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número 61 volume 25 novembro 2014 Artigo O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões Entrevista Roger Chartier Painel Minhas Memórias, Nossas Histórias Sesc São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 03331-000 São Paulo - SP TEL.: +55 11 2607-8000 sescsp.org.br Produção técnica editada pelo Sesc – Serviço Social do Comércio número 61 volume25 novembro2014 ISSN 2358-6362 a E S T U D O S S O B R E E N V E L H E C I M E N T O Sesc - Serviço Social do Comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli Gerentes Estudos e Programas da Terceira Idade Cristina Madi Adjunta Lilia Ladislau Artes Gráficas Hélcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Comissão Editorial Celina Dias Azevedo (coordenação) Adriese Castro Pereira , Ana Luisa Sirota de Azevedo, Cristiane Ferrari, Cristianne Aparecida de Brito Lameirinha, Cristina Fongaro Peres , Danilo Cymrot, Denise Miréle Kieling, Elizabeth Aparecida Guaraldo Brasileiro, Flavia Rejane Prando, Francis Márcio Alves Manzoni, Jair de Souza Moreira Júnior, Kelly CeciliaTeixeira, Lucia Maria Lopes Garcia, Maria Ivani Rezende de Brito Gama, Mariana Barbosa Meirelies Ruocco, Melina Izar Marson, Regiane Cristina Galante, Sandra Carla Sarde Mirabelli, Sandra Regina Feltran, Virginia Baglini Chiaravalloti. Editoração Lourdes Teixeira Benedan Produção Digital Ana Paula Fraay e Marilu Donadelli Fotografias Pag. 5, 9, 104,105, 106, 107 e 109: Rafael Costa; pag. 27: Mujica; pag. 42, 59, 75: Nilton Silva; pag. 93, 96, 98 e 100: Adauto Perin; pag. 104 e 107: Adauto Perin. Revisão Marco Antonio Storani Projeto Gráfico Marcio Freitas e Renato Essenfelder Artigos para publicação podem ser enviados para avaliação da comissão editorial, no seguinte endereço: revistamais60@sescsp.org.br Mais 60: estudos sobre envelhecimento / Edição do Serviço Social do Comércio. – São Paulo: Sesc São Paulo, v. 25, n. 60, jul. 2014 –. Quadrimestral. ISSN 2358-6362 Continuação de A Terceira Idade: Estudos sobre Envelhecimento, Ano 1, n. 1, set. 1988-2006. ISSN 1676-0336. 1. Gerontologia. 2. Terceira idade. 3. Idosos. 4. Envelhecimento. 4. Periódico. I. Título. II. Subtítulo. III. Serviço Social do Comércio. CDD 362.604 Esta revista está indexada em: Edubase (Faculdade de Educação/Unicamp) Nota As opiniões e afirmações contidas em artigos e entrevista publicadas na b são de responsabilidade de seus autores. sumário páginas de 8 a 25 Destaque da edição O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões por Denise Pollini páginas de 26 a 41 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? por Ana Cristina Soares Melo e Cláudia Ferreira Melo páginas de 42 a 57 A percepção da saúde do idoso e os fatores associados: em foco o Programa Municipal da Terceira Idade, Viçosa-MG por Alessandra Vieira de Almeida, Simone Caldas Tavares Mafra, Marco Aurélio Marques Ferreira, Emília Pio da Silva, Núbia Cristina de Freitas e Estela Silva da Fonseca páginas de 58 a 73 Saúde mental e envelhecimento: uma experiência com estimulação cognitiva por Marluce Auxiliadora Borges Glaus Leão, Eliana de Fátima Almeida Nascimento, Joelita Pessoa de Oliveira Bez e Yuri Borges Glaus Leão páginas de 74 a 91 Muito além do encontro: as percepções de idosos e a prática de exercícios físicos em grupo por Thabata Santos Ventura e Graciele Massoli Rodrigues páginas de 92 a 103 Entrevista: Roger Chartier páginas de 104 a 107 Fotografia: Rafael Costa páginas de 108 a 115 Painel de Experiência: Minhas memórias, nossas histórias: relatos de um projeto com idosos frequentadores do Sesc Santana – São Paulo por Neide Alessandra Périgo Nascimento e Nárlon Cássio Boa Sorte Silva páginas de 116 a 117 Resenha: A Máquina de fazer espanhóis por Virgínia Chiaravalloti CAPA Rafael Costa 52 anos, fotógrafo Formado em arquitetura pela Universidade Mackenzie. Especializado no mercado de carros e motos, desenvolve paralelamente trabalhos autorais, marcados pela experimentação: Bendito Fruto e Sete Pecados foram expostos na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Lançou em 2011 o livro “Imaginário”, pela BEI editora, com prefácio do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar. e 1 2 3 4 5 p r 6 b – Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 | Novembro de 2014 Em que momento a juventude tornou-se um valor? Em que momento a experiência que servia de esteio para transmissão de modos de vida e de organização social passou a ser desconsiderada? Alguns especialistas apontam para o final do século XIX, quando o processo de industrialização acarretou transformações políticas, econômicas e sociais. Enquanto outros apontam para meados do século XX, após a segunda guerra mundial, quando o mundo conheceu novas formas de comunicação e se transformou em uma “aldeia global” envolvida por mudanças na constituição da família e nos relacionamentos. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional Ser velho ! • 7b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 O distanciamento social entre jovens e velhos é um fenômeno da contemporaneidade, provocado por uma sociedade que estabelece uma série de espaços exclusivos para atender as diferentes faixas etárias, como a escola, os escritórios, os asilos e, também, os espaços destinados ao lazer. Não à toa, a falta de convívio resulta no desconhecimento entre as pessoas, o que pode vir a gerar preconceitos. Percebem-se atitudes sociais em relação à velhice predominantemente negativas, resultantes de falsas crenças a respeito da capacidade dos velhos em relação ao trabalho, ao aprendizado e à adaptação a novas situações. Os estereótipos levam à discriminação e, por sua vez, afetam a qualidade de vida e o bem estar de quem se encontra em situação de exclusão. Não surpreende que o imaginário social exponha o preconceito entre gerações, conferindo aos jovens qualidades associadas à força e à agilidade e, aos velhos, atributos como carências, fragilidade e passividade. Desde a década de 1960, quando o Sesc São Paulo passou a atuar junto à população idosa, possibilitando a sociabilização e o acesso a bens culturais, o objetivo do Trabalho Social com Idosos tem sido acolher essa parcela da população. Ao mesmo tempo, tem chamado a atenção da sociedade para a importância de perceber o idoso como sujeito social. Experiências relevantes como essas podem transformar as perspectivas e expectativas traçadas socialmente para os velhos. Por isso, o sentido de um bom envelhecer deve estar aliado a valores como pertencimento e sociabilidade, uma via para combater preconceitos que interferem ou anulam as possibilidades dos idosos de aprimorar a aprendizagem e desenvolver novas habilidades. 1 Artigo da capa O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões [Artigo 1, páginas de 8 a 23] 8 b – Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 | Novembro de 2014 Denise Pollini Mestre em Artes pelo Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo (USP), desde 1999 é Coordenadora do Setor Educativo do Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (MAB/FAAP). Pesquisadora de História da Moda e Cultura de Moda, em 2007 publicou o livro “Breve História da Moda” pela Editora Claridade e têm ministrado aulas em várias instituições de ensino. Em 2012 foi curadora da exposição: “Moda Brasileira: Criadores Contemporâneos e Memórias”, realizada no MAB/FAAP. denisepollini@gmail.com 9b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 60 Novembro de 2014 Artigo1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 10 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 abstract This article deals with the relationship between the developments of the youth culture after the Second World War: the establishment of the “new” as a value and its consequences on people’s way of dressing and the construction of a self-image in the western world as well as the transformations of this concept in contemporary times. Through a mapping of the concept of third age, confronted to the phenomenon of valuation of the style used by old people – visible in publications and fashion related films released in the past five years. We reflect on the joints of this concept regarding possible changes in standards of beauty, fashion use, construction of self-image and reinvention of identity during the various stages of life. Keywords: aging; fashion; youth culture; contemporary times. Resumo O presente artigo trata das relações entre o desenvolvimento da cultura jovem após a Segunda Guerra Mundial: a constituição do novo como um valor e suas consequências aos modos de vestir e à construção da autoimagem no Ocidente, assim como as transformações deste conceito na contemporaneidade. Por meio de um mapeamento do conceito de terceira idade, confrontado com o fenômeno da valorização do estilo do idoso – visível em publicações e filmes relacionados à moda lançados nos últimos cinco anos –, buscamos refletir sobre as articulações deste conceito para as possíveis mudanças nos padrões de beleza, uso da moda, construção da autoimagem e reinvenção de identidade durante as diversas fases da vida. Palavras-chave: envelhecimento; moda; cultura jovem; contemporaneidade. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 11b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 INTRODUÇÃO “Roube a Roupa de seu Filho”; a frase, que fez parte de um anúncio da etiqueta de roupas masculinas Club Um1, impressa na revista Realidade2 de 1971, apresentava a fotografia de um homem com cerca de 50 anos exibindo sua nova roupa, mas este exibia acima de tudo um novo conceito. Conceito ainda tão recente que décadas antes teria sido incompreensível, não fossem as transformações ocorridas no mundo principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando vemos cristalizado o ideal de juventude. A ideia de que um pai poderia desejar usar a roupa de seu filho não seria compreensível décadas antes por um único motivo: o filho é que se vestia como seu pai. E, antes do advento do ideal de juventude, por que um pai desejaria usar a roupa do filho? Sobretudo, porque um pai desejaria esteticamente se assemelhar a alguém mais jovem? Durante milênios a humanidade organizou-se de forma a valorizar a experiência e desenvolveu maneiras de passá-la adiante em sua orga- nização social e na forma de narrativas (BENJAMIN, 1987, p. 197-221). A ex- periência compartilhada era instrumento fundamental para a transfe- rência de modos de vida, valores e fases que organizavam a existência da comunidade. E o acúmulo de experiência – ou a presença ou não da experiência – com frequência determinava o tom das relações, uma vez que a tradição era um bem valorizado3. Porém, no mundo industrializado o indivíduo é reconhecido por sua capacidade de produção e sua inserção na dinâmica social regida pelo consumo. Produção e, contemporaneamente, acima de tudo o con- sumo estão posicionados acima do cabedal de experiências que o indi- víduo possa ter acumulado durante sua vida, determinando seu status nesta sociedade. A cultura ocidental, especialmente com o advento da industrialização e de forma mais efetiva após a segunda metade do sé- culo XX, tomou portanto o caminho contrário ao das sociedades di- tas “primitivas”: o ideal agora é o da juventude. A juventude tornou-se um valor e, aliadas a este valor, vieram a valorização da novidade em detrimento da tradição e a da velocidade em detrimento do ciclo na- tural, e nenhuma área da atividade criativa humana esteve mais liga- da a este conceito do que a moda (BALDINI, 2006, p. 88-89). 1 O Club Um, lançado por Lívio Rangan, promotor dos desfiles da Rhodia na década de 1960 no Brasil, foi uma etiqueta que congregava várias marcas e “… dava chancela a um grupo de confecções e tecelagens” (BRAGA & PRADO, 2011, p. 347). 2 A revista Realidade, lançada pela Editora Abril em 1966, circulou até 1976 e destacou- se por um formato editorial diferenciado tanto na produção de suas matérias quanto no design de suas capas. A propaganda do Club Um “Roube a Roupa de seu Filho” foi publicada em março de 1971. 3 Embora existam discussões acerca da crença geral de que nas sociedades ditas “primitivas” a velhice seja mais valorizada, tais sociedades sem dúvida estruturam-se a partir da experiência transmitida principalmente por relatos orais. Os griôs (contadores de histórias) na África podem ser citados como exemplo. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 12 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 13b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 E principalmente a partir do final do século XIX começa a ser construído o conceito de que a juventude incorporaria estes valores: rapidez, abertura para a novidade, flexibilidade passaram a ser sinônimos de juventude. Ser jovem passou a ser um adjetivo. O novo como um valor Mas como esta nova fase de vida, que ganha definitivo reconhecimen- to mundial após os anos de 1943-19444, foi capaz de criar um valor que fosse desejado por todas as gerações? (...) A absurda superstição do novo – que infelizmente substituiu a an- tiga e excelente crença no julgamento da posteridade – atribui ao es- forço do trabalho o fim mais ilusório e o utiliza para criar o que há de mais perecível, o que é perecível por essência: a sensação do novo (...) (VALÉRY, 1935, ApuD BENJAMIN, 2006, p. 112). O ritmo de vida e a organização social se alteraram radicalmente no Ocidente com o advento da industrialização. Não por acaso nota- mos em seu surgimento a confluência da industrialização com o de- senvolvimento da moda como a conhecemos hoje: ambas são funda- das sobre a valorização da novidade e da velocidade (BENJAMIN, 2006, p. 114-115; SVENDSEN, 2010, p. 10). E principalmente a partir do final do século XIX começa a ser cons- truído o conceito de que a juventude incorporaria estes valores: rapi- dez, abertura para a novidade, flexibilidade passaram a ser sinônimos de juventude. Ser jovem passou a ser um adjetivo. Ao perseguir estes valores a sociedade passa a pautar-se por eles e a buscar a estética que demonstre o pertencimento a esta categoria almejada, a novidade-ju- ventude. Existe portanto um novo protagonista, um novo ideal que se coaduna com os novos valores sociais. 4 The invention of teenagers: life and the triumph of youth culture. Disponível em: <http:// life.time.com/popular-culture/ teenagers-a-1944-photo- essay-on-a-new-american- phenomenon/#1>. Acesso em: 9 nov. 2014. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 14 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Quando pensamos em moda, pensamos em conjunto de valores es- pecíficos de determinados lugares e épocas e, com frequência, pensa- mos em roupas e suas alterações. Naturalmente atrelada e movida pe- las mudanças sociais, a moda acompanha essas transformações e com frequência as encarna em peças que envelopam nossos corpos, e, ao o fazerem, produzem discursos sobre quem somos: nossa idade, nossa condição social, nossas referências culturais, geográficas, entre mui- tos outros elementos. A invenção de um “novo mundo” após a Segunda Guerra Mundial Os aliados venceram a guerra exatamente no momento em que o mais recente produto da América estava saindo da linha de produção. Defi- nida durante 1944 e 1945, ateenage fora pesquisada e desenvolvida por uns bons 50 anos, o período que marcou a ascensão da América ao po- der global. A divulgação pós-guerra de valores americanos teria como ponta de lança a ideia do teenager. Este novo tipo era a combinação psí- quica perfeita para a época: vivendo no agora, buscando o prazer, fa- minto por produtos, personificador da nova sociedade global onde a inclusão social seria concedida pelo poder de compra. O futuro seria teenage (SAVAGE, 2009, p. 498). O processo de desenvolvimento do conceito de juventude, de uma fase entre, que se posiciona entre a infância e a idade adulta, já demons- trava seus sinais no Ocidente desde o final do século XIX (SAVAGE, 2009, p. 28-29); a própria constituição do movimento romântico no despertar do século XIX já continha sementes desse processo (BELL, 2008, p. 304- 310). Porém, após duas guerras mundiais e a evolução do capitalismo, o mundo estava pronto para que este conceito atingisse seu apogeu. O domínio norte-americano deu forma a um fenômeno que se es- tendeu de diferentes maneiras por toda a Europa: a juventude hitleris- ta e os zazous franceses5 poderiam figurar como exemplo de que uma crença e uma estética estavam prontas a serem reconhecidas além da- quilo que acreditamos ser apenas uma invenção norte-americana, embora a América do Norte tenha desempenhado papel fundamen- tal neste processo. Portanto, no decorrer da segunda metade do século XX, principalmente após os anos de 1960, assistiremos a uma mudança radical no eixo de influência da moda. Antes dos anos de 1950 a referência de moda predominante no mundo ocidental vinha das 5 A juventude hitlerista (Hitlerjugend) foi uma instituição de jovens na Alemanha, alinhados ao pensamento de Adolf Hitler, em atividade antes mesmo da eclosão da II Guerra Mundial. Os zazous na França foram uma subcultura de jovens durante a II Guerra Mundial que se distinguia por suas vestimentas e culto ao jazz e bebop. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 15b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 criações da Alta Costura, de uma estrutura formal de elegância que exigia um determinado comportamento que era perseguido e copiado em um processo de gotejamento: das maisons de Alta Costura francesas para os diversos ateliês e costureiras no mundo todo (MONNEYRON, 2007, p. 35; GRuMBACH, 2009, p. 188; LIpOVETSKY, 2005, p. 71). Mas, apesar das cópias, a “mensagem” era mantida: e essa mensagem era a da formalidade, do senso de elegância regido pelo tom da ocasião. Não é para menos que, ao analisarmos os trajes até os anos de 1950, com frequência encontramos as determinações: traje para o dia, vestido cocktail, traje para a noite... Cada ocasião pedia um tipo específico de linguagem do vestir e cada idade também deveria mostrar-se de acordo com as regras tácitas implícitas a cada fase de vida. A partir do tsunami jovem, as décadas seguintes assistem a uma explosão de novos valores. Ainda nos anos de 1950, com o advento da televisão, o mundo seria profundamente transformado pela nova forma de disseminação das informações, inclusive estéticas. Os anos de 1960, conhecidos como a década das revoluções, significaram mudanças nos relacionamentos, na sexualidade e na constituição das famílias com o advento da pílula anticoncepcional; no campo dos direitos civis foram empreendidas lutas contra a segregação racial, pelos direitos dos homossexuais, e, por meio do movimento feminista, foi discutida a posição da mulher na sociedade ocidental. Estas, entre muitas outras discussões, sem dúvida estenderam sua influência muito além daquela década. Acompanhando essas mudanças sociais, a moda assistiu a uma contínua juvenilidade de seus modelos e propostas. Estilistas dos anos de 1960, tais como a inglesa Mary Quant e os franceses André Courrèges e Pierre Cardin (italiano naturalizado francês), produziram modelos que refletiam esse novo modo de vida jovem, e nosso anúncio A partir do tsunami jovem, as décadas seguintes assistem a uma explosão de novos valores. Ainda nos anos de 1950, com o advento da televisão, o mundo seria profundamente transformado pela nova forma de disseminação das informações, inclusive estéticas. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 16 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 do Club Um no Brasil refletiu esta condição: agora todos querem ser e parecer jovens. Uma corrida contra o tempo foi iniciada. Junto com ela, cosméticos, exercícios, cirurgias e todo um arsenal para deter o tempo. As mudanças nos paradigmas estéticos foram tão grandes que, na década de 1960, uma revista feminina norte-americana publicou um guia da altura correta das saias para as mulheres nas diferentes ida- des (LuRIE, 1997, p. 63), em uma tentativa vã de nortear os usos da nova moda relacionando-os ao decoro referente à faixa etária pertencente a um mundo anterior ao advento da minissaia. A publicidade, com o objetivo de gerar desejo, acompanhou esta di- nâmica e enfatizou a concepção de que apenas a estética jovem é atra- ente. Aparentar a idade passou a assombrar principalmente as mulhe- res (GREER, 2001, p. 33-34; GOLDENBERG, 2011, p. 66-71). Assim, boa parte do século passado e o início do século XXI são caracterizados pela bus- ca da fonte da juventude. Somado a isso, assistimos a um crescimento do poder de consumo jovem como nunca antes visto. Aliada e alimentada pelo processo em direção a uma estética jovem, a moda percorreu o caminho da informalidade. Gradualmente as rou- pas passaram a enfatizar a praticidade, o movimento e acompanhar seus usuários nos vários horários e nas ocasiões do dia a dia. O tempo e a formalidade da Alta Costura deram espaço para o imediatismo e a informalidade do prêt-à-porter6, e, com exceção de ocasiões muito res- tritas, a exigência da adequação das roupas a determinadas situações sociais perdeu cada vez mais sua força. Neste contexto de uma moda cada vez mais informal, a formali- dade nas roupas ficou relacionada ou a situações específicas ou a um mundo que remete ao passado. O formal passou então a adquirir co- notação de antigo. Assim, para a geração que nasceu inserida nessas transformações, aquele que não acompanhou esta toada informal é classificado em um mundo anterior à grande virada jovem e, portan- to, é considerado velho. O conceito de terceira idade e suas consequências na moda O que acontece quando quase a totalidade da sociedade tende a valo- rizar uma estética relacionada à juventude? As transformações sociais operadas após os anos de 1940 foram de tal maneira profundas em seu poder de moldar novas concepções, modos de vida e uma nova estética no Ocidente que se faz necessário pensar o que acontece quando a mesma geração que participou do movimento jovem, nascida entre os anos de 1940 e 1950 (e conhecida 6 O primeiro salão do prêt-à- porter ocorreu em 1957 em Paris (BALDINI, 2006, p. 20-21). Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 17b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 tradicionalmente por baby boomers), passa a adentrar a barreira dos 60 anos. Se uma nova sociedade foi construída neste interregno, uma nova reflexão sobre o envelhecimento também tem de ser empreendida. E, se essa mesma geração empreendeu uma revolução no vestir-se, devemos pensar agora em uma nova forma de relacionar-se com a moda? Desde o final da década de 1980 teóricos como Peter Laslett (1989) refletiram sobre a dinâmica do envelhecimento alimentada pelas mu- danças demográficas e sociais das últimas décadas. Junto com o pro- cesso que trouxe ao mundo a cultura jovem como um valor, profundas transformações na expectativa de vida e na organização social ocor- reram. A geração nascida entre as décadas de 1940 e 1950 assistiu ao desenvolvimento da medicina, do saneamento básico e do bem-estar social que resultou na realidade hoje bastante conhecidado expressi- vo aumento da população acima de 60 anos7 e de sua expectativa de vida, e uma grande parcela da população experimenta a aposentado- ria com um poder aquisitivo e perspectivas muito diversas das gera- ções anteriores. Peter Laslett sustentou a visão da terceira idade como a fase privile- giada para as realizações por natureza. Uma das argumentações cen- trais desta visão pressupõe que o indivíduo nessa fase se encontra de- sobrigado das amarras e obrigações que o prendiam no decorrer de outras fases da vida. De fato, a plena realização do sujeito viria com a terceira idade, o “coroamento da vida” (LASLETT, 1989, p. 78) na qual o sujeito estaria dispensado das obrigações típicas da idade adulta e passaria a estabelecer laços, se engajar em atividades ou se submeter a novas obrigações apenas na medida em que estes se harmonizassem com seus interesses e perspectivas (SILVA, 2008, p. 804). Segundo o autor, em virtude de as transformações dos contextos sociais terem sido tão profundas, os indivíduos na contemporanei- dade estariam livres de um role model (SILVA, 2008, p. 804), e portan- to libertos para inventar seus próprios códigos e condutas. Esta vi- são tem sido contemporaneamente explorada pelos mais diversos autores8, que anunciam o conceito de terceira idade como momen- to propício para as realizações que não foram empreendidas em pe- ríodos anteriores da vida. 7 A Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidên- cia da República, citando dados do IBGE, aponta que em 2011 a populacão brasileira acima de 60 anos já representava 12% do total populacional. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/ assuntos/pessoa-idosa/dados- -estatisticos/Dadossobreoen- velhecimentonoBrasil.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2014. 8 Chris Gilleard e Paul Higgs apontaram este fenômeno em “The third age: class, cohort or generation?”. Ageing and Society, Cambridge, v. 22, p. 371, 2002. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 18 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Autores como Guita Debert (1999) e Clarice Peixoto (2003) refutam a dimensão celebratória da teoria de Laslett, atentando para o perigo de que este conceito produza justamente concepções e padrões de en- velhecimento a serem seguidos, excluindo aqueles que não se enqua- drem nesta visão. As autoras também observam as motivações econô- micas embutidas muitas vezes nessas celebrações e no que poderia ser chamado de “positivação do envelhecimento” (ROSA, 2014). Nas últimas três a quatro décadas a força do modelo de juventude foi esmagadora, dado comprovado pelos números fornecidos não so- mente pela indústria relacionada às roupas mas também por cosmé- ticos, cirurgias plásticas, exercícios e ainda um novo mercado, focado na alimentação como inibidora do envelhecimento. É frequente o de- poimento, principalmente pelas mulheres, de que a chegada da meia- -idade coincidiu com um sentimento de fracasso na capacidade de ge- rar desejo (GOLDENBERG, 2011, p. 66-71; LYNCH, 2007, p. 150). Neste panorama principalmente duas formas se construiriam como veículos para a visibilidade do idoso: ou por sua inserção a este ciclo de busca de eterna juventude ou, assim como todos os demais cidadãos, por meio do consumo (ou mesmo pela conjugação de ambas). Esta realidade se faz particularmente poderosa no Brasil, no qual as tensões sociais operam uma clara distinção de tratamentos recebidos de acordo com o poder aquisitivo. A experiência de diferentes tratamentos por vendedores em lojas, dependendo de como estamos vestidos, faz-se particularmente forte em nosso país, no qual muitos pontos provenientes de atritos sociais ainda não foram totalmente resolvidos. O movimento de busca pela juventude, fazendo uso do mecanismo da moda, e da transformação corporal em vista deste ideal, transferiu para o indivíduo a responsabilidade por “parecer velho”. E, como a miríade Neste panorama principalmente duas formas se construiriam como veículos para a visibilidade do idoso: ou por sua inserção a este ciclo de busca de eterna juventude ou, assim como todos os demais cidadãos, por meio do consumo (ou mesmo pela conjugação de ambas). Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 19b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 de artifícios se ampliou enormemente, formou-se o conceito de que deter o processo de envelhecimento por meio destes é obrigatório, e não aliar-se a isso demonstraria preguiça e descaso. Uma sociedade tão pautada para uma estética jovem gerou, em úl- tima análise, distorções como as descritas pelas consultoras de ima- gem inglesas Trinny Woodall e Susannah Constantine9, que, em sua ti- pificação de estilos, classificaram a mulher que se agarra a uma ilusão de juventude usando as roupas de sua filha adolescente. Alguns auto- res inclusive cunharam um termo para descrever este comportamen- to: “adultescência”. Na outra ponta do espectro, esses valores geraram uma quase total invisibilidade da estética relacionada à idade avançada. Nas socieda- des tradicionais a roupa, tal como o sari indiano, o quimono, os ade- reços e a pintura corporal das tribos africanas, era elemento de inser- ção e pertencimento na comunidade. As transformações estéticas nas roupas ocorriam lentamente e não eram regidas pela lógica da novida- de. A roupa estava relacionada à posição dentro da comunidade e nin- guém buscava vestir-se de modo a aparentar algo, tentar, pela aparên- cia, operar uma transformação na leitura externa de seu Eu. No Ocidente, após o advento da moda, as roupas operaram um duplo movimento, sendo elementos de inserção social e distinção de classe por um lado, e também identificadores de individualidade, por outro. Vestir-se passou a significar fazer uma declaração sobre quem somos e enfatizar aquilo que nos distingue como indivíduos únicos. É justamente na confluência entre a valorização de valores aliados ao conceito de juventude e na busca pela construção de uma imagem de pertencimento à categoria da juventude que a moda constitui ele- mento importante no mosaico de complexidades para pensarmos o envelhecimento contemporâneo. Por trabalhar exatamente na inter- secção entre sociedade e individualidade, distinção e pertencimento (SVENDSEN, 2010, p. 137), a moda tende justamente a concentrar inúme- ras questões suscitadas por estas concepções. É inegável que o envelhecimento hoje se desenvolve de forma mui- to diversa de épocas anteriores; as teorias da terceira idade ou da visão de uma nova categoria de comportamento relacionado ao envelhecer, embora tragam perigos por seu potencial de cooptação pelo mercado, surgem também a partir da observação da realidade posta de que exis- tem novas formas de vivenciar o envelhecimento. 9 Trinny Woodall e Susannah Constantine são apresentadoras do programa “What not Wear” na rede de televisão inglesa BBC e escritoras de variados livros sobre o tema consultoria de moda. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 20 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 No campo da moda, a visão de que a terceira idade seria momento privilegiado para o exercício da criatividade e autonomia se torna pe- rigosa quando carrega consigo um modelo, um padrão de comporta- mento estético. Pois correríamos assim o risco de conceber, além de modelos de juventude, modelos de terceira idade que fossem enquadra- dos esteticamente, com isso empobrecendo possibilidades e experiên- cias variadas do exercício criativo que as roupas podem nos oferecer. As roupas e a moda sempre foram elemento privilegiado no proces- so de elaboração da individualidade (LIpOVETSKY, 2005, p. 39-49) e da so- ciabilidade. O exercício da moda torna-se elemento riquíssimo quando aberto ao processo de reinvenção de identidade e quando é peça inte- grante da celebração da vida, e isso só se dá quando a moda está aber- ta à diversidade e recusa a padronização. “O velhoé o novo novo?”10 Embora não seja um fenômeno restrito a este período11, nos últimos cinco anos o cenário da moda internacional têm assistido a um número cada vez maior de iniciativas com o objetivo de identificar e valorizar o estilo em um público acima de 60 anos. Em 2008 o nova-iorquino Ari Seth Cohen fundou o blog Advanced Style; nele, Cohen publica fotografias de senhoras nos mais diversos estilos. O sucesso do blog foi tão grande que este se desdobrou em um documentário homônimo lançado em 2014. E ainda, em 2013, o canal britânico Channel4 lançou o documentário Fabulous fashionistas, estrelado por mulheres com idade média de 80 anos. Além disso é perceptível o movimento na indústria de cosméticos de contratar para suas campanhas mulheres acima da faixa etária dos 50 anos. Como é o caso do recente anúncio da contratação da atriz Helen Mirren (69 anos) como embaixadora inglesa da empresa de cosméticos L’Oréal. Recentemente as atrizes Charlotte Rampling (68 anos) e Jessica Lange (65 anos) também foram contratadas respectivamente pelas marcas Marc Jacobs e Nars. Há cerca de 15 anos, outras atrizes haviam sido descartadas de empresas de cosméticos por atingirem a marca dos 40 anos12. Embora, obviamente, possamos localizar neste movimento que a indústria da moda e de cosméticos finalmente enxergou o potencial econômico desta fatia do consumidor, é necessário também observarmos um dado: a geração baby boomers que está hoje envelhecendo não quer ser vista como os idosos de outras gerações, uma vez que eles realmente viveram uma experiência geracional totalmente distinta. Sue 10 Frase da jornalista Alyson Walsh do jornal britânico The Guardian. No original: “... old is the new young?”. Disponível em: <http://www.theguardian. com/fashion/2014/oct/28/-sp- helen-mirren-for-loreal-has- the-beauty-industry-finally- wised-up>. Acesso em: 28 out. 2014. 11 O estilista japonês Issey Miyake já na década de 1980 introduziu o conceito em coleções usando modelos de variadas faixas etárias como a escultora Elizabeth Frink, na época com 55 anos. No Brasil o estilista Ronaldo Fraga apresentou, em sua Coleção Inverno 2009, um desfile com idosos e crianças. 12 Na década de 1990 a atriz Isabella Rossellini teria perdido o contrato com a empresa Lancôme quando fez 40 anos, por ser considerada muito velha, segundo a jornalista Alyson Walsh. Disponível em: <http://www.theguardian.com/ fashion/2014/oct/28/-sp- helen-mirren-for-loreal-has- the-beauty-industry-finally- wised-up>. Acesso em: 28 out. 2014. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 21b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Kreitzman, de 73 anos, uma das entrevistadas em Fabulous fashionistas, ilustra o repúdio à imagem tradicional do idoso ao afirmar: “... não use bege, isso pode te matar”. Um elemento permeia todas as entrevistadas, embora estas apresen- tem os mais diversos estilos pessoais: uma enorme satisfação no vestir e o fato de não usarem a moda com o objetivo de parecerem mais jo- vens. Em Advanced Style, Joyce Caparti, de 84 anos, declara: “Eu nunca desejei parecer mais jovem, o que eu quero é ter um visual maravilhoso”. Esta recente visibilidade do idoso na Europa e nos Estados Unidos pode ser também exemplificada pela proliferação de blogs de estilo dedicados especificamente a apresentar um público acima de 60 anos e na inclusão de imagens de pessoas nessa faixa etária em importantes sites de fotografia de moda de rua, como é o caso do site thesartorialist.com, do americano Scott Schuman, que frequentemente apresenta fotografias desse público. Também podemos ilustrá-la pelo aumento na demanda de modelos nessa faixa etária, mulheres que nunca antes atuaram como modelos, ou pelo aumento na notoriedade de modelos que antes já possuíam uma carreira em moda, como é o caso de Carmen Dell’Orefice, hoje com 83 anos. Carmen trabalhou em sua juventude com os mais prestigiados fotógrafos de moda do século XX, tais como Richard Avedon, Erwin Blumenfeld e Irwing Penn, porém a modelo relata que os últimos 20 anos têm sido os mais movimentados de sua carreira. Atenta a esta realidade, a prestigiosa universidade inglesa London College of Fashion organizou em outubro de 2013 o seminário “Mirror, mirror: representations and reflections on age and ageing” (“Espelho, espelho: representações e reflexões sobre idade e envelhecimento”). O evento agrupou desde blogueiros dedicados ao tema (como Ari Seth Cohen e Alyson Walsh13) até pesquisadores vindos da academia, como é o caso da Dra. Ros Jennings, diretora do Centro de Estudos sobre a Mulher, Envelhecimento e a Mídia e do programa de pós-graduação da Universidade de Gloucestershire, na Inglaterra, e também da Dra. Margaret Morganroth Gullette14, crítica cultural e autora de vários livros sobre o tema, entre eles Agewise: fighting the new ageism in America (2011). A conferência também contou com uma performance desenvolvida sobre o tema: “How do you see me?” (“Como você me vê?”), realizada com mulheres e homens acima de 50 anos. Durante a performance os participantes exploraram clichês relacionados à idade e à moda e dividiram com a plateia suas próprias experiências sobre envelhecimento, aparência e moda. 13 Jornalista do jornal britânico The Guardian e criadora do blog “That is not my age”. Disponível em: <http://thatsnotmyage. blogspot.co.uk/p/about.html>. Acesso em: 23 nov. 2014. 14 A Dra. Margaret Morganroth Gullette apresentou a palestra: “How (not) to shoot old people: changing the paradigms of portrait photography” (“Como [não] fotografar idosos: mudanças nos paradigmas do retrato fotográfico”). Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 22 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Nos Estados Unidos, torna-se cada vez mais popular o movimen- to de mulheres chamado “Red Hat Societies” (“Clubes do Chapéu Ver- melho”) (LYNCH, 2007, p. 144). Fundado em 1997 por Sue Ellen Cooper, o movimento teve início quando sua fundadora comprou um chapéu vermelho durante as férias e, a partir da liberdade e graça que sentiu ao vesti-lo, resolveu presentear uma amiga com o item, acompanha- do do poema “Warning”15, de Jenny Joseph: Quando for uma mulher velha eu usarei roxo, com um chapéu verme- lho que não vai combinar. Gastarei toda a minha pensão em brandy e luvas para o verão e direi que não temos dinheiro para manteiga. Senta- rei na calçada quando estiver cansada (…). Sairei de chinelos na chuva. Colherei flores dos jardins de outras pessoas. Aprenderei a cuspir (...). Não somente a inspiração do chapéu vermelho serve hoje à socie- dade que se organiza em mais de 36.000 clubes, com cerca de 850.000 membros (LYNCH, 2007, p. 145), mas principalmente a atitude libertá- ria dada às mulheres no poema. Sua autora, a inglesa Jenny Joseph, não poderia prever quando o escreveu, aos 29 anos, que este seria elei- to, em uma pesquisa realizada pela BBC na Inglaterra, em 1996, como o mais conhecido poema escrito no pós-guerra. Nos encontros dos membros dos Clubes do Chapéu Vermelho suas participantes vestem orgulhosamente seus chapéus vermelhos com itens de vestuário em roxo e marcam suas reuniões em restaurantes e bares, enfatizando a dimensão social de sua atividade. Os depoimentos colhidos a partir de membros dos clubes apontam dois fatores prin- cipais oferecidos pela atividade: a satisfação colhida por elas no que se configura como uma reconquista de uma visibilidade social, e tam- bém o enaltecimento de um novo processo de envelhecimento, como ilustra a frase de uma das participantes: “Velho, cabelos brancos não se aplica mais... Nós estamos mudando esta atitude” (LYNCH, 2007, p. 148). Vivemos na contemporaneidade um momento único na história da moda. Se por um lado temos a presença maciça da informação de moda, o fast fashion16 e uma quantidade desconcertante de informa- ções (e de propagandas e incentivo aoconsumo), temos uma liberdade de estilos nunca antes vista. Qualquer indivíduo que tenha vivido par- te do século XX na idade adulta pode se recordar de como as décadas tinham mais ou menos uma feição: reconhecíamos as roupas dos anos 1950, 1960, 1970 e 1980 por sua aparência. Realidade que criava de for- ma muito mais palpável a sensação do estar fora de moda. A partir dos 15 Poema no original: When I am an old woman i shall wear purple With a red hat which doesn’t go, and doesn’t suit me. And I shall spend my pension on brandy and summer gloves And satin sandals, and say we’ve no money for butter. I shall sit down on the pavement when I’m tired And gobble up samples in shops and press alarm bells And run my stick along the public railings And make up for the sobriety of my youth. I shall go out in my slippers in the rain And pick the flowers in other people’s gardens And learn to spit You can wear terrible shirts and grow more fat And eat three pounds of sausages at a go Or only bread and pickle for a week And hoard pens and pencils and beermats and things in boxes But now we must have clothes that keep us dry And pay our rent and not swear in the street And set a good example for the children. We must have friends to dinner and read the papers. But maybe I ought to practice a little now? So people who know me are not too shocked and surprised When suddenly I am old, and start to wear purple. 16 O termo fast fashion é comumente utilizado para designar uma moda rápida, barata e de curta duração. Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 23b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 anos 2000, com a globalização e a disseminação da informação ainda maior com o advento da internet, temos vários estilos ao mesmo tem- po. Na definição do antropólogo americano Ted Polhemus, vivemos hoje um verdadeiro “Supermercado de Estilos” (pOLHEMuS, 1994), mis- turando referências diversas como quem colhe produtos das pratelei- ras dos supermercados, e será necessário olhos muito treinados para, daqui a alguns anos, reconhecer a diferença nas roupas de 2002 e 2012. Isso nos dá uma liberdade que deve ser utilizada de forma construti- va. Por mais que enxerguemos o perigo das motivações econômicas por detrás da celebração ao redor das teorias da terceira idade, é inegável que esteja em curso um modo de envelhecer diferente de outros perío- dos. Faz-se necessário com urgência que a representação social do idoso neste âmbito ganhe espaço e acompanhe este novo modo de envelhecer. Por naturalmente se propagar por imagens, a moda faz-se elemento crucial para criar esta visibilidade que somente se dará de forma cons- trutiva e inclusiva quando abraçar a diversidade, optando por exaltar o diverso, o multifacetado e o incomum em vez de padrões definidos de estilo, de corpos e de modelos de beleza. A moda nos oferece a pos- sibilidade de empreendermos o trabalho de elaboração necessário às várias etapas de nossas vidas, então por que desperdiçar esta oportu- nidade procurando por padronizações? Artigo 1 O envelhecimento e a moda: tecendo reflexões 24 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALDINI, Massimo. A invenção da moda: as teorias, os estilistas, a história. Lisboa: Edições 70, 2006. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BELL, Julian. Uma nova história da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e política. 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Ana Cristina Soares Melo Acadêmica do Curso de Psicologia da Faced – Sociedade Dom Bosco de Educação e Cultura do Ano de 2013 27b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 28 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 abstract This article was written aiming at understanding the effects of aging on the elderly based on theoretical background in gerontology and human development. It especially focuses on the impact of social groups formed by older people on its participants and how these groups contribute to maintaining their health. It also analyzes how such groups influence the social, physical and psychological environments around them. The analysis showed that these social groupsencourage their members to establish new affection bonds and qualify the previous ones they already had. The social interaction modifies the individuals involved, develops their potentialities, besides being an important means of tackling the challenges at this stage of life. It improves resilience and maintenance of adaptive behavior, and may provide considerable stability and self-esteem. The study has shown that these groups are tools that give the individuals opportunities to develop a better subjective quality of life in old age, encouraging them to have a healthier social life, developing their general knowledge about culture, their feeling of usefulness within their families and social relationships, allowing seniors to have more control over their own lives. Besides providing leisure time, the social groups allow the people who integrate them the opportunity to redeem values as human beings, to construct new social identities, changing their expectations at this time in life. Keywords: aging; health; social groups. Resumo O presente artigo, com base em referencial teórico em gerontologia e acerca do desenvolvimento humano, busca compreender os efeitos do envelhecer sobre o idoso. Atenta principalmente no que se refere aos grupos sociais que voltam sua atenção para a condição do idoso e como esses grupos contribuem para a manutenção da saúde dessa faixa etária. Analisa também como estes influenciam nos impactos sociais, físicos e psicológicos. Com esse estudo se verificou que os grupos sociais promovem a seus integrantes o estabelecimento de novos laços afetivos e a qualificação dos antigos. A convivência social modifica os envolvidos, desenvolve potencialidades, além de ser um importante veículo para o enfrentamento dessa fase da vida, melhorando a capacidade de recuperação e manutenção do comportamento adaptativo e podendo apresentar considerável estabilidade e autoestima. Os grupos são ferramentas que possibilitam ao sujeito uma melhor qualidade de vida subjetiva na velhice, estimulando uma vida social mais sadia, desenvolvendo a cultura, o sentimento de utilidade nas relações familiares e sociais. E permitindo aos idosos ter mais controle sobre suas vidas. Além de propiciar momentos de lazer, os grupos sociais possibilitam ao sujeito que os integra a oportunidade de resgatar valores como ser humano e de construir novas identidades sociais, alterando assim as expectativas em torno desse momento da vida. Palavras-chave: envelhecimento; saúde; grupos sociais. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 29b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 INTRODUÇÃO As questões que cercam a condição do idoso no Brasil são, mais do que uma preocupação brasileira, uma preocupação social mundial (BORGES ET AL., 2008). O aumento da população idosa expõe de forma clara o despreparo da atual sociedade para acolher essa grande faixa da população, que vem crescendo de maneira considerável e intensamente expressiva no que concerne ao impacto na produtividade e nos custos sociais. Refletindo ainda na ordem do consumo dessas pessoas que chegam à chamada terceira idade, tendo sua condição monetária bastante comprometida por um sem-número de variáveis (LADISLAu, 2002). É comum chegar-se à velhice defrontando-se, para além do desgaste físico natural, em grande parte das vezes, com o preconceito, a pobreza e um sentido de desconforto social. Desconforto que se corporifica por meio das estratégias sociais que buscam camuflar os problemas que rondam a velhice, na vã tentativa de ocultar as dificuldades que a sociedade tem para tratar esses mesmos problemas com interesse, atenção e lucidez. A sociedade cria nomes, apelidos, eufemismos para driblar seu próprio desconforto diante da velhice: melhor idade, terceira idade, idoso. Nenhum destes termos exprime ou resume o que é fazer-se velho (LADISLAu, 2002). Como, verdadeiramente, se pode nomear essa vivência dos anos senão de velhice? Com o avançar dos anos, ocorre progressiva perda de recursos sociais, físicos e mentais que convergem ao despertar de um sentimento de desamparo. É o tempo em que o indivíduo pode se mostrar indefeso, impotente, com dificuldades para enfrentar o cotidiano, tomar decisões sobre seus próprios problemas. Seja diante de seus familiares ou do universo social (uCHÔA, FIRMO & LIMA-COSTA, 2002). Este estudo buscou entretecer as perspectivas acerca dos grupos sociais, considerando o efeito que as atividades características desses grupos oferecem aos idosos que ali se encontram. Com o olhar debruçado sobre os aspectos da convivência, a troca de experiências, a diminuição da solidão que contribui para alicerçar ou não o descompromisso da sociedade, que criam para os velhos um nicho apartado da realidade social (RIZZOLI & SuRDI, 2010). Não se pretende, porém, esvaziar todos os impasses propostos por esse questionamento, mas sim dar livre curso ao exame dos aspectos que o compõem. Entendendo que tanto para a Psicologia quanto para as demais áreas da saúde e áreas sociais, a Gerontologia surge como uma Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 30 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 área nova de conhecimento, que se formou a partir do entendimento de que o envelhecimento não perpassa apenas os aspectos físicos do ser humano, mas também os aspectos psíquico e social (CARDOSO, 2002). Na Psicologia desenvolvida no Brasil, há pouca produção sistemática, contínua e específica sobre a velhice, e nesse campo nascente inexiste ainda a construção de um conjunto teórico, tal como os que existem em torno dos desenvolvimentos da infância e da adolescência (CARDOSO, 2002). Diante das proposições, foram analisados os efeitos dos grupos sociais sobre a vida dos velhos, suas implicações, buscando mais profunda compreensão sobre os benefícios do envolvimento destes nos grupos que os acolhem. CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO Nas últimas décadas, o mundo passa por expressivo envelhecimento demográfico e atravessa a “Era do Envelhecimento” segundo a Organização das Nações Unidas (ONu), que considera o período composto dos anos 1975 a 2025. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1970, cerca de 4,95% da população brasileira era de idosos, porcentual que pulou para 8,47% na década de 1990 com expectativa para alcançar 9,2% em 2010. Segundo dados apresentados pelo IBGE (2012), o país tinha 21 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. As estimativas para os próximos 20 anos são de que a população acima de 60 anos passará dos atuais 22,9 milhões (11,34% da população) para 88,6 milhões e a expectativa média de vida do brasileiro deverá aumentar de 75 anos para 81 anos. Esse aumento acelerado da população idosa ocasiona impacto para diversos setores da sociedade e precisa ser discutido visando a um enfrentamento adequado de suas consequências (BORGES ET AL., 2008). Travar fronteiras com o envelhecimento da população é fato novo no panorama populacional brasileiro. Emerge junto a isso a necessidade de alteração nos recursos sociais e principalmente culturais dessa população que envelhece. Como apontam Miguel e Fortes (2005), em face dessa realidade, não há outro caminho senão investir em programas de atenção aos idosos. O mundo está envelhecendo e o Brasil não está isento dessa realidade. De um modo ou outro, todos terão a chance de conviver com um ou mais idosos em suas famílias. Necessário se faz que mudanças ocorram na maneira de pensar e tratar a velhice, buscando formas consistentes 4,95% da população brasileira era de idosos, porcentual que pulou para 8,47% na década de 1990 com expectativa para alcançar 9,2% em 2010. No Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1970 cerca deArtigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 31b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 para um envelhecimento bem-sucedido, entendendo que sociedade, Estado e, mais expressivamente, a família têm o comprometimento moral de engajar-se nessa paisagem que se apresenta. POSSÍVEIS FACES DA VELHICE Segundo Beck, Gonzáles e Colomé (2003), o envelhecimento é um processo cumulativo, irreversível, universal, não patológico, de deterioração de um organismo maduro e que pode incapacitar o indivíduo para o desenvolvimento de algumas atividades. O que se depreende desta descrição é que ela compõe bem o conceito de senescência1 (diferentemente de senilidade2), marcada por aspectos biológicos que se fazem através do tempo com intensidade variável de pessoa para pessoa, mas universalmente característica. O envelhecimento não ocorre aos saltos, faz-se de maneira gradual, ao sabor dos anos. Atingindo a todo e qualquer um que permaneça ao longo de suas muitas idades, do nascimento à morte. A capacidade de a pessoa readaptar-se às mudanças físicas, sociais e emocionais reflete na sua saúde psicológica, garantindo, assim, um envelhecimento bem- sucedido (MIGuEL & FORTES, 2005). O envelhecimento mostra-se cada vez mais presente nas famílias, esteja o idoso ou não sob o mesmo teto que os familiares. De acordo com Schons e Palma (2000), a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005) pontua que família “é o núcleo primário, promotor do suporte emocional, social e psicológico inevitável e indispensável”. E completam dizendo que a família é o grupo insubstituível no qual o idoso deve permanecer o maior tempo possível, pois representa para ele a provedora fundamental e, às vezes, sua única referência, além da possibilidade de manutenção da sua autoestima, pois, ao participar da vida familiar, com filhos, netos e demais, ele se sente vinculado com o mundo. Porém, muitos idosos conduzem suas vidas sozinhos, seja por opção ou por circunstâncias mais adversas que os levam a essa condição. Muitos conservam a autonomia, outros, no entanto, veem-se sós em seus lares e são acometidos por sentimentos de solidão e abandono, com a sensação de afastamento social. Mesmo aqueles inseridos em suas famílias podem atestar o distanciamento entre os interesses das diferentes gerações dos membros dentro de seus lares. Como resultado, veem-se forçados a adequar-se aos mais jovens, abrindo mão de seus hábitos e de sua autonomia. 1 Processo natural de envelhecimento no nível celular ou conjunto de fenômenos associados a este processo. 2 Caracteriza-se por um declínio gradual ou no funcionamento de todos os sistemas do corpo. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 32 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 De acordo com Uchôa, Firmo e Lima-Costa (2002), o envelhecimento é vivido de modo diferente de um indivíduo para outro, de uma geração para outra e de uma sociedade para outra. Envelhecer, no imaginário social, significa sofrimento, solidão, doença e morte. Dentro dessa conceituação da velhice, não se observa prazer em viver essa fase da vida. Minayo e Coimbra (2002) afirmam que no imaginário social a velhice sempre foi pensada como uma carga econômica, tanto para a família quanto para a sociedade, e como uma ameaça à mudança. Depreende- se daí que, num mundo onde a novidade, a estética e a produtividade se associam, não pode haver lugar para o que expõe a finitude. VELHICE BEM E MALSUCEDIDA Todas as experiências humanas têm referencial no corpo. Sentir alegria, tristeza, medo, prazer, inveja, rejeição ou amor reflete no funcionamento corpóreo e no conjunto das reações de todo ser humano. O envelhecimento, sendo parte do cenário natural da vida, é um estágio com mudanças físicas, psíquicas e sociais peculiares a cada indivíduo. Naturalmente, a velhice é a última fase do período da existência. As mudanças físicas, psíquicas e sociais conduzem à modificação da imagem que a pessoa tem de si mesma e difere de um indivíduo para outro. Cada qual com seu ritmo próprio de envelhecimento orgânico e enfrentamento diante das mudanças que surgem. Não se pode esquecer de que as alterações que ocorrem estão associadas aos determinantes hereditários e às influências do meio ambiente. As mudanças físicas, psíquicas e sociais conduzem à modificação da imagem que a pessoa tem de si mesma e difere de um indivíduo para outro. Cada qual com seu ritmo próprio de envelhecimento orgânico e enfrentamento diante das mudanças que surgem. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 33b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Segundo Cardoso (2002), envelhecer é aceitar o inaceitável, isto é, aceitar a perda gradual das funções orgânicas, sociais e psicoemocionais. Quando se fala em idosos, a individualidade e suas variáveis estão presentes. A idade orgânica, o sexo, as características hereditárias, o grau de instrução, a condição social, a cultura e a profissão, entre outros pormenores, dão o aspecto único que cada indivíduo possui. Notadamente não há padrão para o envelhecimento, sendo processual e gradativo; para alguns é lento e para outros é mais rápido. Está ligado a muitos fatores, como causas orgânicas e externas (tipo de profissão, estresse, exposição a um sem-número de fatores ambientais). O amadurecimento e todas as mudanças são sentidos de forma variável de indivíduo para indivíduo; dependem do estilo de vida de cada um. Os gregos chamavam a mudança de compreensão de um determinado conceito ou sentimento, de “metanoia”3, mudança de maturidade (CARDOSO, 2002). É isso que essencialmente deve ocorrer ao longo das muitas idades do homem. Além do processo biológico, a re-conceituação é necessária para compreensão dos processos da vida. Experimentar todas as alterações advindas do desgaste das funções corpóreas e as alterações decorrentes dos traumas impostos ao longo da existência determina ao ser humano ressignificar muitos de seus conceitos e posicionamentos diante da vida. É justamente essa ressignificação que decidirá uma velhice bem ou malsucedida; assumir, de um modo ou de outro, a nova imagem corporal, preservando as anteriores, ciente da finitude do ciclo vital. Privilegiando o arcabouço da experiência vivida. Bruns chama a atenção para esse reconhecimento da velhice de cada um: É imprescindível aprender a conviver com a incontrolável realidade humana que é o envelhecimento. Ao conquistar esse modo de ser se- remos capazes de ressignificar o “vazio” que habita a alma humana, na trajetória entre o nascer e o morrer, nesse espaço a que chamamos vida. Poderemos compreender que somos seres finitos (BRUNS, 2002, p. 54). Deve-se ainda considerar que é importante para conviver com o processo de envelhecimento aceitá-lo como condição existencial, entendendo que só envelhece quem teve o privilégio de viver todas as fases4 e de não morrer quando criança ou quando jovem. 3 Processo potencialmente produtivo de mudança do próprio pensamento. 4 Mudanças dos aspectos sucessivos de um fenômeno de evolução. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 34 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 INTERAÇÕES SOCIAIS DOS IDOSOS A velhice não é um fragmento da existência humana e deve ser entendida como parte do continuum da existência A marginalização do idoso ocorre em todas as esferas, tanto na doméstica quanto em outros espaços sociais. No que concerne à sociedade e suas exigências estruturais, Ladislau (2002) atesta que essa ocorrência é consequência do modelo concentrador de renda e de oportunidade de trabalho, em que o “novo” se sobrepõe ao “velho” no sentido da inutilidade social. Bosi (1987) aponta que a noção que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de gerações. O idoso, apóslongos anos de trabalho, “herda” o chamado tempo livre. Mas chega a esse estágio menosprezando atividades de lazer, largamente influenciado pela supervalorização do trabalho. Estabelece- se aí a contradição que se verifica entre o tempo disponível, fruto da aposentadoria, e a prática efetiva do lazer. Porém, como não se encaixa em nenhum nicho5 das necessidades da sociedade, é posto à margem. As relações sociais que determinam a vida humana estão circunscritas à ordem social. Erbolato (2001) afirma que os relacionamentos sociais são interações frequentes, com determinada durabilidade e padrão. Não se resumem à soma de interações, mas estabelecem um sistema diferenciado que modifica os envolvidos. No decorrer do envelhecimento, mudanças fisiológicas, psicológicas e sociais vão se fazendo e influenciam de modo decisivo o comportamento da pessoa idosa. Essas alterações, porém, não comprometem o conhecimento adquirido ao longo dos anos. A história e bagagem vivencial do idoso são tão importantes quanto em qualquer idade. As relações com a família e outros grupos devem ser promovidas para o exercício do afeto, do desenvolvimento das potencialidades que não se apagam com o avançar dos anos, evitando assim o isolamento e a inatividade. Capitanini (1993) evidencia que acreditar que o retraimento e o afastamento nas relações sociais são processos naturais para todos os idosos seria o mesmo que considerar esperado que as pessoas deixem de se socializar. Sendo que não ter amigos ou não se relacionar socialmente por opção é um comportamento individual que pode acontecer em qualquer faixa etária. De acordo com a Teoria da Seletividade Socioemocional, a redução na amplitude da rede de relações sociais e na participação social na velhice reflete na redistribuição ativa de recursos socioemocionais pelos idosos em virtude da mudança em sua perspectiva de tempo futuro (pASCHOAL, FRANCO & SALLES, 2007). 5 Espaço, porção específica, buraco. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 35b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 A imagem do idoso necessita mudar e lentamente vem se modificando diante dele próprio e da sociedade, em razão do avanço das tecnologias na área da saúde, proporcionando elevação da expectativa de vida. Consequência disso é que o idoso na cena contemporânea é influenciado por hábitos saudáveis. Entende que seu bem-estar está associado a fatores físicos e mentais e busca exercitar mente e corpo. Engajar-se em atividades sociais desenvolvidas em grupo representa aspecto diferencial no rumo da vida. Os sentimentos de utilidade, de identificação com os desejos, valores e expectativas do grupo, e de inserção e realização pessoal favorecem a vivência de um estado de plenitude que possibilita ao idoso um reforço de seu sentido existencial, ajudando-o a perceber o futuro como uma história em aberto, em construção e, consequentemente, com muitas possibilidades de ação (MIGuEL & FORTES, 2005). BREVE HISTÓRICO DOS GRUPOS DE CONVIVÊNCIA Em seu artigo “Política Nacional do Idoso”, Rodrigues (2001) traça o percurso histórico do surgimento dos grupos de convivência voltados para a terceira idade. Delineia desde as primeiras leis aprovadas pelo Congresso Nacional brasileiro em favor desse estrato social, passando pelas primeiras experiências das entidades privadas interessadas no tema até os moldes de atenção que se estabelecem nos dias de hoje. Nesse percurso é possível perceber que os olhares se voltam para a terceira idade a partir da década de 1970, quando aí surge um número significativo de idosos em nossa sociedade, causando um despertar para a questão social do idoso. Em 1976 seminários foram realizados A imagem do idoso necessita mudar e lentamente vem se modificando diante dele próprio e da sociedade, em razão do avanço das tecnologias na área da saúde, proporcionando elevação da expectativa de vida. Consequência disso é que o idoso na cena contemporânea é influenciado por hábitos saudáveis. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 36 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 em algumas capitais estaduais buscando um diagnóstico para a questão da velhice em nosso país e apresentar as linhas básicas de uma política de assistência e promoção social do idoso (RODRIGuES, 2001). Inaugura- se a atenção das políticas nacionais de saúde em favor da chamada terceira idade no Brasil. No decorrer das décadas seguintes, impulsionadas pelo antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INpS), foram elaboradas políticas públicas que criaram programas de assistência social aos idosos os quais culminariam nos modelos de atenção existentes, que se concentram, em grande parte, naquela atenção oferecida pelo terceiro setor, ou seja, organizações privadas, sem fins lucrativos, desempenhando ações de caráter público (RODRIGuES, 2001). Rodrigues pontua ainda que: Em nível federal, estadual e municipal, há muito que dizer das entida- des privadas. Há inúmeros serviços, associações de idosos, entidades congregando aposentados (associações e federações), centros de con- vivência, grupos de convivência em paróquias de credos religiosos di- ferentes, em associações comunitárias, filantrópicas, etc. (RODRIGuES, 2001, p. 150). Ainda de acordo com a autora, muitos dos programas governamentais empenhados na assistência aos idosos fracassaram e outros alcançaram êxito. Porém, o que marca a ação governamental é a descontinuidade dos serviços na área. Tanto usuários quanto servidores ficam à deriva quando os programas são cancelados sem explicação. Ao longo dos últimos 50 anos (desde 1963), o Serviço Social do Comércio – Regional São Paulo (Sesc-SP) apresenta-se como exemplo de continuidade, interesse, eficácia e preparação de profissionais na Gerontologia: [...] precursor de todas as ações de atenção ao idoso, no país, e que ao longo destes últimos anos vem prestando inegável contribuição à cau- sa da velhice, não somente na implantação de novos modelos de aten- dimento à população idosa, como no aperfeiçoamento de profissio- nais na área da Gerontologia Social e sensibilização dos diferentes setores da comunidade para a questão social do envelhecimento (RO- DRIGuES, 2001, p. 153). Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 37b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Vale considerar que, mesmo de forma estratificada e, em muitos momentos, intermitente, a ação governamental foi fundamental para a estruturação dos grupos de convivência para a terceira idade conhecida hoje. IMPACTO DOS GRUPOS SOCIAIS NA SAÚDE DO IDOSO Miguel e Fortes (2005) afirmam que o grupo da terceira idade, como opção do próprio idoso, é de grande valor para a manutenção de uma velhice mais saudável, pois: Altera positivamente as expectativas e perspectivas em torno desse momento da vida. Traz novo sentido por romper os paradigmas da sensação de inutilidade, auxiliando no processo de promoção de sua autoestima e, consequentemente, na sua integração no seio familiar, resgatando valores como ser humano (MIGuEL & FORTES, 2005, p. 76). Para Rizzoli e Surdi (2010) os grupos servem como ferramenta de “laços simbólicos de identificação, onde é possível partilhar e negociar os significados da velhice”, e que possibilitam a estruturação de novos modelos, paradigmas de envelhecimento e construção de novas identidades sociais. Esses grupos, para além dos aspectos sociais, contribuem para o exercício da independência e autodeterminação, funcionam como rede de apoio para o movimento na busca de autonomia e sentido para a vida. Del Pozzo (2001) afirma que a participação em grupos de convivência (grupos de terceira idade) torna a vida mais proveitosa em virtude das trocas que ali se estabelecem e das experiências compartilhadas, e diz ainda que: [...] o frequente contato com outrosidosos em idênticas situações per- mite que ele perceba que todos têm dificuldades, mas, apesar disso, continuam firmes na luta. Ele troca os antigos muros isoladores por amplas e luminosas janelas, pois agora ele quer ver o mundo, há novas possibilidades, surgem novos amigos, companheiros de jornada e de trincheira (DEL pOZZO, 2001, p. 21). Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 38 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 O preconceito com relação à velhice está também assentado na visão que o velho tem de si mesmo; paradoxalmente, o velho quer viver mais, mas tem medo da velhice. Justifica seu temor incorporando ideias negativas a seu respeito, isolando-se e conformando-se com sua situação, contrário a qualquer mudança, receoso de que isso possa piorar sua condição de vida. Como a velhice é uma etapa muito delicada da vida, que pode vir repleta de obstáculos e novas experiências, o idoso fica confuso e muitas vezes deprimido. Não entende as mudanças à sua volta, o que se passa com seu corpo e sua inteligência. Sem encontrar soluções, ele se refugia, isolando-se. Rizzoli e Surdi (2010) postulam que nos grupos se criam estratégias de sociabilidade que permitem ao idoso tecer novas relações sociais e fugir desse isolamento. Também a velhice traz a sabedoria, que envolve características motivacionais e emocionais, que é uma manifestação da inteligência prática e dos mecanismos de seleção, otimização e compensação (pASCHOAL, FRANCO & SALLES, 2007). Junto da sabedoria deve-se elucidar também sobre a “resiliência individual”, que são recursos adaptativos, chamados de mecanismos de autorregulação que se mantêm intactos na velhice, mas dependem também dos recursos da personalidade (pASCHOAL, FRANCO & SALLES, 2007). A saúde na velhice, comprometida por doenças que atuam em comorbidade (hipertensão, diabetes, etc.), encontra auxílio de qualidade para sua manutenção dentro dos grupos de convivência. As atividades físicas, ali exercidas e estimuladas, auxiliam para a sua funcionalidade. É importante que o idoso se mantenha ativo. Os grupos cumprem esse papel de incitá-lo ao “movimento”, potencializando sua funcionalidade e socialização (RIZZOLI & SuRDI, 2010). Como a velhice é uma etapa muito delicada da vida, que pode vir repleta de obstáculos e novas experiências, o idoso fica confuso e muitas vezes deprimido. Não entende as mudanças à sua volta, o que se passa com seu corpo e sua inteligência. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 39b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 Pessoas idosas podem exercer funções úteis e significativas na família e na comunidade. De acordo com Melo (1995), não se pode afastá- las de suas atividades exercidas ao longo dos anos de existência, nem privá-las do contato com o novo, visto que abandonar antigos papéis, desempenhar com eficiência os novos que surgem é uma tarefa saudável, podendo alterar os já conhecidos num processo de salutar adaptação – peculiaridade do ser humano: livre e inteligente (MELO, 1995). Ampliar a visão do idoso quanto à sua capacidade de fazer suas coisas, ter controle sobre sua vida, fazer projetos para o futuro, colaborar nas atividades rotineiras da família é manter sua esperança na velhice. É preciso, de modo expressivo, considerar a eficácia terapêutica dos grupos sociais. Não se pode negar seu benefício. Dentro dos grupos, os idosos compreendem que podem se livrar da sensação de estarem apartados da sociedade, encontrando um “novo” lugar dentro de suas famílias e sociedade. Mediante as novas possibilidades vislumbradas dentro de um grupo social, tornam-se cientes do sentido pejorativo que atribuem à velhice. Não aceitando mais esse menosprezo, essa conotação absurda e desumana, livrando-se dos preconceitos que os cercam. Os grupos sociais que incluem também os grupos de terceira idade prestam um serviço que, mais do que social, é humano. Integram em si a possibilidade da revisão de valores e do reconhecimento de pessoas que buscam manterem-se dignas, respeitadas, ativas, colaboradoras, ca- pazes, vivas. Contribuem para a compreensão da velhice como apenas mais uma fase da vida, seja ela ou não a fase final. Apenas mais uma etapa. Partilham dentro deles a ideia de que, apesar de viverem dentro de uma sociedade que privilegia a satisfação de seus interesses mais imediatos, para realização de suas próprias ambições, o idoso pode e deve lutar para manter seu lugar e destacar-se nele. Lugar esse que é legitimamente seu. Ampliar a visão do idoso quanto à sua capacidade de fazer suas coisas, ter controle sobre sua vida, fazer projetos para o futuro, colaborar nas atividades rotineiras da família é manter sua esperança na velhice. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 40 b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 CONCLUSÃO Diante de todo o percurso feito no estudo, entende-se que os grupos exercem papel de expressiva importância na vida dos idosos. Possibilita- lhes encontrar estímulo para uma vida social mais sadia, desenvolver sua cultura e ter momentos de lazer. Encontram dentro dos grupos a compreensão para a sua necessidade de manterem-se ativos, independentes por tanto tempo quanto possível, se o apoio adequado lhes for proporcionado. Esses aspectos apontam para um reconhecimento por parte do idoso sobre melhoria na autoestima, aceitação na sociedade, compreensão das lições aprendidas e partilhadas nos grupos. Lições de cidadania, de participação, contribuição para o bem comum. Num espaço que lhes propicia sentirem-se recompensados e valorizados por sua bagagem existencial; vivenciando o encontro com o outro que difere de si, mas em circunstâncias que os aproximam diante dos aspectos vivenciais que compartilham. A atuação nos grupos aponta para a multidimensionalidade do ser humano e de suas relações em qualquer estágio da vida, seja a infância ou a velhice. Teixeira (2002) corrobora essa percepção quando expõe que o apoio social é um processo recíproco, ou seja, gera efeitos positivos ao sujeito que recebe e também a quem oferece o apoio, permitindo aos envolvidos nele ter mais sentido de controle sobre a vida. Esse processo só se dá no conjunto de uma rede de relações responsável pelo atendimento das necessidades do indivíduo, para lidar com situações decorrentes de sua vida. O convívio em grupos que abarcam a terceira idade cria espaços onde, por excelência, desenvolvem-se práticas sociais que contribuem para o papel de cidadão por parte do idoso, além de propiciar-lhe a efetivação de laços de amizade, momentos de lazer e muitos outros aspectos que positivam o bem-estar do sujeito. Fomentam a mais básica necessidade do ser humano, a necessidade de socialização. Possibilitam o empoderamento desses indivíduos, trazendo mudanças significativas nas relações estabelecidas por eles. Criam laços afetivos e carregam a possibilidade da melhoria dos laços já existentes, melhoram o humor e o autocuidado. Como ferramenta social, o grupo atende ao papel que se propõe: o da socialização (socialização que parte da família para o todo das relações humanas externas a ela), e expande sua eficácia na subjetividade dos idosos que dele se beneficiam. Artigo 2 Grupos sociais: instrumento na manutenção da saúde do idoso? 41b Estudos sobre Envelhecimento Volume 25 | Número 61 Novembro de 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, C. L. C.; GONZÁLES, R. M. B.; COLOMÉ, C. S. Os desafios impostos pelo processo de envelhecimento humano. Revista Técnico Científica de Enfermagem, Curitiba, 1 (2): p. 122-126, mar.-abr. 2003. BORGES, P. L. C.; BRETAS, R. P.; AZEVEDO, S. F.; BARBOSA, J. M. M. Perfil dos idosos frequentadores de grupos de convivência em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 24 (12): p. 2.798-2.808, dez. 2008.
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