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Sinopse

Asterix e Obelix viajam até a China a fim de ajudar uma imperatriz colocada em risco por um abominável golpista. Do outro lado do mundo, eles terão de encarar a ameaça do usurpador e ainda as hordas do Império Romano.

Crítica

Verdadeiro patrimônio da cultura francesa, os quadrinhos de Asterix e Obelix (criação de Albert Uderzo e René Goscinny) renderam várias adaptações cinematográficas, das animadas às live-action. Asterix e Obelix no Reino do Meio é a primeira com atores de carne e osso que não foi baseada em histórias pré-existentes nos quadrinhos, mas numa criada para o longa-metragem. Também é a primeira em que Gérard Depardieu não interpreta o imponente e bonachão Obelix, papel agora do astro francês Gilles Lellouche. Como em todas as histórias da dupla de gauleses mais famosa da cultura pop, tudo começa por volta do ano de 50 a.c. A Gália está ocupada pelo exército do Império Romano. Todavia, não toda a extensão da Gália, pois nela há uma aldeia povoada por irredutíveis homens e mulheres que, geralmente turbinados por uma poção mágica, resistem aos avanços dos soldados de Júlio César. Dessa vez, a missão é ajudar a princesa herdeira do trono da China. Depois de um golpe de estado que depôs a sua mãe, ela é contrabandeada do Oriente por Graindemais (Jonathan Cohen) e busca ajuda exatamente com esse povo acostumado a repetir a história bíblica de Davi e Golias. Mas, antes mesmo da chegada dessa nobre, Asterix (Guillaume Canet) e Obelix estão passando por uma crise de amizade. O primeiro decide parar de depender da poção e, de quebra, quer evitar de comer carne de javali.

Asterix e Obelix no Reino do Meio, então, tem uma grande aventura emoldurando uma crise entre os dois melhores amigos da Gália. E o cineasta Guillaume Canet opta por se dedicar bem mais a desenvolver o painel maior, o da turbulência internacional, para isso investindo em contextos, cenas grandiosas, dando oportunidades aos coadjuvantes brilharem e brincando com as diferenças culturais entre os povos. Porém, para colocar isso em prática, infelizmente, ele acaba apagando ligeiramente os protagonistas, pouco se dedicando a mostrar os efeitos das decisões de Asterix ao seu vínculo com o amigo que adora mastigar javalis e bater em soldados romanos. Mas, voltaremos em breve a esse aspecto da relação em perigo. A respeito do âmbito maior, a produção é bonita e grandiosa, vide os cenários suntuosos, os figurinos adequados para manter a natureza cartunesca das adaptações anteriores e os efeitos digitais que não deixam a desejar. Desde a pequena vila na Gália até os exuberantes palácios de Júlio César (Vincent Cassel, ator que cai como uma luva ao personagem), tudo é muito bonito e bem trabalhado. Outra prova de esmero dos departamentos de arte do filme é a incursão marítima dos protagonistas, bem como a demonstração de habilidade em artes marciais da guarda-costas Tan Han (Leanna Chea), no melhor estilo wuxia, ou seja, com direito a técnicas elaboradas de kung fu e a flutuações no ar.

Divertido e claramente comprometido com a reverência ao mundo criado por Albert Uderzo e René Goscinny, Asterix e Obelix no Reino do Meio peca ao elaborar a jornada dos protagonistas. A anunciada dificuldade que eles têm depois da decisão de Asterix de fazer as coisas de modo diferente nunca se torna um elemento dramaticamente eficiente. Chega-se ao ponto de isso simplesmente desaparecer do horizonte, enquanto o enredo se dedica bem mais a desenvolver o socorro à jovem princesa que precisa dos gauleses (e dos egípcios que por eles se passam) para tentar evitar a consumação do golpe de Estado que transformou a sua mãe em prisioneira. Um exemplo disso é a pouca tenacidade de Asterix quanto à resolução de não tomar a poção que lhe deixa com força sobrehumana. Sempre que precisa, ele recorre à beberagem, quando muito, recebendo como resposta negativa um olhar do tipo “eu disse” do parceiro Obelix. Nada além disso. Guillaume Canet está deslocado como o personagem clássico das HQs, talvez um pouco alto demais para viver a figura que nos quadrinhos é menor. Já Gilles Lellouche se sai um pouco melhor herdando o papel anteriormente composto de modo tão memorável por Gérard Depardieu. No entanto, a palidez que diminui a importância de Asterix também afeta Obelix, o que reduz o espaço para o ator sobressair. No fundo, importante é a aventura geral.

Os fãs de Asterix e Obelix podem ficar tranquilos, pois serão contemplados com um pouco de tudo que tornou essa história tão cultuada ao longo das décadas. Os nomes de duplo sentido estão presentes, sendo o melhor deles o do inimigo golpista – o chinês Deng Tsin Qin (Mean Bun-hay), referência fonética ao hit do ABBA "Dancing Queen". A participação especial da vez fica por conta do futebolista sueco Zlatan Ibrahimovic como o gladiador Antivírus, com direito a lesão no meio da briga e placas subindo para ele ser substituído na ação (como acontece no esporte bretão). Asterix e Obelix no Reino do Meio ainda traz a participação especial de Marion Cotillard como uma versão fútil de Cleópatra. Aliás, o relacionamento de Cleo e César rende uma das ótimas piadas do filme, o pombo-correio que chega fazendo barulho de whatsapp. As lutas são repletas de romanos lançados ao céu, o que ajuda a manter a aura de fantasia cartunesca que tanto aproxima o derivado cinematográfico do original em quadrinhos. Certas assinaturas como a canção Say You, Say Me, de Lionel Richie, funcionam como elos entre a antiguidade e a contemporaneidade, assim como a cena em que, embalados por (I've Had) The Time Of My Life, Asterix e sua nova pretendente refazem uma das cenas mais emblemáticas de Dirty Dancing: Ritmo Quente (1987). O saldo é um filme divertido e reverente, ainda que comprometa pontos valiosos por perder de vista um pouco Asterix e Obelix em meio a tantas sequências grandiosas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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