Terça-feira, 07 de Maio de 2024

CIDADES Domingo, 11 de Outubro de 2020, 13:19 - A | A

Domingo, 11 de Outubro de 2020, 13h:19 - A | A

PERDAS IRREPARÁVEIS

Prefeitura admite 'sumiço', promete réplica de escultura de Dias-Pino e homenagem a Adir em praça

Marisa Batalha/Rafael Martins/O Bom da Notícia

Reprodução

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 Nesta última sexta-feira (9), dia em que o artista plástico Adir Sodré faria 58 anos, um grupo de artistas fez um protesto na Praça Oito de Abril, mais conhecida como a Praça do Chopão, pedindo a recolocação do mural feito por Sodré.

Outro grupo - apoiadores da arte na capital mato-grossense -, que já havia realizado um abaixo-assinado, pedindo também o retorno da escultura 'Árvore de Todos os Povos', de Wlademir Dias-Pino, se uniu ao protesto para pedir, igualmente, a volta da obra de Dias-Pino ao exato local onde foi pensada para estar.

Em resposta, e por meio de nota, a Prefeitura de Cuiabá assegurou no final da tarde deste último sábado(10), que já estaria sendo construída uma réplica da escultura de Wlademir Dias-Pino, e que a peça será colocada no mesmo lugar na praça, daqui a 45 dias.

E ainda que a obra está sendo feita pela mesma empresa que confeccionou a primeira peça mas, agora, utilizando material mais resistente ao tempo para evitar avariações. Ao admitir a perda da obra de Dias-Pino e descartando a restauração do mural original de Adir Sodré. As obras foram retiradas da praça em dezembro de 2019, para reforma.

No comunicado, a prefeitura acaba, inclusive, tendo que admitir que nesta última semana, após buscas, ficou concluído que a Secretaria de Serviços Urbanos, teria perdido o monumento durante a reforma.

"Quanto ao mural do artista plástico Adir Sodré, a gestão está em diálogo com a família do artista para definir a forma mais adequada de homenageá-lo, já que, após uma consulta técnica e análise do local, foi descartada a possibilidade de restauro da pintura original. A decisão de como será realizada a homenagem a Sodré será tomada mediante autorização dos familiares, que são os tutores de suas obras no momento.

"Quanto ao mural do artista plástico Adir Sodré, a gestão está em diálogo com a família do artista para definir a forma mais adequada de homenageá-lo, já que, após uma consulta técnica e análise do local, foi descartada a possibilidade de restauro da pintura original. A decisão de como será realizada a homenagem a Sodré será tomada mediante autorização dos familiares, que são os tutores de suas obras no momento”, diz a nota. 

Por mais de três meses a reportagem do O Bom da Notícia  buscava notícias sobre o paradeiro da escultura. Com bastante descontinuidade nas informações, primeiro soube-se por meio Secretaria de Serviços Urbanos, no final do ano passado, que a pasta responsável pela revitalização da Praça, teria recolhido a peça para restauração e que ela ['Árvore de Todos os Povos'] estaria guardada e em segurança. 'E que foram tomados todos os cuidados necessários para que a retirada não causasse nenhum dano ao material'.

E ainda que a obra - após a restauração -, poderia voltar ao seu lugar de origem ou ser realocada em outra praça do município.

Um mês mais tarde, já em janeiro de 2020, após mais protestos dos artistas cuiabanos, o secretário de Cultura, Francisco Vuolo, se viu obrigado a dar uma resposta quanto a possível omissao pública às obras de arte. Assim, Vuolo garantiu que a escultura seria recolocada e o painel seria pintado novamente por Adir Sodré.

Mais, recentemente, a informação é que a escultura estaria guardada na Secretaria de Segurança Urbana depois de ter sido substituída por uma fonte coberta de pássaros, apelidada por 'Pirulito de Pedra' ou 'Geringonça'. Após obras de revitalização realizada a um custo de R$ 400 mil, segundo a Prefeitura de Cuiabá.

Revitalização que causou a 'catastrófica' perda de obras magníficas de dois artistas que, infelizmente, já faleceram. Uma coberta por uma tinta verde[Adir Sodré] e a escultura de Dias-Pino substituída por 'uma Geringonça'. Tirando as características culturais do espaço.

Perdas culturais

Wlademir Dias-Pino é um dos poetas mais consagrados do Brasil e tem suas obras admiradas no país e internacionalmente. Ainda que tenha nascido no Rio de Janeiro, mudou-se para Cuiabá ainda criança em 1936. Em agosto de 2018, ele morreu no Rio de Janeiro, aos 91 anos, em decorrência de uma pneumonia.

Sua busca por uma poesia que pudesse ser entendida e assimilada universalmente tem início com o intensivismo. É do movimento que nasce o livro, A AVE. Concebida em 1948, A AVE só é lançada oficialmente em 1.956. Todos os 300 exemplares foram feitos à mão por Wlademir, e sua forma revolucionária o consagraria como o precursor da poesia visual. A AVE trata-se de um livro com transparências, perfurações e gráficos, que podiam ser interpostos pelo leitor para criar novos sentidos. É o primeiro livro-poema de que se tem registro na história da arte. Uma visualidade radical que confirma o vanguardismo da sua concepção artística.

A remoção de sua obra vem causando protestos ininterruptos pelas redes sociais, por artistas e apoiadores do processo criativo. E ainda pelo aplicativo WhastApp, nos mais diversos grupos, desde de jornalistas até de escritores e artistas.

(Foto: Ilustração)

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Já Adir Sodré de Souza nasceu em Rondonópolis, mas passou quase toda a vida em Cuiabá. Suas pinturas tinham uma temática social, sempre com caráter irreverente. Em trabalhos quue percebia-se referências de importantes pintores como o francês Henri Matisse, assim cheio de cores puras, com elementos em que o erotismo sempre estavam presente, como em Falos e Flores (1986) ou Orgia das Frutas (1987). Tendo participado de várias mostras - individuais e coletivas -, em Mato Grosso e mundo afora.

Indignação nas redes

Na época, Gervane de Paula, considerado como um dos grandes nomes das artes plásticas do país, já havia antecipado o sumiço da obra de Wlademir e 'cantado a bola' de que a escultura não retornaria, nem tampouco, a pintura de Sodré seria restaurada, ao realizar duras críticas à atuação dos representantes institucionais da cultura, na capital, por meio das redes sociais. "A ideia que se tem é que o secretário de Cultura [Francisco Vuolo] e seu adjunto [Justino Astrevo] nem perceberam o crime cultural que o município cometeu ao artista internacionalmente conhecido e respeitado [...] Coisas que por aqui neste picadeiro eterno não se reconhece[...] deveriam muito antes justificar o sumiço da obra de Wlademir", ainda diz o artista cuiabano.

Outra pessoa que se uniu ao coro dos descontentes nas redes, com as autoridades, sobretudo, quanto ao desmazelo com a arte mato-grossense foi Glorinha Albuês, um dos grandes nomes do audiovisual do estado que, em dezembro, pediu aos artistas protestos contínuos até que as obras voltassem para seus lugares de origem.

'Impiedade cultural'

(Foto: Ilustração)

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Em matéria realizada pelo site O Bom da Notícia, no início do ano quanto ao 'sumiço da obra de Dias-Pino, o escritor e jurista, Eduardo Mahon, apontou Wlademir como o poeta visual mais aclamado pela crítica especializada brasileira e ainda de vários países. Ainda lembrando que Wlademir tem sido considerado como um dos maiores artistas da contemporaneidade no mundo.

Fazendo um paralelo com nomes internacionalmente conhecidos como Almicar de Castro [escultor, gravador, desenhista, diagramador e cenógrafo. Em seus trabalhos, dá-se a passagem do desenho para a tridimensionalidade]. Ou Tomie Ohtake [pintora que passa da geometria das sombras ao círculo imperfeito da cultura nipônica ou à pintura formada na ideia de ordem do concretismo e do sensorial no neoconcretismo. A vontade construtiva surge no sistema de pintura de Ohtake como uma fissura em seu sistema de gestos no contexto das mentalidades do Ocidente e do Oriente]. E ainda Lygia Clark [pintora e escultora brasileira contemporânea, igualmente, um dos grandes nomes brasileiros do fazer artístico].

"Diante desta impiedade cultural só posso torcer para que recoloquem a obra de Wlademir como forma de garantir essa merecida lembrança", ainda diz Mahon.

Centro jogado 'às traças'

O BOM DA NOTÍCIA

praça da republica, república

 

Prefeitura de Cuiabá abandona obra da Praça da República e local se torna "lixão". Pela quarta vez este ano, O Bom da Notícia esteve na praça, também conhecida como Largo da Matriz, no Centro Histórico de Cuiabá, para conferir de perto o abandono.

Com tamanha importância histórica para Cuiabá, a Praça da República, chama atenção pelo abandono e sujeira que amarga nos últimos meses. Desde que a obra de reforma começou, no ano passado [2019], a situação do local só piora e quem passa por ali se impressiona com o estado em que se encontra.

A grama, que já não é mais verde, está cheia de papel, plásticos e muitas folhas secas. Grande parte do piso português se soltou e pedaços de concretos estão espalhados pelo passeio público. Nesse contraste, há também entulho de obras espalhado por todo canto da praça. 

Quem passa diariamente pela praça percebe um amontoado de pedras e materiais de construção espalhados por todo lado. Há pelo menos um ano a obra de revitalização da praça não sai do lugar. O piso português da área central foi retirado e amontoado, não há isolamento e sinalização nessa parte, que é irregular. E ainda com estacas, o que oferece riscos para quem transita pela praça. Enfim, para comerciantes e a população, a imagem que se tem do local é de descaso.

Inaugurada em 1922, a situação da praça que fica em frente à Catedral Metropolitana Basílica do Senhor Bom Jesus, é apenas um dos problemas apontados por quem frequenta ou trabalha na área histórica que aponta que há mais de 14 anos não há investimentos em melhorias significativas na região.

A obra - que já andava em passos lentos - foi interrompida, em dezembro do ano passado, devido à falta de autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Até hoje (06.10), mesmo com a autorização do Iphan, a obra ainda não havia sido retomada. A Prefeitura de Cuiabá foi procurada e até o momento não respondeu os e-mails enviados, o espaço segue em aberto.