Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/280316715 História do Paraná: pré-história, colônia e império Article · January 2011 CITATIONS 0 READS 1,591 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: A presença das populações Jê (Kaingang e Xokleng) na Capitania de São Paulo nos séculos XVIII e XIX View project A EXPEDIÇÃO DE REINHARD MAACK EM 1933-1934 NO INTERIOR DO PARANÁ View project Lúcio Tadeu Mota Universidade Estadual de Maringá 88 PUBLICATIONS 222 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Lúcio Tadeu Mota on 20 June 2017. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/280316715_Historia_do_Parana_pre-historia_colonia_e_imperio?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/280316715_Historia_do_Parana_pre-historia_colonia_e_imperio?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/A-presenca-das-populacoes-Je-Kaingang-e-Xokleng-na-Capitania-de-Sao-Paulo-nos-seculos-XVIII-e-XIX?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/A-EXPEDICAO-DE-REINHARD-MAACK-EM-1933-1934-NO-INTERIOR-DO-PARANA?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Lucio_Mota4?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Lucio_Mota4?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/institution/Universidade_Estadual_de_Maringa?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_6&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Lucio_Mota4?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Lucio_Mota4?enrichId=rgreq-cd1fa6dcd7082a06805fc0897a763fa1-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzI4MDMxNjcxNTtBUzo1MDczNjI0MzU5MjM5NjhAMTQ5Nzk3NjA0MDIzOA%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf FORMAÇÃO D E P R O F E S S O R E S - E A D - - é 1 ZONA CO.LONISADA no ÉSTilUO «O PAllANÀ ' oi»|ín«tíii/peloOn^enheiM i^^mrti^mdxv fornira ^wái Vmcssv.o G i o B O i . í História do Paraná: relações s o c i o c u l t u r a i s da pré-história à e c o n o m i a cafeeira^ HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA Maringá 2012 História do Paraná: relações socioculturais da pré-história à economia cafeeira EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Reitor: Prof. Dr. Júlio Santiago Prates Filho Vice-Reitora: Profa. Dra. Neusa Altoé Diretor da Eduem: Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini Editora-Chefe da Eduem: Profa. Dra. Terezinha Oliveira CONSELHO EDITORIAL Presidente: Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini Editores Científicos: Prof. Dr. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Angela Mara de Barros Lar Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Profa. Dra. Cecília Edna Mareze da Costa Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista Profa. Dra.Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Profa. Dra. Regina Lúcia Mesti Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Profa. Dra. Rozilda das Neves Alves Prof. Dr. Sezinando Luis Menezes Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis EQUIPE TÉCNICA Fluxo Editorial: Edilson Damasio Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Projeto Gráfico e Design: Marcos Kazuyoshi Sassaka Artes Gráficas: Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing: Marcos Cipriano da Silva Comercialização: Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima Maringá 2012 FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD Lúcio Tadeu Mota 60 História do Paraná: relações socioculturais da pré-história à economia cafeeira Coleção Formação de Professores - EAD Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Luciana de Araújo Nascimento Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio Eliane Arruda Izabela Carolina Pereira Vargas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Endereço para correspondência: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br Copyright © 2012 para o autor Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2012 para Eduem. Mota, Lúcio Tadeu Mota História do Paraná: relações sócio-culturais da pré-história a economia cafeeira / Lúcio Tadeu Mota. -- Maringá: Eduem, 2012. 120p. (Coleção Formação de Professores - EAD; v. 60). ISBN 978-85-7628-494-9 1. História do Paraná – Estudo e ensino. 2. Economia cafeeira – Paraná – Estudo e ensino. 3. Paraná - História. CDD 21. ed. 981.6 M917h 5 Sobre o autor Apresentação da coleção Apresentação do livro CAPÍTULO 1 A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 CAPÍTULO 2 O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 CAPÍTULO 3 O Paraná provincial 1853 – 1889 CAPÍTULO 4 O Paraná no século XX Referências > 7 > 9 > 11 > 15 > 35 > 61 > 87 > 112 umárioS 7 Lúcio Tadeu Mota Graduado em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Po- lítica de São Paulo (1980). Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Univer- sidade Católica de São Paulo (1992). Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998). Pós-doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro. Atualmente, é professor As- sociado I da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Etno-história Indígena, atuando principal- mente nos seguintes temas: fronteiras e populações, Etnohistória indígena, relações interculturais, índios Kaingang e história da bacia do Rio da Prata. obre o autorS 9 A coleçãoFormação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em 2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares. A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado Universidade Aberta do Brasil (UAB). A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi- dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB. Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura, da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a formação do Pedagogo na atualidade. Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço co- letivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse processo. Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais ins- tituições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta coleção. Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba- lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante presentação da ColeçãoA HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 10 específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De- partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu- desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma modificação significativa da sistemática das atividades docentes. No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES) conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li- beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação Geral de Articulação. Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB. Maria Luisa Furlan Costa Organizadora da Coleção 11 A princípio, tudo representava um panorama selvático. O seio da terra virginal, recoberto de florestas seculares, abrigava tesouros inestimáveis de fecundação e fertilidade prontos para fornecer colheitas dadivosas (....). Havia, de primeiro, a terra protegida pela floresta imensa. E lentamente a floresta, a floresta tão exuberante e impenetrável cedia lugar àqueles homens intrépidos e valentes. Frases como essas acima, de diferentes autores, são comuns nos escritos sobre a história do Paraná. Construiu-se a ideologia de que esses territórios estavam vazios, desabitados e prontos a serem ocupados. Essa construção ocorreu dentro dos marcos da expansão capitalista que incorporou imensas áreas do norte, oeste e sudoeste do Estado no século XX ao seu sistema de produção. Os agentes dessa construção são muitos: desde a história oficial das companhias colonizadoras; os discursos governamentais; os escritos que fazem a apologia da colo- nização; a geografia que trata da ocupação nas décadas de 30 a 50 do século XX; a his- toriografia paranaense produzida nas universidades e, por fim, os livros didáticos que, se utilizando dessas fontes, repetem para milhares de estudantes do Estado a ideia de que os vastos territórios ocupados por sociedades indígenas do segundo e terceiro planaltos do Paraná constituíam um imenso “vazio demográfico” pronto a ser ocu- pado por migrantes vindos de várias partes do Brasil e mesmo do exterior. Com isso, eliminam-se propositadamente da história regional as populações indígenas, caboclas e quilombolas que ali viviam e resistiram à conquista de suas terras e à destruição de seu modo de vida1. Observando essas populações enquanto sujeitos ativos da história, percebemos que os territórios localizados entre os rios Paranapanema, Paraná e Iguaçu foram ocu- pados por populações caçadoras e coletoras desde há pelo menos nove mil anos antes do presente. E desde a chegada das populações europeias no novo continente iniciou- se a guerra de conquista contra elas. Essa guerra é entendida no sentido atribuído por Antônio Carlos de Souza Lima: um processo que requer uma organização militar conquistadora que age em nome 1 Para maiores detalhes sobre esse assunto, ver MOTA, Lúcio Tadeu. As Guerras dos Índios Kain- gang. Maringá, Eduem, 2009. presentação do livroA HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 12 de um Deus, um Rei, uma Nação ou um Império; um povo de onde se origina o conquistador e que lhe dá uma identidade social e uma direção comum; e o butim, composto pelo povo conquistado com seus territórios e riquezas que passam a ser mercantilizadas. E conquista, quando parte do povo conquistador fixa nos territórios conquistados; faz a exploração sistematizada do butim e passa a veicular os elementos básicos da cultura invasora através de instituições concebidas para essa finalidade2. A guerra de conquista iniciou-se nas primeiras décadas do século XVI com as expe- dições portuguesas e espanholas que cruzaram o atual território do Paraná em busca de metais, escravos, e de uma rota rumo ao Império Inca no atual Peru. Acentuou-se no seiscentos com a implantação das Reduções Jesuíticas no Guairá, e logo depois com as bandeiras paulistas, que invadiram a região capturando índios e com as ati- vidades mineradoras no litoral e primeiro planalto. Prosseguiu no século XVIII, com a instalação das fazendas de gado nos Campos Gerais, com a descoberta de ouro e diamantes no rio Tibagi e com as expedições militares que construíram fortificações e transitavampelo território rumo ao Mato Grosso. Recrudesceu no novecentos, com a ocupação dos campos de Guarapuava, de Palmas e do sudoeste da Província, das terras da bacia norte do rio Tibagi pelos grandes fazendeiros dos Campos Gerais paranaense na expansão de seus domínios. No século XX, a guerra de conquista continuou sob o manto da “colonização pacífica e harmoniosa”, levada adiante pelas companhias de terras que ocuparam, lotearam e venderam os antigos territórios indígenas com o aval institucional do Estado do Paraná. Dessa forma, a ocupação humana do Paraná apresenta, em uma primeira olhada, o aspecto das fronteiras. Mas não no sentido de ela constituir-se apenas em uma divisa entre os brancos e os indígenas, uma coluna móvel de colonização em território novo não colonizado, ou como um processo de conquista envolvendo a subjugação de não-europeus por europeus. Mas sim conforme os recentes estudos de fronteira têm apontado: os espaços fronteiriços como locais de encontro de populações diferencia- das e o lócus privilegiado dos fluxos e das trocas culturais. A fronteira vista como local não do isolamento e separação de culturas (cultura x cultura), mas de combinações inovadoras, de manejo e de somas culturais (cultura + cultura), como bem aponta Ulf Hannerz3. 2 Cf. Antônio C. de Souza LIMA, Um grande cerco de paz: poder tutelar e indianidade no Brasil. Petrópolis, 1995. 3 Cf. Ulf HANNERZ. Fronteiras. Revista de Antropologia Experimental, 1, 2001, p. 6. Para uma discus- são mais completa sobre essa questão e outras relativas a fronteiras e fluxos culturais, ver: Fluxos, fron- teiras, híbridos: palavras chaves da antropologia transnacional. Mana, n. 3, v. 1, p. 7-39, e Conexiones Transnacionais – Cultura, Gente Lugares. Ediciones Cátedra, 2001. 13 Assim, as numerosas “fronteiras” existentes no espaço denominado Paraná não se adéquam a esse ideal simplificador de ser apenas um divisor de culturas diferenciadas entre o “civilizado” e o “selvagem”, ou uma coluna móvel de colonização em território novo não colonizado. Mesmo porque estudos recentes em antropologia, história ou etno-história têm mostrado que as populações locais ofereciam resistência, as doenças impediam a penetração europeia, e a geografia limitava a intrusão estrangeira. Os co- lonizadores europeus simplesmente não impuseram suas culturas em todas as partes do planeta, inúmeros foram os obstáculos, derrotas, e inúmeros foram os processos de negociação, alianças e acordos que resultaram em fluxos culturais, hibridismos e mestiçagens que compõem a história de grande parte das populações do continente americano e também do Paraná, estabelecendo aqui processos de relações intercultu- rais ricos e complexos4, que pretendemos apresentar na sequência deste livro. 4 Sobre a mestiçagem na América ver Bernand, Carmen y Serge Gruzinski. Historia del Nuevo Mun- do. II - los mestizajes. 1550 – 1640. México: Fondo de Cultura Econômica, 1999. Apresentação do livro 15 A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 INTRODUÇÃO O debate sobre as questões relativas à humanização do continente americano tem sido intenso e rico. As disciplinas que tratam dessa temática, como a arqueologia, a história e outras apresentam pontos de concordância e muitos de discordância. Hoje, é consenso aceitar a premissa de que o homem não é autóctone de nosso continente. Isto é, o homo sapiens-sapiens que ocupou as Américas teve suas origens no continente africano há mais ou menos uns cem mil anos antes do presente (AP), e em algum momento migrou para o continente americano. O segundo ponto, ou a segunda pergunta muito usual nesse debate é: se o homem não surgiu na América, de onde ele veio? Grande parte dos pesquisadores é unânime em afirmar que a maioria das levas humanas que aqui chegou atravessou o estreito de Bering, no extremo norte do continente. Figura 1 - Possível rota de migração do Homo Sapiens Sapiens até o continente americano. 1 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 16 Figura 2 - Possíveis rotas de ocupação do continente americano. Fonte: NEVES, W. A.; PILÒ, L. B. O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos. São Paulo: Globo, 2008, p. 84. NEVES & L. B. PILÓ. O povo de Luzia. 2008, p. 84. Mas existem muitos pesquisadores que afirmam que o continente também foi povoado por grupos humanos vindos das ilhas do Oceano Pacífico. Navegaram do oeste para o leste e desembarcaram na costa oeste da América. E ainda existe quem afirme que também recebemos migrações pelo extremo sul do continente, na Terra do Fogo, provenientes da Austrália e Nova Zelândia. Figura 3 - Povoamento do Continente Americano. Fonte: TIME LIFE LIVROS E ABRIL LIVROS. A Aurora da Humanidade. São Paulo, 1993. A terceira pergunta, e talvez a mais polêmica, é a que questiona qual foi a época da chegada dos primeiros humanos no continente americano. Nesse ponto, há um debate 17 intenso que está longe de terminar. Existem autores que afirmam que os primeiros ho- mens chegaram à América há mais de 300 mil anos antes do presente (AP). Mas as data- ções mais aceitas pela comunidade científica são aquelas que giram em torno de 12.000 AP. A grande maioria dos pesquisadores aceita a presença do primeiro homem americano em torno de 11.000 a 12.000 AP, porque se situam nesse período as datações de partes de esqueletos humanos mais antigos encontrados no continente, como é o caso do crânio de uma mulher batizada de Luzia, encontrada em Minas Gerais, que data de 11.500 AP. As populações caçadoras coletoras pré-cerâmicas no Paraná: do final do Pleistoceno (11.000 anos AP) aos dias de hoje Os territórios hoje denominados Paraná vêm sendo continuamente habitados por diferentes populações humanas há cerca de pelo menos nove mil (9.000) anos antes do presente (AP). Entretanto, se considerarmos a cronologia dos territórios vizinhos que foram ocupados em épocas anteriores, é provável que ainda possam ser obtidas datas que poderão atestar a presença humana em períodos mais recuados. As pesquisas arqueológicas têm mostrado que essa presença humana é muito antiga no Paraná. Em 1958, um grupo de arqueólogos do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná foi comunicado acerca de achados arqueológicos nas margens do rio Ivaí, no extremo oeste do Estado, na localidade de Guaporema1. Quando fizeram as escavações, no sítio denominado José Vieira, ficou demonstrada a existência de dois povoamentos no local. O material lítico, colhido nos níveis mais profundos das escavações e submetido à datação, registrou uma idade entre o sétimo e o oitavo milênio antes de nossa era. Isso significa assentamentos humanos nas barrancas do rio Ivaí há quase sete mil anos AP. Os materiais líticos coletados nas camadas superiores da jazida datam de dois a três mil anos (AP), significando novos acampamentos em épocas pos- teriores à primeira. Temos, portanto, em um mesmo local, acampamentos em épocas distantes, quatro a cinco milênios uma da outra, em que são verificadas grandes transfor- mações no clima e na vegetação. Outras escavações foram realizadas às margens do rio Paraná e datadas em oito mil anos, assim como as escavações realizadas no centro-leste do Estado, na região de Vila Velha, também com oito mil anos. Por todo o Paraná vamos encontrar vestígios desses antigos assentamentos humanos. O mais antigo deles, datado de 9.040 AP, foi encontrado por Claudia Parellada, arqueó- loga do Museu Paranaense, no vale do rio Iguaçu. Essas evidências anteriores a 6.000 1 Cf. LAMING, Anete; EMPERAIRE, Jose. A jazida Jose Vieira: um sítio Guarani e pré-cerâmico no interior do Paraná. Arqueologia, Curitiba, v. 1, 1969. Nesse trabalho, os autores também fazem observações em possíveis sítios arqueológicos na região de Apucarana. A ocupação humana dos territóriosdo Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 18 AP também podem ser encontradas em outras partes do território paranaense, como podemos ver no quadro abaixo. Quadro 1 - Sítios arqueológicos com mais de 6.000 anos Antes do Presente no Paraná Fonte: PARELLADA, C. I. Revisão dos sítios arqueológicos com mais de seis mil anos BP no Paraná: discussões geoarqueológicas. Fumdhamentos, São Raimundo Nonato, n.7, p. 118-135, 2008. Podemos afirmar que os territórios hoje denominados Paraná vêm sendo continua- mente habitados por diferentes populações humanas há cerca de 9.000 AP de acordo com os vestígios materiais mais antigos encontrados pelos arqueólogos. Entretanto, se considerarmos a cronologia dos territórios vizinhos que foram ocupados em épocas anteriores, é provável que ainda possam ser obtidas datas que poderão atestar a pre- sença humana em períodos mais recuados, podendo alcançar até 11 ou 12.000 mil AP. As populações que viveram no Paraná entre 9.000 mil a 3.000 anos AP são chama- das pela arqueologia de caçadores e coletores pré-cerâmicos. Elas foram substituídas pelas populações indígenas agricultoras e ceramistas – Kaingang, Xokleng, Guarani e Xetá – que chegaram na região por volta de 2.500 anos AP, e continuam a viver aqui até hoje2. A arqueologia classifica essas populações caçadoras coletoras em três tradições, conforme a Figura 4. 2 De aqui em diante, optamos por incorporar parte de um texto feito em parceria com Francisco Silva Noelli e publicado em outras obras, conjuntas ou separadas. 19 Figura 4 - Populações caçadoras coletoras pré-cerâmicas no Paraná. Os arqueólogos reuniram uma série de informações sobre essas populações. Aqui, apontamos sucintamente os dados que julgamos mais importantes de cada uma delas. Tradição Humaitá As populações que os arqueólogos convencionaram chamar de Tradição Humaitá aparentemente não deixaram descendentes historicamente conhecidos. Por enquan- to, é sabido que ocuparam todos os estados do sul brasileiro e as regiões vizinhas do Paraguai e da Argentina entre 9.000 e 2.000 anos atrás. Os estudos de seus vestígios mostram que essas populações possuíam as caracterís- ticas das culturas do tipo bando, compostas de pequenos grupos (40-60 pessoas) que viviam dentro de amplos territórios. Sua subsistência era baseada em diversas fontes animais, obtidos por meio da caca, da pesca e da coleta, bem como de fontes vegetais. A exemplo de outros povos caçadores-coletores sul-americanos, também deveria ter uma série de acampamentos sazonais espalhados dentro de um território definido. Tais acampamentos estariam relacionados a uma série de atividades de subsistência, obtenção e preparação de matérias-primas, rituais e lazer. Suas habitações poderiam ser desde uma simples meia-água até casas mais elaboradas de madeira, cobertas por palha ou folhas de palmáceas. Eventualmente, poderiam ocupar abrigos sob-rocha (reentrâncias em paredes rochosas). Seus vestígios, mais estudados até o presente, restringem-se aos instrumentos líti- cos, feitos de rocha, pois a maior parte de seus objetos era provavelmente confecciona- da com materiais perecíveis que se destruíram ao longo da formação dos sítios arqueo- lógicos. Entre as ferramentas de pedra, podemos mencionar os grandes instrumentos lascados bifacialmente, as lascas usadas para raspar, rasgar, cortar, tornear, bem como as ferramentas para polir, furar, amolar, macerar, moer, pilar e ralar. A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 20 Figura 5 - Ferramenta lítica da Tradição Humaitá. Acervo - Coleção Arqueológica do Museu Histórico de Santo Inácio – Pr. Foto de Edmar Alencar Jr / Josilene Aparecida de Oliveira. Tradição Umbu Também as populações que os arqueólogos chamam de Tradição Umbu não dei- xaram descendentes historicamente conhecidos. Os vestígios dessa tradição, marcada- mente as pontas de projéteis e resíduos de lascamentos, são encontrados em toda a região Sul do Brasil, no Uruguai e em partes do Estado de São Paulo. Esses vestígios foram datados entre 12.000 e 1.000 anos AP, demonstrando a longa persistência dessa tradição nos mais variados ambientes do Brasil Meridional. Elas ocuparam preferencialmente as regiões de maior altitude nos planaltos do Pa- raná, principalmente os interflúvios dos principais rios, mas temos também a presença de artefatos dessa tradição nas margens dos principais rios do Paraná, como o Iguaçu, no sítio Ouro Verde, datado de 9.000 anos AP, e em vários locais ao longo do rio Ivaí. Nesses locais, construíram suas habitações tanto a céu aberto como nos abrigos sob as rochas. Já no Rio Grande do Sul e no Uruguai, nas áreas alagadiças, construíram os cerritos – aterros artificiais –, onde fixaram suas habitações. 21 Figura 6 - Ponta de flecha da Tradição Umbu. Acervo: Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM. Foto: Lucio Tadeu Mota. Tradição Sambaqui Os pescadores/coletores do litoral Sul do Brasil ocuparam uma vasta faixa entre o mar e a Serra do Mar indo do Rio Grande do Sul até a Bahia, desde 6.000 AP até 1.000 depois de Cristo (d.C.). Seus principais vestígios são os inúmeros mounds – conhe- cidos por Sambaquis – que construíram intencionalmente. Neles, podem ser encon- trados restos de alimentos, adornos, conchas, ferramentas, armas, carvões de antigas fogueiras, vestígios de sepultamentos humanos e de antigas moradias. Construídos tanto em planícies quanto em encostas, diretamente na areia ou sobre o embasamento rochoso, os Sambaquis têm ocorrências desde o Rio Grande do Sul até a Bahia, basicamente no interior dos ambientes lagunares que se apresentam em todo esse trecho da faixa costeira. As baías, estuários e lagunas dessa porção do litoral apresentam normalmente grandes concentrações desses sítios arqueológicos. A implantação dos Sambaquis nesses ambientes estuarinos não foi fortuita, ela se deu devido à existência de várias espécies de peixes, moluscos, crustáceos e outros animais, componentes riquíssimos da dieta alimentar desses grupos humanos. A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 22 Figura 7 - Sambaquis do litoral sul do Brasil. Fonte: Gaspar (2000, p. 49-53). As populações ceramistas agricultoras – as populações indígenas históricas Por volta de 2.500 anos antes do presente (AP), agrupamentos maiores de popu- lações passaram a ocupar a região onde hoje é o Paraná. Uma dessas frentes iniciou a ocupação pela da bacia do rio Paraná e depois se espalhou pelos seus afluentes (Igua- çu, Piquiri, Ivaí, Paranapanema Pirapó, Santo Inácio, Bandeirantes, Tibagi, Itararé e outros menores). Tratava-se de uma das frentes da ampla expansão dos povos falantes da língua Guarani, que vinha ocupando sistematicamente o território do atual Mato Grosso do Sul e as bacias dos rios Paraguai e Paraná e Rio da Prata. Podemos dizer que esses agrupamentos tinham em comum a língua e a produção de artefatos cerâmicos. A outra frente de ocupação alcançou os territórios do segundo planalto paranaense cruzando os rios Paranapanema, Itararé e Ribeira, e preferiam os planaltos acima de 700 metros repletos de pinheirais (araucária angustifolia). Os vestígios da cultura material dessas populações agricultoras ceramistas são de- nominados pela arqueologia Tradição Tupiguarani e Tradição Itararé/Taquara. As mais antigas populações de ceramistas começaram a chegar à bacia do rio Para- ná em torno de 2.500 anos AP, como podemos ver em uma série de sítios datados na região pelas metodologias de C-14 (Carbono 14) e termoluminescência. O rio Paranapanema,em sua junção com o médio Paraná, é considerado, como já foi sugerido por José P. Brochado e Francisco S. Noelli (BROCHADO, 1984; NOELLI, 1998; 1999-2000), para o caso dos falantes do Guarani, como a “porta de entrada” para 23 o Paraná e o sul do Brasil. O conjunto das pesquisas indica que essas populações, em contínuo processo de crescimento demográfico e de expansão territorial, teriam su- cessivamente ocupado a área do atual Mato Grosso do Sul, e através da bacia do Paraná ingressado no sul do Brasil pelo noroeste paranaense. No caso dos Jê do Sul (os Kaingang e os Xokleng), como apontam os indícios da cerâmica de Tradição Itararé, a porta de entrada dessas populações para o sul do Brasil teria sido os campos e cerrados do interflúvio dos rios Paranapanema/Itararé e Ribeira. Trabalhando com a hipótese de que os grupos Jê que se deslocaram do Bra- sil central para o sul, foram ocupando regiões semelhantes as que ocupavam em seus locais de origem, podemos afirmar que após ocuparem os planaltos de cerrados entre os rios Tietê e Paranapanema eles iniciaram a ocupação dos Campos Gerais no Paraná. Esses campos se estendem desde o sul de São Paulo - região de Itapetininga até Itararé, entre as cabeceiras dos rios Paranapanema e Itararé - até a margem direita do rio Iguaçu no segundo planalto paranaense. No século XVII os padres jesuítas fundadores das reduções anotam a presença de grupos não Guarani não região, que eles denominaram de Cabeludos e Gua- lachos3 (MOTA, 2000, p. 85). Ancorados nas informações arqueológicas, podemos afirmar que a bacia do rio Paraná e seus afluentes da margem esquerda onde é hoje o Estado do Paraná foi densamente povoada, até a chegada dos espanhóis e portugueses, por populações caçadoras/coletoras pré-ceramistas e pelos agricultores ceramistas, principalmente os falantes do Guarani.4 3 Cf. Lucio Tadeu MOTA. Os índios Kaingang e seus territórios nos campos do Brasil meridional na metade do século passado. In: MOTA, Lucio Tadeu; NOELLI, Francisco Silva. Uri Wãxi: estudos inter- disciplinares dos Kaingang. Londrina, Eduel, 2000. 4 Existem ainda informações arqueológicas sobre a presença de vestígios cerâmicos diferentes das tra- dições discutidas acima, e também existem informações históricas sobre a presença de populações não Guarani e Kaingang particularmente na margem direita do médio Paranapanema, informações impor- tantes para o entendimento da ocupação da região que discutiremos em outra oportunidade. A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 24 Quadro 2 - Sítios arqueológicos com datações de populações ceramistas nas bacias dos rios Paraná, Paranapanema e Ivaí, da jusante para montante Rio Paraná Data A.P** Sítio Lab. nº Margem Município Estado Fonte 2010 ± 75 PR/FI/140 SI 5028 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 1625 ± 60 PR/FI/118 SI 5021 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 1565 ± 70 PR/FI/99 SI 5019 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 1395 ± 60 PR/FI/142 SI 5033 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 1235 ± 60 PR/FI/97 SI 5016 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 745 ± 75 PR/FI/140 SI 5027 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 700 ± 55 PR/FI/112 SI 5036 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 625 ± 55 PR/FI/100 SI 5020 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 600 ± 60 PR/FI/103 SI 5029 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 590 ± 55 PR/FI/127 SI 5024 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 415 ± 75 PR/FI/104 SI 5032 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 395 ± 60 PR/FI/142 SI 5034 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 340 ± 60 PR/FI/118 SI 5023 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 255 ± 80 PR/FI/97 SI 5017 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 230 ± 80 PR/FI/22 SI 5015 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 205 ± 80 PR/FI/118 SI 5022 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 190 ± 75 PR/FI/98 SI 5018 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 ? ± 195 PR/FI/141 SI 5031 Esquerda Foz do Iguaçu - PR Chmyz, 1983 490 ± 60 PR/FO/3 SI 5040 Esquerda Guaíra - PR Chmyz, 1983 760 ± 40 PR/FO/4 SI 5039 Esquerda Guaíra - PR Chmyz, 1983 475 ± 45 MT/IV/1 SI 1017 Direita Bataiporã - MS Chmyz 1974 180 ± 60 MT/IV/1 SI 1018 Direita Bataiporã - MS Chmyz, 1974 110 ± 60 MT/IV/2 SI 1019 Direita Bataiporã - MS Chmyz, 1974 260 ± 70 MT/IV/1 SI 1016 Direita Bataiporã - MS Chmyz, 1974 239 ± 10 MS/PR/13 FATEC Direita Anaurilândia - MS Kashimoto, 1997 240 ± 30 MS/PD/06 Gsy Direita Anaurilândia - MS Kashimoto, 1997 275 ± 20 MS/PD/07 FATEC Direita Anaurilândia - MS Kashimoto, 1997 425 ± 25 MS/IV/08 FATEC Direita Anaurilândia - MS Kashimoto, 1997 432 ± 32 MS/PD/04 FATEC Direita Anaurilândia - MS Kashimoto, 1997 245 ± 15 MS/PR/41 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 280 ± 15 MS/PR/46 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 25 370 ± 20 MS/PR/22 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 480 ± 30 MS/PR/26 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 565 ± 32 MS/PR/55 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 580 ± 40 MS/PR/39 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 625 ± 40 MS/PR/35 FATEC Direita Bataguaçu - MS Kashimoto, 1997 1493 ± 100 MS/PR/85 FATEC Direita Brasilândia - MS Kashimoto, 1997 1248 ± 100 MS/PR/64 FATEC Direita Brasilândia - MS Kashimoto, 1997 1015 ± 75 MS/PR/64 Gsy Direita Brasilândia - MS Kashimoto, 1997 480 ± 30 MS/PR/98 FATEC Direita Três Lagoas - MS Kashimoto, 1997 909± 80 MS/PR/90 FATEC Direita Três Lagoas - MS Kashimoto, 1997 Rio Ivaí Data A.P. Sítio Lab. nº Margem Município - PR Fonte 1380 ± 150 José Vieira Gsy 81 Esquerda Guaporema Emperaire, 1968 540 ± 60 PR/QN/2 SI 697 Direita Mirador Brochado, 1973 1065 ± 95 PR/ST/1 SI 695 Esquerda Indianópolis Brochado, 1973 610 ± 120 PR/ST/1 SI 696 Esquerda Indianópolis Brochado, 1973 300 ± 115 PR/FL/5 SI 693 Direita Paraíso do Norte Brochado, 1973 470 ± 100 PR/FL/5 SI 694 Direita Paraíso do Norte Brochado, 1973 135 ± 120 PR/FL/13 SI 698 Direita Doutor Camargo Brochado, 1973 1490 ± 45 PR/FL/21 SI 1011 Direita Doutor Camargo Brochado, 1973 560 ± 60 PR/FL/23 SI 700 Direita Doutor Camargo Brochado, 1973 590 ± 70 PR/FL/15 SI 699 Direita Doutor Camargo Brochado, 1973 Rio Paranapanema Data A.P. Sítio Lab. nº Margem Município/Estado Fonte 530 ± 55 PR/NL/7 SI 6400 Esquerda Diamante do Norte - PR Chmyz, 1986 ± 930* Alvim Direita Pirapozinho - SP Kashimoto, 1997 ±1668* Ragil FATEC Direita Iepê - SP Faccio, 1998 1130 ± 150 SP/AS/14 SI 422 Direita Iepê - SP Chmyz, 1969 ± 1093* Ragil 2 FATEC Direita Iepê - SP Faccio, 1998 980 ± 100 SP/AS/14 SI 709 Direita Iepê - SP Smithsonian ± 755* Neves FATEC Direita Iepê - SP Faccio, 1998 * = Datado por termoluminescência; ** = AP - Antes do Presente. A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 26 Figura 8 - Populações indígenas agricultoras ceramistas no Paraná. Os Guarani Dentre os povos pré-históricos e indígenas de que estamos tratando, os Guarani são os mais conhecidos em termos arqueológicos, históricos, antropológicos e lin- guísticos. A denominação Guarani define, ao mesmo tempo, a população e o nome da língua por eles falada. Uma série de estudos comparados – arqueológicos e linguísticos – realizados no leste da América do Sul indica que os Guarani vieram das bacias dos rios Madeira e Guaporé. A partir daí, ocuparam continuamente diversos territórios ao longo das bacias dos rios Paraguai e Paraná até alcançar Buenos Aires, distante aproximadamente 3.000 km de seu centro de origem. Expandiram-se ainda para a margem esquerda do Pantanal, nos atuais Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também ocuparam o Uruguai e o Paraguai. Conforme as datações já obtidas, excetuando-se o Uruguai, a foz do rio da Prata e o litoral sul- brasileiro, as demais regiões citadas foram ocupadas desde há pelo menos 2.500 anos AP. Eles mantiveram esses territórios até a chegada dos primeiros europeus, que a partir de 1504 registraram em centenas de documentos os limites do vasto domínio Guarani. Os Guarani ocuparam os vales e as terras adjacentes de quase todos os grande rios e seus afluentes. Eles raramente estabeleciam suas aldeias e roças em áreas cam- pestres; a maioria dos sítios arqueológicos da Tradição Tupiguarani está inserida em áreas cobertas por florestas, seguindo o padrão de estabelecer as aldeias e as planta- ções em clareiras dentro da mata. 27 Podemos constatar, na bibliografia especializada sobre os Guarani, que eles pos- suíam um padrão para ocupar novas áreas sem, no entanto, abandonar as antigas. Os grupos locais se dividiam com o crescimento demográfico, ou por divisões políticas, indo habitar áreas próximas, previamente preparadas por meio de manejo agroflores- tal, isto é, abriam várias clareiras para instalar a aldeia e as plantações, inserindo seus objetos e plantas nos novos territórios. Assim como levaram suas casas, vasilhas cerâ- micas e outros objetos, os Guarani também transportaram de seus locais de origem di- versas espécies de vegetais úteis para vários fins (alimentação, remédios, matérias-pri- mas etc.), contribuindo para o aumento da biodiversidade florística do sul do Brasil. Nesse sentido, ocupavam as várzeas dos grandes rios, e com o passar do tempo, as áreas banhadas por rios cada vez menores. Por exemplo, após dominar as terras próxi- mas dos rios Ivaí, Pirapó e Tibagi, ocuparam trechos ao longo de alguns dos ribeirões que banham o divisor de águas desses rios. As aldeias tinham tamanhos variados, podendo comportar mais de mil pessoas or- ganizadas socialmente por meio de relações de parentesco e de aliança política. Essas famílias extensas viviam em casas longas, e cada aldeia poderia ter até sete ou oito casas, as quais eram construídas de madeira e folhas de palmáceas, podendo abrigar trezentas ou quatrocentas pessoas e alcançar cerca de trinta ou quarenta metros de comprimento por sete ou oito metros de altura. Algumas aldeias, dependendo de sua localização, poderiam ser fortificadas, cercadas por uma paliçada. A cultura material era composta por centenas – talvez milhares – de objetos con- feccionados para servir a diversos fins, e a maioria era feita com materiais perecíveis (ossos, madeiras, penas, palhas, fibras vegetais, conchas etc.), e em minoria de não perecíveis (vasilhas cerâmicas, ferramentas de pedra, corantes minerais). Desse con- junto, normalmente restaram apenas as vasilhas e as ferramentas de pedra e, even- tualmente, esqueletos humanos e de animais diversos, conchas e ossos usados como ferramentas ou enfeites. O reconhecimento da existência desses objetos perecíveis, salvo condições raras de conservação, só é possível por meio de informações obtidas indiretamente por pesquisas históricas, linguísticas e antropológicas. A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 28 Figura 9 - Fragmento cerâmico Guarani. Fonte: Acervo Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM. Foto: Lucio Tadeu Mota. Figura 10 - Fragmento cerâmico Guarani. Fonte: Acervo Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-história da UEM. Foto - Lucio Tadeu Mota. 29 Os Xetá O povo Xetá é conhecido e nominado na literatura, nos relatos de viajantes e fontes documentais, como Botocudo, Héta, Chetá, Setá, Ssetá, Aré e Yvaparé. Foi o último grupo indígena contatado no Paraná, no final da década de 1940 e início de 1950, quando a frente de ocupação cafeeira chegou ao seu território tradicional que se es- tendia pelas margens do baixo rio Ivaí até a sua foz no rio Paraná. A presença dos grupos Xetá no rio Ivaí e seus afluentes foi registrada por viajantes e exploradores desses territórios desde a década de 1840, quando Joaquim Francisco Lopes e John H. Elliot – empregados do Barão de Antonina – fizeram contato com alguns deles nas imediações da foz do rio Corumbataí, no Ivaí. Posteriormente, em 1872, o engenheiro inglês Thomas Bigg-Whiter capturou um pequeno grupo nas pro- ximidades do Salto Ariranha, também no rio Ivaí. No início do século XX, em 1910, Albert V. Fric ouviu dos Kaingang a informação da presença de pequenos grupos Xetá no interflúvio dos rios Ivaí e Corumbataí, muito acima do local onde os Xetá foram contatados nos anos de 1950. Junto ao grupo Kaingang do cacique Paulino Arak-xó que vivia no salto Ubá, no rio Ivaí, Fric encontrou cativos Xetá, com os quais efetuou um primeiro registro de vocabulário. Esses locais de caça e coleta, os encontros e confrontos com os exploradores do rio Ivaí, e os conflitos com os Kaingang, que resultavam em capturas e dispersão dos Xetá, fazem parte da memória de sobreviventes Xetá mais velhos. Um deles teve seu pai capturado no início do século XX, tendo o mesmo conseguido fugir e retornado para seu grupo familiar na região da Serra dos Dourados (SILVA, 1998; 2003). Nessas primeiras décadas do século XX, muitos outros contatos foram noticiados, mas foi na região conhecida como Serra dos Dourados, onde hoje estão implantados os municípios de Umuarama, Ivaté, Douradina, Icaraíma, Maria Helena, Nova Olímpia, entre outros, que a partir de 1954, 1955 e mais especificamente em fevereiro de 1956 que se deu o mais documentado encontro com um grupo Xetá com professores da UFPR e membros do Serviço de Proteção ao Índio-SPI da 7ª Regional de Curitiba5. Apesar dos esforços dos professores da Universidade Federal do Paraná (UFPR), do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e de funcionários do SPI, o Governo do Estado do Paraná vendeu os territórios Xetá para as Companhias de Colonização, que os loteou para revenda aos interessados no cultivo de café na região. Até a década de 1990, os Xetá eram tidos pelo órgão indigenista brasileiro – Funda- ção Nacional do Índio (FUNAI) - como grupo extinto ou quase extinto, pois constam 5 Um deles viveu até o ano de 2008 e foi um dos colaboradores ativo do estudo de Silva (1998; 2003). A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 30 nos seus dados populacionais apenas cinco pessoas. No entanto, a pesquisa antropo- lógica de Carmen Lúcia da Silva apontou que, ao contrário do que se afirmava nos levantamentos oficiais, os Xetá não estavam extintos. Em 1997, por solicitação dos Xetá, foi realizado o primeiro encontro dos sobre- viventes dos Xetá em Curitiba, intitulado “Encontro Xetá: Sobreviventes do Extermí- nio”, com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR (MAE), do qual participaram todos os sobreviventes do grupo, crianças, jovens, mais velhos e cônjuges, além do Prof. Dr. Aryon Dall’Igna Rodri- gues, que efetuou os primeiros estudos da língua Xetá junto a um grupo familiar na década de 1960 (1960; 1961) e posteriormente em 1967. Como resultado desse encontro, esse grupo solicitou seu reconhecimento en- quanto pertencentes à etnia Xetá e a retificação de seus nomes nos registros civis levando em conta os registros que já vinham trabalhando na pesquisa antropológica, na qual apresentavam como se dava o sistema de nominação do grupo. Também co- locaram em pauta a indenização financeira de suas perdas e a recuperação de seus territórios tradicionais na Serra dos Dourados, bem como reivindicaram o retorno a seu território de origem, nominando-o como Terra Indígena Herarekã Xetá. Atualmente, os Xetá somam aproximadamente 100 (cem) pessoas, totalizando 25 (vinte e cinco) famílias. Estão em processo de luta para o reconhecimento deseu território tradicional junto à Finai, para o reconhecimento de seus direitos e para reconstituírem-se enquanto povo e revitalizarem a sua cultura. Além da demanda para reaverem parte de seus territórios, os Xetá solicitaram ao Estado do Paraná um atendimento específico e diferenciado de educação escolar indígena bilíngue Português/Xetá; ensino da história de sua cultura na escola; produção de literatura e materiais didáticos que retratem a realidade do povo, trazendo inclusive a memória coletiva da antiga sociedade narrada por seus pais, hoje considerados “guardiões da memória Xetá” (SILVA, 2003). E os Xetá não querem mais aparecer na história, nos livros e na imprensa como um povo extinto. Os Kaingang A denominação Kaingang define genericamente, e ao mesmo tempo, a população e o nome da língua por ela falada. Embora exista uma volumosa bibliografia e inumeráveis conjuntos de documen- tos não publicados sobre eles, ainda se conhece pouco sobre os seus ascendentes pré-históricos. Os resultados de estudos comparados – Arqueologia e Linguística – apontam o Brasil central como a região de origem dos Kaingang, que ocuparam imensas áreas 31 dos Estados da Região Sul, parte meridional de São Paulo e o leste da Província de Missiones na Argentina. Embora não existam ainda datas mais antigas do que as dos Guarani, é provável que os Kaingang e os Xokleng tenham chegado primeiro ao Paraná, pois em quase todo o Estado os sítios Guarani estão próximos ou sobre os sítios arqueológicos dos Kaingang e Xokleng. Com a chegada dos Guarani, à medida que estes conquistavam os vales dos rios, os Kaingang foram empurrados para o centro-sul do Estado e/ou confinados nos territórios interfluviais e os Xokleng foram impelidos para os contrafortes da Serra Geral, próximos do litoral. A partir do final do século XVII, quando as populações Guarani tiveram uma drástica redução, os Kaingang voltaram a se expandir por todo o centro do Paraná. Em meados do século XVIII, com as primeiras expedições coloniais nos terri- tórios hoje denominados Paraná, foi possível conhecer parcialmente a toponímia empregada pelos Kaingang para nominar seus territórios: Koran-bang-rê (campos de Guarapuava); Kreie-bang-rê (campos de Palmas); Kampo-rê (Campo Ere - sudoes- te); Payquerê (campos entre os rios Ivaí e Piquiri, hoje nos municípios de Campo Mourão, Mamborê, Ubiratã e outros adjacentes); Minkriniarê (campos de Chagu, oeste de Guarapuava, no município de Laranjeiras do Sul); campos do Inhoó (em São Jerônimo da Serra). Figura 9 - Os Kaingang e a produção de cerâmica. A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 32 Os Xokleng A denominação “Xokleng” define genericamente e ao mesmo tempo a população e o nome da língua por eles falada. Na bibliografia arqueológica, eles são conhecidos como “Tradição Itararé”. Apesar da volumosa bibliografia e inumeráveis conjuntos de documentos não publicados a seu respeito, também ainda se conhece pouco sobre os seus ascendentes pré-históricos. Sua chegada e presença no Paraná já foram resumidas no item sobre os Kaingang, necessitando ainda de mais pesquisas para corroborar ou desabonar as conclusões e hipóteses vigentes. Suas aldeias eram geralmente pe- quenas, no interior das florestas, abrigando habitantes pouco numerosos. Também ocupavam abrigos sob rocha e casas semissubterrâneas. Fabricavam vasilhas cerâmicas semelhantes às dos Kaingang a tal ponto, que devido às pesquisas pouco sistemáticas realizadas até o presente, ainda é problemático definir claramente as diferenças. Mapa 1 - Atuais Terras Indígenas no Paraná 33 A ocupação humana dos territórios do Paraná até a chegada das populações europeias em 1500 Quadro 3 - Terras Indígenas no Paraná por Bacias Hidrográficas Bacia do Rio Paraná No Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) (Funai) Popul. IBGE/Funasa 01 Tekohá Ocoí Guarani Nhandéwa São Miguel do Iguaçu 231 630 02 Tekohá Añetete Guarani Nhandéwa Diamante D’Oeste 1.744 422 03 Tekohá Itamarã Guarani Nhandéwa Diamante d’Oeste 242 68 04 Tekohá Porá Guarani Nhandéwa Guaíra 56 28 05 Tekohá Marangatú Guarani Nhandéwa Guaíra 80 105 06 Tekohá Araguajú Guarani Nhandéwa Terra Roxa 20 79 Bacia dos Rios das Cinzas e Laranjinha Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) (Funai) Popul. IBGE/Funasa 07 Pinhalzinho Guarani Nhandéwa Tomazina 593 104 08 Laranjinha Guarani Nhandéwa Santa Amélia 284 181 09 Yvyporã Laranjinha Guarani Nhandéwa Abatia, Cornélio Procópio e Ribeirão do Pinhal 1.238 64 Bacia do Rio Tibagí Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) Popul. IBGE/Funasa 10 Apucarana Kaingang Tamarana 5.575 1.396 11 Barão de Antonina Kaingang São Jerônimo da Serra 3.750 395 12 São Jerônimo Kaingang Guarani Xetá São Jerônimo da Serra 1.339 484 13 Mococa Kaingang Ortigueira 859 160 14 Queimadas Kaingang Ortigueira 3.077 426 Bacia do Rio Ivaí Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) Popul. IBGE/Funasa 15 Faxinal Kaingang Cândido de Abreu 2.043 600 16 Ivaí Kaingang Manoel Ribas e Pitanga 7.306 1687 17 Marrecas Kaingang e Guarani Turvo e Guarapuava 16.838 551 Bacia do Rio Piquiri Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) Popul. IBGE/Funasa 18 Koho Mu Boa Vista Kaingang Laranjeiras do Sul 7.344 116 Bacia do Rio Iguaçu Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) Popul. IBGE/Funasa 19 Mangueirinha Kaingang e Guarani Mangueirinha, Chopinzinho e Coronel Vivida 16.375 1195 20 Rio das Cobras Kaingang Guarani M’byá Nova Laranjeiras, Espigão Alto do Iguaçu 18.681 2109 21 Palmas Kaingang Palmas (PR) e Abelardo Luz (SC) 3.800 761 22 Rio Areia Guarani Nhandéwa Inácio Martins 1.352 112 23 Kakané Porá Guarani Kaingang e Xeta Curitiba 44 35 Famílias 24 Araçaí Guarani M’byá Piraquara 70 70 Litoral Terras Indígenas Etnias Município(s) Área (Ha) População IBGE e Funasa 25 Ilha da Cotinga Guarani M’byá Paranaguá 1.701 69 26 Guaraguaçu Guarani M’byá Pontal do Paraná 670 15 27 Cerco Grande Guarani M’byá Guaraqueçaba 54 26 28 Morro das Pacas Guarani M’byá Guaraqueçaba ? 28 Total: 28 Terras Indígenas: 20 demarcadas, e 08 Terras Indígenas a serem identificadas 16 Guarani 08 Kaingang 04 Guarani, Xetá e Kaingang Obs.: Dados de 2009. HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 34 Proposta de Atividades 1) Você já viu alguma família indígena circulando por sua cidade? 2) Por ocasião da chegada dos europeus no Paraná, quais eram povos indígenas que aqui se encontravam? 3) Recolha junto a sua comunidade (cidade, bairro ou vizinhos) o que eles sabem sobre os índios no Paraná. Anotações 35 O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 A CHEGADA DOS PRIMEIROS EUROPEUS NOS TERRITÓRIOS INDÍGE- NAS NO PARANÁ Os contatos dos europeus com os antigos habitantes da região ocorreram já no iní- cio do século XVI, com os primeiros navegantes que aportaram ou passaram pelo litoral paranaense, e pelas primeiras expedições portuguesas e espanholas que percorreram o interior do Paraná rumo ao império inca. Os primeiros navegantes europeus que aportaram ou passaram pelo litoral do Paraná nos trinta primeiros anos do século XVI fizeram os primeiro contatos com as populações de índios Guaranis – na época, chamados de Carijós – e com eles possivelmente estabele- ceram relações comerciais e culturais. E foi através desses Guarani do litoral que as popu- lações indígenas sediadas nos territórios interioranos souberam da presença de homens brancos vindos de terras distantes de além mar. Foram inúmeras as caravelas que passaram ou aportaram no litoral nesses primeiros trinta anos, como veremos a seguir. Quando os primeiros europeus começaram a desembarcar no litoral sul do Brasil para abastecerem seus navios com água,lenha e alimentos, ou aí foram deixados como des- terrados ou náufragos, eles tomaram conhecimento, por meio dos Guarani, das enormes riquezas existentes a oeste dos seus territórios. Em conjunto com esses índios, prepararam expedições para irem até as terras onde existiriam ouro e prata em abundância. Começou então o processo de desvendamento e conquista dos territórios indígenas do interior do que seria mais tarde o Estado do Paraná. Quadro 1 - Primeiros desembarque de europeus no Sul do Brasil Data Viajante Armada Locais de Chegada Desembarque 1501/08/17 Gonzalo Coelho Américo Vespúcio 3 Caravelas Cananéia, SP Oceano Atlântico 53º L. Sul altura de Punta Arenas na Patagonia Em Cananéia 15/02/1502, G. Coelho deixa um degredado (Bacharel de Cananéia) 2 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 36 Data Viajante Armada Locais de Chegada Desembarque 1504/01/05 Binot Paumier de Gonneville L’Espoir 120 toneladas São Francisco do Sul SC, Permanece nesse local por seis meses, janeiro a julho de 1504 Data Viajante Armada Locais de Chegada Desembarque 1514/07/00 Estevão Frois e João de Lisboa 2 Caravelas Cabo de Santa Maria Punta del Leste Uruguai Encontro com os índios Charruas depois de subirem 300 km pelo Rio da Prata 37 Data Viajante Armada Locais de Chegada Desembarque 1516/01/00 Juan Dias de Solis 2 Caravelas Cananéia, Santa Catarina, Rio da Prata Solis e seus homens foram mortos na embocadura do rio Uruguai no Rio da Prata, ficando vivo Francisco Del Puerto um grumete de 14 anos. 1516/08/00 Cristóvão Jaques 3 Naus Cabo Frio, Rio de Janeiro, Santa Catarina Jaques fora nomeado guarda costa do Brasil, e perseguiu os espanhóis e franceses que aqui aportaram. 1519/12/13 Fernando de Magalhães 4 Naus e 1 Caravela Rio de Janeiro, Rio da Prata (1520/01/11) 1521/00/00 Cristóvão Jaques 2 Caravelas Santa Catarina Em SC, recolheu Melchior Ramires um dos náufragos da expedição de Solis, e subiram 200 km acima no rio Prata na Ilha de São Gabriel, onde encontraram Francisco Del Puerto, e mais 140 km até onde hoje é a cidade Argentina de Rosário. 1526/08/00 Jofre de Loyasa D.Rodrigo de Acuña Porto dos Patos, SC Estavam percorrendo na rota de Magalhães e por mau tempo tiveram que voltar à costa do Brasil. 1526/10/31 Sebastião Caboto (Veneziano) 3 Naus Santa Catarina Caboto encontrou Henrique Montes, naufrago de Solis, que lhe deu notícias da expedição de Aleixo Garcia ao Peru. Caboto entrou no rio da Prata, navegou os rios Paraguai e Paraná. 1528/05/07 Diego Garcia 1 Nau e 1 Galeão São Vicente, Cananéia (1528/01/15), Encontrou com Caboto descendo o rio Paraná, seu destino era as Ilhas Molucas, na Ásia. 1531/01/00 Martin Afonso de Souza 1 Galão, 2 Naus, 2 Caravelas Percorreu o litoral sul do Brasil até Punta Del Leste, no Uruguai Pero Lopes subiu o rio Paraná e também estiveram na Baia de Paranaguá . 1535/00/00 Pedro de Mendonça Percorreu o litoral do Brasil e foi fundar a cidade de Buenos Aires O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 38 Em 1522, Aleixo Garcia empreendeu a primeira viagem terrestre de europeus pelo interior do sul do Brasil. Tinha por objetivo descobrir de onde provinham as peças de ouro encontradas na costa de Santa Catarina. A expedição, que durou aproximada- mente três anos, partiu do litoral de Santa Catarina, passando pelo interior do Paraná, Paraguai e Bolívia, até alcançar a fronteira do império Inca1. No retorno, Garcia foi morto pelos Guarani nas proximidades de Foz do Iguaçu, por volta de 1525. Todas as informações sobre essa expedição são indiretas, baseadas em relatos de outros cronis- tas dos séculos XVI e XVII. Poucos anos depois, em 1531, visando a retomar os reconhecimentos empreendi- dos por Aleixo Garcia, partiu de Cananéia uma expedição liderada por Pero Lobo, com oitenta portugueses e diversos índios Tupi da costa. É provável que a expedição tenha seguido o caminho previamente percorrido por Garcia e teve o mesmo destino deste: também foi aniquilada nas proximidades de Foz do Iguaçu pelos Guarani2. Dez anos depois, quando já havia sido criada a cidade de Nossa Senhora de Assunção a capital do Paraguai, Dom Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, após várias aventuras na Amé- rica do Norte, veio tomar posse e comandar a província do Paraguai em nome do rei da Espanha. Desembarcou na ilha de Santa Catarina, e no final de 1541, partindo da foz do rio Itapucu, rumou para Assunção no Paraguai, onde chegou quatro meses depois acompanhado por 250 arcabuzeiros e balesteiros. Durante a expedição, foi acompanha- do por centenas de índios Guarani. A cada novo território que ingressava a expedição dispensava os acompanhantes do território anterior, e mediante pagamentos em espé- cie (machados, contas, etc.) integrava novos guias para o percurso seguinte. Subiram a Serra do Mar, alcançaram o rio Negro (na altura de Rio Negrinho - SC) e desceram até a sua desembocadura, no rio Iguaçu. Para contornar o território dos Kaingang3, tiveram de subir o Iguaçu, e a certa altura se dirigiram ao rio Tibagi e seguiram seu curso. Nas proximidades da foz do rio Iapó, atual cidade de Tibagi, a expedição dirigiu-se para oes- te até chegar ao rio Ivaí, e, a seguir, rumando para o sudoeste, passou pelo rio Piquiri até alcançar o rio Iguaçu, a poucos quilômetros de sua foz. Dali, seguiu até Assunção. 1 Métraux, Alfred. Migrations historiques des Tupi-guarani. Journal de la société des Americanistes, n.s., 19:1-45. 1927. 2 Holanda, Sérgio Buarque de. Visão do Paraíso. 1985, p. 82. 3 O Barão de Capanema sustenta que Cabeça de Vaca deu uma volta de mais de oitenta léguas, evi- tando seguir diretamente pelas margens do rio Iguaçu ou pelos campos de Guarapuava ao norte e os campos de Palmas ao sul desse rio porque eram territórios ocupados por índios ferozes, mais valentes que os guaranis. (Cf. CAPANEMA. Questões a estudar em relação aos princípios da nossa história. RIHGB, 52(1):499-509). Cabeza de Vaca evitou transitar pelos territórios dos Kaingang, e por isso desviou-se dos Koran-bang-rê (campos de Guarapuava) e dos Kreie-bang-rê (campos de Palmas) e seguiu o caminho indicado pelos Guarani. 39 O relato de Alvar Nunez Cabeza de Vaca é importante na medida em que descreve, ao longo de sua expedição, o contato e a entrada em territórios pertencentes a diferen- tes grupos Guarani, e desvia no seu trajeto dos territórios Kaingang em Guarapuava e Palmas. Esse foi o primeiro documento a informar que quase todo o interior do Paraná estava habitado e, ao mesmo tempo, mostrar que havia uma divisão política entre esses diversos grupos de mesma matriz cultural, organizados politicamente em cacicados.4 E ainda que indiretamente, devido à imensa volta que a expedição fez, não seguindo o vale do rio Iguaçu, nos dá uma noção da extensão do território dominado pelos Kaingang nos Koran-bang-rê (Campos de Guarapuava). Figura 1 - Rota aproximada da expedição de Dom Alvar Nuñez Cabeza de Vaca em 1541 pelo interior do Paraná. Em 1544, Domingos Martínez de Irala, então governador do Paraguai, saiu de As- sunção e dirigiu-se ao Guairá apresar índios para as encomiendas. Fundou a cidade de Ontiveros junto ao rio Paraná, pouco acima da foz do Iguaçu. No início da década seguinte, em 1551, Diego de Sanabria viajou pelo mesmo itinerário de Cabeza de Vaca. Ainda nesse ano, Cristoval de Saavedra atravessou a região vindo do Paraguai até o porto de São Vicente, em São Paulo. No ano seguinte, Hernando de Salazar também fez o mesmo roteiro de Assunção no Paraguai até o porto de São Vicente, em São Paulo. Esse roteiro também foi o percorrido por Ulrich Schmidl nesse mesmo ano, que partiu de Assunção, em 1552, acompanhado de 20 índios Guarani,na época denominados Carijós, com destino ao porto de Santos, onde chegou em 1553. 4 Conjunto de aldeias sob a liderança de um prestigioso cacique, que dominava certas porções de territórios bem definidos. O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 40 Ruy Dias Melgarejo, em 1553/1554, percorreu duas vezes o interior do Paraná, desde Ontiveros até São Vicente e regressou em 1555 partindo do litoral, em Santa Catarina, seguindo o mesmo roteiro de Cabeza de Vaca, pois ele participara, em 1541, da expedição de Don Alvar Nunez. Melgarejo teve um destacado papel entre os conquistadores espanhóis no interior do Paraná, pois conduziu a fundação de Ciudad Real del Guairá (foz do rio Piquiri, município de Terra Roxa) e da 2a fundação de Villa Rica del Spiritu Sancto ( junto à foz do rio Corumbataí, município de Fênix, hoje Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo)5. O ano de 1555 foi marcado por várias ocorrências nesses territórios. Francisco de Gambarrota veio do Paraguai até o porto de São Vicente em São Paulo. Nuflo Chaves saiu de Assunção para combater e apresar índios no Guairá e Juan de Salazar e Ci- priano de Góes fizeram o caminho inverso, partindo de São Vicente para o Paraguai. Em 1588, os padres Manuel Ortega, Juan Saloni e Thomas Fields percorreram a região do Guairá com a finalidade de conhecer o potencial humano para futu- ros trabalhos missionários, a exemplo do que já ocorria na costa do Brasil desde 1549. Informaram aos seus superiores a existência de milhares de índios Guarani na região, bem como reconheceram uma série de peculiaridades culturais, sociais e políticas que seriam úteis alguns anos depois. Era o início das atividades religiosas no Guairá, onde os conquistadores passaram a veicular os elementos básicos da sua cultura através dos padres jesuítas. Enquanto isso, a conquista continuou por seus meios tradicionais. Muitas vezes os conquistadores foram derrotados, como em 1601, quando Hernán Arias de Saave- dra combateu os índios de uma parte do Guairá e foi derrotado pelos guerreiros de Guairacá. A exploração das populações indígenas pelos conquistadores não ocorreu sem obstáculos, como afirmam muitos autores, e a conquista dos seus territórios também não aconteceu de forma pacífica. Em todos os momentos, e por várias et- nias, a resistência foi renhida e sangrenta. O território do Guairá, que compreendia quase todo o Estado do Paraná, foi local de trânsito de portugueses e espanhóis que iam e vinham de Assunção em direção às vilas do litoral brasileiro, sendo palco de guerras variadas e constantes. A conquista desses territórios foi feita palmo a pal- mo com o uso da espada, do arcabuz, da besta, da cruz, de doenças e de acordos. Alianças foram estabelecidas e rompidas, e de ambas as partes fidelidades foram sacramentadas e traições meticulosamente planejadas. 5 Francisco de Assis Carvalho Franco. Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. 1954, p. 241. 41 ESPANHÓIS, ÍNDIOS, JESUÍTAS E BANDEIRANTES NO GUAIRÁ No limiar do seiscentos, os portugueses chegaram na região em busca do seu butim: escravos indígenas para o trabalho nas fazendas paulistas, metais preciosos e outras riquezas6. Porém, desde a fundação de São Vicente eles já preavam os Guarani do litoral e da encosta das serras paranaenses. Em 1602, Nicolau Barreto desceu o rio Paraná, passando pelo Guairá, rumo às minas de Potosi, no Peru. Em 1607, foi a vez de Pedro Franco de Torres atravessar a região rumo ao Paraguai, fazendo o roteiro já conhecido desde meados do sécu- lo XVI. Nesse mesmo ano, Manuel Preto, um dos maiores preadores de índios da época, dirigiu uma bandeira para o aprisionamento dos índios Guarani nas proximi- dades da cidade espanhola de Vila Rica do Espírito Santo. Procurando medidas es- tratégicas para conter as investidas dos bandeirantes paulistas contra o “seu butim”, o Rei da Espanha criou a Província del Guairá em 1608, que era praticamente quase todo o Paraná. Ignorando as medidas protecionistas da coroa espanhola, Manuel Preto, acompanhado pelo temido Raposo Tavares, voltou ao Guairá em busca de mais índios nos anos de 1611, 1618, 1623 e 1628. Seu fim foi a morte por ferimentos de flechas em plena campanha de aprisionamento de índios no sul do Brasil7. As primeiras décadas do século XVII foram marcadas por uma intensificação das ações dos europeus no Guairá. De um lado, tivemos os choques entre os índios Gua- rani e os encomendeiros espanhóis, que os exploravam no trabalho semiescravo da coleta da erva-mate. Os padres jesuítas, em sua pregação religiosa, tentavam inculcar os valores da sociedade invasora junto às populações indígenas existentes na região. Contrariando os interesses dos encomendeiros espanhóis e dos padres da Com- panhia de Jesus, vieram os paulistas com a intenção de buscar seu butim. De uma perspectiva oposta, os índios faziam uma leitura própria da conjuntura, resultando eventualmente em alianças, acordos e guerras, complexificando o entendimento sobre os fatos ocorridos em suas relações com os invasores de seus territórios. Dis- so resulta que a análise histórica da ocupação da região não pode ser dicotômica: índios contra brancos ou vice-versa. Devemos considerar os grupos conquistadores europeus e seus interesses localizados, bem como os Guarani e os Kaingang, que eram inimigos e que estrategicamente estabeleceram alianças entre si. Alianças ex- plícitas ou não, o fato de que em determinados momentos um grupo indígena po- dia procurar as reduções, mesmo sendo refratário à pregação missionária, podendo 6 Sobre a preação de índios na região para o trabalho escravo em São Paulo, ver o livro de John M. MONTEIRO. Negros da Terra, São Paulo, 1994. 7 Cf. Victor de AZEVEDO. Manuel Preto “O Herói de Guairá”, São Paulo, 1983. O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 42 significar apenas uma tática política momentânea para se livrar dos invasores paulis- tas ou do trabalho escravo nas encomiendas espanholas. Os padres da Companhia de Jesus fundaram, junto com os índios, quatorze Re- duções nos vales dos rios Paraná, Iguaçu, Piquiri, Ivaí, Paranapanema e Tibagi. Ins- taladas no vale do Paranapanema estavam as Reduções de Nossa Senhora do Loreto e Santo Ignácio. No vale do Tibagi se localizavam São José, São Francisco Xavier, Encarnación e São Miguel. Nas margens do Ivaí ficavam Jesus Maria, Santo Antônio e São Paulo; no rio Corumbataí foram instaladas São Tomas e a dos Sete Arcanjos. Nas cabeceiras do rio Piquiri implantaram São Pedro e Concepção; no médio Piquiri, Nossa Senhora de Copacabana. Todas foram destruídas pelas invasões dos bandei- rantes paulistas no final da terceira década do século XVII8. Assim como os espanhóis e os jesuítas, os bandeirantes paulistas também tran- sitaram intensamente na região, e com toda certeza pelos caminhos e trilhas cons- truídos pelos índios, até que por volta de 1630 tinham destruído todas as Reduções Jesuíticas do Guairá. Diferente dos espanhóis, que fundaram duas cidades – Ciudad Real del Guairá e Vila Rica del Spiricto Sancto – os paulistas não tiveram essa preocupação, foram responsáveis pela primeira construção militar no vale do rio Tibagi. Em 1628, An- tônio Raposo Tavares e Manoel Preto, ao atacarem o Guairá, construíram um forte ou campo entrincheirado na margem esquerda do rio Tibagi, provavelmente no mu- nicípio de Ortigueira, nas imediações de Natingui. O padre Simão Maceta se refere a esse campo como ponto de apoio ou quartel de inverno dos bandeirantes, “una palisada fuerte de palos, cerca de nuestras aldeas”9. 8 Sobre a construção e a destruição das ReduçõesJesuíticas, ver: Jaime CORTESÃO. Bandeirantes e Jesuítas no Guairá. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951. 9 Davi CARNEIRO. O Paraná na História Militar do Brasil. Curitiba, Tipografia João Haupt & Cia, 1942, p. 10. 43 Destruídas as Reduções Jesuíticas, as populações indígenas se dispersaram, parte foi para o sul junto com os padres fundar os sete povos das missões no Rio Grande do Sul, outra parte voltou a reocupar seus antigos territórios. Mas a região não deixou de ser um atrativo para os paulistas tentarem aumentar seu butim. A partir de 1651, Fernão Dias Paes Leme ficou por três anos na região da Serra da Apucara- na e submeteu os caciques da nação Guaianá, ancestrais dos Kaingang, levando-os prisioneiros para São Paulo com todo o seu povo. Pedro Taques na Nobiliarquia Paulistana relata essa expedição: O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 44 Penetrou Fernão Dias Paes o sertão do sul até o centro da serra de Apucarana, no reino dos índios da nação Guyanãa, pelos annos de 1651; nelle existiu al- guns annos, tendo estabelecido arraial com o troço das suas armas, para vencer a reducção daquelle reino, que se dividia em três differentes reis. (...) Poz-se em marcha o grande corpo daquelles reinos e todos seguiam gostosos esta trans- migração debaixo do commando inteiramente do seu conquistador e amigo Fernão Dias (TAUNAY, 1995, p. 167)10. Esse fato ainda requer estudos mais aprofundados, pois certamente os índios não seguiram o “amigo” Fernão Dias. O paulista invasor teve de permanecer vários anos na região, estabelecendo um arraial; provavelmente um local fortificado aos moldes do construído em 1628 por Raposo Tavares para conter o ataque dos índios. Taques fala em cerco imposto por Fernão Dias às plantações desses índios. Também fala de três caciques, Tombu, Sondá e Gravitay. Este último morreu antes da partida para São Paulo; Sondá morreu na marcha (podemos sugerir a hipótese de que teria havido uma resistência desses caciques em seguir o bandeirante). Apenas o primeiro, Tombu, che- gou a Santana do Paraíba em São Paulo, onde morreu alguns anos depois. O POVOAMENTO DO LITORAL E AS ORIGENS DE CURITIBA Desde os primeiros anos de 1500, os europeus aportaram na região e a baía de Paranaguá já era conhecida dos navegantes. Ocupada primeiramente pelas populações construtoras dos Sambaquis, em 1500 ela era habitat dos Guarani, então chamados de Carijós. Eles denominaram esse grande estuário Paranaguá, que em Guarani significa Paraná-guá, algo como seio do mar ou grande mar redondo. Uma das primeiras informações que temos da região foi o esboço de um mapa feito por Hans Staden quando aqui esteve junto com Martim Afonso de Sousa e seu irmão Pero Lopes de Souza, em 1534, por ocasião da posse de suas Capitanias Hereditárias no sul do Brasil. 10 Cf. Affonso de E. TAUNAY. A grande vida de Fernão Dias Pais. São Paulo, 1955, p. 167. 45 Figura 2 - Litoral do Paraná. Fonte: Hans Staden, 2000. Na sequência, a região passou a ser frequentada por faiscadores de ouro e prea- dores de índios vindos de São Vicente, no litoral paulista, desde 1554. Foram várias as bandeiras que percorreram o litoral do Paraná nesse período. Em 1585, Jerônimo Leitão; em 1594, Jorge Coréia; em 1595, Manoel Soeiro; em 1617, foi a vez da bandeira de Antonio Pedroso, até que se descobre ouro nos ribeirões da região e tem-se o início do povoamento definitivo e da fundação das primeiras vilas do litoral. Paranaguá A primeira Sesmaria foi requerida por Diego de Unhate em 1614 e abrangia vas- tos territórios no rio Superagui. Anos mais tarde, Gabriel de Lara fundou uma po- voação na ilha da Cotinga, depois transferida para o continente. Mas em seis de janeiro de 1646 foi levantado o Pelourinho, e em junho de 1648 ocorreu a primeira eleição para a Câmara Municipal de Paranaguá. As possibilidades de gerar riquezas no garimpo de ouro nos riachos da serra e do planalto aumentaram a importância da região diante da coroa. Tanto que em 1660 Gabriel de Lara foi nomeado Capitão-Mor da Capitania de Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá, a qual existiu até 1709, mas O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 46 a partir de 1711, com a diminuição das atividades do faiscamento do ouro, perdeu o status de capitania e foi integrada à Capitania de São Paulo como a Quinta Comarca de Paranaguá e Curitiba11. Figura 3 - Vista de Paranaguá no século XIX. Fonte: Debret. Antonina Como as outras vilas do litoral, Antonina também surgiu em função da presença de faiscadores de ouro na região. No entanto, a fundação da povoação só ocorreu no século XVIII, em 1714, com a construção da capela de Nossa Senhora do Pilar da Gra- ciosa. Somente muito mais tarde, em 1797, ela foi elevada à vila com a denominação Antonina em homenagem ao Príncipe D. Antonio, primeiro filho do Rei Dom João VI e Dona Carlota Joaquina. Figura 4 - Vista geral de Antonina. Fonte: Aquarela sobre papel de William Lloyd, 1872. 11 Para maiores detalhes sobre o assunto, ver Ruy WACHOWICZ. História do Paraná, Curitiba, G. Vicentina, 1988, Cap. III. p. 39-51. 47 Morretes Situada às margens do rio Nhundiaquara, local de passagens dos faiscadores de ouro que subiam a serra, Morretes foi fundada por determinação do Ouvidor Rafael Pires Pardinho, em 1721. Anos depois, em 1769, a população teve permissão para er- guer a capela de Nossa Senhora do porto e Menino Deus dos três Morretes, e somente no século seguinte, em 1841, ela foi desmembrada de Antonina e elevada a município. Guaratuba Os historiadores dão como data provável da fundação da povoação de Guaratuba por Gabriel de Lara o ano de 1656. Um século depois, ela foi inserida na política de defesa do litoral sul do Brasil pelo então governador da Capitania de São Paulo, D. Luiz A. de Souza, o Morgado de Mateus. Este enviou para a região o Tenente Coronel Afonso Botelho com a missão de incrementar a ocupação de região e construir fortes para defesa do litoral. Figura 5 - Vista de Guaratuba no século XIX. Fonte: Debret. Curitiba Na primeira metade do século XVII, os faiscadores de ouro já tinham chegado no primeiro planalto paranaense e exploravam seus riachos e ribeirões em busca do metal precioso. O local era habitado pelos índios Guarani, que exploravam os imensos pinheirais da região e com certeza mantinham relações sociais e comerciais com os habitantes não índios do litoral e com os mineradores de ouro já há algum tempo antes da elevação do Pelourinho em 1668 por Gabriel de Lara. Com o cresci- mento da povoação, no final de século XVII foram eleitas as autoridades locais com a constituição da Câmara Municipal em 1693, data da fundação da cidade. O Paraná colonial: da chegada dos primeiros europeus em 1500 até a emancipação da província em 1853 HISTÓRIA DO PARANÁ: RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS DA PRÉ-HISTÓRIA À ECONOMIA CAFEEIRA 48 Figura 6 - Vista de Curitiba. Fonte: Debret. Figura 7 - Vista de Curitiba. Fonte: Franz Keller, 1872. A OCUPAÇÃO DOS CAMPOS GERAIS: AS FAZENDAS DE CRIAR E O CAMI- NHO DO VIAMÃO Os campos Gerais, situados no segundo planalto paranaense, começaram a ser povoa- dos por fazendeiros de São Paulo, Santos, Paranaguá e dos estabelecidos nos campos de Curitiba no início do século XVIII, quando foi descoberto ouro em Minas Gerais e se criou uma forte demanda por animais cavalares e muares criados em abundância nos campos do sul do Brasil e Uruguai. Essa demanda e essa possibilidade de negócios fizeram com que as famílias abastadas de São Paulo requeressem enormes sesmarias na região e para ali enviassem parentes ou capatazes para estabelecimentos
Compartilhar