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Tempo de mulas e de trilhos: o surgimento dos bondes em Curitiba

Como resultado do projeto civilizador em Curitiba, elaborado pelo poder público do município a partir da década de 1880, diversas foram as iniciativas que visavam modernizar a cidade aos moldes europeus, tornando-a limpa, organizada e próspera, para assim ser alcançado o tão sonhado progresso. A inauguração da estrada de ferro e da estação ferroviária, em 1885, catapultaram esse ideal: rápido e eficaz, o trem era o símbolo de uma sociedade que queria crescer. E de fato cresceu: em apenas 10 anos, a população curitibana dobrou, saltando de 24 mil pessoas, em 1890, para 50 mil em 1900.



“A elite curitibana [políticos, intelectuais e capitalistas] buscava inspirar-se em cidades que estavam num estágio de modernização mais avançado”, ressaltou o historiador Renato Mocellin. “O progresso, o trabalho, o ritmo frenético” eram atributos de São Paulo, enquanto que do Rio de Janeiro “destacava-se a vida cultural, a educação, enfim, a civilidade” (2020, p. 140). É nesse contexto que se dá o surgimento de diversos serviços públicos e privados em Curitiba: saneamento básico, iluminação, pavimentação de ruas, fábricas, cinema, universidade e comércios em geral.


Os bondes


Um desses serviços era o de transporte coletivo: em 1887, eram inauguradas as linhas de bonde, com bondes importados da Europa. Em 09/11/1887, o jornal Dezenove de Dezembro, de Curitiba, noticiou:


“Foi hontem um dia de galas, de esplendidas e ruidosas festas nesta  capital. A inauguração dos bonds, que era esperada com justa anciedade pela população, a vida por esse melhoramento, que vem transformar beneficamente os seus hábitos e bem estar, realisou-se no  meio das mais enthusiasticas expansões de regosijo popular.

  As 11 e meia da manhã partiram da elegante estação da empreza – Curitybana-, próxima à estação da estrada de ferro, quatro elegantes carros embandeirados, em tudo iguaes aos da empreza de Carris Urbanos da côrte, conduzindo o presidente da província, chefe de polícia, representantes do Dezenove de Dezembro, Gazeta Paranaense e Diário Popular, o gerente da empreza e outros cavalheiros.”

 

A cerimônia de inauguração partiu da sede e também da garagem da companhia de bondes, em frente à Praça Eufrásio Correia, na esquina da Rua da Liberdade com a Av. Visconde de Guarapuava. Os quatro bondes, ainda de tração animal, deslocaram-se até a Mansão das Rosas, então chamada de “chácara do Comendador Fontana”, na Boulevard 2 de Julho, atual Av. João Gualberto, onde foram recebidos com festa. Depois, teriam retornado até a Comendador Araújo pela Rua Riachuelo, e seguido até a Pracinha do Batel, que era o ponto terminal da linha. Diversas foram as personalidades políticas que participaram do evento, sendo seu comparecimento, em todo o trajeto, 


“saudado por estrepitosas acclamações populares, foguetes e flores, que das janelas das casa eram derramadas em ondas sobre os carros. [...] O bairro do Batel cobriu-se de galas para receber a visita do progresso: arcos, bandeirolas, galhardetes, disticos formados de flores, annunciavam o  regozijo dos habitantes do bello arraballde, no meio de estrugir de innumeros foguetes.”


No dia seguinte, qualquer cidadão curitibano pôde utilizar os bondes mediante a compra de bilhetes — rapidamente, novos bondes foram adquiridos para suprir a demanda. A linha conectava o Batel, ao oeste, e o Alto da Glória, ao norte, até a estação ferroviária, passando pelas principais ruas e praças da cidade — Rua XV de Novembro, Praça Osório, Praça Tiradentes, Praça Generoso Marques, Rua Riachuelo, Rua da Liberdade e Av. Sete de Setembro. Com o tempo, o trecho foi estendido para os bairros mais periféricos, como o Bacacheri e o Portão.

Até 1924, as linhas de bonde foram administradas por empresas estrangeiras. Segundo Allen Morrison, “o brasileiro Boaventura Clapp adquiriu em 1883 a concessão para construir uma linha férrea urbana e fundou a Empresa Ferro Carril Curitybano. [...] Clapp vendeu a EFCC em 1895 para a Amazonas & Companhia, que era controlada pelo italiano Santiago Colle. Quando este bilhete foi emitido na década de 1890 existiam 20 carros operando em 18 km de trilhos”, além de 150 mulas. Anos mais tarde, a linha foi adquirida pela empresa inglesa South Brazilian Railways, que também era concessionária de várias estradas de ferro.

Bondes elétricos


Foi a South Brazilian Railways que encomendou 29 bondes elétricos da Bélgica, de modelos conversíveis, com laterais removíveis, sem igual no Brasil. Em janeiro de 1913, após meses de preparação das vias, incluindo eletrificação e troca de trilhos (com aumento das bitolas para 1 metro), os bondes elétricos começaram a circular em Curitiba, substituindo os de tração animal — durante um período, os dois tipos de bonde conviveram. Com isso, a frota e os trajetos dos bondes puderam ser aumentados, bem como as mulas tiveram, aos poucos, o merecido descanso, após serem sobrecarregadas durante tantos anos. 

De 1928 em diante, as concessões de energia elétrica e dos bondes foram para a Companhia Força e Luz do Paraná, subsidiária do conglomerado norte-americano Electric Bond & Share, que administrou a linha de bondes até 1945. Nesse ano, os 38 bondes e os quase 30 km de linha férrea foram transferidos para a Companhia Curitibana de Transportes Coletivos, que acabou por extinguir os bondes elétricos em 1952.

Os bondes ficaram ultrapassados?


Curitiba foi uma das primeiras cidades do Brasil a extinguir os bondes elétricos, atrás somente de Belém e Fortaleza. Embora com fim precoce, há muito tempo o transporte por bonde já demonstrava sinais de esgotamento. 

Em 1917, por exemplo, durante a maior greve já registrada em Curitiba, os primeiros trabalhadores a pararem foram os motoristas e cobradores da South Brazilian Railways, que na época reclamavam dos baixos salários e da excessiva jornada de trabalho.

Algum tempo depois, em 1945, novamente os bondes estiveram relacionados a manifestações populares. Agora, muitos estudantes e trabalhadores se revoltaram contra o aumento da passagem de bonde em 0,10 cruzeiros, fato que culminou no tombamento, por parte dos manifestantes, de vários bondes — no início dos anos 40, antes da substituição dos réis pelo cruzeiro, a passagem de bonde do centro para os bairros custava 200 réis, cerca de 2 reais na cotação atual.

A reclamação não era somente por conta da passagem (não era só por 10 centavos de cruzeiros): a frota de bondes estava sucateada e faltavam linhas de bondes para suprir a demanda (Curitiba já contava com mais de 300.000 habitantes). A Companhia Curitibana de Transportes Coletivos, por sua vez, começou a implantar ônibus, que desde então se tornaram o principal (e único) transporte coletivo em Curitiba. Os bondes circularam na cidade até 1952.


Certamente os bondes poderiam continuar no cenário curitibano, em trajetos curtos e na região central, por exemplo, para ser uma alternativa aos ônibus e também uma forma de desafogar a cidade, tão repleta de automotores. Entretanto, de forma sumária os bondes sumiram de Curitiba. 


A garagem de bondes

 

Daquele período em que os bondes foram a principal forma de deslocamento populacional em Curitiba, restaram poucas coisas. Alguns trechos do trilho podem ser vistos na Praça Tiradentes. Nessa Praça também ficou exposto um bonde elétrico, o Birney 110, entre 1999 e 2002 — o bonde foi achado nos fundos de uma oficina mecânica, onde anteriormente ficava a garagem de bondes, e depois restaurado; hoje, está num depósito.


Talvez o monumento mais conhecido seja o bonde elétrico exposto na Rua XV de Novembro, na Boca Maldita, que atualmente funciona como uma biblioteca pública — chamado de “Bondinho da Leitura”. Ele está lá desde 1973, logo após o calçamento da XV. Entretanto, não é um bonde que circulou em Curitiba, mas sim na cidade de Santos — o intuito era reutilizar algum de Curitiba, mas ninguém sabe, até hoje, onde foram parar os 38 bondes da cidade, com exceção daquele misteriosamente achado numa oficina mecânica. Segundo Carlos Sviatowski, foram desmontados e vendidos como sucata.


O patrimônio menos conhecido, por sua vez, é a própria garagem de bondes. Os barracões do local, construídos pela South Brazilian Railways há mais de cem anos, foram adquiridos na década de 70 pela família Slaviero, que ali abriu uma concessionária de veículos. Atualmente, o terreno é utilizado como estacionamento para veículos mais modernos que os bondes - os carros -, mas ainda é possível ver, no chão dos barracões, os antigos trilhos de bonde.


                                            Texto e pesquisa de Gustavo Pitz


Fontes de pesquisa:


https://www.facebook.com/paulorobertograni.grani/posts/2751129381699976]


https://www.facebook.com/paulorobertograni.grani/posts/2357596977719887


MOCELLIN, Renato.
História Concisa de Curitiba. Curitiba: Editora Remo, 2020. 


MORRISON, Allen.
The Tramways of Curitiba (Os Bondes de Curitiba). Disponível em: <http://www.tramz.com/br/ct/ct.html>


SUTIL, Marcelo Saldanha.
Eixo Barão-Riachuelo: o prédio da estação e a rua da liberdade. Texto: acervo Casa Romário Martins.


https://pergamum.curitiba.pr.gov.br/vinculos/monogr/Texto/sutil_eixo_barao.pdf


DEZENOVE DE DEZEMBRO, 9 de nov. de 1887. Disponível em: https://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=416398&pasta=ano%20188&pesq=&pagfis=15160


https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-decada-em-que-curitiba-olhou-para-cima-2ecgynshi5ia5grcig9vye91q/

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