Bastidores

Como fui colega de auditório do Silvio Santos e ganhei um aviãozinho de R$ 100

Jornalista de O Tempo relata como foram os encontros com o Homem do Baú como convidada do Roque, responsável pela plateia mais feminina do Brasil

Por Lorena K. Martins
Publicado em 07 de agosto de 2023 | 07:11
 
 
 
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Definitivamente, ser convidada do Roque, o fiel escudeiro de Silvio Santos, não estava nem em meus melhores sonhos quando, ainda criança, comia pão doce com sardinha cochilando nas primeiras horas ao ver “Topa Tudo Por Dinheiro”, do SBT. Só acordava para dar gargalhadas quando Silvio chamava “Roqueeeee”, com aquela entoação que faz parte de um conjunto de trejeitos que só esse comunicador - pode-se afirmar, categoricamente, o maior deles - possui. Muitos anos depois, mais precisamente em 2011, engatei em um projeto de conclusão de curso de jornalismo que - apesar do desejo de aprofundar sobre uma pesquisa da música brasileira de Jorge Ben Jor -  decidi que queria falar sobre o 'Programa Silvio Santos' e como é a produção de sentido em uma atração que permanece há tantos anos - agora, 60 - no ar, em um mesmo formato, com o mesmo apresentador e tudo o que compõe a personalidade dele, resultado em uma atração campeã de audiência e efêmera com tantas mudanças no mundo. 

Assim nasceu “Silvio Santos vem aí: Análise da produção de sentido no programa de auditório”, um projeto que foi segurado com muita persistência, contrariando a maioria dos meus colegas de trabalho que não empolgaram em nenhum segundo com a pesquisa, exceto dois fãs da atração além de mim: Joelmir Tavares e Renard Campolina.

Mas, para entender as estratégias discursivas, linguagem, semiótica, cultura de massa e entretenimento desse comunicador, só tinha uma saída: participar do programa do Patrão da TV brasileira e ter a sorte de ser uma convidada do Roque, uma vez que não há caravanas que saem de Belo Horizonte. Consegui. Me coloquei à disposição para quando tivesse uma vaga na plateia, quando meu telefone tocou e disse “tem depois de amanhã, topa?”. Lá fui eu em busca do encontro com Silvio Santos e a chance de ver tudo de perto: o carisma, a risada inconfundível, os aviõezinhos de dinheiro, o cabelo ou peruca acaju e o microfone que fazem parte de um conjunto que torna o homem do Baú inconfundível. Meus colegas não tinham chance, afinal, Silvio tem, há 60 anos, outra característica marcante: permitir apenas mulheres em seus auditórios. “Elas são mais animadas, empolgadas. São espontâneas. Os homens geralmente são mais contidos”, justifica.

Uma saga para sair de Belo Horizonte e parar nos Estúdios do Anhangüera, em Osasco, pontualmente às 8h. Meu nome estava na lista de convidadas e, imediatamente, adentrei ao SBT. Além do lanche distribuído em saquinhos, há uma série de protocolos antes de estar pronta para ser uma autêntica colega de auditório do Silvio Santos - são muitas horas de gravação. Fila de cabelo, fila de maquiagem - algo bem express para a TV - e uma série de instruções ensinadas em uma palestra ministrada pela produção do programa e ninguém menos do que Roque, o primeiro funcionário do SBT e diretor de auditório.

Ensaiamos as músicas (eu já sabia todas), os quadros que seriam gravados naquele dia, as regras das brincadeiras, as dinâmicas dos assentos caso fosse chamada para participar de algum quadro, os jargões do Silvio Santos, o que ele diz e o que temos que responder. Não são filmados os programas inteiros, mas por quadros. Quem ganhar dinheiro em alguma brincadeira ou um dos famosos aviãozinhos, senta na última cadeira de sua fileira. Assim, todas terão chance de faturar e, de quebra, chegar perto de um dos homens mais conhecidos do Brasil.

Para finalizar, antes de entrar no estúdio 3, treinamos o balanço dos pompons que fazem parte da abertura do programa. Tudo é previamente coreografado: o balanço é sempre de trás para frente e nunca de um lado para o outro. E tinha uma ordem que não poderia ser jamais quebrada: a falta de animação. A todo momento, foi passado que o patrão gosta de gente feliz, alegre e que participe das dinâmicas do programa e que a gente risse da piada, mesmo se não tivesse graça. Afinal, aquele momento é sinônimo, definitivamente, de “agora é hora de alegria, vamos sorrir e cantar”.

Mas meu coração disparou quando foram chamadas cada uma das 200 meninas que estavam nesse dia, por ordem alfabética, para colocar a característica plaquinha com o nome para que Silvio Santos a identificasse. Lá dentro, nas últimas instruções, eu vi Silvio entrando, cantando. Não existe Silvio Santos diferente nas câmeras e fora delas. Ele conversa com a plateia, agradece a presença das colegas de trabalho e o programa, mesmo gravado, segue uma dinâmica ao vivo. Os erros, os improvisos, a naturalidade, as piadas… tudo entra no ar e o diretor pouco interfere em cortes. Esquece uma coisa ou outra, interage e olha nos olhos. Talvez foi isso que fiz de estratégia quando levantei a minha mão para participar de uma brincadeira. Silvio me chamou pelo meu nome, colocou o microfone na minha direção e eu gelei. Era uma brincadeira em que ele faz três perguntas e você precisa respondê-las na ordem.  “Tem que ter memória, tem que ter cabeça, Lorena, eu quero ver. Fala, Lorena”. Eu apenas disse: “É… dicionário?”. Voltei e sentei, sem nenhum tostão. Sem dinheiro e aviãozinho no bolso, Roque me recebeu muito bem e me convidou para voltar em uma nova oportunidade.

E eu voltei.

Em 2014, já como jornalista formada com um TCC sobre o Homem do Baú, fui visitar Silvio novamente, acompanhando uma colega de trabalho que tinha o mesmo sonho de pertencer, por um dia, ao auditório mais feminino do Brasil. Não tive chances de participar de uma brincadeira, mas quando Silvio disse “quem quer dinheiro?”, fiquei em estado de alerta. Era tudo ou nada: só sairia naquele estúdio com um famoso aviãozinho feito com notas de R$ 20, R$ 50 e R$ 100. 

O bendito caiu no meu colo. De R$ 100, no meu colo. Uma colega de auditório virou-se para tentar abocanhá-lo quando segurei ele com toda a força do mundo e disse, firme: "quem pegou fui eu, ele está no meu colo". E eu estava disposta a sair dali sem nada, mas com aquele avião, custe o que custar. 

Quando você ganha algum dinheiro no programa, é regra levantar e assinar imediatamente uma ficha com o valor para ter controle do dinheiro. Afinal, Silvio Santos chegou a distribuir até R$ 10 mil por mês em formato de aviõezinhos para o auditório do seu programa.

No final, Silvio Santos agradeceu a plateia, se despediu e foi embora. Eu, durante muitos anos, enfrentei dívidas de cheque especial e precisei pedir muito dinheiro emprestado. Mas o meu aviãozinho segue invicto, guardado em um cofre. 

Ah, e aos meus colegas de trabalho, eles também tiveram um final feliz sem precisar se vestir de mulher para driblar a regras do programa. Renard praticamente acampou na porta do salão do Jassa, frequentado por Silvio Santos em São Paulo, e conseguiu, anos depois,um registro com o patrão. Joelmir Tavares fez o mesmo, em incansáveis dias, e foi um dos poucos profissionais a entrevistá-lo na vida. 

O que Silvio Santos uniu, permanece invicto, assim como o seu programa.

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