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Estratégias de humor crítico na produção de charges políticas e contribuições para o ensino de gêneros textuais e discursivos
Humor critical strategies in the production of political cartoons and contributions to the teaching of textual genres and discursive
Research, Society and Development, vol. 2, núm. 2, pp. 151-161, 2016
Universidade Federal de Itajubá


Recepção: 06 Julho 2016

Aprovação: 14 Setembro 2016

DOI: https://doi.org/10.17648/rsd-v2i2.33

Resumo: O humor crítico é uma das principais caraterísticas do gênero charge. Embora não trate somente de questões políticas, as charges orientam para um discurso em que se relatam acontecimentos do cotidiano e diversos aspectos do comportamento humano. Por serem datadas, isto é, vincular-se a informações bastante discutidas pela mídia, as charges tendem a ser consideradas como efêmeras e dependentes do compartilhamento dessas informações para serem compreendidas e, consequentemente, capazes de provocar o humor e o riso. Contudo, uma vez retomado o contexto ao qual as charges se referem é possível que o humor seja reconstruído. Sendo um gênero similar à piada, a charge conta com um grau de risibilidade sutil, uma espécie de riso mental, no sentido de promover a reflexão crítica dos fatos políticos representados pelos discursos linguísticos e imagéticos. A imagem presente nas charges políticas não só representa a crítica, como também refere-se a um contexto determinado e pode ter como referência características do mundo real que levam a um efeito comparativo entre o real e o imaginário. Um dos problemas das pessoas não compreenderem os efeitos de sentido do gênero charge está no fato de não conhecerem, muitas vezes, o contexto sócio histórico-discursivo ao qual a charge está atrelada e conhecimentos prévios. Nesse sentido, o objetivo deste estudo centra-se em investigar de que maneira o humor é produzido e formado pelas charges políticas e como as pessoas percebem o estímulo engraçado que provoca o riso. Para isso, partimos de uma seleção e análise linguístico-discursiva de charges políticas retiradas de diversos jornais do país, além da aplicação dessas em atividade de leitura e interpretação, em sala de aula, com alunos com escolaridade e condições socioeconômicas iguais. Foi possível verificar que a interpretação era bem mais apresentada quando tinham conhecimentos prévios e sabiam identificar o contexto das charges.

Palavras-chave: Humor, Crítica, Charge.

Abstract: The critical humor is one of the main features of the cartoon genre. Although not only dealing with political issues, the cartoons guide for a speech in which report the daily events and various aspects of human behavior. Because they are dating, that is, to link to information rather discussed by the media, the cartoons tend to be regarded as ephemeral and dependent on the sharing of such information to be understood and therefore capable of causing humor and laughter. However, once resumed the context to which the charges relate is possible that the mood is rebuilt. Being a similar genre to the joke, the charge has a degree of subtle risibility, a kind of mental laugh, to promote critical reflection of political events represented by linguistic and imagistic discourses. The image in political cartoons is not only critical, but also refers to a particular context and can have as real-world features reference that lead to a comparative effect between the real and the imaginary. One of the problems people do not understand the meaning effects of cartoon genre is in fact not know, often the historical and discursive social context in which the charge is linked and prior knowledge. In this sense, the objective of this study focuses on investigating how humor is produced and formed by the political cartoons and how people perceive the funny stimulus that causes laughter. For this, we start from a selection and linguistic-discursive analysis of political cartoons taken from various newspapers of the country, besides the application of these in reading and interpreting activity in the classroom, with students with education and equal socioeconomic conditions. It was possible to verify that the interpretation was more presented when they had previous knowledge and knew identify the context of the cartoons.

Keywords: Humor, Criticism, Cartoon.

1. Introdução

Ao buscarmos uma definição para a charge, normalmente encontramos nos dicionários algo como “desenho humorístico veiculado pela imprensa que comporta uma crítica de maneira satírica, em geral, sobre um acontecimento político”. Sabemos, porém, que a charge não comporta apenas fatos políticos, mas diversos aspectos do comportamento humano. Assim, são satirizados acontecimentos do cotidiano, capazes de gerar polêmica e riso. Em linhas bem gerais, os dramas que vivemos fazem parte da “comédia humana”, seguida de uma intencionalidade de elementos de crítica, riso e transformação. Sob esse aspecto, podemos dizer que política e riso formam uma combinação perfeita, pois a crítica e a vontade de transformação permitem ao homem a possibilidade de reflexão de suas escolhas políticas. Se de um lado, a política consiste em um combate de forças adversas, de outro, o humor, nessa perspectiva, consiste em uma arma ao alcance das mãos. Em outras palavras, o riso, estrategicamente, compreende um artifício de amenizar e testemunhar assuntos reputados mais “sérios”, além de ser uma arma eficaz para o emprego do escárnio. Nesse sentido, lembramos as palavras de Landowski, ao afirmar que:

O ridículo não mata o adversário, mas faz vacilar as melhores reputações, isto é, ele é capaz de reconfigurar às avessas a imagem do políti co que depende de um certo nível de popularidade. Ele destrói ou desfaz os simulacros, desfigura às avessas as imagens de marca, das quais dependem hoje os níveis de popularidade. (LANDOWSKI, 1995, p. 66).

Sendo assim, o ato de denegrir a imagem de determinado político, muitas vezes em favor de outro, permite reconfigurar certos conceitos sobre o candidato numa campanha eleitoral, bem como é capaz de revelar “verdades” possivelmente ocultas aos olhos do povo, nos casos de corrupção.

Nessa direção, a charge política, como sua própria etimologia aponta, tem a pesada “carga” da crítica, sobretudo negativa, da imagem política. Enquanto, de um lado, o candidato tenta construir uma imagem política agradável de si, do outro, o cartunista a desconstrói e reconstrói uma segunda, interligada à primeira, que visa justamente criar sistematicamente o sentido inverso da precedente com a finalidade de desvendar a “verdade” aparentemente escondida através do humor. Dessa forma, o humor é utilizado como estratégia argumentativa, ou ainda, como ferramenta para a formulação da crítica política, em que o candidato é ironicamente criticado e/ou ridicularizado numa proporção de quanto mais humor, maior a ridicularização da imagem do político, que se torna uma espécie de “alvo” nas mãos do cartunista. Essa dualidade torna-se um procedimento discursivo de se construir o humor a partir de dois domínios: o discurso verbal e o imagético, compondo um único “bloco” discursivo.

Na imprensa, os caricaturistas fazem desse rir uma especialidade de criar um estilo jornalístico satírico e jocoso, paralelo ao discurso de informação. No entanto, uma parte essencial dessa informação é conferir a ela uma dose de opinião crítica, cercada também de possíveis intenções de persuasão política. Segundo Maringoni (1996), o papel reflexivo do jornal de contar o que está por trás do fato acaba tendo muito mais importância do que o próprio ato de informar. Desse modo, notamos que a informação não é neutra e, nesse meio, a charge também expressa sua posição contra ou a favor de determinado fato. Para isso, o humor é uma forma estratégica de conduzir o leitor a uma reflexão crítica. Resta-nos entender, então, por que o humor tem um papel tão importante nas charges políticas.

Grandes dificuldades da compreensão do que seja o humor decorre muito da origem da palavra e, consequentemente, as pessoas acabam direcionando-o apenas ao riso. Assim, as charges que geram menos efeito de riso são, na maioria das vezes, consideradas mal qualificadas ou ruins. Na Idade Média, o humor estava intrinsecamente ligado a um estado de espírito, o senso de humor.

A partir de então, o humorismo passou por transformações semânticas até tornar-se na arte de descobrir a verdade, estabelecendo uma forma não linear de se descer ao fundo das coisas, de buscar a entender sua essência e revelá-la de maneira não convencional (PINTO, Ziraldo, 2001). Sendo assim, o humor passa a ser entendido como uma estratégia argumentativa para realizar a crítica nas charges. Nesse contexto, faz-se necessário que o leitor consiga perceber essas estratégias para uma melhor compreensão da charge, bem como o funcionamento do gênero. Com efeito, nosso objetivo neste estudo é verificar como a charge é trabalhada em sala de aula e de que maneira o estudo desse gênero pode ser direcionado para uma compreensão mais aprofundada dos textos.

2. O humor das charges políticas

Como maneira não-convencional de revelar a realidade dos fatos, o humor pode ser visto como algo proveniente da mente – um estado mental de construção humorística, como também de percepção dos elementos que a compõem. Sendo assim, deveria haver na linguagem alguma marca que o autor apontasse para formular, despertar riso e/ou reflexão. Raskin (1944), em sua teoria semântica formal do humor verbal, afirma que a percepção do humor verbal parte da ambiguidade; é deflagrada pela linguagem e resultante de uma profunda análise semântica. Nessa perspectiva, o autor destaca a habilidade do falante em perceber um texto como engraçado e a distinção entre uma piada e uma não-piada. Para isso, ele parte da discussão sobre a existência de scripts, definindo-o como a articulação de diferentes tipos de representações internas que o sujeito utiliza para a compreensão do mundo. Sendo assim, os scripts compreendem as regras mentais que estabelecem modelos semânticos de representações do tipo “se...então”, tendo cada uma delas uma função e uma gênesis particular. Nesse sentido, o sujeito constrói uma relação de sobreposição de dois scripts, um esperado e outro inesperado. Na verdade, os scripts nada mais são que textos que se justapõem para formar um único.

De acordo com essa teoria, o humor é desencadeado a partir da percepção do segundo script, composto pela incongruência ou violação da normalidade. Como representação mental, os scripts têm uma forte ligação com a referenciação, pois são compostos a partir da função proposicional que exercem sobre os referentes. Assim, eles se determinam os referentes sobre os quais se formará o humor.

Seguindo a noção de script, proposto por Raskin (1944), a teoria semântica do humor é baseada em três específicas categorias do humor verbal: sexual, étnico e político. Nessa concepção, não há nada de extraordinário no humor. As pessoas simplesmente escutam ou veem algo e riem. A pessoa percebe audível ou visualmente um estímulo engraçado, podendo ser tanto uma história como qualquer situação em geral que varie de ocasião para ocasião, de cultura para cultura, independentemente de idade, sexo, status social ou época. O humor ainda pode ser descrito como natural e em parte adquirido. Sob esse aspecto, Hazlitt (apud RASKIN,1994) explica que as pessoas riem do absurdo, da deformidade, ou seja, o risível é produzido pelo que é estranho ou diferente a uma dada “normalidade” das coisas. Dessa forma, rimos das caricaturas dos “narizes de garrafa” porque no estado real da natureza, ninguém possui um nariz assim. Em outras palavras, rimos da forma da encenação discursiva. Logo, o uso das caricaturas nas charges é motivo de riso, pois não retrata uma realidade exterior ou uma “verdade”, mas uma verossimilhança. Assim, rimos do incomum e muito mais do ridículo exposto na charge, nas expressões desconfiguradas, traçadas por ironia crítica e da alusão a outras instâncias enunciativas, principalmente porque ela se torna o “lugar” da liberdade do traço. É a partir daí, então, que emerge a crítica, forma pela qual o enunciador “libera” uma intencionalidade coletiva, pois abarca, muitas vezes, uma racionalidade geral de um povo em direção a uma crítica comum.

Hazlitt, também citado por Raskin (1944), diz ainda que rimos também do não permitido, do que não acreditamos, além, é claro, para demonstrarmos nossa satisfação, desprezo, dissimular invejas ou ignorância das coisas. Quanto às charges, podemos enquadrá-las no que não é “permitido”, pois lidam diretamente com a crítica, geralmente pejorativa, direcionada a um foco específico (político e/ou situação). Para esse autor, rimos ainda do que parece tolo, ou seja, do que foge às convenções sociais. Nesse contexto, Raskin (1944) afirma que existem estímulos pelos quais percebemos o caráter humorístico de uma piada, de maneira que não somente encontramos diferentes coisas engraçadas, mas também em diferentes níveis. Assim, podemos considerar que há diferentes graus de risibilidade, ou seja, piadas de grau mais ou menos engraçado.

Sendo a charge um gênero tipicamente similar à piada, no sentido de ser passível de provocar o riso, ela se enquadra em tal contexto, contendo também graus de risibilidade variáveis, seja na forma linguística ou em textos imagéticos que são produzidos a partir das caricaturas, principalmente por compreender uma espécie de “riso mental”, no sentido de promover uma reflexão crítica dos fatos políticos representados pelos discursos linguísticos e imagéticos. Obviamente, se há níveis diferentes de risibilidade, a resposta individual aos estímulos de humor tende também à variância. Sob esse aspecto, o autor acredita que o riso provém de um estímulo ativado por espécies de “dispositivos” risíveis, como as incongruências de proposições e de imagens no universo do humor.

Na ocorrência do estímulo, na visão de Raskin (1944), um estímulo engraçado pode ser denominado ato de humor. Por analogia, o termo é associado aos atos de fala sem as restrições terminológicas destes. No caso do humor verbal, o estímulo se constitui em um ato de fala, primeiramente por envolver o falante e um ou mais ouvintes, o que obrigatoriamente implicaria uma rede discursiva de enunciação. Logo, podemos definir o humor como um ato discursivo, pelo fato de representar uma forma de agir através da linguagem sobre determinada ideologia, a fim de atingir, discursivamente, receptores e quiçá fontes de poder.

Na esfera do humor, é pelo estímulo que o humor é produzido. Assim, uma sentença tem que ser produzida em uma situação a ser percebida pelo ouvinte. Logo, são diante de tais afirmações que nos voltamos novamente ao universo das charges, no qual observamos haver uma situação atualizada pelo artista, na medida em que ele produz de forma risível, seja na maneira exacerbada do traço, na junção das formas de ridicularização visual e/ou linguístico discursiva ou na interface de ambos.

3. Análise da percepção das estratégias de humor crítico das charges políticas

A charge somente será engraçada para o leitor quando este perceber a relação de humor existente entre o discurso imagético e o linguístico, quando for capaz de identificar a referência externa às questões políticas, tais como a figura de um político e a situação de comunicação de que ele tenha participado, ou ainda, a fatos históricos. Do contrário, a charge perderá sua referencialidade. Portanto, para que o humor realize sua função de fazer rir deve haver a combinação de estímulo e participação humana, seguida de intenções e de experiências de vida, pois é necessário que haja percepção do elemento risível. Nesse sentido, não é gratuita a afirmação de Bérgson (2001) que diz que, em alguns casos, o riso, para produzir todo seu efeito, exige uma anestesia momentânea do coração. Dirige-se à inteligência, uma vez que não descarta a possibilidade de o riso esconder uma segunda intenção de entendimento. Nesse sentido, o humor acompanhado de riso é uma forma mental de desconstrução do equilíbrio anteriormente criado pela própria imaginação. Em outras palavras, o humor é uma forma criativa de analisar criticamente, estabelecer paradoxos que exigem do homem um raciocínio em descobrir e revelar o que está por trás do enunciado.

Para Raskin (1944), o estímulo é sempre um texto no humor verbal, porém é relevante questionarmos tal afirmação, quando pensamos na relação entre texto verbal e não-verbal nas charges políticas. Notamos que o risível não está somente no texto verbal, mas também na inter-relação com as imagens, diante de uma charge que utilize texto verbal e não-verbal ou ainda de charges que contenham apenas o elemento imagético.

O humor nas charges tem como instância enunciativa predominante a crítica irônica, seguida de uma espécie de humor ridicularizante. Ademais, nesse gênero, percebemos que o prazer do riso está imbricado ao desprazer da realidade política, que na maioria das vezes é criticada por fatores negativos. Logo, a ironia torna-se o próprio entrelace paradoxal – uma mistura de riso e crítica. É então que o ridículo se constrói como elemento da piada, capaz de demonstrar também alguma hostilidade em contraste à graciosidade do senso de humor.

Na perspectiva de Bérgson (2001), a comicidade é acidental com uma significação social, uma vez que o riso está atrelado ao automatismo, à surpresa, ao contraste e à distração – uma espécie de trote social. Nesse sentido, na arte da caricatura, o papel do cartunista é despertar o riso, captar o movimento, muitas vezes imperceptível, e ampliá-lo de modo que a imagem natural seja rompida, pelo desequilíbrio, com o exagero e ridículo das formas.

De acordo com os postulados de Fry (1977), a piada deve ser entendida como algo para ser engraçado. Entretanto, muitas piadas não resultam em risos propriamente, mas em vários tipos de emoções tais como: ira, medo e tristeza. Dos exemplos citados por Fry e corroborados por Raskin (1944), poderíamos também acrescentar o sentimento de repulsa ou desprezo, desconfiança, deboche e desesperança sob determinado aspecto em que, por exemplo, a figura do político nas charges políticas é denegrida de forma persuasiva, a partir das críticas opinativas próprias do gênero. Sendo assim, o riso da piada está diretamente atrelado à crítica sobre a imagem política, demonstrando pontos fracos, falhas, escândalos, corrupções, impressões e ações.

Podemos também inferir que o humor, como estratégia para determinado fim de cunho intencional, aponta certa direcionalidade no plano discursivo; em outras palavras, seria uma forma diretiva de atingir o interlocutor. No caso das charges políticas, podemos referir ao humor o tom da estratégia da dissimulação de preferências políticas, uma vez que as charges opinam sobre os fatos e as figuras políticas. Outros impulsos ainda subjazem à construção do humor em estratégia. Assim como o autor aponta nas palavras de Leacock (1937), há um senso de triunfo pessoal sobre o adversário quando se ri dele.

Podemos observar que a competição política retratada na charge a seguir revela um desejo de triunfo irônico de um político sobre o outro ou do cartunista / sociedade sobre o político e suas mazelas, apelando para o cômico e o ridículo. Nesse contexto, o candidato à presidência da República, nas eleições de 2014, Aécio Neves, se vê forçado a ironicamente se vestir de mulher para acompanhar as adversárias Dilma e Marina, que estão na frente nas pesquisas, fazendo alusão à necessidade de o candidato estabelecer estratégias capazes de fazer com que ele avance nas pesquisas. O lado cômico e ridículo, nesse caso, é a representação dessa disputa pela vestimenta feminina no candidato.


Figura 1:
Charge do cartunista Miguel, publicada no Jornal do Comércio, em 06 set. 2014.
Fonte:<http://www.chargeonline.com.br>

4. Metodologia

Como mecanismo metodológico para o desenvolvimento deste estudo, partimos de uma seleção e análise linguístico-discursiva de charges políticas retiradas de diversos jornais do país além da aplicação dessas em atividade de leitura e interpretação em sala de aula com alunos de mesma escolaridade e condições socioeconômicas. A atividade consistiu na leitura e interpretação da charge política, em aulas de Língua Portuguesa, de uma escola pública do Estado de Minas Gerais, em turmas do ensino médio, do ciclo básico de ensino. A professora expôs, inicialmente, as características do gênero charge e pediu aos alunos que relatassem onde estava o humor da charge, bem como identificar as estratégias argumentativas do texto verbal e não verbal.

5. Análise metodológica e contribuições para o ensino de gêneros textuais e discursivos

Inicialmente, foi solicitado aos alunos que tentassem ler e interpretar a charge. Posteriormente, cada aluno relatava oralmente o que pode ser compreendido. Intencionalmente, essa atividade consistiu num reflexo de como normalmente a charge é trabalhada em sala de aula. Como critério comparativo, foi preparada uma segunda atividade, conforme apresentamos a seguir: na preparação da atividade, selecionamos alguns pontos que deveriam ser observados pelos alunos para melhor compreensão das charges, a identificação: do sujeito-político representado na caricatura; do cenário compreendido como não verbal; contexto linguístico expresso na charge, ainda que com relações extralinguísticas, contexto sócio-histórico-político que envolve a charge; dos mecanismos do humor, isto é, o “gatilho” que dispara o humor; da percepção de recursos argumentativos que contribuíam para a construção do humor; de recursos não verbais, também de cunho argumentativo e da crítica política explícita na charge. Nesse sentido, apresentamos algumas das observações dos alunos para explicitação de nosso objeto de pesquisa. O objetivo era, portanto, verificar qual das práticas de ensino do gênero charge poderia ativar de forma mais efetiva uma compreensão mais profunda do texto. A seguir, apresentamos uma das charges utilizadas nas atividades de leitura e interpretação:


Figura 2
Charge do cartunista Mario, publicada no Jornal Tribuna de Minas, em 24 set.14
Fonte:<https://www.chargeonline.com.br>

Na charge da figura 2, muitos alunos reconheceram o episódio trágico da morte de Eduardo Campos, ex-candidato à presidência da república, parceiro de Marina Silva, na campanha presidencial de 2014. O fato foi reconhecido pela pista textual “depois da queda do avião”, tanto na primeira atividade diagnóstica, quanto na segunda. Nesta última, porém, os alunos foram percebendo outras pistas que formaram a interpretação mais aprofundada da charge. Muitos alunos usaram a expressão “a coisa ficou preta”, “o clima fechou”, “o clima escureceu”, popularmente usado, coloquialmente, quando se quer alegar que alguma coisa negativa aconteceu. Outros alunos lembraram que quando dizemos “o clima ficou insuportável” faz alusão à quando não queremos que chova e popularmente dizemos “o clima fechou”.

A rigor, os alunos perceberam o efeito semântico da ambiguidade, quando a professora destacou que o termo “clima” poderia ter outro sentido. A argumentação foi notada quando a professora perguntou qual seria o objetivo da charge ao inserir o elemento linguístico “o clima ficou insuportável depois da queda do avião”. Os alunos afirmaram que a intenção era “mostrar que a presidenta e candidata Dilma parecia indignada com o avanço que sua concorrente Marina Silva obteve na pesquisa do ibope depois da queda do avião que matou seu parceiro de campanha. A professora direcionou que a informação a respeito do aumento das intenções de voto para Marina Silva tem sido comentada entre os eleitores e, perceptivelmente visível, com os resultados comparativos da pesquisa de intenções de voto. Poucos alunos perceberam o cenário de fundo da charge como parte da interpretação da charge.

A professora comentou que o símbolo das Nações Unidas é apresentado como cenário na charge para lembrar que Dilma Roussef participou, em Nova York da Cúpula do clima, que discutiu mudanças climáticas e fez abertura do debate da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 24 de setembro de 2014. Sob esse aspecto, vale ressaltar que o conhecimento prévio, bem como o contexto são necessários para a compreensão completa da charge. Sendo assim, a ativação da interpretação das pistas textuais, verbais e não verbais, são cruciais para se atingir uma interpretação mais profunda do texto. Em seguida, a professora perguntou quais seriam os recursos que levavam ao humor da charge. Muitos alunos não perceberam pelo fato de terem em mente que o humor está atrelado ao riso tradicional, à gargalhada.

Contudo, a professora orientou que o humor crítico, muitas vezes, está relacionado à reflexão, a uma espécie de riso mental em se perceber o que pode estar por trás do enunciado, isto é, a verdadeira crítica, ou o discurso que supostamente está proferindo. Com efeito, é possível observar que o conhecimento prévio e a percepção do contexto contribuem para uma interpretação mais completa da charge que, nesse caso, era apontar por meio da troca semântica do termo “clima” e lembrar o leitor a situação desconfortável que a candidata Dilma estava enfrentando com o avanço da concorrente de campanha, Marina Silva. Os scripts, segundo Raskin (1944) seriam os dois discursos mencionados na charge, a partir da semântica do termo “clima”.

6. Considerações finais

A partir das análises, foi possível verificar que a interpretação era mais bem apresentada quando os alunos tinham conhecimentos prévios e sabiam identificar o contexto sócio-histórico-político das charges, levando-nos a confirmar a hipótese inicial de que para uma melhor compreensão dos gêneros textuais e discursivos faz-se necessário que o professor direcione e oriente para a percepção de todos os elementos que compõem a constituição do gênero além de apontar as estratégias argumentativas. No contexto das charges políticas, o reconhecimento das pistas, associado à compreensão da situação comunicativa, são cruciais para uma interpretação mais aprofundada. Sendo assim, é possível concluir que as estratégias de humor crítico das charges políticas formam a base para um melhor entendimento dos gêneros textuais e discursivos além de contribuir para o ensino de gêneros textuais e discursivos.

Referências

BERGSON, Henri. O riso. Tradução de Ivone Castilho Bendetti. São Paulo: Martins Fontes, 2001. – (Coleção tópicos)

FRY, William, F.J. The appeasement function of mirthful laughter. In: Chapman and Foot, 1977, P. 23-26.

LANDOWSKI, Eric. Não se brinca com o humor: a imprensa política e suas charges. Face. São Paulo, v.4, n.2, jul/dez., 1995.

LEACOCK, Stephen. Humor and humanity: an introduction to the study of humour. London: Thornton Butterworth.

MARINGONI, Gilberto. Humor da charge política no jornal. Comunicação e Educação. São Paulo: USP, Editora Moderna, (7):85 a 91, set/dez., 1996.

PINTO, Z.A. Ninguém entende de humor. ZIRALDO; FORTUNA; ÁLVARUS. Ah! Humorismo levado a sério. Revista de Cultura Vozes, Rio de Janeiro, 64(3) abr 1970.

RASKIN, Victor. Semantic mechanism of humor. Purdue University: D. Reidel publishing company, P.O. Box 17, 3300 AA Dordrechht, Holland, 1944.



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