SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

A PALAVRA

BENDITA ÉS TU, MARIA! Hoje, Jesus ressuscitado acolhe a sua mãe na glória do céu… Hoje, Jesus vivo, glorificado à direita do Pai, põe sobre a cabeça da sua mãe a coroa de doze estrelas…

Primeira leitura (Ap 11,19a; 12,1-6a.10ab): As visões do Apocalipse exprimem-se numa linguagem codificada. Elas revelam que Deus arranca os seus fiéis de todas as formas de morte. Por transposição, a visão o sinal grandioso pode ser aplicada a Maria. Maria, imagem da Igreja. Como Maria, a Igreja gera na dor um mudo novo. E como Maria, participa na vitória de Cristo sobre o mal.

BENDITA ÉS TU, VIRGEM MARIA! A esposa do rei é Maria. Ela tem os favores de Deus e está associada para sempre à glória do seu Filho.

Segunda leitura (1Cor 15,20-26.28): A Assunção é uma forma privilegiada de Ressurreição. Tem a sua origem na Páscoa de Jesus e manifesta a emergência de uma nova humanidade, em que Cristo é a cabeça, como novo Adão. Todo o capítulo 15 desta epístola é uma longa demonstração da ressurreição. Na passagem escolhida para a festa da Assunção, o apóstolo apresenta uma espécie de genealogia da ressurreição e uma ordem de prioridade na participação neste grande mistério. O primeiro é Jesus, que é o princípio de uma nova humanidade. Eis porque o apóstolo o designa como um novo Adão, mas que se distingue absolutamente do primeiro Adão; este tinha levado a humanidade à morte, ao passo que o novo Adão conduz aqueles que o seguem para a vida. Maria, nova Eva. Novo Adão, Jesus faz da Virgem Maria uma nova Eva, sinal de esperança para todos os homens.

Evangelho (Lc 1,39-56): Frequentemente, ouvimos a expressão: rezar à Virgem Maria Esta maneira de falar não é absolutamente exata, porque a oração cristã dirige-se a Deus, ao Pai, ao Filho e ao Espírito: só Deus atende a oração. Os nossos irmãos protestantes que, contrariamente ao que se pretende, por vezes têm a mesma fé que os católicos e os ortodoxos na Virgem Maria Mãe de Deus, recordam-nos que Maria é e se diz ela própria a Serva do Senhor. Rezar por Maria é pedir que ela reze por nós: “Rogai por nós pecadores agora e na hora da nossa morte!” A sua intervenção maternal em Caná resume bem a sua intercessão em nosso favor. Ela é nossa “advogada” e diz-nos: “Fazei tudo o que Ele vos disser!

Fonte: Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus

Leituras

Uma mulher vestida de sol
tendo a lua debaixo dos pés.

19a Abriu-se o Templo de Deus que está no céu
e apareceu no Templo a arca da Aliança.
12,1 Então apareceu no céu um grande sinal:
uma mulher vestida de sol,
tendo a lua debaixo dos pés
e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas.
3 Então apareceu outro sinal no céu:
um grande Dragão, cor de fogo.
Tinha sete cabeças e dez chifres
e, sobre as cabeças, sete coroas.
4 Com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu,
atirando-as sobre a terra.
O Dragão parou diante da Mulher
que estava para dar à luz,
pronto para devorar o seu Filho, logo que nascesse.
5 E ela deu à luz um filho homem,
que veio para governar todas as nações
com cetro de ferro.
Mas o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono.
6a A mulher fugiu para o deserto,
onde Deus lhe tinha preparado um lugar.
10ab
Ouvi então uma voz forte no céu, proclamando:
“Agora realizou-se a salvação,
a força e a realeza do nosso Deus,
e o poder do seu Cristo”.
Palavra do Senhor.
R. À vossa direita se encontra a rainha,
    com veste esplendente de ouro de Ofir.
 
10b As filhas de reis vêm ao vosso encontro, †
c e à vossa direita se encontra a rainha *
com veste esplendente de ouro de Ofir. R.
 

11  Escutai, minha filha, olhai, ouvi isto: *
“Esquecei vosso povo e a casa paterna!
12a Que o Rei se encante com vossa beleza! *
b Prestai-lhe homenagem: é vosso Senhor! R.

16 Entre cantos de festa e com grande alegria, *
ingressam, então, no palácio real”. R.

Cristo, como primícias:
depois os que pertencem a Cristo.

Irmãos:
20 Cristo ressuscitou dos mortos
como primícias dos que morreram.
21 Com efeito, por um homem veio a morte
e é também por um homem
que vem a ressurreição dos mortos.
22 Como em Adão todos morrem,
assim também em Cristo todos reviverão.
23 Porém, cada qual segundo uma ordem determinada:
Em primeiro lugar, Cristo, como primícias;
depois, os que pertencem a Cristo,
por ocasião da sua vinda.
24 A seguir, será o fim,
quando ele entregar a realeza a Deus-Pai,
depois de destruir todo principado
e todo poder e força.
25 Pois é preciso que ele reine
até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés.
26 O último inimigo a ser destruído é a morte.
27a Com efeito,
“Deus pôs tudo debaixo de seus pés”.
Palavra do Senhor.

O Todo-poderoso fez grandes coisas
em meu favor: elevou os humildes.

Naqueles dias,
39 Maria partiu para a região montanhosa,
dirigindo-se, apressadamente,
a uma cidade da Judeia.
40 Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel.
41 Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
a criança pulou no seu ventre
e Isabel ficou cheia do Espírito Santo.
42 Com um grande grito, exclamou:
“Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre!”
43 Como posso merecer
que a mãe do meu Senhor me venha visitar?
44 Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos,
a criança pulou de alegria no meu ventre.
45 Bem-aventurada aquela que acreditou,
porque será cumprido,
o que o Senhor lhe prometeu”.
46 Então Maria disse:
“A minha alma engrandece o Senhor,
47 e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
48 porque olhou para a humildade de sua serva.
Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada,
49 porque o Todo-poderoso
fez grandes coisas em meu favor.
O seu nome é santo,
50 e sua misericórdia se estende, de geração em geração,
a todos os que o respeitam.
51 Ele mostrou a força de seu braço:
dispersou os soberbos de coração.
52 Derrubou do trono os poderosos
e elevou os humildes.
53 Encheu de bens os famintos,
e despediu os ricos de mãos vazias.
54 Socorreu Israel, seu servo,
lembrando-se de sua misericórdia,
55 conforme prometera aos nossos pais,
em favor de Abraão
e de sua descendência, para sempre”.
56 Maria ficou três meses com Isabel;
depois voltou para casa.
Palavra da Salvação.

Reflexão

MULHER LUTADORA

Há alguns anos cantávamos:

Quem será a mulher que inspirou tantos belos poemas de amor. A música, a luz, o mármore, as palavras e as cores a homenageiam? Quem será a mulher radiante como o sol, vestida de brilho, a lua a seus pés, o céu ao seu redor e anjos cantando seu amor…? Quem é essa mulher com quem Deus quis contar de maneira tão especial, e que ele quis ter tão perto, eternamente em sua companhia?

Ela tem-nos sido apresentada de muitas maneiras ao longo da história, para citar apenas algumas:

  • A mulher dócil, silenciosa, sofredora, talvez um pouco passiva e conformada;
  • A Virgem mulher ao lado do seu marido José, ou a Mãe de Jesus.
  • A mulher orante que guardava a Palavra no seu coração.
  • A mulher concebida sem pecado.
  • A mulher dos milagres e das aparições às crianças e aos pastores.
  • A mulher coroada com estrelas, rodeada de anjos, acima das nuvens.
  • A mãe da Igreja…

Detrás de cada uma delas há um rosto, um perfil, uma forma de compreender as mulheres e a sua presença na sociedade e na Igreja. Algumas estão mais próximos do que outras daquilo que o Novo Testamento nos diz, que deve ser sempre o nosso ponto de referência e critério para falar de Maria.

A solenidade de hoje nos apresenta Nossa Senhora de uma forma a que não estamos habituados. A primeira leitura fala-nos de uma mulher vestida com o sol, com a lua debaixo dos pés, coroada com doze estrelas e com uma criança nos braços, que um dragão está a tentar arrancar-lhe.

A Wikipédia (enciclopédia disponível na internet) nos diz sobre os dragões:

A palavra dragão deriva da palavra grega drákon: “serpente, dragão”, que por sua vez vem de um verbo que significa “olhar firmemente”, e que se aplicava ao olhar das serpentes e das águias. Portanto, o termo fazia alusão ao poder fascinante e hipnótico do olhar da serpente. Logo começou a ser usado para se referir àquelas criaturas que aparecem em histórias, lendas e mitos. A cultura ocidental imaginou os dragões como répteis alados gigantes, inspirando-se nas serpentes, crocodilos e jacarés e adicionando outras características (asas, chifres e garras) ou fantásticas (sopro de fogo).

Enfim: os fãs de videogame podem nos contar muito sobre esses personagens. Assim: o dragão assusta, hipnotiza, envolve com seu fogo e destrói.

Mas o autor deste texto, com este gênero literário difícil para nós, NÃO está falando de figuras mitológicas ou fantásticas, mas de inimigos muito concretos e reais para a comunidade cristã, para a sociedade e para as pessoas. Dragões que podem destruir a fé, a vida em comunidade, a dignidade humana… e até a própria vida. Para identificá-los, bastaria ir às circunstâncias históricas específicas em que está escrito este texto, e saberemos que se refere ao Império Romano que começou a perseguir as comunidades cristãs. Por outro lado, as Cartas de Paulo descrevem outros “dragões” à espreita em suas comunidades, ameaçando apagar a mensagem e a presença viva de Cristo. E, finalmente, todos podem nomear seus próprios dragões pessoais.

A mulher do Apocalipse está representando, em primeiro lugar, a comunidade cristã fiel, a Igreja que LUTA contra aquele Dragão. Muitos escritos anteriores das Escrituras já haviam usado este símbolo da “Mulher” para se referir / representar o Povo de Israel, a Filha de Sião. E também pode simbolizar cada crente. Quer dizer: aqui está você, aqui está a Igreja, aqui está a sua comunidade cristã, com Deus nas mãos, querendo que reine na sua vida e no nosso mundo, mas… há quem insista em tomá-la longe de nós. Muito tempo depois, esta mulher será identificada com a Virgem Maria… a “Mãe da Igreja“, do Novo Povo de Deus. É precisamente o título preferido pelo Concílio Vaticano II para se referir a ela.

O Papa Paulo VI redigiu um belíssimo texto sobre o CULTO à Virgem Maria, e nele encontramos:

Maria é, “uma mulher forte que conheceu a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio: situações todas estas que não podem escapar à atenção de quem quer apoiar, com espírito evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade” (Marialis Cultus 37, Paulo VI).

Isto significa que Maria teve que experimentar numerosas lutas e dificuldades, muito similares às que vivem muitos homens e mulheres de hoje, e o fazes como mulher forte, lutadora, peregrina da fé… que marca os caminhos dos crentes de hoje. É uma referencia imprescindível para nossa Igreja de hoje, em tantos lugares, e de tantos modos ”perseguida”, e com tantos irmãos sofrendo e necessitados.

Para nós é muito conveniente nomear HOJE estes dragões que perseguem a Igreja e a sua missão, a sociedade e a nossa fé e dedicação pessoal. Segundo a nossa história, eles têm muito poder (as sete cabeças e os 10 chifres é o que significam neste gênero literário) e a capacidade e recursos para nos causar muitos danos. Por exemplo:

  • Podem ser as autoridades da comunidade cristã ou da sociedade civil, quando não estão à altura da sua tarefa, não cumprem as suas responsabilidades de pastores ou líderes, e escandalizam, corrompem, escondem a verdade, “compram” quem tem de difundir ou ocultar sua vergonha, ou usam seu poder em seu próprio benefício.
  • Pode ser aquele ritmo de vida vertiginoso que não nos deixa espaço para cuidar da vida interior, da reflexão, do silêncio, da leitura, da revisão de vida, do diálogo sereno…
  • A falta de consciência e de esforço de todos para frear a destruição do planeta, as mudanças climáticas, e que favorece sobremaneira a propagação de todo tipo de doenças.
  • O descuido e o descarte dos mais fracos de nossa sociedade… Parece que não ligamos muito (não vejo muita “reação”) que milhões de vacinas estejam se estragando em países ricos… quando em tantos outros lugares vacina…
  • Uma crise econômica na qual é praticado o “salve-se quem pode“, enquanto se multiplicam a fome, o desemprego, as diferenças entre ricos e pobres…

Não pretendo ser exaustivo… Todos podem refinar e completar a lista.

O Evangelho, por sua vez, nos apresenta Maria como chave de compromisso político e social. Reze e cante a Deus porque dispersa os orgulhosos de coração, derruba os poderosos de seus tronos (ou poltronas), deixando-os sem nada e os humildes exalta, saciando os famintos…

É a Mulher que faz parte dos que querem mudar a sociedade desde Deus e com Deus, daqueles que não concordam com este modelo social que vem “fazendo água” há muito tempo. Está ao lado dessas minorias tão numerosas e completamente ignoradas. E se afasta de todos aqueles que só cuidam da própria vida e se preocupam com os seus: Os poderosos, os orgulhosos de coração, os ricos… Porque assim é que atua “Deus meu Salvador”. Ela é a mulher da mudança, da revolução, aquela que quer globalizar a justiça, os direitos humanos, a riqueza, a paz, a alimentação, o trabalho digno para todos… A mulher que, segundo a visita do Anjo, sai e se coloca a caminho…

Não estamos acostumados com esse rosto de Maria. Mas é esta Mulher que deu vida à Palavra das Escrituras, que foi elevada (Assunção) por Deus à glória. Nesta solenidade, Deus nos coloca como chave da luta contra os Dragões externos e internos, contra aquela sociedade sem Deus-Pai-Mãe, que não reconhece um irmão em cada homem. Isso nos abala para que nossa fé seja um agente de mudança, mais comunitária, mais próxima dos que estão em pior situação e muito menos preocupada e fechada sobre si mesma. Mas é também uma torrente de ESPERANÇA, tão necessária para com o que está caindo. A esperança de que a vitória final (o céu) dê sentido à nossa luta na terra. A primeira leitura advertiu-nos de que teremos de nos refugiar no silêncio e no deserto, fortalecer-nos, alimentar-nos do PÃO e da PALAVRA, rezar, revisar-nos, estar mais em comunhão com Deus…

Hoje, do céu, Deus e a Mulher Maria nos convidam a olhar com outros olhos para a terra, para a sociedade, para a Igreja / Comunidade e para nós mesmos de uma forma mais comprometida, mais corajosa, mais vital, mais esperançosa… para que a vontade do Pai seja feita na terra como no céu. Tanto na Igreja como na Mulher Vestida de Sol.

Texto: QUIQUE MARTÍNEZ DE LA LAMA-NORIEGA, cmf 
Fonte: CIUDAD REDONDA (Missionários Claretianos)