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Queria que fosse um Mickey nacional, diz criador do Senninha

Em entrevista exclusiva, Rogério Martins relembra longa negociação até conseguir levar personagem às mãos de Ayrton Senna; desenhista fala do trauma após acidente fatal de 1994

1 mai 2014 - 08h10
(atualizado em 7/6/2018 às 13h25)
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<p>Rogério, Cecília, Ayrton e Ridaut: lançamento de Senninha em 1994 só aconteceu depois de anos de insistência dos criadores da personagem</p>
Rogério, Cecília, Ayrton e Ridaut: lançamento de Senninha em 1994 só aconteceu depois de anos de insistência dos criadores da personagem
Foto: Claudio Pugliese / Divulgação

Quem cresceu na década de 90 tem boas chances de ter lido os gibis do Senninha. O personagem, criada pelo publicitário Rogério Martins e pelo desenhista Ridaut Júnior, se tornou rapidamente popular entre crianças e adolescentes, justamente no momento em que Ayrton Senna era apontado como favorito ao título da temporada 1994 da Fórmula 1.

Mas tudo veio abaixo em 1º de maio daquele ano, quando Senna morreu em um acidente no Grande Prêmio de San Marino. Naquele domingo, o trabalho de Rogério e Ridaut ganhava novos rumos, após muito tempo tentando emplacar a personagem inspirada no tricampeão.

“A gente ficou chocado, estava criando uma amizade com ele. Era todo um projeto com o qual a gente sonhou por quatro anos. Foi muito traumático. Foram muitos anos que eu demorei para conseguir conversar igual eu estou conversando com você”, contou Rogério, em entrevista exclusiva ao Terra.

Até aquele domingo sombrio para o esporte, Rogério Martins vinha se dedicando por muitos anos à criação de um personagem que homenageasse Ayrton Senna. Desde 1991, quando criou os primeiros rascunhos do Senninha, foram vários os encontros com a família do piloto ou com seus representantes, até que Senna aprovasse o desenho. Por acaso.

Foto: Divulgação

“A gente conheceu a Cecília Yoshizawa, que estava começando a cuidar com o Ayrton em novos negócios, e ficou sabendo desse projeto. Por uma secretária do Ayrton, a gente conseguiu mandar o desenho. A gente queria que ele visse”, contou. “A Cecília viu e o Ayrton viu por acaso. A Cecília estava com o desenho na mesa, a gente tinha feito umas pranchas. O Ayrton passou, viu e disse: “o que está acontecendo?”. Então, pediu para a Cecília entrar em contato com a gente.”

A morte do piloto não atrapalhou os planos de Rogério e Ridaut. Pelo contrário. “A família do Ayrton também nunca falou em acabar. Não interessa quanto tempo demoraria, a gente acreditava muito no personagem. Era um casamento muito bom”, completou.

Os anos seguintes, porém, não foram bons para a criação da dupla. Na opinião de Rogério, ainda que o nome de Ayrton Senna atraia até mesmo crianças que nasceram após o acidente fatal, o mercado de bancas para histórias em quadrinhos estrangula novas criações. Diante da concorrência estrangeira, apenas a Turma da Mônica, criação de Maurício de Sousa, tem condições de se manter – e, ainda assim, não apenas com a venda.

“A Turma da Mônica se mantém pela tradição. É uma tradição muito grande. Mas, comercialmente, só é viável porque tem assinatura. Você precisa ter oito títulos para ter assinatura – aí você consegue fazer um pacote para vender. Com a evolução de computador, as pessoas leem menos, as tiragens de revistas caíram muito”, analisou Rogério.

Hoje, a marca Senninha não está mais nas bancas. Pertencente ao Instituto Ayrton Senna, a personagem aparecem em materiais escolares, brinquedos e iniciativas do próprio instituto. Nas bancas, não se sabe se haverá Senninha novamente. Para Rogério, que pretendia criar um “Mickey brasileiro”, uma grande oportunidade perdida.

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“Eu acho até que tinha que usar mais. Eu queria que o Senninha fosse um Mickey brasileiro. Acho que tinha possibilidade de chegar nisso. E o Ayrton era muito forte. Acho que eles (Instituto Ayrton Senna) podiam conseguir mais coisa, mas sei que o mercado é difícil”, declarou o publicitário.

Confira a entrevista exclusiva de Rogério Martins ao Terra:

Terra – Como surgiu a personagem? Foi uma iniciativa do Ayrton ou partiu de vocês?Rogério - Foi uma iniciativa minha. Eu tinha vontade de fazer um personagem, gostava muito do Ayrton. Acompanha a carreira dele desde a Fórmula 3 inglesa, pelas pistas e tal. Nunca fui um fã, depois eu conheci fãs mais fanáticos do que eu.

Naquela época, havia uma tradição de personagens baseados em personalidades. O Maurício (de Sousa) tinha feito o Pelezinho, mas havia várias personalidades da TV, como o Renato Aragão. Até pensava: “alguém já deve ter feito”. O Ridaut trabalhava comigo, fazia desenhos animados na TV Cultura, e fazia uns freelancers na agência onde eu trabalhava. Ele achou legal e pensou: “vamos desenvolver”.

Fomos pesquisar fotos do Ayrton. Não tínhamos computador na época, então fomos ver revistas. Isso foi em 1991, logo depois que o Ayrton ganhou o título. Começamos a desenvolver os desenhos. A primeira ideia era fazer ele mais adolescente, depois chegamos à conclusão de que seria mais legal fazer ele infantil, ate por umas coisas que o Ayrton fazia, das mensagens que ele queria para as crianças. Aí a gente começou: ficou legal, a gente foi levar a ideia para ele. Começou uma saga. Para mostrar para ele, foi bem difícil.

Terra – Como foi esse contato para apresentar o projeto?

Rogério - A gente tentava fazer o contato e não estava conseguindo. Aí, eu consegui um contato com o pai do Ayrton, o seu Milton, e ele me disse: “traz aqui para eu ver no escritório”. A gente levou ele para ver. Quem viu foi o Fábio Machado, primo do Ayrton que cuidava dos negócios, e eles acharam muito legal. Encaminharam para o MDM, escritório que cuidava dos novos negócios do Ayrton. Na agência, a pessoa que cuidava acabou morrendo. Depois, a gente ficou em contato com o Mário Gallo, uma pessoa contratada.

Era um negócio muito família. Pai, primo... Outras coisas ficavam na mão do Leonardo (irmão de Ayrton Senna). A gente ficou três anos tentando marcar reunião, e o cara (Gallo) não dava bola. Isso ficou engavetado por uns anos. Depois a gente conheceu a Cecília Yoshizawa, que estava começando a cuidar com o Ayrton em novos negócios, e ficou sabendo desse projeto. Por uma secretária do Ayrton, a gente conseguiu mandar o desenho. A gente queria que ele visse.

Aí, a Cecília viu e o Ayrton viu por acaso. A Cecília estava com o desenho na mesa, a gente tinha feito umas pranchas. O Ayrton passou, viu e disse: “o que está acontecendo?”. Então, pediu para a Cecília entrar em contato com a gente. A gente descobriu que o seu Milton tinha achado interessante o projeto e encaminhado para os outros, achando que tinha andado. Mas não tinha andado.

Foto: Divulgação

Terra – Uma das primeiras historinhas do Senninha mostra vocês dois fazendo vários esboços do personagem, até chegar a um ideal. Foi daquele jeito mesmo?

Rogério - Nesse tempo que ficou parado, a gente ficou bolando coisas, criando. Era uma coisa que a gente tinha esperança de virar alguma coisa. Quando começou a fazer, a gente começou a fazer mais a fundo.

Terra – E aquele desenho que a gente conhece era o que vocês tinham apresentado originalmente para a Cecília e para o Ayrton?

Rogério - Não, não era. Quando a gente começou a desenvolver... Quando a gente conheceu o Ayrton, ele disse que tinha muita vontade de ter um personagem para passar a mensagem para as crianças. A gente começou a trabalhar dentro da Ayrton Senna Produções. Aí a gente começou a desenvolver o traço mesmo, que hoje é mais redondinho. Quando a gente saiu, até mudou um pouco o traço. Mas isso é normal.

Terra - A partir da 10ª edição, mais ou menos, a personagem mudou as cores do macacão e da sapatilha – o macacão azul ficou vermelho, e a sapatilha vermelha ficou azul. Isso era previsto? Teve algo de McLaren, de bons momentos nessa mudança?

Rogério - Quando o Ayrton mudou de escuderia para a Williams, ele trocou de vermelho para o azul e a gente ficou muito na dúvida. O personagem era vermelho, aí virou azul... A gente queria fazer um personagem que estava muito ligado ao Ayrton, mas que não era o Ayrton. A gente decidiu por um macacão azul, e logo em seguida teve o acidente. Já estava pronto, ficou o azul. Logo em seguida, estava em vermelho, porque a maioria (dos desenhos) estava em vermelho.

Terra – Neste momento em que o projeto estava começando a dar mais certo, como a morte do Senna foi recebida?

Rogério - Na verdade, não estava dando certo. Estava dando certo entre nós e o Ayrton. O Ayrton estava empolgado com o projeto, e a gente trabalhava que nem louco. Ele curtia muito, mas não interferia. Ele dizia: “confio em vocês, que vão fazer um bom trabalho”. Ele estava curtindo.

A gente ficou chocado. A gente estava criando uma amizade com ele. E outra: era todo um projeto com o qual a gente sonhou por quatro anos. Foi muito traumático. Foram muitos anos que eu demorei para conseguir conversar igual estou conversando com você. Aí veio a ideia do Instituto Ayrton Senna.

É um custo grande desenvolver o personagem - chegou num ponto de termos 28 pessoas no projeto. Isso custa muito caro. O personagem tem que ter licenciamento para se manter na parte financeira, e tem que estar em contato com o público, com a criança. Não é só uma questão comercial, é de possibilidade de colecionar as coisas que você gosta. Quando a gente começou, o Ayrton estava bancado. As pessoas não queriam licenciar a personagem. Chamavam de Gasparzinho, faziam piada (com a morte)...

A gente acreditava. O Ayrton era um mito. Hoje em dia, as crianças que não conheceram ele ainda fazem redação na escola e colocam Ayrton Senna como herói. A gente passou um ano batalhando por empresas que se interessassem pelo personagem. A revista começou a vender muito, de ter tiragem de 80 mil exemplares. O Maurício de Sousa, para vender isso, tem assinatura. Aos poucos, a gente conseguiu licenciamento.

<p>Rogério diz que levou muito tempo para superar morte de Ayrton Senna, mas que não pensou em abandonar o projeto após acidente de 1994</p>
Rogério diz que levou muito tempo para superar morte de Ayrton Senna, mas que não pensou em abandonar o projeto após acidente de 1994
Foto: Divulgação

Terra - Vocês chegaram a pensar em acabar com o personagem nessa época?Rogério - Não, nunca pensamos. A família do Ayrton também nunca falou em acabar. Não interessa quanto tempo demoraria, a gente acreditava muito no personagem. Era um casamento muito bom.

Terra - O Senna chegou a ser reproduzido em gibis japones no início da década de 90, como GP Boy e F no Senko - Ayrton Senna no Chosen. Vocês chegaram a ter contato com aquele material no processo de criação do Senninha?

Rogério - Não.

Terra – Só depois?

Rogério - Só depois.

Terra - Depois de quase 100 edições, a publicação mudou de editora, da Abril para a Brainstore, até que saiu de circulação na HQM. O que aconteceu?

Rogério - Era mais um problema de mercado do que do personagem. O mercado de banca de jornal é muito complicado. O Maurício de Sousa se mantém, a Turma da Mônica se mantém pela tradição. É uma tradição muito grande. Mas, comercialmente, só é viável porque tem assinatura. Você precisa ter oito títulos para ter assinatura – aí você consegue fazer um pacote para vender. Com a evolução de computador, as pessoas leem menos, as tiragens de revistas caíram muito. Não tenho dados da Turma da Mônica, nossa referência, mas sei que vinha caindo. O Maurício de Sousa deu essa renovada na Turma da Mônica, que eu achei sensacional, deu uma erguida com essa versão adolescente. E a gente ainda tem a concorrência com o que vem de fora. O que a gente conseguiu com o Senninha foi uma coisa fantástica.

Terra – Hoje em dia a marca Senninha é sua?

Rogério – A marca Senninha é do Instituto Ayrton Senna. Os criadores têm os direitos morais, sempre meu e do Ridaut. Mas o patrimonial é do Instituto Ayrton Senna.

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Terra – Hoje, se você quiser publicar, você pode?

Rogério - Não.

Terra – Você sabe se há planos de relançar o Senninha nas bancas? De repente, até os primeiros números...?

Rogério – Não sei, porque não estou muito em contato com o Instituto Ayrton Senna. O personagem continua existindo, tem licenciamentos. Eu acho até que tinha que usar mais. Eu queria que o Senninha fosse um Mickey brasileiro. Acho que tinha possibilidade de chegar nisso. E o Ayrton era muito forte. Acho que eles (Instituto Ayrton Senna) podiam conseguir mais coisa, mas sei que o mercado é difícil.

Fonte: Terra
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