Odilon Moraes e Carolina Moreyra: parceria no livro ilustrado e na vida

29/08/2023

Parceria na literatura e na vida. Odilon Moraes e Carolina Moreyra são autores, são artistas e são família. Pais de João, Francisco e Luísa - suas inspirações e criações fora os livros ilustrados -, eles traduzem no jogo entre palavra e a imagem a mesma sintonia que os une. O lançamento mais recente da dupla é Lá longe (Pequena Zahar), que acaba de chegar para compor a bibliografia da dupla. Juntos, Odilon e Carolina já criaram mais de dez livros, entre eles o premiado Lá e aqui (Pequena Zahar, 2015) – vencedor do Jabuti e do prêmio FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) em 2016, e selecionado para o catálogo White Ravens da Biblioteca de Munique. 

As mudanças de perspectivas que o texto e a imagem oferecem ao leitor fazem de Lá longe uma narrativa em múltiplos sentidos.

As mudanças de perspectivas que o texto e a imagem oferecem ao leitor fazem de Lá longe uma narrativa em múltiplos sentidos

 

Lá longe segue o compasso de "contar sem dizer", como diz Carolina, com a dicotomia tão marcante nas parcerias entre os autores. O que diferencia “ser humano” de “ser bicho”, se todos somos animais? Se o que chamamos de “natureza” – como se não pertencêssemos a ela – sobrevive sem os homens, quem observa quem nessa relação?

Muitos de nós já pensamos sobre isso. Mas em tempos de emergência climática e pandemia global redefinindo as possibilidades entre o longe e o perto, o dentro e o fora - dualidades sempre presentes nos livros de Odilon e Carolina -, esse debate ganha novas camadas. Ainda assim, a ideia original para o livro surgiu a partir de uma rolagem no feed do Instagram, quando a imagem vibrante de um tucano em meio à avalanche de informações digitais acendeu a estranheza entre cultura e natureza. 

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Capa do livro Lá longe, em que o leitor observa um tucano que abre os olhos ao amanhecer da floresta enquanto um menino desperta sozinho em seu quarto

 

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A linguagem do livro ilustrado: do cinema ao livro-objeto

Para Odilon e Carolina, compor narrativas há mais de uma década tem sido fruto de um trabalho realizado dia após dia. Com diálogo, cumplicidade, trocas de referências e um interesse compartilhado pela arte de contar histórias. Quem conhece as criações da dupla pode sentir como os seus livros expressam a realidade que os alimentou, como se tivessem sido tecidos com paciência e afeto.  Ao mesmo tempo, não são histórias herméticas, que se encerram em si mesmas. São narrativas que deixam pontas soltas, brechas... Espaços que se ampliam a cada leitura, a cada leitor, como um ciclo que se retroalimenta e que permite jornadas singulares. Como define Carolina, o que nasce dessa parceria é “um percurso que será percorrido por cada leitor”.

São os fatos da vida que nos empurram para a história. (Odilon Moraes, ilustrador e escritor)

O ponto de intersecção entre os dois autores, que abriu espaço para que a parceria florecesse - e rendesse tantos frutos - foi o interesse genuíno pela linguagem. O exercício de pensar as diferentes formas de contar uma história - no casamento entre texto e imagem, nas possibilidades do próprio livro como objeto e no uso de referências além da literatura - se tornou uma espécie de assinatura da parceria. “Livros ilustrados são como cinema encadernado”, diz Odilon, fazendo  referência à formação da parceira. Carolina é formada em Cinema pela London Film School. Já Odilon, em Arquitetura pela Universidade de São Paulo. 

Quero que as coisas dialoguem com a realidade de cada um. (Carolina Moreyra, escritora)

O primeiro livro da dupla foi O guarda-chuva do vovô (DCL, 2009). Depois vieram Lá e aqui (Pequena Zahar, 2015), Lulu e o urso (Pequena Zahar, 2018), Entrevistas - Conto de Fadas (Moderna, 2020), e a coleção Bia e o Elefante (Jujuba), composta por três livros, publicados entre 2020 e 2022.

 

Carolina Moreyra e Odilon Moraes, dupla na vida e nos livros infantis

Carolina Moreyra e Odilon Moraes, com o livro Lá longe (Pequena Zahar, 2023), mais recente lançamento da dupla

Nesta entrevista ao Blog da Letrinhas, Odilon e Carolina contam os bastidores de criação do lançamento Lá longe, repassam os caminhos (artísticos ou não) que os trouxeram até aqui, e refletem sobre o papel fundamental dos leitores na arte do livro ilustrado. 

 

Confira a entrevista na íntegra com Odilon Moraes e Carolina Moreyra

Blog da Letrinhas: Como começou a parceria de vocês? E como é o processo de criação e também de pesquisa no dia a dia compartilhado?

Odilon Moraes - Começou antes dos livros. Como a Carolina estudou cinema e eu já era um autor de livros ilustrados quando nos conhecemos, nossas conversas sempre tiveram pontos de encontro em relação à linguagem. Disso, para fazer um livro juntos, foi uma evolução natural. Ela já tinha uma forte relação com a palavra escrita e bastou um clique para ela compreender que livros ilustrados são como cinema encadernado, né?

 

Nesses 14 anos de criação conjunta, percebem transformações nos modos de criar de vocês – conteúdo, forma, abordagens?

Carolina Moreyra - O primeiro livro que escrevi saiu quase sem querer, inspirado na perda do meu avô, que tinha acabado de falecer. Minha formação com o cinema provocava muitas conversas com o Odilon sobre as semelhanças entre essa linguagem e a do livro ilustrado, então, de certa forma, acho que todas essas discussões apareceram ali naquele texto, mas de maneira ainda muito intuitiva. De lá pra cá, acredito que nós dois nos aprofundamos muito no estudo da linguagem do livro ilustrado e eu, particularmente, no pensamento sobre as características que o texto verbal assume na interação com a imagem nesse tipo de livro. 

O fato de dar oficinas de texto para o livro ilustrado também me permitiu apurar o olhar, exercitar uma criticidade sobre a linguagem que refletiu também no entendimento sobre o meu próprio trabalho. Quando vejo o texto de outra pessoa e enxergo que algo está errado ali, preciso explicar com clareza o que está errado, o porquê, como poderia ser resolvido. Isso demanda uma percepção da linguagem, uma verbalização de muitas coisas que antes eram intuitivas pra mim. 

Essa reflexão passou a ser feita também para os meus textos. Se, por um lado, eu sinto um amadurecimento, por outro, fico com medo de perder um pouco uma certa espontaneidade e deixar meus textos mais frios e racionais. Além disso, acho que a parceria com o Odilon só ganhou com nossa apuração da linguagem do livro ilustrado, porque temos mais repertório e ferramentas para as trocas que acontecem durante a criação de um livro. 

Quanto ao conteúdo, continuo escrevendo sobre as coisas que me tocam no dia a dia, nas minhas vivências e experiências. (Carolina Moreyra, ilustradora)

Em 2022, Odilon completou 30 anos de dedicação ao livro ilustrado. Em relação ao começo, o que mudou no cenário hoje? Há outras criações circulando, há também outros leitores e formas de ler? 

Odilon Moraes - O livro ilustrado pede uma maneira muito diferente de se ler. As palavras estão lá para serem modificadas pelas imagens e vice-versa. Acho que, cada vez mais, há leitores, editores e críticos começando a sacar essa nova forma de compreensão da narrativa. Digo sempre que nos livros ilustrados aprendemos a desconfiar das informações, sejam as vindas por intermédio das palavras, sejam as oferecidas pelas imagens. Quando colocadas juntas, elas podem estar dizendo algo muito diferente do que dizem separadas. É uma escrita (e uma leitura) que acontece no "entre", quando as palavras e as imagens são confrontadas.

 Lulu e o urso foi inspirado em Luisa, filha de Carolina e Odilon

 

Várias das histórias de vocês trabalham ideias em oposição – criança/adulto; urbano/natural; imaginação/realidade; onírico/concreto. Podemos pensar nesse aspecto como uma espécie de tema comum? Há outros que você identifique?

Carolina Moreyra - Acho que esse é mesmo o aspecto central das minhas ideias. Penso que o mundo, as pessoas, as coisas, são contraditórios, complexos, perpassados sempre por mil coisas, e cabe ao nosso olhar fazer o recorte. Procuro, nos livros, colocar coisas lado a lado, para provocar o leitor a pensar na relação sobre elas e como isso impacta sua vida, seus afetos e sentimentos. Então, na hora de desenvolver um texto, esse vai ser sempre o meu ponto de partida: do que eu estou falando? Com o que isso se relaciona? O que está em jogo? 

Em Lulu e o urso, por exemplo, o que está colocado ali é o lugar do adulto e o da criança, o estar junto e o estar separado, a imaginação e a avalanche de realidade que ocupa a nossa vida depois que nos tornamos grandes. Mas não quero dizer para o leitor como ele deve ler tudo isso, quero que essas coisas dialoguem com a realidade de cada um. E depois do livro pronto, vejo como surgem leituras bem variadas: mães que se sentem culpadas ao lerem porque acham que não estão dando a devida atenção à criança; ou mães que enxergam um estar junto, mas separado do dia a dia. As crianças tendem mais a embarcar na imaginação da Lulu e se surpreender com a linguagem, com o aparecimento do urso e com a expectativa de ver se o que elas imaginam que vai acontecer de fato acontece. Eu gosto disso, de pensar que o livro é um percurso que será percorrido por cada leitor. Nesse sentido o Lá longe vai também muito nessa direção. Os animais e seu universo, o menino e seu universo, cabe ao leitor pensar a relação que existe entre eles.

Ilustração do livro Lá longe, de Odilon Moraes e Carolina Moreyra, que contrapõe ambiente urbano com a mata e leva a questionar quem está de fato longe

Na mata, os bichos gostam de sentir o calor do sol, o frescor da água e a leveza do vento. Enquanto isso, lá longe, da janela de seu apartamento cercado de prédios, o menino sonha - Ilustração de Lá longe 

 

Durante as oficinas e as aulas de pós-graduação em que vocês lecionam juntos, tanto a vivência como professores quanto os aprendizados com os alunos impactam na escrita e na ilustração? 

Odilon Moraes - Acredito que muitos autores de texto já habituados à escrita tradicional sintam dificuldade de partilhar a condução da história com outros elementos do livro, como as imagens. Como dou aula para escritores e ilustradores que pretendem experimentar esse campo da criação, isto é, o da condução compartilhada da narrativa, acaba que eu me surpreendo realmente com alguns trabalhos de alunos. Fico fascinado quando vejo surgir grandes textos à espera de imagens (risos). Por duas vezes já me ofereci para ilustrar textos assim após o curso. Isso aconteceu com Casa de passarinho (Positivo, 2018), da Ana Rosa Costa e, mais recentemente, O pai da mamãe (Caixote, 2020), da Cristiana Gomes. Eram textos com um frescor de descoberta que só os iniciantes têm. Aprendo muito fazendo essas parcerias e tento dar em troca o meu melhor.

 

Lá longe nasce em que contexto, o que tinham em mente quando o criaram?

Carolina Moreyra - A fagulha veio quando estava rolando o feed do Instagram e vi um desenho de um tucano. Aí o texto começou a surgir. Mas, na verdade, isso deu forma a uma coisa da qual eu desejo falar já faz tempo, que é a relação com os animais e o resto do mundo que chamamos de natureza. Separamos o mundo humano, da cultura, e o mundo natural. Eu moro em uma chácara, mas, antes disso, sempre morei em cidade grande, em um ambiente bem urbano. Desde que me mudei, comecei a reparar na existência desse outro mundo, que é tão real quanto o nosso e que não está nem aí pra gente, não precisa da gente pra viver. Ao contrário, se a gente não estiver aqui, eles vão viver bem melhor. Isso sempre me intrigou, desde criança. 

Quando eu era criança, viviam falando: “salvem o urso polar”. E eu pensava: “salvem a gente”, porque o urso polar vive muito bem se não estivermos aqui para atrapalhar. Ele não precisa da gente e, de certa forma, a gente precisa muito mais dele. (Carolina Moreyra, ilustradora)

A mesma coisa com as plantas. Elas vivem muito bem sem a gente, mas mesmo assim a gente vai lá, pega uma planta, coloca ela em outro lugar, em outro contexto e daí a gente precisa cuidar para ela não morrer. Mas, na verdade, ela não precisa da gente. A gente é que precisa dela e por isso traz ela para perto.

Então, quando eu vi o desenho daquele tucano, me voltou essa ideia e eu comecei a escrever o texto, imaginando esse narrador da palavra que quer humanizar os animais, dar a eles expressões e desejos humanos, em contraponto com um narrador da imagem que se recusa a fazer isso, e mostra esses animais em seu ambiente, alheios à nossa vontade humana. E, em paralelo, um menino que faz as mesmas coisas que os animais – dorme, acorda, come, mas sonha, porque pra ele isso não basta.

E aí está a maior diferença entre esses dois mundos. Pra gente, tem que caber o sonho. Fiquei pensando que esse livro traz também muito da vivência da pandemia, desse estar sozinho, olhando e sonhando, pensando no que é o mundo e a nossa vida e como um atinge o outro, como um depende do outro, mesmo que a gente muitas vezes não perceba.

Ilustração do livro Lá e aqui, que fala sobre separação de um casal sobre o ponto de vista de uma criança

No livro Lá e aqui (Pequena Zahar, 2015), Odilon Moraes e Carolina Moreyra elaboram a ideia da separação dos pais do ponto de vista da criança

 

Vocês criam juntos (artisticamente, e também como família), dão aula, participam de bate-papos, feiras e festivais. Como a vida cotidiana atravessa a arte, e vice-versa? Além de Lá e aqui, outras ideias surgiram daí?

Odilon - Acho que todos os nossos livros tocam, de alguma maneira, em assuntos do cotidiano. Mas isso tem a ver também com nossas personalidades individuais. Ambos temos um olhar muito calcado em nossas próprias histórias. Quando trabalhamos juntos em um livro, embora a história seja narrada conjuntamente, cada um entra com a sua contribuição particular.

Nem eu nem a Carolina somos do tipo que consegue falar sobre um tema alheio, escolhido previamente. Falo por mim, não consigo. São os fatos da vida que nos empurram para a história. É ela que pede pra ser escrita.

O fato de sermos casados nos coloca próximos às ocorrências do cotidiano. No entanto, temos modos muito diferentes de ler esse cotidiano. Talvez isso traga para a nossa parceria uma identidade própria no modo como jogamos com a mesma realidade.

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Palavra e imagem são parte da mesma “orquestra” nos livros ilustrados. Em Lá longe, o leitor percebe uma abertura para os silêncios, algo presente na temática e na forma. Pode contar como a palavra foi construída neste livro? 

Carolina - Acho que essa abertura para os silêncios tem a ver com a ideia de colocar coisas, ideias, recortes de mundo lado a lado para fazer o leitor refletir sobre isso. Esse espaço para o silêncio é na verdade uma brecha para o leitor, um convite para que ele se coloque ali e ocupe esse espaço. Nesse sentido, acho que é aí que a linguagem do livro ilustrado me encanta tanto. 

Quando tenho a oportunidade de ler meus livros com um grupo de crianças, falamos muito nesse contar sem dizer. Vamos passando as páginas e elas vão trazendo as suas leituras e então eu pergunto: mas onde está escrito isso? E aí vejo os olhinhos pensando em como chegaram a essa conclusão. 

Pra mim, o livro ilustrado, na sua forma, perspaço para esse silêncio, para esse contar sem dizer, e para o leitor, seja ele da idade que for. 

As mudanças de perspectivas que o texto e a imagem oferecem ao leitor fazem de Lá longe uma narrativa em múltiplos sentidos.

Em Lá longe, a palavra surge nesses dois eixos. Primeiro, buscando um paralelismo entre animais e menino, onde as mesmas ações são feitas por todos. Todos dormem, acordam, comem. Mas, na última ação, esse paralelismo se quebra. Enquanto os animais sentem o sol, o vento, a água, o menino sonha. Ou seja, enquanto os animais estão imersos no momento presente, o menino olha para o momento futuro.

E aí entra a palavra “sonhar”, que tem um sentido bem amplo, pode ser interpretada de várias formas. Sonha com um mundo mais próximo da natureza, sonha em ter alguma coisa, sonha com a vida em Marte? Qual é esse sonho para cada um? Qual é esse sonho para quem está lendo? O que ele tem a ver com esses animais? Ele diferencia o menino dos animais, mas ele não é uma resposta do que somos nós, mas uma pergunta. 

E o segundo eixo é na relação com a imagem, em que o narrador tenta humanizar esses animais, o que muitas vezes fazemos, principalmente nas histórias para criança (e não estou criticando isso). Mas neste livro a imagem se recusa a fazer isso, mostrando os animais no seu ambiente, alheios ao nosso olhar, à nossa existência, ao que pensamos deles. 

 

E como você vê o espaço do texto estritamente verbal nos livros para a infância hoje? 

Carolina - Eu vejo que os livros ilustrados, por trazerem esse encantamento que a imagem tem, por trazerem esse espaço para o leitor, por exigirem que o repertório de cada um apareça na leitura, por permitirem o encontro entre muitas gerações e idade diferentes, ganham cada vez mais espaço. Com isso, parece que o espaço da palavra na literatura para crianças fica desvalorizado. 

Acho que a palavra é, sim, potente nesse tipo de livro, justamente porque ela deve ser precisa, construída e pensada de modo a não haver sobras, a dialogar com a imagem, a tratar do que é essencial para a construção daquele livro. Então, não acredito mesmo que ela se desvalorize só porque precisa dividir o espaço. Mas também não acho que ela se desvalorize só porque não está no livro ilustrado.

Continuo acreditando na força de um livro só de texto, na relação com a palavras e todas as suas possibilidades. E acho que os leitores são variados, têm jeitos e gostos diferentes, e tem livro para todo mundo. A minha filha (Luísa), por exemplo, nunca gostou de livro ilustrado. Sempre preferiu bastante texto, com um narrador que vai construindo o seu universo, seus personagens, suas ações, tudo com a palavra. E isso não faz dela nem melhor nem pior que os outros. O mesmo vale para escritoras e escritores. Temos uma linguagem potente, que pode ser explorada de diversas maneiras, e isso é o que importa. 

 

Capa do livro Lulu e o urso, de Odilon Moraes e Carolina Moreyra

Inspirada em Luísa, filha do casal, a protagonista de Lulu e o urso vive fazendo perguntas e observa o cotidiano além do que os adultos conseguem ver

 

Quais são suas referências de autoras e autores nesse sentido?

Carolina - Eu fui a primeira criança de uma família de leitores, sempre gostei de ler porque via minha mãe, meus tios e tias, meu avô, todo mundo lendo e conversando sobre livros. Li muito Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ziraldo, Silvia Ortoff, todos os autores para a infância da minha geração. Mas dois livros me marcaram e eram meus favoritos. 

Em primeiro lugar, Ou isso ou aquilo, da Cecília Meireles, tanto pelo ritmo quanto pelas imagens. Eu não entendia completamente o sentido do que eu lia e isso me fazia ler e reler muitas vezes. A cada vez entendia uma coisa nova, ou associava algo meu ao que lia e isso me fazia voltar para aquele lugar muitas vezes. Os livros que me marcaram foram os que me deixavam algo para pensar, uma sensação ou uma ideia que eu não sabia inteiramente o que era, mas que me fazia desejar entender mais. 

De certa forma, esse sentimento de 'não entender' me guia na hora de escrever para crianças, porque eu não trouxe comigo nenhum livro que eu entendi tudo de imediato. (Carolina Moreyra, autora)

E o outro livro foi A bolsa amarela, que li para a escola e lembro de pensar: “nossa, então criança também pode ter essa voz própria? Isso é legítimo?”. Acho que todos os livros da Lygia Bojunga trazem essa escrita que olha a criança, que está em pé de igualdade com ela, que enxerga como ela é complexa, uma pessoa mesmo, inteira, e não alguém que o escritor precise ensinar, educar, dizer como são as coisas. 

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Quando falamos em literatura ilustrada no Brasil, tanto em termos de produção, quanto de pesquisa, há avanços importantes. Onde está a maior potência na literatura ilustrada brasileira hoje? 

Odilon - Vivemos em um momento em que as novas gerações, principalmente de ilustradores, mas também de escritores, já têm a consciência de que se situam em um território específico da escrita. Que, assim como a linguagem do cinema e dos quadrinhos foi amadurecendo, esse território do livro ilustrado está sendo conquistado definitivamente dentro da literatura. 

Talvez a última barreira a ser transposta seja, como sempre, a burocrática. Como lidar com autores parceiros nos livros, mas tão diferentes na forma de construir seu pensamento? Aos poucos esse umbral vai sendo superado.

 

 

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