Entrevista

Francisco Paulo Gomes: múltiplos laços com o Instituto de Artes da UFRGS

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Francisco Paulo Gomes: múltiplos laços com o Instituto de Artes da UFRGS Francisco Paulo Gomes na sala 402 do Anexo do IA, que fez parte do antigo apartamento da família Gomes. Foto: Camilo da Rosa Simões

Francisco Paulo Gomes – ou Chico Gomes, para quase todos que o conhecem – é técnico administrativo no Instituto de Artes da UFRGS, em Porto Alegre. A relação dele com a instituição percorre literalmente toda a sua vida. Morou em um apartamento no “IA” por 49 anos, e gente da sua família imediata trabalhou ou trabalha na cena artística que se amalgama ao instituto.

Um vínculo inicial definidor, nesse sentido, foi com o professor Tasso Corrêa (1901-1977), diretor do Instituto de Artes de 1936 a 1958. O avô de Francisco, de mesmo nome (Francisco Lira Flor Gomes), foi caseiro de uma propriedade da família do professor Corrêa, e o pai, Salvador Tamborem Gomes, veio a trabalhar como zelador no Instituto de Artes a convite do professor, então diretor.

Trompetista há décadas, Francisco foi iniciado musicalmente no curso de extensão em instrumentos musicais do Departamento de Música da UFRGS com o professor Zacheu Barbosa da Silva. Em 1979 ingressou na Escola da OSPA (da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), onde estudou trombone com Caetano Carbone e teoria e percepção com o maestro Salvador Campanella. Em 2013, ingressou no Curso de Bacharelado em Música Popular da UFRGS, firmando com o diploma mais outro vínculo com a universidade e o Instituto de Artes. Foi também arquivista da Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro, de 1987 a 2018. Desde 2021 é administrador e arquivista da Orquestra Filarmônica da UFRGS, em paralelo com suas outras funções na universidade.

Neste ano de 2023 comemoramos os 80 anos da inauguração do edifício principal do Instituto de Artes – fundado em 1908, o instituto instalou-se em 1909 na rua Senhor dos Passos, em uma construção que foi demolida em 1941 para dar lugar ao atual edifício, inaugurado em 1943. Francisco é, muito provavelmente, a pessoa que passou o maior número de horas no IA, em toda a história da instituição.

A entrevista foi realizada no prédio Anexo do Instituto de Artes, interligado ao prédio principal. A ordem das perguntas e respostas foi reordenada e levemente editada, para melhor leitura, e algumas falas acabaram sendo inevitavelmente suprimidas, em especial uma parte sensível relativa ao Theatro São Pedro. Para a presente publicação, Francisco revisou o texto, complementando ou alterando alguns pontos, e compartilhou fotos suas e de sua família.

Nas celebrações dos 80 anos do Instituto de Artes da UFRGS, nada mais apropriado do que voltar a atenção às observações e trajetória de Francisco Paulo Gomes.

Camilo da Rosa Simões – Chico, obrigado por ter topado fazer essa entrevista!
Francisco Paulo Gomes – Estamos aí. Mexer em história de família é sempre interessante.

CRS – Este ano o prédio atual do IA completa 80 anos, e a tua história e a história da tua família estão super ligadas ao Instituto de Artes, à música em Porto Alegre… Queria começar perguntando: quais são as tuas primeiras memórias aqui do Instituto de Artes?
FPG – O pai gostava muito de relembrar fatos da sua infância… Começa com a ligação dele, com a família nossa, os Gomes, com a família do professor Tasso Corrêa [professor de piano, diretor do Instituto de Artes de 1936 a 1958]. Meu avô era caseiro de uma casa de praia que eles tinham ali na Pedra Redonda [bairro nobre na zona sul, junto ao Rio Guaíba]. Os meus tios, com os filhos do professor Tasso Corrêa, se criaram mais ou menos juntos. Os três filhos do professor Tasso Corrêa: o Tassinho, a Jaíra e a Naiá, que foi professora no curso de artes plásticas, e que aposentou-se no início dos anos de 1980.
O primeiro ofício do meu pai (aprendeu com o padrinho dele) foi o de trabalhar com solda. Foi por isso que, anos depois de estar trabalhando aqui no Instituto de Artes, o professor Carlos Gustavo Tenius o convidou para ser seu ajudante na produção dos seguintes monumentos: aos Açorianos, monumento a Castelo Branco no Parcão, e no monumento ao centenário da imigração italiana, na cidade de Farroupilha. Projetos de grande porte, concebidos e executados pelo professor Tenius com o apoio do senhor meu pai, em razão da sua plena experiencia em solda para projetos de grande porte. Era uma solda mais complicada. Além de ser artística era uma solda mais estrutural.
O primeiro apartamento que o pai morou é onde hoje é a sala de fôrmas.

CRS – Que é ali no saguão, quando entra…
FPG – …entra naquele corredor térreo. Aquela porta que tem no fundo do corredor, ao lado da porta dos fundos do [Auditorium] Tasso Corrêa: abre a porta, sobe uma escada. Era ali nosso primeiro apartamento. Minhas duas irmãs mais velhas nasceram naquele apartamento. Eu já nasci nesse apartamento aqui [aponta para cima, para o quarto andar do Anexo], o pai já tinha mudado para esse prédio anexo. No ano de 1960 ou 1961.

CRS – E como é que era? Tua família é grande… Como era essa vida aqui no IA?
FPG – São sete irmãos. Eu era hiperativo, eu aprontava… [ri.] Coitada da minha mãe [Maria Jacy Gomes], eu era danado. Jogava bola no saguão, jogava futebol com bolinha de meia, fazia gol a gol, eu e meu irmão Antônio Ulisses Gomes. A minha mãe… sete filhos, como que ela ia dar conta, né?

CRS – Tua família, teu pai como zelador…
FPG – Meu pai e meu tio.

CRS – O teu tio também trabalhava aqui no IA?
FPG – Trabalhava. Meu tio irmão do meu pai, João Ramão Tamborem Gomes, era marceneiro. A marcenaria do instituto foi criada por ele. Que era no subsolo do instituto, desse prédio aqui [o Anexo].

CRS – Como é que era o trabalho dele?
FPG – Ele fazia a manutenção. Por exemplo: armários, cadeiras… ajudar os alunos das artes plásticas com as obras deles, fazer aquelas molduras. É que naquele tempo os servidores, por exemplo de portaria, eles faziam de tudo.
[Flávio Bastos Ordeste, irmão da mãe, também trabalhou no IA.]

CRS – Isso, eu li no trabalho [de conclusão de curso em História-Bacharelado] da tua irmã [Isabel Cristina Gomes] que quando tinha espetáculos e tal eles estavam também, vendo os ingressos, tinham que ficar até tarde ali, na função…
FPG – Tu vê. Não tinha pessoas que fizessem limpeza do prédio, então era tudo com eles. Eles se dividiam.

CRS – Eram uns quantos?
FPG – Tipo uns seis, sete. Que ficavam na portaria e se revezavam nos turnos da manhã, tarde e noite. E outra coisa, tinha um certo glamour no ar, porque eles trabalhavam de terno. Eles tinham dois ternos, um cinza (um cinza meio azulado) e um azul-marinho, sendo que aqui [aponta um local no peito] tinha bordado “UFRGS”. O professor Tasso Corrêa exigia isso, do pessoal andar sempre alinhado.

CRS – Me chamou a atenção, no trabalho da tua irmã, onde ela entrevistou o teu pai, de ele comentar e lembrar de espetáculos, de gente famosa, atores, atrizes e tal, também de coisas musicais – o Lupicínio Rodrigues aqui no [Auditorium] Tasso Corrêa…
FPG – O ator Procópio Ferreira, famoso, na época… o Marcos Paulo. Um gaúcho que fez muito sucesso na Globo na década de 1960…

CRS – Gaúcho? …José Lewgoy?
FPG – O José Lewgoy [também]. Mas um outro, como é o nome dele? Não vou me lembrar. Todos passavam por aqui, claro, aqui pelo instituto. Esse ator famoso dormia no [Auditorium] Tasso Corrêa em cima de umas cortinas. Estava sem casa…

CRS – E sobre aqueles laços de família, desde lá da Pedra Redonda – tu chegou a conhecer lá?
FPG – Não, a Pedra Redonda, não. Mas uma vez eu fui tocar num evento ali na associação do Banco do Brasil, e a lotação faz uma curva assim, eu olhei e vi, “bah, era aqui, era aqui a casa de praia do professor”, que hoje parece que é um asilo de idosos. Mas tem fotos. Tem uma torre, a casa tinha uma espécie de torre. Meu pai nasceu em 29, não era o que era hoje, era muito longe do centro. Aquilo ali disseram que era uma torre de vigia, que o pessoal ficava olhando a estrada.

CRS – O Tasso Corrêa tu não conheceu?
FPG – Não, eu não conheci. Mas o seu filho, chamado carinhosamente de Tassinho, eu conheci. Ele era muito parecido com o seu pai, era psiquiatra e tinha um consultório na Rua Otávio Rocha.

CRS – Uma curiosidade minha: tu chegou a conhecer o professor [de composição musical] Ênio de Freitas e Castro?
FPG – Não, mas eu presenciei o velório do professor, que foi aqui na Pinacoteca Barão de Santo Ângelo [no Instituto de Artes], porque tinha uma tradição aqui no prédio, todo professor que falecia era velado aqui na Pinacoteca. Acho que o professor Ênio foi o último. [O professor Ênio faleceu em 1975.] O velório, enfim, de professores que fizeram um grande trabalho na casa.

CRS – Tu me falou uma vez dessa coisa da junção do prédio anexo com o prédio principal. Que inclusive tem esse desnível dos andares [de um prédio em relação aos do outro]… Quebraram umas paredes para ir conectando os prédios? 
FPG – Não. Primeiro foi construído o prédio principal, ali onde tem os elevadores. Depois foi construído o segundo prédio.

CRS – Ah, foi construído ainda pela gestão do Tasso Corrêa.
FPG – Sim, do professor Tasso Corrêa.

CRS – Mas por que os andares são diferentes?
FPG – A rua Senhor dos Passos é uma lomba, portanto tem um desnível natural entre os três prédios. O projeto arquitetônico do prédio, projetado pelo professor Fernando Corona, procurou dar uma solução a essa situação. O professor Tasso Corrêa lutou muito para erguer este prédio, criou uma Associação de Amigos. O projeto original do Prédio está no acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo.

CRS – Isso no primeiro projeto? Quando eles “perderam a casa” por um tempo? [Em 1941 foi iniciada a demolição do antigo prédio, e o instituto se mudou para a Rua da Praia até 1943, enquanto o atual prédio era construído.]
FPG – Sim. O sonho do professor Tasso Corrêa: ele estava lutando para ser ministro da cultura. Então se ele conseguisse isso, ele ia conseguir recurso… capital político. E essa casa aqui [aponta para o lado do Anexo, em direção à Praça Dom Feliciano] ia ser a Pinacoteca. Ele ia comprar isso aí tudo.
Antigamente, na secretaria, tinha um corredor interno que ligava os dois prédios, que passava internamente. Sabe o saguão da secretaria? Tem a biblioteca aqui, tem a escada que faz a volta pra subir: não existia aquela parede na dobra, tinha um corredor. Que ia dar no prédio anexo.

CRS – Agora a única conexão extra que tem [entre os prédios] é aquela voltinha pela Pinacoteca, né? Além de lá por baixo.
FPG – Sim. Mas tinha essa conexão, e os departamentos eram ali, onde é o laboratório de fotografia, no primeiro andar do prédio Anexo. Esse setor era chamado de “Seção de Ensino”, e as secretarias dos três departamentos (Música, Artes Visuais e Artes Dramáticas) ficavam nesse espaço. A sala dos professores ficava onde é hoje a sala dos chefes, na secretaria. Com o crescimento da biblioteca, aconteceram algumas mudanças. O corredor que fazia a ligação nos dois prédios no segundo andar foi extinto, seu espaço foi incorporado pela biblioteca, que passou a ter uma sala de leitura ampliada. A escada que ligava os dois prédios sofreu uma pequena reforma e virou um pequeno depósito dentro da biblioteca. A seção de ensino foi extinta e os departamentos se separaram. Com o passar dos anos, com o crescimento natural das atividades acadêmicas e administrativas, além da criação de outros cursos e programas de PPG, o instituto chegou a um estágio compatível com as suas necessidades de momento.
A biblioteca era menorzinha. E o corredor também desapareceu, só tem a porta que tu vê, botaram um tapume. Se tirarem aquele tapume tu vê a escada que ligava o prédio anexo.

CRS – Vou dar uma espiada a próxima vez que eu passar ali. Aí que eu comecei a brincar contigo que tu era o mestre griô aqui do Instituto de Artes, que sabe umas coisas, que tem uma memória… Enfim, tu tá continuamente aqui no Instituto de Artes há talvez mais tempo do que qualquer outra pessoa.
FPG – Eu ingressei no Prédio como servidor em janeiro de 1983, portanto completei 40 anos de casa.

CRS – Mas, antes disso, também como morador… Até quando tu morou aqui no IA?
FPG – No final de 2010, comecei a pensar em me mudar do prédio. Aluguei um apartamento na rua Dr. Flores e me mudei com as minhas irmãs no início de 2011. Não queria completar 50 anos morando no trabalho. Em 2012 me casei e aluguei um apartamento na rua Duque de Caxias, morei por sete anos neste endereço. Em 2019 as minhas irmãs compraram um apartamento e me perguntaram se eu queria voltar a morar na Dr. Flores pois iriam entregar o apartamento. Por ser mais perto do Instituto de Artes resolvi voltar a morar neste apartamento.

CRS – Aliás, eu acho que os técnicos administrativos aqui do IA têm, de maneira geral, uma relação muito boa. Tem um clima legal ali, né?
FPG – Sim, graças a Deus. Procuramos ser unidos e eficientes. Fazemos confraternização de aniversários, semestralmente reunindo o pessoal para um churrasco. Por ser perto do instituto, no salão de festas do prédio onde moro. Com um espírito muito legal entre nós, servidores. Uma camaradagem.

CRS – Mas tu vê, eu acho que tu é a pessoa que há mais tempo tá aqui, continuamente. É toda uma relação com o IA…
FPG – São 40 anos trabalhando e 62 de idade. O instituto completou este ano 115 anos de idade, e 80 da fundação deste Prédio. É muito tempo.

CRS – Não é pouca coisa, tu tá numa posição bem única, nesse sentido. De ter visto acontecer muita coisa.
FPG – Vi muita coisa boa e outras nem tanto. Por exemplo: o primeiro show da minha vida no Auditorium Tasso Corrêa foi do João Bosco e Aldir Blanc, no início da carreira, trazidos pelo Centro Acadêmico Tasso Corrêa. Na sala 403 assisti o Zimbro Trio com sua formação original. Também assisti o mago Hermeto Pascoal em uma apresentação no ATC [Auditorium Tasso Corrêa]. Aliás esta apresentação foi bastante peculiar. Ele atrasou sua chegada ao instituto, pois estava em outro compromisso. Imagina o saguão do instituto lotado esperando pelo show. De repente dois Passat sedan vermelhos estacionam na frente do instituto e desembarcam Hermeto e banda. Dois Passat “Saddam”, aqueles fabricados para exportação, para o oriente… Eu tive a honra de recebê-lo e ajudar a escolher o piano que iria usar. Na época havia dois pianos de cauda inteira no ATC, das marcas Essenfelder (que hoje em dia encontra-se no Estúdio A do Centro Cultural da UFRGS) e o Steinway (que depois queimou no incêndio de 1990, queimou a tampa dele). Piano escolhido, começamos a ajudar a montar outros instrumentos (bateria, percussão e baixo). Foi algo surreal, enquanto o show estava sendo preparado o público já estava entrando na plateia para assistir, em um misto de delírio e satisfação. O show teve duração de 2 horas.

CRS – E quanto a isso do incêndio, como foi?
FPG – O primeiro incêndio foi em 1990, em plena copa do mundo. O expediente em toda a UFRGS ia encerrar ao meio-dia, pois era o jogo Brasil x Escócia. Antes disso eu e um colega estávamos na janela da secretaria que dá para o telhado do ATC, notamos fumaça e cheiro de queimado.
Eu desci para ver o que estava acontecendo. Ao abrir as portas do ATC a fumaça e o fogo já estavam se alastrando. Minha primeira reação foi entrar no ATC para tentar apagar o fogo com um extintor. Por sorte os bombeiros chegaram logo em seguida e conseguiram conter as chamas. O resultado desse sinistro foi a perda total das cortinas do ATC, um banco de piano e parte da tampa do piano Steinway. A causa do incêndio foi o curto-circuito em uma tomada do palco. O resultado positivo desse  sinistro foi a implantação do primeiro PPCI (Plano de Prevenção Contra Incêndio) no prédio do Instituto de Artes.

CRS – Que coisa… E a história que o prédio quebrou ao meio, uma coisa assim? O professor Celso [Loureiro Chaves] contou que foi um dia inesquecível quando aconteceu esse evento aí. Como é que foi isso?
FPG – O prédio possui uma junta de dilatação que une os dois prédios.

CRS – O Anexo com o outro?
FPG – Não, o primeiro prédio com o segundo. O primeiro prédio é onde tem os dois elevadores e o saguão do ATC, o segundo prédio é onde tem o espaço de exposição Ado Malagoli, o ateliê de cerâmica, além da escultura em bronze do Leonardo da Vinci.

CRS – Primeiro era só um prédio magrinho, mais esse depois, e depois o Anexo? São três, então? Não sabia.
FPG – Sim, são três prédios [conectados]. Quando começou a construção do edifício Del Prado, vizinho ao IA, as escavações e fundações se mostraram incorretas. Como causa direta desse erro começou a surgir rachaduras no Instituto de Artes. A obra do edifício em construção foi interditada. Depois de um certo tempo e de um novo projeto estrutural a obra recomeçou e foi concluída um tempo depois.

CRS – Mas isso há muitos anos atrás? Quando foi? Antes de tu ter começado a trabalhar aqui?
FPG – Deixa eu ver, acho que no final dos anos 70, por aí. Mas teve várias visitas de engenheiros da universidade [ao longo dos anos] pra ver a situação do prédio.

CRS – Mas foi dar problema depois daquele prédio estar de pé, não foi?
FPG – É deu um problema, que causou uma pequena interdição no Instituto de Artes. Inclusive saiu uma notícia na Zero Hora. Engenheiros da UFRGS compareceram ao instituto para ver a situação. Constataram que o prédio estava firme, e indicaram que fossem executados reparos nos locais afetados. A partir daí não tivemos mais problemas. 

CRS – Como é que foi? Teve um dia que deu um “crec”, deu um terremotozinho?
FPG – Deu uma tremidinha.

CRS – Segundo o professor Celso, que eu me lembre, o prédio não cai porque está escorado no… [prédio ao lado, o Edifício Del Prado.]
FPG – …tá escorado, ficaram escorados um no outro. Não vai cair.

CRS – Nosso prédio é sofrido, tem história aqui, incêndios, alagamento… Chico, e depois tu entrou como estudante, conta um pouco disso.
FPG – Sim. Em 2010, a professora Luciana Prass me comunicou que estava sendo criado o Curso de Bacharelado em Musica Popular aqui no Instituto de Artes. Fiz o vestibular e consegui passar.

CRS – E tu sempre com o trompete, tocando…
FPG – Sempre com o trompetinho, tocando em bandas em Porto Alegre.

CRS – Que bandas, aliás?
FPG – Minha carreira profissional começou em uma peça de teatro chamada O Acre vai à Rússia, em uma temporada no ano de 1983, na Sala Álvaro Moreira, eu fazia música improvisada junto com um percussionista. No mesmo ano, seguindo a onda de música improvisada, entrei para uma banda chamada Alguidar. Fui chamado para tocar em uma banda de blues, chamada Anos Blues. Formei uma banda de salsa, chamada El Cocoloco. Fui convidado a tocar em uma banda com repertório de disco music, chamada Discovery. Outro convite: ingressar em uma banda de soul music, chamada Nicotine Soul. Depois deu a vontade de formar uma banda de latin jazz, chamada Kabongo. Aí veio o sonho realizado de tocar em uma big band, a Orquestra Popular de Porto Alegre (OPPA), com regência do maestro Paulo Dorfman. Também uma segunda big band do maestro Garoto. De 2008 até os dias de hoje estou tocando em uma banda de jazz funk chamada Jazzgig. Tive a oportunidade de participar de vários trabalhos no projeto Blue Jazz, que funcionava nas sextas-feiras no foyer do Theatro São Pedro. A coordenação deste projeto era da Marli Zancan, que era também diretora executiva da Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro.

CRS – E no curso, como foi isso? Tu entrou já na primeira turma [do curso de Música Popular]?
FPG – Não, eu entrei na segunda turma. Eu sempre deixo as coisas por último (as minhas coisas pessoais) e eu me lembrei assim “bah, amanhã é o último dia”, e eu não tinha… [esfrega polegar e indicador: dinheiro.] Último dia de inscrição. Aí eu pensei “pra quem que eu vou pedir emprestado uma grana pra inscrição?” Durinho, durinho… Aí fui bater na porta do professor Eloi [Fritsch], pedi, ele me emprestou, daí eu consegui pagar e fazer o concurso, o vestibular, e passei. Eu estava em Curitiba, com a minha esposa, com a Mercedes [Andretta, também técnica administrativa no IA], que a Mercedes foi visitar os familiares dela. E a gente estava visitando um shopping lá quando a Maria Clara [Machado, então técnica administrativa no IA] me liga, “ó Chico, tu já viu a lista de aprovados?” Eu digo “não”. Eu estava completamente por fora. Eu tinha passado no vestibular.
Foi uma alegria. Mas daí eu apanhei bastante, porque 30 anos sem… tem um monte de disciplina, teoria e percepção, eu estava mais na prática, né? A parte teórica… voltar a estudar o Bona [método musical com noções de ritmo e solfejo]… o Bona eu tinha estudado na escolinha da OSPA.

CRS – Conta um pouco, Chico, quais são os desafios, como é a prática de arquivista, de “faz-tudo” (como tu já me falou) de orquestra.
FPG – A gente foi pegando, eu comecei do zero como arquivista, não tinha nenhum conhecimento de como arquivar material, partituras… Montagem de partituras, colar as páginas e deixar pronto pro pessoal só chegar e já estar tudo certo ali na estante. As viradas de página… tudo aprendi no grito.

CRS – E lá no Theatro São Pedro, quando tu saiu, já tinha um acervo…
FPG – Mais de mil obras. E, mesmo dentro do teatro, a gente teve que fazer três vezes a mudança do arquivo. O arquivo começou no camarim. Depois, em função das reformas, a gente foi para uma sala já nesse espaço novo deles, o Multipalco. Também já iam começar a reformar ali, e daí a gente foi pra sala de ensaios, a sala da música. Então ali foram três mudanças…

CRS – Toda aquela papelada, um monte de pastas… e tudo tu que organizou?
FPG – Eu que organizei. Tudo, tudo, tudo.

CRS – Tem um acervo grande ali… E tu teve que inventar uma maneira de organizar, ou teve alguém que te passou diretrizes, que te auxiliou com esse trabalho?
FPG – Sim, uma colega que trabalhou aqui no instituto, que era arquivista, a Medianeira [Goulart] – chegaste a conhecer? A Medianeira, uma época, foi professora substituta no curso de Arquivologia da UFRGS. Ela queria visitar arquivos pra mostrar pros alunos dela. Daí eu levei ela pra conhecer o arquivo da OSPA, e apresentei meu arquivo. Mostrei meu tipo de trabalho, como eu organizei o arquivo. Ela só me deu algumas dicas. E aí, quando a gente fez a terceira e última mudança, eu procurei seguir os conselhos que ela tinha me passado.

CRS – E agora, hoje, com a Filarmônica [da UFRGS]? Como é que foi retomar [esse tipo de trabalho] depois de um hiato? Que não foi grande até, tu não ficou longe de orquestras…
FPG – Não, não fiquei tanto tempo longe. Eu fui convidado pelo professor, maestro, Carlos Fecher para organizar o arquivo que estava recém sendo criado. Eu não ia ser o arquivista, eu ia ser o administrador, mas daí o arquivista começava a falhar, não aparecia para os ensaios e eu tinha que tomar a frente. Aí fiquei na função.
É prazeroso… tu vê nascer uma orquestra, né? A palavra é “motivação”. E quando começou a acontecer os primeiros concertos presenciais? Pô, tu vê aquela sementinha, que tu tá molhando, aquela plantinha subir, crescer. Em abril a orquestra completou um ano de concertos presenciais. Porque a gente começou a ensaiar presencialmente no dia 19 de abril. Sendo que o nosso aniversário, do Instituto de Artes, é 22 de abril. Então eu falei pro maestro: “olha que coincidência, a gente começou os trabalhos presenciais da orquestra com um concerto no dia 19 de abril”. Coincidências, né?

Clique aqui para escutar Jazzgig: Black Zone, música de Francisco Paulo Gomes.  

“Minha irmã Ina [Dorvalina Gomes, que trabalha na Secretaria Artística da OSPA], eu, minha irmã Elisabeth, meu irmão Antônio, meu tio Roberto. Local: antiga área aberta onde funcionava a Escolinha de Artes. Hoje esta área está coberta e aí funciona uma sala do PPG em Artes Visuais.”

“Minha avó Dorvalina Tamborem Gomes, que segundo o meu pai possuía dois violinos, sendo que um foi emprestado para uma orquestra que estava dando os seus primeiros passos no cenário musical da cidade: a OSPA”

”Foto familiar: Salvador Tamborem Gomes e seu irmão João Ramão Tamborem Gomes [no primeiro plano]”

Na peça O Acre vai à Rússia, que ganhou um Prêmio Açorianos em 1983.


Camilo da Rosa Simões é professor de Violino no Instituto de Artes da UFRGS. 

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