Ao narrar a história da Globo a partir da produção visual que acompanhou seus inovadores lançamentos de livros e revistas, a autora Paula Ramos mostra como a livraria e editora revolucionou o cenário editorial e a linguagem gráfica no Brasil. E o faz sustentando uma tese: a de que os valores e as linguagens artísticas modernas se difundiram no Rio Grande do Sul a partir das imagens impressas, criadas por artistas que transitavam entre a pintura e a ilustração.

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De 1930 a 1950, a Globo não só inovou o setor de livros e publicações, como foi uma das três maiores casas editoriais do Brasil, chegando a disputar a liderança com a Companhia Editora Nacional (SP) e a José Olympio Editora (RJ). Essa projeção e esse prestígio foram conquistados pela parceria entre o editor Henrique Bertaso e o escritor Erico Verissimo. Foi a Globo que pela primeira vez traduziu para o português autores como Aldous Huxley, Thomas Mann, Virginia Woolf e William Faulkner.

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Além de ter um departamento de tradução, que contava com nomes como Verissimo e Mario Quintana, também se destacou pela sua Seção de Desenho. Criada nos anos 1920, teve como diretor o alemão Ernst Zeuner, que havia chegado a Porto Alegre em 1922, aos 24 anos, tendo sido logo contratado em função de seu conhecimento em artes gráficas e sistemas de impressão. Junto a ele, trabalhariam nas décadas seguintes artistas como João Fahrion, Sotero Cosme, Nelson Faedrich, Francis Pelichek, Edgar Koetz, Gastão Hofstaetter, João Mottini, Clara Pechansky e Vitório Gheno.

Esse grupo foi responsável por oferecer um novo patamar de excelência e qualidade no tratamento gráfico em capas, ilustrações, vinhetas e anúncios publicitários. Boa parte das influências de fora era assimilada pelos artistas a partir das revistas europeias que Zeuner importava, muitas delas veiculando o design gráfico proposto pela Bauhaus, pela De Stijl e pelo construtivismo russo.

Em A modernidade impressa: artistas ilustradores da Livraria do Globo — Porto Alegre, é possível conhecer alguns trabalhos que se destacaram pelo elevado nível de apuro e qualidade. Entre eles, as imagens que Fahrion criou para a luxuosa edição de Noite na taverna, de Álvares de Azevedo, e para As aventuras do avião vermelho, de Erico Verissimo, além das de Faedrich para a edição dos Contos de Andersen e para os Contos gauchescos e as Lendas do sul, de João Simões Lopes Neto. Na apresentação do livro, o historiador da arte Rafael Cardoso escreve: “Nesse período, a produção visual gerada pelos colaboradores da Livraria do Globo galgou níveis compatíveis com o que se fazia no Rio de Janeiro ou em São Paulo, às vezes até superior”.

Ao longo das mais de 1,3 mil imagens reunidas na publicação, é possível identificar aspectos recorrentes que apontam para o vocabulário visual modernista, como o grafismo irreverente, o forte apelo cromático e as composições geométrico-tipográficas que se aproximam das linguagens construtivistas. São, por isso, trabalhos dotados de alto caráter artístico, no limite do que separaria a “grande arte” da pintura da “arte menor” da ilustração.

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Renovação na arte gaúcha

Ao longo do livro, fica claro que a inovação visual apresentada pela Globo forneceu um vibrante imaginário de modernidade que concorria com a arte gaúcha vigente à época, pautada pelo naturalismo e por paisagens rurais. E que, uma vez livres das convenções acadêmicas e do viés mais tradicional da pintura, os artistas da Seção de Desenho renovaram a visualidade do Estado a partir da ilustração.

Essa conclusão leva Paula Ramos a defender a importância das artes gráficas na História da Arte gaúcha, considerando que os artistas que atuavam como ilustradores mantiveram-se economicamente por meio do trabalho gráfico, e não de pintura.

— Apesar disso, no campo das artes visuais, a ilustração e as artes gráficas são comumente tidas como uma forma de “arte menor”. Sem contar que, produzidas para impressos de caráter popular e geralmente mundano, fogem do que se entende por “arte” — afirma Paula, em entrevista a Zero Hora. — A Seção de Desenho formou artistas, divulgou seus trabalhos e promoveu uma nova e exuberante visualidade, que oxigenou o olhar, permanecendo na memória de várias gerações. É absolutamente admirável o que foi a Globo, as coisas que esses caras todos fizeram e a qualidade que juntos alcançaram.

Coleção em construção

Além de empreender uma ampla busca em arquivos e acervos, a jornalista, pesquisadora e professora do Instituto de Artes da UFRGS Paula Ramos é também uma colecionadora. Nesses 10 anos de estudos sobre o tema, ela reuniu farto material de publicações da Editora Globo, o que acabou constituindo uma coleção particular — e que tornou ela mesma uma fonte de pesquisa sobre o assunto.

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— Percorrendo acervos, há dificuldade de encontrar as coleções completas, pois sempre acabam faltando algumas edições ou números — afirma a autora. — Então, paralelamente a essas pesquisas, comecei eu também a colecionar. Quando encontro algo em sebos, sempre compro, o que faz com que eu tenha inclusive alguns exemplares repetidos, em diferentes estados de conservação.

Todo esse inventário visual está reunido no livro, que surpreende ao longo de suas páginas pela extensão da documentação de imagens. Na apresentação, o historiador da arte Rafael Cardoso escreve: “Calcado em pesquisa meticulosa, documentado à exaustão e ilustrado com fartura e riqueza impressionantes, o livro de Paula Ramos revela a trajetória brilhante da Livraria do Globo e abre perspectivas para um entendimento renovado da história gráfica e editorial do Brasil”.

FIQUE SABENDO
O Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS tem o acervo fotográfico da Revista do Globo disponibilizado em seu site. A consulta, porém, só pode ser feita pela rede da PUCRS.

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