A Nega Lu vai subir pelas paredes

Homossexual negro que virou do avesso a cena boêmia e cultural de Porto Alegre ganha mural na fachada da Loja Profana na Cidade Baixa

Grafite homenageia a Nega Lu, figura precursora que se destacou como cantora, bailarina e ícone da população LGBTQIA+ entre os anos 1970 e 1990 (Foto/Rua da Margem)

Grafite homenageia a Nega Lu, figura precursora que se destacou como cantora, bailarina e ícone da população LGBTQIA+ entre os anos 1970 e 1990 (Foto/Rua da Margem)

A Nega Lu, figura popular e ícone da diversidade sexual em Porto Alegre, ganhou um posto privilegiado para olhar a cidade.

A imagem do homossexual negro, que marcou a cena cultural e boêmia da capital do RS entre os anos 1970 e 1990, está agora exposta em um mural de sete metros de altura instalado na parede externa da Loja Profana (marca de roupas e acessórios femininos), na Rua Lima e Silva, 552, na Cidade Baixa. O grafite foi produzido pelo artista plástico Soul C H A M B (Alexandre Lopes da Silva).

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A homenagem é do Nuances – Grupo pela Livre Expressão Sexual, iniciativa pioneira na defesa dos direitos de cidadania da população LGBTQIA+ no Brasil, que está completando 30 anos de atividades em 2021.

— É um tributo a uma trajetória de vida que desafiou os padrões de comportamento de sua época — afirma Célio Golin, fundador do Nuances.

Por sua vez, a participação na homenagem a Nega Lu reforça o posicionamento da Profana como um espaço que dialoga com a arte e a cultura da cidade e apoia eventos e causas alinhados à marca.

— Me alegra muito que a fachada da loja honre a Nega Lu e o Nuances com cor e resistência — diz Simone Moro, proprietária da Profana.

A inauguração do mural aconteceu no dia 9/7, na calçada junto à parede lateral da loja de moda feminina, ocasião em que o Nuances distribuiu postais com imagens da Nega Lu aos presentes.

Toque ou clique nas imagens abaixo para ver fotografias da Nega Lu que fazem parte do acervo da família de Luiz Aírton (reprodução de Tânia Meinerz).

A personagem Nega Lu surgiu nos bancos escolares do Colégio Infante Dom Henrique, no Menino Deus (bairro onde ela nasceu), por volta de 1970, quando Luiz Airton Farias Bastos adotou em definitivo o codinome e assumiu publicamente sua homossexualidade.

Na juventude, chamou a atenção da cena boêmia ao frequentar os bares da Esquina Maldita (Osvaldo Aranha com Sarmento Leite, no Bom Fim, ponto de encontro dos jovens porto-alegrenses à época), como o Copa 70, onde subia no balcão para cantar Summertime, clássico de George Gershwin, para fãs e clientes. Além disso, era figura carimbada em vernissages, shows no auditório Araújo Vianna e concertos no Salão de Atos da UFRGS.

— Aonde a gente ia, lá estava a Nega Lu — disse, certa vez, a jornalista e apresentadora de televisão Tânia Carvalho. 

Nega Lu estudou balé clássico com a russa Marina Fedossejeva (ex-bailarina do Kirov)

Nega Lu estudou balé clássico com a russa Marina Fedossejeva (ex-bailarina do Kirov)

Além de circular pelas rodas boêmias, ganhou espaço no cenário cultural de Porto Alegre como bailarina da escola de dança da russa Marina Fedossejeva e também como solista dos Corais da OSPA e da UFRGS.

— Com essa voz, pode desmunhecar à vontade — justificou o maestro Nestor Wenholz, regente do Coral da UFRGS, ao aprová-la no teste vocal.

Nos anos 1980, o timbre grave e retumbante pontuou as performances desbocadas e dilacerantes da Nega Lu como crooner da banda de blues Rabo de Galo, liderada pelo guitarrista Marco Aurélio Lacerda, o Coié. Ficaram célebres também os desfiles como madrinha da Banda da Saldanha nos carnavais do Menino Deus.

Na década seguinte, ela participou das primeiras Paradas Livres promovidas pela militância gay na capital gaúcha, enquanto trabalhava como garçonete do bar Doce Vício, um dos locais mais concorridos do circuito LGBTQIA+ da cidade no período.

A Nega Lu morreu em 2005, aos 55 anos, de complicações decorrentes de insuficiência cardíaca,

— Não era homem, nem mulher, também não era drag queen ou travesti. Então, o que era? Dava um nó na cabeça das pessoas. Ela parecia uma lady de voz grave e barba malfeita — disse o ator Renato Del Campão.

Por sinal, o livro Nega Lu – Uma Dama de Barba Malfeita, biografia escrita pelo jornalista Paulo César Teixeira e publicada pela Libretos, ganhou o Prêmio AGES (Associação Gaúcha de Escritores) de Livro do Ano, na categoria Não Ficção, em 2016 (a edição está praticamente esgotada).

Além do livro, a personagem foi reverenciada num curta-metragem produzido pelo Nuances e o Coletivo Catarse, disponível no YouTube.

Ainda como parte das comemorações dos 30 anos do Nuances e como mais uma forma de homenagear o ícone LGBTQIA+, o coletivo em favor da diversidade sexual planeja realizar uma exposição itinerante de fotografias em locais de Porto Alegre frequentados pela Nega Lu. A previsão é que ocorra ainda em 2021.