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Jefferson Del Rios

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<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong><br />

MEMÓRIAS<br />

DE UMA CIDADE PAULISTA<br />

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ


Q<br />

uando a primeira<br />

locomotiva da Sorocabana<br />

atravessou o corte na pedra do<br />

morro Bela Vista e se dirigiu para<br />

a precária estação de madeira de<br />

Ourinhos, o ano de 1908 estava<br />

terminando. O local era só um<br />

vilarejo perdido entre matas,<br />

campos e os primeiros cafezais.<br />

Dez anos mais tarde, já havia se<br />

transformado em município.<br />

Este livro procura reconstituir<br />

as condições em que a cidade<br />

nasceu e como foram os seus<br />

primeiros dias. É uma história de<br />

fazendeiros, imigrantes,<br />

trabalhadores braçais,<br />

comerciantes arrojados, médicos<br />

que enfrentavam a maleita e<br />

prefeitos obstinados em<br />

administrar uma povoação em luta<br />

contra o pó e o anonimato.<br />

Homens que muito fizeram.<br />

Homens de fortuna e homens que<br />

nada tinham. Entre documentos<br />

oficiais e depoimentos dos<br />

pioneiros, vai se delineando um<br />

passado rico em fatos importantes,<br />

que estavam caindo lentamente no<br />

esquecimento. O autor procurou<br />

nos papéis e nas palavras dos mais<br />

antigos ou seus descendentes a<br />

memória da sua terra natal, num<br />

trabalho em que o cuidado na<br />

pesquisa não elimina a emoção.<br />

Acontecimentos nebulosos<br />

foram reconstituídos e cenas<br />

apagadas ganharam vida, assim<br />

(continua)


OURINHOS<br />

MEMÓRIAS<br />

DE UMA CIDADE<br />

PAULISTA


1<br />

<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong><br />

OURINHOS<br />

MEMÓRIAS<br />

DE UMA CIDADE<br />

PAULISTA<br />

UENP – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ<br />

Campus de Cornélio Procópio<br />

2015


2<br />

© 2015 JEFFERSON DEL RIOS VIEIRA NEVES<br />

Edição eletrônica autorizada para a Universidade Estadual do Norte do<br />

Paraná – UENP<br />

Todos os direitos desta edição são cedidos para a UENP. Nenhuma parte<br />

desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio, guardada<br />

pelo sistema retrieval ou transmitida, sem prévia autorização do autor,<br />

por escrito. Fica autorizado o uso de trechos como citações, desde que a<br />

fonte seja devidamente creditada.<br />

2ª edição: 2015 (revisada e aumentada)<br />

1ª edição: 1992<br />

Capa: Newton C. Braga<br />

Foto: Francisco de Almeida Lopes<br />

Revisão: Elisa Braga e Newton C. Braga<br />

Editoração eletrônica: Newton C. Braga<br />

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<br />

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)<br />

K14p <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong>, <strong>Jefferson</strong><br />

Ourinhos: memórias de uma cidade paulista / <strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong><br />

<strong>Rios</strong> – 2. ed. rev. aum. Cornélio Procópio, PR: UENP, 2015<br />

286 p. : il.; 22cm<br />

1. Ourinhos – História I. Título.<br />

Índices para catálogo sistemático:<br />

1. História: Cidades<br />

2. História: Ourinhos, SP<br />

CDD 981.612<br />

CDU 656.2(81)<br />

UENP – UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ<br />

Av. Getúlio Vargas, 850<br />

86400-000 Jacarezinho, PR<br />

UENP – CAMPUS DE CORNÉLIO PROCÓPIO<br />

Unidade Campus: Rodovia PR 160, Km 0 – Unidade Centro: Av. Portugal, 340<br />

Fone (43) 3904-1922 – Fax (43) 3523-8424<br />

E-mail: uenp_cornelio@uenp.edu.br<br />

Cornélio Procópio, Estado do Paraná<br />

CEP 86300-000


3<br />

GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ<br />

Governador<br />

CARLOS ALBERTO RICHA<br />

Secretário da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior<br />

JOÃO CARLOS GOMES<br />

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ<br />

Reitora<br />

FÁTIMA APARECIDA DA CRUZ PADOAN<br />

Vice-Reitor<br />

FABIANO GONÇALVES COSTA<br />

UENP – CAMPUS DE CORNÉLIO PROCÓPIO<br />

Diretora<br />

VANDERLEIA DA SILVA OLIVEIRA<br />

Vice-diretor<br />

SÉRGIO ROBERTO FERREIRA<br />

Centro de Letras, Comunicação e Artes<br />

Diretor<br />

THIAGO ALVES VALENTE


4<br />

Para Beatriz


5<br />

APRESENTAÇÃO<br />

Este até poderia ser um livro de História. E é, na verdade, sobre a<br />

história de uma cidade e, em especial, sobre sua população, seus encantos,<br />

sua importância para o desenvolvimento da região limítrofe entre o<br />

sudoeste do São Paulo desenvolvido e o norte do Paraná, escassamente<br />

povoado e em início de expansão.<br />

É a história de Ourinhos que, debruçada às margens do rio Paranapanema,<br />

descortina as terras que jazem virgens a espera de desfrute no<br />

estado vizinho. E abre suas portas para a migração de 2/3 dos que viriam<br />

a ocupar a nova região a ser desbravada e com a qual manteve, e até hoje<br />

mantém, um forte e fraternal vínculo.<br />

O próprio nome da cidade relaciona-se com o Paraná antigo, sendo<br />

uma referência ao povoado oitocentista de Ourinho, depois Nova Alcântara,<br />

ao ser elevado à categoria de vila e freguesia e, em 1902, quando<br />

foi criado o município de Jacarezinho, como atualmente se nomeia aquela<br />

urbe paranaense, nas proximidades do mesmo rio que banha a atual<br />

Ourinhos, que é o objeto deste excelente livro.<br />

A odisseia do povoamento do Norte do Paraná está especial e intimamente<br />

ligada a essa cidade paulista, que foi o ponto inicial dos trilhos<br />

da Cia. Ferroviária São Paulo-Paraná, via que se constituiu na artéria<br />

pela qual fluíram vida e progresso para as novas áreas além da ponte.<br />

Muitas cidades floresceram ao longo desses trilhos e se desenvolveram<br />

com a contribuição de migrantes de inúmeros países da Europa e da<br />

Ásia, de brasileiros de Minas Gerais e de São Paulo, entre os quais os<br />

oriundos da própria Ourinhos que era a passagem obrigatória da massa<br />

humana que convergia célere para o novo eldorado. Inúmeras famílias<br />

norte-paranaenses têm suas raízes na vibrante cidade paulista, como Zanotto,<br />

Salgueiro, Fioravanti, Moraes, Mori, Thomé, Abujamra, Fantinatti<br />

e outras.


<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong> Vieira Neves, autor da obra “Ourinhos, memórias<br />

de uma cidade paulista”, curvou-se sobre o trabalho de reconstituir<br />

aspectos de sua cidade natal com todo empenho a que ela faz jus. Sua<br />

formação e background profissional mais do que o capacitam para a tarefa<br />

proposta: é jornalista, com longa atividade na imprensa paulista: já<br />

foi redator de cultura, editor, crítico e correspondente no exterior (Portugal),<br />

tendo concentrado suas atividades nos jornais Folha de S. Paulo<br />

(1969-1984), Diário do Comércio e Indústria, O Estado de S. Paulo,<br />

onde se encontra desde o final dos anos 1980, além das revistas Isto É,<br />

Vogue e Bravo!.<br />

Durante a preparação do material para a primeira edição, que veio<br />

a lume em 1992, o autor realizou exaustivo e abrangente trabalho de<br />

pesquisa, tendo consultado arquivos cheirando a mofo, guardados em<br />

diversos depósitos físicos, além de fazer a leitura de incontáveis exemplares<br />

dos primeiros jornais do município e entrevistar dezenas de antigos<br />

moradores de Ourinhos, muitos dos quais residindo em outras localidades.<br />

Tarefa imensa, mas que resultou nesta valiosa obra.<br />

A divisão do conteúdo do livro resultou de escolha pessoal, mas<br />

muito feliz, possibilitando leitura semelhante a uma antologia de contos,<br />

com as histórias tendo início, meio e fim, satisfazendo inteiramente a<br />

curiosidade do leitor. “O começo da cidade” apresenta didaticamente o<br />

surgimento do povoado e as dificuldades enfrentadas pelos pioneiros,<br />

avançando até a época da chegada dos ingleses, fato que repercutiu intensamente<br />

no progresso do município. Segue-se “Casos, acasos e história”,<br />

mostrando aspectos importantes que marcaram a vida em Ourinhos,<br />

ainda resultado de informações coletadas na pesquisa. Depois, fala dos<br />

pioneiros estrangeiros, que “Eram poucos e vieram de longe” para fazer<br />

suas vidas na terra hospitaleira, mas ainda bravia. Os “Tipos populares”<br />

não poderiam faltar: personagens que, por suas peculiaridades marcaram<br />

profundamente o cotidiano do lugar. Como resultado direto das entrevistas,<br />

vêm os depoimentos que descortinam um panorama diversificado<br />

das características da cidade e de seus habitantes, um verdadeiro “museu<br />

de tudo”. No final da pesquisa, “o passado manda notícias” por conta de<br />

levantamentos junto aos arquivos de publicações oficiais, além dos dois<br />

principais jornais da incipiente comunidade: Cidade de Ourinhos e A<br />

Voz do Povo.<br />

Ilustrada com inúmeras fotos de época, estas “Memórias de uma<br />

cidade paulista” são tão interessantes, nos encantam de tal modo que<br />

lamentamos a aproximação do final do livro... É uma leitura irresistível,<br />

de um trabalho absolutamente de primeira grandeza.<br />

6


Mas não poderíamos encerrar esta apresentação sem antes enaltecer<br />

o autor do livro e a UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná<br />

por esta primorosa publicação eletrônica, que pôde contar com o<br />

apoio irrestrito, desde o princípio, das professoras Fátima Aparecida da<br />

Cruz Padoan, reitora da UENP, Dra. Vanderleia da Silva Oliveira, diretora<br />

do campus de Cornélio Procópio, e do professor Dr. Thiago Alves<br />

Valente, diretor do Centro de Letras, Comunicações e Artes da UENP-<br />

CCP.<br />

7<br />

Newton C Braga e Rames Kalluf,<br />

agosto de 2015


8<br />

SUMÁRIO<br />

Introdução ............................................................................................. 11<br />

I - O COMEÇO DA CIDADE<br />

1 A origem do nome ............................................................................. 14<br />

2 A Fazenda das Furnas ....................................................................... 16<br />

3 Estrada de Ferro Sorocabana ........................................................... 20<br />

4 Na Câmara de Salto Grande do Paranapanema ................................. 23<br />

5 A criação do município ...................................................................... 27<br />

6 Luta entre coronéis ............................................................................ 31<br />

7 Os donos do poder ............................................................................. 35<br />

8 Fazendas ............................................................................................. 42<br />

9 O tempo dos ingleses ......................................................................... 52<br />

O NASCIMENTO DE OURINHOS (fotos) ......................................... 57<br />

II - CASOS, ACASOS E HISTÓRIA<br />

10 Eduardo Salgueiro ............................................................................ 62<br />

11 Tocaia na Rua Paraná....................................................................... 65<br />

12 O comerciante Souza Soutello ......................................................... 67<br />

13 Senador Mello Peixoto ..................................................................... 70<br />

14 O dono da Fazenda Ourinhos .......................................................... 72<br />

15 O prefeito Galvão ............................................................................. 74<br />

16 O caso Ribas .................................................................................... 78<br />

17 Encontro na estação ......................................................................... 81<br />

18 O Príncipe de Gales ......................................................................... 83<br />

19 O engenheiro Morton ....................................................................... 86<br />

20 Os italianos....................................................................................... 90<br />

21 Valladolid e Kfeir ............................................................................ 94<br />

22 Cinema com bala de café ................................................................. 96<br />

23 Dr. João Bento ................................................................................. 99


PERSONAGENS DA CIDADE (fotos) ............................................... 103<br />

III - ERAM POUCOS E VIERAM DE LONGE<br />

24 A Marcha de Radetzky..................................................................... 109<br />

25 Os filhos da Bessarábia .................................................................... 110<br />

26 O ferroviário e o nobre ..................................................................... 112<br />

27 Um fotógrafo alemão ....................................................................... 114<br />

28 O sapateiro da Sérvia ....................................................................... 116<br />

29 De Okinawa ao cafezal .................................................................... 118<br />

30 Cézar Pintor ..................................................................................... 121<br />

A AVENTURA DA IMIGRAÇÃO (fotos) .......................................... 123<br />

IV - TIPOS POPULARES<br />

31 “Sereno” ........................................................................................... 126<br />

32 Abrão Quibeiro ................................................................................ 128<br />

33 Chico Jornaleiro ............................................................................... 130<br />

34 Tomás Garapeiro .............................................................................. 132<br />

V - MUSEU DE TUDO (Depoimentos sobre Ourinhos)<br />

35 Dona Tata Leão ................................................................................ 134<br />

36 Leônidas de Oliveira ........................................................................ 139<br />

37 Rubem de Moraes ............................................................................ 148<br />

38 Manoel de Mello .............................................................................. 154<br />

39 Dona Matilde e Odete Abujamra ..................................................... 160<br />

40 João Sentado (João Ferreira de Campos) ......................................... 166<br />

41 Moacyr de Mello Sá ......................................................................... 170<br />

42 Dona Altina Ferreira de Freitas........................................................ 175<br />

43 Luís Forti .......................................................................................... 176<br />

44 Rodopiano Leonis Pereira ................................................................ 178<br />

45 Vado (Valdomiro Pedrotti Rodrigues) ............................................. 181<br />

46 Pedro Danga ..................................................................................... 191<br />

47 Carlos Nicolosi................................................................................. 193<br />

48 Júlio Campion .................................................................................. 197<br />

49 Dr. Bessa .......................................................................................... 201<br />

50 José Fantinatti .................................................................................. 204<br />

51 Eduardo de Mello Peixoto ............................................................... 207<br />

52 Dona Eurídice de Macedo Costa...................................................... 211<br />

53 Hermelino Neder .............................................................................. 214<br />

54 José das Neves Júnior ...................................................................... 216<br />

VI - O FOTÓGRAFO DE UMA CIDADE<br />

55 Francisco de Almeida Lopes ............................................................ 220<br />

9


VII - O PASSADO MANDA NOTÍCIAS<br />

Imprensa municipal ............................................................................... 227<br />

Cidade de Ourinhos .............................................................................. 229<br />

A Voz do Povo ....................................................................................... 245<br />

PAISAGEM ANTIGA (fotos) .............................................................. 266<br />

BARES DA CIDADE (fotos) ............................................................... 276<br />

ÚLTIMA PÁGINA ............................................................................... 279<br />

Referências e fontes .............................................................................. 280<br />

Lista das ilustrações .............................................................................. 283<br />

10


11<br />

INTRODUÇÃO<br />

Essa cidade lembro-a de sempre. Mais particularmente<br />

em quadros que ficaram fixados pela memória –<br />

indeléveis fotografias, instantâneos passados.<br />

(Pedro Nava, Galo das Trevas – Memórias/5)<br />

Este livro começou a ser trabalhado numa tarde gelada de julho de<br />

1989 nos arquivos da Estrada de Ferro Sorocabana (Fepasa), em São Paulo.<br />

Entre papéis esquecidos, esperava encontrar vestígios de Ourinhos nos<br />

trilhos da ferrovia que, no começo do século, seguia o café interior paulista<br />

adentro. Mas vasculhar documentos é a parte material e objetiva do projeto.<br />

Os motivos emocionais que me levaram a ele são bem anteriores. Existe um<br />

conto do argentino Júlio Cortázar – “O Outro Céu” – em que o personagem,<br />

visivelmente o autor, perambula por uma zona boêmia parisiense. Entre um<br />

bar e outro, uma esquina e outra, ele penetra na fantasia e no tempo para<br />

evocar um lugar mais ou menos igual, uma certa Passaje Guemes de Buenos<br />

Aires que considera o “território incerto onde já há tanto tempo fui deixar<br />

a infância como um terno usado”. Cortázar, como se sabe, passou os<br />

últimos 30 anos de sua vida em Paris.<br />

A lembrança do conto me ocorre ao caminhar pelas ruas da cidade<br />

onde nasci e me criei até os 19 anos e que jamais deixei de frequentar. Dez,<br />

vinte e tantos anos se passaram e o adulto procura, e reencontra, fachadas<br />

com relevos, portões de ferro, calçadas com ladrilhos estampados de losangos.<br />

Tudo intacto numa Ourinhos que se amplia e verticaliza. A janela colorida<br />

de vidro fosco e granulado, o jardim em que até as rosas miúdas parecem<br />

as mesmas ou a varanda de uma rua transversal, essas cenas mudas<br />

trazem um tempo parado. É sempre reconfortador porque algo permanece<br />

identificável mas, ao mesmo tempo, estranho e ilusório. No fundo, a cidade<br />

e o observador não são mais os mesmos.<br />

Essas as razões prosaicas do livro. Havia porém a necessidade de<br />

transformar sensações íntimas e andanças evocativas em testemunhos e<br />

informações. O nativo que regressa tem a curiosidade suplementar do jornalista.<br />

Estava intrigado, como sempre esteve, porque Ourinhos desconhece<br />

muito de sua origem, o que se reflete até no pormenor de ignorar quem foi o<br />

cidadão Mello Peixoto que mereceu ter seu nome perpetuado na praça prin-


cipal. Eu queria saber, enfim, o que aconteceu na história local; uma busca<br />

não da Ourinhos que deixei em 1963 pelos trilhos da mesma Sorocabana,<br />

mas de uma outra afastada quem sabe de todos nós. O caso deixava de ser<br />

exclusivamente pessoal.<br />

Era preciso revelar os acontecimentos do início e seus protagonistas,<br />

saber dos interesses, aventuras e ironias do acaso que fizeram surgir um<br />

novo povoado no Vale do Paranapanema. Tarefa que começou nos documentos<br />

mais detalhados para a remontagem de acontecimentos obscuros.<br />

Atas, pareceres, memoriais e projetos em letra difícil ou páginas amareladas<br />

com subentendidos nas entrelinhas. Palavras solenes e assinaturas rebuscadas.<br />

E a neblina de muitos anos. Paralelamente, deu-se voz aos pioneiros e<br />

testemunhas dos dias recuados para o registro da história oral que reflete,<br />

mesmo que de modo imperfeito, o colorido e os sentimentos do cotidiano.<br />

Todas as fontes possíveis foram verificadas, do cartório ao anúncio de<br />

jornal, e ouviram-se pessoas de várias origens, graus de formação e de recursos.<br />

Para usar uma imagem que nos é familiar, “os dois lados da linha”<br />

puderam se manifestar. Os entrevistados foram escolhidos pelo que tinham<br />

a contribuir e não por ligações pessoais. Nem sempre me conheciam, embora<br />

tenha tido também a alegria de ser recebido como o filho do sr. João Neves,<br />

da Casa dos Lavradores, e o neto do sr. José das Neves.<br />

Não houve o propósito de excluir ou incluir nada ou ninguém por<br />

conveniência. Essa não é uma crônica de compadres. Em alguns casos me<br />

doeu não citar gente querida ou aprofundar episódios – como as repercussões<br />

locais das revoluções de 1924, 1930 e 1932. O trabalho teve limites<br />

inevitáveis. O que aqui se oferece, aberto a sequências ou acréscimos, é um<br />

esforço de recuperação da memória ourinhense entre 1908 e 1950. Memória<br />

que o poeta e ensaísta mexicano Octávio Paz considera, com razão, a mais<br />

alta forma da imaginação humana:<br />

“Se a memória se dissolve, o homem se dissolve”.<br />

12<br />

<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong>,<br />

outubro de 1991<br />

Nota: A primeira edição deste livro, publicado pela Prefeitura de Ourinhos, só foi possível<br />

graças ao apoio pessoal, direto, do prefeito Clóvis Chiaradia (gestão 1989-1992) e à cooperação<br />

da Secretaria Municipal de Educação, Esportes e Cultura, sob a administração da<br />

professora Adelheid Maria Litzinger Chiaradia. A segunda edição deste meu trabalho, agora<br />

sob a chancela da Universidade do Norte do Paraná (UENP), surgiu graças ao empenho do<br />

Professor Newton C. Braga, que soube valorizar o contexto regional do seu conteúdo, que<br />

entrelaça São Paulo e o Norte do Paraná, e ainda se encarregou da mudança do formato<br />

papel para o virtual. Sou grato à sua dedicação assim como ao apoio das professoras Fátima<br />

Ap da Cruz Padoan, Reitora da UENP, e Vanderleia da Silva Oliveira, Diretora do campus<br />

de Cornélio Procópio.


13<br />

I<br />

O COMEÇO DA CIDADE


14<br />

1<br />

A ORIGEM DO NOME<br />

Lá fora o luar continua<br />

E o trem divide o Brasil<br />

Como um meridiano<br />

(Oswald de Andrade, Noturno)<br />

Um velho mapa de 1908 mostra a cidade de Ourinho (no singular),<br />

no Paraná, no lugar da atual Jacarezinho. Não é obra anônima ou de<br />

amador. Editado pela seção cartográfica do Estabelecimento Gráphico<br />

Weiszflog Irmãos, de São Paulo, foi incluído como o Mappa da Viação<br />

Férrea de São Paulo mostrando a zona tributária da Sorocabana Railway<br />

Company no relatório da ferrovia. O mapa ainda não registra a existência<br />

de Ourinhos. Existe apenas o pontilhado vermelho indicando o trecho da<br />

estrada de ferro em construção entre Ipauçu e Salto Grande. O começo<br />

do nosso começo.<br />

Apesar do trabalho detalhado dos irmãos Weiszflog, há um falso<br />

mistério e algumas polêmicas entre historiadores municipais em torno<br />

desses nomes. Na realidade, a Ourinho paranaense foi também Nova<br />

Alcântara, por escolha do seu fundador, o mineiro Antônio Alcântara da<br />

Fonseca, que se fixou naquelas terras em 1888. Jacarezinho era um distrito<br />

policial do município de Tomazina. Todas elas, pequenas e perdidas<br />

povoações. Jacarezinho é, originalmente, o nome de um rio e Ourinho, o<br />

de um riacho que vai dar no ribeirão Fartura, afluente do Paranapanema.<br />

Movia então a roda d'água da serraria de João Frutuoso de Melo Coelho,<br />

por volta de 1896. Em 1926, foi represado para servir de piscina pública.<br />

Hoje está canalizado na parte central da cidade.<br />

Entre tantas denominações, o patrimônio de Nova Alcântara, ou<br />

Ourinho, correu o risco de se chamar Costina, em homenagem ao fazendeiro<br />

e político Antônio José da Costa Júnior, que recusou a discutível<br />

honraria. Sua fazenda, aliás, chamava-se Ourinhos e, atravessando o<br />

Paranapanema, chegava até o lugar conhecido como Água do Jacu, atual<br />

bairro rural ourinhense. Nunca se estudou o fato, mas há a possibilidade<br />

de a fazenda ter ajudado a determinar o nome da cidade de Ourinhos.<br />

Finalmente, a lei estadual 352, de 2 de abril de 1900, estabeleceu


que Nova Alcântara (ou Ourinho) e o distrito policial de Jacarezinho<br />

fossem levados a termo (criação do judiciário) de Jacarezinho, nomeado<br />

juiz e adjunto de promotor. A Lei 525, de 9 de março de 1904, criou a<br />

comarca de Jacarezinho. Deixava de existir a Ourinho paranaense, ainda<br />

que os mapas seguissem por algum tempo a antiga denominação. Os<br />

trilhos da Sorocabana oficializaram por sua vez a Ourinhos paulista, que<br />

herdou o nome por tradição oral. Estava no caminho daquela outra, a do<br />

Paraná, e da fazenda de Costa Júnior. É a hipótese mais viável.<br />

15


16<br />

2<br />

A FAZENDA DAS FURNAS<br />

Dona Escolástica deixou por algumas horas seus afazeres familiares<br />

e sociais e foi ao cartório. Nessa cena prosaica, com jeito de começo<br />

de novela e ambientada em São Paulo, definiu-se, em grande parte, o<br />

destino de Ourinhos. Era o dia 11 de fevereiro de 1910 e dona Escolástica<br />

saiu de casa para passar a escritura de sua Fazenda das Furnas, ou<br />

Salto do Turvo, ao coronel Jacintho Ferreira e Sá. Não precisou andar<br />

muito. Ela vivia no palacete da rua Major Quedinho, 1, esquina com a<br />

rua da Consolação; e o tabelião Claro Liberato de Macedo funcionava na<br />

rua Álvares Penteado, 32. Realmente muito perto. Já para Jacintho, a<br />

viagem desde Santa Cruz do Rio Pardo representava o desconforto de<br />

dez ou doze horas de trem.<br />

Escolástica Melchert da Fonseca, nascida em Itu, em 1860, iria<br />

completar 50 anos. Uma viúva com muitos bens, dona de uma elegância<br />

austera que lhe valera o apelido de Baronesa entre os íntimos. Fotos da<br />

época mostram, uma mulher de vestido preto, cabelos grisalhos e um<br />

olhar um tanto melancólico. Usava sempre um broche de prata que se<br />

abria num porta-retratos com duas fotografias: a do marido, João Manoel<br />

da Fonseca Júnior, e a da filha, Maria Thereza, ambos falecidos em<br />

1908.<br />

A caminho do cartório, dona Escolástica carregava essas duas perdas<br />

recentes. José Manoel, empresário e proprietário de terras em Itu e<br />

em São Paulo, morrera com 50 anos. O jornal O Estado de S. Paulo definiu-o<br />

como “conhecido capitalista dessa praça”. A filha Thereza morreu<br />

aos 5 anos. Restava agora a dona Escolástica a segunda filha, Matilde,<br />

com 17 anos. Sobravam-lhe também, como herança, terras nos arredores<br />

de São Paulo, que seriam loteadas, e outras jamais visitadas, longínquas<br />

e difíceis de administrar. Como a Fazenda das Furnas, uma<br />

paisagem vaga que lhe coube após partilha judicial. Pesquisa futura po-


derá esclarecer a razão de a partilha ter sido judicial.<br />

O coronel Jacintho Ferreira e Sá, na mesma ocasião, estava de bem<br />

com a vida e com os negócios. Mineiro arrojado, fizera um longo percurso<br />

até se tornar comerciante em Santa Cruz e, finalmente, fazendeiro.<br />

E só tinha 32 anos. Dois anos antes, em 1908, já havia comprado 1065<br />

alqueires da Furnas e agora adquiria mais 1230 alqueires, o que o tornava<br />

um proprietário com 2295 alqueires de boa terra roxa. Desenlace de<br />

uma aventura iniciada ainda menino, quando o pai, Manuel Ferreira de<br />

Aguiar e Sá, concluiu que não havia mais vantagem na lavra de diamantes<br />

num lugar chamado Lagoa Seca, hoje um bairro de Diamantina, onde<br />

Jacintho nasceu a 8 de janeiro de 1876.<br />

Para o velho Manuel, mais conhecido como Neco das Pindaíbas, o<br />

futuro estava nas regiões novas do café em São Paulo. Juntou a mudança<br />

e com a mulher, Josephina de Magalhães e Sá, e os filhos atirou-se na<br />

estrada. Viagem a lombo de burro entre Diamantina e São Simão, no<br />

interior paulista. Cenas dessa jornada pelo sertão permaneceram na memória<br />

familiar e hoje são relatadas por Jacintho Ferreira de Sá, o Jacintinho,<br />

filho de Jacintho Sá e neto de Neco das Pindaíbas: “Conta-se que, a<br />

certa altura, os caixotes das crianças, não resistindo à corrosão causada<br />

pela urina, tiveram seus fundos desprendidos, deixando cair ao solo, junto<br />

às patas dos muares, a preciosa carga de crianças”.<br />

A família era numerosa. Jacintho teve oito irmãos: Saul, Salathiel,<br />

Cristovam, Lindolfa, Marina, Otília, Celeste e Stela. Jacintho logo se<br />

revelaria o mais ambicioso e com maior poder de liderança. Percebendo<br />

que as novas oportunidades não estavam mais na Paulista ou na Mogiana,<br />

regiões pioneiras do café, mas na novíssima Sorocabana, convenceu<br />

Saul e Salathiel a acompanhá-lo a Santa Cruz do Rio Pardo, onde em<br />

1896 fundaram a Casa Três Irmãos, de secos e molhados. Jacintho estava<br />

com 18 anos. Saul e Salathiel cuidavam do estabelecimento e Jacintho,<br />

do transporte das mercadorias, que chegavam por trem só até Cerqueira<br />

César. O trecho restante, mais de cem quilômetros através de picadas<br />

e estradinhas precárias, Jacintho passou a cobrir com uma comitiva<br />

de carregadores, um cozinheiro e uma tropa de burros. A equipe foi<br />

crescendo, a ponto de aceitar transportes pagos para outras pessoas.<br />

As viagens proporcionavam a Jacintho contatos com homens influentes<br />

na política estadual, principalmente Ataliba Leonel, chefe absoluto<br />

da região da Sorocabana, e João Baptista de Mello Peixoto. Ataliba,<br />

com base e residência em Piraju, dividia o poder no estado com Washington<br />

Luís e Júlio Prestes. Mello Peixoto, aliado de Ataliba, senador e<br />

por duas vezes secretário estadual (Fazenda e Agricultura), liderava em<br />

17


Chavantes e imediações, o que incluía Ourinhos. Por fim, Jacintho fez<br />

amizade com o jovem diplomata José Carlos de Macedo Soares, que<br />

seria deputado estadual, interventor em São Paulo e duas vezes ministro<br />

(Justiça e Relações Exteriores), um homem em evidência até a metade<br />

dos anos 50. Macedo Soares foi casado com Matilde, filha de dona Escolástica,<br />

a dona da Fazenda das Furnas.<br />

A segunda parcela da fazenda foi vendida por vinte contos de réis,<br />

pagos em três anos com juros de 6 % ao ano. Jacintho ofereceu garantias<br />

e aceitou as condições da vendedora. Dona Escolástica foi cuidar da vida<br />

e de outros empreendimentos. Um deles, com nome em homenagem a<br />

sua filha, tornou-se a Vila Matilde, na margem direita do rio Tietê. Os<br />

passistas da Escola de Samba Nenê da Vila Matilde não têm ideia de<br />

quem se trata quando, a caminho dos ensaios, passam por uma rua chamada<br />

Escolástica Fonseca. A Baronesa acabou vendendo o palacete, da<br />

Major Quedinho, que foi demolido, e indo morar com a filha logo adiante,<br />

na avenida São Luís, 234, no casarão de Macedo Soares, com sua<br />

varanda dando para a rua (no local onde atualmente fica o Hotel Eldorado).<br />

Viveu e viajou bastante, até 1949, quando faleceu no Rio de Janeiro,<br />

aos 88 anos. O jornal O Estado de S. Paulo referiu-se a ela como pertencente<br />

“à tradicional família paulistana”. A filha Matilde viveu até 1963,<br />

e o embaixador Macedo Soares, até 1968. Não tiveram filhos.<br />

A Fazenda das Furnas não era toda a Ourinhos. A descrição de<br />

suas divisas faz menção a duas outras fazendas de famílias pioneiras: a<br />

Lageadinho, de Antônio de A. Leite, o conhecido coronel Tonico Leite<br />

que, junto com Jacintho, seria influente na política ourinhense; e a Fazenda<br />

do Jacu, também conhecida como Ourinhos, da família Costa<br />

Júnior. Se Ourinhos nasceu em data incerta do começo do século, como<br />

pouso de viajantes que se dirigiam ao Paraná ou de lá retornavam, é fundamental<br />

o papel de Jacintho Sá como definidor de sua expansão, progresso<br />

e modernidade em vários sentidos.<br />

Valendo-se de boas ligações políticas, Jacintho Sá conseguiu que a<br />

Sorocabana criasse uma estação dentro de suas terras. O que aconteceu<br />

em 1908, exatamente o ano em que começou a comprar a Fazenda das<br />

Furnas. Em seguida, iniciou o loteamento do local, em condições urbanísticas<br />

inovadoras: traçado retilíneo, avenidas e ruas largas, diferenciando<br />

Ourinhos das cidades mais antigas do estado, com suas melancólicas<br />

ruas estreitas. O envolvimento completo com a cidade, da qual foi<br />

prefeito de 1923 a 1925, distingue Jacintho de outros senhores rurais.<br />

Ele estava tão mergulhado no empreendimento que chegou a contrair<br />

tifo, um dos males da região. Faleceu em São Paulo, a 13 de maio de<br />

18


1928, no Hospital Matarazzo. Foi a primeira pessoa a ser enterrada no<br />

novo cemitério de Ourinhos, localizado em terreno por ele cedido à municipalidade.<br />

O local era distante do centro e foi preciso abrir uma picada.<br />

O sepultamento se deu ao entardecer, à luz dos faróis dos automóveis.<br />

Jacintho, que iniciara uma empresa rural com 400 mil pés de café,<br />

invernada, criação de bois e cavalos, serraria, olaria e uma fábrica de<br />

ladrilhos, morreu aos 50 anos. A mesma idade de dona Escolástica<br />

quando lhe vendeu a fazenda.<br />

19


20<br />

3<br />

ESTRADA DE FERRO SOROCABANA<br />

Dois anos antes da cerimoniosa troca de assinaturas no cartório<br />

paulistano, uma locomotiva inglesa Nasmyth & Wilson apitou longamente,<br />

como era o costume, ao entrar pela primeira vez na vila de Ourinho.<br />

Os trabalhadores da obra, os técnicos, os vendedores ambulantes e os<br />

primeiros moradores se prepararam para a inauguração. Documentos<br />

oficiais registraram que, a 31 de dezembro de 1908, a Sorocabana<br />

Railway Company avançou um ponto em direção ao rio Paraná. O coronel<br />

Jacintho Sá não apenas sabia, como planejara o evento em suas articulações<br />

políticas. O único contratempo foi a impossibilidade de fixar a<br />

parada exatamente dentro da Fazenda das Furnas. O lugar escolhido era<br />

pedregoso e sem água (o morro Bela Vista, onde se encontram as rodovias<br />

Raposo Tavares e Mello Peixoto). Foi preciso descer um pouco<br />

mais até a atual localização. Nada grave. As terras em volta pertenciam a<br />

Jacintho Sá e a Fernando Pacheco e Chaves, dono da Fazenda Santa<br />

Maria.<br />

A Sorocabana foi a primeira estrada de ferro a explorar o interior<br />

paulista mais profundo, desempenhando um papel econômico vital como<br />

meio de transporte do café, fator de valorização das terras e de formação<br />

de centros urbanos. O coronel Jacintho e outros pioneiros da região sabiam<br />

disso. Ourinhos é fruto da aventura e do cálculo. A Sorocabana nasceu<br />

no dia 2 de fevereiro de 1870, em Sorocaba, durante reunião na casa<br />

do húngaro Luiz Matheus Maylasky. Fazendeiros, financistas e exportadores<br />

tinham que escoar a produção de café e algodão para o porto de<br />

Santos. Para isso, precisavam de um ramal que ligasse a cidade à São<br />

Paulo Railway Co. Ltd., criada em 1855 para ligar Santos a Jundiaí.<br />

Houve um projeto inicial de um ramal único para Sorocaba e Itu, mas a<br />

divergência de interesses econômicos e políticos entre as cidades levou<br />

ao impasse. Da pendência surgiram duas ferrovias, a Ituana, em 1873, e


a Sorocabana, em 1875. O custo dos empreendimentos acabou forçando<br />

uma associação que deu origem, em 1892, à Estrada de Ferro União<br />

Sorocabana; e mesmo assim surgiram problemas. Em 1904 a estrada foi<br />

arrendada pelo governo federal e, no ano seguinte, a província de São<br />

Paulo assumiu seu controle, para depois transferi-lo por arrendamento a<br />

um consórcio franco-canadense. Desse modo, a União Sorocabana passou<br />

a ser chamada Sorocabana Railway Company, até 1919, quando<br />

voltou à administração do governo de São Paulo.<br />

A região de Ourinhos estava destinada ao avanço da exploração<br />

cafeeira pela qualidade de suas terras. A esse apelo somava-se o interesse<br />

estratégico do governo federal, desde o Segundo Império, de consolidar<br />

o domínio brasileiro sobre uma vasta e desconhecida região próxima<br />

à fronteira com o Paraguai e a Bolívia. A ideia era uma ligação ferroviária<br />

e fluvial via Paranapanema. Um relatório de Alfredo Maia, diretor<br />

superintendente da Sorocabana, publicado em 1907, é esclarecedor:<br />

A linha do Paranapanema, talvez a de mais futuro pela extensão que pode<br />

tomar a produção da zona, é igualmente importante como via de comunicação<br />

para o Mato Grosso. A concessão da linha do Paranapanema foi feita em<br />

1888 na persuasão que fosse navegável o Paranapanema [...]. Para certificarme<br />

desse fato, confiei aos engenheiros Adolpho Pereira e José Brotem o encargo<br />

de verificar as dificuldades opostas pela natureza ao tráfego fluvial<br />

[...]. A comissão levou seus estudos até o Paraná, pouco acima do Salto<br />

Grande das Sete Quedas, do qual trouxe belíssimas fotografias [...] mas<br />

trouxe também a certeza de que apenas um simulacro de navegação para o<br />

calado máximo de 0,45m pode ser realizado no Paranapanema, mediante<br />

custosas obras desde a Foz do Tibagy até a do Pirapó, que corre do estado<br />

do Paraná e deságua em frente à Serra do Diabo. [...] Diante de tão dura realidade,<br />

o que é preciso fazer é levar a linha férrea até abaixo do Pirapó, ou,<br />

talvez, diretamente à barranca do Paraná, quando se quiser que essa linha<br />

preencha a função de uma artéria de viação nacional.<br />

Alfredo Maia, que chefiou a Sorocabana de 1903 a 1907, faz observações<br />

animadoras sobre o futuro do então vilarejo de Ourinhos:<br />

[...] A zona por onde deverá atravessar a estrada nesta direção é de terras superiores,<br />

achando-se coberta de matas virgens e só à espera do braço trabalhador<br />

para se tornar uma das mais importantes do estado.<br />

Esse é o último relatório de um brasileiro sobre a Sorocabana no<br />

período que envolve a formação de Ourinhos. O engenheiro Alfredo<br />

Eugênio de Almeida Maia deixou o cargo quando a estrada passou para<br />

o controle franco-canadense. Faleceu em 1915, na Suíça, e hoje sua está-<br />

21


tua em bronze pode ser vista diante da estação Júlio Prestes, em São<br />

Paulo. O relatório de 1908 é assinado por Frank J. Egan e nele Ourinhos<br />

aparece pela primeira vez no Quadro Geral das Estações com a indicação<br />

da distância de São Paulo: 513 quilômetros.<br />

Ourinhos adquire contornos mais nítidos a partir de 1909. Um relatório<br />

especial da Comissão de Prolongamentos e Desenvolvimento da<br />

Sorocabana, apesar de aumentar a distância, traz uma notícia descritiva<br />

e histórica:<br />

A estação de Ourinhos fica no km 514 e daí provavelmente partirá mais tarde<br />

uma linha que deverá servir à riquíssima zona cafeeira de Jacarezinho, no<br />

estado do Paraná [...]. Como dissemos, esta linha percorrerá uma região riquíssima<br />

[...] e será de grande importância comercial e industrial, além do<br />

seu alto valor estratégico para a segurança e a integridade da Nação.<br />

A cidade correspondeu logo às expectativas. Em 1909 foram embarcados<br />

em Ourinhos 197.641 quilos de café. É um dos primeiros dados<br />

econômicos da história ourinhense e foi publicado na Demonstração do<br />

movimento e renda geral da Estrada. Outras cidades vizinhas estavam<br />

desde antes nesses balanços, como Avaré (1900), Piraju (1906) e Santa<br />

Cruz do Rio Pardo (1908). A estação de Ourinhos registrou ainda o embarque<br />

de 109 animais e a expedição de 1.243 telegramas. O trânsito de<br />

passageiros nos carros ingleses Stotley Walk, de primeira classe, foi de<br />

410 pessoas. Uma razoável multidão de 6.646 cidadãos viajou nos vagões<br />

de segunda classe Jackson & Sharp, de fabricação norte-americana.<br />

22


23<br />

4<br />

NA CÂMARA DE SALTO GRANDE<br />

DO PARANAPANEMA<br />

A Câmara Municipal da cidade de Salto Grande do Paranapanema<br />

reunia-se mensalmente naqueles tempos e fazia parte de suas atribuições<br />

a administração de Ourinhos. Nos anos que se seguiram à chegada da<br />

estrada de ferro e ao acerto de Jacintho Sá para comprar a Furnas, a história<br />

ourinhense continuou a ser estampada nas atas dos encontros dos<br />

vereadores. Elas refletem, mesmo que por via indireta, os interesses em<br />

jogo na Ourinhos que surgiria, de fato, somente em dezembro de 1918,<br />

quando o Diário Oficial trouxe estampado na primeira página o ato de<br />

criação do novo município assinado pelo governador Altino Arantes<br />

Marques.<br />

Na sessão de 15 de julho de 1912, o presidente da Câmara, Vieira<br />

de Figueiredo, propôs a “desapropriação, amigável ou judicial, de 10<br />

alqueires de terra junto à estação de Ourinho para melhoramentos naquela<br />

cidade”. No início do ano seguinte, na sessão de 13 de janeiro de<br />

1913, foi lida uma petição de moradores “do distrito de Ourinho [...]<br />

reclamando contra o lançamento de impostos daquela povoação, alegando<br />

[...] serem muito elevados”.<br />

Dois meses depois, em 15 de março, foram lidas em plenário “representação<br />

e telegramas de habitantes da povoação de Ourinho pedindo<br />

providências urgentes contra o abuso de um proprietário de terrenos<br />

daquela localidade que estava exigindo dos habitantes exorbitâncias por<br />

terrenos que do mesmo procuravam comprar para a construção de suas<br />

moradas e também no interesse geral do patrimônio local”.<br />

O vereador Vieira de Figueiredo novamente entrou em ação. Passou<br />

a presidência da casa ao colega Vieira Souto e apresentou um projeto<br />

de lei que na introdução traz informações vitais sobre Ourinhos:


A Câmara Municipal de Salto Grande do Paranapanema, considerando o que<br />

lhe apresentaram os moradores da povoação de Ourinho [...] sobre a desapropriação<br />

por utilidade pública dos terrenos necessários à constituição do<br />

seu patrimônio; considerando que, conforme se verifica dos documentos, em<br />

número de sete, que acompanham a representação dos referidos moradores,<br />

o desenvolvimento material da referida povoação tem sido obstado pelo<br />

maior dos proprietários de terrenos [...] o qual se propõe a vendê-los por<br />

preços exageradíssimos; considerando que esse maior proprietário de terrenos<br />

nos autorizou e consentiu a edificação de muitos prédios, querendo agora<br />

revender as terras respectivas por trinta e cinco vezes mais que o valor<br />

primitivamente combinado; considerando que, malgrado esses obstáculos,<br />

aquela povoação tem crescido de modo a contribuir para os cofres municipais<br />

com cerca de quinze contos de réis anualmente de impostos de Indústrias<br />

e Profissões, o que evidencia as condições vantajosas que reúne aquele<br />

local para a sede de uma importante povoação e, sobretudo, considerando<br />

que ao poder público compete pôr termo aos vexames e gravames a que estão<br />

sujeitos os moradores dessa localidade por parte do maior proprietário de<br />

terras; considerando que a desapropriação dos terrenos da povoação de Ourinho<br />

constitui uma providência reconhecida como urgente e de incontestável<br />

utilidade para seus moradores; finalmente, considerando que a povoação<br />

de Ourinho [...] está para ser elevada de Distrito Policial a Distrito de Paz,<br />

decreta:<br />

Declara de utilidade pública para o município a desapropriação de quinze<br />

alqueires de terras na povoação de Ourinho para constituírem o patrimônio<br />

dessa povoação, de propriedade do sr. Jacintho Ferreira e Sá e do dr. Fernando<br />

Pacheco e Chaves e de outros, de um lado e de outro da Estrada de<br />

Ferro Sorocabana, no ponto que mais conveniente for, descontada a parte<br />

pertencente à mesma estrada de ferro e as já definitivamente obtidas por escrituras<br />

públicas, pertencentes a munícipes ali residentes.<br />

O projeto foi aprovado por unanimidade. A delicadeza do assunto<br />

fez rapidamente surgir em cena figuras mais poderosas. Em dois dias, o<br />

senador estadual João Baptista de Mello Peixoto aceitou ser o mediador<br />

entre a Câmara de Salto Grande e o proprietário das terras em Ourinhos.<br />

Não ficou registrado quem foi o autor do convite ao senador, consignado<br />

em ata da sessão de 15 de janeiro de 1913. É claro o empenho das duas<br />

partes para chegar a um acordo. Passado somente um mês, o vereador<br />

Abelardo Guimarães, na sessão de 15 de maio de 1913, “propõe moção<br />

de congratulação a Mello Peixoto por sua participação no caso das terras<br />

desapropriadas em Ourinho”. Final harmonioso da pendência: na sessão<br />

de 15 de junho, foram lidos ofícios de Mello Peixoto agradecendo o voto<br />

do louvor da casa e do cidadão Jacintho Ferreira e Sá, grato pelo modo<br />

“cavalheiresco e atencioso com que foi tratado por ocasião [...] sobre<br />

terrenos em Ourinho”.<br />

24


Os detalhes desse acerto aparecem na indicação do vereador Vieira<br />

de Figueiredo, autor do projeto de desapropriação. Ele propõe agora um<br />

pagamento de 5.500$000 (cinco contos e quinhentos mil réis) a Jacintho<br />

Sá pela “venda de 15 alqueires de terra de sua propriedade a esta municipalidade”.<br />

Mas, na sessão seguinte, a 31 de junho de 1913, o vereador<br />

José Rosa apresenta emenda indicando que os terrenos comprados a Jacintho<br />

Sá tinham um alqueire e meio e não 15 alqueires “como estava<br />

escrito por engano na ata”.<br />

Não foi um mal negócio para Jacintho, que, três anos antes, comprara<br />

1230 alqueires da Fazenda das Furnas por 20.000$000 (vinte contos<br />

de réis). Ele teria outras vantagens no acordo com Salto Grande. Na<br />

sessão de 12 de setembro foi lida uma carta sua “declarando-se de acordo<br />

em conceder um terreno para o posto policial na povoação de Ourinho,<br />

com a condição de a Câmara conceder-lhe isenção de impostos municipais<br />

por dois anos”. A exigência foi aceita.<br />

Mas nos anos que precedem a emancipação de Ourinhos a Câmara<br />

de Salto Grande cuidaria também de assuntos menos graves. O ano de<br />

1914 se inicia com um pedido da sra. Lybia Arantes Roma para ser nomeada<br />

professora da escola mista de Ourinhos criada pela Assembleia<br />

Legislativa, em 23 de dezembro de 1910. Em 1913 o vereador João Júlio<br />

havia sugerido uma gratificação de 50 mil réis mensais a dona Lybia por<br />

seu trabalho como professora particular, o que a levou a pleitear a nomeação<br />

oficial. Dona Lybia Arantes Roma, de quem nunca mais se ouviu<br />

falar, é com esse nome incomum a pioneira conhecida do ensino em Ourinhos.<br />

O processo de autonomia ourinhense acelera-se em 1915 com a<br />

instalação do Distrito de Paz. Para comemorar o evento, artistas da terra,<br />

reunidos na Corporação Musical Sete de Setembro, mandaram ofício à<br />

Câmara de Salto Grande “solicitando um auxílio de no mínimo 500 mil<br />

réis para a aquisição do instrumental para que a mesma se torne definitivamente<br />

constituída”. Salto Grande alegou falta de verba e recusou o<br />

pedido.<br />

Um novo avanço ocorreu em 1917, quando a Câmara, a 15 de janeiro,<br />

nomeia como subprefeito de Ourinhos o médico Américo Marinho<br />

de Azevedo. O escolhido renuncia três meses depois, alegando “seguir<br />

de mudança para a capital”. Seu nome, nos anos que se seguiram, apareceria<br />

na seção de anúncios médicos do jornal O Estado de S. Paulo. Foi<br />

substituído, quase um ano mais tarde, por Fernando Foschini, escolhido<br />

a 15 de janeiro de 1918. Foschini renunciou em agosto do mesmo ano,<br />

véspera da elevação de Ourinhos a município. Seu lugar foi ocupado por<br />

25


Leordino de Giácomo.<br />

Há algo de estranho na brevidade da administração dos três subprefeitos.<br />

Foschini, por exemplo, homem de confiança de Fernando Pacheco<br />

e Chaves, para quem administrava a Fazenda Santa Maria, sofreu<br />

em seguida dois atentados. Escapou ao primeiro, em 1919, mas foi morto<br />

no segundo, em 1920. A responsabilidade recaiu sobre Eduardo Salgueiro,<br />

o primeiro prefeito de Ourinhos.<br />

A criação do novo município não consta das atas de Salto Grande<br />

como um fato importante. A Câmara teve apenas uma reação burocrática:<br />

definir com quem ficariam os impostos ourinhenses até a implantação<br />

definitiva da administração local. O caso foi decidido a 30 de janeiro<br />

de 1919 – três meses antes da posse de Eduardo Salgueiro. O secretário<br />

da Câmara, Pedro Pinto da Silva, que nunca conseguiu se decidir entre<br />

Ourinho ou Ourinhos, livrou-se enfim do problema. No mais cinzento<br />

estilo regimental, escreveu que “A Câmara [...] dá pela presente autorização<br />

ao Executivo municipal de fazer arrecadação de impostos no distrito<br />

de Ourinho uma vez que seus contribuintes venham a pagar espontaneamente<br />

enquanto não for instalado o novo município de Ourinhos”.<br />

26


27<br />

5<br />

A CRIAÇÃO DO MUNICÍPIO<br />

A caminhada de Ourinhos em direção à autonomia apresenta lances<br />

engenhosos e movimentados que as letras rebuscadas das atas de<br />

Salto Grande não recolheram. Com seu passado nebuloso de acampamento<br />

na divisa do Paraná e na rota da Sorocabana, Ourinhos chegou ao<br />

ano de 1917 com uma população suficiente para que um grupo de moradores<br />

encaminhasse representação à Câmara dos Deputados do estado de<br />

São Paulo reivindicando a elevação a município. Desde 1910 a vila tinha<br />

um posto policial e uma escola pública. O Legislativo estadual aprovou<br />

o Distrito de Paz reclamado pelos ourinhenses em 30 de julho de 1915.<br />

Esse fato evidencia a existência de uma vida política local com interesses<br />

específicos, pois cabia ao juiz de paz organizar as eleições, providenciar<br />

a apuração etc. O passo seguinte seria a emancipação de Salto<br />

Grande.<br />

A petição ourinhense chegou aos deputados paulistas na sessão de<br />

19 de outubro de 1917, sendo logo enviada à Comissão de Estatística,<br />

divisão civil e judiciária encarregada de se manifestar sobre o caso. A<br />

deliberação inicial está nos anais da Câmara daquele ano:<br />

Para poder pronunciar-se a respeito, a comissão é de parecer que sejam pedidas<br />

à Câmara Municipal de Salto Grande, ao Juiz de Direito da Comarca<br />

de Santa Cruz e ao Juiz de Paz de Ourinhos, as seguintes informações:<br />

1º) Qual a população de todo o município de Salto Grande e qual a sua extensão<br />

territorial; 2º) qual a população e extensão territorial do Distrito de<br />

Paz de Ourinho, bem como o número de prédios da sede; 3°) qual a renda<br />

municipal de Salto Grande do Paranapanema e qual a renda recebida no Distrito<br />

de Ourinho; 4º) o Distrito de Paz de Ourinho tem prédios que possam<br />

servir à Câmara Municipal e à cadeia; 5°) quais as distâncias e vias de comunicação<br />

entre a cidade de Salto Grande e o Distrito de Paz de Ourinho;<br />

6º) o Distrito de Paz de Ourinho está situado em lugar salubre e de condi-


ções adequadas para um fácil saneamento; 7°) qual o número de eleitores e<br />

jurados residentes no distrito de Ourinho; 8º) é conveniente a criação do<br />

município de Ourinho; 9º) quais as divisas que convém estabelecer?<br />

A decisão da Comissão de Estatística foi tomada em 9 de novembro<br />

de 1917 e assinada pelos deputados Américo de Campos, seu relator,<br />

Machado Pedroso e Procópio de Carvalho. As respostas do juiz de direito<br />

de Santa Cruz e juiz de paz de Ourinho foram lidas a 29 de novembro<br />

de 1917:<br />

Foi satisfeita a requisição desta comissão, exceto pela Câmara Municipal de<br />

Salto Grande, que nada informou. Em resumo das informações recebidas<br />

consta: 1º) que a população do município de Salto Grande do Paranapanema<br />

é calculada em 25 mil almas e sua extensão territorial de 40 mil alqueires;<br />

2º) que a população do Distrito de Paz de Ourinho é calculada em mais de<br />

10 mil almas, sendo de 231 o número de prédios existentes no perímetro urbano<br />

de sua sede, e de mais de 10 mil alqueires, ou seja, 120 km² aproximadamente<br />

a sua área; 3º) que a renda orçada de 1916 foi de 64:295$200, sendo<br />

de quase 27:000$00 a cota da contribuição de Ourinho, cujo orçamento<br />

não foi destacado, não tendo sido publicado o orçamento para o exercício<br />

próximo vindouro; 4º) que existe em Ourinho muitos prédios que se adaptam<br />

ao funcionamento da Câmara e da cadeia; 5°) Ourinho se comunica com<br />

Salto Grande pela estrada de ferro, não havendo comunicação por estrada de<br />

rodagem; 6°) que Ourinho se acha situada em ponto salubre e de fácil saneamento;<br />

7°) o número de eleitores pelo atual alistamento é de 73 e, dos jurados,<br />

26, podendo se afirmar que com o estabelecimento do município subirá<br />

muito além, com as facilidades que agora não têm os pretendentes à qualificação<br />

eleitoral.<br />

Ao fazer a sua consideração final, a Comissão traça um perfil favorável<br />

ao futuro do município, o que demonstra ter sido a reivindicação<br />

baseada em sólidos apoios políticos:<br />

Considerando-se que os motivos alegados na representação, em abono à<br />

ideia da criação do município de Ourinho, encontram confirmação categórica<br />

nas informações prestadas, das quais ressalta a certeza de que o Distrito<br />

de Paz de Ourinho já atingiu um considerável grau de desenvolvimento e de<br />

que, em futuro muito próximo, será um dos importantes núcleos de população<br />

e riqueza do interior paulista, e que pela sua situação econômica está em<br />

condições de possuir administração própria pela qual e mais diretamente e<br />

com maior interesse seja [...] propiciada a expansão de suas forças vivas e<br />

cuidado o serviço de higiene pública, é esta comissão de parecer que seja<br />

discutido e votado o seguinte projeto de lei:<br />

O Congresso Legislativo do Estado de São Paulo decreta:<br />

28


Artigo 1° – É criado, no território do Distrito de Paz de Ourinho, o município<br />

do mesmo nome, na Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo.<br />

Artigo 2° – As divisas do novo município serão as mesmas do atual Distrito<br />

de Paz, a saber: começam na foz do rio Pardo com o rio Paranapanema, até<br />

frontear o espigão do lado direito do córrego do Lageadinho e daí rumo até o<br />

quilômetro 511 da Estrada de Ferro Sorocabana; daí seguem a procurar o<br />

espigão do lado esquerdo do córrego Barreirinho ou Barreiro e pelo cume<br />

deste espigão descem até o ponto onde este terminar; e daí seguem rumo até<br />

a Ponte Preta, sobre o rio Pardo, e daí descem pelo rio Pardo até a foz do Paranapanema,<br />

ponto de partida.<br />

Artigo 3º – Revogam-se as disposições em contrário. Sala das Sessões, 3 de<br />

dezembro de 1917.<br />

O documento leva a assinatura dos deputados Gabriel Rocha,<br />

Américo de Campos (relator) e Laurindo Minhoto.<br />

Ourinhos estava a caminho da emancipação. O projeto entrou em<br />

discussão na Câmara dos Deputados e, se aprovado, passaria ao Senado<br />

Estadual. Até a Revolução de 1930, os estados possuíam as duas casas<br />

legislativas. O Congresso Estadual paulista funcionava em um casarão<br />

no bairro da Liberdade. O local foi reurbanizado para dar lugar à praça<br />

João Mendes.<br />

Os deputados se manifestaram na sessão de 7 de dezembro, ocasião<br />

em que o deputado Raphael Prestes tomou a defesa de Ourinhos:<br />

Acabo de verificar, do parecer da ilustrada Comissão de Estatística e dos<br />

papéis do respectivo processo, que a Câmara Municipal de Salto Grande do<br />

Paranapanema, que superintende aquele Distrito de Paz, está a exercer sobre<br />

ele pressão indevida [...]. A Comissão de Estatística verificou [...] que a<br />

Câmara Municipal de Salto Grande do Paranapanema não escriturou em separado<br />

a verba da receita e da despesa do distrito de Ourinhos e nem mesmo<br />

a consigna no seu orçamento de 1916 para 1917. Quanto ao orçamento de<br />

1917 para 1918 [...] a coisa é mais séria: ele nem foi ainda publicado. Dãose<br />

ainda outras circunstâncias peculiares e significativas: Ourinhos, que é<br />

um distrito de terras fortes e de franca prosperidade, está privado de comunicação<br />

com a sede do município por estrada de rodagem, pois só tem comunicação<br />

por estrada de ferro. E além de tudo isso a Câmara Municipal de<br />

Salto, Grande recusou ao Congresso do Estado, dignamente representado<br />

pela Comissão de Estatística, as informações que se lhe pediram relativamente<br />

à criação do novo município.<br />

Todos estes fatos querem dizer, em resumo, que Ourinhos está debaixo de<br />

pressão de um poder mais importante, o da sede do município, e assim sendo<br />

torna-se necessário que o Congresso e os altos poderes estaduais socorram<br />

oportunamente essa localidade, a fim de que ela possa desenvolver como<br />

merece, com sua autonomia, a sua prosperidade.<br />

29


Posto em votação, o projeto foi aprovado sem o voto do líder político<br />

da média Sorocabana, Ataliba Leonel, que não compareceu à sessão<br />

e não justificou a ausência. Três dias depois, na sessão de 10 de dezembro<br />

de 1917, a Câmara dos Deputados recebeu um telegrama dos habitantes<br />

de Ourinhos agradecendo a aprovação do projeto que, nesse mesmo<br />

dia, dava entrada na Comissão de Estatística do Senado, que também<br />

solicitou informações que faltavam sobre o caso. A Câmara de Salto<br />

Grande finalmente cumpriu suas obrigações. Com sete meses de atraso,<br />

foi lido o ofício do presidente oferecendo as informações exigidas pelos<br />

senadores. A 3 de setembro, foi lida uma nova representação de habitantes<br />

de Ourinhos com outros documentos. A comissão pediu ainda dados<br />

ao governo estadual, que respondeu através da Secretaria do Interior.<br />

A causa de Ourinhos foi decidida enfim pela Comissão de Estatística<br />

do Senado estadual 1 , que apresentou o parecer n° 51 favorável ao<br />

projeto, aprovado pela Assembleia a 13 de dezembro de 1918. No mesmo<br />

dia seguiu para a assinatura do governador Altino Arantes. É a data<br />

que se comemora desde então.<br />

30<br />

1 Na época, havia Câmara e Senado estaduais; foi o caso na criação de Ourinhos.


31<br />

6<br />

LUTA ENTRE CORONÉIS<br />

O fenômeno coronelista não é novo [...] Ao lado do coronel<br />

legalmente sagrado prosperou o “coronel tradicional”,<br />

também chefe político e também senhor dos meios capazes<br />

de sustentar o estilo de vida de sua posição. O conceito<br />

entrou na linguagem corrente [...]<br />

(Raymundo Faoro, Os Donos do Poder)<br />

Entre a assinatura de Altino Arantes, confirmando a emancipação<br />

ourinhense, e a criação de uma administração de fato, passaram-se três<br />

meses. Por fim, o Correio Paulistano do dia 21 de março de 1919 publicou<br />

a seguinte notícia enviada ao jornal no dia anterior: “Ourinhos, 20 –<br />

Foi instalado hoje com toda solenidade o novo município. Em seguida<br />

ao ato de posse da nova Câmara realizou-se a eleição para os corpos<br />

municipais, sendo eleitos: Presidente da Câmara, Francisco Onofre; Prefeito,<br />

o sr. Eduardo Salgueiro. Foram muito aclamados os beneméritos<br />

desta terra, o sr. coronel Antônio Evangelista, senador Virgílio Rodrigues<br />

Alves, deputado Ataliba Leonel, Rodolpho Miranda e outros. Reina<br />

o maior entusiasmo [...]”.<br />

A louvação dos beneméritos confirma uma praxe da época. A criação<br />

de municípios se fazia através de acordo prévio entre lideranças regionais.<br />

Ataliba Leonel nem precisou comparecer à votação final no caso<br />

de Ourinhos. O desenvolvimento da agricultura no “oeste novo”, a<br />

expansão ferroviária e outras mudanças na economia impunham alterações<br />

no mapa estadual com o surgimento de novas cidades – mudanças<br />

que eram, no entanto, controladas pelo PRP. Os prejudicados recebiam<br />

recompensas, mas em caso de impasse total de interesses a violência<br />

jamais deixou de ser uma possibilidade.<br />

Na emancipação ourinhense havia uma paz aparente. Reconheceuse<br />

a força de dois homens poderosos a nível estadual e regional: Ataliba<br />

Leonel e Antônio Evangelista da Silva, o temível coronel Tonico Lista,<br />

de Santa Cruz. Os outros citados eram políticos votados no 5º Distrito<br />

Eleitoral, com sede em Botucatu e abrangendo toda média Sorocabana.<br />

Ataliba Leonel, uma quase lenda na Primeira República (ou República<br />

Velha, que vai até 1930), nasceu em Itapetininga, em 1875, de uma família<br />

com terras e atuação política em Piraju. Cresceu acompanhando as


façanhas do pai, Mariano Leonel Ferreira, que em 1892, à frente de um<br />

grupo armado, tomou o governo da cidade. Formando-se em direito em<br />

São Paulo, Ataliba Leonel foi advogado e promotor em Piraju, e acabou<br />

na política. Aos 23 anos, ostentando uma vasta cabeleira negra, grandes<br />

bigodes e um olhar que, de certa forma, compunha o perfil romântico da<br />

época, assumiu a liderança do grupo comandado pelo pai recémfalecido.<br />

Em 1904 foi eleito deputado estadual e pouco depois chefiava o<br />

5º Distrito Eleitoral. De 1926 a 1930 elegeu-se deputado federal por São<br />

Paulo. Era forte candidato a governador quando Washington Luís foi<br />

deposto e Getúlio tomou o poder, num golpe mortal para o PRP. Ataliba<br />

Leonel faleceu em São Paulo a 24 de novembro de 1934.<br />

À sombra dessa liderança que se impunha, ao lado de Washington<br />

Luís e Júlio Prestes de Albuquerque, atuavam chefes políticos com força<br />

localizada somente nos seus municípios e vizinhanças. Os mais conhecidos<br />

eram os coronéis Albino Garcia, em Bernardino de Campos; Henrique<br />

Cunha Bueno, em Ipauçu; José Machado e Cândido Dias de Melo,<br />

em Palmital (inimigos mortais que em 1922 se enfrentariam à bala dentro<br />

da cidade); e Antônio Evangelista da Silva (Tonico Lista), em Santa<br />

Cruz.<br />

Tonico Lista, nascido em São Simão em 1869, chegou a Santa<br />

Cruz com 11 anos. O pai, João Evangelista da Silva, abriu uma casa de<br />

ferragens, plantou café e em breve integrava o diretório do PRP. Tonico<br />

foi mais longe. Tornou-se o rico proprietário da Fazenda Mandaguari,<br />

com 900 mil pés de café. Na política, dominou completamente a cidade.<br />

Pelo estilo brutal de mando, esse homem magro e malicioso foi descrito<br />

em jornais paulistas (O Estado de S. Paulo e O Combate) como “façanhudo”<br />

e “perigoso”. A ele se atribuiu – ou se acusou diretamente –<br />

mortes, espancamentos e todo tipo de perseguição aos adversários. Homens<br />

armados por Tonico Lista infundiam o terror e processos foram<br />

abertos e encerrados sem consequências. Seu poder só entraria em declínio<br />

nos anos 20. Em 1918, quando se criou Ourinhos, ele ainda mandava.<br />

Eduardo Salgueiro, o primeiro prefeito, estava com ele, enquanto<br />

Jacintho Ferreira e Sá e outros pioneiros não aparecem nessa cena.<br />

A sustentação de lideranças tradicionais ou a afirmação de novos<br />

comandos nem sempre eram tranquilas. Os choques de interesses entre<br />

os próprios coronéis criavam os confrontos, alguns sangrentos. Em Palmital,<br />

na eleição de 1922, o coronel Candinho foi o responsável pela<br />

morte do coronel Machado. O crime teve repercussão no estado e atingiu<br />

a imagem até então intocável de Ataliba Leonel, acusado de cumplicidade.<br />

32


Dos conflitos entre perrepistas surgiam facções que se juntavam<br />

nos Partidos Municipais, aceitos pela legislação da época. Fiéis ao PRP<br />

no estado, faziam oposição no município – um típico arranjo para acomodar<br />

casos específicos e localizados. O agravamento da crise entre<br />

lideranças do “perrepismo” levaria à fundação do Partido Democrático<br />

(PD), organização com propostas mais evoluídas como o voto secreto e<br />

pregando o fim das arbitrariedades oficiais.<br />

Em Ourinhos não foi diferente. A cidade teve um primeiro prefeito<br />

ligado a Tonico Lista. Jacintho Sá não se manifestou de imediato, mas<br />

tinha outros planos. Mineiro habilidoso, manteve-se fiel a Ataliba Leonel,<br />

chefe incontestável de todos, mas procurou alianças próprias na região.<br />

Ligou-se ao coronel Albino Garcia, de Bernardino de Campos e<br />

aprofundou os vínculos com a família Mello Peixoto. João Baptista de<br />

Mello Peixoto, que faleceu em 1915, diferenciou-se do típico coronel.<br />

Iniciou a carreira política no Vale do Paraíba e circulou mais em São<br />

Paulo. Ocupado com as atividades parlamentares e com os cargos de<br />

secretário de estado, viveu distante do cotidiano tenso da Sorocabana.<br />

Seu filho, João Baptista, herdeiro político e do nome, foi o primeiro prefeito<br />

de Chavantes (1923-1925) e elegeu-se deputado em 1927, quando<br />

Tonico Lista já estava morto.<br />

Em 1921 as articulações de Jacintho Sá atingiram duramente Tonico<br />

Lista e Eduardo Salgueiro. Em Santa Cruz do Rio Pardo foi criado<br />

o Partido Municipal e dele faziam parte seu irmão Saul, como tesoureiro,<br />

e o coronel Albino Garcia. Em Ourinhos, Jacintho lançou pessoalmente<br />

o mesmo partido. O momento era mais do que propício para essa operação<br />

política. Tonico Lista e Eduardo Salgueiro estavam às voltas com a<br />

justiça. Chegaram a ser presos e, naquele período, estavam na defensiva.<br />

Eduardo Salgueiro renunciou à prefeitura ourinhense, fato explorado<br />

rapidamente por Jacintho Sá, que conseguiu fazer o sucessor, Benício do<br />

Espírito Santo, antes de assumir o cargo, em 1923. Uma virada completa<br />

na cidade. Foi o começo de um tempo diferente, mais organizado e pacífico.<br />

Nada ocorreu por mero acaso. A ocupação violenta da região, desde<br />

as matanças dos índios até a formação de bandos armados a serviço<br />

de fazendeiros e chefetes políticos, criou uma situação de mandonismo<br />

que o governo estadual, por mais conservador e autoritário que fosse,<br />

tinha interesse em manter sob controle. A aplicação de novos capitais no<br />

campo e a chegada de imigrantes eram alguns dos fatores que pediam<br />

situação mais segura, uma imagem mais “civilizada” para a Sorocabana.<br />

Washington Luís chegou ao governo estadual disposto a prestigiar a jus-<br />

33


tiça e enquadrar os coronéis mais agressivos, mesmo que homens do<br />

PRP. É um jogo contraditório, com idas e vindas, aspectos nem sempre<br />

claros, mas que em todo caso enfraqueceu alguns feudos políticos.<br />

Um novo juiz de Santa Cruz do Rio Pardo tomou atitudes jamais<br />

sonhadas. O dr. Arthur Mihic determinou a reabertura do processo em<br />

que Tonico Lista era acusado de mandante da morte de José da Rocha e<br />

mais três pessoas. O juiz ordenou a prisão do coronel em 8 de outubro<br />

de 1921. No mesmo ano, encarregou-se também de Eduardo Salgueiro,<br />

que foi a julgamento como mandante da morte de Fernando Foschini em<br />

Ourinhos. Os dois casos repercutiram nos jornais da capital. Mesmo que<br />

os acusados tenham sido absolvidos, algo mudara na região. O secretário<br />

da Justiça, Francisco Cardoso Ribeiro,<br />

havia sido juiz em Santa Cruz do Rio Pardo<br />

e conhecia o estilo do coronel e de seus<br />

amigos. Em reconhecimento, Jacintho Ferreira<br />

e Sá escolheu seu nome para uma das<br />

principais ruas de Ourinhos.<br />

Cardoso Ribeiro (1876-1932) nascido<br />

em Cachoeira, no Vale do Paraíba,<br />

promoveu a reforma judiciária do Estado<br />

criando, entre outras inovações, o concurso<br />

para ingresso na magistratura. Sua carreira<br />

prosseguiu como ministro do Tribunal de<br />

Contas do Estado e, finalmente, do Supremo<br />

Tribunal Federal (STF). Faleceu no<br />

Rio e foi sepultado em Taubaté.<br />

O último ato chegou para Tonico Lista na manhã de um sábado,<br />

Francisco Cardoso Ribeiro<br />

dia 8 de julho de 1922. Ele estava na venda de um certo Misael de Souza<br />

quando foi atacado a tiros pelo soldado Francisco Alves, ordenança da<br />

delegacia local. Tonico reagiu e conseguiu matar o agressor, mas saiu<br />

gravemente ferido. Levado para São Paulo em trem especial, morreu<br />

durante a viagem. O assassinato foi premeditado, e o soldado, um mero<br />

executante, o que já faz parte de uma outra história envolvendo a política<br />

de Santa Cruz do Rio Pardo.<br />

Eduardo Salgueiro escaparia à prisão, viveria bem mais e morreria<br />

em paz. Do ponto de vista político, o desaparecimento de Tonico Lista e<br />

a renúncia de Salgueiro trouxeram consequências imediatas e visíveis<br />

para as duas cidades. Em Santa Cruz, abriu-se espaço para uma nova<br />

liderança, e Leônidas do Amaral Vieira se elegeu deputado estadual.<br />

Jacintho Ferreira e Sá e seu grupo se fortaleceram em Ourinhos.<br />

34


35<br />

7<br />

OS DONOS DO PODER<br />

O médico e fazendeiro Paulo Bulcão Ribas ofereceu sua casa para<br />

a primeira reunião dos dissidentes do Partido Republicano Paulista<br />

(PRP) que se opunham ao prefeito Eduardo Salgueiro. A reunião ocorreu<br />

a 27 de agosto de 1921 e a ela compareceram alguns dos notáveis da<br />

vida política e econômica local: o coronel Tonico Leite (Antônio de Almeida<br />

Leite), dono da Fazenda Lageadinho; Jacintho Ferreira e Sá; Edmundo<br />

Amaral; Ângelo Christoni e Vicente da Costa Melo. O livro de<br />

atas, oferecido pela Casa Edmundo, armazém de propriedade de um dos<br />

presentes, informa na sua abertura: “Servirá esse livro para nele serem<br />

lançadas as atas das reuniões do partido oposicionista de Ourinhos”.<br />

Antônio Leite anunciou que a finalidade do encontro era a escolha<br />

dos candidatos às três vagas que haviam surgido na Câmara com a renúncia<br />

dos vereadores Eduardo Salgueiro, José Antônio Rabello e João<br />

Dolfim. A ata não esclarece o motivo das renúncias. Registra de modo<br />

vago que Eduardo Salgueiro estava “em gozo de férias por tempo indeterminado”.<br />

Nunca existiu na legislação brasileira férias sem prazo para<br />

começar ou terminar. E desde que Eduardo Salgueiro tinha renunciado<br />

ao mandato, não faziam sentido as supostas férias. Na época, os prefeitos<br />

eram vereadores e ocupavam o cargo por indicação dos seus pares.<br />

Na realidade, tanto Eduardo Salgueiro quanto seu vice, José Antônio<br />

Rabello, foram presos em 1921 e submetidos a julgamento em Santa<br />

Cruz do Rio Pardo, acusados de mandantes do assassinato do exsubprefeito<br />

Fernando Foschini. Acabaram absolvidos. As circunstâncias<br />

do crime e do processo compõem um capítulo estranho e irresolvido da<br />

história local.<br />

A reunião dos dissidentes escolheu um novo vice-prefeito, Manoel<br />

Rodrigues Martins. Os documentos da época nada revelam sobre sua<br />

pessoa ou o tempo que exerceu a função. É um nome que desaparece,


assim como o de Antônio Rabello. Entre os citados, além de Eduardo<br />

Salgueiro, somente João Dolfim é identificado como proprietário de uma<br />

casa de comércio na rua Minas Gerais (atual Nove de Julho), esquina<br />

com a Pará (Arlindo Luz). O fato concreto é que, em 1921, quando os<br />

oposicionistas se reuniram, a prefeitura foi assumida por Benício do Espírito<br />

Santo, morador antigo e muito próximo a Jacintho Sá. Ele ficou no<br />

cargo por dois anos. Em 1923, foi sucedido por Jacintho, prefeito até<br />

1925, que tinha o mesmo Benício como vice.<br />

Iniciada a discussão, Jacintho propôs o nome do coronel Antônio<br />

Barbosa Ferraz Júnior para a vereança. Barbosa residia na Fazenda Água<br />

do Bugre, em Cambará. Foi o dr. Paulo Ribas quem falou por ele. Barbosa<br />

recusava a indicação, alegando que não morava em Ourinhos. O<br />

fazendeiro, no entanto, fizera parte do diretório do PRP, do qual se desligava<br />

na ocasião, mas sem abandonar os aliados. Esclarecia que “a sua<br />

participação no diretório oposicionista local visou sempre auxiliar seus<br />

amigos políticos a contraporem suas energias cívicas à verdadeira desorientação<br />

e aos conhecidos desmandos que se verificavam no partido<br />

situacionista” – referência indireta, mas clara a Eduardo Salgueiro.<br />

Acrescentava que “a sua retirada [...] não o afasta dos seus companheiros<br />

em todas as horas em que se tornar útil o seu auxílio”.<br />

Afastado Eduardo Salgueiro, o caráter oposicionista do grupo se<br />

diluiu rapidamente. Logo todos estariam no comando do PRP e do poder<br />

municipal. Em 29 de janeiro de 1922, Paulo Ribas propõe que o diretório<br />

seja ampliado de seis para nove membros. São incluídos Silvestre Pinho,<br />

apresentado como “agricultor neste município”, José Ferreira Leite (parente<br />

de Tonico Leite) e Vicente Amaral.<br />

Acertos políticos, nomeação de amigos e represálias aos adversários<br />

se transformam em rotina nas futuras reuniões. Há intervalos não<br />

explicados entre uma ata e outra. O diretório ampliado só volta a se reunir<br />

formalmente a 5 de março de 1926, na casa do coronel Jacintho Sá.<br />

Estavam presentes, além do dono da casa, o coronel Pedro Marques<br />

Leão, Paulo Ribas e José Galvão. Na parte do expediente foram lidos<br />

petição de Francisco Dias Negrão, pedindo exoneração como escrivão da<br />

Coletoria Estadual, e “um ofício do sr. Olavo Ferreira de Sá, pedindo<br />

auxilio do diretório no sentido de ser ele nomeado para essa vaga”. Decidiu-se<br />

patrocinar a “pretensão do sr. Olavo Ferreira de Sá”.<br />

A máquina política do PRP e todo jogo político marcado que se<br />

fazia naqueles anos surgem inteiros na intervenção de Jacintho Sá pedindo<br />

que se discuta e resolva “do melhor modo o problema do aumento<br />

do quadro de eleitores do município [...]. Ficou resolvido delegar-se ple-<br />

36


nos poderes ao coronel Jacintho Ferreira e Sá para contratar pessoa idônea,<br />

de plena confiança do partido, para tratar daquele serviço eleitoral<br />

[...]”.<br />

Ou seja, a escolha e registro dos eleitores eram controlados pelo<br />

partido dominante através do seu chefe. Na mesma ocasião, Jacintho não<br />

se esqueceu dos líderes supremos do PRP ao propor que “se oficiasse<br />

aos drs. Ataliba Leonel e Washington Luís, felicitando-os pela bela votação<br />

alcançada no pleito de 1° de março e hipotecando aos mesmos<br />

inteiro apoio deste diretório”.<br />

Jacintho Sá exercia o comando atento às atitudes contrárias ao seu<br />

grupo. Em 11 de julho de 1926 propôs e obteve aprovação unânime para<br />

que “se oficiasse ao dr. Ataliba Leonel sobre a conveniência da exoneração<br />

da atual agente do Correio, dona Alice de Paula Machado, visto não<br />

merecer ela a confiança política local por motivos notórios”. Aproveitou<br />

a oportunidade para lembrar que “tendo o antigo agente do Correio Paulistano<br />

(ligado ao PRP) desmerecido a confiança do diretório, era conveniente<br />

substituí-lo pelo professor Cândido Barbosa Filho, o que foi<br />

feito”.<br />

Na reunião de 19 de julho de 1927, Jacintho lança um apelo:<br />

“Considerando que a permanência do professor Evaristo de Camargo<br />

Penteado como adjunto do grupo escolar dessa cidade tem sido prejudicial<br />

aos interesses do Partido Republicano Paulista, proponho que se<br />

peça à Comissão Diretora a remoção desse funcionário público”. Em 8<br />

de agosto de 1927, ele se preocuparia com o próprio diretor da escola:<br />

“Considerando que a permanência do professor José Barreto na direção<br />

do grupo escolar desta cidade está se tornando bastante prejudicial aos<br />

interesses do PRP, dada a sua estreita ligação com os elementos que aqui<br />

combatem aquele partido, relevando notar ainda [...] não ser eficiente a<br />

sua atuação naquele posto, por demais desleixada, proponho se oficie à<br />

Comissão Diretora solicitando a remoção desse funcionário”.<br />

O fazendeiro e político Jacintho Ferreira e Sá não demonstra aparentemente<br />

nenhum capricho pessoal. O rigor absoluto com os descontentes<br />

e opositores era regra na República Velha e a essência da atuação<br />

de partidos como o PRP. Nesse mesmo ano, o coronel Vicente Amaral<br />

comentou a visita à cidade, do deputado Mário Rollim Telles em nome<br />

da Comissão Diretora do partido, “a fim de promover o congraçamento<br />

na política local”, deixando claro que os perrepistas se consideravam<br />

donos da situação. O visitante, segundo disse Amaral na reunião de 20<br />

de abril de 1927, teria verificado “a inutilidade de semelhante medida,<br />

visto continuar o diretório a contar com todas as posições políticas e<br />

37


todas as autoridades, enfeixando em suas mãos toda a força eleitoral do<br />

município [...]”.<br />

Mas os tempos estavam mudando. O Partido Democrático (nascido<br />

de uma cisão do PRP) tinha sido organizado há um ano a nível estadual e<br />

já se manifestava em Ourinhos. Na mesma reunião em que Jacintho Sá<br />

levantou o caso do professor Camargo, outro membro do diretório, Hermenegildo<br />

Zanotto, tomou a palavra: “Proponho se faça sentir ao sr. Álvaro<br />

Rolim, proprietário do Cinema Cassino local, por ter cedido a sua<br />

casa de diversão para nela ter lugar um comício de propaganda do Partido<br />

Democrático, a estranheza deste diretório, máximo em se considerando<br />

ser aquele senhor um funcionário público, desempenhando nessa cidade<br />

o cargo de Coletor Federal”.<br />

O confronto entre esses grupos levaria a cidade às páginas do Diário<br />

Nacional, publicado em São Paulo e vinculado ao Partido Democrático.<br />

Na edição de 14 de novembro de 1928, o jornal estampou na página<br />

4 o título: “Vergonha do perrepismo em Ourinhos”, com o seguinte comentário<br />

a respeito das eleições municipais daquele ano:<br />

A apuração do último pleito eleitoral [...] ofereceu ao povo paulista<br />

novos elementos para ajuizar o abastardamento a que atingiram os processos<br />

políticos do situacionismo deste estado [...]. Em todas as comarcas verificaram-se<br />

gravíssimas irregularidades no decorrer dos trabalhos das Juntas<br />

Apuradoras. Constituídas pelos magistrados da localidade, pelo promotor<br />

público e pelo presidente da Câmara da cidade, são verdadeiras guilhotinas<br />

políticas. Em geral, os juízes escapam às injunções partidárias. Os promotores,<br />

entretanto, por estarem sujeitos aos caprichos dos régulos locais e ao arbítrio<br />

dos políticos do estado, acompanham os presidentes das Câmaras, juízes<br />

[...] em todos os seus botes contra o direito político dos seus adversários.<br />

As Juntas Apuradoras, em numerosas localidades, serviram para completar<br />

a missão que a violência e a fraude não haviam podido realizar [...].<br />

Entre elas Ourinhos, a importante cidade da Sorocabana. Aí, apesar [...] da<br />

desenfreada fraude, haviam sido eleitos dois vereadores democráticos contra<br />

quatro perrepistas. A cidade assistiu [...] aos mais vergonhosos acontecimentos,<br />

mas nesse ambiente hostil o núcleo democrático conseguiu ainda apresentar<br />

um contingente eleitoral pouco inferior ao do adversário. No dia do<br />

pleito, foram ocupadas militarmente as entradas e os postos centrais da cidade.<br />

A polícia proibiu, com revistas, [...] que os democráticos andassem armados,<br />

não fazendo o mesmo com os capangas da facção governista. O delegado<br />

de polícia [...] cabalava e intimidava os eleitores, chegando mesmo a<br />

chamar à delegacia alguns influentes membros do PD. Ordenou a prisão de<br />

eleitores democráticos, deportando-os para o Paraná.<br />

Às quatro horas da madrugada, a polícia invadiu a casa de um pacato<br />

cidadão que residia nos fundos do prédio da Câmara Municipal, local das<br />

38


eleições, desalojando violentamente sua família. Pouco depois, como outra<br />

parte do mesmo edifício fosse ocupada pelo Grêmio Recreativo de Ourinhos,<br />

arrombou as portas da sede desse clube, enchendo os salões de soldados<br />

de carabinas embaladas [...].<br />

Apesar das prisões de cidadãos como José Joaquim do Nascimento [...]<br />

o PD levou às urnas 135 eleitores contra duzentos e poucos perrepistas. As<br />

mesas cometeram as maiores fraudes, votando muitos indivíduos diversas<br />

vezes em curto espaço de tempo perante os mesmos mesários [...]. Entretanto,<br />

os boletins fornecidos pelas três seções da cidade acusavam a vitória de<br />

dois democráticos contra quatro governistas [...]. O PRP, entretanto, não se<br />

satisfez. Aguardou a apuração [...]. Foram subtraídos a ambos os vereadores<br />

democráticos um número de votos suficientes para a sua degola, ficando o<br />

sr. Rodopiano Leonis Pereira com dois votos a menos do cociente e o sr.<br />

Benício do Espírito Santo com pouco menos. A opressão contra os democráticos<br />

continua intensa.<br />

O PRP elegeu todos os vereadores: Vicente Amaral, Odilon Chaves<br />

do Carmo, Álvaro Queiroz Marques, Horácio Cintra (filho de Tonico<br />

Leite), José Felipe do Amaral e José Galvão. Rodopiano Leonis contestou<br />

a legitimidade da eleição. A Câmara não se abalou. Desconsiderou o<br />

protesto alegando ser “o mesmo destituído de provas”. O vereador José<br />

Galvão foi reconfirmado na prefeitura para o triênio 1929-32 e a eleição<br />

encerrada.<br />

Os situacionistas aparentavam confiança apesar dos sinais de crise<br />

no monopólio do poder pelo PRP. Os vereadores ourinhenses entraram<br />

no ano fatal de 1930 com um caloroso voto de apoio ao governador Júlio<br />

Prestes, que esperava suceder Washington Luís na Presidência da República:<br />

“Ourinhos, 16 de janeiro de 1930 – A Câmara Municipal de Ourinhos<br />

[...] resolveu por unanimidade de votos telegrafar a V. Exa. hipotecando<br />

sua solidariedade como único candidato capaz de, na Presidência<br />

da República, conduzir o país aos seus altos destinos na prática de um<br />

governo patriótico de paz e de ordem [...]. Atenciosas saudações. (aa)<br />

Vicente Amaral, presidente; José Galvão, prefeito; Álvaro Marques, vice-presidente;<br />

José Felipe do Amaral, vice-prefeito”.<br />

O fim da República Velha, com a derrubada de Washington Luís e<br />

a chegada ao poder de Getúlio Vargas, refletiu sua dimensão municipal<br />

nas páginas de A Voz do Povo de 6 de novembro de 1930, no artigo<br />

“Ecos da Revolução”: “Depois de 21 dias de intranquilidade [...] Ourinhos<br />

volta à vida antiga, trazendo em seus lares quase todas as famílias<br />

que tinham abandonado tudo, ficando a cidade com aspecto semimorto.<br />

[...]”, e no artigo “Aos nossos amigos e distintos assinantes”:<br />

39


[...] A Voz do Povo, que renascera com aquele fito grandioso de não mais ser<br />

interrompida a sua publicação [referência a uma suspensão anterior do jornal],<br />

teve os seus dias e seus intentos frustrados. Felizmente, não há criatura<br />

que não saiba que Ourinhos foi uma das cidades do estado que mais forças<br />

militares estacionaram. Isto porque, muito perto da fronteira e com duas<br />

pontes de comunicações, férrea e rodoviária, era natural que aqui fosse o<br />

campo de concentração. Devido ao grande movimento de praças do Exército<br />

nacional e da polícia paulista, muitíssimas famílias se retiraram para as fazendas<br />

e sítios, e com isso a cidade ficou quase deserta e [...] pouquíssimos<br />

assinantes tínhamos na cidade [...]. Diante de tal anormalidade, suspendemos<br />

a nossa publicação até o dia de hoje [...].<br />

E ainda, em “Novos delegados de polícia e governador da cidade”:<br />

Assumiram [...] o exercício de delegado de polícia e governador da cidade, o<br />

exmo. sr. Manoel Gumercindo Barbosa e o dr. Hermelino de Leão. Essa<br />

nomeação fora feita pela Junta Governativa local composta pelos srs. Hermelino<br />

de Leão, José Esteves Mano Filho, Manoel Gumercindo Barbosa,<br />

Emílio Leão, Rodopiano Leonis Pereira, Benício do Espírito Santo e Juvenal<br />

de Carvalho. Esta junta está organizada de conformidade com um telegrama<br />

passado pelo general Miguel Costa em nome do dr. Getúlio Vargas.<br />

E em “Manifestação popular”:<br />

A Junta Governativa [...] fez distribuir o seguinte boletim: “Ao povo: – A<br />

Junta Revolucionária (...] convida a todos os revolucionários e ao povo em<br />

geral para uma passeata em regozijo à brilhante vitória da Revolução em<br />

prol dos direitos do povo, conspurcado e espezinhado pela camarilha de políticos<br />

profissionais que desde há muito vinha infelicitando o nosso glorioso<br />

e amado Brasil, passeata essa que se realizará às 19 horas, na praça Mello<br />

Peixoto. Viva a Revolução”.<br />

O jornal descreve o resultado do convite:<br />

[...] cerca de 19 horas, o jardim e as ruas adjacentes regurgitavam de gente,<br />

que podemos dizer sem medo de errar que Ourinhos em peso lá se achava<br />

[...] usou da palavra o exmo. sr. dr. Hermelino de Leão [...]. Depois da passeata<br />

cívica, o povo se dispersou na mais perfeita ordem [...].<br />

Em dezembro, três dias depois do Natal de 1930, o jornal voltava<br />

com novidades políticas na primeira página, no artigo “Dr. Hermelino de<br />

Leão”:<br />

De regresso de sua viagem a São Paulo já se encontra entre nós o [...] dr.<br />

Hermelino de Leão. S. S. fora [...] receber o título de prefeito desta localida-<br />

40


de e teve a oportunidade de conferenciar com os exmos. srs. secretário do<br />

Interior, presidente João Alberto, Miguel Costa e todos os chefes revolucionários.<br />

[...] Recebeu instruções [...] que seu governo seja [...] sem perseguições<br />

políticas [...].<br />

41


42<br />

8<br />

FAZENDAS<br />

Na década de 1920 um brasileiro alto e elegante entrou num estúdio<br />

da Rue de la Paix, em Paris, para uma daquelas fotos posadas que<br />

ficam depois nas famílias, durante anos e anos, como uma espécie de<br />

retrato oficial da pessoa. A data exata não foi registrada, mas o retratado<br />

era Fernando Pacheco e Chaves, membro de uma das mais tradicionais e<br />

influentes famílias paulistas. Entre suas várias atividades, era fazendeiro<br />

em Ourinhos.<br />

Formado pela Faculdade de Direito do largo de São Francisco,<br />

com outros estudos em Heidelberg, Alemanha e Harvard, Estados Unidos,<br />

Fernando Pacheco e Chaves entra na história ourinhense um pouco<br />

por trazer um certo toque romanesco, alguma coisa de aventura, e outro<br />

tanto pelo inusitado de ser praticamente o único dos chamados paulistas<br />

de quatrocentos anos numa cidade de imigrantes, aventureiros e algumas<br />

velhas famílias fluminenses e mineiras, com os Sá e os Moraes. Sua presença<br />

tem uma conotação política indireta e serve também para chamar a<br />

atenção para outros donos de terras – além de Jacintho Sá – que fizeram<br />

de Ourinhos um núcleo de produção agrícola, fazendeiros que residiam<br />

em suas propriedades, ou na cidade, e que exerciam influência política<br />

na comunidade. Como é o caso de Antônio Almeida Leite, o conhecido<br />

coronel Tonico Leite, da Fazenda Lageadinho; reverendo Manoel Alves<br />

de Brito, da Canaã; Horácio Soares, da Chumbeadinha (ou Múrcia),<br />

além de agricultores com menos terras, mas, em compensação, bem localizadas<br />

e que serviriam para ampliar o perímetro urbano de Ourinhos.<br />

O coronel Tonico Leite chegou de São Carlos do Pinhal em 1915 e<br />

comprou 600 alqueires de terra roxa na região do córrego Lageadinho,<br />

que seria usado três anos mais tarde para definir oficialmente uma das<br />

divisas do município. Era um homem baixo, mais ou menos gordo, segundo<br />

os descendentes e os que o conheceram, um típico desbravador


enérgico e muito ativo, capaz de uma viagem de carro entre a fazenda e<br />

o porto de Santos numa mesma estirada, ida e volta, em tempos de estradas<br />

quase inviáveis. Tornou-se um plantador de café recordista por pé e<br />

por área, construiu tulhas e secadeiras com um desenho avançado, que<br />

facilitava a ventilação e a secagem dos grãos, e tornou rotineira a utilização<br />

sistemática de adubos orgânicos nas lavouras. Informações de diversas<br />

fontes e noticiários da imprensa local demonstram que o coronel foi<br />

um patrão justo dentro dos padrões do seu tempo. A colônia (o setor<br />

onde moravam os trabalhadores) era grande, com boas casas, e os salários<br />

pagos em dia. No encerramento das colheitas eram oferecidos prêmios<br />

em dinheiro aos empregados que mais se destacavam. Um baile e<br />

um churrasco culminavam a confraternização.<br />

Tonico Leite gostava de política e foi um dos baluartes do Partido<br />

Republicano Paulista em Ourinhos. Seu nome aparece entre aqueles que<br />

se aliaram para fazer oposição ao grupo de Eduardo Salgueiro na reunião<br />

realizada em agosto de 1921, na casa do médico Paulo Ribas. Influenciou<br />

o partido e a administração municipal durante toda a década. Quando<br />

houve a Revolução de 1930, que acabou com o predomínio do PRP, ele<br />

estava na presidência do partido e tinha ainda no diretório um cunhado,<br />

Joaquim Cintra Sobrinho, o coronel Quinzinho. Na Câmara Municipal<br />

eleita para o triênio 1929-32 estava seu filho Horácio Cintra Leite. O clã<br />

político-familiar incluía finalmente José Ferreira Leite, ex-prefeito de<br />

Taquaritinga, e que, apesar do apelido pacífico de Ioiô, foi descrito por<br />

um parente como “um homem de fala mansa, mas perigosíssimo”. Teve<br />

a coragem de enfrentar Tonico Lista em vários entreveres em Santa Cruz<br />

e não hesitou em quebrar a bengala na cabeça de um adversário dentro<br />

do cinema.<br />

A perda do poder político, com a queda da República Velha, não<br />

afetou o prestígio da família. O coronel Tonico Leite morou em Ourinhos<br />

até por volta de 1935, quando passou a viver alternadamente na<br />

fazenda e em São Paulo, onde faleceu em 1959. Mário da Cintra Leite,<br />

um dos nove filhos que teve com dona Cândida Cintra, foi o mais votado<br />

dos candidatos ourinhenses a deputado estadual na eleição de 1946, concorrendo<br />

pelo Partido Social, Democrático (PSD), com o dr. João Bento<br />

Vieira da Silva Neto e Christiano da Costa Júnior. Mário foi o responsável<br />

pela continuidade da Fazenda Lageadinho, que ele transformou num<br />

original e bem-sucedido modelo de administração.<br />

Com a morte de Antônio de Almeida Leite e de dona Cândida,<br />

Mário foi comprando as partes na herança dos irmãos Otávio, Horácio,<br />

Raul, Paulo, Odila, Linda e Odete. A terceira irmã, Maria Amélia, não<br />

43


quis vender suas terras, e os dois criaram então a sociedade Fazenda<br />

Lageadinho Ltda., que incluiu entre os sócios alguns funcionários antigos<br />

de Tonico Leite ou seus descendentes. Hoje o grupo reúne trinta<br />

acionistas e a fazenda é conduzida por um conselho de administração<br />

presidido por Renato Ferreira Leite, filho de Maria Amélia e Deodato<br />

Ferreira Leite, irmão do valente Ioiô.<br />

A Lageadinho, seguindo uma tendência da agricultura paulista,<br />

aderiu à cana-de-açúcar, mas conservando cerca de 300 mil pés do café<br />

que fez sua fama e fortuna. Num gesto preservacionista, manteve parte<br />

de sua mata original, onde vivem bandos de macacos em liberdade.<br />

* * *<br />

Vizinho da Lageadinho, o português e pastor presbiteriano Manoel<br />

Alves de Brito abriu a Fazenda Canaã, um nome que já revela a familiaridade<br />

do proprietário com os temas bíblicos. Nascido na região de Trásos-Montes,<br />

no norte de Portugal, em 1879, o reverendo Brito, depois de<br />

ter andado pelo estado do Rio de Janeiro, na região de Nova Friburgo,<br />

percorreu o Vale do Paranapanema em pregação religiosa, até se estabelecer<br />

em Ourinhos, junto com Álvaro Ferreira de Moraes e Benício do<br />

Espírito Santo, amigos da Igreja Metodista desde os tempos de Nova<br />

Friburgo. Adquiriu 220 alqueires e plantou café, trigo e alfafa, além de<br />

criar cavalos.<br />

Prosperou, apesar de manter vida austera e uma simples casa de<br />

madeira na rua Antônio Prado. Em breve, estava entre as personalidades<br />

locais e entrou para a política como uma das figuras acatadas do Partido<br />

Republicano Paulista. O reverendo trouxe uma inovação ao incluir a<br />

mulher nas atividades partidárias. O diretório e o conselho consultivo do<br />

PRP, escolhido em 1934, reunia boa parte dos proprietários rurais de<br />

Ourinhos, como Antônio de Almeida Leite, Olavo Ferreira de Sá, Adriano<br />

José Braz, Joaquim Luís da Costa, Ângelo Bolsonaro, Domingos Perino,<br />

Horácio Soares, Benício do Espírito Santo, o reverendo e dona<br />

Ananisa Franco Amaral Brito. Mesmo que a composição do partido revelasse<br />

um arranjo entre compadres, dona Ananisa tornou-se a primeira<br />

figura feminina da política ourinhense. No diretório estavam famílias<br />

que estreitaram laços com o casamento dos filhos. Eunice, uma das seis<br />

filhas do reverendo e de dona Ananisa, casou-se com o professor e farmacêutico<br />

Alberto Braz, filho de Adriano Braz. Anos mais tarde, com a<br />

queda de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo, Alberto Braz seria<br />

prefeito provisório de Ourinhos, entre março de 1946 e março de 1947,<br />

por indicação do Partido Social Democrático. Na década de 50, foi vere-<br />

44


ador e vice-prefeito na gestão de José Maria Paschoalick (1956-60).<br />

Dona Ananisa, descrita pelas filhas Eunice e Zaira como exímia<br />

pianista e excelente em bordados e rendas irlandesas, adoeceu gravemente<br />

nos anos 50, um derrame que determinou a mudança de todos<br />

para São Paulo e a posterior venda da fazenda para Francisco de Paula<br />

Dupas. O reverendo faleceu em 1966. O novo proprietário iniciou o<br />

desmembramento e a venda das terras em glebas menores, divisão consumada<br />

com a sua morte. A Canaã não existe mais, embora a família<br />

conserve algumas partes e tenha deixado o seu nome no Porto Dupas.<br />

* * *<br />

Horácio Soares, descendente de velha família paulista e filho de<br />

fazendeiro, nasceu em Atibaia, em 1894. Poderia ter sido agricultor na<br />

região, como o pai, mas acabou contador da Caixa Econômica Federal.<br />

Mais tarde, porém, com a herança da mulher, dona Emília Santos, mais<br />

suas economias, demitiu-se da Caixa e em 1925 veio fazer um bom negócio<br />

em Ourinhos. Comprou do médico Paulo Bulcão Ribas os 135<br />

alqueires da Fazenda Múrcia que incluía quase a metade do centro de<br />

Ourinhos. O nome das terras foi conservado nos documentos, mas na<br />

prática substituído por Fazenda Chumbeadinha, que começava na avenida<br />

Dr. Altino Arantes e terminava no atual bairro Nova Ourinhos.<br />

A fazenda produzia café e alfafa e tinha ótimas minas de uma água<br />

que chegou a ser vendida engarrafada, durante algum tempo, com o nome<br />

Fonte da Saúde. A sede era um casarão de madeira que sobreviveu<br />

até alguns anos atrás. A partir de 1939, Horácio Soares – escolhido para<br />

prefeito no ano anterior – começou a lotear parcialmente a fazenda. Primeiro<br />

foi criada a Vila Emília, em homenagem a sua mulher, em seguida<br />

as vilas Santo Antônio e São José. O nome Vila Emília praticamente<br />

deixou de existir por ter-se transformado no centro, entre a Altino Arantes<br />

e a estrada de ferro do Paraná. O restante foi loteado pelos filhos depois<br />

de sua morte. Em 1959 começou a criação do atual Jardim Paulista.<br />

O passo seguinte deu origem à Nova Ourinhos.<br />

Horácio Soares fez política desde que chegou a Ourinhos, inicialmente<br />

no Partido Republicano Paulista. Afastou-se durante algum tempo<br />

do situacionismo, passando para o Partido Democrático (PD). Mas voltaria<br />

logo ao grupo republicano. Terminou afirmando-se politicamente<br />

como ademarista. Seu grande momento como homem público aconteceu<br />

justamente na interventoria de Adhemar de Barros (1938-41), quando foi<br />

nomeado prefeito. Depois foi vereador e presidente da Câmara.<br />

Em 1951 disputou a prefeitura com Domingos Camerlingo Caló, o<br />

45


vencedor. Foi um golpe difícil para esse homem, que gostava de ternos<br />

de linho e possuía uma das mais belas casas da cidade. Morreu no ano<br />

seguinte de cirrose, provável sequela da maleita contraída na fazenda.<br />

Teve seis filhos do primeiro casamento com dona Emília, que faleceu<br />

em 1946, e dois do segundo, com dona Hermínia Soares. Da fazenda,<br />

transformada em bairros novos, restam pequenas chácaras pertencentes<br />

aos filhos Antônio Expedito e Alberto Santos Soares.<br />

Horácio Soares era prefeito quando foi fundado o primeiro ginásio<br />

de Ourinhos, pelo professor José Augusto de Oliveira, e presidente da<br />

Câmara quando o estabelecimento particular passou para a rede estadual.<br />

A escola recebeu seu nome em 1952, ano em que faleceu.<br />

* * *<br />

Álvaro Ferreira de Moraes foi um homem de temperamento difícil,<br />

além de muito religioso. É a opinião da própria família. Mas foi também<br />

cidadão audacioso nos projetos rurais; e essa audácia ajudou a construir<br />

Ourinhos. Poderia ter organizado a vida numa das mais bonitas regiões<br />

do estado do Rio de Janeiro, entre propriedades senhoriais surgidas no<br />

Império, onde sua família tem raízes antigas. Poderia, mas preferiu abrir<br />

novas fazendas e fundar outro ramo dos Moraes na região de Ourinhos.<br />

Pioneirismo herdado dos ancestrais que desceram de Minas para os<br />

campos fluminenses.<br />

Nascido na Fazenda São Lourenço, em Cantagalo, Rio de Janeiro,<br />

a 28 de janeiro de 1879, Álvaro Ferreira de Moraes, filho de Vicente<br />

Ferreira de Moraes, era neto do barão de Duas Barras (João Antônio de<br />

Moraes). Com 39 anos e casado com a mineira de Juiz de Fora Elvira<br />

Ribeiro de Moraes, foi para Ourinhos e, entre 1917 e 1918, comprou<br />

duas fazendas – Boa Esperança e Santa Maria. A primeira delas é hoje o<br />

bairro do mesmo nome, a segunda pertence atualmente a Renato da Costa<br />

Lima. Teve catorze filhos, dos quais três mulheres se casaram com<br />

membros da família Ferreira e Sá: Elsie, casada com Silas; Jenny, casada<br />

com Olavo, ambos filhos de Jacintho; e Ester, casada com Moacyr de<br />

Mello Sá, sobrinho de Jacintho. Dos filhos homens, alguns residiram e<br />

se tornaram conhecidos em Ourinhos, todos lidando com terras independente<br />

de outras atividades: Rubens, Silas, Paulo e Álvaro. Promoveram o<br />

loteamento da Vila Moraes (região da Santa Casa). Álvaro Ribeiro de<br />

Moraes (Vico), foi vereador e figura expressiva do Partido Trabalhista<br />

Brasileiro (PTB) até o golpe militar de 1964. Todos falecidos.<br />

O velho Álvaro doou os terrenos da Santa Casa, do ginásio (Instituto<br />

de Educação Horácio Soares) e o do templo de sua Igreja Metodis-<br />

46


ta, na rua São Paulo. Faleceu em 1942.<br />

Os fazendeiros citados anteriormente – com exceção de Jacintho<br />

Sá e Fernando Pacheco e Chaves – eram quase novatos para uma família<br />

que chegou bem antes a Ourinhos. A Sorocabana acabara de ser implantada<br />

quando, em 1909, Ângelo Christoni comprou 50 alqueires de terra<br />

de Jacintho: 20 em seu nome e 30 para o pai, Carlos. Italianos de Montalvo,<br />

no norte do país, instalaram-se em Pirassununga em 1906 com<br />

moinho de fubá e alambique. Três anos mais tarde o velho Carlos resolveu<br />

seguir adiante com os filhos Ângelo, Justo, Ernesto, Vitório, Rosa e<br />

Barbarina.<br />

Os Christoni dedicaram-se à lavoura, à fabricação de aguardente e<br />

ao comércio. Em 1934, Ângelo estava entre os comerciantes da praça<br />

principal com o Bazar de Ourinhos: “artefatos de alumínio, louças, material<br />

elétrico, vidros em geral, brinquedos, etc. Moinho de fubá, fábrica<br />

de ladrilhos de uma, duas e três cores” – anúncio publicado em A Voz do<br />

Povo. O seu nome ficaria na história ourinhense, entretanto, em 1938,<br />

quando publicou novo anúncio no jornal: “Terrenos. De acordo com o<br />

decreto-lei n° 58, de 1° de dezembro de 1937 [...] foram devidamente<br />

registradas as vilas denominadas Vila Nova e Vila Margarida, de propriedade<br />

de Ângelo Christoni [...]. Todos os interessados que desejarem<br />

terrenos por preços razoáveis, prestação sem juros, deverão solicitar informações<br />

à praça Mello Peixoto, 72”. Era o começo da urbanização de<br />

toda uma área nova da cidade. A denominação Vila Nova só ficou para<br />

os mais antigos. Prevaleceu Vila Margarida, escolhido em homenagem a<br />

dona Margarida, mulher de Ângelo. Três anos antes, em julho de 1935, o<br />

lugar era distante e abandonado, a ponto de o mesmo jornal publicar<br />

uma pequena critica à administração municipal: “Por que o sr. prefeito<br />

não presta um pouquinho de sua atenção para o bairro da Vila Nova,,<br />

providenciando [...] uma roçada em regra [...] naquela pradaria de capim<br />

amargoso?”<br />

Ângelo Christoni pertenceu à direção local do Partido Republicano,<br />

integrando o grupo dissidente que em 1921 reuniu-se em torno do<br />

coronel Tonico Leite e Jacintho Sá contra a administração de Eduardo<br />

Salgueiro. Faleceu em 1957, aos 80 anos. Seus descendentes e os de seus<br />

irmãos continuaram na cidade, numerosos e conhecidos. O filho Otávio<br />

foi inspetor de alunos no Instituto de Educação Horácio Soares. Isolina,<br />

filha do seu irmão Justo, casou-se com o ferroviário Antônio de Toledo<br />

Piza. São os pais do comediante Ary Christoni de Toledo Piza (Ary Toledo).<br />

47


* * *<br />

O velho Domingos Perino é um pioneiro de biografia discreta,<br />

apesar de ter deixado larga descendência e todo um bairro e avenida que<br />

levariam seu nome. Na mocidade foi um aventureiro que correu o mundo<br />

antes de bater em Ourinhos. Palavras do seu filho Jeanduy (Duia).<br />

Nascido na região de Turim, Itália, em 1866, esteve na França e na Argentina<br />

antes de se estabelecer com o comércio de lenha para a Estrada<br />

de Ferro Sorocabana. Transitou muito entre Botucatu e Lençóis Paulista,<br />

onde, em 1910, casou-se com Angelina Maria de Oliveira.<br />

Aos 44 anos, recém-casado, comprou em Ourinhos 75 alqueires de<br />

terra de Jacintho Ferreira. Duia Perino afirma que o pai foi o introdutor<br />

do eucalipto e de sua exploração comercial na cidade, como fornecedor<br />

para as locomotivas maria fumaça da estrada de ferro. A propriedade se<br />

estendia da atual Vila Perino até o córrego das Furnas que margeia o<br />

Parque de Exposições Olavo Ferreira de Sá. Produzia café, leite e tinha<br />

um longo trecho de pastagem. Perino alugava o pasto para tropeiros e<br />

viajantes que cruzavam a cidade, vindos de Minas com muitos animais,<br />

tecidos, fumo e outros produtos. Por 500 mil réis a noite, os cavaleiros<br />

soltavam as montarias, tropas e boiadas no terreno e ainda contavam<br />

com um barracão para dormir.<br />

Alguns anos mais tarde, Domingos Perino vendeu seis alqueires<br />

para Benício do Espírito Santo, segundo prefeito de Ourinhos. As antigas<br />

mangueiras da Chácara do Benício, como era conhecida por todos,<br />

ainda existem nas vizinhanças da estação rodoviária.<br />

Domingos Perino teve sete filhos. Duia descreve-o como um homem<br />

de pequena estatura, calmo e comedido no falar. Muito generoso.<br />

“Era o pai da pobreza”, diz o filho, que não se lembra de vê-lo na política.<br />

Não foi de fato um militante dos jogos de poder locais, mas em 1934<br />

integrou o conselho consultivo do diretório do PRP, presidido pelo coronel<br />

Tonico Leite. Faleceria pouco depois, em 1937. Suas terras, bem<br />

divididas, deram origem à Vila Perino.<br />

Perino faz parte do grupo de proprietários que, como loteadores ou<br />

por simples tradição, deixaram seus nomes em bairros grandes e populosos.<br />

É o caso de Joaquim Luís da Costa, comerciante na avenida Jacintho<br />

Sá e dono do que hoje constitui a Vila São Luís; de Valeriano Marcante,<br />

da família Marcusso, e de João Musa, entre outros. Haverá fatalmente<br />

alguma omissão.<br />

A história dessas chácaras, sítios e fazendas volta ao homem elegante<br />

que se deixou fotografar em Paris. Ele agora está em Ourinhos,<br />

onde é visto frequentemente nas missas de domingo, sempre sozinho, de<br />

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pé, no fundo da igreja. É a imagem que dele guarda Luís Forti, morador<br />

na cidade desde 1924.<br />

Fernando Pacheco e Chaves, dono da Fazenda Santa Maria e de<br />

terras no centro, próximas da estação, era filho de um rico fazendeiro da<br />

região de Araras, Elias Antônio Pacheco e Chaves, e neto de um casal<br />

lendário do velho São Paulo, Martinho e Veridiana da Silva Prado, reis<br />

do café no começo do século, com três milhões de pés na Fazenda Guatapará,<br />

em São Simão.<br />

Elias Chaves se deu ao luxo de construir uma residência no centro<br />

de São Paulo, que mais tarde seria transformada no Palácio dos Campos<br />

Elísios (aproveitando-se o brasão com as letras E e C), sede do governo<br />

estadual. Ele foi vereador, deputado provincial (estadual), deputado geral<br />

(federal), vice-presidente da província em 1885 e senador estadual.<br />

Como empresário, está entre os fundadores da Companhia Balneária do<br />

Guarujá, no litoral paulista, que loteou terras da família nas praias da<br />

Enseada e das Pitangueiras. Participou da fundação da Sociedade Prado<br />

Chaves & Cia., posteriormente denominada Companhia Prado Chaves<br />

Exportadora, com uma rede de agências, na Europa e nos Estados Unidos,<br />

para a venda de café e algodão. A companhia teve um grande depósito<br />

na avenida Jacintho Sá. Elias Chaves também foi diretor-presidente<br />

da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e diretor do Banco<br />

Commércio e Indústria. Teve dez filhos do seu casamento com dona<br />

Anésia, filha de Veridiana e Martinho Prado, entre eles Eduardo Raul<br />

(Edu Chaves) e Fernando. Elias Chaves, nascido em Itu em 1842, faleceu<br />

em São Paulo em 1903.<br />

Uma família poderosa e diferente. Orgulhava-se de só ter fazendas<br />

com “braços livres” e foi uma das fundadoras da Associação Libertadora,<br />

entidade de agricultores paulistas resolvidos a acelerar o processo de<br />

libertação dos escravos na província de São Paulo. O mesmo grupo que,<br />

em 1896, criou a Sociedade Protetora da Imigração. No auge do café,<br />

os Pacheco e Chaves cultivavam requintes como feitos aviatórios e automobilísticos.<br />

O piloto Edu Chaves fez o primeiro voo Santos-São Paulo<br />

e São Paulo-Rio de Janeiro, em 1912, consagrando-se em 1920 com o<br />

reide Rio-Buenos Aires. Fernando importava carros e venceu, em 1916,<br />

o rally São Paulo-Ribeirão Preto ao volante de um raro Hupmobile.<br />

Nascido em 1875, Fernando Pacheco e Chaves teve cinco filhos do<br />

seu casamento com Alzira Leite de Barros: Fernando Miguel (1897-<br />

1926); Elias (1898-1981); Antônio Olegário (1901-48); Maria (1903-75)<br />

e Mário (1903-80). Fernando Miguel seguiu carreira militar com curso<br />

na Escola do Realengo, no Rio, e tornou-se oficial aviador. Participou,<br />

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ao lado do governo, de episódios históricos como o combate à Revolução<br />

de 1924, do general Esidoro Dias Lopes. Em 1926, com a patente de<br />

capitão, recebeu a incumbência de comandar tropas que perseguiam a<br />

Coluna Prestes. Não chegou a entrar em ação porque contraiu febre amarela<br />

em Juazeiro, Bahia, falecendo poucos dias depois em Salvador. O<br />

capitão Pacheco e Chaves é o herói da família. O irmão Elias Chaves<br />

Neto descreveu-o no seu livro de memórias Minha Vida e as Lutas do<br />

Meu Tempo (Alfa Omega, 1978): “Sempre se ligou ao povo. Era solícito<br />

com os seus homens, interessando-se pelos problemas pessoais dos soldados.<br />

Remava no Flamengo e era eminentemente popular. Ao falecer<br />

aos 28 anos em 1926, não tinha uma consciência muito clara dos problemas<br />

sociais que haviam de agitar a nação e que ainda não se tinham<br />

colocado politicamente”.<br />

Elias Chaves Neto seguiu um caminho oposto, considerando-se<br />

suas origens. Jornalista e advogado, trabalhou na grande imprensa com<br />

passagens pelo Correio da Manhã, Folha da Manhã e O Estado de S.<br />

Paulo. Seu maior mérito profissional na área foi ter dirigido de 1953 a<br />

1965 a Revista Brasiliense, uma das mais importantes publicações de<br />

política e cultura do país. Membro do Partido Comunista, dirigiu ou ajudou<br />

no projeto de pequenas revistas e jornais de cunho partidário. Essas<br />

atividades lhe valeram inúmeras prisões, algumas delas com um primo e<br />

amigo próximo, o historiador Caio Prado Júnior. Em suas memórias refere-se<br />

a Ourinhos, citando suas experiências na propriedade da família.<br />

“De lá, tinha uma bonita vista sobre o Vale do Paranapanema, que banhava<br />

as minhas terras numa extensão de uns quinhentos metros.”<br />

Dos outros filhos de Fernando, Antônio Olegário morreu cedo e é<br />

lembrado por uma sobrinha como um boêmio encantador. Mário e Maria<br />

foram os herdeiros que mais se dedicaram à Fazenda Santa Maria.<br />

Sempre envolvido em mais de uma atividade, Fernando Pacheco e<br />

Chaves passou os últimos anos de sua vida no Rio de Janeiro, como advogado.<br />

Foi assessor jurídico do prefeito e seu parente Antônio Prado<br />

Júnior durante a presidência de Washington Luís (1926-30). Faleceu em<br />

1944. A fazenda entrou em processo de venda e loteamento. Maria conservou<br />

a sua parte enquanto viveu. Era sempre vista na cidade tratando<br />

de negócios e chamava a atenção pelas roupas de brim e o chapéu no<br />

mais puro estilo explorador inglês. Ideologicamente estava no extremo<br />

oposto ao irmão Elias. Como fundadora e presidente de uma organização<br />

batizada de Liga Independente pela Liberdade, foi ativa organizadora da<br />

chamada “Marcha com Deus pela Liberdade”, que precedeu o golpe militar<br />

de 1964. Defendendo as realizações dos antepassados e os seus ide-<br />

50


ais políticos, Maria Pacheco e Chaves escreveu, em 1970, o livro Os<br />

Grandes Esquecidos de um Brasil Verdadeiro, com prefácio do general<br />

Dalyzio Menna Barreto. O curioso é que dona Maria explica que a sua<br />

entidade, a Liga, teria sido fundada em Ourinhos, em 15 de novembro de<br />

1962. Na realidade, a organização se tornou um fato político notório no<br />

ano seguinte, quando foi fundada a seção de São Paulo, em 25 de abril<br />

de 1963, em cerimônia na Sociedade Rural Brasileira com a presença do<br />

governador Adhemar de Barros. Era a conspiração contra o governo João<br />

Goulart em preparação, resultando no golpe que custou muito a Elias<br />

Chaves Neto e a seus companheiros, mas que, segundo familiares, não<br />

abalou a relação entre os irmãos.<br />

Da Fazenda Santa Maria restou apenas a Vila Pacheco e Chaves.<br />

Para os descendentes, Ourinhos é um passado remoto. Nenhum dos consultados<br />

lembra-se ou ouviu falar de Fernando Foschini, o homem de<br />

confiança de Fernando Pacheco e Chaves.<br />

Quanto à histórica Fazenda das Furnas, ela ainda existe, mas dividida<br />

em duas: Furnas, pertencente à dona Jenny Moraes Ferreira de Sá,<br />

viúva de Olavo Ferreira de Sá; e a Furninhas, propriedade de Jacintho<br />

Ferreira de Sá. Produzem cana e nela se cria gado. Dona Jenny doou dez<br />

alqueires para a criação do parque de exposições que recebeu o nome de<br />

Olavo e onde se realiza anualmente a Feira Agropecuária e Industrial de<br />

Ourinhos (FAPI).<br />

51


52<br />

9<br />

O TEMPO DOS INGLESES<br />

Um milhão de pés de café, plantados em 1910, trariam para Ourinhos<br />

uma segunda estrada de ferro, mais progresso e até a inesperada<br />

visita de dois príncipes ingleses. A conquista do chamado Norte Velho<br />

do Paraná passa pela cidade que se tornaria um importante entroncamento<br />

ferroviário durante décadas. A aventura foi desencadeada pelo fazendeiro<br />

Antônio Barbosa Ferraz Júnior, conhecido como major Barbosa,<br />

proprietário da Fazenda Água do Bugre, em Cambará, e iniciador da<br />

Estrada de Ferro São Paulo-Paraná.<br />

Barbosa Ferraz era proprietário nos arredores de Ribeirão Preto<br />

quando pressentiu, em 1910, que o futuro da cafeicultura estava nas terras<br />

roxas paranaenses. Comprou uma enorme gleba de terras entre Ourinhos<br />

e Cambará e plantou, de saída, um cafezal de um milhão de pés.<br />

Para garantir o escoamento da produção através da Sorocabana, evitando<br />

a distância do porto de Paranaguá, Barbosa, os filhos e outros fazendeiros<br />

da região, entre os quais Willie da Fonseca Brabazon Davids (casado<br />

com Carlota, filha do senador Mello Peixoto), Gabriel e Antônio<br />

Ribeiro dos Santos, Manoel da Silveira Correa e Cornélio Procópio, associaram-se<br />

para a construção da estrada de ferro ligando suas terras a<br />

Ourinhos. Fundaram, assim, a Estrada de Ferro Noroeste do Paraná,<br />

nome mais tarde alterado para Companhia Ferroviária São Paulo-<br />

Paraná, dando início, em 1923, à construção do trecho entre Cambará e<br />

Ourinhos, com uma extensão projetada de 29 quilômetros. A concorrência<br />

para a obra foi vencida pela firma que tem à frente o engenheiro de<br />

uma tradicional família paulista, Gastão de Mesquita Filho, formado<br />

pela Escola Politécnica de São Paulo. Um ano de trabalho e de despesas<br />

torna evidente aos fazendeiros que seus recursos não são suficientes para<br />

o empreendimento. Barbosa Ferraz, presidente da estrada de ferro, decide<br />

procurar novos sócios. É o primeiro passo para a chegada dos ingle-


ses.<br />

O presidente da República Arthur Bernardas, dois anos antes,<br />

chamara técnicos ingleses para o estudo da situação econômica e comercial<br />

do país e uma possível reorganização do Ministério da Fazenda. A<br />

negociação se passou no contexto dos acertos de dívidas brasileiras com<br />

a Inglaterra. A missão inglesa, chefiada por Lorde Montagu, antigo secretário<br />

de Estado para as índias e ex-secretário financeiro do Tesouro<br />

da Inglaterra, trouxe sir Charles Addis, diretor do Banco da Inglaterra,<br />

sir Hartley Withers e uma personagem que estaria diretamente ligada à<br />

história ourinhense: Simon Joseph Fraser, Lorde Lovat, décimo sexto<br />

barão do Reino Unido. Lovat viajava como diretor da Sudan Cotton<br />

Plantation Syndicate. Além da participação no trabalho, como assessor<br />

para assuntos de agricultura e florestamentos, ele estava interessado em<br />

fazer negócios. Sua empresa dedicava-se, com sucesso, à plantação de<br />

algodão numa colônia inglesa na África, o Sudão.<br />

O major Barbosa agiu com rapidez e habilidade. Estava com as<br />

pontas dos trilhos paralisados na estação de Leoflora, no km 22, e buscava<br />

investidores pelos jornais. Os ingleses chegaram a São Paulo em 14<br />

de janeiro de 1924; no dia seguinte, a diretoria de estrada de ferro publica<br />

uma página inteira no jornal O Estado de S. Paulo, com um mapa da<br />

região, o histórico da ferrovia e seus objetivos. O longo anúncio, redigido<br />

em um tom marcadamente otimista, assegura que a empresa<br />

vai surpreender pela sua renda, pois a linha férrea, até a florescente povoação<br />

de Cambará, que em futuro próximo será um segundo Ribeirão Preto<br />

como centro de produção cafeeira, terá desde logo para transportar a prodigiosa<br />

produção de cerca de cinco milhões de cafeeiros [...]. É, pois, de cristalina<br />

evidência que essa estrada de ferro terá brilhante destaque entre as de<br />

maior renda do País. [...], pois seu traçado discorre por toda uma imensa região<br />

afamada pela assombrosa fertilidade de suas terras roxas [...].<br />

Lorde Lovat, depois de visitar São Paulo e de prestar contas à Missão<br />

Montagu, como relator de assuntos agrícolas, dedicou-se aos interesses<br />

da Sudan Plantation. Esteve em diversas regiões paulistas mas acabou<br />

no Norte do Paraná a convite de Barbosa Ferraz. Os dois se encontraram<br />

para um jantar na Fazenda Água do Bugre, e Lovat, encantado<br />

com a riqueza do solo, fez uma oferta alta: 15 mil contos de réis pelos<br />

muitos alqueires e os milhares de pés de café do major. Barbosa recusou.<br />

Seu negócio era a ferrovia e a expansão agrícola. A conversa foi longa,<br />

envolvendo além do dono da casa os fazendeiros e diretores da ferrovia,<br />

Willie Davids, Antônio e Gabriel Ribeiro dos Santos, Manoel da Silveira<br />

53


Correa e o engenheiro Gastão de Mesquita Filho.<br />

Chamou-se a atenção do visitante para as terras férteis que o governo<br />

do Paraná oferecia a preços baixos, já que não havia transporte na<br />

região. Gastão de Mesquita Filho deixou um minucioso depoimento sobre<br />

a reunião:<br />

Depois do jantar, passamos para o salão de jogos e fui convidado pelo major<br />

Barbosa Ferraz para expor o plano de construção da estrada de ferro até<br />

Cambará e do seu prosseguimento no rumo das extensas glebas de terras roxas<br />

que existiam ainda por desbravar além dos rios Cinzas, Laranjinha, Tibagi<br />

e Ivaí. Sabia que Lovat desejava comprar terras para plantar algodão,<br />

mas o meu intuito era despertar sua atenção para as imensas glebas de terras<br />

fertilíssimas que uma colonização racional, feita com os recursos suficientes<br />

que não faltavam aos ingleses, poderia transformar em fonte de riqueza [...].<br />

Sobre uma mesa de bilhar, [...] eu estendi um mapa e mostrei a Lovat o traçado<br />

dos primeiros quilômetros da ferrovia que deveria ser construída como<br />

espinha dorsal de um ambicioso plano de colonização [...]. E não havia melhor<br />

ilustração para as minhas palavras do que as áreas colonizadas em<br />

Cambará, para onde se dirigiam os trilhos da ferrovia que eu estava construindo,<br />

vilazinha que então pertencia ao município de Jacarezinho. O prefeito<br />

desta cidade, Willie Davids, um homem de grande visão, havia loteado algumas<br />

glebas urbanas em Cambará a 50 mil réis o lote de meio quarteirão.<br />

Pois bem. Quando as notícias da aproximação dos trilhos da estrada de ferro<br />

começaram a circular, os preços destas datas foram subindo até atingir, em<br />

um ano, cinquenta contos de réis. É natural portanto que Lovat se mostrasse<br />

deslumbrado diante de uma valorização de 1000 %, quando na Inglaterra se<br />

faziam na base de 5 ao ano. Estou convencido de que essa demonstração [...]<br />

constituiu a semente da Companhia de Terras Norte do Paraná.<br />

Lovat telegrafou ao gerente da Sudan Plantation, marcando encontro<br />

em Londres para estudarem a aplicação de capital inglês no Brasil.<br />

Em seguida entrou em contato com o Banco Comercial de São Paulo e<br />

pediu a indicação de um advogado para servir como orientador jurídico<br />

dos ingleses em suas transações no Brasil. O dr. José Maria Whitaker,<br />

diretor do banco e futuro ministro da Fazenda, apresentou a Lovat o nome<br />

de João Domingues Sampaio. Ambos se encontraram em um jantar<br />

que deu início a uma longa e lucrativa amizade. João Sampaio sabia<br />

muito bem do que se tratava, uma vez que, por volta de 1910, fora advogado<br />

do mesmo major Barbosa no exame de títulos de propriedade, de<br />

terras.<br />

Nesse mesmo ano de 1924 Lorde Lovat e seus sócios no Sudão<br />

fundaram em Londres a Brazil Plantation Syndicate Ltd., com um capital<br />

de 200 mil libras esterlinas. A subsidiária brasileira do empreendi-<br />

54


mento organizou-se em 1925 com o nome de Companhia de Terras Norte<br />

do Paraná e um capital de mil contos de réis. No comando estavam<br />

João Sampaio, Antônio Moraes Barros e o inglês Arthur Thomas. O<br />

grupo adquiriu fazendas em Birigui e Salto Grande (Caiuá e Santa Emília)<br />

e uma beneficiadora de algodão em Bernardino de Campos. Nessa<br />

época os ingleses ainda pensavam em produzir algodão numa escala<br />

semelhante ou maior que a do Sudão. O negócio não se revelou rendoso<br />

como na África e os empreendedores acabaram optando pela colonização<br />

e venda de terras. A mudança de rota foi acompanhada do aumento<br />

de capital da Brazil Plantations Syndicate de 200 mil para 750 mil libras<br />

esterlinas. Depoimento do advogado João Sampaio:<br />

Ficou assentado que ao invés de aumentar o capital da Brazil Plantations,<br />

que seria oportunamente liquidada, fosse fundada a Paraná Plantations<br />

Company, a fim de levantar fundos de maior vulto para grandes empreendimentos<br />

que se projetassem: de início a compra de terras e as estradas de ferro<br />

e de rodagem necessárias à penetração e à colonização como elemento de<br />

desenvolvimento das plantações e da população. E completando o plano foi<br />

resolvido que seria fundada em São Paulo a Companhia de Terras Norte do<br />

Paraná, pessoa jurídica brasileira, sob a direção de brasileiros em maioria,<br />

para ser a adquirente e vendedora das terras, em respeito aos melindres dos<br />

nativistas. Sociedade anônima que seria controlada acionariamente pela Paraná<br />

Plantations, de Londres, de onde viria todo o dinheiro necessário em<br />

conta corrente.<br />

Gastão de Mesquita Filho acrescenta: “Chegamos assim ao ano de<br />

1928, quando a Companhia de Terras Norte do Paraná respondeu a um<br />

pedido de financiamento feito pela Companhia Ferroviária São Paulo-<br />

Paraná com uma oferta de compra da maioria de suas ações. Eu servi de<br />

intermediário entre os interessados na transação, que acabou se concretizando<br />

a 30 de junho de 1928”.<br />

Ourinhos é o ponto de partida para o Paraná. O fato seria lembrado<br />

anos depois, no livro comemorativo dos 50 anos da companhia, com<br />

pinceladas de romance:<br />

Amanhece. É o dia 20 de agosto de 1929. Uma neblina fria espalha-se pelos<br />

vales e envolve a pequena cidade que tropeiros e viajantes esperançosos batizaram<br />

certa vez de Ourinhos. Algumas ruas sem calçamento, casas rústicas<br />

mal alinhadas na perspectiva que se abre para o desconhecido e para a aventura.<br />

[...] Ao redor do caminhão Ford, alguns homens se movimentam arrumando<br />

coisas e tomando providências rápidas. Sem pressa [...] aquelas personagens<br />

se preparam para uma investida histórica: o reconhecimento pioneiro<br />

da região ainda virgem, balizada pelo curso dos rios Paranapanema,<br />

55


Tibagi e Ivaí, onde a Companhia de Terras Norte do Paraná se preparava<br />

para plantar a civilização.<br />

O entusiasmo pelo empreendimento estava nas solenidades e nos<br />

jornais. Cada trecho novo da ferrovia era festejado com a celebração de<br />

missas, discursos e banquetes. Quando a São Paulo-Paraná chegou ao<br />

rio Cinza, em abril de 1930, houve solenidade com a presença de conhecidos<br />

jornalistas de São Paulo. O escritor Afonso Schmidt representou O<br />

Estado de S. Paulo. Schmidt, romancista com tendência para os temas<br />

sociais, voltou conquistado pelo que vira e escreveu no seu jornal: “Ourinhos,<br />

destinada a ser, em futuro próximo, entroncamento de três estradas<br />

de ferro, a São Paulo-Paraná, a Sorocabana e o ramal São Paulo-<br />

Rio Grande, cujos trilhos já se encontram em Jacarezinho, é uma cidade<br />

que surge do chão e a gente como que a vê desenvolver-se”.<br />

O sucesso do projeto deu origem a Londrina (uma apaixonada referência<br />

a Londres) e a outras cidades. Um ano mais tarde, em 1931, os<br />

próprios herdeiros da coroa britânica visitaram o Paraná passando por<br />

Ourinhos. A caravana era composta pelo príncipe de Gales, futuro rei<br />

Eduardo VIII, e seu irmão Jorge. Eduardo abdicaria em 1937 para se<br />

casar com uma plebeia, o que foi apontado na época como o romance do<br />

século. O irmão assumiu o trono como Jorge VI. É o pai da rainha Elizabeth<br />

e avô de Charles, o atual príncipe de Gales. A presença dessas figuras<br />

tão diferentes foi um acontecimento emocionante na cidade. Ourinhos<br />

passa a viver o que se costuma chamar de “o tempo dos ingleses”.<br />

56


57<br />

O NASCIMENTO DE OURINHOS<br />

Café, boas terras e habilidade política<br />

fazem surgir uma nova estação na<br />

Estrada de Ferro Sorocabana<br />

Praça Mello Peixoto na década de 1930


58<br />

Jacintho Ferreira e Sá,<br />

o criador de Ourinhos<br />

Dona Escolástica Melchert da Fonseca,<br />

a dona da Fazenda das Furnas


59<br />

Senador Mello Peixoto,<br />

o aliado político de Jacintho<br />

Trecho da escritura<br />

em que dona<br />

Escolástica Melchert<br />

da Fonseca vende a<br />

Fazenda das Furnas<br />

para Jacintho<br />

Ferreira e Sá


60<br />

Primeira página do Diário Oficial, com a Lei nº 1608,<br />

que criou o município em 13 de dezembro de 1918<br />

Anúncio publicado<br />

em 1931 pela<br />

Companhia Costa<br />

Júnior que vendia<br />

terras de sua<br />

Fazenda Ourinhos


61<br />

II<br />

CASOS, ACASOS E HISTÓRIA


62<br />

10<br />

EDUARDO SALGUEIRO<br />

Embora tenha deixado descendentes e parentes estimados na cidade,<br />

a foto de Eduardo Salgueiro foi a última a ser incluída na Galeria de<br />

Prefeitos de Ourinhos, cargo que ocupou entre 1919 e 1921. No início<br />

desta pesquisa, faltavam quatro. Foi possível contatar em São Paulo familiares<br />

do professor José Galvão, prefeito de 1926 a 1930, e do dr.<br />

Theodureto Ferreira Gomes (1931). Nos Estados Unidos, foi localizada,<br />

no Texas, a Sra. Maria Mano Davis, filha única de José Esteves Mano<br />

Filho (1926 e 1937-38). São pessoas que estavam afastadas de Ourinhos<br />

há muitos anos e que forneceram fotos e novas informações sobre os<br />

seus parentes. Os retratos de três ex-prefeitos foram incorporados à galeria.<br />

Só depois dos anos 90, quando a primeira edição deste livro já estava<br />

editada a administração municipal ourinhense conseguiu, enfim, um retrato<br />

de Eduardo Salgueiro. Ainda assim, os relatos sobre ele são sempre<br />

vagos.<br />

Esse filho de espanhóis, natural de Botucatu, pode ser incluído entre<br />

os pioneiros da cidade. Os mais antigos lembram-se do seu armazém<br />

na esquina da rua Paraná com a Sergipe (Antônio Carlos Mori). Era um<br />

homem claro, do tipo forte e quase gordo. As atividades sociais e políticas<br />

que desenvolveu sempre foram noticiadas pelos jornais. O que se<br />

silencia ou não se sabe é a respeito de sua passagem pela prefeitura, a<br />

renúncia ao cargo e, principalmente, o papel que teria desempenhado na<br />

morte de Fernando Foschini.<br />

Os descendentes, parentes e amigos da família alegam que eram<br />

jovens demais por ocasião daqueles fatos, mas, em princípio, negam<br />

qualquer culpa do acusado. Dos antigos moradores, o único a estabelecer<br />

uma ligação entre Salgueiro e a morte de Foschini é o senhor João Ferreira<br />

(João Sentado). O ex-prefeito Rodopiano Leonis não faz menção ao<br />

crime, mas refere-se a Eduardo Salgueiro como um homem “arbitrário e


ancoroso”.<br />

Eduardo Salgueiro foi escolhido prefeito pela primeira Câmara<br />

Municipal, eleita em 1918, quando o distrito de Ourinhos foi elevado à<br />

condição de município. As eleições eram organizadas pelo juiz de paz,<br />

cargo exercido por Afonso Salgueiro, irmão de Eduardo. No período<br />

anterior à criação do município, Ourinhos foi administrada por subprefeitos<br />

indicados pela Câmara de Salto Grande. Fernando Foschini foi um<br />

desses subprefeitos, mas estava fora da administração quando morreu,<br />

em 1920. Uma tocaia na rua Paraná, em seu trecho final que se transformava<br />

na estrada para o Paraná e para a Fazenda Santa Maria, da qual<br />

era administrador. Salgueiro foi apontado como o mandante do crime e<br />

levado a julgamento.<br />

Os acontecimentos foram noticiados pelo jornal A Razão, editado<br />

aparentemente em Ourinhos, mas que não se encontra em coleções de<br />

particulares ou nos arquivos oficiais do estado. O jornal O Estado de S.<br />

Paulo reproduz, contudo, suas matérias, e sua existência é reconhecida<br />

pelo Anuário Estatístico de São Paulo de 1921, que o menciona como<br />

um jornal semanal com um ano de circulação na cidade.<br />

O caso Foschini-Salgueiro apareceu na página 2 de O Estado, na<br />

edição de 7 de fevereiro de 1921. A notícia, atribuída à “redação d'A<br />

Razão”, é a seguinte: “Foram presos preventivamente nesta cidade, como<br />

mandantes do assassinato de Francisco [sic] Foschini e Antônio Pedro<br />

de Paula, o prefeito e presidente do diretório político local, Eduardo<br />

Salgueiro; seu irmão Afonso Salgueiro, 1° Juiz de Paz; José Antônio<br />

Rabello, vereador; e João Rodrigues, 2.1 Juiz de Paz. Como mandatários<br />

já se acham presos João Miguel de Ávila e Francisco Coelho, suplente<br />

de delegado desta cidade. Graças aos esforços do sr. dr. Paulo Barreiras,<br />

delegado de polícia desta cidade, está completamente elucidado este<br />

crime bárbaro e covarde praticado de emboscada [...]”.<br />

Em 23 de março de 1921, O Estado de S. Paulo transcreve uma<br />

nota de A Razão, de 6 de março, e que se refere ao atentado do qual Foschini<br />

escapou: “Inquérito sobre o atentado a Foschini, em 30 de outubro<br />

de 1919, foi presidido pelo dr. Armando Ferreira da Rosa, delegado regional<br />

de Botucatu. Apurou a responsabilidade de Eduardo Salgueiro<br />

como o mandante”.<br />

Assim o caso foi visto pela imprensa. Já no fórum de Santa Cruz<br />

do Rio Pardo, os seus vestígios foram conseguidos a duras penas em um<br />

labirinto de caixas metálicas repletas de papéis velhos. Não se encontrou<br />

a íntegra do processo com todos os seus desdobramentos, mas sinais<br />

indicadores do que se sucedeu. O nome de Eduardo Salgueiro aparece no<br />

63


Rol dos Culpados, livro n° 70, 1921/70, com uma indicação manuscrita<br />

ao lado: “Absolvido”. Os executantes do crime, nomeados como José<br />

Manoel de Ávila (e não João Miguel, como noticiou o jornal, que também<br />

chamou Foschini de Francisco, e não de Fernando) e Francisco da<br />

Silva Coelho, foram a júri às 14 horas do dia 22 de maio de 1922 e condenados<br />

a “trinta anos de prisão celular”. O advogado de defesa, Irineu<br />

Cunha, recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado.<br />

A nova sessão do júri, presidido pelo juiz Arthur Mihic, foi realizada<br />

no dia 24 de novembro de 1922 e os réus, absolvidos. Sem a íntegra<br />

do julgamento fica difícil compreender a razão de tamanha reviravolta<br />

na posição dos jurados entre o primeiro e o segundo julgamento. A decisão<br />

está no Livro de Atas do Júri n° 55. O promotor apelou. O desfecho<br />

do caso não foi encontrado, apesar das consultas às atas do júri de 1922<br />

a 1924. O que se sabe com certeza é que Eduardo Salgueiro voltou livre<br />

para casa depois de ter sido enquadrado no Artigo 294, Parágrafo 1º do<br />

Código Penal (de 1890), que trata de homicídio qualificado. Retomou<br />

seus negócios e manteve inalterados os vínculos que mantinha com políticos<br />

e autoridades da região.<br />

O Correio Paulistano, de 7 de julho de 1926, na seção “Mala do<br />

Interior”, informa: “O sr. coronel Eduardo Salgueiro, representante da<br />

Standard, atendendo ao acréscimo [...] do número de automóveis [...],<br />

fez instalar em sua casa comercial uma bomba de gasolina [...]”. O<br />

mesmo jornal voltou a mencioná-lo, sem esquecer o título honorífico de<br />

coronel, quando Ataliba Leonel visitou Ourinhos em campanha eleitoral.<br />

A notícia, na edição de 15 de fevereiro de 1927, ressalta que “na residência<br />

do sr. coronel Eduardo Salgueiro foi oferecido ao sr. Ataliba Leonel<br />

uma taça de champanhe [...]”.<br />

Eduardo Salgueiro faleceu em 23 de novembro de 1932 de septicemia,<br />

segundo o atestado de óbito. Tinha 45 anos. Os dois jornais do<br />

município não estavam circulando devido à Revolução de 1932. Não há,<br />

portanto, registro de como a cidade reagiu a sua morte. Seus parentes e<br />

descendentes sempre gozaram da estima dos ourinhenses. Ironia do acaso:<br />

quase trinta anos mais tarde, em 1961, Benício do Espírito Santo, o<br />

homem que o substituiu na prefeitura em 1921, foi sepultado ao seu lado<br />

no cemitério municipal.<br />

64


65<br />

11<br />

TOCAIA NA RUA PARANÁ<br />

Fernando Foschini era um homem alto, forte, tinha cabelos castanhos<br />

repartidos ao meio, bigodes bem tratados e levemente retorcidos<br />

para cima. Numa fotografia dedicada à noiva, em 1912, chamam atenção<br />

os olhos grandes e a expressão ousada, semelhante à de cantores líricos<br />

ou atores de papéis românticos do começo do século. Vestia-se. com<br />

apuro, não dispensando chapéu-palheta, e dirigia carros luxuosos. Os<br />

parentes dizem que era também temperamental, como bom italiano de<br />

Udine, onde nasceu em 1885.<br />

Sua breve passagem por Ourinhos, no início da cidade, estava destinada<br />

a transformá-lo numa espécie de personagem de folhetim histórico.<br />

Os fatos que cercam suas atividades políticas e o seu assassinato<br />

permaneceram mais de meio século no claro-escuro das versões fragmentárias<br />

e das lacunas que o tempo se encarregou de aumentar. Administrador<br />

da fazenda de Fernando Pacheco e Chaves, foi indicado subprefeito<br />

em janeiro de 1918, mas renunciou em agosto. Foi morto no dia<br />

8 de abril de 1920, com apenas 34 anos.<br />

Seu único filho, Aristides, nascido em 1914, reside hoje em Pirajuí<br />

e tem dificuldades em reconstituir os motivos da tragédia. Estava com<br />

sete anos quando perdeu o pai e a família deixou Ourinhos. Consegue<br />

apenas oferecer o breve histórico de uma gente ousada nos negócios e<br />

bem relacionada em São Paulo, apesar das origens modestas. Fernando<br />

era filho de um lavrador imigrante, Edmundo Foschini, que teve o primeiro<br />

contato com a realidade do país em São José do Rio Pardo, onde<br />

foi trabalhar na Fazenda Floresta. Eram vários irmãos e nenhum destinado<br />

à vida áspera de colono. Carlos estudou engenharia, Júlio, economia,<br />

Valdemar foi gerente da fábrica de biscoitos e bolachas Duchen e o<br />

trio formado por Heitor, Ugo e Vicente se dedicou ao ramo de casas lotéricas<br />

e ao comércio de cavalos de corrida. Só Fernando Foschini man-


teve ligações com o campo, mas em condições privilegiadas. Tornou-se<br />

amigo e homem de confiança de Fernando Pacheco e Chaves, que o escolheu<br />

para administrador da Fazenda Santa Maria, em Ourinhos.<br />

Fernando Foschini casou-se em São Vicente com Orieta de Araújo.<br />

Teria sido uma cerimônia como outras, não fosse o juiz de paz Benedicto<br />

Calixto, um dos grandes pintores acadêmicos do Brasil. Orieta estava<br />

com 22 anos e Foschini com 27 naquele 26 de julho de 1913. Foram<br />

para Ourinhos onde, sete anos mais tarde, uma bala certeira tirou de cena,<br />

no meio da rua Paraná, o administrador da Santa Maria. O atestado<br />

de óbito descreve que a vítima sofreu “uma hemorragia cerebral traumática<br />

em consequência de ferimento na região frontal”.<br />

O sepultamento foi em São Paulo e o julgamento dos criminosos<br />

no ano seguinte. A família optou pela distância e o esquecimento. Somente<br />

um nome rondava às vezes a infância de Aristides, em conversas<br />

dos maiores. Referências a um certo José Manoel. O mesmo José Manoel<br />

de Ávila que aparece no processo como assassino. Passados setenta<br />

anos, Aristides Foschini, um homem calmo, conservado, prefere lembrar<br />

somente o dia em que pediu de presente uma palhetinha igual à que o pai<br />

gostava de usar. Não houve tempo.<br />

66


67<br />

12<br />

O COMERCIANTE SOUZA SOUTELLO<br />

Dona Virgínia abre a porta do seu apartamento, em Copacabana,<br />

ligeiramente surpresa com o fato de alguém de Ourinhos tê-la localizado<br />

para falar do seu sogro, Manoel de Souza Soutello. Mostra um álbum<br />

antigo onde se encontram várias fotografias, uma delas realmente preciosa:<br />

a do Armazéns Gerais Souza Soutello, com a data de 1917. Trata-se<br />

de um casarão de madeira com portas altas que toma toda uma esquina,<br />

provavelmente na confluência da rua São Paulo com a avenida Altino<br />

Arantes (ou praça Mello Peixoto). Uma segunda foto mostra Souza Soutello<br />

diante de sua residência recém-construída e que ainda existe, na<br />

esquina da rua São Paulo com a Rio de Janeiro. Na foto do seu casamento,<br />

em 1912, Soutello aparece de casaca, cabelos negros, cavanhaque e<br />

bigode de ponta. Uma outra, anos mais tarde, mostra a família crescida e<br />

já em Ourinhos. Souza Soutello está mais gordo, tirou o cavanhaque e<br />

aparou as pontas do bigode. Um sólido comerciante burguês de olhar<br />

pacífico. Por fim, a sua última fotografia em Ourinhos: Soutello na cerimônia<br />

da criação da comarca, em 1938. Essas raridades da história<br />

ourinhense permaneceram guardadas durante mais de 50 anos no Rio de<br />

Janeiro.<br />

Dona Virgínia, que visitou Ourinhos logo depois de se casar com<br />

Mário, um dos filhos de Souza Soutello, fez questão de prestar seu depoimento<br />

por escrito.<br />

“Nascido em Portugal, distrito de Braga, lugar de Soutello – a 1°<br />

de setembro de 1878 –, recebeu a cidadania brasileira, considerando-se<br />

um autêntico brasileiro. Veio para o Brasil na companhia do seu irmão<br />

mais velho, aos 11 anos de idade, portanto em 1889. [...] Tornou-se independente<br />

do irmão aos dezesseis anos. [...] Seu espírito aventureiro<br />

levou-o a Ourinhos, que começava a surgir, e aí se estabeleceu na pri-


meira década do século. Seu comércio atacadista de secos e molhados<br />

progrediu e, em pouco tempo, estava instalado em sede própria.<br />

“Casou-se com Maria de Barros, natural do estado do Rio de Janeiro,<br />

nascida em Barra Mansa. O casamento foi realizado na Basílica de<br />

Nossa Senhora da Aparecida, no ano de 1912. Após a cerimônia religiosa<br />

o casal seguiu para Ourinhos, onde residiu até 1918. Em Ourinhos<br />

nasceram os quatro filhos do casal, dos quais apenas dois chegaram à<br />

idade adulta: Maria da Glória e Mário, ambos já falecidos.<br />

“Foi com grande tristeza que Manoel Soutello deixou Ourinhos e<br />

seus negócios. Sua esposa foi acometida de câncer e, na esperança de<br />

encontrar tratamento adequado, veio para o Rio de Janeiro [...] e veio a<br />

falecer em 1919, aos 32 anos de idade. Desorientado com a perda da<br />

esposa e com dois filhos menores, Maria da Glória, com 4 anos, e Mário,<br />

com apenas 2, partiu em viagem. Viajou para Portugal com a finalidade<br />

de entregar os filhos a sua mãe, para que ela os criasse e educasse. Voltou<br />

a Ourinhos e sua alegria era acompanhar o desenvolvimento do lugar.<br />

“Em 1924, casou-se em segundas núpcias com dona Clotilde, que<br />

passou a ter a tarefa de educar os enteados, já então de volta ao Brasil.<br />

Manoel Soutello não voltou a morar em Ourinhos, mas nunca deixou de<br />

ser um entusiasta do progresso da cidade que ajudou a fundar como pioneiro<br />

que foi. Recebia regularmente o jornal da cidade e acompanhava<br />

com grande interesse as notícias locais. Por ocasião da elevação de Ourinhos<br />

a comarca, ele voltou à cidade e participou das festividades com<br />

grande emoção.<br />

“Sentia-se orgulhoso do desenvolvimento de Ourinhos e sempre<br />

que podia voltava à cidade. Chegou a construir nos terrenos que possuía.<br />

Foi numa dessas visitas que [...] sofreu um derrame cerebral que o impediu<br />

de retornar a Ourinhos. Ainda viveu alguns anos, mas não esqueceu<br />

a cidade [...]. Faleceu no Rio de Janeiro [...] a 4 de abril de 1948.<br />

“Manoel de Souza Soutello deixou dois filhos, Maria da Glória,<br />

que não teve filhos, e Mário, que lhe deu dois netos, José Mauro e Virgínia<br />

Isabel.<br />

“Mário, nascido em 1916, formou-se em direito pela Universidade<br />

Federal do Rio de Janeiro (pelo que me consta, foi o primeiro filho dê<br />

Ourinhos a colar grau em curso superior).<br />

“É com grande honra que eu, Virgínia Castro Pinto Soutello, nora<br />

do falecido sr. Manoel de Souza Soutello, a pedido do sr. <strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong><br />

<strong>Rios</strong> Vieira Neves, em nome do sr. prefeito de Ourinhos, dr. Clóvis Chiaradia,<br />

presto estas informações a respeito do pioneiro que, de 1910 a<br />

68


1942, muito contribuiu para o desenvolvimento de Ourinhos, promissora<br />

cidade do estado de São Paulo.”<br />

* * *<br />

Manoel de Souza Soutello foi um homem totalmente integrado na<br />

cidade. Quando se formou a comissão organizadora da construção da<br />

Santa Casa, em 1941, seu nome constou ao lado de Álvaro Ferreira de<br />

Moraes, Archipo Matachana, Miguel Cury e outros. No livro de contribuições<br />

anotadas pelo tesoureiro Rodopiano Leonis, sua participação é<br />

forte. Muitos doadores, alguns abastados, parcelaram o prometido. Souza<br />

Soutello subscreveu um conto de réis, e pagou no ato.<br />

Não se envolveu em política partidária. Seu nome não esteve em<br />

nenhum diretório e não fez parte da Câmara, mas recebeu várias homenagens<br />

oficiais. Em ato municipal de 29 de junho de 1932, o prefeito<br />

Theodureto Ferreira Gomes, “atendendo a que entre os primeiros que<br />

aqui aportaram pelo seu esforço e trabalho em prol deste município são<br />

apontados como seus legítimos fundadores e benfeitores, destaca-se o<br />

prestante cidadão, sr. Manoel de Souza Soutello [...]; atendendo que ao<br />

seu espírito de operosidade [...] devemos grande parcela na execução do<br />

programa de embelezamento da nossa urbes; atendendo a que sendo ele<br />

um dos maiores proprietários locais de magníficos e custosos prédios<br />

[...]. Resolve: Denominar Souza Soutello a rua situada na parte alta da<br />

cidade [...]”.<br />

O falecimento de Souza Soutello ganhou a primeira página de A<br />

Voz do Povo, que lhe fez elogios e um resumo biográfico. O seu nascimento<br />

é dado, entretanto, como sendo em Córrego d'Anta, Minas Gerais.<br />

Dona Virgínia contesta, invocando conversas com o sogro e a visita que<br />

fez à sua cidade, em Portugal, onde conheceu a herdade do Meal, nome<br />

da propriedade agrícola da família Soutello. Ela confirma as outras informações<br />

do jornal, como as andanças de Souza Soutello pela Amazônia.<br />

Só não consegue se lembrar dos objetivos dessa viagem, que atribui<br />

à audácia dos irmãos Soutello em busca do sucesso nos negócios. O irmão<br />

mais velho acabou se fixando em Barra Mansa, estado do Rio de<br />

Janeiro.<br />

Manoel de Souza Soutello foi um dos primeiros a urbanizar a cidade<br />

na “parte de cima da linha”, construindo ao longo do quarteirão da<br />

praça, entre a rua São Paulo e a Nove de Julho. Com o tempo, substituiu<br />

as casas de madeira por construções de tijolos. Algumas ainda estão no<br />

local, outras foram vendidas pelo seu filho, Mário, ao dr. Luiz Monzillo.<br />

69


70<br />

13<br />

SENADOR MELLO PEIXOTO<br />

João Baptista de Mello Peixoto, nome da principal praça e de uma<br />

rodovia em Ourinhos – embora a cidade praticamente o desconheça -,<br />

era um homem magro, alto e quase ruivo. Tinha olhos azulados e um<br />

nariz grande. Difícil imaginá-lo um nordestino de Pernambuco. Nasceu<br />

em Garanhuns, em 8 de março de 1856. A família tinha posses e influência<br />

na cidade, que tem uma rua Mello Peixoto. O pai recebia o tratamento<br />

de coronel. Coronel Antônio Baptista de Mello Peixoto, casado<br />

com dona Doroteia Amélia de Barros.<br />

O nosso Mello Peixoto formou-se em direito, em 1879, pela Faculdade<br />

de Direito do Recife. No mesmo ano foi nomeado promotor<br />

público de Bom Conselho, onde permaneceu até 1882, quando se transferiu<br />

para o Sul. As circunstâncias da mudança demonstram o prestígio<br />

político da família. O jovem advogado chegou ao Rio de Janeiro com<br />

uma carta de recomendação ao visconde de Ouro Preto, chefe do Gabinete<br />

Imperial de D. Pedro II, que o apresentou aos amigos do Vale do<br />

Paraíba. A biografia de Mello Peixoto menciona como seu protetor na<br />

região Moreira Barros, chefe político do 2° Distrito Eleitoral (o Vale).<br />

Um bisneto lembra ainda o papel de conselheiro e padrinho político desempenhado<br />

pelo barão de Bananal (Luiz da Rocha Miranda Sobrinho).<br />

João Baptista de Mello Peixoto chegou ao estado de São Paulo já<br />

nomeado juiz de Cunha. Em 1883 foi removido para Caçapava e três<br />

anos mais tarde abandonou a magistratura para se dedicar à advocacia e,<br />

em breve, à política. Indicado por Moreira Barros, foi eleito deputado<br />

provincial para o mandato de 1888-89, período crítico que inclui a abolição<br />

dos escravos e a queda do Império, onde estavam alguns de seus<br />

protetores. Mello Peixoto demonstra porém a habilidade que se tornaria<br />

conhecida. Os novos tempos o levam para o Partido Republicano Paulista.<br />

O presidente do estado, Bernardino de Campos, o nomeia secretário


da Justiça em 1895. Permanece no cargo até ser novamente eleito deputado<br />

estadual para o triênio 1896-99.<br />

A carreira de Mello Peixoto brilha definitivamente com a chegada<br />

ao governo estadual de Francisco de Assis Peixoto Gomide, vice de Bernardino<br />

de Campos. Seu filho, também chamado João Baptista, casou-se<br />

com a filha de Peixoto Gomide. Mello Peixoto foi nomeado secretário da<br />

Fazenda e, interinamente, secretário do Interior (1897-1900). Em 1900<br />

elegeu-se senador estadual para a vaga anteriormente ocupada por Domingos<br />

de Morais. Em 1902, durante o segundo governo de Bernardino<br />

de Campos, foi convidado para a Secretaria da Agricultura. Reelegeu-se<br />

senador de 1906 e 1913. Faleceu em 23 de janeiro de 1915 no Hotel Bela<br />

Vista, onde se hospedava com frequência. Chegara no dia anterior de<br />

uma viagem de negócios a Santos. O médico atestou síncope cardíaca.<br />

O falecimento de Mello Peixoto foi noticiado com destaque no<br />

Correio Paulistano. A elite paulista compareceu em peso ao velório, na<br />

Secretaria da Justiça e Segurança Pública, e ao cemitério da Consolação.<br />

Em Ourinhos e região, as homenagens se traduziram na praça e na<br />

estrada que liga a rodovia Raposo Tavares ao Paraná. Ourinhos não existia<br />

como município em 1915 e a Câmara de Salto Grande não tomou<br />

iniciativa de criar uma praça lembrando Mello Peixoto. É provável que<br />

essa tenha sido uma decisão pessoal do coronel Jacintho Ferreira e Sá,<br />

amigo e aliado político de Mello Peixoto. O nome não só ficou como<br />

resistiu a duas mudanças temporárias. Depois da Revolução de 1930, foi<br />

batizada de João Pessoa. Com a Revolução de 9 de julho, passou a ser<br />

chamada de praça da Bandeira. Acabou Mello Peixoto.<br />

71


72<br />

14<br />

O DONO DA FAZENDA OURINHOS<br />

O tempo e o acaso apagaram o nome Costa Júnior da vida ourinhense.<br />

No máximo, designa uma das seções da Usina de Jacarezinho.<br />

Mas basta levantar uma parte da história política do país para que a figura<br />

de Antônio José da Costa Júnior (1843-1919) reapareça. Ele foi dono<br />

de uma grande fazenda entre a Água do Jacu (Ourinhos) e proximidades<br />

de Jacarezinho. Suas posses no lado paulista ocupavam 104 alqueires,<br />

dos quais 40 de mata virgem. Era a fazenda chamada Ourinhos, detalhe<br />

que liga Costa Júnior à formação da cidade. Ligação ocasional, porque<br />

Costa Júnior viveu mais em São Paulo, ocupado com a política. O vínculo<br />

com a região (com Ourinhos particularmente) iria se prolongar através<br />

de seu neto, o excêntrico Christiano Costa Júnior (1912-69), um homem<br />

talentoso e provocador que alardeava a condição de descendente de uma<br />

família poderosa. Foi candidato a deputado estadual por Ourinhos em<br />

1946. Não se elegeu.<br />

Antônio José da Costa Júnior foi um exemplar perfeito das elites<br />

brasileiras na fase entre final do Império e início da República. Nascido<br />

em Campo Belo, estado do Rio, formou-se em direito pela Faculdade do<br />

largo São Francisco, em 1864.<br />

Iniciou a carreira de advogado e político em Resende (1u) ainda no<br />

Império. Filiado ao Partido Liberal, foi duas vezes deputado provincial.<br />

Republicano de primeira hora, ao lado do seu amigo paulista Campos<br />

Salles, elegeu-se deputado federal na Constituinte de 1891, a primeira do<br />

Brasil republicano. Seria reeleito até 1899, ano em que comprou as terras<br />

no Paraná.<br />

Era proprietário de boa parte do bairro paulistano da Água Branca,<br />

onde residia. No local há uma rua com o seu nome. Teve nove filhos do<br />

casamento com dona Ana Ignácia de Macedo Costa. Uma das filhas,<br />

Idalina, casou-se com o médico Francisco Carlos de Abreu Sodré. São


os pais do ex-governador paulista Roberto Costa de Abreu Sodré. Na<br />

década de 20, o dr. Francisco Carlos ainda viajava a cavalo até Ourinhos<br />

para dar consultas.<br />

A Fazenda Ourinhos é citada no Dicionário Histórico e Geográfico<br />

do Paraná, publicado em 1926 pelo desembargador Ermelino Agostinho<br />

de Leão (a semelhança com o nome do dr. Hermelino de Leão, de<br />

Ourinhos, é coincidência). O livro menciona a fazenda como a única em<br />

todo o estado a exportar café diretamente para a Europa. Produzia ainda<br />

milho, arroz e nela se criava gado holandês. Costa Júnior faleceu em<br />

abril de 1919 no seu casarão da avenida Água Branca, 75. Está sepultado<br />

no cemitério da Consolação, num túmulo austero que é vizinho do imponente<br />

mausoléu do amigo, o ex-presidente Manoel Ferraz de Campos<br />

Salles. Dona Ana Ignácia faleceu em 1924. Cinquenta anos mais tarde,<br />

enterrariam ao seu lado o neto Christiano.<br />

A Fazenda Ourinhos, oficialmente Companhia Agrícola Costa Júnior,<br />

administrada por prepostos e em processo de desmembramento<br />

pelos herdeiros, caminhou rápido para o fim. Hoje pertence a um grupo<br />

empresarial paulista com uma pequena mudança de nome para Companhia<br />

Agrícola Usina Jacarezinho. Um pouco da vida particular dessa<br />

família especial é contada adiante, com condescendência e ironia, por<br />

dona Eurídice de Macedo Costa, neta de Antônio José da Costa Júnior e<br />

irmã de Christiano.<br />

73


74<br />

15<br />

O PREFEITO GALVÃO<br />

Uma foto dos anos 20 mostra quatro homens em ternos do mais<br />

puro brim cáqui. Uns de polainas, outros de chapéu. O primeiro é Hermenegildo<br />

Zanotto, um senhor forte, concessionário da Chevrolet, negociante<br />

de cereais e secos e molhados. O segundo, o mais baixo de todos,<br />

é o fazendeiro Jacintho Ferreira e Sá. O terceiro, com um bigode crespo<br />

e um certo ar bonachão, é Vicente Amaral, do alto comércio local, como<br />

se dizia. O quarto homem é magro, tem cabelos lisos penteados para<br />

trás, entradas salientes, não usa barba ou bigode. É o professor e dentista<br />

José Galvão.<br />

Os três primeiros constituíram famílias numerosas, foram seguidos<br />

nos negócios pelos filhos e outros parentes. Seus netos e bisnetos mantêm<br />

a lembrança de suas vidas e obras. José Galvão desapareceu da memória<br />

da cidade logo depois de 1930, e hoje é apenas o nome de uma rua<br />

na Vila Moraes. Anos mais tarde, o farmacêutico Sebastião Costa Galvão<br />

estabeleceu-se em Ourinhos, criando-se o equívoco definitivo. José<br />

Galvão ficou sendo um vago parente do farmacêutico Galvão. Nunca se<br />

viram. José Galvão foi dos melhores prefeitos na primeira fase do município.<br />

Iniciou obras que ajudaram a dar à cidade uma vida mais organizada<br />

e confortável.<br />

Orador requisitado, tinha o gosto pelas frases e imagens rebuscadas,<br />

típico dos ambientes professorais e normalistas parnasianos, como o<br />

da Escola Normal Peixoto Gomide, de Itapetininga, onde se formou em<br />

1914. O pendor oratório e literário não o impediu, no entanto, de ser uma<br />

pessoa de ação. Nascido em São Miguel Arcanjo, na região de Itapetininga,<br />

em 13 de março de 1894, teve uma curiosa carreira com vários<br />

cargos, diplomas e ocupações. Embora descendente de Urias Emigdio<br />

Nogueira de Barros, desbravador dos “sertões” paulistas e fundador de<br />

São Miguel, o temperamento de José Galvão levou-o sempre para aven-


turas urbanas e intelectuais. Dez anos depois de formado professor primário,<br />

diplomou-se, em 1924, pela Escola de Farmácia e Odontologia<br />

de Pindamonhangaba. Em 1926 ingressou na Faculdade de Medicina de<br />

São Paulo, mas acabou desistindo, por falta de recursos. Achou melhor<br />

tratar da vida em Ourinhos. Em breve seria um dentista respeitado, orador<br />

de destaque e amigo de Jacintho Sá. Amizade valiosa que nesse<br />

mesmo ano o levou a ser escolhido prefeito pela Câmara. Foi reeleito<br />

três vezes.<br />

As realizações administrativas de José Galvão estão registradas em<br />

prestações de contas que documentam, em fatos ora sérios ora pitorescos,<br />

o crescimento da cidade. Ao dirigir-se à Câmara para um balanço do<br />

ano de 1927, o prefeito dava informes plenos de adjetivos, mas precisos:<br />

Obras públicas: Esta prefeitura pôs o melhor dos seus esforços na [...] ideia<br />

da construção da ponte do rio Pardo, na barra do rio Turvo, veemente aspiração<br />

de Ourinhos desde o ano de 1923. Infelizmente a Câmara teve de arcar<br />

com o ônus pesadíssimo [...] das obras porque as contribuições particulares<br />

fracassaram na sua quase totalidade. Para fazer face ao pagamento de<br />

39.000$00, que foi o quanto se contratou o serviço da feitura da ponte, a<br />

Câmara apenas contou com a contribuição de 5.520$000 do povo de Ourinhos,<br />

a maior parte do comércio. Estrada Mello Peixoto: Esta prefeitura<br />

conservou em boas condições de trânsito a estrada Mello Peixoto, que nos<br />

liga ao Paraná [...]. Essa estrada não poderá servir eficientemente ao trânsito<br />

de automóveis enquanto por ela transitarem veículos de tração animal. A solução<br />

consistirá na construção de uma estrada dupla, respectivamente para<br />

automóveis e carroças. Coreto e banda municipal: [...] mandei construir o<br />

coreto da praça Mello Peixoto, que agradável aspecto veio prestar ao nosso<br />

principal largo [...] impunha-se também a organização de uma banda municipal<br />

à altura do nosso progresso. Aproveitando a boa vontade dos senhores<br />

músicos, logrei conseguir que as duas bandas aqui existentes [...] se fundissem<br />

numa só, sob a denominação de Banda Municipal [...] contratei um maestro<br />

percebendo o ordenado de 150$000 mensais [...]. Emplacamento das<br />

ruas: Para maior facilidade e a fim de que a nossa cidade vá aos poucos se<br />

aproximando dos grandes centros civilizados, esta prefeitura mandou colocar<br />

placas em todas as ruas, fazendo também um serviço de sistematização<br />

quanto à denominação das ruas, onde existia alguma confusão. Não acho<br />

ainda conveniente a numeração dos prédios, visto existirem inúmeros deles<br />

condenados à demolição. O serviço de numeração deverá ser feito daqui a<br />

dois anos, quando a cidade sair do trabalho de remodelação a que febrilmente<br />

está se submetendo. Pedregulhamento: Um serviço de monta e que muito<br />

se impõe [...] a natureza do solo muito se presta à formação de nuvens de<br />

poeira [...] pedregulhamento das nossas ruas, quanto mais não seja, ao menos<br />

nas ruas centrais e de maior trânsito. Abastecimento de água: o problema<br />

capital para o vertiginoso progresso de Ourinhos [...] é certamente o<br />

75


abastecimento de água. Possuindo um lençol de água excessivamente profundo,<br />

a feitura de cisternas ou poços se torna fantasticamente trabalhosa e<br />

grandemente dispendiosa. Esse fato vem constituindo verdadeiro entrave ao<br />

desenvolvimento da nossa indústria.<br />

Em seguida o prefeito, embora não especifique o tipo de indústria<br />

que existiria no município, faz a previsão de instalação do serviço de<br />

água entre setembro e novembro do ano seguinte. O prazo determinado<br />

se revelaria impossível de cumprir, mas o prefeito foi em frente. Em 2 de<br />

abril de 1928 solicitou uma reunião extraordinária da Câmara para a avaliação<br />

da proposta da firma paulistana Bernardes & Cia. para a construção<br />

do sistema de águas. Era a única concorrente e o preço pedido foi<br />

considerado alto. O vereador José Felipe do Amaral propôs o cancelamento<br />

da concorrência e o prefeito foi autorizado a abrir uma segunda<br />

proposta, aprovada por unanimidade.<br />

No mês seguinte – 2 de maio de 1928 – tomava-se conhecimento<br />

de que a única proposta, e da mesma empresa, fora de novo apresentada.<br />

A Comissão de Obras da Câmara aprovou o plano por unanimidade e o<br />

prefeito fechou contrato com a Bernardes & Cia., estabelecida à rua São<br />

Bento, 40, em São Paulo.<br />

O benefício da água foi imposto à população sem meias-palavras.<br />

Em 15 de maio de 1929, a Câmara tornou lei o projeto, com a seguinte<br />

redação:<br />

Artigo 1°: Em todos os prédios [...] na zona servida pela rede de canalização<br />

geral da cidade [...] é obrigatória a instalação de água.<br />

Parágrafo único: O infrator [...] será multado em 50$000 se dentro de dez<br />

dias contados da intimação não der cumprimento às disposições do mesmo,<br />

caso em que serão feitos os serviços pela Câmara Municipal à custa do<br />

mesmo infrator com o acréscimo de 20% [...].<br />

[...]<br />

Artigo 4° Igualmente será multado em 20$000 e 50$000 na reincidência o<br />

proprietário ou inquilino do prédio onde forem encontradas torneiras abertas<br />

[...].<br />

O prefeito Galvão preocupou-se em reurbanizar o centro da cidade,<br />

alinhando e colocando sarjetas nas ruas, minimizando ao máximo o<br />

aspecto de acampamento que a cidadezinha ainda pudesse ter.<br />

Logo ao assumir pela primeira vez, lançou o edital n° 10, em que,<br />

como prefeito: “faz saber que [...] fica marcado o prazo de sessenta dias<br />

para que os proprietários dos prédios situados na praça Mello Peixoto<br />

executem o serviço de calçamento [...] entre o meio-fio e o respectivo<br />

alinhamento dos prédios, usando ladrilhos adotados como padrão pela<br />

76


Câmara Municipal e à disposição dos interessados”.<br />

Edital semelhante saiu em 24 de setembro de 1927, dirigido aos<br />

moradores e comerciantes da rua Paraná. Foram esses, portanto, os primeiros<br />

trechos da cidade com ruas sarjeteadas e calçadas ladrilhadas. A<br />

rua São Paulo foi a próxima.<br />

Homem do PRP e identificado com a ordem deposta pela Revolução<br />

de 1930, José Galvão entregou a prefeitura ao dr. Hermelino Agnes<br />

de Leão e partiu discretamente com a mulher Celise Arruda Galvão, o<br />

filho José e as filhas Moema e Eloá, ambas nascidas em Ourinhos. Não<br />

consta que tenha sido hostilizado. Ao contrário. Mudou-se em 1931,<br />

mesmo ano em que saíram da cidade outros homens importantes do<br />

PRP. O coronel Vicente Amaral foi para Sorocaba e o dr. Theodureto<br />

Ferreira Gomes, para São Paulo, onde abriu consultório e tornou-se médico<br />

da Light. Galvão instalou-se em Sorocaba. Ele e o velho amigo Vicente<br />

Amaral encontravam-se com frequência no Bar Leônidas, reedição<br />

sorocabana do mesmo. bar que Leônidas de Oliveira tivera em Ourinhos<br />

na década de 20.<br />

José Galvão rapidamente encontrou espaço de ação como dentista,<br />

jornalista e homem de atividades gremiais e esportivas. Foi presidente e<br />

orador do Clube União Recreativo e do Sorocaba Clube. Chegou a ser<br />

lembrado para prefeito em 1946, mas, segundo seu filho José, desistiu ao<br />

ver que não uniria todo o seu grupo político. Faleceu em 9 de abril de<br />

1948, depois de dar mais uma demonstração de agilidade de espírito. O<br />

dr. Galvão havia se formado em direito pela Universidade do Brasil, do<br />

Rio de Janeiro.<br />

77


78<br />

16<br />

O CASO RIBAS<br />

O dr. Paulo Bulcão Ribas tinha uma expressão séria. E assim que<br />

aparece, de beca, na foto de formatura pela Faculdade de Medicina de<br />

São Paulo, e é assim que aparecerá, bem vestido, aparentemente mais<br />

gordo, numa das últimas fotos antes de sua morte trágica.<br />

Recém-formado, não optou pelo Vale do Paraíba, onde sua família<br />

era poderosa em Pindamonhangaba. Não quis também ficar em São Paulo,<br />

à sombra do prestígio do pai, o dr. Emílio Ribas, que durante dezenove<br />

anos dirigiu o Serviço Sanitário do Estado (1898-1917), firmando-se<br />

como um dos grandes nomes da medicina nacional no combate às epidemias.<br />

Paulo Ribas preferiu começar a carreira na região nova de Ourinhos,<br />

não muito longe de Tatuí, onde nasceu em 1891, num dos períodos<br />

que o dr. Emílio passou no interior em suas campanhas sanitaristas.<br />

Em pouco tempo tornou-se proprietário rural e um dos próceres do<br />

PRP, amigo de Jacintho Ferreira e Sá e do poderoso major Antônio Barbosa<br />

Ferraz, de Cambará. Como médico, é um dos primeiros da história<br />

ourinhense, ao lado de Américo Marinho de Azevedo, Theodureto Ferreira<br />

Gomes e Hermelino de Leão. Adquiriu a Fazenda Múrcia e elegeuse<br />

vereador. Foi em sua casa que se reuniram os dissidentes do PRP, de<br />

Eduardo Salgueiro, agrupados no Partido Municipal.<br />

Não se nota muito a ação de Paulo Ribas nas demais reuniões partidárias<br />

e o seu nome quase não consta do noticiário social dos jornais<br />

ourinhenses. Mesmo assim, exerceu a vereança por cinco anos, renunciando<br />

em julho de 1926, quando se mudou para Campos do Jordão. Essa<br />

pequena história terminaria aqui não fosse um acontecimento inesperado.<br />

O jornal O Estado de S. Paulo de 18 de fevereiro de 1927 trouxe na<br />

página 6 a seguinte notícia, com o título “Assassínio de Inspetor Sanitário”:


Campos do Jordão, 17 – Verificou-se hoje, nesta localidade, uma lamentável<br />

cena de sangue. O sr. dr. Paulo Ribas, inspetor sanitário, por motivos ainda<br />

ignorados, foi agredido a tiros de pistola pelo sr. Moacyr Barbosa Ferraz,<br />

que aqui chegou hoje em bonde especial. O sr. Paulo Ribas veio a falecer<br />

momentos depois em consequência das graves lesões recebidas. Ao que parece<br />

houve luta entre ambos, pois o sr. Moacyr Barbosa está gravemente ferido.<br />

Moacyr Barbosa regressou à tarde para Pindamonhangaba<br />

Moacyr Barbosa era filho do major Barbosa da Fazenda Água do<br />

Bugre.<br />

Paulo Ribas foi sepultado em São Paulo. O Estado relembrou que<br />

o morto, ainda no quinto ano de medicina, distinguiu-se em 1918 durante<br />

a gripe espanhola ao dirigir o hospital de socorro de Santos. O jornal<br />

não identificou, ou não soube identificar, nenhum representante de Ourinhos.<br />

A imprensa ourinhense, alvoroçada com a visita de Ataliba Leonel<br />

à cidade, fato que mereceu a primeira página dos dois jornais, demonstrou<br />

discreta consternação, com o envio de condolências à família do<br />

morto. A Voz do Povo narrou o episódio mencionando Moacyr Barbosa<br />

Ferraz. Lembrou que “o dr. Paulo Ribas residiu muitos anos entre nós,<br />

onde deixou vasto círculo de amizades”. A Cidade de Ourinhos omitiu o<br />

essencial – as circunstâncias da morte e seu autor – em favor de uma<br />

fórmula não comprometedora: “Trouxe-nos o telégrafo e os jornais de<br />

São Paulo a dolorosa notícia do falecimento do distinto clínico”.<br />

Na reunião do PRP de 20 de abril de 1927, dois meses após o crime,<br />

Jacintho Ferreira e Sá comunicou oficialmente o fato ao partido. O<br />

prefeito José Galvão pediu um voto de “profundo pesar pelo passamento<br />

do nosso companheiro”. A seguir, o silêncio definitivo. As razões da<br />

tragédia caem nos domínios do “ouvi dizer” e poucos assumem o que<br />

sabem. Foi um crime passional. O dr. Paulo Ribas aparentemente tivera<br />

um romance com dona Cecília Amaral, mulher de Moacyr Barbosa, que<br />

foi a Campos do Jordão se vingar. Tanto na ida como na volta passou<br />

por Pindamonhangaba, terra da família Ribas.<br />

Sessenta e três anos passados, duas mulheres falam do caso. Dona<br />

Maria Carolina, filha de Paulo Ribas e Ilia Natividade Ribas, tinha apenas<br />

5 anos quando tudo aconteceu. Segundo ela, o pai foi apenas médico<br />

de dona Cecília. Tudo o mais não passou de desconfiança infundada de<br />

Moacyr Barbosa. Dona Carolina reside hoje no bairro de Perdizes, em<br />

São Paulo, no mesmo quarteirão onde ficava a residência do avô Emílio.<br />

Ourinhos lhe parece distante. Mostra as fotos do pai e cede uma cópia do<br />

atestado de óbito “por ferimento por arma de fogo”.<br />

Em Andirá, Paraná, dona Sílvia, filha de Braúlio Barbosa, um dos<br />

79


oito filhos do major Barbosa, dá sua versão sobre o que sucedeu com o<br />

tio Moacyr. Houve, segundo ela, o envolvimento de Cecília com Paulo<br />

Ribas e a reação do marido. Mas tudo lhe parece igualmente vago. Era<br />

nova na época e essas histórias não chegavam às crianças diretamente.<br />

Lembra-se de que Moacyr e Cecília tiveram apenas um filho, Mário.<br />

Separaram-se depois da tragédia e Cecília Amaral casou-se com Luiz<br />

Pacheco e Silva, com quem não teve filhos. Todos já estão mortos.<br />

80


81<br />

17<br />

ENCONTRO NA ESTAÇÃO<br />

Quando o dr. Arlindo Luz, diretor geral da Sorocabana, passou por<br />

Ourinhos, em maio de 1926, encontrou o prefeito José Esteves Mano<br />

Filho à sua espera. Muitas coincidências também estavam à espera desses<br />

dois administradores experientes e, de certa forma, do mesmo ramo<br />

profissional. Arlindo Gomes Ribeiro da Luz era engenheiro civil; Mano<br />

Filho era agrimensor com curso na Escola Militar do Realengo, Rio de<br />

Janeiro.<br />

O motivo da visita era importante para a cidade. Na gestão Arlindo<br />

Luz (1924-27), a Sorocabana começou a construir em Ourinhos o novo<br />

prédio da estação, em alvenaria, para substituir o melancólico barracão<br />

de madeira levantado em 1908, quando a ferrovia chegou ao lugarejo<br />

ainda praticamente sem nome. A obra foi dirigida por Henrique Tocalino,<br />

que também se encarregaria da construção de todas as casas dos ferroviários<br />

– ainda hoje existentes – no trecho entre a rua Antônio Prado e<br />

a São Paulo. A praça diante da estação leva seu nome por esse motivo.<br />

Mano Filho foi ao encontro para agradecer o melhoramento trazido<br />

pela estrada de ferro e aproveitou a ocasião para reivindicar uma passagem<br />

ligando a futura estação à avenida Jacintho Sá, onde na época se<br />

concentrava o comércio mais forte e o Hotel Patton, o melhor da cidade.<br />

Não deve ter sido um diálogo difícil. Entre as coincidências a<br />

aproximá-los estava a vocação para comandar e construir estradas de<br />

ferro numa época em que elas significavam expansão do progresso. Arlindo<br />

Luz seria conhecido como um dos grandes administradores ferroviários<br />

do país. Mano Filho, que trabalhou na Noroeste do Brasil e na<br />

Sorocabana (trecho São Paulo-Sorocaba), faria carreira na São Paulo-<br />

Paraná. Angariou prestígio suficiente para ocupar duas vezes a prefeitura<br />

de Ourinhos, em 1926 e em 1937.<br />

Terminada a visita, A Cidade de Ourinhos registrou que “a opinião


do sr. prefeito é otimista, pois o ilustre diretor da Sorocabana deu-lhe<br />

grandes esperanças sobre a construção da passagem”. Os melhoramentos<br />

introduzidos pela Sorocabana desencadearam uma série de homenagens<br />

a Arlindo Luz. Quando a estação finalmente foi inaugurada, em março<br />

de 1927, o vereador José Felipe do Amaral propôs, e a Câmara aprovou,<br />

a mudança do nome da rua Pará para Arlindo Luz, “como justa homenagem<br />

ao eminente brasileiro que brilhantemente superintende a poderosa<br />

Estrada de Ferro Sorocabana”. Em seguida, diversos comerciantes planejaram<br />

um jantar de agradecimento a Arlindo Luz, que não pôde comparecer.<br />

O governo de Carlos Campos chegava ao fim e ele estava preocupado<br />

em fazer o sucessor na Sorocabana. Conseguiu indicar o engenheiro<br />

Gaspar Ricardo Júnior. Futuro professor da Escola Politécnica e<br />

vereador em São Paulo, Gaspar Ricardo construiu a passagem de madeira<br />

para pedestres em Ourinhos. A cidade deu seu nome à antiga rua Alagoas.<br />

Mesmo não comparecendo aos festejos, Arlindo Luz agradeceu<br />

aos organizadores. Em telegrama ao “coronel Vicente Amaral, da Comissão<br />

Comercial de Ourinhos”, dizia: “Muito honrado com a homenagem<br />

que me quer prestar o comércio dessa cidade [...] não tenham incômodos<br />

comigo. Basta-me a satisfação de haver feito alguma coisa por<br />

uma das mais ricas e futurosas estações da Sorocabana e merecer a simpatia<br />

de sua população”.<br />

Não houve o jantar, ocasião em que Arlindo Luz e Mano Filho poderiam<br />

ter descoberto a maior das coincidências entre eles. Eram mineiros<br />

e da mesma cidade, Campanha da Princesa. Arlindo Gomes Ribeiro<br />

da Luz, nascido em 16 de setembro de 1871, era quase onze anos mais<br />

velho do que José Esteves Mano Filho, nascido em 21 de julho de 1882.<br />

Luz pertencia a uma família de políticos. O seu sobrinho Carlos Luz foi<br />

presidente da Câmara e assumiu a Presidência da República por alguns<br />

dias, em 1954, após o suicídio de Getúlio Vargas, quando o vice João<br />

Café Filho adoeceu. Além da Sorocabana, dirigiu a Noroeste do Brasil,<br />

a Estrada de Ferro Central do Brasil, a Leste Brasileira e a Great Western.<br />

Faleceu no Rio de Janeiro, em 1959, aos 88 anos.<br />

Mano Filho deixou a São Paulo-Paraná e obteve, em 1946, o título<br />

de construtor pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura<br />

(CRER), abrindo escritório em Ourinhos. Realizou obras na cidade, em<br />

Tupã, Pompeia e Marília. Em 1952 mudou-se definitivamente para o Rio<br />

de Janeiro, depois de ter-se candidatado a vereador pela UDN na eleição<br />

de 1951. Não foi eleito. Faleceu em Barra Mansa, Estado do Rio, aos 86<br />

anos, na casa de sua filha Maria Mano Davis.<br />

82


83<br />

18<br />

O PRÍNCIPE DE GALES<br />

A passagem por Ourinhos, em 1931, do príncipe de Gales e futuro<br />

rei Eduardo VIII da Inglaterra, e seu irmão Jorge, teve seu toque de romance,<br />

algum lance inevitável de comedia e, por fim, virou lenda. Os<br />

mais antigos garantem que o acontecimento foi um assombro. Uma pequena<br />

ideia do evento pode ser vislumbrada nos termos do boletim que o<br />

prefeito municipal, o geralmente sisudo médico Theodureto Ferreira<br />

Gomes, fez distribuir em toda cidade:<br />

Ao povo: Em demanda ao Paraná, onde visitarão as importantes Companhia<br />

Agrícola Barbosa e a Brazil Plantation, passarão amanhã por esta cidade, às<br />

8 horas do dia, acompanhados dos demais membros da sua luzidia comitiva,<br />

os ilustres hóspedes que o Brasil acolhe com inexcedível carinho e extraordinária<br />

alegria. Oportunidade que talvez jamais se reproduzirá na história de<br />

Ourinhos, cujo povo não pode e não deve faltar à estação [...] para dar as<br />

boas-vindas e aclamar [...] o herdeiro do trono da Grã-Bretanha e seu irmão,<br />

o príncipe Jorge [...].<br />

Foi uma decepção. O trem chegou uma hora e meia atrasado e,<br />

apesar da festiva multidão que sé encontrava na plataforma, suas altezas<br />

reais não abriram a janela. A composição parou só alguns minutos e partiu<br />

em meio à consternação geral. Mas eles teriam de fazer o caminho de<br />

volta.<br />

Os príncipes vieram em viagem oficial ao Brasil, como até hoje<br />

seus parentes e descendentes o fazem, em nome da diplomacia e dos<br />

altos interesses econômicos britânicos. A programação incluía o Rio de<br />

Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Mas a visita ao interior paranaense<br />

trazia um lado de negócios pessoais. Os príncipes eram acionistas da<br />

Brazil Plantation, fundada em Londres por um seleto grupo de nobres,<br />

financistas e generais.


O príncipe de Gales desembarcou como o herói de um filme inglês,<br />

trajando cáqui e com o inevitável chapéu redondo, modelo safári.<br />

Um rapaz magro, de olhos muito azuis e parecendo ligeiramente encolhido.<br />

Seu irmão Jorge era mais corpulento e permitiu-se andar de camisa<br />

esporte na fazenda. Foi uma chegada emocionante na estaçãozinha de<br />

Leoflora, logo que se atravessava o Paranapanema. Senhores de terno<br />

completo e senhoras de chapéus e pérolas foram à recepção. A fazenda<br />

dos Barbosa era de uma beleza tropical que impressionou os visitantes.<br />

O príncipe de Gales não demorou em sacar a filmadora e registrar a presença<br />

do irmão naquele recanto longínquo onde, segundo o jornal O Estado<br />

de S. Paulo, participariam de uma caçada às queixadas.<br />

O contraponto ao lado mais rústico da programação foi o almoço<br />

que Bráulio Barbosa ofereceu à comitiva no dia 31 de março de 1931. O<br />

cardápio impresso em francês conciliava a alta culinária internacional e<br />

os produtos da terra:<br />

Bebidas: Vins Chateou Rieussec, Richenbourg, champagne Lanson, Père et<br />

Fils e Veuve Clicquot. Liqueurs.<br />

Menu: Hors d'Ouvres Variées; Dorne de Pescada Frits, Sauce Tartare, Irish<br />

Stew, Filet de Boeuf Grillé, Printanière Royal, Salades Coeurs de Laitue.<br />

Sobremesa: Créme Caramel, Abacaxi Paulista, compotes diverses, goiabada,<br />

fromages, panier de fruits, biscuits. Café.<br />

Terminada a recepção na Fazenda Água do Bugre, os visitantes<br />

seguiram para Cornélio Procópio e Paula Souza para conhecer os loteamentos<br />

e fazendas da companhia. Faz parte da lenda terem os príncipes<br />

ficado impressionadíssimos com o tamanho das abóboras e melancias da<br />

região.<br />

Tanto na propriedade dos Barbosa Ferraz quanto no restante da<br />

excursão, nenhuma autoridade ou figura social ourinhense de projeção<br />

foi incluída. Pelo menos os jornais da cidade não noticiaram. Só deram o<br />

que se passou na volta dos ingleses:<br />

À tarde [...] correu célere a nova do regresso à noite dos príncipes. O povo,<br />

porém, já decepcionado, deixou de comparecer às 23h30 à estação. Nesse<br />

momento, porém, S.S. A.A. não se achavam dormindo e apareceram alguns<br />

instantes, trocando impressões com o elemento feminino ali numerosamente<br />

representado. Com pequena demora, o comboio continuava o seu percurso.<br />

Do breve encontro, numa hora que era quase madrugada velha para<br />

os costumes de uma cidade paulista dos anos 30, a lenda também<br />

guardou atos de emoção. Dizem, por exemplo, que o príncipe esqueceu,<br />

84


ou dele foi tomada num arroubo de entusiasmo, uma lapiseira que usava<br />

para conceder autógrafos. O príncipe de Gales foi embora e assumiu o<br />

trono do Império Britânico em 1937, como Eduardo VIII, renunciando<br />

no ano seguinte. Tornou-se o duque de Windsor, passou o resto da vida<br />

em Paris e, nas suas memórias, não julgou importante relatar a passagem<br />

pelo Vale do Paranapanema. Uma de suas anfitriãs acha candidamente<br />

que foi ingratidão do príncipe.<br />

85<br />

Depois de passar por Ourinhos, o príncipe de Gales<br />

chega à Fazenda Água do Bugre, Cambará, em 1931


86<br />

19<br />

O ENGENHEIRO MORTON<br />

A presença dos ingleses deixou uma personagem na memória da<br />

cidade. O dr. Morton, engenheiro que ocupou a superintendência da Estrada<br />

de Ferro São Paulo-Paraná, teve uma convivência de quinze anos<br />

com os ourinhenses. Entre as fotos desse período, que vai de 1929 a<br />

1944, uma delas mostra um homem corpulento, cabelos grisalhos, expressão<br />

jovial. Está de gravata mas sem paletó, cigarro na mão e sentado<br />

na sua escrivaninha. Parece sério e bem-humorado ao mesmo tempo. As<br />

histórias que contam do dr. Morton confirmam a impressão.<br />

Embora a serviço de interesses de seu país, o dr. Wallace Morton<br />

deu provas de que se integrou de fato em Ourinhos. Formava um simpático<br />

casal com a mulher, Marjory. Participou de clubes de futebol, foi<br />

membro da comissão encarregada de construir a Santa Casa e não desprezava<br />

o Carnaval. O ferroviário Júlio Campiom revela hoje que sempre<br />

ficou admirado com a paixão do engenheiro por churrasco. O advogado<br />

João Bento Vieira da Silva Neto, já falecido, gostava de descrever<br />

como Morton e outros ingleses, numa noite de Carnaval e muito uísque,<br />

deixaram de lado a circunspecção britânica para se jogarem de roupa e<br />

sapatos no chafariz da praça Mello Peixoto.<br />

Com a encampação da ferrovia pelo governo brasileiro (1944),<br />

Morton deixou Ourinhos. Levou para a Inglaterra uma boa lembrança da<br />

cidade e dos companheiros de trabalho. Quarenta e dois anos mais tarde,<br />

em 1986, pouco antes de falecer em Camberley, descreveu num português<br />

razoável como foi a sua experiência. O documento, que circulou<br />

entre os veteranos da estrada e da companhia, alguns deles ingleses que<br />

ficaram no Brasil, em vários momentos elogia e demonstra gratidão aos<br />

funcionários, quase todos de Ourinhos. São os seguintes os principais<br />

trechos:


Como os fundos monetários da São Paulo-Paraná não eram grandes e sendo<br />

muito custosa a construção da ponte de aço sobre o Paranapanema, os diretores<br />

(brasileiros) não tinham dinheiro disponível para comprar material rodante<br />

novo. Foi assim necessária a compra de material de segunda mão. Portanto,<br />

não era possível se pensar no prolongamento da linha e, por isso, os<br />

diretores ficaram contentes em vender [...] a Londres. [...] Antes da compra<br />

[...] a concessão dada pelos estados de São Paulo e Paraná foi cuidadosamente<br />

estudada e foi verificado que, se a estrada de ferro fosse construída de<br />

Ourinhos a Guaíra, a linha passaria pelas terras da Companhia de Terras. De<br />

Londres vieram instruções para que fosse estudado o prolongamento dos trilhos<br />

[...] de Cambará até Jataí. [...] O engenheiro William Reid foi o responsável<br />

por este trabalho. [...] Londres achou o orçamento de Reid aceitável e<br />

a construção da estrada de ferro [...] foi confiada à companhia canadense<br />

MacDonald, Gibbs & Co. Ltd., a qual instalou seu primeiro acampamento<br />

[...] em Cambará em 1928.<br />

Para superintendente da São Paulo-Paraná, Londres escolheu o engenheiro<br />

T. D. Hamilton. Ao assumir o posto em Ourinhos, o engenheiro Hamilton<br />

descobriu que tinha ao seu dispor um bom grupo de ferroviários [...]. Na<br />

chefia do tráfego encontrou-se com o sr. Hermínio Socci, que, ao meu ver,<br />

tornou-se num dos melhores chefes de tráfego do Brasil, se não do mundo.<br />

O seu chefe de movimento, Carlos Deviene, foi igualmente de grande valor.<br />

Outros ótimos empregados foram: Oswaldo Paretto Torres, chefe de escritório;<br />

Humberto Formey, chefe das oficinas; e Benedito Monteiro, contador.<br />

Depois de percorrer todas as dependências da São Paulo-Paraná e de familiarizar-se<br />

com as condições atuais da estrada, Hamilton dedicou-se ao preparo<br />

da lista de tudo o que seria necessário para modernizar a linha em tráfego,<br />

tanto na via permanente quanto em material rodante. Os trilhos [...]<br />

eram leves demais e foram trocados por outros mais pesados, que poderiam<br />

aguentar o peso de locomotivas e material rodante mais modernos. As duas<br />

locomotivas então em uso foram fabricadas em 1880 e os vagões de carga,<br />

além de serem muito velhos, eram leves demais e de pequena capacidade.<br />

Em todos os seus trabalhos, o engenheiro Hamilton teve o auxilio e o apoio<br />

do engenheiro William Reid [...] o qual foi nomeado engenheiro-chefe de<br />

estrada de ferro, mas continuou a servir como engenheiro-chefe da Companhia<br />

de Terras.<br />

Em março de 1929, cheguei pela primeira vez para servir como engenheiro<br />

ajudante na São Paulo-Paraná. Alguns meses depois, o engenheiro James<br />

Maurice Adamson chegou em Ourinhos com as mesmas funções [...]. Não<br />

tendo experiência em engenharia ferroviária [...] a mim foi dada a tarefa de<br />

superintender as obras de construção em Ourinhos, enquanto Adamson foi<br />

escolhido para o mesmo trabalho na linha em trafego.<br />

Em Ourinhos, foram construídas seis casas para empregados de alta catego-<br />

87


ia. Uma oficina pré-fabricada para manutenção e reparo de locomotivas e<br />

material rodante foi importada da Inglaterra e montada, e o maquinaria necessário<br />

foi instalado nela. Um almoxarifado grande de tijolos foi construído,<br />

assim como um depósito de óleo e inflamáveis [...] um pátio de manobras<br />

foi iniciado com a construção de dois desvios e um triângulo de reversão.<br />

Na oficina foi montado o material rodante e as locomotivas novas que<br />

chegaram da Inglaterra, o material consistindo de carros de passageiros, vagões<br />

cobertos e gôndolas.<br />

Em 1931, o então príncipe de Gales, que mais tarde tornou-se o rei Eduardo<br />

VIII da Grã-Bretanha, com seu irmão, o príncipe George, que estavam visitando<br />

o Brasil, foram convidados pelo Lorde Lovat a visitar também o Norte<br />

do Paraná [...]. A visita foi um grande sucesso.<br />

Em 1932, Morton assumiu a superintendência de toda a estrada de<br />

ferro em substituição ao engenheiro Hamilton, que se demitira por razões<br />

de saúde. Em seu depoimento, volta a citar os brasileiros que o auxiliaram<br />

na expansão da ferrovia:<br />

Durante a construção do trecho Jataí-Londrina, a operação da linha em trafego<br />

continuou sem dificuldades As questões do trafego tanto de passageiros<br />

quanto de mercadorias, que estavam aumentando dia a dia, foram resolvidas<br />

pelo sr. Hermínio Socci, chefe de trafego, provando-se assim um dos melhores<br />

chefes de trafego do Brasil. Ele foi sempre a minha mão direita na administração<br />

da estrada. O chefe da linha e das obras da linha foi o engenheiro<br />

Ezelino Zorio, o qual manteve tudo debaixo do seu controle e em perfeitas<br />

condições, provando estar à altura de suas funções.<br />

Felizmente, Londres acabou por fazer um acordo com o governo alemão [...]<br />

alemães desejando comprar terras da Companhia podiam depositar marcos<br />

ao crédito da Companhia na Alemanha, os quais seriam usados para a compra<br />

de material ferroviário. Assim os alemães, chegando ao Brasil, receberam<br />

terras no valor dos marcos depositados e a São Paulo-Paraná recebeu<br />

locomotivas, carros de passageiros [...]. Este acordo naturalmente terminou<br />

no começo da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Depois foi necessário fazer<br />

compra de material nos Estados Unidos. Como muitos alemães vieram<br />

de Dantzig, a primeira cidade a ser aberta pela Companhia de Terras depois<br />

de Londrina recebeu o nome de Nova Dantzig [hoje Cambé].<br />

Apesar da guerra na Europa, o progresso da Companhia de Terras Norte do<br />

Paraná e da São Paulo-Paraná continuou com todas as esperanças de um<br />

grande futuro para as duas companhias. Mas infelizmente tanto a Companhia<br />

quanto a São Paulo-Paraná chegaram a ser vítimas da guerra [...]. Para<br />

continuar lutando, a Inglaterra precisava importar matéria-prima para a fabricação<br />

de tudo o que era necessário [...] na guerra. Muita matéria-prima<br />

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era encontrada no Brasil e, em 1943, o crédito financeiro da Inglaterra no<br />

Brasil estava chegando ao fim. Foi então que o governo britânico mandou a<br />

Paraná Plantations vender as suas duas companhias no Brasil, pois na Bolsa<br />

de Londres aquelas companhias nunca mostraram lucros. No Brasil todos<br />

sabiam por quê. Os lucros auferidos pelas duas companhias foram reinvestidos<br />

nelas, para o desenvolvimento do Norte do Paraná.<br />

Um representante do governo britânico foi enviado ao Brasil e negociou a<br />

venda das duas companhias. A Companhia de Terras foi comprada por um<br />

grupo paulista chefiado pelo dr. Castão de Mesquita. Este grupo manteve<br />

todos os empregados [...]. A São Paulo-Paraná foi comprada pelo governo<br />

federal brasileiro e incorporada à Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, a<br />

qual imediatamente dispensou todos os empregados superiores e, naturalmente,<br />

eu estava entre eles.<br />

Com orgulho, posso dizer que nos anos de 1932 até 1944, em que eu era superintendente<br />

da Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná, se a operação<br />

da estrada foi um grande sucesso, foi devido à leal cooperação e dedicação<br />

ao trabalho que recebi de todos os empregados da estrada, e a todos devo o<br />

meu sincero muito obrigado.<br />

89


90<br />

20<br />

OS ITALIANOS<br />

Pádua, entre Verona e Veneza. Terra de Heráclito Sândano. Rovigo,<br />

entre Bolonha e Pádua. Terra de Henrique Migliari. Heráclito veio<br />

para Ribeirão Preto, Henrique para Cravinhos. As famílias se uniriam<br />

pelo casamento dos filhos, Cisira Sândano e Narciso Migliari, e estariam<br />

juntas na criação de Ourinhos.<br />

Além das coincidências de origem e destino brasileiro, esses italianos<br />

tinham ofícios próximos: ferraria e marcenaria. Heráclito também<br />

trabalhou com bares e restaurantes. Foi o que o levou à Sorocabana,<br />

como fornecedor de refeições para os empregados da firma José Giorgi<br />

Construtores, encarregada do prolongamento da estrada de ferro a partir<br />

de Ipauçu. Dona Hermínia Sândano, mulher de Heráclito, revelou detalhes<br />

desses dias ao genro Leônidas de Oliveira, que os incluiu em seu<br />

depoimento sobre Ourinhos.<br />

A família Sândano gostou de Ourinhos e resolveu ficar. Heráclito<br />

abriu um hotel. É o mesmo que, vendido a outro italiano, José Patton, se<br />

tornaria famoso na história ourinhense. Heráclito teve a seguir um bar e<br />

uma fábrica de refrigerantes.<br />

Henrique Migliari seria um dos primeiros industriais de Ourinhos,<br />

onde chegou em 1910. Um anúncio das Indústrias Migliari publicado<br />

em 1926 no jornal A Cidade de Ourinhos revela o tamanho do empreendimento:<br />

Oficina mecânica, fundição de ferro e bronze. Fábrica de veículos em geral.<br />

Engrenagens, ferragens para roda d'água, buchas para carroças, chapas para<br />

fogões [...] portas e cilindros para padaria, banco para jardins, cruzes para<br />

túmulos [...] ferragens para prensa de alfafa [...] engenhos para cana [...].<br />

Assentamento de máquinas.<br />

É a mesma firma que continua já com a terceira e quarta gerações


no comando.<br />

A família Migliari, além da atividade principal, entra no cotidiano<br />

ourinhense por outras razões curiosas. Narciso, um dos filhos de Henrique<br />

Migliari, montou um dos primeiros cinemas da cidade: O velho<br />

Henrique, depois de passar os negócios para os filhos, foi cuidar do serviço<br />

de água municipal. Visitava as bombas de captação na beira do rio,<br />

com uma carrocinha repleta de ferramentas, o que incluía um torno manual<br />

para roscas nos canos. De vez em quando, levava o neto Lauro Migliari,<br />

que guarda saudosas lembranças dessas viagens com o avô. Faleceu<br />

em 1935 aos 64 anos.<br />

* * *<br />

Ourinhos era uma terra de futuro com famílias italianas progredindo<br />

nos negócios. O jovem Ítalo Ferrari resolveu fazer o mesmo. Uma<br />

viagem a mais numa série de aventuras iniciadas em 1906, em Pievi di<br />

Saco, no Norte italiano, quando a família emigrou para o Brasil. A primeira<br />

parada foi em Sertãozinho, onde Ítalo, os pais e mais sete irmãos<br />

foram colonos nos cafezais da região. Oito anos de lavoura. Segunda<br />

parada, em Ipauçu, ponta da linha da Sorocabana, lugar propício para<br />

um negócio novo, o comércio de bebidas.<br />

Em 1915, já casado com dona Hermínia Crivelari e com apenas 20<br />

anos, Ítalo Ferrari resolveu que a terceira parada seria Ourinhos. De início,<br />

um bar na Jacintho Sá, que estava longe de parecer uma avenida.<br />

Outro bar na rua Paraná com a novidade de uma pequena fábrica de guaraná<br />

e a representação da cerveja Antárctica. O nome do comerciante e<br />

industrial foi se firmando. O guaraná Ceci tornou-se um sucesso. Em<br />

1930 o refrigerante foi rebatizado com o nome de Ivoran, homenagem ao<br />

filho Ivo. Nos anos 40, com a empresa em fase de grande expansão, a<br />

família decidiu concentrar-se na revenda de cerveja e na produção de<br />

aguardente em larga escala. Nascia a Caninha Oncinha S/A. O velho<br />

Ítalo construiu uma casa na rua Nove de Julho e passou os negócios para<br />

os filhos Nilo, Ívo e Lino (teve ainda duas filhas, Alba e Geny). Tornouse<br />

uma figura respeitada da comunidade italiana. Faleceu em 1958.<br />

* * *<br />

No ano da criação do município, em 1918, dois amigos chegaram a<br />

Ourinhos para abrir uma serraria. Júlio Mori e Ângelo Milanezzi vieram<br />

de Botucatu, onde Júlio, filho de italianos de Lucca, na Ligúria, começou<br />

a vida como leiteiro, até chegar a dono de hotel. Compraram um<br />

quarteirão entre as ruas Cardoso Ribeiro, Paraná, Adindo Luz e Sergipe<br />

(mais tarde Antônio Carlos Mori, filho de Júlio). Posteriormente Júlio<br />

91


comprou a parte de Milanezzi e ficou sozinho com a serraria. A madeira<br />

era retirada da Fazenda Velha, uma parte do atual bairro da Sobra. No<br />

lugar havia mata virgem.<br />

Consolidada a atividade inicial, interessou-se por outros negócios a<br />

partir de 1933. Foi concessionário da Fiat e montou uma casa de secos e<br />

molhados que, dez anos mais tarde, se transformaria em uma loja de<br />

material de construção.<br />

A política entrou na vida da família desde que Júlio Mori ingressou<br />

no Partido Republicano. Em 1934 foi eleito para o diretório do partido<br />

ao lado do coronel Tonico Leite, Benício do Espírito Santo, José<br />

Felipe do Amaral, Miguel Cury, Henrique Tocalino e outros cidadãos<br />

conhecidos. Tradição mantida na Câmara Municipal pelos filhos Antônio<br />

Carlos, Oriente, eleito quatro vezes e tendo ocupado a presidência da<br />

casa, Júlio e o neto Ronaldo.<br />

Oriente, nascido em 1919, é mais um ourinhense que passou a infância<br />

numa cidade “que era só terra. Se chovia, era uma calamidade, se<br />

não chovia, era só poeira”. Mas outras evocações, bem melhores, também<br />

ficaram. “O cinema naquele tempo era uma beleza. Um casarão de<br />

madeira na praça. Havia intervalo para se jogar água na tela, senão<br />

queimava tudo. Era cinema mudo.”<br />

* * *<br />

Na saga de tantos italianos está faltando um toque mais ruidoso.<br />

Chegam então os Saladini. Não ficaram ricos, mas foram populares.<br />

Eram músicos, animavam festas. Consertavam as armas dos caçadores.<br />

O alfaiate Tamante Saladini, chefe de uma família de artesãos e comerciantes,<br />

é mais um cidadão de Pádua que veio para Ribeirão Preto. Dos<br />

filhos, Américo era pedreiro; Francisco, carpinteiro; e Antônio consertava<br />

armas de fogo, bicicletas, era fotógrafo e entendia de sanfonas. Afinava,<br />

vendia e tocava sanfona apaixonadamente.<br />

A habilidade em construções trouxe os Saladini para Ourinhos a<br />

convite de Henrique Tocalino, responsável por algumas das principais<br />

edificações públicas nos anos 20 e 30. Fizeram vários trabalhos, criaram<br />

raízes e, aos poucos, foram viver por conta própria. Antônio abriu uma<br />

oficina na rua Paraná. Mas o que lhe deu evidência foi trabalhar na praça<br />

como motorista, junto com o irmão Américo, e tocar nas festas. Os antigos<br />

da cidade sempre guardam uma palavra simpática aos irmãos motoristas<br />

e à habilidade do sanfoneiro. A oficina de Antônio seria mantida<br />

pelo filho Francisco, o Chiquinho Saladini, que entraria para o ramo de<br />

bicicletas e motos. Sem esquecer a sanfona, como o pai. A família se<br />

92


completa com Segundo, que se mudou para Cambará, Anita e Angelina,<br />

que se casaram cedo.<br />

O velho Tamante viveu até 1938. A nota do seu falecimento não<br />

chega a ser triste, por refletir uma vida longa e bem vivida: “Com a idade<br />

de 75 anos, faleceu o sr. Tamante Saladini, deixando viúva a sra. Elizabeth<br />

Saladini, os filhos Antônio, Segundo, Francisco, Américo, Angelina<br />

e Anita Saladini, a irmã, 32 netos e 9 bisnetos [...]”.<br />

* * *<br />

Todas essas famílias imigraram na mesma época. Entre fins do século<br />

passado e as duas primeiras décadas do século XX, a Itália viveu um período<br />

de crise econômica. As lutas pela unificação do país,<br />

envolvendo grupos rivais, pequenos reinados e potências<br />

estrangeiras, como a Áustria, só terminaram em 1870. A<br />

nação estava exausta, pobre e a emigração foi o reflexo do<br />

drama nacional. A primeira leva para o Brasile é de 1875,<br />

mas as famílias que ajudariam a formar Ourinhos partiram<br />

na década de 10. Traziam só a esperança e o documento<br />

de alguma societá d'emigrazione, organizadora da aventura.<br />

Não imaginavam as más condições de vida nos cafezais<br />

paulistas. O que salvou a maioria de um destino triste<br />

foi o fato de serem herdeiros de uma tradição industrial,<br />

técnica e política que traria a grande recuperação da Itália.<br />

Esses italianos sabiam comerciar e tinham habilidades<br />

artesanais (marcenaria, fundição) que resultaram em pequenas<br />

indústrias. Escaparam do campo para as cidades e<br />

trataram de se organizar. Em Ourinhos, que recebeu a<br />

contribuição italiana desde seu princípio, havia, já em<br />

1927, uma Societá Italiana Bineficente e Recreativa Vittorio Emmanuelle<br />

III. A eleição de uma nova diretoria foi anunciada em italiano na imprensa<br />

local:<br />

Noi sottoscritti, membri dell'attuale Consiglio Amministrativo e soci del<br />

sodalício sopradetto, facciamo público ai signori interessate che il giorno<br />

nove di questo meie, alie ore ventuno, nella residenzia del consorcio Ítalo<br />

Ferrari fú eletto il seguenti secondo Consiglio Amministrativo: Signore Júlio<br />

Mori – presidente; Henrique Pontara – vice-presidente; Domingos Lourenço<br />

– secretário; Pedro Sândano – vice-secretário; Ítalo Ferrari – tesoriere.<br />

Em seguida são apresentados os conselheiros da entidade: Narciso<br />

Migliari, Sylvio Bugelli, Higino Marchezini, Faino Faila, Luiz Mainardi,<br />

Henrique Migliari e João Mori.<br />

93<br />

Davi Corso (1885-1949), o<br />

padre italiano que iniciou a<br />

construção da primeira igreja<br />

matriz, na praça Mello<br />

Peixoto; faleceu em Assis


94<br />

21<br />

VALLADOLID E KFEIR<br />

A Voz do Povo, na edição de 15 de fevereiro de 1941, trouxe a seguinte<br />

notícia: “Vem de instalar-se com a sua exma. família em sua nova<br />

residência [...] à rua Piauí, o sr. Archipo Matachana, conceituado comerciante<br />

ourinhense, proprietário da conhecida e procuradíssima Casa Matachana”.<br />

Durante os quase trinta anos que se seguiram, o velho Archipo pôde<br />

ser visto na varanda da casa numa cadeira de balanço. Não era mais<br />

dono da loja, administrada pelos filhos Fausto, Alberto e Paulo desde<br />

1939, quando se aposentou. Foram praticamente quarenta anos de comércio<br />

até se permitir o descanso naquela varanda. Nascido em 1879 em<br />

Valladolid, Espanha, Archipo, segundo o filho Alberto, chegou a Ourinhos<br />

por volta de 1905, depois de viver em Pereiras, onde foi confeiteiro.<br />

Estabeleceu-se na rua Antônio Prado com um armazém de secos e<br />

molhados, a Casa Matachana. Negociava também com madeira. Essa<br />

tradição comercial seria continuada pelos filhos. De início, os três juntos<br />

e no ramo de calçados. Depois cada um teve sua firma. Alberto inaugurou,<br />

em 1952, uma luxuosa Casa Alberto, na rua Nove de Julho, que<br />

manteve por mais de vinte anos, antes de se dedicar à hotelaria (Palace<br />

Hotel). Fausto ficou no antigo endereço familiar, na rua Antônio Prado.<br />

Os dois já faleceram. Paulo, o Paulito, estabeleceu-se na avenida Jacintho<br />

Sá com a Feira de Calçados.<br />

Archipo Matachana teve ainda as filhas Gaudência, Luísa (Luisita),<br />

Esperança, Maria (Mariquinha), Mercedes e Alzira (Alzirinha). Faleceu<br />

em 1968.<br />

* * *<br />

Miguel Cury, como o seu patrício e amigo Abuassali Abujamra,<br />

nasceu em Kfeir, antiga cidade síria, hoje parte do Líbano. Como Abuas-


sali, era cristão ortodoxo, e não tinha recursos e nem grandes habilitações<br />

profissionais ao partir para o Brasil, em 1905. Tinha a juventude e a<br />

coragem dos imigrantes.<br />

Começou a vida na nova terra como sapateiro, no largo descampado<br />

que seria a praça Mello Peixoto. A pequena oficina durou bastante e<br />

até hoje o seu filho Esperidião se refere com orgulho ao trabalho do pai<br />

como sapateiro, antes de ter sorte em outros negócios.<br />

Miguel Cury casou-se com Benedita, filha do comerciante de secos<br />

e molhados José Fernandes Grillo, outro pioneiro da cidade. Em<br />

1924 obteve a concessão da Chevrolet. A loja de peças e de exposição de<br />

automóveis, um edifício moderno e luxuoso para os padrões ourinhenses<br />

até os anos 60, destacava-se na praça. Ao lado, a casa da família. No<br />

portão ou na janela, durante anos, dona Benedita foi uma figura integrada<br />

à paisagem. O velho Cury teve nove filhos e com eles expandiu as<br />

atividades. A família foi proprietária de uma companhia de ônibus Ourinhos-Assis.<br />

Esperidião (Esper), nascido em 1918, faz questão de dizer que foi<br />

o primeiro prefeito de Ourinhos nascido na cidade. Foi batizado na igreja<br />

velha pelo padre David Corso. Esper define o pai como um homem ativo<br />

em várias áreas, principalmente nos esportes, onde se destacou como um<br />

dos fundadores do Ourinhense. Jamais se envolveu em política. Voltou<br />

ao Líbano depois de 60 anos. Como Abuassali, visitou os lugares da infância<br />

e reviu os parentes, mas voltou convencido de que se tornara um<br />

completo brasileiro. Faleceu em 1975.<br />

95


96<br />

22<br />

CINEMA COM BALA DE CAFÉ<br />

Balas de café da dona Glorinha, vesperais, os lanterninhas Arlindo<br />

e Tufy, as três sessões do domingo. O sr. Romeu na gerência. Nomes e<br />

acontecimentos do cinema como algo importante na vida de uma cidade<br />

do interior. Depois, a televisão e o vídeo alteraram o ritmo e os costumes.<br />

É a história do Cine-Teatro Pedutti, hoje Teatro Municipal.<br />

Romeu Silva é de Botucatu, terra de Emílio Pedutti, o empresário<br />

criador de uma rede de cinemas na Sorocabana. Filho de um técnico da<br />

empresa Pedutti, irmão de operadores e gerentes, Romeu, nascido em<br />

1916, só poderia acabar no cinema. Foi sua vida e profissão durante 46<br />

anos. Começou em Jacarezinho com apenas 19 anos. Em 1936 veio gerenciar<br />

o Cine Cassino, fundado em Ourinhos por Álvaro Rolim. Foi o<br />

melhor dos anos 20 aos 40, mas não o primeiro. Houve antes o Cine<br />

Municipal, na avenida Dr. Altino Arantes, mais ou menos em frente ao<br />

ex- Grêmio Recreativo de Ourinhos (GRO) e o Cine Central da família<br />

Lourenço, na praça Mello Peixoto.<br />

A curiosidade é que, segundo o Dr. Lauro Migliari, ex-prefeito<br />

municipal, este último foi fundado pelo seu pai, Narciso Migliari, e posteriormente<br />

vendido aos Lourenço. Chamava-se informalmente Cine<br />

Tizim, que era o apelido de Narciso. Tempos do cinema mudo, quando o<br />

filme era interrompido para a troca os rolos das fitas e molhar a tela 2 . O<br />

cinema sonoro começou em 1927 e o primeiro filme falado foi O Cantor<br />

2 A projeção feita era por trás da tela e esta era transparente. Se o tecido fosse grosso, a projeção<br />

ficava prejudicada; se fosse muito fino, a luz do projetor atravessava e um ponto brilhante<br />

atrapalhava o espectador. Jogar água melhorava a transparência e o pano da tela não precisaria<br />

ser muito fino. Sendo preciso molhar com certa frequência, muitos pensavam que era para não<br />

queimar o pano. (SÃO PAULO, Município. Secretaria de Cultura. Cinema silencioso no<br />

acervo do AHSP: contribuição para a história da tecnologia de projeção da imagem em<br />

movimento)


de Jazz (The Jazz Singer) com Al Jolson.<br />

O Cine Cassino (ou o cinema do Rolim, como se dizia) tinha requintes<br />

técnicos para os padrões da época. Um projetor Pathé de 35 mm,<br />

por exemplo, aparelho de primeira, embora se precisasse parar a projeção<br />

para trocar os rolos da fita. O cinema, uma construção na esquina da<br />

rua São Paulo com Piauí (dos Expedicionários), não tinha forro e as cadeiras<br />

eram de madeira. Em compensação, oferecia o conforto das frisas.<br />

O sr. Romeu lembra-se de Rodopiano Leonis, industrial e ex-prefeito,<br />

com as filhas professoras.<br />

O progresso do município e o aumento da população precipitaram<br />

a construção do Cine Pedutti, mais moderno, na rua Nove de Julho, o<br />

cinema que seria a marca definitiva na vida da cidade dos anos 40 a 60.<br />

E lá estava o sr. Romeu Silva na gerência.<br />

Naqueles tempos de balas Piper e Torino, dona Glorinha, mulher<br />

de Romeu Silva, lançou uma maravilha, as balas de café. Que não eram<br />

feitas de café. Á receita baseia-se em leite recém-tirado e mel. O processo<br />

todo exige quatro horas para se atingir o ponto com a cor escura que<br />

lembra o café. Ás balas fizeram um sucesso tão grande que eram encomendadas<br />

pelos cinemas da região. Foram vendidas até 1980. Com a<br />

aposentadoria do sr. Romeu, saíram de circulação durante alguns anos.<br />

Mas elas tinham de voltar. Um sobrinho fez breve tentativa e parou; agora<br />

são uma exclusividade do Café do Ponto.<br />

Ia-se ao cinema pelos filmes, está claro. Ia-se para ver e ouvir de<br />

vez em quando um artista célebre, geralmente cantor ou comediante. E<br />

ia-se para namorar, evidentemente. Em tempos de costumes severos, o<br />

cinema sempre foi um dos territórios privilegiados para encontros sem<br />

vigilância. Ia-se, e muito, para ser menino: trocar gibis na porta e ver<br />

faroeste com Johnny MacBrown. O mercado de revistinhas enfrentava<br />

apenas o problema da perseguição do lanterninha Tufy, que tinha obsessão<br />

em confiscar os gibis. Tufy, nascido no Vale do Paraíba, era um solteirão<br />

gordo e de andar balançado, figura popular e talvez um bom sujeito.<br />

Mas não gostava de gibis ou de meninos. O, Arlindo era bem mais<br />

camarada.<br />

Em 1961, um grupo de estudantes insurgiu-se contra a banalidade<br />

da programação. Queriam os filmes em evidência com menos atraso e<br />

mais fitas de boa qualidade. A gota d'água foi um aumento dos ingressos.<br />

O movimento parou o cinema durante todo um fim de semana. Os<br />

estudantes usavam um palanque sobre um caminhão para inflamados<br />

discursos. Pediram o apoio da Câmara e, para evitar mal-entendidos,<br />

comunicaram a manifestação ao delegado e ao prefeito Antônio Luiz<br />

97


Ferreira. O delegado alertou a polícia para deixar o movimento andar, o<br />

prefeito concordou que se desviasse o trânsito e a Câmara enviou ao<br />

local os vereadores Esperidião Cury e Oriente Mori para se certificarem<br />

de que tudo estava bem com os moços.<br />

A Empresa Pedutti aceitou finalmente negociar e pouco depois<br />

deu início ao novo cinema no largo da Matriz. Foi uma batalha juvenil<br />

espontânea, mas os dias do cinema como um costume estavam contados.<br />

O filme Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, trata desse tema. Nenhum<br />

dos participantes do movimento se deu conta da ironia do título do<br />

filme que, em 1961, foi impedido de passar: A Canoa Furou, com Jerry<br />

Lewis.<br />

98


99<br />

23<br />

DR. JOÃO BENTO<br />

O dr. João Bento Vieira da Silva Neto, com esse nome imponente<br />

e soando um pouco a Brasil antigo, poderia ter sido embaixador, jurista<br />

ou fazendeiro de café. O nome combinava, diziam os amigos. Diplomata<br />

decididamente era uma fantasia dos seus admiradores. O dr. João não<br />

tinha temperamento para meias-palavras, sinuosidades e cerimônias.<br />

Jurista teria sido seguramente se a sua opção política não lhe tivesse dificultado<br />

a vida em inúmeras ocasiões. E fazendeiro também é licença<br />

poética, embora o dr. João tivesse como avô o major João Bento Vieira<br />

da Silva, proprietário das fazendas Palestina, Sant'Anna da Serra e Varjão,<br />

em Mococa. O major, como publicou uma revista em 1926, “é uma<br />

das figuras mais representativas do mundo mocoquense pelo grande<br />

conceito social que goza [...] foi S. S. prefeito e presidente da Câmara<br />

Municipal”.<br />

O dr. João Bento foi por outro caminho. Nascido em 9 de setembro<br />

de 1912, tornou-se o grande advogado e personagem de uma cidade. Fez<br />

política do seu jeito, foi vereador, presidente da Câmara, colecionou livros,<br />

teve muitos amigos. Um pouco ao acaso, um pouco por escolha.<br />

Porque o dr. João não esperava viver em Ourinhos. Nem pensou em advocacia<br />

desde cedo. Queria mesmo era ser engenheiro. Tudo nele foi<br />

sempre assim, inesperado. Até o tamanho. Aquele físico possante de<br />

Orson Welles nem parecia de um brasileiro de Mococa. Influência provável<br />

dos ancestrais alemães Bruncken e Abs.<br />

Filho do dentista Antenor Augusto e de dona Leonor, professora<br />

primária formada no Colégio Caetano de Campos, o dr. João Bento tinha<br />

uma família de origens curiosas. O avô paterno, major João Bento,<br />

um dos fundadores de Mococa, era casado com Maria Conceição Bruncken<br />

da Silva, de Cubarão, filha de imigrantes alemães. Uma de suas irmãs,<br />

Maria Odila, é a mãe do escritor Afonso Schmidt, autor de A Mar-


100<br />

cha e Os Saltimbancos. Os avôs maternos foram Frederico Abs, alemão<br />

de Hamburgo, casado com Bealina <strong>Del</strong>fina Pereira da Cunha, fazendeira<br />

e grande proprietária de imóveis em Ribeirão Preto. Foi precisamente<br />

essa avó Bealina, descrita como uma pessoa muito alegre, de personalidade<br />

marcante e um tanto excêntrica, a principal responsável pela opção<br />

de João Bento pelo curso de direito. Na sua avaliação, era algo mais<br />

“nobre” que a engenharia desejada pelo neto.<br />

Concluído o curso primário e secundário em Mococa, João Bento<br />

ingressou na Faculdade de Direito do largo São Francisco, onde se formou<br />

em 1934. Entre seus colegas de turma estavam o futuro historiador<br />

Ernani da Silva Bruno, estudioso do passado paulistano, o jornalista José<br />

Nabantino Ramos, que seria diretor da Folha da Manhã (atual Folha de<br />

S. Paulo), juristas e professores como Miguel Reale. Também foi seu<br />

contemporâneo um certo Luís Antônio da Gama e Silva. Formado, mas<br />

sem meios para abrir um escritório por conta própria, prestou concurso<br />

para delegado de polícia, uma escolha inviável para quem entrara para o<br />

Partido Comunista Brasileiro. Era nomeado, tomava posse, mas logo<br />

vinha a remoção para outro lugar por razões políticas. O mesmo empecilho<br />

cortou seu caminho quando participou de concurso para juiz de direito.<br />

Como delegado, passou por Santa Adélia, Capão Bonito e, finalmente,<br />

Salto Grande, onde se demitiu para advogar. No início da década de<br />

40 chegou a Ourinhos. Para sempre. Começava a lenda pessoal de João<br />

Bento Vieira da Silva Neto, que até os adversários iriam respeitar.<br />

O comunista João Bento foi um homem que amadureceu e estudou<br />

numa fase de crises mundiais, de esperanças no socialismo e de lutas<br />

contra o nazi-fascismo montante na Europa, e com reflexos em quase<br />

todo o mundo. No Brasil se impôs a ditadura do Estado Novo. Em todos<br />

os setores havia uma tendência para definições claras pela esquerda ou<br />

pela direita. João Bento, como dezenas de intelectuais e artistas, foi para<br />

o Partido Comunista. Dos seus colegas, Miguel Reale tornou-se dirigente<br />

integralista e Luís Antônio da Gama e Silva, anos mais tarde, seria<br />

ministro da Justiça do governo Costa e Silva, redator e signatário do Ato<br />

Institucional nº 5.<br />

O dr. João Bento foi, contudo, um comunista singular. Não eram<br />

do seu temperamento os sacrifícios da clandestinidade. Cumpria as tarefas<br />

políticas, contribuía para o partido, acolhia companheiros em trânsito<br />

ou necessitando de refúgio, mas dentro de um estilo discreto de comportamento,<br />

o que lhe permitia ter uma vida organizada e conviver com pessoas<br />

de posições opostas. Só não tolerava provocações anticomunistas.<br />

Embora um dos mais bem-sucedidos profissionais da cidade, com


101<br />

uma invejável clientela, sempre advogou causas trabalhistas em defesa<br />

de sindicatos locais e da região. Em 1946 foi candidato a deputado estadual<br />

e vereador simultaneamente pela legenda do Partido Social Progressista<br />

de Adhemar de Barros, que o PC apoiou para governador. Não<br />

se elegeu deputado, mas vereador. Foi escolhido presidente da Câmara<br />

Municipal.<br />

O segredo do dr. João foi justamente não ter segredos quanto ao<br />

que pensava. A integridade de posições aliada à competência como advogado<br />

o tornaram respeitado. A cultura e o calor humano faziam o resto<br />

do seu encanto. Conservadores empedernidos acabaram se rendendo ao<br />

dr. João que, além do mais, era um gourmet de primeira. Gostava de se<br />

integrar nas famílias numerosas, dava-se bem com crianças e jovens, e<br />

tinha o dom de contar histórias com muita graça. Na década de 60, um<br />

grupo de jovens estudantes costumava se reunir com frequência em sua<br />

casa. Embora um ou outro intolerante não conseguisse crer, o que se<br />

discutia naqueles encontros ia das qualidades de vinhos aos mestres da<br />

literatura. O dr. João Bento não rejeitava um tema político, mas nunca<br />

induziu ninguém a ler um único panfleto do PC. No golpe de 1964,<br />

quando Ourinhos viveu um passageiro surto de truculência policial, o dr.<br />

João queria ficar e enfrentar a situação. Foi um custo convencê-lo a sair<br />

da cidade.<br />

Ourinhos prestou várias homenagens ao seu mais notório e notável<br />

comunista: medalha de honra ao mérito do Rotary; medalha do Lions;<br />

honra ao mérito concedida pela prefeitura aos “Homens de Boa Vontade”;<br />

troféu e homenagem como personalidade do ano de 1979; e título<br />

de cidadão honorário conferido pela Câmara Municipal de 1979. Em seu<br />

discurso de agradecimento, referiu-se aos colegas de vereança já falecidos,<br />

alguns de posições opostas às suas, dizendo que “de todos esses fui<br />

amigo, não obstante nossas divergências políticas, ideológicas, e deles<br />

sinto falta nessa qualidade de amigos e até mesmo parceiros de discussões,<br />

entreveros e brigas verbais”.<br />

Um homem, portanto, de tolerâncias e cordialidades, apesar de<br />

bastante duro quando julgava necessário defender princípios. Doou quase<br />

todas as suas obras jurídicas, cerca de mil volumes, à Biblioteca do<br />

Fórum, que passou a ter seu nome. Foi lembrado por conhecidos intelectuais<br />

brasileiros em suas obras. Eduardo Maffei cita-o em Vidas Sem<br />

Norte: romance do Tenentismo (Brasiliense, 1980, p. 137) e em A Greve<br />

(Paz e Terra, 1978, p. 103, onde aparece, por erro do autor, como José<br />

Bento). Elias Chaves Neto o incluiu em suas memórias Minha Vida e as<br />

Lutas do Meu Tempo (Alfa Omega, 1978, p. 125).


102<br />

A síntese da personalidade do dr. João Bento Vieira da Silva Neto<br />

pode ser dada no depoimento da sobrinha Maria Cristina Silva Costa. É<br />

um retrato fiel:<br />

Do temperamento explosivo, todos sabemos. Mas associava ao mau gênio o<br />

humor e acabava por ser muito engraçado nos desaforos e explosões. Foi<br />

sempre um filho dedicado à mãe, de quem era o predileto. Visitava a mãe e<br />

as irmãs com frequência, escrevia cartas, mandava presentes, estava sempre<br />

disponível. Dizia-se arrependido por não ter se casado. A opção política e as<br />

dificuldades financeiras de início de carreira eram os motivos alegados do<br />

impedimento à união com uma moça de Ourinhos, namorada de juventude e<br />

único amor, segundo dizia. A característica mais marcante de tio João, para<br />

mim e para meus filhos, é o imenso carinho que ele nos dedicava. Sabia como<br />

poucos relacionar-se com crianças e deixava transparecer o prazer que<br />

representava para ele este convívio. As lembranças são de um homenzarrão<br />

afetuoso e disposto a conversar sobre tudo, atento ao que lhe diziam, amigo<br />

e dedicado.<br />

O dr. João, o homenzarrão afetuoso, faleceu em Ribeirão Preto em<br />

novembro de 1980, mas foi sepultado em Ourinhos. Não poderia ser de<br />

outra maneira, como a sobrinha deixa bem claro:<br />

Ourinhos, sua terra de adoção, era o lugar para viver. Enquanto esteve aqui<br />

em Ribeirão, doente, manifestou sempre o desejo de voltar para lá.


PERSONAGENS DA CIDADE<br />

Pioneiros, comerciantes, políticos, agricultores, profissionais liberais,<br />

artesãos, imigrantes e tipos populares da história ourinhense<br />

103<br />

Prof. José Galvão,<br />

prefeito de 1926 a 1930; o primeiro a<br />

cuidar de água e calçamento<br />

Abuassali Abujamra<br />

chegou antes da ferrovia e<br />

viu a cidade nascer<br />

Ângelo Christoni,<br />

comerciane e agricultor, loteou suas<br />

terras para iniciar a Vila Margarida<br />

Manoel de Souza Soutello,<br />

grande comerciante na futura<br />

praça central


104<br />

Vicente Amaral,<br />

comerciante e homem forte do PRP<br />

até 1930<br />

Odilon Chaves do Carmo,<br />

comerciante, vereador e proprietário na<br />

atual Vila Odilon<br />

Dr. Theodureto Ferreira Gomes,<br />

um dos primeiros médicos e prefeito<br />

em 1931<br />

Paulo Ribas,<br />

médico, fazendeiro e político


105<br />

Fernando Foschini,<br />

subprefeito em 1918 e vítima da<br />

violência política<br />

Fernando Pacheco e Chaves,<br />

o dono da Fazenda Santa Maria,<br />

administrada por Fernando Foschini<br />

Eduardo Salgueiro,<br />

primeiro prefeito, 1918, e acusada de mandante<br />

da morte de Fernando Foschini.<br />

Domingos Perino,<br />

agricultor na região da futura<br />

Vila Perino


106<br />

Rodopiano Leonis Pereira,<br />

industrial, vereador e prefeito em 1931<br />

Monsenhor Antônio Córdova, catarinense<br />

de Lajes, admirado por benzer até animais<br />

Hermelino Gomes de Leão,<br />

médico e três vezes prefeito<br />

em momentos de crise<br />

Álvaro Ferreira de Moraes, fazendeiro<br />

onde seria a Vila Boa Esperança; doou terrenos<br />

para Santa Casa, ginásio e templo metodista


Francisco de Almeida Lopes<br />

107<br />

Manoel Esteves Mano Filho,<br />

construtor, trabalhou na ferrovia<br />

do Paraná; foi vereador e prefeito<br />

Eng. Wallace Morton,<br />

superintendente da Companhia<br />

Ferroviária São Paulo-Paraná<br />

O dr. João Bento<br />

agradece o título de<br />

cidadão honorário ourinhense<br />

Padre Eduardo Murante,<br />

um dos mais estimados sacerdotes<br />

católicos do passado ourinhense


108<br />

III<br />

ERAM POUCOS E VIERAM DE LONGE


109<br />

24<br />

A MARCHA DE RADETZKY<br />

Este capítulo é dedicado aos que podem ser chamados de imigrantes<br />

solitários. Não integraram as grandes correntes humanas que se sentiam<br />

minimamente protegidas pelo simples fato de serem muitos e unidos<br />

pela mesma língua e costumes. Ou de viajarem na esteira de compatriotas<br />

e parentes que os esperavam no novo mundo, caso dos italianos,<br />

japoneses, árabes. Aqui se trata de casais e pequenos grupos familiares<br />

que viajaram logo após a Primeira Guerra Mundial. Deixaram países que<br />

aguçam a imaginação, lugares estranhos que mudaram de fronteira ao<br />

sabor de guerras, revoluções e quedas de reinados. Modestos camponeses<br />

da Europa Central que, nos anos 20, foram convencidos de que haveria<br />

paz e fartura na América do Sul. Gente que nasceu e cresceu perto da<br />

Transilvânia, falando línguas e dialetos difíceis do velho Império Austro-Húngaro.<br />

Abandonaram suas aldeias, suas belas igrejas cristãs ortodoxas,<br />

suas paisagens nevadas, e nunca mais voltaram. São homens e<br />

mulheres que caberiam no romance A Marcha de Radetzky, de Joseph<br />

Roth, a obra que melhor descreve o fim desse império que atravessava a<br />

Europa; ou de A Língua Absolvida, de Elias Canetti, que descreve sua<br />

infância na Bulgária entre russos, romenos, húngaros, judeus e ciganos.<br />

Esses solitários sofreram na lavoura até descobrir outro trabalho.<br />

Alguns dominavam ofícios específicos e se deram melhor. Neste capítulo<br />

há duas exceções, a de um alemão que ficou por acaso no país e a de<br />

um japonês, típico imigrante de um período histórico brasileiro. O registro<br />

que se faz é uma homenagem e uma tentativa de saber como e por<br />

que esses homens ou essas famílias chegaram a Ourinhos.


110<br />

25<br />

OS FILHOS DA BESSARÁBIA<br />

O menino Feodor Gurtovenko tinha 10 anos quando sua família e<br />

o tio Pável Nadolenko decidiram partir. Comerciantes e agricultores na<br />

região da Bessarábia, Romênia, foram convencidos por corretores de<br />

imigração de que se “chutava ouro” no interior do Brasil. Esses corretores<br />

eram especializados em recrutar mão-de-obra para a lavoura de café<br />

no Brasil. Seus métodos nem sempre eram claros e muitos imigraram<br />

iludidos. Por mais difíceis que fossem as condições de vida nos campos<br />

e nas aldeias europeias, não imaginavam a brutalidade da existência que<br />

os esperava. Os Gurtovenko deixaram para trás uma região tumultuada<br />

por disputas, perseguições a minorias e conflitos de fronteira. Com a<br />

dissolução da União Soviética, a Bessarábia tornou-se a República da<br />

Moldávia. Dessa mesma região veio a família de Samuel Wainer, que<br />

viria a ser um dos maiores jornalistas da imprensa brasileira.) Chegaram<br />

a Chavantes em 17 de fevereiro de 1930. Feodor Gurtovenko até hoje<br />

guarda a cena: “Ficamos horrorizados com as condições de vida. Ninguém<br />

queria descer do caminhão”. Mas não havia outro jeito. Estavam<br />

longe de casa e com um contrato para dois anos de trabalho, como colonos.<br />

Houve alguma confusão, troca de pessoas, e eles acabaram na Fazenda<br />

Santana, em Ribeirão Claro. A família Gurtovenko era formada<br />

pela avó Daria, o casal Mikhail e Eudochia, os filhos Feodor, Emília e<br />

Maria, e o tio Pável. Enfrentaram a situação. Dois anos depois haviam<br />

economizado para comprar uma chácara, onde ficaram por dez anos. Os<br />

filhos vendiam banana e leite nas casas. Compraram uma segunda chácara.<br />

Pável, mais aventureiro, viajava com frequência em busca de novas<br />

oportunidades.<br />

Um dia, Gurtovenko levou a mãe para uma consulta médica em<br />

Ourinhos. Gostaram do local e a família achou que deveria trocar de<br />

cidade. Venderam as terras e chegaram só com uma carroça e uma vaca.


111<br />

Pável tinha planos de se estabelecer como carroceiro, mas os documentos<br />

eram romenos e não conseguiu a licença. Descobriu então uma surpreendente<br />

vocação para o negócio de alfaiataria. Comprou uma oficina<br />

com o curioso nome de Sossega Leão, na rua Paraná. Mantinha bons<br />

alfaiates e deu-se bem no ramo. Pável passou a ser conhecido como Paulo<br />

Nadolenko, um senhor forte e atarracado, sempre de chapéu, que viveu<br />

86 anos, até 1987. Nunca soube costurar.<br />

O calmo Feodor, sobrevivente dessa saga familiar, juntamente com<br />

as irmãs Emília e Maria, tornou-se contador. Adotou o nome de Alfredo.<br />

Casado com Eunice Franco Gurtovenko, foi durante vários anos o proprietário<br />

do Escritório Alfredo de Contabilidade, que ainda existe com<br />

outro proprietário. Nenhum deles voltou para rever a cidade natal,<br />

Chishmele, que não fica mais na Romênia. Com o fim da URSS, e por<br />

força das mudanças de fronteiras de suas muitas repúblicas, é a atual<br />

Strumok, na Ucrânia. Feodor Gurtovenko já faleceu e seu nome – com o<br />

K trocado por C – designa uma avenida da cidade.


112<br />

26<br />

O FERROVIÁRIO E O NOBRE<br />

O ferroviário André Kotik e o suposto nobre Victor Kaninev são<br />

duas personagens que, ao morrerem solteiros, levaram também o mistério<br />

de suas vidas. Tudo o que se sabe sobre eles é baseado em informações<br />

de amigos ou vizinhos.<br />

Kotik nasceu na região de Livov, na Ucrânia, plena de planícies infinitas<br />

e férteis, tomada e retomada ao longo dos séculos por tártaros,<br />

lituanos, poloneses e russos. O polonês Kotik cresceu falando russo fluentemente.<br />

Veio sozinho para o Brasil entre a década de 20 e a de 30.<br />

“Ver o ouro” que aqui havia em abundância, como disseram para as famílias<br />

Gurtovenko e Chuminski. É o que lembra hoje João Chuminski,<br />

amigo de André Kotik e casado com Emília, a irmã de Feodor Gurtovenko.<br />

Chuminski pertence a uma das 65 famílias que deixaram a Bessarábia<br />

em direção ao sul do Brasil.<br />

André Kotik especializou-se em máquinas a vapor e foi trabalhar<br />

na Estrada de Ferro São Paulo-Paraná, no tempo dos ingleses. Quebrou<br />

as duas pernas num acidente de trabalho. Conseguiu se recuperar, mas<br />

ficou manco, e os ingleses o indenizaram bem, segundo Chuminski. O<br />

suficiente para que pudesse comprar algumas propriedades e viver das<br />

rendas. Morou nos fundos da alfaiataria de Paulo Nadolenko até falecer.<br />

Essa comunidade de língua russa encontrava-se com frequência na<br />

alfaiataria e a ela se agregava o enigmático Victor Kaninev. Alto, de<br />

andar elegante, gestos lentos, o seu Victor foi dono de uma casa que<br />

vendia e consertava rádios na praça Mello Peixoto, vizinha da Foto Machado,<br />

da Ótica Paris, das alfaiatarias Casseta e Silva e da loja Singer.<br />

Uma ou duas vezes por dia, quase sempre de chapéu, atravessava a praça<br />

para um café no Paulista ou a refeição no Bar Central.<br />

Victor Kaninev se dizia membro da guarda militar do czar da Rússia,<br />

uma atividade reservada aos filhos da nobreza. Com a revolução


113<br />

bolchevique de 1917, deixou o país e sempre se considerou um refugiado<br />

político. Ninguém pedia detalhes e o seu temperamento reservado<br />

não facilitava confissões. Sabe-se que trabalhou em São Paulo, Cubatão<br />

e Cambará. Em Ourinhos morava nos fundos de sua loja, mas ligou-se<br />

estreitamente à família Abuhamad, proprietária do Bar Central. Mudouse<br />

para a casa deles, quando ficou mais velho. Em 1978 faleceu esse<br />

homem de quem o máximo que se sabe com exatidão é que nasceu no<br />

ano de 1889.


114<br />

27<br />

UM FOTÓGRAFO ALEMÃO<br />

Ingolstadt é uma cidade de cerca de 100 mil habitantes na região<br />

de Munique, estado da Baviera, no Sul da Alemanha. Muito antiga, tem<br />

belíssimos edifícios em estilo gótico e o privilégio de estar às margens<br />

do rio Danúbio. É a terra natal de Frederico Hahn, o homem que durante<br />

quase cinquenta anos fotografou a vida de Ourinhos. Todas as famílias<br />

estabelecidas na cidade depois da década de 30 têm inevitavelmente em<br />

seus guardados uma foto de casamento, batismo, primeira comunhão ou<br />

qualquer outro evento com o timbre F. Hahn na margem. São fotografias<br />

de boa qualidade, que permanecem nítidas.<br />

A vida e a presença de Frederico Hahn em Ourinhos sempre esteve<br />

cercada de mistérios, mal-entendidos e, provavelmente, uma injustiça.<br />

Homem calado, passava uma imagem taciturna ou ausente. Dizia-se, de<br />

modo vago, que durante a Segunda Guerra manifestara simpatia pelos<br />

nazistas e que a população, revoltada, apedrejou sua casa na rua Nove de<br />

Julho. Jamais se conseguiu estabelecer com precisão o motivo da sua<br />

vinda para o Brasil. A versão corrente na família – sua viúva Olga Reupert<br />

e os afilhados – é a de que em 1927 Frederico Hahn estava a caminho<br />

da Argentina quando, por motivo inexplicado, perdeu o navio em<br />

Santos. Resolveu então conhecer a nova terra, em viagens pelo interior.<br />

Para sobreviver dispunha da alta tecnologia alemã em fotografia (filmes,<br />

máquinas, métodos de revelação, papéis especiais, etc.). Acabou em<br />

Chavantes, mas não demorou a perceber que as possibilidades seriam<br />

maiores em Ourinhos. Frederico Hahn, nascido em 24 de fevereiro de<br />

1897, estava com trinta anos quando trocou de vez o Danúbio pelo Paranapanema.<br />

Nas suas viagens a São Paulo conheceu Olga, gaúcha filha de<br />

alemães, e com ela se casou.<br />

Homem reservado, podia ser visto caminhando pela rua em direção<br />

à praça, geralmente de sandália e com meias, um costume europeu.


115<br />

Andava levemente curvado e com as mãos às costas. Tinha hábitos<br />

pessoais de extremo rigor. Vegetariano, tomava banhos gelados, que<br />

considerava bons para a saúde. Como não teve filhos, praticamente adotou<br />

as crianças de um casal vizinho. Os netos por adoção oferecem um<br />

testemunho carinhoso sobre Frederico Hahn. “Era bem-humorado, conversava<br />

muito em casa, um avô excepcional”, diz José Vicente, opinião<br />

compartilhada por sua irmã Renata.<br />

No episódio do ataque à casa de Hahn, dona Olga aponta um sargento,<br />

Cassiano Brito, como o instigador. As janelas de vidro do primeiro<br />

andar foram destruídas a pedradas. Frederico Hahn tapou-as com madeira<br />

e a casa assim ficou durante anos. Como um protesto mudo.<br />

Em todo o país os ânimos ficaram exaltados quando o Brasil entrou<br />

na guerra, e não foram raros os casos de hostilidade a alemães. Pode<br />

ser que Frederico Hahn tenha defendido a Alemanha, num rasgo de saudosismo.<br />

Ele veio para o Brasil alguns anos antes de Hitler chegar ao<br />

poder, em 1933. Faleceu em Ourinhos a 13 de outubro de 1986, aos 89<br />

anos. A cidade deve muito da sua documentação a esse alemão que flagrou<br />

a intimidade de quase todos, embora tenha permanecido um desconhecido.<br />

3<br />

3 Se Frederico Hans foi o precursor da boa fotografia prioritariamente em estúdio, a cidade deve<br />

muito a três outros profissionais que vieram mais tarde, José Dias Machado, Shuki Sakai e Benedito<br />

Pimentel. Embora os dois primeiros também atuassem em estúdio, foram os repórteres<br />

dos eventos externos, do cotidiano municipal. Fragrantes da cidade aqui lembrada até o final<br />

dos anos 40, embora Machado, Sakai e Pimentel tenham continuado até bem depois. Nos passeios<br />

ao centro, fazia parte do roteiro ver as novidades nas vitrines iluminadas dos dois, o<br />

Sr.Machado, na praça Mello Peixoto, e o nosso oriental Sakai-san, em frente ao atual Teatro<br />

Municipal (então Cine Ourinhos). Bailes de carnaval, desfiles cívicos, atos religiosos, inaugurações<br />

de empresas, visitas de autoridades, campanhas eleitorais, formaturas, casamentos e batizados.<br />

Tipos físicos e personalidades distintas. Machado, alto, cabelos precocemente brancos,<br />

calmo; o nosso oriental Sakai-San, agitado, sorridente, parecia pequeno para carregar todo o<br />

material de trabalho; Pimentel, o andar compassado, dividido entre as missões de correspondente<br />

da Folha e a ação política que o levou à vereança. Ao trio, se deve acrescentar Francisco<br />

de Almeida Lopes (Capitulo...) o artista sensível que legou um inestimável testemunho visual<br />

sobre Ourinhos desde os anos 20. No início dos anos 60, Sakai mudou-se para a recém criada<br />

Brasília, os demais ficaram. Todos já faleceram. Fotógrafos mais presentes no blog Memorias<br />

Ourinhenses, do professor e historiador José Carlos Neves Lopes.


116<br />

28<br />

O SAPATEIRO DA SÉRVIA<br />

Um homem diferente atravessa a Vila Nova de bicicleta, uma autêntica<br />

Philips holandesa com o guidão curvo. Ligeiramente gordo, de<br />

meia-idade, ele nunca anda depressa. Carrega no bagageiro uma bolsa de<br />

couro escurecida pelo uso. Chama-se Djorge Mladen, é sapateiro. Todos<br />

o conhecem e dizem que é húngaro. Passou a vida numa oficina de sapateiro<br />

instalada na rua Quinze de Novembro.<br />

Djorge Mladen falava pouco de si e do passado, a não ser com o<br />

amigo Miguel Janosi. Conversavam em húngaro, uma das línguas oficiais,<br />

juntamente com o alemão, de toda a Europa Central durante os trezentos<br />

anos de existência do Império Austro-Húngaro. Mas Djorge, sua<br />

mulher, Zorka, e Janosi tinham nascido na Sérvia, um reino que, anexando<br />

regiões vizinhas, daria origem à Iugoslávia depois da Segunda<br />

Guerra. A sua terra natal é Vrsac, cidade antiga onde os Mladen viviam<br />

como lavradores.<br />

Os efeitos da Primeira Guerra provocaram levas de imigração entre<br />

aqueles povos. Estatísticas iugoslavas mostram que nos anos de 1924<br />

e 1925 mais de 15 mil de seus habitantes partiram para o Brasil. A família<br />

Mladen veio em 1924. No mesmo ano, em Budapeste, o ferreiro<br />

Francisco Budai tomou a mesma decisão. É o pai de Maria e Júlia Budai,<br />

que durante anos trabalharam no Café Paulista.<br />

O itinerário de Djorge Mladen é consequência dessas imigrações.<br />

Tirou o passaporte, concedido por “Alexandre I, pela graça de Deus e<br />

pela vontade do povo, rei dos sérvios, croatas e eslovenos”, e tomou um<br />

trem, para a Holanda em companhia de Zorka (conhecida em Ourinhos<br />

como dona Aurora). No porto de Amsterdam foi ao consulado brasileiro<br />

para conseguir o visto de entrada no país. O documento especifica que<br />

“ele é agricultor, nascido em 24 de março de 1898; ela, nascida em 21 de<br />

julho de 1901. Ambos são cristãos da Igreja Ortodoxa Sérvia”.


117<br />

Djorge trabalhou em São Paulo numa fábrica de parafusos, e em<br />

outra de plásticos, antes de se mudar para São Joaquim da Barra, onde<br />

havia um núcleo de imigrantes iugoslavos. Pouco depois foi para Ourinhos.<br />

A data é incerta, mas um recibo até hoje guardado pelo neto mostra<br />

que ele comprou a sua bicicleta Philips em 6 de outubro de 1942, por<br />

450 mil réis. Tornou-se sapateiro e pedalava até Jacarezinho à procura<br />

de couro de boa qualidade, fazia entregas ou simplesmente passeava pela<br />

cidade. Teve um filho, Milan, e três netos com nomes que seguem a tradição<br />

europeia: George, Elizabeth e Rúdolf.<br />

O seu Jorge transitava pela Vila Nova como se estivesse ali e, ao<br />

mesmo tempo, em outro mundo. Manteve um corte de bigode, um tipo<br />

de roupa, chapéu e alguns hábitos, que faziam dele um europeu inconfundível.<br />

Depois que dona Zorka faleceu, em 1974, voltou-se para o espiritismo.<br />

Continuou sapateiro até pouco antes de falecer, em 1983. Miguel<br />

Janosi sente falta do amigo e das longas conversas sobre lugares<br />

distantes.


118<br />

29<br />

DE OKINAWA AO CAFEZAL<br />

Choso Misato tem a longevidade dos lavradores japoneses que levam<br />

uma vida de hábitos simples. Originário da ilha de Okinawa, onde<br />

nasceu em 1905, imigrou criança em companhia de um irmão. Sua expressão<br />

séria, quase assustada, está na foto do velho passaporte, relíquia<br />

da aventura. Um menino na saga de milhares de nipônicos em busca de<br />

um Eldorado improvável, drama descrito pela cineasta nissei Tisuka<br />

Yamazaki no filme Gaijin (Estrangeiro). Misato, no entanto, sobreviveu<br />

e fez a sua vida na lavoura e no comércio. Casou-se e teve dez filhos: um<br />

dos mais novos é o engenheiro Toshio Misato, eleito prefeito por duas<br />

vezes.<br />

Aos 86 anos, Choso Misato presta depoimento como um dos mais<br />

antigos membros da comunidade japonesa. Foi mantida a espontaneidade<br />

da sua forma de falar, com as quebras dos verbos ou de frases, o que<br />

resulta numa sonoridade inesperada e singela.<br />

“Quando cheguei no Brasil em 1918, fui trabalhar na Fazenda<br />

Santa Isabel, hoje Fazenda Concórdia, no Paraná. Moramos ali sete<br />

meses. Não fomos nós que escolhemos essa região. Era tudo mandado<br />

pela Casa do Imigrante. Viemos em 25.700 pessoas naquele ano. Iam<br />

para onde mandavam. No Japão nós éramos lavradores. Tinha sítio, tinha<br />

um pouquinho. Imigramos porque naquele tempo o Japão estava<br />

ruim. Meu irmão é que orientou para trazer pra cá. Eu era pequenininho,<br />

não sabia de nada. Meu irmão casado me trouxe com ele.<br />

“Quando chegamos aqui, estranhamos tudo. Não sabia falar nada.<br />

Não tinha dinheiro. Na fazenda só podia trabalhar. Só trabalhar. Consulado<br />

japonês para ajudar só tinha em São Paulo, mas o funcionário do<br />

Consulado chegava na fazenda, conversava só com o fazendeiro e ia<br />

embora. Pra dar ordem de trabalho tinha lá um japonês que sabia portu-


119<br />

guês. Um fiscal.<br />

“Era fazenda de café. Muito mato. Nós nem sabia trabalhar com<br />

enxada. Deram enxada grande, cabo novo e comprido. Nossa Senhora,<br />

era triste. Quando nós viemos, nós achava que ia derriçar café, mas naquele<br />

ano teve uma geada grande, o café ficou todo seco. Então a fazenda<br />

plantou mamona e algodão e a gente plantava e colhia. Ganhava um<br />

dinheirinho. No Japão a gente pensava que ia derriçar café e ganhar muito<br />

dinheiro. Nós trabalhamos seis meses lá na fazenda. Quando a gente<br />

ia pedir o pagamento, o dono falava que nós estava devendo. Então, desse<br />

jeito, não dá e nós viemos embora para a fazenda do Jacintho Sá. Seis<br />

famílias. Saímos fugido de noite. Descobrimos o Jacintho porque o meu<br />

irmão foi procurar lugar para plantar e achou um patrício na fazenda do<br />

Jacintho e o Jacintho mandou mostrar terras lá na Ponte Preta, para arrendar<br />

para nós. O Jacintho era bom. Nós nem precisava pagar antes a<br />

terra. Depois da colheita, pagava. Era bom o Jacintho. Tratavam ele de<br />

coronel Jacintho. Ele às 5 horas da manhã já estava na Ponte Preta a cavalo.<br />

Levantava cedo, cuidava do serviço. Procurava conversar com a<br />

gente, mas nós não sabia conversar direito.<br />

“Com pouco, pouco, fui aprendendo a língua. Perguntava para brasileiro,<br />

„como chama isso‟, e anotava. Aprendia um pouco de cada vez.<br />

Fiz força para aprender brasileiro sozinho. A comida não estranhei. Arroz<br />

e feijão achei bom. Nós ficamos todos gordos assim de comer arroz e<br />

feijão. Não senti falta de peixe porque em Okinawa eu morava no interior.<br />

Era ilha mas só se comia batata-doce.<br />

“Trabalhei trinta anos na lavoura. Onze anos na fazenda do Jacintho<br />

como arrendatário. Foi de 1918 a 1929. Em 1930 fui comprar terra lá<br />

na Água da Prata. Córrego Fundo e Água da Prata são a mesma coisa.<br />

Tinha 25 anos, era solteiro. O meu irmão foi junto. Fomos em quatro<br />

famílias comprar sítio juntos. Comprei 16 alqueires e mandei derrubar o<br />

mato. Vendi a madeira para a serraria do Adolfo Alonso, parente do Archipo<br />

Matachana. Eles foram buscar de caminhão. Tinha peroba, canela,<br />

cedro, guaraiúva. Bicho tinha. Ah, naquele tempo tinha até onça. A dois<br />

quilômetros dali tinha cateto, o porco-do-mato, tinha onça, tinha macaco.<br />

Veado passava em frente de casa. No rio Turvo, vizinho japonês pescava.<br />

Eu não gostava de pescar.<br />

“Plantei café, milho e arroz. Muito arroz no meio do cafezal.<br />

Quando vinha na cidade, fazia compra na Casa Suzuki e no Vicente<br />

Amaral. A cidade naquele tempo era a avenida Jacintho Sá. Tinha lá a<br />

hospedaria do Trac (Heráclito Sândano), o Hotel Patton. Tinha a Pensão<br />

Japonesa na avenida. Em 1930 mais ou menos começou a juntar os ja-


120<br />

poneses e formar uma associação. Quando nós chegamos não tinha nada.<br />

Para cima da linha era cafezal. Onde está o jardim, a Praça Mello Peixoto,<br />

era tudo capoeira.<br />

“Eu me casei em 1936. Minha mulher era filha de gente de Okinawa<br />

e nasceu em Ana Dias, no Vale do Ribeira. Foi morar na Ponte<br />

Preta e depois em Palmital, onde casamos. Tive sítio até 1945. Quinze<br />

anos. Vendi porque precisava estudar a criançada na cidade. Já tinha seis<br />

filhos. No sítio não tinha escola nenhuma, então precisou vender pra<br />

estudar criança. Comprei uma casa de madeira na rua Antônio Prado e<br />

abri um negócio, armazém. Fiquei até 1966. Lá, no começo, não tinha<br />

nada. Era um ponto bom porque era saída para o sítio. O comércio mesmo<br />

era na avenida, eu abri o primeiro ali naquela rua. Não tinha nem luz,<br />

fui o primeiro que colocou luz. Naquele tempo era assim. Os sitiantes é<br />

que arrumavam as estradas com os seus colonos.<br />

“O Vicente Amaral era o comerciante mais forte. O dr. Theodureto<br />

era o meu médico. Jacintho Sá gostava dele e o levava para examinar na<br />

fazenda. Tinha muita maleita. Quando cheguei na fazenda, morreu quatro<br />

numa semana. Era bom doutor.<br />

Conheci o Eduardo Salgueiro, comerciante na rua Paraná. Conheci<br />

o Hermenegildo Zanotto. A Casa Zanotto era casa forte. Conheci também<br />

o Pascoal (Abuassali) Abujamra. Conheci o Perino velho, um homem<br />

que andava de chapéu de palha. Homem bom, não deixava ir embora<br />

da casa dele sem tomar café. Conheci o Álvaro Ferreira de Moraes.<br />

Andava de polaina e cavalo. Benício do Espírito Santo também conheci.<br />

“Na minha terra a religião era budista, mas aqui ninguém se incomodava<br />

com a religião. Todo mundo queria ganhar dinheiro e voltar.<br />

Ficamos porque não tinha jeito de voltar. Tinha japonês formado médico,<br />

professor, que veio puxar enxada. Foi tapeado. Eu, filho de pobre,<br />

aguentei. Em 1975 visitei o Japão. Fui ver a família. Achei três irmãs,<br />

um irmão e um primo. A minha aldeia, os americanos tomaram conta.<br />

Virou base aérea, não deixaram nem entrar. Achei tudo muito diferente.”<br />

Choso Misato faleceu em 26 de agosto de 1998, aos 93 anos de<br />

idade. Hoje é nome de avenida do bairro Chumbeada, local de uma das<br />

primeiras fazendas de Ourinhos.


121<br />

30<br />

CÉZAR PINTOR<br />

Cézar Pintor, como quase todos o chamavam, foi talvez o primeiro<br />

artista em artes plásticas de Ourinhos, com intensa atividade entre os<br />

anos 30 e 50, quando esteve em evidência os afrescos, pintura mural<br />

mais antiga e persistente da história da arte. Sua técnica baseia-se em<br />

pigmentos diluídos em água e aplicado sobre<br />

argamassa ainda fresca de cal queimada<br />

e areia. Extremante resistente, foi usada<br />

durante séculos em murais, fachadas ou<br />

paredes internas. Exemplo extraordinário é<br />

o teto da Capela Sistina, de Michelangelo,<br />

no Vaticano.<br />

Luiz Cézar Prosdócimi era italiano de<br />

Este, na província de Pádua, no Norte do<br />

país, onde nasceu em 29 de agosto de 1890.<br />

Desembarcou no Brasil em 1913 e realizou<br />

obras em São Paulo, Angra dos Reis, Mogi<br />

das Cruzes, Jacarezinho e Ourinhos, onde se<br />

radicou. Não fez curso de arte, mas morou dois anos na França, antes de<br />

chegar ao Brasil, e lá desenvolveu sua pintura. Ele contava que havia<br />

trabalhado como assistente de alguns pintores em seus estúdios, método<br />

tradicional de aprendizado ao longo dos tempos.<br />

Em Ourinhos, dedicou-se aos murais em várias residências, alguns<br />

deles na varanda de José das Neves Júnior, meu avô. Paisagens tropicais<br />

com palmeiras e, se a memória não falha, pois são recordações da infância,<br />

uma cena com o mar ao fundo. No interior da casa, foram feitos pequenos<br />

desenhos geométricos em alguns cômodos. Cézar, às vezes, era<br />

requisitado para realizar os telões com cenas alusivas aos melodramas de<br />

circo que, além de acrobacias, palhaços, números com animais, dedicava


122<br />

a segunda parte ao chamado “drama”, o teatro folhetinesco popular na<br />

época.<br />

Era um homem imponente, culto, falava italiano, francês, espanhol,<br />

inglês, português e grego. Bastante boêmio. Foi casado com Maria<br />

Marioni Prosdócimi, nascida em Rovereto, também no Norte da Itália,<br />

no dia 4 de março de 1899. Tiveram quinze filhos, sobrevivendo sete<br />

homens e uma mulher. Faleceu em Ourinhos, em 5 de setembro de 1973.<br />

A caçula Tereza Prosdócimi Faber mora em Ourinhos, e tem 79 anos<br />

(em 2015), com três filhos e sete netos, mais quatro bisnetos. São dela e<br />

da neta Tânia Faber Fernandes as informações reunidas nesta biografia<br />

concisa.<br />

Tânia acrescenta: “Ele pintava muito a Santa Ceia, mas era completamente<br />

ateu, às vezes até blasfemando contra as religiões; isso eu,<br />

neta, me lembro muito bem”. Cézar podia ter estas atitudes, mas era um<br />

artista e sabia que Leonardo da Vinci pintou uma Última Ceia no convento<br />

de Santa Maria delle Grazie, em Milão. Cézar afirmava ter participado<br />

da restauração das igrejas de Angra dos Reis e da Ordem Terceira<br />

de Mogi das Cruzes. Uma futura pesquisa poderá esclarecer melhor estas<br />

atividades. Um estudo sobre a arte sacra de Angra dos Reis, feito por<br />

Danielle M. dos Santos Pereira, afirma que a análise das imagens apresenta<br />

diferenças de técnica e estilo e que foram pintadas entre 1811 e<br />

1815.<br />

De toda a produção de Cézar sabe-se da existência de duas pinturas,<br />

em óleo sobre tela ou madeira, mas não foi possível ter acesso a<br />

elas. A que aqui está reproduzida, foi fotografada e enviada pela proprietária<br />

à sua neta Tânia.


123<br />

A AVENTURA DA IMIGRAÇÃO<br />

“Do exílio vos mando<br />

numa hora que engole o Atlântico<br />

a efêmera viagem que não faço<br />

esse nunca possível regresso.”<br />

(João Apolinário, poeta português)<br />

Passaporte de imigrante<br />

de Djorge Mladen,<br />

emitido pelo governo<br />

da Sérvia, futura Iugoslávia<br />

Passaporte<br />

do imigrante<br />

japonês<br />

Choso Misato


124<br />

Pensão de imigrantes nas imediações da avenida Jacintho Sá;<br />

na porta, o proprietário Yoichi Morimoto com um grupo de familiares e amigos<br />

Primeira competição esportiva de alunos nisseis do curso primário


125<br />

IV<br />

TIPOS POPULARES


126<br />

31<br />

“SERENO”<br />

José Vieira, modesto funcionário público, motorista do caminhãopipa<br />

da prefeitura, era conquistador e bebia bem. Um negro simpático e,<br />

como se dizia antigamente, “conhecido como dinheiro”. Sua ficha funcional,<br />

com a fotografia onde aparece compenetrado, de paletó e tudo,<br />

registra que nasceu em São Paulo em 1901, tinha 1,65m de altura, residia<br />

na rua Antônio Prado e estava viúvo quando foi admitido em fevereiro<br />

de 1932. Só não consta no documento o apelido que o identificava<br />

perante todos: Sereno.<br />

Sereno, apesar dos exageros na bebida e dos atritos com um colega<br />

de serviço, que lhe valeram três suspensões na carreira, devia ser mesmo<br />

uma pessoa interessante. Conseguia até que a administração fechasse um<br />

olho quando levava uma fulana para o seu quartinho estratégico no fundo<br />

da prefeitura. É que ele acordava cedo para regar as ruas poeirentas;<br />

portanto, não fazia mal que dormisse no serviço. Quando o dr. Hermelino<br />

de Leão foi prefeito pela terceira vez (1941-45), Sereno fazia as vezes<br />

de seu motorista, levando o médico diariamente à Santa Casa.<br />

Tudo foi bem para José Vieira, o Sereno, até a madrugada fatal em<br />

que, presumivelmente tendo bebido demais, caiu dentro da estação de<br />

tratamento de água, quando se preparava para abastecer o caminhãopipa.<br />

Apareceu morto na manhã do dia 24 de dezembro de 1945. Esvaziaram<br />

o reservatório e faltou água no dia de Natal por causa do pobre<br />

Sereno, que a cidade lamentou e não esqueceu por um misterioso mecanismo<br />

afetivo de caráter coletivo. Quase cinquenta anos passados, sua<br />

história ressurge vez ou outra numa conversa.<br />

Sereno é dessas figuras que dão colorido a um lugar. Uma galeria<br />

que comporta gente simples, os excêntricos e os inevitáveis doidinhos.<br />

Não há canto sem um Zé do Pito, louco manso preocupado em fechar<br />

todos os portões abertos, mas capaz de investir sobre a molecada girando


127<br />

uma tira de pneu se o chamassem pelo apelido. Um Valdemar Maleiro<br />

engravatado, cabelos engomados e sapatos tinindo. Totalmente mergulhado<br />

numa fantasia de importância e circunspecção. E outros e outros:<br />

Peregrino, Dito Macaco, vítimas de um certo humor preconceituoso. E<br />

no terreno dos que de doidinhos nunca tiveram nada, uma Doquinha, por<br />

exemplo. Pede-se aos que conheceram os acima retratados que expliquem<br />

aos mais novos de quem se trata.<br />

Mas, também são muitos os que se tornaram populares no exercício<br />

de um ofício ou profissão. E, um dia, eles não estão mais lá. Então se<br />

descobre que nem os seus nomes completos foram guardados. A história<br />

sentimental de uma comunidade não pode ignorar de vez seus queridos<br />

desconhecidos. Razão para celebrar Abrão Quibeiro, Chico Jornaleiro e<br />

Tomás Garapeiro.


128<br />

32<br />

ABRÃO QUIBEIRO<br />

Quando Ibrahim el Hage deixou as montanhas<br />

do Líbano, não imaginava entrar para a<br />

crônica popular ourinhense como o conhecidíssimo<br />

Abrão Quibeiro. Antes de deixar Kfeir, a<br />

mesma cidade de Abuassali Abujamra, possuía<br />

suas vinhas, oliveiras e cabras. Vida rústica e<br />

apertada que o obrigava a exercer suplementarmente<br />

o ofício de barbeiro. Viveria assim,<br />

quem sabe, a vida inteira, se não morresse de<br />

parto a primeira mulher. E a segunda, dona<br />

Nelly Abunasser, não tivesse muitos parentes,<br />

ou melhor, quase toda a família, no Brasil: a<br />

mãe, dona Maria, e os irmãos Mansur, Abrão e<br />

Saidi Abunasser. Só ficara Nelly por estar casada com Ibrahim. Mas o<br />

peso da saudade e a tentação da aventura falaram mais alto.<br />

Aos 45 anos de idade, Ibrahim, cristão ortodoxo nascido em 1891,<br />

Nelly e o filho único, Elias, embarcaram no navio Conte Grande. Em 16<br />

de abril de 1937, estavam em Santos. Dias mais tarde, todos se reuniam<br />

em Ourinhos. Os cunhados, Mansur e Abrão Abunasser, estavam estabelecidos<br />

com uma casa de secos e molhados na rua Paraná. A irmã Saidi,<br />

casada com Salim Abujamra, dono de uma beneficiadora de arroz na<br />

mesma rua. Dois irmãos de Ibrahim foram para os Estados Unidos nessa<br />

época.<br />

Não foi fácil a vida nova, sem falar português. Ibrahim tentou trabalhar<br />

como barbeiro no conhecido Salão Ico, de João Crivelari, mas<br />

não se entendia com os fregueses. Acabava sempre fazendo um corte a<br />

la libanesa, que era um desastre. Passou então a vender amendoim torrado.<br />

O pacote custava habitualmente um tostão, mas Ibrahim não sabia


129<br />

pronunciar a palavra e acabava dizendo destão, ou seja, dez tostões, dez<br />

vezes mais caro. O jeito foi cobrar duzentos réis, que sabia falar. Era o<br />

dobro, mas não houve reclamações.<br />

Aperfeiçoando o sistema de vendas, Ibrahim, que se tornara aos<br />

poucos conhecido como Abrão, encomendou um carrinho de pipocas<br />

com fogareiro a querosene nas oficinas Migliari e foi instalar seu comércio<br />

diante do Cine Cassino. Ainda não era exatamente o que ele queria.<br />

O seu grande achado, logo em seguida, foram os quibes que a cidade<br />

desconhecia. Parentes enviavam de São Paulo o trigo inexistente na região.<br />

O resto ficava por conta do gênio de dona Nelly e dos séculos de<br />

tradição da culinária árabe.<br />

Abrão inventou uma espécie de cesta térmica primitiva. Ela era<br />

forrada com várias camadas de jornal. Sobre os jornais, um pano branco,<br />

alvíssimo. Os quibes eram cobertos com papel de pão e o pano completava<br />

a dobra por cima. Abrão anunciava o produto pelas ruas com a palavra<br />

definidora: quente! Surgia a personagem Abrão Quibeiro. O casal<br />

acordava às quatro horas da manhã para acender o fogão a lenha e, às<br />

7h30, Abrão saía de casa com a primeira cesta. A segunda fornada estava<br />

à disposição entre 9h30 e 10h30 para a freguesia habitual dos bancos,<br />

lojas e empresas, com muitos empregados. Abrão vendia fiado em alguns<br />

lugares, como nas Casas Pernambucanas, e anotava de cabeça; só<br />

à noite ditava ao filho a relação de credores.<br />

Com perseverança silenciosa, Abrão arrumou sua vida a ponto de,<br />

no começo da década de 40, construir casa própria na rua Souza Soutello<br />

e se permitir enviar o filho, Elias Hage Abunasser, para o ginásio em<br />

Botucatu. Trabalhou até o fim, marcando a paisagem de Ourinhos com a<br />

sua figura corpulenta e o andar balançado. Faleceu em 10 de julho de<br />

1964, aos 73 anos. Pouco antes, quando Elias lhe recomendou menos<br />

esforço porque a saúde já não era a mesma, respondeu: “Filho, não vim<br />

do Líbano para ficar sentado”.


130<br />

33<br />

CHICO JORNALEIRO<br />

Na Ourinhos dessas histórias, a praça Mello Peixoto era passagem<br />

obrigatória, ponto de encontro e de lazer. Abrão Quibeiro cruzou anos a<br />

fio com o espanhol de Málaga, Francisco Ruiz, e, talvez, nunca tenham<br />

conversado sobre os seus destinos de imigrantes. Francisco, um homenzinho<br />

magro e sorridente, quase sempre de chapéu, estava diariamente<br />

na calçada do Bar Paratodos, onde se transformou no Chico Jornaleiro.<br />

O pai de Chico, o pequeno proprietário rural José Ruiz, se distinguia<br />

na região de Málaga como professor itinerante de matemática em<br />

aldeias e fazendas. Em 1923, estimulado por uma carta de sua irmã Maria,<br />

resolveu tentar a sorte no Brasil com a mulher Ana Luque Benite e<br />

os filhos Francisco, nascido em 1912, José e Maria. A irmã vivia em<br />

Ourinhos, casada com José Godoy, proprietário da Casa Godoy, de secos<br />

e molhados, na rua Paraná. O velho Ruiz veio com um contrato de<br />

dois anos para os cafezais da Fazenda das Furnas. Trabalhou ainda como<br />

colono nas terras de João Villar, na Água do Jacu.<br />

Mas era uma vida penosa e a família procurou se estabelecer na<br />

cidade. Começou do nada, já que os parentes da Casa Godoy haviam<br />

fechado o armazém e se mudado para Apucarana. Passaram-se os anos e<br />

as coisas se arranjaram. Dos filhos, José se empregou na prefeitura, Maria<br />

casou-se com o bancário Francisco Romero. E Francisco foi ser Chico<br />

Jornaleiro. Tímido, falando baixo e com um certo alheamento do<br />

mundo, dele pouco se sabia, embora todos o conhecessem de vista. Chico<br />

nunca se casou. Vivia com a irmã Maria, testemunha do único amor<br />

do irmão, uma japonesinha da Fazenda das Furnas, que morreu de uma<br />

picada de cobra. Gostava de criar passarinhos e de ler.<br />

Sua renda como jornaleiro era um milagre. Os estudantes liam os<br />

jornais de graça e Chico até incentivava. Era comum alguém pegar uma<br />

revista para ler no Bar Paratodos e devolver sem comprar. Outros man-


131<br />

davam pôr na conta e Chico ia deixando. Quando advertido pelos parentes,<br />

dizia que, no fim, acabaria recebendo. Em caso de calote, teria ajudado<br />

a diminuir o analfabetismo no país. É de se supor que a maioria<br />

pagava. Só um desalmado poderia enganá-lo. Chico Jornaleiro viveu até<br />

1975.


132<br />

34<br />

TOMÁS GARAPEIRO<br />

Entre o vinho do Porto e a garapa brasileira passou-se a vida de<br />

Tomás Mora, o português atarracado, cabelos totalmente brancos e caladão,<br />

que ancorou seu carro de caldo de cana na praça Mello Peixoto e ali<br />

se deixou ficar por mais de quarenta anos. Tornou-se o Tomás Garapeiro.<br />

Tomás Mora nasceu em Abrantes, Norte de Portugal, e passou a<br />

juventude nas barcaças do rio Douro, que transportam os tonéis de vinho<br />

do Porto produzido nas suas encostas. Quando veio para o Brasil, solteiro,<br />

procurou paisagem e atividade semelhante. Foi trabalhar na região de<br />

Santo Anastácio, no corte de madeira para serrarias e nos barcos que<br />

fazem transporte no rio Paraná. Casou-se com Sara Bressam e, em 1938,<br />

estava em Ourinhos. Abandonou o serviço pesado e por alguma razão<br />

achou que seria possível sobreviver com a venda de garapa. Foi possível<br />

ao ponto de se julgar seguro para chamar os pais e um irmão em Portugal.<br />

Com a família reunida pensava em tocar uma chácara na Vila Sândano,<br />

mas Tomás e o irmão Luís não se entenderam, e cada um foi para<br />

o seu lado. Luís também aderiu ao ramo da garapa, com ponto na rua<br />

Arlindo Luz.<br />

Tomás Mora não teve filhos, mas criou Sebastião Florentino, filho<br />

de uma empregada viúva. É Florentino quem fornece os poucos traços<br />

da vida e da personalidade desse português que faleceu aos 91 anos no<br />

asilo São Vicente de Paula. Florentino, um homem também contido e<br />

com pouca lembrança de datas, afirma apenas que Tomás era uma pessoa<br />

quieta e, depois de idoso, impaciente ao ponto de preferir o asilo a<br />

morar numa casa com o barulho de crianças. Mas era um homem bom,<br />

que trabalhou muito e morreu pobre. Um relógio é tudo o que deixou<br />

como herança.


133<br />

V<br />

MUSEU DE TUDO<br />

(Depoimentos sobre Ourinhos)<br />

Este museu de tudo é museu<br />

como qualquer outro reunido...<br />

(João Cabral de Melo Neto)


134<br />

35<br />

DONA TATA LEÃO<br />

A belle époque não terminou para dona Tata Leão, que mantém<br />

inabalável uma visão otimista e romântica do mundo. Para ela, apesar da<br />

viuvez e da perda de um filho, a vida, sempre que possível, deve ser a<br />

continuação da mocidade em Salto Grande quando, ao piano, enlevava<br />

os hóspedes do hotel da família. Entre os que se encantaram com a bela<br />

pianista, teve sorte o médico Hermelino de Leão, recém-chegado à vizinha<br />

Ourinhos.<br />

Casaram-se, vieram os filhos, e o dr. Hermelino se consagrou como<br />

médico e figura pública. Dona Tata e o marido representam algumas<br />

décadas da história ourinhense. Marcaram a cidade com suas atividades<br />

e com uma mansão que impressionava pela beleza dos jardins e que,<br />

com o falecimento dos donos, foi vendida e demolida quando poderia ter<br />

sido um museu ou centro cultura. Foram anos que dona Tata se empenha<br />

em reconstituir com rigor, mas sem esconder um toque de inevitável<br />

nostalgia.<br />

– O meu nome é Maria Aurora Gomes de Leão. Sou de Salto<br />

Grande. Ourinhos e Salto Grande sempre foram rivais, principalmente<br />

no futebol, onde saía até guarda-chuvada nos outros. Eu não vou citar o<br />

nome de uma senhora da alta sociedade daqui que dava guarda-chuvada<br />

nos torcedores no campo. Depois, Ourinhos começou a trabalhar para<br />

que a comarca passasse para aqui. A comarca era a única coisa que dava<br />

vida a Salto Grande, uma cidade linda, com uma topografia maravilhosa,<br />

a igreja de frente para o rio. Em Ourinhos, quando Salto Grande era comarca,<br />

só havia taperas de tábua. Nos anos 20, podia-se contar nos dedos<br />

das mãos as casas de tijolos em Ourinhos.<br />

A primeira casa encerada que houve em Ourinhos foi a do dr.<br />

Hermelino. Quando nos casamos, ele fez uma casinha muito bonita, um


135<br />

bangalô na avenida Dr. Altino Arantes, perto da Farmácia Central, que<br />

depois ficou sendo a casa do dr. Fariz Freua. Ali foi a minha primeira<br />

casa. Então, vinha um japonês de São Paulo duas vezes por mês, porque<br />

aqui não tinha nada.<br />

* * *<br />

– Conheci Hermelino passando uma lista para uma quermesse em<br />

Salto Grande. Hermelino já estava em Ourinhos. Ele formou-se no Rio<br />

de Janeiro e veio direto para Ourinhos, onde estavam os avós e os tios<br />

dele, Rodopiano Leonis Pereira e Emílio Leão. Pedro Marques de Leão<br />

era seu avô por parte de mãe. Tinham vindo da Bahia depois de perderem<br />

uma eleição lá. Ficaram muito chocados e vieram para São Paulo, e<br />

de lá para cá. Hermelino, quando se perguntava o que ele era, respondia:<br />

“Sou baiano de nascimento, carioca de criação e paulista de „coração‟ “.<br />

Ele deixou a Bahia com sete anos. Formou-se no Rio e veio para Ourinhos,<br />

onde ficou e hoje repousa no cemitério. Chegou em 25 de janeiro<br />

de 1925. Clinicou até a hora de partir. Faleceu em 21 de novembro de<br />

1973, com 69 anos. Completaria 70 anos no dia 30 de dezembro, que era<br />

a data máxima aqui em casa. Era o dia do nascimento dele, o aniversário<br />

da formatura, o aniversário do nosso casamento, o aniversário de batizado<br />

e da primeira comunhão de todos os nossos filhos. Era tudo em 30 de<br />

dezembro. Então, aqui em casa eu fazia sempre a festa das cinco datas.<br />

Fazia aquele vatapá já apaulistado, uma festinha aí no jardim.<br />

* * *<br />

– A primeira operação de Hermelino foi o fibroma de uma senhora<br />

de Cambará. Precisou fazer uma cirurgia de urgência. Alugou um quarto<br />

de hotel na rua Nove de Julho, forrou todas as paredes com algodãozinho<br />

alvejado, passou cal em todo o algodãozinho e operou. Essa senhora<br />

ficou completamente curada.<br />

A nossa água em Ourinhos era uma lama. Eu botava uma toalha de<br />

rosto amarrada na torneira para coar a água do banho das crianças. Com<br />

um palmo de água da torneira, você não enxergava os pés. O Hermelino<br />

vivia pensando como melhorar essa água quando entrou na prefeitura. O<br />

sr. Horácio Soares, o prefeito anterior, perguntou-lhe se queria tomar<br />

conta daquilo. Ele respondeu que iria ver se conseguiria resolver o problema.<br />

– Hermelino foi prefeito primeiro em 1930, na revolução do Getúlio.<br />

Foi nomeado governador civil da cidade. O prefeito de então, sr.<br />

José Galvão, entregou a cidade a ele. Não foi nenhuma nomeação oficial.<br />

Os srs. José Galvão e Tonico Leite, da Fazenda Lageadinho, e outros,


136<br />

pediram para ele tomar conta da cidade. Isso foi quando Getúlio chegou<br />

e foi por pouco tempo. Em 1932, o então interventor em São Paulo, João<br />

Alberto, nomeou o Hermelino governador civil da cidade. Também não<br />

foi por muito tempo. Em 1941, a nomeação foi de Fernando Costa [interventor],<br />

em 5 de novembro. No Departamento das Municipalidades<br />

[órgão estadual a que estavam subordinadas as prefeituras municipais]<br />

estava o dr. Gabriel Monteiro da Silva. Dessa vez ele ficou até o Getúlio<br />

cair, em 1945, quando entregou a prefeitura para Mário Campos Pacheco,<br />

funcionário do Departamento das Municipalidades. Hermelino ocupou<br />

a prefeitura por três vezes, em 1930, 1932 e 1941.<br />

* * *<br />

– Hermelino foi na Água da Veada, perto do antigo matadouro,<br />

onde havia uma mina puríssima, e fez a canalização trabalhando com os<br />

funcionários da prefeitura desde as 5 horas da manhã. A água foi canalizada<br />

e marcou-se a data da inauguração. Um conhecido nosso, engenheiro<br />

em São Paulo, mandou tomar cuidado porque certa vez, numa cerimônia<br />

igual, no Rio de Janeiro, não veio uma gota nas torneiras. Ficamos<br />

naquela expectativa ansiosa, mas a água correu. Veio cristalina, mas<br />

de forma precária. Depois Hermelino conseguiu melhorar o serviço, com<br />

dinheiro do estado. Mas, no início, foi um esforço que não foi brincadeira,<br />

e Hermelino dava jantares para os secretários de estado para conseguir<br />

dinheiro. Mas ele saiu da prefeitura em outubro de 1945 e a inauguração<br />

final foi feita em janeiro, pelo Mário Pacheco. Havia uma placa<br />

com o nome dele. Uma injustiça.<br />

Naquele tempo não havia eleição para prefeito. Ele entrou na prefeitura<br />

por nomeação do Estado Novo. O dr. Miguel Coutinho era deputado<br />

estadual por São Paulo e apresentou Hermelino ao dr. Gabriel Monteiro<br />

da Silva, que o nomeou.<br />

Cheguei aqui em 1928. Nós morávamos na casinha lá embaixo, na<br />

avenida Dr. Altino Arantes, e Hermelino alugou uma casa para fazer a<br />

casa de saúde em frente ao atual teatro. Trabalhava com um casal de<br />

enfermeiros, marido e mulher. Quando um doente passava mal, eles corriam<br />

na janela de casa e avisavam. Em noite de chuva, Hermelino punha<br />

uma capa e saía debaixo d'água. Isso aconteceu repetidas vezes. Um dia<br />

ele me disse que iria construir uma residência e casa de saúde junto.<br />

Construiu a primeira Casa de Saúde de Ourinhos, com quartos particulares,<br />

enfermarias e sala de operações. Hermelino disse que a nossa vida<br />

iria se modificar. Gostávamos muito de música. Hermelino tocava violão<br />

e cantava muito bem. Ele disse que ao mudarmos para a casa de saúde


137<br />

não teríamos mais as nossas noites de música. Como poderíamos estar<br />

cantando se alguém estivesse passando mal? Cada doente tinha um tipo<br />

de alimentação. Se uma empregada minha, por exemplo, faltava, eu ia<br />

para o fogão à lenha, muitas vezes esperando um filho, pois tive cinco<br />

filhos, fazer às vezes quatro ou cinco tipos de sopinhas. Quando foi<br />

construída a Santa Casa de Ourinhos, Hermelino doou tudo o que tinha<br />

para lá: mesa de operação, aparelhos de esterilização, tudo.<br />

Quanto ao nosso cotidiano aqui em Ourinhos, só tínhamos o rádio<br />

e o cinema, que era o divertimento de todo mundo. O Cine Rolim [Cassino]<br />

ficava na rua São Paulo. Era um prédio de madeira com frisas, onde<br />

ficavam as famílias. Depois fizeram o Cine Pedutti. Existiam também<br />

procissões, que era coisa comum a todos lugares. No Carnaval brincavase<br />

nas ruas mais do que hoje. Antigamente brincava-se com serpentinas<br />

nas ruas. Em Salto Grande, fazia-se até préstito carnavalesco. Tinha carros<br />

alegóricos. Quem tomava conta lá era o Vieira Souto que, me parece,<br />

era um grande industrial no Rio de Janeiro 4 . Inclusive existe a avenida<br />

Vieira Souto lá. Eles vieram do Rio para montar o cinema, a Sorocabana<br />

chegava só até Salto Grande. O cinema tinha até piano de cauda. A família<br />

Vieira Souto também tocava, eram cinco membros, cinco instrumentos.<br />

O cinema era maravilhoso, a gente assistia Gloria Swanson e Pearl<br />

White. No Carnaval, eu me lembro que certa vez fizeram o carro das<br />

borboletas, aquelas bailarinas com aquelas asas diáfanas. Eu era a borboleta<br />

menor lá no alto, amarrada para não cair do carro.<br />

O Hermelino lia muito. Não tinha uma hora que você olhasse para<br />

ele que não estivesse com um livro nas mãos. Fora disso, tocava violão e<br />

as meninas – Maria Lígia, Maria Lucila e Maria Lília – cantavam a três<br />

vozes e ele acompanhava. Eu cantava com ele também. Quando íamos<br />

ao grêmio, dançávamos um pouquinho e depois eu ia para o piano.<br />

O Emílio Leão era tio do Hermelino, bem mais velho. Mudou-se<br />

de Ourinhos para São Paulo onde montou uma pensão na rua Condessa<br />

de São Joaquim. Morreu no dia 19 de outubro de 1939. Ele tinha três<br />

filhos, Ester, Moacir e José. Era bravo só de boca, não de verdade. Não<br />

era homem rancoroso. Tinha fama de ser assim, mas não era valentão.<br />

Conheci muito o Jacintho Ferreira e Sá e conheci também os irmãos<br />

dele, o Salathiel, o Saul e a Celeste.. Muito boa pessoa, muito simpático<br />

o sr. Jacintho, assim como toda a sua família.<br />

O médico alemão, dr. Pedro K. Müller, veio de Londrina para cá a<br />

4 No caso do sobrenome Vieira Souto, há apenas uma coincidência. A avenida no Rio de Janeiro<br />

é em homenagem ao engenheiro civil carioca Luiz Rafael Vieira Souto (1849-1922). Quando<br />

este faleceu, o Dr. Hermelino já residia em Ourinhos há três anos.


138<br />

chamado de Hermelino, para também montar uma casinha de saúde aqui.<br />

Voltou para a Alemanha e continuou mandando cartões de Natal até uns<br />

quatro ou cinco anos depois da morte do Hermelino. Depois parou.<br />

Acredito que tenha morrido, pois já estava com 86 anos na última carta<br />

que mandou para Hermelino:<br />

O primeiro padre de Ourinhos de quem me lembro foi o padre David<br />

Corso. Achavam até que era santo. Depois ele foi para Assis, onde<br />

faleceu. O padre Eduardo Murante veio muito depois.<br />

* * *<br />

– Papai era muito amigo do seu José, desde Salto Grande [José das<br />

Neves Júnior, avô do autor]. Ele frequentava nossa casa, estava sempre<br />

lá. Papai tinha um hotel e o seu José fornecia muita coisa que só ele tinha.<br />

Os abacaxis da propriedade do seu José (Fazenda da Figueira)<br />

eram lindos, uma coisa maravilhosa tanto em tamanho como em doçura.<br />

Depois o seu José deixou Salto Grande e veio para Ourinhos.<br />

* * *<br />

– Hermelino teve várias iniciativas para arrecadar fundos para a<br />

construção da Santa Casa. Foi até ator e fazia transmissão de pensamento<br />

com o Donato Sassi. Mandou buscar clubes de futebol em São Paulo<br />

para jogar com o time de Ourinhos, organizava touradas, fizeram uma<br />

peça de teatro, tudo para arrecadar fundos para a Santa Casa. A construção<br />

levou um ano e todo santo dia ele estava lá para ver a obra. Era o<br />

sonho dele. Quando os novos médicos aqui chegaram, encontraram a<br />

Santa Casa pronta. Não precisaram mais revestir quartos de hotel com<br />

algodãozinho para a primeira operação.


139<br />

36<br />

LEÔNIDAS DE OLIVEIRA<br />

Bar Leônidas. O nome surge nas conversas dos mais antigos; dos<br />

realmente muito antigos. Um pequeno anúncio do jornal A Cidade de<br />

Ourinhos informava, em 1926: “Confeitaria e Bar Leônidas, de Leônidas<br />

de Oliveira. Aceita-se encomenda de doces para qualquer festa”. Fatos<br />

com mais de sessenta anos, portanto. Os testemunhos disponíveis garantem<br />

que era um lugar agradável, bem frequentado. O proprietário, casado<br />

com Rosa Sândano, filha de Heráclito Sândano, tinha vínculos com o<br />

Partido Republicano Paulista. Chegou a suplente de vereador e juiz de<br />

paz.<br />

Nascido em Fartura, Leônidas de Oliveira veio para Ourinhos como<br />

guarda-livros. Casou-se e montou o bar na Antônio Prado, entre a<br />

praça e a linha. Nos primeiros anos da década de 30 mudou-se para Sorocaba<br />

e abriu outro Bar Leônidas até transferir-se para São Paulo. Aposentado,<br />

retornou a Ourinhos, de onde saiu somente para um tratamento<br />

médico. Faleceu em São Paulo.<br />

Durante o seu último período ourinhense, Leônidas de Oliveira,<br />

por sugestão do sobrinho Lauro Migliari, futuro prefeito, redigiu um<br />

esboço histórico da cidade que conheceu. O texto, publicado a seguir, é<br />

um depoimento pleno de informações, curiosidades, insinuações cautelosas<br />

sobre aspectos violentos da política e lances de bom humor.<br />

– Ninguém sabe explicar, ao certo, a origem do nome Ourinhos,<br />

dado à nossa cidade. Anteriormente era tido apenas no singular, Ourinho,<br />

sendo depois criado o distrito, já no plural: Ourinhos.<br />

Diziam alguns antigos daqui que, dada a fertilidade do solo e a<br />

grande convergência de agricultores, achavam que isto valia ouro, daí<br />

vindo o nome de Ourinho. Outros achavam que, como os sítios vizinhos<br />

às margens do Paranapanema tinham o nome de “Ouro Grande”, a Soro-


140<br />

cabana acabou dando o nome atual. Nome bonito e significativo.<br />

Mas, como não sou autorizado a descrever Ourinhos no seu nascedouro,<br />

procurei, no devido tempo, colher dados concretos sobre seu início.<br />

E ninguém melhor que minha sogra, dona Hermínia Sândano, há<br />

pouco falecida com 101 anos de idade, como a Matriarca de Ourinhos.<br />

E, como pioneira, que sofreu na própria carne as agruras de um<br />

sertão ainda virgem, nenhuma suspeição pesará sobre seu relato, sem<br />

enfeites ou rebuços. E, quando ainda no vigor da vida, eu lhe pedi a descrição<br />

de tudo, foram mais ou menos estas as suas palavras:<br />

“Morávamos na Vila de Óleo, quando a Sorocabana, com a ponta<br />

dos trilhos em Cerqueira César, reiniciava o avançamento da linha, rumo<br />

a Mandury. Meu marido, Heráclito Sândano, combinou com José Giorgi,<br />

então empreiteiro da obra, o fornecimento de alimentação a todo o pessoal,<br />

desde chefes, engenheiros, funcionários em geral, e mesmo a trabalhadores<br />

que não tinham família.<br />

“Os trilhos vieram avançando, atingindo, além de Mandury, ilha<br />

Grande do Paranapanema, hoje Ipauçu, depois Chavantes, e, por fim,<br />

estacionamos na pedreira, hoje já dentro da cidade, a três quilômetros da<br />

estação, para que meu marido construísse a nossa primeira casa onde<br />

hoje está o sobrado dos Ferrari. Não pretendíamos continuar para a frente,<br />

e então passamos o serviço de alimentação para o sr. Maximiliano<br />

Ammborgi, que prosseguiu até Cardoso de Almeida, lá construindo hotel.<br />

“Iniciamos, então, com um hotel de pequenas proporções, já que<br />

era grande a convergência de agricultores de São Paulo e de Minas Gerais<br />

à procura de boas terras.<br />

“Sofremos muito com a falta de água, pois enquanto não tínhamos<br />

poço, mandávamos um cargueiro ou carroça, por um caminho que abrimos<br />

na mata, buscar água em uma mina, onde hoje é o sítio dos Christoni.<br />

“Nos encontramos aqui com mais três famílias: de Antônio Lage,<br />

de Chico Lourenço e de Francisco Príncipe, todos sofrendo as mesmas<br />

aperturas da situação.<br />

“A Sorocabana mandava seus trens de desocupados catados em<br />

São Paulo pela polícia, a fim de selecionar entre eles alguém que se prestasse<br />

para o serviço de linha. Com isso, víamos sempre desordeiros, vagabundos<br />

e criminosos da pior espécie em nosso meio, oferecendo sempre<br />

grande desassossego aos aqui residentes.


141<br />

“Mas Ourinhos foi crescendo, quando para aqui se transportou o<br />

sr. Jacinto e Sá, que, abrindo sua fazenda – Furnas –, adquiriu também<br />

os terrenos em volta da estação, vendendo-os depois aos interessados. E<br />

com isso Ourinhos foi se desenvolvendo aos poucos.<br />

“Diante do aumento de nossa freguesia, tivemos que construir nosso<br />

prédio para hotel, o que fizemos em frente à antiga estação, com fundos<br />

para a avenida, prédio este que ainda existe, hoje transformado em<br />

pensão.<br />

“Tínhamos ótima freguesia, na maioria fazendeiros, entre os quais<br />

ainda me recordo de diversos: major Barbosa e filhos, dr. Willie Davids,<br />

seu irmão Rolando, o senador Mello Peixoto, seu filho Joãozinho Mello<br />

Peixoto, dona Anésia Cerqueira César, senador Costa Júnior, etc.<br />

“Meu marido empreitou a construção da estrada até a ponte, e depois<br />

da ponte até Jacarezinho, onde somente havia picada. Colocou duas<br />

linhas de troles em ambos os lados do rio, que era servido por duas balsas.<br />

“Mantinha aqui uma oficina de ferreiro, uma tenda, como se dizia,<br />

somente para serviços de urgência nas máquinas, trilhos, etc., fazendo<br />

também alguma ferramenta agrícola de mais urgência. Depois passou a<br />

oficina para Henrique Migliari e seu filho Narciso, que a desenvolveram,<br />

iniciando a construção de carroças, carroções, troles, etc., já com boa<br />

capacidade.<br />

“Muito auxiliou nos serviços da estrada a colônia portuguesa, que<br />

tinha bastante prática e boa vontade, fazendo, dirigindo e supervisionando<br />

tudo.<br />

“Veio depois a construção da primeira ponte, em que meu marido<br />

e meu filho Pedro muito trabalharam.<br />

“O primeiro registro de nascimento em Ourinhos, então no Cartório<br />

de Salto Grande, foi de meu filho Heráclito, com o mesmo nome de<br />

meu marido.<br />

“Daí em diante Ourinhos foi crescendo, com o Norte do Paraná já<br />

em franco desenvolvimento, atingindo o que hoje vemos.<br />

“Passamos o nosso hotel para o sr. José Patton, que o explorou por<br />

muitos anos.<br />

“Isso é o que posso informar.”<br />

Eis aí o que me foi possível relatar, por informação de pessoa mais<br />

que ninguém autorizada, já que sofreu e presenciou todas as vicissitudes<br />

de um sertão agreste e sem rumo certo.


OURINHOS – De 1916 a 1932<br />

Simples recordações<br />

142<br />

Não se trata de “hora da saudade”, e sim de reminiscências de um<br />

passado remoto.<br />

Mas poderemos dizer que é uma hora de saudade, porque esta terra<br />

nos deixa sempre boas recordações.<br />

Aqui cheguei em 1916, para o cargo de guarda-livros da Casa Zanotto,<br />

e, cinco anos depois, para a Casa Amaral.<br />

Deixando de parte a modéstia, me orgulho de, com apenas 18<br />

anos, assumir um cargo de responsabilidade, dadas as boas noções de<br />

contabilidade que possuía.<br />

E, por sorte, encontrei uma contabilidade muito bem concatenada<br />

por contador competente, que foi Clóvis Faria. E nos mesmos moldes da<br />

de São Paulo, onde aprendi com um não menos competente contador e<br />

advogado, o dr. Antônio Raposo de Almeida.<br />

O que aqui encontrei? Vou relatar sem rebuços.<br />

Ourinhos nada possuía, com respeito a conforto ou melhoramento.<br />

Era um poeirão vermelho, que somente desaparecia com as chuvas,<br />

quando então se transformava em lama, de arrancar sapatos.<br />

Contava com cinquenta ou sessenta casas de madeira e cinco ou<br />

seis de tijolos, entre as quais a Casa Zanotto, Salgueiro, Arêas e o Hotel<br />

Patton, este construído por meu sogro Heráclito Sândano e depois passado<br />

para José Patton.<br />

Água: Somente de poço, com grande profundidade e pouca água.<br />

Salvava-se apenas o poço “milagroso”, como era chamado, situado onde<br />

hoje funciona a indústria Oncinha, na avenida Jacintho Sá.<br />

Contava minha sogra que, como iniciavam com o ramo de hotel, a<br />

água era o primordial. Meu sogro chamou poceiros de fora, com grandes<br />

despesas.<br />

E ela fez uma promessa, de não negar água a ninguém. E assim o<br />

fez, quando o poço, como de um milagre, deu em um veio de água<br />

enorme, mantendo sempre um “estoque” de água de mais de dez metros.<br />

Quando ela pedia a alguém para não soltar o sarilho e a lata a toda velocidade,<br />

recebia esta resposta: “Você não manda aqui, sua italiana. O poço<br />

é público!”.<br />

E agora? E a promessa?!<br />

A Sorocabana dava alguns baldes de água das locomotivas, mas<br />

aumentou tanto a freguesia que teve de cortar. A caixa d'água da estação,<br />

era fechada, pois precisava manter os trens.


143<br />

Mas, depois, veio o encanamento do rio Turvo, tendo como zelador<br />

das máquinas e acumulando os cargos de “engenheiro” e consertados<br />

de torneiras o saudoso Henrique Migliari, que a todos atendia com boa<br />

vontade, mas não sem xingar algum santo.<br />

Luz: Lampiões e lamparinas a querosene.<br />

Quando a Cia. Santa Cruz resolveu dar algumas lâmpadas, estas<br />

foram esparramadas nas ruas mais centrais. Mas mais pareciam uma<br />

laranja dependurada no fio. Luz mesmo “néris”.<br />

Calçadas, meio-fio, sarjetas: Nada disso. Quando a lama era grossa,<br />

limpava-se o sapato nos ferros pregados nas portas das casas. E que<br />

também serviam para constantes caneladas, ensinando os incautos a falarem<br />

nomes feios!<br />

Hotéis: Somente o Patton, com bom tratamento, tido como um dos<br />

melhores da zona, e o Hotel Fernando em casa de madeira, onde hoje se<br />

situa o Comercial, construído pelo Dias e hoje bastante melhorado.<br />

Farmácias: Marcondes, Figueiredo e mais tarde a do Lanzoni.<br />

Médicos: Dr. Américo Marinho de Azevedo, dr. Theodureto Gomes,<br />

dr. Arthur Chaves, dr. Paulo Ribas, dr. Paulo de Castro e mais tarde<br />

o dr. Hermelino de Leão.<br />

Dentistas: José Felipe do Amaral – o Zequinha –, o Paivinha, dr.<br />

Carlos Faria e depois José Galvão e Gumercindo Barbosa.<br />

Cinemas: O único, de início, era o do Narciso Migliari – o Tizim,<br />

como era chamado.<br />

Era movido a motor, situado a duas quadras. Quando enguiçava,<br />

ficava-se no escuro até pegar. E era quando o Narciso saía em desabalada<br />

correria, faltando santo para ser xingado e cachorro para ser chutado!<br />

Mas, por outro lado, tinha sua poesia. Já calcularam, namorados no escuro,<br />

durante meia hora?!<br />

Depois veio o cinema do Chico Lourenço e mais tarde o Cassino,<br />

do Rolim, na rua São Paulo.<br />

Quando não chegava o filme anunciado, tínhamos que assistir, pela<br />

vigésima vez, a Vida de Cristo ou Os dois sargentos.<br />

Tocava no cinema a banda do Benedito Pontes.<br />

Nos filmes naturais, mazurca. No filme principal, valsa.<br />

Os bancos eram para oito ou dez pessoas, e eram estofados com<br />

serragem. Aguenta, Felipe!<br />

Tínhamos um grupo dramático, chefiado por Antônio Mainardi na<br />

parte dramática e Bráulio Horta nas comédias. E tínhamos bons “astros”,<br />

como esses dois, João Fogaça e sra. Zico Duarte, Narciso Migliari, Manoel<br />

Teixeira, e até eu!


144<br />

Barbeiros: Carlos Bill, João Rocha e Correa.<br />

Futebol: Chutava-se bola na praça Mello Peixoto (metade), em<br />

frente à Casa Zanotto.<br />

Sem redes, sem apito e às vezes nem bola se tinha. Foi quando em<br />

1918 fundamos o Esporte Clube Ourinhense. Eram seus fundadores Miguel<br />

Cury, Vasco, Alberto Grillo, Vicente Petrolini, Narciso Migliari e<br />

diversos outros, entre os quais, eu. Não tínhamos sede. Nossas reuniões<br />

eram na sapataria do Miguel Cury ou embaixo de alguma árvore.<br />

Tínhamos bons jogadores, entre os quais Vasco, Sereno, os irmãos<br />

Viana, Nicolau e até o Quita Junqueira, que depois “cedemos” para o<br />

Palestra Itália, de São Paulo, onde jogou com Carnera. Os becões de<br />

fazenda, Narciso, João Albano, Leontino, Adolfo, etc.<br />

Alguns anos depois, já bem organizado, passou a denominar-se<br />

Clube Atlético Ourinhense, com boas diretorias e bons jogadores.<br />

Dos fundadores do primeiro Ourinhense, pelo que me parece, só<br />

ficou o autor destas linhas.<br />

Igrejas: Somente a católica, em uma capelinha abaixo da linha,<br />

onde uma vez por semana vinha o padre Caetano, de Salto Grande, cuidar<br />

de missa e outras cerimônias.<br />

Depois, foi “destacado” para aqui o conterrâneo e colega de escola,<br />

padre Adauto Rocha. Se vingando de mim por alguma coisa, fez o<br />

meu casamento!<br />

Automóveis: Não havia em 1916. O primeiro a aparecer foi o de<br />

Fernando Foschini, administrador da fazenda do dr. Fernando Chaves.<br />

Por ironia do destino, foi barbaramente assassinado de tocaia, na entrada<br />

da rua Paraná – que terminava onde hoje se situa o Mercado Tone. Dali<br />

em diante era somente capoeira. Morreu na direção do seu carro!<br />

Mais tarde vieram os táxis de Tomaz, Sereno, Américo e Chico<br />

Saladini, Manoel Pega-tudo, João Sentado etc.<br />

Voltando a falar de igreja, veio depois o padre David Corso, de um<br />

dinamismo e bondade sem par. Organizou as quermesses em benefício<br />

da construção da matriz na praça Mello Peixoto, onde hoje é a Telesp.<br />

Teve a feliz ideia de formar diversas barracas – azul, verde, vermelha,<br />

branca etc. -, entregando cada uma a uma família ou comissão, disputando<br />

o movimento.<br />

Em pouco tempo conseguiu-se dinheiro para o início da obra, que<br />

foi rápida. Foi depois o bom padre removido para Assis, onde iria construir<br />

também lá. E lá faleceu.<br />

Açougues: do Odilon, Benedito Ferreira e Júlio Rocha.<br />

Escolas: Algumas particulares, vindo depois o grupo escolar da


145<br />

rua Paraná, onde hoje está a Casa Nunes. Foi seu diretor o professor<br />

Cândido Barbosa Filho – o Barbosinha – e entre os professores me lembro<br />

de alguns: Mário Gois, Evaristo Penteado, Paulo Sina, Benedito<br />

Azevedo, Zita César, Tereziana Pinheiro, Maria Izabel Ferraz.<br />

Clubes recreativos: Artigo de luxo! Nos contentávamos em dançar<br />

sob o som da sanfona de Antônio Saladini. Quando era em maio a festa,<br />

tínhamos a banda do Pontes.<br />

Namorar ou noivar era controlado pela chegada do trem, às 8h30<br />

da noite. Daí em diante, era “extra”, dependendo da boa vontade da sogra.<br />

Quando o trem atrasava, o que era comum, sorte nossa!<br />

Famílias: Entre muitas outras, posso enumerar as seguintes, e das<br />

quais muitos descendentes aqui se encontram concorrendo para a grandeza<br />

de Ourinhos: Jacintho Sá, Heráclito Sândano, Salgueiro, Chico<br />

Lourenço, Tocalino, Migliari, Lage, Benedito Ferreira, Benício Espírito<br />

Santo, Christoni, Perino, Moysés e Miguel Lupércio, Pascoal ou Abrão<br />

Abujamra, Domingos Garcia, Dario e Adolfo Alonso, Arquipo Matachana,<br />

Adriano Braz, Souza Soutello, Zanotto, Grillo, Edmundo Amaral,<br />

Ferrara, Bittencourt, Odilon, Bento Perino, Antônio J. Ferreira, Saladini,<br />

Petrolini, Álvaro Moraes, Santiago, Mori, etc.<br />

Perdoem as famílias cujos nomes aqui não constam. São 62 anos!<br />

Foram chegando depois inúmeras famílias que ainda aqui residem,<br />

ou seus descendentes: Amaral, Trenchs, Negrão, Nicolosi, Sá, Martins,<br />

Zaki, etc.<br />

Bancos: Foram vindo aos poucos: Francês e Italiano, com Donato<br />

Sassi, Rafael Papa, Olavo de Oliveira e outros; Commércio e Indústria,<br />

com Rafael de Cunto, Heitor Gatti etc. ; Comercial, com Francisco Cocapieler,<br />

etc.<br />

Ourinhos se desenvolveu mais com a aquisição da São Paulo-<br />

Paraná, pelos ingleses, sob a orientação de Lorde Lovat, que aqui esteve,<br />

adquirindo também dez milhões de alqueires de terras no Norte do<br />

Paraná, e, com largura de vistas, levou a estrada até Londrina e adjacências,<br />

fazendo da zona o que hoje vemos: um estado dentro de outro estado,<br />

dando vida maior ao Paraná, com bom reflexo para Ourinhos.<br />

Tivemos na São Paulo-Paraná, entre outros, os engenheiros Theodoro<br />

Hamilton (chefe), Wallace Morton, James Adamson, Maurice<br />

Durant, Mano Filho, etc.<br />

No tráfego, como chefe Hermínio Socci, auxiliado por Oswaldo<br />

Paretto, Carlos Deviene, Pimentel, Ferraz, Castorina e outros mais, inclusive<br />

Jorge Galvão.<br />

A São Paulo-Paraná veio contribuir também para a diminuição do


146<br />

contrabando de fronteira: o café, cereais e demais artigos, trazidos em<br />

carroças e caminhões, desapareciam como que por encanto ao chegar à<br />

beira do rio. Também contribuíram para o contrabando as taxas arrochantes<br />

cobradas nas barreiras. Até as mudanças pagavam a barreira de<br />

ambos os estados. São Paulo abandonou logo essa especulação, vindo<br />

em seguida o Paraná, liberando as saídas e entradas.<br />

Na inauguração da ponte nova, para veículos, pedestres e trens,<br />

aqui tivemos uma importante festa, com a vinda dos presidentes de ambos<br />

os estados: de São Paulo, o presidente Altino Arantes, com seu secretariado<br />

e demais políticos, entre os quais Washington Luís, prefeito<br />

da capital, Ataliba Leonel, chefe do 5.1 Distrito, etc.<br />

Pelo Paraná, Afonso de Camargo, também rodeado de altas figuras<br />

políticas.<br />

O encontro se deu no meio da ponte, já que, sem autorização do<br />

Congresso, não era permitida a saída de seus estados para outros.<br />

Revoluções: Ourinhos, como fronteira de estados, sempre sofreu<br />

com revoluções.<br />

Primeiro tivemos a de 1924, para aqui convergindo as tropas de<br />

Cabanas, tudo “requisitando”, mas nada pagando.<br />

Depois a de 1930, a revolução da traição, quando Washington Luís<br />

recebeu o fruto de ter criado a víbora em seu próprio seio.<br />

A terceira, a nossa, de 1932, em que cada paulista era um baluarte<br />

em defesa da legalidade usurpada por uma ditadura vesga e inconsequente.<br />

Ourinhos não ficou de braços cruzados.<br />

Organizou-se aqui o batalhão “Coronel Theopompo de Vasconcelos”,<br />

com 130 homens, sob o comando do então delegado de polícia, dr.<br />

Manoel Ribeiro da Cruz, tendo como instrutor o sargento reservista<br />

Eduardo Sândano. Perdemos apenas um companheiro, por uma bala extraviada.<br />

Tivemos um canhão, de porte pequeno, mas que muito nos auxiliou<br />

nas trincheiras do Paranapanema.<br />

Foi construído nas oficinas Migliari, que na época já se apresentava<br />

com capacidade de confecção de boas obras, de qualquer porte.<br />

Nomes de mais famílias aqui radicadas e outras chegando me vêm<br />

à lembrança, como João Dolfim, Galileu Andolfo, Loureiro de Giacomo,<br />

Chede Jorge, Jango Martins, Lagama, José Duarte, etc. Depois, Marques<br />

Leão e outros.<br />

Fazendas: Não somente as do município, como Lageadinho, Boa<br />

Esperança, Furnas e Furninhas, Quinzinho Cintra, etc., se serviam de


147<br />

Ourinhos mas também as do Norte do Paraná, entre outras a Cia. Agrícola<br />

Barbosa, Leoflora, União, São Domingos, Santa Izabel, Costa Júnior,<br />

etc.<br />

Transportes: Não havia, em 1916, automóveis e caminhões, como<br />

já disse. À tarde, a praça Mello Peixoto ficava totalmente tomada por<br />

carroças e carroções, que do Paraná vinham à procura de cargas nas casas<br />

comissárias – Zanotto e Amaral – então correspondentes do comércio<br />

do Norte do Paraná.<br />

Indústria: Somente tínhamos a fábrica de macarrão de Luizinho<br />

Machado, depois vendida a José Bittencourt, que em seguida a passou<br />

aos seus cunhados – Rodopiano Leonis e Emílio Leão.<br />

Ourinhos, de simples distrito de paz, pertencente ao município de<br />

Salto Grande, passou logo a município, pertencendo à comarca de Santa<br />

Cruz do Rio Pardo, depois à de Salto Grande e, por fim, “deu a volta por<br />

cima”, e aí está a Ourinhos de hoje.<br />

Imprensa: Tínhamos o jornal A Voz do Povo e uma revista, Alvorada,<br />

dirigida por intelectuais da época, entre eles Carlos Amaral, Benedito<br />

Martins – o Diadema – e outros colaboradores. Mas essa revista,<br />

dada a ausência de renda, teve vida curta.<br />

Ourinhos sentia falta de escolas superiores, pois muitas famílias<br />

procuravam maiores centros, à procura de escolas para seus filhos.<br />

Política: Não entrarei em detalhes sobre o assunto, para não magoar<br />

possíveis parentes de políticos de então, que não souberam se colocar<br />

à altura de seus cargos. Não havia “altos” e sim somente “baixos”, trazendo<br />

a população em constante receio, dados os atos de perseguição e<br />

selvageria reinantes.<br />

Somente voltou à calma quando Jacintho Sá, Vicente Amaral e<br />

demais companheiros assumiram o governo local, com a queda da política<br />

de trabuco então reinante.<br />

Eu não passei de um simples suplente de vereador e juiz de paz.<br />

Fiz muitos casamentos. Que me perdoem os que não foram felizes.<br />

Ourinhos de hoje dispensa elogios.<br />

Para aqui convergem inteligentes comerciantes, industriais e agricultores,<br />

certos de que o seu capital cai em bom terreno.


148<br />

37<br />

RUBEM DE MORAES<br />

Rubem Ribeiro de Moraes, o mais velho dos filhos homens de Álvaro<br />

Ferreira de Moraes seguiu o pai no gosto pela agricultura e na sorte<br />

com fazendas. Nascido em Juiz de Fora, em 1908, foi casado com Dirce<br />

Carvalho de Moraes, sobrinha de dona Josefina, mulher de Jacintho Ferreira<br />

e Sá. Apesar de doente, Rubem falou com vigor e precisão. Durante<br />

quase uma hora de entrevista no seu apartamento em São Paulo, nada lhe<br />

escapou. O relato tem momentos de franqueza irônica e evidente afeto<br />

por várias personagens do passado ourinhense.<br />

Quando nos despedimos, ele estava disposto a visitar suas fazendas<br />

de Ribeirão Claro, no Paraná, e Assis. Foi a última viagem. Faleceu<br />

em São Paulo, em 16 de fevereiro de 1990, pouco antes de completar 82<br />

anos.<br />

Pergunta: O que o senhor sabe sobre a chegada e a instalação de<br />

Jacintho Ferreira e Sá em Ourinhos?<br />

Rubem de Moraes: Sei que ele comprou a Fazenda das Furnas,<br />

2400 alqueires de terras pôr 20 contos de réis.<br />

P: A fazenda já existia com esse nome?<br />

R: Não tenho certeza, mas acredito que sim.<br />

P: Não havia nenhum outro interessado em tanta terra?<br />

R: Teve o chefe político de Santa Cruz do Rio Pardo, chamado<br />

Tonico Lista (Antônio Evangelista da Silva), famoso político violento,<br />

mandava matar os seus adversários. O meu sogro até tomou um tiro numa<br />

eleição. O Jacintho teve uma demanda porque o Tonico Lista queria<br />

ficar com a fazenda. O Jacintho ganhou a demanda, mas o juiz que deu a<br />

sentença favorável tomou o trem para São Paulo, fugindo do Tonico<br />

Lista. Cardoso Ribeiro era o nome desse juiz. Ele, Jacintho Sá, deu o<br />

nome dessa rua Cardoso Ribeiro em homenagem a esse juiz correto,


149<br />

decente. Francisco Cardoso Ribeiro foi, depois, nomeado secretário da<br />

Justiça.<br />

P: Qual a lembrança que o senhor tem de Jacintho Sá?<br />

R: Ele era um sujeito bom, manso, entende? A política na região<br />

era toda violenta e o sr. Jacintho foi convocado para tomar conta da política<br />

justamente depois de um assassinato que houve em Ourinhos. Resolveram<br />

botar o Jacintho Sá como chefe político e pronto, acabou a<br />

violência em Ourinhos. Apesar da redondeza, como o célebre fato dos<br />

Machado em Palmital, do Tonico Lista em Santa Cruz, Ataliba Leonel<br />

em Piraju, Ourinhos era um oásis. Não houve mais uma morte, não houve<br />

mais nada de violência na política de Ourinhos porque o sr. Jacintho<br />

não admitia essas coisas. Ganhava suas eleições como o PRP ganhava<br />

mesmo em toda parte. Naquele tempo não podia perder eleição. Ganhava<br />

mas não na bala. Era o jeito dele. Ele era muito maneiroso, dava confiança<br />

para qualquer um, muito dado.<br />

P: E o seu pai, Álvaro Ferreira de Moraes, como se deu a chegada<br />

dele em Ourinhos?<br />

R: O meu pai comprou uma fazendinha onde hoje é a Vila Moraes<br />

e a Vila Boa Esperança, aquela região. Comprou em 1917.<br />

P: Seu pai era mineiro?<br />

R: Meu pai era fluminense e minha mãe mineira. E uma pequena<br />

parte da família nasceu no estado do Rio e outra parte em Minas, e alguns<br />

nasceram no estado de São Paulo.<br />

P: E por que ele se decidiu por Ourinhos?<br />

R: Benício do Espírito Santo, não sei se o senhor já ouviu falar dele<br />

[foi o segundo prefeito de Ourinhos, 1921-23], era muito conhecido<br />

de papai, da mesma região lá no estado do Rio, São Francisco Xavier. A<br />

minha família é de lá, Cantagalo, Friburgo, Bom Jardim, Trajano de Moraes,<br />

que era até primo de papai. Então, através do amigo, ele ficou sabendo<br />

dessa fazendinha e a comprou em 1917 (Fazenda Boa Esperança).<br />

Em 1918, papai comprou outra fazendinha (Santa Maria), encostada<br />

à primeira, e formou uma fazenda só. Mudou-se para lá em 1921. Eu não<br />

fui, estava no colégio, mas papai morou pouco tempo lá na Santa Maria,<br />

que hoje pertence à família do Renato da Costa Lima. Papai ficou um<br />

ano e tanto e voltou para Juiz de Fora, onde ficou de 1922 a 1930, quando<br />

regressou a Ourinhos e se instalou definitivamente na fazenda até<br />

falecer, em 1942.<br />

P: Qual sua primeira impressão de Ourinhos?<br />

R: Fui a Ourinhos em 1921 ou 1922 passar férias. Era uma cidade<br />

horrorosa. Um poeirão doido, um lamaçal medonho quando chovia. Uma


150<br />

cidade sem recursos, nem comarca era. A comarca era em Salto Grande,<br />

que era inferior, muito inferior a Ourinhos. Fui muito a Salto Grande em<br />

cartórios, tudo se resolvia lá. Sem estradas, sem vias de comunicação,<br />

um lamaçal, umas estradinhas municipais horrorosas, mas era lá.<br />

P: A fazenda do seu pai produzia basicamente café?<br />

R: Só café. Aquela região ali era um mar de café.<br />

P: O senhor foi morar em Ourinhos em que ano?<br />

R: Acho que foi em 1932, porque cheguei logo depois da revolução,<br />

da qual tomei parte como voluntário. Eu morava no Rio.<br />

P: E veio para participar da administração da fazenda?<br />

R: Para tomar conta da Fazenda Boa Esperança.<br />

P: Em que ano se decidiu desativar a fazenda e lotear as terras?<br />

R: Com a morte de papai, em setembro de 1942. Em 1943, o meu<br />

irmão Paulo começou a venda dos lotes, abriu a Vila Moraes, e por aí<br />

afora. Eu tenho uma fazendinha em Assis e outra em Jacarezinho, não<br />

tenho mais nada em Ourinhos.<br />

P: Na sua opinião, qual foi a pessoa com mais visão no processo<br />

de transformação de Ourinhos de uma vila em cidade?<br />

R: Foi o velho Jacintho quem fez aquelas ruas largas. Não sei como<br />

ele foi fazer isso naquele tempo. O costume era rua de três ou cinco<br />

metros. Não dava para cruzar dois veículos. Aquilo é do velho Jacintho,<br />

ele traçou daquela largura. A avenida Jacintho Sá existe desde que existe<br />

Ourinhos. Imagine uma rua daquela largura naquele tempo. Era impossível.<br />

Então, os novos prefeitos, os sucessores, ó que fizeram foi prolongar<br />

as ruas. Não podiam estreitar.<br />

P: Qual é a ligação de parentesco entre as famílias Sá e Moraes?<br />

R: Tenho dois cunhados, filhos do Jacintho Ferreira e Sá, casados<br />

com duas de minhas irmãs. O Olavo Sá, que foi casado com a Jenny, e o<br />

Silas Sá, que foi casado com a Elsie. Os dois são filhos do velho Jacintho<br />

e irmãos do Jacintinho. Uma outra irmã, Ester, casou-se com o Moacyr<br />

de Mello Sá, sobrinho do velho Jacintho.<br />

P: O senhor se referiu ao juiz Cardoso Ribeiro, hoje um desconhecido<br />

para a cidade. E o que o senhor tem a dizer sobre outro desconhecido<br />

ilustre, o dr. Mello Peixoto, que é o nome da nossa praça principal?<br />

R: Mello Peixoto foi um político da região, fazendeiro em Chavantes.<br />

Muito boa pessoa, eu o conheci pessoalmente.<br />

P: Mas ele morreu em 1915.<br />

R: Se ele morreu em 1915, não é o Mello Peixoto de quem estou<br />

falando, Então o que conheci é o filho dele.<br />

P: E quem foi Paulo Sá, também nome de rua na cidade?


151<br />

R: Filho do velho Jacintho e irmão do Jacintinho, morreu na Revolução<br />

de 1932, na minha trincheira, na região de Buri, Capão Bonito,<br />

esse sul aí. Naquele dia, ou melhor, no dia seguinte, a revolução terminou.<br />

Tivemos um combate violento e parou. Acabou e ele saiu da trincheira,<br />

como todos nós saímos. Uma bala perdida atingiu o pescoço dele.<br />

Morreu na hora.<br />

P: Que lembranças o senhor tem de outros pioneiros de Ourinhos,<br />

como Manoel de Souza Soutello?<br />

R: O sr. Souza Soutello era um homem conhecido na cidade, mas<br />

eu não tinha nenhuma intimidade com ele, até pela diferença de idade,<br />

pois eu era criança e ele já homem feito.<br />

P: E o Odilon Chaves do Carmo?<br />

R: Conheci assim de vista. Ele era proprietário daquela gleba ali<br />

onde se localiza a Vila Odilon. Houve também uma família importante,<br />

os Amaral. O Vicente Amaral, um comerciante que foi chefe político na<br />

década de 20. Era homem influente em Ourinhos.<br />

P: O senhor conheceu o Domingos Perino?<br />

R: Eu era criança e ele já idoso. Conheço os filhos dele, o Duia,<br />

um homem muito popular, o irmão dele, o Santo Perino.<br />

P: O senhor muito provavelmente conheceu bem o dr. Hermelino<br />

de Leão.<br />

R: Muito meu amigo, muito boa pessoa. Papai também gostava<br />

muito dele. Era muito bom médico, o primeiro cirurgião de Ourinhos.<br />

Veio um alemão, me esqueço o nome dele [dr. Pedro K. Müller] e começou<br />

a operar todo mundo, e tinha como assistente o dr. Hermelino. Esse<br />

alemão durou pouco e foi embora, e o dr. Hermelino tomou o lugar dele.<br />

Era o único cirurgião que havia durante essa época.<br />

P: A família Leão era grande, havia um tio do dr. Hermelino bastante<br />

conhecido e proprietário da balsa do Paranapanema.<br />

R: Conheci muito o Emílio Leão, que gostava de uma violenciazinha,<br />

tinha lá os seus capangas. Mas eu e o meu pai nos dávamos muito<br />

bem com ele. Falava fino, era miudinho, mas era meio violento.<br />

P: Ainda não falamos da família Costa Júnior.<br />

R: Eu gostava muito do Christiano da Costa Júnior, embora ele<br />

não levasse a vida muito a sério. Morreu moço, morreu criança. Era divertido,<br />

muito sabido. O pai dele é que foi um grande fazendeiro na região<br />

de Ourinhos. O avô dele era conhecido como Costa Júnior [Antônio<br />

José da Costa Júnior]. O senhor atravessava o Paranapanema e até Jacarezinho<br />

era dele, do avô. Bravo que era uma fera, mas não era matador<br />

de ninguém, era homem civilizado. Naquele tempo era comum fazendei-


152<br />

ros bravos e o avô do Christiano era desse tipo.<br />

P: Como era a vida da cidade quando o senhor chegou em 1922?<br />

R: Aquela vidinha de interior, de bar. Tinha um clubezinho de<br />

dança que existe até hoje, o Grêmio Recreativo de Ourinhos. Era a vida<br />

pacata de uma cidade sem indústrias, sem vida. Ia-se para a cidade a<br />

cavalo, amarrava-se os cavalos nos postes de iluminação.<br />

P: E a parte das construções, dos prédios, que impressão lhe causou?<br />

R: Prédios? Era só casa de madeira, uma coisa horrível. Uma impressão<br />

muito ruim. Em 1921, 1922, o que era Ourinhos? Era muito difícil<br />

achar uma casa de alvenaria. Era tudo sujo.<br />

P: O comércio local, como era?<br />

R: Era só secos e molhados, armarinhos. Se a pessoa quisesse mais<br />

alguma coisa, tinha de sair, ir para Botucatu ou São Paulo.<br />

P: Em compensação, Ourinhos era, como o senhor disse, uma cidade<br />

pacata, ao contrário da região.<br />

R: Pacata graças ao velho Jacintho Sá, porque Santa Cruz do Rio<br />

Pardo, mesmo depois da morte do Tonico Lista [em 1922], continuou<br />

uma cidade violenta. O velho Jacintho semeou a pacificação em Ourinhos<br />

naquele tempo da política brava, de matar.<br />

P: Nesse tempo do Jacintho, as condições sanitárias eram precárias?<br />

R: Péssimas. Era a terra do tifo, que vitimou o Jacintho e quase vitimou<br />

o meu pai, mais ou menos na mesma época. A razão disso hoje é<br />

muito fácil de explicar, mas naquele tempo ninguém cuidava de nada,<br />

não havia recursos. Os poços d'água eram no quintal, com duzentos palmos<br />

de fundura. A gente olhava e lá no fundo era uma rodinha assim.<br />

Fundo toda a vida. E ao lado tinha uma fossa negra, latrina. Então a infiltração<br />

se fazia e o tifo em Ourinhos era comum. O Jacintho morreu e<br />

perdeu uma filha com tifo. O meu pai quase morreu. As condições sanitárias<br />

eram realmente péssimas. Aquele pó odioso. O pó de terra roxa<br />

parece um talco marrom, uma coisa horrível. Aquilo não podia fazer<br />

bem para ninguém.<br />

P: O senhor, que é de uma família de fazendeiros, deve se lembrar<br />

bem dos colonos que trabalhavam nas fazendas.<br />

R: Eram bons, a maioria era de italianos. Mesmo o trabalhador rural<br />

brasileiro não se compara com os de hoje. No tempo de papai eram<br />

italianos; no meu tempo já tinham quase se acabado os italianos, mas<br />

ainda havia trabalhadores bons, brasileiros.<br />

P: E os japoneses?


153<br />

R: Quem introduziu japoneses na região foi o velho Jacintho Sá. Já<br />

no Japão, diziam: “Vou para o Brasil, para a Fazenda das Furnas”. Ele<br />

plantava muito algodão, era muito ativo, era um homem de sete ofícios,<br />

topava tudo, não era só fazenda, não. Montou uma descaroçadeira de<br />

algodão e, como tinha muitas terras, arrendava para os japoneses. Gostavam<br />

muito dele.<br />

P: O senhor se refere sempre com muito carinho quando fala de<br />

Jacintho Sá.<br />

R: Eu apreciei esse homem. Num ambiente daquele, implantar<br />

uma política civilizada numa terra selvagem não foi fácil. Tanto é que<br />

ele foi substituir um chefe político que já tinha mandado matar um em<br />

Ourinhos, na rua Paraná, na saída para o Paraná. Assassinaram o homem<br />

lá, fizeram uma tocaia. Acabava a rua e tinha a estrada que continuava<br />

reta para a balsa. Bem, numa região dessa, aparece um homem para fazer<br />

um negócio desse. E depois o Jacintho era um homem muito dado, muito<br />

tratável.


154<br />

38<br />

MANOEL DE MELLO<br />

Manoel Teodoro de Mello é uma das personagens tradicionais da<br />

Vila Odilon. A vila o elegeu sete vezes vereador em trinta anos de política,<br />

desde que aderiu à UDN, em 1945. Nascido em Piraju, em 1918,<br />

chegou a Ourinhos com 5 anos de idade e ganhou a vida de várias maneiras<br />

até se estabelecer como açougueiro.<br />

Suas lembranças ourinhenses, que se iniciam em 1923, abrangem o<br />

período em que a cidade era pequena e a vila praticamente zona rural.<br />

Conheceu gente que faz parte da história local, como Odilon Chaves do<br />

Carmo e Emílio Leão, viu a chegada dos pioneiros das olarias, das disputas<br />

eleitorais e a formação dos primeiros clubes esportivos do bairro.<br />

Seu Manoel fala ligeiro, às vezes é difícil acompanhar, mas se expressa<br />

com naturalidade. Não exalta seus atos, nem se dá ao luxo de florear<br />

qualquer episódio. Um homem do tempo em que se atravessava de<br />

balsa o rio Paranapanema.<br />

Pergunta: Quando o senhor veio para Ourinhos?<br />

Manoel: Em 1923 com a minha família. De Piraju mudamos para<br />

Itatinga, e de lá para Bernardino de Campos. Depois meu pai veio para<br />

Ourinhos.<br />

P: Qual era a atividade do seu pai?<br />

R: Meu pai trabalhava com açougue quando veio para Ourinhos.<br />

Teve açougue até 1930. Depois da Revolução ele passou a comprar e<br />

vender gado. Tinha também leiteria e mexia um pouco com lavoura. Eu<br />

já estava com 12 anos quando comecei a viajar com tropa. Fui tropeiro,<br />

viajando do Rio Grande do Sul até São Paulo. Quando chegavam em<br />

Ourinhos, as tropas ficavam invernadas e eram repartidas. Algumas meu<br />

pai vendia na cidade, outras iam pela Sorocabana até Porto Epitácio;<br />

outras ainda para Bauru. Lá pegavam a Noroeste e iam para Cafelândia,


155<br />

Lins, até Guararapes.<br />

P: E quando o senhor se estabeleceu por conta própria em Ourinhos?<br />

R: Em 1939, depois de oito anos viajando. Meu pai ficou doente e<br />

não pude mais viajar. Tive então uma lavoura perto do rio Pardo, nas<br />

terras do sr. Olavo Ferreira de Sá. Em 1939 fui sorteado para o serviço<br />

militar, mas fui dispensado. Mas em 1941, eles me convocaram. Servi<br />

em São Luís de Castro, na divisa da Bolívia, durante três anos.<br />

P: O que o senhor fez quando voltou?<br />

R: Quando cheguei aqui fiquei negociando boi com meu irmão.<br />

Em 1945 comprei um imóvel e montei este açougue na rua da República<br />

que, naquele tempo, não existia. O que tinha era um loteamento que o<br />

meu pai fez em 1945. Comecei em 1946 e trabalhei com o açougue durante<br />

trinta anos, até 1976. Depois me aposentei.<br />

P: Como era a Vila Odilon no tempo em que o senhor abriu o<br />

açougue?<br />

R: Não tinha nada, era tudo chácara. Desde Ourinhos, onde hoje é<br />

a Vila Emília, o Jardim Ouro Verde e o Jardim Primavera, era tudo fazenda<br />

do sr. Horácio Soares. Aqui ao lado, onde é a Vila Matilde, era a<br />

fazenda do sr. Manoel Santiago. Mais para cima era a propriedade dos<br />

Nogueira, depois a chácara do Domingos Garcia, que hoje pertence aos<br />

Mela. Depois estava a Fazenda Santa Maria, que hoje se chama Vila<br />

Cidade Jardim.<br />

P: O senhor conheceu Odilon Chaves, que acabou dando o nome à<br />

vila?<br />

R: Conheci o sr. Odilon. Ele tinha um açougue na praça Mello<br />

Peixoto. Ele tinha o açougue e residia ali. Tinha também uma chácara<br />

aqui e a vila ficou com este nome. O sr. Odilon trabalhou muitos anos na<br />

cidade de Ourinhos e foi vereador. O Francisco Pessoa, enteado dele,<br />

loteou a chácara, não me lembro se em 1932 ou 1934.<br />

P: Como era o Odilon Chaves?<br />

R: Eu conheci ele em 1930. O sr. Odilon já era um homem dos<br />

seus 35, 40 anos. Solteiro, foi namorado de uma prima, no Norte ou<br />

Nordeste, dona Isaura. Depois ele veio para Ourinhos e ela se casou por<br />

lá. Mais tarde ela ficou viúva, veio para cá e acabou se casando com ele.<br />

Era daqueles homens meio nervosos, mas muito bom. Nós tínhamos uma<br />

leiteria com ele. Era uma pessoa boa, um homem bom. Sistemático, mas<br />

bom. O corte de cabelo dele era curto. Não era repartido. Era um senhor<br />

de mais ou menos um metro e setenta de altura, mais para gordo na idade<br />

dele.


156<br />

P: Voltando ao cotidiano na vila, como era a vida aqui?<br />

R: Naquele tempo tinha pouca coisa. O nosso trecho do bairro se<br />

chamava Água do Jacu. Depois da morte do Odilon e com o loteamento<br />

feito pelo enteado, Francisco Pessoa, é que passou a se chamar Vila Odilon.<br />

Depois a família Santiago loteou as terras que hoje formam a Vila<br />

Matilde. Só havia uma rua, que hoje é a Padre Rui Cândido da Silva e<br />

que se chamava estrada do Paranapanema. Naquele tempo só tinha uma<br />

cerâmica aqui, hoje pertencente à família Nogueira. Fazia parte da Fazenda<br />

Santa Maria, do Fernando Pacheco e Chaves. O sr. João Batista<br />

Nogueira, pai do sr. Luís Nogueira, comprou a olaria. Atualmente seus<br />

filhos e netos estão trabalhando lá.<br />

P: Quais foram os outros pioneiros no ramo da cerâmica?<br />

R: Depois dos Nogueira, veio o Aristides Ferrazoli e, em seguida,<br />

seus outros irmãos. O Guilherme Ferrazoli tinha uma cerâmica onde é a<br />

Vila Musa, que hoje pertence ao filho do Sanchez. Havia também a olaria<br />

Barro de Ouro, do Otávio Ferrazoli; e depois também, o Narciso Ferrazoli.<br />

Depois vieram os Fantinatti e os irmãos Carnevalle com a Cerâmica<br />

Santa Hermínia. Naquele tempo, o barro era amassado com pipas<br />

tocadas por animais. As prensas eram manuais. O amassador de barro<br />

fazia um trabalho difícil e a vida do prensista também era dura. Fazer<br />

mil, 1500 telhas na mão e até 2 mil tijolos não era brinquedo. O camarada<br />

queimava forno caipira à lenha. Queimava toras. Hoje o equipamento<br />

é moderno e é a moçada que trabalha nisso.<br />

P: Como era sua freguesia no açougue?<br />

R: Quando abri o açougue, o lugar já estava povoado. Já era uma<br />

vila com dois ou três estabelecimentos comerciais e todas estas indústrias<br />

ceramistas que citei. Estas indústrias tinham uma freguesia que<br />

comprava carne de mim, além de gente da zona rural e de Ourinhos, que<br />

também comprava aqui.<br />

P: Havia então um movimento grande?<br />

R: Quando abri o açougue, abatia só duas vezes por semana. Depois<br />

foi aumentando. Até maio de 1960 não havia nenhum outro açougue<br />

na Vila Odilon e na Vila Cidade Jardim, conhecida como Vila Musa,<br />

que oficialmente não existe, sendo só o nome de um proprietário que<br />

morou lá embaixo, o João Musa, que tinha um posto de gasolina e um<br />

restaurante. Oficialmente é Vila Cidade Jardim, terras que pertenciam à<br />

família Pacheco e Chaves. Foi a dona Maria Pacheco e Chaves que loteou<br />

a vila.<br />

P: Como era o cotidiano, a vida social na vila, que na época era<br />

isolada do centro de Ourinhos?


157<br />

R: Em 1934, eu e um grupo de amigos, o Luís Nogueira, o popular<br />

Zico Nogueira, o João Nogueira, a família Ponte Preta, que tinha o nome<br />

Ponte Preta, mas era família Pascoal, os Fantinatti, os Carnevalle, o Antônio<br />

Cruz, o Leontino Ferreira de Campos, formamos um campo de<br />

futebol onde hoje é a garagem da Empresa Manoel Rodrigues. O terreno<br />

foi cedido pelo Abrão Abujamra e formamos o Clube Ipiranga, que depois<br />

mudamos para Esporte Clube Vila Odilon. Fizemos também um<br />

clube, o Clube Recreativo Vila Odilon. Construímos um prédio grande<br />

de tábua, onde houve muita festa de Carnaval. Não me lembro do ano,<br />

mas fomos até campeões no Carnaval de Ourinhos. Infelizmente a vila<br />

tinha um nome duro naquele tempo, e até apelidaram de “terra dos índios”.<br />

Havia aquele bairrismo e às vezes as pessoas chegavam aqui e<br />

dava briga. Depois, graças a Deus, melhorou a situação. O futebol foi<br />

grande aqui na Vila Odilon. Chegamos a ter dois times rivais, o E. C.<br />

Vila Odilon e o E. C. São Cristóvão.<br />

P: Como o senhor entrou na política, até se transformar numa liderança<br />

tradicional?<br />

R: Em 1945, ocorreu a eleição para presidente da República, com<br />

o brigadeiro Eduardo Gomes e o Dutra, e eu me filiei à UDN com alguns<br />

políticos de Ourinhos, como o dr. Antônio Luís da Costa e Altamiro Pinheiro.<br />

O dr. Abreu Sodré era o presidente regional em São Paulo. Mas<br />

entrei só acompanhando de fora a eleição. A primeira eleição que disputei<br />

foi em 1955, quando o professor José Maria Paschoalick elegeu-se<br />

prefeito. Naquela época o PSP era forte aqui em Ourinhos. Tinha o Paschoalick,<br />

que foi prefeito, o José Carlos <strong>Del</strong> Ciel, o professor Aparecido<br />

Lemos, o Paulino dos Santos, o Oswaldo Brisola e o Alberto Santos Soares,<br />

o Bertico.<br />

P: Quais eram os outros vereadores?<br />

R: No PRP tinha o Camerlingo, o Oriente Mori, o farmacêutico<br />

Aimoré Ferreira e o José Domingos da Costa, um comerciante da avenida<br />

Jacintho Sá. Do PSD foram eleitos o major Abrão Abujamra e o Esperidião<br />

Cury; do PTB, o Reinaldo Azevedo.<br />

P: O senhor foi reeleito na eleição seguinte?<br />

R: Na eleição do Camerlingo para prefeito, fui reeleito. Depois fiquei<br />

como segundo suplente. A bancada da UDN era formada pelo Salvador<br />

Fernandes, o Cássio e o Hélio Silva, aqui da vila. Depois o Cássio<br />

foi embora de Ourinhos e o primeiro suplente, Reinaldo Brandimarte,<br />

não quis assumir. Aí foi a minha vez. Depois fui reeleito várias vezes.<br />

Foram sete mandatos no total e 33 anos de vereança, porque tivemos<br />

uma prorrogação no tempo do Camerlingo e duas no tempo do Aldo


158<br />

Matachana, e no período do Esperidião o mandato foi de seis anos.<br />

P: Desses homens do início de Ourinhos e, principalmente, da Vila<br />

Odilon, o senhor conheceu o Emílio Leão?<br />

R: Passei muito naquela balsa que ele tinha no Paranapanema. Em<br />

1930 eu era moleque e vendia queijo na balsa do Emílio Leão. Tinha<br />

dois bares no lado paulista e um no lado do Paraná. Eu vendia queijo<br />

para eles. E atravessava gado na balsa para vender em Jacarezinho.<br />

P: O Emílio Leão, tio do dr. Hermelino, foi vereador e tinha fama<br />

de homem bravo. Qual a sua lembrança dele?<br />

R: Ele era um homem bravo, sim, mas era um homem bom. Era<br />

um homem pequeno. Na Revolução de 1930, ele lutou aqui na barranca<br />

do Paranapanema. Formou um batalhão de voluntários, acho que tinha<br />

uns quarenta homens. O José Campos Teixeira veio do Paraná com outro<br />

grupo e os dois comandavam da pedreira do Elói Chequer até o Porto<br />

Mangueirinha, como chamavam, que era a estrada que vai para Ribeirão<br />

Claro. Oitenta homens tomaram conta disto tudo, brigavam neste setor<br />

aqui. Nas duas revoluções – 1930 e 1932 – o Emílio Leão foi comandante.<br />

Ele pertencia ao Partido Democrático.<br />

P: O senhor deve ter acompanhado a construção da ponte Mello<br />

Peixoto.<br />

P: A primeira ponte de madeira sobre o Paranapanema foi derrubada<br />

na Revolução de 1924. Foi aí que entrou a balsa. Depois foi feita a<br />

estrada de ferro, que naquele tempo se chamava São Paulo-Paraná. Ao<br />

lado fizeram uma ponte de madeira, ou reformaram aquela bombardeada<br />

em 1924.<br />

P: Como era a paisagem da Vila Odilon até o rio?<br />

R: Da Vila Musa em diante era um sertão só, era mato até a Fazenda<br />

Costa Júnior, onde agora está a usina de Jacarezinho.<br />

P: Existem muitas versões e lendas sobre a origem do nome Pedra<br />

Criminosa, logo depois do Paranapanema. Qual delas o senhor conhece?<br />

R: Quando viemos para cá já tinha o nome de Pedra Criminosa.<br />

Naquele tempo isto tudo era sertão e a cidade mais próxima era Salto<br />

Grande. Naquela pedra morou um criminoso, que diziam ser um homem<br />

muito perigoso. Contavam que ele tinha matado uma filha e um outro<br />

cara, e enterrou ali na própria Pedra Criminosa. Ele tinha duas mulheres<br />

e elas desciam de canoa até Salto Grande para fazer compras. Um dia ele<br />

pegou uma capivara numa armadilha e pediu às mulheres a espingarda<br />

para matar a capivara. Elas pegaram a arma e mataram ele. Havia até um<br />

prêmio naquele tempo, que a polícia dava para quem matasse ele. E as<br />

mulheres mataram, pegaram a canoa e foram até Salto Grande se apre-


159<br />

sentar. Foi aí que o lugar ficou conhecido como Pedra Criminosa, por<br />

causa daquele homem que morou ali por mais de trinta anos. Tinha um<br />

pomar, um laranjal que ele formou.<br />

P: Mas o senhor nunca viu esta pessoa...<br />

R: Não. Quando chegamos, ele já tinha morrido.


160<br />

39<br />

DONA MATILDE E ODETE ABUJAMRA<br />

Abuassali Abujamra não foi só o patriarca de uma numerosa e estimada<br />

família. Pode ser considerado o patriarca dos imigrantes, que<br />

vieram de longe, sem tradição nos sobrenomes. E que venceram. Ele não<br />

só se multiplicou numa legião de filhos, noras, genros, netos e sobrinhos<br />

como realizou a façanha de se tornar Pascoal e italiano. Como o nome<br />

real era difícil de se pronunciar, e seu tipo aloirado sugeria um italiano,<br />

os caboclos do lugar passaram a chamá-lo de Pascoal. Abuassali aceitou<br />

e o apelido ganhou tanta verdade que até os jornais da época vez ou outra<br />

trocavam os nomes.<br />

Chegando quando a cidade ainda era um mero acampamento da<br />

Sorocabana, entre 1906 e 1908, começou como vendedor ambulante e<br />

acabou dominando todo um quarteirão. Ele e seus inúmeros primos fizeram<br />

da esquina da rua Antônio Prado com a avenida Jacintho Sá um<br />

verdadeiro bazar árabe. Sua vida é relembrada pela viúva, dona Matilde<br />

Abucham Abujamra, em tom francamente emotivo. Já a filha Odete<br />

Abujamra Maluf, sem perda da emoção, recua no tempo com informações<br />

mais minuciosas. Elas falam do começo, das precariedades, das<br />

melhorias e, principalmente, de uma grande família.<br />

Pergunta: Em que ano o senhor Abuassali Abujamra veio para Ourinhos?<br />

Matilde: Foi em 1906. Ele veio para a casa de um irmão dele, acho<br />

que em Timburi, mas ficou pouco tempo com o irmão. Veio para Ourinhos.<br />

Ele me contou, anos depois, que derrubou o mato e fez uma casinha,<br />

ali onde seria Ourinhos. Nunca mais saiu dali. Ele amava esse lugar<br />

como se fosse a própria pátria, viveu ali 52 anos, até 1958, quando faleceu.<br />

P: Depois de trabalhar como vendedor ambulante, ele abriu uma


161<br />

loja. Como era esse estabelecimento?<br />

R: Era uma casa de tecidos, não tinha nome, era feita de madeira.<br />

O povo dizia “Casa do seu Pascoal”. Puseram esse nome nele porque ele<br />

era loiro e achavam que parecia italiano.<br />

P: Mas, com o tempo, essa loja foi melhorada.<br />

R: Saímos dali para uma casa pertinho, onde hoje é o Bazar do<br />

Pedrinho. Derrubamos a casa da esquina para fazer outra de tijolos, uma<br />

casa nova com varanda e bastantes quartos. Em frente tinha a loja.<br />

P: Qual a impressão que a senhora teve de Ourinhos quando chegou<br />

de Tatuí, recém-casada com o sr. Abuassali?<br />

R: Ah, foi muito triste. Cidade? Parecia uma fazenda. As casas<br />

plantadas uma aqui, outra ali, quase não tinha alinhamento de ruas. Não<br />

havia luz, água e esgoto. Era água de poço, levou muito tempo para chegar<br />

água de torneira.<br />

P: Quais eram os seus vizinhos e os outros moradores mais conhecidos?<br />

R: Os primos, que moravam em frente, onde hoje é a Nossa Casa,<br />

do João Abujamra. Era do pai dele, o Ibrahim. Havia também o Salomão,<br />

irmão dele, e o Ayub, que está vivo. Ao lado, na casa onde moramos<br />

e agora é o Pedrinho, o Júlio Campos Rocha também morou. Ele<br />

tinha um açougue de carne de porco. A filha dele, Zulmira, se dava com<br />

todo mundo. Conheci o Domingos Perino que fazia comércio com o meu<br />

marido. Conheci a família do Jacintho Sá, conheci todos e tenho amizade<br />

até hoje com eles, com a dona Jenny, que foi casada com Olavo Sá, e<br />

com as filhas do sr. Álvaro Ferreira de Moraes.<br />

P: Como era o dia-a-dia nessa cidade sem água e sem luz?<br />

R: O senhor vai começar a me fazer lembrar de dias muito tristes.<br />

O senhor pode imaginar como era. Eu tive sete filhos e perdi um, o mais<br />

velho. Quatro meninas e três homens.<br />

P: Que tipo de freguesia a senhora tinha na loja?<br />

R: Gente da cidade e os que vinham dos sítios, das fazendas. Os<br />

tecidos vinham de São Paulo, sempre de trem. A primeira viagem de<br />

trem que fiz para São Paulo foi de dezessete horas. Imagine, dezessete<br />

horas. Parava em todas as estações, e desce e sobe. Uma falta de conforto.<br />

P: A senhora se lembra de alguma comemoração quando a cidade<br />

foi elevada a município, no dia 13 de dezembro de 1918?<br />

R: Não houve festa, sabe por quê? Tinha muito pouca gente. Deve<br />

ter havido comemoração ou comentários entre o meu marido e os amigos<br />

dele. Agora é uma coisa que não dá para a gente lembrar, não.


162<br />

Pergunta: Agora é sua vez, dona Odete. Como se desenvolveram<br />

os dois ramos da família Abujamra-Abucham?<br />

Odete Abujamra: Quando papai veio, eram só os Abujamra aqui<br />

em Ourinhos, papai e os primos. Depois eles foram trazendo os outros<br />

primos das redondezas, Timburi, Salto Grande. Os que vieram da Síria<br />

em seguida já vieram para Ourinhos. Papai casou-se um pouco tarde,<br />

devia ter uns 35 anos quando se casou com Matilde Abucham, minha<br />

mãe. Ele veio a conhecê-la em Tatuí. Casaram e foram para Ourinhos.<br />

Minha mãe se integrou muito bem com os Abujamra que estavam em<br />

Ourinhos e que ainda eram poucas famílias. Papai, tio Salim, tio Abrão,<br />

pai do João Abujamra, dono da loja Nossa Casa, eram primos muito<br />

chegados, famílias muito chegadas. Então nós, os primos, éramos muito<br />

entrelaçados. Mais tarde veio o pessoal da loja Caprichosa, o Abdala<br />

Abujamra e a senhora dele, que se chamava Rosa.<br />

P: Os Abujamra da Caprichosa vieram de onde?<br />

R: De Pindorama, interior de São Paulo. Vieram e foram morar<br />

justamente numa casa do papai. Abdala é o pai da Ivone, da Caprichosa,<br />

e do Fuad, despachante, que estão vivos. Já morreram o Tufy e o Abrão,<br />

pai do Roberto Abujamra. Os maiorais lá eram papai, tio Abrão, pai do<br />

João da Nossa Casa, tio Salim, tio Kalil, pai do Tufy e avô do dr. Sérgio<br />

Abujamra.<br />

P: E o nome Zaki entra na história das duas famílias através do casamento<br />

dos seus pais?<br />

R: Sim. Zaki já é outro ramo. A história dos Zaki em Ourinhos<br />

começa também em Tatuí, com a vinda do tio Antônio, irmão de mamãe.<br />

Ele era mocinho e veio trabalhar com meu pai. Depois vieram os irmãos<br />

dele, o tio Tufy [Móveis Regina], tia Ida e, mais tarde, quando abriram o<br />

Café Paulista, vieram o tio João e o tio Júlio. Com eles vieram o vovô, a<br />

vovó e a tia Antonieta. Assim, o forte mesmo da colônia árabe em Ourinhos<br />

eram os Abujamra e os Abucham.<br />

P: Vamos falar do velho Abuassali, seu pai, também conhecido<br />

como Pascoal. Como ele era fisicamente?<br />

R Ele era de fato uma personalidade, um temperamento muito forte.<br />

Ninguém diria que ele era árabe, embora tivesse na mão uma tatuagem<br />

que, naquela geração, todos eles tinham. Já vinham da Síria com<br />

ela. Papai era um homem louro, de olhos azuis. Poderia ser visto como<br />

um italiano. Como o pessoal não sabia falar direito o nome dele, Abuassali,<br />

acabou chamando de Pascoal, um nome italiano. Papai era alto, um<br />

homem bonito e que se impunha.<br />

P: Impunha-se em que sentido?


163<br />

R: Nunca se meteu em política, mas tinha muita influência.<br />

P: Ele comentava qual havia sido o motivo da vinda para o Brasil?<br />

R: No tempo de papai, a Síria era inteirinha um país só. Depois,<br />

com a influência francesa, a parte que hoje é o Líbano passou a ser um<br />

protetorado francês, enquanto os sírios ficaram sob a influência inglesa.<br />

Papai nunca aceitou essa divisão. Ele era de Kfeir, uma cidade síria que,<br />

com a divisão, passou a ser libanesa. Então, como todos daquela época,<br />

ele veio para a América para fazer a vida. Lá a família dele tinha plantação<br />

de azeitonas e criação de carneiros. Não era muita coisa.<br />

P: E como surgiu Ourinhos nos planos dele?<br />

R: Naqueles anos nem era Ourinhos, não era nada. Era um acampamento<br />

da Sorocabana, onde aqueles trabalhadores estavam colocando<br />

os dormentes. Ele vinha ali fazer o comerciozinho dele e voltava, não sei<br />

se para Timburi ou para Santa Cruz. Aquilo tudo era um pedacinho só.<br />

Aquele núcleo de empregados da Sorocabana tinha suas necessidades,<br />

papai trazia e vendia. Era um aglomerado de tendas e ele fazia o comércio<br />

dele até abrir uma lojinha. Uma tapera coberta de sapé. Ele construiu<br />

o Cruzeiro ali no acampamento. Papai era cristão ortodoxo. O acampamento<br />

ficava “para baixo da linha”, tanto é que as propriedades dele foram<br />

levantadas ali porque parecia que seria o centro.<br />

P: Seu pai falava da Síria com frequência ou pensava em voltar um<br />

dia?<br />

R: Ele tinha muitas saudades. Falava mas como lembranças de infância.<br />

Em 1955 ele foi para a Síria com mamãe. Passeou, reviu tudo,<br />

mas quando pôs os pés em Congonhas, respirou fundo e disse: “Não tem<br />

como o Brasil”.<br />

P: Ele chegou a rever parentes próximos?<br />

R: Não chegou a rever os pais. Só reviu um irmão e os sobrinhos.<br />

Os pais já tinham morrido. Mas, enquanto os pais estavam lá, ele mandava<br />

dinheiro.<br />

P: O cotidiano de vocês em Ourinhos devia ser uma mistura de<br />

coisas árabes e brasileiras, não?<br />

R: Era, mas a nossa tendência maior era para as coisas brasileiras.<br />

No interior, a colônia é muito pequena e muito abrasileirada. Haja visto<br />

que só aprendi a falar árabe porque papai me mandou para São Paulo,<br />

para estudar a língua; mas os meus irmãos já não falam. No interior não<br />

dava para fazer aquela colônia como em São Paulo, onde existem os<br />

clubes Monte Líbano, o Sírio, o Hohms. Era diferente. Papai, às vezes,<br />

dizia: “Fala em árabe, fala em árabe, não estou entendendo o que você<br />

está falando”. Queria nos forçar a falar árabe, mas não adiantava. A gen-


164<br />

te convivia com as crianças do grupo escolar, as nossas brincadeiras<br />

eram todas com brasileiros.<br />

P: Nessa sequência familiar, onde entra Alexandre Abujamra, pai<br />

do conhecido diretor de teatro e televisão Antônio Abujamra?<br />

R: Alexandre é mais um primo do papai. Ele veio de Óleo já com a<br />

família feita. O único que nasceu em Ourinhos foi justamente o Antônio<br />

Abujamra. Dois dos irmãos mais velhos do Antônio foram para o Rio<br />

Grande do Sul trabalhar com um irmão do Alexandre, que era empresário.<br />

Desses dois irmãos que foram para o Sul, um deles, o João, voltou<br />

para São Paulo. É o pai da atriz Clarisse Abujamra. O outro, José, ficou<br />

no Sul, onde é empresário. O Antônio Abujamra também acabou indo<br />

para Porto Alegre, onde se dedicou ao teatro. Depois veio para São Paulo<br />

e fez carreira.<br />

P: E o vereador Abrão Abujamra?<br />

R: Esse tinha cartório em Salto Grande. É primo de papai. Todos<br />

eles são primos entre si. Quando a comarca passou para Ourinhos, ele<br />

veio com o cartório para cá. É o pai do Geraldo [falecido] e do Ibrahim,<br />

que continuaram com o cartório. Pai do Alceu e da Alix, já falecida.<br />

P: Vamos falar das suas memórias ourinhenses. Por exemplo, o cinema<br />

do seu tempo, como era?<br />

R: O prédio era de madeira, o chão de madeira. Isso foi nos anos<br />

30, mais ou menos. Havia cadeiras de madeira na plateia e em cima ficavam<br />

as frisas. Tempos dos seriados do Flash Gordon, com o Buster<br />

Crabbe, e Os perigos de Paulina.<br />

P: Além do cinema, as moças frequentavam algum lugar?<br />

R: Havia o Grêmio Recreativo, no mesmo lugar onde está até hoje.<br />

Era chique, uma casa grande, de madeira, parece que antes ali funcionou<br />

o fórum da cidade. A imagem que me vem à lembrança é a da entrada<br />

pela avenida Dr. Altino Arantes, com uma pequena escada. Havia o salão<br />

com as cadeiras em volta. Depois apareceu o Ourinhense com futebol<br />

e tudo e o Operário, que era o nosso Corinthians. Algumas famílias<br />

conhecidas, como os Cury e os Mori, eram do Ourinhense, e nós, os<br />

Abujamra, éramos do Operário, uma torcida ferrenha de cada lado.<br />

Quando havia jogo, meu Deus do céu!<br />

P: Alguém fazia teatro amador ou organizava grupos musicais?<br />

R: Não. Nada disso. Eu me lembro de alguns conjuntinhos musicais,<br />

mas não sei de onde. Não era uma elite que se dedicava a isso, era o<br />

povinho mesmo.<br />

P: Quem mais tinha comércio na vizinhança de vocês?<br />

R: Na avenida Jacintho Sá tinha o Ítalo Ferrari com depósito de


165<br />

bebidas e a farmácia do Álvaro Marques, no quarteirão entre a Antônio<br />

Prado e a Duque de Caxias.<br />

P: A cadeia velha também ficava nas imediações?<br />

R: A cadeia ficava na rua Antônio Prado, depois da avenida. Era<br />

uma casa do papai que a prefeitura pediu. Então se dizia de brincadeira<br />

que “fulano foi dormir na casa do seu Pascoal”. Anos depois, ainda na<br />

avenida, apareceu a casa de calçados do Paulo Matachana. Tinha um<br />

barbeiro, o Correia, que cortava o cabelo de todos nós. Mais para cima,<br />

era o correio, depois da rua Duque de Caxias. Eu me lembro bem que era<br />

uma casa de tábua, a gente subia dois degraus de madeira para entrar.<br />

Era do pessoal do Machado, pai da dona Helsinque Machado Branco.<br />

Daí em diante era a fazendinha do Perino. Lembro-me bem do velho<br />

Domingos Perino, um velho magro e ossudo.<br />

P: Como era a praça Mello Peixoto nos anos 30?<br />

R: Na esquina da praça com a rua São Paulo havia a casa lotérica<br />

do Faccini de um lado e um bar do outro [prédio do antigo Bradesco].<br />

Era tudo de madeira. Na esquina da praça com as ruas Paraná e São Paulo<br />

havia a Casa Amaral, do Vicente Amaral, uma loja muito grande de<br />

madeira. Na região do Hotel Internacional era tudo casinha. O sobrado<br />

do Miguel Cury na praça foi uma das coisas que marcaram época. Antes<br />

dos Cury, na esquina [atual Bradesco], havia a Joalheria Fiorillo. Na<br />

esquina de cima, rua Nove de Julho com a Paraná, onde durante muito<br />

tempo foi a Casas Pernambucanas [agora Banco Nacional], havia uma<br />

casa do Archipo Matachana.<br />

P: Para terminar, qual é a sua lembrança dos ingleses da Estrada<br />

de Ferro São Paulo-Paraná?<br />

R: A Vila Aos Ingleses era um conto de fadas. Naquela época nossas<br />

casas eram de madeira, sem jardim ou gramado. As casas dos ingleses<br />

eram para nós uma maravilha. Era um programa passar em frente<br />

para olhar.


166<br />

40<br />

JOÃO SENTADO (JOÃO FERREIRA DE CAMPOS)<br />

O sr. João Ferreira de Campos comprou em 1924 um Ford a manivela<br />

e foi trabalhar como motorista de táxi no meio de um capinzal. Naquele<br />

tempo se dizia “motorista de praça”. Nascido na zona rural de Piraju,<br />

em 1902, andou pela região até se decidir por Ourinhos. Foram<br />

tantos anos no ponto, à espera dos passageiros, que o apelido João Sentado<br />

pegou naturalmente.<br />

O capinzal onde estacionava o Fordinho é hoje a praça Mello Peixoto<br />

e em torno dela girou sua vida profissional, ao lado dos colegas<br />

Américo e Francisco Saladini e Vitório Davanço. Só por essa atividade<br />

João Sentado já tem garantida a posição entre os homens antigos que<br />

viram a cidade crescer. Mas ele não sabe apenas de episódios pitorescos,<br />

quando o capim invadia o centro. Embora nem todos os dados sejam<br />

rigorosamente precisos, há alguns nomes e datas incompletos, ele se<br />

lembra da política truculenta e do mandonismo dos coronéis. Entre a<br />

lenda da Pedra Criminosa e “aquela morte que houve ali por causa de<br />

política”, o sr. João revela que estava “sentado” mas atento.<br />

Pergunta: Senhor João, com quantos anos o senhor está agora, em<br />

1989?<br />

João Sentado: Eu sou de 1902, estou com 87 anos. No dia 1° de<br />

julho completo bodas de ouro com a minha segunda mulher.<br />

P: O senhor nasceu em que lugar?<br />

R: Nasci num sítio, na zona rural de Piraju, e fui batizado lá. O<br />

meu nome completo é João Ferreira de Campos, mas quando trabalhava<br />

na praça ninguém me conhecia como João Ferreira, era só João Sentado.<br />

P: Por que surgiu esse apelido?<br />

R: Porque nós ficávamos sentados, e o pessoal passava no ponto<br />

de automóveis e dizia: “Olha o João Sentado”, e o apelido foi pegando.


167<br />

P: O senhor foi o primeiro motorista de praça da cidade?<br />

R: Fui o terceiro chofer a trabalhar na praça. Os outros dois não<br />

posso dizer porque me esqueci. Nós abrimos o ponto. O primeiro é o<br />

atual Santo Antônio, na praça Mello Peixoto, na esquina das ruas São<br />

Paulo com Antônio Prado. A praça era ainda um capinzal. Então, fazíamos<br />

o ponto lá. Depois abrimos um ponto mais para baixo, na rua Antônio<br />

Prado, onde hoje é a Drogasil. Dali mudamos para a rua Paraná, esquina<br />

da rua Nove de Julho, em frente às Casas Pernambucanas, o terceiro<br />

ponto. E o quarto ponto foi na praça ao lado do Bar Paratodos, eu<br />

e o Vitório Davanço, o Américo e o Chico Saladini. Nós éramos oito ali.<br />

P: No local do primeiro ponto, na esquina da rua São Paulo com a<br />

Antônio Prado, não havia mais nada?<br />

R: Só uma casa grande ali perto, a casa do Chico Lourenço. Ali era<br />

o cinema, o primeiro cinema de Ourinhos, uma casona de tábua. Era o<br />

cinema e a serraria do Chico Lourenço. Depois veio o Cine Rolim [Cassino],<br />

na esquina da rua São Paulo com a Expedicionários.<br />

P: Senhor João, além de ser chofer, o senhor trabalhou com o Emílio<br />

Leão, não foi?<br />

R: Trabalhei oito anos com o Emílio Leão. Na Revolução de 1930,<br />

eu estava com ele lá na balsa do rio Paranapanema. Mas eu queria começar<br />

a história lá de Salto Grande, onde comecei minha vida.<br />

P: Então vamos...<br />

R: Quando vim de Piraju para Salto Grande, estava mais ou menos<br />

com 5 anos. Depois de dois anos, minha mãe faleceu e meu pai ficou<br />

com cinco filhos. Ele então me deixou com um tio em Ibirarema, onde<br />

fiquei até 1922, quando comprei um carrinho e vim para Ourinhos trabalhar.<br />

Em outubro de 1924 comecei a trabalhar na praça com um Fordinho<br />

tocado à manivela. Trabalhei até 1977.<br />

P: Mas o senhor também trabalhou com o Emílio Leão na balsa do<br />

Paranapanema.<br />

R: Trabalhei oito anos com ele. A minha primeira mulher morreu<br />

em 1938 e eu estava lá. Tomava conta da balsa, era o balseiro dele. A<br />

ponte que havia foi derrubada na Revolução do Isidoro Dias Lopes, em<br />

1924. A primeira balsa que funcionou era de outra pessoa. Foi depois da<br />

Revolução de 1930 que o Emílio pegou uma balsa em Ipauçu e trouxe<br />

para cá. Trabalhou oito anos com ela. Aí fizeram a ponte de novo.<br />

P: Dizem que o Emílio Leão era um homem muito bravo.<br />

R: Ele era um homem muito bravo, mas muito bom. Era fazedor<br />

de caridade, mas muito quente. Comigo ele era uma beleza. Era um homem<br />

baixinho.


168<br />

P: Já que o senhor trabalhou por ali, por que aquela Pedra Criminosa<br />

tem esse nome?<br />

R: Eu cheguei a conhecer um daqueles que morou lá. Chamava-se<br />

José. Diziam que lá para trás no rio, na região de Angatuba, tinha um<br />

casal com uma filha. O homem teve uma morte lá, pegou uma canoa e<br />

veio rio abaixo, descendo, descendo, até chegar nessa pedra. Assim dizia<br />

esse rapaz que era parente dele, o José Inácio. Aí aquele homem ficou<br />

localizado naquela pedra. Era sertão bruto. Esse José disse que a mulher<br />

acabou matando o marido. Daí ela e a mocinha saíram de canoa e foram<br />

embora. Nunca vi essa gente, só esse rapaz, que era genro ou neto deles.<br />

Não sei se é verdade.<br />

P: Qual é a sua lembrança de Ourinhos quando o senhor veio para<br />

cá em 1924?<br />

R: Só tinha a serraria pra cima da linha do trem e mais umas duas<br />

ou três casas de tábua. O mais era tudo capoeira. Depois, pra baixo da<br />

linha, fizeram o Hotel Patton. Depois foi virando, foi virando, veio o<br />

Hotel Dias [atual Comercial] na rua Antônio Prado. Depois, começou a<br />

aumentar para cima da linha. O Jacintho Sá começou a vender terras,<br />

aquilo tudo era do Jacintho Sá.<br />

P: O senhor conheceu o Jacintho?<br />

R: Conheci.<br />

P: Como ele era?<br />

R: Ele veio para Ourinhos como guarda-livros da fazendinha onde<br />

ele estava. Quem contava era quem morava aqui. Foi indo, foi indo e<br />

acabou ficando com a fazenda, pegando esses sitiozinhos por aí, desses<br />

caboclos que estavam morando sem eira nem beira. Naquele tempo o<br />

chefe daqui era o Eduardo Salgueiro.<br />

P: O senhor também conheceu o Salgueiro?<br />

R: Conheci demais.<br />

P: Dizem que era um homem violento.<br />

R: É. Aquela morte que houve aí... Essa morte foi por causa de política.<br />

O Benedito Ferreira era compadre desse sujeito que morreu e que<br />

era administrador da Fazenda Santa Maria. Foi ali perto do lugar onde<br />

hoje é o Colégio Santo Antônio, tinha uma estrada que ia lá para a Fazenda<br />

Santa Maria. Fizeram uma tocaia e até um dos irmãos do Salgueiro<br />

participou.<br />

P: Um dos irmãos do Eduardo Salgueiro?<br />

R: Um irmão do Eduardo Salgueiro.<br />

P: O senhor não se lembra em que ano foi isso?<br />

R: Não posso me recordar bem...


169<br />

P: O senhor não se lembra do motivo da morte?<br />

R: Político. O outro lado era de uma política e o Eduardo Salgueiro<br />

era de outra política.<br />

P: O senhor está dizendo que quem mandava aqui eram os coronéis?<br />

R: Eram os coronéis. Coronel Jacintho Sá, coronel Juca Dias, o<br />

campo da aviação, ali tudo era do Juca Dias. Eram os dois políticos valentes<br />

de então. E tinha o Eduardo Salgueiro que também era da política.<br />

E mataram esse italiano, era um italiano o gerente da fazenda [Santa<br />

Maria]. E esse tio meu, Benedito Ferreira, era quem ajudava toda essa<br />

gente, era subdelegado, era da política, trabalhava, pegava a cabocaiada,<br />

dava comida para eles e depois levava para votar, iam que nem carneiro.<br />

Era o tempo da política dura, política do PRP [Partido Republicano Paulista].<br />

P: Que tipo de serviço havia para um motorista de praça nesses<br />

tempos?<br />

R: Em 1924 fizeram uma passagem para o Paraná pela balsa. Então<br />

começou o serviço para o Paraná, pra lá e pra cá. Servicinho. Eu trabalhava<br />

o dia inteiro por 10 mil réis. Levava gente para o sítio, às vezes<br />

por 2 mil réis. O que eles davam para você no sítio valia muito mais do<br />

que a corrida, até leitoa eles davam pra gente.<br />

P: Sempre com o seu Fordinho?<br />

R: Depois do Fordinho trabalhei com Dodge e com um De Sotto.<br />

P: Qual era o comerciante mais forte na cidade nesses anos 20?<br />

R: O Vicente do Amaral, na esquina da rua São Paulo com a Paraná,<br />

perto da estação. Aquela esquina toda era dele.<br />

P: Qual era o bar mais importante?<br />

R: Bar aqui era barzinho de pinga. Depois é que vieram o Paratodos,<br />

o Central e o Café Paulista.


170<br />

41<br />

MOACYR DE MELLO SÁ<br />

O bom humor e a boa memória tornaram fácil entrevistar o sr. Moacyr<br />

de Mello Sá, embora ele tenha prestado seu depoimento num dia<br />

difícil, em que convalescia de uma cirurgia. Falou dos seus negócios<br />

(agricultura, a gerência da Vasp e dos Armazéns Gerais), de política (foi<br />

vereador), mas discorreu principalmente sobre a sua família.<br />

O sr. Moacyr é sobrinho de Jacintho Ferreira e Sá, de quem foi<br />

amigo e companheiro de viagens. Seu relato tem, por isso, a força do<br />

testemunho ocular, com informações de bastidores. Entre revelações a<br />

respeito da formação de Ourinhos e a descrição da cidade, traça o perfil<br />

do tio e relembra outros homens, como o primo Paulo, filho de Jacintho.<br />

Paulo Sá, nome da rua onde o sr. Moacyr reside, foi morto aos 22 anos<br />

na Revolução de 1932 na região de Buri, quando o conflito praticamente<br />

já havia terminado, mas sem o cessar-fogo completo. Fiel à memória do<br />

primo, mandou fazer uma placa com a explicação de que a rua homenageia<br />

um soldado constitucionalista de São Paulo morto em combate. O<br />

sr. Moacyr de Mello Sá fala de uma época em que Ourinhos ficava no<br />

km 501 da Sorocabana.<br />

O meu avô, Manuel Ferreira de Aguiar e Sá, tinha uma lavra de diamantes<br />

na região de Diamantina. Com o tempo e a família crescendo,<br />

aquilo já não tinha uma produção que desse para o sustento. Então, os<br />

rapazes, os filhos dele, precisavam mudar, como acontece, aliás, até hoje.<br />

Os moços precisavam ir embora porque não havia crescimento. Só<br />

ficavam as moças.<br />

Então a família toda veio para a região de Ribeirão Preto, o meu<br />

avô e os filhos Salathiel, que é meu pai, Saul e Jacintho. Em lombo de<br />

burro. Acabaram por ficar, se não me engano, perto de São Simão. Isso<br />

nos primórdios do século, porque meu irmão mais velho, Zorobabel, já


171<br />

falecido, nasceu em São Paulo em 1903. Mas aí eles ouviram falar que o<br />

Eldorado era na Sorocabana e que o melhor lugar que existia na região<br />

era Santa Cruz do Rio Pardo. Foram lá e montaram uma casa de comércio,<br />

a Casa Três Irmãos. Como a estrada de ferro vinha só até Cerqueira<br />

César, compraram uma tropa de burros para transportar as mercadorias<br />

que chegavam de trem. Não era nem mesmo carroça ou carroção. Era<br />

burro mesmo, atravessando picadas pelo mato.<br />

* * *<br />

O Jacintho tinha assim uma tendência para a política e acho que ficou<br />

conhecendo políticos e sabendo dos planos de se levar a Sorocabana<br />

até a barranca do rio Paraná. São suposições minhas, porque ele tinha<br />

essa queda para a política e todo mundo chamava ele de coronel. Comprou<br />

então [terras] diretamente, por escritura, de dona Escolástica Melchert<br />

[sogra de José Carlos de Macedo Soares]. Como os Macedo Soares<br />

eram políticos, o Jacintho gostava de ficar com esse pessoal. Jacintho<br />

não era nenhum bobo – tanto é que fez tudo isso, produziu tudo isso antes<br />

dos 50 anos, quando morreu. Sabendo de tudo isso, o Jacintho naturalmente<br />

tratou de comprar por aqui e abrir a Fazenda das Furnas.<br />

Acredito também que ele tenha conseguido que colocassem um marco<br />

da estrada de ferro em suas terras. Um marco do futuro percurso, porque<br />

ainda não havia estrada, não tinha nada. Acredito nisso por causa das<br />

atividades dele e diante de tudo que se ouviu falar sobre as estradas de<br />

ferro darem voltas porque o coronel fulano queria que passasse naquele<br />

lugar. Quando conheci Ourinhos, aqui era o km 501.<br />

* * *<br />

Quando eu vinha aqui entre 1924 e 1925, saía muito com ele de<br />

carro, um Fordinho, em visita aos chefes políticos da região. íamos lá<br />

para Piraju, onde estava o Ataliba Leonel, o chefe mais graduado, tanto<br />

que deram a ele o título de “general”. Visitávamos o coronel Albino<br />

Garcia, chefe político de Bernardino de Campos. Então aquela atividade<br />

dele me fez pensar depois nisso tudo.<br />

Jacintho Sá era um homem baixo, alegre, muito alegre. Gostava de<br />

circo. A impressão que eu tinha é que todo mundo gostava dele. O sujeito<br />

vinha pedir um dinheiro, ele dava, um pouco de madeira, ele dava. Eu<br />

tinha uma grande afinidade com ele. Quando ficou doente, fiquei ao seu<br />

lado até o fim. Morreu de tifo em São Paulo, no dia 13 de maio de 1928.<br />

Viemos numa composição. Naquele tempo se alugava composição, que<br />

era a locomotiva, uma parte intermediária chamada breque e o vagão.<br />

Uma viagem de 500 quilômetros.


172<br />

Dos outros irmãos dele, o Saul tinha uma máquina de algodão em<br />

Santa Cruz, onde existe um bairro com o seu nome, a Vila Saul. Era uma<br />

pessoa muito doente, tuberculose. Comprou uma casa em Rubião Júnior<br />

porque o clima era bom. Meu pai, Salathiel, faleceu em 1968, aos 92<br />

anos. Olavo Sá faleceu em 1960.<br />

* * *<br />

Quando fizeram o posto ferroviário, onde hoje é o chamado “para<br />

baixo da linha”, Ourinhos foi cercada logo pelos pioneiros. Jacintho cedia<br />

terra para todo mundo. Cedia terra e madeira porque tinha uma serraria<br />

grande. Um dos pioneiros que cercou o posto ferroviário foi o Pascoal,<br />

sogro do meu irmão Philemon. O nome dele era Abuassali Abujamra.<br />

Pascoal é o nome que adotou porque era mais fácil para o caboclo dizer.<br />

Então, passando a linha, na rua Antônio Prado, já começavam as propriedades<br />

do Abuassali Abujamra. Começava ali onde havia aquele Bar<br />

Marabá, que não fechava nunca, depois o Bazar do Pedrinho. Em seguida,<br />

a loja dele na esquina e a residência da família. Você vira a esquina<br />

em direção à rua Gaspar Ricardo e continua até a outra esquina. Na<br />

Gaspar Ricardo, vira à esquerda e encontra a linha de novo. Aquilo tudo<br />

era dele e era ali a estação. Mas, depois, foi feita uma nova estação do<br />

lado de cima dos trilhos, onde está até hoje. A cidade mudou praticamente<br />

de direção. O Pascoal ficou na parte de baixo.<br />

* * *<br />

Quando conheci Ourinhos, a cidade era a avenida Jacintho Sá, que<br />

foi a primeira rua. A avenida tinha dois ou três quarteirões para cada<br />

lado em relação à estação. Numa ponta, que era considerada longe demais,<br />

ficava o cemitério, onde hoje é ,a delegacia de polícia. Nas imediações<br />

da estação ficava o Hotel Patton. Descendo um pouco mais a rua<br />

Antônio Prado ficava a cadeia. Mais para cima, a avenida cruzava a rua<br />

Maranhão, onde estava a casa da Ana Gorda, um bordel. Mais adiante,<br />

ficava outro bordel, a casa da Mallet (o apelido deriva de uma antiga e<br />

enorme locomotiva a vapor). Na passagem da linha, no lado esquerdo de<br />

quem sobe a atual rua dos Expedicionários, ficava o caminho para a Fazenda<br />

das Furnas e para Chavantes.<br />

Onde hoje é o bairro perto do colégio (Fundação Mofarrej) era tudo<br />

capoeira. O cemitério foi ficando muito perto do centro e o meu tio<br />

Jacintho doou um novo terreno para outro cemitério. Ficou lá no mato,<br />

no final da rua Gaspar Ricardo. Por coincidência, quando ele morreu foi<br />

o primeiro a ser enterrado no terreno que havia doado. Ficou muito tempo<br />

sozinho até vir o segundo. No dia do enterro, não havia caminho até o


173<br />

lugar e fomos lá a poder de foice, com o Fordinho do Saladini (um dos<br />

primeiros motoristas de praça da cidade) e os carros de alguns outros.<br />

Jacintho Ferreira e Sá foi enterrado à luz dos faróis.<br />

Na praça Mello Peixoto havia a matriz, onde agora é o edifício da<br />

Telesp. Logo em seguida, na mesma calçada e em direção à rua Paraná,<br />

havia a farmácia do Luiz Lanzoni, genro do Vicente Amaral. Em seguida,<br />

a pensão do Zequinha e, na esquina com a rua Paraná, o Banco Comercial.<br />

Na esquina da praça com a avenida Dr. Altino Arantes, onde<br />

hoje é o Banco Itaú, ficava o Banco Francês e Italiano. Um dos gerentes<br />

foi o Donato Sassi, que veio fazer parte do grupo que fundou o Bradesco<br />

em Marília. Em frente a esse banco, e começando a descer a praça em<br />

direção à linha, estava a Casa Zanotto. A praça já tinha esse nome de<br />

Mello Peixoto, um político e fazendeiro da região, com terras em Chavantes<br />

e com uma influência muito grande. Depois da Zanotto vinham as<br />

casas do Souza Soutello, um homem que contribuiu para o desenvolvimento<br />

de Ourinhos. Eram casas de residência e comércio. Ali ficava o<br />

Cartório de Paz do Joaquim Pedroso, pai do Zezé Pedroso, que foi o<br />

primeiro menino que conheci em Ourinhos. Ao lado ficava a pensão da<br />

dona Maria. O pai dela tinha um açougue. Ainda na praça, mas na esquina<br />

das ruas São Paulo e Paraná, perto do pátio da estação, ficava a Casa<br />

Amaral, de secos e molhados, que pertencia ao Vicente Amaral. No trecho<br />

entre as ruas Antônio Prado e Paraná, a praça tinha um cinema, um<br />

casarão grande (aproximadamente no local da Livraria Thomé). No trecho<br />

da praça entre a São Paulo e a Nove de Julho havia a Agência Chevrolet,<br />

do Miguel Cury. Na esquina da antiga Pernambucanas (atual<br />

Banco Nacional) estava a casa do Archipo Matachana. Na rua Paraná,<br />

subindo da praça, tinha um grupinho escolar, a farmácia do Souza e<br />

umas casinhas de comércio pequeno.<br />

Em direção à avenida Jacintho Sá o percurso se fazia pela rua Antônio<br />

Prado. Logo depois da praça, descendo pelo lado direito, tinha a<br />

farmácia do Avelino e um bar de muito nome, o Bar Leônidas, do Leônidas<br />

Oliveira. Ficava mais ou menos onde agora é a Drogasil. Depois<br />

tinha a selaria do Adriano Braz, pai do Albertinho Braz, e depois a casa<br />

do Dário Alonso, uma casa muito grande, com uma varanda alta e cocheira.<br />

Do outro lado da rua, metade do quarteirão pertencia à Sorocabana.<br />

Atravessada a linha, no lado esquerdo tinha a casa comercial do<br />

Assad. Então o negócio era esse. Era muito restrito o perímetro urbano.<br />

O resto era fazenda de café. A primeira casa feita na atual rua dos Expedicionários<br />

foi a minha. Construí em 1934 para me casar. Ali era uma


174<br />

chácara do meu tio Jacintho Sá. Quando me casei, me deram um terreno.<br />

Tive que puxar água e luz elétrica pagando do meu bolso, porque não era<br />

ainda perímetro urbano. Paguei cano e poste, porque não era rua.


175<br />

42<br />

DONA ALTINA FERREIRA DE FREITAS<br />

As lembranças ourinhenses de dona Altina são tão longínquas que<br />

ela, hoje com mais de 100 anos, parece fazer um esforço para separar<br />

sonho de realidade. Porque tudo é de fato muito antigo para essa mulher<br />

nascida em 1887 e que veio de Santa Cruz do Rio Pardo em 1910,<br />

acompanhando a mudança da família. O pai de Altina Ferreira de Freitas<br />

fazia transporte de madeira em carro de boi. Trabalhou em Ourinhos<br />

para a serraria de Francisco Lourenço, que entra para a história local não<br />

apenas por ter sido um dos fundadores do povoado, mas por acumular,<br />

junto com o irmão Domingos, interesses comerciais curiosamente diferentes.<br />

Domingos Lourenço foi o dono do cinema. A Serraria e a casa de<br />

espetáculos ficavam no trecho da futura praça Mello Peixoto, no quarteirão<br />

entre as ruas Antônio Prado e Paraná (aproximadamente onde está a<br />

Livraria Thomé).<br />

Quando dona Altina chegou, o povoado era um quase nada. Ela se<br />

recorda de existirem somente cinco casas na região da praça. Uma delas,<br />

a lojinha de tecidos de um certo Zeferino. A outra, o armazém de Isordino<br />

Cunha, relacionado entre os fundadores. Os três outros desbravadores<br />

escapam da memória de dona Altina. Ela fixou, no entanto, um dado<br />

estranho nesses oitenta anos de observação da cidade: a parte térrea da<br />

caixa d'água da estação Sorocabana servia de cadeia improvisada.


176<br />

43<br />

LUÍS FORTI<br />

Os olhos azuis do sr. Luís Forti não trazem grandes indagações.<br />

Parece que ele viveu o suficiente para narrar fatos com o comedimento<br />

de quem não se empolga facilmente, porque o tempo, simplesmente,<br />

passou. É nessa calma que Luís Forti constata que ao chegar a Ourinhos<br />

em 1924 “a cidade era uma lástima. Barro ou poeira”.<br />

Nascido em Jundiaí (1899), filho de italianos imigrados de Trento,<br />

durante a infância trabalhou como colono em fazendas de Capivari. Casou-se<br />

em Santa Bárbara do Oeste e estava a caminho do Paraná quando<br />

a Revolução de 1924 fechou as fronteiras estaduais e o reteve em Ourinhos.<br />

Não se abalou. Acompanhado da mulher, Maria, com quem teria<br />

nove filhos, empregou-se como colhedor de algodão na propriedade de<br />

um japonês chamado Tatyama, nas margens do rio Pardo. Em pouco<br />

tempo mudou de direção. Desistiu do Paraná e abriu um açougue, início<br />

de uma série de pequenos empreendimentos comerciais, alguns curiosos.<br />

Fechado o açougue, arrendou o bar da estação Sorocabana, onde se<br />

manteve até 1927, ano em que descobriu o negócio que o tornaria conhecido.<br />

Durante vinte anos, a Tinturaria Forti atendeu a melhor freguesia<br />

e se impôs como estabelecimento de primeira. Só por volta de 1946 que<br />

o quieto, mas ainda inquieto, Forti voltou para o balcão de um bar na rua<br />

Rui Barbosa, no coração ferroviário da Vila Margarida. Aposentou-se<br />

em 1962. Observador, Luís Forti testemunhou décadas do cotidiano ourinhense.<br />

A memória não oferece todos os fatos em sequência regular,<br />

mas algumas descrições são precisas e, às vezes, inesperadas. Luís Forti,<br />

fala de lugares e pessoas que praticamente desapareceram da memória<br />

geral. De uma certa banda municipal, por exemplo, e do nome do maestro,<br />

Pedro Précamo. De políticos e fazendeiros esquecidos.<br />

O prefeito José Galvão (1926-30) “era um homem alto. Usava


177<br />

chapéu e bengala”. O ex-prefeito e comerciante Eduardo Salgueiro, “um<br />

espanhol corpulento. Tinha armazém e bomba de gasolina”. O dr. Theodureto<br />

Ferreira Gomes, o médico mais conhecido antes da chegada do<br />

dr. Hermelino, “não cobrava consulta dos pobres”. Fernando Pacheco e<br />

Chaves, dono da Fazenda Santa Maria, “um homem forte. Assistia à<br />

missa em pé”.<br />

Por fim, recupera a imagem de um sacerdote que é nome de rua<br />

mas de quem nada se sabia. “O monsenhor Córdova era catarinense de<br />

Lajes. Chamava-se Antônio Córdova. Um padre alto e moreno. Parece<br />

que morreu em Bebedouro, em 1936. O povo gostava dele porque benzia<br />

até os animais com bicheiras.”<br />

Luís Forti termina suas recordações e despede-se numa tarde de<br />

1990. Seu andar é de um homem idoso, mas ainda firme. Está com 91<br />

anos.


178<br />

44<br />

RODOPIANO LEONIS PEREIRA<br />

O sr. Rodopiano Leonis Pereira impressiona de saída pelo fato de<br />

que estará com 100 anos completos quando esse livro estiver pronto. Ele<br />

foi prefeito de Ourinhos há sessenta anos (1931). Uma certa névoa já<br />

começa a encobrir as lembranças desse homem que, no entanto, se orgulha<br />

do seu forte aperto de mão. O sr. Rodopiano reside em São Paulo,<br />

vizinho da filha, a professora Diva Leonis Cintra.<br />

As perguntas foram formuladas por escrito e ele só pediu alguns<br />

dias para pensar, consultar papéis e escrever. Respondeu firme, datou e<br />

assinou, como se assumisse mais um compromisso com a cidade que<br />

governou e ajudou a crescer como comerciante, gerente de banco, industrial<br />

e homem público ligado à criação da Santa Casa e da Associação<br />

Comercial. É o ponto de vista de um político que se opôs ao autoritarismo<br />

do PRP, ao fundar o Partido Democrático (foi prefeito logo depois<br />

da queda da República Velha). Em estilo conciso expõe esses e outros<br />

fatos ocorridos em Ourinhos a partir de 1920.<br />

Pergunta: Em que data e local o senhor nasceu?<br />

Rodopiano: Em 28 de maio de 1891, em Santa Maria do Ouro,<br />

atual Ibiajara, na Bahia. Mudei-me, anos depois, para Macaúbas, no<br />

mesmo estado, onde me casei, em 1912, com Ignês Leão Leonis.<br />

P: Em que ano e por que razões o senhor se mudou para Ourinhos?<br />

R: Cheguei a Ourinhos em 5 de fevereiro de 1920 a chamado do<br />

meu cunhado, Emílio Leão, que já residia aqui em companhia de outro<br />

cunhado, José Joaquim Bittencourt, com quem me associei, juntamente<br />

com Emílio, organizando a firma José J. Bittencourt & Cia., fábrica de<br />

macarrão, máquina de beneficiar arroz, moinho de fubá e torrefação de<br />

café. Dois anos depois, eu e Emílio compramos a parte de Bittencourt e<br />

organizamos a nova firma Leonis & Leão. Posteriormente, comprei a


179<br />

parte de Emílio Leão e organizei a firma R. Leonis.<br />

P: Além da sua empresa, quais outras atividades o senhor exerceu<br />

na cidade?<br />

R: Fui gerente do Banco Brasileiro de Descontos, fundador da Associação<br />

Comercial, vereador, presidente da Câmara, prefeito. Trabalhei<br />

para a transferência da sede da comarca de Salto Grande para Ourinhos,<br />

onde foi instalada em 1938 em uma das salas do Grêmio Recreativo de<br />

Ourinhos, para cuja fundação também trabalhei. Fiz parte da diretoria<br />

eleita para a construção da Santa Casa. As minhas filhas, professoras<br />

Edith, Judith, Diva, Nilda e Ilia, lecionaram nos grupos escolares, no<br />

ginásio estadual e na escola normal de Ourinhos.<br />

P: Como o senhor passou a fazer política?<br />

R: Inicialmente, fui filiado ao Partido Republicano Paulista (PRP).<br />

Com a fundação do Partido Democrático, aderi a ele e organizei o seu<br />

diretório em Ourinhos, do qual fui presidente. O meu chefe no estado de<br />

São Paulo era o dr. Antônio Carlos de Abreu Sodré. Aderi ao Partido<br />

Democrático pelo seu programa, que era superior ao do PRP, com a defesa<br />

do voto secreto.<br />

P: Quais foram os seus adversários ou inimigos políticos mais<br />

agressivos e que o incomodaram mais?<br />

R: Eduardo Salgueiro, que era arbitrário e rancoroso. Havia sido o<br />

primeiro prefeito, nomeado pelo PRP. Os outros adversários políticos,<br />

como Vicente Amaral, José Felipe do Amaral e outros, faziam oposição<br />

normal e eram amigos de todos.<br />

P: Qual a sua lembrança do prefeito José Galvão?<br />

R: Uma pessoa honesta, pacata, amigo de todos. Sei que depois se<br />

mudou para Sorocaba. Não tive mais notícias dele.<br />

P: E do médico e vereador Paulo Ribas, filho do médico sanitarista<br />

dr. Emílio Ribas?<br />

R: O dr. Paulo Ribas era um bom médico, pessoa culta. A sua fazenda,<br />

de nome Múrcia, foi vendida ao sr. Horácio Soares, que a denominou<br />

Fazenda Chumbeadinha.<br />

P: Qual é, segundo a sua avaliação, o papel de Jacintho Ferreira e<br />

Sá na história ourinhense?<br />

R: Foi o fundador do município de Ourinhos, onde era o maior e<br />

quase total proprietário de terras e presidente do diretório do Partido<br />

Republicano Paulista. Era homem sério e franco em suas opiniões.<br />

P: E o comerciante Manoel de Souza Soutello?<br />

R: Foi também um dos fundadores de Ourinhos e o que construiu<br />

as primeiras casas de tábua em frente à praça. Consta que se mudou para


180<br />

o Rio de Janeiro.<br />

P: O dentista José Felipe do Amaral ocupou a prefeitura três vezes<br />

e foi vereador por muitos anos. Qual a impressão que o senhor guarda<br />

dele?<br />

R: Ele tinha prestígio, era amigo de todos e protegido pelos dirigentes<br />

do PRP.<br />

P: Como se organizava a administração local naquele tempo, em<br />

que o prefeito era um vereador escolhido pelos seus pares?<br />

R: A Câmara Municipal funcionava em um edifício de alvenaria<br />

com dois andares, na avenida Dr. Altino Arantes, pertencente ao sr. Jacintho<br />

Sá. Ficava em frente à casa do dr. Hermelino de Leão (no local<br />

hoje existe um posto de gasolina). O prefeito despachava em gabinete<br />

reservado na própria Câmara.<br />

P: Quando o senhor assumiu a prefeitura, em 1931, qual era a parte<br />

mais movimentada da cidade?<br />

R: As ruas Altino Arantes, Arlindo Luz e Minas Gerais (depois rua<br />

Nove de Julho) e rua do Piauí (Expedicionários).<br />

P: Como surgiu a Vila Margarida?<br />

R: Foi criada pelo sr. Ângelo Christoni, proprietário de vários terrenos<br />

no local.<br />

P: O senhor passou a prefeitura para o médico Theodureto Ferreira<br />

Gomes. Qual o seu depoimento sobre ele?<br />

R: O dr. Theodureto, nomeado prefeito pela Interventoria do Estado,<br />

era boa pessoa, apesar de muito individualista. Era estimado por<br />

muitas pessoas.<br />

P: Segundo jornais da época, eram frequentes jantares em casas de<br />

alguns políticos, como José Felipe do Amaral. Havia alguma outra residência<br />

onde era comum se promover festas?<br />

R: Não havia local determinado para festas locais. Estas geralmente<br />

eram realizadas na casa do dr. Hermelino de Leão, amigo de todos, e<br />

onde se discutiam assuntos locais.<br />

P: O senhor se lembra de obras ou outra iniciativa durante sua gestão?<br />

R: Não me recordo de obras que realizei, mesmo porque o meu período<br />

na prefeitura foi muito curto. Deve haver muitas falhas ou contradições<br />

nestas declarações que estão sendo por mim datilografadas. Mas,<br />

tudo pode ser explicado e perdoado, pois trata-se de fatos ocorridos há<br />

muitos anos e a minha memória já está fraca. Estou com 99 anos completos.<br />

(a) Rodopiano Leonis Pereira, RG 475.859.


181<br />

45<br />

VADO (VALDOMIRO PEDROTTI RODRIGUES)<br />

O habilidoso eletricista Vado é muito conhecido, principalmente<br />

nos seus domínios, a Barra Funda (especificamente a Coloninha, espécie<br />

de subdistrito do bairro, na parte final da rua Narciso Migliari). Vado,<br />

que talvez poucos saibam que se chama Valdomiro Pedrotti Rodrigues, é<br />

uma das testemunhas da Ourinhos popular. Ele fala pela cidade que está<br />

“para baixo da linha”, onde a sua família foi dona de A Gruta da Baiana,<br />

um lugar de alta culinária, boemia e uma curiosa mistura de classes sociais.<br />

Restaurante que marcou época, só tendo como rival no gênero o<br />

também famoso Pedro Danga.<br />

Embora relativamente moço, Vado mergulhou cedo na vida e nas<br />

ruas, e assim assistiu e viveu episódios pitorescos. Sua narrativa colorida<br />

faz renascer a Gruta e as noites alegres na casa da Milagrita. Parece distante,<br />

e foi quase ontem.<br />

Pergunta: A Gruta da Baiana ficava em que rua?<br />

Vado: Ficava na rua Pedro de Toledo, 214. Aquela era a segunda<br />

rua principal da Barra Funda. A primeira era a avenida de grande comércio<br />

na parte baixa da cidade. Depois tinha a Pedro de Toledo, que era<br />

saída para a estrada que ia para Salto Grande e Assis. Não tinha ainda o<br />

que a gente chamava naquela época de estrada de rodagem. Já tinha a<br />

rua Gaspar Ricardo, mas não era totalmente aberta, tinha residências até<br />

a rua Barão do Rio Branco. Dali para frente, era um trilhozinho que ia<br />

até o cemitério.<br />

P: Os seus pais, que abriram a Gruta, eram baianos?<br />

R: Meu pai era baiano, Feliciano Rodrigues da Silva, mas conhecido<br />

só por “Baiano”. Depois, mais tarde, ficou como Baiano da Gruta.<br />

Dona Dita da Gruta, a minha mãe, chamava-se Benedita Felisberta, e eu,<br />

Valdomiro Pedrotti Rodrigues. Esse Pedrotti é até uma coisa engraçada.


182<br />

Tinha a família dos Pedrotti, sr. Vitório Pedrotti e dona Maria Pedrotti,<br />

que são tios do Agenor e do Antenor Pedrotti. Meus pais deviam favores<br />

de vizinhança e eles se gostavam muito. Então, quando eu nasci, como<br />

eles queriam homenagear aquela família que lhes prestara muitos favores,<br />

resolveram colocar Valdomiro Pedrotti, que não tem nada a ver com<br />

os Pedrotti.<br />

P: Como surgiu a ideia de abrir a Gruta da Baiana na sua família?<br />

Quais eram as profissões do seu pai e da sua mãe?<br />

R: A minha mãe sempre foi de prendas domésticas. Ela trabalhava<br />

muito na época fazendo doces, festas na família dos Pedroso e outras<br />

antigas da cidade, o pessoal dos Mori, dona Cizira Migliari. Então, sempre<br />

que tinha festa, ela ia cozinhar para essa gente. Aí o meu pai começou<br />

a pensar. Se a gente faz essas coisas por aí, vamos começar a fazer<br />

aqui e entregar de casa em casa. Aí começou a fazer vatapá e feijoada<br />

aos sábados. Só que em vez de fazer todos os dias, fazia a cada quinze<br />

dias ou um mês. Então programava. Fazia um cartãozinho e saía vendendo<br />

nas casas. Quando chegava o dia, já se sabiam quantos vatapás<br />

teriam que fazer, quantas porções, e entregavam para o pessoal. Aí, como<br />

ia bem, resolveram abrir o bar, que no começo era de madeira. A<br />

ideia dele era fazer um caramanchão de chão batido em vez de cimentado,<br />

pois ele queria fazer uma coisa bem original mesmo. E começou<br />

aquele movimento, pegando o auge do futebol, na época do Operário e<br />

Ourinhense, mais ou menos 1942-43, até 1949-50. Aí, nessa época, eles<br />

começaram a partir para o bar. Nessa ocasião, os trens faziam baldeação<br />

em Ourinhos, e como era perto da estação, começaram a fornecer refeições<br />

para os ferroviários e para os passageiros que pernoitavam. E como<br />

ele tinha muita amizade com o pessoal da estação, todo mundo indicava<br />

a Gruta para as refeições. Naquele tempo os trens costumavam atrasar<br />

muito, às vezes ficavam quatro ou cinco horas parados aqui para ir para<br />

o Paraná, ou até mais, por qualquer problema nas linhas. Os trens ficavam<br />

até dez horas parados, e nesses intervalos eles começaram a servir<br />

refeições.<br />

P: O forte da casa sempre foi comida, mais do que bar?<br />

R Sempre foi comida, mais do que bar. Comida típica é o que eles<br />

faziam bem, principalmente comidas do Norte, vatapá, caruru. Teve uma<br />

época em que se fez uma comida bem típica do Norte: Pirão de Rola<br />

com Sururu. Sururu é um peixinho miúdo que tem no Norte. Como aqui<br />

não tinha sururu, mas naquele tempo tinha muita lagoa que dava aqueles<br />

guaruzinhos, usamos esses peixinhos para fazer a comida. Então o nosso<br />

Pirão de Rola com Sururu, aqui era Pirão de Rola com Guaru. Rola é


183<br />

uma espécie de passarinho lá no Norte. Quem frequentava lá, na época,<br />

era a sociedade de Ourinhos, o dr. Júlio dos Santos, que fazia questão de<br />

encomendar pratos assados. Tinha o dr. Arlindo Viveiros. Esses iam lá,<br />

frequentavam e já tinham determinados dias em que faziam uma reunião,<br />

e sempre iam jantar. O sr. Antônio Bertagnoli, o Leontino Ferreira, o<br />

professor Paschoalick – que nessa época era a primeira vez que vinha<br />

para Ourinhos, porque ele veio e foi embora, depois voltou novamente e<br />

fixou residência aqui. Em 1949 ou 1950 veio para cá o professor Dalton<br />

Morato Villas Boas. Tinha também o Rodopiano. Todos esses frequentavam<br />

e, quando não iam, mandavam buscar. Então havia um costume.<br />

Eles iam almoçar ou jantar e depois a gente ia levar as marmitas. O forte<br />

era, assim, a comida.<br />

P: Você nasceu em que ano?<br />

R: Eu nasci em 28 de junho de 1936, e saí muito cedo para a luta.<br />

P: Como era a Barra Funda no tempo em que você era menino, por<br />

exemplo, em 1946, quando você tinha dez anos?<br />

R: De 1948 para cá eu me lembro muito bem. Nessa época eu tinha<br />

12 anos e a avenida Jacintho Sá só ia da rua Maranhão até a rua Piauí,<br />

que hoje é a rua Olímpio Coelho Tupiná. Daí para a frente era o cemitério<br />

velho (onde está agora a delegacia) e depois pegava a estrada<br />

que acompanhava a linha e ia lá para o Matadouro. Antes o Matadouro<br />

era aqui na rua Pedro de Toledo, mas me lembro dele já desativado. Ficou<br />

sendo matadouro particular do Domingos Garcia, que comprava<br />

porcos para nós criarmos. Ele comprava tudo. Ficava na esquina da Pedro<br />

de Toledo com a Pará. Domingos Garcia era espanhol e dono daqueles<br />

prédios onde se localizava a antiga estação rodoviária (antigo Bar<br />

Brisola e parte da esquina da rua São Paulo com Arlindo Luz).<br />

P: Onde ficava e como era o comércio mais forte da Barra Funda?<br />

R: O comércio era na avenida Jacintho Sá e na Pedro de Toledo.<br />

Na avenida ficava a Casa Carlos, de secos e molhados, do sr. Carlos<br />

Amaral. Tinha também a Caprichosa e a casa de móveis do sr. Manoel<br />

Pinchowski, na esquina da Antônio Prado com a Jacintho Sá. Ali hoje é<br />

uma padaria. Em frente ficava a casa de tecidos do Pascoal Abujamra.<br />

P: E as casas comerciais dos japoneses?<br />

R: Havia o Rinkuro Suzuki, na esquina da Gaspar Ricardo com a<br />

Amazonas, que fornecia para a colônia, inclusive a gente chegava lá e<br />

estava escrito tudo em japonês. O Sadao Suzuki, filho do velho Rinkuro,<br />

era garotinho. Era um comércio dirigido principalmente para a colônia.<br />

Depois eles formaram a atual Cooperativa de Ourinhos, que na época<br />

era chamada Cooperativa dos Japoneses. Tinha também o Yamashita,


184<br />

que trabalhava com cereais. Mais para cima, na avenida, tinha a casa do<br />

Sekino. Uma filha do Sekino depois casou-se com um Numa. Tinha o<br />

Misato e o Tanaka, todos comerciantes japoneses trabalhando com cereais<br />

e secos e molhados, aqui, “para baixo da linha”. Isso sem falar no<br />

Tone, na rua Paraná.<br />

P: Você não está se esquecendo da loja A Flor da Armênia?<br />

R: É, a Flor da Armênia, do sr. Karekin Erzenian, o Carequinha,<br />

era na esquina da avenida com a Gaspar Ricardo. Do lado debaixo, em<br />

frente ao Carequinha ficava a Padaria Itoda, que depois mudou-se para<br />

a rua Narciso Migliari, que na época se chamava rua Goiás. Mais para<br />

frente, na avenida, tinha a Ivoran (indústria Ferrari de bebidas); encostado<br />

à Ivoran havia dois bares e a casa de secos e molhados que vendia<br />

tudo, do Joaquim Luiz da Costa. Depois da Ivoran havia a casa do maestro<br />

Galileu Andopho. Mais para a frente, ficava a casa de Felipe Palácios,<br />

a Prado Chaves, a casa do sr. Manoel, pai do Bija da funerária. Aí,<br />

descendo a Gaspar Ricardo, quando se chegava na rua Pará, ali então<br />

começava o buracão do Toloto [uma cratera provocada pela erosão da<br />

terra roxa e que desafiou várias administrações municipais. Hoje está<br />

soterrada e o local reurbanizado. Ficava quase em frente ao armazém de<br />

secos e molhados da numerosa e conhecida família Toloto]. Esse buracão<br />

começava na rua Pará, passando naquele tempo pela casa da Milagrita,<br />

no local onde hoje se localiza a torrefação de café do Sampaio.<br />

P: A Milagrita e a Conga ficaram famosas como donas de bordéis.<br />

R: São famosas. Isso é quase um ponto de referência na região. O<br />

pessoal que frequentava era só da elite.<br />

P: Era uma coisa disfarçada ou era feito abertamente?<br />

R: Era um ambiente de prostituição mas era sadio, porque a gente<br />

não via o que a gente vê hoje, não havia menores, e essas mulheres<br />

quando saíam, saíam decentemente trajadas, não havia escândalos. Se<br />

você passava em frente às casas, via que o nível era alto. Não existiam<br />

muros, mas havia paredões de madeira de três metros de altura. E tinha<br />

bar, serviam refeições, tinha tudo.<br />

P: E como é que acabou tudo isso?<br />

R: Acabou porque o poder aquisitivo do pessoal de Ourinhos caiu.<br />

Porque uma das forças desse negócio foi a estrada de ferro. Depois começou<br />

a construção da estrada oficial. Então essas casas eram frequentadas<br />

pelos engenheiros, mestres-de-obras e aquele pessoal de maior<br />

poder aquisitivo. Depois foi acabando porque montaram uma outra casa<br />

ali perto do campo do Operário, e mais outra aqui, e aí a coisa foi acabando.


185<br />

P: E essas casas da Milagrita e da Conga, em que ano foi isso?<br />

R: Isso foi na década de 40. A Milagrita eu me lembro que funcionou<br />

até 1949. A Milagrita morreu há um ou dois anos. A Conga também<br />

já morreu faz muitos anos.<br />

P: Lá em cima, perto da linha, não tinha um lugar que chamava<br />

1008?<br />

R: O 1008 era da Deolinda. Era no fim da rua Pará, esquina com a<br />

José Bonifácio. Essa 1008 tem uma história. Ela tinha um amante que<br />

era ferroviário da Sorocabana e naquele tempo os ferroviários, principalmente<br />

os maquinistas, pegavam as máquinas, e cada um apitava do<br />

jeito que queria. Só que eles trocavam de máquinas, enquanto um viajava<br />

o outro descansava. Então, aqueles equipamentos, aqueles acessórios<br />

como o sino e o apito, eles tiravam. Esse maquinista, amante da 1008 da<br />

Deolinda, pegava o apito da máquina e passava para a outra em que ia<br />

viajar, e normalmente ele viajava com a máquina nº 1008. Quando ele<br />

vinha no sentido Salto Grande-Ourinhos, ou vice-versa, quando saía da<br />

estação ele já começava a apitar. Quando ele vinha de Salto Grande,<br />

quando chegava para cá um pouquinho do campo de aviação, que hoje é<br />

o Jardim das Paineiras, ele começava a apitar a máquina, e ela já sabia<br />

que ele estava chegando. Então, o pessoal da vizinhança começava a<br />

dizer que a 1008 vinha vindo. Aí ela ficou conhecida por 1008. Nós que<br />

na época éramos garotos, para insultar ela, gritávamos: “Oi, 1008”. Então<br />

ficou o apelido pela cidade toda. Era uma senhora baixinha, gorda.<br />

Era uma casa que naquele tempo era chamada de rendez-vous, que seria<br />

o equivalente ao motel de hoje. Morava ela e a irmã; que, se não me engano,<br />

se chamava Adelaide, e ela alugava quartos para o pessoal.<br />

P: Nessa época da Milagrita, da Conga e da Deolinda, o ambiente<br />

era meio violento aqui para baixo? A Gruta da Baiana era um lugar violento?<br />

R: Não. Por incrível, que pareça, durante todo o tempo em que estive<br />

lá, e depois quando começou a fazer bailes também, nunca houve<br />

casos de briga, porque o pessoal era todo conhecido. Era fácil de conversar<br />

com o pessoal. Primeiro, você não via esse tipo de coisa do pessoal ir<br />

num baile armado ou só mesmo para brigar. Antes de começar a fazer<br />

bailes lá na Gruta, eles eram feitos na casa do João Cearense, e era uma<br />

beleza, não tinha briga, inclusive tinha até um tipo de repreensão lá. A<br />

dama que desse tábua no cavalheiro ficava três músicas sem dançar. Dar<br />

tábua era quando uma dama recusava-se a dançar com determinado cavalheiro<br />

para dançar com outro. Então, ele ia lá, falava com o dono da<br />

casa, ou às vezes tinha uma pessoa encarregada, que era chamada de


186<br />

mestre sala. Então ele subia numa mesa e falava que a sra. fulana, ou se<br />

não a conhecesse por nome, dizia que era quem estava vestida com tal<br />

roupa assim-assim, deu tábua em fulano e vai ficar três músicas sem<br />

dançar.<br />

P: Isso com moças da prostituição?<br />

R: Não. Isso era em qualquer baile. Baile de casamento, qualquer<br />

baile.<br />

P: Nesse tempo já existia o bar do Pedro Danga, na rua Duque de<br />

Caxias?<br />

R: O Pedro Danga veio depois, e primou pela bisteca. O ambiente<br />

dele era só de refeições. Era frequentado pelos saqueiros da Sorocabana.<br />

Era um ambiente completamente diferente, mas foi uma coisa que marcou<br />

época aqui em Ourinhos. A refeição no Pedro Danga era arroz, bisteca,<br />

salada de tomate e, aqueles que quisessem, e isso era muito difícil,<br />

acompanhava ovo também. Então, o prato da casa mesmo era arroz, bisteca<br />

e salada de tomate. Mas para fazer uma refeição dessas lá tinha que<br />

enfrentar fila, porque era famoso mesmo e o tempero era maravilhoso,<br />

até hoje não igualado. E têm outras curiosidades da Barra Funda. Por<br />

exemplo, o primeiro avião a pousar aqui na cidade desceu na Barra Funda.<br />

Foi um acidente. O avião ficou sem combustível e o piloto não tinha<br />

um local para aterrissar, e acabou aterrissando onde é hoje a Vila Christoni.<br />

Ali, da rua Barão do Rio Branco para baixo, não existia nada, era só<br />

plantação de algodão dos Christoni. A cidade toda ficou em polvorosa,<br />

porque era época de guerra, e todo mundo queria saber o que aconteceu<br />

para o avião descer aqui naquela hora. O pessoal tinha curiosidade de<br />

ver o que estava acontecendo, mas tinha medo de chegar perto. Então o<br />

piloto, que me parecia ser inglês, ficou lá até que chegou um corajoso e<br />

ele explicou que tinha acabado a gasolina. O campo de aviação era na<br />

Vila São Luiz, ali atrás do matadouro, onde está hoje o Hospital de Psicopatas.<br />

Isso nos anos 40. Depois é que mudou para o local atual, que na<br />

época era a fazenda do Ubirajara Trench, e hoje é bairro Itaipava.<br />

P: Ourinhos tinha também uns valentões naquela época, o Tamancada,<br />

Lamparina, Pinhé, Vando, esses nomes lhe dizem algum coisa ou<br />

já são de outra época?<br />

R: Bem, esses já vieram depois. Naquela época quem era mesmo<br />

respeitado, que quando se falava o nome o pessoal tremia até a base, era<br />

o Zé Toucinho. O Tamancada e os outros vieram por volta de 1953-54, e<br />

não eram valentões. Eram chamados de valentões, mas na verdade eram<br />

malandros, o bom malandro, que não fazia assalto. O Leônidas Tamancada<br />

era um cara forte, que brigava bem, mas nunca se viu ele brigar


187<br />

com faca ou com revólver. Nunca andou armado nem de canivete. Era<br />

um cara que tinha apetite de chegar e encarar. Brigava e pronto.<br />

P: E o Zé Toucinho?<br />

R: O Zé Toucinho, como era um cara que nunca arranjava namorada,<br />

então ele dizia que ia caçar. Ele saía à noite, e, se visse um casal de<br />

namorados em determinado lugar, ia lá e afugentava. O Zé Toucinho,<br />

que se chama José Teixeira do Carmo, tem até uma passagem engraçada,<br />

que eu presenciei. Ele fez com que uma moça o beijasse várias vezes, e<br />

ela gritava: “Ai, meu Deus do céu. Meu Deus me acuda”, e ele dizia:<br />

“Não tem nada não. Tem de beijar o José Teixeira do Carmo”. Isso para<br />

ele custou uma porção de pancadas pelo corpo todo, porque a polícia o<br />

prendeu. Ele trabalhava em sacaria e até hoje é uma das pessoas que<br />

melhor se vestem em Ourinhos. De terno, linho S-120, que tinha essa<br />

marca porque tinha 120 fios por centímetro quadrado, e tinha o tropical<br />

inglês, e tinha também um outro que foi lançado depois e que hoje não<br />

existe mais, o Albene. Então ele usava ternos desses tecidos, e até hoje<br />

anda aí pelas ruas de chapéu, bem trajado. Hoje ele trabalha na prefeitura<br />

e deve estar com uns 78 anos, mas trabalhava de saqueiro da Sorocabana.<br />

P: Vado, voltando à Gruta, como é que era o movimento. Abria<br />

desde manhã ou só à noite?<br />

R: Ali tinha dia que nem fechava, porque tinha o problema dos<br />

atrasos dos trens. Além disso, a gente entregava frangos e queijos para o<br />

Ouro Verde, que vinha de São Paulo e fazia baldeação aqui para o Paraná.<br />

Esse trem chegava aqui de manhã e voltava às 6 horas da tarde. Mas<br />

como atrasava muito, tinha dia que saía às 10 horas daqui. Então a gente<br />

tinha que levar frango e carne para o restaurante, e tinha que fornecer<br />

gelo também. Quando ele atrasava, tínhamos que ficar de plantão para<br />

entregar na hora em que passasse, tínhamos que estar com as coisas<br />

prontas para entregar. E quando acontecia isso, o movimento dos passageiros<br />

era muito grande e os dois bares que havia na estação, do Contrucci<br />

e do Zé Luís, não venciam. Então, o pessoal vinha comer na Gruta<br />

e a gente não fechava, porque tinha que servir também o pessoal que<br />

trabalhava na Prado Chaves, que tinha um convênio com a Gruta. Então<br />

eles davam um vale para o pessoal, porque encostavam aqueles caminhões<br />

que ficavam dois, três dias para descarregar, porque era uma mistura<br />

de caminhão de algodão bruto para descarregar e já carregar o beneficiado,<br />

porque às vezes não dava para ir de trem. Então esse pessoal que<br />

ficava ali era mandado para fazer suas refeições na Gruta.<br />

P: E quem ficava no controle da cozinha era a sua mãe?


188<br />

R: Normalmente ficava ela, mais uma mulher que ajudava e as minhas<br />

irmãs.<br />

P: Vocês são em quantos irmãos?<br />

R: Lá só trabalhavam quatro, mas nós somos sete. Um homem e<br />

seis mulheres. Elas trabalhavam e ajudavam ali. E, além disso, ainda<br />

trabalhavam na feira. Naquela época a feira em Ourinhos era em frente à<br />

Livraria Thomé e a gente tinha que armar a barraca lá às 4 horas da manhã,<br />

para pegar lugar. E nessa feira trabalhava o Abdalla, pai do Pedrinho,<br />

o Abrão, que era pipoqueiro e que já morreu, o Miwa, o Tone, que<br />

tinha banca de frutas.<br />

P: Você disse que havia uma outra grande casa comercial na rua<br />

Pedro de Toledo.<br />

R: Era a Casa Brasileira, que ficava entre as ruas Pará e Brasil, na<br />

Pedro de Toledo. Parece que era no número 249, de propriedade de dois<br />

sócios, Arcanjo e Pontara. Miguel Arcanjo, que ainda está vivo, e Henrique<br />

Pontara, que era sogro dele. Depois, mais tarde, o Fernando Vieira<br />

casou-se com uma cunhada dele e entrou na sociedade. Era uma casa de<br />

secos e molhados, era uma potência, tinha de tudo. Eram as quatro casas:<br />

a Casa Carlos, a Casa Brasileira, a Casa Amaral e a Casa Zanotto. O<br />

Zanotto fornecia para a Fazenda Lageadinho, que naquele tempo era<br />

uma cidade dentro de Ourinhos. Tinha também uma outra casa, na rua<br />

Paraná, que já é um outro setor onde eu pouco convivi, que era a Casa<br />

Tertuliano. Tinha também a Casa Camargo, que é do Tone. O Tito Prado<br />

foi candidato a prefeito aqui em Ourinhos, e tinha uma casa comercial<br />

na rua Bahia, e o comércio dele era na esquina das ruas Amazonas e<br />

Pedro de Toledo. E lá no fim da rua Pedro de Toledo antiga tinha o armazém<br />

grande dos Toloto.<br />

P: Quais as suas lembranças dos Christoni e dos Toloto, seus vizinhos?<br />

R: Eu conheci mais a família do Ângelo Christoni, que era praticamente<br />

o chefe de todos, ele tinha uma casa logo ali na entrada. Os<br />

Christoni na verdade são Ourinhos. Parte das terras de Ourinhos era deles.<br />

Depois foram vendendo, a família é muito grande, e hoje está resumida<br />

só à chácara. Os Toloto tinham um sítio onde hoje é a Vila São<br />

Luiz. O armazém deles era grande e fornecia mais para a região porque<br />

naquele tempo tinha muito sitiante no Cateto, na Guaraiúva e no Carreirão.<br />

Depois foram dividindo, os sítios ficando para um só. Antes, do<br />

Córrego Fundo para cá, todo mundo vinha fazer compras aqui em Ourinhos.<br />

P: Como era o Carnaval e as festas na região?


189<br />

R: O primeiro Carnaval de que me lembro começou logo depois<br />

que fechou a Conga e a Milagrita, e formou-se o Clube 15. Aí resolveram<br />

alugar aquilo ali e fizeram o Operário e o Sete. Fizeram um Carnaval<br />

ali onde era o Salão da Conga. Mas o pessoal tinha um certo temor<br />

de frequentar ali, porque tinha sido um ambiente de zona. Então, o Carnaval<br />

que fizeram ali, na época, deu até prejuízo para o pessoal. Eles<br />

continuaram fazendo aqueles bailinhos, levando o pessoal, as famílias, e<br />

então começaram a fazer os carnavais ali. Agora, de rua, o primeiro que<br />

foi feito no bairro fomos nós que formamos um grupo, porque lá para<br />

cima já chegava o Carnaval. O pessoal formava um grupo para sair pelas<br />

ruas. Então nós formamos um grupo carnavalesco e saímos para a rua<br />

também. Inclusive quem fazia as indumentárias era o Carequinha. Nessa<br />

época saíamos eu, o Taquinho, o Zé Pedro, o Durvac, que era um cara<br />

que jogava futebol no Operário, e também o Tinin e o Zorro. Até que<br />

uma vez houve um negócio engraçado. Nós estávamos prontos para sair<br />

e chegou a mãe do Carequinha, que tinha feito as roupas do pessoal. Estava<br />

marcado para sairmos às 7 horas, porque naquele tempo às 10 horas<br />

da noite já não tinha mais movimento na cidade. O horário a gente marcava<br />

pelo serviço de alto-falante de Ourinhos. Seis horas começava a<br />

funcionar, na praça. Então, às 6 horas o Thomás fazia a abertura do serviço<br />

de alto-falante, cantava a Ave-Maria, e depois, das 7 às 7h30 tinha<br />

um intervalo que era a Hora do Brasil. Às 8 horas reiniciava o altofalante<br />

e ia até as 10. Então, a gente saía de casa e os pais falavam: “A<br />

hora que parar o alto-falante tem que estar todo mundo aqui”. A mulher<br />

do Carequinha – Izolina era o nome dela, tinha um nome armênio, mas<br />

era tratada por Izolina – chegou lá toda apavorada, dizendo que nós não<br />

poderíamos sair porque o escrivão de polícia tinha ido lá e dito que havia<br />

uma ordem do delegado dizendo que precisava de alvará, e que a documentação<br />

ficaria em 5 mil réis, acho que nem isso, mas na época era um<br />

dinheiro valoroso. Quando disseram isso, o Carequinha respondeu: “Então<br />

vamos falar com o delegado”. O delegado na época era o Bertagnoli,<br />

e saímos em turma até a casa de Bertagnoli, e ele disse que não tinha<br />

ordem nenhuma. O escrivão queria uma gratificação para ele. Era uma<br />

forma de morder uma grana, e tentou pegar a gente lá. É uma coisa assim<br />

engraçada. Naquele tempo já tinha esses “cachorros de japonês”.<br />

“Cachorro de japonês” é aquele que morde quietinho.<br />

P: Quando foi que acabou a Gruta da Baiana, e por que acabou?<br />

R: Primeiro a minha mãe ficou doente. Teve um problema que paralisou<br />

o braço, porque naquele tempo o fogão era a lenha. Ao mesmo<br />

tempo em que estava na beira do fogão, tinha que sair na friagem, mexer


190<br />

com água fria. Isso deu um reumatismo forte nela, que ficou dois anos<br />

com o braço travado, não se movimentava. Só o meu pai não tinha meio<br />

de continuar fazendo o serviço. Depois diminuiu o movimento também.<br />

Os trens que paravam aqui em Ourinhos começaram a passar direto, em<br />

vez de fazer baldeação para Maringá. Essa foi uma das razões por que o<br />

movimento caiu. Então, ela ficou dois anos doente e não deu para continuar.<br />

Quando melhorou, já não podia trabalhar. O pessoal estava acostumado<br />

com ela. Se pediam alguma coisa, ela mesma ia fazer, ela mesma<br />

servia. Ela tinha aquele jogo de cintura para tratar a freguesia, principalmente<br />

a freguesia da cidade. Aí, como ela ficou doente, teve que<br />

parar. Parou por um mês, parou por dois, e quando voltou já não pôde<br />

trabalhar como antes, até que parou de vez.


191<br />

46<br />

PEDRO DANGA<br />

O universo humano e social de A Gruta da Baiana se completa<br />

com o Pedro Danga, restaurante, bar e ponto de encontro de jogadores<br />

de futebol, baralho e sinuca. A nata da malandragem. Também o porto<br />

seguro dos trabalhadores nos serviços de carga e descarga dos trens da<br />

Sorocabana, os chamados saqueiros da estrada de ferro. O lugar ficou<br />

tão conhecido que chegou a ser moda. Houve época em que granfinos<br />

achavam graça frequentá-lo.<br />

O Pedro Danga, localizado na rua Duque de Caxias, entre a avenida<br />

e a rua Amazonas, era realmente um boteco encantador. Servia uma<br />

bisteca de vaca com salada de tomate que era a salvação dos trabalhadores,<br />

estudantes com pretensões boêmias, gente simples e até àqueles que<br />

viviam do carteado e não gostavam de pegar no pesado. O estabelecimento<br />

existiu entre 1948 e 1979.<br />

Pedro Nunes é o nome real de Pedro Danga, apelido de sonoridade<br />

africana que veio dos avós e bisavós, e ninguém na família sabe mais<br />

decifrar. Viúvo desde 1952, Pedro Danga tocava o negócio com os filhos<br />

José Nunes, ou Zé do Bar; Lázaro, ou Roxinho; e Antônio, que na falta<br />

do apelido ganhou outro sobrenome e se tornou Toninho Noronha. O<br />

esquema era simples: bebida e comida barata. Um empreendimento familiar<br />

que acabou ganhando contornos de sociedade. Danga convidou a<br />

nora Palmira, casada com Toninho Noronha, para trabalhar. A escolha<br />

foi acertada porque, com o súbito falecimento de Toninho, em 1964,<br />

dona Palmira Souza, filha do tropeiro Jorge Sardinha, revelaria tino e<br />

pulso para conduzir a casa. Roxinho, Zé do Bar e o próprio marido sempre<br />

estiveram mais envolvidos com a vida esportiva. O Pedro Danga<br />

acabou ficando com Danga e a nora.<br />

Nessa movimentação de trabalhadores braçais, malandros, jogadores<br />

e homens do futebol, havia um menino observando o que se passava.


192<br />

O garoto é hoje o professor de história e ex-vereador Antônio Carlos<br />

Nunes, que, numa casa de apelidos, não poderia deixar de ter o seu:<br />

Surumba, um dos filhos de Toninho Noronha e dona Palmira. Surumba<br />

explica o que colocava o bar em movimento. “O Pedro Danga, com sua<br />

boa culinária, fazia a ligação entre o futebol e os jogos de uma maneira<br />

geral, que proliferavam nas imediações do Esporte Clube Operário, ao<br />

longo da Duque de Caxias, território da prostituição em Ourinhos.”<br />

“A humanidade do Pedro Danga, recorda Sucumba, apesar de popularesca<br />

e, uma parte dela, chegada à vida fácil, sabia obedecer às regras<br />

do bom comportamento. O ambiente era de respeito. Lugar de aperitivo<br />

e jantar. O pessoal só vinha bater o ponto e matar a fome. Em seguida<br />

se espalhava pelas mesas de baralho e sinuca do Clube 7 de Setembro,<br />

Salão Azul e Yamaguchi, ou pelos bordéis”. Numa época de<br />

grande animação pelo futebol, com o Ourinhense e o Operário dividindo<br />

a torcida, os balcões e mesas do Pedro Danga foram cenário de muita<br />

conversa entre os craques. Convites, contratações e planos de formação<br />

de outras equipes. Além dos dois grandes times, e mesmo depois que<br />

entraram em declínio, a cidade contava com valorosas equipes de bairro,<br />

como o Ouro Branco, reunindo empregados da Sanbra; Vila Odilon;<br />

São Cristóvão; Nacional Clube, da Vila Marcante; Gazeta; Vila Emília,<br />

Palmeirinha e Corintinha (Vila Margarida); 15 de Novembro; Ferroviário;<br />

7 de Setembro e vários outros.<br />

Entre trabalhadores, atletas, desocupados pura e simplesmente e<br />

jogadores, havia uma linha de frente de durões. Os bons de briga que<br />

entraram para o folclore municipal: Servílio, Tininho, Zorro, Fião, Vado,<br />

Taquinho, Sebinho, Paulão Mentiroso, Zé Toicinho, Demétrius, Dorivac<br />

ou Durvac, e um que se definia já no nome: Leônidas Tamancada.<br />

Nessa história falta uma personagem impossível. Existiu e Sucumba<br />

se lembra dele. Era o Júlio, o ladrão. Durante os anos 50 e 60, atuava<br />

em São Paulo e nos vagões da Sorocabana. Quando ficava muito visado<br />

pela polícia, desembarcava em Ourinhos para um descanso reparador.<br />

Nunca se esquecia de trazer as últimas novidades em brinquedos para os<br />

filhos dos amigos.


193<br />

47<br />

CARLOS NICOLOSI<br />

O professor Carlos Nicolosi é um homem de comportamento emotivo<br />

e atitudes que eventualmente poderiam ser tomadas como excêntricas.<br />

Andar pela rua com os seus queridos cachorros perdigueiros, por<br />

exemplo, ou demonstrar os seus dotes na execução de músicas antigas,<br />

na gaita de boca, para os ouvintes ocasionais do Café Paulista.<br />

Fiel ao temperamento, o professor entrou de coração aberto nas<br />

evocações da Casa Zanotto e dos que a dirigiram, entre eles o seu pai,<br />

Narciso Nicolosi Filho (Zico). Refere-se com carinho ao avô Henrique<br />

Tocalino, um nome ligado a mudanças importantes no panorama urbano<br />

e arquitetônico de Ourinhos. E fala dos tempos de rapaz, quando as matas<br />

estavam ao lado da cidade.<br />

Pergunta: Professor, vamos, em primeiro lugar, às origens da família<br />

Nicolosi.<br />

Carlos Nicolosi: Bem, o meu pai, Narciso Nicolosi Filho, veio de<br />

Tietê. O pai dele veio da Itália e tinha em Tietê um pequeno hotel. De lá,<br />

acredito que meu pai tenha vindo direto para Ourinhos, onde foi juiz de<br />

paz e um dos novos donos da antiga Casa Zanotto, do Hermenegildo<br />

Zanotto. Papai associou-se com meu avô materno, Henrique Tocalino, e<br />

com o Pedro Médici, que não era parente, mas as famílias se querem<br />

muito bem. Continuou um relacionamento muito bom entre os filhos e<br />

descendentes.<br />

P: E como é a história de Henrique Tocalino?<br />

R: É o pai de mamãe. Ele era argentino, filho de italianos que se<br />

instalaram na Argentina. Veio de Buenos Aires com vinte e poucos anos,<br />

já com uma certa experiência no ramo de construções, e se estabeleceu<br />

nessa região. Construía terreiros de café e até mesmo casas-sede dessas<br />

fazendas, como a casa dos Barbosa [antiga Fazenda Água do Bugre, em


194<br />

Cambará], que hoje está com o Matsubara, uma casa muito linda que<br />

tem lá. Era um homem boníssimo.<br />

P: Então eles fizeram a sociedade Nicolosi, Tocalino e Médici?<br />

R: Compraram a Casa Zanotto. Veja bem, o sr. Hermenegildo Zanotto<br />

era patrão de papai e do sr. Pedro Médici. O sr. Médici trabalhava<br />

na parte do escritório e o papai na parte gerencial. Os dois se associaram<br />

e constituíram a firma Médici e Nicolosi, cujos sócios eram três: o papai,<br />

o sr. Pedro Médici e o Henrique Tocalino, que já era um construtor conhecido.<br />

Mas continuou a denominação comercial Casa Zanotto porque<br />

o sr. Hermenegildo Zanotto era uma pessoa excelente, de quem eles gostavam<br />

muito, e para homenageá-lo continuaram com o mesmo nome.<br />

P: A sociedade durou até quando?<br />

R: Quando me casei, papai faleceu, mais ou menos em 1958, e nós<br />

não ficamos com a participação societária. Ficou em poder dos Médici e<br />

eles se associaram com o Tonico Saraiva, que era também funcionário.<br />

Construíram ali ao lado um mercado, mas a empresa logo deixou de funcionar.<br />

Na época o comércio era muito difícil. Você sabe disso [dirigindo-se<br />

ao autor], o seu pai foi comerciante. Lutou-se com muita dificuldade<br />

e se parou. Os filhos foram trabalhar para outro lado e a firma dissolveu-se.<br />

P: O nome de Henrique Tocalino, por outro lado, ficou ligado a<br />

várias obras importantes da cidade.<br />

R: Ele não cobrou para construir o antigo prédio do ginásio Horário<br />

Soares. Uma parte da Santa Casa também foi ele quem fez. Ele era<br />

um homem muito bom. Naquela época havia um pouco mais de tempo<br />

para a gente se relacionar. Hoje infelizmente não dá.<br />

P: Quais são as suas lembranças mais pessoais desse avô de quem<br />

o senhor gosta tanto?<br />

R: Era uma pessoa totalmente isenta de ambição patrimonial. Vivia<br />

a vida para ele e para a família. Não gostava de investir em patrimônio.<br />

Construiu uma grande parte das estações da Estrada de Ferro São<br />

Paulo-Paraná. A estação de Rolândia foi ele quem construiu. Rolândia<br />

era o Eldorado, dali para a frente só selva. Fiquei com ele lá, morávamos<br />

no mato, numa cabana, e à tarde agente almoçava na cabana. Talvez seja<br />

por isso que em determinada época gostei de caçar e ainda gosto. Não de<br />

destruir, de caçar, no bom sentido. Ele gostava de música. Uma criatura<br />

de temperamento muito bom. Quando se punha um defeito em alguém,<br />

ele punha uma qualidade. Era muito amigo da gente, amigo dos filhos.<br />

Morreu moço, me parece que com 62 anos.<br />

P: O senhor nasceu em que ano?


195<br />

R: Em 1928.<br />

P: Então deve ter lembranças nítidas da Casa Zanotto. Eu queria<br />

relembrar aquele lugar, aquelas portas altas, impressionantes, as ferragens<br />

logo na entrada. Não é isso?<br />

R: Eu não saía de lá. Tinha tudo, uma empresa completa. Arroz<br />

beneficiado em alta escala. Compra e venda por atacado de arroz, milho,<br />

alfafa e feijão. Tinha secos e molhados, artigos importados, tecidos e<br />

armarinhos. Tinha de tudo, caderno, lápis, o que se quisesse. Havia uma<br />

porta na rua Nove de Julho e mais quatro descendo a praça. Era um gigante.<br />

P: Quem morava na ala da residência, com saída para a rua Nove<br />

de Julho, onde havia um portão com um pé de jasmim?<br />

R: O Pedro Médici. Uma criatura austera, meio fechada, mas boa.<br />

Era sócio de papai. Os dois tinham temperamentos completamente diferentes,<br />

meu pai alegre, músico, e o sr. Pedro mais fechado. Mas deixaram<br />

uma grande amizade entre os filhos, e eu acho isso importante. Quero<br />

muito bem à família deles e tenho certeza de que é recíproco.<br />

P: A praça era ainda dominada por outras firmas, lojas conhecidas.<br />

As Pernambucanas, as alfaiatarias Silva e Casseta, a ótica Paris, a ótica<br />

Vieira, os bares, a Joalheria Fiorillo, a agência Chevrolet, dos Cury, e<br />

outras.<br />

R: O Tufy Zaki, no cantinho da rua São Paulo com a praça. A loja<br />

do Tufy chamava-se Casa Nortista. O Thomé com aquela lojinha, papelaria<br />

e livraria.<br />

P: Tantos anos depois, como o senhor se lembra da cidade nos<br />

anos 40 e 50?<br />

R: Isso aqui era uma cidade onde a gente à noite ficava batendo<br />

papo com os amigos, às vezes se reuniam nas portas. Era uma vida linda.<br />

“Para baixo da linha”, o que hoje é a Boa Esperança, tinha uma mata.<br />

Onde é a Cargill, era o Antônio Português e já começava a mata. Havia<br />

as fazendas. A Chumbeada era do Jacintho Sá e a Chumbeadinha do<br />

Horácio Soares. A do Brito [reverendo Manoel Alves de Brito] era a<br />

Fazenda da Sobra. Esse Brito é sogro do Alberto Braz. A fazenda ficou<br />

chamando Sobra porque nas medições os agrônomos, creio eu, erravam<br />

e sempre ficava sobrando um pedaço, e ficou Fazenda da Sobra, e até<br />

hoje esse problema perdura. Sempre tem sobra lá. Todas as propriedades<br />

do bairro da Sobra têm sobra, mas hoje isso já foi ajustado através do<br />

usucapião [o nome real da fazenda era Canaã].<br />

P: Nesses anos da sua juventude, como era a vida esportiva e social<br />

de Ourinhos?


196<br />

R: Ourinhos tinha um defeito que graças a Deus desapareceu: a divisão<br />

“para cima” e “para baixo da linha”. Entre o pessoal de cima e de<br />

baixo da linha havia amizade, mas não o relacionamento de hoje. Naquele<br />

tempo as famílias eram uma imitação dos fazendeiros que, residentes<br />

em São Paulo, vinham buscar o numerário aqui no fim do mês, com exceções,<br />

é claro, do Tonico Leite, que residia na Fazenda Lageadinho, e<br />

do Olavo Sá, que residia na Furnas. O sr. Olavo Sá era um homem fantástico.


197<br />

48<br />

JÚLIO CAMPIOM<br />

O ferroviário Júlio Campiom só não soube explicar por que o último<br />

vagão das antigas composições de carga se chamava “caboso” 5 . Nome<br />

realmente estranho para um vagão destinado à chefia do trem, geralmente<br />

pintado de branco e marrom, e com uma lanternazinha vermelha<br />

dependurada na plataforma traseira. O sr. Júlio achou graça e admitiu<br />

nunca ter pensado no caso. Mas, do resto, ele sabe tudo. De como se<br />

trabalhou duro à medida que a estrada de ferro São Paulo-Paraná penetrava<br />

o sertão paranaense. Dos vários degraus da carreira, dos imprevistos,<br />

acidentes e da chefia dos ingleses. Da vida ferroviária, em resumo.<br />

Ao seu lado, a mulher, dona Albina <strong>Del</strong>la Costa, acrescenta informações<br />

raras. É, por exemplo, uma das únicas pessoas a se lembrar claramente<br />

da Fazenda Múrcia, que pertenceu a Paulo Ribas e posteriormente<br />

a Horácio Soares. Um casal de ex-lavradores que conseguiu chegar<br />

à cidade, ganhar a vida, criar os filhos e hoje vive tranquilamente.<br />

Ele, paulista de Cravinhos, onde nasceu em 1917. Ela, ourinhense do<br />

campo, nascida na Fazenda Múrcia.<br />

Pergunta: Onde e em que data o senhor nasceu?<br />

Júlio: Nasci em Cravinhos, estado de São Paulo, em 1917.<br />

P: O seu pai era italiano?<br />

R: Meu pai veio da Itália com três anos. Foi primeiro para Cravinhos<br />

e depois para a fazenda do Barbosa, em Cambará. Foi colono ali<br />

três anos e depois se mudou para Ourinhos. Veio morar aqui na Chum-<br />

5 Caboso é uma corruptela do nome, em inglês, caboose. O caboose era um vagão<br />

especializado acoplado no final de um trem de carga nos Estados Unidos e fornecia<br />

acomodação para o chefe do comboio e operários em trânsito e ferramentas para manutenção<br />

ocasional da linha. Deixou de ser usado nos anos 1980.


198<br />

beada em 1921. Ali eu comecei a conhecer Ourinhos.<br />

P: O senhor entrou para a Estrada de Ferro São Paulo-Paraná (a<br />

rede) em que ano?<br />

R: Novembro de 1940. Depois de quatro anos o governo encampou<br />

a São Paulo-Paraná, que era dos ingleses.<br />

P: Qual foi a sua primeira função na rede?<br />

R: Eu era carvoeiro de locomotiva a vapor. Fazia a linha de Ourinhos<br />

até Arapongas, e depois Apucarana. Aí fui promovido a foguista. O<br />

carvoeiro ficava mais atrás, no tender, removendo lenha, dando carvão<br />

para o foguista, que é um cargo na frente.<br />

P: Depois de foguista, como prosseguiu sua carreira de ferroviário?<br />

R: Fui transferido para a oficina. Eu estava doente e não dava para<br />

aquele serviço, e fui então trabalhar como auxiliar de mecânico. Fui trabalhando<br />

até ser promovido a mecânico. Depois passei para a carpintaria,<br />

como ferramenteiro, quando perdi um dedo. Quando me aposentei<br />

era ferramenteiro da carpintaria, onde se fazia de tudo: reparação de vagão,<br />

revisão das casas da via permanente, etc.<br />

P: Via permanente é a estrada de ferro propriamente dita?<br />

R: É a estrada. Havia a via permanente, a soca.<br />

P: O que é soca?<br />

R: A soca é setor que assenta os dormentes no chão e põe os trilhos<br />

por cima.<br />

P: Quais foram as suas chefias nesses anos todos?<br />

R: O mestre da oficina era o Sebastião Braga. Teve o André Lopes<br />

Esteves. O chefe geral era o dr. Morton e o dr. Alastair, o engenheiro da<br />

oficina.<br />

P: Como era o dr. Morton?<br />

R: Ele era gordo, tinha uma carona grande, andava assim faceirão,<br />

gostava de um uísque e de uma festinha. Nunca vi um inglês para comer<br />

churrasco como ele. Gostava de um churrasco que dava gosto. Sempre<br />

no fim de ano eles davam uma festinha na oficina para os empregados e<br />

ele participava também.<br />

P: Ele falava bem o português?<br />

R: Não, falava bem arrastado, mas se entendia bem o que ele falava.<br />

P: O que o José Esteves Mano Filho fazia na rede?<br />

R: Era engenheiro da via permanente, um cargo elevado.<br />

P: Como era a convivência com os ingleses, trabalhar com eles?<br />

R: Trabalhar com os ingleses era uma maravilha. Muita disciplina,


199<br />

mas o cara que era trabalhador tinha tudo, davam promoção duas ou três<br />

vezes por ano. Eu mesmo entrei em 1940 e em 1941 fui promovido a<br />

foguista.<br />

P: Os ingleses promoviam alguma outra confraternização além da<br />

festa de fim de ano?<br />

R: Todo o dia primeiro de maio eles davam um piquenique, em<br />

Cornélio Procópio, Londrina, Bandeirantes. Davam o trem para levar os<br />

empregados.<br />

P: Como era uma viagem de trem de Ourinhos para o Paraná em<br />

1940?<br />

R: Nossa Senhora! Daqui a Londrina se levava de doze a treze horas.<br />

O caminho era só mato, a estrada não era empedrada, era tudo terra,<br />

um poeirão. A gente via rastros de animais na beira da estrada, ali nos<br />

rios Cinza e Laranjinha, em Santa Mariana.<br />

P: Os ferroviários organizaram um clube aqui em Ourinhos, não<br />

foi?<br />

R: Era o Bandeirantes, fui um dos fundadores. Aquilo surgiu da<br />

união dos ferroviários, das chefias, da turma toda. A chefia organizou<br />

um abaixo-assinado dentro da oficina e os empregados contribuíam. Os<br />

ingleses deram também uma mãozinha. [Dona Albina, mulher de Júlio<br />

Campiom, acrescenta que havia um desconto mensal de 10 mil réis no<br />

pagamento de cada sócio para a construção do clube.]<br />

P: No final da rua Rui Barbosa havia uma espécie de pensão de<br />

madeira para os ferroviários. Como funcionava?<br />

R: Ali era o pernoite para os foguistas e maquinistas que vinham<br />

do Paraná. Eles dormiam para voltar no dia seguinte. O próprio pernoite<br />

fornecia boia para a turma. Também tinha pernoite em Londrina, Arapongas,<br />

Apucarana, Cornélio Procópio, Jaguariaiva e Ponta Grossa. Mas<br />

no tempo dos ingleses não tinha pernoite não.<br />

P: E como se fazia, então?<br />

R: A gente dormia na plataforma da estação ou no areeiro, onde se<br />

guardava areia para as máquinas. Era triste, rapaz, uma vida dura.<br />

Dona Albina: Eles carregavam colchão e cobertas nas viagens.<br />

P: Por que o último vagão de uma composição de carga se chama<br />

caboso?<br />

R: [Risos de dona Albina]. Era o vagão do chefe do trem, não sei<br />

por que tinha esse nome. Mas, depois que a rede foi encampada pelo<br />

governo, o nome mudou. Passou a ser “bagageiro”.<br />

P: Vamos falar agora de sua relação com a cidade. Qual a sua primeira<br />

lembrança de Ourinhos?


200<br />

R: Onde é a matriz, tinha uma cocheira do Júlio Mori. Era um pasto,<br />

um capineiro e tinha uma cocheira. Ele tinha tropa para puxar toras<br />

do mato, isso em 1924, 1925, mais ou menos. O que hoje é o centro era<br />

tudo mato, um carrascal danado. Só tinha a rua Paraná e a estrada que ia<br />

para Cambará.<br />

Dona Albina: Na rua Paraná tinha um prediozinho, muito pequeno,<br />

que era o grupo escolar. E na esquina da rua Nove de Julho com a Arlindo<br />

Luz tinha o armazém do João Dolfim. Onde agora é Jardim Paulista,<br />

era a fazendinha do Horácio Soares. Meu pai morou ali quinze anos.<br />

Chamava-se Chumbeadinha. Antigamente ela se chamava Fazenda<br />

Múrcia, depois que o Horácio Soares comprou passou a ser Chumbeadinha.<br />

O sr. Horácio Soares era farmacêutico e na casa dele vinham muitos<br />

médicos. O dr. Theodureto era um deles.<br />

Júlio: Do outro lado era a Fazenda Chumbeada que o Jacintho Sá<br />

comprou do João Bolsonaro, de Campinas.<br />

P: Outra fazenda da região era a Santa Maria.<br />

R: Era mais para a frente, beirando o rio.<br />

P: Dona Albina, a senhora nasceu em Ourinhos?<br />

Dona Albina: Nasci na fazendinha do Horácio Soares, na Múrcia.<br />

P: Seus pais trabalhavam para ele?<br />

R: Trabalharam durante quinze anos para o sr. Horácio, muito boa<br />

pessoa. Meu pai dizia que não se podia contrariar o patrão porque ele<br />

sofria do coração. Ele ia sempre a São Paulo se tratar.<br />

P: A senhora se lembra bem da sede da fazenda?<br />

R: Foi derrubada. Uma casa de madeira com sete cômodos. Depois<br />

construíram uma casa de tijolos mais afastada, encostada na Vila Odilon.<br />

P: E como era a Vila Nova quando o senhor começou a sua vida de<br />

ferroviário?<br />

Júlio: Era tudo pasto.<br />

P: A vila nasceu de um loteamento de terras do Ângelo Christoni.<br />

O senhor o conheceu?<br />

R: Conheci, ele morava na rua Jorge Tibiriçá. Tinha um armazém<br />

ali.<br />

P: A Ourinhos do seu tempo de moço, do começo na rede, era uma<br />

cidade tranquila?<br />

R: Era uma cidade sossegada, era gostosa de se morar.


201<br />

49<br />

DR. BESSA<br />

Os médicos estão presentes desde o início ourinhense. Fizeram política,<br />

assumiram a prefeitura e exerceram a vereança. Deixaram bom<br />

nome como administradores. A vila era só um distrito de paz de Salto<br />

Grande quando a Câmara daquela cidade escolheu o dr. Américo Marinho<br />

de Azevedo para subprefeito de Ourinhos. É a primeira autoridade<br />

executiva da história local. Permaneceu pouco tempo e, mais tarde, seu<br />

nome aparece no jornal O Estado de S. Paulo na seção de anúncios dos<br />

médicos da capital. Paulo Ribas, filho do médico sanitarista Emílio Ribas,<br />

também residiu, clinicou e foi vereador em Ourinhos, onde possuía<br />

uma fazenda. O dr. Theodureto Ferreira Gomes foi médico respeitado e<br />

prefeito em 1931. E o dr. Hermelino Agnes de Leão está na memória de<br />

todos como médico e três vezes prefeito. O dr. Clóvis Chiaradia foi, portanto,<br />

o quarto médico a chegar à prefeitura.<br />

Entre esses pioneiros da medicina e da vida pública, encontra-se o<br />

dr. Alfredo de Almeida Bessa. Nascido em Cajuru, formou-se em Niterói<br />

em 1936. Foi para Ourinhos por acaso e adotou a cidade para sempre.<br />

Lutou contra a maleita, cuidou dos ferroviários e interessou-se brevemente<br />

por política, elegendo-se vereador. Testemunha de mais de meio<br />

século da vida municipal, seu depoimento é breve e nítido como um retrato<br />

3x4. O Dr. Bessa faleceu em 13 de janeiro de 1992.<br />

Pergunta: Por que o senhor, que é de Cajuru, escolheu Ourinhos<br />

para clinicar?<br />

Dr. Bessa: Não escolhi Ourinhos. Eu estava trabalhando em São<br />

Paulo, no hospital da polícia, onde o meu cunhado era diretor-médico.<br />

Quando me formei, fui trabalhar lá. Meu cunhado queria me pôr como<br />

efetivo, mas um coronel-diretor já tinha contratado outro. Até ajudei esse<br />

médico a fazer uma operação. Aí, o diretor do serviço médico da Soro-


202<br />

cabana me chamou. Era um engenheiro que tinha sido colega do meu<br />

irmão Teodorico. Eu havia me inscrito em diversas estradas de ferro.<br />

Então esse diretor da Sorocabana, quando viu meu nome, me chamou e<br />

me mandou para Ourinhos.<br />

P: E o que o senhor achou de Ourinhos?<br />

R: Ourinhos era uma coisinha. Ali na praça Mello Peixoto era tudo<br />

cercado de arame farpado. Depois fiquei sabendo que vinha gente de<br />

Salto Grande e entrava a cavalo ali, dava tiro, e então fizeram a cerca.<br />

Assim me contaram.<br />

P: Quando o senhor chegou, a cidade já contava com alguns médicos?<br />

R: Tinha o dr. Hermelino, o dr. Octacílio e aquele médico que se<br />

suicidou, me esqueço o nome dele [dr. Franklin Correa]. Depois o dr.<br />

Monteiro veio para cá.<br />

P: Quais eram as condições da saúde da cidade quando o senhor<br />

chegou?<br />

R: Existia a maleita e comecei a tratar dela com a 914, uma injeção<br />

para sífilis. Curei maleita que foi uma barbaridade. Cirurgia era feita na<br />

casa de saúde do dr. Hermelino, não existia a Santa Casa, não existia<br />

nada. Isso aqui era pequenininho, era tudo cafezal [referindo-se ao trecho<br />

entre a rua Euclides da Cunha e a avenida Dr. Altino Arantes]. Do<br />

outro lado da Altino Arantes tinha um sítio. A parte mais para baixo era<br />

do Horácio Soares. Não tinha nada, não tinha casa nenhuma. Onde hoje<br />

tem a igreja, o Colégio Santo Antônio [Mofarrej], ali não tinha nada. Era<br />

tudo café.<br />

P: O senhor trabalhou na São Paulo-Paraná ainda no tempo que a<br />

ferrovia era dos ingleses. O senhor sabe detalhes da abertura desta ferrovia,<br />

que começa em Ourinhos?<br />

R: O Barbosa, fazendeiro em Cambará, fez a estrada de ferro para<br />

ligar a fazenda à Sorocabana, via Ourinhos. Ele pediu para o governo<br />

estadual quinhentos contos para construir a ponte sobre o Paranapanema.<br />

Não deram. Pediu ao governo federal, também não deram. Então ele fez<br />

uma ponte de madeira e a estrada de ferro passava ali, mas a máquina<br />

locomotiva não. Ficava uma máquina de lá, no Paraná, e uma de cá, em<br />

São Paulo. Ele enchia os vagões de café e a máquina dava um empurrão<br />

para os vagões passarem para o lado paulista. Depois o Barbosa vendeu<br />

a estrada de ferro para os ingleses.<br />

P: Dr. Bessa, como era a vida de um médico solteiro em Ourinhos<br />

em 1937?<br />

R: Havia uma pensão na praça, da dona Maria, ao lado da Casa


203<br />

Zanotto [no local, hoje está o Banespa]. Tinha um cinema na rua São<br />

Paulo. Em 1938 me mudei para uma casa do Barbosinha [o ex-prefeito<br />

Cândido Barbosa Filho], na rua Nove de Julho. Depois começaram a<br />

construir o prédio do cinema [atual teatro].


204<br />

50<br />

JOSÉ FANTINATTI<br />

Há um certo consenso de que João da Silva Nogueira, ao trocar a<br />

região de Bananal, no Vale do Paraíba, pelo Vale do Paranapanema,<br />

tornou-se o pioneiro da cerâmica em Ourinhos. Com o tempo, vieram<br />

famílias de origem italiana de Barra Bonita, e, juntos, esses homens implantaram<br />

a primeira indústria ourinhense, marcando a paisagem da Vila<br />

Odilon com as altas chaminés dos fornos. O velho Nogueira e três dos<br />

seus sete filhos, Luís (Zico), João e Virgulino, são sempre citados com<br />

respeito.<br />

A fase dos Nogueira e da gente de Barra Bonita é relembrada pelo<br />

sr. José Fantinatti, outro patriarca do setor. O seu depoimento – e o de<br />

Manoel de Melo – traça o perfil do bairro e de meio século de uma atividade<br />

que começou em bases primitivas até a tecnologia atual. História de<br />

famílias numerosas e prestigiadas. Elegeram vereadores, como Wilther<br />

Nogueira e Edson Carnevalle, já no segundo mandato. O relato do sr.<br />

Fantinatti foi mantido quase na íntegra e na forma original, para não se<br />

alterar a fala curiosa do narrador.<br />

Eu nasci em Barra Bonita a 15 de junho de 1906. Cheguei a Ourinhos<br />

no dia 6 de outubro de 1936; depois de um ano vieram os meus<br />

pais. Os velhos morreram aqui. Morreram no mesmo quarto em que<br />

morreu o velho Nogueira. É onde está a nossa cerâmica. Tinha uma casa<br />

comprida e nós morávamos naquela casa. Os primeiros ceramistas e<br />

oleiros aqui em Ourinhos foram os Nogueira. Nós todos viemos para<br />

Ourinhos porque o ganho lá era menos do que aqui. Nesse tempo em que<br />

vim para cá, eu ganhava 5 mil réis para fazer um milheiro de telhas,<br />

amassar o barro com burro, que não existia maquinário. Das 4 horas da<br />

madrugada até as 7 da noite. De fiou pavio o ano inteiro. Então apareceu<br />

o Luís Nogueira e me perguntou: “ José, você não sabe de alguém para ir<br />

comigo lá para Ourinhos?”. Eu perguntei: “Quanto você paga?”. Ele


205<br />

respondeu: “Estou pagando 12 mil réis o milheiro”. Aí eu disse: “Nossa<br />

Senhora, vou embora”. Eu era casadinho de novo, com mulher e um filho<br />

de dois anos. Depois veio toda a minha família, os meus irmãos.<br />

Trabalhamos um ano e pouco e depois compramos a olaria dele por 90<br />

contos e pusemos o nome de Olaria Santo Antônio. Fomos emprestar 30<br />

contos do Ítalo Ferrari. Levou 44 meses para se livrar das dívidas do<br />

empréstimo, dos juros, de tudo. Nesse tempo nós vendíamos telha na<br />

boca do forno a 200 mil réis o milheiro. Aí foi que levantamos a nossa<br />

vida. A gente fazia telha, só telha. O barro nós temos até hoje. Quem tem<br />

mais barro de todas as cerâmicas somos nós. Compramos uma porção de<br />

alqueires. Temos cinco alqueires de várzea, uma parte de barro e uma<br />

parte de terra seca. O barro é quase o mesmo de Barra Bonita. Tem várzea<br />

aqui que é o mesmo que Barra Bonita. É o barro branco em cima,<br />

meio metro; depois dá o preto e depois o amarelo. O que temos é só<br />

amarelo. Dá quatro metros de barro só amarelo. Amarelo é o melhor, o<br />

que dá a produção mais colorida, mais vermelha. Nós conhecíamos o<br />

trabalho, sou nascido e criado em Barra Bonita, saí com 31 anos de lá.<br />

Depois de nós, veio de Barra Bonita a família dos Carnevalle e a<br />

dos Bressanin. Os Ferrazoli chegaram muito antes na região, mas vieram<br />

para Salto Grande e de lá para cá. Acho que a família que mais ajudou a<br />

desenvolver a cerâmica aqui foi a nossa, com o poder de Deus, que deu<br />

esse capricho a todos nós.<br />

Antes não tinha caminhão para puxar barro. Puxava com carroça.<br />

A vila chegou a ter 55 carroças. No domingo formava uma fila dos carroceiros<br />

num boteco. Não era um ambiente violento, mas quando saía<br />

uma briga já se puxava o ferro. Briga de faca. Festa, não tinha muito. A<br />

maioria das famílias ficava nas suas casas quando escurecia. Mas tinha<br />

baile todo sábado. Os costumes todos eram brasileiros, comida, tudo.<br />

Não tinha nada de italiano. Italiano se falava em casa. Nossos pais falavam<br />

em italiano e a gente respondia em brasileiro [sic]. Eu compreendia<br />

tudo em italiano, e compreendo até hoje, mas não sei falar. Quando cheguei<br />

em 1936 a vila aqui dava até medo. Dava maleita até nas árvores.<br />

Naquele tempo, esses andantes, esses peões sem família, chegavam à<br />

noite no nosso forno, tomavam nosso lanche e tínhamos que ficar quietos.<br />

Cada facão desse tamanho na cinta. Uma noite chegaram doze. Naquele<br />

tempo, matava aqui, passava para o Paraná e acabou. Tinha balsa<br />

para passar. Não tinha ponte. A balsa era do Emílio Leão.<br />

Foi difícil formar a mão-de-obra para as olarias porque não eram<br />

todos que vinham de Barra Bonita para cá, por causa da maleita. No caso<br />

de maleita a gente se tratava com o dr. Monteiro e o dr. Hermelino. Na


206<br />

minha família todo mundo pegou maleita. Eu peguei, mas cortei logo<br />

porque deixei de tomar leite. A maleita não quer leite. Depois foi descoberta<br />

a raiz do fedegoso para fazer o remédio. Depois fizemos uma limpeza<br />

completa no poço que tinha um metro de lodo e de coisa velha que<br />

jogavam. Cada um que mudava jogava roupa, chapéu velho, lata. Depois<br />

da limpeza nunca mais tivemos maleita.<br />

A comida naquele tempo era arroz, feijão e carne. A maioria era<br />

carne seca. Carne verde só no domingo. Galinha eu tinha. O primeiro<br />

açougue da vila foi o do Manoel de Melo. A cidade de Ourinhos, no centro,<br />

era uma coisa escandalosa. Nossa Senhora! A praça, o jardinzinho,<br />

tinha dois fios de arame cercando e as éguas dos açougueiros pastavam<br />

lá dentro. Era uma coisa louca a sujeira. A avenida Jacintho Sá era cheia<br />

de poças de água de cozinha. Não tinha encanamento, não tinha nada. O<br />

começo aqui em Ourinhos foi péssimo. O primeiro prefeito a calçar a<br />

cidade foi o Barbosinha (Cândido Barbosa Filho). O Barbosinha foi professor<br />

em Barra Bonita quando eu morava lá. Ele ia numa padaria, comprava<br />

um tostão de pão, comprava um tostão de banana, sentava embaixo<br />

de uma árvore e depois vinha palitando os dentes. Aquele homem<br />

passou a pão e banana muito tempo, o Barbosinha. Depois sumiu e ninguém<br />

sabia dele. Tinha vindo para Ourinhos. Aqui ele se encaminhou<br />

como um homem cem por cento.<br />

O serviço começava de madrugada. Às 3 horas eu entrava no pasto<br />

[pegar os cavalos]. Saía com o caipirão na boca e uma garrafa de café<br />

no bolso. Caipirão é o cigarro de palha. Quando meus irmãos vinham<br />

trazer café quente às 5 da manhã, eu já tinha quinhentas telhas prontas.<br />

Isso em Barra Bonita. Tinha entre 18 e 20 anos. Naquele tempo o barro<br />

era espalhado no terreiro. Primeiro batia com a enxada para depois molhar.<br />

Molhava hoje para trabalhar amanhã. A massa não podia ser dura<br />

nem mole, tinha de ser média. Senão não fazia telha, o barro começava a<br />

grudar na fôrma.<br />

Na nossa família somos em oito irmãos e tinha o casal de velhos.<br />

Eu tenho seis filhos, três homens e três mulheres. Faz oito anos [em<br />

1989] que faleceu o mais velho. Hoje a cerâmica é tocada por um sobrinho.<br />

De modos que a nossa vida foi essa.


207<br />

51<br />

EDUARDO DE MELLO PEIXOTO<br />

Eduardo Caldas de Mello Peixoto, filho de João Baptista de Mello<br />

Peixoto Neto, é um executivo bem-humorado, esportista, que vive em<br />

um casarão histórico restaurado em Santana do Parnaíba. Bisneto do<br />

senador Mello Peixoto, o seu depoimento foi ditado de memória, sem o<br />

apoio de anotações ou documentos, e não pretende ser rigorosamente<br />

exato. É mais uma crônica familiar com aspectos curiosos e pequenos<br />

segredos que escapam aos relatos oficiais.<br />

O velho Mello Peixoto, por exemplo, comprou três grandes áreas<br />

de terra em São Paulo quando os filhos eram pequenos. Na época, as<br />

glebas situadas além do Tietê eram muito distantes do centro. Mello Peixoto<br />

recomendou aos filhos: “Só vendam as terras quando valerem pelo<br />

menos mil contos de réis”. A família achou aquilo uma extravagância,<br />

pois os terrenos estavam num fim de mundo sem valor. Eduardo de Mello<br />

Peixoto conta que o bisavô estava certo. “Aqueles terrenos valeram<br />

mais de mil contos e pagaram as fazendas que agora temos. Hoje integram<br />

os bairros do Belenzinho, Penha e Tatuapé. O caminho antigo da<br />

Penha, antes da avenida Radial Leste, era pela rua Mello Peixoto, que<br />

ainda está lá.”<br />

A informação ajuda a entender um aparente mistério. Existem nesses<br />

bairros ruas com o nome de gente de Ourinhos. Pioneiros da cidade<br />

que viveram sem maiores negócios ou contatos com São Paulo a ponto<br />

de serem lembrados pelas autoridades paulistanas. É que a família Mello<br />

Peixoto, ao criar os loteamentos, decidiu homenagear amigos políticos.<br />

Foi assim que surgiram em São Paulo as ruas Heráclito Sândano, Odilon<br />

Chaves do Carmo, José Felipe do Amaral e a praça Jacintho Ferreira e<br />

Sá.<br />

Pergunta: Como foi a vida do senador João Baptista de Mello Pei-


208<br />

xoto?<br />

Mello Peixoto: Ele é filho de um político de Garanhuns, Pernambuco,<br />

e saiu de lá com uma carta provavelmente para o barão de Bananal,<br />

no Rio de Janeiro.<br />

P: Por que o senhor acha que era o barão de Bananal?<br />

R: Porque era um dos homens fortes da época. Mello Peixoto teve<br />

um sem-número de encontros com o barão durante sua vida. Foi ele<br />

quem batizou a minha avó Gnesa, filha do Peixoto Gomide. Foi o barão<br />

quem deu esse nome para ela. Minha avó dizia que não era nome, era<br />

castigo. Todas as filhas dele tinham esse nome.<br />

P: Então a carta era para o barão.<br />

R: É, uma carta provavelmente para o barão de Bananal, um político<br />

influente na época. O barão disse que no Rio não dispunha de nenhuma<br />

posição para ele, só em São Paulo. Mello Peixoto veio para Cunha,<br />

no Vale do Paraíba. Em Cunha, morava no fundo de uma farmácia.<br />

Assim contava meu pai e as pessoas mais velhas da família. Era tão pobre<br />

que copiava os livros de direito à luz de vela. Em Cunha ele teve o<br />

primeiro cargo, como juiz, e aí surgem algumas histórias fáceis de<br />

acompanhar. Ele era um político muito habilidoso. Na região de Taubaté<br />

havia um coronel, daqueles, chefes de região, que estava dando muito<br />

trabalho. O encargo do Mello Peixoto era segurar o homem. Já na chegada<br />

dele, o coronel mandou um cavalo arreado de presente, acompanhado<br />

de um criado. Um arreio todo trabalhado em prata. Mello Peixoto<br />

respondeu ao criado: “Olha, não estou acostumado a ter uma montaria<br />

como essa, mas, para não ofender o coronel, diga a ele que aceito como<br />

empréstimo uma mula”. E foi assim, muito jeitoso, que recusou o criado<br />

e o cavalo do homem. Um mês depois, já tinha prendido o fulano, que<br />

havia seduzido uma moça. É assim que começa a carreira dele.<br />

P: Como Mello Peixoto começa a formar a sua grande família?<br />

R: Aqui há um novo encontro com o barão de Bananal. Ele se casou<br />

com Joaquina Flora Gouveia e Castro. Essa era uma figura incrível,<br />

uma figura maravilhosa a minha bisavó. Viveu cem anos, até 1961. Era<br />

bochechuda e muito meiga, uma figura doce. O primeiro filho deles, o<br />

meu avô – João Baptista de Mello Peixoto Filho –, nasceu em Caçapava,<br />

em 1889. Nessa época, Mello Peixoto já devia estar com uma fazenda<br />

em Ribeirão Bonito, interior de São Paulo.<br />

P: Existe alguma notícia do período em Ribeirão Bonito?<br />

R: O filho do Mello Peixoto não falava português. Meu pai tinha<br />

muita lembrança dessa história. O Mello Peixoto foi para Santos com<br />

outros políticos e levou junto o filho, meu avô. O menino na hora que


209<br />

viu o mar disse para o pai: “Guarda, papa, il mare”. Isso porque ele vivia<br />

no meio dos imigrantes italianos da fazenda.<br />

P: Quantos filhos Mello Peixoto e dona Joaquina tiveram?<br />

R: Um homem, o João Baptista de Mello Peixoto Filho, a Carlota e<br />

a Angelina. Carlota era parecida com o pai, inclusive na habilidade. Uma<br />

mulher que dizia as coisas muito bem, com muito jeito. A Angelina, a<br />

caçula, era completamente estourada, explosiva.<br />

P: Por que a família Mello Peixoto, vinculada ao Vale do Paraíba,<br />

acabou se estabelecendo na região de Chavantes e Ourinhos?<br />

R: O velho Mello Peixoto foi senador e secretário da Agricultura.<br />

Na gestão dele fez construir a estrada que liga Taubaté a Ubatuba. O<br />

filho dele, João Baptista de Mello Peixoto Filho, casou-se com Gnesa, a<br />

filha do então governador Francisco de Assis Peixoto Gomide, que era<br />

um político de Itapetininga. Quando se casaram, em 1909 ou 1910, o<br />

velho Mello Peixoto recomendou ao filho ir com Gnesa para a região de<br />

Chavantes, onde havia terras novas. O Vale do Paraíba já estava todo<br />

tomado pelo café e por onde corria a Sorocabana tinha terras de grande<br />

produtividade, era uma fronteira agrícola.<br />

P: Mas também uma região virgem e quase desconhecida.<br />

R: Ainda havia índios, muito banditismo. Eram matas. Tanto que a<br />

minha avó ia de trem de São Paulo até Itapetininga; daí em diante, eles<br />

iam de trole e levavam dois dias para chegar a Chavantes. Os chefes<br />

políticos ali eram o Tonico Lista, em Santa Cruz do Rio Pardo, e o coronel<br />

Cunha Bueno, em Ipauçu. Então o meu avô começou a abrir a Fazenda<br />

Santanesa, que temos até hoje. A mãe dele, viúva do senador Mello<br />

Peixoto, acabou indo morar lá, numa casa que hoje é a sede da fazenda.<br />

P: Mello Peixoto Filho veio para Chavantes. E as irmãs dele, Carlota<br />

e Angelina?<br />

R: Casaram-se com dois irmãos, o Willie e o Roland Davids, filhos<br />

de um engenheiro inglês da Light, especializado em usinas hidrelétricas.<br />

Eles também abriram fazenda na região.<br />

P: Mello Peixoto Filho também fez carreira política depois da morte<br />

do velho Mello Peixoto.<br />

R: Apoiado pelo coronel Cunha Bueno, foi duas vezes deputado<br />

estadual por Chavantes e região. Era um homem culto, advogado. Minha<br />

avó contava que o Tonico Lista ameaçou mandar matá-lo.<br />

P: Como aconteceu a ameaça?<br />

R: Meu avô fez prender um capanga do Tonico Lista, que matou<br />

um preto em Irapé. Os dois tiveram um entrevero por causa de um pasto


210<br />

do capanga que o preto andou usando, e esse protegido, esse jagunço do<br />

Tonico Lista, matou o preto. O meu avô mandou prender o assassino. O<br />

Tonico Lista encontrou-se com a minha avó em Itapetininga e disse,<br />

assim muito manso: “Pois é, a senhora casada com esse moço aí, tão<br />

bonito, um moço de família, moço de trato, a senhora precisa dizer para<br />

ele tomar cuidado. Aqui é muito perigoso”. Com aquela conversinha ele<br />

estava dizendo que poderia mandar matar o meu avô. Ali se matava gente<br />

toda noite. Meu pai e meus tios contavam que à noite ouviam tiros em<br />

Irapé.<br />

P: Quais são os filhos do Mello Peixoto Filho?<br />

R: Em 1913 nasceu o meu pai, João Batista de Mello Peixoto Neto.<br />

Dois anos depois, o Geraldo; em seguida, a Lúcia e, lá em Irapé, o<br />

Fábio.<br />

P: O senhor sabe de ligações entre o velho Mello Peixoto e Jacintho<br />

Ferreira e Sá, um dos pioneiros de Ourinhos?<br />

R: O Jacintho Ferreira e Sá era muito amigo dele. Nós fomos criados<br />

ouvindo esses nomes, Jacintho, Tonico Leite. Eram todos do mesmo<br />

partido, o PRP. Diziam que metade de Chavantes era do Tonico Leite<br />

[dono da Fazenda Lageadinho] e a outra metade do meu avô.<br />

P: O senhor conheceu o seu avô Mello Peixoto Filho?<br />

R: Conheci bem. Ele foi deputado, tocava a fazenda e tinha negócios<br />

em São Paulo, uma corretora. A sede da empresa era na rua Benjamin<br />

Constant, 139, em São Paulo. Chama-se até hoje Palacete Chavantes.<br />

Foi construído no local da casa do senador Mello Peixoto. Nós ainda<br />

temos um andar desse prédio. Eu me encontrei com ele muitas vezes na<br />

fazenda. Morreu moço, em 1946, com 47 anos. Sofria do coração. Andava<br />

sempre com um chapéu de cortiça de tipo inglês.


211<br />

52<br />

DONA EURÍDICE DE MACEDO COSTA<br />

Dona Eurídice de Macedo Costa não lamenta fortunas e grandezas<br />

passadas. Neta de Antônio José da Costa Júnior, dono de boa parte das<br />

terras entre o Paranapanema e Jacarezinho até a década de 20, ela vive<br />

hoje numa casa simpática e simples no bairro do Paraíso, em São Paulo.<br />

Sua renda é basicamente a aposentadoria do marido já falecido. E, no<br />

entanto, essa senhora discorre com naturalidade sobre os grandes dias de<br />

sua gente na política, na advocacia e na Companhia Agrícola Costa Júnior,<br />

que abrangia a Fazenda Ourinhos.<br />

Segundo dona Eurídice, o seu avô, um parlamentar amigo do expresidente<br />

Campos Salles, não era propriamente um homem do campo, e<br />

os filhos, menos ainda. Assim, de partilha em partilha, uma vasta propriedade<br />

desapareceu e uma família poderosa que se entrelaça com os<br />

Mesquita, os Cerqueira César e os Sodré foi se dissolvendo aos poucos.<br />

Ela ri divertida com as excentricidades de todos eles, do velho Costa<br />

Júnior ao irmão Christiano, que frequentou bastante Ourinhos. A fazenda<br />

continua intacta na memória, mais forte do que o tempo e os maus<br />

negócios.<br />

Pergunta: Como surgiu a Companhia Agrícola Costa Júnior?<br />

Dona Eurídice: Meu avô, Antônio José da Costa Júnior, era político.<br />

Comprou essas terras no papel. Quando chegou lá, não entendia nada<br />

daquilo e a melhor parte ele vendeu para o Barbosa [Antônio Barbosa<br />

Ferraz Júnior]. Eram 2 mil alqueires [risos]. Isso ele sempre contava.<br />

Mas o que eu quero contar é que nenhum dos filhos quis saber de fazenda.<br />

O meu pai, Christiano Costa, era advogado; meu tio Augusto, advogado;<br />

tio Zeca também não quis saber de fazenda.<br />

P: O seu avô teve quantos filhos?<br />

R: Eurídice, Antônio, Anésia, casada com o Júlio Alves de Cer-


212<br />

queira César, filho do presidente do estado, Christiano, tia Idalina, que é<br />

a mãe do Roberto Abreu Sodré, tio Augusto e tia Clotilde. Um morreu.<br />

P: O seu pai dedicou-se exclusivamente à advocacia?<br />

R: Papai formou-se pela Faculdade de Direito do largo de São<br />

Francisco e foi o deputado mais moço do seu tempo, aos 21 anos. Aqueles<br />

jornalecos da época traziam a caricatura dele com chupeta. Deputado<br />

antigamente não era eleito nem nada. Era indicado. Tia Idalina era casada<br />

com o Francisco Carlos de Abreu Sodré. Ele era médico mas queria<br />

ser deputado. Como a tia Idalina era a filha predileta, o meu avô disse<br />

para papai: “Olha, Christiano, eu vou indicar o marido da Idalina para o<br />

seu lugar”. Como Manoel de Campos Salles era padrinho do meu pai,<br />

ele disse para vovô: “Costa, o seu filho não vai ficar a néris”. Então papai<br />

foi para a Itália como Comissário de Imigração. Esteve lá cinco anos<br />

e o tio Sodré ficou deputado, não sei se até 1930. O meu pai voltou da<br />

Itália em 1903 e se casou com mamãe em 1905. Ela tinha 42 anos quando<br />

nos deixou. Éramos nove filhos. Papai morreu com 52 anos.<br />

P: Como foi a carreira política de Costa Júnior, o seu avô?<br />

R: Ele foi da primeira Constituinte, a de 1891.<br />

P: Que lembrança a senhora tem dele?<br />

R: Meu avô era gozadíssimo. Quando meu pai se formou e foi lá<br />

na fazenda levar o diploma, ele pegou e disse assim: “Agora você vai<br />

aonde está aquele homem e veja o que ele está fazendo” [risos]. Sem<br />

parabéns, sem nada. Olha, eu tinha 12 anos e morava na rua Artur Prado.<br />

O meu avô passava pela nossa casa, nós estávamos no jardim com a empregada,<br />

e ele nem dizia bom-dia para os netos. E a gente adorava ele<br />

[risos]. Era muito secarrão, um homem aloirado e de olhos azuis.<br />

P: O que a senhora sabe dele enquanto patrão?<br />

R: Como patrão não tinha melhor. Eu me lembro de uma colônia<br />

de japoneses, acho que em 1926 ou 1927. Naquele tempo se contratava<br />

uma família por determinado tempo. Meu avô não via a hora dos japoneses<br />

irem embora porque eles punham uma bacia no meio do terreiro e<br />

tomavam banho todos juntos. Aquilo para vovô era a pior coisa do mundo.<br />

Vovô tinha ex-escravos na fazenda, eles não saíram. Duas dessas exescravas<br />

ficaram conosco. Uma morreu com tia Anésia e a outra com a<br />

tia Idalina. Nós as chamávamos de Maminda e Marrita.<br />

P: Como era a sede da fazenda?<br />

R: Era um colosso. Tinha a sala de visitas, o escritório, a sala de<br />

jantar, onze quartos. Depois, descendo uma escada, três banheiros e no<br />

final de tudo a despensa e a cozinha.<br />

P: Como era a viagem de São Paulo até a fazenda?


213<br />

R: A gente ia de trem até Ourinhos e dormia no Hotel Patton. No<br />

dia seguinte vinha carroça, trole e cavalos nos buscar. A gente atravessava<br />

a cavalo. A mata era a coisa mais linda. Atravessando a ponte do<br />

Paranapanema já era terra do vovô. Você olhava para todo lado e era<br />

aquela mata virgem.<br />

P: Quando foi a sua última viagem passando por Ourinhos?<br />

R: Foi em 1929. Aquele ano eu não queria ir para Itanhaém, então<br />

fomos para a fazenda. Papai, eu e Augusto meu irmão. Foi a última vez,<br />

mas aí já havia automóvel para nos buscar.<br />

P: Vocês eram em quantos irmãos?<br />

R: Alfredo, Vica [Benvinda], Augusto, Christiano, Diná, Franklin,<br />

Antonieta, Netinha e eu. Éramos nove.<br />

P: Vamos falar do Christiano, que foi muito conhecido em Ourinhos.<br />

R: Ele saiu do Colégio São Luiz aos 18 anos e não quis mais estudar.<br />

Tomou o trem e foi para a fazenda. Ele era gozadíssimo. Entrava<br />

aqui na minha vila cantando, isso quarenta anos atrás.<br />

P: Com a morte do seu avô, quem tocava essas terras com café,<br />

gado, serraria, olaria etc.?<br />

R: Tinha um administrador. Mas a fazenda foi, foi, e no fim venderam<br />

aos pedaços.<br />

P: Como vocês chamavam a fazenda em família?<br />

R: A gente falava fazenda de Ourinhos.<br />

Todos os depoimentos foram prestados entre 1989 e 1991.


214<br />

53<br />

HERMELINO NEDER 6<br />

Tesourinhos da Minha Juventude<br />

Fui muito infeliz em Ourinhos.<br />

Quando o <strong>Jefferson</strong> me pediu um poema para o livro, senti que tinha<br />

algo a dizer, que conteria mágoa e rancor, e que não seria um poema.<br />

Tem a ver com a cidade? Quem sabe?<br />

Antes de partir de Ourinhos fui marcado por música, cinema, moralidade<br />

e religião.<br />

Me lembro de quatro padres heroicos e esquisitos. Um, bêbado,<br />

ergueu uma igreja impressionante. Outro, o mulato calvo que pacificou a<br />

violenta Vila Odilon. O terceiro era aquele que, corria a lenda, fugiu do<br />

nazismo. E o monsenhor que não entrava em detalhes libidinosos no<br />

confessionário e que dizia trechos da missa como se fosse poesia ao som<br />

do meu violão.<br />

Me lembro de pernas bonitas de professoras. E de outros professores.<br />

Aquela que me chamou de poeta. O comunista que nos ajudava, mas<br />

não queria aparecer nos créditos dos shows. Os péssimos deseducadores.<br />

Ourinhos deixou muito claro para mim como um homem devia<br />

ser: belo, seguro, corajoso, masculino, puro e adúltero. Produto da química<br />

desses padres, professores, meus pais, meus tios, meus eus-mesmos<br />

e dos filmes B do Cine Ourinhos.<br />

Confesso que errei por aí. E tive lá os meus momentos.<br />

6 Hermelino Neder, nascido em 1955, é descendente de uma das famílias mais antigas da cidade.<br />

Conterrâneo e da mesma geração da cantora Vânia Bastos, é formado pela Escola de Comunicação<br />

e Artes da USP, com doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Escreveu<br />

várias trilhas sonoras, dentre elas as dos filmes A Dama do Cine Shanghai, Perfume de Gardênia,<br />

A Hora Mágica e Onde Andará Dulce Veiga?. Tem músicas gravadas por Cássia Eller,<br />

Arrigo Barnabé e Suzana Salles.


215<br />

Na última das minhas rápidas visitas nos últimos dezoito anos,<br />

percebi que a terra era roxa de fato e que devia encardir mais que a fuligem<br />

negra de São Paulo.<br />

Meu primo adotivo, que cuida das minhas tias velhas, me leva para<br />

ver a cidade que cresceu muito. A hostilidade cede à hospitalidade e,<br />

sem avisar, sinto uma espécie de orgulho.<br />

De onde vem o dinheiro que rola nessa cidade de médicos ricos,<br />

alguns interessantes? Do comércio de fronteira? Da cana?<br />

Me impressiona a quantidade de novos botecos, escolas públicas e<br />

igrejas de crentes. Essa é Ourinhos? Pinga, professores e religião?<br />

Vejo um brilho que vem do subterrâneo e projeta na cidade: hipermercados,<br />

casas grandiloquentes, trabalho, sexo, drogas, mentiras e<br />

videoteipes.<br />

Sinto um amor conflitante. Mas quero voltar para criar uma escola<br />

de música, mundialmente famosa. Uma Semana de Guitarras Jamil Jorge<br />

Neder.<br />

Imortalizar o nome do meu pai, professor de violão, que não gostava<br />

de padres, que me deu o nome de um médico e bebia muito bem,<br />

obrigado.


216<br />

54<br />

JOSÉ DAS NEVES JÚNIOR<br />

Entre os pioneiros de Ourinhos, figura<br />

José das Neves Júnior, meu avô. É nome de<br />

rua no Jardim Matilde, diante do Fórum.<br />

Sua história na região começa em 1911<br />

quando, bastante jovem, iniciou em Cambará,<br />

no Paraná, uma plantação de café. Em<br />

1913, nasceu seu primeiro filho, João Neves,<br />

meu pai. Não dispomos de documentos<br />

sobre o período, mas a tradição oral da família<br />

atesta que o empreendimento enfrentou<br />

dificuldades por não ter a escala de produção<br />

das fazendas vizinhas que, logo depois,<br />

construíram um ramal ferroviário ligado<br />

à Sorocabana para escoar as safras em<br />

direção ao porto de Santos.<br />

José das Neves Júnior, português<br />

da Ilha da Madeira, proprietário<br />

rural e comerciante (em 1935)<br />

Com os pais e cinco irmãos, Neves mudou-se para Salto Grande,<br />

sempre agricultor e o líder da família. Estabeleceu-se primeiro na Água<br />

dos Bugres, hoje bairro da cidade e, em 1923, com seis filhos, adquiriu a<br />

Fazenda Figueira, na Água Suja, distrito de São Pedro do Turvo. Cem<br />

alqueires que levou adiante com os irmãos e que, nos anos 30, o colocariam<br />

entre os principais cafeicultores da margem direita do rio Pardo,<br />

segundo um Almanaque da Secretaria da Agricultura do Estado de São<br />

Paulo.<br />

Desde então, suas atividades foram notadas. Construiu com os vizinhos<br />

a primeira estrada de rodagem ligando São Pedro do Turvo – dependente<br />

de Salto Grande – ao rio Pardo e, na gestão do prefeito José<br />

Felipe do Amaral, amparou financeiramente a construção da primeira<br />

ponte, de madeira, que, enfim, daria acesso a Ourinhos. Manteve na Fi-


217<br />

gueira uma sala de aula para as crianças dos empregados e das imediações.<br />

Foi proprietário até 1944, quando se instalou definidamente em<br />

Ourinhos. Sua grande residência, no cruzamento das ruas 9 de Julho e<br />

Rio de Janeiro, é atualmente um centro comercial. Comportava, na esquina,<br />

o espaço onde, durante alguns anos, manteve o armazém de secos<br />

e molhados, Casa Ourinhense. Em frente, construiu um dos primeiros<br />

sobrados residenciais da cidade, ainda existente, embora com o térreo<br />

alterado. Ao se afastar dos negócios, passou a viver de rendas, mas sempre<br />

presente em atos de interesse público e iniciativas beneficentes.<br />

Numa cidade pequena, todos conheciam o sr. José das Neves Jr.,<br />

doador de um banco de praça pública com seu nome gravado, costume<br />

do tempo. Era abertamente contrário ao mandonismo da República Velha,<br />

expresso através do Partido Republicano Paulista (PRP), e saudou a<br />

Revolução de 1930. Em 1931, publicou no jornal A Voz do Povo um<br />

artigo veemente em defesa do prefeito, o médico Theodureto Ferreira<br />

Gomes, que sofria oposição dos remanescentes do período anterior.<br />

Poucos sabiam de sua origem, a ilha da Madeira. Esse português<br />

comunicativo e bem-humorado nasceu em 13 de abril de 1889, em Pinheiro<br />

Sant'Anna, a 10 km de Funchal, capital da ilha. A família transferiu-se<br />

para o Brasil em 1891, quando ele tinha apenas dois anos. Cresceu<br />

em Araraquara e, em 1910, casou-se com a conterrânea Maria Augusta<br />

Prina, nascida em Mira, distrito de Coimbra, cidade litorânea de lindas<br />

praias de areias finas. Tiveram doze filhos – oito homens, quatro mulheres,<br />

uma delas, Amélia, mãe de José Carlos Neves Lopes, o criador do<br />

blog Memórias Ourinhenses. A maior parte deles viveu em Ourinhos,<br />

três foram para São Paulo e um para o Paraná. Exerceram diversas profissões,<br />

de agricultores e comerciante a advogado. A filha Maria (tia<br />

Nim) era conhecida como a simpática atendente da Cia. Telefônica Brasileira,<br />

na fase do aparelho a manivela e ligações via telefonista. Faleceu<br />

na entrada do ano novo de 1955.<br />

Meu pai, João Neves (1913-1973), foi comerciante e, por alguns<br />

anos, agricultor. Os moradores veteranos ainda se lembram da sua Casa dos<br />

Lavradores, no mesmo local da antiga Casa Ourinhense, e que, durante breve<br />

período e outro proprietário, foi o Armazém do Povo. Encerrou suas<br />

atividades em 1959.<br />

Todos os Neves da primeira geração já morreram. Restamos nós,<br />

muitos primos. Resta a rua José das Neves Júnior que, como quase sempre<br />

acontece, é apenas um nome. Ou, como no verso de Drummond: "De tudo<br />

ficou um pouco".


218<br />

Maria Augusta e José das Neves Júnior, com toda a família no Natal de 1948: os doze filhos, netos,<br />

genros e noras (o garoto, à sua frente, é o autor deste livro; atrás, José Carlos Neves Lopes sendo<br />

segurado pela mãe)


219<br />

VI<br />

O FOTÓGRAFO DE UMA CIDADE


220<br />

55<br />

FRANCISCO DE ALMEIDA LOPES<br />

Ourinhos é uma das cidades paulistas mais bem documentadas fotograficamente<br />

em sua evolução, sobretudo a partir do final dos anos<br />

vinte quando o município, criado oficialmente<br />

em 1918, chegava à sua segunda década. Este<br />

artista do cotidiano foi Francisco de Almeida<br />

Lopes, autodidata sofisticado que se dedicou<br />

às cenas do dia a dia, às pessoas anônimas e<br />

aos movimentos da expansão urbana (novos<br />

edifícios, ruas de terra, depois o calçamento, a<br />

praça em diferentes estágios, os primeiros<br />

carros e ônibus e os trens). Também registrou<br />

atos cívicos, políticos e festivos. Obra de um<br />

apaixonado por imagens sempre em contato<br />

com os profissionais da época abordada neste<br />

livro (até fins dos anos 40): Frederico Hahn<br />

(Foto Vitoria, na rua 9 de Julho quase esquina com Arlindo Luz) , José<br />

Dias Machado (Foto Machado, na praça Mello Peixoto) e Shuki Sakai<br />

(Foto Sakai, nas proximidades do Teatro Municipal). Os três estúdios<br />

não existem mais.<br />

Sobre este homem amável e discreto, funcionário da administração<br />

local da Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná, reproduzo parte da<br />

apresentação que escrevi para o livro sobre a ferrovia que teve mais de<br />

um nome e ligou Ourinhos ao Sul do país 7 . O tema se insere no desenvolvimento<br />

ourinhense e do Paraná em um enredo que inclui pioneiros<br />

dos dois estados, brasileiros e ingleses ,famílias conhecidas e estimadas<br />

7 LOPES, J. C. N.; BRAGA, N. C. Meu Pai e a Ferrovia, ed. digital. C. Procópio: Universidade<br />

Estadual do Norte do Paraná, 2014.


221<br />

de Ourinhos e região. Os detalhes da biografia de Francisco, tio Chiquinho,<br />

pai do José Carlos Neves Lopes, casado com Amélia Neves, irmã<br />

de João Neves, meu pai, estão nesta obra e no blog do primo José Carlos.<br />

“Nada é gratuito nas fotografias de Francisco de Almeida Lopes, e<br />

este sentido do tempo histórico e da poesia do cotidiano o coloca ao lado<br />

daqueles que integraram esta arte aos estudos antropológicos, históricos<br />

e à sociologia. Não hesito em colocar o seu trabalho em parceria com o<br />

que fizeram Pierre Verger (o universo afro-brasileiro da Bahia) Maureen<br />

Bisilliat e Claudia Andujar (arte popular latino americana e os índios do<br />

Brasil), Walter Firmo (fotojornalismo e recantos do país como a Amazônia<br />

e as paisagens dos romances de Guimarães Rosa), Cristiano Mascaro<br />

(arquitetura, cidades, sobretudo São Paulo) ou André Cypriano (favelas,<br />

capoeira). [...] Confiram. Este livro ilustrado que entrará com destaque<br />

para bibliografia da formação de um estado (aliás, de três estados<br />

como constava no nome final da ferrovia).”<br />

É dele a foto da capa de Ourinhos – Memórias de Uma Cidade<br />

Paulista. Seguem outros exemplos do seu olhar de fotógrafo arguto e<br />

afetuoso.<br />

Hotel Comercial na década de 1930


222<br />

Marco Zero, na praça Mello Peixoto<br />

A última locomotiva a vapor


223<br />

Desfile<br />

Desfile em 1950


224<br />

Locomotiva 723, atravessando o Paranapanema e entrando no Paraná<br />

Praça Mello Peixoto na década de 1930


225<br />

Ourinhos no início da década de 1950<br />

Estação da Sorocabana, inaugurada em 1926


226<br />

VII<br />

O PASSADO MANDA NOTÍCIAS<br />

1926-1950


227<br />

IMPRENSA MUNICIPAL<br />

Os jornais antigos gostavam das frases solenes. Cidade de Ourinhos,<br />

quando circulou pela primeira vez no dia 14 de fevereiro de 1926,<br />

anunciou-se aos leitores com o editorial “A nossa folha”, que trazia a<br />

seguinte introdução:<br />

Aparece hoje à adiantada população ourinhense o primeiro número da nossa<br />

modesta folha. Tratando-se no entanto de uma folha que tem o fim exclusivo<br />

de zelar pelos interesses do povo e do nosso município, esperamos que a população<br />

desta terra saiba cooperar para que essa tarefa nos seja mais suave,<br />

trazendo-nos o seu apoio, auxiliando-nos pecuniária, moral e intelectualmente.<br />

Péricles Mainardi era o redator responsável.<br />

Quase um ano depois o jornal muda de direção e mostra realmente<br />

a que veio. Estava nas mãos e a serviço do Partido Republicano Paulista<br />

(PRP). O editorial “Nova direção”, de 6 de janeiro de 1927, é um primor<br />

de sinceridade:<br />

Com este número, primeiro do ano de 1927, passa Cidade de Ourinhos para<br />

nova direção. Coerente com o nosso modo particular de agir, seremos sempre<br />

pela ordem, pela lei e pela religião. Coerentes conosco mesmos, continuaremos<br />

a prestar na imprensa, como já o fizemos particularmente, nossa<br />

apagada solidariedade e nosso fraco apoio ao pujante Partido Republicano<br />

Paulista, em cujo seio foram buscar o exmo. sr. dr. Washington Luiz, para<br />

fazê-lo presidente da República; o exmo. sr. dr. Carlos de Campos, para torná-lo<br />

presidente do estado; de sua direção participa o exmo. sr. dr. Ataliba<br />

Leonel, nosso ilustre e prestigioso chefe político, bem como da zona toda, e<br />

que nessa valorosa agremiação política ocupa lugar de sobressalente destaque.<br />

À benemérita Câmara Municipal desta cidade e ao prestigioso diretório<br />

local do PRP, nossos protestos de solidariedade e apoio.


228<br />

Detalhe: toda a benemérita Câmara estava ocupada pelo PRP. Toda<br />

a primeira página do jornal, excetuando-se o editorial, estava dedicada<br />

a uma homenagem ao exmo. sr. dr. Ataliba Leonel, cuja foto aparece<br />

com destaque. O editorial terminava com a mesma grandiloquência<br />

transbordante: “Dirigir um jornal, principalmente no interior [...] é empresa<br />

quase humanamente impossível. No entanto, estamos certos de que<br />

com o apreciadíssimo auxílio [...] de colaboradores, com a delicada indulgência<br />

dos nossos bons leitores [...] o caminho árduo e espinhoso a<br />

percorrer se tornará em estrada mansa e perfumosa”. Assinavam os redatores<br />

responsáveis, Luiz Lanzoni e Cândido Barbosa Filho. Lanzoni,<br />

genro do coronel Vicente Amaral, um dos homens fortes do PRP, era<br />

farmacêutico. Barbosa Filho, professor e funcionário público, seria prefeito<br />

municipal (1948-1951). A coleção consultada vai de 1926 a 1933.<br />

A Voz do Povo surgiu em 1927, fundado por Joaquim de Azevedo,<br />

e se manteria em poder da família até deixar de circular em 1951. O editorial<br />

de apresentação é mais agressivo, embora de forma genérica:<br />

Surge hoje, esperançoso e feliz por ter nascido em meio culto, o nosso pequeno<br />

semanário A Voz do Povo [...]. Somos completamente independentes.<br />

Não nos prende absolutamente ligação alguma que nos iniba de dizer a verdade<br />

ou rebater a mentira, como é do nosso programa, apoiarmos ou combatermos<br />

atos ou empreendimentos de quem quer que seja. [...] Resta-nos agora<br />

que o comércio, a sociedade, o povo, enfim, deste próspero recanto paulista,<br />

nos auxiliem para que possamos levar adiante a nossa folha [...].<br />

Foi o jornal mais duradouro e, consequentemente, permanece mais<br />

na memória da cidade. Joaquim de Azevedo foi substituído na direção<br />

em 1945 pelo seu filho Reinaldo Azevedo. A administração se completava<br />

com Orlando Azevedo, gerente, e Edu de Azevedo, secretário. Não<br />

foi uma publicação abertamente do PRP e nem se engajou, depois de<br />

1930, de maneira ostensiva a outro partido. Não fez, porém, oposição<br />

cerrada a nenhum mandatário ou chefe político. A brandura do noticiário,<br />

quase todo voltado para a chamada “sociedade local”, é uma característica<br />

do jornalismo interiorano do período abordado. A história da imprensa<br />

ourinhense, que inclui publicações praticamente desaparecidas,<br />

como A Razão e a revista Alvorada, que só teve uma única e hoje raríssima<br />

edição, está para ser estudada. O que se faz a seguir é uma seleção<br />

de notas, notícias e publicidade que traduzem o cotidiano de uma cidade<br />

ao longo de 24 anos.


229<br />

(1926-1933)<br />

CASA ZANOTTO,<br />

de Hermenegildo Zanotto. Secos e molhados, fazendas e ferragens.<br />

CONFEITARIA E BAR LEÔNIDAS,<br />

de Leônidas de Oliveira. Aceita-se encomendas de doces para qualquer festa.<br />

BAR MUNICIPAL,<br />

de Virgílio Offerni. Bebidas finas, refrescos, doces e pastéis.<br />

FARMÁCIA ADELINO,<br />

de Adelino Á. Ferreira. Manipulação escrupulosa e modicidade nos preços.<br />

FARMÁCIA FIGUEIREDO,<br />

propriedade dos farmacêuticos Olavo e Queiroz. Completo sortimento de<br />

produtos químicos e farmacêuticos nacionais. (Tratava-se da sociedade entre<br />

Olavo Ferreira e Sá, irmão de Jacintho, formado em farmácia, mas que acabou<br />

por se dedicar à lavoura de café, e o farmacêutico Álvaro de Queiroz<br />

Marques, várias vezes vereador pelo Partido Republicano Paulista.)<br />

O abaixo assinado avisa aos senhores caçadores em geral que proibiu terminantemente<br />

todas as caçadas no alfafal da Fazenda Múrcia (dr. Paulo Ribas).<br />

Ourinhos, 10 de novembro de 1926. (a) Hermenegildo Zanotto.<br />

(A Fazenda Múrcia, administrada em 1926 por Zanotto, pertencia ao médico<br />

Paulo Ribas, que se mudara para Campos do Jordão. Posteriormente foi<br />

comprada por Horácio Soares e passou a ser conhecida como Chumbeada.


Hoje é o bairro Jardim Paulista.)<br />

230<br />

A 31 de dezembro [...] colheu mais uma flor no belo roseiral de sua preciosa<br />

vida, o estimado farmacêutico Olavo Ferreira e Sá, segundo juiz de paz [...].<br />

(9/1/1927)<br />

BAR CHICO MANCO<br />

Participa-nos os nossos distintos amigos e assinantes, srs. Francisco Simões<br />

& Cia., a próxima abertura de um bem organizado bar com o título acima,<br />

em frente ao Cassino. (9/1/1927)<br />

(O bar do português Chico Manco foi uma pequena maravilha da cozinha<br />

popular. Servia-se comida farta, bem feita e a bom preço no pequeno boteco<br />

da esquina das ruas São Paulo e Piauí (atual Expedicionários), diante do Cine<br />

Cassino. No local agora está a loja Mahfuz. O forte da casa era a bisteca acebolada<br />

e acompanhada de um copo de vinho.)<br />

GRANDE JACARÉ<br />

O exmo. sr. dr. Ernesto Rosembergerer, distinto engenheiro da Cia. Siemens,<br />

sob cuja direção se acha a construção da ponte da Companhia Ferroviária<br />

São Paulo-Paraná sobre o rio Paranapanema, conseguiu há poucos dias caçar<br />

nesse rio um grande e belo jacaré [...]. (16/1/1927) (O engenheiro que<br />

veio de São Paulo integrou-se bem na cidade, participando de festas e bailes<br />

de carnaval. Projetou o primeiro coreto da praça Mello Peixoto na gestão do<br />

prefeito José Galvão.)<br />

Estiveram animados os folguedos carnavalescos nos últimos três dias do reinado<br />

de Momo. Além do corso todas as tardes pelas ruas da cidade [...] houve<br />

à noite no Grêmio, no Cassino e no Municipal, e no Central (baile do E.<br />

C. Operário) animadas partidas dançantes [...]. À noite de terça-feira, o<br />

Grêmio Recreativo apresentava um aspecto deslumbrante [...]. Entre as inúmeras<br />

pessoas fantasiadas, notamos: senhoritas Branca Amaral (primeiro lugar),<br />

Aida Spada (segundo lugar), Adalgisa, Henriqueta e Mariquinhas Tocalino,<br />

sra. Rosembergerer, Maria e Sarah Lobo, Maria Alonso, Alzira e Anésia<br />

Pedroso, Marina e Marília Salles, Jacyra Silva, Zizi e Elza Amaral; e os srs.<br />

Donato Sassi (primeiro lugar), Oswaldo Pareto (segundo lugar), Silvano Chiaradia,<br />

José do Rego, Alberto Matachapa, Carlos Amaral, Manoel Libório,<br />

Telésforo Tupiná, Hermelindo Mori e outros. (6/3/1927)<br />

(O primeiro lugar de fantasia masculina foi para o gerente do Banco Francês<br />

e Italiano, Donato Sassi, que anos mais tarde seria um dos fundadores do<br />

Banco Brasileiro de Descontos – Bradesco.)<br />

VIAJARAM<br />

Para Ribeirão Preto, o estimado clínico nesta cidade e nosso distinto correligionário,<br />

dr. Theodureto Ferreira Gomes, a cujo embarque compareceu elevado<br />

número de amigos, entre os quais notamos o sr. coronel Vicente Ama-


231<br />

ral (por si e pelo coronel Jacintho Ferreira e Sá), Raphael Filardi, Cândido<br />

Barbosa Filho, Joaquim Bittencourt, professor José Galvão, Luiz Lanzoni e<br />

outros. Para São Paulo [...] o sr. Hermenegildo Zanotto, importante comerciante<br />

e banqueiro nesta. Para Itararé, em visita a um parente doente, o sr. Júlio<br />

Mori, conceituado industrial nesta, seus estimados filhos João, Humberto e<br />

Anita, e seu sobrinho Hermelindo [...]. (6/3/1927)<br />

DR. JOÃO SCARANO,<br />

Médico. Formado pela Real Universidade de Nápoles. Habilitado na Faculdade<br />

Médica do Rio de Janeiro. Clínica geral, clínica de crianças. Operações:<br />

Partos. Residência provisória: Hotel Patton. (3/1927)<br />

PENSÃO E BAR CENTRAL<br />

O sr. Luiz Toledo Ordonhes participou-nos ter aberto, com o título acima, à<br />

praça Mello Peixoto, esquina da rua Paraná, uma bem montada pensão e um<br />

ótimo bar, onde serão os fregueses servidos [...] com a máxima presteza e o<br />

mais rigoroso asseio. (12/6/1927)<br />

CINE CASSINO<br />

Sinos de São João, com Buck Jones. Algemas de Ouro, William Farnum.<br />

Regenerado a Muque, Tom Mix. (12/6/1927)<br />

PERDEU-SE<br />

Uma medalha de ouro, quem encontrar fará o favor de entregar a Carlos Cardoso,<br />

que será gratificado. (26/6/1927)<br />

FÁBRICA DE LADRILHOS E MOSAICOS<br />

Já está em pleno funcionamento a bem montada fábrica de ladrilhos e mosaicos<br />

do sr. coronel Jacintho Ferreira e Sá [...]. Existindo pronto um estoque<br />

bem regular, os interessados poderão ser atendidos imediatamente nos seus<br />

pedidos. (12/6/1927)<br />

CORETO<br />

O magnífico coreto construído na praça Mello Peixoto [...] deverá ser inaugurado<br />

a 7 de setembro, dependendo apenas das estantes bronzeadas já encomendadas<br />

em São Paulo pela prefeitura. A planta desse coreto é de autoria<br />

do dr. Ernesto Rosembergerer e sua construção esteve a cargo do sr. Henrique<br />

Tocalino [...]. (27/8/1927)<br />

INAUGURAÇÃO:<br />

Foi inaugurado [...] no dia 7 do corrente o elegante coreto que o sr. José Galvão,<br />

digno prefeito municipal, mandou construir na praça Mello Peixoto. A<br />

Banda Municipal, sob a regência do maestro [...] sr. José Luiz de Moraes realizou<br />

um ótimo concerto que foi fartamente aplaudido. Pelo sr. prefeito foi<br />

oferecido aos músicos profuso copo de cerveja. (11/9/1927)


232<br />

PATTON<br />

Faleceu na manhã do dia 20, nesta cidade, o senhor José Patton, antigo morador<br />

dessa localidade, onde fundou o conhecido Hotel Patton [...]. Natural<br />

de Trento, Itália, veio para o Brasil há 37 anos. Deixa viúva a dona Maria<br />

Patton e os filhos Germano, Rosa, casada com o sr. Clemente Figueiredo, e a<br />

sra. Romana [...].<br />

PONTE<br />

A Câmara Municipal desta cidade tem a honra de convidar o povo em geral<br />

para a inauguração da ponte sobre o rio Pardo, na barra do rio Turvo [...] às<br />

quinze horas naquele local. Tratando-se de um acontecimento de suma importância<br />

para o engrandecimento desse município, a Câmara Municipal está<br />

certa do comparecimento de todos. (25/12/1927)<br />

CASA DE SAÚDE DE OURINHOS<br />

Efetuou-se a 1º do corrente a inauguração [...] da Casa de Saúde de Ourinhos<br />

do dr. Pedro Mueller, abalizado médico cirurgião e parteiro. Diplomado na<br />

Alemanha e no Rio de Janeiro [...] e tendo exercido com grande êxito suas<br />

atividades em diversos grandes centros, principalmente em Ribeirão Preto<br />

[...] vem o distinto facultativo acompanhado de justo renome [...]. À hora do<br />

ato inaugural compareceu elevado número de convidados [...]. Entre os presentes<br />

pudemos notar: coronel Vicente Amaral, professor José Galvão, dr.<br />

Mário Rego Monteiro, reverendo padre Francisco de La Torre, dr. Agenor<br />

Barbosa, farmacêutico Álvaro de Queiroz Marques, coronel José Felipe do<br />

Amaral, Odilon Chaves do Carmo, Hermenegildo Zanotto, Ângelo Christoni,<br />

Joaquim Pedroso, Graciano Racanello, Olavo Oliveira, Ozório Soares, Francisco<br />

Coccapieller, Narciso Nicolosi Filho, Cesário Castilho, Rodolpho Seifert,<br />

Humberto Detogni, dom Paulo Dias Spada, João Mori, Humberto Mori,<br />

José Lopes, professor Cândido Barbosa Filho e farmacêutico Luiz Lanzoni,<br />

estes representando esta folha.<br />

(O dr. Pedro Mueller veio para Ourinhos trabalhar com o dr. Hermelino de<br />

Leão. Era anunciado à cidade como ex-interno da clínica cirúrgica da Universidade<br />

de Hamburgo e da clínica de obstetrícia da Universidade de Friburgo.)<br />

EDITAL Nº 1<br />

O cidadão José Galvão, prefeito municipal dessa cidade de Ourinhos, faz saber<br />

que, nos termos da legislação municipal em vigor, fica marcado o prazo<br />

de sessenta dias [...] para que os proprietários dos prédios situados na rua São<br />

Paulo, no trecho compreendido entre a avenida Altino Arantes e a rua Piauí,<br />

e que possuem o melhoramento do meio-fio, executem o serviço de calçamento<br />

[...]. E para que ninguém alegue ignorância, mandou lavrar o presente<br />

edital que vai publicado na imprensa local. Eu, Olympio Tupiná, secretário<br />

da Câmara, o escrevi. Ourinhos, 5 de janeiro de 1929. José Galvão, prefeito<br />

municipal. (6/1/1929)


233<br />

Comunica-nos da prefeitura municipal já se achar aberto o registro de pedidos<br />

de ligações domiciliares de água corrente, devendo os interessados providenciar<br />

com brevidade a respeito, pois as instalações domiciliares [...] obedecerão<br />

a ordem numérica dos pedidos.<br />

DR. PASCHOAL PELLINI<br />

Médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Clínica geral. Residência<br />

provisória: Hotel Patton. (7/7/1929)<br />

JARDINEIRA DE OURINHOS A GÁLIA<br />

Está constituída uma empresa de transportes de passageiros de Ourinhos a<br />

Gália, e vice-versa, por meio de jardineiras. Partindo desta cidade às 2 horas<br />

da tarde, da praça Mello Peixoto, e passando por Água Suja, São Pedro do<br />

Turvo, Macaco (ponto de pernoite), o passageiro chegará à Gália na manhã<br />

seguinte, onde terá comunicação com as jardineiras de Gália a Presidente Alves<br />

(Noroeste). (18/8/1929)<br />

FRITZ STEINHOFF:<br />

Pintor para qualquer serviço, simples e luxo. Decorações e letras. Rua Sergipe,<br />

em frente à Casa de Saúde, Ourinhos. (1/9/1929)<br />

ALISTAMENTO ELEITORAL:<br />

Na última audiência aqui realizada a 13 do corrente, foram qualificados 132<br />

novos eleitores, todos republicanos [sic]. O entusiasmo reinante é enorme,<br />

em razão do que é de se esperar continue elevado o número de candidatos à<br />

qualificação eleitoral.<br />

FUTEBOL<br />

Diretoria para 1930. A Diretoria do Esporte Clube Operário para 1930 está<br />

assim constituída: presidente, Hermenegildo Zanotto; vice-presidente, Hermínio<br />

Socci; 1º secretário, Edison Leonis; 2º secretário, Ítalo Fioravanti; 3º<br />

secretário, Aurélio Sachelli; 1º tesoureiro, Joaquim Miguel Leal; 2º tesoureiro,<br />

Ernesto Gonçalves; orador, professor José Galvão; diretor geral, Francisco<br />

Ciffone Filho; Conselho Fiscal, Oswaldo Paretto, Américo Cera, Chede<br />

Jorge. (5/1/1930)<br />

CINE CASSINO<br />

Os cartazes [...] anunciam para hoje a interessante película Herói do Circo,<br />

em que o grande astro Hoot Gibson apresenta um dos seus melhores trabalhos<br />

(5/1/1930)<br />

AVISO<br />

A fim de uniformizar os honorários médicos, tornamos público que a partir<br />

desta data passaremos a adotar a seguinte tabela: Horário de consulta, das 8<br />

às 11 horas da manhã e das 2 às 5 horas da tarde. Preços: Consulta: 20$000;


234<br />

Visitas a domicilio: 25$000; Visitas noturnas (das 8 à meia-noite; 50$000;<br />

Visitas noturnas (da meia-noite em diante): 100$000.<br />

Serviço aos domingos: No primeiro e terceiro domingo de cada mês, do<br />

meio-dia em diante, atenderá à clientela de ambos o dr. Mueller; no segundo<br />

e no quarto domingos, será atendida pelo dr. Hermelino. As consultas são<br />

pagas à vista. Ourinhos, 1/1/1930, dr. Hermelino de Leão e dr. Pedro Mueller.<br />

(12/1/1930)<br />

SELARIA FARACCO<br />

Antônio Faracco avisa ao público desta cidade que abriu à rua Paraná (anexo<br />

à Casa Eduardo Salgueiro) uma bem montada selaria, estando apto a atender<br />

com a máxima presteza aos srs. fregueses tanto desta como das localidades<br />

vizinhas. (12/1/1930)<br />

CHRISTINA SCHURMANN<br />

Parteira diplomada. Informações na Farmácia Nossa Senhora Aparecida e na<br />

Casa de Saúde. (12/1/1930)<br />

GRÊMIO RECREATIVO<br />

A diretoria do Grêmio para o corrente ano [...] ficou assim constituída: presidente,<br />

Hermínio Socci; vice-presidente, dr. W. Reede; 1º secretário, professor<br />

Joaquim Pedroso; 2º secretário, Olympio Tupiná; 1º tesoureiro, José da<br />

Cruz Thomé; 2º tesoureiro, Pedro Migliari; Conselho Fiscal: Narciso Nicolosi<br />

Filho, Oswaldo Paretto e Donato Sassi [...]. (19/1/1930)<br />

CIRCO DE TOUROS<br />

Vendem-se as madeiras do circo de touros armado à rua São Paulo e quatro<br />

dúzias de tábuas boas. Informações com Braz Cruz, Ourinhos. (19/1/1930)<br />

CORREIO PAULISTANO<br />

Agente: Cândido Barbosa Filho. Rua Dr. Ataliba Leonel. (26/1/1930)<br />

PERMUTA DE TERRENOS<br />

A Câmara Municipal, senhora de um terreno sito no bairro dos Ingleses destinado<br />

a cemitério, e o espólio do coronel Jacintho Sá, proprietário de um terreno<br />

onde se acha o túmulo do saudoso chefe político desta terra, acabam de<br />

permutar entre si os referidos terrenos a fim de ser mais facilmente construído<br />

o novo cemitério. (16/3/1930)<br />

(O bairro dos Ingleses era formado pelos escritórios e residências de diretores<br />

da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná. As casas e instalações ainda<br />

existem na av. Rodrigues Alves, entre as ruas Bahia, Engenheiro Frontin e<br />

Rui Barbosa, na Vila Margarida.)<br />

IRRIGAÇÃO DE RUAS<br />

A Câmara Municipal [...] aprovou uma lei pela qual fica terminantemente


235<br />

proibida a irrigação das ruas até que seja ligado ao abastecimento de água o<br />

motor elétrico, providência esta já em andamento. Os infratores estão sujeitos<br />

à multa de 30$000 e, na reincidência, a 50$000. (16/3/1930)<br />

DECLARAÇÃO<br />

Hermenegildo Zanotto, estabelecido nesta praça [...] com casa comercial, secos,<br />

molhados, ferragens, tecidos etc., seção comissária e agência de automóveis<br />

Ford, declara que vendeu aos srs. Teixeira, Médici & Nicolosi o estoque<br />

da seção comercial e comissária, continuando com as agências de automóveis<br />

Ford em Ourinhos, Cambará e Santo Antônio da Platina. Ourinhos,<br />

março de 1930. (a) Hermenegildo Zanotto. Concordamos: Victorino Teixeira,<br />

Pedro Médici, Narciso Nicolosi Filho. (6/4/1930)<br />

QUEIXADA<br />

O sr. Benedito Ferreira, emérito caçador, acaba de [...] aprisionar perto de 50<br />

queixadas. Fazendo num cercado uma ceva, aprisionou primeiramente 25 e<br />

logo depois mais 23. Alguns eram filhotes, mas todos bem dispostos. Vimos<br />

diversos desses animais adultos, muito dignos de admiração. Parabéns ao<br />

consagrado caçador. (13/4/1930)<br />

CINE CASSINO<br />

Ressurreição, com Dolores <strong>Del</strong> Rio. (27/4/1930)<br />

ESPORTE CLUBE OURINHENSE<br />

Reergue-se atualmente uma das mais brilhantes glórias do esporte local, o E.<br />

C. Ourinhense. Após um período de paralisação de suas atividades, o veterano<br />

ressurge com novas forças [...]. Graças ao esforço [...] de entusiastas do<br />

esporte bretão, foi adaptado um novo campo para seus treinos e jogos, estando<br />

sendo para este aos poucos transportada toda a cerca e o pavilhão do antigo<br />

estádio. Em reunião [...] foi escolhida para [...] a seguinte diretoria: presidente,<br />

Hermínio Socci; vice-presidente, Francisco Coccapieller; 1º tesoureiro,<br />

Donato Sassi; 2º tesoureiro, Antônio Nicomedes Peixe; 1º secretário, Heitor<br />

Gatti; 2º secretário, Carlos Deviene; 1º diretor esportivo, Antônio Mori;<br />

2º diretor esportivo, Oswaldo Paretto; orador oficial, Sebastião Rocha. Conselho<br />

Fiscal: Carlos Augusto Amaral, Miguel Cury, José B. Faria. A posse<br />

solene dos dirigentes se efetuará hoje às 20 horas, na residência do sr. Miguel<br />

Cury [...]. (20/4/1930)<br />

NOVO AÇOUGUE<br />

O sr. Ozório Gonçalves comunica-nos que adquiriu recentemente o higiênico<br />

açougue do sr. Theodorico Rocha, à praça Mello Peixoto [...] e pretende abater<br />

suínos diariamente. (1/6/1930)<br />

SARJETEAMENTO<br />

Prossegue com intensidade o serviço de sarjeteamento das ruas desta cidade.


236<br />

Já se acha concluído o quarteirão da avenida Jacintho Sá, compreendido entre<br />

a avenida Dr. Altino Arantes e a rua Piauí [...]. Dentro em breve será atacado<br />

o serviço de sarjeteamento de mais um quarteirão da avenida Jacintho<br />

Sá, delimitado pelas ruas Alagoas e Goiás. (15/6/1930)<br />

CONSTRUÇÕES<br />

Continuam a surgir novas construções nas ruas desta cidade [...]. Uma administração<br />

eficiente [...], de par com maior facilidade nos terrenos e nos materiais<br />

de construção, desperta forçosamente a confiança geral e anima a inversão<br />

de capitais em prédios. É o que se está verificando em Ourinhos.<br />

(15/6/1930)<br />

(Ainda restam prédios desta época, com a data de construção em alto relevo<br />

no frontispício. Encontram-se, geralmente, na avenida Jacintho Sá e na rua<br />

Paraná)<br />

INVERNO<br />

Cachemire lã, metro 15$000; uniforme colegial, tecido normalista, metro<br />

2$300; pongée colegial, metro 1$300. Casas Pernambucanas. (29/6/1930)<br />

CASA<br />

Aluga-se uma casa na rua São Paulo, forrada e assoalhada, tendo oito cômodos<br />

e garagem. Tratar com Archipo Matachana, avenida Altino Arantes, Ourinhos.<br />

CEMITÉRIO NOVO<br />

Acham-se concluídos os trabalhos de construção do fecho a tijolos do cemitério<br />

novo [...] entregues à competente direção do sr. Henrique Tocalino. A<br />

entrada é guarnecida de um artístico e sólido portão de ferro. Esse premente<br />

melhoramento [...] fará com que [...] possa a administração local extinguir o<br />

atual cemitério, situado mui próximo à cidade, cercado de ripões e com sua<br />

capacidade virtualmente esgotada [...]. (13/7/1930)<br />

OLARIA SANTA MARIA,<br />

De João da Silva Nogueira. Vende-se superiores telhas tipo francesas a<br />

240$000 o milheiro, na olaria. (20/7/1930)<br />

ABASTECIMENTO DE ÁGUA<br />

Acha-se já montado o motor elétrico destinado a acionar a bomba da linha<br />

adutora do abastecimento de água desta cidade [...] e, como em outubro próximo<br />

se dará a inauguração da grande barragem de Piraju, desta data em diante<br />

será este motor utilizado, com grande economia de combustível [...].<br />

(10/8/1930)<br />

CINE CASSINO<br />

Dallas, com Ronald Colman. (10/8/1930)


237<br />

MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO<br />

Como é do domínio público, instalou-se no dia 3 do corrente um movimento<br />

subversivo em Belo Horizonte e em Porto Alegre, apoiado pelos governos de<br />

Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, com imediata repercussão em outras<br />

cidades desses estados. A seguir, registram-se movimentos idênticos em algumas<br />

capitais de outros estados, abafadas, porém, imediatamente. Atualmente<br />

o movimento acha-se circunscrito apenas aos seus focos de origem,<br />

achando-se em perfeita ordem todo o resto do Brasil [...]. (12/10/1930)<br />

(Em sete linhas o jornal registrou a versão oficial de que tudo não passava de<br />

um movimento sedicioso praticamente controlado. O que acontecia, na verdade,<br />

era a Revolução de 1930)<br />

CARNAVAL DE 1931<br />

A diretoria do Grêmio Recreativo de Ourinhos [...] marcou para os dias 15,<br />

16 e 17 três bailes a fantasia. Estas reuniões serão abrilhantadas pela Jazz<br />

Band Paulista, que executará as novidades [...] do carnaval de 1931 [...].<br />

(15/2/1931)<br />

CINE CASSINO<br />

Asas Gloriosas, com os queridos artistas Ramon Novarro e Anita Page.<br />

(15/2/1931)<br />

BAR INTERNACIONAL<br />

O sr. Francisco Mayoral, que acaba de construir um edifício próprio na praça<br />

Mello Peixoto, esquina da rua Antônio Prado, onde instalou o seu procurado<br />

Bar Internacional, teve a feliz ideia de aumentar as comodidades do seu estabelecimento<br />

pela instalação de um bom bilhar. (22/2/1931)<br />

PREFEITURA DE OURINHOS<br />

Em substituição ao sr. Rodopiano Leonis Pereira, foi nomeado prefeito municipal<br />

de Ourinhos o sr. dr. Theodureto Ferreira Gomes, que no período revolucionário<br />

de 1924 foi governador militar da cidade. (15/3/1931)<br />

CINE CASSINO<br />

Mulher Singular, com Greta Garbo. Brevemente Agora ou Nunca, com Gary<br />

Cooper e Mary Brian. (22/3/1931)<br />

PREFEITURA MUNICIPAL<br />

Regressou ontem de São Paulo, para onde havia seguido para prestar compromisso,<br />

o sr. dr. Theodureto Ferreira Gomes, prefeito municipal [...] nomeado<br />

por ato do sr.. Interventor Federal. Ontem mesmo, sem solenidade, realizou-se<br />

a sua posse nesse cargo [...]. (22/3/1931)


EXTERNATO RUY BARBOSA<br />

Resultado do 1º exame bimensal de janeiro e fevereiro.<br />

238<br />

CURSO COMERCIAL<br />

Na promoção das notas, foi o seguinte o resultado: 1º, João Neves; 2º, José<br />

das Neves Júnior; 3º, Francisco Romeiro Filho. (22/3/1931)<br />

RELÓGIO DA MATRIZ<br />

Atendendo à grande aspiração dos moradores [...] de Ourinhos em possuir na<br />

torre da Igreja Matriz um relógio que seja o regulador oficial da população<br />

[...] fica com o presente apelo aberta uma subscrição para tal fim. Para a<br />

mesma aceitam-se contribuições espontâneas que serão recolhidas quando<br />

perfaçam o valor de cinco contos de réis (5.000$000), importância necessária<br />

para a sua aquisição e sua colocação. Caso não se alcance aquele quantum,<br />

desaparecerá o compromisso dos assinantes. Ourinhos, 29 de março de 1931.<br />

Vigário Francisco de La Torre Lucena. (29/3/1931)<br />

(O relógio foi comprado com o auxilio de particulares e uma doação especial<br />

da Câmara Municipal.)<br />

EXTERNATO RUY BARBOSA<br />

O Externato anexou à Escola de Comércio, a Escola Remington de Datilografia<br />

[...]. (29/3/1931)<br />

(O externato Ruy Barbosa foi a primeira escola profissionalizante da cidade.<br />

Seu fundador, o espanhol Constantino Molina, tornou-se uma pessoa conhecida<br />

em Ourinhos. O estabelecimento foi mais tarde vendido para o professor<br />

Aparecido Lemos. Molina mudou-se para São Paulo.)<br />

NOMEAÇÃO<br />

Foi nomeado para o cargo de assistente técnico da Escola Normal de Botucatu<br />

o professor Guaraciaba Trench, que por largos anos vem residindo entre<br />

nós. Nossas felicitações. (5/4/1931)<br />

NOTAS SOCIAIS<br />

Em viagem: O sr. Eduardo Salgueiro; o senhor João Mori e exma. família.<br />

Aniversários: a 1º, o sr. Pedro Médici; a 3, a exma. sra. dona Maria Aurora<br />

Gomes de Leão. (5/4/1931).<br />

RECONSTRUÇÃO DA PONTE<br />

Esteve nesta cidade, onde veio orçar os serviços de reconstrução da ponte<br />

Mello Peixoto, o ilustre engenheiro da Secretaria de Viação, dr. Adalberto<br />

Paranhos. Diante da necessidade da referida obra [...] prometeu-nos para<br />

muito breve uma nova ponte em substituição à que pela segunda vez foi destruída.<br />

É essa [...] notícia o resultado dos [...] esforços empregados pelo dr.<br />

Theodureto Ferreira Gomes, prefeito municipal [...]. (12/4/1931)


239<br />

VIADUTO DA SÃO PAULO-PARANÁ<br />

[...] era projeto da Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná construir na<br />

atual rua Minas Gerais um viaduto sobre o leito de sua linha [...] a fim de facilitar<br />

o trânsito de pedestres e veículos. Esse projeto está agora em vias de<br />

ser transformado em realidade. É assim que os serviços de movimento de terra<br />

e de pedras foi já iniciado [..:] (12/4/1931)<br />

CINE CASSINO<br />

Domingo, Uma Pequena das Minhas, com Clara Bow. Brevemente, Ramon<br />

Novarro em Horas Proibidas. (12/4/1931)<br />

CEMITÉRIO<br />

O prefeito municipal [...]. Considerando que a higiene pública é fator preponderante<br />

de salubridade urbana [...I- considerando que os cadáveres apesar<br />

do maior respeito que lhes tributamos são os dejetos da vida que constituem<br />

incômodo e perigo para os vivos [...]; considerando-se que Ourinhos tem o<br />

seu velho “campo santo” no centro do povoado bairro e que ele já não comporta<br />

mais enterramentos; considerando que a Câmara Municipal, por seu<br />

prefeito em exercício; no ano de 1930 mandou murar [...] uma determinada<br />

área destinada à nova acrópole; resolve: 1) Interditar a velha necrópole, sita à<br />

avenida Jacintho Sá [...]; 2) Fica aberto [...] o novo cemitério que se denominará<br />

da Saudade [...]. (26/4/1931)<br />

BURRO<br />

Edital n° 3: O prefeito municipal [...] torna público que há cerca de um ano<br />

foi encontrado um burro de cor douradilha vagando pelas ruas, sendo recolhido<br />

ao depósito municipal, onde vem sendo tratado. Como não tinha sido<br />

reclamado pelo legítimo dono e para que ninguém alegue ignorância [...]<br />

dou-lhe o prazo de quinze dias para fazê-lo, uma vez paga a multa e despesa<br />

do trato. Findo este prazo, será vendido em hasta pública de acordo com o<br />

Código de Posturas Municipais. Ourinhos, 24 de abril de 1931. Dr. Theodureto<br />

Ferreira Gomes, prefeito municipal. (26/4/1931)<br />

BANDA MUNICIPAL<br />

Está em organização a Banda Municipal, graças à dedicação do sr. Américo<br />

de Carvalho [...]. Dentro em breve teremos o prazer de apreciar atraentes retretas<br />

no nosso coreto. (26/4/1931)<br />

EXTERNATO RUY BARBOSA<br />

Resultado do segundo exame bimensal de março e abril: 1° lugar, João Neves,<br />

com 100 pontos; 2°, Agripino Braz, com 91 pontos; 3º, Orlando Vendramini,<br />

com 87 pontos; 4°, José Neves Neto, com 78 pontos; 5°, Sérvulo<br />

Machado, com 78 pontos; 6°, Orlando Rodrigues, com 68 pontos; 7°, José<br />

Vita, com 65 pontos; 8°, Henrique Migliari, com 59 pontos; 9°, Jamil Neder,<br />

com 52 pontos; 10º, Otávio Christoni, com 49 pontos; 11°, José Robles, com


240<br />

47 pontos [...]. (24/5/1931)<br />

(O autor pede licença para dizer que o 1° colocado, João Neves, é seu pai e o<br />

4º, seu tio Juca.)<br />

CINE CASSINO<br />

Os frequentadores [...] terão hoje ocasião de apreciar a poderosa produção<br />

russa tão discutida no mundo inteiro e que tem por título O Encouraçado Potemkin.<br />

O frequentado cinema da rua São Paulo por certo terá hoje uma casa<br />

à cunha [...]. (24/5/1931)<br />

POLÍCIA LOCAL<br />

Dia 18, Noêmia Fernandes, preta, meretriz, foi detida por ter praticado escândalo<br />

na praça Mello Peixoto [...] achando-se alcoolizada. (21/6/1931)<br />

(A pobre Noêmia voltou ao noticiário sete dias mais tarde, “detida por embriagada”.)<br />

CORONEL VICENTE AMARAL<br />

Conforme noticiamos em nosso último número, realizou-se sábado, no amplo<br />

salão do Hotel Internacional [...] o sarau dançante que a fina flor da sociedade<br />

ourinhense ofereceu em homenagem à distintíssima família Amaral, que<br />

em breve deixará esta cidade para fixar residência em Sorocaba. (12/7/1931)<br />

NOVAS CONSTRUÇÕES<br />

Os srs. Miguel Cury e João Fiorillo, tendo adquirido do Banco Commércio e<br />

Indústria o terreno sito à esquina da praça Mello Peixoto e rua São Paulo,<br />

vão proceder à construção imediata de dois ótimos prédios [...]. (9/8/1931)<br />

(Miguel Cury construiu uma agência Chevrolet com uma elegância jamais<br />

igualada no comércio de automóveis; João Fiorillo abriu a Joalheria Fiorillo,<br />

a mais bonita casa do ramo da história ourinhense. Estabelecimentos que<br />

dominaram a praça por mais de trinta anos. No local hoje está o Bradesco.)<br />

LUZ NA VILA NOVA<br />

Foi inaugurada no domingo último a instalação de luz elétrica na Vila Nova,<br />

fato este ocorrido com a presença do dr. Theodureto Ferreira Gomes, prefeito<br />

municipal [...]. (16/8/1931)<br />

IMPORTANTE DONATIVO<br />

A Sociedade Cooperativa Japonesa, cuja diretoria é composta pelos srs. Kuchi<br />

Tashiro, Juwakura Jimmusulke, Kanichi Suyama e Rinkuro Suzuki, fez à<br />

Caixa Escolar de Ourinhos o donativo de 153$000, num gesto digno dos nossos<br />

melhores aplausos. (23/8/1931)<br />

REMODELAÇÃO URBANA<br />

[...] o sr. Souza Soutello, proprietário de várias casas de tábua no ponto mais<br />

central, a praça Mello Peixoto, está estudando a demolição das mesmas,


241<br />

substituindo-as por elegantes construções de tijolos. Dado o espírito progressista<br />

do adiantado proprietário, que residiu por longos anos nesta localidade,<br />

e do entusiasmo crescente que o mesmo dedica ao futuro deste município, é<br />

de crer-se que este projeto se transforme em realidade [...]. (4/10/1931)<br />

EDITAL<br />

O cidadão Antônio Montesano, delegado de polícia em exercício [...], faz saber<br />

a quem possa interessar que de ora em diante fica expressamente proibida<br />

a perambulação de leprosos pelas ruas desta cidade, mendigando esmolas,<br />

assim como também ao levantamento de suas barracas nas fontes de água até<br />

três quilômetros de distância [...] sob pena de serem capturados e remetidos<br />

para o asilo de Santo Ângelo ou outros congêneres [...]. (15/11/1931)<br />

EDITAL<br />

O cidadão Antônio Montesano faz saber [...] de hoje em diante as pessoas<br />

mendigas e pobres deste município. só podem perambular pelas ruas [...] esmolando<br />

aos sábados e domingos, e isso mesmo mediante atestado de indigência<br />

passado ou visado pelas autoridades, sob pena de serem presos e conduzidos<br />

à delegacia de polícia [...]. (29/11/1931)<br />

(Os dois editais são perfeitas demonstrações da mentalidade autoritária para a<br />

qual a questão social era um caso de polícia. Ao mesmo tempo, é o retrato<br />

das carências sociais e sanitárias numa cidade nova. Quanto ao delegado,<br />

descobriu-se mais tarde não ser tão “cidadão” como se autoproclamava. Um<br />

inquérito da própria polícia concluiu estar ele comprometido com uma quadrilha<br />

de ladrões e assassinos que atuava na região, a do Pedro Calabrês e João<br />

Borges.)<br />

ALVORADA<br />

Em 1º de março de 1932, aparecerá nesta cidade a revista ilustrada e literária<br />

Alvorada, sob a direção do sr. Vicente Marques. (29/11/1931) (A revista não<br />

passou do primeiro número. Foi impressa em São Paulo e tinha boa qualidade<br />

gráfica. Hoje é uma raridade em poder de algumas famílias.)<br />

VIADUTO ENTRE AS RUAS PARANÁ E ALAGOAS<br />

Ourinhos, 2 de dezembro de 1931. Exmo. sr. dr. Gaspar Ricardo Júnior, Mui<br />

Digno Diretor da Importante Via Férrea Sorocabana.<br />

Ourinhos, por seus elementos mais representativos, autoridades, membros<br />

das classes dos proprietários, comerciantes, lavradores, profissionais, vem<br />

respeitosamente por este meio submeter à mui distinta apreciação de V. Excia.<br />

o seguinte: [...] Trata-se da construção de um viaduto que ligará as ruas<br />

Paraná e Alagoas passando sobre as linhas da estrada que V. Excia. transformou<br />

em um modelo [...]. Esta cidade é cortada por ela, dividindo-a em<br />

duas partes iguais pelo seu valor comercial e tamanho. Assim separadas elas<br />

têm apenas duas passagens, uma a da avenida Dr. Altino Arantes e outra a da<br />

rua Piauí. Essas comunicações se acham frequentemente interrompidas pelos


242<br />

numerosos comboios de carga e por um sem-número de manobras que, dia e<br />

noite, realizam no mesmo acanhado pátio duas estradas de ferro, sendo uma a<br />

São Paulo-Paraná e a outra a que V. Excia. dirige. [...] Reunidos em torno<br />

deste apelo, os que subscrevem renovam [...] os seus mais vivos agradecimentos<br />

[...] certos de que [...] encontrarão apoio para alcançarem a imediata<br />

realização desta obra [...] exigida pelo [...] progresso que conduz Ourinhos à<br />

conquista do merecido título de “Joia da Sorocabana”. Prefeitura municipal<br />

de Ourinhos, em 2 de dezembro de 1931. Dr. Theodureto Ferreira Gomes,<br />

prefeito municipal; Joaquim Pedroso, escrivão de paz; Luiz Lanzoni, coletor<br />

estadual e juiz de paz; Narciso Nicolosi Filho, 3º juiz de paz; Aureliano Fernandes,<br />

pela firma Arthur Lundgren & Cia. Ltda.; Álvaro Rolim, coletor federal;<br />

dr. Ferreira e Sá, médico; padre Victor Moreno, vigário; Manoel de<br />

Souza Soutello, proprietário; Antônio e Tufy Zaki, comerciantes; Abuassali<br />

Abujamra, comerciante; Donato Sassi, subgerente do Banco Francês e Italiano;<br />

Francisco Coccapieller, gerente do Banco Comercial; Graciano Racanello,<br />

comerciante [...]. (3/1/1932)<br />

CINEMA FALADO<br />

A Empresa Cinematográfica de Ourinhos Ltda. comunica-nos a reabertura<br />

por estes dias do Cine Cassino com instalações novas e potentes aparelhos<br />

para filmes sonoros, falados e sincronizados. A empresa está em negociações<br />

para a estreia ser feita com o grandioso filme Nada de Novo no Front Ocidental.<br />

(17/1/1932)<br />

CENTRO TELEFÔNICO<br />

Gentilmente convidados pelo sr. Joaquim Monteiro Júnior, fizemos uma visita<br />

ao centro telefônico da Companhia Telefônica Brasileira, recentemente<br />

instalado na rua Paraná, junto à Casa Edmundo. Ficou agora [...] um centro<br />

de acordo com o progresso de nossa cidade [...]. Esperamos que depois do<br />

melhoramento [...] a companhia resolva melhorar as suas linhas com os municípios<br />

vizinhos, pois que são bem defeituosas e difíceis as ligações. [...] Ficou<br />

encarregada da estação de Ourinhos a senhorita Antônia de Souza.<br />

(24/1/1932)<br />

CINE CASSINO<br />

O Anjo Azul, com Emil Jannings. Falado. (7/2/1932)<br />

(O anúncio “esquece” de Marlene Dietrich, razão do sucesso do filme.)<br />

FUTEBOL – C. A. OURINHENSE<br />

Inauguração do novo estádio. O dia 5 amanheceu enfarruscado, como que<br />

desejando impedir que se realizassem [...] os festejos da inauguração do Estádio<br />

Ourinhense. Felizmente o sol apareceu [...]. Às 14 horas foram iniciadas<br />

as solenidades. O revmo. padre Victor Moreno [...] abriu as solenidades<br />

dando a sua bênção ao novo campo, sendo a madrinha a senhorita Anita Mori.<br />

Logo depois, o sr. Ítalo Ferrari [...] entusiasta presidente do C. A. Ouri-


243<br />

nhense deu a palavra ao [...] padre Victor Moreno [...]. Seguiram-se os discursos<br />

das madrinhas dos quadros ourinhenses. Falou primeiro a senhorita<br />

Maria Cury, madrinha do segundo quadro [...]. Em seguida falou a senhorita<br />

Oslávia Braz, madrinha do primeiro quadro [...]. Por último falou a senhorita<br />

Alba Ferrari [...]. A seguir foram batidas diversas chapas fotográficas.<br />

(12/6/1932)<br />

EDITAL Nº 2<br />

O cidadão Benedito Martins de Camargo, prefeito municipal [...] faz saber<br />

[...] que fica expressamente proibida a permanência de animais cavalares,<br />

muares, vacuns, caprinos, ovinos ou caninos soltos ou vagando pelas ruas e<br />

praças da cidade, bem como em terras ou lavouras alheias, sem consentimento<br />

dos seus proprietários [...]. Os animais apreendidos nessas condições ficarão<br />

sujeitos às penas da lei [...]. (22/10/1933)<br />

AVISO<br />

Aviso aos interessados que, devido à seca, desta data em diante não se aluga<br />

mais pasto para animais, salvo quando os proprietários sejam viajantes. Outrossim,<br />

comunico que os animais encontrados em terreno de minha propriedade<br />

serão apreendidos e recolhidos ao depósito municipal. Ourinhos, 21 de<br />

outubro de 1933. Domingos Perino. (22/10/1933)<br />

FUTEBOL<br />

A. A. Santacruzense versus C. A. Ourinhense: No gramado do Ourinhense<br />

encontrar-se-ão hoje à tarde, em jogo amistoso, os fortes quadros acima. [...]<br />

o alvirrubro local terá mais um osso duro para roer [...] e terá de empenhar-se<br />

a fundo [...] para ver se consegue tirar a “urucubaca” que vimos [...] em seus<br />

últimos jogos.<br />

Ipauçu F. Clube versus E. C. Operário: Após vários dias de repouso, o glorioso<br />

veterano campeão local reiniciará as suas atividades [...] enfrentando [...]<br />

o conhecido Ipauçu Futebol Clube [...]. (22/10/1933)<br />

CINE CASSINO<br />

Sombras da Lei, com o querido astro William Powell. (22/10/1933)<br />

GUARANÁ BRASIL<br />

Recebemos do sr. Assad Abujamra uma dúzia do apreciado e saboroso Guaraná<br />

Brasil. Produto fabricado esmeradamente [...] dia a dia se impõe ao consumo<br />

público [...]. Ao Assad, nossos agradecimentos. (29/10/1933)<br />

FUTEBOL – E. C. OPERÁRIO<br />

Hoje a comitiva do Esporte Clube Operário segue para Assis a fim de jogar<br />

com o [...] São Paulo Esporte Clube, que acaba de ser fundado naquela cidade<br />

[...]. (29/10/1933)


244<br />

FALECIMENTOS<br />

[...] faleceu repentinamente [...] o velho Emiliano, empregado da prefeitura<br />

local, que contava com a avançada idade de 118 anos. (24/12/1933)<br />

CINE CASSINO<br />

Caminho do Inferno, com o querido astro Lew Ayres. No dia 1º do ano será<br />

passado [...] o filme Madame Prefeito, em que trabalham os [...] artistas Marie<br />

Dressler e Polly Moran. (31/12/1933)<br />

BAILES<br />

Para comemorar a passagem do ano, a diretoria do grêmio recreativo local<br />

oferecerá em seu salão, aos seus sócios, um baile que promete grande animação.<br />

(31/12/1933)


245<br />

(1934-1950)<br />

BANDA MUNICIPAL<br />

Folgamos de ver a corporação musical reencetar novamente nas tardes domingueiras<br />

as retratas que tão salutar efeito produzem nas almas líricas da<br />

mocidade local. A passagem do ano foi festejada no coreto pela afinada Banda<br />

Municipal. (9/1/1934)<br />

FALECIMENTO<br />

Com 55 anos de idade, faleceu [...] o estimado cidadão Odilon Chaves do<br />

Carmo, que por longos anos residiu neste município, onde por diversas vezes<br />

exerceu as funções de vereador municipal. Era casado com dona Izaura de<br />

Amorico do Carmo e irmão dos srs. Cincinato Cândido do Carmo, fazendeiro<br />

residente em Manduri, e Francisco de Moura Carmo. Nossos pêsames à família<br />

enlutada. (25/2/1934)<br />

MERETRÍCIO<br />

Esteve em nossa redação [...] o dr. Ruy Coelho de Alverca [...] delegado de<br />

polícia. [...] comunicou-nos que, como medida preventiva e acauteladora do<br />

sossego público, havia tornado a resolução de fazer habitar os recantos afastados<br />

da cidade as meretrizes que até há pouco viviam por aí, entremeadas<br />

com famílias. (4/3/1934)<br />

PREFEITURA MUNICIPAL<br />

Mudou-se para o sobrado fronteiriço à nova Casa de Saúde a Prefeitura Municipal.<br />

(11/3/1934)


246<br />

RECONSTRUIR A PONTE<br />

Para São Paulo seguiu [...] uma comissão da Associação Comercial de Ourinhos,<br />

composta dos srs. Rodopiano Leonis, Miguel Cury, Pedro Médici e<br />

Álvaro de Queiroz Marques, que foi pleitear [...] a reconstrução da ponte<br />

Mello Peixoto sobre o rio Paranapanema, que, felizmente, teve solução imediata.<br />

Apresentada pelo dr. Abreu Sodré, deputado à Constituinte, foi aquela<br />

comissão recebida pelo sr. Interventor Federal em audiência à qual estiveram<br />

presentes [...] os prefeitos de Ourinhos, Palmital, Assis e Cerqueira César.<br />

“Vou mandar reconstruir a ponte”, palavras do sr. dr. Armando de Salles<br />

Oliveira à comissão. (10/6/1934)<br />

(A ponte de madeira sobre o Paranapanema fora destruída durante as revoluções<br />

de 1930 e 1932. Dias depois da visita da delegação ourinhense, o interventor<br />

do Paraná, Manoel Ribas, telegrafou a Armando de Salles “solicitando<br />

seus bons ofícios” no sentido de ser reconstruída o mais breve possível, com<br />

a cooperação do Paraná, a ponte Mello Peixoto. A nova ponte, de concreto,<br />

seria inaugurada em 1937.)<br />

DIRETÓRIO POLÍTICO<br />

O Correio Paulistano, órgão do PRP, publicou o Diretório e o Conselho<br />

Consultivo local perrepista, que é composto dos srs. Antônio Leite, presidente;<br />

coronel Pedro Marques de Leão; Horácio Soares; Benício do Espírito<br />

Santo; Júlio Mori; José Felipe do Amaral; Joaquim Cintra Sobrinho; dona<br />

Ananisa Amaral Brito; Miguel Cury; Henrique Tocalino; Olavo Ferreira de<br />

Sã; Antônio da Silva Nogueira; Carlos Amaral; bem como o respectivo Conselho<br />

Consultivo, composto dos srs. Álvaro de Queiroz Marques; Manoel<br />

Alves de Brito; Domingos Garcia; Adriano José Braz; Alberto Grillo; Narciso<br />

Migliari; Rodrigo José da Costa; Francisco Vara; Antônio Fernandes Grillo;<br />

Abuassali Abujamra; Ângelo Beltrami; Joaquim Luiz da Costa; Ângelo<br />

Bolsonaro; José de Freitas; Joaquim Bernardes Pereira; Manoel Teixeira;<br />

Domingos Perino; Henrique Pontara; Antônio Correa de Souza; Valeriano<br />

Marcante; Vicente Piccione e Joaquim Barba. (23/9/1934)<br />

A VOZ DO POVO<br />

Só circulou em 1935 a partir do mês de maio. Na edição de 18/5/1935, a coluna<br />

“Sociais” dedicou algum espaço à minha família: Em Avaré, consorciaram-se<br />

o sr. João Neves, do comércio local, com a senhorita Henriqueta Vieira<br />

(meus pais). Testemunharam o ato civil, por parte do noivo, o sr. Emílio<br />

Leão. Enfermos: O sr. José das Neves Júnior (meu avô), fazendeiro no município.<br />

VILA NOVA<br />

Por que o sr. prefeito não presta um pouquinho da sua atenção para o bairro<br />

da Vila Nova, providenciando [...] uma roçada em regra [...] naquela pradaria<br />

de capim amargoso [...]? (1/7/1935)


247<br />

SYLVANO CHIARADIA<br />

Completou mais um ano de sua preciosa existência [...] o sr. Sylvano Chiaradia,<br />

competente gerente do Banco Francês e Italiano desta cidade.<br />

(15/6/1935)<br />

ÁGUA E DIFICULDADE<br />

Em Ourinhos, não obstante a deficiência com que a prefeitura faz o serviço<br />

de água, não é permitida a construção de cisternas em determinados pontos<br />

da cidade, sob a alegação pueril de que o uso deste meio [...] é uma modalidade<br />

muito antiquada. E se é assim, o que faz o sr. prefeito dos cobres da<br />

prefeitura que não emprega no melhoramento do serviço? [...] E por que não<br />

estende os encanamentos além do viaduto da rua Nove de Julho, onde, se há<br />

algum [...], é particular? (29/6/1935)<br />

PREFEITURA MUNICIPAL DE OURINHOS (Benedito Camargo, prefeito)<br />

Relatório do 1º semestre de 1935. Obras públicas: Além do trabalho de conservação<br />

das ruas e estradas do município [...] reparos [...] em parte da estrada<br />

que liga este aos municípios de Salto Grande e São Pedro do Turvo; [...]<br />

construída uma ponte sobre a Água da Veada em substituição à antiga ali<br />

existente. Melhoramentos públicos: A obra urgente e em via de realização é<br />

o matadouro municipal [...] localizado à margem esquerda da estrada de Salto<br />

Grande [...] Prédio escolar: Foi construído na Vila Margarida, em terreno<br />

doado pelo sr, Ângelo Christoni [...] um prédio destinado ao funcionamento<br />

de uma escola mista primária, criada pelo estado, na qual funcionará também<br />

uma escola noturna para adultos, criada por esta municipalidade. Compra e<br />

desapropriação: Foram adquiridos durante o semestre: do sr. Bonfiglio Mecchi<br />

[,,,] um terreno medindo 15 metros de frente por 35 metros de fundos,<br />

com uma casa de tábua, coberta de telhas, situado na rua Nove de Julho, 602,<br />

necessário para o prosseguimento da rua Rio de Janeiro, ligando aquela rua à<br />

São Paulo; do sr. Valeriano Marcante [..,] foi igualmente comprado um terreno<br />

necessário ao aumento do cemitério [..,] (a) Benedito Martins de Camargo<br />

prefeito municipal. (20/7/1935)<br />

FALECIMENTO<br />

Depois de uma longa enfermidade, faleceu no dia 15 o sr. Henrique Migliari,<br />

com a idade de 64 anos, natural de Salerno, Itália, tendo vindo de Cravinhos<br />

para esta em 1910. Iniciando aqui uma pequena oficina de ferreiro, foi pouco<br />

a pouco engrandecendo, contando hoje para mais de trinta operários sob a direção<br />

de seu filho Narciso Migliari, Deixa viúva a sra. Emma Migliari e diversos<br />

filhos. Seu enterro realizou-se à tarde, tendo grande acompanhamento<br />

por ser um dos mais velhos moradores daqui e benquisto por todos os seus<br />

amigos, onde deixa muitas saudades. Nossos pêsames. (29/9/1935)<br />

(Henrique Migliari nasceu em Rovigo, não em Salerno.)


248<br />

ESCOLA NIPO-BRASILEIRA<br />

Realizou-se no dia 11, na rua Maranhão, a inauguração do prédio onde funcionará<br />

a escola nipo-brasileira primária de Ourinhos.. (15/2/1936)<br />

RESULTADO DAS ELEIÇÕES<br />

Candidatos a vereador que foram eleitos: Partido Constitucionalista: Benedito<br />

Martins de Camargo, 191 votos; Rodopiano Leonis Pereira, 77; Vasco<br />

Fernandes, 43; Olavo Ferreira e Sá, 35; Antônio Carlos Mori, 35; Benedito<br />

Monteiro, 34. Partido Republicano Paulista: Carlos Augusto do Amaral, 136<br />

votos; Narciso Nicolosi Filho, 51; Álvaro de Queiroz Marques, 32.<br />

(4/4/1936)<br />

(Nesta eleição, o dentista José Felipe do Amaral, que durante anos fora um<br />

político influente, vereador em várias legislaturas e que ocupou a prefeitura<br />

por três vezes, não teve sorte. O dr. Zequinha, como era conhecido, obteve<br />

apenas cinco votos.)<br />

UMA VISITA HONROSA<br />

[...] chegou a esta cidade, procedente de São Paulo, o sr. conde Francisco<br />

Matarazzo [...]. À chegada do comboio receberam ao caravanista na gare da<br />

Sorocabana vultos de prestígio em nossos meios industriais [...] O sr. conde<br />

fez várias visitas aos nossos principais estabelecimentos industriais [...]. O<br />

nosso repórter [...] seguiu para a ponte Mello Peixoto, onde já se achavam<br />

[...] o sr. conde Matarazzo [...] srs. Rodopiano Leonis, Ítalo Ferrari, Álvaro<br />

de Queiroz Marques, Pedro Médici, Domingos Lourenço e José das Neves.<br />

[...] Terminada a visita, todos regressaram a esta cidade, tendo o sr. conde<br />

Matarazzo seguido no misto 8 do mesmo dia para Presidente Prudente [...].<br />

(23/5/1936)<br />

RAPIDEZ E CONFORTO<br />

[...] um possante e confortável V-8 de propriedade do sr. João Musa, com capacidade<br />

para 25 passageiros, abrirá a linha de jardineiras Ourinhos-<br />

Cambará-Ingá-Bandeirantes-Cornélio Procópio [...]. Oportunamente daremos<br />

mais detalhes dessa arrojada iniciativa [...] do nosso amigo João Musa.<br />

(27/6/1936)<br />

(O comerciante João Musa passou à história da cidade com a vila que leva<br />

seu nome.)<br />

A POSSE DA CÂMARA<br />

Afinal, a 24 do corrente, se fará, em Ourinhos, a posse da Câmara Municipal.<br />

Conforme determina a legislação [...] logo após a posse dos vereadores, que<br />

será dada pelo [...] juiz da comarca de Salto Grande, haverá a eleição para<br />

prefeito e presidente da Câmara. (18/7/1936)<br />

8 Comboio de trem, composto por vagões de carga e de passageiros.


249<br />

PRIMEIRA SESSÃO DA CÂMARA<br />

Realizou-se, dia 24, a primeira sessão da Câmara [...] sob a presidência do sr.<br />

Rodopiano Leonis Pereira [...]. Tendo renunciado o vereador Benedito Martins<br />

de Camargo, por ter sido eleito prefeito, foi empossado o [...] suplente<br />

João Duarte de Medeiros. No mesmo ato tomou posse também o vereador<br />

Antônio Carlos Mori [...]. (1/8/1936)<br />

FALECIMENTO<br />

Na avançada idade de 80 anos, faleceu a 6 do corrente o sr. coronel Pedro<br />

Marques de Leão, natural da Bahia, tendo aqui fixado residência em 1919,<br />

deixando viúva a sra. dona Maria José Seixas e numerosa prole. Seu sepultamento<br />

deu-se na tarde de segunda-feira, tendo sido grandemente concorrido,<br />

por ser muito benquisto nesta. Hoje, na Igreja Matriz, foi mandada celebrar<br />

missa de sétimo dia [...]. (12/9/1936)<br />

(Pedro Marques de Leão, avô materno do dr. Hermelino, foi dirigente do<br />

PRP. Residia numa chácara com vistosos pés de tâmara. No local está hoje o<br />

Centro de Saúde Dr. Hermelino de Leão, na rua Venceslau Braz.)<br />

TIRAGEM<br />

Façam os seus reclames em A Voz do Povo – jornal de grande circulação na<br />

Alta Sorocabana e Norte do Paraná. Tiragem: 600 exemplares. (3/10/1936)<br />

SOCIAIS<br />

Realiza-se amanhã o enlace da srta. Ana Abujamra, filha da sia. d. Bárbara<br />

Abujamra, com o sr. Tuffy Abujamra, filho do sr. Calil Abujamra. Ao jovem<br />

par, A Voz do Povo apresenta os mais sinceros votos de felicidades.<br />

(25/6/1938)<br />

NOVO PREFEITO<br />

Empossou-se [...] no cargo de prefeito municipal, o sr. Horácio Soares [...].<br />

Grande número de pessoas esteve apresentando cumprimentos ao novo governador.<br />

(9/7/1938)<br />

(O jornal sempre noticia a nomeação dos prefeitos sem maiores explicações<br />

sobre as circunstâncias da escolha. No caso, Horácio Soares era correligionário<br />

do então interventor Adhemar de Barros.)<br />

MONSENHOR CÓRDOVA<br />

Missa de aniversário. As associações religiosas de Ourinhos convidam [...]<br />

para [...] a missa de primeiro aniversário da morte do saudoso e sempre lembrado<br />

monsenhor Antônio Córdova [...]. (16/7/1938)<br />

(O anúncio da missa é uma das raras notícias sobre o monsenhor Córdova<br />

que, embora tenha sido um sacerdote conhecido e estimado, não aparece nos<br />

jornais do período. Nenhum deles esclarece o motivo de sua morte, que repercutiu<br />

na comunidade a ponto de se batizar uma rua com o seu nome.)


250<br />

AV. DR. ALTINO ARANTES<br />

Acham-se em vias de conclusão os trabalhos de prolongamento daquela artéria<br />

urbana [...] que estão sendo executados às expensas dos proprietários da<br />

florescente Vila Emília, localizada nas suas imediações. (13/8/1938)<br />

À PRAÇA<br />

Vicente Amaral, proprietário da Casa Edmundo, comunica a esta e demais<br />

praças que [...] transferiu para o sr: Otávio S. Rollim [...] o estoque de sua casa<br />

comercial, sita nesta praça [...]. Ourinhos, 10 de agosto de 1938. (a) Vicente<br />

Amaral. (20/8/1938)<br />

(Vicente Amaral – também conhecido como coronel Vicente – mudou-se para<br />

Sorocaba depois de ter sido, durante anos, um dos mais fortes comerciantes<br />

da cidade, com o seu estabelecimento dominando a praça, na esquina das<br />

ruas Paraná e São Paulo. Exerceu também influência como uma das lideranças<br />

do PRP. Seu filho Carlos continuaria no comércio e na política.)<br />

PROFESSOR JOSÉ AUGUSTO<br />

Deu-nos o prazer de sua visita o [...] professor José Augusto de Oliveira, residente<br />

em Cravinhos, e que pretende transferir residência para esta cidade<br />

[...] declarou-nos [...] que está empenhando [...] esforços no sentido de dotar<br />

a nossa terra de um [...] estabelecimento de ensino ginasial, oficializado pelo<br />

governo federal [...]. (27/8/1938)<br />

(O professor José Augusto criou o ginásio, estabelecimento particular que<br />

mais tarde passaria à rede oficial com o nome de Horácio Soares. O professor<br />

mudou-se para Osasco, SP.)<br />

CLÍNICA DR. OVÍDIO PORTUGAL<br />

Constituiu notável acontecimento na vida da cidade a inauguração<br />

(20/12/1938) do modelar estabelecimento de clínica de olhos, ouvidos, nariz<br />

e garganta [...]. À tarde realizou-se a cerimônia de inauguração. [...] Aos presentes<br />

foi servida farta mesa de doces e bebidas [...]. (24/12/1938)<br />

OPERÁRIO<br />

Na sede social da estimada agremiação [...] teve lugar a eleição da nova diretoria<br />

que deverá dirigir os destinos do valoroso clube alvinegro no período de<br />

1939-40 [...]. Presidente, Manoel Sanches; vice-presidente, Abrahão Abunasser;<br />

1º secretário, Altamiro Pinheiro; 2º secretário, Vicente R. Netto; 3º secretário,<br />

Sylvio Campos; 1º tesoureiro, Moacyr de Mello Sá; 2º tesoureiro,<br />

Manoel Mano; 3º tesoureiro, Antônio Augusto; orador oficial, professor Oswaldo<br />

Portella; diretor geral, Leontino Ferreira; comissão de sindicância,<br />

Castorino Ferraz, Roberto Bassi, João Rocha, Olympio Tupiná, Horácio Soares,<br />

Mário Branco e Otávio Ferreira; conselho fiscal, Carlos Rodrigues, Domingos<br />

Garcia, Antônio J. Ferreira, Cassiano T. Mello, Pedro Faccini e O.<br />

Bonomo [...]. (14/1/1939)


251<br />

FOTO VICTÓRIA<br />

Frederico Hahn, técnico alemão. Rua Nove de Julho, 490 [...]. Alfaiataria<br />

Sossega Leão, de Benedito Alves. Rua Paraná, 297. Em frente à Casa Paulistana.<br />

(14/1/1939)<br />

BAR CENTRAL,<br />

De Farid Nicolau. Praça dr. Mello Peixoto, 115 [...] este conhecido ponto de<br />

reunião da elite ourinhense vem de ampliar as suas seções de bar e sorveteria,<br />

com [...] uma bem montada seção de restaurante [...]. (21/1/1939)<br />

CAFÉ DE COADOR,<br />

Feito na hora, aroma insuperável [...]. Frutas estrangeiras [peras, maçãs,<br />

uvas]. Bar e Café Paulista. (11/2/1939)<br />

GINÁSIO DE OURINHOS<br />

Está fixada para as 16h30 de amanhã (26/2/1939), à rua 2, a cerimônia de<br />

lançamento da pedra fundamental do Ginásio de Ourinhos [...]. (25/2/1939)<br />

CINE CASSINO<br />

O Cantor dos Prados, com Gene Autry (matinée); à noite, Três Moças Sabidas,<br />

com Jimmy Durante e Alice Faye; terça-feira, Músculos de Aço, com<br />

Buck Jones. (28/10/1939)<br />

BENEDITO MARTINS DE CAMARGO<br />

Tendo enfermado subitamente, quinta-feira última, submeteu-se ontem na<br />

Casa de Saúde Dr. Hermelino de Leão a uma operação de apendicite o estimável<br />

cavalheiro sr. Benedito Martins de Camargo [...]. Fazemos votos pelo<br />

seu pronto restabelecimento. (4/11/1939)<br />

(O jornal não menciona a condição de ex-prefeito de Benedito Martins de<br />

Camargo, que faleceu dias depois.)<br />

BAR CENTRAL<br />

Inaugurou-se [...] na praça da Bandeira, 173 [...] o conhecido e popular Bar<br />

Central, de propriedade da firma Nicolau e Abuhamad. Depois de ter passado<br />

por uma reforma [...] acaba de possuir um novo sortimento [...] um completo<br />

maquinismo para café, três mesas de snooker e um bem organizado estúdio<br />

com três alto-falantes. (30/12/1939)<br />

(Trata-se da reinauguração do mesmo estabelecimento com algumas reformas.<br />

Para a cidade será sempre o Bar Central. Os mais antigos também se referem<br />

a ele como o Bar do Farid, referência ao fundador, Farid Nicolau. A<br />

praça da Bandeira é a Mello Peixoto em uma de suas duas fugazes mudanças<br />

de nome.)


252<br />

SANTA CASA<br />

É a seguinte a relação das pessoas que constituem a comissão organizadora<br />

da Santa Casa de Ourinhos: presidentes, coronel Antônio Leite, dr. Sylvio<br />

Cardoso Rollim, dr. Wallace Morton, dr. Hermelino de Leão. Membrosreligião:<br />

revmo. cônego Miguel dos Reis, revmo. Francisco Gonçalves Nocelli.<br />

Médicos: dr. Octacílio de Camargo Penteado, dr. Franklin, dr. Alfredo<br />

de Almeida Bessa, dr. Ovídio Portugal de Souza, dr. Diógenes Ribeiro, dr.<br />

Mário Silva, dr. Francisco Tavares, dr. Ernani Fonseca. Farmacêuticos: Álvaro<br />

de Queiroz Marques, Alberto Braz, Cícero Marques, José Arruda Silveira.<br />

Lavoura: Álvaro Ferreira de Moraes, Olavo Ferreira e Sá, Horácio Soares,<br />

Joaquim Cintra Sobrinho, João Bolsonaro, Benício do Espírito Santo, Silas<br />

Sá, Adriano José Braz, Manoel Rodrigues Martins, Ângelo Christoni, José P.<br />

Fenley, Manuel Vieira, José Agostinho, Augusto Teshima, Antônio Correa<br />

de Souza, Janduyr Perino, Rubens de Moraes, Marcelino P. Leite, Eurico<br />

Amaral Santos, Cooperativa Agrícola Sobra, Manoel de Souza Soutello.<br />

Comércio: Pedro Médici, Otávio Rollim, Narciso Nicolosi, Miguel Cury, Archipo<br />

Matachana, Salim Abujamra, Torotaro Toni, Pascoal (Abuassali) Abujamra,<br />

Alberto Grillo, Vasco Fernandes Grillo, Antônio Fernandes Grillo,<br />

Edison Leonis, Antônio Joaquim Ferreira, Joaquim Luiz da Costa, Carlos<br />

Amaral, Rinkuro Suzuki, Alcides Salgueiro, Francisco Vara, Farid Nicolau,<br />

Tertuliano Vieira da Silva, Abílio Salomão, Telésporo Tupiná, José de Freitas,<br />

José Beltrami, Antônio Ferreira Dias, Antônio Zaki, José da Cruz Thomé,<br />

Graciano Racanello, Pedro Mattar, Raul Silva, Euclides Ramalho, João<br />

Batista Fiorillo, João de Ia Torre, Domingos Garcia, Carlos Rodrigues, Ched<br />

Jorge, Oswaldo Bonomo, Arcesp (Associação dos Representantes Comerciais<br />

do Estado de São Paulo). Indústria: Rodopiano Leonis Pereira, Francisco<br />

Pinheiro da Silva, Aguinaldo Silva, Luiz Conceição, Júlio Mori, Narciso Migliari,<br />

Augusto Alonso, José Maria Teixeira Ramos, Mansur Abunasser, José<br />

Duarte de Medeiros, Nicolino Isso, Manuel Teixeira, Adolpho Alonso. Bancos:<br />

Silvano Chiaradia, Emílio Exel, Oswaldo Marques, Fugio Tachibana,<br />

Carlos Mazza, Altamiro Pinheiro, Felipe Colono, Bráulio Tocalino. Engenheiros<br />

e construtores: dr. James Lister Adamson, dr. Ezelino Zorio, dr.<br />

Alastair T. Munro, dr. Christiano Machado, Ernesto Pedroso, Arthur Reis,<br />

Henrique Tocalino e Tito Prado. Advogados: drs. Luiz Sylos de Noronha,<br />

Nicolau Mário Cenrola, Júlio dos Santos, João Batista de Medeiros, Mário<br />

Pacheco e Chaves, João Bento da Silva Neto, Lucas Serra Filho, Adindo Figueiredo,<br />

Oswaldo Raposo de Almeida. Professores: José Augusto de Oliveira,<br />

Lamartine Moraes Rosa, José Maria Paschoalick, Constantino Molina<br />

e José G. Gomes de Matos. Funcionários públicos: Joaquim Pedroso, Marcos<br />

Trench, Cândido Barbosa Filho, Abrão Abujamra, Dorival Gama, João<br />

Fonseca Negrão, João Gonçalves. Dentistas: José Felipe do Amaral, José<br />

Garcia de Oliveira, José Arruda Meyer e Antônio Luiz da Costa. Ferroviários:<br />

Hermínio Socci, Manoel Sanches, Benedicto Monteiro, Ormuz Pereira<br />

Cordeiro, Carlos Deviene, Orivaldo dos Santos, Theobaldo Costa, Antônio<br />

Lopes. Imprensa: Joaquim de Azevedo.


253<br />

Quanto à comissão diretora para gerir os destinos da Santa Casa, é a seguinte:<br />

presidente, Hermelino de Leão; vice-presidente, Hernani Fonseca; 1º secretário,<br />

Francisco Pinheiro da Silva; 2º secretário, Álvaro de Queiroz Marques;<br />

1º tesoureiro, Rodopiano Leonis Pereira; 2º tesoureiro, Hermínio Socci.<br />

Conselho consultivo: dr. Sylvio Cardoso Rollim, dr. Wallace Morton, Horácio<br />

Soares, Olavo Ferreira e Sá, Pedro Médici, Henrique Tocalino. Comissão<br />

técnica: dr. Hermelino de Leão, dr. Octacílio de Camargo Penteado, dr.<br />

Franklin Correa, dr. Alfredo de Almeida Bessa, dr. Ovídio Portugal de Souza,<br />

dr. Diógenes Ribeiro, dr. Mário Silva, dr. Francisco Tavares, dr. Ernani<br />

Fonseca. (11/1/1941)<br />

ÁGUA SUJA<br />

Há mais de uma semana que a população de Ourinhos vem se privando ou<br />

bebendo água suja [...] O líquido [...] em Ourinhos, simplesmente detestável,<br />

há dias que jorra das torneiras lamacento. [...] Outra oportunidade, portanto,<br />

para [...] o sr: Horácio Soares [...] pleitear junto aos poderes competentes do<br />

estado um remédio à precária situação em face da qual se encontra [...] o<br />

nosso povo enquanto a reforma do serviço de abastecimento [...] não for levada<br />

a efeito. A atual rede é deficiente e a água, péssima. (1/2/1941)<br />

PADRE EDUARDO<br />

Assumiu recentemente os destinos espirituais desta paróquia, em substituição<br />

ao cônego Miguel dos Reis Mello, o padre Eduardo Murante, sacerdote [...]<br />

procedente da localidade de Ingá [...]. (23/3/1941)<br />

(O padre Eduardo foi um dos mais benquistos sacerdotes católicos da história<br />

ourinhense. Conversador e informal, usava óculos de desenho antigo. Frequentemente<br />

era visto à direção de sua pequena e velha caminhonete transportando<br />

material de construção para a nova matriz e doações dos paroquianos.<br />

Nasceu em Pariquera-Açu, no Vale do Ribeira, em 18 de julho de 1908.<br />

Estava com 33 anos incompletos quando assumiu a paróquia de Ourinhos. O<br />

padre Eduardo em certa altura da vida tornou-se frequentador do Bar do Daniel,<br />

o que lhe trouxe problemas com a hierarquia da Igreja, mas não o diminuiu<br />

na simpatia dos ourinhenses. Passou seus últimos dias no Asilo São Vicente<br />

de Paula, onde faleceu, em 1983, aos 75 anos.)<br />

COLHEDORES DE CAFÉ<br />

Na Fazenda Lageadinho precisam-se de várias famílias de colhedores, pagando-se<br />

bom ordenado. Safra abundante. (10/5/1941)<br />

CINE CASSINO<br />

Amanhã à noite, Tarzan, o Filho das Selvas, com Johnny Weismuller; quinta-feira,<br />

Nelson Eddy e Jeannete MacDonald, em Primavera. (10/5/1941)<br />

A QUEM DE DIREITO<br />

Quem [...] transitar pela avenida Altino Arantes, no trecho compreendido en-


254<br />

tre a prefeitura e a Vila Emília, logo que escurece ficará surpreendido em ver<br />

que o referido trecho fica encoberto [...] uma negra penumbra. [...] Porque o<br />

nosso serviço de iluminação pública, além de ser horrível, é deficientíssimo.<br />

[...] Quem quiser autenticar a veracidade do exposto é só esperar anoitecer e<br />

lançar um olhar em torno de si ou reconhecer um vulto a seis metros de distância.<br />

Aí fica a quem de direito. (17/5/1941)<br />

CINE CASSINO<br />

Rafles, uma gigantesca produção de enredo policial, com David Niven e Olivia<br />

de Havilland. (24/5/1941)<br />

ECOS DO INCÊNDIO<br />

Ainda continua no cartaz das palestras [...] o grande incêndio que destruiu<br />

parte do prédio da máquina de beneficiar algodão da firma Anderson Clayton<br />

& Cia., sita à rua Piauí [...]. É que o espetáculo inédito e desolador [...] causou<br />

profunda impressão, pois que as chamas clareando a cidade reduziam a<br />

escombros parte do edifício [...]. (31/5/1941)<br />

DR. HERMELINO<br />

Por decreto de 30 de outubro, o interventor (Fernando Costa) nomeou o dr.<br />

Hermelino de Leão [...] para exercer o cargo de prefeito municipal, uma vez<br />

que exonerou-se [...] o sr. Horácio Soares. Pela manhã do dia 4 deste, chegou<br />

à cidade o novo prefeito, o qual regressara de São Paulo, onde fora prestar o<br />

devido compromisso. Aguardavam-no [...] na estação local inúmeras pessoas<br />

da nossa cidade. [...] Em nome do povo falou o dr. João Bento [...] saudando<br />

o novo chefe do executivo local. A ginasiana Alzira Matachana também saudou<br />

o dr. Hermelino em nome dos estudantes da cidade [...]. Às 14 horas [...]<br />

realizou-se a solenidade da posse [...]. Em nome dos presentes, falou o dr.<br />

Alfredo Bessa [...]. (8/11/1941)<br />

NOVA MATRIZ<br />

O padre Eduardo Murante, vigário de nossa paróquia [...] convida a todos os<br />

cidadãos católicos de Ourinhos para comparecerem amanhã, dia 25, às 13<br />

horas, no grêmio recreativo local a fim [...] de escolherem uma comissão a<br />

qual se incumbirá da construção da nova matriz de Ourinhos.<br />

(24/6/1943)<br />

VILA ODILON<br />

No dia 25 de julho [...] inaugurou-se na Vila Odilon, arrabalde que fica distante<br />

do centro de Ourinhos um quilômetro mais ou menos, a luz elétrica. [...]<br />

Este foi um grande melhoramento para aquele populoso bairro, o qual dia a<br />

dia vem progredindo [...]. (14/8/1943)<br />

KAREKIN ERZENIAN<br />

De São Paulo [...] regressou [...] o estimado cidadão Karekin Erzenian, pro-


255<br />

prietário da conhecida Casa Flor da Armênia. (14/8/1943)<br />

(O armênio Karekin, que tinha filhas bonitas e uma loja de tecidos na avenida<br />

Jacintho Sá, esquina da Gaspar Ricardo, era uma figura popular na cidade.<br />

Seu nome foi abrasileirado para Carequinha.)<br />

CINE CASSINO<br />

Amanhã, O Corcunda de Notre Dame, com Charles Laughton; quinta-feira,<br />

Os Irmãos Corsos, com Douglas Fairbanks Jr. (14/8/1943)<br />

BANDA MUNICIPAL<br />

Reorganizada pelo regente Américo de Carvalho e aproveitando o feriado de<br />

7 de setembro, foi inaugurada nesta cidade a nossa Banda de Música [...]. À<br />

tardinha, no coreto do jardim da praça Mello Peixoto, a afinada banda levou<br />

a efeito um bem organizado programa, o que bem demonstrou a competência<br />

do regente Américo de Carvalho e [...] dos seus músicos. (11/9/1943)<br />

BOAS FESTAS<br />

Casa Brasileira, de Arcanjo e Pontara, sita na rua Pedro de Toledo, 297; Casa<br />

Paramount, de Henrique Ostronoff, rua Antônio Prado, 114; Casa Matachana,<br />

rua Antônio Prado, 76; Salão São João, de João Montanari, avenida<br />

Jacintho Sá, 449; José Arruda Silveira, farmacêutico, proprietário da Farmácia<br />

Nossa Senhora Aparecida; José Braz & Cia., Farmácia São Geraldo, rua<br />

Paraná, 248; Casa São Luís, de Joaquim Luiz da Costa, avenida Jacintho Sá,<br />

465; Líder Hotel, de Antônio Zaki, rua Antônio Prado, 122, cumprimentam<br />

seus distintos e amáveis fregueses, desejando-lhes boas festas e feliz ano de<br />

1944. (31/12/1943)<br />

CINE CASSINO<br />

Hoje, Papai Vai Casar, com Adolph Menjou e Glória Swanson; quinta-feira,<br />

O Intrépido General Custer, com Errol Flynn e Olivia de Havilland.<br />

(8/1/1944)<br />

CÃES E MAIS CÃES<br />

Nossa Ourinhos novamente se encontra cheia de cães vadios pelas ruas. Já<br />

não basta a falta de água, já não é suficiente o pó terrível [...] Já não é o bastante<br />

a ventania infernal, que sopra sem cessar dia e noite, levando para os<br />

nossos lares a poeira e toda a imundície das ruas, ainda agora para nos atormentar<br />

e para escandalizar toda a cidade surge a cachorrada vadia [...]. chamamos<br />

pois a atenção de quem de direito [...]. (12/2/1944)<br />

DEVAGAR SE VAI AO LONGE<br />

Pouco a pouco Ourinhos vem sendo dotada de melhoramentos [...]. A Empresa<br />

Pedutti [...] em boa hora fez construir um moderníssimo cine-teatro na<br />

rua Nove de Julho. A prefeitura [...] mandou calçar o trecho da rua Nove de<br />

Julho e apedregulhar o trecho de rua em frente ao Bar Paulista. (3/6/1944)


256<br />

NOVA IGREJA<br />

De braços abertos, o nosso povo recebeu a visita pastoral de S. Excia., dom<br />

frei Luís Maria de Sant'Ana, bispo diocesano de Botucatu [...]. No dia 29,<br />

após missa campal S. Excia. procedeu à bênção da primeira pedra lançada na<br />

área do terreno onde será construída a nova matriz. Antes de iniciar a solenidade,<br />

o dr. Hermelíno de Leão, nosso digno prefeito municipal, proferiu uma<br />

bela oração [...]. (8/7/1944)<br />

ADAIL FARIA DA CUNHA<br />

Aos 10 dias do mês de outubro [...] em salão nobre do paço municipal, [...]<br />

compareceu o sr. Adail Faria da cunha, nomeado prefeito em comissão [...].<br />

Declarada aberta a sessão pelo exmo. sr. Hermelíno Agnes de Leão, fazendo<br />

uso da palavra, transmitindo o cargo ao sr. Adail Faria da cunha, dizendo ter<br />

imensa satisfação de passá-lo ao referido senhor [...] capaz de fazer uma boa<br />

administração. (14/10/1944)<br />

(O dr. Hermelíno licenciou-se por quatro meses. Desde o primeiro prefeito,<br />

Eduardo Salgueiro, até a década de 50, eram comuns as licenças prolongadas<br />

dos prefeitos. A imprensa da época jamais especifica o motivo.)<br />

ANIMAIS NA CIDADE<br />

O prefeito municipal [...] faz saber que ficam intimados os srs. proprietários<br />

que possuem em seus quintais cocheiras, estábulos, criações de suínos, caprinos<br />

e quaisquer outros animais [...] a providenciarem a remoção dos mesmos<br />

do perímetro urbano da cidade [...]. (2/12/1944)<br />

BOAS FESTAS – 1944-45<br />

Francisco Pessoa Amorico, proprietário da Casa Paris, o palácio encantado<br />

das boas joias, praça Mello Peixoto; Ítalo Ferrari/Irmãos Ferrari, av. Jacintho<br />

Sá, 347; Padaria Oriente, de Argemiro Garcia; Manoel Pinchovsky, Casa de<br />

Móveis, avenida Jacintho Sá, 495; Casa Tanaka, avenida Jacintho Sá; Tone<br />

& Cia., rua Paraná, 548; Casa de Móveis, de Flory Macetti, rua Paraná, 514;<br />

Casa Chic, de João Simão Yared, rua Paraná, 408; Casa Paratodos, de Henrique<br />

Ostronoff, rua Antônio Prado, 114; Casa Freitas, de José de Freitas,<br />

rua Amazonas, 459; Casa Carlos, de Carlos Amaral, avenida Jacintho Sá,<br />

522; Tertuliano Vieira da Silva & Filho, Empório Santo Antônio; Casa Tupiná,<br />

de Telésforo Tupiná, rua Amazonas, 171. (23/12/1944)<br />

CINE OURINHOS<br />

Segunda-feira, Libertad Lamarque em Como É Triste Recordar; quarta-feira,<br />

Astro do Tango, com Hugo <strong>Del</strong> Carrill; sexta-feira, A Sombra dos Acusados,<br />

com William Powell e Myrna Loy. (6/1/1945)<br />

DR. HERMELINO REASSUME<br />

Após [...] uma licença de quatro meses, retornou ontem ao [...] cargo o sr. dr.<br />

Hermelino Agnes de Leão, prefeito municipal de Ourinhos. O cargo lhe foi


257<br />

transmitido pelo sr. Adail Faria da Cunha, tesoureiro da prefeitura que [...]<br />

exerceu (...] o cargo em comissão. (10/3/1945)<br />

EM LICENÇA<br />

Em [...] licença viajou para Nova Esplanada, Minas Gerais, o sr. João Flausino<br />

Gonçalves, correspondente das Folhas 9 e secretário do Centro de Saúde<br />

local. (24/3/1945)<br />

BAR BRISOLA<br />

Aguardem para breve a abertura [...] à rua São Paulo, 226 (...] do Bar, Café e<br />

Restaurante Brisola, aparelhado para bem servir [...] doces e salgados para<br />

festas, batizados e casamentos. Telefone 169. (14/4/1945)<br />

A DERROTA DA ALEMANHA<br />

Na segunda-feira, 7, com a notícia pelo rádio da rendição incondicional da<br />

Alemanha, o comércio cerrou as portas às 14 horas e o juiz suspendeu o expediente<br />

forense. Durante toda a tarde desse dia, centenas e centenas de<br />

bombas e rojões espoucaram [...]. À noite, no coreto da praça Mello Peixoto,<br />

realizou-se mais um entusiástico comício. Neste falaram o dr. Hermelino de<br />

Leão [...]. Na terça-feira, feriado nacional (Dia da Vitória), realizou-se solenemente<br />

o enterro de Hitler (...]. (12/4/1945)<br />

CINE OURINHOS<br />

Quinta-feira, Rosa da Esperança, com Greer Garson e Walter Pidgeon.<br />

(12/4/1945)<br />

GESTÃO DO DR. HERMELINO – QUARTO ANO<br />

Foi há quatro anos [...] no dia 4 de novembro de 1941, que em boa hora o<br />

ilustre interventor federal, dr. Fernando Costa, entregou a direção do Executivo<br />

municipal de Ourinhos ao dr. Hermelino de Leão [...]. No terceiro ano<br />

do seu governo o dr. Hermelino [...] conseguiu do [...] dr. Fernando Costa um<br />

empréstimo de Cr$ 2.300.000,00 10 para a execução dos importantes serviços<br />

de abastecimento de água e canalização de esgotos. Dentro de alguns dias o<br />

novo serviço de abastecimento de água será inaugurado e em breve a rede de<br />

esgotos será concluída. Durante a sua gestão o nosso prefeito conseguiu para<br />

Ourinhos os seguintes melhoramentos [...]: criação do segundo grupo escolar;<br />

serviço de abastecimento de água; aeroporto [...] que já está sendo construído<br />

numa área de 100 alqueires de terras desapropriadas [...]; rede de esgoto<br />

já iniciada; desapropriação de áreas destinadas às seguintes obras: nova<br />

matriz; aeroporto; serviço de abastecimento de água; cadeia pública e paço<br />

municipal [...] o dr. Hermelino já abriu concorrência pública para a execução<br />

9 O vespertino Folha da Noite surgiu em 1921, seguida, em 1925, pela edição matutina,<br />

Folha da Manhã; daí ser “correspondente das Folhas”.<br />

10 O real (plural reis) havia deixado de circular em 30 de outubro de 1942.


do serviço de calçamento das ruas da cidade [...]. (3/11/1945)<br />

258<br />

RENUNCIOU AO PODER<br />

Por imposição de um grupo de generais, na manhã de 30 de outubro próximo<br />

passado, renunciou à Presidência da República o sr. Getúlio Vargas, que durante<br />

quinze anos vinha dirigindo os destinos da nação [...]. Até que se realize<br />

a eleição para o cargo de presidente da República, ocupará a Presidência o<br />

sr. José Linhares. DD. presidente do Supremo Tribunal Federal. (3/11/1945)<br />

(É tudo que o jornal achou que deveria dizer sobre a queda de Getúlio e o fim<br />

do Estado Novo. A notícia enxuta, destituída dos habituais adjetivos que cercavam<br />

as autoridades, saiu na última página. A primeira, foi dedicada ao balanço<br />

da gestão do dr. Hermelino de Leão.)<br />

AO ELEITORADO<br />

O diretório do Partido Social Democrático desta cidade [...] tem o prazer de<br />

convidar o eleitorado [...] para [...] sufragar [...] o nome do eminente general<br />

Eurico Gaspar Dutra [...]. (a) Antônio de Almeida Leite, dr. Hermelino de<br />

Leão, Alberto Braz, Benício do Espírito Santo, Marcos Trench, Carlos Deviene,<br />

dr. Lino Tucunduva, Bráulio Tocalino, Oriente Mori, Leontino Ferreira<br />

de Campos, João Duarte Medeiros. (24/11/1945)<br />

NOVO PREFEITO<br />

Exonerou-se da prefeitura municipal [...] o dr. Hermelino de Leão. Para substituir<br />

o prefeito foi nomeado o sr. Mário de Campos Pacheco, elemento de<br />

grande destaque social, que deverá tomar posse na próxima segunda-feira.<br />

(1/12/1945)<br />

(Mário de Campos Pacheco era inspetor do Departamento de Municipalidades.<br />

Até a sua chegada para assumir o cargo, a administração local foi assegurada<br />

durante alguns dias pelo juiz de direito da comarca, Antônio da Rocha<br />

Paes.)<br />

ELEIÇÕES<br />

Em Ourinhos as eleições foram realizadas em um ambiente de absoluta calma<br />

[...] chegando-se aos seguintes resultados: general Eurico Gaspar Dutra,<br />

1866 votos; brigadeiro Eduardo Gomes, 774 votos; Yedo Fiuza, 108; Rollim<br />

Telles, 4. Comparecimento, 2810 eleitores. Votos anulados, 58. (8/12/1945)<br />

CINE OURINHOS<br />

Berlim na Batucada, filme nacional com Francisco Alves e Procópio Ferreira;<br />

domingo, Modelos, com Rita Hayworth. (5/1/1946)<br />

DR. JÚLIO DOS SANTOS<br />

De Jaboticabal, onde esteve em gozo de férias com sua excelentíssima família,<br />

regressou esta semana o dr. Júlio dos Santos, advogado nesta comarca e<br />

nosso distinto colaborador. (2/2/1946).


259<br />

NOVO PREFEITO<br />

Em data de 20 do corrente, o sr. Mário de Campos Pacheco solicitou a sua<br />

demissão do cargo de prefeito municipal de Ourinhos. Em substituição [...]<br />

foi nomeado o sr. Alberto Braz, secretário do diretório local do Partido Social<br />

Democrático. (26/3/1946)<br />

(Entre a nomeação e a posse de Alberto Braz, o expediente da prefeitura foi<br />

assegurado pelo seu contador Olympio Tupiná.)<br />

SANTA CASA<br />

Domingo, dia 21, no pátio interno da Santa Casa, realizaram-se as solenidades<br />

do lançamento dos dois novos pavilhões do hospital [...]. Inicialmente foi<br />

celebrada missa campal [...]. Procedeu-se a seguir [...] assentamento da primeira<br />

pedra pelo dr. Antônio da Rocha Paes, juiz de direito; srs. Alberto<br />

Braz, prefeito municipal; Cândido Barbosa Filho, presidente da Santa Casa;<br />

padre Eduardo Murante, vigário da paróquia [...]. O sr. Antônio Luiz Ferreira<br />

[...] interpretando [...] os sentimentos da diretoria, dirigiu-se a todos, procedendo<br />

um histórico fiel daquele estabelecimento, louvando o nome de seus<br />

benfeitores. (27/4/1946)<br />

UNIÃO DEMOCRÁTICA NACIONAL<br />

O diretório municipal de Ourinhos [...] tem o prazer de colocar-se à disposição<br />

de seus amigos e correligionários [...] em sua sede provisória, à rua Cardoso<br />

Ribeiro, 555: Reynaldo Alves de Souza, presidente; Telésforo Tupiná,<br />

secretário geral; João E. Ribeiro Júnior, 1º secretário; Duílio Sândano, 2º secretário;<br />

dr. Paulo R. Moraes, 1º tesoureiro; Alfredo Deviene, 2º tesoureiro;<br />

Horácio Soares; dr. Ovídio P. Souza; Jacintho F. Sá; Joaquim L. Camargo<br />

Júnior; Pedro Feres Mattar; dr. Francisco C. Carvalho. (11/5/1946)<br />

AEROCLUBE<br />

Fundado em 1942 [...] o Aeroclube de Ourinhos, em sua fase inicial, em plena<br />

guerra, não escapou às dificuldades [...]. Quando as iniciativas são meritórias<br />

[...] os ourinhenses jamais decepcionaram [...]. São os seguintes os integrantes<br />

da primeira turma de brevetados do A. C. de Ourinhos: Onofre<br />

Menck, Sebastião Jorge Morais, Francisco José Bellinatti, Dante Pasqualeto,<br />

Edgard Athayde Cavalcanti, Reinaldo Brandimarti e José Santos Soares [...].<br />

(11/5/1946)<br />

ORLANDO CHIARADIA<br />

Em Botucatu, onde se encontrava em tratamento, faleceu na madrugada do<br />

dia 13 o sr. Orlando Chiaradia, comerciante nesta cidade e aqui domiciliado.<br />

O extinto era irmão do sr. Silvano Chiaradia, proprietário da Indústria Gráfica<br />

Chiaradia. O saudoso extinto deixa viúva a sra. dona Tereza Chiaradia e<br />

os seguintes filhos: Mariinha, Clóvis e Ana Lúcia. À família enlutada as<br />

condolências sentidas desta folha. (17/8/1946)<br />

(Orlando Chiaradia, esportista conhecido na cidade, foi dirigente do velho


260<br />

Esporte Clube Operário. Seu filho, o médico Clovis Chiaradia foi Prefeito de<br />

Ourinhos, 1989-1992.)<br />

VILA PERINO<br />

Aguardem por estes dias a venda de terrenos e lotes na Vila Perino, continuação<br />

das ruas Pará, Amazonas e avenida Jacintho Sá, otimamente localizados<br />

e ligados ao centro comercial [...]. Informações com Santo Perino, à avenida<br />

Dr. Altino Arantes, 74, telefone 66. (28/9/1946)<br />

FAZENDA LAGEADINHO<br />

[...] de propriedade do coronel António Almeida Leite comemorou num ambiente<br />

festivo [...] o término da sua colheita de café [...]. Abateu três gordas<br />

reses e distribuiu a carne [...] entre as famílias de colonos. À noite, nos salões<br />

de festa do clube da fazenda, fez [...] um animado baile [...] foi feita uma distribuição<br />

de prêmios aos colonos que mais se distinguiram nos trabalhos da<br />

colheita.<br />

CHURRASCO<br />

Comemorando o feliz término do campeonato de futebol local, a diretoria do<br />

Esporte Clube Olímpico ofereceu aos seus jogadores, associados e simpatizantes,<br />

um apetitoso churrasco no belo eucaliptal da Fazenda Bom Jesus, da<br />

família Perino [...]. (16/11/1946)<br />

SILAS FERREIRA DE SÁ<br />

[...] Faleceu, em sua mansão da rua dos Expedicionários, o sr. Silas Ferreira<br />

de Sá, proprietário e lavrador, membro da tradicional família Ferreira e Sá.<br />

[...] O passamento do sr. Silas consternou toda Ourinhos [...]. O saudoso extinto<br />

era filho do coronel Jacintho Ferreira e Sá [...]. (16/11/1946)<br />

MISSA DE NATAL<br />

O nosso querido vigário padre Eduardo Murante está tomando providências<br />

para celebrar a santa missa da noite de Natal na nova matriz, ainda em construção.<br />

Se não houver mau tempo [...] será mesmo dentro das muralhas da<br />

nova matriz a [...] solenidade religiosa. (24/12/1946)<br />

MÁRIO CINTRA LEITE<br />

Indicado por este município e por outros da média Sorocabana [...] foi o nome<br />

do sr. Mário Cintra Leite escolhido para a chapa de deputados estaduais<br />

pelo PSD. De parabéns estará Ourinhos sufragando o nome [...] de quem<br />

passou aqui a sua meninice [...] onde viveu dias alegres de sua juventude [...].<br />

(24/12/1946)<br />

(Mário Cintra Leite, filho do coronel Antônio Almeida Leite, da Fazenda<br />

Lageadinho, representou uma das primeiras tentativas ourinhenses de eleger<br />

um deputado. Não foi possível. Nesta eleição, Adhemar de Barros, depois de<br />

ter sido interventor, elegeu-se governador.)


261<br />

RESULTADO ELEITORAL<br />

Para deputado estadual, Mário Cintra Leite, 596 votos; dr. João Bento Vieira<br />

da Silva Neto, 174; Christiano Costa Júnior, 76.<br />

NOVO PREFEITO<br />

Por decreto do novo governador constitucional [...] foi nomeado prefeito<br />

municipal de Ourinhos o sr. Adail Faria da Cunha, que já tomou posse [...]<br />

no Departamento das Municipalidades [...]. (22/3/1947)<br />

PRAÇA CAMARGO<br />

A prefeitura [...] acaba de enviar à comissão de assuntos municipais da Câmara<br />

um projeto [...] com o seguinte teor: “Fica denominada praça Prefeito<br />

Camargo a praça [...] conhecida sob a designação de praça da Nova Matriz<br />

[...]. O sr. Benedito Camargo residiu em Ourinhos desde 1923 [...]. Em 1932,<br />

como soldado constitucionalista, teve oportunidade de demonstrar seu devotamento<br />

[...] à causa do governo de Ourinhos. No ano de 1933 foi nomeado<br />

prefeito pelo então chefe do executivo estadual Armando de Salles Oliveira,<br />

ocupando este cargo até 1936. Neste mesmo ano foi eleito vereador [...] tendo<br />

sido, em seguida, eleito prefeito constitucional, exercendo esta função até<br />

[...] 1937. Dentre os empreendimentos [...] na administração [...] Benedito<br />

Martins de Camargo [...] encontram-se o grupo escolar, a ponte Mello Peixoto,<br />

o matadouro municipal, o jardim público e vários quilômetros de estrada<br />

de rodagem”. (4/10/1947)<br />

(O prefeito Benedito Martins de Camargo faleceu em Ourinhos, em 1939. A<br />

família está hoje radicada em São Paulo e se dedica ao ramo imobiliário.<br />

Seus filhos construíram o edifício Ourinhos na Praia Grande, São Vicente.)<br />

A VONTADE DO POVO<br />

Está eleito e proclamado o respeitável cidadão professor Cândido Barbosa<br />

Filho, prefeito municipal de Ourinhos [...]. Terão assento na Câmara Municipal<br />

[...] os seguintes vereadores: PSP-UDN – Joaquim Lino de Camargo, 140<br />

votos; doutor João Bento Vieira da Silva Neto, 137; Altamiro Pinheiro, 124;<br />

Horário Soares, 89; Telésforo Tupiná, 76; Moacyr de Mello Sá, 61; Benedito<br />

Monteiro, 60; Raul Silva, 53. PSD-PRP – Domingos Camerlingo Caló, 142;<br />

Alberico Albano, 81; Alberto Braz, 80. PTN – Francisco Christoni, 80; João<br />

Batista Lopes, 59. (22/11/1947)<br />

(Disputaram com o professor Cândido Barbosa Filho o ex-prefeito José Esteves<br />

Mano Filho, Tito Prado e Antônio Luiz Ferreira, que se elegeria em<br />

1960.)<br />

SEMINÁRIO<br />

O dia 6 de janeiro de 1948 [...] assinala o lançamento das pedras fundamentais<br />

de dois grandes educandários. [...] Às 10h30, no alto da cidade, à rua Dr.<br />

Arlindo Luz [...] as Irmãzinhas da Imaculada Conceição fizeram realizar a<br />

solenidade da bênção da pedra fundamental do Colégio Santo Antônio, cujo


262<br />

ato foi celebrado por S. Excia. dom Antônio José dos Santos, bispo de Assis.<br />

[...] Às 16h30, nos altos da Vila Perino, tiveram início as festividades comemorativas<br />

[...] da pedra fundamental do Seminário Josefino Nossa Senhora<br />

de Guadalupe, de propriedade da Congregação dos Oblatos de São José [...].<br />

Ocupando o microfone a pedido dos padres josefinos, o sr. Antônio Luiz Ferreira<br />

deu início às festividades anunciando que dom Geraldo de Proença Sigaud,<br />

bispo de Jacarezinho, celebraria a bênção da pedra fundamental [...].<br />

(10/1/1948)<br />

RÁDIO DE OURINHOS<br />

Por ato do [...] ministro da Viação [...] foi autorizada a montagem [...] de<br />

uma estação radiodifusora em Ourinhos [...] iniciativa de um punhado de ourinhenses<br />

progressistas capitaneados pelo sr. Celestino Bório Júnior. Dentro<br />

em breve teremos a voz de Ourinhos falando às localidades vizinhas [...].<br />

(3/4/1948)<br />

COLÔNIA JAPONESA<br />

Constituiu um movimento de larga repercussão [...] o belo festival artístico<br />

levado a efeito [...] pela colônia nipônica local [...] na praça Mello Peixoto,<br />

em benefício das obras da nova matriz. [...] O sr. Rinkuro Suzuki [...] fez a<br />

entrega da importância de Cr$ 14.389,50, produto da renda do referido festival.<br />

(17/4/1948)<br />

VICENTE CELESTINO<br />

Cine Ourinhos, quinta-feira, dia 6. No palco. Em um único espetáculo.<br />

(1/5/1948)<br />

VIRGÍNIA RAMALHO<br />

Por decreto [...] o governo do estado houve por bem dar o nome de Virgínia<br />

Ramalho ao segundo grupo escolar desta cidade. É uma homenagem [...]<br />

prestada àquela saudosa educadora falecida nesta cidade, dia 1º de julho de<br />

1947. Era [...] natural de Piraju, onde nasceu aos 28 de abril de 1903. Era casada<br />

com o sr. Álvaro Franco de Camargo Aranha, proprietário da Farmácia<br />

Nossa Senhora das Graças, e vereador à Câmara Municipal. (22/5/1948)<br />

PILOTOS CIVIS<br />

Perante a banca examinadora da Diretoria de Aeronáutica civil [...] está sendo<br />

submetida a exame para brevê a segunda turma de pilotos civis preparada<br />

pelo Aeroclube de Ourinhos [...] sendo licenciados os seguintes alunos: Assad<br />

Abujamra (Tufizinho da Caprichosa), Afro Machado, Benjamim Oliveira,<br />

Constantino Fernandes, Demerval Ferreira da Silva, Genésio Benedito<br />

Cavezzale, José Augusto Ramos, João Brandimarte, Lúcio Souza Filho, Lino<br />

Ferrari, Otávio Emídio Faria, Philemon de Melo Sá, Rolando J. Santoro e<br />

Sadao Suzuki [...]. (21/8/1948)


O CALÇAMENTO DA CIDADE<br />

Perante enorme assistência foi assinado [...] o<br />

contrato para a pavimentação de 60 000m2 de<br />

vias públicas com a firma Luiz Bicudo Júnior,<br />

de Itu. Os serviços serão atacados dentro de dez<br />

dias [...]. A satisfação da população de Ourinhos<br />

confiante na ação [...] do sr. professor<br />

Cândido Barbosa Filho, prefeito municipal. O<br />

governo do estado concede frete livre na Sorocabana<br />

para o material de calçamento [...].<br />

(21/8/1948)<br />

Cândido Barbosa Filho<br />

(1948-1951)<br />

263<br />

EMISSORA DE OURINHOS<br />

Inaugura-se hoje [...] a nossa estação radiodifusora Rádio Clube de Ourinhos<br />

Ltda., com o prefixo ZYS-7 [...] cognominada Rainha do Vale do Paranapanema,<br />

e sem dúvida a emissora do coração do nosso povo [...]. Rendemos<br />

aqui o nosso preito de admiração [...] aos devotados e dignos ourinhenses srs.<br />

Domingos Camerlingo Caló, Antônio Luiz Ferreira e Celestino Bório Júnior,<br />

que são os realizadores do empreendimento [...]. (20/11/1948).<br />

UM ASTRO NO CINE OURINHOS<br />

[...] uma noitada de humorismo do maior cômico do teatro nacional, Oscarito<br />

[...] que se faz acompanhar pela [...] atriz Margot Louro e os artistas Pedrinho<br />

e Lourdes de Almeida e o tenor Matos. (30/4/1949)<br />

MONSENHOR DAVID CORSO<br />

[...] Na cidade de Assis, cerrou os olhos o estimado sacerdote monsenhor<br />

David Corso [...] durante vários anos [...] vigário de Ourinhos [...] construiu a<br />

atual Igreja Matriz. [...] Desaparece o ilustre sacerdote aos 73 anos [...].<br />

(18/6/1949)<br />

FALECIMENTO<br />

[...] A sra. Margarida Sonigo, esposa do sr. Ângelo Christoni. A extinta, que<br />

desaparece aos 68 anos de idade, deixa os seguintes filhos: Francisco, Virgínia,<br />

Braz, Otávio e Maria Christoni [...]. (16/6/1949).<br />

(A atual Vila Margarida, um loteamento de Ângelo Christoni, recebeu esse<br />

nome em homenagem a dona Margarida Sonigo.)<br />

PROGRESSO DE OURINHOS<br />

[...] A primeira atividade industrial na cidade, pensamos nós, foi uma fábrica<br />

de macarrão há muito montada pelo sr. Rodopiano Leonis Pereira; que mais<br />

tarde foi vendida e levada para fora daqui [...] pouco antes, pouco depois [...]<br />

montou o finado Henrique Migliari a sua indústria [...] continuada pelos Irmãos<br />

Migliari. A fase industrial de Ourinhos, porém, começou verdadeiramente<br />

quando a S.A. Moinho Santista construiu o oleifício monumental pos-


264<br />

tado[...] à chegada dos trens. Ultimamente, novas grandes ou pequenas indústrias<br />

vieram iniciar suas atividades aqui. [...] O Pastifício Segalla [...]<br />

começou o seu trabalho [...]. A S.A. White Martins começou a fabricação de<br />

oxigênio [ ...]. A Malharia Ibaca, do sr. J. Ludovico Baisch, está confeccionando<br />

[...] peças de tecido [...], enquanto a firma Camargo Rodrigues & Cia.<br />

entra animadamente na fabricação de ladrilhos [...]. (17/9/1949)<br />

BAR PARATODOS<br />

Em seu novo ponto, na esquina da avenida Dr. Altino Arantes com a praça<br />

Mello Peixoto, acha-se instalado este tradicional estabelecimento [...]. O sr.<br />

Mário Ribeiro da Silva transformou o seu já muito bem montado bar e sorveteria<br />

de forma completa, dando-lhe novo aspecto [...]. Nossos parabéns e votos<br />

de prosperidade. (17/9/1949)<br />

(O Paratodos foi o último bar tradicional da praça. Resistiu até a década de<br />

80 à transformação do local, antes um centro de convivência e lazer, em um<br />

mero ponto de atividade bancária e comércio variado, sem nenhuma vida noturna.)<br />

CINE OURINHOS<br />

Amanhã, Amor de Encomenda, com Deanna Durbin; quinta-feira, O Último<br />

dos Moicanos, com Randolph Scott. (17/9/1949)<br />

CORONEL JOSÉ FELIPE DO AMARAL<br />

O passamento do coronel José Felipe do Amaral (28/11/1949), embora esperado<br />

há muito tempo, encheu de consternação a todos [...]. Nascido em Espírito<br />

Santo do Pinhal, bem moço ainda, mudou-se para Salto Grande, então<br />

sede da comarca. Em 1915, aproximadamente, transferiu-se para Ourinhos.<br />

Pela sua competência de cirurgião-dentista, bem como e principalmente pelo<br />

seu caráter muito nobre, se impôs à estima e admiração geral. Ocupou muitos<br />

cargos de relevo social e político. Vereador, prefeito municipal, delegado de<br />

polícia e juiz de paz, se notabilizou no exercício de todas essas funções. Faleceu<br />

aos 71 anos de idade [...] e deixa viúva a exma. sra. Laudelina do Amara].<br />

(3/12/1949)<br />

JARDIM DA PRAÇA<br />

Estão causando grande satisfação os melhoramentos em curso no único jardim<br />

de que dispõe a população [...]. Agora os passeios externos estão sendo<br />

calçados e provavelmente as ruas internas também. Além do calçamento, haverá<br />

reforma da iluminação [...]. Nossas sinceras felicitações ao professor<br />

Cândido Barbosa Filho, prefeito municipal, e seus colaboradores. (7/1/1950)<br />

BRIGADEIRO EDUARDO GOMES<br />

Comício relâmpago [...] na praça Mello Peixoto. [...] A massa popular mostrava-se<br />

ansiosa em conhecer a figura lendária de Eduardo Gomes, que, procedente<br />

de Piraju, dirigia-se para Ourinhos. [...] Ao tablado subiram os srs.


265<br />

Ovídio Portugal de Souza, vereadores Joaquim Lino Camargo Júnior, Telésforo<br />

Tupiná e o senhor Reinaldo Alves de Souza. [...] Tomando a palavra, o<br />

candidato a deputado Roberto Abreu Sodré fez a apresentação do brigadeiro<br />

Eduardo Gomes [...]. Falou a seguir o brigadeiro [...]. Seu discurso terminou<br />

em meio a aplausos. (12/8/1950)<br />

RESULTADO DAS ELEIÇÕES<br />

Presidente da República, Cristiano Machado, 253 votos; brigadeiro Eduardo<br />

Gomes, 1003; Getúlio Vargas, 1905; João Mangabeira, 3. Governador, Francisco<br />

Prestes Maia, 946 votos; Hugo Borghi, 456; Lucas Nogueira Garcez,<br />

1711. (14/10/1950)<br />

BENEDITO FERREIRA<br />

No dia 28/11/1950 entregou sua alma a Deus o benquisto cidadão e tradicional<br />

figura de nossa cidade, sr. Benedito Ferreira. Um dos mais antigos habitantes<br />

de Ourinhos [...]. Natural de São Roque [...] faleceu aos 83 anos [...].<br />

(2/12/1950)


PAISAGEM ANTIGA<br />

266<br />

Sobre a cidade concentro o olhar experimentado,<br />

esse agudo olhar afiado de quem é douto no assunto...<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

Grandes Armazéns Soutello, na esquina da rua São Paulo com a praça Mello Peixoto,<br />

a fotografia de 1917 é uma das mais antigas que se dispõe sobre a cidade;<br />

o proprietário, Manoel de Souza Soutello, aparece de terno, à esquerda<br />

Praça Mello Peixoto em 1922; no local da igreja, levantada<br />

pelo padre Davi Corso, foi construído o prédio da Telesp


267<br />

Inauguração do primeiro coreto da praça Mello Peixoto, em 7 de setembro de 1927;<br />

obra do prefeito José Galvão (o primeiro à direita, no alto),<br />

Sousa Soutello, na primeira fila, é o segundo da direita para a esquerda<br />

Avenida Altino Arantes; homenagem ao saudoso paulista de Batatais que, quando<br />

governador (1916-1920), assinou o decreto criando o município de Ourinhos


268


Rua Paraná a partir da praça Mello Peixoto: a cidade na fase<br />

pioneira, com bancos, comércio e ruas de terra com cavaleiros<br />

na paisagem (Foto: Francisco de Almeida Lopes, sem data)<br />

269


270<br />

Avenida Jacintho Sá, esquina da rua Antônio Prado;<br />

à esquerda, a casa comercial de Abuassali Abujamra<br />

Rua Paraná, na esquina da rua Cardoso Ribeiro;<br />

o edifício da Casa Chic ainda existe


271<br />

Casa Zanotto na praça Mello Peixoto, esquina da rua 9 de Julho com a avenida<br />

Altino Arantes; foi uma das principais casas comerciais da cidade<br />

Cine Cassino na primeira fase; o salão da rua São Paulo depois foi reformado<br />

e ganhou frisas; os músicos da foto acompanhavam os filmes mudos


272<br />

Avenida Rodrigues Alves, em 1941, no trecho dos<br />

escritórios da Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná<br />

Grupo escolar da rua Paraná, em 1940


273<br />

O prefeito Benedito Camargo inspeciona a construção do Grupo Escolar Jacintho Sá,<br />

na rua 9 de Julho; ao fundo, a torre da igreja matriz<br />

Reservatório de água da avenida Altino Arantes


274<br />

Balsa de Emílio Leão, que ligava Ourinhos ao Paraná quando a ponte de madeira sobre o<br />

Paranapanema estava danificada, foto de 1932; a ponte de concreto só foi construída em 1937<br />

A cidade rodeada de cafezais. Em primeiro plano, a rua Monsenhor Cordova, onde viveu<br />

o dr. Joao Bento; sua casa foi transformada na sede da Ordem dos Advogados


Foto: Beatriz Albuquerque<br />

275<br />

Ourinhos, em 1991;<br />

as terras planas da Fazenda das Furnas esperam o canavial, só um trecho<br />

de mata relembra o passado; onde tudo começou, não há mais café


Acervo: Benedito Pimentel<br />

276<br />

BARES DA CIDADE<br />

Durante anos, a praça Mello Peixoto foi o coração da cidade.<br />

E nela havia bares que todos frequentavam.<br />

Bar Internacional, inaugurado em 1931, por Francisco Mayoral, quando a rua 9 de Julho se<br />

chamava Minas Gerais; mais tarde, sob a direção de Mário Ribeiro, tornou-se o Bar Paratodos<br />

Bar Central em noite festiva; também conhecido como Bar do Farid,<br />

tinha bilhar e restaurante


277<br />

Café Paulista – símbolo de um período da vida ourinhenses entre os anos 1930 e 70. Parecia<br />

sempre aberto (o fazendeiro Rubem de Moraes está na foto rara do bar fechado)<br />

Os proprietários, irmãos João (abaixo) e Júlio Zaki (pág. seguinte)<br />

davam o toque de cordialidade ao lugar


278<br />

Júlio Zaki<br />

As irmãs Maria e Júlia Budai, no Café Paulista


curtaourinhos.blogspot.com<br />

279<br />

ÚLTIMA PÁGINA<br />

Última página, reservou-a <strong>Jefferson</strong> ao professor com quem travou<br />

os primeiros diálogos sobre história. Recebi com alegria o gesto de<br />

carinho.<br />

Veio-me à memória a ata de uma<br />

reunião do Grêmio Estudantil do<br />

Colégio Horácio Soares, 19h30, do dia 6<br />

de maio de 1959, quando o estudante<br />

<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong> Vieira Neves propôs<br />

enviar uma carta ao teatrólogo Paschoal<br />

Carlos Magno, solicitando envio de uma<br />

peça para o grupo de teatro estudantil<br />

que organizara.<br />

Escrevia, com pré-ciência, sua história. Terminou seus estudos<br />

secundários e partiu de Ourinhos. Em Paris, quando frequentava<br />

jornalismo na secular Sorbonne, várias vezes se encontrou com o<br />

inspirador de seu gosto pelo teatro.<br />

Ao documentar as memórias de Ourinhos, procurou justamente o<br />

homem, e não os frios manuscritos. Traçou biografias, colocou em<br />

confronto testemunhos pessoais, para abrir caminhos à crítica na<br />

historiografia ourinhense.<br />

Seu livro é um testemunho de sua competência como jornalista e<br />

de seu amor pela cidade em que nasceu.<br />

Norival Vieira da Silva 11<br />

11 Norival Vieira da Silva (1923-2015) foi um dos mais queridos professores de muitas gerações.<br />

Participou brevemente da política local como vice-prefeito de Antônio Luís Ferreira (1960-<br />

1963). Em seguida, preferiu seguir no magistério, tendo lecionado também em Jacarezinho, e a<br />

ser um dos cronistas da história e do cotidiano da cidade.


280<br />

ARQUIVOS OFICIAIS<br />

REFERÊNCIAS E FONTES<br />

Arquivo Histórico do Estado de São Paulo. Anuários da Assembleia Legislativa<br />

(1917-1918).<br />

Fepasa – Divisão de Documentação Técnica. Relatórios da Estrada de Ferro<br />

Sorocabana (1906-1910), histórico da ferrovia e de seus dirigentes.<br />

Arquivo do Fórum de Santa Cruz do Rio Pardo (SP). Processos, rol de culpados,<br />

atas do júri e outros documentos sobre fatos políticos ocorridos em Ourinhos<br />

(1919-1921).<br />

Câmara Municipal de Salto Grande (SP). Atas das reuniões de 1912 a 1919.<br />

Câmara Municipal de Ourinhos. Livro dos termos de posse da primeira<br />

administração (1919); Livro de atas da dissidência do Partido Republicano<br />

Paulista (autodenominada Partido Oposicionista); Atas da Câmara (1926-1930).<br />

SÃO PAULO (Município). Secretaria de Cultura. Cinema silencioso no acervo do<br />

AHSP: contribuição para a história da tecnologia de projeção da imagem em<br />

movimento. Informativo. Arquivo Histórico de São Paulo. Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 jul.<br />

2015<br />

JORNAIS<br />

Jornais paulistanos: O Combate, Diário Nacional, O Correio Paulistano e O Estado<br />

de S. Paulo.<br />

Jornais ourinhenses: A Cidade de Ourinhos (1926-1932) e A Voz do Povo (1927-<br />

1951).<br />

EMPRESAS OU ENTIDADES PRIVADAS<br />

Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Entrevista com o diretor Gastão de<br />

Mesquita Neto (filho dó construtor da ferrovia que liga Ourinhos a Cambará).<br />

CMNP. Depoimentos sobre a maior obra do gênero realizada por uma empresa<br />

privada. Obra comemorativa dos 50 anos da empresa. Londrina: CMNP, 24 set.<br />

1975.<br />

TESES E OUTROS ESTUDOS ACADÊMICOS<br />

Antônio dos Santos – pintor da capela-mor da Ordem Terceira do Carmo de Mogi<br />

das Cruzes (SP) – e o pagamento controverso, de Danielle Manoel dos Santos<br />

Pereira. Artigo apresentado no 9º Encontro de História da Arte, promovido pela<br />

Unicamp, em 2013. Disponível em: http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2013/<br />

Danielle Manoel dos Santos Pereira.pdf. Acesso em 16 maio 2015.


Poder local e representatividade político partidária no Vale do Paranapanema<br />

(1920-1930), de Arma Maria Martinez Corrêa. Tese apresentada ao Instituto de<br />

Letras, História e Psicologia de Assis, da Universidade Estadual Paulista, para o<br />

concurso de livre docência na disciplina de história da América do Departamento<br />

de História (1988).<br />

ESTUDOS, PESQUISAS OU MEMÓRIAS EDITADOS<br />

Jacarezinho, seus pioneiros, desbravadores e os que labutaram para o progresso<br />

desta terra, de Thomaz Aimone (1975, sem indicação de editora)<br />

Jacarezinho: Súmula Histórica, de Rodrigo Octávio Torres Pereira (sem indicação<br />

de data e editora).<br />

Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná (ou Contribuições históricas e<br />

geográficas para o dicionário do Paraná), do desembargador Hermelino Agostinho<br />

de Leão (Gráfica Paranaense, Curitiba, 1926).<br />

Minha vida e as lutas do meu tempo, de Elias Chaves Neto (Alfa-Ômega, São<br />

Paulo, 1978). O autor faz referências à família Pacheco e Chaves e relembra seu<br />

encontro, em Ourinhos, com o advogado João Bento Vieira da Silva Neto.<br />

Os grandes esquecidos de um Brasil verdadeiro, de Maria Pacheco e Chaves. Obra<br />

editada em 1970 pela “Liga independente pela liberdade”. A autora faz um<br />

histórico e a apologia da família Pacheco e Chaves.<br />

DOCUMENTOS AVULSOS<br />

LOPES, José Carlos Neves Lopes. Blog Memórias Ourinhenses. Disponível em:<br />

. Acesso em 16 mar. 2015.<br />

Material cedido por Rodopiano Leonis Pereira, Lauro Migliari, Clovis Chiaradia,<br />

Jacintho Ferreira e Sá, José Galvão Filho, Flávio D'Affonseca de Moraes, Wivaldo<br />

Malheiros, Jenny de Moraes Sá, família de Vicente Amaral, Maria Cristina S.<br />

Costa e Virgínia Castro Pinto Soutello. Não foi possível identificar os autores das<br />

fotos antigas usadas no livro.<br />

281<br />

Com escusas antecipadas por alguma omissão, o autor salienta o<br />

trabalho de precursores dos estudos históricos ourinhenses, como os professores<br />

Norival Vieira da Silva, Hélio Mano e Luciano Corrêa da Silva<br />

e o jornalista Benedito Pimentel. Uma nova geração de pesquisadores<br />

está em atividade. As professoras Antônia Fernanda Saraiva Romero e<br />

Rosemari Reginato de Moraes e seus alunos reuniram, por exemplo,<br />

valiosos depoimentos dos primeiros imigrantes japoneses estabelecidos<br />

em Ourinhos. É necessário ainda mencionar dois projetos desenvolvidos<br />

para o setor de história da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de<br />

Assis: Levantamento de fontes históricas do município de Ourinhos


282<br />

(1983), de Sibele Thereza Gama Simonette, e Levantamento de documentos<br />

históricos visuais de uma cidade do interior paulista – Ourinhos<br />

– 1900-1980, de Roberto Carlos Massei.<br />

Uma nova geração de pesquisadores e cronistas está em atividade.<br />

Depois que este livro foi lançado, em 1992, a história, fatos do cotidiano<br />

e a documentação fotográfica da cidade tiveram a contribuição dos seguintes<br />

autores: Norival Vieira da Silva (“Ourinhos em Crônicas”); Euclides<br />

Rossignoli (“Ourinhos – Histórias e Memórias”); Eitor Martins<br />

(“Minha vida, minha história” e “Minha vida, meus amigos, minha cidade”<br />

12 .)<br />

Com a Internet, surgiram blogs como o de José Carlos Neves Lopes<br />

13 e o de Wilson Monteiro 14 . José Carlos mantém ainda uma coluna<br />

semanal na Folha de Ourinhos desde 2001.<br />

12 Imobiliária Shalon - http://www.imobiliariashalom.com.br/livro.php.<br />

13 Memórias Ourinhenses - http://ourinhos.blogspot.com.br/.<br />

14 Fotos Antigas de Ourinhos - http://monteirowilson.fotoblog.uol.com.br/.


283<br />

LISTA DE ILUSTRAÇÕES<br />

Francisco Cardoso Ribeiro ............................................................................ 34<br />

Praça Mello Peixoto na década de 1930 ........................................................ 57<br />

Jacintho Ferreira e Sá, o criador de Ourinhos ................................................ 58<br />

Dona Escolástica Melchert da Fonseca, a dona da Fazenda das<br />

Furnas ....................................................................................................... 58<br />

Senador Mello Peixoto, o aliado político de Jacintho ................................... 59<br />

Trecho da escritura em que dona Escolástica Melchert da Fonseca<br />

vende a Fazenda das Furnas para Jacintho Ferreira e Sá .......................... 59<br />

Primeira página do Diário Oficial, com a Lei nº 1608, que criou o<br />

município em 13 de dezembro de 1918 .................................................... 60<br />

Anúncio publicado em 1931 pela Companhia Costa Júnior que<br />

vendia terras de sua Fazenda Ourinhos .................................................... 60<br />

Depois de passar por Ourinhos, o príncipe de Gales chega à Fazenda<br />

Água do Bugre, Cambará, em 1931 ......................................................... 85<br />

Davi Corso (1885-1949), o padre italiano que iniciou a construção da<br />

primeira igreja matriz, na praça Mello Peixoto; faleceu em Assis ........... 93<br />

Prof. José Galvão, prefeito de 1926 a 1930; o primeiro a cuidar de<br />

água e calçamento .................................................................................... 103<br />

Abuassali Abujamra chegou antes da ferrovia e viu a cidade nascer ............ 103<br />

Ângelo Christoni, comerciane e agricultor, loteou suas terras para<br />

iniciar a Vila Margarida............................................................................ 103<br />

Manoel de Souza Soutello, grande comerciante na futura praça<br />

central ....................................................................................................... 103<br />

Vicente Amaral, comerciante e homem forte do PRP até 1930 .................... 104<br />

Odilon Chaves do Carmo, comerciante, vereador e proprietário na<br />

atual Vila Odilon ...................................................................................... 104<br />

Dr. Theodureto Ferreira Gomes, um dos primeiros médicos e<br />

prefeito em 1931 ....................................................................................... 104<br />

Paulo Ribas, médico, fazendeiro e político ................................................... 104


Fernando Foschini, subprefeito em 1918 e vítima da violência<br />

política ...................................................................................................... 105<br />

Fernando Pacheco e Chaves, o dono da Fazenda Santa Maria,<br />

administrada por Fernando Foschini ........................................................ 105<br />

Eduardo Salgueiro, primeiro prefeito, 1918, e acusada de mandante<br />

da morte de Fernando Foschini. ............................................................... 105<br />

Domingos Perino, agricultor na região da futura Vila Perino ....................... 105<br />

Rodopiano Leonis Pereira, industrial, vereador e prefeito em 1931 ............. 106<br />

Monsenhor Antônio Córdova, catarinense de Lajes, admirado por<br />

benzer até animais .................................................................................... 106<br />

Hermelino Gomes de Leão, médico e três vezes prefeito em<br />

momentos de crise .................................................................................... 106<br />

Álvaro Ferreira de Moraes, fazendeiro onde seria a Vila Boa<br />

Esperança; doou terrenos para Santa Casa, ginásio e templo<br />

metodista .................................................................................................. 106<br />

Manoel Esteves Mano Filho, construtor, trabalhou na ferrovia do<br />

Paraná; foi vereador e prefeito ................................................................. 107<br />

Eng. Wallace Morton, superintendente da Companhia Ferroviária São<br />

Paulo-Paraná ............................................................................................. 107<br />

O dr. João Bento agradece o título de cidadão honorário ourinhense ........... 107<br />

Padre Eduardo Murante, um dos mais estimados sacerdotes católicos do<br />

passado ourinhense ................................................................................... 107<br />

Cézar Pintor (Luiz Cézar Prosdócimi) ........................................................... 121<br />

Santa Ceia, de Luiz Cézar Prosdócimi .......................................................... 122<br />

Passaporte de imigrante de Djorge Mladen, emitido pelo governo da<br />

Sérvia, futura Iugoslávia ........................................................................... 123<br />

Passaporte do imigrante japonês Choso Misato ............................................ 123<br />

Pensão de imigrantes nas imediações da avenida Jacintho Sá; na porta, o<br />

proprietário Yoichi Morimoto com um grupo de familiares e amigos ..... 124<br />

Primeira competição esportiva de alunos nisseis do curso primário ............. 124<br />

Abrão Quibeiro (Ibrahim el Hage) ................................................................ 128<br />

José das Neves Júnior .................................................................................... 216<br />

Maria Augusta e José das Neves Júnior, com toda a família no Natal de<br />

1948: os doze filhos, netos, genros e noras (o garoto, à sua frente, é o<br />

autor deste livro; atrás, José Carlos Neves Lopes sendo segurado pela<br />

mãe) .......................................................................................................... 218<br />

Banco com nome de José das Neves Júnior, lavrador ................................... 218<br />

Francisco de Almeida Lopes ......................................................................... 220<br />

Hotel Comercial na década de 1930 .............................................................. 221<br />

Marco Zero, na praça Mello Peixoto ............................................................. 222<br />

A última locomotiva a vapor ......................................................................... 222<br />

Desfile............................................................................................................ 223<br />

Desfile em 1950 ............................................................................................. 223<br />

284


Locomotiva 723, atravessando o Paranapanema e entrando no Paraná ........ 224<br />

Praça Mello Peixoto na década de 1930 ........................................................ 224<br />

Ourinhos no início da década de 1950 ........................................................... 225<br />

Estação da Sorocabana, inaugurada em 1926 ................................................ 225<br />

Cândido Barbosa Filho (1948-1951) ............................................................. 263<br />

Grandes Armazéns Soutello, na esquina da rua São Paulo com a praça<br />

Mello Peixoto; a fotografia de 1917 é uma das mais antigas que se<br />

dispõe sobre a cidade; o proprietário, Manoel de Souza Soutello,<br />

aparece de terno, à esquerda ..................................................................... 266<br />

Praça Mello Peixoto em 1922; no local da igreja, levantada pelo padre<br />

Davi Corso, foi construído o prédio da Telesp ......................................... 266<br />

Inauguração do primeiro coreto da praça Mello Peixoto, em 7 de<br />

setembro de 1927; obra do prefeito José Galvão (o primeiro à<br />

direita, no alto), Sousa Soutello, na primeira fila, é o segundo da<br />

direita para a esquerda .............................................................................. 267<br />

Avenida Altino Arantes; homenagem ao saudoso paulista de Batatais<br />

que, quando governador (1916-1920), assinou o decreto criando o<br />

município de Ourinhos ............................................................................. 267<br />

Rua Paraná a partir da praça Mello Peixoto: a cidade na fase pioneira,<br />

com bancos, comércio e ruas de terra com cavaleiros na paisagem<br />

(Foto: Francisco de Almeida Lopes, sem data) ..................................... 268-9<br />

Avenida Jacintho Sá, esquina da rua Antônio Prado; à esquerda, a casa<br />

comercial de Abuassali Abujamra ............................................................ 270<br />

Rua Paraná, na esquina da rua Cardoso Ribeiro; o edifício da Casa Chic<br />

ainda existe ............................................................................................... 270<br />

Casa Zanotto na praça Mello Peixoto, esquina da rua 9 de Julho com<br />

a avenida Altino Arantes; foi uma das principais casas comerciais<br />

da cidade ................................................................................................... 271<br />

Cine Cassino na primeira fase; o salão da rua São Paulo depois foi<br />

reformado e ganhou frisas; os músicos da foto acompanhavam<br />

os filmes mudos ........................................................................................ 271<br />

Avenida Rodrigues Alves, em 1941, no trecho dos escritórios da<br />

Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná ................................................ 272<br />

Grupo escolar da rua Paraná, em 1940 .......................................................... 272<br />

O prefeito Benedito Camargo inspeciona a construção do Grupo Escolar<br />

Jacintho Sá, na rua 9 de Julho; ao fundo, a torre da igreja matriz ............ 273<br />

Reservatório de água da avenida Altino Arantes ........................................... 273<br />

Balsa de Emílio Leão, que ligava Ourinhos ao Paraná quando a ponte de<br />

madeira sobre o Paranapanema estava danificada, foto de 1932; a<br />

ponte de concreto só foi construída em 1937 ........................................... 274<br />

A cidade rodeada de cafezais. Em primeiro plano, a rua Monsenhor<br />

Cordova, onde viveu o dr. Joao Bento; sua casa foi transformada na<br />

sede da Ordem dos Advogados ................................................................ 274<br />

285


Ourinhos, em 1991; as terras planas da Fazenda das Furnas esperam o<br />

canavial, só um trecho de mata relembra o passado; onde tudo<br />

começou, não há mais café ....................................................................... 275<br />

Bar Internacional, inaugurado em 1931, por Francisco Mayoral, quando<br />

a rua 9 de Julho se chamava Minas Gerais; mais tarde, sob a direção<br />

de Mário Ribeiro, tornou-se o Bar Paratodos ........................................... 276<br />

Bar Central em noite festiva; também conhecido como Bar do Farid,<br />

tinha bilhar e restaurante .......................................................................... 276<br />

Café Paulista – símbolo de um período da vida ourinhenses entre os<br />

anos 1930 e 70. Parecia sempre aberto (o fazendeiro Rubem de<br />

Moraes está na foto rara do bar fechado) ................................................. 277<br />

Os proprietários, irmãos João (abaixo) e Júlio Zaki (pág. seguinte)<br />

davam o toque de cordialidade ao lugar ................................................... 277<br />

Júlio Zaki ....................................................................................................... 278<br />

As irmãs Maria e Júlia Budai, no Café Paulista ............................................ 278<br />

Norival Vieira da Silva .................................................................................. 279<br />

286


UENP – CAMPUS DE CORNÉLIO PROCÓPIO<br />

Unidade Campus: Rodovia PR 160, Km 0 – Unidade Centro: Av. Portugal, 340<br />

Fone (43) 3904-1922 – Fax (43) 3523-8424<br />

E-mail: uenp_cornelio@uenp.edu.br<br />

Cornélio Procópio, Estado do Paraná<br />

CEP 86300-000<br />

Agosto de 2015<br />

287


Foto: Jade Gadotti<br />

como seus protagonistas. É um<br />

livro de declarações e<br />

descobertas. Foi escrito para que<br />

se saiba de Ourinhos ao longo do<br />

tempo e da gente que a levantou<br />

do chão. Para que o passado seja,<br />

enfim, mais do que lendas e<br />

retratos de gaveta.<br />

<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong> Vieira Neves,<br />

nascido em Ourinhos, é jornalista. Em<br />

sua longa atividade na imprensa<br />

paulista, tem sido redator de cultura,<br />

editor, crítico e correspondente no<br />

exterior (Portugal). Sua produção mais<br />

extensa está concentrada nos jornais<br />

Folha de S. Paulo (1969-1984), Diário<br />

do Comércio e Indústria, O Estado de<br />

S. Paulo e revistas IstoÉ, Vogue e<br />

BRAVO! É o autor de Bananas ao<br />

Vento – Meia década de cultura e<br />

política em São Paulo (Ed. Senac) e de<br />

O Teatro de Victor Garcia – A vida<br />

sempre em jogo (Ed. Sesc). Suas<br />

críticas estão reunidas em dois<br />

volumes da Coleção Aplauso, da<br />

Imprensa Oficial. Desde a década de<br />

1980 é crítico teatral do jornal O<br />

Estado de S. Paulo.<br />

“Meu caro <strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong>, você<br />

fez uma síntese perfeita da nossa conversa:<br />

a entrevista só presta quando o<br />

entrevistador é bom.”<br />

Pedro Nava


M<br />

ineiros e imigrantes chegaram com o café e a estrada<br />

de ferro e, no começo do século XX, construíram<br />

Ourinhos entre os rios Pardo e Paranapanema. Essa<br />

história de terras roxas, distâncias, maleitas, solidão e<br />

alguma violência é narrada pelo jornalista ourinhense<br />

<strong>Jefferson</strong> <strong>Del</strong> <strong>Rios</strong>, que descobriu fatos novos e surpreendentes<br />

sobre o passado local. Uma obra de pesquisa e<br />

de reencontro emotivo com meio século da vida de uma<br />

cidade.<br />

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE DO PARANÁ

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