Dossiê - Resistência, adesão e acomodação na América Latina: Imprensa e humor em contextos autoritários

MDB e ARENA nas charges: a imagem do sistema bipartidário da ditadura em disputa

Rodrigo Patto Sá Motta
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil

MDB e ARENA nas charges: a imagem do sistema bipartidário da ditadura em disputa

Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 37, e0102, 2022

Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepción: 30 Junio 2022

Aprobación: 29 Agosto 2022

Resumo: O artigo estuda e interpreta as mensagens políticas de um conjunto de charges veiculadas por cinco jornais da grande imprensa brasileira (Correio da Manhã, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e Última Hora) a respeito do sistema bipartidário vigente na ditadura militar entre os anos de 1966 e 1979. O propósito é analisar as diferentes maneiras como as charges representaram os partidos para o seu público leitor, levando em consideração as mudanças que ocorreram ao longo do tempo e os posicionamentos dos chargistas e respectivas empresas jornalísticas frente ao projeto político do regime ditatorial.

Palavras-chave: ditadura, partidos, MDB e Arena, charges, imprensa.

Abstract: The article’s aim is to study and analyze the political messages of a set of caricatures published by five newspapers of the Brazilian mainstream press (Correio da Manhã, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo and Última Hora) dedicated to the bipartisan system in force during the first years of the military dictatorship (1966-1979). The purpose is to analyze the different ways in which the caricatures represented the parties to their public, considering the changes that occurred over time and the different positions of the cartoonists and their journalistic companies in face of the political project of the dictatorial regime.

Keywords: dictatorship, parties, MDB and Arena, caricature, mainstream press.

Introdução

A proposta deste artigo é analisar como os chargistas da grande imprensa representaram os dois partidos que atuaram na fase aguda da ditadura militar, Arena e MDB (1966-1979). O ponto central é observar as mudanças que ocorreram nas imagens públicas desses partidos, tal como é possível perceber pelo traço dos chargistas que publicaram nos jornais Correio da Manhã (CM), Folha de S. Paulo (FSP), Jornal do Brasil (JB), O Estado de S. Paulo (OESP) e Última Hora (UH)[1]. O pressuposto é que o estudo das charges contribui para compreender as relações entre imprensa e ditadura, na medida em que os desenhos de humor expressavam, em linhas gerais, os valores políticos defendidos pelos respectivos jornais. Assim como os textos verbais, as imagens caricaturais publicadas pela imprensa buscavam não apenas informar seus leitores. Além de representarem comentários cômicos sobre o quadro político, o que é característico da linguagem das charges, elas tentavam impactar e influenciar o cenário público.

Os jornais cujas charges são estudadas aqui tinham muito em comum, mas quanto ao seu posicionamento político ao longo da ditadura notam-se nuanças relevantes. Exceto UH, todos esses jornais apoiaram o golpe de 1964 que, significativamente, chamaram de “revolução”. O CM apoiou o golpe, mas poucas semanas depois mudou de posição e passou a criticar a ditadura. Em razão disso, tanto UH como CM sofreram pressões políticas (incluindo prisões de jornalistas) e econômicas que levaram seus proprietários a vendê-los para grupos mais simpáticos à ditadura. Consequentemente, charges publicadas em UH e CM aparecem aqui apenas no início do artigo, já que após 1968 seu projeto editorial foi desfigurado.[2]

Quanto ao “Estadão” (OESP) e ao JB, ambos mantiveram apoio genérico à ditadura praticamente até o seu fim, ao mesmo tempo em que criticavam algumas de suas ações, em especial o AI-5. No caso desses jornais tratava-se de defender um modelo liberal autoritário para a ditadura, o que implicava apoio às medidas repressivas contra a esquerda, mas ao mesmo tempo a defesa da manutenção do Congresso, dos partidos e das eleições. Por isso, OESP e JB publicaram algumas charges com visões simpáticas às instituições liberais, para incentivar a ditadura a mantê-las. A FSP, igualmente, apoiou a ditadura nos seus primeiros anos, mas uma guinada editorial na segunda metade dos anos 1970 levou o jornal a divulgar discursos mais críticos ao regime militar, inclusive nas charges[3].

Como foi dito, em geral, os desenhistas de humor seguiam a linha editorial (e política) dos jornais. Muitas charges consistiam em interpretações visuais de textos publicados pelos jornais, como se o seu papel fosse reiterar o discurso verbal, transformá-lo em imagem visual para fixar melhor o seu sentido, ou sensibilizar os leitores pela imagem. No entanto, por vezes, os chargistas adotaram posturas relativamente independentes e fizeram críticas à ditadura mais agudas do que os textos verbais. Dentro do recorte da pesquisa, maior destaque cabe a Ziraldo, que publicou charges muitas vezes destoantes em relação aos editoriais do JB, como se comentará adiante.

Além de nem sempre expressarem fielmente a linha editorial do respectivo jornal, algumas charges não se resumiam a sintetizar discursos verbais prévios. Assim, os desenhistas produziram muitas charges originais e criativas, construíram mensagens políticas por meio da linguagem do humor gráfico e, em alguns casos, criaram novos sentidos a partir dos desenhos, que depois foram convertidos para o discurso verbal – a exemplo da metáfora do “saco de gatos” comentada adiante.

Portanto, charges e caricaturas[4] tiveram papel relevante na construção do discurso político da imprensa no contexto ditatorial, e vale a pena referir que elas assumem especial significado em contextos autoritários, pois a ambiguidade do discurso cômico permite tensionar os limites da repressão e da censura. Dessa forma, essas imagens nos dão acesso a temas e a críticas políticas que circularam com mais frequência por meio das charges, embora elas tenham sofrido censura também[5].

Quanto ao sistema bipartidário, a razão de ser de Arena e MDB era conferir ares de legitimidade à ditadura, tentando convencer o público interno e o externo de que ela respeitava os princípios liberal-democráticos. Ademais, seu papel era acomodar os aliados liberais do regime militar e os setores dispostos a fazer-lhe oposição leal, ou seja, criticar moderadamente a ditadura sem questionar suas bases essenciais (MOTTA, 2021). Pode-se questionar a razão para colocar-se em foco o sistema bipartidário e o Congresso, já que tais instituições tinham pouco poder e, na ótica dos dirigentes estatais, serviam para escamotear a realidade da ditadura. A propósito, essa virtual irrelevância apareceu nas charges com frequência, como veremos.

No entanto, Arena e MDB foram além desse figurino, pois expressaram interesses e opiniões políticas de certos grupos sociais (GRINBERG, 2009). No caso da Arena, o partido facilitava as tarefas de governo para os chefes da ditadura, ao indicar nomes para ocupação de cargos em nível estadual e municipal, principalmente. Quanto ao MDB, parte de seus militantes contrariou os planos oficiais ao fazer oposição real e mesmo resistir à ditadura. Por isso, eles foram alvo constante da repressão estatal, sofrendo prisões e cassação de mandatos parlamentares e direitos políticos. Os partidos ganharam maior relevância a partir da distensão política e do início da crise do modelo econômico da ditadura, quando a simples coerção foi se tornando menos eficiente para a manutenção do poder. Essa análise se aplica especialmente ao MDB (e seu sucessor, o PMDB), que a partir da metade dos anos 1970 conquistou maior reconhecimento público e tornou-se peça-chave na transição democrática dos anos 1980.

A proposta deste artigo é estudar as representações caricaturais que circulavam na precária esfera pública permitida pela ditadura para avaliar se, e até que ponto, a estratégia oficial em relação aos partidos funcionou. Trata-se de perceber como os partidos eram representados – e criticados –, mas também analisar as mudanças na sua imagem caricatural, que acompanhou a dinâmica do sistema político da ditadura. O estudo revela um paradoxo: apesar da aparente pequena importância dos partidos, o que era reiteradamente comentado e criticado, eles foram muito presentes na produção diária dos desenhistas.

Antes de prosseguir é necessário apresentar breves comentários de natureza teórica e metodológica. Primeiramente, na pesquisa foram coletadas centenas de charges sobre os partidos e as lideranças partidárias, o que tornou indispensável uma seleção rigorosa. Por isso, optou-se por comentar apenas alguns desenhos mais relevantes ou mais representativos, e reproduzir somente parte deles, devido aos limites de espaço. Pela mesma razão não será possível discutir as diferenças de estilo entre os desenhistas enfocados, peculiaridades que têm relação também com mudanças geracionais. O grupo citado no artigo ocupou lugar de destaque no cenário do humor gráfico, contando com nomes que atuavam anteriormente como Hilde[6], Biganti[7], Jaguar[8], Ziraldo[9], Lan[10], Orlando Mattos[11], Coletti[12] e Fortuna[13], assim como figuras que surgiram nos anos 1970, como Angeli[14], Chico Caruso[15] e Gê[16]. Em lugar de centrar foco nas diferenças de estilo, questão sem dúvida relevante, a opção foi usar o espaço do artigo para analisar o conteúdo político das imagens. Optou-se também por não comentar todos os detalhes das imagens reproduzidas no artigo, para privilegiar a análise das mensagens essenciais dos desenhos.

O estudo das charges implica análises interpretativas, pois seus significados nem sempre são transparentes. Para tanto é necessário conhecer o contexto, as personagens e os embates políticos cotidianos, bem como ter familiaridade com as convenções gráficas utilizadas pelos desenhistas. Porém, muitas vezes os sentidos das charges são simples, pois a ideia era facilitar a compreensão do público. Por essa razão, as figuras de linguagem mobilizadas – principalmente metáforas – pertenciam ao universo da cultura popular, como animais, esportes, jogos infantis, veículos, temas bíblicos, datas festivas, fenômenos da natureza, entre outros. Usavam-se também metáforas mais sofisticadas, por exemplo, relacionadas à cultura clássica, mas mesmo nesses casos priorizavam-se temas mais difundidos, como o assassinato de Júlio César (Figura 39) ou a epopeia de Ulysses (Figura 38).

Para encerrar esta introdução, que já se faz longa, um breve comentário sobre a historiografia com que o artigo dialoga. O sistema partidário criado pela ditadura militar não atraiu muitos estudos acadêmicos e, em geral, os dois partidos foram estudados isoladamente, exceto na tese de doutorado de Alessandra Carvalho (CARVALHO, 2008), que abordou a atuação parlamentar de ambos[17]. Para o caso da Arena, destacam-se o livro de Lúcia Grinberg (GRINBERG, 2009) e, mais recentemente, a tese de Dmitri Sobreira (SOBREIRA, 2021). Em relação ao MDB, os principais estudos foram feitos por Maria Dalva Gil Kinzo (KINZO, 1988), Beatriz Nader (NADER, 1998) e Rodrigo Patto Sá Motta (MOTTA, 1997).

Quanto a estudos voltados às representações caricaturais dos partidos foram identificadas apenas as abordagens sobre a Arena de Grinberg e Sobreira, que dedicaram um capítulo das respectivas teses ao tema, sendo que a primeira fez um estudo mais abrangente e enfocou jornais também abordados neste artigo. As conclusões do presente trabalho convergem em parte com as análises de Grinberg, com a diferença de que seu estudo abordou mais especificamente a Arena e que utilizamos um conjunto maior de jornais e de chargistas. Além disso, os objetivos são distintos, pois Grinberg quis provar que as charges mostram a Arena como “um partido em ação, revelando uma trajetória mais complexa do que as anedotas recorrentes sobre o partido, consolidadas na memória hegemônica nos anos 1980” (GRINBERG, 2009, p. 278). Mas concordamos menos com outra afirmação da historiadora, de que “Arena e MDB são mostrados nas charges de maneira bastante parecida” (GRINBERG, 2009, p. 277)[18]. A proposta aqui é revelar que as diferenças entre os partidos foram bastante ressaltadas nas charges, embora de fato algumas delas apontassem pontos convergentes, especialmente em sua fase inicial.

A formação da Arena e do MDB e a primeira fase do sistema bipartidário

A motivação principal dos golpistas de 1964 foi reprimir as organizações de esquerda e os movimentos sociais reivindicativos, que viviam momento de ascensão durante o governo de João Goulart[19]. Entretanto, o sistema político vigente também se tornou um alvo, por ser considerado corresponsável pela situação política que levou ao golpe. Os partidos e demais instituições foram expurgados com base no discurso de que se deixaram infiltrar por esquerdistas e comunistas, e que seriam permeáveis à corrupção. Entre as milhares de pessoas que tiveram seus direitos políticos suspensos em 1964, algumas dezenas eram representantes parlamentares. Em meio ao clima de apoio ao golpe construído e divulgado pela grande imprensa, a ideia de que o expurgo parlamentar era necessário encontrava boa acolhida, assim como opiniões favoráveis ao incremento do autoritarismo estatal em nome da “limpeza” das instituições.

No contexto imediato ao golpe de 1964, foram publicadas algumas charges críticas aos partidos vigentes, principalmente os mais vinculados ao governo de João Goulart, PSD e PTB. Por exemplo, charges dessa fase acusavam o PTB de não apoiar devidamente os setores populares[20], representavam o general Castelo Branco irritado com o “falatório” dos partidos (FSP, 7/7/1964, Nelson Coletti) ou aplicando-lhes uma palmatória, em uma imagem que parece concordar com essa prática “corretiva” (Figura1). Mesmo um chargista da linha de resistência à ditadura como Jaguar às vezes atacou os partidos, especialmente o PSD, representando-o como um partido de velhos decrépitos (UH, 3/11/1965, Jaguar).

Palmatória
Figura 1
Palmatória
Folha de S. Paulo, 2/4/1965, Orlando Mattos.

Se os partidos vigentes em 1964 não eram bem-vistos pelos chargistas, tampouco a reforma partidária imposta pela ditadura no final de 1965 atraiu simpatia. A possibilidade de extinção dos antigos partidos já era aventada, mas se tornou realidade após as eleições estaduais de outubro de 1965, quando candidatos não inteiramente alinhados à ditadura foram eleitos em alguns estados. Pressionado pela extrema direita, especialmente a chamada linha-dura, o governo do general Castelo Branco aproveitou a ocasião para baixar o Ato Institucional 2 (MARTINS FILHO, 2019, p. 104-105). O sistema partidário vigente foi extinto porque não garantia vitórias eleitorais tranquilas para os novos donos do poder, já que seu partido preferido, a UDN, não tinha apoio da maioria da população. Além de extinguir os antigos partidos, o AI-2 foi essencial para a instituição da ditadura por estabelecer eleições indiretas para presidentes e governadores.

Com a reforma partidária de 1965, o plano da ditadura era criar um grande partido oficial, capaz de garantir ao governo apoio sólido nas casas parlamentares, ao mesmo tempo em que se ofereceria aos eleitores uma organização com nova “cara”, supostamente distante dos velhos problemas. Para isso formou-se a Arena, cuja espinha dorsal era constituída por líderes da antiga UDN, a que se juntaram figuras de quase todos os outros partidos, principalmente do PSD (GRINBERG, 2009). Já as forças de oposição dispostas a aceitar o jogo parlamentar da ditadura fundaram o MDB, constituído basicamente por líderes egressos do PTB e de uma ala minoritária do PSD (KINZO, 1988).

A maioria das charges abordando MDB e Arena, na sua fase inicial, criticou os novos partidos, tanto as publicadas nos jornais de oposição, como UH, como nos jornais alinhados ao governo. As imagens questionavam a legitimidade das duas agremiações, consideradas frágeis, artificiais e subservientes aos desígnios da ditadura que criou o sistema bipartidário, principalmente a Arena. Entretanto, o MDB igualmente aparecia mal no traço dos chargistas nessa fase inicial, como em uma cena de diálogo em que um personagem diz: “Agora vamos ter só dois partidos: um será a favor do Governo o outro não será contra” (UH, 8/11/1965, Jaguar). A exceção foi uma charge publicada pela FSP, que registrou de maneira simpática o “nascimento” do MDB em uma maternidade, como se o “bebê” recém-nascido representasse a esperança de um futuro melhor (FSP, 22/12/1965, Orlando Mattos).

anto ao novo partido oficial, ele inspirou uma série de desenhos utilizando a arena romana como metáfora, em alusão à luta, à violência e ao poder imperial. Possivelmente o inaugurador do tema foi Jaguar, que em dezembro de 1965 retratou a Arena como uma biga prestes a entrar na arena romana, sendo puxada pelos cavalos UDN e PSD, sob o comando de Castelo Branco (UH, 27/12/1965, Jaguar). Explorando o mesmo tema em desenho para o Correio da Manhã, reproduzido na figura 2, o chargista Fortuna mostrou antipatia pelo partido da ditadura ao sugerir que ele deveria morrer na arena romana (a votação popular característica com o polegar para baixo), ou então que na próxima eleição a votação do partido seria ruim. Por sua vez, em charge publicada na FSP, Coletti ironizou o partido oficial recém-inaugurado, representando-o como uma arena romana frágil e rota (figura 3).

Abaixo a Arena
Figura 2
Abaixo a Arena
Correio da Manhã, 13/3/1966. Fortuna.

“Inauguração” da Arena
Figura 3
“Inauguração” da Arena
Folha de S. Paulo, 2/4/1966. Nelson Coletti.

A propósito, as representações caricaturais da Arena oscilavam entre mostrá-la frágil e carente de legitimidade, ou como um partido forte graças ao auxílio do governo. Durante toda a existência do sistema bipartidário, a Arena foi traçada como um partido que competia desigualmente com o MDB devido à ajuda e às manobras dos governos militares. Diferentes metáforas foram utilizadas para mencionar essa situação assimétrica, como o tema da alimentação, em que a Arena aparecia recebendo mais comida ou vitaminas do governo, e por isso era mais forte e às vezes obesa (OESP, 20/12/1972, Hilde). Outra metáfora frequente envolvia a luta entre os dois partidos, em ringues de boxe por exemplo, situações em que os governos da ditadura apareciam fazendo manobras escusas para favorecer a Arena (FSP, 26/8/1966, Orlando Mattos; JB 15/4/1977, Ziraldo). No caso da charge reproduzida na figura 4, Hilde mostra o general Costa e Silva (como um jardineiro) assistindo a “senhora” Arena em ação, que faz uso do porrete da sublegenda[21] para controlar o “jardim” Congresso Nacional.

O “porrete” de D. Arena
Figura 4
O “porrete” de D. Arena
O Estado de S. Paulo, 6/6/1968. Hilde.

A charge anterior está entre as centenas de imagens que representavam a Arena como mulher, geralmente contrastando com representações do MDB como homem. Essa figura feminina normalmente era uma mulher de idade madura, uma senhora. Algumas vezes as charges retratavam uma figura ainda mais velha, quando se pretendia usar a imagem de feiura ou de decrepitude como crítica política. Em alguns casos, a falta de beleza é um recurso irônico para sugerir que a Arena tinha poucos atrativos, para os eleitores e mesmo para o governo militar, que ela tentava seduzir com dificuldade (FSP, 28/5/1966, Orlando Mattos).

Uma das possíveis interpretações para o uso da figura feminina é que ela servia para destacar a subserviência da Arena aos governos da ditadura. Assim, tratava-se de recurso machista que mobilizava visões tradicionais sobre a mulher como figura passiva diante do poder masculino[22]. Trata-se de proposta de análise relevante, no entanto há que se considerar outras possibilidades. Uma das principais responsáveis por explorar o tema era uma mulher, Hilde, que trabalhava para o Estadão. No caso de Hilde, a figura de “dona” Arena era uma espécie de continuação de “dona” UDN, que ela vinha desenhando desde os anos 1950, mas em tons respeitosos. A “senhora” UDN não representava a ideia de subserviência, mas mobilizava valores tradicionais como honestidade e família, ou seja, imagens positivas de acordo com visões conservadoras. Hilde pode ter desenhado a Arena como senhora por ver no partido uma extensão da UDN, e talvez porque pretendesse conferir-lhe inicialmente ares de respeitabilidade também[23]. Porém, em muitas ocasiões, a chargista do Estadão ironizou a Arena como uma senhora vetusta, a exemplo da charge reproduzida na figura5, que fazia troça da criação da Arena jovem, um departamento do partido que visava a sua renovação. Na charge, a Arena jovem toca uma guitarra elétrica, com acordes frenéticos, enquanto a velhinha Arena tenta acompanhá-la em um ultrapassado piano.

Arena Jovem
Figura 5
Arena Jovem
O Estado de S. Paulo, 4/2/1971. Hilde

Outro aspecto a considerar é que a figura masculina do MDB não implicava imagem de superioridade sobre a Arena, já que nos anos iniciais tratava-se de homens fracos, inseguros, sem poder real. O tema da fraqueza do MDB aparecia, por exemplo, em imagens aludindo à sua dificuldade em atrair votações substanciais (UH, 19/11/1966, Jaguar). Mas o tema da debilidade aparecia de maneira mais aguda nas menções à tentação “suicida” do partido oposicionista, que em várias ocasiões contemplou a autodissolução diante da falta de perspectivas, como em charge de Orlando Mattos em que o “senhor” MDB está prestes a enforcar-se (FSP, 15/11/1967, Orlando Mattos). Biganti, que publicava no Estadão, abordou o tema do suicídio de forma mais irônica, questionando as intenções reais do partido de oposição. Em seu traço (figura 6), o MDB na verdade apenas encena o suicídio para chamar atenção, pois a tina era rasa demais para afogamento, ele havia deixado a porta aberta e ainda por cima estava gritando.

Suicídio
Figura 6
Suicídio
O Estado de S. Paulo, 5/7/1969. Biganti.

Por falar no trabalho de Biganti, nesse período o chargista criticou bastante os líderes do MDB. Ele criou uma figura que podemos chamar de MDB falso leão, ou leãozinho, para ironizar a falta de coragem do partido, ou sua suposta intenção de fingir-se corajoso. Uma das primeiras menções ao tema apareceu na charge intitulada “oposição”, reproduzida na figura 7. Ali, vemos o senhor MDB sentado na lata de lixo, irrelevante, mas – e vestindo a máscara de leão – lançando aviõezinhos de papel no governo, em ação inofensiva. Uma das imagens mais agudas da série produzida por Biganti foi reproduzida na figura 8. Trata-se de zombaria impiedosa ao falso leão MDB, agora montado em um cavalo de brinquedo e com espada de pau em riste: retrato de um herói bufão que finge engajar-se na luta.

“Oposição”
Figura 7
“Oposição”
O Estado de S. Paulo, 17/4/1968. Biganti.

Guerra de mentirinha
Figura 8
Guerra de mentirinha
O Estado de S. Paulo, 14/4/1970. Biganti

Quanto às representações caricaturais abordando a fragilidade do MDB, vale a pena acrescentar que o argumento foi explorado de diferentes maneiras e a partir de distintas metáforas, como o tema de barcos afundando ou cuja tripulação fugiu para o navio da Arena, como um bando de escoteiros sem rumo (OESP, 11/12/1971, Hilde), como um grupo perdido no deserto (OESP, 14/6/1972, Hilde) ou como Dom Quixote lutando contra moinhos de vento (OESP, 23/10/1970, Biganti).

Outro tema muito explorado eram as disputas internas no MDB, que desde a origem possuía alas de esquerda e de direita, com setores que resistiam efetivamente à ditadura e outros que se acomodavam a ela. Essas divisões ganharam mais visibilidade com o surgimento dos “autênticos” em 1971, um grupo de deputados federais recém-eleitos que pretendia renovar o ânimo oposicionista do partido, a que se contrapôs o chamado grupo moderado (NADER, 1998). As divisões eram anteriores e mais complexas do que a simples contraposição entre autênticos e moderados, mas é significativo que a maioria das representações caricaturais sobre os conflitos no MDB surgiram depois de 1971. Entre os motes mais utilizados para expressar essas disputas, estavam lutas de socos e pontapés, às vezes com o deputado Ulisses Guimarães tentando conter os brigões (OESP, 22/4/1979, Hilde), mas também se usou a figura do duelo de pistolas. Porém, às vezes esses conflitos eram mencionados de modo mais sutil e menos violento, como a mobilização de personagens jovens opondo-se a velhos, inclusive a representação dos autênticos como hippies (OESP, 14/3/1972, Hilde).

O “saco de gatos”
Figura 9
O “saco de gatos”
O Estado de S. Paulo, 15/7/1972. Hilde.

Os constantes conflitos internos ao MDB inspiraram uma metáfora visual cômica de muito sucesso, que seria convertida também em discurso verbal. Trata-se da representação do MDB como “saco de gatos”, uma imagem simples, mas poderosa em termos de comunicação. É possível que Hilde tenha inaugurado o tema com a charge reproduzida na figura 9, um mote que seria usado também por Ziraldo anos depois no Jornal do Brasil[24]. As brigas dentro do MDB eram em geral criticadas pelas charges, que viam na falta de unidade um aspecto a fragilizar o partido. No entanto, a atuação dos autênticos contribuiu para dar mais visibilidade e respeitabilidade ao partido, o que passou a ser percebido e destacado após 1974.

O período pós AI-5: anos de desalento

A decretação do AI-5 em 13 de dezembro de 1968 foi certamente um divisor de águas. Não por representar o início da ditadura, opinião defendida por simpatizantes da sua ala liberal, mas porque tornou aquele regime político mais violento e autoritário. Não há espaço para analisar o contexto da edição do novo AI, para o que se recomenda consultar a bibliografia específica (CODATO, 2004; MARTINS FILHO, 2019; MOTTA, 2021). Para os propósitos do artigo, o essencial é registrar que a entrada em vigor do AI-5, especialmente nos primeiros anos, tornou o ambiente político irrespirável, ou melhor, praticamente deixou de existir uma vida política. Prisões, torturas e mortes tornaram-se mais frequentes, a grande imprensa ficou sob censura e o Congresso Nacional foi suspenso, assim como os direitos políticos e mandatos de mais de cem parlamentares. Durante os primeiros meses de 1969 pareceu que os líderes da ditadura iriam abandonar seu compromisso precário com as instituições liberais e se livrariam definitivamente dos partidos, das eleições e das casas parlamentares.

Quanto à imprensa, os veículos que haviam apoiado o golpe adotaram postura de frieza e desconfiança frente à nova situação, sendo que alguns externaram sutilmente seu desacordo com o AI-5, sobretudo JB, Estadão e FSP. Eles apoiaram a derrubada de Goulart e o expurgo das esquerdas, inclusive a repressão às guerrilhas que começaram a atuar nos anos 1967-69, mas temiam os efeitos da repressão e da censura sobre sua própria liberdade. Assim, a atitude de muitos jornais da grande imprensa frente ao AI-5 foi de insatisfação e desconfiança, que às vezes expressavam de forma tímida, fazendo pressões sutis para que o Congresso fosse reaberto e a repressão política se dirigisse apenas aos inimigos de esquerda da ditadura.

O novo contexto impactou imediatamente o trabalho dos chargistas, que reduziram os comentários sobre o quadro político por ação da censura propriamente ou da autocensura. Desenhistas que caricaturavam presidentes e episódios políticos de grande alcance passaram a abordar temas menos arriscados, como política municipal, problemas de trânsito ou temas internacionais. Mas, mesmo na fase aguda do AI-5, Arena e MDB continuaram a ser abordados, pois eram assunto menos perigoso por não terem sido proibidos ou extintos. Os partidos às vezes serviam de mote para os chargistas (e respectivos jornais) expressarem críticas sutis à situação política vigente, assim como o desalento frente ao futuro. Um exemplo interessante foi reproduzido na figura 10, em que Hilde mostra os dois partidos à porta do Conselho de Segurança Nacional, esperando novidades com ar de preocupação e ansiedade, sem prestar atenção ao jornalista que busca notícias. O CSN era o órgão responsável por definir que cidadãos seriam cassados e que parlamentares perderiam o mandato; desse modo, a charge mostra a expectativa sobre quem permaneceria no jogo político.

Outras charges dessa fase abordaram de maneira sutil os expurgos, por exemplo mostrando os partidos como figuras magrinhas, esfarrapadas, andando na corda bamba, como plantas ressequidas, sofrendo ao relento ou sob tempestades, vestidos como atores que aguardam em vão a reabertura do teatro, ou fazendo operação plástica (a Arena) para tentar agradar ao governo, entre outras referências irônicas.

À porta do CSN
Figura 10
À porta do CSN
O Estado de S. Paulo, 23/2/1969. Hilde.

Biganti produziu duas charges muito ousadas para o contexto, já que mencionou diretamente o general Costa e Silva “operando” a Arena. Na primeira delas, o general é um médico que atende à acamada D. Arena, que estaria morta ou em estado terminal, a imagem não deixa claro (figura 11). Ambíguo é também o papel do médico na cena, tendo em vista os instrumentos da sua sala de cirurgia, mais próprios de um marceneiro ou de um açougueiro. Fica-se em dúvida se Costa e Silva está ali para reanimar a vítima ou para exumar o seu cadáver, uma ambiguidade que deve ter evitado a ação da censura. Em outra charge publicada alguns dias depois (figura 12), Biganti voltou a mencionar a intervenção de Costa e Silva na Arena, dessa vez vestido como se fosse um escultor à procura de uma nova cabeça para o seu partido, um tipo de animal de estimação a que ele poderia conferir feições mais suaves ou agressivas.

“Operando” D. Arena
Figura 11
“Operando” D. Arena
O Estado de S. Paulo, 21/3/1969. Biganti.

Estudo
Figura 12
Estudo
O Estado de S. Paulo, 1/4/1969. Biganti.

Os chargistas representaram o clima político pesado após o AI-5, mas às vezes passaram mensagens de esperança de um futuro melhor, que podem ser interpretadas como tentativas sutis de pressionar por uma redução na escala dos expurgos e pelo retorno ao arranjo precário entre a ditadura e as instituições liberais. Mais precisamente, a expectativa era pela reabertura do Congresso e consequentemente o retorno dos partidos ao cenário. Nessa linha, e especialmente no Estadão e na FSP, as charges convergem com textos e editoriais que expressam a expectativa por dias melhores. Um exemplo pode ser visto na figura 13, em que Biganti produz uma charge simpática e esperançosa mostrando, no Dia das Mães de 1969, as crianças MDB (com as roupas remendadas) e Arena prestando homenagem à política, uma senhora decente e respeitável.

Dia das Mães
Figura 13
Dia das Mães
O Estado de S. Paulo, 13/5/1969. Biganti.

Alguns dias depois, o governo alimentou essas esperanças ao baixar o Ato Complementar 54, que definia a realização de convenções dos partidos para renovação da sua liderança, um indício de que eles voltariam a funcionar e que o Congresso poderia ser reaberto em breve. Algumas charges mencionaram o tema, mostrando ao mesmo tempo esperança e apreensão, a exemplo de um desenho (FSP, 28/05/1969, Orlando Mattos) em que Arena e MDB vão à academia preparar-se para o retorno, sob o olhar vigilante do “Ato 54”.

A reabertura do Congresso Nacional ocorreu cinco meses depois, em outubro de 1969, quando a Junta Militar reconvocou o Parlamento com o objetivo imediato de cumprir o rito constitucional de eleição do sucessor de Costa e Silva, previamente escolhido pelos líderes fardados. De toda forma, a imprensa liberal se animou, na expectativa de que se estabelecesse algum tipo de normalidade autoritária-liberal. Por exemplo, em charge de Orlando Mattos publicada pela FSP (figura 14), D. Arena e seu MDB se preparam e se vestem com trajes de gala para a tão aguardada reabertura, em clima de quase euforia. A realização das eleições parlamentares em 1970 igualmente gerou charges que buscavam criar um clima de expectativas positivas, como se os chargistas e respectivos jornais tentassem “dar uma força” ao sistema político, convencendo os eleitores que valia a pena participar do jogo eleitoral (OESP, 19/9/1970, Hilde).

Trajes de gala para a reabertura
Figura 14
Trajes de gala para a reabertura
Folha de S. Paulo, 16/10/1969. Orlando Mattos.

No entanto, a realidade permanecia sombria, pois, mesmo reaberto o Congresso, os partidos continuavam sob vigilância e sem poder efetivo, enquanto o eleitorado, compreensivelmente, demonstrava pouco interesse. Alguns desenhos cômicos abordaram esse quadro, mostrando aos leitores que o jogo político oficial era insípido e os partidos eram irrelevantes. Hilde e Orlando Mattos criaram cenas em que eleitores dormiam enquanto os políticos discursavam ou atuavam, ou em que preferiam o voto em branco aos partidos (FSP, 15/8/1970, Orlando Mattos; OESP, 31/1/1970, Hilde).

Em outras imagens, o governo aparece tratando os partidos como se fossem joguetes ou crianças, ou com desprezo, como na charge em que Biganti desenha o general Médici surdo à opinião dos partidos quanto à escolha dos futuros governadores (figura 15). Pelo mesmo período, Biganti ousou desenhar o AI-5 como se fosse uma onça brava vigiando a campanha eleitoral do MDB e da Arena que, tal como no dito popular, tinham de manter um olho no peixe e o outro no “gato” (figura 16).

Os “ouvidos moucos” de Médici
Figura 15
Os “ouvidos moucos” de Médici
O Estado de S. Paulo, 21/4/1970. Biganti

Um olho no peixe e o outro no “gato”
Figura 16
Um olho no peixe e o outro no “gato”
O Estado de S. Paulo, 23/8/1970. Biganti

Enfim, o sistema partidário voltou a funcionar a partir do final de 1969, mas em condições precárias dado o quadro de aguda repressão, falta de vontade do governo ditatorial em dividir o poder (inclusive com a Arena) e desconfiança e desinteresse dos eleitores. A propósito da irrelevância do partido oficial nesse período, Hilde imaginou uma cena em que a Arena ficava no porão da casa, em meio a teias de aranha e distante da sala em que as decisões do governo eram tomadas (OESP, 1/9/1972, Hilde). Para fechar esta seção, vale a pena reproduzir uma charge de Hilde que expressa comicamente a situação dos partidos durante a pior fase do AI-5. A chargista do Estadão abordou os dois partidos em uma cena escapista (figura 17), em que MDB e Arena são hippies fumando um baseado para esquecer...

Esquecimento
Figura 17
Esquecimento
Estado de S. Paulo, 13/5/1972. Hilde.

As eleições de 1974: novos rumos?

As eleições de 1974 representaram um marco na história da ditadura e do sistema bipartidário, principalmente para o MDB, e impactaram também a produção dos chargistas. O essencial é que o partido de oposição alcançou votação muito expressiva, bem maior do que vinha obtendo nas eleições anteriores, principalmente na disputa pelo Senado, em que ganhou 16 das 22 cadeiras em jogo. O desempenho na Câmara dos Deputados foi menos brilhante, mas ainda assim expressivo: o MDB elegeu 187 deputados contra 233 da Arena, o que representava grande crescimento em relação a 1970[25]. As eleições de 1974 implicaram principalmente aumento do prestígio público do MDB, mas também conferiram ao partido algum poder, pois a partir de então ele poderia bloquear certos projetos do governo no Congresso.

A explicação para os resultados de 1974 envolve diversos fatores, como a derrota da luta armada como estratégia de resistência à ditadura, gerando nos setores até então reticentes em votar no MDB, a sensação de que a oposição institucional era caminho legítimo. Importante também foi a redução da escala repressiva naquelas eleições, pois, seguindo a lógica de seu plano de distensão, o governo Geisel[26] permitiu mais liberdade de ação para os militantes do MDB. Outro aspecto fundamental foi a postura de maior ousadia do partido, que fez críticas mais agudas à ditadura e usou eficazmente a propaganda eleitoral pelos meios de comunicação, explorando a insatisfação difusa em relação ao autoritarismo e à piora dos indicadores econômicos, que esvaziaram a propaganda oficial sobre suposto “milagre econômico” oferecido pelo regime militar.

Na verdade, a postura mais aguerrida de setores do MDB havia começado na legislatura de 1971, com a atuação dos autênticos na Câmara dos Deputados, e com a campanha da “anticandidatura” presidencial de Ulysses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, no final de 1973. Contudo, a anticandidatura pode não ter causado o impacto positivo que muitas vezes se supunha, ao menos na visão de setores da imprensa, a exemplo da charge reproduzida na figura 18. No traço de Hilde, a anticandidatura do MDB aparecia como um barco afundado, cujos náufragos se apertavam em um bote meio furado, com os marinheiros (autênticos) brigando com o (empertigado) capitão Ulisses Guimarães, sob o olhar de Barbosa Lima Sobrinho (o marinheiro mais alto e de óculos)[27]..

A anticandidatura afundando
Figura 18
A anticandidatura afundando
O Estado de S. Paulo, 10/1/1974. Hilde.

Ao longo do ano de 1974 e até às vésperas das eleições parlamentares de 15 de novembro, a maioria das charges sobre os partidos reiteraram a expectativa de que a Arena manteria domínio absoluto, como em desenho de Zélio para o Estadão (OESP, 19/7/1974) mostrando o partido oficial como um homem enorme falando em tons ameaçadores com um baixinho MDB.

Porém, cerca de um mês antes das eleições, surgiram indícios de que algo poderia mudar. Em meados de outubro de 1974, uma charge publicada no Estadão apontava que o MDB poderia levar vantagem: trafegando por uma estrada e montado em um pangaré, o partido da oposição ultrapassava a Arena, cujo sofisticado automóvel havia quebrado durante a viagem (OESP, 16/10/1974, Hilde). Nos dias seguintes, e ainda antes das eleições, outras charges mostravam mudanças nos traços do MDB. Em um desses desenhos, o partido da oposição é representado como um garoto enorme que golpeia com seu estilingue a senhora Arena (OESP, 20/10/1974, Hilde); em outro desenho, MDB e Arena aparecem na cena clássica de boxe, mas desta feita os dois lutadores estavam em pé de igualdade no ringue (OESP 12/11/1974, Hilde).

Quando os resultados eleitorais mostraram o significativo crescimento do MDB, imediatamente as charges passaram a retratar a nova situação, com agudo contraste em relação à imagem anterior do partido da oposição. Serão citados dois exemplos, entre outros possíveis: numa das charges, o sr. MDB foi desenhado rindo sob o peso de um grande volume de votos (OESP, 19/11/1974, Hilde), enquanto na outra ele aparece com um corpo mais pesado do que a Arena, invertendo as representações predominantes até então (OESP, 21/11/1974, Hilde).

Já a Arena passou a viver situação oposta à de seu adversário, inspirando os chargistas a construírem situações irônicas em que o partido do governo sofria por desânimo, desorganização interna e decadência (OESP, 22/11/1974, 7/12/1974, Hilde). O quadro político mudara tanto que as especulações irônicas sobre falta de futuro e possível morte não se referiam mais ao MDB, mas ao partido do governo. Em charges publicadas na Folha de S. Paulo no final de 1975, Angeli concebeu diferentes cenários para aludir ao possível fim da Arena, já que seu desempenho em novembro de 1974 gerou as primeiras especulações sobre uma futura reestruturação partidária. Numa dessas charges (figura 19), a senhora Arena salta de um arranha céu, aparentemente imaginando que poderá sobreviver; entretanto, no solo abaixo há crocodilos à sua espera (representando o ano de 1976, prestes a chegar).

O salto de D. Arena
Figura 19
O salto de D. Arena
Folha de S. Paulo, 14/12/1975. Angeli.

O crescimento do MDB e o relativo declínio da Arena traziam esperança para quem almejava a redução da escala repressiva e a ampliação das franquias democráticas, o que transpareceu nos desenhos cômicos. Todavia, logo ficou claro que a distensão anunciada pelo governo Geisel não significava um projeto de democratização, e que a vitória do MDB em 1974 assustara os líderes da ditadura, gerando reação autoritária e repressiva que jogava água fria nas esperanças. Ademais, embora o prestígio e o poder do partido de oposição tivessem aumentado, no jogo político da ditadura o sistema partidário continuava uma peça de pouco valor. Significativamente, várias charges do período pós-eleições de 1974 comentaram a persistente falta de poder dos partidos. No JB, Ziraldo ironizou a falta de prestígio da Arena frente ao governo em diferentes desenhos (JB, 11/8/1975, Ziraldo), enquanto Hilde, no Estadão, representou os dois partidos na mesma situação desalentadora, como dois homens sentados à porta do governo, frustrados, sem acesso ao poder (OESP, 27/1/1976, Hilde).

Outra série de charges dessa fase representou o aumento da repressão ao MDB após as eleições de 1974. Os atos repressivos envolveram a prisão de militantes da ala esquerda do partido, alvejados por uma campanha anticomunista que visava comprometer a imagem pública do MDB, e se evidenciou também na cassação de vários parlamentares entre 1975 e 1977[28]. Angeli produziu algumas charges abordando a repressão ao MDB de maneira metafórica e irônica, entre as quais duas serão reproduzidas. Na figura 20, o deputado Ulysses Guimarães flutua em uma precária tábua, em meio a mar revolto por temporal assustador, o que indicava como seria difícil tornar realidade o lema do político, “navegar é preciso”[29]. Na figura 21, o sr. MDB faz uma consulta ao médico, que avisa que ele terá de ficar muito tempo sem usar a língua, um conselho para evitar novas punições aos parlamentares do partido.

“Navegar é preciso”
Figura 20
“Navegar é preciso”
Folha de S. Paulo, 14/1/76. Angeli.

Sr. MDB vai ao médico
Figura 21
Sr. MDB vai ao médico
Folha de S. Paulo, 7/4/1976. Angeli.

As ações da ditadura para bloquear o crescimento da oposição incluíram medidas para dificultar a campanha eleitoral nos meios de comunicação. Nessa linha, a principal iniciativa foi a chamada lei Falcão, em referência ao ministro da Justiça Armando Falcão, que entrou em vigor em julho de 1976. A partir daí, a propaganda eleitoral poderia trazer somente informações sintéticas sobre o currículo dos candidatos, acompanhadas de uma foto. Várias charges abordaram a lei Falcão, como um belo desenho de Gê (Figura 22) em que a Arena (representado como homem) tira a energia da televisão, deixando consternado o MDB. Outras charges comentaram as ações do governo Geisel para ajudar a performance eleitoral da Arena, já que novas derrotas como a de 1974 seriam desastrosas para o futuro da ditadura. Será reproduzida uma das mais significativas charges dessa série (Figura 23), que mostra Geisel (de óculos) e Armando Falcão conduzindo a Arena ao palco, como se fosse um ensaio para a futura campanha eleitoral e os dois tentassem preparar a moça – aparentemente insegura, pois é empurrada por Geisel – para o espetáculo político.

Cortando a energia
Figura 22
Cortando a energia
Folha de S. Paulo, 27/6/1976. Gê.

Ensaiando a Arena
Figura 23
Ensaiando a Arena
O Estado de S. Paulo, 20/2/1976. Hilde.

Em suma, depois de 1974, os partidos tornaram-se mais relevantes, especialmente o MDB, gerando a esperança de que com o apoio popular seria possível construir um caminho democrático para superar (ou atenuar, a depender da perspectiva) a ditadura. Mas as charges continuaram a apontar problemas que persistiam apesar dos novos ares, e a indicar as limitações ou deficiências dos dois partidos. Um dos chargistas mais conectados à oposição à ditadura, Ziraldo atacava com mais frequência a Arena, cujas tentativas de melhorar sua imagem frente ao eleitorado ele ironizou na charge reproduzida na figura 24, em que a propaganda do partido parece um comercial de produto de consumo popular. Em outra charge, ridicularizando a Arena (Figura 25), Ziraldo colocou em imagem o argumento irônico de que ela seria o partido do “sim”.

“Vendendo” a Arena
Figura 24
“Vendendo” a Arena
Jornal do Brasil, 20/6/1975. Ziraldo.

Partido do sim
Figura 25
Partido do sim
Jornal do Brasil, 26/6/1976. Ziraldo.

Ainda na linha das críticas aos esforços da Arena para se contrapor ao crescimento do MDB, Angeli ironizou a propaganda arenista tendo como cenário uma grande metrópole brasileira, provavelmente São Paulo. O desenho mostra que iniciativas oficiais para oferecer lazer à população eram usadas para pedir votos para o partido do governo, mas o quadro é dominado por intensa poluição industrial, questionando a qualidade de vida nas grandes metrópoles “modernizadas” pela ditadura (Figura 26).

Vote na Arena
Figura 26
Vote na Arena
Folha de S. Paulo, 23/3/1976. Angeli.

Pela mesma época, Angeli criticava também o MDB, mas por outras razões. Embora a votação popular da oposição tenha aumentado, especialmente nas grandes cidades, ele questionou a presença de elementos tradicionais e elitistas no partido, que de acordo com essa visão necessitava conectar-se melhor com os setores populares. Essa é uma das interpretações que se pode fazer da charge na figura 27, em que um jovem negro questiona o fraque usado pelo sr. MDB.

Hora de mudar a vestimenta
Figura 27
Hora de mudar a vestimenta
Folha de S. Paulo, 12/12/1976. Angeli.

Anos decisivos: 1977-1979

O período entre 1977 e 1979 foi decisivo não apenas para o sistema bipartidário, cuja extinção foi planejada e decretada nessa fase, mas para a ditadura como um todo, pois então se definiram os rumos da abertura política que vinha sendo ensaiada, com avanços e recuos, desde 1974. A preocupação central do governo Geisel era manter sob controle o processo político, o que se tornou mais difícil não apenas pelo crescimento eleitoral do MDB, mas também pela piora dos indicadores econômicos (aumento da inflação e da dívida externa, e redução das taxas de crescimento) e o retorno das greves operárias a partir de 1978[30].

Nesse contexto, o governo Geisel lançou o chamado pacote de abril de 1977, um conjunto de mudanças na legislação, inclusive na Constituição da ditadura, para garantir que a Arena mantivesse o controle sobre o Congresso e o sistema político. As principais medidas do pacote de abril foram eleição indireta para 1/3 dos senadores (os biônicos); a instituição das sublegendas para a eleição de senadores, uma forma de acomodar conflitos na Arena, que poderia agora lançar até três candidatos para a mesma vaga, cujos votos seriam totalizados em favor do mais votado; aumento das bancadas de deputados federais dos estados menores, em que a Arena era mais votada; eleições indiretas para governadores em 1978; redução do quórum para aprovar emendas constitucionais (de 2/3 para maioria simples), o que tirava o poder do MDB de bloquear iniciativas do governo; ampliação do mandato do futuro presidente de cinco para seis anos (VELASCO E CRUZ; MARTINS, 1983).

O choque provocado pelo pacote foi intensificado pelo fato de o governo suspender o funcionamento do Congresso Nacional por algumas semanas, já que não conseguiria o apoio do MDB para aprovar medidas voltadas para conter o seu crescimento. Para os setores da opinião pública que desejavam a abertura política, os eventos de abril de 1977 significaram duro golpe, evidenciando que a ditadura seguia tão discricionária como antes, apesar dos discursos oficiais sobre diálogo e distensão. O pacote gerou forte reação oposicionista, implicando desde protestos estudantis, em maio de 1977[31], a manifestações críticas de intelectuais, a exemplo da Carta aos Brasileiros, de agosto de 1977, elaborada por juristas e advogados paulistas[32]. Ademais, entidades representativas influentes como ABI, OAB, SBPC e CNBB também intensificaram críticas contra a ditadura.

Vejamos como as charges responderam às questões do momento e comentaram o pacote de abril. Na verdade, desde janeiro de 1977 já se publicaram especulações sobre a reforma política planejada pelo governo, que na ocasião se dizia interessado em negociar com o MDB a aprovação de medidas consensuais, provavelmente para disfarçar suas reais intenções. Diversas charges abordaram ironicamente esse difícil diálogo, sendo que em uma delas, mais aguda, o sr. Arena tem rosto de fera, uma espécie de gorila, e grunhe ameaçadoramente para o MDB (FSP, 20/2/1977). É possível que o chargista estivesse aludindo à presença dos militares por trás da Arena, e recuperando a tradição dos anos 1960 de representar os militares como gorilas[33].

Quando o Congresso foi fechado no início de abril de 1977 para a edição do pacote, por alguns dias houve expectativa ansiosa e especulações sobre o que estava por vir. Manifestações críticas mais agudas surgiram após o teor do pacote ser divulgado, em 13 de abril de 1977. Diversas charges referiram-se ao tema como uma agressão ao MDB, geralmente usando a imagem de um pacote pesado jogado sobre o partido. Uma das imagens mais fortes dessa série foi reproduzida na figura 28, em que o partido de oposição aparece sangrando, estatelado no chão.

A “pancada” no MDB
Figura 28
A “pancada” no MDB
Folha de S. Paulo, 15/4/1977. Angeli.

O tema da repressão ao MDB seguiria em voga por mais alguns meses devido à cassação sucessiva dos deputados federais Marcos Tito (14/6/1977) e Alencar Furtado (01/7/1977), violência que foi mencionada metaforicamente por diferentes chargistas, a exemplo de Ziraldo, que desenhou a Arena apoiando o ataque ao MDB (JB, 4/7/1977, Ziraldo), e de Angeli, que desenhou o MDB recebendo uma marretada do governo (FSP, 27/7/1977, Angeli).

O impacto público do pacote de abril foi muito negativo para a ditadura, que recebeu críticas de diversos quadrantes, inclusive de apoiadores de primeira hora como empresários, elite política e grande imprensa. Significativamente, tratou-se da última grande ofensiva autoritária da ditadura, que a partir daí se inclinou na direção da abertura democrática. A explicação é que as medidas decretadas em abril de 1977 garantiram ao governo o controle do Congresso, o que dava alguma tranquilidade em médio prazo para continuar investindo na distensão. Em segundo lugar, a perda de prestígio político que o pacote de abril trouxe ao governo, junto à sensação de insegurança sobre o futuro da economia, tornou o caminho da distensão uma rota sem retorno, embora conflitos e episódios repressivos tenham continuado a ocorrer.

Após abril de 1977, lideranças de oposição e os movimentos sociais mostraram-se mais ousados frente à ditadura, e nesse contexto ocorreu a retomada das greves de trabalhadores, como foi comentado, assim como o fortalecimento da campanha pela anistia dos presos políticos (FAGUNDES, 2019; RODEGHERO, 2011). No caso do MDB, a liderança do partido resolveu abraçar causas que até então apenas sua minoria de esquerda apoiava, como a reivindicação de uma Assembleia Constituinte. A demanda por uma Constituinte era rejeitada na ocasião pela grande imprensa, mas alguns chargistas a apoiaram com desenhos que significavam discordância com a linha editorial das empresas, como na charge de Ziraldo reproduzida na figura 29[34].

As reivindicações populares
Figura 29
As reivindicações populares
Jornal do Brasil, 1/10/1977. Ziraldo.

Outra iniciativa do MDB a causar controvérsia foi a participação nas eleições indiretas de outubro de 1978 apoiando nomes dissidentes da ditadura, em disputa contra o candidato oficial general João Figueiredo. Inicialmente, houve a possibilidade de lançar a candidatura de José de Magalhães Pinto, golpista de primeira hora e liderança civil da ditadura, embora mais próximo de sua ala liberal. Hilde fez troça dessa possível candidatura com uma cena muito engraçada (Figura 30), em que Magalhães Pinto é Penélope esperando ansiosamente por seu Ulysses (Guimarães). Contudo, o partido da oposição acabou por abraçar a candidatura de um militar dissidente, o general Euler Bentes, provocando mal-estar em alguns círculos e inspirando muitas charges irônicas, como a que foi reproduzida na figura 31, mostrando o sr. MDB enamorado com as “4 estrelas” (a insígnia de general de Exército) e se esquecendo das urnas.

À espera de Ulysses
Figura 30
À espera de Ulysses
O Estado de S. Paulo, 4/8/1978. Hilde.

MDB enamorado
Figura 31
MDB enamorado
Folha de S. Paulo, 22/5/1978. Angeli/Jota.

Quanto à Arena, nos meses finais do sistema bipartidário, as charges reiteraram as críticas sobre sua fragilidade, irrelevância e servilismo ao governo, bem como seu paulatino declínio. Porém um tema novo surgiu nessa época, a ironia contra as tentativas de renovar o partido para incrementar sua popularidade e desempenho eleitoral, de olho na continuidade dos líderes da ditadura no poder. Essa estratégia acabou levando à extinção dos dois partidos e à reformulação partidária que criou o PDS no início de 1980. Mas, antes disso, tentou-se popularizar a Arena e seus líderes. Nessa linha, uma das medidas foi escolher governadores em 1978 considerados “bons de voto” e hábeis politicamente, visando ganhar as eleições parlamentares.

Para tanto, foram indicados nomes como Antônio Carlos Magalhães, Ney Braga e Laudo Natel, que já haviam governado seus estados. Uma charge no Estadão ironizou esse plano, representando os três como múmias retornando à vida (OESP, 4/12/1977, Hilde). Porém, e sinal de que os líderes da ditadura já não comandavam totalmente o quadro político, no caso de São Paulo, o deputado Paulo Maluf se rebelou contra a indicação oficial de Natel e conseguiu ser eleito com os votos das bases da Arena paulista, tornando-se tema de inúmeras charges, que na maioria brincavam com sua origem árabe e sua imagem de político corrupto.

A estratégia de popularização dos líderes da ditadura envolveu o próprio general Figueiredo, o futuro presidente, que foi objeto de uma campanha publicitária visando torná-lo uma figura simpática, o “João”. Ziraldo abordou o tema em tom sarcástico, numa cena em que Figueiredo tenta enturmar-se com um grupo de populares, mas provoca reações de constrangimento ou desinteresse (Figura 32).

Figueiredo tentando se enturmar
Figura 32
Figueiredo tentando se enturmar
Jornal do Brasil, 2/7/1978. Ziraldo.

No contexto das eleições parlamentares de 1978, os chargistas abordaram a persistente perseguição ao MDB, com charges mencionando a violência policial contra militantes (FSP, 2/11/1978, Angeli) e ironizando a mobilização do anticomunismo contra o partido (FSP, 7/11/1978, Angeli). Embora, por vezes, criticassem a oposição parlamentar, em geral, os chargistas registraram que o MDB teve desempenho eleitoral melhor em relação à Arena, em cenas que mostravam “chuvas de votos” para os emedebistas (FSP, 19/11/1978, Gê) ou mencionavam que a votação arenista se concentrava no interior do país (JB 21/11/1978, Ziraldo).

Assim, os chargistas buscaram interferir na disputa pela opinião pública, já que líderes do governo se esforçaram para divulgar a imagem de que a Arena vencera as eleições de 1978[35]. Nesse contexto, Gê produziu uma charge que ironiza a situação da Arena e ao mesmo tempo denuncia as intenções da ditadura de mais uma vez manipular o sistema partidário (Figura 33). Na cena, um casal houve a notícia de que o governo iria decretar mudança de nomes; a Arena passaria a chamar-se MDB e vice-versa. Pela expressão facial das duas figuras, o homem representaria o MDB e a senhora seria a Arena..

Partidos trocam de nome
Figura 33
Partidos trocam de nome
Folha de S. Paulo, 3/12/1978. Gê.

Logo no primeiro ano de seu governo, em 1979, o general Figueiredo efetivou a extinção dos dois partidos e a reformulação do sistema partidário, o que vinha sendo aventado desde 1975. Os objetivos dessa medida eram dividir a oposição, enfraquecer o MDB e criar um partido de cara nova para a ditadura, na esperança de garantir a manutenção do poder por mais um mandato presidencial nas eleições indiretas de 1985. Foge aos objetivos do artigo analisar as imagens construídas sobre os novos partidos, mas serão comentadas algumas charges que abordaram o processo de reformulação partidária.

Inúmeros desenhos ironizaram as negociações e as disputas relacionadas à formação das novas agremiações, às vezes mostrando esperança de que fosse criado um partido efetivamente dos trabalhadores (FSP, 28/1/1979, Gê). Outros desenhos abordaram os conflitos em torno do trabalhismo e pelo controle da sigla do antigo PTB, como na charge de Chico Caruso em que Leonel Brizola e Ivete Vargas brigam pelo velho partido, sob o olhar atônito de Lula, representando os jovens trabalhadores (diz o busto de Getúlio Vargas: “Leonel! Ivete! Disfarcem! Olha a juventude aí!” (Figura 34). Luiz Gê abordou o mesmo tema, mas com uma mensagem que indicava a cisão entre o velho trabalhismo e o Partido dos Trabalhadores em formação, em cuja porta se lê “aqui não há Vargas” (Figura 35).

A disputa pelo trabalhismo
Figura 34
A disputa pelo trabalhismo
Jornal do Brasil, 15/4/1979. Chico.

Não há “vargas”
Figura 35
Não há “vargas”
Folha de S. Paulo, 9/9/1979. Gê.

Já o novo partido da ditadura foi em geral ridicularizado pelos chargistas, especialmente por meio de referências irônicas ao “Arenão”, quando ainda não se sabia que o seu novo nome seria Partido Democrático Social. Na charge de Hilde, reproduzida na figura 36, Figueiredo é o costureiro que capricha na roupa para o robusto Arenão (escrito na gravata), enquanto em outro desenho cômico ela representou o novo partido como um Frankenstein criado pelos “cientistas” Golbery e Petrônio Portella (figura 37)[36].

Vestindo o “Arenão”
Figura 36
Vestindo o “Arenão”
O Estado de S. Paulo, 8/11/1979. Hilde.

Frankenstein partidário
Figura 37
Frankenstein partidário
O Estado de S. Paulo, 8/8/1979. Hilde.

Quanto ao MDB, o seu fim próximo foi mencionado por todos os chargistas, mas vale a pena destacar dois desenhos de Chico Caruso inspirados na cultura clássica, em que Ulysses Guimarães é representado tentando manter as forças de oposição unidas, apesar das pressões em contrário. Na imagem da figura 38, Ulysses, tal como o herói da Odisseia, amarra-se ao mastro do seu barco (MDB), junto com Tancredo, para não ouvir o canto das sereias, que são à direita o governo, representado por Figueiredo, Golbery e Petrônio Portella, e à esquerda Brizola, Lula e Ivete Vargas.

Odisseia de Ulysses Guimarães
Figura 38
Odisseia de Ulysses Guimarães
Jornal do Brasil, 10/6/1979. Chico.

Ulysses apunhalado
Figura 39
Ulysses apunhalado
Jornal do Brasil, 20/6/1979. Chico

Alguns dias depois, Chico Caruso produziu outra charge significativa sobre o mesmo tema, só que desta vez Tancredo não está mais ao lado de Ulysses; ao contrário, ele o trai (figura 39). Na cena, Ulysses Guimarães é um César apunhalado pela UDN, PT e PSD, enquanto Tancredo aparece como se fosse o Brutus da história romana que, com expressão marota, é responsável pelo último golpe[37].

A propósito, várias charges traziam cenas metafóricas sobre morte para se referir ao fim de Arena e MDB, em que aparecem cemitérios, carrascos, enforcamentos, afogamentos e fuzilamentos. Angeli (FSP, 20/11/1979) criou uma cena sobre a morte do MDB em que aproveitou para reivindicar abertura democrática mais substantiva. No desenho, o partido da oposição está vendado e prestes a ser fuzilado por um pelotão militar, sendo seu último desejo o restabelecimento das eleições diretas. Já Luiz Gê elaborou uma imagem que será usada para encerrar o artigo, a modo de epitáfio. No seu traço, os defuntos Arena e MDB estão deitados lado a lado, sendo velados juntos, unidos pela morte (Figura 40).

Velório de MDB e Arena
Figura 40
Velório de MDB e Arena
Folha de S. Paulo, 23/11/1979. Gê.

Considerações finais

Vale a pena voltar a algumas questões apresentadas na introdução. Os dois partidos cumpriram o papel a eles destinado pela ditadura? Como as charges da grande imprensa os representaram para o público leitor, e qual foi seu impacto? E, finalmente, a imprensa ajudou a ditadura a alcançar seus desígnios?

De maneira geral, as charges da grande imprensa mostraram que o sistema bipartidário era frágil e pouco legítimo. Apontaram também as constantes intervenções autoritárias do Estado, o que fragilizava a credibilidade pública do sistema político da ditadura. Além disso, as charges difundiram a ideia de que era preciso respeitar e fortalecer as instituições liberais, o que em parte contrastava com as imagens sobre o sistema bipartidário artificial e pouco representativo. De todo modo, os jornais enfocados, sobretudo Estadão, JB e FSP, e apesar das nuanças entre eles, convergiram com os setores moderados de direita que apoiavam a ditadura, mas tentavam levá-la na direção de um precário arranjo entre autoritarismo e liberalismo político. Em outras palavras, ao criticarem algumas ações ditatoriais como o AI-5, o fechamento do Congresso ou a censura aos jornais, opondo-se, portanto, às alas mais radicais da direita, as charges da grande imprensa faziam coro com as pressões para que a ditadura não cancelasse definitivamente o Congresso, as eleições e os partidos. E, nesse ponto, parecem ter sido bem-sucedidas. Porém, com poucas exceções, tais discursos não implicavam defender um sistema político realmente democrático, e sim um tipo híbrido de regime autoritário, tolerante apenas em relação a certos aspectos do liberalismo político.

Quanto às representações dedicadas especificamente aos partidos, as charges enfatizaram as suas peculiaridades e diferenças. Elas mostraram que o MDB era alvo da repressão e recebia constantes ataques visando impedir seu sucesso eleitoral. No início, as imagens figuravam a insegurança de um partido que chegava ao ponto de contemplar a autodissolução, mas, ao mesmo tempo, que carregava a esperança de eventual despertar democrático. Além disso, as charges comentaram frequentemente as divisões e conflitos internos do partido de oposição, que se por um lado indicavam potencial fragilidade, por outro mostravam vitalidade e capacidade de renovação. O MDB tendeu a ser representado como mais legítimo e representativo (principalmente depois de 1974) do que a Arena, partido visto como submisso aos governos militares e incapaz de elaborar projeto próprio, enquanto seu oponente era dividido e tinha uma ala esquerda, mas por isso também era mais dinâmico, tendo um programa a cumprir.

As representações sobre a Arena enfatizavam menções irônicas e sarcásticas a um partido autômato que supostamente dizia sempre sim aos governos militares, reduzindo-o à condição de entidade artificial. Além disso, as charges frequentemente criticavam as vantagens e os privilégios concedidos ao partido oficial, principalmente as medidas casuísticas para impulsionar seu desempenho eleitoral e garantir-lhe bancadas parlamentares maiores do que o MDB. Havia aí um paradoxo, pois os governos da ditadura não desejavam efetivamente dividir o poder com o partido; mas não podiam permitir que ele perdesse as eleições, pois isso colocaria em xeque o discurso de que o povo apoiaria o regime político vigente. Ademais, algumas charges apontavam na Arena a presença de líderes direitistas mais radicais, anticomunistas ferrenhos por exemplo, e o apoio às medidas repressivas da ditadura.

No entanto, às vezes as representações cômicas sobre os partidos convergiam. Algumas charges mostraram-nos em traços parecidos para criticá-los por razões assemelhadas: eles seriam igualmente frágeis, artificiais, pouco relevantes diante do poder ditatorial, que os desprezaria, e, na visão de alguns chargistas, seriam organizações elitistas e incapazes de representar os interesses populares. Além disso, algumas charges mostraram tanto MDB como Arena interessados na reabertura do Parlamento e na manutenção do calendário eleitoral, e com igual disposição favorável ao diálogo e à moderação.

Vale a pena reiterar que as imagens enfatizando a pouca relevância e representatividade do sistema bipartidário contrastavam com o grande número de charges sobre os dois partidos. Isso mostra que eles não eram assim tão irrelevantes, como já havia argumentado Grinberg (2009), e que embora a imprensa os criticasse, apostava neles como pilares de um sistema autoritário-liberal. Mas havia outra razão para essa profusão de charges sobre Arena e MDB, mais simples: eles eram muito retratados por serem tema menos perigoso e menos censurado, pois eram instituições legalmente reconhecidas. De todo modo, as imagens projetadas pelas charges a respeito dos partidos eram ambíguas, pois sugeriam ao mesmo tempo que eles eram irrelevantes e deveriam ter mais importância, de maneira que é difícil avaliar se tais discursos contribuíram para a guinada eleitoral a partir de 1974.

Após 1974, o cenário mudou bastante, principalmente para o MDB, que passou a ser representado como um partido grande, forte e pesado. Apesar do crescimento da sua relevância política, o que é evidenciado tanto nos textos quanto nas charges publicadas nos jornais sobre o MDB, os partidos seguiram pouco decisivos; quem mandava mesmo eram os militares e seus auxiliares civis mais graduados. Mesmo assim, o crescimento do MDB e das forças de oposição em geral, especialmente o ativismo dos movimentos sociais democráticos, representou uma sentença de morte para o sistema bipartidário, que deixou de ser útil à legitimação da ditadura e à manutenção do Estado autoritário.

Os líderes da ditadura tentaram aumentar o cacife da Arena para que pudesse enfrentar o MDB em ascensão, mas ao mesmo tempo não ofereceram a seu partido os meios para ganhar credibilidade. Daí a extinção do sistema bipartidário e a reforma partidária de 1979-80. O MDB, por seu lado, apesar do início difícil, logrou por fim construir uma imagem de partido efetivamente de oposição à ditadura, plural, aberto às esquerdas, embora dividido e conflitivo. Graças a essa imagem, e a seu potencial eleitoral, o partido continuou sob a sigla do PMDB, um dos artífices principais da transição negociada que promoveu a saída suave – e incompleta – dos militares do poder.

Referências

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Notas

[1] Pesquisamos também o jornal O Globo, mas ele raramente publicou charges políticas no período. A pesquisa foi financiada pelo CNPq e ao longo dos anos contou com vários bolsistas de iniciação científica. Dos cinco jornais enfocados no artigo, apenas O Estado de S. Paulo (criado em 1875) e Folha de S. Paulo (criado em 1921) continuam em circulação.
[2] Sobre o destino de UH e CM na ditadura, ver: LAURENZA, Ana Maria de Abreu. Batalhas em letra de forma: Chatô, Wainer e Lacerda. In: LUCA, Tania Regina de; MARTINS, Ana Luiza (org.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. p. 203. e; ANDRADE, Jefferson de. Um jornal assassinado: a última batalha do Correio da Manhã. Rio de Janeiro: José Olympio, 1991.
[3] As mudanças na FSP decorriam de uma estratégia de conquista de mercado. (ABRAMO, 1988, p. 88).
[4] Uso os dois conceitos indistintamente no artigo, mas há nuanças a distingui-los, embora as definições não sejam canônicas. Caricatura é o termo mais antigo e geralmente implica o retrato pessoal, enquanto as charges podem conter também representações (distorcidas) de pessoas, mas vão além do retrato ao construir cenas contendo outros elementos visuais e às vezes verbais. Ver: MELO, José Marques de. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1985. e; LAGO, Pedro Corrêa do. Caricaturistas brasileiros. Rio de Janeiro: Contracapa, 2001.
[5] Desconheço a existência de estudos específicos sobre a censura às charges. Na pesquisa encontrei alguns poucos casos de charges censuradas do Estadão, o que sugere ter sido mais importante a autocensura e o autocontrole dado o risco de sanções tanto por parte do Estado ditatorial como das empresas.
[6] Hilde Weber, 1913-1994.
[7] Edmondo Biganti, 1918-2000.
[8] Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe, 1932-.
[9] Ziraldo Alves Pinto, 1932-.
[10] Lanfranco Vaselli, 1925-2020.
[11] Orlando Mattos, 1917-1992.
[12] Nelson Coletti, 1935-.
[13] Reginaldo José Azevedo Fortuna, 1931-1994.
[14] Arnaldo Angeli Filho, 1956-.
[15] Francisco Paulo Hespanha Caruso, 1949-.
[16] Luiz Geraldo Ferrari Martins, 1951-.
[17] Existem também alguns estudos sobre o funcionamento do sistema bipartidário em nível estadual ou municipal. Ver, por exemplo, BATISTELA, Alessandro. A ditadura militar e o bipartidarismo: Gênese e trajetória da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no Paraná (1965-1979). Curitiba: Editora CRV, 2019; OLIVEIRA, Ueber José de. Elites capixabas no golpe de 1964: Bipartidarismo e a convergência de agendas desenvolvimentistas (1964-1982). Serra: Editora Milfontes, 2018; BRAGA, Diego Garcia. Nas “Quebradas do Inhanduí”, gênesis e exercício do bipartidarismo brasileiro: o regime civil-militar e as relações entre a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). São Leopoldo: Dissertação (Mestrado) – UNISINOS, 2016; CANATO, César. Arena e MDB em Araraquara (1965-1979). Campinas: Dissertação de Mestrado – UNICAMP, 2003.
[18] Entretanto, em outra passagem ela mencionou a presença de elementos que os distanciavam.
[19] Essa linha interpretativa foi desenvolvida no capítulo 2 do livro Passados presentes (MOTTA, 2021). Vale a pena conferir também as análises sobre o mesmo tema de NAPOLITANO (2014) e REIS, Fábio Wanderley. Os partidos e o regime: a lógica do processo eleitoral brasileiro. São Paulo: Símbolo, 1978.
[20] Trata-se de uma charge de Orlando Mattos que critica a falta de apoio do PTB à aprovação da emenda constitucional que atribuiria o direito de voto aos analfabetos. FSP, 24/7/1964, Orlando Mattos.
[21] A sublegenda permitia que os partidos lançassem mais de um candidato para a eleição a prefeito, o que favorecia a acomodação dos conflitos internos na Arena e sua vitória nas disputas municipais.
[22] Grinberg (2009: 260, 266) chamou atenção para esse ponto.
[23] Vale a pena registrar que Augusto Bandeira publicou algumas charges no Correio da Manhã em que a “revolução” de 1964 foi representada como mulher.
[24] JB, 7/8/1978. No fim dos anos 1970, as divisões da Arena também seriam representadas metaforicamente pelo “saco de gatos”. Ver Sobreira, 2021, p. 273.
[25] Em 1970, a Arena teve 48,4% dos votos para a Câmara dos Deputados, contra apenas 21,3% do MDB. Em 1974, esses números foram respectivamente 40,9% e 37,8%, sendo que o crescimento do MDB se deveu à queda tanto dos votos da Arena como dos votos brancos ou nulos (GRINBERG, 2009).
[26] Sobre a distensão de Geisel ver MOTTA, 2021 e NAPOLITANO, 2014.
[27] Os autênticos estavam tentando demover Guimarães da ideia de levar a candidatura até a votação no Colégio Eleitoral, com o argumento de que isso poderia legitimar a eleição indireta. Alguns dias depois (16/1/1974), a mesma chargista mencionou a eleição no colégio eleitoral mostrando uma gorda e vitoriosa Arena, em contraste com um magrinho e esbravejante (e inofensivo) MDB.
[28] Entre eles. os deputados federais Marcelo Gato, Nadir Rosseti, Amaury Müller, Lysâneas Maciel, Marcos Tito e Alencar Furtado.
[29] “Navegar é preciso, viver não é preciso” foi o título do discurso de lançamento da candidatura de Ulysses Guimarães às eleições indiretas de 1974. Trata-se de referência a um poema de Fernando Pessoa. Angeli fez outra charge explorando a metáfora de mar e afogamento, em que mostra o sr. MDB boiando com dificuldade, a água na altura do nariz, a pedir para que ninguém fizesse “onda” (FSP, 5/4/1976), para não piorar a sua situação.
[30] Em maio de 1978 ocorreu a primeira greve dos metalúrgicos do ABC, a que se seguiu um ciclo grevista envolvendo várias categorias. Ver: MARONI, Amnéris. A estratégia da recusa: análise das greves de 1978. São Paulo: Brasiliense, 1982.
[31] Nesse período, Ziraldo fez charges sutilmente simpáticas aos universitários e às reivindicações dos trabalhadores, que contrastavam com a antipatia dos editoriais do JB em relação a tais movimentos. Ver as charges das edições de 11/5/1977; 22/5/1977; 22/5/1977; 23/9/1977.
[32] Editorial do Jornal do Brasil, 09/08/1977.
[33] A charge não foi assinada (para evitar riscos?), mas parece ser de Gê. Ela deve ter sido inspirada também pela cassação alguns dias antes de um grupo de vereadores do MDB em Porto Alegre. Sobre a figura do gorila nos anos 1960, ver: MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A figura caricatural do gorila nos discursos da esquerda. ArtCultura, Uberlândia, v. 9, n. 15, p. 195-212, jul./dez. 2007.
[34] No entanto, Lan, em desenho para o mesmo JB, pareceu corroborar a linha editorial (27/10/1977), já que mostrou Ulysses Guimarães usando a Constituinte como um show de circo visando distrair a plateia.
[35] A Arena elegeu 231 deputados federais contra 189 do MDB, mas a oposição teve maior número de votos pois foi majoritária nos grandes centros urbanos e em estados mais populosos.
[36] A referência ao número um deve-se a uma matéria publicada na mesma página do jornal, intitulada “Arenistas acham que um só partido oficial é pouco”. O Estado de S. Paulo, 8/8/1979.
[37] Tratava-se de uma alusão à saída de Tancredo Neves do MDB para criar o Partido Popular (PP), cuja proposta era atuar como uma força de centro. Mas os fundadores do PP desistiram da empreitada quando a ditadura estabeleceu a obrigatoriedade do voto vinculado, e a maioria foi para o PMDB no final de 1981, inclusive Tancredo (SILVA, 2007, p. 274).
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