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Como a Península de Itapagipe ajuda a entender o que é racismo ambiental?

Foto: Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA)

A Península de Itapagipe, território localizado em Salvador, abriga uma população de aproximadamente 160 mil habitantes e foi a primeira zona industrial da Bahia, além de ter sido o local com a maior favela de palafitas da América Latina, uma habitação sustentada por estacas em regiões alagadas. No entanto, apesar de sua riqueza natural e cultural, esse território está ameaçado pela possibilidade de desaparecer nos próximos 30 anos devido às mudanças climáticas e à degradação ambiental, de acordo com o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC).

Infelizmente, a Península de Itapagipe é apenas um entre diversos casos ao redor do mundo de áreas historicamente marginalizadas afetadas pelas desigualdades raciais. Estudos recentes do IPCC evidenciam que 40% da população mundial está extremamente exposta a desastres ambientais devido ao aumento da temperatura da Terra. As comunidades indígenas também são alvos da crise climática e mudança territorial forçada. Diversos povos originários, como o Korubo, Yanomami e Uru Eu Wau Wau, por exemplo, dependem exclusivamente dos recursos naturais para a sobrevivência. Entretanto, com o aumento do garimpo e desmatamento, cada vez mais, eles precisam migrar para outros territórios em busca de novas fontes de alimentos. 

Segundo dados monitorados pela Defesa Civil Nacional e pelo Serviço Geológico, o território brasileiro possui, atualmente, 14 mil áreas de risco de deslizamento e inundação, onde residem cerca de quatro milhões de pessoas. Inclusive, a região do Nordeste é uma das áreas mais afetadas devido aos impactos causados pela seca e alagamentos constantes, dependendo da região, gerando um maior deslocamento da população para diferentes territórios em busca de uma melhor qualidade de vida. 

Fenômenos assim são consequência do que é conhecido como racismo ambiental, que acontece quando a população não-branca, concentrada em espaços periféricos, sofre com a falta de políticas públicas e serviços básicos e essenciais para a sobrevivência, tornando-se mais suscetível aos impactos do aquecimento global.

O Racismo ambiental em dados

Em parceria com o Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA), organização socioambiental de Salvador-BA, e a Comissão de Articulação e Mobilização dos Moradores da Península de Itapagipe (CAMMPI), um movimento que representa as instituições comunitárias e empreendimentos econômicos solidários da região, o Observatório do Racismo Ambiental divulgou, no mês de julho, o “Mapeamento do Racismo Ambiental na Península de Itapagipe de 2022” como forma de denunciar a negligência do Estado em relação aos crimes ambientais e à falta de políticas básicas para os moradores locais.

A organização recebeu apoio do Fundo Brasil de Direitos Humanos no edital Mobilização em Defesa dos Espaços Cívicos e da Democracia

Foto: Centro de Arte e Meio Ambiente (CAMA)

Para analisar o quadro atual do território, foi necessário revisitar o processo histórico desde o século XIX, quando o complexo industrial de vários setores foi instalado. Apesar de ter trazido benefícios econômicos para os moradores, como a geração de empregos, a zona de fábricas na península também foi responsável pelo início da degradação dos manguezais e pela poluição das águas e do ar, o que ainda impacta na qualidade de vida dos habitantes até hoje com o aumento das crises respiratórias, doenças e na renda local que depende da pesca.

Na metade do século XX, as atividades industriais foram encerradas devido ao processo de metropolização, gerando a criação de novos municípios, e, posteriormente, a instalação de novos conglomerados de fábricas como o Centro Industrial de Aratu (1968) e o Polo Petroquímico de Camaçari (1978). A sequência de eventos resultou em um crescimento do índice de desemprego da região, assim como danos ambientais. A partir desse momento, os moradores locais passaram a reivindicar seus direitos básicos e a buscar por reparação do bioma degradado.

A transformação urbana ocorrida no território da capital baiana marcou a identidade da comunidade, destacando especialmente o senso de solidariedade diante da situação de vulnerabilidade da população local, majoritariamente negra (83,19%) e feminina ( 53,92%,) segundo o IBGE. O Mapeamento do Racismo Ambiental na Península de Itapagipe de 2022 registrou um crescimento dos processos organizativos, como a construção de escolas comunitárias, centros culturais, espaços esportivos e outras iniciativas, impulsionadas pelo engajamento das associações e pela conscientização dos indivíduos em relação aos seus direitos como cidadãos.

O que ainda pode ser feito?

Embora o impacto das mudanças climáticas ser um tema de interesse global, há uma lacuna significativa na discussão sobre a implementação de iniciativas sustentáveis em regiões de extrema vulnerabilidade e exclusão social, como a Península de Itapagipe, que são severamente afetadas pelas mudanças climáticas, enquanto a atenção foca majoritariamente nos grandes centros e ambientes que concentram boa parte da renda capital do país. 

A participação ativa das organizações não governamentais e os efeitos positivos de suas respectivas ações são fundamentais para o progresso socioeconômico da Península de Itapagipe, entretanto, assim como o Observatório de Racismo Ambiental reforça no mapeamento elaborado, isso não exclui a responsabilidade de promover o saneamento básico necessário, revitalizar os biomas e fornecer outros serviços essenciais, ser, estritamente, do Governo.

O Radar Saúde Favela, material desenvolvido pela Coordenação de Cooperação Social da FioCruz para dividir informações sobre a realidade da população que vive em zonas de favela ou periferia no âmbito de saúde, apresentou, em sua 23ª edição, um recorte sobre racismo ambiental e climático.  Abordando a relação entre os eventos climáticos e os deslocamentos forçados da população, e sinalizando essas questões como um dos principais problemas da sociedade contemporânea para os próximos anos. O estudo lista propostas para mitigar o problema, sendo citados  A) políticas de moradias seguras; B) instalação de energias renováveis; C) proteção legal dos moradores locais; D) qualificação da coleta de dados para monitoramento das zonas e E) apoio aos projetos liderados pela equipe para uma participação mais ativa da comunidade. 

Como apontado pela pesquisa, quem enfrenta o racismo ambiental, é um sobrevivente. Somente na América Latina, é estimado que, até 2025, 17 milhões de pessoas se tornarão refugiadas do clima. O Fundo Brasil apoia diversos projetos que lutam para mudar essa realidade e garantir a proteção de todas as pessoas diante desse problema. Clique aqui e conheça os grupos apoiados por nós que combatem dia a dia o racismo e suas extensões, e considere apoiar financeiramente esses ativistas.

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