Ex-professora das filhas de Luis Fernando Veríssimo critica o cronista gaúcho - Espaço Vital

Ex-professora das filhas de Luis Fernando Veríssimo critica o cronista gaúcho

Arte EV sobre foto Uol
Ex-professora das filhas de Luis Fernando Veríssimo critica o cronista gaúcho

Na última quinta-feira (20), o jornal gaúcho Zero Hora publicou crônica em que Luis Fernando Verissimo informa – comparativo - que não vê diferenças entre manifestações de rua contra o atual governo e matilhas de vira-latas.

No mesmo dia, a leitora Rosália Saraiva, que foi professora – no Instituto de Educação de Porto Alegre - das filhas de Veríssimo, encaminhou ao blog do jornalista Políbio Braga uma carta endereçada ao pai das ex-alunas. (Políbio publicou a carta, mas não agregou comentários pessoais).

A crítica a Veríssimo – já repercutida também no espaço de Augusto Nunes, no saite da revista Veja – está ganhando geométrica repercussão.

Nunes fez um crítica pessoal a Veríssimo, avaliando que “a resposta, merecidíssima, é de envergonhar até quem perdeu a vergonha de vez”.

Segundo Augusto Nunes, “o rosnado de Verissimo nasceu do medo” (...) e “o fim da era lulopetista pode custar-lhe a liderança que ocupa no ranking dos autores mais didáticos do Ministério da Educação”.

E foi além: esse possível rebaixamento de Veríssimo na lista dos escritores federais “oferece motivos de sobra — milhões de motivos — para que um cachorrinho de madame vire candidato a pitbull de quadrilha”.

Leia a carta aberta da professora Rosália Saraiva:

Prezado LF Verissimo:

Na crônica com o título ‘O Vácuo’, comparaste os manifestantes contra o governo aos cachorros vira-latas que, no passado, corriam atrás dos carros, latindo indignados. Dizes que nunca ficou claro o que os cães fariam quando alcançassem um carro, por ser uma raiva sem planejamento. E que os cães de hoje se modernizaram, convenceram-se de seu próprio ridículo, renderam-se ao domínio do automóvel.

Na tua infeliz e triste comparação, os manifestantes de hoje são vira-latas obsoletos sitiando um governo que mais se parece com um Fusca indefeso, que sabem o que NÃO querem – Dilma, Lula, PT – mas não pensaram bem NO QUE querem no seu lugar.

Como um velho e obsoleto cachorro vira-lata, quero te latir (não sei se entendes a linguagem de cachorros) algumas coisas:

1. Independentemente das motivações de cada um, tenho certeza de que todos os cachorros na rua correm em busca dos sonhos perdidos, que, em 13 anos, foram sendo atropelados não por um Fusca indefeso, mas por um Land Rover de corrupção, imoralidades, mentiras, alianças políticas espúrias, compras de pessoas, impunidade, incitação à luta de classes, compra de votos com o Bolsa Família , desrespeito e banalização da vida pela falta de segurança e de atendimento digno à saúde, justiça falha, etc, etc.

2. Se os cachorros se modernizaram e pararam de correr atrás do carro, não foi por se convencerem do próprio ridículo. Foi porque não conseguiram nunca alcançar os carros e isso os desmotivou. Falta de planejamento, concordo. Mas os cachorros de agora aprenderam que se correrem juntos, unidos, latindo bastante atrás do carro, cada vez mais e mais, de novo e de novo, chegará uma hora em que o motor vai fundir. Eles vão alcançar o carro. O motorista vai ter que descer do carro e outro assumirá. Pior do que está não vai ficar, embora o conserto vá demorar muito. Não vai ser fácil, mas os vira-latas vão conseguir se organizar, pelo voto. Não pela ditadura.

3. Não é verdade que o latido mais alto entre os cachorros foi o de um chamado Bolsonaro. Acho que estavas na França gozando das delícias de um croissant na beira do Sena (enquanto os vira-latas daqui corriam atrás do osso perdido) e não viste os vídeos das manifestações. Se bem que a TV Globo e o Datafolha também não enxergaram nada. O que mais cresceu na manifestação foi uma certeza, a certeza que vai fazer esse país mudar: com essa Land Rover desgovernada não dá mais. Os cachorros com seus latidos unidos jamais serão vencidos. E sabem que mais dia, menos dia, esse carro vai parar. É assim que começa, pena que eles não acreditem. Não vai ter mais dinheiro pra comprar brioches para o povo. E o número de vira-latas vai aumentar muito. Quem comandará a corrida? Não sei, só sei que prefiro ser um vira-lata à moda antiga do que um vira-lata moderninho que se rende a uma Land Rover.

4. Te enganas quando dizes que os cachorros de antes corriam atrás dos carros porque a luta era outra. Não, a luta é a mesma, o contexto é diferente. Os cachorros não querem um passaporte bolivariano. O vácuo vai ser preenchido, não te preocupes. Por quem for necessário e aceito, desde que não seja pelo exército do Stédile.

5. Em tempo: essa vira-lata que te fala foi professora dos tuas filhos no antigo e admirável Instituto de Educação. Lá aprendi que é importante latir não por latir, mas para defender os sonhos possíveis. E teus filhos devem ter aprendido muita coisa com os meus latidos. Continuo latindo, agora na rua, para derrubar o que acredito ser um mal nesta nação arrasada: a corrupção e, mais do que isso, um governo corrupto, que perdeu totalmente a vergonha. Eles criaram um “vácuo” de imoralidade e de incompetência que vai ser difícil de recuperar. Mas, vamos conseguir!

Rosália Saraiva. 

Leia a crônica de Luis Fernando Veríssimo, publicada em Zero Hora, no dia 20 de agosto:

O vácuo

Houve um tempo em que os cachorros corriam atrás dos carros. Era uma cena comum: vira-latas perseguindo carros, latindo, como se quisessem expulsar um intruso no seu meio. Às vezes, viam-se bandos de cães indignados perseguindo carros que passavam e dava até para imaginar que um dia conseguiriam alcançar um, dos pequenos, pará-lo, cercá-lo e... E o quê? Comê-lo?

Nunca ficou claro o que os cachorros fariam se alcançassem um carro. Era uma raiva sem planejamento. (Hoje, a cena de cachorros correndo atrás de carros é rara. Os cachorros modernizaram-se. Renderam-se ao domínio do automóvel. Ou convenceram-se do seu próprio ridículo).

Os manifestantes contra o governo sabem o que não querem - a Dilma, o Lula, o PT no poder -, mas ainda não pensaram bem no que querem. Se conseguirem derrubar o governo, que cada vez mais se parece com um Fusca indefeso sitiado por cães obsoletos, o que, exatamente, pretendem fazer com o vácuo? A política econômica atual é um sonho neoliberal. Seu oposto seria uma volta à política econômica pré-Levy?

Dependendo de como for impedida a Dilma, o vácuo pode ser preenchido pela ascensão do vice-presidente (tudo bem), pelo eleito num novo pleito (seja o que Deus quiser) ou pelo Eduardo Cunha (bate na madeira). O que os manifestantes preferem? A raiva precisa de um mínimo de previsão.

Uma parte dos manifestantes não tem dúvida do que quer. Da primeira grande manifestação de 2013 passando pelas duas deste ano, o que mais cresceu e apareceu foi a linha Bolsonaro, que pede a volta da ditadura militar e lamenta, abertamente, que os militares não tenham matado a Dilma quando tiveram a oportunidade. Por sinal, o Fernando Henrique talvez se lembre que o Bolsonaro disse a mesma coisa a seu respeito. Mas, enfim, as guerras fazem estranhos aliados.

Sugiro a quem se preocupa com o momento nacional que faça um pouco de arqueologia histórica para manter as coisas em perspectiva. Procure na imprensa da época a reação causada pela marcha da família com Deus pela liberdade contra a ameaça comunista. Também foi uma manifestação enorme, impressionante. E foi o preâmbulo do golpe de 64, e dos 20 anos negros que se seguiram e hoje tanta gente quer ver de novo.

Pode-se argumentar que os tempos eram outros, tão distantes que os cachorros de então ainda corriam atrás de carros, e a luta era outra. Mas o triste é que ainda é a mesma luta.