Rio Grande do Sul

SEM VENENO

Feiras orgânicas e ecológicas se adaptam para trazer alimentos saudáveis à Capital

Além da pandemia, agricultores sofrem efeitos da seca, mas se esforçam para seguir comercializando com segurança

Brasil de Fato | Porto Alegre |
FAE e FEBF ampliaram espaço e passaram a ocupar toda a av. José Bonifácio nas manhãs de sábado - Reprodução Associação Agroecológica

Importantes espaços de comercialização direta entre trabalhadores do campo e da cidade, as feiras orgânicas e ecológicas são uma garantia de segurança alimentar. Elas resgatam antigas formas de relação com os alimentos em meio a uma enxurrada de produtos industrializados e de baixa qualidade nutricional. Em tempos de pandemia do novo coronavírus, a opção por alimentos saudáveis e agroecológicos ganha ainda mais relevância, já que até a descoberta de uma vacina, além de redobrar os cuidados com a higiene e evitar aglomerações, manter uma boa imunidade através da alimentação tem sido uma medida recomendada para reduzir o risco à doença.

Ainda sofrendo os impactos de uma seca histórica no estado, os agricultores e as agricultoras familiares gaúchos/as que comercializam sua produção sem veneno em Porto Alegre enfrentam também os desafios trazidos pela pandemia. Antes mesmo das medidas de isolamento social, os feirantes adotaram medidas de segurança, mas isso não impediu que a prefeitura proibisse a vinda dos produtores de fora da cidade, que são a maioria. Medida que em pouco tempo foi revertida, a partir de uma força-tarefa com representantes de entidades de agricultores e do poder público municipal.

“A impedição de produtores de fora de Porto Alegre comercializarem nos pegou de surpresa, uma vez que toda a rede de supermercados, Ceasa, enfim, são abastecidos por produtores e logísticas vindas de outros estados, inclusive com distribuidores e uma cadeia longa até chegar ao consumidor”, aponta Shiva Braga, integrante da força-tarefa e feirante da banca de produtos veganos Sattva Alimentos Orgânicos, da Feira Ecológica do Bom Fim (FEBF), que ocorre nas manhãs de sábado, na Avenida José Bonifácio, ao lado do Parque da Redenção.

A coordenadora da Associação Agroecológica, Franciele Menoncin Belle, cuja família comercializa na Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que ocorre também aos sábados junto à FEBF ao lado da Redenção, destaca que a proibição foi muito triste, mas que os agricultores contaram com o apoio de muitos consumidores. “Os consumidores estão do nosso lado e eles vão lutar por essa feira, pela história que ela tem, pelo fato de estar sempre buscando, da melhor forma possível, levar um alimento saudável e de qualidade.”

O grupo de trabalho que tem dialogado com o poder público municipal e conseguiu a revisão dos decretos é formado por representantes do Conselho de Feiras Ecológicas do Município de Porto Alegre/RS, Associação Agroecológica, Rede Metropolitana de Agroecologia (Rama), Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs) e Associação dos Consumidores e Feirantes Ecológicos do Rio Grande do Sul (Aconfers).

Medidas de segurança adotadas pelas feiras

Medidas em vigor nas feiras em funcionamento na capital / Divulgação FEBF

Atualmente, das 20 feiras agroecológicas e orgânicas de Porto Alegre, nove estão ativas e com uma série de cuidados de prevenção ao contágio da covid-19. Além de ocorrerem em espaços abertos e arejados, o que já cria uma situação mais segura do que fazer compras em locais fechados, as feiras adotaram medidas como aumento do espaço entre as bancas. Na FAE e na FEBF, que aos sábados ocupavam apenas o canteiro central da Avenida José Bonifácio, a via foi fechada e cedida às bancas, estando com amplo distanciamento entre si. Outras medidas são a diminuição do número de feirantes e a retirada de produtores que estão no grupo de risco, organização do espaço para evitar aglomerações, uso de máscara pelos feirantes, disponibilização de álcool gel aos consumidores e orientação para que peçam os alimentos aos feirantes, evitando o manuseio dos produtos.

Precauções que mudaram completamente esses ambientes que, para além da comercialização, são espaços de encontros, abraços e afetos, como explica Franciele. “Uma medida importante que a gente recomenda aos consumidores é que evitem ao máximo permanecerem na feira, evitem aglomerações e conversas, que simplesmente seja um ponto para que venham, comprem seus produtos e voltem para casa. Também suspendemos todos os eventos e degustações, tudo que pudesse chamar as pessoas para ficar mais tempo na feira, que era uma grande marca registrada.”


Medidas evitam aglomerações e organizam o fluxo de pessoas / Divulgação FEBF

Shiva conta que essa é uma situação desafiadora. “Trazendo a nossa experiência aqui da Sattva, a gente tem uma ideologia, por iniciativa nossa, a gente sempre canalizou e cresceu com um olhar voltado para a comercialização direta. Então essa relação de troca, de poder ter o consumidor perto, desenvolvendo novas receitas, trazendo novas experiências, nos visitando, colocando a mão na massa, compondo conselhos e comissões de feiras, para nós têm feito bastante falta.”

Ao mesmo tempo, ele entende que é momento de saber ser flexível. “A gente nunca achou que as medidas que estão sendo postas são exageradas. É melhor pecar pelo excesso nesse momento e a gente está tentando se conectar de outras maneiras”, conta, destacando novos processos cooperativados e associativos, como o aumento do sistema de entregas.

Espaços essenciais


Feiras ecológicas são opções para uma alimentação mais saudável na pandemia  / Divulgação FAE

O Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Rio Grande do Sul (Consea-RS) compreende tanto as feiras como a agricultura familiar como serviços essenciais no período de pandemia, afirma o seu presidente, Juliano Ferreira de Sá. Frequentador das feiras da capital, ele elogiou o cuidado das entidades de agroecologia. “As feiras orgânicas estão dando um bom exemplo, com cuidados e boas práticas que muitas vezes a gente não vê nos supermercados ou outros comércios, onde a gente vê a questão de falta de cuidado com os trabalhadores e com os frequentadores”, assinala.

Juliano destaca o papel das feiras agroecológicas e orgânicas para além de um acesso direto a alimentos saudáveis e sem o uso de agrotóxicos. “Estão de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, numa concepção de alimentação adequada e saudável e consequentemente isso tem reflexos na qualidade de vida, de saúde, inclusive as pesquisas têm apontado sobre a importância de dietas a base de alimentação saudável para aumentar a capacidade da humanidade de enfrentar doenças e o próprio coronavírus.”

O impacto da epidemia nas feiras e iniciativas de comercialização direta é objeto de estudo de Potira Preiss, pesquisadora Pós-Doc no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade de Santa Cruz do Sul (PPGDR/UNISC). Ela destaca que a manutenção das feiras “é essencial como uma estratégia de abastecimento alimentar qualificado para a população da Capital, mas também crucial para a sobrevivência econômica das famílias agricultoras”.

São mais de 500 agricultores familiares da Capital e das regiões próximas no estado, como Metropolitana, Litoral, Vales e Serra, segundo Potira. “Portanto, é necessário considerar que essas feiras têm um papel relevante não só na renda dos agricultores locais, mas para um território muito amplo.” Sua pesquisa aponta que, apesar das medidas de segurança adotadas nas feiras, de maneira geral houve uma redução no movimento, o que impacta diretamente nos meios de sobrevivência das famílias que produzem alimentos respeitando a natureza.

“Campanhas estão sendo feitas nas redes sociais para demonstrar as feiras como espaços seguros. É importante destacar a capacidade de reação e de mobilização dos agricultores em adaptar de forma ágil a logística para atender aos decretos e cuidados necessários com a pandemia”, ressalta. Ela destaca ainda que pesquisas no país indicam que a forma de comercialização direta gera maior renda aos agricultores e permite que os consumidores paguem preços mais econômicos em relação aos supermercados. O que contribui para a acessibilidade de produtos de qualidade e rompe com o mito de que alimentos limpos são sempre mais caros.

Juliano também problematiza o tabu de que as feiras orgânicas são mais caras. “Primeiro que não dá para a gente comparar um alimento orgânico com aquele alimento em que se usou agrotóxico. Infelizmente, a indústria do agrotóxico recebe isenção de impostos e a produção de orgânicos custa mais caro porque falta incentivo e políticas públicas. Mesmo assim, se a gente botar na ponta do lápis, ainda vale muito a pena comprar e consumir alimentos saudáveis e hoje a grande novidade, nesse período de pandemia, é que boa parte das nossas feiras estão fazendo o sistema de tele-entrega ou compra através de aplicativos.”

Essa é outra medida nascida como forma de reduzir os riscos de contágio do novo coronavírus aos consumidores, além da oportunidade de se fazer o pedido antecipadamente e retirar na feira. “As encomendas são algo muito importante porque através delas a gente garante a venda pro produtor. Depois a gente tem um atendimento mais rápido, principalmente quando o pagamento é feito de forma antecipada. Os consumidores são orientados a pagar antecipado ou mesmo em cartão para evitar a circulação de moeda, que é um dos principais focos transmissores. Isso dá uma agilidade ao atendimento e faz com que a pessoa fique o mínimo possível na feira”, explica Franciele.

“A seca foi a primeira pandemia”


Seca levou centenas de municípios a decretarem situação de emergência no estado / Marcos Corbari

Fora os desafios frente à pandemia do novo coronavírus, os agricultores enfrentam ainda os efeitos da estiagem que iniciou em novembro do ano passado no Rio Grande do Sul. “Essa situação da seca está muito triste”, lamenta Franciele. Ela conta que as dificuldades começaram ainda na primavera de 2019, com um período muito chuvoso, o que prejudicou muitas culturas. Além disso, as crescentes temperaturas inviabilizam a produção de alimentos que necessitam do frio, como uva, maçã, ameixa, kiwi. Mesmo as chuvas dos últimos dias ainda não foram suficientes para que a seca acabasse, afirma a agricultora: “são praticamente sete meses sem chuva consistente, muitas nascentes secaram, plantas adoeceram e morreram”.

“A seca foi a primeira pandemia. É uma seca histórica, como há muito tempo não se via”, compara Shiva. Ele destaca que muitos colegas passam por dificuldades, com seus açudes secando, e fazem o que podem para hidratar as plantações com rega manual, fazendo deslocamentos de tanques. “Como exemplo, para alguns citricultores, e eu posso citar os companheiros da Natureza, de Montenegro, na região do Vale do Caí, a perda deles é algo que chega a 70%. O desenvolvimento da fruta também fica prejudicado, com uma qualidade abaixo do que se planeja e isso foi um prejuízo enorme.”

Franciele relata o drama da escassez hídrica na propriedade da sua família, que fica no município de Antônio Prado: “aqui em casa os açudes secaram, então a gente está irrigando a plantação com a água que a gente consegue de um vizinho que não está utilizando, por meio de empréstimo. A gente não tem mais água para beber, já que nos abastecíamos de uma fonte que secou, então tem que buscar água numa outra fonte que fica na propriedade do meu tio, a uns 400 metros de distância. Todos os dias temos que pegar caixa d’água, encher, trazer de volta”.

“É muito difícil olhar a situação ecológica, como o ecossistema se encontra, grama morrendo, árvores gigantes, frutíferas e mesmo madeireiras de muitos anos morrendo, plantações completamente secas e perdidas”, lastima. Apesar da situação, Franciele destaca que para alguns agricultores o drama é ainda maior, já que, sem ter de onde tirar a água, não estão conseguindo comercializar seus produtos. “Estão sem fazer feira, sem produção, e isso é algo muito triste porque a grande maioria de nós não tem outras rendas senão a agricultura.”

Na avaliação de Shiva, para os agricultores que já vinham particularmente intensamente castigados com a seca, “agora com a questão da pandemia, é um castigo duplo”. Franciele ressalta ainda que não é somente a produção orgânica que sofreu com a estiagem, mas também a produção convencional. “Isso com certeza vai impactar em pouquíssimo tempo em uma crise de abastecimento dos alimentos que são ofertados na cidade e alguns produtos poderão faltar.”

Preocupação com o avanço da covid-19

A Associação Agroecológica enviou um ofício a todas as bancadas da Assembleia Legislativa demonstrando apreensão com o agravamento da pandemia no Rio Grande do Sul. O documento resgata a vanguarda na adoção de medidas de segurança adotadas, os constantes aprimoramentos e as práticas largamente divulgadas via redes digitais, peças gráficas e mídia. “Compreendemos a gravidade da atual conjuntura. Somos favoráveis ao isolamento social, mas entendemos que o acesso ao alimento saudável deve ser garantido neste período, justamente por ele ser responsável pela melhoria da saúde das pessoas”, diz o texto.

A entidade pede apoio aos parlamentares para manter as feiras ecológicas abertas, “não apenas por causa do sustento de centenas de famílias que produzem ecologicamente um alimento saudável com todo amor e respeito à natureza, mas também porque é extremamente importante que este alimento promovedor de saúde chegue na casa das pessoas na cidade”.

Shiva reforça essa ideia: “é aí que entra a importância da produção orgânica. São produtores e produtoras que fazem esse trabalho há décadas, sempre com esse objetivo de ter uma conexão através da comercialização direta”. Franciele conclui lembrando que todos os órgãos de saúde e pesquisadores afirmam que o melhor remédio até o momento é o fortalecimento da imunidade: “as pessoas que frequentam as feiras têm essa consciência e sabem que elas estão buscando e levando saúde para as suas casas”.

A Associação Agroecológica produziu um vídeo demonstrando o plano de contingenciamento à covid-19 nas feiras. Confira:

Programe-se para ir às Feiras em Porto Alegre

Terça-feira

Auxiliadora - Travessa Lanceiros Negros | Das 7h às 13h

Quarta-feira

Menino Deus - Av. Getúlio Vargas, pátio da Secretaria Estadual da Agricultura | Das 13h às 19h

Sábado

Rômulo Telles - Rua Rômulo Telles, junto à Praça André Forster | Das 7h às 13h

Três Figueiras - Rua Cel. Armando Assis, ao lado da praça Desembargador La Hire Guerra | Das 8h às 13h

FAE - Av. José Bonifácio Quadra I – Redenção | Das 7h às 13h

FEBF - Av. José Bonifácio Quadra II – Redenção | Das 7h às 13h

Lindóia - Rua Eduardo Maurel Muller | Das 7h às 13h

Petrópolis - Rua Dario Pederneira | Das 13h às 18h

Feira Ecológica da Tristeza - Av. Otto Niemeyer esquina com a avenida Wenceslau Escobar | das 7 às 12h30

Menino Deus - Av. Getúlio Vargas, pátio da Secretaria Estadual da Agricultura | Das 7h às 12h30

Edição: Katia Marko