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Guardiões da noite: a importância dos morcegos

Atualizado: 3 de nov. de 2023

Por Paola Freitas de Oliveira e Ludmilla Farias, Núcleo de Educação Socioambiental


Andando sozinhe à noite, em ruas pouco iluminadas, com apenas alguns postes funcionando… Quem nunca observou vultos nas sombras, árvores mexendo misteriosamente, e criaturas noturnas circundando os postes de luz? Sim, estamos falando dos morcegos! São realmente criaturas da noite, misteriosas porque dificilmente vamos conseguir olhá-las em voos, tempo suficiente para entender o que está acontecendo. Mas calma! Eles não vão sugar seu sangue! A habilidade de voar dos morcegos permite a esses animais a ocupação de uma grande variedade de nichos ecológicos, incluindo o urbano: habitam nossos telhados e outras construções artificiais e circundam nossos postes à noite para comer insetos. Por percorrerem grandes distâncias, inclusive, realizam o reflorestamento de áreas degradadas!


Mas quem são os morcegos? De forma mais técnica, os morcegos fazem parte da ordem Chiroptera (a palavra vem de grego chiro e significa mão, enquanto ptero é asa) e são mamíferos, ou seja: são peludos e possuem glândulas mamárias, alimentando seus filhotes que nascem bem pequenos e dependentes da mãe. Os morcegos apresentam seus membros superiores, os dedos principalmente, adaptados em asas, e se destacam entre mamíferos por serem os únicos com a capacidade de voar.


Morcego-vampiro (Desmodus rotundus). Foto por Lucas Aosf.


Enquanto crescem, vão adquirindo os hábitos alimentares específicos da sua espécie, podendo se alimentar de diversas formas. Eles podem consumir frutas (frugívoros), néctar e pólen das flores (nectarívoros), insetos (insetívoros), pequenos vertebrados como peixes (carnívoros), e por último sangue (hematófagos). Esses mamíferos voadores fazem a manutenção dos ecossistemas que habitam por conta dessa variedade alimentar: eles fazem manutenção de pragas agrícolas, dispersão de sementes e até polinização, sendo parceiros das abelhas nessa função. Os morcegos hematófagos, mesmo se alimentando de sangue, são bem mais naturebas do que vampiros sugadores de sangue Hollywood, porque eles apenas mordem e lambem a ferida. Das mais de 1300 (mil e trezentas) espécies de morcegos, apenas três apresentam hábito alimentar hematófago.


Morcego-de-cauda-curta coberto de pólen. Foto por Lucas Aosf.


Os morcegos vivem em praticamente o mundo todo, exceto nos pólos e em algumas ilhas mais isoladas, mas o principal local para encontrá-los é aqui, na região neotropical. Essa região envolve a América do Sul e um pouquinho da América Central. Independente, é entre os trópicos que vivem a maioria das espécies desses bichinhos. Nos trópicos temos uma abundância de insetos e frutos, e o clima contribui para a sobrevivência e reprodução das espécies. Os morcegos possuem a segunda maior riqueza entre espécies brasileiras, sendo superados apenas pelos roedores, que compõem a Ordem Rodentia.


No Cerrado, das 181 espécies totais existentes no Brasil, temos a presença de 118 espécies de morcegos: são muitas. Além disso, duas espécies são endêmicas desse bioma, ou seja, só existem no Cerrado, entre elas estão o morcego-do-néctar-de-Bokerman (Lonchophylla bokermanni), morceguinho-do-cerrado (Lonchophylla dekeyseri) que já estão na lista de ameaçados de extinção. Esse bioma é muito ameaçado e infelizmente cerca de 55%da área do mesmo já foi convertido em pastagens e lavouras.


Morceguinho-do-Cerrado (Lonchophylla dekeyseri). Foto de Roberto Leoman.


Morcego-do-néctar-de-Bokerman (Lonchophylla bokermanni). Foto por Hernani F. de Oliveira.


A degradação do Cerrado e as mudanças climáticas estão entre as principais ameaças para os morcegos, uma vez que são indivíduos sensíveis a mudanças e de adaptação lenta. A retirada de cobertura vegetal para inclusão de pastagens pode forçar que algumas espécies cavernícolas mudem seu abrigo, causando conflitos com o ser humano por utilizar casas e construções em zonas rurais como seus novos lares. E nesse conflito, os morcegos sempre saem perdendo, principalmente por falta de conhecimento da população que generaliza as espécies como perigosas e transmissoras de doenças.


No Brasil, a associação negativa aos morcegos é principalmente uma questão cultural, pois tivemos durante a colonização e formação da nossa sociedade uma grande influência europeia, onde os morcegos estão sempre associados a bruxas, inferno, vampiros e coisas malígnas, simplesmente pelo fato de serem noturnos e as pessoas desconhecerem totalmente a biologia e ecologia desses bichinhos. Apesar disso, as lendas de morcegos vampiros surgiram aqui mesmo na América do Sul. Neste continente, existe também um mito maia sobre um deus morcego chamado Camazotz, algo como “morcego da morte” na língua quiché. Eles acreditavam que os morcegos representavam a noite, a morte e o sacrifício. Isso provavelmente se devia ao fato de que os morcegos habitavam as cavernas ao redor de locais sagrados, que acreditavam ser portais para o submundo. Em contrapartida, na Ásia, por exemplo, os morcegos são vistos como símbolos de boa sorte e felicidade.


Estátua de Camazotz no Museu de História Natural de Bourges, França.


Em alguns lugares do Brasil, se acredita que morcegos são ratos velhos que, em algum momento por conta da idade, se transformam em morcegos. Os autores do livro “Morcegos: Além dos mitos” sugerem que essa confusão pode ter acontecido por conta de algumas espécies de morcego que possuem cauda livre (não presas por membranas) que, quando caem no chão, não conseguem voar e por isso rastejam até uma árvore mais próxima para conseguir altura suficiente para o vôo. Em uma região conhecida como Serra do Roncador, entre os rios Tocantins e Araguaia, existe uma lenda dos povos originários Apinajé (Apinayé), dos índios morcegos ou kupe-dyep, que seriam pequenos homens alados que portavam machados e viveriam na caverna do morcego, tal lenda já foi tema de livros de contos como Kupen-dyep, da autora Angelique Ruthven, tendo algumas associações dessa lenda até com ufologia.


Morcego-das-frutas (Artibeus lituratus). Foto por Ludmilla Alves.


Mas esse “perigo” em relação aos morcegos é somente imaginário? Não! Assim como qualquer outro mamífero, os morcegos estão suscetíveis a parasitas e contaminações por vírus e bactérias. Algumas doenças, como Ebola, a Raiva e mais recentemente o Coronavírus, têm associações com os morcegos, tendo esses indivíduos como hospedeiros. O que contribui bastante para associação de morcegos a doenças é a capacidade desses indivíduos de carregar uma carga viral, mas não desenvolver a doença. Esse fator é associado principalmente a características evolutivas desses indivíduos como a capacidade de voo, comportamento gregário (viver em colônia) e um aumento de temperatura corporal que os tornam mais resistentes a essas cargas virais.


De uma forma geral, podemos entender agora que os aspectos dos morcegos são muito mais positivos do que negativos, mas, como qualquer outra forma de vida selvagem, devemos manter uma distância respeitosa. Num geral, a falta de contato com esses animais por meio de práticas educacionais eficientes, desde a infância, leva a sociedade a acreditar em mitos, o que causa uma significativa diminuição da população desses animais e os colocam em risco. Por isso é tão importante, além da publicação de trabalhos científicos que desmitifiquem os morcegos, que existam também recursos didáticos destinados a uma conscientização em prol da conservação dessas fofuras.


Como a melhor saída para a preservação é o conhecimento, a divulgação científica pode vir de várias formas, quando se trata de morcegos e conservação, temos podcasts incríveis como o “Morcegando”, “Conexão ciência”, “Que bicho é esse?” e muitos outros disponíveis nas de stream por aí, além de páginas de redes sociais como @morcegandocast, @morcegosdobrasil e, é claro, @avidanocerrado.


Referências

GUEDES, Waldir Lamim; COSTA, Luciana M.(Orgs). Vários autores. Morcegos: Além dos mitos. Editora Na Raiz. São Paulo, 2018.

REIS, Nelio R; PERACCHI, Adriano L; PEDRO, Wagner A; LIMA, Isaac P. Morcegos do Brasil. Londrina, 2007. 253 p.

Danilo Reynan de Santana, Luiz Gonzaga de Souza Neto, Luiz Augustinho Menezes da Silva, UMA PROPOSTA PARA CONSTRUÇÃO DE TIRINHA PARA O ENSINO DE ZOOLOGIA: DA IDEALIZAÇÃO E ELABORAÇÃO , Revista Ciências & Ideias ISSN: 2176-1477: V.11, n.1 (2020) - JANEIRO/ABRIL

Moura De Souza Aguiar, L., & Zortéa, M. (n.d.). A DIVERSIDADE DE MORCEGOS CONHECIDA PARA O CERRADO.


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