ESPECIAL 120 ANOS

Conheça as histórias das obras de arte que ornamentam o Teatro Amazonas

Historiador e restauradora resgatam memória das pinturas que decoram os principais ambientes da casa de espetáculos, que completa 120 anos em 2016

Rosiel Mendonça
01/05/2016 às 11:00.
Atualizado em 12/03/2022 às 09:27

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Um monumento com a importância arquitetônica e artística do Teatro Amazonas não se faz só com colunas e grossas paredes de alvenaria. É no interior do edifício que se encontram algumas das peças de ornamentação mais luxuosas vistas em Manaus na época da inauguração da casa de ópera, em 1896. É o caso das pinturas que decoram e tornam únicos o Salão Nobre e a sala de espetáculos. Mas é impossível contar essa parte da história do teatro sem fazer jus ao nome de dois artistas que deixaram sua marca nele: o pernambucano Crispim do Amaral e o italiano Domenico de Angelis.

Segundo o historiador Hélio Dantas, o primeiro deles era um multiartista e foi contratado em 1893 para fazer toda a decoração interna do teatro. A sala de espetáculos, em especial, abriga três joias da pintura: o teto (plafond) e os dois panos de boca.

No teto, de onde pende um lustre de cristal, estão representadas quatro alegorias que remetem à tragédia, ópera, dança e música. “A que faz alusão à ópera mostra um busto de Carlos Gomes sendo celebrado, afinal ele era o grande nome da ópera no Brasil no fim do século 19”, explica Dantas.

Algo muito contado sobre essa obra é que os arcos que separam as alegorias remeteriam à base da Torre Eiffel, como se ao entrar na sala o visitante estivesse contemplando o monumento parisiense de baixo. Num livro de referência lançado nos anos 60, o historiador Mário Ypiranga Monteiro incluiu essa história à já extensa lista de boatos sobre o teatro.

Hélio Dantas concorda e explica o porquê: “Não existe nenhuma prova de que essa pintura foi pensada para ser uma alusão à Torre Eiffel. Se formos pensar, a própria torre causou controvérsia na época da sua construção porque era considerada um ‘aleijão’ no Centro de Paris”.

“Quando o Teatro Amazonas foi inaugurado, seis anos depois da torre, ela não era ainda um monumento consagrado ao ponto de ser retratado aqui, apesar de a sociedade da época ser entusiasta da cultura francesa”, completa ele. Por isso, para os dois historiadores, os arcos que foram pintados não passariam de uma sugestão de como a cúpula era “sustentada”.

Um pouco mais à frente estão os dois panos de boca igualmente centenários. O primeiro e mais criativo é uma alegoria ao Encontro das Águas e mistura referências à mitologia grega: uma ninfa é carregada numa concha por dois tritões representando os rios Negro e Solimões.

“O outro pano remete à transição da Monarquia para a República, mas não encontrei ainda uma confirmação disso e nem sei quando essa interpretação surgiu. Mas faz sentido, já que a pintura mostra uma cortina se fechando sobre um brasão com um ramo de café”, acrescenta Dantas.

Segundo o historiador, essas pinturas da sala de espetáculos podem ser apenas atribuídas a Crispim do Amaral, já que o artista não assinou nenhuma delas, apesar de ter sido o responsável pela decoração interna. “Geralmente, esses artistas tinham ateliês, e dentro deles trabalhavam os assistentes. Por isso, atribuir com certeza absoluta a autoria de um trabalho a um único artista só é possível se existir a assinatura dele”.

Simbolismo

Esse não é o caso, por exemplo, do teto do Salão Nobre, que traz o nome do italiano Domenico de Angelis. O artista foi contratado pelo governo de Fileto Pires em 1897 para dar uma forma luxuosa ao espaço, que estava inacabado no momento da inauguração do Teatro Amazonas. Era ali que a elite manauara socializava nos intervalos das apresentações.

No plafond, De Angelis pintou “A glorificação das Belas-Artes na Amazônia”. Sobrepondo figuras clássicas a elementos regionais e efeitos de perspectiva, a alegoria representa a tentativa da sociedade da época de adaptar a cultura europeia à realidade local. É a ‘civilização’ que chega à Amazônia por intermédio das artes.

Por outro lado, o domínio da natureza pelo homem e pela técnica dá o tom às pinturas que cobrem as paredes do Salão, como apontou a professora Ana Maria Daou no livro “A cidade, o teatro e o paiz das seringueiras”. Nessas telas, é possível contemplar representações dos rios, flora e fauna da região, mas também da presença humana e de avanços tecnológicos como o barco a vapor. A única a fugir desse tema é a tela que recria uma passagem do romance “O Guarani”, de José de Alencar – o momento em que Peri salva Ceci.

Uma curiosidade é que essas pinturas não foram feitas diretamente nas paredes, e sim em tecidos lonados que imitam as ricas tapeçarias produzidas pela família Gobelin (lê-se gobelã) desde o século 18, daí essas obras do Teatro Amazonas serem chamadas de “falsos gobelins”. A imitação, inclusive, estava prevista no contrato que o artista assinou em 1897.

Conservação é um desafio

O teatro passou por um restauro geral em meados dos anos 1970, quando a Odebrecht mexeu na estrutura e nos elementos artísticos do prédio. Quarenta anos depois, alguns falsos gobelins do Salão Nobre passaram por nova intervenção para sanar estragos causados tanto pela ação do tempo quanto de visitantes inconsequentes.

A gerente do Ateliê, Judeth Costa, fala das peças que chegam para restauro como se tivessem vida própria. Segundo ela, a umidade e a temperatura em Manaus são outros vilões da conservação de obras de arte. “Só mexemos realmente quando a obra está na UTI, gritando por uma intervenção. No caso desses falsos gobelins, a luz vai incidindo e o tecido lonado se fragiliza. Além disso, soubemos de alguns turistas que danificaram as obras, deixando-as com rasgos e grandes áreas de perda”.

O trabalho de recuperação teve início em 2012, com consultorias a profissionais italianos, e ficou pronto no ano passado. Dia 18 de maio, essas obras farão parte de uma exposição no Palacete Provincial sobre a atuação do Ateliê de Restauro, mantido pelo Governo do Amazonas. Depois disso, elas serão devolvidas aos seus lugares de origem.

Panos de boca aguardam

Uma das ações previstas na programação de 120 anos do Teatro Amazonas, divulgada na semana passada pela Secretaria de Cultura, é a vinda do restaurador italiano Leonardo Severini para uma consultoria que deve preceder a recuperação do segundo pano de boca da sala de espetáculos, o único usado atualmente. O primeiro, mais deteriorado, é mantido em repouso enquanto também espera por “tratamento” (só o fato de eles ficarem sempre na vertical já ajuda na preservação).

Outro candidato a uma recuperação futura é o teto do Salão Nobre, que em 1974 passou por intervenções “grosseiras”, nas palavras de Judeth. “Algumas áreas são claramente repinturas chapadas, sem muita perspectiva. Restaurar é preservar o máximo do original, afinal o trabalho do artista precisa ser respeitado. Mas também é preciso perceber que o tempo passou ali. Se a gente tem rugas, por que a obra não vai ter?”.

1076543.JPG (Pinturas do Salão Nobre são de Domenico de Angelis (Fotos: Silas Laurentino) )

1076677.JPG (Pinturas do Salão Nobre são de Domenico de Angelis)

zb0701-14f.JPG (Peri salva Ceci, Salão Nobre)

1076698.JPG (Sala de espetáculos)

1076657.JPG (Segundo pano de boca atribuído a Crispim do Amaral)

hnghngnghng.JPG (O historiador Hélio Dantas é funcionário do teatro)

ghjghjghjghj.JPG (Judeth Costa conta que os outros falsos gobelins serão apenas higienizados)

gfhgjghjghj.JPG (Trabalho de recuperação do patrimônio)

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