Leiam Elvira Vigna, ou: O que deu para fazer em matéria de primeira coluna

Os livros mais vendidos são estrangeiros, mas não se deixem enganar: a literatura brasileira continua respirando normalmente com ótimos trabalhos por aí

Reclamar é muito fácil. Atualmente, reclamar em rede social, então, é o melhor negócio: rende engajamento, fama, recebidos, talvez dinheiro. Reclamar é o que há. E, provavelmente perdendo apenas para o cinema nacional, como é fácil reclamar da literatura brasileira! Se não é um clássico amplamente reverenciado, não presta. Se não está entre os mais vendidos, sequer existe. Se é escrito por qualquer minoria, ora, só pode ser lacração, politicamente correto, essas coisas menores. Para todos estes, digo: leiam Elvira Vigna.

Elvira Vigna escreveu aproximadamente 20 livros, alguns infantis para entreter os próprios filhos, alguns romances para perturbar os adultos, ilustrou livros alheios e até uma graphic novel (um livro em quadrinhos, um romance gráfico) para chamar de sua. Como se não fosse o bastante, ainda publicou vários artigos em jornais e revistas e um sem número de tuítes – literalmente incontáveis porque ela religiosamente apagava todos.

Inflexível consigo e com os outros, não fazia concessões à mediocridade, preferia virar o mundo do que deixar a vida levá-la, fundou e faliu com editoras em mais de uma oportunidade e insistiu– sua Uva-Limão, focada em publicações acadêmicas, segue ativa com seus familiares. Seus trabalhos literários lhe renderam prêmios, inclusive os tão celebrados Jabuti, Biblioteca Nacional e Oceanos, que abrangem todos os países de língua portuguesa. Sua obra recentemente fez parte de Palimpsestos, uma exposição de arte conduzida por Carolina Vigna, sua filha, no MIS (Museu de Imagem e Som) de Campinas.

Elvira Vigna - Foto: Reprodução
Elvira Vigna – Foto: Reprodução

Além do estilo inconfundível, seus romances são reconhecidos por tratar de conflitos nas relações com traições e mortes, mas sem se deter nisso, sem cair no policialesco. Elvira, inclusive, sempre dizia e reforçava que tudo o que escrevia tinha pé na realidade: ou seja, tinha acontecido, se não com ela, com conhecidos. Porém, ainda que tenham valor inquestionável, a escritora explorou tantas facetas ao longo da vida que seria mesquinho não oferecer opções aos futuros leitores que desejem se iniciar na literatura elvira vigniana e não saibam por onde começar. Pensando na maior diversidade possível, da criança ao interessado em arte, temos a seguinte lista:

5 LIVROS PARA CONHECER ELVIRA VIGNA

1. Lã de umbigo (1979)

Voltado para o público infantil, Lã de umbigo traz contos mágicos em que um gigante, uma fada, uma Medusa, um gênio e a própria Torre de Babel fazem vizinhança com um menino que tira lã do umbigo (e consegue viver disso). Vencedor do Jabuti de literatura infantil de 1979.

2. Vitória Valentina (2013)

A favela é um mundo e, como um mundo, acontece de tudo, vida, morte, amizade, crime e muita ação. Vitória Valentina acompanha a vida de Carla Vitória Valentina em seus percalços até Nando, seu amigo de infância, pô-la a par de um plano que poderia mudar a vida dos dois. Uma peculiaridade sobre esse livro é que as imagens vieram antes do texto. Elvira tinha guardado essas ilustrações e, em dado momento, reencontrando-as achou que mereciam uma história. 

3. Nada a dizer (2010)

Traições podem ou não acontecer, mas são naturais das relações. Nada a dizer, o romance mais aclamado de Elvira, tem uma traição como fio condutor. A narradora é traída e analisa sua relação com Paulo, o traidor, e N., a amante, com um tom rancorosamente sincero que lhe é característico.

4. Kafkianas (2018)

Último livro inédito exclusivamente feito pela autora, em Kafkianas, Elvira faz as releituras de vinte contos do célebre escritor tcheco, Franz Kafka, à sua maneira característica: com um humor afiado e autêntico. Vencedor do prêmio Biblioteca Nacional.

5. Uma história da arte (2022)

Escrito a quatro mãos com sua filha Carolina, Uma história da arte traz outra faceta da escritora: a amante e crítica de arte. O artigo indefinido no título do livro não deixa dúvida do posicionamento das autoras: não acreditam em uma determinada história da arte, mas sim em interpretações. Distante daquela linguagem academicista e fartamente ilustrado, o livro faz uma viagem pela história da arte desde os seus primórdios até os dias atuais e leva o leitor consigo.

Elvira Maria Vigna Lehmann, Elvira Vigna Lehmann ou Elvira Vigna foi uma escritora, ilustradora, artista plástica, jornalista e crítica de arte brasileira. Nascida no Rio de Janeiro, Elvira Vigna morava em São Paulo e completaria 76 anos neste 29 de setembro.