terça-feira, 5 de novembro de 2019

Grandes Histórias da Marvel no Brasil: Alfredo Machado, o resposável por trazer a Marvel ao país



ANTES DE ADOLFO AIZEN, MACHADO HAVIA INICIADO OS PERSONAGENS NO PERÍODO TIMELY.

Adolfo Aizen, sem dúvida, é o pai das publicações dos quadrinhos no Brasil. Foi ele um dos idealizadores que deu início ao nosso mercado de quadrinhos.  Foi também quem trouxe a era Marvel de Stan Lee e Jack Kirby ao Brasil, em um projeto com os Postos de gasolina Shell, uma parceria que envolvia a distribuição das edições “zero” de “Capitão Z”, “Super X” e “Álbum Gigante” em 1967. Ao abastecer,  a revista era entregue aos clientes dos postos, em um dos grandes projetos de marketing no Brasil com a parceria da Marvel. Porém, muitos anos antes do acordo entre a Ebal e a Shell, Alfredo Machado, no final dos anos 30, foi o primeiro a trazer os personagens da Timely, editora que se tornaria a Marvel, ao Brasil.

Alfredo Machado era muito envolvido com quadrinhos no seu início profissional. Visionário, Machado foi um dos grandes editores brasileiros e um dos nomes mais importantes do nosso mercado nacional de quadrinhos.  



ALFREDO MACHADO

Muito antes de fundar a Ebal, Aizen trabalharia com algumas revistas na década de 1920 e com alguns jornais da época, até ser editor da revista O "Malho” e da revista “O Tico-Tico”, a primeira a publicar histórias em quadrinhos no Brasil. Após uma viagem aos Estados Unidos, no começo dos anos 1930, Aizen conheceu de perto os famosos Comics americanos. Importou de lá a ideia de publicar os suplementos que acompanhavam os jornais. Esses suplementos eram diversificados em vários temas, como estilo, comportamento, etc.  Mas as histórias que mais chamaram a sua atenção foram às infantojuvenis.                                                                                                       Aizen perceberia que esses suplementos que acompanhavam os jornais faziam com que as vendas subissem a níveis estratosféricos. Empolgado com a cultura de grande parte dos americanos em acompanhar as aventuras dos personagens estampados nos suplementos, Aizen se apaixonou pelos Comics americanos, e importou essa ideia para o Brasil. Na sua volta, dedicou-se a pôr em prática a publicação desses segmentos.                                                                                                            

Em 1933, Adolfo Aizen trabalhava no jornal “O Globo”, empresa administrada pelo jornalista e empresário Roberto Marinho. Mostrando o seu projeto dos suplementos para Roberto, a princípio o mesmo não se interessou, e fez com que Aizen levasse suas ideias para outro lugar. 

Aizen conseguiu ajuda no jornal "A Nação", administrado por João Alberto Lins. O militarJoão Alberto Lins de Barros era parte importante do movimento tenentista. Homem do presidente Getúlio Vargas e interventor em São Paulo, tendo perseguido um monte de pessoas, inclusive Assis Chateaubriand. No jornal “A Nação”, Aizen trabalharia nas suas primeiras publicações, e como era de se esperar, fez um enorme sucesso. Batizada de "Suplemento Infantil", a publicação que fez a sua estreia em março de 1934, traria para o Brasil personagens considerados verdadeiros ícones dos quadrinhos, como Flash Gordon, Mandrake, Príncipe Valente, Tarzan, Brucutu e muitos outros. Após o sucesso com os suplementos, Aizen criaria o “Grande Consórcio de Suplementos Nacionais”, para editar as suas novas publicações. Logomudaria o nome do “Suplemento Infantil” para “Suplemento Juvenil”, e abriria o leque, publicando mais dois novos títulos: "Mirim” e “O Lobinho”. 


O “Suplemento Juvenil” fez um grande sucesso entre os jovens, tendo sua publicação lançada duas vezes na semana – e em 1935 chegando a três vezes semanais. Cada edição do Suplemento passava dos cem mil exemplares. Sucesso absoluto!RobertoMarinho por sua vez, estava arrependido de ter rejeitado o projeto de Aizen. E assistindo o sucesso que o Grande Consórcio estava tendo, decidiu entrar no jogo. Logo mandaria para as bancas o seu primeiro jornal em histórias em quadrinhos, "O Globo Juvenil", lançado em junho de 1937. Inspirado no “Suplemento Juvenil”, Roberto Marinho iniciaria suas publicações mesmo a contragosto de Aizen.

O Jornal carioca “O Globo” foi fundado em 1925 por Irineu Marinho, pai de Roberto. Com o falecimento de seu pai alguns dias depois do lançamento do jornal, Euclydes de Matos, amigo de Irineu, assumiria o comando da empresa. Somente seis anos depois, em 1931, é que Roberto Marinho viria a herdar o jornal, após a morte de Euclydes, dando início assim, ao seu poderoso império. 
Adolfo Aizen e Roberto Marinho foram essenciais para os primeiros passos no Brasil, mas foi com a expertise de Alfredo Machado, que o mercado começaria a se encaixar.






PRIMEIRA REVISTA DA TIMELY PUBLICADA NO BRASIL



Alfredo Machado já acumulava uma boa experiência com publicações de Histórias em Quadrinhos no Brasil. Trabalhou ao lado de Adolfo Aizen no “Suplemento Juvenil” durante cincos anos, de 1934 até 1939. Percebendo a ascensão que o jornal “O Globo” estava tendo, mudaria de emprego, e logo começaria a trabalhar no jornal de Roberto Marinho.  Machado perceberia que os trâmites dos serviços entre as editoras estrangeiras com os editores brasileiros deixavam a desejar. Pelos atrasos das revistas, que demoravam muito a chegar ao nosso país, e com todos os problemas burocráticos que imperavam naquela época. Com isso, Machado teve uma ideia brilhante: criar uma agência de distribuição – em que compraria os lotes diretamente das editoras americanas e forneceria às editoras brasileiras, tornando-se o intermediário entre ambas as editoras.  Alfredo Machado passaria a fazer negócio entre as editoras, comprando os direitos e repassando para as editoras no Brasil. O projeto deu tão certo que junto com o seu cunhado Décio de Abreu, criaria oficialmente a Record, em 1942, e a partir daí, faria da sociedade a maior empresa de distribuição no Brasil. 

Pouco antes de fundar a Record, depois de visitar uma das bancas de jornal, tarefa que tinha como hábito, deparou-se com um dos exemplares da revista “Marvel Comics”. Essa edição com o Tocha Humana na capa chamaria a sua atenção. Entrando em contato com a Timely, para poder licenciar suas histórias no Brasil, logo a editora americana responderia a sua carta. Para a sua surpresa, a Timely enviaria as primeiras revistas dos novos super-heróis criados há pouco tempo, e junto com as revistas, o preço para licenciá-las.               
                
O negócio seria mais fácil e bem mais em conta do que pensava. O primeiro material da Timely publicado no Brasil, comprado pela Record, trazia os mais novos personagens criados pela editora americana: Namor, o Príncipe Submarino, e o Tocha Humana.Ambos os personagens foram fornecidos pela Record à empresa de Roberto Marinho.  

A maioria dos quadrinhos que chegava ao nosso país no começo dos anos 40, era através das agências de distribuição dos produtos editoriais. A agência comprava pilhas e pilhas de histórias das editoras americanas e trazia para o país em provas de fotolito ou em alguns casos os próprios filmes. Eram revistas e mais revistas em lotes completos. Os acordos de publicações não aconteciam entre as editoras brasileiras e as editoras americanas, e sim com as agências de distribuição. A princípio, as negociações eram com os representantes dos syndicates (responsáveis pela distribuição) aqui no Brasil. Logo depois, algumas agências foram surgindo. O Grupo Editorial Record, fundado por Alfredo Machado e Décio de Abreu, foi o primeiro a fazer esses trabalhos. Em seguida, surgia a APLA (Agência Periodistica Latino-Americana) fundada por Luiz Rosemberg (que tempos depois seria a responsável pela Marvel no Brasil). Eram elas que negociavam diretamente com as editoras americanas e renegociavam com as editoras e gráficas do nosso país. Em boa parte dos casos, as páginas eram vendidas por preço já fixado pelas agências. As editoras geralmente escolhiam o que queriam publicar. Por esse fato é que muitos personagens e os mesmos licenciadores saíam em várias revistas por editoras diferentes no Brasil. Super-Homem, por exemplo, após a sua estreia pela “A Gazetinha”, migraria para as páginas de “O Lobinho” de Adolfo Aizen. Mais tarde seria publicado em “O Globo Juvenil” de Roberto Marinho, dividindo espaço com personagens tanto da Timely, quando da Centaur Comics, entre outras editoras e personagens distintos.Depois do lançamento de “O Globo Juvenil”, Roberto Marinho mandaria para as bancas uma das revistas que marcariam para sempre todo o mercado das Histórias em Quadrinhos publicadas no Brasil.  


Era a revista "Gibi”, de março de 1939. E foi nessa publicação que os personagens da Timely/Marvel fariam a sua estreia no Brasil. A primeira aparição dos personagens da Timely no Brasil aconteceu na edição nº 142, de abril de 1940, com as histórias publicadas originalmente em Marvel Mystery Comics nº02, com o personagem "Namor, o Príncipe Submarino". Namor foi criado pelo artista Bill Everett, inspirado em aventuras marítimas e baseando-se nas histórias de Atlântida, o reino perdido.             
Na edição de Gibi nº 168, de junho de 1940, mais uma estreia, com a primeira aparição do "Tocha Humana" na história extraída da primeira edição "Marvel Comics nº 01". Tocha Humana, criação do artista Carl Burgos, conta a história do professor e cientista Phineas Horton, que desenvolve um androide sintético, que ao ter contato com o oxigênio, se inflama e se transforma no Tocha Humana. O outro personagem que completava a revista americana era o Anjo, criado por Paul Gustavson. O Anjo era um detetive sem nenhum superpoder, que combatia o crime com as próprias mãos. No Brasil, o personagem teve a sua estreia publicada na revista “Mirim” nº 352, em julho de 1940. Depois, iria aparecer em algumas edições de “O Globo Juvenil” e o “Guri”, do jornal “Diário da Noite”. Cavaleiro Mascarado seria lançado pela “Mirim", na edição n°422, em 1940.                                                                               

Ka-Zar  (o da era de ouro, não do Universo Marvel atual) foi publicado pela primeira vez em “Gibi” Mensal n° 155, de maio de 1940. Com o universo dos quadrinhos emexpansão, não tardou para que os personagens se encontrassem. Tanto Namor, quanto o Tocha e o Anjo, habitavam o mesmo universo. Era a Timely se moldando e criando seu próprio universo.




ESTREIA DO TOCHA HUMANA NO BRASIL.

Tempos depois, Alfredo Machado transformou a Record em uma editora. Nascido no Rio de Janeiro, Alfredo Machado era o tipo de pessoa que era amigo de todos. Influente no meio editorial, Machado era cativante e muito bom de conversa. Sua ideia progressiva ajudou a formatar a cena de quadrinhos e livros. Alfredo tinha lido alguns best-sellers do escritor americano Harold Robbins, e gostou tanto que acabou adquirindo os direitos de publicação. Machado licenciou o livro “Os Insaciáveis” de Robbins, focando sua publicação para a classe média e trazendo para o mercado brasileiro um padrão de distribuição que ainda não existia por aqui. Tudo que era sucesso de crítica, Machado se antecipava com os licenciamentos, mostrando que era um visionário em apresentar exatamente o que o público queria ler.


O grupo Editorial Record teve seu início com a Editora Record, chamada até então de Distribuidora Record de Serviços de Imprensa. Nos anos 1960, a Record passa a editar livros, tanto nacionais quanto internacionais. E a partir daí criaria uma das maiores editoras da América Latina.  Alfredo Machado investiu em maquinários avançados, e assim se consolidou de vez no Brasil. A passagem de Alfredo Machado nos quadrinhos foi apenas no seu início de carreira profissional. Após transformar sua agência em uma editora, focaria apenas nos livros.  

Três anos depois de publicar Namor e Tocha Humana pelo jornal “O Globo”, Alfredo Machado forneceria outro personagem, dessa vez não para Roberto Marinho, mas sim para um dos seus concorrentes da época, o empresário Assis Chateaubriand, que na revista “O Guri”, editada pelo jornal “Diário da Noite”, apresenta pela primeira vez as aventuras do Capitão América na edição nº73, em junho de 1943.






PRIMEIRA APARIÇÃO DO CAPITÃO AMÉRICA NO BRASIL.

Seu faro editorial foi o suficiente para perceber que um personagem flamejante, outro que vivia no mar e um que simbolizava o heroísmo perante a Segunda Guerra, seriam bons o bastante para criar ao lado de seu cunhado a agência que anos depois conquistaria todo o continente.  Mesmo sem querer, Alfredo Machado daria início ao Universo Marvel há quase 80 anos atrás, quando a Marvel ainda era conhecida como Timely.
Alfredo Machado faleceu em 1991, deixando um legado gigante no cenário brasileiro.  Esse texto é uma pequena homenagem ao seu faro editorial, e por toda sua dedicação aos quadrinhos durante os anos 1930 e 40.

Um agradecimento especial ao escritor e pesquisador Gonçalo Junior. Boa parte dessa matéria foi extraído do seu livro "A Guerra dos Gibis: a Formação do Mercado Editorial Brasileiro e a Censura aos Quadrinhos, 1933-1964" publicado pela Companhia das Letras em 2004.

Alexandre Morgado
Alexandre Morgado é cartorário do 15° Tabelionato de São Paulo. É também autor do livro "Marvel Comics - A Trajetória da casa das ideias no Brasil", livro que narra a história da Marvel em nosso país, publicado em 2017 pela Editora Laços. O autor possui um acervo gigante de HQs, principalmente com material da Marvel Comics.

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