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O Renascimento (1)-30-35

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A evolt-1ção da 
ct-1ltt-1 ~á ~e~asce~+i sta 
~C\ Jtália 
organizaçào elas cidades italianas em ciclacles-Estaclos, ou 
em repúblicas independentes , começa a manifestar-se 
desde o século XI, através das lutas elas comunidades 
citadinas contra os senhores feudais que se arrogavam 
poderes, tutelas e direitos sobre elas. A autonomia completa da maior 
pane dessas cidades já era um fato concreto no limiar do século XIII. 
Após uma luta longa e difícil , as comunidades urbanas elaboraram suas 
próprias regras comunitárias, prevendo ampla participaçào ele todas as 
camadas que contribuíram para a independência , no governo e 
aclministraçào da nova república. Entretanto, o aumento ela prosperi­
dade econômica das cidades mercantis ao longo ele todo esse processo 
nào contribuiria para reforçar essa solidariedade entre as classes 
urbanas . Ao contrário, as guildas e corporações mais bem-sucedidas 
em seus negócios passam a gozar de uma situaçào econômica tào 
favorável que lhes permite manipular as instituições ela nova república 
a seu gosto, por meio do suborno, da fraude eleitoral e ela corrupçào 
administrativa. 
Assim, o governo das cidades tende a cair nas màos elos líderes elas 
corporações superiores, o que dá margem à luta elas corporações 
menores contra as mais poderosas. Nào bastasse isso, como um elos 
objetivos elos chefes das guildas mais ricas era justamente controlar o 
governo ela cidade para provocar o rebaixamento elos salários dos 
jornaleiros, também esses entrarào em luta contra os chefes elas 
corporações. E, para complicar ainda mais esse cenário turbulento, as 
cidades mais ricas começam a disputar entre si o controle das 
52 
principais rotas e centros produtores de matérias-primas e mercado­
rias , o que as leva a lutar entre si pelo controle estra tégico dos 
mercados e contra as cidades menores para dominá-las . A Itália dos 
séculos XIII e XIV, portanto, será marcada por essa convulsào em 
vários níveis , internos e externos às cidades, por detrás das quais a 
prosperidade comercial prossegue continuamente, aumentando o 
vigor elos conflitos . 
Essa ordem múltipla ele conflitos intensos levaria as cidades 
progressivamente a nomear um chefe militar, o podestà, encarregado 
ele controlar tropas mercenárias para as lutas. Os podestà obteriam 
esses serviços junto aos condottieri, misto de empresários militares e 
chefes de tropas, que alugavam seus serviços a quem melhor lhes 
pagasse . É fácil prever a evoluçào dessa conjuntura: em pouco tempo 
os podestà acabam assumindo todo o controle político elas cidades, 
graças ao poder ele fato que possuíam nas màos; mas somente para 
perdê-lo em seguida para os próprios condottieri, que usariam a força 
ele suas tropas para conquistar o controle elas cidades. Essa situaçào 
interessava à alta burguesia, que pretendia submeter a cidade a um 
poder forte , ditatorial e receptivo a suas diretrizes . Essa seria, em 
resumo, a evoluçào ela maior parte das cidades italianas. 
Retratos de Francisco Sfnr:a. duque de 
e de sua mulher Bimtca Maria Viscol//i. 
de 1450 a 1466. 
53 
Em algumas, o próprio condottiere controla o poder, como 
Francesco Sforza em Milão; em outras são os podestà que o mantêm, 
como os Este em Ferrara, os Gonzaga em Mântua ou Federico de 
Montefeltro em Urbino, ou cidadãos extremamente ricos que contro­
lam as tropas e as instituições com os seus recursos , como os Médici 
em Florença , os Baglioni em Perúgia e os Bentivoglio em Bolonha. São 
conservadas as instituições republicanas em muitas dessas cidades, 
como na Florença dos Médici , mas quaisquer estatutos são letra morta 
diante do poderio incontrolável desses cidadãos de primeira classe. 
Toda a cidade se submete, em geral sob violência , a suas imposições. 
Via de regra , irrompem revoltas , como a dos ciompi em Florença 
0378), em que os artesãos das corporações menores assumem o 
controle da cidade por cerca de quatro anos , restaurando a democracia 
inicial, para serem logo após novamente marginalizados social, 
econômica e politicamente. Veneza permaneceria como uma repúbli­
ca com alguma estabilidade, porque ali as poucas famílias que 
dominavam economicamente a cidade se revezavam no cargo de doge, 
controlando ciclicamente o poder. 
É por trás desse panorama tempestuoso que se desenvolve a 
cultura renascentista , voltada para os princípios do equilíbrio, da 
harmonia, do naturalismo, da economia do espaço, da forma e da luz; 
para a racionalidade e a homogeneidade, enfim. Nesse período de 
caos e opressão, seu compromisso era com a ordem e a liberdade do 
espírito humano. Tratava-se, então, de uma cultura alienante que 
procurava negar a dinâmica da realidade? Não, sua coerência se dava 
com o movimento profundo e não superficial da sociedade, com a 
expansão das relações mercantis, com o aperfeiçoamento das técnicas 
produtivas, contabilistas e gerenciais, com a ampliação, homoge­
neização e conquista do espaço territorial , transformado em espaço 
econômico . Quem a alimentava era a prosperidade mercantil, daí ela 
estar comprometida com a atitude racional, projetiva , econômica, 
organizadora, mas também agressiva , conquistadora , sequiosa de 
independência , de espaço, de saber e de distinção . 
Tt<ecenfo 
Já é um procedimento habitual entre os historiadores dividir o 
Renascimento italiano em três fases , cada qua l correspondente ao 
período de um século : o Trecento(século XIV), o Quattrocento(século 
54 
XV) e o Cinquecento (século XVI). O primeiro desses períodos, 
chamado também, por alguns estudiosos, de pré-Renascimento, 
representa a fase inicial de elaboração da cultura renascentista , quando 
serão esboçados e difundidos alguns dos princípios mais caros da nova 
arte e do pensamento humanista. Na Itália , esse período é represen­
tado por criadores dos mais ilustres, como Dante, Petrarca e Boccaccio 
na literatura; Cimabue, Duccio e Giotto na arte. Nessa fase ainda estão 
presentes , e muito fortes , os elementos medievais, mas os fermentos 
da transição agem com maior eficácia, caminhando para a caracteriza­
ção de um novo estilo de composição, afinado com novos conteúdos 
e dirigido a sensibilidades modernas. A evolução na arte é muito 
característica a esse respeito. 
Esse período é em geral classificado pelos críticos como o dos 
primitivos italianos . Pode-se perceber nele duas seqüências criativas 
distintas, embora tendentes a se entrecruzarem. Numa primeira, temos 
o grupo centrado na cidade de Florença e encabeçado por Cimabue • 
0240-1302), Duccio di Buoninsegna 0255-1318) e Giotto (1266-
1337) . É praticamente com esses pintores que nasce a maniera nuova, 
abandonando o hieratismo e a rigidez do bizantino e explorando a 
mobilidade, o cromatismo e a espacialidade do gótico. Desse encontro 
de estilos nasceria um esforço para o encontro da realidade, com­
preendida como uma figuração comprometida com a impressão 
sensível e não com valores teológicos, filosóficos ou metafísicos. 
Esforço visando dar vida e movimento às figuras , expressão aos rostos, 
colorido às cenas e acrescentar um efeito de espaço à composição. Na 
docilidade das formas, na expressividade dos personagens e na 
profundidade dos cenários é que se encontraria o mérito maior desses 
grandes inovadores. 
A morte de Giotto é seguida de uma crise econômica particular­
mente profunda em Florença , com a falência das grandes companhias 
dos Bardi e dos Peruzzi 0339) . Esta situação persiste e se agudiza até 
irromper na revolta dos ciompi0378) , abalando a posição econômica 
e política da cidade e desencorajando os gastos com a arte e a cultura. 
Quem resgata o ímpeto criativo de Florença nessa fase é então a 
pequena mas estável comunidade mercantil de Siena . Duccio era 
nascido nessa cidade, passando a trabalhar mais tarde em Florença. 
Destacam-se então, na pequena Siena, artistas de primeira grandeza 
como Simoni Martini 0283-1344), que seria chamado para pintar o 
palácio dos papas de Avinhão; os irmãos Pietro e Ambrogio Lorenzetti0280-1348); Tacleo Gaddi 0300-1366); Bernardo Daddi 0330-1410); 
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Spinello Aretino 0330?-1 410). A grande contribuição dos artistas de 
Siena pode ser resumida na seu esforço para aperfeiçoar as técnicas 
de aprofundamento do espaço. Nào contentes com o espaço estreito 
e limitado de Giotto, para o qual ele fora buscar inspiração nos cenários 
teatrais elos mistérios populares, os primitivos sieneses irão tentar a 
representação do espaço natural, dos campos da cidade. Introduziram 
um elemento novo, mas que a partir dali se incorporaria definitivamen­
te à pintura renascentista e, de resto, a toda pintura européia até inícios 
do século XX: a paisagem. 
O Trecentopode ser visto como um período de aprendizagem da 
arte renascentista, embora somente se o virmos da perspectiva do 
conjunto do movimento, pois guarda uma unidade própria e tem seus 
valores e seus objetivos. Mantém uma atitude cândida para com a 
natureza e sua religiosidade guarda o frescor do franciscanismo, tào 
difundido nas camadas populares . A origem humilde e a condição de 
artesãos da maioria dos pintores desse período podem nos esclarecer 
essas disposições de espírito. E nesse sentido há uma visível tensão 
entre essa arte da pintura , próxima ainda às formas populares, embora 
cada vez mais comprometida com a burguesia - à qual se dirige-, e 
a literária , atravessada ele um nítido aristocratismo. Situação, ele resto, 
compreensível, em vista do estatuto inferior ele que gozava a pintura em 
relação à literatura, segundo o padrão tradicional da cultura medieva l. 
Situação que seria plenamente redimida no período seguinte. 
Ql.-1aHrocenfo 
O Quattrocentoé a época elas grandes realizações elo Renascimen­
to. Nele, Florença reassume a hegemonia incontestável da cultura 
italiana e européia . É o período ele ascensão dos Médici, que 
controlarão Florença de 1434 a 1492, seguindo-se Cosme , Pedro e 
Lourenço ele Médici, o Magnífico. Todos foram grandes protetores ele 
a1tistas , e Lourenço foi o maior dos colecionadores de obras de arte 
de seu tempo. Lourenço fundou a Academia Platônica de Florença. Era 
um grande poeta e deu o tom à produção cultural florentina durante 
todo o seu período ele governo. Esse foi também o período de fast ígio 
econômico e político da cidade. Florença conquista e mantém sob jugo 
quase toda a região da Toscana; em 1406 submete Pisa e passa a 
utilizar-se de s~u porto; em 1421 compra o porto de Livorno, e sua rica 
56 
burgu~s ia passa a desfrutar lucros imensos no comércio com Veneza . 
As classes dominantes florentinas concorrem num luxo exibicionista 
entre si e com as demais cidades. A instalação da cúpula da Catedral 
de Santa Maria dei Fiori, encomendada ao arquiteto Brunelleschi, 
consagra com o mais significativo dos monumentos renascentistas a 
glória e a hegemonia da burguesia florentina . A cidade dá-se até ao 
luxo de exportar artistas e criadores geniais, como o próprio Leonardo 
da Vinci. 
No campo filosófico e lite-
rário , o Quattroce11to consagra 
a vitória do humanismo, com a 
instalação da cadeira de língua 
grega na Universidade de Flo­
rença, aos cuidados do erudito 
Manuel Chrysoloras e do pla­
tonismo da Academia Platônica 
com Marsilio Ficino e Pico de lia 
Mirandola. A arquitetura tem 
seu primeiro momento de apo­
geu com Ghiberti (também es­
cultor), ainda sob influência 
gótica, e com o genia l Brunel­
leschi. Manifesta-se na mesma 
Florença o primeiro dos gran­
des escultores renascentistas, 
Donatello, que daria a suas 
obras um sentido de monu­
mentalidade , individualismo 
e exp ressão psicológica que 
marcariam toda a arte escul­
tórica moderna. Suas superfí­
cies gigantescas são projetadas 
ele forma a propiciar uma eco­
nomia racional da forma e 
do espaço e uma distribuição 
planejada da luz e das sombras. 
Cúpula da Catedral de Sama 
Maria dei Fi01·i. em Florença. 
obra de Bmnel/eschi. 
Ao significado que tiveram Brunelleschi para a arquitetura e 
Donatello para a escultura , corresponde a importância de Masaccio 
para a pintura. Sendo o principal representante da corrente de pintores 
que procu raria no século XV aprofundar e levar às últimas conse-
57 
A última geração de artistas florentinos des~e mesmo século 
representaria uma espécie de síntese das duas anteriores, procurando 
fundir as conquistas formais e espaciais da corrente encabeçada por 
Masaccio, com a graça , a sutileza e o formalismo dos seguidores de Fra 
Angelica . Nela se destacaram pintores como Pollaiolo, Andrea del 
Verrocchio, Filippo Lippi, Ghirlandaio e o sublime Sandro Botticelli. 
A arte desses pintores oscila entre a representação naturalista e o 
artificialismo afetado da convenção. Eles se manifestam numa Floren­
ça já em decadência , cuja burguesia se revestira ele hábitos e atributos 
aristocráticos, tornando-se uma classe conservadora, sequios<.J de 
resguardar suas conquistas ele épocas anteriores . A arte dessa geração 
revela, por isso, um tom extremamente refinado, cortesão e altivo . Era 
preciso reforçar simbolicamente uma segurança e um fastígio que já 
não corresponcliam à realidade concreta. 
Na última metade elo século XV e na primeira elo XVI desenvolveu­
se ainda uma notável escola ele pintores em Veneza , cujos principais 
representantes foram Carpaccio, Antone llo ele Messina , Giorgione, os 
irmãos Gentil e e Giovanni Bellini , e Ticiano. Dadas as condições quase 
cosmopolitas ela cidade ele Veneza , seus contatos intensos com o 
Oriente e o norte ela Europa , sua arte seria a resultante ele inúmeras 
e diversas influências e ela incorporação ele técnicas estrangeiras. A 
principal dessas técnicas e que daria o tom tão peculiar à pintura 
veneziana foi a da tinta a óleo. Graças à maior maleabilidade e 
versatilidade desse recurso, a força dessa arte repousaria sobretudo 
nos efeitos cromáticos e luminosos que seus pintores conseguiriam. O 
colorido de seus quadros é rico e variado, a luz solar é irradiante e 
sempre em tons dourados , o conjunto de suas obras reflete uma 
atmosfera ambarina, transparente , que homogeneíza todo o clima elo 
quadro. Aliás, esses pintores não pararam aí, fizeram também expe­
riências com sombras, trevas e luzes fugazes, conseguindo realizações 
extremamente felizes, como o revela a Tempestade, ele Giorgione . 
Como características gerais da arte quatrocentista , caberia lembrar 
a superação da técnica do afresco pela do quadro realizado em 
cavalete, que passaria a predominar a partir de então. o quadro é um 
desdobramento da miniatura, representando uma influência que vinha 
elo Norte e que superou o afresco, técnica já tradicional da pintura 
italiana. Na mesma linha ele mudanças, os quadros em madeira seriam 
rapidamente substituídos por telas , dando ainda mais versatilidade ao 
trabalho dos artistas . Dessa forma, a arte pictória se libertava definiti­
vamente da dependência da arquitetura , e os quadros podiam ser 
60 
transportados comodamente para onde e por quem o quisesse, 
tornando-se um bem móvel, o que amplia seu valor e intensifica e 
facilita sua comercialização. É claro que a assimilação da técnica do 
óleo se tornou a contrapartida dessa arte agora independente, portátil 
e mais mercantil do que nunca. O próprio formato do quadro (sem 
fa lar de sua moldura, que começa a constituir uma arte à parte) varia 
de acordo com o gosto, a necessidade ou os intuitos do pintor ou do 
colecionador, tornando-se uma moda muito difundida o quadro 
redondo (tondo) . 
Primavera, de Bollice/li. 
A forte penetração elas obras franco-flamengas e das gravuras 
alemãs no ambiente italiano contribuiria para dar novos rumos a essa 
arte. Adquire-se o gosto pela representação naturalista do real baseada 
na figuração variada de rostos, corpos, flores, animais , elementos e 
objetos que se pode observar. Seguindo o gosto elo Norte, grande parte 
dos artistas italianos se deixa ria seduzir por uma pintura de descrição 
e estudo, toda ela voltada para a pluralidade e riqueza ele formas do 
mundo. Nesse sentido, começariama aparecer as primeiras naturezas­
mortas, estudos detalhistas ele objetos e elementos arbitrariamente 
dispostos. Com esse mesmo espírito se imporia a representação da 
61 
paisagem, voltada para a observação da cena rural , da marinha , que 
representava cenas portuárias ou de porções do litoral ou do mar, tão 
ao gosto·dos flamengos. E mais ainda: a preocupação de captar um 
relance parcial ou uma imagem conjunta de uma cidade, suas ruas e 
lugares públicos. A pintura começava a ganhar o mundo em todas as 
suas dimensões. 
Naturalmente, a preocupação maior estava na representação do 
ser humano. A arte renascentista nunca se distanciou demasiado dessa 
sua vocação antropocêntrica. Nesse momento, a preocupação com a 
figuração da imagem humana se concentraria na representação do 
corpo, percebido em toda a extensão de sua carnalidade, suas formas, 
seu peso, sua textura, sua ossatura, sua musculatura, sua anatomia, 
enfim. A princípio, com Donatello e Masaccio, a materia lidade e a 
exuberância do corpo vêm sugeridas nas formas sob as roupas. A partir 
de Luca Signorelli e principalmente com Michelangelo, ele aparece 
exposto em toda a dignidade superior ela sua nudez : o centro ela 
criação, o filho de Deus, o herói elo universo, a criatura perfeita. O tema 
elo nu se torna uma elas fixações da arte ocidental desde essa época . 
Nos quadros de inspiração religiosa surgem com freqüência cada 
vez maior cenas que dão ensejo ao tratamento elo nu , como a 
flagelação, a crucificação, as cenas do paraíso e do inferno e um tema 
que se torna obses~i·:o: o martírio ele São Sebastião. Por outro lado, o 
recurso à mitologia clássica também possibilitava uma explo ração 
ilimitada dos efeitos elo nu e por isso foi bastante praticado, sobretudo 
com Botticelli. Desenvolve-se também a moela elo retrato profano, das 
cenas domésticas e de família. Ser eternizado numa tela , com ar altivo, 
cercado ele símbolos ele poder e de uma clientela subserviente era uma 
tentação a que os ricos e poderosos não poderiam mais resistir. Esses 
atributos simbólicos, glória e eternidade, deixaram ele ser um privilégio 
divino e se tornaram um valor de mercado, à disposição ele quem 
pudesse adquiri-los. 
CinqV~ecenfo 
O último período elo Renascimento italiano e aquele em que as 
obras artísticas atingiram seu mais elevado grau de elaboração foi o 
Cinquecento, c01-respondenclo ao século XVI. Nesse momento as 
cidades italianas começam a enfrentar terríveis dificuldades econômi-
62 
cas, que cedo desandam em con­
flitos sociais agudos, principal­
mente em virtude elas navegações 
portuguesa e espanhola que atin­
gem o Oriente e o continente 
americano, rompendo e arruinan­
do o monopólio turco-italiano ele 
especiarias, que fora até então a 
base de sua riqueza e poderio. 
Aproveitando-se elas dificuldades 
elos italianos, Carlos VIII , rei ele 
França, invade a Itália em 1494, ele 
onde só seria expulso em 1495 
diante ele uma coligação ele tropas 
espanholas e alemãs. As cidades já 
não tinham como reger seus eles­
tinos , eram os peões no jogo elas 
grandes potências. Só o papado, 
em Roma , conseguia, em sua es­
trutura imperial , reunir recursos , 
senão para vencer os estrangeiros, 
pelo menos para mantê-los ca l­
mos, satisfeitos e distantes. Mas tal 
situação não poderia estender-se Moisés. de Michelangelo. 
por muito tempo e tem um desfe-
cho clrarnático em 1520, com a irrupção da Reforma Luterana e, em 
1527, com a invasão ele Roma e o saque ela cidade e elo palácio 
pontificai pelas tropas hispano-alemãs ele Carlos V. 
Até que chegasse esse momento, entretanto, os dois papas do 
período, Júlio II (1503-1513) e Leão X (1513-1521) , este último filho de 
Lourenço ele Médici , criam na cidade e em torno elo trono papal uma 
atmosfera ele luxo, requinte e sofisticação cultural , transformando a 
corte pontificai no ambiente mais fértil e propício para a criação 
artística . Nesse período é que se iniciam as obras para a edificação ela 
nova Basílica ele São Pedro e a decoração do Palácio elo Vaticano, 
atraindo para Roma artífices e artistas de todas as especialidades e 
procedências . O projeto elo novo edifício da basílica foi originalmente 
proposto pelo arquiteto Bramante, que retoma os ensinamentos de 
Brunelleschi , dando-lhes entretanto uma dimensão que ia muito além 
elas rea li zaçôes elo mestre florentino. Bramante concebe um monu-
63 
menta arquitetônico de tal magnitude que o torna incomparável com 
a escala dos edifícios religiosos anterio res. O plano da basílica é 
organizado segundo uma trama extremamente complexa ele simetrias 
e equilíbrios múltiplos, baseada numa combinação arrojada de círcu­
los e qúadrados e coroada por uma gigantesca cúpula semi-esférica de 
magnificência imperial. Se o templo era uma homenagem ao Senhor 
das Alturas , não deixava igualmente ele exaltar o poder secular elo 
Príncipe da Igreja que nele deveria oficia r. 
No plano da pintura , o destaque elo Cinquecento reca i inelutavel­
mente sobre Leonardo ela Vinci, Michelangelo e Rafa el. A arte italiana 
atingiria o auge com esses pintores, cujas obras passa ram a servir como 
base para a identificação mesma do estilo renascentista , passa ndo 
todos os seus antecessores a ser chamados de primitivos ou pré­
renascentistas . Sua influência seria decisiva , impondo os caminhos ele 
praticamente toda a arte ocidental até o início elo século XX. Eles iriam 
incorporar todos os aperfeiçoamentos técnicos e descobertas formais 
que vinham se multiplicando desde Giotto e lhes dariam o acabamento 
mais cristalino, composto num estilo homogêneo, límpido e ao mesmo 
tempo denso e rico de significações que transcendiam os próprios 
limites temáticos das suas obras. 
A pintura ele Leonardo desenvolve até um preciosismo virtuoso­
o método ele composição através dos jogos ele luz e sombra 
( chíaroscu ro). Em lugar ele definir com linhas nítidas o perfil elas 
figuras que retrata , procura reproduzir habilmente o próprio percurso 
ela luz, deixando indefinidos os contornos que se perdem nas partes 
escuras e sombreadas e recortando com nitidez as superfícies banha­
elas mais diretamente pela luz. O efeito é um rea lismo maior elas figuras 
e um tom geral ele unidade e homogeneiclacle que rea lça a atmosfera 
mágica da pintura. Esse recurso é ainda reforçado por uma utilização 
primorosa da técnica elo esfumaçamento (sji unato), que banhava todo 
o quadro de uma neblina suave e evocativa, atribuindo-lhe uma aura 
ele elevação e mistério. Mistério esse acentuado e explorado pelo 
tratamento psicológico que Da Vinci conferia a seus personagens, 
tentando captar nas expressões os recônditos mais profundos ela alma 
humana. É o que ressa lta ele suas obras mais significa tivas, particular­
rÍ1ente a Monalisa e a Virgem dos Rochedos. 
Ao contrário de Da Vinci, que desprezava a escultura como meio 
de expressão, Michelangelo seria o poeta do corpo concebido em toda 
plasticidade de sua massa tridimensional. O mistério para esse artista 
não se concentrava na expressão facial, mas se disseminava por todo 
64 
A Madona com uma criança e o pequeno S. João Batista, de Rafael. 
músculo do corpo, por toda ruga da pele ou toda veia e ntumescida. 
Profundamente envolvido tanto pelo platonismo florentino quanto 
pela crise espiritual que abalou todo esse início do século XVI, o artista 
se aplica em destacar a tensão permanente que se instala entre o corpo 
e o espírito, a carne e a alma. Suas figuras, mesmo que numa atitude 
serena , denotam uma energia latente e indômita que vem de dentro 
65

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