características do pensamento iluminista nos escritos. Possibilitou também o entendimento sobre a relação quanto à vinculação política, social
e ideológica dos filósofos com suas defesas mais pontuais.
A sociedade mineradora brasileira pode ser desbravada por meio
do uso das telas do pintor Maurício Rugendas, em sua “Viagem Pitoresca através do Brasil” (REGENDAS, 1998). A meta do laboratório de
História “A sociedade mineradora por meio das telas de Johann Moritz
78
Rugendas” consistiu em estimular a análise iconográfica por parte dos
alunos, focando na identificação do documento, na análise de detalhes
técnicos, na identificação de personagens e objetos retratados, no conhecimento do autor e do contexto artístico e literário da obra, no esclarecimento sobre o significado do documento e, por fim, na pesquisa
sobre os usos e circulação dos documentos trabalhados.
A fotografia como fonte histórica foi trabalhada no laboratório “A
imagem do negro no estúdio fotográfico: Segundo Reinado no Brasil”.
O objetivo dessa proposta didática foi fazer uso do gênero iconográfico para entender a existências e ausências, os motivos pelos quais um
negro se fazia retratar ou permitia que outro o fizesse, o que esses retratos mostravam e diziam sobre a condição de negros livres, forros e
escravos no Brasil escravista do Segundo Reinado, para além da percepção dos significados, finalidades, usos e circulação desses retratos
(KOUTSOUKOS, 2010).
A “Política, economia, sociedade e cultura brasileira através da literatura de Aluísio de Azevedo e a obra O Mulato” (AZEVEDO, 2020) foi
tratada em laboratório interdisciplinar com a disciplina de Português14.
De fato, “(...) qualquer obra literária é evidência histórica objetivamente
determinada e situada no processo histórico” (CHALHOUB & PEREIRA, 1998, p. 7). Foi com esse objetivo que desenvolvemos tal vivência
didática. Por estar associada a um determinado espaço temporal e determinadas circunstâncias históricas, a agentes sociais contemporâneos
à sua criação, a obra literária é uma importante fonte de um determinado contexto histórico-social. Dessa forma, buscamos com as aulas e
atividade estimulada descortinar a vida do autor, o contexto histórico da
narrativa, o contexto temporal e as circunstâncias de produção da obra,
os usos e as circulações da mesma e a análise do conteúdo do livro e extração, bem como a análise de trechos importantes para a temática da
disciplina de História.
14. Parceria feita com a Profa. Dra. Jocelaine de Oliveira.
79
O tema da campanha abolicionista engendrada durante o Segundo
Reinado foi abordada no laboratório “Trabalhando com textos de intelectuais brasileiros que lutaram pelo fim da escravidão: Luís Gama (1859,
2000), José do Patrocínio e Joaquim Nabuco (2003)”. Aqui, os discentes
buscaram compreender o intelectual e seu envolvimento político com a
causa abolicionista, analisar o contexto de produção da obra em questão,
a recepção e a circulação dessa produção na sociedade da época, assim
como extrair de cada obra a essência do ideal abolicionista, sentidos, interesses e consequências para a sociedade.
3.3. LabHist: terceiros anos
Os temas de História do 3 ano do ensino médio oferecem uma possibilidade infinita de trabalho com fontes históricas dos mais diversos gêneros documentais. Isso é explicado pela ampliação dos meios de comunicação e, com isso, da produção massiva de vestígios de determinada
época, considerando que os estudos do 3 ano vão da Primeira República
no Brasil até os dias atuais.
Nosso primeiro laboratório de História trabalhou com cartazes de
guerra15, produzidos durante o primeiro grande conflito bélico mundial.
O objetivo da prática foi possibilitar que os alunos compreendessem
aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos vividos pelos países
envolvidos na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), através de cartazes
de guerra, fontes históricas produzidas por diversos países. Além de estimular a análise histórica e documental das fontes utilizadas.
Dentro de todo esse contexto bélico, nacionalista e ideológico, a propaganda foi largamente usada pelos países envolvidos e incluía cartazes, cinema, fotografia, rádio, revistas, jornais, literatura, dentre outras
15. Foi publicado nos anais do XIV Colóquio Internacional “Educação e Contemporaneidade”, o artigo “Cartazes de Guerra: A Primeira Guerra Mundial e o Trabalho com Fontes em
Sala de Aula”. Para acessar apresentação: https://www.google.com/url?q=https%3A%2F%2Fyoutu.be%2FQ0Yn5rlH98Y&sa=D. Já o artigo:https://drive.google.com/file/d/1bNm6uK7mB_Oce83YXeH6H-JcG%20numjH0/view?usp=sharing.
80
formas de comunicação. Fonte histórica escolhida para desenvolver
nosso laboratório de História, o cartaz foi amplamente utilizado como
instrumento de propaganda militar no período. Os governos de todas as
nações envolvidas usaram e abusaram dos cartazes de propaganda para
engajar a população civil, seja para estimular doações em dinheiro e economia de comida, seja para despertar o patriotismo, incentivando o alistamento dos homens no exército.
O cartaz documenta e representa seu contexto por meio desse registro múltiplo: o textual e o iconográfico. Como já afirmado, a abordagem
do cartaz como fonte é conexa como vestígio e testemunho de uma época, se considerarmos o contexto, gênese e condições de sua produção e
os objetivos envolvidos. O momento didático foi dividido em três partes:
crítica histórica e documental, análise iconográfica e análise textual.
Quando falamos em usar mais de um gênero documental (no caso do
laboratório apresentado: textual e audiovisual) que aborda o mesmo tema
e fonte direta, a potencialidade da experiência de ensino-aprendizagem
extrapola o óbvio e transforma olhares e mentes. O laboratório “Análise
triangular de livro, animação e filme A revolução dos bichos: uma experiência didática.” trabalhou o tema Revolução Russa, particularmente o
período stalinista, tomando como base o livro Animal Farm, de George
Orwell. Somado ao livro optamos por agregar duas produções cinematográficas de períodos distintos, mas que tiveram o livro como inspiração.
Portanto, a partir de três fontes históricas distintas e consequentemente
com contextos de produção diferentes.
A experiência didática objetivou abordar o livro A Revolução dos Bichos (ORWELL, 2007) enquanto fonte de análise para se entender a Revolução Russa, considerando o romance no tempo histórico em que foi
pensado e escrito, ampliando seu significado e revelando o ambiente no
qual foi pensado; perceber a importância da literatura como fonte para
se compreender um posicionamento autoral político muito bem delimitado; desenvolver o senso de percepção dos usos, apropriações e funções do livro A Revolução dos Bichos pelos diretores da animação e filme
81
homônimos; e perceber a importância do contexto de produção de cada
obra para uma melhor análise e compreensão dos usos, apropriações e
funções do livro.
O período Entre-Guerras foi abordado no laboratório “A literatura
como fonte para o passado – “As Vinhas da Ira” e impressões sobre a
Grande Depressão nos EUA”. Abordar o livro As vinhas da Ira (STEINBECK, 1982), de John Steinbeck, como fonte e como objeto de análise
enquanto documento histórico sobre os anos 1930 foi nosso grande objetivo com a prática didática. Além disso, buscamos situar o romance no
tempo histórico em que foi pensado e escrito, ampliando seu significado
e revelando o ambiente no qual foram pensados; compreender aspectos
econômicos, políticos, sociais e culturais do período da grande depressão, nos EUA; perceber a importância da literatura como fonte para se
acessar o passado; perceber a importância do contexto de produção da
obra para uma melhor análise histórica.
A literatura é um objeto de estudo recorrente de diversos historiadores, tornando esse campo de análises um terreno fértil tanto para o
conhecimento historiográfico da literatura quanto para o conhecimento
literário da história. O uso da literatura enquanto fonte e enquanto objeto de estudo da historiografia é fartamente trabalhada, mas não tem sido
muito explorada a partir desse viés com os alunos do ensino médio. Considerando que a literatura é o reflexo da natureza histórica do homem,
portanto, é histórica vinculada a um universo social e histórico dinâmico
que ajuda a moldá-la, embora não a determine, trata-se de fonte riquíssima para o conhecimento de determinado contexto histórico.
O cinema foi foco do laboratório de História que abordou a Segunda
Guerra Mundial, cujo título consistiu em “Frames Nazistas – O cinema
de Leni Riefenstahl”. Os filmes de Leni Riefenstahl foram um poderoso instrumento de propaganda dos nazistas e até hoje são tidos como
obras de arte cinematográficas esteticamente sofisticadas. Fizemos uso
dos filmes Olympia (Olímpia) e Triumph des Willens (O Triunfo da Vontade). A escola cinematográfica, a produção cinematográfica da cineasta
82
e a própria vida de Leni Riefenstahal foram discutidos. Depois tivemos
como metas discutir e estudar sobre os regimes totalitaristas, especificamente o Nazista; assistir aos filmes indicados e capturar 20 imagens
(frames - imagens fixas) que representassem os regimes totalitários e Nazista, analisando o frame e tecendo comentários sobre o conteúdo/contexto histórico.
Para finalizarmos, apresentamos aqui o laboratório “A música e a
poesia cantam e recitam as ditaduras latino-americanas”. Nesse caso,
foi uma atividade interdisciplinar, mais uma vez com a disciplina de
Português, que focou na questão poética. Trabalhar com música em
sala de aula é um deleite, principalmente se temos a oportunidade de
apresentar os vinis e trabalhar as capas desses encartes como complemento do documento. A partir de análise prévia e coletiva sobre os
cantores e respectivas canções: Taiguara Chalar, com as canções Pra
Luiza e Essa Pequena, ambas do selo Fotografias, de 1973; Billy Bond
y La Pesada del Rock and Roll (Argentina), com La Maldita Máquina; a
banda uruguaia Tótem, com a música Corrupcion; Los Jaivas (Chile),
com Todos Juntos, do selo homônimo de 1972; e o panamenho Rubén
Blades, com a música Desapariciones, de 1984. Tais músicas foram
ponto de partida para a demonstração da análise de fontes sonoras,
que focou o tempo e a circunstância em que a música foi produzida,
além da história do cantor ou banda e sua posição social e política,
a relação comercial com gravadoras que lançaram seus selos no período, o contexto de produção da música, além da letra da canção.
Depois desse momento, os discentes partiram para a escolha de cantores (as) e bandas de determinado país latino-americano para aplicar
a metodologia.
Infelizmente, não temos condições, por questão de paginação, de
apresentar todos os laboratórios desenvolvidos com nossos alunos do
ensino médio integrado do IFS-Estância. Mas acreditamos que os resultados apresentados sejam suficientes para que se perceba a potencialidade do uso de fontes históricas no ensino de História.
83
4. Considerações não tão finais
Como pode ser percebido ao longo do artigo, todos as quatro premissas apontadas pela UNESCO, e apontadas na introdução desse trabalho
como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea, foram
contemplados durante o desenvolvimento do projeto.
No decorrer do projeto de pesquisa aplicada, aprendemos a conhecer
a partir da apresentação e do contato com a fonte histórica que, por mais
que seja em fac-símile ou em suporte digital, colaborou para o desenvolvimento da curiosidade intelectual e estimulou o senso crítico do aluno
para a compreensão do real, quando o mesmo desenvolveu um aporte
crítico direcionado ao documento trabalhado, ampliando maior autonomia na capacidade de diferenciar, compreender e considerar questões e
desafios. Aprendemos a fazer por meio da aplicação da teoria, na prática,
que ocorreu a partir da discussão frequente sobre o conceito de fonte
histórica, documento, gêneros documentais, a importância de entender
o contexto de produção de determinada fonte e a explanação pontual do
tratamento do documento. No momento da análise das fontes, os alunos tiveram a possibilidade de aplicar a teoria, na prática, e, com isso, o
enriquecimento da vivência da ciência na tecnologia e destas, no social,
como coloca os PCN.
Dando continuidade, podemos afirmar que aprendemos a viver como
consequência dos laboratórios de História, que possibilitaram a vivência
juntos, desenvolvendo o trabalho de análise das fontes de forma coletiva,
considerando o conhecimento do outro e a percepção das reciprocidades
e solidariedade, permitindo assim a realização e o gerenciamento de atividades e projetos comuns e interdisciplinares.
Com o projeto LabHist-IFS, aprendemos a ser apoiados em todo o
processo dessa aprendizagem ativa, através dos nossos laboratórios. Essas experiências didáticas contribuíram para que os discentes passassem
a elaborar pensamentos autônomos e críticos, elaborando seus próprios
juízos de valor e tomada de decisões diante das circunstâncias da vida e
ao que é colocado à sua frente.
84
Enfim, os usos de documentos e fontes históricas para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e do desenvolvimento de
técnicas e métodos de pesquisa são de suma importância, pois contribui
para que o aluno perceba como se processa a pesquisa em história e colabore para a construção do conhecimento histórico em âmbito escolar.
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87
CIDADE, MEMÓRIAS E TEMPORALIDADES:
UMA ABORDAGEM SOBRE USOS DE
FONTES NO ENSINO DE HISTÓRIA
Arnaldo Pinto Junior
Maria Sílvia Duarte Hadler
1. Documentos de um Centro de Memória e a produção de conhecimento
As discussões sobre a utilização de fontes documentais para o ensino
de História não são mais novidade nos fóruns que reúnem professores
pesquisadores da área em foco. Para não retrocedermos a tempos muito
distantes, lembramos que desde os anos 1980 acompanhamos o adensamento das reflexões acerca dessa temática, nas quais se destacaram
abordagens críticas ao ensino ancorado em perspectivas mais tradicionais e a busca de concepções curriculares que valorizassem a atuação
dos estudantes nos processos de ensino e aprendizagem e suas capacidades de produzirem conhecimentos históricos escolares (GALZERANI,
2008, 2013; SILVA; ANTONACCI, 1990).
Na esteira dessas discussões, participamos das movimentações de
professores da Educação Básica (EB) em torno do uso de diversas fontes
que pudessem instigar seus discentes a construírem uma compreensão
mais consistente da História ou mesmo que os motivassem a se interessar pelas questões trazidas por esta disciplina. Nesse ínterim, variados
tipos de documentação têm sido trabalhados com os estudantes: além
dos textos escritos disponibilizados em livros didáticos ou selecionados
pelos próprios professores, inúmeras experiências educacionais são desenvolvidas a partir de canções, filmes, fotografias, desenhos, cartazes
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publicitários, histórias em quadrinhos, como também roupas, utensílios
domésticos, jogos, jornais, mapas, poemas, construções arquitetônicas,
dentre outras possibilidades.
Paralelamente a este movimento de renovação e atualização do ensino de História, notamos que ainda há preocupações com relação à capacidade de compreensão do tempo histórico pelos estudantes, principalmente aqueles que se encontram na faixa etária correspondente aos anos
iniciais do Ensino Fundamental (EF). Tendo em vista a suposta dificuldade das crianças estabelecerem relações abstratas – quando comparados com objetos e acontecimentos considerados concretos por se localizarem no entorno dos seus espaços de convivência – tais preocupações
acabam reforçando a ideia de que a disciplina escolar deve estimular o
desenvolvimento de competências e habilidades objetivas, além de procedimentos como identificação, comparação, contextualização e memorização dos conteúdos.
As potencialidades da produção de conhecimento histórico por parte
estudantes dos anos iniciais da EB acabaram recebendo a atenção dos
professores pesquisadores do ensino de História comprometidos com
a superação de metodologias relacionadas a uma educação bancária
(FREIRE, 2005). A temática do uso de documentos históricos nos processos de ensino e aprendizagem continua atual. E, sobretudo, ganha relevância tendo em vista o contexto sociocultural em que vivemos, marcado
por posturas superficiais em relação aos conhecimentos e saberes acumulados pelos distintos grupos que compõem a sociedade.
Entre os inúmeros tipos e procedências de fontes a serem utilizadas
no ensino de História, neste artigo abordamos fontes documentais pertencentes a acervos abrigados em arquivos, na perspectiva de uma reflexão sobre processos de produção de conhecimentos escolares nos anos
iniciais do EF. Considerando a relevância da leitura de múltiplas fontes
para análise das narrativas históricas que circulam cotidianamente em
distintos espaços ou meios de comunicação, procuramos compreender
melhor as seguintes questões: de que maneira o uso de documentos no
89
ensino de História pode contribuir para o desenvolvimento de noções
de tempo pelo estudante? Como os documentos podem auxiliar no reconhecimento da historicidade de sua própria vida? Em que medida as
fontes possibilitam a formação de um olhar sensível, que valoriza os sujeitos históricos, seus espaços sociais, memórias e experiências vividas?
Instigados por estas questões, desenvolvemos entre os anos de 2018
e 2020 um projeto de extensão comunitária na Unicamp que envolveu a
interação com escolas públicas da cidade de Campinas. Intitulado Patrimônio, memória e educação: outros olhares para o estudo da história local,
o projeto tinha como um dos seus objetivos apresentar e disponibilizar
os acervos do Centro de Memória-Unicamp (CMU) aos professores e estudantes dos anos iniciais do EF. Além disso, pretendíamos que os conjuntos documentais relacionados a Campinas, com os registros de suas
inúmeras histórias e memórias, pudessem ser abordados como suporte
de reflexões e investigações por parte das comunidades escolares que
pretendessem trabalhar temas relativos à localidade e suas configurações socioculturais.
Nesse sentido, o CMU se apresenta como uma instituição com potencial de atendimento de nossos objetivos. Fundado em 1985, a partir da
atuação de José Roberto do Amaral Lapa (1929-2000), historiador e docente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp,
o CMU foi constituído como um órgão independente de documentação e
pesquisa com a finalidade de captar, organizar, preservar, disponibilizar
e difundir conjuntos documentais relacionados, preferencialmente, mas
não exclusivamente, à cidade de Campinas e região. Seu acervo, composto por arquivos pessoais e institucionais, conta com conjuntos documentais de gêneros variados – textual, iconográfico, audiovisual, tridimensional – abarcando períodos do final do século XVIII até a atualidade.
Ao dialogarmos com profissionais que trabalham em arquivos ou
centros de memória, constatamos a recorrência de relatos acerca da baixa frequência de professores e estudantes da EB, em que pese a existência de diversos serviços educativos nessas instituições. Acreditamos
90
que é necessário avançar na compreensão de que arquivos e centros de
memória são lugares de aprendizagem, de possibilidades diversas para a
produção de conhecimentos, não apenas como repositório de dados destinados à análise de especialistas acadêmicos. Constituem lugares que
permitem o desenvolvimento de experiências curriculares em torno de
conjuntos documentais relacionados a outras temporalidades, as quais
podem ser tratadas e discutidas de forma criativa e sensível, propiciando a produção de conhecimentos históricos escolares. Dessa perspectiva
é que procuramos abordar a utilização de documentos de arquivo com
estudantes e professores dos anos iniciais do EF, propondo um recorte
de questões locais como prioritário para a realização de atividades no
âmbito do ensino de História.
Na intenção de aproximar as comunidades escolares de sua história
local, pensamos que a abordagem do patrimônio cultural permitiria aos
professores da rede pública estimular seus estudantes a refletirem sobre
as memórias individuais e coletivas, incluindo a produção de sentidos
presentes em práticas socioculturais cotidianas. Assim, a construção de
relações de identidade e alteridade, bem como o fortalecimento de relações de pertencimento, também teriam espaço nessas atividades escolares.
Durante o desenvolvimento do projeto, realizamos reuniões periódicas com os professores das escolas participantes, conhecendo seus próprios projetos de ensino e discutindo possibilidades de atividades no
âmbito da disciplina História que poderiam ser reconhecidas como significativas para seus estudantes. A partir de textos de apoio, discutimos
referenciais teórico-metodológicos acerca de concepções de história,
memória e documentos, explorando possibilidades outras de tratamento
da história local em suas diversas temporalidades. Posteriormente, organizamos visitas orientadas dos professores aos acervos do CMU com
o intuito de apresentar exemplos de itens arquivísticos ali abrigados e
ampliar as noções de utilização de fontes documentais em sala de aula e/
ou outros espaços educativos.
91
É importante assinalar que, ao propiciar-lhes o contato com diferentes documentos de arquivo, foram criadas condições para reflexão sobre
memórias – como também esquecimentos e silenciamentos – que muitos
destes documentos são portadores1, abrindo-se outras perspectivas de
ressignificação das práticas de ensino da história local. A partir desta experiência de trabalho coletivo, no qual os professores manifestaram suas
preocupações e inquietações, consideramos importante desenvolver
algumas considerações, por um lado, em torno da necessidade de uma
compreensão crítica da utilização de documentos históricos arquivísticos e, por outro, acerca das potencialidades destas formas de atividades
educacionais.
2. Leituras de fontes e a compreensão das noções de tempo
As possibilidades de compreensão das noções de tempo e das relações
entre presente e passado por estudante dos anos iniciais do EF geram
inquietações em muitos professores da EB. Reconhecemos que o tratamento das noções de tempo requer uma ampla discussão em virtude das
inúmeras variantes atinentes a esta problemática.
O desenvolvimento do pensamento histórico pelos estudantes pode
ser potencializado se suas próprias condições de vivência forem abordadas nos projetos de ensino. Ou seja, se o que está sendo focalizado como
objeto de conhecimento em sala de aula dialoga com as experiências sociais da comunidade escolar atendida, maiores são as chances de efetiva construção de sentidos por parte dos estudantes. Nessa perspectiva
de trabalho, o papel de mediação do professor se mostra fundamental
para o estabelecimento de conexões entre a situação proposta a ser compreendida e aspectos da experiência de seus estudantes. Esta espécie de
ancoragem na experiência social dos estudantes demarca a condição de
inteligibilidade de uma proposta de ensino.
1. Mais informações acerca do desenvolvimento deste projeto de extensão podem ser encontradas em: HADLER; PINTO JR, 2019; 2020.
92
Num movimento de reflexão semelhante e, a partir de pesquisas realizadas com crianças sobre suas possibilidades de aprendizagem da história, a historiadora Lana Mara de Castro Siman (2015, p. 207) esclarece:
Do nosso ponto de vista, nos pareceu imprescindível demarcar o entendimento de que o concreto para a história não se reduz ao que é material ou àquilo que podemos ver, tocar. Para a história, o concreto é
também a experiência pessoal e social de cada um dos sujeitos. Daí a
importância do ensino de história para crianças em abordar temas de
forma a que elas possam, neles, se reconhecerem, assim como reconhecer traços, vestígios presentes em seus ambientes de vida que testemunhem outros tempos.
Acompanhamos Siman quando destaca o valor da memória na construção da consciência temporal pela criança. A transmissão de uma memória social pelos mais velhos às crianças, como também as narrativas pelas
próprias crianças de suas memórias pessoais acerca de diversos momentos de sua vida, constituem situações significativas para a construção da
noção de passado e de vários momentos deste passado. A esse respeito,
Siman (2015, p. 211) nos oferece uma abordagem bastante elucidativa:
A memória da criança a respeito de suas experiências no interior de seu
grupo de convívio familiar e social e a memória que lhe é transmitida
pelos grupos promovem a consciência da historicidade de sua própria
vida e da vida dos outros que a cercam. Reafirmamos, assim, com David
Lowenthal (1998), que adquirimos o sentido do passado pela memória,
ou seja, é por meio das lembranças que recuperamos a consciência de
acontecimentos anteriores, que distinguimos ontem do hoje e confirmamos que já vivemos um passado. O contato das crianças com os mais
velhos e com a memória que eles trazem do passado do grupo familiar
permite-lhes, igualmente, tomar consciência de outras épocas, assim
como ressignificar a percepção do seu próprio tempo.
93
Assim, alinhados com esta forma de compreensão, consideramos que
a criança carrega um repertório de experiências e de memórias diversas,
difusas e pouco ordenadas, constituídas em ambientes familiares e espaços de convivência, que permitem, de algum modo, que sejam introduzidas a processos de percepção de tempos passados, de aquisição de condições para a construção de uma forma de pensar de natureza histórica.
Portanto, ao entrar em contato com uma documentação de um centro de
memória que carrega em si traços de outras memórias, o estudante dos
anos iniciais não se apresenta como tábula rasa, sem referenciais advindos de sua experiência de vida pessoal que possam interagir com situações sugeridas por esta documentação. É nesse sentido que destacamos
a importância fundamental de uma mediação qualificada de professores,
a fim de que processos de ensino e aprendizagem de história se configurem como espaços de diálogos entre sujeitos de experiências diversas.
Ao armazenarem conjuntos documentais, arquivos ou centros de
memória abrigam patrimônios a serem preservados e disponibilizados,
guardando relações com uma multiplicidade de histórias e memórias,
com modos de viver, sentir, pensar de diferentes indivíduos e grupos sociais de uma dada sociedade em diversos tempos. No entanto, estas histórias e memórias não estão disponíveis para serem encontradas como
informações prontas e definitivas de certos momentos de um passado.
Sua compreensão crítica, dado que ali estão disponíveis a problematizações e investigações atentas, acompanhada da percepção do que também
não está sendo guardado e preservado num centro de documentação, impõe a necessidade de questionamentos referentes às formas de utilização dos acervos constituídos, notadamente quando se trata de produzir
conhecimentos históricos escolares sobre outras temporalidades de uma
cidade a partir de conjuntos documentais específicos.
Apesar da existência, em inúmeras escolas, de uma gama diversificada
de propostas de ensino de História bastante criativas e consistentes, constatamos, ainda, uma forte presença de uma visão positivista dos documentos, concebidos como atestado da verdade de uma determinada situação
94
ou acontecimento do passado. Em muitas práticas educacionais observadas nos deparamos com a utilização de documentos como ilustração de
uma dada narrativa histórica, acompanhando visões da história como uma
sucessão linear de acontecimentos que se movem do passado para o presente. Tais práticas, associadas a uma concepção mais estritamente cronológica, se mostram distanciadas da compreensão de um entrecruzamento
de temporalidades no presente vivido. É das condições de seu presente
que parte o olhar da criança para a interrogação de um passado, trazendo-o, a partir deste movimento, para fazer parte de sua vida presente.
O reconhecimento do caráter de seletividade ou de incompletude de
um arquivo, ao lado da necessidade de uma interpretação crítica dos documentos, atenta às condições de sua produção, pode permitir que se ultrapasse a visão de que memórias relativas à temática da história de uma
dada cidade estejam disponíveis para serem recuperadas, abandonando-se, então, a concepção de um “resgate” do passado tal como teria sido. É
necessário, pois, atentar para a compreensão dos parâmetros de organização de documentos nos acervos abrigados em centros de documentação.
Considerando que os arquivos, de modo geral, organizam seus acervos a partir de sua proveniência, a historiadora Ana Maria Camargo
(2002 apud KOYAMA, 2017, p. 179) adverte que
Nenhum deles [documentos], com efeito, pode ser compreendido ou interpretado sem que se conheçam as razões por que foi produzido ou
as condições de que se originou. E a resposta a tais questões encontra-se fora do conteúdo específico dos documentos, num patamar em
que predominam informações não verbais: nos demais documentos da
mesma série, na disposição dos documentos no âmbito de um processo,
no conjunto dos documentos de um arquivo.
Tomar um documento de forma isolada, sem se perguntar pelas condições que o geraram, ou pelas relações que possui com outros documentos do mesmo conjunto de que faz parte, incorre no risco de uma
95
interpretação equivocada ao não se atentar para as possíveis razões de
sua existência.
Nesta mesma perspectiva de análise crítica, alertando para as inadequações de uma leitura descontextualizada de documentos arquivísticos,
a pesquisadora Adriana Koyama critica práticas sociais estabelecidas
tanto em algumas instituições arquivísticas como no campo do ensino
de História que, de alguma forma,
colaboraram para a afirmação de uma dada prática de leitura de documentos de arquivo, na qual um documento (ou mesmo um fragmento
de documento) é tomado como ilustração de uma narrativa histórica,
narrativa esta que o circunda, substituindo e apagando seu contexto de
produção e reduzindo suas possibilidades de leituras alternativas (KOYAMA, 2017, p. 182).
Documentos expressam linguagens próprias, produzidas por indivíduos ou grupos sociais institucionalizados ou não, o que exige o exercício
constante da recontextualização. A complexidade das relações entre temporalidades distintas embutidas na relação que se estabelece com documentos configura-se como outro ponto importante a ser considerado.
O contato com um documento implica num certo diálogo, num encontro entre presente e passado. Importante pensar em como um determinado documento, produzido num certo passado, se torna presente
para o pesquisador e/ou estudante nas condições de seu presente. Muito
além das possíveis informações transmitidas ou impressas neste documento, coloca-se uma relação muitas vezes silenciosa entre o documento e a experiência social do sujeito que o acessa, que o pesquisa. Como
pensar a possibilidade de um diálogo entre temporalidades distintas na
configuração expressa pela situação de um sujeito na relação com um
documento pelo qual se interessou? Como pensar esse encontro entre
presente e passado no ato da interação de alguém (em nosso caso pensamos no estudante) com o documento?
96
Não se pode deixar de lembrar das reflexões encaminhadas por Henri Rousso (1996) acerca da relação que se estabelece com documentos
arquivísticos: um encontro com um “outro”, um encontro de subjetividades localizadas em tempos e espaços diferenciados. Buscas de compreensão de situações do passado na relação com o presente de quem
pesquisa revestem-se de complexidade a que não se pode furtar de levar
em conta. Rousso (1996, p. 90) nos sinaliza:
Nenhum documento jamais falou por si só: este é, sem dúvida, o clichê
mais difícil de combater e o mais difundido, sobretudo no que se refere aos arquivos ditos “sensíveis”. Existe um abismo entre aquilo que o
autor de um documento pôde ou quis dizer, a realidade que esse documento exprime e a interpretação que os historiadores que se sucederão
em sua leitura farão mais tarde: é um abismo irremediável, que deve estar sempre presente na consciência, pois assinala a distância irredutível
que nos separa do passado, essa “terra estrangeira”.
As ponderações de Rousso nos situam diante de uma não linearidade
das relações entre presente e passado imbricadas no gesto de análise de
uma certa documentação. Em nosso trabalho com documentos está expresso uma relação entre sujeitos localizados social e historicamente: entre
quem está acessando o documento e o sujeito individual, coletivo ou institucional que produziu de forma intencional ou não aquele documento.
Estas são reflexões importantes de estarem presentes em propostas
que tratam arquivos na relação com o ensino de História, sobretudo
aquelas destinadas aos processos de formação de professores que atuarão nos anos iniciais do EF.
3. Relações entre temporalidades por meio de imagens fotográficas
Entre as inúmeras atividades que desenvolvemos com professores das
escolas públicas com que tivemos contato, gostaríamos de destacar algumas fontes documentais que compõem os acervos do CMU, as quais
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foram disponibilizadas para reflexões e discussões acerca das possibilidades de sua utilização em sala de aula com os estudantes.
Foram escolhidas fotografias a fim de que pudéssemos discutir as potencialidades de leituras plurais da cidade em determinados momentos
de sua história. Algumas questões norteavam a abordagem destas fontes
fotográficas: como professores mobilizariam suas concepções e memórias na relação com esta documentação? Como poderíamos abordar a
cidade por meio de imagens fotográficas? Como dialogar com suas histórias e memórias?
Espaço multifacetado, composto por temporalidades e territorialidades distintas, uma cidade possibilita leituras diversas, condição que
não permite uma apreensão imediata, exige indagações a respeito das dinâmicas sociais e culturais que a configuram. Imagens fotográficas podem provocar a ilusão de atestar a síntese de um determinado momento
da história de uma cidade ou escamotear a situação de se constituírem
em fragmentos da vida social urbana. Neste sentido, concordamos com
Zita Possamai (2010 apud MEDEIROS; WITT; POSSAMAI, 2014, p. 150)
quando afirma que “a cidade joga uma trama entre o visível e o invisível,
como é da peculiaridade das imagens”, nos alertando que nem tudo é visível ou legível à primeira vista.
Vejamos, então, possibilidades de leitura de imagens selecionadas
no acervo do CMU, mais precisamente da “Coleção Antonio Tossini”,
composta por fotografias relacionadas à família Tossini, tiradas na década de 1920 em distintos espaços da cidade de Campinas. Antonio
Tossini e alguns familiares eram pedreiros. Os registros fotográficos
produzidos oferecem indicações de lugares da referida urbe, alguns
costumes, situações de lazer, modos de se vestir, casas construídas e
companheiros de profissão. A informação sobre quem era o produtor deste conjunto de fotos nos conduz a um determinado grupo social participante da vida urbana daquele período, o que já abre espaço
para a interrogação a respeito da existência de outros grupos de trabalhadores.
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Chamam a atenção as fotos da família em duas situações distintas:
uma foto tirada em um bosque (Figura 1), no caso o Bosque dos Jequitibás, local bastante procurado para lazer de famílias de diferentes estratos sociais e outra em estúdio fotográfico (Figura 2).
Figura 1: Retrato da família Tossini no Bosque, 1927.
Fonte: Coleção Antonio Tossini, CMU.
A família Tossini frequentava regularmente o Bosque dos Jequitibás
aos finais de semana? Como chegaria até este espaço público: a pé ou
de bonde? Automóveis eram veículos caros, restritos a poucas famílias
abastadas nesse período. Esta fonte documental sugere uma série de indagações que podem conduzir à descoberta ou à percepção de outros aspectos da vida urbana, as quais escapam da materialidade representada
na fotografia.
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Figura 2: Retrato família Tossini, década de 1920.
Fonte: Coleção Antonio Tossini, CMU.
Os integrantes da família reunidos no estúdio fotográfico nos remetem a outras situações peculiares da história da fotografia e dos costumes
das primeiras décadas do século XX. A família Tossini, como muitas outras, deve ter se arrumado com suas melhores vestimentas para uma foto
posada em um estúdio de um fotógrafo profissional, onde foi escolhido
um cenário como pano de fundo. Máquinas fotográficas não eram equipamentos facilmente adquiridos pelas famílias, em especial as de condições
econômicas mais limitadas. Tratava-se de uma ocasião especial e relativamente dispendiosa. Correspondências sugestivas com as peculiaridades
de nosso presente, em que observamos uma certa compulsão por registros de imagens da vida cotidiana, facilitados por recursos tecnológicos de
amplo acesso. Muitas relações entre este passado e o presente podem ser
construídas nos diálogos a serem travados com os estudantes.
O sobrado da Rua Conceição (Figura 3), construção de que os pedreiros da família Tossini participaram, estimula diversas indagações a respeito de construções residenciais do período, como também das condições
de moradia para diversos grupos sociais. Quantos pedreiros e serventes
100
trabalharam na construção deste sobrado? Os detalhes apresentados no
acabamento da fachada indicam alguma especialização dos pedreiros?
Quem contratou os trabalhadores para realizar a obra? Quanto tempo demorou esta construção? Quanto deve ter custado uma construção tão imponente para a época? Diálogos com as experiências dos estudantes na
atualidade, sobretudo no que diz respeito aos diversos modos de morar, potencializam uma maior compreensão das relações entre presente e passado.
Figura 3: Sobrado Rua Conceição, 1922.
Fonte: Coleção Antonio Tossini, CMU.
Da mesma forma, a imagem de pedreiros diante da fachada de uma
casa (Figura 4) em reforma – ou seria a fase final de uma construção? –
também traz indicações sugestivas para problematizações em torno de
condições de trabalho de diferentes categorias profissionais, tanto no ano
indicado nos registros da coleção (1922) quanto na atualidade. Partindo da
101
representação dos trabalhadores focalizados na imagem, poderíamos ainda pensar na construção de um painel que apontasse para os diversos tipos de atividades profissionais existentes no espaço urbano em diferentes
tempos. A observação de crianças entre os pedreiros não deve passar despercebida: a problematização da existência do trabalho infantil naquele
período, legislação incipiente a respeito, oferecem outras oportunidades
de comparações entre presente e passado, sem que se deixe de observar
criticamente as contradições da atualidade quanto a estas questões.
Figura 4: Pedreiros diante de fachada, 1925.
Fonte: Coleção Antonio Tossini, CMU.
As imagens fotográficas não encerram em si mesmas as abordagens possíveis sobre a cidade; instigam perguntas, sugerem outras questões a serem
investigadas; e mais, demandam muitas vezes o desenvolvimento de relações com distintas modalidades de documentação. O documento fotográfico
como expressão de determinadas relações sociais e culturais de um dado momento, é também expressão de um jogo articulado entre o visível e o invisível.
102
4. À guisa de conclusão
Acreditamos que o ensino da história local é uma importante estratégia de
trabalho para os profissionais da educação que atuam nos anos iniciais do
EF. O estudo de temas relacionados com as memórias e experiências de vida
dos estudantes favorece o desenvolvimento das noções de tempo, espaço e
sujeito. Sob o ângulo da construção do pensamento histórico, o uso de fontes documentais carrega a potencialidade de aproximação destes estudantes
dos aspectos interpretativos do conhecimento em tela. O trabalho com as
fontes conduz a outra relação com a disciplina História, compreendendo
seus conhecimentos como algo diferente do acúmulo de informações, visto
que são produzidos coletivamente por diversos sujeitos e sob determinadas
condições, sendo sempre passíveis de ressignificações, de revisões.
O contato com documentos variados relativos a temas locais pode
apresentar novos pontos de vista aos estudantes, como também narrativas de vários sujeitos que proporcionem o reconhecimento de uma
diversidade sociocultural na cidade em que vivem. “Formas de diálogos entre tempos, entre experiências de sujeitos no presente e outros
possíveis sujeitos de outros tempos que percorriam aqueles espaços
das imagens fotográficas” (HADLER; PINTO JR, 2020, p. 63). Abrem-se
caminhos interessantes para a ocorrência de leituras plurais acerca da
história da cidade e dos sujeitos que a construíram, caminhos estes que
podem favorecer outros modos de educação das sensibilidades que valorizem o relacionamento com a alteridade.
Referências
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103
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Janeiro: FGV Editora, 2015. p. 201-221.
104
O ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE
SERGIPE E O ENSINO DE HISTÓRIA:
UMA APROXIMAÇÃO POSSÍVEL1
Sayonara Rodrigues do Nascimento Santana
Simone Paixão Rodrigues
Tatiana Silva Sales
Introdução
Pensar no acervo documental do Arquivo Público do Estado de Sergipe
(APES) como recurso didático para o ensino de História na educação básica requer uma discussão teórico-metodológica de cunho bibliográfico
e documental e, por conseguinte, dos conceitos de lugares de memória
(NORA, 2013) e de ensino de História (PEREIRA; SEFFNER, 2008).
Para tanto, organizamos o texto em três partes, sendo a primeira, algumas considerações sobre o ensino de História; a segunda, um breve
histórico do APES; e a terceira, a apresentação da documentação histórica do Fundo Educação do arquivo do APES, buscando aproximações
metodológicas para o ensino de História.
Partindo-se desse pressuposto, o presente texto se propõe a apresentar o acervo documental do APES como recurso didático para o ensino
de História na educação básica.
Quando tratamos sobre o ensinar História na escola, nos reportamos
a Pereira e Seffner (2008), já que para eles significa “[...] permitir aos estudantes abordar a historicidade das suas determinações socioculturais,
1. Agradecemos à Profa. Dra. Beatriz Góis Dantas pela contribuição dada a este trabalho,
através da indicação de referências indispensáveis à compreensão da história do Arquivo
Público do Estado de Sergipe.
105
fundamento de uma compreensão de si mesmos como agentes históricos
e das suas identidades como construções do tempo histórico” (PEREIRA; SEFFNER, 2008, p.119).
A partir desta definição, os autores nos apresentam o ensino de História como um componente curricular importante e estratégico na formação da identidade dos alunos, com o fito “de levar as novas gerações
a conhecerem suas próprias determinações, a construir relações de pertencimento a um grupo, a uma história coletiva e a lutas coletivas (PEREIRA; SEFFNER, 2008: p. 119).
Nessa concepção, compreendemos que, ao ensinar História, é imprescindível a seleção de diversos lugares, a exemplo dos arquivos. Nessa
mesma linha de raciocínio, Bittencourt (2008) partilha da ideia de que
“[...] ‘todo meio é histórico’ e representa, para professores de História,
noção fundamental e determinante na escolha dos espaços para a realização de um estudo do meio” (BITTENCOURT, 2008, p. 279).
Ao tratarmos sobre o trabalho com o documento histórico em sala de
aula, partilhamos das concepções de Maria Schimidt e Elizabeth Cainelle por
reforçarem que “do ponto de vista didático [...] depende da concepção que se
tem a seu respeito, dos objetivos que se querem atingir e das estratégias propostas para sua concretização”. (SCHIMIDT; CAINELLE, 2004: p.103).
Indo além da sala de aula, é necessário promover uma aproximação da
sociedade com os arquivos públicos que, historicamente, são tidos como
“verdadeiros ilustres desconhecidos”, estando restritos a uma pequena
parcela do mundo acadêmico, mais particularmente aos historiadores,
conhecidos como “ratos de arquivo”. (BACELLAR, 2012, p. 266).
Seguindo essa mesma linha de reflexão, Silva; Barbosa (2019) afirmam
que “uma forma de superar tal concepção é a promoção de ações que
permitam aos arquivos dialogarem com a sociedade na qual estão imersos (SILVA; BARBOSA, 2019, p. 270), ou seja, “investir em ações de difusão e de ação educativa de forma a tornar tanto a instituição quanto
o seu acervo conhecidos e disponíveis à população em geral” (SILVA;
BARBOSA, 2019, p. 270).
106
Disso decorre que apresentar a massa documental, em especial, do
Fundo Educação do Arquivo Público do Estado de Sergipe como recurso
didático para o ensino de História é uma tentativa de colaborar com a difusão do arquivo e diminuir seu distanciamento da sociedade, bem como
promover um diálogo com ela a partir de uma ação educativa e pedagógica, de maneira que se exercite o sentimento de pertencimento, em que
professores e alunos se reconheçam como parte da história de seu povo e
reconheçam o arquivo como guardião da sua história.
Sabemos que a necessidade de salvaguardar a história de um povo
incentivou e alavancou o processo de criação dos arquivos públicos e
privados, sabiamente, definidos por Nora (1993) como “lugares de memória”: “[...] esses lugares “nascem e vivem do sentimento que não há
memória espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas,
porque estas operações não são naturais” (NORA, 1993, p. 14).
Ainda seguindo as reflexões de Nora (1993), compreendemos que a
memória se “enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no
objeto. A história só se liga a continuidades temporais, às evoluções, e
às relações das coisas” (NORA, 1993, p. 9). Compreendemos, também,
que é a necessidade que a sociedade sente de salvaguardar seu passado,
de cultuar seus heróis e ancestrais, de preservar seus rituais, costumes e
valores, de julgar seus inimigos e adorar seus amigos, que impulsiona a
criação dos lugares de memórias, como os arquivos públicos.
Foi assim na França setecentista que, durante o processo revolucionário, por meio de decreto datado de 1790, criou pela primeira vez
o arquivo como uma instituição de custódia documental pertencente à
nação, na qual “deveriam ser guardados os documentos da Nova França, documentos esses que traduziam suas conquistas e mostravam suas
glórias” (SCHELLEMBERG, 2006, p. 26).
Schellemberg (2006) esclarece que se a França criou seus arquivos públicos como instituições que deveriam salvaguardar o seu passado revolucionário e glorioso, na Inglaterra. Os motivos que impulsionaram a
107
criação dos arquivos nacionais, com jurisdição de custódia de documentos, foram primeiramente de ordem cultural, seguido, posteriormente,
pelo trabalho dos historiadores que, desde o século XVII, defendiam o
reconhecimento do valor histórico e cultural do acervo documental.
Continuando, Schellemberg (2006) explica que o desejo e a defesa
do reconhecimento do valor dos documentos ingleses foram compartilhados pelos estadunidenses um século depois, quando em 1934, após
reinvindicações e repetidos esforços para implementar uma política
de preservação dos documentos públicos ameaçados pela ação do tempo e das traças foi criado o arquivo nacional dos Estados Unidos da
América.
No Brasil, a institucionalização dos arquivos públicos foi impulsionada pela necessidade de construção da identidade nacional fruto do
processo de independência legitimado em sua Constituição de 1824,
que menciona, no artigo 70, o Arquivo Público do Império como guardião das leis do império. Este foi instituído pelo Regulamento n. 2, de 2
de janeiro de 1838, que ratificou o caráter de guardião das leis imperiais
e com a República, em 1911, passa a ser denominado Arquivo Público
Nacional.
Nessa perspectiva, Costa (2000) pontua que o Arquivo Público Brasileiro inspirado no modelo francês, foi
Criado como um dos instrumentos viabilizadores do projeto político
nacional, o Arquivo brasileiro visava, ao mesmo tempo, fortalecer as
estruturas do Estado recém-fundado e consolidar a própria ideia do
regime monárquico em um continente totalmente republicano. Para
alcançar tais objetivos seria necessário recolher não só a documentação produzida pela administração pública, a fim de realizar sua função
instrumental em relação ao novo Estado, como também os documentos
referentes ao passado colonial, que se encontravam dispersos nas províncias e deveriam subsidiar a escrita da história da nação, a exemplo
dos arquivos europeus (COSTA, 2000, p. 219).
108
Desse modo, compreende-se a institucionalização do Arquivo Público do Império Brasileiro como instrumento de fortalecimento do projeto
da nação que nasceu em 07 de setembro de 1822, bem como da construção da identidade nacional, somando-se a criação dos arquivos das províncias e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Assim, o final
dos anos oitocentistas foi marcado pela criação dos arquivos provinciais,
a exemplo de Paraná (1855), Bahia (1890), São Paulo (1892), Pará (1894),
Minas Gerais (1895) e Mato Grosso (1896).
A criação desses arquivos, legítimos lugares de memória, confere
seu papel significativo na construção da identidade e da história do
Brasil. Ainda que estivessem, “exclusivamente, a serviço do Estado
e de portas fechadas para a sociedade e o cidadão” (COSTA, 2000, p.
229), seus acervos salvaguardados, defendidos pelos historiadores por
seu valor histórico, são compostos por documentos que têm muito a
dizer sobre a história política, social e cultural do país, o que os legitima como lócus da pesquisa histórica e, especialmente, lócus das fontes
para o ensino de História.
1. Arquivo Público do Estado de Sergipe: um pouco da sua história
Em 1848, Zacarias de Góis, presidente da Província de Sergipe, criou,
na antiga capital, São Cristóvão, por meio da Lei nº 233/1848, a Seção de Arquivo na Biblioteca Pública Provincial, com a finalidade de
guardar:
[...] 1º - Para originaes, ou copias de mappas e relações estatísticas - 2º
- Para originaes, ou copias de quaesquer papeis do Governo geral, ou
provincial, cuja guarda no archivo se julgar conveniente, e para noticias de acontecimentos agradáveis desastrosos, provenientes de cauzas
naturaes- 3º - Para noticias de descobertas uteis de productos da Historia Natural, Mineralogica e Botanica, e bem assim para originaes de
memórias remettidas ao Governo da província para serem offerecidas
á Bibliotheca, e que disserem respeito á historia della e do Imperio, ao
109
augmento e progresso da agriciultua, commercio navegação, industria,
sciencias e artes2 (SERGIPE, 1848, p. 01).
De acordo com os estudos de Terezinha Oliva (2018), nesse momento,
originou-se o Arquivo Público do Estado de Sergipe, oficialmente criado
em 15 de outubro de 1923, através da Lei nº 845, no governo de Maurício
Graccho Cardoso. Antes dessa data natalícia do APES, a Biblioteca Pública Provincial, bem como a sua Seção de Arquivo, em 1855, foi transferida junto com a capital da Província para Aracaju, tendo sua organização relatada em 1908 por Epifânio Dória, que se tornou, posteriormente,
diretor da instituição.
É importante destacar que, em 1915, por meio do Decreto nº 619, de 31
de dezembro, o presidente do Estado, Manuel Prisciliano de Oliveira Valladão, ao regulamentar a Secretaria Geral do Estado, indicou que, assim
que fosse criado o Arquivo Público do Estado de Sergipe, este salvaguardaria todos os livros, documentos e papeis findos pertencentes aos arquivos das diversas repartições públicas. O citado decreto evidencia que,
antes mesmo da criação do APES, já existia uma necessidade e vontade
da sua existência como repartição independente da Biblioteca Pública.
De acordo com a Lei nº 845/1923, o APES seria criado separado ou
anexo a qualquer repartição pública que o governo julgasse mais conveniente, com o fim de receber e conservar, sob classificação sistemática,
todos os documentos relativos ao direito público, à legislação, à administração, à história, à geografia e, em geral, às manifestações do movimento científico, literário e artístico de Sergipe, ou quaisquer outros
documentos cujo depósito seja oficialmente determinado.
Analisando as finalidades do APES presentes na sua lei de criação
e comparando-as com a função da Seção, anteriormente instalada na
Biblioteca Pública Provincial, é certo afirmar que a Seção não só deu
origem ao Arquivo Público do Estado de Sergipe, como se transformou
2. A escrita original do texto foi mantida.
110
nele. Possivelmente, a criação que garantiu a sua ascensão da condição
de Seção de arquivo à sua institucionalização foi impulsionada pelo espírito patriótico que envolvia a sociedade sergipana durante as comemorações do centenário da emancipação política de Sergipe, como bem
esclarece Oliva (2018).
Em 1926, um mês após o seu primeiro Regulamento ter sido sancionado pelo Decreto nº 961 de 16 de outubro, o APES, órgão guardião da
memória de Sergipe, voltou à situação de Seção da Biblioteca. Cabe ressaltar, que o Decreto nº 976/1926 justificava que a conversão do Arquivo
em Seção da Biblioteca dava-se por medida de economia do Estado, pois
a carência de meios pecuniários no tesouro estava a exigir medidas extremas de economia para o equilíbrio orçamentário. Assim, o APES voltou a constituir-se como uma Seção da Biblioteca Pública: “Sem prejuízo dos serviços de sua especialidade, nem aumento de despesa, e com o
próprio pessoal do quadro atual de funcionários desta última repartição,
sendo regulamentado” (SERGIPE, 1926, p. 01).
Sobre esse momento, Silva (1988) e Oliva (2018) explicam que só após
as mudanças ocorridas no pós-1930 o Arquivo foi recriado, no governo do
interventor federal, Augusto Maynard Gomes, pelo Decreto-Lei n. 617 de
03 de abril de 1945, pondo fim à condição de Seção de Arquivo Público
da Biblioteca. As pesquisadoras também destacam a criação do cargo de
técnico de arquivo, bem como a função gratificada de diretor, e que, em
outubro do mesmo ano, foi sancionado o novo Regulamento do APES.
O retorno à condição de Arquivo institucionalizado e com independência da Biblioteca Pública faz parte do processo de modernização da
administração pública e que compreendia as instituições arquivísticas
como sendo essenciais ao bom funcionamento do poder público. Entre
as décadas de 30 e 50 dos anos de 1900, o Arquivo Nacional, sob a direção do historiador José Honório Rodrigues, passou por uma “reforma
que mudou efetivamente a forma de se trabalhar nos arquivos brasileiros, sendo a base para a formação dos futuros profissionais arquivistas”
(MELO; SILVA; DORNELES, 2017, p. 138).
111
Em 1947, o estado de Sergipe realizou uma ampla reforma administrativa que transformou a Secretaria Geral do Estado em duas outras secretarias: Secretaria de Justiça e Interior e Secretaria da Fazenda, Produção e Obras Públicas. Nessa nova estrutura administrativa do estado, o
APES passou a ser subordinado à Secretaria da Justiça e Interior, sendo
em 1970, de acordo com o Decreto nº 2.005, de 25 de novembro, transferido para a esfera administrativa da Secretaria de Educação e Cultura e,
um ano depois, teve seu primeiro Regimento aprovado pelo governador,
Paulo Barreto de Menezes. A transferência se deu porque o APES tinha
uma finalidade cultural, mas não possuía condições financeiras suficientes para atender as novas demandas do Ministério da Educação e Cultura, que havia iniciado uma campanha de preservação do patrimônio histórico e artístico do Brasil firmada em dois documentos: o Compromisso
de Brasília, de 1970, e o Compromisso de Salvador, de 1971.3
Fica evidente que a história do APES é marcada por decretos governamentais que não garantiram seu fortalecimento na estrutura administrativa do governo estadual. Os decretos que ora criavam, ora rebaixavam a sua condição de instituição, provocaram fragilidades, mudanças
de endereço, diretores, subordinações e precarização da sua função de
guardião da memória de Sergipe. Segundo Oliva (2018):
[...] os documentos ocuparam, sucessivamente, salas do Palácio do Governo, da Assembleia Legislativa e da antiga Escola Normal, sem encontrarem seu próprio lugar. Entre 1964 e 1970, sob responsabilidade da Secretaria da Justiça, o Arquivo teve que ser retirado do prédio da Assembleia
Legislativa que passaria por uma reforma e os documentos foram
3. Nos dias 1, 2 e 3 de abril de 1970, reuniram-se em Brasília, convocados pelo Senhor Ministro da Educação e Cultura, Governadores de Estados, Secretários, Prefeitos, Presidentes
de Entidades Culturais e o pessoal da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para estudar medidas complementares de proteção e revalorização do acervo cultural
do Brasil. Foram duas as reuniões com os governadores, em 1970 e em 1971, promovidas
pelo Governo Federal para que os Estados passassem a assumir um papel na preservação
cultural. Disso resultaram os Compromissos de Brasília e de Salvador (MOTTA, 2008).
112
amontoados em salas e porões de prédios públicos, principalmente da
antiga Escola Normal, comprometendo a existência do órgão, situação
que perdurou até a criação do Departamento de Cultura e Patrimônio
Histórico (DCPH), na estrutura da Secretaria de Educação e Cultura, a
cuja alçada foi transferido, em 25/11/1970 (OLIVA, 2018, p. 29).
O texto introdutório do Relatório de Gestão do APES do ano de 2014,
assinado pelo diretor Milton Barboza Silva, destaca que, entre 1926 e
1970, mesmo com os percalços vividos, o Arquivo Público do Estado de
Sergipe viu suas funções ampliadas, passando a ser responsável pela estatística pública estadual, protocolos e, por fim, incorporando as atividades de museu, mapoteca e biblioteca (SILVA , 2014, p.02).
É certo que a criação do Departamento de Cultura e Patrimônio Histórico (DCPH) em 1970 na estrutura da Secretaria de Educação e Cultura
contribuiu para o desenvolvimento de um processo de reorganização que
visava atender as novas demandas do Ministério da Educação e Cultura,
assinaladas inicialmente no documento “Compromisso de Brasília” que expressava, dentre outras ações, a necessidade e obrigação das universidades
se entrosarem com bibliotecas, arquivos públicos nacionais, estaduais, municipais, bem assim com os arquivos eclesiásticos e de instituições de alta
cultura, “no sentido de incentivarem a pesquisa quanto à melhor elucidação do passado e à avaliação e inventário dos bens regionais cuja defesa se
propugna” (BRASÍLIA, 1970, p. 455). O documento também recomendou:
[...] a defesa do acervo arquivístico, de modo a ser evitada a destruição de
documentos, ou tendo por fim preservá-los convenientemente, para cujo
efeito será apreciável a colaboração do Arquivo Nacional com as congêneres repartições estaduais e municipais (BRASÍLIA, 1970, p. 455).
Sobre essas recomendações, Oliva (2018) declara que a Universidade Federal de Sergipe foi inteiramente sensibilizada por essas novas
ideias do trabalho com o patrimônio arquivístico. A comprovação da sua
113
atuação em atendimento às orientações demarcadas no Compromisso de
Brasília, está na gestão no DCPH, sob a responsabilidade da Professora
Doutora e antropóloga Beatriz Góis Dantas, que prontamente estabeleceu como meta prioritária “o salvamento do Arquivo Público, que encontrou reduzido a um depósito de papéis velhos, com grande parte dos
documentos literalmente amontoados no chão sem mínimas condições
de pesquisa” (OLIVA, 2018, p. 29). A gestão da renomada professora defendeu um projeto ousado, desafiador e “verdadeiramente missionário
na defesa do que hoje se chamam “bens culturais”” (OLIVA, 2018, p.30).
Com uma equipe engajada, a gestão da professora Beatriz, durante a primeira fase, buscou:
refundar o Arquivo em praticamente todos os seus aspectos. Localização, aquisição de mobiliário, recuperação de rotinas com o pessoal ali
lotado, lotação de novo pessoal, organização do acervo e do fichário,
tudo precisou ser estabelecido. Da antiga organização, sobraram as Coleções Clero e Câmara, conservadas pela relevância do tema, pela representatividade de frequência de consultas e citação e por não constituírem fundos ou parte dos mesmos (OLIVA, 2018, p. 30).
Após essa gestão, a reestruturação do APES teve continuidade sob à
direção de José Alves e, posteriormente, da historiadora Terezinha Alves
de Oliva, ex-estagiária do arquivo que, junto com a equipe formada por
profissionais da Universidade Federal de Sergipe, provocou mudanças
significativas na estrutura do arquivo e garantiu a sua instalação no prédio do Palácio Carvalho Neto, situado à Praça Fausto Cardoso, nº 348,
Centro de Aracaju, onde permanece até os dias atuais.
Também nesse período, foi dado início ao intercâmbio com outros
arquivos públicos brasileiros e a divulgação do trabalho de reorganização do APES no segundo número da Revista “Arquivo & Administração”,
da Associação dos Arquivistas Brasileiros. De acordo com Oliva (2018),
o Projeto de Levantamento de Arquivos Cartorários foi concluído em
114
1974 pelas administrações seguintes. A historiadora defendeu que era
um projeto de cunho pedagógico que visou ter conhecimento panorâmico das condições físicas dos arquivos e do estado em que se encontra a
documentação espalhada em todo território sergipano.
Sem sede própria e sem poder pensar em recolhimento dos documentos, o Arquivo Público planejava dar “melhor atendimento (...) aos pesquisadores, com informações sobre as fontes espalhadas pelo território
do Estado.” Todos os 63 municípios que possuíam arquivos cartorários
foram percorridos; a equipe do APES localizou documentos do século
XVIII (1783) e constatou que, dos 137 cartórios existentes, somente 48
já haviam sido procurados por pesquisadores. (OLIVA, 2018, p. 31)
A parceria entre a Universidade Federal Sergipe e o Arquivo Público
do Estado de Sergipe, através das gestões das professoras Beatriz Gois
Dantas e Terezinha Alves de Oliva, de fato estabeleceu uma nova fase
do APES e aos poucos ele “se fazia presente na vida social e cultural
de Sergipe, desenvolvia atividades técnico-culturais e marcava a vida de
quem dele se aproximava” (OLIVA, 2018, p. 31). Importantes projetos
foram desenvolvidos, a exemplo do Projeto de Levantamento das Fontes Primárias da História de Sergipe que “instituiu a fase heurística em
Sergipe e através dele foi moldada a noção de fonte histórica, estendida
aos documentos dos arquivos em que atuaram professores e estudantes”
(OLIVA, 2018, p. 33).
Paralelo às mudanças resultantes daquela parceira e em consonância
com o cenário nacional que, pelo Decreto Federal nº 82.308, de 25 de
setembro de 1978, criou-se o Sistema Nacional de Arquivos – SINAR, o
Estado de Sergipe, por sua vez, através da Lei 2.202, de 20 de dezembro
de 1978, instituiu o Sistema Estadual de Arquivos, sendo regulamentado
pelo Decreto Estadual nº 4.507, de 1979.
De acordo com o Relatório de Gestão do APES datado do ano de 2015,
a vanguarda de Sergipe, por ter saído à frente, em relação aos demais
115
Estados da Federação, com a criação do Sistema Estadual de Arquivos
– SIESAR, em 1978, “não nos valeu mais do que alguns elogios no cenário nacional, pois após a criação mais nada ocorreu” (SILVA, 2015, p. 03).
Além da não implementação do SIESAR, mesmo depois de três tentativas
nos anos de 1995, 2003 e 2012, outras ações de aprimoramento do processo de organização arquivística dos acervos sergipanos também não lograram êxito, como a ausência da implementação e organização dos arquivos
municipais e a precariedade dos equipamentos do Arquivo Estadual, bem
como não houve atualização da legislação estadual. (SILVA, 2015, p. 03).
Nesse cenário, ressaltamos as reformas administrativas ocorridas
entre os anos de 1983 e 1984, em que a pasta da Cultura foi desmembrada da Secretaria do Estado da Educação, que ocasionou a criação da
Fundação Estadual de Cultura – FUNDESC. A FUNDESC tinha como
objetivo a execução da política cultural do Estado, compreendendo, entre outras atividades, o levantamento e registro do acervo documental,
bibliográfico e cultural, conservação e preservação de monumentos históricos, artísticos, paisagísticos e arqueológicos e dos bens de natureza,
como também a promoção da criação de museus, bibliotecas e arquivos,
e coordenação dos eventos e programas culturais promovidos pelo poder
público (SERGIPE, 1984, p. 01).
Pelo Decreto nº 6.791 de 1984, o Arquivo Público do Estado de Sergipe passou a integrar o organograma da FUNDESC. Em 1987, o APES
passou a ser jurisdicionado pela Secretaria Estadual da Cultura, que
acabava de ser criada e abrigou a Fundação e, só em 2018, com a Lei
nº 8.496, que dispõe sobre a Estrutura Organizacional Básica da Administração Pública Estadual, o arquivo retornou para o organograma da
Secretaria de Estado da Educação, que também passou a abrigar a Secretaria da Cultura e do Esporte e Lazer, passando a ser denominada Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura – SEDUC. Por esta
nova estrutura administrativa, o Arquivo Público do Estado de Sergipe
passou a compor as unidades programáticas e finalísticas da SEDUC,
mantendo sua função de guardião da memória de Sergipe.
116
Em 2021, a publicação do Decreto n° 40.785, de 09 de março, apresenta a nova estrutura regimental da SEDUC, em que ao APES é reconhecido o legado de preservação do patrimônio documental da administração
pública estadual, com destaque primordial para seu papel no acesso à
informação e como instituição cultural integrada à comunidade.
2. O Acervo do Fundo Educação: O APES como lócus para o
ensino de História
Os documentos acumulados pelo APES ao longo de sua existência denotam a sua vinculação com a história do poder público em nosso estado. Em
seu acervo, há a predominância de documentos escritos, contando também
com os de outras naturezas, a exemplo dos cartográficos e iconográficos.
Segundo Silva (1988), o acervo do APES passou por inúmeras dificuldades ao longo dos anos, decorrentes, principalmente, das inadequadas
instalações a que foi submetido, fato que “entravava o desenvolvimento
do trabalho técnico e dificultava o Arquivo a corresponder inteiramente
às suas funções, nem comportar novos recolhimentos.” (SILVA, 1988, p.5).
Apesar desses obstáculos, a documentação acumulada pelo APES foi
organizada em fundos e coleções. Atualmente, são sete os fundos do arquivo do APES: Governo, Educação, Segurança Pública, Fazenda, Viação
e Obras Públicas, Agricultura e Justiça. As coleções, por sua vez, são de
duas naturezas: coleções existentes antes do processo de arranjo4, iniciado
na década de 1970, que foram mantidas, recebendo arranjo interno5 para
melhor compreensão do seu conteúdo. São elas: Assembleia Legislativa,
Câmaras Municipais, Tribunal Eleitoral, Acervo Geral (Escravos, Clero,
4. Bellotto (2006) explica que a “operação do arranjo resume-se à ordenação dos conjuntos
documentais remanescentes das eliminações (ditadas pelas tabelas de temporalidade e executadas nos arquivos correntes e intermediários), obedecendo a critérios que respeitem o
caráter orgânico dos conjuntos interna e externamente” (BELLOTTO, 2006, p.136).
5. Divisão interna do fundo de arquivo em unidades como grupos, seções, séries e subséries, seguindo o princípio da proveniência. “O que determina seu arranjo interno [do fundo
de arquivo] é, num primeiro momento, ainda a estrutura organizacional, obedecendo-se a
seguir à tipologia documental, aliada à função que a determina” (BELLOTTO, 2006, p.147).
117
Poder Judiciário, Intendência, Ministério da Agricultura, Registro Civil e
Diversos Papeis), e as coleções particulares, em número de 12: Gumercindo Bessa, José Sebrão de Carvalho Sobrinho, Epifânio da Fonseca Dória,
Durval Freire, José Augusto Garcez, Balthazar de Araújo Góes, Francisco
Antônio de Carvalho Lima Junior, Cícero Dantas Martins, Manoel Campos Oliveira, José do Patrocínio Filho, João Freire Ribeiro e Luiz Mott.
Dentre as preciosidades desse rico acervo destacam-se os documentos dos Fundos Governo, Educação, Segurança Pública e da Coleção Particular de Sebrão Sobrinho, sempre destacados nos relatórios de seus diretores como os documentos mais consultados pelos pesquisadores, por
conterem documentos valiosos sobre a história de Sergipe.
Particularmente o Fundo Educação é composto por 2845 unidades arquivadas, tendo um volume de 95,45m lineares. No quadro 1 seguem as
especificações sobre a documentação, presentes no Guia do APES:
Quadro 1 – Caracterização do Fundo Educação/APES
FUNDO
SÉRIES
CONTEÚDO
DATA
LIMITE
INSTRUMENTOS
DE PESQUISA
Educação
1-Gabinete do Secretário;
-Atas;
1809/1966
- Guia;
2-Administração Geral;
3-Assessores;
4-Ensino Primário;
5-Ensino Superior;
6-Ensino Secundário;
7-Ensino Técnico;
8- Cultura;
9-Ensino Maternal;
10-Ensino Supletivo;
11-Conselhos.
-Correspondências
recebidas e expedidas;
- Inventário
Sumário;
-Registro de títulos;
- Catálogo Cronológico.
-Inquéritos administrativos;
-Documentação contábil e de pessoal;
-Termos de inspeção de
ensino;
-Documentos produzidos por escolas
secundárias (Atheneu e
Escola Normal);
-Documentos produzidos por escolas
primárias, técnicas, e
profissionalizantes,
supletiva e maternal.
Fonte: Guia do Arquivo Público do Estado de Sergipe. Aracaju, 1989.
118
Percebe-se que o fundo apresenta um conteúdo bem diverso de séries,
num total de 11, especificando as tipologias documentais6 que caracterizaram o ensino, perfazendo um século e meio de memória da educação
em nosso estado, abrangendo as diversas nuances da educação pública,
desde a parte administrativa - a exemplo das atas e correspondências até documentos dos diferentes níveis/modalidades de ensino, conforme
a época.
Uma observação importante, destacada no Guia do APES é que o
Fundo Educação é o que mais retrata as funções do órgão de origem. Isso
porque na divisão de fundo em séries, deve-se levar em consideração,
quando possível, as funções do órgão de origem, seguindo o princípio do
respect des Fondes (ou princípio da proveniência), que consiste “em deixar
agrupados, sem misturar a outros, os arquivos (documentos de qualquer
natureza, provenientes da administração, de um estabelecimento ou de
uma pessoa física ou jurídica determinada)” (BELLOTTO, 2006, p.130).
Ou seja, deve ser respeitada a organização do órgão de origem dos
documentos, não permitindo que os seus documentos sejam misturados
aos de outros, considerando a sua organicidade: “isto é, a observância do
fluxo natural e orgânico com que foram produzidos” (BELLOTTO, 2006,
p.131).
Respeitando esse princípio, a organização do fundo apresenta as
realidades da educação sergipana, que se vinculam à própria estrutura
administrativa outrora definida. Nesse sentido, para os fins a que nos
propusemos neste texto, destacamos os documentos produzidos pela
educação sergipana como uma possibilidade de recursos didáticos para
o ensino de História, primeiramente, para serem trabalhados conceitos
como memória, história, preservação, lugares de memória, identidade,
mudança, permanência, dentre outros.
6. “É a configuração que assume a espécie documental de acordo com a atividade que ela
representa [...] A espécie torna-se tipo quando lhe agregamos a sua gênese, a atividade/função/razão funcional que lhe gera a aplicação de uma actio em uma conscriptio”. (BELLOTTO,
2006, p.57).
119
Para tanto, precisamos nos imbuir de um espírito de investigação
com relação ao ensino de história em meio a uma cultura da memória
tão presente em nossa contemporaneidade. Não há como negar que existe uma “febre” pela preservação de documentos e bens materiais, “numa
espécie de corrida contra o tempo que parece ter adquirido uma aceleração comprometedora, em última instância, das próprias condições de
continuarmos lembrando” (GUIMARÃES, 2009, p.42).
É basicamente o que nos fala Pierre Nora sobre a aceleração da
história e da necessidade de criação dos lugares de memória, que são
extremamente necessários para a manutenção e preservação da memória e consequentemente a reconstituição da história, até porque
eles não são operações naturais. Segundo Nora (1993) a história tem
um papel fundamental no processo de constituição desses lugares
de memória, se apoderando da memória, transformando a memória
espontânea, imediata, em memória indireta, arquivística. (NORA,
1993, p.14).
Considerando essa metamorfose pela qual passa a memória e seu
abrigo nos arquivos, resultante da importância que lhe é conferida pelos
historiadores, é que vislumbramos os documentos do APES, especificamente do Fundo Educação, como vestígios da educação sergipana que
passaram por inúmeros processos até serem abrigados no arquivo da referida instituição, como um testemunho daquilo que foi a educação em
Sergipe nos séculos XIX e XX.
Assim sendo, as tipologias documentais presentes no fundo partem
da administração da educação pública, com os atos oficiais, chegando
a elementos bem característicos da cultura escolar. De ofícios e relatórios da Instrução Pública a cadernetas de notas e provas de alunos, perpassa por concursos para professores e boletins de movimento
escolar.
Para ampliarmos essa noção, segue quadro com uma seleção de tipologias documentais presentes no Fundo Educação, que poderão auxiliar
na reflexão aqui proposta.
120
Quadro 2 – Tipologias documentais presentes no Fundo Educação
FUNDO/
SÉRIES/
DATA LIMITE
DESCRIÇÃO
Educação/
E1 a E5-
- Atestados de professores;
(1868-1956)
- Ofícios de professores;
- Correspondências recebidas pela Inspeção Geral da Instrução Pública;
- Relatórios de Inspetores de alunos;
- Petições de professores;
- Ofícios, boletins, circulares de professores, diretores, prefeitos;
- Ofício do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos;
- Ofícios dos grupos escolares;
- Ofícios, boletins. Procedência: professores, diretores, prefeitos, inspetores de ensino.
- Provas, exames de habilitação para professores;
- Registro de títulos e cartas de professores;
- Registro de concurso para professores;
- Registro de Boletins das Escolas públicas do estado;
- Livro de atas de concurso para provimento em caráter efetivo do Magistério;
- Provas de Concursos para professores;
- Relação de professores com suas respectivas cadeiras e classes;
- Boletim e resultado final de alunos de diversos colégios;
- Caderneta de notas do Ginásio Rui Barbosa.
Educação/
E6 a E18
(1824-1906)
- Provas de alunos;
- Correspondências expedidas de escolas ao Diretor Geral de
Instrução Pública (ofícios e requerimentos);
- Relação de livros adotados, pesquisas escolares;
- Livros de ponto /diários de escolas;
- Provas de alunos;
- Atas de promoções de alunos;
- Livros de Ata de Exames Finais de Aracaju e de outros municípios sergipanos;
- Livros de Atas de escolas;
- Cadernetas de notas;
- Atas de promoção de alunos;
- Livros de chamada de alunos;
- Relatórios das escolas;
- Atas de exames finais, boletins do movimento escolar;
121
FUNDO/
SÉRIES/
DATA LIMITE
DESCRIÇÃO
Educação/
E6 a E18
- Atas de promoções de várias escolas do estado;
(1824-1906)
- Relação dos grupos escolares e escolas reunidas: matrículas e
frequência;
- Controle mensal do movimento escolar: boletins;
- Resultado final de alunos;
- Livros de Registro de Ata;
- Atas de Exames Finais, de promoção de alunos;
- Relação dos professores e número de escolas isoladas;
- Ofícios de diretores de Grupos Escolares e lista de alunos;
- Livro de chamada de alunos;
- Termo de visita de várias escolas;
- Boletins do movimento escolar;
- Termos de Inspeção escolar;
- Controle mensal do movimento escolar;
- Atas de exames finais, acompanhadas de ofícios e mapas de aprovação;
- Boletins do movimento escolar de várias escolas públicas do Estado;
- Provas de alunos.
Educação/
E7 a E11
(1870-1966)
Ensino Técnico: Instituto Coelho e Campos
- Catálogo de Livros existentes no Arquivo do Instituto Coelho e
Campos;
- Correspondência recebida;
- Atas de promoções, exames de corte e costura, programas e
fichas de professores;
- Livro de notas de alunos;
- Livro de Chamada de alunos;
- Transcrição das correspondências expedidas;
- Livro de chamada de alunos.
Ensino Supletivo
- Atas de promoções, listas de alunos aprovados, boletins
mensais;
- Livro de matrícula, frequência, ata escolar;
- Estatística, relatórios, aproveitamento e frequência, matrícula
geral e relação dos municípios;
- Boletins mensais do movimento escolar.
Fonte: Inventário do Fundo Educação do APES.
122
Se considerarmos a periodização do acervo documental do Fundo Educação, sua tipologia e descrição, é possível vislumbrar formas de trabalhar
conteúdos de História tomando a documentação preservada como recurso
didático. Dessa forma, o Arquivo Público do Estado de Sergipe, por meio das
visitas guiadas e acompanhadas por professores de turmas de alunos da educação básica, será uma extensão da sala de aula ou se transformará em uma.
Nela, a partir das fontes descrita no Quadro 2, poderão ser trabalhados temas como: Fontes para produção do conhecimento histórico, Educação na Província de Sergipe, Independência de Sergipe, Educação de
Sergipe na República, Educação no governo de Vargas, na ditadura militar e na redemocratização do Brasil, e outros.
Cabe ressaltar, que no uso das fontes históricas como recurso didático
será preciso problematizar, provocar a criticidade e reflexão do aluno para
que seu uso não se constitua, apenas, como mais um elemento conteudista
que torna a aula enfadonha, cansativa e repetitiva. O uso do acervo documental do APES deverá ser dinamizador das práticas de ensino e aprendizagem, de maneira que o aluno compreenda a complexidade da construção do conhecimento histórico e perceba o arquivo como uma instituição
que salvaguarda testemunhos e representação do passado.
Desta forma, Caimi (2008) ressalta que é preciso despertar no aluno o
interesse pela compreensão do conhecimento histórico, possibilitando
que ele compare as situações históricas e, sobretudo, se situe como sujeito da história, compreendendo-a e nela intervindo.
Nas orientações para o ensino de História para os anos finais do ensino fundamental presentes Base Nacional Comum Curricular há uma
orientação em relação a essa perspectiva do uso dos documentos, enfatizando a sua importância no processo de investigação:
Os documentos são portadores de sentido, capazes de sugerir mediações entre o que é visível (pedra, por exemplo) e o que é invisível (amuleto, por exemplo), permitindo ao sujeito formular problemas e colocar
em questão a sociedade que os produziu. (BRASIL, 2018, p. 418).
123
Portanto, muito mais do que ver a fonte histórica materializada em
seu formato original, o aluno poderá lê-la, questioná-la e debatê-la, sentindo o cheiro e a cor do passado e, o mais especial, se aproximará da
história de seu povo e se reconhecerá como parte dela. O uso do acervo
do documental do Arquivo Público do Estado de Sergipe com finalidades didáticas também permitirá a difusão, a divulgação, a publicização
e a comunicação com a sociedade, o que, consequentemente dará visibilidade à referida instituição e a tornará mais presente na vida social e
cultural dos sergipanos.
Considerações Finais
O presente texto propôs-se a apresentar o acervo documental do APES
como recurso didático para o ensino de História na educação básica.
Para tanto, traçamos três perspectivas: a primeira vinculada ao ensino
de História; a segunda à historicização do APES e, por fim, a relação
entre o acervo documental do Fundo Educação do APES e o ensino de
História.
Ao longo da discussão pudemos perceber que o acervo do APES pode
ser utilizado nas aulas de História, na perspectiva que nos apresenta Bittencourt (2008): “O uso de documentos nas aulas de História justifica-se
pelas contribuições que pode oferecer para o desenvolvimento do pensamento histórico” (BITTENCOURT, 2008, p.333). Ou seja, os documentos
ultrapassam a concepção de que são apenas papeis velhos para receberem a atenção devida no processo de formação do arcabouço intelectual
dos discentes, a partir da identificação dos conceitos básicos da história,
adentrando em questões mais específicas dos conteúdos históricos e,
por fim, chegando à realidade educacional sergipana.
Particularmente, neste último aspecto destacamos a importância do
processo de preservação, notadamente dos documentos produzidos e
acumulados pelas instituições de ensino em nosso estado. Verificamos
que o Fundo Educação do APES possui documentos de diversas instituições educacionais, a exemplo do Atheneu Sergipense. Além disso, dentre
124
as tipologias documentais, destacamos atos oficiais dos órgãos administradores, a exemplo da Diretoria da Instrução Pública, bem como provas
de alunos, um elemento que caracteriza sobremaneira a cultura escolar
das instituições de ensino.
Conduzir os alunos da educação básica, através das aulas de História, a
uma reflexão sobre os referidos documentos, mostrando a importância que
os mesmos adquiriram para o funcionamento das escolas de outrora, cria
condições para uma reflexão sobre a escola de hoje, particularmente sobre
o processo de preservação dos documentos por ela produzidos e acumulados, através dos arquivos escolares e os centros de educação e memória7.
Nesse sentido, os discentes serão instigados a voltar o seu olhar para
a instituição de ensino a qual pertencem. O que, no ambiente da minha
escola, é possível de ser preservado? Como devemos contribuir no nosso
dia a dia para guardar e conservar a cultura material da minha escola?
Que documentos são produzidos e que devem ser preservados?
Considerando essa perspectiva, a documentação do Fundo Educação do
APES pode instigar as instituições educacionais públicas do estado de Sergipe a preservarem a sua cultura material escolar, criando condições para o
aprofundamento dos laços de identidade que caracterizam a sua existência,
gestando e aprofundando nos sujeitos escolares um sentimento de pertencimento, indispensável para a formação das novas gerações de cidadãos.
Assim, o Arquivo Público do Estado de Sergipe cumpre sua função
social de guardião e disseminador da memória sergipana e se o nosso objetivo explícito foi apresentar o acervo documental do Arquivo Público
7. Citamos como exemplo o Centro de Educação Memória do Atheneu Sergipense -CEMAS
criado em 2005, sob a coordenação de Eva Maria Siqueira Alves, professora doutora da Universidade Federal de Sergipe, que tem por “objetivo preservar os vestígios escritos ou não, o
testemunho histórico, além de criar informações necessárias para salvaguardar o patrimônio cultural e manter exposição permanente da memória educacional e social do Atheneu
Sergipense, da instituição que desempenhou papel relevante como agência produtora e irradiadora de práticas e padrões pedagógicos, projetando vultos de destaque no panorama
político e social, considerada como parte significativa da História da Educação do Estado de
Sergipe” (ALVES, 2016, p. 49).
125
do Estado de Sergipe – (APES) como recurso didático para o ensino de
História na educação básica, fica implícito o convite aos professores de
História e aos seus alunos para visitarem o APES como forma de encurtar a distância existente entre o arquivo e a sala de aula e assim testemunharem a preciosidade didática da sua massa documental.
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127
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SERGIPE. Lei n° 2.410, de 14 de março de 1983. Dispõe sobre a estrutura e o funcionamento da Administração do Estado de Sergipe e dá outras providências. Aracaju:
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SERGIPE. Lei nº 2.202, de 20 de dezembro de 1978. Institui o Sistema Estadual de
Arquivo. Aracaju, Acervo do Arquivo Público Estadual de Sergipe, [2003?].
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Acervo do Arquivo Público Estadual de Sergipe, [2003?].
128
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SILVA, Milton Barboza. Relatório de Gestão do Arquivo Público Estadual de Sergipe. Aracaju: Acervo do Arquivo Público Estadual de Sergipe, 2015.
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SILVA, Zeneide de Jesus. Arquivo Público Estadual de Sergipe - APES - Dimensões
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129
ARQUIVOS ESCOLARES E ENSINO DE
HISTÓRIA: ALGUNS APONTAMENTOS1
João Paulo Gama Oliveira
Escolano Benito (2011) afirma que a escola tem sido uma das instituições
culturais de maior impacto no mundo moderno sendo um cenário chave da nossa sociabilidade infantil, do desenvolvimento da nossa própria
identidade como também no âmbito da criação de uma cultura que une
pessoas em comum. Ao pensar junto com o estudioso espanhol, entendemos que a escola, na concepção de instituição social, tem seu nascedouro na modernidade com mudanças significativas ao longo dos últimos séculos, constituindo-se como um local central no desenvolvimento
da nossa identidade coletiva.
Entre os diferentes projetos alçados para o lugar da educação em
distintas sociedades e as práticas materializadas em díspares estabelecimentos de ensino por professores, alunos, entre outros agentes do processo educativo existem, muitas vezes, hiatos e dissonâncias que conferem novas vivências e aprendizagens diante do anteriormente pensado.
Todavia, ficam as marcas no processo formativo em crianças, jovens e
adultos de diferentes partes do mundo que cotidianamente frequentam
os espaços escolares.
1. O presente artigo faz parte dos primeiros resultados do Projeto de Pesquisa “O Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense (CEMAS): patrimônio escolar e ensino
de história” apresentado para o credenciamento do Mestrado Profissional em Ensino de
História/UFS como pré-requisito do Edital 01/2020 na linha de pesquisa “Saberes históricos no espaço escolar”. Também está relacionado às investigações empreendidas no estágio
de pós-doutoramento em desenvolvimento junto à Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP) no período de 2020 a 2021.
130
No Brasil, nota-se o início de um processo de escolarização, mesmo
que ainda elementar, no século XIX. Voltado majoritariamente para determinados grupos sociais e com finalidades em disputa para se estabelecer
os rumos que a escola deveria fornecer aos seus frequentadores. Somente
na segunda metade do século XX, ou seja, algo demasiadamente recente,
observa-se uma efetiva expansão da escola que alcança as classes sociais
menos abastadas e anuncia-se a massificação do ensino cujo alcance só
seria objetivado no final do novecentos. Tal aspecto reflete-se em vários
elementos, inclusive, na construção de prédios escolares e na intensificação da formação de profissionais aptos para exercer a docência.
Paralelamente, a edificação de tais espaços projetados para abrigar práticas educativas institucionalizadas tem-se também o processo
de guarda de artefatos e documentos próprios da escola. Sabemos que
a maior parte dos objetos utilizados no dia a dia das práticas escolares
são descartados após o uso ou mesmo com o entendimento de que já
está “ultrapassado”. Por outro lado, a escrituração escolar também é descartada tendo em vista a falta de espaço em nossas instituições educativas, que enfrentam tantos problemas para seu funcionamento ou até sua
“inutilidade”, quando não se referem a algum aspecto que os próprios
sujeitos escolares julgam como “importante” ou “não”. Ainda mais difícil é a localização de avaliações escritas, cadernos escolares, bilhetes
trocados entre colegas, pinturas e outras atividades realizadas nas salas
de aula que apontem indícios da materialização de projetos educacionais
de dados períodos históricos.
De tal modo que as práticas de arquivamento, em inúmeras instituições educacionais, carecem de um trabalho especializado, além de, principalmente, precisar ser repensado o lugar do arquivo histórico escolar
como um local que integra as práticas da instituição educativa, inclusive
pedagógicas. Uma vez que partimos da compreensão que os documentos
salvaguardados em um arquivo escolar, seja físico ou virtual, podem potencializar problematizações a partir de questões próprias de cada realidade na qual a escola está inserida em diálogo com o currículo proposto.
131
Todavia, a preocupação em organizar e disponibilizar tais arquivos
escolares só emerge no Brasil, no final do século XX, sobretudo, relacionada a um movimento mais amplo de valorização da memória como
também de renovação das pesquisas na área da História da Educação
que passaram a focar nas práticas educativas e não apenas no conjunto
das ideias educacionais. Trabalhos para inventariar, organizar e disponibilizar acervos dentro da própria escola ou mesmo a reunião desses acervos em espaços voltados especificamente para a memória escolar foram
e são realizados em diferentes partes do país.
Como exemplo, pode-se citar: o Museu da Escola Professora Ana Maria
Casasanta Peixoto, na cidade de Belo Horizonte/MG; o Museu da Escola
Catarinenense, em Florianópolis/SC; o HISALES - História da Alfabetização, Leitura, Escrita e dos Livros Escolares vinculado à Universidade Federal de Pelotas no Rio Grande do Sul; o Museu Pedagógico - Casa Padre
Palmeira que integra a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia em
Vitória da Conquista; e o Centro de Memória da Educação Profissional e
Tecnológica do Centro Paula Souza, em São Paulo. Já no Estado de Sergipe,
temos o Centro de Educação e Memória do Atheneu Sergipense (CEMAS)
criado em 2005 e o Centro de Pesquisa Documentação e Memória do Colégio de Aplicação, da Universidade Federal de Sergipe (CEMDAP) em 20162.
Pensar na documentação do arquivo histórico escolar é refletir diretamente sobre o arquivo dentro da perspectiva de que:
Todo arquivo, grande ou pequeno, é lugar de disputas de memórias,
capazes de mobilizar intensas paixões. Os arquivos, como o pó que se
acumula nas caixas esquecidas, aquietadas nas prateleiras, acumulam
camadas sobrepostas de práticas socioculturais de muitas gerações de
sujeitos e grupos sociais presentes em sua constituição (KOYAMA,
2020, p. 20)
2. Para saber mais sobre o Cemas ver Alves (2016) e Oliveira et al (2020). Já sobre o CEMDAP, sugere-se a leitura de Conceição e Nogueira (2018).
132
De maneira semelhante, Margarida Oliveira, ao apresentar em formato de artigo seu projeto de pesquisa “Espaços da História, espaços
de identidades: ensino, patrimônio, memória”, realça a necessidade de
interlocução entre a escrita da História, a educação histórica, a formação
do profissional de História e a intervenção social e acadêmica na definição e preservação das fontes históricas. A estudiosa ressalta:
[...] a importância de pensar os arquivos não apenas como depósito de
documentos ou até mesmo como mero lugar de pesquisas. É necessário tomá-lo como elemento fundamental na produção do conhecimento, possuindo inclusive uma dimensão histórica na maneira como foram reunindo seus acervos; refletir as configurações que eles assumem
na contemporaneidade (técnica, política, ética e jurídica num mesmo
movimento), encarando-os enquanto estratégia componente das relações de força que se insurge na construção de identidades. (OLIVEIRA,
2009, p. 14)
A partir desses entendimentos sobre o conceito de arquivo para além
de “depósito” ou “lugar de pesquisas”, mas de “lugares de disputas de memórias”, relacionamos o mesmo com a ideia de arquivo escolar entendendo-o como “[...] núcleo duro da informação sobre a escola, corresponde a
um conjunto homogêneo e ocupa um lugar central e de referência no universo das fontes de informações que podem ser utilizadas para reconstruir
o itinerário da instituição escolar” (MOGARRO,2005, p.77). O arquivo escolar é fruto de um conjunto de relações de forças que descartaram ou
preservaram determinados vestígios do passado, administrativos e pedagógicos, são histórias apagadas ou sublinhadas que precisam ser problematizadas, inclusive questionando os próprios silêncios ou as constantes
repetições. Cada documento é portador de uma história que precisa ser
analisada a partir dos variados interesses em disputa no complexo jogo
da memória. Sendo que a documentação salvaguardada, seja no arquivo
escolar, em um centro de memória que integra o arquivo com museu e/ou
133
biblioteca acondicionando objetos da própria escola, ou mesmo um museu escolar, é parte constituinte do chamado patrimônio escolar.
Para os estudiosos portugueses, Mogarro et al (2010), o patrimônio
escolar engloba a arquitetura escolar com o próprio edifício das escolas, o espaço no seu entorno e sua funcionalidade, os equipamentos, os
materiais de uso cotidiano, os materiais didáticos – desde instrumentos
científicos para o ensino das várias ciências, quadros, caixas métricas,
ábacos, etc. – os meios audiovisuais, os trabalhos de alunos, os cadernos escolares, entre outros. Integra ainda materiais em suporte de papel
relacionados com tais objetos como catálogos de editoras, manuais de
ensino, que incorporam os materiais didáticos nos processos de ensino-aprendizagem, além dos documentos de arquivo diante do cotidiano
da instituição educacional como: requerimentos de professores, notas
de compra, recibos, inventários antigos e a própria literatura articulada
com o tema. Insere-se ainda a imprensa educativa que divulga esses objetos, além de abordar sua forma de uso nas escolas.
Felgueiras (2005) trata da herança educativa e engloba na sua definição os edifícios, o que inclui da cantina ao gabinete médico, como também as atividades administrativas, o mobiliário, os materiais didáticos e
dos alunos, os elementos decorativos e simbólicos, as práticas de ensino,
as táticas dos discentes, as brincadeiras e as canções no recreio, as recordações do quotidiano escolar, além das memórias de professores e
alunos. Complementando, afirma que: “Se as ideias e teorias pedagógicas podem ser conhecidas através de escritos, as rotinas do quotidiano
escolar e das vivências da condição de criança, de aluno/a e de professor
terão de ser investigadas através das memórias e materiais a elas associados” (FELGUEIRAS, 2005, p. 92).
Diante do exposto, concordamos com Rosa Fátima de Souza que “Inserir o patrimônio escolar nesse debate público, político e especializado no campo da preservação, estabelecendo diálogos e reconhecendo
aproximações, é um desafio a ser enfrentado e uma necessidade urgente” (SOUZA, 2013, p. 204). Nessa mesma direção, Antonio Viñao (2011)
134
entende que é possível um uso didático do patrimônio escolar, sendo que
seus sentidos e significados devem estar unidos ao processo de ensino-aprendizagem, como também ser utilizado na condição de recurso didático, tanto em contextos formais como informais de ensino. Desafio
aceito por diferentes pesquisadores que tem voltado sua atenção para o
trabalho como o patrimônio escolar em seus diferentes matizes. Como
bem pontua Maria Teresa Cunha:
Preservar, com sentido societário, constitui uma fórmula viável para
dar uma conservação consistente, para abrir possibilidades de diálogo com os mistérios da escola e as incertezas de seus labirintos individuais e coletivos. Considerados refinados artesanatos, institucionalizar os acervos escolares demonstra preocupação com a memória e
com o patrimônio cultural, histórico e educativo. Publicizá-los como
patrimônios do passado no tempo presente [...] é uma boa estratégia para fomentar outras práticas preservacionistas (CUNHA, 2015,
p. 295).
Nesse sentido, Terezinha Oliva (2015) entende que as escolas ao não
preservarem seus arquivos, perdem parte da sua memória escrita, inclusive da oportunidade de promoverem junto aos alunos trabalhos com os
documentos nas aulas de educação patrimonial, de história, português e
redação, além de possibilitar proveitosas lições de cidadania. Nessa mesma direção da importância do patrimônio escolar, Rosa Fátima de Souza
pondera:
[...] a conservação do patrimônio escolar deveria servir, em primeiro lugar, às próprias escolas e à comunidade escolar para reconhecer o significado sociocultural da instituição, como memória afetiva da experiência escolar, mas, principalmente, como ferramenta de reflexão sobre o
significado da escola como instituição ao longo do tempo e os sentidos
de sua atuação no presente (SOUZA, 2013, p. 213).
135
A pesquisadora reforça a ideia, aqui proposta, de conservar o patrimônio para o trabalho com a própria comunidade escolar, além de reiterar o papel da memória escolar na constituição da identidade discente
e docente. Um dos vieses, entre tantos outros, do trabalho com o patrimônio escolar e sua comunidade é justamente explorá-lo nas aulas de
História. Tema pouco debatido por pesquisadores da área3, mas que certamente pode contribuir com o ensino de História na educação básica.
Sabe-se que o uso de documentos nas aulas de história não é novidade alguma. Flávia Caimi (2008) destaca que ao longo de todo o século XX é possível localizar a incorporação dos documentos nos manuais e livros didáticos
de História, bem como recomendações para o seu uso em sala de aula. Entretanto, a mudança que ocorreu nas últimas décadas consiste justamente
nas finalidades de tal uso, de modo a problematizar o significado dos documentos e extrapolar sua função de ilustrar, informar ou provar algo.
A citada autora apresenta alguns desafios para compreender os documentos como vestígios do passado, entre eles a necessidade de indagações e problemáticas mediadas pelo professor da educação básica que
possibilitem um trabalho ativo e construtivo dos alunos com as fontes
em sala de aula. Cita ainda: a necessidade de redimensionar os cursos
de formação de professores de história e possibilitar o contato dos acadêmicos com os usos das fontes em sala de aula ainda na sua formação;
o entendimento de que a pesquisa e o ensino configuram-se como elementos do mesmo fazer historiográfico e o repensar sobre ultrapassadas
dicotomias do ensino de história, apostando no estabelecimento de opções e recortes para propiciar o ensino-aprendizagem na perspectiva de
produção do conhecimento.
3. Ponderamos que tratamos aqui especificamente do arquivo escolar e o ensino de História. Em tempo, ressaltamos que já há um significativo conjunto de estudos que tratam
do arquivo e da educação, assim como do arquivo e ensino de História. Entre outros trabalhos, sugerimos a leitura dos escritos de Maria Sílvia Duarte Hadler e Arnaldo Pinto Junior
(2020), da tese de Adriana Carvalho Koyama (2013) e uma série de trabalhos posteriores,
além dos próprios livros derivados dos Simpósios Arquivos e Educação, que contam com a
pesquisadora como uma das organizadoras.
136
Já Nilton Muller e Fernando Seffner (2008) entendem que o uso de
fontes na sala de aula não é uma obrigação, mas uma disposição teórico-pedagógica do professor que deve ter clareza dos fundamentos que
embasam tal utilização e mesmo como efetuar uma correlação entre as
fontes, na finalidade de suporte de pesquisa e suporte pedagógico para o
ensino. Os pesquisadores argumentam que ao realizar um trabalho dessa
natureza deve-se suspender o caráter de prova que os documentos assumem e mostrar aos discentes a complexidade que existe na construção
do conhecimento histórico, partindo de uma lógica de complexidade de
análises e não de facilitação. A ideia consiste justamente que “Ensinamos os estudantes a ler o relato histórico e ensinamos a ler as representações sobre o passado que circulam na sua sociedade” (MULLER;
SEFFNER, 2008, p. 126/127).
Circe Bittencourt (2004) entende que os documentos, como recursos
didáticos, podem ser escritos, materiais e visuais ou audiovisuais. A estudiosa justifica o uso dos documentos em sala de aula para o desenvolvimento do pensamento histórico a partir da ideia de que os vestígios do
passado se encontram em distintos lugares e necessitam ser preservados
como patrimônio da sociedade. Verena Alberti (2019) amplia tal debate
ao assinalar que praticamente toda produção humana pode ser indagada
como fonte: documentos textuais, manuscritos e impressos; documentos sonoros; imagens; documentos audiovisuais; achados arqueológicos;
edificações; objetos; esculturas; utensílios; ferramentas, vestimentas etc.
Nesse sentido, entendemos que os documentos existentes no próprio
espaço físico da escola ou em um arquivo virtual da instituição educacional podem ser questionados como fontes históricas a depender do objetivo de cada professor de História nas suas aulas. Dessa forma, citaremos
as pesquisas localizadas dentro da temática em foco e as potencialidades
do arquivo escolar e o ensino de História.
Carmen Gil (2012) discute a temática dos arquivos escolares a partir do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e da proposta de Estágio de Docência em História III – Educação
137
Patrimonial, do Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Apresenta possibilidades de análise do patrimônio escolar
como a “leitura” das fotografias; os livros de matrículas e frequência
para a discussão de questões de etnia e gênero; as atas de exames finais
das quais podem-se extrair concepções de aprendizagem, além de valores de uma sociedade marcados pela ordem, disciplina e controle; os
registros de conteúdos dos “cadernos de controle” que assinalam o patriotismo como meta da história ensinada nas escolas, entre outros. Em
suas palavras:
[...] pensar a escola como lugar de memória sensibilizando os atores escolares para a preservação de seu patrimônio documental, sendo possível refletir sobre o conceito de patrimônio para além do artístico, do
espetacular, contribuindo para a percepção de que ele não se restringe
aos bens móveis e imóveis da memória nacional, mas tem relação com
as coisas da escola também.
A educação para o patrimônio integra a população com as condições
próprias de sua existência, contribuindo para que o cidadão se perceba
parte de um país, de um estado e do seu entorno, problematizando as
práticas culturais, no que diz respeito aos processos de pertencimento,
como também, de estranhamento (GIL, 2012, p. 11).
Em outro texto escrito em parceria, Carmen Gil e Dóris Almeida
(2013) aprofundam a discussão sobre o tema relacionando a importância
do patrimônio tanto para a História da Educação como para o Ensino
de História. As autoras reiteram a importância dos documentos escolares para além dos administrativos por meio de cadernos, fotografias,
recortes de jornais, periódicos escolares, as memórias e a necessidade de
educar para o patrimônio na perspectiva de “[...] dessacralizar e desnaturalizar as leituras dos bens culturais alicerçadas na transmissão de valores de preservação do [que] foi considerado de excepcional valor” (GIL;
ALMEIDA, 2013, p. 130).
138
Para além disso, citam temáticas que podem ser estudadas a partir
das fontes produzidas no cotidiano das instituições educacionais como:
livros de matrículas e frequências e o trabalho sobre acesso das crianças
à escola; as atas de resultados escolares como potencializadoras do debate sobre religião, acesso e permanência de alunos negros e/ou não católicos na escola; os registros de conteúdo dos “cadernos de controle” e os
indícios do patriotismo trabalhados; os álbuns de fotografias e as várias
indagações sobre o cotidiano da instituição; assim como os objetos utilizados ou guardados que podem fornecer informações tanto sobre a escola quanto sobre o projeto de sociedade de determinado período histórico
(GIL; ALMEIDA, 2013).
De maneira mais específica, Nadia Gaiofatto Gonçalves (2011) parte
da documentação do arquivo do Colégio Estadual do Paraná, de Curitiba, para trabalhar a história da instituição escolar ou da comunidade
escolar que por ali passou, abrangendo também suas práticas e cultura.
Todavia, aponta que outras temáticas poderiam ser discutidas, como: as
representações de infância ou de família; noções de tempo, como permanência ou mudanças/transformações, seja na escola, nas roupas, nas
atividades cívicas, nas relações de gênero, entre muitos outros.
A autora apresenta uma proposta para o ensino de História, na qual
a partir do regimento interno da aludida escola, datado de 1966, pode-se
identificar o ideal de aluno; discutir o papel estabelecido para a escola,
no período; identificar se há relações entre os valores culturais e familiares e a norma escolar como também entre a norma e o governo autoritário do período da ditadura militar. Concluindo que: “[...] a instituição
escolar, por estar presente em diferentes tempos, espaços, culturas e sociedades, poderá ser um eixo temático muito profícuo para o ensino de
História, considerando-se que o trabalho com documentos não pressupõe uma dissociação dos conteúdos formais, ou seja, do currículo estabelecido” (GONÇALVES, 2011, p. 10).
Em outro trabalho da pesquisadora, apresenta-se uma proposta
metodológica com possibilidades didáticas a partir de documentos do
139
arquivo histórico escolar, como: as fotografias da instituição educacional no mesmo espaço urbano em distintas temporalidades; um jornal estudantil da década de 1940 e o trabalho com o Estado Novo e Segunda
Guerra Mundial, além das problematizações das datas comemorativas
e a própria história local. Os exemplos listados contribuem para a compreensão de que os documentos dos arquivos escolares utilizados como
fontes podem aproximar e problematizar temas históricos e ainda contribuir para um ensino mais significativo para os alunos e mesmo para o
próprio docente (GONÇALVES, 2012).
De outro modo, Joaquim Tavares da Conceição (2016) discute a implantação do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Colégio
de Aplicação, da Universidade Federal de Sergipe e o ensino de História.
O pesquisador mostra como a própria constituição do Centro pode ser
utilizada nas aulas de História no trabalho com as fontes e temáticas
como memória, herança cultural, preservação de documentos, higienização, entre outras. Sinaliza também que nas práticas de ensino de história “[...] além dos documentos e objetos da cultura material, os alunos
poderão ser orientados para realizar e transcrever entrevistas com professores e funcionários ou ex-alunos, contribuindo para a preservação
da memória institucional e o entendimento dos processos históricos a
partir de seu próprio contexto” (CONCEIÇÃO, 2016, p. 216).
Por outro lado, no texto: “Fontes Documentais de Acervos Escolares
e o Ensino de História do Distrito Federal: Relato sobre o Centro de Memória(s) do Elefante Branco” de autoria de Cristiane Portela (2020) consta uma análise da própria constituição do Centro, inclusive as escolhas
e a forma como a massa documental da instituição foi identificada e catalogada, como também a problematização do uso dos acervos escolares
para a discussão sobre identidade, memória, pertencimento, história local e patrimônio do Distrito Federal.
A pesquisadora trabalha na perspectiva do “não dito”, das narrativas
contra-hegemônicas e a crítica ao hegemônico para escrutinar três fontes que compõem o arquivo da escola, a saber: um inquérito escolar de
140
1961; dossiês de estudantes na década de 1960 e uma coleção de recortes
de jornais de 1963. Após uma minuciosa descrição dos documentos a autora apresenta possibilidades para o trabalho para além da disciplina de
História. Selecionamos um exemplo entre os três citados para abordar
com mais detalhes como o trabalho foi construído.
No trato com os “dossiês dos estudantes da década de 1960” problematiza os “atestados de idoneidade moral” emitidos pela direção da escola como requisito para emissão de certificado de conclusão de curso,
onde a autora sublinha as possibilidades didáticas de questionar os sentidos desta obrigatoriedade, finalidades e desdobramentos de tais atestados; assim como as declarações das empresas que os estudantes do curso
noturno trabalhavam podem ser analisadas como caminhos para discutir
sobre suas profissões, locais de atuação, lugares, condições de contratação e de moradia. Ainda com foco nos “dossiês”, destacam-se as ações da
Campanha Nacional contra a tuberculose e a exigência de documento
para a matrícula na escola, sendo possível discutir sobre situações de
discriminação social a partir da identificação generalizada de doenças
entre a população trabalhadora (PORTELA, 2020).
Diante do exposto, pensamos com Romero e Zamora (2016, p. 235) que:
[...] la busquéda, localizáción, e interpretácion de fuentes de su propio
patrimônio historico-educativo constituye um excelente recurso didáctico acercar de la docencia a la investigación y sobre todo favorecer
maior motivácion e implicácion del alumnado por querer saber de su
passado educativo com el que además se sientem identificados.
Assim, nota-se a vitalidade dos estudos que tratam do patrimônio escolar com a utilização, sobretudo, dos arquivos escolares para a
construção de pesquisas e práticas de ensino de História na rotina da
sala de aula. O trabalho sobre o patrimônio escolar realizado pelos próprios professores de História na educação básica pode frutificar tanto
em trabalhos acadêmicos relevantes, como em materiais educativos que
141
incidam diretamente na sua prática docente, além de estarem atrelados
às vivências dos discentes da própria instituição educacional.
Reforça-se que a proposta de apontar alguns textos que enveredam
pela seara dos arquivos escolares e ensino de História trilha por um caminho pouco explorado pelos pesquisadores dá área, entretanto, com
um potencial significativo de contribuição para o debate central acerca
de memória, patrimônio, documento, fonte, ensino de história e a própria formação inicial e continuada de professores de História. Além disso, interliga a Universidade com o “chão da escola”, cumprindo um papel
fundamental na formação de cidadãos e na relação com a instituição social da qual fazem parte: a escola.
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144
OS PROCESSOS MUSEOLÓGICOS
COMO UM CONSTRUCTO PARA
O ENSINO DE HISTÓRIA
Cristina de A. Valença C. Barroso
Priscila Maria de Jesus
Sura Souza Carmo
1. Considerações iniciais
No âmbito do ensino de História, o objeto museológico deve ser tratado
como “documento histórico a ser estudado por meio de problemáticas
historicamente fundamentadas” (RAMOS, 2020, p.47). O alargamento
da noção de fontes históricas pela Escola dos Annales promoveu uma
virada historiográfica, pois, suas diferentes gerações de historiadores,
consideram como fontes diferentes materiais produzidos pelo homem,
inclusive objetos tridimensionais, localizados em instituições museológicas. Para Bernadete Strang e Aline Locastre (2018) a história positivista de Langlois e Seignobos, fundamentada no documento oficial e
escrito, foi substituída por uma escrita da história “sustentada por uma
pluralidade de documentos de diferentes suportes, como fotografias,
filmes, escritos de todos os tipos, estatísticas, artefatos arqueológicos,
documentos orais, etc” (STRANG; LOCASTRE, 2028, p.365). Tais mudanças foram carregadas de desafios pois, as novas fontes históricas e
novos objetos de estudos passaram a exigir “destreza no manejo de diferentes procedimentos teórico-metodológicos e, sobretudo, que construísse interlocuções com outras áreas do conhecimento, sempre que
necessário para a construção do seu objeto de pesquisa” (STRANG; LOCASTRE, 2018, p.365).
145
As mudanças ocorreram também no campo da Museologia destacando-se a própria passagem da classificação dos museus para locais de
caráter científico, responsável pela guarda de objetos distintos e que investiram em uma especialização de suas formas de comunicação, organização do acervo e, sobretudo partir da década de 1960, a se voltar para a
os processos de educação envolvendo museu-escola-objeto (NAVARRO;
TSAGARAKI, 2011).
Essa aproximação é perceptível quando da revisão do conceito de
Museu, por parte do Conselho Internacional de Museus (ICOM), no ano
de 1951, que insere a educação como uma das missões destes espaços:
a palavra museu designa qualquer estabelecimento permanente, administrado no interesse geral como objetivo de conservar, estudar, valorizar por diversos meios e, essencialmente, expor para o prazer e a educação do público um conjunto de elementos de valor cultural: coleções de
objetos artísticos, históricos, científicos e técnicos, jardins botânicos e
zoológicos, aquários” (POULOT, 2013, p. 17).
Compreensão essa, que mesmo após mais de meio século, ainda
apoia a educação em uma de suas funções basilares. O papel da educação e seus processos dentro e fora dos museus, bem como as parcerias entre as instituições Museu-Escola, passa a integrar os conceitos
criados a partir de então, como fica claro na Lei nº 11.904 de 14 de
janeiro de 2009, que institui o Estatuto de Museus, ao conceber que os
museus são:
as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa,
educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento
(BRASIL, 2009, p. 01).
146
O presente texto, assim, objetiva realizar uma discussão teórica sobre os processos de ensino de história a partir do uso dos museus e seus
acervos. Para tal, a compreensão das práticas museais e sua relação com
a geração da informação extrovertida por parte das instituições, faz-se
necessária em um primeiro momento.
Por metodologia optou-se pela pesquisa qualitativa, para a compreensão da relação entre ensino de história e espaços museais. A linha
analítica permitiu a compreensão preliminar do fenômeno, a partir da
revisão de referências obtidas por meio do levantamento bibliográfico
e documental, constituído de artigos, leis e livros que versavam sobre o
tema. O levantamento de periódicos foi realizado nas plataformas Periódico Capes, Google Scholar e Scielo, por meio dos indexadores “Museu”
AND “Ensino”; “Museu” AND “História”; “Museologia” AND “Ensino”.
2. Resultados e discussão
Os museus são espaços de produção de saberes que reúnem uma gama
variada de objetos a fim de educação e deleite de seus visitantes. Espaço
de desenvolvimento de educação não-formal, as instituições museológicas apresentam fatos históricos, sociais e culturais do passado ou contemporâneos através de discursos amparados por pesquisas do seu acervo, de peças em empréstimo ou de questões diversas da sociedade.
De acordo com Aline Zanatta (2021) o museu é um “produtor de conhecimento sobre a sociedade a partir do estudo da cultura material”
(ZANATTA, 2021, p.16). Para Sousa e Cardoso (2020) os museus não são
apenas responsáveis pela guarda de objetos “mas também pela produção de conhecimentos sobre estes objetos” considerando os objetos também como fontes históricas (SOUSA; CARDOSO, 2020, p.108). De forma
semelhante, Casali e Pasqualucci (2020) informam que o museu “é testemunha e protagonista da realidade histórica e cultural”, pois além da
ideia reducionista de “exibir um patrimônio”, as instituições museológicas permitem e torna inteligíveis “a relação entre objetos, entre os sujeitos que os produziram, e entre os discursos que fazem a sua mediação,
147
propondo hipóteses polissêmicas sobre o que (re)significam” (CASALI;
PASQUALUCCI, 2020, p.1332).
Contudo, adverte-se que a produção de conhecimento sobre a história e memória da sociedade nos museus não é neutra, pois os museus,
de acordo com Mário Chagas (2006, p.33), “são a um só tempo: lugares
de memória e de poder”, mas que também, através dos objetos musealizados, permitem uma “reflexão sobre as dinâmicas de poder” (RAMOS,
2020, p.18). Nessa perspectiva, os museus tornam-se lugares legitimadores de discursos, pensamento e orientadores de práticas. Esse entendimento vai ser endossado por Duarte e Chagas (2020, p.4) quando afirmam
que “como lugares de poder, os museus são responsáveis pela seleção daquilo que legitimam”, ou seja, são responsáveis pelas ideias que veiculam
através das políticas de aquisição e dos discursos expográficos.
A relação entre ensino de história e museus é assunto abordado em
diversas pesquisas sobre o ensino da História. A partir de uma base de
dados elaborada em 2016 pelo professor Leandro Almeida relativo a artigos publicados sobre ensino de história, Marcelo Leite (2018) localizou
e analisou vinte trabalhos relacionados ao ensino de história e museus.
Leite (2018) concluiu que os museus de história foram os mais referenciados na relação ensino de história e museus, observando o foco na história local e na vivência/experiência do próprio autor ou de terceiros.Os
artigos publicados evidenciam as diversas práticas de ensino de história
nos museus, caracterizando a complexidade da compreensão da história
em tais espaços.
O exame da formação de acervos museológicos e do conteúdo das exposições por professores de história em aulas em tais espaços devem levar em conta a missão da instituição, a qual o público se destina e quais
visões de um determinado fato histórico ela quer rememorar ou transmitir para seu público. Posteriormente a tal análise, o professor pode implementar exercícios realizando “conexões com práticas sociais de períodos cronologicamente situados” utilizando os objetos expostos para o
ensino de história (RAMOS, 2020, p.19).
148
Uma ida ao museu, como profissional de história, sozinho ou acompanhando alunos, é um ato reflexivo: precisamos pensar e fazer pensar
sobre o que é aquele espaço, o que é aquela instituição, o que são seu
acervo (a cultura material de diferentes épocas) e suas atividades. Os
museus – particularmente, os monumentais – têm um caráter espetacular que não pode nem deve ser apagado (precisamos interpretar historicamente as razões dessa monumentalização do prédio e de seu acervo),
mas é muito importante ultrapassar isso, pensando sobre o que é aquele
monumento, para quem é aquele monumento e como ele se relaciona
com um processo de conhecimento em história (SILVA; GUIMARÃES,
2017, p. 82-83).
Para Casali e Pasqualucci (2020), o cumprimento da função educativa
de formação cultural dos museus depende “em grande parte da explicitação do processo de produção dos objetos musealizados exibidos, e da
construção de novas narrativas a partir destes objetos” que pode ser realizada através de um diálogo interdisciplinar” (CASALI; PASQUALUCCI, 2020, p. 1322). Para Ramos (2020) o ensino de história a partir de objetos museológicos deve estar associado a temas estudados em sala de aula
e também com associações com objetos contemporâneos, formulando-se
perguntas “historicamente fundamentadas”. Ramos (2020) salienta que
há uma infinidade de usos pedagógicos para alguns objetos, mas adverte
que não devem ser utilizados para a dicotomia progresso/regresso (ou
incivilidade), mas para “estabelecer diferenças e contradições” (RAMOS,
2020, p. 20). Desse modo, visitas em museus de arte, de ciência e tecnologia, geológicos, antropológicos, dentre outros, por professores do campo
da História devem ser realizadas em conjunto com profissionais das respectivas áreas, a fim de enriquecer a história de tais objetos e dos usos
possíveis para pesquisas no campo da História.
Para Juzelino Braga (2016) o museu proporciona diversos estudos a
partir dos objetos musealizados, despertando “a curiosidade, abrindo
reflexões sobre a monumentalização das fontes históricas” e ainda “a
149
sacralização dos objetos nas exposições e os litígios presentes nos museus” (BRAGA, 2016, p. 36). Segundo Chagas (2006) é necessário que se
reconheça que “aquilo que se articula nos museus não é a verdade pronta e acabada, e sim uma leitura possível e historicamente condicionada,
resgata para o campo museal a dimensão do litígio”, ou seja, “é sempre
possível uma nova leitura, é sempre possível abrir gavetas no corpo das
vênus museais e reabrir processos engavetados por interesses nem sempre nobres (CHAGAS, 2006, p. 35). De forma semelhante, Braga (2016) salienta que ao ministrar uma aula em um espaço museológico o professor
“pode pensar o museu a partir da salvaguarda e da perda, pois o que está
exposto é sempre fruto de uma escolha arbitrária, vestígios de como a
sociedade quer ser lembrada” observando sempre que “a narrativa museal
é um recorte, uma seleção de rastros materiais e legendas em cenários
propostos para a construção de um argumento” (BRAGA, 2016, p. 36).
Um exemplo de objeto que pode ser trabalhado em aulas de história
em museus, de acordo com Ramos (2020), são aqueles produzidos pela
sociedade de consumo, considerando tais objetos como documentos históricos. O Museu Histórico Nacional, por exemplo, em sua exposição de
longa duração, inseriu aquisições recentes para a história do Brasil contemporâneo como um conjunto de bonecas Barbie com traje de praia
para demonstrar o hábito carioca de socializar em tais ambientes. Para
Ramos (2020) ao demonstrar “relações historicamente fundamentadas
entre objetos atuais e de outros tempos” tanto o museu quanto a sala de
aula “ganham substâncias educativas, pois há relações entre o que passou, o que está passando e o que pode passar” (RAMOS, 2020, p. 37). Portanto, em uma mesma exposição, a partir da temática dos usos da costa
brasileira indicada pelo professor, os estudantes têm a possibilidade de
refletir sobre os sambaquis e os primeiros habitantes do Brasil, o desembarque dos primeiros portugueses no Brasil e dos negros escravizados, a
Chegada da Família Real e, por último, o uso atual da praia como lazer.
Mas o museu apresenta outros mecanismos que podem colaborar
para compor as práticas educativas dos professores de história que vão
150
além do uso das exposições. Como uma organização, o museu define suas
ações guiadas por regimentos, planejamentos táticos e estratégicos, organograma definindo os setores e pessoal capacitados para o funcionamento. Dessa forma, os resultados das atividades geridas pelos diversos setores têm potencial para colaborar com o professor/ pesquisador, ou seja:
a) O setor de documentação produz um instrumental que pode ajudar a
enriquecer a aula com conteúdo formados a partir da pesquisa sobre o
objeto, formas de aquisição, procedência, função e contextos específicos do acervo;
b) O setor de gestão pode colaborar para a compreensão da natureza
do museu, sua missão, visão e como ele pode auxiliar para a formação
das aulas;
c) O setor de conservação e restauro pode colaborar com informações
mais estruturadas sobre processos temporais e os danos resultantes aos
objetos de museus;
d) O setor de comunicação pode oferecer mediadores, textos informativos/educativos, explicar o processo de construção das exposições e
composição de textos museológicos e dispositivos de interação física
e virtual. Bem como disponibilizar os programas culturais e educativos, além de incorporar narrativas paralelas, para além do oficial, para a
compreensão de processos históricos por vários pontos de vista.
Se voltarmos o olhar para o interior dos museus e suas práticas intrínsecas podemos perceber também que a contribuição vai além de proporcionar deleite e acesso às informações históricas. Todos os instrumentos
de busca e documentação produzidos no fazer do museólogo podem ser
fontes importantes para professores e pesquisadores. Isto porque, segundo Padilha (2014), os museus têm uma organização fundamentada em
técnicas específicas que observam as melhores formas de documentar,
pesquisar, preservar e comunicar o acervo. Para cada forma apresentada ela produz variados instrumentos e mecanismos. Albuquerque (2015,
151
p.04) acrescenta que: “este tratamento se dá por meio de processos que
irão envolver a coleta de objetos, o armazenamento adequado, bem como
classificar, catalogar e organizar as peças, para que suas informações
sejam disseminadas em catálogos elaborados especificamente para este
objetivo”.
Nesses ambientes a produção de conhecimento é veiculada desde o
momento em que o objeto chega ao museu e passa pelo processo de musealização. Para Loureiro e Loureiro (2013, p.01) a musealização é entendida “como processo (ou conjunto de processos) por meio dos quais
alguns objetos são privados de sua função original e, uma vez revestidos
de novos significados, adquirem a função de documento”. Nesse processo de ressignificação dos objetos selecionados desenvolvem-se diversas
ferramentas de documentação como princípio organizador e gerenciador do objeto.
Dentre esses instrumentos é possível citar ficha de catalogação, registro complementar para o processo de análise e seleção do objeto a
ser musealizado. Para além deste documento, são produzidos também
arrolamentos, inventários, livros de tombo, livros de ocorrências, catálogos, textos das narrativas expográficas, textos de apresentação, textos
informativos/educativos, planos museológicos nos quais se inscrevem o
planejamento estratégico da instituição, programas educativos, projetos e relatórios de ações culturais e educativas, de estudos de público,
projetos expográficos, além dos registros de exposições temporárias, de
empréstimos, descarte, perdas e reserva técnica. Portanto, o museu produz uma série de documentos que auxiliam na pesquisa e no ensino de
história.
Tais instrumentos podem ser considerados ferramentas que ajudam
a comunicar e expor as informações inerentes ao acervo museológico.
Elas também podem colaborar na busca de informações que dizem respeito não só a materialidade do acervo, dimensões e produção, mas principalmente sobre a função que exerceu, locais pelos quais circulou, momentos históricos que foram produzidos, sobre as histórias das pessoas
152
às quais esse acervo pertenceu. O museu como um contador de história
prevê em suas investigações os relatos, as memórias e os bastidores. O
acervo museológico para o setor de investigação não significa apenas um
amontoado de objetos esperando pelo número de tombo, mas buscam
contextualizá-los a partir de suas particularidades e suas variedades tipológicas. Para Padilha (2014, 21) o acervo museológico: “é formado por
objetos bi ou tridimensionais, de ampla variedade tipológica, podendo
ser de cunho etnográfico, antropológico, arqueológico, artístico, histórico, tecnológico, imagético, sonoro, virtual, de ciências naturais, entre
outros”.
Padilha (2014) no estudo sobre a documentação museológica e gestão de acervos estabelece uma análise pormenorizada sobre a noção de
documento e informação nos museus e como essas noções orientam a
compreensão do trabalho do museólogo na gestão das coleções. A autora
chama a atenção para o fato de que o mesmo objeto pode ganhar diferentes significados e representações a depender da finalidade do museu.
Ou seja, o objeto ao chegar no museu passa por um processo de análise
e seleção e ao ser admitido e musealizado ganha um valor documental
orientado pela tipologia do museu. Ela defende que o objeto tem “suas
funções e sentidos destacados de modo diferenciado, dependendo do
contexto representado e valorizado pelo museu que o adquiriu” (PADILHA, 2014, p.19). O professor de história deve atentar-se, por exemplo,
ao contexto da musealização de um leque no Museu Imperial e no Museu Goeldi.
Isto nos leva a pensar que a cultura material é um excelente veículo para
aprendizagem pois proporciona uma experiência diferenciada e situacional. Conforme o raciocínio de Lima (2011, p.21-22) a cultura material é a
“dimensão concreta das relações sociais” e desempenha um papel ativo na
sociedade. Assim, através do contato com um acervo que representa determinado fato ou período histórico o visitante passa a criar compreensões
acerca do que está experimentando. Sua aprendizagem utiliza-se do sensorial para consumir as informações presentes na expografia. Entretanto, essa
153
narrativa que foi construída sobre a cultura material ganha uma conotação
diferenciada a partir dos interesses de cada museu. Ou seja, ele é representante daquilo que o museu deseja destacar. Assim, cabe ao professor/pesquisador buscar informações sobre o acervo estudado para além do que está exposto no museu. Como também deve cuidar para que os discentes também
tenham critérios na hora de consumir as informações ali presentes.
Braga (2020) ao estudar a cultura material musealizada e o ensino de
história se pergunta como ela pode publicizar uma narrativa sobre a história levando em consideração a memória e o esquecimento. Ele entende
o objeto museológico como ponto chave para esse raciocínio. Isto porque ele acredita que no museu o passado é acessado através da expografia na qual desenha um caminho a ser trilhado orientando o visitante a
uma determinada compreensão e este visitante/estudante/professor/pesquisador irá formalizar um construto informacional a partir de sua experiência de visita. Conforme aponta o autor: “Os museus podem se tornar
espaços privilegiados para compreender as tramas históricas, pois é o
local no qual os fragmentos do passado são dispostos ao olhar, buscando
a construção de um argumento histórico.”(BRAGA, 2020, p.125).
3. Considerações finais
Os museus, assim como aqueles que consomem a sua informação, passam por processos de ressignificação e revisão constante. Eles e a sociedade não são estanques, permitindo o seu contínuo aperfeiçoamento e
revisão de suas práticas, pesquisas e informações disponibilizadas. Torna-se, nesse cenário, cada vez mais importante o papel que o professor/
pesquisador irá adotar na mediação do conhecimento, sobretudo quando
do uso dos museus e suas narrativas possíveis.
Se os museus são espaços de mediação entre o objeto e o visitante,
quando se parte para pensar os processos de aquisição do conhecimento,
sobretudo por meio da educação formal (escola) e não formal (museu),
essa mediação e seus agentes passam a ter um papel de destaque e, também, uma maior responsabilidade sobre a informação gerada.
154
Mas, para além de apenas receber a informação contida nas paredes
e salas dos museus, destaca-se a necessidade da criação de mecanismos
de reflexão e autocrítica por parte dos museus e seus profissionais; e de
questionamentos sobre ausências e presenças dentros dos museus por
parte de seu público visitante, sejam eles professores ou estudantes.
Os museus, assim, despontam não apenas como um espaço de lazer,
contemplação ou conhecimento, mas, também, de compreensão das
transformações da sociedade através de seus processos expográficos e
documentação de seus acervos.
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156
VER, REFLETIR E PENSAR:
ENSINO DE HISTÓRIA E ACERVO
DO MUSEU DO CEARÁ1
André Luiz de Paula Chaves Lima
O presente trabalho tem como objetivo apresentar algumas peças do
acervo e módulos do Museu do Ceará (MC), para que possamos pensar
sobre as diversas possibilidades de exploração/criação no ensino de História neste locus de memória, bem como em outros espaços educativos.
O Museu Histórico do Ceará foi criado em 1932,2 ocupando duas salas do Arquivo Público do Estado, ambos sob a direção de Eusébio Néri
Alves de Sousa,3 que permaneceu a frente do museu até 1942. Desde a
época de sua fundação, o Museu do Ceará passou por diversas gestões,
e foi acolhido em diferentes espaços, tendo inclusive mudado de nome
algumas vezes (Em 1953, foi renomeado como Museu Histórico e Antropológico do Ceará e somente em 1990, foi renomeado como Museu
do Ceará, e passou a ser abrigado em sua atual sede: o Palacete Senador
Alencar). Ao longo do tempo o Museu do Ceará foi ampliando seu acervo. Segundo Passos (2011), o Museu possui atualmente aproximadamente
13.650 peças.
1. A presente pesquisa faz parte da dissertação de mestrado intitulada “DE TEMPLO A
FÓRUM: MUSEU DO CEARÁ, EDUCAÇÃO PATRIMONIAL & ENSINO DE HISTÓRIA”,
defendida em 2020 no Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistoria/
UFRN), sob a orientação do professor. Dr. Magno Francisco de Jesus Santos.
2. Decreto Estadual Nº 643, de 29/06/1932.
3. A nomeação de Eusébio de Sousa para a direção do Arquivo Público e para o Museu Histórico ocorreu em 20 de novembro de 1931, sendo efetivamente normatizado pelo Decreto
Nº 529, de 05/03/1932.
157
Podemos utilizar da cultura material no ensino de História para pensarmos sobre as manipulações, os silêncios, as montagens, conscientes
ou inconscientes, dos discursos e narrativas acerca de passado. Os monumentos são testemunhas do passado, revelam algumas imagens das
sociedades que os produziram. Produtos de um determinado momento,
ambiente, centros de poder os objetos servem, também, para mascarar
realidades, deixar transparecer aquilo que não se foi. Sabemos que ao
longo da História existem as “fabricações de memórias”, escolhas conscientes que manipulam as imagens do pretérito visando à perpetuação
futura de simulacros. É no esforço de desconstrução, demolição, desmontagem das condições de produção dos documentos/monumentos
que os historiadores promovem a crítica, descobrem as falsidades, aperfeiçoam a inteligência e instigam a análise – capacidades polivalentes
em educação cidadã.
O ensino de História no espaço museológico implica atividades educativas, questionamentos, teorias, métodos que levem os alunos a aguçarem seu olhar para ver/ler qualitativamente os objetos nas exposições.
Na presente pesquisa, defendemos o uso da pedagogia do “objeto gerador”, que tem como fundamento o aprofundamento das relações entre a
pesquisa histórica, o ensino de História e a museologia.
A ideia da pedagogia do objeto gerador é baseada nas palavras geradoras, proposta pelo método de alfabetização de adultos criados
por Paulo Freire. Para Freire, antes de lermos palavras é importante
aprendermos a ler o mundo, o que significa que mais do que decorar
letras, sílabas e palavras para depois decodificarmos sons, temos que
entender o real significado delas no contexto de vivências e experiências humanas.
A fim de possibilitar a aprendizagem em História utilizando os objetos geradores como recurso didático, propomos, antes da visita ao espaço museal, que os professores façam atividades com objetos do cotidiano
com seus alunos (lápis, canetas, borrachas, apontadores, pente, espelhos,
livros, etc.), ainda em sala de aula. Segundo Ramos:
158
O fundamental é partir do mundo vivido. Contudo, não se trata de um
método de revelação do real. Pelo contrário, o intuito desta pedagogia
dos objetos é ampliar nossa percepção sobre a historicidade do real,
sobre a multiplicidade cultural entranhada nos objetos – a trama de valores e seres humanos que reside na criação, no uso, na transformação,
na destruição ou na reconstrução de objetos. (RAMOS, 2004, p. 34.)
Os objetos não são estáticos, postos e definitivos, eles são formados por tempos e experiências sociais diferenciadas de acordo com
sua produção, os usos que lhes são atribuídos, os lugares de onde eles
procedem e se destinam. Nesse sentido, questões elementares devem
ser propostas: De que são feitos? Quando foram feitos? Por quem foram feitos? Para que foram feitos? Onde foram feitos? Essas questões
possibilitam aos professores refletirem com seus alunos sobre a historicidade dos objetos em sala de aula, ou nos museus. O encantamento,
a surpresa, o deleite também fazem parte da investigação dos indícios
do pretérito, nesse sentido, quando produzimos conhecimento histórico utilizando da cultura material, abrimos novas maneiras de trabalharmos o ensino de História, inclusive despertando a curiosidade e a
imaginação.
Para utilizarmos os museus como uma fonte para o ensino de História, é interessante que as visitas nesses espaços construtores de conhecimento partam de problemáticas, de questões que possam ser trabalhadas como mote reflexivo às indagações a partir dos objetos. É salutar o
entendimento que a comunicação não garante a compreensão. Concordamos com Morin quando ele menciona que “a informação, se for bem
transmitida e compreendida, traz inteligibilidade, condição primeira necessária, mas não suficiente para a compreensão”. Para o referido autor,
“com-prehendere, abraçar junto (o texto e seu contexto, as partes e o todo,
o múltiplo e o uno)”. (MORIN, 2018, p. 82.)
A compreensão intelectual passa pela inteligibilidade e pela
explicação, portanto a simples leitura de legendas e plaquetas
159
explicativas não são exercícios suficientes. Com isso, o texto foi dividido de acordo com os módulos que estão organizados os acervos do
Museu do Ceará, de modo a facilitar a imaginação e compreensão do
leitor da expografia disposta. Fazemos ainda algumas sugestões de
temas a serem trabalhados no ensino de História em cada um destes
ambientes.
O Museu do Ceará possui oito módulos permanentes, e que formam a
exposição “Ceará: uma história no plural”, são eles: Memórias do Museu,
Povos indígenas entre o passado e o futuro, Poder das armas e armas do
poder, Artes da escrita, Escravidão e abolicionismo, Padre Cícero: mito e
rito, Caldeirão: fé e trabalho, Fortaleza: imagens da cidade. Além destas
salas, há ainda o Memorial frei Tito. É importante frisarmos que não
existe uma ordem pré-determinada para a realização das visitas às exposições. Cada módulo possui diversas possibilidades de interpretação,
reflexão e diálogos que podem ser trabalhadas conforme o planejamento
e interesse dos professores e estudantes.
Fazendo uma análise da forma como as salas estão dispostas, encontramos um padrão: cada módulo possui um texto de abertura, que
podem ser utilizados pelos visitantes como meios de reflexão sobre
as discussões propostas pela narrativa expositiva, além desses textos
de abertura encontramos outros textos “complementares”, e cada objeto ou coleção possui etiquetas de identificação. Há uma montagem
cenográfica em que as luzes estão dispostas sobre os objetos, colocando-os em uma perspectiva de destaque, e cada módulo possui expositores com cores evocativas e provocativas, de tons escuros, como
o marrom, sóbrios, como o verde, a cores mais agressivas que servem para despertar a sensibilidade à violência e à agitação, como o
vermelho.
Observando as plantas do Museu do Ceará, podemos ter a noção de
como é constituído os diversos setores que o formam. Na Figura 1 a seguir, temos a atual disposição dos diversos espaços do pavimento inferior do Palacete Senador de Alencar:
160
Figura 1
Planta baixa do térreo do Palacete Senador Alencar. Fonte:
Museu do Ceará./ Associação dos Amigos do Museu do Ceará
[organização]. (Fortaleza: SECULT, 2010, p. 14.)
De acordo com a Figura 1, na parte inferior do prédio do Museu
temos a seguinte disposição espacial: na parte central, tem-se o hall de
entrada, o corredor e a escadaria que dá acesso ao pavimento superior;
à esquerda, fica a sala da administração, o auditório Paulo Freire (local
onde normalmente ocorrem a recepção das escolas e demais grupos
agendados, para a informação do circuito a ser percorrido e para a divulgação de regras de conduta e comportamento nas salas do MC. É
também neste ambiente que ocorrem as oficinas e palestras promovidas pela instituição) e as duas salas de reserva técnica (espaço onde se
localizam os objetos que não estão na exposição, bem como onde estão
guardadas as fichas catalográficas do acervo e demais documentos da
instituição); à direita, tem-se a exposição permanente Memorial Frei
Tito, banheiros, elevador e sala para exposições temporárias.
No pavimento superior do Palacete Senador de Alencar, tem-se os
oito módulos permanentes e que formam a exposição “Ceará: uma história no plural”. Observando a Figura 2 a seguir, podemos entender como
se configura o circuito expositivo de longa duração do MC:
161
Figura 2
Planta do pavimento superior do Palacete Senador Alencar (MC).
Fonte: Museu do Ceará./ Associação dos Amigos do Museu do
Ceará [organização]. (Fortaleza: SECULT, 2010, p. 15.)
Conforme observamos na Figura 2, temos a organização do acervo
em exposição com os seguintes módulos: Memórias do Museu, Povos
indígenas entre o passado e o futuro, Poder das armas e armas do poder,
Artes da escrita, Escravidão e abolicionismo, Padre Cícero: mito e rito,
Caldeirão: fé e trabalho, Fortaleza: imagens da cidade. Cada sala pode
ser trabalhada de maneira independente, ou articulada, dependendo dos
propósitos, objetivos, finalidades, planejamentos de quem as frequenta.
Módulo – Memórias do museu
Texto de abertura:
Aberto ao público no início de 1933, o Museu do Ceará já foi abrigado em vários lugares de Fortaleza e atualmente encontra-se em um
prédio de inestimável valor histórico: o Palacete Senador Alencar,
cuja construção foi finalizada em 1881, para ser a sede da Assembleia Provincial.
Seu acervo é variado e continua sendo ampliado com as doações que são
realizadas. Atualmente desenvolve um projeto educativo que contempla
162
pesquisas históricas, publicações, cursos, oficinas para professores e a
realização de exposições temporárias.
Neste módulo, são apresentados alguns documentos que mostram aspectos da trajetória do Museu: publicações, placas e fotografias. Percebe-se, então, que várias foram as maneiras de interpretar a história do
Ceará por meio de objetos expostos. Com o passar do tempo, as formas
de estudar o passado foram mudando.
Fotografias antigas que rememoram as diversas sedes que já abrigaram o Museu do Ceará, Cópias de boletins, com matérias de jornais relacionados ao acervo do Museu, Guias de Visitantes com textos explicativos sobre as exposições dispostas em diferentes momentos da trajetória
da instituição, catálogos diversos... Os vários artefatos presentes na sala
possibilitam o (re)pensar sobre o MC.
Após a observação dos objetos que formam esta exposição, é possível
desenvolver a competência da compreensão do papel histórico que os
museus e outras instituições possuem para a preservação de memórias e
representações de histórias.
Módulo – Povos indígenas: entre o passado e o futuro
Na sala dos povos indígenas estão expostos relativos à cultura indígena, recolhidos em diferentes lugares do Brasil, entre eles o Ceará.
São peças oriundas em grande parte da coleção de Tomaz Pompeu Sobrinho, cearense que se dedicou a estudar a organização das comunidades nativas. Na exposição, percebemos uma grande variedade de
objetos líticos que destacam o avanço tecnológico de nossos primeiros
povoadores.
Os artefatos arqueológicos são importantes recursos para conhecermos o passado. Neste módulo temos alguns exemplares de objetos líticos
do Paleolítico, como furadores, objetos cortantes, pontas de flecha a raspadores e lâminas de machado do Neolítico – a exposição é um convite à
reflexão sobre como viviam e sobreviviam os “negros da terra”.
163
As condições e a qualidade de vida dos índios, suas semelhanças e diferenças, seus costumes, noções de sexualidade, fé, papel das guerras nas
sociedades indígenas, a prática dos enterros, o canibalismo, o choque cultural dos colonos e jesuítas, a exploração dos índios, os idiomas indígenas,
as práticas e costumes que precisaram ser reelaboradas a fim de sobreviver à inquisição e catequese, enfim uma variedade grande de temas podem
ser articulados pelos professores de História com os objetos presentes na
sala, a fim de melhorar a compreensão dos alunos sobre o pretérito.
A multiplicidade de objetos em exposição nesta sala possibilita aos
visitantes a geração de debates em torno da complexidade das várias etnias indígenas, tanto no ontem quanto no agora.
Módulo – Poder das armas e as armas do poder
Esta exposição apresenta e estimula a reflexão sobre os diferenciados
objetos que se revestiram em nossa sociedade como símbolos dos poderes públicos (exercido pelas instituições oficiais de nossa sociedade) ou
dos poderes privados (desvinculados do aparato oficial). Dentre as salas
que compõe o Museu do Ceará, é a que apresenta uma maior aproximação com as exposições dos museus tradicionais, tendo como destaques
pinturas dos Presidentes de Província e Governadores do Ceará.
Das armas em destaque na exposição, percebemos as biografias de
indivíduos que lutaram contra e pelo poder, uma dialética conflitante
de interesses que se fazem presentes no MC: punhal pertencente a Lampião, bacamarte pertencente a Pinto Madeira, sabres da guarda nacional,
rifles do século XIX. Em uma sociedade tão violenta como a brasileira,
as armas matam e intimidam, proporcionam coragem ou medo, defendem e atacam, prendem e soltam. São artefatos representativos dos componentes da luta de classes.
Questão importante, a ser debatida neste módulo, diz respeito à cidadania limitada que marcou nossa trajetória política durante o primeiro e
o segundo reinado brasileiro. O voto, direito fundamental dos cidadãos,
às vezes era marcado por práticas patriarcais e clientelistas, em alguns
164
casos sobre o cano do fuzil ou a ponta da espada, o que assegurava a
muitos políticos a perpetuação no poder por meio das armas. Sobre o
início da República4, a questão do voto de cabresto, as trocas de favores,
os “currais eleitorais”, a Comissão de Verificação dos Poderes, A Política
dos Governadores, são temas que podem ser abordados através da exposição, e que nos possibilita debater a importância do voto hoje e suas
consequências ao porvir.
A questão da violência urbana e do campo são temas importantes a serem problematizados com os alunos, como exercícios analíticos da exposição “Armas do poder e poder das armas”. As armas carregam detalhes
que não se limitam ao seu valor prático, são instrumentos indissociáveis
das mudanças e permanências na luta pela conquista e pela afirmação do
poder. Vejamos, por exemplo, a questão das milícias no Brasil, das disputas de território entre facções criminosas, da truculência que envolvem as
ações enérgicas do estado nas periferias, do recrutamento e assassinato de
jovens que se envolvem na criminalidade. Símbolos de poder, assim como
nós criamos as armas, nós somos criaturas de seu uso.
Módulo – Artes da escrita
A exposição Artes da Escrita apresenta como proposta instigar o debate acerca da produção escrita de vários intelectuais cearenses, como
Rodolpho Teóphilo, Gustavo Barroso, Capistrano de Abreu, Patativa
4. As nomenclaturas, os marcos temporais consagrados na historiografia, podem ser debatidas afim de pensarmos sobre os interesses em questão, os sentidos que muitas vezes estão
associados a uma tentativa de negar o passado, legitimar memórias, narrar histórias. Desnaturalizar a operação de construção de conceitos e ideias presentes sobre a cidadania brasileira, o voto, os direitos, os grupos de poder, no tempo e no espaço é fundamental para não
cometermos anacronismos. Neste sentido, para os professores de História que queiram utilizar do módulo “Armas do poder e poder das armas” com seus alunos, indicamos a leitura
da revista Tempo, produzida pelo Departamento de História da Universidade Federal FlumineNse (UFF), em especial a de Nº 26, V. 13, que traz importantes artigos sobre a nova “Velha
República”, principalmente a apresentação da revista feita por Ângela de Castro Gomes e
Marta Abreu: A nova “Velha” República: um pouco de história e historiografia. Disponível
em: https://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/v13n26a01.pdf. Acesso em 16 jan. 2020.
165
do Assaré, Raquel de Queiróz, José de Alencar, entre outros. Muitos
dos quais filiados a determinados movimentos ou agremiações literárias e de ciências que se estabeleceram no Ceará (como a Padaria Espiritual, a Academia Cearense de Letras, Instituto Histórico, Centro
Literário). Esses movimentos intelectuais e agremiações podem servir
de mote para o debate sobre a História do Ceará no século XIX e início do século XX.
Neste módulo identificamos alguns objetos interessantes, como: Fardão da Academia Brasileira de Letras, pertencente a Gustavo Barroso,
bandeira da Padaria Espiritual, carteiras escolares da Escola Normal
Pedro II, pinturas de membros do Instituto do Ceará e Academia Cearense de Letras, chapéu e cordéis de Patativa do Assaré. De uma cultura
erudita, pretensamente, e em alguns casos reconhecidamente, científica
ao produzido por “pessoas do povo”, a exposição Artes da Escrita é um
caleidoscópio de potencialidades a serem refletidas, dialogadas, mediadas e trabalhadas na construção de novas interpretações e criações para
o saber histórico.
Em um mundo conectado pela velocidade da produção escrita, em especial a partir de aplicativos e redes sociais em que a norma culta deixa
de ser uma exigência, é mister pensarmos sobre a importância da comunicação e as possibilidades que a escrita traz para seus usuários.
Módulo – Escravidão e abolicionismo
Pensar sobre a escravidão no Ceará, a partir das evidências materiais
presentes na exposição “Escravidão e Abolicionismo”, é um exercício de
interpretação. Neste módulo percebemos um conjunto de objetos que
remetem aos castigos físicos aos quais os escravos eram submetidos, tais
como: gargantilhas, algemas e tronco para aprisionamento, estão disposto do lado da carranca (proa da barca Laura II, embarcação onde ocorreu
um levante de escravos em 1839 e que resultou na morte de toda a tripulação presente), o que nos evidencia a insatisfação dos negros em relação
às suas condições de cativos, negando a passividade atribuída a eles.
166
Debater com os estudantes da educação básica sobre os valores dos
objetos a partir de sua musealização, refletir sobre as tessituras que envolvem a construção da história utilizando a cultura material como fonte histórica, pensar sobre os escravizados como sujeitos de sua própria
história, perceber os objetos como documentos históricos são algumas
questões que podem servir de mote para pesquisa com os alunos da educação básica. Nesta sala, a desnaturalização do discurso de passividade
dos cativos e, em consonância com a renovada historiografia sobre escravidão no país, reconhecendo suas lutas contra as exploração as quais
eram submetidos, a sensibilização dos estudantes à compreensão dos
horrores provocados por esta chaga na história do Brasil, por meio dos
objetos representados na proposta narrativa do MC, o exercício de criação de novas histórias a partir das leituras dos estudantes sobre a exposição, são meios de apropriação das potencialidades que a sala possui.
Nesta exposição ainda temos a referência a personalidades que participaram do movimento abolicionista, representados por algumas pinturas; bandeira da Sociedade Libertadora; carta de Joaquim Nabuco ao
cearense José Correia do Amaral (membro da Sociedade Abolicionista
Perseverança e Porvir); livro com a capa de prata oferecidos pelos portugueses residentes em Fortaleza, para ser inscrita a ata da abolição dos
escravos do Ceará. Essas evidências nos possibilitam pensar sobre as
condições que fizeram do Ceará Terra da Luz, mas nos mostram também
a luta para a efetivação da liberdade dos cativos, pois mais do que um ato
humanitário, ocorreram movimentos de luta.
Vários debates podem ser realizados partindo dos objetos em exposição neste módulo, e que tem como propósito realizar reflexões sobre: as
políticas afirmativas de identidade cultural negra, como a obrigatoriedade dos estudos de africanidades; o cotidiano dos escravos no mundo do
trabalho, moradia, sexualidade, nos movimentos de resistência e revoltas
contra a submissão as quais os negros eram submetidos; as políticas de
reparação sociais, como as cotas reservadas aos estudantes negros em
concursos e vestibulares.
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Módulo - Padre cícero: mito e rito
Em “Padre Cícero: Mito e Rito”, observamos algumas peças referentes ao
universo religioso que envolve Padre Cícero Romão Batista: de objetos
de uso pessoal, como sua batina, chapéu e cajado, a instrumentos que
evocam a devoção popular, como os ex-votos, estátuas e pinturas representativas da fé popular ao “padrinho”, a quem se atribui a realização de
“milagres, objetos esses de adoração e reverência por meio de muitos
católicos devotos que frequentam o espaço do MC.
Do “Milagre em Juazeiro”, ocorrido após a suposta transmutação de
uma hóstia em sangue, quando o padrinho celebrava missa e dava a comunhão à beata Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo, em 1889,
à Sedição de Juazeiro, conflito entre as elites cearenses e que resultou na
deposição do presidente da província do Ceará, Franco Rabelo, em 1914.
A exposição navega do sagrado ao profano e possibilita aos professores de
História uma ampla e variada gama de discussões: cultura popular, fé e religiosidade, movimentos políticos na república velha, coronelismo, política
do “café com leite”, “política dos governadores”e “política das salvações”.
No MC há vários objetos que representam a História da Sedição de Juazeiro, como fotografias posadas dos combatentes do Pe. Cícero, incluindo
romeiros, cangaceiros e capangas dos coronéis da região do Cariri que foram responsáveis pela defesa da “Terra do Pe. Cícero”, e que foram invadindo várias cidades (Crato, Miguel Calmon, Baturité, Quixeramobim) no
trajeto até a deposição de Franco Rabelo em Fortaleza – balas de canhão,
fuzil, dragonas militares que representam o prestígio do padrinho não só
no campo religioso, mas também por meio de ações políticas.
No âmbito político, Pe. Cícero foi figura de destaque no Ceará sendo
um dos responsáveis por emancipar Juazeiro da cidade do Crato, sendo
inclusive seu primeiro prefeito em 1911. O prestígio do Pe. Cícero aumentava conforme as romarias se popularizavam, e com isso os muitos
lucros. A cidade sagrada dos fiéis dava lucro aos “profanos” comerciantes e artesãos, que produziam diversos artigos religiosos: estatuetas,
orações, terços, velas, medalhas, retratos e pinturas.
168
A questão do processo de “romanização”, em que a Igreja Católica,
após o Concílio Vaticano I (1869-1870), buscou criar diretrizes e ações
no sentido de fortalecer a hierarquia da estrutura clerical, é importante
para os professores de História debaterem com os alunos a postura da
Igreja de condenar o “milagre”, investigado pela Sagrada Inquisição em
1894, e impor a reclusão e o silêncio a Pe. Cícero, que só teve licença
para celebrar missa em Juazeiro após viagem a Roma, em 1898. A figura
de pai espiritual, cantado em cordéis e presente no imaginário popular,
é cada vez mais forte à medida em que a memória dos fiéis é ressignificada pelas peregrinações, pelos conselhos espirituais e pela mensagem
evangélica.
Módulo – Caldeirão: fé e trabalho
A exposição “Caldeirão: Fé e Trabalho” traz uma figura popular que ficou ausente durante muito tempo dos livros de História, mas, entre os
devotos, persistiu a memória de um homem especial, o Beato Lourenço.
Ao assumir a condição de beato, José Lourenço começou a fazer pregações embasadas na Bíblia e que possuía um princípio fundamental:
todos eram iguais, pois todos eram filhos de Deus. No Caldeirão, todos
trabalhavam e seus frutos eram partilhados, ninguém passava necessidade, nem era explorado pelos donos de terras. O espírito cooperativo
dos camponeses, orientados pelos princípios da solidariedade cristã,
mostrou-se um incômodo aos proprietários rurais que estavam perdendo
mão-de-obra para a comunidade fraterna do Caldeirão.
Neste módulo um exercício de reflexão seria: como que uma comunidade composta, em sua maioria, de jovens, mulheres e idosos, tendo
como princípios “fraternidade, oração e trabalho”, poderiam ser um problema tão grande às autoridades cearenses?
A comunidade do Caldeirão tem sua história conectada à de Pe. Cícero, que cedeu espaço no “Caldeirão dos Jesuítas”, em 1926, para que o
beato José Lourenço e seus seguidores pudessem ter um lugar para morar. Em 1934, quando o Pe. Cícero morreu, seu testamento, feito em 1923,
169
reservava os terrenos do Caldeirão à ordem dos Salesianos, que a partir
de 1936 começaram a reprimir o “fanatismo de Juazeiro” , dando apoio
às operações militares que destruíram a comunidade e expulsaram seus
moradores. Uma das preocupações do governo, na época, era a de que
o Caldeirão se transforma-se em um novo Canudos, e que o beato José
Lourenço se tornasse um novo Antônio Conselheiro.
Módulo – Fortaleza: imagens da cidade
A proposta da sala é de discutir a questão da violência que envolve a
constituição da cidade de Fortaleza, desde os tempos de “vila do Forte”
até a sua configuração atual de metrópole. O jornal O Povo de 23 de
dezembro de 2000 traz a reportagem “À sombra do forte”, assinada por
Patrícia Karam:
[...] A Exposição “Fortaleza: Imagens da cidade” [...] se propõe a refletir sobre a evolução do Forte de Nossa senhora da Assunção até
a Fortaleza de muros e condomínios fechados, segundo o diretor do
Museu, Francisco Régis Lopes Ramos. A curadoria ficou a cargo de
Antônio Luiz Macêdo e Silva Filho. Este dividiu a exposição em três
momentos, nos quais a contemplação é substituída pela interatividade. Nesta, o didatismo é o ponto de partida em torno de questões
sobre a formação da cidade e sua atual situação histórica, social e
urbanística.
A primeira parte aborda o processo de violência no período colonial,
quando se deu o estabelecimento da cidade. “O segundo momento reflete sobre como o poder público tenta disciplinar o espaço, sugerindo
que isso, como em qualquer momento social, não é um processo pacífico”, explica Antônio Luiz. O fecho se constrói a partir da ideia de
que o progresso da cidade se deu em cima de três momentos básicos:
o sistema de iluminação pública, a consagração do tempo matemático
e a construção de um espaço de sociabilidade: o Passeio Público.” (KARAM. O Povo, Caderno Vida & Arte, 23 dez. 2000.)
170
Os professores podem utilizar a exposição a fim de debater com os alunos um caleidoscópio de tempos e espaços que se entrelaçam no intuito
de estimular a reflexão sobre a própria inserção da cidade de Fortaleza no
museu, possibilitando inclusive discutir a violência do fenômeno urbano.
Dentre os muitos objetos que se encontram nesse módulo, podemos
destacar as fotografias que mostram Fortaleza em diferentes épocas, a
planta projetada, em 1888, por Adolpho Herbster,5 candeeiros e lamparinas utilizadas para a iluminação de residências, à base de óleo ou gás
inflamável, em fins do século XIX e início do século XX, canhão de ferro
e ornamentos de penas dos índios Muduruku, esses objetos representam os conflitos sociais e a violência decorrente do processo de invasão
e ocupação pelos colonizadores europeus no território que, posteriormente, será a cidade de Fortaleza, a maquete da vila de Nossa Senhora da
Assunção ao lado da bandeira que carrega o brasão da cidade, “Fortitudine” (Fortaleza, em latim), relógios, placas de ruas, lamparinas, objetos
decorativos, como o vaso da família Albano que se localizava no cemitério São João Batista (símbolo de uma tentativa de distinção social, assim
na morte como na vida), vaso ornamental do Passeio Público.
Entendemos que a disposição dos objetos nessa representação de
Fortaleza, revela uma preocupação de associar o pretérito ao tempo presente, demonstrando a experiência cotidiana de mudanças e permanências as quais a cidade constantemente se situa.
Cada objeto carrega consigo uma complexa tessitura de imaginários
urbanos, testemunhas materiais de diversas temporalidades, indícios de
arte e arquiteturas passíveis de múltiplas potencialidades interpretativas
para professores e alunos, permitindo observarmos nossa condição de
criadores e criaturas no mundo em que vivemos
O bode Ioiô é um dos objetos mais significativos de serem problematizados no espaço do MC, pois é fonte geradora de questões acerca das
5. Engenheiro responsável pelas modificações do centro da cidade de Fortaleza, que passou
a adotar as ruas em linhas retas, dando o ar de modernidade e racionalismo em um tracejado em xadrez seguindo o modelo de Paris, reformada pelo barão de Haussmann.
171
diversas mudanças de perspectiva sobre a forma de construção e disputas de memórias. O referido animal, doado ao museu pela companhia
inglesa Rossbach Brazil Company, está em exposição desde 1935.
Esse objeto é um dos ícones do MC, sendo um dos mais famosos e
conhecidos. Solicitar aos alunos que pesquisem sobre a historicidade do
bode Ioiô, as memórias que são contadas sobre ele, as leituras de cordéis,
paradidáticos, matérias de jornais, assistir documentários que falam sobre ele, são meios que os professores podem utilizar para refletir com os
alunos sobre a necessidade que as pesquisa das peças do museu exigem
de serem contextualizadas de acordo com a cultura e o tempo de produção, enquanto indícios e testemunhas do passado os objetos são um
importante meio didático para o ensino de História.
Memorial Frei Tito
A cor vermelha da exposição do memorial Frei Tito representa bem um
dos mais sangrentos tempos da história republicana brasileira: a ditadura civil-militar. A sensibilidade que envolve a exposição busca narrar o
indizível, para não deixar morrer a memória do absurdo, memória que
se fez carne e que não se calou diante das atrocidades, pois diante das
evidências materiais o trágico assume o tom de denúncia.
A exposição é formada por alguns objetos pessoais de frei Tito, como:
máquina de escrever, fotografias, Bíblia, rosário, livros, poemas, cartas,
certidão de nascimento, boletins escolares, título de eleitor, carteira de
trabalho. Partindo de documentos de uso ordinário por qualquer cidadão
brasileiro, como o título de eleitor da exposição (Figura 24), é possível
aos professores da educação básica problematizar a questão da cidadania sob governos autoritários, o desrespeito aos direitos, a pensar sobre a
conveniência de parcela da população brasileira que preferiu a omissão,
bem como pensar sobre pessoas que resistiram ao estado de exceção.
Questões atinentes à força da memória, a seletividade do que nos faz
lembrar, mesmo que contra nossa vontade, podem ser trabalhadas com
os estudantes da educação básica de modo a pensar sobre as forças do
172
passado que coadunam nas tensões que envolvem a escrita da História.
A seletividade contra a pseudoneutralidade que envolve as produções
científicas e a suposta parcialidade das mídias que transmitem as informações são temas que podem ser debatidos com os alunos, por exemplo,
a partir das capas de revistas reproduzidas na exposição com o título: “O
presidente não admite torturas”. Das recordações dolorosas de alguém
que fora “quebrado por dentro”, ficam reflexões sobre o direito de lembrar, da importância dos resgates de memórias que são constantemente
contestadas em uma tentativa de negacionismo, de reescrita do passado
pela ótica de pessoas interessadas nos silêncios.
Em tempos sombrios para o conhecimento da humanidade, a exposição do Memorial Frei Tito não busca heróis, mas possibilita a construção do conhecimento histórico através da poética material dos objetos.
Se estudamos História com os livros, também é possível através dos artefatos, da carga simbólica que eles adquirem a serem musealizados. Frei
Tito, testemunha do pretérito que sofreu com os horrores da tortura nos
cárceres da ditadura (1970), que foi exilado no Chile (1971), que teve as
portas da Igreja fechadas em Roma, pois era acusado de ser um “frade
terrorista”, que encontrou refúgio no convento da ordem dos dominicanos em Lyon, que morreu enforcado porque não conseguiu esquecer
(1974), que teve seu corpo translado para o Brasil apenas em 1983, e hoje
se localiza enterrado no Cemitério São João Batista, em Fortaleza.
Considerações finais
Ensinar História é trabalhar com vários princípios pedagógicos, com valores a serem cultivados, com aquisições de habilidades e competências de
leituras de mundo. Ao selecionarmos conteúdos, desenvolvermos reflexões
conceituais e ao propormos estratégias didáticas para facilitar o aprendizado, temos como princípio a formação para o exercício da cidadania.
Trabalhar com os alunos as diferentes interpretações, variáveis, estabelecer relações, discutir ideias partindo da cultura material no espaço museal enquanto fonte histórica é um exercício de construção do
173
conhecimento riquíssimo. Ao aprender a observar os objetos, identificando-os, percebendo as circunstâncias em que foram produzidos, suas
funcionalidades, técnicas para confecção, materialidade, os alunos podem pensar sobre o mundo que os rodeia, percebendo as diferenças e encontrando semelhanças com o passado, respeitando logicamente as especificidades históricas de cada momento a fim de evitar o anacronismo.
Mais do que lições, entendemos que as reflexões sobre os grupos culturais e sociedades no tempo e no espaço são elementares na construção
da alteridade, na superação dos preconceitos. Utilizar as fontes históricas da cultura material como recurso didático nas aulas de História,
tanto na sala de aula quanto nos museus, para apresentar aos alunos as
diferenças culturais, étnicas, políticas, econômicas, técnicas, o papel da
religião e do imaginário, as inclusões e exclusões, seja dos indivíduos,
seja dos grupos, são estratégias pedagógicas que abrem a mente dos alunos à multidimensionalidade da condição humana, nas mais diferentes
culturas, diante das várias formas de organização social.
Referências biliográficas e fontes de pesquisa:
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos/ Circe Maria Fernandes Bittencourt – 5ª ed.- São Paulo: Cortez, 2018.
CHAGAS, Mário. Museus: Antropofagia da memória e do patrimônio. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Nº 31, Brasília – DF, 2005.
CURY, Marília Xavier. Concepção, montagem e avaliação. – São Paulo: Annablume, 2005.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017.
KARAM, Patrícia. À sombra do forte. O Povo, Caderno Vida & Arte, 23 dez. 2000.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Do teatro da memória ao laboratório da História: a
exposição museológica e o conhecimento histórico. In: Anais do Museu Paulista. São
Paulo. N. Ser. v.2 p.9-42 jan./dez. 1994.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2005.
174
Museu do Ceará./ Associação dos Amigos do Museu do Ceará [organização]. Fortaleza:
SECULT, 2010, p. 14.
PASSOS, Marcos Uchoa da Silva. Lendo os Objetos: a reconstrução do conhecimento
histórico no Museu do Ceará. Fortaleza: Museu do Ceará; Secretaria da Cultura do
estado, 2011.
RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto: o museu no ensino de história/
Francisco Régis Lopes Ramos. Chapecó: Argos, 2004.
175
ACERVO DE LIVROS DIDÁTICOS
DO LABORATÓRIO DE ENSINO
DE HISTÓRIA – LEH/UFPEL
Lisiane Sias Manke
Mara Inês Alflen
Ao considerar a importância de locais destinados a organização de fontes
para o Ensino de História, que contribuam para as práticas escolares e as
pesquisas educacionais e históricas, este texto tem por objetivo compartilhar o processo de constituição do acervo de livros didáticos que pertence
ao Laboratório de Ensino de História (LEH). O LEH é um projeto amplo,
que abarca vários subprojetos em três frentes: ensino, pesquisa e extensão, vinculado ao Departamento de História e ao Programa de Pós-Graduação em História/PPGH da Universidade Federal de Pelotas/UFPel. As
ações são desenvolvidas na forma de eventos, oficinas, grupos de estudo,
produção de materiais didáticos, disponibilização do acervo para pesquisa
e subsídio para as práticas escolares, publicações e outros produtos acadêmicos. O LEH também constitui-se enquanto núcleo de organização e
preservação de livros e impressos didáticos, paradidático e de divulgação
histórica, que visam potencializar a realização de práticas de ensino e pesquisas, a partir de cinco acervos1: I) Livros didáticos de História; II) Livros
1. O trabalho inicial de constituição do acervo remete ao final da década de 90, com a conclusão da tese de doutorado do Professor Sebastião Peres, que se dedicou a coleta e preservação de livros didáticos de história para o desenvolvimento de seus estudos. Assim como,
atuou no sentido de garantir um espaço físico para acondicionar o acervo, local este que
hoje serve de referência, tanto para alunos/as de graduação e pós-graduação, como para
professores/as de história da Educação Básica.
176
paradidáticos de História, III) Revistas e impressos de divulgação histórica;
IV) Materiais didáticos de História. Neste texto nos ocupamos apenas das
questões que envolvem o acervo de livros didáticos de história, destacando
as etapas do trabalho de coleta, registro e catalogação do acervo, bem como
a importância da manutenção e construção deste para o subsídio de práticas escolares de ensino de história e o desenvolvimento de pesquisas sobre
o Ensino de História e a História da Educação.
A partir de Choppin, consideramos o livro didático “como um objeto físico, ou seja, como um produto fabricado, comercializado, distribuído ou,
ainda, como um utensílio concebido em função de certos usos, consumido
– e avaliado – em um determinado contexto” (CHOPPIN, 2004, p. 554), ou,
seja um artefato cultural, econômico, pedagógico e textual, que responde aos
interesses educacionais de um determinado tempo históricos. Os livros didáticos fazem parte da vida de estudantes e professores no contexto brasileiro
há mais de um século, a produção, circulação e uso destes remete ao século
XIX, mas pesquisas que tomam os livros como fonte e objeto de estudo começaram a ser desenvolvidas, especialmente, após a década de 60, do século
XX. Assim, a presença cada vez mais frequente do livro didático nas relações de ensino e aprendizagem e o crescimento de investigações que buscam
compreender as diferentes facetas deste complexo objeto cultural (BITTENCOURT, 2009), requerem necessariamente a constituição de acervos que localize, reúna, organize e preserve tais fontes de estudo e pesquisa.
1. Constituição, catalogação e divulgação do acervo de livros didáticos do LEH2
Os livros didáticos são vítimas de seu próprio sucesso editorial. (Conf.
CHOPPIN, 2002). Segundo o autor, a democratização do ensino e a extensão da escolarização levaram a uma produção editorial cada vez mais
2. Este capítulo é uma versão ampliada e atualizada do texto: MANKE, Lisiane Sias. Acervo
de livros didáticos de história do LEH/UFPel: constituição, organização e catalogação. In:
NASCIMENTO, José Antonio M. do. (org.) Centros de Documentação e Arquivos: acervos,
experiências e formação. São Leopoldo: Oikos, 2016, p.141 – 154.
177
massiva de livros didáticos, que passaram a ser produzidos em dezenas
de milhões de exemplares, tornando-os familiares e banais frente aos demais livros. O grande número de tiragem e de subsídios que estes materiais recebem, direta e indiretamente, contribui também para torná-los
produtos editoriais comparativamente pouco onerosos e, portanto, pouco
valorizados. Além disso, os livros escolares caracterizam-se como mercadorias perecíveis, que perdem valor de mercado diante de uma mudança
nos métodos de ensino ou quando fatos atuais lhes impõem modificações,
levando-os ao descarte. (CHOPPIN, 2002, p. 7). Somado a vulnerabilidade
dos livros didáticos, está à inexistência de políticas de organização e constituição de acervos, assim como, a ausência de métodos de organização
e catalogação específicos para livros didáticos. Ainda, segundo Choppin
(2002), a longevidade e a multiplicidade de reedições que caracterizam os
livros escolares, não instigam os bibliográficos a empreender trabalhos de
catalogação comparáveis as edições raras. O que pode ser percebido ao se
observar os parâmetros universais de catalogação, como a CDD (Classificação Decimal de Dewey), que não contempla um código específico para
livros didáticos, o que dificulta a organização dos acervos didáticos, diante
das especificidades de catalogação desses materiais. Como afirma o autor,
a ausência de acervos e a dispersão dos manuais escolares, não contribui
para o crescimento do campo de pesquisa na área:
O pouco interesse demonstrado, até estes últimos vinte anos, pelos
manuais antigos e pela sua história decorre não somente das dificuldades de acesso às coleções, mas também de sua incompletude e sua
dispersão. Ou talvez, ao contrário, devido a grande quantidade de sua
produção, a conservação dos manuais não foi corretamente assegurada.
(CHOPPIN, 2002, p.8).
Portanto, a constituição de locais destinados a salvaguarda dos materiais didáticos que circulam no cotidiano escolar, e para além dessa
instituição, pode contribuir sobremaneira, tanto para o ensino quanto
178
para a pesquisa histórica. O livro didático é um objeto que praticamente dispensa conceituação, definindo-se como livro utilizado na
escola no processo de ensino e aprendizagem que tem como público
alvo professores e alunos. Contudo, para Bittencourt (2009) trata-se de
um objeto cultural de difícil definição, que pela familiaridade de uso
cotidiano, adquire, por vezes, conceito muito simplificado, sendo obra
bastante complexa, que se caracteriza pela interferência de vários sujeitos em sua produção, circulação e consumo. Os livros didáticos de
história, particularmente, foram ao longo dos anos alvo de vigilância
em relação aos conteúdos apresentados, considerados instrumento à
serviço de determinada ideologia e de práticas tradicionais de ensino.
Contudo, para a autora, ao serem analisados em profundidade e em
uma perspectiva histórica, é possível perceber mudanças significativas em seus aspectos formais, com possibilidade de usos diferenciados
no cotidiano escolar. (BITTENCOURT, 2009, p. 300). Nesse sentido,
os estudos envolvendo livros didáticos podem contribuir diretamente
nas práticas escolares, colaborando para que possamos compreender
todas as dimensões que envolvem a produção, circulação e usos dos
materiais didáticos.
No intuito de contribuir tanto com as pesquisas que envolvem os livros didáticos, quanto com as práticas de ensino e aprendizagem da disciplina de história, temos feito, no âmbito do LEH, um esforço para a
constituição de um acervo que preserve tanto os materiais didáticos utilizados para o ensino de história, quanto os impressos de divulgação histórica, a exemplo de revistas e coleções de história. Como resultado de
um trabalho coletivo e colaborativo o acervo cresceu significativamente
nos últimos anos, indicando para o desenvolvimento de um importante
espaço de formação inicial e continuada na área de história. Atualmente
o acervo de livros didáticos possui 1.657 exemplares, além dos demais
acervos, que contemplam livros paradidáticos, revistas, coleção, jogos e
outros materiais didáticos para o ensino de história, alguns ainda em
fase de catalogação.
179
O volume quantitativo de livros didáticos no acervo indicou para a
necessidade de registro e catalogação do acervo, que permitisse o maior
controle sobre as obras existentes e possibilitasse a consulta de forma
mais ágil e adequada. O método projetado para a organização e catalogação do acervo utilizou dois softwares em especial, o OCLC Dewey
Cutter Program e Microsoft Office Excel. O primeiro trata-se de uma ferramenta que realiza a criptografia de palavras, convertendo-as em códigos
alfanuméricos, ou seja, cada palavra lançada no campo text, na tabela de
catalogação, gera um código composto por letras e números. No caso
do acervo em evidência, foi utilizada a tabela Cutter Sanborn Four-Figure
Table, que permite a criação de códigos com apenas uma letra. Ao digitar
a palavra “Sousa”, por exemplo, o software gera o código alfanumérico
S725. Deste modo, para cada livro do acervo foi criado um código alfanumérico, composto a partir do último sobrenome do autor e do nome
inicial do mesmo. A opção em usar nome e sobrenome para a criação
dos códigos deu-se pela necessidade de distinguir autores com o mesmo sobrenome. Para formação total do código, o nome e sobrenome do
autor são seguidos pelos três últimos dígitos do ano de publicação da
obra e, por fim, por outro código que condiz com o nível escolar para o
qual a publicação foi produzida3. A título de exemplo o código fica com a
seguinte composição: V712.M3211.005.5S. Desta forma, foi possível controlar todas as variáveis e produzir um código único para cada livro do
acervo, que além de constar na plataforma de armazenamento dos dados,
é fixado no próprio livro em etiqueta adesiva.
O segundo software utilizado refere-se ao Microsoft Office Excel, que
corresponde à plataforma de armazenamento dos dados, configurando-se
como a planilha em que ficam as principais informações sobre os livros do
3. Fragmentando o código V712.M3211.005.5S que corresponde a um dos livros do acervo é
possível observar a sua formação: V712 refere-se ao sobrenome do autor e M321 ao nome do
autor (ambos criptografados através do software OCLC Dewer Cutter Program) ; 005 refere-se
aos últimos números do ano de publicação da obra (2005); e 5S corresponde ao nível escolar
ao qual o livro é destinado (quinta série).
180
acervo, sendo também o provedor dos parâmetros organizacionais, pois
tem a função de equacionar todo o processo de catalogação. A planilha
produzida a partir do software Microsoft Office Excel pode contemplar vários campos personalizados de busca e de catalogação de um acervo. No
caso do acervo do LEH a planilha é composta pelos seguintes campos: código, título, autor, ano, editora, edição/volume, série, páginas, prateleira/
acervo e palavras-chave. Esses procedimentos de organização do acervo
foram vastamente discutidos entre professores e alunos, resultando em
um método de catalogação que levou em conta as especificidades de publicação de obras didáticas, considerando as necessidades de organização
e consulta do acervo. Seguindo o que bem expressa Costa, que atuou na
criação dos parâmetros de organização deste acervo, ao considerar que é
necessário pensar as especificidades do acervo em questão, de forma que
novas aquisições sejam integradas ao mesmo, sem que haja necessidade
de mudanças na organização deste. (COSTA, 2015, p.265).
Através das planilhas, que estão disponíveis no site institucional do
LEH4, o pesquisador tem a possibilidade de realizar uma consulta prévia
ao acervo, colhendo várias informações sobre as obras, podendo posteriormente, se assim o desejar, fazer a consulta “in loco”. A pesquisa pode
ser realizada a partir de todos os campos, sendo possível o usuário reordenar os dados por ano de publicação, autor, editora, entre outros. Para
isso, é recomendado que se faça o download das planilhas, pois desta forma oferecem maiores recursos para explorar os dados. No site do LEH
também é possível acessar os paratextos dos livros didáticos publicados
no final do século XIX até 1969, que constituem a coleção I do acervo.
Todos os livros desta coleção foram digitalizados e disponibilizados no
site, de forma que os pesquisadores possam ter acesso aos dados da capa,
da apresentação da obra, do prefácio, do sumário e outras informações
que constam nas páginas iniciais.
4. As planilhas podem ser consultadas no site institucional do LEH/UFPel: https://wp.ufpel.
edu.br/leh/colecoes/
181
O Laboratório de Ensino de História conta também com um acervo
digital de materiais didáticos, no qual se encontram indicações de sites
e recursos didáticos referentes ao ensino de História. Esse acervo está
disponível no site do LEH, e tem seus conteúdos divulgados pelas redes
sociais, em especial os recursos didáticos, como filmes e documentários,
músicas, jogos online, histórias em quadrinhos e museus virtuais, que
são alternativas para que os professores possam montar aulas mais dinâmicas, principalmente em tempos de ensino remoto.
2. As cinco coleções que compõem o acervo de livros didáticos
Constituir um acervo com livros e materiais didáticos de ensino de história expressa o esforço em contribuir com um campo de pesquisa que
busca compreender propostas de ensino e práticas escolares que indicam modos de pensar e viver em sociedade. Os textos didáticos apresentam visões e concepções socioculturais, políticas e econômicas, oferecendo indícios sobre práticas de ensino e aprendizagem e indicando
modos de organização do sistema escolar, entre outros. Nas palavras
de Bittencourt, “o livro didático deve ser considerado como um veículo
portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura”.
(BITTENCOURT, 1993, p. 14). Para tanto, a análise crítica destes materiais demanda instrumentos teóricos que observem as especificidades e
a complexidade da produção didática, além da multiplicidade de funções
e uso desse suporte pedagógico. Os livros didáticos enquanto fonte e objeto de estudo condizem com a “proposta de um método interpretativo
centrado sobre os resíduos, sobre dados marginais, considerados reveladores” (GINZBURG, 2007, p. 149). Nos domínios da História Cultural,
essa perspectiva teórico-metodológica de coleta e interpretação dos dados empíricos, recusa uma história totalizante e pauta-se na investigação de vestígios do passado, que revelam fragmentadas práticas e representações do cotidiano escolar. Os estudos envolvendo livros didáticos
oferecem uma diversidade de abordagens e recortes que possibilitam a
pesquisa sobre a educação e sua história e mais especificamente, no caso
182
do acervo em evidência, sobre a constituição desta disciplina e as práticas que envolvem o ensino de história. Partindo dessa perspectiva temos
investido na constituição do acervo de livros didáticos, que estão organizados em cinco coleções: I) Livros didáticos de História publicados até
1969; II) Livros didáticos de História publicados até 2007; III) Livros didáticos de História atuais; IV) Livros didáticos de História Anos Iniciais;
V) Cadernos de atividades e manuais do professor.
A coleção de Livros didáticos de História publicados até 1969 é composto,
atualmente, por 158 livros, com datas de publicação que remontam a segunda metade do século XIX. A escolha por esta delimitação temporal está
relacionada ao aspecto material das obras, uma vez que, especialmente, a
partir da década de 1970 ocorreram mudanças significativas na materialidade dos livros didáticos, ou seja, os exemplares que compõem este acervo
nos permitem observar que houve uma renovação no projeto gráfico das
obras na segunda metade do século XX5. Até a década de 60 os livros possuem tamanho menor, em formato in-oitavo, a presença de imagens é bastante reduzida, assim como a existência de cores, quando há imagens coloridas, normalmente, são de cor única6. O papel utilizado é em cor natural
ou tons beges, sendo raros os livros produzidos com papel branqueado, não
havendo também uma variedade de tipo e tamanho de letras.
Diante da especificidade dos livros que compõem este acervo, foram
adotados critérios diferentes para a sua organização, pois aspectos que foram levados em consideração para a criação dos códigos de identificação
dos livros mais atuais, estão ausentes em muitos dos livros raros. Como
por exemplo, o ano ou série escolar a que se direciona a obra, o que indica
para as mudanças na organização do sistema escolar ao longo dos anos.
5. A respeito desta coleção, em específico, consultar o artigo: MANKE e GALVÃO, 2018.
6. Conforme estudo realizado por Bittencourt a maior comercialização dos livros garantia
o sucesso da obra, assim, publicar com preços acessíveis era um requisito importante, para
tanto: “aperfeiçoaram, por exemplo, técnicas de capas do tipo brochado, e geralmente as
editoras adoram o padrão “in-8º” introduzido pela Garnier, cujo tamanho possibilitava a
venda por preço mais acessível. (p. 113, 1993).
183
Deste modo, os livros didáticos de história publicados até 1969 estão identificados na planilha Microsoft Office Excel por um código composto por
um numeral (que pode indicar a sequência em que foram incorporados no
acervo), e uma segunda dezena que indica a década em que foram publicados. A título de exemplo, a obra História do Brasil de Rocha Pombo, publicada em 1925, é identificada no acervo pelo código: nº4/20. Os códigos
estão fixados em caixas de papel cartona, que foram produzidas especialmente para cada um dos livros do acervo, com o objetivo de melhor acondicioná-los e também para que as etiquetas com o código de identificação
não fossem coladas diretamente sobre os mesmos.
Assim, o acervo apresenta uma organização que parte do ano de publicação das obras, principal aspecto considerado para a formação dos
códigos de catalogação. Além do ano de publicação a planilha de dados
sobre o acervo é composta por outros 12 campos, entre eles a autoria, o
título, a língua e o local de publicação. A partir das décadas de publicação, o acervo de 158 obras está assim constituído: 1850 - um livro; 1870
– um livro; 1880 – dois livros; 1890 – sete livros; 1900 – seis livros; 1910
– seis livros; 1920 – 15 livros; 1930 – 19 livros; 1940 – 25 livros; 1950 - 28
livros; 1960 – 23 livros; por fim, outros 25 livros que não apresentam data
de publicação.
Entre os livros que compõem este acervo há doze obras de autoria
de Joaquim Silva, publicadas pela editora Nacional, em três diferentes
décadas, o que permite, por exemplo, um estudo longitudinal da produção deste autor. Outras sete obras de autoria de Afonso Guerreiro Lima,
autor e professor gaúcho, publicados pela livraria do Globo, nas décadas
de 20, 30 e 40, podem oferecer importante contribuição para pesquisas
sobre a produção de livros didáticos do Rio Grande do Sul. Ainda, a título de exemplo, o acervo possui seis livros de autoria de Rocha Pombo,
publicados nas décadas de 10, 20 e 40, autor de grande reconhecimento
na produção didática, premiado em 1899, pela Diretoria Geral de Instrução Pública, pela produção do Compêndio de História da América, que
concretizou uma visão fundamentada no espaço americano, dissonante
184
no conjunto da produção historiográfica que se pautava na produção europeia. (BITTENCOUT, p.187, 1993).
A coleção II abarca os livros didáticos de história publicados de 1970 até
2007, que contêm 793 obras, destinadas as séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entre estes encontramos produções de 119
autores, possibilitando perceber o vasto campo de produção de livros didáticos de história, especialmente a partir da segunda metade do século
XX, com a criação dos programas nacionais de aquisição de materiais
didáticos e a ampliação do acesso à escola pública, o que, consequentemente, motivou um número maior de autores a dedicar-se a produção
de obras didáticas. Uma análise rápida nas planilhas do acervo permite
observar que determinados autores ocupam-se da produção de textos didáticos há décadas, é o caso de Gilberto Cotrim. A produção de Cotrim
é vasta e diversificada, a análise dos títulos por si só é propositiva, entre
estes está: OSPB - Para uma Geração Consciente; Estudos de Moral e
Civismo; História do Brasil - Nova Consciência; Saber Fazer História.
Pode-se inferir que o autor com o tempo foi contemplando novas abordagens teóricas e aderindo às mudanças socioculturais e políticas que
emergiram no final do século XX. Outras tantas questões poderiam ser
colocadas em relação à trajetória autoral deste escritor de obras didáticas, somente a partir do acervo em evidência.
Nessa direção, observa-se a possibilidade de engendrar estudos que
se ocupem de compreender este complexo produto cultural - o livro
didático -, em suas diferentes dimensões: no que tange à produção, à
circulação, os projetos editorais, os métodos propostos, a trajetória dos
autores, as estratégias editoriais, os programas e avaliações nacionais,
a legislação educacional que incide na produção didática, o uso escolar e não escolar, entre outros. Ou seja, como nos ensina Robert Darton
(1995), estudos que contribuam para a compreensão do circuito de comunicação do livro, compreendendo-o como um todo, assim, ampliando
as pesquisas mais recorrentes que se ocupam em analisar os aspectos
ideológicos do texto didático. “Um circuito de comunicação que vai do
185
autor ao editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao impressor,
ao distribuidor, ao vendedor e chega ao leitor. O leitor encerra o circuito
porque ele influencia o autor tanto antes quanto depois do ato de composição.” (DARTON, 1990, p.112). Assim, buscando a relação que se estabelece em torno da produção, circulação e uso do livro didático.
A Coleção III, de Livros didáticos de História atuais é composto por
obras publicadas de 2007 aos dias atuais. Essa coleção contém 385 exemplares direcionados aos anos finais do Ensino Fundamental e Médio. Estes, juntamente com o acervo de livros paradidáticos, são direcionados,
especialmente, para auxiliar na elaboração de projetos de ensino. Alunos
do curso de licenciatura em História, ao cursarem as disciplinas pedagógicas, de práticas de ensino e os estágios obrigatórios, têm a possibilidade de consultar esses livros, como ferramenta que lhes auxilia no
planejamento de propostas de ensino de história.
Compreendemos que a utilização do livro didático no processo de
ensino e aprendizagem, atualmente, é bastante variada, podendo ser o
único instrumento de trabalho do professor ou mero auxiliar das práticas de ensino. Contudo, de uma forma ou de outra a presença do
livro didático no cotidiano escolar é dada por certa, em praticamente a
totalidade dos casos. Partindo dessa premissa, a equipe de professores
do LEH considera importante que os futuros professores conheçam
esse material, o processo histórico do qual fazem parte, a produção e
constituição dessas obras, e assim, os diferentes aspectos que fazem
destes um produto da indústria cultural. O livro didático possui uma
especificidade em relação aos demais suportes de leitura, que “reside
na interferência constante do professor e sua mediação entre o aluno
e o livro didático. (...) diferente de outros textos impressos, tem, desde
seu processo inicial de confecção, o pressuposto de uma leitura que
necessita da intermediação do professor.” (BITTENCOURT, 2009, p.
317). Assim, se os professores conhecerem estas obras, seus limites e
possibilidades, e o utilizarem frente as suas reais possibilidades pedagógicas, a presença dos livros didáticos no cotidiano escolar resultará
186
em práticas de ensino mais favoráveis aos processos de aprendizagem
dos conhecimentos históricos.
Por fim, outros dois conjuntos de livros fazem parte do acervo de
livros didáticos de história do LEH, a coleção IV de Livros didáticos de
História Anos Iniciais e a coleção V de Cadernos de atividades e manuais do
professor. A coleção de Livros didáticos de História Anos Iniciais possui 240
obras, direcionadas da 1ª a 4ª série, ou conforme a estrutura atual, de 1º
ao 5º ano do Ensino Fundamental, com datas de publicação entre os anos
de 1970 e 2011. Conforme estudos realizados por Bittencourt (2009), a
análise destes livros possibilita observar que houve uma renovação dos
conteúdos se comparado aos textos de Estudos Sociais, pois contemplam
conceitos básicos da área, como tempo e espaço, incluem temas ligados
ao multiculturalismo e possuem uma variedade de atividades lúdicas
(p.308/309). Uma possibilidade de estudo envolvendo estes livros é a análise de possíveis rupturas e/ou permanência, textuais, iconográficas ou materiais dos livros, na passagem das séries iniciais para as séries finais do
Ensino Fundamental. Considerando questões relativas as mudanças ou
permanência nas propostas pedagógicas dos anos iniciais para os anos finais, em relação ao ensino dos conceitos de tempo e espaço, por exemplo.
A coleção de Cadernos de atividades e manuais do professor possui 77 livros.
Atualmente, observa-se que estes materiais fazem parte das obras didáticas,
mas pelo que podemos observar, especialmente na segunda metade do século XX, era comum serem produzidos separados dos livros didáticos. Tais
alterações estão relacionadas às exigências postas pelo PNLD – Programa
Nacional do Livro Didático -, que tem indicado a produção de coleções
compostas pelo livro do aluno e do professor. Desta forma, podemos afirmar
que a consagrada presença do livro didático no cotidiano escolar há mais de
um século, não ocorre ausente de alterações e mudanças substanciais, seja
na produção, na circulação ou nos usos do livro didático.
Além das cinco coleções que compõem o acervo de livros didáticos, o
LEH possui uma gama de impressos de divulgação histórica, como livros,
revistas, coleções e enciclopédias, produzidos para outros públicos que
187
não apenas o escolar. Estes materiais, os quais o processo de catalogação
foi interrompido devido a pandemia de Covid-19, em 2020, contribuem
para compreender as funções e usos públicos da história na sociedade.
3. O Laboratório de Ensino de História frente à pandemia
Por conta da pandemia do Covid-19, o laboratório não mais realizou atividades presenciais desde março de 2020, assim como, não oportunizou
acesso ao acervo físico. A partir de então, o trabalho foi recriado, passou
da sala 130 do ICH para plataformas virtuais, nas quais ocorreram as
reuniões dos integrantes do laboratório, afim de repensar as atividades e
sua missão do LEH em tempos de isolamento social. Procuramos, assim,
manter o propósito de disponibilização de materiais didáticos, e atividades que permitissem a interação com os professores, mantendo o vínculo
entre o laboratório e as escolas, visando unir as demandas da Educação
Básica com as possibilidades de trabalho do LEH. Para a realização das
atividades, entre as ferramentas que foram utilizadas estão os programas
Word, Power Point, Canva, WordPress, além dos aplicativos Google Drive, YouTube, Facebook, Instagram e WEBConf UFPel.
Dentre as demandas dos docentes da educação básica estava a criação
de aulas mais dinâmicas, pois a modalidade de aulas remotas é mais cansativa, tem menos interação aluno/professor, e muitas vezes os alunos ficam
desmotivados e desinteressados. Nesse sentido, recursos didáticos como
filmes, documentários, jogos, museus virtuais, músicas e histórias em quadrinhos são alternativas para criar uma aula diferente e que desperte o interesse dos alunos. Assim, foi produzido um catálogo de recursos didáticos,
baseado nas sugestões dos integrantes do LEH, em pesquisas em sites e
blog’s, principalmente de história, visando a seleção de materiais disponíveis online, e possíveis de serem ultilizados nas aulas remotas da Educação
Básica. Para todos os recursos foram elaborados pequenos textos descritivos, seguidos dos links dos mesmos, para tornar o acesso dos professores
mais fácil. Esses recursos foram disponibilizados no site do Laboratório de
Ensino de História, e divulgados no Facebook e no Instagram.
188
De modo semelhante procedemos em relação ao acervo de livros didáticos, todos os dados catalogados e organizados em planilhas foram
disponibilizados no site do LEH. Assim como, parte das obras digitalizadas que correspondem a coleção I do acervo, contemplando capa,
contracapa, prefácios e sumário. Sendo estes, dados importantes sobre
obras publicadas durante a segunda metade do século XIX e primeira
metade do século XX. O acesso ao acervo online ainda se encontra em
uma etapa inicial, pois pretendemos disponibilizar as obras completas
da coleção I, assim que as condições permitirem a digitalização das
mesmas.
Considerações Finais
Somar esforços para coletar, adquirir, organizar, salvaguardar um acervo com mais de mil e quinhentos exemplares de livros de história, já é,
por si só, um trabalho que exige fôlego. Contudo, entendemos que esta
é apenas uma fase do processo, que pouco sentido apresenta se não tiver
no horizonte o incentivo a práticas de pesquisa, ensino e extensão, que
envolvam temáticas vinculadas à história do livro didático, entre tantas possibilidades que se apresentam na interface com outros campos
de pesquisa. Nesse sentido, observamos o que indica Le Goff (1996), ao
afirmar que documento “não é um material bruto, objetivo e inocente,
mas que exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o
futuro: o documento é monumento (LE GOFF, 1996, p. 10). Conscientemente produzido, o documento requer desmistificação, questionamento,
problematização, desconstrução; requer o olhar atento e comprometido
do pesquisador.
Nessa perspectiva algumas pesquisas veem sendo empreendidas,
seja em estudos monográficos realizados no âmbito do Departamento
de História, ou mesmo, no Programa de Pós-graduação em História
– PPGH/UFPel. Atualmente, o grupo de pesquisa HEDUCA - História
e Educação: textos, escritas e leituras, vinculado ao PPGH e ao LEH, coloca-se como um espaço de formação e desenvolvimento de pesquisas
189
que compreendem o campo da História do Ensino de História, da Didática da História, e da História do livro e da leitura, possibilitando a
investigação das/nas fontes existes no acervo do LEH.
Assim, vislumbramos diferentes possibilidades e abordagem, ao
se conceber o livro didático como objeto cultural, projetado para os
educadores e escolares, mas que circula em outros espaços sociais,
para além das instituições escolares. Os diferentes atores sociais,
portadores de histórias, de valores e ideologias diversas, apropriam-se dos textos didáticos também de modo diferente, mesmo diante
do caráter impositivo e diretivo com que o livro didático apresenta
o texto a ser lido. As obras didáticas são um importante suporte de
leitura, pela ampla circulação em diversas instâncias sociais em diferentes momentos históricos, e mesmo, por reunir significativo conjunto de protocolos de leitura que visam instituir um determinado
leitor. Um estudo que ilustra tal compreensão sobre o papel do livro
didático na formação dos leitores foi realizado por Manke e Galvão
(2018), no qual as autoras analisaram a trajetória individual de um
sujeito não escolarizado, nascido em 1921, que adquiriu conhecimentos básicos e organizou conceitos chaves a partir de dois livros
didáticos que acompanharam a sua trajetória de vida, tais leituras
combinadas com experiências socioculturais vivenciadas, nortearam
seus modos de ler, de escrever e de produzir sentidos. (MANKE E
GALVÃO, 2018).
Por fim, consideramos importante ressaltar que este texto apresentou algumas questões que envolvem um trabalho que, embora já
venha sendo empreendido há alguns anos, encontra-se em pleno desenvolvimento, com muitos pontos a serem acrescidos e ampliados,
ou mesmo, melhor equacionados. Trata-se, portanto, de um projeto
longínquo, que deverá continuar junto à comunidade acadêmica e
escolar, combinando e aproximando pesquisa e práticas de ensino e
extensão.
190
Referências
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2009.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Livro didático e conhecimento histórico: uma história do saber escolar. São Paulo: DH/FAFICH/USP, 1993. (Tese de Doutorado).
CHOPPIN, Alain. O historiador e o livro escolar. História da Educação. Pelotas: ASPHE, nº11, abril 2002, p. 5-24.
CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n 3, 2004. p. 549-566.
COSTA, Jéferson Barbosa. O processo de catalogação do acervo bibliográfico do laboratório de ensino de história. Aedos, v. 7, nº 16, p. 247-266. Porto Alegre, jul. 2015.
DARNTON, Robert. O que é a história dos livros? In: DARNTON, Robert. O beijo de
Lamourette. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e história. 2ª ed., São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. 4ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1996.
MANKE, L. S.; GALVÃO, A. M. de O. A formação leitora em manuais escolares: o caso
de um leitor não escolarizado (século XX). Revista Brasileira De História Da Educação, 18, e026, 2018, p. 1-25.
191
O LIVRO DIDÁTICO COMO FONTE
HISTÓRICA: POR UMA EDUCAÇÃO
ANTIRRACISTA NO COTIDIANO ESCOLAR
Valéria Soares de Oliveira
Isaíde Bandeira da Silva
1. Introdução
Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa de mestrado realizada nos anos de 2016 e 2017, no Programa de Mestrado Interdisciplinar em História e Letras da Universidade Estadual do Ceará
(MIHL/UECE), que tinha como objetivo principal analisar como o racismo se reflete no cotidiano escolar em Quixadá, município do Sertão
Central do Ceará. Para a realização da pesquisa, investigamos a exequibilidade das políticas educacionais das relações étnicorraciais em
três escolas - Escola de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa
(Escola Modelo), Escola de Ensino Fundamental Nemésio Bezerra e Escola de Ensino Médio Abraão Baquit – situadas no bairro Campo Novo,
na periferia da cidade.
Para este artigo fizemos um recorte do terceiro capítulo da dissertação que trata do Livro Didático com fonte para o ensino de História,
considerando o contexto dos estudantes das escolas analisadas, que em
algumas vezes só têm esse instrumento didático como fonte de aprendizagem da cultura escolar e a depender dos usos que os professores fizerem deste instrumento em sala de aula viabilizarão aos estudantes o
conhecimento das histórias e culturas de seus ancestrais, o que consequentemente reverbera no reconhecimento identitário dos estudantes e
na reeducação para as relações étnicorraciais no contexto local.
192
2. O papel social da escola e do ensino de história na promoção
de uma educação antirracista
A inserção do Ensino da História e Cultura afro-brasileira e africana na
Educação Básica nacional é fundamental ao processo de reeducação dos
brasileiros, pois ao quebrar o silêncio histórico dos afrodescendentes,
através de discussões promovidas no contexto escolar, viabiliza-o no
processo de desconstrução de conceitos, ideias e comportamentos racistas que favorecem a segregação étnicorracial em nosso país.
As ações educativas de combate ao racismo e as discriminações no Brasil, problematizam as disparidades existentes entre os diferentes grupos
étnicorraciais do país, dando visibilidade ao que foi silenciado por quase
quinhentos anos de história. Ao reconhecer os direitos da comunidade
negra, sobretudo através do respeito e valorização das histórias e culturas
africanas e afro-brasileiras, essa nova perspectiva histórica faz emergir as
memórias e lembranças dos grupos subalternizados na história do país.
A memória trazida através da história passa a cumprir seu papel,
pois, conforme Menezes (2005, p. 34) o trabalho da memória é “uma evocação do passado, ela tem a capacidade de reter e guardar o tempo que se
foi, salvando-o da perda total, porque o ato de lembrar conserva o que se
foi e não retornará jamais”.
Neste contexto é importante o processo de escolhas das coleções didáticas a serem adotadas nas escolas como parceiras no processo de desconstrução de posturas preconceituosas e promoção de ações que viabilizem o (re)pensar das histórias contadas e recontadas nas páginas dos
livros didáticos de História. Perceber possibilidades de trazer à tona o
que Pollak (1989) chamaria de uma “memória coletiva subterrânea” da
história nacional brasileira, pois resulta de uma crise provocada por uma
disputa de memória originária da memória coletiva oficial que através
das seleções dos fatos e das narrativas, tentam enquadrar e uniformizar a
memória do povo brasileiro.
Nesse sentido, ressaltamos a observação de Munanga (2005, p.
16) ao afirmar que “O resgate da memória coletiva e da história da
193
comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência
negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas”,
pois “às experiências do tempo passado, fornece ao presente uma
orientação no tempo que, no movimento mesmo do agir, não é percebida” (RÜSEN, 2010, p.80).
Os usos dos livros didáticos de forma crítica podem contribuir com
o aprendizado e reconhecimento da importância das histórias e culturas da comunidade negra brasileira, numa perspectiva mais ampla, haja
vista que “não se trata apenas de trazer para dentro da escola um novo
componente curricular, mas uma temática e um debate marcados por
uma longa trajetória de disputas e embates, de polêmicas e dissensos, e,
também de silenciamentos” (ALBERTI, 2013, p. 59).
3. Livros didáticos como fonte para o ensino de história
O livro didático é um objeto complexo como nos lembra Choppin (2004),
pois é uma literatura escolar que tem várias funções, dentre as quais se
destacam: referencial (um suporte para o currículo oficial), instrumental
(com propostas de atividades), ideológica ou cultural (capaz de divulgar
valores) e documental (comporta diferentes fontes documentais, como as
iconografias).
Nesta perspectiva Bittencourt (2004) chama atenção para a compreensão do livro didático com um objeto cultural, fruto de sua época. Entretanto, não podemos esquecer o que nos afirma Munakata (1997) que é
uma mercadoria da indústria cultural, que visa atender as necessidades
mercadológicas de cada tempo.
É importante aqui destacarmos que o livro didático não é uma mercadoria qualquer, pois tem um público alvo e diferentes profissionais envolvidos na sua produção, circulação e consumo. Além de ser fundamental em inúmeras realidades escolares brasileiras, como destaca Matela
(1994) frente a precária formação docente e péssimas condições de trabalho, em que o livro didático muitas vezes é o único recurso no cotidiano
escolar.
194
De acordo com Silva (2014) o livro didático é como um caleidoscópio, com diferentes possibilidades de usos, a depender das experiências
e formação dos sujeitos que vão usá-lo.
Diante do exposto Johsen (1996) levanta a bandeira em prol da defesa
de uma disciplina na graduação de formação docente sobre “usos” do livro
didático, para melhor compreendermos que objeto escolar é esse, quais os
desafios que se impõe e as potencialidades deste material. Sobretudo porque para além do material pedagógico usado, a adoção de posturas metodológicas por parte dos professores com relação aos usos do livro didático
é preponderante para o desenvolvimento da criticidade dos estudantes.
Destacamos que a escolha dos materiais didáticos usados em sala de aula
das escolas públicas faz parte de uma política pública como o Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD), ou seja, uma “política com forte
aderência na escola, na medida em que oferta materiais didáticos a serem
apropriados por estudantes e por professores [...]” (BRASIL, 2016, p.21).
Consideramos pertinente destacar o que tem sido veiculado nos livros didáticos de História adotados nas escolas pesquisadas no tocante
à temática africana e afro-brasileira, bem como se esses conteúdos têm,
de algum modo, ressignificado o ensino de história, sobretudo no que se
refere às questões étnico-raciais.
A Escola Municipal de Ensino Fundamental José Bonifácio de Sousa
à época adotou como livro didático de História do 5º ano (Ensino Fundamental I), a coleção Projeto Coopera História, da autoria de Elian Alabi
Lucci e Anselmo Lazaro Branco, São Paulo: Saraiva, 2014.
Na resenha do Guia do PNLD do triênio 2016-2018 da disciplina história, a cultura e à história africana e afro-brasileira da coleção Projeto
Coopera História é abordada em diferentes temáticas. Vejamos:
A História da África e dos afrodescendentes também é apresentada a partir de determinados temas como: as Grandes Navegações, o cultivo da cana-de-açúcar e o tráfico negreiro, o processo que levou ao fim da escravização de negros. O continente africano é representado na coleção para
195
contextualizar as Grandes Navegações e, mais adiante, para localizar de
onde os africanos escravizados eram trazidos. Nesses momentos é importante que o professor busque outras narrativas históricas para desenvolver
com os alunos as particularidades da História desse continente e aprofundar sua relação com a nossa história também. (BRASIL, 2015, p.217).
No livro que analisamos, pudemos observar que o negro aparece de
forma pontual em algumas páginas. Inicialmente, na Unidade 01, intitulada “Os caminhos para a República”, da página 21 à 25, que se ocupa do
fim da escravidão no Brasil e os passos da abolição, apesar de ser abordada a resistência dos negros escravizados (tanto em texto escrito como
em imagens), a ênfase é conferida às leis que antecederam a abolição,
bem como, ao mencionar a Lei Áurea, a figura da princesa Isabel parece
ter sido enaltecida em detrimento dos grupos abolicionistas. Exemplo:
Figura 1 – Páginas do livro didático adotado na turma
do 5º ano da Escola José Bonifácio de Sousa
Fonte: LUCCI, Elian Alabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto
Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 22.
196
Na figura acima, o livro reproduz uma litografia de Angelo Agostini,
publicada na Revista Ilustrada em 29 de julho de 1888, que apresenta
a princesa Isabel sendo homenageada pelos afrodescendentes que lhes
atribuía a libertação da escravatura. Entretanto, na continuidade da atividade, na página seguinte (figura 2), existe um texto que desconstrói
essa imagem de heroína da princesa e expõe os demais sujeitos dos movimentos sociais de caráter abolicionista que pressionavam a monarquia
a legalizar a abolição da escravatura no Brasil.
Figura 2 – Páginas do livro didático adotado na turma
do 5º ano da Escola José Bonifácio de Sousa
Fonte: LUCCI, ElianAlabi/ BRANCO, Anselmo Lazaro. Projeto
Coopera: história 5º ano. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 23.
Na página acima, salienta-se que “a abolição não proveio do bondoso
coração da regente. Foi produto de uma luta violenta, sangrenta, cheia de
heróis anônimos”. (BRANCO; LUCCI, 2014, pág. 23). O texto base para a
realização da atividade é de linguagem acessível a idade dos estudantes.
197
Na sequência a campanha abolicionista é abordada no texto de forma
concisa, nela os autores ponderaram que “A abolição resultou principalmente da luta dos escravizados pela liberdade e da adesão dos diversos
segmentos da sociedade à campanha abolicionista. Na década de 1870,
começaram a aparecer grupos abolicionistas, isto é, que defendiam o fim
da escravidão...” (LUCCI; BRANCO, 2014, p.24).
Esse trecho do livro deixou lacunas que exigem do professor e dos
estudantes um olhar mais crítico para interpretar os textos e imagens
presentes, especialmente no sentido de apreensão do conteúdo proposto,
que, segundo o Manual do Professor (MP) da coleção em pauta, apresenta como um dos objetivos da unidade:
Compreender a abolição da escravatura como um fato praticamente consumado, uma vez que o número de escravizados tornou-se relativamente
pequeno e tendia a desaparecer em vista da Lei do Ventre Livre e, posteriormente, da extinção do tráfico. (LUCCI; BRANCO, 2014, p.166).
Nesse MP, explica-se ao professor que, ao abordar este conteúdo,
propõe-se que os estudantes compreendam a abolição como fato praticamente consumado, em virtude do número reduzido de escravizados
(devido à Lei do Ventre Livre e à extinção do tráfico negreiro), porém
essa temática foi exposta de forma genérica e não problematizada no
livro didático.
Diante do exposto, reafirmamos a relevância de questionar sobre
como o professor está fazendo uso desse livro, uma vez que “é urgente
favorecer a compreensão do ensino de História capaz de ir além da superficialidade dos conteúdos trabalhados pela historiografia tradicional
dos livros didáticos, numa necessária interação com outras fontes e ramos disciplinares” (TIMBÓ, 2007, p.65), tendo em vista o quantitativo de
documentos e linguagens presentes neste instrumento pedagógico.
Outra parte do livro didático adotado traz a história do negro no
Brasil, na unidade 04, intitulada “De volta à democracia”, na qual são
198
apresentadas aos leitores as conquistas sociais e seus desafios no contexto nacional. Duas questões são abordadas: afrodescendentes e educação:
Na história do Brasil, o processo educacional tem excluído os afrobrasileiros desde a abolição da escravatura, quando houve restrição dos ex-escravizados negros à educação nas escolas públicas. Esse preconceito
e essa discriminação continuam até nossos dias.
A educação é um direito de todos. Promover educação de qualidade é
um dos meios mais eficientes para combater a desigualdade social e
realizar a inclusão social. (LUCCI e BRANCO, 2014, p.113).
O texto apresenta a exclusão dos negros no processo educacional brasileiro desde a abolição da escravatura e, por outro lado, destaca a importância da educação como meio de inclusão social desses, bem como o
combate ao racismo, a partir do ensino da história de seus antepassados,
destacando que “é fundamental falar da história e da cultura negras para
todas as crianças, para que meninos e meninas afro-brasileiros, possam
saber a história de seus antepassados, entender e valorizar suas influências culturais” (LUCCI e BRANCO, 2014, p.113). Contudo, estas questões
são abordadas em dois parágrafos e uma citação, o que equivale a menos
de uma página do livro.
Em outro momento, os autores apresentam “indígenas, trabalhadores
rurais, quilombolas e o direito à terra”, no qual expõem o exemplo da
marcha organizada por indígenas, camponeses e quilombolas que ocorreu no Mato Grosso do Sul no ano de 2013, a qual apresentava como pauta de reivindicação a demarcação de terras indígenas e quilombolas.
Essas informações estão registradas num documento do MST transcrito no próprio livro, mas que precisa ser lido e compreendido, para que
os dados contidos possam fazer sentido para os educandos, pois uma das
características significativas do livro didático, conforme Freitas (2009,
p. 14), “é o fato de ele ser planejado e organizado para uso em situação
didática; para ser lido – no seu sentido mais abrangente, para produzir
199
sentido”, principalmente se há textos multimodais1 tão presentes nas
produções contemporâneas.
No MP da referida coleção didática adotada porém não encontramos
sugestões para trabalhar o conteúdo afrodescendentes e educação, condicionando a discussão da temática ao conhecimento e interesse do professor em abordar ou problematizar o assunto junto aos seus alunos.
O segundo livro didático analisado foi o da Escola Nemésio Bezerra,
da Coleção História Sociedade & Cidadania de Alfredo Boulos Júnior (3ª
Ed. São Paulo: FTD, 2015).
Na análise desta obra, presente na resenha do Guia do PNLD do triênio 2017-2019 da disciplina história, no que se refere à temática africana
e afro-brasileira, evidencia-se:
O tratamento da História da África, da cultura afro-brasileira e das
culturas indígenas recebeu atenção especial na coleção. Todos os volumes trazem discussões capazes de favorecer o trabalho do professor
na construção de uma sociedade brasileira mais tolerante, do ponto de
vista de sua formação étnico-racial. (BRASIL, 2016, p. 109).
No livro do 9º ano dessa Coleção, a história do negro africano é abordada em dois capítulos. No capítulo 01, a industrialização e o imperialismo são os conteúdos principais e, nesse contexto, são enfatizadas as
teorias racistas do século XIX e o imperialismo na África, bem como a
resistência africana. Com relação às teorias racistas do século XIX e o
imperialismo na África, o autor destaca que, na tentativa de justificar a
1. A multimodalidade refere-se às mais distintas formas e modos de representação utilizados na construção linguística de uma dada mensagem, tais como: palavras, imagens cores,
formatos, marcas/ traços tipográficos, disposição da grafia, gestos, padrões de entonação,
olhares etc. (DIONÍSIO, 2005; 2011). Ver mais em: DIONISIO, A. P. Gêneros Textuais e
Multimodalidade. In: KARWOSKI, A. M; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (Org.). Gêneros
textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011 e DIONISIO, A. P. Multimodalidade discursiva na atividade oral e escrita (atividades). In: MARCUSCHI, L. A.; DIONISIO, A. P. (Org.). Fala e Escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
200
dominação imperialista sobre os demais povos “os europeus desenvolveram um conjunto de teorias racistas. Essas teorias diziam basicamente que a ‘raça branca’ era superior a ‘raça negra’ e à ‘amarela’ e que na
luta pela vida, somente as raças superiores sobreviveriam” (BOULOS Jr.,
2015, p. 16).
Na página seguinte, considera que, “por meio de ataques e da pressão diplomática, as terras conquistadas são transformadas em colônias,
protetorados, domínios ou área de influência” (BOULOS Jr., 2015, p. 17).
Esses textos são complementados por charges, trechos de documentários, imagens diversas e questionamentos sobre o processo imperialista
na África. Dentre as charges, destacamos uma de 1906, que critica a exploração exercida pelo Rei Leopoldo II da Bélgica no Congo (Figura 3):
Figura 3 – Charge de 1906 que critica a exploração exercida
pelo Rei Leopoldo II da Bélgica no Congo
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade &
cidadania 9º ano. 3ª Ed. – São Paulo: FTD, 2015, pág. 18.
201
Ao lado da charge, o texto, intitulado “Belgas na bacia do Rio Congo”,
destaca:
Em 1884, usando a força e a diplomacia, o rei Leopoldo II da Bélgica
conseguiu transformar o Congo, um território dezenas de vezes maior
que a Bélgica, em uma propriedade particular dele. Propriedade que ele
chamava de ‘Estado-livre do Congo’. Explorando a mão de obra africana, Leopoldo II extraiu do Congo uma fortuna incalculável em borracha
e marfim, a dominação do Congo converteu-se em um dos episódios
mais cruéis da História e envolveu a morte de cerca de 10 milhões de
africanos. (BOULOS Jr., 2015, p. 18).
O texto se alonga na descrição da situação vivida por mulheres, idosos e crianças da época, que eram mantidos reféns, enquanto os homens
iam trabalhar na coleta de borracha e marfim. A charge é explicada brevemente ao leitor, no sentido de complementação de informações referentes à temática, tendo em vista que essa abordagem ocupa metade da
página do livro didático.
No que se refere à resistência africana, essa só consta na página 20 do
livro didático, que inicia com um questionamento sobre os motivos que levaram os africanos a reagirem e se rebelarem contra a dominação britânica.
Abaixo do questionamento, há uma imagem do Museu em homenagem à
rainha africana Nana aa Asanrewaa, uma líder local que foi presa e deportada pelos britânicos, complementada por um trecho do texto de Leila Leite
Hernandes (2005), abordando a rebelião de Ashanti contra o domínio britânico, que durou dez anos, de 1890 a 1900, na Costa do Ouro (atual Gana).
A organização do conteúdo nesta página denota a pontualidade com
que a resistência africana é tratada, pois, segundo o texto, após deporem
chefes tradicionais locais, “o governo britânico exigiu que seu representante se sentasse no Tamborete de Ouro, símbolo da alma ashanti e da
sua sobrevivência como nação e, por isso, instrumento de consagração
da legitimidade dos seus chefes” (BOULOS Jr., 2015, p. 18). Esse trecho
202
evidencia que foi essa exigência que fomentou na população local o desejo de se rebelarem contra os britânicos, salientando a resistência desses povos em manterem suas tradições e cultura.
A segunda abordagem é realizada no capítulo 10, que apresenta os processos de independência na África e na Ásia citando as lutas dos africanos
e dos asiáticos nos movimentos de independência de seus países, o enfraquecimento das potências colonialistas da Europa em virtude das perdas
sofridas durante a Segunda Guerra e a força de movimentos negros, trazendo como exemplos o pan-africanismo e negritude. (BOULOS Jr., 2015).
Na sequência de cada item citado acima, existem explicações acerca
do que ocasionou as situações elencadas, com destaque para o pan-africanismo, que surgiu como forma de resistência, visando transformar a
vida da raça negra, libertando-a da situação de pobreza e opressão em
que vivia e realçando também que a noção de raça adotada pelo movimento tinha por objetivo “conferir identidade aos diversos povos negros
da África” (BOULOS Jr., 2015, p. 174). Como complementação de conteúdo, apresentou-se a letra da música “África Une-te”, de Bob Marley – que
ajudou, na época, a difundir as ideias pan-africanistas – e contextualizou-se historicamente o ideal e os personagens dessas histórias:
África Une-te
África te une
Porque estamos saindo da Babilônia
E estamos indo para a terra de nosso pai. [...]
Então África te une,
Te une para o bem do nosso povo [...]
Une-te para o benefício de suas crianças
Une-te, pois é mais tarde do que você pensa
A África espera por seus criadores, a África espera por seus criadores
África você é meu antepassado fundamental
Une-te para os africanos que estão no mundo, te une pelos africanos de longe
África te une. (BOULOS Jr., 2015, p. 175).
203
Quanto à organização da escrita sobre a história africana, faz-se necessário ressaltar que “ainda há uma disputa de espaço físico no livro
para se abordar a África e a Ásia no mesmo capítulo” (TIMBÓ, 2009,
p.52). Essa disputa é visível nos dois capítulos que analisamos (Capítulo 01 – Industrialização e Imperialismo e capítulo 10 – Independências:
África e Ásia).
Por outro lado, quatro estudos de caso sobre os processos de independência dos países africanos são demonstrados no interior do capítulo,
dentre os quais, a luta contra o apartheid na África do Sul, destacando
a formação do Congresso Nacional Africano (CNA) e a figura de Nelson Mandela como ativista na luta pelos direitos dos sul-africanos. Ressaltando as primeiras eleições com a participação dos negros na África
do Sul que ocorreu em 1994 e na qual “Mandela foi eleito presidente da
República e, com o apoio da maioria no parlamento, conseguiu aprovar
a Lei de Direitos sobre a Terra, que restituiu às famílias negras as terras que lhes tinham sido usurpadas havia décadas.” (BOULOS Jr., 2015,
p. 184).
O MP desta coleção é dotado de um manual multimídia, indicações de
livros, sites, filmes, textos e sugestões de atividades que subsidiam o professor na consecução da aplicabilidade da história da África em sala de
aula. Dentre as orientações, expõe-se como se deve elaborar projetos interdisciplinares, descrevendo a relevância desse tipo de atividade nas escolas.
Ensinar a disciplina História, desse modo, ultrapassa a prática de repassar conteúdos sobre fatos isolados do passado ou de explanar verdades definitivas, imutáveis e indiscutíveis, pois existe um compromisso
com a história do tempo presente, em cumprir seu papel político-social
repleto de tensões e contradições (PINSKY, 2017).
Por fim, apresentamos o livro didático utilizado na Escola de Ensino
Médio Abraão Baquit, da coleção História sociedade & cidadania: 3º Ano
e autoria de Alfredo Boulos Júnior, São Paulo: FTD, 2013.
De acordo com a avaliação do Guia do PNLD, triênio 2015-2017, a
temática africana e afro-brasileira permeia vários conteúdos nesta obra:
204
A legislação referente à História da África e a história e cultura afro-brasileira
e indígena é atendida, ressaltando-se a preocupação da coleção em destacar a
diversidade dos grupos e experiências. Isso ocorre a partir da organização dos
capítulos de cada volume, com conteúdos referentes aos indígenas, africanos
e afrodescendentes de forma alternada com outros conteúdos. Também a seleção de textos e imagens destaca a presença dos negros e indígenas nas lutas
políticas e ressalta suas práticas culturais. (BRASIL, 2014, p.78).
Constatamos que as histórias dos negros africanos e afro-brasileiros
perpassam as quatro unidades do livro e nelas são discutidos fatos e conceitos em que os negros figuram como agentes do processo histórico.
No capítulo 01, que aborda a industrialização e o imperialismo, apesar de dividir espaço com o continente asiático, a história africana é
representada por lutas e resistências contra a partilha de seu território,
demonstrando para além do que sempre é exposto sobre a África – enquanto símbolo de fome, miséria e passividade, trazendo o exemplo de
resistência africana, que à época, foi “oferecida pelo Império Zulu, unidade política fundada em meados do século XIX. Liderados por um comandante a quem chamavam Chaka, os zulus travaram uma guerra que
se estendeu por muitos anos contra os bôeres e conseguiram vencê-los
diversas vezes nos campos de batalha” (BOULOS Jr. 2013, p. 17). No final, os Zulus foram derrotados em virtude da superioridade tecnológica
e bélica do inimigo, contudo impressionaram seus adversários.
No trecho, observamos que os africanos – no caso, os do Império Zulu
– viveram suas glórias e derrotas. Eles, assim como os sujeitos das demais civilizações do globo, construíram suas histórias com lutas, derrotas e conquistas. Aborda-se também a partilha do continente africano
entre os europeus na Conferência de Berlim (1885) como medida de evitar guerra entre eles. Esse tema é abordado por meio de texto escrito e de
um mapa político da África (Pag. 19).
Porém, sem vincular o texto ao mapa e até mesmo gerar maiores reflexões sobre a problemática, a Conferência de Berlim é apenas descrita:
205
Na Conferência de Berlim, os europeus redesenharam o mapa africano segundo seus próprios interesses, fixando, por isso, fronteiras artificiais: separaram povos amigos de culturas semelhantes e misturaram, em um mesmo
território, povos rivais, com línguas e costumes diferentes, o que alimentou
rivalidades e conflitos entre os africanos.” (BOULOS Jr. 2013, p. 19).
No capítulo 03 – que conta a história da Primeira República brasileira
–, o autor do livro, ao abordar o processo de modernização e higienização
da cidade do Rio de Janeiro, inseriu uma imagem que representa a formação da Favela do Morro (1912), tendo como legenda o destaque de que boa
parte dos moradores da Favela eram afrodescendentes (Figura 4):
Figura 4 – Página do livro didático adotado na turma
do 3º ano da Escola Abraão Baquit
Fonte: BOULOS JÚNIOR, Alfredo. História sociedade &
cidadania 3º ano. São Paulo: FTD, 2013, p. 67.
206
Na imagem acima, podemos constatar que sem maiores esclarecimentos sobre o quantitativo dos moradores da Favela, a informação adicional aparece como dica de vídeo sobre a industrialização, revoltas urbanas e o movimento operário na Primeira República.
No geral, a história escrita no livro didático utilizado na escola
Abraão Baquit mantém relação com as diretrizes curriculares nacionais,
haja vista que, além do que já foi descrito do conteúdo do livro didático,
a resistência negra aparece nos capítulos 04 e 10 que contemplam: as lutas antirracistas dentro e fora do país.
No que se refere ao MP, o autor orienta para o uso das diversas linguagens (mapas, charges, textos, fotografias, dicas de sites, documentários, dentre outros) expostas nos capítulos do livro didático como
metodologias possíveis no processo de ensino-aprendizagem, complementando com textos de teóricos estudiosos da história dos africanos
e afro-brasileiros que explicam desde o porquê da inserção dessa temática na educação básica a sugestões de livros e filmes que abordam
o assunto.
Ratificamos, por fim que no contexto das escolas do bairro Campo
Novo, os livros didáticos de história se configuram como instrumentos fundamentais no processo educativo dos estudantes, como também no apoio aos professores, sobretudo no que concerne à temática
africana e afro-brasileira abordadas nesses, embora ainda percebamos lacunas e silêncios entre o conteúdo do livro e o seu uso em sala
de aula, o que implica na dificuldade de apreensão das informações
contidas no material, necessárias à aprendizagem, bem como ao reconhecimento e à valorização da história afro. Ademais, constatamos
a relevância dessa ferramenta didático-pedagógica, apesar de suas limitações. E sobressai-se a necessária formação continuada do professor para melhor usar as potencialidades do livro didático e de outros
recursos.
207
4. Considerações finais
Constatamos em nossa pesquisa que se faz necessário repensar as práticas escolares, sobretudo, no que se refere aos usos dos livros didáticos
como fontes para o ensino de História, visando conscientizar professores e estudantes sobre o potencial desta literatura para construção do
conhecimento histórico crítico.
A existência das temáticas do negro africano escravizado e afro-brasileiro nos Livros Didáticos de História, não garante sua explanação e
exploração em sala de aula. O que de fato faz a diferença é a formação e
sensibilidade dos professores para trabalharem com essa fonte (Livros
Didáticos), no ensino de História, dada a realidade dos estudantes de escolas públicas no Brasil, assumindo uma postura dialógica e problematizadora, capaz de desconstruir as memórias oficiais que desconsideram
outras histórias capaz de dá visibilidade da população negra.
Ademais, ressaltamos que a conscientização da comunidade escolar é
o fio condutor de transformação da realidade, uma vez que a valorização
das etnias e o respeito à diversidade na escola é imprescindível para a
erradicação de manifestações racistas dentro e fora do ambiente escolar.
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_______. A África e a educação afro-brasileira: as diferentes abordagens nos livros didáticos de história. In: In: OLIVEIRA, Almir Félix Batista de; OLIVEIRA, Margarida
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EDFURN, 2009. p.45-54.
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CLIO DIANTE DO ESPELHO: MEMÓRIAS
E ACERVOS NOS 60 ANOS DO
CURSO DE HISTÓRIA DA UFRN2
Magno Francisco de Jesus Santos
Ao discutir o planejamento dessa versão do colóquio dos 60 anos,3 a
professora Margarida Oliveira sugeriu, em tom de intimação, que eu realizasse, na condição de presidente da comissão dos 60 anos do curso de
História, a conferência de encerramento do evento. No primeiro momento,
relutei. Afinal, passei a fazer parte do curso somente a dois anos. Contudo,
acabei acatando a sugestão, entendendo o desafio proposto, pois é oportuno que nas comemorações dos 60 anos ocorra o encerramento das discussões com o docente recém-chegado a bela terra potiguar e que, diante das
perspectivas trabalhistas, por aqui ficarei por mais quarenta anos.
Certamente, a professora Margarida Oliveira construiu uma leitura
pautada na dimensão do deus romano Janus, com suas duas faces: uma
voltada para outrora, outra para o porvir. Tentarei, na medida do possível, cumprir com essa missão. Pensar as ações desenvolvidas pela comissão ao longo desses dois anos de atuação, com ênfase para a elaboração
de projetos voltados para a identificação e catalogação de fontes para
a história do curso, bem como, em pensar propostas e, principalmente,
desafios a serem enfrentados no futuro. Como Janus, pensar em ampliar
a abertura do olhar sobre o nosso passado e o futuro.
2. Esse capítulo é uma versão ampliada do texto apresentado na conferência de encerramento do Colóquio 60 anos do Curso de História, realizado em novembro de 2018.
3. Uma versão inicial do evento foi planejada para ser realizada em junho de 2018, contudo,
o evento foi adiado em decorrência do cancelamento de parte dos dias letivos nos horários
dos jogos da Copa do Mundo de Futebol Masculino.
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Como a professora Aurinete Girão Barreto da Silva costuma dizer,
sou um apaixonado por Clio. Diante dessa paixão, intitulei a minha de
fala de “Clio diante do espelho: memórias e acervos nos 60 anos do curso
de História”. Penso que nesses momentos de celebração, mais importante do que enaltecer o passado, forjar mitos fundadores, listar sujeitos do
passado e do presente, é discutir a nossa trajetória e abrir espaço para o
debate, por meio da elucidação de provocações. É pensar quem somos
enquanto instituição. É problematizar os caminhos trilhados. É abrir a
ferida e encontrar os pontos de tensão, as zonas de silenciamentos, as
nossas fragilidades. Clio adentra o saguão da UFRN, fica diante do espelho e busca refletir sobre as suas ações na preservação da memória de
sua própria existência.
Talvez, o título tenha sido injusto. Caso nossas ações de reflexão sobre a construção de políticas públicas e de políticas institucionais acerca
da salvaguarda da memória da UFRN e, especialmente, do curso de história tenham continuidade, seria oportuno pensar que Clio não estaria
diante do espelho. Estaria no divã. É o momento de provocarmos o debate atinente às fragilidades das iniciativas voltadas para preservação da
memória e à constituição de acervos. Afinal, nós, historiadores, intelectuais da área de humanas, como estamos contribuindo para o reconhecimento dos sujeitos que construíram o curso e a UFRN? Quais memórias
foram tecidas acerca da nossa tradição historiográfica e da formação de
professores de História em terras potiguares? Como estão os acervos sobre a nossa trajetória? Quais são as possibilidades investigativas sobre a
formação de historiadores no Rio Grande do Norte?
Responder a essas questões é um desafio, pois implica em repensar
as experiências tecidas ao longo dos seis decênios que atravessam os fazeres historiográficos no âmbito do Departamento de História.4 Irrompe na busca das zonas de silenciamentos, no questionamento sobre os
4. O curso de História da UFRN foi criado em 1957, integrante a Faculdade de Filosofia de
Natal (LIMA, 2002, p. 2). De acordo com Veríssimo de Mello e Carmen Calado, “Criação do
Curso de Geografia, História e Letras pelo Decreto Federal no 49.573, de 18 de dezembro
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processos de invenções das tradições e no debate público sobre os projetos de futuro a serem empreendidos. Em suma, uma vasculha que nos
leva a pensar sobre o que fizemos e o que pretendemos fazer na lida atinente ao ofício do historiador.
Na provocante conferência de abertura, a professora Aryana Lima Costa desconstruiu os mitos fundadores do Curso de História da USP e, ao
conversar com os alunos, inebriados, o que mais ouvir foi: “gostaria de fazer algo semelhante sobre o nosso curso”. De certa forma, frases como essas soam como canto de sereia aos ouvidos de professor e criam a certeza
de que o evento, de alguma forma, cumpriu com os objetivos. Espero que
nos próximos anos tenhamos novos discípulos de Clio, inquirindo o nosso passado, vasculhando nossos acervos, desconstruindo mitos, rompendo
com as zonas de silêncio.5 Que nossas inquietações possam repercutir na
formação das novas gerações de historiadores e historiadoras.
Em 2017, o curso de História da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte completou 60 anos do início de suas atividades na formação
docente. Nesses seis decênios, o curso consolidou-se como um dos mais
importantes centros de formação de professores de História no estado,
bem como, um espaço privilegiado no âmbito da pesquisa sobre o passado norte-rio-grandense, somando-se a outras instituições como o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a Academia Norte-rio-grandense de Letras.
Geralmente, as efemérides constituem uma oportunidade de celebração
e, principalmente, de reflexão sobre as experiências vivenciadas, no intuito
de 1956. Reconhecido pelo Decreto Federal no 46.868, de 16 de setembro de 1959” (MELO;
CALADO, 2018, p. 34).
5. Em 2021, no processo de seleção de mestrado do PPGH foram aprovados dois projetos
que contemplam a história do curso de História da UFRN/Natal. Tratam-se de Clivya da
Silveira Nobre, com o plano ““Não houvessem no Brasil esses autodidatas precursores...”:
os intelectuais do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte e a construção do
espaço institucional do curso de História da UFRN em Natal (1956-1987)” e Mateus Oliveira, com “Saberes da disciplina, saberes da profissionalização: uma leitura sobre a institucionalização da História por meio de Introdução ao Estudo da História na UFRN (1960-1968)”.
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de construir a identidade institucional e de repensar os projetos de futuro
a serem empreendidos. Pautado nesta dimensão, em dezembro de 2016, o
Departamento de História instituiu a “Comissão de Coordenação de Ações
dos 60 anos do Curso de História”,6 integrando docentes, técnicos administrativos e aposentados no sentido de reunir esforços na organização de
ações a serem desenvolvidas entre 2017 e 2018. A comissão era constituída
inicialmente pelas colegas: Fátima Martins Lopes, Margarida Maria Dias
de Oliveira, Maria da Conceição Guilherme, Iris Dantas, Evanúcia Gomes
de Oliveira, Lyvia Vasconcelos Baptista e Magno Francisco de Jesus Santos.
Tratava-se de uma tentativa de coadunar esforços na elaboração de atividades de celebração, assim como de propostas que possibilitassem o levantamento, organização e preservação das fontes atinentes ao curso.
Essa segunda dimensão tornou-se prioridade. Uma das preocupações
dos integrantes da Comissão era contribuir para construção de instrumentos de pesquisa e ações de salvaguarda da memória do curso e reverter alguns problemas como a dispersão das fontes, a ausência de instrumentos de pesquisa e o esquecimento dos sujeitos. Eram problemas que
revelavam as fragilidades das políticas institucionais de preservação da
memória da UFRN e, em especial, do próprio Departamento de História.
A prioridade era fazer o dever de casa.
Por ironia ou por tragédia, a memória do curso de História da UFRN
encontrava-se fragmentada e dispersa. Era um cenário que remetia a angústia alegórica de Clio ao testemunhar Mnemosine afogando-se no Rio
Lete, nas águas do esquecimento. Devemos lembrar que Lete também
era uma das ninfas aquáticas, que provocava amnésia. Ela era a senhora
da discórdia. Tentando reverter o quadro desfavorável, a Comissão passou a propor projetos nos editais de extensão, como tentativa de angariar
recursos e bolsistas para empreender a organização dos acervos e a construção de novas fontes que possibilitassem a sistematização da memória
sobre o curso.
6. Por meio da Portaria nº 006/16-DEH, de 20 de Dezembro de 2016.
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Neste processo, as propostas se concentraram em duas ações: a realização de entrevistas com docentes aposentados7 e o levantamento documental no acervo do Arquivo da UFRN. Tratava-se da operacionalização de duas tipologias documentais, com o propósito de construir
instrumentos de pesquisa e de organizar o acervo atinente à trajetória
do curso.
Uma das preocupações dos propositores de projetos de extensão era
envolver docentes, técnico-administrativos e discentes no processo de
salvaguarda documental. Neste sentido, as ações buscavam articular os
três pilares universitários, com a pesquisa, extensão e ensino. A primeira
ação teve como foco o patrimônio humano do Departamento de História, a partir das atividades desenvolvidas na disciplina “História Oral”,
ministrada pelo Professor Magno Francisco de Jesus Santos, com o reconhecimento das contribuições de docentes aposentados. Esse processo
ocorreu por meio do envolvimento de alunos da graduação na elaboração
dos roteiros, realização de entrevistas e transcrição das narrativas apresentadas pelos docentes aposentados.
Foi um momento importante na formação dos novos historiadores,
que passaram a ter contato com docentes que atuaram no curso em diferentes contextos. Ao mobilizar as memórias narradas por docentes,
tornou-se possível a compreensão de parte dos aspectos que perpassam
pela história dos cursos de graduação. Certamente, o maior desafio enfrentado na construção desse acervo de fontes orais foi a ausência de
uma lista com a relação dos professores que atuaram no Departamento
de História. A identificação dos docentes acabou exigindo a maior parcela de tempo das atividades e só se tornou possível em decorrência do
7. O projeto de realização de entrevistas com docentes aposentados ocorreu no âmbito da
disciplina obrigatória do Curso de História Bacharelado, “História Oral”, coordenado pelo
Professor Magno Francisco de Jesus Santos no primeiro semestre de 2018. O projeto previa
a criação de um Laboratório de História Oral, no intuito de possibilitar a salvaguarda da
documentação oral produzida na disciplina, bem como de sistematizar o diálogo entre os
diferentes docentes que lecionavam o componente curricular e instituir um espaço de formação para mobilizar as habilidades discentes.
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apoio irrestrito de professores e técnicos mais antigos do Departamento
de História, que a cada reunião incluíam novos nomes.
A ação resultou na elaboração de oito entrevistas com docentes aposentados do Departamento de História e do entusiasmo de dois grupos
situados em posições opostas: os docentes aposentados, que aceitaram o
convite em compartilhar suas memórias e, se viram reconectados com a
instituição na qual ajudaram a construir; e os jovens alunos da graduação, que se viram como sujeitos ativos no processo de construção das
fontes históricas. Além disso, a ação repercutiu no reconhecimento de
novas demandas departamentais, entre as quais a criação de um Laboratório de História Oral que possibilite a salvaguarda das entrevistas.
Como temos enfatizado ao longo desse evento, é necessário e urgente
repensar estratégias que possibilitem a inserção das fontes e dos espaços
institucionais de pesquisa, especialmente, os laboratórios, no processo
de formação de nossos graduandos.
Por meio das entrevistas, teve início uma ação voltada para a construção de memórias de docentes do departamento. Apesar de termos
os roteiros de entrevistas elaborados pelos discentes, de acordo com os
elementos atinentes à trajetória de cada professor, a comissão resolveu
estabelecer algumas dimensões que deveriam ser contempladas: formação familiar, escolar e superior; estudos na pós-graduação e campos de
pesquisa; docência; cargos de gestão; vida no pós-aposentadoria.
As memórias docentes expressam questões reveladoras sobre os
diferentes lugares sociais dos historiadores que construíram os pilares da tradição historiográfica da UFRN. Emergiram aspectos como
as redes de sociabilidades entre os intelectuais e as lideranças políticas, as relações de poder familiares, a formação religiosa, o trânsito
entre diferentes instituições culturais, incluindo o Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte e a Academia Norte-riograndense de Letras. Além disso, também foram narradas as questões atinentes ao cotidiano departamental, aos embates na construção identitária do curso e às reformulações curriculares, bem como, sobre as
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demandas das políticas educacionais no país que redimensionaram a
formação dos docentes.
A segunda ação também envolveu os alunos da graduação, por meio
da disciplina “Arquivística Histórica”, ministrada pela professora Margarida Maria Dias de Oliveira, na qual os discentes realizaram o levantamento documental do curso de História no Arquivo da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Novamente foram constatados problemas, entre os quais, a dispersão do acervo, especialmente, no tocante
à documentação referente ao período das antigas faculdades isoladas.
Como a criação do curso de História ocorreu no âmbito da antiga Faculdade de Ciências Humanas de Natal, os registros documentais encontravam-se dispersos e sem instrumentos de pesquisa que propiciassem a identificação do acervo. Mais uma vez os discentes eram situados
diante das dificuldades que perpassam a pesquisa histórica e a organização dos acervos documentais em contextos que muitas vezes se distanciam das demandas dos historiadores.
Apesar de serem tipologias documentais distintas, as duas ações foram efetivadas de modo relativamente articulado, pois as informações
de um acervo contribuíam para a identificação de outras fontes. Um elemento que auxiliou nesta articulação foi o envolvimento de alunos que
participaram dos dois projetos.
Em menor escala, três outras ações empreendidas pela comissão se
destacaram. Por meio do “Edital de extensão de ações na área de memória, museologia, documentação e arquivologia” foi disponibilizada
uma bolsista para a elaboração de um inventário da produção intelectual dos docentes do Departamento de História existente na Divisão
de Documentação (antigo Núcleo de Estudos Históricos). Com esse
projeto, executado entre 2018 e 2020, foi realizado o levantamento da
documentação historiográfica do Departamento de História. Trata-se
de uma historiografia emergida no final da década de 70 do século XX,
período no qual as políticas públicas de formação docente contribuíram para a renovação do quadro docente das instituições públicas de
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ensino superior, por meio do fomento à realização de cursos de pós-graduação.8
Esse levantamento encontra-se em fase final de execução e a partir do
cotejo com os dados obtidos nos demais projetos, tem contribuído para
o reconhecimento dos docentes do departamento a partir da produção
acadêmica, bem como dos diferentes momentos de produção da historiografia e dos seus elementos impulsionadores, como as diretrizes que
estimularam o ingresso de docentes nos cursos de pós-graduação entre o
final da década de 70 e o início de 80 do século XX.
No tocante à memória do movimento estudantil de História, as dificuldades foram ainda maiores. Inicialmente, disponibilizamos uma
bolsista para o levantamento da documentação, mas os resultados foram
inexpressivos. Documentação dispersa e praticamente sem registros de
períodos mais recuados. É salutar destacar o papel social do Centro acadêmico no sentido de construir uma articulação envolvendo os discentes
na luta pela salvaguarda da memória estudantil. Trata-se ainda, de um
grupo que tem suas experiências silenciadas.
A outra ação foi demandada pela chefia departamental, em decorrência dos encaminhamentos da plenária departamental sobre a proposta de
outorga do título de Professor Emérito ao professor João Wilson Mendes Melo. A atuação da comissão consistiu no adensamento do processo,
com o levantamento sobre a produção intelectual do docente, bem como,
do reconhecimento do referido professor no âmbito departamental, do
ensino em outros centros da UFRN, dos cargos de gestão, assim como a
defesa do mesmo em relação à criação da Universidade Estadual do Rio
Grande do Norte e da democracia no período ditatorial.
O levantamento documental foi revelador. O professor João Wilson
Mendes Melo foi um intelectual que fundamental importância para a
criação e consolidação do curso de História na Universidade Federal
8. Esse projeto teve como bolsistas João Victor Nascimento Azevedo (2018) e Clívya da Silveira Nobre (2018-2020).
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do Rio Grande, com participação nos primeiros encontros nacionais da
ANPUH, envolvimento nas discussões das reformas curriculares de História e da criação das disciplinas “Didática da História” e “Introdução
ao Estudo da História” (SANTOS, 2017). Para esta disciplina ele chegou
a elaborar um livro que se tornou manual para os cursos de História em
diferentes instituições, incluindo a Universidade de Brasília.
Diante das provocações da professora Aryana Lima Costa, penso nas
possibilidades investigativas sobre a concepção do que seria a disciplina
Didática da História, bem como a forma pela qual foi operacionalizada. Vasculhar os acervos em busca de novos registros pode possibilitar
a investigação sobre as primeiras inquietações no âmbito do currículo
do curso entre os anos 50 e o início dos anos 60. Além disso, evidencia
a presença do debate acerca de questões como a especificidade na institucionalização de uma didática voltada para a História e da formação
inicial do historiador.
O parecer proposto pela comissão foi aprovado em todas as esferas
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Finalmente, no dia 14
de setembro de 2018, ocorreu a cerimônia de entrega do título. Um evento com a solenidade acadêmica, mas também carregada por um silêncio
constrangedor: a ausência do docente, em decorrência dos problemas de
saúde. Foi um evento no qual ficou evidente que ainda somos lentos no
processo de reconhecimento do patrimônio humano do curso.9
Em tempos de celebração dos 60 anos do pioneiro curso de História
no Rio Grande do Norte, é oportuno repensarmos sobre as nossas fragilidades no uso do passado e no processo de invenção de nossas tradições
universitárias. Habilmente treinados no ofício de Clio, somos capazes de
desconstruir mitos e de entendermos a complexa teia que perpassa pela
edificação dos mitos fundadores das instituições. Contudo, em decorrência das demandas universitárias, das instâncias burocráticas e das tensões
9. O professor João Wilson Mendes Melo faleceu pouco tempo depois, no dia 19 de maio
de 2020.
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constituídas nas redes de sociabilidades na esfera departamental, ainda
nos mostramos letárgicos no processo de reconhecimento dos pares.
Com isso, nos deparamos diante de alguns desafios. O primeiro é a
valorização do patrimônio humano do curso, com a elaboração de uma
lista dos docentes que atuaram no departamento e no curso, no intuito
de oportunizar o levantamento documental atinente a esses docentes.
Parece ser tarefa fácil, mas as nossas ações demonstraram que na ausência de instrumentos de pesquisa, a nossa principal fonte para esse passo
inicial é a memória de docentes e técnicos que atuam a mais tempo.
Outra questão relevante é institucionalizar e coordenar as ações de
levantamento documental, nos diferentes espaços e reconhecendo as especificidades de cada tipologia documental. A trajetória do curso que
teve início em uma faculdade isolada, que teve uma fase estadual e foi
federalizada, acaba por construir uma tendência de dispersão das fontes.
Essa dispersão não será solucionada com a atuação isolada de docentes
ou de comissões. É preciso constituir o trabalho conjunto, de unir esforços de todo o departamento, com docentes e discentes no processo de
levantamento, digitalização e catalogação das fontes. Além disso, os resultados dessas ações precisam ser disponibilizados para a comunidade,
no intuito de fomentar o interesse para a efetivação de novas investigações atinentes à história do ensino de história no âmbito universitário.
A terceira dimensão de nosso desafio é no campo da democratização
do acesso aos registros. Muitas vezes os esforços isolados resultam na
perda de tempo, com dois professores realizando o levantamento sobre
o mesmo registro, enquanto outras fontes continuam silenciadas. A articulação de nossas ações possibilitaria a redução dos custos, a troca de
informações e maior agilidade no processo de publicação dos registros.
Dessa forma, também estaríamos possibilitando que docentes e discentes possam ter acesso à documentação, no processo de fortalecimento da
identificação com a instituição da qual fazem parte. Isso torna possível
romper com a densa névoa que encobre homens e mulheres que fizeram
o curso por meio de seus fazeres historiográficos e docentes.
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Com isso, emergem novas demandas: os nossos repositórios darão
conta do montante de documentos? Temos condições viáveis de custear
a criação de um laboratório de História Oral? O projetado centro de referência documental para atender a demanda da salvaguarda do Diário
de Natal dará conta dos demais acervos? E, principalmente, no intuito
de justificar a existência desses espaços para os cursos existentes no departamento: como os laboratórios existentes e os que serão criados estarão articulados com a formação integral dos historiadores, evitando-se o
uso exclusivo de pequenas e dispersas elites?
Contudo, o compromisso do Departamento de História da UFRN/Natal vai além de sua ação na salvaguarda da sua memória. É uma demanda
que extrapola os muros da instituição. Destaco o compromisso social da
UFRN com os acervos existentes no Rio Grande do Norte. Penso que
apesar das incertezas no tocante ao futuro, nós temos no âmbito estadual um cenário consideravelmente favorável no sentido de promover
o debate acerca da constituição de políticas públicas de memória mais
eficazes e consistentes.
Trago como provocação se esse não seria o momento de unirmos forças para reivindicar a sede definitiva do Arquivo Público Estadual do Rio
Grande do Norte.10 Professores e estudantes do Departamento de História lutando pelo direito à preservação da memória. Seria uma estratégia de romper com a dependência de instituições privadas, com a defesa
pela memória do poder público no Rio Grande do Norte, e, uma questão
que não pode ser silenciada, a constituição de uma medida inicial para
se pensar a reorganização do acervo, pois não temos como pensar em
parcerias no tocante ao acervo se o espaço físico é marcado pela instabilidade de mudanças repentinas.
10. O Arquivo Público Estadual do Rio Grande do Norte é uma instituição de salvaguarda
da documentação pública que ainda não possui uma sede definitiva. O acervo encontra-se
em prédios alugados pelo poder público estadual e, frequentemente, passa por mudanças de
sedes. Em 2016, com as chuvas, parte da documentação foi danificada pela água que adentou o prédio.
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Talvez, essa seja a instituição que contemple os anseios de todos os
docentes do curso e reverbere o compromisso com a sociedade norte-riograndense. O Departamento de História, assim como ocorreu em outros estados nas décadas de 70, deveria protagonizar a defesa desta causa. Esses desafios demandam um amplo debate, exigem ações concretas
sobre o repensar do curso, dos seus espaços, dos nossos acervos. Exige o
desafio democrático de discussão sobre a qualificação da formação dos
historiadores. Além disso, implica na constituição de uma cultura de formação de profissionais da História que atente para a consideração das
características que perpassam a história do ensino de história nas instituições de ensino superior e sobre as fontes que possam fomentar as
pesquisas.
Neste sentido, a constituição de acervos sobre o ensino de história
nos cursos de graduação abre espaço para a contemplação do espelho.
Clio volta-se para o Departamento e passa a vasculhar a história das práticas docentes nos espaços universitários.
No “território de Clio”, o esquecimento continua a fazer submergir os
sujeitos e suas experiências, enquanto o silêncio insiste em se propagar
pelo longo corredor do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Resta-nos seguir o exemplo da musa da História, na luta contra o esquecimento, no grito contra o silêncio, no pensar criticamente a memória. Nosso desafio é atuar
coletivamente e, assim como Janus, voltar uma face para o passado e a
outra para o futuro, no intuito de garantirmos a continuidade da nossa
existência.
Referências
COSTA, Aryana Lima. A formação de profissionais da História: o caso da UFRN
(2004-2008). João Pessoa, 193f. Dissertação (Mestrado em História). UFPB, 2010.
COSTA, Aryana. De um Curso d’Água a Outro: memória e disciplinarização do saber
histórico na formação dos primeiros professores no curso de História da USP. Rio de
Janeiro, Tese (Doutorado em História), UFRJ, 2018.
221
LIMA, Maria Helena Oliveira de. Uma história do curso de História em Natal:1957-1968. Natal, 51f. Monografia (Graduação em História). UFRN, 2002.
MEDEIROS, Alberto Pinheiro de. O curso de História da UFRN: 30 anos de existência.
História – UFRN. Ano 1, nº 1, 1987, p. 17-21.
MELO, Veríssimo de; CALADO, Carmen. Síntese cronológica da UFRN (1958-2017).
Vol. 1. Natal: EDUFRN, 2018.
NOBRE, Clivya da Silveira. “Não houvessem no Brasil esses autodidatas precursores...”: os intelectuais do Instituto Histórico Geográfico do Rio Grande do Norte e
a construção do espaço institucional do curso de História da UFRN em Natal (19561987). Natal, 14f. Plano de Trabalho (Mestrado em História), UFRN, 2021.
OLIVEIRA, Mateus. “Saberes da disciplina, saberes da profissionalização: uma
leitura sobre a institucionalização da História por meio de Introdução ao Estudo da
História na UFRN (1960-1968)”. Natal, 14f. Plano de Trabalho (Mestrado em História),
UFRN, 2021.
SANTOS, Magno Francisco de Jesus (et al.). Parecer da Comissão dos 60 anos do
Curso de História sobre a outorga do título de Professor Emérito para João Wilson
Mendes Mello. Natal: UFRN, 2017.
222
SOBRE AS AUTORAS E OS AUTORES
André Luiz de Paula Chaves Lima
Graduado em História pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Especialista em Gestão e Coordenação Escolar pela Faculdade Darcy Ribeiro
e Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor efetivo de História na Rede Estadual do
Ceará (SEDUC). E-mail: andreluizdpcl@hotmail.com.
Arnaldo Pinto Junior
Professor da Faculdade de Educação da Unicamp, é graduado em História, mestre e doutor em Educação. Atuou vinte anos como professor na
Educação Básica, contando ainda com experiências em cursos de Graduação e Especialização Lato-Sensu. Atualmente desenvolve estudos nas
áreas de ensino de História e história da educação, focalizando livro didático, currículo, memórias, práticas culturais e sensibilidades. E-mail:
apjfe@unicamp.br
Cristina de Almeida Valença Cunha Barroso
Professora Associada do curso de Museologia da Universidade Federal
de Sergipe, formada em História e Pedagogia. Professora do Programa
de Pós graduação em Ciência da Informação PPGCI/UFS. Coordenadora
do Laboratório de Museologia Aplicada-LABMUSAS e líder do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano-GEMPS.
Email: tina_valenca@academico.ufs.br
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Isaíde Bandeira da Silva
Graduada em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE),
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC),
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) e pós-doutora em Educação pela Universidade Federal
de Uberlândia (UFU). Líder do Grupo de Pesquisa: “História, Memória,
Sociedade e Ensino”. Professora Adjunta da UECE/Curso de Pedagogia
e docente permanente do Mestrado Interdisciplinar em História Letras
– MIHL/UECE e do Metrado Profissional em Ensino de História da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (PROFHISTÓRIA/UERN).
E-mail:isaide.bandeira@uece.br
João Paulo Gama Oliveira
Professor do Departamento de Educação (DEDI) e do Programa de
Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe. Graduado em História, mestre e doutor em Educação. Atualmente realiza estágio de pós-doutorado na Universidade Estadual Paulista – Júlio de Mesquita Filho (2021-2022). Líder do Grupo de Pesquisa
Disciplinas Escolares: História, Ensino e Aprendizagem (GPDEHEA/
UFS/CNPq) e integrante dos Grupos de Pesquisa Relicário (DED/
UFS/CNPq) e Heduca (UFPel/CNPq). E-mail: profjoaopaulogama@
gmail.com
Joaquim Tavares da Conceição
Doutor em História (UFBA), professor do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Sergipe, também com atuação no Mestrado
Profissional em Ensino de História e no Programa de Pós-Graduação em Educação. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação: Memórias, sujeitos saberes e práticas educativas
(GEPHED/ /UFS/CNPq) e coordenador do Centro de Pesquisa Documentação e Memória do Colégio de Aplicação (Cemdap). E-mail: joaquimcodapufs@gmail.com
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Lisiane Sias Manke
Professora do Departamento de História e do PPGH, da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel). Possui graduação em História (2002), pela
UFPel, mestrado (2006) e doutorado (2012) em Educação, pela Faculdade de Educação da UFPel. Realizou estágio de pós-doutorado (com bolsa CNPq), no PPGE/FaE, na Universidade Federal de Minas Gerais, em
2015-2016. É líder do grupo de pesquisa HEDUCA (História e Educação:
textos, escritas e leituras) e Coordenadora do Laboratório de Ensino de
História – LEH/UFPel. E-mail: lisianemanke@yahoo.com.br.
Lorena de Oliveira Souza Campello
Doutora em História Social pela USP. Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente – História Ambiental (PRODEMA -UFS). Licenciada em História pela UFS. Membro do GETELL - Grupo de Pesquisa em Estudos de
texto, leitura e linguagem (IFS). Professora efetiva do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS). Projeto de pesquisa financiado pela PROPEX/IFS. E-mail: lorena.campello@ifs.edu.br.
Magno Francisco de Jesus Santos
Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense. Professor do
Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em História e do Programa de pós-Graduação em Ensino de História na UFRN.
Coordenador do Núcleo de História/Natal do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIDIB) e Professor-tutor de “Clio: Empresa Júnior em Consultoria e Assessoria Histórica da UFRN”. E-mail:
magnosantos@cchla.ufrn.br
Mara Inês Alflen
Cursa Licenciatura em História na Universidade Federal de Pelotas - UFPel.
Atuou como bolsista PROBIC/FAPERGS no acervo de livros didáticos no
Laboratório de Ensino de História – LEH/UFPel (2019-2020) e como bolsista
PBA/UFPel no projeto Laboratório de Ensino de História LEH/UFPel (2020).
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Mayra Ferreira Barreto
Mestre em Ensino de História/ ProfHistória pela Universidade Federal
de Sergipe (2020). Especialista em Ensino de História: novas abordagens pela Faculdade São Luís de França (2014) e Graduada em História
pela Universidade Federal de Sergipe (2014). Atualmente é professora
de História da Rede Municipal de Itabaiana/SE. E-mail: mayra.barreto@
outlook.com
Mariana Emanuelle Barreto de Gois
Doutora em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Mestre em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana UEFS/BA. Especialista em Ensino e Identidade Cultural em Sergipe – FA/
SE. Professora de História do Instituto Federal de Sergipe, Campi Glória
e Lagarto. Foi tutora do Curso de Pós-graduação em Gestão de Políticas
Públicas com foco em Gênero e Raça na Universidade Federal de Sergipe
e do Curso de História UFS/UAB. Possui experiências nas áreas: Gestão,
Gênero, Ensino, História das Prisões e Patrimônio Cultural.
Maria Sílvia Duarte Hadler
Pesquisadora do Centro de Memória-Unicamp, graduada em Ciências
Sociais e em História, mestre em Ciência Política e doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Atuou na Educação Básica
como professora e coordenadora da área de História dos anos iniciais do
Ensino Fundamental ao Ensino Médio. Desenvolve estudos relacionados
à cidade, à memória, às sensibilidades e ao ensino de História.
Natalia Batista Peçanha
Doutora em História pela UFRRJ, no qual desenvolveu uma pesquisa
acerca das relações de trabalho no serviço doméstico carioca, financiada
pela Capes. Mestre em História pela UFRRJ, onde pesquisou o jornal
O Rio Nu e como ele produzia um discurso de modernidade, no Rio de
Janeiro da Belle Èpoque. Especialista em Ensino de História pela UERJ/
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FFP. Bacharel e Licenciada em História pela UFRJ. Membro do Grupo
de Estudos Mundos do Trabalho e o Pós-Abolição (GEMTRAPA-UFRRJ)
Osvaldo Rodrigues Junior
Doutor em Educação. Foi Professor de História nos anos finais do Ensino Fundamental. Professor de Prática de Ensino de História do Departamento de História da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em História.
Coordenador e professor do Mestrado Profissional em Ensino de História da UFMT. Atualmente realiza pesquisas sobre ensino de História,
História Pública e História Digital. Email: osvaldo.rjunior@gmail.com
Priscila Maria de Jesus
Professora Adjunta do Departamento de Museologia da Universidade
Federal de Sergipe. Coordenadora de Estágio do Curso de Museologia,
Coordenadora do Laboratório de Expografia-LABEXPO e Více-líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e Patrimônio Sergipano-GEMPS. Email: priscilamdj@academico.ufs.br
Sayonara Rodrigues do Nascimento Santana
Mestre em Educação e graduada em História pela Universidade Federal
de Sergipe. Tem experiência em pesquisas na área de História da Educação, arquivos escolares, ensino de História. É professora da rede pública
de ensino de Sergipe, membro da Comissão de Documentação do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Diretora do Arquivo Público do
Estado de Sergipe.
Simone Paixão Rodrigues
Doutora e Mestre em Educação e graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de Pesquisa: Disciplinas Escolares: história, ensino e aprendizagem - DEHEA (UFS/CNPq). É professora da educação básica e do ensino superior de Sergipe e técnica do
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Núcleo do Sistema Estadual de Arquivos e atendimentos aos municípios/
Divisão de digitalização, publicação e apoio à pesquisa do APES.
Sura Souza Carmo
Professora Adjunta do Departamento de Museologia da Universidade Federal de Sergipe, Coordenadora do Laboratório de Conservação Preventiva-LABPREV e Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Memória e
Patrimônio Sergipano-GEMPS. Email: suracarmo@yahoo.com.br
Tatiana Silva Sales
Mestra em Antropologia e graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe. Tem experiência na área de pesquisa histórica sobre
Patrimônio Cultural e prática arquivística. É professora da rede pública
de ensino de Sergipe e atua no Núcleo do Sistema Estadual de Arquivos
e Atendimento aos Municípios/Divisão de Extensão e Difusão Cultural
do APES.
Valéria Soares de Oliveira
Graduada em Licenciatura Plena em História, pela Faculdade de Educação, Ciência e Letras do Sertão Central FECLESC/UECE (2011) e mestrado em Mestrado Acadêmico Interdisciplinar em História e Letras
pela Faculdade de Educação, Ciência e Letras do Sertão Central FECLESC/UECE (2018). Coordenadora Pedagógica do Colégio Diocesano
Valdemar Alcantara de Quixadá. E-mail valeriasdo@hotmail.com
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