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Anderson Catapan (Organizador) Temas emergentes voltados para as ciências sociais Vol. 01 Brazilian Journals Editora 2022 2022 by Brazilian Journals Editora Copyright © Brazilian Journals Editora Copyright do Texto © 2022 Os Autores Copyright da Edição © 2022 Brazilian Journals Editora Editora Executiva: Barbara Luzia Sartor Bonfim Catapan Diagramação: Aline B. Coelli Edição de Arte: Aline B. Coelli Revisão: Os Autores O conteúdo dos livros e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Conselho Editorial: Profª. Drª. Fátima Cibele Soares - Universidade Federal do Pampa, Brasil Prof. Dr. Gilson Silva Filho - Centro Universitário São Camilo, Brasil Prof. Msc. Júlio Nonato Silva Nascimento - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil Profª. Msc. Adriana Karin Goelzer Leining - Universidade Federal do Paraná, Brasil Prof. Msc. Ricardo Sérgio da Silva - Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Prof. Esp. Haroldo Wilson da Silva - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Prof. Dr. Orlando Silvestre Fragata - Universidade Fernando Pessoa, Portugal Prof. Dr. Orlando Ramos do Nascimento Júnior - Universidade Estadual de Alagoas, Brasil Profª. Drª. Angela Maria Pires Caniato - Universidade Estadual de Maringá, Brasil Profª. Drª. Genira Carneiro de Araujo - Universidade do Estado da Bahia, Brasil Prof. Dr. José Arilson de Souza - Universidade Federal de Rondônia, Brasil Profª. Msc. Maria Elena Nascimento de Lima - Universidade do Estado do Pará, Brasil Prof. Caio Henrique Ungarato Fiorese - Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Profª. Drª. Silvana Saionara Gollo - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil Profª. Drª. Mariza Ferreira da Silva - Universidade Federal do Paraná, Brasil Prof. Msc. Daniel Molina Botache - Universidad del Tolima, Colômbia Prof. Dr. Armando Carlos de Pina Filho- Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Prof. Dr. Hudson do Vale de Oliveira- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima, Brasil Profª. Msc. Juliana Barbosa de Faria - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil Profª. Esp. Marília Emanuela Ferreira de Jesus - Universidade Federal da Bahia, Brasil Prof. Msc. Jadson Justi - Universidade Federal do Amazonas, Brasil Profª. Drª. Alexandra Ferronato Beatrici - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil Profª. Msc. Caroline Gomes Mâcedo - Universidade Federal do Pará, Brasil Prof. Dr. Dilson Henrique Ramos Evangelista - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Brasil Prof. Dr. Edmilson Cesar Bortoletto - Universidade Estadual de Maringá, Brasil Prof. Msc. Raphael Magalhães Hoed - Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Brasil Profª. Msc. Eulália Cristina Costa de Carvalho - Universidade Federal do Maranhão, Brasil Prof. Msc. Fabiano Roberto Santos de Lima - Centro Universitário Geraldo di Biase, Brasil Profª. Drª. Gabrielle de Souza Rocha - Universidade Federal Fluminense, Brasil Prof. Dr. Helder Antônio da Silva, Instituto Federal de Educação do Sudeste de Minas Gerais, Brasil Profª. Esp. Lida Graciela Valenzuela de Brull - Universidad Nacional de Pilar, Paraguai Profª. Drª. Jane Marlei Boeira - Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Brasil Profª. Drª. Carolina de Castro Nadaf Leal - Universidade Estácio de Sá, Brasil Prof. Dr. Carlos Alberto Mendes Morais - Universidade do Vale do Rio do Sino, Brasil Prof. Dr. Richard Silva Martins - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul Rio Grandense, Brasil Profª. Drª. Ana Lídia Tonani Tolfo - Centro Universitário de Rio Preto, Brasil Prof. Dr. André Luís Ribeiro Lacerda - Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Prof. Dr. Wagner Corsino Enedino - Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Profª. Msc. Scheila Daiana Severo Hollveg - Universidade Franciscana, Brasil Prof. Dr. José Alberto Yemal - Universidade Paulista, Brasil Profª. Drª. Adriana Estela Sanjuan Montebello - Universidade Federal de São Carlos, Brasil Profª. Msc. Onofre Vargas Júnior - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano, Brasil Profª. Drª. Rita de Cássia da Silva de Oliveira - Universidade do Estado do Pará, Brasil Profª. Drª. Leticia Dias Lima Jedlicka - Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Brasil Profª. Drª. Joseina Moutinho Tavares - Instituto Federal da Bahia, Brasil Prof. Dr. Paulo Henrique de Miranda Montenegro - Universidade Federal da Paraíba, Brasil Prof. Dr. Claudinei de Souza Guimarães - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Profª. Drª. Christiane Saraiva Ogrodowski - Universidade Federal do Rio Grande, Brasil Profª. Drª. Celeide Pereira - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil Profª. Msc. Alexandra da Rocha Gomes - Centro Universitário Unifacvest, Brasil Profª. Drª. Djanavia Azevêdo da Luz - Universidade Federal do Maranhão, Brasil Prof. Dr. Eduardo Dória Silva - Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Profª. Msc. Juliane de Almeida Lira - Faculdade de Itaituba, Brasil Prof. Dr. Luiz Antonio Souza de Araujo - Universidade Federal Fluminense, Brasil Prof. Dr. Rafael de Almeida Schiavon - Universidade Estadual de Maringá, Brasil Profª. Drª. Rejane Marie Barbosa Davim - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Prof. Msc. Salvador Viana Gomes Junior - Universidade Potiguar, Brasil Prof. Dr. Caio Marcio Barros de Oliveira - Universidade Federal do Maranhão, Brasil Prof. Dr. Cleiseano Emanuel da Silva Paniagua - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, Brasil Profª. Drª. Ercilia de Stefano - Universidade Federal Fluminense, Brasil Prof. Msc. Marcelo Paranzini - Escola Superior de Empreendedorismo, Brasil Prof. Msc. Juan José Angel Palomino Jhong - Universidad Nacional San Luis Gonzaga Ica, Perú Prof. Dr. Edson da Silva - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil Prof. Dr. João Tomaz da Silva Borges - Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, Brasil Profª Drª Consuelo Salvaterra Magalhães - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil Prof. Dr. José Gpe. Melero Oláguez - Instituto Tecnológico Nacional de México, Cidade do México Prof. Dr. Adelcio Machado - Universidade Alto Vale do Rio do Peixe, Brasil Profª Drª Claudia da Silva Costa - Centro Universitário Planalto do Distrito Federal, Brasil Profª. Msc. Alicia Ravelo Garcia - Universidad Autónoma de Baja California, México Prof. Dr. Artur José Pires Veiga - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil Profª Drª María Leticia Arena Ortiz - Universidad Nacional Autónoma de México, México Profª Drª Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás - IFG, Brasil Profª Drª Muriel Batista Oliveira - Faculdade de Ciências Contábeis de Nova Andradina, Brasil Prof. Dr. José Amilton Joaquim - Universidade Eduardo Mondlane, Brasil Prof. Msc. Alceu de Oliveira Toledo Júnior - Universidade estadual de Ponta Grossa, Brasil Prof. Dr. Márcio Roberto Rocha Ribeiro - Universidade Federal de Catalão, Brasil Prof. Dr. Alecson Milton Almeida dos Santos - Instituto Federal Farroupilha, Brasil Profª. Msc. Sandra Canal - Faculdade da Região Serrana, Brasil Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C357t Catapan, Anderson Temas emergentes voltados para as ciências sociais / Anderson Catapan. São José dos Pinhais: Editora Brazilian Journals, 2022. 683 p. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web Inclui: Bibliografia ISBN: 978-65-81028-48-0. 1. Sociais. 2. Política. I. Catapan, Anderson II. Título Brazilian Journals Editora São José dos Pinhais – Paraná – Brasil www.brazilianjournals.com.br editora@brazilianjournals.com.br APRESENTAÇÃO A obra intitulada “Temas emergentes voltados para as ciências sociais vol.01”, publicada pela Brazilian Journals Publicações de Periódicos e Editora, apresenta um conjunto de trinta e cinco capítulos com diversas temáticas do conhecimento da área de ciências sociais. Dentre os artigos discorridos está um estudo que tem por proposta analisar as estratégias de propaganda utilizadas pelo presidente Jair Messias Bolsonaro durante a campanha eleitoral e governo. Assim como um artigo com intuito de discutir a alteridade como fator determinante de reconstituição da identidade do adolescente em conflito com a lei. Outro assunto abordado é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com um trabalho que tem entre seus objetivos a finalidade de realizar um levantamento histórico acerca do processo legislativo que culminou na criação da LGPD, com enfoque especial nas condições de produção, nos sujeitos participantes e nas narrativas adotadas ao longo do processo legislativo. Ainda um trabalho que visa explorar quais os principais indicadores sustentáveis necessários para que as edificações estejam alinhadas ao conceito de cidade resiliente promovendo a cultura e efetivação de construções de prédios inteligentes, inserção de tecnologias modernas e eficientes. Também é retratada uma discussão acerca da contribuição de Clemente Romano na formação cristã do século I d. C., por volta de 92 a 96. Além disso um estudo que debate como o papel do líder na gestão de conflitos afeta o comportamento de uma empresa de tecnologia da informação, entre outros trabalhos. Por fim, gostaríamos de agradecer os autores que colaboraram para a construção desse livro, com tanto empenho e capricho. Esperamos que está obra possa orientar pesquisadores, docentes, estudantes e gestores na compreensão e debate dos temas relevantes para a área de ciências sociais. Boa leitura! Prof. Dr. Anderson Catapan SUMÁRIO CAPÍTULO 01 .......................................................................................................... 13 O DISCURSO DO INIMIGO: ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO DO PRESIDENTE DO BRASIL Maria Vitória Rocha Katia Maria Belisário DOI:10.35587/brj.ed.0001578 CAPÍTULO 02 .......................................................................................................... 29 A MERCÊ PASSAGEIRA DE INSTANTES QUE NÃO DURAM: AS REPRESENTAÇÕES DA MORTE NA POESIA DE RICARDO REIS Murillo Hochuli Castex Luiz Rogério Camargo DOI:10.35587/brj.ed.0001579 CAPÍTULO 03 .......................................................................................................... 46 ANÁLISE CRÍTICA DA LINGUAGEM NEUTRA COMO INSTRUMENTO DE RECONHECIMENTO DE DIREITOS DAS PESSOAS LGBTQIA+ Fabíola Sucasas Negrão Covas Lucas Martins Bergamini DOI:10.35587/brj.ed.0001580 CAPÍTULO 04 .......................................................................................................... 68 A ALTERIDADE NA RECONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Valdeir Cesário dos Santos Cerise de Castro Campos Maurides Macêdo DOI:10.35587/brj.ed.0001581 CAPÍTULO 05 .......................................................................................................... 79 PARTICIPAÇÃO E PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS DE MEDICINA DA UNISA EM LIGAS ACADÊMICAS Talita Eliziário Bígoli Rafael Arantes Nathalia Bavaresco Gonçalves Cristóvão André Bavaresco G Cristóvão Paula Helena Gonçalves Cristóvão Júlio Cesar Massonetto Júlio César André Helena Landim Gonçalves Cristóvão DOI:10.35587/brj.ed.0001582 CAPÍTULO 06 ........................................................................................................ 108 ANÁLISE BIBLIOMÉTRICA DOS ARTIGOS DA BASE DE DADOS DA SCOPUS SOBRE A PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA DA COVID-19 Tiago Rodrigo Lutzer Tizotte Nelson José Thesing Fabiana Baptista Meurer Gomes DOI:10.35587/brj.ed.0001583 CAPÍTULO 07 ........................................................................................................ 127 FERRAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE UTILIZADAS PELAS EMPRESAS COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA EM TEMPOS PANDÊMICOS Virginia Tomaz Machado Pavlova Christinne Cavalcanti Lima Ícaro Ramalho Dionísio Marcelo Oliveira Feitosa Fernando Antônio Portela da Cunha Luiz Carlos Machado de Souza Filho DOI:10.35587/brj.ed.0001584 CAPÍTULO 08 ........................................................................................................ 149 TELEFONIA DE BAIXO CUSTO (TBC) BASEADA NO PROTOCOLO IP PARA A UEMA E SECRETARIAS DO GOVERNO DO ESTADO (PROJETO VOIP UEMA) Carlos Henrique Rodrigues de Oliveira Luiz Ricardo Souza Ripardo Magno Castro Moraes Luis Carlos Costa Fonseca DOI:10.35587/brj.ed.0001585 CAPÍTULO 09 ........................................................................................................ 160 THE INFLUENCE OF SOCIO-SPATIAL SEGREGATION ON URBAN MOBILITY INDICATORS: THE CASE OF BELÉM – PA Maisa Sales Gama Tobias Verena Coelho Lobão Azevedo Marco Aurélio Arbage Lobo DOI:10.35587/brj.ed.0001586 CAPÍTULO 10 ........................................................................................................ 176 IMPACTO DA PSORÍASE EM ÁREAS ESPECIAIS NA QUALIDADE DE VIDA E A PERSPECTIVA DE TRATAMENTOS MAIS PROMISSORES: REVISÃO NARRATIVA Luísa Gouveia Alves Moraes Kenderly Camila Baltokoski Giovanna Moysés Ruth Cordeiro do Rosário Isabela Possari Librelotto Amanda Vieira Serrano Natália Pastorello Ariadne Bonachela de Moura Domingos Jordão Neto DOI:10.35587/brj.ed.0001587 CAPÍTULO 11 ........................................................................................................ 195 O DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS: EMPODERAR PARA EFETIVAR Pablo Rangell Mendes Rios Pereira DOI:10.35587/brj.ed.0001588 CAPÍTULO 12 ........................................................................................................ 212 O REGISTRO DE IMÓVEIS E A INFORMAÇÃO AMBIENTAL Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva Marcelo Buzaglo Dantas Sheyla Campos Pinheiro Zenildo Bodnar DOI:10.35587/brj.ed.0001589 CAPÍTULO 13 ........................................................................................................ 233 EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004: UMA ANÁLISE SOB O PRISMA DA PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS Igor Gava Mareto Calil Lara Abreu Assef Luma Vilela Ramos Fonseca DOI:10.35587/brj.ed.0001590 CAPÍTULO 14 ........................................................................................................ 253 INDICADORES SUSTENTÁVEIS PARA EDIFICAÇÕES EM PROL DA CONSOLIDAÇÃO DO CONCEITO DE CIDADES RESILIENTES Rosana Campos dos Santos Maria Teresa Gomes Barbosa Amanda Rodrigues da Silva Oliveira Mariana de Athayde Salomão DOI:10.35587/brj.ed.0001591 CAPÍTULO 15 ........................................................................................................ 273 ESTRANHOS NA PÁTRIA: UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA DA VIOLÊNCIA CONTRA REFUGIADOS Wueslle Thibes dos Santos Vera Lucia da Silva Alves DOI:10.35587/brj.ed.0001592 CAPÍTULO 16 ........................................................................................................ 292 UMA REVERBERAÇÃO DO IDEÁRIO BRITÂNICO NO BRASIL: O GREEN-BELT DE MARINGÁ E O GREEN-WEDGE DE CIANORTE Layane Alves Nunes Igor José Botelho Valques Giovani Lemos Damasio André Luis Pagnussat DOI:10.35587/brj.ed.0001593 CAPÍTULO 17 ........................................................................................................ 313 HOUSING IN PORTUGAL (1992-2008) A MULTIDIMENSIONAL PERSPECTIVE ON THE BEHAVIOUR OF ECONOMIC AGENTS António Duarte Santos Guilherme Castela Iris Lopes Nelson Silva DOI:10.35587/brj.ed.0001594 CAPÍTULO 18 ........................................................................................................ 331 CLEMENTE ROMANO E A I CARTA AOS CORINTIOS: O TEMPO, O HOMEM E A MISSÃO Marcia Elieder Bolonhez Meneguetti Roseli Gall do Amaral da Silva Prof. Dr. José Joaquim Pereira Melo DOI:10.35587/brj.ed.0001595 CAPÍTULO 19 ........................................................................................................ 354 COMPROMETIMENTO, LIDERANÇA E VALORES COMO FATORES DE INFLUÊNCIA NA QUALIDADE DE VIDA EM UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO Marcos Vinícius de Souza Toledo Bruno de Souza Toledo Karina Dutra de Carvalho Lemos Mário Teixeira Reis Neto DOI:10.35587/brj.ed.0001596 CAPÍTULO 20 ........................................................................................................ 377 COMO O PAPEL DO LÍDER NA GESTÃO DE CONFLITOS AFETA O COMPORTAMENTO EM UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Bruno de Souza Toledo Marcos Vinícius de Souza Toledo Karina Dutra de Carvalho Lemos Mário Teixeira Reis Neto DOI:10.35587/brj.ed.0001597 CAPÍTULO 21 ........................................................................................................ 394 AO DISCURSO NEGACIONISTA/RELIGIOSO E CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA – COVID-19 Priscila Figueiredo Miranda Rabello Joana d’Arc Araújo Silva Heloisio Costa de Oliveira Onildo de Souza Moraes Monique Ludugério Garcia Luciene Sipriano DOI:10.35587/brj.ed.0001598 CAPÍTULO 22 ........................................................................................................ 409 ANÁLISE DAS PRÁTICAS DE INTRODUÇÃO ALIMENTAR DE MÃES RESIDENTES EM BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL Ana Isabelly Siqueira Camila Araújo da Silva Jessica Louranny Oliveira Rocha Bruna Nascimento da Silva Ramyne de Castro da Paz Antônio José de Rezende Renata Costa Fortes DOI:10.35587/brj.ed.0001599 CAPÍTULO 23 ........................................................................................................ 425 NOOPOLÍTICA DO CONSUMO: ALGUMAS PISTAS EM DELEUZE, GUATTARI E LAZZARATO Frederico Augusto Tavares Junior Patrícia Magalhães Bevilaqua Carine Morrot de Oliveira Villasanti Flávia Costa Rocha de Assis Fonseca Andrea Maria Bruxellas Lucas Rodriguez DOI:10.35587/brj.ed.0001600 CAPÍTULO 24 ........................................................................................................ 444 GRANDES EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS NA AMAZÔNIA: ESTUDO DO DINAMISMO ESPACIAL DA ORLA DA CIDADE DE FERREIRA GOMES, AMAPÁ, BRASIL Jacy Soares Corrêa Neto Valmor Cerqueira Pazos Lenildo Santos da Silva José Marcelo Martins Medeiros Marta Adriana Bustos Romero DOI:10.35587/brj.ed.0001601 CAPÍTULO 25 ........................................................................................................ 464 O PROFISSIONAL E SUA ATUAÇÃO SOBRE A OPTICA DA INOVAÇÃO Ana Cristina Brandão Ribeiro Silva DOI:10.35587/brj.ed.0001602 CAPÍTULO 26 ........................................................................................................ 478 CIDADES SITIADAS: REPRESENTAÇÕES DO MEDO DA MORTE E DAS ENFERMIDADES NA PANDEMIA DO COVID-19 E NAS CHARGES DO FINAL DO SÉCULO XIX NO BRASIL Élcia de Torres Bandeira DOI:10.35587/brj.ed.0001603 CAPÍTULO 27 ........................................................................................................ 492 CONNECTED CITIES IN SOCIAL ISOLATION: IMPACT OF THE FOURTH INDUSTRIAL REVOLUTION FACING PANDEMIC Fábio Luis Fernandes Azarias Lia Toledo Moreira Mota Regina Márcia Longo DOI:10.35587/brj.ed.0001604 CAPÍTULO 28 ........................................................................................................ 505 COMO AS MARCAS UTILIZAM O ESPORTE PARA GANHAR VISIBILIDADE Caio Gabriel Peixoto Travassos Carlos Leonardo Gomes Vidal DOI:10.35587/brj.ed.0001605 CAPÍTULO 29 ........................................................................................................ 526 ESTRATÉGIA COMPLEMENTAR DE ATENDIMENTO À SAÚDE NA CIDADE RIBEIRINHA DE MANICORÉ-AMAZONAS Eliane Patrícia Cervelatti Amanda Kaori Hamamoto Caroline Mohr Júlia Loli Barbosa Mariana Toshie Brufatto Sumita DOI:10.35587/brj.ed.0001606 CAPÍTULO 30 ........................................................................................................ 542 A PESQUISA-AÇÃO EM ANAIS DO SIMPEP (2007-2016): REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SISTEMÁTICA Vera Mariza Henriques de Miranda Costa Isaque Pereira de Almeida DOI:10.35587/brj.ed.0001607 CAPÍTULO 31 ........................................................................................................ 562 FORMAÇÃO ÉTICO-ESTÉTICA EM PLATÃO, SCHILLER E FREIRE: A KALOKAGATHIA, O IMPULSO LÚDICO E A BONITEZANA FORMAÇÃO DO SUJEITO AUTÔNOMO Ivys de Alcântara Silva Sandro Melo Batalha Cardoso Damião Bezerra Oliveira DOI:10.35587/brj.ed.0001608 CAPÍTULO 32 ........................................................................................................ 582 DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS OBRIGATÓRIAS: APONTAMENTOS E PROJEÇÕES PARA TOMADA DE DECISÃO ORGANIZACIONAL Daniel Carneiro de Sousa Gleydson Vieira da Hora Kelly Cristina dos Reis Cavalcante DOI:10.35587/brj.ed.0001609 CAPÍTULO 33 ........................................................................................................ 601 A BUSCA DO RE(CONHECER) DA NOSSA CULTURA E IDENTIDADE Soenil Clarinda de Sales João Clarindo da Silva Silvia Aparecida Maschio Maria Conceição de Campos Cunha Bortoncello Elizaneth de Arruda Martins Eubank Natalina Cristina da Costa Nunes Nilson Ferreira da silva Marileide do Carmo Amorim Arruda Eliane Maria de Arruda Souza Leticia Gisele Pinto de Moares Queiroz DOI:10.35587/brj.ed.0001610 CAPÍTULO 34 ........................................................................................................ 609 TRÊS IMPORTANTES PALMEIRAS: DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS À SUSTENTABILIDADE Wilson da Costa Santos Cristina Moll Hüther Patricia Garcia Ferreira Fernando Carvalho da Silva Vitor Francisco Ferreira DOI:10.35587/brj.ed.0001611 CAPÍTULO 35 ........................................................................................................ 661 NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL: RETROCESSO OU OPORTUNIDADE? Matheus Fortunato Barbosa Gomes José Gomes Ferreira Maria Wagna de Araújo Dantas DOI:10.35587/brj.ed.0001633 SOBRE O ORGANIZADOR .................................................................................... 683 CAPÍTULO 01 O DISCURSO DO INIMIGO: ANÁLISE DO DISCURSO POLÍTICO DO PRESIDENTE DO BRASIL Maria Vitória Rocha Formação: graduada em ciência Política - UNB Instituição atual: Universidade de Brasília E-mail marivi.rocha12@gmail.com Katia Maria Belisário Formação: doutorado em jornalismo e sociedade - UNB Instituição de atuação: Universidade de Brasília -UNB Endereço: SQSW 303, Bloco F Apto 305 E-mail: katia.belisario@gmail.com RESUMO: O artigo propõe-se a analisar as estratégias de propaganda utilizadas pelo presidente Jair Messias Bolsonaro durante a campanha eleitoral e governo. As perguntas de pesquisa são: existem semelhanças/diferenças entre as estratégias de propaganda de Bolsonaro e as dos líderes autoritários mundiais? Qual líder/discurso assemelha-se ao do presidente? Analisamos as práticas discursivas do presidente, com base no referencial de marketing, propaganda e da análise do discurso. A metodologia usada foi a análise do discurso proferido na Organização das Nações Unidas (ONU), em 24/09/2019. Os resultados mostram a semelhança entre o discurso da ONU e o de líderes fascistas e o uso das mesmas técnicas criadas pelo Ministro da Propaganda Nazista, Joseph Goebbels, tais como a retórica do inimigo único e a simplificação de temas relevantes. A ‘‘lógica do inimigo’’ está nas falas do líder brasileiro. PALAVRAS-CHAVES: Marketing Político; Propaganda Política; Análise do Discurso; Campanha e Governo. ABSTRACT: The article aims to analyze the propaganda strategies used by President Jair Messias Bolsonaro during his campaign and his government. The research questions are: Are there similarities/differences between Bolsonaro's propaganda strategies and those of world authoritarian leaders? Which leader/speech resembles that of the president? We analyzed the president's discursive practices, based on the framework of marketing, propaganda and the discourse analysis. The methodology used was the discourse analysis of the president speech at the United Nations (UN) on 09/24/2019. The results show the similarity between the UN speech and that of fascist leaders and the use of the same techniques created by the Minister of Nazi Propaganda, Joseph Goebbels, such as the rhetoric of the single enemy and the simplification of relevant themes. The “logic of the enemy’’ is in the speeches of the Brazilian leader. KEYWORDS: Political Marketing; Political advertising; Speech analysis; Campaign and Government. * Trabalho apresentado no GP Políticas e Estratégias de Comunicação do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom 2020, em Salvador/BA, realizado de 01 a 10 de Dezembro de 2020. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 13 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa objetiva compreender as estratégias de propaganda política utilizadas na campanha eleitoral e no governo do Presidente da República do Brasil, Jair Messias Bolsonaro. As perguntas que orientam o estudo são: existem semelhanças/diferenças entre as estratégias de propaganda utilizadas pelo atual presidente do Brasil e as usadas por líderes autoritários? Quais líderes e quais discursos se evidenciam? A metodologia usada consiste na análise do discurso feito pelo presidente Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU), em 24/09/2019. Buscou-se avaliar as semelhanças das falas do discurso com os de líderes autoritários, especificamente com base nos 11 Princípios da Propaganda de Joseph Goebbels, Ministro de Propaganda nazista. A análise do discurso usada foi a da linha francesa que consiste, segundo Duarte e Barros (2012), no método de desconstruir o texto para ter a percepção de como foi construído. A análise de discurso francesa é necessária para que o emissor consiga transmitir a mensagem desejada, e segundo os autores, a mensagem deve ser compreensível por todos para que exista persuasão ou informação. 2. PROPAGANDA POLÍTICA: REVISÃO TEÓRICA Segundo Pereira (2003), a propaganda política tem sua origem entre 1920 a 1940, com a evolução dos meios tecnológicos de comunicação, como imagens, símbolos, e outros transmitidos pela mídia. Ela surgiu, em todo o mundo, a partir da Primeira Guerra Mundial, e mudou as relações entre comunicação e política. Almeida (2016) ressalta que a propaganda política consiste em técnicas ou meios de marketing aplicado à divulgação de ideias, feitas por partidos políticos ou pretendentes a se elegerem candidatos, ambicionando ser bem votados, obterem indicação do candidato nas convenções partidárias e expor seus ideais. Já, a propaganda eleitoral, de acordo com Rollo (2004), é um tipo de propaganda política que busca conquistar votos, porém é autorizada apenas em um tempo determinado de dias do ano da eleição. É por meio dela que os candidatos se apresentam a sociedade, mostram seus partidos e coligações, e demonstram sua linha de pensamento e propostas. Para Guimarães (2007), a propaganda eleitoral é usada Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 14 antecedendo as eleições, como mensagens discursadas sobre suas propostas, de seus feitos em outros cargos, e qualidades, enviadas aos veículos de comunicação. O jornal é, sem dúvida, o veículo de propaganda mais visível, e a evolução do jornal se deu, principalmente, pela redução dos custos, aumento das vendas e melhorias nos transportes para a distribuição dos jornais, além do apoio acelerado das agências de informação. Marosin (2010) cita que ‘‘O livro e, depois o jornal, são meios propulsores da propaganda de ideias.’’ (MAROSIN, 2010, p.32) Ele se modernizou com custo baixo e imagem mais simples e mais informativa. Porém, por visar lucro, a imprensa passou a ser controlada pelo Estado e por agências de notícias. Para Domenach (2001), a invenção do microfone aumentou o alcance da voz humana em lugares maiores e abertos. Ele cita, o exemplo do rádio, que a voz alcança proporções maiores, podendo ser escutada em todo o mundo quando em sintonia. Segundo Marosin (2010), o rádio se desenvolveu como difusor da palavra, com a vantagem de ser a forma de comunicação mais acessível dentre os demais veículos. O rádio foi o principal meio de comunicação, usado até 1932, quando surgiu o cinema. O autor observa que a imagem também trouxe benefícios para a reprodução e propagação das mensagens. Além de gravuras e pinturas, a fotografia contribuiu para uma reprodução rápida que capta muito bem a realidade. Outro meio de divulgação muito usado foi o cinema, que tem a vantagem de mostrar a imagem em movimento, lembrando a realidade. O cinema foi muito utilizado nos governos autoritários, de acordo com Pereira (2003), teve grande importância na propaganda política, tornandose um meio de comunicação bastante influente. Na época da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), por exemplo, sua utilização como arma de persuasão da população que assistia. Ademais, as democracias ocidentais usaram o cinema como propaganda, embora passando uma mensagem persistente e agressiva, como ocorreu nos regimes fascistas. A televisão, surgiu na década de 1930 e trouxe consigo o som e a imagem aos domicílios. No Brasil, a televisão só chegou na década de 1950, segundo Britos (1999), os primeiros programas, televisivos no país, eram basicamente feitos ao vivo e produzidos para cada região. O período entre 1964 a 1975, marcou a segunda fase da televisão, a ‘‘populista’’, com o início das telenovelas e dos shows de auditório. Na atualidade, segundo o autor, as redes de televisão tentam atingir a todos com uma programação variada, englobando vários gêneros. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 15 Segundo Manuel Castells (2003), a história da internet tem origem em 1969, na Arpanet. Trata-se de uma rede de computadores feita pela Advanced Research Projects Agency (ARPA), formada pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos, com o objetivo de alcançar soberania tecnológica militar em relação à União Soviética quando lançam o Sputnik em 1957. Para Calazans e Lima (2013), a abertura da internet para fins comerciais aconteceu em 1995. A partir daí, a internet deixou de ser um fenômeno exclusivo e se popularizou. As redes sociais vieram com objetivo de sociabilizar dados e criar laços sociais online. Em 2004, com esse tipo de ambiente virtual baseado na criação de conteúdo pessoal crescendo, surgiram Orkut, Flickr, Digg e Facebook, e posteriormente Twitter e Instagram. 3. DUAS LIDERANÇAS AUTORITÁRIAS MARCANTES: PROPAGANDAS POLÍTICAS Castro (2007) observa que um grande exemplo de estrategista da propaganda política foi Benito Mussolini, que ficou conhecido pelo modo fascista de governar a Itália. Nas palavras de Saccomani, (apud CASTRO, 2007) o regime político fascista tem como características principais o controle total da atuação política por um partido exclusivo de representação, a adoração ao chefe da nação, o nacionalismo, a aversão ao liberalismo, o almejo de ser imperial, o monopólio das massas pelas propagandas eficazes e de outros veículos de informação, além de proibições de opiniões opositoras. Com a ascensão de Mussolini, o cinema foi muito usado como entretenimento popular e meio de exaltar o ideal fascista, o nacionalismo, o anticomunismo, o militarismo, colonialismo e o imperialismo, conforme Pereira (2003). A presença pública desse líder, segundo o autor, caracterizava-se por uma boa entonação de voz e expressões corporais que deixavam as pessoas atentas. Ele entendia a população, prometia melhorias e, as pessoas sentiam-se na obrigação de apoiá-lo já que ele demonstrava responsabilidade pelo país. Outro exemplo a se destacar, de acordo com Castro (2007), é Adolf Hitler, com o importante apoio de seu ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels. Ele desempenhou um papel central na criação de material antissemita e pró-nazista para o partido. A propaganda era uma tentativa coordenada para influenciar a opinião Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 16 pública através da utilização de meios de comunicação, e foi habilmente utilizada pelo Partido Nazista, nos anos que antecederam e durante a liderança de Hitler na Alemanha (1933- 1945). A propaganda nazista utilizou apelos no rádio e no cinema junto às massas como instrumento crucial para a conquista e manutenção do poder. A implementação das suas políticas incluíram o exercício de guerra total e do extermínio de milhões de judeus com o Holocausto. Durante a Segunda Guerra Mundial, as técnicas de propaganda foram organizadas e aplicadas de modo a persuadir e influenciar a opinião pública. Teixeira (2002) explica que Goebbels, foi figura marcante e fez a propaganda conquistar apoio e simpatia da massa. A partir de seu conhecimento, estabeleceu 11 normas conhecidas como ‘‘Princípios de Dominação’’, a serem seguidas, as chamadas leis de propaganda política a saber: 1. Princípio da Simplificação e do Inimigo Único: simplificar e estabelecer que um único objetivo por vez seja fixado a um grupo específico de pessoas ou em oposição a somente um grupo de pessoas. 2. Princípio do Contágio: Divulgue a capacidade de contágio que este inimigo tem. Colocar um antes perfeito e mostrar como o presente e o futuro estão sendo contaminados por este inimigo. 3. Princípio da Transposição: transladar todos os males sociais a este inimigo. 4. Princípio da Exageração (ampliação) e desfiguração: é exagerar as más notícias até desfigurá-las transformando um delito em mil delitos criando assim um clima de profunda insegurança e temor. 5. Princípio da Vulgarização: transforma tudo numa coisa torpe e de má índole. As ações do inimigo são vulgares, ordinárias, fáceis de descobrir. 6. Princípio da Orquestração: fazer ressonar os boatos até se transformarem em notícias sendo estas replicadas pela imprensa oficial. 7. Princípio da Renovação: Sempre há que bombardear com novas notícias (sobre o inimigo escolhido) para que o receptor não tenha tempo de pensar, pois está sufocado por elas. 8. Princípio do Verossímil: discutir a informação com diversas interpretações de especialistas, mas todas contra do inimigo escolhido. O objetivo deste debate é que o receptor, não perceba que o assunto interpretado não é verdadeiro. 9. Princípio do Silêncio: ocultar toda a informação que não seja conveniente. 10. Princípio da Transferência: potencializar um fato presente com um fato passado. Sempre que se noticia um fato se acresce com um fato que tenha acontecido antes. 11. Princípio de Unanimidade: busca convergência em assuntos de interesse geral apoderando-se do sentimento produzido por estes e colocá-los em oposição do inimigo escolhido. (Os 11 princípios do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels. (DOMENACH, 2001, pp. 21-31) 4. JAIR MESSIAS BOLSONARO: IDEIAS E REDES SOCIAIS EM AÇÃO Jair Messias Bolsonaro se destacou com ataques ao Partido dos Trabalhadores Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 17 (PT) e aos políticos envolvidos nos escândalos de corrupção, com o apoio de governos civis e dos militares (FGV, 2009). Para Cioccari e Persichetti (2018) o presidente conseguiu apoio político com o seu posicionamento de extrema-direita, sobretudo após o processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016. Segundo as autoras, as intenções de votos vieram basicamente de antipetistas com valores tradicionais e viés religioso. No período de campanha, 2018, Bolsonaro estava com índice alto de rejeição e com índices baixos nas pesquisas de intenção de voto. No dia 6 de setembro, em Juiz de Fora/MG, enquanto era carregado nos ombros por seguidores e apoiadores de campanha, o candidato foi esfaqueado por Adélio Bispo de Oliveira. A tentativa de assassinato contra o candidato, de acordo com G1 Notícias (2019), colaborou para o desequilíbrio do cenário político e aumentou a popularidade do presidenciável. Ele conseguiu ficar mais exposto na mídia, tornando-se mais fortalecido e popular. Subiram as intenções de votos e as críticas feitas a ele foram momentaneamente suspensas. Cioccari e Persichetti (2018) argumenta que o discurso de Bolsonaro baseia-se na criação de um ideal onde o criminoso é sempre o ‘‘outro’’, que desvirtua a sociedade, e nunca o ‘‘cidadão de bem’’. E é próprio do ‘‘cidadão de bem’’ preservar os valores tradicionais, a moral cristã e a polemização de conflitos. As autoras percebem que além de defender as armas, ele foca no ódio. Para a imprensa, ele representa o defensor de valores da família tradicional brasileira, dos religiosos e cristãos e o inimigo da corrupção. Percebendo que boa parte da sociedade discorda de seus posicionamentos, de acordo com Cioccari e Persichetti, ele passa a usar um viés liberal na economia, afastando-se da imagem de militar controlador do Estado. O anticomunismo foi a principal bandeira do presidente, mas ‘‘funciona mais como um pano de fundo, evocado quando conveniente, do que uma diretriz de ação política.’’ (MIGUEL, 2016, p. 594) Outra vertente usada em sua campanha, segundo o autor, foi o combate a ‘‘ideologia de gênero’’, que entrou em cena a partir da ideia ‘‘Escola Sem Partido’’ que revelava apenas o medo da ‘‘doutrinação marxista’’, assombrando desde o período militar. Uma das principais promessas de campanha, segundo a Agência Brasil (2019), foi a flexibilização da posse de armas de fogo, para combater a pauta de insegurança na população. Bolsonaro utilizou amplamente as mídias sociais em sua campanha e recebeu Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 18 um grande feedback de seus. Nas redes sociais (twitter principalmente), ele é ‘‘showman onde alterna promessas, compromissos, leviandades e acusações’’. (CIOCCARI e PERSICHETTI, 2018, p.58). Na verdade, enquanto sua imagem mostrada por mídias sociais é a de um homem conservador, cristão e de família, no entanto desempenhou papel de um parlamentar preconceituoso e violento. Para as autoras, ele representa cidadãos armamentista e conservadores. Já, Ferreira (2018) observa que o candidato foi eleito pela imagem que ele mostrou, e não por suas propostas de governo. Suas campanhas focaram no ataque ao adversário, seja direta ou indiretamente. O WhatsApp foi amplamente usado para disseminar Fake News, notícias falsas. Como houve uma limitação do tempo de televisão na campanha, o candidato focou em conseguir apoio voluntário de seus seguidores nas redes sociais. A proporção e o imediatismo das redes fazem fortalecer a popularidade, ao fazer as pessoas interagirem e divulgarem fake news, como estratégia política. Bolsonaro usou propagandas de forma institucional, ideológicas, e ao se pronunciar o faz de maneira política. Atraiu a atenção da mídia e das redes sociais com declarações simples e polêmicas, cativou a classe média. Como o presidente norte-americano Donald Trump, seu maior ídolo e exemplo, o marketing da campanha de Bolsonaro focou na sua imagem pessoal e suas aparições nas mídias sociais. Segundo a BBC News (2018), Trump tomou posse da presidência com a promessa de dar uma nova imagem à política americana e colocar o poder nas mãos do povo. De modo populista, ele tem se posicionado contrário a imigração ilegal e acordos comerciais feitos pelo governo antecessor, o que o aproximou do público masculino, branco e dos trabalhadores rurais. Algumas de suas declarações em entrevistas, no Twitter e manifestações durante a campanha foram consideradas controversas, chamando a atenção da mídia nacional e internacional sobre sua campanha. O mesmo ocorre com Bolsonaro no Brasil. O slogan da campanha "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", e a nomeação da coligação de seu partido foi uma das estratégias mais importantes de Bolsonaro, que conquistou a maior parte dos eleitores religiosos. Sua campanha, enfatizou sobretudo no patriotismo e na crença em Deus e valores cristãos. O ‘‘mito’’ se coloca como um homem honesto, religioso e de bem, que vai consertar o estrago deixado pelo PT. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 19 5. PROCESSO METODOLÓGICO: ANÁLISE DO DISCURSO Segundo Duarte e Barros (2012) a análise do discurso de linha francesa dá importância no assujeitamento do enunciador, isto é, realça na identificação dos discursos já estabelecidos, usados pelo sujeito, como ‘‘o religioso, o científico, o filosófico, o mitológico, o poético, ou o jornalístico, o publicitário, o corporativo etc.’’ (DUARTE e BARROS, 2012, p.306). Para Orlandi (2009) a análise do discurso da escola francesa procura os sentidos que o discurso assume, ou pode assumir, levando em consideração o sujeito, seu contexto histórico, a ideologia e o contexto social no qual esse sujeito está envolvido. Na campanha presidencial, Bolsonaro aposta em um discurso religioso, midiático e ideológico. A linguagem simples usada é associada a imagen de homem cristão de família, preocupado com a segurança e o combate à corrupção nas redes sociais, Na análise de seus discursos observa-se que ele troca fato por opiniões ideológicas, além d de demistificar a imprensa e usar a estratégia da mídia independente para ocultar toda informação que não seja conveniente. A sua oratória é destinada áqueles que ele escolheu governar e sintetiza o ódio, a revolta com a realidade e o lema patriótico. Optou-se aqui, por analisar o discurso proferido pelo Presidente da República do Brasil, na 74ª Assembleia Geral da Organizações das Nações Unidas (ONU). Esse discurso foi feito na terça-feira, 24/09/2019. Os temas relatados na fala do presidente, são relacionados às 11 Leis propostas pelo ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, com as falas do presidente. A análise de semelhanças entre o discurso do líder brasileiro e as estratégias de Hitler, com apoio de Goebbels, vai se restringir ao ponto de vista da comunicação política. Destacam-se frases, posicionamentos ideológicos e posturas que comprovam a hipótese. De modo estratégico ou apenas por impulso, Bolsonaro faz uso das técnicas já usadas na propaganda política fascista e nazista a seu favor. Selecionamos as falas mais emblemáticas do Presidente do Brasil em três trechos, com ênfase: guerra ao socialismo, à Cuba e Venezuela, e; as mazelas do Partido dos Trabalhadores e ideologia de esquerda e o Brasil. Vejamos a seguir três trechos do discurso da ONU: Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 20 5.1 Trecho 1 Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo. Um Brasil que está sendo reconstruídoa partir dos anseios e dos ideais de seu povo. No meu governo, o Brasil vem trabalhando para reconquistar a confiança do mundo,diminuindo o desemprego, a violência e o risco para os negócios, por meio da desburocratização, da desregulamentação e, em especial, pelo exemplo. Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições. (PODER 360, 2019) Sujeito de fala: o Presidente, Jair Bolsonaro, primeira pessoa; Sujeito Oculto: Partido dos Trabalhadores Tempo do verbo: Presente: “A presento aos senhores um novo Brasil que ressurge depois de estar à beira do socialismo”. Passado: “meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, grave recessão, altas taxas de criminalidade e de ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições” Inimigo: Socialismo; Partido dos Trabalhadores (desemprego; violência; greve; recessão; ataque aos valores familiares); discurso ideológico. Objetivo do Inimigo: Implantar o socialismo no Brasil; ir contra valores da família religiosos. Leis de Goebbels: Princípio da Simplificação e do Inimigo Único, Princípio do Contágio, Princípio da Transposição. Observa-se neste trecho que o inimigo principal do povo brasileiro, segundo o presidente, é o SOCIALISMO, citado duas vezes. O Partido dos Trabalhadores não é citado nominalmente, mas aparece de forma oculta, ele cita o PT como responsável por situar o país à beira do socialismo. O texto é identificado com apenas uma voz, a do Presidente da República. O discurso é monofônico, e direto aos ouvintes. Como mostrado, o Partido dos Trabalhadores é o principal inimigo de Bolsonaro, desde sua campanha, e assimilado por socialistas/comunistas do Brasil. Um dos assuntos mais abordados pelo parlamentar, durante a sua candidatura, era o ódio ao Partido dos Trabalhadores, associado à corrupção. Até mesmo na posse presidencial, em 1º de janeiro de 2019, o discurso antipetista foi o foco. Também, sem citar nomes, coloca o governo do PT (esquerda) como destruidor dos valores religiosos e da família brasileira. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 21 Percebe-se nesses trechos o Princípio da Simplificação e do Inimigo Único, quando estabelece o Partido dos Trabalhadores como difusor do socialismo e inimigo. Como ressalta Castro (2007), por um tempo certo, concentre-se até acabar com o inimigo. Essa é a única ideia e símbolo para que o objetivo de transformar o opositor em inimigo seja conquistado. Capta-se também o Princípio do Contágio entendido como divulgação do contágio do inimigo. ‘‘Colocar um antes perfeito e mostrar como o presente e o futuro estão sendo contaminados por este inimigo.’’ (CARTA MAIOR, 2015) Bolsonaro traz os erros, as piores fases e até inventa posturas do Partido dos Trabalhadores. Ele culpa o partido pela corrupção generalizada, pela grave recessão econômica, pelas altas taxas de criminalidade e ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos. Além disso, o Princípio da Transposição, ‘‘transladar todos os males sociais a este inimigo.’’ (CARTA MAIOR, 2015). É perceptível no discurso a culpabilização do PT/socialismo por todos os acontecimentos ruins. Finchelstein (2018), registra que Hitler culpava os judeus de ser os opositores do país, ao lado dos Estados Unidos e da Rússia, além disso orquestrava a população o mau que os judeus ‘‘planejavam’’. 5.2 Trecho 2 Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional. Foram impedidos de trazer cônjuges e filhos, tiveram 75% de seus salários confiscados pelo regime e foram impedidos de usufruir de direitos fundamentais, como o de ir e vir. Um verdadeiro trabalho escravo, acreditem…respaldado por entidades de direitos humanos do Brasil e da ONU. Antes mesmo de eu assumir o governo, quase 90% deles deixaram o Brasil, por ação unilateral do regime cubano. Os que decidiram ficar, se submeterão à qualificação médica para exercer sua profissão. Deste modo, nosso país deixou de contribuir com a ditadura cubana, não mais enviando para Havana 300 milhões de dólares todos os anos. (PODER 360, 2019) Sujeito de fala: Presidente Jair Bolsonaro; Tempo do Verbo: Passado - “Em 2013, um acordo entre o governo petista e a ditadura cubana trouxe ao Brasil 10 mil médicos sem nenhuma comprovação profissional”; Inimigo: Partido dos Trabalhadores; Socialismo; Ditadura cubana (médicos cubanos) Objetivo do Inimigo: Contribuir com a ditadura cubana; Discurso ideológico. Leis de Goebbels: Princípio da Simplificação e do Inimigo Único, Princípio da Vulgarização, Princípio do Contágio e Princípio da Transposição. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 22 Nota-se críticas à CUBA e ao programa Mais Médicos – que trouxe médicos de Cuba para trabalhar no Brasil. Os médicos cubanos trabalharam durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, e foram afastados após a eleição de Bolsonaro. Nesse trecho, o presidente está se referindo a "herança recebida de governos petistas", mais uma vez, associando o governo petista ao socialismo e a Transposição de males, lista de aspectos negativos que o Brasil sofreu pela Vulgarização do PT. Usa-se um tom de voz conspiracionista, agressivo, e de forma segura, como se estivesse comparando a sua superioridade com a inferioridade de Cuba. O Princípio do Contágio é usado ao citar Cuba como ‘‘contagiada’’ pelo socialismo. Cuba, representa para ele um país de regime socialista e inimigo e, por conseguinte transmissora de males sociais. Mais uma vez, capta-se o uso do Princípio da Simplificação e do Inimigo Único, o socialismo, e do Princípio da Transposição. 5.3 Trecho 3 Senhoras e Senhores, O Brasil que represento é um país que está se reerguendo, revigorando parcerias e reconquistando sua confiança política e economicamente. Estamos preparados para assumir as responsabilidades que nos cabem no sistema internacional. Durante as últimas décadas, nos deixamos seduzir, sem perceber, por sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto. A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, dominando meios de comunicação, universidades e escolas. A ideologia invadiu nossos lares para investir contra a célula mater de qualquer sociedade saudável, a família. Tentam ainda destruir a inocência de nossas crianças, pervertendo até mesmo sua identidade mais básica e elementar, a biológica. O politicamente correto passou a dominar o debate público para expulsar a racionalidade e substituí-la pela manipulação, pela repetição de clichês e pelas palavras de ordem. A ideologia invadiu a própria alma humana para dela expulsar Deus e a dignidade com que Ele nos revestiu. E, com esses métodos, essa ideologia sempre deixou um rastro de morte, ignorância e miséria por onde passou. Sou prova viva disso. Fui covardemente esfaqueado por um militante de esquerda e só sobrevivi por um milagre de Deus. Mais uma vez agradeço a Deus pela minha vida. (PODER 360, 2019) Sujeito de fala: Presidente Jair Bolsonaro, primeira pessoa; Tempos do Verbo: Presente/Passado Presente: “O Brasil que represento é um país que está se reerguendo, revigorando parcerias e reconquistando sua confiança política e econômica” Passado: “Durante as últimas décadas, nos deixamos seduzir, sem perceber, por sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto. A ideologia se instalou no terreno da cultura, da educação e da mídia, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 23 dominando meios de comunicação, universidades e escolas.’’ Sujeito oculto: Partido dos Trabalhadores Inimigo: Ideologia, Partido dos Trabalhadores, sistema ideológico, esquerda; Objetivo do Inimigo: Implantar um sistema ideológico de pensamento. Lei de Goebbels: Princípio da Vulgarização, Princípio da orquestração. Ao final de seu discurso, com voz firme e confiante, Bolsonaro falou sobre "sistemas ideológicos de pensamento que não buscavam a verdade, mas o poder absoluto", exemplificou dizendo que foi uma vítima, quando foi esfaqueado por um "militante de esquerda". Em seu discurso ele identifica claramente a IDEOLOGIA como inimiga e como causa unificadora. Usa a oportunidade de discursar na ONU para valorizar sua base de governo, ao falar de valores da família e promover sua guerra cultural. O Presidente usa o Princípio da Vulgarização: ‘‘transforma tudo numa coisa torpe e de má índole. As ações do inimigo são vulgares, ordinárias, fáceis de descobrir.’’ (CARTA MAIOR, 2015) A fala sobre a ideologia é de fácil compreensão, até para os menos instruídos. Ele discursa em linguagem simples, de uma maneira que todos entendam a mensagem, pois quanto mais pessoas forem cientes e convencidas, menos esforço de persuasão. Quanto mais vulgar e simples for a mensagem, mais fácil a compreensão e difícil chance de esquecimento. A palavra ideologia, repetida à exaustão desde a campanha, e a ideia é tirar do país da ‘‘submissão ideológica’’, das ‘‘amarras ideológicas’’, da ‘‘ideologia de gênero’’, e regular a economia ‘‘sem viés ideológico’’. O termo ideologia é uma marca registrada em seus discursos, e é usado para desmoralizar lideranças anteriores. Nota-se a tentativa de desqualificar os concorrentes políticos com tendências ideológicas associada à esquerda. Assim observa-se, o Princípio da Orquestração, fazendo ressonar os males das ideologias de esquerda até transformá-las em notícias a seu favor. Em sua fala, Bolsonaro usou a voz sem dificuldade, mostrou-se confiante e falou sem gaguejar, de forma clara, objetiva e corrente. O conteúdo do seu discurso foi dirigido aos países membros da ONU, aos líderes da direita que concordam com a sua visão de mundo, à população brasileira e com a sua visão de mundo. Os principais inimigos são Partido dos Trabalhadores, Cuba, Venezuela, França e sobretudo a mídia internacional, chamada de sensacionalista. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 24 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em 22 de setembro de 2020 o presidente Jair Bolsonaro fez o discurso de abertura na Organização das Nações Unidas (ONU). Ele afirmou que o Brasil é alvo de uma campanha de desinformação internacional e que não há de fato queimadas no país, atacou a Venezuela e disse que o governo está combatendo a pandemia com auxílio emergencial e muita eficiência. Há cerca de um ano atrás (22de setembro de 2019), o presidente fez um discurso mais inflamado na ONU, atacando veementemente Cuba, Venezuela, o Partido dos Trabalhadores e o Socialismo. O discurso de 2019 é o que analisamos neste estudo. A análise das técnicas de comunicação e dos discursos dos líderes autoritários como Mussolini e Hitler nos ajudam a perceber o poder exercido por eles sobre as massas e e o uso estratégico da mídia. Ambos contaram com o apoio relevante do cinema, do rádio, da televisão. O Ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, elaborou, por exemplo, uma importante estratégia das onze leis de propaganda política: lei da simplificação e do inimigo único, lei da ampliação e desfiguração, lei de transfusão, lei da orquestração, lei da unanimidade e do contágio. A propaganda é, sem dúvida, um instrumento estratégico fundamental de persuasão para líderes autoritários. A disseminação repetitiva de informações conquista a aprovação da sociedade para causas nacionalistas, geralmente apresentadas como causas populares e de interesse da nação. Nos trechos do discurso do atual presidente do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), proferido em 2019, constata-se o uso da propaganda pessoal, desmerecendo adversários com ódio e muita intolerância. Isto pode ser observado a partir de toda trajetória política nos discursos do presidente Bolsonaro, bem como na história das lideranças autoritárias mundiais como Benito Mussolini e Adolf Hitler . Em um contexto de desconfiança da populaçãoa com os partidos, sobretudo o Partido dos Trabalhadores, e a intensa corrupção, Bolsonaro aproveitou o momento político para conquistar seguidores nas redes sociais, com apelos emocionais, discursos de ódio e vingança. Adotou as cores da bandeira do Brasil (verde e amarelo) para reforçar o nacionalismo e patriotismo da direita. A internet e as redes sociais foram importantes aliadas na estratégia do candidato. Ele conquistou sua base de votos por meio das redes sociais, principalmente com imagens no Instagram, tweets no Twitter, Whatsapp e lives no Facebook. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 25 Quanto às perguntas de pesquisa feitas: existem semelhançs/diferenças entre as estratégias de marketing e propaganda do presidente do Brasil e as estratégias usadas por líderes autoritários? Quais líderes/ discursos? Observou-se sim grandes semelhanças entre as estratégias de Bolsonaro e a de líderes como Hitler. Há frases, posicionamentos ideológicos e posturas que comprovam a hipótese. De modo estratégico, ele utiliza, a seu favor, das mesmas técnicas da propaganda nazista, de Joseph Goebbels. Assim como Adolf Hitler, o governo do Brasil faz uso da repetição que se sobrepõe à explicação. O inimigo único se corporifica em todos que discordam da visão do líder. A chamada ‘‘lógica do inimigo’’ é a técnica dos discursos inflamados contra o PT, a esquerda, o socialismo, os jornalistas e a Rede Globo, as feministas e o grupo LGBTs. Observou-se, ainda, uma grande semelhança entre o discurso de Jair Bolsonaro e o de Donald Trump. Ambos se apresentam como ‘‘a nova política’,uma opção diferente à velha política comunistas. Outra característica é a vinculação à religião, à imagem de Deus e ao conservadorismo, além da idolatria aos militares e aos valores patrióticos da nação. Vale ressaltar, por fim, que este estudo traz contribuições importantes para a análise das estratégias do discurso do governo Jair Messias Bolsonaro, mas não se esgota em si. Há sem dúvida uma grande semelhança entre as estratégias usadas por ele e a dos líderes autoritários do passado e da atualidade. No entanto, a limitação de dados e espaço indica que há ainda muito a pesquisar para comprovar o que aqui é afirmado. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 26 REFERÊNCIAS AGÊNCIA BRASIL Flexibilização de posse de armas divide opiniões. 2019 Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-01/flexibilizacaode-posse-de-armas-divide-opinioes>. Acesso em 02. Fev. 2020. ALMEIDA, Jorge. Os desafios da esquerda diante do marketing político: a hipótese do marketing de contra-hegemonia. USP. Salvador: digit, 2016. BRITOS, Valério Cruz. A televisão no Brasil, hoje: a multiplicidade da oferta. Comunicação & Sociedade, n. 31, p. 9-34, 1999. CALAZANS, J.; LIMA, C. Sociabilidades virtuais: do nascimento da Internet à popularização dos sites de redes sociais online. 9º Encontro Nacional de História da Mídia (UFOP). Ouro Preto, MG: 2013. CIOCCARI, Deysi; PERSICHETTI, Simonetta. Armas, ódio, medo e espetáculo em Jair Bolsonaro. Revista Alterjor, v. 18, n. 2, p. 201-214, 2018. CIOCCARI, Deysi; PERSICHETTI, Simonetta. 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 56040-56055 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 28 CAPÍTULO 02 A MERCÊ PASSAGEIRA DE INSTANTES QUE NÃO DURAM: AS REPRESENTAÇÕES DA MORTE NA POESIA DE RICARDO REIS Murillo Hochuli Castex Graduado em Letras – Português/Inglês pela FAE Centro Universitário, bolsista do Programa de Iniciação Científica (PAIC) Mestre em Estudos de Linguagens pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) E-mail: mhcastex@hotmail.com Luiz Rogério Camargo Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Professor do curso de Letras – Português/Inglês da FAE Centro Universitário E-mail: luiz.camargo@fae.edu RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar os símbolos de representação da morte na poesia de Ricardo Reis, heterônimo neoclássico de Fernando Pessoa, bem como instigar a reflexão sobre a maneira como tais simbolismos influenciam na visão de mundo apresentada pelo poeta. Para tanto, buscou-se identificar, ao longo de suas odes, metáforas relativas à ideia de finitude. Nesse contexto, o material bibliográfico constitui-se de ensaios referentes à obra de Ricardo Reis, abrangendo textos analíticos do próprio Pessoa e de outros críticos literários. Por meio da pesquisa bibliográfica, buscou-se compreender o tema da morte como uma constante para o heterônimo, uma vez que este apresenta-se como figura de essencial importância para a poesia em língua portuguesa concebida a partir da modernidade. PALAVRAS-CHAVE: Ricardo Reis; Morte; Odes; Símbolos. ABSTRACT: This paper aims to analyze the symbols representing death in the poetry of Ricardo Reis, Fernando Pessoa's neoclassical heteronym, as well as to instigate reflection on how such symbolisms influence the worldview presented by the poet. To this end, we sought to identify, throughout his odes, metaphors related to the idea of finitude. In this context, the bibliographic material consists of essays on the work of Ricardo Reis, including analytical texts by Pessoa himself and other literary critics. Through the bibliographical research, we seek to understand the theme of death as a constant for the heteronym, since it presents itself as a figure of essential importance to the poetry in Portuguese language conceived from modernity. KEYWORDS: Ricardo Reis; Death; Odes; Symbols. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 29 1. INTRODUÇÃO Poeta neoclássico, Ricardo Reis é uma expressão da modernidade em seu sentido mais complexo, apresentando um apego muito particular à poesia e filosofias originárias da antiguidade clássica, e, ao mesmo tempo, abordagens temáticas pertinentes ao seu período histórico, mais especificamente, à primeira metade do século XX. Em um contexto em que emergia o Modernismo em Portugal, Ricardo Reis volta a sua concepção criativa para a tradição da poesia greco-romana, tomando-a como base para a formulação de suas principais temáticas e para a estruturação formal de seus poemas. Inspirado pelo Mestre Alberto Caeiro e se diferenciando muito dos demais heterônimos de Pessoa, Reis é descrito por seu criador, em carta ao crítico literário Adolfo Casais Monteiro, como o heterônimo em quem colocou “toda a sua disciplina mental, vestida da música que lhe é própria” (PESSOA, 1986, p. 199). Em suas odes neoclássicas, “requintadamente estilizadas” (SIMÕES, 1985, p. 310), Reis caracteriza-se por apresentar um posicionamento plácido perante a vida, que procura evitar o derramamento emotivo, por meio de uma postura olímpica e aristocrática (GOMES, 1987, p. 27). Tais elementos, contudo, revelam-se incapazes de esconder o universo de tensões que transparecem ao longo de sua obra. Em relação a aspectos biográficos, Reis tem seu nascimento datado do ano de 1887, sendo educado em um colégio de jesuítas (PESSOA, 2006, p. 200). Ao longo de sua formação, configura-se como um “latinista por educação alheia, e um semihelenista por educação própria” (PESSOA, 2006, p. 200) e, na fase adulta, expatria-se para o Brasil voluntariamente, em função de sua orientação política monárquica (PESSOA, 2006, p. 200). Por meio de sua erudição, o heterônimo concebe uma poética voltada para a racionalidade, marcada tanto pelo virtuosismo estético quanto pelo rigor formal (SIMÕES, 1985, p. 306). Assim, chega a afirmar, por exemplo, que “deve haver, no mais pequeno poema de um poeta, qualquer coisa por onde se note que existiu Homero” (REIS, 2016, p. 349), o que vem a diferenciá-lo muito de certas correntes modernistas de seu tempo, motivadas, sobretudo, pelo rompimento com as estruturas poéticas tradicionais. Atraído por princípios filosóficos clássicos, isto é, helenísticos, Reis dialoga constantemente com a vertente epicurista da filosofia, orientada para a busca dos prazeres moderados, característica ao indivíduo que “ama os prazeres, a comodidade, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 30 a vida agradável [...] em geral, com a ideia acessória de certa arte e de certa delicadeza na eleição dos gozos” (GOMES apud LALANDE, 1987, p. 37). Ao mesmo tempo, o heterônimo recebe grande influência da escola estoica, que propõe a total negação dos valores mundanos, conforme a concepção de que a felicidade reside na “tranquilidade ou na ausência de perturbações” (MARCONDES, 2006, p. 92). Assim, pode-se afirmar que do estoicismo o heterônimo “recolhe a ideia central de disciplina que irá dominar toda a sua arte poética” (SEABRA, 1974, p. 111), valorizando aspectos como o autocontrole, a contenção e a austeridade, na medida em que procura aceitar o curso dos acontecimentos (MARCONDES, 2006, p. 92). Autoconsciente da “impotência do homem diante do fado” (GOMES, 1987, p. 28), Reis aponta para a renúncia como atitude a ser adotada, a fim de transcorrer a vida, conforme suas próprias palavras: “sem desassossegos grandes” (REIS, 2016, p. 97). O ideal de evitar os excessos vem a aproximar a visão de mundo do heterônimo ao postulado horaciano do aurea mediocritas, ou mediocridade dourada, o qual preza por uma “vida mediana, de horizontes pequenos, sem ambições, mas também sem lutas, identificada com uma idealização da vida campestre” (NICOLA, 1995, p. 47). No entanto, agudamente consciente da passagem do tempo, Reis, em diversos instantes, evoca a percepção da morte, refletida em simbologias frequentemente inspiradas pela mitologia greco-romana. Desse modo, pode-se afirmar que, apesar da placidez e da racionalidade almejadas a priori em seus versos, o poeta sente a passagem dos instantes e se angustia, ainda que veladamente, diante da impossibilidade de controlar o curso do tempo. A consciência da finitude revela-se, assim, como o principal motivo de sofrimento do autor, conforme aponta Lourenço: “o dado central da visão do novo heterônimo é sempre o mesmo: ser consciente é ser infeliz” (LOURENÇO, 1981, p. 49). Diante das perspectivas apresentadas, o objetivo deste estudo é desvendar os sentidos das simbologias relacionadas à morte nas odes de Ricardo Reis, a fim de constatar de que modo este se utiliza dos recursos literários para aludir à finitude. Além disso, procura-se contribuir para o aprofundamento do presente estado de conhecimento relativo à obra de Ricardo Reis, poeta de essencial importância para a compreensão da poesia em língua portuguesa concebida a partir da modernidade. Para atingir tais objetivos, o trabalho estrutura-se em tópicos constituídos a partir das diferentes representações da ideia de morte empregadas ao longo das odes ricardianas. Desse modo, aborda-se, primeiro, a simbologia mítica que a morte Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 31 adquire, abrangendo referências à mitologia da antiguidade clássica. A seguir, são abordados os símbolos terrestres da morte, conotando evocações relativas à terra e relacionadas aos seres e às coisas. Por fim, busca-se retratar os símbolos relativos à noite e às sombras, como elementos essenciais para que o poeta referencie a finitude. 2. OS SÍMBOLOS MÍTICOS DA MORTE Apegado à antiguidade clássica, Ricardo Reis frequentemente dialoga com simbologias da mitologia greco-romana, utilizando para tanto suas respectivas denominações romanas. Nesse sentido, figuras extraídas do cenário mitológico são utilizadas para referenciar a morte, tema de central importância em sua obra. Observase, ao longo de diversas passagens, a alusão a figuras como as Parcas, ou Moiras, “filhas da noite”, cuja ocupação consistia em tecer o fio do destino humano e que, com suas tesouras, cortavam-no, quando muito bem entendiam (BULFINCH, 2002, p. 15). Denominadas Clotos, Láquesis e Átropos esta última diretamente responsável por cortar o fio da vida (BRANDÃO, 2013, p. 243) – configuram-se, segundo a perspectiva mitológica, como a “personificação do destino individual, da ‘parcela’ que toca a cada um neste mundo” (BRANDÃO, 2013, p. 242) e são uma das mais clássicas representações da finitude. Desse modo, a representação das Moiras é evidenciada em momentos oportunos, como nos versos em que o eu lírico questiona: “Que trono te querem dar/ Que Átropos to não tire” (REIS, 2016, p. 100). A partir dessa reflexão, Reis rejeita a pretensão à opulência material, segundo o viés estoico, sugerindo que Átropos, aquela que “não volta atrás, a inflexível” (BRANDÃO, 2013, p. 243), não permitirá que nenhuma conquista mundana se estabeleça perenemente. Em outro fragmento, o poeta apresenta a fragilidade que concerne todas as formas de existência, segundo a perspectiva de que a tesoura da Moira invariavelmente determinará o momento derradeiro: “Corta à flor como a ele/ De Átropos a tesoura” (REIS, 2016, p. 101). Assim, por meio do pronome “ele”, Reis refere-se ao indivíduo que desfruta da vida contentando-se apenas com os prazeres simples, reafirmando a ideia de que essa seria a melhor forma de transcorrer a existência. Em um contexto que reúne ainda a representação das sombras, novamente as Parcas são mencionadas, revelando a angústia do poeta: Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 32 [...] Quando acabados pelas Parcas, formos, Vultos solenes, de repente antigos, E cada vez mais sombras, Ao encontro fatal [...] (REIS, 2016, p. 102, grifo meu). Nesse sentido, pode-se afirmar que, para Reis, as ideias de vida e de morte apresentam-se inerentes, simbolicamente, à função de fiar (BRANDÃO, 2013, p. 243), em consonância com a representação clássica. Sob tal enfoque, as Parcas são responsáveis por determinar o início e o fim do indivíduo, agindo sobre ele de maneira velada: “Do mesmo modo a vida é sempre a mesma/ Nós não vemos as Parcas acabarem-nos” (REIS, 2016, p. 150), discorre o poeta. Em virtude da busca por um estado de serenidade almejado, Reis chega a afirmar que demonstrará contentamento ao antever o momento derradeiro da própria existência: “Feliz, que quando a hora tributária/ Transpor seu átrio por que a Parca corte/ O fio fiado até ao fim” (REIS, 2016, p. 117). No entanto, percebe-se que o heterônimo não aceita a finitude com a placidez que professa, evidenciando, na realidade, um eu lírico em permanente estado de angústia, para quem “cada momento é morte” (PADRÃO, 1981, p. 128). Diante da aflição que involuntariamente apresenta, Reis chega a enunciar que os homens devem se fazer “Unidos pelos deuses” (REIS, 2016, p. 120), a fim de que evitem maiores sofrimentos: [...] Basta os males que o Fado às Parcas fez Por seu intuito natural fazerem. Nós homens nos façamos Unidos pelos deuses (REIS, 2016, p. 120). No trecho citado, evidencia-se o apego do heterônimo em relação aos deuses olímpicos, que se configuram, em suas odes, como “uma ocupação múltipla do espaço sagrado” (MARTINS, 2017, p. 122). Nestes, o autor procura inspirar sua conduta, conforme a visão de que os deuses não possuem preocupações futuras ou passadas, mas apenas existem enquanto entidade abstratas e, por isso, servem de modelo aos homens (REIS, 2016, p. 245), transcendendo a própria percepção da morte. Em consonância com os fragmentos analisados, outra figura mitológica de fundamental importância é a do barqueiro Caronte, aquele que conduzia as sombras dos mortos ao reino de Hades Deus do mundo inferior, responsável por reger as almas dos mortos (MARCH, 2015, p. 116). Um exemplo dessa evocação se encontra no momento em que Reis aconselha a Lídia, uma das musas a quem frequentemente se Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 33 dirige, uma postura de serenidade perante a vida: “E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, / Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti” (REIS, 2016, p. 98, grifo meu). Ou seja, novamente o sofrimento diante do fim é a maior angústia do eu lírico, que procura superá-lo mediante a completa negação dos prazeres. A imagem também aparece em outro momento em que Reis reforça o seu viés estoico: Não tenhas nada nas mãos Nem uma memória na alma Que quando te puserem Nas mãos o óbolo último, Ao abrirem-te as mãos Nada te cairá [...] (REIS, 2016, p. 100, grifo meu). Aqui, o óbolo, a moeda, segundo a mitologia greco-romana, depositada sobre a boca dos defuntos como pagamento ao barqueiro para a realização da travessia (MARCH, 2015, p. 118), é utilizado como metáfora para a morte – justificando o desapego tanto de aspectos materiais como sentimentais, a exemplo das referidas memórias. Em contexto semelhante, a barca de Caronte, “sempre ligada à indestrutível desgraça dos homens” (PADRÃO, 1981, p. 74), é aludida pelo heterônimo como “O barco escuro no soturno rio” (REIS, 2016, p. 102), sendo o rio escuro, segundo a representação mítica, aquele situado nos limites do Mundo Inferior, a cujas margens chegavam as almas dos mortos (MARCH, 2015, p. 118). Em outra ode, em que o poeta propõe um brinde ao Destino, novamente a figura do barqueiro é resgatada para representar a finitude, contraposta pelo eu lírico a qualquer possibilidade de bem-aventurança: “E brindamos uníssonos à sorte/ Que houver, até que chegue/ A hora do barqueiro” (REIS, 2016, p. 127). Ao longo das odes, outro elemento mitológico responsável por caracterizar a morte é Averno, lago vulcânico que tem a forma de um círculo, com meia milha de largura, e muito profundo (BULFINCH, 2002, p. 316), do qual vapores pestilentos se levantam, de modo que não há vida em suas margens e nenhuma ave as sobrevoa (BULFINCH, 2002, p. 316). Assim, este é considerado pela mitologia greco-romana como o local em que é encontrada a gruta que dá acesso às regiões infernais (BULFINCH, 2002, p. 316). Conforme as demais figuras mitológicas analisadas, Averno é evocado como uma forma de referenciar o estado póstumo, diante do qual a vida caracteriza-se como um breve estado de transição concedido pelos deuses: Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 34 [...] Bem sei que mesmo aqui Se nos gasta esta carne Que os deuses concederam Ao estado antes de Averno (REIS, 2016, p. 106). Por meio de outra alusão metafórica, Reis compara Averno à imagem de um abrigo, em que estaria liberto das expectativas mundanas e, segundo sua perspectiva, mais próximo à existência imortal dos deuses: Feliz aquele a quem a vida grata Concedeu que dos deuses se lembrasse E visse como eles Estas terrenas coisas onde mora Um reflexo mortal da imortal vida Feliz, que quando a hora tributária Transpor seu átrio por que a Parca corte O fio fiado até o fim, Gozar poderá o alto prêmio De errar no Averno grato abrigo Da convivência [...] (REIS, 2016, p. 117, grifo meu). Em sentido análogo, outra representação mitológica da morte é evidenciada por meio da figura de Plutão, eufemismo utilizado para invocar o reino de Hades (BRANDÃO, 2013, p. 330), lugar frio, situado fora do alcance da luz do sol (MARCH, 2015, p. 116). Tal referência evidencia-se em trecho em que Reis finaliza uma de suas odes aludindo à morte segundo uma perspectiva tenebrosa, caracterizando-a como o “regaço insaciável/ Da pátria de Plutão” (REIS, 2016, p. 99). 3. OS SÍMBOLOS TERRESTRES DA MORTE Assim como os símbolos míticos, Reis utiliza em suas odes metáforas de caráter terrestre para aludir à finitude, a partir da evocação de seres e elementos naturais. Nesse sentido, recorre a representações de flores, ervas e da água esta, em especial, expressa também sob o simbolismo de rios, lagos e do vinho. Percebe-se, no entanto, que tais símbolos não são referidos pelo viés de celebração inerente, mas como imagens representativas da efemeridade, conforme comentário de Padrão: “[Reis] Pode procurar flores ou vinho, que camuflem a consciência da passagem do tempo, mas nunca pode desligar de si a ideia de acabamento” (PADRÃO, 1981, p. 129). Desse modo, quando propõe ao Mestre Caeiro que as flores devem ser Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 35 colhidas e os rios contemplados, não o faz senão a partir da consciência que possui da “inutilidade da agitação cotidiana e a ausência de qualquer razão profunda de viver” (PADRÃO, 1981, p. 76), anunciando o ato contemplativo como uma forma de evitar maiores sofrimentos: [...] Colhamos flores Molhemos leves As nossas mãos Nos rios calmos Para aprendermos Calma também Girassóis sempre Fitando o sol Da vida iremos Tranquilos, tendo Nem o remorso De ter vivido (REIS, 2016, p. 94). Nesse contexto, sob uma dimensão simbólica, as flores que o eu lírico menciona trazem em si o caráter da “efêmera duração da vida, da beleza e dos prazeres” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2017, p. 437), utilizadas para afirmar uma postura estritamente contemplativa perante a realidade. Dando sequência à ode, Reis sugere que a vida deve ser transcorrida de maneira plácida e utiliza, para tanto, a metáfora dos girassóis, cuja constituição é comparada à frágil existência humana. Assim, é possível observar o conflito gerado entre o estado de tranquilidade professado ao longo do poema e o sentimento de remorso que o poeta pretende evitar, revelando novamente o estado de angústia em relação à passagem do tempo. Em outra ode, Reis utiliza a metáfora de uma coroa de rosas para aludir à finitude: Coroai-me de rosas, Coroai-me em verdade De rosas – Rosas que se apagam Em fronte a apagar-se Coroai-me de rosas E de folhas breves E basta (REIS, 2016, p. 95, grifo meu). Aqui, a representação da coroa de rosas remete à efemeridade das aspirações mundanas. O apelo “Coroai-me de rosas” é professado como o único desejo do eu lírico, configurando-se como uma ironia às ambições que determinam grande parte da existência. Em tal contexto, a evocação das rosas remete diretamente a um Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 36 simbolismo fúnebre, oriundo da antiguidade, segundo o qual costumava-se colocar rosas sobre as tumbas dos defuntos (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2016, p. 789). Consciente da passagem do tempo e não ousando desejar mais do que a “contemplação do espetáculo do mundo” (GOMES, 1987, p. 37), Reis chega a afirmar também a ausência de ideais orientados para o patriotismo e para a prática da virtude: “Prefiro rosas meu amor, à pátria/ E antes magnólias amo/ Que a glória e a virtude” (REIS, 2016, p. 115). Projetando novamente a ideia da simplicidade a ser cultivada nas ações cotidianas, o poeta aconselha: “Circunda-te de rosas, ama, bebe/ E cala. / O mais é nada” (REIS, 2016, p. 126). Assim, aproxima a essência humana à das rosas, conforme aponta Lourenço ao analisar a obra do heterônimo: “se como rosas somos, como elas aceitemos o ocasional florir que aceito se volve eterno” (LOURENÇO, 1981, p. 51). Referindo-se novamente ao Destino, o poeta aconselha o interlocutor a aproveitar o instante, segundo o ideal horaciano de carpe diem, associando as árvores à imagem da sombra: [...] Segue o teu destino Rega as tuas plantas Ama as tuas rosas O resto é a sombra De árvores alheias (REIS, 2016, p. 126). Da mesma forma, ao longo de uma das odes destinadas a Lídia, Reis sugere que as flores sejam colhidas, mas que sejam deixadas de lado logo em seguida, para que não gerem apegos e, consequentemente, sofrimento: [...] Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as No colo, e que seu perfume suavize o momento – Este momento em que sossegadamente não cremos em nada, Pagãos inocentes da decadência (REIS, 2016, p. 98). As flores, novamente, anunciam um contexto de fragilidade, percebidas enquanto objetos de contemplação destinados a suavizar a passagem do tempo. Sob tal perspectiva, o tempo para Reis é revela-se como sinônimo de morte e cada instante pode ser qualificado como “uma morte fragmentária e sucessiva” (PADRÃO, 1981, p. 129), segundo sua frágil concepção: “Débil como uma haste de papoula/ Me suporta o momento” (REIS, 2016, p. 141), afirma o poeta. De maneira semelhante, o heterônimo compara as rosas aos sorrisos, ambos, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 37 segundo sua concepção, elementos fugazes de prazer: “rosas breves os sorrisos vagos, / E as rápidas carícias/ Dos instantes volúveis” (REIS, 2016, p. 99). Como uma constante em sua obra, o autor previne o interlocutor para que não desenvolva apegos em relação aos instantes que passam: “Colhe as flores, mas larga-as, / Das mãos mal as olhaste” (REIS, 2016, p. 101), revelando um contexto poético em que “o gozo convive com a serena aceitação da dor e do fado” (GOMES, 1987, p. 38). Em sentido análogo ao das flores, em outra ode, a representação da erva é também empregada pelo poeta: Rasteja mole pelos campos ermos O vento sossegado. Mais parece tremer de um tremor próprio Que do vento, o que é erva [...] (REIS, 2016, p. 141). Novamente, Reis revela a sua inquietude perante a existência, utilizando a imagem da erva como a de um elemento suscetível a intempéries, destinada a moldarse à ação constante das forças da natureza, que não pode controlar. Em outra simbologia, a água adquire também uma conotação de finitude e esgotamento para o heterônimo: [...] Não pesa que amas, bebas ou sorrias: Basta o reflexo do sol ido na água De um charco, se te é grato [...] (REIS, 2016, p. 144) Sob tal contexto, é possível inferir que, para Reis, “contemplar a água é contemplar a si próprio no caminho para o fim” (PADRÃO, 1981, p. 76). Segundo esta concepção, a representação da água remete aos conceitos de transitoriedade e de esgotamento, conforme aponta Padrão: “à sua água está ligado o significado do correr do homem, do correr dos dias, as conjecturas do destino funesto, da morte” (PADRÃO, 1981, p. 74). A representação da água estende-se para a percepção do rio, interpretado como uma “metáfora da vida enquanto fluxo” (GOMES, 1987, p. 34). Assim, o poeta afirma: “passamos como o rio. / Mais vale saber passar silenciosamente/ E sem desassossegos grandes” (REIS, 2016, p. 97). Sob tal perspectiva, os rios revelam sempre a marca da transitoriedade (PADRÃO, 1981, p. 71), corroborando com a aguda percepção da passagem do tempo que caracteriza o heterônimo. Em outro contexto, Reis apresenta a imagem de um rio permeado pela escuridão, relacionandoBrazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 38 o à perspectiva mitológica da travessia para o reino dos mortos, conforme: “A existência indecisa e afluente/ Fatal do rio escuro” (REIS, 2016, p. 104). Em outra metáfora relativa à água, o poeta estabelece uma analogia entre olhos e lagos, ambos destinados a secar segundo a passagem do tempo, deixando de apresentar as funções vitais que lhes caracterizam. Assim, Reis discorre a respeito da importância de contemplar a beleza, ainda que esta esteja fadada a extinguir-se: [...] E a beleza, incriável por meu sestro, Eu goze externa e dada, repetida Em meus passivos olhos, Lagos que a morte seca (REIS, 2016, p. 124, grifo meu) Sob tal perspectiva, o caráter estanque dos lagos é contraposto à transitoriedade dos rios, ainda que ambos representem a percepção da finitude. Conforme observa Padrão, para Reis, “se cada rio reflete a morte, cada lago a contém” (PADRÃO, 1981, p. 77). Em outra simbologia, o vinho também é utilizado como elemento significativo de representação da finitude, referenciado como um paliativo destinado a apagar “o gosto às horas” (REIS, 2016, p. 101): [...] Mas ele sabe fazer que a cor do vinho esconda isto Que o seu sabor orgíaco Apague o gosto às horas, Como a uma voz chorando O passar das bacantes [...] (REIS, 2016, p. 101). De “sabor orgíaco”, o vinho é apontado pelo heterônimo como mais um dos instantes que não duram, sendo o estado de embriaguez oriundo do seu consumo definido como um mero atenuante ao sofrimento. Nesse contexto, pode-se observar que Reis “Assume a pose de poeta báquico, coroado de pâmpanos ou de rosas, uma taça de vinho na mão [...]. Mas tudo isso é puramente exterior” (BRÉCHON, 1998, p. 221). A frágil taça, desse modo, pode ser comparada à própria existência do eu lírico: “Com mão mortal elevo à mortal boca/ Em frágil taça o passageiro vinho” (REIS, 2016, p. 129). Diante da bebida, que promove o embaraço dos sentidos, o poeta chega a descrever um cenário ideal para a sua própria morte: [...] Bocas roxas de vinho Testas brancas sob rosas Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 39 Nus, brancos antebraços Deixados sobre a mesa; Tal seja, Lídia, o quadro Em que fiquemos, mudos, Eternamente inscritos Na consciência dos deuses (REIS, 2016, p. 129). Novamente direcionando-se a Lídia, Reis afirma a sua angústia, valendo-se das representações do vinho e das rosas, ambas empregadas, conforme comentário de Bréchon (1998, p. 225), como “imagens grandiosas para cantar a inutilidade de tudo e o esquecimento, a miséria da condição do homem, sujeito ao destino e aos deuses”. 4. OS SÍMBOLOS NOTURNOS DA MORTE Outro elemento de fundamental importância para a compreensão das representações da morte em Reis é a presença de palavras que remetem à noite e à ausência de luz, ou às sombras. Assim, utilizando-se da representação da sombra, “a própria imagem das coisas fugidias, irreais e mutantes” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2016, p. 843), o poeta aconselha a Lídia a adoção de uma postura contemplativa em relação à realidade, baseada na negação dos prazeres carnais, a fim de que se evitem sofrimentos: [...] Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos Nem fomos mais do que crianças [...] (REIS, 2016, p. 98, grifo meu). Em outro poema, a existência parece extinguir-se gradualmente segundo a percepção do eu lírico, que anuncia o processo de diluição que envolve a si e a seu próprio interlocutor, tornando-se ambos “cada vez mais sombras/ ao encontro fatal” (REIS, 2016, p. 99). Novamente, a passagem do tempo suscita a angústia do heterônimo, que questiona a seu leitor: “Que horas que te não tornem/ Da estatura da sombra” (REIS, 2016, p. 100). Nesse sentido, cada instante age de maneira a diluir o indivíduo, aproximando-o da morte e, por isso, o autor emprega de maneira recorrente a metáfora da sombra. Conforme comentário de Padrão, “A sombra é um diluente diluído a desfazer contornos de formas e a juntar-se [...] a um pensamento inútil que ‘se conduz até saber que nada vale ou pesa’” (PADRÃO, 1981, p. 108). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 40 Desse modo, qualquer tentativa de resistência à passagem do tempo é considerada inútil e o heterônimo adota uma postura de aceitação total (MARTINS, 2017, p. 118) dos acontecimentos. Assim, os “infecundos, trabalhosos dias” (REIS, 2016, p. 102) que descreve conduzem, invariavelmente, ao perecimento, representado pela escuridão; o lugar onde “não tens fogo que te aqueça” (REIS, 2016, p. 102). Sob a ótica de Reis, em estado póstumo, os indivíduos ao menos já não sentem o peso da existência: Cuidas, ínvio, que cumpre, apertando Teus infecundos, trabalhosos dias Em feixes de hirta lenha. Sem ilusão a vida. A tua lenha é só o peso que levas Para onde não tens fogo que te aqueça, Nem sofrem peso aos ombros As sombras que seremos (REIS, 2016, p. 102, grifo meu). Referindo-se ao amor, Reis aponta a sua natureza perecível, comparando o sentimento à representação da diluição que caracteriza a sombra: “A riqueza é um metal, a glória é um eco/ E o amor uma sombra” (REIS, 2016, p. 110). Em outro momento, aconselha novamente uma postura epicurista a seu interlocutor, utilizando a representação da sombra para se referir ao curso dos acontecimentos, que não pode controlar: [...] Segue o teu destino, Rega as tuas plantas Ama as tuas rosas O resto é a sombra De árvores alheias (REIS, 2016, p. 116). Desse modo, nascer, segundo a perspectiva ricardiana, é estar condenado pelo Fado a não cultivar esperanças: “[...] tu perene/ Sombra errarás absurda” (REIS, 2016, p. 124), afirma o poeta em uma de suas odes. De maneira análoga, a palavra “noite” alude em diversos poemas à morte, remetendo diretamente aos primórdios da mitologia greco-romana, conforme a ideia de que “para os gregos, a noite (Nyx) era a filha do Caos e a mãe do Céu (Urano) e da Terra (Gaia). Ela engendrou também o sono e a morte” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2016, p. 639). Nesse sentido, a noite desponta como um elemento aterrador, sugerindo o “vazio e desconhecido à volta do poeta e dentro dele” (PADRÃO, 1981, p. 100). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 41 Profundamente desesperançado, Reis remete diretamente ao mito grego referente à Noite em um de seus versos: “[...] me entrego, filho/ Ignorado do Caos e da Noite/ As férias em que existo” (REIS, 2016, p. 141). Em outro momento, aconselha a Lídia: [...] Assim façamos nossa vida um dia, Inscientes, Lídia, voluntariamente Que há noite antes e após O pouco que duramos (REIS, 2016, p. 102). Dirigindo-se, mais uma vez, a Lídia, o poeta sugere que sejam ignoradas reflexões de ordem metafísica, a fim de que se aproveitem os instantes. Sob tal enfoque, a brevidade da vida seria comparada a de um dia, ao passo que a morte estaria representada segundo a escuridão e ausência de movimento (PADRÃO, 1981, p. 98) que caracterizam a noite. De maneira semelhante, Reis a aconselha a musa para que não cultive paixões exacerbadas: “À noite, que entra, não pertence, Lídia, / O mesmo ardor que o dia nos pedia” (REIS, 2016, p. 103). Assim, segundo a visão ricardiana, é necessário que os indivíduos abdiquem de ardores e paixões, a fim de que “não se desviem das leis naturais que fundamentalmente regem a vida humana” (CRESPO, 1988, p. 193). Em outro momento, Reis refuta a ideia de enaltecer a noite em suas odes, justamente por esta carregar de maneira inerente a perspectiva aterradora da finitude: Não canto a noite porque no meu canto O sol que canto acabará em noite Não ignoro que esqueço Canto por esquecê-lo. Pudesse eu suspender, inda que em sonho, O apolíneo curso, e conhecer-me Inda que louco, gêmeo De uma hora imperecível! (REIS, 2016, p. 122, grifos meus). Nesse contexto, mesmo o sol, simbolicamente referido como “fonte da luz, do calor, da vida” (CHERVALIER, GHEERBRANT, 2016, p. 836), sucumbe diante do simbolismo da noite – isto é, da morte. O poeta, assim, chega a sonhar uma “hora imperecível”, em um contexto em que a autoconsciência é apresentada como o único atenuante ao sofrimento do qual padece, conforme observa Lourenço: “só da autolucidez com que se contempla fia a improvável vitória sobre o deserto onde agoniza” (LOURENÇO, 1981, p. 56). No decorrer das odes, a estação do inverno é outro elemento utilizado para Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 42 representar a morte, como no seguinte trecho: “Não florescem no inverno os arvoredos, / Nem pela primavera/ Têm brancos fios os campos” (REIS, 2016, p. 103). O poeta, assim, compara o inverno à velhice humana, conforme a perspectiva de encerramento de um ciclo. Dirigindo-se a Lídia, Reis aponta novamente para as diferentes fases que representam a existência: Quando Lídia, vier o nosso outono Com o inverno que há nele, reservemos Um pensamento, não para a futura Primavera, que é de outrem, Nem para o estio, de quem somos mortos Senão para o que fica do que passa – O amarelo atual que as folhas vivem E as torna diferentes (REIS, 2016, p. 135). Nota-se, aqui, que o poeta estabelece uma analogia entre as estações do ano com o “ritmo da vida, as etapas de um ciclo de desenvolvimento: nascimento, formação, maturidade, declínio” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2016, p. 401). Assim, o inverno configura-se como a estação mais fria do ano, que apresenta dias mais curtos e noites mais longas, remetendo, por analogia, à finitude. Em outra passagem, Reis afirma: “Haja inverno na terra, não na mente. / E, amor a amor, ou livro a livro, amemos/ Nossa caveira breve” (REIS, 2016, p. 136), sugerindo que é fundamental ao indivíduo cultivar a razão, mesmo em face do fim inevitável. Conforme aponta Brechon, segundo a perspectiva ricardiana, “é justamente a ‘livre’ escolha do inevitável que vai criar a dignidade do homem” (BRÉCHON, 1998, p. 226). Nesse sentido, pode-se afirmar que a autoconsciência representa um atenuante em relação à condição do heterônimo, ainda que este se revele profundamente angustiado diante da passagem dos instantes. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Inspirado por ideais clássicos e pelas filosofias estoica e epicurista, Ricardo Reis concebe uma poética que revela, ainda que veladamente, o sentido de angústia e mesmo de terror em face à passagem do tempo. Nesse sentido, é possível centralizar em sua obra a construção de uma “serenidade voluntariamente fictícia” (LOURENÇO, 1981, p. 60), em que o eu lírico, sob a aparência da placidez que busca Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 43 em meio à tradição clássica, apresenta-se, em realidade, em permanente estado de angústia – e por isso evoca tantas vezes a temática da morte, sob representações distintas. Segundo a poética objetiva refletida pelas odes ricardianas, pode-se observar uma “clássica resposta à angústia da Morte, a de ver no que passa e porque passa o sinal inverso da Eternidade” (LOURENÇO, 1981, p. 52). Assim, para Reis, cada instante carrega em seu íntimo a perspectiva de finitude; mesmo os prazeres que tanto procura evitar, ou as flores que procura contemplar, tornam-se metáforas dos instantes volúveis, que anunciam ao indivíduo o seu próprio fim. Desse modo, Reis volta-se frequentemente para a mitologia greco-romana, a fim de recuperar a consciência do Fado e da fragilidade do indivíduo – tão bem ilustradas em figuras como a das Parcas, do barqueiro Caronte e de Hades, remetendo ao viés trágico da existência humana, que marca a tradição clássica. Olhando para a realidade à sua volta, o poeta enxerga nas flores, nas plantas e na água também os simbolismos da finitude e do esgotamento, ilustrando, particularmente, a fugacidade dos prazeres – mesmo aqueles que exigem do indivíduo apenas o olhar contemplativo, como o simples gesto de observar o curso de um rio. De maneira análoga, a noite, as sombras e o inverno remetem à ideia de finitude para Reis, que utiliza a metáfora da ausência de luz para representar aquilo que não se pode conhecer – o vazio absoluto que representa a morte. Nesse sentido, paradoxalmente, o vislumbre do desconhecido aflige ao máximo o heterônimo que se define pelo cultivo da razão, que teme “o frio da sombra/ Em que não terei olhos” (REIS, 2016, p.127) e insiste em cantar a mercê passageira de instantes que não duram. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 61589-61605 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 44 REFERÊNCIAS BRANDÃO, J. de Souza. Mitologia Grega. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. v. 1. BRÉCHON, R. Estranho estrangeiro: uma biografia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Record, 1998. BULFINCH, T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. CHEVALIER, J.; ALAIN, G. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 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Atualmente Membra Auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público de São Paulo Endereço: Rua Riachuelo, 115 - São Paulo - CEP 01007-904 E-mail: fabiolasucasas@gmail.com Lucas Martins Bergamini Graduação UNESP, Mestrando USP Ministério Público de São Paulo Endereço: Rua Riachuelo, 115 - São Paulo - CEP 01007-904 E-mail: lucasbergamini@usp.br RESUMO: O artigo contextualiza as dimensões críticas do uso da linguagem neutra e o relaciona como possível instrumento antidiscriminatório e de visibilização e reconhecimento da identidade do sujeito de direito LGBTQIA+. PALAVRAS-CHAVE: Antidiscriminação; Dignidade; Direitos Humanos; Gênero; Linguagem Neutra; Linguagem Inclusiva; LGBTQIA+. ABSTRACT: The article contextualizes the critical dimensions of neutral language and identify it as a possible anti-discrimination and a visibility/recognition instrument for LGBT people. KEYWORDS: Anti-discrimination; Dignity; Gender; Human Rights; Inclusive Language; Neutral language; LGBT. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 46 1. INTRODUÇÃO Em 10 de novembro de 2020, o colégio Liceu Franco-Brasileiro, localizado no Bairro de Laranjeiras, cidade do Rio de Janeiro-RJ, divulgou uma circular tornando público o suporte institucional à adoção de estratégias gramaticais de neutralização de gênero em seus espaços formais e informais de aprendizagem1. Explicando que “a neutralização de gênero gramatical consiste em um conjunto de operações linguísticas voltadas tanto ao enfrentamento do machismo e do sexismo quanto à inclusão de pessoas não identificadas com o sistema binário de gênero”, o colégio manifestou “acolher ativamente demandas legítimas da sociedade, permitindo a docentes e estudantes que manifestem livremente sua identidade de gênero e contribuindo para uma representação mais digna e igualitária dos diferentes gêneros”2. A circular também explicou que, a “substituição da expressão “queridos alunos” por “querides alunes”, por exemplo, passa a incluir múltiplas identidades sob a marcação de gênero em “e”. Alternativas como “queridos alunos e queridas alunas”, igualmente, mostram-se viáveis ao evitar a representação de todos os gêneros exclusivamente pelo masculino”3. E deixou claro que a iniciativa “não configura, absolutamente, a obrigatoriedade de adoção de estratégias de neutralização do gênero pelo corpo discenteou docente”, mas convidou a comunidade escolar “a refletir sobre a possibilidade de acolhimento dessa proposta nas práticas diárias, a fim de promover uma cultura escolar baseada em princípios de tolerância, inclusão e paz”4. Poucos dias depois, difundiu-se nas redes sociais uma notificação extrajudicial dirigida ao colégio, assinada por cerca de 85 pais e representantes legais de estudantes, visando que, no prazo de 24 horas, a escola se abstivesse de “praticar qualquer ideologia de gênero em salas de aulas ou extra classe”, retomasse “o uso da norma culta da língua portuguesa pelos professores” e, dentre outras medidas, que se retratasse e explicasse qual o conteúdo de projeto pedagógico proposto do colégio, “incidindo como crime de falsidade ideológica e crime contra o consumidor, além de 1 Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/querides-alunes-colegio-adotalinguagem- neutra/. Acesso em 29 de novembro de 2020. 2 Ibidem. 3 Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/querides-alunes-colegio-adotalinguagem- neutra/. Acesso em 29 de novembro de 2020. 4 Ibidem. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 47 reparar os danos morais e materiais aos contratantes, pela publicidade e propaganda enganosa”. Os pais alegaram que a circular continha “viés de ideologia de gênero”, confrontava “normas gramaticais culta da língua portuguesa”, “diretrizes educacionais vigentes e aprovadas pelo MEC”, e “decisões do STF”5. Neste mesmo ano de 2020, no entanto, o Supremo Tribunal Federal – ao contrário do argumento dos pais e responsáveis legais dos estudantes do colégio e coerente com decisões anteriores pelas quais a Corte reconheceu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero e que a identidade de gênero é manifestação da própria personalidade da pessoa humana6 -, julgou uma série de ações considerando inconstitucionais leis municipais e estaduais que proibiam a aplicação do termo gênero ou orientação sexual nas suas redes de ensino, reputando-as contrárias à proteção do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e à promoção da tolerância, tal como previsto na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação7. Neste sentido, fazendo um contraponto com o caso do colégio Liceu FrancoBrasileiro, cuja iniciativa, como se disse, culminou em uma nota de repúdio assinada por quase uma centena de pais e responsáveis legais de estudantes, pretende-se neste artigo analisar criticamente a linguagem neutra e sua possível utilização como instrumento de reconhecimento de direitos da pessoa LGBTQIA+, perguntando-se: (1) A linguagem neutra é importante para reconhecimento de direitos das pessoas LGBTQIA+? (2) Quais são os argumentos favoráveis e contrários à linguagem neutra? Na primeira parte do artigo, abordaremos o recente reconhecimento da população LGBTQIA+ como pessoas de direitos e, sob a alegoria “armário da Linguagem”, traremos referências sobre o reconhecimento de identidade, os conceitos e as diferenciações necessárias entre a linguagem neutra e linguagem inclusiva, apontando os pontos de proximidade e de afastamento a respeito. Na segunda parte, 5 Conforme circulou em grupos de whatsapp e também nesta página do Facebook: https://www.facebook.com/desordemeretrocessoatequando/posts/2098022366995828/. Acesso em 29 de novembro de 2020. 6 Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.275/DF. 7 Cf. julgamento de procedência das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) n. 526/Paraná (Foz do Iguaçú), relatado pela Min. Cármen Lúcia, 467/Minas Gerais (Ipatinga), relatada pelo Min. Gilmar Mendes, 460/Paraná (Cascavel), relatada pelo Min. Alexandre de Moraes, 457/Goiás (Novo Gama), relatada pelo Min. Luiz Fux, 461/PR (Paranaguá), 465/TO (Palmas) e 600/PR (Londrina), estas três últimas relatadas pelo Min. Barroso, e Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5537/AL, 5580/AL e 6.038/AL. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 48 problematizaremos a linguagem neutra como instrumento de reconhecimento e/ou como instrumento antidiscriminatório, bem como os argumentos contrários e favoráveis. 2. OS ARMÁRIOS DA DIVERSIDADE: SILENCIAMENTO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DA LINGUAGEM NEUTRA O sonho que acho mais fascinante é o de uma sociedade andrógina e sem gênero (embora não sem sexo), na qual a anatomia sexual de uma pessoa seja irrelevante para o que ela é, para o que ela faz e para a definição de com quem ela faz amor (RUBIN, 1993, p. 55). Depois de Montesquieu questionar a institucionalização da tortura em seu Espírito das Leis (1748), de Beccaria fazê-lo através dos Delitos e das Penas em 1764, e, dentre outros, de Voltaire denunciá-la em 1766, tratada como “a questão” a partir do caso “Calas”, e, apesar das humilhações públicas, das marcações a ferro ou mesmo do suplício da roda, até então, figurarem penas legítimas e aplicáveis a uma série de situações – como pela heresia ou a sodomia, por exemplo -, atribuiu-se ao movimento que sucedeu às denúncias uma nova ordem de valorização da linguagem do sentimento. Antes sagrado apenas dentro de uma ordem religiosamente definida, em que os corpos individuais podiam ser mutilados ou torturados para o bem comum, o corpo se tornou sagrado por si próprio numa ordem secular que se baseava na autonomia e inviolabilidade dos indivíduos (HUNT, 2018, p. 82). A linguagem, nesse caso, descortinou uma representação de imposição de crueldade oficializada – e que servia a um “espetáculo público” destinado a “insuflar o terror nos espectadores e dessa forma servir “como um instrumento de dissuasão” (HUNT, 2018, p. 94), quebrando o silenciamento dos corpos em dor. Evidenciou algo que existia, mas que não era alcançado pela linguagem. Nem tudo que existe é alcançado pela linguagem; e nem tudo que a linguagem alcança existe. MÄDER, em seus estudos sobre “sexismo gramatical”, pontuou que, embora a linguagem “não seja uma representação especular da realidade, ela pode nos oferecer pistas sobre como são construídos os diversos modelos que construímos para interpretar as realidades nas quais vivemos”. Ou seja, pode nos mostrar o que pensamos, mas também quem somos (MÄDER, 2019, p. 30). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 49 O armário, conforme SEDGWICK (1993, p. 04) muito bem define em poucas palavras, é “a estrutura definidora da opressão gay no século XX”. Assumir-se publicamente a própria orientação sexual homoafetiva, ainda que um ato de libertação subjetiva, objetivamente considerado um ato de risco pelo compreendido confronto à imposição heterocis normativa e às respostas dela decorrentes. SEDGWICK, nesse passo, traz a reflexão capaz de revigorar em muitas pessoas um “sentimento de potência e magnetismo”, outros armários se imporão em razão de uma ordem de “presunção heterossexista”, a partir da qual “novos levantamentos, novos cálculos, novos esquemas e demandas de sigilo ou exposição” serão exigidos (SEDGWICK, 1993, p. 04/08). De Stonewall até hoje as violências enfrentadas pela população LGBTQIA+ foram inúmeras. Menciona-se, aqui, o fato de a homossexualidade ser considerada doença até pouco tempo, com a retirada do termo homossexualismo do Catálogo Internacional de Doenças, pela Organização Mundial de Saúde, somente em 17 de maio de 19908; ou mesmo a invisibilidade da violência em estatísticas oficiais, conforme aponta o Atlas da Violência 2019 organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública9. Neste texto, pretende-se buscar não necessariamente o que está descrito na linguagem, mas o que ela, enquanto instrumento de expressão e reconhecimento, esconde dentro dos armários da diversidade, tal qual analogamente também permeou o clamo ao direito à retificação de registro de prenome perante os tribunais brasileiros. 2.1 Recente reconhecimento da população lgbtqia+ como pessoas com direitos específicos Conforme esclarece BOBBIO (2004, p. 31) além dos processos de conversão em direito positivo, de generalização e de internacionalização, os direitos das pessoas passaram por um processo de especificação: 8 No Brasil, o Conselho Federal de Medicina já havia retirado da lista de transtornos em 1985, antes da OMS. 9 Atlas da violência 2019 / Organizadores: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. ISBN 978-85-67450-14-8. .Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/19/atlas-da-violencia-2019. Acesso em 03 de dezembro de 2020. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 50 Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana. Com relação ao gênero, foram cada vez mais reconhecidas as diferenças específicas entre a mulher e o homem. Com relação às várias fases da vida, foram se progressivamente diferenciando os direitos da infância e da velhice, por um lado, e os do homem adulto, por outro. Com relação aos estados normais e excepcionais, fez-se valer a exigência de reconhecer direitos especiais aos doentes, aos deficientes, aos doentes mentais, etc. Com relação às pessoas LGBTQIA+, o processo de especificação está acontecendo no presente momento histórico, uma vez que reconhecimento de direitos a essa população só tem se dado recentemente. Após a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), foram realizadas diversas declarações de direitos humanos na busca pela concretização de direitos previstos na DUDH. Em 1966 foi elaborado o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. E foram adotados, também, no Sistema ONU, diversos tratados para direitos específicos. Apesar deste percurso de desenvolvimento e especificação dos direitos humanos, as pessoas LGBTQIA+ foram excluídas destes tratados internacionais. A situação começou a ser alterada em 1994, após o julgamento do caso Toonen v. Austrália10, em que a ONU, através de seu Comitê Internacional de Direitos Civis e Políticos, reconheceu que leis que violam direitos LGBTQIA+ violam também direitos humanos11. Após quase uma década sem qualquer especificação, foram editados, também no âmbito da ONU, os Princípios Yogyakarta, trazendo, finalmente, alguma sistematização para a temática LGBTQIA+ no âmbito internacional. Tais princípios surgiram dos esforços de especialistas, conjuntamente com diversas Organizações não Governamentais, em 2005, como uma tentativa de mapeamento das experiências de violação de direitos humanos sofridas por pessoas de orientações sexuais e 10 O caso foi levado ao Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas por Nicholas Toonen em 1991, que questionava a criminalização do sexo entre homossexuais como uma violação ao direito à privacidade, garantido pelo art. 17 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, culminando em revogação das leis de sodomia da Austrália, acolhendo-se o argumento de que a orientação sexual era protegida pelo Pacto. 11 United Nations: General assembly to address sexual orientation and gender identity - Statement affirms promise of Universal Declaration of Human Rights". Amnesty International. 12 December 2008. Disponivel em: https://www.amnesty.org/download/Documents/56000/ior410452008en.pdf. Acesso no dia 04 de dezembro de 2020. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 51 identidades de gênero diversas, com o objetivo geral de averiguar a aplicação dos tratados de direitos humanos a casos específicos, bem como de exigir a obrigação dos Estados na implementação efetiva de cada um destes direitos12. Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos adotou a Resolução 17/19 – primeira resolução das Nações Unidas sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero – e, posteriormente, em 2012, foi editado o documento “Nascidos Livres e Iguais: Orientação Sexual e Identidade de Gênero no Regime Internacional de Direitos Humanos”, que indicou cinco obrigações legais em relação à proteção dos Direitos Humanos de Pessoas LGBT. São eles: I) proteger indivíduos de violência homofóbica e transfóbica; II) prevenir tortura e tratamento cruel, desumano e degradante de pessoas LGBT; III) descriminalizar a homossexualidade; IV) proibir discriminação baseada em orientação sexual ou identidade de gênero; e V) respeitar as liberdades de expressão, de associação e reunião pacífica.13 O Brasil tem se orientado pelo documento da ONU, principalmente nos bancos do Supremo Tribunal Federal, que tem atentado e salvaguardado a garantia do direito à não discriminação. Nesse passo, a lgbtfobia foi criminalizada (ADO 26 e MI 4733) e o casamento igualitário reconhecido no âmbito judicial (ADI 4277 e ADPF 132). 2.2 O armário da linguagem: dando-se visibilidade ao reconhecimento de identidade A Organização das Nações Unidas optou pelo uso do termo LGBT para se referir a este grupo populacional específico, tal qual consta do já citado documento “Nascidos Livres e Iguais: Orientação Sexual e Identidade de Gênero no Regime Internacional de Direitos Humanos”. No entanto, para este artigo, preferimos a terminologia LGBTQIA+, de acordo com explicação que segue. A cartilha “Diversidade Sexual e a Cidadania LGBT”14 editada pelo governo do Estado de São Paulo contém definições indispensáveis e discute o que vem a ser 12 Disponível em: http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso no dia 04 de dezembro de 2020. 13 Disponível em: https://www.ohchr.org/Documents/Publications/BornFreeAndEqualLowRes_Portuguese.pdf. Acesso no dia 04 de dezembro de 2020. 14 Cartilha “Diversidade Sexual e a Cidadania LGBT”. Disponível em: https://justica.sp.gov.br/wpcontent/uploads/2017/07/Cartilha-3a-Edi%C3%A7%C3%A3o-Final.pdf. Acesso no dia 04 de dezembro de 2020. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 52 “sexo biológico”, “orientação sexual”, “gênero”, “identidade de gênero”, “papel de gênero” e “expressão de gênero”. Ao que tudo indica, a linguagem neutra se relaciona com os temas “gênero” e “expressão de gênero”. E por isso serão aqui esclarecidos. De acordo com a supramencionada cartilha, gênero é conceito utilizado para distinguir as dimensões biológicas das sociais, pois “embora a biologia divida a espécie humana entre machos e fêmeas, a maneira de ser homem e de ser mulher é expressa pela cultura”15. Ou seja, “homens e mulheres são produtos da realidade social e não decorrência direta da anatomia de seus corpos”. A expressão de gênero, a seu turno, significa “como a pessoa manifesta publicamente a sua identidade de gênero, por meio do seu nome, da vestimenta, do corte de cabelo, dos comportamentos, da voz e/ou características corporais e da forma como interage com as demais pessoas.”16 Boa parte das pessoas adotam expressões de gênero masculinas ou femininas, “mas encontramos pessoas com a expressão andrógina, ou não binária, ou fluída”17. Por esse motivo, no presente artigo, optamos por fazer uso da terminologia LGBTQIA+ no lugar de LGBT usada nos documentos da ONU. A expressão LGBTQIA+, malgrado longa, engloba, pelo menos, todas as pessoas da sigla que podem, em algum momento da vida, apresentar uma forma de expressar gênero que não seja, necessariamente, conformista. Aliás, importa destacar que o “QIA+” da sigla refere-se a “queer”, “intersexo”, “assexual” e outros. Essas são as que mais diretamente se relacionam com a proposta da linguagem neutra, uma vez que não se enquadram, necessariamente, no binarismo mulher/homem. São, portanto, dois os motivos principais para a adoção da sigla LGBTQIA+: 1) é terminologia que abarca a diversidade de gênero, ao contrário da LGBT que se mostra insuficiente; 2) a linguagem (seja neutra ou com novas terminologias) é capaz de expressar e indicar o reconhecimento de muitas realidades que são escondidas pelo silenciamento a respeito do tema. 15 Idem. Idem. 17 Idem. 16 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 53 2.3 O que é a linguagem neutra? o que é linguagem inclusiva? ... “Ela” e “ele” vai virar “ILE’. “Dela” e “dele” vai virar “DILE”. “Aquela” e “aquele” vai virar AQUILE. “Nela” e “nele” vai virar NILE. “Essa” e “esse” vai virar “ISSE”. “Daquela” e “daquele” vai virar “DAQUILE”. “Desta” e “deste” vai virar “DISTE”. “Sua” e “seu” vai virar “SUE”. “Nossa” e “nosso” vai virar “NOSSE”. “Minha” e “meu” vai ficar “MINHE”. Um exemplo: eles são amigos. Como vai ficar isso se for colocar no neutro? “ILES SÃO AMIGUES”. Outros exemplos: João deu um beijo nela ou João deu um beijo nele. Como fica no neutro? João deu um beijo “NILE”18 Rosa Laura, ativista não-binário, gravou um vídeo postado na plataforma “Youtube” em que narra um texto explicativo sobre o sistema “Ile”, uma proposta de alteração linguística atribuída como “linguagem neutra”. Outros sistemas também têm sido disseminados, como “Elu” ou “Elo”, ou a utilização de “@” (arroba) e “x” (xis) na linguagem escrita, substitutiva dos artigos de gênero. Fala-se, deste modo, em “linguagem neutra”, “linguagem não-binária”, “linguagem inclusiva”, “linguagem de gênero ou “neolinguagem”. Na língua portuguesa há apenas dois gêneros gramaticais, o masculino e o feminino. O “masculino genérico”, porém, é utilizado: “a) no emprego de nomes masculinos para denotar seres humanos cujo gênero não é conhecido ou não é relevante; b) na concordância de gênero de predicados com sujeitos coordenados; c) na concordância de predicados com pronomes que não distinguem entre os gêneros masculino e feminino” (MÄDER, 2015, p. 18). “Linguagem neutra”, por sua vez, cuida-se de um termo designado para promover uma linguagem que não marca gênero algum; também conhecido por “linguagem não-binária”, o termo designa uma linguagem que abarca pessoas cujas identidades de gênero não são designadas pelos compostos binários homem ou mulher, partindo-se do pressuposto que a diversidade de identidade compõe múltiplas performatividades de gênero. O desenvolvimento desta linguagem, embora sua origem seja atribuída a uma reivindicação de minorias, não se apoia em uma bandeira individualista, muito pelo contrário. A diversidade é uma realidade de todas as pessoas, pois se de um lado há o direito de tornar-se visível e receber tratamento igualitário, por outro há o dever de 18 Trecho do texto narrado pelo militante Rosa Laura. Disponível https://www.youtube.com/watch?v=sXxxhDa0u3E. Acesso em 07 de dezembro de 2020. em: Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 54 provocar a visibilidade e conceber tratamento igualitário. Segundo o “Manifesto para uma comunicação radicalmente inclusiva”, publicado em 2015, de autoria de Andrea Zanella e Pri Bertucci, e que culminou no lançamento em 2020 do “Guia Todxs Nós de Linguagem Inclusiva” da HBO19, o uso de “x” e “@” no lugar de “a” ou “o”, apesar de sua larga utilização, é encarado pelo viés capacitista20 pois não tem marcação fonética, é impronunciável, considerado reducionista e que exclui a comunicação com pessoas com dislexia e com deficiência, como o caso das pessoas autistas e as com deficiência auditiva e visual. Por isso, mas sem pretender esgotar os sistemas criados para a promoção deste tipo de linguagem, preferimos indicar quatro deles, mais populares, que teriam a tarefa do papel da neutralidade. A aplicação destes sistemas à “linguagem neutra”21 é reconhecida pela designação “neolinguagem”, cuja proposta quer incluir palavras que não são dispostas na língua-padrão. A linguagem inclusiva, por sua vez, teria um espectro mais amplo, já que, conforme o manual de Comunicação Inclusiva do Secretariado-Geral do Conselho da União Europeia, editado em 2018, pode assumir as seguintes vertentes: (1) a da linguagem sensível à questão de gênero, que visa evitar a aplicação de estereótipos dos papeis de homens e mulheres; (2) a da linguagem utilizada para fazer referência a pessoas com deficiência; (3) e de outras que sejam isentas de preconceitos. Desta forma, embora os termos sejam usados como sinônimos, a “linguagem inclusiva” é reconhecida como mais ampla, uma vez que abrange outras situações que não se relacionam, necessariamente, com a questão do gênero (construção social ou gramatical). Cf. sítio da “Diversity BBox”, consultoria de diversidade. Disponível em https://diversitybbox.com/pt/um-guia-para-promover-a-linguagem-inclusiva-em-portugues/. Acesso em 07 de dezembro de 2020. 20 As figuras de linguagem, as abreviações e o uso de emojis são outros exemplos comuns de uso de linguagem considerada capacitista. 21 Possíveis sistemas de linguagem neutra: (1) o sistema ILU, que propõe a substituição de “Ele/ela” por “Ilu”, “Dele/dela” por “Dilu”, “Meu/minha” por “Mi/Minhe”, “Seu/sua” por “su/sue”, “Aquele/aquela” por “aquelu” e “o/a”, por “le”; (2) o sistema ELU, que propõe a substituição de “Ele/ela” por “Elu”, “Dele/dela” por “Delu”, “Meu/minha” por “Mi/Minhe”, “Seu/sua” por “su/sue”, “Aquele/aquela” por “aquelu” e “o/a”, por “le”; (3) o sistema EL, que propõe a substituição de “Ele/ela” por “El”, “Dele/dela” por “Del”, “Meu/minha” por “Mi/Minhe”, “Seu/sua” por “su/sue”, “Aquele/aquela” por “aquel” e “o/a”, por “le”; (4) e o sistema “ILE”, que propõe a substituição de “Ele/ela” por “Ile”, “Dele/dela” por “Dile”, “Meu/minha” por “Mi/Minhe”, “Seu/sua” por “su/sue”, “Aquele/aquela” por “aquile” e “o/a”, por “e”. 19 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 55 3. A CHAVE DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS LGBTQIA+: A UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM PARA RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE “Não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída, pelas próprias “expressões” tidas como seus resultados” (BUTLER, 2003, p. 56). A linguagem usada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão custou a vida de Olympe de Gouges na França do século XVIII. Ao questionar o uso da palavra “homens” na Declaração como sinônimo de humanidade, Olympe quis mostrar que o texto não contemplava as mulheres e que não seriam abarcadas no conceito de igualdade. Por isso publicou, em 1791, a Declaração dos Direitos da Mulher, documento que invertia a linguagem da declaração oficial de 1789. Olympe foi condenada à guilhotina “como uma contrarrevolucionaria "impudente" e um ser inatural (um "homem-mulher")” (HUNT, 2017, p. 172). E extremamente pertinente aqui a reflexão de CARBONI e MAESTRI às construções e aos processos que recaem sobre as palavras “homem” e “mulher”, e a sua relação com os símbolos que permeiam a linguagem, atribuindo-se estereótipos e marcadores aos referidos termos: Nos dicionários, a palavra “homem”, no sentido de “ser humano do sexo masculino”, costuma ser conotado com traços humanos fortemente valorizados – coragem; determinação; vigor sexual; força física e moral, etc. O termo raramente é associado à união com a mulher. Para tal, a língua dispõe de um outro signo: “marido”. Ao contrário, o termo “mulher” é fortemente polissêmico, servindo tanto para referir-se ao ser biológico – no qual são centrais as características ligadas à reprodução da espécie –, quanto à “companheira conjugal” ou “amante” do homem, assumindo parte de sua significação no contexto de relação/dependência ao seu termo oposto – o homem. As conotações habituais e os campos semânticos aos quais o vocábulo “mulher” é associado relacionam-se sobretudo com sexo, beleza física e traços humanos pouco valorizados – fraqueza, leviandade, etc. [HOUAISS:1975]. Nesse sentido, a língua encobre o fato de que a mulher foi submetida pelo homem devido à capacidade produtiva e reprodutiva, e não a uma pretensa inferioridade natural. [MEILLASSOUX: 1976, 47-60.]” (CARBONI; MAESTRI, 2003, p. 05). Isso quer dizer que, assim como foi possível ressignificar o sentido da palavra mulher, é também possível ressignificar ou criar palavras para reconhecer a existência de pessoas que não se encaixam em um padrão binário de gênero. Neste sentido, pode-se questionar se a linguagem seria a chave, dentro da epistemologia do armário. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 56 3.1 Linguagem neutra como instrumento de reconhecimento e/ou como instrumento antidiscriminatório Nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 5668/DF, o debate proposto pelo advogado Paulo Iotti para o Supremo Tribunal Federal de modo subsidiário, como efeito aditivo e, em caráter de fungibilidade das ações recursais, na conversão da ação em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, coloca em xeque a omissão legislativa do Plano Nacional de Educação quanto ao enfrentamento das discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual. Como bem lembra o notável advogado na petição inicial da referida ação, a “homotransfobia” é um neologismo que visa englobar em uma única palavra a “homofobia” e a “transfobia”, para assim designar a discriminação contra a população LGBT como um todo”. A linguagem define por si só. Na toada do pensamento que o termo “homotransfobia” é um neologismo utilizado – e não proibido - que serve à visibilidade, à nomeação e à significação ampla do sentido da própria palavra “homofobia”, amparando inclusive o reconhecimento de uma conduta que se adequa ao crime de racismo, isto quer dizer que, coerentemente, a linguagem e os neologismos constituem, poderosamente, instrumentos políticos antidiscriminatórios e que impulsionam a reafirmação da dignidade de pessoas que não se enquadram no binarismo. Alguns exemplos que retratam o uso da linguagem como instrumento antidiscriminatório são o exercício que substitui a palavra “pessoal” no lugar de “meninos” para designar “meninos e meninas”; e o uso do neologismo “menines”, substantivo neutro que inclui pessoas do gênero masculino, feminino e pessoas que não se identificam com nenhum destes gêneros. São exemplos que retratam, simbolicamente, a intenção antidiscriminatória. O que se pretende é deixar claro que não se quer discriminar mulheres e tampouco minorias (LGBTQIA+). Ainda que a utilização das construções gramaticais novas ou o uso de neologismos possam causar estranhamento, uma vez que é uma prática capaz de afetar o uso da língua em seu cotidiano, não se afasta sua factibilidade e legitimidade, sem a pretensão, por outro lado, que seja representativa de uma fórmula mágica que provoque, repentinamente, a igualdade de gênero. Do ponto de vista estritamente jurídico, a linguagem neutra/inclusiva é capaz de cumprir o papel de não discriminar pessoas, bem como o de reconhecimento de Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 57 suas diversas identidades de gênero. Isto quer dizer que é possível juridicamente defender o argumento do uso da linguagem neutra sem que ele fira a norma culta da línguaportuguesa, inclusive a título institucional, de modo que não é defensável, senão utilizá- la institucionalmente, proibir ou discriminar a sua utilização. 3.2 Argumentos favoráveis e contrários Do ponto de vista jurídico, como já se viu acima, não há qualquer impedimento à utilização de uma linguagem neutra, uma vez que seu papel se destina à visibilidade de pessoas, ao reconhecimento de direitos e como forma de evitar a discriminação em relação a determinados grupos. Oportuno trazer ALMEIDA, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que enfoca a noção de “pessoa sagrada”, no âmbito da história dos Direitos Humanos, a um interdito de não violência, fazendo referência ao professor e sociólogo francês Jean-Claude Filloux: “Considerar a pessoa como sagrada significa dizer que a pessoa deve estar envolta em uma “aura de não violência” e transformada “na única convicção moral que possa unir os homens de uma sociedade moderna”. De modo que a sacralidade possibilita a interdição de todo tipo de violência contra a pessoa e o respeito que é devido à pessoa no âmbito da sociedade. (ALMEIDA, 2018, p. 36) Atribui-se o sentido de sacralidade ao reconhecimento do valor da pessoa por meio de uma narrativa. ALMEIDA explica no que consiste uma narrativa: “Narrativa é toda e qualquer representação de eventos e consiste em histórias e discurso narrativo; histórias (ou estórias) como sequência de eventos (ação) e discurso narrativo como a representação de tais eventos. Narrativas são uma forma de compreender a “razão de ser” dos acontecimentos” (ALMEIDA, 2018, p. 17) Ao caso Dreyfus, também segundo traz ALMEIDA, confere-se a origem da expressão “sacralidade da pessoa”, atribuída por Durkheim, caso que escancarou a posição do Estado enquanto ente violador dos direitos do homem e do cidadão. Ensejou, daí, uma mobilização que culminou no reconhecimento da pessoa enquanto sujeito, enquanto ser que deve e merece proteção, dotado de direitos universais. Vale recordar a pergunta de RICOUER (2008, pág. 21): Quem é o sujeito de direito? Quem é o sujeito digno de estima e respeito? Quem é aquele que fala? De Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 58 quem é a história aqui narrada? Não por outro motivo, registramos mais uma vez RICOUER: “O exame da noção de identidade narrativa dá ensejo a distinguir a identidade do si da identidade das coisas; esta última se reduz em última instância à estabilidade e até à imutabilidade de uma estrutura, ilustrada pela fórmula genética de um organismo vivo; a identidade narrativa, em contrapartida, admite a mudança; essa mutabilidade é a mutabilidade das personagens das histórias que contamos; essas personagens são urdidas simultaneamente à própria história. Essa noção de identidade narrativa é da maior importância para a pesquisa da identidade dos povos e das nações; pois ela contém o mesmo caráter dramático e narrativo que frequentemente podemos confundir com a identidade de uma substância ou de uma estrutura. No nível da história dos povos, assim como no dos indivíduos, a contingência das peripécias contribui para o significado global da história contada e para o significado de seus protagonistas. Esse reconhecimento implica desfazer-se de um preconceito referente à identidade reivindicada pelos povos sob a influência da arrogância, do medo ou do ódio” – grifo nosso - (RICOEUR, 2008, p. 23/24). Portanto, não se afasta deste cenário de pensamento, a ideia de que a linguagem neutra, como expressão da realidade vivenciada pelas pessoas não binárias, encontra guarida na noção de dignidade da pessoa humana, noção esta decorrente do sentido de sacralidade como já exposto, e, por sua vez, na sua proteção e resguardo por meio de posturas e proibições antidiscriminatórias tal como garante a Constituição Federal de 1988. É o que ampara o argumento de que possível utilização da neolinguagem, senão uma realidade de mudança na estrutura da língua portuguesa – o que para muitos seria motivo de espanto e repúdio -, não pode ser proibida. No entanto, em uma pesquisa inicial acerca do tema foi possível encontrar três principais argumentos contrários à utilização de uma linguagem neutra. O primeiro deles, o fato de que o seu uso está relacionado com a “não marcação do gênero masculino”. Conforme já mencionado na primeira parte do artigo, a língua portuguesa adotou a fórmula do masculino gramatical para uso genérico, enquanto o feminino seria destinado especificamente. MÄDER (2015, p. 128), quando traz suas reflexões sobre os tempos em que o masculino era considerado gênero “nobre”, relacionando explicitamente o machismo patente no plano linguístico – fato que marcou a reivindicação de Olympe de Gouges no caso da Declaração dos Direitos do Homem -, atribui aos tempos da modernidade o argumento da justificativa do gênero “não-marcado” para determinar o uso do Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 59 gênero gramatical masculino na língua portuguesa. A partir de referências sobre o conceito de marca e “o uso da questão do masculino genérico como um recurso frequentemente usado para “explicar” o uso de uma categoria por outra”, MÄDER traz as diferentes sustentações que ora apontam para a conclusão de que o uso do masculino genérico é considerado ora uma prática linguística sexista22, ora uma questão puramente estrutural23. Ou seja, apesar de o gênero masculino ser usado como neutro na língua portuguesa, esse uso tem sido progressivamente questionado, sob o argumento de haver uma espécie de sexismo mascarado, pautado em uma raiz histórico-cultural e estruturalmente machista. O segundo argumento contrário é o da politização do uso da linguagem. De acordo com o esclarecido pela Professora Daniela Palma em entrevista, a proposta da linguagem neutra pode até se conformar em uma neutralidade do ponto de vista gramatical, mas não do ponto de vista político. Tanto que, pouco tempo depois de o Colégio Franco-Brasileiro no Rio de Janeiro ter adotado a proposta de utilização de linguagem neutra, notícias correram de que projeto de lei foi apresentado à Câmara dos Deputados com o objetivo de proibir sua utilização. Trata-se do Projeto de Lei n.º 5248/2020 que “estabelece o direito dos estudantes de todo o Brasil ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino, e dá outras providências.”24 E em seu art. 2º, existe previsão expressa da proibição de “linguagem neutra” e “dialeto não Segundo o autor, uma das referências que sustentam a gramática sexista, está na ideia de que “o gênero gramatical masculino teria um status cognitivo mais importante do que o gênero gramatical feminino, o que se caracterizaria como uma espécie de efeito prototípico. Esse status mais básico do masculino seria decorrente do uso desta categoria para denotar, metonimicamente, a categoria humano, isto é, o uso de uma categoria (talvez de uma categoria de nível básico ‒ masculino) para uma categoria superordenada ‒ humano (na qual a distinção masculino/feminino é posta em segundo plano e não é relevante)...” (MÄDER, 2015, p. 128). 23 Conforme MÄDER, esta linha de argumentação se traduz em algumas destas justificativas: de que “fenômeno denominado “masculino genérico” não se manifesta apenas na linguagem, mas na cognição em geral; o status do masculino como gênero prototípico está correlacionado com a sua frequência de uso; esse status de gênero prototípico é consequência de um caráter androcêntrico da língua, que se manifesta também em outros contextos; e as relações de poder entre homens e mulheres (e, portanto, entre a fala masculina e a feminina), além do poder das instâncias reguladoras da língua, fazem com que o masculino genérico se institua como o “padrão” de linguagem para homens e mulheres” (págs. 145/146, 2015). A nosso ver, é compreensão que não destoa das representações de gênero fora da linguagem, mas que através dela também se manifestam simbolicamente. 24 Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2265570. Acesso no dia 03 de dezembro de 2020. 22 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 60 binário”.25 E vale também trazer à baila a justificativa apresentada no projeto, que, sob o argumento de que a linguagem neutra seria calcada em uma postura de cunho ideológico, ela não teria o condão de legitimar a sua utilização26: Mas o uso deste argumento provoca a seguinte indagação: se a utilização da linguagem neutra é uma questão ideológica, a sua não utilização também não o seria? Não à toa, a expressão “ideologia de gênero” tem sido alvo de críticas nos meios acadêmicos e nos bancos judiciais. Cuida-se, inclusive, de um dos argumentos constantes das petições iniciais das Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPFs propostas pelo Ministério Público Federal que pediam a declaração de inconstitucionalidade de leis municipais proibitivas da abordagem de gênero nas escolas, como já citado neste artigo. A expressão tem sido atribuída como imprópria e incompatível com os “estudos” ou “teoria de gênero”, constituindo-se tal argumento, na verdade, de uma estratégia ideológica na medida em que visa disfarçar, afastar e tolher a temática de gênero no campo dos direitos e do processo educativo27. O Núcleo de Estudos de Gênero da Universidade Federal do Paraná, em manifestação oficial, considerou que a palavra “ideologia” não tem definição consensual e que carrega uma forte conotação negativa e falaciosa. Sustentou ainda que as “discussões de gênero” dizem respeito ao estudo dos sistemas de dominação e de exclusão, como são construídos e como se tornam permanentes a partir da oposição e da desigualdade entre homens e mulheres, dos modelos de masculinidade, feminilidade, sexualidade e da exclusão de toda a população Art. 2º Fica vedado o uso da “linguagem neutra”, do “dialeto não binário” ou de qualquer outra que descaracterize o uso da norma culta na grade curricular e no material didático de instituições de ensino públicas ou privadas, em documentos oficiais dos entes federados, em editais de concursos públicos, assim como em ações culturais, esportivas, sociais ou publicitárias que percebam verba pública de qualquer natureza. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1943896&filename=Tramit aca o-PL+5248/2020. Acesso no dia 03 de dezembro de 2020. 26 Conforme expressamente mencionado no projeto de lei: Diante desse contexto, verifica-se que a pretensão de uma linguagem não binária é, em verdade, retrato de uma posição sociopolítica, que, nem de longe, representa uma demanda social, mas de minúsculos grupos militantes, que têm por objetivo avançar suas agendas ideológicas, utilizando a comunidade escolar como massa de manobra. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1943896&filename=Tramit aca o-PL+5248/2020. Acesso no dia 03 de dezembro de 2020. 27 Cf. inicial da ADPF 461/PR, disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.j sf?seqobjetoincidente=5204906. Acesso em 07 de dezembro de 2020. 25 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 61 LGBTQIA+ (transgênero, queer, ou pessoas de gênero fluido e intersexuais)28. De todo modo, na própria justificativa do Projeto de Lei n.º 5248/2020, existe indicação de um artigo (de opinião) publicado no jornal espanhol “El Pais”, intitulado “Alumnos, alumnas y ‘alumnes’29, que apresenta o principal argumento sociolinguístico contrário à utilização de um gênero neutro na linguagem, qual seja, o de que, normalmente, não obtêm sucesso as imposições de alterações na linguagem. Outro argumento desfavorável30 é o de que a utilização de uma linguagem inclusiva não significa necessariamente o final da desigualdade entre os gêneros. Neste sentido, vale a transcrição da passagem a seguir, tratando-se de reflexão de Beatriz Sarlo, ex-professora de literatura argentina na Universidade de Buenos Aires, que critica o uso de justificativas dos fins pelos meios (em tradução livre): Surpreende a confiança com que hoje querem implantar o uso conjunto de masculino e feminino como se essa transformação linguística garantiria uma igualdade de gênero. Quando esta igualdade se expressar inteiramente, já estará disposta nos dicionários. Mas o que mais surpreende é a curiosa solução de utilizar a letra e final para indicar conjuntamente o masculino e o feminino. Estudantes e a elite social e cultural, que frequentam os prestigiosos colégios universitários de Buenos Aires hoje dizem: o les alunes, les amigues, como se o e final outorgasse uma representação do masculino e do feminino, a contrapelo do espanhol. A história das línguas ensina (a quem a conheça um pouco) que as mudanças na fala e na escrita não se impõem pelas academias ou pelos movimentos sociais, pouco importando o quão justas sejam suas reivindicações31. Ou seja, muito embora do ponto de vista linguístico seja viável a criação de um pronome neutro, como existe em outros idiomas (a exemplo do alemão), os argumentos contrários sobre a criação de neologismos (e sua imposição) não se mostram uma medida prudente, já que 1) dificilmente teria aceitação; 2) não implicaria necessariamente o fim da desigualdade de gênero. 28 Cf. manifesto publicado em seu sítio. Disponível em: https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/nucleode-estudos-de-genero-da-ufpr-produz-manifesto-sobre-exclusoes-das-discussoes-de-genero-ediversidade- sexual-nos-planos-de-educacao/. Acesso em 07 de dezembro de 2020. 29 Disponível em: https://elpais.com/cultura/2018/10/09/babelia/1539083839_285133.html. Acesso no dia 04 de dezembro de 2020. 30 Pelo menos no que se refere à igualdade entre homens e mulheres. 31 No original: “Sorprende la confianza con que hoy se quiere implantar el uso conjunto de masculino y femenino, como si esa transformación lingüística garantizara una igualdad de género. Cuando esa igualdad se exprese enteramente, ya estará afincada en los diccionarios. Pero lo que más sorprende es la curiosa solución de utilizar la letra e final para indicar conjuntamente al masculino y el femenino. Estudiantes de la élite social y cultural, que asisten a los dos prestigiosos colegios universitarios de Buenos Aires, hoy dicen: les alumnes, les amigues, como si la e final otorgara la representación del masculino y el femenino,a contrapelo del español. La historia de las lenguas enseña (a quien la conozca un poco) que los cambios en el habla y en la escritura no se imponen desde las academias ni desde la dirección de un movimiento social, no importa cuán justas sean sus reivindicaciones.” Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 62 Todavia, diferentemente do que quer dizer o autor do projeto de lei, não há qualquer argumento válido de que o uso da linguagem neutra deva ser proibido. Aliás, não seria possível proibi-lo, pois a linguagem neutra é capaz de ser utilizada por meio de substantivos epicenos. Seria possível proibir, por sua vez, o uso de palavras como “chefe”, “cliente”, “colega”, “dentista”, “gerente”, “jovem”, “policial”? O que é possível proibir, a nosso ver, seria a utilização de neologismos para a representação desta linguagem neutra. E isso apenas nos documentos oficiais, pois não nos esqueçamos de que a língua falada é a língua viva. Nesse passo, imperioso registrar a reflexão da Profa. Ana Cecília Bizon32, docente Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, para quem não proibir o uso da linguagem inclusiva seria uma solução viável, pois “ao marcar que não é proibido, você vai abrir caminhos para que alguns utilizem”, de modo a circunscrever o lugar, criar uma tradição de uso e viabilizar a própria discussão que permeia a questão. A Profa. Daniela Paula, também docente da Unicamp, ainda que veja com dificuldade a aceitação de propostas de mudanças ortográficas em uma das frentes de implementação da linguagem inclusiva, entende que há outras formas textuais e outras soluções de manuseio da linguagem que podem cumprir papel semelhante, demarcando a sua posição política. De todo modo, trazendo referências dos instrumentos de inclusão das pessoas com deficiência visual, também não concorda com a proibição; reputa que o seu uso é uma forma de dar visibilidade à questão e que tratar o tema como objeto de orientação geral seria uma forma de abrir caminho para o respeito à diversidade 32 Tivemos a preocupação de abarcar pontos do tema no campo da linguística e realizamos uma entrevista com as docentes do Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas - UNICAMP, as professoras Ana Cecília Cossi Bizon e Daniela Palma. Ana Cecília Cossi Bizon é docente do Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, membra da Cátedra Sérgio Vieira de Mello e idealizadora do Banco de Tradutores e Intérpretes da Universidade de Campinas. Daniela Palma é docente do Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas, na linha de Linguagens, Transculturalidades e Tradução. Suas pesquisas referem-se às áreas de estudos culturais e intermidialidades: o primeiro campo busca uma abordagem política nos estudos da linguagem, através da interface das teorias pós-coloniais e da memória com os estudos sobre discursos institucionais, mídia, artes, educação e literatura; o segundo, explora as várias formas de interconexão entre texto e imagem para o estudo das culturas midiáticas contemporâneas. Ela tem publicado textos sobre temas como narrativas em educação em direitos humanos, gêneros (auto)biográficos multimodais, memória comunicativa e meios de comunicação, discursos institucionais sobre gênero, escrita feminina, entre outros. É líder do grupo de pesquisa Nós-Outros: linguagem, memória e direitos humanos. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 63 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo do presente artigo não era o de exaurir o tema, mas trazer alguns esclarecimentos e pontuações acerca do assunto. Respondemos, assim, os seguintes questionamentos principais: a) a linguagem neutra é importante para reconhecimento de direitos das pessoas LGBTQIA+?; b) quais são os argumentos favoráveis e contrários à linguagem neutra? Apuramos que a utilização da linguagem neutra é importante para o reconhecimento de direitos das pessoas LGBTQIA+, decorrente de sua dignidade intrínseca, integrando o compêndio de demandas que se inserem no respectivo processo de especificação de direitos, fenômeno recente na história dos direitos humanos. No entanto, é importante mencionar que esta linguagem neutra não se relaciona necessariamente com toda a comunidade, mas principalmente com as pessoas que expressam seu gênero de modo “não conformista” com o papel de gênero que lhe foi afirmado no nascimento. O tema, porém, entrou na pauta brasileira em meio a uma série de o problemas socioeconômicos e políticos, abalando o seu real propósito, uma vez relacionado com o sentido deturpado que contém a expressão “ideologia de gênero”33, e que tem ensejado a propositura de projetos de lei visando a sua proibição, como o Projeto de Lei n.º 5248/2020. Observamos também que o uso da linguagem neutra não é só a “consideração” de uma conquista para a população LGBTQIA+. É, também, um importante instrumento para provocar reflexão sobre o estado de ordem histórico-social de discriminação de gênero contra as mulheres, fato lhe confere uma relevância ainda mais latente já que afeta diretamente um grande contingente de pessoas e não apenas um grupo minoritário (pessoas não binárias) dentro de uma minoria (LGBTQIA+). De todo modo, apesar de não existir proibição nenhuma do ponto de vista jurídico para a criação – e uso - de uma linguagem neutra, inclusive com neologismos, o assunto não é nada pacífico do ponto de vista linguístico. O argumento clássico da “não marcação do gênero masculino” que permeia a língua portuguesa tem servido de justificativa para afastar o uso da linguagem neutra, 33 E aqui utiliza-se o termo entre aspas justamente porque do ponto de vista semântico não tem nenhum significado preciso. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 64 pois cumpriria seu papel. Entretanto, não se desconhecem as críticas sobre ele, por mascarar o sexismo estrutural existente na nossa sociedade e na nossa fala. Outro argumento contrário ao uso ou à incorporação da linguagem neutra em nossa língua, o da politização, se mostra bastante contundente. Todos os exemplos de utilização de linguagem neutra trazidos no trabalho foram alvo de ataques intensos. O vídeo do ativista Rosa Laura, recebeu apenas 772 (setecentos e setenta e duas) curtidas e 10 (dez) mil “descurtidas”; e a notícia do Colégio Franco-Brasileiro foi recebida com uma notificação judicial. Não se nega o fato de que são situações que podem contribuir para afastar ainda mais o motivo de fundo do debate afeto ao reconhecimento de direitos. Por fim, não se desconhece também o argumento trazido por Beatriz Sarlo em sentido contrário ao uso da linguagem neutra, na medida em que questiona a sua efetividade, uma vez que a utilização não teria o condão e a força de provocar o fim da discriminação contra pessoas não-binárias ou contra mulheres. Uma conclusão que se pode chegar é a de que o reconhecimento de direitos específicos para pessoas LGBTQIA+, apesar dos inúmeros avanços obtidos recentemente, ainda é objeto de muita resistência e de ataques odiosos, resultado que, embora não conforte os ideais da luta, refletem o pensamento de uma sociedade ainda marcada por preconceito e discriminação. Diante do exposto, recorda-se a origem do sentido da dignidade da pessoa humana dentro do âmbito da sacralidade da pessoa e da importância histórica das narrativas na construção do reconhecimento dos direitos universais e especiais. São conceitos que se entrelaçam e que reforçam a ideia enquanto exercício do trajeto que nasce no “siderar” mas que chega ao “considerar”, ou seja, resultado do exigir consideração como tarefa política e jurídica para o exercício do reclamo do direito das vidas (MACÉ, 2018)34. 34 MACÉ, Marielle. Siderar, Considerar Migrantes, Formas de Vida. Bazar do Tempo (edição brasileira), 2018. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 65 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Guilherme Assis de. A proteção da pessoa humana no Direito Internacional: conflitos armados, refugiados e discriminação racial. / Guilherme Assis de Almeida. – São Paulo: Editora CLA Cultural, 2018. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão. BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade/14ª ed. 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 54892-54913 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 66 HUNT, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. MACÉ, Marielle. Siderar, Considerar Migrantes, Formas de Vida. Bazar do Tempo (edição brasileira), 2018. MÄDER, Guilherme Ribeiro Golaço. Masculino Genérico e Sexismo Gramatical. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina. 2015. RICOEUR, Paul. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição / Paul Ricoeur; tradução Ivone C. Benedetti. – São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. RUBIN, Gayle. O tráfico de mulheres: Notas sobre a “Economia Política” do Sexo. Recife: SOS Corpo;1993. SEDGWICK, Eve Kosofsky. A epistemologia do armário. Texto traduzido e publicado pelo cadernos pagu [Tradução: Plínio Dentzien; Revisão: Richard Miskolci e Júlio Assis Simões]. Referência do texto original: Epistemology of the Closet. 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Esperança, s/n - Chácaras de Recreio Samambaia E-mail: maurinha1312@hotmail.com RESUMO: Esse artigo é resultado das análises e discussões da disciplina Alteridade, Ética e Direitos Humanos e também do amadurecimento e reflexões do projeto de pesquisa “Quando estar solto não significa liberdade: perfil e direito à educação dos adolescentes em conflito com a lei em Anápolis-GO”, que foi realizado no Mestrado Interdisciplinar em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás. Tem como objetivo discutir a alteridade como fator determinante de reconstituição da identidade do adolescente em conflito com a lei. Problematizou-se, em que medida a alteridade para com o adolescente em conflito com a lei é um potencializador da socioeducação? Metodologicamente tem como base a pesquisa bibliográfica. Conclui-se que o autor do ato infracional, mesmo estando entre adolescentes iguais a ele, perpassa por todo um processo cujo cuidador e poder referencial que ele tem é o adulto. Portanto, reconhecer o universo próprio do adolescente, com seus referenciais, parâmetros, linguagem e valores é um vetor da ressocialização. PALAVRAS-CHAVE: Alteridade; Socioeducação; Adolescente em conflito com a Lei. 68 1. INTRODUÇÃO Esse artigo é resultado das análises e discussões da disciplina Alteridade, Ética e Direitos Humanos e também do amadurecimento e reflexões do projeto de pesquisa “Quando estar solto não significa liberdade: perfil e direito à educação dos adolescentes em conflito com a lei em Anápolis-GO”, que foi realizado no Mestrado Interdisciplinar em Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás. Tem como objetivo discutir a alteridade como fator determinante de reconstituição da identidade do adolescente em conflito com a lei. Problematizou-se, em que medida a alteridade para com o adolescente em conflito com a lei é um potencializador da socioeducação? Metodologicamente tem como base a pesquisa bibliográfica. Ao se falar em alteridade, é preciso ter claro que ela se faz sempre em relação ao outro. Portanto, é importante evidenciar que a individualidade egoísta é incompatível com qualquer demonstração de alteridade. Há de se falar numa ética da alteridade quando, no exercício da convivência diária, nos deparamos com a necessidade de estabelecer virtudes capazes de nos relacionar com o outro que, por motivos diversos, sofre. O objetivo desse estudo é discutir o reconhecimento do outro pelo outro, ou seja, a alteridade humana como um fator determinante para a reconstituição da identidade do adolescente em conflito com a lei, cujos direitos foram violados em algum momento do seu desenvolvimento, oferecendo assim, subsídios acerca da socioeducação do adolescente infrator, otimizando ações para sua reinserção na sociedade. Historicamente a criança e o adolescente foram, no tempo e no espaço, excluídos de direitos normalmente adquiridos por outras parcelas da população. Mesmo o seu direito de ser reconhecido enquanto pessoa foi, por longo tempo, negado. (ARIÉS, 1981; NASCIMENTO et al, 2008) E mesmo quando reconhecidos, não foi de forma linear em todos os países (GÉLIS, 1991). No Brasil, com o advento de novas leis, a exemplo dos códigos de menores de 1927 e 1979, a criança e o adolescente passam a ter tratamento específico, mesmo sendo reconhecido enquanto problema social. Quando todas as crianças e adolescentes passam a ser reconhecidos na legislação brasileira enquanto pessoas em desenvolvimento e cidadãos de direitos, descritos na Constituição Federal de 1988 69 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, no lugar de uma rápida mudança de tratamento que abrangesse todas as crianças e adolescentes, observa-se uma lentidão no exercício e garantia dos direitos ou sua negligência por parte do Estado, da Família ou da Sociedade, cuja proteção das crianças e adolescentes é dever. (BRASIL, 1988, art. 227). Entende-se que essa negligência se dá exatamente pela ausência de uma alteridade histórica em relação à infância e por isso mesmo têm-se perpetuado ao longo das relações sociais, embora muito se tenha evoluído desde o sec. XIX até as conceituações que se tem atualmente sobre esses pequenos. Para Nascimento et al (2008), até o séc XVII a ciência desconhecia a infância, não havia lugar na sociedade para as crianças ou sequer uma expressão particular a elas. A infância só surge então a partir das ideias de proteção, amparo e dependência. Enquanto ser meramente biológico, a criança necessitava de disciplina. Assim, a evolução de um sentimento da infância como parte do tecido social e comunitário para o individualismo, contribui para compreender que ao longo dos séculos a criança passou a ser vista em outros contextos que não o do seio familiar. A partir dessa visão de uma infância peculiar e que se tornou existente, um novo olhar foi lançado sobre esses pequenos, inserindo-a nos direitos sociais. Embora não seja objeto desse artigo explanarmos sobre a evolução desse sentimento de infância, vale ressaltar que ele teve contribuições de diversos estudiosos, destacadamente Rousseau, Froebel, Montessori, Freinet e Dewey. 2. POR UMA ÉTICA DA ALTERIDADE A importância da vida pública e coletiva até a modernidade supervalorizou a procriação, de modo que alguns hábitos evidentes à época como dar o nome dos avós aos netos e fazer rituais de fertilidade eram tidas como formas de garantir a continuidade da família numa ideia cíclica (GELIS, 2009). O individualismo da pósmodernidade a que todos foram expostos permite refletir sobre quão difícil se torna reconhecer no diferente um semelhante. Se em outros tempos a valorização da vivência comunitária interna e externa era uma normalidade e até tido como uma necessidade, hoje ela parece estranha. É possível se responsabilizar pelo outro que me é estranho e me interpela pela sua estranheza? Enriquez (2004, p.51) enfatiza que 70 Reconhecer no outro um semelhante significa, em primeiro lugar, que cada um, como acredita Lévinas, recebe do rosto do outro um chamado e se sente responsável por ele1. O outro lhe aparece como um fragmento da humanidade inteira, e, consequentemente, se ele se sente e se quer parte da espécie humana, não pode permanecer surdo (ou cego) à sua palavra, ao seu desamparo, quem sabe, ou, de todo modo, à sua existência. A infinita responsabilidade a que Lévinas (2008) se debruça, só é possível através de uma ética da responsabilidade. Essa responsabilidade não é aquela que o artigo 227 da Constituição Federal diz como sendo [...] dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. É uma responsabilidade mais ética que legal, que vê num narcisismo exacerbado associado a um individualismo egoísta a causa do não reconhecimento, ou da recusa do rosto do outro, de sua alteridade. Em seus estudos, Heiddeger (2002) afirma que “o Eu não é constituído antes de sua implicação com os outros. E os outros não significam todo o resto dos demais além de mim, os outros são entre os quais também se está”. Assim, o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros, sem os quais não há vida, uma vez que a vida é sempre vida compartilhada com os outros. O outro, no entanto, não é a negação do eu, é um outro com rosto singular, cujo respeito imediato me é exigido como fonte de uma ética da alteridade. O compartilhamento da vida com os outros é um pensamento fundamental para qualquer principio de alteridade, que inclusive funda a ideia de responsabilidade de Lévinas (2008). Uma responsabilidade ética é o motor para o meu reconhecimento a partir do outro e o reconhecimento do outro independente da reciprocidade. A isso Segato (2006, p. 227) acrescenta que [...] o outro na narrativa de Lévinas diferencia-se do outro no modelo lacaniano, porque em Lévinas não instala o sujeito com sua violência fundadora, mas o desloca, torna-o mais humilde e o infiltra com dúvidas: convida-o a desconhecer-se e a abandonar suas certezas, entre elas a de sua superioridade moral. Lévinas introduz, portanto, o valor ético daquilo que nos desconfirma, ou seja, o valor ético da alteridade. 1 Vale aqui uma análise de Segato (2006): para Emmanuel Lévinas, o rosto é mais que uma mera face, é o símbolo através do qual reconhecemos a revelação da humanidade do outro e vemos nele um semelhante diferente. O rosto é questionador e reinvidicador. Assim, o eu ante a face do outro é infinitamente responsável. 71 O eu ético para Lévinas é então este indivíduo dotado de responsabilidade para com o outro, que acolhe o diferente, o intruso que se apresenta como alguém ou sequer com a capacidade de se apresentar. Assim, o outro é diferente do próximo no discurso cristão, visto que não é um conhecimento que parte de mim em relação ao outro, mas de um olhar que ao partir do outro sobre nós permite que nos conheçamos num entendimento de que o conhecimento do eu se dá a partir do outro. Nesse sentido, o que se considera como sendo a ética numa perspectiva dos direitos humanos é aquilo que [...] em todas essas acepções, nos permite estranhar nosso próprio mundo, qualquer que seja, e revisar a moral que nos orienta e a lei que nos limita. Por isso, podemos dizer que constitui o principio motor da história dos direitos humanos (SEGATO, 2006). Uma ética da responsabilidade mútua permite que a alteridade esteja sempre presente, é uma ética necessária, “em direção ao bem não alcançado” principio da expansão dos direitos humanos e equalizadora. Uma ética da alteridade que nos defina como humanos através de sua abertura e que reconstrua no outro sua identidade perdida. 3. A ALTERIDADE COMO RECONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI A partir da discussão anterior, é possível apreender que a identidade do adolescente é constituída a partir do outro. Do mesmo modo, “a vontade do sujeito não emana de forma espontânea do eu, não é um dado natural da sua essência, senão que se constitui historicamente a partir da relação com o outro”. (RUIZ, sd, p.211) A partir disso, o outro em si nem sempre é aquele ser benevolente no qual a pessoa se apoia para construir sua identidade, mas pode ser uma sombra, um falso duplo que suscita uma inquietude da qual o sujeito não sabe “como se livrar” [...] (ENRIQUEZ, 2004). Nesse sentido, vale destacar uma análise sobre a imagem especular de Lacan: Se o eu se constitui a partir da imagem especular, é por uma apreensão global (antecipação do domínio do corpo). Mas essa apreensão do corpo como unidade, que faz surgir o júbilo fora do “estágio do espelho”, só é possível porque a criança é, antes de tudo, constituída de unidade pelo olhar do outro sobre ela [...] só podemos nos ver porque o outro nos vê e fala de nós. É, 72 portanto, por uma identificação com a imagem que os outros tem sobre nós que podemos ter uma imagem de nós mesmos.[...] (WOLFF, 2004, p. 46-47) Somos seres históricos, com rosto, corpo e fala2, que aprende a lidar com as coisas a partir de um contexto e uma linguagem. Por isso, nossa conexão a situações vivenciadas no passado com os eventos atuais permite que as respostas que damos a esses últimos estejam associadas àqueles do pretérito. Numa perspectiva identitária, o adolescente em conflito com a lei já não se reconhece mais (se é que um dia o tenha feito) como o sujeito de direitos, como pessoa em peculiar situação de desenvolvimento. Esse não reconhecimento se torna fruto de sua relação com os outros. Mas o contrário também é verdade, uma vez que pela alteridade é possível devolver a esse adolescente sua relação com o mundo infanto-juvenil, cujos direitos que outrora deveriam ser garantidos o sejam efetivamente. A ausência de alteridade referente ao adolescente que cometeu ato infracional se manifesta na maioria das vezes a partir da mídia que possui papel fundamental de formação de opinião. Expressões ainda do passado em que o adolescente era considerado em situação irregular3 permanecem vivas na linguagem da população em geral e da mídia, mesmo tendo o estatuto da criança e do adolescente completado mais de duas décadas. Se por um lado a alteridade é algo que respeita no outro seu rosto e, sobretudo sua história, por outro não é tão simples um adulto julgar um adolescente que cometeu ato infracional considerando sua situação de pessoa em desenvolvimento e todas as competências que formam a identidade daquele sujeito. Mesmo já tendo passado por esse período da vida, só conhecendo a história social da infância é possível se voltar para o autor do ato infracional de modo a compartilhar de seu olhar e do seu signo, uma vez que o outro é incomparavelmente singular (DOUZINAS, 2009). Numa perspectiva histórica, Faleiros (2009) lembra que desde o Brasil colônia a reprodução de exclusão de crianças pobres vem se perpetuando, de modo 2 Sobre a fala, pode-se consultar a análise que Caponi (2000, p.31) faz sobre Aristóteles, em que o homem pode ser pensado como o zoon logon ekbon – o ser capaz de discurso. Para mais sobre a linguagem e a legitimidade desta como reivindicadora de direitos conferir Lyotard (1993). 3 A situação irregular não caracterizava apenas a criança em situação de rua como em muitos registros, embora essa veio a ser a característica mais usualmente disseminada a classificar o termo. A doutrina da situação irregular compreendia desde a criança privada de condições essenciais à sua subsistência, passando pelas que se encontravam vitimas de maus tratos até ao “autor de infração penal” (BRASIL, 1979). 73 que ao “menor” não restava muito senão vender sua mão de obra muito precocemente. Para Ariés (1981), até o séc. XVI não havia um entendimento de infância – culturalmente e não biologicamente falando - tal como o temos agora, com demarcações bem definidas e proteção específica. Portanto, a infância era sinônimo de inferioridade. Demonstrado por Ariés (1981) na iconografia analisada da época, só a partir do séc. XVI é que a infância passa a ser registrada na comunidade familiar. É nesse sentido que se pode dizer, portanto, que inexistia uma alteridade em relação à criança, embora uma responsabilidade natural existisse enquanto ser biológico. Da evolução do sentimento de infância, substituindo o infante (o que não fala) para a criança agora enquanto pessoa e possuidora de direitos foi preciso o reconhecimento dela por ela. A criança por ela, com suas vivências e peculiaridades, com seu rosto, não mais com rosto adulto como na iconografia da idade média, mas um rosto, que ao mesmo tempo em que pede proteção expressa o mais puro protagonismo de sua própria história e do mundo enquanto ser social. Não é muito dizer que os movimentos sociais que lutaram pelo reconhecimento dos direitos da criança e do adolescente, foram capazes de uma alteridade desafiadora e atualmente ainda ela é necessária, sobretudo com o adolescente em conflito com a lei, essa parcela da população estigmatizada ora pela cor, ora pela condição socioeconômica e ora pela própria faixa etária, resquícios ainda de uma alteridade ausente em séculos passados. É nesse sentido que pensar numa ética da alteridade, uma responsabilidade sempre presente como parte fundamental da reconstituição identitária do autor do ato infracional é também pensar que cada um se sinta partícipe desse processo e cada um é entendido como o eu ético de Lévinas em direção ao outro, que é singular e capaz. 4. A ALTERIDADE NA CONTRIBUIÇÃO DA SOCIOEDUCAÇÃO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Quando Rousseau (1979) afirma em sua obra Emílio ou Da Educação que a educação é hábito e que essa mesma educação é que modifica os homens, o filósofo suíço inaugura um grande pensamento no que se refere à educação dos homens. Ora, o hábito pressupõe a experiência e essa experiência se dá ao longo de toda a vida do homem, sobretudo na sua infância cuja propensão à aprendizagem se 74 dá de melhor forma. Nesse sentido, a alteridade em Rousseau é evidenciada ao tratar a criança pela criança numa época em que não havia o reconhecimento das especificidades desta. Uma socioeducação do adolescente em conflito com a lei também deve levar em consideração o período de desenvolvimento do adolescente. Ela objetiva a reeducação dos hábitos, da educação que em algum momento foi falha, a falha de alguma das educações4 ou de seus atores. É preciso concordar com Gélis (2009, p. 328), quando salienta que o […] interesse ou a indiferença com relação à criança [e ao adolescente] não são realmente a característica desse ou daquele período da história. As duas atitudes coexistem no seio de uma mesma sociedade, uma prevalecendo sobre a outra em determinado momento e por motivos culturais e sociais que nem sempre é fácil distinguir. O próprio termo infante já demonizava a criança. Ao falar da legitimidade da fala enquanto reinvidicadora de direitos Lyotard (1993) expõe: Porque é este direito (de interlocução) que me assegura que meu pedido será ouvido e que eu não serei rejeitado na degradação da infantia. O autor fala da degradação não só de não poder falar durante a infância, mas também de não ser ouvido, de não ter legitimidade. Assim são até hoje construídas as políticas públicas para a infância e adolescência, concebendo a infância como o período da não-fala, portanto sem legitimidade, sem o direito de ser ouvida, sem qualquer exercício de alteridade em relação a ela, reconhecida no seu direito de expressão voluntária. Nesse sentido, a constituição das políticas públicas devem se efetivar a partir do ouvir e a outridade é condição básica para isso. Ao longo da história, a infância enquanto um problema social modificou seus atores, se nas décadas de 1980 e 1990, por exemplo, o que era considerado problema eram as crianças de rua denominadas de crianças em situação irregular, hoje ele se concentra nos autores de ato infracional - os adolescentes em conflito com a lei, sendo o papel da mídia fundamental para disseminar a ideia de problema social baseadas em estatísticas que ditam o que deve ser feito com relação à violência e a criminalidade. 4 Para Rousseau (1979), a educação se dá em três planos: a educação da natureza, responsável pelo desenvolvimento biológico e portanto não depende de outros homens; a educação dos homens, aprendida por meio dos indivíduos próximos e a educação das coisas, fruto da experiência com os objetos. 75 O que se entende aqui é que numa relação de socioeducação que seja efetiva ao adolescente em conflito com a lei, o exercício da alteridade por parte de todos os envolvidos é fundamental. Não é possível que haja uma ignorância por quem é responsável por educar, ou pseudoformas que acredite em uma educação efetiva sem levar em consideração a outridade do adolescente. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao adolescente que não resta senão ser matéria de página policial de jornal, ao adolescente que perdeu o sentido do brincar, do aprender desde o inicio, cuja precocidade para as violências mais banais é uma regra, para eles uma alteridade capaz de lhe enxergar no rosto sua história, a alteridade forte o suficiente para que não lhe seja desviado nem o rosto nem o olhar, uma aceitação capaz de lhe devolver sua história melhorada e resignificada. No entanto, isso tudo não é tarefa fácil, sobretudo para quem lida diretamente com o autor do ato infracional. É nesse sentido que é invocado novamente Rousseau e a educação como hábito. É necessário uma formação específica para todos os que lidam com o sistema socioeducativo, seja nas medidas socioeducativas em meio fechado ou aquelas em meio aberto. Uma formação para a alteridade, respeitando diferenças e tempos. É possível, através de uma ética da alteridade tendo como princípio a responsabilidade pelo outro, contribuir para a socioeducação do adolescente em conflito com a lei, evidenciando seu protagonismo juvenil, restituindo sua identidade caracterizada pelas vivências, pelo resgate infanto-juvenil e suas praticas associadas. Estigmatizado pela mídia e sociedade, o adolescente não consegue se ressignificar e se reconhecer a não ser pelo olhar do outro que lhe lança como o salvador. Essa reconstrução identitária é que deve ser a busca de um cuidado especial no trato, no direito daquela que outrora não tinha voz, de falar e ser ouvido na sua fala. 76 REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro (RJ): Editora Guanabara, 1981. BRASIL. Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Diário Oficial da União: Brasília, 1979 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. CAPONI, Sandra. Da compaixão à solidariedade: uma genealogia da assistência médica. Rio de janeiro (RJ): FIOCRUZ, 2000. DOUZINAS, Costas. Os direitos humanos do outro. In. DOUZINAS, Costas. O Fim dos Direitos Humanos. São Leopoldo: UNISINOS, 2009. ENRIQUEZ, Eugène. O outro, semelhante ou inimigo? In: NOVAES, Adauto. Civilização e Barbárie. São Paulo (SP): Companhia das Letras, 2004. p. 45-60. FALEIROS, Eva Teresinha Silveira. A criança e o adolescente: objetos sem valor no Brasil Colônia e no Império. In: A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 2. ed. São Paulo (SP): Cortez, 2009. GÉLIS, Jacques. A individualização da criança. In.: História da vida privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. Roger Chartier; Philippe Ariès (orgs.). Hildegard Feist (trad.). São Paulo (SP): Companhia das Letras, 2009. HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 12. ed. Vozes; Universidade São Francisco: Petrópolis, 2002. (v. I) LEVINAS, Emmanuel. Totalidade e Infinito. Lisboa (PT): Edições 70, 2008. LYOTARD, Jean-François. The Other’s Rights. In: SHUTE, Stephen; HURLEY, Susan (Org.). On Human Rights: The Oxford Amnesty Lectures 1993. New York: BasicBooks, 1993, p. 135-147 NASCIMENTO, Cláudia Terra do.; BRANCHER, Vantoir Roberto; OLIVEIRA, Valeska Fortes de. A construção social do conceito de infância: algumas interlocuções históricas e sociológicas. Contexto e Educação. Editora Unijuí, ano 23, nº 79, jan./jun. 2008. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da Educação. Trad. Sérgio Milliet. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. RUIZ, Castor, M. M. Bartolomé. Os direitos humanos como direitos do outro. P.189-225. 77 SEGATO, Rita Laura. Antropologia e Direitos Humanos: alteridade e ética n movimento de expansão dos direitos universais. MANA 12 (1): 2006, p. 207-236. WOLFF, Francis. Quem é bárbaro? In: NOVAES, Adauto. Civilização e Barbárie. São Paulo (SP): Companhia das Letras, 2004. P.19-43. 78 CAPÍTULO 05 PARTICIPAÇÃO E PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS DE MEDICINA DA UNISA EM LIGAS ACADÊMICAS Talita Eliziário Bígoli Médica pela Universidade de Santo Amaro (UNISA) Instituição: Universidade de Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340. Jardim das Imbuias, São Paulo/SP, 04829-300, Brasil E-mail: talitabigoli@hotmail.com Rafael Arantes Graduando em Medicina pela Universidade de Santo Amaro (UNISA) Instituição: Universidade de Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340. Jardim das Imbuias, São Paulo/SP, 04829-300, Brasil E-mail: arantesmedicina52@gmail.com Nathalia Bavaresco Gonçalves Cristóvão Graduanda em Medicina pela Universidade de Santo Amaro (UNISA) Instituição: Universidade de Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340. Jardim das Imbuias, São Paulo/SP, 04829-300, Brasil E-mail: nathaliacristovao10@gmail.com André Bavaresco G Cristóvão Graduando em Medicina pela Universidade Santo Amaro (UNISA) Instituição: Universidade de Medicina Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof Enéas de Siqueira Neto, 340 E-mail: andre.cristovao017@gmail.com Paula Helena Gonçalves Cristóvão Médica pela Universidade de Santo Amaro (UNISA) Instituição: Universidade de Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340. Jardim das Imbuias, São Paulo/SP, 04829-300, Brasil E-mail: paulacristovao7@gmail.com Júlio Cesar Massonetto Doutor em Medicina (Obstetrícia), pela Universidade Federal de São Paulo Instituição: Universidade de Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340 - Jardim das Imbuias - São Paulo E-mail: jmassonetto@prof.unisa.br Júlio César André Doutor em Morfologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - FMRP/USP Instituição: Centro de Estudos e Desenvolvimento de Educação em Saúde - CEDES Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP Endereço: Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416, Vila São Pedro, 15090-000 São José do Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 79 Rio Preto, São Paulo, Brazil. E-mail: julio.andre@edu.famerp.br Helena Landim Gonçalves Cristóvão Mestre em Saúde Materno Infantil, pela Universidade de Santo Amaro (UNISA) Instituição: Universidade de Santo Amaro (UNISA) Endereço: R. Prof. Enéas de Siqueira Neto, 340. Jardim das Imbuias, São Paulo/SP, 04829-300, Brasil E-mail: hcristovao@prof.unisa.br RESUMO: Os atuais currículos dos cursos de graduação na área da saúde estão em constante reconstrução com o objetivo de garantir a qualificação profissional eficaz, e uma alternativa para os acadêmicos que almejam o diferencial no mercado de trabalho é a formação complementar por meio do currículo informal. Nesse contexto surgem as ligas acadêmicas de medicina (LAM) em que os acadêmicos quando inseridos nessas organizações buscam preencher lacunas do currículo formal. Caracterizar a participação dos acadêmicos de medicina da Universidade Santo Amaro (UNISA) em LAM’s, os fatores que influem para a escolha de uma LAM para participação bem como a percepção acerca do impacto dessa relação com as mesmas no desenvolvimento acadêmico pessoal foi o objetivo do presente. Pesquisa de natureza quantitativa, com perspectiva qualitativa, por meio de análise transversal de números absolutos e percentuais e medidas de tendência central. Amostragem não probabilística, por bola de neve, onde acadêmicos de medicina da UNISA receberam um link com convite e formulário eletrônico e o replicaram. 85 respondentes. 73,3% dos participantes de LAM colocam o conteúdo abordado na mesma como o que mais chamou a atenção para o seu ingresso. Das 29 LAM’s citadas apenas 3 não são de especialidades médicas. 52% dos acadêmicos não está participando de uma LAM no momento. 77,6% concordam que a liga possibilita trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar, desenvolvendo o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e até mesmo entre outras áreas da saúde. Interesse quase exclusivo dos acadêmicos por LAM’s de especialidades. Muitos acadêmicos não participam de LAM’s na UNISA devido à sobrecarga do internato ou à problemas estruturais da organização das ligas que dificultam o acesso. Patente a percepção de que as LAM’s possibilitam o crescimento no âmbito pessoal, trabalhando as relações interpessoais e interprofissionais. PALAVRAS-CHAVE: Estudantes de Medicina; Liga acadêmica; Motivação; Vida acadêmica. ABSTRACT: The current curricula of undergraduate courses in the area of health are constantly being rebuilt with the objective of guaranteeing effective professional qualification and an alternative for academics who aim to differentiate themselves in the job market is complementary training through the informal curriculum. In this context, academic medical leagues (LAM) arise in which academics, when inserted in these organizations, seek to fill gaps in the formal curriculum. The aim of this study was to characterize the participation of medical students from the University of Santo Amaro (UNISA) in LAMs, the factors that influence the choice of a LAM for participation, as well as the perception of the impact of this relationship with them on personal academic development. Quantitative research, with a qualitative perspective, through transversal analysis of absolute and percentage numbers and measures of central Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 80 tendency. Non-probabilistic snowball sampling, where UNISA medical students received a link with an invitation and an electronic form and replicated it. 85 respondents. 73.3% of LAM participants put the content covered in it as the one that most called attention to their admission. Of the 29 LAM’s cited, only 3 are not medical specialties. 52% of academics are not currently participating in a LAM. 77.6% agree that the league makes it possible to work and improve the art of relating, developing interpersonal relationships between various medical specialties and even among other areas of health. Academics' almost exclusive interest in specialty LAM’s. Many academics do not participate in LAM’s at UNISA due to the overhead of the boarding school or structural problems in the organization of the leagues that make access difficult. The perception that LAM’s make it possible to grow on a personal level, working on interpersonal and interprofessional relationships. KEYWORDS: Medical Students; Academic League; Motivation; Academic Life. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 81 1. INTRODUÇÃO As Ligas Acadêmicas (LAs) são caracterizadas como organizações formadas por núcleos estudantis sem fins lucrativos, que desenvolvem com seus membros atividades didáticas, científicas, culturais e sociais, que acercam uma determinada área da saúde. Essas atividades visam o crescimento e progresso dos estudantes. As Ligas são administradas pelos próprios alunos o que exige uma articulação interpessoal entre seu grupo formador e criando-se habilidades gerenciais, com a orientação de um ou mais docentes1. Essas LAs são formadas respeitando o princípio constitucional que rege o Ensino Superior que é a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, conhecido como tripé universitário. Essas organizações podem ser compostas de alunos de apenas um curso ou de cursos diversos, sempre respeitando o estatuto que rege a sua formação2. A história das LAs se inicia com a criação da Liga de combate a Sífilis na Faculdade de Medicina pela Universidade de São Paulo. Porém foi somente nos anos de 1964 a 1985, durante a ditadura militar, que as ligas obtiveram um alcance maior, como forma de questionamento dos métodos de ensino universitários. Esse progresso foi tão significativo que gerou até uma Associação de Ligas no Brasil2. Esse corpo formado por estudantes tem assumido cada vez mais importância na contribuição da ciência com suas atividades na formação de futuros profissionais que atuarão nessas áreas. Seguindo o mesmo tripé das Universidades que preza a integração das três vertentes, as LAs têm por finalidade a transmissão de conteúdo teórico/prático de forma sistemática auxiliando no complemento do aprendizado acadêmico e motivando os alunos a uma busca constante de novas informações. Através do ensino constrói-se também um pensamento crítico e investigativo, contribuindo, desta forma, para a disseminação dos conhecimentos aprendidos dentro dos muros universitários e levando uma contribuição para a coletividade, promovendo a integração entre universidade e comunidade por meio da extensão3. No que tange às normativas dos cursos de graduação na área da saúde suas diretrizes curriculares trazem a importância do estímulo à prática de estudos independentes visando a autonomia intelectual e profissional, possuem como premissa a autonomia do estudante para aperfeiçoamento contínuo diante das diversas formas de aprendizado e destacam a importância da participação ativa do Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 82 discente no processo de construção e divulgação do conhecimento4. Desta forma, as ligas acadêmicas, ainda que não contempladas nas diretrizes curriculares de forma explícita, apresentam grande potencial no auxílio ao alcance do que se é proposto nas diretrizes dos cursos das ciências da saúde. Contudo, ressaltase que as LAs não devem servir como depósito de expectativas quanto a suplementação da deficiência no ensino formal proposto pelas Instituições de Ensino Superior (IES)5. Além disso, deve-se considerar a LA como espaço que possibilita a implementação do ensino e pesquisa, viabiliza maior interação entre estudantes, professores e comunidade e possibilita um panorama diversificado de práticas, aproximando os estudantes e a população e desse modo, é possível entender que as ligas representam um caminho para contribuição das Universidades com a sociedade6. Detalhando-se o funcionamento e a organização interna das LAs, existem cargos hierarquizados e diretorias de atividades centrais necessárias ao funcionamento desta organização, como: presidência, vice-presidência, secretaria, tesouraria, diretorias de ensino, pesquisa, extensão, comunicação. Desta maneira, pode-se dizer que as LAs ainda funcionam como espaço de desenvolvimento de competências de gestão e liderança, pouco exercidas nos currículos tradicionais1. Ferreira et al.7 ao fazerem um paralelo entre LAs e “Learning Communities”, grupo de aprendizado encontrado nas Universidades canadenses e americanas, frisam especificidades vistas nas LAs brasileiras que as tornam únicas como atividade extracurricular, são elas: autonomia do estudante na condução das atividades, organização baseada no tripé universitário (pesquisa/ensino/extensão), variabilidade de participantes sob o aspecto de período no curso e origem de distintas Faculdades e inserção destas organizações em congressos, conferências, eventos regionais e nacionais da área em questão. Sabendo de todas as funções e contribuições que as LAs desempenham no currículo e formação médicos, existem críticas e ponderações a serem feitas acerca do fenômeno frequente de participação nas mesmas. Pêgo-Fernandes et al.8 apontam como aspecto negativo das LAs o fato de alguns alunos tomarem essas atividades como uma chance para “especialização precoce”, dedicando-se excessivamente a alguma área e relegando a segundo plano outras também importantes para formação médica generalista. Desta maneira, as LAs propiciariam a escolha do rumo profissional de maneira precoce, limitando a atuação e a busca Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 83 por conhecimento amplo e generalizado, o que contraria as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a formação médica consonante com as demandas atuais1. Este fato levanta a necessidade de uma análise do fenômeno, a fim de possibilitar o desenvolvimento de estratégias dentro do modelo de tais organizações para reduzir uma possível restrição. Assim, este trabalho visa investigar a participação dos acadêmicos de medicina de uma universidade privada paulista em ligas acadêmicas de Medicina (LAM’s), os fatores que influem para a escolha de uma LAM para participação bem como a percepção acerca do impacto dessa relação com as mesmas no desenvolvimento acadêmico pessoal. 2. OBJETIVOS 2.1 Gerais Realizar um levantamento em relação às motivações da participação em ligas acadêmicas entre os estudantes de Medicina da UNISA e como elas podem influenciar positivamente na construção da sua vida acadêmica 2.2 Específicos ✓ Identificar o nível de participação dos acadêmicos de medicina da UNISA em ligas acadêmicas; ✓ Identificar quais são os fatores que influem para a escolha de uma liga acadêmica para participação; ✓ Identificar se existe ou não impacto dessa relação com as ligas no desenvolvimento acadêmico. 3. MÉTODO Pesquisa exploratória, quantitativa, com perspectiva qualitativa, de corte transversal, sob a forma de levantamento de dados. Os sujeitos da pesquisa foram estudantes de medicina da UNISA. Amostragem não probabilística, por bola de neve, onde os acadêmicos de medicina da UNISA receberam um link com convite e Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 84 formulário eletrônico (Google Forms©) com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o instrumento de coleta de dados com dados sociodemográficos, de participação em ligas acadêmicas, fatores de escolha para a LAM, percepção acerca do papel delas na construção da vida acadêmica, e o replicaram. Para levantar a percepção acerca do papel das LAMs na construção da vida acadêmica dos participantes foram apresentadas 3 assertivas acerca do assunto e para cada uma delas o respondente se valia de uma escala do tipo Likert para expressar-se. As assertivas eram: 1. As Ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu diaa-dia. 2. Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da Liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática. 3. As Ligas além de proporcionar conhecimento técnico, podem possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde. A escala do tipo Likert, com 5 níveis, variou de discordo totalmente a concordo totalmente. Todos os dados foram cadastrados no Excel© e posteriormente, foram importados para o software IBM-SPSS Statistics versão 27 (IBM Corporation, NY, USA) para análise exploratória dos dados e análise comparativa entre grupos. A análise exploratória dos dados incluiu as estatísticas descritivas mediana, valor mínimo e valor máximo para variáveis ordinais e número e proporção para variáveis categóricas nominais9. A comparação de variáveis ordinais entre dois grupos foi realizada pelo Teste de Mann- Whitney; análise de correlação de Spearman foi realizada para verificar a correlação entre duas variáveis ordinais10. Análise estatística foi realizada mediante o software IBM-SPSS Statistics versão 27 (IBM Corporation, NY, USA). Todos os testes foram bicaudais e valores de p < 0,05 foram considerados significantes. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 85 4. RESULTADOS 4.1 Caracterização da amostra A amostra do estudo foi composta por 85 participantes. 4.1.1 Dados Sociodemográficos As Tabelas 1 e 2 mostram a distribuição do participantes por gênero, faixa etária e distribuição nos semestres de graduação. Tabela 1 - Dados demográficos dos participantes incluídos no estudo, n = 85, UNISA, 2020 Característica n = 85 Sexo, n (%) Feminino 61 (71,8) Masculino 24 (28,2) Faixa etária, n (%) Menor que 20 anos 7 (8,2) Entre 20 e 25 anos 50 (58,9) Entre 26 e 35 anos 25 (29,4) Maior que 35 anos 3 (3,5) Variáveis categóricas estão descritas em número (porcentagem). Fonte: O autor (2020). Tabela 2 - Distribuição nos semestres dos participantes incluídos no estudo, n = 85, UNISA, 2020 Semestre n % 1 1,2 1º. Semestre 2 2,4 2º. Semestre 9 10,4 3º. Semestre 1 1,2 4º. Semestre 12 14,1 5º. Semestre 17 20 6º. Semestre 6 7,1 7º. Semestre 1 1,2 8º. Semestre 2 2,4 9º. Semestre 21 24,7 10º. Semestre 13 15,3 11º. Semestre Variáveis categóricas estão descritas em número (porcentagem). Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 86 4.2 Dados de participação em lams Os dados de participação atual nas LAMs, pretensão de entrar para uma LAM e qual a LAM pretendida estão sumarizados na Tabela 3. Tabela 3 - Dados da participação em Ligas acadêmicas dos participantes incluídos no estudo, n = 85, UNISA, 2020 Característica Participa de alguma Liga acadêmica atualmente? Não Sim Pretende entrar para alguma Liga acadêmica? Não Sim Qual(is)? Liga Cirurgia Cardiovascular Liga Saúde da Família e Comunidade Liga Clínica Médica Liga Grupo de Estudos do Aparelho Locomotor Liga Saúde da Mulher Liga Amar o Riso Liga Cardiologia Liga Medicina Baseada em Evidências Liga Transplante de Órgãos Liga Anestesiologia Liga Angiologia e Cirurgia Vascular Liga Endocrinologia e Metabologia Liga Especialidades Pediátricas Liga Hipertensão Liga Imaginologia Liga Medicina e Arte Liga Oftalmologia Liga Reprodução e Genética Liga Atendimento Primário e Urgências e Emergências Liga Bioética, Ética Medica e Humanidades Liga Cirurgia Pediátrica Liga Cuidados Paliativos Liga Dermatologia Liga Farmacologia Liga Medicina do Esporte Liga Medicina Integrativa Liga Oncologia Liga Saúde Mental Liga Trauma Variáveis categóricas estão descritas em número (porcentagem). n = 85 n (%) 45 (52,9) 40 (47,1) n (%) 67 (78,8) 18 (21,2) n (%) 5 (5,9) 5 (5,9) 4 (4,7) 4 (4,7) 4 (4,7) 3 (3,5) 3 (3,5) 3 (3,5) 3 (3,5) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) Fonte: O autor (2020). O tempo de participação dos 40 respondentes que se encontravam participando Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 87 de LAM no momento da coleta de dados pode ser visto na tabela 4. Tabela 4 - Tempo de participação em Ligas acadêmicas dos participantes incluídos em LAM, n = 40, UNISA, 2020 Há quanto tempo participa? n % Iniciei este semestre 2 semestres 3 semestres 4 semestres Não respondeu 14 8 9 7 2 35 20 22,5 17,5 5 Fonte: O autor (2020). Quando inquiridos sobre uma participação anterior em LAM da qual não participam mais, a indicação de qual seria, o tempo de participação na mesma, o tempo decorrido desde o desligamento da mesma até o momento da coleta de dados e qual o motivo pelo qual não participa mais da LAM em questão obtivemos os dados mostrados, respectivamente, nas Tabelas 5, 6, 7 e 8. Tabela 5 - Dados da participação anterior em LAMs dos participantes incluídos no estudo, n = 85, UNISA, 2020 Característica Participou de alguma liga acadêmica e não participa mais? n (%) Não Sim Qual(is)? Liga Cirurgia Pediátrica Liga Saúde da Mulher Liga Trauma Liga Saúde Mental Liga Amar o Riso Liga Anestesiologia Liga Cirurgia Plástica Liga Especialidades Pediátricas Liga Grupo de Estudos do Aparelho Locomotor Liga Imaginologia Liga Medicina e Arte Liga Bioética, Ética Médica e Humanidades Liga Cardiologia Liga Gastroenterologia Liga Hipertensão Liga Infectologia Liga Otorrino Liga Cuidados Paliativos Liga Dermatologia Liga Geriatria Liga Medicina Baseada em Evidências n = 85 30 (35,3) 55 (64,7) n (%) 16 (18,8) 15 (17,6) 12 (14,1) 7 (8,2) 6 (7,1) 6 (7,1) 6 (7,1) 6 (7,1) 6 (7,1) 6 (7,1) 6 (7,1) 4 (4,7) 4 (4,7) 4 (4,7) 4 (4,7) 4 (4,7) 4 (4,7) 3 (3,5) 3 (3,5) 3 (3,5) 3 (3,5) Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 88 Liga Medicina do Esporte Liga Medicina e Espiritualidade Liga Medicina Integrativa Liga Hematologia Liga Neurologia Liga Oncologia Liga Angiologia e Cirurgia Vascular Liga Cirurgia Cardiovascular Liga Endocrinologia e Metabologia Liga Medicina Intensiva Liga Patologia Liga Transplante de Órgãos Liga Urologia Variáveis categóricas estão descritas em número (porcentagem). 3 (3,5) 3 (3,5) 3 (3,5) 2 (2,4) 2 (2,4) 2 (2,4) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) 1 (1,2) Fonte: O autor (2020). Tabela 6 - Tempo de participação anterior em LAMs de participantes do estudo, n = 71, UNISA, 2020 Por quanto tempo participou da LAM n 1 semestre 2 semestres 3 semestres 4 semestres 5 ou mais semestres Não respondeu/Não se aplica 7 28 10 13 8 5 % 9,9 39,4 14,1 18,3 11,3 7 Fonte: O autor (2020). Tabela 7 - Tempo de desligamento da participação anterior em LAMs de participantes do estudo, n = 71, UNISA, 2020 Há quanto tempo não participa mais da LAM? n Parei este semestre 13 2 semestres 9 3 semestres 11 4 semestres 7 Não respondeu/Não se aplica 31 Fonte: O autor (2020). % 18,3 12,7 15,5 9,9 43,6 Tabela 8 - Motivo do desligamento da participação anterior em LAMs de participantes do estudo, n = 71, UNISA, 2020 Qual o motivo pelo qual deixou a Liga? Não tinha mais tempo para participar da Liga Encontrei outra Liga que me chamou mais a atenção Não me identifiquei com a mesma Considerei satisfatório meu conhecimento sobre a temática da Liga Ligas não são o que eu imaginava Outro (s) n % 22 12 9 31,0 16,9 12,7 8 3 17 11,3 4,2 23,9 Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 89 4.3 Dados de percepção dos respondentes acerca de lams Os dados relacionados ao papel das LAMs na construção da vida acadêmica dos participantes com base no grau de concordância ou não em relação às assertivas apresentadas podem ser vistos nas Tabelas 9, 10 e 11. Tabela 9 - Distribuição das respostas à assertiva 1 do instrumento entre os participantes do estudo, n = 85, UNISA, 2020 As Ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia- a-dia. n % Discordo totalmente Discordo em parte Não discordo e nem concordo Concordo em parte Concordo totalmente 1 2 2 21 59 1,2 2,4 2,4 24,6 69,4 Fonte: O autor (2020). Tabela 10 - Distribuição das respostas à assertiva 2 do instrumento entre os participantes do estudo, n = 85, UNISA, 2020 Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da Liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática. n % Discordo totalmente 3 3,5 Discordo em parte 3 3,5 Não discordo e nem concordo Concordo em parte Concordo totalmente 4 21 54 4,7 24,7 63,6 Fonte: O autor (2020). Tabela 11 - Distribuição das respostas à assertiva 3 do instrumento entre os participantes do estudo, n = 85, UNISA, 2020 As Ligas além de proporcionar conhecimento técnico, podem possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde n % Discordo totalmente Discordo em parte Não discordo e nem concordo Concordo em parte Concordo totalmente 1 2 0 16 66 1,2 2,4 0 18,8 77,6 Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 90 4.4. Dados de correlação entre dados sociodemográficos, dados de participação nas lams e percepção acerca das mesmas A análise de correlação foi utilizada para se estudar a relação entre as variáveis que tenham natureza numérica ou ordinal. O coeficiente de correlação foi mensurado por meio da escala de valores +1 a -1; sendo que quando o valor esteve próximo de +1, assumiu-se a correlação linear positiva perfeita (ou seja, quanto maior o valor de uma variável, maior também foi o valor da outra variável), e quando o valor do coeficiente esteve próximo de -1, assumiu-se a correlação linear negativa perfeita (ou seja, quanto maior o valor de uma variável, menor foi o valor da outra); os valores próximos de zero indicaram a ausência de correlação. A força da correlação entre duas variáveis foi interpretada da seguinte forma, segundo a literatura: r |≤0,25| = ausência de correlação; |0,26 – 0,50| = correlação fraca; |0,51 – 0,75| = correlação moderada e |>0,75| = correlação forte. O resultado do “r” é aquele encontrado na amostra. Por outro lado, o IC 95% (intervalo de confiança) mostra os valores de r extrapolados para a população, com confiança de 95%. As respostas à cada uma das assertivas foi correlacionada com os dados sociodemográficos e os dados de participação nas LAMs e os resultados podem ser vistos nas tabelas 12, 13 e 14. Tabela 12 - Correlação entre a percepção do aluno* quanto à assertiva 1 do instrumento e idade, semestre do curso e tempo de participação nas LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Assertiva 1: As ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia-a-dia. rs IC (95%) Idade -0,334 ; 0,098 0,123 Semestre -0,426 ; -0,009 0,228 Tempo que participa da LAM -0,399 ; 0,236 0,090 Tempo que participou da LAM anterior 0,045 -0,196 ; 0,282 rs = coeficiente de correlação de Spearman; IC, intervalo de confiança. *A percepção do aluno foi relatada através de uma resposta em escala tipo Likert, onde: 0 = discordo totalmente; 1 = discordo em parte; 2 = não discordo e nem concordo; 3 = concordo em parte; 4 = concordo totalmente. Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 91 Tabela 13 - Correlação entre a percepção do aluno* quanto à assertiva 2 do instrumento e idade, semestre do curso e tempo de participação nas LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Assertiva 2: Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática. rs IC (95%) Idade -0,278 ; 0,061 0,161 Semestre -0,305 ; 0,092 0,129 Tempo que participa da LAM -0,415 ; 0,109 0,218 Tempo que participou da LAM -0,286 ; anterior 0,050 0,192 rs = coeficiente de correlação de Spearman; IC, intervalo de confiança. *A percepção do aluno foi relatada através de uma resposta em escala tipo Likert, onde: 0 = discordo totalmente; 1 = discordo em parte; 2 = não discordo e nem concordo; 3 = concordo em parte; 4 = concordo totalmente. Fonte: O autor (2020). Tabela 14 - Correlação entre a percepção do aluno* quanto à assertiva 3 do instrumento e idade, semestre do curso e tempo de participação nas LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Assertiva 3: As ligas além de proporcionar conhecimento técnico, podem possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde. rs IC (95%) Idade -0,241 -0,437 ; -0,023 Semestre -0,295 -0,483 ; -0,080 Tempo que participa da LAM atual 0,096 -0,230 ; 0,404 Tempo que participou da LAM -0,019 -0,258 ; 0,2217 anterior rs = coeficiente de correlação de Spearman; IC, intervalo de confiança. *A percepção do aluno foi relatada através de uma resposta em escala tipo Likert, onde: 0 = discordo totalmente; 1 = discordo em parte; 2 = não discordo e nem concordo; 3 = concordo em parte; 4 = concordo totalmente. Fonte: O autor (2020). Foram utilizados ainda os gráficos de dispersão que descrevem a correlação entre duas variáveis numéricas ou ordinais. Assim, foi possível visualizar, pelos gráficos abaixo, que de fato não houve correlação entre as variáveis apresentadas anteriormente, pois se observa uma nuvem de pontos em cada um deles. Caso houvesse correlação, os pontos se distribuiriam pelo gráfico de maneira a formar uma reta (ascendente – correlação positiva - ou descendente – correlação negativa ou Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 92 inversa). 4.5 Análise descritiva da percepção do aluno quanto às questões, de acordo com o sexo e participação nas lams Uma análise descritiva da distribuição das respostas de acordo com a percepção do aluno, para cada assertiva, separadamente por sexo, bem como, pela participação ou não em alguma LAM ou pretensão de entrar para alguma delas foi realizada e os resultados podem ser vistos na Tabelas 15, 16 e 17. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 93 Tabela 15 - Distribuição das respostas à assertiva 1, em relação ao sexo e participação nas LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Variáveis Sexo Masculino Feminino Total Participa de alguma liga acadêmica atualmente? Não Sim Total Pretende entrar para alguma liga acadêmica? Não Sim Total n % n % n % Assertiva 1: As ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia-a-dia. Discordo Não discordo Concordo Discordo em Concordo Total totalmente e nem em parte parte totalmente concordo 0 2 0 8 14 24 0,00% 8,30% 0,00% 33,30% 58,30% 100,00% 1 0 2 13 45 61 1,60% 0,00% 3,30% 21,30% 73,80% 100,00% 1 2 2 21 59 85 1,20% 2,40% 2,40% 24,70% 69,40% 100,00% n 1 2 2 11 29 45 % n % n % 2,20% 0 0,00% 1 1,20% 4,40% 0 0,00% 2 2,40% 4,40% 0 0,00% 2 2,40% 24,40% 10 25,00% 21 24,70% 64,40% 30 75,00% 59 69,40% 100,00% 40 100,00% 85 100,00% n % n % n % 1 1 1,50% 1,50% 0 1 0,00% 5,60% 1 2 1,20% 2,40% Fonte: O autor (2020). 2 3,00% 0 0,00% 2 2,40% 16 23,90% 5 27,80% 21 24,70% 47 70,10% 12 66,70% 59 69,40% 67 100,00% 18 100,00% 85 100,00% Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 94 Tabela 16 - Distribuição das respostas à assertiva 2, em relação ao sexo e participação nas LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Assertiva 2: Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática Discordo totalment e Variáveis Sexo Participa de alguma liga acadêmica atualmente? Pretende entrar para alguma liga acadêmica? Masculino n % 0 0,00% Feminino n % 3 4,90% Total n % 3 3,50% Não n 0 % 0,00% Sim n % 3 7,50% Total n % 3 3,50% Não n % 3 4,50% Sim n % Total n % Discord o em parte Não discordo e nem concordo Concordo em parte 0 0,00 % 3 4,90 % 3 3,50 % 1 4,20 % 3 4,90 % 4 4,70 % 3 6,70 % 0 0,00 % 3 3,50 % 2 3,00 % 0 1 0,00% 5,60 % 3 3 3,50% 3,50 % Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 8 33,30 % 13 21,30 % 21 24,70 % Concord o totalment e 15 62,50 % 39 63,90 % 54 63,50 % 24 100,00 % 61 100,00 % 85 100,00 % 3 13 26 45 6,70 % 1 2,50 % 4 4,70 % 28,90 % 8 20,00 % 21 24,70 % 57,80 % 28 70,00 % 54 63,50 % 100,00 % 40 100,00 % 85 100,00 % 3 4,50 % 1 5,60 % 4 4,70 % 16 23,90 % 5 27,80 % 21 24,70 % 43 64,20 % 11 61,10 % 54 63,50 % 67 100,00 % 18 100,00 % 85 100,00 % 95 Total Tabela 17 - Distribuição das respostas à assertiva 3, em relação ao sexo e participação nas LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Variáveis Sexo Masculino Feminino Total Participa de alguma liga acadêmica atualmente? Não Sim Total Pretende entrar para alguma liga acadêmica? Não Sim Total n % n % n % Assertiva 3: As ligas além de proporcionar conhecimento técnico, podem possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde Discordo Discordo Concordo Concordo Total totalmente totalmente em em parte parte 1 1 5 17 24 4,20% 4,20% 20,80% 70,80% 100,00% 0 1 11 49 61 0,00% 1,60% 18,00% 80,30% 100,00% 1 2 16 66 85 1,20% 2,40% 18,80% 77,60% 100,00% n % n % n % 1 2,20% 0 0,00% 1 1,20% 1 2,20% 1 2,50% 2 2,40% n % n % n % 1 2 1,50% 3,00% 0 0 0,00% 0,00% 1 2 1,20% 2,40% Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 9 20,00% 7 17,50% 16 18,80% 34 75,60% 32 80,00% 66 77,60% 45 100,00% 40 100,00% 85 100,00% 14 20,90% 2 11,10% 16 18,80% 50 74,60% 16 88,90% 66 77,60% 67 100,00% 18 100,00% 85 100,00% 96 4.6 Análise comparativa da percepção do aluno quanto às assertivas e sexo e participação em lams Foi realizada uma análise comparativa da percepção do aluno quanto às assertivas, de acordo com sexo ou participação e pretensão de participação nas LAMs, utilizando-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney para as respostas tipo Likert dos alunos, e apresentou-se o resultado em mediana destas respostas para cada categoria a ser comparada, para cada questão, como demonstrado nas Tabelas 18,19 e 20. Tabela 18 - Análise comparativa da percepção do aluno (respostas em escala tipo Likert de 0 a 4) quanto às assertivas do instrumento e o sexo, n = 85, UNISA, 2020 Sexo Masculino n = 24 As ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia-a-dia. Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática. As ligas além de proporcionar conhecimento técnico, podem possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde. Feminino n = 61 Valor p 4 (1-4) 4 (0-4) 0,164 4 (2-4) 4 (0-4) 0,801 4 (0-4) 4 (1-4) 0,290 As variáveis estão expressas em mediana (mínimo – máximo) das respostas em escala tipo Likert a cada uma das questões, de acordo com o sexo. Respostas em escala tipo Likert: 0 = discordo totalmente; 1 = discordo em parte; 2 = não discordo e nem concordo; 3 = concordo em parte; 4 = concordo totalmente. Fonte: O autor (2020). Tabela 19 - Análise comparativa das assertivas do instrumento (respostas em escala tipo Likert) e a participação em LAMs, n = 85, UNISA, 2020 Participa de alguma liga acadêmica atualmente? Não Sim n= 45 n= 40 Valor p Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 97 As ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia-a-dia. Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática. 4 (0-4) 4 (3-4) 0,190 4 (1-4) 4 (0-4) 0,300 As ligas além de proporcionar conhecimento técnico, podem possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com 4 (0-4) 4 (1-4) 0,601 diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde. As variáveis estão expressas em mediana (mínimo – máximo) das respostas em escala tipo Likert a cada uma das questões, de acordo com a participação atual em alguma Liga. Respostas em escala tipo Likert: 0 = discordo totalmente; 1 = discordo em parte; 2 = não discordo e nem concordo; 3 = concordo em parte; 4 = concordo totalmente. Fonte: O autor (2020). Tabela 20 - Análise comparativa das questões do instrumento (respostas em escala tipo Likert) e a intenção de participar em LAM, n = 85, UNISA, 2020 Pretende entrar para alguma liga acadêmica? Não Sim Valor p n = 67 n = 18 As ligas sendo uma atividade extracurricular, não representam apenas mais uma maneira de preencher e aumentar o currículo, mas também uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia-a-dia. Há quem diga que é importante ressaltar a preocupação da liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática. 4 (0-4) 4 (1-4) 0,795 4 (0-4) 4 (1-4) 0,880 As ligas além de proporcionar conhecimento técnico, pode possibilitar também trabalhar e 4 (0-4) 4 (3-4) 0,187 aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde. As variáveis estão expressas em mediana (mínimo – máximo) das respostas em escala tipo Likert a cada uma das questões, de acordo com a participação atual em alguma Liga. Respostas em escala tipo Likert: 0 = discordo totalmente; 1 = discordo em parte; 2 = não discordo e nem concordo; 3 = concordo em parte; 4 = concordo totalmente. Fonte: O autor (2020). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 98 5. DISCUSSÃO As LAMs têm uma história de quase cem anos de sucesso na formação de melhores médicos e, no final, na construção de uma sociedade melhor, uma vez que esses profissionais de saúde podem oferecer melhor assistência à nossa população.11 Este país tem problemas sérios no que diz respeito aos serviços de saúde, principalmente no sistema público. No entanto, os LAMs devem ser consideradas uma forma inovadora de oferecer educação para os alunos e cuidados de saúde bem estruturados para a população carente. Portanto, as escolas médicas devem apoiar esse tipo de iniciativa fomentando essa via de acesso à cidadania no Brasil.11 Como historicamente as LAMs não são um programa formal das IES brasileiras, para fornecer vínculo institucional às mesmas e para serem elegíveis para bolsas e financiamento, elas tem sido registradas como programas de extensão (também conhecidos como “extensão”), uma iniciativa formalmente reconhecida pelas IES no Brasil.12 Tendo a identificação do nível de participação dos acadêmicos de medicina da UNISA em ligas acadêmicas como um dos objetivos para o presente estudo, nosso resultados evidenciaram uma predominância do gênero feminino entre os participantes (71,8%) e com faixa etária entre 20 e 25 anos (58,9%). Estes dados são concernentes ao fato de que é notável, desde a graduação, a tendência da feminização da Medicina, e que, embora tenha havido um aumento da média de idade no momento da conclusão do curso de Medicina, e que pode ter ocorrido por fenômenos que incluem o aumento da média de idade no ingresso do curso e/ou atraso no processo formativo, por repetência em disciplinas ou trancamento de matrícula por determinado período durante a graduação13, essa é ainda a faixa etária média da maioria dos estudantes e que os coloca como pertencentes à geração millennial, que em breve será a força de trabalho predominante e hoje já representa quase a totalidade dos médicos residentes14. Na distribuição por semestres os respondentes se concentraram entre o 1º e 8º semestres (60%). Importante relatar a participação, ainda que de um único respondente (1,2%), do 1º semestre do curso. Os demais 40% dos respondentes se encontravam no 10º e 11º semestres (24,7 e 15,3%, respectivamente) os 2 primeiros semestres do internato. Estes dados mostram um início de participação no segundo ano da estada na IES, uma persistência dessa participação no 5º e 6º semestres e Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 99 uma ampla participação no 10º e 11º semestres (40%). A participação de 40% de respondentes do internato destoa uma pouco de dados anteriores que apontam uma redução expressiva durante o internato15, apoiada pela evidência de que a maior motivação apontada para a participação em LAMs seria a aproximação da prática médica, considerando que o internato deve ser, fundamentalmente, a vivência da prática médica, e os alunos desta fase não necessitariam buscar em atividades extracurriculares o que têm em sua prática curricular diária, sendo as LAMs como meio de incorporar o papel de médico16,17. O início precoce na participação de LAMs já foi amplamente discutida por Peres e Andrade18, que evidencia que a importância de participar dessas atividades se dá desde o início do curso, com o assédio de calouros por veteranos para que cedo, em sua fase de maior vulnerabilidade emocional, se engajem em alguma atividade, sem reflexões críticas a respeito da necessidade real de participar. As razões desse envolvimento seriam fatalmente influenciadas pelas pressões por integração social e identificação com um novo grupo, bem como pela necessidade de assumir o papel social de médico17 e permanecem bastante atuais. A maioria dos respondentes (52,9%) não está participando atualmente de uma LAM, mas 78,8% pretende entrar para uma LAM (no caso dos que ainda não participam) ou para outra LAM, no caso dos que participam. 29 ligas, das 44 LAMs cadastradas e em funcionamento na UNISA no ano de 2020, foram citadas dentre as que estão nas pretensões dos respondentes e com os maiores índices de citação (5,9% cada uma), porém não muito maior que as que se seguem na classificação (4,7% até 1,2%), aparecem a Liga Cirurgia Cardiovascular e a Liga Saúde da Família e Comunidade. Uma de especialidade e outra generalista. Para além do aspecto da “especialização precoce”8, corroborado pelo topo do ranking das pretensões dos respondentes da Liga Cirurgia Cardiovascular, há estudospublicados que apontam, também entre os principais motivos para o ingresso de estudantes nas ligas, as necessidades de complementar conteúdos curriculares devido a não visualização de forma concreta do tema proposto pela liga durante a graduação, de integração e socialização com colegas e aproximação à prática médica17,19,20,que poderia explicar a citação, também no topo do ranking, da Liga Saúde da Família e Comunidade. Predominância daqueles que iniciaram sua participação em LAM no semestre da coleta de dados (35%), contudo há respondentes que relatam uma participação de Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 100 4 semestres (17,5%). Considerando que a participação mínima em uma LAM é de 1 ano, ou 2 semestres, uma participação de 4 semestres significa participar uma única vez de 2 LAMs diferentes ou 2 vezes na mesma LAM. Sem desmerecer o eventual ganho nessa atitude, convêm questionarmos: quão preparado está o estudante para tomar decisões relativas ao uso de seu tempo? Que ansiedades e crenças lhe povoam o imaginário, influenciando suas decisões? No caso das LAMs, que satisfações o estudante nelas deposita para que comprometa seu tempo?17 64,7% dos respondentes já participou de alguma LAM e não participa mais e na relação de LAMs listadas como participação anterior estão 34 das 44 LAMs da UNISA e no topo dessa lista 3 LAMs, sendo 2 de especialidades médicas (Cirurgia Pediátrica - 18,8% e Trauma - 14,1%) e uma mais generalista (Saúde da Mulher - 17,6%). Tempo de permanência na LAM que não mais participa variando de 1 (9,9%) a 5 ou mais semestres (11,3%), com predomínio de 2 semestres (39,4%) e tempo desde o desligamento de 1 (18,3% - maior índice) a 4 semestres (9,9% - menor índice). Acerca da motivação para deixar a LAM o maior índice de respostas ficou com a falta de tempo para participação em LAMs (31%). Estudos anteriores observaram que o envolvimento em atividades extracurriculares, o que inclui as LAMs, para a maioria dos alunos, superava 8 horas semanais20-22 e conquanto a maioria dos estudantes alegue falta de tempo para atividades não curriculares em razão da carga horária formal, essa falta de tempo não os impede de participar de atividades extracurriculares17. Ao ocupar o tempo livre dos estudantes17, a participação em LAMs pode ainda reforçar um aspecto negativo de participação nas mesmas, coincidente com o dado acimaapresentado de falta de tempo para participação em LAMs como motivação para deixar as mesmas, representado pela falta à atividades curriculares para participarem das mesmas23, realidade compartilhada por muitas escolas médicas17, não só em relação às LAMs mas também no que se refere aos cursos preparatórios para a residência24. A maioria dos respondentes concorda (69,4% Concordo totalmente + 24,6% Concordo em parte) que as LAMs representam uma forma de interação entre os membros e uma forma de responder as dúvidas que se deparam no seu dia-a-dia, que é importante ressaltar a preocupação da Liga com o aprendizado teórico, não visando apenas à prática (63,6% Concordo totalmente + 24,7% Concordo em parte) e que as Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 101 mesmas além de proporcionar conhecimento técnico, pode possibilitar também trabalhar e aperfeiçoar a arte de se relacionar com diversas pessoas e em vários níveis de igualdade, onde é evidente o relacionamento interpessoal entre várias especialidades médicas e outras áreas da saúde (77,6% Concordo totalmente + 18,8% Concordo em parte). Valendo-se da etimologia, “liga” é a forma substantivada do verbo “ligar” e as LAMs, enquanto movimentos acadêmicos, permitem ligar o currículo de forma a diminuir a fragmentação do conhecimento e “ligar” os alunos na busca ativa do aprender, além, é claro, de ligar as IES e as comunidades na constante troca de conhecimentos, trazendo contribuições para ambos os lados.25 Por outro lado, as experiências vivenciadas quando da participação nessas atividades podem contribuir no forjar de profissionais mais maduros, propositivos e socialmente engajados – o que seria uma real contribuição das LAMs.17 Não é recente a percepção de que a participação em LAMs contribuem para o exercício da cidadania, a humanização da medicina e possibilitam a aplicação prática do profissional médico apto a trabalhar em equipe, lidando com diversos ramos profissionais da área da saúde, com exemplos como o da Liga de Gestão em Saúde da UERJ, composta por alunos de medicina, enfermagem, odontologia e nutrição25,26. A ampliação do objeto da prática médica, implícita ou explicitamente, pode ser mais uma razão para que estudantes procurem LAMs. Tem-se defendido que esta ampliação é possível quando, por intermédio das mesmas, o estudante atua junto à comunidade como agente de promoção de saúde e transformação social, e utiliza os conhecimentos científicos em prol da população27,28. A ação social e o desempenho da cidadania satisfariam expectativas dos estudantes quanto à concepção idealizada da medicina, que, em muitos casos, motiva a escolha da profissão. O agir socialmente através das LAMs incentiva estudantes a delas participarem.17,29,30 Não houve correlação entre a percepção dos alunos quanto à assertiva 1 e sua idade, semestre e tempo de participação nas LAMs. Quanto ao semestre, o valor de r foi -0,228, indicando correlação inversa fraca entre as duas variáveis; entretanto, ao se observar o IC 95%, conclui-se que este valor, na população, pode ser tão baixo quanto - 0,009 e, desta forma, optou-se por concluir que não há correlação. Também não houve correlação entre a percepção dos alunos quanto à assertiva 2 e sua idade, semestre e tempo de participação nas Ligas, pois os valores do coeficiente estão muito baixos, sempre menores que |0,25|. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 102 Observou-se ainda que não houve correlação entre a percepção dos alunos quanto à assertiva 3 e sua idade, semestre e tempo de participação nas LAMs. Apenas quanto ao semestre, o valor de r foi -0,295 indicando possível correlação inversa fraca, entretanto, ao se observar o IC 95%, concluiu-se que na população pode ser tão baixo quanto -0,080, optando-se novamente pela ausência de correlação. Os gráficos de dispersão confirmaram a não correlação entre as variáveis acima, uma vez que em todos se observou uma nuvem de pontos. Na análise descritiva da percepção do aluno quanto às questões, de acordo com o sexo e participação nas LAMs, de maneira geral, observou-se uma semelhança na proporção das respostas, entre as categorias, tanto de sexo masculino e feminino, quanto daqueles que participam ou não participam atualmente de alguma LAM. Da mesma forma, os alunos que tem e não tem pretensão de entrar para alguma Liga tiveram respostas semelhantes às questões. Na análise comparativa da percepção do aluno quanto às assertivas e sexo e participação em LAMs observou-se, pelos valores de p, que não houve diferença nas pontuações das respostas dos alunos, tanto em relação ao sexo, quanto à participação ou pretensão de participação em alguma LAM. Dessa forma as variáveis estudadas no presente (idade, semestre do curso e tempo de participação nas LAMs) não se demonstram correlação com os resultados apresentados para as assertivas apresentadas aos mesmos. As LAMs têm produzido resultados muito interessantes, mas essas iniciativas ainda dependem da vontade dos alunos de se organizarem, para atrair professores que queiram se dedicar ao desafio e superar barreiras, como a burocracia para obter financiamento. Todos esses obstáculos contribuem para um ambiente muito frágil à perpetuação das ligas. Uma solução para o cenário atual seria mudar o papel passivo que as IES têm desempenhado até agora e tomar medidas para incentivar a disseminação das LAMs como atividades extracurriculares formalizadas.12,29 O presente estudo tem como principal limitação o fato de que os dados analisados foram obtidos a partir de um questionário respondido apenas por estudantes que voluntariamente se dispuseram a fazê-lo à partir do convite recebido, o que pode caracterizar um certo viés de seleção da amostra.30. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 103 6. CONCLUSÃO Interesse quase exclusivo dos acadêmicos por LAM’s de especialidades. Muitos acadêmicos não participam de LAM’s na UNISA devido à sobrecarga do internato ou à problemas estruturais da organização das ligas que dificultam o acesso. Patente a percepção de que as LAM’s possibilitam o crescimento no âmbito pessoal, trabalhando as relações interpessoais e interprofissionais. Imperioso ressaltar que fazer parte de um LAM não é uma atividade curricular obrigatória o que evidencia a automotivação dos alunos para buscar uma educação melhor. 7. ÉTICA Este estudo é parte do projeto mãe “STATUS DAS LIGAS ACADÊMICAS EM ESCOLAS MÉDICAS BRASILEIRAS”, submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), sob Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 02071018.0.1001.5415, e aprovado em 20 de Maio de 2020, com parecer n. 4.038.287. Em consonância com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde foi utilizado no presente projeto o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.83243-83269 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 104 REFERÊNCIAS 1. Pontes SM, Torreao LA. Influência da participação dos alunos em ligas acadêmicas na escolha da especialidade para o Programa de Residência Médica Bahia 2017. 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E-mail: tiago.tizotte@hotmail.com Nelson José Thesing Doutor em Integração Regional Professor do Departamento de Ciências Administrativas, Contábeis, Econômicas e da Comunicação. Integra o Corpo Docente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento Regional e faz parte do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento, Comunicação e Cidadania – GPDeC E-mail: nelson.thesing@unijui.edu.br Fabiana Baptista Meurer Gomes Mestranda em Desenvolvimento Regional pela UNIJUI Participa do Grupo Interdisciplinar de Estudos em Gestão e Políticas Públicas, Desenvolvimento, Comunicação e Cidadania – GPDeC E-mail: fabiana.gomes@sou.unijui.edu.br RESUMO: Este trabalho expôs como objetivo analisar as principais características dos artigos da base de dados da Scopus sobre a produção cientifica brasileira da COVID-19. Sendo empregada a bibliometria enquanto técnica estatística e quantitativa de medida dos índices de produção e disseminação do conhecimento científico, os tópicos de interesse, como título, resumo e corpo de texto foram exportados da base de dados da Scopus e processados pelo software de análise bibliométrica VOS viewer(R). Constata-se, o grande valor do assunto tratado em virtude de sua importância mundial e, da vasta literatura existente. Ao final, são difundidas sugestões para futuros estudos. PALAVRAS-CHAVES: Covid-19; Bibliometria; Pandemia. ABSTRACT: This work aimed to analyze the main characteristics of the articles in the Scopus database on the Brazilian scientific production of COVID-19. Bibliometrics being used as a statistical and quantitative technique for measuring the production and dissemination of scientific knowledge indices, topics of interest such as title, abstract and body of text were exported from the Scopus database and processed by the bibliometric analysis software VOSviewer (R). It is verified the great value of the subject dealt with due to its worldwide importance and the vast existing literature. At the end, suggestions for future studies are disseminated. KEYWORDS: Covid-19; Bibliometrics; Pandemic. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 108 1. INTRODUÇÃO Em dezembro de 2019, foram divulgados os primeiros casos de uma pneumonia de etiologia desconhecida até então na cidade de Wuhan na China. No dia 7 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) ratificou que se tratava de um novo coronavírus, que em 11 de fevereiro de 2020 recebeu o nome de SARSCoV-2, e a doença foi cognominada de COVID-19. A COVID-19 é causada por infecção com a cepa do vírus coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2). Tedros Adhanom, Diretor-Geral da OMS “a época esclareceu: “CO” para corona, “VI” para vírus, “D” para doença e 19 para quando o surto foi identificado pela primeira vez (31 de dezembro de 2019)” (OMS, 2020). A doença é transmitida principalmente pela via respiratória quando as pessoas inalam gotículas e partículas que as pessoas infectadas liberam ao respirar, falar, tossir ou espirrar. Pessoas infectadas são mais propensas a transmitir COVID-19 quanto mais tempo e mais perto elas interagem com outras pessoas. Em casos leves, a recomendação de entidades - como a OMS - é o uso de fármacos como dipirona e paracetamol. Contudo segundo disposições da OMS (2020), de 10% a 15% das vítimas da COVID-19 vão precisar de leito de terapia intensiva, pois apresentarão sinais de insuficiência respiratória e outros agravamentos. Diante disto, o tratamento envolve a obtenção de via aérea avançada. Sendo necessário o uso de equipamento de proteção individual durante a intubação oro traqueal. Pacientes internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) também devem ser isolados em leitos apropriados e submetidos a medidas de vigilância padrão. Ao mesmo tempo, é fundamental frisar que até o presente momento não existe tratamento precoce contra COVID-19. Este cenário vem despertando os pesquisadores a estudar a COVID-19 e suas diversas implicações, estes estudos visam em especial a identificação de vacinas, tratamentos e as decorrências da doença na vida das pessoas. A relevância teórica deste estudo se concentra na colaboração para com a discussão acerca da disseminação de informações sobre a COVID-19 quanto aos demais estudos já publicados sobre a temática. Desta forma, este trabalho trata-se de um artigo teórico cujo procedimento metodológico constitui na de revisão bibliográfica e bibliométrica, dos periódicos disponíveis na base de dados da Scopus, usando como Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 109 palavra-chave “COVID-19”. 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A pesquisa realizada está conexa a COVID-19 e os seus reflexos na vida da humanidade, sendo que dentro desse tema aborda-se inicialmente sobre a doença por coronavírus 2019 (COVID-19), em seguida sobre a bibliometria, por fim apresentase estudos anteriores cuja temática seja a COVID-19 e tenha por metodologia a utilização da bibliometria. Destaca-se o grande número de estudos recentes sobre a temática utilizando-se de diversas abordagens e múltiplos autores que tratam sobre a temática. 2.1 Covid-19 A doença por coronavírus 2019 (COVID-19) é uma doença contagiosa causada pela síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (SARS-CoV-2). O primeiro caso conhecido foi identificado em Wuhan, China, em dezembro de 2019. Desde então, a doença se espalhou pelo mundo, levando a uma pandemia contínua. A transmissão de COVID-19 ocorre quando as pessoas são expostas a gotículas respiratórias contendo vírus e partículas transportadas pelo ar exaladas por uma pessoa infectada. Segundo a orientação técnica da OMS (2020) pessoas infectadas podem transmitir o vírus a outra pessoa até dois dias antes de apresentarem os sintomas, assim como as pessoas que não apresentam sintomas. As pessoas permanecem infecciosas por até dez dias após o início dos sintomas em casos moderados e por até vinte dias em casos graves. Vários métodos de teste foram desenvolvidos para diagnosticar a doença. O método de diagnóstico padrão é por detecção do ácido nucleico do vírus por reação em cadeia da polimerase de transcrição reversa em tempo real (rRT-PCR), amplificação mediada por transcrição (TMA) ou por amplificação isotérmica mediada por loop de transcrição reversa (RT-LAMP) de um cotonete nasofaríngeo. As medidas preventivas incluem distanciamento social, quarentena, ventilação de espaços internos, cobertura de tosses e espirros, lavagem das mãos e manutenção de mãos sujas longe do rosto. O uso de máscaras faciais ou coberturas tem sido Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 110 recomendado pela OMS em ambientes públicos para minimizar o risco de transmissões. Os sintomas de COVID-19 são diversos, variando de sintomas leves a graves. Ossintomas comuns incluem dor de cabeça, perda do olfato e do paladar, congestão nasal e coriza, tosse, dores musculares, dor de garganta, febre, diarreia e dificuldades respiratórias. Pessoas com a mesma infecção podem ter sintomas diferentes, e seus sintomas podem mudar com o tempo. Três grupos comuns de sintomas foram identificados: um grupo de sintomas respiratórios com tosse, expectoração, falta de ar e febre; um conjunto de sintomas musculoesqueléticos com dores musculares e articulares, dor de cabeça e fadiga; um conjunto de sintomas digestivos com dor abdominal, vômitos e diarreia. Em pessoas sem distúrbios anteriores de ouvido, nariz e garganta, a perda do paladar combinada com a perda do olfato está associada ao COVID-19. Das pessoas que apresentam sintomas, 81% desenvolvem apenas sintomas leves a moderados (até pneumonia leve), enquanto 14% desenvolvem sintomas graves (dispneia, hipóxia ou mais de 50% de envolvimento pulmonar em exames de imagem) e 5% dos pacientes apresentam sintomas críticos (insuficiência respiratória, choque ou disfunção de múltiplos órgãos). Segundo dados apurados pela OMS pelo menos um terço das pessoas infectadas com o vírus não desenvolve sintomas perceptíveis em nenhum momento. Esses portadores assintomáticos tendem a não fazer o teste e podem espalhar a doença. Outras pessoas infectadas desenvolverão sintomas posteriormente, chamados de "pré-sintomáticos", ou apresentarão sintomas muito leves e também podem espalhar o vírus. As medidas preventivas para reduzir as chances de infecção incluem vacinarse, ficar em casa, usar máscara em público, evitar lugares lotados, manter distância de outras pessoas, ventilar espaços internos, administrar durações de exposição em potencial, lavar as mãos com água e sabão frequentemente e por pelo menos vinte segundos, praticando boa higiene respiratória e evitando tocar os olhos, nariz ou boca com as mãos sujas. Aqueles com diagnóstico de COVID-19 ou que acreditam que podem estar infectados são aconselhados a ficar em casa, exceto para obter cuidados médicos, ligar com antecedência antes de visitar um provedor de saúde, usar uma máscara facial antes de entrar no consultório do provedor de saúde e quando estiver em qualquer sala ou no veículo com outra pessoa, cubra tosses e espirros com um lenço Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 111 de papel, lave as mãos regularmente com água e sabão e evite compartilhar utensílios domésticos pessoais. A primeira vacina COVID-19 obteve aprovação regulatória em 2 de dezembro pelo regulador de medicamentos do Reino Unido (MHRA). Ele foi avaliado para status de autorização de uso de emergência (EUA) pelo FDA dos EUA e em vários outros países. Inicialmente, as diretrizes dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA não recomendam nenhum medicamento para prevenção de COVID-19, antes ou após a exposição ao vírus SARS-CoV-2. Sem uma vacina, outras medidas profiláticas ou tratamentos eficazes, uma parte fundamental do gerenciamento de COVID-19 é tentar diminuir e retardar o pico da epidemia, conhecido como "achatamento da curva ". Isso é feito diminuindo a taxa de infecção para diminuir o risco de os serviços de saúde serem sobrecarregados, permitindo um melhor tratamento de casos ativos e atrasando casos adicionais até que tratamentos eficazes ou uma vacina estejam disponíveis. Várias medidas são comumente usadas para quantificar a mortalidade, esses números variam por região e ao longo do tempo e são influenciados pelo volume de testes, qualidade do sistema de saúde, opções de tratamento, tempo desde o surto inicial e características da população, como idade, sexo e saúde geral. A taxa de mortalidade reflete o número de mortes dentro de um grupo demográfico específico dividido pela população desse grupo demográfico. Consequentemente, a taxa de mortalidade reflete a prevalência, bem como a gravidade da doença em uma determinada população. As taxas de mortalidade estão altamente correlacionadas à idade, com taxas relativamente baixas para os jovens e taxas relativamente altas entre os idosos. Na verdade, um fator relevante das taxas de mortalidade é a estrutura etária das populações dos países. Por exemplo, a taxa de letalidade para COVID-19 é menor na Índia do que nos EUA, uma vez que a população mais jovem da Índia representa uma porcentagem maior do que nos EUA. A taxa de letalidade (CFR) reflete o número de mortes dividido pelo número de casos diagnosticados em um determinado intervalo de tempo. Com base nas estatísticas da Universidade Johns Hopkins, a proporção global de casos de morte é de 2,2% (3.813.937 / 176.339.190) em 15 de junho de 2021. O número varia por região. O CFR pode não refletir a verdadeira gravidade da doença, porque alguns indivíduos infectados permanecem assintomáticos ou apresentam apenas sintomas leves e, portanto, tais infecções podem não ser incluídas nos relatórios oficiais de Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 112 casos. 2.2 Bibliometria As informações elaboradas por meio dos estudos bibliométricos mensuram a contribuição do conhecimento científico proveniente das publicações em um determinado campo. Os indicadores de produção são benéficos para o conhecimento da comunidade científica sobre o sistema em que está inserida. A bibliometria comporta a observação do estado da ciência por meio da produção científica registrada em um determinado repositório de dados. Baseia-se na contagem de artigos científicos, patentes e citações. Dependendo da finalidade do estudo bibliométrico, os dados podem ser tanto o texto que compõe a publicação como os elementos presentes em registros sobre publicações extraídos de base de dados bibliográficos, como nome de autores, título, fonte, idioma, palavrachave, classificação e citações (RAO, 1986; ZHU et al., 1999). A bibliometria auxilia na identificação de convergências do conhecimento em determinada área, autores e instituições mais produtivos, e periódicos mais utilizados na publicação de estudos em determinada disciplina. Para Nicholas e Ritchie (1978, apud ARAÚJO, 2006), a diferença essencial entre a tradicional bibliografia e a bibliometria é que esta utiliza mais métodos quantitativos do que discursivos para uma avaliação objetiva da produção científica. Ademais, destaca Figueiredo (1977) que a “bibliometria desde sua origem é marcada por uma dupla preocupação: a análise da produção científica e a busca de benefícios práticos imediatos para bibliotecas”. Na presente pesquisa foram utilizados dados de produção científica brasileira baseada em artigos publicados em periódicos indexados na base de dados da Scopus. Scopus é uma base de dados científica, médica, técnica e social abrangente que contém toda a literatura relevante, cujo Editor e Redator é Reed Elservier. Foi escolhida como fonte de dados bibliográficos para avaliar a relação entre autores, instituições, estados e áreas do conhecimento dos artigos selecionados. Como critério de seleção dos dados foi utilizado a categoria com o termo: “Covid19”. Foram considerados artigos brasileiros aqueles que pelo menos um autor possua filiação com instituições de ensino ou pesquisa brasileiras. Foram selecionados 3.198 artigos científicos, abordando o período de 2019 a 29 de junho de 2021. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 113 2.3 Estudos anteriores No quadro a seguir constam estudos anteriores os quais utilizaram a bibliometria como método quantitativo de análise e que possuem como temática relação com o assunto tratado neste estudo, ou-seja o Covid-19 como tema central apresentando-se o autor, ano, objetivo e respectivo resultado do estudo: Quadro 1 – Estudos anteriores Autor(es) Ano Estudo MELO, Márcio Uma análise Cristiano de; 2020 Bibliométric CABRAL, Elizabeth das pesquisas Regina de Melo; Globais da ROLIM, Ana Carine COVID-19. Arruda; OLIVEIRA, Rinaldo Eduardo Machado de; TAKAHASHI, Fábio; ARAUJO, Alisson Costa de; OLIVEIRA, Gabriela Aparecida de; GOMES, Samantha Dantas de Holanda; MACÊDO, Rebecca Tilie Dantas de. Objetivo Resultado Conhecer a Dos 1.841 trabalhos produção científica analisados observou-se uma global em termos de média diária de publicação volume de dados, de 18,4 materiais. Quanto ao tempo de publicação país de publicação, 28,4% e país de origem, foi (n=523) foram publicados nos realizada uma análise Estados Unidos, 19,6% bibliométrica com (n=360) na Inglaterra e 17,3% base nas publicações (n=319) na China. A maior disponíveis nas concentração de publicações principais bases de está na semana 12 (n=501) dados de indexação seguida da semana 13 de periódicos nos cem (n=418). Houve um primeiros dias de crescimento elevado do 2020; com texto número de trabalhos a partir completo e usando o da semana cinco (5) com termo "COVID-19". queda na semana 12. O mês de março concentrou 76,0% das publicações (n=1400). Produção Descrever os Amostra foi composta por COSTA, Isabelle 2020 científica em 110 artigos científicos. Os indicadores Cristinne Pinto; periódicos bibliométricos da autores principais dos SAMPAIO, Rômulo online sobre o produção científica estudos tinham vinculações Severo; novo com 83 instituições disponível em SOUZA, coronavírus periódicos online que distribuídas em 30 países, Fernando André (COVID-19): abordam a Covid-19. apresentando Costa de; DIAS pesquisa prioritariamente a formação Thainá bibliométrica em medicina. China foi o Karoline Costa; . país que mais publicou, COSTA fornecendo grande número Brunna Hellen de dados de pesquisa. Saraiva; CHAVES, Pacientes infectados pela Erika de Cássia Covid-19 e a população em Lopes. geral compuseram as populações dos estudos e o ambiente hospitalar foi o local de desenvolvimento da maior parte das pesquisas. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 114 O objetivo deste Foram identificadas 5.570 2020 Mapeamento estudo foi mapear a publicações relacionadas ao da produção produção científica tema. O ano com o maior científica sobre sobre COVID- 19, número de publicações foi o COVID-19. através de uma ano de 2020, com 5.560 análise bibliométrica. publicações. Quanto às áreas de publicação do artigo, as que mais se destacaram foram: Medicina e Bioquímica, Genética e Biologia Molecular, com 4.161 e 594 artigos publicados, respectivamente. Entre os periódicos, o BMJ Clinical Research Ed obteve o maior número de publicações sobre o tema pesquisado. China e EUA foram os países que mais publicaram artigos e o idioma mais utilizado foi o inglês. CARDOSO, Daniel Caracterizar a As publicações se Análise e Madeira; LIMA, produção científica concentraram entre nações Miguel de Oliveira; 2020 caracterização sobre a doença, que enfrentam ou da produção GALVÃO, Luiza relacionando-a ao enfrentaram situações críticas científica sobre perfil de distribuição com relação à disseminação Gomes; BORGES, a COVID-Q9 e de casos e óbitos do vírus SARS-COV-2 (EUA, Pauline Martins sua Leite. pelo agravo nos China, Reino Unido e Itália). associação âmbitos global e Houve destaque para com a nacional. Trata- se de conteúdos da medicina; mortalidade e estudo bibliométrico a modalidade artigo; ocorrência de Instituição Huazhong partir do descritor casos. University of Science and “COVID-19” na base Technology; revista BMJ Scopus. Clinical Reseach ED; e autor Wiwanitkit, V. VASCONCELOS, Iara Gomes; NASCIMENTO Danilo Alves do. Fonte: Elaborado pelos autores, com base na pesquisa. A metodologia empregada neste estudo para a análise dos dados coletados são apresentados na seção a seguir. 3. METODOLOGIA O presente estudo acercar-se de uma revisão bibliográfica e bibliométrica baseada em um conjunto de artigos da base de dados da Scopus sobre a produção cientifica brasileira da COVID-19. Beuren (2008) destaca que os métodos a serem utilizados no trabalho científico referem-se à maneira pela qual são obtidos os dados dos fatos sociais que contemplam a pesquisa relacionando as etapas necessárias Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 115 para a elaboração do estudo. Desta forma, o estudo é classificado de acordo com o objetivo como descritiva, quanto aos procedimentos como bibliográfica, enquanto que sua abordagem do problema é qualitativa. Para a concretização deste estudo, utiliza-se a bibliometria cujo método para organizar os resultados de pesquisas anteriores e oferece apoio para a tomada de decisão e a melhoria das práticas de gestão, além de apontar lacunas nos estudos sobre o consumismo que precisam ser preenchidas. Para realizar o estudo bibliométrico, se estabeleceu as seguintes etapas: primeiramente ocorreu a definição do tema; para posteriormente se executar o levantamento bibliográfico e por fim ocorreu a interpretação dos resultados. O levantamento bibliográfico foi atingido por meio do banco de dados da Scopus e processados pelo software de análise bibliométrica VOSviewer(R). Os resultados e análise dos dados coletados são apresentados na seção a seguir. 4. ANÁLISE DE DADOS Esta seção do estudo é dedicada em quantificar a produção cientifica brasileira sobre a COVID-19, desta forma a coleta dos artigos foi realizada através do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), extraído da base de dados da Scopus (Elsevier) no dia 29 de junho de 2021, com a seleçãode 3.198 artigos publicados. Na tabela 1 temos a quantidade de estudos brasileiros sobre a COVID-19 e participações percentuais por ano. Tabela 1 – Quantidade de artigos sobre a COVID-19 por período - totais e participações percentuais Ano/Período 2019 2020 2021 (até 29/06/2021) Total de Publicações Total de artigos 4 1.57 7 1.61 7 3.19 8 Participação percentual sobre o total 0,13% 49,31% 50,56% 100% Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa. Os artigos estão publicados em um total de 160 periódicos, destaque para o “Cadernos de Saúde Pública” que concentra 74 publicações. A tabela 2 estão Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 116 elencadas os vinte periódicos com mais publicações e respectivo quantitativo de artigos publicados, cujo conjunto de publicações totaliza 713 artigos e 22,30% das 3.198 publicações. Tabela 2 – Quantidade de artigos sobre a COVID-19 por periódico - totais e participações percentuais Periódico Cadernos de Saúde Pública Ciência e Saúde Coletiva Plos One Revista Brasileira de Enfermagem Revista de Administração Pública Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública Relatórios Científicos Arquivos Brasileiros de Cardiologia Epidemiologia e Serviços de Saúde Revista do SUS do Brasil Texto e Contexto Enfermagem Revista Brasileira de Doenças Infecciosas Revista de Saúde Pública Revista Jurídica Fronteiras na Psicologia Ciência do Ambiente Total Revista da Associação Medica Brasileira Revista Gaúcha de Enfermagem Epidemiologia e Infecção Estudos Avançados [...] Demais Periódicos Total de Publicações Total de artigos publicados 7 4 7 0 6 8 6 5 4 9 4 6 4 2 2 9 2 8 2 4 2 4 2 3 2 3 23 22 22 21 21 20 19 2.48 5 3.19 8 Participação percentual sobre o total 2,31% 2,19% 2,13% 2,03% 1,53% 1,44 1,31 0,91 0,88 0,75 0,75 0,72 0,72 0,72 0,69 0,69 0,66 0,66 0,63 0,59 77,70 % 100% Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa. No que diz respeito ao idioma dos artigos, por termos como base de pesquisa Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 117 os periódicos publicados na Scopus (Elsevier), torna-se natural que a maioria dos estudos seja publicada em língua inglesa. A tabela 3 apresenta o detalhamento da quantidade de artigos por idioma com seus totais e participações. Destaca-se que dentre os artigos publicados encontram-se artigos publicados em mais de um idioma, desta forma, o quantitativo total de artigos por idioma é de 3.559. Tabela 3 - Quantidade de artigos sobre a COVID-19 por idioma - totais e participações percentuais Idioma Inglês Português Espanhol Francês Russo Italiano Quantitativo Total por Idioma Total de Publicações Total de artigos publicados 2.93 6 556 61 3 2 1 3.55 9 3.19 8 Participação percentual sobre o total 91,81% 17,38% 1,91% 2,03% 0,09% 0,05 111,29 % 100% Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa. O que se vê ao identificarmos o idioma em qual os artigos foram publicados observamos que a imensa maioria está publicada em inglês, ou seja 91,81% ou 2.936 artigos. As publicações em língua portuguesa - 556 publicações -, espanhol com 61 publicações fecham a lista dos idiomas com mais publicações. As publicações em língua francesa, russa e italiana possuem respectivamente três, duas e uma publicações cada. No que diz respeito ao ente financiador ou patrocinador (Tabela 4), identificamos que 53,50% das publicações são provenientes de estudos produzidos com financiamento de cinco entes. Destaque para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com 511 artigos e participação sobre o total de 15,98%, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico financiou 499 estudos e participação de 15,60% do total de publicações, completam os cinco primeiros a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 118 Tabela 4 - Quantidade de artigos sobre a COVID-19 por ente financiador ou patrocinador - totais e participações percentuais Financiador/Patrocinador Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA Instituto Nacional de Saúde Comissão Europeia Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Wellcome Trust Outras/Indefinido Total de Participação percentual artigos publicados sobre o total 511 15,98% 499 15,60% Total de Publicações 400 12,51% 199 102 6,22% 3,19% 71 69 44 38 2,22% 2,16% 1,38% 1,19% 37 1.22 8 3.19 8 1,16% 38,39% 100% Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa. Por fim, foi realizado o levantamento quanto a área de estudo da amostra (Tabela 5), a análise dos artigos mostra que o tema possui relação com áreas multidisciplinares, principalmente com as áreas de medicamento, a qual está comtemplada em 57,54% dos artigos selecionados, demonstrando a grande preocupação dos estudos em dar resposta a possibilidade de utilização de medicamentos no tratamento da doença. As ciências sociais, por sua vez que é uma ampla área de estudos a qual abranger a forma de desenvolvimento, funcionamento e organização das sociedades, sendo portanto estudados os aspectos relacionados a uma sociedade, dentre estes as suas origens e processos históricos, conflitos, e seus aspectos de desenvolvimento, além de suas características culturais e hábitos. Tem 519 artigos e 16,23% na participação total de publicações. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 119 Tabela 5 - Quantidade de artigos sobre a COVID-19 por área de estudo - totais e participações percentuais Área de estudo Medicamento Ciências Sociais Bioquímica, Genética e Biologia Molecular Enfermagem Imunologia e Microbiologia Ciência Ambiental Psicologia Multidisciplinar Ciências Agrárias e Biológicas Ciência da Computação Engenharia Matemática Neurociência Artes e Humanidades Profissões de Saúde Química Odontologia Física e Astronomia Farmacologia, Toxicologia e Farmacêutica Negócios, Gestão e Contabilidade Economia, Econometria e Finanças Energia Ciências da Terra e Planetárias Ciências da Decisão Ciência de Materiais Engenharia Química Veterinária Total de Publicações Total de artigos publicados 1.840 519 291 Participação percentual sobre o total 57,54% 16,23% 240 210 201 142 121 113 100 95 93 91 83 71 67 66 65 63 7,50% 6,57% 6,29% 4,44% 3,78% 3,53% 3,13% 2,97% 2,91% 2,85% 2,60% 2,22% 2,10% 2,06% 2,03% 1,97% 55 45 38 30 27 20 17 16 3.198 1,72% 1,41% 1,19% 0,94% 0,84% 0,63% 0,53% 0,50% 100% 9,10% Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa. Identificamos ainda que as áreas de estudos de bioquímica, genética e biologia molecular - 291 -, enfermagem - 240 -, imunologia e microbiologia - 210 -, ciência ambiental - 201 -, possuem grande relevância dentre as áreas de estudos abrangidos pelos artigos sobre a COVID-19, dentre a amostra coletada através do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, extraído da base de dados da Socopus (Elsevier). Nos mapas bibliométricos foram incluídos todos os artigos da base de dados da Scopus (Elsevier) e que continham em seu título, resumo ou nas palavras-chave a expressão COVID-19, no dia 29 de junho de 2021, com a seleção de 3.198 artigos Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 120 publicados, com utilização dos termos que apareceram pelo menos 10 vezes em todos eles. Quanto a definição da escolha do número de termos utilizadas para a criação dos mapas o software de análise bibliométrica VOSviewer(R) selecionou 1090 termos. Figura 1 - Temas relacionados ao consumismo – por cluster Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa com a utilização do software de análise bibliométrica VOSviewer(R). Para cada um destes termos, uma pontuação de relevância foi calculada, com base nessa pontuação, os termos mais relevantes foram selecionados, sendo utilizada a opção padrão do software ao se selecionar os termos mais relevantes em 60%, ou seja 326. Nessa análise, o aumento de densidade representado pela maior intensidade da cor nas figuras é diretamente proporcional à quantidade de repetição dos termos no material extraído. Assim observa-se a formação de 4 clusters. Um primeiro cluster com forte ligação os sintomas, mortalidade, risco, pneumonia, inflamação e medicamento. Um segundo cluster se forma em torno do primeiro caso, dinamismo atuação e interação. Já o terceiro cluster é formado a partir das expressões: sentimento, renda, distanciamento, rede, mulher, homem, participante e sexo. Por fim o quarto cluster possui em seu cerne as expressões: contexto, lugar, pesquisa, crise, direito e alunos. As figuras 2 e 3 apresentam os mapas com base nos dados bibliográficos, e são destinados a demonstrar os mapas de co-autoria, co-ocorrência de palavra-chave, citação, acoplamento bibliográfico ou Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 121 co-citação. Figura 2 – Mapa de co-citação e citações reciprocas – por cluster Fonte: Elaborada pelos autores, com base na pesquisa com a utilização do software de análise bibliométrica VOSviewer(R). Assim a figura 2 apresenta o mapa dos autores, visualiza-se a formação de seis clusters. Um primeiro cluster composto por 6 autores: Bozza F. A.; Bozza P. T.; Silva M. T. T.; Siqueira M. M.; Soares C. N.; Souza T. M. L, tendo ligação a este temos um segundo cluster formado pelos autores: Hochhegger B.; Marchiori E.; Rodrigues R. S. e Zanetti G., o cluster central do mapa é composto por quatro autores: Hajjar L. A.; Jr.; Lima- Costa M. F. e Pereira A., sendo estes os influenciandores das pesquisas apontadas sobre a COVID-19 no Brasil, dentro da rede de co-citação e citações reciprocas. Concluindo a análise do mapa co-citação e citações reciprocas, visualiza-se que do cluster central derivam dois clusters: Cluster formado pelo autores: de Souza C. D. F.; Martins-Filhor P. R.; Quintans-Júnior L. J. e Santos V. S. e o Cluster formado pelo autores: Costa S. F.; Durigon E. L.; Mendes-Correa M. C.; Pinho J. R. R.; Sabino E. C. e Wendel S., que ainda possui ligação ao ultimo cluster composto pelos autores: Dolhnikoff M.; Duarte-Neto A. N.; Mauad T. e Saldiva P. H. N. Por fim, após identificar os principais elementos que circundam a produção cientifica brasileira sobre a COVID19 através da análise bibliométrica dos artigos da base de dados da Scopus, é Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 122 apresentado a seguir a conclusão do respectivo estudo. 5. CONCLUSÃO A presente revisão bibliográfica e bibliométrica mostra a crescente evolução na abrangência da pesquisa científica sobre a COVID-19. Entende-se que o objetivo deste estudo foi atingido, dentro das fronteiras plausíveis relativas ao espaço físico disponível da amostra, sendo assim, mapeado o estudo do consumismo especificamente no que tange aos 3.198 artigos que apresentavam como tema a COVID-19, e que fazem parte da base de dados da Scopus. A pesquisa realizada está conexa a COVID-19 e os seus reflexos na vida das pessoas, sendo que dentro desse tema aborda-se inicialmente sobre a doença por coronavírus 2019 (COVID-19), em seguida discorreu-se sobre a bibliometria, apresentou-se os estudos anteriores cuja temática seja a COVID-19 tenha por metodologia a utilização da bibliometria. Destaca-se o grande número de estudos recentes sobre a temática utilizando-se de diversas abordagens e múltiplos autores que tratam sobre a temática. A análise dos artigos mostrou que a COVID-19 possui relação com as mais diversas áreas de estudo, mas principalmente com as área de medicamentos e das Ciências Sociais. A observar as naturais limitações desta pesquisa. Uma delas é o extrato da subamostra estudada: 3.198 artigos da base de dados da Scopus, sendo que esta delimitação naturalmente excluiu as demais bases de dados e uma infinita quantidade de publicações. O segundo obstáculo é basicamente, uma consequência inevitável da rigidez que se impôs à metodologia de análise adotada, pois não se fez esforço algum de interpretação para a extração de informações primárias. Utilizando-se para tanto da coleta dos artigos através do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, extraído da base de dados da Socopus (Elsevier) e para a realização do levantamento bibliográfico foi atingido por meio do pelo processamento dos artigos coletados pelo software de análise bibliométrica VOSviewer(R). Como os elementos analisados são aqueles oriundos estritamente daquilo que se encontrava na base de dados da Socopus (Elsevier) e do processamento deste pelo VOSviewer(R), a eventual carência destes elementos, ou até a sua precocidade, pode ter gerado desvios nos resultados finais. Como sugestões para posteriores Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 123 estudos englobam a pesquisa de outros aspectos bibliométricos dos estudos desta amostra, tais como os meios e as finalidades das pesquisas. Da mesma forma se indica que outras pesquisas analisem as citações e cocitações e citações recíprocas envolvendo os autores dos estudos de uma mesma linha de pesquisa, afim de se avaliarem a longitudinalmente e as mudanças nas estruturas intelectuais e consequentemente nas propriedades de um determinado campo de estudo. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 124 REFERÊNCIAS ARAÚJO, Carlos A. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Revista em Questão. Rio de Janeiro. 2006. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/EmQuestao/article/view/16. Acesssado em 26 de junho de 2021. BEUREN, Ilse Maria (org.). 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.73457-73474 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 126 CAPÍTULO 07 FERRAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE UTILIZADAS PELAS EMPRESAS COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA EM TEMPOS PANDÊMICOS Virginia Tomaz Machado Mestra em Sistemas Agroindustriais – PPGSA Professora da Faculdade Santa Maria – FSM BR 230, Km 504, Bairro Cristo-Rei; Cajazeiras, PB E-mail: vtmachado@hotmail.com Pavlova Christinne Cavalcanti Lima Doutora em Administração Professora da Faculdade Santa Maria – FSM BR 230, Km 504, Bairro BR 230, Km 504, Bairro Cristo-Rei; Cajazeiras, PB E-mail: pchristinne@hotmail.com Ícaro Ramalho Dionísio Mestre em Sistemas Agroindustriais - PPGSA Professor da Faculdade Santa Maria – FSM Rua João Bosco de Menezes Pereira, SN, Maria Singular de Brito; Bom Jesus, PB E- mail: icaro@fsm.edu.br Marcelo Oliveira Feitosa Mestre em Administração Coordenador e professor do curso de Administração da Faculdade Santa Maria – FSM BR 230, Km 504, Bairro Cristo-Rei; CEP: 58900-000; Cajazeiras, PB E-mail: marcelofeitosafsm@gamil.com Fernando Antônio Portela da Cunha Pós-doutor em Química Professor do curso de Química da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, campus Cajazeiras Rua Sérgio Moreira de Figueiredo, S/N; Populares; Cajazeiras, PB E-mail: fportela.ufcg@gmail.com Luiz Carlos Machado de Souza Filho Mestre em Direito Canônico Reitor e professor do Seminário Diocesano da Paraíba Rua: Bananeiras, 203; Manaíra; João Pessoa; PB E-mail: peluizcarlos@hotmail.com RESUMO: Imerso a um cenário de pandemia, provocada pelo COVID-19, as empresas precisaram se adaptar a uma nova realidade mercadológica. Nesse contexto, as mesmas precisam aprimorar a gestão dos processos digitais, como meio de propagação para os serviços e produtos, porém sem perder a qualidade. Com este cenário, percebe-se a importância de estudar com mais profundidade a gestão da qualidade com ferramentas capazes de viabilizar a sobrevivência e crescimento das organizações. Constituiu como objetivo desta pesquisa analisar as ferramentas da qualidade utilizadas pelas empresas na cidade de Cajazeiras-PB, para alcançar as metas pré-estabelecidas com eficiência, mesmo em um cenário conturbado de Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 127 isolamento social, dando aporte para futuros estudos da gestão contemporânea no que se refere à qualidade e suas ferramentas em cenários adversos. A metodologia utilizada foi de uma pesquisa exploratória, descritiva, um estudo de multicaso. De abordagem quantitativa, os sujeitos da pesquisa foram constituídos de uma amostragem de 100, comtemplando gestores e proprietários, número este suficiente para o propósito das análises, no qual preencheram, por livre e espontânea vontade, um questionário estruturado, aplicado de forma digital, utilizando a plataforma do Google forms. A pesquisa foi realizada nos períodos de março a maio de 2020. Tendo como resultado que são poucas as empresas que utilizam as ferramentas da qualidade em seu processo de gestão, porém as empresas que utilizam a gestão da qualidade com suas ferramentas obtiveram maior êxito, sendo fundamental para planejar, controlar, apoiar, gerir e nortear decisões de forma mais assertiva, para a manutenção e sobrevivência das empresas, de modo que seus objetivos foram atingidos com sucesso, pois quanto maior o conhecimento dos gestores sobre as ferramentas da gestão da qualidade, maior a chance da empresa chegar ao seu nível de excelência desejado. PALAVRAS-CHAVE: Empresas; Gestão da qualidade; Ferramentas da qualidade; Pandemia, Covid-19. ABSTRACT: Immersed in a pandemic scenario caused by COVID-19, companies needed to adapt to a new market reality. In this context, they need to improve the management of digital processes, as a means of propagation for services and products, but without losing quality. With this scenario, we can see the importance of studying quality management more deeply with tools capable of enabling the survival and growth of organizations. The objective of this research was analyzing the quality tools used by companies in the city of Cajazeiras-PB to achieve the pre-established goals efficiently, even in a troubled scenario of social isolation, providing support for future studies of contemporary management about quality and its tools in adverse scenarios. The methodology used was an exploratory, descriptive research, a multi-case study. From a quantitative approach, the research subjects were constituted of a sample of 100 managers and owners, a number sufficient for the purpose of the analyses, in which they filled out by free will a structured questionnaire, applied digitally, using the Google Forms Platform. The research was conducted from March to May 2020. Resulting in the few companies that use quality tools in their management process, but companies that use quality management with their toolshave been more successful, being fundamental to plan, control, support, manage and guide decisions more assertively, for the maintenance and survival of companies, so that their goals have been successfully achieved. Because the greater the knowledge of managers about the tools of quality management, the greater the chance of the company reaching its desired level of excellence. KEYWORDS: Enterprises; Quality Management; Quality Tools; Pandemic; Covid-19. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 128 1. INTRODUÇÃO A empresa, independente do seu tamanho, constitui agente importante na promoção do emprego, inovação, criação de rendimentos, no crescimento e desenvolvimento econômico e social. (MACHADO et al. 2021). O mundo está vivenciado uma crise econômica sem precedentes com as empresas fragilizadas economicamente, assoladas pela pandemia provocada pela doença da Covid- 19, levando muitas a fecharem suas portas com o lockdown, como medida de proteção sanitária, medida está sobre o norteamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), pegando todas as empresas desprevenidas. Com isto nunca foi tão importante a utilização de uma gestão de qualidade eficiente, com a utilização de ferramentas adequadas, na tentativa de manter-se no mercado. (JUNIOR, et al. 2008). Diante do exposto acima, faz-se necessária a utilização das ferramentas de gestão tática da Qualidade, utilizadas pelas organizações na busca da melhor estratégia para o desempenho institucional. A importância da aplicação dessas ferramentas serve para orientar nos processos para uma tomada mais assertiva das decisões, aumentando a produtividade, dando mais visibilidade à empresa com seus produtos ou serviços. Percebe-se que as ferramentas de gestão da qualidade envolvem o desenvolvimento, a operacionalização, a avaliação e o processo de melhoria, principalmente a execução do planejamento, com ações, táticas, padrões, posicionamento e perspectivas que possam contribuir com as melhores decisões a serem tomadas pelas empresas, principalmente em meio a uma crise mundial provocada pela doença da Covid-19. Ou seja, o caminho necessário a ser seguido pelo empresário para o planejamento, inovação e criação, programação, execução, organização, direção, coordenação, controle e avaliação da empresa. (COSTA, 2013). Para tanto, as organizações que não aplicam essas ferramentas têm dificuldade em desenvolver estratégias de ação, pelo fato do gestor não conseguir perceber com propriedade os indicadores, não ter aptidão em desenvolver uma gestão integrada eficiente, diante da escassez de dados referente aos recursos, sejam eles tecnológicos, naturais e/ou do capital humano, impossibilitando, assim, uma tomada de decisão assertiva por parte da gerência, enfrentando dificuldades em se manter no mercado. (BRASIL, 2011). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 129 A importância da aplicação das ferramentas de gestão nas organizações é desencadear pesquisas que alcancem correlacionar a competitividade nas empresas que utilizem as ferramentas, contrapondo-se as que atuam sem a utilização adequada e/ou sem planejamento das mesmas. Para estas, o baixo nível de competitividade está relacionado, entre outras causas, à ineficiência das práticas gerenciais de ferramentas que possibilitem as empresas utilizá-las adequadamente no gerenciamento de tecnologias necessárias à atividade fim, já para as que utilizam mostrar os benefícios com o uso dessas ferramentas, possibilitando que as empresas se tornem cada vez mais independentes e competitivas no mercado. Como forma de aprofundar o assunto sobre a gestão da qualidade nas empresas e a importância da utilização de suas ferramentas, chegou-se à seguinte questão norteadora do trabalho de pesquisa: como as ferramentas da gestão da qualidade contribuem para a sobrevivência das empresas da cidade de Cajazeiras – PB, inseridas em uma crise acentuada que assola o mundo com a pandemia da Covid19? De acordo com a análise situacional das empresas no Brasil, no qual o mercado vivencia sinais reativos, com a crescente inflação, a Bolsa de Valores em constante queda e o dólar nas alturas, percebe-se a importância de estudar com mais adentro a gestão da qualidade com suas ferramentas, capazes de viabilizar a sobrevivência e crescimento da organização neste mercado. Propondo que se faça necessário a busca por excelência na qualidade de sua gestão. Para isto, as empresas devem acompanhar seus processos de melhoria e se adaptarem aos novos padrões tecnológicos inovadores do mercado. (MACHADO et al., 2021). 2. CRISE DA PANDEMIA CAUSADA PELO COVI-19 Segundo Machado et al. (2021), a pandemia causada pelo novo coronavírus atingiu de forma holística todos os países, provocando uma crise econômica mundial. Na contenção da pandemia foi implementada medidas de segurança, como o lockdown, o isolamento social, a proibição da aglomeração populacional, o fechamento das atividades não essenciais, tudo isto ocasionou o aumento do desemprego, falência de estabelecimentos comerciais e, consequentemente, uma crise socioeconômica no mundo. Foi preciso a ação dos representantes legais, principalmente dos emergentes, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 130 de forma coordenada e rápida com as demais esferas, no sentido de regularizar as condições de segurança no comércio, indústria e serviços, para que a economia continuasse a funcionar, de forma a tornar o ambiente laboral seguro, com condições de proteção para a realização das funções, porém priorizando as vidas humanas. (SANTOS, et al. 2000). Os efeitos da recessão mundial afetam tanto aqueles que desenvolvem atividades laborais quanto os que perderam seus empregos, o cenário brasileiro encontra-se com alta taxa de desempregados. A ameaça da perda do emprego, modos de existência e relações com parceiros de trabalho gera uma série de tensões. As fontes do estresse são encontradas em grau elevado nos processos laborais rotineiros, mas também na percepção gerada por salário decrescente diante do aumento da inflação e pela instabilidade no emprego (SELIGMANN-SILVA, 2011). No Brasil, desde março de 2020, o distanciamento social tem sido constantemente solicitado pelos governantes, pelo fato da elevada taxa de contágio e mortes no país. Segundo o site do Ministério da Saúde, no Brasil, no dia 03 de novembro de 2020, existiam 5.394.128 casos confirmados da doença, 4.835.915 recuperados, 401.079 casos em acompanhamento e com 157.163 óbitos; em março de 2021, este número está chegando a quase 500 mil óbitos. (BRASIL, 2020). Ao longo da história, observou-se que, com o capitalismo em ampliação, com uma economia complexa, as crises são mais frequentes, pois elas constituem um desenvolvimento cíclico, dependente do próprio processo econômico. São alterações periódicas e alternadas de comunicação e contração das atividades econômicas, e podem ocorrer com diferentes intensidades e em todos os seguimentos. Com o surgimento da Covid-19, aumentaram os gastos com o sistema de saúde, no aumento do desemprego, na desaceleração econômica, que vem acentuando a crise de forma mais agravante do que a crise financeira global de 2008, e a Grande Depressão (THOMPSON, 2013). Com isto, dada as circunstâncias descritas acima, os mercados de ações chegaram a ter queda de, em média, 50%, mundialmente, os mercados de crédito congelaram, com falências em massa, taxas de desemprego em ascensão acima de 10%, e o Produto Interno Bruto (PIB) contraiu-se a uma taxa anual de 10%, dentro de um processo contínuo nos últimos três anos. Na atual crise do Covid-19, resultados macroeconômicos e microeconômicos sociofinanceiros igualmente se materializaram em apenas três semanas. (SENTANIN, BARBOSA, 2005). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 131 Ainda segundo o autor supracitado, outros argumentos para a crise se dar pelo fato do componente da determinação agregada ao consumo, gasto de dinheiro, exportações estar em declínio sem precedentes. O isolamento social, o desemprego, a inflação e outros fatores têm sido determinantes para esta desaceleração econômica, com uma queda acentuada no primeiro trimestre de 2020, repetindo-se nos dois trimestres seguintes, fica claro que a crise do Covid-19 é completamente diferente e bem mais intensa que as demais já vivenciadas. Além disso, o período de crise que hoje afeta grande parte dos países foi significante para crivar os negócios que realmente têm propostas de valor aos clientes, através de uma gestão mais eficiente e assertiva em suas decisões. (SENTANIN, BARBOZA, 2005). 3. ADMINISTRAÇÃO DA QUALIDADE: conceito O termo qualidade é um tema debatido e difundido junto à sociedade, com as empresas se adaptando a uma nova realidade de um mundo digital, no qual o uso da tecnologia se faz necessário para a manutenção de suas atividades, e a qualidade precisa está envolta a todos os processos, aparecendo ao lado de outros, como produtividade, sobrevivência, globalização, tecnologia, redes sociais, competitividade, integração, ecologia, entre outros. Nesse sentido, qualidade é tanto aplicada como atributo de produtos e serviços, que satisfazem a quem se destina (clientes), como é definida como um modo de organização de empresas que objetivam produzir produtos e serviços com o atributo qualidade. (WHO, 2020). Com isto, autores de renome na área, como Crosby, Deming, Feigenbaum e Juran definem o significado da qualidade de abordagem diferente. Deming (1990) relata que qualidade não pode ser um espírito de riqueza, mas aquilo que satisfaz o cliente com o que necessita e o que é desejado. Como as expectativas dos clientes estão sempre mudando, a solução para conceituar qualidade é definir constantemente as especificações. Já para Juran (1991), a qualidade é o conjunto planejado de ações, repleta de objetivos pelos quais atinge a adequação ao uso, não importa em que parte do processo na organização essas atividades são efetivadas. Para Crosby (1992), a qualidade é a conformidade com as normas das Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 132 especificações, quando você tenta fazer certo da primeira vez, deve ter o esforço de todos. A qualidade se encontra uma arma preventiva, por sua vez, origina-se do treinamento, exemplo, disciplina, liderança e persistência. O nível padrão do desempenho da qualidade é o defeito zero, ou seja, falhas não são toleradas. Para Feigenbaum (1994), a qualidade faz parte da gestão, um modo de vida corporativo, uma forma de gerenciar envolvendo todos os colaboradores, pois o resultado e controle de qualidade produz impacto positivo em toda empresa. A qualidade deve ser guiada pela excelência e não pelos defeitos. A qualidade é a razão de ser da empresa, um esforço amplamente compensador por muitas razões: minimiza custos, racionaliza processos; reduz os desperdícios; elimina o retrabalho e acaba com a burocracia e os controles em excesso; dá o direcionamento certo, pois o compromisso com a qualidade alinha os laços da organização com a clientela em permanente e sistemática troca de informações, o que conduz a aperfeiçoamentos e inovações de sucesso garantido; a sua prática amplia a percepção do gestor para novos negócios, novas oportunidades e qualifica a empresa para novas ideias mercadológicas. Esses são resultados do permanente enfoque no cliente e em todas as suas necessidades e aspirações. (COSTA, 2013). 4. AS FERRAMENTAS DA GESTÃO DA QUALIDADE Segundo Costa (2013), a implantação da qualidade, em qualquer segmento de mercado, só é possível através da aplicação no desenvolvimento de métodos e técnicas, que após uma avaliação possa demostrar a contribuição através dos resultados que a qualidade insere na organização. O primeiro conjunto de técnicas da Qualidade envolve as “ferramentas”, que segundo Paladini (2003, p.66), “[...] são dispositivos, procedimentos gráficos, numéricos ou analíticos, formulações práticas, esquemas de funcionamento, mecanismos de operação, enfim métodos estruturados para viabilizar a implantação da Qualidade”. Cada ferramenta refere-se a uma área do desenvolvimento do projeto ou da execução do sistema de qualidade ou, ainda, na avaliação ou controle de seu desempenho, isto é, dentro de um processo existem ferramentas específicas para cada etapa, objetivando aquilo que é almejado pelo setor estratégico da empresa. Prosseguindo, o autor supracitado afirma que existem muitas ferramentas em Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 133 uso para a implantação do sistema da Qualidade na empresa. Serão apresentadas a seguir algumas das ferramentas mais utilizadas pelas organizações, com suas funções e definições. 4.1 Diagrama causa-efeito Segundo Filho, (2004), o Diagrama de Ishikawa é a análise das possíveis causas de um problema, também conhecido como Diagrama de Causa e Efeito. Portanto, entende-se que é uma ferramenta de grande utilidade, pois permite conhecer os problemas cada vez mais a fundo, de fácil adequação dentro da organização, permitindo a participação de todos os grupos da empresa. Depois de ter a definição do problema, e com a lista de ideia de como solucionálo, as causas principais são separadas daquelas de segundo plano, isso pode ser realizado através da utilização da análise dos “por que, o que, onde, quando, quem e como”, isto é, 5W2H outra ferramenta da qualidade (PALADINI, 2003). Para que seja construído o diagrama completo, com todas as anuências, fazse necessária a participação do maior número de pessoas envolvidas com o processo, e que as causas relevantes não sejam omitidas. Para buscar quais as causas do problema, é interessante que a técnica chamada de brainstorming seja utilizada durante a reunião, conhecida também como “tempestade de ideias”. 4.2 Histogramas Segundo Junior et al. (2008), os histogramas é um instrumento muito conhecido na Estatística Clássica. Sua aplicação na gestão da Qualidade tem um número considerável de utilidades. Entende-se que o histograma é importante para identificar o comportamento típico das características agrupadas por faixas, fornecendo informações com a finalidade de obter uma fácil visualização da distribuição de conjuntos de dados, no qual é evidenciada uma frequência e medições. Para construir um histograma é simples, basta marcar, na reta horizontal, as medidas; na reta vertical, serão escritas as frequências de ocorrências dos intervalos ou das medidas. A construção da curva de dados aparecerá em cima dos retângulos erguidos, a partir e entre os intervalos de medidas (PALADINI, 2003). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 134 Para tanto, é a partir da construção do histograma que se obtém informações viáveis para reduzir a variabilidade dos processos empresariais. 4.3 Gráfico de pareto Segundo Junior et al. (2008), o Diagrama de Pareto admite classificar os elementos do processo seguindo pelo nível de importância na contribuição de cada um deles para o processo completo, permitindo segmentar os elementos em categorias, grupos ou classes. Essa ferramenta auxilia o gestor a identificar o ambiente, no qual existe o maior número de ocorrências de situações problemas, priorizando ações, tornando possível a visibilidade de metas numéricas viáveis de serem almejadas. Os estudos são estabelecidos a uma escala de valor numérico, formado de medidas em unidades financeiras, percentuais, frequências de ocorrência, número de itens, entre outros (PALADINI, 2003). Sendo assim, é através informações são unidas, identificando desta ferramenta os números de não que as conformidade encontrados em um determinado processo. 4.4 Fluxogramas Os fluxogramas são representações gráficas das fases que constitui um processo de forma a permitir, simultaneamente, uma visão global e, principalmente, das características que compõem cada uma das etapas e como elas se relacionam entre si. (PALADINI, 2003). Os fluxogramas empregam símbolos padrões que identificam e mostram cada operação básica ou secundária de um processo holístico. Os Fluxogramas são uma ferramenta que têm como finalidade facilitar a compreensão do processo, identificando os gargalos e oferecendo mecanismo de ação extremamente útil para decisões típicas da gestão de qualidade. 4.5 5W2H Ferramenta usada no mapeamento, organização e padronização de processos, na elaboração estratégica de um plano de ação e desenvolvimento de procedimentos Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 135 associados a indicadores. (PALADINI,1997). De acordo com Junior et al. (2008), 5W2H representa as iniciais de palavras em inglês, com 5 (cinco) delas indicadas por “W” e 2 (duas) delas indicadas por “H”. São why (por que), what (o que), where (onde), when (quando), who (quem), how (como) e how much (quanto custa). Com a sua utilização, surgiu a necessidade de uma variação com a inclusão de mais um “h”, e passou a chamar 5W3H, o terceiro “h” refere-se a how many (quantos). 4.6 Balanced scorecard (BSC) Segundo Kaplan e Norton (1997), o Balanced Scorecard é uma inovação na estratégia das empresas, pois, através da sua atuação sob as quatro expectativas (financeira, clientes, processos internos, crescimento e aprendizagem), consegue mapear diversas áreas de uma organização, com o intuito de cumprir as metas estabelecidas. Entende-se que as quatro expectativas citadas acima, constituem os pilares do sistema BSC, permitindo uma gestão mais eficiente, induzindo medir o desempenho da organização, proporcionando o sucesso empresarial. 4.7 Diagrama de similaridade O diagrama define níveis de similaridades entre informações relativas a um dado processo ou produto. Além disso, é uma ferramenta que exige um grau maior de criatividade do que da lógica, pois, de acordo com Paladini (1997, p. 85), procura “agrupar informações que parecem pouco relacionadas em situações em que procura determinar níveis de importância entre si”. Por trabalhar com informações que se completam, as equipes responsáveis pelo desenvolvimento do diagrama terão que ser divididas de acordo com a experiência prática, conhecimentos e áreas de atuação. O que permite que um problema seja analisado por vários pontos de vista, fazendo com que todas as dimensões que a questão apresenta sejam selecionadas (PALADINI, 2003). Esta ferramenta obtém maior resultado quando existe uma grande diversificação de informações e fontes de coleta, pois isso facilita no momento da elaboração do diagrama que tem como objetivo propor maneiras simplificadas e Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 136 eficientes de solucionar os problemas. 5. METODOLOGIA O objetivo desse capítulo é apresentar uma exposição detalhada dos procedimentos adotados no direcionamento do estudo, na coleta das informações, no tratamento e análise dos dados. Dessa forma, permitiu uma melhor compreensão do trabalho em questão. Foi realizada a pesquisa sobre a caracterização da importância das ferramentas gerenciais da qualidade, como fator crucial para a sobrevivência e competitividade das empresas da cidade de Cajazeiras-Brasil, em meio a um cenário de pandemia provocada pela Covid-19. Uma pesquisa do tipo descritiva e um estudo de multicaso, classificado como exploratório. Esse tipo de trabalho tem como característica métodos flexíveis e pouco estruturados, assim foi possível analisar diversos aspectos ligados ao tema. (Vergara, 2008). Conforme Gil (2002), a pesquisa descritiva apresenta características de determinada população, amostra ou de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlações e relações entre variáveis e apresentar sua natureza. Não tem compromisso em explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base para tal explicação. Quanto à abordagem adotada, desenvolveu-se através do método quantitativo. Sendo assim, os dados coletados serão submetidos às técnicas estatísticas, trabalhando com quantidades, percentuais e análise do cenário quanto à utilização das ferramentas de gestão da qualidade. O método utilizado foi o de estudo de multicaso. Uma pesquisa survey, que é descrito para a obtenção de dados, opiniões de um determinado grupo de pessoas, representante de uma população-alvo, amostra, por meio da aplicação de um instrumento de pesquisa. (Vergara, 2008). A pesquisa foi realizada em 100 empreendimentos, situados no município de Cajazeiras, que está localizada no ocidental do estado da Paraíba, Brasil, Região Nordeste do país, localizada a 468 (quatrocentos e sessenta e oito) quilômetros da capital do estado, João Pessoa. A população, segundo dados do IBGE (2017), era de 61.776 habitantes, sendo o sétimo município mais populoso da Paraíba. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 137 O município, diante do seu vertiginoso crescimento agropecuário, vivenciado nos últimos 15 anos, sofre também um crescimento na economia devido à abertura de um grande número de novos empreendimentos educacionais, hoje conta com três Faculdades privadas e três públicas, com a emigração de estudantes que firmaram moradia na cidade, e, consequentemente, o aumento da demanda gerou o interesse de empresários por conquista de novos espaços no mercado. A amostra desta pesquisa selecionou 100 empresas escolhidas pelo critério de inclusão através do retorno do questionário, já que a amostra foi definida através da devolutiva do questionário respondido, questionário este encaminhado via Google forms, tendo como parceiro nesta distribuição o SEBRAE. Na coleta de dados foi utilizado um questionário estruturado, composto de questões objetivas, facilitando, assim, a participação dos sujeitos, que, diante de sua atividade na gestão, estão normalmente muito atarefados, necessitando de uma abordagem rápida e objetiva. A pesquisa obedeceu a todas as recomendações éticas propostas para projetos de pesquisa sociais, garantindo, assim, a confidencialidade dos dados adquiridos, bem como, e, especialmente, a preservação da identidade dos sujeitos pesquisados, isto descrito no próprio questionário apresentado. A seguir estão as seções do questionário, com uma breve descrição: Parte 1 – avaliar o perfil do gestor, seu grau de conhecimento e utilização das ferramentas da gestão da qualidade; Parte 2 – identificar nas práticas das ferramentas da Gestão da Qualidade nas empresas pesquisadas os ganhos obtidos com a sua utilização, principalmente no cenário atual de crise econômica provocada pela pandemia do Covid-19. Após a compilação dos dados, foi realizada a tabulação dos mesmos com a utilização do Excel. De acordo com Vergara (2008), a compilação dos dados consiste em apresentar os dados, a fim de obter um retrato detalhado em termos de valores e estatísticas que possam demonstrar a realidade observável e, através desta observação, obteremos os dados necessários para que esses procedimentos contribuam para o entendimento e compreensão das ferramentas da qualidade aplicada nas empresas. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 138 6. REUSLTADOS E DISCURSSÕES Os sujeitos da pesquisa são constituídos de uma amostragem de 100 gestores, seja em cargo de proprietário ou gerente de empresas na cidade de Cajazeiras-PB, que preencheram, por livre e espontânea vontade, um questionário estruturado, com o objetivo de analisar a utilização das ferramentas de gestão de qualidade e se seus resultados foram satisfatórios para uma melhor tomada de decisão em cenário pandêmico do Covid-19. Inicialmente, com relação ao gênero dos gestores pesquisado, observou-se que a maioria, com 56%, são gestores do gênero feminino, haja vista que, apesar de uma sociedade de modelo predominante patriarcal, os dados mostram que as mulheres estão conquistando espaço, alcançando resultados expressivos, superando as limitações do lar. Resultado este que diverge dos dados apresentados por Cury, Anay e Caoli (2016) em matéria na G1, que pontua, a nível nacional, apenas 24% do gênero feminino ocupando cargos de gerência. Com relação à faixa etária, pontua-se que a maioria expressa, com 48%, na faixa etária entre 31 a 40 anos. Outro ponto importante da pesquisa foi o nível de escolaridade dos empresários, no qual demonstraram que 40% dos gestores participantes pontuaram possuir apenas o ensino médio completo, em contrapartida, 28% tem o ensino superior completo, com a formação em destaque para o curso de Administração, com 14% dos 28%. Kotler e Keller (2006) apontam que o nível de escolaridade representa fator determinante para a definição do comportamento, visto que cada nível de escolaridade representa preferências e gostos diversos. A pesquisa mostrou que a maioria são empresas novas no mercado, 40% delas têm tempo de vida entre três a cinco anos, e apenas 30% com mais de cinco anos de vida, correlacionando com o nível de escolaridade pontuado, tem-se que apenas 28% dos gestores têm curso superior e destes 14% em Administração de Empresas, isso são dados importantes, até porque, conforme Sebrae (2010), as estatísticas apontam que 80% das empresas no Brasil, entre três a cinco anos, acabam por encerrar suas atividades, não conseguindo se manter no mercado. Desse modo, relacionar o tempo de existência das empresas ao nível de escolaridade do gestor, torna-se um fator crucial para a sobrevivência das empresas no mercado, pelo desenvolvimento das competências que uma graduação agrega ao gestor frente a um negócio (SEBRAE, 2010). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 139 O setor de atuação que tem maior destaque na cidade de Cajazeiras-PB é o comércio, ramo este imprescindível para o desenvolvimento econômico da região, o comércio parece ser a opção mais “fácil” para o empreendedor, por conta da subjetividade inerente ao departamento, porém requer habilidades para se adaptar em um cenário de crise, imerso na inconstância, flexibilidade e incertezas, sendo necessária a constância na busca pela tecnologia, conhecimento, criatividade, no saber delimitar os melhores produtos, identificar excelentes oportunidades, antecipar tendências e lidar com a concorrência e flexibilidade de forma versátil, além de ser bom na hora da negociação. (NEVES, 2002). Quando analisada a quantidade de colaboradores efetivos no empreendimento, observa-se que a maior pontuação foi de 32% que responderam possuir entre 2 a 5 funcionários e 26% responderam que possuem entre 6 a 10 funcionários. Tem-se que, de acordo com a classificação de empresas utilizadas pelo SEBRAE (2013), quanto ao número de colaboradores tem que: - A microempresa (ME): na indústria até 19 empregados, no comércio e serviço até 9; - A pequena empresa (PE): na indústria, de 20 a 99 empregados, no comércio e serviço, de 10 a 49. - Isso demostra que as empresas da pesquisa são classificadas conforme o Serviço Brasileiro de apoio às micro e pequenas empresas (2010), com empresas de pequeno porte. Gráfico 01 - Faixa estimada de faturamento anual da empresa Até R$ 40 mil Acima de R$ 40 mil até R$ 60 mil 10% 10% 30% 10% 10% 10% 20% Acima de R$ 60 mil até R$ 90 mil Acima de R$ 90 mil até R$ 120 mil Acima de R$ 120 mil até R$ 200 mil Acima de R$ 200 mil até R$ 500 mil Acima de R$ 500 mil Não Responderam - Fonte: Dados da pesquisa, 2020. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 140 Analisando o gráfico 01, observa-se que 30% dos gestores responderam que sua renda anual está acima de 500 mil reis, o que chama muito atenção por serem empresas de pequeno porte, conforme o número de colaborador. Corroborando com o SEBRAE (2002), enquadra-se na empresa de pequeno porte aquela com receita bruta anual superior a R$ 240.000,00 e inferior a R$ 2.400.000,00. Os pequenos empreendedores no Brasil representam um quarto do PIB (Produto Interno bruto), no qual aproximadamente nove milhões de micro e pequenas empresas contabilizam 27% do PIB e 52% dos empregos formais, dado relevante que nos últimos dez anos os valores da produção gerada pelos pequenos negócios tiveram um salto de R$144 bilhões para R$599 bilhões, SEBRAE (2011). Isto enfatiza a importância dos pequenos negócios para a economia federativa. Conhecendo os indivíduos da pesquisa e o perfil das empresas envolvidas, é preciso conhecer e compreender os dados relativos à temática, avaliando o desempenho dos gestores quanto à percepção na utilização das ferramentas da qualidade para melhor tomada de decisão, e como as ferramentas ajudaram no desenvolvimento em momento de crise. Gráfico 02 - Grau de conhecimento quanto às ferramentas da qualidade 20% 30% 14% Não conhece Pouco Médio 36% - Muito Fonte: Dados da pesquisa, 2020. Foi demonstrada com a pesquisa que 30% dos gestores desconhecem a existência das ferramentas da qualidade, esta deficiência no saber acarreta riscos para a empresa, já que as ferramentas são primordiais para melhoria dos objetivos pré-estabelecidos, na promoção de uma assertividade melhor na tomada da decisão, adquirindo o sucesso da organização. Podemos comparar que essa falta de conhecimento está relacionado ao baixo nível de escolaridade dos gestores, isto influencia na qualidade do gerenciamento do Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 141 negócio, pois o conhecimento sobre a gestão é um fator crucial no desenvolvimento do empreendimento, principalmente em momentos de crise (NEVES, 2002). A partir deste momento, será analisado apenas os 70% dos gestores apresentados no gráfico 02, que pontuaram ter conhecimento das ferramentas da qualidade. Gráfico 03 - Das ferramentas utilizadas, qual (is) foi (ram) a(s) que teve (tiveram) melhor resultado. Diagrama causa e efeito 30% 6% 6% grafico de pareto 12% fluxograma 8% perda zero 30% 6% Diagrama de similariedade 2% programa 5s balanced scorecard - não responderam Fonte: Dados da pesquisa, 2020. Conforme a apresentação do gráfico 03, observou-se que as ferramentas utilizadas que tiveram maior eficiência dos resultados obtidos foi o Balanced Scorecard, que liderou com uma porcentagem de 30%, esta vem atuando de maneira singular nas organizações, já que a mesma tem papel importante na medição do desempenho de suas atividades, sendo fundamental para uma análise dos processos em meio a uma pandemia, dando ênfase na elevação do nível de qualidade, proporcionando o sucesso empresarial. De acordo com Kaplan e Norton (2001), o Balanced Scorecard foi inicialmente definido como um conjunto de indicadores que proporciona a direção rápida e uma visão holística do negócio. A partir desse exposto, conclui-se que essa ferramenta é a direção do empreendimento para o sucesso. Levando em consideração que fluxograma, perda zero, diagrama de causa e efeito e o diagrama de similaridade são ferramentas importantes na gestão, sendo pontuadas pelos gestores, porém com pontuações menores. O alarmante foi que, dos gestores que utilizam as ferramentas da qualidade, 30% não souberam responder quais das ferramentas utilizadas pela empresa proporciona uma melhor visibilidade da mesma para a tomada de decisão mais Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 142 assertiva, isto demonstra que mesmo utilizando as ferramentas, muitos gestores não conseguem analisar o retorno que sua utilização promove para a organização, pois as ferramentas proporcionam retornos na análise e solução dos problemas, adquirindo maior satisfação dos clientes, evitando os retrabalhos e os desperdícios (ISHIKAWA, 1997). Tabela 01 - Opinião dos pesquisadores a respeito do ponto de vista da Gestão da Qualidade para um melhor direcionamento da organização em cenário pandêmico Classificação Respostas % Gestores1 "Gestão da Qualidade contribuir para todas as áreas da empresa de forma benéfica e neste momento de crise tem ajudado muito para a tomada da decisão". 45% Gestores2 Gestores3 Gestores4 "Gestão da Qualidade contribui para o desenvolvimento continuo da organização para o mercado de trabalho independendo o cenário vivenciado". "Gestão da Qualidade está relacionada às expectativas dos clientes". "Sem resposta". 20% 30% 5% Fonte: Dados da pesquisa, 2020. De acordo com a participação dos gestores na compreensão sobre o ponto de vista da gestão da qualidade, foi observado que todos apresentam um entendimento, mesmo que seja mínimo, do conceito básico da palavra qualidade. Conforme Feigenbaum (1994), a qualidade é um estilo de vida e liderança corporativo, a maneira de gerenciar que envolve todos, pois o controle da qualidade produz impacto em toda a empresa. A qualidade deve ser conduzida para excelência e não pelas falhas com o entendimento e responsabilidade de todos dentro da organização. Pontuando sobre os cursos de capacitação disponibilizados para desenvolver conhecimento, gerando competências, foi identificado que 60% dos pesquisados não disponibilizam cursos. Contrapondo-se a 40% dos pesquisados que disponibilizam cursos, em sua maioria promovidos pelo SEBRAE, sobre diversos temas na área de gestão, incluindo qualidade, envolvendo os colaboradores e gestores, na perspectiva de desenvolver competências e habilidades, face ser o SEBRAE um órgão que dar oportunidade e ajuda aos empresários a desenvolverem seus negócios e talento. Conforme Campos (2000), em era de economia global não é mais possível Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 143 assegurar a sobrevivência da empresa apenas exigindo que as pessoas façam o melhor que puderem ou apenas cobrando resultados. Hoje são necessários métodos de aprendizagem, treinamentos e capacitações que possam ser vivenciados por todos dentro da organização, em direção aos objetivos de existência da empresa. Gráfico 04 - As ferramentas de Gestão da Qualidade tornaram a empresa mais competitiva. 2% 20% Discordo totalmente 6% 22% Discordo parcialmente Neutro 50% Concordo parcialmente Concordo totalmente Não responderam Fonte: Dados da pesquisa, 2020. Em um mundo globalizado, de futuro incerto, a busca pela sobrevivência vem sendo estratégia das organizações, pois com o isolamento social provocou no meio mercadológico a necessidade de adaptações a uma estrutura organizacional inovadora, envolto à tecnológica. O gráfico 04 mostra que, para os gestores que utilizam as ferramentas da qualidade, estão conscientes sobre a importância da qualidade nos seus serviços e produtos, o que torna um diferencial da organização, em sua totalidade foi percebida a eficiência da utilização das ferramentas no sistema produtivo, gerando resultado positivo no mercado atuante, deixando a empresa mais competitiva. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 144 Gráfico 05 - Ganhos obtidos com o uso das ferramentas de Gestão da Qualidade. 2% Redução do custo 11% 18% Aumento do nível de satifação do cliente 8% Conquista de novos mercados Aumento de clientes 13% Redução de desperdicio 18% Melhoria da produtividade Melhoria na qualidade de produtos e serviços 5% 25% Redução dos acidentes de trabalho Fonte: Dados da pesquisa, 2020. De acordo com o esboço acima, é possível mensuras os benefícios da utilização das ferramentas da qualidade nos processos da empresa, possibilitando a sobrevivência em período tão crítico de isolamento social e crise econômica mundial, podendo citar com maior pontuação no aumento no nível de satisfação dos clientes, seguindo da melhoria na produtividade, aumento do número de clientes e aumento da lucratividade, proporcionando a evolução na organização. Campos (2000) afirma que a utilização das ferramentas da qualidade é um modelo gerencial centrado no planejamento e controle do processo, tendo como meta a satisfação das necessidades dos clientes, sejam eles internos ou externos. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para qualquer empresa alcançar sucesso, é importante que tenha uma gestão de excelência, principalmente em momentos de crise, como a ocasionada pela pandemia do Covid-19, que através do conhecimento para o planejamento, na organização, na direção, no controle e na avaliação auxiliam o gerenciamento da mesma, como também para a utilização de estratégias visando à qualidade dos seus Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 145 produtos e serviços, facilitando, assim, o desenvolvimento organizacional. Constatou-se que, apesar da busca constante pela qualidade, muitas empresas não utilizam as ferramentas de gestão da qualidade, por dois agravantes motivos: primeiro, por não terem a percepção dos resultados que a prática das ferramentas proporciona, atuando como uma alavanca para seu empreendimento; e, segundo, por não terem o conhecimento da existência das mesmas, isto é, por falta de um preparo administrativo técnico. Portanto, ao analisar o perfil dos gestores, observou-se que a maioria tem o nível de escolaridade baixo, o que acarreta um grande risco para o empreendimento, isto influencia diretamente na qualidade do gerenciamento, e mostra o porquê muitas empresas finalizam suas atividades antes de completar cinco anos de existência, já que o atual cenário competitivo exige respostas rápidas e eficazes para suprir a necessidade de seu público, seja ele interno ou externo. Desse modo, para as empresas da cidade de Cajazeiras-PB que utilizam as ferramentas como suporte para a melhor compreensão na tomada de decisão mais assertiva, conclui-se que o aprimoramento da gestão da qualidade traz inúmeros benefícios para as empresas, como o aumento do nível de satisfação dos clientes, o que leva ao ganho de novos clientes, enfatizando no aumento da lucratividade, proporcionando evolução da organização através das decisões estratégicas mais assertivas, na condução e aprofundamento nas tecnologias, promovendo visibilidade e alcançando o cliente, deixando a empresa mais competitiva e proporcionando sua sobrevivência, mesmo com o isolamento social provocado pela pandemia da Covid19. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.80917-80937 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 146 REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Portaria MS/GM n. 188, de 3 de fevereiro de 2020. Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV) [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF); 2020 fev 4 [citado 2020 Apr 27]; Seção Extra:1. Disponível em http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/portaria/prt188-20-ms.htm BRASIL, Pearson Education do. Gestão da Qualidade. São Paulo: Pearson, 2011. CAMPOS, Vicente Falconi. TQC – Controle da qualidade total, 8. ed. Belo Horizonte: DG, 2000. COSTA, M. A. Gestão Estratégia da Manutenção: uma oportunidade para melhora o resultado operacional. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Engenharia de Produção). Juiz de Fora: UFJF, 2013. CURY, Anay; CAOLI, Cristiane. PIB do Brasil cai 3,8% em 2015 e tem pior resultado em 25 anos. G1, São Paulo/Rio de Janeiro, mar. 2016. DEMING, W. E., Qualidade: a revolução da administração. Ed Marques Saraiva,1990. FEIGENBAUM, A. V, Controle da qualidade total. São Paulo: Makron Brooks,1994. GIL, Antonio Carlos. 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Este artigo apresenta uma implantação de baixo custo chamada TBC (Telefonia IP de Baixo Custo). A viabilidade técnica para implantação deste projeto foi verificada em uma prova de conceito. O conceito foi comprovado mostrando que é possível criar ramais de usuários com informações como nome, ID, cargo, curso, centro e campus obtendo informações de todos os usuários cadastrados no servidor do sistema acadêmico e administrativo e realizar chamadas de voz e vídeo por meio de Web Phone e aplicativo Android. O aspecto de baixo custo foi justificado por uma análise financeira que mostrou que a despesa anual com a conta telefônica caiu, representando uma economia de mais de 97%. PALAVRAS-CHAVE: VoIP UEMA; VoIP University; SIP; Asterisk; Web Service. ABSTRACT: The UEMA VoIP project is a solution that allows the development of communication projects based on the IP protocol. This paper presents a low cost deployment called TBC (Low Cost IP Telephony). The technical viability for the implementation of this project was verified in a proof of concept. The concept was proven showing that it is possible to create user extensions with information such as name, ID, position, course, center and campus, obtaining information from all users registered in the academic and administrative system server and making voice and video calls through Web Phone and Android application. The low cost aspect was justified by a financial analysis that showed that the annual expense with the phone bill dropped, representing savings of more than 97%. KEYWORDS: VoIP UEMA; VoIP University; SIP; Asterisk; Web Service. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 149 1. INTRODUÇÃO Este artigo1 propõe uma solução de baixo custo chamada VoIP UEMA para provimento de serviços de comunicação quadruple play para transporte de voz, dados e vídeo com mobilidade [1, 2, 3, 4, 5] dentro e fora do país. Essa solução de comunicação é baseada em serviços de telefonia sobre o protocolo IP2 e consiste em servidores de web services (WS), do protocolo SIP3 (Session Initiation Protocol), do sistema acadêmico-administrativo em conjunto com softphones para aplicativo e discador web e página web para divulgação. O primeiro projeto da solução VoIP University é chamado VoIP UEMA, que consiste nos servidores WS VoIP UEMA, SIP VoIP UEMA, SIGUEMA4 (derivado do SIGAA5) acadêmico-administrativo, aplicativo (App) VoIP UEMA, discador web VoIP UEMA e página web VoIP UEMA para divulgação. O projeto VoIP UEMA foi desenvolvido por alunos e professores da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e implantado para comunicação de todos os alunos, professores e técnicos-administrativos em todos6 os 19 campi e 22 centros conectados pelo mesmo data center, sem a necessidade de roteamento7 de chamadas SIP. O servidor WS VoIP UEMA foi desenvolvido com base no código Java e cumpre regras de encaminhamento de informações entre os servidores SIP VoIP UEMA e SIGUEMA. O servidor SIP VoIP UEMA foi baseado no Asterisk8, uma plataforma de código livre e aberto para o desenvolvimento de redes de comunicação baseado no protocolo IP. O SIGUEMA é um sistema computacional para hospedar informações acadêmicas e administrativas. O aplicativo VoIP UEMA foi desenvolvido para permitir que os usuários do 1 Este trabalho é apoiado pela FAPEMA (Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão Brasil) e pelo grupo de pesquisa GETICOM (Grupo de Estudos em Tecnologias da Informação e das Comunicações - http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3696186303002506). 2 https://www.voip-info.org › rfc-2848 3 https://tools.ietf.org › html › rfc3261 4 https://sis.sig.uema.br/sigaa/verTelaLogin.do 5 https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/home.jsf 6 https://www.uema.br/uema-em-numeros/campi-e-centros/ 7 https://www.ietf.org/rfc/rfc3487.txt 8 https://www.asterisk.org Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 150 sistema SIGUEMA possam realizar chamadas de voz, dados e vídeo utilizando smartphones com sistema operacional Android baseados na biblioteca PJSIP9 de código aberto, gratuita e escrita em linguagem C para comunicação multimídia. O aplicativo VoIP UEMA para iPhone OS (iOS) e a comunicação por mensagens de texto estão incluídos no roadmap do VoIP UEMA. O discador web VoIP UEMA foi desenvolvido com base no código Java como uma alternativa ao aplicativo VoIP UEMA para permitir que os usuários do sistema possam realizar chamadas de voz a partir de um computador pessoal (PC) (notebook ou desktop). A página web VoIP UEMA foi desenvolvida com base no código Java para divulgação, perguntas frequentes (FAQ - Frequently Asked Question) e suporte técnico aos usuários do sistema. Após a integração com o SIGUEMA, a Universidade disponibilizou na página VoIP UEMA dentro do site oficial da UEMA, a lista de ramais dos usuários com o recurso de busca. O usuário realiza seu login para obtenção do serviço VoIP UEMA com as mesmas credenciais (CPF e senha) do servidor SIGUEMA e seu ramal é seu próprio número de identificação (ID). As próximas Seções estão organizadas da seguinte forma: a Seção 2 apresenta os trabalhos relacionados. A Seção 3 apresenta a metodologia do projeto VoIP UEMA. Na Seção 4 são apresentados os resultados do projeto. A Seção 5 apresenta uma discussão sobre o projeto e finalmente na Seção 6 são apresentadas as conclusões. 2. TRABALHOS RELACIONADOS A solução de baixo custo do projeto TBC começa com uma prova de conceito baseada nos softphones CounterPath X-Lite10 para sistema operacional Windows, Mizudroid11, Zoiper12 e 3CX13 para sistema operacional Android e Brasilvox14 para sistema operacional iOS bem como com equipamentos de infraestrutura de rede de 9 https://www.pjsip.org https://www.counterpath.com/x-lite 11 https://www.mizu-voip.com/Software/Softphones/AndroidSoftphone.aspx 12 https://www.zoiper.com 13 https://www.3cx.com 14 https://apps.apple.com/us/app/id836169084 10 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 151 comunicação de dados baseados em Asterisk para Linux (FreePBX15 e Elastix16) e Brekeke17 para Windows. Foi utilizado também um VoIP gateway Audio Codes18 para permitir comunicações de voz e vídeo de / para telefones analógicos legados de/para softphones. A comunicação entre smartphones de/para telefones analógicos e telefones IP (Internet Protocol) passou a ser possível. O conceito foi comprovado, foram desenvolvidos para o projeto TBC o aplicativo VoIP UEMA para sistema operacional Android e um softphone próprio (discador Web para navegadores da Internet) e foi desenvolvido todo o procedimento de controle via serviço web VoIP UEMA para automatizar a administração dos usuários VoIP UEMA. 3. METODOLOGIA Para possibilitar a implantação da solução VoIP UEMA, formam desenvolvidos primeiramente o servidor WS e o App e customizado o servidor SIP. O funcionamento do serviço VoIP UEMA é mostrado passo-a-passo na topologia de rede apresentada na Figura 1. Figura 1 – Topologia da rede VoIP UEMA Fonte: os autores. De acordo com a Figura 1, o primeiro passo para criação do banco de dados de usuários VoIP UEMA é a obtenção de todos os usuários registrados no SIGUEMA. A ideia inicial é criar um banco de dados com todas as informações dos usuários 15 https://www.freepbx.org https://www.elastix.org 17 https://www.brekeke.com 18 https://www.audiocodes.com 16 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 152 (nome, ID, cargo, curso, centro e campus). Para obter essas informações, o servidor WS VoIP UEMA deve executar uma consulta no servidor SIGUEMA. O servidor WS foi desenvolvido com linguagem Java. Ele utiliza um servidor web Apache Tomcat19 para hospedagem e um servidor web Apache20 como proxy. Sua tela de apresentação é mostrada na Figura 2. Os recursos web estão disponíveis na URL21. VoIP UEMA é uma marca registrada22 no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Figura 2 – Servidor Web Service VoIP UEMA Fonte: os autores. O App VoIP UEMA, disponível na Play Store23 atualmente conta com mais de 1.000 (mil) downloads e foi desenvolvido para o sistema operacional Android da Google para fazer chamadas de VoIP e vídeo com base na biblioteca PJSIP. O aplicativo permite autenticação com as credenciais do SIGUEMA por meio do WS VoIP UEMA e conexão com o servidor SIP VoIP UEMA, permitindo chamadas VoIP com boa qualidade. Os principais recursos PJSIP são: • Plug-in para suporte de chamadas de voz utilizando o codec Opus24; • Plug-in para suporte de chamadas de vídeo utilizando o codec H.26425; • Implementação de Packet Loss Concealment (PLC) para minimizar os efeitos da 19 http://tomcat.apache.org/ https://httpd.apache.org/ 21 https://voip.ma.gov.br/wsvoipuema/ 22 https://gru.inpi.gov.br/pePI/jsp/marcas/Pesquisa_num_processo.jsp 23 https://play.google.com/store/apps/details?id=br.uema.voipuema.mobile.app 24 https://tools.ietf.org/html/rfc6716 25 https://www.itu.int/rec/T-REC-H.264 20 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 153 perda de pacotes; • Segurança e criptografia com SRTP26 com base na biblioteca OpenSSH27. • Para o desenvolvimento do App VoIP UEMA foram utilizados linguagem de programação Java e o Android Studio IDE (Integrated Development Environment). • O aplicativo alcançou os objetivos de autenticar com êxito os usuários nos servidores WS e SIP VoIP UEMA utilizando as credenciais do SIGUEMA e realizar chamadas de áudio e vídeo. • A tela de apresentação do aplicativo é mostrada na Figura 3. O botão vermelho permite que qualquer pessoa que não faça parte da comunidade acadêmica ligue direto sem login para alguns setores da Universidade como, por exemplo, vestibular e secretarias de cursos trazendo benefícios sociais. • Dois importantes recursos de privacidade do aplicativo (e também do telefone VoIP UEMA) permitem que os usuários do aplicativo desabilitem sua visibilidade nas listas de ramais e bloqueiem qualquer usuário da lista de ramais. Figura 3 – App VoIP UEMA Fonte: os autores. O discador web VoIP UEMA28 foi desenvolvido com base no Web RTC29 (Web Real-Time Communication), um projeto livre e aberto que fornece aos navegadores e aplicativos móveis recursos de comunicação em tempo real via APIs. O codec de voz utilizado é o Opus. As videochamadas estão no roadmap do VoIP UEMA. Sua Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 154 tela de apresentação é mostrada na Figura 4. Figura 4 – Discador web VoIP UEMA Fonte: os autores. A tela de apresentação da página web VoIP UEMA30 é mostrada na Figura 5. A página contém uma apresentação do VoIP UEMA, a equipe do projeto, link para o discador web, formulário para contatos, notícias da UEMA e perguntas frequentes. Figura 5 – Página web VoIP UEMA Fonte: os autores. 4. RESULTADOS Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 155 Foram realizados testes para conhecimento da qualidade da chamada de voz baseado no MOS31 (Mean Opinion Score). O MOS mede a qualidade subjetiva da voz para uma chamada. As notas do MOS variam de 1 para inaceitável e 5 para excelente. As chamadas VOIP geralmente estão na faixa de 3,5 a 4,2. 39 pessoas foram convidadas a participar do teste de MOS estabelecendo chamadas entre elas utilizando o App VoIP UEMA e o discador VoIP UEMA (ambos com codec de voz Opus) em redes Wi-Fi e com fio (ambas com taxas médias de dados acima de 10 Mbit/s), bem como com redes 3G (com taxas médias de dados de 1,5 Mbit/s) e 4G (com taxas médias de dados de 15 Mbit/s). A Figura 6 mostra os resultados dos testes apresentados por grupos de n pessoas com uma média ponderada final de MOS em torno de 3,5. Figura 6 – Resultados do teste de MOS n 4 0 1 0 8 3 20 2 1 MOS 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5 5 Fonte: os autores. Os comentários dos participantes com MOS 3 a 5 foram: chamadas de voz limpas e sem cortes. Os comentários com MOS 1 a 2,5 foram: chamadas de voz com cortes. Esses resultados estão relacionados à qualidade de serviço prestado pela rede de dados. Também foi realizada uma análise financeira considerando a despesa média anual, de contas telefônicas da antiga operadora Telemar com as despesas da UEMA nos anos de 2013, 2014 e 2015, apresentada na Figura 7 totalizando uma despesa total média de R$ 1.256.624,30 por ano. A conta telefônica mais cara, do ano 2015, é apresentada na Figura 8. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 156 Figura 7 – Despesa média anual de contas telefônicas Fonte: os autores. Figura 8 – Despesas com contas telefônicas da UEMA em 2015 Fonte: os autores. Dois anos após a implantação do projeto VoIP UEMA, a despesa anual com contas telefônicas da UEMA caiu para R$ 36.000,00, representando uma economia de mais de 97 %. Até o momento o aplicativo VoIP UEMA conta com mais de 1.000 downloads e mais de 400 ramais de serviços com telefones IP estão registrados na rede VoIP UEMA para biblioteca, laboratórios e departamentos. Um PABX IP permitiu a integração da rede VoIP UEMA com a rede legada de telefonia fixa e móvel. 5. DISCUSSÃO A solução de baixo custo é justificada porque não houve gastos com materiais Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 157 ou equipamentos, apenas remuneração de professores e alunos com bolsas de pesquisa. Não se pode afirmar que o custo para este projeto é zero porque requer uma infraestrutura de rede de comunicação de dados que exige investimento prévio. O projeto VoIP UEMA inova porque não existe uma proposta semelhante no mundo de comunicação quadriple play que permita a integração com o banco de dados de qualquer sistema institucional/corporativo para criar e gerenciar a lista de ramais de usuários. Existem quatro softwares com registros de programa de computador no INPI32 sob os seguintes números: a) WS VoIP UEMA nº BR 51 2017 001608-9; b) Aplicativo VoIP UEMA nº BR 51 2017 001614-3; c) discador web VoIP UEMA nº BR 51 2018 000820-8 e d) página web VoIP UEMA nº BR 51 2017 001606-2. 6. CONCLUSÕES A solução foi disponibilizada para mais de 20.000 alunos, 1.400 professores e técnicos-administrativos. Atualmente a comunicação está sendo realizada mais por meio da rede VoIP UEMA do que por meio das redes convencionais de telefonia fixa e móvel. Alguns aspectos podem contribuir para redução das despesas com contas telefônicas e o controle de gasto do dinheiro público: a) controle de chamadas para impedir o tráfego entre usuários da rede VoIP UEMA utilizando as redes de telefonia pública e b) limite de tempo da chamada para usuários fora da rede VoIP UEMA. A operação e manutenção da rede VoIP UEMA foi facilitada: a) qualquer usuário acadêmico ou administrativo de qualquer centro ou campus pode ser localizado pesquisando na lista de ramais (o WhatsApp33 requer conhecimento prévio do número de telefone para ligar para alguém da comunidade) e com uma simples busca realizar uma chamada com um toque sem discar número algum e b) devido à entrada e saída de alunos e professores da instituição, a lista de ramais é atualizada automaticamente por meio de serviço do próprio sistema acadêmico-administrativo SIGUEMA. O segundo projeto da solução VoIP University já foi iniciado e é chamado de VoIP Gov MA para fornecer uma rede de comunicação quadriple play para todos as secretarias e agências governamentais do estado do Maranhão. A solução VoIP University está disponível para mais interessados. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 158 REFERÊNCIAS (1) Andrew S. Tanenbaum, David J. Wetherall, Computer Networks, Prentice Hall Press, Upper Saddle River, NJ, 2010 (2) Bill Douskalis, IP telephony: the integration of robust VoIP services, Prentice Hall PTR, Upper Saddle River, NJ, 2000 (3) Edwin W. C. Peh, Winston K. G. Seah, Y. H. Chew, Y. Ge, Experimental Study of Voice over IP Services over Broadband Wireless Networks, Proceedings of the 22nd International Conference on Advanced Information Networking and Applications, p.834- 839, March 25-28, 2008. DOI: 10.1109/AINA.2008.65 (4) Whai-En Chen, Hui-Nien Hung, Yi-Bing Lin, Modeling VoIP Call Holding Times for Telecommunications, IEEE Network: The Magazine of Global Internetworking, v.21 n.6, p.22-28, November, 2007. DOI: 10.1109/MNET.2007.4395107 (5) Syed A. Ahson, Mohammad Ilyas, VoIP Handbook: Applications, Technologies, Reliability, and Security, CRC Press, Inc., Boca Raton, FL, 2008. DOI: 10.1201/9781315218793 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.64198-64208 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 159 CAPÍTULO 09 THE INFLUENCE OF SOCIO-SPATIAL SEGREGATION ON URBAN MOBILITY INDICATORS: THE CASE OF BELÉM – PA Maisa Sales Gama Tobias Doutora Instituição de atuação atual: Universidade Federal do Pará, Instituto de Tecnologia Endereço: Av. Perimetral s/n, Belém, Brasil, Cep 66075-110 E-mail: isatobias1@gmail.com Verena Coelho Lobão Azevedo Mestranda Instituição de atuação atual: Universidade da Amazônia, Centro de Ciências Exatas e Tecnologia Endereço: Av. Alcindo Cacela, 287, Belém, Brasil, Cep 66060-902 E-mail: lobao.arquitetura@gmail.com Marco Aurélio Arbage Lobo Doutor Instituição de atuação atual: Universidade da Amazônia, Centro de Ciências Exatas e Tecnologia Endereço: Av. Alcindo Cacela, 287, Belém, Brasil, Cep 66060-902 E-mail: lobo2502@gmail.com ABSTRACT: The article discusses how the suburb socio-spatial segregation influences the urban mobility of a population, using Belém-PA, Brazil as a case study. The methodology started from the integration of socioeconomic and transport microdata for areas containing selected household and their spatial location, that were obtained from the 2010 Brazilian Census. In the spatial analysis of these microdata, the variation in the average commute time for each resident was observed, given the geographic location of the central business district (CBD) and other commercial and industrial agglomerations. In the results, the generated maps, compared to the on-site visit, allowed to identify the subareas with major and minor mobility and the priorities for investment in transport infrastructure. KEYWORDS: Segregation; Mobility; Indicators; Influence. RESUMO: O artigo discute como a segregação socioespacial da periferia influencia a mobilidade urbana de uma população, tendo como estudo de caso Belém-PA, Brasil. A metodologia partiu da integração de microdados socioeconômicos e de transporte para áreas contendo domicílios selecionados e sua localização espacial, obtidos a partir do Censo Brasileiro de 2010. Na análise espacial desses microdados, observouse a variação do tempo médio de deslocamento de cada morador, dada a localização geográfica do distrito central de negócios (CBD) e demais aglomerações comerciais e industriais. Nos resultados, os mapas gerados, comparados com a visita in loco, permitiram identificar as subáreas com maior e menor mobilidade e as prioridades de investimento em infraestrutura de transportes. PALAVRAS-CHAVE: Segregação; Mobilidade; Indicadores; Influência. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 160 1. INTRODUCTION In the last decades, an intense and disorderly urban expansion has been observed in large Brazilian cities, conditioned by population growth and the low cost of living in places further away from the urban centers of commerce and services. In this way, areas increasingly distant from the urban center began to house countless lowincome families, who found better economic housing conditions, but with deficient transport infrastructure, making it difficult to move on foot or by bicycle, making the dependence on motorized transport something inevitable. These families have more difficulties than those in the same condition, who live in more consolidated areas of the city, a fact proven in several studies, such as: health care (Azevedo, 2009), school performance (Cunha et al., 2009; Cunha and Jiménez, 2009; Flores, 2006 and Torres et al., 2005) and the insertion in the labor market (Cunha and Jakob, 2010). For the low-income population in the distant suburb, with low accessibility, investments by public authorities in public transport were not observed in the same proportion as the population's need, as opposed to automobiles, in which the public authorities, notably, in recent decades, offered facilities for importing and financing vehicles, encouraging the high consumption of this mode of transportation (Paviani, 2013). In this way, in the distant suburb, the population, which mostly uses public transport as means of transportation, needs to overcome the generalized travel cost, notably, influenced by the fare, distance and travel time. The scenario is one of long traffic jams, scarce and precarious bus fleets, in addition to the poor conditions of road infrastructure in most of these suburban areas. It should be noted that, in the Brazilian urbanization model, the main commercial center of the city is not only the main area of commerce and services, but also of employment, therefore, it attracts not only a big number of those who live in the neighborhoods closer, such as those who live in distant suburbs, who face, daily, various difficulties to reach their destination and return to their homes, to reach the opportunities found in the city center (Deák, 2015). In this context, it is considered that the distant suburban population suffers negative impacts when living far from where the major employment opportunities are found, including time wasted in traffic, which could be used for the qualification of these people, increasing access opportunities in the labor market. It is important to note that there are also commercial and industrial sub-centers in peripheral areas, but with much lower job offers than that in the central Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 161 business district and surrounding area (Costa et al., 2020). For Domingues (1994), this suburban dependence related to the urban center encourages what he calls commuting inhabitants, that is, people who live in the suburb, but have their daily needs and opportunities in the urban center. This daily movement, increasingly intense between the distant suburb and the urban center, is one of the biggest reasons of the problems that urban mobility has today in big cities. Shortly, the center, occupied by upper-income levels in society, concentrates most of public and private urban services. It is important to understand that the urban mobility crisis has caused a decrease in the life quality of the population living in distant suburbs, due to the difficulties in accessing basic services that the city offers, such as hospitals, schools, police stations, among others. And “there is also a cultural prejudice, with regard to how these people start to see the world and what their objective awareness of their socially and spatially segregated state is” (Negri, 2008: 138). The suburb, occupied by the lower-income levels of society, is poorly attended by both private and public services and, in most cases, has difficulty in accessing the facilities in the center, through a public transport system, which characterizes a situation of socio-spatial segregation, in which mobility is presumed to be a highly relevant factor within this process (Villaça, 2004). Thus, this article sought to contribute to this discussion, through two existing suburban situations in the city of Belém do Pará, Brazil. Considering an integrated demographic database of areas containing selected household and their spatial location, that were obtained from the 2010 Brazilian Census, use of ground and urban mobility, adopting a micro-analytical spatial analysis of individuals living in the above-mentioned areas of selected households, the study reflected the social situation of these individuals with travel time to workplace as a variable. On the other hand, therefore, the central question that guided this study, which focused on a practical situation of travel time in public transport, was the following: How does the socio-spatial segregation of the distant suburb affect urban mobility? As a hypothesis, there is the fact that the major growth of socio-spatial segregatin through distant suburbs is having a negative impact on urban mobility indicators and, thus, the issues of socio-spatial segregation and the people’s freedom of movement with quality and the effective reach to all the benefits that the city can provide to them, should be the object of action guidelines and investments in urban infrastructure, to achieve a fairer and more environmentally sustainable city. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 162 The article is structured with the theoretical reference, containing the main categories of analysis: socio-spatial segregation and urban mobility; followed by the methodological approach, with two fundamental steps: the formation of the database and the implementation of the spatial microdata model; ending with the case study. 2. THEORETICAL REFERENCE In general, urbanization in Brazil, and particularly in its metropolitan areas, has assumed a standard defined by social, demographic, economic and environmental segmentation, and differentiation. This pattern is also characterized by the low urban life quality and high physical growth, suburb expansion and all the consequences that this implies deficiencies in urban infrastructure and social facilities; production of infrastructure urban voids; speculative ground retention, among others. Not only the processes of production and ground appreciation for housing purposes, but also those related to the location of economic activities have decisive impacts on the urban form, influencing its expansion, its socio-spatial differentiation, and the mobility of the population (Bourdieu, 2003). The issue of socio-spatial segregation and urban mobility are inserted in a larger political context in which the quality of life of a significant portion of the population is being compromised by the growing of obstacles to urban motion (Gottdiener, 1993). And, in the case of urban mobility and its intrinsic relationship with urban expansion, several studies have shown the intensification of the processes of socio-spatial segregation of the population (Matos, 1994; Rigotti and Rodrigues, 1994; Lago, 2000 and Rodríguez, 2007). 2.1 Urban socio-spatial segregation Brazilian cities, like many others located in the developing world, are profoundly unequal in spatial terms, which constitutes the manifestation in the territory of profound social inequalities. The study of socio-spatial segregation in cities starts from an analysis of urban evolution up to the present day, as segregation is not a static point that emerged in a single moment, but a process of social fragmentation resulting from the development of cities that occurred in many ways in every place in the world. It is important to understand that class-based society historically precedes the origin of Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 163 urban space itself (Singer, 1973), that is, cities were already born socially segregated. In the case of capitalist cities, in addition to social segregation, it is also spatial, reflecting the complex of class-based structure society. Thus, socio-spatial segregation was accentuated due to population growth within the urban space, which expanded to suburban areas. The process of socio-spatial segregation did not occur randomly, with standards of residential segregation, for example, which developed over time and can be observed in the models of Kohl, Burgess and Hoyt (Burgess, 1925; Hoyt, 1939 and Maerivoet e de Mor, 2005). Kohl's nineteenth-century model expressed the spatial distribution of social classes in European cities, where the central region (location of important urban and financial institutions and commerce) was dominated by the upper class and the distant suburb region was occupied by the lower class. Burgess' model was based on northern American cities in the 1920s, where the lowest income class is the one located in the downtown area of the city. This is because in this period the evolution of automobile technology allowed more mobility for the upper-income population, which moved away from the lower-income population in search of better housing. Finally, Hoyt's 1939 model suggested a sectoral standard from the center, rather than circles around the center, indicating that the higher status population settled in areas with more amenities, which were located around the main access roads to the urban center, thus, the rich continued to enjoy the benefits provided by the center and remained distant from the poor population (Correa, 1989). In Brazil, as well as in Latin America, it was Kohl's model that developed within the urban space, which does not mean that there cannot be another model in the same urban space, the very concept of socio-spatial segregation, refers to the different income classes concentrated in different regions of the cities, with the upper class concentrated in the central region and the lower class concentrated in distant suburban areas, but without there being class exclusivity in each space (Kowarick, 2000). As an example, the southern area, in Rio de Janeiro, despite the existing favelas, in general, is the region with the highest concentration of rich people in the city. Thus, Villaça concludes that what will define the class segregation is the concentration of one of it on the other in a certain space. It is important to address that, in recent decades, sociospatial segregation has been accentuated due to the intense urban expansion that has been taking place in large cities, which according to Batty et al. (2003), caused high density in the urban center, which raised land prices in the region, leading the lowBrazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 164 income population to seek more and more distant places to settle down. Jargowsky (2001) understood urban expansion as an exclusionary growth, in which the segregation between rich and middle class from the poor is accentuated, contributing to the social exclusion of this last group. Consequently, exclusion concentrates wealth in the best sectors of the city, leaving the low-income population isolated socially and geographically in the undesired sectors of the city. For Santos and Ferreira (2016), the accentuation of socio-spatial segregation is also caused by relationships between the urban space producing agents and the development of motorized transport modes, with the capitalist system favoring the upper income classes, while the low-income population is forced to isolate themselves in regions of precarious access, in addition to being frequently relocated to increasingly unwanted regions of cities. In this context, socio-spatial segregation is not just about differences related to location, but also about the difference in opportunities, the quality of public services and the infrastructure necessary to have a good quality of life. 2.2 Urban mobility and indicators Law No. 12.587/2012 (Brazil, 2012), which established the guidelines of the National Policy of Urban Mobility, in its Article 4th considers urban mobility as the condition in which the displacement of people and cargo in the urban space takes place. In the current organization of urban life in the capitalist city, composed by center and suburb, people perform their activities in different places. Based on this observation, space and time become determinants of transport demand, permeated by the heterogeneity of the origins and destinations of urban displacements of the population: the work groups determined by the economic space and the population groups determined by the residential social space. The spatial dimensions of mobility get a social significance when the movement that drives people daily from the suburb to the center is analyzed. Alongside time and cultural practices, work is at the forefront of human behavior, as it represents a time spent due to transport. Transport has an important, often ignored, influence on socioeconomic issues, which can be seen as the respiratory and circulatory system of the urban economy; because it contributes to the distribution of labor, goods, and services in the industrial and commercial centers of economic space. In consequence, access to public transport, of course, has a great influence on the distances to work in Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 165 industrial and commercial centers and, therefore, on possibilities of work for people living in suburban areas. In a sociological analysis, it can be thought that workers displacements are more penalized by time than by the family budget expense. Therefore, the economic development of a country is measured by the speed and density of displacement of people, goods, and services in its organization. This displacement presupposes that an effort anda certain period between the departure and arrival times require a cost, called transfer cost, which must be considered in productivity. The word production, in the economic sense, involves any activity that generates utility and, consequently, creates value. In urban public transport by bus, for example, a series of problems can be seen that lead to the deterioration of service levels offered to users and that negatively influence both the citizens’ quality of life and the levels of economic, social, and cultural production. Given the above, it can be assumed that the economic and social development of a place is measured by the speed and density of displacement of people, goods, and services, that is, by mobility, reflecting on people's quality of life. The question is how to measure mobility, which has been processed through a set of indicators to evaluate interventions in urban space. Studies to define urban mobility indicators are several and diverse (Banister et al., 2000; Costa et al., 2004; Costa, 2008). In general, the proposed indicators are based on three dimensions: physical-environmental, economic and by grouping: population; of activities, or related to groupings by linear extension or area. 3. METHOD The methodology was developed in two steps. The first stage dealt with the assembly of three maps or thematic cartograms, all of them using the QGIS program (Cavallini, 2007): a) Spatial distribution of household income by census sectors, to evaluate sociospatial segregation in the municipal territory; b) Spatial distribution of basic road infrastructure and main public transport routes; and c) Spatial distribution of the percentage of people who spend an average of two or more hours commuting, by weighting areas, which represents the indicator that Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 166 relates quality of life with urban mobility: the higher this percentage, the worse is the situation. This last indicator was obtained using microdata from the Demographic Census 2010, performed by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). The microdata records the individual data contained in the sample questionnaire of all residents in permanent private households who were sampled. For this reason, it represents a very detailed portrait of reality. The microdata is available by the Brazilian Institute of Geography and Statistics – IBGE (https://www.ibge.gov.br) in “txt” format. For them to be tabulated and analyzed, the R statistical program was used. Operationally, the data were grouped into the so-called weighting areas, which are areas that aggregate enough residents for the sample data to be statistically representative. These weighting areas constitute territorial units with some socioeconomic similarity among their residents. Then, the weighting areas were mapped using the QGIS program and, subsequently, the corresponding statistical data was assigned to each one of them. Finally, through the same program, the weighting areas were classified into four categories of the investigated indicator, intending to perform the analysis of the spatial distribution of the results. Given the results in a GIS environment, they could be compared with on-site records of locational situations of urban infrastructure and transport. Areas with the most critical results of the urban mobility indicator were selected and the conditions of the road infrastructure and public transport were observed, thus validating the results obtained, using the photographic record as the usual tool. The proposed methodology can be implemented in any region to show the evaluation of urban mobility, relating it to socio- spatial segregation. Another possibility is to evaluate future scenarios, given the impact of new investments in terms of better connectivity or service by urban transport systems. 4. CASE STUDY The case study took place in Belém – Pará, which, as well as other large population concentrations in Brazil, showed a strong expansion of the urban area in recent decades. Part of this expansion has been taking place in a dispersed way, with the emergence of low-density housing areas or isolated from the preexisting urban area, configuring urban fragmentation, where many residents move daily to the CDB Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 167 and surrounding area. 4.1 Socio-spatial segregation in belém The municipality territory of Belém is divided into two parts: a continental and an insular one. It is in the continental area that most of the population and almost all economic establishments are concentrated, and, for this reason, the analysis of this article focuses on the continental and on one of the islands that compose the municipal territory - Caratateua - spaces where the vast majority of daily trips household-toworkplace occurs. In 2010, nearly 1,400,000 people lived in the capital of Pará, corresponding to 18.4% of the state's population. The first standard of socio-spatial segregation can be observed within the First Property League of Belém (a circle sector shape area with a radius of a league in length in a straight line from the original city core- on the shores of the Guajará Bay by means of a Sesmarias Donation Letter donated by the Portuguese Crown, in 1627, to the Municipality Council of Belém), between the highest areas where the largest concentration of high-income families in the municipality is located and the poor families living in former floodplain areas, currently urbanized, located in the surroundings, which, as the name implies, are places with lower altitudes, close to sea level, where the infrastructure presents a higher or lower level of precariousness, some of which suffer with flooding during rainy season. The second standard of socio-spatial segregation is the classic center-suburb, where the distant suburb (areas far from the First League, as shown in Image 1a), despite having a great diversity of residential areas, generally presents lower quality infrastructure than that existing in the high areas of the First League. Most of the population living in the suburb is low-income. The third standard of socio-spatial segregation occurs inside distant suburb of Belém, which houses of diverse socioeconomic groups, due to the emergence of gated housing developments, where people with higher incomes live and are provided with security and comfort. These housing developments share the space with people with lower incomes, who live in the surroundings. This standard of socio-spatial segregation is presented in Image 1a, that shows the distribution of average household income by census tract, in the analyzed area. This process of urban decentralization ended up bringing difficulties in the daily Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 168 trips, because despite people moving to the distant suburb, the urban center still concentrates the greatest opportunities for employment, commerce, and services, bringing serious mobility problems to the region, such as the long traffic jams on the main access roads to the city center. 4.2 Socio-spatial segregation versus urban mobility Image 1b shows a cartogram with the percentage spatial distribution of people who spend an hour or more to get to work. Almost all the weighting areas belonging to the class with the lowest percentage are located within the First Property League of the municipality of Belém. This can be explained by the fact that it is in this area that are most of the establishments of commerce and services in the city – therefore, the largest spatial agglomeration offering occupations –, which also includes the main commercial center, in consequence constituting the most important urban center. On the other hand, all weighting areas located in the two classes with the highest percentages – are in the distant suburb, despite the presence of some important economic centralities, such as the subcenters of Icoaraci and Entroncamento and the Industrial District of Icoaraci. It can be seen, then, in a structural context, that it is the center-suburb segregation that influences the context of urban mobility, due to the increase of commuting time, due to the concentration of economic establishments within the First Property League. However, the socio-spatial segregation inside First League, between high and low areas, is little influenced by travel time. At a more local scope, inside of distant suburb, as on-site validation, there are two selected areas, where critical mobility situations were observed (see Image 2): in Caratateua Island (1) and in an intermediate area of the suburb, on the margins of a large urban transport corridor, called Av. Augusto Montenegro (2). In these areas, the presence of another factor that influences travel times was noticed: the quality of road infrastructure and public transport routes. It can be seen, comparatively, in Images 3a and 3b, the road network and the scarce public transport network. This factor is related to socio-spatial segregation within the suburban space. The rarefied infrastructure and the low range of spatial service of public transport network make the average commuting time higher. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 169 Image 1: a) Average household income by census sector and b) Economic active people who spend more than an hour commuting in weighting areas Source: Authors, 2018; based on census of IBGE (2010). Image 2: Selected weighting areas for on-site verification of the conditions of socio-spatial segregation, infrastructure, and public transport service Source: elaborated by Rendeiro, 2018, based on Google Maps. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 170 Image 3: a) Road Network and b) Public Transport Network in areas (1) and (2) respectively Source: elaborated by Rendeiro, 2018, based on Google Maps. Image 4: Images of areas (1) and (2), respectively Source: Authors, 2018. Images of 27/04/2018. The on-site verification of the conditions of socio-spatial segregation on the areas (1) and (2) selected, allowed the visualization of the conditions of the road network and transport. Image 4 attests to these conditions as compatible with the situations verified in Images 1 and 3, validating the hypothesis that the socio-spatial Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 171 segregation of the distant suburb influences urban mobility, permeated by precarious road infrastructure and poor conditions of public transport service. It should be noted that the average travel time is also affected by walking to public transport access points, increasing the entirely travel cost. 5. CONCLUSION The hypothesis that socio-spatial segregation has an influence on urban mobility indicators – in particular, on the average travel time from home to work – proved to be plausible. Center-Suburb segregation is the main factor in this regard, due to the long distances between homes located on the suburb and the large concentration of economic establishments in the center. However, another socio-spatial segregation of a more local context, which occurs in the suburb context, also interferes with the indicator in question: in the results, the maps generated, compared with the on-site visit, allowed to identify in selected areas the mobility being affected by the scarcity of road infrastructure and the lack of public transport services, making the priorities for investment in road infrastructure and transport crucial. Increased travel times on public transport towards the suburb area, associated with the predominance of low-income population involved and the dependence on the center for its main activities, refers to the urgent need of public authorities, especially in the municipal and state spheres, to initiate an effective economic decentralization policy, with the stimulus for creation of new economic subcenters or the strengthening of the existing ones. It is also of fundamental importance to improve the infrastructure in places where it is most precarious, in addition to the necessary articulation between local transport modes with an integrated trunk transport system, in the case of Belém, a system is under construction: the Bus Rapid Transit - BRT. In conclusion, the urban development model of Belém must be rethought, expanding spaces for its economic activities, integrating them in a sustainable way, as a form to reducing spatial inequalities, with a positive effect on reducing socio-spatial segregation and improving the indicators of urban mobility. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 172 REFERENCES Azevedo, S. J. S. (2009) Segregação e oportunidades de acesso aos serviços básicos de saúde em Campinas: vulnerabilidades sociodemográficas no espaço intraurbano, Tese (Doutorado), UNESC, Campinas, Brasil, 235 p. Banister, D., Stead D., Steen, P., Akerman, J., Dreborg, K., Nijikamp, P. and Tappeser R.S. (2000) Targets for Sustainability Mobility, European Transport Policy and Sustainable Mobility, Spon Press, 119p. Batty, M., Besussi, E. e Chin, N. (2003) Traffic urban growth and suburban sprawl, Working papers, paper 70, Centre for Advanced Spatial Analysis, UCL, London. 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 173 Cunha e Jiménez, M. A. (2009) The process of cumulative disadvantage: concentration of poverty and the quality of public education in the Metropolitan Region of Campinas. In Roberts, B. e Wilson, R. (eds.), Urban segregation and governance in the Americas, New York: Palgrave-Macmillan, New York, pp. 169-185. Cavallini, P. (2007) Free GIS desktop and analyses: QuantumGIS, The easy way, The Global Geospatial Magazine. Deák, C. (2015) O processo de urbanização brasileiro, Falas e Façanhas, in Deák, C. and Schiffer, S. (eds.), O processo de urbanização no Brasil, Edusp/Fupam, São Paulo. Disponível em http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/ CD/3publ/99pub/index.html (consultado em 29 maio 2015). Domingues, A. (1994) (Sub)úrbios e (sub)urbanos: o mal estar da periferia ou a mistificação dos conceitos? Revista da Faculdade de Letras Geografia, Porto, Vol. XX/XI, pp. 5-18. Fernandes, J. 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92981-92996 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 175 CAPÍTULO 10 IMPACTO DA PSORÍASE EM ÁREAS ESPECIAIS NA QUALIDADE DE VIDA E A PERSPECTIVA DE TRATAMENTOS MAIS PROMISSORES: REVISÃO NARRATIVA Luísa Gouveia Alves Moraes Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: luisagouveiaa_@hotmail.com Kenderly Camila Baltokoski Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: kenderly.vda@gmail.com Giovanna Moysés Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: moysesgiovanna@gmail.com Ruth Cordeiro do Rosário Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: ruthcord2478@gmail.com Isabela Possari Librelotto Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: isabelapossari_@hotmail.com Amanda Vieira Serrano Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: mandinhavs2@gmail.com Natália Pastorello Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: nataliapastorello@outlook.com Ariadne Bonachela de Moura Acadêmica do curso de Medicina, Centro Universitário das Américas (FAM) Rua Augusta 1508, Bairro Consolação – São Paulo, SP, CEP: 01304-001 E-mail: aridemoura@gmail.com Domingos Jordão Neto Médico, Mestrado na Universidade de São Caetano do Sul (USCS), Coordenador e chefe do serviço de Dermatologia do Hospital Heliópolis-SP, Docente do curso de Medicina da Universidade de São Caetano do Sul (USCS) Rua Cônego Xavier, 276, Bairro Sacomã – São Paulo, SP, CEP: 04231-030 E-mail: dr.domingosjordao@gmail.com Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 176 RESUMO: Introdução: A psoríase representa uma doença autoimune, sistêmica e crônica, relacionada ao aparecimento de pápulas e placas eritemato-escamosas presentes em diferentes áreas do corpo, como cabeça, órgãos genitais e pernas. Além das lesões psoriásicas, há um significativo prejuízo na qualidade de vida, principalmente quando se trata de psoríase em áreas especiais, abrangendo não apenas a questão física como também financeira e psicossocial. Esse prejuízo se dá de tal forma que é capaz de alterar as perspectivas do paciente a longo prazo, aumentando o risco de desenvolver doenças cardiovasculares e distúrbios psicológicos. Objetivo: Desenvolver e aprofundar o conhecimento da psoríase em áreas especiais, destacando o impacto da qualidade de vida dos pacientes e a dificuldade da resposta terapêutica nessas áreas. Desenvolvimento: Pacientes com psoríase em áreas especiais frequentemente adquirem impactos físicos, problemas sociais e emocionais significativos. Em conjunto, a psoríase inversa (axilas, virilhas, embaixo das mamas e ao redor dos genitais), a psoríase do couro cabeludo, a psoríase palmoplantar e a psoríase ungueal resultam em direta redução da qualidade de vida. Considerações Finais: Psoríase em locais de difícil tratamento frequentemente trazem aos pacientes grande impacto na qualidade de vida, com consequente disfunção e efeitos psicológicos. O uso da terapia sistêmica com imunobiológicos costuma ser indicado, ao considerar a frequente ineficácia e desconforto relacionada ao uso de tratamento tópico e fototerapia. Finalizando, é imprescindível que na abordagem ao paciente, sejam mensuradas abertamente as reais expectativas sobre a terapêutica e os planos para o futuro, para desta forma evitar o surgimento de respostas inalcançáveis e falha na adesão ao tratamento. PALAVRAS-CHAVE: Psoríase; Áreas especiais; Qualidade de vida. ABSTRACT: Introduction: Psoriasis is an autoimmune disease, systemic and chronic, related to the appearance of erythematous-squamous papules and plaques present in different areas of the body, such as the head, genitals and legs. In addition to psoriatic lesions, there is a significant loss in quality of life, especially when it comes to psoriasis in special areas, covering not only the physical but also the financial and psychosocial issues. This damage occurs in such a way that it is capable of changing the patient's perspectives in the long term, increasing the risk of developing cardiovascular diseases and psychological disorders. Objective: To develop and deepen the knowledge of psoriasis in special areas, highlighting the impact on patients' quality of life and the difficulty of therapeutic response in these areas. Development: Patients with psoriasis in special areas often acquire significant physical impacts, social and emotional problems. Together, reverse psoriasis (armpits, groin, under the breasts and around the genitals), scalp psoriasis, palmoplantar psoriasis, and nail psoriasis result in a direct reduction in quality of life. Final Considerations: Psoriasis in difficult-to-treat places often has a great impact on patients' quality of life, with consequent dysfunction and psychological effects. The use of systemic therapy with immunobiologicals is usually indicated, considering the frequent inefficacy and discomfort related to the use of topical treatment and phototherapy. Finally, it is essential that when approaching the patient, the real expectations about the therapy and plans for the future are openly measured, in order to avoid the emergence of unattainable responses and failure to adhere to the treatment. KEYWORDS: Psoriasis; Special areas; Quality of life. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 177 1. INTRODUÇÃO Psoríase vulgar é uma doença autoimune, sistêmica e crônica que está relacionada ao aparecimento de pápulas e placas eritemato-escamosas em todo o corpo, podendo estar presentes em áreas como cabeça, órgãos genitais e pernas.1 O aparecimento pode ocorrer tanto durante a infância quanto na idade adulta.1 A psoríase pediátrica é uma doença de extrema importância à prática clínica, tendo em vista sua prevalência relevante, além de seu impacto psicossocial tanto ao paciente quanto a seus cuidadores e as comorbidades associadas. A distribuição desta doença em crianças inclui o envolvimento da face, couro cabeludo e pele intertriginosa. Já em bebês a manifestação da psoríase das fraldas (também conhecida como “psoríase dos guardanapos”) é a mais comum.2 A psoríase genital foi considerada a pior no quesito de estigma das áreas afetadas pela psoríase, podendo ter prejuízo na saúde sexual. Quanto a psoríase inversa, distúrbio de áreas intertriginosas da pele que pode facilmente se mascarar como um câncer; se houver falha no tratamento, má adesão ou resistência aos medicamentos, o diagnóstico pode se tornar suspeito ou até mesmo incorreto caso não tenha sido bem analisado.3 Há também, a artrite psoriásica (APs) que é uma doença inflamatória crônica de múltiplos órgãos, geralmente soronegativa para o fator reumatoide, com prevalência em torno de 1% na população geral. É uma doença multifacetada, podendo apresentar envolvimento músculo esquelético (artrite periférica, dactilite, entesite, inflamação da coluna), doenças da pele e das unhas ou manifestações extra-articulares, como uveíte e doença inflamatória intestinal.4 Na epidemiologia da psoríase é estimado que a mesma afeta de 2 a 4% da população mundial.5 Tal comorbidade aparece em uma grande variedade de fenótipos que resultam principalmente em uma alta carga de doenças.5 A prevalência da psoríase genital isoladamente, foi avaliada entre 2 e 5% de todos os pacientes, no entanto, o tipo de placa generalizada ou psoríase intertriginosa também afeta uma área genital, sendo cerca de 29 a 40% dos casos de psoríase.5 Essa afecção, além das lesões na pele, se relaciona com o risco aumentado de desenvolver doenças cardiovasculares, distúrbios psicológicos, como depressão, ideação suicida e ansiedade, e até mesmo de mortalidade do indivíduo, quando comparados a população sem as lesões.1 Embora sua causa seja desconhecida, o desenvolvimento da psoríase pode estar relacionado a uma complexa interação de fatores genéticos, imunológicos e ambientais. Acredita-se que a psoríase se Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 178 desenvolve quando os linfócitos T promovem um estado pró-inflamatório pela liberação de citocinas e outros mediadores, como interleucina 17, 8 e 6, interferon-γ (INF-γ), fator de necrose tumoral- alfa (TNF-alfa) e fator de crescimento endotelial vascular. Além disso, a interleucina 23 (IL-23) foi identificada como uma das principais citocinas envolvidas na resposta mediada por células T. A IL-23 compartilha a subunidade p40 com IL-12, mas é composta de uma subunidade p19 única. Assim, essas duas citocinas mantêm distintas funções biológicas, agora com a IL-23 tendo papel proeminente na patogênese da psoríase.6 Sua apresentação clínica mais comum está relacionada a placas bem demarcadas, eritematosas e escamosas, sendo acompanhadas muitas vezes de dor e prurido.6 É sabido que há significativo prejuízo na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) no paciente com psoríase, abrangendo não apenas a questão física como também financeira e psicossocial. Esse prejuízo se dá de tal forma que é capaz de alterar as perspectivas à longo prazo do paciente, comprometendo em especial as expectativas de vida do mesmo, uma vez que a psoríase é uma patologia imprevisível e de comportamento único para cada indivíduo levando o paciente a dúvidas e incertezas quanto ao futuro.7 Além destes fatores, o prejuízo a qualidade de vida é ainda maior quando se trata do sexo feminino e início precoce das placas de psoríase, sendo este um fator importante para autoestima e piora do bem-estar do indivíduo.8 O impacto da APs parece ser muito amplo, cobrindo todos os aspectos da vida do paciente, ou seja, físicos e emocionais, distúrbios do sono, fadiga extrema, comprometimento social, entre outros; assim, a avaliação da QV em APs torna-se fundamental. A melhor compreensão dos problemas de qualidade de vida pode melhorar o atendimento e a comunicação médico-paciente. Várias pontuações estão disponíveis para avaliar esses aspectos da APs. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), qualidade de vida (QV) representa a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. A OMS desenvolveu uma linguagem padrão e sistêmica de classificação para funcionalidade e deficiência: a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Na CIF, funcionalidade e deficiência são multidimensionais. Esses termos denotam os aspectos positivos ou neutros, que seria o funcionamento, ou aspectos negativos, a deficiência, da interação entre a(s) condição(ões) de saúde de uma Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 179 pessoa e seus fatores subjetivos, tanto ambientais como pessoais. O Grupo de Pesquisa e Avaliação de Psoríase e Artrite Psoriática (GRAPPA) e Grupo Outcome Measures in Rheumatology (OMERACT) incluiu o domínio QV relacionada à saúde no conjunto de domínios básicos da APs, evidenciando a importância da avaliação da QV em pacientes com artrite. O Core Domain Set inclui os domínios obrigatórios para serem abordados em ensaios clínicos de APs e estudos observacionais longitudinais.4 O artigo relata também o desenvolvimento do Diário de Sinais e Sintomas da Psoríase (PSSD), questionário de alta relevância clínica para o relato de sinais e sintomas da psoríase moderada a grave dos pacientes. Nele, a perspectiva do paciente psoriásico mostra-se importante ao considerar a grande variedade de sinais e sintomas que este pode apresentar, permitindo melhor avaliação destes e consequentemente melhor prognóstico à doença.9 Partindo desta explanação, veremos a seguir como a psoríase mostra-se relevante, já que se trata de uma doença crônica, incurável e que afeta de forma negativa a qualidade de vida dos pacientes. 5 Como objetivo geral, esta revisão da literatura buscou desenvolver e aprofundar o conhecimento da psoríase em áreas especiais, destacando o impacto da qualidade de vida dos pacientes e a dificuldade da resposta terapêutica nessas áreas. 2. DESENVOLVIMENTO A psoríase representa o resultado de um conjunto de fatores ambientais e genéticos. Um fator de risco comum é o histórico familiar da doença, sendo que o risco genético predisponente mais comum é o antígeno leucocitário humano (HLA) tipo Cw6 (PSOR1) e o menos frequente é a mutação patogênica no CARD14, conhecido também como PSOR2. Os fatores ambientais, como traumas cutâneos, infecções e estresse físico ou psicológico também podem ocasionar ou até mesmo estimular a doença.11 Sobre a patogenia da doença, a psoríase é uma inflamação cutânea mediada pelo sistema imunológico inato e adaptativo. Ocorre a inflamação das células dendríticas pelo fator de necrose tumoral (TNF-Alfa), interleucinas (IL-6 e IL-1) e interferon-gama, que estimulam o sistema imune adaptativo. Esse sistema expressa citocinas sinérgicas que estimulam a liberação de mediadores inflamatórios nos queratinócitos, resultando nas placas eritematosas e escamosas da psoríase.11 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 180 As placas originadas pela psoríase podem ser apresentadas de diversas formas e distribuições. Em crianças, as principais são: gutata, pustular e eritrodérmica. A apresentação clássica dessas placas é em formato redondo, eritematoso, bem demarcado e coberto com uma escala prateada e/ou branca (micácea). Em crianças, essas placas possuem margens menos distintas e/ou uma escala mais fina. Em indivíduos com pele altamente pigmentada, o eritema pode aparecer violáceo ou hiperpigmentado. 11 Sobre a sua distribuição, pode ocorrer com poucas placas em um único local ou de forma mais generalizada (muitas placas em diversos locais), mas a distribuição é frequentemente simétrica. Em psoríase com placas crônicas, os locais mais comuns são cotovelos e joelhos, porém podem acometer outros locais, como as áreas especiais (couro cabeludo, região palmoplantar, região ungueal e região anogenital).11 Em relação às principais comorbidades associadas à psoríase, destacam-se: obesidade, risco cardiovascular, artrite e perturbação psiquiátrica. A artrite psoriásica também representa uma comorbidade comum da psoríase, sendo necessário rastrear vermelhidão ou inchaço nas articulações.11 Normalmente o diagnóstico ocorre em caráter clínico e, de modo geral, não se faz necessária a biópsia de pele. O histórico familiar, sintomas articulares e a distrofia das unhas servem como apoio dessa investigação clínica. Além disso, outras doenças podem surgir como diagnóstico diferencial, como a dermatite atópica, pitiríase rósea, pitiríase liquenóide crônica e pitiríase rubra pilar.11 Pacientes com psoríase em locais de difícil tratamento frequentemente adquirem impactos físicos e emocionais significativos que interferem na qualidade de vida, além de enfrentarem dificuldades com a adesão à terapia tópica, podendo assim justificar-se a classificação de lesões psoriásicas nesses locais como grave, mesmo que apresentem extensão limitada.10 2.1 Psoríase em área inversa A psoríase inversa é considerada uma variante anatômica da psoríase vulgar, por isso, não se atribuiu um código distinto na classificação internacional de doenças. A prevalência mundial de psoríase varia de 1% a 3%, e estudos obtidos recentemente mostram que 3% a 12% dos pacientes com psoríase manifestam a psoríase do tipo inversa.3 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 181 A psoríase inversa também pode ser denominada como psoríase flexural ou psoríase intertriginosa, podendo ser fétida e/ou pruriginosa. Se presentes, lesões psoriasiformes em outras partes do corpo, história familiar de psoríase e características anormais da unha tique-taque levam a um diagnóstico de psoríase.3 O abalo psicossocial da psoríase muitas vezes causa mais angústia do que suas repercussões físicas, e a percepção de estigma tem grande influência no funcionamento social e na autoimagem. O pico do início da psoríase varia de 15 a 30 anos de idade, quando as questões relativas à saúde sexual são mais prováveis que tenham um efeito negativo na criação, e a manutenção das relações interpessoais.12 Fatores como gênero – mulheres têm mais comprometimento da qualidade de vida do que os homens – e idade precoce causam maiores prejuízo na qualidade de vida e saúde sexual desses pacientes. Foram reveladas deficiências relevantes na qualidade de vida sexual, aumento da sensação de estigma e taxas superiores de depressão entre pacientes com psoríase genital.13 A psoríase genital costuma cursar com rubor intenso acompanhado de outras queixas, como: coceira genital (sintoma mais comum, relatado por mais de 82% dos pacientes), prurido (relatado por 40% dos pacientes), sensação de picadas e queimação (em 40% dos casos) e dor (sintoma de maior incômodo, relatada por 20% dos pacientes).1 A psoríase genital apresenta grandes impactos na função sexual do paciente, uma vez que se sentem desconfortáveis com sua aparência e nudez diminuindo a frequência, o desejo e até evitando relações sexuais. A dor também está presente durante ou após o ato, intensificando os sintomas apresentados, sendo este um impacto que acomete principalmente mulheres.1 As lesões genitais apresentam grandes repercussões na qualidade de vida do paciente, mesmo quando comparado aos casos de psoríase sem lesões genitais. O impacto se apresenta com infortúnios nos relacionamentos amorosos e sociais, problemas emocionais e interferência nas atividades diárias, levando o paciente a depressão e ideação suicida.1 O envolvimento facial e anogenital em crianças é maior do que em adultos, com psoríase facial presente como única manifestação psoriática em 4-5% dos pacientes; já a psoríase anogenital é a apresentação clínica mais comum em crianças menores de 2 anos. No início da doença, os locais mais acometidos são o couro cabeludo, tronco e extremidades. O couro cabeludo costuma ser mais acometido em meninas, enquanto as unhas costumam ser mais acometidas em meninos. A psoríase Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 182 em bebês frequentemente envolve o acometimento da área de fralda, apresentando placas cor de salmão ou eritema confluente, possivelmente relacionados ao fenômeno de Koebner. A diferenciação entre a psoríase de fralda e outras irritações de pele por fraldas pode ser difícil, já que a descamação psoriática pode não ser visível pela alta hidratação na área ocluída em questão; nesses casos, o envolvimento de área umbilical ou disseminação das placas pode ajudar no diagnóstico. 2 A psoríase inversa pode ser facilmente confundida com dermatoses infecciosas, particularmente bacterianas ou fúngicas. O intertrigo é a inflamação de dobras cutâneas causadas pela fricção pele a pele que se apresenta como placas eritematosas maceradas. Já em áreas bacterianas e fúngicas são comuns porque a pele úmida e desnuda, oferece um ambiente ideal para crescimento de microrganismos. A Cândida é o organismo fúngico mais comum associado ao intertrigo, uma candidíase intertiginosa também apresenta manchas eritematosas demarcadas com pápulas satélites e pústulas, ou pústulas na periferia; a presença de pápulas ou pústulas satélites periféricas podem ajudar a diferenciar candidíase intertriginosa da psoríase inversa. A dermatite seborreica é outra doença cutânea que pode se assemelhar facilmente a psoríase inversa ou candidíase; a biópsia de pele pode ajudar a diferenciá-las, sendo que na primeira mostra uma aparência "espongiforme".3 Há um baixo índice de satisfação com o uso de regimes tópicos de tratamento; embora o uso de agentes de sistemas tradicionais pareçam melhorar a doença genital, o uso de terapias biológicas conhecidas tem benefício limitado no tratamento do quadro. O uso de corticosteróides de alta potência são limitados, devido ao desenvolvimento de atrofia e estrias da pele, enquanto inibidores da calcineurina podem melhorar os órgãos genitais acometidos, porém, podem causar irritação.12 2.2 Psoríase do couro cabeludo A psoríase do couro cabeludo apresenta grande impacto na qualidade de vida de pacientes e significativa prevalência em pacientes psoriáticos, sendo o primeiro local acometido em até 25% dos pacientes com psoríase e presente em até 79% dos pacientes que apresentam psoríase vulgar crônica. Frequentemente, apresenta-se com prurido. Seu tratamento é muitas vezes prolongado e possui algumas desvantagens como irritação facial, dificuldade na administração de drogas, coloração Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 183 capilar e consequências cosméticas que dificultam sua eficácia e adesão.14 O tratamento da psoríase do couro cabeludo foi dividido por Peter Van de Kerkhof em 4 fases: primeira fase, com uso de ácido salicílico ou preparações de ureia para descalcificação; segunda fase, com uso de corticosteroides tópicos, análogos de vitamina D, alcatrão, ditranol, antifúngicos, terapia com luz ultravioleta B ou tratamentos sistêmicos, sendo esta a fase de limpeza; terceira fase, utilizando um análogo de vitamina D poupador de esteróides durante a semana e um corticosteróide tópico superpotente aos finais de semana, sendo a fase de estabilização; e a quarta fase, com o uso de um análogo de vitamina D isoladamente ou associado ao uso de um shampoo de alcatrão. 14 A curto prazo, é recomendado o uso de corticosteroides tópicos como tratamento de primeira linha. Espuma de propionato de clobetasol 0,05% e espuma de betametaso na valerato 0,12% são alternativas às preparações tópicas tradicionais, já que o veículo de espuma é absorvido mais rapidamente, reduz a descamação, apresenta maior biodisponibilidade, pode ser usado apenas uma vez ao dia e não está associado à supressão do eixo hipotalâmico hipofisário adrenal, sendo igualmente eficaz. Shampoos de clobetasol 0,05% também podem ser utilizados, apresentando melhor adesão quando comparados aos tratamentos tópicos convencionais. 14 Para o tratamento a longo prazo da psoríase de couro cabeludo, pode ser usado o creme de antralina 0,1-3% uma vez ao dia, com sua concentração variando de acordo com a resposta e tolerância do paciente ao longo do tratamento. Seu uso deve ser evitado em couro cabeludo agudamente inflamado, e pode temporariamente manchar unhas, cabelos brancos ou grisalhos, pele e tecidos, além de comumente causar vermelhidão ou irritação do couro cabeludo. 14 Tratamentos de segunda linha como fototerapia (com unidades convencionais ou pentes de UV e Excimer Laser), medicamentos sistêmicos e biológicos são utilizados apenas em casos de doença recalcitrante, ou seja, quando o uso de todas as opções disponíveis para tratamento tópico falham, não havendo estudos controlados sobre seu uso. 14 Um grande desafio à efetividade do tratamento para psoríase de couro cabeludo está associado à entrada de drogas no sítio desejado: as placas psoriásicas possuem padrão de escamas grossas, reduzindo a penetração da droga e precisando ser removidas. O ácido salicílico 5–10% é utilizado como ceratolítico em combinação com outras terapias tópicas. Para hidratação do couro cabeludo, uréia 10% e ácido Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 184 lático 10% têm sido usados. Já em casos resistentes, derivados tópicos de imidazol podem ser utilizados, visando conter o crescimento excessivo de pityrosporum. 14 Foram analisados também os usos de terapia anti-fator de necrose tumoral alfa, como infliximabe, etanercept, adalimumabe e ustekinumabe. Tanto o uso de infliximabe quanto de etanercept foram considerados extremamente recomendáveis e eficazes no tratamento da psoríase de couro cabeludo. O adalimumabe parece ser benéfico no tratamento de psoríase do couro cabeludo, com evidências moderadas de eficácia. O uso de ustekinumabe pode ter um papel no tratamento da psoríase de couro cabeludo, não sendo recomendado, mas também não desaconselhado. Em relação aos efeitos adversos do tratamento anti-TNF alfa, pode-se destacar alopecia não cicatricial, já que em biópsias apresenta alterações epidérmicas psoriasiformes e infiltrados de células plasmáticas e eosinófilos na derme, diferenciando-a da alopecia areata e alopecia psoriásica, respectivamente. 10 2.3 Psoríase palmoplantar (PPP) A psoríase palmoplantar causa grande impacto na qualidade de vida e afeta as atividades diárias dos indivíduos acometidos com essa condição. Os pacientes possuem prejuízo pela doença de pele, diminuição da capacidade motora, autocuidado e dependência de medicações de uso tópico. A psoríase palmoplantar é uma doença única, apesar de ter 2 fenótipos envolvidos, placa palmoplantar e pústula palmoplantar que, por mais que tenha semelhança clínica, esse último tipo apresenta evidências de que, geneticamente, pode ser um tipo diferente de psoríase.15 A psoríase palmoplantar possui como sintomas fissuras, hiperceratose e, em alguns casos, pústulas, com sobreposição de ambos os tipos morfológicos, apresentando, portanto, significativa morbidade ao paciente. Em adição, é um dos locais em que o curso clínico é mais recalcitrante e de menor índice de eficácia à terapia tópica, ilustrando a escassez de estudos específicos. Seus objetivos terapêuticos podem muitas vezes priorizar a redução da dor e melhora da funcionalidade à sua depuração completa. 14 O ácido acetilsalicílico é utilizado como queratolítico associado a agentes tópicos, como corticosteróides, na psoríase palmoplantar. Ele bloqueia a penetração de UVB, não devendo ser associado à fototerapia. 14 O uso de esteróides tópicos potentes e superpotentes têm sido adotados para Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 185 tratamento da PPP por períodos de até 6-8 semanas. O uso de formulações em espuma de valerato de betametasona 0,12% e de propionato de clobetasol a 0,05 % resulta em melhor conformidade do paciente em relação às formas tradicionais, apresentando benefícios como facilidade de aplicação, secagem rápida, falta de fragrância e resíduo mínimo. 14 O alcatrão de carvão é utilizado na psoríase palmoplantar, possuindo propriedades antibacterianas, antifúngicas, efeitos antipruriginosos e anti- inflamatórios, além de alta biodisponibilidade e baixo custo. Seu uso em forma de pomada de alcatrão de carvão bruto 1 a 5% com vaselina, amido e óxido de zinco é comum. 14 O calcipotriol demonstrou eficácia na psoríase palmoplantar, podendo ter seus benefícios potencializados em um regime alternado entre calcipotriol e corticosteróides tópicos potentes. 14 A combinação de corticosteróides tópicos à análogos de vitamina D pode ser eficaz ao tratamento da PPP, apresentando melhores resultados e menos efeitos colaterais em comparação aos seus usos de forma isolada. O tratamento sequencial com o uso tópico inicial de corticosteróide seguido pelo uso de análogo de vitamina D a longo prazo, têm demonstrado melhora rápida das lesões e segurança de utilização de tal tratamento a longo prazo. 14 Agentes oclusivos também podem ser utilizados para o tratamento da psoríase palmoplantar: entre eles, podemos citar o uso oclusivo de esteróides tópicos, curativos hidrocolóides e adesivo de hidrogel. O uso de curativos hidrocolóides podem culminar em irritação, foliculite, suor excessivo e coebenerização, além de ser um tratamento de alto custo.14 O uso de ciclosporina é indicado a pacientes adultos, imunocompetentes, com PPP grave, incapacitante e recalcitrante. Seu tratamento contínuo foi aprovado pelo período de 1 ano pela FDA-US, mas não há consenso sobre sua duração de uso. Em casos de psoríase palmoplantar incapacitante, pode ser indicado o uso de metotrexato. Para psoríase palmoplantar refratária, o uso de radioterapia pode ser indicado, possuindo dose ideal de irradiação desconhecida.14 O uso de terapias Anti-TNF alfa como infliximabe, etanercepte, adalimumabe e ustekinumabe para psoríase palmoplantar têm sido utilizadas. O uso de infliximabe, etanercepte e adalimumabe foram considerados recomendáveis e eficazes no tratamento. Já o uso ustekinumabe em pacientes com psoríase palmoplantar Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 186 apresenta eficácia moderada.10 2.4 Psoríase ungueal Em pacientes com psoríase, o envolvimento ungueal possui significativa prevalência, estando presente em 50-80% dos casos e com incidência de 90% ao longo da vida. Um estudo epidemiológico realizado nas Astúrias, Espanha, evidenciou em pacientes com psoríase ungueal a presença de psoríase mais grave, maiores escores PASI (Índice de Área e Severidade de Psoríase) e maior IMC (Índice de Massa Corporal) associadas. 10 Pacientes com psoríase acometendo as unhas podem possuir dificuldade na execução de tarefas finas, dor, alteração de sensação de tato, deficiência cosmética e comprometimento no meio de trabalho, resultando em direta redução de sua qualidade de vida, assim como problemas sociais e emocionais. 14 O Nail Psoriasis Severity Index (NAPSI) é um protocolo importante de avaliação da psoríase ungueal. Neste, a unha é analisada com base nos sinais de envolvimento da matriz ungueal e leito ungueal, variando de 0-8 para uma unha e de 0 a 160 ao analisar as 20 unhas (mãos e pés).14 Michael Jiaravuthisan sugeriu um algoritmo terapêutico para psoríase ungueal, dividindo as lesões psoriáticas em dois grupos: em algumas unhas e em muitas unhas. Para o grupo das lesões psoriáticas em algumas unhas, ainda foram criados dois subgrupos, sendo eles: com envolvimento da matriz ungueal e com envolvimento do leito ungueal. Assim, a terapia tópica definida para as lesões da matriz ungueal foram: os esteróides intralesionais, tazaroteno e esteróides tópicos potentes; e para as lesões do leito ungueal foram: calcipotriol e esteróides, tazaroteno e ciclosporina. Já para as lesões psoriáticas em muitas unhas adota-se a terapia sistêmica com o uso de Infliximab e Retinóides. 14 A eficácia da terapia para psoríase ungueal é diretamente comprometida pela baixa permeabilidade das unhas, limitando a chegada de medicamentos à esta. O rompimento da lâmina ungueal, assim como o uso de abrasivos químicos e físicos e o uso da iontoforese podem ser utilizados para aumentar a penetração de fármacos na unha. 14 O uso de esteróides tópicos potentes e superpotentes apresentou melhoras no leito ungueal e nas características da matriz ungueal. No entanto, a terapia possui Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 187 efeitos colaterais como telangiectasias e atrofia tanto da área paroniquial como, mais raramente, da falange correspondente. 14 Esteróides intralesionais podem ser utilizados, obtendo boa resposta (até 7090%) em pacientes com lesões psoriáticas na matriz e no leito ungueal. Já para casos de onicólise, tal tratamento possui 20-55% de resposta. Seu uso pode causar linhas de Beau, hipopigmentação da prega ungueal proximal, atrofia e hematoma subungueal. 14 O uso de gel de tazaroteno 0,1% apresentou melhoras na onicólise, hiperceratose e manchas cor de salmão nas unhas, principalmente quando utilizado sob oclusão. Seus efeitos adversos incluem descamação ou queimação da área paroníquica e irritação cutânea moderada.14 A pomada de calcipotriol (50 μg / g) aplicada nas lesões psoriáticas ungueais apresentou resultados positivos quanto à hiperceratose subungueal, onicólise e descoloração.14 O uso de tacalcitol (calcipotriol) sob oclusão durante a semana, combinado com o uso de clobetasol-17-propionato 8% (esteróide) em esmalte aos finais de semana apresentou bons resultados, com redução da dor ungueal e uma queda do NAPSI alvo modificado de 78% em comparação aos níveis basais. 14 O uso de solução oral de ciclosporina dissolvida em óleo de milho a 70% de modo tópico demonstrou melhora da hiperceratose subungueal e onicólise. Efeitos adversos não foram relatados. 14 Em casos de unhas muito grossas, raios-x suaves podem ser utilizados em doses fracionadas para placas psoriáticas ungueais. 14 A psoríase ungueal apresenta melhor resposta à terapia sistêmica, em relação ao tratamento tópico, principalmente em casos graves (Índice de Gravidade de Psoríase Ungueal/ NAPSI>10).10 O uso de terapias anti-fator de necrose tumoral alfa foi analisado a partir da revisão de estudos com Infliximab, Etanercept e Adalimumab para psoríase ungueal. Todos estes foram considerados uma boa alternativa de tratamento para psoríase ungueal, de caráter extremamente recomendável e eficaz; no entanto, foi proposto o uso de infliximab especificamente em pacientes com placas psoriáticas associadas a presença de artrite psoriática ou comprometimento ungueal severo. O uso de Ustekinumab também é considerado alternativa extremamente recomendável e eficaz ao tratamento de psoríase ungueal. 10 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 188 2.5 Avaliação da qualidade de vida de pacientes com psoríase em áreas especiais Medir a qualidade de vida relacionada à saúde em psoríase em áreas especiais pode ser realizada com instrumentos que refletem a perspectiva do paciente sobre o impacto da doença, o chamado Paciente Relatou Resultados (PROs). Na artrite psoriática existem vários PROs usados para medir a qualidade de vida: genéricos e específicos da doença, cada um com vantagens e desvantagens. 4 Entre os questionários genéricos, ou seja, questionários desenvolvidos para psoríase em áreas especiais, há alguns pontos fortes: experiência de uso, ampla validação em outras doenças e a possibilidade de comparação entre doenças. O questionário Medical Outcomes Study (SF-36) é um exemplo de questionário genérico que mede a qualidade de vida através de 2 componentes principais: saúde física e mental e 8 subdomínios: funcionamento físico, limitações de função devido aos problemas físicos, dor corporal, saúde geral, vitalidade, funcionamento social, limitações devido a problemas emocionais e problemas mentais. 4 Já o questionário Diferença Clínica Minimamente Relevante (MCID) tem algumas desvantagens, como a proteção por direitos autorais, que pode limitar seu uso, algoritmo de pontuação difícil, tornando-o inviável fora das configurações de ensaios clínicos. Além desses, outro questionário de qualidade de vida que pode ser utilizado é o Domínio EuroQol 5 (EQ-5D), um instrumento genérico que fornece uma medida sobre o estado geral de saúde. Consiste em duas partes: questionário e escala visual analógica, analisando a autoavaliação de saúde. O Índice de Qualidade de Vida Dermatológica (DLQI) também representa um questionário genérico. Possui 10 itens para avaliar o efeito da psoríase nas atividades diárias e nível de deficiência. Nesse DLQI, as questões são agrupadas em 6 subcategorias: sintomas e sentimentos, atividades diárias, lazer, trabalho / escola, relações pessoais e tratamento. 4 O questionário PsAID é multidimensional e avalia o impacto da psoríase em áreas especiais na perspectiva do paciente. Existem duas versões do PsAID: 12 itens (PsAID12), recomendado para a prática clínica que abrange domínios como dor, problemas de pele, fadiga, atividades de trabalho e/ou lazer, capacidade funcional, desconforto, distúrbios do sono, ansiedade/medo e incerteza, constrangimento e/ou vergonha, participação social e depressão; e a de 9 itens (PsAID9) que é recomendada para clínicas de pesquisa, mais curta e não contém os três últimos itens citados anteriormente. 4 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 189 Outro questionário específico utilizado é o PsAQoL, que avalia a qualidade de vida definida como a extensão em que as necessidades são atendidas pela perspectiva do paciente. O PsAQoL possui alguns pontos fortes, como ser derivado diretamente de entrevistas qualitativas e ter boas propriedades psicométricas, tornando-o adequado parauso em configurações de pesquisa e clínica. No entanto, tem sido pouco utilizado até hoje, devido ao fato de estar sujeito a direitos autorais e pela elevada taxa de licença para uso.4 Já o questionário VITACORA-19 parece ter boas propriedades psicométricas, embora sejam necessários mais testes. Outros possíveis PROs específicos de APs incluem: Medição de Impacto de Artrite (AIMS), Perfil de Impacto da Artrite Psoriática (PAIP), PSOdisk, Questionário de Artrite Inflamatória Combinada – QoL (CIAQ-QoL) e o Inverso Carga da Doença de Psoríase (IBOD); que são questionários pouco usados até hoje. 4 Para o desenvolvimento do Diário de Sinais e Sintomas da Psoríase, foram realizadas revisões literárias para compreensão tanto da psoríase como de métodos já existentes de resultados relatados pelo paciente, assim como 3 rodadas de entrevistas cognitivas com pacientes que apresentavam psoríase moderada a grave.9 O Diário de Sinais e Sintomas da Psoríase avalia a gravidade dos principais sinais e sintomas associados às placas psoriáticas: são estes, 5 sintomas (coceira, queimação, dor, ardência e rigidez da pele) e 6 sinais clínicos observáveis (secura da pele, rachadura, descamação, derramamento ou descamação em placas, vermelhidão e sangramento). São classificados qualitativamente de 0 (ausente) – 10 (pior imaginável). Os relatos podem ser feitos embasados tanto no período de 24 horas (PSSD-24hrs) quanto nos últimos 7 dias (PSSD-7d).9 Ao comparar o Diário de Sinais e Sintomas da Psoríase ao Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI), o primeiro demonstra-se mais vantajoso na avaliação e acompanhamento de lesões psoriáticas em pacientes: enquanto o DLQI agrupa sintomas e impactos em apenas uma pontuação, o PSSD permite que o paciente relate os itens individualmente, assim como seus respectivos níveis de gravidade tanto para sinais quanto para sintomas. O PSSD também possui aplicabilidade específicas às lesões de psoríase, já o DLQI pode ser utilizado em uma variedade de condições dermatológicas. Em casos de sinais e sintomas variáveis diariamente, o PSSD-24hrs possui melhor aplicabilidade comparado ao DLQI, o qual é embasado em relatos semanais.9 Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 190 2.6 Agentes biológicos e a melhora da qualidade de vida de pacientes com psoríase A qualidade de vida abrange o bem-estar físico, psicológico, sexual, social e ocupacional. Assim, para avaliar com precisão o impacto total da psoríase, é importante avaliar cada um desses fatores. As ferramentas de avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde que são frequentemente utilizadas na pesquisa clínica da psoríase incluem os instrumentos citados anteriorermente, como: Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI), Questionário de Qualidade de Vida (EQ-5D), Questionário Genérico de Qualidade de Vida (SF-36) e Inventário de Sintomas de Psoríase (PSI). 6 Um estudo avaliou o impacto de quatro classes de agentes biológicos na qualidade de vida relacionada à saúde em pacientes com psoríase: inibidores do TNFalfa, agentes anti-IL-12/23, agentes anti-IL-23 e agentes anti-IL-17. 6 Os inibidores do TNF-alfa levam a depuração cutânea da psoríase, sendo primeira linha para pacientes com psoríase moderada a grave. Existem atualmente alguns agentes anti-TNF-alfa aprovados pelo Federal Drug Administração (FDA) para o tratamento da psoríase em placas: adalimumabe, etanercept, infliximabe e certolizumabe pegol. Apesar de haver uma quantidade limitada de dados clínicos a respeito da eficácia clínica desses agentes em relação à qualidade de vida dos pacientes, os agentes biológicos inibidores de TNF-alfa parecem estar associados a efeitos positivos, clinicamente significativos. 6 Novas classes de agentes biológicos surgiram com a descoberta do papel do eixo imunológico IL-23/IL-17 na patogênese da psoríase. Avaliações clínicas direcionadas desses imunobiológicos demonstraram uma eficácia clínica sem precedentes, com um número considerável de pacientes obtendo respostas PASI75/90/100. Essa resposta excepcional ao tratamento confirma o papel central das citocinas IL-23 e IL-17 na fisiopatologia da psoríase. Além disso, oferece aos pacientes com doença moderada a grave, antes não tratados, um potencial para melhorias significativas em sua qualidade de vida. Os atuais imunobiológicos anti-IL17/IL-12/IL-23 aprovados pela FDA incluem: Brodalumabe, Ixekizumab e Secucinumabe, Ustekinumab, Guselkumab e Tildrakizumab.6 Ficou demonstrado que os agentes imunobiológicos antipsoriáticos direcionados ao fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α), às vias imunes da interleucinaBrazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 191 12/23 e da interleucina-17, apresentaram resultados clínicos positivos em relação à depuração da pele e melhora do bem-estar geral. No entanto, o impacto dos agentes biológicos da psoríase na melhora da qualidade de vida parece estar relacionado diretamente com as melhorias nos parâmetros físicos, principalmente com o grau de depuração da pele. 6 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente revisão, buscando responder se a psoríase em áreas especiais impacta negativamente na qualidade de vida e se há dificuldade de resposta terapêutica nessas áreas, demonstrou que esta doença afeta de forma significativa a saúde e o bem-estar dos pacientes. Ainda, com a dificuldade de comunicação e a inibição do paciente diante das repercussões da doença, a mensuração do impacto da condição pelo profissional de saúde deve ser feita de forma proativa. Sendo assim, torna-se fundamental a avaliação dos resultados com classificações qualitativas aprofundadas, buscando uma comunicação médico-paciente mais eficaz, com os cuidados de saúde centrados no paciente e, consequente, melhor prognóstico da doença. Nota-se com essas informações que psoríase em locais de difícil tratamento, embora localizadas, frequentemente trazem aos pacientes grande impacto na qualidade de vida, com consequente disfunção e efeitos psicológicos. O uso da terapia sistêmica com anti-TNF-alfa ou anti-imunoglobulinas costumam ser indicados, ao considerar a frequente ineficácia e desconforto relacionada ao uso de tratamento tópico e fototerapia. Finalizando, é imprescindível que na abordagem ao paciente, sejam mensuradas abertamente as reais expectativas sobre a terapêutica e os planos para o futuro, para desta forma evitar o surgimento de respostas inalcançáveis e falha na adesão ao tratamento. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 192 REFERÊNCIAS YANG EJ, et al. The impact of genital psoriasis on quality of life: a systematic review. Psoriasis: Targets and Therapy, 2018; 8: 41. EICHENFIELD LF, et al. Pediatric psoriasis: evolving perspectives. Pediatric dermatology, 2018; 35(2): 170-181. WILMER EN, HATCH RL. Resistant “candidal intertrigo”: could inverse psoriasis be the true culprit? The Journal of the American Board of Family Medicine, 2013; 26(2): 211-214. 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92332-92350 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 194 CAPÍTULO 11 O DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS: EMPODERAR PARA EFETIVAR Pablo Rangell Mendes Rios Pereira Mestrando em Direito e Políticas Públicas Centro Universitário de Brasília – UniCEUB SEPN 707/907, Campus Universitário, Asa Norte, Brasília/DF E-mail: pablorangell@gmail.com RESUMO: A Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), é fruto do encontro de duas proposições legislativas: o Projeto de Lei nº 4.060, de 13 de junho de 2012, de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), e o Projeto de Lei nº 5.276, de 13 de maio de 2016, de autoria do Poder Executivo Federal. Este artigo tem dois objetivos: i) realizar levantamento histórico acerca do processo legislativo que culminou na criação da LGPD, com enfoque especial nas condições de produção, nos sujeitos participantes e nas narrativas adotadas ao longo do processo legislativo que levou ao mais importante marco legal da proteção de dados pessoais no Brasil; e ii) explorar a ideia de “autodeterminação informativa”, a partir da literatura jurídica nacional, com vistas a identificar seu conceito, finalidade e os principais desafios à sua efetivação. A pesquisa, de cunho exploratório, se valeu de documentos constantes do endereço eletrônico da Câmara dos Deputados e de revisão da literatura jurídica nacional, especializada na temática da proteção de dados no Brasil. Sugere-se que a concretização do direito à autodeterminação informativa requer um olhar atento para a vulnerabilidade do titular de dados pessoais, de modo que, para a efetivação desse direito, revela-se imprescindível o necessário empoderamento do titular de dados pessoais. PALAVRAS-CHAVE: Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, LGPD, Lei nº 13.709/2018; Autodeterminação informativa. ABSTRACT: Law No. 13.709, of August 14, 2018, called General Personal Data Protection Law (LGPD), is the result of the meeting of two legislative proposals: Bill No. 4,060, of June 13, 2012, authored by Federal Deputy Milton Monti (PR/SP), and Bill No. 5,276, of May 13, 2016, authored by the Federal Executive Branch. This article has two objectives: i) to carry out a historical survey about the legislative process that culminated in the creation of the LGPD, with a special focus on the conditions of production, on the participating subjects and on the narratives adopted throughout the legislative process that led to the most important legal framework of the protection of personal data in Brazil; and ii) explore the idea of “informative self-determination”, based on the national legal literature, with a view to identifying its concept, purpose and the main challenges to its realization. The research, of an exploratory nature, made use of documents contained in the electronic address of the Chamber of Deputies and a review of the national legal literature, specialized in the theme of data protection in Brazil. It is suggested that the realization of the right to informative selfdetermination requires a careful look at the vulnerability of the holder of personal data, so that, for the realization of this right, the necessary empowerment of the holder of personal data is essential. KEYWORD: General Personal Data Protection Law, LGPD, Law No. 13.709/2018, informative self-determination. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 195 1. INTRODUÇÃO A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) é fruto do encontro de duas proposições legislativas: o Projeto de Lei nº 4.060, de 13 de junho de 2012 (PL 4060/2012), de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), e o Projeto de Lei nº 5.276, de 13 de maio de 2016 (PL 5276/2016), de autoria do Poder Executivo Federal. Na primeira parte do artigo é apresentado levantamento histórico – a partir de pesquisa exploratória de documentos constantes do endereço eletrônico da Câmara dos Deputados – acerca do processo legislativo que culminou na criação da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), com enfoque especial nas condições de produção, nos sujeitos participantes e nas narrativas adotadas ao longo do processo legislativo que levou ao mais importante marco legal da proteção de dados pessoais no Brasil. A segunda parte explora a ideia de “autodeterminação informativa” – a partir de revisão bibliográfica da literatura jurídica nacional, especializada na temática da proteção de dados pessoais – com vistas a identificar seu conceito, finalidade e os principais desafios à sua efetivação. Ao final, faz-se uma abordagem acerca dos importantes desafios que se colocam frente à necessidade de efetivação do direito à autodeterminação informativa, previsto como fundamento da disciplina do tratamento de dados pessoais no Brasil. 2. A AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS A Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, denominada “Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD)” é fruto – essencialmente1 – do encontro de duas proposições legislativas: o Projeto de Lei nº 4.060, de 13 de junho de 2012 (PL 4060/2012), de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), e o Projeto de Lei nº 5.276, de 13 de maio de 2016 (PL 5276/2016), de autoria do Poder Executivo. Para melhor compreensão, serão analisados, inicialmente, os principais eventos relacionados ao processo legislativo de cada uma dessas proposições. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 196 2.1 O PL 4060/2012 e sua justificativa O Projeto de Lei nº 4.060, de 13 de junho de 2012 (PL 4060/2012), de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), tinha por objeto dispor “sobre o tratamento de dados pessoais”, entre outras providências. O objetivo da lei, conforme o art. 1º, seria “garantir e proteger, no âmbito do tratamento de dados pessoais, a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa natural, particularmente em relação a sua liberdade, privacidade, intimidade, honra e imagem”. Segundo consta da Justificativa da proposição legislativa, a finalidade seria “dar ordenamento jurídico e institucional ao tratamento de dados pessoais, bem como a proteção dos direitos individuais das pessoas, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil”. Ainda, nos termos da Justificativa, o estabelecimento de normas legais para disciplinar o tratamento de dados permitiria “dar proteção à individualidade e a privacidade das pessoas, sem impedir a livre iniciativa comercial e de comunicação”. Por trás dessas ideias, chama a atenção um trecho da Justificativa do PL 4060/2012, em que o Deputado Milton Monte exalta a importância do V Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação, fórum de onde teria surgido a minuta que, posteriormente, seria apresentada à Câmara dos Deputados: Por esses motivos e sensibilizado pela realização do V Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação, evento promovido pela ABAP – Associação Brasileira das Agências de Publicidade e pelo FORCOM – Fórum Permanente de Comunicação, no qual tive a honra e a oportunidade de participar, e de forma especial como Presidente da Comissão 5 que tratou do tema da comunicação “one-to-one” Personalização X Privacidade, e que decidi apresentar o presente Projeto de Lei. Debatemos com muitos especialistas dessa área, destacando aqui a participação do blogueiro Marcelo Tás, do ator Odilon Wagner, do Presidente da ABEMD Efraim Kapulski, do Advogado Vitor Morais de Andrade, do Diretor da Editora Abril Fernando Costa, além de mais de uma centena de participantes, sendo elaborado ao final e aprovado um relatório pelos participantes de Comissão, bem como a aprovação por todas as 38 entidades que compuseram o V Congresso em uma votação plenária, destacando ainda que o texto final foi aprovado por unanimidade. Ainda, segundo consta do referido documento, o parlamentar conclui: Não há dúvida nenhuma que o Estado deve cuidar das questões gerais, mas é também evidente que a sociedade é refrataria ao excesso de tutela por parte do Estado e que deseja exercer na plenitude seus direitos constitucionais inclusive o de receber se quiser comunicações pelos meios disponíveis no momento. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 197 O V Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação, realizado em maio de 2012, foi promovido pela Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAP) e pelo Fórum Permanente da Indústria da Comunicação (FORCOM). O Congresso contou com a participação de 38 entidades integrantes do FORCOM, a exemplo da Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ADAP), da Associação Brasileira de Mídia Digital Out of Home (ABDOH), da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (ABIGRAF Nacional), da Associação Brasileira de Marketing & Negócios (ABMN), da Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABMR&A), da Associação Brasileira de Propaganda (ABP), da Associação Brasileira de Radiodifusores (ABRA), da Associação Brasileira das Agências de Comunicação (Abracom), entre outras. A lista é extensa, mas deixa evidente que o projeto de lei de proteção de dados pessoais que se buscava para o país tinha seu nascedouro no âmbito das entidades representativas da indústria da comunicação, e não nas entidades protetoras dos direitos individuais ou do consumidor, como se poderia presumir. 2.3 A autodeterminação informativa no PL 4060/2012 Em sua redação original, apresentada em 13/6/2012, assim era tratado o direito à autodeterminação informativa: CAPÍTULO II Dos Requisitos para Tratamento de Dados Pessoais [...] Art. 15. O Titular tem direito a autodeterminação das informações e dados pessoais prestados ou coletados, por qualquer meio. Parágrafo Único. O tratamento de dados e o envio de comunicações comerciais ou sociais é permitido, salvo se o titular solicitar o bloqueio do tratamento dos seus dados ou tiver manifestado diretamente ao responsável pelo envio a opção de não recebê-la. Topograficamente, o artigo estava inserido no Capítulo II da norma, que versava sobre os “requisitos” para tratamento de dados pessoais. O temo “requisito” diz respeito a “condição imposta” ou “condição reclamada”. Em seu sentido jurídico, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 198 portanto, é a “condição legal, exigida ou imposta para que tudo se faça de acordo com a regra jurídica” (SILVA, 2006, p. 1.211). No parágrafo único do dispositivo, faz-se menção às “comunicações comerciais”, o que revela as condições de produção (o V Congresso Brasileiro da Indústria da Comunicação) e os sujeitos participantes do discurso normativo inicialmente previsto (as entidades representativas dos meios de comunicação de massa e indústria da comunicação). 2.4 O PL 5276/2016 e sua justificativa O Projeto de Lei nº 5.276, de 13 de maio de 2016 (PL 5276/2016), de autoria do Poder Executivo, por sua vez, tinha por objeto dispor “sobre o tratamento de dados pessoais para a garantia do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa natural”. Na ementa do PL 5276/2016, diferentemente do PL 4060/2012, havia manifestação explícita de que a proposta visaria garantir o livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa natural. Pode-se argumentar que a ementa não tem valor normativo. Contudo, há um valor simbólico que não pode ser desprezado: a declaração explícita de proteção ao livre desenvolvimento e à dignidade da pessoa humana. Igualmente, pode-se argumentar que o art. 1º do PL 4060/2012 previa como objetivo “a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa natural, particularmente em relação a sua liberdade, privacidade, intimidade, honra e imagem”, o que, ao fim e ao cabo, redundaria na mesma ideia. Ocorre que, outra vez, o art. 1º do PL 5276/2016 reforçou o objetivo de “proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. Há que se reconhecer, portanto, que o PL 5276/2016 sinalizou explicitamente o intento de proteger o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, o que não foi feito no PL 4060/2012. Tal sinalização é importante porque permite trilhar caminhos de resposta para dúvidas que se mostram fundamentais, no que diz respeito à “autodeterminação informativa”: há como exercer a autodeterminação informativa sem se ter liberdade de desenvolvimento da personalidade? O livre desenvolvimento da personalidade é pressuposto para se exercer, de forma consciente, a autodeterminação informativa? Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 199 Segundo constava da Justificativa do PL 5276/2016, a proposta, ao invés de se limitar à manifestação de “dar proteção à individualidade e a privacidade das pessoas, sem impedir a livre iniciativa comercial e de comunicação”, como previsto no PL 4060/2012, tinha como finalidade “assegurar ao cidadão o controle e a titularidade sobre suas informações pessoais, com fundamento na inviolabilidade da intimidade e da vida privada, na liberdade de expressão, comunicação e opinião, na autodeterminação informativa, no desenvolvimento econômico e tecnológico, bem como na livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor”. A proposta veiculada no PL 5276/2016 preocupava-se com o fato de que “o avanço da tecnologia da informação amplia enormemente o potencial de coleta, processamento e utilização de dados pessoais, o que representa, por um lado, uma oportunidade de geração de novos conhecimentos e serviços mas, por outro, pode acarretar graves riscos aos direitos da personalidade do cidadão, ao acesso a serviços e bens, além de uma grande insegurança jurídica para o ambiente de negócios de tecnologia da informação existente no país”. Ao contrário de uma fundamentação preponderantemente voltada para o mercado (o mercado dos meios de comunicação de massa), como era o caso do PL 4060/2012, a proposta do Poder Executivo, veiculada a partir do PL 5276/2016, visava um espaço de harmonia possível entre as forças do mercado e a proteção aos direitos individuais do cidadão. Além disso, ao invés de ter sua origem em um público restrito, tais como as entidades de representação da indústria da comunicação, o PL 5276/2016 foi resultado “de um amplo debate público promovido pelo Ministério da Justiça, que teve duração de quase seis meses, recebendo mais de 50 mil visitas e obtendo mais de 1.100 contribuições”. 2.5 A autodeterminação informativa no PL 5276/2016 Na sua redação original, apresentada em 13/5/2016, o PL 5276/2016, de autoria do Poder Executivo, assim dispunha sobre a autodeterminação informativa: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES [...] Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 200 Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamento o respeito à privacidade e: I - a autodeterminação informativa; Topograficamente, ao contrário do PL 4060/2012, de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), a proposta do Poder Executivo situou a autodeterminação informativa como “fundamento” para a disciplina da proteção de dados. Segundo De Plácio e Silva, considera-se “fundamento”, em relação às coisas, “a própria razão de ser delas”; e em relação às ações, o que as legitimam (SILVA, 2006, p. 643). Também aqui é possível observar as condições de produção (debates públicos e audiências públicas, inclusive na Internet) e os sujeitos participantes do discurso normativo inicialmente previsto (pluralidade de atores e contribuições dos mais diversos setores da sociedade). 2.6 A tramitação conjunta dos pls 4060/2012 e 5276/2016: ampliação do espaço de debate O PL 4060/2012, de autoria do Deputado Milton Monti (PR/SP), já tramitava pela Câmara dos Deputados desde 13 de junho de 2012. Apesar de a proposta ter como objeto tema de grande amplitude, que envolvia – direta ou indiretamente – direitos individuais, consumeristas, entre outros, foi inicialmente tramitada para a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI), uma das Comissões Permanentes da Casa, designando-se como relator do projeto na referida Comissão o Deputado Federal Sergio Zveiter (PSD-RJ), em 11/03/2015. Segundo o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), as Comissões Permanentes ou Temporárias atuam, basicamente, na apreciação de proposições legislativas, apreciando-as e deliberando sobre sua aprovação ou rejeição. É que prevê o art. 22 do RICD: CAPÍTULO IV DAS COMISSÕES Seção I Disposições Gerais Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 201 Art. 22. As Comissões da Câmara são: I - Permanentes, as de caráter técnico-legislativo ou especializado integrantes da estrutura institucional da Casa, co-partícipes e agentes do processo legiferante, que têm por finalidade apreciar os assuntos ou proposições submetidos ao seu exame e sobre eles deliberar, assim como exercer o acompanhamento dos planos e programas governamentais e a fiscalização orçamentária da União, no âmbito dos respectivos campos temáticos e áreas de atuação; II - Temporárias, as criadas para apreciar determinado assunto, que se extinguem ao término da legislatura, ou antes dele, quando alcançado o fim a que se destinam ou expirado seu prazo de duração. As Comissões Permanentes são distribuídas por áreas temáticas, enquanto as Comissões Temporárias são criadas para apreciarem um assunto específico. No caso da CCTCI, Comissão Permanente para a qual foi distribuído o PL 4060/2012, suas competências são as previstas no art. 32, III, do RICD: Art. 32. São as seguintes as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos ou áreas de atividade: [...] III - Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática: a) desenvolvimento científico e tecnológico; política nacional de ciência e tecnologia e organização institucional do setor; acordos de cooperação com outros países e organismos internacionais; b) sistema estatístico, cartográfico e demográfico nacional; c) os meios de comunicação social e a liberdade de imprensa; d) a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão; e) assuntos relativos a comunicações, telecomunicações, informática, telemática e robótica em geral; f) indústrias de computação e seus aspectos estratégicos; g) serviços postais, telegráficos, telefônicos, de telex, de radiodifusão e de transmissão de dados; h) outorga e renovação da exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; i) política nacional de informática e automação e de telecomunicações; j) regime jurídico das telecomunicações e informática; Pelas competências regimentais da CCTCI, nota-se que o PL 4060/2012 dava muito mais enfoque à indústria da comunicação, em seus variados aspectos, do que à garantia da privacidade ou dos direitos individuais do cidadão. A proposição era, materialmente, muito mais ampla e merecia ser discutida em fórum igualmente plural. Com vistas a ampliar o debate acerca da proposição legislativa, o Deputado Federal Sérgio Zveiter (PSD/RJ) apresentou requerimento para que entidades e especialistas no tema fossem convidados para discutir a proposta. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 202 Nesse sentido, Zveiter, por requerimento apresentado em 06/05/2015, propunha à CCTCI, portanto, convidar para debater o projeto aqueles que já haviam participado de todo o processo de construção do projeto de lei, isto é, os representantes da indústria da mídia, tais como a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), a Associação Brasileira de Marketing Direto (ABEMD) e a Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (ABERT). Somente quatro meses depois, em 17/09/2015, Zveiter apresentaria novo requerimento, propondo à CCTCI que fossem convidados para debater a proposta representantes da Secretária Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e o professor Pablo Ortellado, Professor da Universidade de São Paulo (USP). O requerimento mantinha a proposta de convite à Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). Após diversas tramitações processuais, em 12/11/2015, substituiu-se o relator do projeto na CCTCI, função esta que passou a ser desempenhada pelo Deputado Federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). Em 04/05/2016, o projeto receberia parecer – pela aprovação – do relator Sóstenes Cavalcante para apreciação e votação no âmbito da CCTCI. Em seu voto, o destaque para o fato de que “o Brasil demanda uma legislação sobre a matéria, em face do crescimento desse tipo de atividade e da comercialização ilegal desse tipo de informação” e a menção ao fato que veio a público, em 2013, relatando que “as principais empresas de Internet sediadas nos Estados Unidos da América, entre elas o Google e o Facebook, violam a privacidade de seus usuários, franqueando o acesso a esses dados à NSA, a agência de segurança americana”. No dia 11/05/2016, em reunião deliberativa ordinária da CCTCI, o projeto foi retirado de pauta a pedido do Deputado Federal Bilac Pinto. Dois dias depois, em 13/05/2016, o Poder Executivo apresentaria sua proposta de projeto de lei para dispor sobre o tratamento de dados pessoais. Nascia, naquele momento, o PL 5276/2016. Depois de sucessivas retiradas de pauta (18/05/2016, a requerimento do Deputado Federal Vitor Lippi; 1º/06/2016, a requerimento do Deputado Federal Sibá Machado; 13/07/2016, por iniciativa do próprio relator da CCTCI), o Deputado Federal Alexandre Leite (DEM-SP) apresentou requerimento no Plenário da Câmara dos Deputados para que o PL 5276/2016, de autoria do Poder Executivo, fosse apensado Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 203 ao PL 4060/2012, de autoria do Deputado Milton Monti (PR/SP). Em 18/07/2016, o requerimento foi aprovado pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e os processos passam a tramitar conjuntamente. No dia 24/08/2016, a Presidência da Câmara dos Deputados cria Comissão Especial, com fundamento no art. 34, II, do RICD, para apreciar o PL 4060/12, em conjunto com o PL 5276/2016, de autoria do Poder Executivo. Nos termos do art. 34, II, do RICD: Subseção I Das Comissões Especiais Art. 34. As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre: [...] II - proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada. § 1º Pelo menos metade dos membros titulares da Comissão Especial referida no inciso II será constituída por membros titulares das Comissões Permanentes que deveriam ser chamadas a opinar sobre a proposição em causa. § 2º Caberá à Comissão Especial o exame de admissibilidade e do mérito da proposição principal e das emendas que lhe forem apresentadas, observado o disposto no art. 49 e no § 1º do art. 24. A criação da Comissão Especial denunciaria uma falha grave, já identificada no nascedouro do PL 4060/2012, qual seja, a tramitação da proposição na CCTCI, a despeito do amplo escopo da proposição legislativa. De fato, a apreciação do projeto sob a lente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática tenderia a favorecer as entidades representativas da indústria da mídia e limitaria o espaço de debate de um projeto tão importante para a vida de todos os brasileiros. Como resultado da ampliação da arena de debate, a Comissão Especial recebeu 18 requerimentos para realização de audiência pública e um para realização de missão oficial dos seus membros ao Valle do Silício, nos Estados Unidos. Na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, pelo contrário, apenas três requerimentos voltados à ampliação do debate foram protocolizados. A título de registro, na CCTCI, apenas o Deputado Federal Sibá Machado, em requerimento datado de 17/05/2016, sugeria que a Comissão também convidasse para debate outras autoridades envolvidas com a temática, e não apenas as representativas da mídia de massa, tais como Pedro Markun, do Laboratório Hacker, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 204 da Câmara dos Deputados, Demi Getschko, Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), Ronaldo Lemos, do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Paulo Rená, Diretor do Instituto Beta para Internet e Democracia (IBIDEM) e, também, professor de Direito no Centro Universitário de Brasília e Mestre em Direito pela UnB, representante do Coletivo Intervozes, do InternetLab e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). Portanto, com a criação da Comissão Especial, diversas entidades e autoridades dos mais diversos setores da sociedade puderam ser convidadas para dar sua opinião sobre o projeto de lei que se propunha a ser o principal marco regulatório da proteção de dados pessoais do país. Ao final, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), restou assim redigida, no tocante à autodeterminação informativa: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES [...] Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: [...] II - a autodeterminação informativa; Prevaleceu a proposição legislativa de autoria do Poder Executivo e, com ela, a ideia de que a autodeterminação é um fundamento da disciplina da proteção de dados pessoais no Brasil. Se a legislação alcançará a sua eficácia social, isso ainda é uma incógnita. 3. A AUTODETERMINAÇÃO INFORMATIVA À LUZ DA LITERATURA JURÍDICA NACIONAL Como dito, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é fruto da apreciação de três Projetos de Lei da Câmara dos Deputados: o Projeto de Lei nº 4.060, de 13 de junho de 2012 (PL 4060/2012), de autoria do Deputado Milton Monti (PR/SP) e seus dois apensos, o Projeto de Lei nº 5.276, de 13 de maio de 2016 (PL 5276/2016), de autoria do Poder Executivo, e o Projeto de Lei nº 6.291, de 11 de outubro de 2016 (PL 6291/2016), de autoria do Deputado Federal João Derly (REDE/RS)2. A autodeterminação informativa foi tratada em ambas as propostas, desde a Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 205 sua versão original. A despeito disso, a autodeterminação informativa ganhou conotação e importâncias distintas nas proposições legislativas. A autodeterminação informativa foi tratada como um requisito para o tratamento de dados pessoais no PL 4060/2012, de autoria do Deputado Milton Monti (PR/SP), ao passo que, no PL 5276/2016, de autoria do Poder Executivo, a autodeterminação informativa foi tida como fundamento para a disciplina da proteção de dados pessoais. Prevaleceu a proposição do Poder Executivo, ou seja, a de que a autodeterminação informativa é um fundamento para a própria disciplina da proteção de dados 3. Em termos gerais, a autodeterminação informativa tem sido compreendida a partir da premissa de que o indivíduo pode controlar a obtenção, a titularidade, o tratamento e a transmissão de dados relativos à sua pessoa. Mas o que diz a literatura jurídica nacional a respeito do tema? Para Rony Vainzof, a autodeterminação informativa consiste no controle pessoal do titular do dado sobre o trânsito relativo às suas informações. Trata-se, portanto, de uma “extensão de liberdades do indivíduo” (VAINZOF, 2019, p. 27). Segundo Vainzof, essas liberdades conjugariam duas concepções de privacidade de dados. Uma seria negativa e estática; a outra seria moderna e dinâmica, que acompanharia todo o “ciclo da vida dos dados nos mais variados meios em que possa circular” (VAINZOF, 2019, p. 27). Ana Paula Gambogi Carvalho, por sua vez, destaca que a autodeterminação informativa é o direito que assegura a todo titular de dados tomar conhecimento sobre o arquivamento e a utilização de informações a ele pertencentes por terceiros, assim como controlar, questionar, corrigir, impedir, retirar ou retificar dados (CARVALHO, 2003). Danilo Doneda, um dos maiores estudiosos do tema no Brasil, por sua vez, esclarece que “a autodeterminação informativa surgiu basicamente como uma extensão das liberdades presentes nas leis de segunda geração, e são várias as mudanças específicas neste sentido que podem ser identificadas na estrutura destas novas leis” (DONEDA, 2010, p. 42). O autor ressalta, ainda, que: O tratamento dos dados pessoais era visto como um processo, que não se encerrava na simples permissão ou não da pessoa à utilização de seus dados pessoais, porém procurava inclui-la em fases sucessivas do processo de tratamento e utilização de sua própria informação por Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 206 terceiros, além de compreender algumas garantias, como o dever de informação (DONEDA, 2010, p. 42). Portanto, reconhecendo a assimetria de informações e o desequilíbrio de armas entre titular e agente de tratamento de dados, Doneda ressalta que as leis: procuraram fortalecer a posição da pessoa em relação às entidades que coletam e processam seus dados, reconhecendo um desequilíbrio nesta relação que não era resolvido por medidas que simplesmente reconheciam o direito à autodeterminação informativa (DONEDA, 2010, p. 42). A autodeterminação informativa, portanto, não corresponde à ideia reducionista de autonomia da vontade do titular do dado, como outrora já se acreditou. Como acentua Bruno Ricardo Bioni, outro expoente do tema no Brasil, “historicamente, a proteção dos dados pessoais tem sido compreendida como o direito de o indivíduo autodeterminar as suas informações pessoais: autodeterminação informacional” (BIONI, 2019, n.p). Contudo, o autor critica essa forma de construção do sentido da autodeterminação informativa, dado que, na construção do conceito: recorre-se, por isso, à técnica legislativa de eleger o consentimento do titular dos dados pessoais como seu pilar normativo. Por meio do consentimento, o cidadão emitiria autorizações sobre o fluxo dos seus dados pessoais, controlando-os (BIONI, 2019, n.p). Porém, Bioni adverte que: não raras vezes a terminologia ‘autodeterminação informacional’ implica a interpretação equivocada de que o consentimento do titular dos dados pessoais teria primazia e prevalência na proteção dos dados pessoais, a fim de que, justamente, o sujeito autodeterminasse as suas informações pessoais (BIONI, 2019, n.p). Ao se definir o consentimento do titular como base normativa fundamental para a proteção de dados, dando-lhe papel primordial à proteção de dados pessoais, limitase, ou mesmo, ignora-se a assimetria entre o titular e o agente de tratamento de dados. Prioriza- se o aspecto formal, que ignora a desigualdade material entre os atores envolvidos no jogo do tratamento de dados, em detrimento do aspecto material. Ao priorizar a lógica formal, ignora-se que a capacidade do titular em consentir de maneira plenamente informada é um ideal, jamais uma realidade, sobretudo em um país tão Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 207 desigual, em termos sociais e econômicos, como o Brasil. Nessa mesma linha de ideias, Rony Vainzof, ao comentar o art. 2º, II, da LGPD, que trata da autodeterminação informativa, adverte que “pensar que o cidadão possa ter o controle sobre seus próprios dados parece, atualmente, uma utopia” (VAINZOF, 2019, p. 27). Como ressalta Vainzof, a autodeterminação informativa, enquanto fundamento da LGPD: vai muito além do nível de esfera íntima do cidadão, pois atinge também emanações notoriamente de natureza pública dos titulares, como opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, incluindo o tratamento de dados pessoais cujo acesso é público, que deverá considerar a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram sua disponibilização (VAINZOF, 2019, p. 27-28). Por isso, Bioni sustenta a necessidade de empoderamento do titular de dados, como forma de efetivar a autodeterminação informativa. Nas palavras do autor: deve haver uma releitura ambivalente do paradigma da autodeterminação informacional – procedimental e substantiva – que embora mantenha o papel de protagonismo do consentimento, empresta-lhe um novo roteiro normativo: a percepção de que o titular dos dados pessoais amarga uma (hiper)vulnerabilidade, o que demanda, respectivamente, o seu empoderamento para emancipá-lo e a sua intervenção para assisti-lo (BIONI, 2019, n.p). Em termos práticos, Bioni menciona uma série de fragilidades informacionais por parte de titulares de dados, constatadas a partir de estudos empíricos das Universidades de Stanford e Carnegie Mellon, desenvolvidos a partir de modelos mentais dos usuários a respeito do funcionamento da publicidade comportamental no ambiente on-line: os usuários não têm um conhecimento técnico para autodeterminar os seus dados pessoais no plano da sua coleta. Apenas 23% dos usuários usam o modo de navegação privada – aquele que bloqueia a coleta dos dados pessoais –, enquanto 50% dos usuários não usam tal ferramenta e 27% não têm certeza. Além disso, somente 17% deletam cookies, 23% não têm certeza, e, por fim, 60% não deletam essa ferramenta de coleta de dados pessoais (BIONI, 2019, n.p). No mesmo sentido, merece destaque o estudo de Flávio Franco sobre o impacto do marco civil da internet nas atividades de e-commerce. O autor aponta o Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 208 contínuo aumento de vendas on-line no e-commerce brasileiro (“26% em 2011, 20% em 2012, 28% em 2013 e 24% em 2014”) (FRANCO, 2017, p. 492), o que evidencia o desafio de se assegurar ao consumidor, e por que não dizer, ao titular de dados, a devida proteção dos seus dados pessoais, tendo em vista a assimetria informacional entre titular e agentes de tratamento de dados do mercado virtual (FRANCO, 2017, p. 492). Do mesmo modo, Laura Schertel Mendes, ao abordar a tutela da privacidade do consumidor na internet, chama a atenção para a necessária segurança e confiabilidade dos ambientes virtuais, visto que o usuário de plataformas digitais precisará: confiar na funcionalidade do sistema e no fato de que as suas informações serão tratadas de forma confidencial e segura para que possa utilizar livremente o sistema e exercer os seus direitos fundamentais por meio dele (MENDES, 2015, p. 474). Nesse sentido, deve ser lida com uma certa dose de ceticismo a justificativa constante do PL 4060/2012, de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), no sentido de que “não há dúvida nenhuma que o Estado deve cuidar das questões gerais, mas é também evidente que a sociedade é refrataria ao excesso de tutela por parte do Estado e que deseja exercer na plenitude seus direitos constitucionais inclusive o de receber se quiser comunicações pelos meios disponíveis no momento”. Mais adequado seria, portanto, que a justificativa enfatizasse o papel do Estado enquanto instrumento de apoio ao empoderamento do titular dos dados – na feliz expressão de Bioni (BIONI, 2019, n.p) – ao invés de sustentar a ideia de que há uma extrema tutela estatal, o que não parece ser o caso, ao menos no campo da proteção de dados pessoais no Brasil. Assim, a LGPD é um importante instrumento para fazer frente aos desafios que se colocam frente à necessidade de efetivação do direito à autodeterminação informativa, dado que, na linha do que orienta a literatura jurídica nacional, não se pode perder de vista a “(hiper)vulnerabilidade” do titular de dados pessoais no Brasil (BIONI, 2019, n.p). 3. CONCLUSÃO A Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 209 Pessoais (LGPD), é um grande marco para a proteção de dados pessoais no Brasil. É fruto do encontro de duas proposições legislativas: o Projeto de Lei nº 4.060, de 13 de junho de 2012 (PL 4060/2012), de autoria do Deputado Federal Milton Monti (PR/SP), e o Projeto de Lei nº 5.276, de 13 de maio de 2016 (PL 5276/2016), de autoria do Poder Executivo. Sua proposta inicial, isto é, o PL 4060/2012, carecia de legitimidade e representatividade, porque atendia aos anseios da indústria da comunicação. A correção de rumos veio com a apresentação do PL 5276/2016, de autoria do Poder Executivo, momento a partir do qual se ampliou de forma significativa do debate em torno do tema da proteção de dados pessoais. A autodeterminação informativa, inicialmente alocada como um “requisito” na proposta inicial (PL 4060/2012), ganhou status de “fundamento” no PL 5276/2016, e assim permaneceu até o texto final da LGPD. A autodeterminação informativa é o direito que assegura a todo titular de dados tomar conhecimento sobre o arquivamento e a utilização de informações a ele pertencentes por terceiros, assim como controlar, questionar, corrigir, impedir, retirar ou retificar dados (CARVALHO, 2003). Contudo, a efetivação desse direito impõe importantes desafios para o futuro, entre eles, o desafio da superação da “(hiper)vulnerabilidade” do titular de dados pessoais no Brasil (BIONI, 2019, n.p). Há correções a serem feitas? Falhamos no conteúdo da lei? A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais produzirá a eficácia social desejada? A autodeterminação informativa será um direito plenamente efetivado? Todas essas questões ainda carecem de maiores investigações, pois a LGPD foi publicada há pouco mais de três anos. O passado sugere que, se falhamos em algo, não parece ter sido no procedimento. A norma foi construída a partir de um amplo debate, que envolveu diversos setores da sociedade e uma gama de estudiosos do tema. O presente, por sua vez, evidencia que a literatura jurídica nacional se encontra vigilante em relação aos desafios que se põem à efetivação do direito à autodeterminação informativa. É preciso dar mais liberdade e intervir menos, mas é preciso, sobretudo, (super) empoderar o titular de dados pessoais. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 210 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 13.709 de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Brasília, DF. ago. 2021. BIONI, B. Proteção de dados pessoais: a função e os limites do consentimento. Rio de Janeiro: Forense, 2019. Versão digital. CARVALHO, A. P. G. O consumidor e o direito à autodeterminação informacional: considerações sobre os bancos de dados eletrônicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. DONEDA, D. A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além da informação creditícia. Brasília: SDE/DPDC, 2010. FRANCO, F. O impacto do marco civil da internet nas atividades de e-commerce. In: FREITAS, Rafael Véras de; RIBEIRO, Leonardo Coelho; FEIGELSON, Bruno (Coord.). Regulação e novas tecnologias. Belo Horizonte: Fórum, 2017. MENDES, L. S. A Tutela da Privacidade do Consumidor na Internet: uma análise à luz do Marco Civil da Internet e do Código de Defesa do Consumidor. In: LUCCA, Newton de; FILHO, Adalberto Simão; LIMA, Cíntia Rosa Pereira de. Direito & Internet III. Marco Civil da Interne. São Paulo: Quartier Latin, 2015. SILVA, D. P. E. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. VAINZOF, R. Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018. In: BLUM, Renato Opice; MALDONADO, Viviane Nóbrega. LGPD: Lei Geral De Proteção De Dados Comentada. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2019. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.92075-92091 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 211 CAPÍTULO 12 O REGISTRO DE IMÓVEIS E A INFORMAÇÃO AMBIENTAL Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva Mestre e Doutor em Ciência Jurídica pela Fundação Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) Juiz Federal Rua Uruguai, 458 – Centro, Itajaí – SC - Brasil E-mail: amaraltoninho@hotmail.com Marcelo Buzaglo Dantas Pós-Doutor em Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade pela UNIVALI Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica (Mestrado e Doutorado) da UNIVALI Rua Uruguai, 458 – Centro, Itajaí – SC - Brasil E-mail: marcelo@buzaglodantas.adv.br Sheyla Campos Pinheiro Graduanda em Direito Universidade Ceuma Av. Sarney Filho, 19A - V. Embratel, São Luís - MA - Brasil E-mail: sheylapinheiro99@gmail.com Zenildo Bodnar Pós Doutor em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina e pela Universidad de Alicante – Espanha Professor nos programas de Doutorado e Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí Rua Uruguai, 458 – Centro, Itajaí – SC - Brasil E-mail: zenildo.bodnar1@gmail.com RESUMO: A Constituição Federal assegurou a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, delegando ao Registro de Imóveis a missão de concentrar todas as informações relativas ao bem de raiz. Há um trinômio envolvendo meio ambiente, propriedade imobiliária e Registro de Imóveis, na medida em que as informações, os direitos e as restrições ambientais devem ser inscritas na matrícula, operando-se a publicidade ambiental, a segurança jurídica econômica e a preservação do meio ambiente. Desta forma, o presente trabalho, utilizando-se da pesquisa bibliográfica como metodologia, tem por objetivo estudar as relações entre o Registro de Imóveis e a Lei de Informação Ambiental (Lei 10.650/2003) verificando se há alguma interação normatizada entre eles, especialmente quanto ao ingresso dos dados ambientais nas serventias imobiliárias. Ao estudar os artigos da Lei, procura-se verificar as medidas necessárias para que a eficácia da norma seja potencializada através de uma adequada combinação com o Direito Registral, de molde a obter repercussões e interações diretas e práticas no âmbito do Registro de Imóveis em favor do meio ambiente. PALAVRAS-CHAVE: Registro de Imóveis; Lei 10.650/2003; Meio Ambiente; Informação. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 212 ABSTRACT: The Federal Constitution guaranteed everyone the right to a balanced environment, delegating to the Property Registry the task of concentrating all information related to the root asset. There is a trinomial involving the environment, real estate and Property Registry, insofar as environmental information, rights and restrictions must be registered in the property's registration, operating environmental advertising, economic legal security and preservation of the environment. Thus, the present work, using bibliographic research as a methodology, aims to study the relationship between the Property Registry and the Environmental Information Law (Law 10.650 / 2003), checking if there is any standardized interaction between them, especially regarding the entry of environmental data into the real estate registry services. When studying the various articles of the Law, one seeks to verify the necessary measures so that the effectiveness of the standard is enhanced through an appropriate combination with the Registration Law, in order to obtain repercussions and direct and practical interactions within the scope of the Property Registry in environmentally friendly. KEYWORDS: Property Registration; Law 10.650/2003; Environment; Information. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 213 1. INTRODUÇÃO O artigo tem por objetivo científico estudar a Lei de Informação Ambiental e suas interações com o registro imobiliário. Insere-se na temática combinada entre o Direito Ambiental1 e o Direito Registral2, buscando elementos teóricos que possam legitimar a inscrição das informações da Lei 10.650/2003 nas matrículas do Registro de Imóveis3 em prol do meio ambiente.4 Pretende-se verificar os dispositivos legais e suas relações com o registro imobiliário, mormente se indagarmos: existe uma interação entre a Lei 10.650/2003 e o Registro de Imóveis para a inscrição das informações ambientais nas matrículas? Destarte, é oportuno averiguar a questão e, ainda, pensar em como melhorar o intercâmbio de informações entre os órgãos administrativos com o sistema5 de registro imobiliário. Importante, também, propor medidas práticas em prol da informação ambiental, da transparência e da sustentabilidade.6 Sob a perspectiva da publicidade e da segurança jurídica, pretende-se demonstrar a importância da interligação entre as normas da Lei 10.650/2003 e as de Direito Registral, potencializando a informação de caráter ambiental com sua inscrição 1 Direito Ambiental: “O Direito Ambiental é, portanto, a norma que, baseada no fato ambiental e no valor ético ambiental, estabelece os mecanismos normativos capazes de disciplinar as atividades humanas em relação ao meio ambiente.” ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 14 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 6. 2 Direito Registral: é o conjunto de princípios e de normas que têm por objetivo disciplinar os registros públicos, regulamentando a forma e o procedimento para a realização de tais atos solenes, bem assim os efeitos e as consequências jurídicas que deles promanam. 3 Registro de Imóveis: é a instituição encarregada, por delegação constitucional, de guardar e conservar na matrícula as informações relativas a determinado bem imóvel, fornecendo a qualquer interessado certidão a respeito dos dados alusivos à propriedade imobiliária, conferindo autenticidade, segurança, validade e publicidade a atos e fatos jurídicos. SARMENTO, Eduardo Sócrates Castanheira. A dúvida na nova lei de registros públicos: doutrina, prática, jurisprudência, legislação. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 3. 4 Meio ambiente: “[...] o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Consoante o artigo 3º da Lei 6.938/1981. 5 Sistema: “Todo conjunto ordenado de técnicas, normas e conceitos que venha a constituir-se num Modelo” MELO, Osvaldo Ferreira. de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: OAB-SC, 2000, p. 88. 6 “Sin embargo, la Sostenibilidad es una noción positiva y altamente proactiva que supone la introducción de los cambios necesarios para que la sociedad planetaria, constituida por la Humanidad, sea capaz de perpetuarse indefinidamente en el tiempo.” REAL FERRER, Gabriel. Sostenibilidad, transnacionalidad y transformaciones del Derecho. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; GARCIA, Denise Schmitt Siqueira (Orgs.). Direito ambiental, transnacionalidade e sustentabilidade. Dados eletrônicos. Itajaí: UNIVALI, 2013, p. 13. Tradução livre: “Porém, Sustentabilidade é uma noção positiva e altamente pró-ativa que supõe a introdução das mudanças necessárias para que a sociedade planetária, constituída pela Humanidade, seja capaz de se perpetuar indefinidamente no tempo”. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 214 na matrícula imobiliária.7 A transparência8 e a acessibilidade proporcionadas pelo registro imobiliário a todos, independentemente de justificação9 e mediante simples requerimento ao registrador, é uma das medidas de maior eficácia para a defesa da natureza na atualidade. Daí ser oportuno questionar quais dados, relativos ao meio ambiente10, que devem ser inscritos na matrícula das propriedades. Sem dúvida, são inúmeras as hipóteses, especialmente quando cominadas ao proprietário limitações e/ou obrigações de fazer ou não fazer, cujo conhecimento por terceiros somente é viável pela via da inscrição na matrícula e pela publicidade registral. É interessante, portanto, que sejam apresentadas propostas de atualização da Lei 10.650/2003, de tal forma que todos os dados estejam acessíveis não só nos órgãos ambientais, mas, sobretudo, no Registro de Imóveis e na internet, poupando o cidadão de dirigir-se, fisicamente, até qualquer um deles. 2. REGISTRO DE IMÓVEIS E MEIO AMBIENTE: SUSTENTABILIDADE As serventias imobiliárias destinam-se ao assentamento de títulos públicos e Como leciona MÁÑEZ o “Registro de Imóveis tem por finalidade principal dar segurança ao tráfico jurídico imobiliário, no intuito de garantir a existência e conteúdo dos direitos de propriedade que se constituam e inscrevam sobre as propriedades registrais, de modo que, quem adquira tais direitos confiando em sua descrição registral e o inscreva a seu favor, será protegido pelo ordenamento jurídico diante de possíveis reclamações”. MÁÑEZ, José Luis Salazar. Meio ambiente e Registro de Imóveis, uma interação mútua: o direito de acesso à informação ambiental e em apoio à sustentabilidade. In: Registro de Imóveis e meio ambiente. JACOMINO, Sérgio; MELO, Marcelo Augusto Santana; CRIADO, Francisco de Asís Palacios (Coordenadores). São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 175/176. 8 Transparência do Estado se revela quando ele torna pública a informação que detém, de forma acessível, clara e simples, despida de tecnicismos ou outras linguagens obscuras para a maioria da população. 9 Lei 6.015/1973: “Art. 17. Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido” 10 “1.1.1 Defining the environment - [...] The Environmental Protection Act (EPA) 1990 provides a useful starting point. Under s 1(2) “The ‘environment’ consists of all, or any of the following media, namely, the air, water and land; and the medium of air includes the air within buildings and the air within other natural or man-made structures above or below ground”. “1.1.1 Definindo o ambiente - [...] A Lei de Proteção Ambiental (EPA) 1990 fornece um ponto de partida útil. Sob s 1(2) - “O‘ ambiente ’consiste em todos ou qualquer um dos seguintes meios, nomeadamente, o ar, a água e a terra; e o meio do ar inclui o ar dentro de edifícios e o ar dentro de outras estruturas naturais ou feitas pelo homem acima ou abaixo do solo" (tradução livre). WOLF, Susan; WHITE, Anna. Principles of environmental law. Second Edition. London: Cavendish Publishing Limited, 1997, p.1. 7 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 215 privados e, com a publicidade advinda do registro11, outorgam-se aos títulos a oponibilidade a terceiros. O sistema de Registros Públicos é destinado a garantir a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, na forma das Leis 6.015/1973 e 8.935/1994 ou “Lei dos Notários e Registradores”.12 O acesso às informações constantes do registro é amplo e livre, consoante o artigo 17 da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), pelo que qualquer “pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”. Sendo certo que todas as informações pertinentes a um imóvel devem estar concentradas numa matrícula individualizada. MÁÑEZ, defende que os registros imobiliários exerçam “atividades de informação e de segurança jurídica em matéria ambiental”, convertendo-se em instrumentos de “proteção da legalidade meio ambiental”, mediante: - A utilização do cartório como centro de difusão de informação meio ambiental relativo ao território do distrito registral de que se cuide, aproveitando que se trata de órgãos públicos, descentralizados e com grande implantação territorial, completamente informatizados, e relacionados com os departamentos de registro dos demais países da União Europeia.13 Com efeito, a serventia do Registro de Imóveis, para gerar a proteção jurídica e econômica da propriedade, deve fornecer à coletividade quaisquer informações relativas à situação do bem, incluindo, as de caráter ambiental. Nesse sentido, o problema da eficácia das leis é preocupante: Según el profesor Rafael Valenzuela, una norma es eficaz cuando las respuestas conductuales reclamadas por su contenido preceptivo han sido las apropiadas para encarar la situación que motivó, precisamente, su imposición. Lei 6.015/73: “Art. 16. Os oficiais e os encarregados das repartições em que se façam os registros são obrigados: 1º a lavrar certidão do que lhes for requerido; 2º a fornecer às partes as informações solicitadas”. 12 “Notários e registradores são profissionais cujos atos, atribuídos por lei, são remunerados por pessoas naturais ou jurídicas (as partes) e não pelo Estado. Por isso se diz que são titulares de serventias não oficializadas, querendo, assim, afirmar que se trata de serviços não estatizados”. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 21. 13 MÁÑEZ, José Luis Salazar. Meio ambiente e Registro de Imóveis, uma interação mútua: o direito ao acesso à informação ambiental e em apoio à sustentabilidade. Em: JACOMINO, Sérgio; MELO, Marcelo Augusto Santana de; CRIADO, Francisco de Assis Palacios (coord). Registro de Imóveis e meio ambiente. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 186-187. 11 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 216 Se habla de eficacia cuando la norma cumple con la finalidad para la cual fue dictada, y de eficiencia cuando ella es acatada por la sociedad, alude al grado de obedecimiento efectivo, espontáneo o provocado, del deber ser impuesto por la norma vigente.14 É claro que o cumprimento espontâneo é um ideal coletivo, porém difícil de ser atingido, bem por isto, normas restritivas devem vir acompanhadas de instrumentos para lhes dar eficácia. A Carta Magna trouxe o princípio do direito ao meio ambiente equilibrado e o constitucionalizou no artigo 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Esse direito se traduz na conservação da natureza e suas funções, garantindo-se a existência, evolução e desenvolvimento dos seres vivos do planeta, podendo ser tal estado de coisas condensado na palavra sustentabilidade:15 Another principle undergirding much of international environmental law is that of sustainable development. This concept refers to limiting development to actions that sustain, rather than deplete or destroy, resources such as forests, fisheries, and the like, Sustainable development might be likened to using the income, rather than depleting the capital, of natural resources. It recognizes that these resources are finite.16 Assim, o artigo 225 da CF, dada a sua amplitude, generalidade e importância, “Segundo o professor Rafael Valenzuela, uma regra é eficaz quando as respostas comportamentais reivindicadas por seu conteúdo prescritivo foram as adequadas para enfrentar a situação que justamente motivou sua imposição”. - “Fala-se de eficácia quando a norma cumpre o fim para o qual foi emitida, e de eficiência quando é seguida pela sociedade, referindo-se ao grau de cumprimento efetivo, espontâneo ou provocado, do dever imposto pela norma em vigor” (tradução livre). BITTERLICH, Pedro Fernández. Manual de derecho ambiental chileno. 2. ed. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 2004, p. 64. 15 Sobre a temática: “Trata-se do princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar” FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 43. 16 WEINBERG, Philip; REILLY, Kevin A. Understanding environmental law. Danvers: LexisNexis, 2008, p. 425. “Outro princípio subjacente a grande parte do direito ambiental internacional é o do desenvolvimento sustentável. Este conceito se refere a limitar o desenvolvimento a ações que sustentam, ao invés de esgotar ou destruir, recursos como florestas, pescas e outros. O desenvolvimento sustentável pode ser comparado a usar a renda, ao invés de esgotar o capital, dos recursos naturais. Ele reconhece que esses recursos são finitos” (tradução livre). 14 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 217 expande-se e tem plena aplicação a quaisquer campos do Direito pátrio, porquanto “a sustentabilidade, em sua acepção mais ampla, passará a ser, se já não o é, o principal item do debate político jurídico e, portanto, possivelmente o novo paradigma indutor do direito".17 Ao tutelar o equilíbrio quer-se preservar a estabilidade dos processos naturais, de modo a evitar que a ruptura dessa estabilidade nos leve ao colapso ambiental. É certo que o crescimento sustentável precisa contar com novos instrumentos de ação concreta, como sói ser o Direito Registral, observado a ausência de efetividade na salvaguarda do meio ambiente nacional e o irrefreável fortalecimento das práticas empresariais e consumeristas em território brasileiro: No mundo atual cada vez mais globalizado, o estilo de vida, o comportamento e os modelos de consumo dos países desenvolvidos estão se estendendo para os países em desenvolvimento. Consumo esse nada sustentável quando se observa as cadeias de produção, os hábitos das pessoas, chancelados por legislações vulneráveis e pouco eficazes.18 O Estado tem o dever de exigir compulsoriamente o zelo ambiental, bem como, o dever de partilhar as informações com a coletividade através da comunicação às serventias imobiliárias de dados de interesse do meio ambiente. É imprescindível que os diversos membros do corpo estatal se comuniquem eficazmente. De outro norte, as restrições ambientais ocorrem porque necessitamos de limites à atividade econômica, dada a sua inclinação para maximizar os lucros: While business teaches us effective forms of human organization, environmental science reveals that those forms do not necessarily preserve the natural resources that are the basis of our well-being. While business teaches how to gain financial wealth, ecological understanding demonstrates that wealth to be illusory unless it is based on teh principles and cyclical 17 BODNAR, Zenildo; CRUZ, Paulo Márcio. A Commolização do Direito Positivo, o Ativismo Judicial e a Crise do Estado. Revista Novos Estudos Jurídicos, [S.I.], v.21, n.3, p. 1332 a 1351, nov.2016. ISSN 2175 0491. Disponível em: https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/9700/5451. Acesso em: 22 set.2021. doi:https://doi.org/10.14210/nej.v21n3.p1332-1351. 18 BRITTO, Marcel; GOMES, Heitor Menezes.; VALICENTE, Raiana Rassi. Reflexões sobre a sustentabilidade e sua institucionalização no Brasil. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p. 89512-89527, sep. 2021. ISSN: 2525-8761. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/35921. Acesso em: 18 set. 2021. doi:https://doi.org/10.34117/bjdv7n9-218. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 218 processes of nature. The dialoque reconciling these dichotomies will be the fundametal basis for economic transformation.19 O artigo 5º da Constituição assegura, como princípio fundamental, o direito de propriedade, constitucionalizando o princípio da função socioambiental da propriedade: Fundamentalmente, pode-se dizer que a propriedade tem um conteúdo variável de acordo com a função social ditada pela natureza do bem, conforme limites fixados em lei, garantido, entretanto, um conteúdo mínimo essencial (CF, art. 5º, XXII). É que, de fato, a garantia do direito individual não dá ao titular a faculdade de exercer seus poderes ilimitadamente, mas submete-os aos direitos alheios, de igual natureza, e ao interesse coletivo, que deve prevalecer em face do direito individual. O conceito de função social da propriedade não se confunde com o sistema de limitações à propriedade, pois a função social diz respeito à própria estrutura do direito de propriedade, enquanto que as limitações têm como objeto o exercício do direito, expressando-se na esfera do poder de polícia, [...].20 Portanto, a propriedade deve estar voltada ao bem estar de todos e ao equilíbrio ambiental, sendo inconstitucional qualquer legislação que contrarie este comando, o que justifica a imposição de restrições à propriedade. 3. A MATRÍCULA IMOBILIÁRIA Para o Direito Registral, a matrícula é o centro de toda a atividade cartorária, é o instrumento técnico-legislativo utilizado para atingir as finalidades do registro imobiliário. É ela que enseja o nascimento jurídico do imóvel, individualizando-o. Outrossim, as serventias de Registro de Imóveis há muito tempo se converteram em agentes tributários responsáveis pela prestação de informações ao Fisco e de longa data exercem um poder de fiscalização para o cumprimento das posturas urbanísticas e o georreferenciamento dos imóveis rurais, sendo que 19 HAWKEN, Paul. The ecology of commerce: a declaration of sustainability. New York: Harpen Business, 2010, p. 12. “Enquanto os negócios nos ensinam formas eficazes de organização humana, a ciência ambiental revela que essas formas não preservam necessariamente os recursos naturais que são a base de nosso bem-estar. Enquanto os negócios ensinam como obter riqueza financeira, a compreensão ecológica demonstra que a riqueza é ilusória, a menos que seja baseada nos princípios e processos cíclicos da natureza. O diálogo que concilia essas dicotomias será a base fundamental para a transformação econômica” (tradução livre). 20 CHALHUB, Melhim Namem. Propriedade imobiliária: função social e outros aspectos. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 11-12. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 219 futuramente deverão se converter em ofícios públicos ambientais. ARIAS, comentando o assunto na experiência espanhola dos registros, aduz: A oportunidade de transladar essa eficaz experiência para o âmbito da legislação ambiental deve ser ineludivelmente aproveitada. Os registros da propriedade não colaboram somente na função de ‘polícia territorial’, no âmbito estrito da informação sobre medidas punitivas impostas por não cumprimento de deveres legais de conservação ambiental, ou de garantia pela imposição de sanções econômicas ou do estabelecimento e indenizações: a colaboração deve, e pode, abarcar todo o amplo leque de atuações que impliquem a restauração do equilíbrio ecológico alterado, conceito este que veremos ser muito mais amplo do que exclusivamente punitivas.21 É importante, pois, verificar as diversas hipóteses previstas na legislação e na práxis jurídica que recomendam a atuação dos registros públicos imobiliários. 3. ASPECTOS GERAIS DA TUTELA AMBIENTALNO REGISTRO IMOBILIÁRIO As disposições legais imobiliárias têm por objeto o território, no que se irmanam às normas ambientais. A terra, o ar e a água estão contidos dentro de um espaço delimitado ou delimitável, que é compreendido em uma circunscrição imobiliária. Assim, com o espaço devidamente identificado e titulado, é possível que as autoridades e a coletividade tenham plena ciência de onde, como e quando algo está acontecendo em relação ao meio ambiente. Quanto mais cedo for feito o registro dos fatos e atos jurídicos, melhor para todos e, em especial, para o meio ambiente. A publicidade no início dos procedimentos administrativos proporciona uma prevenção geral, pública e notória: Não esqueçamos de que a função preventiva, aquela que impede a realização de um prejuízo ecológico, deve ter primazia sobre essa função de restauração, ou saneadora, do dano já realizado; mas ressaltamos a eficácia dissuasória que a publicidade-informação tem sobre futuro descumprimento: ao contaminante já conhecido será mais difícil voltar a lesar o meio ambiente; terá dificuldades para o seu acesso ao crédito e para obter um bom valor para seu imóvel; sofrerá descrédito social. Finalmente, 21 ARIAS, Luis Alfredo Suáres. O registro da propriedade como meio de garantia das sanções no meio ambiente. Em: DIP, Ricardo Henry Marques; JACOMINO, Sérgio (orgs). Registro imobiliário: temas atuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. – (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v. 2), p. 614. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 220 a possibilidade de que os descumprimentos de obrigações ecológicas sejam conhecidos pela sociedade, com caráter permanente e acessível, fará diminuir a sua ocorrência e quantidade em um prazo relativamente curto.22 De toda sorte, a inscrição na matrícula é um elemento a mais de garantia do cumprimento da obrigação firmada no expediente administrativo, que pode resultar na imposição de medidas mitigadoras ou na constatação da inexistência do ilícito. 5. O PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO OU DA PUBLICIDADE A informação e a publicidade constituem o núcleo do princípio, sendo fundamental para a defesa da natureza, pois impõe ao Estado a obrigação de informar à sociedade, independentemente de solicitação, sobre as condições do meio ambiente, publicando todas as informações que interessam aos cidadãos. A informação ambiental não tem o fim exclusivo de formar a opinião pública.Valioso formar a consciência ambiental, mas com canais próprios, administrativos e judiciais, para manifestar-se. O grande destinatário da informação – o povo, em todos os seus segmentos, incluindo o científico não governamental – tem o que dizer e opinar.23 Uma sociedade bem informada tem condições de participar ativamente das decisões estatais, bem como questioná-las e buscar eficiência da máquina pública na prevenção e solução dos problemas que a afetam. Essa ideia é partilhada por MATEO: Es evidente que sólo si se conocen los procesos abiertos de toma de decisiones y las actuaciones en curso de las Administraciones Públicas, podrán hacerse oír los ciudadanos interesados, lo que es más factible en los niveles más inmediatos de gestión, por lo que el V Programa constata que las administraciones locales y regionales “pueden contribuir a que la opinión pública participe más en la protección del Medio Ambiente y a aumentar su confianza”.244 22 ARIAS, Luis Alfredo Suárez. O registro da propriedade como meio de garantia das sanções no meio ambiente. Em: DIP, Ricardo Henry Marques; JACOMINO, Sérgio (orgs). Registro imobiliário: temas atuais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. – (Coleção doutrinas essenciais: direito registral; v. 2), p. 614. 23 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 25. ed., rev., ampl., e atual. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 127. 24 “É evidente que só se forem conhecidos os processos decisórios abertos e as ações em curso das Administrações Públicas é que os cidadãos interessados poderão fazer-se ouvir, o que é mais viável nos níveis de gestão mais imediatos, para que o Programa V observa que as administrações locais e Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 221 Na Declaração do Rio de Janeiro/1992, a questão foi posta no Princípio 10: A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos. Convém saber o estado do ar, das águas, do solo, das terras, da paisagem e dos sítios naturais, bem como as condições de diversidade biológica, os ruídos, as atividades empresariais que causem poluição, as medidas preventivas e reparadoras, os planos ambientais, as informações sobre a saúde do homem etc. A informação tem caráter educacional e objetivo: pretende, fundamentalmente, colocar o cidadão em condições de participar do processo de tomada de decisões, tais como as políticas públicas ambientais. A democracia nasce e vive na possibilidade de informar-se. O desinformado é um mutilado cívico. Haverá uma falha no sistema democrático se uns cidadãos puderem dispor de mais informações que outros sobre um assunto, que todos têm o mesmo interesse de conhecer, debater e deliberar.25 A legislação expressamente vem proclamando o princípio da publicidade: - A Lei 11.428/2006, que regula o Bioma Mata Atlântica: Art. 6º A proteção e a utilização do Bioma Mata geral o desenvolvimento sustentável e, por salvaguarda da biodiversidade, da saúde paisagísticos, estéticos e turísticos, do regime social. Atlântica têm por objetivo objetivos específicos, a humana, dos valores hídrico e da estabilidade regionais ‘podem ajudar a opinião pública a participar mais na proteção do ambiente e a aumentar a sua confiança’" (tradução livre). MATEO, Ramón Martín. Manual de Derecho Ambiental. 2. ed. Madrid: Editorial Trivium, 1998, p. 57-58. 25 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 50. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 222 Parágrafo único. Na proteção e na utilização do Bioma Mata Atlântica, serão observados os princípios da função socioambiental da propriedade, da eqüidade intergeracional, da prevenção, da precaução, do usuáriopagador, da transparência das informações e atos, da gestão democrática, da celeridade procedimental, da gratuidade dos serviços administrativos prestados ao pequeno produtor rural e às populações tradicionais e do respeito ao direito de propriedade. - A Lei 12.305/2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos: Art. 6º São princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos: X - o direito da sociedade à informação e ao controle social. (Destaques nossos). Destarte, o princípio da informação relaciona-se intimamente com outros princípios ambientais, especialmente os da publicidade e da participação comunitária. A doutrina espanhola solidifica a importância da informação ambiental: El acceso a la información medioambiental, además de desempeñar un papel esencial en la concienciación y educación ambiental de la sociedad, constituye un instrumento indispensable para hacer efectivos los otros dos pilares del Convenio de Aarhus, pues si los ciudadanos no disponen de la información ambiental relevante en cada momento, difícilmente podrán intervenir de forma efectiva, con “conocimiento de causa”, en los asuntos públicos que atañen a este bien jurídico colectivo.26 En passant, não há dúvidas que a publicidade é uma das vigas-mestras da teoria e da prática registral brasileira. Assim, nada mais natural que essas informações ambientais sejam compartilhadas com o Registro de Imóveis, potencializando a difusão desses dados ambientais. A Lei 10.650/2003 cuida especificamente do assunto na esfera ambiental, dispondo sobre o “acesso público aos dados e informações ambientais existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – “O acesso à informação ambiental, além de desempenhar um papel essencial na consciência ambiental e na educação da sociedade, constitui um instrumento indispensável para a efetivação dos outros dois pilares da Convenção de Aarhus, pois se os cidadãos não dispõem das informações ambientais relevantes em todos os momentos, é-lhes difícil intervir eficazmente, com ‘conhecimento dos fatos’, nos negócios públicos que dizem respeito a este direito jurídico coletivo” (tradução livre). CUTANDA, Blanca Lozano; TURRILLAS, Juan-Cruz Alli. Administración y legislación ambiental. Actualizado y adaptado al EEES. Madrid: Editorial Dykynson, 2013, p. 186. 26 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 223 Sisnama, instituído pela Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981”, consoante seu artigo 1º, o que será visto na sequência do trabalho.27 6. A INFORMAÇÃO E A PUBLICIDADE AMBIENTAL PELO REGISTRO DE IMÓVEIS Atualmente a informação ambiental encontra-se dispersa, desorganizada e desconcentrada em muitos e distantes órgãos administrativos. Por isso, o primeiro passo é acabar com a distância física entre a pessoa e a informação; o segundo, eliminar quaisquer exigências formais ou subjetivas para o acesso aos informes. Assim, acredita-se que a Lei 10.650, de 16 de abril de 2003, que trata do acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, mereça uma atualização. Nesse sentido é a observação de MACHADO: A Lei 10.650/2003 tem seus méritos, mas não se pode deixar de afirmar que se tornou insuficiente, diante da velocidade e da intensidade dos fatos poluidores dos ecossistemas. Precisamos de uma reforma dessa legislação ou, mesmo, de uma antecipação voluntária dos órgãos do SISNAMA, propiciando que a Administração Pública Ambiental ininterruptamente bata à porta das cidadãs e dos cidadãos informando-os, via Internet, do estado do meio ambiente. Sem isso a informação se tornará uma partitura chorosa e resignada, a ser executada diante de degradações irreversíveis.28 O direito à informação ambiental é pressuposto para que a sociedade possa influenciar as políticas de governo. Possibilita, de fato, que os governados exerçam uma cidadania crítica e construtiva, também quanto ao progresso econômico: At the same time, access to information may be viewed as an instrument of democratic governance [...], opennes and transparency being a prerequisit of executive and corporate accountability to civil society. Hence precautionary procedures and safeguards here also refer to precaution against encroachments on civil liberties, be they in the form of governmentasl attempts at withholding information as a source of political power or in the form of industry attempts at monopolizing information as a source of economic gain.29 27 Em Santa Catarina, a Resolução CONSEMA 98, de 05.7.2917 estabelece no Capítulo XIV a regulamentação da publicidade e da participação popular, não se referindo ao Registro de Imóveis. Fonte: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=345935> Acesso em 13 de fev. 2020. 28 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 209. O autor aborda, especificamente, a Lei 10.650/2003 às páginas 204-213. 29 “Ao mesmo tempo, o acesso à informação pode ser visto como um instrumento de governança democrática, [...], sendo a abertura e a transparência um pré-requisito da prestação de contas do Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 224 Da Lei, destaca-se o artigo 2º. Ele obriga os órgãos e entidades integrantes do SISNAMA a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer as informações ambientais que estejam sob sua guarda, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico, sem necessidade de justificativa, especialmente as relativas a: I - qualidade do meio ambiente; II - políticas, planos e programas potencialmente causadores de impacto ambiental; III - resultados de monitoramento e auditoria nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras30, bem como de planos e ações de recuperação de áreas degradadas; IV - acidentes, situações de risco ou de emergência ambientais; V - emissões de efluentes líquidos e gasosos, e produção de resíduos sólidos; VI – substâncias tóxicas e perigosas; VII - diversidade biológica e; VIII - organismos geneticamente modificados. Em termos de atualizar a Lei, é necessário incluir a obrigação para que os órgãos integrantes do SISNAMA tenham uma home page na internet para melhor difusão das informações, evitando o deslocamento do cidadão até a entidade. Segundo a agência Intermidias31, home page “é página de entrada quando o usuário digita o endereço eletrônico de um site”. Além disso, na hipótese de o usuário não entrar no website pela página inicial, ele acabará por passar na home page para procurar informações sobre o seu site. Por isso: “Esta página precisa ser muito bem planejada, pois – em alguns casos – cabe a ela encantar o usuário e atraí-lo a navegar pelas páginas internas do seu site”: É preciso perceber que o valor da home page enquanto “índice” ou “capa” de um site não está sendo questionado – pois ele é, de fato, irrevogável. Para executivo e das empresas à sociedade civil. Portanto, os procedimentos de precaução e salvaguardas aqui também se referem à precaução contra invasões das liberdades civis, seja na forma de tentativas governamentais de reter informações como fonte de poder político ou na forma de tentativas da indústria de monopolizar informações como fonte de ganho econômico” (tradução livre). SAND, Peter H. Information disclosure. In: . WIENER, Jonathan B; ROGERS, Michel D; HAMMITT, James K; SAND, Peter H. (Ed.). The realtiy of precaution: comparing risk regulaltion in the United States and Europe. Washington: PRF Press, 2011, p. 324. 30 Importante o destaque feito por THOMÉ: “É necessária a utilização de nova forma de interpretar os dados científicos, para que a sociedade perceba, efetivamente, os efeitos dos impactos negativos sobre o meio ambiente, a saúde humana e suas próprias vidas. A divulgação de dados científicos desvinculada de seus efeitos para o homem apresenta-se como medida inócua e que não incentiva a tomada de decisões no sentido da preservação do meio ambiente. [...]”.THOMÉ, Romeu. O princípio da vedação de retrocesso socioambiental no contexto da sociedade de risco. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014. 31 Agência de marketing digital. Fonte: https://www.intermidias.com.br/seo-otimizacao-de-sites/o-que-ehome-page-landing-pages/> Acesso em: 17 de fev. 2020. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 225 que uma home page seja eficiente, devem-se concentrar esforços no planejamento da arquitetura de informação e estudos de usabilidade, a fim de que a navegação do usuário seja fluida o suficiente para que ele encontre o que buscava facilmente. A crítica aqui está na supervalorização da home page em detrimento das landing pages, páginas que se tornam ainda mais importantes na medida em que é nelas onde se encontra o conteúdo – o que o usuário, de fato, busca. A home page também poderá utilizar a landing page, conhecida como página de aterrissagem ou página de destino. A landing page “é uma página estrategicamente criada para uma campanha ou projeto e tem como objetivo atender ao máximo as expectativas de quem a visita”, segundo a Intermidias. Ela deve carregar conteúdos diferenciados e completos, voltados para um objetivo único: “Campanhas de links patrocinados, quando bem executadas, apontam para uma landing page. Isso porque, o conteúdo contido nessas páginas são totalmente estudados e planejados para seduzir, persuadir e informar o público-alvo”.32 Adotando-se, legalmente, a obrigação de criar-se a home page e a landing page nas entidades do Sistema Nacional do Meio Ambiente, haveria a fórmula para fornecer informação ambiental através de um acesso atrativo, fácil e intuitivo. Como a Administração Pública está ungida ao princípio da legalidade, é necessária uma alteração legislativa. Assim, sugere-se que a redação do artigo 2º, caput, seja atualizada para os seguintes termos: Art. 2º Os órgãos e entidades da Administração Pública, direta, indireta e fundacional, integrantes do Sisnama, ficam obrigados a permitir o acesso público aos documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental e a fornecer todas as informações ambientais que estejam sob sua guarda, pela internet em home page e landing page, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico, especialmente as relativas a: [...]. Igualmente, merece ser atualizado o § 1º do artigo 2º da Lei, possibilitando que o requerimento escrito possa ser feito pela home page da entidade, mediante um link33 específico: 32 Fonte: https://www.intermidias.com.br/seo-otimizacao-de-sites/o-que-e-home-page-landing-pages/> Acesso em: 17 de fev. 2020. 33 “inf elemento de hipermídia formado por um trecho de texto em destaque ou por um elemento gráfico que, ao ser acionado (ger. mediante um clique de mouse), provoca a exibição de novo hiperdocumento”. Fonte: https://www.google.com/search?client=firefox- b-e&q=o+que+%C3%A9+link%3F > Acesso em: 17 fev. 2020. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 226 § 1º Qualquer indivíduo, independentemente da comprovação de interesse específico, terá acesso às informações de que trata esta Lei, mediante requerimento escrito ou por e-mail ou requerimento na página daentidade na internet, no qual assumirá a obrigação de não utilizar as informações colhidas para fins comerciais, sob as penas da lei civil, penal, de direito autoral e de propriedade industrial, assim como de citar as fontes, caso, por qualquer meio, venha a divulgar os aludidos dados. Outro artigo que deve ser melhorado, mediante a utilização da informática e de uma interação direta com o Registro de Imóveis, é o caput do artigo 4º: Art. 4º Deverão ser publicados em Diário Oficial e ficar disponíveis, no respectivo órgão, em local de fácil acesso ao público, listagens e relações contendo os dados referentes aos seguintes assuntos: [...]. A nova redação inclui na home page da entidade as publicações de todas as informações previstas no rol do artigo 4º, especialmente quando possível a identificação do titular do domínio do imóvel no registro imobiliário, caso em que a informação seria compartilhada com a respectiva serventia do Registro de Imóveis. Assim, propõe-se a seguinte redação: Art. 4º Deverão ser publicados em Diário Oficial e comunicados aos respectivos cartórios de Registro de Imóveis, para averbação nas matrículas, além de ficar disponíveis, no respectivo órgão e na sua página na rede mundial de computadores, em local de fácil acesso ao público, listagens e relações contendo os dados referentes aos seguintes assuntos: [...] Sugere-se a inclusão de um parágrafo, a fim de que a entidade ambiental comunique, de maneira obrigatória e célere, ao Registro de Imóveis as ocorrências previstas nos incisos III, IV e V, respectivamente: os autos de infrações e respectivas penalidades impostas pelos órgãos ambientais; a lavratura de termos de compromisso de ajustamento de conduta e; reincidências em infrações ambientais. Basta, tão somente, que no início do processo administrativo, a autoridade indique o número da matrícula do imóvel onde se deu a infração ambiental, emitindo certidão para ser inscrita no registro imobiliário. Destarte, vêm mais dois parágrafos: § 1º. Nos casos dos incisos III, IV e V, a autoridade deverá oficiar ao Registro de Imóveis para averbação das informações, mediante certidão do órgão. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 227 § 2º. As relações contendo os dados referidos neste artigo deverão estar disponíveis para o público trinta dias após a publicação dos atos a que se referem. Finalmente, uma pequena inclusão no artigo 5º da Lei, uma vez que não tem mais sentido um pedido por e-mail e uma resposta “nos autos” ou “por meio de carta”. Nesse diapasão, basta incluir a seguinte hipótese: Art. 5º O indeferimento de pedido de informações ou consulta a processos administrativos deverá ser motivado, sujeitando-se a recurso hierárquico, no prazo de quinze dias, contado da ciência da decisão, dada diretamente nos autos ou por meio de e-mail ou carta com aviso de recebimento, ou em caso de devolução pelo Correio, por publicação em Diário Oficial. Cabe frisar que há competência legislativa comum em matéria ambiental, nada impedindo que Estados e Municípios editem legislação obrigando o órgão ambiental local a comunicar as informações ao Registro de Imóveis por e-mail e por canais oficiais pela internet, conforme amparo constitucional verificado no artigo 5º: XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. O relacionamento entre as entidades do Sistema Nacional do Meio Ambiente e as serventias do Registro de Imóveis também pode ser objeto de resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), notada sua legitimidade para criar mecanismos de efetiva publicidade sobre quaisquer informações ambientais. É oportuno realçar que a verdadeira publicidade ocorre quando o Poder Público transmite a informação independentemente de solicitação, dando transparência a esses dados por diversos meios e formas, em especial, pelos registros públicos. Outrossim, o fim último da publicidade ambiental é a defesa da natureza e, nesse objetivo, não se pode ser tímido34, devendo aproveitar todo o ferramental que o Estado brasileiro fornece, em especial, à utilização do Registro de Imóveis. “We may not know every detail of doing the right thing, but the direction of the required actions is clear: to ensure the habitability of the biosphere while maintaining human dignity”. SMIL, Vaclav. Growth. Cambridge: The MIT Press, 2019, p. 512. “Podemos não saber todos os detalhes de como fazer a coisa certa, mas a direção das ações necessárias é clara: garantir a habitabilidade da biosfera, mantendo a dignidade humana” (tradução livre). 34 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 228 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Registro de Imóveis é considerado como o repositório de todas as informações sobre determinada propriedade, gerando segurança e confiabilidade ao sistema. Uma pessoa pode requerer, sem prestar qualquer justificativa, informações que estejam no Registro de Imóveis a respeito da situação de um bem lá inscrito. Destarte, pelo menos em tese, uma vez expedida a certidão imobiliária, ter-seia toda a informação relevante do imóvel, particularmente, a ciência a respeito de quaisquer dados ambientais que pairam sobre a propriedade. A Lei 10.650/2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes no Sistema Nacional do Meio Ambiente, pretende estabelecer uma ampla publicidade em prol da população. Todavia, em razão dessa divulgação se dar pelo Diário Oficial e em mural no órgão público, evidentemente, não tem adesão popular alguma, restringindo-se a uma mera ficção social e jurídica. É lamentável que a Lei 10.650/2003 não preveja a utilização do registro imobiliário como auxiliar da publicidade ambiental. Igualmente, precisa de uma atualização para potencializar a informação ambiental por meio do Registro de Imóvel, que está muito mais próximo do cidadão do que o órgão ambiental. Esses problemas na Lei de Informação levam à escassez de transparência e a respeito de dados essenciais à sociedade. Essa falha leva à ineficácia das políticas públicas de proteção do meio ambiente, por falta de publicidade: informação, transparência e publicidade são os tripés da moderna defesa ambiental. O artigo 4º da Lei deve ser urgentemente alterado. Propõe-se uma nova redação, para incluir a comunicação direta ao Registro de Imóveis das informações previstas no rol daquele dispositivo. Dessa forma, haveria plena publicidade, sem a exigência do cidadão ter que se deslocar até o órgão ambiental para ler um mural. Nesse passo, é importante frisar que há competência legislativa comum, prevista no artigo 23 da CF, nada impedindo que Estados e Municípios editem legislação obrigando o órgão ambiental local a comunicar-se com o Registro de Imóveis, uma vez que tal mister está previsto pelo artigo 5º, inciso XXXIII. A norma deve ter caráter geral, ou seja, ordenar que quaisquer informações ambientais provenientes de procedimentos administrativos, vinculadas a obrigações de prevenção e reparação, sejam compartilhadas com o sistema registral, mediante comunicação formal do órgão com a serventia imobiliária. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 229 Não há dúvida que a falta de obrigação legal das autoridades administrativas de informar ao Registro de Imóveis qualquer ação que importe consequências ambientais para determinada área diminui a eficácia desses mecanismos de atuação estatal, que trabalham isolados, deixando de somar esforços. Não obstante, o relacionamento entre as entidades do Sistema Nacional do Meio Ambiente e as serventias do Registro de Imóveis também pode ser objeto de resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente, uma vez que como órgão consultivo e deliberativo, tem toda a legitimidade para criar mecanismos de efetiva publicidade de quaisquer informações ambientais relevantes. Como se sabe, as obrigações ambientais têm natureza propter rem e, por isso, acompanham a vida do imóvel até que sejam devidamente cumpridas pelo obrigado, razão que determina a sua inscrição no registro imobiliário, para fins de efetividade prática e social. Nessa senda, há o Registro de Imóveis e seus atributos a serviço do meio ambiente, maximizando a eficácia da legislação ambiental em todos os campos, aproveitando-se da sua abrangência nacional e somando esforços com todo o Poder Público e a sociedade, em prol da sustentabilidade. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.103490-103508 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 230 REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012. ARIAS, Luis Alfredo Suáres. O registro da propriedade como meio de garantia das sanções no meio ambiente. Em: DIP, Ricardo Henry Marques; JACOMINO, Sérgio (orgs). Registro imobiliário: temas atuais. 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Mata da Praia Park, Mata da Praia, Vitória, Espírito Santo E-mail: igorgcalil@gmail.com Lara Abreu Assef Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Curriculum Lattes: 9434732756871769 Endereço: R. Cel. Schwab Filho, 310, Ed. Personal Residence, Bento Ferreira, Vitória, Espírito Santo E-mail: laraabreuassef@gmail.com Luma Vilela Ramos Fonseca Advogada. Graduada em Direito. Pós graduada em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Público. Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Processo da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e bolsista de mestrado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) Lattes: 9480778211703946. Endereço: Avenida Fortaleza, 1311, Ed Seville, Itapuã, Vila Velha, Espírito Santo. E-mail: lumavramos@gmail.com RESUMO: O presente trabalho tem por escopo tecer uma análise acerca dos efeitos surtidos pelo advento de uma regulamentação legislativa específica para disciplinar o processo de incorporação dos Tratados Internacionais, mormente, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ao ordenamento jurídico da República Federativa do Brasil. Destarte, põe-se em xeque o status normativo que lhes é atribuído após uma burocrática penetração no direito interno positivo, no que tange à hipótese de submissão das normas jurídicas de direito internacional público ao rito tradicional de ratificação parlamentar. À luz do exposto intento, exorta-se, em pormenores, a significância da promulgação da Emenda Constitucional de nº 45/2004 na tentativa de uniformizar os critérios a serem observados no momento da atribuição de primazia hierárquica entre os sistemas jurídicos supracitados. Questiona-se, por fim, a magnitude da contribuição do referido dispositivo na ampliação da proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, tendência contemporânea que indubitavelmente permeia o cenário jurídico mundial. PALAVRAS-CHAVE: Tratados Internacionais; Direito Dignidade Humana; Emenda Constitucional nº 45/2004. Internacional Público; ABSTRACT: The purpose of this labor is analyzing the effects caused by the elaboration of a specific legislation to discipline the process of incorporation of International Treaties, mainly, the International Human Rights Treaties, into the legal Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 233 system of the Federative Republic of Brazil. Thus, their constitutional status, given after their bureaucratic penetration in positive internal law, is put at stake, regarding the possibility of public international law being submitted to the traditional procedure of parliamentary ratification. Following the exposed intent, the significance of the promulgation of Constitutional Amendment nº 45/2004 will be exhorted furthermore in an attempt to standardize the criteria to be observed in the attribution of hierarchical primacy among the legal systems mentioned above. Finally, is questioned the magnitude of its contribution in the enhancing of the protection to the fundamental human rights, contemporary tendency that pervades the global scenario, undoubtedly. KEYWORDS: International Treaties; International Public Law; Human dignity; Constitutional Amendment nº 45/2004. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 234 1. INTRODUÇÃO A formulação de tratados relativos à proteção internacional dos direitos humanos fez-se imperativa diante da recente e bárbara eclosão de ideologias racistas e segregacionistas vivenciadas em meados do século XX. As correntes modernas totalitárias, a exemplo do Nazismo, constituíram-se de um discurso incomplacente, que suprimiu, por meio de diferentes brutalidades – v.g. o Holocausto – direitos fundamentais de milhares de homens e de mulheres. Nessa perspectiva, deu-se por crucial o estabelecimento de organismos internacionais, com vistas a tutelar a incolumidade da pessoa humana e garantir a amistosidade entre as nações. O principal expoente do movimento foi a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, consolidando um marco perene na história da humanidade. Ademais, o cenário mundial no pós-guerra exibiu a decadência de significativas potências, o que fragilizou a possibilidade de manutenção do poderio sobre suas respectivas áreas de influência ao redor do globo. A eclosão de movimentos emancipatórios diante dessa fragilização política derivou o surgimento de inúmeras nações independentes e o consequente crescimento de uma rede de relações globais. Nessa perspectiva, o direito internacional torna-se protagonista na contemporaneidade, na medida em que se demonstra como pressuposto essencial para a disciplina dessas novas relações e para a garantia do bem-estar entre as nações. Outrossim, destaca-se que tal sistema jurídico adentra nas relações internacionais com vistas a dirimir as tensões decorrentes da dicotomia políticoideológica imposta pela Guerra Fria. Dessa forma, diante dessa conjuntura, o movimento de globalização no epílogo do século XX fragiliza a soberania estatal, mas não a cessa, de modo que se perpetua a necessidade do preponderante diálogo entre o direito internacional e o direito pátrio de tais nações. À luz do exposto, urge uma análise pormenorizada das teorias que se dispuseram a decifrar os hiatos da relação entre direito pátrio e direito internacional. Serão, em primeiro momento, abordadas as correntes ideológicas do Monismo e Dualismo jurídicos, que sustentam, respectivamente, a existência de uma unidade absoluta do sistema jurídico e o reconhecimento de uma dicotomia entre os ordenamentos em questão, autônomos entre si e, portanto, obrigatoriamente Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 235 consonantes. Em abordagem sequencial, expor-se-á a vasta divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o status normativo das normas internacionais de direitos humanos incorporadas ao direito pátrio. Trata-se de uma polêmica que adquire notoriedade diante dos diversos entendimentos do Supremo Tribunal Federal ao longo dos anos, suscitando a busca do presente artigo por uma apreciação crítica perante tal metamorfose consuetudinária, de modo a ressaltar a heterogeneidade de perspectivas no que tange ao nível hierárquico dessas normas: supraconstitucionalidade, constitucionalidade, supralegalidade ou caráter ordinário. Por fim, em face dessa problemática conjuntura, será desenvolvida uma averiguação aprofundada da Emenda Constitucional nº 45/2004, que buscou dirimir as lacunas acerca dessa temática ao estabelecer que: Tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (BRASIL, 2004). Destarte, inquere-se a magnitude da serventia do referido dispositivo ao zelo da dignidade humana, haja vista tal aparente solução conceitual ter resultado na fragilização da unidade das normas de direitos fundamentais sob o prisma do ordenamento jurídico brasileiro, isto é, ter oportunizado uma estratificação entre normas de mesma natureza, incumbindo ao poder legislativo o discernimento sobre o status que lhes é conferido. Com vistas à realização de seus propósitos, este artigo utiliza de metodologia qualitativa, partindo de pesquisa de cunho bibliográfico e documental, que provê embasamento teórico e jurídico para a tese defendida, a saber, a adoção de um sistema discricionário no que tange à validação dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento pátrio brasileiro. 2. PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS Em primeiro plano, preliminarmente ao estudo detalhado da burocracia de incorporação dos tratados, faz-se necessário conceituar as duas vertentes ideológicas que se propõem a decifrar os hiatos da relação entre direito pátrio e Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 236 direito internacional. A primeira corrente, denominada Monismo Jurídico, reconhece a existência de um único ordenamento jurídico, de modo que o direito nacional e o internacional estariam sob um mesmo prisma. Em pormenores: Criado por Hans Kelsen no ano de 1926 em oposição à existência de duas ordens jurídicas, sustenta a existência de apenas uma delas, que não se distingue em interna ou externa. Até porque a necessidade de regulamentação seria a mesma nas duas esferas. (PEREIRA, 2006, p.48) Vale, ainda, pontuar que a ideologia monista pode subcategorizar-se, à medida que atribui primazia a um dos sistemas em detrimento do outro. Nesse sentido, o monismo com primado do direito interno, também conhecido como “monismo tradicional”, teve seu florescimento na figura de Georg Jellinek, sob influência do hegelianismo. Defende- se a soberania irrestrita dos Estados Nacionais, cujos ordenamentos seriam invariavelmente proeminentes ao direito internacional, sendo esse último nada mais do que um direito interno aplicado pelas nações para disciplinar o âmbito das relações internacionais. É, pois, anulada sua existência (TREVISAN, 2016). Nas palavras de Rezek (2008, p. 78), faz-se “inconcebível que uma norma jurídica se imponha ao Estado soberano à revelia”, novamente exortando a submissão do que lhe é estrangeiro perante à Administração pátria. Já a vertente do monismo com primazia do direito internacional, foi desenvolvida inicialmente pela Escola de Viena e parte da formulação original de Hans Kelsen. No vértice da pirâmide hierárquica proposta pelo doutrinador na Teoria Pura do Direito, estaria a Grundnorm, ou norma hipotético-fundamental. Seria ela a fonte única de fundamento e derivação, a partir da qual se subseguiriam as normas inferiores (KELSEN, 2009). Era, pois, de notável constatação a inviabilidade da existência de conflito, material ou formal, entre normas de ordenamento interno e internacional. Todavia, a teoria monista radical kelseniana sofre uma importante atualização, fazendo com que já não seja descartada a possibilidade de antinomias entre os sistemas normativos. Conforme muito bem colocado pelo jurista Mello (2000, p. 112): Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 237 O conflito entre o Direito Interno e o Direito Internacional não quebra a unidade do sistema jurídico, como um conflito entre a lei e a Constituição não quebra a unidade do direito estatal. O importante é a predominância do DI [direito internacional]. Sob o prisma do monismo moderado, então, deve-se relativizar a soberania dos Estados em prol do império das normas internacionais. É, ademais, passível de “processo” de responsabilidade internacional a nação que venha a descumprir cláusula convencional, independentemente da promulgação de lei interna superveniente que a modifique, conforme o artigo 27 da Convenção de Viena1 (GNOATO, 2013). Por fim, traz-se à luz da discussão uma doutrina diametralmente oposta às anteriores, que tem suas bases fincadas em 1889 pelo jurista germânico Triepel. Seu ponto de partida é a tese de absoluta independência e autonomia entre a normatividade interna e externa (BEDIN; SCWEDE, 2017). A teoria, que fora denominada dualista, portanto, pauta-se no ideal de que os tratados internacionais, sendo firmados por força da vontade comum dos Estados, debruçar-se-iam sobre objetos e relações jurídicas alheios ao ordenamento pátrio, inviabilizando uma aplicação interna sem uma devida recepção (SILVA, 2017). Destarte, reitera-se a eminência do procedimento, ainda que deveras burocrático, de incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento interno positivo do país. Tal relevância emana do caráter aberto e, consequentemente, passível de incompatibilidades do sistema jurídico brasileiro. Nesse entendimento, a ocorrência de antinomias é dirimida pela observância rígida do rito de anexação, de modo a garantir um diálogo harmônico e consonante entre ambas as fontes de direito. Ademais, é apenas assegurada a plena eficácia da norma internacional uma vez submetida ao processo de validação supracitado, adentrando de fato o direito pátrio. Nas palavras de Flávia Piovesan (2011, p.103): A assinatura do tratado, por si só, traduz um aceite precário e provisório, não irradiando efeitos jurídicos vinculantes. Trata-se da mera aquiescência do Estado em relação à forma e ao conteúdo final do tratado. A assinatura do tratado, via de regra, indica tão somente que o tratado é autêntico e definitivo. Nesse entendimento, resta nítido que a obrigatoriedade dos tratados internacionais se impõe aos sujeitos de direito internacional exclusivamente Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 238 mediante a ratificação de seu corpo normativo pelos órgãos estatais pátrios. Somente assim, caso imbuídos de boa- fé, poderão ser dignos da máxima pacta sunt servanda, brocardo latim que significa “o pacto deve ser cumprido”2 (MORE, 1998). Vale ressaltar que, em caso de tratados internacionais que venham a versar sobre os direitos humanos, o referido procedimento de incorporação, é responsável por conferir às normas o atributo da validade em seu âmbito exclusivamente formal, haja vista que a redação do § 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 confere espontaneamente a validade material de tais regulamentações legislativas, in verbis, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (ARRUDA, 2014) O entendimento sinóptico que se extrai da totalidade do disposto acima é a adoção da vertente dualista moderada3 pela nação brasileira, haja vista o reconhecimento da imprescindibilidade de um rito formal de penetração das normas de jus cogens4 para que gozem de sua imperatividade em grau máximo, fato que reforça um ideal de distinção e autonomia entre os ordenamentos, muito embora não se descarte a possibilidade de diálogo e interpenetração de suas normatividades (MEDEIROS, 2015). Em síntese, o dualismo mitigado se manifesta na juridicidade brasileira pela estrita necessidade de incorporação formal das normas internacionais para que criem direitos e deveres aos sujeitos particulares, “ainda que antes disso tenha o estado em relação aos seus cocontratantes assumido suas obrigações no plano internacional, por ratificação e depósito do instrumento próprio” (ACCIOLY, 2012, p. 239) Observa-se, pois, que os tratados internacionais, independentemente de sua natureza, devem ser formalmente validados para que adquiram plena força vinculante no ordenamento interno brasileiro, sob o regime de competências prescrito no Título IV da Lei Maior de 88, seguindo as etapas que serão a seguir discriminadas. 2.1 Celebração A priori, faz-se relevante destacar que a celebração dos tratados Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 239 internacionais de direitos humanos pode advir de duas hipóteses. A primeira referese a um acordo firmado entre dois ou mais Chefes de Estado, enquanto a segunda trata das resoluções provenientes dos órgãos e entidades internacionais de proteção aos direitos fundamentais. Nos termos do inciso VIII do artigo 84 da CRFB, compete exclusivamente ao Presidente da República celebrar convenções, tratados e atos internacionais, sendo posteriormente submetidos à avaliação parlamentar. Ademais, conforme parágrafo único do artigo supracitado, há a possibilidade de delegação: o “Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV (...)”, dessa forma a competência continua exclusiva do presidente ainda que possível a delegação. 2.2 Aprovação Tendo o Brasil adotado a teoria dualista moderada, faz-se necessária a aprovação dos Tratados Internacionais pelo Congresso e a promulgação do Presidente. Assim, após o processo de celebração, processa-se a aprovação, um ato interno que recorre às negociações preliminares, envolvendo a arquitetura do tratado bem como sua averiguação. Dessa forma, explicitou Roberto Luiz Silva (2002, p. 58): No caso de tratado multilateral, ocorre nos congressos e conferências internacionais, onde é discutido o objeto do acordo internacional. Esta fase se encerra com a elaboração do texto final do tratado, que deverá ser aprovado, segundo o artigo 9º da Convenção de Viena, por no mínimo 2/3 dos presentes, nos casos das conferências internacionais. No caso do Brasil, antes que ocorra a assinatura no tratado, o texto é submetido à avaliação da Consultoria Jurídica do Itamaraty (CJI), a qual averigua o aspecto jurídico, e a Divisão de Atos Internacionais (DAI), que analisa o aspecto processual. Além disso, o tratado deverá passar pelo crivo da constitucionalidade para então estar apto a receber o aval das partes, pelo ato da assinatura (CIELO, 2013). No entendimento de Valerio de Oliveira Mazzuoli, dessa forma, a assinatura é um passo importante da celebração do tratado revelando o consentimento das partes em aderir Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 240 o acordado e, ainda que fiquem proibidas quaisquer alterações no texto do acordo, há a possibilidade de serem apresentadas objeções ao texto do instrumento caso necessário. Desse modo, as partes ao assinarem apenas demonstram aceitar a forma e o conteúdo do que foi negociado. A próxima fase se constitui pelo processo de avaliação do parlamento que, segundo a Constituição da República Federativa do Brasil em seu inciso I, do artigo 49: “(...) é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (...)”. Em caso de aprovação, esse concretiza seu ato por meio da expedição de um decreto legislativo, seguindo para o processo de ratificação de responsabilidade presidencial (CIELO, 2013). 2.4 Ratificação Após a fase de aprovação do Congresso, o tratado segue para um processo de caráter internacional, a ratificação. Somente poderá realizá-lo o Presidente da República, com fins de expressar definitivamente a sua vontade em se responsabilizar com os termos do instrumento perante a comunidade internacional. Nada obstante, a possibilidade de o Estado vir, no futuro, a denunciá-lo (HUSEK, 2003). Outrossim, a partir dessa etapa, o acordo internacional condiciona a exigibilidade de outras nações e admite vigência internacional, desde que satisfeitos todos os requisitos (MELLO, 2017). 2.5 Promulgação Depois de ser ratificado, o tratado, mediante decreto, será promulgado e publicado oficialmente. Com a promulgação, tal ato normativo passará a ser aplicado a todos de maneira obrigatória, ainda que subsista vasta divergência doutrinaria e jurisprudencial acerca do status hierárquico dessa norma (ARRUDA, 2014). Faz-se oportuno, ao trazer a etapa final do procedimento à luz da discussão, reproduzir as sábias palavras de Mazzuoli (2006, p. 63): Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 241 A promulgação tem por finalidade, pois, atestar que o ato internacional já existe e que foram cumpridas todas as formalidades internas para sua celebração. Indica, ademais, que o compromisso internacionalmente firmado já é juridicamente exigível, obrigando a todos sua observância. Mas, para que a norma jurídica se considere efetivamente promulgada, é indispensável sua publicação, dando conhecimento à população de sua existência. Ademais, o Direito Internacional tem ocupado importante papel no cenário geopolítico mundial e, da mesma forma, na esfera política brasileira. À vista disso, tais procedimentos tornam-se essenciais no processo de incorporação dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos de maneira a consolidar e reconhecer seu conteúdo e sua posição hierárquica dentro do ordenamento jurídico nacional. 3. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA A temática da incorporação de Tratados Internacionais, mormente, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ao sistema jurídico brasileiro suscitou o debate sobre o status hierárquico dessas normas no ordenamento pátrio. Isso porque, diante do advento da Emenda Constitucional 45/2004, “apenas os tratados que versam sobre Direitos Humanos, aprovados por um procedimento especial têm status de Emenda Constitucional” (DOMENICO, 2019, p. 2907), o que enseja um caloroso debate calcado na vasta divergência doutrinária e jurisprudencial Dessa forma, a diversidade de entendimentos advindos do Supremo Tribunal Federal corporifica e exemplifica a polêmica e as latentes discordâncias no que tange a essa matéria. Sob essa ótica, há de se analisar a heterogeneidade evolutiva de posicionamentos da Corte Suprema acerca do caráter formal e material dessas normas, de modo que se enxergam, nas palavras de Frederico Koehler: Quatro possíveis níveis hierárquicos que se pode atribuir aos tratados e convenções internacionais: 1) hierarquia supraconstitucional; 2) hierarquia constitucional; 3) hierarquia infraconstitucional, mas supralegal; 4) paridade hierárquica entre tratado e lei federal. (KOEHLER, 2007, p. 1557). A priori, ressalta-se que a perspectiva supraconstitucional mencionada acima, responsável por atribuir superioridade às normas em tela frente à Constituição da República, apesar de dissertada por famigerados hermeneutas, como Agustín Gordillo em sua obra Derechos humanos, doctrina, casos y materiales: parte general, não foi Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 242 uma concepção latente nas deliberações do Supremo Tribunal Federal, de modo a não se fazer necessária e oportuna sua apreciação pormenorizada no trabalho em questão. Na República Velha, durante o governo de Getúlio Vargas, constata-se o inicial entendimento kelseniano5 do Supremo Tribunal Federal, embasado na Lei de nº. 2.416, de 28 de junho de 1911, sobre a preponderância no sistema jurídico brasileiro da vertente do monismo com primazia do direito internacional, de modo a reconhecer a prevalência de normas internacionais frente as demais vigentes no ordenamento pátrio (SANTOS, 2013). Dessa forma, diversos julgados da Corte Suprema, como o pedido de extradição nº 07/1913 e as Apelações Cíveis de nº 7.872/RS e 9.587/DF, consolidaram tal predomínio de dispositivos internacionais diante de casos de antinomias. Outrossim, ressalta-se que esse entendimento, o qual até 1945 apresentavase como unânime no STF, tem sua fragilização no ano de 1977, perante o emblemático julgamento do Recurso Extraordinário de nº 80.004 (MAZZUOLI, 2001). Essa inovadora resolução passa a representar, portanto, uma revolução no que tange a perspectiva analítica da incorporação das normas em tela ao ordenamento pátrio, de modo a deliberar sobre o caráter ordinário desses dispositivos internacionais quando incorporados ao âmbito nacional. Nas palavras de Fábio Medeiros: Nesse julgado, que tratava da Convenção de Genebra (Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias), ficou decidido que os conflitos entre uma disposição normativa de direito interno e uma decorrente do direito internacional seriam resolvidos pela regra geral destinada a solver antinomias normativas de mesma hierarquia. (MEDEIROS, 2015, p. 292). Nessa perspectiva paritária, reconheceu-se a equânime hierarquia normativa entre dispositivos pátrios ordinários e convenções internacionais, de modo a tornar-se latente o critério cronológico, lex posterior derogat priori, como fator primordialmente decisivo quando há antinomias entre essas. Com efeito, ressalta Medeiros (2015, p. 292) que “após 1977 e antes da EC nº 45 [Emenda Constitucional n.º 45/2004] , a posição é de que todos os tratados - de direitos humanos ou não - fossem recebidos como lei ordinária”. Posteriormente, verifica-se que essa nova interpretação se faz reiterada na Cúpula Maior diante do hodierno julgamento do HC 72.131-RJ, de alta repercussão, relativo a suposta possibilidade de prisão por dívida do depositário infiel. Nesse caso, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 243 deliberou-se a equiparação do devedor-fiduciante ao depositário infiel, de modo a reconhecer a constitucionalidade da prisão civil por dívida em questão. Com efeito, ressalta-se a divergência dessa decisão para com o art. 7º, VII do Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é parte. Diante dessa aparente contradição, convém a exposição de um trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello na ocasião do julgamento supracitado: A circunstância do Brasil haver aderido ao Pacto de São José da Costa Rica — cuja posição, no plano da hierarquia das fontes jurídicas, situa-se no mesmo nível de eficácia e autoridade das leis ordinárias internas — não impede que o Congresso Nacional, em tema de prisão civil por dívida, aprove legislação comum instituidora desse meio excepcional de coerção processual (...). Os tratados internacionais não podem transgredir a normatividade emergente da Constituição, pois, além de não disporem de autoridade para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais, não possuem força para conter ou para delimitar a esfera de abrangência normativa dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental (STF, 1995). (grifo nosso) Entretanto, em maio de 2000, no julgamento do RHC de nº. 79.785-RJ “que envolvia o alcance interpretativo do princípio do duplo grau de jurisdição, previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos” (PIOVESAN, 2011, p.126), o Ministro do STF Sepúlveda Pertence adotou em seu voto o entendimento do caráter infraconstitucional, porém supralegal, dos dispositivos internacionais de direitos humanos. Essa perspectiva foi minoritária, de modo que se preponderou a ótica vigente de paridade ordinária. Porém, há de se destacar, com ênfase, a representatividade desse entendimento para com o início do processo de diferenciação e de estabelecimento de natureza especial desses dispositivos frente aos demais. Sob essa ótica, o magistrado proferiu em um trecho de seu discurso, o seguinte: Creio na outorga de força supralegal às convenções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta às suas normas — até, se necessário, contra a lei ordinária — sempre que, sem ferir a Constituição, a complementem, especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes (STF, 2000). Nessa conjuntura dialética, com vistas a encerrar as controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias suscitadas pelo § 2º do art. 5º, o qual confere natureza materialmente constitucional a essas convenções (LAFER, 2005), promulgou-se a Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004, a qual, em seu § 3º, art. 5º, estabelece que: Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 244 Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição (BRASIL, 2004). Dessa forma, esse último entendimento do ordenamento jurídico brasileiro coaduna à compreensão de que todas as normas internacionais de direitos humanos seriam materialmente constitucionais, porém, apenas aquelas incorporadas após a EC nº 45/2004 e que seguiram o quórum, disfrutam da extensão desse status para o âmbito formal (PIOVESAN, 2009, p.71-78). Contudo, por fim, prevalece atualmente o entendimento do Ministro Gilmar Mendes acerca dessa temática, de modo que, vide o RE nº 466.343.1/SP, passouse a reconhecer o caráter supralegal dos dispositivos internacionais despidos de quórum e/ou aprovação de acordo com positivado na EC nº 45/2004. Assim, reiterando a questão da impossibilidade de prisão do depositário infiel, proferiu o Ministro Gilmar Mendes em um trecho de seu voto: Não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação (STF, 2009). (grifo nosso) Com efeito, é preciso destacar que, apesar da prevalência atual do entendimento do Ministro Gilmar Mendes sobre a temática em análise, é latente a permanente divergência no seio da Suprema Corte. Sob essa ótica, alude-se, como fator exemplificativo, o voto do Ministro Celso de Mello nesse mesmo julgamento supracitado, o qual considerou que “os tratados de direitos humanos, em si mesmos considerados, possuiriam força de norma constitucional, diante da previsão do art. 5º, §1º e 2º da Constituição Federal, (...) de modo a consolidar a jurisprudência dos tribunais internacionais de direitos humanos” (FEILKE, 2013, p.6). Nesse diapasão, há de se considerar notória a evolução das posições do Supremo Tribunal Federal acerca da incorporação desses dispositivos legais internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro, de modo a ser incontestável sua contribuição, a partir do reconhecimento do caráter especial das normas em tela, para Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 245 a temática dos direitos humanos no Brasil. Essa confluência de fatores, todavia, coaduna à necessidade de que se analise crítica e metodicamente as benesses e supostas incoerências que floresceram no ordenamento jurídico pátrio como frutos da EC nº 45/2004, o que virá a ser dissertado no tópico a seguir. 4. DISCUSSÃO: A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004 Vieram as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em 30 de dezembro de 2004, a promulgar a Emenda Constitucional (EC) de número 45, fazendo vigorar com redação alternativa os artigos 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, bem como lhe acrescentando os artigos 103-A, 103B, 111-A e 130-A. Para os fins do proposto artigo, cabe uma análise fragmentada do dispositivo de reforma, trazendo ao lume o novo corpo textual do artigo 5º, que, ao ser-lhe inserido o parágrafo 3º, disciplina a atribuição de caráter constitucional aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos que obtenham aprovação parlamentar, em dois turnos – passando por ambas as casas do Congresso Nacional –, com quorum de três quintos dos votos. Visou-se, com tal edição legislativa, assegurar em máxima magnitude os direitos fundamentais da pessoa humana, partindo da atribuição do status hierárquico mais elevado aos tratados internacionais de direitos humanos como meio para atingir a plena salvaguarda dos aspectos personalíssimos dos homens. Não é diferente o olhar de Juan Antonio Travieso (1990), que defende invariavelmente o que advém da assinatura dos tratados modernos sobre direitos humanos. Estes, ao invés do tradicional caráter multilateral de tratados confeccionados em função do benefício mútuo dos Estados contratantes, gozariam de natureza sui generis, tendo por objeto e fim último a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos, a despeito de sua nacionalidade. Ao aprová-los, os Estados se submetem a uma ordem legal e assumem obrigações frente aos cidadãos que se encontram abaixo de sua jurisdição. Sob essa ótica, o parágrafo aludido acima introduziu a possibilidade formal e material da constitucionalização dos tratados internacionais de direitos humanos, a partir de sua incorporação como emenda constitucional, quando, e somente quando, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 246 houver aprovação em dois turnos, por maioria qualificada dos membros. Com efeito, adverte-se a incoerência que se perfaz no ordenamento jurídico, no que tange aos tratados incorporados a tempo anterior ao advento da EC nº 45/2004: Há o entendimento segundo o qual, em face do § 3º do art. 5º, todos os tratados de direitos humanos já ratificados seriam recepcionados como lei federal, pois não teriam obtido o quorum qualificado de três quintos, demandado pelo aludido parágrafo. (PIOVESAN, 2011, p. 19) Nesse prisma, é imperioso ressaltar que seria alheio à razoabilidade que os tratados de direitos humanos já ratificados mantivessem o caráter de lei federal, enquanto aos demais, cuja data de penetração seja posterior a 2004, fosse atribuído status constitucional, exclusivamente em virtude de seu quórum de aprovação. Seria, desse modo, desrespeitada a teoria geral da recepção, configurando um quadro de “agudo anacronismo” da normatividade jurídica do Brasil (PIOVESAN, 2011). Ainda na mesma perspectiva, nota-se que a suposta uniformidade propiciada por essa Emenda se mostra de cunho ilusório, na medida em que suscitou não uma homogeneização doutrinária, mas o florescimento do debate acerca da diferença hierárquica entre normas de mesma natureza. Diferença essa vedada pelos princípios de horizontalidade e igualdade jurídica dos Estados – os sujeitos de direito internacional – restando, assim, nítida a percepção da lesão que se lhe configura. Por outro lado, o Excelentíssimo Ministro Celso de Mello6, defendeu que a suposta incongruência possa ser desmantelada por uma hermenêutica fundada em premissas axiológicas, realçando o valor ético-jurídico da primazia dos direitos humanos e assim, possibilitando uma atualização jurisprudencial da Suprema Corte em favor do caráter constitucional subordinante dos tratados internacionais de direitos humanos. Muito embora o partidarismo de juristas, dentre os quais o Min. Celso de Mello, a favor de um avanço esplendoroso trazido pela Emenda nº 45/2004, evidente é que tal legislação não se encontra imune à pecha de retrocesso. Torna-se indubitável que, ao invés de complementar a normatividade dos parágrafos que lhe são anteriores, o § 3º veio a “ceifar sua eficácia”, impondo uma natureza deveras formalista ao procedimento de incorporação dos tratados, tornando, pois, menos efetivos os dispositivos de salvaguarda da dignidade humana (SANTOS, 2013). Corrobora-se, dessa forma, a Teoria dos direitos fundamentais de Mello Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 247 (apud PIOVESAN, 2011), no ideal de que o primado do aspecto material de um bem jurídico a ser tutelado – a saber os direitos e a dignidade da pessoa humana – deve ser condicionante de sua forma no plano jurídico normativo. Em palavras outras, ao prezar-se pela lógica de que a hierarquia de valores deva ditar a hierarquia de normas, descredita-se o intento da Emenda em incumbir à arbitrária vontade dos parlamentares o posicionamento, na normatividade do ordenamento pátrio, dos tratados internalizados. Como salienta Carlos Frederico Santos (2013), pode se concluir de uma abordagem analítica do referido parágrafo 3º que sua natureza é de norma permissiva facultativa, a partir do momento em que permite, ao gosto da discricionariedade do poder legislativo, a não adoção do quórum de votação qualificado pertinente, quando da incorporação dos tratados internacionais sobre direitos humanos. Faculta-se, assim, aos membros das Casas do Congresso a atribuição de estatura formalmente constitucional à norma de jus cogens a ser internalizada no ordenamento jurídico pátrio. Em abordagem última, ressalta-se a severa crítica que tece Canotilho (apud GNOATO, 2013) à Emenda Constitucional em xeque, “mal redigida e mal formulada”, haja vista que configura uma incontestável involução na abertura constitucional às garantias de direitos consagrada pela redação original de 1988. No tangente aos tratados aprovados anteriormente a 2004: Cria um imbróglio tão a gosto de nossos publicistas estatocêntricos, insensíveis às necessidades de proteção do ser humano. [...] Este retrocesso provinciano põe em risco a interrelação ou indivisibilidade dos direitos protegidos em nosso país (previstos nos tratados que o vinculam), ameaçando-os de fragmentação ou atomização, em favor dos excessos de um formalismo e hermetismo jurídicos eivados de obscurantismo. (CANOTILHO, 2007, p. 209). Portanto, o que não se enxerga pelos “triunfalistas” da EC, é o vínculo ipso iure que advém da celebração do tratado, não obstando os “malabarismos pseudojurídicos” – isto é, a facultativa aprovação parlamentar por quórum qualificado – para oferecer ao Estado subterfúgio que o exima de sua responsabilidade internacional. 5. CONCLUSÃO O presente artigo, em síntese, debruçou-se em vasto arcabouço documental e Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 248 doutrinário para denunciar as falhas e contradições enredadas na promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, no inicial escopo de suprir as lacunas interpretativas do parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Subseguiu-se à análise da heterogeneidade evolutiva de posicionamentos da Corte Suprema – STF – acerca do caráter formal e material das normas provenientes de tratados internacionais a constatação de que o advento da referida EC não foi capaz de cumprir seus propósitos a contento. Restou indubitável que o novo parágrafo 3º do mesmo artigo deixou-se permear por um invólucro vazio de juridicidade, na medida em que uma concepção exacerbadamente formalista e artificial do procedimento de incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos fez sucumbir à égide da discricionariedade dos membros das Casas do Congresso Nacional o intento-mor de todo o Direito, quer interno, quer internacional: a salvaguarda em última instância da dignidade da pessoa humana, bem como todos os seus aspectos mais fundamentais. Desse modo, é urgente uma alternativa à indeterminabilidade suscitada pela promulgação do referido documento quanto ao status hierárquico da normatividade de jus cogens que adentra o ordenamento pátrio. Requer-se, pois, uma atualização hermenêutica da jurisprudência do Pretório Excelso, no intuito de uniformizar e consolidar os critérios de atribuição de constitucionalidade às normas de proteção internacional aos direitos humanos. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.9, p.93451-93469 sep. 2021 ISSN: 2525-8761 249 REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. ARRUDA, Weslley Rodrigues. Tratados internacionais: processo de incorporação ao ordenamento jurídico interno. Conteudo Juridico, Brasilia-DF, 19 dez. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51529&seo=1>. Acesso em: 30 jun. 2019. BEDIN, Gilmar Antônio; SCHWEDE, Matheus Antes. 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Sc., Departamento de Construção Civil – UFJF Programa de Pós Graduação em Ambiente Construído – PROAC Universidade Federal de Juiz de Fora - Faculdade de Engenharia, Rua José Lourenço Kelmer, s/n. Campus Universitário – Martelos 36036-330. Juiz de Fora – MG- Brasil E-mail: teresa.barbosa@engenharia.ufjf.br Amanda Rodrigues da Silva Oliveira Mestranda em Ambiente Construído – UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora - Faculdade de Engenharia, Rua José Lourenço Kelmer, s/n. Campus Universitário – Martelos 36036-330. Juiz de Fora – MG- Brasil E-mail: amanda.rodrigues@engenharia.ufjf.br Mariana de Athayde Salomão Mestranda em Ambiente Construído – UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora - Faculdade de Engenharia R. José Lourenço Kelmer, s/n. Campus Universitário, Martelos 36036-330. Juiz de Fora – MG. Brasil E-mail: mariana.salomao@engenharia.ufjf.br RESUMO: Atualmente muito se relata sobre a importância das cidades resilientes que são resumidamente aquelas que são capazes de se restituir e adaptar-se rapidamente com a incidência de eventos adversos, sejam problemas sociais e/ou desastres naturais. A adaptação de edificações deve se apresentar cada vez mais sustentáveis com utilização por exemplo de retrofit para o reaproveitamento e otimização de recursos que já existem. O presente trabalho objetiva apresentar e explorar quais os principais indicadores sustentáveis necessários para que as edificações estejam alinhadas ao conceito de cidade resiliente promovendo a cultura e efetivação de construções de prédios inteligentes, inserção de tecnologias modernas e eficientes. A metodologia utilizada se baseou em revisão bibliográfica, seguido de análise da importância de cidades resilientes e sustentáveis, posteriormente realizou-se um estudo qualitativo com os principais indicadores sustentáveis e como as edificações devem se adaptar para que suas construções estejam alinhadas com o conceito de cidades resilientes. Como resultados, ponderou-se e identificou-se os principais indicadores sustentáveis essenciais para as edificações inteligentes enfatizando a importância de retrofits, aumento de áreas verdes, inserção de materiais ecoeficientes Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 253 e integração de técnicas de construção com a utilização de energias renováveis. O conjunto destas práticas utilizadas nas edificações é imprescindível para que se alcance os indicadores sustentáveis e o alinhamento das cidades de acordo com os parâmetros da ONU, promovendo assim a contribuição para um planeta cada vez mais sustentável e com melhor utilização de seus recursos, promovendo assim qualidade de vida. PALAVRAS-CHAVE: Indicadores Sustentáveis; Construção Sustentável; Inovação; Retrofit; Cidades Resilientes. ABSTRACT: Currently much is said about the importance of resilient cities that are briefly those that are able to restore and adapt quickly to the incidence of adverse events, whether social problems and/or natural disasters. The adaptation of buildings should be increasingly sustainable with the use of retrofit, for example, to reuse and optimize existing resources. This paper aims to present and explore the main sustainable indicators needed for buildings to be aligned with the concept of a resilient city, promoting a culture of intelligent building construction and the insertion of modern and efficient technologies. The methodology used was based on a literature review, followed by an analysis of the importance of resilient and sustainable cities, and then a qualitative study of the main sustainable indicators and how buildings should adapt so that their constructions are aligned with the concept of resilient cities. As a result, the main sustainable indicators essential for intelligent buildings were pondered and identified, emphasizing the importance of retrofits, increase of green areas, insertion of eco-efficient materials, and integration of construction techniques with the use of renewable energy. The set of these practices used in the buildings is essential to achieve the sustainable indicators and the alignment of cities according to the UN parameters, thus promoting the contribution to an increasingly sustainable planet and with better use of its resources, thus promoting quality of life. KEYWORDS: Sustainable Indicators; Sustainable Construction; Innovation, Retrofit; Resilient Cities. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 254 1. INTRODUÇÃO De acordo com a Organização das Nações Unidas -ONU (2020), a maior parte da população mundial vive em centros urbanos, aproximadamente 3,5 bilhões de pessoas residem em cidades, e estima-se que até o ano de 2050 o número aumente para 5 bilhões. Diante destes dados, é imprescindível atentar-se para a importância de se executar construções sustentáveis, aderentes para a consolidação de edificações integradas dentro do conceito de cidades resilientes. Construções com materiais inovadores, adaptados para cidades tecnológicas, materiais que não degradem o meio ambiente, inovações sustentáveis para que as cidades cada vez mais caminhem para uma realidade de smart cities ou cidades inteligentes. No setor de construção civil é necessário que os edifícios cada vez mais contribuam para uma realidade e futuro sustentável do mundo, para que se otimize o desempenho sustentável de edificações e infraestrutura promovendo qualidade de vida para todos. Conforme Waclawovsky e Alves (2010), as construções sustentáveis devem compilar pontos importantes para seu alcance: benefícios econômicos, benefícios sociais e benefícios ambientais, promovendo viabilidades, adequação ambiental, justiça social e aceitação cultural, com a integração de qualidade em todos os processos. O Retrofit que muito se utiliza hoje em dia para edificações sustentáveis, é ampliado no Brasil devido à preocupação com a defesa de áreas tombadas que aliamse ao desenvolvimento dos centros urbanos, originando uma demanda considerável para essas edificações com a redução de custo comparado com uma nova construção e no que tange às edificações históricas origina condições para criação de novas funções promovendo a facilitação do uso de retrofit. O artigo objetiva explorar e identificar quais os principais indicadores sustentáveis que são imprescindíveis para que as construções estejam conforme o conceito e requisitos para se tornar cidades resilientes, com a inserção de construções inteligentes, tecnologias modernas e ecoeficientes, aderindo ao grande projeto mundial de cada vez mais as cidades estarem preparadas para melhor gestão de riscos e inovações tecnológicas. Como resultados, será apresentado e identificado os mais importantes Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 255 indicadores sustentáveis imprescindíveis para as edificações inteligentes enfatizando a importância de retrofits, aumento de áreas verdes, inserção de materiais ecoeficientes e integração de técnicas de construção com a utilização de energias renováveis. Posteriormente será abordado a importância intrínseca da urbanização sustentável e seus principais valores. A pesquisa desenvolvida foi de tipologia qualitativa e exploratória, devido à revisão literária inicial consultando órgãos, notícias, livros, artigos, anais de publicações para correta conceituação e apresentação da importância de construções sustentáveis para o crescimento de urbanização sustentável alinhadas em prol do conceito de cidades resilientes. 2. CONSTRUÇÕES SUSTENTÁVEIS Para Sattler (2017), define-se que para a população ser sustentável é necessário se integrar dentro da capacidade que o planeta possui de suporte, e que as edificações sejam executadas dentro desta capacidade de suporte. De acordo com Silva, Hilário et al (2017), a construção sustentável deve realizar intervenções sobre o meio ambiente sem esgotar com os recursos naturais existentes, realizando sua preservação para futuras gerações, utilizando de sistema de reuso de água por exemplo, contribuindo para a redução do seu consumo, realizar coletas seletivas de lixo fazendo sua reciclagem, utilizar tecnologias que criem ambientes com regulação acústica e regulação de temperatura adequada. Smart Cities são um conjunto de sistemas e pessoas que interagem e utilizam energia, materiais, diversos serviços e financiamento para se catalisar um ótimo desenvolvimento econômico e uma melhor qualidade de vida para todos (ALBINO et al., 2015). Define-se Retrofit como “a remodelação ou atualização do edifício ou de sistemas, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil, eficiência operacional e energética.” (ABNT NBR 155575-1, 2013, p.3). De acordo com Queiroga, De Fátima Martins (2015), destaca-se vários avanços para aplicação da sustentabilidade na construção civil como: • International Council for Research and Innovation Building and Construction (CIB) que finalizou a Agenda 21; Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 256 • United States Green Building Council (USGBC) que originou o selo de certificação Leadership in Energy and Environmental Design (LEED); • Livro Green Vitruvius: Principles and Practices of Sustainable Architectural Design, produzido pelo Conselho Europeu de Arquitetura; • Agenda Setorial para Construção Sustentável para países em desenvolvimento, criada em 2000; • Beddington Zero Energy Development (BedZED), na Inglaterra: obra finalizada em 2001; • Em 2002, o CIB o finaliza a Agenda 21 para construção sustentável para países em desenvolvimento; • França lançou em 2002 seu programa de certificação de construções, e o Japão lançou o seu, Comprehensive Assessment System for Building Environmental Efficiency (Casbee); • National Australian Built Environment Rating System (Nabers), na Austrália em 2004; • Em 2006, o arquiteto Norman Foster projeta a Cidade Carbono Zero ou Masdar City; • No Brasil, em 2007, foi criado o Green Building Council Brasil (GBC Brasil) como referência na avaliação e certificação de construções sustentáveis do LEED. Nesse mesmo ano, foi criado o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) e lançado o selo ecológico para produtos e tecnologias sustentáveis IDHEA-Falcão Bauer. • Em 2008, é lançado o selo brasileiro de certificação ambiental AQUA (MOTTA; AGUILAR, 2009). • A ISO 14000, que foi desenvolvida pela International Organization for Standardization (ISO) propõe que a certificação e identificação dos produtos e serviços sejam padronizadas mundialmente. A ISO também formulou outras normas voltadas à sustentabilidade, como a ISO 21930 (2007), Sustentabilidade na Construção Civil – Declaração Ambiental de Produtos para Construção, e a ISO 15392 (2008), Sustentabilidade na Construção Civil − Princípios Gerais (IBRAHIM, 2014). O AQUA (Alta Qualidade Ambiental do Empreendimento) foi adaptado do Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 257 modelo HQE (Haute Qualité Environnementale), que se baseia nos referenciais de desempenho elaborados pelo CSTB (Centre Scientifique et Technique du Bâtiment) em 1947 na França. Em 2007, sofreu adaptação para a versão brasileira. Foi implantado pela Fundação Vanzolini. Com ele é possível se atestar se um empreendimento encontra-se de acordo com as exigências por meio de auditorias independentes. No processo, as normas brasileiras vigentes são utilizadas, caso não exista norma brasileira específica, podem ser utilizadas normas internacionais (VALENTE, 2009). A Certificação LEED (Leadership in Enueun6yy798777477mergy and Environmental Design) é um sistema de certificação reconhecido no mundo. Foi desenvolvido pelo USGBC em 1991 nos Estados Unidos. Constitui um sistema voluntário que pode ser aplicado a qualquer tipo de construção e em qualquer fase da vida do empreendimento, inclusive durante o retrofit. Essa certificação baseia-se em alguns critérios de avaliação e é um sistema de pontuação cumulativa para diversos itens de projeto ou obra (VALENTE, 2009). 2.1 Construções sustentáveis e cidades resilientes Conforme o ranking anual dos países com maior área certificada LEED, o Brasil se manteve em 2018 no top 5 dos países com o maior volume de construções sustentáveis em âmbito mundial. A lista integra os mercados que são reconhecidos pela Green Business Certification Inc. (GBCI), que criou o selo LEED há 25 anos. Com 531 certificações LEED até o final de 2018, o Brasil está atrás dos Estados Unidos, que lideram com 33.632 construções sustentáveis, seguido de China, Canadá e Índia. De acordo com a Norma ABNT NBR ISO 37120:2017 que enfatiza o desenvolvimento sustentável de todas as comunidades com indicadores relacionados aos serviços urbanos e com a qualidade de vida de seus habitantes, dividindo esses indicadores como: • Indicadores essenciais: direcionam o desempenho da gestão de serviços urbanos e a qualidade de vida; • Indicadores de apoio: demonstram o desempenho da prestação de serviços urbanos e qualidade de vida; • Indicadores de perfil: Fornecem estatísticas básicas e informações Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 258 2.2 Importância da utilização do retrofit para cidades inteligentes e sustentáveis O Retrofit que se iniciou na Europa, e se destaca atualmente por representar 50% de utilização nas obras atuais contribuindo efetivamente para as construções sustentáveis, que permite a revitalização de imóveis, representado na Figura 1 abaixo, sem a necessidade de realizar uma nova construção. Figura 1 – Revitalização de Fachada com Retrofit Fonte: (T2 Arquitetura, 2020). 2.3 Indicadores de sustentabilidade na construção civil A Indústria de construção civil é impulsionadora de desenvolvimento econômico, que representa 8% do PIB no Brasil, mas ainda é um dos setores que mais absorve recursos naturais e faz geração de resíduos sólidos, necessitando de uma gestão eficiente que beneficie a geração atual e futura. Para isso se torna necessário que as construções atinjam cada vez mais os indicadores de sustentabilidade. Os indicadores de sustentabilidade começaram a aparecer em 1980, na Europa. Mas somente a partir da Agenda 21 que foram incluídos oficialmente na pauta das nações. A Organização das Nações Unidas (ONU), iniciou o desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (UNCED), realizada em Estocolmo, em 1972. Após vinte anos no Rio de Janeiro foi criada a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (CSD). Entre os anos de 1995 e 2000, o órgão dividiu um programa de trabalho em três partes para o estabelecimento de indicadores de desenvolvimento sustentável, originado o Indicators of Sustainable Development: guidelines and methodologies. A Agenda 21 foi um dos mais importantes resultados da Rio-92, englobando orientações relativas ao desenvolvimento e à implementação de indicadores de sustentabilidade. Atualmente cada país desenvolve a sua própria Agenda 21 (SIENGE, 2020). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 259 Já a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), foi fundada em 1961, e começou a publicar indicadores ambientais em 1989. Possui sede em Paris, na França, e sua principal missão é a proposição de políticas para soluções compartilhadas de dificuldades econômicas, sociais e ambientais, objetivando o crescimento verde (SIENGE, 2020). No Brasil , o Ministério do Meio Ambiente (MMA), em união com entidades parceiras, construiu os Indicadores Ambientais Nacionais, atualizando os indicadores de sustentabilidade que já existiam, e se relacionam aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que é composto de 17 objetivos e 169 metas que deverão guiar as políticas nacionais e as atividades de cooperação internacional até o ano de 2030 .Em 2002 ,também no Brasil, o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) originou seus primeiros indicadores de desenvolvimento sustentável que foram atualizados com a publicação Indicadores de Desenvolvimento Sustentável em 2015 (SIENGE, 2020). O Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H), outro importante programa, foi criado pelo Governo Federal com o objetivo de melhoria das construções e modernização do setor de produção com a abordagem dos seguintes indicadores: Indicador de geração de resíduos ao longo da obra; Indicador de geração de resíduos ao final da obra; Indicador de consumo de água ao longo da obra; Indicador de consumo de água ao final da obra; Indicador de consumo de energia ao longo da obra; Indicador de consumo de energia ao final da obra. A Série ISO 14000 é um conjunto de normas desenvolvido pela International Organization for Standardization (ISO), que objetiva a minimização do impacto ambiental das empresas pela implantação do Sistema de Gestão Ambiental. Dentre as diversas normas, a ISSO 1431, do ano de 2004 apresenta os indicadores: Indicador de Condição Ambiental (ICA) e o Indicador de Desempenho Ambiental (IDA), que são considerados na Avaliação do Desempenho Ambiental (ADA). A Certificação LEED é concedida pela Green Building Council Brasil (GBC Brasil), membro do World Green Building Council, que regula a criação de Conselhos Nacionais para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis na construção civil. Pode ser aplicada em qualquer etapa de um projeto. Os níveis são: Certified, Silver, Gold e Platinum, que são definidos através dos pontos acumulados. O Processo AQUA-HQE é uma certificação internacional que desenvolveu-se por meio da francesa Démarche HQE e é aplicado no Brasil pela Fundação Vanzolini. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 260 Para obtenção deve-se implantar um Sistema de Gestão do Empreendimento (SGE) além de atender quatorze categorias de qualidade ambiental. O Selo Casa Azul CAIXA, certificação criada em 2009 para promoção do uso racional de recursos naturais nos projetos financiados. Constitui seis categorias: qualidade urbana, projeto de conforto, eficiência energética, conservação de recursos naturais, gestão da água e práticas sociais. Possui selo Bronze, Prata e Ouro. O Selo Procel Edificações concedido pela Eletrobrás, identifica os prédios com maior índice de eficiência energética, podendo ser obtido em qualquer etapa do projeto. Para obtenção do Selo Procel Edificações, é preciso primeiro obter a Etiqueta PBE Edifica. Segue abaixo a Tabela 1 onde se realiza a comparação entre os indicadores ambientais tradicionais e os indicadores ambientais sustentáveis, que demonstra como é importante os indicadores sustentáveis para edificações sustentáveis. Tabela 1 – Indicadores Ambientais Indicadores Tradicionais Indicadores Sustentáveis • Níveis ambientais de poluição do ar, • Habilidade do ecossistema de água, geralmente medido em ppm ou assimilar e processar poluentes poluentes específicos • Quantidade de material reciclado • Toneladas de resíduos sólidos por pessoa, em relação ao total de produzidos resíduos sólidos produzidos • Energia renovável em relação a não renovável • Energia per capita utilizada • Quantidade total de energia usada Fonte: Autora (Adaptado de Unicamp 2021). 2.4 Norma abnt A Norma ABNT NBR ISO 37120:2017 – Desenvolvimento sustentável de comunidades - Indicadores para serviços urbanos e qualidade de vida, traz o conceito de cidade como: comunidade urbana sob uma delimitação administrativa em específico, normalmente relacionada como uma cidade, município ou governo local. O princípio geral da norma e a sustentabilidade e a resiliência é considerada um conceito orientador no desenvolvimento sustentável das cidades, devendo os indicadores serem compilados de acordo com base anuais. A norma é contemplada por 100 indicadores de sustentabilidade urbana para gestão nas áreas de: economia, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 261 educação, energia, finanças, ambiente, saúde, lazer, serviços de emergência, resíduos, segurança, transportes, água, telecomunicações, planejamento urbano entre outros (ABNT NBR ISO 37120: 2017). 2.5 Objetivos de desenvolvimento sustentável da onu Conforme a ONU, a população residente em áreas urbanas até o ano de 2050, será correspondente a 66% da população do mundo e a estimativa é que até 2030, 41 existirão 41 megalópoles com população acima de 10 milhões de habitantes. Abaixo a Figura 2 representa os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, destacando o objetivo 11 –Cidades e Comunidades Sustentáveis. Figura 2 – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU Fonte: (ONU, 2021). 2.6 Smart cities no brasil Necessita-se frequentemente a consolidação de pólos urbanos que sejam exemplo e referencial para conexões tecnológicas, inovações, colaboração constante, transparência e assistência para os indivíduos e para o meio ambiente, definidas como cidades inteligentes. Considerando dados do Connected Smart Cities, destacase Campinas, São Paulo e Curitiba como as três cidades inteligentes localizadas no Brasil (SUMMIT, 2021). O Connected Smart Cities, constitui o órgão com responsabilidade de plataforma, unificado as empresas, entidades e administração pública, objetiva o pensamento e progressão para as smart cities. De acordo com o relatório desenvolvido recentemente do órgão mencionado, Campinas (SP), São Paulo (SP) e Curitiba (PR), constituem as vencedoras. Para confecção dessa lista realiza-se o mapeamento de publicações do mundo sobre smart cities com conectividade eficiente e sustentabilidade, além de artigos acerca do tema (SUMMIT, 2021). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 262 3. URBANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL O World Cities Report 2020, ressalta que o valor intrinsecamente da urbanização com sustentabilidade pode e deve ser utilizado com o intuito de qualidade de vida para todos. O relatório fornece ainda, evidências e análise política do valor de urbanização de uma visão econômica, social e ambiental, inclusive o valor inquantificável, além de explorar o papel da inovação e tecnologia, governos locais, direção de investimentos e a inserção da Nova Agenda Urbana para promover o valor da urbanização sustentável. Destaca-se ainda que beneficiará todos os governos capacitando-os para criação de programas e estratégias que aumentam o valor da urbanização com sustentabilidade (UN- HABITAT, 2021). 3.1 Valor da urbanização sustentável Conforme a UN-HABITAT (2021), quando existe planejamento nos centros urbanos, estes criam valor que representa a totalidade do aspecto da economia, da sociedade, do meio ambiente e condições não tangíveis (Instituição, governo, percepção da política, cultura, civilidade), cujo resultados potencializam melhorias de qualidade de vida dos moradores de forma significativa e tangível. Ressalta-se assim, que o valor da urbanização deve integrar a totalidade de grupos residentes nos meios urbanos, sendo a urbanização a fortaleza para o desenvolvimento. 3.2 Valor econômico O valor econômico da sustentabilidade da urbanização inclui inclusão próspera e oportunidades para todos, destacando-se os pontos: os centros urbanos são propulsores de crescimento da economia; a urbanização com sustentabilidade gera prosperidade inclusiva; a economia informal se fortaleceu em diversos municípios nos países em desenvolvimento; direitos de propriedade, regulamentação de terras, acessibilidade de transportados para pessoas com deficiência; o plano urbano e de territórios com apoio de governos estruturados aumentarão o valor econômico da urbanização; os governos locais e nacionais necessitam realizar o fortalecimento de sistemas no meio urbano com capacidades de produção; (UN-HABITAT, 2021). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 263 3.3 Valor ambiental: construção da urbanização com resiliência Mediante a UN-HABITAT (2021), relata-se que a sustentabilidade da urbanização é uma corrente de transformação para apropriação do valor ambiental. O planejamento adequado da urbanização favorece o valor ambiental por intermédio de inovações de energia, padrões de assentamentos sustentáveis, alterações de comportamento dos indivíduos acerca de preservação ambiental. Vale ressaltar alguns pontos essenciais como: algumas políticas de ação verde e sustentabilidade no meio urbano apesar de aspectos positivos, estão gerando impactos não intencionais como deslocamento de pessoas com renda mínima e deve-se explorar motivos estruturais da devastação do meio ambiente, ter iniciativas de ecologia urbana aumentam o valor geral da urbanização e alavancam tecnologias para ações ambientais. 3.4 Valor social da sustentabilidade As oportunidades que as cidades oferecem emprestam um valor social para a urbanização, que realiza-se juntamente com o valor intangível da urbanização que inclui cultura e origens. Nesse sentido, o direito à cidade sustenta o valor social (UNHABITAT, 2021). 3.5 Tecnologia relacionada ao valor da urbanização sustentável A tecnologia está presente no mundo, fazendo com que as economias e sociedades se remodelem. A inovação e a tecnologia representam papéis multidimensionais no meio urbano, onde as cidades inteligentes devem ser planejadas para os indivíduos, devendo os governantes o desenvolvimento de administrações públicas eficazes para o ramo tecnológico, evitando exclusão digital, estabelecendo estruturações com transparência para coleta e compartilhamento de dados (UNHABITAT, 2021). 3.6 Governantes das localidades e o valor da urbanização sustentável Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 264 Conforme a UN-HABITAT (2021), os governos dos municípios são os principais impulsores da urbanização sustentável e os governos subnacionais são essenciais para a sustentabilidade mundial da agenda de desenvolvimento. Estes contribuem para a progressão da urbanização sustentável, com o intuito de promover a mudança climática, ações de mitigação, resiliência do meio urbano e ações de inclusão da sociedade e crescimento econômico (UN-HABITAT, 2021). 3.7 Investimentos para valor da urbanização sustentável A governança deve constituir um componente - chave para novos governos do meio urbano, deve existir planejamento através de transformação sustentável, deve haver produtividade e comunicação de dados desagregados para monitorar e avaliar os impactos urbanos, a existência de investimentos correto urbanos são imprescindíveis para o aumento do valor da urbanização sustentável. O alcance do dimensionamento urbano dos ODS está em torno de US $ 38 trilhões para os anos de 2020 a 2030, existem recursos financeiros mundiais para atendimento das necessidades de investimento, porém esses não são direcionados para áreas de maior importância, mediante estimativas da UN- Habitat demonstram que a capacidade de investimento de US $ 98 trilhões é maior que a totalização de necessidades de investimento (UN-HABITAT, 2021). Conforme a UN-HABITAT (2021), as receitas do governo é a mais importante fonte de financiamento para crescimento urbano, ressalta-se que a receita média em países pobres encontra-se abaixo de 15% do PIB, nos países em desenvolvimento são 2,3% do PIB e quando comparado aos países desenvolvidos onde é 6,4 % do PIB, somente 4% dos 500 maiores municípios dos países em desenvolvimento são considerados aptos para crédito pelos mercados internacionais financeiros. 3.8 A nova agenda urbana e o valor da urbanização sustentável A roteirização da urbanização com sustentabilidade na Nova Agenda Urbana é essencial para uma estrutura completa para desbloqueio de valor inerente a cidades com planejamento adequado, administração eficaz e financiadas (UNHABITAT, 2021). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 265 3.9 Perspectivas de urbanização No ano de 2015, quando aderiu-se o Agenda 2030 54% (4 bilhões de pessoas) residia em meio urbano conforme a Figura 3 abaixo, no final do período de 20 anos, alcançando totalmente a Nova Agenda Urbana em 2036, estima-se que 62% (5,4 bilhões de pessoas) habite em meio urbano. Ainda pondera-se que 96% do desenvolvimento urbano acontecerá em regiões pouco desenvolvidas como Leste Asiático, Sul da Ásia e África (Índia, China e Nigéria) representando 35% da total de população de áreas urbanas no período de 2018 à 2050, Índia deve acrescentar 416 milhões de habitantes, China 255 milhões e Nigéria 189 milhões de habitantes (UNHABITAT, 2021). Figura 3 – Urban Population and Level of Urbanization (2000 à 2035) Fonte: (UN-HABITAT, 2021). Um dos maiores desafios do crescimento da urbanização é a ocupação irregular em favelas e sem condições adequadas para vida das pessoas que não encontram outra alternativa devido à ausência de oportunidades, mais de 1 bilhão de indivíduos vivem em favelas, sendo mais da metade destes no leste, centro e sul da Ásia (UN-HABITAT, 2021). 4. EDIFÍCIOS VERDES Atualmente percebe-se um crescimento para edifícios verdes na totalidade de regiões do mundo de acordo com a Figura 4 abaixo, e o fortalecimento de 20% dos edifícios nos seguintes 5 anos, inseridos em investimento relativamente administrável pode ser imprescindível para utilização eficiente de recursos. Um estudo desenvolvido Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 266 por McKinsey Institute, demonstra que apesar de tecnologias para edificações verdes possam custar mais que as edificações convencionais, as taxas de retorno internas oscilam de 18% - 30% que é traduzida em uma taxa de equilíbrio de 3- 5 anos, de acordo com as regiões e tecnologias inseridas. Nos EUA, o Instituto Nacional de Ciências da Construção constatou uma Relação Custo-Benefício Médio Nacional (BCR) de 4:1 para uma diversidade de medidas comuns de retrofit de edifícios, um BCR de 4:1 para quantificação de serviços públicos e infraestrutura de transporte e BCR de US$ 6 para cada US$ 1 em subsídios investidos na mitigação de riscos (UN-HABITAT 2021). Figura 4 – Investment Opportunity Across Regions for Green Buildings Fonte: (UN-HABITAT, 2021). A sustentabilidade engloba todo o processo de produção desde a entrada com utilização de recursos energéticos, utilização de água e insumos importantes, até na saída quando se entrega a construção finalizada e também seus impactos causados no meio ambiente. As construções sustentáveis como edifícios verdes devem ponderar o ciclo de vida na totalidade objetivando que se impeça que materiais não reutilizáveis convertam- se em agentes de poluição ambiental (WRASSE et al., 2018). Ademais, vale ressaltar que o UN-HABITAT possui estimativa de necessidade Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 267 de investimento em infraestrutura, inclusive construções sustentáveis, e nos ODS da ONU, de US $38 trilhões para os anos de 2020-2030, um total de US $98 trilhões. Os bancos comerciais têm capacidade de US $33 trilhões, bancos de investimento administram US $24 trilhões, seguradoras e previdência privada administram aproximadamente US $22 trilhões. Já os 82 maiores fundos soberanos do mundo administram em conjunto mais de US $6,7 trilhões e permanecem com ampla subutilização para se realizar o crescimento sustentável (UN-HABITAT, 2021). 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O crescimento desestruturado das cidades e a ausência de moradias constitui alguns dos fatores que reforçam a ocupação desregrada de locais propensos a inundações e demais desastres ambientais. A urbanização é um desafio mundial, em 30 anos dois terços da população do mundo residirá em áreas urbanas. O crescimento urbano com descontrole, ausência de planejamento e desigualdade constitui desafios mundiais, apesar da urbanização constituir um impulso para o desenvolvimento, pois as cidades contribuem para 80% do PIB mundial, podendo ser uma melhoria de vida para população desfavorecida. Uma das maiores dificuldades existentes nos centro urbanos é a ausência de planejamento de infraestrutura que as cidades deveriam disponibilizar para que a demanda dos seus habitantes como, saúde e bem estar sejam efetivadas. Para construir cidades com desenvolvimento sustentável é necessário o envolvimento de todas as partes interessadas como as empresas, a sociedade, os governantes para que se alcance cada vez mais cidades mais sustentáveis, inteligentes e resilientes. Na construção civil os indicadores de sustentabilidade baseiam-se na utilização do solo da energia e dos recursos hídricos, das emissões atmosféricas, do lançamento de efluentes e no uso de matéria prima. O Retrofit por exemplo, contribui para construções sustentáveis pois utiliza-se de reforma e restauração, contribuindo para valorização do imóvel, podendo ser utilizado também para mobiliário urbano, parques e demais lugares públicos, evitando-se a necessidade de novas construções, diminuindo o descarte de resíduos no meio ambiente. Com a crescente preocupação da sociedade perante à crise ambiental, é imprescindível que o mercado da construção civil inclua por definitivo os indicadores de sustentabilidade em seus projetos, contribuindo para que as cidades aderem ao Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 268 conceito de cidades resilientes. Alcançando os indicadores de sustentabilidade pode ser alcançado selo de sustentabilidade, para que ocorra a certificação das empresas, que agregam valor aos diversos projetos de construção civil. A urbanização é crescente para a próxima década, estima-se que aumente de 56,2% atualmente para 60,4% até 2030, 96% de crescimento acontecerá em regiões com menor desenvolvimento do Leste da Ásia, Sul Asiático e África, com 3 países (Índia, China e Nigéria) representando 35% de crescimento da totalidade da população urbana mundial de 2018 a 2050, sendo imprescindível que cada vez mais a construções sejam sustentáveis para que as cidades se tornem cada vez mais resilientes (UN HABITAT, 2021). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 269 REFERÊNCIAS AGENDA 2030. ODS 11. Dados e estatísticas. 2021. Disponível em: <http://www.agenda2030.org.br/ods/11/>. Acesso em 20/09/2021. ALBINO, Vito; BERARDI, Umberto; DANGELICO, Rosa Maria. Smart cities: Definitions, dimensions, performance, and initiatives. Journal of urban technology, v. 22, n. 1, p. 3-21, 2015. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.10, p.98823-98840 oct. 2021 ISSN: 2525-8761 272 CAPÍTULO 15 ESTRANHOS NA PÁTRIA: UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA DA VIOLÊNCIA CONTRA REFUGIADOS Wueslle Thibes dos Santos Bacharelado em Psicologia - Uniandrade Instituição de atuação atual: Nenhuma Endereço: R. General de Brigada Carlos Castor de Menezes, 71, Butiatuvinha Curitiba - PR E-mail: wueslle@gmail.com Vera Lucia da Silva Alves Doutora em filosofia PUCPR Instituição de atuação atual: FESP – PR Fundação de Ensino Superior do Paraná Endereço: Rua Viviany Cristina Wanto, 50 sobrado 6 – Curitiba/PR E-mail: veraalves33@hotmail.com RESUMO: A temática dos refugiados vem aparecendo com frequência nos noticiários nos últimos anos, mobilizando diversos debates ao redor do globo. Isso porque o fluxo de imigração aumentou de forma exponencial nos últimos 10 anos, tendo como principais países a Síria, Afeganistão e o Sudão do Sul. Apesar disso, muitos outros países produzem novos refugiados todos os dias. Isso acontece por diversos motivos, entre eles: conflitos internos, guerras sectárias e a fome. Tal imigração equivale a um sintoma social; sintoma, este, que desestabiliza uma ordem prévia das coisas e, consequentemente, provoca oposições. Assim, surgem os discursos violentos contra os refugiados, que os consideram, muitas vezes, como terroristas ou invasores. A contribuição da psicanálise para essa questão pode vir de diversos flancos teóricos, porém, para esse artigo foram selecionados alguns conceitos para contribuir para o desenvolvimento da discussão: o refugiado estaria numa posição de estranho familiar, aquele que invade uma montagem de muros – estes visam segurança e o impedimento daquilo que está fora entre (a indeterminação e o mal- estar). A violência aparece como uma reação ao estranho, ela tem múltiplas formas, funciona como algo sistêmico e invisível, e, serve para justamente recuperar alguma suposta homeostase de um estado imperturbado antes da guerra. Ou, ainda, surge como uma violência simbólica, isso se refere à palavra como aquilo que reduz a coisa a um simples traço e lhe atribui perspectivas externas a ela mesma, sendo, então, a própria linguagem uma violência. Para tal análise foram utilizados diversos autores da psicanálise, tais como Sigmund Freud, Jacques Lacan, Slavoj Zizek e Christian Dunker. PALAVRAS-CHAVE: Refúgio; Refugiado; Unheimlich; Violência; Inconsciente . ABSTRACT: Refugee issues have often appeared in the news in recent years, mobilizing various debates around the globe. This is because the flow of immigration has increased exponentially over the past 10 years, with Syria, Afghanistan and southern Sudan as its main countries. Despite this, many other countries produce new refugees every day. This happens for a variety of reasons, including internal conflict, sectarian wars and famine. With this symptom that destabilizes a prior order of things, opposition also appears. This gives rise to violent speeches against refugees, often regarding them as terrorists or invaders. The contribution of psychoanalysis to this Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 273 question may come from several theoretical fields, but for this article some concepts were selected to contribute to the development of the discussion. The refugee would be in this position of familiar stranger, who invades a wall assembly that aims at security and to prevent what is out there (indetermination and malaise) from entering. Violence then appears in various ways, as something systemic and invisible and which serves to justly recover some kind of homeostasis from an undisturbed state before the war, or as a symbolic violence, being referred to as what reduces the thing to a simple trace, and attributes external perspectives to itself, and then language itself is a violence. For this analysis were used several authors of psychoanalysis, such as Sigmund Freud, Jacques Lacan, Slavoj Zizek and Christian Dunker. KEYWORDS: Refugee; Other; Strange; Unheimlich; Violence; Unconscious . Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 274 1. INTRODUÇÃO O ser humano migra desde que se levantou e passou a caminhar sob duas pernas. A pluralidade de culturas e idiomas que possuímos até então, só foi possível porque grupos de Homo Sapiens decidiram migrar (ZIMMER, 2017). As primeiras migrações saíram do norte da África, na região da Etiópia, para outras regiões do globo, há aproximadamente 270 mil anos atrás. Desde então, vários movimentos migratórios aconteceram, permitindo a formação das sociedades ocidentais, orientais e mediterrâneas, como as conhecemos hoje (ZIMMER, 2017). Migra-se por vários motivos, dentre eles: em busca de um lugar desconhecido para preencher a esperança de uma vida melhor; por questões organizacionais; ou, ainda, por questões políticas. A presente pesquisa irá se ater ao último motivo referido. Aquele que faz uma migração forçada por questões políticas é denominado refugiado ou asilado. Tal migração também pode acontecer por diversos motivos: conflitos internos na região, perseguições políticas, retaliações e sanções do próprio estado, guerras sectárias, afundamento de estados, expedições militares, e outros (BAUMAN, 2017). Essa migração forçada é responsável por criar centenas de milhões de refugiados.1 A experiência de refugiar-se em um outro lugar que não é o seu, pode ser, por si só, uma experiência traumática. Pois, o novo lugar é regido por um “Outro”2, isto é, outra cultura, outro lugar simbólico, que lhe é estrangeiro e estranho. Obviamente o “Outro”, lugar estranho, irá impor ao sujeito novas normas e regras – as quais ele aceita ou busca outro espaço supostamente menos tirânico (DUARTE, 2016). Assim, o refugiado pode sofrer ao ocupar o lugar do estrangeiro na nova sociedade e, sobretudo, pela sua simples presença estrangeira, pode ferir uma unidade narcísica já constituída, uma sociedade com cultura e normas próprias instituídas, encerrada em seus muros e fronteiras, como será analisado no corpo trabalho. 1 Os dados serão apresentados na sequência. Termo utilizado por Jacques Lacan para designar um lugar simbólico — o significante, a lei, a linguagem, o inconsciente, ou, ainda, Deus — que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo. Pode ser simplesmente escrito com maiúscula, opondo-se então a um outro com letra minúscula, definido como outro imaginário ou lugar da alteridade especular. Mas pode também receber a grafia grande Outro ou grande A, opondo-se então quer ao pequeno outro, quer ao pequeno a, definido como objeto (pequeno) a. (Roudinesco, 1998, p. 558) 2 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 275 As possíveis interpretações e consequências às “ameaças” deste estranho, que está fora da coesa cultura, que não compõe o grupo já estabelecido, que traz másnovas de lugares longínquos e daquilo que nada se sabe e não se quer saber (BAUMAN, 2017), podem ser respondidas com violência, por exemplo, com atos homicidas, como o caso na cidade de Christchurch3. Tais ações e reações dos membros de uma sociedade diante de um estranho, de um refugiado pode ser configurado como um sintoma. Apesar dessa ruptura sintomática no tecido social (que expressa tanto a intolerância ao diferente quanto a dificuldade de aculturamento) ser significativa e crescente, observa-se escasso acompanhamento e produção acadêmica da psicologia. Há pouca pesquisa diante desse crescimento exponencial das ondas migratórias ao redor do mundo e das suas consequências psicológicas, haja vista que em busca na base de dados LILACS utilizando as palavras chave: psicologia AND refugiados, foram encontrados apenas 16 artigos produzidos na américa latina entre 1990 e 2019. Isso indica a necessidade de se produzir mais pesquisas acerca dessa problemática. É necessário colocar em discussão a questão da relação subjetiva e do sofrimento psíquico do refugiado com a perda de sua nação e de sua cultura original e do novo vínculo com o Outro simbólico, bem como, colocar em discussão a reação daquela nação que acolhe (evitando) o estrangeiro. O presente artigo fará uma correlação da questão dos refugiados com a estruturação inconsciente, segundo uma perspectiva psicanalítica. 2. MÉTODO Trata-se de uma pesquisa de revisão de literatura narrativa, de natureza qualitativa, de caráter exploratório e explicativo sobre como o refugiado é colocado no lugar do estranho, do diferente e sua relação com a violência. Em busca na base de dados SciElo com as palavras-chave “refugee”, observouse que houve um aumento expressivo nas produções acadêmicas sobre a temática do refugiado nos últimos 10 anos, sendo encontrados 146 resultados, destes 39 foram publicados em 2016 – o ano de maior produção com este tema. Entre os anos 2000 e 3 Este caso é do australiano Brenton Tarrant, adepto de um discurso anti-imigrantes e de extrema direita, assassino de 49 pessoas nas mesquitas de Linwood e Al Noor no dia 15 de março de 2019 (BBC, 2019). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 276 2009 encontrou-se apenas 34. Ao utilizar as palavras-chaves “migrant” e “violence” encontrou- se 37 artigos, totalizando assim 183 artigos que relacionam os conceitos de refugiados, imigração e violência. Os critérios: Tempo de publicação (foram descartados os artigos produzidos antes dos anos 2000); idioma (descartados artigos de outras línguas que não inglês e português); e, relevância do tema. Após as exclusões, foram utilizados aproximadamente 30 artigos. Além dos artigos, foram utilizados livros, sem critérios temporais, tais como as obras completas de Sigmund Freud, Seminários de Jacques Lacan, textos de Slavoj Zizek, Noam Chomsky, Bauman e Christian Dunker, de acordo com a relação e com os objetivos da pesquisa. Foram utilizadas também dissertações e teses do sistema CAPES. 3. ACERCA DO REFÚGIO E DO REFUGIADO A palavra refúgio tem sua etimologia originada no latim “refugium”: lugar que se busca para coibir o perigo. Pode ser associada também ao grego “asylon”: lugar incorruptível e que não pode ser violado (Priberam, s.d.). Assim, a etimologia apresenta um espaço de suspensão da violação, mas evidencia uma relação essencial e paradoxal entre exílio, refugiado e violência. Tal relação será analisada na sequência. Sobre o termo “refugiado”, relativo ao estatuto dos refugiados, foi oficialmente definido na convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1951. Segundo o artigo 1°, refugiado é a pessoa que: “[...] temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.” (ONU, 1951, p. 2) O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) adicionou à definição: “[...] Também são consideradas refugiadas aquelas pessoas que foram obrigadas a deixar seus países devido a conflitos armados, violência generalizada e graves violações dos direitos humanos.” (ACNUR, 2019, p. 2) Isso porque entende-se que a não assistência daquele estado de direito à Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 277 cidadania dos indivíduos que compõe aquele corpo social/político fere diretamente a declaração universal dos direitos humanos e, portanto, é qualificador da lei internacional para determinação de status de refugiado, de acordo com as convenções de 1951 e 1967, alusivo ao estatuto dos refugiados (ONU, 1951; 1967). A questão dos refugiados tem aparecido cada vez mais nos jornais nos últimos anos, sendo pauta de diversos debates pela União Europeia (UE) e dividindo opiniões entre os chefes de estado e de governo (DW, 2018). Contudo, apesar das discordâncias, o fato em comum é que existe uma problemática quanto aos refugiados que tem se enrijecido com o avançar da última década, em especial dos últimos 5 anos (UNHCR, 2017). De acordo com o “UNHCR”, United Nations High Comissioner for Refugees (ACNUR) – órgão criado em 1950 com objetivo de dar apoio aos refugiados de todos os lugares – 660 milhões de pessoas realizaram migrações forçadas no período de 17 anos. Entre os refugiados estão pessoas que buscam asilo, pessoas deslocadas internamente (PDI), refugiados que retornaram, PDIs que retornaram, expatriados, dentre outros. Essa cifra fica ainda mais alarmante quando se vislumbra que 71.44 milhões de migrações ocorreram apenas no ano de 2017 – número equivalente a quase 1% da população mundial, que na época era de 7,6 bilhões (UNHCR, 2017). 4. O SIMBÓLICO DO REFÚGIO E DO REFUGIADO O filósofo Vladimir Safatle em sua coluna “Refugiados que devem ser educados” da Folha de SP (2016) evidenciou que, sob a óptica da psicanálise, o primeiro indivíduo a pedir asilo num lugar diferente da sua origem foi Édipo4. Ele foi expulso de Tebas, ainda bebê, pelo seu próprio pai e foi acolhido por Teseu na cidade de Colono. Mas, retornou a Tebas na vida adulta (Safatle, 2016). Essa ilustração psicanalítica do refúgio e do refugiado coloca em pauta o caminho trágico do herói fadado a um destino que lhe atravessa sem que possa controlá-lo. Saindo e retornando da nação que o elevou ao status de refugiado à herói, pois, quando eliminou a esfinge recebeu a condição de regente da nação e, ao mesmo tempo, recebeu seu destino trágico. Tanto o herói da mitologia grega quanto o refugiado atual são atravessados por 4 Personagem da peça trágica de Sófocles, utilizado por Freud para esclarecer seu conceito psicanalítico do ‘Complexo de Édipo'. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 278 dois significantes: nação e pátria. A etimologia desses dois significantes referem-se às temáticas de lugar de origem atravessada pelo pertencimento geracional. Nação (do latim: natus) como nascimento; pátria (do latim: pater) como pai – A perda da pátria, bem como, a perda do pai simbólico5. O psicanalista francês Jacques Lacan (1938) explica que a perda do referencial do pai, perpassa necessariamente pelo significante do “nome-do-pai6”, esse que amarra todos os outros na cadeia de significantes do sujeito. O declínio do pai representa um declínio de um pai simbólico, o pai da horda, capaz de ditar um destino e organizar o sujeito em relação às suas cadeias significantes. “[...] o pai simbólico que representa o Outro como sede da lei. Para que haja algo que faça com que a lei seja fundada no pai, é preciso haver o assassinato do pai, o pai morto, isto é, o símbolo do pai.” (LACAN ,1957, p. 152) Essa perda coloca em evidência a falta, mas, permite ao indivíduo se haver com o próprio desejo na medida que se afasta do “nome-do-pai”, o qual aparece através da incidência do inominável, unbehagen, do mal-estar e do real (DUARTE, 2016). O mal-estar que desponta no sujeito que busca refúgio, portanto aquele que já perdeu o pai e a pátria, pode surgir através do desamparo, denominado por S. Freud (1926) de “angst”, angústia ou ansiedade. O pai da psicanálise definiu “angst” como defesa do ego em relação à perda do primeiro objeto de desejo. Já Lacan, define a angústia como um sinalizador de desamparo diante da perda do lugar de amado perante o Outro (DUARTE, 2016). Ambas versões esclarecem a questão do refúgio e do refugiado: a perda da nação amada e a perda da proteção do “Outro” simbólico. 5. A DIÁSPORA E SEU IMAGINÁRIO Em 2017 a pesquisadora estadunidense Ramona Kreis realizou uma análise no microblog twitter dos discursos anti-refúgio através da hashtag “#refugeesnotwelcome” (refugiados não são bem-vindos). Foram selecionadas cem Para Lacan (1953) trata-se da perda do grande Outro – registro simbólico e princípio organizador de alteridade radical, sendo referido como um dos 3 registros fundamentais da estruturação psíquica (real, simbólico e imaginário). 6 O Nome-do-pai é o significante fundamental porque permite a significação para proceder normalmente. Esse significamente fundamental confere tanto a identidade do sujeito (nomeia e o posiciona na ordem simbólica) e significa a proibição edípica, o “não” do tabu do incesto. (LACAN, 1998). 5 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 279 mensagens de diversos lugares da Europa e foi identificado que, majoritariamente, o núcleo do discurso de todas as mensagens está relacionado a um sentimento de ter sua pátria invadida (KREIS, 2017). Em grande parte das mensagens aparece também uma secção: de um lado está a construção de uma nova identidade europeia e de outro a construção imaginária de refugiados como “criminosos”, “clandestinos” e “invasores”. (KREIS, 2017). Para além das mídias sociais, há uma correlação entre o discurso antiimigração e as mídias convencionais, como demonstrado por Jäckle e König (2018); eles delimitaram três possíveis variáveis que relacionam refugiados à violência : 1) Violência ou crimes cometidos por refugiados; 2) Operações policiais contra fundamentalistas islâmicos; 3) Ataques e alarmes terroristas na Alemanha ou nos países vizinhos.7 Assim posto, as três variáveis ficaram permeadas pelo discurso midiático que, dada as proporções das notícias e a forma como é construída a narrativa, influenciou diretamente a opinião pública, potencializando desse modo o discurso de ódio e a violência anti-imigração (Jäckle & König, 2018). Além desses discursos rotulando refugiados como invasores e/ou como terroristas, outra crença comum é a de que os refugiados irão roubar empregos e benefícios sociais que seriam de direito dos “cidadãos” originários de determinado país ou região. Isso foi demonstrado por uma pesquisa do Pew Research Center (2016), a qual apontou uma grande anuência popular europeia a essa crença: 82% da população húngara e 75% da polonesa corroboram tal crença. Países como Holanda, Alemanha, Itália, Grécia, Suíça, Reino Unido, França e Espanha também demonstraram concordância à crença, com 50% em média. A seguir serão apresentados dois conceitos de âmbito psicanalíticos: o “infamiliar” de Freud e a “lógica do condomínio” de Dunker, que permitirão elucidar a posição que o sujeito em refúgio ocupa no imaginário social. 6. O INFAMILIAR Do alemão ‘das unheimliche’, o infamiliar diz primeiramente de uma experiência estética do horror, um incômodo ou desconforto diante de algo que conhecemos e desconhecemos ao mesmo tempo. Em algumas edições da obra freudiana o conceito 7 A pesquisa foi realizada através de notícias do jornal alemão Spiegel Online, um dos maiores veículos da mídia tradicional germânica. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 280 era traduzido como a “inquietante estranheza” e “o estranho familiar”, ou seja, o estranho que nos habita e que nada queremos saber (FREUD, 1919). Freud se apropria de uma definição dada por Schelling (1968 apud 2019) proferida em uma de suas aulas em Berlim, a qual define o "unheimlich" como aquilo que veio à luz, que surgiu, porém, deveria ter permanecido em segredo, na escuridão. Contudo, como demonstrado por Freud (1919), seu oposto “heimliche”, que em sua essência estaria relacionado a um sentimento de familiaridade e intimidade, traz também as ideias de “secreto e desconhecido”, aglutinando assim os opostos. Seguindo tal raciocínio, (un)heimliche indica a negação do familiar, sendo o (un) a partícula que explicita o recalcamento de algo que já foi conhecido e não o é mais. Dunker (2019) define algumas oposições contidas em (un)heimliche: “Casa (intimidade ou privacidade) / Floresta ou Rua (estrangeiro ou público), confiança (manter próximo) / desconfiança (manter distante), oculto (pertence a alguns) / revelado (pertence a todos), vivo, animado, humano / morto, inanimado (coisa), inumano” (DUNKER, 2019, p.137). Porém, esse estado de oposição não é bem delimitado, havendo entremeios que se cruzam o tempo todo, causando então o sentimento de indeterminação e estranhamento explicitado por Freud (1919). Em seu texto “Sobre o sentido antitético das palavras”, Freud (1910) expõe através dos estudos do linguista Karl Abel, a relação dialética na formação do idioma, utilizando como exemplo a língua egípcia. Segundo ele, além de existirem palavras que continham seus opostos nela mesma (como se a palavra “forte” significasse concomitante forte e fraco, por exemplo) existiam também palavras que necessitavam de duas partículas para representar uma, como “fortefraco”. Isso acontecia por uma motivação estritamente dialética, uma vez que “forte” precisava do “fraco” para indicar que é forte, ou, “luz” precisava de “escuridão” para indicar que é luz. Essa relação antitética forma um campo de significação que pode ser traduzida em uma mecânica do funcionamento inconsciente, como argumenta Freud (1919), ao analisar a deformação do conteúdo nos sonhos que, segundo ele, muitas vezes contém em si seus opostos. Essa convergência pode ser exportada para o (un)heimliche, visto que a palavra ‘infamiliar’ é composta pelas partículas (heim) casa e (licht) luz. Assim, ‘infamiliar’ representa duas coisas que nos são familiares: a casa e a luz, já expostas anteriormente. No sentido antitético, a luz contém a escuridão e a casa contém o externo, por isso heimlich é simultaneamente o familiar e o infamiliar (DUNKER, 2019). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 281 É nesse ponto que se coloca, então, o estranho como retorno daquilo que outrora fora conhecido. Ainda sobre o estranho, Freud acrescenta: “[...] propriamente, algo que tem um efeito de infamiliar frequente é facilmente alcançado quando as fronteiras entre fantasia e realidade são apagadas, quando algo real, considerado como fantástico, surge diante de nós, quando um símbolo assume a plena realização e o significado do simbolizado e coisas semelhantes” (FREUD, 1919, p. 71) Ao encerramento das fronteiras entre a realidade e a fantasia, conforme a citação freudiano, o fato é dado como dúbio e paradoxal, surge então um campo de indeterminação e, nesse campo, há a emergência do Real como aquilo que escapa ao simbólico e não cessa de não se inscrever (LACAN, 1953). O refugiado apareceria aqui como portador do dúbio ou como esse infamiliar, na medida que é colocado imaginariamente como o estranho, como o invasor, como o criminoso, como aquele que supostamente vai violentar as relações estabelecidas e estabilizadas da cultura local, assim descrito acima, na pesquisa de Ramona Kreis (2017). A partir desta pequena conceitualização psicanalítica, vemos o refugiado colocado na posição de arauto do mal-estar, que desestabiliza a “pseudo homeostase” organizada pelo recalque para impedir a iminência do real. O exilado assim como o infamiliar, enquanto conceito, contém em si os sentidos antitéticos de dentro/fora, de casa/rua, de humano/inumano. Ao passo que os refugiados atravessam as fronteiras demarcadas geograficamente (representantes da fronteira entre a fantasia e o real) invadem os limites do muro simbólico do familiar, destituem a razão de ser e violam a segurança do conhecido. Nesse interregno aparece o sintoma em forma de violência com o objetivo de eliminar aquele que imaginariamente ameaça, com o objetivo de eliminar o enstrangeiro, o outro da diferença radical, o outro estranho, mas, ao mesmo tempo, familiar. Portanto, o refugiado representa o dúbio e paradoxal – ‘unheimliche’. Na sequência será analisado brevemente o conceito de “lógica do condomínio” apresentado por Dunker (2016), a fim de determinar o espaço “para cá da fronteira”, bem como, definir mais o que é o dentro/fora, explicitado pelo ‘unheimliche’. 7. A PSICANÁLISE “ENTRE-MUROS” Em sua obra “Mal-estar, sofrimento e sintoma”, Dunker (2015) estabelece uma Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 282 metáfora baseando-se na frase de Lacan “entre o homem e o mundo, há um muro” (1972, p. 90). Essa metáfora é marcada pela construção de grandes condomínios como Alphaville, concebendo uma correlação entre os muros, a indeterminação e a incidência do mal-estar. Cercear-se entre paredes, delimitando o que é dentro e fora, criando fronteiras e zonas de interdição é encontrar um lugar onde o mal-estar foi nomeado. A construção do condomínio se orienta pela busca de um lugar perdido, um espaço de realização onde é possível estar entre pares, atravessados por uma normativa que serve aos sujeitos que ali estão, mantendo a ordem e impedindo o caos. Uma espécie de autarquia desconectada do que há do lado de fora. Dois argumentos preponderantes na retórica de condomínios são: segurança e acesso a serviços (DUNKER, 2015). Dunker (2015) estabelece três tempos para a montagem de uma fantasia organizada através dessa representação, a qual ele chama de “lógica do condomínio”. O primeiro tempo é do mal-estar real (separação dentro-fora, ordem-anomia, através da construção do muro e portanto, correlato da castração); o segundo, o recalcamento (nomeação) do mal-estar; o terceiro, a elaboração imaginária do outro (figura do síndico como aquele que coordena o sofrimento num espaço de ordem e de produção, aquele que converte um desprazer tangível no que ele possa administrar). Por fim, Dunker adiciona aos três tempos um quarto, a formação de sintomas – que articulam o nó e norteiam o nexo do eixo real-simbólico-imaginário8 (RSI). Além disso, a ideia de muro apresenta uma relação direta com a de segurança. Ao se cercar impede-se que o que há lá fora entre, como um forte – o muro se orienta como defesa. Essa é uma ideia presente também na psicanálise, a defesa como uma das formas de tornar essa indeterminação do mal-estar em determinação, dar nome e existência a algo a que se deve defender, como explicitado pelo autor na seguinte passagem: “O condomínio expressa uma espécie de nova montagem entre supereu e fantasia, uma nova política de manejo da alteridade e do antagonismo social, em cujo epicentro podemos colocar o mal-estar na a-violência. Os novos sintomas ganham, assim, uma espécie de princípio de redescrição, a partir do qual são dispostos tanto como efeitos articulados de uma nova forma de declínio da função social da imago 8 Eixo organizado pelo nó borromeano, estrutura baseada no brasão da família Borromeu onde 3 arcos são enlaçados de forma que um não pode ser solto sem desorganizar toda a estrutura. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 283 paterna quanto de uma irrupção do Real.” (DUNKER, 2015, p.106) Deste modo, o infamiliar, como figura do estrangeiro, revela-se nessa metáfora como aquele que vem de fora e tenta adentrar nesse espaço de determinação do malestar, onde ele se encontra nomeado e onde há um síndico que reorganiza o desprazer tornando- o gestável. E como dito por Freud (1919), ao desaparecer os limites entre a fantasia e a realidade algo tido como fantástico surge e esse algo traz consigo aquilo que muito se nega: a falta. O quarto tempo da formação da fantasia na lógica do condomínio é a violência como sintoma que amarra o nó9 (DUNKER, 2016). Assim, o infamiliar seria aquele que promove o “desnodamento”, desorganizando a montagem da suposta segurança e expondo os indivíduos que outrora viviam encastelados em seus condomínios ao deserto do real. 8. ACERCA DO VIOLAR Violência, palavra de origem latina, tem sua etimologia nas palavras violentia e violare: vocábulos para impetuosidade e violação respectivamente (Conceito, 2011). Desde os primórdios da humanidade a violência é um meio para alcançar finalidades, um resultado de um conjunto de aspectos sociais e, até mesmo, um sintoma de práticas culturais que remontam um passado longínquo. Segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é: “o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”. (World Health Organization, 2002, p. 5) A escolha do verbete “poder” que segue “força física” remete a um aspecto político da violência. Onde o poder existe, pode ter significado de impor a própria vontade sob o outro, em qualquer instância que se estabeleça uma relação vertical, como descrito por Max Weber em sua obra “Economia e Sociedade”. Weber apresenta uma interessante relação da violência como constructo etimológico de impetuoso e de violador com o poder, portanto, na esfera social (WEBER, 1991). Desta arte, entendese que a violência é social, uma vez que depende intrinsecamente do outro e 9 Nó borromeano. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 284 estabelece uma relação de dominação imediata como resultado. A legitimidade da violação como meio de dominação só foi possível através do fenômeno da linguagem, dando consciência à estrutura semiótica da violência, bem como, dando razão de ser ao que pratica a violação. Desse modo, a linguagem molda a violência como fenômeno, constrói um sistema no qual a totalidade dessa dinâmica é muito maior que a soma de todas as partes e confere, assim, uma relação diametralmente oposta e vertical entre dominador e dominado, violador e violado. Essas relações de poder aparecem em diversos momentos no percurso histórico, ecoando através de vozes oprimidas por sua classe, raça, gênero, etnia ou credo, e por isso, a violência é essencialmente política (COSTA, 2018). As diferenças estruturais que sustentam discursos de dominação servem como único meio possível de alcançar o desenvolvimento, sendo “conditio sine qua non" da competitividade, todavia, servem também como manutenção constante da violência. 9. A PSICANÁLISE DA VIOLÊNCIA Em uma perspectiva psicanalítica, a violência está associada a afetos tais como a hostilidade e o ódio, ambos relacionados aos conceitos apresentados na obra freudiana de “Eros e Tanatos”. A dicotomia entre as pulsões que afirmam e destituem a vida. A violência como ato, como repetição indica um lugar de gozo10 do sujeito na posição relativa ao discurso sadomasoquista, uma vez que a violência ao outro é uma violência contra si (FERRARI, 2006). Lacan separou aquilo que chamou de violência propriamente dita e agressividade. A violência propriamente dita é algo que não pode ser recalcado, pois a violência em si é o curto-circuito da palavra, a passagem ao ato, e, portanto, a incidência do real (LACAN, 1991). Já a agressividade estaria relacionada ao "estádio do espelho11”, a posição do pequeno outro imaginário como uma imagem especular e uma agressividade direcionada a ele. Essa relação especular que se constrói na formação do eu, onde o indivíduo rivaliza com a sua própria imagem e forma-se o que Lacan chamou de paranoia estrutural do homem. O sujeito, cindido pelo semelhante, sente-se agressor e agredido, autoagressão e autoagredido, o superego resulta como 10 Do francês Jouissance. Parte do desenvolvimento infantil onde a criança se identifica com a sua própria imagem no espelho e passa a se reconhecer como alguém separada do mundo e com um nome. 11 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 285 expressão dessa cisão do sujeito contra si mesmo (FERRARI, 2006). A violência aparece na obra psicanalítica também como parte fundamental do mito fundador, uma antropologia do sujeito inconsciente castrado12, apresentado por Freud em seu texto "Totem e Tabu” (1913). Nesse mito, Freud apresenta a violência como fundadora e parte essencial do processo civilizatório, uma vez que permite a vida em sociedade, estabelecendo, juntamente da lei, o mal-estar pela vivência incompleta do desejo. Em uma perspectiva hobbesiana, bellum omnium omnes, a guerra de todos contra todos, é parte da disputa dos filhos pela posição de pai-dahorda13. Assim como o “Leviatã” de Hobbes, que foi erigido no lugar desse Pai que é morto, um totem, que o representa, é significado de toda a lei e ordem que instaura o tabu do incesto. Para além dessa análise, é possível expandir o conceito de violência para a vida mental, a qual funda a constituição do psiquismo na sua relação com o meio. 10. VIOLÊNCIA SIMBÓLICA A entrada na linguagem possibilita a entrada da violência (PERINE, 1987). É a partir desse pressuposto que Zizek organiza a sua ideia de uma violência da linguagem. Essa violência, que se diferencia da anteriormente chamada de violência propriamente dita, é o laço social que protege o sujeito do Real, do mal-estar primordial ou, ainda, da morte do Pai-da-horda. Aqui retoma-se o que Lacan diz, pois há uma interdependência dessa relação do outro com a violência. Para tal análise Zizek (2014) resgata o caso da caricatura de Maomé realizada pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten em 2005, que gerou revolta das comunidades muçulmanas, para se referir a violência simbólica. O alvo dessa revolta, nesse caso, não foi a caricatura por si só, mas, sim, a todo um ideal de um ocidente imperialista, ateu e hedonista, correlata de maneira diametralmente oposta. A caricatura orientalista que se faz no ocidente com símbolos que estruturam a violência e organizam a linguagem, posiciona esses sujeitos em relação a si e aos outros e, sobretudo, condensa todo ódio em uma imagem (característica fundamental da linguagem) (ZIZEK, 2014). 12 Isso é, atravessado pela lei do Pai. Nome dado por Freud ao pai da horda primordial que é assassinado pelos filhos e tem um totem erigido em sua posição simbólica. 13 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 286 A violência se faz aqui no próprio processo de simbolização. A linguagem desenreda a coisa e na medida que o faz, a diminui, a reduz à uma perspectiva e, forçosamente, a insere em um contexto e campo de significação que não lhe é natural (ZIZEK, 2014). Isso é justamente o que Lacan chama de significante-mestre, ao realizar esse processo de redução sutura-se o campo simbólico. Nesse sentido, a comunicação não se faz de forma igual, homeostática e horizontal, mas, sim, de forma assimétrica. Haja vista que cada espaço de discurso objetivo (real) é fundado basicamente por um imperativo desse significante-mestre irracional. Eis a montagem da violência simbólica (ZIZEK, 2014). 11. CONCLUSÃO Finaliza-se não como conclusão propriamente dita, mas com o desejo de proporcionar maior abertura para o discurso da violência contra refugiados, que, antes de tudo, é o discurso da relação do inconsciente com o estranho. Portanto, finaliza-se com o desejo de proporcionar abertura para falar do “unheimliche”, esse que faz parte da nossa estrutura psíquica — o estranho que nos habita. A violência perpetrada contra refugiados é um sintoma de uma série inextricável de variáveis sociais, políticas e econômicas, e todas elas apontam para o mesmo lado: o mal-estar como vivência incompleta do desejo e a morte do pai-da-horda. No campo da violência simbólica, ela opera reduzindo os seres humanos vindos de outro lugar; essa violência subjuga toda experiência e subjetividade do estrangeiro, essa violência os condenando a serem apenas"refugiados”. E, ainda, lhes atribui perspectivas externas à própria coisa, como: “refugiados são bandidos, querem roubar nossos empregos”. Essa característica da linguagem é a sutura do campo simbólico que organiza o nó, a qual Lacan se refere. A violência se apresenta com múltiplas facetas, podendo desta forma, ser analisadaatravés de diversos aportes teóricos. Quando Lacan diz que a violência contra o outro é uma violência contra si (FERRARI, 2006), no conjunto da análise realizada nesse artigo, é possível pensá-la como uma violência provinda de uma relação especular com esse estranho que nos habita. A violência (subjetiva) perpetrada contra o outro, representa uma quebra na homeostase do corpo social, apresentado por Lacan como violência propriamente dita. É, então, um curto-circuito na palavra, onde aparece o que não pode ser dito, o inexprimível, aquilo que não pode Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 287 ser simbolizado, como o real, ou, de outro modo, aquilo que veio à luz e deveria ter permanecido na escuridão, recalcado, como o ‘unheimliche’. Essa pesquisa permitiu elucidar uma pequena relação contingencial da linguagem com fenômenos sociais tais como a violência e o mal-estar com o crescimento exponencial em ondas migratórias. E, parafraseando Lacan em seu célebre discurso no Hospital Saint-Anne (1972): entre o refugiado e o condomínio há o muro! haja vista que é esse discurso que atravessa os sujeitos. Não por acaso que Hobbes decidiu-se pelo nome “Leviatã” – criatura mitológica que assombrava o imaginário dos marinheiros e, mesmo sem existir, controlava-os através da coerção. Toda a estrutura simbólica voltada para impedir a entrada de refugiados revela uma sociedade essencialmente neurótica, que ainda não está pronta para se haver com a sua falta, por isso, como já dito: o muro se apresenta como defesa. Assim posto, a relevância dessa discussão para a psicologia reside justamente aí, na possibilidade de refletir sobre o que é o estranho e sobre o lugar do outro no psiquismo humano, e através disso, produzir novos significados. “Assim, fica cada vez mais claro que a solução não é “derrubem os muros e deixem todos entrar”, nos termos da exigência fácil e vazia dos liberais “radicais” de coração mole. A única verdadeira solução é derrubarmos o verdadeiro muro – não o do Departamento da Imigração, mas o social e econômico: transformar a sociedade de maneira que as pessoas deixem de tentar desesperadamente fugir de seu próprio mundo.” (ZIZEK, 2014, p.73) Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 288 REFERÊNCIAS ACNUR. (2019). Protegendo refugiados no brasil e no mundo. Brasilia: ACNUR Bauman, Z. (2017). Estranhos à nossa porta. Rio de Janeiro: Zahar. BBC. (2019). O que se sabe sobre o atirador que se filmou em ataque na Nova Zelândia. Fonte: BBC Brasil: www.bbc.com/portuguese/amp/international-47586983 Chomsky, N. (2009). Estados Fracassados: O abuso do poder e o ataque à democracia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Conceito. (25 de Fevereiro de 2011). Conceito de violência. Fonte: Conceito: conceito.de/violência Costa, H. S. (2018). Poder e violência no pensamento de Michel Foucault. Sapere Aude, 153-170. Duarte, M. B. (2016). 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p.61380-61397 jun. 2021 ISSN: 2525-8761 291 CAPÍTULO 16 UMA REVERBERAÇÃO DO IDEÁRIO BRITÂNICO NO BRASIL: O GREEN-BELT DE MARINGÁ E O GREEN-WEDGE DE CIANORTE Layane Alves Nunes Doutora, docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM) Endereço: Rua Inhaúma, 731, apto 601, zona 03, Maringá, Paraná, CEP: 87050-170 E-mail: layanenunes.arq@gmail.com Igor José Botelho Valques Doutor, docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM) Endereço: Rua Rio Ganges n70, Jardim Novo Oásis, CEP: 87043-596 E-mail: ijbvalques@uem.br Giovani Lemos Damasio Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Endereço: Rua Pelicano, 155, jardim olimpico, Cep 87070-340 E-mail: gd4masio@gmail.com André Luis Pagnussat Graduado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) Endereço: Rua Alagoas, 1284, apto 120, Centro, Londrina, CEP: 86020-430 E-mail: andrezitopagnussat@gmail.com RESUMO: Esta pesquisa investigou o desenho e a implantação de Green-Belts nas cidades de Maringá e Cianorte, onde observar-se a reverberação do planejamento britânico e do ideário de Cidade-Jardim no Norte do Estado do Paraná, em meados do século XX, aplicado por meio do Plano de Colonização executado pela Companhia de Terras Norte do Paraná. Sob a análise dos planos urbanísticos desenvolvidos por Jorge de Macedo Vieira para estas cidades e do processo inicial de implantação das mesmas, verificou-se que em Maringá houve a tentativa de implantação de um cinturão verde no formato de um anel de pequenas propriedades rurais, enquanto em Cianorte a ideia foi implantada com a preservação de um cinturão de mata nativa que circunda adentra o espaço urbano, identificado como um Green-Wedge. PALAVRAS-CHAVE: Green-Belt; Cidade-Jardim; Maringá; Cianorte; Planejamento Urbano. ABSTRACT: This research investigated the design and the implementation of greenbelts in the cities of Maringá and Cianorte, where the reverberation of British planning and the ideals of the Garden City took place in the middle of the mid-twentieth century through the Colonization Plan for the north of the State of Paraná, executed by the Companhia de Terras Norte of Paraná. From the analysis of the urban plans designed by Jorge de Macedo Vieira for these two cities and its early process of implementation, it appears that in Maringá there was an attempt to realize a greenbelt in the form of a ring of small agricultural farms, whereas in Cianorte the idea was implanted through the preservation of a belt of native vegetation that encircles and enters the urban space, identified as a green wedge. KEYWORDS: Greenbelt; Garden City; Maringá; Cianorte; Urban planning. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 292 1. INTRODUÇÃO Esta investigação responde questões referentes à identificação da aplicação do elemento Green-Belt – cinturão verde - na colonização planejada do norte do estado do Paraná, ocorrida entre 1930 e 1960, em especial a discussão se pauta nas cidades de Maringá (1945) e Cianorte (1955). O estudo se fundamenta em dois vieses: o primeiro um panorama do desenvolvimento (evolução e adaptação) do ideário do Green-Belt, e por uma análise comprobatória da aplicação deste elemento no processo de ocupação da região e nas cidades citadas, tidas como estudos de caso. Compreendido como uma ferramenta de planejamento urbano, o Green-Belt – parcela de terra não urbanizável que margeia um núcleo urbano – foi aplicado em diversas cidades pelo mundo, durante a evolução das teorias do urbanismo, atuando como elemento-chave em propostas de reorganização e contenção de um território. As aplicações, em especial as britânicas, produziram um legado de planejamento tanto urbano como regional, tido como referência a partir da década de 1930 no processo de colonização de parte da região norte do Estado do Paraná, Brasil, empreendido por uma empresa privada de capital britânico (em sua fase inicial). O também denominado cinturão verde no Paraná é tema desta pesquisa uma vez que verificamos referências a este termo nos documentos que descreveram, ilustraram e registraram a colonização do território dirigida pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Durante a análise da representação gráfica dos diversos mapas, produzidos pela empresa sobre a região, identificamos o elemento em questão aplicado com diferentes abordagens, assim pudermos concluir que houve contraposições comerciais e intencionais no decorrer do processo de planejamento e ocupação do território (NUNES, 2016). Os casos de Maringá e Cianorte são consideramos, por nós, exemplos emblemáticos, devido à escala e relevância das cidades dentro da rede urbana implantada no território mencionado. Estas cidades também retratam a fase de transferência do capital britânico da Companhia para o grupo nacional em 1944 e, ainda apresentam diferentes formas de aplicações do ideário britânico. A base desta pesquisa está posta sobre a análise documental de mapas da empresa colonizadora e sobre publicações que tratam do tema da colonização do território em questão e dos princípios do Green-Belt. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 293 2. A ORIGEM DO GREEN-BELT No final do século XVIII, em plena Revolução Industrial, a questão habitacional era o problema enfrentado pelas grandes cidades. O excessivo contingente populacional, vindo da zona rural atraído pela oportunidade de emprego na indústria, fez com que os grandes centros urbanos se transformassem em áreas de densa ocupação do solo, com péssimas condições sanitárias e baixos indicadores sociais. Nesse contexto, a expansão urbana foi tida como um problema, pois a medida que a área urbanizada crescia, em grandes dimensões e sem controle, ia perdendo a definição de seus limites e forma, e avançava sobre áreas agricultáveis (HALL, 2010). Frente a essa questão, alguns ideários urbanísticos surgem com o intuito de planejar a expansão dos assentamentos urbanos, como a Cidade-Linear de Soria y Mata, que propunha estimular o crescimento contínuo de uma cidade que se desenvolveria ao longo e as margens de um eixo de transporte de massa (ferroviário); e a Cidade-jardim de Ebenezer Howard, que visava a descentralização da metrópole a partir da criação de uma rede de cidades independentes, de população e dimensões limitadas, separadas fisicamente por um Green-Belt e conectadas entre si pelo transporte de massa (também ferroviário) (CALABI, 2012). Ambos os conceitos discutem alternativas morfológicas de expandir a urbe, porém apenas o modelo de CidadeJardim propôs limitar o tecido urbano. Registros históricos apontam como exemplo pioneiro do uso de Green-Belts o plano para a cidade de Adelaide, na Austrália, planejada pelo Coronel William Light, em 1837. Porém, foi a partir das ideias de Howard que este elemento ganhou destaque, pois ele foi o primeiro a propor seu uso como ferramenta de planejamento urbano e regional. No livro “Garden Cities of Tomorrow” (1902), Howard idealiza a criação de uma cidade como uma comunidade cooperativa autônoma, de tamanho limitado para 32.000 habitantes e área de 6.000 acres (2.400 hectares). Sua forma seria organizada de modo concêntrico, com espaços livres, parques e bulevares radiais; a área urbana teria 1000 acres (400 hectares) e o Green-Belt, reservado para a agricultura e reservas naturais, 5000 acres (2.000 hectares), ou seja, a proporção indicada era de cinco vezes a área urbanizada. O espaço verde teria a função de conter a área urbanizável, evitando a conurbação com os núcleos adjacentes, dentro desta área poderiam ser implantados espaços públicos e equipamentos. Quando o número de habitantes fosse atingido, uma nova cidade seria criada. Assim, Howard Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 294 imaginou uma rede radial de Cidades-Jardim dispostas como satélites de uma cidade central de 58.000 pessoas, ligadas por rodovias e ferrovias. Essa concepção refletiuse como um novo modelo adaptado de urbanização na Grã-Bretanha, aproximando da cidade a qualidade de vida proporcionada pelo ambiente natural e campestre (figura 1) (CALABI, 2012). Figura 1 – Rede radial de Cidades-Jardim (esquerda) e diagrama dos núcleos urbanos demonstrando a delimitação da área urbana e da área rural (direita). Fonte: HOWARD, 1902; HALL, 2010; adaptado pelos autores. Duas Cidades-Jardim foram implantadas seguindo os preceitos estabelecidos por Howard: Letchworth, projeto de Raymond Unwin e Barry Parker, fundada em 1904; e Welwyn, de Louis de Soissons, fundada em 1920. As cidades possuem tamanho limitado por um Green-Belts, onde os espaços de moradia, trabalho e lazer são entremeados por uma vasta área verde (jardins, parques e praças), num traçado urbano orgânico e interligadas à Londres, por linhas de transporte ferroviário de massa (HALL, 2010). Os dois exemplos, apesar de não seguirem todas as diretrizes de Howard, possuem o Green- Belt como uma interface entre o campo e a cidade, impedindo o avanço da expansão urbana sobre a área rural e assegurando a produção agrícola, para que desse suporte à vida urbana, como também demonstra o Greater London Plan (figura 2). O modelo original de Cidade-Jardim não foi replicado, devido aos empecilhos de sua administração de modo cooperativo (HALL, 2002), já o elemento Green-Belt foi adotado como estratégia de planejamento urbano em outras ocasiões. O caso de maior sucesso e repercussão internacional foi o Greater London Plan, proposto por Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 295 Sir Patrick Abercrombie, em 1944, após diversos estudos e planos desenvolvidos desde o fim da Primeira Guerra Mundial. O plano tinha em sua morfologia um GreenBelt, de escala regional, como partido para a reorganização espacial da metrópole. Este se estrutura a partir de esquemas conceituais elaborados por Raymond Unwin em 1929 e 1933 (Figura 3), que sintetizaram as propostas anteriores de parkways e cinturões mais modestos inicialmente, e propôs um modelo de descentralização de Londres a partir da criação de novas cidades, inseridas em um cinturão de grandes dimensões (THOMAS, 1963). Figura 2 – Anéis verdes e agrícolas de contenção (áreas listradas) propostos no Greater London Plan Fonte: THOMAS, 1963; adaptado pelos autores. Figura 3 – Evolução da ideia de implantação de áreas verdes para conter a mancha urbana de Londres. Fonte: THOMAS, 1963; adaptado pelos autores. Em complementação ao sistema Green-Belt, Sir Abercrombie descreveu seu plano de 1943-1944 como um sistema de parques para Londres, onde todas as formas Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 296 que compõe os espaços abertos são entendidas como um todo e conectadas por um “sistema de parques”, com vias existentes e novas “formando os elos entre os parques maiores” (Turner, 1992: 367). Com a concepção desse sistema de parques torna-se possível para o morador se deslocar da sua casa pela cidade por “um fluxo fácil de espaço aberto de jardim para parque, de parque para via pública, de passagem para a cunha verde e da cunha verde para o cinturão verde” (Turner, 1992: 367, 368). Além do formato perimetral, o elemento pode irradiar suas áreas verdes, de modo linear, para o interior do tecido urbano, tomando a morfologia apontada de cunha verde, denominada de Green Wedge. Esta é uma forma de aplicar espaços verdes incrustados nos tecidos urbanos (figura 4), que segue preconizando a ligação entre o campo e acidade. A diferença é que a área verde periférica se amplia na forma de caminhos verdes, que conduzem o crescimento da urbe, adaptados as características naturais do terreno, como vales, bosques riachos e pedreiras, inseridos na malha urbana, se ramificando das áreas centrais para a periferia (HARLOW, 2014). Figura 4 – Espaços verdes incrustados no tecido urbano em Londres Fonte: FORSHAW e ABERCROMBIE, 1944 apud LUCCHESE, 2012. Por fim, o plano de Abercrombie organizou o território londrino em quatro anéis concêntricos: a zona mais interna e existente continha a área urbana de alta Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 297 densidade (185-250 hab./ha); o segundo anel, os distritos residenciais de média densidade (125 hab./ha); no terceiro anel seria implantado o grande Green-Belt, como uma zona amortecedora entre a expansão espraiada de Londres (congelando-a) e o quarto anel; o anel mais externo, local reservado exclusivamente à produção agrícola e implantação das New Towns - novas cidades industriais independentes. Oito cidades foram implantadas, e nos primeiros vinte anos aproximadamente 320.000 londrinos mudaram-se para esses novos núcleos urbanos (THOMAS, 1963). Depois desse plano, a implantação de cinturões verdes se espalhou pela Grã-Bretanha, em consequência disso atualmente 13% do território do país é ocupado por Green-Belts (1.634.700 hectares). Assim, como nas cidades de Cambridge e Oxford1. O Greater London Plan foi tomado como exemplo de planejamento britânico e foi referência para propostas de reestruturação regional espalhadas pelo mundo, onde aliou o conceito inglês aos contextos urbanos locais, como exemplo há o caso do Green-Belt de Ottawa, planejado entre 1945 e 1950 (AMATI, 2008). Na contemporaneidade, Hack (2012) insere o elemento Green-Belt nas discussões voltadas à sustentabilidade, uma vez que a partir dele podem ser criados espaços que visam a proteção, manutenção ou criação de reservas florestais que margeiam o perímetro urbano, como é observado nas metrópoles de Toronto (2005) e São Paulo (1994). O autor defende a aplicação da ideia como um limite para a urbanização, com a intenção de promover o adensamento dos centros urbanos, em especial os norteamericanos, evitando o modelo de crescimento urbano espraiado comum no país, e assim proporcionar a compactação das cidades. Neste sentido, os cinturões verdes ganharam novo papel no território, aliando o planejamento urbano e regional ao ambiental. No Brasil, a matriz inglesa citada teve sua reverberação. No norte do estado do Paraná identificamos a aplicação deste conceito na configuração do território onde, a partir de um Plano Geral de Colonização, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) idealizou a implantação de uma rede linear de cidades interligadas por um eixo de transporte ferroviário e rodeadas por cinturões verdes. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 298 3. O PLANO GERAL DE COLONIZAÇÃO DA CTNP: REFERÊNCIAS INGLESAS NO TERRITÓRIO BRASILEIRO Em 1925 a empresa britânica Parana Plantations, por meio da subsidiária brasileira Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), adquiriu do governo estadual pouco mais de 1.320 hectares de terras (ditas) devolutas localizadas no Paraná, sul do Brasil, para colonização e comércio de terras. A empreitada de viés comercial foi estruturada e apoiada em um Plano Geral de Colonização, que previu diretrizes para o parcelamento da gleba em lotes rurais, direcionados à produção de café e a criação de uma rede de cidades (CMNP, 1975). Neste plano verificamos forte influência inglesa de planejamento urbano, incluindo o uso do cinturão verde (NUNES et al., 2018). Ainda, o Plano Geral organizou o território com base na estrutura topográfica da região e na distribuição da população no território, a aplicação de cinturões relaciona-se à ambas (NUNES, 2016). A topografia foi o guia do arranjo físico-territorial, direcionando as estruturas e demarcações antrópicas, desde a localização do sistema de circulação, o posicionamento dos núcleos urbanos e a configuração dos lotes rurais. A estrada de ferro compreendida como eixo estruturador do território, foi locada na linha de festo (cumeada principal) da gleba e as estradas de rodagens nas cumeadas secundárias, estas também demarcavam o acesso às propriedades rurais (pela parte mais alta) e os cursos d’água, localizados nas cotas mais baixas, determinava o comprimento dos lotes. Assim, as propriedades teriam acesso rápido ao escoamento da produção e à água. Os núcleos urbanos seriam implantados nos platôs do terreno, distantes entre 10 e 15 quilômetros uns dos outros; e funcionariam como centros autônomos de apoio à população da região (CMNP, 1975). O modelo morfológico do Green-Belt apresentou-se inserido na descrição da formação esquemática do parcelamento rural, que previa o gradual aumento da dimensão dos lotes agricultáveis e o decaimento da densidade populacional, conforme o distanciamento da cidade. Esse arranjo de esmaecimento da concentração populacional definiu os núcleos urbanos como ponto de partida para a organização territorial, esquematizado numa analogia ao desenvolvido no Greater London Plan. Ao redor das cidades estariam os cinturões verdes, configurados como uma “faixa de terra parcelada em chácaras”, propriedades de 2,42 a 12,1 hectares; na sequência estariam dispostas as propriedades de média dimensão; e raros seriam os Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 299 grandes lotes, as fazendas, que estariam distantes das áreas urbanizadas (CMNP, 1975, p. 79). A dimensão desses "anéis" variava de acordo com o relevo (NUNES, 2016). Sobre sua função, os documentos da CTNP descrevem que os cinturões verdes seriam destinados à produção de alimentos (hortifrutigranjeiros) para abastecer as cidades (CMNP, 1975), que remete à uma das funções descritas por Howard. Yonegura (2010) reconhece que também há a premissa do pensamento ecológico na delimitação dos cinturões, cuja finalidade era de proteger as nascentes localizadas nas proximidades dos núcleos urbanos. Segundo Nunes (2016), os cinturões não tinham a função de limitar o crescimento das urbes, pois interessava à Companhia a expansão subsequente das malhas e não seu contingenciamento. O esquema do parcelamento é representado graficamente em uma Planta Parcial do território da empresa, onde observamos no recorte, as cidades de Londrina e Nova Dantzig (Cambé) (figura 5), com a área destinada ao cinturão de chácaras contornando morfologicamente as malhas urbanas, ao mesmo tempo que incorporam as nascentes adjacentes aos planos urbanos. Figura 5 – Planos de Londrina e Cambé e seus Green-Belts, respectivamente. Fonte: YONEGURA, 2010. A direção britânica da empresa perdurou de 1929 a 1944. Nesse período, não houve grande distinção entre a lógica apresentada no Plano Geral de Colonização e a implantação. Após 1944, a Companhia passou a ser dirigida por um grupo brasileiro, que alterou algumas diretrizes da colonização. O empreendimento focado inicialmente no parcelamento rural, direcionou seus investimentos para a produção de cidades, inclusive alterou a nominação da empresa para Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), que perdura até os dias atuais. Assim, a hierarquia entre os núcleos urbanos foi estabelecida, dentro desta quatro “metrópoles” foram idealizadas Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 300 como as maiores cidades implantadas, distanciadas em aproximadamente 100 quilômetros entre si, planejadas para receber mais de 100.000 habitantes. Nessa fase, três foram implantadas: Maringá, Cianorte e Umuarama, e Londrina, já existente. Pela primeira vez, no contexto imobiliário, o plano das cidades não foi projetado pelo próprio escritório técnico da colonizadora, o urbanista Jorge de Macedo Vieira foi contratado para planejar Maringá (1945) e Cianorte (1955); Umuarama (1956) foi planejada pelo engenheiro e topógrafo da Companhia Wladimir Babkov (NUNES, 2016). 4. OS PLANOS DE MARINGÁ E CIANORTE: APROXIMAÇÕES Maringá e Cianorte são cidades que se destacam na rede urbana norte paranaense pelas dimensões de seus planos e, principalmente, pela identidade urbanística impressa no traçado urbano. Quando convidado pela Companhia para planejar as cidades Vieira já havia desenvolvido diversos projetos com referências e aplicação do ideário inglês de Cidade-Jardim. Autores associam a aplicação desse conhecimento devido ao fato de ele ter sido estagiário na Companhia City, junto a Barry Parker, em São Paulo. Fato que também propiciou sua participação no projeto de Bairros Jardins, entre outras cidades balneários, no estado de São Paulo (SILVA; BERLINI, 2016). Para a Companhia Vieira elaborou desenhos urbanos mais complexos e completos se comparado aos planejados pelo escritório técnico da empresa até então, marcando na nova fase os interesses comerciais e publicitários da empresa (NUNES, 2016). O plano para Maringá (figura 6) foi concebido em meados da década de 1940 e o de Cianorte em meados da década de 1950, ambos com forma urbana e traçado que possuem aspectos oriundos do City Beautiful e do Garden City Movement, incluindo fortes referências ao desenho proposto para Letchworth e Welwyn. Os traçados propostos pelo urbanista apresentam aspectos comuns, como: eixos monumentais e largas avenidas; adaptação das estruturas urbanas ao meio natural (traçado viário adaptado à topografia, reticulado e/ou orgânico); reservas de áreas verdes protegendo os fundos de vale; espaços livres com a função de sociabilização em pontos distribuídos no interior dos bairros; a hierarquização dos espaços urbanos e a divisão da cidade em zonas, onde enfatiza-se a zona central que se difere das zonas residenciais; e locais para a aplicação da arborização e ajardinamento que são Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 301 elementos importantes da composição da paisagem das cidades e sustentaram parte da estratégia comercial da Companhia (REGO, 2001). Figura 6 – Desenho do Plano Inicial para Maringá de Jorge de Macedo Vieira em meados 1940 Fonte: Acervo Museu da Bacia do Paraná. O plano para Maringá contabilizava 1.583,65 hectares, prevendo uma densidade média de 38 habitantes por hectare. A cidade foi planejada para acolher 50.000 habitantes inicialmente, e havia a estimativa de em 50 anos abrigar até 200.000 pessoas dentro dos limites do plano (MENEGUETTI, 2007). Para Cianorte uma área de 1.864,60 hectares foi destinada ao perímetro urbano, sendo que 1.497,35 hectares era de área urbanizada. Diferentemente de Maringá, Cianorte não teve seu plano executado por completo, durante a implantação a área urbana foi reduzida para 964,892 hectares (NUNES et. al, 2018). A presença de grandes bolsões de mata nativa inseridas no tecido urbano é uma característica marcante dos planos. Para Cianorte, conforme observamos na figura 7, as abundantes áreas florestadas foram delimitadas contornando parte da área planejada, indicando a formação de uma anel verde, composto de áreas florestada, que se estende por “caminhos” lineares para o interior da malha urbanizada, protegendo os fundos de vale, configurando-se como cunhas verdes ou Green-Wedges, e seccionando parte da malha urbana, no setor norte. Já no plano para Maringá, a representação gráfica de Vieira não apresentou nenhum elemento que configure a formação de um cinturão de chácaras nos limites da área planejada, as áreas arborizados desenhadas estão isoladas no interior da malha, configurando-se Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 302 como parques que protegem as nascentes, conforme podemos observar na figura 6 (NUNES et al., 2018). Figura 7 – Anteprojeto do plano urbanístico para a cidade de Cianorte, Jorge de Macedo Vieira, 1955 Fonte: CMPN, 1955; apud NUNES, 2016. De acordo com Nunes (2016) não há documentos que comprovem a existência de planos para ordenar o crescimento de Maringá, nem elementos no seu plano urbano que demostrem a preocupação de controle ou manutenção da dimensão planejada. Já em Cianorte o contorno de mata virgem é compreendido como um limite morfológico à malha planejada, por isso entendemos que houve uma intenção da Companhia, desde o plano, de manter a dimensão urbana proposta ou não executar toda a malha, como ocorreu (NUNES et al., 2018). 5. OS GREEN-BELTS DE MARINGÁ E GREEN-WEDGE DE CIANORTE: CONTRAPOSIÇÕES A semelhança entre os Green-Belts idealizados pela Companhia para o norte paranaense e a ideia primária proposta por Howard na Inglaterra é evidente, mas quando trata-se do que de fato foi materializado, esta compreensão se altera. Em Maringá, conforme Nunes (2016), apesar de não estar representado no plano de Vieira houve o planejamento, de iniciativa da CNTP, de implantar uma área de Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 303 chácaras margeando e circulando os limites urbanos, esta está representada em um dos mapas do parcelameno rural (figura 8). Já no plano para Cianorte é na peça gráfica de Vieira (figura 7) que se observa claramente na morfologia do desenho urbano a presença de um elemento, composto de mata nativa, circundando grande parte do perímetro urbano e este adentra ao tecido urbano, protegendo os fundos de vale e provendo uma ruptura com parte da malha urbanizada, se aproximando do formato e do ideiao de Green-wedges. Nos dois casos, a área nos limites do plano – seja de mata ou de chácaras - tinha o mesmo objetivo declarado: proteger as nascentes no entorno da urbe e as inseridas no interior dos tecidos urbanos (YONEGURA, 2010). Em ambos os casos, o cinturão não circundou totalmente a área planejada, porém o rodeou na maior parte. 5.1 O green-belt de maringá: a ideia não materializada do cinturão de chácaras Em Maringá, a Planta Parcial de Parcelamento Rural da Companhia (figura 8) comprova a demarcação da intenção de se implantar o cinturão, composto por "chácaras", envolvendo o plano de Vieira. Esse mapa é compreendido como uma complementação ao plano (figura 6), pois define os limites da área planejada, suas conexões (meios de circulação) com o meio rural, seguindo as diretrizes do Plano Geral de Colonização. Nota- se que a maior parte do parcelamento rural localizado nas margens do plano era composto de pequenas propriedades, com exceção do setor norte, onde há a representação de lotes rurais de tamanho médio e grande, há também a definição do local de implantação do primeiro aeroporto da cidade, à leste, também rodeado por pequenos lotes rurais. É importante destacar que enquanto o setor sul, de topografia mais íngreme, foi dividido em pequenos lotes; o setor norte, de superfície plana, apresenta apenas a demarcação da área reservada ao cinturão de chácaras, sem indicar a forma deste parcelamento rural. A porcetagem da área demarcada para o cinturão de chácaras representava aproximadamente uma relação de ¼ da superfície planejada. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 304 Figura 8 – Parte da planta territorial da CTNP, recorte com Maringá e o seu o Green-Belt de chácaras Fonte: CTNP, s/d; apud NUNES, 2016. 5.2 O green-wedge de cianorte: a ramificação do cinturão para o interior do tecido urbano Em Cianorte, ao invés de chácaras delimitando o entorno da malha urbana como indicava o Plano Geral de Colonização, são representadas por Vieira, no plano, grandes áreas recobertas por vegetação nativa, as quais margeiam os cursos d’água presentes no interior da malha urbana e se ramificam para os limites da área planejada, localizadas sobretudo nos setores norte e sul. Esses fragmentos não circundam a cidade, mas adentram na malha planejada, formando cunhas verdes ou Green-Wedges, protegendo os fundos de vale e promovendo a ruptura presente no tecido no setor norte (figura 7). A princípio não há indicativos de que essa área verde seria um elemento limitante do crescimento urbano, uma vez que Vieira desenha porções de malha urbana além da áreas verdes - as quais não foram implantadas posteriormente – e assim como em Maringá desenha prolongamentos viários com o espaço rural. Ao considerarmos o Plano de Vieira para Cianorte e cruzarmos as informações expostas por Dias (1998), verificamos que a relação da malha planejada com os espaços verdes é de aproximadamente 0,385 hectares, ou seja, a malha urbana é 3,67 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 305 vezes maior. Essa proporção não se manteve na prática, pois a área planejada implantada foi reduzida. Atualmente, as medições realizadas por imagens de satélite revelam que a malha urbanizada da cidade possui uma área de 1,8 vezes maior que as áreas verdes existentes, ou seja, metade do planejado é o que foi preservado (NUNES et al., 2018). 5.3 A expansão urbana e a desconfiguração do planejado Em ambas as cidades, as áreas contidas no “cinturão” eram de posse da Companhia, e por isso teriam a função e o destino que a empresa e seus dirigentes desejassem, podendo inclusive ser reserva de área para a especulação imobiliária ou ainda atuar como um elemento de contenção das dimensões urbanas. Nas duas intenções mencionadas, os espaços verdes planejados assumiram diferentes papéis concomitante ao início do processo de implantação das cidades. Em Cianorte, a área verde foi e é preservada até os dias de hoje como mata nativa, seguindo em parte o planejado por Vieira. A manutenção destas áreas vegetadas está ligada à política de controle do território promovida pela Companhia, que em Cianorte contribuiu para a manutenção das dimensões da urbe, dentro dos limites do plano (SOUZA, 2015; DIAS, 1998). Dalberto (2009) aponta que o baixo ritmo de crescimento da urbe, no período inicial após a implantação do plano, contribiu para o baixo índide de crescimento da cidade, resultando na conservanção das características formais da cidade por décadas. A autora ressalta que a redução da implantação da área planejada decorreu do fato de que a época de execução da cidade coincidiu com a última década de expansão cafeeira, cujo declínio econômico ocorreu a partir de 1960. Em consequência disso, além da redução da área construída, a cidade não registrou grande ritmo de crescimento nos anos seguintes, retomando seu processo de expansão na década de 1980 (entre 1986 e 1989 a cidade expandiu cerca de 5,6 ha). A década de 1990 apresentou um déficit de lotes urbanos ocasionado pelo incremento populacional, isso alavancou a implantação de novos loteamentos, resultando na ocupação de áreas fora dos limites do plano, mas não descaracterizando as áreas verdes. Em Maringá esse contexto foi diferente, as áreas reservadas para as chácaras - imediatamente localizadas no entorno do plano - não foram implantadas, em sua Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 306 maioria, rapidamente se tornaram áreas ocupadas pela expansão urbana. Isso se definiu quando a Companhia as loteou e as infraestruturou com redes urbanas, ao mesmo tempo que implantava a área planejada por Vieira. Com a prerrogativa publicitária de urbanizar as áreas próximas ao aeroporto e junto da linha férrea, além disso o que não foi divulgado é que esses loteamentos, localizados fora do plano no setor norte, seguiam em direção aos grandes lotes de propriedade dos funcionários diretores da empresa, locados imediatamente anexos à demarcação das chácaras, desta forma não foi por acaso que grande parte do cinturão de chácaras de Maringá se materializou como área urbanizada, sendo estas as primeiras áreas alvo da especulaçao imobiliária. A partir de então novas expansões foram concretizadas, pela própria Companhia e por seus funcionários, posteriormente por terceiros em áreas desconecatadas dos limites do plano. No setor sul, parte da área de chácaras foi implantada, existindo remanescentes na borda da Zona 08 até hoje (setor sudeste). Em 1963, a cidade tinha 78% do plano implantado e a grande maioria das áreas idealizadas como chácaras estavam parceladas como áreas urbanas (NUNES, 2016). Em Maringá, a Companhia e seus principais funcionários foram os agentes responsáveis pela maior porcentagem de expansão da cidade nas décadas de 1950 e 1960. Acredita-se que estas expansões promovidas pela Companhia abriram “as portas” para novos empreendimentos, irradiados a partir do plano, alterando a forma urbana proposta para a urbe e provocando um crescimento inicialmente contínuo. As décadas de 1960 e de 1970 foram marcadas pelo grande fluxo populacional da zona rural para a urbana e, decorrente disso, foi o momento da maior expansão urbana registrada até hoje, promovendo um crescimento contínuo concentrado no setor norte. (NUNES, 2016). A partir do exposto acima, entendemos que enquanto em Cianorte a Companhia prezou pelo monopólio da comercialização dos lotes urbanos, em Maringá a empresa agiu em sintonia com os interesses do setor imobiliário, representado por seus funcionários, que obtiveram vantagens na aquisição das terras rurais e loteá-las e comercializá-las ao mesmo tempo que a empresa, uma vez que ali havia demanda. 5.4 Um panorama atual Maringá contabiliza hoje mais de 410.000 habitantes, distribuídos em uma área Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 307 urbanizada de 12.826 hectares, que representa mais de trinta vezes a área planejada por Vieira. Seu cinturão, por consequência da rápida expansão, foi o primeiro alvo da urbanização e, dessa forma, a maior parte dele, sobretudo no setor norte, nunca se tornou área rural de fato. Entendemos que o cinturão proposto em nenhum momento delimitou ou caracterizou as bordas da malha planejada. Isso afirma o que Nunes (2016) concluiu: a área delimitada como chácaras em Maringá foi alvo da especulação imobiliária comandada pela CTNP. Dos poucos remanescentes do cinturão, pode-se observar alguns lotes de chácaras no setor sul, preservados devido à topografia íngreme. Cianorte atualmente possui cerca de 80.000 habitantes, e segue com as carcaterísticas formais de suas áreas verdes planejadas até hoje. A partir do ano de 2000, a área foi protegida por meio da Lei Municipal n° 2067, que estabeleceu a criação do Parque Municipal Cinturão Verde, propiciando a criação da principal área de lazer e recreação da cidade. Apesar das tentativas de preservação, o cinturão sofreu perdas territoriais decorrente do avanço da expansão urbana, que seguiu principalmente no sentido noroeste (DALBERTO, 2009). A expansão ocorrida ocupou áreas fora da área de mata preservada, e produziu uma forma urbana marcada por limites transpostos, ou seja, uma ruptura entre porções do tecido urbano. Com isso, a área verde não mais delimita a cidade como outrora, mas o Grren-Wedge segue demarcado na forma urbana, pois corredores verdes situam-se parcialmente dentro da mancha urbana, atuando como um obstáculo ao crescimento urbano contínuo, fenômeno visto sobretudo na região norte da cidade. Dessa forma, pode-se afirmar que a manutenção do green-wedge contribuiu para a contenção do crescimento de Cianorte por décadas, além de propiciar a reserva de áreas verdes (NUNES et al., 2018). Sabe-se que o Green-belt e o Green-Wedge são heranças inglesas nas áreas do planejamento urbano, presentes no plano citado de Abercrombie, atualmente defende-se o Green-Wedge como a evolução do Green-belt, pois, o mesmo é considerado mais permeável, fato que facilita a ordenação do crescimento das cidades. Lembramos que o elemento verde desenhado na forma de “Cunha Verde” é entendido como espaços livres verdes lineares que atravessam o tecido urbano desde as áreas centrais até as periféricas. Sua aplicação no planejamento contemporâneo é de potencial contribuição para o pensamento que discute cidades mais sustentáveis e resilientes (OLIVEIRA, 2017). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 308 O que vemos no norte paranaense é que em ambas as cidades desta investigação os dois elementos estavam presentes, mas não ordenaram o crescimento das urbes, e hoje não existe a possibilidade de retomar a marcação dos limites iniciais planejados sem haver intervenções drásticas no tecido urbano consolidado. 6. CONSIDERAÇÕES As duas cidades, apesar de terem sido planejadas pelo mesmo urbanista, compartilharem as mesmas características de desenho urbano e fazerem parte de um mesmo processo de colonização, não apresentam o mesmo resultado para seus cinturões verdes, seja na concepção ou no destino que cada um teve. O que se comprova são duas situações análogas. As ações de controle da Companhia sobre o território se baseavam na demanda por novos loteamentos, fator que impediu que em Maringá qualquer iniciativa de consolidação do seu cinturão fosse realizada, o que houve foi a rápida desconfiguração da proposta, como um boicote do plano efetivado pela própria empresa. Assim, não é por acaso que autores relatam a não existência de um cinturão de chácaras na cidade, e o desconhecimento do tema pelos seus habitantes, demonstrando que esse elemento tornou- se uma mera fração da história da cidade. Em Cianorte, ocorreu o oposto, tanto na forma proposta quanto no destino destas áreas. Pois, além de implantado o cinturão se mantém por décadas preservado, devido a baixa dinâmica imobiliária do empreendimento na época, resultando na manutenção da forma das bordas do plano, não avançando sob a área reservada ao cinturão. O fato de o cinturão de Cianorte ser composto por mata nativa pode ter sido um fator determinante para sua preservação posterior, uma vez que, de todos os cinturões implantados no território da Companhia, esse é o único não composto por chácaras e o único que se mantêm até hoje, como reserva florestal sob a forma de parque urbano. Os demais, na sua grande maioria, tiveram o mesmo destino do de Maringá, se tornaram área urbanizada, restando poucos vestígios de sua presença, descaracterizando o planejamento regional proposto nos dias de hoje. Nesse sentido, enfatiza-se que o conhecimento histórico do planejamento urbano é peça fundamental para o entendimento do processo de expansão urbana e fator preponderante para a contínua busca de melhores alternativas formais para orientar o crescimento do território citadino. Nesta pesquisa visamos contribuir com Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 309 discussões e possibilidades de harmonia entre desenvolvimento urbano e planejamento sustentável, mostrando que é importante refletir em como as cidades irão lidar com os remanescentes ambientais, e quais podem ser as implicações de suas decisões na forma urbana gerada no futuro. Assim, mostramos também que é premente e de extrema relevância fomentar novas pesquisas e auxiliar o arcabouço teórico para as decisões dos gestores urbanos no momento atual em que se discute a necessidades das cidades se reinventarem. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 310 REFERÊNCIAS AMATI, Marco. Urban greenbelts in the twenty-first century. Aldershot, Ashgate, 2008. CALABI, Donatella. História do Urbanismo Europeu. Tradução de Marisa Barda e Anita di Marco. São Paulo, Perspectivas, 2012. COMPANHIA MELHORAMENTOS NORTE DO PARANÁ. 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.74801-74819 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 312 CAPÍTULO 17 HOUSING IN PORTUGAL (1992-2008) A MULTIDIMENSIONAL PERSPECTIVE ON THE BEHAVIOUR OF ECONOMIC AGENTS António Duarte Santos Ph.D Universidade Autónoma de Lisboa ajsantos@autonoma.pt Guilherme Castela Ph.D Faculdade de Economia da Universidade do Algarve gcastela@ualg.pt Iris Lopes Ph.D Faculdade de Economia da Universidade do Algarve igoncal@ualg.pt Nelson Silva Ph.D Faculdade de Economia da Universidade do Algarve ntsilva@ualg.pt ABSTRACT: Since the nation joined the European Union, the process that regulates housing policy in Portugal has been subject to specificities that are proper of the Portuguese situation. In a State which has a considerable housing deficit, it was the quantifier elements that judged the various governments regarding this matter. Almost all of the housing production depended on mortgage loans in which soft loans played an important part, together with tax benefits. The negative effects produced by lease blocking were increasingly felt throughout the analyzed period of time. The changes in context due to the decrease of tax rates and the legislative alterations on soft loans, conditioned the agents behavior and, necessarily, the rhythm of Portugal’s housing market. Using the STATIS (Structuration of Tableaux A Trois Indices de la Statistique) methodology and through the analysis of the housing policy instruments, it was possible to identify the trajectories and changes in performance of the State, Owners and Families during the period between 1992 and 2008, as well as the most significant variables for understanding the problematic of housing in Portugal. KEYWORDS: Housing; Policy Instruments; STATIS. RESUMO: Desde a adesão do país à União Europeia, o processo que regula a política de habitação em Portugal tem estado sujeito a especificidades próprias da situação portuguesa. Em um Estado com um déficit habitacional considerável, foram os elementos quantificadores que julgaram os diversos governos quanto a esta questão. Quase toda a produção habitacional dependia de empréstimos hipotecários, nos quais os empréstimos em condições favoráveis desempenhavam um papel importante, juntamente com os benefícios fiscais. Os efeitos negativos produzidos pelo bloqueio do arrendamento foram cada vez mais sentidos ao longo do período de tempo Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 313 analisado. As alterações de contexto decorrentes da diminuição das taxas de imposto e das alterações legislativas sobre o crédito bonificado, condicionaram o comportamento dos agentes e, necessariamente, o ritmo do mercado imobiliário português. Utilizando a metodologia STATIS (Estruturação de Tableaux A Trois Indices de la Statistique) e por meio da análise dos instrumentos de política habitacional, foi possível identificar as trajetórias e mudanças de atuação do Estado, Proprietários e Famílias durante o período de 1992 a 2008, bem como as variáveis mais significativas para a compreensão da problemática da habitação em Portugal. PALAVRAS-CHAVE: Habitação; Instrumentos de política; STATIS. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 314 1. INTRODUCTION AND OBJECTIVES After Portugal joined the European Union came into existence until the beginning of the mortgage crisis of high risk in 2008, a growing concern about the issue of housing. This concern was centered in the framework of the process of public policy, whose changes, adaptations and specific characteristics prior to the behaviour of the demand for housing, given the residential deficit. It became therefore essential to recognize the institutional intervention of economic operators in this particular market in particular, the state, the owners and families. In the period 1992-2008, the State played an active role in the housing sector, legislating promotion to purchase and own housing construction. Indeed, from the early years of the nineties, and by 2008, further compounded these guidelines housing policy concerns social, having been created rehousing programs in urban areas, supporting the leasing incentives particularly for young people and stimulating himself to restoring degraded properties. The purchase of homes by families, the lease on the open market and that for young people, catapulted the state as stimulating element of housing and urban regeneration, theoretically through a redistribution of income from households based on equity. However, the problem of housing cannot be reduced only from the perspective of supply and demand. In fact, the specific characteristics of this and led to the creation of inefficiencies in the market, in particular by the inadequacy of market argument as resolution mechanism housing of lower income families. The strengthening of housing programs of the most insolvent populations took effect in resolving the housing needs, but it was not enough. In the Portuguese case, the construction of housing was mainly directed to the sale, given the low expression of the rental market, while providing a housing solution only to solvent families. Consequently, the housing credit supply grew significantly and interest rates have a significant downward trend, resulting in greater accessibility of Portuguese families to credit. On the other hand, the expansion of housing credit in the nineties and the beginning of the new century was a rational response of economic agents to favourable changes in financing conditions. In fact, the dynamics of the rental market was another objective of housing policies of this period. We understand relevant building the objectives of this work according to a socioeconomic support and technical support. In fact, the socio-economic component refers Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 315 to connections between the formulation of public policies on housing and its implementation, which are measured by results. Regarding the technical side, we will use the STATIS method (Structuration of Tableaux A Trois Indices de la Statistique), first introduced by Escoufier (1973) and L'Hermier des Plantes (1976) and later developed by Lavit (1988). Thus, we highlight six objectives: (1) - Identify the position of the three economic agents, in relation to the variables under study; (2) - To analyze the relationship between the state, owners and households; (3) - To characterize the behavior of the variables analyzed in the perspective of the three agents; (4) - Verify the state contribution, owners and households for the definition of housing policies; (5) - Check the relationship between the variables and their contribution in identifying the similarities / dissimilarities between the state, owners and households; (6) - To recognize the agents of economic which cause divergences and/or convergences in the housing sector. 2. THE METHODOLOGICAL PROCEDURE The measuring of a variable over a set of individuals, which from a statistical viewpoint corresponds to the simplest situation, allows us to build a vector of observations with one entry or way: individuals. If, besides this, we consider a set with more than one variable, the information can be structured as a data matrix and we obtain two ways: individuals and variables. If, for each previous matrix we carry out a repetition of measurements, on different occasions, we will be before a threedimension setting, or in other words, three ways: individuals, variables and occasions. With a view to the explanation of data, for the one entry or way, we normally modelise the distribution of data. For the two entries or ways, explicative models or models of co-variance are built and, for the three ways we build models that are designated as three-way models. The main aim is to analyze multiple data tables where the Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 316 observations are, for example, objects or individuals on which various measurements (variables) were carried out on various occasions. The term ‘occasion’ can refer to different moments in time or to different situations of measurements, in other words, to distinguish experimental situations. In these models the set of data is usually associated to a graphic representation, for a better recognition and illustration of the essential trends of the phenomena under study. The data accommodated in a tridimensional configuration is presented in figure 1. Figure 1 – Cube of three-way data Source: own elaboration. Over the last decades, the methods of Multivariate Data Analysis (MVA) have proven their efficacy. In the 1970s and 1980s, Escoufier (1973), Bouroche (1975), L'Hermier des Plantes (1976), Robert & Escoufier (1976), Jaffrenou (1978), Foucart (1981) and Escofier & Pagès (1985), amongst others, began developing their studies on methods for analysis of multidimensional tables, giving rise to one of the fundamental strands in this type of MVA techniques – the French school of analysis. In this sense the elected method for this research is STATIS (Structuration de Tableaux À Trois Índices de la Statistique) that was first introduced by Escoufier (1973) and L'Hermier des Plantes (1976) in Probability and Statistics Laboratory of the University of Montpellier II, and later developed by Lavit (1988). This method is not restricted to the analysis of a data frame such as the Principal Component Analysis (PCA), but allows the simultaneous operation of multiple frames of quantitative data. It is an exploratory method for analyzing multivariate data which aims to compare configurations of the same individuals, in different conditions in order to find a common Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 317 structure, stable and representative of all tables. It comprises the following four fundamental steps: 1. Interstructure analysis, which accounts for a comprehensive comparison of data tables; 2. Compromise analysis, which describes the common structure of several data tables; 3. Analysis of the Intrastructure, which allows highlighting of the individuals responsible for similarities (or differences) between tables; 4. Finally, the trajectories that describe the evolutionary behavior of each individual or variable are traced from the Compromise of the image. In short, the STATIS method allows us not only to capture the trajectories of individuals and variables over time or conditions, but also to identify the variables and individuals that contribute to stability. The general principle of classification used for clustering in this research is based on the construction of a framework of similarities between the arrays of approximations. The method used was Ward (Ward, 1963) which considers the Euclidean distance. In the Ward method, the total variance is equal to the sum of the internal variance of class and inter-class variance. It is therefore necessary to find a uniformity within each class (thus minimizing the variation of inter- class variance), and a heterogeneity between classes. Lastly the group of subjects is performed in order to maximize the similarity within the groups and differences between groups. To identify the significant active variables for each cluster we used the test to the differences of the averages of the samples where the null hypothesis means that there is no difference between the mean of a sample and the population mean, and no difference between the means of two samples. The data used in this research is of secondary databases provided by INE (National Statistical Institute of Portugal), IGAPHE (Institute of Management and Alienation of the Patrimony Housing of State), INH (National Housing Institute), Bank of Portugal, IHRU (Institute for Housing and Urban Rehabilitation), IMOESTATÍSTICA (real estate private index), Finance Ministry of Portugal and AECOPS (Association of Construction, Public Works and Services) are presented in Table 1. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 318 Table 1 – Observations, Variables and Entities i=OBSERVATION S: Portugal for years (1992-2008) k=ENTITIES j=VARIABLES (F1) General Credit Scheme (€ million): monetary value of the credit agreements for housing without direct financial state support; (F2) Subsidised Credit (€ million): Monetary amount of interest on credit contracts for housing under the subsidized credit scheme with state support for the acquisition, construction and works in permanent housing; (F3) Credit Subsidised for the young (€ million): idem, since the buyers had until age 30; (F4) (F1 + F2 + F3) / GDP: relative weight of the sum of these variables in GDP. (P1) REHABITA (€ thousands): value resulting from the conclusion of agreements between the IGAPHE (IHRU) and the municipalities, the two bodies responsible for the financial coverage of the works of urban renewal to be undertaken; these collaboration agreements were also endorsed by INH (IHRU) or other credit institutions; (P2) RECRIPH (€ thousands): financial contribution for carrying out maintenance and improvement works on units by joint owners of old buildings, via administration of condominiums; (P3) Real Estate Confidential Index: Index that measures since 1988, the oldest series on the evolution of the value of residential real estate; HOUSEHOLDS OWNERS STATE (P4) (P1 + P2) / GDP: Group of the relative weight of these active variables in GDP. (E1) Subsidized General Interests (€ million): amount payable by the resulting state of the differential between the interest rate indexed to EURIBOR (the reference rate of the interbank market) and the contracted rate on loans; (E2) Controlled Cost Housing by cooperatives, municipalities and private companies (€ million): it is the State financial support in order to allow the rental or home ownership to low household resources, promoted by Cooperatives, by local councils and private companies; (E3) Incentive to rent for the young (€ million): Financial support specific state for the tenants young (30 years old); (E4) Special Re-housing Plan (established in 1993) (million €): corepayable via IGAPHE (IHRU), up to 50% of the cost of construction of the projects, and the municipalities could also use, for the remaining cost, long-term subsidized funding or the INH (IHRU) or any credit institution; (E5) RECRIA (€ million): the amount of bonuses, via INH (IHRU), the municipalities, landlords and tenants of fires, since should proceed conservation works or improvement; (E6) (E1 + E2 + E3 + E4 + E5) / GDP: on the combined weight of these variables in GDP at current currency values, which quantifies the economic activity by sector of activity, considering only the consumer goods and services finals. Source: own elaboration. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 319 3. RESULTS The comparison of the groups of variables in the space of the first two principal components for STATIS interstructure is displayed in Figure 2. From this analysis we can explore the stability of the set of observations. Figure 2 – The interstructure: A global comparison of the sets of data on the three economic agents Source: own elaboration. The distances between the entities reflect similarities / differences in the stability of 3 economic agents over the period 1992-2008 The coordinates of this factorial structure, with a quality of representation 80%, are associated with the first dimension which retains 92% of the total information. In the STATIS results, the configuration of the interstructure denotes stability, for all three entities are associated to the first dimension, and this method, by its nature, is well interpretable over the first dimension. In the STATIS method, the computation of the compromise matrix, where each row represents a observation of (Portugal per year), and each column is a component. The compromise matrix is a scalar product matrix, and therefore its eigende composition amounts to a PCA. In Figure 3 the Euclidian image coordinates in compromise space is presented along axes 1-2. From this analysis we can explore the structure of the set of observations from the STATIS point of view. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 320 Figure 3 – The compromise: A description of the structure common to the various tables of data with an Euclidean representation of the years on plane 1-2 Source: own elaboration. Identifies the level of commitment between the years. Detects the temporal position in question, reflected by the Active Variables of the 3 agents. The identification of the three clusters defined by Ward’s method is represented in Figure 4. Figure 4 – Identification of three Clusters in the common structure by Hierarchical segmentation using the squared Euclidean distance and Ward Criteria Source: own elaboration. The application of a singular value decomposition (SVD) and subsequent principal component analysis (PCA) now reveals a factorial space that captures, in two dimensions, 92.31% of the compromise matrix, being 64.55% of the information held in the first dimension. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 321 In Figure 4 can be noticed the most important periods that marked the 19922008 period as for the credit schemes used in Portugal. Thus, the second dimension can be interpreted by the opposition between the years before and after entry into force of Decree-Law No. 349/98 of 11 November, decree amending and starts to regulate the new subsidized credit agreements (Figure 4). Thus, it becomes possible to characterize, at first, the three clusters detected. Cluster 1 is to be marked by the period of the former subsidized credit scheme, Cluster 2, as the period of the new subsidized credit scheme and the Cluster 3, a period in which ceases to exist hiring of subsidized loans (Figure 4). In order to distinguish the three clusters, depending on variables considered significant, and, for a 95% confidence interval, was performed a test of the difference of averages of three independent samples. It were obtained in this way, the following significances values associated with the test (Table 3). Table 3 – Test to the difference of averages for independent samples (Clusters) Source: own elaboration. It was found the presence of six significant active variables (zP1, zP2, zP4, zE2, zE4 and zE6) differentiating the clusters. In Table 4 are observed movements of these six variables per cluster, over the period 1992-2008. Table 4 – Differentiation between clusters according to the significant active variables Source: own elaboration. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 322 The variables Subsidized General Interest Rate, Incentive to youth renting, RECRIA, General Credit Regime, Subsidized Credit and Subsidized Credit for the young had different movements for each cluster as exposed in Table 4. This gives us an insight of the relative homogeneity of policy for the years encompassed in each cluster and heterogeneity of policy between clusters. This phase of intrastructure spatially represent the structure of each original matrix data in the compromise space. Each trajectory represents one year the period 1992-2008 for the three economic agents, thus delineating approaches or deviations regarding individual’s compromise. These deviations and approaches are better understood using the correlation of active variables and supplementary variables that most significantly are associated with each of the compromise axes. Figure 5 shows the significant correlations between the original variables and dimensions of the compromise space concerning each economic agent. Figure 5 – The intrastructure: Circles of Correlations Source: own elaboration. It is possible to identify the variables that contributed to instability for each economic entity. The variables F1 and F4 for Households, E3 for State and P3 for Owners, diverged and in this sense did not support the formation of the compromise. Thus the reproduction of trajectories in Euclidean image of compromise is based on the representation in this image of the three clouds of individuals (Figure Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 323 6). We believe, therefore, to be able to indicate the year in which the structure is more or less consistent in the relations between the three economic agents. Figure 6 – The intrastructure: identification of three examples for the 1992, 2000 and 2008 trajectories. Source: own elaboration. For 1992 the households contribute the most to the average of the behavior. There is a strong positive correlation between the state and owners. Owners and especially the state contributes, opposed to households, to the formation of compromise. On 2000 it is shown that it is the owners who contribute most to the behavior of the average. There is a strong positive correlation between state and households. Households and the state contribute as opposed to owners for the formation of compromise. In the year 2008 it is observed that are the owners who contribute most to the average behavior. There is a negative correlation between Households, State and Owners. There has been a greater contrast between owners and households, keeping the state on an equal relationship with both for the formation of commitment. 4. DISCUSSION The analysis of the results showed that there is a change in relative position of economic agents which notes: Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 324 1. The Association of State and property opposed to families in the years 1992-1994, 1998 and 2004-2007; 2. The Association of State and Families as opposed to owners in the years 19951996, 1999-2001 and 2003; 3. In 1997, 2002 and 2008, years of change, the three economic agents are negatively correlated (in opposition); 4. At no time was association (positive correlation) between families and owners. According to the characterization of clusters performed in Table 4 and taking into account the additional information of the evolution of the interest rate, it is possible to establish behavior al typologies that are displayed in Figure 7. Figure 7 – Behavioral Typologies Source: own elaboration. Thus, the years that are positioned in the first cluster are the result of: 1. A STATE trying to balance the high interest context in decline with the need to own housing for FAMILIES or through the Subsidised credit schemes and Credit Subsidised Young little restrictive with regard to hiring, either by encouraging the young Rent. On the other hand promotes the rehabilitation of buildings leased by RECRIA program directed to the OWNERS; Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 325 2. FAMILIES forced into debt, given the still high interest rate for own house purchase and the absence of a genuine rental market; it's from, 3. OWNERS that given the rents freeze history, maintain a very high level of suspicion, either for rehabilitation investment, whether to increase the lease offer. Similarly, the years that are positioned in the second cluster are the result of: 4. A debt STATE, via the subsidized loans previously contracted and still in force, trying to balance the new lower interest context and oscillation, or by restricting access to the hiring of new credits Subsidised and Subsidised Young or by reducing Encouraging Young People's rent, directed to the households. On the other hand, it reduces the incentive to rehabilitation of leased property through targeted RECRIA program for OWNERS; 5. HOUSEHOLDS rationally, given the low level of interest rates and the added difficulty of framing the credits subsidized and maintenance of the lack of a real rental market, resort to borrowing via General Credit scheme for purchase of homes; it's from, 6. OWNERS that, given the shrinkage of state incentives or credits in Subsidised and Subsidised Young wants investment in rehabilitation, maintain a high level of suspicion, either for rehabilitation investment, whether to increase the lease offer. Finally, the years that are positioned in the third cluster are the result of: 7. A STATE trying to rationally balance the low and stable interest context, with less need for private housing for HOUSEHOLDS, either by elimination of contracting new loans in subsidized schemes, either by encouraging the rent Young. On the other hand promotes the rehabilitation of buildings leased by RECRIA program directed to the OWNERS; 8. HOUSEHOLDS forced into debt to purchase private housing via Credit General, given the withdrawal of support by the State to purchase a pair of an increase in the incentive to rent Young; it's from, 9. PROPRIETARY that given the rents freeze history, maintain a very high level of suspicion, either for rehabilitation investment, whether to increase the supply of accommodation, despite the increase in support from the state via RECRIA in promoting property leased rehabilitation. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 326 5. CONCLUSIONS Relative to owners: 1. In the old, the new and the Credit Regime absence Subsidised period, the OWNERS maintained a low level of adherence to the market, both for investment in rehabilitation, and for increasing the supply of homes for rent. Relative to state: 2. In the Old Credit Scheme Subsidised, and in the presence of decreasing interest rates, STATE sought to balance the needs of two economic agents. For HOUSEHOLDS through interest subsidy for purchase of homes and through the encouragement of young lease. For OWNERS, promoting the rehabilitation of leased properties through a targeted program for this purpose. 3. New Credit Scheme Subsidised and a swing in interest rate environment, debt STATE via the previously contracted subsidized loans, restricted access to new credits subsidized and reduced the incentive for young leasing, targeted for HOUSEHOLDS. On the other hand, it decreased the incentive to rehabilitation of properties leased to the OWNERS. 4. In the absence of Subsidised Credit Contracting and in an environment of stable interest rates, STATE tried to rebalance the demand for private housing HOUSEHOLDS of either the extinction of new loans in subsidized schemes, either by encouraging young lease. On the other hand, promoted the rehabilitation of properties leased to the OWNERS. Relative to households: 1. In the Old Credit Scheme Subsidised, the HOUSEHOLDS were induced indebtedness, given the decrease in interest rates for the purchase of homes and the lack of a true rental market. 2. New Credit Scheme Subsidised, given the low level of interest rates, the added difficulty of framing the credits subsidized, as well as maintaining the absence of a genuine lease market, HOUSEHOLDS, rationally, resorted to borrowing through regime General Credit. 3. In Credit Hiring None Subsidised, and given the increase in encouraging young lease, the HOUSEHOLDS were forced into debt via General Credit scheme. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 327 Our empirical study, to detect a common structure, although instability between OWNERS, STATE, and HOUSEHOLDS, showed that public housing policies are not separable in the analysis and understanding of the relationships among the three clusters, in Portugal, in the period 1992-2008. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 328 REFERENCES Bouroche, J. M. (1975) – Analyse des Données Ternaires: La Double Analyse en Composantes Principales. Thèse de troisième cycle, Université de Paris. Escofier, B. & Pagès, J. (1985) – Mise en Oeuvre de l’AFM pour les Tableaux Numériques, Qualitatifs ou Mixtes. Publication Interne de l’IRISA, 429. Escoufier, F. (1973) – Le Traitement des Variables Vectorielle, Biometrics International Biometric Society), 29 (4), p. 751-760. Foucart, T. (1981) – Suites de Tableaux et de Sous-Tableaux. Revue de Statistique Appliquée, 29(2), 31-42. INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (2009) – Estatísticas da Construção e Habitação. Jaffrenou, P.A. (1978) – Sur L'analyse des Familles Finies de Variables Vectorielles, Thèse de troisième cycle, Université de Lyon Lavit, C. (1988) – Presentation de Methode STATIS Permettant L’abalyse Coinjointe de Plusiers Tableaux de Donn’Ees Quantitatives. 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.115880-115880 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 330 CAPÍTULO 18 CLEMENTE ROMANO E A I CARTA AOS CORINTIOS: O TEMPO, O HOMEM E A MISSÃO Marcia Elieder Bolonhez Meneguetti Mestranda em Educação na Universidade Estadual de Maringá Rua Fernandes Vieira, 743, zona 02 - Maringá, Paraná, CEP: 87010340 E-mail: marciabolonhezm@hotmail.com Roseli Gall do Amaral da Silva Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Apucarana Rua Doze de Outubro, 31, Centro - Astorga, Paraná, CEP: 86730-000 E-mail: amararoseli@gmail.com Prof. Dr. José Joaquim Pereira Melo Pós-Doutorado em História da Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Universidade Estadual de Maringá Rua José Joaquim Pereira, 72, Centro, Itambé, Pr. CEP: 87175-000 E-mail: pereirameloneto@hotmail.com RESUMO: O presente estudo tem como objetivo discutir a contribuição de Clemente Romano na formação cristã do século I d. C., por volta de 92 a 96. Por meio de uma epístola redigida depois que o autor, Clemente Romano, então bispo de Roma, recebeu notícias de dissidências na comunidade de Corinto. Como fonte primária privilegiamos a I Carta de Clemente Romano aos Coríntios, traduzida do grego por M. Luiz Marques, com introdução de Isidro B. Lamelas (2001), além de outras referências bibliográficas tais como: Eusébio de Cesareia (2005), Jaeger (1989), Lightfoot (1869), Cowper (1967), Daniel-Rops (2014), Moreschini e Novelli (1996), Altaner e Stuiber (1988) e Koester (2005). A discussão do tema foi realizada a partir de Clemente Romano seu contexto social e suas origens, e os objetivos da I Carta aos Coríntios, demonstrando os motivos pelos quais foi escrita. A investigação centrou-se em desvelar Clemente Romano como um dos principais colaboradores para a formação das bases educacionais do homem cristão tendo em vista atender as exigências do cristianismo e de sua sobrevivência social naquele período. PALAVRAS-CHAVE: Clemente Romano; Cristianismo Primitivo; Contexto social. ABSTRACT: This study aims to discuss the contribution of Clement Romano in the Christian formation of the 1st century d. c., circa 92-96. By means of an epistle written after the author, Clement Romano, then bishop of Rome, received news of dissent in the community of Corinth. As a primary source we favored the I Letter of Clement Romano to the Corinthians, translated from the Greek by M. Luiz Marques, with an introduction by Isidro B. Lamelas (2001), as well as other bibliographical references such as: Eusébio de Cesareia (2005), Jaeger (1989), Lightfoot (1869), Cowper (1967), Daniel-Rops (2014), Moreschini and Novelli (1996), Altaner and Stuiber (1988) and Koester (2005). The discussion of the subject was carried out from Clement Romano, its social context and its origins, and the objectives of the I Letter to the Corinthians, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 331 demonstrating the reasons why it was written. The investigation focused on unveiling Clemente Romano as one of the main collaborators for the formation of the educational bases of the Christian man with a view to meeting the demands of Christianity and its social survival in that period. KEYWORDS: Clement of Rome; Early Christianity; Its origins. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 332 1. INTRODUÇÃO Clemente Romano foi um bispo da Igreja cristã no primeiro século d. C. e fez parte do início da propagação do cristianismo, religião que se firmou e arrebanhou muitos adeptos em dois mil anos. O estudo de sua carta escrita no final do primeiro século e encaminhada para outra comunidade cristã permite uma visão sobre os primeiros ensinamentos que foram primordiais para a instrução dos adeptos da nova crença. Investigar o momento histórico deste estudioso, um dos pilares da história da educação cristã, permiti averiguar como foram essas primeiras diretrizes instrucionais e pedagógicas, relacionando-as no contexto do Império Romano do primeiro século d. C. O cristianismo é um dos fenômenos mais originais da história porque propôs uma visão particular de mundo e de homem, cuja influência chega aos nossos dias. Imbuídos por uma promessa religiosa, materializada na pessoa de Cristo, os cristãos elaboraram uma proposta de salvação e uma compreensão que afirmava serem os homens filhos de Deus. Com base nessa proposta, os cristãos enfrentaram (e também dialogaram) outras visões determinantes de mundo, especialmente doutrinas gregas e o estoicismo romano. Desta maneira é essencial investigar como era esse contexto social em que vivia Clemente Romano e os adeptos da nova crença. Roma desde suas origens (séc. VIII a.C.), ocorridas na península itálica, até à decadência por volta do século V da Era Cristã, deixou um legado de influências literárias, jurídicas, arquitetônicas e morais, que se fazem sentir mesmo passados mais de 2700 anos da fundação da cidade de Roma, entre as colinas do Velho Lácio. Entre a aristocracia e monarquia, entre República e Império, Roma se consolidou como uma das civilizações mais importantes da história. Parte dessa trajetória alcança maior significado quando consideramos o aspecto religioso, sobretudo, em função do cristianismo, o que levanta muitas interrogações, entre as quais: como os cristãos se estabeleceram no Império? Porque o cristianismo, apesar de perseguições, foi recepcionado pelos romanos? 2. A I CARTA DE CLEMENTE ROMANO AOS CORÍNTIOS O cristianismo foi um fenômeno urbano assim como o Império romano era composto por cidades importantes, a exemplo da capital Roma, Pompeia e Herculano. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 333 Também as cidades sugerem o fato de os romanos serem, essencialmente, uma civilização a partir do qual integrava as práticas agrícolas, as bélicas e a intensa vida urbana, rica pela arquitetura e vida cultural. Mas não era apenas isso. Outro aspecto singular se destaca: no século I d. C, as conquistas do Império Romano deram condições para realizar uma extensa dominação territorial que se estendeu por muitas regiões e séculos. A capital desse Império, Roma, era uma cidade que indicava o ciclo de expansão territorial e, como tal, representava o centro do mundo antigo. Foi crucial para o início do Cristianismo, mesmo que tenha sido, às vezes, ofuscada por outros centros cristãos influentes no Oriente cristão, a exemplo de Antioquia, Éfeso, Corinto e Jerusalém. Roma era a cidade em que viveu Clemente Romano. O Cristianismo foi uma crença diferente dos cultos às divindades que havia na época, especialmente em Roma. Seus seguidores acreditavam em um só Deus, como os judeus, mas, ao contrário destes, os cristãos partiam da crença em Jesus Cristo. Informações sobre o magistério estão contidas na tradição apostólica e quase nada há de dados biográficos. Entretanto, essa crença, fundamentada em Jesus Cristo, partia do princípio de haver uma concepção de homem assentada na promessa de uma vida eterna. Para isso, cumpria realizar uma conversão pessoal e a renovação moral para a instauração do que acreditavam ser o reino de Deus. Ele pressupunha a criação de um novo povo, um novo Israel, ideia que sugere a instauração de uma comunidade diferente dos romanos, em razão da moral (escatológica) que pregavam (KOESTER, 2005). Na efetivação dessa proposta, Martin (2019) afirma que o cristianismo enfrentou muitos desafios para se estabelecer como religião. Primeiro porque, embora fosse herdeira, se firmou na condição de ser distinta do judaísmo e segundo porque, presente no Império Romano, os cristãos se movimentaram no sentido de afrontar os cultos romanos. Ao seguirem uma nova fé e não adotarem a religião tradicional e ancestral, os cristãos formaram uma nova religião, o que pode ter provocado as perseguições que sofreram do poder romano, como a de Nero (37– 68) em 64 ou 67 e a de Domiciano (51 – 96), por volta da última década do século I d. C. Tais perseguições, no mundo antigo, duraram até Constantino e somente acabaram quando a religião foi declarada oficial no Império Romano por Teodósio (347-395), em 380 d. C. Na contribuição para a efetivação do cristianismo no primeiro século, há de se destacar as ações de Paulo de Tarso (5 -67 d.C): Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 334 Elemento decisivo, neste sentido, foi o fato de o cristianismo ter começado a ultrapassar as fronteiras do mundo semita e entrar em territórios dos povos que chamavam de pagãos. Esse contato com a cultura clássica, além de marcar profundamente a nova religião, provocou mudanças substantivas no pensar e no comportamento dos povos clássicos. Nesse primeiro momento, Paulo de Tarso teve papel determinante na sistematização do conteúdo e na sua regulamentação, o que favoreceu a sua expansão (SILVA, 2010, p.11). Ele estabeleceu importantes comunidades cristãs (SILVA, 2010) para as quais foram endereçados cartas, a exemplo das redigidas a Corinto por Paulo de Tarso e, posteriormente por Clemente Romano. Corinto, assim como as cidades da região, era a personificação da cultura e seu espaço urbano oferecia um estilo de vida que combinava o desenvolvimento da atividade pública e amenidades urbanas, a exemplo do teatro, das termas, entre outras coisas. Seu estilo romanesco, apesar de estar na Grécia, reproduzia as estruturas e o modo de vida dos romanos, já que por eles foi destruída (II a. C) e reconstruída (44 a. C) por Júlio Cesar (NASCIMENTO; SELVATICI, 2017). O fato a considerar, entretanto, é a importância da cidade para os cristãos. Da mesma forma que o cristianismo foi inserido em Roma, em Corinto não foi diferente, pois Paulo de Tarso fundou uma comunidade quando ficou nesta cidade em atividade missionária por dezoito meses (At 18, 11), de 50 a 52. De acordo com relatos dessa atividade nas cartas de Paulo aos Coríntios, ele se estabeleceu em Corinto, capital da província de Acaia, a fim de conclamar os cristãos que lá viviam para uma maior unidade ao mesmo tempo em que procurou agregar mais pessoas que o auxiliaram a instaurar comunidades tanto na capital de Acaia, Corinto, quanto em outras cidades vizinhas (KOESTER, 2005). De acordo com Altaner e Stuiber (1988), a presença de Paulo de Tarso nessa comunidade foi motivada pelas contendas naquela comunidade (SILVA, 2010). Alguns membros mais jovens da comunidade se haviam rebelado contra a autoridade dos presbíteros, expulsando-os de seus ofícios. Mas, tarde quando a Igreja de Roma teve conhecimento do sucedido, Clemente Romano dirigiu uma Carta a Corinto na tentativa de resolver o problema. Nesse sentido, o fato de enviar cartas para uma comunidade a fim de resolver seus problemas, evidencia que a construção e estabelecimento do cristianismo foram conflituosos, pois tiveram que tratar não apenas de divergências teológicas como também disputas internas pelo controle das comunidades. É provável também que os conflitos aludidos, principalmente nos textos paulinos, estivessem ligados à diversidade dos que frequentavam as comunidades. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 335 Clemente Romano também escreveu uma carta aos Coríntios, provavelmente em 92 d. C, em razão desta comunidade se encontrar em situação ainda se encontrar em dissensões internas. A causa disto parece ter sido motivada pela disputa entre jovens e anciãos sobre o ordenamento religioso e político daquela comunidade. Nessa carta, ele comenta sobre outras epístolas escritas por Paulo de Tarso e ainda mencionou sobre a morte dele e de Pedro, ocorridas, segundo Clemente Romano, por ciúmes e inveja. Essa situação corrobora com o conhecimento que Clemente Romano tinha dos seus antecessores e os compreendia como exemplos a serem seguidos. Quanto ao comportamento dos cristãos em Corinto, na visão de Clemente Romano, este acreditava que havia falhas que causaram as brigas e que poderiam levar a comunidade à queda antes de estar estabelecida. Clemente Romano citou “uma rebelião alheia e estranha aos eleitos de Deus, indecorosa e sacrílega, que algumas pessoas temerárias e audazes, estimularam a um tal grau de falta de senso” (I CLEM., I, 1) presente na comunidade, que considerou pior que as facções de Paulo, Cefas e Apolo, citados por Paulo de Tarso na Carta aos Coríntios. Em face disso, Clemente Romano alegou que estes eram pregadores escolhidos para os cargos, enquanto os de Corínto ainda estavam no início de uma associação religiosa e não poderiam ter condutas controversas (NASCIMENTO; SELVATICI, 2019). A preocupação dele era com a unidade da religião na comunidade coríntia, por isso apela para modelos exemplares contidos no Antigo Testamento e nos exemplos pagãos. A recorrência à unidade levava os representantes da igreja a primar pelo ordenamento dos seus adeptos e dos coordenadores em seus cargos. Na medida em que as lideranças cometiam erros, eram transferidos de local para que não afetassem o prosseguimento das transmissões de mensagens e ritos cristãos. Assim, ao nos defrontarmos com o contexto em que vivia Clemente Romano em Roma e o início da nova religião cristã nas comunidades que foram fundando, a exemplo de Corinto, podemos constatar que foi um período de muitas mudanças para os cristãos que viviam na sociedade romana. As condições de mudanças da sociedade romana e dos cristãos podem ser compreendidas quando o historiador, em particular o da educação, escrutina as fontes daquele momento em busca dos elementos que permitem compreender os modos pelos quais o cristianismo atuou. Além disso, não somente a maneira como agiram para construir a religião que acreditavam, mas, sobretudo, a compreensão de homem que defenderam e reproduziram no magistério dos fiéis e nos textos que redigiram e que é de nosso Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 336 conhecimento. Além do mais, eles contribuem para o entendimento de um momento histórico singular porque revelam as práticas utilizadas pelos cristãos e o empenho deles na formação instrucional do novo homem que se apresentava naquele momento. Por outro lado, aquela era a maneira pela qual a comunicação acontecia, de modo a transmitir informações relevantes que possibilitaram construir o perfil de sociedade e de homem segundo a doutrina cristã. A tradição posterior reconheceu os primeiros escritos cristãos, não como tratados de filosofia, mas como instrumentos doutrinários com o objetivo de construir a fé cristã e esse conjunto de autores e escritos são, hoje, chamados de Padres Apostólicos. 3. OS PADRES APOSTÓLICOS E A MISSÃO CRISTÃ Segundo Quasten (1968) são chamados Padres Apostólicos aquele grupo de escritores cristãos que compreende o período entre os séculos I e II, cujos ensinamentos podem ser considerados como ecos da predicação dos Apóstolos, dos quais muitos desses Padres conheceram pessoalmente. É o que chamamos de igreja primitiva, um conceito inexistente naquele período. O fato mais importante a considerar, entretanto, é o de que os escritos desses Padres têm caráter pastoral, no entendimento de Quasten (1968). Seu conteúdo e estilo estão profundamente imbuídos pelo Novo Testamento, portanto, são contemporâneos a eles e, como tais, são ricos em elementos que possibilitam problematizar e entender a construção do cristianismo no primeiro século. É o caso de Clemente Romano, que viveu no século I d. C. Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica (III, 10, 15) o situou como o terceiro bispo da Igreja Cristã, após Lino e Anacleto. É autor do primeiro documento escrito no mesmo período ou após os Evangelhos e às Cartas de Paulo de Tarso. Eusébio de Cesareia (Hist. Ecl. III, 10, 16) faz menção a ela, mas sem oferecer maiores detalhes de seu conteúdo, apenas atesta sua autenticidade. Conforme Hamman (1995), esses primeiros escritos cristãos pertencem mais a um conjunto literário, pois são cartas de autores com várias finalidades, o que caracterizou um vínculo entre uma comunidade e outra, entre pastor e fiéis. Escreviam desde informações cotidianas à exortações com a finalidade de instruir ou animar as comunidades. Essas primeiras cartas foram redigidas por bispos e por chefes de comunidades de origem principalmente paulina. Esses primeiros escritores, que são estudados pela Patrologia1, são denominados de Padres Apostólicos, que recebeu Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 337 esta designação em função de terem sido dirigentes da igreja e por inspiração nos personagens do Antigo Testamento. Em relação a esse conceito de pai, temos que na significação comum, pai é conhecido como genitor e mantenedor da família, a quem importa a guarda, a direção e os encaminhamentos na vida e na fé. No âmbito romano, o pater famílias era o sacerdote do culto doméstico (DROBNER, 2003). Ao que parece, essa é uma tradição que remonta à ideia da relação entre a figura paterna e o aspecto religioso, como demonstrou Fustel de Coulanges (2004), quando estudou essa tradição e apontou a condição do pai como aquele que representa a descendência. Entretanto, o aspecto mais relevante é o de considerar o fato de o nome padre significar, por assimilação, a um padre/pai em sentido figurado, a um “padre espiritual”. Este é entendido como aquele que educa, ensina e proclama o Evangelho, da mesma maneira que orienta e dirige a comunidade. Mas até o século IV d. C., o título de padre é destinado apenas aos bispos e depois foi aplicado aos presbíteros, sacerdotes e diáconos. Os padres eram considerados os depositários das promessas e garantias que foram pactuadas com Deus, portanto, assumem a condição de mediadores entre os fiéis e as verdades consideradas divinas. Apesar disso, no entendimento de Ropero (2004), havia um conflito de consciência em virtude de uma advertência bíblica que afirmava: “Não chameis padre a nada na terra, porque um é vosso Padre, aquele que está no céu” (Mt 23:9). Em relação a esse tratamento verifica-se que os cristãos teriam que considerar como pai apenas Deus no céu e o próprio pai na terra e mais ninguém. Mas, mesmo com essa advertência bíblica, a tradição assumiu a qualificação de Pai e/ou Padre para os dirigentes da Igreja. Eles são, portanto, aqueles que estão no seio da Igreja e são disseminadores da mensagem cristã. Assumiram para si a missão de ensinar/formar os fiéis que estavam sob sua responsabilidade. Na compreensão de Insuelas (1943), para que esses escritores fossem considerados Padres da Igreja, foram estabelecidos quatro requisitos: o primeiro é o da ortodoxia doutrinal; o segundo, a santidade de vida; o outro a aprovação da Igreja; e, por fim, a antiguidade. Entretanto, não são todos que atendem a esses requisitos, o que não impede que alguns deles, fora dessa perspectiva, sejam considerados eclesiásticos, pela contribuição que prestaram à Igreja, a exemplo de Tertuliano (160 d. C – 220 d. C.), que rompeu com a Igreja Católica e passou a ser montanista2, mas ainda foi e é considerado um dos mais originais escritores eclesiásticos (ALTANER; Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 338 STUIBER, 1988). Outra maneira comum de se referir aos escritores cristãos dos primeiros tempos é de chamá-los de apostólicos. Assim são considerados porque tiveram contato direto com os Apóstolos, embora nem todos sejam considerados discípulos diretos. Desse modo, Padres Apostólicos foram escritores e ou escritos que datam do fim do século I ou da primeira metade do século II, que continuaram o ensino dos Apóstolos de Jesus e da literatura sagrada dos livros do Novo Testamento (INSUELAS, 2004). Como alguns destes padres apostólicos temos Inácio de Antioquia (? – 110 d. C.), Policarpo de Esmirna (? – 156 d. C.), Pápias de Hierápolis (viveu na primeira metade do século II), dentre outros. O conjunto dos textos desse momento, possibilitam, na medida do possível, compreender como foi a vida das primeiras comunidades cristãs, bem como os modos pelos quais aconteceu a propagação do ensino da doutrina que as caracterizam. Igualmente, a maneira como os cristãos, na ausência dos Apóstolos, foram responsáveis por comunicar como se comportaram os cristãos quando não havia mais os testemunhos oculares de Jesus Cristo. Os Padres Apostólicos deixaram uma literatura que demonstra a estima atribuída por eles aos escritos do Novo Testamento. Escritos canônicos ou não eles são tidos como normativos nas comunidades cristãs, por isso, importantes recursos para entender a construção do início do cristianismo (ROPERO, 2004) A contribuição dada por Lamelas (2001) a respeito desses Padres, referese ao fato de que indica o surgimento da expressão Padres Apostólicos, ao esclarecer que essa denominação foi utilizada pela primeira vez, por J. B. Cotelier, que sob o qualificativo de Patres aevi apostolici, reuniu em dois volumes publicados em 1672, vários escritos sem autores e alguns escritores, dos quais não sabemos a biografia e, com o tempo, foram acrescentadas outras coletâneas. Dentre muitos desses escritos, alguns exemplos são bem conhecidos por estudiosos do cristianismo primitivo. Esses textos oferecem informações importantes sobre o surgimento, a doutrina e mesmo as contradições internas do cristianismo, entre os quais temos a Didaqué, Ignácio de Antioquia, a Carta de Barnabé, a Carta de Papias, entres outros: A Didaquê é um manual de regulamentos comunitários. A Carta aos Coríntios de Clemente Romano (IClem) é uma intervenção da igreja de Roma na crise de outra comunidade, apoiando a estruturação hierárquica no princípio da Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 339 sucessão apostólica. As cartas de Ignácio de Antioquia testemunham a solidariedade entre as igrejas e a responsabilidade de um bispo frente a cisma e a heresia. A Carta de Barnabé é um tratado sobre a interpretação cristã do Antigo Testamento dirigido a cristãos atraídos pelo judaísmo. O Pastor de Hermas é um livro apocalíptico com uma mensagem de penitência para a igreja. A Carta de Policarpo e a carta de Papias, são marcos da teologia asiática e com um interessante testemunho sobre os evangelhos (TREVIJANO, 1994, p. 5). Dessa maneira, o mérito desses textos reside no fato deles serem propagadores da nova crença que se expandia, sobretudo no interior do Império Romano. O público-alvo das exortações eram as lideranças das comunidades, a partir das quais as instruções eram- lhes oferecidas. O cristianismo, por sua vez, parece defender uma posição mais ampla pois pretendia atrair a todos, e seus adeptos eram pertencentes tanto à parte desfavorecida da população, que seria a mais necessitada de acolhimento, bem como atuou para converter os setores mais privilegiados da sociedade romana, como já mencionado por Paulo de Tarso em suas cartas. O fato é que fica latente a premência em escrever para todas as pessoas, de maneira a conseguir mais adeptos à nova fé. A possibilidade mais comum em atingir uma generosa parcela da população seria escrever de forma compreensível e adequada aos seus fiéis, por isso, as cartas privilegiam modos exortativos e instrutivos. Muitos desses escritos privilegiaram a língua grega, o Koiné, a vertente mais comum na época, como foi a opção de Clemente Romano, que escreveu em grego, pois era a mais utilizada nas regiões dominadas pelo Império Romano do que o latim, língua oficial romana, como afirmou Daniel-Rops (2014, p. 118): “[...] em todo o império romano, as pessoas só se entenderão se possuírem o conhecimento de uma única língua, o grego”. O Latim, que somente dominará no Ocidente a partir do século III d. C., era a língua utilizada pelos exércitos e pela administração. Alguns autores romanos tentaram defender essa influência grega e manterem a identidade do povo romano, como Catão (234 a. C – 149 a. C), que considerava um perigo para a sociedade romana a marcha vitoriosa da cultura grega e Cícero (106-46 a. C.) que também era a favor do latim, como língua oficial no Império Romano (ROSTOVTZEFF, 1986). A língua grega foi a que prevaleceu nos Evangelhos, com exceção do evangelho de Mateus, que recorreu ao aramaico, provavelmente pelo bom trânsito desta língua entre judeus e árabes, e porque era a língua utilizada por Jesus Cristo. Assim se justifica o uso da língua grega pelos propagadores das chamadas Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 340 promessas de Cristo, uma vez que era a língua helênica, na época, mais falada que o hebraico, o aramaico ou o latim (SPINELLI, 2015), o que facilitou a disseminação e propagação da nova crença. Clemente Romano é conhecido como um desses padres apostólicos pré- nicenos, que escreveram antes do Concílio de Nicéia3 (325 d. C). A mensagem que esses padres nos concedem, especialmente Clemente Romano é o interesse particular na Igreja, pois concentram toda a atenção para a vida interna da Igreja e não tanto no mundo externo. A Igreja cristã era a nova realidade que surgia para o mundo antigo e era tida por incomum, desconhecida. Em face às circunstâncias apresentadas, Clemente Romano destaca a unidade da Igreja e o amor recíproco para com todos, condição que os fieis deveriam praticar. As Cartas geralmente têm um conteúdo doutrinário que reforçam os preceitos basilares da mensagem cristã: “Clemente é um verdadeiro testemunho da fé da Igreja, não é um teólogo, mas sim um intérprete da fé” (CASTELLARO, 2015, p. 213). De Clemente Romano existem outras Cartas que a ele são atribuídas, entre as quais as denominadas: II Carta Clementina e as Pseudoclementinas. A Epístola apelidada de II Carta Clementina não é considerada de Clemente Romano, pois na realidade é tida como a mais antiga homilia conservada até hoje. Datada do segundo século, por volta de 150 d. C., ela foi endereçada para uma comunidade ortodoxa, na qual algumas tradições gnósticas fizeram presentes (TREVIJANO, 1994). A esse respeito, Drobner (2003) oferece descrições dessa II carta informando que ela é um discurso de exortação, pronunciado depois de uma leitura durante a liturgia. Para ele, a carta alinha 20 parágrafos, não claramente articulados, diversos exemplos e argumentos, que exortam a seguir os mandamentos de Cristo: em compensação pela ação redentora de Cristo, com os olhos dirigidos para o futuro, comparando a vida a uma competição, por causa da limitada possibilidade de penitência, por amor aos bons frutos da obediência, etc (DROBNER, 2003, 65). As outras cartas que foram atribuídas a Clemente Romano são as Pseudoclementinas e a Ad Virgines, reunidas em uma única obra e, conforme a tradição, foram redigidas apenas no século III d.C. Elas, de acordo com Altaner; Stuiber (1988, p.57), “são narrativas romanescas sobre os apóstolos, onde Clemente relata acontecimentos por ele presenciados como companheiro de São Pedro, pertencem, portanto, às narrativas apócrifas a respeito dos apóstolos”. Sobre esses Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 341 documentos, podemos ter uma pequena amostra do seu conteúdo por meio de outro autor, que as descreveu como uma série de homilias, de conteúdo judeu-cristã e antipaulino. Também se atribuíram a Clemente umas Cartas ad Virgenes e a chamada literatura pseudoclementina: uma série de homilias, correspondência fictícia e novela de aventuras (Recognitiones). Obra completa e que tem sido muito estudada. Dado seu pronunciado judeu-cristianismo e antipaulino, tem servido de base tanto para conhecer uma corrente judeocristiana marginal e tardia bem como de reconstruções audazes sobre o papel do movimento ebionita4 na origem do cristianismo (TREVIJANO, 1994, p.15). Apesar dessas informações sugerirem outros escritos, o mais provável e aceito pela historiografia contemporânea, é reconhecer apenas a I Carta de Clemente Romano aos Coríntios como autêntica (DANIEL-ROPS, 2014). Nela, seu autor demonstra a preocupação formativa com o homem cristão para atender às necessidades de seu tempo. Reprovava atitudes que considerava indevidas e salienta o padrão comportamental aceitável ao cristão. Em seu magistério pastoral, como prosseguidor e fomentador do legado dos apóstolos, Clemente Romano procurou dar orientações doutrinais e comportamentais à igreja primitiva e as virtudes elencadas e defendidas como prioridade para os novos cristãos. 4. CLEMENTE ROMANO E SUAS ORIGENS São precárias as informações biográficas de Clemente Romano. Eusébio de Cesareia (2005), historiador, se limita a afirmar que ele possivelmente tenha sido colaborador de Paulo de Tarso, na carta aos Filipenses (Fl, 4,3), porque neste versículo menciona um tal Clemente como seu companheiro. Também fixa o início do pontificado entre o reinado de Domiciano (51 d.C.- 96 d. C.) e o de Trajano (98 d.C.117 d.C.), isto é, entre 92 d.C. a 101 d.C. Irineu de Lião (Adv. Haer. III, 3,3), no texto Adversus Haerese (Contra Heresias), informa que ele viu os próprios apóstolos e manteve relação com eles. Afirma, ainda, que “ele guardava viva em seus ouvidos a pregação deles e diante dos olhos a tradição”. Também afirma que seu pontificado foi marcado por conflitos na igreja de Corinto, havendo ali divergências graves entre os irmãos daquela comunidade. Irineu de Lião (Adv. Haer. III, 3,3) reforça o fato de que foi enviada uma carta – provavelmente a de Clemente – para reafirmar a unidade da igreja e a fé num único Deus, assim como estimular a conhecer a tradição apostólica da igreja porque alguns pregavam outro Deus superior. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 342 De fato, tais informações sugerem que a construção da igreja não ocorreu de maneira pacífica, mas que enfrentou adversidades, seja por motivos doutrinais seja porque estavam inseridos numa sociedade que não era cristã, a romana. A esse respeito, Werner Jaeger (2014) alerta para o fato de que um grupo – sem especificar qual – em Corinto havia recusado a reconhecer a autoridade de seu bispo e a igreja estava em desacordo. Em face dessa situação, Clemente Romano, Bispo de Roma, dirige-se aos coríntios como representante da igreja que desfrutava da maior autoridade. Essa condição, demonstra o prestígio de que gozava e a autoridade que dispunha de modo que Jaeger (2014) afirmou que ele tinha a seu favor a arte da retórica de modo a provar, por meio de muitos exemplos, os efeitos trágicos da disputa de facções e da desobediência. Mas quem era esse homem? As circunstâncias de seu nascimento e origens familiares são obscuras. Nem Eusébio de Cesareia e nem Irineu de Lião mencionam alguma coisa sobre esse assunto. São Jerônimo (15, 2018), no seu De viris Illustribus (Os varões Eclesiásticos Ilustres) se limita a informar sobre os escritos dele e menciona a morte, por martírio5, no terceiro ano de Trajano (ano 100 d. C.). O que se sabe foi que viveu em Roma, com um nome latino e tendo o grego como língua materna. Ele poderia ser um liberto de um cidadão romano, uma vez que os libertos poderiam ter o prefixo ou praenomen ou cognomen de seus antigos senhores, não havendo lei que os impedissem (JEFFERS,1995). Ou Clemente teria sido um dos escritores mais venerados da antiguidade cristã? Modernamente se tentou identificá-lo com um primo do imperador Domiciano, mas essa informação é pouco provável (RUIZ BUENO, 2002). Em relação a essa identificação de Clemente Romano com a pessoa do Imperador Domiciano (51 d. C – 96 d. C.), o fato é que na época esse imperador comandava o Império Romano. A dinastia de Domiciano que era a dos flavianos, se iniciou com Vespasiano (9 d. C. - 79 d. C), que foi sucedido por seu filho Tito (39 a. C – 81 d. C.). Domiciano era o segundo filho de Vespasiano que assumiu o governo do Império Romano, no final do século I d. C. Flávio Clemente, cônsul e primo de Domiciano, e sua esposa Flávia Domitila, eram membros da gens flavia6 e se converteram à nova crença, a religião cristã, juntamente com seus dois filhos. Estes meninos eram herdeiros do imperador Domiciano, cujo mandato foi de 81 d. C a 96 d.C. Em razão desta conversão, essa família foi condenada à morte por Domiciano (ROPS, 2014). Assim, não se sabe ao certo se Clemente Romano pertencia aos flavianos ou Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 343 foi um liberto dessa família imperial, em virtude de ter o mesmo nome deste primo do Imperador Domiciano. A esse respeito, Lightfoot (1869) partiu do princípio de que Clemente Romano seria um membro da família imperial e sugeriu que o autor da I Carta de Clemente Romano aos Coríntios foi um antigo escravo de Flávio Clemente, tendo como base a semelhança de nomes. Entretanto, faltam evidências seguras dessa hipótese, pois a mera coincidência de nomes não é prova consistente entre Clemente Romano e outro romano qualquer. O que se pode alegar é que Domitila, esposa de Flávio Clemente,foi simpatizante cristã, já que há evidências da arqueologia de que a igreja doméstica de Clemente Romano, situada em Roma, está localizada numa propriedade que pertenceu aos Flavianos (JEFFERS, 1995, p. 53). Roque Frangiotti (1995) oferece alguns elementos importantes que contribuem para definir suas origens, o modo como agiu e as influências que recebeu. Para ele, Clemente Romano invoca os exemplos do AT e os vai desfilando em passagens mais importantes, próprias para reconduzir os coríntios à paz, à concórdia, à humildade e à obediência. De fato, Clemente Romano pareceu depender estreitamente do judaísmo helenístico. Destacaram-se, ainda, em sua Carta, empréstimos e citações de Eurípedes e de Sófocles (poetas trágicos gregos). Por outro lado, a ausência de toda alusão aos problemas judaicos e nenhuma discussão sobre o legalismo judaico (sábado, circuncisão), são os principais argumentos contra sua origem judaica. Em contrapartida, há quem defenda com mais veemência o fato dele ter origem judaica. É o caso de Withrow (2005) que afirma encontrar em sua carta características de um judeu helenizado. Ele ressalta que o bispo Lightfoot (1869) elencou muitos paralelos sugestivos entre a oração do final da Carta e a oração judaica denominada Shemoneth 'Esreh’, as "dezoito bênçãos". O fato de apresentar semelhanças desta oração judaica em sua carta pode induzir a pensarmos que Clemente Romano tenha crescido nos ensinamentos do judaísmo. A interpretação de Cowper (1867) destaca alguns aspectos singulares a respeito do testemunho de Clemente Romano. Para ele, o pensador cristão sempre menciona as Escrituras no sentido de apelar para ela como condição decisiva em todas as questões discutidas. Os Textos Sagrados são considerados como autoridade final na qual não há mais outra apelação. Além disso, Cowper (1867) destaca o fato de que os Evangelhos e epístolas são apelados com reverência e submissão por um homem que mantinha relações de amizade com seus escritores; e as Igrejas de Roma e Corinto reconhecem e se submetem a essa reivindicação em seu nome. Ao Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 344 ressaltarmos a importância da Escritura para Clemente Romano, consubstancia-se uma influência recebida durante a sua formação moral e instrucional, pois, provavelmente, aprendeu todas as histórias e ensinamentos do Antigo Testamento, como se verifica em toda a carta. Clemente Romano conhecia as histórias bíblicas, bem como normas e preceitos que emanam como princípios inspirados por Deus. A Escritura é a autoridade final para os judeus e assim ele também a considerava. Os estudos realizados por Jaeger (2014) procuraram destacar outro aspecto do pensamento de Clemente Romano. Segundo ele, esse bispo da igreja sempre fazia derivar suas normas de comportamento humano e social das normas divinas do universo, que eram chamadas de natureza. Além do mais, recorreu à tradição da paideia clássica para justificar uma concepção orgânica de sociedade, que ele assume do pensamento político grego que, em seus escritos, assumiu um significado quase místico quando ele a interpreta, à maneira cristã, como a unidade no corpo de Cristo. Na interpretação de Jaeger (2014) ele recorreu, igualmente, às tragédias gregas, entre as quais a de Eurípides ou Sófocles. Se no Ajax (158), de Sófocles, Clemente Romano reconheceu o princípio de que os grandes não podem existir sem os pequenos, e os pequenos sem os grandes, no autor de Aiolos (21) buscou o pressuposto de que isso acontece porque há uma mistura própria de todas as coisas, o que, na compreensão de Jaeger, torna o seu uso possível. Suas descobertas são importantes para nossa tentativa de determinar a presença de uma tradição viva da paideia grega na comunidade cristã de fala grega em Roma. Era de fala grega porque foi formada por judeus helenizados desde o começo até o fim do século I, e talvez por mais tempo que isso. Assim, podiam oferecer aos coríntios sua crítica cristã na linguagem de sua educação clássica. Isso não era somente uma questão de estilo, mas levava implícita a generalidade teórica do método intelectual aplicável a qualquer problema, que é a marca distintiva da paideia grega (JAEGER, 2014, p. 30). O propósito de Clemente Romano parece ser o de considerar o antigo conceito (grego) com um novo espírito propriamente cristão, com a finalidade de organizar a nova crença como formação e instrução dos novos adeptos. Clemente Romano cresceu nesse ambiente e se apropriou de sua cultura para ser convincente em seus ensinamentos. Nesse caso, a língua grega e a forma filosófica de pensar eram recorrentes em sociedade helenizadas onde o cristianismo se estabeleceu e, portanto, não poderiam justificar suas crenças de outra forma, que não a de se comunicar na mesma linguagem. Em sua preocupação com a formação do homem cristão, conforme expressa em sua I Carta aos Coríntios, fez dela o primeiro a comentar sobre Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 345 uma paideia cristã, segundo já destacado por Pereira Melo (2012), em seu artigo sobre Clemente Romano, a partir do qual ressalta a flagrante inspiração do conceito de paideia: Em termos de concepção educacional, também fica clara a identificação de São Clemente Romano com a cultura clássica, especialmente quando ele menciona a necessidade da efetivação de uma paideia cristã – Christó paideia. Neste caso, é flagrante a inspiração do conceito grego de Paideia. Desse modo, o conceito apareceu pela primeira vez, entre os cristãos, nessa carta de São Clemente Romano (Pereira Melo, 2001). Ao afirmar a necessidade de que “[...] participem nossos filhos de educação em Cristo” (Carta a los coríntios, XXI,8), ele pôs em tela a “Cristó paideia” (PEREIRA MELO, 2012, p.193). Como em qualquer estudo historiográfico, considera-se que foi instruído nos ensinamentos judaicos, bem como era conhecedor da formação dada aos pagãos, ou seja, a filosofia greco-romana. Em relação a este conhecimento filosófico precisamos entender que a filosofia greco-romana foi utilizada pelos propagadores da nova crença segundo seus propósitos. Se apropriaram dela para alicerçar o discurso direcionado aos gregos a fim de que fosse palpável a relação de instrução educacional inspirada na paideia clássica, para aprimorar e convencer adeptos à paideia cristã, conforme seus propósitos. Servia, igualmente, para corroborar a fé cristã, oferecendo a ela um sentido novo, de caráter religioso: O cristianismo é uma religião, empregando por vezes termos filosóficos para exprimir sua fé, os escritores sacros cediam a uma necessidade humana, mas substituíam o sentido filosófico antigo desses termos por um sentido religioso novo. É esse sentido que lhes devemos atribuir, quando os encontramos nos livros cristãos (GILSON, 2013, XV introdução). Gilson (2013) reforça que é esse o sentido que devemos atribuir à presença da filosofia nos escritos e autores cristãos: devemos ser cautelosos porque, de um lado, há autores que negam a filosofia pagã e, de outro, aqueles que se alimentam dela para outros fins. Esse mesmo cuidado deve ser dispensado ao se estudar os textos de Clemente Romano, visto a postura que assumiu em relação à cultura clássica. Usoua, apenas, para justificar uma paideia cristã, sem, entretanto, se posicionar na condição de defensor de filosofias incompatíveis com a doutrina cristã. Clemente Romano se apropriou da filosofia clássica a seu favor para edificar a unidade religiosa entre os adeptos da nova crença, pois era o conhecimento no qual foi instruído. Desta forma, muitas são as discussões despertadas pela leitura de Clemente Romano e suas origens instrucionais, mas, o que se deve ressaltar é esta Carta que Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 346 deixou e os ensinamentos que emanam dela. A partir daí, buscamos a compreensão das instruções religiosas e/ou morais que foram inspiração para muitos cristãos na história da Igreja e comunidades, entre as quais Antioquia, Cesareia, Samaria, Filadelfia (Rabá), Trôade, Filipos, Corinto, Éfeso, Esmirna, Sardes, (KOESTER, 2005). Dessas, cumpre destacar a de Corinto, pois foi para ela que ele destinou sua Carta a fim de que passasse recomendações, em face dos problemas internos. Por fim, para além de investigar suas origens, apesar das limitações ocasionadas pela carência de fontes primárias, cumpre destacar o modo como ele permaneceu na tradição cristã e na história. 5. CLEMENTE ROMANO VISTO PELA TRADIÇÃO CRISTÃ E HISTÓRICA Em relação à tradição cristã, temos como referência a trajetória do cristianismo e os escritores cristãos que foram responsáveis pela sua propagação. Esses escritores foram reunindo uma literatura que perpetuava as prerrogativas destinadas à formação de seus adeptos e divulgava a mensagem de Jesus Cristo. Fazendo parte desta literatura pós- apostólica contamos com Clemente Romano. E de acordo com essa tradição eclesial, Clemente Romano foi o terceiro bispo de Roma, uma vez que há informações de que os primeiros bispos exerceram seus cargos na seguinte ordem: Linus, Anacletus e Clemente Romano. Mas a respeito dessa ordem temos muitas discussões que elencam essas disposições de outra forma, conforme ratificações e pesquisas realizadas. Existem documentos da Igreja que informam a disposição papal na qual Clemente Romano é citado, como podemos extrair da contribuição de Pereira Melo (2012), que destaca alguns documentos que elencam a ordem papal: [...] as Constituições Apostólicas (VII, 46), de 375-380, de autoria anônima; o Catálogo Liberiano7, de 345; e as cartas de Santo Agostinho (Epístola 53,2); segundo as quais, a linha sucessória estaria disposta da seguinte forma: Pedro, Lino e Clemente (PEREIRA MELO, 2012, p.186). Clemente Romano está nessa lista como um dos primeiros bispos. Assim, partindo dessas informações, a Igreja de Roma elabora a ordem dos papas desde o século I d.C., e a mantém como prova da importância histórica dessa crença. Desde Pedro (5 d. C.– 67 d. C.) se formou uma lista que contém, hoje, 263 papas (DUFFY, 1998). Esse histórico e a ação da igreja garantem a legitimidade dessa cronologia Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 347 papal, uma vez que ela é confirmada por vários estudiosos e documentos. De acordo com Lamelas (2001), historicamente, um dos primeiros autores a escrever sobre Clemente Romano foi Hegesipo (110 d. C – 180 d. C.) que era do Oriente, conhecedor do siríaco e provavelmente de descendência judaica. Hegesipo foi para Roma, passando por Corinto durante o pontificado do bispo Aniceto (154-166 d. C.), com o objetivo de estudar nas comunidades cristãs sobre a tradição da doutrina apostólica. Escreveu várias obras que se perderam, mas sabemos delas pelo historiador Eusébio de Cesareia (270 a. C. – 339 d; C.) (ALTANER; STUIBER, 1988). Hegesipo escreveu sobre Clemente Romano e Eusébio de Cesareia (2005) reproduziu o seu conteúdo e reforçou esse contato: E a igreja dos coríntios permaneceu na reta doutrina até que Primo foi bispo de Corinto. Quando navegava para Roma, convivi com os coríntios e com eles passei muitos dias, durante os quais me reconfortei com sua reta doutrina (História Eclesiástica, Livro IV, XXII, 2). Outra fonte considerável sobre o terceiro bispo da igreja, é Irineu de Lyon (130 d.C. - 202 d.C), respeitável historiador da Igreja. Ele considerava Clemente Romano como o terceiro sucessor de Pedro, depois de Lino (67-76) e Anacleto (76-91) (IRINEU DE LYON, III, 3,3). Irineu, o bispo de Lião, conhecido principalmente pela sua refutação do gnosticismo, descreveu no seu livro Contra as Heresias, (III, 3,3) não apenas o lugar de Clemente na sucessão como também o fato dele enviar correspondências à Corinto, com a finalidade de pacificar os conflitos ali existentes. [...] os apóstolos, então, tendo fundado e construído a Igreja, passaram o comando do episcopado a Lino [...] Seu sucessor foi Anacleto, e, após este, no terceiro lugar desde os apóstolos, Clemente foi sagrado bispo. Esse, por ter visto os abençoados apóstolos, assim como suas tradições. [...] No tempo de Clemente, havendo uma dissensão na comunidade de Corinto, a Igreja de Roma despachou uma carta poderosa aos irmãos daquela igreja, exortandoos a paz, a renovação da fé deles e declarando a tradição que essa comunidade recebera recentemente dos apóstolos [...] Clemente foi substituído por Evaristo, [...] a tradição eclesiástica dos apóstolos e a disseminação da Verdade têm chegado a nós. E isso nos serve como prova abundante de que existe uma e vivificante fé, que tem sido preservada pela Igreja desde os apóstolos até hoje (Adversus haereses, III,3). A respeito da relação de Clemente Romano com os apóstolos Paulo de Tarso e Pedro (5 d. C. -67 d. C.), um dos primeiros relatos desse assunto foi feito por Orígenes (185 d.C. - 253 d.C.), escritor de obras importantes como a “Exortação ao Martírio” e “Sobre a oração”. Orígenes relaciona Clemente Romano como colaborador dos apóstolos, ressaltando que na fundação da comunidade de Filipos, Paulo de Tarso Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 348 escreve uma carta que diz: “Junto com Clemente e meus outros colaboradores, cujos nomes estão no livro da vida” (Fl 4,3)” (RUIZ BUENO, 2002, p. 101). Também Eusébio de Cesareia e São Jerônimo, que seguem as palavras de Orígenes, citam a mesma passagem bíblica: Filipenses, capítulo 4 e versículo 3, para corroborar a presença de Clemente Romano junto aos apóstolos, na propagação da nova crença nas comunidades que foram fundadas no início da pregação cristã (RUIZ BUENO, 2002). Sendo-nos impossível enumerar pelo nome todos os que na primeira geração de apóstolos foram pastores e inclusive evangelistas nas igrejas de todo o mundo, é natural que mencionemos por seus nomes e por escrito apenas aqueles dos quais se conserva a tradição até hoje graças a suas memórias da doutrina apostólica. [...] 1. Não cabe dúvida, portanto, de que tais são Inácio, em suas cartas cuja lista fornecemos, e Clemente na carta por todos admitida, que escreveu em nome da Igreja de Roma à de Corinto (História Eclesiástica, Livro III, 37, 4; 38, I, 1). Como complemento dessas informações, o nome de Clemente Romano era conhecido como um símbolo e sinônimo de pontífice ou bispo romano e Hermas em o Pastor de Hermas, que escreve em Roma sob o pontificado de seu irmão Pio (141155d. C.), conta-nos a mensagem que lhe foi dada pela Igreja, em uma de suas obras “As Visões”, em que ele descreve cinco visões (O Pastor de Hermas, “El Visiones”). Na segunda visão lhe aparece a figura de uma venerável anciã (um anjo lhe fala em sonho que é a Igreja) que lhe diz: “Copiarás então dois livrinhos ou cadernos, e você vai mandarum a Clemente e outro para Grapta. Clemente vai mandálo para as cidades de fora, já que ele é o responsável por esta posição ...” (TREVIJANO, 1994, p. 41). Hermas afirma que Clemente Romano tinha liderança como bispo na sucessão eclesiástica. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos referenciais acima mencionados, se pode compreender a importância de Clemente Romano como bispo de Roma para a história cristã. Ela não pode ser mensurada, visto a relevância de seus ensinamentos, disseminados nas comunidades cristãs por vários séculos. Dessa forma, é importante considerar que suas orientações são o produto de um momento histórico, específico do cristianismo primitivo. Elas refletem a formação, a preocupação e as apreensões do autor e sua época. A reflexão sobre a redação de Clemente Romano nos instiga a estudar o Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 349 modus operandi de uma crença em que seus adeptos subsistiram à opressão intentada pelos romanos, se movendo de forma ordenada, instruindo seus convertidos e seguidores. Tendo em vista que a maioria de seus adeptos não tinham acesso a uma instrução sistematizada, as cartas eram uma forma de educá-los para uma vivência em uma sociedade que não acolhia a todos. Em face disso, é necessário pôr em discussão o conteúdo de seus escritos para, a partir deles, compreender as dificuldades que teve em moldar os comportamentos, formando os fieis segundo a crença que acreditava e defendia. Compreendendo o seu momento social, e as necessidades educacionais para uma formação cristã, Clemente Romano fez de sua Carta aos Corintos um manual de boas práticas na propagação da fé cristã. Cumpre afirmar que Clemente Romano procurou agir com a finalidade de afastar as crises por que passava a comunidade destinatária da carta que redigiu. Movidas pelas disputas internas, a situação de Corinto motivou o bispo a intervir chamando a atenção para os valores cristãos que, segundo acreditava, poderia resolver uma situação que não era compatível com os princípios que defendia e da religião que procurou expandir, segundo a doutrina de seu fundador e dos representantes apostólicos. Em seu clamor para a manutenção da unidade e da paz, ele chamou a atenção para o respeito às autoridades religiosas constituídas, além de sugerir um conjunto de valores que comporiam a formação dos cristãos no primeiro século e até hoje. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 350 REFERÊNCIAS ALTANER, Berthold. Patrologia: vida, obras e doutrina dos Padres da Igreja/ Alfred Stuiber; tradução Monjas Beneditinas – 2ª edição – São Paulo: Paulinas, 1988. BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. CARTA de são Clemente Romano aos Coríntios. Introdução de Roque Frangiotti In: . Coleção Patrística. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995. v. 1. Página 23-72. CASTELLARO, María Inés. Clemente Romano, sembrador de fraternidad en la Carta a los Corintios. VERITAS, Nº 34 (Marzo 2016) 211-228. Recibido: 30/Septiembre/2015 - Aceptado: 10/Noviembre/2015. 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118405-118405 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 353 CAPÍTULO 19 COMPROMETIMENTO, LIDERANÇA E VALORES COMO FATORES DE INFLUÊNCIA NA QUALIDADE DE VIDA EM UMA EMPRESA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO Marcos Vinícius de Souza Toledo Mestrado em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento Instituição de Atuação Atual: Universidade FUMEC Endereço: Rua Cobre, nº 200, Bairro: Cruzeiro – Belo Horizonte – CEP: 30310-190 E-mail: mv.toledo@yahoo.com.br Bruno de Souza Toledo Doutorado em Sistemas de Informação e Gestão do Conhecimento Instituição de Atuação Atual: Universidade FUMEC Endereço: Rua Cobre, nº 200, Bairro: Cruzeiro – Belo Horizonte – CEP: 30310-190 E-mail: bruno.toledo@ifmg.edu.br Karina Dutra de Carvalho Lemos Mestrado em Modelagem Matemática e Estatística Instituição de Atuação Atual: Universidade FUMEC Endereço: Rua Cobre, nº 200, Bairro: Cruzeiro – Belo Horizonte – CEP: 30310-190 E-mail: karina.dutra@ifmg.edu.br Mário Teixeira Reis Neto Doutorado em Administração Instituição de Atuação Atual: Universidade FUMEC Endereço: Rua Cobre, nº 200, Bairro: Cruzeiro – Belo Horizonte – CEP: 30310-190 E-mail: reisnetomario@fumec.br RESUMO: O mundo corporativo tem a consciência da importância da qualidade de vida no trabalho e de criar condições favoráveis para o bem-estar e motivação dos seus funcionários, para isto ele vem utilizando dos comportamentos organizacionais para conseguir alcançar tais finalidades, como: comprometimento, liderança e valores. Este artigo tem por objetivo discutir as proposições teóricas na prática em um ambiente organizacional, à luz da literatura sobre tipos de comportamentos organizacionais e qualidade de vida nas empresas de tecnologia da informação. Para tal, foi utilizada como metodologia a revisão de literatura com as seguintes temáticas: comprometimento, liderança, valores e qualidade de vida nas empresas de TI. E como esses tipos de comportamentos organizacionais influenciam na qualidade de vida dos indivíduos em um ambiente corporativo. Finalmente, são apresentadas cinco práticas que podem melhorar a qualidade de vida no trabalho nas organizações, a saber: 1) as empresas oferecem um bom ambiente organizacional aos seus funcionários; 2) a motivação dos funcionários deve partir da sua chefia imediata; 3) cabe ao líder buscar a criação de ambiente propício na empresa; 4) considera-se um bom líder alguém que motiva e coordena à equipe aplicando de maneira eficaz, sua habilidade individual e grupal e 5) a empresa espera desde o nível operacional até a alta gerência, atitudes e comportamentos das pessoas que trabalham nela. Pode-se chegar a seguinte conclusão, as práticasse bem aplicadas, podem auxiliar as empresas a melhorarem a qualidade de vida no ambiente organizacional. 354 PALAVRAS-CHAVE: Qualidade de vida no trabalho; Comportamentos organizacionais; Ambiente organizacional; Motivação dos funcionários. ABSTRACT: The corporate world is aware of the importance of the quality of life at work and of creating favorable conditions for the well-being and motivation of its employees, for which it has been using organizational behaviors to achieve such purposes as: commitment, leadership and values. This paper aims to discuss theoretical propositions in practice in an organizational environment, in light of the literature on types of organizational behavior and quality of life in information technology companies. For this, the literature review was used as methodology, with the following themes: commitment, leadership, values and quality of life in IT companies. And how these types of organizational behaviors influence the quality of life of individuals in a corporate environment. Finally, five practices that can improve the quality of work life in organizations are presented, namely: 1) companies offer a good organizational environment to their employees; 2) the motivation of the employees must start from their immediate leadership; 3) it is up to the leader to seek the creation of a favorable environment in the company; 4) a good leader is someone who motivates and coordinates the team by effectively applying their individual and group skills and 5) the company expects from the operational level to the top management, attitudes and behaviors of the people who work on it. The following conclusion can be drawn: practices, if well applied, can help companies to improve the quality of life in the organizational environment. KEYWORDS: Quality of life at work; Organizational Behaviors; Organizational environment; Motivation of employees. 355 1. INTRODUÇÃO Com a evolução das tecnologias e a globalização das informações têm trazidos impactos no quadro social e econômico da população, a rapidez dos avanços tecnológicos e a maciça competição fora e dentro das empresas, fez com que o trabalho tomasse maior parte do tempo e da vida dos seres humanos, neste contexto, o tema Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) tem ganhado espaço nas discussões em ambientes organizacionais (Bastos, 2015). A Qualidade de Vida no Trabalho tem sido uma preocupação constante dos indivíduos que trabalham nas empresas de TI (Tecnologia da Informação), pois diversos fatores podem influenciar a qualidade de vida no mundo moderno, constituindo seu ambiente social, físico e psíquico, e podem ser identificados, como: a família, o lazer, a educação, o próprio indivíduo e, por último, o trabalho (Siqueira, 2015). O Comportamento Organizacional influencia todo o clima da corporação e é fundamental entender a sua dinâmica dentro de uma organização. O trabalho dos líderes tem a possibilidade de prever e evitar problemas individuais ou coletivos entre os funcionários, bem como estruturar métodos de liderança e estratégias de gestão efetiva por meio do comprometimento e valores dos indivíduos perante a empresa, pois estas estratégias trazem o alcance de metas e resultados desejados. O comportamento organizacional aliado à qualidade de vida nas empresas traz resultados competitivos e lucros para as organizações. Para isto, é necessário fazer o estudo e a avaliação do comportamento dentro das organizações, a fim de trazer maior entendimento sobre as lacunas empresariais, no sentindo comportamental e cultural, para o desenvolvimento contínuo e acertado de soluções com o objetivo de atrair e reter talentos, promover engajamento, produtividade e harmonia entre os gerentes, os funcionários e os clientes. Com o intuito de este contexto ser realizado dentro da empresa, a qualidade de vida no trabalho é essencial em ambientes corporativos, pois ela corresponde o grau de satisfação das necessidades pessoais que o funcionário consegue enquanto exerce sua função. Nesse contexto, justifica-se este estudo teóricona medida em quea maior parte das pessoas fica muito tempo no ambiente de trabalho e o gestor deve levar em consideração o impacto que as horas excessivas exercem não apenas na saúde 356 física, mas também na saúde mental dos funcionários. Esse impacto tem relação direta com os resultados das empresas de Tecnologia da Informação, ou seja, a qualidade de vida no trabalho está diretamente relacionada ao comportamento organizacional de uma empresa. O comportamento nestas empresas é de fundamental importância no desenvolvimento do comportamento humano dentro de um ambiente empresarial, que busca tratar a equipe, os indivíduos e toda a estrutura da organização, sob a óticado comportamento dentro das empresas, para que haja atitudes e motivações, assim os programas de qualidade de vida dentro das organizações têm o objetivo de reter talentos, aumentar a produtividade e o desempenho da empresa perante o mercado. O presente artigo objetiva discutir as proposições teóricas na prática em uma empresa de TI, à luz da literatura sobre tipos de comportamento organizacional e qualidade de vida nas organizações. Como estratégia metodológica, utilizou-se no estudo a revisão da literaturacom as seguintes temáticas: comprometimento, liderança, valores e qualidade de vida nas organizações. E como estes tipos de comportamentos organizacionais influenciam na qualidade de vida dos indivíduos em um ambiente corporativo. 2. COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL O comprometimento organizacional pode ser considerado fator importante para indivíduos e organizações, influenciando as vivências no trabalho e a produtividade. O termo comprometimento é usado quando alguma pessoa se refere a relações que se estabelecem com outras pessoas, entre uma pessoa e um grupo ou uma pessoa e uma organização (Bastos & Maia, 2011). Já para Menezes (2019) conceitua o comprometimento organizacional como um tipo de vínculo social estabelecido entre o trabalhador e a organização, composto de um componente afetivo e de identificação que predispõe um conjunto de intenções comportamentais de proatividade, participação e defesa da organização. Uma das principais preocupações das organizações é de conseguir selecionar e manter os funcionários envolvidos na busca de soluções para os problemas relacionados no cotidiano da empresa, neste contexto, o comprometimento torna-se um fator primordial para o engajamento e o envolvimento do funcionário em uma organização. 357 Porém, se não for dada a devida atenção às necessidades destes profissionais e as suas condições de trabalho, isto pode contribuir para um baixo comprometimento organizacional, trazendo prejuízos para o trabalhador e para o alcance dos objetivos organizacionais (Kilimnik et al., 2013). O comprometimento tem haver com a identificação da relação do funcionário com os objetivos e os valores da organização e associada a um nível de satisfação de fazer parte da mesma, e estar disposto a realizar-se tudo pela empresa. Neste contexto, projeta-se um sentimento de lealdade relacionado com a visão, missão e valores organizacionais e participação quase irrestrita nos processos decisórios de uma empresa. À medida que os estudos sobre comprometimento nas empresas foram ganhando espaços, algumas contribuições relevantes foram evidenciadas, como por exemplo, que um indivíduo comprometido com uma organização cria um vínculo que o leva a fazer sacrifícios em prol da mesma (Silva et al., 2018) e que, quando comprometidos, eles tendem há permanecer mais tempo na organização (Rocha & Honório, 2015). Manter o funcionário comprometido é um dos fatores responsáveis por atribuir qualidade e eficiência dentro de uma empresa, diminuindo custos com desperdícios de materiais de bens de consumo e reduzindo a rotatividade de pessoal nos postos de trabalho e diminuindo as ausências rotineiras em seu departamento. A maior parte das definições sobre comprometimento organizacional tem em comum o estado psicológico do indivíduo na sua relação com a empresa, o que pode diminuir suas chances de abandoná-la. O comprometimento pode ser entendido como a identificação pessoal e o envolvimento emocional com uma organização. Essa identificação baseia-se fortemente em três fatores: a crença e a aceitação dos valores de uma determinada organização; o funcionário manter vínculo com a empresa e o esforço do funcionário de manter eficiente dentro da organização. Nesse sentindo, o modelo de Meyer e Allen (1991) reúne as principais correntes para definir o termo comprometimento: a) Afetiva: envolve o apego e a identificação do funcionário com os valores da organização; b) Instrumental ou calculativa: envolve a ligação do funcionário com a organização em respostas às suas necessidades e expectativas no trabalho; 358 c) Normativa: envolve o funcionário em permanecer na organização relacionado a padrões morais. Os pontos em comum destas três dimensões citadas no modelo anteriormente são a visão do comprometimento como um estado psicológico que caracteriza o relacionamento do funcionário com a empresa e as implicações de continuar ou não como um membro da organização (Rocha & Paiva, 2016). Diante deste cenário, o comprometimento significa mais que respeitar os princípios e as regras dentro da organização, envolve um relacionamento afetivo com a organização, em que cada funcionário contribui com seus conhecimentos com a empresa, para que a mesma possa crescer e expandir seus negócios e consequentemente aumentar o seu faturamento. O comprometimento organizacional afetivo é um preditor importante para o desempenho do empregado e para a diminuição na intenção de rotatividade (Silva, Capellozza, & Costa, 2014). De acordo com as principais análises das correntes teóricas sobre os conceitos de comprometimento foram detectadas três abordagens: apego afetivo à organização, percepção de custos associados ao abandono da organização e obrigação de permanecer na organização. O comprometimento organizacional pode ser percebido na forma como o trabalhador se relaciona com a empresa, se adere às práticas organizacionais e se está empenhando em participar e trabalhar para o alcance das metas e objetivos das empresas. O funcionário motivado irá se engajar em participar do crescimento e na melhora do desempenho da empresa. Algumas práticas da organização e dos recursos humanos podem auxiliar no comprometimento dos funcionários, como: recompensas baseadas em desempenho, incentivo ao desenvolvimento pessoal e compartilhamento das informações da empresa. O comprometimento das pessoas pode ter relação com o tempo, uma vez que elas levam suas vivências e emoções para o ambiente a qual estão inseridas. No ambiente de trabalho, por exemplo, podem interferir em resultados, relacionamentos, valores, lideranças e grupos de trabalhos. Sendo assim, alguns destes fatores serão abordados adiante e suas relações com as organizações. 359 3. LIDERANÇA E SEUS EFEITOS NA ORGANIZAÇÃO A liderança é uma atividade, que envolve mobilizar pessoas, e que pode ser vista como um trabalho adaptativo, com mudanças em valores, crenças e comportamentos (Heifetz, 1994). O líder é aquele que usa do seu poder de influência junto aos seus seguidores, sendo capaz de estimular os seus liderados a depositarem um esforço extra para atingir o objetivo proposto pela empresa que é estimular os funcionários a trabalharem em equipe. O trabalho em equipe é essencial para obtenção de bons resultados em qualquer organização, pois o trabalho em equipe harmonioso resulta em maior rapidez e eficiência no ambiente corporativo, e para que um grupo de pessoas se organize de maneira consistente visando à solução de um problema, é essencial a figura de um líder dentro de uma empresa. Alguns líderes são capazes de despertar, em seu grupo, sentimentos construtivos, de força, de comprometimento; enquanto outros podem fazer enaltecer os mais agressivos gestos de terror e destruição. Entretanto, para ser líder, embora seja necessária uma flexibilização diante das diferentes situações e pessoas com as quais vai se relacionar, só exercerá liderança se seus seguidores estiverem em consonância com as ideias do líder. Northouse (2013) define liderança como: “um processo em que um indivíduo influencia um grupo de indivíduos para alcançar um objetivo comum” (p. 5). Ao considerar a liderança como um processo, este autor busca expandir o conceito, não associando a prática a um líder formalmente designado, visto que um líder pode exercer influência sobre as pessoas devidas às suas características e forma de atuação (Gramkow, 2016). Estudos de liderança abordam uma variedade de tópicos, incluindo traços de personalidade, energia, visão, valores, carisma, fatores situacionais, seguidores, equipes, função, níveis de competências, comportamentos, espiritualidade e inteligência (Nicholson, 2013). O estilo de liderança denota a conduta e as atitudes demonstradas por líderes de como eles influenciam os outros e interagem com as partes interessadas. Muitas vezes, os líderes demonstram um padrão consistente de comportamentos que caracterizam o seu estilo de liderança. O estilo de liderança dá o tom no ambiente 360 corporativo e pode moldar a atitude e o desempenho da força de trabalho (Dubrin, 2015). Compreende-se que, ser um líder é ter uma visão da relação do homem com seu ambiente de trabalho, é saber ensinar e também aprender, fazer uso das suas emoções para conduzir pessoas. A liderança é específica em relação a cada momento dentro de uma organização e precisa ser exercida, no entanto, o profissional para exercer a função de líder não precisa mudar de personalidade, mas tem que mudar seu modo de agir de acordo com cada situação que acontecer dentro do ambiente de trabalho. Por isto, o líder requer algumas atitudes e comportamentos dentro de uma organização, tais como: a) Superar expectativas: os líderes buscam sempre alcançar metas acima das estabelecidas pela empresa, pois seu conhecimento e perspicácia faz que o desempenho da empresa atinja um patamar acima do préestabelecido; b) Sintonizar com as novidades do mercado: os líderes sempre estão em sintonia com as exigências e criação de novos produtos para o mercado consumidor devido a sua inteligência emocional; c) Enxergar o potencial das pessoas: os líderes sempre estão atentos com sua equipe e o que acontece com ela, pois o treinamento e o desenvolvimento dos funcionários são essenciais na evolução do desempenho da equipe no trabalho. A liderança e a tomada de decisão na empresa devem ser exercidas objetivando minimizar o surgimento de conflitos, aumentar a produtividade e os bons resultados. Nesse sentido, o papel do líder como motivador passa a influenciar sua interação com os liderados na tentativa de a organização obter bons resultados e diminuir os conflitos entre os funcionários (Tillmann & Grzybovski, 2005). O líder deve apreciar as características individuais, analisar o desempenho da equipe de maneira justa, ser um guia de tarefas a serem desempenhadas e motivar a equipe a alcançar as metas estipuladas pela organização (Mello, 2014). A liderança é uma competência que, com bons propósitos e determinação, se desenvolve dentro do ambiente organizacional, pois um bom líder incentiva o crescimento e o bem estar do grupo. 361 Se a liderança for exercida com autoridade e individualismo, pode levar ao desânimo, à indiferença e até mesmo o temor dos funcionários. Isto levaria a diminuição do desempenho da equipe no trabalho. Com a falta de motivação, os indivíduos se tornam pouco produtivos e consequentemente acarreta perda de lucratividade na organização. Por isto, a liderança deve influenciar na construção de uma cultura organizacional baseada em valores éticos, gerando um clima organizacional baseado na confiança e na participação. Dentre estas características podem-se citar: estímulo e promoção de um ambiente crítico; participativo; propício à construção de novos conhecimentos; construção de um ambiente de confiança; o líder atuando como facilitador nas relações entre os funcionários, estimulando-os no compartilhamento do conhecimento nas organizações e promoção de um ambiente, baseado nas relações de confiança, que valorize e estimule o desenvolvimento dos trabalhadores dentro de uma organização (Torres, 2005). Esse cenário favorece a construção de valores, visto que a ética e a autenticidade nas relações entre as pessoas colaboram para o bom convívio e desempenho organizacional. 4. VALORES DENTRO DE UMA ORGANIZAÇÃO Os valores organizacionais fazem parte do comportamento organizacional de uma empresa, porque estabelecem a base na compreensão de atitudes e de crenças que proporcionam a identidade de uma organização. Tamayo (2006) diz que os valores organizacionais: “são construídos sobre princípios ou crenças relativas às metas e aos comportamentos organizacionais desejáveis, que orientam a vida da empresa e estão a serviço de interesses individuais, coletivos ou mistos” (p. 179). Os valores organizacionais segundo Porto (2012) são definidos como: “são representações mentais compartilhados pelos membros da organização, que convivem dentro do mesmo ambiente, em um espaço de tempo duradouro, consistindo em princípios que orientem práticas e normas organizacionais” (p. 242). Os valores podem ser caracterizados como princípios que direcionam a vida dos indivíduos, para compreenderem o pensamento e as ações dos seres humanos. Além destas características, os valores possuem caráter integrativos, capazes de decodificar as influências dos fatores sociais, políticos, religiosos ou econômicos e 362 delinear as identidades, os comportamentos e as atitudes de indivíduos ou grupos (Ros, 2016). Assim, os valores podem ser influenciados pela classe social, pela escolaridade, informação recebida e interpretada, pelo convívio entre as pessoas, além das relações de poder (Borlido, 2011). Desse modo, os valores podem ser associados ao grau de importância atribuído pelo sujeito, podendo sofrer variações de acordo com o julgamento de cada pessoa (Schwartz, 2005). Pode-se inferir pela citação do autor que, os valores individuais são o principal fator da personalidade humana e a base do autoconhecimento, podendo apresentar-se como crença, uma vez que os valores guiam o comportamento do indivíduo e conscientiza a pessoa do que deve ser realizado ou não em um determinado ambiente. No ambiente organizacional, os valores pessoais podem influenciar as tomadas de decisões à medida que os valores organizacionais sejam compatíveis ou semelhantes aos valores dos trabalhadores (Mourão et al., 2003).Os valores organizacionais envolvem princípios ou crenças que estão relacionados às metas e aos comportamentos organizacionais, que sustentam não apenas às políticas, mas as práticas de gestão da organização, as quais possam não os concretizar de fato no cotidiano do trabalho (Gehman, Treviño, & Garud, 2013). De acordo com Oliveira e Tamayo (2014) os valores organizacionais podem ser classificados em oito tipos de valores: a) Realização: valorização da competência para o alcance do sucesso da organização e dos empregados; b) Conformidade: valorização do respeito às regras e modelos de comportamento no ambiente de trabalho; c) Domínio: valorização do poder, controle sobre pessoas, recursos e mercado; d) Bem-Estar: valorização da satisfação dos empregados mediante a qualidade de vida do trabalho; e) Tradição: valorização dos costumes e práticas consagradas; f) Prestígio: valorização da organização na sociedade, mediante a qualidade dos produtos; g) Autonomia: valorização de desafios, a busca de aperfeiçoamento constante e a definição de objetivos profissionais dos empregados; 363 h) Preocupação com a coletividade: valorização do relacionamento com pessoas que são próximas à comunidade. Para melhor conhecer estes valores organizacionais, é preciso entender o cotidiano dos empregados, pois são por meio deles que os valores organizacionais são externalizados, direta ou indiretamente, podendo ser considerados como observadores internos, envolvidos diretamente no processo coletivo, para identificar as prioridades de valores na organização (Paiva, 2013). Liang (2012) corrobora com esta ideia acrescentando que há uma relação entre os valores organizacionais e os valores pessoais, uma vez que ambos orientam e direcionam a vida de grupos e indivíduos. Desse modo, os valores dos indivíduos poder ser compreendidos pelo que eles julgam importante, o que vai pautar sua conduta dentro das organizações onde trabalham, e mais particularmente, no trabalho que realizam (Teixeira et al., 2013). Os valores em uma organização devem ser bem definidos e vivenciando-os no cotidiano, o clima e a cultura organizacional serão muito favoráveis aos bons resultados e aos bons relacionamentos. Toda empresa deve perceber que, cultivando bons valores, será possível alcançar internamente processos mais bem estruturados e mais robustos e externamente melhores diferenciação do mercado perante aos clientes. O mercado, atualmente, exige negócios que estão ancorados em valores como: transparência, qualidade, valorização das pessoas, espírito de equipe, respeito ao cliente e a importância na qualidade de vida de seus funcionários. A qualidade de vida é trabalhar com satisfação, sem medir esforços para atingir o crescimento organizacional, é fazer com que os indivíduos sintam-se verdadeiros parceiros da empresa e formem equipes visando alcançar os objetivos organizacionais, que são a harmonia do trabalho em equipe, geração de lucros para a empresa e motivação dos seus colaboradores internos e externos. 5. QUALIDADE DE VIDA NA ORGANIZAÇÃO O termo Qualidade de Vida (QV) é multidisciplinar e recente, em processo de afirmação de fronteiras e conceitos; por isso, definições sobre o termo são comuns, mas nem sempre concordantes (Almeida, Gutierrez, & Marques, 2012). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), qualidade de vida pode ser definida como 364 percepção dos indivíduos de que suas necessidades estão sendo satisfeitas ou, ainda, que lhes estão sendo negadas oportunidades de alcançar a felicidade e a autorrealização, com independência de seu estado de saúde físico ou das condições sociais e econômicas, não envolvendo somente a saúde física e mental (OMS, 2008). Conceitua-se ainda qualidade de vida como olhar do sujeito para sua posição no contexto da cultura, sistemas de valores nos quais vive em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupação, até a dimensão dos comportamentos organizacionais (Almeida & Gutierrez, 2010). No ambiente de trabalho e nas organizações, o conceito de qualidade de vida é uma compreensão abrangente e comprometida das condições de vida no ambiente laboral, incluindo aspectos de bem-estar, garantia da saúde, segurança física, mental, social e capacitação para realizar tarefas com segurança e bom uso do trabalho do indivíduo (Padilha, 2014). A construção da qualidade de vida nas organizações ocorre a partir do momento que a empresa e as pessoas como um todo, promovendo o bem-estar e a segurança dos trabalhadores, a fim de assegurar uma maior produtividade, qualidade no trabalho e maior satisfação na vida familiar e pessoal (Aquino & Fernandes, 2013). A qualidade de vida no trabalho, não depende apenas da oferta de serviços assistenciais públicos ou empresariais, nem mesmo programas de gestão que ofereçam ginástica laboral, massagens, salas de descanso e outros recursos de relaxamento antes e depois da jornada de trabalho. Depende, exclusivamente, no planejamento do trabalho e sua execução no tempo pré-determinado, que também leve em conta as necessidades de adaptação dos trabalhadores no seu ambiente de trabalho. A qualidade de vida em uma organização está ligada à motivação dos funcionários, para isso é preciso criar um ambiente de trabalho, onde as pessoas possam se sentir bem com o seu chefe, com eles mesmos e entre os colegas de trabalho, e estar confiantes na satisfação das próprias necessidades, ao mesmo tempo em que cooperam com o grupo. Não se pode dizer em qualidade de produtos e serviços se aqueles que vão produzi-los não tem qualidade de vida no trabalho (Fernandes, 2006). É necessária a conscientização da importância dos indivíduos se adaptarem no ambiente organizacional, isto é dever das lideranças para que haja a aprovação de investimentos, mudança de cultura organizacional e integração dos departamentos 365 dentro de uma empresa, pois um dos maiores desafios dos recursos humanos em um ambiente organizacional é atrair e reter bons profissionais para atuarem nas tarefas cotidianas da empresa. Algumas empresas promovem ações para a promoção da qualidade de vida, tais como: criação de espaços para descanso, grupos de corrida e caminhada, campanhas de incentivo para uma alimentação saudável e cuidados com a saúde. Muitos benefícios com estas ações já foram comprovados, entre eles maior produtividade, menos estresse no ambiente de trabalho, diminuição de faltas decorrentes de problemas com saúde, melhor integração entre equipes e empresae, principalmente maior valorização à organização por parte dos seus funcionários e de seus colaboradores. Para Chiavenato (2010) a qualidade de vida nas organizações é um construto complexo que envolve alguns fatores, tais como: a satisfação com o trabalho executado; as possibilidades de crescimento futuro na organização; o reconhecimento da alta gerência pelos resultados alcançados por determinado funcionário ou pela equipe de trabalho; o relacionamento humano dentro da equipe e da organização; a liberdade de atuar e responsabilidade de tomar decisões e as possibilidades de um funcionário ou uma equipe de estar engajado e de participar ativamente na tomada de decisões nas empresas. França (2016) enfoca a participação no processo decisório e a possibilidade de discutir soluções em conjunto são fatores fortemente relacionados e descritos como decisivos na qualidade de vida no trabalho. Arellano (2008) reforça a ideia que a preocupação com a qualidade de vida no trabalho já está presente em grande parte das organizações que em busca do diferencial competitivo, fazem constantes alinhamentos das questões organizacionais e da dimensão humana, gerando a necessidade de se construir uma forma de administrar o bem-estar. De acordo com Paz, Neiva e Dessen (2012) o bem-estar nas organizações depende da prática dos direitos e deveres entre o empregado e a empresa. O empregado tem como dever realizar suas atividades objetivando alcançar as metas organizacionais que garantam a sobrevivência e o crescimento da empresa, enquanto a organização fica responsável por garantir um ambiente favorável ao alcance de tais metas, sem comprometer a saúde do trabalhador e garantir o seu bem-estar pessoal dentro da organização. Estas metas podem, por exemplo, ser a criação de meios de comunicação entre a corporação e o público-alvo desta empresa e investimento em 366 uma estratégia de marketing eficaz por um determinado período de tempo para alavancar as vendas de determinados produtos. Hádiversos fatores que estão ligados ao conceito e promoção de qualidade de vida em um ambiente de trabalho, como os tipos de comportamentos organizacionais: liderança, comprometimento e valores de uma organização. Estes tipos de comportamentos, se bem trabalhados e orientados, auxiliam os indivíduos em busca da satisfação profissional e um ambiente de trabalho harmonioso, isto acarreta aumento de produtividade e melhor desempenho por parte dos funcionários em uma empresa de TI. 6. PROPOSIÇÕES TEÓRICAS APLICADAS NA PRÁTICA Conforme apresentado anteriormente na revisão bibliográfica, verifica-se a importância do comportamento organizacional como fator influenciador para a qualidade de vida do indivíduo dentro de uma empresa de tecnologia da informação. A preocupação das organizações com a qualidade de vida dos funcionários vem aumentando cada vez mais ao longo dos anos, haja vista que as empresas percebem que primeiramente precisam satisfazer às necessidades dos empregados, para assim, conseguirem atender às expectativas dos seus clientes e as empresas alcançarem seus objetivos, que é serem competitivas no mercado. Os profissionais são pressionados a proporcionar os resultados ou metas estabelecidas pelas organizações, causando muitas vezes frustração pelo baixo desempenho conseguido pela equipe no trabalho. Silva e Ferreira (2013) afirmam que a relação harmoniosa dos funcionários com as organizações traz benefícios no desenvolvimento e na agilidade na execução das tarefas em um ambiente organizacional. Alguns benefícios como salários justos, desenvolvimento de competências e a participação nas tomadas de decisões são fatores que influenciam positivamente na qualidade de vida do trabalho. Diante das exposições ao longo do artigo, acredita-seque algumas boas práticas possam ser aplicadas em uma empresa de TI, a fim de melhorar a qualidade de vida dos funcionários com foco no comportamento organizacional, tais como: comprometimento, liderança e valores. Conforme observado na revisão de literatura, o atual cenário nas empresas de tecnologias confirma a influência positiva do comportamento organizacional na 367 qualidade de vida do trabalho, pois os estudos demostraram quanto mais comprometido e satisfeito o funcionário dentro de uma organização, melhor será o seu bem-estar no ambiente empresarial e consequentemente às tomadas de decisões vão ser realizadas de maneiras corretas e conscientes. Assim, espera-se que a Prática 1, a seguir, possa ser entendida como uma regra de lições aprendidas no contexto organizacional: Prática 1: Inicialmente, as empresas de TI devem oferecer um bom ambiente organizacional aos seus funcionários e por consequência os indivíduos e as equipes de trabalho serão mais bem comprometidos com suas tarefas cotidianas e atingirãometas estabelecidas pela organização. Diante deste contexto, a organização ganha em produtividade. Diante das diversas visões dos autores por meio da revisão de literatura, o funcionário deve estar em sintonia com os interesses da empresa, pois existe uma relação de dependência entre eles. Um funcionário não comprometido com o trabalho prejudica a própria imagem e atrapalha o alcance das metas organizacionais. A falta de comprometimento dos funcionários tem afetado muitas organizações e dificultado o crescimento de alguns negócios. A Prática 2 tenta minimizar este cenário do servidor descomprometido com o trabalho: Prática 2: A motivação dos funcionários deve partir de sua chefia imediata. Reconhecer o esforço dos indivíduos nos afazeres profissionais é muito proveitoso e traz aprendizado para a empresa de TI. Neste contexto, as empresas devem estimular a qualidade de vida no ambiente de trabalho, pois isto aumentará o envolvimento e o empenho dos trabalhadores, seja pela identificação com a missão e os valores da empresa, seja por uma promoção no trabalho. Em algumas empresas de TI é comum algumas pessoas trabalharem em salas isoladas, na literatura pode-se perceber que em algumas organizações o clima organizacional é o pior possível, pois alguns funcionários sofrem assédios morais e isto faz com que eles desestimulem nas execuções das tarefas cotidianas. Alguns líderes são autoritários e isto faz com que o ambiente de trabalho fique improdutivo e o sentimento de insatisfação predomina nos setores da organização. A Prática 3 sugere melhoras no ambiente de trabalho: Prática 3: Cabe ao líder buscar a criação de um ambiente propício, onde os funcionários se sintam motivados a trabalhar em um local harmônico e motivador dentro do seu grupo de trabalho. O líder deve fornecer meios para que as pessoas se 368 sintam engajadas à equipe e que os indivíduos atinjam melhores qualidade de vida dentro da empresa de TI. As organizações são compostas por pessoas, com emoções e motivos racionais diferentes, sujeitos ao ambiente que influenciam a motivação, os relacionamentos e a liderança, entre outras dinâmicas que motivam a conduta do ser humano e da equipe no trabalho. O gestor precisa motivar e saber conduzir pessoas, pois administrar uma equipe com qualidade diferencia as empresas de TI competitivas de seus concorrentes. A Prática 4 mostra como a liderança pode afetar na qualidade de vida dos trabalhadores em uma empresa: Prática 4: Considera-se um bom líder alguém que motiva e coordena a equipe aplicando de maneira eficaz, suas habilidades individuais e grupais, seus conhecimentos e suas experiências de como alcançar as metas na organização. O gestor ideal é aquele que treina com eficiência os funcionários, recompensa-os de forma justa e motiva a equipe. Inclusive, um bom líder melhora a qualidade de vida no trabalho dentro de uma empresa de tecnologia. A literatura revela que os valores organizacionais como a realização valoriza a competência dos funcionários para o alcance do sucesso da organização aliada com o bem-estar dos indivíduos mediante a qualidade de vida no trabalho. Os valores organizacionais são externalizados no cotidiano através dos indivíduos que darão a determinada organização sua identidade. A Prática 5 foca os valores dentro de uma empresa de TI aliada com a qualidade de vida no trabalho: Prática 5: A empresa de tecnologia espera desde o nível operacional até a alta gerência, atitudes e comportamentos das pessoas que trabalham nela. Os valores organizacionais permeiam a cultura organizacional, influenciando no relacionamento da chefia com os funcionários, as relações entre os trabalhadores e ainda seu comprometimento com a identidade da empresa perante o mercado. Os valores dentro de uma organização podem ser trabalhados para compreender, explicar e interpretar as motivações das pessoas no ambiente de trabalho. Com relações às motivações, aspectos como a qualidade de vida no trabalho, visa o aumento de resultado de uma empresa de TI e a satisfação para o trabalhador. De acordo com a revisão teórica, deduz-se que com as cinco práticas citadas anteriormente comprovam-se que os comportamentos organizacionais, como: comprometimento, liderança e valores influenciam a qualidade de vida em uma empresa de tecnologia da informação. A literatura também comprova que o contrário 369 também é verdadeiro, que a qualidade de vida pode influenciar nos três tipos de comportamentos organizacionais citados anteriormente. Portanto, podem-se ampliar as ideias dos autores, sugerindo para a continuidade desta pequisa, às aplicações das práticas em um ambiente organizacional, pois desta maneira pode-se retratar os envolvidos nas organizações citados neste artigo, e assim, obter-se resultados mais condizentes com a realidade. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo mostrou que a relação entre comportamento organizacional e a qualidade de vida nas empresas de TI trazem benefícios duradouros para essas empresas. As explicações para esta afirmação é pelo fato que, quando as empresas proporcionam um ambiente de trabalho agradável para os funcionários, há maior comprometimento destes com as tarefas cotidianas e faz com que as pessoas cumpram com responsabilidade todos os seus afazares e isto gera bons resultados para a organização, como a agilidade na execução das tarefas. Em relação à liderança, um bom líder consegue bons resultados, por meio do desempenho da sua equipe, incentivando o crescimento e preservando a harmonia e o bem estar do grupo. Já os valores organizacionais são as crenças e as atitudes que darão a determinada organização sua identidade, isto pressupõem que os funcionários deverão cumprir metas dentro da empresa, a fim de obterem resultados positivos no ambiente de trabalho (Podsakoff, 2014). Estes tipos de comportamentos organizacionais aliados à qualidade de vida das organizações oferecidas pelos líderes trazem algumas vantagens para as empresas de TI, como: integração interna e social proporcionada pela companhia, oportunidades oferecidas aos funcionários para desenvolver suas capacidades e retenção de talentos nas empresas (Dekas, 2013). Discutiram-se, também, por meio da revisão de literatura, pesquisas relacionadascomo a qualidade de vida no trabalho impacta positivamente ou negativamente um ambiente organizacional relacionado com tecnologias da informação. Por exemplo, uma liderança autoritária pode causar na equipe baixa estima e motivação e consequentemente a diminuição da produtividade, sendo necessário um controle de qualidade nos resultados, por outro lado, um líder que estimula sua equipe nas tomadas de decisões, permite maior autonomia e demonstra 370 confiança na capacidade dessa equipe de resolver problemas. O panorama positivo em um ambiente organizacional traz bem-estar para quem está trabalhando na empresa de TI, melhorando assim sua qualidade de vida na organização. Foram, ainda, identificadas as seguintes práticas que podem contribuir para melhorar os resultados da influência do comportamento organizacional na qualidade de vida dos indivíduos numa empresa de TI: 1) as empresas oferecem um bom ambiente organizacional aos seus funcionários; 2) a motivação dos funcionários deve partir da sua chefia imediata; 3) cabe ao líder buscar a criação de ambiente propício na empresa de TI; 4) considera-se um bom líder alguém que motiva e coordena à equipe aplicando de maneira eficaz, sua habilidade individual e grupal e 5) a empresa de TI espera desde o nível operacional até a alta gerência, atitudes e comportamentos das pessoas que trabalham nela. Os argumentos analisados neste artigo, não deixam dúvida de que é importante uma boa liderança por parte dos gestores, um comprometimento profissional dos funcionários perante a empresa e definição de valores organizacionais na organização. Estes três tipos de comportamentos organizacionais aliados com a qualidade de vida no trabalho são primordiais para a eficiência e a busca de resultados satisfatórios na organização, que busca desempenho competitivo no mercado. Entre as limitações do estudo, destaca-se que foi uma pesquisa de revisão bibliográfica e compreende-se que o estudo aplicado em uma empresa de TI pode trazer resultados positivos para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, que trabalham em um ambiente organizacional pautado em comportamentos organizacionais. Considerando-se os resultados alcançados com as proposições teóricas aplicadas na prática e as limitações da pesquisa, alguns trabalhos futuros relacionados ao tema podem ser realizados: aplicar as práticas sugeridas neste estudo em um ambiente organizacional para melhoria da qualidade de vida do trabalho dos funcionários e estudar as relações dos três construtos do comportamento organizacional relatados na pesquisa (comprometimento, liderança e valores) e aplicá-los em uma organização que tem uma qualidade de vida de trabalho não favorável e desestimulante aos funcionários e ao final do estudo com as análises dos resultados alcançados, comparar se houve melhoria ou não da qualidade de vida do trabalho em uma organização perante aos seus colaboradores. 371 E, finalmente, o estudo deste artigo procurou estudar alguns tipos de comportamentos organizacionais e suas influências na qualidade de vida em uma empresa de TI. Percebe-se nesta pesquisa, que houve melhoria na qualidade de vida do trabalho dos colaboradores, pois as organizações tem consciência que buscar novas ideias e ações para a melhoria da qualidade de vida nas empresas de tecnologias, traz mais rentabilidade e aumento de competitividade da empresa perante o mercado. 372 REFERÊNCIAS Almeida, M.A.B., & Gutierrez, G.L. (2010). Qualidade de vida: discussões contemporâneas. In: Vilarta, R., Gutierrez, G.L., & Monteiro, M.I. Qualidade de vida: evolução dos conceitos e práticas no século XXI. Campinas: IPES editorial. Almeida, M.A.B., Gutierrez, G.L., & Marques, R. (2012). Qualidade de vida: definição, conceitos e interfaces com outras áreas de pesquisa. São Paulo: Escola de Artes, Ciências e Humanidades-EACH/USP. Aquino, A.S, & Fernandes, A.C.P. (2013). [Quality of life and work]. J Health Sci Inst [Internet]. 31(1), 420-438. 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Compete ao líder incentivar sua equipe a vestir-se da organização e lutar pelo seu sucesso. O objetivo deste artigo foi analisar o papel do líder na gestão de conflitos e como os valores e a diversidade afetam o comportamento organizacional em uma empresa de TI, e assim verificar a interferência na produtividade. Para isso, utlizou-se uma revisão de literatura. Foram sugeridas algumas práticas para ajudar os gestores no gerenciamento dos conflitos dentro da sua equipe e assim, ser possível que uma empresa com tal situação possa melhorar sua produtividade. O líder é um motivador, que conduz e inspira os colaboradores a trabalhar em prol da organização, fazendo com que eles se sintam integrados. Para isso, é necessário obter uma atenção maior aos envolvidos em uma empresa de tecnologia, as características individuais de cada um e como utilizar a diversidade e os conflitos a favor da empresa. PALAVRAS-CHAVE: Diversidade. Liderança; Comportamento Organizacional; Conflitos; ABSTRACT: It is essential that in order to develop and conquer space in the corporate world, an organization must value the participation of its employees in the growth 377 process, as it is from them that ideas, suggestions, improvements and criticisms for quality work must arise. It is up to the leader to encourage his team to dress up the organization and fight for its success. The purpose of this paper was to analyze the role of the leader in conflict management and how values and diversity affect organizational behavior in an IT company, and thus check for interference in productivity. For this, a literature review was used. Some practices have been suggested to help managers in managing conflicts within their team and thus, it is possible that a company with such a situation can improve its productivity. The leader is a motivator, who leads and inspires employees to work for the organization, making them feel integrated. For this, it is necessary to obtain greater attention to those involved in a technology company, the individual characteristics of each one and how to use diversity and conflicts in favor of the company. KEYWORDS: Leadership; Organizational behavior; Conflicts; Diversity. 378 1. INTRODUÇÃO As organizações têm entendido a importância do comportamento organizacional como fator competitivo.Para produzir o diferencial nas organizações, vê-se que osaber técnico não é responsável singular, sendo possível que o funcionário de forma geral ter bastante conhecimento sobre o que faz e habilidade para empreender, mas muitas vezes não ter atitude para conceber, o que depende da decisão do mesmo. Visto que as empresas de Tecnologia da Informação (TI) têm neste entrecho um importante papel, cada uma tem seu grupo de crenças, valores e princípios que formam sua cultura organizacional. Esta é evidenciada a partir do comportamento das pessoas dentro da organização e assim, a tarefa das empresas diante desta realidade, geralmente do setor de Recursos Humanos (RH) ou Gestão de Pessoas, é de medirse o mais próximo possível, o comportamento dos colaboradores da empresa, em atuação pelo seu trabalho, de acordo com sua cultura organizacional ao comportamento esperado pela organização. Toda organização depende de pessoas, e percebe-se que muitas empresas de TI têm deixado de ver seus funcionários como apenas mais um recurso e estão começando a se preocupar com o desenvolvimento de habilidades. As organizações estão formadas por indivíduos com uma diversidade de pensamentos e maneira de agir cada vez maior. E esta ocasiona o aparecimento dos conflitos organizacionais. Desta forma, em um ambiente cheio de diferenças intelectuais, crenças, valores, dentre outros, e para lidar com os conflitos dentro das organizações faze-se necessário a gestão destes (Robbins, Judge, & Sobral, 2010). Para compreender a importância do líder nos atuais modelos de gestão, faz-se necessário um estudo do que se deve buscar para que os objetivos organizacionais sejam atingidos, assim valorizar o principal ativo de uma empresa que é o seu pessoal, e deve-se levar em consideração ainda, o principal ativo de cada pessoa, que é a sua competência profissional (Santos, 2008). Perebe-se que a liderança é tema de inúmeras pesquisas há alguns anos, visto que refere-se ao conhecimento e capacidade de gerenciar grupos de pessoas, alterando-as em equipes eficientes e assim, melhores resultados à empresas de tecnologias. 379 Para tanto, foi realizada uma revisão de literatura a fim de contribuir com os gestores no gerenciamento dos conflitos dentro da sua equipe. Esse tipo de pesquisa se caracteriza por suprimir dúvidas a partir de pesquisas em documentos. Isso implica no esclarecimento das pressuposições teóricas que fundamentam a pesquisa e das contribuições proporcionadas por estudos já realizados com uma discussão crítica (Gil, 2010). O presente estudo teve como objetivo analisar o papel do líder na gestão de conflitos e como os valores e a diversidade afetam o comportamento organizacional em uma empresa de TI, e assim verificara interferência na produtividade. 2. O COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL O comportamento organizacional pode ser visto como o conjunto de comportamentos e atitudes praticadas pelas pessoas que compõem a empresa, tanto funcionários quanto seus diretores, e o impacto que tais condutas e costumes têm sobre o andamento e desenvolvimento da organização (Andrade, 2018). O comportamento organizacional envolve inúmeros fundamentos, em que o estudo destes está relacionado a fatores de grande influência nos resultados alcançados pelas empresas de TI como: valores, conflitos, mudanças organizacionais, diversidade, liderança, entre outros que afetam os indivíduos e as equipes organizacionais. 2.1 Valores organizacionais Os valores organizacionais adquiriram extrema relevância para as empresas de TI, sendo elementos motivadores que direcionam as ações das pessoas nas organizações. Valores organizacionais são crenças e atitudes que dão uma personalidade à empresa, definindo uma "ética" para a atuação das pessoas e da organização como um todo (Demo, Fernande, & Fogaça, 2017). Nos últimos anos, o interesse por estudos de valores organizacionais cresceu, uma das explicações para este acontecimento é o seu papel fundamental para o entendimento da cultura (Carvalho, Oliveira, & Silva, 2013). 380 Nesse sentido, Veiga (2010) argumenta que os valores organizacionais não são os valores pessoais dos integrantes da organização. Os valores pessoais são aprendidos e desenvolvidos durante o convívio familiar, escolar e nas interações sociais ao longo da existência do indivíduo, enquanto os valores organizacionais são geralmente introduzidos pelo dono ou criador da empresa ou por indivíduos que exercem forte influência no ambiente organizacional. Os valores têm origem na interação social e são construídos com base nas necessidades de trabalho e para orientar as relações existentes na organização, eles atuam como elementos que definem, especificam e tornam uma organização singular, diferente de todas as outras existentes. Segundo os estudos de Silva e Oliveira (2017) os valores organizacionais traçam um cenário em que os empregados percebem consideravelmente o empenho das organizações em estabelecer limites, regras e modelos de comportamento, mas nem tanto em favorecer o bem-estar do empregado. De maneira semelhante, os empregados referem satisfação com as relações interpessoais proporcionadas, mas pouca satisfação com saúde física. Isso acarreta um questionamento sobre a atenção dirigida pelas empresas de tecnologias às necessidades do empregado, enquanto ser complexo e enquanto recurso essencial para o funcionamento organizacional. Porém, atenta-se que muitos conflitos podem derrubar esses valores, conforme descrito a seguir. 2.2 Conflitos e as mudanças organizacionais Berg (2012, p. 18), afirma que: “O conflito nos tempos atuais é inevitável e sempre evidente. Entretanto, compreendê-lo, e saber lidar com ele, é fundamental para o seu sucesso pessoal e profissional”. Ainda segundo o autor, aplicando à realidade, conflito é um estado antagônico de ideias, pessoas ou interesses e não passa, basicamente, da existência de opiniões e de situações divergentes ou incompatíveis. Conforme Marras (2009), o conflito é uma disputa de interesses pessoais versus interesses organizacionais, e somente a comunicação edisseminação das informações podem fazer com que as consequências sejam amenizadas. 381 Burbridge e Burbridge (2012) defendem que conflitos são naturais e em muitos casos necessários. São o motor que impulsiona as mudanças. No entanto, muitos conflitos são desnecessários e destroem valores, causando prejuízo para as empresas e pessoas que nelas trabalham. O principal desafio dos gestores é identificar os conflitos produtivos e contra produtivos e gerenciá-los. Segundo Cordeiro e Cunha (2018) o conflito pode ocorrer no contexto de relacionamentos entre duas ou mais partes, podendo ser entre pessoas, grupos ou organizações, assim como pode ocorrer entre mais de duas partes ao mesmo tempo. Nota-se que maior parte dos autores concordam sobre a inevitabilidade do conflito, pois é da natureza humana, e como as pessoas integram as organizações, estas terão de aprender a lidar com essa realidade. É procedente observar as diferenças individuais que afeta valores, percepções e ponderações morais distintas, e que nem todos têm acesso às mesmas informações e nem dispõem da mesmo conhecimento para que melhor se compreenda a gestão do conflito. Desde há muitos anos que a comunidade científica, sobretudo da área do comportamento organizacional, tem sublinhado a importância de se colocar o estudo do conflito no centro do debate da investigação sobre a gestão, em termos gerais, e sobre o comportamento organizacional e a gestão de recursos humanos, em termos específicos, já que o mesmo, quando gerido de forma positiva e construtiva, pode contribuir decisivamente para o desempenho dos indivíduos, dos grupos e das organizações (Hussein, Al-Mamary, & Hassan, 2017). As principais causas de conflito organizacional, para Berg (2012), são: mudanças que ocorrem principalmente por pressão do mercado, forçando a organização a adaptar-se às novas realidades. Essas alterações são geralmente de caráter tecnológico, estrutural ou comportamental, buscando com isso melhorar a eficácia na busca por resultados, aumentar ou manter lucros, enxugar custos, atualizar a organizações em todos os aspectos, crescer ou manter-se no mercado. O autor também afirma que mudanças organizacionais podem trazer demissões, reestruturações e espalhar medo e resistência, por isso representam uma fértil fonte de conflitos. Recursos limitados podem trazer a escassez de recursos, devido a enxugamentos promovidos pelas organizações para tornarem-se competitivas, são motivo de muitos atritos, pois podem limitar o desempenho de colaboradores e departamentos. As limitações vão desde dinheiro até às pessoas, o 382 que gera muitas vezes grandes jornadas de trabalho objetivando o alcance de metas em detrimento à interação entre gestores e subordinados, podendo ocasionar cansaço, estresse e descontentamento geral. Por fim, tem-se o choque entre metas e objetivos que são impasses entre departamentos ou diretorias e são comuns atualmente nas empresas de TI, em função principalmente das metas e objetivos que se chocam, por falta de comunicação e sintonia entre as áreas. A causa desse fator é geralmente o planejamento deficiente, que compartimenta e prioriza muitas das vezes ações emergenciais e isoladas de setores distintos, sem se dedicara integração de objetivos e metas da organização como um todo (Berg, 2012). Gerenciar conflitos no século XXI compreende habilidade competitiva que pode agregar um diferencial à organização, sobretudo em tempos nos quais se evidencia que as corporações dependem de pessoas e de suas inter-relações (Costa, 2013). Os conflitos abragem um importante papel na organização e esse assunto tem motivos que levam um indivíduo a adversar ao outro e vice-versa, por questões que envolvem a relação empresas versus pessoas, bem como, de pessoas versus pessoas. Pode-se constatar que as organizações são ambientes de relação de pessoas, que, por isso mesmo, sofrem a influência cultural, que são expectativas sociais mais amplas trazidas pelos insumos humanos, que desempenham papéis no subsistema técnico da empresa. Que é no interior dessas organizações, que se concentram os fatores que põem os homens em contado direto uns com os outros, nas diferentes formas de competição, conflito e cooperação (Costa, 2013). Diante do exposto, acredita-se que admitindo-se a manifestação dos conflitos, bem como sua importância,observa-se que este é percebido como desacordo que se instala pelas divergências de ideias, quando a choque de papéis e de princípios, entre os envolvidos no grupo organizacional. Sua natureza, não se restringe a um único tipo, bem como, não é única a forma de tratá-lo. Entende-se então, que nem sempre o conflito é prejudicial, com aspectos positivos, e negativos, construtivos ou destrutivos, em consequência do estado de observação e intensidade, de tempo, das circunstâncias e da maneira como ele é encarado e administrado. 383 Muitas empresas de tecnologias têm procurado adotar práticas de gestão da diversidade para diminuir os conflitos, de acordo com a próxima seção. 2.3 Diversidade no comportamento organizacional O tema diversidadeé muito relevante para os estudos organizacionais. As organizações constituem um retrato do Brasil, país continental cujas diferenças entre cidades, estados e regiões são bastante acentuadas. Muitas empresas de TI têm procurado adotar práticas de gestão da diversidade, no sentido de formar e administrar equipes heterogêneas, ou seja, equipes diversificadas em termos tanto biográficos, como gênero e idade, quanto subjetivoscomo personalidade, educação e valores. A necessidade de administrar a diversidade organizacional foi um desdobramento da diversificação crescente da força de trabalho (Barreiro et al., 2015). Para Robbins, Judge & Sobral (2010) “a diversidade em nível superficial diz respeito aos elementos biográficos, como idade, raça, gênero e etnia”. Não refletem pensamentos e sentimentos e, por esse motivo, podem induzir à criação de estereótipos. Em resumo, este tipo de diversidade não apresenta grande possibilidade de se relacionar diretamente ao desempenho profissional. Não é possível garantir que essas práticas de diversidade corporativa são verdadeiramente uma ideologia, que busca a diminuição da desigualdade através da inclusão social, ou se faz parte de um conjunto de estratégias para obter melhores desempenhos. Trazer a responsabilidade social para dentro da empresa, além de ser interessante no quesito sociológico, pode gerar um aumento na performance organizacional. A diversidade é também o caminho para que as empresas se tornem mais inovadoras (já que sua premissa é trazer múltiplas visões acerca de um assunto), capazes de produzir bens úteis e tornar os seus trabalhadores incluídos, realizados e motivados (Santos, Santana, & Arruda, 2018). É possível perceber que ainda há muito trabalho a ser feito para tornar o ambiente e estrutura de funcionários mais diversificados, pois percebe-se ainda a mão-de-obra desqualificada ainda representa maior parte dos empreados brasileiros, sendo estes homens e jovens. Essa preocupação com o capital humano e sua estratégia de composição precisa continuar sendo discutida e estudada no âmbito acadêmico, devido a sua grande relevância e complexidade. 384 Ao se falar em diversidade na organização, acaba-se por passar uma impressão de que a empresa está “abrindo espaço” para um grupo que se enquadra no conceito de “minoria”. Sendo assim, é possível observar que em uma organização, muitas vezes o discurso da diversidade acaba sendo apenas para passar uma boa impressão aos stakeholders. Os extensos manuais, cartas publicadas em sites oficiais, tópicos sobre a diversidade em seus valores organizacionais, não passam, em sua grande maioria, de apenas um discurso, divergindo do cotidiano da organização (Santos, Santana, & Arruda, 2018). A diversidade está presente em todos os âmbitos, sejam eles organizacionais ou não, e, mesmo dentro de uma organização onde o principal objetivo é o lucro, as ações voltadas à gestão da diversidade deve reconhecer que cada elemento é único e insubstituível, sendo as pessoas o foco mais importante dentro da organização. A diversidade é também o caminho para que as empresas de TI se tornem mais inovadoras, capazes de produzir bens úteis e tornar os seus trabalhadores incluídos, realizados e motivados (Santos, Santana, & Arruda, 2018). Com isso, o papel do gestor é de suma importância nesse contexto, pois ele deve entender a diversidade em sua essência sendo uma das axiomas da sociedade, e que sem isto acaba sendo impossível ter êxito social. Os resultados financeiros sempre é a busca de uma empresa, porém não podem ser estratégias restritas a essas metas, com exigências políticas de diversidade na organização, pois o compromisso ético deve ser reconhecido pela empresa de tecnologia. Antes de ser funcionário, o colaborador é um cidadão e deve ter sempre seus direitos sociais garantidos, incluindo o de ser respeitado nas suas diversas características pessoais. Essa diversidade, juntamente com os valores e conflitos afetam os processos organizacionais e para isso vê-se o papel do líder fundamental na gestão, conforme são analisados a seguir. 2.4 Liderança Percebe-se que dentro dentro das empresas de TI, háentendimentos e compreensões discordantes sobre questões ou práticas e procedimentos, seja profissional ou pessoal. Assim, o papel do líder faz-se necessário para a gestão de 385 conflitos e com isso conseguir equacionar os problemas para melhorar a relação entre os funcionários ou para a empresa. Qualquer organização sempre se encontra diante de problemas sérios de decisão. Geralmente o líder poderia analisar o problema e escolher a melhor alternativa de decisão de modo inteiramente informal. Porém, essas adversidades são muito mais amplos e complexos, envolvendo riscos e incertezas. Necessitam da opinião e participação de muitas pessoas, em diversos níveis funcionais. O processo de decisão em uma empresa ou organização deve ser estruturado e resolvido de modo formal, detalhado, consistente e transparente (Lima, 2012). Cada pessoa por si só sempre está tomando alguma decisão dentro da empresa e fatores como a intuição, racionalidade e a percepção influenciam no processo decisório. Todavia, é imprescindível que o administrador, dentre inúmeras alternativas, escolha a melhor para o processo decisório da empresa (Bertoncini et al., 2013). Segundo Chiavenato (2012), liderança é uma influência interpessoal exercida em determinada situação e conduzida por meio da comunicação entre os indivíduos, a fim de alcançar determinado objetivo. Por isso é fundamental que o administrador conheça a natureza do homem e saiba conduzir as pessoas. Este processo é liderar. Portanto, a liderança se faz necessária em todos os tipos de organizações. Os “comportamentos de liderança” típicos, como dirigir, planejar, controlar e supervisionar, também são mantidos, vez por outra, por indivíduos que não ocupam posição de líder. O líder e o tipo de liderança que ele exerce também são fundamentais já que as atitudes que ele terá, influenciará no clima organizacional da empresa. A boa liderança faz com que a organização flua de maneira positiva e mantenha a produtividade bem como também as relações de trabalho (Marinho, 2016). Chiavenato (2014) relata que a capacidade de influenciar, persuadir e motivar os liderados está relacionada a outra característica do líder, o poder. Este é classificado em cinco diferentes tipos: 1. Poder coercitivo: o liderado teme em não atender o líder por medo de alguma punição ou penalidade; 2. Poder de recompensa: o liderado espera alguma recompensa, incentivo, elogio ou reconhecimento por parte do líder; 3. Poder legitimado: deriva do cargo ou hierarquia. Aquele que possui um cargo mais elevado, é percebido como alguém que tem mais poder; 386 4. Poder de competência: é aquele baseado no conhecimento técnico. Os liderados percebem e reconhecem que o líder possui conhecimentos e conceitos que excedem os seus funcionários; 5. Poder de referência: é aquele baseado na atuação e apelo. O líder é admirado por sua personalidade e carisma. Portanto, os líderes descortinam o conflito de forma positiva e analisam a oportunidade para motivar as partes envolvidas, conectar o grupo, elevar o conhecimento, a criatividade e estimular o crescimento. Contudo, os conflitos também podem gerar efeitos negativos e depende da responsabilidade de quem assume, quais as estratégias e instrumentos utilizadas para gerenciá-los. 2.5 Liderança na gestão de conflitos Obeservar e prever os problemas possíveis no ambiente organizacional são consideradas as melhores formas de conseguir fazer uma gestão de conflitos mais eficiente. Isso significa que é primordial o líder trabalhar de maneira efetiva os conflitos gerados e, para isso, é relevante que entenda quais são as causas do problema. Um dos grandes erros cometidos pelos gestores é ignorar a existência do conflito como forma de fugir da responsabilidade de sua resolução. Isso se deve principalmente à falta de habilidade interpessoal ou receio de agradar um grupo de colaboradores e desagradar outro. Parece mais fácil a famosa ideia de “deixar que eles se entendam por si”. É um pensamento bastante arriscado, que pode colocar a perder o desempenho da equipe. Um conflito bem administrado pode se transformar em um fator motivador de grandes mudanças e ter um efeito altamente positivo. Em outras palavras, o conflito pode contribuir para o amadurecimento da organização, se o gestor souber utilizar a situação a seu favor (Assis, & Straub, 2018). Para Knapik (2012), o papel dos gestores na administração de conflitos consiste em transformá-lo em oportunidades de aprendizagem organizacional e de mobilização para novos métodos de trabalho, bem como em minimizar a probabilidade de eclosão de novos conflitos, que podem ser gerados por: Dificuldades de relacionamento oriundas da relação entre colegas de trabalho, de liderança ou gerenciamento ineficaz; Dificuldades por falta de recursos que dão suporte, como ambiente físico, falta de equipamentos, dentre outros; Fatores ambientais 387 (mercadológicos, legais, dentre outros) e sociais (divergências de religião); Excesso de trabalho, já que o ideal é que as pessoas procurem o equilíbrio, conciliando trabalho, lazer e afetos. Conforme Lalau (2017), uma gestão competente precisa conhecer muito bem as gerações com as quais trabalha, para, assim identificar as principais características de cada uma, visando extrair o melhor dos funcionários. É preciso um olhar estratégico sobre diferenças e enxergar como elas se agregam, não existe geração melhor ou pior, as contribuições de cada uma são diferentes. Cavalcanti (2006) refere que perante a perspetiva política, a gestão é vista como um processo direcionado para o controle do conflito, no qual o gestor interage com a equipe, tentando gerir os aspetos que provocam concorrências internas. “Para conseguir resultados, o gestor precisa ser um conhecedor do seu ambiente de atuação e das estruturas organizacionais” (p.18). Robbins (2009) pondera que não há uma forma de administração de conflito que seja sempre a melhor, cabendo ao gestor, dentre as formas de administração de conflitos já citadas, escolher a mais apropriada para cada uma das situações. Exemplo disso, é que a colaboração pode ser utilizada para encontrar uma solução quando as partes envolvidas no conflito têm interesses significativos para serem comprometidos, quando do seu intuito primordial for a aprendizagem, para assim, obter empenho ou ainda para trabalhar sentimentos que podem interferir no relacionamento entre os integrantes da equipe. 3. PROPOSIÇÕES Conforme apresentado anteriormente, verifica-se a importância do papel do líder na gestão de conflitos, a relação aos valores organizacionais, na qual se observa como a diversidade afeta o comportamento na organização e a interferência nos resultados em uma empresa de tecnologia. Embora,o enfrentamento do conflito seja incômodo, percebe-se que isto não faz aumentar o conflito em si. Ao contrário do que muitos pensam, não falar sobre o problema é que tem o efeito de acentuar as dificuldades, conforme os autores explicitam em seus estudos neste artigo. Lidar com essas implicações não é uma tarefa fácil, além de ser muito exigente, uma vez que envolve aspectos intangíveis, o contexto organizacional e diversas 388 outras peculiaridades, mas qualquer que seja adificuldade, o conflito precisa ser interpelado pelo gestor, servindo-lhe no momento decidir pelas intercorrências de defrontação. Diante do exposto neste artigo, acredita-se que se podeaplicar algumas práticas para auxiliar os gestores no gerenciamento dos conflitos dentro da sua equipe. Conforme foi possível observar na literatura, o atual cenário empresarial comporta uma diversidade de perfis profissionais, na interação desses indivíduos surgem as diferenças e os conflitos organizacionais e nesse contexto as empresas precisam de orientação na condução e verificação da base dos conflitos e dos envolvidos. Assim, cabe esperar que a Prática 1, a seguir, gere bons resultados neste contexto: Prática 1: Inicialmente, se faz necessário identificar onde se encontra o problema e as partes envolvidas, antes de tomar atitudes. Consultar e ouvir todos os envolvidos, para assim entender a causa do conflito. Diante do exposto de diversos autores, é importante o papel de moderador diante das situações ocorridas dentro da empresa de tecnologia. Por estarem numa colocação acima, alguns líderes acreditam que tem o conhecimento sobre tudo, e que não necessitam ouvir ninguém. Os autores afirmam que saber ouvir gera relacionamentos, pois pessoas querem ser percebidas, e assim se o líder souber ouvilas, ele produz um relacionamento considerável e de segurança, gerando a confiança entre as partes, permitindo que as pessoas sempre o procurem, e assim possibilitar a sua influência. Com isso, almeja-se que a Prática 2, apresente boas perspectivas: Prática 2: Seja o Facilitador. Tenha o papel de não ser o solucionador de problemas. Instigue que os próprios envolvidos acordem a melhor forma de resolver o problema. Caso precise, colabore a engendrar a solução e acertar-se os acordos. Pensando em minimizar os problemas dentro das empresas de TI com relação aos líderes, a literatura sugere que os colaboradoresevitem conflitos por ter se posicionado contrariamente ao que a empresa, os colegas e o gestor pensam sobre determinados assuntos. Para tal, indicam a imparcialidade e assim, impedir que os profissionais desviem o foco de seu trabalho e projetos com questões que eles não têm poder para resolver no momento. Para isso, é preciso mostrar respeito às opiniões 389 alheias e habilidade social. Assim, acredita-se que a Prática 3, venha gerar bons resultados: Prática 3: Seja Neutro.Imparcialidade é crucial, para não ser tendencioso e ter equívocos. Enxergar-se na situação de cada um dos envolvidos pode facilitar o entendimento e análise dos acontecimentos. Atualmente autores e especialistas afirmam que o feedback é uma das melhores soluções para que as empresas se mantenham no caminho para o êxito. Os colaboradores da empresa são estimulados ao aprendizado constantepor meio do feedback, e assim, serem reconhecidos pelo bom desempenho, além de obter resultados favoráveis. Com isso, espera-se que a Prática 4, apresente boas perspectivas Prática 4: Incentive a cultura de feedback. Crie um ambiente organizacional que valorize o diálogo e resolva as dificuldades desde o início, para eveitar assim que elas surjam. Assim, é possível seguindo as práticas supracitadas que uma empresa de tecnologia da informação com tais situações possa melhorar sua produtividade. Pode-se ampliar as ideias sugerindo para a continuidade deste estudo a utilização de pesquisa de campo, pois dessa maneira pode-se abordar os envolvidos nas empresas de TI citadas neste artigo, e assim, obter-se resultados mais condizente com a realidade, pois até o momento uma resposta precisa e definitiva a essa questão não parece possível. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo foi desenvolvido com o intuito de compreender o papel da liderança na gestão de conflitos, visando minimizar a diversidade e maximizar a produtividade em uma empresa de tecnologia da informação. Inicialmente, conheceu-se as teorias do comportamento organizacional, valores organizacionais, conflitos, diversidade, a liderança e o seu papel na gestão dos conflitos, além de analisar se há impacto na produtividade e assim, sendo criado algumas práticas para ajudar os gestores no gerenciamento dos conflitos. O conflito pertence as quaisquer equipes bem como as organizações e é relevante o impacto do líder como gestor emocional dos membros de uma equipe, por meio de sua conduta, visto que a omissão colabora para estimularo conflito à medida 390 que as pessoas não tem o controle de suas atitudes e poderem tomar decisões por si próprias. Sob este aspecto, a competência do líder torna-se fundamental na gestão deste processo. Para pessoas que exercem liderança em qualquer área, este trabalho mostra a importância da habilidade de gerenciar conflitos, sendo esta uma competência interpessoal essencial para gestores e sugere necessidade de maior atenção para o tema. Os autores afirmam que nem sempre os conflitos são negativos, pois funcionam como motivações para mudanças. A empresas de TI devem investir em seus líderes capacitando-os para gerenciar os conflitos e assim, evitar a perda nos resultados. Além disso, ter um profissional preparado e que seja especialista neste assunto, e assim, a empresa terá mais chances de obter sucesso nas mediações de conflitos e consequentemente nos resultados. Conclui-se, portanto, que é necessário obter uma atenção maior aos envolvidos em uma empresa de tecnologia da informação, saber de que modo estão interagindo, se as características individuais de cada um estão sendo respeitadas e como utilizar a diversidade e os conflitos, sendo intermediado pelo líder a favor da empresa. 391 REFERÊNCIAS Andrade, A. Comportamento Organizacional. (2018). Disponível em: <https://administradores.com.br/artigos/comportamento-organizacional>. Acesso: 19 abr. 2019. Assis, A. F., Straub, A. (2016). Gestão de conflitos: a oportunidade de aprendizagem através da exploração de divergências. Revista FAE, Curitiba, 19 (2), pp. 220-231. Barreiro, J. L. C. D. B. et al. (2015). Diversidade nas Organizações: Uma Análise de Resultados. 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Tese (Doutorado) – Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. 393 CAPÍTULO 21 AO DISCURSO NEGACIONISTA/RELIGIOSO E CIENTÍFICO EM TEMPOS DE PANDEMIA – COVID-19 Priscila Figueiredo Miranda Rabello Mestranda do Curso de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (FUV/ES) Graduada em Pedagogia (UFES). Especialista em Educação Especial E-mail: prifimira@gmail.com Joana d’Arc Araújo Silva Mestranda do Curso de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (FUV/ES) Graduada em Pedagogia (ICMG) E-mail: sirana66@yahoo.com.br Heloisio Costa de Oliveira Mestrando do Curso de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (FUV/ES) Graduado em Arte (UFF), Especialista em Filosofia – Teologia e Coordenação Pedagógica E-mail: heloisiomusico@gmail.com Onildo de Souza Moraes Mestrando do Curso de Ciência das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (FUV/ES) E-mail: onildomoraes@yahoo.com.br Monique Ludugério Garcia Mestranda do Curso de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (FUV/ES) Graduada em Administração de Empresas (UFF) E-mail: moniqueludgarcia@gmail.com Luciene Sipriano Mestranda do Curso de Ciências das Religiões da Faculdade Unida de Vitória (FUV/ES) Graduada em Letras Português / Inglês (Faculdade Saberes) E-mail: lso2013cipriani@gmail.com RESUMO: A pandemia trouxe para o mundo consequências desastrosas e de difícil reparação. Demonstrou-se que além da crise gerada na área da saúde, também, instalaram-se disputas de ordem política, as quais dividem opiniões. Dessa forma, este artigo tem o propósito de mostrar no contexto da pandemia do Covid-19 as disputas travadas entre dois discursos: o negacionista e o científico e suas consequências. Para isso, pretende-se utilizar a pesquisa bibliográfica e exploratória. Nesse momento em que as disputas trazem incertezas, torna-se relevante refletir sobre tais implicações. A partir dessa contextualização, levantamos as seguintes questões: Quais as disputas advindas desses dois discursos opositores? Como são Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 394 representados os evangélicos em meio a essa disputa discursiva? O resultado mostrou que as disputas são de cunho político e motivam ainda mais as incertezas. Parte dos evangélicos são representados ao lado de Jair Bolsonaro como negacionistas que acumulam também um poder político, são incompreendidos e criticados por esse posicionamento. PALAVRAS-CHAVE: Pandemia; Negacionismo; Cientificismo; Religião evangélica. ABSTRACT: The pandemic has brought disastrous consequences to the world that are difficult to repair. it was demonstrated that, in addition to the crisis generated in the health area, political disputes had also arisen, which divided opinions. Thus, this article aims to show, in the context of the Covid-19 pandemic, the disputes between two discourses: the denial and the scientific and their implications. For this, it is intended to use the bibliographical and exploratory research. At this moment when disputes bring uncertainty, it becomes relevant to reflect on such implications. From this context, we raise the following questions: What are the disputes arising from these two opposing discourses? How are evangelicals represented in the midst of this discursive dispute? The result showed that the disputes are of a political nature and further motivate uncertainties. Part of evangelicals are represented alongside Jair Bolsonaro as deniers who also accumulate political power, are misunderstood and criticized for this position. KEYWORDS: Pandemic; Negationism; Scientism; Evangelical religion. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 395 1. INTRODUÇÃO Em pleno século XXI, no ano de 2020, o mundo foi surpreendido pelo novo coronavírus, o Covid-19. A princípio não se deu muita importância a esse fato, mas em pouco tempo a humanidade percebeu que os efeitos causados sobre a saúde das pessoas, além de pouco conhecidos, são letais. Isso se tornou um desafio para os cientistas os quais buscam uma vacina imunizante. Porém, como essa solução será a longo prazo, para se evitar a morte de milhares de vidas foi preciso adotar medidas imediatas, tais como: distanciamento social, isolamento, fechamento de escolas, estabelecimentos comerciais e templos religiosos e a quarentena isolando, as pessoas ao redor do mundo e alterando, repentinamente, a rotina da população. A partir desses acontecimentos e suas consequências, cabe uma adesão às reflexões de Santos (2020) o qual afirmou que a pandemia serviu para revelar sérios problemas existentes no Brasil como as desigualdades, as diferenças e os despreparos. Esse contexto aponta para um presente caótico e um futuro de incertezas impactado pelo panorama atual. Nesse momento de pandemia, sabemos que muitos discursos se entrelaçam e uma das formas mais comuns de conhecê-los é pelo meio digital. A tecnologia da informação acabou acirrando esse processo discursivo onde a Web se tornou o palco das principais disputas. Nesse sentido, busca-se cada vez mais a tecnologização do discurso como meio de aperfeiçoá-lo a fim de que possa ser utilizado como forma de convencimento (MAINGUENEAU, 2015). Sendo assim, pretendemos analisar dois discursos que disputam o poder. O primeiro diz respeito ao discurso negacionista cujos representantes são o expresidente dos Estados Unidos e o atual presidente do Brasil, assim como, as lideranças econômicas e religiosas pentecostais. O segundo é o discurso científico o qual tem por adeptos médicos sanitaristas, apoiados por instituições como a OMS (Organização Mundial da Saúde), a Fiocruz e os governadores dos Estados brasileiros (ROMANO e et al., 2020). A partir dessa contextualização, levantamos as seguintes questões: Quais as disputas advindas desses dois discursos opositores? Como são representados os evangélicos em meio a essa disputa discursiva? Nosso objetivo é analisar os argumentos entre esses dois discursos e como a sociedade representa e envolve os Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 396 evangélicos nela. Para isso, utilizaremos a pesquisa de cunho bibliográfica e exploratória. Uma vez que nesse cenário de disputas discursivas, incertas, se torna relevante conhecer as implicações deles para a sociedade. Ao longo da história da humanidade aconteceram outras pandemias. Para a OMS o conceito que designa uma doença como pandêmica, é a sua capacidade de se alastrar por diversas regiões do Planeta. Senhoras, identifica como fator facilitador nas primeiras pandemias, a “dinâmica demográfica” consequência da expansão da humanidade em suas três ondas.1 O autor destaca também certa padronização e periodização temporal nas pandemias de maior relevância na história, que “embora sem precisão estatística, partindo do século VI com a conhecida “Praga de Justiniano”, passando pelo século XIV com a “Peste Negra”, até se chegar ao século XX com a “Gripe Espanhola”, guardam entre si certo espaçamento.2 Desta forma é preciso aprender com as pandemias anteriores nas ações das eventuais pandemias que possam se apresentar. Assim, devido à incidência do novo coronavírus a OMS, prudentemente, declarou pela 6ª vez o estado de emergência internacional. Esta medida já havia sido tomada em epidemias anteriores como Ebola (2018 e 2016), zika vírus (2016), poliomielite (2014) e gripe suína, H1N1 (2009).3 Inclusive a última pandemia que ceifou o mundo, denominada de Gripe Espanhola, foi bem mais cruel no número de vítimas em relação à Covid-19. “Em 1918, a população mundial era de 1,8 bilhão e a pandemia matou provavelmente, 50 a 100 milhões de pessoas”4. 2. DISCURSO E PODER Para entender o que é discurso e poder é necessário lembrar que segundo Foucault “[...] saber e poder eram exatamente correspondentes, correlativos, superpostos, não podia haver saber sem poder. E não podia haver poder político sem 1 SENHORAS, Elói Martins. CORONAVÍRUS E O PAPEL DAS PANDEMIAS NA HISTÓRIA HUMANA. Boletim da Conjuntura. Ano II | Volume 1 | Nº 1| Boa Vista | 2020, p.29. 2 SENHORAS, Elói Martins. CORONAVÍRUS E O PAPEL DAS PANDEMIAS NA HISTÓRIA HUMANA. Boletim da Conjuntura. Ano II | Volume 1 | Nº 1| Boa Vista | 2020 p.30. 3 SENHORAS, Elói Martins. CORONAVÍRUS E O PAPEL DAS PANDEMIAS NA HISTÓRIA HUMANA. Boletim da Conjuntura. Ano II | Volume 1 | Nº 1| Boa Vista | 2020, p.31. 4 BARRY, John M. A grande gripe: a história da gripe espanhola, a pandemia mais mortal de todos os tempos. Tradução de Alexandre Raposo, Carmelita Dias, Cássia Zanon, Lívia Almeida. Maria de Fátima Oliva Do Coutto e Paula Diniz. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020. p. 503. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 397 a detenção de um certo saber especifico.” (FOUCAULT, 1978, p.39). Em várias passagens pela história da humanidade, os entendimentos que se tinha de saber e de poder estiveram juntos. Desta forma, pressupõe-se que é possível analisar o discurso da pandemia e as disputas advindas desse acontecimento estudado por Romano e et al (2020) a partir de dois pontos citados por Maingueneau (2015). No primeiro, na análise do discurso, não descende de uma única corrente, por isso, quando se trata de analisar um assunto podem ocorrer posicionamentos diversos acerca dele. Maingueneau (1995), argumenta que o discurso somente se torna verdadeiramente objeto de um saber se ele for assumido por diversas disciplinas que possuem cada uma um interesse específico. Pressupõe que, neste bojo, está presente várias disciplinas que dialogam com a análise do discurso, são elas: as teorias da argumentação, análise crítica do discurso, a sociolinguística e a análise da conversação. Não se tem espaço para um discurso isolado, neutro. Ele tem que estar contextualizado. Nesse sentido, a análise do discurso é considerada uma área movediça, ou seja, cujo processo discursivo é incerto e cheio de surpresas. O segundo é a “tecnologização” do discurso. Ao contrário do que diziam nos anos 60 que a análise do discurso seria um método transitório e para pouco tempo (MAINGUENEAU, 2016), atualmente, percebe-se cada vez mais a importância dessa disciplina, e o termo “tecnologização” assinala as muitas correntes que têm o discurso por objeto bem como as diversas entidades sociais que necessitam das análises a respeito dos mais diversos temas em voga na sociedade. Por outro lado, tais estudos levam a compreender, também, sobre a necessidade de controlar os processos discursivos buscando dar uma solução em meio ao caos. Dessa forma, os discursos que as autoridades querem apresentar é aquele que vai acalmar os ânimos da sociedade, tranquilizando e trazendo a harmonia necessária para sua continuidade. Romano e et al (2020) chamam a atenção para o fato de que a pandemia provocada pelo Covid-19 pode ser vista como um “acontecimento” que ao mesmo tempo em que desestabiliza traz oportunidades de disputas políticas, religiosas e científicas. Cada uma buscando dar uma solução ou uma resposta sobre o problema para a sociedade. Porém, como as várias correntes ou pontos de vista acerca desses assuntos obedecem a uma ordem de pensamento social diferente, torna-se uma disputa que Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 398 muitas vezes divide as opiniões e acaba apontando, cada vez mais, para maiores incertezas. Como Maingueneau (2015) afirmou a análise do discurso é um terreno movediço. 3. DISCURSO NEGACIONISTA O discurso anticientífico não é novo, mas faz parte de uma conjuntura sóciohistórica. Podemos dizer, contudo, que na atualidade ele encontrou fatores propícios para sua proliferação. De acordo com Fetter (2020) tais fatores estão relacionados à economia, à política e à tecnologia. Esta última tem a responsabilidade central, uma vez que propicia às pessoas adquirirem informações como ferramenta eficaz de desenvolvimento humano, mas também pode servir de veículo de disseminação de notícias inverídicas. Em consequência disso, a falta de censo crítico acaba fazendo com que a população concorde com quaisquer ideias. Analisando o cenário político que se formou desde a pré-candidatura do Presidente Bolsonaro até as consequências no decorrer da pandemia do novo coronavírus - Covid-19 não causam espanto se pensarmos que foi marcado pelo negacionismo. Nesse sentido, Caponi (2020) cita vários fatos que nos fazem compreender essa afirmação. Segundo o autor Esse negacionismo que foi adotado pelo atual governo já na campanha eleitoral, com seu desprezo pelas universidades, pela pesquisa científica, pelos direitos das populações vulneráveis, pelas comunidades indígenas, LGBT, populações de rua, mulheres em situação de violência etc., agravase em tempos de epidemia, quando existe maior necessidade de um Estado presente que garanta o exercício dos direitos (CAPONI, 2020, p. 211). Embora estejamos falando, especificamente, da figura do presidente do Brasil, a motivação maior de suas ações recaia sobre o ex-presidente dos Estados Unidos que era uma espécie de garantidor delas. A estes se juntaram lideranças econômicas e religiosas pentecostais (ROMANO e et al, 2020). Os adeptos desse discurso tratam a situação como um acontecimento que se deve atribuir pouca relevância. Oriundo do discurso das mídias as expressões “é uma gripezinha”, “o Brasil não pode parar”, “histeria”, “hidroxicloroquina salva”, “Finalzinho da Pandemia”, “Lamento as 200 mil mortes, mas a vida continua”5 consegue significar o que acreditam (ARRUDA, 2021). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 399 Nesse sentido, buscam dar ênfase a argumentos que distorcem as orientações. Sendo possível exemplificar com discursos de cientistas econômicos, tais como: deve-se priorizar a economia porque se o Brasil parar a situação tende a piorar; ou o da organização Mundial de Saúde (OMS): deve-se adotar o isolamento social horizontal, tomando os cuidados necessários. Desta forma, acreditam que o lockdown pode causar mais óbitos se comparado ao coronavírus. Além do mais, incentivam a utilização de terapias medicamentosas como a Cloroquina, mesmo sem comprovação científica, o que pode causar efeitos colaterais danosos à saúde. Aliado à política negacionista e ao uso de medicamentos ineficazes à cura da pandemia estão as fake news acerca da Covid-19. Este fato prejudicou as relações sociais e econômicas do Brasil, criando um fosso entre os que acreditam na ciência e na vacina e aqueles fanáticos que acreditam ser o vírus algo produzido pela China ou um castigo divino, como acreditavam os homens e mulheres no medievo, referente à peste negra. Recentemente, na maior pandemia de nossa história, várias ações negligenciadas, igualmente, foram criadas acerca da Gripe Espanhola. “As mentiras das autoridades e da imprensa nunca permitiram que o terror se tornasse real [...] O medo, não a doença, ameaçou a ruptura da sociedade”6. Ao contrário do que se possa pensar, o atual Presidente da República do Brasil representa uma liderança que exerce influência sobre muitos grupos políticos e sociais. Nesse sentido, Caponi (2020) aponta em seu trabalho como ele mobilizou campanhas pró-Bolsonaro que lutaram a favor de seus ideais. Por exemplo, nos locais onde ele tem simpatizantes políticos, suas declarações dificultaram o isolamento social, o lockdown e até mesmo incentivou o uso indiscriminado da Cloroquina. A autora assinalou que no dia 14 de maio de 2020 a declaração de Bolsonaro de que o Brasil está em guerra adquiriu um duplo sentido: guerra contra o vírus ou contra os governadores? A resposta é contra os governadores, adeptos do discurso científico e que, apesar do número de contaminados e mortos divulgados no site do próprio governo federal7. optaram por seguir um caminho contrário. Nesse cenário de embates ideológicos, também, há de se ressaltar o trabalho dos jornalistas que, sob forte tensão, precisam ao mesmo tempo divulgar, tanto, os apelos da ciência quanto o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 400 4. DISCURSO CIENTÍFICO O discurso científico é incisivo pela maneira como trata suas descobertas e como aprova ou desaprova socialmente determinados casos. Há por trás de tudo métodos rigorosos que vão de encontro ao puro senso comum. Demonstrando essa perspectiva, Maingueneau (2020) ao examinar o contexto depandemia, especialmente, em relação à Covid-19 traçou reflexões para mostrar que não somente os cientistas sabem sobre esse assunto, mas a população em geral passou a ter acesso às informações científicas divulgadas pela mídia. Outro aspecto é o que se pode apreender sobre a pandemia ocorrida no século XIX. Na época, esse termo era mais conhecido como peste ou catástrofe. Atualmente, para a ciência o termo “Coronavírus” constitui uma construção conceitual, pois o vírus é uma categoria biológica e Corona uma subcategoria. Nesse sentido, a construção científica do termo “Coronavírus” força a pensar que o vírus perdeu a categoria de peste e está em um invólucro ou uma caixa que pode ser controlada pelo ser humano. Essa visão científica da pandemia exclui qualquer outra forma de pensar, inclusive a religiosa, colocando a ciência como aquela que tem o poder de controlar a situação e dar tranquilidade à população. Um terceiro aspecto que vale ressaltar é a figura do perito que é aquele responsável por dar as informações sobre a pandemia. O discurso levado a mídia por esse perito precisa demonstrar credibilidade nesse momento de incertezas. Em relação a tais discursos, notamos que eles foram sintetizados pelos gráficos e esquemas, isto é, a pandemia tornou-se números que são interpretados pelos peritos e jornalistas. Contudo, o problema não é simples de ser resolvido se pensarmos na informação de qual perito podemos considerar: se ligado ao governo ou ao comitê científico. O discurso científico o qual tem por adeptos médicos sanitaristas, apoiados por instituições como a Organização Mundial da Saúde e a Fiocruz, além dos governadores de vários Estados brasileiros, tais como São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão e os demais do Nordeste; e dos governos de países, tais como Rússia, China, Argentina, França, Alemanha, Nova Zelândia, dentre outros. Para os partidários desse discurso deve-se preservar a saúde e a sustentabilidade da vida, defendem o isolamento social horizontal e o lockdown, a fim de garantir o bem estar da população e a sustentabilidade da economia futuramente. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 401 Presente no discurso da mídia a expressão fique em casa reflete esse pensamento (ROMANO e et al., (2020). Pensar nesse lugar de disputas discursivas, nos leva a pensar em como será o pós- pandemia ou o “novo normal” como dizem. Por meio de Romano e et al (2020) podemos entender que para um cientista o futuro é o resultado de uma equação entre o passado e o presente. Assim, há especulações de muitos especialistas, por exemplo, no livro Sopa de Wuhan de Slavoj Žižek o capitalismo foi ferido de morte e surgirá uma nova ordem comunista baseada na cooperação; para Byung-Chul Han, o vírus completará o atentado terrorista, o capitalismo se fortalecerá graças às tecnologias e surgirão governos totalitários; segundo Ignacio Ramonet, haverá um choque entre a velha normalidade e a nova normalidade, aprofundando as desigualdades sociais; Michel Wieviorka diz que faltarão atores sociais para levar as ideias adiante; Walden Bello diz que os sentimentos pessimistas serão o cerne utilizado pela extrema direita e esquerda para promover transformações. Observando tais ideias diversas, perceber-se um futuro de incertezas em que pelas suas previsões “tecnologizadas” os especialistas tentam forçar um discurso profético mostrando que tem o poder de controlar os momentos incertos. Porém, o que se percebe mesmo são discursos vazios no terreno discursivo das incertezas. 5. REFLEXÕES SOBRE O COMPORTAMENTO DOS EVANGÉLICOS NA PANDEMIA No site do Instituto Datafolha, no dia 03 de abril/2021, podemos ter acesso à pesquisa de opinião sobre a pandemia do COVID-19. De acordo com a exposição dos dados, os evangélicos estão avaliando com mais critérios as ações do governo de Jair Bolsonaro e relativizando a pandemia, considerando a posição de que o isolamento social é aceito pela maioria dos grupos religiosos. Entretanto, alguns dados merecem nossa atenção: 37% da população geral defendem que a volta ao trabalho, entre os evangélicos esse número é de 44%; 33% da população em geral atribuem “bom” e “ótimo” a maneira como o Presidente da República tem conduzido a crise, contudo, entre os evangélicos esse número chega a 41%. Esses dados demonstram que o presidente, adepto do discurso negacionista, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 402 exerce uma forte liderança entre os evangélicos e uma preocupação para os adeptos do discurso científicos. Se considerarmos esses dados mais o fato de que os evangélicos crescem em número e em capacidade de lobby, que representam 31% dos brasileiros e ocupam 107 das 513 cadeiras da Câmara Federal, são fatores que devem ser considerados na análise desse cenário político (DATAFOLHA, 2020). Compreender o comportamento político desse grupo é, portanto, fundamental para percebermos com nitidez o desenrolar dos fatos no cenário político nacional e não podem ser explicadas de maneira simplista. Dessa forma, em relação a esses dados que influenciam as notícias na mídia, podemos observar que elas assinalam por um lado que os fiéis são manipulados por suas lideranças, mas por outro, estão alinhados a político do governo de Jair Bolsonaro. A mídia mostra ainda que as lideranças religiosas como os pentecostais locais investem na crença e na fé como meio sobrenatural de curar os acometidos pela Covid- 19. Tais lideranças são apoiadas pelo presidente, os quais juntos convocaram jejuns religiosos com o objetivo de erradicar o vírus que é caracterizado por clichês como: “Tática de Satanás”, “pandemia maligna”, “histeria”, “sinal de Deus”. Além disso, os evangélicos tem uma visão profética e escatológica sobre o advento da pandemia, tais como: “É previsto pela palavra de Deus”, “aponta para a segunda vinda de Cristo”, “É um sinal do fim dos tempos”. No entanto, essa visão em certa medida contribui para reforçar o discurso anticientífico (GONÇALVES, 2021). Os religiosos querem que seja resguardado o direito de cultuar nos templos, assim como soluções controversas, como a imunização por meio de óleo ungido ou pela cloroquina de Jesus (ROMANO e et al, 2020). Como se pode perceber, em tempos de pandemia muitos são os perigos do discurso negacionista religioso e científico. O principal efeito, porém, é a geração de um nível de desinformação que agrava os índices de infectados e, por conseguinte, eleva consideravelmente o volume de mortos. Mas aqui é preciso fazer algumas indagações, tais como: Por qual razão, no Brasil e no mundo, nos últimos anos, tem crescido a onda negacionista do conhecimento científico? Quem ganha com isso? E o que exatamente essas pessoas ganham com a difusão do discurso negacionista? No âmago da abertura política e da liberdade de expressão surgidas nos anos 80 do século passado, muitos setores vêm revelando certo desconforto, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 403 inconformados com as mudanças que, aos poucos, conferiram mais direitos sociais à população. Assim, buscam, de diversas formas, criar situações para legitimar intervenções autoritárias e conservadoras. De forma contraditória, tais setores fazem uso dos espaços democraticamente construídos, para negar, entre outras coisas, a própria democracia. Nos parâmetros pretendidos pelos setores mais conservadores da sociedade, as ciências tendem a ser reduzidas apenas ao conhecimento que possa embasar, minimamente, o fundamentalismo religioso que novamente se avizinha. Os valores comuns dos conservadores estão relacionados à importância atribuída à religião, à valorização das instituições intermediárias entre o Estado e os indivíduos (família, corporação etc.) e, por conseguinte, uma crítica à centralização estatal e ao individualismo moderno (FERNANDES E FERREIRA, 2021, p. 196). Percebe-se que o contexto social – vislumbrado pelos negacionistas – favorece apenas à institucionalização do caos social. Atualmente, o que os negacionistas buscam é a total desconstrução da base do conhecimento científico. Um exemplo é o surgimento de teses “esdrúxulas”, como é o caso da “teoria terraplanista” – que é, talvez, o maior exemplo de negaciocismo. Na Idade Média, a cultura, dominada pela Igreja, pouco conseguia exercer sua função crítica, de modo a provocar questionamentos no pensamento coletivo. Hoje, porém, o dano seria maior, visto que a cultura vigente – até mesmo pela força das novas formas de comunicação, as quais alcançam imenso contingente – possui imensurável capacidade de estimular a reflexão acerca dos problemas sociais. Assim sendo, o cerceamento das ciências estaria, dessa vez, calando vozes bem mais potentes do que eram as vozes da ciência na Idade Média. Ora, debater acerca de nova tese é algo positivo. É salutar, para a sociedade, que as novas ideias sejam submetidas às mais complexas contradições. Porque é assim que as ciências avançam – tese, antítese, síntese. No entanto, o que os negacionistas pretendem não é a evolução do pensamento. Bem ao inverso, buscam destruir as poucas certezas, que constituem a base do conhecimento científico – construído ao longo de milênios. Querem colocar em dúvida e, assim, enfraquecer o conhecimento científico já consolidado. Ao provocarem o debate acerca do saber consolidado, querem causar a derrocada das ciências, igualando-as a qualquer saber informal – em que os argumentos mais sem sentido ganham adeptos fervorosos. E assim, com as certezas Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 404 científicas sendo trazidas ao mesmo nível da banalidade e do empirismo, as grandes massas pouca ou nenhuma chance terão de construírem um mundo mais justo – pelo simples fato de que sequer saberão o que é “justo” e o que é “mundo”. Então, o negacionismo religioso e científico é basicamente um movimento cujo principal objetivo é o enfraquecimento do saber científico já consolidado, o que serve, entre outras coisas, para enfraquecer a defesa da escola pública – especialmente as universidades –, bem como para tornar as massas populares mais facilmente manipuláveis, já que agora passam a seguir discursos totalmente esvaziados de conteúdo científico sólido. Até 2019, o negacionismo habitava tão-somente os ambientes virtuais e os debates acadêmicos. Na pandemia, contudo, o negacionismo se fez concreto, confundindo as massas populares no que diz respeito às formas ideais de se combaterem o covid-19, o que, por conseguinte, contribuiu significativamente para a elevação do número de mortes – no Brasil e no mundo. 6. CONCLUSÃO Que possamos entender o espírito deste tempo histórico e cuidar melhor de toda a criação. O tempo pandêmico – Covid-19, nos alerta: É necessário romper com o ciclo depredatório do capitalismo. Assim não é possível continuar! Necessitamos de uma nova organização social que respeite o comunitário, o coletivo, a natureza. (Ulrich, 2021, p. 40). Na análise dos discursos negacionista e científico durante a pandemia mostrou que em meio a uma situação de calamidade pública os governantes e outras lideranças se aproveitaram para criar polêmicas, deixando a população à mercê da sorte. No que se refere à pandemia enquanto as autoridades parecem um tanto desnorteadas e sem saber com agir, contudo, o vírus com sua natureza mortal age conforme essa natureza, infectando e mantando a população. Outra constatação é de que muitas lideranças capitalistas se aproveitam para transmitir a culpa ao vírus pelos problemas sociais, como a miséria, a segurança, falta de hospitais, etc. Contudo, sabemos que tais problemas são uma somatória de falta de investimentos em políticas públicas. Não é possível identificar um discurso dominante, mas uma divisão entre os discursos do Governo Federal e do comitê de ciências, os quais cada um procura dar explicações baseadas em suas visões com o objetivo de trazer estabilidade. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 405 Entretanto, essas disputas políticas causam mais a instabilidade em todos os setores sociais. Nessa disputa discursiva, os evangélicos figuram como negacionistas. O fato de a mídia mostrar este grupo alinhado com as ideias do Presidente da República deixa transparecer que as lideranças evangélicas acumulam também um poder político e temporal. Além do mais, por não serem compreendidos pela fé e suas práticas religiosas isso acaba por motivar ainda mais as críticas da população. Como resultado de um país com princípios religiosos tradicionais e com uma grande desigualdade econômica/cultural, observamos que o “caos” é sempre intensificado, pois quando não se conhece o histórico político do país ou as consequências reais da má administração econômica, as palavras administradas sob o ângulo religioso bastam. Afinal “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” é o slogan utilizado pelo presidente e seus apoiadores, mas vale ressaltar que devemos lembrar que “Devemos fazer a nossa parte, para que Deus cumpra sua promessa em nossa vida”- Josué 1.9: “Nãote mandei eu? Esforça-te e tem bom ânimo; não pasmes, nem te espantes, porque o SENHOR, teu Deus, é contigo, por onde quer que andares”. É necessário que o Presidente busque organizar o país com visão ampla e a longo prazo, considerando as diversas esferas (econômica, cultural, educacional, meio ambiente, etc.) assim, considere suas interconexões e avalie os resultados com foco no crescimento do país. E a religião!? Cabe aos ministros religiosos ceifarem suas ovelhas, afinal cada gestor deve ter foco em sua área! Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 406 REFERÊNCIAS ARRUDA, Robson Lima de. O negacionismo como artefato da pós-verdade: Bolsonaro, a pandemia e a educação. BOLETIM DE CONJUNTURA (BOCA) - ano III, vol. 5, n. 15, Boa Vista, 2021. Disponível em: Acesso em: https://doi.org/10.5281/zenodo.4587656. Acesso em: 27 de setembro de 2021. CAPONI, Sandra. Covid-19 no Brasil: entre o negacionismo e a razão neoliberal. 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.111831-111844 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 408 CAPÍTULO 22 ANÁLISE DAS PRÁTICAS DE INTRODUÇÃO ALIMENTAR DE MÃES RESIDENTES EM BRASÍLIA - DISTRITO FEDERAL Ana Isabelly Siqueira Graduada em Nutrição pela Universidade Paulista Instituição: Universidade Paulista – Campus Brasília Endereço: SGAS - Asa Sul, Brasília - DF E-mail: anaisasiqueira17@hotmail.com Camila Araújo da Silva Graduada em Nutrição pela Universidade Paulista Instituição: Universidade Paulista – Campus Brasília Endereço: SGAS - Asa Sul, Brasília - DF E-mail: camilasilva.010@gmail.com Jessica Louranny Oliveira Rocha Graduada em Nutrição pela Universidade Paulista Instituição: Universidade Paulista – Campus Brasília Endereço: SGAS - Asa Sul, Brasília - DF E-mail: nutrijessicalouranny@gmail.com Bruna Nascimento da Silva Doutoranda em Saúde Integral, Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Instituição: Universidade Paulista – Campus Brasília Endereço: SGAS - Asa Sul, Brasília - DF E-mail: bruna.silva@docente.unip.br Ramyne de Castro da Paz Mestre em Ciências para a Saúde pela Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde, Fepecs/SES-DF Endereço: Unip - Sgas - Asa Sul, Brasília – DF E-mail: ramyne.paz@docente.unip.br Antônio José de Rezende Doutor em Agronomia pela Universidade de Brasília (UND – DF). Endereço: Unip - Sgas - Asa Sul, Brasília – DF E-mail: antonio.rezende1@docente.unip.br Renata Costa Fortes Pós-Doutoranda em Psicologia pela Universidad de Flores, Argentina Endereço: Unip - Sgas, s/nº - Conjunto B - Asa Sul, Brasília – DF E-mail: renata.fortes@docente.unip.br RESUMO: Objetivo do estudo é caracterizar as práticas de introdução alimentar de mães residentes em Brasília, Distrito Federal, Brasil. Trata-se de um estudo transversal, realizado em 2020 em uma creche privada de Brasília, Distrito Federal, Brasil. Foram aplicados dois questionários por meio de um formulário virtual, um referente a dados sociodemográficos das mães e o outro sobre introdução da Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 409 alimentação da criança. Na análise estatística foi realizada frequência para as variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas foram obtidas médias e desvios padrão. Participaram desse estudo 44 mães. A média da idade materna foi de 33 ± 6 anos e 75% delas não eram profissionais da saúde. Com relação a alimentação nos primeiros seis meses de vida das crianças, 70% das mães ofertaram o leite materno nas primeiras horas de vida e 55% mantiveram a oferta do leite materno exclusivo até o sexto mês de vida e 61,4% dos lactentes iniciaram a introdução alimentar no sexto mês de vida. A respeito da introdução alimentar, 80% das crianças realizaram como primeira refeição a papa de fruta com a consistência amassadas (93%), quase 100% das crianças receberam carne vermelha (91%), verduras e legumes (95%), arroz e feijão (91%). Entretanto, foi comum oferta de sucos, açúcar e mel também. Concluise que a introdução da alimentar se mostrou adequada em grande parte da amostra com boas fontes alimentares. Entretanto, foi observado também o uso precoce de suco e sal, o que pode comprometer a saúde da criança. PALAVRAS-CHAVE: Nutrição do Lactente, Alimentação Complementar, Nutrição Infantil. ABSTRACT: The objective is characterize the feeding introduction practices of mothers residing in Brasília, Distrito Federal, Brazil. This is a cross-sectional study, carried out in 2020 in a private nursery school in Brasília, Distrito Federal, Brazil. Two questionnaires were applied through a virtual form, one referring to the sociodemographic data of the mothers and the other about the introduction of child nutrition. In the statistical analysis, frequency analysis was performed for categorical variables. For continuous variables, means and standard deviations were obtained. 44 mothers participated in this study. Mean maternal age was 33 years ± 6 years and 75% of them were not health professionals. Regarding feeding in the first six months of life of children, 70% of mothers offered breast milk in the first hours of life and 55% maintained exclusive breast milk supply until the sixth month of life and 61.4% of infants started the introduction of food in the sixth month of life. Regarding the introduction of food, 80% of the children had a mashed fruit porridge (93%) as their first meal, almost 100% of the children received red meat (91%), vegetables (95%), rice and beans (91%). However, it was common to offer juices, sugar and honey as well. In conclusion, the feeding introduction practices proved to be adequate for most of the sample with good food sources. However, the early use of juice and salt was also observed, which can compromise the child's health. KEYWORDS: Infant Nutrition, Complementary Feeding, Child Nutrition. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 410 1. INTRODUÇÃO Nos primeiros anos de vida de uma criança, é primordial para seu desenvolvimento e crescimento que a nutrição ocorra de maneira adequada. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) em conjunto com o Ministério da Saúde (MS) recomenda que a criança permaneça em aleitamento materno exclusivo (AME) até completar os seis meses de vida, sendo a partir dessa fase que a introdução de alimentos complementares seja iniciada de forma correta, não deixando de manter o leite materno até a criança completar dois anos de vida (RIQUELME et al., 2021, JUSTINO et al., 2021, BRASIL, 2017; CARVALHO; OLIVEIRA; SANTOS, 2015; FRAGOSO; FORTES, 2011, DIAS; FREIRE; FRANCESCHINI, 2010, WHO, 2000). A alimentação complementar tem a função de complementar os nutrientes e a energia necessários para proporcionar crescimento e desenvolvimento saudáveis à criança. Quando realizada de forma correta, a alimentação complementar irá, além de satisfazer as necessidades nutricionais da criança, auxiliá-la no desenvolvimento dos aspectos motores, psicológicos e cognitivos e prevenir o surgimento de doenças (MOREIRA et al, 2021). A mãe tem um papel fundamental na vida da criança, e ela é capaz de fazer um elo entre a alimentação e a criança. As condutas inadequadas realizadas são consequências do desconhecimento sobre o assunto, do despreparo dos profissionais na orientação às mães e da falta de informação adequada (ARAUJO et al, 2004). Os alimentos tais como frutas, verduras, legumes, cereais, carnes, ovos, gorduras e raízes devem estar presentes no início da introdução alimentar (IA), além de serem os recomendados para se manter um hábito alimentar saudável (VITOLO et al, 2014). Em 2019, o “Guia Alimentar para crianças menores de dois anos de idade” teve o acréscimo de informações como a redução do consumo de açúcares e alimentos ultraprocessados pelas crianças. É de conhecimento que o consumo de alimentos industrializados, até mesmo por incentivo da mídia, aumenta a cada dia, podendo levar a ocorrência de problemas de saúde, como diabetes, obesidade e até mesmo problemas cardíacos. Por essa razão, o guia teve uma modificação em sua versão, trazendo agora os 12 passos para uma alimentação saudável, sendo apresentado de forma mais acessível em sua linguagem, com diminuição de conteúdo teórico (DIAS; FREIRE; FRANCESCHINI, 2010). Levando-se em consideração que a alimentação complementar tem a Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 411 finalidade de indicar gostos e preferências que vão seguir com a criança em todas as suas fases da vida, o presente estudo tem como objetivo caracterizar as práticas das mães referentes à introdução da alimentação complementar em uma creche privada de Brasília, Distrito Federal, Brasil. 2. MÉTODOS Este estudo respeitou os preceitos éticos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Paulista, Campus Indianópolis - SP, sob parecer número 4.183.255 e Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) número 33605120.2.0000.5512. Trata-se de um estudo transversal descritivo realizado com mães adultas. A amostra foi não probabilística por conveniência, realizada em 2020, com coleta de dados por formulário online, mediante os seguintes critérios de inclusão: mães ou cuidadores com idade maior que 18 anos, nas quais os filhos frequentavam a creche, com crianças entre 4 meses e 1 ano de idade. Os critérios de exclusão foram: mães de crianças com síndromes ou malformações congênitas que impossibilitassem a amamentação e mães que por alguma condição clínica estivessem contraindicadas de amamentar. Para a coleta de dados foram aplicados dois questionários via Google Forms®, sendo o primeiro referente a dados da mãe (idade, ocupação, quantidade de filhos e se realizou acompanhamento nutricional durante a gestação). E o segundo questionário com informações relacionadas às práticas realizadas pelas mães durante a IA (a partir de qual mês deu início a introdução alimentar, uso de fórmulas infantis, quais foram os primeiros alimentos ofertados para o bebê, qual a consistência das refeições após os 6 meses de vida, a oferta da água, ovo, frutos do mar, oleaginosas, carne vermelha, frutas e legumes, arroz e feijão, a oferta de açúcar e mel). Para a análise estatística, os dados foram lançados no programa Microsoft® Office Excel e analisados pelo software Stata 12.1 SE (StataCorp, 4905 Lakeway Drive, College Station, Texas 77845 USA). A caracterização da amostra foi realizada construindo-se tabelas de frequência para as variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas foram obtidas médias e desvios padrão. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 412 3. RESULTADOS Participaram desse estudo 44 mães residentes em Brasília-DF, com média de idade (anos) de 33±6; 25% (n=11) eram profissionais da área da saúde com nível superior, 64% (n=28) tinham apenas um filho e metade delas (n=22) realizaram acompanhamento nutricional (Tabela 1). Tabela 1 – Características sociais e clínicas de mães de crianças de uma creche privada de Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2020 (n=44) Características n Ocupação Profissional da área da saúde 11 (nutricionista, médico, psicólogo) 33 Outras áreas Quantidade de filhos 28 Somente 1 16 De 2 a 3 filhos Acompanhamento nutricional durante a gestação 22 Sim 22 Não Fp(%) 25% 75% 64% 36% 50% 50% Nota: n = número de mães. Fp% = frequência percentual. Com base nas características da alimentação nos primeiros seis meses de vida, 52% das mães não ofertaram fórmulas infantis, 55% ofertaram o leite materno até o 6º mês de vida, 61% iniciaram a introdução alimentar no 6º mês de vida (Tabela 2). Tabela 2 – Características da alimentação nos primeiros seis meses de vida de crianças de uma creche privada de Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2020 (n=44) Características da alimentação Uso de fórmula infantil no hospital Sim Não Aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida Sim Não Início da Introdução Alimentar No 6° mês de vida Entre o 4 ° e 5° mês de vida A partir do 3° mês de vida n Fp(%) 21 23 48% 52% 24 20 55% 45% 27 14 2 61% 32% 5% Nota: n = número de mães. Fp% = frequência percentual. Com relação às características da IA das crianças, 80% (n=35) receberam Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 413 como primeira refeição papa de frutas, sendo 93% (n=41) amassadas com o garfo (Tabela 3). Tabela 3 – Características da introdução alimentar de crianças de uma creche privada de Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2020 (n=44) Características Primeira papa ofertada Papa de fruta Papa salgada Consistência das refeições após 6 meses de vida Amassada no garfo Batida no liquidificador n % 35 9 80% 20% 41 3 93% 7% Nota: n = número de mães. Fp% = frequência percentual. Em relação aos alimentos ofertados na IA, 64% (n=28) das crianças receberam ovo, 16% (n=7) frutos do mar, 80% (n=35) peixe e 34% (n=15) oleaginosas. Observouse consumo de carne vermelha em 91% (n=40), verduras e legumes 95% (n=42), arroz e feijão 91% (n=40). A oferta de suco foi observada em 59% (n=26). Houve adição de açúcar na IA em 55% (n=24) e 43% (n=19) receberam mel antes dos dois anos de vida. Observou-se, também, que 18% (n=08) da oferta de bolachas recheadas, biscoitos e salgadinhos e 23% (n=10) das mães ofereceram chás para os bebês (Tabela 4). Tabela 4 – Alimentos ofertados na introdução alimentar de crianças de uma creche privada de Brasília, Distrito Federal, Brasil, 2020 (n=44) Alimento Ovo Frutos do mar Peixe Oleaginosas (castanhas e nozes) Carne vermelha Verduras e legumes Arroz/feijão Suco Açúcar Mel Bolachas recheadas, biscoitos e salgadinhos Chás Sim n (%) 28 (64%) 07 (16%) 35 (80%) 15 (34%) 40 (91%) 42 (95%) 40 (91%) 26 (59%) 24 (55%) 19 (43%) 08 (18%) Não n (%) 16 (36%) 37 (84%) 09 (20%) 29 (66%) 04 (9%) 02 (5%) 04 (9%) 18 (41%) 20 (45%) 25 (57%) 36 (82%) 10 (23%) 34 (77%) Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 414 4. DISCUSSÃO No presente estudo, mais da metade dos lactentes iniciaram a IA no sexto mês de vida e menos de 5% iniciaram a IA no terceiro mês de vida. A introdução precoce dealimentos à dieta da criança, antes dos seis primeiros meses de vida, pode culminar com consequências significativas para a saúde dela, com interferência nos processos digestivos e absortivos dos nutrientes (SILVA et al, 2021, FRAGOSO; FORTES, 2011). Em um estudo na Serra Gaúcha, foi verificado um percentual de 42,7% de lactentes iniciaram a IA antes de completar seis meses e 3,4% iniciaram antes de completar três meses de vida. Uma pesquisa desenvolvida no Ceará, com mães de bebês de até um ano, observou-se que 90% da amostra sabia que a IA deveria ser iniciada no sexto mês de vida do bebê. Acredita-se que questões culturais podem ter impacto no desmame precoce ou pode estar relacionado ao retorno da mãe ao trabalho fora do lar, já que a licença maternidade no Brasil é de quatro meses (MOREIRA et al., 2021; BRASIL, 2015). Outros fatores que podem estar relacionados ao desmame precoce incluem a falta de preparo dos profissionais de saúde na orientação e no manejo adequado perante as dificuldades encontradas pelas mães e a fragilidade das políticas públicas de saúde na promoção do aleitamento materno (SILVA et al, 2021). Fragoso e Fortes (2011) evidenciaram que cerca de 76,5% das nutrizes atendidas em um hospital público do Distrito Federal tiveram dificuldades para amamentar nos primeiros dias após o parto, o que reforça a falta de suporte adequado do serviço de saúde. Logo, o desmame precoce pode ser influenciado por uma diversidade de fatores, como biológicos, históricos, culturais, econômicos, sociais e psíquicos (JUSTINO et al, 2021). A OMS recomenda a introdução dos alimentos complementares a partir dos seis meses de idade. É por volta dessa fase, que o bebê já consegue ter um bom desenvolvimento motor e apresenta maturidade fisiológica, já sendo possível notar os sinais essenciais para a deglutição, a sustentação da cabeça e do tronco, o movimento de levar algo até a boca e o paladar já desenvolvido (BRASIL, 2019). Com relação ao tipo de preparação inicial na IA, a papa de fruta foi a mais prevalente. Resultados similares foram encontrados em um estudo feito com mães também brasileiras do sul do país em que foi possível identificar que 62% dos lactentes iniciaram a IA com papas de frutas, seguindo para as papas salgadas e os Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 415 sucos. Em contrapartida, um estudo em São Bernardo do Campo, observou que o início da IA foi arcado pelo consumo de papa de legumes, seguindo com frutas (SILVA; VENÂNCIO; MARCHIONI, 2010, WILLRICH, 2017). Não existem regras sobre a escolha de papa de fruta ou papa salgada no início da introdução alimentar. Mas, na prática clínica, observa-se que a oferta da papa de fruta é inicial, devido ao seu sabor ser adocicado e ter mais aceitação entre os bebês. Os primeiros anos de vida é um período importantíssimo para a aplicação de práticas adequadas de alimentação, pois é nesta etapa de vida que as habilidades são adquiridas para a formação de um padrão alimentar na vida adulta. Sendo assim, é importantíssimo que o início da alimentação complementar seja realizado com alimentos saudáveis e que vão contribuir para o desenvolvimento da criança (MONTEIRO, 2016). Encontrou-se alta prevalência de mães que ofertaram as primeiras papinhas na consistência pastosa. No estudo realizado por Baldissera, Issler e Giugliani (2016), em Porto Alegre, o resultado foi semelhante ao presente estudo. Das mães que foram entrevistadas, 79,7% ofertavam as primeiras papinhas na consistência pastosa. Carneiro et al (2015), em Recife, também encontraram resultados similares, em que 65,5% das mães entrevistadas também ofertaram as primeiras papinhas na consistência pastosa. Em uma pesquisa feita em duas universidades do Foz de Iguaçu, entrevistando mães universitárias, o percentual encontrado de mães que liquidificavam as papinhas foi superior a 30%. Em uma análise realizada no estado do Ceará, 48% da amostra acreditava que a consistência correta era liquida, elas justificaram essa conduta, devido ao fato do bebê não possuir dentes e não conseguir deglutir alimentos amassados e sim os liquidificados (MOREIRA et al, 2021, BRASIL et al., 2017). O recomendado é iniciar apresentando ao bebê uma consistência mais espessa, pastosa, como um purê e a mudança deve ocorrer de forma gradativa, passando da consistência pastosa para a sólida, até chegar na consistência da alimentação da família. Os alimentos devem ser ofertados em colher e serem preparados sem liquidificador, processador ou peneira. O objetivo é estimular a mastigação e proporcionar o conhecimento dos sabores e consistência dos alimentos, o que não é possível quando liquidificado (DALLAZEN et al., 2018). O estudo atual, teve um percentual de 82% de mães que não ofereceram bolachas recheadas, biscoitos e salgadinhos. Em um estudo desenvolvido na região Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 416 do Sul do Brasil, foi verificado que 64,5% das mães nunca tinham ofertado alimentos, como bolachas, salgadinhos entre outros que contém açúcar em sua preparação para seus filhos (BERCINI et al, 2007). O oposto foi evidenciado em uma pesquisa realizada em Maringá, 65,1% das crianças menores de um ano tiveram acesso aos alimentos como bolachas e salgadinhos. Assim como, um estudo realizado no município de Registro, em São Paulo, foi encontrado um percentual de 63,7% de crianças que receberam alimentos como bolachas, biscoitos ou salgadinhos no primeiro ano de vida (LOPES et al., 2020, TOMÁSIA, 2013). Nota-se que a prevalência do consumo de açúcar em muitos estudos aqui citados é alta. Tal hábito pode ser prejudicial, a criança que é exposta ao açúcar desde cedo tem dificuldades na aceitação de alimentos, com sabores não adocicados. Além disso, crianças que consomem açúcar em excesso podem apresentar alterações no sono e na saciedade. Outro aspecto é que alimentos industrializados, ricos em açúcar podem favorecer o desenvolvimento de doenças, principalmente obesidade infantil, diabetes e outras doenças crônicas não transmissíveis na vida adulta (ARAÚJO; COSTA, 2018). Neste estudo, 80% das mães ofertaram peixe aos seus filhos na introdução alimentar. Diferentemente dos resultados encontrados por Takushi et al. (2006) na cidade de São Paulo, em que 85,4% das mães não ofertaram peixe na introdução alimentar. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (2018), o peixe deve fazer parte da alimentação do bebê na IA. O peixe tem inúmeros benefícios para a saúde, principalmente na oferta de ácidos graxos ômega-3 e ferro. Além disso, ajuda no desenvolvimento do sistema nervoso central, previne doenças como a hipertensão, obesidade dislipidemia. A preocupação maior dos pais, na oferta do peixe ao bebê, é o risco de alergias, porém, essa proteína deve ser introduzida gradualmente, sempre observando a criança. Neste estudo, foi identificado que a maioria das mães não ofereceram chás para os bebês. Entretanto, Takushi et al. (2006) na sua pesquisa desenvolvida em São Paulo encontraram um percentual de 71,3% de mães que ofertaram alimentos como chás, por volta dos cinco meses de idade. De acordo com as recomendações da OMS, o bebê deve receber o leite materno de forma exclusiva até os seis meses de vida (FRAGOSO; FORTES, 2011). Esse é o primeiro dos 12 passos para a alimentação saudável durante a primeira infância, recomendados pelo Ministério da Saúde (MS), Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 417 Organização Pan- Americana de Saúde (OPAS) e pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O guia orienta aos pais, que até os seis meses de idade, não seja oferecido água, chá, suco, ou qualquer outro alimento (BRASIL, 2019, FREIRE; FRANCESCHINI, 2010). A respeito da oferta de sucos, açúcar e mel, quase metade das mães já ofereceram esses alimentos para bebês com menos de dois anos de idade. Em um estudo feito na região noroeste de Goiânia foi verificado um percentual mais alto, 57,2% das mães ofertaram suco para as crianças ao sexto mês de vida. E, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde, 32,3% das crianças menores de dois anos ingerem sucos açucarados (BRASIL, 2015, SCHINCAGLIA et al., 2013). Um estudo realizado na região de Montes Claros, em Minas Gerais, 15,5% das mães ofertaram suco para bebês com três meses de vida e 31,1% para aqueles com 12 meses de vida. Resultados mais alarmantes foram encontrados em um estudo realizado na cidade de Maringá, em que 77% das mães que já haviam ofertado suco para bebês menores de seis meses de vida (SCHINCAGLIA et al, 2013, BRASIL, 2009, BERCINI et al., 2007). Recomenda-se a ingestão de suco somente a partir de 01 a 02 anos de idade, lembrando que a partir de um ano, a limitação é de 100mL por dia. Cabe ressaltar a importância de as crianças terem acesso às frutas in natura, que são dotadas de vitaminas, minerais, fibras e não são prejudiciais à saúde (HEYMAN, 2017). Com relação a utilização de fórmula infantil, no primeiro ano de vida, quase metade da amostra do presente estudo fez uso. Um estudo realizado em município do Recôncavo da Bahia, chamado Santo Antônio de Jesus, foi observado que 47% das mães ofertaram aos seus filhos a fórmula infantil. Já, 25% das mães ofertaram preparações tendo como base de farináceos e fórmula infantil. E, 27% já haviam ofertado as duas preparações aos seus filhos (MACHADO, 2016). Neste estudo, verificou-se que 64% das mães já haviam ofertado ovo para os seus filhos e 36% não ofertaram. Acredita-se que as mães que não ofertaram ovo na IA temiam alergias alimentares. Em um estudo realizado no município do Norte do estado do Rio Grande do Sul, foi encontrado um percentual de 11,1% de crianças que consumiam o ovo inteiro, 11,1% de crianças consumiam somente a clara e 7,4% apenas a gema do ovo (GARCIA; GRANADO; CARDOSO, 2011). A recomendação para a oferta do ovo é a partir do sexto mês de vida. Por ser um possível alimento alergênico é necessário a oferta a cada 3 a 5 dias, observando a reação do organismo Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 418 da criança após o consumo do ovo (ARAÚJO, COSTA, 2018). Notou-se que neste estudo, 91% das mães ofertaram arroz e feijão na IA. Em um estudo realizado no município do Norte do estado do Rio Grande do Sul, os dados se mostraram similares, 88,9% das crianças consumiram o feijão na alimentação. Em contrapartida, uma pesquisa realizada em uma instituição privada, localizada em Águas Claras-Brasília/DF, verificou uma prevalência de 28% de mães que já haviam ofertado arroz e feijão para as crianças (ARAÚJO; COSTA, 2018; OLIVEIRA; RIGOTTI; BOCCOLINI, 2017). As leguminosas são consideradas alimentos com alto valor nutricional, contendo em sua composição vitaminas e minerais, sendo de maior destaque ferro, zinco e magnésio. São alimentos de extrema importância nessa etapa da introdução alimentar (BRASIL, 2009). O percentual de oferta de verduras e legumes na população do estudo foi elevado. Oliveira, Rigotti e Boccolini (2017) verificaram que 70,9% das crianças já haviam consumido verduras e legumes (DIAS, 2013). Com relação a oferta de carnes, os resultados foram satisfatórios. Os dados levantados na Pesquisa Nacional Demográfica demonstraram que 17,3% das crianças receberam carnes diariamente na introdução alimentar. Já, 40% das crianças receberam carnes somente 2 a 3 vezes na semana, o que não condiz com as recomendações preconizadas pelo Guia Alimentar para crianças menores de dois anos de idade, em que indica 01 porção diária deste alimento aos seis meses de vida (BRASIL, 2014, BRASIL, 2009). Em uma pesquisa realizada no bairro Vila Planalto, localizado em Brasília-DF, foi verificado que aos seis meses de idade, 80% das crianças tinham recebido carne na alimentação. Em contrapartida, em um estudo realizado por Budree et al (2017), em crianças sul-africanas, foi observado um percentual de 77% de crianças que só consumiram carne com doze meses de idade (BUDREE et al, 2017, DIAS, 2013). Nos primeiros dois anos de vida de uma criança é possível o desenvolvimento de alergia alimentar a frutos do mar, trigo, leite, amendoim, peixe e nozes. Muitos já possuem uma predisposição genética para o desenvolvimento da alergia, enquanto alguns fatores ambientais, também podem ser considerados favoráveis ao surgimento de alergia (SILVA, 2020). Um dos problemas que mais afeta a saúde de 1% a 3% de crianças em países ocidentais é a alergia ao amendoim. Evidências recentes levaram a modificações nas diretrizes anteriores, dando ênfase na oferta de amendoim na introdução alimentar, e Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 419 não no consumo deste após os três anos de idade. A evidência foi encontrada em um ensaio clínico sobre o consumo de amendoim e o risco de alergia, o Learning Early About Peanut - LEAP Trial, o qual foi verificada uma redução de 11% a 25% de crianças com chances de desenvolvimento de alergia ao amendoim, se ele fosse oferecido entre os quatro meses de idade até os onze (DU TOIT et al, 2013). Pode-se notar, pontos positivos em relação às práticas alimentares adotadas pelas mães com relação à IA no presente estudo. Cabe evidenciar que a creche onde os dados foram coletados possui nutricionista, que desenvolve atividades de educação alimentar e nutricional direcionadas tanto para as crianças quanto para os familiares. Contudo, é muito nítido que a falta de informações em muitas famílias gera diversos erros ou insegurança, o que pode comprometer substancialmente a saúde da criança em curto e longo prazos. Logo, a implementação de ações tanto de proteção quanto de promoção ao aleitamento materno é crucial e depende de esforços conjuntos que envolvem as políticas de saúde e a comunidade acadêmica, no intuito de conscientizar e democratizar a informação, com uma perspectiva de abordagem holística e humanizada (RIQUELME et al., 2021). 5. CONCLUSÃO Conclui-se que a exposição de alimentos como suco, bolachas recheadas, biscoitos e salgadinhos foi precoce na maioria das crianças de uma creche privada de Brasília-DF, o que pode afetar a saúde geral e o estado nutricional de forma aguda ou crônica, tornando-se imprescindível a orientação às mães e/ou aos familiares sobre os riscos do consumo de determinados alimentos. Sendo assim, os profissionais de saúde, principalmente os nutricionistas, possuem um papel essencial na conscientização das famílias, na oferta de uma alimentação saudável às crianças no primeiro ano de vida, desencorajando-os da prática do uso de alimentos processados e ultraprocessados por meio da educação alimentar e nutricional. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.8, p.85105-85120 aug. 2021 ISSN: 2525-8761 420 REFERÊNCIAS ARAÚJO, M. F. et al. Custo e economia da prática do aleitamento materno para a família. Revista Brasileira Saúde Materno Infantil, v.4, n.2, p.135-141, 2004. ARAÚJO, S. S. X.; COSTA, A. B. Obesidade em crianças de 5 a 10 anos como consequência da introdução alimentar inadequada. 2018. 34 f. Monografia (Graduação) - Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2018. BALDISSERA, R..; ISSLER, R. M. S.; GIUGLIANI, E. R. J. 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Pasteur, 250 - Praia Vermelha - RJ E-mail: frederico.tavares@eco.ufrj.br Patrícia Magalhães Bevilaqua Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social EICOS Instituto de Psicologia - UFRJ Rua Saint Roman, 271/203 - Copacabana - Rio de Janeiro E-mail: titabevilaqua@gmail.com Carine Morrot de Oliveira Villasanti Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social EICOS - Instituto de Psicologia - UFRJ Rua Décio Vilares, 323/304 – Copacabana – Rio de Janeiro Flávia Costa Rocha de Assis Fonseca Doutoranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social EICOS Instituto de Psicologia - UFRJ Av. Venceslau Brás, 30/201 – Botafogo – Rio de Janeiro E-mail: flavocha@gmail.com Andrea Maria Bruxellas Lucas Rodriguez Mestranda em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social EICOS - Instituto de Psicologia - UFRJ Av. Epitácio Pessoa, 2330/301 – Rio de Janeiro E-mail: andreabruxellas@gmail.com RESUMO: Articulando ideias de Gilles Deleuze1, Félix Guattari2 e Maurizio Lazzarato3, este ensaio teórico procura contribuir com os debates acerca dos mecanismos de controle inerentes ao capitalismo contemporâneo, que ultrapassam o mero confinamento e a disciplina dos corpos e avançam para a gestão da vida por meio da biopolítica, até, finalmente, direcionar a produção de subjetividades pela noopolítica, que opera sobre a regulação da memória, a ingerência sobre o pensamento e a (im)potência criativa. Essas transformações dos mecanismos de controle, associadas ao deslocamento do consumo para o centro da dinâmica capitalista, como modo de produção e criação de subjetividades, demandam analisar mais profundamente a noopolítica, associada ao consumo. Assim, ao relacionar tanto formulações macropolíticas, como o Capitalismo Mundial Integrado de Guattari e o Capitalismo Rizomático de Deleuze, com a dimensão dos desejos e das subjetividades, a construção teórica propõe a compreensão de uma noção de noopolítica do consumo pelo diálogo entre a Filosofia e a Psicossociologia, relacionando as concepções e narrativas destes campos de estudo, estimando o papel do consumo na constituição do capitalismo atual, a partir da formação da imagem do pensamento contemporâneo, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 425 individual e coletiva, direcionada ao fantasma da falta, à insatisfação contínua e, ao consumo incessante e à produção de subjetividades. PALAVRAS-CHAVE: Psicossociologia; Noopolítica do consumo; Pensamento; Controle; Capitalismo Mundial Integrado. ABSTRACT: Articulating ideas from Gilles Deleuze, Félix Guattari and Maurizio Lazzarato, this theoretical essay seeks to contribute to debates about the control mechanisms inherent to contemporary capitalism, which go beyond mere confinement and the discipline of bodies and advance towards the management of life through biopolitics, even finally, directing the production of subjectivities through noopolitics, which operates on the regulation of memory, interference with thought and creative (im)potency. These transformations in control mechanisms, associated with the displacement of consumption to the center of capitalist dynamics, as a mode of production and creation of subjectivities, demand a deeper analysis of the noopolitics associated with consumption. Thus, by relating both macro-political formulations, such as Guattari's Integrated World Capitalism and Deleuze's Rhyzomatic Capitalism, with the dimension of desires and subjectivities, the theoretical construction proposes the understanding of a notion of consumption noopolitics through the dialogue between Philosophy and Psychosociology, relating the conceptions and narratives of these fields of study, estimating the role of consumption in the constitution of current capitalism, from the formation of the image of contemporary, individual and collective thought, directed at the ghost of lack, continuous dissatisfaction and, incessant consumption and the production of subjectivities. KEYWORDS: Psychosociology; Noopolitics of Consumption; Thought; Control; Integrated World Capitalism. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 426 1. INTRODUÇÃO: A NOOPOLÍTICA COMO ESTRATÉGIA DE CONTROLE As transformações da sociedade capitalista contemporânea, principalmente com o estabelecimento da globalização industrial, cultural e demais domínios sociais e produtivos, desviam os modos de produção do centro do processo de geração de capital e posicionam o consumo como cerne desse sistema, aprofundando, assim, a cultura do consumo e a metamorfose do ser, do corpo ou do cidadão em mero consumidor, em ser-consumidor. A produção de subjetividade torna-se, então, uma dinâmica essencial ao lucro capitalista e, as formas de controle sobre o pensamento, as mãos firmes que conduzem títeres às encenações consumistas de desejos contínuos e insaciáveis. O objetivo deste ensaio, portanto, é contribuir com a compreensão dos mecanismos de controle da sociedade capitalista contemporânea sobre as subjetividades, aprofundando a compreensão sobre a noopolítica (LAZZARATO, 2006), que diz respeito às interferências sobre a própria concepção da imagem do pensamento, e desenvolvendo, especialmente, a noção de noopolítica do consumo, ou seja, a imagem do pensamento voltada ao consumo e influenciada, principalmente, pelos dispositivos da publicidade e do marketing, que potencializam “esse movimento da criação de imaginários” (TAVARES, 2020). Para tanto, as mutações vividas pelo capitalismo e suas estratégias de operação serão caracterizadas e elaboradas teoricamente, desde a transição do modelo disciplinar, da vigilância e do poder exercido concretamente sobre os corpos (FOUCAULT, 1979) até uma abordagem na qual os mecanismos não são mais configurados pela gestão dos corpos, mas envolvem aspectos mais refinados de controle sobre a população, característicos da biopolítica (DELEUZE, 1992). Essa sofisticação dos mecanismos de controle e de poder leva à concepção de noopolítica, por Maurizio Lazzarato (2006), para o qual o controle passa, portanto, a operar sobre as mentes, desde a própria criação da imagem do pensamento, tornando-o submisso às mutações engendradas pelo capitalismo sobre as subjetividades, que, segundo Guattari (1987), ultrapassa o registro das ideologias, sujeitando o próprio coração dos indivíduos, sua maneira de perceber o mundo, às abstrações do consumo. Assim sendo, qualquer ideia de transformação e emancipação macropolítica ou macrossocial está necessariamente associada à questão da resistência e da oposição às reproduções do controle subjetivo e social. Esse problema colocado por Lazzaratto e Guattari envolve profundamente o campo da psicossociologia, uma vez que “os limites Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 427 entre o psíquico e o social se confundem, se fundem e nos confundem” (NASCIUTTI, 1996), ao evidenciar as influências recíprocas e bilaterais entre indivíduo e sociedade, que resultam em criações, encantamentos e resistências, mas também em dilemas e adversidades psicossocioambientais, como aquelas provocadas pelo consumo excessivo, indispensável à lógica e manutenção da produção capitalista contemporânea. Este ensaio procura, então, integrar a formulação da noopolítica de Lazzaratto, como ferramenta de controle biopolítico, fundamentado por Foucault, e suas implicações sobre a constituição das subjetividades, pensamentos e memórias, em diálogo com a ideia de pensamento e de singularidades de Deleuze e Guattari. E, com as análises sobre o consumo na contemporaneidade, enquanto alicerce da produção de um Capitalismo Mundial Integrado, refletir sobre a imagem do pensamento, orientada pelo fantasma da falta e para a necessidade permanente e desmesurada de consumo e seus desdobramentos nas subjetividades. Por conseguinte, trazer a noção da noopolítica voltada para o consumo: a noopolítica do consumo. 2. AS METAMORFOSES DO CAPITALISMO: DA DISCIPLINA DO BIOPODER À SEGURANÇA DA BIOPOLÍTICA; DA SEGURANÇA DA BIOPOLÍTICA AO CONTROLE DA NOOPOLÍTICA Para se compreender melhor a ideia de noopolítica do consumo é preciso perceber a forma de desenvolvimento e mutação do capitalismo desde os seus primórdios com o exercício da vigilância e da disciplina como forma de controle social. A Sociedade Disciplinar toma o lugar da forma de soberania, com o enfraquecimento do poder monárquico na Europa, e é construída por meio do poder e da influência advindos da sociedade burguesa para a implementação e o fortalecimento das ideias liberais e do capitalismo industrial. Essa configuração, originária do início da Revolução Industrial, foi delineada como uma estrutura de panóptico, um grande sistema de observação das ações individuais, que instaura o controle através da vigilância, como forma de adquirir o domínio sobre as disposições individuais do comportamento humano pela ameaça de punição. Michel Foucault (1979) resgata a imagem da natureza opressora do panóptico a fim de explicitar esses mecanismos de imposição de poder, inerentes à prática da disciplina, para o controle social. A observação e restrição contínuas dos indivíduos confinados a espaços, como, por Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 428 exemplo, instituições escolares, prisionais e hospitalares, é empregada pelos regimes liberais burgueses para a manutenção do poder. O panóptico, e seu subjacente sistema de fiscalização coercitivo, opera através da submissão e adequação do indivíduo às regras, até a subordinação de corpos dóceis (FOUCAULT, 1979) à conformação da vida humana em força produtiva. Foucault (1979) formula o conceito de biopoder para explicitar o artifício que passa a gerir a vida e determinar o controle, a vigilância, a regulação, a uniformização de condutas e a domesticação dos corpos, com a intenção de nivelar os indivíduos e suprimir a diferença e a percepção dos fluidos criativos das singularidades. Com as transformações das estratégias de operação do capitalismo mundial, Foucault observa a transição do modelo disciplinar para uma outra abordagem, mais insidiosa, na qual os mecanismos não são mais configurados pelo corpo e pelo confinamento, mas envolvem aspectos mais amplos e sutis de controle da população. Se a essência da dominação do biopoder se encontra na disciplina do corpo, a perspectiva da sociedade de controle, pela biopolítica, evidencia a regulação da vida por meio de padrões maniqueístas, que definem o que é considerado normal e afirmativo ou anormal e negativo. Na biopolítica, a estratégia adotada permeia normas ligadas aos processos e estratégias de regulação da vida com a adoção de dispositivos de saúde pública, seguridade social ou mesmo de controle das taxas de criminalidade (HUR, 2013). Taxas de natalidade e fluxos migratórios também funcionam como dispositivos de controle, uma vez que podem ser regulados e monitorados, fortalecendo a vigilância e submetendo as potências vitais a sua gestão. É o próprio poder sobre a vida (FOUCAULT, 1979). Para Pelbart, a vida torna-se um objeto de poder, não só na medida em que o poder tenta se encarregar da vida na sua totalidade, penetrando-a de cabo a rabo e em todas as suas esferas, desde a sua dimensão cognitiva, psíquica, física, biológica e até genética, mas, sobretudo, quando esse procedimento é reformado por cada um dos seus membros. O que está em jogo nesse regime de poder, de qualquer modo, é a produção e reprodução da vida nela mesma (PELBART, 2003, p.82). Neste sentido, um novo saber normalizador se alinha ao capitalismo, que faz com que a vida se torne alvo da política, configurada em um “corpo-máquinaprodutivo”, em que tais corpos são examinados e investigados: é a associação dos aparelhos de confinamento com a vigilância e o governo das condutas (AGAMBEN apud HUR, 2013). Deleuze nota a transformação da Sociedade Disciplinar para a Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 429 Sociedade de Controle, a partir da observação da criação de modulações ou moldagens autodeformantes, as quais variam continuamente e capturam o indivíduo e as massas com apelos aos desejos, que configuram as subjetividades a partir de (des)necessidades de consumo que acabam por tornar-se ilusoriamente vitais e constituintes do sujeito: A fábrica cedeu lugar para a empresa. A família, a escola, o exército, a fábrica não são mais espaços analógicos distintos que convergem para um proprietário, Estado ou potência privada, mas agora são figuras cifradas, deformáveis e transformáveis, de uma empresa que só tem gerentes. Até a arte abandonou os espaços fechados para entrar nos circuitos abertos do banco. As conquistas de mercado se fazem por tomada de controle e não mais por formação de disciplina, por fixação de cotações mais do que por redução de custos, por transformação de produto mais do que por especialização da produção (DELEUZE, 1992, p. 223-224). Se na Sociedade Disciplinar o capitalismo estava dirigido à produção, na Sociedade de Controle biopolítico o foco se volta para o consumo, que se torna o fator principal de controle social entre os próprios indivíduos, não mais necessariamente confinados. O poder deixa de ser exercido tão somente na forma de um panóptico, como na Sociedade Disciplinar, e passa a controlar o corpo isubjetivamente. Todos controlam- se mutuamente e ainda exercem uma autovigilância. A base da Sociedade de Controle (DELEUZE, 1992), por conseguinte, também é associada ao modelo capitalista e à gestão dos corpos empreendida pela biopolítica, mas ultrapassa as conformações e normas da vida ou a mera produção comercial de produtos e serviços, introduzindo novos domínios, que investem sobre o controle das subjetividades, por meio do incentivo ao consumo, como forma de criação de estilo, autorrepresentação e objetivo de vida. Não obstante, mesmo operando em uma sociedade de controle das subjetividades, o capitalismo ainda mantém “como constante a extrema miséria de três quartos da humanidade, pobres demais para a dívida e numerosas demais para o confinamento” (DELEUZE, 1992, p. 224). Sendo assim, essa mesma Sociedade de Controle conserva paralelamente características dos regimes de soberania e de disciplina, principalmente em países subalternos, também determinando, intensamente e cotidianamente, quem exerce o direito de matar, quem se pode deixar morrer ou mesmo quem se deixa viver, por meio da “instrumentalização generalizada da existência humana e da destruição material de corpos humanos e populações” (MBEMBE, 2016, p.125). A mais recente transformação da engrenagem capitalista se relaciona com o conceito de noologia apresentado por Deleuze e Guattari: Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 430 a noologia [...] é precisamente o estudo das imagens do pensamento e de sua historicidade. De certa maneira, poderia dizer-se que isto não tem muita importância, e que a gravidade do pensamento sempre foi risível. Porém, ela só pede isso: que não seja levada a sério, visto que, dessa maneira, seu atrelamento pode tanto melhor pensar por nós, e continuar engendrando novos funcionários; e quanto menos as pessoas levarem a sério o pensamento, tanto mais pensarão conforme o que quer um Estado” (DELEUZE, GUATTARI, 1980, p. 46). Lazzarato (2006), com base nesses autores, apresenta uma articulação da Sociedade de Controle e da Noologia por meio da criação de novas relações de poder, associadas a políticas de controle da memória e da atenção, denominada noopolítica. Para o autor, a noopolítica utiliza um conjunto de técnicas que atuam na modulação do pensamento para controlar a memória e sua potência virtual. Dessa forma, modulando o pensamento, todos os aspectos da vida ocorrem por meio de uma regulação, relacionada ou subjugada ao mundo e à imagem do pensamento capitalista (HUR, 2013), impregnando subjetividades e pensamentos. Com essa visão, pode-se pressupor que a noopolítica é a base para as práticas de consumo que hoje são realizadas, porque representa “a máxima da reprodução do capital” (HUR, 2013, p. 213), incentivando uma imagem do pensamento e lógica individualista, competitiva, acumulativa, sem empatia ou alteridade, sem a reciprocidade comunitária, se afastando “assim dos tradicionais códigos sociais instituídos” (HUR, 2013, p. 213) e produzindo, como consequência, transtornos e desequilíbrios tanto sociais, como a despolitização e a desigualdade, quanto pessoais, em níveis psíquicos. Os corpos, na sociedade de controle, são atravessados por múltiplas forças perturbadoras próprias à noopolítica do consumo, que acenam com referências ou padrões de excelência, relacionadas às órbitas de mercado, as quais se confundem com a própria totalidade da vida, provocando, segundo a filósofa e psicanalista Suely Rolnik, vazios de sentido insuportáveis... porque são vividos como esvaziamento da própria subjetividade e não de uma de suas figuras... e não como efeito de uma proliferação de forças que excedem os atuais contornos da subjetividade e a impelem a tornar-se outra (ROLNIK, 1997, p. 20). O capitalismo contemporâneo e a noopolítica do consumo, como um dispositivo de controle, objetiva capturar a potência de criação ou imaginação de uma “infinidade de mundos possíveis” que o precedem e o ultrapassam (DELEUZE, 1992, p. 188). Neste sentido, os sistemas de poder, empresas, governos, capital financeiro, criam Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 431 mundos para o consumidor e para o trabalhador por meio de subjetividades, baseadas na produção e em interesses econômicos, que normatizam as formas de sentir e de viver (HUR, 2013; TAVARES, 2014). Dessa forma, os pensamentos dos indivíduos passam a funcionar pela lógica neoliberal, “afastando suas preocupações da política, gerando coletivos despolitizados e vorazes por dinheiro” (HUR, 2013, p. 211). E um dos efeitos mais contundentes é justamente a modulação dos modos de vida, segundo o paradigma da empresa, que não apenas elabora o objeto, a mercadoria ou o consumidor, mas o próprio mundo onde existem (HUR, 2013; TAVARES, 2014). Destarte, “para a teoria neoliberal, são precisamente (...) as transferências de rendimentos de uma parte da população (...) para corrigir as desigualdades e os excessos da concorrência que transforma os indivíduos (...) em consumidores passivos” (LAZZARATO, 2011, p. 31). Portanto, o controle está mais introjetado na subjetividade, sendo contínuo, simultâneo e descentralizado (TAVARES; IRVING, 2009). Com essa perspectiva, como a psicossociologia pode contribuir com a discussão? 3. UM OLHAR PSICOSSOCIOLÓGICO DO CAPITALISMO RIZOMÁTICO E SEUS NOVOS DOMÍNIOS DE MERCADO De acordo com Guattari, qualquer ideia de transformação macropolítica ou macrossocial está necessariamente associada à questão da produção de subjetividade. Nesse sentido, um olhar psicossocial tem muito a contribuir para a discussão, uma vez que a Psicossociologia abrange um campo rico que concede a possibilidade de compreender como indivíduos e sociedade se influenciam mutuamente, no que tange aos dilemas psicossocioambientais contemporâneos e às dinâmicas culturais na constituição de subjetividades. A Psicossociologia, portanto, se baseia nas relações que o indivíduo tem com o social, o modo como são estruturadas e as consequências dessa interação no indivíduo (NASCIUTTI, 1996). Sendo assim, a psicossociologia do consumo surge com o intuito de observar a inserção do indivíduo na sociedade, suas interrelações, imaginários sociais e a reflexão dos processos de subjetivação na produção do consumo a partir de fenômenos, relações e interações entre o individual e o macrossocial. Em vista disso, seu objeto de estudo é complexo e foca a interação entre imaginários e simbolismos do coletivo com os sujeitos. Para Tavares, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 432 o domínio próprio da psicossociologia aparece na interação dos processos sociais e psíquicos ao nível das condutas concretas, assim como na interação das pessoas e dos grupos no quadro da vida cotidiana (TAVARES, 2004, p.125). Este enfoque permite problematizar ainda mais um campo já complexo, que envolve os processos de subjetivação na temática do consumo, permitindo o diálogo entre diferentes ciências das áreas sociais, aprofundando o estudo sobre o consumidor e sua subjetividade mutável no âmbito do capitalismo, que na sociedade contemporânea, se constitui de forma rizomática. A vida, nas suas mais variadas esferas, vem Compreender sendo modificada pela ótica significativamente psicossocial tais pelo mudanças modelo capitalista. vivenciadas na contemporaneidade é fundamental, visto que, de indivíduos a grupos sociais, inúmeras rupturas e transformações vêm ocorrendo ao longo de um curto espaço de tempo na história (FEDERICI, 2017). No contexto de um mundo globalizado, desigual e em mutação permanente, no qual as empresas e os meios de comunicação utilizam dispositivos de controle social e agenciamentos de enunciação capazes de criar demanda, mercado e desejos, produzindo incessantemente novas ordens de consumo (TAVARES; SILVA et al., 2017), promover o resgate e a capacidade para a formulação de ideias e pesquisas, voltadas para a redução de desigualdades e para a ampliação de potencialidades, apresenta desafios, mas também oportunidades de refletir sobre alternativas ou brechas sobre estratégias criadas por esse modelo de sociedade, que captura interesses individuais e coletivos por meio de uma cultura mercadológica, que utiliza estratégias direcionadas ao consumo (TAVARES, 2014). O autor afirma que a noopolítica também pode ser uma oportunidade para os indivíduos agenciarem protagonismos em redes sociais e demais conexões para produzir mudanças, ideiasvírus, capazes de transformar e alcançar novas redes, criando estratégias e narrativas de transformação (TAVARES, 2020). Contudo, estas ideias-vírus devem ser capazes de ultrapassar a própria lógica da cultura dominante, a qual estão inseridas. Segundo Guattari e Rolnik (1999, p. 23), por exemplo, a distinção entre cultura popular e cultura erudita é um falso problema, pois o que há é apenas “uma cultura capitalística” que permeia todos os campos. Ideias, portanto, que refutem o capitalismo em rede, que produz subjetividades e modos de ser voltados às novas formas de expansão dos mercados (TAVARES; IRVING, 2009). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 433 O fortalecimento do neoliberalismo e do capital financeiro, o consequente enfraquecimento político dos Estados-nação, as privatizações, a desregulamentação do mercado de trabalho e da seguridade social – que facilita a flexibilização e a precarização da própria vida – funcionam como elementos centrais para os grandes negócios transnacionais, mas também para afetar indivíduos de forma determinante, tornando-os cada vez mais vulneráveis (CARRARA, 1996; BAUMAN, 1999) e sob o controle da narrativa e das (des)necessidades promovidas pelo mercado e pelo capital. As subjetividades são produzidas por todos os lados em agenciamentos insuspeitos, materializando-se no cotidiano, nas relações sociais, familiares, afetivas, institucionais, entre outras. O modelo capitalista de produção ampara-se especialmente na competição e no controle como organizadores: 1) dos modos de pensar, de perceber, de sentir, de relacionar-se e 2) dos equipamentos coletivos que se entrelaçam neste processo produtivo, ao longo da sua trajetória. Os modos, os meios e as velocidades desses fluxos não se inscrevem apenas na economia de mercado: são imanentes ao processo de constituição do mundo, em todas as suas dimensões – da planetária à da subjetividade. A subjetividade permanece massivamente controlada pelos dispositivos de poder e de saber, que colocam as inovações técnicas, científicas e artísticas a serviço das figuras mais retrógradas da socialidade (SILVA, 1998). Em pleno século XXI, as questões e desafios que afetam as subjetividades, que acabam enrijecidas ou moldadas à luz do sistema capitalista em diversas esferas da vida (TAVARES, 2014) repercutem nos corpos tanto com a mortificação “sobrevivencialista”, em condições extremas de violência, como em guerras, em campos de concentração ou em territórios pobres, quanto na banalidade cotidiana das pressões de consumo de shopping centers ou propagandas as mais diversas (PELBART, 2007). Diante disso, o filósofo Peter Pál Pelbart afirma que seria preciso reclamar ao corpo aquilo que lhe é mais próprio, no encontro com a exterioridade, sua condição de corpo afetado pelas forças do mundo e capaz de ser afetado por elas. Seria preciso retomar o corpo na sua afectibilidade, no seu poder de ser afetado e de afetar” (PELBART, 2007, p.62). O consumo, em função da sua expansão e desterritorialização, começa a se apresentar de forma mais ardilosa e fluida, criando, o que Guattari (1990) denomina Capitalismo Mundial Integrado – CMI, o qual “coloniza o conjunto do planeta”, mesmo Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 434 países outrora comunistas “porque tende a fazer com que nenhuma atividade humana, nenhum setor de produção fique fora do seu controle” (GUATTARI, 1985, p. 211). O CMI representa a transição do modelo capitalista da “toupeira”, que cria seus túneis subterrâneos de forma relativamente simples, para a alegoria da “serpente”, que possui alta mobilidade, é flexível, ondulante e atravessa todos os espaços. Por mecanismos de controle, muitas vezes invisíveis, o mercado se estabelece, apesar da exclusão de diversas camadas da população “desnecessárias” à ordem instituída. Elas podem ser desviadas, empurradas ou eliminadas (GUATTARI, 1991; DELEUZE, 1992). O CMI uniformiza a vida e regula comportamentos pelo mercado, empobrecendo as diferentes dimensões do corpo e tornando o capital e o consumo os únicos horizontes louváveis da existência. Enquanto as relações de poder pela produção explicitam a exploração de uns sobre os outros, bem como a luta de classes, as relações de mercado privilegiam o produto e a permanente (in)satisfação do consumidor (PELBART, 2003). O Capitalismo Mundial Integrado ocorre em modalidades que variam de acordo com o país ou com a camada social, por meio de duas formas autoritárias e opressoras. A primeira acontece pela repressão direta no plano econômico e social, qual seja, pelo controle da produção de bens e das relações sociais, através de meios de coerção material externos, e de sugestão de conteúdos de significação. A segunda decorre – talvez de forma mais intensa – pela instauração da própria produção de subjetividade: uma imensa máquina que fabrica uma subjetividade mecanizada e industrial, em escala mundial, tornando-se o alicerce da formação da força de trabalho e do controle social coletivo (GUATTARI; ROLNIK, 1999). A Sociedade de Controle, a lógica da biopolítica e da noopolítica - e, consequentemente, da noopolítica do consumo -, se inserem na dimensão cognitiva, psíquica, física, biológica e até mesmo genética. É a representação da vida como objeto de poder, perpassada por uma sociedade que se configura como algo não unificado, seguro ou bem delimitado. Ela é constantemente deslocada por forças produzidas por si mesma. Esse atravessamento é a marca de toda uma diferença que produz uma variedade de posições de sujeito. Ou seja, passa-se a viver em um mundo de eterno recomeço, de indefinições, globalizado, imediato e de enfraquecimento das instituições e de referências sociais. É um eterno período transitório e indefinido. A sociedade Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 435 contemporânea parece viver um mundo sem origem ou destino, passado ou futuro, onde se enfatiza a importância de conquistas de caráter transitório, efêmero e fugaz, e não da procura dos meios para os fins (HUR, 2013; PONTES; TAVARES, 2017). Neste sentido, essa nova lógica neoliberal não pretende reduzir ou extinguir desigualdades pelo simples motivo de que ela opera em cima dessas mesmas diferenças para governar. “Ela procura somente estabelecer (...) um equilíbrio suportável para a sociedade entre normalidades diferentes; entre normalidade da pobreza, da precariedade, e a normalidade da riqueza” (LAZZARATO, 2011, p. 51). Portanto, este modelo - que produz conexões rizomáticas e que envolve diferentes atores sociais, como empresas, ONG’s, Governos e consumidores, cerceia as “capacidades e resistências de indivíduos e grupos em produzirem (ativamente) sua história, ou seja, buscar mudanças não só no contexto em que se inserem, mas também neles mesmos” (CASSADORE, 2013, p. 171) e contribui para tornar capitalizável aquilo que é imaterial e mais valioso: as relações íntimas e sociais e a própria imagem do pensamento, tanto individual quanto coletiva, à mercê de um senso comum constituído e regulamentado pelo mercado. 4. NOOPOLÍTICA DO CONSUMO: A PSICOSSOCIOLOGIA DA MEMÓRIA, DOS DESEJOS E DO PENSAMENTO DO CORPO O senso comum na maior parte das vezes tem a capacidade de limitar as percepções e as potências criativas, como, por exemplo, ao se mirar uma parede pintada com tinta branca e se afirmar que a cor da parede é branca. Todavia, no momento em que se olha, a parede pode estar colorida de rosa pelo reflexo de um pôr do sol ou de verde pela projeção da luz em uma planta ou ainda acinzentada por uma sombra no ambiente. Mas, a despeito de toda e qualquer luminescência ou falta dela, a resposta sob a ingerência do senso comum continua sendo a cor branca. Essa afirmação obstinada evidencia a lógica e a memória de pensamentos cristalizados, que determinam que, se a tinta é branca, logo a cor da parede também é sempre e imutavelmente branca. Uma alegoria simples sobre uma imagem do pensamento condicionada sobre um mundo em constante devir. Ou seja, um olhar que se abstém de uma miríade de cores e tons cotidianos, a cada minuto, não somente sobre a visão de uma parede, por certo, mas acerca de memórias, desejos, sociedade, o outro, a vida. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 436 O senso comum em um espaço do mundo dominado pelo CMI evidencia modos de pensar sem criatividade e abertura para as transformações. Uma imagem do pensamento “dogmática ou ortodoxa, imagem moral” (DELEUZE, 2018, p.131), e ética capitalística, que chega ao indivíduo, pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam. Explorando esse modo de pensar limitado a reproduções e a memórias reguladas e moldadas, as quais anestesiam as percepções do corpo em sua capacidade criativa, a noopolítica, segundo Lazzarato (2006), atua justamente e principalmente na modulação e controle dessas memórias e, junto à biopolítica e à disciplina, constitui os dispositivos de controle social do capitalismo contemporâneo, que se processa e se firma, principalmente, a partir do consumo. A noopolítica, como conjunto das técnicas de controle, se exerce sobre os cérebros, atuando sobre a atenção, para controlar a memória e sua potência virtual. A modulação da memória é então a função mais importante da noopolítica. A noopolítica do consumo, por conseguinte, como dispositivo, se engendra nos espaços das moldagens deformantes e autodeformantes dos desejos e da memória, fabricados e regulados pelas subjetividades capitalistas. Segundo os filósofos Félix Guattari e Suely Rolnik, a produção de subjetividade torna-se até mesmo uma dinâmica mais importante para o fortalecimento do capitalismo do que qualquer outro tipo de produção, “mais essencial até do que petróleo e energias” (1986, p.26). O lucro capitalista é, nesse sentido, fundamentalmente, produção de poder subjetivo e seu campo é o de todos os processos de produção social e material, convertendo, assim, o indivíduo a mero consumidor dessa produção e desse sistema de representação e de sensibilidade, o qual articula sistemas semióticos que transpassam, ou melhor, urdem as subjetividades, de duas formas complementares: a sujeição econômica ao capital e a sujeição subjetiva à cultura, que se manifestam em todos os níveis da produção e do consumo (PELBART, 2003). O poder de dominação do sistema capitalista pretere (ainda que não abandone) a forma verticalizada e repressiva, inerente às sociedades disciplinares, e se expande, na sociedade de controle, em múltiplas direções espaciais e dimensionais sobre a vida, apelando aos desejos e delineando subjetividades a partir de (des)necessidades de consumo, que acabam por tornar-se ilusoriamente vitais e constituintes do sujeito. Os agenciamentos de enunciação, “que são operados por intermédio de diversos Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 437 atores sociais, tais como governo, empresas, fornecedores e mass-media” (ALMEIDA et al., 2020, p.53445), através do marketing, o principal instrumento de controle social de curto prazo e rápida motilidade, utilizado de modo contínuo e ilimitado (DELEUZE, 1992), intermediam o controle subjetivo para o consumo, principalmente após o fenômeno da globalização, com a ampliação vertiginosa do intercâmbio de informações, respondendo assim “às novas exigências da acumulação do Capital” (ALLIEZ; LAZZARATO, 2021, p. 418). Desse modo, a noopolítica do consumo adapta à lógica do mercado modos de ser apelativos aos desejos, implicando, a produção de identidades fluidas e efêmeras ou de “kits de perfis-padrão” (ROLNIK, 1997, p. 19), os quais se criam e se recriam de acordo com os horizontes e exigências do mercado, e com igual velocidade, independente do contexto geográfico ou cultural, transmutando o corpo, ou a própria existência, a mero objeto de consumo e propaganda. Os kits de perfil padrão ou kits de subjetividades são, portanto, formas de modulação e controle capitalista, que coagem a pessoa no campo dos desejos, sucessivamente insatisfeitos, a embrenhar-se em um processo incessante de consumo, não somente de mercadorias, mas de subjetividades mutáveis, temporárias e superficiais. Da mesma forma, a ingerência sistemática dos mecanismos do capital sobre a vida mantém os corpos sob controle pela determinação da gestão biopolítica, que estimula vigorosamente processos existenciais e relações sociais de baixa densidade, superficiais e sugestionáveis. Circunscritos a uma dimensão residual das suas plenitudes, na sociedade de consumo, os corpos não são mais exclusivamente ou prioritariamente confinados a espaços disciplinares, todavia são aprisionados pelas próprias subjetividades, pelos desejos de aquisição sob controle das moldagens capitalistas e endividados pelos custos das encenações e dos figurinos de suas próprias existências. A noopolítica do consumo cria e reproduz uma imagem do pensamento e uma memória sobre os desejos, relacionadas à carência, à falta fantasmal que produz uma idealização e demanda o consumo desse anseio inatingível. Para Deleuze, este modo de desejar não advém de uma necessidade concreta, mas, pelo contrário, “as necessidades derivam do desejo e são contra produzidas no real que o desejo produz” (DELEUZE, 2010, p.43). Um real impregnado de uma memória e de um pensamento demasiado amordaçados pelos dispositivos de controle, que impedem ou cerceiam o desejo de criação ou de produção de novas e outras realidades. Deleuze afirma que Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 438 “não é o desejo que exprime uma falta molar no sujeito; é a organização molar, ou seja, a estrutura social, que destitui o desejo do seu ser objetivo” (DELEUZE, 2010, p.44). E a objetividade do desejo é justamente aquilo que pode criar uma potência produtora, proporcionalmente tão mais intensa quanto menos necessidade se tem de consumir, capaz de exorcizar o fantasma da falta. Em conformidade com os postulados do capital e de modos de vida voltados para o consumo e produção, a noopolítica do consumo constitui subjetividades mais competitivas, menos solidárias, construídas por conteúdos e memórias de peças publicitárias e da cultura de massa em geral, as quais incitam a concorrência, a desigualdade social e individual, a lógica de empresa e a despolitização do potencial insurgente, pois isola e opõe os indivíduos numa lógica competitiva, despotencializando a composição política coletiva. Esta configuração política e social porta um problema político, de diminuição da potência de ação do esvaziamento do potencial desejante e de crítica dos sujeitos, tornando assim mais eficaz o governo das condutas. Portanto, mediante a modulação das técnicas noopolíticas há a constituição de um pensamento e uma subjetividade capitalista (HUR, 2013, p. 213- 214). O que a sociedade capitalista e a noopolítica do consumo produzem, portanto, é o sentido do desejo como algo material ou sensível que falta e faltará sempre para a percepção de completude e satisfação do corpo e a representação massificada desta falta implica também a supressão da potência de produção ou de criação. Portanto, o corpo torna-se uma apropriação do capitalismo, uma máquina que não cria, não olha ou pressente múltiplas possibilidades, mas caminha com a carência e com o desejo, organizado “pelas classes dominantes sobre as incertezas e inseguranças fabricadas” (DELEUZE, 2010, p.45), ainda que na abundância de produção. “A produção do desejo é vinculada ao fantasma (nada além do fantasma)” (DELEUZE, 2010, p.45), o fantasma da falta, ou ao menos da sua ameaça sempre iminente. Deleuze propõe pensar a partir do saber do corpo como tentativa de escapar a essa sujeição aos fantasmas da falta e às necessidades “vitais” de consumo, fabricados pela sociedade de controle e pelos mecanismos da noopolítica do consumo. Inspirado pelo modelo de corpo de Espinosa, Deleuze propõe o conceito de pensamento, que está estreitamente relacionado ao sentido de liberdade, que se articula com a ideia da necessidade do ser de dominar a “causa ativa” de suas próprias ações e, para esse fim, não deve confundi-la com as forças externas e com os efeitos (reações) assimilados pela consciência, os quais constrangem a sua liberdade. O ser Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 439 deve captar a potência do corpo para além das condições dadas pelo conhecimento racional e sensível, e a captar a força do espírito, para além das condições dadas pela consciência. Deve-se procurar adquirir um conhecimento das potências do corpo para descobrir paralelamente as potências do espírito que escapam à consciência (DELEUZE, 2002). Em suma, o que o modelo do corpo, na interpretação de Deleuze sobre Espinosa, oferece de mais interessante e potente como resistência às subjetividades dominadas pela noopolítica do consumo, ou pelo senso comum, ou ainda pela imagem do pensamento e memória capitalista, é uma desvalorização da consciência em relação ao pensamento. Isto é, uma descoberta do inconsciente, do inconsciente do pensamento, que permite ver a vida para além das falsas aparências, evidenciando um pensamento intuitivo, um corpo aberto aos fluxos e às singularidades, que possibilita o desenho de uma ação que se situa na ordem das causas “de composição e decomposição, as quais afetam infinitamente toda a natureza. Nós, como seres conscientes, recolhemos apenas os efeitos dessas composições e decomposições” (DELEUZE,2002, p.25). Portanto, a consciência é o lugar de uma ilusão, que aprisiona o ser humano e o desqualifica a uma vida superior e criativa, capaz de produzir novos modos de estar no mundo; e, o pensamento, o espaço em que as forças ativas da liberdade criativa podem controlar as forças reativas da dominação cultural, do controle absoluto do capitalismo e suas representações formuladas, principalmente, na atualidade, pela noção de noopolítica do consumo. 5. CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS Na perspectiva da psicossociologia sobre os conceitos apresentados por Deleuze, Guattari e Lazzarato, compreende-se a noção de noopolítica do consumo como um viés preponderante da noopolítica na contemporaneidade, enquanto dispositivo de controle, elaborado pelo sistema capitalista, que afeta o corpo tanto subjetivamente quanto socialmente. Visto que o consumo e a produção de subjetividades voltadas para o consumo são essenciais para a dinâmica desse sistema, a modulação do pensamento e da memória normatiza as formas de sentir e de viver e, consequentemente, captura a potência de criação ou de imaginação de outros mundos, livres do sentido pungente da falta e da necessidade permanente, da competitividade e do gerenciamento empresarial da vida e de criação de uma nova Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 440 história individual e coletiva. Com a transição do modelo disciplinar e do biopoder para uma abordagem de controle e neoliberal, que se utiliza de estratégias, para além do confinamento, configurando a biopolítica, o capitalismo passa a operar, de forma mais sofisticada ainda, sobre as mentes, memórias e sobre a criação da própria imagem do pensamento com a noopolítica, principalmente em relação ao consumo. Ou seja, a noopolítica do consumo visa atravessar e influenciar o momento primordial da criação de uma ideia, percepção ou mesmo de um sonho, que já se elabora como imagem plena de reproduções e engessamentos de um sistema hegemônico e dominador, que tem na publicidade e no marketing seu componente fundamental, tal qual instrumentos de forja das formas adequadas à cultura do consumo e, portanto, à própria máquina capitalista. Os enunciados produzidos e difundidos pela publicidade, embrenhados em todas as esferas de produção da cultura de massas, asseguram a pavimentação de caminhos sem escape para as subjetividades, tanto em processos de criação molares de sistemas econômicos, sociais, culturais, tecnológicos etc, quanto em movimentos pessoais de percepção, de criação, de sensibilidade e de afeto. Dessa forma, pela perspectiva da sociedade do controle, as subjetividades são constantemente (re)elaboradas pelas estratégias criadas pelos sistema de poder dominante, para a captura da potência criativa e para a modelagem de indivíduosconsumidores, movidos pela insaciabilidade e pela falta fantasmal. Este ensaio contribui, assim, com uma reflexão sobre a força engendrada pelo capitalismo a partir da noopolítica, concentrada na instituição de uma imagem do pensamento globalizada, relacionada ao consumo. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 441 REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio; HARVEY, David et al (2020). Sopa de Wuhan – Pensamiento Contemporáneo em Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: ASPO Pablo Amadeo, 188.p ALLIEZ, Éric; LAZZARATO, Maurizio. Guerras e Capital. São Paulo. Ubu Editora, 2021. ALMEIDA, Eliane M; TAVARES, Frederico et al (2020). 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.118797-118814 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 443 CAPÍTULO 24 GRANDES EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS NA AMAZÔNIA: ESTUDO DO DINAMISMO ESPACIAL DA ORLA DA CIDADE DE FERREIRA GOMES, AMAPÁ, BRASIL Jacy Soares Corrêa Neto Doutorando no PPG em Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Unicamp – SP Instituição: Professor de Arquitetura e Urbanismo na Faculdade Estácio-Amapá Endereço: Rod. Josimar Chaves Pinto, Jardim Equatorial. 68900-002 – Macapá/AP E-mail: neto.scorrea@gmail.com / ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8467-9561 Valmor Cerqueira Pazos Mestrando em Desenvolvimento Profissional e Educação – UnB Instituição: Pesquisador. Grupo: A Sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo Endereço: FAU-UnB – Caixa Postal 04431 – CEP: 70.842-970 – Brasília/DF E-mail: pazos@unb.br / ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8268-6514 Lenildo Santos da Silva Doutor em Geotecnia pela Universidade de Brasília - UnB Instituição: Departamento de Engenharia Civil e Ambiental Endereço: ENC-UnB – Caixa Postal 04431 – CEP: 70842-970 – Brasília-DF Email: lenildo@unb.br / ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5099-6123 José Marcelo Martins Medeiros Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília – UnB Instituição: Professor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins Endereço: CAU – UFT 109 N Av. NS-15 CEP: 77.001-090 – Palmas/TO E-mail: medeirosjose@gmail.com / ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2554-8289 Marta Adriana Bustos Romero Doutora em Arquitetura pela Universitat Politecnica de Catalunya – UPC Instituição: Professora Titular da Universidade de Brasília Endereço: FAU-UnB – Caixa Postal 04431 – CEP: 70.842-970 – Brasília/DF E-mail: romero@unb.br / ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4222-8463 RESUMO: Os espaços transfronteiriços da Amazônia vêm sendo alvo de grandes empreendimentos hidrelétricos como é o caso da bacia do Rio Araguari, em Ferreira Gomes, no estado do Amapá. Esses empreendimentos trazem consigo alterações negativas e positivas na dinâmica dos espaços livres públicos. Nesta pesquisa, foram realizados Mapas Temáticos, com o auxílio de tecnologia SIG, apoiado em modelos de apropriação da paisagem. O objetivo foi a avaliação comparativa das condições infraestruturais dos espaços públicos urbanos, confeccionando-se “mapas de sensibilidade dos espaços livres”. A análise foi realizada por meio de indicadores decompostos em variáveis e pontuados conforme o grau de degradação que causam à paisagem. O produto servirá de apoio na proposição e implantação de novos projetos de espaços públicos nas margens do Rio Araguari. PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; Rio Araguari; SIG; Espaços públicos. 444 ABSTRACT: The transboundary spaces of the Amazon have been the target of large hydroelectric projects, such as the Araguari River basin, in Ferreira Gomes, in the state of Amapá. These enterprises bring with them negative and positive changes in the dynamics of public open spaces. In this research, Thematic Maps were made, with the help of GIS technology, supported by landscape appropriation models. The objective was the comparative assessment of the infrastructural conditions of urban public spaces, creating “sensitivity maps of open spaces”. The analysis was performed using indicators broken down into variables and scored according to the degree of degradation they cause to the landscape. The product will support the proposal and implementation of new projects for public spaces on the banks of the Araguari River. KEYWORDS: Amazon; Araguari River; GIS; Public spaces. 445 1. INTRODUÇÃO A Amazônia é rica em beleza, recursos naturais e biodiversidade, é comumente definida pela “bacia hidrográfica do Amazonas ou pela floresta equatorial imensamente grande” (REIS, 2001, p. 202), como também, pelo desenvolvimento de suas sociedades e culturas, evidenciadas através de suas atividades socioeconômicas que a distinguem de outros espaços e lugares, seja por seus rios, pelas florestas fechadas, seja por sua população. Essa visão genérica do rincão amazônico esconde que tal espaço não é uno. A Amazônia possui suas especificidades e agrega sub-regiões, tais como, zonas de vegetação, de campos, de cerrados, e, além de tudo, a presença de cidades (REIS, 2001). Portanto, a Amazônia, longe de uma visão bucólica, simplista e romântica, exibe-se pela complexidade de suas redes urbanas (TRINDADE JR, 2011; CORRÊA, 1987). A busca por uma matriz energética estabilizada e desenvolvimentista na Amazônia perfaz ações que sustentam o setor econômico-industrial por meio das implantações de empreendimentos energéticos, dentre eles os de natureza hidrelétrica (BRITO, 2008). O bioma amazônico é caracterizado também por seus vastos cursos d’água, constituídos “pelo maior sistema hidrográfico do mundo, com aproximadamente 6.400.000 km², sendo a maior reserva de água doce do planeta” (BERMANN et al., 2010, p. 1), além de desempenhar papel substancial no que tange aos referidos empreendimentos, que, ao serem implantados, modificam de modo expressivo a dinâmica espacial. Conforme Côrrea (2018), o sistema elétrico do país prioriza o cumprimento de metas produtivas para a geração de energia elétrica, condicionando a exploração do potencial hidroenergético amazônico ao atendimento de demandas provenientes de outras regiões do Brasil. Os novos empreendimentos hidrelétricos colaboraram para o aumento dos níveis de geração de energia, excedendo a demanda do Amapá, porém a plena contribuição para com os aspectos locais de ordenamento territorial ainda não é satisfatória. A dinâmica espacial da orla da cidade de Ferreira Gomes vem sendo continuamente alterada em razão da implantação de usinas hidrelétricas ao longo do Rio Araguari. Desse modo, as transformações decorrentes desse processo podem ser evidenciadas principalmente pelo crescimento demográfico, expansão urbana, deslocamentos de comunidades e pela interferência no meio biótico. Nessa 446 perspectiva, a análise dessas transformações pode ser vista tanto por um ângulo positivo, como o crescimento do turismo e do comércio na cidade, quanto por um ângulo negativo, a julgar os impactos ambientais e a falta de intervenções na orla da cidade, que sofre com a diminuição da vazão do rio. Se por um lado a crise energética pode vir a ter um profundo efeito negativo nos esforços de alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), por outro, podemos aproveitar a oportunidade dessa crise para fortalecer o compromisso dos países para implementar a Agenda 2030 e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para alcançar um futuro mais inclusivo e sustentável. As áreas verdes urbanas manifestam-se como elementos essenciais na definição da paisagem urbana, funcionando como amenidade ambiental no tecido urbano e como âncora estruturadora da urbanização difusa, mas que têm sido negligenciadas pelos processos de planejamento (GONÇALVES, 2010). Mas sempre é bom lembrar que para que a vegetação possa exercer uma função microclimática, em termos de plano térmico e higrométrico, no meio urbano, é preciso atender a algumas condições, por exemplo, a necessidade que a área verde constitua um efeito de massa dentro da escala da cidade e que essa massa vegetal represente 30% da superfície urbanizada (ROMERO, 2011). Na tentativa de reverter esse processo, a ONU, em sua conferência Habitat III (2016), propôs que houvesse um novo olhar para os espaços verdes e públicos nas cidades. Conforme Amanajás e Klug (2018), A expectativa de que o desenho e a gestão de espaços públicos socialmente inclusivos e seguros contribuam para a redução das desigualdades urbanas e da criminalidade é tão expressiva, que uma das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 11 “Construir cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resistentes e sustentáveis” da ONU é “até 2030, garantir acesso universal a espaços verdes e públicos seguros, inclusivos e acessíveis, especialmente para mulheres e crianças, pessoas idosas e pessoas com deficiência” (AMANAJÁS e KLUG, 2018, p. 33). O ODS 11 está alinhado com a nova agenda urbana, acordada em outubro de 2016, durante a III Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável. Entre uma de suas metas, pretende-se garantir o acesso de todos a habitação segura, adequada e a preço acessível, bem como aos serviços básicos e urbanização de favelas. Todos os habitantes devem ter acesso a um lugar para viver com dignidade e aos meios de subsistência, conforme os artigos 5º e 6º da nossa Constituição Federal (CF/1988). Inclui-se, assim, a moradia entre as necessidades vitais básicas que devem ser atendidas pelo salário-mínimo. A perda 447 de renda das famílias devido a desastres ambientais levará à vulnerabilidade vários segmentos da sociedade, abaixo da linha da pobreza, sobretudo no contexto da Amazônia. 2. PROBLEMA AMAZÔNICO: GRANDES EMPREENDIMENTOS HIDRELÉTRICOS Em se tratando de termos hidrográficos, os quais incorporam umas das problemáticas tratadas, “a Bacia Hidrográfica Amazônica é composta por todos os afluentes e rios formadores do Rio Amazonas. Ela drena sete países e corresponde a quase 40% da América do Sul, com uma área de 6,6 milhões de quilômetros quadrados” (CARNEIRO FILHO e SOUZA, 2009, p. 10). Sua bacia hidrográfica representa um volume hidrológico que varia, aproximadamente, de 60 a 140 metros cúbicos por segundo, o que pode variar e diferenciar-se conforme a época do ano e localidades (REIS, 2001). Além disso, esse mesmo volume serve de base para as tramas da urbanização das cidades amazônicas, em suas pluralidades e singularidades (CASTRO, 2009). A Amazônia é alvo da implantação de condicionantes espaciais que propiciam a criação e instalação de mecanismos externos, alheios às vivências locais, que promovem a (des)construção espacial (PORTO, 2007). Sendo assim, os recursos disponíveis, somados com a intervenção estatal, possibilitam a exploração dos recursos naturais, o que resulta na implantação de diversos empreendimentos, dentre eles os de natureza hidrelétrica. Tais ações são para Becker (2005, p. 71) resultados de redes “desenvolvidas nos países ricos, nos centros do poder, onde o avanço tecnológico é maior e a circulação planetária permite que se selecionem territórios para investimentos, seleção que depende também das potencialidades dos próprios territórios”. O aproveitamento desse potencial hidrelétrico dos rios amazônicos ressalta o posicionamento de Becker (2005, p. 78) quanto ao valor econômico e de mercadoria dos recursos hídricos, quando afirma que a “água é considerada o ouro azul do século XXI”. A experiência da Amazônia como ponto de convergência dessa corrida energética iniciou-se com a construção de usinas hidroelétricas nos países que fazem fronteira com o Brasil, como a usina de porte de Brokopondo, no Suriname, em 1964; Petit-Saut, em 1994, na Guiana Francesa; enquanto do lado brasileiro, a usina de 448 Coaracy Nunes, em 1953, no Amapá, foi o marco da introdução desses elementos no espaço amazônico (BERMANN et al., 2010). Face à implantação dos projetos hidrelétricos, ocorreu a instalação de grandes projetos e sistemas de engenharia, o que promoveu a ocupação massiva de um novo território pela população urbana. A urbanização e as redes urbanas amazônicas, segundo Corrêa (1987), são produtos da evolução dos núcleos urbanos oriundos de fortins, aldeias missionárias e das rotas comerciais de “drogas do sertão”, do extrativismo da borracha e da implantação de sistemas de engenharia, constituídas pelas infraestruturas (SANTOS, 2006). Ainda nesse discurso, as redes urbanas amazônicas possuem diferenciação no que tange aos tempos espaciais, existem núcleos urbanos considerados como “velhos” e “novos”, os quais evidenciam-se por meio das cidades que surgiram através de núcleos ribeirinhos e de fortificações, assim como de cidades que acompanharam o desenvolvimento dos grandes projetos e eixos rodoviários (CORRÊA, 1987). De forma mais recente, o curso dessas discussões tem sido ampliado por meio da inserção de novas hidrelétricas e pelo planejamento infraestrutural realizado pela Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (IIRSA), que reúne os doze países da América do Sul. Carneiro Filho e Souza (2009) enfatizam que esse gigantesco programa, orçado atualmente em US$ 21 bilhões, tem por objetivo a integração e a construção de hidrelétricas, ferrovias, oleodutos, gasodutos, telecomunicações, bem como de rodovias. Belém e Cabral (2019) ressaltam os impactos ambientais causados pelas hidrelétricas, sobretudo os processos de decomposição dos vegetais liberados no ambiente aquáticos dos reservatórios, que libera gás sulfídrico e grande quantidade de carbono e fósforo, que podem alterar a qualidade da água. Esses autores evidenciam a mortandade de peixes à jusante do reservatório da UHE Ferreira Gomes, no Amapá, concluindo que houve uma mudança negativa na paisagem ao longo de 30 anos na bacia hidrográfica do reservatório. O curso do rio Araguari passou a ser conhecido internacionalmente pelo fenômeno da pororoca, uma onda provocada pelo encontro das grandes marés do rio com o oceano atlântico, que alcançava até 5m de altura (CÔRREA, 2020). Desde o ano de 2015, o fenômeno não é mais observado. Além dos efeitos negativos para o turismo, o fim da pororoca, segundo Belém e Cabral (2019), incrementa a seca de outras partes da bacia do rio Araguari e acarreta a diminuição da ictiofauna na região. 449 As possibilidades levantadas para o fim da pororoca são a soma de vários fatores: a construção de três hidrelétricas ao longo do rio Araguari, a abertura de canais para levar água às fazendas e a degradação causada pelo pisoteio de búfalos. 3. A FORMAÇÃO ESPACIAL DO MUNICÍPIO DE FERREIRA GOMES/AP O Amapá é um estado brasileiro criado em 1988 e pertence à Região Norte. No que tange às fronteiras internacionais, o Amapá faz fronteira com dois países, a Guiana Francesa e o Suriname. Seu território localiza-se na margem esquerda do rio Amazonas e sua capital, Macapá, está sediada na linha do Equador. A economia do referido estado destaca-se pela exploração de minérios e seus desdobramentos relativos à exploração de outros recursos naturais. Figura 1 – Mapa de localização da área em estudo Fonte: adaptado de IBGE e Plano Diretor Participativo do Município de Ferreira Gomes, 2013. O cenário da economia e do território amapaense sofreu nítidas mudanças com a inserção de uma empresa denominada Indústria de Comércio e Minérios (ICOMI), constituindo-se o primeiro empreendimento de grande porte na Amazônia, nos anos de 1950, permitindo a exploração de minérios de ferro e manganês (PORTO, 2007). 450 A fim de promover a criação de subsídios para o escoamento da produção e manutenção energéticas do setor industrial, grandes projetos e hidrelétricas foram construídos. Como exemplos dessa política de Estado, criou-se a hidrelétrica de Coaracy Nunes (PORTO, 2007), tornando o município de Ferreira Gomes palco dessas transformações. As consequências desse processo ocasionaram o desenvolvimento de várias cidades, assim como o crescimento populacional; dos anos de 1991 e 1996, a população estadual passou de 289.397 para 439.781 habitantes (SEICOM, 2000). Segundo Brito (2008), a implantação da infraestrutura da hidrelétrica de Coaracy Nunes modificou drasticamente o meio ambiente tanto pela construção do reservatório, quanto pelos impactos na formação de núcleos urbanos, na provisão de energia para o setor industrial. Assim sendo, foi no município de Ferreira Gomes que as transformações no setor energético se iniciaram em toda a Amazônia. Soma-se a isso a implantação de dois empreendimentos hidrelétricos no município com a finalidade de utilização do potencial hidrológico do rio Araguari, a hidrelétrica de Ferreira Gomes – em operação desde 2015 –, localizada nas proximidades da sede do município, e a usina de Cachoeira Caldeirão (ANEEL, 2012) – em operação desde 2017, formando um tríplice uso do regime hidrológico do rio Araguari e (des)construindo novos usos ao espaço do município. Figura 2 – Aproveitamentos hidrelétricos no rio Araguari Fonte: adaptado de Ecotumucumaque, 2013. 451 Quantos aos aspectos espaciais do município, ele apresenta uma população de 5.802 habitantes e um grau de urbanização 72,09% (PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE FERREIRA GOMES, 2013). A economia caracteriza-se pelas atividades no setor primário, tais como agropecuária, não existindo fomentos à implantação de indústrias. Conforme Silva et al. (2020), com a construção dos grandes empreendimentos hidrelétricos, houve uma expansão urbana acelerada da cidade de Ferreira Gomes, provocada pelo elevado crescimento demográfico, em curto prazo. Para esses autores, o poder público falha na regulação desse fenômeno antrópico, com poucas medidas de planejamento e ordenamento territorial e estratégias urbanísticas pouco eficazes, comprometendo a qualidade de vida e o bem-estar social da população local. Os principais acessos à cidade se dão por meio fluvial e pela BR-156 “rodovia de integração que corta o Amapá de Sul a Norte e passa por dez dos seus dezesseis municípios” (PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE FERREIRA GOMES, 2013) e sua pavimentação, que constituem elementos concernentes à estratégia do planejamento do IIRSA, já que esta encontra-se diretamente ligada à articulação do eixo rodoviário entre o Brasil e a Guiana Francesa. A questão fronteiriça influencia não somente o contato direto, numa perspectiva político-administrativa, como também as dinâmicas espaciais dos municípios lindeiros. No que tange aos aspectos hidrográficos, o município de Ferreira Gomes insere-se na região da Bacia do Araguari, que possui 42 mil km² de área total e detém uma vazão média de 1.200m3/s. Logo, apresenta um notório potencial hidroenergético (PLANO DIRETOR PARTICIPATIVO DO MUNICÍPIO DE FERREIRA GOMES, 2013). O rio Araguari é o rio que margeia a cidade de Ferreira Gomes e é considerado o principal e maior rio do Amapá, possuindo aproximadamente 617 km de comprimento. Nessa conjuntura, tem-se a construção da hidrelétrica de Ferreira Gomes, em operação desde 2015, que se localiza nas proximidades da principal cidade do município de Ferreira Gomes, esse fato nos leva à problemática da avaliação da dinâmica dos espaços livres da cidade de Ferreira Gomes, levando-se em consideração a relação do encontro entre “cidade-rio-empreendimento hidrelétrico”. Portanto, o objetivo desta pesquisa é a avaliação da orla enquanto espaço livre público de encontros e quanto a seu aspecto ecológico, com destaque para a dimensão em diversos projetos de diferenciadas tendências (econômico, políticas ou urbanísticas), temporalidades e urbanidades, estabelecendo termos de comparação entre 452 dinâmicas e urbanísticas diferenciadas, olhando os usos dos espaços que evocam a coexistência física e social dos pedestres nos lugares públicos (CERTEAU, 1994). 4. ANÁLISE DOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS DE FERREIRA GOMES/AP A cidade de Ferreira Gomes conta com poucos espaços livres públicos que propiciam uma grande concentração de pessoas. A referida cidade detém uma orla de aproximadamente 1,5 quilômetro de extensão às margens do rio Araguari. Esse fator faz com que esse elemento espacial se torne um dos principais atributos que promovem o convívio da população, assim como o lazer aos habitantes e turistas. Também existe uma praça localizada na parte alta da cidade, no bairro da Montanha, que se mostra pouco atrativa a seus usuários por falta de infraestrutura adequada. Figura 3 – Localização dos espaços livres públicos na cidade de Ferreira Gomes destacados na cor vermelha Fonte: adaptado de Plano Diretor Participativo do Município de Ferreira Gomes, 2013. Os estudos aqui apresentados abordam a orla da cidade como principal espaço público livre, em razão de possuir maior complexidade, dada a sua proximidade com o rio, e de constituir-se como uma das áreas mais degradadas ecologicamente do ambiente urbano. Destacam-se o verde urbano e a necessidade de seu 453 conhecimento, uma vez que os benefícios da vegetação em relação ao microclima podem ser indiretos, através da evapotranspiração, que mitiga as superfícies e o ar adjacente devido à troca de calor, e diretos, através do sombreamento, que reduz a conversão de energia radiante em calor sensível e diminui a temperatura de superfície (ROMERO, 2011). A absorção da radiação solar pelas folhas das plantas é um dos benefícios das áreas verdes sobre as áreas não plantadas. Deve-se levar em conta que a radiação de onda longa das folhas é mais lenta que a das superfícies dos arredores, por isso, as pessoas nas áreas verdes estão mais sujeitas à menor pressão do calor radiante. O esquema apresentado abaixo mostra as principais conformações das parcelas da orla que subsidiam as análises descritas na metodologia desta pesquisa e permite compreender por meio de registros fotográficos da visita in loco as feições gerais da orla. Figura 5 – Feições gerais da orla da cidade de Ferreira Gomes/AP Fonte: acervo dos autores. As parcelas foram numeradas de A1 a A20 com o objetivo de evidenciar as estruturas parciais da área em estudo. Na parcela A1, existe uma praça que conta com mobiliários (bancos, lixeiras, um quiosque) e gramados, porém com pouca arborização. Da parcela A2 até A4, há uma predominância de bares e restaurantes de uso misto (restaurante/residência) que fornecem serviços aos turistas e usuários da área. Já as parcelas de A5 a A10 são caracterizadas pela presença de calçadas que delimitam a orla, em que estão alocados quiosques, playgrounds, campo de voleibol 454 e esculturas, além da arborização de médio/grande porte pontual. Na parcela A11, está alocado um posto de combustível, na margem da orla, e um pequeno trapiche de embarcações. Nos trechos de A12 a A14 estão sediados os equipamentos públicos como a prefeitura, centros culturais, algumas secretarias e a promotoria da justiça. Os intervalos de A15 a A17 são definidos pela presença de residências que impedem o acesso à orla. Já as parcelas de A18 a A20 definem-se pela presença de vegetação arbustiva, pequenas embarcações e casas de pescadores. 5. RESULTADOS A ecologia vem lentamente sendo incorporada a diversas disciplinas, sendo assim, em muitos aspectos, o planejamento urbano e o planejamento ambiental associam-se de maneira profunda. Desse modo, tanto a compreensão ecológica quanto os espaços livres públicos tornaram-se temas frequentes nos projetos das cidades. Algumas experiências demonstram essas interações no novo papel de construir as cidades, no qual a reestruturação dos processos naturais são imprescindíveis e o papel da dinâmica espacial dos espaços livres públicos cada vez mais ganha espaço. O método escolhido para a realização da análise ambiental da orla de Ferreira Gomes foi apoiado em conceitos da ecologia da paisagem (FORMAN e GODRON, 1986) e nos métodos consagrados de modelos de apropriação da paisagem (MCHARG, 1969). A pesquisa busca o aprofundamento de uma consideração recente, que é a avaliação da “performance” ecológica do urbanismo. Procura-se a avaliação dos diferentes usos do solo utilizado na orla segundo sua integração ecossistêmica com o bioma natural. No trabalho, desenvolveu-se uma pesquisa de campo na porção mais antropizada da orla do rio, salientando-se as variáveis que ajudam a compreender a integração ecossistêmica com o meio ambiente. Escolheram-se como indicadores do processo de impacto das atividades antrópicas sobre o meio natural três grupos sensíveis de elementos físicos da paisagem, notadamente, (1) o estado da vegetação – diz respeito à vegetação que caracteriza as áreas verdes da orla em seus diversos estratos (herbáceo, arbustivo e arbóreo); (2) o estado do solo – diz respeito ao suporte físico ou plano horizontal que deveria dar suporte à vida, com verificação de presença de solo exposto, impermeabilização, existência de processos de erosão, escavações, muros de arrimo que alteram a conformação das margens 455 etc.; e (3) a acessibilidade ou barreiras aos ciclos de vida – diz respeito principalmente aos elementos construídos pelo ser humano que dificultam a dispersão de espécies impedindo total ou parcialmente a troca gênica, verificada, assim, a presença de muros, cercas, pequenos elementos construídos, construções irregulares etc. A análise se restringiu à situação em que se encontra a orla do rio atualmente, com o objetivo de se obter um diagnóstico da área em estudo. Tendo em vista a necessidade de se conhecer com detalhes os aspectos que envolvem o tema, foi necessário definir o universo de pesquisa, o qual se constitui de uma faixa de 30m ao longo de toda a orla do rio e que corresponde à faixa orla urbana. As unidades básicas de análise da paisagem são parcelas de 75x30m, o que correspondeu a 20 parcelas ao total. Os indicadores foram decompostos em variáveis, e pontuados conforme o grau de degradação que causam à paisagem, variando de +4 a –4 pontos. A maior pontuação demonstra maior capacidade de suporte ecológico e a menor pontuação representará a dificuldade na manutenção de ecossistemas. (1) Indicador - Vegetação: - Natural (4 pontos): maior pontuação é alocada nas parcelas com a maior quantidade e variedade de espécies nativas, pois estas possibilitam a troca gênica com maior facilidade; - Vegetada (2 pontos): parcelas vegetadas, porém com a presença exclusiva de espécies exóticas, recebem uma pontuação intermediária, pois a biomassa criada ainda pode gerar certa complexidade ao ecossistema; - Baixa degradação (zero ponto): essa pontuação é eleita às áreas com baixa diversidade e quantidade de espécies, que são consideradas degradadas devida à baixa capacidade de suporte ecológico; - Média degradação (-2 pontos): parcelas vegetadas com a presença rarefeita de vegetação; e - Alta degradação (-4 pontos): parcelas com nenhuma quantidade e variedade de espécies nativas, impossibilitam a troca gênica. (2) Indicador - Solo: - Estável (4 pontos): essa pontuação é posta para parcelas com o solo capaz de criar um verdadeiro suporte ao ecossistema, sem presença de processos erosivos ou áreas impermeabilizadas; 456 - Em baixo risco de erosão (2 pontos): parcelas com processo inicial de degradação do solo, com influência negativa na qualidade do ecossistema, com presença de pequenos processos erosivos; - Em risco intermediário de erosão (zero ponto): parcelas em processo notável de degradação do solo, com influência negativa perceptível na qualidade do ecossistema, com presença de consideráveis processos erosivos e impermeabilizações, recebem uma pontuação intermediária; - Em alto risco de erosão (-2 pontos): parcelas em alto processo de degradação do solo, com alta influência negativa na qualidade do ecossistema, por meio da presença de grandes processos erosivos, adições de solo e impermeabilizações em grande escala; e - Em processo de erosão (-4 pontos): áreas em acelerado processo de degradação, com solo exposto e erodido, incapazes de suportar vida. (3) Indicador - Acessibilidade x Barreiras: - Acessibilidade (4 pontos): a pontuação máxima é verificada em parcelas que, devido a sua proximidade com as áreas naturais e que pela ausência de barreiras físicas, poderiam funcionar como verdadeiros corredores ecológicos para as espécies nativas e circulação de pessoas; - Barreira Média (2 pontos): a pontuação intermediária positiva é empregada em parcelas que, apesar de possuírem barreiras à circulação das espécies (cercas verdes, por exemplo), poderiam, com pequenas intervenções, modificar o estado em que se encontram para uma situação de melhor suporte ecológico; - Barreira Forte (zero ponto): parcelas que possuem um isolamento considerável em relação a sua vizinhança (muros de cimento, grande parte da área ocupada por construções) e grande distanciamento das áreas naturais não são pontuadas; - Barreira mais que forte (-2 pontos): parcelas que apresentam barreiras à circulação das espécies poderiam com grandes intervenções modificar o estado em que se encontram para uma situação de melhor suporte ecológico; - Não acessível (-4 pontos): verificado em parcelas que, devido a sua proximidade com as áreas naturais e pela presença total de barreiras físicas, impedem o funcionamento de corredores ecológicos para as espécies nativas e circulação de pessoas. Os resultados obtidos através da análise dos três indicadores formarão mapas 457 temáticos (vegetação, solo e acessibilidade x barreiras) que serão sobrepostos conforme a técnica de “overlayers” (sobreposição de camadas), consagrada por McHarg (1969), em seus estudos ambientais. Depois da realização e análise dos mapas temáticos, será composto o mapa de suporte ecológico da orla de Ferreira Gomes, através de uma matriz de agregação dos dados. Cada unidade da paisagem analisada nos mapas temáticos possuirá uma pontuação diferente. Essa matriz agregará as diferentes pontuações em uma escala de cores em que cada pontuação representará um tom diferente. Na fase de agregação dos dados e na manipulação dos mapas será utilizado o Sistemas de Informações Geográficos ArcGis e softwares de manipulação de imagens. 6. MAPAS TEMÁTICOS E DIAGNÓSTICO Após a visita de campo e a obtenção dos dados segundo a proposição da metodologia aqui discutida, foram elaborados mapas por meio de tecnologia SIG, mediante o uso do software ArcGis, que evidenciam informações acerca da vegetação, solo e acessibilidade/barreiras presentes na faixa linear de trinta metros de orla urbana da cidade de Ferreira Gomes. Os primeiros mapas a serem apresentados são relacionados a aspectos da vegetação e do solo. O mapa temático da vegetação mostra que o trecho central da orla da cidade apresenta mais problemas quanto à presença de vegetação nativa, em contrapartida, as extremidades são mais preservadas. A importância da grama como material de revestimento é observada no período da chuva nos climas tropicais como é o caso da cidade de Ferreira Gomes, que, mesmo estando exposta aos raios solares, apresenta superfície gramada com valores baixos de temperatura, que se aproximam dos valores das áreas sombreadas. Com relação ao mapa resultante das variáveis tangenciais ao solo, este se mostra mais diversificado em relação aos valores obtidos, embora os valores exibam que grande parte da orla se encontra em algum processo de erosão. 458 Figura 7 – Mapas temáticos da vegetação e do solo da orla da cidade de Ferreira Gomes Fonte: acervo dos autores. Os seguintes mapas são produtos das informações extraídas dos aspectos de acessibilidade e barreiras, assim como, da somatória dos aspectos da vegetação e solo, o que foi denominado de mapa de suporte ecológico. Em termos de acessibilidade, a orla da cidade de Ferreira Gomes na maioria de sua extensão apresenta barreiras ou algum tipo de impedimento que restringe ou dificulta o acesso dos usuários ao rio Araguari. Os pontos mais críticos são verificados em residências particulares que impedem completamente o uso da orla como espaço público. Figura 8 – Mapas temáticos da acessibilidade e de suporte ecológico da orla da cidade de Ferreira Gomes/AP Fonte: acervo dos autores. Com relação ao mapa de suporte ecológico, que agrega informações dos três 459 mapas temáticos, conclui-se que as extremidades da orla, justamente as que possuem menores influências antrópicas, estão mais preservadas, provando que as ocupações urbanas atuais têm uma influência negativa na qualidade ambiental dos espaços livres. Esse mapa ajuda a visualizar quais as áreas das orlas que são prioritárias para novos projetos urbanos, sendo uma ferramenta útil para a gestão urbana. 7. CONCLUSÃO O município de Ferreira Gomes é um dos eixos em que se implantam sistemas de engenharia na Amazônia brasileira, por conseguinte, uma gama de transformações desenvolve-se, alterando as condições socioambientais. As transformações espaciais atuais no município de Ferreira Gomes são produtos dessa relação, baseada na apropriação dos recursos naturais pelos grandes empreendimentos dos aproveitamentos energéticos proveniente do rio Araguari. Tal fato implica na dinâmica espacial e, consequentemente, gera impactos no planejamento urbano da cidade, bem como no planejamento regional, através de fenômenos como o adensamento populacional – dada a oferta de empregos e serviços –, o que ocasiona fluxos migratórios, crescimento urbano tanto na cidade de Ferreira Gomes, nas vilas urbanas, quanto em Porto Grande, município vizinho. A criação do Plano Diretor de Ferreira Gomes (2013), resultante das ações para implementação dos empreendimentos hidrelétricos, corrobora na inserção do município de Ferreira Gomes na complexidade do espaço transfronteiriço. Dessa forma, faz-se necessário refletir sobre as potencialidades e fragilidades e enfrentar desafios decorrentes das intencionalidades de agentes sociais atuantes no espaço em questão, a fim de que se promova a estruturação urbana e a qualidade de vida no município em meio ao desenvolvimento econômico. Já o mapa de suporte ecológico da orla de Ferreira Gomes identificará valores ambientais e urbanísticos, gerando diferentes alternativas para a efetiva implantação de corredores ecológicos e ações planejadas em termos de projetos de intervenção urbano-paisagística, que ligarão os locais degradados com áreas onde a natureza ainda não foi destruída. Conforme os resultados obtidos na análise da orla de Ferreira Gomes, grande parte das parcelas apresentou alguma forma de interferência humana. Observou-se 460 que as parcelas com maior capacidade de suporte ecológico estão localizadas nas extremidades da orla urbana próximas a áreas como parques e áreas de preservação, provando que a privatização da orla pelos lotes residenciais é extremamente prejudicial à sustentabilidade dos ecossistemas nativos. Uma das alternativas que poderia ajudar na preservação da orla seria a utilização, por parte dos órgãos públicos competentes, de novas tecnologias e métodos que facilitem a integração de dados recentes, como as imagens de mapas temáticos apresentados neste artigo, como uma ferramenta de gestão ambiental. 461 REFERÊNCIAS AMANAJÁS, R.; KLUG, L. B. A nova agenda urbana e o Brasil: insumos para sua construção e desafios a sua implantação. Brasília: IPEA, 2018. ANEEL. Características Técnicas e Informações Básicas para a Exploração Da UHE Cachoeira Do Caldeirão. ANEXO VIII AO EDITAL DE LEILÃO Nº. 06/2012Processo nº. 48500.001651/2012-54, 2000. BECKER, B. K. Geopolítica da Amazônia. 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Os resultados apontaram para indicação de mudanças nas estratégias da organização, caracterizando a inovação como impulsionador do diferencial do secretário no papel de cogestor. A conclusão principal foi à valorização das atribuições desse profissional ao gerar inovação propiciando vantagem estratégica. PALAVRAS-CHAVE: Inovação; Conhecimento; Secretário Executivo. ABSTRACT: The objective of this study was to analyze the role of the executive secretary from the perspective of innovation through knowledge management. We sought to contextualize historically the management of knowledge with a view to innovation and to identify the advantages for the development of professionals. Among the most cited authors who serve as a foundation for this theme were: Beal (2004), Nonaka and Takeuchi (1997), Probst; Raub, Romhardt (2002), Staub (2001), Quadros and Vilha (2007), Silva (2013), Silva and Miranda (2013). Qualitative research was conducted, the collection was by means of literature review and descriptive analysis. The results indicated changes in the organization's strategies, characterizing innovation as a driver of the secretary's differential in the role of co-manager. The main conclusion was the valorization of the attributions of this professional when generating innovation providing strategic advantage. KEYWORDS: Innovation; Knowledge; Executive Secretary. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 464 1. INTRODUÇÃO A inovação passou a ser um elemento diferenciador para a organização, a qual varia dependendo da forma que é aplicada, pois não basta desenvolver os trabalhos de modo eficiente e com qualidade, é preciso que as metodologias sejam aperfeiçoas e renovadas com características diferentes em comparação as utilizadas. A concepção dessa terminologia é diversificada a depender de cada estratégia organizacional. Assim, ela é considerada uma alternativa para propiciar modificações nas organizações, seja com o intuito de corresponder e responder às mudanças internas e externas, ou como ação prévia aos concorrentes do segmento empresarial. (DAMANPOUR, 1991). Entretanto, ao abordar este tema deve-se contextualizar inicialmente a informação e o conhecimento, pois, para Miranda (2008) a gestão da informação e do conhecimento são diferentes em sua essência, mas pertencem à mesma família da gestão de dados. Assim, pode-se afirmar que a inovação faz parte deste contexto organizacional, sendo um conhecimento, que por sua vez é poder, significando moeda de valor para o alcance dos resultados organizacionais. Neste panorama, concebe-se que o capital intelectual é o envolvimento dos profissionais na organização. A partir deste entendimento evidencia-se a participação e atuação do secretário executivo no processo de inovacao ao estar no nível tático e em constante compartilhamento com o nível estratégico. Diante disso, promove-se a oportunidade para profissional apresentar seu diferencial ao saber gerenciar e tranformar a informacão em conhecimento. Deduzindo-se ser um colaborador indispensável à organização por promover vantagem estratégica no mercado. E segundo Robbins (2005, p, 112) “A maioria das pessoas possui um potencial criativo que pode ser usado quando elas se confrontam com a necessidade de solucionar um problema”. Nesta perspectiva, observa-se que para ocorrer a inovação torna-se necessário o diferencial das pessoas. Por outro lado, compreende-se a sedimentação do secretário executivo como um cogestor das ações e estratégias que balizarão à tomada de decisão, sendo evidenciada sua experiência, pois ele “detém os conhecimentos mais valiosos sobre como atingir melhores resultados, como diagnosticar problemas e otimizar processos internos [...].” (SAITO, 2012). Por isso, a gestão da informação torna-se um elemento importante neste Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 465 contexto, principalmente aos recursos e seu custo de fazer negócios. Todavia, a concepção que a tecnologia e os sistemas de informação podem sofrer uma administração e uma aplicação errada de forma a produzirem tanto o fracasso tecnológico como o da empresa, cabe destacar que são situações essenciais para os gestores buscarem estratégias catalizadoras para solucionar determinados problemas, e ganhar com seus resultados. Diante disso, ressalta-se sua contribuição para o sucesso e a eficácia no nível de execução bem como para a produtividade do indivíduo. Porém, as organizações precisam fornecer meios para o secretário proporcionar a vantagem competitiva, transformando dados em informações e transformá-los em conhecimento, por meio de uma reflexão e análise aprofundada das respectivas informações, de tal forma que possa organizá-las. O entendimento de que a gestão do conhecimento contribui fundamentalmente com serviços eficientes, produtivos, aprimorando-os continuamente para a sociedade é geral. Diante dessa visão compreende-se que o secretário executivo é o principal colaborador para converter as informações em conhecimento produtivo, favorecendo e aprimorando os processos. De acordo com Beal (2004, p.125), qualquer organização, seja terceiro setor, pública e ou privada, têm condições plenas de alcançar essa eficácia e eficiência com “(...) projetos multidisciplinares, encontros virtuais e presenciais, grupos de pesquisa, comunidade prática, mapeamento de competências e habilidades etc.” Nessa perspectiva, a empresa deverá determinar objetivos claros e metas delineadas buscando o alcance dos resultados organizacionais, partindo-se do princípio de que as diretrizes devem estar bem definidas e as estratégias bem desenhadas. Essas estratégias bem estruturadas dificultam qualquer reprodução. Sendo assim, se os recursos são os conhecimentos presentes nos indivíduos se tornam muito mais estratégicos e valiosos. Apropriando-se da ideia de Goulart, pode-se inferir que existem secretários executivos disponibilizando conhecimento tácito, mapeando conhecimentos, identificando-os, categorizando em quais níveis se encontram e como podem ser utilizados. Com isso, pode-se afirmar sua colaboração com o tratamento dado pelo pessoal do sistema de informação. Essa etapa exploratória, de análise e pesquisa é essencial, pois, torna-se necessário método que oriente como fazer uso desse recurso estratégico de forma efetiva. “As estratégias dependem, para sua realização eficaz, Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 466 desse grupo de conhecimentos e capacidades que a empresa deve ter ou desenvolver para transformar objetivos estratégicos em ações.” (2008, p.25) Nessa perspectiva é relevante analisar a atuação do profissional sob a óptica da inovação a guisa da gestão do conhecimento, por estar diretamente direcionada à administração das atividades dos profissionais com vistas a garantir a eficiência e eficácia dos elementos disponibilizados pela organização. Além disso, compreender as vantagens que a propicia aos profissionais em sua área de atuação, possíveis benefícios, entre outros aspectos. Diante disso, os dois objetivos específicos que norteiam esta pesquisa: a) contextualizar historicamente a gestão do conhecimento com vistas à inovação b) identificar as vantagens da inovação para o desenvolvimento dos profissionais. Assim, motivada pela proposta de ministrar o Mini Curso – "O profissional e sua atuação sob a óptica da inovação", no VIII Encontro Nacional Acadêmico de Secretariado Executivo (ENASEC), compreende-se que esta pesquisa se justifica por alguns motivos. Primeiro, porque auxilia o entendimento sobre a importância e o contexto do referido tema para os acadêmicos, profissionais e docentes. Segundo, porque contribui com a discussão do referido assunto, considerado como elemento propulsor para destacar o diferencial profissional. Por fim, se justifica por trazer à reflexão aspectos sobre a pesquisa na área de secretariado executivo, contribuindo para a discussão da temática do ENASEC, sobre o “DNA do Secretariado: competências, inovação e gestão”. Este artigo se subdivide em mais quatro seções, além desta introdução. Na segunda seção são apresentados conceitos sobre a gestão do conhecimento e informação contextualizando a inovação, bem como suas vantagens. Na seção três são abordados os procedimentos metodológicos adotados. Na quarta seção apresentam-se os resultados e a discussão que são tratados na mesma ordem dos objetivos específicos. Por fim, a quinta e última seção apresenta as considerações finais, indicando as sugestões para continuidade da pesquisa. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Contextualizações da gestão do conhecimento – inovação Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 467 Contextualizar a inovação não é uma das tarefas mais fáceis, pois, é bastante variada ao considerar sua aplicação. Desta forma compreende-se ser um elemento propiciador do aumento do faturamento, disponibiliza novos negócios e mercados, estende as margens de lucro, entre outros. Dentre as várias inovações, cabe destacar as relativas aos produtos, processos, novos modelos de negócios, métodos organizacionais. A inovação tratada neste artigo é aquela que causa impacto significativo na organização, tais como: receita da empresa, participação de mercado, imagem institucional, pois normalmente, só o aperfeiçoamento contínuo não cria vantagens competitivas de médio e longo prazo. Na realidade só assegura a competitividade em relação ao custo. Conforme Guimarães (2011, p.462) o novo panorama que apresenta conhecimento e inovação como "(...) fatores centrais para o crescimento e o desenvolvimento econômico sustentáveis, desta forma pode-se inferir que a sociedade precisa da parceria de toda sociedade produtiva, ensino e tecnologia". Já STAUB (2001), apresenta que a atual economia funciona com a geração e incorporação de inovações, observando que o conhecimento tecnológico poderá preparar a empresa para competir com a buscar permanente de inovações podendo recriar as condições para se mantiver competitiva ao longo do tempo demonstrando, que a competitividade é dinâmica. Assim, requer a manutenção de investimento em desenvolvimento tecnológico. Acrescenta ainda, que a empresa é o seu agente introdutório, pois “lança novos produtos no mercado e utiliza novos processos de produção ou novos processos organizacionais, porém o desenvolvimento tecnológico não é fruto da ação individualizada das empresas” (p.1). A inovação e o desenvolvimento tecnológico são produtos da coletividade. Com a interação demonstrada por STAUB (2001) permite-se inferir sobre o papel do profissional neste coletivo que produz o desenvolvimento tecnológico. Além disso, compreende-se inovar como um elemento imprescindível de competição entre setores da sociedade, pois, atualmente ter conhecimento tecnológico é possuir passaporte não só para manutenção, mais para a dominação econômica e política. Quadro e Vilha (2007) citam que cada gestor tem sua necessidade e demanda com isso a inovação depende de vários fatores. Significa dizer que cada profissional atua conforme sua visão de negócio e processo. Cabe destacar que existem vários tipos de inovação que não serão aprofundadas nesta pesquisa, mais serão objeto de estudo em futuras pesquisas Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 468 realizadas nesta área, por esta pesquisadora. Os tipos são os mais variados, de produto, de processo, modelo de negócios, organizacional, entre outras. Portanto, é importante frisar que perpassa em vários segmentos da organização, desde a concepção até a produção, conforme demonstrado no quadro abaixo. Quadro demonstrativo 1 – Tipos e Concepções de Inovações Tipo Concepção Envolve mudanças significativas nas potencialidades de produtos e serviços. Produto Incluem- se bens e serviços totalmente novos e aperfeiçoamentos importantes para produtos existentes. Representa mudanças significativas Processo nos métodos de produção e de distribuição Refere-se à implementação de novos métodos organizacionais, tais como Organizacional mudanças em práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas da empresa. Envolve a implementação de novos métodos de marketing, incluindo mudanças no design do produto e na Marketing embalagem, na promoção do produto e sua colocação e em métodos de estabelecimento de preços de bens e de serviços. Secretário Executivo Colabora na visão que o mercado exige dos bens e serviços. Relaciona as mudanças necessárias nos métodos utilizados pela empresa. Facilita com a sensibilização dos setores da importância de implementação dos métodos organizacionais. Colabora na implementação dos novos métodos de marketing. Fonte: Nanica (2015) adaptado do Manual de Oslo (2005). Conforme as concepções apresentadas, esta pesquisa compreende como objeto de estudo a inovação como apresentada na introdução, pois não pretende comparar ou discutir todas as concepções, mas somente relaciona-las com o papel do secretário executivo nesta referida seção. Ao pesquisar estudos sobre a relação entre produção do conhecimento e inovação observam-se evidências que, para aplicar o conhecimento científico, não basta à disponibilização do conhecimento explícito, pois ele deve ser acompanhado da prática, o que, demanda ajustes e soluções complexas de ser implantadas, além da imprevisibilidade. Por essa razão, em sua maioria a organização precisa apoiar e comprar a ideia, não apenas no aspecto financeiro, mas também nos acordos, convênios, integração, parcerias formais e não formais capazes de promover a interação entre os envolvidos no respectivo processo. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 469 2.2 Vantagens da inovação para o profissional As vantagens da inovação para o profissional de secretariado na sua área de atuação tem sido motivo de pesquisa por sua relação direta com o nível estratégico da organização. É importante ressaltar que Silva e Miranda (2013, p.45) afirmam que o profissional "[...] não assume posição de comando para simplesmente exercitar a função de ‘dar ordens’ que devem ser obedecidas a qualquer custo. Ele precisa pensar no equilíbrio do ambiente organizacional bem como acompanhar e buscar a harmonia dos seus colaboradores". Neste sentido, o papel do secretário executivo vai além, com direcionamento e procurando os meios adequados para alcançar os objetivos organizacionais. No Quadro 2 – adaptado do artigo de Silva e Miranda (2013), pode-se observar que o secretariado colabora diretamente com os objetivos da organização, no direcionamento, nas mudanças tanto internas como externas, de tal forma que impacta nas ações estratégicas. Por outro lado, esse compartilhamento de informações carrega consigo alterações e transformações que podem resultar em inovação que promoverá uma guinada positiva, na imagem da empresa bem como em ganhos financeiros. Desta forma, elevará o patamar da empresa com obtenção de credibilidade e lucros extraordinários. Assim sendo, a inovação gerada por esse profissional o beneficiará indiretamente, ao proporcionar-lhe identidade própria, o tornando referência pelo reconhecimento no âmbito do quadro de pessoal dos expertises da organizacional. Quadro Demonstrativo 2 – Função Estratégica do Profissional de Secretariado Executivo Função Profissional de Secretariado Executivo Colabora com os objetivos da Auxilia no suporte à tomada de decisão estratégica e organização tática da organização Promove a integração dos diversos agentes internos e externos à organização, por meio da intermediação de Confere Senso de Unidade informações. Utiliza sua capacidade de influência, em seu nível de Propicia direção atuação para indicar possibilidades de atuação e de ação. Promove a partilha de conhecimentos sobre alterações e Facilita as mudanças Internas transformações na organização, atuando como fonte de e Externas disseminação de informações que promovem a transformação organizacional. Fonte: Silva e Miranda (2013) adaptado de Goulart (2008). Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 470 No Quadro 3 – Pode-se observar a importância do papel do profissional de Secretariado Executivo diante dos recursos tecnológicos da gestão do conhecimento e informação ao contribuir com o compartilhamento de informações e torna-se gerador de mudanças no contexto prático e teórico do conhecimento. Quadro Demonstrativo 3 – Bancos de Dados e Bases de Conhecimento X Papel do Profissional de Secretaria do Executivo Recurso Conceito Coleção de registros e arquivos logicamente relacionados. Um banco de dados incorpora muitos registros Bancos de anteriormente armazenados em dados arquivos separados para que uma fonte comum de registros de dados sirva muitas aplicações. Guardam conhecimento em uma Bases de multiplicidade de formas como fatos, conhecimento regras e inferência sobre vários assuntos. Papel do Profissional de Secretariado Executivo Agrega valor com informações valiosas que estejam encobertas pela falta de padronização de termos, pelo nível de detalhamento inadequado ou por outras deficiências na apresentação. Partilha e atua como catalizador na transformação do conhecimento tácito em explicito e vice-versa. Fonte: Silva e Miranda (2013) adaptado de Beal (2004). Diversos são os fatores que determinam o sucesso ou fracasso de uma organização, com isso, pode-se inferir que um dos fracassos é não saber utilizar o capital intelectual para disseminar, compartilhar e promover conhecimentos. Quando se trata de inovação, Silva (2013) aponta que a atuação do profissional tem impacto pelas mudanças e transformações mercadológicas, demonstrando ser um fator de vantagem e incentivo para o profissional desenvolver novas competências. Complementando, Silva (2013) comenta que a forma de aplicação dos conhecimentos fará o diferencial para maximizar os resultados, e consequentemente a empresa tende a obter ganhos financeiros, econômicos e possivelmente sociais. Assim, considerando a respectiva concepção infere- se que a gestão do conhecimento sob a óptica da inovação deve ser compreendida para que o profissional consiga conhecer as melhores práticas e instrumentos eficazes para desenvolvê-la com resultados plenos. Outro aspecto abordado por Staub (2001) é de que a detenção de conhecimento científico é condição necessária, mas não suficiente para inovação. Diante dessa colocação pode-se compreender que não é implantada somente pelo aspecto científico. No que tange os custos, Moreno (S/D) observa que a empresa precisa saber implementar, comercializar conhecimento e inovar para obter o Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 471 reconhecimento como fornecedora de excelentes produtos e processos. Considera ainda, que é fundamental para as organizações se mantiverem competitivas. Neste pensamento sinaliza-se que realmente contribui para o aumento nos rendimentos, credibilidade e permanência da empresa no mercado. Já Quadros e Vilha (2007), apontam que o gerenciamento desse processo deve contemplar a mobilização e integração das áreas internas da empresa com as áreas externas. Nesses casos, o grupo menor é menos eficiente. Assim, a eficiência maior ou menor de um grupo depende se a análise é sobre a sua organização ou sobre a maior possibilidade de alcance do objetivo grupal. Por fim, considerando as colocações supracitadas compreende-se que além do aspecto científico é preciso inserir em todo esse processo as equipes de todas as áreas da organização. Percebe-se vários aspectos que podem determinar a manutenção e, consequentemente, o crescimento e sucesso da disseminação do conhecimento transformando-o em inovação. Dessa maneira, salienta-se que o sucesso depende de como essas estratégias são gerenciadas pelas partes envolvidas. Finalizadas as exposições sobre o referencial teórico, a seguir na próxima seção abordam-se os procedimentos metodológicos desta pesquisa. 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Nessa seção, são apresentados os procedimentos metodológicos adotados para alcançar os objetivos propostos para esta pesquisa. Nela são expostos a caracterização da pesquisa, o delineamento da pesquisa e sua sistemática. O procedimento metodológico envolveu a pesquisa bibliográfica como fonte teórica para o estudo buscando atender aos objetivos delineados no presente artigo. Utilizou-se ainda, os resultados da pesquisa de Silva e Miranda (2013), sobre as atividades do exercício da profissão de secretariado executivo. A presente pesquisa limitou a descrever e refletir sem pretensão de generalizar as justificativas e argumentos apresentados. Por outro lado buscou-se observar sobre a atuação do profissional sob óptica da inovação no contexto da gestão do conhecimento. Optou-se por elaborar um constructo metodológico calcado, predominantemente em pesquisa de caráter qualitativo. As ideias centrais que Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 472 conduzem à opção por essa forma de pesquisa são fundamentadas em autores como GIL, (2009) para o qual o recurso qualitativo se apresenta como forma adequada para a compreensão dos fenômenos sociais, justo porque se fundamenta na análise de diferentes perspectivas e na reflexão do pesquisador a respeito de sua investigação como parte do processo de produção de conhecimento, e Prodanov e Freitas (2013) que defende não requerer a utilização de métodos e técnicas estatísticas, pois o ambiente natural é uma fonte propicia para a coleta de dados e o pesquisador. Assim sendo, a coleta de dados para a pesquisa ocorreu por meio da revisão bibliográfica e no artigo de Silva e Miranda (2013). No que tange a análise e interpretação de dados, utilizou-se análise descritiva que, segundo Gil (2009, p. 42) “têm como objetivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos ou, então, o estabelecimento de relações entre variáveis”. Cabe ressaltar, que a análise dos resultados se deu a guisa da literatura sobre a gestão do conhecimento pelo secretariado. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Em relação aos resultados utilizou-se o Quadro 4 adaptado do artigo de Silva e Miranda (2013), no qual observa-se a atuação do Secretariado Executivo no desenvolvimento de produtos e serviços competitivos, tais como: sensibilização, assessoria, padronização, negociação, utilização das melhores práticas. Enfim, várias competências que facilitam a disseminação da gestão do conhecimento na organização. Portanto há uma visível relação entre as competências secretariais e a utilização da transformação do conhecimento com o apoio oferecido pela organização, que tornam a inovação uma prática recomendável na criação e gestão dos negócios que surgem a partir de grandes ideias e muita dedicação. Além disso, Tidd, Bessant e Pavitt (1997) apud Nanica (2015), apresentam componentes que determinam o ambiente inovador, e de forma forma qualitativa podese inferir que são consoantes com algumas competências profissionais do secretário executivo, tais como: visão e liderança, papéis-chaves, equipe, envolvimento, comunicação, entre outros. A partir do exposto, é possível afirmar que o diferencial competitivo do Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 473 profissional será oportunizado diante do ambiente propício. Resumidamente, o profissional tem ação direta e indireta sobre os processos internos e externos de sua organização. Exemplificando, ele pode colaborar de diversas formas, por meio das competências adquiridas em sua formação, porém em determinadas situações pode apenas opinar. De qualquer forma, ele pode colaborar no estímulo e sensibilização dos demais colegas a aceitarem o uso das novas metodologias e processos de trabalho com vistas à inovação. Nesse ponto, demonstra-se a grande contribuição do presente estudo, qual seja apresentar as organizações, mercado de trabalho e ao secretário executivo formas de conceber e mantiver uma empresa mais inovadora. Contudo, devem ser considerados todos os aspectos anteriormente descritos, para garantir que o sucesso seja alcançado, no atual mercado em que a velocidade das mudanças define os rumos da economia e do mercado. Quadro Demonstrativo 4 - Fatores importantes no desenvolvimento de produtos e serviços competitivos e atuação do profissional de secretariado executivo Fatores de Sucesso Envolvimento do usuário Apoio à administração executiva Clara declaração de requisitos Planejamento adequado Expectativa realista Atuação do Profissional de Secretariado Executivo Ausência de entrada de Sensibilizar e envolver os usuários no usuários processo. Fatores de Fracasso Assessorar e apoiar o nível estratégico e tático Padronizar os procedimentos Requisitos e relativos à criação e encaminhamento especificações de documentos Colaborar no plano incompletas de desenvolvimento do projeto Colaborar na negociação de Alteração dos requisitos mudanças de requisitos seguindo as e especificações etapas necessárias Estimular o uso eficiente e eficaz da Incompetência Tecnologia Utilizar as melhores Tecnológica práticas e realizar Workshops Falta de apoio executivo Fonte: Silva e Miranda (2013, p.) adaptado de Leal (2006) e Beal (2004). De acordo com o exposto, é possível retratar que a inovação por meio da gestão do conhecimento e da informação contribui para que mudanças e impactos na área sejam percebidos, tanto para a pesquisa, quanto para a categoria profissional e para a sociedade como um todo. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 474 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cabe enfatizar que se obteve os resultados esperados com os objetivos delineados e a pesquisa, além de apresentar as contribuições do estudo para o secretariado. O objetivo central que norteou esta pesquisa foi analisar a atuação do profissional sob a óptica da inovação a guisa da gestão do conhecimento. Em relação ao objetivo principal, pode-se perceber o alcance com a análise realizada por meio do primeiro objetivo específico ao contextualizar a gestão do conhecimento com vistas à inovação, ao apresentar que a inovação é um elemento diferenciador e promove mudanças efetivas na organização com aumento de lucros, posição no mercado, entre outros. Quanto ao segundo objetivo específico cabe citar que foi possível identificar as vantagens para o desenvolvimento dos profissionais. Considerando os trabalhos realizados por esta pesquisadora e outros pesquisadores sobre a gestão do conhecimento, bem como a literatura específica da área, pode-se inferir que esses puderam ser amplamente relacionados com a gestão do conhecimento e informação uma vez que a mesma pressupõe que esta intimamente ligada à respectiva área. Ademais, cabe destacar a importância deste assunto para as pesquisas futuras, pois propoe-se a continuidade devendo-se fazer uma mensuração sobre o quantitativo de profissionais promovidos e quais as vantanges que tiveram ao lançar inovações em suas empresas. Compreende-se que o assunto não se esgota e considera-se que gerenciar a informacão tranformado-a em conhecimento modifica consideravelmente o papel do profissional em uma organização. Além disso, observa-se a afirmação de Silva e Miranda (2013), sobre o aumento das atribuições desse profissional com a gestão do conhecimento. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 475 REFERÊNCIAS BEAL, Adriana. Gestão Estratégica da Informação. Como Transformar a informação e a Tecnologia da Informação em Fatores de Crescimento e de Alto Desempenho nas Organizações. São Paulo. Atlas, 2004. DAMANPOUR, Fariborz. Organizational innovation: a meta-analysis of effects of determinants and moderators. Academy of Management Journal, v. 34, n. 3, p. 555590, 1991. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. GUIMARÃES, Sonia K. GUIMARÃES, Sonia K. Produção do Conhecimento Científico e Inovação: desafios do novo padrão de desenvolvimento. Caderno CRH, Vol. 24. N. 63. Salvador. Set/Dez. 2011. ISSN 0103-4979. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01039792011000300001&script=sci_arttext&tlng=es, acesso em> 17 de abril de 2016. MORENO, Aparecido de Paula. Inovações nas Organizações Empresariais.IETEC. 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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p. 66948-66961, jul. 2021 ISSN: 2525-8761. 477 CAPÍTULO 26 CIDADES SITIADAS: REPRESENTAÇÕES DO MEDO DA MORTE E DAS ENFERMIDADES NA PANDEMIA DO COVID-19 E NAS CHARGES DO FINAL DO SÉCULO XIX NO BRASIL Élcia de Torres Bandeira Mestra UFRPE Endereço: Rua Amaro Coutinho, 392, Rosarinho, Recife - Pernambuco, Brasil E-mail: elciabandeira@gmail.com RESUMO: As epidemias assolaram o Brasil em diversos períodos da história como o final do século XIX e repercutiram largamente na Revista Ilustrada, coordenada pelo chargista ítalo-brasileiro Ângelo Agostini. O medo das enfermidades e da morte nos acompanha ao longo da história e gera práticas e representações associadas ao contexto histórico da época. Hoje, a pandemia do covid-19 ceifa milhares de vida no Brasil e no mundo, e a forma como nos apropriamos da trágica realidade nos leva a produzir representações que resvalam, em muitos casos, para o negacionismo científico e contribuem para que muitas vidas ainda sejam perdidas pelos discursos e práticas esvaziados de fundamentação científica. Sitiadas, as cidades enfrentam o microscópico inimigo com distanciamento social e medidas sanitárias de higiene básica, enquanto a vacinação não consegue imunizar a maioria da população brasileira. O amor e a empatia tornam-se lenimentos no vazio deixado pela ausência de vacinas suficientes ou remédio específico contra o coronavírus até o presente momento, em 20 de março de 2021. Janelas antes fechadas são abertas para propiciar a visão do outro. Destacaremos neste artigo a relação entre sentimentos e suas expressões representativas relativas ao medo da morte e das enfermidades nas linguagens escrita e iconográfica e procuraremos articulá-los aos fatos históricos que serviram de palco para a sua construção. Analisar as práticas e representações associadas à saúde pública e desenvolver um estudo comparativo entre as epidemias do final do século XIX e a pandemia do covid-19 torna-se relevante para encontrarmos soluções realistas que nos conduzam com segurança para a liberdade, a saúde e o usufruto da vida em comunidade. PALAVRAS-CHAVE: Covid-19; Charges; Representações. 478 1. INTRODUÇÃO A tecitura da História remete-nos às balizas que sempre nortearam a sua escrita: o tempo e o espaço. Sem o contexto em que os fatos históricos ocorrem, sua significação perde-se no emaranhado das possibilidades infinitas da transição entre passado e presente, sem acrescentar sua contribuição efetiva para a compreensão do mundo em que vivemos. É necessário sempre situar as práticas e representações no tempo histórico e no espaço geográfico em que foram erigidas. Chartier nos aponta a necessidade de considerar as apropriações que fazemos da realidade e como elas estabelecem elos entre as práticas e as representações que construímos a partir delas ao elaborarmos nossos discursos. Sobre a definição de História Cultural ele afirma: Por um lado, é preciso pensá-la como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço. (CHARTIER, 2002, p. 27) A elaboração discursiva está sempre permeada de simbolismos. Nossos medos, anseios, sonhos, desejos, expectativas de vida expressamos em diversas linguagens que interagem com o cotidiano e se revestem de códigos de acesso que se conectam entre si. A subjetividade cria interpretações próprias que revelam os espelhos com que refletimos nós mesmos e o mundo que nos rodeia. Destacaremos neste artigo a relação entre sentimentos e suas expressões representativas relativas ao medo da morte e das enfermidades nas linguagens escrita e iconográfica e procuraremos articulá-los aos fatos históricos que serviram de palco para a sua construção. Considerando as balizas do medievo europeu Jacques Le Goff apresenta a cidade: A cidade da Idade Média é um espaço fechado. A muralha a define. (...) Lugar de cobiça, a cidade aspira à segurança. (...) Mas os doentes, como os leprosos que não podem mais trabalhar, causam medo, e essas estruturas de abrigo não demoram a tornar-se estruturas de aprisionamento, de exclusão. (LE GOFF, 1988, p. 71) As muralhas foram erguidas no medievo europeu em busca de proteção. Período marcado por guerras, especialmente pelas invasões bárbaras, elas pareciam constituir refúgios contra o perigo ameaçador que atingia a Europa Ocidental. Contudo elas não estenderam esta proteção a todos os habitantes nem de forma igualitária. A exclusão social demarca suas fronteiras e elas refletem as desigualdades que também 479 atingem as esferas entre a doença e a saúde, entre a vida e a morte. As cidadelas eram erigidas com fossos, muralhas e paredes espessas para assegurarem que a população em seu interior estaria mais resguardada dos perigos externos que as ameaçavam. Mas as doenças geravam o medo do desconhecido que poderia encaminhar para a morte e promoviam a exclusão social dos enfermos. A doença dentro da cidadela poderia significar a morte de muitas pessoas intramuros e extramuros. Em 2020, vimos as fronteiras serem fechadas diante de uma outra ameaça: a pandemia do novo coronavírus, também chamadaCovid-19, que se alastrou pelo mundo, tomando como ponto de partida a China continental no final doano de 2019.A grande muralha da China foi ineficaz para conter o inimigo. A rapidez com que o vírus se propagou continua assombrando a população mundial e nos leva a buscar formas alternativas de convívio social, especialmente nas cidades, onde residem milhares de pessoas em espaços compactados pela demanda social. Se de um lado a busca por segurança em condomínios fechados demarca a ocupação do espaço urbano no século XXI, esta segurança torna-se frágil diante do inimigo invisível, microscópico, que não poupa ricos nem pobres e invade áreas públicas e privadas ceifando milhares de vidas. Diante do perigo ainda pouco conhecido, a Organização Mundial de Saúde e os profissionais de saúde clamam pelo distanciamento social como forma de conter o avanço inexorável da pandemia. Esta tem sido a medida mais defendida de contenção da enfermidade associada a medidas profiláticas como a higiene básica, como a lavagem das mãos, e a utilização de máscaras. Máscaras antes utilizadas formalmente nos meios de pesquisa e atendimento na área de saúde, ou simbolicamente associada aos festejos carnavalescos ou ainda à necessidade do anonimato para os agentes de segurança ou marginais, agora ganham as ruas nas cidades como imposição dos poderes públicos estaduais e municipais e dos profissionais de saúde no Brasil que lutam para combater o vírus e suas trágicas consequências para a população. Governos estaduais e municipais têm tomado várias medidas restritivas para a circulação populacional, visando à redução da propagação da enfermidade que atinge índices alarmantes em 2021, durante a segunda onda pandêmica no Brasil. Também chamado “lockdown”, o fechamento do comércio, geralmente excetuando os serviços essenciais tais como farmácias, supermercados e bancos, passa a ser imposto por governos estaduais e municipais em alguns 480 municípios por alguns períodos durante a pandemia, que incluiu ainda o uso obrigatório de máscaras em espaços públicos dentre outras medidas restritivas como o rodízio de veículos e a proibição de acesso a espaços públicos como bares, praias, parques e restaurantes, enquanto o negacionismo científico do governo federal, que deveria coordenar as ações de combate à pandemia no Brasil, leva ao avanço do mal que continua a ceifar milhares de vidas em todo o mundo. Somamos no dia 10 de março de 2021, no Brasil, 270.917mortos por Covid-19 e, em 24h, 2.349 óbitos pela doença, com um total de 11.205.972 casos confirmados desde o início da pandemia no país, informações divulgadas pelo Consórcio de Veículos de Imprensa através do Jornal Nacional da Rede Globo de televisão. Números estes apenas indicativos da alta letalidade da infecção respiratória, sendo apenas indicativos subnotificados, uma vez que a reduzida disponibilidade de testes para a Covid-19 levou a sua aplicação apenas em doentes em estado grave, profissionais de saúde e de segurançano início da pandemia, não se tendo como avaliar a real gravidade do problema. A maioria da população continua sem o acesso ao diagnóstico e, muitas vezes, sem acesso a um atendimento no serviço de saúde, que em vários estados brasileiros já entrou em colapso, sem condições de oferecer leitos, especialmente de UTI com respiradores, indispensáveis para salvar vidas no caso de agravamento da doença e, em alguns municípios, sem oxigênio suficiente para atender à demanda social, como aconteceu em Manaus e no interior de Pernambuco. Muitos enfermos convalescem ou vêm a óbito em suas próprias residências. Embora a maioria dos infectados consiga se restabelecer, não podemos descurar o assustador número de infectados e de óbitos por Covid-19 já alcançado no Brasil, que atingiu o record de 2.798 no número de mortos em 24h e um total de 282.400 óbitos desde o início da pandemia até o dia 16 de Março de 2021.O Brasil superou os Estados Unidos da América e tornou-se o epicentro da pandemia, especialmente após a descoberta de nova variante do vírus em Manaus, considerada mais contagiosa que a maioria das mutações genéticas do vírus até agora identificadas, assemelhando-se às cepas do Reino Unido, da África do Sul e da Índia. É imprescindível observar como a enfermidade tem transformado a vida de milhares de pessoas. Imagens de cidades quase desertas como Paris, Madrid, Roma, a cidade do Vaticano, Nova Iorque dentre tantas outras grandes capitais parecem vir do imaginário ou de simples manipulação digital em computador, quando em tempos 481 normais vivem aglomeradas de pessoas circulando com os mais diversos objetivos. A cidade se ressignificou. Por outro lado, ao contrário do que se tem dito a respeito do “fragmentário” da cidade, penso que isso que se toma como fragmentário, em uma certa formação discursiva que dispõe sentidos sobre a cidade, é, na realidade, olhar, interpretação do mundo, da cidade em movimento: o sentido, repetimos, é também a janela de que se olha. E aí temos tanto o virtual como o real. (ORLANDI, 2004, p. 29) O movimento do olhar recria novas percepções da cidade sitiada e imobilizada; o reduzido movimento de pedestres e de veículos se associa à frenética rede de circulação invisível da cidade que se opera no plano virtual-real, mediada pela internet, pelos smartphones, pelo computador, em uma agilidade impressionante na permuta de vivências. Os sentidos da cidade estão em trânsito. Possibilidades remotas ocupam cada vez mais o tempo e o espaço dos fragmentos reais de vida nas cidades aterrorizadas pela pandemia. A solidão, com a reclusão forçada nos espaços domésticos, aumentou a depressão e gerou a necessidade de tratar deste problema com a aproximação digital. A tecnologia vence distâncias e aproxima indivíduos e grupos fazendo emergir a solidariedade como novo elo e um dos pilares em que a população se apoia em busca de sustentação. Parece-me que hoje, diante da ascensão da miséria que os poderes públicos não conseguem conter, aparece um revigoramento da solidariedade. (DUBY, 1998, p. 36) A solidariedade aparece como elemento constitutivo de uma nova prática social e está associada à sobrevivência coletiva em tempos de pandemia doCovid-19. A morte parece-nos excessivamente próxima para nos colocar diante do dilema: enfrentá-la, buscando soluções alternativas como ações comunitárias afirmativas de socorro e sustentação para os enfermos isolados em suas residências, ou para os desempregados e componentes da categoria social constituída pelos autônomos que perderam a única fonte de renda que possuíam com os decretos estaduais e municipais de isolamento social-seja na forma de auxilio alimentar ou de equipamentos de proteção individual como máscaras e material de limpeza para garantir a contenção da velocidade aterradora com que se propaga o vírus, especialmente nos chamados grupos de risco que englobam a faixa etária dos que estão com ou acima dos 60 anos de idade, os que têm comorbidades como hipertensos graves, diabéticos, imunossuprimidos, cardiopatas e pessoas com 482 prévias doenças respiratórias, ou se acomodar diante da sorte de não ser infectado e deixar a morte seguir seu curso sem nada fazer para tentar detê-la, sem se importar com a vida alheia. Hoje, os poderes públicos locais se associam à população civil organizada em ONGs formadas por grupos de voluntários, pelo empresariado, pelas comunidades e associações específicas locais no intuito de promoverem o bem-estar social. Esses sujeitos coletivos são os que perpetuam a memória histórica de processos civilizatórios emancipadores, que constroem a indignação diante da reatualização de problemas antigos e da reconfiguração das misérias humanas e que sonham com a possibilidade de contribuir para a produção de uma sociedade mais justa e feliz. (SCHERER-WARREN, 1999, p.11) O despertar da sociedade atual para a necessidade de preservação da vida tem nos contemplado com cenas emocionantes de convívio social reinventado. Profissionais de saúde são frequentemente aplaudidos e aplaudidas em cidades inteiras do interior dos edifícios, das sacadas dos apartamentos, como também eles e elas aplaudem a recuperação dos enfermos que vencem a morte e retornam à vida familiar cotidiana, levando em sua bagagem a gratidão pela vitória conquistada e o reconhecimento pelo esforço dos profissionais de saúde na obtenção da cura. Nos corredores dos hospitais, alas são formadas por estes e estas profissionais da vida que comemoram as altas médicas dos e das pacientes convalescentes que passam recebendo aplausos e felicitações como se tivessem ressurgido para uma nova vida. Os pacientes internados ficam impedidos de um convívio maior com familiares e amigos e contam com Deus e com a dedicação das equipes responsáveis pelo seu tratamento. Cria-se, então, um elo afetivo que extrapola os limites profissionais: não é mais um número apenas que fugiu da morte; é uma vida singular que se preserva e que desenvolve um pertencimento maior com o mundo que o rodeia. O amor e a empatia tornam-se lenimentos no vazio deixado pela ausência de vacinas suficientes ou remédio específico contra o coronavírus até o presente momento, em 13 de junho de 2021. O medo da morte é substituído pela substancialidade da vida, pela valorização de prioridades como afetividades e convivências em situações de risco limítrofes. Janelas antes fechadas são abertas para propiciar a visão do outro. A música aparece então como veículo catalizador de emoções que vencem as barreiras físicas estabelecidas pelo distanciamento social e levam felicidade de uma sacada a outra na Itália e em outros países, rompendo o silêncio devastador e levando um alento de 483 vida, como um sopro que faz ressurgir o potencial social do ser humano. As Lives substituem grandes eventos, evitando as aglomerações favoráveis ao contágio e entram em nossas casas para trazer um fôlego novo com música e mensagens construtivas de protocolos de saúde, narrativas de vivências e mortes que convivem lado a lado no útero da sociedade. As epidemias assolaram o Brasil em diversos períodos como o final do século XIX e repercutiram largamente na Revista Ilustrada, coordenada pelo chargista ítalobrasileiro Ângelo Agostini, que circulou no Brasil no período de 1876 a 1898. O medo das enfermidades e da morte nos acompanha ao longo da história e gera práticas e representações associadas ao contexto histórico da época (Fig 1). Hoje, a pandemia do Covid-19 ceifa milhares de vida no Brasil e no mundo, e a forma como nos apropriamos da trágica realidade nos leva a produzir representações que resvalam, em muitos casos, para o negacionismo científico e contribuem para que muitas vidas ainda sejam perdidas pelos discursos e práticas esvaziados de fundamentação científica. Em reportagem de Pedro Henrique Gomes, “ao responder nesta segunda-feira (20) à pergunta de um jornalista sobre o número de mortes por coronavírus no país o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não é “coveiro” (GOMES, 2020). Fazendo referência namesma Figura 1.AGOSTINE, Angelo. Revista Ilustrada, 1881, p. 1 – “Venha, querida epidemia! Preparei-te a cidade o melhor possível para que possas ter uma esplêndida colheita de vidas”. reportagem à resposta dada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 29 de março de 2020 à um jornalista na frente do Palácio da Alvorada em Brasília que comentava sobre o número de mortos no país pela pandemia do Covid-19: no dia 29/03 após voltar de um passeio à Brasília Bolsonaro repetiu o argumento de que “essa é uma realidade, o vírus tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem. Não como moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos iremos morrer um dia”. Na Revista Ilustrada de 1878, Ângelo Agostini apresenta na Fig.2 a representação das epidemias que ameaçavam a cidade do Rio de Janeiro, na época capital do país, como três esqueletos armados com suas foices para ceifarem a vida de pobres mortais: a Febre Amarela, coroada ao centro, reinando sobre a Febre 484 Tifoide e a Febre Perniciosa também coroadas. Hoje, a coroa está sobre o coronavírus que prevalece sobre a Febre Amarela, a Dengue, a Chikungunya e a Zica. Na Fig.3, além dos já citados esqueletos representativos da Febre Amarela, da Febre Perniciosa e da Febre Tifóide, aparece também, em uma canoa guiada por um esqueleto que serve como barqueiro que segue em direção à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a Febre Biliosa que causava pânico entre apopulação. Figura 2 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada, 1881, nº 238, p. 4. "S. M. a febre amarela e toda a sua Cortejá tinham deixado a ilha para fazer a sua viagem quotidiana a cidade de S. Sebastião, pois que nada acontece o aos seus vereadores." Na Fig4, uma mulher cheia de pústulas com uma foice aparece ameaçando a cidade do Rio de Janeiro representada por outra mulher bem vestida, branca e com uma coroa na cabeça que pede socorro aos pés dos representantes da Junta de Higiene. Um apelo lançado aos representantes da Junta responsável pelo combate às epidemias como último recurso de uma população aterrorizada pela Varíola.Cabe lembrar que em 1878 estávamos vivendo na forma de governo monárquica e a cidade do Rio de Janeiro era a capital do país, por isto na sua representação como figura feminina ela aparece coroada. É interessante ressaltar que, apesar da imensa população afrodescendente residente na cidade, ela aparece ainda como mulher branca. Os estigmas do racismo e do preconceito também derivado da escravidão se faziam presentes. Só quem tinha acesso ao letramento iria ler e entender as 485 caricaturas, charges e textos publicados nos periódicos e isto levantava o velho sistema de exclusão social mais incidente sobre os(as) pretos(as) e pardos(as). Além da escravidão, a pobreza, a miséria e a falta de escolaridade que atingiam a grande massa da população brasileira naqueles tempos levavam à exclusão social. Figura 3 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada, 1878, nº 131, p. 5. “O Governo e a Juntade Higiene procuram salvar a cidade da cruel epidemia." As teorias sociais aparecem com mais força no século XIX, época do Darwinismo Social e de uma efervescente discussão científica, buscando respostas às vezes atreladas a preconceitos, discursos e práticas discriminatórias. Em geral, até a segunda metade do século XIX, os miasmas gozariam de ampla aceitação de todas as ideias que atribuiriam a origem das epidemias – febres terçãs, febre amarela, cólera, etc. Tão estranhos elementos, se definiriam usualmente como substâncias imperceptíveis dissolvidas na atmosfera, originadas da decomposição de cadáveres, elementos orgânicos, ou inclusive por emanações de doentes. (ALMEIDA, 2018, p. 121-122) As explicações médicas para o aparecimento e expansão das epidemias de febre amarela na Corte em dois momentos diferentes – na década de 1850, quando a doença apareceu pela primeira vez, e no início dos anos de 1870, quando ela retornou após ausência relativamente prolongada durante os anos 1860 – demonstram a contínua interdependência entre pensamento médico e ideologias políticas e raciais. [...] Em outras palavras, ao lidar com o problema da febre amarela num momento histórico particular, as autoridades de saúde pública dos governos do Segundo Reinado, inventaram alguns dos fundamentos essenciais do chamado “ideal de embranquecimento” – ou seja a configuração de uma ideologia racial pautada na expectativa de eliminação da herança africana presente na sociedade brasileira. Tal eliminação se produziria através da vinda de imigrantes, do incentivo à miscigenação num contexto demográfico alterado pela chegada massiva de brancos europeus, pela inércia e também pela operação de malconfessadas políticas específicas de saúde pública (CHALHOUB, 1996, p.63) É fato notório que a denúncia feita na charge de Ângelo Agostini no século XIX na Fig 5, na qual aparecem figuras representando os ricos com suas propriedades 486 esbanjando água e outras representando os pobres, que dependiam dos chafarizes que não atendiam à demanda da população de baixa renda para se abastecerem (Fig. 6) aponta para um problema atual: como atender aos protocolos de higiene sem água, que se torna elemento primordial para evitar a propagação de vírus como o corona?A ausência de políticas públicas que garantam a equidade de direitos conduz às disparidades sociais que se agravam com o aumento demográfico e com o enraizamento dos estigmas que herdamos como o racismo e a exclusão social. Figura 4 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada. 1878, nº 101, p. 4. "Ha grande falta d'agua, e no entantoella é esperdiçada pelos ricos que a tem de sobra em detrimento dos pobres que não tem nenhuma.” Figura 5 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada, 1878, nº 101, p. 4. " Actual aspecto de um chafariz. Uma gota d'agua de 5 em 5 minutos." Por outro lado, a deficiência de ações afirmativas do governo federal para controlar a pandemia, seguindo os protocolos de saúde já estabelecidos pela área científica, nos leva a ver o caos se instalando mesmo na primeira onda da pandemia do coronavírus, como ocorreu em Manaus, no que se refere à quantidade elevada de corpos para serem enterrados nos cemitérios já lotados. Covasforam abertas em larga escala muito próximas umas às outras, enquanto filas de caminhões frigoríficos se 487 formavam com os corpos das vítimas da pandemia esperando sepultamento. Na Fig. 7, vê-se a imagem de um esqueleto reclamando que contraiu bexigas com outros vizinhos enterrados ao seu lado, dada a proximidade das covas no cemitério na charge do século XIX. Figura 6 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada, 1878, p. 4. “As pessoas que tiverem fallecido de moléstias contagiosas, serão enterradas em logar especial. Esta medida, deve-se talvez às queixas de alguns defuntos que apanharam bexigas ultimamente de alguns outros, victimas da actual epidemia.” No dia 18 de março de 2020, em Bérgamo na Itália, vimos um comboio de caminhões do exército retirando centenas de corpos para serem enterrados fora da cidade. No Rio de Janeiro, em 1878, como apresenta em sua sátira social a Revista Ilustrada (Fig. 8), a inovação pensada para lidar com a elevada quantidade de corpos a serem enterrados vítimas das epidemias foi propor a criação de um crematório nas proximidades da cidade e transportá-los através de trem, chamado de carro mortuário, até o local do enterro. Isto nos leva a recuperar a velha discussão higienista do século XIX de construir cemitérios laicos, sem o controle das irmandades, para se evitar a propagação de enfermidades com a prática de enterros intramuros nas igrejas e nos seus adros. Para transportar os corpos até o local da cremação no Rio de Janeiro, pensou-se em usar trens mortuários adequando a cidade aos padrões modernos que prezavam então. As estradas de ferro simbolizaram a modernização do Brasil no XIX, produto da Revolução Industrial. Devido à demanda provocada pela Covid-19 no século XXI, caminhões frigoríficos, produto da modernização atual, aguardavam lotados de cadáveres pelos enterros nos cemitérios abarrotados. 488 Figura 7 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada, 1878, nº 134, p. 4. " Ahi serão assadas as pessoas que, depois de longos soffrimentos na terra durante a vida, nada mais queremcom ella depois da morte. E assim ficarão reduzidos a cinzas, o que é muito mais aceado, comodo e elegante.” Figura 8 – AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada, 1878, nº 134, p. 4. "Os cadaveres serão conduzidos pela estrada de ferro do Rio do Ouro em carros mortuários. Ida e volta 10 leguas só." Este estudo comparativo entre as representações do medo das enfermidades e da morte na Covid-19 e nas charges de Angelo Agostini no final do século XIX permite-nos avaliar por fragmentos vivências cotidianas em tempos de pandemia e de epidemias que ceifaram inexoravelmente milhares de vidas e deixaram suas sequelas físicas e psicológicas na população brasileira. 489 Aprendemos a lidar com nossos medos e a enfrentar as enfermidades e a própria morte com um espírito maior de solidariedade, mas ainda nos defrontamos com as barreiras impostas pela ignorância e pelo descaso com a saúde da população que atingem ainda alguns governantes e parte da população que teima em não dar ouvidos à ciência e à necessidade de responsabilidade e respeito na convivência social. Muitas vidas poderiam ter sido preservadas com o respeito aos protocolos de saúde. A demanda por políticas públicas que amparem as camadas menos favorecidas da população com abastecimento hídrico, indispensável ao combate às enfermidades, fornecimento de energia elétrica, produto da segunda Revolução Industrial no século XIX, educação e saúde, que devem ser prioridades em qualquer governo, tornam-se preocupações urgentes para que possamos trilhar o caminho do bem-estar social juntos e juntas, garantindo assim a construção de uma sociedade pautada pelo respeito aos direitos humanos e pela acessibilidade coletiva à felicidade. Hoje, 19 de junho de 2021, atingimos um patamar aterrador de 500.022 óbitos (GLOBO, 2021) desde o início da pandemia no Brasil em 2020. Já perdemos mais de meio milhão de vidas no Brasil. A vacinação está sendo ampliada e novas vacinas aparecem no cenário brasileiro para nos dar novo fôlego para continuarmos na luta pela sobrevivência e pela vivência de melhores dias. 490 REFERÊNCIAS AGOSTINI, Angelo. Revista Ilustrada. 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Thus, this article aimed to reflect and indicate how disruptive technological advances allow society to readjust and adapt. In that regard, a revision was carried out which enabled an in-depth analysis of current references on the topic. It was observed that, even in times of social isolation, the community made important publications on the subject. It was also noted the emergence of new knowledge that brings new concepts and points out challenges to be faced and transformations to be carried out. These concepts can be used by public managers, urban planners, engineers and society as a whole to build smart and sustainable future cities. KEYWORDS: Hyperconnected City; Cyber Infrastructure; Pandemic. RESUMO: O processo evolutivo da Quarta Revolução Industrial enfrentou a pandemia do Coronavírus e seus desafios no combate à doença. Assim, este artigo teve como objetivo refletir e indicar como avanços tecnológicos disruptivos permitem que a sociedade se reajuste e se adapte. Nesse sentido, foi realizada uma revisão que permitiu uma análise aprofundada das referências atuais sobre o tema. Observou-se que, mesmo em tempos de isolamento social, a comunidade fazia publicações importantes sobre o assunto. Percebeu-se também o surgimento de novos conhecimentos que trazem novos conceitos e apontam desafios a serem enfrentados e transformações a serem realizadas. Esses conceitos podem ser usados por gestores públicos, planejadores urbanos, engenheiros e a sociedade como um todo para construir cidades futuras inteligentes e sustentáveis. PALAVRAS-CHAVE: Cidade Hiperconectada; Infraestrutura Cibernética; Pandemia. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 492 1. INTRODUCTION Data communication, as used in the 21st century, was predicted by Nikola Tesla who, according to the article “An Early History of the Internet” (KLEINROCK, 2010), stated in 1908: “a technology will allow a businessman in New York to dictate instructions, and have them instantly appear in type at his office in London or elsewhere.” After 61 years of this prediction, in 1969, during the Cold War period (19471991) and in the midst of military intelligence disputes between the United States of America (USA) and the Soviet Union (USSR), Leonard Kleinrock led the transmission of the host-to-host data from the University of California at Los Angeles (UCLA) to Stanford Research Institute (SRI) was regarded as the first email in history (KLEINROCK, 2010). This event became a revolutionary milestone even though the original word of the email typed and sent letter by letter was not fully completed. Over time this notorious means of communication of sending electronic letters, as well as the entire Internet, has become an extremely common reality being accessible from a laptop or cell phone. This widespread availability of the internet is one of the factors that indicates humanity is currently in the Fourth Industrial Revolution, also called Industry 4.0. As a result, great and innovative transformations will take place, creating unemployment and extinction of jobs due to a natural technological update, what can be termed as “digital Darwinism”. With the vast use and readiness of access to the Data Network Infrastructure placed in the palm of your hands, the entire world went from a status “Connected” to “Hyperconnected” (BRYNJOLFSSON; MCAFEE, 2014). The current revolution will also be felt in every concept of living, working and relating (EVANS, 2020; MELO, 2020) as millions of people are able to access online data of vast human knowledge and, emblematically, are able to access the Global Brain, an idea introduced by Peter Russell in the book “The Global Brain: The Awakening Earth in a New Century” (1983). The Fourth Industrial Revolution is not only based on Intelligent and Integrated Systems (SCHWAB, 2017), but it has a comprehensive scope of advances in the microscopic sphere: from genetic sequencing (PARK, 2010) to nanotechnology and quantum computing. It will be the convergences and synergies of Digital Technologies (Systems) with the Physical (Things) and Biological (Beings) spheres that will make Industry 4.0 indistinguishable, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 493 giving rise to the term Cyber- Physical System. New technologies previously considered as miracles will become part of society's use, such as restoring sight to the blind, wirelessly guided wheelchair through thought and 3D printing of human organs. On the other hand, with the world population close to 7.67 billion inhabitants (The World Bank, 2019) there is a strong impact on the organic maintenance of the planet due to human interaction with urban infrastructure works, deforestation and degradation of natural resources which threatens the sustainability of the current civilization (ZULIETTI et al, 2014). It is essential that society moves towards a “Post Carbon Economy”, manufacturing and consuming green products. One of the facilitating factors for the healthy development of humanity will be precisely the reach and interconnection of the inhabitants of planet Earth, generating technical knowledge to solve emerging challenges, as in the case of a Pandemic, firmly based on the maxim "Think Global, Act Local". Regardless of the boundaries of territorial divisions stipulated by man, cities are connected to each other both physically, socially and digitally. The mutual connections and interferences range from natural resources, such as water and atmospheric (BROOMANDI et al., 2021; NODA et al., 2021), as well as cultural, commercial and large infrastructures which include Electric, Mobility and Cybernetics (MOHEBBI, 2020). Empirical evidence that a site is connected as an integral part of a whole is in fact experienced from the emergence of the virus identified as Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus Type 2 (SARS-Cov-2), popularly known as New Coronavirus or Covid- 19 (joining the terms Corona, due to the shape of the virus similar to the tips of a Crown, with Virus, Disease and the year 2019, which was the year of its identification). This virus, with a diameter of the order of 50nm to 200nm, invisible to the naked eye and with fast and lethal dissemination, spread throughout the world in 2020, showing the global connection that exists today. Until the vast majority of the population is vaccinated, one of the methods used to control the advancement of Covid-19 is social isolation. This massive and rapid vaccination process proves that the Industrial Revolution is going through indispensable and propelling advances in the area of biomedicine and genetic engineering with the need for collective engagement of society to contain the Pandemic, the motto of this scientific article. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 494 2. OBJECTIVES This article aims to present the state of the art about technological advances from the Fourth Industrial Revolution, in order to understand and identify the impact of Industry 4.0 on the sustainable growth of cities and on the fight against the Covid-19 Pandemic, as well as highlighting the need for human interaction through Information and Communication Technology (ICT) in full social isolation. 3. ANALYSIS METHOD Since the subject under analysis is a recent and current issue, initially a contextualization was sought through the press and media, promoting a premise of study and targeting of concepts and keywords such as "Pandemic" and "Connected Cities" in order to delimit the search of research in several scientific articles published from remote access to the journal portal of the Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (CAPES). As a term in vogue in academic reading emerged and the need to refine and scrutinize the concept under investigation was felt, then the inquiry in the CAPES database was fed back by the term put into question. A unique list of new expressions were highlighted from the bibliometric review, which describe technological innovations. The results and discussions arising from this extensive literature review were organized in chapter 4, in secondary sections, according to the following topics covered: • Consolidation of the Fourth Industrial Revolution; • Use of technologies driven by Social Isolation; • Planning of Future Cities in Post Pandemic. 4. RESULTS AND DISCUSSIONS 4.1 Consolidation of the fourth industrial revolution As the very semantics of the word reveals, the Revolution brings with it the meaning of radical, abrupt and definitive change. Historically, the trigger of Industrial Revolutions as a disruptive movement is marked by the invention and adherence of Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 495 technological innovations revolutionizing the human capacity for interaction in social and economic organizations. German engineer Klaus Schwab, founder and executive chairman of the World Economic Forum, emphasizes in “The Fourth Industrial Revolution” (2017) that a distinguished Fourth Industrial Revolution is in effect brought about by evident changes in terms of speed, magnitude and impact, as characterized in Table 1. According to the engineer, the current Industrial Revolution began at the beginning of this 21st century and was based on the Digital Revolution – for didactic purposes, Graph 1 signals in 2001 the transition between Revolutions, which will be up to the future to precisely indicate the date. Table 1 - Ind. tripod. 4.0 Sphere Speed Scale Impact Characteristic Accelerated rhythm of transformation. Interconnected world. Paradigm shifts with the combination of digital technologies in human and socio-economic factors. It encompasses systems from micro to macro, from the individual to society, from the employee to the company, from the state to the country. Font: Created by the author, reference SCHWAB (2017). The former director and chief researcher of the MIT Digital Business Center, respectively Erik Brynjolfs son and Andrew McAfee, published the academic book “The Second Machine Age” (2014) in which they describe as the first moment in which humanity came to be guided by a major technological innovation: thanks to James Watt and his colleagues who developed and improved the steam engine that allowed limitations of human and animal strength to be overcome. However, in the Second Machine Age (Graph 1), the computational processing and digital advancements surpass human brain power when it comes to the perception of understanding and shaping environments. This new age of machines will be dramatic for mental progress and development. The impact of the Second Machine Age was highlighted in (BRYNJOLFSSON; MCAFEE, 2014): For years we have studied the impact of digital technologies like computers, software, and communications networks, and we thought we had a decent understanding of their capabilities and limitations. But over the past few years, they started surprising us. Computers started diagnosing diseases, listening and speaking to us, and writing high- quality prose, while robots started scurrying around warehouses and driving cars with minimal or no guidance. Digital technologies had been laughably Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 496 bad at a lot of these things for a long time—then they suddenly got very good. How did this happen? And what were the implications of this progress, which was astonishing and yet came to be considered a matter of course? (BRYNJOLFSSON; MCAFEE, 2014, pg. 12) 4.2 Use of technologies driven by social isolation The first Covid-19 case recorded in Brazil was a 61-year-old man who returned from a trip from Italy. The suspicion of infection by the new virus was confirmed by the Hospital Israelita Albert Einstein, in São Paulo, in February 2020. As a result, Governor João Doria decreed a quarantine throughout the State of São Paulo on restrictive measures to inhibit the crowding of people and avoid the spread of the disease. According to criteria established in the São Paulo Plan, each region of the State received definitions of what are the essential services, which are non-essential for the population and how the services s hould work in a strategy for a conscious and protected economic recovery (Decree No. 64,881, dated 03/22/2020). Thus, there were sudden and challenging changes in citizens' habits. Workers in activities considered non-essential continued remotely or were paralyzed; in addition, the urgent need to restrict physical contact between people has also accelerated the Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 497 adaptation and use of different technologies, migrating to digital contact. De Carvalho et al. (2020) comment that the speed of closing stores, offices and schools was as viral and unprecedented as the pandemic itself, showing that what was seen as a technological future has turned into a rapid adaptive primordially based on the need for its massive adoption and economic opening. There has been a notable rise in the use of transmission and data technologies both professionally for online meetings and for entertainment with access to music, movies and live videos through social networks, mainly through streaming and/or on demand communication - with content available to the user without the need to download the file and access on demand. The digital and virtual world has become the key to human connection and interaction in times of isolation and social restriction. Many of the advances in Industry 4.0, shown in Table 2, are constantly being improved and were directly or indirectly oriented to circumvent or solve problems caused by the current pandemic. Therefore, the current Industrial Revolution (4.0) currently has, due to the Pandemic, the primary objective of saving human lives. Table 2 - Contribution of Ind. 4.0 to the Pandemic and Social Isolation Technology Application Vaccine mRNA Immunization Drones E-commerce E-Learing Smart Work Smart Factory 5G e 6G Monetary Digitization Utilization New vaccine technologies Confrontation existing potential for transport and delivery of personal purchases and deliveries of Delivery hospital supplies Sales and transitions performed via electronic devices Commerce without personal contact Study On-line learning in virtual enviroment Work Remote working outside of the office Storage and shipment of goods by automated Intralogistics processes 5G (up to 10Gbps) and 6G (up to 100Gbps) mobile Telecommunicati data transmission networks with very low response ons latency allowing physicians to operate remotely to a patient Digitization of bank transactions by cell phone Finance applications and Internet Banking; Virtual currencies (Cryptocurrencies) and digital banks (Fintechs) Source: Created by the authors. 4.3 Planning of future cities during post-pandemic The availability of electronic solutions and services reveals the disruptive concept of the Fourth Industrial Revolution: detachment from the confinement of the Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 498 physical space of the industry and overcoming the dependence on the office as a central unit. Just as digital culture has revealed the indispensability of technology even for small businesses, it has also proved to be essential for every employee. The incorporation and sale of rooms in Corporate Buildings for in-person work with integration concepts and multi-purpose opened spaces for the worker's own residence to serve as a work table and remote meetings, allowing for the decentralization of offices and flexibility of schedules, establishing a new range of possibilities for the reuse of inactive commercial offices. It is worth remembering that many Corporate Towers, due to their magnitude, appear like small cities due to the applied infrastructure and concentration of bystanders. Compulsory working from home required a full-time coexistence of members of the same house. This, according to Domenico de Masi (2020), an Italian sociologist, seems for some a pleasant and reassuring way to live together, but for others it is invasive and oppressive. Those who manage to turn leisure into creativity, harmonizing reading, studying and playing with the work itself, are smart working – a remote work modality that provides the worker with an advantage on saving in travel time and money as well as freeing up expenses with workplace maintenance for companies and promotes increased productivity. In homes, spaces were optimized, highlighting desks in bedrooms, dining room tables and indoor offices, both for remote work and for academic studies at schools and universities. Environments with an open space concept tend to be redesigned to allow privacy for residents, ensure focus and concentration, and avoid inconvenience during video calls. Table 3 below shows the readjustment of spaces. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 499 Table 3 - Space Planning during and after the Pandemic Space Aspect Residence Home office Office Hybrid work Business Sales Method School Teaching and Learning Cyberinfrastructure City Transportation Infrastructure Public Parks Adaption Office environment with closed doors; reversible environments; segregated environments (as opposed to open environments) Rotation of positions; Sharing of meeting rooms between companies with scheduled times Strengthening of E-commerce; Mass-process manufacturing of packaging and customized products; Extinction of payment in physical currency. Payment by NFC approximation. QR Code menu Full insertion in the digital world by changing didactics, presentation of syllabus, tests, activities and reference collection. Infrastructure for Smart and Connected Cities: integrated cyber infrastructure in water sanitation, transit, public transportation, electrical distribution and e Gov systems. Availability of data on the Internet of the Infrastructure systems in real time and open to the community by SCADA system and infographics. Management with identification of the flow pattern of cars and pedestrians with alterations of the signals of automated traffic lights by Machine Learning; Information of the location of each bus of the public fleet with estimated time of arrival at stops; Vehicle Detection Sensors. Facial recognition cameras; Vehicle Sharing. Experience disconnection and contact with Nature. Individual outdoor exercises. Source: Created by the authors. 5. CONCLUSIONS Highlighting the debate on the non-regressive life changes that digital technology employs, especially in critical moments like the Covid-19 pandemic, Industry 4.0 provides the world with total connection and interaction via the internet and complete transformation of all sectors. This pandemic highlights the transition zone between the Third and the consolidation of the Fourth Industrial Revolution, bringing to reality the technologies that were only previously seen in science fiction movies. The outbreak of this disease affects the physical, mental and financial health of all humans, but this disease fights against an opponent who knows and watches it closely. Therefore, the current moment calls for communication between civil society, scientific academia and government leaders for the immediate future. For future cities, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 500 all spaces will be redesigned based on learning to adapt to current conditions in order to minimize new risks of infections. 5.1 Future jobs Suggestions for future jobs, are featured: • E-Commerce and Monetary Digitization: elimination of personal contact between seller and buyer and the abandonment of physical currency; • Urban Infrastructure Planning for Industry 4.0; • Potential of 5G and 6G wireless communication technology; • Production of goods in Factory 4.0; • Cybersecurity in human evolution. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 501 REFERENCES ALTARES, Guillermo. Os humanos estão ameaçados de extinção. El País. Arqueologia. Available in: https://brasil.elpais.com/ciencia/2021-04-02/os-humanosestao- ameacados-de-extincao.html> Accessed on April 1st 2021. 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Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p. 105164-105175 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 504 CAPÍTULO 28 COMO AS MARCAS UTILIZAM O ESPORTE PARA GANHAR VISIBILIDADE Caio Gabriel Peixoto Travassos Graduação Instituição: Esplanada Comunicação Estratégica (Design Júnior) Endereço: SQS 415 Bloco E Apartamento 104 E-mail: gabrielptravassos@hotmail.com Carlos Leonardo Gomes Vidal Licenciatura e Bacharelado em Educação Física/Licenciatura em Pedagogia Graduação em Marketing Digital/Mestrado em Tecnologias Emergentes em Educação MBA em Marketing e Propaganda Instituição de atuação atual: Centro Universitário IESB Endereço: Alameda das Acácias, Qd 107, Residencial Rio Negro E-mail: professor.leonardovidal.iesb@gmail.com RESUMO: Este projeto acadêmico tem como foco o Marketing Esportivo e os seus benefícios, os capítulos citados para compor este artigo, irá retratar o motivo que as marcas estão utilizando o esporte para ganhar mais visibilidade no mercado mundial. O objetivo deste trabalho é analisar o motivo das marcas (patrocinadores) estarem interessadas em eventos esportivos e porque querem ganhar tanta visibilidade entre os seus espectadores. Com este objetivo, o projeto irá retratar o quanto à imagem de uma marca (patrocinadores) vêm crescendo mundialmente e o quanto elas podem ter um resultado significante patrocinando equipes no esporte. O interesse de estudo é explorar sobre o Marketing Esportivo, sobre Eventos Esportivos e como as marcas (patrocinadores) utilizam deste meio para conseguir ganhar mais visibilidade entre os espectadores. Para começar o projeto foi realizada uma pesquisa bibliográfica para captar o maior número de informações possível, uma pesquisa documental no qual foi lido livros que falassem sobre Marketing Esportivo e sobre Eventos Esportivos, um estudo de caso para o pesquisador analisar e conseguir desenvolver sobre os temas e discursões com colegas no intuito de investigar sobre o tema.Na Copa do Mundo no Brasil foram disputadas 60 partidas em 12 arenas diferentes, com um público total de 3.165.627 de torcedores, média de 52.760 pessoas por partida. No ano de 2018, a final do Super Bowl teve no total, uma média de 103.4 milhões de pessoas assistindo, com pico de 106 milhões. Com estes resultados analisado, percebe-se a força que o evento esportivo tem perante seus espectadores. Com base no que foi pesquisado, o esporte desperta o interesse de milhares de pessoas em todo o mundo e tendo isso em vista, as marcas sempre estarão dispostas a fazer alguma ativação em determinados eventos esportivos, pois estes eventos reúnem milhares de pessoas propensas a interagir, acompanhar, experimentar e principalmente comprar dos seus produtos. Essas ativações trazem inúmeras chances de negócios para a sua marca pois ampliam o alcance de sua empresa. PALAVRAS-CHAVE: Marketing Esportivo; Marca; Visibilidade e Eventos Esportivos. ABSTRACT: This academic project focuses on Sports Marketing and its benefits, the chapters cited to compose this paper, will portray why brands are using sports to gain Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 505 more visibility in the world market. The objective of this paper is to analyze why brands (sponsors) are interested in sporting events and why they want to gain so much visibility among their spectators. To this end, the project will portray how much a brand's (sponsors) image has grown worldwide and how significant a result they can have by sponsoring teams in sports. The interest of the study is to explore about Sports Marketing, about Sports Events and how brands (sponsors) use this medium to gain more visibility among spectators. To begin the project we conducted a literature search to capture as much information as possible, a documentary research in which we read books that spoke about Sports Marketing and about Sporting Events, a case study for the researcher to analyze and develop on the themes and discussions with colleagues in order to investigate the theme. In the World Cup in Brazil, 60 matches were played in 12 different arenas, with a total attendance of 3,165,627 fans, an average of 52,760 people per match. In the year 2018, the Super Bowl final had a total average of 103.4 million people watching, with a peak of 106 million. With these results analyzed, one realizes the strength that the sporting event has before its viewers. Based on what was researched, sports arouse the interest of thousands of people around the world and with this in mind, brands will always be willing to do some activation in certain sporting events, because these events bring together thousands of people likely to interact, follow, experience and especially buy their products. These activations bring countless business opportunities for your brand because they expand your company's reach. KEYWORDS: Sports Marketing; Brand; Visibility and Sports Events. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 506 1. INTRODUÇÃO Desde quando o Marketing foi criado, ele foi dividido em três períodos o Marketing 1.0, Marketing 2.0 e o Marketing 3.0. A seguir, discute-se a diferença e os benefícios de cada um desses períodos. No início do Marketing 1.0, o importante era oferecer os produtos a todos que quisessem compra-los. Ele se caracteriza pelas empresas estarem voltando para a produção e massificação dos produtos. O objetivo das companhias era padronizar seus produtos, otimizar seus processos para poder oferecer um preço acessível ao público. O Marketing 2.0 surgiu na era da informação (1970). Com isso, o consumidor consegue comparar preços, produtos, marcas e qualquer fator que lhes ajude a melhor satisfazer suas necessidades e desejos. É conhecido como a era do Marketing focada no consumidor. Por fim, o Marketing 3.0 surge a medida que o ambiente de negócios muda novamente, com recessão, novas preocupações com o meio ambiente, influência das mídias sociais, provocam mudanças maciças nas práticas do uso de Marketing. Essa era do Marketing nos trás três conceitos muito importantes: Cocriação, comunização e personalidade da marca. O Marketing é essencial no mundo moderno, pois auxilia seus profissionais a criarem um conjunto de técnicas para a melhora das vendas e gera experiência entre o cliente e a sua empresa. Com o avanço da tecnologia, o Marketing vem se reinventando e se adequando aos meios de comunicação digital, com isso o tempo de produção e distribuição de seus produtos, são menores. Utiliza a tecnologia para poder canalizar os resultados futuros. Marketing é uma palavra procedente da língua inglesa, mesmo assim também é conhecida mundialmente. Marketing é um conjunto de técnicas e métodos destinados à venda com foco em geração de experiência e valor entre cliente e empresa. O Marketing estuda as causas e os mecanismos em relações de troca (bens, serviços ou ideias) e pretende que o resultado seja uma transação (venda) satisfatória para todas as partes envolvidas no processo. Segundo KOTLER (1993 p. 600),” Marketing é o processo social e gerencial através do qual indivíduos e grupos obtêm aquilo de que necessitam e desejam por meio da criação e troca de produtos e Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 507 valores”. O trabalho de um profissional de Marketing começa muito antes da fabricação de um produto e continua muito depois de sua venda. O Marketing tem uma área de atuação muito ampla no mercado, com os conceitos específicos direcionado para cada atividade relacionada, temos como exemplos os seguintes tipos de Marketing: Marketing cultural, Marketing político, Marketing de eventos, Marketing social, Marketing digital, Marketing Direto e Marketing Indireto e também temos o Marketing Esportivo, entre outros. Com isso, o Marketing Esportivo mostra os seus principais objetivos, quanto o esporte vem crescendo no mercado Nacional e Mundial e como ele está se tornando importante para os seus patrocinadores. “Quando as pessoas assistem, ouvem ou praticam um esporte, essa atividade é chamada de consumo esportivo. O esporte pode ser consumido direta – ao se assistir pessoalmente a um jogo ou ao participar de um esporte – ou indiretamente – ao se assistir a um jogo pela televisão, ouvi-lo no rádio ou a ler a seu respeito em um jornal ou revista” (JOHNSON, 2008, P. 18). O consumo esportivo é uma das formas de entretenimento que vem sendo amplamente difundido na sociedade moderna. Ele envolve todos os aspectos da vida humana e possui um apelo mundial (MORGAN; SUMMERS, 2008). O esporte vem se tornando habito na vida das pessoas tanto por hobbies quanto por uma vida mais saudável. Com o propósito, o Marketing Esportivo busca aumentar o reconhecimento público, reforçar a imagem corporativa, estabelecer identificação com segmentos específicos do mercado, combater ou antecipar as ações de concorrência, envolver a empresa com a comunidade, além de conferir credibilidade ao produto com a associação à qualidade e emoção do evento (BERTOLDO, 2004). Com o passar dos anos, a tecnologia vem se inventando e crescendo absurdamente, com isso várias empresas estão se lançando ao mercado com a ajuda das redes sociais ou até mesmo colocando o seu nome estampado em um local no qual ela ganhe mais confiança de seus consumidores. Com este número excessivo de marcas no mercado Mundial, o consumidor está fazendo as suas escolhas através daquelas marcas que estão investindo maciçamente na comunicação. A marca ganha força, quando ela consegue conversar direto com o seu público alvo. Uma marca boa consegue fazer com que o seu consumidor se sinta atraído por seus produtos ou serviços. Segundo KOTLER (1998), a marca é um nome, termo, sinal, símbolo ou combinação dos mesmos, que tem o propósito de identificar bens ou Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 508 serviços de um vendedor ou grupo de vendedores e de diferenciá-los dos concorrentes. Este projeto irá retratar, o quanto à imagem de uma marca (patrocinadores) vêm crescendo mundialmente e o quanto elas podem ter um resultado significante patrocinando equipes no esporte. Várias marcas estão se aproveitando que o esporte é uma das grandes paixões mundiais. O esporte atraí bastante público, e sempre haverá muitas pessoas procurando sobre algo nas mídias impressas, e nas mídias digitais. O grande intuito dessas empresas em colocar a sua marca no esporte, é pelo o fato de poder ganhar mais visibilidade entre os telespectadores. Nos dias atuais, as empresas buscam com que a sua marca consiga atingir o maior número de pessoas possíveis usando do seu produto. O objetivo geral do projeto é analisar o motivo das marcas (patrocinadores) estarem interessadas em eventos esportivos e porque querem ganhar tanta visibilidade entre os seus espectadores. Também é de grande importância desenvolver os objetivos específicos deste projeto, como: verificar quais as marcas que mais patrocinam o esporte e o que elas pretendem ganhar com essa visibilidade; compreender o potencial que os eventos esportivos têm perante a população; analisar o programa sócio torcedor. A importância deste projeto, para o autor pretende obter conhecimento sobre o tema escolhido, elaborar um ótimo trabalho de conclusão de curso, e posteriormente realizar uma Pós-Graduação na área escolhida, com a ideia de realizar palestras por todo o Brasil para aquelas pessoas que possuírem o interesse em saber sobre o tema abordado. O interesse de estudo deste projeto é explorar sobre o Marketing Esportivo e como as marcas (patrocinadores) estão fazendo para poder ganhar mais visibilidade entre os espectadores. Mostrar os métodos que os Patrocinadores estão utilizando para poder entreter o seu público alvo. Este projeto irá conter diversas pesquisas diferentes para poder chegar a uma conclusão. O público no qual este projeto irá atingir, são todos aqueles que se interessam por esporte ou que estão ligados em eventos esportivos de grande porte. Este trabalho terá como base nos livros de Kotler, livros que falem sobre Marketing Esportivo, Patrocínio, Eventos Esportivos e em pesquisas realizadas na Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 509 Internet. 2. QUAIS AS MARCAS QUE MAIS PATROCINAM O ESPORTE E O QUE ELAS PRETENDEM GANHAR COM ESSA VISIBILIDADE Definir alguns padrões utilizados dentro do Marketing Esportivo e esclarecer suas finalidades, especificamente, verificar o interesse das marcas em geral ao patrocinar um clube de futebol, associar as vantagens e desvantagens da ligação entre uma marca e um time, entender como este patrocínio influencia a mente do consumidor/torcedor. As principais marcas sempre estarão ligadas a grandes eventos esportivos. Pois elas têm como finalidade que sua mensagem seja captada pelo maior número de espectadores possíveis, e que eles se sintam atraídos pela sua marca. Como nestes eventos esportivos possui um grande número de telespectadores, a intenção das marcas é fazer com que eles virem uns potenciais clientes no futuro. Comentar um pouco sobre as principais competições que são disputadas no Mundo. “A relação das marcas mais conhecidas com o universo esportivo é bastante valorizada pela população. As empresas patrocinadoras são vistas como companhias de qualidade, que justamente adquirem alta visibilidade” (Rezende, 2013, P. 88). A Copa do Mundo foi criada pelo francês Jules Rimet, em 1928, logo após ter assumido o comando da maior instituição de futebol mundial: FIFA (Federation International Football Association). O primeiro campeonato foi realizado no Uruguai em 1930 que contava com a participação de 16 seleções, sem a disputa de eliminatórias, como é realizado nos dias de hoje. Em 1950, a seleção do Brasil foi a final contra a seleção do Uruguai, o jogo foi realizado no Maracanã (Rio de Janeiro) e teve a presença de aproximadamente 200 mil pessoas no estádio. A Copa é realizada de quatro em quatro anos, e hoje todas as seleções disputam uma eliminatória para saber quais delas poderão participar de tal evento, que é televisionado para centenas de pessoas pelo mundo. A empresa que mantém contrato com a Copa do Mundo é a BUDWEISER. Mas foi com o UFC que a empresa mais apareceu com grandes campanhas. A SAMSUNG patrocina no Brasil, a entidade máxima do futebol, que é a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). A principal competição europeia de clubes foi lançada um mês após o primeiro congresso da UEFA, que teve lugar Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 510 em Wien na Austria, a 2 de março de 1955. Contudo, a então denominada Liga dos Campeões Europeus não surgiu de uma iniciativa da UEFA, que estava mais preocupada em criar uma competição europeia para seleções. A Taça dos Clubes Campeões Europeus foi uma ideia do então diretor do diário desportivo francês L'Équipe, Gabriel Hanot. A sua sugestão, em dezembro de 1954, tendo em vista a criação de uma competição europeia interclubes, foi recebida com entusiasmo pela então recém fundada UEFA. A competição idealizada pelo L'Equipe, iniciada em setembro de 1955, não obrigava a que os participantes fossem campeões nacionais, funcionava sim por convites aos clubes que geravam maior interesse. Apenas 16 clubes confirmaram presença no torneio. A Taça dos Campeões Europeus era apenas disputada em eliminatórias até que o formato e o nome foram alterados em 1992/93, ano da criação da UEFA Champions League (Liga dos Campeões). Nesse ano, a competição começou com três eliminatórias, passando os vencedores a uma fase de grupos, com dois grupos de quatro equipes, que se enfrentaram em jogos de ida e volta. Os vencedores dos grupos disputaram a final. Na temporada seguinte, foi utilizado um formato semelhante, com a adição de uma semifinal entre os dois primeiros de cada grupo. A popularidade e o sucesso da fase de grupos permitiram à competição crescer, com jogos em toda Europa nas noites de terça e quarta-feira. Ao longo dos anos mais fases eliminatórias e fases de grupo foram adicionadas a competição e, aquilo que hoje se tem com o nome Liga dos Campeões, nada tem de concreto pois, as equipes participantes não são obrigatoriamente campeãs nacionais. A maior patrocinadora deste campeonato, é a HEINEKEN que é praticamente “Dona” do maior campeonato de futebol mundial, que tem como o maior Campeão do torneio a equipe do Real Madrid, que é parceiro da companhia aérea EMIRATES. A Taça Libertadores (no começo era chamada de Copa de Campeões da América), também já foi chamada de Copa Toyota Libertadores, por causa do patrocínio do torneio pela Fábrica de Automóveis Toyota, em 2008 começou a ser chamada de Copa Santander Libertadores. Os nomes oficiais: Copa Campeões da América de 1960 a 1964, e Copa Libertadores da América de 1965 a 1997. Com a chegada de patrocinadores o torneio levou os seguintes nomes: Copa Toyota Libertadores de 1998 a 2007, Copa Santander Libertadores de 2008 a 2012, e Copa Bridgestone Libertadores desde 2013. O objetivo era de criar um torneio que reunisse os clubes campeões de cada Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 511 país da América do Sul. A Libertadores da América é a mais tradicional e importante competição de clubes de toda a América do Sul. A competição foi criada em 1960. No começo só participava os campeões de sete países, depois de alguns anos passou para os campeões de 20 países, a partir do ano 2000, o total de equipes subiu para 32 times. Em 2003 decidiu-se aumentar o número de times participantes da competição para 36, em 2006, a Copa Libertadores atingiu a marca de 38 equipes participantes. Em 2008 ganhou o nome de Copa Santander Libertadores (nome do Banco Santander), um dos maiores Grupos Financeiros da Espanha. Desde 2013 a BRIDGESTONE é patrocinadora do maior e mais competitivo campeonato que envolve as equipes da América do Sul, que é a Libertadores da América e tem o seu nome ligado ao torneio Copa Bridgestone Libertadores. Figura 1 - Nomes oficiais da Copa Libertadores Fonte: www.campeoesdofutebol.com.br O Super Bowl é o jogo correspondente à final da NFL – National Football League, sendo aí determinado o campeão do principal campeonato de futebol americano profissional dos Estados Unidos. O jogo foi criado como parte do acordo de fusão celebrado em 1966 entre a NFL e sua então liga rival, a American Football League (AFL) e que determinou a fusão, a partir de 1970, das 2 ligas naquela que é hoje a NFL. Nos termos desse acordo, foi decidido que as equipas campeãs das duas ligas jogariam uma final que determinaria o campeão da temporada. No dia da final do Super Bowl, é para muitos, considerado um feriado nacional nos Estados Unidos, sendo chamado de “Super Bowl Sunday”. É o segundo dia de maior consumo de alimentos nos EUA, só perder para o Dia de Ação de Graças. Além disso, a final tem sido frequentemente o programa de televisão americano mais visto no ano. O Super Bowl XLV, jogado em 2011 entre os Green Bay Packers e os Pittsburgh Steelers, foi mesmo o programa da televisão norte- americana mais visto na história, com uma audiência média de 111 milhões de espectadores e assumindo o lugar do Super Bowl do ano anterior, o qual tinha, por sua vez, assumido o 1º lugar no ranking de audiências. O Super Bowl também está entre os eventos desportivos mais vistos em todo o mundo, principalmente devido às audiências norte-americanas, é o segundo Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 512 evento desportivo mais visto anualmente em todo o mundo, perde apenas para à final da Liga dos Campeões da UEFA. Por causa das suas elevadíssimas audiências, os minutos de publicidade exibidos durante a transmissão do Super Bowl são os mais caros do ano. Devido ao seu alto custo, as empresas desenvolvem também as mais caras e espetaculares propagandas especialmente para este evento. Como resultado, observar e discutir os comerciais da transmissão tornou-se um aspecto importante do evento. A PEPSI uma empresa de refrigerantes espalhou investimento nos esportes americanos. Na NFL, conseguiu a propriedade do show do Super Bowl, evento que é assistido por milhares de pessoas. O patrocínio é uma das formas de Marketing que melhora a experiência do consumidor com o produto. É crescente o número de empresas que associam sua marca em eventos esportivos. Eles também estão patrocinando os grandes Clubes Europeus pois sempre estão disputando campeonatos importantes pelo mundo, eles também patrocinam os atletas que para muitos torcedores são tidos como Ídolos, eles usam isso como uma forma de mostrar que a sua marca também cuida da carreira de determinado atleta e que também está presente no dia a dia desses atletas. Uma forma dos patrocinadores ganharem os seus telespectadores, é levando uma experiência até o consumidor. Uma boa jogada é quando a marca começa a patrocinar um clube, pois ela mexe diretamente com o seu consumidor no qual é um ótimo meio de divulgação da marca. Com isso, as marcas terão a oportunidade de ter um aumento significante nas vendas de seus produtos e também no relacionamento com os seus clientes. Porque estar em contato direto com o seu público alvo significa muito mais oportunidades de negócios futuros para essas marcas em geral. As marcas pretendem ganhar maior visibilidade a cada dia que passa, pois assim, elas conseguirão um aumento no lucro de suas empresas, ficarão mais popular no mundo dos esportes, ganharão reconhecimento pelos produtos que vendem e também vão fazer com que a população se interesse cada vez mais pelos produtos oferecidos, além de fazer com que as pessoas se fidelizem a elas. 3. POTENCIAL QUE OS EVENTOS ESPORTIVOS TÊM PERANTE A POPULAÇÃO Milhares de pessoas gostam de assistir e até se envolver com algum tipo de Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 513 evento esportivo, por essa razão que organizar um evento pode ser tão dinâmico e vibrante: qualquer tipo de esporte têm o poder de mexer com a emoção e a paixão de uma população. “O esporte é um fenômeno complexo que inclui produtos, serviços e diversos fatores intangíveis, como emoção, orgulho, lealdade, competitividade e determinação. Por essa razão, não é suficiente considerar apenas a satisfação do consumidor em relação a determinado esporte ou a importância desse esporte para ele. É necessário um profundo estudo de comportamento dos consumidores do esporte em todas as suas modalidades: praticantes, torcedores, simpatizantes e consumidores” (JOHNSON, 2008, P.74). Para organizar um bom evento esportivo, é necessário ter um bom planejamento. Antes de colocar a ideia em prática, é fundamental realizar uma boa pesquisa para entender a dimensão do seu evento. Após realizar essa pesquisa, precisa escolher um local adequado para a realização do evento, no qual suporte os atletas e os telespectadores que compraram para estar naquele evento, não esquecer que todos os eventos precisam de um número certo de segurança para garantir que no evento ocorra tudo bem. Conseguir patrocinadores para o evento é sempre bom, lembrando que estes patrocinadores precisam ter identificação com o evento esportivo. Corra atrás de várias empresas, propondo diferentes tipos de patrocínio. Contatar bons fornecedores é primordial, pois são eles que vão fornecer o material para o evento. Por último, faça uma divulgação correta, que assim irá de encontro com o seu público alvo. “Evento é um acontecimento previamente planejado, com o objetivo claramente definido. Sua realização obedece a um planejamento e costuma ter como um dos seus objetivos a interação entre seus participantes, público, personalidades e entidades”. (Rodrigues, 2013. Página 19) O público que pretende ir ao evento, espera fazer a compra dos ingressos de uma forma simples e sem perturbação. No dia do evento, ela quer encontrar um local organizado, sem muitas filas e com uma boa comunicação entre as pessoas que ali estão trabalhando. O público espera ter uma identificação com a marca que está patrocinando o evento, pois isso faz com que ele vá até o evento. “Um evento em si é algo que pode ser definido como a ida de centenas, milhares ou até milhões de pessoas a um determinado local, para atingir um objetivo, satisfazer expectativas de emoção, alegria e vibração” (Nogueira, 2010, p.14). A Copa do Mundo da FIFA no Brasil ocorreu entre o dia 12 de junho até o dia o dia 13 de julho. A Copa no Brasil foi considerada a segunda maior média de público Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 514 nas histórias de todas as Copas, perde apenas para o Mundial de 1994 que foi disputado nos Estado Unidos, que registrou uma média de 68.991 torcedores por partida. Foram disputadas 60 partidas em 12 arenas diferentes, com um público total de 3.165.627 de torcedores. Média por partida era de 52.760 pessoas. O estádio que teve o maior público de toda a Copa do Mundo, foi o estádio do Maracanã. “O esporte deixou sua marca em muitas economias mundo afora: é o que demonstram os dados sobre geração de empregos e receitas. Mais que mero fator da economia contemporânea, o esporte faz parte da cultura e do estilo de vida de um país” (JOHNSON, 2008, P.72). Figura 2 - Números oficiais em cada um dos estádios da Copa Fonte: www.copa2014.gov.br. Na temporada 2016/2017 houve um aumento de público comparada a temporada do ano passado. Apenas na fase de grupos do torneio mais importante da Europa começou com uma média de 43.898 pagantes. No torneio de clubes da Europa, a liderança é do Barcelona. O time catalão levou em média 85.663 pagantes ao Camp Nou. Na sequência, aparecem Tottenham (77.519), Real Madrid (75.547), Bayern de Munique (70.000), Borussia Dortmund (63.698), Arsenal (59.869) e Celtic Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 515 (57.781). A final da Uefa Champions League contabilizou uma média de 35.201 pagantes e um total de 1.267.222 espectadores. Nessa temporada 2016/2017, o Real Madrid consagrou-se Campeão, além de ter Cristiano Ronaldo como artilheiro. Figura 3 – Média de Público pagante na temporada 2016/2017 Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/ No jogo do Tottenham x Monaco, no qual a equipe do Monaco saiu vitoriosa teve o maior público de uma partida na Champions League, que foi de 85.011 pagantes. O segundo maior público dessa edição foi a goleada que o Barcelona aplicou em cima do Celtic, com 73.290 pagantes que virão o Barcelona fazer 7x0 na equipe Escocesa. O Real Madrid teve um público de 70 mil espectadores na vitória de virada sobre o Sporting. Já o Bayern de Munique goleou o novato Rostov perante 70 mil espectadores. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 516 Figura 4 – Ranking por partidas Fonte: www.esporte.ig.com.br Na Libertadores do ano de 2017 teve um total de 746.662 ingressos vendidos para as 28 partidas que foram disputadas no Brasil. O time que mais levou torcedores aos estádios foi o Flamengo, com o total de, 161.996 ingressos vendidos com o mando do time. Nesta temporada da Libertadores o Grêmio consagrou-se campeão e teve apenas a 5ª melhor média de público entre as equipes brasileiras. Nesta figura, pode-se analisar a média de pagantes das oito equipes brasileiras que disputou a competição, a ocupação média por estádio que foram realizados os jogos, a renda bruta que cada equipe obteve na competição e o valor que estava sendo cobrado por cada jogo nos estádios. Figura 5 – Ranking de equipes Fonte: app.globoesporte.globo.com/ Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 517 O Super Bowl se tornou o evento mais esperado por todos os amantes de esporte e entretenimento, ele está em primeiro lugar entre os dez eventos mais aguardados durante o ano. A NBC divulgou os números finais da audiência da final de 2018. No total, a partida teve média de 103.4 milhões de pessoas assistindo, com pico de 106 milhões. Essa média representa uma queda de 7% em relação a temporada de 2017. Durante o The Pepsi Super Bowl LII Halftime Show (2018) quando Justin Timberlake figurou no gramado do U.S. Bank Stadium, mais de 106.6 milhões de espectadores estavam ligados. Sobre o show, vale destacar que Timberlake não conseguiu bater o alcance de Lady Gaga em 2017. O cantor ficou 9% abaixo da cantora. O intervalo mais popular da história do Super Bowl ocorreu em 2015 (XLIX), quando Katy Perry obteve uma audiência total 120.7 milhões. Desta maneira, o recorde segue sendo do Super Bowl XLIX, quando 114.4 milhões de pessoas viram o New England Patriots conquistar o título da NFL. “Esse caráter midiático do esporte desperta o interesse de empresas patrocinadoras e grandes grupos de comunicação, que investem cada vez mais recursos em eventos esportivos” (MATTAR, 2013, p. 2) Como foi abordado no capítulo, os grandes eventos esportivos sempre estarão reunindo milhares de espectadores para acompanhar tal evento, isso não diferencia os que estão presentes ou os que assistem pela televisão. No Brasil, o esporte é algo que é levado muito a sério, pois está presente na cultural a várias gerações e os eventos esportivos são de extrema importância para o desenvolvimento da sociedade. “O esporte está presente nas culturas, mas também é um fenômeno cultural por seus próprios méritos e desempenha um papel importante na definição da identidade nacional e na satisfação de muitas necessidades, individuais e sociais. Isso significa que o esporte não apenas funciona como parte de uma cultura, mas também contribui para moldá-la” (JOHNSON, 2008, P.69). No geral, os esportes se tornam o algo a mais para as pessoas. Algo que não se pode mensurar, simplesmente pelo prazer de praticar ou participar de algum jeito de esportes. Dentro dessa visão, o mercado de marcas aproveita bastante esses eventos para tornar a identidade da empresa mais vista pelo público. O potencial é altíssimo se enaltecermos as vantagens para todas as partes. Para patrocinar um evento esportivo, a empresa pública ou privada tem a finalidade de atingir um público grande e um mercado específico, recebendo em troca, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 518 uma série de vantagens em incremento de vendas, melhorar a imagem da sua marca e ganhar a simpatia do público presente. O aumento de patrocínio no esporte, está diretamente ligado aos retornos que o esporte lhe proporciona. “É por meio do patrocínio esportivo que a marca concretiza seus atributos e envolve com muito apelo o coração e os hábitos dos seus públicos-alvo. Ou seja, associarmos uma marca ao esporte estaremos percorrendo o melhor caminho para falar a mente e à alma de milhões de pessoas” (Rodrigues, 2013. Página 59). Os aspectos que mais tem retorno nos patrocínios esportivos são: Aumentar o reconhecimento da empresa, melhorar a imagem da empresa, demonstrar responsabilidade social, incrementar o reconhecimento de determinados produtos, melhorar imagem de determinado produto, aumentas vendas em curto e longo prazo e alimentar orgulho e motivação dos funcionários. Com a ajuda do esporte, diversos patrocinadores têm visto suas marcas alavancarem no mercado nacional. Isso causa um grande impacto nas vendas de seus produtos, além de conquistar um grande número de futuros clientes. Em um evento esportivo é onde as marcas preferem fazer grandes ativações para conseguir atrair um determinado público. Elas pretendem de alguma forma causar algum tipo de impacto para as pessoas que estão presentes no local. Por exemplo: em um estádio de futebol como o Maracanã onde cabe aproximadamente 79 mil pessoas, a marca faz diferentes estratégias para conseguir passar a sua mensagem para o máximo de pessoas que estão dentro do evento. Essas ativações também servem para que a marca cause uma boa impressão para as pessoas que estão no evento. Se o público se sentir impactado com a mensagem passada pela marca, ele se tornará mais um novo consumidor dos produtos daquela marca sem contar que essa ativação irá causar uma boa impressão e ficará marcado na mente dos espectadores por um longo tempo. Com isso, os eventos esportivos é um ótimo lugar para as marcas fazerem suas ativações, pois atingirá milhares de pessoas e com isso conseguirá ter um retorno enorme na venda de seus produtos. “O consumo de um esporte e dos produtos a ele relacionados não apenas atende às necessidades de lazer e recreação, mas também representa um tipo de consumo simbólico do consumidor” (JOHNSON, 2008, P.74). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 519 4. ANALISAR O PROGRAMA SÓCIO TORCEDOR Em tempos atuais, a disputa por receita no esporte ganha mais importância a cada dia que passa. Uma das principais fontes de dinheiro para os clubes de futebol na atualidade são os seus programas de sócio torcedor. Além de fidelizar os torcedores e garantirem uma arrecadação mais segura, depende do momento que cada equipe vive em determinado campeonato. Diferente das fontes mais tradicionais de arrecadação (Direitos de TV e Merchandising), que dependem diretamente de celebridades renomadas. Os recebimentos com os programas têm forte ligação com a renda proveniente de ingressos e de dias de jogo, que diminuíram em importância nas últimas décadas com o crescimento das transmissões e fortalecimento das marcas dos grandes clubes. Outro fator importante é que a formatação desses programas permite um foco exclusivo no investimento realizado no futebol, característica essencial para torcedores interessados em contribuir para o fortalecimento dos elencos permitindo uma separação entre os valores destinados ao futebol e aos clubes sociais, algo necessário no Brasil, que conta com um cenário aonde a maior parte das agremiações surgiram como clubes poliesportivos e patrimoniais, contando com diversos esportes e estruturas além do futebol. Os valores arrecadados com os programas de sócio torcedor variam. Alguns fatos contribuem para isso: primeiro, cada um possui planos com valores e formatos diferenciados, que variam de menos de R$ 10 a mais de R$ 1.000 de mensalidade. Os benefícios, vantagens e facilidades também diferem. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 520 Figura 6 – Receita Sócio Torcedor Fonte: www.palmeirasacademy.wordpress.com Como pode analisar, a figura acima mostra o número de Sócio Torcedores adquirido por cada clube nos anos de 2015 e 2016. Também mostra a receita (R$) que cada clube atingiu neste mesmo período. Com isso dá para observar quanto cada clube adquiriu de torcedores e o quanto determinado clube perdeu de torcedores neste período. Figura 7 – Receita Sócio Torcedor Fonte: palmeirasacademy.wordpress.com/ Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 521 5. METODOLOGIA O estudo que deu origem ao Como as Marcas Utilizam o Esporte para Ganhar Visibilidade foi realizado pelo aluno Caio Gabriel Peixoto Travassos, entre agosto de 2017 e maio de 2018, em três fases: Para começar o projeto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com o objetivo de reunir o maior número de informações e dados que servirão como base para o desenvolvimento do projeto. Foi realizado uma pesquisa documental, onde foi feita uma seleção bibliográfica para escolher os melhores livros que falem sobre Esporte e Eventos Esportivos, sites que contam a história do Marketing. Um estudo de caso, onde apresenta um problema e o pesquisador tem que analisar e desenvolver um argumento para solucionar. Discursões com colegas, com o duplo objetivo de investigar de forma ampla o esporte e como as marcas podem se aproveitar disso. 6. CONCLUSÃO Este projeto acadêmico possibilitou uma análise de como os donos das empresas (patrocinadores) estão utilizando o Marketing Esportivo como um dos meios de sua marca ganhar mais visibilidade no mercado mundial e fazer com que ela seja vista por milhares de pessoas em um evento esportivo. Avaliar o impacto que um evento esportivo causa na população. Com base nos objetivos específicos que foram propostas para compor este projeto, pode-se analisar que foram escolhidas cinco competições que são extremamente competitivas no esporte. Com base nos infográficos que contem em cada um dos objetivos, nota-se que essas competições não deixam de ser um grande evento para que as empresas mostrem as suas marcas para o público. Com isso compreende que quando uma marca resolve patrocinar um evento esportivo, ela realmente tem o interesse de estar sendo exposta para um grande número de pessoas. Antes de começar, será realizada uma pesquisa bibliográfica, com o objetivo de reunir o maior número de informações e dados que servirão como base para dar início a este projeto. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 522 Na pesquisa documental foi feita uma seleção bibliográfica, no qual foram escolhidos alguns livros sobre Marketing Esportivo e sobre Eventos Esportivos, sites que contam histórias sobre Marketing e até artigos para compor o projeto. No estudo de caso, apresenta um problema “saber o motivo que as marcas (patrocinadores) querem patrocinar os eventos esportivos” o aluno/ pesquisador tem como objetivo de identificar o problema, analisar e desenvolver um argumento para solucionar este problema. As empresas devem fechar seus patrocínios para qualquer tipo de evento esportivo, pois quando ela faz isso, ela estará atingindo diferentes públicos e ganhando cada vez mais admiradores por seus produtos. O Marketing vem utilizando o esporte como uma plataforma de comunicação nos dias de hoje. Como foi abordado nos capítulos deste projeto, o esporte desperta o interesse de milhares de pessoas em todo o mundo e tendo isso em vista, as marcas sempre estarão dispostas a fazer alguma ativação nos eventos esportivos, pois reúne milhares de pessoas propensas a interagir, acompanhar, experimentar e principalmente comprar dos seus produtos, essas ativações trazem inúmeras chances de negócios para a sua marca pois ampliam o alcance de sua empresa. A visibilidade que o esporte proporciona e a mídia espontânea que pode ser gerado através de uma disputa é uma oportunidade valiosa que as empresas têm em mãos. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 523 REFERÊNCIAS JOHNSON, Melissa; Summers, Jane. R; Marketing Esportivo, 1ª Edição, Editora Cengage CTP 6 de setembro de 2006. MATTAR, Fauze Najib; Mattar, Michel Fauze, Gestão de Negócios Esportivos, Editora Elsevier, julho de 2013; NOGUEIRA, Claudio, Zero à Direita Marketing & Mídia no Esporte, Editora iVentura, 2010. REZENDE. M, Dossiê Esporte, Editora Gráfica Burti Ltda, setembro de 2005. RODRIGUES, Davi, Organização de Eventos Esportivos, 5ª Edição, Editora Phorte 21 de outubro de 2013. Disponível em: <https://www.significados.com.br/marketing/ > Acesso em: 17 novembro 2017. Disponível em: <https://marketingdeconteudo.com/tipos-de-marketing/ > Acesso em: 17 novembro 2017. Disponível em: <http://maquinadoesporte.uol.com.br/artigo/top-10-marcas-que-maisse-valorizaram-com-o-esporte-na-ultima-decada_28656.html> Acesso em: 17 novembro 2017. Disponível em: <https://marcelosazevedo.wordpress.com/tag/beneficios-depatrocinio/> Acesso em: 10 março 2018. Disponível em: <http://blog.sympla.com.br/como-organizar-um-evento-esportivo/> Acesso em: 23 abril 2018. Disponível em: <http://blog.sympla.com.br/5-razoes-para-pessoas-irem-ao-seuevento-esportivo/> Acesso em: 23 abril 2018. Disponível em: <http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/publico-da-copa-no-brasilsupera-os-3165-milhoes-de-torcedores > Acesso em: 23 abril 2018. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/marcas/61907> Acesso em: 25 abril 2018. Disponível em <http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteud o=2 05> Acesso em: 25 abril 2018. Disponível em: <http://www.campeoesdofutebol.com.br/hist_liga_campeoes.html> Acesso em: 25 abril 2018. Disponível em: <http://www.campeoesdofutebol.com.br/libertadores_historia.html > Acesso em: 25 abril 2018. Disponível em: <http://www.futebolamericano.eu/superbowl/a-historia-do-superBraz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 524 bowl#.WtTlci7wYdU> Acesso em: 27 abril 2018. Disponível em: <http://esporte.ig.com.br/futebol/2016-09-16/uefa-championsaumento-publico.html> Acesso em: 27 abril 2018. Disponível em: <http://blogs.correiobraziliense.com.br/dribledecorpo/5688-2/> Acesso em: 27 abril 2018. Disponível em <http://guiademarketing.com.br/eras-do-marketing-1-0-2-0-e-3-0/> Acesso em: 28 abril 2018. Disponível em: <https://pt.linkedin.com/pulse/entenda-diferen%C3%A7a-entre-omarketing-10-20-e-30-bruno-cioffi-braga Acesso em: 28 abril 2018. Disponível em: <http://esporte.ig.com.br/futebol/2016-09-16/uefa-championsaumento-publico.html> Acesso em: 28 abril 2018. Disponível em: <http://app.globoesporte.globo.com/futebol/publico-nobrasil/2016/taca- libertadores/> Acesso em: 28 abril 2018. Disponível em: <http://www.mktesportivo.com/2018/02/5718/ > Acesso em: 28 abril 2018. Disponível em: <https://universidadedofutebol.com.br/a-importancia-do-patrocinioesportivo-para-as-empresas/> Acesso em: 05 maio de 2018. Disponível em: <https://palmeirasacademy.wordpress.com/2017/05/21/sociotorcedor-qual-clube-tem-o-maior-e-melhor-programa-entre-os-times-brasileiros/ > Acesso em: 02 maio 2018. Disponível em: <http://ataquemarketing.com/marketing/marketing-esportivo-tudoprecisa-saber/ > Acesso em: 07 junho 2018. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.7, p.70383-70401 jul. 2021 ISSN: 2525-8761 525 CAPÍTULO 29 ESTRATÉGIA COMPLEMENTAR DE ATENDIMENTO À SAÚDE NA CIDADE RIBEIRINHA DE MANICORÉ-AMAZONAS Eliane Patrícia Cervelatti Docente - Curso de Medicina Bióloga Doutora em Ciências (Genética) pela USP Rua Kameo Ussui, no 312, Pinheiros, Araçatuba-SP E-mail: ecervelatti@hotmail.com Amanda Kaori Hamamoto Graduanda - Curso de Medicina Estudante do UniSALESIANO - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilum Rua Barão do Triunfo, no 921, Paraíso, Araçatuba-SP E-mail: amanda-kaori@hotmail.com Caroline Mohr Graduanda - Curso de Medicina Estudante do UniSALESIANO - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilum Rua José Lourenço, no 300, apto 101 torre B, Concórdia, Araçatuba-SP E-mail: carolinemohr@hotmail.com Júlia Loli Barbosa Graduanda- Curso de Medicina Estudante do UniSALESIANO - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilum Rua Dr. Luiz Carlos Bertechini, no 2275, Torre Olivia apto 94, Paineiras, Birigui-SP E-mail: julialolibarbosa@outlook.com Mariana Toshie Brufatto Sumita Graduanda- Curso de Medicina Estudante do UniSALESIANO - Centro Universitário Católico Salesiano Auxilum Rua Ana Luisa da Conceição, no 509, Centro, Mirandópolis-SP E-mail: marianasumita98@gmail.com RESUMO: Introdução: O acesso aos serviços de saúde públicos passa por problemas na sua universalidade, principalmente nas comunidades afastadas, com isso a população busca por meios alternativos a resolução dessas carências. A “Farmácia Verde”, localizada em Manicoré – Amazonas (AM) disponibiliza tratamentos de enfermidades com recursos naturais, como chás, ervas e florais. Objetivo: analisar a atuação da Farmácia Verde como medida complementar de saúde pública na população ribeirinha de Manicoré – AM considerando-se a efetividade do tratamento proposto para as respectivas queixas da população. Metodologia: aplicação de dois questionários aplicados pelos funcionários da Farmácia Verde (o primeiro identificou o que motivou a procura pelos serviços e tratamento proposto e o segundo, a satisfação quanto aos resultados). Resultados: Observou-se que as queixas da população são sanadas em sua maioria segundo percepção subjetiva dos pacientes (88,6%) com pequenas taxas de efeitos colaterais (12,9%) contemplando desde “azia e queimação” até mioma. Constatou-se que há uma grande taxa de retorno (75,7%) da população demonstrando confiança no serviço prestado em eventos anteriores. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 526 Conclui-se que os serviços complementares à saúde são importantes para a população tanto em sua individualização quanto a sua resolutividade, agregando a medicina tradicional de forma síncrona. PALAVRAS-CHAVE: Acesso aos Serviços de Saúde; Medicina Popular; Saúde Pública. ABSTRACT: Introduction: Even though it includes great part of the Brazilian population, the access to public health services faces a severe issue in its universality, mainly in communities apart from urbanized centers and outskirts, Therefore, some needs are not accommodated, pushing the population to reach for alternative means for the resolution of this lack. “Farmácia verde” (that could be translated as “Green Pharmacy”), located in the city of Manicoré – Amazonas (AM) offers disease treatments made with natural resources, such as herbs, teas and florals. Objective: to analyze the performance of Farmácia Verde as a public health complementary measure in riparian population in Manicoré – AM, considering the effectiveness of the proposed treatment to the respective population complaints. Methodology: the data were collected in two questionnaires (the first one aims to identify what motivated the search for the services and treatment proposed, and the second one analyzes the satisfaction regards the obtained results). Results: It was observed that the complaints of the population are mostly remedied according to the subjective perception of patients (88.6%) with small rates of side effects (12.9%) ranging from "heartburn and upset stomach" to fibroid. It was found that there is a high rate of return (75.7%) of the population demonstrating confidence in the service provided in previous events. It is concluded that complementary health services are important for the population both in their individualization and in their resoluteness, adding traditional medicine in a synchronous way. KEYWORDS: Access to health services; Folk medicine; Public health. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 527 1. INTRODUÇÃO Saúde pública é compreendida como o esforço organizado da sociedade, principalmente através de instituições de cunho público para aprimorar, promover e restabelecer a saúde das populações através de execuções que alcancem o coletivo (ALMEIDA, 2013). Apesar de abranger boa parte da população brasileira, o acesso aos serviços de saúde públicos enfrenta um sério problema na sua universalidade, principalmente nas comunidades afastadas das regiões urbanizadas, periferias e outras populações em estado de vulnerabilidade (IBGE, 2009). Na verdade, essa parcela da população brasileira não tem acesso as ações e serviços de saúde necessários para a resolução de seus problemas. Tal fato está associado a heterogeneidade das regiões brasileiras, corrupção no processo de repasse de verbas, construção de formas de responsabilização de governantes e cidadãos e falta de acessibilidade. Há também uma contraditória distribuição de recursos em nosso país, onde regiões menos favorecidas têm menos serviços de saúde. Além disso, há também ações que não são planejadas corretamente por parte de setores governamentais, fazendo com que essas fiquem fragmentadas, gerando um desperdício de recurso público (LUCCHESE, 2004). Essas dificuldades de encontrar equilíbrio entre a gestão dos âmbitos políticoadministrativas do Estado refletem diretamente na população, que busca meios alternativos de sanar suas necessidades, sem perder o saber técnico-científico. Um exemplo bem sucedido é observado em Manicoré, cidade ribeirinha no interior do Amazonas, norte do Brasil, com 54.708 habitantes, à margem direita do Rio Madeira, distante 390 km de Manaus (Capital do estado), cuja principal fonte de renda da população é predominante através de produções agrícolas, como banana e melancia (PREFEITURA DE MANICORÉ. Prefeitura de Manicoré, 2017). Ali foi inaugurada a “Farmácia Verde” em outubro de 2012, graças ao trabalho árduo por parte da Igreja Católica e voluntários. Seu objetivo é contribuir com a Saúde Pública do município através de múltiplas abordagens, dentre elas: educação em saúde, educação sanitária, amplificação dos meios naturais de tratamento das doenças ou outras condições, promoção de saúde e captação de recursos naturais (FAVERO, 2018). No atendimento, além da escuta da queixa do paciente, é realizada uma avaliação bioenergética, um método que busca entender a maneira pela qual a Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 528 vitalidade está relacionada com o corpo e seus processos energéticos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018). Esse procedimento é novamente aplicado ao paciente em um seu retorno 15 dias após o primeiro atendimento, com isso a Farmácia Verde consegue estabelecer se houve melhora após instituição do tratamento proposto. Vale ressaltar que a Farmácia Verde não é um “método” substitutivo de um hospital, mas sim uma maneira de complementar os pilares da saúde: espiritual, físico e mental, haja vista que é necessário o equilíbrio dos três para harmonia que tanto se busca. Além disso, destaca-se a forma pela qual a Farmácia Verde realiza seus trabalhos em conjunto com órgãos de saúde da cidade de Manicoré, como Unidades Básicas de Saúde (UBS), hospitais, prefeitura e a própria Secretaria de Saúde do município. Reuniões são realizadas entre essas entidades e a Farmácia Verde para que haja um alinhamento de pensamentos e intervenções, bem como para que possam trabalhar de forma sinérgica dentro da cidade (PREFEITURA DE MANICORÉ. Prefeitura de Manicoré, 2021). Diante desse contexto, o presente artigo teve como objetivo analisar a atuação da Farmácia Verde como medida complementar de saúde pública na população ribeirinha de Manicoré-AM, considerando-se a efetividade do tratamento proposto para as respectivas queixas segundo a satisfação dos usuários quanto aos resultados obtidos após o tratamento da Farmácia Verde. 2. MÉTODOS Trata-se de uma pesquisa de campo com finalidade aplicada, de natureza observacional, quantitativa descritiva, exploratória e com delineamento longitudinal (FRANCO; DANTAS, 2019). O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) através do parecer número 4.479.852 e CAAE: 40284920.5.0000.5379. O material usado para a coleta dos dados (dois questionários semiestruturados, bem como o Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE), foi enviado para Manicoré-AM através do correio. Os questionários foram aplicados pelos funcionários e voluntários da Farmácia Verde (seguindo as instruções dadas pelos pesquisadores). Após a assinatura do TCLE foi aplicado o questionário 1 que obteve as seguintes informações: 1) dados socioeconômicos dos participantes; 2) motivo da procura pelo serviço da Farmácia Verde e 3) tratamento proposto (Figura 1). Após 15 dias, no retorno para uma nova Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 529 consulta, foi aplicado o questionário 2, que analisou, por exemplo, a satisfação quanto aos resultados obtidos (Figura 2). Figura 1 – Questionário 1 (inicial) aplicado na admissão do paciente na Farmácia Verde Fonte: elaborado pelos próprios autores. Araçatuba-SP, Brasil, 2021. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 530 Figura 2 – Questionário 2 aplicado aos pacientes da Farmácia Verde após 15 dias da admissão. Fonte: elaborado pelos próprios autores. Araçatuba-SP, Brasil, 2021. Os critérios de inclusão foram: ter mais que dezoito anos de idade, ambos os sexos, aceitar participar voluntariamente da pesquisa, assinar o TCLE, procurar o serviço da Farmácia Verde durante o desenvolvimento da pesquisa, comprometimento com o tratamento proposto pela Farmácia Verde e retornar em quinze dias para reavaliação e preenchimento do segundo questionário. Os critérios de exclusão foram: ter menos que dezoito anos de idade em ambos os sexos, recusar assinar o TCLE, o não retorno para avaliação em quinze dias, a não aderência ao Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 531 tratamento proposto pela Farmácia Verde, analfabetos e indivíduos incapazes de responder por si mesmo (capacidade mental ou autonomia reduzida). O tempo total de coleta de dados foi de aproximadamente 90 dias. Após o término do prazo estabelecido os questionários retornaram, através do correio, para a cidade de Araçatuba – São Paulo onde foram avaliados. Os dados foram tabulados no Excell 365TM e analisados pelo software Jamovi 1.6. 3. RESULTADOS Ao todo, 70 usuários dos serviços prestados pela Farmácia Verde participaram da presente pesquisa, totalizando 140 questionários (contabilizando os questionários 1 e 2). Através da análise dos dados do questionário 1 foi possível observar o perfil epidemiológico e socioeconômico dos usuários da Farmácia Verde, no qual a maioria era do sexo feminino (80%), solteiros (55,7%), com renda mensal de 1-2 saláriosmínimos (67,2%) e idade média de 41,8 anos. Observou-se também que a maioria alega não possuir hábito e vícios (75,7%), tais como tabagismo e etilismo, bem como praticar alguma atividade física durante a semana (60%). Além disso, a maior parte dos usuários do serviço relatou não ser a primeira vez que utilizaram os serviços prestados pela Farmácia Verde (75,7%) (Tabela1). Tabela 1 – Perfil epidemiológico e socioeconômico dos usuários da Farmácia Verde Usuários da Farmácia Verde n % Idade 18 - 34 anos 1 35 - 50 anos 2 51 - 65 anos Sexo 7 Feminino 6 Masculino Outro Estado civil 4 Solteiro 9 Casado Viúva (o) 1 2 3 1 5 1 0 3 2 3 30 45 25 80 20 0 55, 7 30 4,3 Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 532 5 2 Outro Não informado Escolaridade EFI EFC 0 EMC EMI 4 ESC Renda (R$) 1 1-2 salários mínimos 3-4 salários mínimos 5-6 salários mínimos Acima de 6 salários Desempregado Não informado Outro Hábitos e vícios 7 Etilismo Tabagismo Drogas ilícitas 3 Não possui Ex-etilista Atividade física 3 Sim 2 Não 1ª vez na Farmácia Verde? 8 Sim 7 Não Procurou outro serviço antes? 3 Sim 5 Não 4 2 1 2 3 3 4 7 2 0 1 7 6 1 3 0 5 1 UBS 6 Clínico Serviço especializado 7 2,9 14, 3 34, 3 4,3 3 4 67, 2 10 2,9 0 1,4 10 8,5 18,6 4,3 0 75, 7 60 2 40 1 24,3 5 5, 7 4 4, 3 2 3 1,4 1 1 3 , 1,4 1 Não informado Qual serviço? 7,1 2,9 3 4 , 35,5 37,8 6,7 8 17,8 Hospital 1 Outro 2,2 Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Araçatuba–SP, Brasil, 2021. EFI: Ensino fundamental incompleto; EFC: ensino fundamental completo; EMC: ensino médio completo; EMI: ensino médio incompleto; ESC: ensino superior completo. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 533 Além disso, a análise dos dados revelou que a maioria dos participantes procurou o serviço prestado pela Farmácia Verde por “cefaleia” (15,95%) e por “azia e queimação” (12,76%). Outras queixas também foram “dor de barriga” com 9,57% e dor nas costas com 8,51%. As queixas em sua totalidade encontram-se na tabela abaixo (tabela 2). Tabela 2 - Sintomas mais frequentes apresentados pelos usuários da Farmácia Verde. Sintomas Cefaleia Azia, queimação Dor de barriga Dor nas costas Ansiedade Dispneia Insônia Menopausa Dores reumatoides Infecção urinária Metrorragia Alergia Catarata Cisto ovariano Depressão Diabetes Dor de estômago Dor na articulação Dor no peito Dor no quadril Dor nos braços Edema de membros de inferiores Esteatose hepática Ferida no colo do útero Infecção Lúpus Mioma Nervosismo Parestesia no corpo Pico hipertensivo Próstata Tireoide Útero Não informado Frequência % 15,95 15 12,76 12 9,57 9 8,51 8 6,38 6 4,25 4 4,25 4 3,19 3 2,12 2 2,12 2 2,12 2 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 1,06 1 5,31 5 Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Araçatuba–SP, Brasil, 2021. Com relação à efetividade do tratamento oferecido, observou-se uma Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 534 maciça resolução dos sintomas apresentados na consulta inicial em 88,6% dos usuários, com melhora relatada pelos próprios e avaliação da Farmácia Verde. Além disso, observa-se que 95,7% dos pacientes seguiram todas as recomendações dadas pela Farmácia Verde. No entanto, é importante ressaltar que mesmo se baseando em um tratamento 100% natural, em alguns casos (12,9%) houve efeitos colaterais como constipação, palpitação, dor no estômago, diarreia, tontura e vômitos (Tabela 3). Tabela 3 - Resultados baseados na opinião dos pacientes após intervenção terapêutica da Farmácia Verde. n Usuários da Farmácia Verde % Melhora após o tratamento Sim Não Parcialmente Não informado Efeito colateral durante o tratamento Sim 2 Não Não informado Seguiu as instruções do tratamento 8 Sim Não Parcialmente Avaliação pessoal da Farmácia Verde 7 8 9 7 10 6 0 7 1 9 5 3 6 0 3 1 4 7 5 88,6 0 10 1,4 12,9 82,9 4,3 95,7 0 4,3 1,4 5,7 10 8 82,9 Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Araçatuba–SP, Brasil, 2021. Uma das variáveis analisadas no presente trabalho foi o tratamento utilizado pela Farmácia Verde para as enfermidades dos seus usuários. A análise dessas informações mostrou que embora algumas pessoas tenham apresentado a mesma queixa, o tratamento difere entre si, conferindo assim um tratamento individualizado não apenas baseado na enfermidade, mas sim na pessoa em sua totalidade. A tabela 4 a seguir demonstra essa individualização ao comparar os diversos tratamentos realizados para as principais queixas apresentadas isoladamente pelos usuários (quando não acompanhado de quaisquer outras queixas). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 535 Tabela 4 - Comparação entre os tratamentos dos principais sintomas isolados dos usuários da Farmácia Verde. Sintomas Indivíduo 1 2 3 4 Azia e queimação 5 6 7 8 1 2 Tratamentos 1) Chá: camomila, gervão, alfazema, bidens pilosa - 1 xícara 2 vezes ao dia por 7 dias. 2) Florais: agrimony, rock rose, vervain, aspen, impatiens - 4 gotas 3 vezes ao dia. 3) Composto para estômago - 40 gotas 3 vezes ao dia. 4) Composto para gordura no fígado - 45 gotas 2 vezes ao dia. 1) Chá: unha de gato, malva calêndula, tansagem, losna, sete sangrias, flor da mamão macho – tomar por 15 dias. 2) Essência de própolis 7 gotas em um pouco de água – 2 vezes ao dia. 3) Pomada anti-inflamatória. 1) Chá: canela de velho, erva baleeira, hipérico, cavalinha, alfavaca, macela e gervão - tomar 500ml por dia durante 10 dias. Melão são Caetano, chapéu de couro, mastruz, folha de amora. 2) Repositor hormonal fervido: 2 vezes ao dia – tomar puro. 1) Chá: camomila, gervão, espinheira-santa, chapeu de couro, unha de gato, tansagem, mão de Deus. Tomar 1 litro de chá ao dia por 15 dias. 1) Chá: losna, gervão, espinheira-santa, mururé, canarana, mulungu, unha de gato. Tomar 1 litro de chá ao dia por 15 dias. 2) Bálsamo digestivo: jucá, puxuri, sálvia, hortelã, alfazema, boldo, casca preciosa, casca de laranja. Tomar 30 gotas antes das refeições. 1) Chá: melão são caetano, bidens pilosa, tansagen, salsaparrilha, alfafa, gervão, cipó, mulungu. 1) Chá: terramicina, espinheira santa, corama, carqueja, dente de leão, equinácea, barbatimão, alcaçuz, folha de mamão. Tomar 1 litro por dia por 15 dias. 2) Florais: nux vomica CH 13. Tomar 5 gotas 3 vezes ao dia. 1) Chá: espinheira santa, gervão, barbatimão, carqueja, folha de mamão macho, jaraquicoa, cavalinha. Tomar 1 litro de chá por dia por 15 dias 2) Tintura: espinheira santa, gervão, corama, boldo. Tomar 25 gotas antes das refeições 3) Florais: Star of bethlehem, honeysuckle, gorse, aspen . Tomar 8 gotas 3 vezes ao dia. 1) Chá: catuaba, melão são caetano, vassourinha de botão, cavalinha, carqueja, ginseng (ou erva cidreira). 2) Vinagre de maçã. 1) Folha de maracujá, marapuama, melão são caetano, alcaçuz, sassafrás, jaraquicará, hipérico: tomar 1 litro de chá ao dia por 15 dias. 2) Cantharis CH 7: tomar 5 gotas 3 vezes ao dia. 3) Florais: Elm, Impatiens, mimulus, Cherry Plum - tomar 8 gotas 3 vezes ao dia. Cefaleia 3 1) Chá: Dente de leão, tansagem, quebra pedra, taiuá, sete-sangrias, alfavaca, salsaparrilha por 10 dias. 4 1) Chá: jucá, equinácea, hipérico, unha de gato, terramicina, gervão, barbatimão. Tomar 1 litro de chá ao dia por 15 dias. 2) Nux vomeca CH 13: Tomar 5 gotas 3 vezes ao dia. 3) Florais: willow, holly, mustard, aspen, cherry plum. Tomar 8 gotas 8 vezes ao dia. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 536 5 1) Chá: unha de gato, crajiru, cavalinha, mururé, camomila, gervão, uxi. Tomar 1 litro de chá ao dia por 15 dias. 2) Composto de 7 ervas: folha de algodoeiro roxo, crajuru, jucá, casca de copaiba, uxi, sucuba, caju açu e vinho. Tomar 1 colher de sopa 3 vezes ao dia. 6 1) Chá: Moringa, tansagen, jucá, sete sangrias, mulungu, dente de leão, japecanga. Tomar 1 litro de chá ao dia por 15 dias. 2) Usar argila nos olhos por 10 minutos. 7 1) Chá: crajiru, ipê-roxo, moringa, pata de vaca, bidens pilosa, gervão, chapéu de couro, pitanga. Tomar 500ml de chá por dia por 15 dias 2) Composto: espinheira-santa, gervão, corama, boldo. Tomar 30 gotas 3 vezes ao dia. 3) Floral: white chestnut, impatiens, vervain, chicory, vine, aspen, hornbeam. Tomar 8 gotas 3 vezes ao dia. 1) Chá: camomila, unha de gato, espinheira santa, gervão, bidens pilosa, tansagen, açoita cavalo. Tomar 1 litro de chá por dia por 15 dias 2) Xarope: flor de bananeira, gengibre, limão, casca de uxi, mel ou 8 açúcar. Tomar 1 colher de sopa 3 vezes ao dia 3) Florais: heather, gorsi, rock rose, aspen, cherry plum. Tomar 8 gotas 3 vezes ao dia. Fonte: Elaborado pelos próprios autores. Araçatuba–SP, Brasil, 2021. 4. DISCUSSÃO Sabe-se que há milhares de anos o homem busca de artifícios para melhorar sua qualidade de vida buscando muitas das vezes na natureza esse suporte (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). Por exemplo, na Grécia antiga, Teofrasto (372-285 a.C) chegou a catalogar aproximadamente 500 espécies vegetais. Já Hipócrates (460361 a.C), considerado o pai da medicina, deixou a obra “Corpus Hippocraticum”, onde há catalogada diversas espécies vegetais e seus respectivos usos (ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE NATUROLOGIA, 2007). No Brasil, é dos índios a tradição do uso de plantas tanto em rituais sagrados quanto em rituais de cura. Sabe-se que com a colonização, os conhecimentos se fundiram, permitindo o desenvolvimento de técnicas que são vistas hoje (BRAGA, 2011). O uso de plantas medicinais faz parte da prática do que é chamado de “medicina popular”, que consiste em um conjunto de saberes que são detidos por usuários e/ou praticantes imersos a aquele meio onde se tem esse costume. O conhecimento desses saberes é passado, habitualmente, pela tradição oral. Tendo em vista que é um tratamento complementar e síncrono a medicina tradicional, geralmente de baixo custo, usualmente é empregado em populações com rendas mais baixas, corroborando com os achados no presente artigo, o que torna o serviço muito importante para essa população mais carente (BRUNING et al., 2012). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 537 A procura pelos serviços da Farmácia Verde foi majoritariamente do sexo feminino (80%) e idade média de 41,8 anos. Ambos os dados encontrados são fatores preditores de maior busca por assistência a saúde (LEVORATO, 2013). Além disso, há estudos que mostram a menor procura a serviços de saúde pelos homens, seja por questões sociais, associação do “cuidar” como sendo algo do âmbito feminino, medo de descobrir uma doença grave, vergonha de exposição do corpo, entre outros motivos (GOMES et al., 2007). As limitações de acesso à zona urbana, atreladas à realidade econômica desfavorável, parecem impactar de uma maneira positiva na saúde física dos usuários da Farmácia verde quanto a prática de atividades físicas, visto que os pacientes utilizam principalmente bicicletas e caminhadas para se locomoverem (FAVERO, 2018). Além disso, é evidente que com o alto índice de pessoas com baixo nível socioeconômico, por vezes é necessário ir até a cidade mais próxima de barco não motorizado, já que grande parte das pessoas não apresentam condições de possuir um barco motorizado (GAMA et al., 2018). Nessa amostra populacional analisada, notou-se que o sintoma mais frequente é o de “cefaleia” (15,95%), seguido por “azia e queimação” (12,76%) e “dor de barriga” (9,57%%). As condições precárias de saneamento e o consumo de água imprópria diretamente dos rios e lagos podem contribuir para a piora dos sintomas relacionados ao trato gastrointestinal (GAMA et al., 2018). Considerando a individualidade de cada pessoa, associando-se as queixas das mesmas, observou-se que o tratamento proposto pela Farmácia Verde é de natureza individual, respeitando as limitações, crenças, situações econômicas e socioculturais de seus usuários (CONASS, 2015), visto que a mesma queixa (exemplo: cefaleia) apresenta tratamentos divergentes entre os pacientes. Isso tudo porque ao se passar um tratamento ao paciente, deve-se considerar aspectos tais como: posologia, modo de armazenamento, farmacodinâmica, farmacocinética, associações, interações medicamentosas, efeitos colaterais, entre outros (SANTI, 2016). Um ponto importante de orientação em relação ao tratamento para o paciente é sobre os efeitos colaterais daquilo que lhe fora prescrito, pois mesmo se tratando de algo natural, pode apresentar efeitos adversos, o que foi evidenciado em alguns pacientes no presente trabalho (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Estima-se que aproximadamente 40% dos medicamentos atualmente disponíveis foram desenvolvidos direta ou indiretamente a partir de fontes naturais, Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 538 assim subdivididos: 25% de plantas, 12% de micro-organismos e 3% de animais (CALIXTO, 2001). A capacidade do uso das plantas para fins medicinais encontra-se longe de estar extenuada já que embora o nosso país possua a maior diversidade vegetal do mundo, com cerca de 60.000 espécies vegetais superiores catalogadas (PRANCE, 1977), apenas 8% foram estudadas para pesquisas de compostos bioativos e 1.100 espécies foram avaliadas em suas propriedades medicinais (GUERRA et al., 2001). Os usuários da farmácia verde em sua grande maioria (88,6%) relataram melhora dos sintomas, evidenciando-se, portanto, a necessidade de novos estudos que busquem explorar a grande variedade de plantas que poderiam estar sendo utilizadas como matéria prima para novas medicações, beneficiando assim um maior número de pacientes. A grande maioria dos pacientes encontrou-se satisfeito com as medidas propostas pela Farmácia Verde, de forma que 82,9% atribuiu a nota dez ao serviço e 75,7% dos usuários declararam não ser a primeira vez que compareceram à Farmácia Verde, o que denota confiança no serviço prestado. Entende-se, portanto, a importância de que serviços como estes, prestado pela Farmácia Verde, sejam estudados de forma mais intensa pela comunidade científica. Um dado que corrobora isso é que em 2009 fora sancionado um decreto presidencial a fim de operacionalizar o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos no Brasil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). 5. CONCLUSÃO Diante da situação socioeconômica em que o país está imerso, ressalta-se a importância de medidas complementares à saúde pública como é realizado na Farmácia Verde, em Manicoré, tendo em vista a dificuldade de acesso da população aos serviços especializados. O presente trabalho conclui que a Farmácia Verde é resolutiva na maioria das queixas apresentadas pelos usuários, possuindo pouca taxa de efeitos colaterais e maciça satisfação dos pacientes, já que a mesma aborda de forma individualizada, levando em conta não apenas os fatores fisiopatológicos da doença, mas também os aspectos biopsicossociais de cada pessoa. Isto reforça a importância de que serviços como esse, prestado pela Farmácia Verde, sejam estudados de forma mais intensa pela comunidade científica para maior benefício da população. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p.120408-120423 dec. 2021 ISSN: 2525-8761 539 REFERÊNCIAS ALMEIDA, N. D. A saúde no Brasil, impasses e desafios enfrentados pelo Sistema Único de Saúde-SUS. Recife: Revista Psicologia e Saúde, 2013. ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE NATUROLOGIA. Fitoterapia. Associação Paulista de Naturologia, 2007. Disponível em: <http://apanat.org.br/fitoterapia/>. Acesso em: 11 ago. 2021. BRAGA, Carla de Morais. 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Unidade de Manaus E-mail: isaquealmeida@yahoo.com.br RESUMO: A discussão sobre rigor metodológico na condução das investigações em Engenharia de Produção tem sido objeto de atenção, expressa em livros e periódicos. Nesse contexto, este artigo tem por objetivo identificar, caracterizar e avaliar a utilização da pesquisa-ação em artigos publicados nos Anais do Simpósio de Engenharia de Produção - SIMPEP, período 2007-2016, por meio de Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS). Duas questões nortearam a investigação: “qual a incidência da pesquisa-ação, nos artigos dos Anais do SIMPEP (2007- 2016)?” e “as investigações que utilizaram a pesquisa-ação foram conduzidas com rigor metodológico e suporte teórico adequado?” Na primeira etapa do trabalho foi feita a busca de artigos nos anais, usando a palavra-chave pesquisa-ação, no título, no resumo e na relação de palavras-chave, sendo identificados 93 artigos. Após a eliminação de artigos duplicados, foi feita a aplicação de critérios de descarte e foram excluídos os artigos: a) apenas teóricos e b) que empregaram o termo pesquisa-ação sem a caracterização desse tipo de pesquisa e a previsão de sistemática para sua aplicação. Restaram 16 artigos que utilizaram a pesquisa-ação, fundamentada em base teórica adequada, para investigar diferentes temas, sob focos diversos, contribuindo para o conhecimento nas diversas áreas da Engenharia de Produção. Nos artigos analisados foram observadas insuficiências metodológicas tanto na revisão da literatura quanto no planejamento e na realização da investigação empírica. PALAVRAS-CHAVES: Pesquisa-Ação; Revisão Bibliográfica Sistemática; Anais SIMPEP. ABSTRACT: The discussion about methodological rigor in the conduction of investigations in Production Engineering has been object of attention, expressed in books and journals. In this context, this paper aims to identify, characterize and evaluate the use of action research in papers published in the Proceedings of SIMPEP (2007-2016), through Systematic Literature Review (SLR). Two questions guided the research: “what is the incidence of action research in the articles of the Proceedings of SIMPEP (2007- 2016)?” and “have the investigations that used action research been Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 542 conducted with methodological rigor and adequate theoretical support?” In the first stage of the study, a search was carried out in the Annals, using the keyword researchaction, in the title, in the abstract and in the list of keywords, and 93 articles were identified. After eliminating duplicate articles, the discard criteria were applied and the following articles were excluded: a) only the theoreticals and b) that used the term action research without the characterization of this type of research and the systematic forecast for its application. Remained 16 papers that used action research, based on an adequate theoretical basis, to investigate different themes, under different focuses, contributing to the knowledge in production engineering. In the articles analyzed, methodological insufficiencies were observed both in the review of the literature and in the planning and execution of empirical research. KEYWORD: Action research; Systematic Literature Review; Proceedings of SIMPEP. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 543 1. INTRODUÇÃO A avaliação dos métodos de pesquisa adotados na área de Engenharia de Produção e a identificação desse enquadramento em resultados de investigações, publicados no Brasil, têm sido objeto de reflexão de diversos autores. As publicações de Nakano e Fleury (1996), de Berto e Nakano (1998, 1999, 2000 e 2014), de Cauchick Miguel et al. (2009) e de Nakano (2010) constituem referência na identificação e avaliação dos tipos de pesquisa em Engenharia de Produção. A partir de tipologia proposta por Filippini (I997), Berto e Nakano (1999 e 2000) propuseram sete tipos de pesquisa - modelagem, simulação, survey, estudo de caso, estudo de campo, experimento e teórico conceitual - por eles utilizados para identificar as investigações apresentadas em artigos publicados em Anais do ENEGEP – Encontro Nacional de Engenharia de Produção, nos anos de 1996, 1997 e 1998. Posteriormente, Nakano (2010) deu continuidade à investigação desenvolvida por Berto e Nakano nos Anais do ENEGEP, analisando os artigos do período 1999 a 2004 e englobando a avaliação anterior, referente ao período 1996 a 1998. Berto e Nakano, em publicação de 2014, revisitaram os trabalhos de 1999 e 2000. Nas investigações realizadas, Berto e Nakano constataram a prevalência das pesquisas classificadas como teórico conceituais, com incidência máxima de 48,4% e mínima de 30,1%, em relação aos demais tipos, considerados todos os anos do período de 1996 a 2004. Identificaram os estudos de caso, com um máximo de 32,7% e mínimo de 13,9% e os estudos de campo, com 19,8% de presença máxima e 8,8% de mínima. Com menor participação, em relação aos tipos anteriores e considerando maior e menor participação, nos diversos anos do período estão: modelagem – 16,5% e 3,3%; simulação – 9,7% e 2,7%; survey – 5,3% e 2,0%; e experimento – 2,3% e 0,7% (BERTO; NAKANO, 1999 e 2000). Berto e Nakano (1999 e 2000) não destacaram, em suas investigações, a incidência da pesquisa-ação, provavelmente, em razão da presença pouco significativa desse tipo de pesquisa no período que, assim sendo, deve ter sido computada na categoria estudo de campo. Em outros textos têm sido apresentadas conceituação, análise e avaliação crítica dos tipos de pesquisa utilizados nas investigações desenvolvidas na área de Engenharia de Produção. Além dos textos de Berto e Nakano (1998, 1999, 2000 e 2014) e de Nakano (2010), podem ser destacados os artigos de: Nakano e Fleury (1996); Cauchick Miguel (2005, 2007, 2010a, 2010b, 2010c); Cauchick Miguel et al., Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 544 (2009); Fleury (2010); Turrioni e Mello (2010 e 2012); Mello et al. (2012); Costa (2013). Muitos desses autores expressaram preocupação com o cumprimento do rigor metodológico na adoção de tipos ou estratégias de pesquisa por parte da Engenharia de Produção, tanto no que diz respeito à revisão da literatura quanto ao planejamento e à realização da investigação empírica. Costa (2013) aponta o enquadramento metodológico incorreto, como “estudo de caso” como estratégia de pesquisa, em artigos publicados nos Anais do SIMPEP (2007- 20120), inclusive nos classificados pelo evento como “melhores artigos”. Nakano (2010) manifesta sua apreensão pelo frequente uso inadequado do método de pesquisa na Engenharia de Produção e reforça a necessidade de tomada de posição mais rigorosa a esse respeito, a fim de que se obtenha maior inserção da pesquisa em engenharia de produção no circuito internacional. Mello et al. (2012) relatam que uma das principais críticas feitas à adoção da pesquisa-ação é que sua utilização por vezes é feita como se estivesse sendo desenvolvido projeto de consultoria, relatando acontecimentos sem preocupação com a teoria. Menelau et al. (2015), a partir de avaliação de 44 periódicos nacionais de Administração e de publicações em 38 encontros ou simpósios da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (ANPAD), referentes aos anos de 2000 a 2010, identificaram a utilização do conceito de pesquisa-ação, mas avaliaram que os relatos de sua aplicação foram deficientes: não foram suficientemente definidos e apresentados. Chisté (2016) chama a atenção para a relevância da pesquisa-ação nos mestrados profissionais e a tendência à adoção dessa modalidade, dado o perfil do mestre que se pretende formar e o tipo de pesquisa que deverá dar suporte à dissertação desenvolvida, com direcionamento aplicado. A autora, após analisar dissertações apresentadas em um programa de mestrado profissional em ensino de ciências e de matemática, observou que, das cinco dissertações produzidas no programa em dois anos, que explicitaram a pesquisa- ação como metodologia adotada, apenas uma cumpriu os pressupostos fundamentais da pesquisa-ação e estabeleceu relações teóricas mais aprofundadas com esse tipo de pesquisa. Toledo, Giatti e Jacobi (2014), a partir de revisão bibliográfica sobre aplicação da pesquisa-ação em teses e dissertações defendidas nas três Universidades Estaduais Paulistas – USP, INICAMP e UNESP – no período 1990 a 2010, identificaram Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 545 a crescente aplicação da metodologia da pesquisa-ação em pesquisas acadêmicas, tanto em nível de mestrado, como de doutorado. De 1990 a 2000 foi constatada a realização de 45 pesquisas, tendo esse número crescido para 228 de 2001 a 2010, indicando o aumento desse tipo de pesquisa. Assim sendo, justifica-se o desenvolvimento de investigações e avaliações referentes à condução metodológica das pesquisas em engenharia de produção, de modo geral e considerando determinado tipo de pesquisa. A preocupação dos autores com o rigor metodológico, que se expressa tanto na revisão teórico conceitual quanto na previsão e execução do trabalho empírico, motivou a investigação de um tipo de pesquisa que não esteve no foco da avaliação de Berto e Nakano (1998, 1999 e 2000) e de Nakano (2010): a pesquisa-ação. Nesse contexto, constitui objetivo do presente artigo identificar, caracterizar e avaliar a utilização da metodologia da pesquisa-ação em artigos publicados nos Anais do SIMPEP, no período 2007-2016, por meio de Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS). 2. PESQUISA-AÇÃO: ÂMBITO DA UTILIZAÇÃO, CONCEITO E CARACTERÍSTICAS Tripp (2005) relata diversos tipos de pesquisa-ação com aplicação em diferentes campos, dentre os quais estão ensino, administração, saúde, mudança organizacional, geração de tecnologia, mudança política. A utilização da Pesquisa-Ação pode ser identificada em periódicos de diversas áreas, por ordem de maior presença, nas áreas de Educação e de Saúde, de Administração e de Engenharia de Produção (SCIELO, 2017). Yin (2015), Turrioni e Mello (2010) e Martins (2010) arrolam a pesquisa-ação como tipo, método ou estratégia de pesquisa utilizada pela engenharia de produção. Segundo Martins (2010, p. 53) “Os métodos de pesquisa mais apropriados na área de engenharia de produção para conduzir uma pesquisa qualitativa são o estudo de caso e a pesquisa ação”. Segundo Yin (2015) a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa planejada e realizada em estreita associação com a resolução de um problema, para cujo diagnóstico, planejamento de resolução e implementação de soluções são desenvolvidas ações, coletivamente, estando nelas envolvidos, de modo cooperativo Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 546 e participativo, pesquisadores e demais componentes da coletividade em questão. Nos termos de Thiollent (1994 e 1997): A pesquisa-ação consiste essencialmente em acoplar pesquisa e ação em um processo no qual os atores implicados participam, junto com os pesquisadores, para chegarem interativamente a elucidar a realidade em que estão inseridos, identificando problemas coletivos, buscando e experimentando soluções em situação real. Simultaneamente, há produção e uso de conhecimento (THIOLLENT, 1997, p. 14). Segundo Kelch et al. (2020), a pesquisa-ação traz resultados valiosos para os pesquisados, dado que, além de contribuir para a correção de algum problema, suscita a reflexão sobre condições daquele ambiente, anteriormente não realizada. Após o estudo concluído, os participantes saberão como podem se contextualizar dentro de seu próprio sistema e, também, qual o reflexo de uma ação nos processos anteriores e posteriores. Essa interação pode gerar resultados não previstos pelo pesquisador, uma vez que podem ocorrer alterações no projeto se alguma sugestão e/ou crítica vinda dos pesquisados for considerada. (KELCH et al., 2020, p. 81615). Cabe, portanto, destacar as seguintes características da pesquisa-ação: trata-se de pesquisa com base empírica, conduzida em tempo real, concebida e realizada em associação com a resolução de um problema coletivo, frente ao qual pesquisadores e participantes estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. A pesquisaação envolve dois objetivos: solucionar um problema e contribuir para a ciência; nela o pesquisador não é mero observador; prevê interação entre os envolvidos e requer entendimento da estrutura étnica (valores e normas), bem como amplo conhecimento do ambiente organizacional, das condições, estrutura e dinâmica das operações; objetiva entendimento holístico; é fundamentalmente relacionada à mudança; e pode incluir todos os tipos de coleta de dados, com utilização de técnicas quantitativas e qualitativas (THIOLLENT, 1994 e 1997). Simultaneamente o conhecimento é produzido e a realidade modificada: resolve-se um problema e gera-se conhecimento. Desenvolve-se através da observação participante, mas não se reduz a ela. Nesse processo de conhecimento, a metodologia, em consonância com os critérios de cientificidade, desempenha, segundo Thiollent (1994), um papel de “bússola” na condução das atividades dos pesquisadores, orientando os passos da pesquisa, a tomada de decisões, a definição e a utilização de técnicas e instrumentos de pesquisa, o delineamento e a consecução dos objetivos e a elaboração de relatórios. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 547 2.1 Principais procedimentos na condução da pesquisa-ação com rigor metodológico A estruturação da pesquisa-ação deve estar explicitada e programada, abrangendo suas diversas fases. Cada ciclo do processo da pesquisa-ação se desenvolve em cinco fases: planejamento, coleta de dados, análise dos dados e planejamento das ações, implementação de ações, avaliação de resultados e geração de relatório. Turrioni e Mello (2010) e Mello et al. (2012), a partir de Westbrook (1995), Coughlan e Coughlan (2002) e Thiollent (1994) são autores que se destacam na caracterização da pesquisa-ação e na apresentação de propostas para sua estruturação e condução. As Figuras 1 e 2, a seguir, apresentam, nos termos de Turrioni e Mello (2010), a estruturação para a condução da pesquisa-ação, enfatizando a circularidade que marca as descobertas, a aplicação e a incorporação do conhecimento. Figura 1 - Estruturação para condução da Pesquisa-ação Planejar a Pesquisa-ação Avaliar Resultado e gerar relatório Coletar dados Monitoramento Implementar ações Analisar dados e planejar ações Fonte: Turrioni e Mello (2010, p. 150). Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 548 Planejar pesquisa-ação Figura 2 - Estruturação para condução da Pesquisa-ação Avaliar resultados e gerar relatório Avaliar resultados Prover estrutura para replicação Desenhar implicações teóricas e práticas Redigir relatório Fonte: Turrioni e Mello (2010, p. 151). 3. METODOLOGIA DA PESQUISA Esta seção foi desenvolvida em 3 subseções: 1. Enquadramento metodológico da pesquisa; 2. Caracterização da Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS); 3. Etapas da pesquisa. 3.1 Enquadramento metodológico da pesquisa O enquadramento metodológico da pesquisa que dá suporte ao presente artigo está explicitado no Quadro1. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 549 Quadro 1 – Enquadramento metodológico da pesquisa que dá suporte ao presente artigo Referencial Classificação Objetivos Teórico conceitual com utilização da Caracterização/Descrição Visa descrever as características de determinado fenômeno. No caso em questão, a presença e a caracterização da Pesquisa-ação em Anais do SIMPEP. Marcada pela interpretação nos fenômenos. O pesquisador é o instrumento-chave. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. Os pesquisadores definem os recortes e dão tratamento qualiquantitativo aos dados. Caracteriza-se por seu interesse prático. No caso em questão, pretende-se contribuir para a utilização da pesquisa-ação na Engenharia de Produção com rigor científico. Levantamentos e discussões conceituais a partir da literatura e revisões bibliográficas. RBS: busca abrangente e exaustiva por estudos primários. Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS) Desenvolve-se a partir de uma questão e da formulação de critérios de qualificação claros e reproduzíveis para a seleção e avaliação crítica dos estudos e síntese dos resultados. Descritiva Abordagem Qualitativa Tratamento Quali quantitativo Natureza Tipo de Pesquisa Aplicada Bibliografia Turrioni e Mello (2012) Turrioni e Mello (2012) Turrioni e Mello (2012) Berto e Nakano (1999, 2000, 2014) Pai et al. (2004) e Rother (2007) Fonte: Elaborado pelos autores a partir da bibliografia citada. 3.2 Revisão bibliográfica sistemática (rbs): caracterização Todo trabalho científico deve estar fundamentado em Revisão Bibliográfica, desenvolvida através do que se conceitua Revisão Bibliográfica Tradicional ou Revisão Narrativa (ROTHER, 2007), que se diferencia da RBS utilizada no presente artigo. A primeira conduz e avalia a coleta do material de forma subjetiva e informal, selecionando a literatura a partir dos pressupostos iniciais da pesquisa. A segunda se caracteriza bela busca abrangente e exaustiva, a partir da proposta de uma questão, que abre maior leque de possibilidades. A primeira não descreve a busca, a seleção e a avaliação do material estudado, enquanto a RBS prevê critérios de qualificação claros e reproduzíveis para a seleção de estudos, bem como a avaliação crítica dos estudos e a síntese dos resultados de acordo com um método explícito e predeterminado (PAI et al., 2004). Michels et al. (2020), apoiados em Creswell (2007), destacam que, dentre os propósitos cumpridos pela revisão da literatura, estão: a socialização de resultados obtidos em outros estudos, a abertura de oportunidade para o estabelecimento de diálogo com a literatura produzida, a colocação em evidência da relevância do tema e Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 550 ainda a geração de motivações para trabalhos futuros. 3.3 Etapas da pesquisa Para a escolha da base de dados e a definição das etapas da pesquisa foram consultados artigos que adotaram a Revisão Bibliográfica Sistemática – RBS, alguns deles que utilizaram como Base de dados Anais do SIMPEP e do ENEGEP (LACERDA; ENSSLIN; ENSSLIN, 2012; SAMPAIO; BORTOLLOSSI, 2010; GUARDIA et al., 2013; SILVA; COSTA, 2016). A pesquisa foi planejada e, posteriormente desenvolvida, em cinco etapas: Na primeira etapa foram realizadas leituras sobre metodologia e tipos de pesquisa, no sentido de ampliar conhecimentos e aprofundar suportes teóricos e empíricos relativos à pesquisa-ação: âmbito de aplicação, conceitos, características e procedimentos na condução da pesquisa ação com rigor metodológico. Na segunda etapa foi escolhida a Base de Dados – Anais do SIMPEP (20072016). A escolha dessa Base de Dados foi feita tendo em vista: a) sua amplitude em termos do grande número de pesquisadores envolvidos, tanto orientadores experientes como pós graduandos em processo de formação, procedentes de diversas IES (Instituições de Ensino Superior), situadas em diversas regiões do país; b) o fato de que, muitas vezes, os resultados das investigações são divulgados inicialmente em eventos e, assim, conforme ressaltam Guardia et al. (2013, p. 3), os congressos podem ser considerados “... um “termômetro” dos temas e métodos científicos que estão sendo aplicados pelos pesquisadores, captando dados recentes”; c) em razão de o SIMPEP não ser um evento itinerante, ocorrendo sempre no Campus da UNESP, Universidade Estadual Paulista, em Bauru-SP; o fato de não ser itinerante, evita que, a cada ano, os artigos apresentados sejam influenciados por fatores de proximidade ou distância de outros principais centros de formação em Engenharia de Produção em nível de Pós-Graduação, o que leva a supor a não alteração do número e da qualidade dos artigos apresentados a cada ano, favorecendo comparação de caráter longitudinal (COSTA, 2013); e d) pela facilidade de acesso às informações, disponíveis nos referidos Anais. Na terceira etapa, a partir da “palavra-chave” “pesquisa-ação” foram buscados artigos publicados no período de 2007 a 2016 no sítio <http://www.simpep.feb.unesp.br/anais.php> que abriga os Anais do SIMPEP. A Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 551 busca nos Anais foi feita solicitando localização por título, por resumo e por palavrachave, em conformidade com as informações dadas pelos próprios Anais. Nessa etapa foram identificados, após eliminadas as duplicações, 93 artigos, justificando e validando, pela frequência da palavra-chave e número de artigos identificados, a escolha da base para a avaliação da presença da “pesquisa-ação” nos artigos publicados. Esses 93 artigos foram organizados segundo a incidência deles pelos 10 anos do período 2007-2016 e pelas 11 áreas de conhecimento da Engenharia de Produção contempladas pelo SIMPEP: 1. Gestão da produção; 2. Gestão da Qualidade; 3. Gestão Econômica; 4. Ergonomia e Segurança do Trabalho; 5. Gestão do Produto; 6. Pesquisa Operacional; 7. Gestão Estratégica e Organizacional; 8. Gestão do conhecimento Organizacional; 9. Gestão Ambiental; 10. Educação em Engenharia de Produção; 11. Engenharia de Produção, Sustentabilidade e Responsabilidade Social. A quarta etapa foi desenvolvida tendo por foco as seguintes questões: “Qual a incidência da pesquisa ação, nos artigos dos Anais do SIMPEP (2007-2016)?” e “As investigações que utilizaram a pesquisa ação foram conduzidas com rigor metodológico e suporte teórico adequado?” Nessa etapa foram aplicados dois critérios de corte sobre os 93 artigos localizados na terceira etapa, levando ao descarte dos artigos: a) 8, apenas com foco teórico, sem resultados de pesquisas de campo; b) 69, que apenas empregaram o termo pesquisa ação, sem o desenvolvimento de seção ou sub-seção metodológica ou com a caracterização insuficiente da pesquisa ação, sem a indicação de sistemática para sua aplicação. Os critérios mínimos para permanência dos artigos desenvolvidos foram: a) a explicitação do conceito, das características e da(s) base(s) teórica(s) da pesquisa-ação; b) a indicação da sistemática e/ou do planejamento da investigação proposta/desenvolvida. Na quinta etapa, após o descarte dos artigos somente teóricos e dos que apresentaram considerações metodológicas insuficientes para condução das etapas da pesquisa, restaram 16 artigos que foram identificados e listados por ano de publicação, sub-área do SIMPEP em que foram enquadrados, foco e autor(es) utilizado(s) como suportes teóricos. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 552 4. RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DE ARTIGOS SOBRE PESQUISA-AÇÃO NOS ANAIS DO SIMPEP (2007-2016) Os resultados estão apresentados em conformidade com as etapas de pesquisa previstas. 4.1 Artigos que utilizam pesquisa-ação nos anais do simpep (2007- 2016): distribuição por áreas da engenharia de produção Os 93 artigos localizados por título, por resumo e por palavra-chave estão apresentados na Tabela 1, distribuídos pelas 11 áreas da Engenharia de Produção do SIMPEP. Tabela 1 – Artigos que utilizaram Pesquisa-ação nos Anais do SIMPEP (2007-2016) por Áreas da Engenharia de Produção. AREAS DA ENGENHARIA DE PRODUÇÃO 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1 2 2 3 2 1 1 1 2 1 1 1 1 2 2 6 1 2 2 5 2 2 1 1 1 1 2 1 2 1 1 2 1 1 1 1 17 2 4 9 1 14 9 1 3 ANO 1 11 TOTAL 2007 3 2008 1 9 2009 2 8 2010 2 8 2011 4 13 2012 2 11 2013 3 7 2014 4 9 2015 12 16 2016 3 9 TOTAL 33 0 93 % ÁREA 35% 18% 2% 4% 10% 1% 15% 10% 1% 3% 0% 100% Fonte: Elaborada pelos autores. A principal área, abrangendo 32% dos artigos publicados no período foi a 1. Gestão da Produção, seguida da 2. Gestão da Qualidade (20%); as duas juntas reunindo 52% dos artigos. Em 3º lugar está a 7. Gestão Estratégica e Organizacional (14%), em 4º a 8. Gestão do Conhecimento Organizacional (13%) e em 5º a 5. Gestão do Produto (11%). É baixa a participação das áreas 4 e 10, respectivamente, Ergonomia e Segurança do Trabalho e Educação em Engenharia de Produção, cada uma com 3% de participação. A área 6, Pesquisa Operacional reúne apenas 1 artigo. A área 11, Engenharia de Produção, Sustentabilidade e Responsabilidade Social não Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 553 abrange nenhum artigo. 4.2 Apresentação dos artigos selecionados Os artigos selecionados, distribuídos pelos anos do período e segundo as subáreas do SIMPEP, os focos das pesquisas e o suporte teórico utilizado para a condução da pesquisa ação estão apresentados no Quadro 2. Quadro 2 – Artigos dos Anais do SIMPEP (2007-2016) que utilizam pesquisa-ação [Ano da publicação, título, autor(es), foco e principal(is) suporte(s) teóricos) ANO SIMPEP (Nº de artigos) TÍTULO DO ARTIGO/AUTOR(ES)/ MATHIAS, A.P.; SILVA, C.E.S.; LEITE, V.F. A gestão de projetos Anais na mudança de localização de SIMPEP uma pequena empresa XIV 2007 empreendedora devido à (1) expansão da demanda. CARVALHO, B.V.; MURAD, R.B.; LIMA, R.S. Aplicação do Método Ágil Scrum na gestão de desenvolvimento de produtos de software por uma pequena Anais empresa durante o SIMPEP XV desenvolvimento de software para 2008 (2) Arranjos Produtivos Locais BETANHO, C.; EID, F.; FERNANDES, J.E Estratégias de Marketing no MST: pesquisa-ação com educandos do ITERRA (RS) RIBEIRO, A. C.; ALVES, A. A. Aspectos fundamentais da cadeia de produção da pesca artesanal em São João da Barra – RJ WECKESLE, V. M.; RECH, I.; MALANOVICZ, A. V. Gestão da Anais qualidade em processos de TI: SIMPEP XVI adequação da Information 2009 (3) Technology Infrastructure Library (ITIL) em um Help-Desk KLEIN, A.L.; HUGO, G. B.; AYALA, N. F.; PASA, G. S. Sistemática para implantação do trabalho padronizado em empresas de produção em SUB-ÁREA DO SIMPEP FOCO(S) SUPORTE(S) TEÓRICO(S) 7.4 – Empreendedorismo Pequena empresa; Gestão Thiollent Empreendedorismo; (1994) Planejamento. 5.3 - Metodologia de Projeto do Produto Produtos de Software; Pequena empresa. 5.5 - Marketing do Produto Intervenção DidáticoPedagógica Alimentos. 7.7 - Redes de Empresas e Gestão da Cadeia Produtiva Pesca Artesanal; Cadeias Produtivas; Desenvolvimento local. Thiollent (2005) Coughlan; Coughlan (2002) Thiollent (1997) Thiollent (2002) 2.5 - Qualidade em Thiollent Serviços (2003) Gestão de Processos de TI 1.1 - Gestão de Sistemas de Produção Indústrias de produtos de grande porte e produção Thiollent (1997) Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 554 Anais SIMPEP XVII 2010 (4) Anais SIMPEP XVIII 2011 (2) pequena escala e produtos com elevado grau de customização em pequena escala. MARZAGAO, D. S. L.; CARVALHO, M. M. Competências dinâmicas no âmbito da qualidade: uma pesquisa-ação sobre a motivação e desenvolvimento BRAGA, N. S.; GODOY, H. A.; SILVA, C. E. S. Análise de riscos em projeto de certificação ISO9001 em empresa de base tecnológica SCHARAN, M. J.; SANTOS, L. C.; GOHR, C. F. Reestruturação do fluxo do processo de montagem de embalagens de madeira utilizadas para o acondicionamento de motores elétricos OSTANEL, C. E.; SILVA, R. S. G.; GASPAROTTO, A.; CAZARINI, E. W.; GUERRINI, F. M. A sistematização do conhecimento em uma instituição de ensino superior utilizando a metodologia Enterprise Knowledge Management – EKD 2.5 - Qualidade em Serviços Empresa de Serviços; Recursos, habilidades, Competências. Thiollent (1997) Coughlan; Coughlan (2002) 8.4 - Gestão de Projetos Área médica; empresa de base tecnológica. Coughlan; Coughlan (2002) FRANCO, M. M. N.; SILVA, C. E. S. Análise da solução de problemas pelo método A3: pesquisa-ação em uma empresa de estruturas metálicas SANTOS, L. C. ; GOHR, C. F.; NOGUEIRA, M. F. F. Análise e melhoria de processos de serviços em uma empresa de varejo de bijuterias e acessórios RIBEIRO, P. M. F.; ESPOSTO, K. Anais F. Aplicação da metodologia A3 SIMPEP XIX como instrumento de melhoria contínua em uma empresa da 2012 (1) indústria de linha branca Anais SIMPEP XXI 2014 (1) MAGALHÃES, A. X.; SILVA, E. C. C.; HERMOSILLA, J. L. G.; VALENTE, C. M. O. Melhoria no processo produtivo em uma empresa fabricante de redutores, utilizando o Método para Análise e Solução de Problemas (MASP) 1.7 - Gestão de Processos Eden; Produtivos Huxham Processos de montagem; (1996) embalagens de madeira. 8.5 - Gestão do Conhecimento em Sistemas Produtivos Serviço de Assistência Acadêmica. Ensino Superior. Thiollent (2006, 2007). Franco (2005) 2.5 - Qualidade em Serviços Pequena Coughlan; empresa do segmento de Coughlan Telecomunicações para (2002) atendimento de produtos e serviços. 2.5 - Qualidade em Serviços Empresa de pequeno porte; montagem e comercialização de bijuterias 1.7 - Gestão de Processos Produtivos Empresa de médio porte fabricante de produtos da linha branca. 2.4 - Confiabilidade de Processos e Produtos Um setor de usinagem de uma empresa de grande porte fabricante de redutores. Eden; Huxham (1996) Coughlan; Coughlan (2002) Coughlan; Coughlan (2002) Thiollent (2009) Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 555 Anais SIMPEP XXII 2015 (1) Anais SIMPEP XXIII 2016 (1) RODRIGUES, C. V.; TOLEDO, J. C. Gestão de operações no serviço público de perícia criminal: um projeto de pesquisa-ação em uma unidade regional de polícia técnico-científica. CAMPANHOLI, B. / SILVA, E. C. C. / HERMOSILLA, J. L. G. Pesquisa-ação envolvendo o processo de mudanças para implantação de um sistema de planejamento e controle da produção em uma empresa de pequeno porte do setor de moto peças. 1.8 - Gestão de Operações e Serviços Gestão de operações de serviços públicos; perícia criminal; operações de serviços. Turrioni; Mello (2010) Thiollent (2009) 1.2 - Planejamento e Controle da Produção Tripp (2005) Mello et Planejamento e controle da al.(2012) Thiollent produção; Empresa de (1997) pequeno porte; Setor de motopeças. Fonte: Elaborado pelos autores. Apenas 19% dos artigos identificados por palavras-chave foram selecionados. Conforme Quadro 2, dos 16 artigos selecionados, 5 se inserem na Área 1. – Gestão da produção; 5 na 2. - Gestão da Qualidade; 2 na 5. - Gestão do Produto; 2 na 7. Gestão Estratégica e Organizacional; 2 na 8. - Gestão do Conhecimento Organizacional. Nenhum artigo foi selecionado vinculado às demais 6 Áreas: Em termos de teóricos ou estudiosos da pesquisa-ação, o autor mais utilizado foi Thiollent, em 11 artigos, seguido de Coughlan e Coughlan, em 6; Eden e Huxham em 2; e Tripp; Turrioni e Mello; e Mello et al., em apenas 1 artigo. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A incidência da pesquisa-ação nos Anais do SIMPEP (SIMPÓSIO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO), no período de 2006 a 2016, foco deste artigo, apresentou-se pouco significativa, considerando os critérios de seleção que nortearam a Revisão Bibliográfica Sistemática realizada. De fato, poucos autores e textos utilizaram o rigor metodológico esperado para guiar suas pesquisas. Assim, mostrouse procedente a preocupação de vários autores: Nakano e Fleury (1996); Berto e Nakano (1998); Cauchick Miguel (2005, 2007, 2010a, 2010b, 2010c); Cauchick Miguel et al., (2009); Fleury (2010); Turrioni e Mello (2010 e 2012); Mello et al. (2012); Costa (2013), com o cumprimento do rigor metodológico na adoção dos tipos ou estratégias de pesquisa por parte da Engenharia de Produção, tanto no que diz respeito à revisão da literatura quanto ao planejamento e à realização da investigação empírica.. A maior Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 556 parte dos artigos não se preocupou em declarar a metodologia utilizada e mesmo quando alguns artigos apontaram se tratar de uma pesquisa-ação não utilizam o rigor metodológico para guiar a pesquisa. Alguns artigos desenvolveram a pesquisa no formato de projeto de consultoria ou mesmo como uma pesquisa aplicada e afirmaram se tratar de uma pesquisa-ação. Outros casos trataram claramente de outra estratégia de pesquisa e, equivocadamente, a consideraram uma pesquisa-ação. Sendo assim, é necessário que a pesquisa-ação seja mais difundida aos interessados nesta estratégia de pesquisa tendo por foco seguir corretamente os modelos propostos e garantindo o rigor metodológico nas investigações. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.11, p.108426-108443 nov. 2021 ISSN: 2525-8761 557 REFERÊNCIAS ANAIS do Simpósio de Engenharia de Produção – SIMPEP (2007-2016). ISSN 18097189. Disponível em: http://www.simpep.feb.unesp.br/anais.php. Acesso em 30/01/2020. BERTO, R. M. V. S.; NAKANO, D. N. Metodologia de pesquisa e a Engenharia de Produção. ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO, 18. In Anais ENEGEP, 1998, p. 1-7. BERTO, R. M. V. S.; NAKANO, D. N. A produção científica nos Anais do Encontro Nacional de Engenharia de Produção: um levantamento de métodos e tipos de pesquisa. 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Augusto Corrêa, 01 -Faculdade de Filosofia. 66075110 - Belém –PA –Brasil E-mail: damiao@ufpa.br RESUMO: Neste breve ensaio, aproximamos autores de diferentes períodos históricos e pertencentes a ambientes socioculturais diversos: Platão, Schiller e Paulo Freire. Pretende-se não apenas comparar teorias aparentemente conflitantes, mas também seguir uma trilha que nos leve à redescoberta da importância da dimensão estética na formação dos sujeitos e no nosso fazer pedagógico. Busca-se estabelecer como fios condutores relevantes para entrever correlações entre os três pensadores, as categorias: ética, estética e formação. O problema de pesquisa expressa-se pelas interrogações: como os três autores aludidos pensam o lugar da estética na formação humana? Que aproximações conceituais podem ser ressaltadas entre os três pensadores? Que contribuições podem ser destacadas dessa discussão para se pensar a relação entre estética e ética na formação do sujeito emancipado? Concluiuse, desta breve análise, que o modo de ser (ethos) baseado na conjunção entre ética e estética nos possibilitaria desenvolver em nossa formação aspectos voltados à sensibilidade e a alteridade nos permitindo perceber o outro, reforçando em nos o sentimento de alteridade. PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da educação; Estética; Ética; Formação. ABSTRACT: In this briefes say, we bring together authors from different historical periods and belong ingto different sociocultural environments: Plato, Schiller and Paulo Freire. It seeks not only to compare apparently conflicting theories, butalsoto follow a path that leads us to the rediscovery ofthe importance of the aesthetic dimension in the formation of subjects and in our pedagogical practice. It istried to establish as relevant threads to perceive correlations between the three thinkers, the categories: ethics, aesthetics and culture. The research problemis expressed by the questions: how do the three a forementioned authors think about the place of a esthetics in human Culture? What conceptual approximation scanbe highlighted between the three 562 thinkers? What contribution scan be highlighted from this discussion to think about the relation ship between aesthetics and ethics in the Culture of the emancipated subject? It was concluded, from this brief analysis, that the way of being (ethos) base dont he conjunction between ethics and aesthetics would allow usto develop aspects related to sensibility and alterity in our training, allowingustoperceivetheother, reinforcing in usthe feeling of alterity. KEYWORDS: Philosophyof education; Aesthetics; Ethics; Culture. 563 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Diferentes dimensões compõem o ente humano em sua antropologia filosófica. A dimensão estética, esfera fundamental da experiência humana, apresenta-se amalgamada à sensibilidade e à arte desde os estágios mais pregressos de nossa trajetória filogenética. Tal dimensão, mais que meramente lúdica e simbólica, faz parte da formação do homem nos diferentes momentos do processo histórico e cultural de produção da sua existência e em nossos traços ontogenéticos. Nesse movimento de proto-auto-constituição, o ser humano superou o estado de subsistência e passou ao patamar de existência mais livre e consciente de si, colocando, desse modo, a razão como o corolário do seu progresso científico-tecnológico, em detrimento da dimensão estética e da beleza, que acabaram por assumir uma condição secundária na sua formação. Muito embora não se tenha neles uma, mas diversas perspectivas filosóficas, Platão, Schiller e Paulo Freire criticam como prejudiciais à formação, um certo espírito utilitário. Esse pode ser flagrado no pensamento da maioria dos sofistas, na Grécia; no capitalismo emergente na Alemanha do século XVIII, Schiller vê na utilidade o “ídolo da época”, ameaçando a arte e a formação. No neoliberalismo dominante a partir da segunda metade do século XX, Freire critica o que chamou de “ética do mercado”, porque ela ameaça a formação e a vocação ontológica do ser-mais do homem (Freire, 1997; Platão, 2000; Schiller, 2002). Pode-se dizer que todos recusam que a lógica da produção (poiésis) possa servir de paradigma orientador da existência político-educacional. Na busca da compreensão da dimensão estética da formação do homem inseparável da bondade e da verdade -, encontramos a primeira teoria filosófica mais sistematizada sobre o fazer artístico, nas análises feitas por Platão a respeito da Paideia grega à luz do seu ideal político-educacional. Pela importância paradigmática da filosofia de Platão, o tomaremos como ponto de partida da investigação. Veremos sua crítica ao fazer poético e artístico, a partir das obras A República e sua última, inacabada e mais extensa obra, Leis. Em sequência, veremos um contraponto à filosofia da educação de Platão, na abordagem do poeta e filósofo Friedrich Von Schiller, que vai defender a arte e a dimensão estética da educação, levando em conta não apenas a dimensão racional do ser humano, mas também a dimensão sentimental e sensível. Para as 564 contribuições de Schiller, centraremos nossas análises em sua obra Educação Estética do Homem numa série de cartas. Por fim, articulando as análises anteriores, teremos a colaboração do exponencial pensador brasileiro Paulo Freire. O relacionaremos, sobretudo com Schiller, por suas semelhanças, explicitadas pelas ideias contidas em Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa, em que Freire dá relevo principalmente aos conceitos de “Boniteza” e “pensar certo”, mencionados obstinadamente ao longo de toda esta obra. Diante desses três autores e dos seus respectivos contextos históricos, socioculturais e políticos-educacionais, poder-se-ia imaginar que aqui se percorreria um caminho puramente teórico ou, ainda, que far-se-ia um retalho historiográfico de vários autores. Contudo, a despeito das aparências, creio que a justificativa mais forte desta investigação está no exemplo de reflexão filosófica que estes pensadores nos legaram; exemplos universais que nada têm de anacrônicos, porque nos servem como bússolas, não apenas em nossas expedições sacrificantes da docência, mas também, em nosso processo de constante construção como seres humanos. Portanto, a finalidade deste trabalho não reside apenas na exposição e comparação de teorias aparentemente conflitantes, mas sim na tentativa de seguir essa trilha que nos leva à redescoberta da importância da dimensão estética da formação, em estreita conexão com o domínio ético-político, e com repercussão no fazer pedagógico que não dispensa, de modo algum, a sólido debate teórico. Para além do espaço formal de educação, pensa-se, também no processo de emancipação dos sujeitos como atores sociais ou artistas do mundo que são instigados continuamente a se autoformarem. 2. ARTE E EDUCAÇÃO: PLATÃO E A REFORMA DA PAIDEIA GREGA Ao nos depararmos com obras capitais de Platão, como A República ou sua última obra Leis, somos incialmente conduzidos a ingenuamente considerá-las apenas como textos de gênero político. Não obstante, ao adentrarmos um pouco mais tais obras, percebemos que não se trata somente de propostas de organização de uma Cidade, mas, mais que isso, tem-se uma proposta de reformulação dos núcleos que formam a Polis: seus cidadãos. Trata-se, portanto, de uma reformulação dos ideais de formação (Paideia) do homem grego, uma reformulação dos ideais da Velha 565 Grécia contidos, mormente, nas obras de poetas como Homero e Hesíodo. Ernst Cassirer em sua obra O mito do Estado, resguardando-se na autoridade de Rousseau, confirma tal inter-relação entre política e educação na obra de Platão: A esse respeito, Rousseau tinha uma concepção mais verdadeira acerca de A República, de Platão, que o positivismo do século XIX quando afirmou que essa obra não era um sistema político, como se podia pensar pelo seu título, mas o primeiro tratado de educação jamais visto (CASSIRER, 1976, p. 78). Assim, partindo deste prisma de que obras como A república e Leis, que aparentemente são de gênero apenas político, são, na verdade, tratados educacionais, veremos doravante a relação entre arte e educação na filosofia platônica e que cuidado deveremos ter ao relacioná-las. Assim sendo, pergunta Platão, a respeito de como deveremos iniciar a educação dos jovens que, por conseguinte, levará à fundação da Cidade: “Que educação lhe daremos? Será difícil achar outra melhor do que a que a que já foi encontrada no decurso do tempo, a saber Ginástica para o corpo e Música para a alma” (PLATÃO, Rep,366e). Convém lembrar que “música” ou musikhê, refere-se ao sentido grego do termo, isto é, a arte das musas. Portanto, música aqui não se refere apenas ao ritmo e à harmonia, mas principalmente e quase que exclusivamente, ao texto, à palavra falada ou logos (Jaeger, 2001, p.768). A poesia e a música para os gregos tinham, desde sempre, sido consideradas como base da constituição do espírito, abarcando estas a educação tanto moral como religiosa, e arraigando-as, desde a infância, na mentalidade grega. Na Paideia grega, Hesíodo e Homero são absolutamente tidos em alta conta por manterem, em seus poemas, praticamente todo o arcabouço da educação helênica. Aliás, essa respeitabilidade não concerne apenas à educação, mas também ao retrato que traça da civilização, cultura, tradição e literatura grega. Não obstante, Platão percebe um problema no estatuto educacional grego: Como explicar à tradição educacional grega que grande parte de suas narrativas, ainda que fossem verdadeiras, seriam inadequadas à função educacional? Como explicar, por exemplo, a inadequação educacional da exposição mítica dos atos que Chrono infligiu a seus filhos, devorando-os (PLATÃO, Rep, 378a)? Em função de tal objeção, Platão toma para si a responsabilidade de uma drástica investida contra a equivocada formação do homem grego. Afirma Jaeger, que Platão não se limita a censurar ocasionalmente a influência negativa da poesia sobre 566 o pensamento do povo, mas assume na República o papel de um renovador de todo o sistema da paidéia grega. A poesia e a música sempre tinham sido consideradas as bases da formação do espírito e englobavam a educação religiosa e moral (JAEGER, 2001, p. 771). A antiga paideia grega e sua inclinação artístico-poética começam a ruir, aos olhos de Platão, por sua atual incapacidade de bem conduzir este sistema educacional, que foi engendrada pelo cultivo de condutas degeneradas, retratadas nas máximas poéticas dos pequenos e grandes contadores de fábulas. Como, destarte, deve fundar-se a Pólis ideal e, por conseguinte, sua constituição educacional? Assevera o filósofo que, por todos os fatos adversos que os acusam, não podem, sob hipótese alguma, ser os poetas os fundadores da cidade (PLATÃO, Rep, 379a ss.), já que, também sobre suas poesias, pesa o negativo fardo de uma corrupção moral tanto de sua forma quanto de seu conteúdo que concorrerá para uma má conduta e formação dos espíritos mais jovens (BARKER, 1978). Deste modo, temos a partir de já um íntimo atamento entre arte e moralidade, tal como nos afirma Sir Ernest Barker a este respeito: Se Platão estiver certo, é sumamente importante que a arte transmita uma sugestão moral, e que nunca empreste sua atração a algo que os jovens não devam aprender a amar. A arte deve dar sempre uma lição de coragem ao espírito, e levar aos ouvidos da razão sinais do bem supremo, que ela conhecerá um dia em sua plenitude (BARKER, 1978, p. 188). A arte, mesmo neste recorte de Barker, é retratada como instrumento educacional deveras atrativo, no entanto muito perigoso por sua grande capacidade de distrair a alma, sobretudo as mais jovens. Por intermédio desta imitação artística pode-se alcançar, não um conhecimento científico, mas uma parte da opinião correta. Assim, pondera Platão “importa, antes de mais nada, que as primeiras criações mitológicas por eles [os jovens] ouvidas sejam compostas com vistas à moralidade” (PLATÃO, Rep, 378e). Mesmo tendo sido taxativo quanto à recusa das artes e da poética no último livro d’ARepública, Platão reconsidera novamente o atrelamento entre a arte e a educação, ponderando que a arte deva estar voltada ao bem e às virtudes, porque modalidades artísticas como a poesia e a música, por ser imitação dos sentimentos, nos conduzem facilmente à imoralidade caso não seja restringida ou bem orientada (PLATÃO, Leis, 655d-656a), correndo-se o risco, no caso contrário, de se estar 567 instruindo os jovens tanto mais para o mal que para o bem. Quanto a isto, indaga seriamente o filósofo: Nos lugares em que há, ou pode haver, boas leis com relação à educação musical e divertimentos correlatos, devemos imaginar que será permitido às pessoas com disposição poética introduzir em suas composições o que quiserem, em matéria de ritmo, melodia ou letra, para ensiná-lo aos filhos dos cidadãos bem governados e aos adolescentes em suas coréias, dependendo simplesmente da sorte influir neles para o bem e para o mal? (Leis, 656cgrifos nossos). Assim, não é atitude razoável do governante permitir o livre acesso à Paideia aos que possuem uma disposição poética ou aceitar as suas aleatórias composições, porque nesse caso põe-se em risco a educação dos mais jovens. Como estes últimos ainda não possuem razão acurada para julgar o que lhes seria benéfico ou malévolo à sua própria educação, cumpre, então, ao legislador deliberar leis que fiscalizem a atuação dos criadores destas mimesis (imitações) poéticas, tal como afirma categoricamente o gênio platônico, quanto a essa questão do ajuste delas: “o legislador sensato convencerá o poeta a usar sua bela e recomendável linguagem, ou no caso de não ser obedecido, o obrigará a apresentar nos ritmos e harmonias de suas canções varões temperantes, destemidos e de todo em todo virtuosos” (Leis, 660a). Mesmo que de modo um tanto receoso, a produção artística imitativa é considerada, por Platão, em Leis, como um potente auxiliar pedagógico, por ser este estilo muito ao gosto dos mais jovens, sobretudo no que se refere à música, como nos explica Hildeberto Bitar: “É no poder encantatório da música que repousam suas possibilidades mais imediatas, poder que é inerente à sua natureza e que resulta basicamente da união de ritmo, harmonia e melodia” (Bitar, 1980, p.10). Entretanto, é por via desta mesma potência que a música mais facilmente entorpece a mente e deturpa o ensino, carecendo de maior vigilância e severidade sobre si, caso venha a querer realmente prestar-se à boa condução dos jovens aprendizes. Mesmo concordando parcialmente que a música deve ser julgada pelo deleite que nos causa, Platão afiança que ela não deve ser estimada por qualquer tipo de prazer, senão por aqueles que conduzem à educação e à virtude (Leis, 659a). Por esse motivo é que os juízes mais indicados a decidir quais produções poéticas devam ser recusadas ou aceitas, são os mais velhos, os que, de acordo com Platão, possuem juízo e gosto mais apurado (Leis, 658e), cabendo a eles conhecer todas as composições textuais poéticas e artísticas, afirmando-as como belas ou não à alma, 568 como bem observamos na seguinte passagem: “os velhos precisarão conhecer todos [os discursos] para ficarem em condições de escolher o que há de mais belo ou que mais se aproxime deste estado, sem o que jamais conseguirão levar os jovens para a virtude, com a magia de seus cantos” (Leis, 670e-671a). 3. EDUCAÇÃO ESTÉTICA: A FORMAÇÃO DO SER HUMANO EM SENTIDO PLENO Admitindo-se que a arte, ou mais especificamente a arte poética, ainda que sob suspeita, seja uma simples ferramenta aos fins educacionais, tal como queria o filósofo Platão; o que diria um poeta a esse respeito? Nesse contexto, insere-se a figura de Friedrich Von Schiller, falando não apenas como um filósofo, mas como um livre pensador que toma a causa para si, apelando não só a princípios e premissas, mas também, a sentimentos. Logo, diante do exposto acerca da teoria de Platão, poderíamos pensar que, desde já há uma completa dicotomia entre as duas teorias, posto que Platão ao tentar reformular a Paideia grega, cristaliza a poética e cerceia toda e qualquer atividade artística, impondo condições à esta livre produção. Contudo, mesmo que a reflexão feita por Schiller se afaste em larga medida da concepção platônica de arte, o poeta inicia sua carta VI fazendo amplo elogio ao modelo grego de formação do homem (Paidéia), modelo que, mesmo reformulado na proposta platônica, não deixou de manter alguns dos aspectos mais marcantes. Em seu elogio, o pensador alemão afirma o seguinte: Numa observação mais atenta ao caráter do tempo, entretanto, admirar-nosemos do contraste que existe entre a forma atual da humanidade e a passada, especialmente a grega. A glória da formação e do refinamento, que fazemos valer, com direito, contra qualquer outra mera natureza, não nos pode servir contra a natureza grega, que desposou todos os encantos das artes e toda a dignidade da sabedoria, sem tornar-se, como a nossa, vítimas de nós mesmos. Não é apenas por uma simplicidade, estranha a nosso tempo, que os gregos nos humilham; são também nossos rivais, e frequentemente nossos modelos, naqueles mesmos privilégios com que habitualmente nos consolamos. Vemo-los ricos, a um só tempo, de forma e de plenitude, filosofando e formando, delicados e enérgicos unindo a juventude da fantasia à virilidade da razão em magnífica humanidade (SCHILLER, 2002, p. 35). Assim, sua visão a respeito dos gregos mostra não só traços românticos, como, também, revela sutilmente a necessidade de um equilíbrio entre as potências assinaladas no final do excerto. Isto é, ao povo grego, pelo menos à sua maioria, era 569 inerente uma harmonia, sua natureza possuía a simplicidade do meio termo, distinguindo-se, segundo Schiller, de qualquer outra natureza e afastando-se, mormente, da atual natureza moderna vigente em sua época que, pelo frequente desequilíbrio dessas funções, nos torna autodestrutivos e vítimas de nós mesmo. Ainda louvando a florescência grega, Schiller ressalta o fato de que neste período dourado da cultura grega, a variedade dos saberes, não apontavam, ainda, caminhos fragmentados dos saberes humanos, de modo que razão e sensibilidade concorriam juntas para o esclarecimento, sem a soberba de uma em detrimento de outra, tal como nos esclarece o poeta-filósofo: Naqueles dias do belo despertar das forças espirituais, os sentidos e o espírito não tinham ainda domínios rigorosamente separados; a discórdia não havia incitado ainda a divisão belicosa e a demarcação das fronteiras. A poesia não cortejara a espirituosidade, nem a especulação se rebaixara pelo sofisma. Podiam se necessário, trocar os seus misteres, pois as duas, cada qual a seu modo, honravam a verdade. Por mais alto que a razão se elevasse, trazia sempre consigo, amorosa, a matéria, e por fina e rente que a cortasse, nunca a mutilava. (SCHILLER, 2002, p. 36). A demarcação desses territórios cerceou as várias instâncias da vida humana, fragmentando essas instâncias e quebrando a unidade de atuação do homem em variadas áreas. No período moderno, a exigência de uma excessiva especialização, concepção permeada grandemente pela ciência, acabou com a unidade entre arte e erudição. Instâncias que conviviam pacificamente na formação do homem grego, se dilaceraram, introduzindo, gradativamente, a noção moderna de ser humano, na qual o indivíduo se encontra bipartido entre razão e sensação/sentimento. Segue-se daqui, portanto, uma das primeiras críticas ao fazer artístico no período moderno, uma visão crítica vanguardista acerca da modernidade e suas mazelas do ponto de vista estético, tal como afirma Ricardo Barbosa em seu artigo A educação do homem e a educação estética do homem: Como notou Habermas, o Schiller das Cartas sobre a educação estética do homem foi o primeiro a fazer da crítica da Modernidade uma crítica estética. Schiller escreveu esta obra sob o impacto do terror revolucionário, execrado por ele desde o primeiro momento (HUSSAK &VIEIRA, 2011, p. 28). Logo, se a partir deste momento Schiller identifica uma cisão na natureza humana, o que é necessário para a junção dessas instâncias, há muito separadas? A resposta a este problema parece simples e, mesmo, já mencionada aqui algumas vezes: o retorno à valorização da educação estética. Não obstante, aqui se instala uma das grandes problemáticas da proposta schilleriana, posto que, tal retorno é uma tarefa assaz intricada, pelo fato de que a 570 supremacia de educação racional se encontra arraigada aos mais sensíveis filamentos da nervura social. Assim, a pergunta fundamental que devemos nos fazer é a de como funciona este resgate da sensibilidade por meio da estética? Sabemos já que, para a reconquista da sensibilidade estética, o excesso da lógica e da razão torna-se um empecilho para o desenvolvimento da fantasia e das forças criativas do homem, pois, concorda Schiller, o predomínio da faculdade analítica rouba necessariamente a força e o fogo à fantasia, assim como a esfera mais limitada de objetos diminui-lhe a riqueza. Por isso o pensador abstrato tem, frequentemente, um coração frio, pois desmembra as impressões que só como um todo comovem a alma (SCHILLER, 2002, p. 39). Convém, então, diante do conselho de Schiller, resgatar a unidade dos gregos, há muito desvanecida, lutando contra a compartimentação e fragmentação das potências humanas que, como se pode perceber, funcionam mais harmonicamente em conexão. Exemplo disso são os primeiros pensadores gregos que compilavam seus discursos filosóficos e científicos em forma de poesia, tal como Parmênides, revelando esta unidade das potencialidades humanas. Os gregos, de alguma forma, compreenderam intuitivamente os mecanismos da inter-relação plena dos vários saberes. Contudo, segundo Schiller, “os gregos haviam alcançado tal grau, e caso quisessem prosseguir no sentido de uma formação mais alta deveriam, como nós, abrir mão da totalidade de seu ser e buscar a verdade por rotas separadas” (SCHILLER, 2002, p. 40). Por conseguinte, esse exercício unilateral das forças leva o homem a concentrar suas energias compreensivas e criativas em um único elemento. O que leva à seguinte questão elaborada por Schiller: “dissolvido em entendimento puro e pura intuição será o espírito capaz de trocar as severas algemas da lógica pelo livre andamento da força poética, de aprender a individualidade das coisas com um sentido fiel e casto?” (SCHILLER, 2002, p. 40). Logo, esta reunificação é a primeira tarefa da educação estética, posto que, evocando uma metáfora do próprio pensador, “somente o jogo livre e regular dos membros desenvolve a beleza” (SCHILLER, 2002, pp.40-41), o que nos leva a aduzir que esta tarefa, imposta a cada um de nós, será um trabalho disciplinar de anos a fio, com o intuito de tornar o exercício da sensibilidade, um hábito constante. Este esforço de trazer à tona a educação estética, voltando-se aos elementos do cultivo da sensibilidade humana, é, em verdade, um esforço de remover-se da possibilidade de decair ou entregar-se às duas piores consequências geradas pelo 571 desequilíbrio entre a instância racional e a instância estética, a saber: o retorno ao estado de selvagem ou à recorrência da barbárie. Fato evidenciado no brilhante excerto da carta IV: O homem, entretanto, pode ser oposto a si mesmo de duas maneiras: como selvagem, quando seus sentimentos imperam sobre seus princípios, ou como bárbaro, quando seus princípios destroem seus sentimentos. O selvagem despreza a arte e reconhece a natureza como sua soberana irrestrita; o bárbaro escarnece e desonra a natureza, mas continua sendo escravo de seu escravo, por um modo frequentemente mais desprezível, que o do selvagem. O homem cultivado faz da natureza uma amiga e honra sua liberdade, na medida em que apenas põe rédeas a seu arbítrio (SCHILLER, 2002, p. 29). Assim, podemos imaginar que o homem civilizado, não-selvagem, portanto, por sua condição de instrução, não poderá incorrer em erros banais. Contudo, mesmo dotado de cultura, ou de um mero verniz cultural, pode recair na barbárie, o que é mais grave, por ser a barbárie um flagelo da própria cultura, ou fruto da distorção dela. Citando uma passagem platônica, Schiller ressalta o risco oferecido à educação estética por um filisteu da cultura: “Não recordo mais que filósofo, antigo ou moderno, fez a observação de que o mais nobre é que é o mais abominável em sua destruição; observação que revela sua verdade também na moral” (Schiller, 2002, p. 32). Este filósofo, como dissemos, é Platão por meio de Sócrates: Sabemos muito bem, [...] que todas as sementes ou germens, tanto de planta como de animal, que não encontram alimentação apropriada ou a estação e lugar adequados, quanto mais vigorosos, mais se ressentirão da falta dessas condições, pois o mal é mais adverso ao que é bom do que ao que não é. [...] no meu modo de pensar, [...], é certo dizer-se que as naturezas mais nobres ficam pior com uma alimentação inadequada do que as medíocres. [...] por isso, [...], podemos afirmar que com uma educação viciosa as almas mais bem dotadas, se tornam particularmente ruins. Acreditas que os grandes crimes e a maldade consumada provenham de uma alma medíocre e não de uma natureza exuberante, porém, corrompida pela educação, ou que uma natureza fraca seja capaz de produzir em qualquer tempo algo grandioso, para o bem ou para o mal? (PLATÃO, República, 491d). Destarte, a análise de Schiller começa a dirigir-se para a tentativa de mostrar que o âmbito estético, mas do que uma simples ferramenta, caracteriza a condição sinequa non para a formação plena do indivíduo, posto que o ser humano só se torna pleno, mediante o impulso lúdico que a esfera estética lhe fornece (SCHILLER, 2002, p. 80). Este impulso lúdico é, justamente, o jogo equilibrado entre razão e sensibilidade, jogo que não pode ocorrer com as cristalizações e sobrepujança da razão (SCHILLER, 2002, p. 83). Destarte, um ser humano integral, segundo Schiller, só atinge tal completude, de fato, quando tem a alma livre, o que, por conseguinte, só ocorre quando o este homem estende a mão a essa disposição lúdica. 572 4. ÉTICA E ESTÉTICA: A BONITEZA NA EDUCAÇÃOSEGUNDO PAULO FREIRE Schiller, em seu percurso filosófico, pretende mostrar que a dimensão estética tem sido não apenas esquecida na sociedade moderna, mas, o pior, tem sido considerada mero adorno ou uma instância secundária e desnecessária em favor de um racionalismo enervado no leito do pensamento de sua época, tendência que vigora grandemente ainda hoje. A dimensão estética, assim como, de modo geral, as artes, são cada vez mais identificadas, desde a época de Schiller, como mero entretenimento ou simples distrações dos sentidos, fato que persiste igualmente na atualidade. Consequentemente, a crítica de Schiller se volta para a consideração da insuficiência da razão como única forma de perceber, interpretar e compreender o mundo, tendo em vistas a verdade “precisa” que a razão nos pode fornecer acerca do mundo circunstante. Coadunada a esta perspectiva de conciliação moral e estética para a formação plena do homem, temos, também, o pensamento de Paulo Freire. De modo análogo a Platão e Schiller, Freire (1997) supõe a necessidade de associar ética e estética e, sobretudo, de resgatar a dimensão estética para a formação de um indivíduo pleno, como se pode constatar de modo privilegiado em sua Pedagogia da Autonomia. Assim, vemos em trecho da obra de Schiller semelhanças profundas com Freire, quando, ao mencionar a ideia de emancipação humana, o pensador alemão afirma que uma alma emancipada deve emancipar não apenas a si mesma, mas igualmente, nessa torrente ético-estética, tudo e todos que estiverem ao seu derredor: Onde quer que o encontremos, este tratamento espirituoso e esteticamente livre da realidade comum é o sinal de uma alma nobre. Deve ser dita nobre a mente que tenha o dom de tornar infinitos, pelo modo de tratamento, mesmo o objeto mais mesquinho e a mais limitada empresa. É nobre toda a forma que imprime o selo da autonomia àquilo que, por natureza, apenas serve (é mero meio). Um espírito nobre não se basta como ser livre, precisa pôr em liberdade todo o mais à sua volta, mesmo o inerte (SCHILLER, 2002, p. 116). Assim, o indivíduo autônomo, emancipado pelo concurso da dimensão éticoestética é exortado por sua própria natureza e inclinação a aperfeiçoar a realidade, transformá-la virtuosamente. Tal passagem evidencia a transformação salutar que um indivíduo autônomo pode realizar em sua realidade, tendo o compromisso não só consigo, mas com o outro, comprometendo-se com a transformação do mundo. 573 Levando adiante a cotejo dos pensadores, encontramos claras analogias na citação a seguir em relação aos significados dos trechos supramencionados de obra de Schiller. Paulo Freire, quando fala do ser democrático, na figura da professora, no ambiente da realidade escolar, ressalta: A professora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto de vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que precisa ser autenticamente vivido (FREIRE, 1997, p. 127). Deste modo, transportando o excerto para um contexto mais geral da realidade humana, o ser democrático, autônomo, ciente de suas potencialidades, deve colaborar para a transformação da realidade, contribuindo não apenas com a transformação das coisas, mas dos seres, de modo geral, particularmente do seu alunado. Em um contexto mais amplamente antropológico que é condizente com o pensamento freireano, pode-se falar de transformação do próximo, por meio do cultivo das virtudes e da beleza (FREIRE, 1997). Para se referir ao cultivo do belo ou a esta “dimensão estética”, Paulo Freire cunha um termo próprio, a “boniteza”. Menciona, já em um dos tópicos do primeiro capítulo da obra aqui analisada, a indissociabilidade entre dimensão ética e estética da existência humana. Com efeito, já neste primeiro capítulo, o autor assume que uma das exigências fundamentais do ato de ensinar está no caráter estético da educação. Veremos, doravante, como funciona essa exigência estética da educação na concepção freireana, isto é, como ela se efetiva, ressaltando alguns excertos que mencionem a dimensão estética como sendo a mencionada “boniteza”. Ao afirmar a importância da dimensão estética para o ato de ensinar e para a educação, de modo geral, Paulo Freire passa a associá-la à dimensão ética da educação, tonando ambas indissociáveis e complementares. À guisa de um procedimento metodológico de diferenciação da estética no seu sentido mais lato, Freire vai se referir à dimensão estética da educação, em todo o percurso desta obra, como “boniteza”. Com esse termo peculiar, Freire (1997) já começa, doravante, a diferenciar a concepção estética no sentido meramente artístico, da estética no sentido mais afetivo e sentimental, na acepção de sentir (Aisthesis). Boniteza tem um sentido afetivo, pois ao tratar de saberes e competências necessários à docência, Freire enfatiza como indispensável o querer bem os 574 educandos, senti-los. E isto, segundo ele, deve significar para o professor: “que a afetividade não me assusta, que não tenho medo de expressá-la” (FREIRE, 1997, p. 159). Com efeito, podemos dizer que o sentido estético ou da boniteza do ato de ensinar, diz respeito à capacidade de sentir, e isso se relaciona não só com a capacidade e exercício de sentir o educando, mas também com a capacidade de se expressar diante do movimento dadivar da vida e senti-la em seus vários aspectos. Em função disso, é que Edina Castro de Oliveira, afirma no breve prefácio à obra de Freire: impossível não ressaltar a beleza produzida e traduzida nesta obra. A sensibilidade com que Freire problematiza e toca o educador aponta para a dimensão estética de sua prática que, por isso mesmo pode ser movida pelo desejo e vivida com alegria, sem abrir mão do sonho, do rigor, da seriedade e da simplicidade inerente ao saber-da-competência (FREIRE, 1997, p. 13). Afirmamos justamente esta dimensão estética como uma das exigências necessárias a ensinar, presente de modo latente e constante nesta obra. Contudo, há de se notar, novamente, que tal perspectiva lançada por Freire remete-nos para além da sensibilidade fornecida pelas artes ou pela apreciação do belo representativo. Não se trata somente de cultivar com o formando uma atitude de contemplação das representações do belo, em pinturas, esculturas ou quaisquer outras formas de expressão artística. O educador dirigia-se também à beleza de viver, mesmo de sofrer e vencer, ou sofrer e perder para depois se reerguer, em suma: a beleza de fazer história, como melhor vemos no próprio excerto do autor: Estar no mundo sem história, sem por ela ser feito, sem cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível (FREIRE, 1997, p. 64). Então, tal dimensão, inerente à vivência humana, não pode ser ignorada, devendo ser reconhecida como uma competência fundamental do nosso movimento no tempo e na história. Neste movimento fundamental da existência acima mencionado, surge, subjacente, mais uma característica da dimensão estética ou da “boniteza” da qual Freire se refere. Tal característica, sutilmente revelada, é a necessidade e, sobretudo, o dever de nos movimentarmos em nosso tempo histórico ou, como menciona o autor, de “brigarmos” pela nossa existência, porque: “A boniteza de ser gente, se acha entre outras coisas nessa possibilidade e nesse dever de brigar” 575 (FREIRE, 1997, p. 67). Esse “brigar” mencionado por Freire, são nossas lutas diárias no percurso de nossa história: lutar contra a discriminação, lutar pelo que acreditamos, lutar para conseguirmos algo, lutar pelo direito de não fazer ou poder fazer algo, lutar. Todavia, esta briga não deve ser levada ao sentido negativo, pois que toda essa luta leva em conta princípios éticos que, como já afirmamos, devem ser indissociáveis do caráter da boniteza da existência humana, somando-se a isso o fato de que tal perspectiva tem como escopo a busca pela alegria e pela esperança humana. No que tange a prática docente, a boniteza se volta à uma postura de alteridade e sensibilidade afetiva do professor para com os seus alunos. Logo, esta boniteza, segundo Freire, não cabe nem se coaduna com uma atitude de frieza e excessiva austeridade, tampouco com uma atitude de arrogância, por isso afirma que A boniteza da prática docente se compõe do anseio vivo de competência do docente e dos discentes e de seu sonho ético. Não há nesta boniteza lugar para a negação da decência, nem de forma grosseira nem farisaica. Não há lugar para puritanismo. Só há lugar para pureza (FREIRE, 1997, p.106). Ressaltando novamente neste excerto o compromisso intrínseco da dimensão estética com a dimensão ética. Assim, fica-nos evidente que, do mesmo modo, a vaidade não se coaduna também com a postura estética de Paulo Freire, a despeito de erroneamente se associar a beleza à vaidade. Por tal associação equivocada e perversa, o pensador brasileiro adverte: “Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar” (FREIRE, 1997, p. 116), associação perversa já denunciada desde a Velha Grécia com o mito de Narciso. Por fim, a dimensão estética é inegável e não pode nem deve ser suprimida sem o prejuízo de ambos, professor e alunos (ou mais, amplamente, eu e o outro), estando a “boniteza” ligada profundamente à busca de virtudes essenciais, à uma educação para a autonomia do ser, a virtudes como esperança, humildade, bom senso, afetividade, dentre outras virtudes, mas, mormente, está ligada à busca da alegria que, para Freire, é o fundamento da beleza, tal como vemos neste excelente excerto que encerra este singelo apanhado: A atividade docente de que a discente não se separa é uma experiência alegre por natureza. É falso também tomar como inconciliáveis, seriedade docente e alegria, como se a alegria fosse inimiga da rigoridade. Pelo contrário, quanto mais metodicamente rigoroso me torno na minha busca e na minha docência, tanto mais alegre me sinto e esperançoso também. A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo 576 da busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. O desrespeito à educação, aos educandos, aos educadores e às educadoras corrói ou deteriora em nós, de um lado, a sensibilidade ou a abertura ao bem querer da própria prática educativa de outro, a alegria necessária ao que fazer docente. É digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e o gosto da alegria sem a qual a prática educativa perde o sentido (FREIRE, 1997,p.160-161). Reelaborando diferentes concepções, Freire estabelece, a um só tempo, um a indissociabilidade entre ética e estética, como preconizava Platão e, como Schiller, expande as fronteiras da concepção de estética, para além do mero sentir e da arte, atingindo a estética como forma de sentir o outro e sentir tudo o mais que nos circunda, imprimindo, em cada coisa que nos cerca, o selo da graça, da dignidade e da autonomia, mesmo ao inerte. Freire sente no fazer educacional dialógico, essa estética da alteridade que percebe o outro, associando de modo orgânico o bom, o belo e o verdadeiro da kalokagathia pressentida na paideia grega 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta breve afluência filosófica por entre pensadores que aparentemente poderiam nos caracterizar como definitivamente contraditórios, tem como ponto de partida a necessidade da compreensão não apenas da arte, mas da dimensão estética como um fenômeno intimamente atado ao compromisso ético. Sem tal aliança entre a estética e ética fracassaremos, não apenas como professores ou educadores, mas como seres humanos que, necessariamente, precisam da vida gregária. Com Platão vimos que a arte, sobretudo aquelas que têm mais afinidade com o inteligível como a música o teatro e a poesia, deveriam estar voltados, minimamente, à moralidade, não permitindo a banalização da arte e da fruição estética do ponto de vista apenas do aprazível e do entretenimento, tal como naturalmente ocorre hoje em nossa sociedade. Com relação a isso sabemos do duro escárnio que Platão sofreu ao longo da história da filosofia e das duras críticas que recebe ainda hoje, ante sua posição restritiva e taxativa acerca da arte. Contudo, ainda assim, fazemo-nos uma pergunta hipotética, pergunta inevitável quando se escolhe tomar um caminho diferente do indicado por um sábio: e se Platão tivesse sido minimamente seguido? Tal questão, como não poderia ser diferente, suscita inúmeras outras que não cabem nas extensões deste limitado artigo, questões como “e se realmente 577 tivéssemos, no decurso destes séculos, conduzido a arte com vistas a moralidade? ”, “teria sido possível com tal atitude corrigir o curso da arte que, na modernidade, se isentou de juízos morais e rumou em direção à um processo de franca decadência? ”, “teria sido menos problemático pensar nos limites da arte ou do humor sem cairmos em moralismos neoconservadores?”. Uma vez mais, ratificamos que a questão fundamental, lançada aqui como princípio de um problema, não diz respeito propriamente à forma, mas ao conteúdo da arte, ao poder encantatório mencionado por Platão e o risco da aliciação desta potência indômita. Com isso, não condenamos alguma forma de arte popular como expressão natural de uma cultura, do mesmo modo como o gênio platônico não condenou a obra homérica, utilizando do mesmo recurso poético para compor seus Diálogos, mas o que aflige é a pungência dos conteúdos encontrados nas várias formas artísticas, que propagam preconceitos de diversas ordens e banalizam motes como sexualidade, com vistas tão somente ao entretenimento. Mesmo que com ressalvas e seguindo a trilha deixada pela estética kantiana, os conselhos de Platão reverberaram em Schiller, exortando-o a escrever não como um poeta, por meio de metáforas, tampouco como um esteta ou um legislador ou um matemático com o esquadro nas mãos, mas sim como um livre-pensador guiado não apenas pela razão, mas, também, pelo sentimento. Sua breve menção nos mostra a necessidade de resgatarmos nossa dimensão estética, considerada não apenas do ponto de vista da arte ou do artista, mas, mormente, do ponto de vista do indivíduo que sente, do ser humano sensível ao outro, percebendo suas necessidades, limitações, dificuldades, virtudes e peculiaridades. Schiller não se refere à estética apenas do ponto de vista da percepção sensorial do mundo, não se trata da mera percepção de que o outro existe e está lá ocupando lugar no mundo, mas da percepção de que só tenho condições de me tornar emancipado e pleno em minha existência, se tornar emancipado e autônomo também o outro. Assim, a sensibilidade estética não é aqui mero acessório de erudição cultural, tampouco uma habilidade, mas um imperativo para a emancipação da alma em prol de torná-la nobre. E aqui esta perspectiva de Schiller converge para uma aproximação com o pensamento de Paulo Freire, pois que na obra de Freire não é possível uma distinção entre estética e ética e vice-versa, não é possível, pois a estética, a aesthesis, o sentir, é parte indissociável da existência humana. Pode-se até tentar ignorar tais dimensões da existência humana, todavia, elas sempre estarão lá e só atingiremos a autonomia 578 e a emancipação da alma se nos dermos conta e aprimorarmos essas dimensões, aprimorando, nesse movimento, as coisas e os seres ao nosso redor. Logo, nessa perspectiva freireana, que não é apenas educacional, mas que, por sua universalidade pode ser aplicada de modo mais amplo à existência humana, temos a opção de “pensar errado” e continuar a “fazer errado”, ou “pensar certo” e lançar mão da articulação das várias virtudes necessárias para a aplicação das várias dimensões do ser humano. O “pensar certo”, assim como a “boniteza”, configura no pensamento de freire um conceito complexo que se articula com outros. É mister mencioná-lo aqui, justamente por sua articulação indissociável com o conceito que conduz à sua estética, que é o conceito de “boniteza”, conceitos contrários ao “pensar e fazer errado”. Deste modo, afirma Freire, a sensibilidade estética (boniteza) necessita de recursos que só podem ser ministrados pelo “pensar certo”, pois que “pensar e fazer errado, pelo visto, não tem mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo exige. Não tem nada que ver com o bom senso que regula nossos exageros e evita nossa caminhada até o ridículo e a insensatez” (FREIRE, 1997, p. 40). Esta articulação entre pensar/fazer certo e a boniteza, já nesse excerto acima citado, revela a necessidade de nos tornarmos mais sensíveis e humildes, não sendo, portanto, uma metafísica ou uma filosofia de cunho teorético, mas um imperativo prático de nossa existência, tal como se apresenta a proposta de Schiller, onde sensibilidade, humildade e outras virtudes são condições sinequa non para o meu desenvolvimento como ser integral, lembrando, ainda, que só atingirei a plenitude se neste processo eu elevo comigo tudo e todos ao meu derredor, sendo este ato de libertação, um ato comunicante (SCHILLER, 2002, p.116). Do mesmo modo, pensar certo e pensar inserido no estatuto da boniteza, não é pensar isoladamente, desenvolver-se só, mas sim o inverso disso, “pensar certo não é que-fazer de quem se isola, de quem se ‘aconchega’ a si mesmo na solidão, mas um ato comunicante” (FREIRE, 1997, p. 41). Com efeito, preconizando maneiras de como fugir de “pensar errado” e, ainda, apresentando caraterísticas de como “pensar certo” em articulação com a dimensão estética, Freire afirma que: Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, me parece 579 inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo. (FREIRE, 1996, pp. 30-31). Neste excelente último excerto fica evidente que pensar certo requer uma gama de características específicas e que, ao ser referir a esses termos (pensar certo e boniteza) Freire se aproxima das concepções ético-estéticas de Platão e Schiller, procurando sintetizar sob a mesma chancela características fundamentais não apenas para educador e formador, mas para o ser integral e pleno preparado para lidar tanto com a condução da autonomia de si, quanto com a autonomia de outrem. Características que vão desde nossa maneira de ler e pesquisar os assuntos a serem estudados, passando pela ruptura com dogmatismos, valorização da pureza em detrimento do puritanismo, indo até o cultivo da ética e de seu inseparável par que é a dimensão estética, cognominada também como “boniteza”, conceito que nos leva ao inevitável cultivo da sensibilidade e da afetividade, no intuito de demover quaisquer tendências do ser à arrogância e a imoralidade gerada pela vã vaidade. Assim, mesmo que todo o cabedal cultural que envolve a formação dos seres esteja cristalizado em formas que nos conduzem à imoralidade, à falta de princípios éticos, à carência de sensibilidade e à falta alteridade, nossa tarefa, doravante, é cultivar a semente éticoestética em nós mesmo, de modo a preservá-la, repassando-as aos que nos cercam não como um ditame, mas como um ethos, isto é, como um modo de ser genuíno, inspirando através de nossas ações, as virtudes que queremos cultivar em outrem, sobretudo naqueles que nos têm como parâmetro. 580 REFERÊNCIAS BARKER, Ernest. Teoria política grega – Platão e seus predecessores. Trad. SérgioF. G. Bath. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1978 BITAR, Hildeberto. Introdução àLeis. In: Leis. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém:Editora da UFPA. 1980 CASSIRER, Ernst. O mito do Estado. Trad. Álvaro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia Arcaica. Rio de Janeiro: JorgeZahar Editor, 1988 Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,1997. HUSSAK, P.; VIEIRA, V. (Orgs.). Educação Estética: de Schiller a Marcuse. Rio de Janeiro: NAU-EDUR, 2011. Jaeger, Werner Wilhelm (2001). Paidéia: a formação do homem grego. Trad. Artur M. Parreira. SP: Martins Fontes. PLATÃO. Leis. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Editora da UFPA, 1980 PLATÃO. Os pensadores (Diálogos). (4a ed.). SP: Nova Cultural, 1987. PLATÃO. A República. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2000. SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem: numa série de cartas. São Paulo: Iluminuras, 2002. SUZUKI, M. O belo como imperativo. In SCHILLER, F. A educação estética do homem numa série de cartas. São Paulo: Iluminuras, 2002. 581 CAPÍTULO 32 DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS OBRIGATÓRIAS: APONTAMENTOS E PROJEÇÕES PARA TOMADA DE DECISÃO ORGANIZACIONAL Daniel Carneiro de Sousa Bacharel em Sistemas da Informação Instituição: Universidade Estatual do Goiás - UEG Endereço: Av. Sra. de Santana, 598 - St. Santa Luzia, Posse - GO E-mail: danielss660@gmail.com Gleydson Vieira da Hora Bacharel em Sistemas da Informação Instituição: Universidade Estatual do Goiás - UEG Endereço: Av. Sra. de Santana, 598 - St. Santa Luzia, Posse - GO E-mail: gleydsonmelo0101@gmail.com Kelly Cristina dos Reis Cavalcante Especialista em Gestão Pública Municipal Instituição: Universidade de Brasília - UnB Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília-DF E-mail: prof.kellyueg@gmail.com RESUMO: A contabilidade é uma ciência qualificada a estudar tudo o que diz respeito ao patrimôniO de uma empresa, seja de natureza financeira, econômica ou física. Com isso, é possível acompanhar com melhor precisão a situação da instituição em vários aspectos como: expansão, lucros, prejuízos, contas, bens, direitos, obrigações, entre outros. A contabilidade evoluiu e atualmente contribui para todo tipo de empresa, independentemente do seu porte. Com ela é possível produzir relatórios que demonstram a vitalidade financeira de uma organização, sendo esses denominados de demonstrações contábeis, úteis para os diversos usuários da ciência contábil. Dentre várias demonstrações, há duas específicas que são obrigatórias, sendo: o Balanço Patrimonial e o Demonstrativo do Resultado do Exercício (DRE). OBJETIVO: Essa pesquisa busca entender e especificar as contribuições da contabilidade e seus demonstrativos obrigatórios para as organizações. METODOLOGIA: A pesquisa será um estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Foi selecionada uma empresa para obtenção dos referidos demonstrativos contábeis mencionados anteriormente, para que tenhamos ciência dos dados concretos da organização. Serão realizadas análises com a finalidade de comparar demonstrações atuais com as passadas para alcançar resultados que apontem, dentre outros, crescimento, queda, lucro ou prejuízo. RESULTADOS: Com a análise e comparação dos demonstrativos, foi possível verificar a real situação financeira e patrimonial da empresa. A princípio, o balanço patrimonial demonstrou que a organização obteve aumento no ativo e consequentemente no passivo e patrimônio líquido. Aliado a isso, o demonstrativo do resultado registrou um superavit significativo no período apurado. CONCLUSÕES: Portanto, a contabilidade é essencial para o desenvolvimento das empresas. Os demonstrativos analisados se consolidam como importantes fontes de informações para os gestores e ferramentas essenciais para as tomadas de decisões e verificação da situação financeira e patrimonial, contribuindo assim para o crescimento das organizações. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 582 PALAVRAS-CHAVE: Balanço Patrimonial; Demonstrativo do Resultado do Exercício; Tomada de Decisão. ABSTRACT: Accountancy is a qualified science to study everything that concerns a company's assets, whether financial, economic or physical. In this way, it is possible to monitor with better precision the institution situation in several aspects such as: expansion, profits, damage, accounts, assets, rights, obligations, among others. Accounting has evolved and currently contributes to all types of companies, regardless of their size. It is possible to produce reports that demonstrate the organization's financial vitality, these being called accounting statements, useful for the users of accounting science. Between several statements, there are two specific that are mandatory: the Balance Sheet and the Income Statement for the Year. OBJECTIVE: This research seeks to understand and specify the contributions of accounting and its mandatory statements for organizations. METHODOLOGY: The research will be a descriptive study with a quantitative approach. A company was selected to obtain the aforementioned accounting statements, so that we are aware of the organization's concrete data. Analyzes will be carried out in order to compare current statements with past ones to achieve results that point out, among others, growth, decline, profit or loss. RESULTS: From the analysis and comparison of the statements, it was possible to verify the real company financial and equity situation. At first, the balance sheet showed that the organization had an increase in assets and, consequently, in liabilities and equity. Allied to this, the income statement recorded a significant surplus in the period determined. CONCLUSIONS: Therefore, accounting is essential for business development. The statements analyzed are consolidated as important information sources for managers and essential tools for decision-making and verification of the financial and equity situation, thus contributing to the growth of organizations. KEYWORDS: Balance Sheet; Income Statement for the Year; Decision Making. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 583 1. INTRODUÇÃO A contabilidade é a ciência responsável por estudar tudo o que diz respeito ao patrimônio de uma organização, sejam elas de natureza financeira, econômica ou físicas. Com as técnicas e habilidades dessa ciência, é possível registrar, demonstrar e organizar atividades que são referentes ao patrimônio, permitindo que se possa analisar e acompanhar de maneira mais eficiente os dados relacionados a empresa. Bächtold (2011, pág. 162) comenta que a “Contabilidade é uma ciência social que através da execução de serviços técnicos, ou seja, controla, organiza, estuda e avalia o patrimônio de uma entidade (física ou jurídica) permanentemente”, em outras palavras, a contabilidade é composta de diversos procedimentos organizados que visam avaliar e controlar o patrimônio de uma entidade de forma constante. Contextualizando acerca dos objetivos da contabilidade, Bächtold, ainda fala que: Um dos objetivos da Contabilidade é gerar informações para a tomada de decisões, conhecida como Contabilidade Gerencial. Por isso, é fundamental a existência de ferramentas que possibilitem conhecer a real situação e atender a esta missão. Compete à Contabilidade registrar os atos e fatos administrativos e produzir informações que possibilitem ao planejar e controlar suas ações, para traçar os objetivos da entidade. (BÄCHTOLD, 2011, pág. 162). Percebe-se que a partir da contabilidade e de seus segmentos, é possível constituir fontes de dados que poderão auxiliar nas tomadas de decisões empresariais bem como demonstrar inúmeros benefícios para as organizações. Tem-se como principais funções: registrar os fatos administrativos (memória); demonstrar e controlar as mutações patrimoniais (controle); servir como elemento de prova em juízo ou tribunal; fornecer elementos para que os acionistas ou sócios possam examinar as contas da diretoria e aprová-las ou não; demonstrar ao fisco o cumprimento da legislação tributária; fornecer dados para a tomada de decisões, etc (Ibid, p. 170). Os relatórios ou os demonstrativos gerados pela contabilidade são essenciais para certos usuários. Dentre eles: investidores, fornecedores, bancos e funcionários. É de suma importância que esses clientes tenham acesso a tais informações, pois é por meio delas que os mesmos terão a ciência de como está o desempenho empresarial e a administração organizacional das empresas as quais estão envolvidos. Para Iudícibus et al. (2006, p. 48): Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 584 A contabilidade é objetivamente, um sistema de informação e avaliação destinado a prover seus usuários com demonstrações e análises de natureza econômica, financeira, física e de produtividade, com relação à entidade objeto de contabilização. (IUDÍCIBUS et al. 2006, p.48) Dessa forma, tal ciência é um importante instrumento para a vitalidade de qualquer organização. Madeira (2012), diz que: “Através da Contabilidade a empresa sabe o valor de seus ativos, passivos, receitas, custos e despesas, a rentabilidade e lucratividade do negócio, produtividade da mão de obra e através disso, pode realizar um bom planejamento tributário”. Isso significa que por meio da contabilidade é possível controlar e planejar melhorias para a manutenção do funcionamento da empresa bem como subsidiar elementos estratégicos, que auxiliaram os gestores a tomarem decisões mais eficientes e eficazes. Mediante o exposto, o presente estudo tem como objetivo entender e especificar as contribuições da contabilidade e seus demonstrativos obrigatórios para as organizações. Além desta introdução, o artigo apresenta a seção de referencial teórico, a qual busca fornecer com base em autores que versam especificamente sobre o assunto, esclarecer sobre as demonstrações contábeis, balanço patrimonial e demonstrações do resultado do exercício. Após o referencial é apresentado o método de pesquisa. Este objetivo visa demonstrar, por meio do levantamento de demonstrativos obrigatórios de uma empresa, as contribuições que a contabilidade e suas ferramentas podem trazer para as organizações, proporcionando a compreensão de como as suas aplicabilidades podem auxiliar na tomada de decisão e no sucesso empresarial. 2. REVISÃO TEÓRICA Conforme explanado, o objetivo desta pesquisa busca entender e especificar as contribuições da contabilidade e seus demonstrativos obrigatórios para as organizações. Desse modo, o referencial destaca elementos teóricos que forneçam, com base em autores que versam especificamente sobre o assunto, esclarecer sobre as demonstrações contábeis, balanço patrimonial e demonstrações do resultado do exercício. 2.1 Demonstrações contábeis Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 585 A contabilidade possui uma série de ferramentas que auxiliam os seus usuários, e uma delas são as demonstrações contábeis. Essas demonstrações são documentos elaborados, pelo setor competente da empresa para representar a contabilidade da organização, ou seja, são relatórios que trazem um compilado de dados necessários para compreensão do desempenho do negócio. Sendo que as mesmas, abordam o fluxo contábil e financeiro ocorrido em determinado período de tempo, geralmente em um período de exercício de 12 meses e são de suma importância para que os administradores conheçam o real estado da empresa e possam tomar medidas que visem mudanças ou a realização de adequações, caso, é claro, hajam essas necessidades. Lemes (2018, pág. 3) aponta que: As informações contidas nos demonstrativos contábeis, trabalhadas de acordo com algumas técnicas de análise, podem tornar-se valiosos instrumentos de avaliação da situação econômico-financeira de uma empresa, de acordo com os interesses dos diversos usuários dessas informações. (LEMES, 2018, pág.3) Dessa forma, essas informações são extremamente úteis para todos os usuários e não somente para os tomadores de decisões. Dentre eles, os fornecedores, clientes, instituições financeiras, acionistas, governos, empregados e até mesmo a concorrência que utiliza das informações de desempenho de outras empresas. Os demonstrativos contábeis possuem obrigatoriedade para empresas de sociedade por ações, ou seja, organizações cujo capital social é dividido em ações de cada investidor. Esse tipo de natureza jurídica, também é conhecida como Sociedade Anônima (SA). A legislação brasileira, mais precisamente, a Lei 6.404/76, legitimiza a divulgação dos seguintes demonstrativos para empresas de capital aberto: Balanço Patrimonial; Demonstração do Resultado do Exercício (DRE); Demonstração dos Resultados Abrangentes; Demonstração de Fluxo de Caixa (DFC); Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido; Demonstração do Valor Adicionado e Notas Explicativas. Nos demais tipos de empresas, como Micro Empresas (ME), Empresas de Pequeno Porte (EPP) e as Pequenas e Médias Empresas (PME’s), a obrigatoriedade e a facultatividade desse conjunto de demonstrativos podem ser diferenciada, possibilitando que alguns itens sejam substituídos mediante a apresentação da Demonstração de Lucros ou Prejuízos Acumulados (DLPA) ou da Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 586 2.2 Balanço patrimonial O Balanço Patrimonial é o demonstrativo contábil que diz respeito ao conjunto de bens, direitos e obrigações de uma organização. Para Gelbcke (2018, pág. 66) “O balanço tem por finalidade apresentar a posição financeira e patrimonial da empresa em determinada data, representando, portanto, uma posição estática”. Com isso, é possível serem feitas análises quantitativas e qualitativas a respeito da situação da empresa a partir desses relatórios gerados. A contabilidade do balanço é dividida em dois eixos, onde a primeira parte recebe os ativos da empresa e a segunda fica a cargo dos passivos e patrimônio líquido. O ativo diz respeito aos bens e direitos que uma empresa possui, por exemplo, o dinheiro em caixa, terrenos, ações em outras empresas, entre outros. Sendo perceptível que são contas mais fáceis e rápidas de serem convertidas em dinheiro. Por outro lado, o passivo compreende as obrigações exigíveis a entidade como, contas a pagar, impostos, tributos, pagamentos com fornecedores e saldos devedores. Na sequência, temos o patrimônio líquido que é a diferença entre os valores totais dos ativos e dos passivos de uma empresa. Esses eixos devem ser organizados e ordenados para serem calculados e analisado da melhor forma possível. Gelbcke (2018, pág. 67) explica como deve ser feito: No Ativo, são apresentadas em primeiro lugar as contas mais rapidamente conversíveis em disponibilidades, iniciando com o disponível (caixa e bancos), contas a receber, estoques, e assim sucessivamente; No Passivo, classificam-se em primeiro lugar as contas cuja exigibilidade ocorre antes. (GELBCKE, 2018, pág. 67) Dito isso, entende-se que os ativos (bens e direitos) são organizados de acordo com a sua liquidez, ou seja, o grau de liquidez que é a facilidade com que o ativo tem de ser convertido em dinheiro. Para o autor, a Lei 6.404/76 cita no artigo 178 que o balanço patrimonial deve ser segregado, no tocante do ativo e passivo. Em suma, o ativo circulante, refere-se ao alto nível de liquidez, que significa que se convertidos em dinheiro pode ser de forma rápida. Já os ativos não circulantes dizem respeito a menores graus de liquidez, que demandam mais tempo para serem transformados em dinheiro, ou seja, são realizados a longo prazo. Quanto aos passivos (obrigações exigíveis), deve-se atentar ao vencimento das contas a pagar. Caso o vencimento das contas forem a curto prazo, elas farão Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 587 parte do passivo circulante, quando for o contrário, farão parte do passivo não circulante. Já as obrigações não exigíveis formam o patrimônio líquido, como exemplo, capital social, reservas de capital, ajustes de avaliação patrimonial, entre outros. Nesse sentido, é necessário que haja um equilíbrio entre os eixos que dividem o balanço patrimonial para que seja consolidado um bom desempenho no período ao qual será realizado. 2.3 Demonstrações do resultado do exercício Diz respeito ao resultado líquido da empresa e basicamente demonstra se ela está gerando lucros ou prejuízos. Sendo a mesma uma demonstração obrigatória e uma das mais importantes que deve ser apresentada. Santos et al (2011, p. 55), o conceitua como, o conjunto de acontecimentos, oriundos de decisões administrativas, que envolvem a entidade, isto é, a administração, gerência, ato de gerir a empresa. Os mesmos autores descrevem que para a legislação societária a Demonstração do Resultado destina-se a, evidenciar a formação do resultado do exercício, mediante confronto das receitas, custos e despesas incorridos no exercício. Essas demonstrações devem ser apresentadas na posição vertical e discriminar seus componentes de forma ordenada. (SANTOS, et al., 2011, p. 55). Contudo, o Sebrae (2019), conceitua o tema da seguinte forma: Demonstração do Resultado do Exercício, também conhecida como DRE, é um documento contábil de demonstração cujo objetivo é detalhar a formação do resultado líquido de um exercício pela confrontação das receitas, custos e despesas de uma empresa, apuradas segundo o princípio contábil do regime de competência (receitas e despesas devem ser incluídas na operação do resultado do período em que ocorrem). Em outras palavras, uma DRE apresenta o resumo financeiro dos resultados operacionais e não operacionais de uma empresa. (SEBRAE, 2019) Além disso, a legislação responsável por essa regularização é rígida ao determinar que a divulgação desse demonstrativo deve ser anual, no período de janeiro e dezembro. Muito embora, para fins administrativos as organizações costumam elaborar mensalmente e trimestralmente para fins fiscais. Gelbcke (2018) diz que: A Lei 6.404/76 define o conteúdo da Demonstração do Resultado do Exercício, que deve ser apresentada na forma dedutiva, com os detalhes necessários das receitas, despesas, ganhos e perdas e definindo claramente o lucro ou prejuízo líquido do exercício [...]. (GELBCKE, 2018, pág. 70) Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 588 A partir disso, é possível analisar a evolução das receitas, despesas e demais itens, auxiliando grandemente a gestão do negócio, tendo em vista que possui capacidade de auxiliar no planejamento estratégico e na tomada de decisões. Seja como for, a Lei 6.404/76 prevê em seu art. 187 (BRASIL, Lei n° 6.404/76, de 15 de dezembro de 1976, 1976), que esse demonstrativo contenha os seguintes itens, devendo os especificar: • A receita bruta das vendas e serviços, as deduções das vendas, os abatimentos e os impostos; • A receita líquida das vendas e serviços, o custo das mercadorias e serviços vendidos e o lucro bruto; • As despesas com as vendas, as despesas financeiras, deduzidas das receitas, as despesas gerais e administrativas, e outras despesas operacionais; • O lucro ou prejuízo operacional, as outras receitas e as outras despesas; • O resultado do exercício antes do Imposto sobre a Renda e a provisão para o imposto; • As participações de debêntures, empregados, administradores e partes beneficiárias, mesmo na forma de instrumentos financeiros, e de instituições ou fundos de assistência ou previdência de empregados, que não se caracterizem como despesa; • O lucro ou prejuízo líquido do exercício e o seu montante por ação do capital social. Portanto, esse demonstrativo consolida-se como importante ferramenta na tomada de decisão pois demonstra a situação financeira da empresa. É através desse relatório que é possível ver a capacidade ou não da empresa em gerar lucro. Apontando até mesmo sua importância para obtenção de empréstimos e de arrecadação de dinheiro. Sem esse relatório, seria extremamente difícil mensurar a qualidade e eficácia da gestão que comanda a organização. Vale salientar que, segundo Silva (2008, p. 28), a contabilidade preocupa-se em fornecer não apenas informações de natureza econômica, financeira e patrimonial, mas visa atender as necessidades de seus usuários no processo de tomada de decisões, ou seja, essa ciência auxilia em diversos aspectos a administração de empresas, tornando-se base para a manutenção e bom desempenho do negócio. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 589 3. METODOLOGIA A pesquisa é a investigação de fenômenos que visam responder indagações propostas a fim de caracterizar a realidade ou descobrir soluções para problemas. Para Gil (2008, pág. 8) pode-se definir o método como caminho para se chegar a determinado fim. E método científico como sendo o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento. Isto é, a atividade sistemática de aplicar procedimentos bem definidos para atingir o conhecimento. Esse estudo tem como objetivo entender e especificar, por meio do levantamento de demonstrativos obrigatórios de uma empresa, as contribuições que a contabilidade e essas ferramentas podem trazer para as organizações. Proporcionando a compreensão de como as suas aplicabilidades podem auxiliar no sucesso empresarial. Tal pesquisa caracteriza-se então como um estudo descritivo. Para Gil (2008, pág. 28) este tipo tem como objetivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Com isso, além de descrever os dados, é possível interpretá-los com base em sua realidade e relacioná- los com possíveis consequências. Diante disto, a abordagem quantitativa foi escolhida por expressar em números a realidade de determinado ambiente. A natureza quantitativa permite estabelecer uma relação de causa-efeito entre os fenômenos e possibilita descrever com facilidade determinadas hipóteses ou problemas. Além de contribuir com um maior grau de profundidade para interpretações de particularidades (PRODANOV e FREITAS, 2013). No que se refere ao ambiente para levantamento de dados, foi selecionada uma empresa privada sem fins lucrativos do estado de Goiás, pertencente a uma entidade do Sistema S, responsável por promover a capacitação gerencial e o fomento do empreendedorismo às micro e pequenas empresas no estado. Além disso, a entidade tem como papel fundamental proporcionar com seus serviços a sustentabilidade dos pequenos negócios e consequentemente contribuir para o desenvolvimento econômico e social. Por meio de consultas ao site do portal da transparência da organização, foram obtidos os demonstrativos obrigatórios (Balanço Patrimonial e DRE - Demonstrativo do Resultado do Exercício) da empresa citada, onde foram realizadas análises com a Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 590 finalidade de comparar demonstrações atuais com as passadas. Definindo-se como período, resultados consolidados de 2019 e 2020. 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES A princípio é importante ressaltar que por sua natureza sem fins lucrativos e sua fonte orçamentária depender de recursos advindos de um sistema composto de contribuições sociais, podem ocorrer de haver anos com maiores valores orçamentários e outros não. Isso não significa que a organização não está tendo sucesso em suas atividades. Pelo contrário, manter-se financeiramente bem, mesmo quando o orçamento é menor que em anos anteriores, é sinal de que a contabilidade está sendo bem aplicada e permite que a empresa se mantenha no mercado e cumprindo com seus objetivos. Posto isso, como abordado anteriormente, o balanço patrimonial é o demonstrativo que aborda de maneira clara a situação financeira da empresa. Dessa forma, esse relatório permitiu que obtivéssemos com precisão a situação financeira da instituição nos períodos analisados. Observa-se na figura 1, o balanço referente aos anos de 2019 e 2020, elaborado sob período de competência de 12 meses. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 591 Figura 1 - Balanço Patrimonial de 2019 e 2020. Fonte: https://transparencia.sebrae.com.br/contabel Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 592 O ativo circulante, cujo elemento pode ser convertido em dinheiro mais rapidamente, em seu item de caixa e equivalentes de caixa percebe-se que de 2019 para o ano seguinte obteve um aumento de cerca de 15,6% crescendo de R$ 786 mil para R$ 909 mil reais. Esse item citado se refere ao valor em espécie que a empresa possui no final do período analisado. Da mesma maneira, as aplicações financeiras tiveram um crescimento significativo de 41,8% em um período de 12 meses. Essas aplicações são realizadas em títulos públicos federais e possuem liquidez imediata, ou seja, o vencimento é inferior a 90 dias. Nesse caso, os recursos podem ser utilizados para à manutenção operacional e administrativa, isto é, caso a empresa possua compromissos a curto prazo esses recursos podem honra-los. Entretanto, é importante ressaltar que esse item do ativo circulante se refere aos investimentos do Sistema S como um todo e a organização estudada possui participação inferior a 5% desse fundo. Os valores a receber, são recursos oriundos da prestação de serviços de cursos, treinamentos, consultorias e demais atividades da organização. Nesse item, registrou-se uma diminuição de 14,4% em relação ao ano de 2019. Esses resultados já incluem a provisão de não recebimento financeiro por parte dos clientes. Isto quer dizer que a contabilidade estima um valor com base no histórico de perdas no recebimento de clientes e subtrai do total de créditos a receber. O ativo não circulante é o grupo composto pelos bens e patrimônios, cuja característica principal é que são destinados ao funcionamento da empresa. E não são facilmente convertidos em dinheiro de imediato. De 2019 para 2020 a empresa observou esse ativo diminuir de R$ 18.624 milhões para R$ 17.509 milhões, que corresponde em termos percentuais a cerca de 5,9%. A redução desses valores pode ser explicada pelos leilões de patrimônios. A organização costuma utilizar dessa modalidade para vender bens que se tornaram inservíveis para os seus negócios e atividades. Em contrapartida, o passivo da organização são as suas obrigações perante aos clientes, fornecedores e governo, sendo integrantes desse grupo as despesas, dívidas, tributos e demais. Os encargos que devem ser cumpridos a curto período fazem parte do passivo circulante. E nesse total, houve uma redução de cerca de 15,3%, resultando em R$ 10.219 milhões em 2020. Já o passivo não circulante, relativo a obrigações a longo prazo, aumentou de R$ 11.671 milhões para R$ 14.496 milhões. Nesse item, é importanteapontar que as obrigações a longo prazo se referem Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 593 a obrigações a serem cumpridas da empresa com a entidade do Sistema S. Como também as provisões que são resultantes de causas ajuizadas em desfavor da empresa. De forma geral, é possível observar que o passivo da empresa teve um aumento percentual de 4,1%. Mesmo não sendo um aumento expressivo esse pode ser um indicativo que chame a atenção dos gestores. Com isso, análises podem ser feitas a fim de buscar os pontos que mais contribuíram para esse crescimento e assim poder traçar estratégias para reduzir essa proporção. Na figura 2, constata-se que a empresa obteve em 2019 o ativo de R$ 88.625 milhões e consequentemente a mesma razão no total do passivo e do patrimônio líquido. No ano seguinte, no final do exercício de 2020 foi registrado um crescimento de R$ 23.255 milhões, o que resultou em um ativo de R$ 111.880 milhões, bem como o passivo e patrimônio líquido. Figura 2 - Ativo, passivo e patrimônio líquido da empresa em 2019 e 2020. Fonte: https://transparencia.sebrae.com.br/contabel. Para os gestores, esse relatório é uma importante ferramenta de comparação com o que foi definido inicialmente no plano de ação da instituição. Nesse caso analisado, foi registrado um crescimento de 26,2% de um balanço patrimonial para o outro. Observa-se no demonstrativo exposto na figura 1 que há um equilíbrio financeiro, ou seja, a organização conseguiu manter um desempenho eficiente nesse período. Portanto, de forma geral o balanço patrimonial possibilitou obter informações Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 594 abrangentes sobre o patrimônio da empresa, seus ativos, direitos e obrigações. Para os interessados, esse é o primeiro relatório a ser analisado, pois busca demonstrar de forma quantitativa e qualitativa a evolução das finanças, sendo possível concluir a situação do patrimônio se cresceu ou regrediu. O demonstrativo do resultado contrapõe as receitas e as despesas objetivando saber se a empresa obteve lucro ou prejuízo em determinado período. Na figura 3, apresenta-se os resultados atingidos no final do exercício dos anos de 2019 e 2020: Figura 3 - Demonstrativo do Resultado do Exercício 2019 e 2020. Fonte: https://transparencia.sebrae.com.br/contabel. No ano de 2020 o mundo presenciou o ápice das consequências causadas pela COVID-19, a sociedade precisou se adaptar repentinamente e de maneira drástica para tentar conter o avanço da doença. As empresas precisaram se organizar e traçar novas diretrizes para continuar comercializando ou prestando seus serviços aos clientes, devido aos problemas causados muitos empreendimentos precisaram finalizar suas atividades ou sofreram com queda de receitas. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 595 O estado de calamidade pública exigiu que a organização tomasse medidas emergenciais de isolamento. Foi necessário a implantação do modelo de trabalho home-office para todos os colaboradores. Além das atividades presenciais serem adequadas exclusivamente para o ambiente online e diversas outras mudanças. Diante desses fatos, os resultados foram afetados com reduções significativas que serão abordadas na análise do demonstrativo do resultado do exercício (DRE). A respeito das receitas sem contraprestação, segundo o Conselho Federal de Contabilidade, são transações as quais a empresa recebe ativos ou serviços, ou tem passivos extintos sem entregar nada em troca ou entregando valores irrisórios, em contrapartida. Nesse sentido, a figura 4 evidencia a redução desse tipo de receita. Figura 4 - Receitas sem contraprestação de 2019 e 2020. Fonte: elaborado pelo autor por meio dos dados do DRE (2019/2020). Fazem parte dessa receita a Contribuição Social Ordinária e a Contribuição Social do Nacional, cujos recursos são transferidos às unidades conforme a arrecadação da entidade integrante do Sistema S. A empresa constatou uma redução nessa receita em cerca de 16,2% em 2020 devido à queda dos repasses das contribuições. Nesse grupo, apenas as receitas operacionais obtiveram aumento, tendo em vista a alienação de bens do imobilizado. A venda de ativos imobilizados foi necessária devido a depreciação ocasionada naturalmente pela perda de valor ou pelo uso. No balanço patrimonial observou-se a diminuição do ativo e no presente demonstrativo do resultadodo exercício figura-se como um crédito nas receitas sem contraprestação. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 596 Por outro lado, receitas com contraprestação são caracterizadas pela obtenção de ativos ou serviços mediante a entrega direta de valor aproximadamente igual (em forma de dinheiro, bens, serviços ou ativos) em troca com outra organização. A instituição promove ações às micro e pequenas empresas, candidatos a empresários e empreendedores. Nessa perspectiva, as contrapartidas financeiras oriundas da prestação de serviços de treinamentos, consultorias e cursos integram as receitas de empresas beneficiadas, e, novamente observa uma variação negativa de -50,8% em relação a 2019. Na figura 5 é possível examinar com os totais obtidos no final do exercício de 2019 e 2020. Figura 5 - Receitas com contraprestação de 2019 e 2020. Fonte: elaborado pelo autor por meio dos dados do DRE (2019/2020). De forma geral, as receitas com contraprestação tiveram um decréscimo de 19,2%, isso sendo consequência das restrições impostas pelo estado de calamidade, onde a empresa precisou suspender momentaneamente suas atividades presenciais. E uma importante fonte de recursos é a locação de espaços em feiras foi impactada diretamente, devido a essas necessidades de interrupção de eventos. Suas ações foram direcionadas ao máximo para o ambiente digital, o que eventualmente auxiliou a empresa a avançar o processo de digitalização e fez com que os seus objetivos continuassem, minimizando as consequências da situação emergencial. Assim como as receitas sofreram baixas, as despesas seguiram a mesma tendência com percentuais relevantes. A respeito das despesas, os principais pontos para a operacionalização das Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 597 suas atividades e que foram visivelmente afetados foram os gastos com pessoal, encargos e benefícios sociais que tiveram uma variação de -20,4% comparado a 2019, decorrente principalmente da redução do quadro de colaboradores. A contratação de serviços feito pela empresa diminuiu em razão da demanda, acarretando em -38,3% sobre os custos com serviços profissionais e contratados. Aliado a isso, os custos e despesas de operação declinaram em -61,1%. Portanto, de 2019 para 2020 a diminuição percentual foi de 32,4%. Figura 6 - Despesas totais nos anos de 2019 e 2020. Fonte: elaborado pelo autor por meio dos dados do DRE (2019/2020). Em face do exposto, a gestão do empreendimento, por meio do demonstrativo do resultado, registrou um superavit de R$ 24.825 milhões, um acréscimo de 68,2% em relação ao ano de 2019. Entretanto, tendo em vista a sua natureza jurídica ser sem fins lucrativos, a empresa não distribui qualquer tipo benefício financeiro para seus envolvidos. Todo recurso remanescente de um período é aplicado único e exclusivamente para a manutenção das suas atividades. De qualquer modo, o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício possibilitaram alcançarmos a real situação da empresa no momento analisado. Demonstraram que apesar do momento atípico que o país/estado se encontra onde houveram queda de receitas, também foram registrados números positivos, que resultou na estabilidade e no bom desempenho das atividades e das finanças da organização. Submetendo-se ao que foi definido no plano de ação, os gestores têm em Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 598 posse importantes ferramentas de informações, pois é possível comparar os relatórios com as definições e analisar se as metas estão sendo atingidas, caso contrário medidas corretivas podem ser tomadas a fim de sanar cenários não ideais em que a empresa possa se encontrar. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A tomada de decisão é essencial para a gestão de um negócio, seus resultados implicam no desempenho da organização no mercado. Esse processo é apoiado por múltiplas vertentes, dentre elas o conhecimento, experiência e ferramentas como sistemas de informações. Uma decisão bem planejada e construída com dados precisos, tem grandes chances de levar a empresa a obter melhores resultados e alcançar aquilo que a sua visão/missão propõe. As decisões são embasadas considerando todas as esferas da empresa, e a área contábil possui grande relevância. Muitas escolhas implicam em efeitos nas finanças, por essa razão faz-se necessária que a decisão a ser tomada considere a situação financeira. A contabilidade com seus relatórios se consolida como importante fonte de informação para o apoio das tomadas de decisões. Na organização analisada, a contabilidade e aplicabilidade dos demonstrativos proporcionaram a transparência das finanças no final dos exercícios finalizados. Com o balanço patrimonial foi possível visualizar quantitativamente os ativos, passivos e o patrimônio, sendo possível atingir de maneira precisa e ampla a sua real situação financeira. Bem como há a possibilidade de extração de informações qualitativas para revisão do plano de ação da organização por parte dos gestores. Na sequência, o demonstrativo do resultado do exercício permitiu conhecer as principais fontes de recursos e despesas. Cujo resultado final apontou que a empresa obteve superavit no período de 12 meses. Considerando isso, além de ser um registro exigível para as obrigações contábeis e fiscais, esse relatório pode ser utilizado como ferramenta guia para o controle financeiro. Portanto, o balanço patrimonial e o demonstrativo do resultado do exercício auxiliam de maneira significativa no processo de tomada de decisão. Se consolidam como essenciais na avaliação dos resultados e no direcionamento de uma organização conforme as diretrizes propostas no seu planejamento. O que pode gerar o bom desempenho e o sucesso da empresa. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 599 REFERÊNCIAS CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos Novos Tempos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1999. BÄCHTOLD, Ciro. Contabilidade Básica. Curitiba-PR: Instituto Federal do Paraná. 2011. GELBCKE, Ernesto Rubens [et al.]. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2018. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2008. LEMES, Giovanni Bugni. Análise das Demonstrações Contábeis. Clube de Autores: 2018. PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do Trabalho Científico: Métodos e Técnicas da Pesquisa e do Trabalho Acadêmico. 2. ed. – Novo Hamburgo: Feevale, 2013. SANTOS, José Luiz dos. et al. Contabilidade Geral. 3 ed. Atual, pela Lei n° 11.941/09 e pelas normas do CPC. São Paulo: Atlas, 2011. SILVA, Clésio de Castro e. A importância da contabilidade gerencial para o processo de tomada de decisão. Brasília: UniCEUB, 2008. BASTOS, Renata. Contabilidade Básica? Método das Partidas Dobradas. Débito e Crédito. Disponível: <https://www.meucontadoronline.com.br/blog/contabilidadebasica-metodo-das-partidas-dobradas-debito-e-credito/> Acesso em: 29 Dez. 2020. FERNANDES, Regina. O que é Demonstração do Resultado de Exercício da sua empresa (DRE)? - Capital Social. Disponível em: <https://capitalsocial.cnt.br/demonstracao-do-resultado-de-exercicio/> Acesso em: 10 Jan. 2021. MADEIRA, Rodrigo. A importância da contabilidade para a empresa. Disponível em: < https://administradores.com.br/artigos/a-importancia-da-contabilidade-para-aempresa> Acesso em: 29 Dez. 2020. BRASIL. Lei nº 6.404 de 15 de dezembro 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Presidência da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6404compilada.htm> Acesso em: 8 de jan. de 2021 NBC TSP – do Setor Público. Disponível em: <https://cfc.org.br/tecnica/normasbrasileiras-de-contabilidade/nbc-tsp-do-setor-publico/> Acesso em: 9 de out. de 2021. Braz. Journal of Development, Curitiba, v.7, n.12, p. 112907-112924 dec. 2021 ISSN: 2525-8761. 600 CAPÍTULO 33 A BUSCA DO RE(CONHECER) DA NOSSA CULTURA E IDENTIDADE Soenil Clarinda de Sales Mestre em Ensino pelo (IFMT) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso, Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso - PPGE/UFMT E-mail: soehsales@gmail.com João Clarindo da Silva Formação: Licenciatura Plena em Filosofia e História/Faculdades Associadas do Ipiranga São Paulo SP, Especialização: Interdisciplinaridade, Mestrando em: Comunicação e Mediações Culturais/UFMT Email: jclarindo.silva@gmail.com Silvia Aparecida Maschio Formação: Licenciatura Plena Ciências e Matemática/Unic. Especialização: Administração Pública/Gestão Escolar, Faculdades Integradas de Várzea Grande E-mail: silvia.ap.maschio@gmail.com Maria Conceição de Campos Cunha Bortoncello Formação: Ciências Físicas e Biológicas – Univag. Especialização: Especialização em Educação do Campo: saberes Pantaneiro e socioeconomia solidária – IFMT E-mail: mcbortoncello34@gmail.com Elizaneth de Arruda Martins Eubank Formação: Licenciatura e Bacharelado em História UFMT, Especialização: Metodologia do Ensino da Linguagem E-mail: elizaneth.eubank@gmail.com Natalina Cristina da Costa Nunes Formação: Ciencias/Matemática - UNIC, Especialização: Iterdisciplinaridade na Educação Básica ICE E-mail: Tinaanasjr@hotmail.com Nilson Ferreira da silva Formação: Ciências/Matemática Unic. Especialização: Iterdisciplinaridade na Educação Básica ICE E-mail: nilson-mel@hotmail.com Marileide do Carmo Amorim Arruda Possui Mestrado em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação UNEMAT E-mail: marileide_amorim@yahoo.com.b Eliane Maria de Arruda Souza Formação: Licenciatura plena em Pedagogia e em Matemática Especialização: Currículo e metodologia do ensino fundamental E-mail: elianesouza.mt@hotmail.com Leticia Gisele Pinto de Moares Queiroz 601 Mestre em Ensino, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso. Na atualidade ouve-se falar muito nas mais variadas formas de cultura e a busca de uma identidade que possa tornar um ponto referencial no intuito de fazer certa identificação fazendo uma definição a esta temática que é vivenciada das mais diferentes formas, e que em geral é desqualificada quando se trata da cultura da grande massa. Ao se referir à busca da própria identidade, o ser humano tem-se deparado com uma gama de conceitos culturais ao longo da sua existência. Diante desta constante busca, o ser humano passa por uma espécie de busca de identidade que o leva a uma profunda reflexão em relação ao estar interagindo com o OUTRO, o EU e o NÓS em todos os aspectos da sociedade, ou seja, na família, igreja, grupo e sociedade, onde cada um busca posicionar, criando assim seu espaço de pertencimento e de defesa de suas ideias, podendo ser identificado como a busca da própria personalidade enquanto EU e o mundo que o cerca, se expondo socialmente em busca de ser aceito e ao mesmo tempo, de se posicionar e defender suas ideias, seus pertences e ao mesmo tempo, se conhecendo melhor, valorizando seus projetos, bem como fortalecendo sua posição identificadora na sociedade em que está inserido. Ao tomar conhecimento de seus valores sociais, o ser humano passa a ampliar sua rede de conectividade e com isso se abre para adquirir novos conhecimentos a partir da sua própria historicidade de vida, suas capacidades de atuação enquanto alguém que projeta suas ideias e atualizam uma vez que vivenciam no dia a dia da sociedade uma diversidade cultural que abarca diferentes pessoas, costumes e tradições, situações e vivencias que envolvem as mais diversas formas de cultura. Mediante as análises de alguns autores abordados, a cultura de um povo é formada por vários elementos como crenças, ideias, mitos, valores, danças, festas populares, alimentação, modo de vestir entre outros fatores. Trata-se de uma característica importante de uma comunidade, pois a cultura é transmitida de geração em geração e demonstra aspectos locais de uma população da qual as comunidades tradicionais não estão imunes. Stuart Hall (2006), afirma que não são apenas identidades individuais que passam, na modernidade tardia, por um processo de transformação, o mesmo ocorre com as identidades culturais, igualmente deslocadas pela globalização. Ao tratarmos dos saberes culturais, percebe-se a necessidade de entender o contexto em que 602 envolvem as ações humanas, do OUTRO e do NÓS, que são frutos do meio e do trabalho do homem. Diante destas informações e reflexões, pode-se dizer que, a cultura é produzida no dia a dia da vida humana. O Brasil, por conter uma grande dimensão territorial e uma população numerosa e miscigenada com grande quantidade de descendentes de vários povos, tais como: europeus, africanos, asiáticos e índios entre tantos outros povos, apresenta uma vasta dimensão cultural. Diante de exposto no que diz respeito a dimensão cultural à partir de um olhar que parte da perspectiva macro, relativa as mais variadas formas culturais vivida pela humanidade no seu mais amplo sentido, estes estudos mais direcionado me fez aproximar reflexão ao Projeto em analise, pois diante do grande leque cultural, podese entender que a CULTURA não é propriedade de um grupo seleto, mas, sim, de toda a humanidade que a cultuam, prezam as mais antigas tradições culturais, vivendo a diversidade da cultura erudita como também das culturas vividas no senso comum da ancestralidade sendo relembrada no campo social folclórica, tradicional e científica vivenciadas nos últimos séculos, até a perspectiva micro, realidade de vida nas comunidades remanescentes de quilombo, mediante suas práticas cotidianas e tradicionais. Ao se tratar de comunidades tradicionais, ela se constitui de singular modelo de sociedade e de relação social na qual a cultura influencia as novas gerações, mantém sua cultura, identidade e tradições, onde cada indivíduo luta por efetivação de políticas educacionais e sociais que possam permitir o acesso e permanência e, suas localidades, defendendo seus pertences e ao mesmo tempo em que valorize e descobre o real sentido de suas lutas na coletividade, trazendo para si questionamentos em relação à forma pela qual a cultura é visualizada e produzida no grupo dos remanescentes. Diante das reflexões culturais, Dennys Cuche nos leva a dar um “mergulho” no que se refere aos estudos da cultura, onde cada coletividade, no interior de uma situação dada, pode ter a tentação de defender sua especificidade, fazendo um esforço através de diversos artifícios para convencer (e se convencer) que seu modelo cultural é original e lhe pertence. O caráter da situação determinará se o jogo de distinção levará a valorizar e acentuar tal conjunto de diferenças culturais mais do que outro. Isso leva cada indivíduo a se conhecer, bem como propõem fazer questionamentos à cerca daquilo que procura manter vivo em suas vivencias, mesmo 603 que remotamente distante da ancestralidade. Para além dessas informações, a vivência em comunidade, consiste em um lugar cujo processo de organização, desde os aspectos socioculturais, educativo e econômico parte de um protagonismo, cuja trajetória de vida é marcada por dificuldades. É uma história de homens e mulheres trabalhadores, história de pessoas ordinárias que merece ser relatada, problematizada como dito Michel de Certean (1998). Ou ainda nos dizeres de Michel Perrot (2007), dos excluídos da história. Diante do exposto, em pleno século XXI, a sociedade brasileira ainda luta pela garantia dos direitos e dentre os quais pelo direito à liberdade de poder ir e vir com sentimentos de ser respeitado, independentemente de qual quer amarrar que se traduza em preconceitos ou abusos por fazer parte desta ou daquela cultura, seja ela oral, seja tradicional, razão pela qual se faz necessário conhecer, analisar e identificar a grande diversidade cultural, do qual compõem o cenário da sociedade brasileira e sai relevante importância para reflexão no âmbito acadêmico. A percepção de Hall (1997) é a de “toda a ação social e cultural, que todas as práticas sociais expressam e comunicam um significado e, neste sentido, são práticas de significados; ou seja, toda prática social tem uma dimensão cultural, da mesma forma que as práticas políticas e econômicas, também possuem uma dimensão cultural. Hall (1997) destaca que a cultura sempre foi importante nas ciências humanas e sociais, pois os estudos das linguagens da literatura, das artes, entre os estudos das linguagens, da literatura, das artes, entre outros, sempre fundamentaram o tema, embora não fosse trivial o entendimento de que esses estudos compusessem um conjunto diferenciado de significados, ou seja, uma cultura, na concepção deste autor. Este novo mundo ultra conectado, representa um dos grandes desafios da filosofia contemporânea. Essa natureza planetária do mundo virtual indica que a cibercultura não está condicionada pelos mesmos fatores que a cultura “tradicional” como a geografia, religiões, tradições e contextos locais. “Cultura ou Civilizações, tomada em seu sentido etnológico amplo, é todo aquele complexo que inclui conhecimentos, crença, arte, moral, lei, costumes e todas as demais capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro a sociedade”. A condição da cultura, entre as diversas sociedades da espécie humana, na medida em que é possível de ser investigada nos princípios, é um, tema apropriado 604 para o estudo do pensamento e das ações humanas (TYLOR, apud THOMPSON, 2009, p. 171). Diante deste mecanismo de interações, há de se observar que tanto o ciberespaço quanto a cibercultura não foram previstos nem mesmo pelos mais imaginativos escritores da ficção cientifica. Sua origem se deu da fusão de iniciantes isoladas de instituições e pessoas visionárias. Diante a esta afirmação, isso deixa evidente de que todo aprendizado se dá do reconhecimento de preservar, cuidar, manter viva a cultura imbricada no seio da comunidade, tendo capacidade de reconhecer e fortalecer em suas vivencias comunitárias. “Essa identificação da cultura com a história leva e conta a maneira como o tempo se realiza. Na natureza, o tempo é repetição (o dia sempre sucede a noite, as estações do sempre da mesma maneira, os animais sempre se reproduzem da mesma maneira, os astros realizam sempre os mesmos momentos, etc.). Ao contraio, o tempo da cultura é o da transformação (isto é, das mudanças nos costumes, nas leis, nas emoções, nos pensamentos, nas técnicas, no estuário, na alimentação, na linguagem, nas instituições sociais e políticas, etc.)”. (CHAUÍ, 2017, p. 273). Conforme Eduardo Assis (2007) refere a conformação teórica da literatura “afrobrasileira” ou “afrodescendente”, onde a busca pela identidade tem provocado uma profunda exigência para que possa construir algo mais concreto e substancial. Sobretudo ao se referir ao afrodescendente, onde se vê certo distanciamento entre a história real com certos desencontros, vazios em sua existência, onde muitas vezes se encontram silenciadas ou mesmo esquecidas nas margens sociais. A sociedade é a grande promotora de ações que se possam sustentar ideias que produzam efeitos positivos, mesmo que haja resistências por parte de indivíduos que deixam cair em situações que negam sua historiografia enquanto sujeitos oriundos da grande composição atual. Ao se referir o período colonial, período este que nem sempre procurou ver a sociedade de modo geral, com ser pensante, que buscassem conhecer seus direitos enquanto sujeito que possuem uma história de vida, uma cultura que se pudessem ser valorizadas, pois os afrodescendentes eram vistos apenas como de obra com capacidades para realizar tarefas pesadas e não sendo vistos como agente transformador e formador de opiniões. Ao se referis aos afrodescendentes, fica notório que estes tiveram sua grande parcela de contribuição em todos os campos de atuação, mas que nem sempre eram 605 reconhecidas como produtores de cultura houve-se uma grande negação a sua participação; pois estes por sua vez, estiveram sempre presentes nas mais diferentes produções artísticas culturais do seu meio, dos quais pode ser elencado, o samba, o carnaval, o futebol, a música, o teatro, novelas, enfim, em todos os setores apresentando assim uma chama cultural, mesmo que em muitos casos, essas produções literárias sofressem ao longo do tempo, impedimentos que pudessem negar sua divulgação, em se tratando da etnicidade africana. Além disso, há muitos debates em relação aos afrodescendentes, onde em muitas vezes é possível deparar com a negação de critérios étnicos ou de identidades que não deve sobrepor ao critério de nacionalidade, na qual deveria atentar para aquilo que é comum a todos pois a “literatura é uma só” e afinal, é de todos. Sabe-se que a historicidades dos afrodescendentes lhes são negados desde o período colonial, as amarras e impedimentos sociais são tantas e das mais variadas formas, onde os afrobrasileiros e afrodescendentes deparam com a imensa dificuldade de posicionam o EU em relação ao OUTRO devido a uma serie de obstáculo impostos por sujeitos/indivíduos que se posicionam na sociedade como detentores de poderes, subjugando aos demais como se não possuíssem sequer a dignidade de reconhecimento humano diante daquilo que se conhecer ou pretende conhecer. Mediante os vários fatores, cabe aqui lembrar que os afro-brasileiros ou afrodescendentes são povos que sempre estão em busca de melhor conhecer sua história e fazer-se conhecer-se de modo que estes sejam reconhecidos como povos que produzem culturas, interagem com toda sociedade, construindo na apenas memorias, mas também sua historias, formando saberes e participando da construção social em todos os sentidos, na sua origem, na sua comunidade onde possam ser reconhecidos e defensores da sua cultura e da sua identidade. Ao se referir comunidades, cabe aqui ressaltar que a Constituição Federal Brasileira – CFB de 1988, em seu artigo 68, regulamentando pelo Decreto nº 4.887, de novembro de 2003 que regulamentou e delimitou limites territoriais dessas comunidades estabelecendo procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes de afrodescendentes que se encontram pelo país. Diante de tantas informações literárias n que consiste analise de cultura, cabe ressaltar que todos os autores conhecidos neste período de investigação social e cultural trazem uma gama de informação intrínseco ao projeto que pretendo estudar, 606 ressaltando inúmeras fontes inspiradoras e ao mesmo tempo em que provoca um desejo de aprimorar conhecimentos em relação à cultura, onde a sociedade atual, a cada dia que possa, tem vivido uma demanda muito grande de informação que tem, cada vez mais aproximado conhecimentos, onde os jovens tem experimentado uma gama de “resoluções mecanizadas”, levando a conceber novos horizontes bem como reconhecer enquanto sujeito histórico e de mudanças perante o espaço que se vive, conhecendo, reconhecendo e posicionando o seu EU em relação com o OUTRO e o NÓS em busca de fortalecer seus ideais, sua identidade e sua cultura. REFERÊNCIAS 607 BRASIL, constituição Federal de 1988. Brasília, presidência da República, Casa Civil, 1988. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/civil_03constituicao.htm , 03 de jan. de 2018. CHAUÍ, Madalena. Iniciação a Filosofia. Volume único. Ensino médio. 3 ed. São Paulo: Ática -2017 DUARTE, Eduardo Assis. Literatura e Afrodescendência. Literafro - O portal da literatura Afro-Brasileira, Belo Horizonte. 12 de set de 2017. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/artigos/artigos-teorico-conceituais/150-eduardodehttp://www.letras.ufmg.br/literafro/artigos/artigos-teorico-conceituais/150-eduardo-deassis-duarte-literatura-e-afrodescendenciaassis-duarte-literatura-e-afrodescendencia CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Tradução: Viviane Ribeiro. Bauru. Edusc. 1999. 256p. HALL, 5. A centralidade da cultura: notas sobre a revolução cultural do nosso tempo. Educação e realidade, Porto Alegre, nº 2, V. 22, p. 5, 1997. PERROT, M. Minha História de Mulheres. Tradução Ângela Maria da Silva Correa. São Paulo: contexto, 2007. THOMPSON, J.B. ideologia e cultura moderna: Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2009. 608 CAPÍTULO 34 TRÊS IMPORTANTES SUSTENTABILIDADE PALMEIRAS: DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS À Wilson da Costa Santos Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Farmácia, Programa de PósGraduação em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde Endereço: Rua Dr. Mario Vianna, 523, CEP 24241-000, Niterói, RJ, Brasil E-mail: wsantos@id.uff.br*Autor para correspondência Cristina Moll Hüther Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Farmácia, Departamento de Tecnologia Farmacêutica, Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde Endereço: Rua Dr. Mario Vianna, 523, CEP 24241-000, Niterói, RJ, Brasil E-mail: cristinahuther@gmail.com Patricia Garcia Ferreira Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Farmácia, Departamento de Tecnologia Farmacêutica, Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde Endereço: Rua Dr. Mario Vianna, 523, CEP 24241-000, Niterói, RJ, Brasil. E-mail: patricia.pharma@yahoo.com.br Fernando Carvalho da Silva Universidade Federal Fluminense, Instituto de Química, Departamento de Química Orgânica, Programa de Pós-Graduação em Química Endereço: Rua Mario Santos Braga, 30, CEP 24020-141, Niterói-RJ, Brasil E-mail: fcsilva@id.uff.br Vitor Francisco Ferreira Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Farmácia, Departamento de Tecnologia Farmacêutica, Programa de Pós-Graduação em Ciências Aplicadas a Produtos para a Saúde Endereço: Rua Dr. Mario Vianna, 523, CEP 24241-000, Niterói, RJ, Brasil E-mail: vitorferreira@id.uff.br RESUMO: Esse capítulo pretende explorar os principais aspectos de três palmeiras do reino Plantae e família Arecaceae: Cocos nucifera, Elaeis guineensis e Copernicia prunifera que têm altos valores comerciais. Essas palmeiras são valorizadas no mundo e muitas vezes referidas como - árvores da vida - pois contribuem diretamente para a comodidade e renda de milhões de pequenos agricultores, proporcionando alimentação, benefícios à saúde, produtos estruturais e beleza estética à paisagem. Especial atenção para as possibilidades de uso dos seus constituintes, que podem ser usados como em diversas aplicações industriais, construções, artesanato, setores farmacêuticos/cosméticos e para a alimentação de humanos e animais. Esses subprodutos e coprodutos obtidos a partir do extrativismo das folhas, palhas, raízes, caules e frutos destas palmas têm sido pilar e sustento de gerações de trabalhadores. Há também diversos produtos naturais como celulose, ceras e óleos. As aplicações 609 de tais produtos variam desde a sua utilização em diversas indústrias, construção civil, até a sua utilização na indústria de alimentícia, cosméticos e farmacêuticos. Quanto às possibilidades de uso na alimentação animal, já existem relatos de uso dos diferentes produtos da cera de palma, onde apenas as folhas apresentaram sinais de intoxicação quando administradas em bovinos e caprinos. Os demais produtos derivados da cera de palma (cera, palha e fruto) não apresentaram tais efeitos, variando entre respostas positivas e negativas quanto à melhora dos diversos parâmetros avaliados. Dessa forma, foi concluído que o uso dos produtos derivados da cera de palma na alimentação animal, e suas perspectivas de uso se mostram promissoras. No passado questões sociais dessas palmeiras eram suas principais contribuições, mas atualmente ainda continuam gerando muitos empregos, distribuídos ao longo de uma grande cadeia produtiva, porém atualmente suas contribuições vão além disso, pois geram produtos de baixo impacto ambiental e são economicamente sustentáveis. PALAVRAS-CHAVE: Coqueiro; Cocos nucifera; Dendezeiro; Elaeis guineenses; carnaubeira Copernicia prunifera; Contribuição social; Sustentabilidade. “Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.” Canção do exílio, Gonçalves Dias, 1847. 610 1. INTRODUÇÃO O Brasil detém de uma grande diversidade de espécies botânicas, e seus usos pela população, vão desde fins medicinais (FARIAS et al., 2021), como para o fornecimento de matéria-prima para geração de produtos ou subprodutos que são condições dependente da espécie botânica. Em todos os continentes as palmeiras, da família Arecaceae, sempre se destacaram entra as espécies botânicas de maior distribuição botânica, tendo sido de vital importância para a sobrevivência dos humanos e animais, pois além de serem alimentos rico em nutrientes, também encontram usos na construção de casas e diversos usos medicinais. Portanto, ao longo de milênios tiveram enorme importância econômica e sociocultural. São espécies amigáveis com grande utilidade dos frutos, caules e folhas. No mundo estão catalogados 252 gêneros e aproximadamente de 2.600 espécies na família das Arecaceae. O Brasil tem 38 gêneros e cerca de 270 espécies, sendo muitas de grandes interesses comerciais e importantes para a valorização e a preservação da biodiversidade brasileira (LORENZI et al., 2010; SOARES et al., 2014). A palavra palmeira tem um significado que representa ascensão, vitória, regeneração e imortalidade. E nesse aspecto, é uma dos cultivares que apresenta grande importância para a bioeconomia. Essa ciência estuda os sistemas biológicos e recursos naturais aliados a utilização de novas tecnologias com propósitos de criar produtos e serviços mais sustentáveis. A BIOECONOMIA está presente na produção de vacinas, enzimas industriais, novas variedades vegetais, biocombustíveis, cosméticos, entre outros. A exploração comercial das palmeiras é uma grande oportunidade para o país, se os interesses do Estado brasileiro estiverem com as empresas e a sociedade civil, pautando-se pelo respeito à sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais (SILVA et al., 2021) Recentemente, Lopes et al. (2015), relataram as principais características de 12 espécies de palmeiras e as tecnologias para o cultivo e o extrativismo com técnicas modernas. Além das importantes contribuições comerciais das palmeiras, elas também podem ser utilizadas na recuperação de áreas ambientalmente degradadas. As que mais se destacam são a Buriti, Juçara e o Açaí, cujos frutos são alimento que atraem pássaros, além de outros animais, ou seja, contribuem para manter várias outras espécies em 611 uma floresta e restabelecer a biodiversidade dos ecossistemas. Na Tabela 1 estão destacadas algumas dessas espécies que apresentam demanda de mercado e apresentam potencial comercial, pela produção de óleos ou demais produtos, além do potencial para ornamentação paisagística de parques, jardins, varandas e canteiros. Tabela 1 – Exemplos de palmeiras com interesses comerciais Açaí Buriti Coqueiro Babaçu Carnaúba Dendê Juçara Jerivá Pupunha Euterpe oleracea Mart. Mauritia flexuosa L.f. Cocos nucifera L. Attalea speciosa Mart. Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore Elaeis guineenses Jacq. Euterpe edulis Mart. Syagrus romanzoffiana (Cham) Glassman Bactris gasipaes Kunth Tucumã Astrocaryum aculeatum Meyer 2. CONTRIBUIÇÕES DAS PALMEIRASÀ SUSTENTABILIDADE E AS FUNÇÕES SOCIAIS A fauna e a flora têm sido o pilar da sobrevivência da humanidade desde os tempos do caçadores-coletores que usavam seus frutos como fontes de alimentos abundantes até o início da Revolução Agrícola. Essa agricultura surgiu em diversas partes do mundo, modo totalmente independente, com as plantas mais facilmente cultivadas (trigo, ervilha, milho, batata, palmeiras etc.). Se no passado as palmeiras eram importantes para a sobrevivência do homem e de muitos animais, hoje o cultivo dessas espécies tem grande função social e adicionalmente seus produtos envolvem ciência, além de tecnologia sustentável. Neste aspecto, a conservação e exploração dessa diversidade de palmeiras é importante, pois também contribuem positivamente para reverter as mudanças climáticas. Qual a razão da sustentabilidade e o desenvolvimento sustentável serem temas atuais e urgentes? A resposta é simples, mas sua resolução é complexa. O planeta que outrora era robusto se tornou doente, pois a prioridade dos humanos passou para segurança econômica, segurança militar e guerras, prioridades muito acima aos danos ambientais, ruptura do tecido social, tratamento injusto, miséria, fome e migração forçada. A política dos países, corporações, mercado global, lucro 612 infinito, ideologias perversas e os descasos dos cidadãos continuam a minar a sobrevivência dos humanos aniquilando o meio em que vivem (O’RIORDAN, 2004). A sustentabilidade exige a continuidade da vida das espécies e dos ecossistemas, que os sustentam, ou seja, uma ampliação de nossas percepções de tempo. Muito do esgarçamento do tecido ambiental começou a ser acelerada com Revolução Industrial que transformou uma economia artesanal para uma nova economia, dominada pelas indústrias, com consequente substituição do trabalho humano (energia muscular) pelas máquinas. Ao mesmo tempo a aceleração do uso do capital natural com as máquinas movidas a vapor, também começaram a emitir gases do efeito estufa. Alguns autores acreditam que adentramos numa nova era geológica, chamada de “antropoceno” onde os humanos passaram a ter em suas mãos o futuro de um planeta mais quente e com maior risco de catástrofes, uma cobertura de gelo reduzida, níveis do mar mais altos e um clima fora de controle (CRUTZEN, 2002). As palmeiras são consideradas importante espécies, pois contribuíram para manter os recursos naturais silvestres ao longo dos anos. Porém, para manter isso, é necessário prevenir impactos ambientais negativos causados pelas atividades de coleta, respeitar os direitos e costumes locais para o plantio, além de proporcionar benefícios para as comunidades locais e um tratamento justo com os coletores. Todos as espécies de palmeiras que foram selecionados nesse capítulo, a saber, coqueiro ou coqueiro da Bahia (Cocos nucifera), dendezeiro (Elaeis guineenses) e carnaubeira (Copernicia prunifera), têm longo histórico de contribuição social e cultural no Brasil. Porém, atualmente apesar do coqueiro produzir matérias renováveis e biodegradáveis com muitas utilidades, ele também se se tornou alvo de grandes empreendimentos e corporações, em que muitas situações a coleta já não se mantêm mais sustentável e consequentemente afetando a sustentabilidade das florestas. Certamente, isso é devido ao fato de o coqueiro da Bahia não ser uma espécie brasileira, pois sua origem é do Sudeste da Ásia. Ele foi introduzido no Brasil em 1553 e se aclimatou de forma muito eficiente e, portanto, teve ao longo de quase 500 anos vasta utilização em diversos alimentos e pratos culinários, aplicação artesanal, medicinal e cosmética (SIQUEIRA et al., 2002). 613 3. COQUEIRO (Cocos nucifera) O coqueiro (C.nucifera L.), que produz o coco (fruto), é referido na literatura como “árvore da vida”, por seus múltiplos usos, sendo uma das palmeiras mais valorizadas no mundo (OHLER, 1984; BENASSI et al., 2013; FERREIRA et al., 2018; ADKINS et al., 2020; SALUM et al., 2020), pois essa espécie contribui diretamente para a comodidade e renda para mais de 20 milhões de pequenos agricultores e seus dependentes, proporcionando alimentos, benefícios à saúde, produtos estruturais e beleza estética à paisagem (ADKINS et al., 2020). Assim, contribui e desempenha um papel importante no desenvolvimento econômico, social e na vida cultural de pessoas em muitos países ao redor do mundo (ALOUW et al., 2020). Os humanos já exploravam as diferentes estruturas desta palmeira há milênios, antes mesmo de ser referida como “árvore da vida”, pois já apresentava diversos usos, como o tronco e as folhas usados principalmente como material de construção, o fruto para hidratação, porém com o passar dos anos, o que ficou mais valioso no mercado foi o fruto, que é fonte de componentes comestíveis, como água de coco, óleo de coco e leite de coco, além de fibra natural (casca) e carvão ativado (IGNÁCIO e MIGUEL, 2021). O coqueiro, é uma palmeira, também conhecido popularmente no Brasil como coqueiro-da-bahia, coqueiro da Bahia, coco-da-bahia, coco-da-baía, coqueiro-dapraia ou simplesmente coco, pertencente à família Arecaceae (antiga Palmaceae), que produz frutos grandes, de forma ovoide, com coloração esverdeada a amarela, de casca lisa, com cerca de 25 cm de comprimento e 15cm de diâmetro, com cerca de 1,2 kg de peso, individualmente e que demora a amadurecer, quando então tornase castanho (AZEVEDO, 2014; HORTO BOTÂNICO, 2022a). O coco, no entanto, é ofruto do coqueiro, do tipo drupa, simples monocárpico (proveniente de gineceu unicarpelar, resultante de um ovário apenas), que possui consistência carnosa em relação ao seu pericarpo (espesso e suculento), classificado quanto à sua deiscência de indeiscente (não abre quando maduro) e quanto ao pericarpo (parede do fruto), é lignificado (endocarpo), que constitui o caroço nas drupas (VIDAL e VIDAL, 2003). Assim, o seu fruto é enorme, coberto por uma grossa camada de fibra ou “casca”, sendo que essa casca dura envolve uma camada de endosperma sólido (polpa de até 2 cm), comestível e rica em óleo, e uma cavidade central que contém o endosperma líquido ou “água de coco”, destacando que todas 614 as partes da planta têm usos alimentícios e não alimentícios, incluindo o caule e as folhas, usados na construção e no artesanato (BAUDOUIN, 2020). O coqueiro tem muitos diferentes usos, envolvendo todas as partes da planta, desde a raiz (uso medicinal) até a broto terminal (uma deliciosa salada) (BATUGAL 2005; BAUDOUIN, 2020), que servem para a economia humana, tanto para a sua contribuição para as cadeias alimentar e não alimentar tem um impacto significativo no bem-estar socioeconômico de grandes populações rurais no mundo tropical, que dependem dele (SALUM et al., 2020), pois se extrai ou aproveita quase tudo, desde o fruto até seu uso como paisagismo, devido principalmente pelas suas características morfológicas como, tronco simples, ereto ou levemente curvado, irregularmente anelado, com folhas de até 3m de comprimento, pêndulas, largas, com folíolos de coloração verde-amarelada, rígidas e suas flores brancas reunidas em cachos de até 1m de comprimento (HORTO BOTÂNICO, 2022a). A produção da espécie depende sobretudo da polinização, que ocorre principalmente por anemofilia, contudo insetos visitam suas inflorescências em abundância, pois de acordo com a as características das inflorescências do coqueiro, há uma disposição das folhas e dos cachos, em espiral (em uma espádice), o que facilita a locomoção de numerosos insetos e pode favorecer a polinização cruzada (MUNIZ et al., 2020). O caule do coqueiro, é do tipo estipe, que tem tecido com uma orientação não uniforme dos feixes fibrovasculares e distribuição de densidade também, provavelmente influenciando as propriedades mecânicas do coqueiro e a capacidade de resistir a condições climáticas extremas, como a sua eficiência mecânica para resistir as forças externas como gravidade (biomassa), vento e água da chuva, e isso é dependente da relação característica entre sua forma (morfologia), estrutura do material (anatomia) e a função, visto que essa relação para coqueiros (planta monocotiledônea) difere significativamente da madeira dura ou macia (plantas dicotiledôneas) e até mesmo de outras espécies de palmeiras (GONZÁLEZ et al., 2014). O Sudeste Asiático é considerado o centro de origem do coqueiro (C. nucifera L.), visto que, nesta região, a espécie apresenta ampla diversidade morfológica (AZEVEDO, 2014), sendo também o local inicial de domesticação (LOIOLA, 2014). A sua dispersão natural, ocorreu por correntes marítimas, conseguindo se estabelecer em regiões costeiras, principalmente regiões tropicais, mas sua dispersão também foi 615 pela ação antrópica, de modo inicial, principalmente pelos navegadores (AZEVEDO, 2014). Para que a disseminação natural do coqueiro ocorra com sucesso é necessário que haja um equilíbrio entre o número de frutos e o tamanho do fruto. Por um lado, o maior número de frutos aumenta as chances do coqueiro alcançar diversos locais e de se estabelecer, mas por outro lado, os frutos maiores aumentam a capacidade do coco flutuar nas correntes marítimas e permanecer viáveis, até atingir um local (LOIOLA, 2014). O número de variedades de C. nucifera não é definitivamente conhecida, mas é geralmente aceito que todas as variedades de coco atuais derivam desta espécie, sendo que a seleção natural e artificial levou à criação de três grupos varietais principais: alto ou typica; anão ou nana; e híbridos (IGNÁCIO, MIGUEL, 2021 e PERERA et al., 2020). Assim, existem dois tipos principais de coco: o coco alto e robusto, de crescimento rápido e principalmente polinização cruzada, enquanto o coco anão, que cresce lentamente e se autopoliniza (BAUDOUIN, 2020). Variedades altas podem crescer até 15 – 24 m de altura e que entre seis e dez anos após a germinação, produzem frutos de tamanho médio à grande, que contêm alta qualidade, comumente usados na produção de óleo de coco (IGNÁCIO e MIGUEL, 2021). Além disso, essa espécie apresenta dentro dessas variedades (alta e anã), três sub-variedades: verde, vermelha e amarela (ALVES e MÜLLER, 1995). De acordo com a classificação do germoplasma do coco no Sri Lanka, há três variedades, a saber, typica (alto), nana (anão) e uma nova variedade aurantiaca, que incluiu cocos de altura intermediária entre os tipos alto e o anão (PERERA et al., 2020) e as principais característica gerais que definem os diferentes fenótipos de coco estão expressas na Tabela 2. Tabela 2 – Características gerais que definem os tipos alto, anão e intermediário de coco* Característica Alto Anão Estatura Alto e resistente Baixo Folhas grandes e compridas Grande Folhas pequenas e curtas Pequeno Verde, laranja, amarelo ou castanho Forma da copa Tamanho do fruto Cor do fruto Verde a castanho avermelhado Intermediário Intermediário entre alto eanão Tamanho intermediário Pequeno Principalmente amarelo acastanhado *Adaptado de Perera et al. (2020). 616 Em comparação com as variedades altas, as variedades anãs são mais baixas em altura (5 – 18 m), produzem frutos menores e iniciam a produção de frutos três a cinco anos após plantio (IGNÁCIO e MIGUEL, 2021). Frutos de variedades anãs são amplamente utilizadas como fonte de água de coco fresca no mundo (IGNÁCIO e MIGUEL, 2021), porém, as classificações mundiais de coco não incluem alguns dos diferentes fenótipos presentes em certos países, que e apresentam estatura semi-alta ou semi-anã, havendo uma necessidade grande de desenvolver uma classificação padronizada em todo o mundo (PERERA et al., 2020). O coqueiro, como descrito anteriormente é uma palmeira que está presente em vários países, mas algo importante de se destacar, é que habita áreas costeiras e terrestres próximas na maioria dos trópicos (SALUM et al., 2020), sendo assim, cultivado em regiões tropicais em todo o mundo (IGNÁCIO e MIGUEL, 2021) em mais de 12 milhões de hectares, distribuídos em mais de 90 países tropicais e subtropicais (ADKINS et al., 2020), onde há melhores condições de cultivo, como: solos arenosos, intensa radiação solar, umidade e boa precipitação (FERREIRA et al., 2018), mas apenas cerca de 50 países até o momento o utilizam comercialmente para geração de renda, além dos conhecidos tradicionais e usos domésticos (SALUM et al., 2020). 3.1 Principais produtos obtidos do coqueiro C. nucifera, seus usos e composição Quase todas as partes da palma podem ser utilizados, desde alimentos saudáveis, bebidas, medicamentos, cosméticos, casas, móveis, artesanato e bioenergia (ALOUW et al., 2020). Em nosso país, o coqueiro é explorado, basicamente, para uso do fruto verde (água-de-coco) e seco (uso culinário e agroindústria de alimentos). Nas agroindústrias sua utilização ocorre na fabricação de leite de coco, coco ralado, na conservação de água-de-coco, entre outros (LOIOLA, 2014), como pode ser observado na Figura 1. 617 Figura 1. Uma visão geral dos produtos alimentícios produzidos a partir do fruto do coco usando o processo de secagem. Adaptado de Dayrit e Nguyen, 2020. Os produtos obtidos do coqueiro são inúmeros, pois todas suas partes, como raiz, caule, folha, inflorescência e fruto são empregados para fins artesanais, alimentícios, nutricionais, agroindustriais, medicinais e biotecnológicos, entre outros (CARVALHO et al., 2006), proporcionando um crescimento internacional na produção e comercialização de coco, onde os produtos obtidos do coqueiro vêm permitindo gerar divisas, essencialmente, pela produção de coco, óleo e coco desidratado, além de novos e outros subprodutos (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014), porém, um de seus principais produtos é a água-de-coco. A água-de-coco verde é uma bebida refrescante, agradável ebastante consumida, não somente por suas qualidades sensoriais, mas também pelas suas funções nutricionais e terapêuticas, por apresentaruma composição rica em açúcares e sais (ROSA e ABREU, 2000) e em alguns países onde a deficiência nutricional na população é alta, a água-de-coco é utilizada como substituta de produtos proteicos (CARVALHO et al., 2006). Na água (albúmen líquido), são encontrados carboidratos, gordura e proteínas, possuindo também diversos minerais como: sódio, potássio, cálcio, magnésio, ferro, cobre, fósforo, enxofre e cloro (ALVES e MÜLLER, 1995). A águade-coco apresenta composição de aminoácidos semelhante ao do leite, porém com maior porcentagem de arginina, alanina, cistina e serina na água-de-coco, e em menores proporções de outros aminoácidos (CARVALHO et al., 2006). 618 A caracterização físico-química da água-de-coco está destacada na Tabela 3, da variedade anão verde, quando apresenta 7 meses de idade, pois conforme destacado por Rosa e Abreu (2000), o líquido começa a se formar em torno do 2º mês após a abertura natural da inflorescência, atingindo valor máximo por volta do 5º ao 7º mês, sendo este o período recomendado para a colheita. Em geral, esta é a época em que a água-de-coco também se encontra com máximoteor de açúcares e mais saborosa. A partir daí, há redução nestes valores, até o completo amadurecimento do fruto, no 12º mês (ROSA e ABREU, 2000). Tabela 3 – Caracterização físico-química da água-de-cocodo fruto com 7 meses de idade, da variedade anão verde* Item Sacarose Glicose Frutose P Ca Na Mg Mn Fe Valor 280 (mg/100mL) 2378 (mg/100mL) 2400 (mg/100mL) 7,40 (mg/100g) 17,10 (mg/100g) 7,05 (mg/100g) 4,77 (mg/100g) 0,52 (mg/100g) 0,04 (mg/100g) Item K Acidez pH Sólidos totais Brix Vitamina C Glicídeos totais Proteína Valor calórico Valor 156,86 (mg/100g) 1,11 (%v/p) 4,91 5,84 (g/100g) 5,00 1,2 (mg/100mL) 3,46 (g/100g) 370 (mg/100g) 27,51 (Cal/100g) *Adaptado de Rosa e Abreu (2000). O desenvolvimento de técnicas de industrialização, que conseguiram manter as características nutricionais e o sabor da água-de-coco, foi de grande importância para o melhor aproveitamento deste produto, garantindo mercado juntamente com outros produtos já estabelecidos como leite de coco, coco ralado e a copra (polpa do coco madura e seca), produtos comerciais e muito utilizados no Brasil (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014). A polpa, que é parte sólida interna do fruto do coco, também chamada popularmente de a carne do coco (albúmen sólido), é rica em gordura, carboidratos e moderada quantidade de proteínas, porém apresenta alto valor nutritivo, pois em cada 100 g de albúmen sólido são encontradas 151 U.I. de tiamina, 1 mg de ácido ascórbico (vitamina C), traços de vitamina A, 0,2 mg de vitamina E e traços de vitamina B (ALVES e MÜLLER, 1995). A maioria dos países que cultivam essa palmeira, utilizam para produção defrutos, com os objetivos de explorarem comercialmente a copra para produção de 619 óleo e coco seco desidratado, mas no Brasil, o coqueiro é cultivado com a finalidade de produzir frutos destinados à agroindústria para produção principal de coco ralado e leite coco, além da água de coco (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014). Da amêndoa ou polpa albuminosa do cocomaduro obtém-se, o coco ralado e o leite de coco, produtos que são usados nas indústrias alimentícias, mas também pode se realizar a extração do óleo; e para obtenção desses produtos, recomenda-se que seja a partir de frutos colhidos entre 13 a 14 meses após a polinização, observando se o fruto possui umidade baixa, recomenda-se a não utilização produção de leite e coco ralado e sim para produção de óleo (CARVALHO, 2007). Assim, da polpa do coco maduro, crua ou seca (copra), pode ser utilizada para a produção de leite de coco, coco ralado, óleo de coco, manteiga de coco, farinha de cocoe derivados destes (SILVA et al., 2022). Ainda no que tange aos principais produtos produzidos ou extraídos do coco, o leite de coco é muito importante para vários países, tanto para produção de pratos culinários típicos, como também, grande parte da população dos países tropicais, como da Ásia, América do Sul e África, utilizam o coco como parte da dieta e como meio de subsistência, devido principalmente ao seu uso nas refeições, que são preparadas com leite ou óleo de coco (SANTOS et al., 2019). O leite de coco constitui-se um sistema disperso, formado de gorduras, proteínas, açúcares, sais minerais e água, sendo os lipídios e a água os componentes predominantes (CARVALHO, 2007). A sua produção é realizada a partir das polpas frescas de cocos maduros devidamente selecionadas, as quais são submetidas à retirada da testa (película marrom que recobre o endosperma e pode conferir amargor), lavagem, trituração e prensagem, sendo que após a prensagem há obtenção do leite de coco (líquido) e de uma massa (bagaço) que poderá ser aproveitada para produção de coco ralado ou farinha de coco (SILVA et al., 2022). Em relação ao óleo de coco, esse pode ser utilizado para várias finalidades, desde a culinária, até para fins terapêuticos, como por exemplo calmante (CARVALHO, 2007) e para sua extração, diferentes técnicas podem ser aplicadas para obtenção do óleo, as quais são modificadas em relação ao tratamento da polpa, forma de extração (química ou física – mecânica, térmica) e tratamento do óleo após a extração, sendo que o produto final contém os seguintes ácidos graxos majoritários, ácido láurico (45-53%), mirístico (16-21%), palmítico (7-10%), caprílico (5-10%) e cáprico (5-8%) (SILVA et al., 2022). 620 Essas características do óleo, proporcionaram o aumento do consumo de óleo de coco e produtos relacionados, sendo que algumas razões para o aumento da popularidade do óleo de coco são a sua defesa na promoção de benefícios à saúde, principalmente relacionados às doenças cardiovasculares, dentre outras (SANTOS et al., 2019). O óleo de coco, foi por mais de um século, a principal oleaginosa do mercado internacional, antes de ser substituído pelo dendê (Elaeis guineensis Jacq.) (BAUDOUIN, 2020). Esse óleo é extraído do endosperma do coco maduro, visto que este acumula elevado teor lipídico (SILVA et al., 2022), sendo assim, deve ser incluído apenas dentro de 10% da ingestão calórica total e considerado semelhante a qualquer fonte de ácido graxo saturado em seus efeitos adversos sobre lipídios e doenças cardiovasculares (SANTOS et al., 2019). Segundo esses mesmos autores, é importante salientar que, com base em uma revisão realizada por eles, nenhum dado é valioso para apoiar as alegações sobre o valor do óleo de coco como queimador de gordura, bem como também, que não foi demonstrado que influencie a termogênese ou à saciedade. Além do óleo de coco, e dos demais produtos acima abordados, a produção ou extração desses produtos, gera resíduos industriais ou também gera subprodutos do beneficiamento, como como é o caso da geração de resíduos das cascas de coco não reaproveitadas (MACHADO et al., 2020), sendo as cascas descartadas principalmente como resíduos, no entanto, essas porções da planta servem como recurso potencial para fibras naturais (ADENIYI et al., 2019). O fato de possíveis utilizações e o aproveitamento dos resíduos da casca do fruto, promoveu e promove o desenvolvimento de inúmeras pesquisas, desenvolvendo possíveis usos, como a substituição parcial do cimento Portland em argamassas com a utilização das cinzas da casca do coco verde (GUIMARÃES et al., 2017). Na indústria convencional do coco maduro, este resíduo é largamente usado como combustível para caldeiras, beneficiamento de fibras, manufatura de cordoalha, tapetes, estofamentos e capachos, porém, no caso do fruto imaturo (verde), que tem alta umidade (cerca de 85%) e também as características da fibra do coco imaturo inviabilizam algumas aplicações usualmente empregadas com a casca do coco maduro (ROSA e ABREU, 2000), contudo, o aproveitamento da casca do coco, tanto 621 verde, quanto madura, devem se tornar uma atividade viável, sendo mais uma alternativa de lucro para os sítios de produção (SILVA et al., 2022). O aproveitamento da casca de coco tem várias potencialidades, dentre elas, como substrato orgânico ou cobertura morta para cultivos agrícolas, fabricação de carvão ativado ou incorporação na formulação de elastômeros, aumentando a sua resistência mecânica (ROSA e ABREU, 2000). Os compósitos poliméricos reforçados com fibras naturais desempenham papéis importantes na produção de materiais ecologicamente corretos devido ao seu alto módulo, resistência meticulosa e redução da pegada de carbono no meio ambiente (ADENIYI et al., 2019). Porém, fibras vegetais possuem uma baixa interação com a matriz polimérica, em virtude de seu caráter hidrofílico quando comparado à matriz polimérica, hidrofóbica (WEARN et al., 2019). Para isso, a modificação da superfície da fibra (tratamento da fibra) é vista como melhorar o desempenho desses compósitos, pois melhora a adesão interfacial fibra/matriz, aumentando assim o acima propriedades mencionadas, e o método de tratamento mais popular é a alcalinização por NaOH, pois os compósitos de coco não tratados são mais suscetíveis a alta absorção de água (ADENIYI et al., 2019). Assim, além da água de coco e outros produtos abordados anteriormente, há também outros produtos derivados, como o vinho de coco, vinagre de coco, gordura de coco e manteiga de coco, dentre outros, onde esses produtos têm sido destacados na literatura pelos seus efeitos benéficos e sendo cada vez mais reconhecidos mundialmente pelos usuários, tornando-se o coco, um dos alimentos funcionais mais atraentes nos últimos anos (ADKINS et al., 2020). 3.2 Aspectos Sócio-econômicos A planta é considerada uma das espécies perenes de maior relevância do mundo, porque detém a capacidade de gerar emprego e, consequentemente, arenda em vários países, seja mediante o consumo de seus frutos in natura oupela industrialização, bem como de outros órgãos desta planta (raiz, estipe, inflorescência, folhas e palmito), originando mais de 100 produtos e subprodutosde significativo valor econômico (AZEVEDO, 2014). Além disso, contribui para o paisagismo, principalmente utilizado em projetos paisagísticos com aspecto tropical (GONÇALVES 622 e SEGOVIA, 2020), ou projetos que necessitem de caules inclinado ou encurvado (SALVIATÍ, 1993). Apesar das inúmeras aplicações e usos do coqueiro, o fruto e os produtos derivados do fruto, ainda seguem sendo um dos principais produtos, sendo responsável pelo maior interesse econômico dessa espécie, e a água de coco, ou também chamada de isotônico natural, é uma importante fonte de renda, que pode ser em escala formal, pelas grandes indústrias de beneficiamento do coco, ou pelo mercado informal de venda, muito comum no litoral do país e até mesmo nos centros urbanos (MACHADO et al., 2020), sendo que o mercado de produtos de coco é segmentado com base no tipo, aplicação, forma e região (RESEARCH e MARKETS, 2022). A comercialização da copra do coco também evoluiu muito nos últimos anos, tendo esse aumento se destacado em mais de 70% nas últimas décadas e os países que mais dominam esse mercado são principalmente asiáticos (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014). Atualmente o coco é cultivado em aproximadamente 12 milhões hectares de terra em todo o mundo (COGENT 2017; ALOUW et al., 2020), produzindo entre 60 e 70 bilhões de frutas por ano (ALOUW et al., 2020). No Brasil, a produção de Coco-dabaía no Brasil, segundo dados do IBGE (2020), foi de 1.639.226 mil frutos, sendo o estado com maior produção, o estado do Pará, com valor dessa produção de 1.149.030 mil reais. Essa produção advém de 25.170 mil pés (unidades), segundo dados IBGE (2017). O mercado global de produtos derivados do coco da Bahia foi avaliado em US$ 11,5 bilhões em 2018 e deve chegar a US$ 31,1 bilhões até 2026, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 13,6% entre 2019-2026 (RESEARCH e MARKETS, 2022). A crescente demanda, tanto pelos produtos tradicionais, quanto pelos novos produtos derivados do coco (alimentos, bebidas e cosméticos), aumentam a demanda por frutos, e isso vem impulsionando o mercado globalmente, no entanto, o atual nível de produção tem lutado para acompanhar essa demanda de mercado (ALOUW et al., 2020), contudo, aumento na produção é resultante, principalmente, da expansão das fronteiras agrícolas, sobretudo, do incremento da comercialização do coco verde para atender o crescente mercado da água-de-coco, uma vez que a produção de frutos ainda é baixa, isto é, 20 a 30 frutos/planta/ano, porém, o potencial do coqueiro pode 623 ser de até cinco (coqueiro híbrido) a sete (coqueiro anão) vezes essa produção, dependendo da cultivar empregada e da tecnologia aplicada (LOIOLA, 2014), necessitando de maiores estímulos de pesquisas a serem realizados nessa área. 3.3 Cultivo do coqueiro C.nucifera A cocoicultura tem despertado interesse de produtores pelo curto período de produção, a possibilidade de colheita no decorrer do ano, pela comercialização do produto e ser outra fonte de renda para a unidade produtiva (BAPTISTELLA e COELHO, 2021). Infelizmente, a maioria das áreas de cultivo de coco já foi florestada e, em algumas regiões como as ilhas do Pacífico, ainda é a principal causa do desmatamento, como por exemplo, o desenvolvimento de grandes "propriedades de coco" tornaram-se uma atividade dominante de uso da terra, principalmente durante o século 20, pelos europeus, e florestas e pousios antigos foram transformados em plantações de coco (KUMAR e KUNHAMU, 2022). A evolução tecnológica e o avanço de técnicas de cultivo adequadas aos novos preceitos da sociedade vêm possibilitando a inserção de pequenos produtores às melhores condições de vida em diversas regiões do mundo (LOIOLA, 2014) e concomitantemente vêm possibilitando, principalmente em agroecossistemas frágeis, a inserção de pequenos produtores em melhores condições de vida, nas diversas regiões do mundo (FERREIRA et al., 2018). As áreas de cultivo, em sua maioria, são conduzidas por pequenos produtores, em pequenas propriedades dotadas de solos arenosos além disso, ressalta-se que cerca de 90% da produção de coco do mundo advém de pequenos agricultores, com áreas de até 5 hectares, sendo que esta produção é praticamente consumida internamente nos países produtores (LOIOLA, 2014). O cultivo do coqueiro no Brasil é tradicionalmente e predominantemente realizado no litoral doNordeste, região onde se concentra as principais agroindústrias de coco (LOIOLA, 2014), mas nos últimos trinta anos as áreas desse cultivo vêm tendo uma atenção especial em outras regiões do Brasil, principalmente no Sudeste, Centro Oeste e Norte do país (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014). A comercialização e produção do coco-da-baía (C. nucifera Linn), por exemplo, vem ganhando espaço na região acreana, nos últimos anos, ainda mais com 624 o incentivo do governo do estado do Acre, que vem auxiliando os produtores rurais do Vale do Juruá a partir de 2015, e com isso o estado também entrou no mapa de produção de coco no Brasil (MACHADO et al., 2020). A área plantada de coqueiro no país se distribui entre as variedades de coqueiro-gigante e coqueiro-anão e híbridos (resultado do cruzamento do coqueiroanão com o coqueiro-gigante, com dupla finalidade comercial, destinado tanto para consumo in natura quanto para uso agroindustrial (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014). O híbrido intervarietal (anão x gigante) é o tipo principal de cultivar utilizada mundialmente, nos programas de fomento à cultura do coqueiro (LOIOLA, 2014). O coco anão vive, em média 20 anos, ou seja, bem menos tempo do que o centenário coqueiro comum, sendo que para cultivares comerciais esse período de duas décadas possibilita o desenvolvimento de novas variedades com vantagens agronômicas e econômicas (BAPTISTELLA e COELHO, 2021). Embora os coqueiros anões produzam mais cedo que os gigantes e tenham boa produção, a polpa tem tendência a ser mais macia e flexível, de qualidade inferior a dos coqueiros gigantes, sendo empregados exclusivamente para água-de-coco (ROSA e ABREU, 2000). Em relação ao cultivo, muitos países vêm usando os mesmos híbridos de coco, há mais de 20 anos (BANDUPRIYA et al., 2020), além disso, há uma alta proporção de palmeiras senis (acima de 80 anos) no campo e isso contribui para a baixa produtividade (ALOUW et al., 2020), necessitando uma com revitalização dos coqueirais. A baixa produtividade também pode ser explicada pela falta de água, pois muitos cultivos não utilizam sistemas de irrigação, o que contribui para a queda da produção (BAPTISTELLA e COELHO, 2021). Infelizmente, além dos fatores acima abordados, o cultivo de coco também está ameaçado, pois as plantações de coco vêm enfrentando diversos outros desafios, como pragas e doenças emergentes, além dos efeitos nocivos das mudanças climáticas (SÁENZ-CARBONELL et al., 2020). Dentre as pragas que atacam a cultura do coco (C. nucifera), no Brasil, se destaca o ácaro da necrose, Aceria guerreronis, pois esta praga danifica os frutos nos primeiros estágios de desenvolvimento, podendo acarretar perdas parciais ou totais na produção de frutos (ALENCAR et al., 2021), no entanto, isso depende do estado, país e do clima de cada região produtiva, podendo ter outras (ALOUW et al., 2020). 625 Portanto, esforços precisam ser realizados em todo o mundo para replantar plantações envelhecidas com cocos selecionados por sua alta produtividade e resistência/tolerância a pragas e doenças, o que requer um requer um sistema inovador de propagação, de maneira a não perder a diversidade genética (SÁENZCARBONELL et al., 2020; PERERA et al., 2020), bem como o uso de práticas agronômicas atualizadas, como a consorciação com outras culturas, pois a cultura do coqueiro favorece a consorciação com culturas anuais e perenes emtodas as fases de seu cultivo e o manejo com animais na fase adulta de exploração, minimizando assim os custos para a implantação dos coqueirais, além derepresentar mais uma fonte de renda para o produtor, favorecendo a fixação do homem nocampo (LOIOLA, 2014). Ademais, combinações de culturas que incluem uma variedade de espécies, particularmente culturas arbóreas, têm o potencial de aumentar o sequestro de carbono e, ao mesmo tempo, fornece diversos serviços culturais e de abastecimento (KUMAR e KUNHAMU, 2022). 3.4 Sustentabilidade da “Árvore da Vida” A demanda de coco no Brasil e no mundo impulsiona a cadeia produtiva e a constante evolução técnica e tecnológica de maneira a propiciar a expansão de área de cultivo e, principalmente, ao incremento da produtividade aliados aos novos preceitos da sociedade no que diz respeito ao caráter social, econômico e ambiental da exploração da cultura (MARTINS e JESUS JÚNIOR, 2014). Na busca de estratégia para a sustentabilidade dos sistemas de produção de coco e a manutenção da diversidade dos recursos genéticos é cada vez mais necessário aliar a tecnologia com o uso de práticas agronômicas e biotecnológicas modernas de manejo cultural, além da diminuição do uso de insumos e buscar a integração de diferentes formas de vida no cultivo (KUMAR e KUNHAMU, 2022, ADKINS et al., 2020; IGNÁCIO e MIGUEL, 2021). Globalmente, os recursos genéticos do coco estão ameaçados devido a uma taxa relativamente alta deerosão genética causada por vários fatores, incluindo urbanização e industrialização, desenvolvimento de infraestrutura, mudança do cultivo de coco para dinheiro de alto valorculturas, desastres naturais e estresses bióticos, e pragas e doenças, além disso, oreplantio em larga escala de cocos de um número relativamente pequeno de plantas de alto rendimentocultivares melhoradas, 626 especialmente em áreas de coqueiros naturais onde a genética diversidade é alta, resulta na diminuição da diversidade genética do germoplasma de coco (PERERA et al., 2020). Análises filogenéticas são importantes, inclusive para caracterizar a diversidade genética do germoplasma do coco e a caracterização do germoplasma é importante também para programas de melhoramento do coco (MURSYIDIN e AHYAR, 2022). Há algumas décadas, a identificação, coleta e conservação dos recursos genéticos do coco eram reconhecidos como um objetivo importante em países produtores de coco e mais tarde se expandiu para ser um fenômeno deinteresse internacional, principalmente porque o futuro do melhoramento de coco seriacom base na disponibilidade de germoplasma diversificado, sendo inclusive fundado em 1992 InternationalCoconutGeneticResources Network (COGENT) (PERERA et al., 2020), que visa promover a colaboração para a conservação e uso de recursos genéticos de coco e que atualmente é composto por 39 países membros que, todos juntos, representam mais de 90% da produção mundial de coco (BOURDEIX et al., 2020). No ano de 1997, a COGENT iniciou um programa de coleta e conservação de recursos genéticos do coco, que foi financiado pelo Banco Asiático de Desenvolvimento (PERERA et al., 2020). Ao longo do últimas duas décadas, laboratórios em diferentes países progrediram e estabeleceram protocolos de propagação clonal de coco utilizando diferentes tipos de explantes e esses métodos incluem não apenas plúmulas retiradas de embriões zigóticos, mas também tecidos de inflorescências imaturas para poder clonar palmeiras verdadeiras (SÁENZ-CARBONELL et al., 2020). Aplicações, incluindo o uso do método para a coleta de germoplasma, a conservação (criopreservação) e a disseminação do germoplasma de elite, e o início da propagação clonal (via embriogênese somática) também são importantes (BIDDLE et al., 2020). Assim, aplicações para conservação e movimentação segura de germoplasma, propagação clonal, valorização de produtos alimentícios e promoção de meios de vida sustentáveis (ADKINS et al., 2020) são importantes para a realização de cultivos adequados, pois o melhoramento genético para características desejáveis é identificado como vital para melhorar a produtividade de coco em todo o mundo e as ferramentas biotecnológicas (Figura 2) são muito importantes para superar as deficiências das abordagens tradicionais (BANDUPRIYA et al., 2020). 627 Figura 2. Novas tecnologias estão desvendando os segredos do coqueiro. A combinação da genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica com a bioinformática está gerando uma nova compreensão do coco, que revolucionará seu cultivo e usos no futuro. Adaptado de Ignacio e Miguel (2021). Com a introdução dos marcadores moleculares no final do século XX houve um avanço substancial na genética de plantas, como adesenvolvimento de marcadores moleculares específicos, inclusive para o coco, para serem usados na reprodução, melhoramento genético e, finalmente, aconservação do coco (SALUM et al., 2020). Recentemente, um esboço da sequência do genoma do coco foi publicado, enquanto os estudos sobre a transformação do coco também estão em progresso (BANDUPRIYA et al., 2020). Pesquisas devem ser realizadas, por meio de uma colaboração mundial, para continuar melhorando os protocolos e tornando-os mais eficientes e acessíveis, desde conhecimentos básicos, desenvolvimento de plântulas e conservação de linhagens embriogênicas, sendo que além disso, é necessário fortalecer pesquisa sobre melhoramento de coco para características relacionadas não apenas à produtividade e manejo de pragas/doenças, mas também tolerâncias à seca e ao calor para lidar com mudanças nas condições climáticas (SÁENZ-CARBONELL et al., 2020). Outra questão importante é a classificação padronizada em todo mundo dos coqueirais, pois é importante para que abranja uma extensa avaliação e caracterização de diferentes tipos/formas de coco cultivados em todo o mundo, 628 contribuindo para bancos de genes e com isso promovendo o melhor aproveitamento germoplasma de coco em programas de melhoramento (PERERA et al., 2020), pois novas técnicas genômicas em breve contribuirão para encurtar e otimizar a coleta, reprodução e programas de clonagem (BOURDEIX et al., 2020), que vão revolucionar seu cultivo e usos no futuro (IGNÁCIO e MIGUEL, 2021) 4. DENDEZEIRO (Elaeis guineenses) O dendezeiro, Elaeis guineensis, é uma espécie pertencente à família Arecaceae oriunda do Continente Africano. O gênero Elaeis (do grego “Elaion”, que significa óleo), possui duas espécies de palmeiras muito conhecidas (Elaeis guineenses e Elaeis oleífera) pelo seu principal produto, o óleo. Essas palmeiras-deóleo são plantas pertencentes a família Arecaceae. Ambas as espécies são utilizadas na agricultura comercial para produção de óleo de palma, sendo que E. guineensis é a principal fonte de óleo de palma comestível no mundo, enquanto E. oleifera é mais cultivado para a produção local do óleo de palma. O dendê africano, Elaeis guineensis Jacq. é nativo da África Ocidental, enquanto a palmeira Caiaué, Elaeis oleifera (Kunth) Cortés, é nativa de regiões tropicais, América Central e América do Sul. O dendê africano também apresenta outros nomes populares, como: palma-de-guiné, dendê, palmeira dendê, dendem, palmeira-dendem, coqueiro-de-dendê (JARDINE e BARROS, 2022; HORTO BOTÂNICO, 2022b). Elaeis guineensis Jacq. é uma monocotiledônea perene, que em idade adulta apresenta uma coroa com 30 a 45 folhasverdes de 5 a 9 m de comprimento, no alto de um caule do tipo estipe cilíndrico único (Figura 3) e além disso, se caracteriza reprodutivamente, como uma planta monoica, produzindo inflorescências femininas e masculinas na mesma planta, as quais se alternam em um ciclo de duração variável que depende de fatores genéticos, condições ambientais e idade do vegetal, em que essas características favorecem a polinização cruzada e além do mais, o vegetal tem, preponderantemente, polinização entomófila (CHAGAS et al., 2019), sendo que a produção é constituída de cachos de frutos tipo drupa (RODRIGUES et al., 2002). 629 Figura 3 – Coqueiro-de-dendê (Elaeis guineensis Jacq.). Fonte da imagem: Horto Botânico (2022b). O número de frutos por cacho pode chegar a 3.000, mas o númeromédio situase por volta de 1.500, representando 60% a 70% do pesodo cacho. O fruto é uma drupa séssil de forma bastante variável. Medede 2 cm a 5 cm de comprimento e pesa de 3 g a 30 g. É composto poramêndoa, endocarpo ou casca, mesocarpo ou polpa e epicarpo ouepiderme (CUNHA et al., 2007). O fruto da palma produz dois tipos distintos de óleos: óleo de palma bruto, a partir do mesocarpo e óleo da amêndoa (palmiste), a partir do interior do caroço. O óleo de palma bruto também é chamado de óleo de palma vermelha devido à sua elevada concentração de carotenoides (KELLENS et al., 2007). O óleo ou o azeite de dendê, é o produto derivado do mesocarpo carnoso do fruto do dendezeiro (FAO, 2022). Trata-se de uma palmeira que é cultivada, portanto, em zonas equatoriais, tais como a África, o sudeste asiático e América Central e do Sul. A Indonésia e a Malásia são os principais produtores de óleo de palma, seguidos da Tailândia, Colômbia e Nigéria. De fato, o óleo de palma é o óleo vegetal mais comercializado no mundo e 90% de seu uso é para consumo alimentar e 10% do consumo está relacionado à indústria, como produção de cosméticos ou combustíveis. O dendezeiro ou palma de óleo africana (Elaeis guineenses, Jacq), se destaca entre as espécies oleaginosas devido ao fato de apresentar a maior produtividade, 4 630 a 6 t de óleo/ha/ano e pela grande versatilidade de seu uso nas indústrias: alimentícia, farmacêutica, cosmética, higiene e limpeza, oleoquímica e agroenergética (CRUZ, 2016).Segundo informações registradas no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), extraem-se do fruto da palma o óleo de dendê, e das folhas; e com os cachos dos frutos podem ser produzidos materiais para construção e acabamento de lareiras, sendo que com o tronco pode ser utilizado para a fabricação de móveis (HORTO BOTÂNICO, 2022b). Os produtores associados à Denpasa, localizados no Nordeste Paraense, foram pioneiros no País no plantio comercial de dendezeiros híbridos interespecíficos (HIE) resultantes do cruzamento do dendezeiro africano (Elaies guineensis) com o dendezeiro nativo da Amazônia (Elaies oleifera) (caiauê) (MENEZES et al., 2017). A produção de óleo de palma no Brasil em 2021 atingiu 64 mil toneladas métricas, um aumento de mais de três vezes em comparação com as 20 mil toneladas métricas em 2008. O volume de produção de óleo de palma no país aumenta constantemente desde 2008, enquanto o seu consumo também registrou um salto de mais de 70% no mesmo período. Em 2021, o consumo industrial de óleo de palma no Brasil ascendeu a 347 mil toneladas métricas, contra as 312 mil toneladas métricas consumidas um ano antes. Desde 2017, o consumo industrial de óleo de palma no país cresce, uma tendência também observada na sua produção (STATISTA, 2022). Por exemplo, em 2012 o óleo de palma foi responsável por 32% da produção global de gorduras e óleos. O óleo de palma ultrapassou o óleo de soja como o óleo vegetal mais importante do mundo (OIL WORLD, 2022). Considerando o consumo alimentar, o óleo de palma é utilizado para cozinhar, fritar, e como fonte de vitaminas. De fato, Tyagie Vasishtha (1996) o descreveram como uma rica fonte de vitamina E (600-1000 ppm); coenzima Q10 (ubiquinona) (1825 mg/kg) e esterois (325-365 mg/kg). Ademais, O óleo de palma tem um perfil único de composição em ácidos graxos e triacilglicerol, sendo o único óleo vegetal com quase 50%-50% de composição de ácidos graxos saturados e insaturados, o que o torna adequado para numerosos alimentos, cosméticos, lubrificantes, velas, pastas de dentes e biodiesel. O fraccionamento do óleo de palma produz principalmente palmoleína, líquida, e palmoestearina, a fracção sólida. Estes dados de composição do óleo de palma chamam atenção especialmente no considerável interesse científico em dietas alimentares com conteúdo em substâncias antioxidantes em face da saúde e de doenças. 631 Especialmente, nas últimas décadas o interesse na busca por substâncias que apresentem a propriedade antioxidante vem crescendo bastante. As evidências sugerem que os antioxidantes ingeridos oralmente através da dieta desempenham um papel importante na diminuição do desenvolvimento de doenças crônicas em todo o mundo, tais como doenças cardiovasculares, neoplasias, e doenças neurodegenerativas (NALSEN et al., 2006). Logo, fontes alimentares ricas em substâncias como as vitaminas E e C, licopeno, β-caroteno e polifenóis, por exemplo, ademais de outras, podem assumir um papel importante na prevenção de diversas doenças crônicas. Neste contexto, dada a sua composição química e suas características físico-químicas, o óleo palma está sendo amplamente pesquisado com interesse em suas possíveis atividades antioxidantes e sua eventual relação com a prevenção de enfermidades quando empregado em dietas alimentares. Interessante, por exemplo, os estudos de Mozzon et al. (2013), que relataram resultados sobre a composição e estrutura da fracção glicerídica de óleo de palma bruto obtido de híbridos interespécies Elaeis oleifera x Elaeis guineenses. Naquele trabalho, os autores compararam os resultados obtidos com relação à composição dos híbridos em ácidos graxos e gliceróis com o extrato bruto do óleo de palma nativo da África, e demonstraram diferenças significativas entre os óleos de palma em estudo. O óleo híbrido apresentou um alto percentual de ácido oleico e um menor conteúdo em ácidos graxos saturados. Os autores sugeriram que os extratos híbridos modificaram substancialmente a biossíntese dos ácidos graxos em quantidade superior que o da sua constituição natural em triacilgliceróis. A relevância de seus resultados foi interpretada no contexto do óleo de palma, extraído principalmente de E. guineensis, ter sido criticado durante as últimasdécadas, por ser uma rica fonte de ácidos graxos saturados, especificamente ácido palmítico, e seu uso em alimentos e produtos alimentícios ter sido desencorajado. Destarte a demonstração que uma substituição parcial da dieta de ácido palmítico saturado com ácido oleico monoinsaturado pode ser alcançada consumindo óleo de palma híbrido em vez de óleo de palma africano, foi considerado pelos autores um achado relevante. Em outra relevante pesquisa no tema, Lucci et al. (2016), examinaram o efeito da suplementação com óleo de palma híbrido Elaeis oleifera x E. guineenses nos lipídios do plasma humano relacionados com fatores de risco para doenças cardiovasculares, com o objetivo de verificar os potenciais benefícios para a saúde do consumo de óleo de palma híbrido. No estudo clínico, os autores usaram uma 632 abordagem experimental na qual administraram aos participantes randomizados do estudo, 25 mL de óleo de palma híbrido ou, como controle, 25 mL de óleo de oliva extravirgem – reconhecido como potencial anti-aterogênico e óleo cardioprotector diariamente por três meses. Os autores avaliaram a concentração plasmática de lípidos e o seu potencial como óleo alimentar funcional para a prevenção de doenças cardiovasculares. Após avaliação dos resultados, os autores concluíram no estudo que os efeitos de uma dose diária de 25 mL de óleo de palma híbrido nos lipídeos plasmáticos são comparáveis ao consumo diário de óleo de oliva extravirgem recomendado pelo Foodand Drug Administration (USA). Ademais, os resultados também demonstraram que após três meses de consumo de óleo de palma híbrido, a dose administrada teve um impacto parcialmente favorável sobre fatores de risco para doença cardiovascular: os níveis plasmáticos de triglicerídeos diminuíram 6,3%, enquanto a concentração de LDL-Colesterol diminuiu em mais de 13%. Os resultados da pesquisa permitiram aos autores concluírem que os efeitos da administração do óleo de palma híbrido podem ser atribuídos à sua elevada percentagem de oleico ácido, bem como ao seu elevado conteúdo em tocotrienois, que provavelmente podem levar a mais benefícios nos níveis de colesterol LDL e efeitos antioxidantes, fornecendo portanto suporte ao conceito de que o óleo híbrido de palma de Elaeis oleifera + E. guineenses pode ser visto como o "equivalente tropical do óleo de oliva”. Considerando este panorama, uma outra investigação, de Ojeda et al. (2016), buscou explorar os potenciais impactos e atividade antioxidante do consumo diário de óleo de palma híbrido (25 mL/dia por 3 meses) em adultos de 55-77 anos de idade particularmente vulneráveis a doenças cardiovasculares. Os resultados obtidos foram comparados com os resultados do grupo controle, que recebeu uma quantidade equivalente de óleo de oliva extravirgem. Os autores puderam observar através dos resultados obtidos na pesquisa que a suplementação com 25 mL de óleo de palma híbrido por 3 meses melhorou a capacidade de captação de radicais livres dos sujeitos da pesquisa. As evidências experimentais demonstraram uma melhoria notável nos níveis séricos de compostos fenólicos totais juntamente com um aumento considerável da capacidade antioxidante. Além disso, o óleo de palma híbrido mostrou ter efeitos semelhantes ao óleo de oliva extravirgem, que é considerado o “padrão ouro” entre todos os óleos comestíveis devido às suas propriedades nutracêuticas e funcionais. 633 À parte de seu uso alimentar, é importante salientar que diversos usos terapêuticos do óleo de palma já foram descritos. Na África ocidental, várias partes da árvore E. guineensis são amplamente utilizadas na medicina tradicional. As folhas são usadas para promover a cicatrização de feridas, onde as folhas são espremidas, e o suco obtido é colocado nas feridas para promover a cicatrização. A seiva da planta também é usada como laxante, e o vinho de palma parcialmente fermentado é administrado às mães que amamentam para melhorar a lactação. O sabão preparado com cinzas da casca do fruto é usado para tratar infecções de pele. Um decocto da raiz é preparado para aliviar dores de cabeça. Raízes pulverizadas são adicionadas às bebidas para tratar gonorreia, menorragia e bronquite. O uso popular na forma de remédio à base de óleo de palma inclui o tratamento para câncer, dor de cabeça e reumatismo, bem como uso como afrodisíaco, diurético e linimento (SREENIVASAN et al., 2010; ABDULLAH et al., 2013). Em uma revisão recente, TOW et al. (2021) reconhecem o promissor potencial antioxidante do óleo da palma E. guineenses em vários experimentos; no entanto, como ainda faltam estudos de seus outros efeitos farmacológicos conforme o uso popular, pesquisas futuras devem ser conduzidas usando estudos de concentraçãoefeito, sistemas de solventes e unidades de medida, para permitir uma melhor compreensão e interpretação e resultados. Não obstante, as características dependentes da dose das propriedades farmacológicas do óleo de palma já foram descritas em vários estudos. Portanto, uma investigação é recomendada para a identificação de sua faixa de concentração ótima. Há também efeitos sinérgicos dos fenólicos que compõem o óleo de palma relatados na literatura, e esta lacuna pode ser ainda mais explorada como estratégia de identificação e conhecimento de como este efeito sinérgico pode ocorrer. Embora o óleo de palma tenha sido cientificamente relatado como exibindo amplas propriedades farmacológicas, os metabólitos secundários que foram responsáveis por esses reputados efeitos terapêuticos ainda não são totalmente conhecidos. Ademais, é possível que flavonoides presentes nas folhas de E. guineensis, como catequinas, luteolina, vitexina, isovitexina, orientina e isoorientina, que podem ser responsáveis pelos efeitos farmacológicos como a atividade antioxidante. Com efeito, pesquisas futuras que empreguem grande escala de material vegetal para tentar isolar uma quantidade suficiente de constituintes químicos e marcadores podem ampliar o entendimento de suas atividades farmacológicas e mecanismos de ação. Logo, diversos de seus efeitos e sua 634 empregabilidade terapêutica já descritos, podem ser esclarecidos através de pesquisas futura no campo da química medicinal. Destarte, analisados em conjunto, os dados relatados demonstram a importante contribuição social, econômica, sanitária e ambiental da palma de dendê, e sobretudo apontam para a extrema necessidade de manejo sustentável dessa que desponta como um preponderante e fundamental ser vivo de capital importância para o desenvolvimento de natureza terrestre. 5. CARNAUBEIRA (Copernicia prunifera) A carnaubeira (Copernicia prunifera) é uma espécie que se destacou inicialmente pela sua beleza, nos primórdios das navegações ao Brasil e que com o passar dos anos manteve sua importância devido ao seu destaque nos produtos produzidos a partir de sua matéria-prima. Essa palmeira chamou a atenção de poetas, naturalistas e viajantes que vieram ao Brasil e que até hoje se destaca, não só sobre a sua beleza, mas por apresentar múltiplos usos e de grande importância econômica e social para várias famílias extrativistas. Assim, a multiplicidade do seu uso e a extração de sua matéria-prima de forma sustentável, contribuíram para manutenção e importância dessa espécie por mais de dois séculos, indicando a necessidade da continuidade da preservação dessa espécie, bem como promover e incentivar cada vez mais as boas práticas para a sustentabilidade dessa cadeia produtiva. A espécie Copernicia prunifera (Miller) H.E. Moore, da família Arecaceae, popularmente conhecida como carnaubeira, é um exemplo. Trata-se de uma palmeira nativa do Brasil adaptada ao clima seco da Caatinga, solos arenosos e alagadiços, várzeas e margens dos rios de regiões de clima quente (CARVALHO e GOMES, 2008). Embora ela cresça em outros países de clima tropical é no Brasil que se mantém um cultivo para fins econômicos e, portanto, o único país produtor da cera de carnaúba em escala comercial. A produção da cera está concentrada na Região Nordeste, tendo o Estado do Piauí como principal produtor, seguido do Ceará, Maranhão e Rio Grande do Norte. A população nordestina considera carnaubeira como “Árvore da Vida” devido não só a cera produzida, mas também uma infinidade de usos econômicos (CARVALHO e GOMES, 2008; SOUSA et al., 2015). A Arecaceae é uma das famílias mais características dentre as angiospermas, sendo um importante formador de paisagens em desertos na África, 635 mangues na Ásia, e veredas, babaçuais e carnaubais na América do Sul (GIULIETTI et al., 2009). O nome do gênero Copernicia é em homenagem ao astrônomo italiano Nicolau Copérnico (1473-1543) que desenvolveu a teoria heliocêntrica e que a forma da terra era redonda, assim como a copa da palmeira que também tem forma arredondada. Por estar sempre com tom verde, levemente azulado das folhas, em virtude da cobertura de cera, independente da época do ano é sinônimo de resistência (SILVA, 2017). A palmeira pode alcançar até 15 metros de altura e seu caule reto e cilíndrico e espinhento tem um diâmetro que varia de 10 a 20 centímetros (GIULIETTI et al., 2009) e o nome carnaúba vem de caraná-iba, que veio de caraná, do tupi karaná, madeira cheia de escamas, áspera e arranhento por conta da camada de espinhos que cobre a parte inferior do caule. A carnaubeira é uma espécie que se destacou inicialmente pela sua beleza, nos primórdios das navegações ao Brasil, mas com o passar dos anos manteve sua importância, não só pela beleza, mas devido ao seu destaque nos produtos produzidos a partir de sua matéria-prima. Assim, buscou-se discutir alguns elementos ligados à importância dessa espécie e a sua manutenção por mais de dois séculos na geração de emprego e renda. 5.1 Os Naturalistas e a Carnaubeira A importância e a beleza dessa palmeira chamaram a atenção de poetas, naturalistas e viajantes que vieram ao Brasil (PEDRAS, 2000). O Manuel Arruda da Câmara (1752-1810) foi um médico naturalista e o primeiro brasileiro a relatar a carnaubeira ao percorrer as capitanias do Norte para registrar a natureza e as formas de produzir e utilizar os recursos naturais (MELLO e CÂMARA,1982; CHAVES JUNIOR, 2019). Relatou ao governador de Pernambuco: “mas neste tempo não estava eu tão persuadido, como hoje, da grande utilidade, que êste produto pode dar no uso civil e só o propus como objeto curioso de química” (CASCUDO, 1964). Em homenagem ao botânico Manuel Arruda Câmara foi criado o Parque Zoobotânico oriundo da antiga mata do Róger no Estado da Paraíba e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do (Iphaep) (PMJP, 2015). Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769-1859) em sua jornada nas planícies Rio Orinoco, na Venezuela, vendo a palmeira murichi (muriti, miriti, biriti ou buriti) e o uso que faziam a população, chamou-a de “uma árvore 636 da vida” pela multiplicidade do seu uso entre os indígenas e mestiços. Jean Ferdinand Denis disse em 1837 que “A carnabuba é uma daquelas arvores da vida, como diz o senhor Humboldt ao falar do murichi, uma daquelas palmeiras a que se pode anexar toda a existência de uma aldeia, principalmente em um país árido. Graças à solidez de sua madeira e ao arranjo de sua folhagem, pode-se construir uma cabana comum apenas com carnaúbas, sendo necessário o uso de outros materiais além de um pouco de terra para formar as paredes. Os folhetos, dispostos em leque, são usados para fazer uma série de pequenos itens, como esteiras, chapéus, cestos, cestos; e, além disso, grandes bovinos podem se alimentar deles. Durante os períodos de seca extrema, os animais também recebem o coração da árvore quando ela é jovem e podem se contentar com ele na ausência de outro alimento” (DENIS, 1837). Foi dessa passagem do livro de Ferdinand Denis que se espalhou-se a fama de que Humboldt denominara a carnaúba como "árvore da vida". Em realidade Humboldt nunca chegou a ver uma carnaúba em dias de sua vida (CASCUDO, 1964). O farmacêutico e naturalista alemão Theodor Peckolt (1822-1912) (PECKOLT, 2005) em sua obra que relata as plantas medicinais úteis do Brasil fez a observação sobra a carnaubeira: “Este vegetal resiste tanto as grandes inundações como às mais rigorosas secas. Na Província do Ceará, que é quase sempre flagelada pela seca, desaparecendo os campos verdejantes e até as matas espessas, as florestas de carnaubeiras são as únicas que se conservam em seu belo estado” (DENIS, 1837; CASCUDO, 1964). A seguir na mesma obra comentou “As folhas da palmeira, além de fornecerem cera, servem para cobrir casas, para o fabrico de cestos, leques, chapéus, esteiras, vassouras, papel, etc” (PECKOLT e PECKOLT, 2016). O naturalista M. A de Macedo foi o primeiro a escrever com mais detalhes sobre a carnaúba. Em seu livro logo no início faz uma observação que demonstra o quanto essa palmeira impressionava que com ela se encontrasse e percebesse a sua importância para a população local: “Carnaúba é, de todas as plantas úteis, aquela que é chamada a prestar mais serviços ao homem. No entanto, essa árvore ainda é pouco conhecida fora das regiões onde se origina. Proponho-me, portanto, dar uma breve ideia de algumas das vantagens que já derivamos desta notável palmeira” (MACEDO, 1867). M. A. de Macedo afirma que a cera que Humbolt obteve era diferente a da carnaúba é que palmeira observada por Humboldt em Orinoco cresce em montanhas bem acima do nível do mar e em regiões cobertas de neve. “Pelo 637 contrário, a vegetação do Brasil é pequena e se desenvolve muito lentamente em países onde não existem montanhas altas”. O botânico português Manuel Pio Corrêa (1844-1934) e naturalista do Jardim Botânico do Rio de Janeiro escreveu uma vasta obra em seis volumes chamada de “Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas”. Nessa obra ele traça muitos detalhes sobre plantas úteis do Brasil e, não poderia faltar a carnaubeira, onde ressalta a importância da palmeira em diversas áreas, como tratamento de doenças, e destaca o valor econômico da cera de carnaúba para exportação. Em destaque o trecho: “Entre as numerosíssimas espécies indígenas desta nobre família, a magestosa e elegante CANAHUBEIRA occupa um dos primeiros lugares pela variedade dos produtos que fornece no homem, entre estes a <cera de carnahuba> que, antes do petróleo, alumiou o Brasil inteiro durante dezenas de anos e que depois passou a servir ás artes e ás sciencias, ao mesmo tempo que, annualmente, incorpora aeconomia nacional alguns milhares de contos de reis correspondentes ao valor da sua exportação” (CORRÊA, 1931).A história registra que foram os naturalistas Marcgravee Piso que primeiro deram notícia desta palmeira e o Dr. Arruda Camara ocupou-se posteriormente (1797-1809). Com base no que foi descrito acima, se percebe que dá carnaubeira tudo se aproveita (SILVA et al., 2019), por exemplo: tronco, frutos, folhas, palmito, raízes e as sementes, que vão de usos para alimentação, artesanato, cosméticos e produtos farmacêuticos, sendo que o pó cerífero é o produto de maior importância econômica, por ser utilizado na indústria automobilística, na fabricação de cosméticos, óleos essenciais e na agricultura (proteção e adubação do solo) (MAPA, 2014). Assim, da parte externa das folhas, cortadas e secas, é extraída em abundância uma cera sob forma de pó em cerca de 100 g por uma árvore em um ano. O pó é usado como matéria-prima básica e purificada por fusão, filtração simples ou centrifugação. Os frutos roxos da carnaubeira são bem aproveitados para alimentar animais de criação, mas os frutos verdes quando fervidos em água se tornam moles e pode ser misturado com leite quente servem de alimento (PECKOLT e PECKOLT, 2016). A polpa serve para a produção de farinha e extração de um líquido leitoso. A semente também pode ser usada torrada e moída em substituição ao pó de café. As folhas servem para fazer telhados de casas e as fibras viram sacos, cestos, redes (ISPN, 2021). As raízes têm uso medicinal como diurético (PECKOLT e PECKOLT, 2016). 638 5.2 Cera da Carnaúba A cera de carnaúba (INS 903) é uma cera de origem vegetal obtida da palmeira e como toda cera epicuticular a principal função é melhorar a adaptação da planta às condições climáticas e nesse caso para adaptação as regiões secas do Nordeste, pois esse material ceroso evita a perda excessiva de água, mantendo o balanço hídrico da planta. O seu principal atrativo para é sua dureza e ponto de fusão (78-85oC). É a cera entre a cera natural comercial devido a sua composição de ésteres alifáticos e diésteres de ácido cinâmico. Esta é a cera vegetal mais importante do ponto de vista econômico e com possíveis aplicações, é a mais dura e tem o maior ponto de fusão de qualquer cera natural comercial, tem baixa solubilidade e é predominantemente composta de ésteres alifáticos e diésteres de ácido cinâmico. Seus componentes são relativamente inertes e estáveis, características físico-químicas importantes para diversas aplicações. Devido a estabilidade e ser inerte (não tóxica) a cera de carnaúba tem sido amplamente utilizada em alimentos e produtos farmacêuticos, com autorização de órgãos de vigilância sanitárias, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), FDA (Foodand Drug Administration), FAO (Foodand Agriculture Organization of the United Nações) e pelas agências reguladoras da União Europeia (European Food Safety Authority). A ANVISA permite seu uso como agente de glaceamento de frutas (ex. limão (CARON et al., 2015); maçã (CHIUMARELLI e HUBINGER, 2012); ameixa (KIM et al., 2013); maracujá (MOTA et al., 2006); manga (DANG et al., 2008), e legumes e embalagens de alimentos. Em termos de formulações alimentícias agente de volume, regulador de acidez, transportador e antiaglomerante no tratamento de superfície. A cera pode estar presente em outras formulações de uso geral, como de pasta de óleo, revestimento brilhante, revestimento de papel (KHWALDIA et al., 2006), e como componente de tintas de impressão térmica, discos de vinil, vernizes, lacres, ceras polidoras, ceras para assoalho, atuando ainda como agente impermeabilizante, em embalagens, isolante em materiais elétricos, microencapsulação de sabores para alimentos (flavorizantes), na preparação de filmes comestíveis e super hidrofóbicos e em embalagens biodegradáveis e como matéria-prima para fabricação de velas (FREITAS et al., 2019). Em produtos para o cabelo, a cera de carnaúba confere 639 estabilidade e em emulsões W/O, é usado como estabilizador e modificador de viscosidade. Em outras formulações a composição da cera de carnaúba entra parcialmente na emulsão, pois a cera pura é muito dura e impossível de utilização na forma pura (Figura 4). Para a indústria automobilística a cera de carnaúba é ideal para revestimento da superfície, pois repele a água, tem alta durabilidade (3-8 semanas), proteger a pintura e entrega alto poder de brilho. Figura 4. Usos e composição da cera de carnaúba. Fonte imagem: Vinagre (2021). Essa cera também é usada como desmoldante ou agente para moldagem (ANVISA, 2021), de pães em geral, biscoitos e com ou sem recheio, com ou sem revestimento, confeitaria, bolos, doces e massas, pronto para consumo ou préembalado, massas de bolos, pastéis e confeitaria. Atualmente, pesquisadores de toda parte do mundo buscam novas aplicações para esta cera e novos produtos com novas tecnologias para melhorar as existentes, e por isso, muitas das pesquisas se concentram no uso desta cera na conservação e processamento de alimentos (FREITAS et al., 2019), como é o emprego da cera de carnaúba (revestimento comestível) na conservação de alimentos, resultando em menor perda de massa e maior brilho à superfície dos frutos, por exemplo (ATAÍDE et al., 2017). 640 O encapsulamento de diversos produtos químicos, incluindo cera de carnaúba sob a forma de micropartículas, é um processo para construir uma barreira de proteção entre os produtos alimentícios, medicamentos e cosméticos (MILANOVIC et al., 2011). A tecnologia de microencapsulação de rações tem se tornado uma opção interessante, pois permite maior sincronização da taxa de degradação desse composto no rúmen, fornecendo um substrato para transportar os aminoácidos diretamente para o intestino (NEDOVICA et al., 2011). Assim, por sua alta capacidade de proteção e retenção, alta disponibilidade no mercado e não toxicidade para animais, a cera de carnaúba se destaca como material encapsulante de ureia. Na medicina, é usado em revestimentos de cápsulas, cera dentária e produtos para o tratamento da pele e dos cabelos; além disso, a cera de carnaúba como agente microencapsulante apresenta excelentes resultados quanto à proteção da metionina (CARVALHO NETO et al., 2019), pois o revestimento de cera de carnaúba à base de plantas, mostra melhor desumedecimento do que outras ceras (GUPTA et al., 2021). As características químicas da cera de carnaúba indicam que ser trata de uma mistura complexa de produtos com proporções variadas (COTTOM et al., 2000). Ela contém principalmente ésteres graxos com ácidos graxos de cadeia variando entre C18-C30 (80-85%), álcoois graxos livres com cadeias de 30-34 átomos de carbono (10-15%), ácidos graxos livres (3-6%) e hidrocarbonetos (1-3%). Uma característica interessante dessa cera é a presença diois graxos esterificados (10-20%), ácidos graxos hidroxilados (6%), ácido cinâmico (10%) e outros minoritários (triterpenos, esteres de triterpenos, esteroides, etc.) (ALMEIDA et al., 2017). A cera amarela tipo 1 tem constituintes que variam, mas dentro por uma variedade de técnicas convencionais mostraram que a composição é: hidrocarboneto 0,3-1%, ésteres alifáticos 38-40%, álcoois mono-hídricos 10-12%, ésteres ωhidroxialifáticos 12-14%, p-metoxicinamia diésteres alifáticos 5-7%, diésteres phidroxicinâmicos alifáticos 20-23%, um tipo de triterpeno não combinado diol 0,4% e ácidos não combinados e outros constituintes desconhecidos 5-7% (VANDENBURG e WILDER, 1970). A capacidade antioxidante da cera é devido ao ácido fenólico na forma livre, pode ser hidroxilado ou metoxilado. E importante destacar que na mistura da cera de carnaúba o conteúdo de hidrocarbonetos é significativamente baixo quando comparado com outras ceras naturais. 641 5.3 Cera de Carnaúba e suas Atividade Biológicas Outro aspecto que deve ser ressaltado da cera de carnaúba são suas atividades biológicas. Ela tem uma composição química variada, mas nessa composição existem muitas substâncias aromáticas e triterpenos que são capazes de conferir atividades antioxidantes (FREITAS et al., 2016), antiptotozoárias (ALMEIDA et al., 2016), antifúngicas (ANDRADE et al., 2018), dentre outras. Por exemplo, Oliveira et al., (2020), verificaram que ésteres do ácido p-hidroxicinâmico extraídos do pó da cera de carnaúba causaram efeitos hipoglicémicos em ratos com diabetes experimentalmente induzida. Já Almeida et al., (2016) estudaram efeitos antiprotozoários de extratos e de triterpenoides extraídos da cera de carnaúba e concluíram que estes compostos podem ser futuramente utilizados como protótipos para novos fármacos com possível empregabilidade terapêutica na Doença de Chagas e/ou na Leishmaniose. Ademais, a cera de carnabaúba foi recentemente testada como excipiente em minicomprimidos contendo substâncias altamente solúveis, como o captopril e a metformina, com o objetivo de garantir uma liberação sustentada dos fármacos (NART et al., 2017). Os Autores concluíram que a cera de carnaúba é uma excelente alternativa para formulações de liberação sustentada de fármacos altamente hidrossolúveis. Seus principais efeitos foram: redução do contato entre partículas dos fármacos e o meio de dissolução, redução da taxa de liberação dos fármacos e atraso na desintegração dos comprimidos. Tais efeitos favorecerem, em última análise a biodisponibilidade de fármacos solúveis. Então, a fabricação de alimentos, produtos farmacêuticos e cosméticos vão se beneficiar das propriedades biológicas dessas substâncias e, portanto, não é de se estranhar que os nordestinos já conheciam essas propriedades curativas. Que substâncias aromáticas são essas que apresentam essas atividades biológicas? São ésteres cinâmicos de três classes: 4-hidróxicinâmico, ácido 4-metoxicinâmico e diésteres do ácido cinâmico (Figura 4) com álcoois mono e poli-hídricos e ácidos ωhidroxicarboxílicos (FREITAS et al., 2016). Os compostos fenólicose polifenólicos tem capacidade antioxidante que diminui o dano celular indutor do estresse oxidativo que por sua vez está associado a patologias graves, como doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, cânceres, 642 diabetes, hipertensão, pré-eclâmpsia, aterosclerose, insuficiência renal aguda, doenças de Alzheimer e Parkinson (TORO e RODRIGO, 2009). A capacidade antioxidante dos compostos fenólicos (Figura 5) estão associadas ao seu alto potencial redox. Os derivados do ácido cinâmico (ácidos transfenil-3-propenóico) são ácidos orgânicos que ocorrem naturalmente em muitas nas plantas que além da baixa toxicidade, eles têm amplo espectro de atividades biológicas (SHAHIDI e CHANDRASEKARA, 2010). Os derivados de ácido cinâmico mais comuns em plantas são os ácidos cinâmico, p-cumárico, caféico e clorogênico (SOVA, 2012). Figura 5 – Substâncias fenólicas presentes na cera de carnaúba De acordo com a empresa Grand View Research especializada em pesquisa de mercado de produto em escala mundial, o tamanho do mercado global de cera de carnaúba foi de US $ 246,0 milhões em 2015 e deve crescer significativamente nos próximos oito anos devido ao uso crescente em produtos de confeitaria. Espera-se que o aumento dessa demanda se deva para uso em produtos de confeitaria como geleias, gomas de mascar, agentes glaciantes para alimentos e produtos cosméticos, principalmente na Ásia-Pacífico (GVR, 2021). 643 5.4 Extrativismo Sustentável da Carnaúba A carnaúba se destaca por todos os seus produtos, que formam uma importante cadeia produtiva renovável, e é fonte geradora de emprego e renda para comunidades que residem no semi-árido nordestino, região que pode ser explorada economicamente durante o período seco. Devido a sua ocorrência ser tipicamente uma palmeira do nordeste brasileiro, da caatinga, ela é encontrada principalmente nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte e em menor densidade no Tocantins, Goiás, no Norte de Minas Gerais e vale do São Francisco, sendo destacado na literatura inclusive ser é uma atividade extrativista, muito importante nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte (MAPA, 2014). Sua principal riqueza está na cera que recobre as folhas, principalmente as mais jovens, tornando-a internacionalmente conhecida como "carnaubawax", mas estão sempre em busca de diferentes formas de usos da planta pelas comunidades extrativistas, como a utilização das palhas para a produção de artesanato e também para adubação do solo (DEMARTELAERE et al., 2021), pois após a extração da cera, o resíduo da palha (bagana de carnaúba), gerado, pode atuar no favorecimento nutricional, ainda contribuir na melhoria do substrato no que diz respeito à manutenção de umidade para as raízes, podendo prolongar o tempo de disponibilidade de nutrientes a ser absorvido pelas raízes (GONÇALVES et al., 2020). Também cada vez mais há buscapor produtos naturais ecologicamente corretos, em toda a sua cadeia produtiva, por parte dos consumidores (SOUSA et al., 2015). A quase totalidade dos carnaubais é nativa, e devem receber o manejo adequado para que as áreas não sejam degradadas, sendo o manejo da exploração é de fundamental importância para a manutenção e estabilidade produtiva dos carnaubais (FERREIRA et al., 2013). Este ecossistema possui fauna e flora formadas por vasta biodiversidade de vegetação composta por espécies lenhosas, herbáceas, cactos e bromélias envolvendo cerca 932 espécies de plantas, sendo que algumas espécies só ocorrem na Caatinga (PONTE et al., 2020). Os carnaubais vêm sendo explorados de forma indiscriminada desde o séculoXVII, para obtenção de lenhas para as fornalhas, construção de casas e currais; produtose subprodutos industriais e para o artesanato, colocando a espécie em risco de extinção (DEMARTELAERE et al., 2021). 644 Alguns estados brasileiros possuem legislação estadual que garante a proteção da espécie e regulamenta o seu uso, como é o caso do Piauí, onde a constituição estadual determina que os carnaubais são considerados áreas de preservação permanente, enquanto no Ceará o Decreto nº 27.413/2004 estabelece que o corte da árvore precisa de uma autorização do órgão estadual (MAPA, 2014) e inclusive carnaubeira é considerada símbolo do Ceará. Com isso, percebe-se que para que essa espécie se mantivesse com a importância que possui até os dias atuais, foi necessário o envolvimento da comunidade que depende do extrativismo dessa espécie, na preservação e entendimento da cadeia produtiva e de valor. Com esse intuito, foi fundada a Associação da Caatinga, que está amplamente envolvida na divulgação de atividade e eventos relacionados a melhor desempenho dessa atividade extrativista, buscando cada vez mais a sustentabilidade dessa cadeia produtiva e enfatizando soluções e boas práticas no ciclo produtivo, principalmente em relação a produção da cera. Existem duas formas de extração de cera de carnaúba, a artesanal que se classifica em três tipos: amarela ou cera olho, arenosa e gorda, e a industrial que também possui três tipos: Um, Três e Quatro, sendo que a produção industrial de cera impacta o meio ambiente com uso intenso de água, utilização da lenha e diesel como fonte energética, consumo de produtos químicos e emissão de poluentes, entretanto, atende importantes elementos de ecoeficiência como a reutilização de materiais e consumo de materiais renováveis, sendo que o artesanal produz a chamada cera de origem; o industrial produz a cera refinada (CARVALHO e GOMES, 2008). Para a produção da cera, essa pode ser estimada pelo agricultor, pois é importante levantar as quantidades de folhas produzidas nos anos anteriores, verificando a média de palha por área a ser coletada, como por exemplo, uma carnaúba produz em média de 35 a 40 palhas e para coletar 1000 palhas e obter 8 kg de pó cerífero é necessário coletar25 carnaubeiras, no mínimo (MAPA, 2014). A Associação Caatinga em parceria com o Sindicato das Indústrias Refinadoras de Cera de Carnaúba no Estado do Ceará (SINDCARNAÚBA) e apoio da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Carnaúba da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (ADECE) desenvolveram o Projeto Carnaúba Sustentável, que é uma iniciativa da que visa a distribuição de tecnologia sustentável, educação ambiental e investimento social na cadeia produtiva da carnaúba (SINDCARNAÚBA, 2021; ACAATINGA, 2021). Com o desenvolvimento desse projeto, 645 muitos avanços já foram conquistados, como modernização, regularização e profissionalização da atividade extrativista da cadeia da carnaúba. Foi também desenvolvido o manual de boas práticas no cultivo da carnaúba, onde constam instruções aos produtores dessa matéria-prima, ou aos que desejam entrar nessa cadeia produtiva, que vão desde itens iniciais, até a preparação do material, como por exemplo: preparo das áreas; o combate a unha-do-diabo; arrendamentos de áreas; contratação de pessoal e direitos trabalhistas; fase de extração vareiro; cortador; agrupamentos dos feixes; comboieiro; lastreiro; trabalho máquina de corte; acesso ao crédito e rastreabilidade, dentre outros assuntos importantes para quem faz parte dessa atividade (SINDCARNAÚBA, 2021). Os cuidados com o manejo da carnabueira também incluem controlar a unhado-diabo, Cryptostegia madagascariensis, que é uma planta invasora e que prejudica a saúde dos carnaubais e, por isso, o combatê-la deve ser uma atividade prioritária e contínua, por parte dos agricultores (SFIEC, 2021). O extrativismo da carnaúba está ligado à preservação dessa espécie nativa, pois os carnaubais abandonados são frequentemente vítimas da espécie invasora unha-do-diabo, que sufoca e mata a palmeira cerífera (ACAATINGA, 2021). Um carnaúbal saudável, além de oferecer uma beleza cénica, oferece uma diversidade de serviços ecossistêmicos gratuitos que contribuem para nossa qualidade de vida, como fornecimento de alimentos para os animais, recursos úteis aos seres humanos como a própria cera de carbaúba, a regulação do clima, qualidade da água e do ar e a proteção dos solos e dos rios (MAPA, 2014). Porém existem ameaças capazes de prejudicar o equilíbrio natural do carnaúbal que podem afetar esses serviços, como a trepadeira invasora e falta de planejamento da exploração sustentável. Existe ainda a necessidade de novos esforços com relação à proteção do conhecimento popular, que está sendo perdido (CARDOSO et al., 2021). Além disso, são escassos os estudos a respeito da variabilidade genética da espécie (SILVA et al., 2018), contribuindo assim para estratégias de manejo e conservação das populações naturais (SOUSA et al., 2015). Como a maioria das espécies utilizadas para extrair a matéria-prima são nativas, há a necessidade de se realizar o plantio de novos indivíduos, pois é simples e pode ser feito em consórcio com feijão, milho e mandioca, bem como em sistemas agroflorestais (SFIEC, 2021). 646 O desenvolvimento do projeto Carnaúba Sustentável tem também aderência aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), agenda global (Agenda 2030) estabelecida pela Organização das Nações Unidas para promover o desenvolvimento sustentável globalmente (SINDCARNAÚBA, 2021). Mas para que continue tendo a importância que a carnaúba possui, é necessário a manutenção e preservação do carnaubal, pois são muitas famílias que obtém sua renda a partir da carnaubeira. Com isso, há sempre a busca pela implantação das tecnologias que visem melhorar a qualidade de vida das famílias, contribuindo para a segurança hídrica e alimentar e reduzindo a vulnerabilidade social, bem como tentando resolver desafios e propor soluções para o setor (SOUSA et al., 2015), almejando cada vez mais realizar boas práticas na cadeia produtiva da carnaúba, e para isso, políticas públicas são cada vez mais necessárias. Dessa forma, a carnaúba, como no passado e no presente, poderá, no futuro ser de grande importância para o homem, que vive na sua região produtora, desde que seja explorada com racionalidade, para a preservação do meio ambiente (SFIEC, 2021). 6. CONCLUSÕES Com o crescimento da população mundial, simultaneamente crescem as necessidades humanas na mesma proporção, como por exemplo a produção de energia, alimentos, medicamentos e água potável. Este capítulo tratou fundamentalmente das contribuições sociaisde três importantes palmeiras que participaram do desenvolvimento sustentável em diversas regiões do Brasil, em especial as regiões Norte e Nordeste. Durante milênios essas palmeiras foram consideradas Árvores da Vida, haja vista que estiveram presentes durante a evolução humana conferindo alimentos, remédios e abrigos. Não podemos esquecer que hoje elas representam importantes comodities para a bioeconomia mundial, pois esse tipo economia é centrado nas biomassas e o meio ambiente. Porém, a bioeconomia das palmeiras não deve ser apenas uma pura exploração desses recursos naturais para atender as necessidades do homem. Ela também deve focar nas questões sociais, como fome, miséria, saúde, empregos, vida digna, desigualdades, moradia, etc. É importante utilizar esses recursos conscientemente sem transformaros ambientes em áreas estéreis que inviabilizem as condições de sua existênciada fauna e da flora no 647 planeta. Os povos tradicionais das florestas já sabiam como era importante explorar as Árvores da Vida sem destruir as florestas, mas esses conhecimentos foram se perdendo dando lugar a um tipo de exploração que a tudo devasta e visa apenas o lucro das corporações. Várias pesquisas e dados sobre o uso dessas palmeiras estão descritos na literatura, onde seus produtos primários e rejeitos são industrializados atestando suas importâncias no cenário econômico. No entanto, muitas outras pesquisas botânicas e biotecnológicas precisam ser desenvolvidas que demonstrem o quanto é importante para a sustentabilidade o cultivo e a produção dessas cadeias produtivas de biomasas. A cadeia produtiva para essas três palmeiras necessita cada vez mais da expansão de novas tecnologias, que promovam a vinculação entre ciência, produção e manutenção dos recursos naturais, por intermédio da conexão entre a pesquisa e a extensão rural. A exploração sustentável dessas palmeiras promove maior agregação de valores às cadeias produtivas, contribuindo para a ecologia social, evolução do setor, aumento de renda dos trabalhadores, diminuição da pobreza e qualidade de vida dos produtores. AGRADECIMENTOS Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq (CNPq bolsa 1A 301873/2019-4) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ. (E-26/010.101106/2018, Pensa Rio E-26/010/00168/2015, CNE E-26/202.800/2017 eTemático SEI-260003/001178/2020) 648 REFERÊNCIAS ABDULLAH, S.; CHONG, K.; NG, S. Phytochemical Constituents From Leaves of Elaies Guineensis and Their Antioxidants and Antimicrobial Activities.Journal of Pharmaceutical Sciences, v. 5, p.137–140, 2013. ACAATINGA – Associação Caatinga. Carnaúba Sustentável. Disponível em: https://www.acaatinga.org.br/carnauba-sustentavel/. Acessado em: 27 agosto 2021. ADENIYI, A. G., ONIFADE, D. V., IGHALO, J. O., & ADEOYE, A. S. 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Matheus Fortunato Barbosa Gomes Mestrando em Estudos Urbanos e Regionais Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Endereço: Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Rua das Humanidades - Lagoa Nova, Natal, 59078-970. Natal/RN E-mail: matheus.fortunato.700@ufrn.edu.br José Gomes Ferreira Doutor em Sociologia Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Endereço: Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Rua das Humanidades - Lagoa Nova, Natal, 59078-970. Natal/RN E-mail: josegomesufrn@gmail.com Maria Wagna de Araújo Dantas Doutoranda em Estudos Urbanos e Regionais Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Norte Endereço: Av. dos Caiapós, 121 Cond. Vita, Torre Veneza, apto 1206, Pitimbu, 59067-400 – Natal/RN E-mail: wagnad.dantas.498@ufrn.edu.br RESUMO: No Brasil, com a aprovação recente da Lei 14.026, de 15 de julho de 2020, foi alterado o marco legislativo do saneamento básico, sendo um processo extremamente controverso e com avanço durante a pandemia da COVID-19. Em debate, está a entrada de empresas privadas na gestão do setor e a possível privatização dos serviços de água no país, assim como o fim da prestação de serviços de água e esgoto por parte das companhias estaduais, comprometendo o subsídio cruzado para os pequenos municípios que não conseguem pagar os custos da operação dos sistemas. O artigo analisa o processo de elaboração até a aprovação da Lei, identificando os argumentos contra e a favor, assim como que possíveis implicações terá para o futuro e qual o papel dos entes da da federação na concretização da política. Dividimos este trabalho em três partes. Na primeira parte, tratamos do processo de remunicipalização que tem ocorrido em muitos países ao redor do mundo em paralelo com o reconhecimento do acesso à água e ao saneamento básico como um direito universal. Na segunda parte, é discutida, de forma breve, a evolução histórica do saneamento básico no Brasil após a Constituição de 1988, passando pelo marco regulatório do serviço: a Lei 11.445/2007. Na terceira e última parte, apresenta-se os processos que levaram à aprovação da Lei 14.026/2020, apontando seus principais atores, tanto os considerados a favor, como seus opositores, bem como o desenvolvimento do primeiro e mais recente leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE-RJ), ocorrido no primeiro semestre de 2021, considerado como a “Jóia da Coroa” do Ministro da Economia Paulo Guedes. Para efeito, recolhemos documentos dos trabalhos do Congresso Nacional e do Senado, assim como notícias da comunicação social e testemunhos de peritos sobre o tema. 661 PALAVRAS-CHAVE: Acesso à água e saneamento; Direitos humanos; Privatização; desigualdades sociais; Brasil. 1. INTRODUÇÃO Durante várias décadas do séc. XX, a privatização dos serviços de água foi um paradigma dominante, procurando fazer face ao que se considerava ser ineficácia da administração pública para fornecer os serviços, permanecendo, ainda assim, com a tutela do recurso. Durante a década de 2000, várias cidades, em todos os continentes, iniciaram o que se chama de remunicipalização, movimento que considerava que o setor privado não estava a cumprir com aquilo que prometia. Este processo tem vindo a somar municípios, o interesse de investigadores, movimentos ambientalistas e de defesa da água, políticos e sindicalistas. A importância atribuída ao tema tem aumentado pelo fato de crescer, igualmente, o debate sobre o direito humano à água e esgotamento sanitário, tornando-se ainda mais importante num país como o Brasil, com enormes desigualdades sociais e com atraso consecutivo na implementação da Política Nacional de Saneamento Básico e do princípio da Universalização destes serviços como direitos sociais, o que irá também ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, em particular do ODS 6 Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos. A reversão no sentido da remunicipalização dos serviços tem se consolidado como novo paradigma. Estudos internacionais abaixo citados e mobilização da sociedade civil, indicam que o mito da melhor prestação do serviço pelos privados não se confirma e que, no movimento pela remunicipalização, as cidades acabam se reinventando e prestando melhores serviços (KISHIMOTO et al., 2017). Em causa na disputa contra a privatização estão questões como a degradação do serviço, a transformação da água em mercadoria, o não fornecimento de modo universal e a preço acessíveis, além da perda de emprego público, daí a maior mobilização dos sindicatos neste processo. Igualmente importantes, estão os riscos de desinvestimento em um dos eixos do saneamento básico que é o esgotamento sanitário, pelo simples fato de não ser rentável do ponto de vista econômico, assim como o desinvestimento em áreas cuja distância ou relevo coloquem dificuldades na 662 prestação dos serviços, encarecendo-o. Chama-nos a atenção para um dos slogans dos contestatários da privatização é de que a água é um bem comum e não uma mercadoria (SILVA, 2018a e 2018b; GARCÍA; AGUDO, 2018; RODRIGUES, 2019). No Brasil, apesar da criação de instrumentos legais, como a Lei 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, as ações por parte da União não atingiram o território brasileiro de forma homogênea, tendo em vista as características locais dos municípios, como o nível de suas capacidades técnicas, vontade política das gestões municipais e captação de recursos para geração destes instrumentos voltados para o Saneamento Básico. No meio deste contexto, apesar da tendência internacional ser a de reverter os processos de privatização, o governo avançou numa primeira fase, com abertura para os serviços de água e exploração dos mananciais à iniciativa privada, através da aprovação da Lei 14.026/2020. A polêmica integra diversos aspectos. Uma delas, sem dúvida, foi dada ao Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator do Projeto de Lei, apelidado pelo Deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) como o “Senador Coca-cola”, devido suas ligações à iniciativa privada com interesse no setor da água. Outro fator polêmico, foi o fato de que o que tinha sido negociado previamente não foi aprovado pelo Presidente da República, que vetou 12 artigos, considerados vitais pelos opositores da proposta. Os vetos colocam igualmente em causa a continuidade da prestação de serviços de água e esgoto por parte das companhias estaduais, podendo abrir um vazio na gestão dos serviços (MONITOR MECANTIL, 2020). O processo tem merecido a oposição de membros da academia brasileira, assim como de especialistas do setor de saneamento, de movimentos sociais, de sindicatos e partidos da oposição, os quais: rejeitam que a privatização traga investimentos; que a privatização lança o mito da universalização mas que esta é incompatível com o modelo capitalista, que busca lucro; que a melhoria do serviço não tem condições para acontecer e que as áreas periféricas vão ser as mais afetadas; que se a água está a venda, a medida que a mesma se transforma em mercadoria, os consumidores mais vulneráveis ficam sem condições de pagar por ela; que haverá pouco investimento para o esgotamento sanitário por não ser rentável (SILVA, 2018a e 2018b; ROGERS, 2020; PINHEIRO, 2020). Em causa também está o fato do processo ter ido à votação durante a Pandemia da Covid-19, reduzindo a possibilidade de uma ampla discussão e participação social, mas é também uma expressão da verticalização administrativa e 663 a agenda atual do país. A Pandemia acabou por dar maior visibilidade à necessidade de se cumprir o direito humano à água e esgotamento sanitário, ao facilitar a contaminação das populações mais carenciadas (BORJA e MORAES, 2020). Este é o ponto de partida deste artigo que, a seguir, aprofundaremos. O nosso objetivo é mostrar como o país está indo em contraciclo, tanto no referente à tendência crescente de devolução dos serviços de água e esgoto aos municípios ou empresas estaduais como das políticas no sentido da universalização do acesso à água. Este trabalho segue o princípio do acesso à água e esgotamento sanitário como direito humano, estabelecido pela Resolução 64/A/RES/64/292, das Nações Unidas, que orienta aos Estados no dever de diminuírem, progressivamente, as desigualdades no acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, seja nas zonas urbanas e rurais, formais ou informais, ricas ou pobres e esse direito deve ser, inclusive, incluído nas constituições dos países. Nesse sentido, procedemos à revisão da literatura sobre o tema, a partir dos documentos levados a votação no Congresso e Senado, reconstruímos os argumentos e momentos que levaram à publicação da citada lei, e a partir da comunicação social trazemos mais argumentos e atores sociais que participaram no debate. Na última parte desta pesquisa, detalhamos o processo de venda em leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE-RJ), chamada, pelos apoiadores do governo Bolsonaro, como a “joia Joia da coroa” do Ministro Paulo Guedes. 2. ESTADO DA ARTE – REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS EM VÁRIOS PAÍSES A água é um recurso natural cujos fluxos e consumos têm presença constante no cotidiano. Tratando-se de um recurso vital, que é escasso, ameaçado e distribuído de forma desigual, é indispensável que seja garantida a gestão e tutela pública do recurso. Sendo inquestionável a sua importância econômica como recurso produtivo, igualmente essencial à vida e ao ambiente. Ao mesmo tempo em que articula valores sociais e identitários fundamentais para as populações, a água tem sido usada como um instrumento de poder, com enorme visibilidade midiática produtivista que desvirtua esses valores (GARCÍA e AGUDO, 2018). 664 De uma imagem tradicional dos serviços públicos como pouco eficazes e gastadores, a gestão da água para abastecimento humano passou gradualmente para empresas privadas. Porém, tem relevância a remunicipalização e contestação da privatização dos serviços. Um dos aspectos mais controversos diz respeito à possibilidade deste recurso se transformar numa mercadoria transacionável no mercado, colocando em causa o acesso universal à água e o seu papel como agente cultural de socialização. A passagem da gestão do Estado para o setor privado tem sido, em vários países, alvo de críticas que apontam para a degradação da qualidade do recurso, aumento de preço e aumento de situações de conflito suscitados pela desigual distribuição do recurso. A perda da qualidade da água para consumo humano, o aumento de tarifário e de situações de vulnerabilidade social (VALDOVINOS, 2012; PIGEON, 2012) estão entre argumentos recorrentes dos opositores. A disputa se relaciona com o reconhecimento, em 2010, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, do direito à água potável própria, de qualidade e a instalações sanitárias que é um direito do homem, indispensável para o pleno gozo do direito à vida, o que determina que todos têm direito à água e a serviços de saneamento, financeiramente acessíveis, aceitáveis e de qualidade para todos, sem qualquer tipo de discriminação, obrigando Estados, progressivamente, a eliminarem as desigualdades de acesso, tanto à água como ao esgoto (BRITO, 2020). Sobre este último aspecto, o último relatório de Léo Heller (que deixou o cargo de Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos humanos à água potável e ao esgotamento sanitário, agora ocupado por Pedro Arrojo Agudo), afirma que “o cumprimento dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário não pode ser alcançado em um curto espaço de tempo e geralmente depende da disponibilidade e do uso de recursos” (ONU, 2020, p.3). Ou seja, esse é um desafio maior caso o país avance para a privatização, na medida em que o tempo curto da rentabilização empresarial pode ser incompatível com a necessidade de serem tomadas medidas destinadas à realização progressiva desses direitos pelos estados, não se concretizando de um dia para o outro. Autores como José Esteban Castro (2013, 2016 e 2019) e Arrojo Agudo (2010 e 2013) são da opinião que a mercantilização ignora que a água tem em si própria uma diversidade de valores culturais de uso e é um agente de socialização que incorpora mecanismos de regulação e o desenvolvimento de relações sociais. Edson 665 Silva (2018a), Arlindo Rodrigues (2019) e Victoria Aragón García e Pedro Arrojo Agudo (2018), reforçam o que foi dito: a água é um bem comum e não uma mercadoria, rejeitando a ideia de que a água é um insumo do processo produtivo, o que faz dela um bem capaz de gerar riqueza, pelo contrário, é um direito humano (YAMAMOTO; PEREIRA; ALCÂNTARA, 2020). Para Victoria Aragón García e Pedro Arrojo Agudo (2018) o problema acaba sendo mais abrangente, pois a privatização acaba repercutindo no acesso a outros recursos e no direito de propriedade, fazendo parte do processo de mercantilização da natureza. Em sua opinião, um dos motivos que levou ao uso abusivo da água e sobre-exploração dos ecossistemas hídricos foram as estratégias baseadas no sistema de subvenção pública de grandes projetos hidráulicos. Políticas perversas que invocam o pretenso interesse geral dos projetos, apesar de, na prática, beneficiarem um grupo reduzido de utilizadores privilegiados, que acabam por beneficiar desde o projeto à construção, o que, por sua vez, tem levado a casos de corrupção em diversos países. Considerando que se trata de grupos de poder econômico e político, com uma forte máquina midiática que permite fomentar e preservar o poderoso apoio social de que têm desfrutado tradicionalmente. Os contestatários da privatização argumentam igualmente que a água é um bem público, de interesse público, e que o fato de ser um recurso indispensável para a vida deve ser administrada pelo setor público. Porém, não se trata apenas de remunicipalizar, os desafios são maiores, exigindo maiores responsabilidades da administração pública e responsabilidade partilhadas com a sociedade civil e utilizadores (YAMAMOTO, PEREIRA e ALCÂNTARA, 2020). Diversos estudos têm mostrado que a pressão contra a privatização tem dado resultados positivos, assistindo-se desde 2000 à remunicipalização dos serviços de água e esgotamento sanitário como uma tendência. Em 2015, por pressão de movimentos cívicos, 180 cidades em todo o mundo remunicipalizaram os serviços, se destacando 136 cidades em países com maiores rendimentos (LOBINA; KISHIMOTO; PETITJEAN, 2015). Satoko Kishimoto e Olivier Petitjean (2017), apresentam no documento “La recuperación de los servicios públicos. Cómo ciudades y ciudadanía están escribiendo el futuro de los servicios públicos”, a situação referente ao ano 2017. Já Yamamoto, Pereira e Alcântara (2020) atualizam a discussão para o ano de 2020. Estas e outras publicações mostram que se trata de uma tendência relativamente recente, sendo determinante e pode redesenhar o setor de água e esgotamento 666 sanitário à escala mundial, marcando uma tendência de apropriação social da água, conseguindo a mobilização social recuperar a água para o domínio público, não necessariamente para o poder municipal, ainda assim melhorando, nomeadamente, a eficiência dos serviços, praticando preços mais baixos, garantindo o direito humano à água e ao saneamento. O tema ganhou maior relevância quando na Europa, a partir de 2012, vários movimentos, entre eles sindicatos, se mobilizaram quanto à possível privatização da água pelos estados-membros. Entre os argumentos, ressurgiu a questão acabada de citar sobre a água como um bem público e não uma mercadoria. Na sequência, em dezembro de 2013, foi submetida ao Parlamento Europeu a Iniciativa de Cidadania Europeia “Right2Water”, após ter recebido o apoio de mais de 1,9 milhão de cidadãos. Os subscritores pediram às instituições europeias e aos Estados-Membros que cumprissem a legislação que assegura o direito humano à água e ao saneamento e que assegura a universalização destes serviços. E que o abastecimento de água e a gestão dos recursos hídricos não fossem sujeitos às regras do mercado interno e que os serviços fossem excluídos da liberalização. Por exemplo, no caso português, municípios como Lisboa e Porto mostraramse contrários à privatização, considerando que estão a defender o que consideram ser património municipal, que levou décadas a construir, e a defenderem a relação de confiança já estabelecida com os consumidores. Outro caso, é o do município de Alcázar de San Juan, na Espanha, que, depois de 8 anos de privatização, voltará a ter o seu serviço de gestão da água gerido pelo setor público. Foi criada uma Plataforma contra a privatização da água de Alcázar que recebeu mais 11.000 assinaturas e, mesmo com a Pandemia da Covid-19, a população do município saiu às ruas, levando, posteriormente, à decisão do Supremo Tribunal de anular o contrato de adjudicação dos serviços. Para um dos líderes do movimento, a privatização do serviço de água no município representava uma ação “de costas para o povo, com engano e mentiras” (GARCÍA, 2021). Por último, o tema foi também analisado por Léo Heller no 12º Relatório do Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos humanos à água potável e ao esgotamento sanitário, afirmando que “a privatização dos serviços de água e esgotamento sanitário levanta preocupações relacionadas à sustentabilidade, uma vez que muitas vezes as empresas privadas se abstêm de investir na expansão, 667 melhoria ou manutenção da infraestrutura, especialmente quando seus contratos estão para terminar em breve” (ONU, 2020, p.23 e 24). 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL O Saneamento Básico no Brasil é institucionalizado no âmbito do pacto federativo. Antes da criação de um marco legal pós-redemocratização, o setor já havia sido citado, diretamente, em três trechos da Constituição Federal de 1988: 1. No parágrafo XX do Artigo 21, no que se refere ao que Compete à União: “XX - Instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos”; 2. No Parágrafo IX do Artigo 29 que se refere à competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “IX - Promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”; e 3. No Parágrafo IV do Artigo 200 que se refere à competência do Sistema Único de Saúde: “IV - Participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico”. A Constituição também trouxe, para o saneamento e outros setores, a descentralização e solidificação da titularidade, dos serviços públicos locais, aos municípios (BORELLI, 2010), através do Artigo 30, inciso V, no que compete aos municípios: “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (BRASIL, 1988). Partindo além da Carta Magna, muito antes da Lei 14.026/2020 ser instituída, o Estado brasileiro já havia flertado com um possível processo de privatização no final da década de 90 e início dos anos 2000, com os PLS 266/96 e o PL 4147/01, projetos que defendiam o princípio de que a transferência da titularidade dos serviços dos municípios para os Estados garantiriam, aos investidores, a segurança jurídica necessária para compra de companhias estaduais de água e esgoto. Segundo Sousa e Costa (2011), após a derrota do primeiro projeto, o PLS 266/96, o governo federal assumiu um compromisso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1999, buscando atender o compromisso de privatização do setor, sendo assim encaminhado em fevereiro de 2001, para o Congresso Nacional, em caráter de urgência, com prazo máximo de votação de 45 dias, o Projeto de Lei 4147/01. Do lado governista, o argumento baseava-se no suposto fato de que a água, 668 sendo um bem econômico, com gestão implementada de modo empresarial e sustentável economicamente e tendo o mercado como seu provedor, haveria geração de mecanismos de modernização e eficiência que viriam a beneficiar a sociedade brasileira. Já no lado da oposição e da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental (FNSA), defendia-se que o saneamento básico possuía natureza social, devendo ser provido pelo poder público, sendo o mais adequado para minimizar este déficit de acesso e que teria maior garantia de seu acesso universal, proporcionando à vida e controle social (SOUSA e COSTA, 2011). O Projeto de Lei 4.147/2001 acabou sendo vetado e a existência de um marco legal do saneamento básico no Brasil foi postergado por mais seis anos. Baseada no PL 5.296/06, aprovada e recomendada pelo Conselho das Cidades para o Congresso Nacional, instaurou-se a Lei nº 11.445, de 5 de Janeiro de 2007, estabelecendo diretrizes nacionais para o Saneamento Básico, definindo-o como um “conjunto de serviços públicos, infraestruturas e instalações operacionais de [...] abastecimento de água potável, [...] esgotamento sanitário, [...] limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e [...] drenagem e manejo das águas pluviais urbana” (Brasil, 2007, p.1). Uma conquista importante da Lei é o direito da participação social em todas as etapas, inclusive no processo de diagnóstico das deficiências sanitárias de seu município, atingindo sua comunidade e residência, afinal, o saneamento trata-se de um assunto de saúde pública, logo, a participação é papel de qualquer cidadão e contribui para melhor efetividade política. Em 2009, divulgou-se a Resolução Recomendada n° 75 que estabelece orientações relativas à Política de Saneamento Básico e ao conteúdo mínimo dos Planos de Saneamento Básico. O Documento define os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) como instrumentos fundamentais para implementação da política. Em 2010, instaurou-se o Decreto no 7.217, que versa sobre os quatro eixos do saneamento básico: abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo das águas pluviais, bem como sobre a limpeza urbana e o manejo de resíduos sólidos. No documento, retomou-se os princípios fundamentais para os serviços públicos de saneamento básico. A União compreendeu que precisava ser elaborada uma Política pública para nortear a gestão dos Resíduos Sólidos no Brasil, e em 2010, foram instauradas a Lei 12.305 e o Decreto 7.404, referentes a institucionalização e regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Está previsto na PNRS a integralidade 669 com a Política Nacional do Meio Ambiente, a articulação com a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), as normas gerais para contratação de consórcios públicos; e a Política Federal de Saneamento Básico, representadas pelas Leis 9.795/99, 11.107/05 e 11.445/07, respectivamente. Essa política pública de acordo com Silveira (2019) vem trazer segurança jurídica, através de normas disciplinadoras para a área de resíduos sólidos, com proteção ao meio ambiente e responsabilidades compartilhadas. Em 2012, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) publicou o “Termo de Referência para elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico” que teve, como objetivo principal, auxiliar na elaboração dos PMSBs e aos procedimentos relativos ao convênio de cooperação técnica e financeira para a referida ação, para os municípios de até 50.000 habitantes. Esse Termo de Referência, bebe de fontes documentais importantes, como a Lei no 11.445/07 e do seu Decreto de Regulamentação no 7.217/10; da Lei no 12.305/10 e do seu Decreto de Regulamentação no 7.404, de 23 de dezembro de 2010. Em 2013, através da Resolução 144/2013, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades, com participação dos Conselhos Nacionais de Saúde (CNS), Meio Ambiente (Conama), Recursos Hídricos (CNRH) e das Cidades (Con Cidades), publicou-se o tão aguardado Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB). Com metodologia sistemática para ações voltadas ao Saneamento, o instrumento estabeleceu objetivos e metas nacionais e regionalizadas, de curto, médio e longo prazos, representadas pelos anos 2018, 2023 e 2033, respectivamente 5, 10 e 20 anos, para a universalização dos serviços de saneamento básico e, para isso, apresenta proposição de programas, projetos e ações para alcance destas metas. Mesmo com a criação de instrumentos jurídicos para o setor, a realidade sanitária brasileira continuou frágil. Os municípios não conseguiram elaborar seus Planos e instituir suas Políticas Municipais de Saneamento Básico. Não seria surpresa dizer que a imagem positiva da Política de Saneamento Básico foi se enfraquecendo ao longo dos anos, levando a discussões quanto a insuficiência do Estado brasileiro no papel de liderança e investimento no setor. Marcado por incertezas, desafios e controvérsias, os processos que levaram ao novo marco legal do saneamento básico no Brasil serão discutidos no próximo tópico. 670 4. DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS DO NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL Apesar dos avanços da política, o Brasil apresenta ainda grandes carências na prestação de serviços de abastecimento de água e muito mais na coleta e tratamento de esgoto, notoriamente, com grandes disparidades regionais, estaduais e municipais, apresentando uma tradição que tem deixado a prestação desses serviços a companhias estaduais, mas com outros modelos presentes, tanto das PPPs parcerias público privadas como dos chamados SAAEs Serviços Autónomos de Água e Esgoto, semelhantes ao que eram os SMAS – Serviços Municipalizados de água e Saneamento em Portugal. Dos pouco mais 210 milhões de brasileiros, 16,38% não têm acesso à água da rede pública, com um agravante, de que a água fornecida não ser de qualidade para beber; sendo que 46,85% dos brasileiros abastecidos com água não têm acesso a coleta de esgoto e 53,35% não têm o esgoto tratado (BRASIL, 2019). O ano de 2018 foi marcado pela primeira tentativa de mudança no marco regulatório do Saneamento Básico instituído em 2007: a Medida Provisória 844/2018 que visava alterar 42 artigos das Leis 9.984/00, 10.768/03 e 11.445/07, conhecida, por seus opositores, como a “MP da Sede e da Conta Alta”. A MP acabou perdendo a validade em novembro do mesmo ano. Porém, no ano seguinte, veio o Projeto de Lei 4.162/2019 que, posteriormente, tornou-se a Lei 14.026/2020. O projeto foi considerado, para seus apoiadores, como um meio de atingir aumento de investimentos para o setor, na possibilidade da entrada de recursos do setor privado, mas, para seus opositores, representava uma marcha à privatização da água no Brasil. O processo todo foi marcado por polêmicas e controvérsias, começando pelo fato de que o pico das discussões do PL ocorreu durante a pandemia da Covid-19, o que serviu de desculpabilização para a não existência de um processo de consulta pública tanto com as empresas que detêm a concessão dos serviços públicos de saneamento básico, como organizações da sociedade civil que atuam na área. O Projeto de Lei 4.162/2019 passou pelo Senado Federal, em caráter de urgência, considerado como prioridade para o Presidente Jair Bolsonaro. Na alteração do marco legal, o relator foi o senador “Coca-cola”, assim chamado senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da proposta, apelidado pelo Deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), devido às suas ligações à iniciativa privada com 671 interesse no setor da água, especificamente, por fazer parte do “Grupo Jereissati” que comanda a Calila Participações, sendo a única acionista brasileira da Solar, estando entre as 20 maiores fabricantes de Coca-Cola no mundo. O Senador Cid Gomes (PDT-CE) considerava que a proposta tinha caráter utópico, pois, segundo ele, na prática, as empresas privadas só terão interesse em investir nas grandes cidades, onde há garantia de lucro (MONITOR MERCANTIL, 2020). O processo é controverso e ainda será necessário aguardar os efeitos da implementação para saber, de forma mais ampla, seus efeitos. Apesar dos embates entre apoiadores e opositores, a Lei 14.026/2020 foi instituída. Porém, um fato que gerou crise foram os 12 artigos da Lei, vetados pelo presidente Jair Bolsonaro, considerados vitais pelos opositores da proposta. O mais polêmico de todos foi do Artigo 16, fruto de acordo do Congresso e governadores, que permitia a renovação de contratos de programa sem licitação até 31 de março de 2022, com prazo máximo de vigência de 30 anos. O governo federal argumentou que o artigo limitava a livre iniciativa e a livre concorrência, estando em “descompasso com os objetivos do novo marco legal” (AGÊNCIA SENADO, 2020). Na sequência, 16 governadores enviaram uma carta para o Presidente Jair Bolsonaro, pedindo para que o artigo fosse mantido e Partidos contrários (PCdoB, PSOL, PSB e PT) entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade com Medida Cautelar para travar o veto, mas, em nenhum dos casos, houve sucesso. Porém, o veto presidencial não incomodou só a oposição, o senador Tasso Jereissati afirmou que esperava no máximo três vetos, já o senador Otto Alencar (PSD-BA) mostrou preocupação ao considerar que os vetos põem em risco a segurança jurídica dos contratos em vigência (ONDAS, 2020). Entre os grandes efeitos do novo marco destaca-se: a eliminação da exclusividade das companhias públicas, tornando obrigatório a abertura de licitação, onde os contratos que entrarem em vigor entrarão na categoria de concessão, no caso de empresas privadas que assumirem a prestação de serviços. Para a área de resíduos sólidos, a Lei prorroga o prazo do fim dos lixões para 31 de dezembro de 2020, com exceção de municípios que possuam Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) ou Plano Intermunicipal de Resíduos Sólidos (PIRS) que variam de agosto de 2021 a agosto de 2024. Voltado à universalização do acesso à água potável e esgotamento sanitário, a Lei 14.026/2020 prevê, até o fim de 2033, cobertura de 99% de água potável e 90% de coleta e tratamento de esgoto e, para 672 que isso ocorra, o governo Bolsonaro espera de R$ 500 a R$ 700 bilhões em investimentos ao longo dos próximos anos (VALOR, 2020). Entre os pontos focados, destacamos, a justiça socioambiental como justiça distributiva em defesa da vulnerabilidade das populações pobres e as diferenças entre serviço público e atividade econômica e os riscos de danos aos princípios da universalização e da modicidade tarifária. Também os sindicatos têm manifestado a sua oposição. Considerando alguns dos seus representantes que “excluir as empresas e as associações de estados e municípios não é a solução para a universalização de água e esgotos a preços compatíveis com as diferentes condições regionais e sociais da população brasileira” e que a nova lei não é nada mais que “um negócio lucrativo”, sem qualquer interesse em resolver o problema dos esgotos das periferias (POLLACHI, 2020). No tocante à regulação dos serviços de saneamento básico o novo marco legal atribui a Agência Nacional de Águas (ANA), as competências para instituir normas de referências para esse fim, estabelecendo padrões de qualidade e de eficiência na prestação desses serviços, bem como, versar sobre a regulação tarifária, padronizar contratos e instituir metas para a universalização dos serviços de saneamento básico, dentre outras competências, passando a ser chamada de Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. (Ribeiro e Cukiert, 2020). Entre outros segmentos da sociedade brasileira que se pronunciaram contrários, destacam-se a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE). A ABES (ROGERS, 2020) manifestou em comunicado “enorme estranheza o veto ao Artigo 16 do projeto de lei aprovado na Câmara e no Senado”, salientando que os pontos integrantes “foram exaustivamente discutidos por anos, e foram determinantes para que o projeto de lei pudesse avançar no legislativo, fruto de um acordo político em torno do tema, que incluiu os governadores de Estado”. Compreendendo que não está em causa apenas o processo de construção de consensos, mas a enorme insegurança jurídica, que poderá ocasionar a judicialização de todo o processo, provocando a paralisia do setor, o que se torna mais grave ainda num contexto de crise sanitária. A ASSEMAE (2020) pronunciou-se através de um artigo do Diretor de Assuntos Jurídicos (Pinheiro, 2020), questionando o momento e a forma como a nova legislação foi aprovada, que acabando por mitigar a participação, dado o contexto de pandemia, considerando igualmente que o país tem outras 673 prioridades que não a privatização do setor. Pinheiro (2020) critica o fato de o país “conceder à iniciativa privada o filé do saneamento básico, sendo que a carne de pescoço continuará nas costas do Estado (gênero) já pesado e endividado”, o que vai na contramão de várias cidades do mundo que reestatizaram os serviços. Apesar dos avanços rápidos no processo este é ainda uma incógnita. Foi grande a euforia com a licitação, em 30 de setembro de 2020, dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário da Região Metropolitana de Maceió, estado de Alagoas, com a venda da CASAL à empresa BRK Ambiental, do grupo canadense Brookfield. Porém, outras empresas podem ver os seus leilões sem interessados pelo fato de não se revelarem rentáveis. Os dados ainda são escassos, mas tem sido revelado um aumento dos pedidos de esclarecimento por parte das empresas interessadas na privatização, havendo dificuldade de resposta e divulgação pública do desenvolvimento do processo. O que se sabe é que várias companhias estatais tiveram editais de licitação marcados para o último trimestre de 2020, primeiro e segundo semestre de 2021. O primeiro grande efeito pós-aprovação do novo marco do saneamento foi o leilão para a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (CEDAE), realizado no final de abril de 2021 e que tem sido apresentada como a jóia da coroa por ser a primeira de uma série de possíveis privatizações de empresas públicas estaduais de água e esgoto no Brasil. No total, a concessão da CEDAE abarca 70% da população do estado, algo próximo de 11 milhões de habitantes. As empresas que se candidataram ao leilão assumiram a responsabilidade de ampliar a taxa de cobertura de água e esgoto de 87% para 99% e 68% para 90%, respectivamente, com investimento de 30 bilhões de reais nos próximos 35 anos de contrato de concessão (BEZERRA; PEREIRA, 2021). O edital do leilão sofreu diversos questionamentos e pedidos para que fosse reavaliado antes de iniciar o processo. A Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, 2021, p. 21) emitiu uma Nota Técnica, recomendando a ampliação do prazo de consulta pública para que houvesse participação da população e instituições acadêmicas e de pesquisa do Rio de Janeiro e, caso isso não ocorresse, o estado passará os próximos 35 anos de concessão ao setor privado com “indefinições institucionais, jurídicas, técnicas, econômicas e financeiras, com potenciais de impactos socioambientais, em especial à saúde pública e aos direitos humanos”. Volschan Jr. e Figueiredo (2021), membros do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Universidade 674 Federal do Rio de Janeiro, também apontaram questionamentos do ponto de vista da Engenharia Sanitária e Ambiental. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) aprovou uma auditoria para analisar os pontos de: adesão de novos municípios; qualificação técnica exigida para a licitação; exclusão de áreas irregulares; a viabilidade de preço, em especial, a incerteza regulatória quanto às regras para cobrança de tarifa de esgoto, e do volume da água a ser fornecida pela CEDAE; a necessidade de vinculação em edital dos valores mínimos de investimentos; e o prazo para atingir as metas de saneamento e realização de obras em cada município (VALOR, 2021). A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) chegou a aprovar o Projeto de Lei Complementar 57/2021 que suspendia o leilão e, no dia 19 de abril, 142 instituições, entre elas, representantes da Defensoria Pública do estado, Instituto Rio Metrópole, Fiocruz, UFRJ, Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS) e sindicatos do CEDAE e outras instituições, enviaram uma carta à ALERJ, solicitando a realização de uma audiência pública em caráter de urgência para tratar do assunto. Apesar das tentativas, o governador Cláudio Castro manteve a continuidade do Leilão. Como resultado, o leilão obteve faturamento de R$ 18,2 bilhões, não sendo capaz de reembolsar à União o empréstimo feito no BNP Paribas, que venceu no final de 2020, sendo quitado pelo governo federal. Recentemente, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com um recurso para derrubar a liminar do STF que impede a cobrança da dívida de R$ 4,3 bilhões, porém ainda aguarda julgamento (TOMAZELLI, 2021). Além deste fato, dos quatro blocos da CEDAE que estavam à venda neste leilão, o bloco 3 recebeu apenas uma proposta que, posteriormente, foi retirada, sendo esta a região que mais necessita de investimento e dá menos lucro, formada pelos bairros de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz e os municípios vizinhos de Itaguaí e Seropédica (MIRANDA, 2021). Para o Sindicato dos Trabalhadores nas empresas de Saneamento Básico e Meio Ambiente do Rio de Janeiro e Região (Sintsama-RJ) e o ex-presidente da CEDAE Wagner Victer, o modelo de gestão trará aumento das tarifas de água e esgoto, aumentando o preço do metro cúbico de água de R$ 1,70 a R$ 2,30, para que seja possível garantir a saúde financeira da empresa. Victer afirma que esta alta das tarifas ocorrerá pelo fato de que as concessionárias privadas perderão a imunidade tributária federal disponível se não fizerem isso (THUSWOHL, 2021). 675 Já Edson Gonçalves, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diferente do que consideram os opositores, o leilão foi um sucesso por ter conseguido atrair empresas experientes em investimento em saneamento, além de que os editais das concessões trouxeram metas possíveis de serem executadas. Para Gonçalves, este processo vai ser importante para CEDAE, pois a empresa terá que se adaptar às mudanças, considerando que os editais exigem que a prestação de serviços seja de qualidade (MAGALHÃES, 2021). O Ministro da Economia Paulo Guedes e o Presidente Jair Bolsonaro pediram confiança dos investidores e garantiram que haverá mudanças positivas para o setor de água e esgoto no Brasil. Guedes considerou que o leilão representa “o maior projeto de saneamento, ambiental e de saúde pública do país”, apesar de ter ignorado, em seu discurso, que a área que mais necessita de investimento, o bloco 3, ficou sem comprador (GOVERNO FEDERAL, 2021). Atualmente, a União atua em três frentes principais. A primeira refere-se às gestões regionais de água e esgotamento sanitário, as quais em algumas regiões no país estão em fase inicial. A segunda concerne nos próximos leilões que, segundo o BNDES, estão previstos nos estados do Amapá, Porto Alegre e Rio Grande do Sul, com estimativa de investimento 3, 2,17 e 3 bilhões de reais, respectivamente, no segundo semestre de 2021. Para 2022, os estados de Alagoas e Ceará já se mostraram interessados, enquanto Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e Rondônia encontram-se em fase de estudo e/ou negociações (PEREIRA, 2021). A terceira tem a ver com os próximos investimentos no setor que, segundo o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, possuirão três fases. A primeira fase é a que ocorre na atual conjuntura, com abertura de novos leilões, gestões regionalizadas e chamamentos para investimento do setor privado no saneamento básico. A segunda fase será em 2022, prazo final para companhias estatais comprovarem sua capacidade de investimento para garantir a universalização de acesso aos serviços. Por fim, a terceira fase, segundo Mac Cord, ocorrerá em 2028, quando as empresas estatais perderem suas concessões, havendo uma abertura, praticamente, total para a desestatização (ONDAS, 2021). 676 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No processo de implementação do novo marco regulatório do saneamento básico no Brasil, pode-se dizer que existem dois grupos principais: os que são contra e os que são a favor da proposta. Àqueles que são a favor, afirmam que haverá atração de investimentos para o serviço, concretização da universalização dos serviços de água e esgoto e defendem o fato de que o setor privado seria, supostamente, mais eficiente. Já os que se colocam contra a Lei, afirmam que haverá aumento do preço dos serviços; que o lucro das companhias privadas estará acima da qualidade dos serviços; o fim do subsídio cruzado, necessário para garantir a prestação dos serviços de águas e esgoto para os municípios deficitários; Desfavorecimento das comunidades mais vulneráveis e afastadas dos centros urbanos; e Desestruturação das companhias estaduais e, eventualmente, dos serviços municipais. Independentemente destes dois grupos em questão, o processo tem trazido conflitos e incertezas. Além disso, tem ido de encontro ao processo de remunicipalização destes serviços de saneamento básico ao redor do mundo. Observa-se um risco de aumento das desigualdades no Brasil quanto ao acesso ao serviço, o risco de privatização de aquíferos subterrâneos e aumento das tarifas dos serviços. Além disso, observa-se a possibilidade do fim do subsídio cruzado, onde municípios deficitários podem sofrer por falta de abastecimento. A maior contribuição que o novo marco legal do saneamento tem o dever de trazer para a população brasileira é a universalização dos serviços. Isto se traduz em distribuir água em quantidade e qualidade para todos e coletar e tratar o esgoto, contribuindo para uma melhor qualidade de vida, a um preço justo. Fato que ainda aguardamos para ver e, para que isso seja de fato concretizado, as áreas mais vulneráveis precisam receber assistência e investimento no setor, o que não aconteceu no caso da joia da coroa do Ministro da Economia Paulo Guedes. 677 REFERÊNCIAS AGÊNCIA SENADO. Publicados 12 vetos ao Marco Legal do Saneamento. Agência Senado, p. 1-2, 16 jul. 2020. AGUDO, P. A. 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Também atua como Editor Chefe das seguintes Revistas Acadêmicas: Brazilian Journal of Development, Brazilian Applied Science Review e Brazilian Journal of Health Review. 683 684 Agência Brasileira ISBN ISBN: 978-65-81028-48-0. 685