Acessar o conteúdo principal

Festival de Angoulême: brasileiros em seleção de HQs alternativas mostram efervescência da produção no país

Os principais prêmios do Festival Internacional de Histórias em Quadrinhos de Angoulême foram revelados neste sábado (28). O Brasil contava com cinco concorrentes na categoria de HQs alternativas. Apesar de não terem levado a premiação, os temas variados das obras mostraram a criatividade e a efervescência da produção brasileira atual.

Ragu, um dos concorrentes brasileiros na categoria de Histórias em Quadrinhos alternativas.
Ragu, um dos concorrentes brasileiros na categoria de Histórias em Quadrinhos alternativas. © Divulgação
Publicidade

Ana Carolina Peliz, envida especial da RFI a Angoulême

O vencedor da categoria foi o catalão Alex Purcet Grelori por "Forn de Calç" (Fornalha de pedra em tradução livre). Este ano, 40 candidatos de mais de uma dezena de países, entre eles França, Brasil, Filipinas, China, Bélgica, Suíça, Suécia, Croácia, Espanha e Chile, participaram da 42º edição do prêmio alternativo. 

Os brasileiros que concorreram foram Sergio Chaves e Lídia Basoli por "Café espacial"; Henrique Magalhães por "Maria magazine"; Christiano Mascaro e João Lin, por "Ragu"; Fábio Costa e Igor Souza por "Rocha navegável"; e Guilherme E. Silveira por "Sem olhos". 

O Brasil foi o segundo país com a maior representatividade no prêmio alternativo, ficando atrás apenas da Índia. 

"É sempre muito bom estar em Angoulême. Eu participo há anos com o Maria Magazine e com outras publicações e para mim a sensação é extraordinária de estar no maior festival de histórias em quadrinhos do mundo, o mais representativo, o mais criativo, o mais instigante", disse à RFI o veterano autor paraibano Henrique Magalhães, da HQ de humor Maria Magazine, criada há quase 50 anos, que reúne trabalhos de vários autores independentes.

O quadrinista Henrique Magalhães, indicado ao prêmio de melhor história em quadrinhos alternativa no Festival Internacional de Angoulême 2023, por Maria Magazine.
O quadrinista Henrique Magalhães, indicado ao prêmio de melhor história em quadrinhos alternativa no Festival Internacional de Angoulême 2023, por Maria Magazine. © Arquivo pessoal

Para ele, fazer parte do festival é uma forma de mostrar "o quanto a gente está criando e produzindo no Brasil". Ser selecionado "independente de ganhar ou não a premiação", representa muito, diz. "É uma porta, uma janela, para mostrar esse nosso trabalho e fazer contato com as pessoas que participam do festival. Isso para nós é muito importante", completa.

Maria Magazine foi lançado em Portugal e ganhou o prêmio de melhor álbum de humor do Festival de Amadora. 

"O Brasil tem uma produção muito importante de quadrinhos independentes e alternativos, como acontece na atualidade", destaca. 

Nova onda de quadrinhos brasileiros 

Essa nova onda de quadrinhos brasileiros tem um discurso político forte. Para Christiano Mascaro, da Ragu, o que faz que o quadrinho seja político é o próprio contexto que o Brasil vive.

Os editores da revista Ragu, Christiano Mascaro (esquerda) e João Lin, que concorrem na categoria de melhor HQ alternativa em Angoulême.
Os editores da revista Ragu, Christiano Mascaro (esquerda) e João Lin, que concorrem na categoria de melhor HQ alternativa em Angoulême. © Arquivo pessoal

"O quadrinho, sobretudo o quadrinho contemporâneo, está se desvinculando cada vez mais de uma ideia de linguagem infantilizada e de mero entretenimento lúdico, para ir se consolidando como uma mídia que tem as suas peculiaridades próprias", explica. "Ela é um instrumento muito válido para o debate contemporâneo, seja ele o que for", diz. 

A revista Ragu, que surgiu no início dos anos 2000, em Recife, está em seu número 9, com periodicidade anual e reúne autores alternativos, principalmente pernambucanos. "A ideia era tirar um pouco a produção do eixo Rio-São Paulo e revelar autores da região", explica. Um quadrinho que, segundo ele, tem o "cuidado de trazer uma representatividade que contemple a diversidade de vozes que hoje tem no Brasil, com a presença de autoras mulheres, que é uma coisa recente no quadrinho brasileiro, e que chega com muita força. Acho que a novidade realmente está nas mulheres e também nos autores periféricos, são eles que estão trazendo o novo. É muito bonito de ver", afirma. 

Ele ressalta que finalmente a produção  brasileira começa a se liberar do modelo americano,  francês ou do mangá para tratar temas e histórias nacionais. "Eu vejo isso com muito bons olhos. É muito bom o que estamos vivendo", analisa dizendo que o mercado nacional ainda tem muito potencial para crescer. 

HQ globalizada

Foi essa nova cultura de HQs nacionais que influenciou os baianos Fábio Costa e Igor Souza a lançarem pela primeira vez o álbum "Rocha navegável". 

A história narra a saga de um oficial japonês que morre na Baía de Todos os Santos e seu espírito fica preso em Salvador. Com isso, ele tem que aprender a dialogar com os espíritos nativos do Candomblé, com os Orixás e com as estátuas do centro histórico. Segundo os autores, a HQ aborda uma relação entre identidade, pertencimento e comunicação. 

Fábio Costa, autor de Rocha navegável, que compete pelo prêmio de História em quadrinho alternativa, em Angoulême.
Fábio Costa, autor de Rocha navegável, que compete pelo prêmio de História em quadrinho alternativa, em Angoulême. © Arquivo pessoal

Fábio não nega a influência de autores de mangás na obra, que são celebrados este ano pelo festival de Angoulême. "É uma HQ globalizada", brinca. "São autores que criaram um imaginário muito importante no nosso processo", diz. 

Sobre a indicação ao prêmio de Angoulême, tanto Fábio quanto Igor dizem que foi uma surpresa. "É uma alegria e uma honra enorme poder estar entre os outros quadrinhos brasileiros que representam o Brasil nesse festival", diz Fábio.

O álbum, que foi lançado em 2020, já ganhou prêmios importantes como o HQ Mix, a maior premiação brasileira de quadrinhos e o literário Jabuti.

"O Brasil sempre teve uma tradição de dar seu jeito. Então sempre houve uma produção quadrinista, feita de maneira independente, porque a gente não conta com grandes apoios, incentivos, são poucas as empresas que produzem regularmente quadrinhos, dando lugar a uma produção mais marginal, desde os fanzines, até produções recentemente mais elaboradas. Esse salto que aconteceu na última década e vem se tornando uma característica muito interessante da produção de quadrinhos aqui no Brasil", diz. 

"A aparição de autores como Marcelo D’Saleti e Marcello Quintanilha me fizeram querer produzir quadrinhos", diz Igor. "Nos últimos 10, 15 anos houve um aumento da produção de quadrinhos que tentam pensar temas e dilemas locais do Brasil", diz. 

Nem um dos autores entrevistados veio a Angoulême para o festival, por razões financeiras ou de trabalho. 

O ganhador do prêmio, além de uma bolsa de mil euros, será convidado para o Festival de Angoulême do ano que vem. 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.