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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O caminho mais curto se torna o caminho mais longo

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/09/2021 04h00

"Certa vez, uma criança arrebatou o melhor de mim. Eu viajava e me encontrava diante de uma encruzilhada. Vi, então, um menino e lhe perguntei qual seria o caminho para a cidade. Ele respondeu: "Este é o caminho curto e longo; e este outro, o longo e curto".

Tomei o curto e longo e logo me deparei com obstáculos intransponíveis de cercas e mata fechada. Ao retornar, reclamei: Meu filho, você não me disse que aquele era o caminho curto?

O menino respondeu: "Porém lhe disse que era longo"

Na trilha da sobrevivência, a "mesmice", seguir aquilo que todos fazem, muitas vezes é o caminho curto, o mais simples. No entanto, é aquele que tem os custos mais elevados (longo).

Ir pelo caminho mais curto é uma lei evolucionista. Certamente, os corpos se movem na direção mais imediata e curta. Porém, a sua inteligência interna, sua alma, se move através de longas e profundas modificações. As chances de extinção dos que percorrem caminhos curtos que são longos é muito grande. As espécies sobreviventes são aquelas que souberam fazer opções pelo longo caminho curto."
Rabino Nilton Bonder

Pois é, essa lei também vale para a saúde corporal. O que mais vejo são pessoas que estão optando, há muito tempo, por seguir fórmulas radicais de dieta e treinamento e, dessa forma, estão presas a um círculo vicioso intransponível e que se repete infindavelmente. Estão buscando o atalho, o não enfrentamento do problema.

Percorrer um longo caminho curto, por meio da mudança gradativa e da autorreflexão, significa atacar, uma a uma, as verdadeiras causas do excesso de peso. Significa vivenciar um processo construído a partir de mudanças orgânicas e sustentáveis.

Existe um fator determinante que dificulta um emagrecimento sustentável: consumir qualquer tipo de método, estratégia ou produto que prometa acelerar os resultados. Acelerar o processo de emagrecimento é um grande aliado do efeito sanfona e da desistência, uma vez que estratégias radicais não podem ser mantidas por um longo período, estimulando o 8 ou 80.

As facilidades dificultaram a nossa vida

O mundo contemporâneo tem reduzido drasticamente a nossa mobilidade. A partir da década de 1950, com a invenção dos eletrodomésticos e do universo do consumo, acrescido da facilidade oferecida pelas escadas rolantes, elevadores e popularização dos carros, ficou mais fácil ser sedentário. E, a princípio, não vimos problema nenhum nessas tais "facilidades".

Qual a nossa realidade hoje? Um indivíduo acorda de manhã, depois de passar oito horas deitado, e se senta para tomar seu café da manhã. Em seguida, ele desce de elevador até a garagem de seu prédio e se senta em seu carro para se dirigir ao trabalho. No final da manhã, após ficar outras cinco horas sentado trabalhando, ele vai de carro até um shopping, sobe algumas escadas rolantes ou elevador e fica novamente mais alguns minutos sentado para o almoço. Após passar o dia grudado numa cadeira, em frente ao computador, ele chega em casa e senta-se para o jantar. Depois de tudo isso, como ele está exausto (afinal, ele ficou sentado o dia inteiro!), finalmente, liga a TV e fica mais algumas horas nessa mesmíssima posição.

Por que será que ele tem uma hérnia de disco ou está com diabetes, pressão alta, e apresenta diversos desequilíbrios orgânicos? A resposta é que não nascemos para viver sentados.

Com a pandemia, esse processo se radicalizou, agora não precisamos mais sair de casa para comprar algum produto ou para comer, entre outras funções que nos mantinham mais ativos. Um amigo meu reclamou que as reuniões virtuais são tantas, que ele não tem mais tempo para cumprir as tarefas de trabalho propriamente ditas.

Mudanças radicais em nosso estilo de vida, ocorridas no espaço de apenas algumas décadas, têm causado um rombo sem precedentes na saúde pública.

A pandemia que vivemos foi potencializada porque ela é sustentada por duas outras companheiras: as pandemias do sedentarismo e da obesidade, dois novos conceitos definidos pela OMS (Organização Mundial da Saúde), nos últimos anos.

Engana-se quem acha que a solução é ir malhar na academia, algo feito por apenas 5% da população brasileira. Segundo as novas diretrizes, o mais importante é resgatar e inserir a atividade corporal em nossas rotinas diárias, como subir escada, descer um pouco antes e caminhar algumas quadras até o trabalho, andar de bicicleta, fazer exercícios naturais em casa, nos intervalos das reuniões, usar menos o carro, trabalhar em pé ao usar o computador —e diversas outras estratégias de redução de danos.

O corpo não suporta a estagnação

No início da era industrial, a mão de obra no trabalho era predominantemente braçal, o que acarretava um sobre uso do corpo e um extremo desgaste corporal, levando a uma aposentadoria precoce do trabalhador. Por incrível que pareça, agora, esse uso excessivo do corpo foi deslocado para um outro ambiente, supostamente saudável, no qual as pessoas pagam para levantar cargas excessivas e fazer movimentos repetitivos até a exaustão.

Com a crescente robotização e mecanização do sistema de trabalho, atualmente, na era digital, assistimos a uma mudança radical, na qual a mão de obra se desloca para processos que colocam o indivíduo sentado em frente a um computador o dia inteiro.

Como já está provado, tanto o uso excessivo quanto a falta de uso levam a um mesmo fim, causando um desgaste precoce das estruturas corporais.

No entanto, com a estagnação e a falta de movimento, um outro processo entra em cena, levando ao esgotamento de todo o sistema orgânico e ao desenvolvimento acelerado de diversos processos de adoecimento do corpo.

As pessoas não fazem ideia do que 10 ou 20 anos sem movimento, sentado por um longo período, podem fazer com o seu corpo. O impacto é brutal!

Quais os principais desdobramentos? Um dos aspectos mais nocivos ocorre com a qualidade do sono, que sofre perdas enormes, seja devido ao excesso de exposição à luz do celular ou do computador, seja devido à perda de regulação causada por meio da atividade física ou a exposição à luz solar. Quando isso ocorre, em seguida, o ganho de peso se acelera de forma assustadora, já que a falta de sono aumenta o apetite e diminui o seu metabolismo, uma combinação explosiva.

A competitividade extrema e o estresse crescente do mundo corporativo também atuam decisivamente nesse cenário. Pronto! Agora que você se tornou um ser insone, com sobrepeso, sem vitalidade e saúde, à beira de um ataque de nervos, você, provavelmente, irá virar cliente de um outro mercado oportunista: a indústria dos fármacos.

Detalhe: os remédios para dormir não induzem a um sono profundo e restaurativo, iniciando um processo em cascata de adoecimento do corpo.

Tomando um "remedinho" você vai conseguir sobreviver, mas a que custo?

Quanto mais você adiar o enfrentamento, empurrando com a barriga, mais o problema irá aumentar, assim como a sua circunferência abdominal.

Só existe uma forma de medicina realmente eficiente

E qual seria esse método revolucionário? Investir na prevenção. Essa é a conclusão que cheguei, depois de tantas décadas trabalhando com atividade física, mudança de hábitos e saúde integrativa.

Existe um grande risco em perder a sua saúde: não a achar nunca mais, sendo fidelizado por uma indústria que investe as suas fichas na cronificação do processo de adoecimento. Em departamentos específicos da indústria farmacêutica, um remédio só pode ser lucrativo e interessante se, ao invés de atacar a causa e resolver a questão no médio ou longo prazo, ele possa controlar os sintomas, tornando a própria doença em um processo crônico que se estenda pelo maior tempo possível.

Por exemplo, em um documentário genial, chamado "Fungos Fantásticos" (disponível na Netflix), um pesquisador afirma que já existem princípios ativos muito mais eficientes que os mais modernos antidepressivos, porém, como são necessárias apenas três doses desse medicamento no tratamento, isso não interessa à indústria como produto. A lógica da "indústria da doença" é cruel, quanto mais fiel aos seus produtos for o cliente, no longo prazo, mais ela garante a sua receita.

Não pretendo, por meio desse discurso, condenar a medicina moderna. Ela atua de forma extremamente positiva na saúde pública, produzindo medicamentos, pesquisas e conhecimentos que salvam vidas. No entanto, o livre mercado criou um desvio perverso, favorecendo e selecionando players oportunistas e agressivos que investem em fórmulas apelativas e comerciais, visando o lucro em escala. Dessa forma, o mercado da dieta não colabora na diminuição da obesidade, e assim por diante.

O ser humano é uma espécie que aprendeu a lucrar com a desgraça do seu semelhante, seja por meio de uma indústria que vende comida que não é comida, seja por meio de um sistema de poder que enriquece alguns poucos, enquanto a maioria fica com muito pouco ou na miséria.

Infelizmente, isso só irá mudar quando o nosso corpo e o corpo do próprio planeta que habitamos entrarem em colapso. Vivemos um tempo de urgência, um tempo no qual não podemos mais esconder as nossas mazelas debaixo do tapete. Esse é um dos principais preceitos da nova reeducação física: o mais importante não é transformar o corpo, mas a consciência que habita esse veículo sofisticado.