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Dia Nacional de Combate à Tortura é criado para visibilizar pauta; Ceará tem mecanismo estadual e Defensoria faz parte

Dia Nacional de Combate à Tortura é criado para visibilizar pauta; Ceará tem mecanismo estadual e Defensoria faz parte

Publicado em
Texto: Bruno de Castro
Ilustração: Diogo Braga

Episódios de tortura figuram em toda a história do Brasil. Da invasão portuguesa à escravização afro-indígena (1500-1888), do Estado Novo (1937-1945) à Ditadura Militar (1964-1985), e da redemocratização até agora (1985-), são incontáveis os casos de violações de direitos decorrentes da imposição da dor física e/ou psicológica a minorias. E, mesmo quando não se associa a um período específico da nossa formação enquanto país, a temática carece de políticas e enfrentamento constante. Vide, por exemplo, as recorrentes denúncias.

Para que maus-tratos não sejam banalizados nem caiam no esquecimento, há agora no calendário oficial brasileiro uma data alusiva à questão. A instituição do marco foi proposta pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no último dia 8. Assim, por força de lei, 14 de julho passa a ser, já a partir deste ano, o Dia Nacional de Combate à Tortura.

A data faz alusão ao desaparecimento de Amarildo Dias de Souza, ocorrido em 2013, após ter sido detido em uma abordagem policial na Favela da Rocinha (RJ). O ajudante de pedreiro foi torturado e morto por agentes de segurança dentro da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). PMs até chegaram a ser condenados, mas permanecem nos cargos ainda hoje. Enquanto isso, o corpo da vítima jamais foi localizado.

“A cultura da tortura está enraizada na nossa sociedade e remete à nossa dificuldade de lidar com o passado, diferente dos nossos vizinhos sulamericanos, que de certa maneira enfrentaram essa questão. O que nós fizemos foi uma anistia que abrangeu também os torturadores. Então, criar uma data como essa mostra a importância do tema. Que nós precisamos desconstruir esse imaginário popular ainda muito forte de que se alguém comete um delito fica privado de ter direito à integridade física e moral, o que é uma inverdade”, avalia o subdefensor geral do Ceará, Leandro Bessa.

Atuante no sistema prisional e pesquisador do assunto, ele diz que essa ideia equivocada muitas vezes é reforçada pelas populações mais vulneráveis, as mesmas que quase sempre sofrem a tortura, cuja prática é crime equiparado aos hediondos, como estupro, extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas, homicídio qualificado e terrorismo. Ou seja: é dos mais graves do ordenamento jurídico brasileiro, ao qual não cabe perdão e, se cometido por quem ocupa cargo público, é ainda mais grave – porque cabe ao Estado promover direitos (e não os violar).

SISTEMA E MECANISMO
Por isso, Bessa comemora também o fato de o Ceará recentemente ter criado os inéditos Mecanismo e Sistema Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, fazendo a Defensoria Pública do Ceará (DPCE) parte desse último. “A principal vantagem disso é a possibilidade de articular dentro de um mesmo grupo instituições públicas e privadas que têm nessa atribuição sua razão de existir. Porque essas instituções atuam de forma isolada. Agora, com todas dentro de um mesmo sistema, existe a expectativa de que atuem de forma conjunta e haja uma maior articulação, com atuação mais sistêmica”, frisa.

Com o Mecanismo, por exemplo, será possível valer-se da expertise de seis peritos para apurar práticas de tortura em estabelecimentos prisionais, hospitais psiquiátricos, casas de custódia, instituições de longa permanência (asilos), centros socioeducativos para adolescentes em conflito com a lei e centros de detenção disciplinar em âmbito militar. Isso significa que a população passará a contar com mais canais para fazer denúncias. “É um passo importante no enfrentamento desse entendimento. Sinaliza o compromisso do Estado de que quer combater e nos colocar num outro patamar de respeito aos direitos humanos, algo que todos os defensores com atuação criminal atuam na prevenção e combate”, acrescenta Bessa.

Ele recorda que a DPCE conta, desde 2021, com um protocolo de como defensoras e defensores devem atuar diante de um caso de tortura. Fruto de parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação de Prevenção à Tortura (APT), o documento poderá ser aplicado para reforçar a operação de duas instâncias: o Mecanismo criado pelo Estado e a Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Tortura que a própria Defensoria do Ceará tem na sua estrutura interna desde fevereiro de 2022.

COMISSÃO NA DPCE
O colegiado é hoje presidido pela defensora Lia Felismino, que prevê o trabalho do colegiado como importante contribuição ao Sistema e também enaltece a criação do Dia Nacional de Combate à Tortura como algo positivo para dar visibilidade à causa, muitas vezes socialmente tida como sem importância. Uma das principais missões do Comitê será dar prosseguimento ao calendário de inspeções às unidades prisionais. Resultarão dessas atividades relatórios que serão enviados ao Mecanismo, cujo trabalho se dará de forma contextualizada.

Denúncias de tortura podem ser enviadas à comissão da DPCE por e-mail. O endereço é combateatortura@defensoria.ce.def.br. “Nós já temos defensores atuando semanalmente nas unidades para averiguação de casos individuais. Com o nosso Comitê, atuamos, sobretudo, nas possíveis violações coletivas. É a partir delas que verificamos onde há repetição sistemática da prática para apuração e providências”, detalha Felismino.

A proposta é de que essas vistorias aconteçam pelo menos uma vez por mês, podendo a frequência dobrar em caso de demanda elevada. “Nossa intenção é ficar sempre em contato com as instituições para sistematizarmos tudo o que é feito e o que precisa ser feito”, finaliza a defensora.