Entre as sete maravilhas do mundo descritas por um autor da Antiguidade, Fílon de Bizâncio, encontravam-se as muralhas e os jardins suspensos de Babilónia. Segundo o relato deste escritor, os jardins babilónicos eram uma grande construção erguida sobre colunas de pedra que suportavam uma cobertura de troncos de palmeira sobre a qual se acumulava bastante terra. Este espaço estava repleto de grande diversidade de árvores e flores, regadas por um sistema helicoidal usado para elevar a água. Na opinião de Fílon, tratava-se de uma obra colossal e única, capaz de situar a prática agrícola e hortícola acima das cabeças dos que a contemplavam.

Na realidade, a história dos jardins suspensos está envolta numa densa neblina por falta de evidências fiáveis sobre o seu real aspecto e a sua localização exacta. Uma lenda sugere que terá sido o rei Nabucodonosor II (604-562 a.C.) o responsável pela construção dos jardins em Babilónia em honra da sua esposa, que tinha saudades da exuberante paisagem montanhosa da sua Pérsia natal. Porém, não existe um só texto cuneiforme dos muitos que se conhecem deste monarca que mencione a existência deste tipo de jardins elevados na cidade.

Jardins suspensos da Babilónia

Via processional de Babilónia. O aspecto actual do sítio arqueológico de Babilónia corresponde a uma reconstrução da década de 1980. Fotografia de Sergey Mayorov.

Descrições fidedignas?

Além da já citada crónica de Fílon de Bizâncio, as principais referências escritas sobre os jardins suspensos provêm de autores greco-latinos como Diodoro da Sicília, Quinto Cúrcio e de Estrabão. São escritores tardios em relação aos anos de esplendor político de Babilónia, já que foram produzidos quando já estava em curso uma mudança geopolítica no Mediterrâneo. Com elevada probabilidade, nenhum dos autores visitou a velha capital mesopotâmica, manipulando, portanto, as fontes em segunda mão e redigindo as suas obras quando Babilónia já só era uma vaga recordação do fulgor de outrora.

Jardins suspensos da Babilónia

Selo cilíndrico babilónico do período cassita. Museu do Louvre, Paris. Fotografia de Getty Images.

Dos textos destes três autores, a descrição mais pormenorizada foi recolhida no segundo livro da Biblioteca histórica de Diodoro da Sicília, que escreve a seguinte descrição: “Estavam também, perto da acrópole, os chamados Jardins Suspensos, obra […] de um rei sírio […]. O seu acesso era por um talude, tal como numa colina, e as construções sucediam-se ininterruptamente, conferindo o aspecto semelhante ao de um teatro. Os terraços foram feitos para que por baixo de cada um ficassem passadiços, que suportavam todo o peso do jardim e que se erguiam em escalões, elevando-se pouco a pouco […] de forma paulatina e ininterrupta. […] As coberturas eram telhadas com vigas de pedra […]. O telhado sobre as vigas tinha uma primeira camada de canas besuntadas com grande quantidade de betume, seguida por duas camadas fixas de tijolos ligados com gesso, e tinha como terceira cobertura um telhado de chumbo para que a humidade dos terraços não chegasse lá abaixo. Sobre estas, colocou-se uma camada espessa de terra para esconder as raízes das maiores árvores; o solo, uma vez nivelado, ficou repleto de árvores de todas as espécies que, pelo seu tamanho, seduziam o espírito dos que as contemplavam […]. Existiam máquinas para bombear a água, com as quais se elevava uma enorme quantidade de água do rio sem que ninguém no exterior conseguisse ver o que estava a acontecer.”

Jardins suspensos da Babilónia

Tijolos esmaltados que decoravam o salão do trono do palácio de Nabucodonosor em Babilónia. Museu do Próximo Oriente, Berlim. Fotografia de Granger / ACI.

Diodoro era um historiador de origem grega, muito romanizado, que durante trinta anos trabalhou numa ambiciosa tarefa de redacção da sua magna obra Biblioteca Histórica. Para tal, segundo as suas próprias palavras, percorreu “a maior parte da Ásia e da Europa para ver com os seus próprios olhos o maior número das regiões ”que mereciam uma análise cuidada.

Jardins suspensos da Babilónia

Jardins reais. Este pormenor de um baixo-relevo do palácio de Senaquerib em Nínive mostra uma harpista e outra personagem no jardim do monarca assírio, no início do século VII a.C. Museu Britânico, Londres. Fotografia de Erich Lessing / Album.

Apesar disso, a existência de manifestos erros geográficos na obra sugere que essas viagens não tiveram lugar, excepto talvez uma visita a Alexandria e uma longa estada em Roma.

A descrição dos principais monumentos da cidade de Babilónia feita por Diodoro baseia-se, provavelmente, numa obra actualmente perdida: a História da Pérsia escrita por Ctesias de Cnido, médico do rei persa Artaxerxes II (405-359 a.C.). Porém, alguns investigadores consideram que o trecho sobre os jardins suspensos é um texto modificado posteriormente.

Jardins suspensos da Babilónia

A porta do palácio. O grande palácio do rei Nabucodonosor II em Babilónia situava-se a oeste da porta de Ishtar e organizava-se em redor de cinco espaços centrais. No ângulo nordeste, Koldewey julgou ter identificado os jardins. Fotografia de Dion Lefeldt Rezaei / Getty Images.

Em qualquer dos casos, o autor da Sicília descreve uma obra magnífica de arquitectura e engenharia, de estrutura escalonada e alimentada por máquinas que elevavam a água. De onde teria vindo a inspiração para a crónica?

O silêncio de Heródoto

Heródoto de Halicarnasso, o historiador grego mais próximo da época do rei Nabucodonosor II, não menciona os célebres jardins na descrição de Babilónia recolhida no primeiro volume das suas Histórias. Esta ausência é difícil de explicar. Alguns autores sugerem que os jardins estariam localizados nos terraços do zigurate da cidade, descrito pelo autor grego, o que concederia ao monumento o aspecto de uma grande montanha com vegetação.

Jardins suspensos da Babilónia

Nabucodonosor sobe pelos terraços onde se situam Os jardins de Babilónia. Ao fundo, pode apreciar-se a porta de Ishtar. Imagem de Bridgeman /ACI.

Contudo, é difícil imaginar de que modo a água seria elevada até aos terraços superiores (a quase 50 metros de altura) e de que forma uma construção maciça de adobe poderia suportar a humidade produzida por um jardim.

Apesar das imprecisões destas referências literárias, diversos peritos contemporâneos tentaram localizar a zona da cidade onde estaria esta maravilha da Antiguidade. Propuseram-se distintas alternativas. De acordo com autores clássicos como Flávio Josefo (historiador judeu do século I), os jardins estavam no palácio principal. Durante as primeiras escavações arqueológicas das ruínas de Babilónia, conduzidas pelo alemão Robert Koldewey entre 1899 e 1917, na esquina nordeste do palácio meridional, identificou-se uma estrutura muito singular: uma grande construção formada por catorze salas longas, dispostas em duas filas e cobertas por abóbadas.

Jardins suspensos da Babilónia

Porta arcaica de Ishtar. Esta fotografia das ruínas de Babilónia foi captada no início do século XX. Nela pode ver-se parte da muralha e as suas portas, decoradas com tijolos vidrados que representam diversos animais fantásticos. Fotografia de Granger / ACI.

Koldewey acreditou tratar-se da estrutura que dera vida aos famosos jardins, pelo facto de ser de pedra talhada, mais resistente à humidade do que o adobe. Os muros tinham grande espessura, talvez necessária para suportar uma pesada estrutura. Além disso, existiam poços e condutas de água como os que são usados para regar. Porém, actualmente pensa-se que seria uma zona de armazéns próxima da entrada do palácio e da cidade, uma tese reforçada pela descoberta de várias jarras e do arquivo económico, datado do reinado de Nabucodonosor II, que controlava a distribuição de óleo de sésamo, cereais, tâmaras e especiarias aos cativos de alto cargo e estrangeiros.

Outra hipótese é que os jardins estariam localizados perto do Eufrates, mais concretamente no espaço disponível entre o bastião ocidental e o palácio setentrional, onde uma inscrição descreve a existência de uma construção em terraços que poderá ter servido de suporte arquitectónico aos célebres jardins. O bastião ocidental foi interpretado por alguns investigadores não como um elemento de defesa, mas sim como um açude para fornecer água aos jardins.

De Babilónia a Nínive

Perante esta situação, certamente confusa, será que os historiadores e geógrafos da Antiguidade não se terão enganado ao falar dos jardins suspensos de Babilónia? Na verdade, todos eram estranhos à civilização babilónica e ofereceram um discurso distorcido e fantástico, onde se misturaram com frequência a lenda, o mito e a realidade. Os textos dos autores greco-latinos têm muitas lacunas e imprecisões no que se refere à história da Mesopotâmia.

Jardins suspensos da Babilónia

Jardins e parques na Mesopotâmia. Apesar da aridez do clima, a Mesopotâmia teve jardins (chamados kirum em acádio), para lazer ou alimentação, graças à prática intensiva de irrigação. As principais cidades tinham jardins dentro das respectivas muralhas. Se for credível a descrição de Uruk recolhida na Epopeia de Gilgamesh, quase um terço da cidade estava ocupado por jardins. Alguns dependiam dos templos, mas os mais conhecidos são os que foram criados pelos reis. Muitos textos administrativos abordam a compra de plantas, árvores ou sementes e o rei assírio Tiglat-Pileser I (1115-1077 a.C.) disse ter recolhido árvores nas suas campanhas para as plantar na Assíria.

Na imagem, reconstituição idealizada dos jardins suspensos de Babilónia, dispostos em terraços. O desenho representa um corte conjectural imaginado por R. Koldwey em 1918.

Além disso, estes autores confundem habitualmente o assírio e o babilónico. Por exemplo, Diodoro localiza Nínive, a capital do Império Assírio, perto do Eufrates, quando se sabe que a cidade se encontrava nas margens do Tigre. Noutra passagem, o autor descreve de forma minuciosa as muralhas de Babilónia.

“Nas torres e muralhas, estão representados animais de todas as espécies com destreza técnica tanto no uso das cores como no realismo das imagens; o conjunto mostra uma complexa caça de animais selvagens, com mais de quatro côvados de dimensão. No meio destes, está representada a rainha Semíramis a lançar, de cima de um cavalo, um dardo contra uma pantera, e perto dela o seu marido, Ninos, ataca um leão com a sua lança.”

Jardins suspensos da Babilónia

As Guerras Senaquerib. Este prisma de argila, que actualmente se encontra no Museu Britânico em Londres, relata algumas campanhas militares de Senaquerib. Fotografia de British Museum / Scala, Florença.

Esta descrição não encaixa no tipo de imagens documentadas em Babilónia, onde não se encontrou qualquer cena de caça como as descritas pelo escritor clássico.Em contrapartida, a descrição coincide com os relevos neo-assírios de caçadas esculpidos nas paredes do palácio norte de Nínive. Este relato prova a confusão que reinava entre alguns autores greco-latinos em relação a Babilónia e Nínive, as duas grandes capitais da Mesopotâmia.

A partir destas constatações, uma recente investigação da historiadora inglesa Stephanie Dalley chegou à conclusão de que os jardins suspensos não foram construídos pelo rei Nabucodonosor II em Babilónia, mas sim pelo soberano assírio Senaquerib (704-681 a.C.) em Nínive. A tese baseia-se na decifração de uma inscrição assíria, o chamado Prisma de Senaquerib, actualmente no Instituto Oriental de Chicago (689 a.C.), onde se descreve como eram os jardins construídos perto do palácio ninivita. Estes são apresentados como uma imitação do Amano, uma cadeia montanhosa situada no Sul da actual Turquia e são qualificados como “uma maravilha para todos os povos”. Deste mesmo monarca neo-assírio, encontrou-se no palácio sudoeste de Nínive um baixo-relevo, hoje desaparecido, nde estava representado um jardim. Do seu neto Assurbanípal (669-630 a.C.), conserva-se outro relevo onde surgem os mesmos jardins, ornamentados com árvores distribuídas pelas vertentes de uma montanha rematada por um pavilhão. A água de rega brota de um aqueduto, que alimenta canais cheios de peixes.

Jardins suspensos da Babilónia

O relevo do jardim. No Museu Britânico de Londres, encontra-se um baixo-relevo proveniente do palácio de Assurbanípal em Nínive, conhecido como Relevo do Jardim. Sabe-se que originalmente estava colorido, tal como sugere a reprodução acima destas linhas. Os especialistas consideram esta imagem como a representação mais completa de um jardim real assírio e, segundo uma teoria recente, corresponderia aos famosos Jardins Suspensos. À direita, vê-se um aqueduto com arcos, possivelmente de pedra 1 que transporta água. Esta distribui-se por diversos canais 2 que regam o jardim. As árvores estão representadas ao longo da vertente 3, o que lembra uma sucessão de terraços, tal como eram descritos os Jardins Suspensos de Babilónia. Um caminho conduz verticalmente a um altar 4 e ao pavilhão colunado 5 no topo da elevação. Aqui aparece representado um rei 6, provavelmente Senaquerib, o criador do palácio, que estaria a contemplar o seu magnífico jardim.

Tanto o relato de Senaquerib como os baixos-relevos de Nínive coincidem com os elementos cruciais na descrição dos autores clássicos. O jardim do palácio do rei neo-assírio cumpria todos os critérios para ser uma maravilha do mundo. O próprio Senaquerib, fascinado por plantas exóticas, refere-se aos seus jardins nos seguintes termos: “Plantei ao lado do palácio um jardim botânico, uma réplica das montanhas do Amano, que tem todo o tipo de plantas aromáticas e árvores de fruto.”

As dificuldades que os autores da época greco-latina tinham de superar para obterem informações sobre as regiões mais remotas da geografia antiga eram consideráveis. Por isso, nem sempre é fácil fazer um uso histórico adequado dos seus textos sobre a Mesopotâmia. No estado actual da investigação, tudo aponta para que os célebres jardins de Babilónia sejam só um “mito clássico”. Em contrapartida, não há qualquer espaço para dúvidas de que existiu um jardim botânico notável em Nínive, a capital da Assíria.

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