Marcio Zardo
especular
maio de 2014
especular
maio de 2014
Espelho, espelho meu
breves especulações acerca da arte
Em passado recente ouvi de um amigo curador que não nos esquecêssemos que Platão baniu os poetas. Isto dito me veio de imediato, à contradita, de que na verdade o filósofo tinha uma rixa com os sofistas por causa da retórica, aquela que apela para os sentimentos e afasta a racionalidade, discordava em especial com a ênfase dada ao aspecto formal em detrimento do conteúdo que o saber podia transmitir. O antagonismo estava na medida em como tratavam a distinção entre verdade e erro, para Platão algo da mais alta importância e que para os sofistas não fazia diferença, podiam defender um ponto de vista tanto quanto podiam execrá-lo. Banir a poesia, na verdade o drama, era afastar o “sentimentalismo” do discernimento dialético, aquele que nos leva em última instância ao mundo das Ideias, entenda-se, a uma realidade estável comprometida com a verdade.
* * *
Para Platão a arte era uma simulação das aparências em que representar era imitar e nada de bom poderia provir disso. Aristóteles, ao contrário, propunha um aprendizado sobre as coisas da vida que o espectador poderia obter no que se conhece como catarse, ou seja, algo de útil que provém da arte. Mas ainda que discordassem dos seus efeitos, ambos convergiam quanto à sua natureza: imitação. Platão afirma, por exemplo, que a pintura nada mais é que um espelho colocado diante do mundo.
* * *
Ao especular sobre questões tão pretéritas em seu trabalho para a Vitrine Efêmera, Marcio Zardo traz à memória um longo caminho que a teoria da arte percorreu (e percorre) na formação de seus fundamentos desde a antiguidade. Como artista e poeta visual imiscui-se em um diálogo crítico com a tradição sem, contudo, aliar ao seu projeto artístico contemporâneo a re-apropriação do conceito de sublime. Talvez por isso nos coloque espelhos nas mãos e peça que olhemos para trás ou que vejamos de trás para frente. É a arte colocada em revisão.
* * *
Esse momento que transcende ao mero ajuste de contas com as heranças históricas e se lança um passo à frente na reflexão de uma nova realidade é raro nas contas da arte contemporânea tão recheada de conchavos políticos e econômicos, favorecimentos pessoais, relações espúrias como diria Platão. Zardo é categórico, indivisível e incontornável em sua poesia e não faz concessões aos pedidos de Hamlet, não ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, nem tampouco exibe um espelho à natureza. Sua ação requer foco, o ponto onde se vê a imagem do seu escrito exposto antes ao autoconhecimento que a leitura genérica.
* * *
Especular, título de sua inédita instalação, uma caixa preta que guarda suas últimas expectativas, orienta-se pelo percurso indutivo, apresenta o olhar particular do artista que se desdobra em múltiplas experiências alheias. E aguarda como Duchamp, um tal ato criador depositado no público que decidirá por fim qual o destino de suas esperanças, que dádivas alcançará nas dúvidas que provoca sua obra pronta para consumo de olhos ávidos pela vida que passa. Quisera pudéssemos ter e crer no mágico manto de todas as explicações, conceituações, definições e conclusões que o neo-representacionalismo de Danto oferece como aplicável às diversas manifestações artísticas, porque assim não nos sentiríamos tão incapazes e insuficientes para identificar a obra de arte em sua plenitude.
* * *
O artista arrisca estender os limites visuais de sua arte com pequenas inserções reflexivas na estrutura do discurso convencional; agrupa e afirma fatos aparentemente desconexos que findam por se assentar na carreira de proposições que aplica como oriundos da mesma razão cognitiva. História, Arte, Narciso, Cultura, Velázquez, Alice, Oiticica, Palavra, são espelhos de si e do todo. Zardo está ciente dos erros da teoria mimética nas artes visuais e longe de querer nos provar isso, apenas nos pede um instante de atenção para reaprender a ver o mundo como queria Merleau-Ponty com a verdadeira filosofia. Entretanto, não busca representações, não quer tomar o lugar de uma por outra coisa, muito menos não lhe basta que seja a cópia da cópia, ironicamente, seu embate é maior e mais amplo e com o qual discute a própria originalidade. Sua proposta atinge pontos extremos e quer e precisa ser alcançada naquilo em que ora seja construção, ora seja ruína, variantes de um vigoroso e sistemático processo de seleção estética. Espelho, espelho meu, afinal, estética é arte?
* * *
Osvaldo Carvalho
breves especulações acerca da arte
Em passado recente ouvi de um amigo curador que não nos esquecêssemos que Platão baniu os poetas. Isto dito me veio de imediato, à contradita, de que na verdade o filósofo tinha uma rixa com os sofistas por causa da retórica, aquela que apela para os sentimentos e afasta a racionalidade, discordava em especial com a ênfase dada ao aspecto formal em detrimento do conteúdo que o saber podia transmitir. O antagonismo estava na medida em como tratavam a distinção entre verdade e erro, para Platão algo da mais alta importância e que para os sofistas não fazia diferença, podiam defender um ponto de vista tanto quanto podiam execrá-lo. Banir a poesia, na verdade o drama, era afastar o “sentimentalismo” do discernimento dialético, aquele que nos leva em última instância ao mundo das Ideias, entenda-se, a uma realidade estável comprometida com a verdade.
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Para Platão a arte era uma simulação das aparências em que representar era imitar e nada de bom poderia provir disso. Aristóteles, ao contrário, propunha um aprendizado sobre as coisas da vida que o espectador poderia obter no que se conhece como catarse, ou seja, algo de útil que provém da arte. Mas ainda que discordassem dos seus efeitos, ambos convergiam quanto à sua natureza: imitação. Platão afirma, por exemplo, que a pintura nada mais é que um espelho colocado diante do mundo.
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Ao especular sobre questões tão pretéritas em seu trabalho para a Vitrine Efêmera, Marcio Zardo traz à memória um longo caminho que a teoria da arte percorreu (e percorre) na formação de seus fundamentos desde a antiguidade. Como artista e poeta visual imiscui-se em um diálogo crítico com a tradição sem, contudo, aliar ao seu projeto artístico contemporâneo a re-apropriação do conceito de sublime. Talvez por isso nos coloque espelhos nas mãos e peça que olhemos para trás ou que vejamos de trás para frente. É a arte colocada em revisão.
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Esse momento que transcende ao mero ajuste de contas com as heranças históricas e se lança um passo à frente na reflexão de uma nova realidade é raro nas contas da arte contemporânea tão recheada de conchavos políticos e econômicos, favorecimentos pessoais, relações espúrias como diria Platão. Zardo é categórico, indivisível e incontornável em sua poesia e não faz concessões aos pedidos de Hamlet, não ajusta o gesto à palavra, a palavra ao gesto, nem tampouco exibe um espelho à natureza. Sua ação requer foco, o ponto onde se vê a imagem do seu escrito exposto antes ao autoconhecimento que a leitura genérica.
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Especular, título de sua inédita instalação, uma caixa preta que guarda suas últimas expectativas, orienta-se pelo percurso indutivo, apresenta o olhar particular do artista que se desdobra em múltiplas experiências alheias. E aguarda como Duchamp, um tal ato criador depositado no público que decidirá por fim qual o destino de suas esperanças, que dádivas alcançará nas dúvidas que provoca sua obra pronta para consumo de olhos ávidos pela vida que passa. Quisera pudéssemos ter e crer no mágico manto de todas as explicações, conceituações, definições e conclusões que o neo-representacionalismo de Danto oferece como aplicável às diversas manifestações artísticas, porque assim não nos sentiríamos tão incapazes e insuficientes para identificar a obra de arte em sua plenitude.
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O artista arrisca estender os limites visuais de sua arte com pequenas inserções reflexivas na estrutura do discurso convencional; agrupa e afirma fatos aparentemente desconexos que findam por se assentar na carreira de proposições que aplica como oriundos da mesma razão cognitiva. História, Arte, Narciso, Cultura, Velázquez, Alice, Oiticica, Palavra, são espelhos de si e do todo. Zardo está ciente dos erros da teoria mimética nas artes visuais e longe de querer nos provar isso, apenas nos pede um instante de atenção para reaprender a ver o mundo como queria Merleau-Ponty com a verdadeira filosofia. Entretanto, não busca representações, não quer tomar o lugar de uma por outra coisa, muito menos não lhe basta que seja a cópia da cópia, ironicamente, seu embate é maior e mais amplo e com o qual discute a própria originalidade. Sua proposta atinge pontos extremos e quer e precisa ser alcançada naquilo em que ora seja construção, ora seja ruína, variantes de um vigoroso e sistemático processo de seleção estética. Espelho, espelho meu, afinal, estética é arte?
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Osvaldo Carvalho