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Nascido em Lins, criador do Senninha visita a cidade e conta sua história

Cíntia Papile no dia 18 de dezembro de 2018 às 17:05
Atualizada em 18 de dezembro de 2018 às 17:15
Divulgação - Ridaut e alguns de seus diversos personagens

Quase toda criança dos anos 90 já assistiu aos programas da TV Cultura. Uma geração inteira vibrava ao ouvir “senta que lá vem história”, sentia curiosidade ao assistir Glub Glub e, por isso, mal via a hora de começar Rá Tim Bum na telinha. Um dos responsáveis por esses projetos é o linense Ridaut Dias Jr., de (quase) 59 anos. No último final de semana, ele esteve em sua terra natal, passou pela escola Jorge Americano, onde estudava, para conversar com os alunos. “Eu sempre venho a Lins porque tenho familiares ainda aqui, mas foi a primeira vez que retornei para a escola, foi muito bacana, Lins me recebeu de braços abertos”, declara.

O cartunista é criador e participante da produção de diversos personagens e animações que marcaram a infância de muita gente, um dos mais especiais é o Senninha, inspirado em Ayrton Senna.

Ridaut nasceu e morou em Lins até os nove anos de idade, quando seus pais mudaram para São Paulo. “Eles mudaram em agosto, mas eu fiquei morando com minha avó até dezembro para terminar o ano letivo”, conta. A sua primeira inspiração foi o Superpateta, que conseguia superpoderes ao comer superamendoins guardados em seu chapéu. Logo, Ridaut começou a desenhar em seus cadernos e fazer até animações nos cantinhos das páginas. O sarcástico Pernalonga também foi inspiração para Ridaut, pois fugia do padrão Disney de desenhos. O trabalho de Chuck Jones, criador do coelho irreverente, norteou o desenhista de Lins em sua trajetória.

Mesmo sendo uma paixão de infância, ele tentou “desenhar” outros caminhos para sua vida. “Eu achei que não seria desenhista porque, apesar de gostar muito, pensei que não seria fácil. Acabei entrando na faculdade para fazer Teologia, porque minha família frequentava muito a igreja Metodista e a Presbiteriana. Descobri que eu gostava de estudar teologia, mas não seria um bom pastor”, relata. Foi quando começou a dar forma ao seu sonho. Uma amiga do irmão de sua então namorada (e atual esposa), Adny Lembo, estava abrindo uma produtora e Ridaut foi trabalhar como estagiário. “Então eu comecei tarde, com 23 anos ainda era estagiário e eu não ganhava salário, mas serviu para aprender, porque fazia de tudo”, relembra. O cartunista é um autodidata, ele afirma ter feito curso de desenho por pouco tempo; aprendeu com a prática somada ao talento.

Anos depois, decidiu levar a Mônica e outros desenhos que havia feito para o Maurício de Souza. E, por uma mãozinha do destino, havia uma vaga de animador. Pronto, lá estava Ridaut trabalhando nas animações da Turma da Mônica. “A partir daí, a coisa andou, eu e um grupinho saímos do Maurício para criar um núcleo que a gente produzia para o Hanna Barbera. Começamos a fazer material para publicidade, desenho animado para comercial de TV”, relata. Hanna Barbera é um estúdio que revolucionou os desenhos animados – responsável por Flintstones, Família Adams e tantos outros marcos – Ridaut foi diretor de animação de seriados do estúdio, como o The Snorks. Assim como da Marvel (Little Clowns of Happytown) e Disney (Ursinhos Gummy).

Na época, Ridaut abriu a empresa Traço & Cor, mais conhecida por Estúdio Ridaut, que começou a ser contratada para trabalhos diversificados. “A gente produzia coisas diversas para publicidade, mídia impressa, quadrinhos. Fiz quadrinhos dos Trapalhões na década de 80”, afirma. Paralelamente, ele trabalhou para a TV Cultura, na animação de programas, como o já citado Rá Tim Bum, o Mundo da Lua – alô, Lucas Silva e Silva - e trabalhou, ainda, com Serginho Groisman no Programa Livre, entre outros.

 

Pilotando com Senninha e nadando com Cielinho

O linense Ridaut eternizou um dos brasileiros mais queridos do mundo, Ayrton Senna. Junto de Rogério Martins, Ridaut criou o Senninha, em 1991. Ambos eram fãs de Fórmula 1 e do piloto tricampeão. Em 1994, eles lançaram junto de Ayrton o universo Senninha nas revistas em quadrinhos. “Nós criamos todo o projeto, não foi só o desenho, e levamos para ele. Tive uma vivência intensa com o Senna, ficamos amigos, conheci o humano de verdade, suas qualidades e defeitos, quando ele estava nervoso e calmo. E a gente pegava as histórias que ele contava e transformava em aventura”, conta. O Senninha passou dos quadrinhos para camisetas, chinelos, animações – este ano, estreou a série de animação Senninha na Pista Maluca – e entrou para a vida de milhares de crianças e até adultos.

Em agosto deste ano, Ridaut lançou mais um personagem inspirado em um tricampeão, desta vez das águas. O Cielinho é a representação do nadador Cesar Cielo. Assim como o piloto, ele tem toda sua turma, e cada personagem tem uma personalidade diferente. “Transformo a pessoa em personagem, não é só pegar a foto e fazer. Há algumas características físicas marcantes que criam a identificação, mas não é caricatura, é mais conceitual, cara um têm suas personalidades e as vezes até conflitantes para criar história e emoção”, declara.

Há, ainda, outros personagens inspirados em famosos, como o Batuta, em referência ao maestro João Carlos Martins. Em contraponto às histórias de personagens famosos, Ridaut mantém os quadrinhos de Paie e Bibi, que retrata a relação de pai e filha, é o momento relaxante do artista. “Por coincidência, Paie se parece comigo, e Bibi com minha filha, Gabi”, revela, aos risos.

 

Da publicidade ao universo educativo

Além dos programas televisivos, das revistas em quadrinho e dos personagens de pessoas famosas, Ridaut deu forma e cor a muitas marcas. Uma delas é a empresa de calçados Klin. Quem não quer viajar com Paty, Rafa e o cãozinho mais fiel contra as peripécias do vilão Xaropé? Foi o linense que criou essa galerinha toda! “Foi preciso muita pesquisa sobre o mundo da moda, os personagens tinham que usar as roupas que seriam tendências”, explica. Houve animações da Klin com a participação da apresentadora Angélica também.

Aqueles personagens das propagandas das Lojas Cem também vieram da mente e mãos de Ridaut.

Mas, além do âmbito comercial, Ridaut e a esposa Adny, que é roteirista, também criaram diversos projetos que são distribuídos gratuitamente em escolas. O mais desafiador, segundo eles, foi um projeto a pedido da indústria de armas. “O Turma Legal foi criado para conscientizar os pais e as crianças dos acidentes com armas. Havia um robozinho que era o espírito da indústria armamentista, que era de ferro, mas tinha uma alma, e ele conscientizava as crianças. O projeto foi parar até em Brasília, na Comissão de Justiça”, relatam.

 

As águas de Lins inspiram

“O calor”, responde Ridaut sobre a pergunta do que Lins já o teria inspirado. Além do clima marcante da cidade, o cartunista chegou a criar personagem linense, mas o projeto não se tornou realidade. “Quando era a rede Quality que tinha hotel nas águas termais em Lins, eu conversei com o gerente da época e criei o monstrinho das águas quentes, fiz algumas animaçõezinhas. Mas a rede foi vendida, ele também foi embora e acabou não se concretizando”, revela.

A inspiração veio de memórias da infância, quando Ridaut ia com os amiguinhos se banhar naquelas águas. “A história de lá é que na procura por petróleo encontraram água quente e eu me lembro que tinha um cano que ficava jorrando, era nossa diversão tomar banho lá”, lembra.

 

Dedosenhando

Com uma folha em branco e uma caneta nas mãos, Ridaut fez o desenho do Senninha com Cielinho em poucos minutos para a repórter. Diferente daquele padrão que estamos acostumados de se começar o desenho pelo rosto, olhos e boca, o artista parece dar forma de maneiras inusitadas ao desenho. “É que para mim a folha nunca está em branco, eu já imaginei o desenho, só estou passando a caneta por cima agora”, afirma.

Ridaut aponta que o trabalhou mudou muito com a tecnologia, pra melhor. Antes, para fazer uma animação de uma pessoa real junto de um desenho, era preciso um processo longo, caro e demorado. “Tinha que filmar a pessoa, revelar o filme, projetar numa máquina para decupar onde ela estaria, desenhar junto com ela, passar no papel, colorir, filmar o desenho separado, revelava o filme, projetava primeiro no filme e gravava ele de novo, reservando área do segundo filme, aí reservava a área que já tinha filmado e voltava o outro. E não podia errar o tamanho, porque teria que fazer tudo de novo”. Ufa, é até difícil acompanhar. E hoje, basta o computador ou mesmo celular. “Hoje filmo com o celular e nele mesmo posso juntar a pessoa com o desenho do jeito que quiser, posso alterar tamanho também”, explica.

O aparelho facilita para deixar os personagens sempre pertinho de seu público. Enquanto o nadador olímpico Cesar Cielo disputa o mundial, Ridaut vai “dedosenhando” – como chama o desenho pelo celular – o Cielinho e publica em tempo real as novas artes de acordo com os acontecimentos atuais.

E, assim, o cartunista linense desenha as memórias de mais uma geração.

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