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De Elba Ramalho a Fagner: Os maiores sucessos da música brasileira em 1983

Há 40 anos, canções de Gonzaguinha, Cazuza, Tim Maia, Lulu Santos, Milton Nascimento e Raul Seixas explodiram nas rádios

Se, para o mundo, o ano de 1968 foi aquele que não terminou, devido às mudanças comportamentais e políticas provocadas pelas rebeliões juvenis, que culminaram com a contracultura, não há dúvidas de que, no Brasil, o ano de 1983 foi um dos mais prolíficos para a música brasileira, com sucessos que embalaram gerações e seguem tocando os corações dos mais jovens. De Elba Ramalho a Fagner, passando por Gonzaguinha, Cazuza, Tim Maia, Lulu Santos, Milton Nascimento, Raul Seixas, entre outros.

“Pro Dia Nascer Feliz” (rock, 1983) – Cazuza e Frejat

Depois da música “Pro Dia Nascer Feliz” ser lançada por Ney Matogrosso, o Barão Vermelho experimenta, pela primeira vez, o sucesso. Mas começa a se acostumar com ele a partir de “Beth Balanço”, música criada para filme dirigido por Lael Rodrigues e protagonizado por Débora Bloch, em que os integrantes da banda fazem uma participação.

No lado B do compacto estava, escondida, “Amor, Amor”, balada de Cazuza, Frejat e George Israel também interpretada no longa-metragem. O discreto acolhimento deve-se, certamente, ao estouro da canção-título. Apesar de Lucinha Araújo, a mãe de Cazuza, preferir “Amor, Amor”. Seja como for, “Pro Dia Nascer Feliz” segue como sucesso atemporal.

“Você É Linda” (balada, 1983) – Caetano Veloso

A primeira palavra dita por Caetano Veloso foi “quem”. Ao menos quando se toma como base sua carreira fonográfica iniciada em 1965, com a edição do compacto simples que traz “Cavaleiro” (da onde se extrai a expressão) em um lado, e “Samba em Paz”, no outro. Já em 1983, Caetano Veloso compôs a música “Você É Linda” para Cristina, uma moça que morava em frente à sua casa na Bahia, do outro lado da rua, no bairro de Ondina. Caetano se apaixonou por Cristina e o resultado foram os versos românticos de “Você É Linda”, música lançada em 1983, no álbum “Uns”.

“Menestrel das Alagoas” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Fernando Brant

Em março de 1983, Fafá de Belém ganhou de presente uma música dos amigos Milton Nascimento e Fernando Brant, batizada de “Menestrel das Alagoas”. Imediatamente ela se perguntou por que havia sido escolhida para homenagear Djavan. Logo o engano se desfez e ela recebeu no estúdio o verdadeiro homenageado, o senador Teotônio Vilela, um dos símbolos pela redemocratização do Brasil, que lutava contra um câncer e faleceria antes de a canção ser entoada por Fafá nos comícios pelas Diretas Já. Na ocasião, a cantora também abriu uma caixa com uma pomba-branca que voou, levando a mensagem de esperança, por sugestão do cartunista Henfil. “Menestrel das Alagoas”, assim, se tornou emblema de um momento histórico para todo Brasil.

“Banho de Cheiro” (frevo, 1983) – Carlos Fernando

Carlos Fernando é pernambucano de Caruaru. Responsável por aproximar o frevo da MPB, ele conheceu, em 1983, o maior sucesso da sua carreira, quando Elba Ramalho gravou, no LP “Coração Brasileiro”, a música “Banho de Cheiro”, que abria o disco. Elba nunca mais se afastou dessa música, voltando sempre a ela em suas apresentações de sucesso Brasil afora. A letra fala sobre uma tradição indígena que permanece forte no Norte e Nordeste do país, a de tomar um banho de ervas na virada do ano para trazer boas energias. “Eu quero um banho de cheiro/ Eu quero um banho de lua/ Eu quero navegar”, diz.

“Ai Que Saudade D’ocê” (toada, 1983) – Vital Farias

Paraibano de Taperoá com influências ibéricas em seu violão, o músico Vital Farias construiu uma obra particular, facilmente identificável. Entre seus maiores sucessos destacam-se “Era Casa, Era Jardim”, lançada em 1978 e regravada por Fagner, também conhecida como “Canção em Dois Tempos”, e “Veja (Margarida)”, de 1980, lançada por Elba Ramalho no disco “Capim do Vale”.

Também paraibana, Elba voltou à obra de Vital no álbum “Coração Brasileiro”, de 1983, um dos mais bem-sucedidos de sua trajetória, que rendeu à cantora os discos de ouro e platina pelas milhões de cópias vendidas. No repertório, Elba dá voz a “Ai Que Saudade D’ocê”, uma toada dolente, romântica, que caiu no gosto do público e entrou para o repertório de sucessos.

“Um Homem Também Chora [Guerreiro Menino]” (MPB, 1983) – Gonzaguinha

Já bem à vontade para tratar de temas do coração, Gonzaguinha teve gravada, na voz de outro nordestino, uma de suas músicas que continham maior ternura. Em 1983, seu compadre Fagner recebeu de Mariozinho Rocha o aviso de que Gonzaguinha havia lhe mandado uma música. O detalhe é que o empresário considerava que ela tinha sido feita “nas coxas” e não valia a pena gravá-la.

Fagner insistiu, chorou de emoção ao ouvi-la e a transformou no carro-chefe do seu LP daquele ano. “Um Homem Também Chora” delineava com maciez sensações singelas e muito humanas, habituadas a se esconderem atrás de hipocrisias. Gonzaguinha falava sem deixar passar nenhuma farpa da faceta mais frágil e carinhosa dos guerreiros meninos. E ele certamente era um deles.

“Chuva de Prata” (balada, 1983) – Ed Wilson e Ronaldo Bastos

Depois de mais de duas décadas na gravadora Polygram, Gal Costa assina com a então RCA. É pela nova gravadora que lança “Profana” (1984), onde abre espaço para músicas de apelo mais popular. “Chuva de Prata” é o grande sucesso do disco, junto com uma versão para uma música de Stevie Wonder, “Lately”, que, na letra em português de Ronaldo Bastos, virou “Nada Mais”. Também de Ronaldo Bastos, com Ed Wilson, é o sucesso “Chuva de Prata”, que mereceu as regravações de Paula Fernandes, Sandy e do grupo Roupa Nova. Porém, a primeira gravação foi feita em 1983, pelo tecladista Lafayette.

“Me Dê Motivo” (música soul, 1983) – Michael Sullivan e Paulo Massadas

Incorrigível, Tim Maia interpretava a música “Me Dê Motivo”, um dos maiores sucessos da sua carreira, fazendo com as mãos o símbolo do chifre. Na sua visão, a música era uma espécie de “melô do corno”, tanto que, na introdução, se valia de um texto que explicava a intenção da letra. “É engraçado, ás vezes a gente fica pensando que está sendo amado”, resumia, antes de soltar o vozeirão rouco. A composição é mais uma da dupla de hitmakers Michael Sullivan e Paulo Massadas, que também rendeu a Tim outro sucesso: “Um Dia de Domingo”, que ele interpretou com Gal Costa, em mais um dueto polêmico.

“Coração de Estudante” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Wagner Tiso

Guardião de sentimentos e propulsor da vida, o coração pode também ser político, como comprovam Milton Nascimento e Wagner Tiso. No ano de 1983 os dois receberam a incumbência de criar uma música para o filme “Jango”, sobre a trajetória do presidente João Goulart, deposto pelo regime militar responsável por instaurar a ditadura que perdurou no país por duas décadas.

Nada mais propício, portanto, do que reportar-se ao coração utopista e ideológico daqueles que trazem a esperança. Por essas e outras, aliás, foi que “Coração de estudante” ultrapassou o propósito inicial e serviu como hino pela campanha das “Diretas Já” no ano de 1984, executada no funeral do também mineiro Tancredo Neves, um ano depois, antes de ser empossado presidente.

“Amargo Presente” (samba, 1983) – Cartola

Os mais conceituados letristas e melodistas brasileiros pegaram papel e instrumento para criar canções natalinas. Embora a temática se repita, a abordagem revela uma diversidade incrível de impressões sobre a festa, passando pela exaltação, alegria, reflexão, tristeza e melancolia. A experiência de Cartola com a festa natalina retratada nos versos da música lançada por Beth Carvalho é das mais difíceis e dolorosas. A melancolia toma conta da melodia ao reproduzir a história do protagonista abandonado em pleno dia de Natal. Ao fim, o compositor se lamenta pelo tal “presente”.

“Como Uma Onda” (balada, 1983) – Nelson Motta e Lulu Santos

Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello dizem no livro “A Canção no Tempo – Volume II”, que a música “Como Uma Onda”, de Lulu Santos e Nelson Motta, é um bolero que se mistura a sons típicos da percussão caribenha. Fato é que essa balada de pega existencialista, justamente sub-intitulada “Zen-Surfismo”, catapultou a carreira de Lulu Santos e impulsionou as mais de noventa mil cópias do disco “O Ritmo do Momento”, em 1983. Hit indispensável da carreira de Lulu, a música foi gravada, no mesmo ano, por Zizi Possi e mereceu uma regravação marcante de Tim Maia, amigo de poucas e boas de Nelson Motta.

“O Circo Místico” (MPB, 1983) – Chico Buarque e Edu Lobo

Em 1982, Chico Buarque e Edu Lobo receberam a incumbência de criar a trilha sonora para o balé “O Grande Circo Místico”, que Naum Alves de Souza criou em cima do poema homônimo do alagoano Jorge de Lima. O espetáculo deu vazão a um álbum lançado em 1983, com a nata da MPB: Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Simone, Tim Maia e outros. Ficou a cargo de Zizi Possi dar voz à sofisticada “O Circo Místico”, que passava de soslaio sobre a morte: “Não sei se é nova ilusão/ Se após o salto mortal/ Existe outra encarnação”. A música possibilitou ao público a nova oportunidade de conhecer Jorge de Lima.

“Fogueira” (balada, 1983) – Angela Ro Ro

Angela Ro Ro conta que “chorava copiosamente”. “Chorei três vezes, molhei a letra toda, de tão emocionada”, recorda. Por falta de um piano no dia em que “Fogueira” passou por sua cabeça, a cantora agarrou “um violão velho e, com um pedaço de papel e caneta”, começou a compor a balada, que seria lançada por Maria Bethânia em 1983. Os doloridos versos “Por que queimar minha fogueira?/ E destruir a companheira/ Por que sangrar o meu amor assim?”, logo se eternizaram. Curiosamente, a música é, ao lado de “Cobaias de Deus” (parceria com Cazuza), uma exceção na carreira da artista, habituada a criar sempre ao piano. Aos 5 anos, ela ganhou um teclado, em que exercitava as escalas. Com 6 anos, passou para o acordeom, já estreando sua veia criativa.

“O Carimbador Maluco” (infantil, 1983) – Raul Seixas

Após o sucesso de iniciativas como a “Arca de Noé” e “Pirlimpimpim”, a Globo voltou a investir no formato em 1983, ao criar o programa “Plunct, Plact, Zuuum”. À época já relegado ao ostracismo pela indústria fonográfica, o eterno maluco beleza viu no convite a oportunidade de voltar às paradas de sucesso, embora fazer músicas para crianças não fosse exatamente a sua praia. Inspirado por sua filha Vivian, à época com dois anos de idade, Seixas criou canção e personagem que ficaram associados a ele até o fim da vida.

“Anunciação” (forró, 1983) – Alceu Valença

Alceu Valença é o artista tipicamente, genuinamente, nativamente brasileiro, um popular. O sino da capela inicia o ritual da noite. Frevos, batuques, badulaques, pérolas esquecidas o nome, por esse vão, reles manuscrito póstumo. Primeiro poema recitado violentamente por Alceu Valença, como de tua característica, “Anunciação” transcorre aos ouvidos qual beijo estalado de namorada na porteira, na soleira, na ribeira do riacho, na subida da ladeira, na descida da escada. É mundo de castelos mágicos, princesas, príncipes, bruxas e maçãs envenenadas do amor. Canta impertinente a plateia, o público, o povo insolente e entusiasmado, deixando o protagonista do pedaço, palhaço do picadeiro, por vezes, mudo.

“Masculino e Feminino” (MPB, 1983) – Pepeu Gomes e Baby do Brasil

Em 1983, o casal Pepeu Gomes e Baby Consuelo, que depois se tornaria Baby do Brasil, compôs um dos hinos da diversidade no Brasil. Já devidamente embalados pela aura mística que sempre os acompanhou, os compositores iniciam uma reflexão sobre o sexo do Criador para, em seguida, afirmar: “Se Deus é menina e menino, sou masculino e feminino”. A música foi lançada por Pepeu, em álbum com o mesmo nome, e, depois, regravada mais de uma vez por Baby. E o casal voltou a interpretá-la em parceria, no Rock in Rio de 2015.

“Cena de Cinema” (rock, 1983) – Lobão, Bernardo Vilhena e Marina Lima

João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, nasceu no Rio de Janeiro, no dia 11 de outubro de 1957. Ele ganhou o apelido ainda na escola, quando usava um macacão que lembrava o do personagem da Disney. Lobão começou a carreira como baterista, tocou com Marina Lima e Marília Pera e fundou uma banda com Lulu Santos e Ritchie, antes de participar do primeiro disco da Blitz. Ali, o seu temperamento polêmico já ficaria conhecido. Lobão deixou a Blitz logo após o primeiro disco, por desentendimentos com os produtores, e partiu em carreira-solo, emplacando vários hits. Em 1983, lançou “Cena de Cinema”: “Tava queimando no meu carro/ A tal da gasolina”, cantava.

“Fruta Boa” (clube da esquina, 1983) – Milton Nascimento e Fernando Brant

“Fruta Boa”, parceria de Fernando Brant com Milton Nascimento, foi lançada por Nana Caymmi em 1983, no disco que a cantora dividiu com o pianista César Camargo Mariano, batizado de “Voz e Suor”. “Só pela beleza essas músicas já valem, elas são emocionantes acima de tudo. E isso tem a ver com a música mineira que decorre do século XVIII em Vila Rica e chega ao século XX com a mistura desses contrastes de uma cidade planejada em relação a ladeiras, picos e construções coloniais. As letras do Fernando Brant ajudaram a formatar a musicalidade do Clube da Esquina, que, no disco de 1972, sintetiza esses movimentos. Digo que é o primeiro álbum de world music do mundo”, avalia Rodrigo Toffolo, maestro da Orquestra Ouro Preto.

“Firme e Forte” (samba de carnaval, 1983) – Éfson e Nei Lopes

O bloco carnavalesco Cacique de Ramos tinha, entre seus integrantes mais aficionados, o carioca Edson Ferreira, que adotou o nome artístico de Éfson. Foi com essa alcunha que ele surgiu para o mundo do samba e, em 1983, compôs com Nei Lopes a música “Firme e Forte”.

Lançada por Beth Carvalho naquele mesmo ano, a canção logo se tornou um clássico do repertório da cantora, e foi fundamental para o sucesso do disco “Suor no Rosto”, que, não por acaso, trazia na capa a imagem de Beth em meio a confetes e serpentinas.

O recado era claro como os versos do samba: “Aproveita hoje porque a vida é uma só/ O amanhã quem sabe se é melhor ou se é pior/ Deixa correr frouxo que esquentar não é legal/ Se o Brás é tesoureiro a gente acerta no final/ Pois Deus é brasileiro e a vida/ É um grande Carnaval”. Eis um sucesso atemporal...

“Sou Boy” (rock, 1983) – Kid Vinil

Kid Vinil foi dessas figuras que orbitam a cena sem se preocupar, necessariamente, em estar no centro. Se emplacou dois sucessos no posto de vocalista da banda Magazine, ambas no estilo de crônica e tendo como pano de fundo a cidade de São Paulo – com “Sou Boy” e “Tic-Tic Nervoso” – sua contribuição para além da própria carreira certamente foi mais efetiva, e se estendeu até outras estrelas.

Além de influenciar gerações que empregaram ou mantiveram os preceitos do rock com as informações imprescindíveis para se entender essa história, repassadas através de suas participações no comando de programas de rádio e televisão, Kid lutou para adiar ao máximo o arrefecimento do gênero consagrado nos anos 1980 em seu país, movimento do qual fez parte dentro e fora dos palcos.

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