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O que é e o que faz a Semiolinguística Coleção O que é e o que se faz? volume 5 Reitor José Daniel Diniz Melo Vice-Reitor Henio Ferreira de Miranda Diretoria Administrativa da EDUFRN Maria das Graças Soares Rodrigues (Diretora) Helton Rubiano de Macedo (Diretor Adjunto) Bruno Francisco Xavier (Secretário) Conselho Editorial Maria das Graças Soares Rodrigues (Presidente) Judithe da Costa Leite Albuquerque (Secretária) Adriana Rosa Carvalho Alexandro Teixeira Gomes Elaine Cristina Gavioli Euzébia Maria de Pontes Targino Muniz Everton Rodrigues Barbosa Fabrício Germano Alves Francisco Wildson Confessor Gleydson Pinheiro Albano Gustavo Zampier dos Santos Lima John Fontenele Araújo Josenildo Soares Bezerra Ligia Rejane Siqueira Garcia Lucélio Dantas de Aquino Marcelo de Sousa da Silva Márcia Maria de Cruz Castro Márcio Dias Pereira Martin Pablo Cammarota Nereida Soares Martins Roberval Edson Pinheiro de Lima Samuel Anderson de Oliveira Lima Tatyana Mabel Nobre Barbosa Secretária de Educação a Distância Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Secretária Adjunta de Educação a Distância Ione Rodrigues Diniz Morais Coordenadora de Produção de Materiais Didáticos Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Coordenação Editorial Mauricio Oliveira Jr. Gestão do Fluxo de Revisão Edineide Marques Gestão do Fluxo de Editoração Mauricio Oliveira Jr. Conselho Técnico-Científico – SEDIS Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo – SEDIS (Presidente) Aline de Pinho Dias – SEDIS André Morais Gurgel – CCSA Antônio de Pádua dos Santos – CS Célia Maria de Araújo – SEDIS Eugênia Maria Dantas – CCHLA Ione Rodrigues Diniz Morais – SEDIS Isabel Dillmann Nunes – IMD Ivan Max Freire de Lacerda – EAJ Jefferson Fernandes Alves – SEDIS José Querginaldo Bezerra – CCET Lilian Giotto Zaros – CB Marcos Aurélio Felipe – SEDIS Maria Cristina Leandro de Paiva – CE Maria da Penha Casado Alves – SEDIS Nedja Suely Fernandes – CCET Ricardo Alexsandro de Medeiros Valentim – SEDIS Sulemi Fabiano Campos – CCHLA Wicliffe de Andrade Costa – CCHLA Revisão Linguístico-textual Edineide Marques Fabíola Gonçalves Revisão de ABNT Edineide Marques Revisão Tipográfica Maria das Graças Soares Rodrigues Diagramação Marina Santos Diagramação Victor Hugo Rocha Silva O que é e o que faz a Semiolinguística Coleção O que é e o que se faz? volume 5 Prefácio Ana Lúcia Tinoco Cabral Rivaldo Capistrano Júnior Maria das Graças Soares Rodrigues Lúcia Helena Martins Gouvêa Maria Aparecida Lino Pauliukonis Rosane Santos Mauro Monnerat Organizadores Natal, 2023 Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN | Brasil e-mail: contato@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br Telefone: 84 3342 2221 Gouvêa, Lúcia Helena Martins. O que é e o que faz a Semiolinguística [recurso eletrônico] / organizado por Lúcia Helena Martins Gouvêa, Maria Aparecida Lino Pauliukonis e Rosane Santos Mauro Monnerat. – 1. ed. – Natal: EDUFRN, 2023. (O que é e o que faz..., v. 5). 2200 KB; 1 PDF. ISBN 978-65-5569-374-4 1. Semiolinguística. 2. Discurso. 3. Sujeito. 4. Texto. 5. Poder. I. Pauliukonis, Maria Aparecida Lino. II. Monnerat, Rosane Santos Mauro. III. Título. CDU 81 G719q Catalogação da publicação na fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte Secretaria de Educação a Distância Elaborada por Edineide da Silva Marques CRB-15/488. Fundada em 1962, a Editora da UFRN continua até hoje dedicada à sua principal missão: produzir impacto social, cultural e científico por meio de livros. Assim, busca contribuir, permanentemente, para uma sociedade mais digna, igualitária e inclusiva. Publicação digital financiada com recursos do Fundo de Pós-graduação (PPg-UFRN). A seleção da obra foi realizada pela Comissão de Pós-graduação, com decisão homologada pelo Conselho Editorial da EDUFRN, conforme Edital nº 01/2023-PPG/EDUFRN/ SEDIS, para a linha editorial Técnico-científica. Prefácio O Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da Conversação (GT LTAC), da Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), foi criado em 1985 e conta com um grande número de pes- quisadores, pertencente aos mais diversos Programas de Pós-graduação e atuantes em grupos de pesquisa consolidados, que, sob perspectivas teórico-metodológicas variadas, elege como objeto empírico o texto, em diferentes modalidades e em diferentes contextos de interação. O grupo, marcado pela pelo caráter interdisciplinar desde a sua criação, tem como grandes temas i) processos discursivo-interacionais de negociação de sentido(s) e ii) estratégias de textualização em contextos de interação diversos. Em 2021, por iniciativa dos coordenadores Ana Lúcia Tinoco Cabral e Rivaldo Capistrano Júnior, procedeu-se ao mapeamento dos temas, das interfaces e das áreas de pesquisa de interesse dos membros do GT. O resultado, além de reiterar o interesse pelos grandes temas, apontou cinco áreas de atuação, a saber: Linguística Textual, Análise Textual dos Discursos, Análise da Conversação, Semiolinguística e Pragmática. Com base nesse mapeamento e com o apoio dos mem- bros do GT LTAC, da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPG/ UFRN) e da Editora da Universidade do Rio Grande do Norte (EDUFRN), deu-se o início do projeto de publicação eletrônica da coleção O que é e o que faz..., uma coletânea de entrevistas, coordenada pelos professores Ana Lúcia Tinoco Cabral, Rivaldo Capistrano Júnior e Maria das Graças Soares Rodrigues e organizada em cinco volumes, a saber: Volume 1: O que é e o que faz a Linguística Textual, organizado por Rivaldo Capistrano Júnior (UFES) e Vanda Maria da Silva Elias (UNIFESP); Volume 2: O que é e o que faz a Análise Textual dos Discursos, organizado por Maria das Graças Soares Rodrigues (UFRN) e Sueli Cristina Marquesi (PUC-SP); Volume 3: O que é e o que faz a Pragmática, organizado por Rodrigo Albuquerque (UnB), Ana Lúcia Tinoco Cabral (PUC-SP) e Maria da Penha Pereira Lins (UFES); Volume 4: O que é e o que faz a Análise da Conversação, organizado por Gil Roberto Costa Negreiros (UFSM) e Ana Rosa Ferreira Dias (PUC-SP; USP); Volume 5: O que é e o que faz a Semiolinguística, orga- nizado por Lúcia Helena Martins Gouvêa (UFRJ), Maria Aparecida Lino Pauliukonis (UFRJ) e Rosane Santos Mauro Monnerat (UFF). Os diferentes volumes têm, além de perguntas específicas, perguntas em comum, que objetivam manter o fio condutor da proposta da coleção. Em resposta às perguntas de entrevista, cada entrevistado tem a oportunidade de discorrer sobre o quadro e os avanços teórico-metodológicos de sua área, de apontar (novas) questões de investigação e de indicar aplicações de suas pesquisas para o ensino, em seus diferentes níveis e em diversas modalidades. Desse modo, a coletânea tem como objetivos i) fomen- tar atividades vinculadas à implementação, divulgação da produção científica e à formação e/ou consolidação de redes de pesquisa de membros do GT LTAC e de outros GTs da ANPOLL; ii) apresentar e promover temas fundamentais dos estudos sobre o texto; aumentar a visibilidade da produção do GT LTAC junto à comunidade científica nacional e interna- cional; iii) fomentar a discussão sobre diferentes perspectivas de análise e de investigação do texto; iv) promover a interface entre essas diferentes perspectivas; v) contribuir para a for- mação inicial e continuada de professores e de pesquisadores. Desejamos aos leitores que a pluralidade de perspectivas teórico-metodológicas, presente nos cinco volumes da coleção, promova o intercâmbio entre pesquisadores e fomente novas pesquisas em Linguística de Texto e Análise da Conversação. Ana Lúcia Tinoco Cabral Rivaldo Capistrano Júnior Maria das Graças Soares Rodrigues Coordenadores da coleção O que é e o que faz... Apresentação A linguagem é um poder, talvez o primeiro poderdo homem. Mas esse poder da linguagem não cai do céu. São os homens que o constroem, que o amoldam através de suas trocas, seus contatos ao longo da história dos povos. (...)A linguagem é uma atividade humana que se desdobra no teatro da vida social e cuja encenação resulta de vários componentes, cada um exigindo um “savoir-faire, o que é chamado de competência. (CHARAUDEAU, 2008, Prefácio) Apoiando-nos na citação de Charaudeau (2008)¹1, rela- cionada ao papel social da linguagem e à funcionalidade dos atos linguísticos portadores de sentido e de vínculo social, vimos apresentar o volume 5, O que é e o que faz a Semiolinguística do Discurso, da Coleção O que é e o que faz... Trata-se de uma coletânea de entrevistas coordenada pelo GT 1 CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. Coordenação da equipe de tradução Angela M.S. Corrêa e Ida Lúcia Machado. São Paulo: Contexto, 2008. da ANPOLL Linguística do Texto e Análise da Conversação, entrevistas essas com pesquisadores reconhecidos por sua atuação na área, incluindo membros do GT e demais convi- dados de Instituições nacionais e internacionais. O objetivo geral é fomentar atividades vinculadas à divul- gação de produção científica das áreas em foco e a consoli- dação de redes de pesquisa entre os membros pertencentes ao GT LTAC da ANPOLL e outros pesquisadores. O objetivo específico deste volume é trazer a público reflexões de pesquisadores de várias universidades brasilei- ras e do criador da Semiolinguística, Patrick Charaudeau, a respeito da Teoria, por meio de reflexões sobre os con- ceitos básicos que a fundamentam e que estejam relacio- nados a suas experiências no campo da aplicação em diferentes corpora. O volume reúne respostas de questões comuns aos vários volumes da coleção e perguntas específicas, com o intuito de representar o que os investigadores pensam sobre a teoria e quais as contribuições de seus trabalhos de pesquisa, que muito a enriqueceram em terras brasileiras. As entrevistas selecionadas, publicadas em ordem alfabética do primeiro nome dos autores, – exceção feita ao criador da teoria –, versam sobre temas caros à Semiolinguística do Discurso e que constituem seu arcabouço teórico, entre os quais citam-se: o ato de linguagem como mise- -en-scène, o processo de semiotização do mundo, os sujeitos do ato de linguagem, o contrato de comunicação, os modos de organização do discurso, os imaginários sociodiscursivos, os efeitos patêmicos e a ação de influência dos enunciadores sobre os destinatários. Os entrevistados tiveram a oportunidade de discorrer sobre o quadro conceitual e teórico-metodológico do campo da Semiolinguística, com total liberdade, de acordo com suas convicções. Puderam relatar o desenvolvimento de seus trabalhos, o estágio atual de suas pesquisas, bem como apontar novas questões de investigações e interfaces que estabelecem com corpora que analisam. Os textos representam um produto do amadureci- mento da teoria entre nós e testemunham sua vitali- dade nos inúmeros trabalhos publicados e na formação de grupos de pesquisa que vicejam em universidades de renome. Desejamos que o contato com os diferentes pesquisado- res seja testemunho das especificidades dos discursos que circulam na sociedade brasileira e que as reflexões contribuam para o fortalecimento da Teoria Semiolinguística. Lúcia Helena Martins Gouvêa Maria Aparecida Lino Pauliukonis Rosane Santos Mauro Monnerat Organizadoras Sumário Patrick Charaudeau .........................................................................14 Amanda Heiderich Marchon ........................................................ 37 Beatriz dos Santos Feres ................................................................ 48 Helênio Fonseca de Oliveira .......................................................... 71 Ida Lucia Machado .......................................................................... 87 Ilana da Silva Rebello ..................................................................... 98 João Benvindo de Moura.............................................................. 123 Luciana Paiva de Vilhena Leite ................................................... 146 Maria Eduarda Giering ............................................................... 177 Michelle Alonso Dominguez .......................................................191 Patricia Ferreira Neves Ribeiro ...................................................211 Verônica Palmira Salme de Aragão ............................................ 245 William Augusto Menezes ......................................................... 264 14 PATRICK CHARAUDEAU Université Paris 13, CNRS 1) Como você chegou à Teoria Semiolinguística? Quais autores lhe serviram de inspiração? Eu faço parte de uma geração que teve a chance de ver chegar a Paris, durante meus estudos, todos os especialistas de uma linguística nascente que se chamava a Linguística: Bernard Pottier pela semântica, Antoine Culioli pela enun- ciação, Jean Claude Chevalier pela história da gramática, André Martinet pelo funcionalismo etc. E eu, então, estudei os diferentes aspectos das línguas (fonética, fonologia, mor- fologia, sintaxe, semântica) do ponto de vista da linguística estrutural. Depois, chegaram a linguística gerativa, a sociolinguística e a pragmática com a teoria dos atos de fala. Paralelamente, segui os cursos de semiótica, com Algirdas Greimas, Gerard PATRICK CHARAUDEAU 15 Génette, Roland Barthes, Umberto Eco etc, e as lições de filosofia de Michel Foucault no Colégio de França. Eu estava, então, imerso em um banho linguístico e semiótico, o que me levou a fazer uma tese de doutorado de Estado, relacio- nando os fatos da língua aos fatos semióticos do discurso, do qual surgiu a ideia de uma semio-linguística. 2) Quais de suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos você destacaria? Não me é possível fazer uma escolha, pois eu procurei aplicar – e continuo a fazer – esse modo de análise a diversos objetos: essencialmente o discurso de informação midiá- tica, o discurso político, o discurso publicitário, o discurso humorístico, o discurso didático, o discurso da polidez, o discurso da violência verbal etc. Paralelamente, eu escrevi sobre noções particulares: os gêneros discursivos, o contrato de comunicação, o sujeito do discurso, a persuasão em uma perspectiva discursiva, a controvérsia, a polêmica, a manipula- ção, a competência linguageira etc. Essas diferentes atividades de escritura se enriquecem mutuamente: os escritos sobre as noções enriquecem as análises dos objetos discursivos, e as análises dos objetos discursivos enriquecem as noções. Tudo isso pode ser encontrado nas publicações que aparecem no meu site (patrick charaudeau.com) PATRICK CHARAUDEAU 16 3) Considerando a Semiolinguística como Ciência, quais são os seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? E como se relacionam os conceitos de contrato de comunicação, visadas discursivas e gêneros textual-discursivos? O conceito central é o de contrato de comunicação que, às vezes, chamo de contrato de fala. Ao redor dele, gravita o sujeito de fala, que é o organizador da mise-en-scène enunciativa do discurso, empregando certas estratégias discursivas (de legiti- mação, credibilidade e captação). O contrato de comunicação remete ao conceito de situação de comunicação, com seus diferentes componentes: a identidade dos sujeitos, as visadas discursivas e as circunstâncias de comunicação. Ele constitui o que orienta e dá sentido ao ato de comunicação. Ele é, então, determinante de toda análise do discurso em situação. A identidade dos sujeitos é definida conforme a perspectiva de um desdobramento: o sujeito falante se desdobra em sujeito comunicante e sujeito enunciante (enunciador): o sujeito recep- tor se desdobra em sujeito destinatário e sujeito interpretante, oque explica que não há simetria entre o processo de produção do ato de linguagem e o processo de interpretação, a visada discursiva (ou intenção) não correspondendo totalmente ao efeito produzido (ou interpretação). Dessa forma, o sentido PATRICK CHARAUDEAU 17 de todo ato de linguagem é o resultado de um reencontro, de uma coconstrução. As visadas discursivas constituem a finalidade discursiva do contrato de comunicação. É fato que o contrato de comu- nicação político tem como finalidade discursiva uma visada de incitação a fazer e a crer; que o contrato de comunicação midiático tem por visada discursiva um fazer saber e que o discurso didático tem por visada discursiva um fazer saber fazer etc. As circunstâncias de comunicação se definem conforme os diversos componentes que constituem o dispositivo no qual se desenrola o ato de linguagem. Trata-se dos elementos mate- riais que determinam o quadro da comunicação: o número de participantes, sua disposição, a relação que mantêm (de proximidade, a distância, interpessoal, coletiva), a forma de fala que empregam (oral, escrita), o suporte material que utilizam (direto, audio-oral, audiovisual etc.). É esse conjunto, ao redor do ato de comunicação, que determina, numa primeira aproximação, o gênero de dis- curso. Desse modo, pode-se falar de contrato de comunicação político, publicitário, didático etc., ou de gênero político, publicitário, didático. E, ao mesmo tempo, é esse contrato que fornece instruções discursivas aos sujeitos – locutor, PATRICK CHARAUDEAU 18 para colocar em cena seu ato de linguagem; e receptor, para interpretar. 4) Em que se aproximam e se distanciam os seus conceitos de imaginários sociodiscursivos e representações sociais do conceito de ideologia abordado por outras teorias da análise do discurso? Esse processo de performance discursiva está a serviço de pensamentos que eu denomino de imaginários sociodiscursivos reutilizando as noções empregadas em sociologia (Castoriadis) e psicologia social (Moscovici). Eu expliquei em meu livro Discurso político: as máscaras do poder (CHARAUDEAU, 2006b) as razões pelas quais eu prefiro essa denominação em vez de “ideologia”. A primeira é porque o termo ideologia recebeu diversas definições, depois daquela, fundadora do Destutt de Tracy, passando por Marx e as críticas que foram feitas; e depois pelo fato de que é empregada cada vez que se quer criticar um pensamento. Dito de outra forma, a ideologia é sempre a do outro, do campo adversário. Eu não nego que a ideologia exista, mas eu a reservo para o caso em que o imaginário social se torna um sistema de pensamento fechado em si mesmo, qualquer que seja o valor a que se refere. Assim, isso me permite demonstrar, do PATRICK CHARAUDEAU 19 mesmo modo, o que são as matrizes do discurso ideológico de direita ou de esquerda, o que é ideologia de dramatização do discurso de informação midiática. 5) A teoria dos sujeitos é fundamental para a Semiolinguística. Que relação se pode estabelecer entre a teoria dos sujeitos e os conceitos de ethos e pathos da Retórica Clássica? A relação entre a teoria dos sujeitos e as noções de ethos e pathos da retórica se faz por meio de estratégias discursivas. O sujeito falante, consciente das determinações do contrato de comunicação, empenha-se a partir delas a se fazer com- preender pelo seu interlocutor (seja individual, seja coletivo), a persuadir, a seduzir, para o melhor (conivência) ou para o pior (manipulação). Para fazer isso, é preciso satisfazer a duas condições: ser credível e obter um impacto sobre o interlocutor. A primeira condição permite construir de si mesmo uma imagem de uma pessoa em que se deva crer, seja de forma racional (referência ao saber), seja de forma irracional (carisma). Trata-se do ethos, por meio de estratégias de credibilidade. No discurso político, elas são descritas na produção desse nome. Mas o sujeito deve igualmente se empenhar em fazer com que seu interlocutor (individual ou coletivo) seja captado pelo PATRICK CHARAUDEAU 20 seu discurso. E um dos melhores meios é fazer ele aderir de forma imediata e espontânea ao discurso do sujeito falante. Trata-se do pathos, por meio de estratégias de captação. 6) Quais são as preocupações específicas da Semiolinguística que a diferenciam de outras teorias do texto? É preciso considerar, no campo de uma disciplina, nas diferentes correntes de análise, se elas têm uma especificidade, se às vezes elas se opõem, ou se se encontram, na realidade, em uma complementaridade. Nenhuma delas pode pretender dar conta da totalidade de um fenômeno, mas, ao contrário, pode trazer um esclarecimento particular. Como outras correntes de discurso, a semiolinguística procura relacionar as marcas linguísticas aos fatos discursivos. Às vezes, ela persegue um mesmo objetivo com uma terminologia diferente. Por exem- plo, apoiando-se na teoria da enunciação, a semiolinguística repousa seu olhar sobre os efeitos de influência dos atos de linguagem, sua orientação em direção ao interlocutor, como faz a pragmática com outra concepção, a dos atos de fala. Mas é a mesma orientação. Eu diria que esse aporte da semiolinguística é um aspecto mais comunicacional, paralelamente aos conceitos de des- dobramento dos sujeitos, de contrato de comunicação e de PATRICK CHARAUDEAU 21 estratégias discursivas. Com efeito, a hipótese que subentende esse modelo é a de que os imaginários sociais (e a ideologia que aí se encontra) dependem de toda a aparelhagem da “performance” comunicativa. Isso evita essencializar as categorias ideológicas. Por exemplo, se quer analisar o dis- curso da violência verbal, não se pode fazer de forma global. É preciso antes determinar as situações e os contratos que a elas correspondem para poder determinar se tal ato de linguagem corresponde a uma violência. 7) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de conceitos e de procedimentos analíticos, mas também saber as possi- bilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações, bem como interfaces da Semiolinguística? Concordo, mas essa questão se relaciona àquela da inter- disciplinaridade. Escrevi sobre essa questão que suscitou um debate interessante na Revista Questions de communication (2010, no.17) em que proponho a ideia do que chamei de uma interdisciplinaridade focalizada. Trata-se de não se contentar com o acúmulo de pontos de vista de diferentes disciplinas sobre um mesmo tema, como se faz em diversas publicações (o que tem sua utilidade). Trata-se de interrogar as noções e os conceitos que se encontram nas diferentes disciplinas das ciências humanas e sociais (sujeito, norma, estratégia, PATRICK CHARAUDEAU 22 representação etc.) para tomar a medida das diferenças e semelhanças, a fim de enriquecer as definições de cada dis- ciplina. Assim, a solidariedade entre as disciplinas permitirá estabelecer uma verdadeira interdisciplinaridade. 8) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? O ensino sempre foi uma de minhas preocupações, pois não é suficiente ser um pesquisador, é preciso também saber transmitir. Ora, transmitir o saber aos estudantes que não o possuem não pode ser o mesmo saber, o qual tem suas próprias exigências. Não se pode contentar com a exposição de uma análise que se faria na presença de outros pesquisadores, seus pares. É preciso de um trabalho de transposição do saber com finalidade explicativa que acarreta escolhas e formulações adaptáveis ao público. Durante um tempo, eu me ocupei da didática do ensino das línguas, e posso dizer que há dois aspectos de meus trabalhos que podem trazer utilidade para o ensino. Para o ensino da língua materna ou estrangeira, a partir de minha Gramática do sentido e da expressão²2, 2 De onde uma parte foi adaptada para o português por uma equipe de pro- fessores da UFRJ e da UFMG, sob o título de Linguagem e discurso: modosde organização. (Contexto, 2008). PATRICK CHARAUDEAU 23 a condição de não se aplicar sistematicamente, mas de se inspirar para certas explicações. Quanto ao ensino de análise do discurso, trata-se de sensibilizar os estudantes a tudo o que está em jogo quando se fala ou se escreve, de forma que eles tomem consciência do que implica comunicar-se com o outro. 9) A quais avanços da Semiolinguística na contemporanei- dade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? Vejo de maneira negativa aquele ou aquela que afirma poder dizer como será o futuro nesse mundo cheio de trans- formações. As perspectivas não são animadoras. Sobre a interdisciplinaridade, primeiramente, porque, apesar das grandes declarações, a tendência atual das disciplinas das ciências humanas e sociais – e mesmo no interior de uma mesma disciplina entre diversas correntes – é de se fechar sobre si mesma para defender seu território, ignorando o aporte das outras. Isso é, particularmente, visto nos estudos sobre a política em que reina a ciência política. Seria necessário que se fizessem colóquios que confrontassem a sociologia, a psicologia social, a antropologia e as ciências da linguagem. Em seguida, sobre o que se chama o posicionamento do pesquisador. Há, atualmente, uma tendência de confundir a posição militante com a posição do pesquisador. Cada uma PATRICK CHARAUDEAU 24 dessas posições tem sua razão de ser, mas cada uma funciona de acordo com condições que lhe são próprias. Confundir as duas posições é danoso para a pesquisa porque esta perde em credibilidade e se afasta de sua missão, que é de prestar conta dos fenômenos da sociedade de forma mais rigorosa e objetiva possível. 10) Que leituras você indicaria para quem está iniciando seus estudos na Semiolinguística? Parece-me que, a cada ensinamento, é necessário fazer uma seleção. Para isso, recomendo o exposto no Dicionário de Análise do Discurso³3 Tradução: Lúcia Helena Martins Gouvêa, Maria Aparecida Lino Pauliukonis, Rosane Santos Mauro Monnerat. 3 CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004. 25 PATRICK CHARAUDEAU Université Paris 13, CNRS 1) Como você chegou à Teoria Semiolinguística? Quais autores lhe serviram de inspiração? Je fais partie d’une génération qui a eu la chance de voir arriver à Paris, pendant mes études, tous les spécialistes d’une linguistique naissante qu’on appelait la linguistique : Bernard Pottier pour la sémantique, Antoine Culioli pour l’énonciation, Jean-Claude Chevalier pour l’histoire de la grammaire, André Martinet pour le fonctionnalisme, etc. Et j’ai donc étudié les différents aspects des langues (phonétique-phonologie, morphologie, syntaxe, sémantique) du point de vue de la linguistique structurale. Puis sont arrivées la linguistique générative, la sociolin- guistique et la pragmatique avec la théorie des actes de parole. PATRICK CHARAUDEAU 26 Parallèlement, j’ai suivi des cours de sémiotique, avec Algirdas Greimas, Gérard Genette, Roland Barthes, Umberto Eco, etc., et les leçons de philosophie de Michel Foucault au Collège de France. J’étais donc plongé dans un bain linguistique et sémio- tique, ce qui m’a amené à faire une thèse de doctorat d’État reliant des faits de langue à des faits sémiotiques de discours, d’où l’idée d’une « sémio-linguistique » 2) Quais de suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos você destacaria? Il ne m’est pas possible de faire un choix, car j’ai cherché — et je continue de le faire — à appliquer ce mode d’analyse à divers objets : essentiellement, le discours d’information médiatique, le discours politique, le discours publicitaire, le discours humoristique, le discours didactique, le discours de la politesse, le discours de la violence verbale, etc. Parallèlement, j’ai écrit sur des notions particulières : les genres discursifs, le contrat de communication, le sujet du discours, la persuasion dans une perspective discursive, les controverses et la polémique, la manipulation, la compétence langagière, etc. Ces différentes activités d’écriture s’enrichis- sent mutuellement : les écrits sur les notions enrichissant les PATRICK CHARAUDEAU 27 analyses d’objets discursifs, les analyses d’objets discursifs enrichissant les notions. Tout cela se trouve dans les publications qui apparaissent dans mon site (<patrick-charaudeau.com>). 3) Considerando a Semiolinguística como Ciência, quais são os seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? E como se relacionam os conceitos de contrato de comunicação, visadas discursivas e gêneros textual-discursivos? Le concept central est celui de contrat de communication que parfois j’appelle contrat de parole. Autour de celui-ci gravite le sujet de parole qui est l’ordonnateur de la mise en scène énonciative du discours en employant certaines stratégies discursives (de légitimation, crédibilité et captation). Le contrat de communication renvoie lui-même au concept de situation de communication, avec ses différentes composan- tes : l’identité des sujets, les visées discursives et les circonstances de communication. Il constitue ce qui oriente et donne du sens à l’acte de communication. Il est donc déterminant pour toute analyse du discours en situation. L’identité des sujets est définie selon la perspective d’un dédoublement : le sujet parlant se dédouble en sujet PATRICK CHARAUDEAU 28 communiquant et sujet énonçant (énonciateur) ; le sujet récepteur se dédouble en sujet destinataire et sujet interprétant, ce qui explique qu’il y ait asymétrie entre le processus de production de l’acte de langage et le processus d’interprétation, la visée discursive (ou intention), ne correspondant pas en tout point à l’effet produit (ou interprétation). Et donc le sens de tout acte de langage est le résultat d’une rencontre, d’une coconstruction. Les visées discursives constituent la finalité discursive du contrat de communication. Le fait que le contrat de communication politique ait comme finalité discursive une visée d’incitation à faire et à croire ; le fait que le contrat de communication médiatique ait pour visée discursive un faire savoir ; le fait que le discours didactique ait pour visée discursive un faire savoir faire ; etc. Les circonstances de communication, elles, se définissent selon diverses composantes qui constituent le dispositif dans lequel se déroule l’acte de langage. Il s’agit des éléments maté- riels qui déterminent le cadre de la communication : le nombre de participants, leur disposition, la relation qu’ils entretiennent (de proximité, à distance, interpersonnelle, collective), la forme de parole qu’ils emploient (oral/écrit), le support matériel qu’ils utilisent (direct, audio-oral, audio-visuel), etc. PATRICK CHARAUDEAU 29 C’est cet ensemble, autour du contrat de communica- tion qui détermine, dans une première approximation, le genre de discours. Ainsi pourra-t-on parler de contrat de communication politique, publicitaire, didactique, etc., ou de genre politique, publicitaire didactique. Et c’est en même temps ce contrat qui donne des instructions discursives aux sujets locuteur pour mettre en scène son acte de langage et au récepteur pour interpréter. 4) Em que se aproximam e se distanciam os seus conceitos de imaginários sociodiscursivos e representações sociais do conceito de ideologia abordado por outras teorias da análise do discurso? Ce processus de mise en scène discursive fonctionne au service de contenus de pensées que j’appelle les imaginaires sociodiscursifs, en réutilisant les notions employées en socio- logie (Castoriadis) et psychologie sociale (Moscovici). J’ai expliqué dans mon livre Le discours politique. Les mas- ques du pouvoir (Lambert-Lucas), les raisons pour lesquelles je préfère cette dénomination à celle d’idéologie. La première est que le terme d’idéologie a reçudiverses définitions depuis celle, fondatrice de Destutt de Tracy, en passant par Marx et les critiques qui en ont été faites ; et puis parce qu’il est employé PATRICK CHARAUDEAU 30 chaque fois que l’on veut critiquer une pensée. Autrement dit, l’idéologie est toujours celle de l’autre, du camp adverse. Je ne nie pas que l’idéologie existe, mais je la réserve au cas où l’imaginaire social devient un système de pensée fermé sur lui-même, quel que soit la valeur qui est concernée. Ainsi, cela me permet de montrer, aussi bien ce que sont les matrices du discours idéologique de droite et de gauche, ce qu’est l’idéologie de dramatisation du discours d’information médiatique. 5) A teoria dos sujeitos é fundamental para a Semiolinguística. Que relação se pode estabelecer entre a teoria dos sujeitos e os conceitos de ethos e pathos da Retórica Clássica? La relation entre la théorie des sujets et les notions d’ethos et pathos de la rhétorique se fait à travers les stratégies discursives. Le sujet parlant, conscient qu’il est des déterminations du contrat de communication, s’emploie, à partir de celles-ci, à se faire comprendre de son interlocuteur (qu’il soit individuel ou collectif), à le persuader, à le séduire, pour le meilleur (connivence) ou le pire (manipulation). Pour ce faire, il doit satisfaire à deux conditions: être crédible et avoir un impact sur l’interlocuteur. La première condition l’amène à construire de lui-même une image de PATRICK CHARAUDEAU 31 personne en qui l’on doit croire, soit de façon rationnelle (référence de savoir), soit de façon irrationnelle (charisme). Il s’agit là de l’ethos, à travers des stratégies de crédibilité. Pour le discours politique, elles ont été décrite dans l’ouvrage de ce nom. Mais le sujet doit également s’employer à faire en sorte que l’interlocuteur (individuel ou collectif) soit capté par son discours. Et l’un des meilleurs moyens de le capter est d’avoir recours à un discours émotionnel de façon à ce que celui-ci adhère de façon immédiate et spontanée au discours du sujet parlant. Il s’agit alors du pathos, à travers des stratégies de captation. 6) Quais são as preocupações específicas da Semiolinguística que a diferenciam de outras teorias do texto? Il faut d’abord accepter que dans le champs d’une disci- pline les différents courants d’analyse, s’ils ont chacun une spécificité, et si parfois ils s’opposent, se trouvent en réalité en complémentarité. Aucun d’eux ne peut prétendre rendre compte de la totalité d’un phénomène, mais en revanche, chacun apporte un éclairage particulier. Comme d’autres courants d’analyse, la sémiolinguistique cherche à relier les marques linguistiques avec les faits de discours. Parfois, elle PATRICK CHARAUDEAU 32 poursuit un même objectif avec une terminologie différente. Par exemple, s’appuyant elle-même sur la théorie de l’énon- ciation, la sémiolinguistique porte son regard sur les effets d’influence des actes de langage, leur orientation vers l’inter- locuteur, comme le fait la pragmatique avec un autre langage, celui des actes de paroles. Mais c’est la même orientation. Je dirai que ce qu’apporte la sémiolinguistique est un aspect plus communicationnel, de par les concepts centraux de dédoublement des sujets, de contrat de communication et de stratégie discursive. En effet l’hypothèse qui sous-tend ce modèle est que les imaginaires sociaux (et l’idéologie qui s’y trouve) dépendent de tout l’appareillage de la mise en scène communicative. Cela évite d’essentialiser les catégories idéologiques. Par exemple, si l’on veut analyser les discours de violence verbale, on ne peut le faire de façon globale. Il faut d’abord déterminer les situations et les contrats qui leur correspondent pour pouvoir déterminer si tel acte de langage correspond à une violence. PATRICK CHARAUDEAU 33 7) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de conceitos e de procedimentos analíticos, mas também saber as possi- bilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações, bem como interfaces da Semiolinguística? C’est juste, mais cette question renvoie à celle de l’inter- disciplinarité. J’ai écrit sur cette question qui a suscité un débat intéressant dans la revue Questions de communica- tion (2010, n° 17), dans lequel je propose l’idée de ce que j’ai appelé une « interdisciplinarité focalisée ». Il s’agit en effet de ne pas se contenter d’accumuler des points de vue de disciplines différentes sur un même sujet, comme on le fait dans diverses publications (ce qui a cependant son utilité), il s’agit d’interroger les notions et concepts que l’on trouve dans différentes disciplines des sciences humaines et sociales (sujet, norme, stratégie, représentation, etc.) pour prendre la mesure des différences et des ressemblances, afin d’enrichir les définitions de chaque discipline. Ainsi le compagnonnage entre les disciplines permettra d’établir une véritable interdisciplinarité. PATRICK CHARAUDEAU 34 8) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? L’enseignement a toujours été une de mes préoccupations, car il ne suffit pas d’être un chercheur, il faut aussi savoir le transmettre. Or, transmettre le savoir à des étudiants qui ne possèdent pas le même savoir a ses propres exigences. On ne peut se contenter de d’exposer une analyse comme on le ferait en présence d’autres chercheurs, en présence de ses pairs. Il y faut un travail de transposition du savoir à des fins explicatives qui entraîne des choix et des formulations adaptées au public. Pendant un temps, je me suis occupé de didactique de l’enseignement des langues, et je peux dire que bien des aspects de mes travaux peuvent avoir une utilité pour l’enseignement. Pour l’enseignement de la langue maternelle ou étrangère, à partir de ma Grammaire du sens et de l’expression44, à con- dition de ne pas l’appliquer systématiquement, mais de s’en inspirer pour certaines explications. Quant à l’enseignement de l’analyse du discours, il s’agit de sensibiliser les étudiants à tout ce qui est en jeu lorsque l’on parle ou écrit, de façon à 4 Dont une partie a été adaptée au portugais par une équipe de professeurs de l’UFRJ et de l’UFMG, sous le titre Linguagem e discurso: modos de organização (Contexto,2008). PATRICK CHARAUDEAU 35 ce qu’ils prennent conscience de tout ce qu’implique com- muniquer avec autrui. 9) A quais avanços da Semiolinguística na contemporanei- dade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? Bien malin, celui ou celle qui pourrait dire de quoi sera fait le futur dans ce monde qui est en pleine transformation. Les perspectives ne sont pas très réjouissantes. Sur l’interdis- ciplinarité d’abord, parce que, malgré de grandes déclarations, la tendance actuelle des disciplines en sciences humaines et sociales — et même à l’intérieur d’une même disciplines entre divers courants — est de s’enfermer sur elles-mêmes pour défendre leur territoire, en ignorant l’apport des autres. Cela est particulièrement net dans les études sur la politique où règne la science politique. Il faudrait davantage de colloques qui fassent se confronter la sociologie, la psychologie sociale, l’anthropologie et les sciences du langage. Ensuite, sur ce que l’on appelle le positionnement du cher- cheur. Il y a en effet, dans l’actualité, une tendance à confondre la position militante avec la position de chercheur. Chacune de ces positions a sa raison d’être, mais chacune fonctionne selon des conditions qui lui sont propres. Confondre ces deux positions est dommageable pour la recherche car celle-ci perd PATRICK CHARAUDEAU 36 en crédibilité et déroge à sa mission qui est de rendre compte des phénomènes de société de la façon la plus rigoureuse et objective possible. 10) Que leituras você indicaria para quem está iniciando seus estudos na Semiolinguística? C’est, me semble-t-il, à chaque enseignant de faire sasélection, en s’aidant du Dictionnaire d’analyse du discours55 5 Dicionário de análise do discurso (Contexto). 37 AMANDA HEIDERICH MARCHON Universidade Federal do Espírito Santo - UFES 1) Como você chegou à Teoria Semiolinguística? Quais autores lhe serviram de inspiração? Tive a oportunidade de conhecer a Teoria Semiolinguística em uma disciplina da pós-graduação, na UFRJ, ministrada pela Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis, minha orientadora de mestrado e de doutorado e minha grande inspiração na carreira acadêmica. Os autores basilares para o desenvolvimento de minhas pesquisas foram, além do próprio Patrick Charaudeau e da própria Aparecida Lino Pauliukonis, Lúcia Helena Martins Gouvêa, com textos acerca da argumentação, e Rosane Monnerat, com propostas de análise de textos imagéticos. AMANDA HEIDERICH MARCHON 38 2) Quais de suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos você destacaria? Recentemente, comecei a associar a Teoria Semiolinguística à análise de imagens em textos midiáticos. Nesse sentido, destaco artigo intitulado “Argumentação multimodal: uma proposta metodológica”, escrito em parceria com o Professor Welton Pereira e Silva (UFF), publicado na Revista Acta Scientiarum, em 2021, em que conjugamos proposta de Santaella (2012) e de Kress & van Leeuwen (2006) sobre índices imagéticos ao Modo de Organização Argumentativo do Discurso, conforme Charaudeau (2009). Nesse trabalho, buscamos demonstrar que a dimensão argumentativa de um texto pode ser engendrada pelo emprego estratégico de diferentes modalidades, apresentando uma perspectiva teórica e metodológica para a análise de textos argumentativos mul- timodais. Em outro artigo, publicado na Revista (Con)Textos Linguísticos, em 2021, produzido em parceria com Professor Carlos Eduardo Nunes Garcia (CEFET-MG), seguindo a mesma proposta de interface teórica, buscamos descrever a mecânica argumentativa constitutiva do gênero meme, a fim de mostrarmos como o enunciador pode valer-se do emprego de palavras e imagens para agir sobre o enunciatário. AMANDA HEIDERICH MARCHON 39 3) Considerando a Semiolinguística como Ciência, quais são os seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? A Semiolinguística, como disciplina integrante do con- junto das ciências da linguagem, tem como principais cate- gorias analíticas o sentido de língua e o sentido de discurso, buscando analisar componentes internos (espaços de locução, relação e tematização) e externos (aspectos situacionais e psicossociais) do ato comunicativo. Em termos metodológicos, o semiolinguista debruça-se sobre corpora de dados reais da língua em uso, levando em conta o recorte genérico e situacional para empreender análises comparativas. 4) Quais são as preocupações específicas da Semiolinguística que a diferenciam de outras teorias do texto? Talvez, uma das principais diferenças entre a Teoria Semiolinguística e outras teorias do discurso esteja na forma como se concebe a figura do sujeito da linguagem. Para Pêcheux, por exemplo, o sujeito do discurso é regido pelo inconsciente e pela ideologia, sendo um sujeito assujeitado, descentralizado, afetado pelo real da língua e pelo real da história. Charaudeau não desconsidera que o sujeito seja condicionado pela sociedade e pela cultura, todavia, defende AMANDA HEIDERICH MARCHON 40 que o lado psicossocial-situacional garante a esse sujeito traços de individualidade que o tornam responsável por seus atos – de acordo com Machado (2001), para a Semiolinguística, o sujeito não é nem completamente social, nem completamente coletivo, mas um amálgama dos dois. Além disso, cumpre ressaltar o destaque que a Semiolinguística confere ao material linguístico – para Charaudeau, esse material linguageiro é, ao mesmo tempo, representação e parte da realidade – e aos elementos internos e externos que constituem a situação de comunicação – algumas teorias do texto focalizam menos dados externos à superfície textual. 5) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de conceitos e de procedimentos analíticos, mas também saber as possi- bilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações, bem como interfaces da Semiolinguística? Considerando-se a interdisciplinaridade característica da Semiolinguística, as possibilidades de interfaces teóricas são numerosas. Em minha pesquisa de doutorado, por exemplo, propus a associação de pressupostos da Semiolinguística e conceitos do Funcionalismo Clássico, para defender a tese de que o emprego de orações adverbiais atua na organização argumentativa do discurso. Nesse sentido, considerarei não só o nível microtextual, pautado nas orações e nos conectores AMANDA HEIDERICH MARCHON 41 que as introduzem, mas também o nível macrotextual, que representa o imaginário sociodiscursivo do enunciador frente aos questionamentos sobre o mundo. Ainda no campo dos estudos da argumentação, atualmente, tenho me dedicado ao estudo do emprego de índices imagéticos na construção da dimensão argumentativa do discurso. Para isso, proponho a interface entre a Semiolinguística e a Gramática do Design Visual, de Kress e van Leeuwen (1996), bem como nas pro- postas semióticas de Santaella (2012). 6) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? Embora não trabalhe diretamente com questões relaciona- das ao ensino, acredito que meus trabalhos sobre o emprego de orações adverbiais na tessitura da argumentação, de certa forma, podem contribuir para o desenvolvimento de ativida- des de produção textual. Quanto às pesquisas mais recentes acerca da análise da associação entre palavra e imagem, creio que, talvez, elas possam contribuir para instrumentalizar o professor a trabalhar com textos que apresentam múltiplas semioses. Ao procurar tecer considerações sobre a forma como a relação entre diferentes semioses em textos argu- mentativos é determinante para que os efeitos de discurso sejam efetivamente compreendidos pelo leitor, meus estudos AMANDA HEIDERICH MARCHON 42 vão ao encontro da ampliação proposta pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual propõe a passagem do eixo de análise linguística para a análise linguística/semiótica, recomendando o trabalho com o despertar do senso crítico dos alunos da educação básica. 7) A quais avanços da Semiolinguística na contemporanei- dade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? Acredito que uma grande contribuição da Semiolinguística aos estudos da linguagem seja a proposta de conceber o ato comunicativo como encenação condicionado por um contrato de comunicação, considerando tanto a perspectiva da pro- dução quanto a perspectiva da interpretação. Nesse sentido, Charaudeau propõe um desdobramento dos lugares enun- ciativos, que passam a ser realizados por quatro sujeitos, não apenas por dois, como na teoria da comunicação de Roman Jakobson. Além disso, destaco que pesquisas semiolinguísticas têm se preocupado em demonstrar que argumentos capazes de fazer com que o interlocutor experiencie determinada emoção também podem ser objeto de investigação no âmbito dos estudos do discurso – algumas teorias, embora reco- nheçam que a mobilização das emoções possa figurar na prática argumentativa, sugerem que essa mobilização pode influenciar o raciocínio de modo equivocado. Evidentemente, AMANDA HEIDERICH MARCHON 43 trabalhos sobre o pathos enfrentam alguns limites, uma vez que a Semiolinguística não dispõe de instrumental teóri- co-metodológico para analisar as emoções experienciadas pelo interlocutor, apenas as visadas pelo enunciador. Outro desafio que se impõe aos semiolinguistas diz respeito às especificidades dos discursos que circulam em ambientes digitais, discursos esses que exigem abordagens distintas, uma vez que enunciadores humanos e não humanos atuam em conjunto, conforme explica Paveau (2021). 8) Que leiturasvocê indicaria para quem está iniciando seus estudos na Semiolinguística? Para pesquisadores que estão iniciando seus estudos na Teoria Semiolinguística do Discurso, indicaria a leitura do livro Linguagem e discurso: modos de organização, de Patrick Charaudeau (2008), em que conceitos basilares da teoria são apresentados, como as noções de “contrato de comunicação” e de “modos de organização do discurso”. Pensando na possibilidade de aplicação de pressupostos da Semiolinguística ao trabalho de professores da educação básica, o livro Semiolinguística aplicada ao ensino, organizado por Glayci Xavier, Ilana Rebelo e Rosane Monnerat (2021), apresenta exemplos de análise de gêneros diversos, além de AMANDA HEIDERICH MARCHON 44 propostas de exercícios para aplicação nas aulas de Língua Portuguesa. 9) De que maneira a noção de contrato de comunicação – um conceito básico da Semiolinguística – orienta a troca comunicativa? Alicerçada em postulados bakhtinianos de dialogismo e de alteridade, segundo os quais a linguagem é vista como um constante processo de interação mediado pelo diálogo, a Semiolinguística considera que toda situação de comunicação é regulada por um contrato de comunicação – regras que determinam tanto os comportamentos linguístico-discursivos como também os sociointeracionais. A noção de contrato proposta por Charaudeau (2009), ao levar em conta tanto a relação social de reconhecimento entre os interlocutores quanto a codificação discursiva que é própria ao contexto sociocultural da interação social, aproxima-se, de certo modo, do conceito de gênero discursivo postulado por Bakhtin: “tipos relativamente estáveis de enunciados”. A relativa esta- bilidade pode ser associada à codificação do discurso, já que os enunciados nascem da/e na interação entre os sujeitos envolvidos no ato comunicativo. Nesse sentido, o contrato de comunicação delimita e permite prever expectativas do ato comunicativo – o contrato, além de fornecer as regras do que AMANDA HEIDERICH MARCHON 45 pode e deve ser dito, também abre espaço para que o sujeito empregue estratégias variadas para alcançar o seu objetivo. 10) Como se pode relacionar o conceito de imaginários sociodiscursivos, defendido pela Semiolinguística, com a construção do ethos e/ou pathos dos enunciadores? Para Aristóteles (2005), as provas retóricas são de três espécies: (i) as provas baseadas no ethos estão relacionadas com a imagem de si que o enunciador projeta em seu discurso; (ii) as provas com base no pathos estão centralizadas na emoção que o enunciador, por meio do discurso, quer suscitar no outro; (iii) as provas relacionadas ao logos têm relação com a manifestação da razão no discurso, pelo que este demonstra ou parece demonstrar. Amparado nesses conceitos aristotélicos, a Semiolinguística também elege o ethos e o pathos como categorias de análise. Em termos analíticos, a investigação de marcas da enunciação permite que o semiolinguista delineie o ethos do enunciador; no que tange, porém, à investigação do pathos, a teoria não dispõe de métodos para descrever as emoções efetivamente despertadas no interlocutor, razão que leva Charaudeau a abordar a mobilização das emoções como uma categoria de efeito visado pelo enunciador na construção de seu discurso. No que se refere à construção do ethos e à mobilização do pathos no momento da troca linguageira, AMANDA HEIDERICH MARCHON 46 ambas são dependentes dos imaginários sociodiscursivos embasados em saberes de crença e de conhecimento. Em outras palavras, os imaginários sociodiscursivos dos partici- pantes do ato comunicativo precisam ser compartilhados para que enunciador e enunciatário construam o mesmo ethos e mobilizem os mesmos efeitos de pathos. Silva (2020) destaca que as emoções são experienciadas de maneira diversa por indivíduos diferentes, visto que eles apresentam sistemas de crença diferenciados. 11) Tendo em vista os desdobramentos da instância subjetiva em sujeitos sociais e discursivos da Semiolinguística, qual é a funcionalidade desses conceitos para os estudos do texto e do discurso? De acordo com a Semiolinguística, no ato comunicativo, o enunciador, regido por um contrato de comunicação, apro- pria-se da língua e a transforma em discurso, tendo um inter- locutor como parâmetro. Desse processo, fazem parte quatro sujeitos, a saber: o sujeito comunicante (EUc), ser empírico que lança e engendra um projeto discursivo; o sujeito enunciador (EUe), ser discursivo projetado pelo sujeito comunicante; o sujeito destinatário (TUd), relativo à imagem que o sujeito comunicante faz de seu interlocutor; e o sujeito interpretante (TUi), também empírico, sendo entendido como o interlocutor AMANDA HEIDERICH MARCHON 47 propriamente dito. Os sujeitos empíricos ocupam o “espaço do fazer”; os sujeitos discursivos situam-se no “espaço do dizer”. Como a Semiolinguística concebe o ato comunica- tivo como uma encenação, um jogo de imagens criadas no e pelo discurso, interessa ao analista investigar elementos linguístico-discursivos que desvelam os sujeitos discursivos, acessados, pois, pelas marcas de enunciação – sobre os seres sociais e empíricos não se pode fazer conjecturas por não serem passíveis de análise pelos parâmetros metodológicos delineados pela Teoria Semiolinguística. 48 BEATRIZ DOS SANTOS FERES Universidade Federal Fluminense - UFF 1) Como você chegou à Teoria Semiolinguística? Quais autores lhe serviram de inspiração? A Teoria Semiolinguística foi a mim apresentada pela professora Rosane Monnerat, em 2001, quando assumiu a orientação de minha dissertação de mestrado (A escola faz questão de leitores autônomos ou autômatos?), no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFF. Eu havia feito um curso sobre Linguística Textual ministrado por ela e expressei meu desejo de desenvolver uma pesquisa relacionada à inter- pretação de textos na escola básica. A Semiolinguística foi fundamental para o entendimento do processo de construção de sentido. Além disso, foi muito proveitoso, teoricamente, iniciar na teoria já fazendo uma interface com a Linguística Textual. O livro Linguagem e discurso: modos de organização, BEATRIZ DOS SANTOS FERES 49 de Patrick Charaudeau, não havia sido publicado no Brasil (a primeira edição é de 2008), então, os primeiros artigos que li ou eram em francês, do próprio Charaudeau, ou eram os divulgados pelo NAD (Núcleo de Análise do Discurso) da UFMG, alguns escritos por Ida Lúcia Machado, por exemplo. 2) Quais de suas produções em revistas e/ou em livros impressos ou eletrônicos você destacaria? Do início de minha atuação como pesquisadora, destaco o livro Leitura, fruição e ensino: com os meninos de Ziraldo,(2011, EDUFF), que é uma adaptação de minha pesquisa de dou- torado (Competências para l/ver Ziraldo: subsídios teóricos para formação de leitores), realizada no Programa de Pós- Graduação em Letras da UFF, também sob orientação de Rosane Monnerat. Nela, a semiótica peirciana foi utilizada em interface com a Semiolinguística, base teórica principal, para tratar (também) da semiose imagética e do conceito de fruição. Já como professora e pesquisadora da UFF, organizei algumas coletâneas, das quais destaco Análises de um mundo significado: a visão semiolinguística do discurso, em conjunto com Rosane, publicado igualmente pela EdUFF (FERES; MONNERAT, 2017). Nesse livro, o capítulo “A encenação BEATRIZ DOS SANTOS FERES 50 descritiva em livros ilustrados para crianças: marcas de um discurso formativo”, escrito por mim, também guarda forte relação com o processo leitor e com a escola. Nesse texto, o modo descritivo de organização do discurso (CHARAUDEAU, 2008) é observado na semiose verbo-visual e, portanto, no funcionamento do signo imagético também, em sua consti- tuição motivada, menos arbitrária do que a do signo verbal. Mais recentemente, em 2021, no livro Semiolinguística Aplicada ao Ensino, organizadopor Rosane, Glayci Xavier (minha primeira orientanda de doutorado e, atualmente, professora da UFF) e Ilana Rebello (também professora da UFF, que foi minha aluna na escola pública há muitos anos), publicado pela Editora Contexto, também há um capítulo ela- borado por mim: “Da interpretação à compreensão de textos”. Mais uma vez, o interesse pelo processo leitor desenvolvido na/pela escola é central no trabalho. Há vários artigos publicados em coautoria e individual- mente que gostaria de destacar, mas, devido ao limite desta resposta, menciono alguns bem recentes, publicados em 2021, em plena pandemia: “A mulher por ela mesma em três clipes brasileiros: uma análise semiodiscursiva”, em coautoria com Rosane, publicado na Revista de Estudos do Discurso, do Porto (Portugal); “Análise do discurso amoroso em contos ilustrados: uma contribuição para a sociologia das BEATRIZ DOS SANTOS FERES 51 emergências”, publicado na Revista Gragoatá, do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFF, relacionado à minha pesquisa de pós-doutoramento supervisionada pela Professora Regina Michelli (UERJ); além de “Rostos, afetos e intencionalidade: análise semiolinguística de marcas da pandemia”, em coautoria com Rosane (novamente) e Patrícia Ribeiro, publicado na Revista Linha D’água. De 2020, destaco “Implícitos codificados e a representação da mulher em textos verbo-visuais”, publicado na Revista Matraga, em que revisito o conceito de implícito codificado proposto por Charaudeau, e “Mimimi de mulher em ‘memes’: referenciação, estereotipagem e reenunciação”, publicado na Revista Gragoatá, que escrevi em coautoria com Patrícia, Rosane e Ilana. Todos esses artigos são fruto de muita discussão rea- lizada, principalmente, junto ao Grupo de Pesquisa em Semiolinguística: Leitura, Fruição e Ensino (CNPq/UFF). São produtos que, por meio da investigação sobre a relação entre linguagem e sociedade, revelam como a realidade é pensada e avaliada e, portanto, imbuem-se não só do propósito característico dos estudos sobre texto e discurso, mas, sobre- tudo, de um compromisso com a resistência a imaginários sociais bastante cristalizados e, quase sempre, preconceituosos e segregadores, manifestos ordinariamente nas interações sociais. BEATRIZ DOS SANTOS FERES 52 3) Considerando a Semiolinguística como Ciência, quais são os seus procedimentos metodológicos e suas principais categorias analíticas? As pesquisas filiadas à Semiolinguística realizam-se a partir de análises qualitativas, preferencialmente com cor- pora cujos elementos se organizam em comparação ou em contraste, mais sincrônica do que diacronicamente. Os textos para análise não se apresentam “ensimesmados”, mas “discur- sivizados”, isto é, embebidos nas circunstâncias em que são enunciados e nos saberes partilhados pelos interagentes das trocas comunicativas. As categorias analíticas fundamentais, então, ligam-se ao discurso, ao contrato de comunicação, aos sujeitos da linguagem, aos imaginários sociodiscursivos e, no nível da materialidade textual, aos modos de organi- zação do discurso: o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o argumentativo. 4) Quais são as preocupações específicas da Semiolinguística que a diferenciam de outras teorias do texto? Em primeiro lugar, destaco a preocupação com o vín- culo entre a linguagem e as circunstâncias comunicativas, incluindo, no nível situacional de construção de sentido, os sujeitos da linguagem, nem totalmente subjugados pelas BEATRIZ DOS SANTOS FERES 53 ideologias, nem totalmente livres para dizer e agir, já que reféns dos rituais de interação partilhados pelos grupos sociais. São sujeitos que interagem durante o processo comunicativo, em um processo de influência mútua. Esse aspecto mostra-se bastante relevante nas pesquisas de base semiolinguística. Segundo essa teoria, o que determina efetivamente o sentido de um texto é a situação em que se dá a troca – fato que inclui os sujeitos interagentes, seus papéis sociais, as identidades sociodiscursivas, as maneiras de dizer carregadas de implí- citos codificados, os ambientes da troca, os imaginários, enfim, dados externos aos textos, responsáveis pelo burilar dos sentidos, seja na implicitação operada pelo produtor do texto, seja nas inferências realizadas pelo “interpretador”. Em relação ao tratamento das línguas naturais, a Semiolinguística apresenta um arcabouço teórico que permite transpor os limites do sistema linguístico (e suas categorias de língua) para se chegar ao discurso, aos aspectos que circundam as escolhas textuais e que especificam os sentidos atribuídos aos signos sob determinadas condições de uso (isto é, alcançando as categorias de discurso). É uma teoria de texto, portanto, essencialmente discursiva, que privilegia as circunstâncias enunciativas. Em segundo lugar, não se pode omitir a importância dos imaginários sociodiscursivos nas análises propiciadas pela BEATRIZ DOS SANTOS FERES 54 Semiolinguística. Nos imaginários, estão reunidos saberes variados, mais ou menos comprováveis, que, em grande medida, são responsáveis pelo acionamento do interdiscurso na implicitação de sentidos. Sendo uma teoria preocupada com a relação entre forma e conteúdo, mas uma relação imersa em dados psicossociais próprios do processo comunicativo, a força dos imaginários tem sido fartamente explorada nas análises. 5) Pesquisar implica não só ter o conhecimento de conceitos e de procedimentos analíticos, mas também saber as possi- bilidades de seu campo de investigação. Poderia ressaltar delimitações, bem como interfaces da Semiolinguística? A delimitação frequentemente exposta nos textos de Charaudeau diz respeito ao papel desempenhado pelo analista do discurso: partindo sempre daquilo que é materializado nos textos, isto é, da forma em sua inexorável relação com os dados circunstanciais e interdiscursivos, os sentidos não ditos, mas latentes, podem ser detectados e auferidos. Desse modo, flagram-se identidades, estereótipos, preconceitos, opressões sociais, manipulação ideológica. O objeto de estudo da Semiolinguística é o discurso que subjaz a um texto. BEATRIZ DOS SANTOS FERES 55 Muitas vezes, somos questionados a respeito dos limi- tes entre Semiolinguística e Linguística de Texto. Alguns conceitos presentes nas análises filiadas a ambas as teorias são comuns e bastante relevantes, cada um refletindo seu modo de análise. Costumo explicar que a diferença mais aparente reside no foco de investigação de cada uma dessas teorias: para a Semiolinguística, o discurso, a mise-en-scène que produz os sentidos de um texto e justifica a organização de sua materialidade é o que está em primeiro plano; para a Linguística de Texto, está em primeiro plano o texto em si, a materialidade significativa, embora não se possa prescindir do discurso, do contexto que o conforma. A abertura para interfaces com outras áreas do conheci- mento, como a própria Linguística de Texto, mas também com a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, a Psicologia Social, a Semiótica/Semiologia, a Teoria da Literatura (em alguns casos), entre outras, é uma característica bastante peculiar da Semiolinguística. A imbricação com outros ramos do pen- samento não só permite o aprofundamento de certos temas, como também abre espaço para configurações analíticas muito originais como, por exemplo, o tratamento discursivo da verbo-visualidade em si e de gêneros verbo-visuais como a publicidade, a charge, o meme, os quadrinhos, os livros ilustrados. Soma-se a isso a possibilidade de direcionar a BEATRIZ DOS SANTOS FERES 56 pesquisa para o campo da Educação, instrumentalizando o educador para o desenvolvimento da competência linguageira do alunado e para a criticidade. 6) Dos resultados de seus trabalhos, seria possível indicar contribuições para o ensino? A maior parte de meus trabalhos é vinculada ao ensino, sobretudo, porque meu interesse de pesquisa maisconstante é o processo leitor, as estratégias utilizadas na construção de sentidos de um texto, que podem auxiliar no desenvolvimento da competência leitora – uma das mais importantes respon- sabilidades da Escola. Também costumo dizer aos alunos que o analista do discurso é o leitor mais especializado que pode existir, portanto, o professor iniciado na Semiolinguística passa a dominar estratégias de leitura que não só indicam facilmente o caminho das inferências necessárias para uma interpretação competente, como também permitem avaliar as razões das dificuldades apresentadas pelo alunado durante a leitura conjunta com o mediador. Como exemplo de contribuição para o ensino, cito a aplicação do conceito de “competência de linguagem” (CHARAUDEAU, 2001) ao ato de ler conduzido na escola, assim como, a partir dele, o de “competência fruitiva” (FERES, BEATRIZ DOS SANTOS FERES 57 2011), desenvolvido no doutorado. Charaudeau delineava, à época, uma competência diretamente relacionada ao uso da linguagem, composta por três subcategorias, de acordo com os três níveis de construção de sentido de um texto: a semiolinguística, a discursiva e a situacional. Analisando quatro livros ilustrados de Ziraldo, procurei demonstrar que, na escola, para além de se desenvolver a capacidade que dota o leitor de habilidades para a construção de sen- tidos (intelectivos), próprias da competência de linguagem, é preciso desenvolver também uma competência específica para a fruição, que recobre todas as outras, para o “sentido”, para o sentimento (como ato de sentir) por meio do texto. É uma competência vinculada à sensibilidade, às inferências patêmicas, orientadas pelos imaginários, mas também pela capacidade perceptiva do leitor. Além disso, tenho desenvolvido vários projetos de pesquisa cujo objeto de estudo é o texto verbo-visual, especialmente os livros ilustrados (quase sempre direcionados ao público infantil). A leitura/interpretação da verbo-visualidade carece (ainda) de investigação, sobretudo quando direcionada ao ensino. Textos sintéticos como charges, cartuns e memes parecem ser subaproveitados nas atividades escolares por falha na formação do professor. São poucos os cursos de licenciatura que se preocupam com a formação de mediadores BEATRIZ DOS SANTOS FERES 58 de leitura com consciência do processo leitor, com domínio da leitura verbo-visual (para dizer o mínimo), que saibam lidar com a densidade de gêneros como os citados e com a leitura sensível de livros ilustrados, geralmente utilizados no Ensino Fundamental. São textos altamente complexos, exigentes de muitas inferências e de investimento interpretativo, ricos para o trabalho de mediação, porém, tomados, muitas vezes, simplesmente como pretexto para ensino da norma culta, por exemplo. Atualmente, venho me debruçando na “análise do discurso amoroso”, tomando o amor como ética, como defende bell hooks (2020), na análise, mais uma vez, de livros ilustrados. Os licenciados em Letras, que atuam no Fundamental II como professores de Língua Portuguesa e lidam constantemente com leitura, literária inclusive, quase sempre terminam a graduação sem preparo para isso. Acredito que pesquisas vol- tadas para o discurso verbo-visual, ou, mais especificamente, iconoliterário sejam mais uma contribuição para o ensino, para a formação de mediadores de leitura comprometidos com o desvendamento de textos sensíveis e, por desdobramento, com a promoção de uma convivência mais crítica, respeitosa e humana. BEATRIZ DOS SANTOS FERES 59 7) A quais avanços da Semiolinguística na contemporanei- dade daria destaque e como vê os desafios de seu futuro? No Brasil, acompanhamos muitas pesquisas voltadas para semioses multimodais, principalmente em ambiente digital, mas também para temáticas urgentes (sobretudo para nós, brasileiros) como o racismo estrutural, a misoginia, a homofobia, a violência contra a mulher, estampadas nos textos mais ordinários, assim como nas expressões artísticas. O desafio da Semiolinguística, a meu ver, é se manter como uma teoria voltada para análise do discurso, sem se perder nas interfaces. Também se tornam mais frequentes análises de base semiolinguística de textos extraídos do ambiente digital, mas defendo junto a meus pares tomar como desafio um investimento maior em relação à análise de textos ficcionais, e não apenas aqueles de caráter rotineiro, ordinário, igualmente relevantes para descortinar os imaginários e os processos de manipulação de massa, por exemplo. Os textos ficcionais, assim como aqueles que descrevem poeticamente a sociedade, a meu ver, precisam ganhar mais destaque nas pesquisas, pois, além de refletir os imaginários, apresentam importante poder persuasivo, por causa da fácil adesão identitária do “interpretador” ao projeto de sentido em função da projeção a que é levado a realizar. Atualmente, oriento uma tese sobre BEATRIZ DOS SANTOS FERES 60 a representação LGBTQIA+ nas novelas brasileiras e uma dissertação sobre o candomblé nos sambas de enredo. Há outras pesquisas sendo desenvolvidas no Brasil com propostas semelhantes. Ambas tratam de bens culturais de grande alcance social que reverberam crenças, valores, posiciona- mentos. Trazê-los à visibilidade por meio das pesquisas é uma atitude que parece colaborar, de um lado, com a identificação de estereótipos, entre outros elementos que podem promover segregação social e, por outro, com a progressiva resistência a eles. (Outros trabalhos podem ser consultados a partir do site semiolinguística.uff.br.) Penso que o maior desafio para as Ciências Humanas, como um todo, e para a Semiolinguística, que é nosso fer- ramental, seja lutar por uma sociedade mais consciente de suas mazelas e mais crítica em relação às atitudes humanas. Essa é uma teoria que permite revelar o que fazemos quando dizemos algo e, assim, o que temos sido como humanidade. 8) Que leituras você indicaria para quem está iniciando seus estudos na Semiolinguística? A primeira leitura que sempre recomendo é a do livro de Patrick Charaudeau Linguagem e discurso: modos de organi- zação, pois pode ser considerado, no Brasil, a melhor fonte da BEATRIZ DOS SANTOS FERES 61 teoria, aquela que contém pressupostos essenciais, assinada por aquele que postulou a teoria. Depois, claro, o Discurso político e o Discurso das mídias (todos publicados pela Contexto). Mas há também muitos artigos do próprio Charaudeau, de fácil acesso no site dele, como “Uma análise semiolinguística do texto e do discurso” (inicialmente publicado no livro Da língua ao discurso: reflexões para o ensino, organizado pelas professoras Aparecida Pauliukonis e Sigrid Gavazzi) e “Uma teoria dos sujeitos da linguagem” (publicado inicialmente pelo NAD). Recentemente, foi lançado, pela Contexto também, o livro Semiolinguística aplicada ao ensino (já mencionado), fruto de aulas de um curso de extensão homônimo oferecido pelo grupo de professores do GPS-LEIFEN/UFF. Os conceitos da teoria explorados em cada capítulo estão relacionados com atividades didáticas. Há também muitos artigos espalhados pelas revistas de referência, escritos por pesquisadores bra- sileiros, altamente recomendados. BEATRIZ DOS SANTOS FERES 62 9) De que maneira a noção de contrato de comunicação – um conceito básico da Semiolinguística – orienta a troca comunicativa? O contrato de comunicação tem se mostrado o conceito basilar da Semiolinguística, atestando seu caráter psico-so- ciocomunicativo, conforme postula Charaudeau. O fato de haver um contrato entre os interagentes, isto é, um acordo tácito baseado em rituais comunicativos carregados de inten- cionalidade prova o condicionamento a que se submete o texto e sua forma, amparado pelas circunstâncias daquela enunciação específica, que incluem os sujeitos da interação, seus papéis sociais, a ambientação da troca, os gêneros discur- sivos acionados, os valores circulantes, os saberespartilhados. Se o contrato não for aceito pelo interlocutor, ou não for observado, provavelmente haverá ruído na comunicação. É o contrato que permite a finalização do sentido, que garante uma desambiguação, que comprova uma ironia, entre outros aspectos. Uma análise que não considere o contrato comuni- cativo não pode ser vista como semiolinguística. BEATRIZ DOS SANTOS FERES 63 10) Como se pode relacionar o conceito de imaginários sociodiscursivos, defendido pela Semiolinguística, com a construção do ethos e/ou pathos dos enunciadores? Os imaginários sociodiscursivos abrigam saberes de conhecimento e de crença, rituais, comportamentos, julga- mentos, modos de viver. Estando inscritos em um processo de interação, os sujeitos se moldam a imagens colhidas nos imaginários, seja para criar uma imagem de si (ethos) favorável à sua proposta comunicativa, seja para propor um “enqua- dramento sensível” (pathos) a seu interlocutor. As imagens de si e do outro precisam ser reconhecíveis, portanto, devem guardar semelhanças ou direcionamentos colhidos nos ima- ginários a partir de dados discursivos, ou “discursivizáveis”, que dizem respeito à seleção lexical ou à variedade linguística selecionada, por exemplo, mas também ao modo de o sujeito se apresentar como enunciador, de agir, de se vestir, de se comportar, de avaliar os corpos. Tudo devidamente “autori- zado” pelos imaginários. BEATRIZ DOS SANTOS FERES 64 11) Tendo em vista os desdobramentos da instância subjetiva em sujeitos sociais e discursivos da Semiolinguística, qual é a funcionalidade desses conceitos para os estudos do texto e do discurso? Tendo sido chamada pelo próprio Charaudeau de “teoria dos sujeitos da linguagem”, a discriminação de sujeitos “exter- nos” ao texto (sujeito comunicante e sujeito interpretante) e “internos” (sujeito enunciador e destinatário), também ratifica o caráter psico-sociocomunicativo da teoria. A funcionalidade desses conceitos pode ser observada quando se isola o “dizer”, a materialidade do texto, descreve-se sua composição e se justificam as escolhas feitas em razão do “fazer”, do circuito externo ao texto. O sujeito comunicante escolhe os recur- sos comunicativos de acordo com o que identifica na outra extremidade da troca, com o que imagina ser seu destinatário (imagem essa que pode ou não ganhar a aderência do sujeito interpretante). No caso do leitor, por exemplo, na extremidade da com- preensão textual, ele pode iniciar a construção dos sentidos pela materialidade do texto, mas não sem envolver sua exter- nalidade (incluindo a identificação do gênero discursivo como elemento “conformador” do texto). Em outras palavras, a diferenciação dos sujeitos conforme a Semiolinguística BEATRIZ DOS SANTOS FERES 65 permite vários movimentos de identificação de implícitos oriundos das escolhas formais e dos dados externos ao texto. Parece fácil dimensionar a funcionalidade desses conceitos no episódio protagonizado por Augusto Aras, procurador geral da República, quando, no Conselho Nacional do Ministério Público, pretendeu homenagear as brasileiras no 8 de março – dia dedicado internacionalmente à luta pelos direitos das mulheres. Disse ele: “Esse dia é um dia de homenagem à mãe, às filhas. É um dia de homenagem à mulher. À mulher no seu sentido mais profundo, da sua individualidade, da sua intimidade. À mulher que tem o prazer de escolher a cor da unha que vai pintar. À mulher que tem o prazer de escolher o sapato que vai calçar. Pouco me importa que tipo de escolha ela faça, porque essas maravilhosas mulheres que integram as nossas vidas e as nossas instituições são tão dedicadas a todas as causas em que se envolvem” (EM HOMENAGEM..., 2022). Após repercussão dessa fala, tentando remendar o estrago da declaração, defendeu-se dizendo que estava sendo mal compreendido e completou: “apenas destaquei que é possível buscar qualquer posição, até o mais alto posto da República, sem abrir mão de sua feminilidade” (SOUZA, 2022). Como sujeito comunicante que se desdobra em enunciador, Augusto Aras, em seu papel social de procurador-geral da República, declara explicitamente a intenção de fazer uma BEATRIZ DOS SANTOS FERES 66 homenagem às mulheres, portanto, espera-se que apresente uma qualificação positiva sobre elas, a fim de enaltecê-las. Em outras palavras, o efeito visado por ele é o de afetar emocional e positivamente seu destinatário (ideal), a mulher brasileira, para quem ele dirige sua fala no emblemático dia da mulher, dia de luta por respeito e por igualdade de direitos, de espaços, de escolhas. Ele projeta então um sujeito enunciador que tem o direito (e quase o dever, em função de seu cargo) de exaltar características positivas de suas interlocutoras – mas que deixa implícito, naquilo que diz, aspectos combatidos pelo pensamento feminista. No seu dizer, Aras destaca aspectos frívolos (escolher a cor da unha e os sapatos), funções “naturalmente” atribuídas às mulheres, relacionadas ao espaço doméstico (“mães e filhas”), subalternidade e marginalidade em relação aos homens (“essas mulheres maravilhosas que integram nossas vidas”) e uma bem conformada “feminilidade” moldada pela sociedade patriarcal (“sem abrir mão de sua feminilidade”). O machismo estrutural e, em sua fala, “oficialmente” institucionalizado, transborda de suas escolhas e, diferentemente do efeito visado pelo produtor do texto – que se dirigia a uma coletividade ainda crédula do lugar “menor” ocupado pelas mulheres –, acaba sendo responsável por um efeito produzido (mas não planejado) na parcela de sujeitos interpretantes que não aderem BEATRIZ DOS SANTOS FERES 67 ao sujeito destinatário previsto nesse ato de linguagem. São esses sujeitos interpretantes, no espaço do “fazer”, que resistem ao “dizer” equivocado do procurador-geral da República, e “gritam” nas redes sociais. Figura 1 – Sujeitos da linguagem sujeito-comunicante (sujeito do fazer) AUGUSTO ARAS: procurador-geral da República que pretende homenagear as mulheres em seu dia de luta – 8 de março sujeito-enunciador (sujeito do dizer) AUGUSTO ARAS: aquele que qualifica as mulheres como frívolas, orbitando os homens e cumprindo seu papel “natural” no espaço doméstico sujeito-destina- tário (sujeito do dizer) idealizado pelo sujeito-comunicante MULHERES projetadas como aquelas cuja feminilidade é representada pela frivoli- dade e subalternidade sujeito interpretante (sujeito do fazer) SOCIEDADE, público em geral, dividido entre aqueles que aderem ao projeto de fala e aqueles que o rejeitam Fonte: autoria própria BEATRIZ DOS SANTOS FERES 68 A ação projetada por Augusto Aras, então, não corresponde exatamente à ação realizada, pois a homenagem, para aqueles que se revoltaram nas redes sociais, vibrou como declaração sexista, fruto do machismo estrutural que rege os modos de pensar de nossa sociedade. O sujeito comunicante Augusto Aras, ao tentar projetar um enunciador que homenagearia as mulheres, mostrou, implicitamente, pelo discurso, um outro enunciador extremamente machista. Seu papel social como procurador-geral que deve fazer uma homenagem às mulheres é, de certo modo, maculado em sua fala, em seu dizer, pois revelador de uma atitude bastante preconceituosa – e é esse enunciador que é percebido na extremidade oposta da comunicação, na posição dos espectadores, dos sujeitos interpretantes, que não aderem nem ao projeto de fala, nem à imagem do destinatário planejada. Parece relevante ainda dizer que, em muitas análises, esses desdobramentos dos sujeitos podem ser muito mais complexos, às vezes, considerando-se, por exemplo, o sujeito comunicante com uma instância compósita (por exemplo, na publicidade, quando essa instância é constituída pela agência e pelo contratante), ou circuitos englobantes e englobados (por exemplo, nas charges, em que se consideram os sujeitos interagentes no circuito estabelecido entre chargista e leitor,
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