Artigo: A importância da psicologia hospitalar na atualidade

Disclaimer: Os Grupos de Trabalho da Anahp nasceram para abrir espaço para debates e promover melhores práticas, impulsionando o que os hospitais têm de melhor a oferecer para a sociedade. No ano que a associação comemora seus 20 anos, este trabalho será destacado também por meio de uma série de artigos de autoria de integrantes desses grupos, sobre temas alinhados com seus desafios e visão de futuro.

Artigo

A IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA HOSPITALAR NA ATUALIDADE

Por Silvia Cury*

Ao contrário do que ocorria por volta do início do século 20, quando as doenças infecciosas representavam a causa preponderante de mortalidade, os problemas de saúde mais sérios que a medicina enfrenta hoje são as doenças crônico- degenerativas. Os índices de morbidade e de mortalidade estão cada vez mais relacionados a comportamentos e estilos de vida prejudiciais à saúde.

As mudanças na estrutura da morbidade e da mortalidade nas sociedades modernas durante os últimos 80 anos sugerem que a Psicologia precisa reconhecer seu potencial de contribuição no controle de doenças e na promoção da saúde física. A Psicologia é a ciência cujo objeto de estudo inclui a análise, predição e a modificação dos fatores que afetam o comportamento. Dentre as diversas áreas de estudo, a Psicologia da Saúde tem sido definida como um agregado de contribuições específicas das áreas educacional, científica, profissional e, porque não dizer, institucional. Visa a promoção e a manutenção da saúde física e emocional, a prevenção e o tratamento das doenças e a identificação de correlatos etiológicos e diagnósticos de saúde. Em um sentido mais abrangente, pode promover, ainda, a análise, formação e melhoria do sistema de saúde.

Um dos objetivos do psicólogo que atua na área hospitalar é tentar minimizar o sofrimento do paciente e de sua família. O trabalho é focal, centrando-se no sofrimento e repercussões que o paciente sofre com a doença e a hospitalização, associado a outros fatores como história de vida, a forma como ele encara a doença e seu perfil de personalidade.

Quando se fala de um paciente hospitalizado, não se deve excluir os processos emocionais e sociais na tentativa de compreender e diagnosticar a doença, desde sua instalação até o seu desenvolvimento. O tratamento é visto pelo paciente como uma coisa benéfica, mas, ao mesmo tempo, ameaçadora. Existe uma percepção real de ameaça à integridade física, à autoimagem, ao equilíbrio emocional e à necessidade, por vezes, de ter que mudar seu estilo de vida ou se privar de situações prazerosas anteriormente.

Nós temos visto a cada ano que pessoas que adentram o hospital para se tratar trazem consigo problemas emocionais do mais simples ao mais complexo. A doença por si só traz desajustes emocionais, ou mesmo promove o agravamento de situações não resolvidas na vida do indivíduo.

A evolução do ponto de vista multidisciplinar de como o paciente deve ser visto pela equipe tem crescido a passos largos. Hoje, ele deve estar ativamente inserido no seu tratamento, opinar e ser participativo. A equipe deve atuar em forma de cuidado integrado, o que inclui cada vez mais uma equipe médica atenta aos benefícios do tratamento em consonância com o paciente. Isto acaba por ser selado de forma imperiosa, à medida que os programas de certificação como acreditação hospitalar foram crescendo e se instalando em nossa realidade. Um dos pontos importantes nestes programas diz respeito à questão emocional do paciente, como é ouvido e cuidado, considerando-o um ser total e não somente uma doença.

Assim, a Psicologia Hospitalar ganha um papel extremamente marcante e importante, pois um paciente mal ajustado emocionalmente não adere ao tratamento, não se engaja e pode, ainda, piorar seu estado físico se seu emocional não colabora com a situação.

Dentro do contexto que vivenciamos hoje, com a pandemia, parece que foi selado definitivamente nosso papel dentro do hospital. De escuta ao paciente e à família, de acolhimento do sofrimento e possibilidade de, através desse profissional, tentar proporcionar maior equilíbrio emocional no momento de crise.

Novas formas de abordagem foram necessárias para se adaptar ao momento. Passamos a atender por telechamadas, fazemos televisitas e tentamos, com isso, estreitar a distância entre paciente e família quando a visita presencial não é possível. A Psicologia Hospitalar teve que se reinventar para poder dar conta das demandas atuais e reescrever sua prática, seu saber-fazer, a partir de um setting terapêutico totalmente diferente daquele em que fomos formados para atuar.

Deve-se mencionar ainda que, como membro da equipe multidisciplinar, o psicólogo sofre com esse contexto de doenças, dúvidas, incertezas, transformações, perdas e ao ver seus colegas de equipe mobilizados com cada caso. A pandemia trouxe um sofrimento adicional a tudo isso, que é o medo enquanto ser humano de adoecer, de contaminar sua família, de ver colegas doentes e podendo ir a óbito. Neste caso, a Psicologia está sendo necessária para acolher demandas que têm a ver com o sofrimento de quem perpassa por essa crise como profissional de saúde no momento que vivemos.

Resumidamente, a saúde mental nunca foi tão importante e tão considerada como está sendo agora. Antes, parecia que era relegada ao segundo plano e, se tivesse alguém para cuidar, que bom, mas não parecia ter um lugar de importância. Hoje, definitivamente, isso mudou. Saúde mental é a tônica do século 21 junto a outras doenças e questões que preocupam e assombram o mundo. Por vezes me questiono: por que tivemos que chegar a este ponto para que o mundo percebesse que sem saúde mental não somos nada?

 

– Os artigos publicados não traduzem, necessariamente, a opinião da Anahp.

*Silvia Maria Cury Israel é mestre e doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), especialista em Psicologia Hospitalar e atua como gerente de Saúde Mental do Hospital do Coração – HCor (SP).

 

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