2022, Editora Unijuí
Editor
Fernando Jaime González
Diretora Administrativa
Márcia Almeida
Capa
Alexandre Sadi Dallepiane
Responsabilidade Administrativa
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
(Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Conselho Editorial
• Fabricia Carneiro Roos Frantz
• João Carlos Lisbôa
• Vânia Lisa Fischer Cossetin
Publicação sem revisão. Responsabilidade dos autores.
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
D598
Direitos humanos e democracia [recurso eletrônico]: a crise democrática e seus desafios / organizadores Daniel Rubens Cenci, Joice Graciele Nielsson, Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2022.
v.2. ; 30 cm.
Formato digital.
ISBN 978-65-86074-98-7 (digital)
1. Direito humanos. 2. Democracia. 3. Mulheres – Violência. I. Cenci,
Daniel Rubens. II. Nielsson, Joice Graciele. III. Wermuth, Maiquel Ângelo
Dezordi.
CDU: 342.7
Bibliotecária Responsável
Ginamara de Oliveira Lima
CRB-10/1204
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................... 8
GRUPO DE TRABALHO 3 – CIDADE, AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE ................................................. 9
A Corte Interamericana de Direitos Humanos e a proteção dos direitos socioambientais .................. 10
Carla Noura Teixeira e Raissa Natascha Ferreira Pinto
A perspectiva multicultural dos direitos dos povos indígenas no Sistema Interamericano
de Direitos Humanos: um caminho para o bem viver ......................................................................... 26
Claudia Regina de Oliveira Magalhães da Silva Loureiro
A possibilidade da extensão da titularidade de direitos fundamentais para animais não humanos ... 45
Henrique Balduvino Saft Dutra e Dari Nass
A regularização fundiária como instrumento de acesso à cidade: análise das políticas
implementadas no bairro Nova Santa Marta, em Santa Maria – RS .................................................... 59
Cláudio Renan Corrêa Filho e Elenise Felzke Schonardie
Ações do Brasil para concretização dos objetivos da Agenda 2030: uma análise acerca dos
objetivos 6 e 14 referentes à água ....................................................................................................... 75
Maryana Zubiaurre Corrêa e Janaína Soares Schorr
As implicações da crise climática em panoramas atuais ...................................................................... 87
Carla Raíssa Santos e Daniel Rubens Cenci
Cidadania e consumo: produzir subjetividades sustentáveis frente ao neoliberalismo ....................... 99
Bárbara Alves Saikoski, André Leonardo Copetti Santos e Daniel Rubens Cenci
Cidade sustentável: espaço de exercício da democracia e acesso aos direitos humanos .................. 111
Miriane Maria Willers
Contexto urbano e direito à cidade: interseccionalidades e caminhos para concretizar uma
cidade mais justa, sustentável e solidária .......................................................................................... 126
Simone Paula Vesoloski, Érica Vanessa Santori e Neuro José Zambam
Criminologia do dano social: consumo e a devastação do meio ambiente em um
mundo capitalista ............................................................................................................................... 141
Jossana Soso e Júlia Bigaton
Educar para a sustentabilidade sob a ótica da Agenda 2030 ............................................................. 156
Cleusa Maria Rossini, Fernanda Gewehr de Oliveira e Daniel Rubens Cenci
Emergência climática: uma abordagem das dimensões das mudanças do clima, Acordo de
Paris e sistema normativo pátrio ........................................................................................................ 168
Micaele de Vasconcelos Correa
Estados garantidores de direitos humanos vs Estados proprietários de recursos naturais ................ 181
Maria Adriane de Alcântara e Mário Lúcio Quintão Soares
Mudanças climáticas, perdas ambientais e o cumprimento das metas globais
à luz da Teoria de Gaia........................................................................................................................ 197
Natália Cerezer Weber e Daniel Rubens Cenci
O direito à cidade sustentável e a necessidade de uma relação ética com o meio ambiente:
aproximações da educação ambiental crítica com a sustentabilidade urbana .................................. 210
Vanessa Aguiar Figueiredo e Vanessa Hernandez Caporlingua
O direito fundamental à moradia como decorrência do direito à cidade .......................................... 223
Dilton Depes Tallon Netto e César Albenes de Mendonça Cruz
O princípio da sustentabilidade aplicado às práticas comerciais: os capítulos sobre
desenvolvimento sustentável nos acordos de livre comércio da União Europeia .............................. 236
Carolina Attuati e Guilherme Domingos Wodtke
O princípio do desenvolvimento sustentável nas contratações públicas ........................................... 251
Daniel Gasparotto dos Santos
Selos de sustentabilidade e os benefícios para as organizações empresariais na geração de valor .. 261
Guilherme de Andrade Antoniazzi e José Roberto Anselmo
Sustentabilidade, patrimônio cultural e cidades invisíveis ................................................................. 277
Bianca Regina Ramos Magalhães
Uma análise do Projeto de Lei do Senado Federal n.º 159/2017 a partir dos direitos humanos ....... 290
Bruna Medeiros Bolzani e Elenise Felzke Schonardie
Violência colonial no Brasil, as últimas ocorrências no território indígena de Serrinha,
Rio Grande do Sul ............................................................................................................................... 307
Rodrigo de Medeiros, Gabrieli de Camargo e Bruna Medeiros Bolzani
La ampliación de las libertades como motor del desarrollo.
Algunas reflexiones sobre sus relaciones ............................................................................................328
Mariela Baez e Daniel Rubens Cenci
Rehabilitar el Puerto de Santa Ana (misiones), camino al desarrollo sustentable para la región .......340
Teresita Glady Turinetto e Daniel Rubens Cenci
GRUPO DE TRABALHO 4 – ESTADO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ..................................... 356
A adoção do Desenho Universal como uma política pública admitida em âmbito nacional .............. 357
Gustavo Rodrigues Véras e Regina Vera Villas Bôas
A aplicabilidade do marco legal para a primeira infância a partir da perspectiva do
racismo estrutural .............................................................................................................................. 370
Wanessa da Conceição Teixeira e Maria Angélica Biroli Ferreira da Silva
A complexa efetivação do direito à atenção básica em saúde no Brasil: paradoxos teóricos
e normativos ...................................................................................................................................... 386
Eduarda Scopel Antunes, Rebeca Rychescki dos Santos e Janaína Machado Sturza
A crise democrática e a radicalização da democracia ........................................................................ 400
José Orlando Schäfer e Amanda Schäfer
A democracia participativa digital na Política Nacional de Assistência Social:
um desafio possível? .......................................................................................................................... 417
Juliana Paganini e Reginaldo de Souza Vieira
A dimensão moral do isolamento: contribuições da teoria de John Rawls para refletir
as respostas à pandemia .................................................................................................................... 431
Érica Vanessa Santori, Simone Paula Vesoloski e Neuro José Zambam
A incidência da violência contra a mulher no ambiente digital ......................................................... 446
Kelven Marcelino Klein, Silvânia Barbosa Ramos e Gláucia Rebeca Barbosa Ramos
A influência do presidencialismo de coalizão e da consciência política do eleitorado
na consolidação democrática do Brasil .............................................................................................. 457
Vanessa Thomas Becker, Aline Antunes Gomes e Luiz Henrique Urquhart Cademartori
A inserção dos direitos fundamentais na grade curricular do ensino médio como instrumento
de efetivação para a cidadania ........................................................................................................... 475
Ana Paula dos Santos Oliveira e Ivo dos Santos Canabarro
A judicialização do acesso à saúde: um estudo sobre a alternativa jurídica adotada
por pessoas hipossuficientes na comarca de Júlio de Castilhos-RS .................................................... 487
José Carlos Pomina da Rocha
A mediação como instrumento de resolução de conflitos familiares e a atividade desenvolvida
no projeto de extensão “Conflitos sociais e direitos humanos: alternativas adequadas
de tratamento e resolução” da UNIJUÍ ............................................................................................... 503
Alessandra Mainardi e Francieli Formentini
A mediação como mecanismo de tratamento de conflitos a partir dos movimentos sociais:
possibilidades para o reconhecimento das identidades plurais ......................................................... 512
Maria Eduarda Granel Copetti, Gabrielle Scola Dutra e Charlise Paula Colet Gimenez
A migração internacional para o Brasil no século XXI: políticas públicas de acesso à justiça
aos migrantes no estado de São Paulo ............................................................................................... 526
Rubens Beçak e Angelo de Camargo Dalben
A prática da mistanásia decorrente da falta de políticas públicas governamentais:
violações de direitos humanos de grupos marginalizados face a pandemia do COVID-19 ................ 542
Adrielly Letícia Silva Oliveira e Alessandra Pangoni Balbino dos Santos
A saúde em meio aos algoritmos da desinformação: a plataforma Youtube e o auxílio
ao compartilhamento de dados falsos na pandemia de COVID/19.................................................... 557
Tiago Protti Spinato, Fernanda Lencina Ribeiro e Janaína Machado Sturza
A saúde enquanto legítima expectativa e direito do cidadão, e prioridade e dever do Estado ......... 571
Alexandre Souza Machado e César Albenes de Mendonça Cruz
A utilização da inteligência artificial na tomada de decisão criminal: uma análise a partir
do princípio da humanidade .............................................................................................................. 585
Raquel Von Hohendorf e Júlia Cardoso Besteti
A utopia da dignidade humana no Brasil e a crise sanitária do saneamento básico urbano ............. 599
Laís Betinelli Pasqualoto e Janaína Machado Sturza
A violência de categorizar a humanidade: o racismo como a distância que separa
os direitos humanos da realidade infantojuvenil ............................................................................... 617
Schirley Kamile Paplowski e André Giovane de Castro
Aborto e início da vida: uma análise sobre direitos humanos............................................................ 633
Letícia do Nascimento Rodrigues, Luiz Gustavo de Moraes Geraldo e Silvânia Barbosa Ramos
Adolescentes e o trabalho insalubre: uma análise das práticas laborais que persistem em
oposição ao trabalho decente, com base na jurisprudência trabalhista do TRT4 (2018-2020) ......... 644
Sílvia Bandeira da Silva
As políticas públicas de prevenção e posvenção ao suicídio na pandemia da COVID-19:
breves considerações sobre o direito à saúde mental e a dignidade da pessoa humana .................. 657
Amanda Cereza Zanatta e Fernanda Felitti da Silva D’ávila
As premissas do caráter compromissório e dirigente da Carta Constitucional de 1988 diante
do pensamento hegemônico do século XXI ....................................................................................... 675
Alexandre Nogueira Pereira Neto
As redes sociais e os movimentos sociais na cidade de Sorocaba/SP: relato de experiência
sobre a constituição do Fórum de Luta em Defesa da Vida durante a pandemia de COVID-19 ......... 689
Diogo Cómitre e Thiago Hideo Tomoto
Buscadores, capitalismo de dados e os danos causados pela vigilância no ciberespaço:
perspectivas com as novas legislações .............................................................................................. 702
Luis Paulo Bressan Pasinato
Colonialidade e necropolítica à brasileira ou “quilombolas não servem nem para procriar”:
perspectivas dos direitos humanos no Brasil 2021 ............................................................................ 719
Gabriela Maia Rebouças e Gustavo Tenório Cavalcante Silva
Crise humanitária ou pandêmica? O impacto do COVID-19 frente à população de rua
no Brasil e a reiteração de violação dos direitos humanos ................................................................ 733
Vanessa Nunes Pereira e Raíssa Amarins Marcandeli
Críticas ao estado da arte do processo político-democrático brasileiro contemporâneo .................. 751
Luciano Augusto de Oliveira Paz e Gabrielle Scola Dutra
Democracia procedimental x contrademocracia: uma questão de (des)confiança política
em Pierre Rosanvallon ........................................................................................................................ 767
Dandara de Souza Pereira e Nayana Shirado
Dependências e desarmonias dos poderes da república aos entes federados:
o direito social à educação na pandemia da COVID-19? .................................................................... 784
Taiguer Henrique Silva Saraiva e Valmôr Scott Junior
Desafios do Estado em meio à crise da democracia liberal: o princípio da separação de
poderes como ferramenta de proteção da democracia ..................................................................... 800
Antonio Fagundes Filho
Desigualdade de renda e Estado Social: uma leitura a partir da Emenda Constitucional
n. 103/2019 e seus reflexos nas aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social.................. 817
Maritana Mello Bevilacqua, Cláudio Renan Corrêa Filho e Elenise Felzke Schonardie
Estado e poder: uma base ou empecilho na democracia atual? ........................................................ 833
Kátharin Mendes Parcianelo, Juliana Bedin Grando e Luciano de Almeida Lima
Formação escolar para a cultura democrática ................................................................................... 845
Enio Waldir da Silva
Fraternidade e direito à saúde: o acesso à vacinação como bem comum global
na pandemia da COVID-19 ................................................................................................................. 861
Evandro Luis Sippert e Janaína Machado Sturza
Inovações tecnológicas na administração pública, cidadania e democracia ...................................... 879
Jairelda Sena da Cunha e Miriane Maria Willers
Liberdade de imprensa e o enfrentamento das tragédias sociais, uma abordagem
a partir da pandemia COVID-19 ......................................................................................................... 897
Maria Eduarda Fragomeni Olivaes
Modernidade seletiva e acesso às novas tecnologias no Brasil.......................................................... 911
Anabela Cristina Hirata e Zulmar Antônio Fachin
Nova Lei de Licitações: inserção das formas alternativas de resolução de conflitos ......................... 926
Carina Deolinda da Silva Lopes, Elenise Felzke Schonardie e Franceli Bianquin Grigoletto Papalia
O autismo e o direito à educação: a inclusão das pessoas com
Transtorno do Espectro Autista (TEA) em âmbito escolar .................................................................. 941
Maria Clara Marussi Capraro e Nathália Abrão Mantovan Antonioli
O contrato social, Estado Democrático de Direito e a Constituição brasileira de 1988 ...................... 959
Tânia Regina Silva Reckziegel
O direito no palco da vida: o teatro do oprimido como ferramenta transdisciplinar
útil à compreensão crítica dos direitos humanos ............................................................................... 979
Luana Marina dos Santos
O emprego de ações afirmativas como acomodações práticas das ideias estruturantes do
pensamento rawlsiano de justiça: uma análise dos programas de trainee para negros no Brasil ..... 997
Gleydson Bezerra Ramos e Robson Antão de Medeiros
O esgotamento da democracia liberal e a utilização do populismo como fenômeno de
controle social: uma aposta contra o direito ao desenvolvimento e à liberdade ............................. 1014
Eliane Andréia Andreski da Silva e Rafael Zimmermann
O fortalecimento da democracia e o controle da administração pública: contribuições
dos Tribunais de Contas.................................................................................................................... 1030
Betieli da Rosa Sauzem Machado e Chaiene Meira de Oliveira
O Ministério Público e o dever de fundamentar a proposta de acordo de não persecução penal .. 1044
Marcelo Gonçalves
O trabalho intermitente e a valorização social do trabalho no contexto do Estado Social
e Democrático de Direito ................................................................................................................. 1059
Robson Antão de Medeiros e Rodrigo Ribeiro Vitor
Os direitos humanos e o acesso ao processo justo: fundamentos para a democracia
e base da cooperação processual ..................................................................................................... 1075
Igor Labre de Oliveira Barros
Os movimentos de defesa dos direitos humanos na Paraíba durante a ditadura militar ................. 1090
Janaína Gomes da Silva
Paternalismo e autonomia privada: ausência de contraposição por meio da solidariedade
para desoneração fiscal propulsora dos direitos fundamentais ....................................................... 1108
Adriano Penha de Almeida
“Pelas mãos da fraternidade”: possibilidades à efetivação dos direitos humanos no
contexto multicultural do Mercosul ................................................................................................. 1123
Patrick Costa Meneghetti, Gabrielle Scola Dutra e Charlise Paula Colet Gimenez
Políticas públicas educacionais no contexto do sistema prisional .................................................... 1139
Priscila Venzke Mielke e Tássia Rodrigues Moreira
Segurança pública e Estado Democrático de Direito: efeitos nas condições de trabalho
e saúde dos profissionais ................................................................................................................. 1153
Eliezer Rodrigues da Silva Neto, Gláucia Rebeca Barbosa Ramos e Letícia do Nascimento Rodrigues
Um panorama da pandemia nos Tribunais do Trabalho brasileiros: uma análise a partir
do projeto de pesquisa Políticas Públicas de Acesso à Justiça em Tempos de COVID-19................. 1165
Jaqueline Beatriz Griebler, Lauren Carolina Vieira Correia e Rosane Teresinha Carvalho Porto
A avaliação da política nacional de assistência social e o controle social:
desafios à sua avaliabilidade .............................................................................................................1182
André Afonso Tavares e Juliana Paganini
APRESENTAÇÃO
Este livro reúne os trabalhos que foram apresentados durante a realização do IX Seminário Internacional “Direitos Humanos e Democracia”, promovido pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da UNIJUÍ (Cursos de Mestrado e Doutorado em Direitos
Humanos) entre os dias 17 e 19 de novembro de 2021.
O evento, nesta edição, aconteceu novamente em ambiente virtual e teve por tema “A
crise democrática e seus desafios”. Trata-se de tema oportuno diante do cenário descortinado
pela pandemia da Covid-19, o qual tem suscitado diversas questões que são responsáveis por
tensionar, a todo momento, conceitos jurídicos que até então pensávamos inquestionáveis, o
que inclui, obviamente, a Democracia e os Direitos Humanos – particularmente em cenários
como o brasileiro.
Com efeito, depois da crise ambiental e das novas experiências do terror do início deste
século XXI, a crise sanitária da Covid-19 exige que não mais deixemos escoar o tempo para a
construção de um novo projeto civilizatório, que leve em consideração esta transição paradigmática que agora nos bate mais fortemente à porta.
Em mais uma edição, este tradicional evento foi um lócus privilegiado para a discussão
desse necessário novo projeto civilizatório, nas suas mais diversas matizes, mas fundamentalmente comprometido com a efetivação dos direitos humanos e da democracia.
Agradecemos aos autores dos inúmeros trabalhos aqui reunidos por terem escolhido
o nosso evento para compartilharem suas pesquisas! Todos os(as) autores(as) autorizaram,
no ato da inscrição dos trabalhos que, uma vez selecionados para apresentação no evento,
fossem publicados nesta coletânea.
Desejamos a todos e todas uma agradável leitura!
Ijuí-RS, janeiro de 2022.
Os organizadores.
8
A ADOÇÃO DO DESENHO UNIVERSAL COMO UMA POLÍTICA PÚBLICA ADMITIDA EM
ÂMBITO NACIONAL
Gustavo Rodrigues Véras1
Regina Vera Villas Bôas2
“Ninguém é o que parece ou o que aparece. O essencial não há quem
enxergue. Todo mundo é só a ponta do seu iceberg!” (Luís Fernando
Veríssimo)
RESUMO: A presente pesquisa reflete as diferentes dimensões de defesa das Pessoas
com Deficiência e como se dá a obrigatoriedade e aplicabilidade do instituto do desenho
universal nas políticas públicas nacionais frente às exigências e previsões presentes em
documentos nacionais e internacionais. Observa o caráter constitucional da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e como foi aplicada nacionalmente por
meio da Lei Brasileira de Inclusão. Reflete sobre a atual natureza do sistema
constitucional e a necessidade da aplicação mais ampla do desenho universal em
políticas públicas. Relacionando sua aplicabilidade com os diversos ramos do direito
nacional. Adota a revisão da legislação nacional para estabelecer as normas a serem
analisadas, a leitura de jurisprudência sobre a matéria, e da doutrina que trata da
situação legal e constitucional de tratados e convenções de direitos humanos.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Direito Internacioal. Tratados. Pessoa com Deficiência.
Políticas Públicas.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa reflete sobre as diferentes dimensões de defesa dos direitos das
Pessoas com Deficiência e como se dá a necessidade, obrigatoriedade e aplicabilidade do
instituto do desenho universal nas políticas públicas nacionais frente às exigências e previsões
presentes em documentos nacionais e internacionais.
Observa que a evolução da defesa da Pessoa com Deficiência passa a ser mais incisiva
após os terrores da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que esse grupo de vulneráveis sofreu
enormes violências. Aponta que desde a origem do sistema internacional de direitos
1
Mestrando em Direito com foco em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: gustavo.rveras@gmail.com
2
Pós-Doutora em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae. BiDoutora em Direito Relações Sociais e em Direitos Difusos e Coletivos e Mestre em Direito das Relações Sociais),
todos pela PUC/SP. Professora e pesquisadora do PGD e do PPGD da PUC/SP. Coordenadora do Projeto de
Pesquisa Efetividade dos DH e DF: Diálogo das Fontes (PUC/SP). Coordenadora do JEC/PUC-SP. E-mail:
revillasboas1954@gmail.com
357
humanos, já houve preocupação com os direitos e interesses do referido grupo de pessoas, e
que essa proteção passa a ser melhor elaborada, nos anos 1990, e mais aperfeiçoada nos dias
atuais.
Nesse sentido, observa os tratados específicos para a defesa da Pessoa com
Deficiência e como são eles incorporados ao sistema jurídico nacional. Observa o caráter
constitucional da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e
como foi aplicada nacionalmente, por meio da chamada Lei Brasileira de Inclusão.
Ao refletir sobre a atual natureza do sistema constitucional e sobre a necessidade de
maior abrangência de políticas públicas voltadas à aplicação do desenho universal, relaciona
a sua aplicabilidade aos diversos ramos do direito nacional.
Importante o caminho histórico da busca da proteção da Pessoa com Deficiência que,
desde a origem das civilizações, passa por extremas dificuldades, observada a necessidade de
proteção do referido grupo de pessoas, também, desde a antiguidade. De igual maneira, os
obstáculos criados pelo próprio homem, em face da atuação ativa da Pessoa com Deficiência
designam uma constante na história da humanidade.
Considerada a realidade de luta pela concretização dos interesses e direitos do grupo
vulnerável abrangente de pessoas com deficiência, necessária a utilização de instrumentos
jurídicos que amenizem e/ou suprimam essas barreiras e obstáculos, entre outros os que
possuem natureza linguística e/ou física, os quais devem ser superados em conjunto com
aqueles de natureza social e jurídica. A escrita em braile e a linguagem de libras surgem como
instrumentos viabilizadores de soluções à superação de referidos obstáculos, nascendo daí o
conceito de desenho universal que busca unificar todos os meios de eliminação de barreiras
de quaisquer naturezas para Pessoas com Deficiência.
O desenho universal designa instituto diretamente vinculado ao sistema de proteção
dos direitos da Pessoa com Deficiência e, como tal, na sua análise, deve considerar todas as
situações de pluralidade, relacionadas aos ramos do direito que compõem ordenamento
jurídico doméstico.
358
1 A SOCIEDADE DOS DIREITOS HUMANOS E O CAMINHO PARA A PROTEÇÃO GLOBAL DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O fim da Segunda Guerra Mundial marca mudanças substanciais no paradigma do
direito. Surge a necessidade de se resgatar os valores do direito natural em âmbito global, fato
este, que se contrapõe às regras formais positivistas, que prevaleciam na época, na busca de
se evitar novos massacres humanos, nos moldes do Holocausto, onde o grupo de pessoas com
deficiência foi um dos primeiros e mais atingidos, conforme demonstram os registros que
apontam mais de 300 mil pessoas com deficiência executadas.3
A união da sociedade internacional importa à criação de documentos e órgãos que
estabelecem o novo norte da sociedade ocidental, o respeito e a defesa dos direitos humanos.
Nesse sentido, concebem-se a Carta de São Francisco, e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, presente nesta, a universalização dos direitos fundamentais: “Todos os seres
humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de
consciência, devem agir uns para com os outros com espírito de fraternidade”, o que é
lembrado por Noberto Bobbio, conforme abaixo
“Os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se
como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena
realização como direitos positivos universais. A Declaração Universal contém em
germe a síntese de um movimento dialético, que começa pela universalidade
abstrata dos direitos naturais, transfigura-se na particularidade concreta dos direitos
positivos, e termina na universalidade não mais abstrata, mas também ela concreta,
dos direitos positivos universais”4
Há que se pensar, no contexto, na (in)viabilidade de hipóteses de sistema
internacional que corrobore políticas de Estado higienistas, considerado que toda pessoa é
titular do direito à vida digna. Neste sentido, aponta a professora Flávia Piovesan que
“Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus
3
LIFTON, Robert Jay. The Nazi doctors: Medical killing and the psychology of genocide. New York: Basic Books,
1986.
4
BOBBIO, Norberto. Era dos direitos. Elsevier Brasil, 2004, p. 19.
359
nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua
soberania.”5
Com a evolução da sociedade internacional, a organização de novos órgaos
internacionais e a regulamentação de novos tratados, acordos e convenções, surgem os
documentos voltados à promoção e garantia de direitos de grupos específicos. Estes
documentos compõem o Sistema Especial de Direitos Humanos, que tem por objetivo a
proteção de grupos e pessoas em situação de vulnerabilidade.
O Sistema Especial de Direitos Humanos consiste na ideia de que os direitos de grupos
vulneráveis busca a sua defesa por meio de ações afirmativas. A plena aplicação de ações
afirmativas exige o enfrentamento do tradicional conceito de igualdade, matéria esta
explicada pela professora Flávia Piovesan a partir de três vertentes de igualdade, as quais
apreciadas, conjuntamente, compõem a amplitude do conceito a ser adotado no sistema
especial de direitos humanos, conforme exposto, a seguir:
a) a igualdade formal, reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei” (que, ao
seu tempo, foi crucial para abolição de privilégios); b) a igualdade material,
correspondente ao ideal de justiça social e distributiva (igualdade orientada pelo
critério sócio-econômico); e c) a igualdade material, correspondente ao ideal de
justiça enquanto reconhecimento de identidades (igualdade orientada pelos critérios
de gênero, orientação sexual, idade, raça, etnia e demais critérios).”6
Recorda-se, por um viés, de importantes tratados internacionais, concebidos sobre a
matéria, entre os quais a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação Racial, de 1965; a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher, de 1979; a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, de 2007; e a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas
as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência; de 2001.
Por outro viés, os documentos mais recentes estabelecem que o cerne da defesa do
grupo das Pessoas com Deficiência está na necessidade de proteção e garantia de direitos
5
PIOVESAN, Flávia Cristina. Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos. I Colóquio Internacional de
Direitos Humanos. São Paulo, Brasil, 2001. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/
sip/textos/a_pdf/piovesan_sip.pdf. Acesso em: 24 abr. 2019.
6
PIOVESAN, Flávia. Ações afirmativas no Brasil: desafios e perspectivas. Revista Estudos Feministas, v. 16, p. 887896, 2008.
360
acerca da relação deste grupo com o meio em que vive, e com a própria sociedade, situação
essa, assim, orientada pelo professor André de Carvalho Ramos:
“A invisibilidade no que tange aos direitos das pessoas com deficiência é
particularmente agravada pela separação existente entre elas e o grupo social
majoritário, causada por barreiras físicas e sociais. Mesmo quando há notícia pública
da marginalização, há ainda o senso comum de que tal marginalização é fruto da
condição individual e não do contexto social.”7
Em 1975, a ONU elabora a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes,
considerada, na época, como marco na defesa dos interesses do grupo. Com o passar dos
anos, porém, diversos conceitos, tanto no sistema jurídico, como na pesquisa das
necessidades da Pessoa com Deficiência, passaram por consideráveis atualizações, e a
declaração se viu defasada em muitos aspectos. Referida defasagem pode ser evidenciada no
texto de seu artigo primeiro, que define os vocábulos “pessoas deficientes”:
“O termo ‘pessoas deficiente’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por
si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social
normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades
físicas ou mentais.”
Buscando deixar a sociedade internacional de direitos humanos na mesma página
que a evolução jurídica, técnica e semântica, em 2007, é concebida a Convenção de Nova
Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência(CDPC), a qual, no bojo do seu artigo
primeiro já revela a possibilidade avanços, em comparação ao tratado que a antecedeu:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas.”
Observa-se que a ideia de se estabelecer a deficiência, apenas em interação com um
meio inadequado, revoluciona todo o sistema de proteção à Pessoa com Deficiência,
considerado que, entre os avanços, encontra-se a adoção do conceito de desenho universal,
criado na área do desenho industrial, como uma das principais ferramentas de superação dos
obstáculos relacionados à imposição de dificuldades ao grupo das Pessoas com Deficiência.
7
DE CARVALHO RAMOS, André. Curso de direitos humanos. Saraiva Educação SA, 2020, p. 273.
361
A Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define,
no seu artigo 2º, o desenho universal como “a concepção de produtos, ambientes, programas
e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade
de adaptação ou projeto específico”, conceito este, assim interpretado por Vinicius Hsu Cleto8:
“O desenho universal é esforço pela plena acessibilidade de bens, serviços e espaços.
Conceitualmente, dispensa novas modificações, uma vez que qualquer pessoa,
independentemente de eventual deficiência de que padecesse, poderia desfrutar da
oferta disponibilizada. Em vez de dispender finanças com modificações, entes
públicos e privados buscam, já na fase de planejamento, desenho que elimine a
barreira ao uso”.
2 A CONVENÇÃO NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO E A LEI BRASILEIRA DE
INCLUSÃO
A vigente Constituição da República Federativa do Brasil (1988) adota sistema
receptivo de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos. O parágrafo 2°, do
artigo 5° da Constituição Federal determina a ampliação do rol de direitos fundamentais por
meio de tratados internacionais. Já, o
parágrafo 3°, incluído por meio da emenda
constitucional n° 45, de 8 de dezembro 2004, prevê o caráter constitucional dos tratados
internacionais sobre direitos humanos, aprovados por quórum de emenda constitucional.
Essa segunda hipótese apoia o entendimento do caráter constitucional da Convenção de Nova
Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, caráter este reafirmado pelo ministro
Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal, por meio do relatório do julgamento da Ação
Direta de Inconstitucionalidade 5357, conforme anotado, a seguir:
“A edição do decreto seguiu o procedimento previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição
da República, o que lhe confere status equivalente ao de emenda constitucional,
reforçando o compromisso internacional da República com a defesa dos direitos
humanos e compondo o bloco de constitucionalidade que funda o ordenamento
jurídico pátrio”
O reconhecimento da efetividade da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência ocorre por meio do Congresso Nacional que aprova, em 2015, a Lei
nº 13.146, denominada Lei Brasileira de Inclusão (LBI), cuja teleologia guarda correspondência
8
Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direitos-humanos/a-convencao-de-nova-iorque-e-oestatuto-da-pessoa-com-deficiencia-ordenamento-brasileiro-e-politicas-publicas/amp/. Acesso em: 31 out. 2021.
362
com referida Convenção, além de trazer inovações relacionadas ao desenho universal e sua
aplicação por meio de políticas públicas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a nova Lei
abrange inúmeras referências dispostas na Convenção de Nova Iorque, adotando, inclusive,
similar conceito do instituto do desenho universal ”(...) concepção de produtos, ambientes,
programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou
de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva (...)”.
Importante ressaltar que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) adota a mesma definição
que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPC) utiliza para caracterizar
a Pessoa com Deficiência. Reforça-se, ainda, que a LBI, aderindo ao conteúdo da definição,
trazida pela CDPC, detalha o conceito de “barreiras”, em seu artigo terceiro, apresentando as
barreiras urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações, as atitudinais e as
tecnológicas, definindo-as na busca de melhor compreensão dos obstáculos, os quais
demandam maior atenção do poder público.
A LBI estabelece o desenho universal como regra geral de políticas urbanas: no
parágrafo primeiro, do artigo 55, e seu parágrafo seguinte, subsidiariamente, determina
adaptações razoáveis, regra esta refletida em todas as políticas públicas voltadas às Pessoas
com Deficiência, como se extrai do texto do artigo 32, que dispõe sobre a garantia de
ambiente acessível nos programas habitacionais públicos ou subsidiados com recursos
públicos, em harmonia com os §1º e 2º do artigo 55 - entendendo-se que na compreensão da
acessibilidade está contida a regra geral da adoção do desenho universal e, subsidiariamente,
a adoção de adaptações razoáveis.
Ressalta-se que, anteriormente à Lei Brasileira de Inclusão, o Decreto nº 5.296 de
2004, já estabelecia normas gerais e critérios básicos à promoção da acessibilidade das
pessoas com deficiência em ambientes públicos e, em seu artigo 10, a concepção e a
implantação dos projetos arquitetônicos e urbanísticos devendo observar os princípios do
desenho universal.
363
3 A LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO E O DESENHO UNIVERSAL NAS DIVERSAS ÁREAS DO
DIREITO BRASILEIRO
Os princípios e regras gerais trazidos ao sistema constitucional brasileiro, por meio
da CDPC e regulamentada pela LBI, impõem nova leitura de dispositivos de diversas áreas do
direito brasileiro.
Pontua-se, a respeito das políticas urbanas relacionadas ao Estatuto da Cidade (Lei
nº 10.257 de 2001), que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição da República
Federativa do Brasil, e estabelece diretrizes gerais da política urbana. Define o plano diretor
como principal instrumento de aplicação de políticas urbanas, conforme a redação de seu
artigo 40: “O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana”.
Cabe ao plano diretor executar as diretrizes do Estatuto da Cidade, conforme os
artigos 182 e 183 da Constituição da República Federativa do Brasil. Conforme já observado,
acerca da Lei Brasileira de Inclusão, as políticas públicas estabelecidas pelo Plano Diretor
devem sempre respeitar os §1º e 2º, do artigo 55 da LBI, que apresentam como regra geral a
adoção do desenho universal e, subsidiariamente, a adoção de adaptações razoáveis para
pessoas com deficiência.
Encontram-se, no campo da educação, interpretações verticalizadas relacionadas aos
dispositivos do sistema educacional, no âmbito da criança e do adolescente. Nessa linha, a Lei
nº 13.257, de 08 de março de 2016, a Lei da Primeira Infância, determina no texto do artigo
4º, inciso III, que as políticas públicas voltadas ao atendimento das crianças, na primeira
infância, devem observar o respeito e a valorização da diversidade, quando aplicadas.
Sobre o sistema educacional, a Lei Brasileira de Inclusão, recepcionando os conceitos
da Convenção de Nova Iorque, nos seus artigos 28 ao 30, dispõe sobre a necessidade de um
ambiente escolar inclusivo, determinando a exclusão de barreiras físicas, sociais e
educacionais, a partir da adoção do desenho universal nos projetos arquitetônicos escolares,
adaptações para acessibilidade nos estabelecimentos escolares incompatíveis com um
ambiente inclusivo e oferta de cursos bilíngues com LIBRAS.
364
Ora, é evidente que a leitura das previsões da Lei da Primeira Infância devem estar
em harmonia com os preceitos da LBI, trazidos ao sistema constitucional Brasileiro pela CDPC,
o que denota que o atendimento à criança na primeira infância, principalmente no
concernente ao sistema educacional, deve ser realizado no sentido de se excluir toda e
qualquer barreira, aplicando-se sempre como regra geral o desenho universal e a educação
universal.
Sobre o assunto, retoma-se a já citada Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5357,
em que a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), entendendo
que os artigos 28, 29 e 30 da LBI, violavam a previsão do artigo 208, inciso III da Constituição
da República Federativa do Brasil, entra com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo
Tribunal Federal, alegando a inconstitucionalidade, questionando, a Conefen, a
impossibilidade do repasse de eventuais gastos aos alunos com deficiência. O artigo
constitucional, em questão, dispõe ser função do Estado cuidar da inclusão da pessoa com
deficiência no ambiente escolar, situação está reforçada pelo Ministro Relator Edson Fachin,
que afirma:
“Tais requisitos, por mandamento constitucional, aplicam-se a todos os agentes
econômicos, de modo que há verdadeiro perigo inverso na concessão do pedido.
Perceba-se: corre-se o risco de se criar às instituições particulares de ensino odioso
privilégio do qual não se podem furtar os demais agentes econômicos. Privilégio
odioso porque oficializa a discriminação”.
Observa-se assim, que a aplicação da Lei Brasileira de Inclusão e da Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência, encontra-se respaldada pela jurisprudência de nossa
corte constitucional que, conforme já observado, reconhece o caráter constitucional dos
dispositivos. Nesse sentido, torna-se imperioso observar-se a maneira como o nosso sistema
constitucional se torna mais plural a cada decisão similar e a cada inclusão de novo documento
internacional de defesa dos direitos humanos.
4 A PLURALIDADE DO SISTEMA CONSTITUCIONAL E A INCLUSÃO DE DOCUMENTOS
INTERNACIONAIS
A presente pesquisa procura trazer à baila elementos de identificação do atual
sistema constitucional, reconhecendo que o seu alcance supera o documento formal,
365
designado como Constitutição da República Federativa do Brasil, porque se reconhece como
plural, transnacional e multinível, atentando ao conteúdo das teorias que se referem sobre
referido fenômeno. Nesta linha, a teoria dos sistemas analisa este fenômeno por meio da
relação entre os sistemas jurídico, econômico e político, revelando que ela acontece por meio
abertura pontual dos referidos sistemas, enquanto herméticos em seu autodesenvolvimento
e abertos em sua comunicação, ocorrendo o contato mútuo, como instrumento de
acoplamento estrutural, autorizado pelo texto constitucional .9 Esta abertura também pode
ser observada em âmbito transnacional, tornando-se as Constituições instrumentos de
contato entre os diferentes níveis de ordenamentos jurídicos globais, como se observa na
relação entre a CDPC e o sistema constitucional brasileiro.
A teoria do pensamento complexo pode revelar que as Constituições são elaboradas
e emendadas objetivando serem interpretadas dentro de um sistema complexo, que
compreende muito mais do que apenas os textos das Constituições. Esta pluralidade de
relações e ordenamentos, que formam este tecido complexo, e que compõem o sistema
constitucional, vai além de sistemas comunicativos, alcançando todos os níveis, local,
nacional, regional e global, sem estabelecer nenhuma maneir de hierarquização das relações,
que ocorrem de maneira mútua.10 Nesse sentido, pode-se pensar o direito como uma “rede
transversal construtiva”.11 Esta rede complexa e integrada, formada por uma pluralidade de
instituições e uma diversidade de sistemas jurídicos, articula-se em vários níveis normativos12,
os quais não observam hierarquias, entre si, e se guiam conforme o bem jurídico de maior
valor a ser protegido.
Seguindo-se a linha da proteção da dignidade da pessoa humana como bem de maior
valor jurídico a ser considerado, na leitura do direito, enquanto rede complexa de sistemas
jurídicos de diversos níveis, pode-se adotar o princípio “pró-homine”, ou princípio “própersona”, que coloca o ser humano no centro de todas as discussões, e o afasta do conceito
de sujeito abstrato estabelecido na modernidade jurídica, sendo possível fixa-lo nos grupos
9
FEBBRAJO, Alaberto; Sociologia do Constitucionalismo. Curitiba: Juruá Editora, 2016.
MORIN, Edgar; LISBOA, Eliane. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2015.
11
NEVES, Marcelo. Do diálogo entre as cortes supremas e a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao
transconstitucionalismo na América Latina. Revista de informação legislativa, v. 51, n. 201, p. 198, 2014.
12
FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: teoría del derecho y de la democracia: 2. Teoría de la democracia. Principia
iuris, p. 475, 2013.
10
366
vulneráveis, principais alvos das mazelas de uma sociedade moderna, que constantemente se
vêem à margem do debate jurídico.13
Por meio de referidas teorias torna-se possível realizar-se leitura mais ampla do
alcance da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em nosso ordenamento,
e assim compreender a importância da aplicação de seus dispositivos, tais como o desenho
universal, a partir do sistema constitucional nacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa revela que a pós-modernidade coloca todos em cenário que não permite
mais a convivência com amarras hierárquicas tradicionais. O movimento positivista e suas
correntes filosóficas, relevadas pela sociedade, no início do sécul XX, vem sendo superado,
fato este que se reporta, principalmente à corrente normativista, o que implica tentativa de
melhor compreender o mundo complexo do século XXI, procedendo-se, assim, diferente e
atualizado desenvolvimento de sistema sociojurídico, que constenha as complexidades da
contemporaneidade.
Nesse sentido, a inovação trazida pela Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, com a concepção do Desenho Universal, como ferramenta jurídica
de garantia dos direitos do grupo da Pessoa com Deficiência na aplicação de políticas públicas,
representa verdadeira harmonia com a complexidade do século XXI.
A sociedade internacional, e por consequência, o sistema constitucional nacional,
deve compreender que não se pode garantir a defesa da Pessoa com Deficiência observandose apenas o indivíduo, mas também, deve considerar os elementos de uma sociedade
complexa, em que a melhor solução está na concepção de um meio que esteja preparado para
tal complexidade.
Referida visão complexa da sociedade e do sistema jurídico mostra-se como caminho
viável à aplicação de institutos como o desenho universal no meio urbano e a educação
universal no sistema de ensino.
13
FACHIN, Melina Girardi. Constitucionalismo multinível: diálogos e (m) direitos humanos. Revista Ibérica do
Direito, v. 1, n. 1, p. 56, 2020.
367
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