Em crise, Martagão Gesteira pode fechar dez leitos de UTI ainda neste mês

Os repasses são insuficientes para cobrir os custos da Unidade de Terapia Intensiva

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  • Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2022 às 06:30

. Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Dez leitos pediátricos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Martagão Gesteira, em Salvador, podem ser fechados ainda neste mês caso os repasses financeiros feitos pelo Ministério da Saúde, governo do estado e prefeitura não sejam atualizados. A informação foi obtida com exclusividade pelo CORREIO e confirmada pelo hospital referência no atendimento de crianças e adolescentes. Os rapasses insuficientes fazem com que os 30 leitos de UTI representem prejuízo mensal de R$ 891 mil à unidade.

O Martagão Gesteira deve finalizar este ano com uma dívida de mais de R$ 8 milhões, sendo a maior parte do déficit decorrente do desequilíbrio de contas na UTI. Manter um paciente internado em um leito desse tipo custa em média R$ 2,4 mil por dia ao hospital, que só recebe R$ 1,2 mil para cobrir os custos diários.

Até maio deste ano, a unidade tinha 40 leitos, mas dez precisaram ser fechados por conta da crise, o que pode se repetir. Dos 30 leitos em funcionamento, 22 são administrados pelo estado através da Secretaria de Saúde do Estadual (Sesab) e oito pela prefeitura de Salvador por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

O superintendente geral do hospital, Carlos Emanuel Melo, explica que o Ministério da Saúde, de esfera federal, é o principal responsável pelos repasses, mas as gestões estadual e municipal acrescentam uma parcela na conta. 

“A única forma de não fecharmos os leitos é se tivermos um reequilíbrio dos contratos. Eu não tenho como ir à Brasília conversar com o ministro, mas tenho como apresentar a situação aos secretários e tenho feito isso. Temos a esperança que a Sesab nos chame a próxima semana para uma reunião”, afirma Carlos Emanuel Melo, que tem feito interlocuções na tentativa de solucionar a situação.

Além dos repasses, o hospital filantrópico mantém suas atividades graças a emendas parlamentares e doações. 

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Localizado no bairro do Tororó, o Martagão Gesteira é uma unidade essencial para o atendimento ao público via Sistema Único de Saúde (SUS). Só no ano passado, o hospital realizou 80 mil atendimentos e foi responsável por 50% de todos os serviços oncológicos de pessoas entre 0 a 16 anos na Bahia. São 28 especialidades, sendo algumas de alta complexidade, como cardiologia, neurologia e tratamento de câncer. 

Há ainda um fator social importante nos serviços prestados. Quase metade das crianças atendidas pelo hospital são filhos de famílias que possuem renda menor ou igual a um salário mínimo - valor que não paga sequer uma diária na Unidade de Terapia Intensiva. Apenas 2% das famílias atendidas têm renda maior do que três mínimos. “O Martagão é um hospital que atende crianças muito pobres com doenças muito graves e a UTI é fundamental para fazer todos os serviços funcionarem", diz o superintendente. Procurada, a Sesab afirmou que os repasses são feitos de forma regular e que há um diálogo em aberto para que sejam contratualizados mais leitos de UTI. A SMS e o Ministério da Saúde não responderam os questionamentos da reportagem.

Impactos

O fechamento de uma UTI que possui dez leitos, como é o caso do Martagão, tem consequências em todo o funcionamento da instituição, especialmente nos atendimentos complexos. “Não há como começar um tratamento de oncologia se não há leito disponível porque aquele paciente muito provavelmente vai precisar”, explica Carlos Emanuel Melo.  Além disso, há a possibilidade de que alguns dos 65 profissionais que atuam nas três UTIs (cada uma possui dez leitos) sejam ser desligados do hospital.

Há um mês de engravidar, Eslaine dos Santos, de 23 anos, soube que o segundo filho nasceria com a síndrome do intestino curto, doença rara e principal causa de falência intestinal crônica. Natural de Aracaju (SE), a dona de casa se programou para dar à luz em Salvador, onde a família do marido vive, mas tinha planos de voltar para a cidade natal assim que possível.  O filho de Eslaine passou quase dois anos internado  (Foto: Acervo pessoal) Tudo mudou com o nascimento de Leandro, que tão logo nasceu foi encaminhado ao Martagão Gesteira. Lá, o recém-nascido passou os primeiros um ano e oito meses de vida internado, sendo nove desses meses na UTI. Por isso, Eslaine, que fez de um leito do Martagão sua segunda casa durante o período, sabe bem da importância do atendimento. “Como eu precisei do tratamento para meu filho ser salvo, outras mães podem precisar. A UTI é vida. A UTI dá um suporte que a enfermaria não tem”, diz a mãe.O pequeno Leandro teve mais de 40 infecções durante o longo internamento e recebeu alta em julho do ano passado. Hoje está recuperado e recebe atendimento no hospital três vezes por semana.

Hospitais filantrópicos tem dívida de R$10 bilhões com bancos

A situação do Martagão Gesteira não é a única. Na verdade, a crise de hospitais filantrópicos (sem fins lucrativos) é generalizada e atinge todas as regiões do país. Na Bahia, pelo menos 52% das unidades estão endividadas por conta dos altos custos que não são cobertos pelos repasses do Sistema Único de Saúde. Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) e Hospital Aristides Maltez são alguns exemplos. 

Os hospitais filantrópicos são responsáveis por 70% dos atendimentos de alta complexidade do Brasil e os repasses do Ministério da Saúde deveriam cobrir todos os custos das unidades. Mas, na prática, isso não acontece e elas se veem obrigadas a recorrer a empréstimos em instituições financeiras, que no país ultrapassam os R$10 bi em dívidas.  

Em Brasília, o Projeto de Lei nº 1.417/2021, que prevê o pagamento de um auxílio financeiro de R$2 bi pela União para santas casas e hospitais filantrópicos, espera sanção presidencial. O valor é insuficiente, mas pode garantir um fôlego às entidades, como explica Mirocles Véras, presidente da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB).“Passamos por enormes dificuldades por conta do subfinanciamento e essa é a realidade do país. O PL é um recurso para que possamos amenizar a situação deste ano e discutir com o novo governo uma nova forma de sustentabilidade das instituições", afirma.  A Federação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Estado da Bahia (Fesfba) foi procurada, mas não deu retorno.

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