Ademar Britto Junior

 

Este texto faz referência direta à publicação de 1916, A Bahia de Outrora – vultos e fatos populares, de Manoel Querino (1885-1923), o primeiro historiador de arte afro-brasileira, que combateu teorias racistas eugenistas pseudocientíficas difundidas à época. Na publicação há o interesse em documentar a vida e a cultura dos africanos e seus descendentes na região da Bahia durante o período colonial, a fim de preservá-la. Já a produção do pintor João Alves pode ser entendida como uma crôni ca visual de seu tempo, de uma Bahia que viria a sofrer mudanças urbanísticas e sociais importantes. Sua produção artística é um relato em cores, principalmente da Salvador do passado, traçando um paralelo com as publicações de Querino. 

Nascido em Ipirá, Bahia, o pintor João Alves Oliveira da Silva se destacou na cena cultural baiana durante a efervescência modernista dos anos 1950 e 1960. Foi um dos artistas que mais produziu durante essa época, porém sua obra ainda hoje é pouco difundida e carrega o estigma de arte  “primitiva” de forma equivocada e preconceituosa. Ainda criança migrou para Salvador, que se tornaria sua cidade-inspiração, morando em diversos bairros. No entanto, sua passagem pelo Pelourinho foi a que mais teve impacto na sua produção e popularização como artista.

 

Autodidata no campo das artes visuais, assim como outros migrantes que se estabeleceram na cidade, teve diversos trabalhos informais. Paralelamente à atividade de artista plástico, dedicava-se ao ofício de engraxate. Em 1961 abandonou o ofício de engraxate e passou a se dedicar plenamente à pintura,  atividade que exerceu até os últimos anos de vida. Recebia os compradores em sua casa/ateliê. 

Um tema bastante frequente em sua produção consistia nas igrejas de Salvador. No entanto, apesar de ser possível identificar grande semelhança das pinturas com edificações existentes, João não se detinha na representação fiel da arquitetura, adicionando ou subtraindo frontões, torres, volutas e portas, e alterando cores e ângulos como um exercício de criatividade ao diversificar formas, cores e composição. Além dos casarios e igrejas, de manifestações religiosas afro-brasileiras, de caboclos, capoeira, briga de galo, marinhas e tradicionais grafismos de bancos de barraca, também se dedicava às festividades populares como a Festa do Senhor Bom Jesus do Bonfim e a Festa de São João. Desde a pré-história, as festividades populares têm sido tema frequente nas pinturas das sociedades e estão intimamente ligadas às tradições culturais. As festividades que conhecemos hoje têm origem miscigenada. As contribuições europeia, indígena e africana foram importantes para essas festas, fato que reforça a importância que tiveram para a cultura brasileira. João teve olhar bastante atento a essas manifestações, ao registrá-las em suas obras.

 

Em relação à sua pintura, em uma das poucas matérias de jornal em que o artista tem oportunidade de falar por si mesmo sobre sua arte, mostra desapego à concepção da arte pela arte, e relata que o seu fazer artístico tem como finalidade a subsistência, como um ofício, sem romantismo.