s Usinas da Paz foram idealizadas ainda na pré-campanha do candidato Helder Barbalho, em 2018. Preocupado com o voto volátil de centro-esquerda, Helder decidiu aprofundar políticas sociais, de olho no voto das periferias dos grandes aglomerados urbanos do Pará e no crescente descontentamento com o governo Jatene, visto pelo público, especialmente do interior, como focado na capital e ausente do restante do Estado. O conceito de "presença" de Helder em oposição à "ausência" do adversário seria uma decorrência óbvia dessa análise.
Mas, como traduzir em uma grande
política pública a ideia de inclusão e vender a proposta de que a violência
poderia ser reduzida não apenas com o uso da força, mas também com políticas
sociais e presença nas áreas mais críticas?
Helder pediu ajuda aos
universitários, mais precisamente a um professor e intelectual dedicado a
políticas sociais em territórios marcados pela violência. Ricardo Brisolla
Balestreri (foto, detalhe), educador, licenciado em História,
especialista em Psicopedagogia Clínica e em Terapia de Família, foi diretor do
Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em
Segurança Pública da Senasp durante os dois primeiros governos Lula. Era o
homem certo para o lugar certo. Com ele, Helder viajou para conhecer
experiências práticas que servissem de modelos para o que pretendia fazer caso
eleito, como a de Medellín, na Colômbia.
Modo integração
Balestreri se debruçou sobre os dados
do Pará e interferiu diretamente no programa de governo que seria apresentado,
explicando como a sociedade se constitui como sistema de interação entre
indivíduos, produzindo formas sociais a partir da participação cidadã, e como a
política pública pode ativar atores sociais a partir dos territórios. Assim
surgiram as UsiPaz como modelo de incidência não invasiva do Estado nas áreas
mais críticas para a segurança, consideradas a partir dos dados do IBGE,
engendrando ações que estimulariam o que o consultor de então chamava de
"cidadania ativa" e que se concretizaria como prática social feita e
usufruída por atores locais.
Ricardo Balestreri se consolidou como
opção óbvia para a gestão e administração das UsiPaz, assumindo, após a vitória
de Helder, a Secretaria Estratégica de Articulação da Cidadania, q criada para
ser "à prova de fisiologismo político e partidarização" das futuras
usinas.
Depois do vendaval
As obras dos complexos foram executadas em parceria com as empresas Vale e Hydro, que arcaram integralmente com os custos. Neles são oferecidos mais de 80 serviços gratuitos, disponibilizados pelos órgãos e entidades parceiras do Estado uma estrutura que, não fosse blindada, se tornaria um balcão para compra de votos, desvirtuando o projeto original.
Era uma vez
Balestreri e o próprio governador
mantiveram os espaços das UsiPaz como equipamentos públicos íntegros, que
cumpriram sua função social plenamente, até que veio o vendaval de 2022.
A reeleição folgada de Helder
Barbalho no primeiro turno poderia ter gerado uma independência completa do
governador em relação à baixa política. Mas o efeito foi diametralmente oposto:
cargos distribuídos sem qualquer critério de razoabilidade a políticos deram lugar
às escolhas técnicas, ponderadas, da primeira gestão.
De mal a pior
Ricardo Balestreri, que mudou sua
vida para se instalar no Pará, dormiu secretário e acordou no pesadelo de uma
demissão inexplicável e, obviamente, injusta. Mas tudo ainda poderia piorar. E
o desastre aconteceu. Em um arranjo visto como um ‘cavalo de pau’ arriscado e
inseguro, o deputado estadual Igor Normando, primo do governador, se licenciou
do mandato e assumiu a Seac criada por Balestreri. Normando manteve o controle
financeiro da Fundação Cultural do Pará e agregou agora o que Balestreri via
como uma escola de cidadania e ele vê como uma mina de ouro para arregimentar
votos sem meter a mão no próprio bolso.
Controle absoluto
Como esperado, ao contrário do que
existiu na origem do projeto, as UsiPaz foram tomadas pela baixa política. Igor
Normando, cuja ousadia e pragmatismo fariam Gerson Peres corar, tomou de
assalto as estruturas, que passaram a ser ordenadas segundo as prioridades
dele, e não mais da gestão.
Nada mais acontece ali sem que ele
pessoalmente aprove e garanta que estará presente para faturar politicamente,
desde a entrega do diploma do corte e costura até a vacinação de animais,
atividades que já aconteciam antes, mas sem o palanque eleitoral montado ou o
carimbo patrimonialista que se impôs agora. Normando aparelhou a estrutura,
partilhando seu uso nada republicano com vereadores e deputados amigos, que
iludem o público, fazendo-o crer que as ações ali realizadas acontecem graças a
algum tipo de esforço desse ou daquele parlamentar e não como parte de uma
política pública continuada.
O usufruto abertamente eleitoral da
máquina pública acontece nas barbas do Ministério Público, sem embaraços, com a
desfaçatez de quem acredita na impunidade.
Bem me quer...
Apeado do Podemos, partido que
apresentava como seu, Igor Normando se apresenta como candidato a prefeito de
Belém. Sem partido já dialogou, em nome do primo poderoso, com a ala petista de
Beto Faro, foi rejeitado pelo PSB de Cássio Andrade e recebido como um jovem
tucano, com pompas e circunstâncias, na Convenção do PSDB em Belém. O
secretário sabe que no MDB teria dificuldades, não só porque outros nomes da
legenda despontam com maior destaque - em que pese o esforço de comunicação de
Normando, que inclui centenas de outdoors de aniversário e
milhares de bots nas redes sociais.
A barricada no MDB é mais alta,
porque o peso do deputado José Priante nas escolhas que o partido fará na
capital não deve ser desconsiderado, assim como a movimentação nada sútil
do deputado estadual Zeca Pirão.
Bichinho da Disney
O post-cartaz publicado pelo dublê de
secretário e candidato em suas redes sociais nesse final de semana mostra-o
como um super-herói de desenho animado da Disney-Pixar, cercado de crianças e
animais, tendo ao fundo o equipamento público criado e realizado para ser à
prova do fisiologismo e que agora se tornou, sem qualquer rubor, seu
quartel-general.
Nenhum secretário ousou utilizar os
equipamentos do Estado em usufruto pessoal desse modo. Nem ousaria. Mas, pelo
visto, o primo pode.