O que mestres e doutores deveriam saber mas nem todos sabem

O que mestres e doutores deveriam saber mas nem todos sabem

Antes de tudo, este artigo é uma auto-crítica resultante de uma reflexão que fiz acerca da minha própria formação como doutor em química. Pensamentos a respeito de algumas competências nas quais não fui devidamente treinado, e na ocasião pouco busquei por meios próprios. A maioria destas competências me fez falta em algum momento da minha carreira de pesquisador. Tive que adquiri-las (algumas a duras penas), mas acredito que poderiam ter sido desenvolvidas minimamente durante minha vida pregressa acadêmica. Este artigo não trata de encontrar culpados por isto, pois seria inoportuno e sua leitura desta maneira o tornaria improdutivo. Meu objetivo é colocar holofotes sobre algumas competências importantes que os mestrando e doutorandos deveriam desenvolver, além de suas teses e dissertações.

Disseminar ciência e tecnologia de modo atrativo e acessível. Peça para um mestrando ou doutorando explicar a sua pesquisa ou projeto, ou faça-o você mesmo se você é um deles, para alguém que não é da área. A grande chance é que o ouvinte entenda pouco ou nada do que foi dito, pois foram usados termos estritamente técnicos e específicos de área e que não fazem parte do vocabulários comum. E mais grave que isto, possivelmente os objetivos principais da pesquisa não tenham ficado completamente claros. A conseqüência disto é que, por mais interessante e relevante que seja a pesquisa, ela simplesmente não foi transmitida de maneira adequada ao ouvinte. Isto gera desinteresse e a pesquisa não ganha a relevância que merece do grande público. Sem cair em chavões, mas disseminar ciência e tecnologia de modo atrativo e acessível ao público em geral é fundamental! Isto deve ser feito com vocabulário adequado ao ouvinte, trazendo os objetivos e impactos da pesquisa para o mais próximo possível aos problemas reais da platéia. Ciência e tecnologia só receberá o devido valor se ela for divulgada de forma atrativa e acessível por seus atores.

Fazer gestão de projetos com o mínimo de formalismo. Pode até parecer estranho exigir mais aprofundamento em gestão de projetos daqueles que o fizeram, ou pelo menos deveriam ter feito, no seu próprio projeto de pesquisa. No entanto, o ponto é que a gestão de projetos é repleta de ferramentas e formalismos muito bem consolidados que são pouquíssimo usados pelos mestres e doutores em seus próprios projetos. Em geral, parece haver uma resistência quanto a estas ferramentas, com o receio de engessar o processo criativo tão necessário nas dissertações e teses. Porém, não há como negar que projetos de pesquisa dependem de recursos (financeiros, materiais, tempo, pessoas, etc) e que a gestão dos mesmos é fundamental para seu sucesso. Projetos geridos com o uso, nem que mínimo, destas ferramentas maximizam os recursos e servirão como uma ótima escola para quando mestres e doutores tiverem que gerir projetos maiores que apenas seus próprios.

Conhecer o básico sobre propriedade intelectual e inovação. Nem só se artigos viverá um mestre e doutor, mas de patentes também. Nem só sua dissertação ou tese será o produto final de seu projeto de pesquisa, mas quem sabe a criação de uma startup de base tecnológica. É na falta de conhecimento a respeito de propriedade intelectual e inovação, e aplicação dos mesmos, que muitos mestres e doutores perdem grandes oportunidades. Cada vez mais avaliações de universidades e centros de pesquisa levam em consideração quantidades de pedidos de patentes depositadas, número de empresas filhas ou incubadas, e rendimentos provindos de licenciamento de tecnologias. Quanto antes os mestres e doutores abrirem os olhos e souberem lidar com estas questões, mais oportunidades eles poderão explorar.

Atuar em times multidisciplinares para solução de problemas complexos. A própria natureza de muitos dos projetos de pesquisa, que dá origem às dissertações e teses ainda está centralizada na especificidade e ultra-especialização. Não que isto seja um defeito em si, mas é necessário esforço para contextualiza-los em problemas mais amplos e complexos do que o próprio projeto. Os problemas do mundo moderno tornaram-se, ou sempre foram, muito complexos e insolúveis sem ação bem orquestrada de times multidisciplinares. Não é possível pensar em problemas e soluções para bioeconomia, indústria 4.0, nanotecnologia, bioinformática, entre outros grandes temas, sem um time de pessoas com formações variadas. Neste ponto não basta simplesmente fazer parte destes times, mas é preciso comunicar-se de maneira eficiente com seus membros, compreender e discutir minimamente resultados de áreas que não são de tua formação, e articular-se para que o que você faz seja compreendido e útil para os fins da equipe. Não é tarefa fácil, as barreiras das linguagens de área são alta, mas depois de bem sintonizado um time multidisciplinar tem grandes chances de sucesso em problemas complexos.

Saber formular e usar as boas perguntas para grandes problemas. O foco demasiado nos problemas específicos do seu projeto de pesquisa, faz com que muitos mestres e doutores percam o grande contexto no qual ele se inclui. A preocupação com o grande contexto aparece em geral apenas em dois momentos. Durante a redação da proposta de pesquisa em si, em que o grande contexto é utilizado para convencer os seus pares da importância do trabalho e necessidade do financiamento. E, volta a tona, quando vem, apenas no prelúdio na defesa da dissertação ou tese quando é necessária a redação de uma introdução e estado-da-arte para o texto do trabalho. É nesta hora que ressurge a preocupação com a pergunta que deveria ser respondida e em qual grande problema ela se encaixa. A execução do projeto de pesquisa sem esta preocupação constante, pode levar os resultados do mesmo para muito longe das perguntas iniciais. O exercício de formular boas perguntas e construção de hipóteses para respondê-las sob o pano de fundo dos grandes problemas deve ser ponto inicial da concepção de um projeto de pesquisa, companheiro fiel na execução do mesmo, e amarras para a sua finalização.

O desenvolvimento destas competências requer amadurecimento quanto ao real papel e objetivo de um mestrado e doutorado. Confesso que não as tive tão claro quando foi a minha vez, mas o tempo e as ocasiões me mostraram alguns destes caminhos. Estou certo que a reflexão a respeito delas pode trazer novos sentidos a carreiras e abrir novos horizontes!











Alberto Carrizo Kacheff

BUSINESS CONSULTANT CONSULTOR DE GESTÃO

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Muito bom texto. Concordo, ressalvando a necessidade de inclusão do item "gestão de pessoas" que, me permito inferir, deveria abranger comportamento e relacionamento interpessoal. Assuntos que nas áreas tecnicas e de ciências não são contemplados pelas universidades e matrizes de disciplinas.

Francine Côa

Nanosafety and Sustainability| Environmental Safety Expert| Nanotechnology| Project Management

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Perfeito Mathias. Considero que precisamos cada vez mais despertar os alunos para que vislumbrem todas as oportunidades existentes. A oratória, o gerenciamento de projetos, a gestão de tempo e a liderança são algumas das habilidades que podemos desenvolver durante a pós-graduação e que com certeza irá influenciar em nossa postura enquanto profissionais. Não podemos nos render somente a leitura dos artigos científicos e as preocupações diárias de fazer nosso projeto dar certo. Há muito mais o que pensar e discutir.

Sarah Arana

Consultoria e Mentoria em Desenvolvimento Profissional e de Jovens Talentos Universitários - Profa. Universitária - Planejamento e Gestão de Carreira - Transição de Carreira

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Excelente texto Mathias Strauss. Muitas vezes os jovens mestres e doutores não atentam para o desenvolvimento dessas competências e a importância que o mercado de trabalho dá a isso, por não terem modelos internos de aplicação das mesmas, ou seja, o treinamento recebido nas Instituições de Ensino e Pesquisa foca muito na tecnicidade (competências técnicas) e o jovem profissional não amplia seu olhar e nem é estimulado para isso. Por isso disseminar ideias como as que você coloca aqui é fundamental. Hoje há iniciativas de treinar orientadores e lideres de grupos de pesquisa para trabalhar essas competências em suas equipes, para usar modelos de gestão de negócios e outras técnicas relativas à gestão de pessoas. O Instituto Serrapilheira já está realizando treinamentos com esse enfoque, por exemplo.  Vou compartilhar seu texto e recomendar aos pós-graduandos.

Karla Patricia Silva

Bióloga e Mestre em Ecologia e Conservação

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Muito pertinente a sua colocação! A discussão do caminho que a pós-graduação e o mercado de trabalho tem tomado parecem ser contrários e sempre me questiono: Qual o caminho para mudar isso? tenho trabalhado para mudar essa realidade na minha caminhada profissional....ainda estou em processo de mudanças, espero chegar lá e achar uma boa forma de conciliar as duas coisas com excelência.

Sempre defendi a máxima de que os melhores professores que tive na graduação e mestrado foram aqueles que mostravam o melhor balanço entre conhecimento teórico e experiência em empresas. Alguns destes conhecimentos, infelizmente, só se adquire com experiências práticas ou em cursos fora da grade curricular.

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