Certa manhã há alguns anos, na sua casa no vale de Mānoa, em Oahu, a cientista Kimberly Carlson olhou pela janela e viu um arco-íris tão luminoso e vibrante que ficou sem fôlego.

Não foi uma surpresa: o Hawai é possivelmente o melhor sítio do mundo para ver arco-íris actualmente e Mānoa tem condições particularmente ideais para arcos de cores vivas: chuvas frequentes e luz solar.

No entanto, Carlson, que era professora de ciências ambientais na Universidade de Nova Iorque, apercebeu-se de que não sabia a resposta para uma pergunta simples: iriam as alterações climáticas afectar os espectaculares arcos-íris do Hawai e do resto do planeta? Levantou a questão junto de alguns colegas cientistas que estudam o clima e isso intrigou-os tanto que recrutaram todos os alunos de uma turma para investigar. Em Novembro passado, publicaram as suas conclusões.

“As alterações climáticas estão a afectar os arcos-íris – agora temos a certeza”, diz Carlson, autor principal do artigo, que utilizou modelos informáticos para simular condições propícias a arcos-íris no futuro. À medida que os principais padrões meteorológicos mudam, devido às alterações climáticas, muitas partes do mundo, sobretudo os locais mais próximos dos pólos, como o Alasca ou a Sibéria, terão mais chuva, o que poderá causar mais algumas dezenas de dias com arcos-íris até ao final do século.

“No entanto, existe também um reverso”, adverte. Prevê-se que no futuro o Mediterrâneo, a África Austral e até algumas zonas tropicais da América do Sul fiquem mais secas e possam perder uma parte considerável dos seus dias propícios a arcos-íris até 2100.

E, embora frequentemente os arcos-íris suscitem momentos de alegria, como o de Carlson em Mānoa, os céus mais coloridos são, na verdade, um sinal de grandes problemas no nosso planeta.

Uma receita para arco-íris

“Os arcos-íris são como ervas daninhas – aparecem onde podem, pequenos ou grandes, luminosos ou muito ténues”, diz Raymond Lee Jr., especialista em óptica e meteorologia da Academia Naval dos EUA em Annapolis, no estado de Maryland. Isto deve-se ao facto de os seus ingredientes essenciais serem comuns e governados por leis relativamente simples da física.

“A receita básica para ver qualquer segmento do arco-íris natural”, diz Lee, “é chuva iluminada pelo sol”.

arco-íris

Os arcos-íris acontecem devido a uma simples combinação de ingredientes: o ângulo certo para a luz do Sol e um céu carregado de gotículas de chuva - e um observador, com o Sol pelas costas. A combinação pode ser deslumbrante, mas, em muitas culturas, o arco-íris é sinal de perigo ou risco e não de pura alegria. Fotografia de Delvin Gandy, colecção de imagens da National Geographic.

Primeiro, são necessárias gotas de chuva – quanto maiores melhor, diz Lee, uma vez que as gotículas mais pequenas reflectem e refractam a luz solar que recebem de uma forma que faz com que as ondas de luz emitidas interfiram umas com as outras, diminuindo a luminosidade dos arcos. Depois, tem de haver luz solar directa, atravessando a atmosfera num ângulo inferior a 42° do ponto de vista do observador, algo que na maior parte do mundo acontece durante a manhã ou a tarde. Por fim, o céu tem de estar parcialmente nublado e não carregado de nuvens.

Carlson e os colegas descobriram que podiam procurar essas condições exactas em modelos climáticos, por mais fugazes e efémeros que fossem, e compará-los com observações reais de arcos-íris para confirmarem se os seus modelos conseguiam prever arcos-íris com precisão.

Vasculharam o website de partilha de imagens Flickr à procura de fotografias identificadas com a palavra “arco-íris”, captadas em qualquer parte do mundo, ao longo de um período de cerca de 10 anos. Em seguida, associaram as imagens a locais que, segundo os modelos climáticos, tinham as condições necessárias para a formação de arco-íris: a quantidade certa de chuva e algumas nuvens, nas alturas certas do dia e do ano. Os modelos corresponderam a quase todas as observações, o que significa que poderiam utilizá-los para prever arcos-íris no futuro.

No entanto, Lee, que não participou no estudo, salientou que os modelos não conseguiram prever arcos-íris durante chuvas torrenciais, que seria exactamente quando a física dita o aparecimento dos arcos mais espectaculares devido ao maior tamanho das gotas de água.

Mais arco-íris no futuro

Um padrão evidente emergiu quando a equipa fez avançar os modelos climáticos até 2100 e procurou as mesmas condições favoráveis ao aparecimento de arco-íris. No geral, uma Terra mais quente significa mais arcos-íris.

O planeta terá apenas um ligeiro aumento – em média cerca de 4 a 5 mais arcos-íris por dia, para além da média actual de 108 a 117, dependendo dos modelos observados. No entanto, as chuvas torrenciais estão concentradas em poucos sítios.

“Os modelos prevêem enormes aumentos de dias com arcos-íris na Rússia, no Canadá, no Alasca e em localizações de grande altitude como o Planalto do Tibete”, diz Carlson — acrescentando 30, 40 ou até 50 dias com probabilidades de arcos-íris num ano.

No entanto, se um arco-íris surgir no céu e ninguém o vir, será que aconteceu? Prevê-se que, as zonas mais povoadas e ricas em arcos-íris da actualidade, como o Mediterrâneo e muitas ilhas, terão menos arcos-íris. Os pontos quentes do futuro “não são onde vivem actualmente grandes de números de pessoas, nem onde irão provavelmente viver no futuro”, diz Carlson.

As mudanças seguem padrões mais abrangentes de alterações climáticas. Com efeito, dão destaque a alguns dos maiores riscos e perigos. Os aumentos no Árctico, por exemplo, devem-se ao facto de a água que antigamente caía sob a forma de neve ter mais probabilidade de cair como chuva num futuro mais quente. E prevê-se que a Amazónia rica em arcos-íris de hoje seja mais frequentemente afectada pela seca – porque a floresta, que actualmente cria a sua própria chuva, está a perder esse superpoder à medida que encolhe, e também porque as alterações climáticas a nível global estão a mudar e a transformar os principais padrões meteorológicos que causam as chuvas tropicais.

Uma ferramenta secreta

Quando Andrew Gettelman, cientista especializado em clima do Laboratório Nacional Pacific Northwest, ouviu falar no artigo de Carlson, enviou-lhe imediatamente um e-mail. Ele estava a trabalhar num projecto semelhante, mas com objectivos diferentes: ver quão bem os modelos climáticos estavam a funcionar.

Os modelos climáticos são excelentes para imensas coisas, mas continuam a ter dificuldade em reproduzir, com rigor, algumas partes da receita do arco-íris: chuvas e cobertura nebulosa (que dita se o Sol consegue espreitar e suscitar um arco-íris). Por isso, “ver se os modelos reproduzem bem os arcos-íris é uma boa forma de ver se o sistema está pronto para ser utilizado”, diz Gettelman. Os modelos que observou até à data têm previsto com rigor as ocorrências de arco-íris, correspondendo aos resultados de Carlson.

“É provável que [no futuro] haja menos nuvens e ligeiramente mais chuva, o que significa que haverá mais oportunidades de ver arco-íris porque as nuvens estão a diminuir”, diz. Aquilo que os modelos e a sua investigação sugerem é que “as nuvens vão tornar-se ligeiramente menos comuns e ligeiramente mais finas no futuro”.

Um futuro rico em arcos-íris e com menos nuvens pode ser um sinal de problemas planetários graves, sublinha, porque as nuvens, sobretudo as baixas, ajudam a arrefecer o planeta reflectindo a luz solar.

O significado dos arcos-íris: esperança, horror e mais

Nesse sentido, um futuro mais cheio de arcos-íris poderá realmente corresponder ao modo como os arcos-íris são encarados em muitas culturas, nas quais tradicionalmente são um sinal de perigo ou risco, em vez de um presságio positivo.

“Pense nisto: eles estão frequentemente associados a clima extremo”, diz Lee, uma chuvada intensa que se desloca rapidamente pela paisagem e é entrecortada pela luz do Sol, é frequentemente um sinal de condições perigosamente voláteis.

Em algumas comunidades aborígenes da Austrália, os arcos-íris representam a Serpente Arco-íris, uma força criadora, mas também destrutiva. O seu aparecimento, sob a forma de um arco-íris, está associado aos ciclos das monções sazonais, desaparecendo durante a época seca e reemergindo, frequentemente com grande força, durante a época das chuvas.

Na Grécia, a deusa Íris representa os arcos-íris. Ela agia frequentemente como mensageira entre os deuses e os mortais, geralmente entregando mensagens de guerra ou de conflito, ou servia de ponte entre a Terra e o Além.

Na antiga Babilónia, muitas calamidades, como a derrota de um famoso líder em 651 a.C., foram precedidas por arcos-íris dramáticos, consolidando o seu simbolismo de presságio perigoso.

Noutros locais, como no Hawai, os arcos-íris estão praticamente entretecidos na paisagem. Os havaianos nativos têm uma série de palavras diferentes para descrever os arcos: pūloʻu descreve um arco-íris que não toca no solo; kahili é um fragmento vertical, que sobe até ao céu; e punakea é um arco que mal se vê, feito de minúsculas gotículas que criam uma mancha de cor ténue.

Para já, os modelos não mostram grandes alterações nos arcos-íris havaianos. No entanto, “a tendência global aponta para seca nas ilhas”, diz Steven Businger, co-autor do artigo da Universidade do Hawaii, em Mānoa.

Até isso acontecer, Businger vai aproveitar a parte boa. “As alterações climáticas costumam envolver secas desastres e destruição”, afirma. “Mas existe esta maneira mais etérea de olhar para elas.”

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